universidade federal de santa catarina centro … · admiração por vocês. obrigada por fazerem...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM CURSO DE DOUTORADO FABIANE FERRAZ CONTEXTO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DAS COMISSÕES PERMANENTES DE INTEGRAÇÃO ENSINO- SERVIÇO: PERSPECTIVA DOS SUJEITOS SOCIAIS PAUTADA NA CONCEPÇÃO DIALÓGICA DE FREIRE FLORIANÓPOLIS 2011

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CINCIAS DA SADE

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM CURSO DE DOUTORADO

    FABIANE FERRAZ

    CONTEXTO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DAS COMISSES PERMANENTES DE INTEGRAO ENSINO-

    SERVIO: PERSPECTIVA DOS SUJEITOS SOCIAIS PAUTADA NA CONCEPO DIALGICA DE FREIRE

    FLORIANPOLIS 2011

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    FABIANE FERRAZ

    CONTEXTO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DAS COMISSES PERMANENTES DE INTEGRAO ENSINO-

    SERVIO: PERSPECTIVA DOS SUJEITOS SOCIAIS PAUTADA NA CONCEPO DIALGICA DE FREIRE

    Tese apresentada Banca Examinadora como requisito parcial para obteno do Ttulo de Doutor no Curso de Doutorado em Enfermagem, do Programa de Ps-Graduao em Enfermagem rea de Concentrao: Filosofia, Sade e Sociedade, da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientadora: Prof Dr Vnia Marli Schubert Backes Coorientador: Prof. Dr. Francisco Javier Mercado-Martinez Linha de Pesquisa: Educao, Sade e Enfermagem

    FLORIANPOLIS 2011

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    DDeeddiiccoo eessttee ttrraabbaallhhoo

    aaooss pprrooffiissssiioonnaaiiss ddaa ssaaddee qquuee aaccrreeddiittaamm nnoo SSUUSS,, bbuussccaamm ee ccoommppaarrttiillhhaamm ccoonnhheecciimmeennttooss ee

    lluuttaamm ppaarraa ffaazzeerr eessssaa rreeaalliiddaaddee aaccoonntteecceerr;;

    aaoo AAnnddrr DDee LLuuccaa ddooss SSaannttooss,, ppeelloo aappooiioo iinnccoonnddiicciioonnaall aaoo mmeeuu pprroocceessssoo ddee

    ccoonnssttrruuoo ddee ccoonnhheecciimmeennttoo,, ppeelloo sseeuu aammoorr ee ppoorr mmee ffaazzeerr ccaaddaa ddiiaa mmaaiiss ffeelliizz..

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    AAggrraaddeeoo......

    AA DDeeuuss por sempre designar Espritos de Luz, que me acompanham durante toda a minha caminhada, auxiliando-me a transformar dificuldades em lies, permitindo-me evoluir constantemente.

    AAooss mmeeuuss ppaaiiss ,, WWiillmmaarr ee IIrraacceemmaa, por tudo o que me ensinaram e por compreenderem minhas ausncias. Sei que, se hoje estou onde estou, e sou quem eu sou, foi porque vocs criaram-me para enfrentar o mundo. PPaaii, obrigada pelo seu exemplo de tolerncia, desprendimento, humildade, generosidade, trabalho, respeito e altrusmo. MMee, obrigada pelos seus exemplos de perseverana, determinao, trabalho e fora. Que Deus abenoe sempre vocs! Amo muito vocs!

    Ao AAnnddrr DDee LLuuccaa ddooss SSaannttooss, por todo o apoio, incentivo, amor e compreenso. Agradeo a Deus todos os dias por voc existir na minha vida. Com muito amor... Obrigada!

    AAooss mmeeuuss oorriieennttaaddoorreess,, DDrraa.. VVnniiaa BBaacckkeess ee DDrr.. FFrraanncciissccoo MMeerrccaaddoo,, por todos os ensinamentos, pela tolerncia, pela seriedade, pelo companheirismo, pelo respeito, pelo comprometimento, pela dedicao e amizade. Agradecer muito pouco... Gostaria de deixar registrado o meu profundo respeito e admirao por vocs. Obrigada por fazerem parte da minha vida! Que o Papai do Cu sempre abenoe, proteja e ilumine vocs! Abraos carinhosos de agradecimento.

    mmiinnhhaa iirrmm FFeerrnnaannddaa ee mmeeuu ssoobbrriinnhhoo JJoooo VVccttoorr,, agradeo a Deus todos os dias, por ter me permitido compartilhar essa existncia com vocs. Obrigado por vocs existirem na minha vida e por compreenderem minhas ausncias! Amo vocs!

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    TTeerreessiinnhhaa DDee LLuuccaa ddooss SSaannttooss,, minha sogra-me, que me acolheu em sua casa no perodo de coleta das informaes, me incentivou e me auxiliou na construo dos painis que guiaram o processo de codificao da investigao. Para mim, voc um exemplo de fora, determinao, perseverana, amor e dedicao, admiro-a profundamente! Muito obrigada por tudo! Que Deus lhe abenoe e ilumine sempre!

    Aos meus tios, tias, primos, primas, cunhados, cunhada, v Esmeralda e v Jorge, por toda a fora, torcida e oraes, neste percurso da minha vida. Obrigada!

    AA ttooddooss ooss mmeeuuss aammiiggooss ee aammiiggaass,, que distantes ou bem de pertinho, torcem e acreditam no meu potencial, agradeo por vocs existirem na minha vida, dando-me alegrias, carinho, compreenso e equilbrio;

    AAooss ccoolleeggaass ddoo ddoouuttoorraaddoo,, agradeo a vocs por toda confiana, tolerncia, respeito, fora, companheirismo e alegrias. Obrigada por vocs terem feito parte da minha vida nesta caminhada, que Deus sempre guie todos vocs e permita que realizem tudo o que almejam... Sejam felizes!

    AAoo PPrrooggrraammaa ddee PPss--GGrraadduuaaoo eemm EEnnffeerrmmaaggeemm ee pprrooffeessssoorreess ddoo ccuurrssoo, pelo apoio, pela amizade, pela confiana, pelo incentivo e pelo conhecimento compartilhado durante a minha formao. Sou profundamente grata!

    Ao pessoal ttccnniiccoo--aaddmmiinniissttrraattiivvoo ddoo PPEENN//UUFFSSCC,, eemm eessppeecciiaall CCllaauuddiiaa,, FFrraanncciinnii,, TTaattiiaannee,, ee RReennaattaa,, que nunca mediram esforos para realizar o que eu solicitava, muito obrigada por tudo!

    Ao DDiirreettoorr ddaa DDEEPPSS FFllvviioo -- ee aaoo CCoooorrddeennaaddoorr ddaa DDEEPP FFeerrnnaannddoo, pelo apoio no processo de desenvolvimento da pesquisa. Muito obrigada!

    Aos ssuujjeeiittooss ddaa ppeessqquuiissaa, pela disponibilidade e seriedade ao participar do estudo. Aprendi muito com todos vocs! Muito Obrigada!

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    Aos MMeemmbbrrooss ddaa BBaannccaa, pessoas especiais por quem eu tenho profunda admirao, carinho e respeito. Agradeo por aceitarem participar da minha construo de conhecimento. Muito obrigada pelo incentivo, contribuies, estmulo e carinho presentes ao longo desta caminhada.

    AAooss ccoolleeggaass ee pprrooffeessssoorreess ddoo GGrruuppoo ddee PPeessqquuiissaa EEdduuccaaoo eemm EEnnffeerrmmaaggeemm ee SSaaddee EEDDEENN//PPEENN//UUFFSSCC,, agradeo a disposio em compartilhar conhecimentos e experincias. Muito obrigada por todas as contribuies para construo deste trabalho! Em especial colega MMnniiccaa pela disponibilidade em compartilhar conhecimentos e me auxiliar nas revises e formatao desse trabalho e s colegas BBrruunnaa,, DDiiaannaa ee DDaaiiaannaa pelo apoio no processo de transcrio das gravaes. Que o Papai do Cu esteja sempre entre vocs - lhes inspirando e harmonizando. Abraos carinhosos...

    DDrraa.. LLeettcciiaa RRoobblleess ee aaooss ccoolleeggaass ddaa UUnniivveerrssiiddaadd ddee GGuuaaddaallaajjaarraa MMxxiiccoo,, pelo acolhimento, pela ateno e pela disponibilidade em compartilhar conhecimentos no perodo do Doutorado Sandwich. Muchas gracias!

    Ao CCoonnsseellhhoo NNaacciioonnaall ddee DDeesseennvvoollvviimmeennttoo CCiieennttffiiccoo ee TTeeccnnoollggiiccoo -- CCNNPPqq, pelo apoio financeiro por meio de uma Bolsa de Doutorado no pas, ao longo do curso, e pela Bolsa de Doutorado Sandwich que me possibilitou uma experincia acadmica de seis meses junto ao meu coorientador no exterior.

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    UUttooppaa [[]] eellllaa eesstt eenn eell hhoorriizzoonnttee.. MMee aacceerrccoo ddooss ppaassooss,,

    eellllaa ssee aalleejjaa ddooss ppaassooss.. CCoommiinnoo ddiieezz ppaassooss yy eell hhoorriizzoonnttee ssee

    ccoorrrree ddiieezz ppaassooss mmss aallll.. PPoorr mmuucchhoo qquuee yyoo ccaammiinnee,, nnuunnccaa llaa

    aallccaannzzaarr.. PPaarraa qquu ssiirrvvee llaa uuttooppaa?? PPaarraa eessoo ssiirrvvee:: ppaarraa

    ccaammiinnaarr (Eduardo Galeano)

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    FERRAZ, Fabiane. Contexto e processo de desenvolvimento das Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio: perspectiva dos sujeitos sociais pautada na concepo dialgica de Freire, 2011. Tese (Doutorado em Enfermagem) Programa de Ps-Graduao em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2011. 421 p. Orientadora: Prof Dr Vnia Marli Schubert Backes Coorientador: Prof. Dr. Francisco Javier Mercado-Martinez Linha de Pesquisa: Educao, Sade e Enfermagem

    RESUMO

    Em 2004, foi instituda a Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade(PNEPS) no Brasil. Aps sua avaliao e reviso, foi aprovada, em 2007, a Portaria no 1.996/07, que instituiu a conduo da PNEPS pelos Colegiados de Gesto Regional(CGR), com apoio das Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio(CIES) formadas por representantes da gesto, ateno, ensino e controle social. Atualmente, em Santa Catarina(SC), a conduo locorregional da PNEPS realizada por 16 CGR e 16 CIES, sendo a Diretoria de Educao Permanente em Sade o rgo responsvel pela PNEPS no Estado. O estudo teve como objetivos gerais analisar como se efetiva a estratgia de desenvolvimento Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio da PNEPS, na perspectiva dos sujeitos sociais envolvidos em duas comisses que realizam aes, produzindo ou no, mudanas que contemplam a referida poltica; estimular a ao-reflexo-ao no processo de trabalho das CIES, a partir dos temas geradores que surgirem, por meio da concepo dialgica de Paulo Freire. Estudo qualitativo, do tipo pesquisa-participante, desenvolvido atravs da adequao da Investigao Temtica(IT) elaborada por Freire. A IT ocorreu de maio-dezembro/2009 e envolveu 56 membros de duas CIES de SC/Brasil. Aps a formao de dois crculos de investigao, os membros de cada CIES participaram das etapas levantamento dos temas geradores, codificao, decodificao e desvelamento crtico da realidade. A observao participante e o dilogo foram as principais tcnicas de coleta de informaes. A anlise qualitativa dos dados ocorreu concomitante coleta e as informaes que emergiram nos crculos foram agrupadas em quatro temticas que compuseram os resultados. A investigao foi aprovada no Comit de tica da SES/SC, processo no 0028.1604-09. A primeira temtica dos resultados foi

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    aspectos organizacionais, estruturais e relacionais do contexto das CIES e evidenciou a proposta de reviso do plano regional de educao permanente em sade e do regimento interno das CIES, a necessidade de melhorar a estrutura e divulgao das CIES e a superao das relaes de opresso atravs do empoderamento. O conhecimento dos sujeitos sociais das CIES sobre a PNEPS emergiu da percepo da maioria dos participantes sobre o seu limitado conhecimento da PNEPS, ainda refletiram a inexistncia de estruturas nos municpios que se responsabilizem pela articulao e disseminao de conhecimento sobre a PNEPS e, a deficincia de ferramentas de divulgao das CIES e da poltica. A temtica participao e envolvimento dos sujeitos sociais nas CIES emergiu do processo reflexivo sobre a dificuldade de participao e envolvimento dos segmentos gestor, ensino e controle social nas CIES. A ltima temtica gesto dos recursos financeiros da PNEPS destinados s CIES apresentou como desafios a serem superados a burocratizao, a indefinio de formas de gesto financeira e a morosidade que permeia as estruturas pblicas regionais responsveis pela gesto dos recursos. A IT permitiu aos membros das CIES deixarem a posio de sujeitados para assumir a de sujeitos sociais dentro das comisses, implicados com o desafio de buscar conhecimento e fazer as mudanas necessrias na realidade dos servios e comunidades atravs da compreenso de que a EPS pode e deve ser uma ferramenta de gesto para essa finalidade.

    Palavras-chave: Educao Continuada. Capacitao de Recursos Humanos em Sade. Poltica de Sade. Sistema nico de Sade. Financiamento em sade. Pesquisa participativa baseada na comunidade.

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    FERRAZ, Fabiane. Context and development process of the Permanent Committees Integration Service-Learning: a perspective of social subjects based on Freire's dialogical conception, 2011. (Doctorate in Nursing) Post Graduation Course in Nursing, Federal University of Santa Catarina, Florianpolis, 2011. 421 p. Advisors: Dra. Vnia Marli Schubert Backes; Francisco Javier Mercado-Martinez.

    ABSTRACT

    In 2004, there was established the National Policy on Permanent Education in Health (NPPEH) in Brazil. After its evaluation and review, was approved in 2007, the Ordinance n. 1.996/07, which established the conduct of the NPPEH by the Regional Management Collegiates (RMC), with support of the Permanent Integration Committees of Service and Learning (ICLS), formed by representatives from management, care, education and social control. Currently, in Santa Catarina (SC), the conduction of NPPEH at a regional level is performed by 16 RMC and 16 ICLS, and the Directorate of Continuing Education in Health is the public agency responsible for the NPPEH in the State. The study aimed to examine how the NPPEH development strategy is established - Permanent Integration Committees of Service and Learning - from the perspective of those involved in two committees that carry out actions, producing or not, changes that come with the policy; stimulate the action-reflection-action in the ICLS work process, from generating themes that emerge through the Paulo Freires dialogical conception. A qualitative study, participant research like, developed through the adaptation of the Thematic Research (TR) prepared by Freire. The TR happened from May to December 2009 and involved 56 members from two ICSLs in SC, Brazil. After the formation of two research groups, members of each ICSLs involved, attended the survey of the generators themes, encoding, decoding, and critical disclosure of reality. Participant observation and dialogue were the main techniques for gathering information. The qualitative data analysis occurred concurrently with data collection and information that emerged from the circles were grouped into four themes that made up the results. The investigation was approved by the Ethics Committee of SES/SC process n. 0028.1604-09. The first theme of the results was "organizational, structural and relational context of ICSLs and highlighted the proposed revision of the regional plan of continuing

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    education in health and ICSLs bylaws, the need to improve the structure and disclosure of ICSLs and overcoming the oppressive relations through empowerment. In "Knowledge of the social subjects in ICSLs about NPPEH emerged from the perception of most participants about their limited knowledge about NPPEH; also they reflected the absence of structures in the cities that are responsible for the coordination and dissemination of knowledge about NPPEH and the lack of information tools of ICSLs and politics. The theme "participation and involvement of social subjects on ICSLs" emerged from the reflective process about the manager, education and social control segments difficulty of involvement at ICSLs. The last theme "Managing financial resources from NPPEH allocated to the ICSLs" presented as challenges to be overcome the bureaucracy, the blurring of forms of financial management and slow progress that permeates the regional public structures responsible for management of resources. The TR allowed the ICSLs members to leave the position of submissive to assume the position of social subjects inside the committees involved with the challenge of seeking knowledge and make the necessary changes in the reality of services and communities through understanding that EPS can and should be a management tool for this purpose.

    Keywords: Education, Continuing. Health Human Resource Training. Health Policy. Unified Health System. Financing, Health. Community-Based Participatory Research.

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    FERRAZ, Fabiane. Contexto y proceso de desarrollo de las Comisiones Permanentes de Integracin Enseanza-Servicio: perspectiva de los actores sociales pautada en la concepcin dialgica de Freire, 2011. Tesis (Doctorado en Enfermera) Corso de Posgrado en Enfermera, Universidad Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2011.421 p. Tutores: Vnia Marli Schubert Backes; Francisco Javier Mercado-Martinez.

    RESUMEN

    En 2004, fue instituida la Poltica Nacional de Educacin Permanente en Salud (PNEPS) en el Brasil. Despus de su evaluacin y revisin, fue aprobada, en 2007, la Ordenanza n. 1.996/07, que defini la conduccin de la PNEPS por los Colegiados de Gestin Regional (CGR), con apoyo de las Comisiones de Integracin Enseanza-Servicio (CIES) formadas por los representantes de la gestin, atencin, enseanza y comunidad. Actualmente, en Santa Catarina (SC), la conduccin regional de la PNEPS ocurre por 16 CGR y 16 CIES, siendo la Direccin de Educacin Permanente en Salud (DEPS) el rgano responsable por la PNEPS en la Provincia. El estudio tuve como objetivos generales analizar cmo se efectiva la estrategia de desarrollo - Comisiones de Integracin Enseanza-Servicio de la PNEPS, en la perspectiva de los actores sociales involucrados en dos comisiones que realizan acciones, produciendo o no, cambios que contemplan la referida poltica; estimular la accin-reflexin-accin en el proceso de trabajo de las CIES, a partir de los temas generadores que surgieren, por medio de la concepcin dialgica de Paulo Freire. Estudio cualitativo, del tipo pesquisa participante, desarrollado por medio de la adecuacin de la Investigacin Temtica (IT) elaborada por Freire. La IT ocurri de Mayo-Diciembre/2009 y involucr 56 miembros de dos CIES de SC/Brasil. Despus de la formacin de dos crculos de investigacin, los miembros de cada CIES participarn de las etapas: levantamiento de los temas generadores, codificacin, decodificacin y desvelamiento crtico de la realidad. La observacin participante y el dilogo fueran las principales tcnicas de recogida de informaciones. El anlisis cualitativo de los datos ocurri concomitante a la recogida y, las informaciones que surgirn en los crculos, fueran agrupadas en cuatro temticas que estructuraran los resultados. La investigacin fue aprobada en el Comit de tica de la SES/SC, proceso n. 0028.1604-09. La primera temtica de los resultados fue aspectos

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    organizacionales, estructurales y relacionales del contexto de las CIES y evidenci la propuesta de revisin de la Planificacin Regional de Educacin Permanente en Salud y del Regimiento Interno de las CIES, la necesidad de mejorar la estructura y divulgacin de las CIES y la superacin de las relaciones de opresin por medio del empoderamiento. El conocimiento de los actores sociales de las CIES sobre la PNEPS surgi de la percepcin de la mayora de los participantes sobre el su limitado conocimiento de la PNEPS, todava reflexionaran la inexistencia de estructuras en los municipios que se responsabilizan por la articulacin y diseminacin de conocimiento sobre la PNEPS y, la deficiencia de herramientas de divulgacin de las CIES e de la poltica. La temtica participacin y involucramiento de los actores sociales en las CIES surgi del proceso de reflexin sobre la dificultad de participacin e involucramiento de los segmentos gestor, enseanza y comunidad en las CIES. La ltima temtica gestin de los recursos financieros de la PNEPS destinados a las CIES present como desafos que necesitan cambios: la burocratizacin, la indefinicin de formas de gestin financiera y la morosidad que permea las estructuras pblicas regionales responsables por la gestin de los recursos. La IT permiti a los miembros de las CIES largaren la posicin de sujetados para asumir a de actores sociales en el interior de las comisiones, implicados con el desafo de buscar el conocimiento y hacer los cambios necesarios en la realidad de los servicios y comunidad por medio de la comprensin de que la EPS puede y debe ser una herramienta de gestin para esa finalidad.

    Palabras-clave: Educacin Continua. Capacitacin de Recursos Humanos en Salud. Poltica de Salud. Sistema nico de Salud. Financiacin de la Salud. Investigacin Participativa Basada en la Comunidad.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 4.1: Composio inicial dos Crculos de Investigao. ......... 162

    Figura 4.2: Levantamento dos Temas Geradores nos Crculos de Investigao......................................................................................... 166

    Figura 4.3: Codificao dos Temas Geradores nos Crculos de Investigao......................................................................................... 170

    Figura 4.4: Decodificao e Desvelamento Crtico da realidade dialogada a partir do Levantamento dos Temas Geradores nos Crculos de Investigao. .................................................................... 174

    Figura 5.1: Distribuio dos Colegiados de Gesto Regional e das Comisses de Integrao Ensino-Servio no Estado de Santa Catarina no ano de 2009, em destaque as CIES participantes do estudo. .......... 179

    Figura 5.2: Esquema terico-metodolgico do Crculo de Investigao e das etapas da Investigao Temtica. .......................... 196

    Figura 5.3: Esquema metodolgico dos passos realizados para o desenvolvimento da Investigao Temtica na CIES Grande Florianpolis. ...................................................................................... 200

    Figura 5.4: Esquema metodolgico dos passos realizados para o desenvolvimento da Investigao Temtica na CIES Carbonfera. .... 201

    Figura 5.5: Painel de apresentao da realidade codificada na CIES Grande Florianpolis........................................................................... 218

    Figura 5.6: Painel de apresentao da realidade codificada na CIES Carbonfera.......................................................................................... 219

    Figura 5.7: Esquema das grandes temticas estruturadas a partir dos temas geradores que emergiram dos Crculos de Investigao no processo da anlise dos dados da Investigao Temtica.................... 230

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 3.1 - Distribuio dos artigos publicados em peridicos classificados por rea de concentrao, avaliao no Qualis/CAPES-2009..................................................................................................... 115

    Tabela 3.2 - Distribuio de teses e dissertaes segundo regio geogrfica e instituies de ensino superior no Brasil, no perodo de 2000-2010. .......................................................................................... 117

    Tabela 3.3 - Distribuio dos programas ou polticas de educao permanente em sade no Brasil analisados segundo abordagem metodolgica, no perodo de 2000-2010. ............................................ 118

    Tabela 3.4 - Distribuio dos programas ou polticas de educao permanente em sade analisados segundo regio geogrfica do Brasil, no perodo de 2000-2010. ........................................................ 119

    Tabela 5.1 Nmero de sesses especficas do Crculo de Investigao para realizao das etapas da Investigao Temtica e de reunies gerais das CIES em que estive presente como participante-observadora durante o estudo. ............................................................. 183

    Tabela 5.2 Caractersticas dos participantes da pesquisa na CIES Grande Florianpolis........................................................................... 186

    Tabela 5.3 Caracterstica dos participantes da pesquisa na CIES Carbonfera.......................................................................................... 187

    Tabela 5.4 - Nmero total de participantes dos Crculos de Investigao nas sesses especficas em que foram realizadas as etapas da Investigao Temtica. ................................................................... 188

    Tabela 5.5 - Participao dos membros da CIES Grande Florianpolis nas sesses especficas em que foram realizadas as etapas da Investigao Temtica. ........................................................ 188

    Tabela 5.6 - Participao dos membros da CIES Carbonfera nas sesses especficas em que foram realizadas as etapas da Investigao Temtica......................................................................... 189

    Tabela 5.7 Nmero total de participaes dos membros das CIES nas sesses especficas do Crculo de Investigao e nas reunies gerais. .................................................................................................. 191

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    Tabela 6.1.1 - Caractersticas gerais das duas CIES do Estado de Santa Catarina participantes da investigao, em 2009. ..................... 250

    Tabela 6.1.2 - Aspectos sobre o contexto estadual dialogados nos Crculos de Investigao das CIES. .................................................... 253

    Tabela 6.1.3 - Aspectos da organizao das CIES dialogados nos Crculos de Investigao. .................................................................... 255

    Tabela 6.1.4 - Aspectos da infraestrutura dialogados nos Crculos de Investigao das CIES.................................................................... 260

    Tabela 6.1.5 - Aspectos relacionais dialogados nos Crculos de Investigao das CIES. ....................................................................... 263

    Tabela 6.2.1 - Conhecimento dos sujeitos sociais participantes das CIES sobre a PNEPS, dialogados nos crculos de investigao.......... 280

    Tabela 6.2.2 - Estruturas organizadas em nvel de Secretarias Municipais de Sade responsveis pela PNEPS dialogados nos crculos de investigao. ..................................................................... 284

    Tabela 6.2.3 - Ferramentas de divulgao das CIES e PNEPS dialogados na investigao temtica. .................................................. 288

    Tabela 6.3.1 - Participao dos gestores nas CIES dialogada nos Crculos de Investigao. .................................................................... 303

    Tabela 6.3.2 - Participao do controle social nas CIES dialogada nos Crculos de Investigao............................................................... 306

    Tabela 6.3.3 - Participao das IES nas CIES dialogada nas Investigaes Temticas. .................................................................... 309

    Tabela 6.3.4 - Envolvimento dos membros das CIES e a PNEPS, dialogado nos Crculos de Investigao. ............................................. 312

    Tabela 6.4.1 - Estruturao regional do processo de Educao Permanente em Sade, segundo diretrizes operacionais e Pacto pela Sade. .......................................................................................... 323

    Tabela 6.4.2 - Aspectos relacionados gesto dos recursos financeiros destinados pela PNEPS s CIES, dialogados nos crculos de investigao.................................................................................... 330

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    LISTA DE SIGLAS

    BIRD - Banco Internacional para Reconstruo e Desenvolvimento

    BVS/BIREME - Biblioteca Virtual em Sade CADRHU - Projeto de Capacitao em Desenvolvimento de

    Recursos Humanos de Sade CAPES - Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de

    Nvel Superior CCS - Centro de Cincias da Sade CGR - Colegiado de Gesto Regional CIB - Comisso Intergestores Bipartite CIES - Comisses Permanentes de Integrao Ensino-

    Servio CLS - Conselho Local de Sade CMS - Conselho Municipal de Sade CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento

    Cientfico e Tecnolgico CNS - Conselho Nacional de Sade COMUT - Servio de Comutao Bibliogrfica DEGES - Departamento de Gesto da Educao na Sade DEGETS - Departamento de Gesto e da Regulao do

    Trabalho em Sade DEP - Diviso de Educao Permanente DEPS - Diretoria de Educao Permanente em Sade DGRS - Direccin General de Enseanza en Salud EAD - Educao Distncia EDEN - Grupo de Pesquisa em Educao em

    Enfermagem e Sade EFOS - Escola de Formao em Sade EPS - Educao Permanente em Sade ESF - Estratgia de Sade da Famlia ET-SUS - Escolas Tcnicas do SUS FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador FMI - Fundo Monetrio Internacional GEPES - Grupo de Estudos e Pesquisa em Enfermagem e

    Sade GERSA - Gerncia Regional de Sade

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    GERUS - Projeto de Desenvolvimento Gerencial de Unidades Bsicas do Sistema nico de Sade

    GM - Gabinete Ministerial IT - Investigao Temtica LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional MEC - Ministrio da Educao MINSAP - Ministerio de la Salud Pblica MS - Ministrio da Sade NOB - Norma Operacional Bsica NOB/RH/SUS - Norma Operacional Bsica de Recursos

    Humanos para o Sistema nico de Sade OMS - Organizao Mundial da Sade OPAS* - Organizao Pan-Americana de Sade PAREPS - Planos de Ao Regional de Educao

    Permanente em Sade PDRH - Programa de Desenvolvimento de Recursos

    Humanos PDR - Plano de Desenvolvimento Regional PEEPS - Plano Estadual de Educao Permanente em

    Sade PEN - Programa de Ps-Graduao em Enfermagem Pet-Sade - Programa de Educao pelo Trabalho para a

    Sade PNEPS - Poltica Nacional de Educao Permanente em

    Sade PNEPS-CS/SUS

    - Poltica Nacional de Educao Permanente para o Controle Social no Sistema nico de Sade

    PNH - Poltica Nacional de Humanizao Plos CFEP/ESF

    - Plos de Capacitao, Formao e Educao Permanente de Sade da Famlia

    PPREPS - Programa de Preparao Estratgica de Pessoal da Sade

    PREV-SADE - Programa Nacional de Servios Bsicos de Sade PROFAE - Projeto de Profissionalizao dos Trabalhadores

    da rea de Enfermagem Profaps - Programa de Formao na rea de Educao

    Profissional em Sade

    ____________ * Nas citaes ao longo do texto, a sigla est apresentada na maioria das vezes como OPS (Organizacin Panamericana de Salud). Isso se deve ao fato de que as referncias utilizadas esto no idioma espanhol, logo, h necessidade de manter a sigla no idioma de origem.

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    ProgeSUS - Programa de Qualificao e Estruturao da Gesto do Trabalho e da Educao no SUS

    Pr-Sade - Programa Nacional de Reorientao da Formao Profissional em Sade

    PSF - Programa de Sade da Famlia REFORSUS - Reforo Reorganizao do SUS SC - Santa Catarina SDR - Secretaria de Estado de Desenvolvimento

    Regional SES** - Secretaria de Estado da Sade SGTES - Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao

    na Sade SS - Secretara de Salud SUS - Sistema nico de Sade TCI - Termo de Consentimento para uso de Imagens TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina UFSM - Universidade Federal de Santa Maria Una-SUS - Universidade Aberta do SUS UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a

    Educao, a Cincia e a Cultura

    ____________ ** A sigla SES pode ser compreendida como Secretaria Estadual de Sade ou Secretaria de Estado da Sade. A mudana ocorre em cada Estado da federao conforme definio pr-estabelecida em documentos oficiais. No estado de Santa Catarina, a denominao oficial Secretaria de Estado da Sade.

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    LISTA DE APNDICES

    APNDICE 1 - Matriz 1 - organizao e anlise dos dados da reviso integrativa de literatura........................................................................ 385

    APNDICE 2 - Guia de Observao Participante .............................. 387

    APNDICE 3 - Resumo do Projeto entregue aos Participantes da Investigao......................................................................................... 389

    APNDICE 4 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......... 395

    Termo de Consentimento para Imagens e/ou Gravaes .................... 395

    APNDICE 5 - Dinmica de Apresentao dos Participantes e Contrato do Crculo de Investigao ............................................... 399

    APNDICE 6 - Dinmica de Investigao dos Temas Geradores CIES Grande Florianpolis ................................................................. 401

    APNDICE 7 - Dinmica 1 de Investigao dos Temas Geradores CIES Carbonfera ................................................................................ 403

    APNDICE 8 - Dinmica 2 de Investigao dos Temas Geradores........................................................................................... 405

    APNDICE 9 - Dinmica de Codificao e Decodificao......... 409

    APNDICE 10 - Dinmica de Avaliao Final do Processo de Investigao Temtica......................................................................... 413

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    LISTA DE ANEXOS

    ANEXO 1 - Organograma da Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade.............................................................................. 417

    ANEXO 2 - Instruo Normativa 06/PEN/2009, de 02 de dezembro de 2009................................................................................................ 419

    ANEXO 3 - Parecer de Aprovao da Pesquisa no Comit de tica em Pesquisa com Seres Humanos da Secretaria de Estado da Sade de Santa Catarina................................................................................. 421

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    SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS ......................................................................... 21

    LISTA DE TABELAS......................................................................... 23

    LISTA DE SIGLAS............................................................................. 25

    LISTA DE APNDICES .................................................................... 29

    LISTA DE ANEXOS........................................................................... 31

    1 INTRODUO ................................................................................ 35

    2 CONTEXTUALIZAO DO TEMA............................................ 43 2.1 RESGATE HISTRICO DE POLTICAS E PROGRAMAS DE FORMAO DE RECURSOS HUMANOS E A EDUCAO PERMANENTE EM SADE NA REGIO DAS AMRICAS ......... 43 2.1.1 PRINCPIOS TERICO-METODOLGICOS DA EDUCAO PERMANENTE EM SADE ASSUMIDOS PELA OPAS/OMS A PARTIR DA DCADA DE 80 DO SCULO XX............................... 57 2.1.2 PROPOSTAS DE EDUCAO PERMANENTE EM SADE DESENVOLVIDAS NA REGIO DAS AMRICAS ........................ 63 2.2 POLTICAS E PROGRAMAS DE FORMAO DE RECURSOS HUMANOS NO BRASIL E A EDUCAO PERMANENTE EM SADE NO CONTEXTO HISTRICO DO SUS............................... 82

    3 REVISO DE LITERATURA...................................................... 105 3.1 MANUSCRITO 1 - PROGRAMAS E POLTICAS DE EDUCAO PERMANENTE EM SADE NO BRASIL: REVISO INTEGRATIVA DE LITERATURA ................................................. 106

    4 REFERENCIAL TERICO-METODOLGICO ..................... 147 4.1 PAULO FREIRE E O SEU COMPROMISSO COM OS SERES HUMANOS E COM O MUNDO ....................................................... 147 4.2 INVESTIGAO TEMTICA: REFERENCIAL METODOLGI-CO DE PAULO FREIRE MEDIADO PELOS CONCEITOS QUE SUSTENTAM O ESTUDO ................................................................ 156

    5 PERCURSO METODOLGICO DA INVESTIGAO ......... 175 5.1 INVESTIGAO TEMTICA COMO POSSIBILIDADE REAL .................................................................................................. 175 5.2 LOCAIS E TEMPO DESTINADO AO TRABALHO DE CAMPO............................................................................................... 178

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    5.3 PARTICIPANTES DA INVESTIGAO TEMTICA ............. 184 5.4 COLETA E ORGANIZAO DAS INFORMAES............... 194 5.4.1 Composio do Crculo de Investigao................................. 202 5.4.2 Levantamento dos Temas Geradores ..................................... 205 5.4.3 Codificao ............................................................................... 212 5.4.4 Decodificao e Desvelamento Crtico da Realidade ............ 221 5.5 ORGANIZAO E ANLISE DOS DADOS ............................ 227 5.6 DIMENSO TICA DO ESTUDO ............................................. 231

    6 RESULTADOS .............................................................................. 237 6.1 MANUSCRITO 2: COMISSES PERMANENTES DE INTEGRAO ENSINO-SERVIO: O CONTEXTO DE DUAS REALIDADES DO ESTADO DE SANTA CATARINA.................. 239 6.2 MANUSCRITO 3: PARTICIPO DE UMA COMISSO PERMANENTE DE INTEGRAO ENSINO-SERVIO: QUAL MEU CONHECIMENTO SOBRE A POLTICA NACIONAL DE EDUCAO PERMANENTE EM SADE?.................................... 270 6.3 MANUSCRITO 4: EDUCAO PERMANENTE EM SADE: PARTICIPAO E ENVOLVIMENTO DOS SUJEITOS SOCIAIS EM COMISSES DE INTEGRAO ENSINO-SERVIO ............ 294 6.4 MANUSCRITO 5: DESAFIO DAS COMISSES DE INTEGRAO ENSINO-SERVIO NA GESTO DE RECURSOS FINANCEIROS DA EDUCAO PERMANENTE EM SADE ... 320

    7 ALGUMAS CONSIDERAES ................................................. 341

    REFERNCIAS................................................................................ 349

    APNDICES ..................................................................................... 383

    ANEXOS............................................................................................ 415

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    1 INTRODUO

    No no silncio que os homens [e as mulheres] se fazem, mas na palavra, no

    trabalho, na ao-reflexo (Paulo Freire)

    Concordo com as palavras do educador Paulo Freire por acreditar

    que ns, seres humanos, nos tornamos sujeitos sociais, crticos e reflexivos por meio da prxis1, que ocorre mediada pelo dilogo e pela relao construda no interior das nossas estruturas histrico-sociais. Apresento este estudo, referindo que devido minha construo histrico-social, inspirada nos pensamentos freireanos, propus-me a realizar uma pesquisa qualitativa, baseada em um referencial participativo, sobre o tema Educao Permanente em Sade (EPS).

    Ao me dispor a estudar este tema, lancei-me em dois mundos instigantes e complexos na rea da sade o mundo do trabalho e o mundo da educao ou, melhor dizendo, a interseo relacional entre trabalho e educao. Tais mundos so instigantes porque nos fazem refletir sobre possibilidades reais que movem estruturas de mudana na realidade dos servios de sade, sendo a Educao Permanente em Sade uma das aes que podem ser desenvolvidas como um meio para a busca do indito-vivel2 apresentado por Freire (2005a).

    Esses mundos so tambm complexos, visto que ambas as estruturas educao e trabalho envolvem processos polticos, econmicos, jogos de poder, disputas de interesses ideolgicos e pessoais, processos relacionais entre as diferentes profisses da sade, gestores, sujeitos-cidados do cuidado3 e instituies de ensino. E, ____________ 1 A prxis considerada por Freire (1999, 2005a, 2006) como a ao-reflexo-ao verdadeiramente transformadora da realidade, sendo desse modo fonte de conhecimento reflexivo e de criao, que os seres humanos realizam de forma dialgica entre si e mediatizados pelo mundo. Sem ela no possvel superar a contradio opressor-oprimido. 2 Na acepo freireana, o indito-vivel uma palavra-ao que expressa com enorme carga afetiva, cognitiva, poltica, epistemolgica, tica e ontolgica, os projetos e os atos das possibilidades humanas. Uma palavra que carrega no seu bojo, portanto, crenas, valores, sonhos, desejos, aspiraes, medos, ansiedades, vontades e possibilidades de saber, fragilidades e grandezas humanas. [...] Palavra na qual esto intrnsecos o desejo e o gosto de mudarmos a ns mesmos dialeticamente mudando o mundo e sendo por este mudado (FREIRE, 2008, p. 231). 3 So sujeitos sociais que reconhecem tanto a preocupao com a macropoltica de proteo sade como o desenvolvimento de prticas para a organizao do cotidiano de cuidados aos seres humanos, registrando uma poltica da valorizao do trabalho e do acolhimento oferecido

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    ainda, dependem da organizao e gesto de pouca, ou nenhuma infraestrutura para desenvolver processos de EPS na realidade dos servios, visto a priorizao de tempo e recursos para resolver outras necessidades consideradas mais urgentes na rea da sade. Desse modo, mesmo a EPS sendo um tema discutido h mais de 40 anos, na rea da sade, ainda enfrentamos a grande dificuldade em implementar processos de ensino-aprendizagem de modo crtico e participativo que promovam mudanas nas diferentes realidades do setor.

    Dentro do tema da Educao Permanente em Sade, destaco que o objeto do presente estudo so as Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio (CIES), apresentadas a partir de 2007, no Brasil, como a estratgia de ao para efetivao da Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade (PNEPS) (BRASIL/MS, 2007a).

    A escolha por desenvolver um estudo sobre as CIES ocorreu por motivaes pessoais, profissionais, ideolgicas e pelos resultados de estudos previamente realizados. O interesse pessoal e ideolgico deve-se minha crena em que a educao enquanto ao emancipatria uma ferramenta que articula e mobiliza estruturas ideolgicas e polticas, internas e externas nos sujeitos envolvidos, logo, pode propiciar aes de mudanas na realidade. Devido a isso, desde o incio da minha trajetria acadmica na graduao de Enfermagem, aproximei-me de grupos de pesquisa cujas linhas de pesquisas so Educao, Sade e Enfermagem (Grupo de Estudos e Pesquisa em Enfermagem e Sade GEPES/CCS/UFSM e Grupo de Pesquisa em Educao em Enfermagem e Sade EDEN/PEN/UFSC).

    A motivao profissional que justifica o estudo reforada por minha motivao pessoal e ideolgica, visto que se estrutura a partir da percepo gerada com a concluso de um trabalho4, no qual constatei que a Educao Permanente em Sade um dispositivo para a transformao das aes realizadas pelos trabalhadores da sade junto

    ____________ a outros sujeitos-cidados das aes e dos servios de sade, tendo em vista a construo da acessibilidade e resolutividade da ateno e do sistema de sade como um todo e o desenvolvimento da autonomia dos seres humanos diante do cuidado e da capacidade de gesto social das polticas pblicas de sade, os sujeitos-cidado do cuidado devem ser compreendidos como os usurios do Sistema nico de Sade. Sabe-se que a maioria dos usurios do sistema no est empoderada para se definirem dentro desse conceito, todavia, trata-se de um conceito que precisamos buscar e estruturar para que efetivamente nosso sistema de sade se desenvolva, sendo a educao uma ferramenta para esse fim. 4 FERRAZ, F. O processo de vinculao da educao continuada em servio, com a equipe de enfermagem no cuidado teraputico ao cliente hemato-oncolgico adulto. 132f. Trabalho de Concluso de Curso de Graduao em Enfermagem Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2003.

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    aos sujeitos-cidado do cuidado. Assim, defendo a relevncia da EPS como uma ferramenta que pode instigar a promoo de mudanas nas prticas dos servios a fim de fortalecer o Sistema nico de Sade (SUS) por meio da prxis, pois acredito que o conhecimento discutido e gerado dentro de estruturas sociais e nos ambientes de trabalho um mobilizador de mudanas.

    Entre os produtos gerados por tal interesse, destaco minha Dissertao de Mestrado5 (PEN/UFSC) defendida em 2005, a qual consistiu em uma pesquisa realizada em trs Hospitais Universitrios Federais de Ensino da Regio Sul do Brasil sobre como se desenvolvia o processo de educao permanente e continuada nas reas de Enfermagem, Medicina e demais reas da sade ligadas rea Administrativa das Instituies. Este estudo me possibilitou ampliar o conhecimento a respeito do tema em trs realidades distintas, em um dado perodo. Os resultados do trabalho foram estruturados em quatro grandes categorias: 1a - compreenso dos sujeitos sobre educao permanente/continuada; 2a - como ocorre o processo de educao permanente/continuada vivenciada no cotidiano do trabalho; 3a - existncia ou no de uma poltica de educao permanente/continuada institucional; 4a - conhecimento dos sujeitos sobre a existncia da Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade Portaria GM/MS no 198/04.

    Ainda, como membro integrante do Grupo de Pesquisa EDEN/PEN/UFSC, participei do Projeto de Pesquisa A realidade da formao/educao continuada nos servios pblicos de sade de Florianpolis/SC6, realizado em quatro hospitais pblicos e quatro Unidades Locais de Sade do municpio de Florianpolis/SC em 2006.

    Um item que chamou a ateno em ambos os estudos foi em relao categoria Conhecimento dos sujeitos sobre a existncia da Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade Portaria GM/MS no 198/04. Os dois estudos apresentaram nas concluses que a grande maioria dos participantes das pesquisas apenas ouviu falar superficialmente ou desconhecia totalmente a referida poltica pblica.

    ____________ 5 FERRAZ, F. Educao Permanente/Continuada no Trabalho: um caminho para a construo e transformao em sade nos hospitais universitrios federais de ensino, 2005. Dissertao (Mestrado em Enfermagem) Curso de Ps-Graduao em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis. 267 p. 6 LINO, M.M.; et al. A Realidade da Educao Continuada na Enfermagem nos Servios Pblicos de Florianpolis. Online Brazilian Journal of Nursing, v. 6, n. 0, p. 1-16, 2007. LINO, M.M.; et al. Educao Permanente dos Servios Pblicos de Sade de Florianpolis, Santa Catarina.Trab. Educ. Sade, v. 7 n. 1, p. 115-136, 2009.

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    A Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade, no item que apresentava as Linhas de Apoio aos Projetos dos antigos Polos de Educao Permanente em Sade para o SUS, elucidava como uma linha de apoio educao e desenvolvimento dos profissionais de sade para a clnica ampliada7 seja na ateno bsica, nos ambulatrios de especialidades ou nos hospitais de ensino, com nfase em sade da famlia (BRASIL/MS, 2004a, p. 60). Desse modo, nos estudos referidos anteriormente, esperava-se que alguns trabalhadores da sade dos hospitais de ensino e da ateno bsica, e a maioria dos profissionais responsveis pelas iniciativas de educao continuada e permanente dessas instituies apresentassem algum nvel de conhecimento sobre a poltica.

    Os resultados encontrados nos estudos instigaram-me a refletir sobre a Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade. Mais especificamente, sobre como a estratgia de ao est sendo mobilizada, discutida e realizada efetivamente, ou seja, saber em que contexto e de que forma os sujeitos sociais participam do processo de desenvolvimento das CIES.

    Acredito que a relevncia e contribuio do presente estudo reside no fato de ser uma pesquisa de carter participativo, conduzida pela Investigao Temtica8, inspirada nos construtos freireanos (FREIRE, 2005a). Esta proposta possibilita a reflexo em diferentes nveis e sensibiliza os sujeitos sociais envolvidos para realizar mudanas durante o perodo de trabalho de campo, o que propicia o fortalecimento de pontos de sucesso dentro das CIES participantes do estudo e estimula

    ____________ 7 Para Campos e Amaral (2007, p. 852), a clnica ampliada busca aumentar o objeto de trabalho da clnica [...] agregando a ele, alm das doenas, tambm problemas de sade (situaes que ampliam o risco ou vulnerabilidade das pessoas). [Considera que] no h problema de sade ou doena sem que estejam encarnadas em sujeitos, em pessoas. Clnica do sujeito: esta a principal ampliao sugerida. Alm disso, considera-se essencial a ampliao tambm do objetivo ou da finalidade do trabalho clnico, alm de buscar a produo de sade, por distintos meios curativo, preventivo, de reabilitao ou com cuidados paliativos -, a clnica tambm poder contribuir para a ampliao do grau de autonomia dos usurios [...] exigir mudana nos meios de interveno, sejam eles diagnsticos ou teraputicos. Lidar com pessoas, com sua dimenso social e subjetiva e no somente biolgica [...] a teraputica no se restringir somente a frmacos e a cirurgias [deve-se] valorizar o poder teraputico da escuta e da palavra, o poder da educao em sade e do apoio psicossocial [...] Desde a construo do diagnstico mapa de vulnerabilidade ao projeto teraputico, com a clnica ampliada, busca-se construir modos de haver uma co-responsabilizao do clnico e usurio. [grifo meu] 8 Adequao da teoria de conhecimento proposta por Paulo Freire (2001, 2005a, 2006, 2007a) para alfabetizao de adultos. Consiste em uma proposta de pesquisa qualitativa do tipo pesquisa participante, que se estrutura a partir da relao dialgica entre os participantes da investigao, sendo que esta relao deve ser mantida considerando o contexto histrico, social, poltico, econmico e cultural dos participantes.

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    os participantes a pensarem possibilidades de resoluo para problemas que emergem no processo da investigao.

    Ainda, outro fato importante na investigao sobre as CIES, com o referido enfoque metodolgico, a construo de conhecimento validado dentro da prpria estrutura investigada sobre um tema atual no cenrio brasileiro, o qual est diretamente ligado ao processo de consolidao do SUS, pois este estudo contribui para a discusso da EPS, que ganhou status de poltica pblica no Brasil na ltima dcada, sendo imprescindvel que a anlise e a discusso sejam realizadas com os sujeitos sociais envolvidos no processo.

    Frente s motivaes e justificativas sobre a importncia da realizao de um estudo dessa natureza, apresento que a questo que me instigou a desenvolver esta pesquisa foi saber:

    Como se efetiva a estratgia de desenvolvimento Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio da Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade, ligadas a dois Colegiados de Gesto Regional, no Estado de Santa Catarina, na perspectiva dos sujeitos sociais envolvidos?

    Para responder questo norteadora, orientei este estudo pelos seguintes objetivos gerais: - analisar como se efetiva a estratgia de desenvolvimento Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio (CIES) da Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade, na perspectiva dos sujeitos sociais envolvidos em duas comisses que realizam aes, produzindo ou no, mudanas que contemplam a referida poltica; - estimular a ao-reflexo-ao no processo de trabalho das Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio (CIES), a partir dos temas geradores que surgirem, por meio da concepo dialgica9 de Paulo Freire.

    Os objetivos gerais desdobraram-se nos seguintes objetivos especficos: - analisar os aspectos organizacionais, estruturais e relacionais do contexto em que esto inseridas duas Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio no Estado de Santa Catarina; - analisar o conhecimento que os sujeitos sociais, participantes de duas Comisses de Integrao Ensino-Servio no Estado de Santa Catarina,

    ____________ 9 Para Freire (2005a, 2005b, 2007b), o dilogo implica uma prxis, que o compromisso entre a palavra dita e nossa ao humanizadora, desse modo, a palavra assume o sentido de dizer o mundo e fazer o mundo por meio da ao e reflexo crtica que esto dialeticamente constitudas.

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    possuem sobre a Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade; - analisar a participao e o envolvimento dos sujeitos sociais em duas Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio do Estado de Santa Catarina, Brasil; - analisar como ocorre a gesto dos recursos financeiros destinados pela Poltica Nacional de Educao Permanente em duas Comisses Permanente de Integrao Ensino-Servio no Estado de Santa Catarina.

    Por acreditar que a educao um processo de libertao dos seres humanos e por compreender que a Poltica Nacional de Educao Permanente em Sade Portaria GM/MS no 1.996/07 pode tornar-se um instrumento para concretizao desse processo, defendo a Tese:

    A instituio da Poltica de Educao Permanente em Sade, por meio das Comisses Permanentes de Integrao Ensino-Servio, efetiva-se a partir do compromisso concreto dos sujeitos sociais envolvidos no processo, bem como de suas articulaes polticas com as diferentes esferas de gesto, ateno, ensino e controle social, sendo que este compromisso pode ser expresso por meio da prxis, da defesa e da ao continuada e concreta dos interesses coletivos, em detrimento de interesses individuais e/ou de pequenos grupos.

    Esta perspectiva corroborada a partir das ideias apresentadas por Freire (1999), ao referir que o compromisso dos seres humanos com a sociedade se estabelece no mesmo nvel do compromisso consigo mesmo, sendo que como homem [e mulher] no pode estar fora do contexto histrico-social, cujas relaes constroem o seu eu, [pois ele/ela] um ser autenticamente comprometido, falsamente comprometido ou est impedido de se comprometer verdadeiramente10 [grifo meu] (FREIRE, 1999, p. 19-20). Neste sentido, vale lembrar as palavras de Tarrow (1994, p. 47) em relao ao coletiva, quando este diz que o maior problema no fazer as pessoas participarem, mas fazer com que pessoas que j esto envolvidas em diversos grupos e organizaes sustentem uma ao continuada visando um objetivo em comum.

    Logo, cabe lembrar que a primeira condio para que um ser possa assumir um ato comprometido est em ser capaz de agir e refletir (Freire, 1999, p. 16). a capacidade de ao (saber-fazer), ou seja, atuar, operar, transformar a realidade conforme as finalidades propostas ____________ 10 Freire (1999, p. 20) diz que Impedido de comprometer-se verdadeiramente significa, para ns, a situao na qual as grandes maiorias encontram-se manipuladas por minorias, atravs de ordens. Estas grandes maiorias tm a impresso de que se comprometem, quando, na verdade, so induzidas em seu compromisso. Escolhem entre as opes (no melhor dos casos) que as minorias lhes indicam, quase sempre manhosamente, pela propaganda.

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    pelos seres humanos, aliada capacidade de reflexo (pensar sobre o fazer), que o faz um ser da prxis (ao-reflexo-ao), tornando-o um ser mais comprometido consigo e, por conseguinte, com o seu meio, tendo a possibilidade da educao transformadora ser a mola propulsora para adquirir esta capacidade.

    Assim, convido voc a caminhar comigo pelos mundos da educao e do trabalho em sade, os quais, pela EPS, podem se tornar dialeticamente interligados, ao ler e apreciar o presente estudo.

    No segundo captulo, apresento os antecedentes do estudo por meio de um resgate histrico sobre o tema, elaborado a partir da leitura de referenciais de distintos autores e documentos oficiais da Organizao Pan-Americana de Sade e Organizao Mundial da Sade (OPAS/OMS). Inicio este resgate descrevendo aspectos histricos que permearam a EPS na regio das Amricas. Posteriormente, apresento os princpios terico-metodolgicos que sustentaram o tema ao longo das ltimas dcadas. Tambm descrevo brevemente propostas de aes e programas de EPS realizados em diferentes pases nos ltimos vinte anos. Para encerrar o captulo, apresento a evoluo da EPS no Brasil at chegar ao status de poltica pblica no contexto histrico do SUS.

    No terceiro captulo, encontra-se a reviso de literatura, na qual esto descritos estudos realizados no Brasil sobre a EPS enquanto programa ou poltica pblica na rea da sade na ltima dcada. A importncia do captulo reside no fato de ser um trabalho que apresenta o perfil e descreve as caractersticas dos resultados de estudos realizados sobre o tema. Como est apresentado no formato de um manuscrito, proporciona ao leitor conhecer quais aspectos j foram estudados sobre o assunto no Brasil, fato que sustenta o ineditismo do presente estudo de tese.

    O referencial terico-metodolgico descrito no quarto captulo, no qual elucido o pensamento e as obras do educador e cientista social Paulo Freire, bem como apresento toda a estrutura terica que sustentou o desenvolvimento da proposta metodolgica realizada. Ainda, a partir dos meus pressupostos pessoais, inspirada nos pensamentos de Freire, descrevo os conceitos que sustentam este trabalho.

    Na metodologia apresentada no quinto captulo, descrevo os passos que realizei para desenvolver uma pesquisa qualitativa, do tipo pesquisa participante, a partir de uma adequao da teoria de conhecimento elaborada por Paulo Freire para alfabetizao de adultos. Explico a combinao de diferentes estratgias de coleta de informaes utilizadas no trabalho de campo, a fim de alcanar os objetivos propostos e comprovar a validade e cientificidade de uma pesquisa de

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    carter participativo, inspirado nos referenciais freireanos. No sexto captulo, exponho os resultados da investigao. O

    captulo est estruturado em quatro manuscritos. Estes foram elaborados procurando responder aos objetivos do estudo e apresentam, a partir dos dilogos e reflexes realizadas no interior dos crculos de investigao das CIES participantes do estudo, aspectos referentes a quatro grandes temticas que emergiram da perspectiva dos sujeitos sociais do estudo: a) aspectos organizacionais, estruturais e relacionais do contexto das CIES; b) conhecimento dos sujeitos sociais das CIES sobre a PNEPS; c) participao e envolvimento dos sujeitos sociais nas CIES; e d) gesto dos recursos financeiros da PNEPS destinados as CIES.

    O stimo captulo apresenta as consideraes finais a respeito dos achados da pesquisa, em que procuro fazer uma sntese dos resultados, bem como realizo uma autoavaliao da investigao temtica desenvolvida, expressando suas limitaes e desafios, e ainda, deixo questionamentos a fim de instigar o desenvolvimento de estudos futuros sobre o tema.

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    2 CONTEXTUALIZAO DO TEMA

    ...todo amanh se cria num ontem, atravs de um hoje [...]. Temos de saber o que

    fomos, para saber o que seremos (Paulo Freire)

    Por acreditar no significado das palavras contidas na epgrafe,

    considero que o presente captulo coerente com quem busca na temtica deste estudo construir um amanh, sem desconsiderar toda a trajetria j realizada, pois acredito que no h como construirmos algo e a ns mesmos se no considerarmos e respeitarmos todas as conquistas, os desafios e as limitaes enfrentadas em distintos contextos por sujeitos histricos. Assim, apresento, neste captulo, a contextualizao histrica, os princpios terico-metodolgicos e algumas experincias nacionais e internacionais desenvolvidas nas ltimas dcadas, na regio das Amricas, sobre o tema de Educao Permanente em Sade (EPS).

    2.1 RESGATE HISTRICO DE POLTICAS E PROGRAMAS DE FORMAO DE RECURSOS HUMANOS E A EDUCAO PERMANENTE EM SADE NA REGIO DAS AMRICAS

    Como nas ltimas dcadas ocorreram mltiplos esforos para

    fortalecer o setor de desenvolvimento de recursos humanos na regio das Amricas, neste momento, apresento um resgate histrico sobre como os programas e polticas que envolvem a formao e atualizao de recursos humanos na rea da sade vm sendo discutidos no continente americano, nos ltimos 50 anos. A relevncia de conhecer tais aspectos reside no fato de que podem nos auxiliar a compreender as diferentes aes desenvolvidas atualmente sobre o tema.

    A publicao no 40 da Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS) e da Organizao Mundial da Sade (OMS), denominada Resumen de los Informes Cuadrienales sobre las Condiciones Sanitarias en las Amricas de 1958, considerada a primeira referncia sobre planejamento de recursos humanos na sade no mbito das Amricas (VIDAL, 1984). A partir dessa publicao, iniciaram as

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    discusses na regio sobre o tema, sendo que merecem destaque os documentos oficiais derivados dos seguintes eventos: I Reunio dos Ministros da Sade de 1963; III Reunio Especial dos Ministros da Sade de 1972; 1 Conferncia Pan-Americana sobre Planejamento de Recursos Humanos em Sade de 1973; e, IV Reunio Especial dos Ministros da Sade de 1977. Tais documentos estruturam os direcionamentos assumidos pela OPAS/OMS, para organizar terico-metodologicamente o Programa de Desarrollo de Recursos Humanos, o qual foi implementado a partir da dcada de 80 do sculo XX e assumiu a Educao Permanente em Sade como uma das possibilidades dos pases conseguirem atingir as metas de sade a que se propuseram em tal poca (HADDAD, DAVINI, ROSCHKE, 1994).

    No documento oficial da I Reunio dos Ministros da Sade de 1963, o item denominado Educacin y Adiestramiento menciona, entre as metas estabelecidas na Carta de Punta Del Este11, a necessidade de formao e capacitao de recursos humanos em nvel auxiliar e superior para aes de preveno e cura de doenas. Apresenta a necessidade de formao e capacitao de enfermeiras, engenheiros sanitrios e mdicos, com especial destaque a esse ltimo profissional, visto que era compreendido como aquele que assume papel diretivo dentro dos programas, portanto, era considerado o responsvel pela orientao do restante dos profissionais da sade. Logo, este documento fez especial referncia ao planejamento da educao mdica formal (OPS/OMS, 1963).

    Vidal (1984) descreve que, a partir da Reunio dos Ministros da Sade de 1963, a OPAS e a Fundao Milbank Memorial promoveram, no mesmo ano, na cidade de Nova York, a Conferncia sobre Recursos Humanos para as Atividades de Sade e Educao Mdica na Amrica Latina, na qual ficou determinado o desenvolvimento de um estudo sobre recursos humanos para a sade e educao mdica na Colmbia. Estudos semelhantes tambm foram desenvolvidos neste perodo, na

    ____________ 11 Documento assinado em 1961, pelos pases membros da Organizao dos Estados Americanos, na Reunio Extraordinria do Conselho Interamericano Econmico e Social, realizada em Punta Del Este, Uruguai, que, em linhas gerais, procurou estimular reformas sociais e estruturais nos pases americanos. A Carta possui dois documentos anexos: A Resoluo A.1, intitulada Plan Decenal de Educacin de la Alianza para el Progreso; e a Resoluo A.2, o Plan Decenal de Salud Publica de la Alianza para el Progreso. Este ltimo parece ter lanado as bases do movimento de vanguarda no campo da sade pblica no Brasil e Amrica Latina, especialmente no que se refere discusso acerca do planejamento em sade, do aumento de cobertura dos servios e da reforma dos currculos mdicos. Assim, estabelece um importante debate acerca da necessidade de uma nova estruturao no campo dos recursos humanos em sade (PAIVA, 2004).

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    Argentina, no Peru, no Chile, na Venezuela e em El Salvador. Esses estudos foram analisados em 1967, em uma Conferncia

    realizada na Venezuela, sendo que, a partir desse momento, os pases participantes iniciaram o planejamento inicial de sade utilizando o mtodo CENDES-OPS12 apoiados pelo Centro Panamericano de Planificacin de la Salud de la OPS, em Santiago, Chile. No entanto, Vidal (1984) aponta que, apesar dos esforos demandados por diferentes pases, pouco se avanou em relao ao desenvolvimento de recursos humanos para a sade e educao mdica nos cinco anos subsequentes.

    Na III Reunin Especial de Ministros de Salud de las Amricas, realizada em 1972, em Santiago do Chile, foi discutido que, devido ao panorama de que todos os pases da regio, com exceo de dois, apresentavam servios de educao para a sade dentro de estruturas institucionais do setor, o nvel operativo dos programas estava limitado, tanto em sua cobertura, como na continuidade e eficcia das aes educativas devido escassez de recursos humanos, materiais e financeiros ligados aos servios de educao em geral na sade. Assim, revisando documentos oficiais, constatei que esta reunio recomendou o desenvolvimento, nos diferentes pases americanos, de um processo de planejamento de recursos humanos, o qual fosse incorporado ao planejamento em sade de cada pas, assegurando sua incluso na legislao correspondente (OPS/OMS, 1973a, 1973b, 1973c; VIDAL, 1984).

    Foi definido, na referida reunio, que cada pas estruturaria as suas coordenaes de unidades de planejamento e avaliao, ficando sob responsabilidade de OPAS organizar e coordenar um sistema continental ao qual todos os pases estariam ligados. possvel verificar que, entre as diretrizes da III Reunio, h nfase na capacitao de pessoal, pois foi recomendada a organizao de cursos de curta durao do tipo operativo, assim como a investigao do processo de avaliao e ____________ 12 O mtodo CENDES-OPS de Programao em Sade prope uma metodologia de gerenciamento da escassez de recursos, de modo a desenvolver aes com maior efetividade frente impossibilidade, nos pases subdesenvolvidos, de atender simultaneamente ao conjunto de necessidades de sade. O mtodo teve o mrito de, pela primeira vez, trazer para as mesas de discusses do setor da sade a preocupao com o uso eficiente dos recursos pblicos, atravs de uma cuidadosa anlise de prioridades e do clculo prvio dos resultados esperados com o uso de cada instrumento de ao. As primeiras crticas ao mtodo surgem no incio dos anos 70 e referem-se sua desvinculao com a produo de polticas na sociedade e com a historicidade dos atores envolvidos e ao seu carter prescritivo e normatizador. A partir dos questionamentos que o mtodo sofreu ao longo desses anos, outras alternativas de planejamento do setor da sade tm sido apresentadas. Destacam-se o Pensamento Estratgico em Sade, de Mario Testa, e o Planejamento Estratgico Situacional (PES), de Carlos Matus (TANCREDI, BARRIOS, FERREIRA, s/d).

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    divulgao atravs de seminrios e cursos de maior profundidade (OPS/OMS, 1973b).

    Esses aspectos foram incorporados ao Plan Decenal de Salud para las Amricas que j estava pr-estruturado para o perodo de 1971-1980, o qual compreendia a sade como funo social nas Amricas e a educao em sade como um dispositivo necessrio para se garantir sade populao. O item do referido plano denominado Educacin para la salud sugeria diversas aes no campo da educao formal, desde a estruturao dos currculos segundo a realidade scio-cultural e dos servios de sade de cada pas, passando pelo desenvolvimento de infraestrutura nos servios de sade de modo a conseguir realizar adequadamente as aes de educao em sade com a comunidade, at o apoio de processos educativos para os trabalhadores da sade, a fim de assegurar uma efetiva ao coordenada de toda a equipe de sade para as atividades de educao para a sade, entre outros aspectos (OPS/OMS, 1973a).

    No item Recursos Humanos para la Salud, o plano recomendava a necessidade de promoo do planejamento de recursos humanos em sade como parte integral dos processos de planejamento para o desenvolvimento econmico e social. Percebi, nos documentos, a defesa do fortalecimento de instituies e programas de formao de pessoal de sade mediante incremento de ajuda tcnica e financeira s universidades e outros centros formadores bem como a melhoria dos processos de ensino-aprendizagem mediante a utilizao de recursos mais adequados para esse propsito (OPS/OMS, 1973a, 1973c).

    O plano tambm expressava que, para o desenvolvimento dos recursos humanos, era necessrio organizar a educao continuada dos profissionais graduados, sendo explicitada a necessidade de realizar as reformas necessrias a fim de promover o mximo adestramento nesse campo conforme as prioridades de cada pas (OPS/OMS, 1973a, 1973c). Logo, percebo que, nesta poca, os responsveis pelo planejamento das aes de desenvolvimento de recursos humanos no estavam preocupados com as estruturas conceituais e metodolgicas que permeavam o tema, pois denominavam de adestramento as aes realizadas aps a formao inicial.

    A 1 Conferncia Pan-Americana sobre Planejamento de Recursos Humanos em Sade, realizada no Canad, em 1973, fortaleceu os aspectos destacados na III Reunio dos Ministros da Sade. Tambm enfatizou a necessidade de adequar a formao dos profissionais da sade realidade dos servios, a necessidade da criao de unidade de planejamento de recursos humanos nos ministrios de sade, a

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    indispensvel articulao com o sistema formador (Instituies de Ensino Superior e de Nvel Tcnico), o desenvolvimento de sistemas de informao e de metodologias especficas para o processo de ensino-aprendizagem, a formao de pessoal para planejamento e a promoo de investigao nesse campo. Desse modo, a caracterizao do novo perfil de profissionais ocorreria conforme as necessidades de sade dos diferentes pases, mas principalmente, ligada s necessidade de ateno primria populao (VIDAL, 1984).

    Frente discusso promovida em diferentes cenrios em nvel das Amricas, a OPAS/OMS organizou, em dezembro de 1975, na cidade de Washington, uma reunio com um grupo de expertos em recursos humanos em sade, na qual houve o reconhecimento sobre a carncia de atividades que impulsionassem as aes de educao continuada nas instituies assistenciais, pois o setor sade no oferecia elementos condicionantes e facilitadores desse processo, sendo que as diretrizes polticas que definiam as prioridades eram um elemento preponderante para a limitao ou desenvolvimento de aes educativas (LLONS, 1986; OPS, 1988).

    Nesta reunio, a OPAS solicitou do grupo de consulta delineamentos e orientaes que facilitassem a formulao e execuo de Planes de Educacin Continua para los equipos de salud. A ao subsequente da ento criada Divisin de Recursos Humanos e Investigacin de la OPS foi estruturar condies para que o governo canadense apoiasse o desenvolvimento dos referidos planos em oito pases, na regio das Amricas. Avaliaes realizadas em 1984 sobre o apoio a esses planos expressaram que houve importantes avanos especialmente na preparao e produo de materiais educativos, assim como no incentivo adoo de recursos humanos e financeiros para organizar e fortalecer os programas de capacitao (OPS, 1988; HADDAD, DAVINI, ROSCHKE, 1994; OPS/OMS, 1995).

    A IV Reunin Especial de Ministros de Salud de las Amricas, realizada em 1977, na sede da OPAS, em Washington, voltou a enfatizar que, entre os principais obstculos e condicionantes que incidem sobre a extenso da cobertura dos servios, encontra-se que a formao e capacitao de recursos humanos no est suficientemente articulada com os servios de sade, por conseguinte, no respondem s suas necessidades. Nesta reunio, ficou definido que, para o desenvolvimento real de aes que suprissem as necessidades apresentadas, era necessria a reviso dos planos de desenvolvimento de recursos humanos em todos os nveis e a implantao de medidas que assegurassem a melhor distribuio e utilizao de recursos, alm da estruturao e aplicao de

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    novos esquemas administrativos que permitissem a realizao gil das mudanas requeridas, bem como o desenvolvimento de programas conjuntos entre pases com caractersticas similares para a avaliao, seleo e adaptao de tecnologias apropriadas (OPS/OMS, 1977).

    A Declarao de Alma-Ata, apresentada como documento oficial da Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios Sade, de 1978, consolidou a meta de sade para todos no ano 2000, apresentada um ano antes, na Assemblia Mundial de Sade. Essa meta instigou a OPAS/OMS a desenvolver estudos nos diferentes pases da regio e fortalecer as discusses em nvel internacional sobre capacitao de recursos humanos, visto que essas aes passaram a ser compreendidas como medidas importantes para se atingir o que foi estabelecido como meta (HADDAD e CANALES, 1983; OPS, 1988).

    Os estudos realizados em meados da dcada de 80 do sculo passado, por grupos da OPAS/OMS, constataram que, entre as reas da sade, a Medicina e a Enfermagem se destacavam por ter preocupaes com o tema de EPS de seus profissionais. No entanto, as aes que eram desenvolvidas nesse perodo se estruturavam principalmente dentro de instituies hospitalares para a rea de Enfermagem em nvel tcnico e auxiliar, ou por meio de eventos cientficos para os profissionais de ambas as reas em nvel superior, no sendo priorizadas aes na ateno primria (ROSCHKE e CASAS, 1987).

    As aes eram desenvolvidas a partir de conceitos limitados dentro de modelos de administrao tradicional que percebiam os trabalhadores como peas de engrenagem de uma grande mquina, os quais, quanto mais capacitados, adestrados, melhor conseguiam desenvolver seus trabalhos e, por conseguinte, geravam mais renda e lucro (ROVERE, 1994). Neste perodo, mesmo com as discusses propostas desde final da dcada de 60, pouco se pensava na condio humana, nas aes que pudessem melhorar a qualidade de vida no trabalho dos profissionais, e a realizao de aes de educao permanente em sade com a finalidade de melhorar a ateno prestada aos sujeitos-cidado do cuidado era vista como algo secundrio dentro desse processo.

    Assim, a OMS, em seu Sptimo Programa General de Trabajo 1985/1989, entre outros aspectos relacionados sade e educao, comprometeu-se em fomentar a cooperao entre os Ministrios da Sade e Educao nos distintos pases, bem como apoiar o planejamento e execuo de planes nacionales de desarrollo profesional, prcticas de supervisin y sistemas de educacin continua para todas las categoras de personal de salud, como parte de unas polticas de personal ms

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    amplias (OPS/OMS, 1981, p. 56). Mesmo no atingindo mudanas substanciais no contexto scio-

    poltico latino-americano, nas dcadas de 80 e 90 do sculo XX, que permitissem transformar a prtica existente no processo sade-educao em prxis, inegvel que a formulao da meta sade para todos no ano 2000 e os compromissos assumidos no Sptimo Programa General de Trabajo da OMS foram importantes estratgias de fortalecimento da ateno primria, pois se abriu um novo espao sobre bases terico-metodolgicas, onde os fatores sociais, polticos, culturais e econmicos apareceram explicitamente ligados ao processo sade/doena, instigando os responsveis pela elaborao e efetivao das aes de educao permanente em sade e de educao em sade a analisarem estes aspectos (OPS, 1988).

    Era de conhecimento que os grandes problemas na ateno sade na Amrica Latina se estruturavam (e ainda hoje se estruturam) no campo da ateno primria, medida que se produzia mudanas importantes de ordem econmica e social nesses pases. Frente a essas problemticas, a educao permanente, tambm compreendida na poca como capacitao, necessitava orientar-se em grande medida a melhorar a competncia profissional do pessoal da ateno primria (LLORNS, 1986).

    A criao, em 1985, do Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos (PDRH-OPAS), coordenado pela OPAS, estruturou-se como uma possibilidade de alcanar as metas para a rea de recursos humanos das Amricas discutidas desde a III Reunio Especial dos Ministros da Sade, em 1972 e fortalecida em 1977 e 1978, bem como na XXII Conferencia Sanitaria Panamericana, realizada em setembro de 1986, em Washington. Os principais objetivos do programa eram reorientar a educao permanente em sade na Regio das Amricas, mediante o esforo conjunto de distintos grupos de trabalhadores latino-americanos, que, por insistncia, foram abrindo espaos em diferentes pases da regio, e promover a produo e divulgao de informaes tcnico-cientficas no campo de Recursos Humanos para a Sade, especialmente atravs de estudos e experincias de trabalhos concretos na rea da sade nas Amricas e no Mundo (ROSCHKE e CASAS, 1987; HADDAD, ROSCHKE, DAVINI, 1990, FERREIRA, 1994).

    Neste sentido, a partir da criao do PDRH-OPAS, os aspectos relacionados educao aps a formao inicial passaram a ser denominados oficialmente de Educao Permanente em Sade (EPS), sendo apresentada como uma proposta terico-metodolgica de carter inovador para a regio das Amricas, em especial Amrica Latina. No

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    entanto, vrios autores e inclusive a OMS, nos primeiros anos do PDRH-OPAS, utilizavam os termos educao permanente, educao continuada e capacitao como sinnimos para estas propostas inovadoras rea de desenvolvimento de recursos humanos na sade (OMS, 1981; VIDAL, 1984; MEJA, 1986; VIDAL; GIRALDO; JOUVAL, 1986; ROSCHKE; CASAS, 1987).

    A partir de leituras dos textos de Vidal (1984), Meja (1986), Vidal, Giraldo, Jouval (1986) e, principalmente, Roschke e Casas (1987) e Davini (1989), foi possvel constatar que, nesse perodo, a maior preocupao dos autores era apresentar uma proposta terico-metodolgica diferenciada que pudesse causar impacto na realidade dos servios de sade, pois utilizavam os termos enfoque inovador e tradicional, sem apresentar uma denominao especfica para as aes de desenvolvimento de recursos humanos que se estruturavam dentro do enfoque tradicional.

    Assim, mesmo havendo uma clara discusso terico-metodolgica entre propostas tradicionais e inovadoras para o desenvolvimento de recursos humanos na rea da sade, desde o final da dcada de 80 (DAVINI, 1989), somente a partir da metade da dcada de 90 o termo educao permanente em sade foi definido conceitualmente como sendo algo diferente dos termos educao continuada e capacitao em servio. O primeiro utilizado para definir uma estrutura inovadora, a partir de uma metodologia de estudo no trabalho e a partir do trabalho, compreendendo o trabalho como fator educativo, utilizando-se metodologias de ensino-aprendizagem de carter problematizador. Os dois ltimos so empregados para as aes de carter mais pontuais, a partir de metodologias tradicionais de ensino, as quais tambm tm a sua importncia em determinados momentos, no entanto no devem guiar as aes nesse campo (ALMEIDA, 1997, MOTTA, 1998, 2002; OPS/OMS, 2002). A partir das leituras realizadas, foi possvel constatar que esta diferenciao conceitual foi efetivamente assumida no Brasil, no entanto, nos demais pases das Amricas, no se percebe essa diferenciao como algo implantado.

    Em 1997, um grupo de trabalho da OPAS/OMS reuniu-se em Buenos Aires para discutir aspectos sobre a avaliao das capacitaes em sade, a partir das reformas setoriais apresentadas em diferentes pases. Esse grupo constatou que

    por exigencias de criterios de eficiencia establecidos en los convenios que definen los proyectos de apoyo a las reformas, en muchos pases se estn introduciendo modalidades nuevas

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    de gestin educacional basadas no en una lgica de programas sino de proyectos, no en modalidades de gestin directa sino en modos competitivos de asignacin (OPS/OMS, 1997, p.1).

    Essa lgica estava diretamente ligada a toda estrutura neoliberal

    que a maioria dos pases latino-americanos assumiram nessa dcada, a qual era defendida pelos pases desenvolvidos e pelos bancos internacionais de financiamento como sendo a mais correta e progressista para atingir um alto nvel de desenvolvimento. Esta natureza econmica foi criticada por alguns consultores da OPAS/OMS, visto a dificuldade que propostas deste gnero enfrentam em relao sustentabilidade das aes nas reas de educao em sade, pois, quando terminam os recursos provenientes de fontes externas, na maioria das vezes no se consegue manter as aes, o que gera estruturas pontuais e limitadas de desenvolvimento (OPS/OMS, 1997).

    Estas aes pontuais, estruturadas a partir de projetos e financiadas por recursos internacionais que ocorreram por toda a dcada de 1990 e em alguns pases latino-americanos, durante a primeira dcada do sculo XXI, diferenciam-se das propostas denominadas polticas de Estado, em que se buscam desenvolver aes que se mantenham por longos perodos, de modo a garantir mudanas reais.

    Analisando os processos de reforma no setor sade vivenciados no final da dcada de 1990, nos diferentes pases das Amricas, pude constatar que houve duas grandes reas de impacto nos componentes de capacitao, as quais se estruturaram a partir de modelos contra-hegemnicos na rea da sade: a) sobre a direo e gerncia dos servios no marco da descentralizao, em que se inclui a capacitao orientada a aportar mudanas nas estruturas de sade, em nvel federal, estadual e municipal, estendendo-se at as direes institucionais; b) sobre a ateno sade propriamente dita e aos trabalhadores dos servios de sade, no marco de novos modelos de organizao e de estratgias de melhoramento da ateno, com nfase ao fortalecimento da ateno primria (OPS/OMS, 1997).

    No entanto, ao final, o financiamento para esse setor, na maioria dos pases das Amricas, ainda era gerado a partir da lgica de projetos para estratgias de educao em sade distintas, conforme a lgica neoliberal estabelecida (OPS/OMS, 1997). Em muitos projetos, era possvel perceber componentes de capacitao definidos em funo dos

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    objetivos das reformas, que se constituram como desafios para as instituies acostumadas a uma concepo reprodutora, espordica, vertical e pouco participativa de educao e uma gesto dos processos educacionais centralizada, muito burocratizada e em geral carente de recursos.

    A realidade desse perodo que, em um bom nmero de pases, nunca houve tanto dinheiro para capacitao de recursos humanos com prazos to curtos, em contextos poltico-institucionais to instveis e complexos. Frente a isso, o maior desafio dos grupos nacionais responsveis pelos projetos era aplicar e executar, de maneira eficiente e com impacto, os recursos que estavam recebendo, sendo a maioria proveniente de endividamento externo com o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e com o Banco Internacional para Reconstruo e Desenvolvimento (BIRD) (OPS/OMS, 1997).

    Outro desafio enfrentado na poca, que se estende at os dias de hoje, era responder de maneira efetiva, s necessidades de capacitao nos diferentes cenrios de sade, com especial ateno ao nvel local, por meio da elaborao de projetos que contemplam os diferentes contextos e realidades com segurana nos resultados. Assim, a OPS/OMS (1997) apresenta que o desenvolvimento dessas capacidades implica: a) identificar as necessidades educacionais baseadas em problemas e solicitaes dos prprios servios, programando as aes de forma conjunta; b) garantir que os programas sejam relevantes s necessidades identificadas e incorporem os componentes da capacitao e avaliao; c) avaliar os programas a partir do marco terico-metodolgico da educao permanente em sade disseminando pela OPAS/OMS, na dcada de 80.

    A partir da reunio do grupo de apoio da OPAS/OMS, em 1997, e outras realizadas em anos anteriores, foi possvel constatar, nos diferentes pases, a baixa qualificao de equipes nacionais para a elaborao, desenvolvimento e avaliao de projetos na rea de recursos humanos na sade, em especial relativos s questes de educao permanente em sade; a baixa efetividade de um sistema de apoio que se responsabilizasse pelos diagnsticos situacionais ao incio dos projetos, o que dificulta ou impossibilita a avaliao do processo realizado; e a dificuldade de efetivar cooperao tcnica entre os pases, mesmo frente a novas condies de um mundo em constante mudana, em que os prazos para execuo de qualquer proposta esto cada vez mais restritos, logo, a articulao poltica se coloca como uma varivel fundamental (OPS/OMS, 1995, 1997).

    Estas constataes impulsionaram a OPAS/OMS a pensar,

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    organizar e propor estratgias que facilitassem o acompanhamento e cooperao das aes referentes a recursos humanos em sade na regio da Amricas. Para tanto, no final da dcada de 90, voltam a fortalecer os princpios terico-metodolgicos da Educao Permanente em Sade, apresentados na dcada de 80, que esto descritos no prximo item deste captulo, enfatizando de modo especial a necessidade de avaliao permanente das aes como parte essencial da EPS.

    Frente a isso, OPAS/OMS prope, em 1999, como estratgia para facilitar o acompanhamento/assessoramento das equipes nacionais responsveis pelos projetos que envolvem os recursos humanos em sade, a criao e estruturao da Rede de Observatrios de Recursos Humanos na rea da sade. A implementao dessa proposta necessitou um trabalho concentrado em nvel central, porm interprogramtico e interagencial entre as representaes da OPAS nos distintos pases, o qual foi gestado em 1995, ao referirem que

    partiendo de las necesidades de cada una de estas instancias permita generar iniciativas conjuntas de trabajo concreto que apliquen este enfoque educativo en proyectos concretos; el nivel educacional con la formacin de grupos funcionales interprogramticos, construccin de alianzas interagenciales e intersectoriales, aplicadas igualmente en el diseo y ejecucin de proyectos concretos, y entre pases para fomentar el intercambio y fortalecer la estructuracin de redes de comunicacin horizontal y sistemtica (OPS/OMS, 1995, p. 358).

    A Rede de Observatrios de Recursos Humanos em Sade

    configurou-se como sendo de fundamental importncia para suprir as necessidades de obteno de informaes, alm de produzir e difundir conhecimentos e instrumentos que orientam os processos de regulao, gesto, formao, desenvolvimento e formulao de polticas de recursos humanos em sade (OPS/OMS, s/d).

    A OPS/OMS (2001a) voltou a apresentar, no documento CD43/9 da 43 Reunin Del Consejo Directivo y 53 Sesin Del Comit Regional sobre Desarrollo y Fortalecimiento de la Gestin de los Recursos Humanos en el Sector Salud, em 2001, uma preocupao especial sobre o tema de desenvolvimento e fortalecimento da gesto no setor sade, considerado-o de extrema importncia para o desenvolvimento de aes de EPS no incio do sculo XXI. No mesmo ano, ocorreu a III Reunin

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    de Ministros de Salud de Iberoamrica, em Havana Cuba, que considerou a formao e capacitao de recursos humanos em sade como importante para o aperfeioamento dos sistemas de avaliao da ateno primria e secundria em sade.

    Desse modo, foram elaboradas diferentes propostas de aes em pases das Amricas que visavam superao das fragilidades no setor de EPS. Tais aes variaram desde cursos de curta durao elaborados a partir de um enfoque problematizador, at cursos em nvel de aperfeioamento e especializao lato sensu, sobre a gesto pblica em sade, tambm seguindo a proposta terico-metodolgica da Educao Permanente em Sade, com o envolvimento de diferentes reas e setores, incluindo a Rede de Observatrios de Recursos Humanos em Sade.

    Ainda em 2001, na 43 Reunin del Consejo Directivo, foi aprovada a Resoluo CD46R.6, a qual define que os estados membros da OPAS/OMS

    participen activamente en la iniciativa del Observatorio de los Recursos Humanos facilitando en cada pas la constitucin de grupos intersectoriales e interinstitucionales para el anlisis de la situacin, la produccin de informacin esencial y la formulacin de propuestas en materia de poltica, regulacin y gestin de los recursos humanos (OPS/OMS, 2001b, s/p).

    Este documento apresentou a necessidade de envolvimento das

    estruturas diretivas dos distintos pases a fim de mobilizar diferentes setores e instituies a se organizarem como Observatrios de Recursos Humanos, visto que funcionam por meio de representantes de autoridades sanitrias, importantes universidades e associaes profissionais. Com a inteno de facilitar a estrutura de trabalho da Rede de Observatrios, definiu-se que as informaes seriam organizadas em quatro reas, sendo uma delas la educacin y el adiestramiento profesional para la fuerza laboral de salud (OPS/OMS, s/d, p. 266).

    A Rede de Observatrios comeou em 1999, com nove pases membros, e, depois que a iniciativa ficou conhecida e houve o fortalecimento da proposta por meio da Resoluo CD49R.6, outros pases que compartilhavam as mesmas inquietudes se associaram. Atualmente, 21 pases compem a Rede de Observatrios Recursos

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    Humanos em Sade, entre esses, Argentina, Brasil, Peru e Cuba incluram a Rede de Observatrios como uma atividade regular de suas unidades de recursos humanos, o que configurou um carter oficial a esses grupos nacionais, que fortalecem os programas e/ou polticas nessa rea (OPS/OMS, s/d).

    Em outubro de 2005, ocorreu a VII Reunin Regional de los Observatorios de Recursos Humanos en Salud em Toronto - Canad, promovida pela OPAS/OMS, Ministrio da Sade do Canad e Ministrios da Sade e Cuidados Prolongados do estado de Ontrio. O documento final dessa reunio, denominado Llamado a la Accin de Toronto para uma dcada de recursos humanos em sade (2006-2015), juntamente com as Metas Regionales en Materias de Recursos Humanos para la Salud 2007-2015 institudas na 27 Conferencia Sanitaria Panamericana e 59 Sesin del Comit Regional em 2007, so documentos oficiais que atualmente orientam as estratgias de ao no campo de recursos humanos, nos diferentes pases das Amricas (OPS/OMS, 2005, 2007a; RIGOLI, ROCHA, FOSTER, 2006).

    Tais documentos so marcos estratgicos que enfocam aspectos, no mbito da gesto de recursos humanos em sade, que os pases deveriam seguir ao estruturar seus Planos de Desenvolvimento de Recursos Humanos em Sade. Orientam que sejam elaborados planos a curto, mdio e longo prazo, conforme as necessidades que precisam ser atingidas, sendo importante revises anuais dos planos a longo prazo. Ainda, reconhecem que, para o desenvolvimento exitoso dos recursos humanos em sade, o planejamento e a formulao de polticas devem resultar de um esforo multissetorial entre sade, educao, trabalho e finanas, que provoca a articulao de atores governamentais e no governamentais (OPS/OMS, 2005, 2007a).

    Para o Llamado a la Accin de Toronto, o desenvolvimento de planos de recursos humanos estruturados a partir de sistemas de sade baseados na Ateno Primria Sade e no fortalecimento da infraestrutura da sade pblica so reconhecidos como as aes que podem causar a maior repercusso nos resultados de sade nos pases. Esses aspectos foram fortalecidos em oito das vinte metas regionais apresentadas em 2007, que enfocam objetivos no mbito da Ateno Primria a Sade, especialmente aquelas vinculadas existncia de polticas e planos em longo prazo, que assegurem contar com pessoal em nmero suficiente, competente e nos lugares adequados segundo os requerimentos de sade da populao (OPS/OMS, 2005, 2007a; RIGOLI, ROCHA, FOSTER, 2006).

    Ao analisar tais documentos, constatei que a nfase recai sobre as