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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CI˚NCIAS DA SADE PROGRAMA DE PS-GRADUA˙ˆO EM SADE PBLICA MESTRADO EM SADE PBLICA `REA DE CONCENTRA˙AO: CI˚NCIAS HUMANAS E POL˝TICAS PBLICAS EM SADE AlØm da aparŒncia, em busca da essŒncia. O que nos faz viver mais? Florianpolis, setembro de 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA

MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA

ÁREA DE CONCENTRAÇAO: CIÊNCIAS HUMANAS E POLÍTICAS

PÚBLICAS EM SAÚDE

Além da aparência, em busca da essência.

O que nos faz viver mais?

Florianópolis, setembro de 2007

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2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA

MESTRADO EM SAÚDE PÚBLICA

ÁREA DE CONCENTRAÇAO: CIÊNCIAS HUMANAS E POLÍTICAS

PÚBLICAS EM SAÚDE

RICARDO CAMARGO VIEIRA

Além da aparência, em busca da essência.

O que nos faz viver mais?

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina. Área de Concentração: Ciências Humanas e Políticas Públicas em Saúde.

ORIENTADOR: Dr. Marco Aurélio Da Ros

Florianópolis, setembro de 2007.

3

Catalogação na fonte elaborada por M. Margarete Elbert CRB14/167 V658a Vieira, Ricardo Camargo

Além da aparência, em busca da essência. O que nos faz viver mais? / Ricardo Camargo Vieira ; orientador: Marco Aurélio Da Ros. - Florianópolis, 2007. 93f. Inclui bibliografia Dissertação (mestrado) � Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública, 2007 A obra inclui dois artigos com os títulos: Longevidade e sua relação com promoção da saúde, qualidade de vida e felicidade / Ricardo Camargo Vieira, Marco Aurélio Da Ros. � Além da apa rência, em busca ... / Ricardo C. Vieira, Marco A. Da Ros.

1. Longevidade. 2. Promoção da saúde. 3. Qualidade de vida. 4. Atitudes em relação à saúde. I. Da Ros, Marco Aurélio. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós- Graduação em Saúde Pública. III.Título. CDU: 612.68

4

Como a vida muda Como a vida é muda Como a vida é nula Como a vida é nada Como a vida é tudo Tudo que se perde

mesmo sem ter ganho Como a vida é senha

de outra vida nova que envelhece antes

de romper o novo Como a vida é outra sempre outra, outra

não a que é vivida Como a vida é vida

ainda quando morte esculpida em vida

Como a vida é forte em suas algemas (...)

Carlos Drummond de Andrade

Dedicado à

Dona Maria, Seu Wendelino,

Dona Regina e Dona Nair

5

AGRADECIMENTOS Ao Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, seus professores e funcionários. Ao meu orientador, Marco Aurélio Da Ros, e aos membros da minha banca, Sandra Caponi e Luiz Cutolo. À Secretaria Municipal de Saúde de Antonio Carlos, seus funcionários e colegas que apoiaram esta pesquisa. Aos meus amigos, do Mestrado, da Residência, da Graduação, do trabalho e da vida. Se os vejo, estão comigo; se não os vejo, levo-os comigo. À minha família. Amo todos. À minha amada esposa Anastasia, seu sorriso continua sendo minha alegria, e a minha amada filha Luana, luz de nossa vida. À Deus.

6

ÍNDICE

INTRODUÇÃO__________________________________________________________5

REVISÃO DE LITERATURA______________________________________________7

A Promoção da Saúde_____________________________________________7

Longevidade____________________________________________________11

Qualidade de Vida e Subjetividade__________________________________14

OBJETIVO GERAL_____________________________________________________19

Objetivos específicos_____________________________________________19

PERCURSO METODOLÓGICO__________________________________________20

Sujeitos e cenário do estudo________________________________________22

Aspectos éticos__________________________________________________23

Limites________________________________________________________23

Análise e tratamento dos dados a partir das entrevistas___________________25

1 � Ocupação________________________________________25

2 � Autonomia_______________________________________25

3 � Resiliência_______________________________________26

4 � Solidariedade_____________________________________26

5 � Espiritualidade____________________________________26

6 � Relacionamentos afetivos____________________________27

7 � Sentimentos de realização___________________________27

8 � Celebração_______________________________________28

9 � Esperança________________________________________28

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_______________________________________31

LONGEVIDADE E SUA RELAÇÃO COM PROMOÇÃO DA SAÚDE,

QUALIDADE DE VIDA E FELICIDADE (artigo) ____________________________35

7

ALÉM DA APARÊNCIA, EM BUSCA DA ESSÊNCIA. O QUE NOS FAZ VIVER

MAIS? (artigo)__________________________________________________________50

ANEXOS_______________________________________________________________67

I - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido______________________________67

II � Roteiro de entrevista_________________________________________________68

III � Categorização e Análise______________________________________________71

1 � Ocupação________________________________________72

2 � Autonomia_______________________________________75

3 � Resiliência_______________________________________78

4 � Solidariedade_____________________________________81

5 � Espiritualidade____________________________________83

6 � Relacionamentos afetivos___________________________85

7 � Sentimentos de realização___________________________89

8 � Celebração_______________________________________92

9 � Esperança________________________________________93

8

INTRODUÇÃO

A discussão em torno do papel do campo da saúde, e de sua contribuição para a

melhoria da vida das pessoas e do aumento da capacidade de, plenamente, se

desenvolverem e viverem mais, nem sempre integrou o ideário e as diretrizes da assistência

a saúde.

A mudança das visões sobre o processo saúde-doença nem sempre foi permeada

pelo beneficio das pessoas, sendo que em muitos casos este objetivo ficou muito distante.

A passagem, através da história, da visão higienista, para a visão social, e, mais

tarde, para a visão biológica marcou a transição das concepções sobre o processo saúde-

doença desde o século XVII até metade do século XX (Cutolo, 2000) e evidenciou, em

certo momento, um retrocesso do campo da saúde em objetivar a melhoria da vida das

pessoas.

Somente após a metade do século XX e o amadurecimento do entendimento de que

o processo saúde-doença teria uma determinação multifatorial, é que houve um progresso

na discussão do papel da área da saúde, a ponto de se chegar a compreensão da

determinação social do processo saúde-doença (Scliar, 1987).

A partir de então, as discussões relacionadas a contribuição do campo da saúde para

uma vida mais longa e melhor sempre foram permeadas pela tentativa de se entender o que

é vida saudável e de como alcançá-la, assim como, vistas como tentativas não isoladas de

outros setores, ou seja: eminentemente intersetorial, na direção de um bem-estar global

(Lefevre, 2004).

Porém, nunca foi tão evidente quanto hoje, o quanto que a determinação

biologicista, visão hegemônica nos últimos tempos, vem se demonstrando insuficiente para

dar conta de todas as questões referentes à determinação do processo saúde-doença

(Feuerwerker, 1998).

Se, em um tempo na história, a busca pelo microscópico, pelo processo químico,

pelo intracorporal foi a única e exclusiva possibilidade de se pensar contribuições e

respostas para a melhoria na vida das pessoas e o prolongamento de suas vidas, hoje

existem outras possibilidades mais amplas e coerentes de se entender como a área da saúde

pode abordar este desafio.

9

Cada vez mais, percebe-se que as condições de vida, incluídas as de moradia,

saneamento, trabalho, educação, participação social e política, autonomia e

desenvolvimento econômico; as condições psicológicas, embasadas na família e na

comunidade; e as influências culturais, contribuem de forma decisiva, tanto na capacidade

de enfrentamento dos problemas, quanto na determinação do prolongamento da vida das

pessoas (Buss & Ferreira, 1998).

A observação e a comparação entre realidades distintas pela suas condições de vida,

feitas por diversos estudos, revelam essa correlação direta (Marcondes, 2004). Hoje, é claro

para nós que se populações com poucos recursos sócio-econômicos, como as da África sub-

saariana ou as sul-americanas, vivem menos que outras mais abastadas, como as de países

nórdicos, não é exatamente pela falta de assistência médica ou por escassez de

medicamentos, mas sim pela melhores condições de vida e de desenvolvimento pessoal e

coletivo que estas detêm.

Entretanto, há um tempo atrás, este entendimento não era tão evidente para todos (e

ainda não o é para muitos hoje), assim como, da contribuição de algumas características

individuais (tanto psicológicas quanto culturais) no evitamento e no enfrentamento de

certas patologias e na contribuição para a melhoria da vida dos indivíduos e populações.

Alguns estudos são promissores ao revelar que determinadas características

psicológicas e de resiliência, assim como, alguns aspectos culturais, relacionados com a

forma de encarar situações adversas também influenciam em resultados, eventos e

desfechos, tanto individuais quanto coletivos (Bydlowski et al, 2004; Melillo, Ojeda et al,

2005).

O entendimento de que todos estes aspectos integram os fatores que compõem a

determinação social do processo saúde-doença, facilita a compreensão da necessidade de se

discutir e aprofundar mais os estudos em torno de temas como Integralidade e Promoção da

Saúde.

Admitir que um dos grandes desafios para o campo da saúde hoje é mergulhar na

busca pela Integralidade, percebendo sua forte vinculação com a Promoção da Saúde,

aproxima o setor saúde da possibilidade de se criar ferramentas que auxiliem no

desenvolvimento do maior benefício que se pode atribuir para esta área do conhecimento: a

contribuição para uma vida longa e saudável.

10

Para tanto, a Promoção da Saúde, pressupondo a determinação social do processo

saúde-doença, busca a superação dos fatores ligados a estruturação social e, em última

instância, trabalha na tentativa de melhorar o desenvolvimento e a inserção humana dentro

da sociedade.

Diante disto, qual seria o papel da área da saúde e dos profissionais que dela fazem

o seu campo de trabalho. Seria somente de ajudar a prolongar a vida? Seria de curar e

reabilitar? Seria de ajudar a diminuir o sofrimento humano? Seria de promover a saúde? Ou

seriam todos estes em conjunto, nos diferentes níveis de atenção a saúde?

Para se responder a estas perguntas, faz-se necessária uma discussão: o que

contribui para uma vida longa?

Este trabalho se propõe a esta discussão. Propõe-se discutir a relação que a

Promoção da Saúde traz com uma vida longeva e, assim, contribuir para futuramente se

perceber as possibilidades que esta relação traz com modos de intervenção ao nível da

assistência a saúde e também para auxiliar na definição do papel dos profissionais de saúde,

bem como, na sua formação.

11

REVISÃO DE LITERATURA

A Promoção da Saúde

O conceito de Promoção da Saúde apareceu na década de 40, de forma latente em

1946 com Sigerist, que a definiu como uma das tarefas essenciais da medicina; e veio

novamente à tona na década de 1960, com o conceito positivo de doença, no sentido de

incentivar a prevenção das doenças, através do estímulo de hábitos e comportamentos

saudáveis, e com a preocupação de atuar nos fatores de risco, onde a Promoção da Saúde

entra como parte da prevenção primária (Brasil, 1996).

Entretanto, na década de 1970, continuou-se a perceber que não bastava atuar

apenas na cura da doença, ou seja, depois que a doença já se instalara; era preciso intervir

nos determinantes do adoecimento. Assim, o Informe Lalonde de 1974 é um marco na área

da Promoção da Saúde. Este Informe definiu quatro grandes eixos do campo da saúde:

biologia humana, meio ambiente, estilo de vida e organização da atenção à saúde e

evidenciou a menor influencia da assistência médica no estado de saúde das populações

(Teixeira, 2002).

�Até agora, quase todos os esforços feitos pela sociedade

para melhorar a saúde e a maioria dos gastos diretos em

saúde centraram-se na organização dos serviços de

atenção sanitária. Sem dúvida, quando identificamos as

principais causas atuais de doença e morte no Canadá,

vemos que estão arraigadas nos outros três elementos do

conceito: biologia humana, meio ambiente e estilos de vida.

Portanto, é evidente que gastam-se grandes somas no

tratamento de doenças que poderiam ser evitadas�.

(LALONDE, 1974)

Ao longo dos anos 70 e 80, com a evolução nas discussões acerca dos conceitos de

saúde e a realização da Conferência de Alma-Ata, em 1978 na antiga União Soviética, as

evidências da associação entre a saúde e estilos de vida foram se reforçando.

12

Então, desdobrou-se a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde,

realizada em 1986, na cidade de Ottawa, Canadá.

Nesta conferência foram estabelecidas as bases conceituais da Promoção da Saúde,

que incluíam temas como, a paz, a educação, a habitação, o poder de compra, um

ecossistema estável e conservação dos recursos naturais e a eqüidade (WHO, 1986). Além

disso, associou o tema a um conjunto de valores como solidariedade, democracia,

cidadania, desenvolvimento, participação e ação conjuntas (Buss in OPS, 2000).

Esta Conferência foi seguida ainda pelas Conferências Internacionais sobre

Promoção da Saúde de Adelaide em 1988, Sundsvall em 1991 e Jacarta em 1997, assim

como da Conferência Internacional de Promoção da Saúde de Santa-fé de Bogotá em 1992,

que tratou do tema pela primeira vez na América Latina.

"A promoção da saúde representa um amplo processo

social e político, ela não engloba apenas as ações dirigidas

para o fortalecimento das habilidades e capacidades dos

indivíduos, mas, também, das ações direcionadas para as

mudanças nas condições sociais, ambientais e econômicas,

de forma a aliviar seu impacto sobre a saúde pública e

individual. A promoção da saúde é o processo que

possibilita às pessoas aumentar o controle sobre

determinantes da saúde e dessa forma, melhorar sua

saúde".

(Carta de Ottawa, 1986).

A Carta de Ottawa ampliou a concepção da promoção da saúde, dando especial

destaque às dimensões sócio-econômicas, políticas e culturais sobre as condições de saúde.

A Carta de Ottawa propôs as seguintes estratégias de ação, segundo Silveira (2004):

1- estabelecimento de políticas públicas saudáveis;

2- criação de ambientes favoráveis à saúde;

3- reforço da ação comunitária;

4- desenvolvimento das capacidades individuais;

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5- reorientação dos serviços de saúde.

Dessa forma, a Promoção da Saúde saiu dos centros de saúde e se estendeu para as

comunidades, os ambientes, a escola, etc.

A Promoção da Saúde, como nível de atenção, se referindo às ações destinadas a

melhorar e aprimorar a saúde das pessoas e tem então, como enfoque, uma visão integral do

processo saúde-doença-atenção. Com essa discussão, enfatizou-se saúde como um campo

complexo, que envolve diversos olhares e diversas intervenções (Teixeira, 2002).

Já em 2000, a 5ª Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde, ocorrida no

México, focou-se, essencialmente, em como a Promoção da Saúde, através dos

determinantes sociais da saúde, ajudam a melhorar a vida econômica e social das

populações desfavorecidas.

Os principais objetivos desta Conferência foram definidos da seguinte forma:

- Mostrar como a promoção da saúde marca a diferença para a saúde e para a

qualidade de vida, especialmente para as pessoas que vivem em circunstâncias adversas;

- Colocar a saúde no topo da agenda de desenvolvimento internacional, nacional e

local;

- Estimular as parcerias para a saúde entre diferentes setores e a todos os níveis da

sociedade.

Assim, pode-se concluir que o conceito de promoção da saúde foi tendo um enfoque

cada vez mais abrangente, transparecendo a evolução do contexto socioeconômico e

político (Tavares, 2002).

Desta forma, hoje, saúde se apresenta como um conceito abrangente e positivo, que

se apóia nos recursos sociais, pessoais e não somente na capacidade física ou condições

biológicas das pessoas.

Sob a perspectiva da Promoção da Saúde, a discussão sobre a construção de vidas

mais saudáveis tem ocupado cada vez mais espaço. Afinal, viver bem e com saúde é um

desejo de todos, mesmo que a idéia de bem viver e de ter saúde não seja exatamente a

mesma para todas as pessoas.

Mas sabemos que nossa vida, da mesma forma que a nossa saúde, é construída

diariamente, seja por nós mesmos, seja pelas contingências e condições que nos são

impostas, oferecidas ou conquistadas.

14

Ter uma vida saudável é mais do que ter um corpo saudável. Entender vida saudável

como estando limitada a um corpo são é como acreditar que ter saúde é não estar doente.

Sabemos que essa idéia de saúde associada exclusivamente ao corpo foi, durante muito

tempo, a noção sobre a qual a medicina moderna mais se apoiou, para propor suas ações e

as suas modalidades de intervenção. No entanto, essa concepção foi incapaz de explicar as

muitas formas de adoecer e de manter-se saudável (Brasil, 2002).

Existem inúmeras razões para as várias formas de adoecer e de manter-se saudável

que estão mais relacionadas ao modo de viver de cada um, que se apóiam na cultura, nas

crenças e nos valores que são compartilhados coletivamente. Essa combinação de aspectos

individuais e coletivos, associada a outros fatores de diferentes naturezas, como no caso das

reações emocionais provocadas pelo enfrentamento de determinadas situações, ou mesmo

da compreensão que se tem da própria vida, ajuda a compor um quadro demonstrativo do

quanto é complexo pensar a saúde e falar de um modo de viver saudável (Brasil, 2002).

A promoção da saúde busca modificar condições de vida para que sejam dignas e

adequadas, aponta para a transformação dos processos individuais de tomada de decisão

para que sejam predominantemente favoráveis à qualidade de vida e à saúde, e orienta-se

ao conjunto de ações e decisões coletivas que possam favorecer a saúde e a melhoria das

condições de bem-estar e, desta forma fazer com que as pessoas vivam mais e melhor.

Está, desta forma, estreitamente ligada às ações que fazem as populações terem

condições dignas de vida, ou seja, viverem melhor, e assim, viverem mais, estando

portanto, estreitamente ligada também a longevidade.

15

Longevidade

No panorama mundial, estudos clássicos, como o 'Black Report' inglês, além de

uma série de outros estudos (canadenses, norte-americanos e europeus), são pródigos em

mostrar as relações entre saúde, longevidade e qualidade/condições de vida.

A maioria deles mostra que, para se discutir longevidade, não basta discutir como as

populações vão levar suas vidas após chegarem a velhice, ou pensar de forma objetiva

somente em indicadores coletivos de condições ou qualidade de vida.

Pois, como afirma Litvak (1990), o envelhecimento não começa subitamente, mas

consiste no acúmulo e interação de processos sociais, médicos e de comportamento durante

toda a vida. As metas, segundo ele, para se alcançar uma velhice saudável, são promover a

saúde e o bem-estar durante toda a vida do indivíduo.

De acordo com Chaimowicz (1997), em países industrializados a queda das taxas de

mortalidade e fecundidade iniciadas no século XIX, acompanhou a ampliação da cobertura

dos sistemas de proteção social e melhorias das condições de habitação, alimentação,

trabalho e do saneamento básico. No Brasil, por outro lado, o declínio da mortalidade que

deu início à transição demográfica foi determinado mais pela ação médico-sanitária do

Estado que por transformações estruturais que pudessem se traduzir em melhoria da

qualidade de vida da população: nas primeiras décadas do século XX, através de políticas

urbanas de saúde pública como a vacinação, higiene pública e outras campanhas sanitárias,

e a partir da década de 40 pela ampliação e desenvolvimento tecnológico da atenção médica

na rede pública.

No entanto, Kalache (1987) revela que há uma diferença fundamental entre os

fatores que levaram a transição epidemiológica dos países mais desenvolvidos e aqueles

que se observam, hoje, nos países em desenvolvimento. Até a Segunda Guerra Mundial, o

impacto médico-tecnológico, na redução da mortalidade, estava limitado a um mínimo. Foi

só a partir daí que se tornou possível prevenir e tratar diversas enfermidades, cujo desfecho,

anteriormente, era, freqüentemente, fatal: tuberculose, poliomielite, sarampo,

gastroenterites e pneumopatias na infância entre muitas outras. No entanto, muito antes

disso, a expectativa de vida na Europa, como exemplo, já havia alcançado valores tão altos

como os do Brasil de agora. Isso se deveu a uma melhoria das condições de vida para as

16

populações daquele continente como um todo: melhor nutrição, condições habitacionais,

saneamento, etc.

Segundo Buss (2000), em um livro já clássico de 1989, McKeown & Lowe afirmam

que as melhorias na nutrição e no saneamento (aspectos relativos ao meio ambiente) e as

modificações nas condutas da reprodução humana (sobretudo a diminuição no número de

filhos por família) foram os fatores responsáveis pela redução da mortalidade na Inglaterra

e no País de Gales, no século XIX e na primeira metade do século XX. As intervenções

médicas eficazes, como as imunizações e a antibioticoterapia, tiveram influência tardia e de

menor importância relativa.

Atualmente, mesmo que as condições de vida, sob o ponto de vista sócio-

econômico, não tenham melhorado, significativamente, para uma parcela apreciável da

população dos países em desenvolvimento, como o Brasil, as taxas de mortalidade vêm

experimentando substanciais diminuições. Elas são resultantes de intervenções, de medidas

específicas de saúde pública, do tratamento efetivo de infecções; não é portanto o processo

de envelhecimento natural como conseqüência de melhores níveis de vida para a maioria

dos habitantes (como na Europa pós-Revolução Industrial), mas um processo artificial, em

que muitos sobrevivem, apesar de suas condições de vida, simplesmente, porque recebem

imunização ativa contra determinadas doenças ou tratamento específico, para outras.

Em termos práticos, este tipo de processo de envelhecimento defronta países como o

Brasil, com um duplo encargo na área da saúde: por um lado, a importância crescente de

doenças crônicas entre as causas de mortalidade (desde o início da década de 60 que as

doenças cardiovasculares passaram a ser o primeiro grupo entre as causas de mortes no

Brasil, seguido, atualmente, por neoplasias). Por outro lado, as marcas do

subdesenvolvimento permanecem presentes, sobretudo, em termos de morbidade por

doenças infecciosas e parasitárias ou pela importância que a subnutrição continua ocupando

entre nós (Kalache, 1987).

Segundo Periago (2005), no começo do 21º século, a região do Américas tinha em

torno de 2.228.900 pessoas que atingiam noventa anos de idade ou mais, e 90.400 deles já

eram centenárias. Ela afirma que, pelo meio do século, estes números terão subido a quase

13.903.000 e 689.000, respectivamente. Estes nonagenários representam um grupo da

população que conseguiu sobreviver apesar da mortalidade infantil alta e das principais

17

epidemias de doenças infecciosas. A maioria destes �sobreviventes� representa casos

extraordinários. Porém, entre 2025 e 2050, as pessoas que serão nonagenárias não terão

sido selecionadas por causa dos seus dotes genéticos ou por condições de vida particulares,

mas terão sido beneficiadas por políticas públicas. Os centenários de 2025 já são

conhecidos: eles são as pessoas que em 2000 passavam dos 75 anos. Isto requer promover

estilos de vida saudáveis e pensar qualidade de vida ao longo de vida.

Parece evidente a necessidade de se repensar o papel do campo da saúde nesse

contexto, onde se tem estabelecido a contribuição decisiva das condições de vida da

população na determinação da sua condição de saúde.

Os próprios objetivos da atenção à saúde passam a ser questionados então, sendo

que cada vez mais esses objetivos têm deixado de ser simplesmente a �cura� e passam a ser

a �melhoria da vida� dos pacientes (Campolina & Ciconelli, 2006).

Voltando ao que afirmam as Conferências sobre Promoção da Saúde, se ao

pensarmos saúde nos remetemos a aspectos estruturais mantidos pelo Estado e pela

sociedade, fica claro que a discussão acerca dos determinantes da longevidade passa longe

da simples assistência a saúde, principalmente se vista simplesmente pelo prisma

curativista. Passa pela valorização da luta pelos determinantes sociais da saúde, pela

insistência na tentativa de se enfocar o desenvolvimento das populações pelo prisma

humanista, utilizando a assistência à saúde como uma arma no combate a iniqüidade e a

possibilidade do desenvolvimento social. Passa pela discussão de condições e qualidade de

vida.

18

Qualidade de Vida e Subjetividade

Foi particularmente na década de 1960 que o constructo qualidade de vida passou a

ser entendido como qualidade de vida subjetiva ou qualidade de vida percebida pelas

pessoas. Em grande parte, influenciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que

declara que a saúde não se restringe à ausência de doença, mas engloba a percepção

individual de um completo bem-estar físico, mental e social, o conceito ampliou-se para

além da significação do crescimento econômico, buscando envolver os diversos aspectos do

desenvolvimento social (Campolina & Ciconelli, 2006).

Minayo, Hartz e Buss (2000) afirmam que qualidade de vida é uma noção

eminentemente humana, que tem sido aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida

familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética existencial. Pressupõe a

capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos os elementos que determinada

sociedade considera seu padrão de conforto e bem-estar.

Entretanto, a partir do início da década de 1990, parece consolidar-se um consenso

entre os estudiosos da área quanto a dois aspectos relevantes do conceito de qualidade de

vida: subjetividade e multidimensionalidade (Seidl e Zanon, 2004).

Até então, três correntes orientavam a concepção deste constructo: o funcionalismo,

que define um estado normal para certa idade e função social e seu desvio (ou morbidade),

caracterizado por indicadores individuais de capacidade de execução de atividades; a teoria

do bem-estar, que explora as reações subjetivas das experiências de vida, buscando a

competência do indivíduo para minimizar sofrimentos e aumentar a satisfação pessoal e de

seu entorno e a teoria da utilidade, de base econômica, que pressupõe a escolha dos

indivíduos ao compararem um determinado estado de saúde a outro (Minayo, Hartz e Buss,

2000).

Ao contrariar estas correntes, Seidl e Zanon (2004) revelam que, no que concerne à

subjetividade, o termo qualidade de vida trata de considerar a percepção que a pessoa tem

sobre o seu estado de saúde e sobre os aspectos não-médicos do seu contexto de vida. Em

outras palavras, que somente o indivíduo tem como avaliar a sua situação pessoal em cada

uma das dimensões relacionadas à qualidade de vida.

Estudiosos enfatizam que qualidade de vida só pode ser avaliada pela própria

pessoa, ao contrário das tendências iniciais de uso do conceito. Xavier (2003), por exemplo,

19

afirma que há um grande número de escalas estruturadas e testes desenvolvidos para medir

a qualidade de vida. Eles variam amplamente na concepção, construtos e conteúdos que

demonstram que não há nenhum acordo sobre o que é uma medida da qualidade de vida.

Destaca ainda que a validade das medidas de qualidade de vida é difícil ser estabelecida,

assim como, não há nenhum modo de determinar qual padrão-ouro a qual estas escalas

deveriam ser comparadas.

Além disso, até agora a maioria dos testes foi desenvolvido por profissionais,

baseado nos seus padrões e definições sobre o que determina a qualidade de vida. Porém,

sentimentos sobre a vida são subjetivos e o que é estimado como um fator importante para

o bem-estar de um, pode não ser significante para outro.

Nesse sentido, a OMS afirma que há a preocupação quanto ao desenvolvimento de

métodos de avaliação e de instrumentos que devem considerar a perspectiva da população

ou dos pacientes, e não a visão de cientistas e de profissionais de saúde (WHOQLS group,

1995).

Voltando ainda para os dois aspectos relevantes do conceito de qualidade de vida, o

consenso quanto à multidimensionalidade, segundo Seidl e Zanon (2004), refere-se ao

reconhecimento de que o construto é composto por diferentes dimensões. Sendo que duas

tendências quanto à conceituação do termo na área de saúde são identificadas: qualidade de

vida como um conceito mais genérico, e qualidade de vida relacionada ao estado de saúde.

No primeiro caso, que mais interessa para este trabalho, a qualidade de vida

apresenta uma acepção mais ampla, aparentemente influenciada por estudos sociológicos,

sem fazer referência a disfunções ou agravos. Acepção esta, adotada pela Organização

Mundial da Saúde (OMS), a qualidade de vida foi definida como "a percepção do indivíduo

sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele

vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (WHOQLS

Group, 1995).

Enfatizando o aspecto subjetivo, multidimensional e individual da qualidade de

vida, assim como seu conceito mais genérico, Minayo, Hartz e Buss (2000) afirmam que,

embora se saiba que o estado de saúde de indivíduos e coletividades, assim como os

sistemas de saúde, influenciam e são influenciados pelo ambiente global, há que se

reconhecer que nem todos os aspectos da vida humana são, necessariamente, uma questão

20

médica ou sanitária. Destacam que �a ação governamental ou comunitária sobre todos os

aspectos da vida humana está compartimentalizada em setores econômicos e sociais, e

distribuída entre diferentes grupos de interesse e organizações�.

Desse modo, pode-se dizer que, mesmo tendo uma conotação individual, a questão

da qualidade de vida diz respeito ao padrão que a própria sociedade define e se mobiliza

para conquistar, consciente ou inconscientemente, e ao conjunto das políticas públicas e

sociais que induzem e norteiam o desenvolvimento humano, as mudanças positivas no

modo, nas condições e estilos de vida, cabendo parcela significativa da formulação e das

responsabilidades ao denominado setor saúde.

Admitindo o conceito da OMS, entendemos então qualidade de vida como um

conceito mutável e influenciado, dentro de cada sociedade, pelos valores importantes para

esta, e admitimos que, mesmo dentro da uma sociedade, podemos ter conceitos diferentes,

influenciados por fatores culturais, religiosos, comunitários e familiares, entre outros.

Portanto, como é influenciada por estes fatores, a dimensão individual ganha vulto e

destaca seu papel na percepção de qualidade de vida e do bem-estar humano.

Desta forma, ao partir-se do princípio que a qualidade de vida, ou o bem-estar

humano, é composto por duas dimensões básicas: a dimensão objetiva e a subjetiva; a

dimensão objetiva é aquela passível de ser publicamente apurada, observada e medida por

fora, e que se reflete nas condições de vida registradas por indicadores numéricos de

nutrição, saúde, moradia, criminalidade, etc; a dimensão subjetiva consiste na experiência

interna de cada indivíduo, isto é, tudo aquilo que passa em sua mente de forma espontânea,

que ele sente e pensa sobre a vida que tem levado (Gianetti, 2002).

Ainda, segundo Gianetti (2002), nota-se obviamente uma dependência recíproca

entre ambas, a partir da observação de situações extremas: se o lado objetivo do bem-estar

não preencher requisitos mínimos (alimentação, moradia, saúde etc...), não há mais bem-

estar possível.

Diener (2000) afirma que, por milênios, pensadores ponderaram sobre a questão da

qualidade de vida ou do bem-estar subjetivo, apesar de ser de outra forma, perguntando-se:

o que é uma vida boa? Nestas reflexões, eles focaram-se em critérios como: amar outros,

prazer, ou introspecção como características que definem qualidade de vida. Outra idéia do

que constitui uma vida boa também presente entre estes pensadores, entretanto, é a

21

percepção das pessoas de que elas próprias estão tendo boas vidas. Idéia, como já citado,

norteadora do conceito da OMS (WHOQLS Group, 1995).

Esta definição subjetiva de qualidade de vida é democrática por conceder a cada

indivíduo o direito para decidir se sua vida vale a pena ou não. É a aproximação com esta

definição de vida boa que veio a ser chamado "bem-estar subjetivo" e em condições

coloquiais às vezes etiquetada de �felicidade�.

Mais recentemente, alguns autores têm trabalhado o tema bem-estar subjetivo e

outros, mais audaciosos, mas com o mesmo enfoque, tratam do tema através da expressão

�felicidade�, apenas como uma denominação diferente.

Segundo Seligman (2004), a felicidade (ou o bem-estar subjetivo) estaria ancorada

em três pontos: prazer, engajamento e propósito, que refletiriam respectivamente uma vida

agradável, boa e significativa.

O autor explica que prazer seria o quanto o individuo experimenta momentos de

satisfação intensa e fugaz, ao passo que engajamento seria a sensação de gratificação ao

contemplar suas forças e virtudes tendo sido bem empregadas em esforços como o trabalho,

amor ou criação dos filhos. Já o propósito significa o emprego das forças pessoais a serviço

de alguma coisa maior que nós mesmos, como justiça social, liberdade, democracia,

religião, etc (Seligman, 2004).

O bem-estar subjetivo, ou felicidade, é parte da saúde no seu sentido mais geral e é

manifestado em todas as esferas da atividade humana. É bem conhecido que quando um

indivíduo se sente bem é mais produtivo, sociável e criativo, possui uma projeção de futuro

positiva, infunde felicidade e a felicidade implica capacidade para amar, trabalhar,

relacionar-se socialmente e controlar o meio. Tudo isso explica por si só a relação do bem-

estar psicológico e da felicidade com os níveis de saúde (García-Viniegras e Benítez,

2000).

De fato, como afirma Marcondes (2004), se situamos o conceito de saúde num

modelo diferente do da história natural da doença e procuramos a sua positividade,

devemos empreender esforços para que nossa abordagem sobre qualidade de vida possa

verdadeiramente contemplar questões como a busca da felicidade, realização de potenciais

pessoais e coletivos, vida que valha a pena ser vivida, entre outras questões não resolvidas

exclusivamente pela lógica da prevenção.

22

Provavelmente, tal movimento necessitará de conhecimentos de outras áreas do

conhecimento científico, bem como das artes e da filosofia, dos saberes populares e das

práticas religiosas ainda pouco legitimadas, para falar de saúde.

Por fim, é importante observar também que, em todas as sondagens feitas sobre

qualidade de vida, valores não materiais, como amor, liberdade, solidariedade e inserção

social, realização pessoal e felicidade, compõem sua concepção (Minayo, Hartz & Buss,

2000).

Mas, ainda fica a dúvida: tendo-se estabelecida a relação de condições / qualidade

de vida com a longevidade, ao serem vistas pelo prisma da Promoção da saúde, qual seria a

contribuição desta perspectiva subjetiva da qualidade de vida para a longevidade? Quais

aspectos estão ligados a longevidade ao se analisar o transcorrer da vida das pessoas em

nível individual?

Se, como diz Gianetti (2002), nota-se obviamente uma dependência recíproca entre

o lado objetivo e subjetivo do bem-estar, ao se preencher requisitos mínimos para a

sobrevivência, qual é o tamanho da influência do subjetivo para o prolongamento da vida

das pessoas?

Qual é o papel do bem-estar subjetivo e da capacidade de lidar com as nuances da

vida em fazer-nos viver mais? Qual é a relação destes aspectos individuais com a

longevidade?

É sobre estas questões que este trabalho irá se debruçar, ao tentar estabelecer uma

discussão sobre a relação que alguns aspectos, analisados em nível individual, tem com a

longevidade, ao verificar e discutir a presença destes aspectos na vida dos sujeitos de

pesquisa, e da percepção que cada uma destas pessoas tem destes aspectos em sua vida.

23

OBJETIVO GERAL

! Realizar um levantamento de aspectos presentes ao longo da vida dos sujeitos de

pesquisa, longevos por princípio, e discutir a ligação desses aspectos com a longevidade

destes sujeitos.

Objetivos específicos

! Identificar aspectos marcantes ao longo da vida das pessoas entrevistadas.

! Correlacionar estes aspectos com a longevidade.

24

PERCURSO METODOLÓGICO:

�Se desejamos saber como as pessoas se sentem - qual sua experiência interior, o que

lembram, como são suas emoções e seus motivos, quais as razões para agirem como o fazem �,

por que não perguntar a elas ?� G. W. Allport

Em função da natureza do problema focalizado e das considerações feitas no

embasamento teórico, é apresentado aqui o percurso metodológico que foi adotado para o

processo de pesquisa. Assim, inserem-se neste item a caracterização do estudo, o método e

o modo de investigação, a população, as técnicas de coleta e as limitações do estudo, assim

como, o tratamento dos dados coletados na pesquisa.

Para se procurar entender e abordar assuntos, como o deste estudo que discute

aspectos ligados a longevidade, que não cabem numa perspectiva objetiva e que fogem ao

escopo da mensuração direta, a via de aproximação não pôde seguir uma metodologia

baseada no quantificável, no ordenamento direto e sem maleabilidade.

Não foi proposto virar as costas ao método, muito pelo contrário. Tratou-se de

utilizar uma aproximação baseada na qualidade do que é apresentado como evidência, não

na sua simples contagem, a partir de algo já dado. Foi proposto fugir da �miséria da

ciência�, como diria Pedro Demo (1995), que a explicou dizendo que �(...) A maior miséria

da ciência é ter fundado uma neutralidade tão comprometedora e tão infeliz. Por método,

não entende de felicidade(...) não tem nada a dizer sobre a felicidade do homem. Não é

tema para ela. Não cabe no método. E com isto desfaz-se da qualidade política(...) É um

absurdo sarcástico jogar fora da ciência o que não cabe no método. Se a ciência se der a

isto, não passará de algo mesquinho.�.

Os estudiosos adeptos de enfoques qualitativos, de acordo com Seidl e Zannon

(2004), enfatizam que a utilização de medidas padronizadas pode levar a respostas

estereotipadas, que têm pouco ou nenhum significado para as pessoas e das quais esta

pesquisa quis fugir.

Estes mesmos autores defendem o uso de técnicas como as histórias de vida ou as

biografias, e outras análises típicas dos enfoques qualitativos que podem trazer

25

contribuições à área. Apesar de alguns outros pesquisadores defenderem a

complementaridade das metodologias, por meio da combinação de medidas padronizadas

com análises de cunho quantitativo (Seidl e Zannon, 2004), esta pesquisa seguiu o modelo

proposto pelos primeiros, pois se aproximou mais do propósito de análise deste estudo.

Para tanto, esta pesquisa seguiu a metodologia de Histórias de Vida que, segundo

Denzin (apud Minayo, 2004), �apresenta as experiências e as definições vividas por uma

pessoa, um grupo (...) e como (...) interpretam sua experiência�. Sendo realizada como uma

entrevista prolongada com os sujeitos envolvidos na pesquisa, na qual o pesquisador

constantemente interage com o informante, combina observação, relatos introspectivos de

lembranças e relevâncias e roteiros mais ou menos centrados em algum tema (Minayo,

2004), que neste caso foram exatamente estas experiências e suas relações com a

longevidade.

Desta forma, como dito anteriormente, procurou-se fazer um aprofundamento das

questões referentes às relações que esperávamos encontrar com a longevidade. A pesquisa

procurou explorar estas questões a partir de uma perspectiva individualizada e detalhada.

E para tanto, a abordagem qualitativa foi fundamental, já que a pesquisa qualitativa

justifica-se na intenção de aprofundar a investigação no mundo dos significados das ações e

relações humanas, ou seja, se preocupa com um nível da realidade social, cujos processos e

fenômenos não podem ser quantificados ou reduzidos à operacionalização de variáveis

(Minayo, 2004).

Entendendo-se também que, segundo Minayo (2004), a pesquisa qualitativa não se

baseia em critérios numéricos para garantir representatividade, partimos de uma amostra

inicial de três sujeitos de pesquisa. Tendo-se levado em consideração que a amostragem

boa é aquela que possibilita abranger a totalidade do problema investigado em suas

múltiplas dimensões (Minayo, 1994), não houve a necessidade de ampliar esta amostragem

diante da sua análise.

Os dados obtidos através das entrevistas foram registrados através de gravações em

áudio, mediante o consentimento dos sujeitos de pesquisa entrevistados, sendo que as

informações coletadas foram posteriormente transcritas e examinadas através da análise dos

seus conteúdos.

26

Sujeitos e cenário do estudo

Para a escolha dos sujeitos de pesquisa, tentou-se confluir dois critérios: os de

longevidade e de local que respeitasse relativas boas condições de vida, com o pressuposto

de o primeiro advira do segundo. Procurou-se também escolher um cenário de pesquisa

onde estas boas condições de vida fossem homogêneas entre a maioria da população.

Para tanto, foi escolhido o município de Antônio Carlos, região metropolitana de

Florianópolis, estado de Santa Catarina.

Este município foi escolhido por ter, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano

do Brasil elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

em 2002, o segundo lugar entre as 5510 cidades brasileiras na classificação da longevidade,

possuindo uma esperança de vida ao nascer de 77,9 anos em 2000, além de ter seu Índice

de Desenvolvimento Humano (IDH) elevado, atingindo 0,827 pontos, ficando com a 154a

posição nacional e 36a dentre os 293 municípios do Estado de Santa Catarina (PNUD,

2006).

Ainda segundo o PNUD, esta cidade situa-se dentro de uma região metropolitana, a

da Grande Florianópolis, que detém o maior IDH (0,859) entre as regiões metropolitanas

brasileiras (PNUD, 2006). Este fato nos permite pressupor que a maioria desta população

tem suas necessidades humanas básicas contempladas e uma maior homogeneidade, um

viés importante a ser considerado.

De acordo com Pochman e Amorim, a cidade de Antônio Carlos também apresenta

um baixo grau de exclusão social, retratado por seu bom Índice de Exclusão Social (0,816),

colocando-a na 336a posição entre as cidades brasileiras. Este índice é o resultado de uma

compilação de vários índices de expressão (os de Pobreza, Emprego, Desigualdade, Anos

de estudo, Alfabetização, Escolaridade, Juventude e Violência) e, a exemplo do IDH,

apresenta uma variação de 0 a 1, sendo melhor quanto mais próximo de 1 (Pochman e

Amorim, 2004).

Esta cidade ainda está inserida no Estado de Santa Catarina, que desde 1960 vem

apresentando uma evolução, quando analisada a luz deste mesmo índice. A sua evolução

mostra a variação deste índice de 0,425 em 1960, passando por 0,686 em 1980, chegando a

0,739 em 2000 (Campos, 2004).

27

Para tanto, foram selecionadas seis pessoas longevas a partir de dados cadastrais da

Secretaria Municipal de Saúde do município e da indicação dos profissionais que trabalham

diretamente na assistência a saúde da população, na Unidade Local de Saúde, com a

solicitação de que indicassem pessoas que tivessem nascido e vivido no município (ou na

região) a maior parte de suas vidas.

A partir disso, o pesquisador e responsável pelas entrevistas foi apresentado pela

equipe de saúde local para quatro dos possíveis seis entrevistados, sendo que três deles

aceitaram (um homem e duas mulheres) e um rejeitou a participação na pesquisa por

motivos pessoais. Após a aceitação da entrevista, o pesquisador visitou os sujeitos de

pesquisa mais uma vez antes de realizar a entrevista para uma melhor aproximação do

entrevistado e de sua realidade e para melhor apresentar a pesquisa e também o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido. Posteriormente, noutro dia, foi realizada a entrevista.

Aspectos éticos

As Diretrizes e Normas da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do

Ministério da Saúde (CNS/MS) basearam a realização deste trabalho e, seguindo o objetivo

para que foi criada, garantiu os aspectos éticos no desenvolvimento desta pesquisa.

O projeto foi apreciado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos

(CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o registro CAAE-

2030.0.000.242-06 no Sistema Nacional de Informações Sobre Ética em Pesquisa

envolvendo Seres Humanos (SISNEP), tendo sido também avaliado pela Secretaria de

Saúde do município de Antônio Carlos.

Além disto, o autor se propôs a retornar o resultado da pesquisa às pessoas

envolvidas, aos sujeitos de pesquisa e a Secretaria de Saúde do município de Antônio

Carlos, visando o beneficio para estas pessoas da ampliação do conhecimento acerca do

tema desenvolvido pela pesquisa, assim como, dar suporte a algumas questões surgidas ao

longo do processo de pesquisa que se encontram ao alcance dos pesquisadores envolvidos.

Limites

28

Ao contrário do que se poderia afirmar, a maior limitação desta pesquisa não esteve

no fato de sua generalização não ser possível por sê-la qualitativa, mas no viés da

interpretação do autor da pesquisa.

Quando se propôs a análise pela metodologia de História de Vida, pressupôs-se de

antemão o embricamento do qualitativo com o quantitativo por um prisma Dialético

(Konder, 2004), onde quantidade e qualidade são inseparáveis e interdependentes,

ensejando-se assim a dissolução das dicotomias quantitativo/qualitativo, macro/micro e

interioridade/exterioridade (Minayo, 2004).

Ao admitir uma posição fora da tal �neutralidade� a que Demo (1995) se referia e

combatia, o autor reconhece a possibilidade de interferência, a que todo pesquisador está

sujeito, de seus próprios vieses, que incluem os de formação pessoal e profissional,

ideologia política, entre outros.

Devido a isto, escolheu-se a metodologia qualitativa, em detrimento da

quantitativa, não somente por uma questão ideológica, visto que as metodologias

quantitativas são ícones do positivismo e do modelo hegemônico biomédico do campo da

saúde, mas também pelo desejo de aprofundar o caráter social e a construção do

conhecimento sem apreendê-lo de forma parcial e inacabada (Minayo, 2004).

O desejo, então, foi de cercar o tema e o problema de pesquisa de uma forma a

abarcar todos as suas possibilidades, através de entrevistas bem desenvolvidas e traçar

correlações aprofundadas no mais amplo espectro bibliográfico, para minimizar a

influência citada.

Análise e tratamento dos dados a partir das entrevistas

Como passo inicial para o processo discussão dos resultados e do trabalho de

conclusão da pesquisa, procedeu-se a categorização do conteúdo das entrevistas através da

análise das respostas dadas pelos sujeitos de pesquisa diante da entrevista.

Diante do fato das entrevistas terem sido realizadas pelo método de História de

Vida, pôde-se enfaticamente perceber a profundidade que o conteúdo das respostas trouxe.

Este fato merece destaque pois permitiu uma criteriosa análise dos fatores que

permearam a vida das pessoas, no sentido de alcançar e compreender o que estes

29

acontecimentos realmente significaram para os sujeitos da pesquisa e, portanto, para a mais

fiel interpretação deste material.

A �Análise de conteúdo� (Bardin, 1979) das entrevistas permitiu classificação do

conteúdo das falas em nove categorias, sendo que algumas delas encontram-se

caracterizadas por subcategorias, descritas a diante.

Essas divisões e subdivisões foram possíveis diante da leitura e análise exaustiva

das entrevistas, através do que Minayo chama de �leitura flutuante�, posterior constituição

de corpus�, procedendo então as fases de exploração, tratamento e interpretação dos

resultados obtidos.

As categorias extraídas das entrevistas pelas suas análises temáticas (Minayo, 2004)

foram as seguintes:

1. Ocupação

Nesta categoria, procurou-se utilizar o termo �ocupação� para se caracterizar as

atividades que envolvessem rotineiramente a vida dos entrevistados, que ocupassem o seu

dia-dia.

Fez-se ainda uma distinção nesta categoria através da subdivisão em �trabalho

formal�, na qual se encontra a atividade profissional ou a forma de sustento do entrevistado

e �atividades rotineiras� para caracterizar atividades realizadas pelos sujeitos de pesquisa

nas quais não estão presentes os critérios anteriores, mas que denotam um envolvimento

cotidiano dos mesmos.

2. Autonomia

Entendendo autonomia como a capacidade de governar-se por si mesmo e fazer as

coisas independentemente, e ainda, exercer um grau elevado de liberdade e de

independência moral ou intelectual, criou-se esta categoria.

Analisando-se criteriosamente os fatores que envolvem e envolveram autonomia na

vida dos sujeitos de pesquisa, entendeu-se por bem realizar a subcategorização a seguir:

�Individual� e �Coletiva�. Esta ultima caracterizada por �familiar� e �comunitária�.

3. Resiliência

30

Sendo oriundo da física, de onde caracterizava flexibilidade, elasticidade ou a

capacidade dos materiais de resistirem algum tipo força, o termo resiliência passou por um

processo de �importação� em direção às ciências humanas e hoje representa a resistência do

individuo face às adversidades, não somente guiada por uma resistência física, mas pela

visão positiva de reconstruir sua vida, a despeito de um entorno negativo, do estresse, das

contrições sociais, que influenciam negativamente para seu retorno à vida, ou seja, a

capacidade de um ser humano em superar uma dificuldade.

Não existindo ainda uma unanimidade na sua conceituação, a resiliência é

comumente definida como a capacidade de o indivíduo, ou a família, enfrentar as

adversidades, ser transformado por elas, mas conseguir superá-las sendo uma forma de se

garantir integridade, mesmo nos momentos mais críticos. (Pinheiro, 2004)

Estas definições permitiram que fossem feitas algumas aproximações deste termo

com várias falas dos entrevistados, que ainda permitiram um agrupamento dos seus

significados de duas formas: a) perseverança apesar das dificuldades e b) resistências

apesar das perdas.

4. Solidariedade

Ao atribuir o sentido de solidariedade a uma virtude moral que responsabiliza os

indivíduos em relação aos outros ou a uma coletividade, conseguiu-se extrair das falas duas

vertentes para este termo.

A primeira que denota uma percepção dos entrevistados de dever para com outros

sujeitos, explicita a vontade e a prática dos sujeitos de pesquisa de realizar atos de para as

outras pessoas, caracterizando as ações destes num sentido de �doar-se ao semelhante�.

Apresenta-se como a vertente �individual� da solidariedade.

A segunda vertente, a coletiva, explicita um teor de reciprocidade entre os

indivíduos próximos aos sujeitos de pesquisa. Evidencia a vinculação entre estas pessoas e

a presença da primeira vertente em outras pessoas do convívio dos entrevistados.

5. Espiritualidade

Neste quesito, inicialmente, foram agrupadas a �prática religiosa� e a

�espiritualidade� como subdivisões de uma categoria chamada �religiosidade�. Entretanto

31

analisando-se melhor o conteúdo desta categoria, entendeu-se por bem caracterizar a

�prática religiosa� como parte da categoria �ocupação�, por entendermos que a freqüência a

atividades religiosas denotaria melhor um emprego rotineiro do tempo dos entrevistados

nesse tipo de prática.

A �prática religiosa� diferenciava-se portanto do real conteúdo que poder-se-ia

atribuir a uma categoria que expressasse a vinculação dos sujeitos de entrevista com aquilo

que Vasconcelos (2006) chama de experiência de ligação com uma dimensão que vai além

das realidades consideradas normais da vida humana.

Optou-se então por criar uma categoria isolada denominada Espiritualidade, diante

do fato de ser freqüente a ocorrência deste conteúdo nas entrevistas.Além do que, estes

conteúdos, quando apareciam, expressavam uma grande importância na vida destas

pessoas. Importância que vai ao encontro do dito por Dalai-Lama (in Boff, 2006), que

afirmou que �espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança interior�.

6. Relacionamentos afetivos

Diante das entrevistas transcritas e através das suas análises pôde-se perceber a forte

freqüência dos relacionamentos afetivos na vida dos entrevistados. A presença desses

relacionamentos era caracterizada pelos sentimentos de afeição, amor e amizade.

Criou-se esta categoria baseada nos relacionamentos mantidos pelos sujeitos de

pesquisa com seus cônjuges, namorados (e afins) que caracterizavam relacionamentos

amorosos, e com filhos, familiares e amigos com os quais mantinham uma relação de forte

afeto e um convívio muito próximo.

Esta categoria foi então subdividida em: a) Filhos, Familiares e Amigos e b)

Amores.

7. Sentimento de Realização

Nesta categoria foi possível agrupar quatro itens que caracterizam-na, ao

entendermos que realização se define como o ato de realizar algo, tornar real, pôr em

prática, fazer, constituir, criar, alcançar seu objetivo ou ideal (Ferreira, 1988).

Ao primeiro momento, pode parecer estranha a associação de quatro subcategorias

distintas de certo modo. Entretanto, fica fácil compreender o ajuntamento destes subgrupos

32

ao apropriarmo-nos do conceito acima descrito e ao entendermos que sentimentos como os

de satisfação com a vida (1), auto-estima elevada (2), deixar ou fazer parte de um �legado�

(3) e de prosperidade emergem, neste caso, da noção de ter produzido algo em suas vidas

ou de um sentimento de realização, propriamente dito.

Portanto a categoria �Sentimento de realização� ficou subdividida como se segue:

a. Satisfação com a vida: possuir uma avaliação positiva do decorrer de sua

vida até o momento;

b. Auto-estima elevada: denotar apreço, afeição ou consideração positiva por si

mesmo;

c. Deixar ou fazer parte de um �legado�: entendendo legado como aquilo que

uma geração transmite a outra;

d. Prosperidade: progresso, desenvolvimento gradual de um ser, de algo ou de

uma atividade.

8. Celebração

A categoria �Celebração� foi criada devido a presença corrente de citações de

festejos e de comemorações que freqüentemente perpassavam a vida dos entrevistados.

Estes festejos ou comemorações, ligados a diferentes âmbitos de suas vidas, demonstravam

o seu engajamento em atividades coletivas produtoras de alegria e diversão.

9. Esperança

Devido ao fato dos entrevistados explicitarem durante boa parte das entrevistas uma

expectativa positiva do futuro, decidiu-se por criar a categoria �Esperança�. Vale ressaltar

aqui a diferenciação que esperança tem de otimismo para evitar a confusão entre os termos,

uma vez que os participantes da pesquisa não evidenciaram este último.

Entendida como um sistema ou filosofia dos que têm fé no progresso moral e

material da humanidade, na melhoria das condições atuais, na evolução social para o bem e

para o ótimo, a �esperança� revela a tendência da pessoa para considerar como provável ou

esperar a realização daquilo que se deseja. Ao passo que otimismo encampa a disposição

natural ou tendência para ver as coisas pelo lado bom, na qual sempre haverá uma solução

33

das situações ainda muito difíceis pois tudo ocorre no mundo do melhor modo possível

(Ferreira, 1988).

34

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38

Longevidade e sua relação com Promoção da Saúde, Qualidade de Vida e

Felicidade Longevity and its relationship with Health Promotion, Quality of Life and Happiness

Longevidad y su relación con Promoción de la Salud, Calidad de Vida y Felicidad Ricardo Camargo Vieira1, Marco Aurélio Da Ros2

RESUMO: Este ensaio se propõe a contribuir com a discussão do papel do setor saúde na busca por vidas mais longas e saudáveis, ajudando na ressignificação corrente dos objetivos desta área do conhecimento e influenciando, por conseqüência, na assistência prestada e nos seus métodos de intervenção. Procurando traçar paralelos entre vários conceitos, faz-se um recorte teórico e encontra-se a possibilidade de se entender o bem-estar subjetivo como expressão da Promoção da Saúde. Podendo ser compreendido coloquialmente como felicidade, o bem-estar subjetivo acaba por ser apontado como item imprescindível para o entendimento dos conceitos de Promoção da Saúde e Qualidade de vida e para a possibilidade de um olhar diferenciado sobre os determinantes da longevidade.

Palavras-chave: Longevidade, Promoção da Saúde, Qualidade de Vida, Felicidade, Saúde Coletiva ABSTRACT: This assay proposes to contribute with the discussion of the health sector�s role in the search for longer and healthful lives, helping in the current �re-meaning� of the objectives of this knowledge area and influencing, for consequence, the assistance and its methods of intervention. Looking for tracing parallels among some concepts, a theoretical clipping was made up, meeting a possibility of understanding subjective well-being as an expression of the Health Promotion. Being understood colloquially as happiness, subjective well-being can be pointed as essential item in the agreement of the concepts of Health Promotion and Quality of life and in the possibility of a differentiated look on the conditioners of longevity.

Key-word: Longevity, Health Promotion, Quality of Life, Happiness, Public Health RESUMEN: Este análisis se propone a contribuir con la discusión del papel del sector salud en la búsqueda por vidas más largas y saludables, ayudando en la resignificación corriente de los objetivos de esta área del conocimiento e influenciando, como consecuencia, la asistencia y sus métodos de intervención. Buscando paralelos que remontan entre algunos conceptos, un truncamiento teórico fue compuesto y que encuentra una posibilidad de entender bienestar subjetivo como expresión de la Promoción de la Salud. Pudendo ser entendido como felicidad, el bienestar subjetivo se puede señalar como un ítem esencial en la comprensión de los conceptos de Promoción de la Salud y Calidad de vida, y en la posibilidad de una mirada distinguida en los determinantes de la longevidad.

Palabras clave: Longevidad, Promoción de la Salud, Calidad de Vida, Felicidad, Salud Pública 1 Médico de Família e Comunidade. Prefeitura Municipal de Florianópolis � Secretaria Municipal de Saúde. Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina. 2 Médico de Família e Comunidade. Mestre em Planejamento. Doutor em Educação. Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina.

39

Introdução

A discussão em torno de qual papel teria o setor saúde na contribuição para a

melhoria da vida das pessoas e para o aumento das suas capacidades de, plenamente, se

desenvolverem e viverem mais, nem sempre integrou o ideário e as diretrizes da assistência

a saúde.

A mudança das visões sobre o processo saúde-doença nem sempre foi permeada

pelo beneficio para as pessoas. Em seu processo histórico, perpassou a visão higienista, a

visão da medicina social, e, mais tarde, a visão biologicista, sendo que em certos

momentos, evidenciou um retrocesso do campo da saúde em objetivar a melhoria da vida

das pessoas. 1

Somente após a metade do século XX e o amadurecimento do entendimento de que

o processo saúde-doença teria uma determinação multifatorial, é que houve um avanço na

discussão do papel da área da saúde, a ponto de se chegar a compreensão da determinação

social do processo saúde-doença. 1

A partir de então, as discussões relacionadas a contribuição desta área do

conhecimento, para uma vida mais longa e melhor, passaram a ser permeadas também pela

tentativa de se entender o que é vida saudável e de como alcançá-la, além de serem vistas

como tentativas não isoladas de outros setores, ou seja: eminentemente intersetorial, na

direção de um bem-estar global.

Estas discussões apontavam para o quanto a determinação biologicista, visão

hegemônica nos últimos tempos, estava se demonstrado insuficiente para dar conta de todas

as questões referentes à determinação do processo saúde-doença. 1

Se, em um tempo na história, a busca pelo microscópico, pelo processo químico,

pelo intracorporal foi a única e exclusiva possibilidade de se pensar contribuições e

respostas para a melhoria na vida das pessoas e o prolongamento de suas vidas, hoje

existem outras possibilidades mais amplas e coerentes de se entender como a área da saúde

pode abordar este desafio.

Cada vez mais, percebe-se que as condições de vida, incluídas as de moradia,

saneamento, trabalho, educação, participação social e política, autonomia e

desenvolvimento econômico; as condições psicológicas, embasadas na família e na

comunidade; e as influências culturais, contribuem de forma decisiva, tanto na capacidade

40

de enfrentamento dos problemas, quanto na determinação do prolongamento da vida das

pessoas. 2

A observação e a comparação entre realidades distintas pela suas condições de vida,

feitas por diversos estudos, revelam essa correlação direta. 2 Hoje, é claro para nós que se

populações com poucos recursos sócio-econômicos, como as da África sub-saariana ou as

sul-americanas, vivem menos que outras mais abastadas, como as de países nórdicos, não é

exatamente pela falta de assistência médica ou por escassez de medicamentos, mas sim pela

melhores condições de vida e de desenvolvimento pessoal e coletivo que estas detêm.

Entretanto, há um tempo atrás, este entendimento não era tão evidente. Aliás,

também não era evidente a contribuição de algumas características individuais (tanto

psicológicas quanto culturais) no evitamento e no enfrentamento de certas patologias e na

contribuição para a melhoria da vida dos indivíduos e populações.

Alguns estudos são promissores para colaborar com este entendimento ao revelar

que determinadas características psicológicas, como resiliência, postura otimista, entre

outros, associadas ou não a alguns aspectos culturais, relacionados com a forma de encarar

situações adversas também influenciam em resultados, eventos e desfechos, tanto

individuais quanto coletivos. 3,4

O entendimento de que todos estes aspectos integram os fatores que compõem a

determinação social do processo saúde-doença, facilita a compreensão da necessidade de se

discutir e aprofundar mais os estudos em torno de temas como Integralidade e Promoção da

Saúde, devido à aproximação evidente entre eles. 3

Admitir que um dos grandes desafios para o campo da saúde hoje é mergulhar na

busca pela Integralidade e seus determinantes, percebendo sua forte vinculação com a

Promoção da Saúde, aproxima o setor saúde da possibilidade de se criar ferramentas que

auxiliem no desenvolvimento do maior benefício que se pode atribuir para esta área do

conhecimento: a contribuição para uma vida longa e saudável.

Para tanto, a Promoção da Saúde, pressupondo a determinação social do processo

saúde-doença, busca a superação dos fatores ligados a estruturação social e, em última

instância, trabalha na tentativa de melhorar o desenvolvimento e a inserção humana dentro

da sociedade.

41

Diante disto, este ensaio se propõe a contribuir com a discussão do papel do setor

saúde na busca por vidas mais longas e saudáveis, pretende ajudar na ressignificação

corrente dos objetivos desta área do conhecimento e influenciar, por conseqüência, na

assistência prestada e nos seus métodos de intervenção.

A Promoção da Saúde

O conceito de Promoção da Saúde apareceu entre as décadas de 1920 e 1940, de

forma latente, com Winslow e Sigerist, que a definiram, no sentido de evitar as doenças,

através do estímulo de hábitos e comportamentos saudáveis e com a preocupação de atuar

nos fatores de risco, como parte da prevenção. 5,6

Entretanto, a partir da década de 1970, continuou-se a perceber que não bastava

atuar apenas na cura da doença, ou seja, depois que a doença já se instalara; era preciso

intervir nos determinantes do adoecimento. Ao longo dos 30 anos seguintes, com a

evolução nas discussões acerca dos conceitos de saúde e a realização de várias conferências

sobre o tema, as evidências da associação entre saúde e estilos de vida foram se

reforçando.5

Então, na I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em 1986,

na cidade de Ottawa, Canadá foram estabelecidas as bases conceituais da Promoção da

Saúde, que incluíam temas como, a paz, a educação, a habitação, o poder de compra, um

ecossistema estável e conservação dos recursos naturais e a eqüidade. Além disso, associou

o tema a um conjunto de valores como solidariedade, democracia, cidadania,

desenvolvimento, participação e ação conjuntas. 5,6

A Carta de Ottawa ampliou a concepção da promoção da saúde, dando especial

destaque às dimensões sócio-econômicas, políticas e culturais sobre as condições de saúde.

Propôs como estratégias de ação: estabelecimento de políticas públicas saudáveis; ações

conjuntas intersetoriais; reforço da ação comunitária; desenvolvimento das capacidades

individuais; e reorientação dos serviços de saúde. Dessa forma, a Promoção da Saúde saiu

das unidades de assistência a saúde e se estendeu para as comunidades, os ambientes, as

escolas e outros equipamentos sociais. 5

A Promoção da Saúde, como nível de atenção, passou a se referir às ações

destinadas a melhorar e aprimorar a saúde das pessoas, enfatizando a complexidade do

42

setor saúde. Esta complexidade acaba por envolver diversos olhares e diversas

intervenções, tendo como enfoque uma visão integral do processo saúde-doença-atenção.

Esta Conferência foi seguida ainda pelas Conferências Internacionais sobre

Promoção da Saúde de Adelaide em 1988, Sundsvall em 1991, de Jacarta em 1997 e da

cidade do México em 2000.

A discussão em torno do assunto evoluiu no sentido de enfatizar como a Promoção

da Saúde ajuda a melhorar a vida econômica e social das populações e marca a diferença

para a saúde e para a qualidade de vida, especialmente para as pessoas que vivem em

circunstâncias adversas. Enfocando a necessidade de se colocar a saúde no topo da agenda

de desenvolvimento internacional, nacional e local, a evolução deste conceito estimulou as

parcerias para a saúde entre diferentes setores e em todos os níveis da sociedade.

Assim, pode-se concluir que o entendimento de Promoção da Saúde foi tendo um

enfoque cada vez mais abrangente, transparecendo a mudança dos contextos

socioeconômico e político que traçam paralelos entre seu conceito e o de outros variados

movimentos, como o ambientalista, cooperativista, feminista, entre outros.

Este contexto sócio-histórico permitiu a divisão em dois grupos do amplo

entendimento que se tem de Promoção da Saúde. Um deles, com enfoque

comportamentalista, expressa-se em atividades dirigidas a transformação do

comportamento dos indivíduos e de seus hábitos e estilos de vida, localizando-os nas

famílias e, no máximo, nas comunidades. Ao pontuar fatores de risco, transfere, em ultima

instância, a responsabilidade para o indivíduo. 5,6

O outro enfoque dado a Promoção da Saúde, mais condizente com a evolução

histórica do conceito, localiza o protagonismo nos determinantes gerais, nas condições de

vida e de saúde, estando diretamente relacionada à qualidade de vida individual e coletiva.

Destaca o acesso a alimentação saudável, habitação e saneamento, boas condições de

trabalho, educação, ambiente e apoio social ao dirigir seu foco para o coletivo de indivíduos

e para o ambiente, entendido em seu amplo espectro (físico, social, político, econômico e

cultural). 5,6

Sob estes enfoques, a saúde se apresenta como um conceito abrangente e positivo,

que se apóia nos recursos sociais, pessoais e não somente na capacidade física ou condições

43

biológicas das pessoas. Traz a tona uma discussão que tem ocupado cada vez mais espaço:

a construção de vidas mais saudáveis.

Se viver bem e com saúde é um desejo de todos, mesmo que a idéia de bem viver e

de ter saúde não seja exatamente a mesma para todos os indivíduos, sabe-se que a vida das

pessoas, da mesma forma que a sua saúde, é construída diariamente, seja por eles mesmos,

seja pelas contingências e seja pelas condições que lhes são impostas, oferecidas ou

conquistadas.

Ter uma vida saudável é muito mais do que ter um somente um corpo saudável.

Entender vida saudável como estando limitada a um corpo sadio é o mesmo que acreditar

que ter saúde é não ter doença alguma.

Esta idéia distorcida de saúde associada exclusivamente às questões corporais foi,

durante muito tempo, a noção sobre a qual a saúde mais se apoiou para propor suas ações e

as suas modalidades de intervenção. Entretanto, essa concepção não foi capaz de explicar

as muitas formas de se adoecer e de se manter saudável. 7

Existem inúmeras razões para as várias formas de adoecer e de manter-se saudável

que estão mais relacionadas ao modo de viver de cada um, que se apóiam na cultura, nas

crenças e nos valores que são compartilhados coletivamente, assim como, nas condições

sociais que se encontram. Essa combinação de aspectos individuais e coletivos, associada a

outros fatores de diferentes naturezas, como no caso das reações emocionais provocadas

pelo enfrentamento de determinadas situações, ou mesmo da compreensão que se tem da

própria vida, ajuda a demonstrar o quanto é complexo pensar saúde, falar de um modo de

promove-la e de viver saudável. 7

A promoção da saúde busca modificar condições de vida para que sejam dignas e

adequadas, aponta para a transformação dos processos individuais de tomada de decisão

para que sejam predominantemente favoráveis à qualidade de vida e à saúde, e orienta-se

ao conjunto de ações e decisões coletivas que possam favorecer a saúde e a melhoria das

condições de bem-estar e, desta forma fazer com que as pessoas vivam mais e melhor,

coletivamente.

Desta forma, a Promoção da Saúde está ligada às ações e às condições que fazem

com que as populações apresentem formas de viver condizentes com o esperado para um

enfoque humanitário. Para que as pessoas tenham bom padrão de vida, ou ainda, vivam

44

melhor, e conseqüentemente, vivam mais. Este conceito de Promoção da Saúde mantém

portanto uma estreita relação com a longevidade.

Longevidade e Promoção da Saúde

No panorama mundial, as relações entre saúde, longevidade e qualidade/condições

de vida têm se mostrado cada vez mais evidentes, deixando claro que, para se discutir

longevidade, não basta discutir como as populações vão levar suas vidas após chegarem a

velhice, ou pensar de forma objetiva somente em indicadores coletivos de condições ou

qualidade de vida. Pois o envelhecimento não começa subitamente, mas consiste no

acúmulo e interação de processos sociais e de comportamento durante a vida toda,

devendo-se promover a saúde e o bem-estar durante toda a vida do indivíduo, para se

alcançar uma velhice saudável.

Em países industrializados, a queda das taxas de mortalidade e fecundidade

iniciadas no século XIX, acompanhou a ampliação da cobertura dos sistemas de proteção

social e melhorias das condições de habitação, alimentação, trabalho e do saneamento

básico. No Brasil, por outro lado, o declínio da mortalidade, que deu início à transição

demográfica, foi determinado mais pela ação médico-sanitária do Estado que por

transformações estruturais que pudessem se traduzir em melhoria da qualidade de vida da

população: nas primeiras décadas do século XX, através de políticas urbanas de saúde

pública como a vacinação, higiene pública e outras campanhas sanitárias, e a partir da

década de 40 pela ampliação e desenvolvimento tecnológico da atenção médica na rede

pública. 8

No entanto, há uma diferença fundamental entre os fatores que levaram a transição

epidemiológica dos países mais desenvolvidos e aqueles que se observam, hoje, nos países

em desenvolvimento. Foi só a partir da segunda metade do século XX que se tornou

possível prevenir e tratar diversas enfermidades, cujo desfecho, anteriormente, era

freqüentemente fatal. Porém, muito antes disso, a expectativa de vida na Europa, por

exemplo, já havia alcançado valores tão altos como os do Brasil de hoje. Isso se deveu a

uma melhoria das condições de vida para as populações daquele continente como um todo,

e não ao impacto de medidas médico-tecnológicas. 8

Maquiando esse contraste, as taxas de mortalidade vêm experimentando

substanciais diminuições, mesmo que as condições de vida, sob o ponto de vista sócio-

45

econômico, não tenham tido uma melhora significativa para uma parcela apreciável da

população dos países em desenvolvimento. Esse aumento na expectativa de vida é

resultante de intervenções, de medidas específicas de saúde pública, não é portanto o

resultado de um processo de envelhecimento natural devido a melhoria dos níveis de vida

da maioria dos habitantes, mas sim um processo artificial.

Esse processo artificial faz com que muitas pessoas literalmente sobrevivam, apesar

de suas lamentáveis condições de vida.

Como resultado, esse processo não natural de envelhecimento depara países como o

Brasil, com uma dupla obrigação na área da saúde. Se de um lado, as marcas da pobreza e

das condições sócio-econômicas ruins permanecem presentes, evidenciada pelos índices de

morbi-mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias e pela importância que a

subnutrição continua ocupando entre nós; por outro lado, as doenças crônicas já figuram

entre as principais causas de morbi-mortalidade (doenças cardiovasculares, neoplasias,

doenças neuro-degenerativas, etc). 8

Parece evidente a necessidade de se repensar o papel do setor saúde nesse contexto,

em que se percebe claramente a contribuição decisiva das condições de vida das populações

na determinação da sua saúde. Isto requer promover estilos de vida saudáveis e pensar

qualidade de vida ao longo da vida, para que não tenhamos que lidar apenas com

�sobreviventes�, mantendo e reproduzindo um ciclo auto-destrutivo que apresenta uma

tendência a se perpetuar.

Desta forma, os próprios objetivos da atenção à saúde passam a ser questionados

então, sendo que cada vez mais esses objetivos deixem de ser simplesmente a �cura� dos

pacientes e passem a ser a �melhoria da vida� das pessoas, no sentido do que afirmam as

bases da Promoção da Saúde.

Se diante da reflexão sobre o que é saúde, ocorre uma vinculação com aspectos

estruturais mantidos pelo Estado e pela sociedade, fica claro que a discussão acerca dos

determinantes da longevidade não passa simplesmente pela assistência a saúde,

principalmente se pensada pelo prisma curativista. Essa reflexão fundamenta a valorização

da luta pelos determinantes sociais da saúde, pela insistência na tentativa de se enfocar o

desenvolvimento das populações pelo prisma humanista e também, com importância

relativizada, pela ressignificação da assistência à saúde como uma arma no combate a

46

iniqüidade e a possibilidade de desenvolvimento social e humano. A discussão sobre o que

é saúde portanto passa pela discussão de condições e qualidade de vida.

Qualidade de Vida e Subjetividade

A partir da década de 1960, o constructo qualidade de vida passou a ser entendido

por um prisma subjetivo ou como qualidade de vida percebida pelas próprias pessoas,

tendo-se ampliado para além da significação do crescimento econômico, buscando envolver

os diversos aspectos do desenvolvimento social. Essa mudança foi em grande parte

influenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que declara que a saúde não se

restringe à ausência de doença, mas engloba a percepção individual de questões que

envolvem o bem-estar físico, mental e social. 9

Entretanto, a partir do início da década de 1990, parece consolidar-se um

direcionamento entre os estudiosos da área quanto a dois aspectos relevantes do conceito de

qualidade de vida: subjetividade e multidimensionalidade. 10

As várias concepções deste constructo eram até então orientadas por algumas

correntes que seguiam padrões funcionalistas, econômicos ou de subjetividade. Entretanto,

estudiosos enfatizam que qualidade de vida só pode ser avaliada pela própria pessoa, ao

contrário das tendências iniciais de uso do conceito. Revelam que, no que tange a

subjetividade, o termo qualidade de vida trata de considerar a percepção que a própria

pessoa tem sobre o seu estado de saúde e sobre os aspectos não-médicos do seu contexto de

vida. Em outras palavras, que somente o indivíduo tem como avaliar a sua situação pessoal

em cada uma das dimensões relacionadas à qualidade de vida. 10

Apesar disso, ainda há um grande número de escalas estruturadas e testes

desenvolvidos para tentar medir a qualidade de vida e que portanto variam amplamente na

concepção, construtos e conteúdos, demonstrando que não há nenhum acordo sobre o que é

uma medida da qualidade de vida, pois a maioria dos testes foi desenvolvido por

profissionais, baseado nos seus padrões e definições sobre o que determina a qualidade de

vida. 11

Porém, sentimentos sobre a vida são subjetivos e o que é estimado como um fator

importante para o bem-estar de um, pode não ser significante para outra pessoa. Nesse

sentido, a OMS afirma que há a preocupação quanto ao desenvolvimento de métodos de

47

avaliação e de instrumentos que devam considerar a perspectiva da população ou dos

pacientes, e não a visão dos pesquisadores, de cientistas ou de profissionais de saúde. 12

Deste modo, mais recentemente a qualidade de vida tem sido aproximada do grau

de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental, mediado pela

percepção dos indivíduos e suas coletividades. É mediada pelos seus conhecimentos,

experiências e valores, pressupondo a capacidade de efetuar uma síntese cultural de todos

os elementos que determinada sociedade considera seu padrão de conforto e bem-estar,

evidenciando deste modo os aspectos subjetivos relacionados a qualidade de vida. 9

Em relação à multidimensionalidade, o segundo aspecto relevante do conceito de

qualidade de vida, duas tendências são identificadas: qualidade de vida como um conceito

mais genérico, e qualidade de vida relacionada ao estado de saúde, reconhecendo as

diferentes dimensões do construto.

O aspecto multidimensional do constructo foi validado empiricamente através de

quatro dimensões, a física que seria a percepção do indivíduo sobre sua condição física; a

psicológica como a percepção do indivíduo sobre sua condição afetiva e cognitiva; a de

relacionamento social sendo a percepção do indivíduo sobre os relacionamentos sociais e os

papéis sociais adotados na vida; e a do ambiente como a percepção do indivíduo sobre

aspectos diversos relacionados ao ambiente onde vive. 11

Como as ciências da saúde mantiveram nos últimos anos a tendência biologicista, a

dimensão física do constructo acabou por ganhar mais ênfase, evidenciando-se na segunda

tendência apontada dentro do aspecto multidimensional da qualidade de vida. A qualidade

de vida relacionada ao estado de saúde abrange uma face muito mais �engessada� do olhar

sobre a qualidade de vida, abordando aspectos por vezes muito estanques e objetivos,

ligados a doenças ou estados patológicos, tendenciando para o comportamentalismo

presente durante muito tempo nas concepções de Promoção da Saúde.

Apesar de importantes, as questões objetivas relacionadas às condições de vida não

necessariamente constituem o mesmo peso na avaliação de cada sujeito. É comum o

equívoco de se determinar a associação da qualidade de vida exclusivamente a

determinados estados de saúde, não havendo a percepção de que ambos somente mantém

uma relação, mas não são equivalentes. 10,11

48

Enfatizando os aspectos subjetivos e multidimensionais da qualidade de vida, a

Organização Mundial da Saúde (OMS) adota uma acepção mais ampla para o termo,

aparentemente influenciada por estudos sociológicos, sem fazer referência a disfunções ou

agravos, embora se saiba que o estado de saúde de indivíduos e coletividades, assim como

os sistemas de saúde, influenciam e são influenciados pelo ambiente em que estão

inseridos.

A OMS, adotando um conceito mais genérico, definiu qualidade de vida como "a

percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas

de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e

preocupações".12

Assim, é possível dizer que a qualidade de vida, apesar de se apresentar com uma

conotação individualizada, mantém uma forte vinculação com o padrão que a coletividade

aponta e busca para si, enfatizando o rumo que a própria sociedade estabelece para ela

mesma. Envolvendo, consciente ou inconscientemente, todo o conjunto de políticas

públicas e sociais que induzem e norteiam o desenvolvimento humano.

Admitindo o conceito da OMS então, pode-se entender qualidade de vida como um

conceito mutável e influenciado, dentro de cada sociedade, pelos valores importantes para

esta. Desta forma, é possível perceber que, dentro da uma mesma sociedade, pode-se ter

conceitos diferentes de qualidade de vida, influenciados por fatores culturais, religiosos,

comunitários e familiares, entre outros. Estabelecendo uma �via-de-mão-dupla�, a

dimensão individual ganha vulto e destaca seu papel central na percepção e determinação

da qualidade de vida e do bem-estar humano.

Desta forma, a qualidade de vida, ou o bem-estar humano, se revela composto por

duas dimensões básicas: a dimensão objetiva e a subjetiva. A dimensão objetiva é aquela

passível de ser publicamente apurada, observada e medida por fora, e que se reflete nas

condições de vida registradas por indicadores numéricos de nutrição, saúde, moradia,

criminalidade ou estado de saúde. Já a dimensão subjetiva consiste na experiência interna

de cada indivíduo, isto é, tudo aquilo que passa em sua mente de forma espontânea, que ele

sente e pensa sobre a vida que tem levado.

Ainda, nota-se obviamente uma dependência recíproca entre ambas, a partir da

observação de situações extremas: se o lado objetivo do bem-estar não preencher requisitos

49

mínimos (alimentação, moradia, saúde, trabalho), não há mais bem-estar possível. Não há

mais qualidade de vida.

�Felicidade� como expressão da Qualidade de vida

Por milênios, pensadores ponderaram sobre a questão do bem-estar subjetivo ou da

qualidade de vida. Apesar de ser de outra forma, perguntavam-se: o que é ter uma vida boa?

Nestas reflexões, eles focaram-se em critérios como: amor, prazer, ou introspecção

como características que definem qualidade de vida. Outra idéia do que constituiria uma

vida boa também presente entre estes pensadores, entretanto, fora a percepção das pessoas

de que se elas próprias estariam tendo boas vidas. 13 Idéia, como já citado, norteadora do

conceito da OMS.

Esta definição subjetiva de qualidade de vida é democrática por conceder a cada

indivíduo o direito para decidir se sua vida vale a pena ou não. É a aproximação com esta

definição de vida boa que veio a ser chamado "bem-estar subjetivo" 13 e em condições

coloquiais às vezes etiquetada de �felicidade�.

O bem-estar subjetivo, ou felicidade, é parte da saúde no seu sentido mais geral e é

manifestado em todas as esferas da atividade humana. É bem conhecido que quando um

indivíduo se sente bem é mais produtivo, sociável e criativo, possui uma projeção de futuro

positiva, infunde felicidade e a felicidade implica capacidade para amar, trabalhar,

relacionar-se socialmente e controlar o meio. Tudo isso explica por si só a relação do bem-

estar subjetivo (ou da felicidade) com os níveis de saúde. 14

A população em geral sabe disso: em todas as sondagens feitas sobre qualidade de

vida, valores não materiais, como amor, solidariedade, realização pessoal e felicidade,

compõem sua concepção e entendimento. 10

É claro que, mesmo aprofundando a dimensão subjetiva da qualidade de vida no

sentido de afirmá-la como bem-estar subjetivo, aproximando-o do que se pode chamar de

�felicidade�, não se está negando a necessidade de se garantir boas condições de vida, mas

sim reafirmando o entendimento de que um aspecto é complementar ao outro, não devendo

ser dependente da condição material, mas tão somente alicerçado na sua suficiência.

Encontrando base para seu pleno desenvolvimento a questão subjetiva da qualidade

de vida pode ser explorada no sentido de reafirmar a Promoção da Saúde, ao entendê-la

como a busca por modificar as condições de vida da sua própria coletividade para que

50

sejam dignas e adequadas, buscando também a transformação dos indivíduos, visando a

qualidade de vida e a saúde nas suas diferentes dimensões (objetivas e subjetivas).

O caminho traçado nesta busca e os avanços conquistados durante este trajeto

poderão ser entendidos como o processo determinante para a conquista da qualidade de

vida, o bem-estar subjetivo ou, que seja, a felicidade.

Considerações finais

Se promover a saúde é favorecer a melhoria das condições de bem-estar para as

populações, e se é a partir de boas condições de vida que a longevidade se estrutura, o

determinante para uma vida longeva poderá estar alicerçado no bem-estar subjetivo e nos

seus condicionantes.

Se for possível o empreendimento de esforços na árdua tarefa da busca pela saúde

através de um modelo diferente do hegemônico e a procura da sua positividade,

encontrando sustentação possivelmente em outros campos do saber que não somente o

biomédico, será possível que a abordagem sobre a qualidade de vida possa realmente

abarcar questões como a busca da felicidade, satisfação na vida, bem-estar individual e

coletivo e outros dilemas que não usualmente abordados.

Para tanto será necessário escorar a Promoção da Saúde também em áreas como o

conhecimento popular, a filosofia, as ciências humanas e sociais, assim como a

espiritualidade, ou seja, áreas do saber claramente influenciadas pelo subjetivo.

Diante de evidências suficientes que ao estarem garantidas as boas (e não mínimas)

condições de vida, ou seja, o aspecto objetivo da qualidade de vida, incluída a assistência a

saúde, há um incremento importante na longevidade, fica o apontamento de qual rumo a

saúde pode tomar na busca pelo prolongamento saudável da vida humana.

É possível que este movimento faça com que percebamos a confluência e a

dependência de dois aspectos sempre almejados pela humanidade: o bem-estar subjetivo e a

longevidade.

Para tanto, será preciso um mergulho no subjetivo, na busca pela autonomia e pelo

empoderamento dos indivíduos e comunidades no sentido de poderem traçar seus próprios

caminhos, ressignificando assim suas vidas e o papel da área da saúde como nível de

assistência. Ressignificando a busca pela saúde como a busca pelo bem-estar, ou ainda, pela

felicidade.

51

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53

Além da aparência, em busca da essência. O que nos faz viver mais? Beyond the appearance, in search of the essence. What does make us to live more?

Más allá de la apariencia, en la búsqueda de la esencia. ¿Que nos hace vivir más?

Ricardo Camargo Vieira3, Marco Aurélio Da Ros4

RESUMO: A partir de um patamar digno de condições socioeconômicas, a contribuição das questões materiais e objetivas para a longevidade não é comprovada. Este estudo objetivou identificar aspectos presentes ao longo da vida de sujeitos de pesquisa longevos e discutir a ligação desses aspectos com a longevidade. A pesquisa foi realizada pelo método de História de Vida na cidade de Antonio Carlos (SC), a 2a cidade em expectativa de vida no Brasil e que detém bons Índice de Desenvolvimento Humano e Índice de Exclusão Social. Encontrou-se a associação da longevidade com ocupação, autonomia, resiliência, solidariedade, espiritualidade, sentimento de realização, relacionamentos afetivos, celebração e esperança.

Palavras-chave: Longevidade, Promoção da Saúde, Saúde Coletiva

ABSTRACT: Starting from a worthy level of socioeconomic conditions, the contribution of the material and objective subjects for longevity is not an evidence. This study objectified to identify present aspects along the life of elderly subject of research and to discuss the connection of those aspects with the longevity. The research was accomplished by the method of History of Life at the 2nd city in life expectation in Brazil, which presents good Human Development Index and good Social Exclusion Index. This study met the association of longevity with occupation, autonomy, resilience, solidarity, spirituality, accomplishment feeling, affective relationships, celebration and hope.

Key-words: Longevity, Health Promotion, Public Health

RESUMEN: A partir de un nivel digno de condiciones socioeconómicas, la contribución de las cuestiones materiales y objetivas para la longevidad no es una evidencia. Este estudio buscó identificar los aspectos presentes a lo largo de la vida de los sujetos de pesquisa y discutir la conexión de esos aspectos con la longevidad. La investigación fue lograda por el método de historia de vida en la 2da ciudad en expectativa de vida en el Brasil, que presenta bueno Índice de desarrollo humano y bueno Índice de exclusión social. Este estudio encontró la asociación de la longevidad con la ocupación, la autonomía, la resiliencia, la solidaridad, la espiritualidad, el sentimiento de realización, las relaciones afectivas, la celebración y la esperanza.

Palabras clave: Longevidad, Promoción de la Salud, Salud Pública

3 Médico de Família e Comunidade. Prefeitura Municipal de Florianópolis � Secretaria Municipal de Saúde. Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina. 4 Médico de Família e Comunidade. Mestre em Planejamento. Doutor em Educação. Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina.

54

INTRODUÇÃO

A saúde e as condições de vida têm demonstrado melhoras significativas para a

maioria dos países do mundo, se analisadas principalmente após a segunda metade do

século XX. Esses avanços são fruto da melhoria da organização política e social, assim

como, de avanços econômicos, nas condições ambientais e na saúde pública. 1

Eles acabam por se refletir nos indicadores de saúde que vêm apresentando

melhorias contínuas e incontestáveis, apesar das profundas iniqüidades a que determinadas

populações estejam submetidas, seja quando comparadas entre países diferentes, seja dentro

de cada um. 1

Um dos indicadores que vem apresentando substancial incremento é a expectativa

de vida que, tanto quanto outros indicadores básicos de saúde, mantém uma forte

vinculação com os diferenciais econômicos. Esses diferenciais econômicos são

determinantes tanto para as variações nas tendências dos indicadores, como para os

condicionantes sociais do processo saúde-doença-atenção e para o desenvolvimento

humano. 1

Apesar destas evidentes associações entre o desenvolvimento econômico e social

com os indicadores de saúde, como a expectativa de vida, pesquisas recentes não são

consensuais na associação de condições socioeconômicas na velhice e morbi-mortalidade,

tampouco na associação direta de renda com a saúde da população como um todo nos

estudos ecológicos. A maioria destes estudos foi realizada em países desenvolvidos e

sucitam alguns apontamentos. Um deles é que estas populações estariam sendo analisadas

mantendo-se um patamar mínimo de condições de vida, ou seja, em países desenvolvidos

as condições socioeconômicas se apresentam suficientes para a maioria da população. (2, 3),

Apesar de ser documentada a relação inversa da longevidade com a exclusão social, estudos

como estes indicam a necessidade de se explorar outros condicionantes para a

longevidade.2

Em um estudo representativo da população brasileira, foram encontradas fortes

associações entre pior nível sócio-econômico e pior percepção da saúde, apesar de não

terem sido observadas associações entre nível sócio-econômico e condições crônicas

específicas. Este estudo corrobora com vários outros que têm demonstrado

consistentemente que a percepção da saúde tem sido descrita como um importante preditor

55

da sobrevivência entre idosos, sendo também um indicador mais fiel da qualidade de vida

do que doenças específicas. 2

Essas associações reforçam a necessidade de se enfatizar a aproximação do setor

saúde com as estratégias de Promoção da Saúde, pois combinam ações do Estado (políticas

públicas saudáveis), da comunidade (reforço da ação comunitária � empowerment

comunitário), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais � empowerment

individual), do sistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias

intersetoriais. (1, 4)

A Promoção da Saúde tem sido caracterizada modernamente pela constatação do

papel protagonista dos determinantes gerais sobre as condições de saúde e se associa a um

conjunto de valores, como qualidade de vida, saúde, solidariedade, eqüidade, democracia,

cidadania, desenvolvimento e participação social e outros. (1, 4)

Desta forma, a Promoção da Saúde e as suas estratégias são determinadas pela

condição socioeconômica das populações, mas também acabam por influenciá-las.

Apresentando o viés macro e o viés micro, aponta para aspectos bem definidos do

desenvolvimento socioeconômico e para os aspectos singulares que cada cultura define

para si como condicionantes da sua saúde, ou seja, os aspectos individuais, comunitários e

locais.

Portanto, ao se partir do pressuposto que, tendo-se condições de vida a partir de um

patamar social digno e condizente com a possibilidade de desenvolvimento humano, é

possível extrapolarmos os determinantes da longevidade também para questões

relacionadas a percepção de saúde das pessoas ou das experiências vivenciadas por elas ao

longo de suas vidas.

Ao se perceber que o conhecimento biomédico tem cada vez menos respondido a

estas questões e às tentativas de se modificar os determinantes de saúde da população, e

desta forma ter se demonstrado superado como modelo de saúde 3, é necessário que se

busque outros caminhos que contribuam para o entendimento do aumento da longevidade.

Diante disso, quais outros fatores poderiam estar associados a longevidade se

entendermos que a contribuição dos aspectos socioeconômicos se dá até certo ponto? Que

fatores presentes ao longo da vida das pessoas poderiam estar contribuindo na determinação

da longevidade destes indivíduos?

56

Este estudo procurou identificar aspectos presentes ao longo da vida de sujeitos de

pesquisa longevos e discutir a ligação desses aspectos com a longevidade.

PERCURSO METODOLÓGICO

Para se procurar entender e abordar assuntos, como o deste estudo que discute

aspectos ligados a longevidade, que não cabem numa perspectiva objetiva e que fogem ao

escopo da mensuração direta, a via de aproximação não pôde seguir uma metodologia

baseada no quantificável, no ordenamento direto e sem maleabilidade. Tratou-se de utilizar

uma aproximação baseada na qualidade do que é apresentado como evidência, não na sua

quantificação, a partir de algo já dado.

Os estudiosos adeptos de enfoques qualitativos enfatizam que a utilização de

medidas padronizadas pode levar a respostas estereotipadas, que têm pouco ou nenhum

significado para as pessoas e das quais esta pesquisa quis fugir. 5

Para tanto, esta pesquisa seguiu a metodologia de Histórias de Vida que apresenta as

experiências e as definições vividas pelo sujeito de pesquisa e como interpreta sua

experiência. Tendo sido realizada como entrevistas prolongadas, foi possível combinar

observação, relatos introspectivos de lembranças e relevâncias e roteiros mais ou menos

centrados no tema, que neste caso foram exatamente estas experiências e suas relações com

a longevidade. 5

Desta forma, procurou-se fazer um aprofundamento das questões referentes às

relações que esperávamos encontrar com a longevidade. A pesquisa procurou explorar

questões a partir de uma perspectiva individualizada e detalhada. E para tanto, a abordagem

qualitativa foi fundamental, já que a pesquisa qualitativa justifica-se na intenção de

aprofundar a investigação no mundo dos significados das ações e relações humanas, ou

seja, se preocupa com um nível da realidade social, cujos processos e fenômenos não

podem ser quantificados ou reduzidos à operacionalização de variáveis. 5

Entendendo-se também que a pesquisa qualitativa não se baseia em critérios

numéricos para garantir representatividade, partimos de uma amostra inicial de três sujeitos

de pesquisa. E tendo-se levado em consideração que a amostragem boa é aquela que

possibilita abranger a totalidade do problema investigado em suas múltiplas dimensões, não

pareceu haver a necessidade de ampliar esta amostragem diante da sua análise. 5

Sujeitos e cenário do estudo

57

Para a escolha dos sujeitos de pesquisa, tentou-se confluir dois critérios: os de

longevidade e de local que respeitasse relativas boas condições de vida, com o pressuposto

de que o primeiro advira do segundo. Procurou-se também escolher um cenário de pesquisa

onde estas boas condições de vida fossem homogêneas entre a maioria da população.

Para tanto, foi escolhido o município de Antônio Carlos, região metropolitana de

Florianópolis, estado de Santa Catarina. Este município foi escolhido por ter, segundo o

Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil elaborado pelo Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento (PNUD) em 2002, o segundo lugar entre as mais de cinco mil

cidades brasileiras na classificação da longevidade, possuindo uma esperança de vida ao

nascer de 77,9 anos em 2000, além de ter seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

elevado, atingindo 0,827 pontos. Este IDH a faz ficar com a 154a posição nacional e 36a

dentre os 293 municípios do Estado de Santa Catarina 6 e, apesar de merecer uma

investigação pela aparente discrepância entre as posições da esperança de vida e do IDH,

evidencia uma posição de destaque.

Ainda segundo o PNUD, esta cidade situa-se dentro de uma região metropolitana, a

da Grande Florianópolis, que detém o maior IDH (0,859) entre as regiões metropolitanas

brasileiras.6 Este fato nos permite pressupor que a maioria desta população tem suas

necessidades humanas básicas contempladas e uma certa homogeneidade entre seus

moradores.

A cidade de Antônio Carlos também apresenta um baixo grau de exclusão social,

retratado por seu bom Índice de Exclusão Social (0,816), colocando-a na 336a posição entre

as cidades brasileiras. Este índice é o resultado de uma compilação de vários índices de

expressão (os de Pobreza, Emprego, Desigualdade, Anos de estudo, Alfabetização,

Escolaridade, Juventude e Violência) e, a exemplo do IDH, apresenta uma variação de 0 a

1, sendo melhor quanto mais próximo de 1. 7 Esta cidade ainda está inserida no Estado de

Santa Catarina, que desde 1960 vem apresentando evolução deste mesmo índice, mostrando

uma variação de 0,425 em 1960, passando por 0,686 em 1980, chegando a 0,739 em 2000. 6

Para tanto, foram selecionadas seis pessoas longevas a partir de dados cadastrais da

Secretaria Municipal de Saúde do município e da indicação dos profissionais que trabalham

diretamente na assistência a saúde da população, na Unidade Local de Saúde, com a

58

solicitação de que indicassem pessoas que tivessem nascido e vivido no município (ou na

região) a maior parte de suas vidas.

A partir disso, o pesquisador foi apresentado pela equipe de saúde local para quatro

dos possíveis seis entrevistados, sendo que três deles aceitaram e um rejeitou a participação

na pesquisa por motivos pessoais. Após a aceitação da entrevista, o pesquisador visitou os

sujeitos de pesquisa mais uma vez antes de realizar a entrevista para uma melhor

aproximação do entrevistado e de sua realidade e para apresentar o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (sob o registro CAAE-2030.0.000.242-06 no SISNEP).

Posteriormente, foram realizadas as entrevistas com a proposição de retornar o resultado da

pesquisa às pessoas envolvidas.

ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

Como passo inicial para o processo de discussão dos resultados e do trabalho de

conclusão da pesquisa, procedeu-se a categorização do conteúdo das entrevistas através da

análise das respostas dadas pelos sujeitos de pesquisa.

Diante do fato das entrevistas terem sido realizadas pelo método de História de

Vida, pôde-se enfaticamente perceber a profundidade que o conteúdo das respostas trouxe.

Este fato merece destaque pois permitiu a análise dos fatores que permearam a vida

destas pessoas, na tentativa de alcançar e compreender o que estes acontecimentos

realmente significaram para os sujeitos de pesquisa e, portanto, para uma interpretação mais

fiel possível deste material.

A �análise de conteúdo� 5 das entrevistas permitiu a classificação do conteúdo das

falas dos sujeitos de pesquisa em nove categorias, sendo que algumas delas encontram-se

caracterizadas por subcategorias, descritas a diante.

Essas divisões e subdivisões foram possíveis diante da �leitura flutuante� e análise

exaustiva das entrevistas e posterior �constituição de corpus�, procedendo então as fases de

exploração, tratamento e interpretação dos resultados obtidos. 5

As categorias extraídas das entrevistas pelas suas análises temáticas são descritas a

seguir caracterizadas por falas como exemplos, onde os sujeitos de pesquisa são tratados

pelos pseudônimos Benzedeira (de 96 anos), Contador de Histórias (92 anos) e Zeladora

(82 anos). Além disto, pode-se observar nas falas a mistura das categorias, pois a sua

separação foi mero exercício acadêmico.

59

Ocupação

Nesta categoria, procurou-se utilizar o termo �ocupação� para caracterizar as

atividades que envolvessem rotineiramente a vida dos entrevistados, que ocupassem o seu

dia-dia.

Fez-se ainda uma distinção nesta categoria através da subdivisão em �trabalho

formal�, na qual se encontra a atividade profissional ou a forma de sustento do entrevistado,

e �atividades rotineiras�, para caracterizar atividades realizadas pelos sujeitos de pesquisa

nas quais não estão presentes os critérios anteriores, mas sim, atividades que denotam um

envolvimento cotidiano dos mesmos.

- �(...) galinha, porco, tinha cavalos. Fazíamos cachaça, açúcar, farinha,

plantávamos arroz, feijão. Só comprávamos carne, mas às vezes matávamos (algum

animal) ou outros matavam, dávamos uns pedaços aos outros, tudo combinava. Mas uma

vida pesada, sabe?(...) tirávamos aquela lenha toda e plantava o milho, o feijão, o arroz,

tudo ali. Nós trabalhávamos! Eu estou desde os oito anos na roça.� (Benzedeira);

- �Ah! Uma porção (de livros e cadernos)... Eu escrevia as folhas e depois ia

juntando pra fazer o livro, né? (...) É, eu crio historias, muito bonitas mesmo. (...) Vai dar

41 anos, este ano (desde quando começou).� (Contador de Histórias);

- �Hoje eu sou zeladora do Apostolado, eu cuido do Apostolado, eu tenho as

minhas (companheiras de religião) que pertencem a minha lista, tenho 21 que são da

minha lista, eu tenho que cuidar delas, cobrar delas, tem que levar para a Igreja, tem que

mandar para a Igreja. Eu cuido da Igreja (...). E agora, no Apostolado da Oração, eu já

estou há muitos anos, desde que eu casei eu sempre pertenci ao Apostolado até hoje

ainda.� (Zeladora).

Autonomia

Entendendo autonomia como a capacidade de governar-se por si mesmo e fazer as

coisas independentemente, e ainda, exercer um grau elevado de liberdade e de

independência moral ou intelectual, criou-se esta categoria.

Analisando-se criteriosamente os fatores que envolvem e envolveram autonomia na

vida dos sujeitos de pesquisa, entendeu-se por bem realizar a subcategorização a seguir:

�Individual� e �Coletiva�. Esta ultima caracterizada por ser �familiar� e �comunitária�.

a. Individual

60

- �Eu nunca deixei os filhos passarem necessidade. Eu fazia pão, eu fazia rosca,

eu fazia tudo. Cozinhava, fazia sabão. Fazia tudo.� (Zeladora).

b. Coletiva (Familiar e Comunitária)

- �Naquele tempo, nada era comprado na venda, era quase tudo colhido

da roça (...) Tudo que nós comíamos em casa e também carne, a gente criava. Muitos

porcos, muito gado... De vez enquanto a gente podia matar um boizinho, uma vaquinha e

sempre muitos porcos.� (Contador de Histórias);

- �Os vizinhos, tudo era muito bom, ajudavam os outros... Hoje, ninguém quer

ajudar o outro! Se alguém não tinha no que trabalhar dava uma ajuda boa para ele

trabalhar... (...) Um ajudava o outro.� (Benzedeira).

Resiliência

Sendo oriundo da física, de onde caracterizava flexibilidade, elasticidade ou a

capacidade dos materiais de resistirem algum tipo de força, o termo resiliência passou por

um processo de �importação� em direção às ciências humanas e hoje representa a

resistência do individuo face às adversidades, não somente guiada por uma resistência

física, mas pela visão positiva de reconstruir sua vida, a despeito de um entorno negativo,

do estresse, das contrições sociais, que influenciam negativamente para seu retorno à vida,

ou seja, a capacidade de um ser humano em superar dificuldades. 8

Não existindo ainda uma unanimidade na sua conceituação, a resiliência é

comumente definida como a capacidade de o indivíduo, ou a família, enfrentar as

adversidades, ser transformado por elas, mas conseguir superá-las sendo uma forma de se

garantir integridade, mesmo nos momentos mais críticos. 8

Estas definições permitiram que fossem feitas algumas aproximações deste termo

com várias falas dos entrevistados, que ainda permitiram um agrupamento dos seus

significados de duas formas: perseverança apesar das dificuldades e resistências apesar das

perdas.

a. Perseverança apesar das dificuldades

- �A vida foi dura vou te contar. Não era brincadeira não, hoje eu penso que era

mentira. Que não era possível atravessar tudo o que eu atravessei. Mas atravessei, graças

a Deus, estou aqui com 82 anos .� (Zeladora);

61

- �Depois que ele (o pai) morreu, nós tivemos que ir pra roça... Nós era pequeno

(8 anos)... Aí, trabalhava na roça, fazia farinha (...) Era uma vida pesada... Oh, credo!�

(Benzedeira).

b. Resistência apesar das perdas

- �Quando ele (esposo) faleceu, ele ficou 15 dias lá no hospital que era uma

penúria a gente ver, lá no oxigênio e coisa. Eu pensava assim, se era para eu ficar com ele

e vendo ele sofrer desse jeito, foi bom que Deus o levou. Eu me conformava, porque ele

estava sofrendo muito nos últimos tempos no hospital. Que sofrimento era lá, era muito

triste a gente ver (...) foi melhor para ele morrer (...). Porque ele não podia mais viver, do

jeito que ele estava não podia mais viver. Então Deus o levou. A gente se conformou,

porque nossa vida é assim, ela vai até um tempo, depois...� (Zeladora);

- �(...) eu fui pra lá, ali pelas onze horas e não encontrei-o (filho), a casa tava

toda aberta, eu �tava� vendo o serviço dele que ele �tava� fazendo (...), mas eu não

encontrei com ele. (...) olhamos dentro de casa, pra lá, pra cá, e nós fomos embora.

Quando estávamos aqui em casa já falaram no telefone que ele tinha morrido... E nós

estivemos ali, mas não lembramos de olhar embaixo da casa, eu vi que tava aberto ali, mas

ninguém se lembrou de dar uma olhada ali. Ninguém olhou em baixo da casa e quando

chegamos aqui já avisaram por telefone que ele tinha morrido (eletrocutado). (...) Ah, sim!

Era muito ligado a ele... (...) Faz três anos que ele faleceu.� (Contador de Histórias).

Solidariedade

Ao atribuir o sentido de solidariedade a uma virtude moral que responsabiliza os

indivíduos em relação aos outros ou a uma coletividade, conseguiu-se extrair das falas duas

vertentes para este termo.

A primeira que denota uma percepção dos entrevistados de dever para com outros

sujeitos, explicita a vontade e a prática dos sujeitos de pesquisa de realizar bons atos para as

outras pessoas, caracterizando suas ações num sentido de �doar-se ao semelhante�.

Apresenta-se como a vertente �individual� da solidariedade.

A segunda vertente, a coletiva, explicita um teor de reciprocidade entre os

indivíduos próximos aos sujeitos de pesquisa. Evidencia a vinculação entre estas pessoas e

a presença da primeira vertente em outras pessoas do convívio dos entrevistados.

a. Individual

62

- �E sou boa também, ajudo os outros. Ganho um �salariozinho� mas ainda

ajudo, tem tanta gente que vem aqui pedir. E a vó dá. Não deixo sair sem dinheiro, eles

vem eu dou pão, quando chega o Natal, eu dou dinheiro para eles comprarem uma

galinha, para comer, para eles fazerem a festa deles também. (...) tem que ajudar.�

(Benzedeira);

- �(...) esta igreja eu ajudei muito, por que a maior parte da madeira foi tirada

daqui do mato pra fazer esta igreja; e até pra igreja de Antonio Carlos, a madeira mais

pesada foi tirada daqui sem cobrar um tostão.� (Contador de Histórias).

b. Coletiva

- �Quando o pai esteve doente, cada noite ficava um (filho) lá. Eles fizeram

reunião entre eles �hoje é esse, amanhã é esse, depois de amanhã é aquele...�. Ninguém

achou ruim, todo mundo ajudou.� (Zeladora);

- �Os vizinhos, tudo era muito bom, ajudavam os outros (...) Se alguém não tinha

no que trabalhar, dava uma ajuda boa para ele trabalhar... (...) Um ajudava o outro.�

(Benzedeira);

- �(os filhos) Ajudavam... a esposa também ajudava muito, toda a família

trabalhava junto, toda a família ajudava na roça.� (Contador de Histórias).

Espiritualidade

Neste quesito, inicialmente, foram agrupadas a �prática religiosa� e a

�espiritualidade� como subdivisões de uma categoria chamada �religiosidade�. Entretanto

analisando-se melhor o conteúdo desta categoria, entendeu-se por bem caracterizar a

�prática religiosa� como parte da categoria �ocupação�, por haver o entendimento de que a

freqüência a atividades religiosas denotaria melhor um emprego rotineiro do tempo dos

entrevistados nesse tipo de prática.

A �prática religiosa� diferenciava-se portanto do real conteúdo que poder-se-ia

atribuir a uma categoria que expressasse a vinculação dos sujeitos de entrevista com a

experiência de ligação com uma dimensão que vai além das realidades consideradas

normais da vida humana. 9

Optou-se então por criar uma categoria isolada denominada Espiritualidade, diante

do fato de ser freqüente a ocorrência deste conteúdo nas entrevistas. Além do que, estes

63

conteúdos, quando apareciam, expressavam uma grande importância na vida destas

pessoas.

- �No meu parecer, sem Deus, ninguém forma. Eu sempre digo para os meus

filhos: �Botem Deus na frente para vocês irem em frente.�(...) Porque se a gente tem fé, a

gente tem força; se a gente não tem fé, a gente perde a força. Pessoas que não tem fé eles

perdem a força, eles caem na vida (...). A pessoa que não tem fé não tem força, eu acho.�

(Zeladora);

- �A vida da gente é pesada né? Mas é cheia de alegria. A gente deve ter alegria e

fé em Deus. Eu sempre digo, Deus é bom. Por que sem Deus nós não somos nada e com

Deus nós somos valentes.� (Benzedeira);

- �(...) não tenho nada melhor que os outros também, só vai por que Deus me

deixou aqui pra ver que eu tinha mais uma tarefa a fazer, não acabei minhas tarefas ainda,

meus trabalhos. Por causa disso cheguei a 90 anos.� (Contador de Histórias).

Relacionamentos afetivos

Diante das entrevistas transcritas e através das suas análises pôde-se perceber a forte

freqüência dos relacionamentos afetivos na vida dos entrevistados. A presença desses

relacionamentos era caracterizada pelos sentimentos de afeição, amor e amizade.

Criou-se esta categoria baseada nos relacionamentos mantidos pelos sujeitos de

pesquisa com seus companheiros (cônjuges, namorados e afins) que caracterizavam

relacionamentos amorosos, e com filhos, familiares e amigos com os quais mantinham uma

relação de forte afeto e um convívio muito próximo.

Esta categoria foi então subdividida em:

a. Filhos, familiares e amigos (filhos, netos, etc)

- �Eu sempre estava contente, cada filho que eu ganhava, eu sempre aceitava

com muito amor, todos eles. Hoje ainda o amor deles é todo igual.� (Zeladora);

- �Ah! Tinha, sim! Tinha uns companheiros da escola que ficaram amigos até o

final da vida (...) agora minha turma tá ficando meio fraca já. Tem dois companheiros do

meu banco (da escola), éramos quatro: o Zacarias faleceu, o Luiz tá meio mal também e é

um pouco mais velho que eu, e o Samuel era do meu banco, (...) quatro alunos. (...)

(continuamos amigos) a vida toda. (...) Sim, tinha muitos amigos, amigos que eram do meu

banco. (...) Faleceram...� (Contador de Histórias).

64

b. Amores

- �O Alvino (esposo) tinha 21 e eu tinha 20 (anos, ao casamento)... Nós nos

conhecemos desde os tempos de aula... Depois nós nos criamos, ele foi para um lado e eu

para o outro, ele tinha as namoradas dele eu tinha os meus namorados e ficou assim (...).

Depois, (...) me pediu em namoro e a gente casou.� (Zeladora);

- �Mas o que mais valeu a pena pra mim foi ser casado, (...) ter esposa (...), tanto

a primeira quanto esta aqui (a segunda)...� (Contador de Histórias).

Sentimento de Realização

Nesta categoria foi possível agrupar quatro itens que caracterizam esta categoria, ao

se entender que realização é definida como o ato de realizar algo, tornar real, pôr em

prática, fazer, constituir, criar, alcançar seu objetivo ou ideal. 10

Ao primeiro momento, pode parecer estranha a associação de quatro subcategorias

distintas de certo modo. Entretanto, fica fácil compreender o ajuntamento destes subgrupos

ao se apropriar do conceito acima descrito e ao se entender que sentimentos como os de

satisfação com a vida (1), auto-estima elevada (2), deixar ou fazer parte de um �legado� (3)

e de prosperidade (4) emergem, neste caso, da noção de ter produzido algo em suas vidas

ou de um sentimento de realização, propriamente dito.

Portanto a categoria �Sentimento de realização� ficou subdividida como se segue:

a. Satisfação com a vida: possuir uma avaliação positiva do decorrer de sua vida até o

momento;

- �Como eu tinha muita confiança em Deus eu esperava felicidade, sempre

esperei ser feliz, e graças a Deus, como eu fui feliz.� (Zeladora);

- �Ah, estou (satisfeita com a vida), eu sei que vou para o céu!� (Benzedeira);

- �É por que a felicidade a gente não sofre mais, a gente ta satisfeito, né? A gente

ver: �Ah! Aqui tem tudo que eu quero!�. Satisfeito... Eu acho que a felicidade é isso...�

(Contador de Histórias).

b. Auto-estima elevada: denotar apreço, afeição ou consideração positiva por si

mesmo;

- �Ah, eu rezo para (eu mesma) durar bastante anos, mas com saúde. Para

ajudar... pois se a vó morre, quem vai rezar como eu rezo?Então a vó reza para poder

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deixar a vó mais tempo, mas com saúde, doente na cama não. (...) Por que eu sei que faz

falta. Se eu morrer, farei muita falta... Nossa Senhora!� (Benzedeira);

- �(...) mas todo mundo gostava muito de mim até hoje, eu gosto de todos e todo

mundo gosta de mim.� (Contador de Histórias).

c. Deixar ou fazer parte de um �legado�: entendendo legado como aquilo que uma

geração transmite a outra;

- �Eu conservei essa união (entre a família) e acho que eu vou conservar até

morrer.� (Zeladora);

- �Ah, tem que ensinar. (...) A gente tem que ensinar, mas quem vem aqui, tem o

livrinho (de benzeduras), aí quem pega o livrinho, aprende!� (Benzedeira);

- �Eu gostava que (os filhos e netos) continuassem a religião como a gente da

família, por que a gente tinha fé que aquele era um meio pra gente se salvar, né? Eu

praticava a religião como os pais e avôs também já tinham... e a gente gostava que filhos

continuassem também. (...) Sim... (os filhos e netos) Vão sim.� (Contador de Histórias).

d. Prosperidade: progresso, desenvolvimento gradual de um ser, de algo ou de uma

atividade.

- �Naquele tempo não tinha farmácia, não tinha nada aqui, era tudo deserto

como se diz, não tinha estrada, não tinha nada. (...) Depois arrumaram, fizeram o asfalto,

daí melhorou. Começou a ficar bom. Veio a farmácia para cá e coisas que eram preciso.

Antes não tinha nada.� (Zeladora);

- �E ele (filho) veio aqui e comprou esse chão de casa (...). Aí fizemos aquela

casinha de madeira ali e ficamos morando ali. O terreno (antigo) está lá ainda, o terreno

está lá, no sítio... Tem gado, tem galinha e tudo. Fica perto, é atrás desse morro... (...) Aí

então viemos morar aqui (casa de alvenaria) (...).� (Benzedeira).

Celebração

A categoria �Celebração� foi criada devido a presença corrente de citações de

festejos e de comemorações que freqüentemente perpassavam a vida dos entrevistados.

Estes festejos ou comemorações, ligados a diferentes âmbitos de suas vidas, demonstravam

o seu engajamento em atividades coletivas produtoras de alegria e diversão.

66

- �(...) na casa onde eu morava já tinham esse hábito de festejar aniversário,

começo do ano, Natal, essas coisas. Eu me casei e continuei com os mesmos hábitos, o

mesmo sistema.� (Zeladora);

- �Tinha (todos os domingos)... Tinha baile, tinha missa... Domingo ia à missa,

voltava pra casa, de tarde ia dançar... Dançávamos que nos acabávamos, sabíamos

dançar, nós éramos �dançadeiras�, todos dançavam conosco.� (Benzedeira);

- �Por que eram os negociantes que faziam (as festas) e durante a semana era

escolhido um dia pra fazer pra igreja, e depois mudou, domingo pra negociante e domingo

depois pra igreja.� (Contador de Histórias).

Esperança

Devido ao fato dos entrevistados explicitarem durante boa parte das entrevistas uma

expectativa positiva do futuro, decidiu-se por criar a categoria �Esperança�. Vale ressaltar

aqui a diferenciação que esperança tem de otimismo para evitar a confusão entre os termos,

uma vez que os participantes da pesquisa não evidenciaram este último.

Entendida como um sistema ou filosofia dos que têm fé no progresso moral e

material da humanidade, na melhoria das condições atuais, na evolução social para o bem e

para o ótimo, a �esperança� revela a tendência da pessoa para considerar como provável ou

esperar a realização daquilo que se deseja. Ao passo que otimismo encampa a disposição

natural ou tendência para ver as coisas pelo lado bom, na qual sempre haverá uma solução

das situações ainda muito difíceis pois tudo ocorre no mundo do melhor modo possível. 10

- �(...) sempre esperava a felicidade. Nunca desanimei.� (Zeladora);

- �É, eu vou fazer 100 anos e vou fazer uma festa...� (Benzedeira);

- �(...) depois que eu comprei este terreno (onde está a casa em que vivo há 70

anos), eu disse: �eu não vou nunca mais sair daqui� (...).� (Contador de Histórias).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do conteúdo das entrevistas e as categorias dali extraídas permitiram a

percepção da amplitude dos elementos que compõem a existência dessas pessoas e

permeiam os acontecimentos de suas vidas.

Além dessa amplitude, pôde-se observar a profunda interdependência e o

embricamento que as categorias mantinham. Notadamente, o quanto que a autonomia se

relacionava com o trabalho formal, a resiliência dependia da autonomia familiar e

67

comunitária e dos relacionamentos afetivos, assim como, o quanto que a esperança pode

estar vinculada a espiritualidade, trazer sentimentos de realização e ser mediada pela

solidariedade, por exemplo. E, apesar de existirem outros fatores presentes na vida de cada

um dos entrevistados isoladamente, as categorias sempre contemplaram aquilo que era

comum aos três. Além do que, nenhum fator fora das categorias se demonstrou tão

significativo quanto o conteúdo das mesmas.

Vários estudos 2,11,12 têm apontado na direção de elementos semelhantes e se

aproximam das categorias analisadas por esta pesquisa, apesar de não terem o mesmo

desenho ou analisarem faixas etárias específicas (adolescência ou velhice, por exemplo) e

não o curso da vida dos sujeitos de pesquisa, quando analisados quesitos que integrem os

condicionantes para uma vida saudável.

Entretanto, o desenho metodológico deste estudo permite auferir uma associação

dos fatores que permearam a vida dos sujeitos de pesquisa com o fato de serem longevos,

pois as categorias foram extraídas das suas falas e daquilo que marcadamente fazem ou

fizeram parte de suas existências.

Estas características indicam outras possibilidades de compreender os determinantes

da longevidade humana que fogem da abordagem tradicional marcada pela centralização

biologicista e pela descontextualização. 13

Não se propõe aqui o caráter prescritivo de estilos de vida que pressupõe o

determinismo individual da saúde descontextualizada sócio-culturalmente, 13 mas ajudar na

compreensão dos fatores que se relacionam com a longevidade e apontar possibilidades de

pesquisa e no redirecionamento da assistência a saúde.

Devido às categorias se aproximarem muito dos pressupostos e estratégias da

Promoção da Saúde, reafirma-se a necessidade de condições de vida condizentes com um

desenvolvimento humano saudável, amparadas por políticas públicas justas e igualitárias,

promovendo a saúde no sentido de reforçar a criação de ambientes saudáveis, a ação

comunitária e o desenvolvimento das capacidades individuais. 1,4

Além disso, as categorias compunham os determinantes daquilo que os sujeitos de

pesquisa apontavam como os condicionantes para o balanço positivo que faziam de suas

vidas e para a sensação de suas vidas terem �valido a pena�. E apesar de não termos falado

68

em �felicidade�, o somatório das categorias parecem apontar para isso, dando pistas para se

entender melhor a longevidade.

A impressão final é que conviver com os entrevistados, com sua fé na vida e com

seus exemplos admiráveis, trouxe mais esperança e mais felicidade aos pesquisadores.

BIBLIOGRAFIA

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2000;5(1):163-177.

2. Lima-Costa MF, Barreto S, Giatti L, Uchôa E. Socioeconomic circumstances and

health among the brazilian elderly: a study using data from a National Household Survey.

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3. Gesser HC. Expectativa de vida no Brasil: a geração de modelos explicativos por

regressão linear múltipla [tese]. Florianópolis (SC): UFSC / Programa de Pós-Graduação

em Engenharia de Produção; 2005.

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saúde: trajetória histórica de suas concepções. Texto & Contexto - Enfermagem, v.15, p.

352-358, 2006.

5. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8a. ed.

São Paulo: Hucitec, 2004.

6. PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Atlas do

Desenvolvimento Humano do Brasil, 2002. Acesso em: 01 jul. 2006. Disponível em:

http://www.pnud.org.br.

7. Pochman M, Amorim R. Atlas da exclusão social no Brasil. 3a ed. São Paulo:

Cortez, 2004.

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1, 2004.

9. Vasconcelos EM, organizador. A espiritualidade no trabalho em saúde. São Paulo:

Hucitec, 2006.

10. Ferreira ABH. Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:

Editora Nova Fronteira S.A., 1988.

69

11. Guedea MTD, Albuquerque FJB, Troccoli BT et al. Relationships of subjective

well-being, coping strategies and perceived social support in the elderly. Psicol. Reflex.

Crit..2006, vol.19, no.2, p.301-308.

12. Pesce RP, Assis SG, Santos N, Oliveira RVC. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Mai-

Ago 2004, vol. 20 n. 2, p.135-143.

13. Castiel LD, Vasconcellos-Silva PR. A noção de �estilos de vida� em promoção de

saúde: um exercício critico de sensibilidade epistemológica. In: Bagrichevsky M, Palma A,

Estevão A, Da Ros M, organizadores. A saúde em debate na educação física � volume 2.

Blumenau: Nova Letra, 2006. p. 67-92.

70

ANEXO 1

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Meu nome é Ricardo Camargo Vieira e estou desenvolvendo a pesquisa Além da

aparência, em busca da essência. O que nos faz viver mais? com o objetivo de analisar

fatores que influenciam na longevidade das pessoas. Este estudo será desenvolvido como

parte da busca da ciência pela melhoria das condições de vida, da longevidade e da saúde

da população em geral, sendo necessário para a defesa de Tese de Mestrado no Programa

de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, onde

serão realizadas entrevistas e revisão bibliográfica. A entrevista que desejo realizar com

você, através da gravação por áudio, se propõe a não trazer desconforto algum e a poder

contribuir para uma reflexão a respeito da vida e da saúde do entrevistado, assim como,

para a saúde pública no Brasil e a formação de recursos humanos para o SUS.

Se você tiver alguma dúvida em relação ao estudo ou não quiser mais fazer parte do

mesmo, pode entrar em contato pelo telefone (48) 91114240 ou e-mail

[email protected]. Se você estiver de acordo em participar, posso

garantir que seu nome não será divulgado sem autorização, assim como, as informações

fornecidas serão confidenciais e serão utilizadas somente para a realização do trabalho.

Assinaturas:

Pesquisador principal ________________________________________

Pesquisador responsável _____________________________________

Eu, _____________________________________________________, fui esclarecido

sobre a pesquisa Além da aparência, em busca da essência. O que nos faz viver mais? e

concordo que minha entrevista seja utilizada na realização da mesma.

____________________________ , ___ de _____________________ de 2007.

Assinatura: _________________________________ RG: __________________

71

ANEXO 2

Nome do Entrevistado:

Data de Nascimento:

Endereço:

Contato:

ROTEIRO DE ENTREVISTA:

1- Conte sua vida e o que representou (como se sentia em) cada um destes

momentos/situações:

a. Onde nasceu?

b. Locais onde viveu?

c. Como foi sua infância?

d. Como foi a adolescência?

e. Como era sua família nesta época?

f. Você estudou? Onde? Por quanto tempo?

g. Quais foram os amigos?

h. Quais foram os amores?

i. Como iniciou o seu núcleo familiar?

j. Quantas vezes você casou?

k. Como era sua relação com o cônjuge?

l. Quantos filhos você teve?

m. Como era sua relação com eles?

n. Qual era o trabalho/ocupação? Gostava?

o. Tinha/tem alguma crença (religiosa, política, ideológica, etc...) ?

72

p. Tinha sonhos/desejos? Realizou-os?

q. Qual era sua perspectiva/expectativa de vida na época?

Alcançou-as?

r. Que fatos lhe surpreenderam? O que você aprendeu?

s. Como foi a idade adulta?

t. Como foi/está sendo a velhice?

u. Mudaram seus sonhos?

v. Que fatos lhe surpreenderam? O que você aprendeu a mais? (na

vida adulta e na velhice)

w. Qual era sua perspectiva/expectativa de vida na época?

Alcançou-as?

x. Quais valores você modificou no decorrer da sua vida? O que

você mais valorizava em cada fase de sua vida? O que estes lhe

traziam?

y. O que ou quem você deixou pra trás?

z. Que lições você aprendeu?

aa. O que sempre lhe trouxe alegria?

bb. O que lhe traz mais alegria hoje?

cc. O que você gosta de fazer para se divertir?

dd. Você tem algum prazer que foi se perdendo? Quais?

ee. E os amigos hoje, quem são?

ff. E os amores, quem são?

gg. Você tem algum grupo de convivência?

hh. Com quem você convive mais?

ii. Já pensou em deixar esta cidade?

jj. Ir para uma cidade grande?

kk. O que você mais valoriza hoje?

73

ll. Pelo que você mais lutou na vida?

mm. O que mais valeu a pena na sua vida?

nn. Que �balanço� você faz da sua vida?

oo. Quais são seus planos para o futuro?

2- O que você acha que fez ou faz você viver tanto tempo?

3- O que é bem-estar ou felicidade para você?

74

ANEXO 3

CATEGORIZAÇÃO e ANÁLISE SUJEITOS DE PESQUISA (PSEUDÔNIMOS):

- ZELADORA - BENZEDEIRA - CONTADOR DE HISTÓRIAS

CATEGORIAS:

1. OCUPAÇÃO e. Trabalho formal f. Atividades rotineiras

2. AUTONOMIA a. Individual b. Coletiva

i. Familiar ii. Comunitária

3. RESILIÊNCIA a. Perseverança apesar das dificuldades b. Resistências apesar das perdas

4. SOLIDARIEDADE a. Individual b. Coletiva

5. ESPIRITUALIDADE 6. RELACIONAMENTOS AFETIVOS

a. Filhos, familiares e amigos b. Amores

7. SENTIMENTO DE REALIZAÇÃO a. Satisfação com a vida b. Auto-estima elevada g. Deixar ou fazer parte de um �legado� h. Prosperidade

8. CELEBRAÇÃO 9. ESPERANÇA

75

CATEGORIAS E CITAÇÕES: 1 - OCUPAÇÃO Trabalho formal ZELADORA

- �Quando eu casei, ele (marido) já trabalhava de alfaiate. Ele me ensinou a fazer calças. Ele fazia o paletó e eu as calças. Continuamos a trabalhar assim, eu numa máquina e ele em outra. Eu costurava as calças e ele o paletó, trabalhamos algum tempo assim. Depois ele ficou doente. Dois anos que ele não trabalhou mais e foi onde eu caí na roça.�

BENZEDEIRA - �Desde os 8 anos a vó já foi pra roça trabalhar...�. - �(...) galinha, porco, tinha cavalos. Fazíamos cachaça, açúcar, farinha,

plantávamos arroz, feijão. Só comprávamos carne, mas às vezes matávamos (algum animal) ou outros matavam, dávamos uns pedaços aos outros, tudo combinava. Mas uma vida pesada, sabe?(...) tirávamos aquela lenha toda e plantava o milho, o feijão, o arroz, tudo ali. Nós trabalhávamos! Eu estou desde os oito anos na roça.�

CONTADOR DE HISTÓRIAS - �Trabalhava sempre na roça (durante a infância) (...) (Acordávamos) Antes de

amanhecer o dia assim, agora há pouco tempo que estamos levantando mais tarde, mas sempre às 5 horas da manhã, no inverno; por que no verão era mais cedo. Por que senão tava no serviço�.

- �Depois (dos doze anos) foi toda a vida na roça, foi, foi até eu ir pro exercito com 20 anos�.

- �(...) também porque tinha a vida toda na roça, de manha até à noite, só que a gente sempre estudava um pouco em casa pra não esquecer, mas depois de tempo de casado eu não tinha tempo pra estudar nem pra pegar num livro, porque a gente comprou o terreno e tinha que trabalhar pra pagar o terreno, então depois com um tempinho mais vago eu comecei outra vez, assim fazer a assinatura de um jornal assim pra melhorar um pouco por que no primeiro jornal levou tempo pra ler mas depois acostumou , depois em pouco tempo já lia�.

- �(...) toda a família trabalhava junto, toda a família ajudava na roça�. Atividades rotineiras ZELADORA

O cuidados dos irmãos na infância - �A minha mãe trabalhava na roça e eu desde pequenininha já cuidava dos meus

irmãozinhos. Então a minha mãe ia para a roça e eu fica em casa cuidando dos meus irmãozinhos. Trabalhei desde pequeninha, até hoje estou batalhando

76

sozinha ainda(...) Gostava (do trabalho de cuidar dos irmãos) , eu cuidava bem deles(...)�

As tarefas domésticas - �(...) e depois tinha uma gruta que eu cuidei daquela gruta durante muitos anos

no tempo que eu era solteira (...) cuidava da casa, trabalhei muito. Como passar roupa essas coisas assim era tudo comigo. A limpeza da casa, tudo era comigo, eu tinha que fazer tudo(...) e me criei assim.� (ADOLESCÊNCIA)

- �Porque a gente tem as crianças na aula, tem que ter sempre a roupa arrumada, tem que ter sempre tudo em dia, tem que olhar os boletins, tudo isso(...) Eu que tinha que ir na escola, buscar os boletins, ver se eles estavam bem ou se estavam mal.� (IDADE ADULTA)

- �(...) depois ele (marido) foi trabalhar como relojoeiro e eu não precisava mais ajuda-lo. Eu só tinha que cuidar da casa, das refeições, das roupas e ele foi trabalhar sozinho. De manhã, ele tomava o café dele e ia trabalhar lá, voltava ao meio dia, almoçava, depois ia para lá de novo e eu ficava trabalhando aqui.�

Prática religiosa - �(...) depois eu fui para a doutrina, depois fui para a primeira eucaristia, depois

continuei, eu era muito devota e depois tinha uma gruta que eu cuidei daquela gruta durante muitos anos...�

- �Desde de criança, eu sempre fui muito religiosa.� - �Gostava muito (da religião)... Freqüentava a Igreja, cuidava da Gruta, depois

me casei e continuei...� - �Eu cuido da Igreja e vou toda semana na missa, todo domingo na missa. Eu

acho que é isso que me dá força. É isso ai que me dá força.� - �Hoje eu sou zeladora do Apostolado, eu cuido do Apostolado, eu tenho as

minhas (companheiras de religião) que pertencem a minha lista, tenho 21 que são da minha lista, eu tenho que cuidar delas, cobrar delas, tem que levar para a Igreja, tem que mandar para a Igreja. Eu cuido da Igreja (...). E agora o Apostolado da Oração, eu já estou há muitos anos, desde que eu casei eu sempre pertenci ao Apostolado até hoje ainda.�

BENZEDEIRA Tarefas domésticas - �Ah, depois que eu parei de trabalhar na roça, é essa vida aqui... rezar para os

doentes e trabalhar, fazer comida... cuidar da casa, lavar roupa... é a vida da vó, ainda trabalho...�

Prática religiosa - �O povo era pobre, mas tudo trabalhava... Rezavam muito, sabe? Faziam

novena... Quase toda noite tinha novena pra gente ir rezar...� - �Nós aprendia (a rezar)... Nós tinha medo! A mãe dizia que se nós não

aprendêssemos, nós não ia pro céu... Tinha que ir pro céu porque Jesus tinha sofrido tanto... Tinha que rezar pra Ele, né?�

- �Desde a idade de 15 anos já aprendi com a minha mãe. Desde 15 anos já benzia.�

- �Sim, (benzedura) é trabalho sim. Mas eu faço com alegria. Deixo tudo e faço. Tem muita gente aqui para benzer�.

77

CONTADOR DE HISTÓRIAS Prática religiosa - �desde os primeiros tempos, a gente ia à igreja com a mãe, as mães tinham uma

�tropinha� de pequenininhos juntos. Só depois de setes anos, que ai a gente ia pra doutrina, (...) lá então, a gente ficava junto com as crianças�.

- �Eu gosto muito de ir pra igreja, antes no começo eu era capelão da igreja aqui, secretario aqui (...), fazia parte do coral aqui (...) e era chefe do coral aqui nos primeiros tempos�.

- �Continuo sim (indo à igreja), nós vamos quase todas as semanas no domingo, às vezes tem coisa especial durante a semana que daí a gente vai�.

Estudo - �(...) a escola era particular, pago pelos pais, era escola paroquial, mas era

pago pelos pais. O tempo de ir pra escola era três anos, por que depois disso as crianças podiam sair da escola por que a escola era só pra três anos. (...) É ai fiquei três anos e o professor veio pedir pros meus pais pra eu ficar mais tempo, por que era favorável pra mim; (...) Durante três anos todo o dia, (...) eu ia todo o dia. (...) Ah gostava�.

- �(...) em 1967 nos fizemos a Festa do centenário; e desde lá eu comecei a escrever meus livros�.

- �Ah! Uma porção (de livros e cadernos)... Eu escrevia as folhas e depois ia juntando pra fazer o livro, né? (...) É, eu crio historias, muito bonitas mesmo. (...) Vai dar 41 anos, este ano (desde quando começou)�.

- �Eu sempre procuro trabalhar na roça, no quintal, escrevendo livro, lendo livro, estudando sempre tendo um passatempo, por que eu não fico parado nenhum momentinho�.

78

2 - AUTONOMIA Individual ZELADORA

- �Me tratei com o farmacêutico que tinha em Biguaçu, eu me tratei com ele. Eu ia lá, me dava remédio, eu tomava, depois estava me sentindo bem e pronto!�

- �Eu cuidava dele de noite, (...) eu enfaixava as pernas dele (...). Daí tinha que lavar com chá, com ervas. Fazia aquelas paneladas de chá e lavava (...). E eu fazia, fazia tudo.�

- �Eu nunca deixei os filhos passarem necessidade. Eu fazia pão, eu fazia rosca, eu fazia tudo. Cozinhava, fazia sabão. Fazia tudo.�

- �Proibiram (de trabalhar) por causa da minha coluna, eu já estou toda torta. A minha coluna já puxou porque eu peguei muito peso, porque era tudo nas minhas costas, então eu carreguei muito peso. Agora eu estou torta, curvada, corcunda como se diz. Agora eles não querem mais que eu trabalhe (...) Agora estão me proibindo, mas às vezes eu fujo, ainda ontem eu plantei um canteirinho de alface, um canteirinho de rúcula, às vezes eu fujo da raia e ainda vou lá fazer.�

- �(...) uma hortazinha para o gasto da casa(...) isso a gente cultivava. A verdura, essas coisas, nunca faltou.�

- �Eu cuidava do quintal, tinha horta, plantava de tudo: tinha couve, tinha repolho, plantava cebola, plantava tudo ali. Eu cuidava da horta e cuidava dos serviços da casa era o que eu fazia. E também naquele tempo tinha vaca de leite que ali atrás tinha pastagem, não pagava aluguel, então tinha 2 vacas de leite, cuidava daqui também. Depois o homem (marido) vendeu e eu vendi as vacas também, eu tinha criação, deixei tudo.�

BENZEDEIRA - �É, graças a Deus a vó (referindo-se a ela mesma) tem saúde. Tem gente que

qualquer coisinha, corre para o médico. Que nada, eu faço o meu remédio!� - �Subi para cima da cama e já saíram (no parto)! Quando eu ganhei o Deca, não

precisou ir lá para baixo (maternidade). Eu mesma dizia, que não precisa. Minha mãe teve todos os filhos em casa. Ia lá o pai e colocava uma gamela em cima da cama e ela lavava o nenê. Cortava o umbigo e lavava o nenê. Minha mãe. Onze filhos, ela disse. Eu também ganhei meus dois em casa.�

- �Plantava cana, plantava milho, plantava arroz, plantava aipim, feijão... Colhia tudo pro gasto! Criava galinha, criava porco, criava gado... E assim foi a nossa vida, toda vida... (na juventude, desde os 8 anos de idade)�.

- �Quando chegava a semana santa (...) Naqueles dias nós não comíamos carne e

tínhamos que fazer jejum, não tomávamos café. Aí quando eu já estava grande eu fui para confissão e disse para o padre que eu não podia fazer o jejum por que eu trabalhava na roça e enfrentava fome, ficava fraca. Aí o padre disse então que eu não precisava fazer jejum e que quando chegasse a casa ao meio dia, rezasse um terço para Jesus�.

79

CONTADOR DE HISTÓRIAS - �(...) é que eu tinha muita proteção (reserva financeira fruto de seu trabalho),

por que aquele ano já podia tratar o terreno pra pagar o ano que vem�. - �(no início do casamento) trabalhei no terreno do meu pai. (...) a gente podia

fazer roça e eu ganhei meu dinheiro no terreno do meu pai�. - �naquele tempo nada era comprado na venda, era quase tudo colhido da roça

(...)�. - �Até 1970, só se comia pão de milho (plantado por ele mesmo), depois que

começou a comprar farinha de trigo de outro lugar, (...) mas o pessoal não comprava açúcar branco da venda, era mais o que a gente fazia, o mascavo�.

- �Tudo que nós comíamos em casa e também carne, a gente criava. Muitos porcos, muito gado... De vez enquanto a gente podia matar um boizinho, uma vaquinha e sempre muitos porcos. Já hoje em dia é tudo proibido, já não adianta mais comprar porco, criar porco, por que os médicos falam que não é bom comer muita carne de porco, por causa do colesterol, né? E o gado também, grande parte do pasto já é feito quintal, porque a gente não cria mais tanto gado (...). Hoje em dia nós quase não compramos ainda, mas de agora em diante nós vamos comprar, porque nós acabamos quase com o gado�.

- �Nuns tempos atrás a gente comia muita carne de porco, muita gordura, mas

como hoje em dia os médicos disseram que não era bom comer tanta gordura então a gente diminuiu. (...) eu já não comia muita carne. (...) Em outras coisas a gente não mudou muito porque, só que a gente come menos carne e gordura que a gente comia antes, mas em outras comidas continuam iguais (...)�.

Coletiva ZELADORA

Familiar - �Não, sempre tinha tudo. Nunca faltou nada... Eles (pais adotivos) tinham

negócio, eles tinham armazém, negociavam dos colonos, compravam as mercadorias dos colonos, então nunca tive dificuldade em nada assim. Sempre tinha fartura.�

- �(...) depois viemos para cá (residência atual), porque nós tínhamos propriedade, terreno tudo lá (residência antiga). Nós vendemos lá e compramos aqui e onde ele trabalhava.�

Comunitária - �Eu tive só dois (filhos) na maternidade o resto (quinze) foi tudo em casa. Tinha

uma parteira formada (...) a Dona Anastácia, ela já faleceu.� - �(...) eu fiquei muito doente, a parteira deixou um pedaço da placenta e me deu

aquela hemorragia (...) começou a me dar uma febre alta e (...) essa mãe de criação que eu tinha que viu que não estava certo e foi chamar a parteira(...) ela disse �olha ela está infeccionada�. Ela me fez o tratamento e eu melhorei, mas quase, quase, quase eu fui.�

- �Naquele tempo ninguém ajudava como hoje, a prefeitura não ajudava (...). Hoje as pessoas ajudam, fazem bingo, fazem isso fazem aquilo. (...) Não, naquele tempo a comunidade não era assim como é hoje.�

80

BENZEDEIRA Familiar - �Não tínhamos médicos. Os remédios eram, quando ficávamos meio doentes,(a

mãe) colocava uns �solapes� nos pés, de pirão quente, nos agasalhava e nós suávamos e ficávamos bons. (...) Sim, aprendi com a mãe�.

Comunitária

- �Os vizinhos, tudo era muito bom, ajudavam os outros... Hoje, ninguém quer ajudar o outro! Se alguém não tinha no que trabalhar dava uma ajuda boa para ele trabalhar... (...) Um ajudava o outro�.

CONTADOR DE HISTÓRIAS Comunitária

- �Não, não tinha escola pública aqui; só em 1938�. - �A própria da comunidade, tudo vinha do pessoal mesmo, até as estradas, até

por que as estradas eram da largura do carro de boi (...)�. - �É, uma parteira (quem fez o parto de seus filhos) que tinha estudado lá em

Blumenau, (...) por que aqui morria muita mulher no parto, ai o padre (...) disse que pro pessoal que era de ver pra arrumar alguém pra estudar sobre aquele serviço. Às vezes, eu podia ter ajudado no parto que as mulheres faleciam né?Mas por causa do padre eu não podia né?Então devia ser uma pessoa que tinha pratica pra isso, né? Pra não acontecer de tantas mulheres falecerem no parto assim. Então a Stass Gesser foi escolhida e foi mandada lá pra Blumenau... Então ela fazia também este serviço de medico é porque ela era bem estudada�.

- �Porque quem era doente que não ficava curado com chá, mandavam outra pessoa pra lá, a pessoa (doente) não era mandada pro medico, era mandada uma pessoa pra falar da pessoa (doente) com o medico... Trazer remédio...�

Familiar

- �Ajudavam (os filhos)... a esposa também ajudava muito, toda a família trabalhava junto, toda a família ajudava na roça�.

- �(...) toda a família trabalhava junto, toda a família ajudava na roça�.

81

3 - RESILIÊNCIA

ZELADORA Perseverança apesar das dificuldades - �Para mim foi bom (ter estudado somente até o �primário�). Eu era inteligente,

eu aprendia bem, apesar de não ter estudado a diante. Mas não deu, não deu. Quando não dá, a gente tem que parar.�

- �A vida foi dura vou te contar. Não era brincadeira não, hoje eu penso que era mentira. Que não era possível atravessar tudo o que eu atravessei. Mas atravessei, graças a Deus, estou aqui com 82 anos .�

- �Depois ele (marido) ficou doente. Dois anos que ele não trabalhou mais e foi onde eu caí na roça (...) (tive que) Ir para a roça, plantar para sustentar os filhos.�

- �Daí, eu cuidei dele (quando o marido ficou doente por dois anos). Cuidei dele, cuidei do serviço, cuidei dos filhos. Dei conta de tudo.�

- �Eu tinha uma energia que parece que não era natural, porque eu dava conta de tudo, não deixava nada para trás.�

- �Não, naquele tempo não era como hoje não. Naquele tempo ninguém ajudava como hoje, a prefeitura não ajudava, naquele tempo não... ninguém ajudava. Hoje as pessoas ajudam, fazem bingo, fazem isso fazem aquilo. Mas naquele tempo não, naquele tempo era cada um para si... Não, naquele tempo a comunidade não era assim como é hoje.�

- �Corri em diversos médicos, mas nenhum deu jeito (...) um dia, fiquei com uma gripe muito forte e (...) aí pronto, fiquei surda. Fiz um aparelho. Agora, para eu ouvir, só com aparelho. Sem o aparelho eu não escuto.�

- �Eu esperei ela (a filha mais nova) ter 15 anos, porque eu tinha muitas varizes e o médico queria operar, eu disse �enquanto eu tiver a menina que não pode se ajudar eu não opero�, porque eu tinha medo de operar e morrer, como de fato eu quase morri (após realizar a cirurgia).�

Resistência apesar das perdas - �Eu sempre fui uma pessoa muito conformada, eu nunca fui uma pessoa de

desanimar, ter medo das coisas, eu sempre era uma pessoa muita animada (...). Eu cuidava dele (marido doente) naturalmente, nos últimos tempos que ele estava de cama, eu estava sozinha com ele, não tinha ninguém comigo. Eu ficava sozinha com ele, e à noite quando ele precisava de qualquer coisa eu atendia, eu ajudava.�

- �Quando ele faleceu, ele ficou 15 dias lá no hospital que era uma penúria a gente ver, lá no oxigênio e coisa. Eu pensava assim, se era para eu ficar com ele e vendo ele sofrer desse jeito, foi bom que Deus o levou. Eu me conformava, porque ele estava sofrendo muito nos últimos tempos no hospital. Que sofrimento era lá, era muito triste a gente ver(...) foi melhor para ele morrer(...) Porque ele não podia mais viver, do jeito que ele estava não podia mais viver. Então Deus o levou. A gente se conformou, porque nossa vida é assim, ela vai até um tempo, depois...�

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BENZEDEIRA Perseverança apesar das dificuldades - �O povo era pobre (...) Era alegre e também era triste... Mas também era alegre

o povo...�

- �Depois que ele (o pai) morreu, nós tivemos que ir pra roça... Nós era pequeno (8 anos)... Aí, trabalhava na roça, fazia farinha (...) Era uma vida pesada... Oh, credo!�

- �A santidade foi-se. Hoje têm muito poucos que rezam, que sabem fazer essas coisas. Muito pouco. Agora, hoje, a gente vê o povo, nem na igreja não vão, na missa. Acabou, desprezaram a missa. (...) Hoje a gente vê gente que tem uma vida boa e vive triste. Porque não reza.�

- �Hoje o povo não faz mais nada disso (autocuidado). Mas também não sabem, estudam mas não é para essas coisas�.

- �(...) depois meu marido ficou doente, morreu e fiquei sozinha com o Deca e a Maria, eu tinha um casal de filhos. Aí a Maria casou, eu fiquei sozinha com o Deca. (...) Aí, fizemos aquela casinha de madeira ali (aponta) e ficamos morando ali. (...) Aí então, viemos morar aqui (casa de alvenaria) e o Deca tem dois filhos gêmeos (...) estão com vinte e quatro anos. A avó que criou eles�.

- �Eu fui à escola, mas não aprendi. Só sei escrever, mas não sei ler. Só sei assinar meu nome. Depois, era duas horas de viajem (se referindo à escola) fomos pouco tempo e ninguém foi mais. (...) Naquele tempo não havia escolas quase�.

- �(...) e eu não quis mais trabalhar na roça. Isso não dá mais nada e eu não

posso mais assim sozinha e eu fui lá para cidade. Estive na cidade por oito anos. (...) fiquei oito anos lá (Florianópolis). Aí depois, também enjoei. (...) era uma vida tão pesada. (...) E aí eu vim embora. (...) vim para minha terra de novo�.

Resistência apesar das perdas - �(...) ele (marido) se levantou e caiu morto, morreu. Ai eu sozinha com ele, ai

eu chamei o Deca, sacudimos e nada. Então, colocamos ele em cima da cama e disse para o Deca chamar o compadre (...). Eu disse �sabe de uma coisa, eu vou aprontar ele�. Fui lá na cozinha, trouxe uma bacia com água, ele tinha um monte de roupa vestido, estava frio, e com uma faca, rasguei tudo e lavei ele bem lavado, enxuguei bem, vesti a camisa. Quando estava arrumando ele, eles chegaram. O compadre Antônio chegou e aprontaram o resto. Eu tinha um medo de defunto que nossa senhora!�

- �Eu perdi meus irmãos todos, perdi meu marido, perdi a mãe, que alegria eu posso ter? (...) A benzedura é a alegria da vó. (...) A benzedura é uma alegria... (...) É, (minha vida foi) sempre alegre...�

CONTADOR DE HISTÓRIAS Persistência apesar das adversidades - �A primeira safra foi pouca coisa de cana, (...) no segundo ano, já deu onze

�carradas� de açúcar, seiscentas e tantas arrobas de açúcar, isso já era muito

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naqueles tempos, colhia muito milho, muito feijão, batatinha, então tudo ajudou�.

- �(...) depois de tempo de casado eu não tinha tempo pra estudar nem pra pegar num livro (...) Sempre, gosto muito de ler, escrever (...) no primeiro tempo que a gente era casado, que compramos o terreno, a gente tinha pouco tempo, mas sempre gostava e o tempo não permitia�.

- �(...) nós éramos pra ir lá comprar (o terreno para a família viver), (...), mas uns meses depois a gente já não, não vamos (fomos) mais pra lá, por causa da malária, por que lá o pessoal reclamava, tinha aquele terreno bonito que não adiantava nada, a maior parte tava de cama por causa da malária. (...) quando eu cheguei aqui (no outro terreno escolhido), não tinha nada, nada, nada nem pasto, nem roça nada! (...) aqui era perigoso, tinha muitas feras, bichos, cobra tinha muita. Eu já fui mordido três vezes. Se eu não tinha seguido o conselho de um amigo (de não andar mais descalço), eu já não tava mais vivo�.

Resistência apesar das perdas - �(...) eu fui pra lá, ali pelas onze horas e não encontrei-o (filho), a casa tava

toda a aberta, eu tava vendo o serviço dele que ele tava fazendo (...), mas eu não encontrei com ele, fui pra baixo (...), olhamos dentro de casa, pra lá, pra cá, e nós fomos embora. Quando estávamos aqui em casa já falaram no telefone que ele tinha morrido... E nós estivemos ali, mas não lembramos de olhar embaixo da casa, eu vi que tava aberto ali, mas ninguém se lembrou de dar uma olhada ali. Ninguém olhou em baixo da casa e quando chegamos aqui já avisaram por telefone que ele tinha morrido (eletrocutado). (...) Ah, sim! Era muito ligado a ele... (...) Faz três anos que ele faleceu�.

- �Ah, muito... A primeira foi assim: ela tinha malaria e então eu fui dar o remédio da malaria e tinha escrito assim: criança pequena não sustenta o remédio, e dei o remédio e a criança logo morreu. Ela já começou a ficar ruim e o médico disse: pode dar remédio, mas a criança não sobrevive. Mas eu tinha fé que ela podia sarar. Mas, já logo que tomou o remédio, já faleceu. Isso me mexeu muito... E a outra faleceu pra pneumonia. Começou no meio dia e já no outro dia já tava morto... Toda a vida gritando...� (relatando o quanto a morte de duas filhas mexeram com ele)

- �No primeiro dia (após a morte da primeira esposa) a gente já não sabia mais o que fazer... (...) mas depois de um tempo (dois anos), (...) aí eu casei com a Catarina (segunda esposa)�;

- �Não teve grandes mudanças (após a morte da esposa), toda a vida era o mesmo, trabalhar na roça, ir pra igreja�.

- �(...) primeiro eu achei que não ia casar mais, mas depois... e foi um outro amigo também, era viúvo, o �Iube�. Ele falou comigo: �nós dois não podemos ficar viúvos por que nos somos muito novos� (...)�.

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4 - SOLIDARIEDADE

ZELADORA Individual

- �Daí, eu cuidei dele (quando o marido ficou doente por dois anos). (...) Eu cuidava dele naturalmente, nos últimos tempos que ele estava de cama, eu estava sozinha com ele, não tinha ninguém comigo. Eu ficava sozinha com ele, e à noite quando ele precisava de qualquer coisa eu atendia, eu ajudava.�.

- �Eu pensava assim, se era para eu ficar com ele (marido doente) e vendo ele sofrer desse jeito, foi bom que Deus o levou. Eu me conformava, porque ele estava sofrendo muito nos últimos tempos no hospital. Que sofrimento era lá, era muito triste a gente ver (...) foi melhor para ele morrer�.

- �As vizinhas às vezes ganhavam os nenéns e ainda me ocupavam para ir lá, ajudar, e eu fazia. Eu ia lá e ainda dava uma mão para elas (...) Eu era mãe de muitas delas.�

- �Eu imaginava casar, ter filhos e ajudar a minha família�. Coletiva - �Hoje as pessoas ajudam, fazem bingo, fazem isso fazem aquilo. Mas naquele

tempo não, naquele tempo era cada um para si... Não, naquele tempo (na juventude) a comunidade não era assim como é hoje.�

- �Quando o pai esteve doente, cada noite ficava um (filho) lá, eles fizeram reunião entre eles �hoje é esse, amanhã é esse, depois de amanhã é aquele...�. Ninguém achou ruim, todo mundo ajudou.�

- �(...) eles (os filhos) me amparam, cuidam de mim, quando preciso ir no médico eles me levam, me trazem. Quando eu preciso uma consulta, alguma coisa eles arrumam para mim. Então isso para mim é uma alegria, um conforto. Eles não me deixam cair no chão, estão sempre me acalentando. Tudo o que eu preciso é só falar.�

BENZEDEIRA Individual - �Deixo tudo (que estou fazendo) e faço (benzedura). Tem muita gente aqui para

benzer�. - �(...) Ah, a gente ajuda os pobres. Eles vêm aqui e eu dou roupa e dinheiro...

(...) Mesmo aposentada, o que eu tenho eu reparto com os outros...� - �E sou boa também, ajudo os outros. Ganho um �salariozinho� mas ainda

ajudo, tem tanta gente que vem aqui pedir. E a vó dá. Não deixo sair sem dinheiro, eles vem eu dou pão, quando chega o Natal, eu dou dinheiro para eles comprarem uma galinha, para comer, para eles fazerem a festa deles também. (...) tem que ajudar�.

- �Ah, eu rezo para (ela mesma) durar bastante anos, mas com saúde. Para ajudar... pois se a vó morre, quem vai rezar como eu rezo?�

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Coletiva

- �Fazíamos cachaça, açúcar, farinha, plantávamos arroz, feijão. Só comprávamos carne, mas às vezes matávamos (algum animal) ou outros matavam, dávamos uns pedaços aos outros (...)�

- �Os vizinhos, tudo era muito bom, ajudavam os outros (...) Se alguém não tinha

no que trabalhar dava uma ajuda boa para ele trabalhar... (...) Um ajudava o outro�.

CONTADOR DE HISTÓRIAS Individual - �Isso sempre foi assim, a gente sempre gostava de ajudar as outras pessoas,

(...) o padre, sempre que precisava de mim, eu sempre tava disposto a qualquer serviço também�.

- �(...) esta igreja eu ajudei muito, por que a maior parte da madeira foi tirada daqui do mato pra fazer esta igreja; e até pra igreja de Antonio Carlos, a madeira mais pesada foi tirada daqui sem cobrar um tostão�.

Coletiva - �Ajudavam (os filhos)... a esposa também ajudava muito, toda a família

trabalhava junto, toda a família ajudava na roça�. - �A própria da comunidade, tudo vinha do pessoal mesmo, até as estradas, até

por que as estradas eram da largura do carro de boi (...)�.

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5 - ESPIRITUALIDADE ZELADORA

- �Ele (marido) foi no hospital, os médicos desenganaram e mandaram ele para casa e ele achava que não iria mais ficar bom. Eu era muito devota à Nossa Senhora: eu fiz promessa de fazer procissão com as crianças para a gruta, para Deus resolver o que fosse para resolver, se fosse para ele ficar bom que ficasse, se não fosse que Deus se lembrasse porque eu não estava mais agüentando. E ele começou a melhorar e logo ficou bom.�

- �Como eu tinha muita confiança em Deus eu esperava felicidade, sempre esperei ser feliz, e graças a Deus, como eu fui feliz.�

- �A minha força sempre vem lá do alto, eu não poderia ter vencido o que eu venci.�

- �Desde de criança, eu sempre fui muito religiosa.� - �No meu parecer, sem Deus, ninguém forma. Eu sempre digo para os meus

filhos: �Botem Deus na frente para vocês irem em frente.�(...) Porque se a gente tem fé, a gente tem força; se a gente não tem fé, a gente perde a força. Pessoas que não tem fé eles perdem a força, eles caem na vida, caem na droga. A pessoa que não tem fé não tem força, eu acho. Porque tem pessoas que são internadas e se não tem fé caem de volta.�

BENZEDEIRA - �E a benzedura então, meu Deus do Céu. (...) Eles (os benzidos) ficam todos tão

contentes...� - �(...) eu dizia assim para ele: �Ô Quinca, se eu morrer primeiro, queres que eu

venha cá dizer como é lá em cima?�. E ele disse: �Uma cagona que nem tu? Tens medo! Como é que eu posso aparecer para ti?� Aí eu disse assim: �Não, mas vem quando o Deca (filho) estive junto�. Aí tá, ficou assim. �E se tu morreres primeiro?� Aí eu disse: �Se eu morrer primeiro?� Ele disse: �Se tu morreres primeiro, tu vens dizer para mim?� Mas ele morreu primeiro. Pois eu não fiquei com medo. (...) Eu perdi o medo. Aí, um dia eu cheguei, ele já tinha morrido faziam uns três ou quatro meses, o Deca saiu, e eu fui lá ao quarto. E o Quinca estava lá. Eu disse: �O que é Quinca?� Ele disse: �Eu vim aqui dizer o que tinhas pedido...��

- �Tu vês, (...) os ricos não vão para o céu. (...) Ah, a gente ajuda os pobres. Eles vêm aqui e eu dou roupa e dinheiro... (...) Mesmo aposentada, o que eu tenho eu reparto com os outros...�

- �A vida da gente é pesada né? Mas é cheia de alegria. A gente deve ter alegria e fé em Deus. Eu sempre digo, Deus é bom. Por que sem Deus nós não somos nada e com Deus nós somos valentes.�

- �E sou boa também, ajudo os outros. Ganho um �salariozinho� mas ainda ajudo, tem tanta gente que vem aqui pedir. E a vó dá. Não deixo sair sem dinheiro, eles vem eu dou pão, quando chega o Natal, eu dou dinheiro para eles comprarem uma galinha, para comer, para eles fazerem a festa deles também. (...) tem que ajudar. Quem não dá esmola não entra no céu.�

- �Ah, estou (satisfeita com a vida), eu sei que vou para o céu!�

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CONTADOR DE HISTÓRIAS - �Isso sempre foi assim, a gente sempre gostava de ajudar as outras pessoas, (...)

o padre, sempre que precisava de mim, eu sempre tava disposto a qualquer serviço também�.

- �É por que a gente quer seguir a vida de Jesus, (...) aí ia à igreja, ia à doutrina e ia fazer a primeira comunhão... e quando a gente tinha idade ia se casar na igreja pra ter a vida mais ou menos tranqüila�.

- �(...) não tenho nada melhor que os outros também, só vai por que Deus me deixou aqui pra ver que eu tinha mais uma tarefa a fazer, não acabei minhas tarefas ainda, meus trabalhos. Por causa disso cheguei a 90 anos�.

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6 - RELACIONAMENTOS AFETIVOS

ZELADORA Filhos, familiares e amigos (filhos, netos, etc) - �Os que moram perto no domingo vem todos para cá. Enchem a cozinha. Eu

faço uma mesa americana, eles passam e vão se servindo. Mas é uma alegria. Foi muita dificuldade para cria-los, mas hoje é uma alegria. Eu dou graças a Deus.�

- �(...) porque quem tem uma família que nem eu tive tem que estar a par com eles em casa para educar, para cuidar.�

- �As vizinhas às vezes ganhavam os nenéns e ainda me ocupavam para ir lá, ajudar, e eu fazia. Eu ia lá e ainda dava uma mão para elas(...) Eu era mãe de muitas delas.�

- �Eu sempre estava contente, cada filho que eu ganhava, eu sempre aceitava com muito amor, todos eles. Hoje ainda o amor deles é todo igual.�

- �(...) mas eles (os filhos) têm medo que de repente vai atacar a (minha) coluna.�

- �Eu sou muito apegada a eles (os filhos) e eles são a mim também (...) As minhas netas também são muito apegadas a mim (...)�

- �Hoje para mim essa felicidade é minha família, são os meus filhos. Hoje a felicidade que eu tenho são os meus filhos que eles me amparam, cuidam de mim, quando preciso ir no médico eles me levam, me trazem. Quando eu preciso uma consulta, alguma coisa eles arrumam para mim. Então isso para mim é uma alegria, um conforto. Eles não me deixam cair no chão, estão sempre me acalentando. Tudo o que eu preciso é só falar. Essa semana duas filhas foram comigo no médico, a nora também foi...�

Amores - �O Alvino (esposo) tinha 21 e eu tinha 20 (anos, ao casamento)... Nós nos

conhecemos desde os tempos de aula... Depois nós nos criamos, ele foi para um lado e eu para o outro, ele tinha as namoradas dele eu tinha os meus namorados e ficou assim (...). Depois, (...) me pediu em namoro e a gente casou.�

- �Nós vivíamos em paz... se havia qualquer coisinha um perdoava o outro e pronto, estava tudo bom de novo. Era assim... A gente levou a vida assim até 61 anos... 61 anos de casado.�

- �Eu tive uma vez um namorado, ele era lá de Biguaçu e eu gostava muito dele, naquela época eu era bem nova, eu tinha 17 anos quando namorei aquele rapaz. Namorei um ano mais ou menos. Ele era lá de Biguaçu. Ele vinha de Biguaçu até aqui de bicicleta só para conversar comigo, quase morria para vir conversar comigo (...) Depois eu paquerei outro aqui, ele era irmão desse vice-prefeito aqui, paquerei aquele uns tempos também. Ele já estava falando em casar, e não sei mais o quê, daí eu já desisti daquele também. E comecei de namoro com esse que é meu marido e casei com esse, né?�

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BENZEDEIRA Amores - �(...) depois ele (o esposo) contou, depois de casado, (...) ele contou pra mim,

(...) que ele disse assim (antes de seu primeiro casamento): �Meu Deus do céu, por que eu não fui casar com a Regina? Agora vou casar com aquela moça, devia casar com a Regina (...)!� (...) e parece que Deus lá no céu disse amém e ela morreu. Cinco anos de casado e ela morreu e ele foi me procurar. Vê que coisa!�

- �Depois de casada (começou a criar amor pelo esposo). (...) Ele era uma pessoa muito boa...�

Filhos, familiares e amigos - �A minha mãe era muito boa, eu gostava dela�. - �(...) minhas netas estão todas bem, eu ganhei uma bisneta, e tem quatro netas

e tenho dois netos (...), todos casados. Os dois netos estão solteiros ainda. Mas é a alegria da vó. (...) São todos os dois noivos, tem 24 anos, vão casar e a vó está bem contente.�

- �(...) morava um aqui, outro ali (membros da família). (...) mas um ia passear na casa do outro�.

- �(...) depois apareceram os dois pequenos gêmeos (netos) (...). Aí a vó criou eles, (filho e nora) deixavam a semana inteira aqui com a vó, depois eu ia passar os finais de semana lá com eles... Eles gostavam tanto da vó!�

CONTADOR DE HISTÓRIAS Amores - �Eu fui falar com ela (segunda esposa) e então ela logo aceitou (casamento), e

depois o pai dela também e então fizemos o casamento!� - �Mas o que mais valeu a pena pra mim foi ser casado, (...)ter esposa (...), tanto

a primeira quanto esta aqui (a segunda)...�

Filhos, familiares e amigos - �(...) logo (após casar) tive muitos filhos, ao todo são 20 filhos, três com ela (a

esposa ao lado) e 17 com a falecida�. - �quase todo domingo tem um filho aqui em casa, de vez em quando eles vêm

mais juntos e vem pra cá�.

- �Ah! Tinha, sim! Tinha uns companheiros da escola que ficaram amigos até o final da vida (...) agora minha turma tá ficando meio fraca já. Tem dois companheiros do meu banco, éramos quatro: o Zacarias faleceu, o Luiz tá meio mal também e é um pouco mais velha que eu, e o Samuel era do meu banco, (...) quatro alunos. (...) (ficamos amigos) a vida toda. (...) Sim, tinha muitos amigos, amigos que eram do meu banco. (...) Faleceram...�

- �Estes amigos eram muito... E todo mundo gostou de mim, e eu também gostava de todo mundo. (...) mas todo mundo gostava muito de mim até hoje, eu gosto de todos e todo mundo gosta de mim.�

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7 - SENTIMENTO DE REALIZAÇÃO

ZELADORA

Satisfação com a vida - �Como eu tinha muita confiança em Deus eu esperava felicidade, sempre

esperei ser feliz, e graças a Deus, como eu fui feliz.� - �Hoje eu olho e penso que era impossível eu alcançar tudo o que eu alcancei.� - �(tive) Dezessete (filhos). Uma menina faleceu. Faleceu com 2 anos e 7 meses...

(criei) Dez homens e seis mulheres. Uma tarefa bem cumprida.� - �Eu imaginava casar, ter filhos e ajudar a minha família. Como aconteceu.

Aconteceu isso ai.� - �Às vezes, eu perco o sono e fico pensando �será que você conseguiu dar a volta

em tudo isso?�. Mas eu dei.� - �Mas foi uma vida bonita. Hoje em dia quando a gente se reúne aqui, às vezes a

gente fica conversando uma hora, duas horas ali na mesa batendo papo. E eles (filhos) dizem �que tempo bonito aquele que a gente morava no interior...�. Hoje eles gostam daquilo.�

- �Eu acho que o que mais valeu a pena foi a educação da minha família, porque hoje eu estou vendo a família unida. Acho que foi o que mais me valeu. O trabalho que mais me valeu foi esse. Me sinto feliz que pude educar a minha família, pude conservar eles na união. Acho que isso valeu a pena (...) Me sinto recompensada por isso.�

- �Para mim representou grande coisa (a criação e a educação dos filhos), pois se eu pude cuidar deles educando e unindo eles sempre, para hoje eles serem unidos, eu acho que é muita coisa.�

- �(...) é o bem estar, viver de bem comigo mesmo. Eu estava de bem comigo mesmo e aquilo dava vida para a gente. Eu sempre fui uma pessoa disposta, alegre, comunicativa, assim com todo mundo. Acho que é a alegria que traz vida para a gente (...) Isso foi a fé, foi a saúde, isso eu não posso te dizer. Eu sempre tive essa energia, nunca me custou nada. Meus trabalhos, nada me custava. Eu fazia tudo com amor (...), o trabalho também. Era a fé, o trabalho, o amor, a família, tudo isso.�

BENZEDEIRA Satisfação com a vida - �Quando a gente tem saúde, a gente fica tão contente. Os meus netos são tão

bem de saúde, quando eles vêm passear aqui, fico tão contente.� - �(...) meus irmãos todos morreram uma morte bonita... tem gente que passa

trabalho para morrer, não morre, sofre e sofre, é uma coisa... (...) todos tiveram mortes bonitas... (...) A minha mãe também teve uma morte bonita, (...) o meu pai... todos tiveram mortes bonitas.�

- �Ah, a vó (ela mesma) queria (dar estudos para os filhos)... Eu tenho uma paixão, porque não sei ler. Ah, se eu soubesse ler era outra coisa... (...) Ah, eu queria que eles aprendessem a ler e que trabalhassem, que fossem bons para os outros, que não tomassem cachaça, que não bebessem. Gostava que �se dessem

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com os outros�. É muito bonito agente se dar com os outros... (...) deu tudo certo.�

- �Ah, a vida foi uma vida muito boa, sempre. Porque agente sabia que existia Deus e que ele não é ruim para ninguém... (...) É, foi sofrida sim... (...) Mas tinha alegria. (...) Era sofrida mas era cheia assim, eu gostava de trabalhar. (...) Essa era uma vida boa, era uma vida de sacrifícios, mas agente tinha alegria, sabe como é? É, a vida tinha alegria.�

- �Ah, estou (satisfeita com a vida), eu sei que vou para o céu!� CONTADOR DE HISTÓRIAS Satisfação com a vida - �Mas o que mais valeu a pena pra mim foi ser casado, ter família, ter sitio, ter

terreno, ter esposa (...) tanto a primeira quanto esta aqui... E esta foi a melhor parte da minha vida: criar uma família... ter um terreno bastante grande...�

- �É por que a felicidade a gente não sofre mais a gente ta satisfeito, né? A gente ver: �Ah! Aqui tem tudo que eu quero!�. Satisfeito... Eu acho que a felicidade é isso...�

ZELADORA Auto-estima elevada - �Eu acredito em mim mesmo, porque se eu não acreditar em mim mesma eu

também não posso ter força.� - �E tem a minha fita que vou te mostrar que eu tenho que usar quando vou a

Igreja. Eu tenho que usar essa fita toda vez que vou na missa. Isso aqui é o sinal que eu sou zeladora.�

- �Hoje ainda, eles (os filhos) se preocupam bastante comigo.� - �Se ele (um dos filhos mais próximos) pode vir, ele vem. Ele vem aqui, fica uma

meia hora e vai embora, para saber como eu estou. Senão, ele liga: �Mãe, como é que você está? Está bem?��

- �Todos os domingos, os meninos (os filhos e suas famílias) vêm todos... Isso para mim é uma alegria. Essa mesa aqui, eles enchem de um lado a outro.�

- �Eu conservei essa união (entre a família) e acho que eu vou conservar até morrer. E já os netos, os namorados das netas, estão todos aqui. Quando tem festa, alguma coisa, Natal, Ano Novo, esses dias, estão todos aqui, vêm todos para casa. É neto, é bisneta, é os namorados, os maridos, vêm todos, aparece toda a família. Essa união é bonita. As pessoas se admiram.�

- �Eu nunca fui de baixar a cabeça e entristecer, tanto que as pessoas que tinham contato comigo sempre me perguntavam como que eu fazia para conservar a alegria.�

- �Porque eles (os filhos) são tão apegados a mim que eu acho que se eu faltar eles vão sentir muita falta (...) Quando o pai faleceu, eles não sentiram muito, mas quando eu falecer acho que eles vão sentir muito.�

- �(...) eu andava de bicicleta muito bem que todos se admiravam que eu andava muito bem, andaram me filmando de bicicleta...�

BENZEDEIRA

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Auto-estima elevada - �... E a benzedura então, meu Deus do Céu, tem dias que vem dez pessoas...� - �De Florianópolis então, (...) vem tanta gente de lá, ficam boas! (...) É mesmo

uma alegria dizer: �ficou bom!�. Quanta gente telefona para mim para dizer que ficou bom! Eles telefonam até lá do Rio de Janeiro.�

- �(...) lá em Florianópolis eu já rezava para eles também... (...) Depois que eu vim para cá, de vez em quando vem um aqui para eu rezar. E tudo fica bom! E colocaram no jornal! A avó não queria, mas colocaram no jornal. Vem muita gente, a avó não dá mais para isso. Tiraram foto da avó, colocaram no jornal... e depois eu pedi para eles (jornalistas) não virem mais por que eu não posso. Se eles querem, venham aqui, a velha reza�.

- �Ah, eu rezo para (ela mesma) durar bastante anos, mas com saúde. Para ajudar... pois se a vó morre, quem vai rezar como eu rezo?Então a vó reza para poder deixar a vó mais tempo, mas com saúde, doente na cama não. (...) Por que eu sei que faz falta. Se eu morrer, farei muita falta... Nossa Senhora! Todo mundo vêm aqui e diz: �ah, eu vou rezar pra vó ficar boa�, pois de vez em quando fico doente. Mas eu digo �não, mas minha doença é velhice�.�

CONTADOR DE HISTÓRIAS Auto-estima elevada - �já na igreja, no serviço da igreja... Ai, todos que tinham que anotar missa e

coisas assim, então todo este pessoal vinha comigo, eu fazia o trabalho pro padre, (...), mas todo mundo gostava (...)�.

- �(...) eu queria fazer um discurso pequeno também, foi neste ponto que foi escrito este primeiro caderno. Depois todo mundo gostou do caderno, (...) todo mundo gostou muito do serviço�.

- �Destes livros ai (escritos por ele), eu já vendo mais de cem. E, se tivesse mais cem ou mais duzentos, eu vendia mais. Não ficava nenhum (...)�.

- �É por que se ninguém tivesse dado valor, eu não tinha continuado (a escrever), mas como todo mundo tava gostando...�

- �(...) mas todo mundo gostava muito de mim até hoje, eu gosto de todos e todo mundo gosta de mim.�

ZELADORA Deixar / fazer parte de um �legado� - �Eu gostei, ensinei os meus filhos, até o mais velho é presidente de uma Igreja,

ajudou a construir uma Igreja. Tem o Luis Carlos que é da Igreja, ele é cantor, ele dirigi tudo ai da Igreja, dá catequese, crisma, faz reunião de batismo, tudo é com ele. Ele e a esposa dele. E tem a Maria de Lourdes que trabalha lá em Barreiros ela é da Igreja também, ela que cuida tudo na Igreja, ela é ministra da eucaristia, é do movimento de pessoas que fazem grupo de oração. Tem o outro lá em Joinville também. Tem o Lázaro que mora lá em Forquilhinhas também é ministro da eucaristia e ajuda a Igreja. Os meus filhos são todos iguais a mim. Todos eles, foram instruídos desde pequenininhos e hoje já ajudam a Igreja. Uns são mais, outros são menos,. Uns são meio preguiçosos e tem que dar uma puxadinha...�

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- �Desde pequeno, eles sempre foram muito unidos, se casaram mas nunca deixaram a casa... Sempre foram unidos. Quando o pai esteve doente, cada noite ficava um lá, eles fizeram reunião entre eles �hoje é esse, amanhã é esse, depois de amanhã é aquele...�. Ninguém achou ruim, todo mundo ajudou. Durante o dia ficavam as filhas e a noite os filhos.�

- �Eu conservei essa união (entre a família) e acho que eu vou conservar até morrer.�

BENZEDEIRA Deixar / fazer parte de um �legado� - �(...) ela (sua mãe) era benzedeira e fazia os remédios, ela ia longe e eles

vinham com carrinho de mola para buscá-la. (...) (aprendeu a benzer) Com a mãe dela. (...) Depois quando ela morreu, eu vim para aqui e eles sabiam que eu sabia benzer�.

- �Ah, tem que ensinar. (...) A gente tem que ensinar, mas quem vem aqui, tem o livrinho, aí quem pega o livrinho, aprende!�

- �Eles são muito bons, a vó ensinou eles (os netos). (...) E sempre digo para eles, se um for mais pobre, ajuda o outro. Um tem que ajudar o outro, que é tão bonito, todos terem. Mas tem gente que é ruim, se o irmão é pobre não ajuda. Tem que ajudar.�

CONTADOR DE HISTÓRIAS Deixar / fazer parte de um �legado� - �(desejava para os filhos) Que eles tivessem um � estudozinho� pra eles. Quem

quisesse estudar, podia estudar. Porque, dos rapazes, quatro estudavam pra fora; mas, das moças, também quatro, cinco também estudaram no colégio e uma ficou freira. (...) Os que não foram estudar, foram trabalhar de carpinteiro, pedreiro, ate tem um que tá na Palhoça, que tem uma turma que trabalha com ele, mas ele é o chefe, que trabalha pra cidade, pras praias pra todo lugar. Tem um que chegou até Major da policia. (...)Deixei a vontade, quem quer estudar, não mandava ninguém só ia quem queria�.

- �(...) pra igreja todo mundo (os filhos) gostava de ir. (...) sempre junto no domingo�.

- (...) lá naqueles tempos, a gente (a família) ia todo mundo junto pra igreja. (...) eles (os filhos) já iam por eles... já levava todo mundo junto�

- �Eu era o chefe do coral aqui (...) e depois (...) foi entrando mais gente, com mais estudo que eu, e daí eu pedi pra eles continuarem. (...) Hoje tô no coral ainda�.

- �eu gostava que (os filhos) continuassem a religião como a gente da família, por que a gente tinha fé que aquele era um meio pra gente se salvar, né? Eu praticava a religião como os pais e avôs também já tinham... e a gente gostava que filhos continuassem também. (...) Sim... (os filhos e netos) Vão sim�.

ZELADORA Prosperidade - Naquele tempo não tinha farmácia, não tinha nada aqui, era tudo deserto como

se diz, não tinha estrada, não tinha nada. (...) Depois arrumaram, fizeram o

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asfalto, daí melhorou. Começou a ficar bom. Veio a farmácia para cá e coisas que eram preciso. Antes não tinha nada.�

- �Mas naquele tempo era falta de padre, falta de condução, falta de estrada, falta de tudo. Era muito difícil. A estrada era horrível.�

- �(...) eu estudei até o primário, depois do primário eu sai da aula (...) naquela época, não tinha o �ginásio� da escola.�

- �Então eu tinha que escrever todas as cartas, porque naquele tempo não é que nem hoje, naquele tempo não tinha telefone. Eu tinha que escrever as cartas (para a família adotiva).�

- �Não, naquele tempo não era como hoje não. Naquele tempo ninguém ajudava como hoje, a prefeitura não ajudava, naquele tempo não... ninguém ajudava. Hoje as pessoas ajudam, fazem bingo, fazem isso fazem aquilo. Mas naquele tempo não, naquele tempo era cada um para si... Não, naquele tempo a comunidade não era assim como é hoje.�

BENZEDEIRA Prosperidade - �E ele (filho) veio aqui e comprou esse chão de casa (...). Aí fizemos aquela

casinha de madeira ali e ficamos morando ali. O terreno (antigo) está lá ainda, o terreno está lá no sítio... Tem gado, tem galinha e tudo. Fica perto, é atrás desse morro... (...) Aí então viemos morar aqui (casa de alvenaria) (...)�.

CONTADOR DE HISTÓRIAS Prosperidade Individual - �(...) eu casei em janeiro e comprei o terreno em setembro no mesmo ano (...)�. - �Eu tinha terreno pra trabalhar em casa, no terreno do meu pai, mas depois a

gente já tem um dinheirinho e já queria comprar um terreno.� - �A casa nova nós começamos em 13 de dezembro (...) de 1961 e em 62 foi

pronta... em 62... no mesmo dia, já colocamos luz elétrica, no mesmo dia. Dividimos lá em baixo, lá na roça pra ficar tudo iluminadinho. Trinta e seis lâmpadas até 1977, quando foi posta a luz de fora. (...) Nós tínhamos um motor, e um dínamo, pra fazer a eletricidade�.

- �Primeiro foi à casinha lá em baixo, depois ali em cima maior, depois esta aqui e depois esta ali, que tá melhorando...�

- �O meu serviço de escrever (...) todas as famílias gostaram de ler o caderno, tudo anotado bem direitinho, então foi indo assim e eu continuei a escrever. E depois, (...) o meu filho bateu com a maquina (...), mas depois na prefeitura foi feito com computador (...)�.

Coletiva - �Nada, aqui não tinha nada�. (referindo-se a serviços públicos e infra-

estrutura, há 70 anos) - �Hoje em dia é mais fácil, no tempo antigo pra nós assistir uma missa tinha que

ir pra São Pedro de Alcântara lá do outro lado do morro, hoje é tudo mais perto, tem missa aqui por perto (...)�.

- �(...) naqueles tempos, o hospital era tudo pago (...)�.

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8 - CELEBRAÇÃO

ZELADORA

- �Os meus filhos, a união da minha família, tudo isso me traz alegria. As festas que a gente faz em casa. Sempre fui de festejar o aniversário dos filhos, da família e tudo isso traz alegria, isso traz vida. Se a pessoa não faz festa, não faz nada, não traz alegria. Isso tudo é alegria, isso tudo traz vida, acho que por isso que eu ainda estou vivendo.�

- �(...) na casa onde eu morava já tinham esse hábito de festejar aniversário, começo do ano, Natal, essas coisas. Eu me casei e continuei com os mesmo hábitos, o mesmo sistema.�

- �Tinha festa de São Pedro, São Paulo, tinha dança, a gente dançava e se divertia. Tinha a festa de Santa Maria, tinham os padroeiros das Igrejas, então eles faziam a festa e depois tinha dança. A festa era na Igreja e depois que acabava a festa tinha dança nos salões das casas onde eles faziam a festa. A gente dançava e se divertia(...)�

- �O encontro de Idosos, nós temos toda 5ª feira o encontro de Idosos... É ligado a Igreja, ao Posto, a Prefeitura. A Prefeitura dá assistência.�

BENZEDEIRA - �Tinha (todos os domingos)... Tinha baile, tinha missa... Domingo ia à missa,

voltava pra casa, de tarde ia dançar...� - �Dançávamos que nos acabávamos, sabíamos dançar, nós éramos

�dançadeiras�, todos dançavam conosco.�

CONTADOR DE HISTÓRIAS - �Por que eram os negociantes que faziam (as festas) e durante a semana era

escolhido um dia pra fazer pra igreja, e depois mudou, domingo pra negociante e domingo depois pra igreja�.

- �Em 1867, tinha chegaram os primeiros colonos aqui em �Rachadel�, então em 1967 nos fizemos a Festa do centenário�.

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9 - ESPERANÇA ZELADORA

- �Eu sempre esperava que um dia eu seria feliz, mas de que jeito eu não sei... Eu imaginava que mais tarde iria casar, encontrar um bom casamento... ter filhos e ajudar a minha família (...) Eu nunca pensei em trabalhar fora, porque quem tem uma família que nem eu tive tem que estar a par com eles em casa para educar, para cuidar.�

- �(meu desejo) É chegar aos 90 anos para não deixar os meus filhos... (...) Até os 100 anos eu não vou viver. Seu eu for até os 90 dou graças a Deus.�

- �(Quero continuar) Fazendo o meu servicinho, fazendo a minha comidinha, quando vem visita eu faço comida, faço o meu pãozinho, lavo a minha roupa, tô fazendo, não quero perder as minhas energias, não. Por enquanto quero conservar.�

- �(Quero) Curtir a vida, curtir a família. O que eu vou querer mais? Trabalhar não posso mais, só serviço assim em casa, servicinho leve, mas se for para eu enfrentar como eu enfrentava já não enfrento mais, minhas forças estão perdidas.�

- �Eu acho que as coisas quando são para acontecer já estão no caminho da gente.�

- �(...) sempre esperava a felicidade. Nunca desanimei.�

BENZEDEIRA - �É, eu vou fazer 100 anos, vou fazer uma festa...� - �Daqui para frente?(...) Rezar, ter fé em Deus. (...) continuar trabalhando. (...)

Trabalhando, fazendo comida, rezando, andando ao redor de casa. Mas rezando, (...) benzendo as pessoas.�

CONTADOR DE HISTÓRIAS - �Traz uma grande esperança (rezar e freqüentar a igreja), por que quando a

gente sair daqui vai pra outro lugar, aí pode encontrar um lugar melhor, mais feliz�.

- �(...) eu estou escrevendo ainda, pra no fim do ano lançar um livro (...)�. - �(...) depois que eu comprei este terreno, eu disse: �eu não vou nunca mais sair

daqui� (...)�. - �Ele (Deus) tá pra me mandar o que tem pra fazer ainda, tá pra aparecer; por

que acabando uma coisa já aparece outra pra eu escrever, agora já tem três coisas ali e só eu ter tempo que eu vou fazer ainda, o que não vai dar tempo fica como tá, mas já acabando um eu já escrevo o outro�.

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