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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império. Dissertação de Mestrado Recife 2014

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …‰ LOURENÇO TORRES NETO TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO

TEIXEIRA DE FREITAS:

codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo

Império.

Dissertação de Mestrado

Recife

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO

TEIXEIRA DE FREITAS:

codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo

Império.

Dissertação de Mestrado

Recife

2014

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JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO

TEIXEIRA DE FREITAS:

codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo

Império.

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Direito do Centro de

Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do

Recife da Universidade Federal de

Pernambuco como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Teoria e Dogmática

do Direito.

Linha de pesquisa: Linguagem e Retórica.

Orientador: Prof. Dr. Torquato da Silva

Castro Junior.

Recife

2014

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832

T693t Torres Neto, José Lourenço

TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império. – Recife: O Autor, 2014.

176 f.

Orientador: Torquato da Silva Castro Junior.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2014.

Inclui bibliografia.

1. Freitas, Augusto Teixeira de, 1816-1883. 2. Direito civil - Brasil. 3. Retórica. 4. Retórica antiga. 5. Língua portuguesa - Retórica. 6. Idéia (Filosofia) - História. 7. Escravidão - Brasil. 8. Casamento (Direito) - Brasil. 9. Freitas, Augusto Teixeira de - Obras. 10. Freitas, Augusto Teixeira de - Código Civil - Unificação. I. Castro Junior, Torquato da Silva (Orientador). II. Título.

340.181 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2014-018)

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JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO

TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do Direito no fim do Segundo

Império.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito

da Faculdade de Direito do Recife/Centro de Ciências Jurídicas da

Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de Concentração: Teoria e Dogmática do Direito

Orientador:

Prof. Dr. Torquato da Silva Castro Junior.

A Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro,

submeteu o candidato à defesa, em nível de Mestrado, e a julgou nos seguintes termos:

MENÇÃO GERAL:

APROVADO

Profª. Drª. Fabíola Albuquerque Lobo (Presidente/UFPE)

Julgamento: APROVADO Assinatura: ___________________

Prof. Dr. João Maurício Leitão Adeodato (1° examinador externo)

Julgamento: APROVADO Assinatura: ___________________

Prof. Dr. Gustavo Just da Costa e Silva (2° examinador interno)

Julgamento: APROVADO Assinatura: ___________________

Recife, 08 de abril de 2014.

Coordenador Prof.º Dr. Marcos Antônio Rios da Nóbrega

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A Jerônima, companheira de percurso.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor e orientador, o Dr. Torquato da Silva Castro Junior por seu saber superior e

amadurecido.

Ao Professor Dr. George Browne Rego, também professor na graduação e interlocutor

profundo da História do Direito, bem como, à sua suplente na presidência da banca

examinadora, a Dra. Fabíola Albuquerque Lôbo.

Ao Professor Dr. Gustavo Just da Costa e Silva por sua condução dentro dos caminhos da

hermenêutica e da interpretação.

A todos os doutos professores ao longo da Pós-Graduação de Direito da UFPE.

Em especial, ao Professor Dr. João Maurício Leitão Adeodato, incentivador na Filosofia e

orientador desde a graduação na Retórica e coordenador do grupo de pesquisa sobre

Retóricas na História das Idéias do Brasil.

À Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), como instituição, e aos seus funcionários.

Em particular, à minha querida esposa Jerônima e aos familiares que me apoiaram e

incentivaram durante esta modesta jornada.

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“A liberdade é um bem inestimável,

porque mais vale com os seus perigos,

que o serviço do imobilismo.”

Teixeira de Freitas

(Pedro quer ser Augusto, 1872)

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

Abrev. – Abreviações.

AEO – Argumentos de ethos do orador.

AEO1 – Argumentos de ethos do orador baseados em autoridade.

AEO2 – Argumentos de ethos do orador baseados em textos qualificados.

AEO3 – Argumentos de ethos do orador fundamentados em fontes.

ALO – Argumentos de logos do orador.

ALO1 – Argumentos de logos do orador baseados em textos legais.

ALO2 – Argumentos de logos do orador baseados em princípios jurídicos.

ALO3 – Argumentos de logos do orador baseados em brocardos e ditos populares.

ALO4 – Argumentos de logos do orador baseados em deduções.

APA – Argumentos de pathos do auditório.

APA1 – Argumentos de pathos baseados em opiniões e sentimentos a partir do auditório.

APO – Argumentos de pathos do orador.

APO1 – Argumentos de pathos a partir de sentimentos e opiniões do orador

Cân. – Cânone (de uma Encíclica ou Concílio religioso).

CPB – Código Penal Brasileiro de 07.12.1940.

Dig. – O Digesto de Justiniano.

E – O ethos aristotélico.

FDR – Faculdade de Direito do Recife, Pernambuco, Brasil.

FEO – Figuras de ethos do orador.

FEO1 – Figuras de amplificação ou atenuação conforme o ethos do orador (metalogismos).

FLO – Figuras de logos do orador.

FLO1 – Figuras sintáticas ou de construção como base do logos do orador no texto

(metataxias).

FLO2 – Figuras de logos do orador formadas de expressões latinas ou gregas no texto.

FPA – Figuras de pathos do auditório.

FPA1 – Figuras de ação conforme o pathos do auditório.

FPO – Figuras de pathos do orador.

FPO1 – Figuras de significação a partir do pathos do orador (metasemas).

FPO2 – Figuras da oração (de frase) a partir do pathos do orador (metaxias).

FPO3 – Outras figuras de pathos do orador como as figuras de estilo.

IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros.

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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

L – O logos aristotélico.

P – O pathos aristotélico.

Ret. – A Retórica de Aristóteles.

STF – Supremo Tribunal Federal do Brasil.

STJ – Superior Tribunal de Justiça do Brasil.

TF – (Augusto) Teixeira de Freitas.

Top. – A Tópica de Aristóteles.

UFPE – Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

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RESUMO

TORRES NETO, José Lourenço. TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e

escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império. 2014. 176 f. Dissertação

(Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências

Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.

A presente dissertação aborda as ideias que influíram no pensamento jurídico brasileiro e

estuda a retórica das ideias nos textos da obra jurídica remanescente de Augusto Teixeira de

Freitas durante o final do Segundo Império brasileiro. O objetivo é entender sua postura diante

de temas complexos do Direito Civil brasileiro a exemplo da escravidão, o casamento civil e

os métodos para a codificação da legislação civil com o fim de resgatar a credibilidade

discursiva de Teixeira de Freitas, observar a consistência dos temas de Direito Civil abordados

por ele, e, delimitar categoricamente os elementos e argumentos retóricos predominantes que

contribuíram para a constituição de seus discursos. Utiliza como instrumento metodológico a

análise retórica desenvolvida a partir de elementos da metódica de Ottmar Ballweg e de João

Maurício Adeodato, uma associação de elementos antigos e contemporâneos. As obras que

fornecerão os dados diretos para análise são a Consolidação das Leis Civis e o Esboço do

Código Civil, os trechos de discursos fornecidos por seus biógrafos, artigos publicados pela

imprensa, bem como, cartas oficiais, como as cartas de renúncia à presidência do Instituto dos

Advogados Brasileiros e à elaboração do projeto do Esboço do Código Civil. Conclui que, a

partir dos elementos da retórica utilizada por Teixeira de Freitas nos textos analisados, havia

uma incompatibilidade nas posturas pessoal e profissional que resultou na posterior rejeição

dos discursos que defendeu.

Palavras-chave: Direito. História das ideias. Teixeira de Freitas. Retórica.

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ABSTRACT

TORRES NETO, José Lourenço. TEIXEIRA DE FREITAS: codification, civil marriage and

slavery according to Law’s rhetoric by the end of the Brazilian Second Empire. 2014. 176 p.

Dissertation (Master’s Degree of Law) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de

Ciências Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.

The present dissertation deals with ideas that had influenced the Brazilian legal thought, and

studies the rhetoric of them in the remaining work of Teixeira de Freitas’ texts to understand

his position before complexes themes of Civil Law during de Second Brazilian Empire such

as slavery, civil marriage and the codification of civil legislation. The goal is to rescue

Teixeira de Freitas’ discursive credibility, to observe his argumentative consistency in

subjects of Civil Law, and, to delimit categorically rhetorical elements and predominant

arguments that had contributed for the constitution of his speeches. As methodological

instrument uses the rhetorical analysis developed from elements of Ballweg’s and Adeodato’s

methodic, an association of old and contemporaries elements. For this, it makes a

bibliographical revision. It goes into the texts of the Consolidation of Brazilian Civil Law, the

Draft of the Brazilian Civil Code, parts of his speeches supplied by his biographers, articles

published in local press, as well as official letters, as the letters of his resignation to the

presidency of the Institute of the Brazilian Lawyers and that of his resignation to the work to

the Draft of the Civil Code’s project. It concludes that, from the rhetoric elements that

Teixeira de Freitas used in the analyzed texts, there was an incompatibility in his personal and

professional positions that resulted in the posterior rejection of the speeches that he assumed.

Key-words: Legal Philosophy. History of ideas. Teixeira de Freitas. Rhetoric.

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SUMÁRIO

Introdução: Investigando os primórdios das ideias jurídicas brasileiras na

primeira codificação geral do direito civil sob o olhar de uma metodologia

retórica do direito ................................................................................................

13

1 Capítulo Primeiro – Exposição de uma metodologia definida por elementos

retóricos antigos e contemporâneos ...................................................................

20

1.1 Pressupostos teóricos de uma metodologia retórica para o estudo do Direito ...... 20

1.2 Elementos de retórica antiga .................................................................................. 23

1.3 Metaníveis como metalinguagem na retórica contemporânea .............................. 28

1.4 Categorias a partir da metodologia tripartida para analisar estratégias ................. 33

2 Capítulo Segundo – Primórdios da formação intelectual e jurídica

portuguesa e brasileira: o ambiente jurídico que antecedeu Teixeira de

Freitas ...................................................................................................................

41

2.1 A influência religiosa jesuíta nos centros culturais lusitanos e as origens do

ensino da retórica em Portugal ..............................................................................

41

2.2 A reforma pombalina do ensino e do estudo da retórica portuguesa e seus

reflexos sobre o ensino brasileiro até sua fase pré-republicana como estratégia

de neutralização de um instrumento de dominação jesuíta: a educação ................

45

2.3 A formação dos primeiros cursos jurídicos brasileiros como estratégia

legitimadora do processo de emancipação nacional ..............................................

50

2.4 A necessidade de uma produção literária para a “nova” Academia: seguindo a

estratégia da tradição lusitana de supressão dos conteúdos rivais .........................

54

2.5 Os conteúdos teóricos e filosóficos encontrados nas primeiras escolas jurídicas

brasileiras e seu antagonismo ao discurso retórico de “modernidade” .................

59

2.6 Uma produção legislativa própria para consolidar a independência brasileira ..... 63

3 Capítulo Terceiro – A formação e as principais ideias de Teixeira de

Freitas e suas possíveis influências .....................................................................

70

3.1 Destaques sobre a formação acadêmica, praxista e intelectual de Augusto

Teixeira de Freitas .................................................................................................

70

3.2 Delimitando ideias de Teixeira de Freitas como eventos linguísticos para o

Direito Civil emergente .........................................................................................

75

3.3 A defesa da escravidão como ponto de inflexão e estagnação temporária do

pensamento jurídico brasileiro ...............................................................................

77

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3.4 A influência religiosa e a juridicidade do casamento civil frente ao casamento

religioso: uma disputa no campo da validade jurídica ..........................................

80

3.5 Da consolidação à unificação: influências e evolução da codificação civil

brasileira ................................................................................................................

86

4 Capítulo Quarto – Teixeira de Freitas e o tema da escravidão na retórica

do direito ...............................................................................................................

91

4.1 A legislação escravista ocultada na obra de codificação de Teixeira de Freitas:

uma tática para fazer prevalecer sua retórica textual .............................................

91

4.2 O impacto causado pela estratégia da retórica textual de Teixeira de Freitas no

discurso abolicionista de Joaquim Nabuco ............................................................

97

4.3 O ambiente, as estratégias e os elementos discursivos dos debates de 8 e 15 de

outubro de 1857 no Instituto dos Advogados Brasileiros sobre as doutrinas

jurídicas em relação à questão da liberdade dos filhos das escravas statu líber

sob condição ..........................................................................................................

102

4.4 Análise (primeira) dos principais elementos retóricos nos argumentos sobre a

questão escravista do debate no Instituto dos Advogados Brasileiros elencados

por Teixeira de Freitas em sua carta de renúncia à presidência do mesmo ...........

109

4.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do

tema da escravidão .................................................................................................

118

5 Capítulo Quinto – A validade do casamento normatizada pelo jurisconsulto

positivista: um conflito entre o religioso e o civil ..............................................

120

5.1 A importância e o interesse da Academia brasileira pelo tema do casamento no

período oitocentista ................................................................................................

120

5.2 A reação de Carlos Totvárad às prescrições do Esboço de Teixeira de Freitas a

respeito do casamento através da imprensa como nova estratégia de abordagem

123

5.3 Elementos motivadores nos discursos de Totvárad e de Teixeira de Freitas: um

debate predominantemente fundamentado na religião ..........................................

125

5.4 Análise (segunda) dos principais elementos retóricos dos argumentos sobre o

tema do casamento elencados por Teixeira de Freitas em sua resposta a Carlos

Totvárad no Diário do Rio de Janeiro em agosto de 1861 ....................................

128

5.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do

tema do casamento .................................................................................................

134

6 Capítulo Sexto – A unificação do direito privado e a tentativa retórica de

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corrigir um vício doutrinário – o desgaste de Teixeira de Freitas .................. 136

6.1 Circunstâncias para o fracasso da primeira tentativa da codificação civil do

Império brasileiro ..................................................................................................

136

6.2 Algumas alegações da Comissão revisora do Esboço como estratégias para

desgastar os argumentos (e a saúde) de Teixeira de Freitas em 1865 ...................

141

6.3 Análise (terceira) dos principais elementos retóricos de Teixeira de Freitas em

sua carta ao Ministro Ribeiro de Andrada – a interrupção do Esboço (1867) .......

148

6.4 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do

tema da unificação do Código Civil ......................................................

152

Conclusão: (In)Compatibilidade e (in)coerência desvendadas pela retórica

acerca das posturas históricas de teixeira de freitas sobre temas do direito

civil ........................................................................................................................

152

Referências ........................................................................................................... 163

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INTRODUÇÃO: INVESTIGANDO OS PRIMÓRDIOS DAS IDEIAS JURÍDICAS

BRASILEIRAS NA PRIMEIRA CODIFICAÇÃO GERAL DO DIREITO CIVIL SOB

O OLHAR DE UMA METODOLOGIA RETÓRICA DO DIREITO.

“Com a positivação e a constitucionalização do direito moderno, a visão filosófica do positivismo prevaleceu.

Apesar desse fato, a perspectiva ontológica subjaz sempre, paradoxalmente, na retórica sobre o caráter

“sobrepositivo” desses direitos”.

João Maurício Adeodato1

Houve um tempo em que o saber jurídico tinha um valor e um significado

diferenciado. Nesse período surgiram nomes da mais alta conta no cenário nacional. Alguns se

destacaram apenas em suas províncias de origem, outros se deslocaram para a capital do

Império, o Rio de Janeiro. É ali que encontramos um autor particular: Augusto Teixeira de

Freitas (1816 – 1883), o protagonista deste estudo. Personalidade a quem erroneamente se

vincula a denominação da cidade baiana2. Porém, Augusto Teixeira de Freitas que, sim, era

baiano, foi o jurista nascido em 1816 que com sua obra contribuiu imensamente para o Direito

Civil, no Brasil e no exterior. Por isso, para estudar sua obra o título desta dissertação é

“Teixeira de Freitas: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do

Segundo Império”.

Este estudo não se aterá às acepções dos positivismos e sua filosofia. Mas, observará

as origens das codificações legais como fonte de ideias jurídicas, buscando também algumas

origens das ideias que permearam o Direito no Brasil. Logo, juntamente com o Direito, esta

dissertação observará sua História e, a História do Direito também é o Direito, pois, Direito

sem História é água sem fonte; é chuva sem nuvens. Assim, o objeto de estudo aqui é o

Direito, sua história, e as retóricas de temas de Direito Civil como a escravidão, o casamento

civil e a codificação legislativa, que envolveram a vida e a obra jurídica de Augusto Teixeira

de Freitas no período final do Segundo Império brasileiro. Estudo este, que não negligenciará

um olhar mais pretérito nas circunstâncias e influências que impactaram essa obra.

1 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros

fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 124.

2 A cidade no sul da Bahia que antes era o povoado de São José de Itanhém, Alcobaça, e hoje se chama Teixeira

de Freitas tomou emprestado o nome para homenagear o estatístico e advogado Mario Augusto Teixeira de

Freitas, nascido em 1890, e que idealizou e presidiu o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e

não Augusto Teixeira de Freitas, o autor escolhido para ser estudado neste trabalho. Informação fornecida pelo

Prof. Dr. João Maurício Adeodato que em viagem à região tomou conhecimento deste fato pitoresco.

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14

Um dos fundamentos deste estudo é um tipo específico de história das ideias. A

historiografia filosófica não deve se ater apenas à problemática bibliográfica ou biográfica do

autor escolhido. A história das ideias (filosofia da história) diferentemente da história da

filosofia tradicional, procura enfocar as ideias de personalidades jurídicas onde quer que

apareçam e não apenas na filosofia. Embora se reconheça que a cultura nacional está formada

em muitas outras áreas, como música e dança; só muito recentemente as ideias, e aqui em

especial, as jurídicas, é que entraram nessa sorte de considerações.

A época delimitada é o Segundo Império brasileiro, período de mudanças e

transformações no cenário jurídico brasileiro embalado que foi pelo panorama mundial. Foi a

época em que Teixeira de Freitas, além de ter realizado os trabalhos de consolidação e

codificação da legislação civil, se dedicou à prática forense, o que incluiu a magistratura e a

advocacia. Sua obra é constituída de suas publicações e de suas ações.

As obras que fornecerão os dados diretos para análise neste estudo são a Consolidação

das leis civis e o Esboço do Código Civil a ele encomendados, mais trechos de discursos e os

artigos publicados pela imprensa local na disputa com Carlos Totvárad, bem como, as cartas

pessoais que expõem alguns de seus sentimentos íntimos e seus argumentos jurídicos como as

cartas de renúncia à presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e ao trabalho de

confecção do projeto do Código Civil.

Esta dissertação parte de dois pressupostos: o de que uma metodologia retórica pode

analisar e, segundo, essa mesma metodologia pode explicar a construção de um discurso

jurídico e, assim, especificamente, perscrutar a obra de Teixeira de Freitas. O marco teórico

para tal foi o método retórico de análise de Ottmar Ballweg e desenvolvido para o Direito

brasileiro por Adeodato, aqui tomado como paradigma. Com os resultados advindos de sua

incidência, ou seja, sabendo quais elementos retóricos predominaram na obra de Teixeira de

Freitas se determinará a construção dos seus textos e pensamento, e as influências que o

levaram a tomar determinadas posturas, como a de se recusar a regulamentar a escravidão no

Brasil imperial na Consolidação, ou não admitir a liberdade dos filhos das mulheres statu

líber sob condição, e, ainda, não aceitar o casamento civil sem seu vínculo religioso.

Portanto, são objetivos deste estudo atender pelo menos três finalidades (não

necessariamente na ordem proposta): na História, resgatar a totalidade da credibilidade

discursiva de Teixeira de Freitas, que pontualmente e por alguns foi questionada; no Direito,

observar a consistência dos temas de Direito Civil abordados por ele; e, na Retórica, delimitar

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os elementos e argumentos retóricos predominantes (destacados como incidências de

categorias retóricas) que contribuíram para os seus possíveis (in)sucessos discursivos.

Escolher estudar a obra remanescente de Teixeira de Freitas, primeiro, é uma opção e

até uma paixão pelo Direito Civil desde a graduação; depois, é uma consequência da

proximidade com o Grupo de Pesquisa coordenado pelo Professor João Maurício Adeodato

com o propósito de estudar “as Retóricas na História das Ideias Jurídicas do Brasil”. Além

disso, estudar e analisar a vida e a obra de Teixeira de Freitas e sua postura frente a questões

como a escravidão, o casamento civil e o método de unificação da codificação civilista, mais

que um desafio metodológico, é uma privilegiada homenagem à sua pessoa e obra.

----------

O pano de fundo deste estudo é o fenômeno jurídico, e no campo do Direito, os

fundamentos da experiência jurídica brasileira, por isso questiona a eventual originalidade

dessas ideias e, assim, penetra nos corredores de sua história. Reconhece ideias que influíram

no pensamento jurídico brasileiro pretérito em geral e não apenas as ideias oriundas dos

filósofos, o que permite a inserção de temas de Direito Civil que repercutiram na sociedade de

então, e, também, os elementos que constituíram a linguagem, como discursos vencedores ou

não, dessas ideias. Ainda considera que a formação e a cultura brasileira fez com que os

juristas do Brasil no final do Império recepcionassem ideias dos modelos exógenos, repetindo-

os, embora tal continuidade seja justificada pelas várias condições (precárias) de aquisição de

conhecimento.

As três ideias destacadas aqui como principais na obra de Teixeira de Freitas são: a

unicidade do ordenamento civilista, a legitimação exclusiva do casamento civil e a legalidade

da escravidão. Porém, este estudo fará ainda alguns questionamentos específicos acerca dos

conteúdos de linguagem adotados e usados por Teixeira de Freitas dentro de cada tema, para

reconhecer seus discursos vencedores, ou não, a fim de fazer um resgate histórico das

primeiras ideias jurídicas brasileiras. Questionamentos que pairarão do início ao fim, pois

impossível é recuperar seus reais pensamentos e motivações como respostas. Questiona-se,

por exemplo, se Teixeira de Freitas era a favor ou contra a escravidão no Brasil. Se era a

favor, por que se recusou a regulamentar a escravidão no Brasil imperial na Consolidação? E,

se era contra, por que não admitia a liberdade dos filhos das mulheres statu líber sob condição

nos debates no IAB? Essa era uma postura correspondente com seu legalismo? Se ele era tão

legalista, por que, quanto à questão da legitimação do casamento civil, Teixeira de Freitas não

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o desvinculou da religião e deixou que ele fosse regulamentado apenas pelas leis civis? Ou

seja, se em cada situação isso era uma estratégia argumentativa, como parece, quais eram

essas estratégias, e, se possível, de onde se originaram, quais eram seus fundamentos e quais

foram os resultados práticos e materiais.

Uma primeira hipótese, por exemplo, sobre a questão da escravidão, seria a de que

Teixeira de Freitas não tinha a finalidade de ocultar o tema da escravidão por “pudor”

jurídico. Parece que Teixeira de Freitas, em nome de uma perfeição textual (para não dizer

literária) e já antevendo tanto a derrocada do evento escravidão como a perpetuação do seu

trabalho extensivo e perfeccionista, buscou deixar um legado livre dessa “mácula”, apesar de

defender legalmente o escravismo com base no direito romano. Será que ele estava realmente

convencido de que a liberdade das pessoas estava limitada pela lei, e por isso se negou a

concordar em conceder a liberdade aos filhos de escravas libertas sob condição diante das

consequências (como a quebra do princípio da propriedade e da segurança jurídica vigente)

contra a credibilidade da unicidade jurídica que tal jurisprudência poderia produzir, embora

afirmasse que a escravidão era uma “mácula”?

Outra possibilidade seria ainda de que sua postura não se definiu apenas em suas

intenções e convicções pessoais, expressas em seus textos, mas que sofreu uma condução

motivada por um interesse externo de expô-lo ao ridículo. O discurso dominante atribuiu o

“fracasso” de Teixeira de Freitas frente ao IAB e na elaboração do Esboço, ora a seu caráter,

ora a seu legalismo. Que razão levou os jurisconsultos do IAB a discutirem casos de

jurisprudência relacionados à escravidão? Houve uma construção ardilosa para fazer com que

a postura de Teixeira de Freitas fosse derrotada, em tempo e lugar, a fim de que a tendência

dominante prevalecesse, apesar da legalidade vigente, como sugere a tese historicista de

Eduardo Spiller Pena (de que talvez essa postura não foi definida apenas a partir de sua

convicção pessoal, mas sofreu uma condução externa guiada por Caetano Alberto Soares que

o fez tropeçar em seu legalismo)? Questionamento reforçado pelas observações biográficas de

Silvio Augusto de Bastos Meira que expõe uma suposta “campanha difamatória”. Houve uma

articulação, intencional e consciente, para fazer com que a postura legalista de Teixeira de

Freitas fosse contestada a fim de que a tendência (política) abolicionista dominante

prevalecesse, ou essa é apenas uma constatação argumentativa a posteriori? E acerca da

prática do casamento civil, será que cada argumento utilizado apenas atendeu às preferências

religiosas das partes argumentantes, aos seus consensos linguísticos e à capacidade de tanto

causarem dano como concederem vantagens diante do processo histórico que se quis

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17

construir? Ou o poder religioso apropriou-se das vozes dos contendores para influenciar a

legislação, caso também a situação inversa não fosse passível de ser considerada?

Nesse contexto, também se busca uma resposta para as aparentes “incoerências” de

posturas enquanto jurisconsulto e a realidade prática que vivenciava, se é que ele não era

mesmo incoerente. Muitas são as possibilidades de questionamentos que podem ser

levantados quando se tem a retórica como instrumento para análise. Na verdade, para cada

tema analisado pela retórica há questões específicas. Assim, este estudo crê que a análise pela

retórica pode ajudar a informar se os sucessos ou insucessos de Teixeira de Freitas estavam

relacionados com seu caráter ou com seu estado emocional, e, se, era provável a influência de

outros fatores políticos e sociais nesses elementos integrantes de seus textos. Essa é a

problemática que tentará ser respondida pelo método retórico escolhido.

Ainda, com respeito à retórica é necessário que se entenda, de logo, que ela constará na

aplicação de um método constituído de elementos antigos e contemporâneos. Logo, não

escaparão algumas observações tópicas dessa que é a retórica que se preocupa com a forma do

texto e do discurso, bem como, de elementos conforme a tríade aristotélica: ethos, pathos,

logos; e também, observações em conformidade aos metaníveis da retórica tripartida

concebida e delineada por Ottmar Ballweg e desenvolvida por João Maurício Adeodato.

Metodologia que será mais bem exposta como marco teórico no primeiro capítulo.

Obviamente, a análise retórica que é método também e não pretende prescrever

proposições normativas ou fazer juízos de conteúdo valorativo, mas busca identificar

argumentos e estratégias, deve satisfazer as exigências de análise e averiguação a que este

estudo se propõe. Mais do que um estudo gramatical, que vê “o preto no branco”, esta retórica

busca também o que está nas entrelinhas de um discurso para melhor entendê-lo. Por meio

dela se questiona a historiografia e as “verdades” que compõem as realidades, ou, como a

historiografia passou a ser o relato vencedor. Questiona, como filosofia que é, o saber e o que

se sabe. Certamente isso introduz um elevado elemento de critica aos processos constitutivos

das ideias, e, no caso da dogmática, contribui para sua melhor compreensão, vez que uma não

prescinde da outra, pois ambas se complementam. Se estudar filosofia retórica é um desafio,

aplicar esse método a um autor como Augusto Teixeira de Freitas constitui-se um desafio

ainda maior.

----------

A dissertação está dividida em seis capítulos:

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O capítulo primeiro introduzirá uma metodologia retórica para o estudo do Direito

que soma elementos de retórica antiga com os meios “técnicos” da retórica aristotélica: o

ethos, o pathos e o logos e os “recursos retóricos” aristotélicos voltados para a persuasão.

Ainda unirá esses elementos aos metaníveis da retórica contemporânea de Ottmar Ballweg:

material, estratégica e analítica; como constituintes metalinguísticos da retórica material, da

retórica prática ou estratégia e da retórica analítica. Serão confeccionadas categorias a partir

das principais figuras e argumentos relacionadas à metodologia tripartida de Ballweg para

analisar as estratégias expostas nos capítulos posteriores.

O capítulo segundo, juntamente com os dois capítulos seguintes, construirá os

precedentes da formação intelectual e jurídica portuguesa e brasileira na tentativa de

reconstruir o ambiente jurídico que influenciou e no qual viveu Teixeira de Freitas. Para isso,

descreverá a influência religiosa jesuíta nos centros culturais lusitanos e as origens do ensino

da retórica a partir dessa influência. Além disso, também descreverá a reforma pombalina do

ensino e do estudo da retórica portuguesa como estratégia de neutralização de um instrumento

secular de dominação jesuíta: a educação, e seus reflexos sobre o ensino brasileiro até sua fase

pré-republicana. Descreverá ainda a formação dos primeiros cursos jurídicos brasileiros, a

“nova” produção literária para a “nova” Academia brasileira (e os conteúdos filosóficos

encontrados nessas instituições, como elementos antagônicos ao discurso retórico de

“modernidade” educacional) e a necessidade de uma nova codificação como elementos

estratégicos de consolidação da independência brasileira.

O capítulo terceiro continua a contextualização histórica que propiciou a formação de

Teixeira de Freitas destacando sua formação acadêmica, praxista e intelectual e sua

contratação para as obras de consolidação e codificação do Direito Civil brasileiro. Além

disso, apresentará os três principais temas de Teixeira de Freitas escolhidos: a escravidão, o

casamento civil e a codificação, delimitando assim, suas ideias para o Direito Civil emergente

e suas possíveis influências.

O capítulo quarto inicia as análises retóricas do corpus dos discursos elencados como

representantes das ideias de Teixeira de Freitas. Nele, aplicando a metodologia do capítulo

primeiro, será trazida à discussão a escravidão ocultada na obra de codificação de Teixeira de

Freitas como demonstração de uma tática para fazer prevalecer seu estilo textual. Ainda,

mostrará que a estratégia retórica textual de Teixeira de Freitas influenciou anos depois o

discurso abolicionista de Joaquim Nabuco. Por fim, descreverá o debate ocorrido no IAB.

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Além dos textos da Consolidação e do Esboço, ali serão analisados os fragmentos desses

debates no IAB e sua carta de renúncia à presidência do mesmo.

O capítulo quinto exporá outro debate de Teixeira de Freitas, agora sobre o tema do

casamento, com Carlos Totvárad. Primeiro mostrará a importância e o interesse da Academia

brasileira pelo tema do casamento e, em seguida, a postura de Teixeira de Freitas influenciada

pela tendência religiosa vigente, que buscava manter seu poder também por meio da validação

do casamento civil segundo o rito religioso.

O capitulo sexto, como último capítulo, analisará a postura de Teixeira de Freitas

sobre o tema da unificação do Código Civil, sua postura contrária à tendência política de dar

ao Brasil um código civil insipiente, no que resultou o seu desgaste e na resignação de

Teixeira de Freitas fazendo-o interromper a finalização dessa obra de codificação e deixar o

Esboço, em avançado estado de elaboração, incompleto.

Ressalte-se que as notas de rodapé desta dissertação constituem um trabalho

complementar que não deve ser olvidado, pois servem não só para informar quais as

referências consultadas, mas trazem também dados, exemplos e explicações que enriquecerão

o leitor mais interessado. Diferente do autor elencado, a estratégia de usá-las aqui, visa a que o

objeto central não se disperse ou se avolume em demasia e desnecessariamente, sem deixar,

no entanto, de oferecer sua contribuição, para que mais possa ser dito, como segue, sobre a

metodologia que será empregada.

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CAPÍTULO PRIMEIRO – EXPOSIÇÃO DE UMA METODOLOGIA DEFINIDA POR

ELEMENTOS RETÓRICOS ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS.

Sumário: 1.1 Pressupostos teóricos de uma metodologia retórica para o estudo do Direito.

1.2 Elementos de retórica antiga. 1.3 Metaníveis como metalinguagem na retórica

contemporânea. 1.4 Categorias a partir da metodologia tripartida para analisar estratégias.

“Lá, onde a filosofia de hoje termina seu discurso cético, a retórica começa”.

Ottmar Ballweg3

1.1 Pressupostos teóricos de uma metodologia retórica para o estudo do Direito.

Um método é um caminho para alcançar ou descobrir resultados. Qual a metodologia

que será usada nesta dissertação? É método das retóricas4. Um conjunto de instrumentos que

podem mostrar um caminho ou mesmo ser um caminho. Logo, este não se pretende como “o”

método, nem mesmo o “melhor” entre tantos outros, mas como é retórico, apenas um método.

E como todo método ou metodologia, é dinâmico, em constante formação e desenvolvimento.

Pode e deve ser adaptado por cada pesquisador a sua necessidade e/ou finalidade. Estudar com

base numa metodologia em formação é um procedimento desafiador. Alguns estudiosos já o

utilizam, mas esta pesquisa pode ser a primeira a analisar retoricamente as ideias jurídicas de

Teixeira de Freitas.

A retórica hábil para desempenhar esta possível tarefa não é qualquer retórica.

Certamente não o é a retórica como a arte do floreio e dos adornos empolados apenas.

Também não o é só aquela eloquência rebuscada que por meio do seu fulcro poético na

linguagem busca o convencimento, a adesão e, muitas vezes, é confundida com a pura e

simples oratória, ou o que é pior, com as falácias e os enganos. Na verdade, neste nível de

observação, são dignas de menção e importância algumas teorias “sérias” de retórica textual,

que embora se dediquem a textos escritos também são aplicáveis a textos orais, como a Teoria

3 „Dort wo die Philosophie des heutigen Tages seine skeptische Rede beendet, beginnt die Rhetorik.“

BALLWEG, Ottmar. Semiotik und Rhetorik. Rhetorische Rechtstheorie. Freiburg: Alber, 1982, p. 31.

4 Várias são as retóricas, e, existem vários tipos de estudos retóricos como métodos; como a retórica figurativa e

textual, qualitativa, descrita por Miltos Liakopoulos em: análise argumentativa, e, Joan Leach em: análise

retórica, no estudo organizado por Martin W. Bauer e George Gaskell. BAUER, Martin W.; GASKELL, George.

Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som – um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 218-243, 293-

317.

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da Estrutura Retórica (Rhetorical Structure Theory)5, a Teoria das Relações de Coerência

(Theory of Coherence Relations)6 e a Teoria Segmentada da Representação do Discurso

(Segmented Discourse Representation Theory)7 que analisam sequências textuais narrativas,

descritivas, argumentativas e explicativas com a finalidade de observar o domínio da coesão

textual, a coesão gramatical ao nível inter-frásico e ao nível textual, através da analise de

relações retóricas que consideram os argumentos dessas relações uma correspondência entre

núcleos e satélites, ou orações ou frases, em termos sintáticos e que podem provir a partir de

informações lexicais. Destas teorias, alguns princípios simplificados serão aplicados aos

textos de Teixeira de Freitas para destacar uns poucos elementos de retórica textual que

possam ser importantes para observar suas argumentações.

Ainda assim, ela não será limitada ao seu aspecto gramatical ou à analise

argumentativa, importante também no sentido de persuadir, como diz o verbete de Aurélio

Buarque quando afirma que a retórica é “o estudo persuasivo da linguagem, em especial para

o treinamento de oradores” 8

. Existe a acepção que descreve a retórica como uma “faculdade

de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuasão” 9

. Em seu sentido

mais abrangente, juntamente com a poética e com a oratória, é aquela arte eloquente que se

encontra em todo discurso para compor um conjunto que inclui a tópica tradicional latina, a

retórica persuasiva aristotélica e a analítica contemporânea.

Como a investigação humana é densa em estratégias, a retórica perpassa do campo

material ao analítico, tendo em seu interstício a estratégia, e possui como alguns pressupostos

5 A Teoria da Estrutura Retórica é uma teoria descritiva que tem por objeto o estudo da organização dos textos,

caracterizando as relações que se estabelecem entre as partes do texto previamente divididas em unidades que se

relacionam hierarquicamente sob quatro tipos de mecanismos: relações, esquemas, aplicações dos esquemas e

estruturas. Nesse sentido ver MANN, W.; THOMPSON, S. Rhetorical Structure Theory: a theory of text

organization. Text 8, 1988, p. 243 – 281.

6 A Teoria das Relações de Coerência descreve a configuração do foco da atenção discursiva que atua em

conformidade com as restrições próprias ao estabelecimento de relações independentes de coerência entre

enunciados, que podem ser de três tipos: de semelhança, de causa-efeito e de ocasião, a fim de determinar em

cada caso um centro de atenção. Nesse sentido ver KEHLER, A. Coherence, reference, and the Theory of

Grammar. United States: CSLI Publications, 2002.

7 A Teoria Segmentada da Representação do Discurso complementa a Teoria da Estrutura Retórica de Mann e

Thompson, definindo as relações discursivas como narração, resultado e causa (ou explicação), também com o

objetivo de explicitar as relações de significado que subjazem a segmentos textuais e que estruturam o texto, de

tal modo que o processamento da informação textual engloba conhecimento linguístico e conhecimento do

mundo. Nesse sentido ver ASHER, N.; LASCARIDES, A. Logics of Conversation. United States: Cambridge

University Press, 2003.

8 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Retórica. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed.

Curitiba: 2004, p. 1751.

9 BARILLI, Renato. Retórica. Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 11.

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o ceticismo, o historicismo e o humanismo, vez que a retórica como sistema de análise tem

muito que ver com seus resultados práticos em sua investigação10

. Logo, também é uma

atitude filosófica diante do conhecimento e da ética. É a formulação de uma análise aberta.

Esse parece ser o modelo inicial delimitado por Ballweg11

que, antes de tudo, afirmou que “da

retórica nenhum Direito escapa” 12

. Sua proposta de análise pode ser resumida na assertiva:

O intercâmbio argumentativo de opiniões é o domínio da retórica. Isto é sabido

até hoje nos países latinos, e é também praticado e ensinado nos países anglo-

saxões. A abertura do intercâmbio político e jurídico de opiniões não significa

apenas que as opiniões podem ser expressas de maneira aberta, isto é, livre,

mas também que os seus resultados sempre têm de permanecer em aberto; esta

última é justamente um, [sic] pré-requisito da primeira13

.

Esse modelo ou método é conhecido de professores e egressos do Programa de Pós-

Graduação da UFPE, que em suas publicações têm destacado a aplicação do método da

filosofia retórica do professor Adeodato delineado em Retórica Constitucional, capítulo

primeiro, que propõe a retórica como metódica para estudo do Direito14

com base na

disciplina descrita por Ottmar Ballweg no artigo Rhetorik und Vertrauen e traduzido como

Retórica Analítica e Direito.

10

ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2009, p. 332 – 333.

11 Ottmar Ballweg (nascido em 11 de março de 1928 na cidade de Hockenheim na Alemanha) é um jurista e

filósofo alemão que substituiu Theodor Viehweg (1907 – 1988) na Universidade Johannes Gutenberg, Mainz

nas áreas de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito. Direcionou seus estudos para a “pequena” escola de

retórica jurídica juntamente com Peter Schneider (1920 – 2002). Sob a influência da tópica de Viehweg e da

semiótica de Charles William Morris (1901 – 1979) desenvolveu uma teoria retórica como parte do movimento

alemão de filosofia jurídica. Desde 1993 está aposentado. Seus principais livros são: Zu einer Lehre von der

Natur der Soche (1963); Rechtswissenschaft und jurisprudenz (1970); Rhetorische Rechtstheorie (1982) e

Analytische Rhetorik: Rhetorik, Recht und Philosophie (2009). Informações biográficas disponíveis em

<http://www.fernuni-hagen.de/ls_schlieffen/rhetorik/ballweg>. Sobre a retórica analítica, ver BALLWEG,

Ottmar. Rhetorik und Vertrauen. Analytische Rhetorik. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009, p. 131;

BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 175.

12 “An der Rhetorik führt kein Rech vorbei.” BALLWEG, Ottmar. Rhetorik und Vertrauen. Analytische

Rhetorik. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009, p. 127; BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e

Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-

setembro. São Paulo, 1991, p. 175.

13 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 183.

14 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros

fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 15-45.

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[...] a retórica analítica procura ter uma visão descritiva e abstrair-se de

preferências axiológicas, mesmo diante de objetos valorativos. [...] a retórica

descritiva é formal, mas nunca normativa, não pretende orientar a ação. [...] a

retórica metódica analisa a relação entre como se processa a linguagem

humana e como as pessoas acumulam experiências e desenvolvem

estratégias para utilizá-la de modo eficiente15

.

Assim, a concepção tripartida da retórica de Ballweg e Adeodato envolve os aspectos

das retóricas materiais, das retóricas estratégicas e da retórica analítica, entendida não só como

um método, mas também como uma filosofia constituída de uma metodologia e de uma

metódica. É com essa concepção em mente que se enfrentará o desafio de aplicar tal

metodologia também às ideias elencadas de Teixeira de Freitas. Na verdade, são teses acerca

das possíveis teses das ideias de Teixeira de Freitas. Embora elas não apresentem as elevadas

contribuições filosóficas de outros autores filósofos, até porque seria difícil extraí-las de um

conjunto de discussões a respeito de leis como os delimitados bibliograficamente para este

estudo, ainda assim são relevantes para a filosofia do Direito, uma vez que quaisquer análises

retóricas advêm da filosofia e com ela contribuem.

1.2 Elementos de retórica antiga16

.

Os elementos que comporão o instrumental metodológico podem ser agrupados

didaticamente em dois grupos inicialmente: os antigos e os contemporâneos. Sem temer

incorrer num anacronismo histórico, porque são complementares que se aperfeiçoam, fazem

parte deste arsenal metodológico a tópica tradicional latina, a retórica persuasiva aristotélica e

a retórica analítica contemporânea de Ballweg. A tópica tradicional é a mais conhecida e era

também a mais usada à época em que viveu Teixeira de Freitas. Apesar de ser impossível não

“cair” na sedução de sua abordagem, ela será observada nos estudos históricos adiante, apesar

de caberem, de logo, algumas considerações iniciais.

15

ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros

fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37, 38.

16 A denominação “antigo” está em contraposição a “clássico” especificamente para o estudo da retórica, como

explica o pesquisador Armando Plebe: “A corrente retórico-dialética liga-se à retórica grega e latina, à que

chama ‘antiga’ em contraposição à retórica ‘clássica’ renascentista, e considera que o mundo greco-latino

identificava a retórica com a arte de persuadir”. PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de

retórica. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 2.

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24

A tópica antiga estudada como retórica (e denominada de “clássica” no

Renascentismo) antes e no tempo de Teixeira de Freitas era composta pelo que se entende

comumente como “retórica”. Era uma retórica ligada à tradição romana de retórica cívica,

compatível com Cícero (106 – 43 a.C.) e Quintiliano (35 – 95 d.C.)17

e distinta da tradição

formalista aristotélica. Naquela época, o estudo da retórica no Brasil seguia a tradição

europeia, melhor, portuguesa, segundo as orientações dos Estatutos da reforma pombalina e

direcionadas pelo Verdadeiro Método de Estudar de Verney18

, que diferia tenuemente do

método jesuítico anterior à reforma.

Ambas as tradições latinas se prendiam a tropos, figuras de linguagem e ornamentos

estilísticos19

. Ou seja, tanto os textos utilizados pelos jesuítas em suas escolas ao redor do

mundo, como os produzidos em Portugal e no Brasil após a reforma pombalina tinham essa

característica20

. Essa retórica se preocupava com a estética do texto, da ordem das palavras e

dos períodos, dos tipos de elocuções, estilos e orações. Tudo isso associado aos detalhes da

oratória e das partes do discurso segundo a tríade retórica barroca21

. Ela também enfatizava,

até demasiadamente, figuras de linguagem como as metáforas, catacreses, sinédoques e

metonímias, entre tantas outras estudadas junto com as máximas22

, os brocardos, os ditados e

17

As obras conhecidas de Marco Túlio Cícero (106 – 43 a.C.) sobre a temática são: Rethorica ad Herennium (de

autoria discutível), De Inventione, Orator, Brutus, De Optimo Genere Oratorum, Topica, Partitiones Oratoria e

De Oratore, o principal; e de Marco Fábio Quintiliano (35 – 95 d.C.), a Institutio Oratoria. LIMA JÚNIOR,

Dilson Machado de. (Coord.) Dicionário bibliográfico e teórico [de] filosofia do direito. Belo Horizonte:

Líder, 2007, p. 56 – 57.

18 VERNEY, Luís Antônio. O Verdadeiro Método de Estudar para ser útil à República e à Igreja:

proporcionado ao estilo e necessidade de Portugal. Valença: Antonio Balle, 1746. Edição organizada por Antonio

Salgado Junior. Lisboa: Sá da Costa, 1949-1953.

19 Cf. GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 60-61.

20 São exemplos dessa produção PACHECO, Manoel de Sampayo Valladares. Arte de Rhetórica que ensina a

fallar, escrever, e orar, escrita em portuguez para intelligencia dos que não sabem a língua latina. Lisboa:

Na officina de Francisco Luiz Ameno, 1750; SANTO ANTONIO, Sebastião de. Ensaio de Rhetórica. Lisboa:

Na Officina Lusitana, 1779; MENEZES, Bento Rodrigo Pereira de Soto-Maior e. Compêndio Rhetórico ou

Arte Completa de Rhetórica com méthodo fácil para toda pessoa curiosa, sem frequentar as aulas, saber a arte da

eloquência: toda composta das mais sábias doutrinas dos mais sábios autores que escreverão desta importante

sciência de falar bem. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794; FERREIRA, Silvestre Pinheiro.

Prelecções philosophicas sobre a theoria do discurso e da linguagem, a esthética, a diceósyna, e a

cosmologia. Rio de Janeiro: Na Imprensa Régia, 1813-1820; e, FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Noções

Elementares de Philosophia Geral e applicada às sciências moraes e políticas. Ontologia, Psichologia,

Ideologia. Paris: Bravier et Aillaud, 1839.

21 Ver nota 85 adiante.

22 São exemplos de máximas, expressões latinas como dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei) ou in claris non

fit interpretatio (o que é claro não precisa ser interpretado) e os famosos brocardos (axiomas concisos que

expressam conceitos maiores) oculum pro oculum, et dentem pro dente (olho por olho e dente por dente),

inadimplenti non est adimplendum (a parte não precisa respeitar sua obrigação se a contra-parte não respeitar a

que lhe cabe) e quod non est in actis non est in mundo (o que não se encontra nos autos, não existe no mundo).

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os aforismos. A lista se amplia ainda mais quando são incluídas as locuções que funcionam

como verdadeiros argumentos.

A tradição aristotélica anterior à tradição latina era mais voltada à persuasão. Na obra

de Aristóteles ela é formulada como uma teoria da argumentação, pois para ele a retórica é “a

faculdade de observar os meios de persuasão disponíveis em qualquer caso dado”23

ou como

diz outra tradução, é a “faculdade de descobrir especulativamente sobre o que é adequado em

cada caso para persuadir”24

tendo a função de “descobrir os meios de alcançar o sucesso” e,

“não simplesmente ser bem sucedida na persuasão” (Ret., 1355b)25

. Foi principalmente no

âmbito do discurso deliberativo, aquele em que é possível deliberar, ou seja, onde os casos

podem ser resolvidos com pelo menos “duas soluções opostas”26

, que Aristóteles descreveu os

vários meios de persuasão, desdobrando-os. Ele subdividiu os recursos persuasivos em meios

técnicos e retóricos. Essa subdivisão originou duas outras subdivisões dentro da tradição

retórica formalista. Aquela que observa mais os meios técnicos aplicados ao discurso em

decorrência da oralidade predominante à época de Aristóteles; e aquela voltada para a análise

argumentativa a partir dos recursos retóricos. Os meios técnicos são muito úteis na análise de

relatos quando se busca, também, determinar as estratégias usadas pelo orador. Os recursos

retóricos avaliam as maneiras como essas estratégias alcançam a persuasão, ou não, seja por

deduções diretas ou indiretas.

Ao separar os aspectos técnicos de persuasão daqueles que não pertencem estritamente

à arte retórica, Aristóteles usou os termos ethos27

, pathos28

e logos29

, descrevendo assim, a

São exemplos de expressões que assumem contornos de argumentos, locuções como a maiori ad minus (quem

permite o mais, permite o menos), a minori ad maius (quem proíbe o menos também proíbe o mais), ab absurdo

(argumento que reduz o argumento alheio ao absurdo) e ab auctoritate (argumento que retira a sua força da

autoridade); estas entre tantas expressões variadas que compõem a tópica antiga e clássica (como a priori, a quo,

ad hoc, conditio sine quo non, corpus delicti, etc.). MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da.

Manual de retórica e Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 237 – 297.

23 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.

24 Εστω δή ρητορική δύναμις περέ έκαστον τού θεωρήσαι το ενδεχόμενον πιθνόν. La rhétorique est la faculté de

decouvrir spéculativement ce qui, dans chaque cas, pent ètre propre à persuader. Cf. ARISTOTE. Rhétorique.

Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé d’Edition «Les belles Letres», 1960,

p. 76.

25 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22.

26 ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé

d’Edition «Les belles Letres», 1960, p. 79.

27 O ethos (ηθος) indica o caráter pessoal do orador. Aquilo que do próprio orador dá peso a suas palavras. O

ethos, assim como as outras espécies, não é algo isolado, mas um conjunto de meios, estes centrados no caráter

do orador e podem ser sua honradez, sua autoridade, sua idade ou sua dignidade. Esse conjunto pode influir,

positiva ou negativamente, na mensagem que se transmite por meio da “imagem”, das posturas ou dos

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26

base técnica dos discursos (Ret. 1356a)30

. Os meios retóricos foram agrupados genericamente

como silogismos.

Em certa medida, estes três meios, ethos, pathos e logos, são mais que meros

“ingredientes essenciais para explorar o contexto como um primeiro passo para a análise

retórica” ou “formas introdutórias a partir das quais os argumentos persuasivos podem ser

criados ou desenvolvidos”31

apenas. Dependendo do uso deles e de quem os usa ou observa,

eles tanto podem ser os “primeiros passos” como a “análise retórica” mesma.

Além disso, e neste ponto é pertinente voltar à metódica e atentar para a observação de

Ballweg, não se deve perder de vista que estes “meios” retóricos têm o objetivo de “despertar

argumentos do orador. Esses argumentos seriam de ordem mais afetiva que lógica. Rigorosamente não seriam

verdadeiros argumentos, mas para-argumentos, “já que funcionariam como tal, sem necessariamente existir uma

continuidade lógica interna (do argumento em si), ou externa (entre os argumentos)”. Esse conjunto é “melhor”

percebido na oratória do discurso retórico. MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de

retórica e Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 74.

28 O pathos (πάθη) é o conjunto de meios centrados no sentimento do auditório; o que causa no auditório algum

tipo estado de espírito, de reação, de emoção (perplexidade, alegria, indignação, etc. Como meios também

afetivos, são os desejos, as tendências e gostos do público, de que o orador e retórico pode tirar proveito:

antecipando-os, satisfazendo-os ou provocando-os. Esse é um dos objetivos do orador, incluir o auditório para

controlar sua reação. Estes aspectos emotivos da argumentação retórica dificilmente farão parte do articulado

escrito dos argumentos, mas introduz-se com muita facilidade nos textos orais, nos testemunhos, nos discursos

que são ou parecem improvisos. Certamente há escritores que também conseguem “controlar” as reações e as

emoções dos seus leitores, mas isso, sem muita certeza diante do lapso espacial. Essa faculdade também pode ser

encontrada num texto quando este descreve o discurso ou um conjunto de ideias. Este tipo de escritor toma como

meios diferentes artefatos da linguagem escrita para produzir reações. Embora a palavra pathos possa compor

conhecidas palavras como empatia, apatia e simpatia, esse conjunto nem sempre produz uma simpatia, um clima

de amabilidade. O que o orador buscará é a “satisfação” do auditório que pode gostar de ser provocado e até

rebaixado, numa catarse coletiva, com maior ou menor grau de punição libertadora. Contudo, retórica centrada

unicamente no pathos, ou melhor, na emoção, como a usada no insulto gratuito, é oratória de retórica vazia,

embora alcance seu objetivo. (MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e

Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 73.) Ainda, o pathos do auditório deve refletir não somente o sentimento

que o orador ou o escritor busca em seus interlocutores, mas como reflexo, também é (de)composto dos próprios

sentimentos do orador. Logo, quando um discurso sofre uma análise, esta poderá conter os sentimentos e as

sensações/emoções tanto do auditório como do orador.

29 O logos (λογός) é a prova, ou aparente prova. O conteúdo do discurso, propriamente dito. A argumentação

racional objetiva. O poder de provar uma verdade, ou uma verdade aparente, por meio de argumentos

persuasivos internos, resultante de demonstrações intrínsecas ao texto em si, ou externos, baseados em

comparações, exemplificações e deduções de e com outros argumentos encontrados em textos ou alegações de

autoridades aceitas como prova. Aristóteles também os descreve como “espécies” de “persuasão fornecidas pelo

discurso oral” (Ret., 1356a1). O logos corresponde aos meios racionais de competência, que lhe conferem

autoridade e legitimidade como prova, e aos argumentos lógicos que, como máximas ou exemplos, podem ser

discutidos dialeticamente, considerada certa ponderabilidade, mais ou menos explícita. Não visa inquirir

necessariamente sobre a verdade, mas sobre a maior ou menor verossimilhança. O logos, em retórica, encontra-

se, sobretudo, mas não apenas, centrado no entimema, ou seja, num silogismo cujas premissas são verossímeis e

não necessariamente verdadeiras. MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e

Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 73.

30 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.

31 LEACH, Joan. Análise retórica. BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto,

imagem e som – um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 303.

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27

confiança se adequadamente inter-relacionados”32

. “O ethos do orador, no sentido de uma

conduta digna de confiança, constrói os pré-requisitos para a plausibilidade de seu logos e

para a autenticidade de seu pathos”33

. Essa “plausibilidade” relacionada à capacidade de

reconhecer nos objetos, aquilo que possa atrair “credibilidade” e assim, confiança, já era

reconhecida por Aristóteles (Ret., 1355b)34

. Ballweg ainda entende que, segundo Aristóteles, a

retórica era a única disciplina que coloca, além de seu objeto, também todo o seu mundo

circundante no discurso, abarcando, compreendendo e reclamando a totalidade do homem,

tanto do lado do orador quanto do lado do auditório35

. Isso implica na absorção das limitações

do homem e do seu universo. Contudo, o que pode ser uma restrição também pode se tornar

uma possibilidade de mudança conceitual positiva, ou pelo menos, uma abertura para tal.

Os outros “meios” ou “recursos” discursivos referidos por Aristóteles são os recursos

retóricos pertinentes especificamente à retórica persuasiva, argumentativa, e são os por ela

construídos através dos princípios da retórica36

. O gênero que sustentou a classificação

aristotélica destes recursos retóricos foi o silogismo, uma dedução formal a partir de duas

proposições, chamadas de premissas, das quais, por inferência, se chega a uma terceira,

chamada de conclusão37

. É a definição para o silogismo “perfeito”. Porém, esse padrão é

comumente quebrado no mundo do Direito, que oculta um dos três elementos formais. É o

caso do entimema.

32

BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179.

33 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179.

34 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22.

35 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179

36 São princípios gerais da retórica: objetividade, atratividade, concisão, simplicidade, comunicabilidade,

adequação ao perfil do auditório e respeito ao idioma. Guthrie enumera pelo menos dez características dos

retóricos advindas dos sofistas, e nelas está incluída a persuasão. É o destaque a seguir arranjando, primeiro,

características do discurso formal e depois características de conteúdo: 1. Os sofistas eram conhecidos pela

exibição. Eles praticavam prolongadas exibições de eloquência, declamando ou recitando como os poetas ou os

rapsodos; 2. Eles tinham uma preocupação com o uso correto da linguagem em geral; 3. Faziam exposições e

críticas da poesia como parte de sua arte dos logoi; 4. Buscavam o monismo; 5. O individualismo; 6. O

relativismo, e, 7. A competitividade, conhecida como agonística, batalha onde se deve sempre vencer; 8.

Contudo, politicamente pregavam a tolerância pan-helênica, um discurso de unidade étnica. 9. Desenvolveram a

argumentação retórica, a arete, a arte do discurso persuasivo; 10. Além de, manterem familiaridade com a

filosofia pré-socrática e seus conteúdos: o racionalismo, a rejeição da causação divina, a tendência ao ceticismo,

o interesse pela antropologia e o desenvolvimento da sociedade e civilização humanas. GUTHRIE, W. K. C.

The Sophists. Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 42 – 44.

37 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Silogismo. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed.

Curitiba: 2004, p. 1846.

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28

O entimema é formalmente definido como uma estrutura silogística à qual falta um dos

três elementos formais, possuindo “desdobramentos modais ocultos”38

. Portanto, para tratar

das deliberações, o papel mais importante foi atribuído ao entimema ou silogismo retórico,

este visto como o corpo da persuasão e o centro da retórica, e constituído principalmente por

premissas que enunciam apenas o que é provável (Ret., 1357a 13-14)39

.

1.3 Metaníveis como metalinguagem na retórica contemporânea.

No estudo da linguagem, a retórica também exerce uma função metalinguística. Não é

necessário chegar aos refinamentos conceituais da semiótica hodierna, como aqueles

delineados por Charles William Morris (1901 – 11979)40

, por exemplo, para perceber a função

metalinguística da retórica. É certo que Ballweg percebeu isso, mas Aristóteles também

deixou pistas dessa aplicação. A definição de Aristóteles para a retórica não se limitou a

designá-la como os meios de persuasão ou o uso persuasivo da linguagem em si, como

comumente se entende41

. Na sua época, ele percebeu que a maioria dos tratados sobre retórica

se dedicavam a elaborar apenas uma pequena parte dessa arte42

, mas, para ele, a retórica era

algo além.

Há a retórica como expressão da linguagem e há a retórica como uma experiência

metalinguística. Segundo as palavras de Adeodato, a retórica é uma maneira de “experimentar

o mundo, com as associações que o verbo acarreta, a exemplo de ‘olhar’, ‘sentir’, ‘pensar’,

‘provar’, ‘julgar’”43

. Aristóteles já tinha percebido com acuidade que “a retórica pode ser

definida como uma faculdade de observar os meios de persuasão disponíveis em qualquer

caso dado” (Ret., 1355b 25) e diferentemente de outras ciências que também podem instruir

38

ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4.ed. São Paulo:

Saraiva, 2009, p. 339.

39 ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé

d’Edition «Les belles Letres», 1960, p. 80.

40 Cf. MORRIS, C. W. Foundations of the theory of signs. Chicago: University of Chicago Press, 1938,

passim.

41 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Retórica. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed.

Curitiba: 2004, p. 1751.

42 “Todavia, os autores dos tratados atuais sobre retórica elaboraram uma pequena parte dessa arte” (Ret. 1354a).

ARISTÓTELES, Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 19.

43 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros

fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 15.

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29

ou persuadir sobre seus próprios objetos de estudo específicos, ele considerava “a retórica

como o poder de observar os meios de persuasão em quase todos os assuntos que se [...]

apresentam” (Ret., 1355b 33)44

. Note-se que ele usa os termos “faculdade de observar” e

“poder de observar”. Uma coisa são os meios de persuasão, outra coisa é a observação ou,

como diz outra tradução, a “faculdade de descobrir especulativamente”45

. E não só isso, em

outra passagem ele assinala que a retórica é também uma “faculdade de demonstrar

argumentos” (Ret., 1356a 33)46

. O uso de meios de persuasão está em um nível e a observação

e a demonstração deles está em outro nível. Esse conjunto, até certo ponto, exterior ao objeto

dos argumentos e da persuasão, mas incluindo-os, é que é a retórica. De qualquer forma, a

retórica a que Aristóteles se refere é uma metarretórica e essa percepção também deve ser

captada hodiernamente para não se incorrer em limitações e faltas.

Assim, retórica não é apenas uma mera multiplicidade de acepções, mas é uma

metapluralidade metodológica. Observar o uso de figuras e argumentos de um autor, por

exemplo, é uma metalinguagem apreendida pela retórica para expor suas estratégias, suas

teses. Propor uma, ou várias teses a respeito das estratégias usadas por um autor é outra

metalinguagem retórica. Descrever o ambiente e o uso argumentativo que circundaram um

autor e seu(s) discurso(s) é contribuir para construir a esfera da existência inicial de sua

retórica, a retórica material.

A proposta contemporânea de Ballweg, que complementa o entendimento da

aplicabilidade dos elementos antigos, é trazer dimensões retóricas como metaníveis. Isso

define ainda mais a metodologia empregada. Quando o pesquisador aplica tal metodologia à

obra de um autor ou a algum dos seus discursos o faz para identificar, mesmo que de forma

precária, elementos de retórica. Com o fim de contribuir com essa descrição, a retórica

contemporânea de Ballweg, mesmo fazendo parte de uma tradição filosófica minoritária,

possui didaticamente três dimensões de grande relevância, já referidas anteriormente: a

material, a estratégica e a analítica47

.

44

ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.

45 La rhétorique est la faculté de decouvrir spéculativement [...]. ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit

par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé d’Edition «Les belles Letres», 1960, p. 76.

46 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 24.

47 Mais informações a respeito de retóricas material, estratégica e analítica, ver: ADEODATO, João Maurício. A

Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito positivo).

São Paulo: Saraiva, 2009, p. 32 – 39; e, BALLWEG, Ottmar. Rhetorik und Vertrauen. Analytische Rhetorik.

Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009, p. 128 – 131; ou sua tradução em BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica

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30

A retórica material são os sistemas linguísticos que condensam a linguagem comum

em linguagens de comando, preenchendo as funções básicas da vida em comum, como

aquelas do Direito, entre outras, que criam as realidades em que as pessoas vivem para que

possam experimentar o Direito, fundamentando assim, sua confiança no Direito.

A retórica material ou existencial vem a ser aquilo que todo ser humano pratica sem

reflexão, ou seja, o próprio ambiente das relações humanas. São os diálogos com suas

implicações linguísticas; as inter-relações humanas, o inter-relacionamento das afinidades

humanas por meio da comunicação. É a própria formação antropológica dos seres humanos

resultante da sociabilidade humana.

O primeiro passo para se determinar o nível da retórica material é o contexto histórico,

a descrição dos eventos. É necessário isolar o contexto histórico descrevendo fatos, casos. Daí

o porquê de se reportar tantos fatos históricos aqui. Esse contexto histórico envolve um

levantamento bibliográfico. Dele também vão ser construídas as teses. Porém, respeitando as

diferenças entre a história dos eventos históricos e a história das ideias, bem colocada pelo

professor José Antônio Tobias em seu livro História das Ideias no Brasil48

, aqui, e

considerando as semelhanças metodológicas com a retórica metódica tripartida de Ballweg,

mais do que um descrição de eventos históricos, busca-se o progresso histórico ou não, das

ideias jurídicas, colaborando para isso, sem dúvida, esses mesmos relatos históricos.

A proporção da ênfase que se dá a cada fase da retórica depende do estilo de vida e da

obra de cada autor escolhido e analisado. Se o autor teve uma vida intensa e interessante,

haverá um destaque maior na questão material e estratégica, ou se mais recluso e introspecto

na questão analítica, haja vista sua contextualização histórica ou bibliográfica. Contudo, não

há como não se colocar alguma ênfase nos distintos níveis de estudo retóricos pretendidos.

Ao serem observados alguns fatos comunicativos percebe-se que certas estratégias são

melhores que outras, embora essa observação seja um pouco mais difícil de ser percebida. Em

algumas áreas existem verdadeiras guerras de estratégias, como na dogmática jurídica e para

aprender a reconhecê-las e participar desse embate são necessários alguns anos de experiência.

e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-

agosto-setembro. São Paulo, 1991. p. 176 – 179.

48 TOBIAS, José Antônio. História das Ideias no Brasil. Estudo de problemas brasileiros. São Paulo: EPU,

1987, p. 10 – 11.

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31

A retórica prática ensina o emprego transcendente dos meios retóricos imanentes à

linguagem e que envolve a tópica (inventio), a teoria da argumentação, a teoria das figuras, a

teoria do status, com a finalidade de garantir um trânsito efetivo e bem sucedido com as

retóricas materiais.

A retórica estratégica, que é metodológica, retira algumas orientações normativas que

permitem notar o sucesso estratégico ocorrido nessa convivência do primeiro nível a partir da

observação do mundo visto na retórica material pela comunicação humana. É uma percepção

de que ao passar pelo primeiro nível, observando o que deu certo ou errado ali, se chega ao

prático ou estratégico. Mas, não são as estratégias do observador, são as soluções que o

próprio autor encontrou para solucionar os problemas que ele encontrou; são suas próprias

hipóteses e teses. É um discurso sobre como vencer na retórica material. Isso é visto de forma

tópica, ou seja, diferente em cada ambiente.

Ballweg a denominava de retórica prática. Como são várias as práticas, várias são

também as retóricas práticas. Perelman trabalhou as retóricas em relação à linguagem, à

lógica, à história e ao conhecimento em geral, daí porque um de seus livros foi publicado com

o título de Retóricas49

. Segundo a classificação de Ballweg é essa retórica prática que

desenvolve a tópica (inventio) e a teoria da argumentação como aquelas delineadas também

por Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca50

; a teoria das figuras de Heinrich F. Plett51

e a

teoria do status de Franz Horak52

, entre outras tantas sobre a conduta discursiva e a ação

linguística53

. Quem pensa tratar de argumentação, enumerar figuras de linguagem, de estilo, as

figuras de palavra, também conhecidas como figuras semânticas ou tropos e ainda, figuras de

pensamento, que não devem ser confundidas com as figuras de construção ou figuras

49

Cf. PERELMAN, Chaim. Retóricas. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 2004. Traduzido do fracês PERELMAN, Chaim. Rhetoriques. Bruxelles: Université de

Bruxelles, 1989.

50 Cf. PERELMAN, Chaim; TYTECA, Lucie Olbrechts. Traité de l’argumentation. La Nouvelle Rhétorique.

Bruxelles: Université de Bruxelles, 2008.

51 Cf. PLETT, Heinrich F. Einführung in die rhetorische Textanalyse. 6. ed. Hamburg, 1985.

52 HORAK, Franz. Die rhetorische Statuslehre uns der moderne Aufbau des Verbrechensbegriffs. HORAK,

Franz; WALDSTEIN, Wolfgang. (Hrsg.) Festgabe für Arnold Herdlitczka. München, Salzburg, 1972, p. 121 –

141.

53 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 178.

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32

sintáticas e ainda assim, achar que não faz retórica, dará mote ao ditado “lave-me a pele, mas

não me molhe”54

.

Nas palavras de Ballweg, são essas retóricas práticas que “ensinam o emprego

transcendente dos meios retóricos imanentes à linguagem, objetivando a transmissão das

doxai tal como estas são reunidas nas dogmáticas, na intenção de persuadir, convencer ou

fazer crer”55

. Teoricamente, continua na mesma página, quem usa da linguagem

esclarecidamente deveria garantir um “trânsito efetivo e bem sucedido” persuasivamente

devido a seu conhecimento acerca de como atingir seu auditório, apesar de, ou ainda que, haja

ambiguidades na linguagem. Mas, nem sempre os que melhor dominam os meios retóricos

prevalecem. Contudo, são as retóricas práticas, estratégicas, que devem ensinar (observados

esses meios retóricos) o emprego destes com o fim de persuadir.

Adeodato oferece alguns exemplos esclarecedores acerca de como essa retórica

estratégica funciona.

Essa retórica estratégica estuda que topoi aparecem mais frequentemente em

um discurso, os métodos empregados para esse ou aquele efeito, como os

lugares-comuns retóricos são produzidos, utilizados, manipulados. Ela estuda

o kairos, o momento adequado de dizer e fazer acontecer, ocupa-se da

influência da linguagem, da gesticulação, das táticas empregadas e de seus

efeitos sobre a retórica material, ou seja, sobre a conduta dos sujeitos,

lançando mão de exercícios e reflexões sobre seus resultados56

.

Essas estratégias podem ser agrupadas nos meios retóricos sugeridos por Aristóteles. A

forma como as estratégias podem ser agrupadas metodologicamente, a fim de serem

analisadas, será vista no tópico a seguir.

O último dos três níveis é a retórica analítica ou científica. A retórica analítica, ora

orientada para a análise ora para a práxis, renuncia completamente as proposições normativas

dotadas de conteúdo para satisfazer as exigências de análise e averiguabilidade. É a tentativa

de estudar o resultado de determinadas estratégias nos níveis de retórica material, a fim de que

54

Wasch mir den Pelz, aber mach nicht naβ; ou um de seus equivalentes em português, onde, “è impossível

entrar na chuva e não se molhar”.

55 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 178.

56 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros

fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37.

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33

possam ser repetidos e consequentemente, mantidos alguns graus de sucesso. São as

tentativas de mostrar que determinadas expressões provocam deleite aos ouvintes e outras não.

É o que se extrai das estratégias do autor, ou seja, uma(s) tese(s) sobre as teses argumentativas

do autor. Tudo dentro de uma antropologia realista. “Finalmente, a retórica analítica procura

ter uma visão descritiva e abstrair-se de preferências axiológicas, mesmo diante de elementos

valorativos”57

.

É o que intentará este trabalho ao aplicar, ora elementos antigos, ora as dimensões

contemporâneas da retórica, ou ambas, agrupadas ou não, aos relatos do que seria o

constituinte das ideias de Teixeira de Freitas a fim de descrever seus argumentos e estratégias

dentro de cada contexto pré-determinado.

1.4 Categorias a partir da metodologia tripartida para analisar estratégias.

Ainda, Ballweg observou também que o conhecimento que os oradores antigos

detinham sobre a imanência linguística dos sinais e a aplicação de sua transcendência como

garantia de um trânsito efetivo e bem sucedido entre as retóricas práticas e as retóricas

materiais foi mal interpretado pelos filósofos, e com especialidade Platão, por terem sido

“postos a descoberto”. Apesar da sofística (e dessa tradição, os retóricos) e das ontologias

filosóficas derivarem, como pelo menos etimologicamente esses conceitos sugerem, da

Filosofia, a “profissão” dos filósofos, naquele então, se sentiu ameaçada pela conduta

esclarecida acerca do discurso que os retóricos tinham.

Nas palavras de Ballweg, não só a profissão, mas também os interesses e a ideologia

dos filósofos foram ameaçados:

Os filósofos, naturalmente, também viam a investigação retórica sobre a

multiplicidade de significados da linguagem como diretamente contrária a

sua profissão e interesses e como uma ameaça à ideologia estamental da

univocidade linguística que afirmavam58

.

57

ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros

fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37.

58 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179.

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34

Ademais, ele também observou que Aristóteles encontrou mais que três meios

retóricos de persuasão, ele percebeu que estes adequadamente inter-relacionados despertariam

a confiança. Em outras palavras, a retórica constituiria a capacidade de reconhecer nos

objetos, aquilo que possa atrair “credibilidade” (Ret. 1355b)59

, confiança. Confiança essa, que

a retórica pode e deve fundamentar, a despeito da desconfiança que seu mau uso desperte.

Como visto, esses três meios retóricos são o ethos, o pathos e o logos. Estes, vinculados à

acepção de confiança, repita-se, devem ser vistos assim:

O ethos do orador, no sentido de uma conduta digna de confiança, constrói

os pré-requisitos para a plausibilidade de seu logos e para a autenticidade de

seu pathos60

.

Entre outras lições, Ballweg deixa um exemplo de aplicabilidade de sua metodologia,

associando ele mesmo a tríade aristotélica a outros elementos. Alguns estudantes tem aplicado

esse método destacando apenas um ou outro elemento de ethos, de pathos ou do logos de um

autor ou de um determinado discurso seu. Outros destacam vários desses elementos, para

assinalar uma ou mais estratégias. Aqui, a partir da construção de um complexo ambiente

histórico que influenciou Teixeira de Freitas, ambiente esse bastante diverso do atual como

este estudo reconhece, se fará uma correlação entre a ocorrência de alguns argumentos

categorizados e suas possíveis conclusões, a fim de chegar às estratégias do autor e suas

possíveis teses, confirmando ou não as hipóteses da pesquisa.

Criar categorias é uma das características da retórica. Há muito que se entende que as

categorias não tem caráter absoluto, mesmo as tradicionais criadas por Aristóteles61

ou as doze

de Kant ou as únicas três de Schopenhauer. Até os gramáticos demoliram a presunção dos

filósofos e dos lógicos a respeito do caráter absoluto das suas categorias quando afirmaram

que suas presumidas categorias nada mais eram que as regras fundamentais de cada língua62

.

Logo, os retóricos como artífices da linguagem, criam, fundem e substituem categorias.

59

ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22.

60 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179.

61 Ver nota 125 adiante.

62 PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de retórica. Tradução Eduardo Brandão. São

Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 89 – 91.

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35

A capacidade da retórica de gerar categorias se revela já nas intervenções que

ela faz sobre a linguagem ordinária, estendendo o uso de uma categoria já

existente a objetos que lhe eram estranhos, ou unindo duas categorias

aparentemente distantes uma da outra63

.

É o que ocorrerá aqui – a fusão de elementos antigos e contemporâneos por seu

denominador comum. Como as estratégias que se pretendem observar são comumente

constituídas de tropos e argumentos, estes serão agrupados em categorias ou tipos ideais

associados ao ethos, pathos e logos aristotélico, para que possam ser aplicados

especificamente aos discursos (e seus textos) de Teixeira de Freitas. Assim, repita-se, os

elementos de retórica antigos e contemporâneos serão associados a esses tipos. Apontar a

ocorrência de determinadas figuras de linguagem ou argumentos como parte das estratégias do

autor, por sua vez, constituirá a dimensão retórica estratégica. As conclusões decorrentes das

incidências consistirão em uma retórica analítica. Contudo, fique claro, que distintamente de

algumas filosofias que “se alteraram na história e que escolheram um grupo de categorias para

ver a realidade e depois disso se recusaram a olhá-la com outras categorias possíveis ou

confutaram todos os outros que não as utilizam”64

, os tipos e categorias aqui elencados servem

apenas de exemplos e não esgotam as possibilidades de associação metodológica para

analisar, estes ou quaisquer outros discursos históricos ou jurídicos, conforme seja a

necessidade de compreensão estratégica de cada pesquisador.

Para a confecção das categorias as figuras tanto do orador e do auditório estarão

presentes, na medida do possível. Isso porque no discurso, além do observador que também

pode ser ou estar incluído, os protagonistas principais são o orador e o auditório. Assim, as

principais figuras e argumentos serão relacionados a estes. Para a denominação e a localização

das incidências serão utilizadas também algumas siglas que facilitem sua visualização.

Ou seja, como o ethos (E), por exemplo, está relacionado à conduta, à dignidade ou à

respeitabilidade de quem profere um discurso. Buscar-se-á a incidência de figuras de

linguagem e/ou de estilo que tenham por base o caráter do orador (FEO) e argumentos que

tenham por base também o caráter do orador (AEO); no caso do pathos (P) que se pauta nas

63

PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de retórica. Tradução Eduardo Brandão. São

Paulo: Martins Fontes, 1992, p.90.

64 PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de retórica. Tradução Eduardo Brandão. São

Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 89.

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36

afeições e emoções provenientes do orador e das que se desejam produzir no auditório e são

observadas por quem as descreve, serão destacadas quatro categorias: as figuras baseadas nos

sentimentos do orador (FPO), os argumentos baseados também nos sentimentos do orador

(APO), as figuras baseadas nas sensações do auditório (FPA) e os argumentos baseados em

sentimentos do auditório (APA). Na categoria logos (L) que está relacionada com o conteúdo

do discurso, propriamente dito, a argumentação racional objetiva, serão observadas as figuras

baseadas nos textos usados pelo orador (FLO) e os argumentos baseados nas deduções do

orador (ALO). Observar aspectos de ethos e logos a partir do auditório é necessário, por

exemplo, quando se prepara o debate e para o debate. Essas observações são importantes para

uma melhor avaliação dos sucessos e insucessos das estratégias do orador. A análise fica mais

complexa, porém, mais precisa. Nesta dissertação serão destacadas apenas algumas das

categorias mais relevantes para um exame de ideias jurídicas.

Tipos Categorias de estratégias retóricas Abrev.

ethos

(E)

Figuras de ethos do orador (FEO)

Argumentos de ethos do orador (AEO)

pathos

(P)

Figuras de pathos do orador (FPO)

Argumentos de pathos do orador (APO)

Figuras de pathos do auditório (FPA)

Argumentos de pathos do auditório (APA)

logos

(L)

Figuras de logos do orador (FLO)

Argumentos de logos do orador (ALO)

Os exemplos de tropos, figuras e argumentos elencados pelos gramáticos e pelos

retóricos são muitos65

. Alguns poucos, porém, bem conhecidos, foram relacionados às

categorias propostas a fim de se destacar sua incidência nos textos de Teixeira de Freitas.

Descrever as razões teóricas para justificar essa associação desviaria em muito o foco deste

trabalho, por isso, elas ficam como exemplos, não deixando de manterem um mínimo de

65

Para um melhor aprofundamento nesta matéria ver LAUSBERG, Heinrich. Elementos de retórica literária.

trad. pref. e aditamentos R. M. Rosado Fernandes. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

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37

coerência entre si e de seguirem as definições consagradas em gramáticas66

e dicionários

como o Aurélio brasileiro.

Em relação ao ethos (E) são exemplos figuras de amplificação ou atenuação que

expressam aspectos da personalidade do orador, que pode ser exagerado ou modesto, como

expresso pelo uso de hipérboles, eufemismos, lítotes, aliterações, onomatopeias, auxeses, etc.,

que servem tanto para exagerar ou reduzir o que se representa da realidade (FEO1); além de

características que também manifestam esse caráter na forma de argumentos, como os

argumentos de autoridade (AEO1), aqueles proferidos por uma pessoa ou instituição

respeitada; os argumentos baseados na autoridade de determinados textos qualificados

(AEO2) incluindo as máximas e lugares comuns consagrados, como na esfera jurídica, tais

quais: dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei) ou in claris non fit interpretatio (o que é

claro não precisa ser interpretado); e, os argumentos que apelam para uma demonstração de

experiência, exatidão e conhecimento especializado das fontes (AEO3) que estarão

legitimamente conjugados a esta categoria.

No caso do pathos (P), que está relacionado ao resultado emocional que se consegue

ou que é desejado em um auditório. Nesta categoria também podem ser ou terem sido usados

vários tipos de figuras. São exemplos, as figuras que externam emoções do orador (FPO) tais

como as figuras de significação (FPO1) como a metáfora, a comparação, a prosopopeia, a

ironia, a sátira e o sarcasmo; as figuras da oração ou da frase (FPO2) típicas por estarem

ligadas à estrutura da oração como o uso de parêntesis, reticências, ênfase, o hipérbato – a

inversão da estrutura de uma frase, a diferenciação (por um lado... de outra forma), a restrição

(é verdade que..., mas...) ou a antítese, a exposição de ideias opostas; e outras figuras de

estilo (FPO3) como a gradação, a apóstrofe, etc. O pathos também inclui as figuras de ação

(FPA1) como a pergunta retórica ou interrogação, onde o orador pergunta sabendo que o

auditório não irá responder e o silêncio ou pausa, cheios de significado. Além destes há os

argumentos de pathos do orador (APO) e os argumentos de pathos do auditório (APA).

A categoria logos (L) está relacionada com o conteúdo do discurso, propriamente dito.

A argumentação racional objetiva. O poder de provar uma verdade, ou uma verdade aparente

por meio de argumentos persuasivos. Há figuras ligadas à forma que o orador expõe seu

66

Nesse sentido ver MESQUITA, Roberto Melo. Estilística. Gramática da língua portuguesa. 9. ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, p. 659 – 673. SAVIOLI, Francisco Platão. Figuras de Linguagem. Gramática. 13. ed. São

Paulo: Ática, 1988, p. 403 – 408. TERRA, Ernani. Figuras e vícios de linguagem. Curso prático de gramática.

São Paulo: Scipione, 2002, p. 403 – 411.

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discurso como texto; logo, figuras de logos do orador (FLO) nas quais se destacam as figuras

sintáticas ou de construção (FLO1) como o anacoluto, a aliteração, a elipse, o pleonasmo, a

silepse, etc.; as expressões latinas ou gregas (FLO2) tais como a priori, a quo, ad hoc, etc. Há

também argumentos de logos do orador (ALO). Nos discursos jurídicos os argumentos estão

relacionados ao Direito. Assim, há argumentos baseados em textos legais (ALO1) que são

aquelas referências a códigos ou textos legais; há argumentos baseados em princípios

jurídicos (ALO2) inclusive aqueles que um tribunal considere como parte da Teoria Geral do

Direito; os argumentos baseados em expressões comuns (ALO3), expressões do dia a dia,

expressões do senso comum e pontos de vista espontâneos; e, os argumentos dedutivos

(ALO4), as conclusões, as deduções dos silogismos e dos entimemas, aquelas expressões que

ocultam uma das premissas. As dezesseis principais categorias podem ser mais bem

visualizadas na tabela a seguir.

TIPOS CATEGORIAS EXEMPLOS

ethos (E)

Figuras de ethos do orador

(FEO)

as figuras de amplificação ou atenuação (FEO1); a onomatopeia, a aliteração, a

hipérbole, o lítote, a auxese, o eufemismo,

etc.

Argumentos de ethos do

orador (AEO)

os argumentos de autoridade (AEO1),

p.e.: “isto é assim, porque pessoas ou

instituições respeitadas disseram”;

os argumentos textuais (AEO2),

baseados na autoridade de determinados

textos qualificados; p.e.: “isto é assim

porque está escrito”;

os argumentos fundamentados em

fontes (AEO3) que apelam para uma

demonstração de experiência, exatidão e

conhecimento especializado das fontes e

tem uma intenção em defender

determinado campo contra influências

externas.

pathos (P)

Figuras de pathos do orador

(FPO)

as figuras de significação (FPO1): a

metáfora, a comparação, a prosopopeia, a

ironia, a sátira, o sarcasmo, o oximoro,

etc.

as figuras da oração ou da frase (FPO2): o uso de parêntesis, reticências,

ênfase, o hipérbato, a inversão, a

diferenciação, a restrição, a antítese, etc.;

outras figuras de estilo (FPO3) como a

gradação, a apóstrofe, etc.

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39

Argumentos de pathos do

orador (APO)

manifestação de opiniões e sentimentos

pessoais (APO1)

Figuras de pathos do auditório

(FPA)

as figuras de ação (FPA1): a pergunta

retórica, o silêncio retórico, etc.

Argumentos de pathos do

auditório (APA)

utilização de opiniões e sentimentos

colhidos do auditório (APA1)

logos (L)

logos (L)

Figuras de logos do orador

(FLO)

as figuras sintáticas ou de construção

(FLO1) como anacoluto, diácope,

pleonasmo, silepse, etc.

as expressões latinas e gregas (FLO2)

como: a priori, a quo, ad hoc, conditio

sine quo non, corpus delicti, etc.

Argumentos de logos do

orador (ALO)

os argumentos legais (ALO1): citações

literais de códigos ou textos legais;

os argumentos principiológicos (ALO2):

baseados em princípios legais e

relacionados à Teoria Geral do Direito;

os brocardos e ditos populares (ALO3):

baseados em expressões comuns, do dia a

dia, do senso comum e pontos de vista

espontâneos; oculum pro oculum, et

dentem pro dente (olho por olho e dente

por dente), quod non est in actis non est in

mundo (o que não se encontra nos autos,

não existe no mundo), contra fatos não há

argumentos, etc.

os argumentos dedutivos (ALO4):

conclusões, silogismos, entimemas, etc.

Por fim, os discursos podem ser relacionados em função da quantidade da incidência

do uso dessas categorias específicas por um autor ou orador, levando a conclusões retóricas

interessantes e relevantes para entender os motivos de determinados argumentos prevalecerem

ou não, enriquecendo a práxis jurídica. Assim, a fim de ressaltar meios e recursos retóricos, ao

longo do texto serão colocadas as letras entre parêntesis, juntamente com outros destaques

argumentativos descritos extensivamente.

Contudo, como na construção dessas retóricas, a exposição histórica dos fatos e

mesmo as várias narrativas históricas que podem ter influenciado tais eventos são importantes

para compreender o Direito, não só em sua formalidade, mas como determinante sociológico

de padrões de conduta, os próximos capítulos tratarão de descrever as narrativas que

precederam, também, a época de Teixeira de Freitas.

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As atualidades, e são várias ao longo dos anos recentes, dificilmente podem imaginar

como foi constituído o Direito no tempo de Teixeira de Freitas sem uma descrição, nem tanto

detalhada aqui, da sua formação intelectual e jurídica como reflexo de um todo, maior, que foi

a formação jurídica em Portugal e no Brasil. É o que se verá nos capítulos seguintes, para

então, retornar e aplicar esta metodologia aos discursos em que Teixeira de Freitas esteve

envolvido; melhor esclarecidos pela História.

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41

CAPÍTULO SEGUNDO – PRIMÓRDIOS DA FORMAÇÃO INTELECTUAL E

JURÍDICA PORTUGUESA E BRASILEIRA: O AMBIENTE JURÍDICO QUE

ANTECEDEU TEIXEIRA DE FREITAS.

Sumário: 2.1 A influência religiosa jesuíta nos centros culturais lusitanos e as origens do

ensino da retórica em Portugal. 2.2 A reforma pombalina do ensino e do estudo da retórica

portuguesa e seus reflexos sobre o ensino brasileiro até sua fase pré-republicana, como

estratégia de neutralização de um instrumento de dominação jesuíta: a educação. 2.3 A

formação dos primeiros cursos jurídicos brasileiros como estratégia legitimadora do

processo de emancipação nacional. 2.4 A necessidade de uma produção literária para a

“nova” Academia: seguindo a estratégia da tradição lusitana de supressão dos conteúdos

rivais. 2.5 Os conteúdos teóricos e filosóficos encontrados nas primeiras escolas jurídicas

brasileiras e seu antagonismo ao discurso retórico de “modernidade”. 2.6 Uma produção

legislativa própria para consolidar a independência brasileira.

“A compreensão do humano como experiência de valores (ou de valorações) é o necessário contraponto da

visão histórica dos problemas. O homem, ao pensar sobre si próprio, desenvolve conceitos que vão obviamente

além do empírico, e ao mesmo tempo alimenta-os com visões que são de sua própria presença e de sua vida no

tempo e no espaço.”

Nelson Saldanha67

2.1 A influência religiosa jesuíta nos centros culturais lusitanos e as origens do ensino da

retórica em Portugal.

O ensino, a religião e o Direito foram fortes elementos da cultura europeia no século

XIX. Um ponto de intercessão nesses três grandes sistemas sociais foi a presença marcante da

retórica. Observar a história daquele período leva a essa constatação. Desde os estudos das

“primeiras letras” até o ensino “superior”, a retórica estava incluída. Para o acesso aos

ensinamentos de Leis, o Direito, era pré-requisito obrigatório o estudo da retórica; necessário

que era ser aprovado nos cursos preparatórios aos cursos jurídicos. No aprendizado e na

prática religiosa ela também teve posição de destaque, nunca subestimada pelos estudos

doutrinários e filosóficos a ela relacionados. Foi a religião que produziu os mais importantes

tratados de retórica daquele século; aos quais, provavelmente, Teixeira de Freitas teve acesso,

vez que as línguas portuguesa e latina possibilitavam essa aproximação daquela cultura

comum a Portugal e ao Brasil.

A religião modelou fortemente o ensino lusitano e, como referido, com ela também

veio todo o peso do estudo da (sua) retórica. Antes da reforma pombalina68

, Portugal,

67

SALDANHA, Nelson. A torre de Babel e outros ensaios. Recife: CEPE, 2007, p. 172.

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42

internamente, manteve uma união com o cristianismo como fruto da reconquista do território

ibérico dos mouros. Quando se iniciou a expansão ultramarina lusitana do século XVI, esta se

manteve associada também à expansão da “fé”. Porém, o século seguinte foi marcado por um

acirramento da Escolástica e da mística religiosa, apesar da cientificidade e do progresso

tecnológico ter se difundido e multiplicado durante a expansão colonial que, paradoxalmente,

também conduzia os jesuítas e suas Recomendações69

.

A Europa passava pelas intervenções da Reforma protestante e sua atitude científica, o

que exasperava a censura e o controle do ensino nos locais onde o catolicismo “imperava”.

Portugal não ficou fora disso. Por causa da censura literária, os portugueses foram impedidos

de terem acesso a qualquer obra que contrariasse o credo ideologicamente dominante, o que

incluiu o estudo e o ensino das experiências do pensamento. Nas universidades, a liberdade da

ortodoxia era punida com a remoção do magistério, na mais branda das sanções. Também das

Recomendações se apreende que até as ideias de Aristóteles, que eram uma referência e ali se

constituíram como marco teórico geral, só podiam ser ensinadas nos pontos que a tradição

recomendava.

Esse controle não se limitou às universidades. Na impossibilidade de cercear esses

centros, esse sistema se antecipou em criar um “filtro ideológico” nas escolas preparatórias e

primárias. O principal centro cultural de Portugal ficava em Coimbra. Ali estavam

autonomamente, tanto o Real Colégio das Artes e Humanidades70

, como a Universidade de

68

Referente à reforma na educação com fins notadamente políticos realizada pelo ministro plenipotenciário de

Estado, Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, que governou Portugal de 1750 a 1777 à época de D. José I.

D’AZEVEDO, J. Lucio. O marques de pombal e a sua época. 2. ed. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil; Lisboa:

Seara Nova; Porto: Renascença Portuguesa, 1922, p. 87 - 106.

69 Em 1593 a Companhia de Jesus fez a seguinte recomendação: “Os mestres da filosofia não se afastem de

Aristóteles em coisa alguma de importância a não ser que se obedeça algum ponto contrário à doutrina que

defendem geralmente as universidades e muito mais se repugna à fé ortodoxa [...] Não introduzam qualquer

questão ou opinião nova, que não esteja defendida por algum bom autor, sem consultar o assunto com os seus

superiores, nem defendam algo contra os princípios dos filósofos (escolásticos) e contra o uso corrente nas

escolas. Entendam também que, se houver mestres inclinados à novidade ou de engenho demasiado livre, devem

ser removidos sem falta do ofício de ensinar.” DIAS, José da Silva. Os descobrimentos e a problemática

cultural do século XVI. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1973, p. 349-350.

70 O Real Colégio das Artes e Humanidades foi fundado pela iniciativa do infante D. Pedro e criado pelo rei D.

João III em 1542 com o objetivo de preparar os futuros estudantes universitários das artes liberais que, devido à

falta de escolas desse nível, tinham que sair do país para estudar em outros centros europeus. O Colégio começou

a funcionar em 1547. O excelente ensino no Colégio das Artes visava a formação moral e humanística dos

jovens, sendo ministradas matérias como a teologia, dogmática, escrituras, gramática, retórica, poesia,

matemática, grego, hebraico, lógica e filosofia, além de ler e escrever. Funcionou até 1837. SANTOS, D.

Colégio das Artes. Lisboa, 1963, p. 210 – 211. Disponível em: <http://www.delfimsantos.org/textos/

DSantos_Colegio_das_Artes_1963.pdf>.

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43

Coimbra71

. Os chamados “estudos menores” eram realizados no Colégio das Artes, incluindo

a retórica72

. A partir de 1639 o controle tornou-se ainda mais rígido quando as

Recomendações não foram suficientes e se introduziu a Ratio Studiorum73

também na

Universidade, uma influência que durou até 1759, quando os jesuítas foram expulsos

temporariamente de Portugal e suas colônias.

De 1555 até 1772 os jesuítas “dirigiam” o ensino na Universidade de Coimbra. A

partir desse ano, com a reforma pombalina, passaram a vigorar os Novos Estatutos daquela

escola, mas só em 1836 é que foi criado o “curso de Direito” em Portugal, deixando de existir

a divisão entre as faculdades de Leis e Cânones, pois os estatutos pombalinos de 1772 não

promoveram a criação de tal curso. Antes, como visto, o ensino jurídico estava dividido em

duas faculdades, a de Leis e a de Cânones que se concentravam, respectivamente, nos estudos

de Direito Romano (Corpus Iuris Civilis) e de Direito Canônico (Corpus Iuris Canonici). O

curso de Direito apenas somou o estudo do Direito Romano ao estudo das Leis. O Direito

71

A Universidade de Coimbra é uma das mais antigas e conceituadas universidades da Europa ainda em

funcionamento. Após várias transferências entre Lisboa e Coimbra, se estabeleceu em 1537 definitivamente em

Coimbra por ordem de D. João III. Durante o período referido neste estudo, nela funcionaram inicialmente a

Faculdade de Cânones e a Faculdade das Leis que , em 1836, foram fundidas na Faculdade de Direito. Durante a

reforma pombalina foram criadas as Faculdades de Matemática e de Filosofia. Quando foi criada a Faculdade de

Letras, esta herdou as instalações da extinta Faculdade de Teologia. Hoje, possui oito Faculdades (Letras,

Direito, Medicina, Ciências e Tecnologia, Farmácia, Economia, Psicologia e Ciências da Educação, e, Ciências

do Desporto e Educação Física). COIMBRA, Universidade de. História. Disponível em: <http://www.uc.pt/>.

72 Os “estudos menores” correspondiam aos estudos primário e secundário de Portugal. O Alvará de 28 de junho

de 1759 ateve-se à sua reforma. Dentre as disposições que constituem a reforma anunciada, determinou que

houvesse “dois professores de retórica nas cidades de Lisboa, Coimbra, Évora e Porto, e, um professor em cada

cidade e vila cabeça de comarca”, e após um ano e meio após a implantação das classes de retórica, determinou

que “ninguém seja admitido a matricular-se na Universidade de Coimbra em alguma das ditas quatro faculdades

maiores sem proceder exame de retórica feito na mesma cidade de Coimbra”. O Alvará foi complementado com

severas e diretas “instruções para os professores de Gramática Latina, Grega, hebraica, e de Retórica”. SILVA,

Antonio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828. O texto

completo deste Alvará, e outros, encontra-se integralmente transcrito no sitio eletrônico:

<http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/index.php>.

73 Ratio Studiorum (Ratio et Instituto Studiorum Societas Jesu) constituiu-se numa sistematização da pedagogia

jesuítica contendo 467 regras cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino e

recomendava, por exemplo, que o professor nunca se afastasse da filosofia de Aristóteles e da teologia tomista.

Foi uma coletânea particular de experiências do Colégio de Roma com adições de observações pedagógicas de

diversos outros colégios, que busca instruir rapidamente todo jesuíta docente sobre a natureza, a extensão e as

obrigações do seu cargo. Ela foi, na verdade, o regime escolar e, nessa medida, também o plano de estudos, o

código e o regulamento para as escolas jesuítas. A Ratio surgiu com a necessidade de unificar o procedimento

pedagógico dos jesuítas diante da disseminação do número de colégios confiados à Companhia de Jesus como

base de sua expansão missionária. O texto de 1563 tomou forma definitiva em 1591 e foi promulgada em 8 de

janeiro de 1599. A Ratio Studiorum assegurou inicialmente a propagação universal do livro didático De arte

Rhetorica libri tres ex Aristotele, Cicerone et Quintiliano do jesuíta português Cipriano Soares, publicado em

1562, até que foi substituído, ainda no período jesuítico, pelo livro A Arte da gramática do padre Manoel

Álvares. MENDES, Eliana Amarante de M. A retórica no Brasil: um pouco da história. Revista

latinoamericana de retórica. v. 1. n. 1. mar. Buenos Aires: Asociación latinoamericana de retórica, 2013, p. 45,

54.

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44

Canônico e a Filosofia ficaram por um longo tempo adstritos à Teologia. Nessa época, as

reflexões filosóficas sobre o Direito não estavam a cargo de jurisconsultos, mas dos teólogos.

Estes sempre atrelavam a religião às questões que, a partir do século XVIII, passariam a ser da

esfera temporal. Foi a época áurea, no pensamento filosófico-jurídico, do jusnaturalismo

escolástico que subordinou, nas universidades, a Ética e o Direito à Teologia74

.

Porém, o contraste entre a esfera religiosa, ainda dominante, e a visão racionalista

pautada na lógica, gerava uma inquietação nos que observavam o embate entre a “fé” e a

“ciência”. O chamado “iluminismo português” recebeu influências de nomes como Dom Luís

da Cunha (1662 – 1749)75

, Luiz Antônio Verney (1713 – 1792)76

e Sebastião José de Carvalho

e Melo (1699 – 1782)77

, homens que exerceram principalmente funções diplomáticas. Na

verdade, mais do que fidelidade “dogmática a uma verdadeira fé”, e, independente de valores

“certos” ou “errados”, os interesses sempre se “vestiram” de ideologias, conservadoras ou

modernizantes. Os argumentos dos religiosos foram eficientes, pois não bastavam as

acusações de “estrangeirados”, em vista de vínculos com outros países europeus, quais fossem

Inglaterra, Itália ou França, era importante consternar as emoções populares para tentar

impedir a modernização “das luzes”. Para a população cristã católica e principalmente para o

clero daquela época, ser “reformista”78

ou “judaizante”79

, ou mesmo ser apenas um

74

SILVA, Antonio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p.

81.

75 Luís da Cunha nasceu em Lisboa em 25 de Janeiro de 1662 e faleceu em Paris a 9 de Outubro de 1749. Foi um

diplomata português que serviu o rei D. João V. Estudou na Universidade de Coimbra, onde se formou em

Cânones (1686), tendo em seguida sido nomeado desembargador da Relação do Porto e posteriormente, para a

Relação de Lisboa. Quando o rei D. José I ascendeu ao trono enviou uma carta na qual sugeria, ao rei, dois

homens de boa visão para o coadjuvarem no Governo: Gonçalo Manuel Galvão de Lacerda e Sebastião José de

Carvalho e Melo, o futuro marquês de Pombal, que se podia destinar à pasta do Reino. Cf. CUNHA. D. Luís da.

Instruções políticas. 1736. Lisboa: Edições Abílio Diniz Silva, 2001.

76 Luís António Verney (1713 —1792) foi um filósofo, teólogo, padre oratoriano, professor e escritor português.

Foi um dos maiores representantes do Iluminismo no país e um dos mais famosos estrangeirados portugueses.

Foi também autor do compêndio O Verdadeiro Método de Estudar (Valença, 1746) que foi revolucionário na

pedagogia da época pré-pombalina. Ver também nota de rodapé 85. Fontes: FUNDAÇÃO LUIS ANTONIO

VERNEY. História. Vida e obra de Luis Antonio Verney. Disponível em: <http://www.fundacaoverney.org/

index.php/historia/item/7-vida-e-obra-de-luís-antónio-verney>. TOBIAS, José Antônio. Introdução. História das

Ideias no Brasil. Estudo de problemas brasileiros. São Paulo: EPU, 1987, p. 92.

77 Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 – 1782) que posteriormente, em 1979, tornou-se o Marquês de

Pombal. Ver também as notas 67, 89, 111 e 112.

78 Reformista: partidário de ideias da Reforma Protestante de Lutero, o reformismo. FERREIRA, Aurélio

Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: Ed. Positivo, 2004, p.

1720.

79 Judaizante: descendente biológico ou seguidor do judaísmo; que observa ritos e leis da religião judaica.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Judaizante. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed.

Curitiba: Ed. Positivo, 2004, p.1160.

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45

simpatizante, era uma séria acusação. Assim, os insatisfeitos clamavam por mudanças

“concretas”.

2.2 A reforma pombalina do ensino e do estudo da retórica portuguesa e seus reflexos

sobre o ensino brasileiro até sua fase pré-republicana como estratégia de neutralização

de um instrumento de dominação jesuíta: a educação.

As academias e as associações de intelectuais e letrados de Portugal buscavam a

renovação do pensamento, vez que as Universidades, nomeadamente Coimbra, se fechavam

ao pensamento moderno. O pensamento “moderno” que se buscava era, pelo menos, aquele no

sentido proposto por Verney, ou seja, um pensamento que tivesse, por exemplo, o Direito

desvinculado da Teologia e que este fosse baseado e consequente da ética80

. Essa postura fazia

parte do processo de secularização de autores jusracionalistas que separavam a ética da

teologia e a faziam derivar da filosofia81

. Foi nesse contexto que surgiu o marquês de Pombal,

certamente voltado para novas pretensões pessoais e políticas, mas com outra estratégia.

Pombal iniciou uma série de ações reformuladoras conhecidas como “despotismo

esclarecido”82

instituindo um Novo Estado83

. O que antes estava nas mãos da Igreja e da

Inquisição, passou para as mãos do Estado. “Nenhuma obra poderia ser publicada ou vendida

sem passar previamente pelo crivo da Real Casa Censória, cujos membros eram indicados

pelo governo”84

. Incluindo em seu discurso recolocar Portugal numa posição digna do mundo

80

VERNEY, Luís António. O Verdadeiro Método de Estudar para ser útil à República e à Igreja:

proporcionado ao estilo, e necessidade de Portugal. Valença: Antonio Balle, 1746, passim. Texto disponível em:

<http://purl.pt/118>.

81 SILVA, Antonio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p.

89.

82 Cf. GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 60-61.

83 “Este regime subordinou os organismos políticos e sociais ao poder central; enquadrou a nobreza eliminando

os privilégios de nascimento; nobilitou os agentes da indústria; neutralizou os conflitos de classe; extinguiu a

Confraria do Espírito Santo da Pedreira ou Mesa dos Homens de Negócio (1755), criando a Junta do Comércio

(1759), e a Aula do Comércio (1759), instituiu a política dos diretórios visando a subtrair os indígenas do

controle eclesial (1757), expulsou os jesuítas (1759); vinculou a Igreja ao Estado, tornando-a independente de

Roma (1760); criou o Colégio dos Nobres (fundado em 1761 e aberto em 1766); aboliu a diferença entre cristãos

velhos e novos (1768); criou a Real Mesa Censória (1768); secularizou a Inquisição, tornando-a um instrumento

do Estado (1769); e decretou a reforma dos estudos menores (1759) e maiores (1772)”. POMBAL. Observações

secretíssimas do marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, na ocasião da inauguração da estátua

equestre no dia 6 de junho de 1775 e entregues por ele mesmo, oito dias depois, ao senhor rei d. José, o 1°. apud

SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 2. ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Autores

Associados, 2008, p. 81-82.

84 GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 61.

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46

civilizado, Pombal introduziu novas matérias na Universidade, a matemática e a filosofia

(como faculdades), a física e a química. Nos estudos menores predominou a reforma do

método do ensino do latim e de uma “nova concepção” da retórica.

Sem querer extinguir o estudo da retórica, Verney buscara, antes, modificar-lhe o

conteúdo, ampliando seu alcance e reforçando sua importância. A retórica jesuítica se reduzia

“à inteligência dos tropos e das figuras de linguagem”, o que nos Estatutos era considerado

“sua mínima parte ou a que merece bem pouca consideração”. Na verdade, os portugueses

praticavam um só aspecto da retórica barroca85

. Assim, nas cartas cinco e seis do Verdadeiro

Método de Estudar86

dedicadas à retórica, ele fez uma forte crítica ao mau gosto da oratória

portuguesa, ao excesso de ornamentos estilísticos, à afetação e ao abuso de tropos de

linguagem usando uma abundância de exemplos tirados de sermões, discursos e outros tipos

de escrita, para demonstrar o vazio e o ridículo dos oradores e autores que na busca da

simpatia do auditório, mal ultrapassavam o mau delectare da retórica barroca. Ele dá também

um exemplo do mau uso do logos ao ridicularizar o excesso de citações de frases e autores, as

citações fora de propósito, as repetições inúteis, a exibição fútil de erudição, os títulos

estrambóticos e obscuros atribuídos a autoridades e até mesmo a imperícia na elocução.

Assim, era necessário que a retórica fosse colocada, segundo seu entendimento,

adequadamente de volta ao seu devido lugar. Na verdade, tropos e figuras de linguagem são os

andaimes do edifício dos discursos e, sem eles, é impossível construir, mas não devem

aparecer depois de pronta a obra87

.

85

A tríade da retórica barroca era constituída do ensinar, do deleitar e do mover (docere, delectare, movere). O

barroco português enfatizava o delectare, enquanto que as orientações de Verney eram para que a ênfase

residisse no movere. CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de

leitura. Topoi. Revista de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 132.

86 O Verdadeiro Método de Estudar, para ser útil à República e à Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade

de Portugal é uma obra de autoria de Luís António Verney, cuja primeira edição veio à luz em Valença, em

1746. É a obra mais conhecida deste que é considerado o mais ativo estrangeirado português, reputada como um

autêntico manifesto da modernidade do pensamento à luz das ideias iluministas. Em dois volumes, após a sua

primeira edição em 1746 voltou a ser reeditada em 1747. A autoria, à época, foi atribuída a um anônimo religioso

Barbadinho da Congregação de Itália, pseudônimo de Verney, que preferiu ocultar o seu nome diante da censura

da época. A obra constitui-se por dezesseis cartas que o autor Barbadinho escreve a um certo doutor da

Universidade de Coimbra. São elas: I - Língua Portuguesa; II - Gramática Latina; III – Latinidade; IV - Grego e

Hebraico; V e VI – Retórica e Filosofia; VII – Poesia; VIII – Lógica; IX – Metafísica; X – Física; XI - Ética;

XII – Medicina; XIII - Direito Civil; XIV – Teologia; XV - Direito Canónico; XVI - Regulamentação geral dos

estudos. O texto completo do Método está disponível no sitio eletrônico: <http://purl.pt/118>. TOBIAS, José

Antônio. Introdução. História das Ideias no Brasil. Estudo de problemas brasileiros. São Paulo: EPU, 1987, p.

95.

87 CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista

de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 132-133.

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47

Assim, o problema não estava na retórica, mas na ignorância do que fosse a retórica.

Os portugueses, e toda uma tradição que já existia e se projetou na contemporaneidade,

ignoravam o que ela fosse; seja por não a estudarem, seja por a estudarem em manuais

limitados e considerados péssimos, como os jesuíticos. Quem não a estudava, nada dela sabia;

quem a estudava, sabia menos ainda. Porém, no Alvará régio de 1759, não foram poucos os

elogios à retórica. O parágrafo 16, com o subtítulo Dos Professores da Retórica, inicia

afirmando que “o estudo da Retórica, sendo tão necessário em todas as ciências”, e, manda

que fossem providenciadas as Instruções. Nelas, a retórica passou dos tropos e figuras para

outro meio retórico, a persuasão.

Não há estudo mais útil que o da retórica e da eloquência, muito

diferente do estudo da gramática [...]. A retórica ensina a falar bem,

supondo já a ciência das palavras, dos termos e das frases; ordena os

pensamentos, a sua distribuição e ornato. E, com isto, ensina todos os

meios e artifícios para persuadir os ânimos e atrair as vontades88

.

A retórica deveria ser complementada pela poética. Porém, nem tudo o que foi

determinado pela reforma pombalina veio a existir na prática. O estudo do hebraico foi

instituído e parece nunca ter sido implantado. Na colônia foi pequeno o número de aulas

régias criadas a expensas do Estado. A educação elementar sempre contou com a iniciativa de

alguns poucos indivíduos ou de religiosos. A intenção centralizadora e dominadora da

Metrópole sempre teve motivações, nem sempre tão ocultas.

Apesar do tipo de ensino que ofereciam e da resistência contra a “modernidade

científica” na Europa, foram os jesuítas que, com o descobrimento e a colonização da terra

Brasilis, vieram e disseminaram a instrução entre os nativos e criaram colégios de letras na

Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. Ali se lecionava a matemática elementar, a

gramática latina, a filosofia e a teologia da forma controlada e restrita já mencionada. Antes

do reinado de D. José I (1750 – 1777), a metrópole, Lisboa, nunca se preocupou com o

desenvolvimento intelectual da colônia americana. Ela desejava “conservar as povoações nas

trevas da ignorância” para poder obter “a incondicional submissão”. Além disso, também

impedia a introdução no território da colônia de “meios destinados ao referido

88

Este trecho das Instruções pode ser também encontrado na citação de ANDRADE, Antonio Alberto Banha de.

A reforma pombalina dos estudos secundários (1759-1771). v. 2. Coimbra: Por Ordem da Universidade, 1981,

p. 92.

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desenvolvimento, tanto assim que proibiu até a importação de livros, e chegou ao ponto de

mandar sequestrar e remeter para Portugal, pela Carta Régia de 06 de junho de 1747, uma

pequena tipografia que tinha sido estabelecida no Rio de Janeiro”89

.

Assim, quando os jesuítas foram expulsos de Portugal sob o discurso do interesse da

libertação da ortodoxia religiosa e sufocante do escolasticismo que se irradiava até nos

assuntos seculares90

, eles o foram igualmente na colônia, mas com a finalidade de prejudicar

essa parca instrução91

, que, tornou o que era “ruim” na colônia, ainda pior. Usando da

crendice popular, os jesuítas foram acusados por todos os males naturais e materiais advindos

a Portugal, o grande terremoto de Lisboa e até um ferimento “inexplicável” em D. José. Para a

manipulação dessas emoções populares foram usados os mesmos instrumentos religiosos de

controle: Inquisição, prisões, masmorras e suplícios públicos92

, agora orquestrados pelo

Estado.

Os franciscanos passaram a suprir a lacuna deixada pela expulsão jesuíta do território

brasileiro. Seu ensino se limitava ao ensino de línguas, filosofia e religião. Cursos jurídicos

não existiam ainda. Quem quisesse estudar Direito ainda precisava atravessar o Atlântico e

buscar as universidades ou de Coimbra ou da França e Itália. Era de Coimbra que o Direito

português e as fontes romanas se irradiavam para as terras brasileiras.

89

TRIPOLI, César. História do Direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1936, p. 19.

90 Para Pombal, os jesuítas constituíam-se num obstáculo à condução da sua política de reformas. Subjugada a

nobreza lusitana com o Processo dos Távora e setores do povo com a repressão ao motim do Porto, o próximo

passo foi uma perseguição ao clero. Em 1757 Pombal iniciou sua campanha antijesuítica em Roma, acusando os

padres da Companhia de praticarem comércio ilegal no Brasil e de incitarem as populações contra o governo.

Averiguando a situação relatada pelo Ministro Português, a Santa Sé recebeu informações, manipuladas por

aquele, sobre a veracidade das acusações feitas à Companhia de Jesus. Como resultado, os jesuítas foram

suspensos de confessar e pregar em Lisboa, e o informador, o Cardeal Saldanha, foi recompensado com a cadeira

patriarcal no ano seguinte (1758). Pombal nunca abandonou o sentimento antijesuítico levando-o a escrever

acerca do que pensava daqueles religiosos na sua Dedução Cronológica (publicação assinada por José Seabra da

Silva). Chegou a afirmar que todos os males de Portugal se deviam aos jesuítas, ideia que foi acolhida na Europa

por outros adversários da Companhia. De fato, França, Espanha e Nápoles imitaram Portugal, iniciando-se uma

pressão contra os jesuítas tão grande na Europa que o Papa Clemente XIV, no breve Dominus ac Redemptor, de

21 de Julho de 1773, suprimiu a Companhia na Europa. Esta só veio a ser restaurada em 1814, a partir da Rússia,

ainda que Portugal não consentisse na sua readmissão. D’AZEVEDO, J. Lucio. O marques de pombal e a sua

época. 2. ed. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil; Lisboa: Seara Nova; Porto: Renascença Portuguesa, 1922, p.

127 – 140.

91 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 52.

92 É exemplo, o suplício público do velho padre jesuíta Gabriel Malagrida, que em sua tentativa frustrada de

rebater os ataques aos jesuítas, alegava que a causa do terremoto em Lisboa era a “ira divina” fazendo com que

Pombal intensificasse seus ataques ao clero, pois, estrategicamente, tomou as exortações moralistas do religioso

como acusações. Cf. FRANCO. O Mito dos Jesuítas. Em Portugal, no Brasil e no Oriente (Séculos XVI a XX).

Prefácio Bernard Vincent. v. I - Das origens ao Marquês de Pombal. Lisboa: Gradiva, 2006, passim.

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O padre Manoel de Nóbrega, após a chegada ao continente construiu uma escola em

Salvador/BA onde lecionou o padre Vicente Rodrigues. Por mais de duzentos anos a educação

ficou a cargo dos religiosos e em especial dos jesuítas. Após a queda de Pombal e sua reforma,

a Metrópole instituiu as Aulas Régias. Há referências a escolas com alguns cursos, que

ensinavam a retórica, em São Paulo93

, em Minas94

, em Olinda95

e no Rio de Janeiro96

. Mas, o

ensino superior dependia totalmente de Portugal. Apenas quando D. João VI veio para o

Brasil, instituíram-se algumas escolas superiores97

, mas o estudo do Direito no Brasil só seria

93

Antes mesmo dos primeiros cursos jurídicos, também outros cursos foram criados como fruto da vontade de

estudar no Brasil. Em São Paulo, no ano de 1776, os frades franciscanos, incorporados ao convívio comunitário,

criaram também uma escola agregada ao seu convento. O ensino da teologia, da moral, da retórica e do latim,

suscitou a ida ali de um número significativo de estudantes. Posteriormente, ali surgiu a Faculdade de Direito do

Largo do São Francisco. CHACON, Vamireh. Formação das ciências sociais no Brasil. 2. ed. Brasília: Paralelo

15; Brasília: LGE Editora; São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 2008, p. 169-170.

94 Em Minas, Manuel Inácio da Silva Alvarenga (1749 — 1814), poeta, advogado, nomeado pelo vice-rei, Luís

de Vasconcelos e Sousa, foi professor régio de uma aula de retórica e poética que fundou solenemente em 1782.

Também sob seus auspícios restaurou, em 1786, com a denominação agora de "Sociedade Literária", a sociedade

científica, cujo objeto principal "era não esquecerem os seus sócios as matérias que em outros países haviam

aprendido, antes pelo contrário adiantar os seus conhecimentos". Com a mudança do vice-rei, foi encarcerado por

dois anos, sendo posto em liberdade sem julgamento, confirmando a observação de que mudanças políticas

influenciavam diretamente o ensino e as sociedades literárias de então, sem falar das arbitrariedades legais.

Como era mestre de retórica, evitou mais que os outros os recursos do arsenal clássico e mitológico e quando

cedeu à corrente, o fez com muito mais personalidade, senão originalidade, e com um desembaraço e liberdade

rara no tempo. Prova disso é "Teseu e Ariana", uma das melhores amostras da poesia brasileira, naquela época.

VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. 1916. e-book Disponível em: <http://www.biblio.com.br/

conteudo/JoseVerissimo/histlitbras.htm>.

95 No ano de 1800 também foi inaugurado em Olinda, Pernambuco, um curso pelo bispo de Olinda José Joaquim

da Cunha Azeredo Coutinho (1742 – 1821) (PILETTI, Nelson, História da Educação no Brasil. 6. ed. São

Paulo: Ática, 1996, p. 37). Era um seminário modelar onde se estudava latim, grego, francês, retórica, história

universal, filosofia, desenho, história eclesiástica, teologia dogmática e moral, matemática, física, química,

mineralogia e botânica (BEVILÁQUA, Clóvis. História da Faculdade de Direito do Recife. Rio de Janeiro:

Francisco Alves, 1927). Ali no Convento de Nossa Senhora do Carmo, de Olinda o frei Caneca, em 1803 foi

professor de retórica e geometria. Frei Joaquim do Amor Divino Rabello Caneca que nasceu na cidade do Recife

em julho de 1779 e era um religioso carmelita, ordenado sacerdote pelo Seminário de Olinda, dedicou-se ao

magistério, período em que elaborou alguns compêndios inclusive o de retórica: Tratado da Eloquência.

Considerado como representante típico do chamado “liberalismo radical” das primeiras décadas do século XIX.

Participou da Confederação do Equador (1824) e elaborou a doutrina justificadora do separatismo. Quando o

movimento foi derrotado, ele foi condenado a morte, sendo executado em janeiro de 1825. Cf. CANECA, Frei

Joaquim do Amor Divino. Obras políticas e literárias. 1. ed. Recife, 1875/76, 2 tomos (v. tomo I. Tratado da

Eloquência, pp. 63 – 155); ou versão mais recente em: CANECA, frei Joaquim do Amor Divino. Obras políticas

e literárias de frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Org. Antonio Joaquim de Melo. Recife: Assembléia

Legislativa de Pernambuco, 1972.

96 Há registro da criação de um curso de estudos literários e teológicos em julho de 1776 no Rio de Janeiro, e,

após a criação dos cursos jurídicos (1827) foi fundado também no Rio de Janeiro o Colégio de Pedro II em 1838.

Não é muita pretensão afirmar que era equivalente ao Colégio das Artes de Coimbra. Nele, as cadeiras eram

preenchidas por concurso, inclusive as de retórica e poética, e foram muitas vezes ocupadas por figuras

eminentes da cultura nacional. CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como

chave de leitura. Topoi. Revista de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 133.

97 A Academia Real da Marinha (1808), a Academia Real Militar (1810), a Academia Médico-Cirúrgica da Bahia

(1808), a Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro (1809), o Ensino de Química no Rio de Janeiro, (1812),

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possível com a independência de Portugal. Logo, o Brasil não possuía uma cultura jurídica

própria, embora esse fosse o anseio dos intelectuais locais da época.

A ideia de estabelecer o ensino superior no Brasil já existia por volta do ano de 1654,

mas não de iniciativa portuguesa. Foi o invasor holandês quem manifestou o primeiro

interesse em instalar uma Universidade no Recife. Como estes foram expulsos, o projeto não

foi levado adiante. Por sua vez, em 1820, o desembargador e ouvidor-geral daquela comarca,

Venâncio Bernardino Uchoa, encaminhou ao rei João o pedido de fundação de uma

Universidade em Pernambuco. O mesmo fez o deputado pernambucano Francisco Muniz

Tavares que pleiteou tal feito junto às Cortes Constituintes de Lisboa entre 1821 e 182298

.

Foram necessários mais alguns anos até que a “realidade” dos cursos jurídicos se

concretizasse no Brasil.

2.3 A formação dos primeiros cursos jurídicos brasileiros como estratégia legitimadora

do processo de emancipação nacional.

O Brasil enquanto colônia, reino unido e império teve uma organização social, política

e econômica arraigada numa elite, representada por grandes proprietários rurais que

exploraram a mão de obra em sua maioria provinda da escravidão de índios, mestiços e

negros, para consolidar um poder sem identidade nacional, e desvinculado dos objetivos de

sua população de origem e da sociedade como um todo, características burocráticas mesmas

da administração da metrópole. Esse intervencionismo estatal no âmbito sócio-jurídico e

econômico foi o fato gerador de diretrizes burocráticas e patrimonialistas, já havidas ao longo

da história na Península Ibérica. O resultado foi uma cultura bacharelesca que profissionalizou

a elite política emergente, fenômeno não singular na América99

.

Para Sergio Buarque de Holanda, o objetivo de se diplomar em uma academia, local ou

do além-mar, era alcançar a administração pública, e os bacharéis “só excepcionalmente farão

o Ensino de Agricultura (1812) e de Botânica (1814) e Farmácia (1814) na Bahia, e da Escola de Belas Artes em

1816.

98 SILVA, Leonio José Alves da. Faculdade de Direito do Recife: breves apontamentos aos 180 anos de sua

história. p. 05 – 06, Laranja mecânica, São Paulo, 11 ago. 2007, p. 5.

99 Com respeito à “praga do bacharelismo” nos Estados Unidos da América consultar HOLANDA, Sergio

Buarque de. Novos tempos. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 31. reimp. 2009,

p. 156 – 157.

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uso, na vida prática, dos ensinamentos recebidos durante o curso”100

. Uma dessas exceções foi

Teixeira de Freitas. Os cursos jurídicos que Teixeira de Freitas frequentou iniciaram em

1827, quando foram criados. Qual a “nova” produção sobre retórica e filosofia disponíveis nos

educandários brasileiros para alunos como ele? Como esse acesso se enquadrava na estratégia

política de emancipação?

O Brasil já havia proclamado sua independência política de Portugal cinco anos antes e

necessitava de “independência” em todos os demais sentidos, incluindo a educação. É sabido

que a educação era constituída da educação menor e da educação superior. As primeiras letras

constituíam o ensino elementar. O ensino superior, mais que melhores conhecimentos, sempre

envolveu potencialidades mais elevadas: liberdade das variadas opressões e não só da

dominação territorial dos europeus. Assim, mais do que um momento pontual na educação

brasileira, para alguns, os cursos jurídicos brasileiros constituíram um momento marcante na

História nacional. Silvio Meira afirmou que do mesmo modo que a independência política foi

conquistada em 1822, a independência intelectual começou a se esboçar em 1827, embora

tenha ficado por aí101

. Ao menos foi o ano da “libertação” da Universidade de Coimbra, onde

estudaram os mais afortunados na época da Colônia.

Foi o controle da liberdade da administração colonial que centralizava a formação da

“inteligência” do corpo técnico em Coimbra. Então, havia a necessidade manifesta da criação

do ensino do Direito no Brasil a fim de, também, legitimar o processo de independência e da

ampliação do corpo técnico-administrativo, fundamentais para a organização do Estado

burocrático102

. Logo, tal criação era parte de uma estratégia necessária. Se, por um lado,

observou-se um avanço no processo educacional brasileiro que progredia do ensino das

primeiras letras para o ensino universitário, por outro, onde iriam estudar os filhos da elite

libertária? Antes de voltarem para a Europa, parecia melhor demonstrar o poder na nova nação

formada, preparando-os nela.

Os cursos de Olinda e São Paulo foram propugnados pelo ministro da justiça José

Feliciano Fernandes Pinheiro (1774 – 1847), o visconde de São Leopoldo, que assinou a carta

100

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Novos tempos. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras,

1995. 31ª reimp. 2009, p. 156 – 157.

101 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 52.

102 SILVA, Antonio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p.

181. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/index.php>.

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de lei, votada pela Assembleia Geral e sancionada pelo imperador D. Pedro I (1798 – 1834).

Através dela, em 11 de agosto de 1827 foram escolhidos os locais: São Paulo e Olinda.

Ambos em casas religiosas. Assim, o passo criador foi dado envolvendo o sacro e o temporal.

Se a justificativa era a falta de acomodações adequadas, percebe-se também que nada seria

mais oportuno que vincular as origens às casas de fé para subjugar futuras oposições destas ao

surgimento de novas ideias. Criava-se também a antítese entre a vida religiosa e a vida

secular. Onde antes se abrigavam devotos sacerdotes, a juventude brasileira passou a

festejar103

. Era uma origem humilde, uma origem necessária, porém, mal elaborada e, chegou

às margens da precipitação, comprometendo sua qualidade. Como resultado, os professores

mal pagos e em número reduzido dividiram o magistério com alguma outra atividade

profissional para sobreviver.

O currículo inicial para ambos os cursos foi definido no artigo 1º da lei que criou os

primeiros cursos jurídicos, com ênfase a que os discentes estudassem profundamente a

Constituição do Império, o Direito pátrio civil e criminal, o Direito comercial e marítimo e a

Economia Política. Catorze matérias no total, ao longo de cinco anos104

. Para ensinar, todavia,

“aos professores coube a organização de seus compêndios, de forma clara, breve e

ordenada”105

.

Ainda, seguindo a tradição lusitana, o artigo 8º prescrevia que os interessados em se

inscrever nesses cursos jurídicos deveriam ser aprovados previamente na língua francesa, na

gramática latina, na retórica, na filosofia racional e moral, e na geometria106

. Para tal, o artigo

11 criava também nas cidades de São Paulo e Olinda estudos preparatórios dessas cadeiras107

.

103

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 50.

104 “Artigo 1º: Criar-se-ão dois cursos de ciências jurídicas e sociais, um na cidade de São Paulo e outro na de

Olinda, e neles, no espaço de cinco anos e em nove cadeiras se ensinarão as matérias seguintes: 1º ano – 1ª

cadeira. Direito Natural, público, análise da Constituição do Império, Direito das gentes e diplomacia. 2º ano – 1ª

cadeira. continuação das cadeiras do ano antecedente. 2ª cadeira. Direito público eclesiástico. 3º ano – 1ª cadeira.

Direito pátrio civil. 2ª cadeira. Direito pátrio criminal, com a teoria do processo criminal. 4º ano – 1ª cadeira.

Continuação do Direito pátrio civil. 2ª cadeira. Direito mercantil e marítimo. 5º ano – 1ª cadeira. Economia

Política. 2ª cadeira. Teoria e prática do processo adotado pelas leis do Império.” apud MEIRA, Silvio Romero de

Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de Afonso Arinos de Melo Franco,

Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 54 – 55.

105 CURY, Vera de A. R. Introdução à formação jurídica no Brasil. Campinas: Edicamp, 2002, p. 162.

106 “Artigo 8º: Os estudantes que se quiserem matricular nos Cursos jurídicos devem apresentar as certidões de

idade, por que mostrem ter a de quinze anos completos, e de aprovação da língua francesa, gramática latina,

retórica, filosofia racional e moral, e geometria”. apud MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o

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Em Olinda, no curso fundado por Fernandes Pinheiro num salão do Mosteiro de São

Bento, a primeira turma se diplomaria em 1832. O mosteiro de São Bento acolheu os

estudantes de Direito em suas instalações precárias no primeiro andar do prédio, vindo a

passar logo depois, para o edifício da ladeira do Varadouro, antigo palácio dos governadores.

Em 1854, com a transformação do "curso jurídico" em Faculdade de Direito sua sede foi

transferida para o Recife, ocupando um velho casarão no Largo do Hospício, esquina com a

Rua do Príncipe, local onde atualmente funciona o Hospital Geral do Exército108

. Em 16 de

março de 1912, o curso jurídico foi transferido para o atual prédio no largo do Hospício109

.

A escola de São Paulo também estava ligada a um convento franciscano criado em

1776, quando os frades franciscanos, incorporados ao convívio comunitário, fundaram uma

escola agregada ao convento. O ensino da teologia, da moral, da retórica e do latim, suscitou

o ingresso de um número significativo de estudantes. A partir de 1828, as instalações do

convento foram ocupadas pela Faculdade de Direito de São Paulo. A Faculdade de Direito do

Largo de São Francisco ou ainda "Faculdade das Arcadas", em alusão a sua arquitetura, foi

fundamental para o Império, atendendo à expectativa de formar governantes e administradores

públicos capazes de estruturar e conduzir o país recém-emancipado. Com a concretização de

tais desígnios, a presença dos bacharéis logo se fez sentir em todos os níveis da vida pública

nacional, tanto nos quadros judiciários e legislativos como nos executivos. Ali, a Biblioteca,

que, em 1825, já com acervo reunido de longa data pelos frades franciscanos, tornou-se a

primeira biblioteca pública de São Paulo, antes mesmo da inauguração da Faculdade.

Contudo, a presença de uma biblioteca não impedia as dificuldades específicas para o

estudo do Direito. Como consequência, o autodidatismo se tornou uma característica geral

daqueles primeiros anos. O que os alunos das primeiras turmas mostraram saber mais tarde, o

aprenderam por si mesmos. “O autodidatismo continuou por mais de um século no Brasil, e

ainda perdura.” “Podemos afirmar, sem exagero, que quase todos os grandes homens deste

jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir

Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 55.

107 “Artigo 11: O Governo criará nas cidades de São Paulo e Olinda as cadeiras necessárias para os estudos

preparatórios declarados no art. 8º.” apud MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o

jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir

Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 55.

108 SILVA, Leônio José Alves da. Faculdade de Direito do Recife: breves apontamentos aos 180 anos de sua

história. p. 05 – 06, Laranja mecânica, São Paulo, 11 ago. 2007, p. 1.

109 NASPOLINI, Rodrigo Benedet. As primeiras faculdades de direito: São Paulo e Recife. Disponível

em:<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/29120-29138-1-PB.pdf>.

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país foram autodidatas”, afirmaria Meira110

. Nas escolas de Direito, o ensino se focava em

matérias “dogmáticas” e “positivadas” pelas novas codificações que surgiam. Em razão disso,

Vera Cury definiu a cultura jurídica do Império como “formalista, retórica, individualista e

juridicista”111

. Apesar do progresso em relação ao ensino, sua crítica tem fundamento.

2.4 A necessidade de uma produção literária para a “nova” Academia: seguindo a

estratégia da tradição lusitana de supressão dos conteúdos rivais.

Foram muitas as dificuldades “logísticas” que os cursos jurídicos enfrentaram: escolha

estratégica de localidades, determinação de espaços físicos e de edificações, contratação de

professores e produção literária. Na verdade, a produção literária, ou sua falta, constituíram

uma forte tradição de demonstração de autoridade e afirmação do poder nos domínios

lusitanos antes da independência do Brasil. Assim foi com Pombal, quando ministro de D.

José I e, assim fez o novo gabinete de D. Maria I.

Apesar das intenções da reforma pombalina para o ensino em todos os domínios

portugueses, de fato as reformas não foram radicais, principalmente em seu conteúdo. Após a

morte do rei D. José I, em 1777, um novo gabinete de governo foi estabelecido. A sucessora

do reino foi D. Maria Francisca112

e o marquês de Pombal caiu no ostracismo sendo demitido

e exilado da corte, vez que ela nunca o perdoou pela forma como tratou a família Távora no,

que se conheceu como, o Processo Távora113

, um processo judicial inquisitório cruel até

110

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 47.

111 CURY, Vera de A. R. Introdução à formação jurídica no Brasil. Campinas: Edicamp, 2002, p. 138.

112 D. Maria Francisca (1734-1816), princesa do Brasil se casou com o irmão de D. José, D. Pedro (1717-1786),

que com a ascensão de sua sobrinha ao trono de Portugal passou a ser designado como D. Pedro III, rei consorte.

D. Maria I, foi conhecida no Brasil como a Louca. Isso porque ela era extremamente religiosa. Conta-se que sua

loucura, que se manifestou veementemente nos últimos vinte e quatro anos de sua vida, adveio, em parte, pela

morte de seu marido e também de uma obcessão sobre as penas que seu pai, D. José I, estaria sofrendo no inferno

por ter permitido que o marquês de Pombal tivesse expulsado os jesuítas, tendo visões de seu pai como “um

monte de carvão calcinado”. Para tratá-la veio de Londres o Dr. Willis, psiquiatra e médico real de Jorge III,

enlouquecido em 1788, mas de nada adiantaram seus "remédios evacuantes". Cf. GOMES, Laurentino. 1808. 2.

ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 61.

113 A culpa ou inocência dos Távora, uma família da primeira nobreza de Portugal, é uma questão muito debatida

pelos historiadores portugueses. O Processo dos Távora foi um escândalo político onde aquela família de nobres

foi acusada pelo marquês de Pombal de atentarem contra o rei D. José I. Vários fatos envolveram o episódio: as

cabeças da família eram o duque Dom Francisco de Távora (1703 – 1759) e a marquesa D. Leonor Tomásia de

Távora (1700 – 1759). Ele foi vice-rei na Índia de 1750 a 1754. Ela era envolvida com questões políticas e muito

ligada à religião por seu vínculo com os jesuítas. Assim, essa casa era um foco político contra Pombal. O

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mesmo para os padrões da época. Sem o patrocínio do ministro, o movimento reformista

perdeu vigor e “regrediu”.

No campo do ensino houve algumas modificações durante o reinado de D. Maria: ela

deu mais ênfase ao ensino das “primeiras letras” em detrimento das “humanidades”. Nas

“primeiras letras”, que consistia no aprendizado da leitura, escrita e contas, houve mudanças

não só no ensino, mas também nas atividades de seus professores. A crise de professores,

portanto, iria se arrastar por muito tempo. O professor régio de filosofia moral e bibliotecário

real da corte Santos Marrocos gravou sua insatisfação, elitista, mas reveladora, ao dizer que o

reinado de D. José “imitou fielmente a prática daqueles monarcas memoráveis” quando as

cadeiras de humanidades “eram geralmente frequentadas da nobreza, infantes e príncipes

deste Reino” em contraste com a administração de D. Maria, que espalhou pelo reino os

mestres das primeiras letras, pobres, mal pagos e ignorantes; apesar da arrecadação dos

“subsídios literários” a partir de 1772114

.

Outro fato consistiu em que o pensamento escolástico não se desentranhou do interior

da Academia, principalmente nas escolas da colônia, mais distantes do centro cultural, e

apresentava sintomas de continuar resistindo à modernização. O ensino das humanidades era

mais facilmente encontrado nos conventos do que nas “aulas régias” por todo o reino. Ainda

assim, apesar de sua importância diminuída em relação às outras matérias ministradas, a

retórica continuou indispensável nos exames obrigatórios para ingresso nos cursos jurídicos e

demandou novas produções “atualizadas” para não incorrer no “antigo” estudo retórico

jesuíta115

, ou das muitas “cópias”, ora mais, ora menos servis, das Institutas Oratórias de

Quintiliano.

“atentado” contra o rei que voltava de um encontro com a amante, e consistiu de tiros que teriam sido dirigidos a

Pedro Teixeira, ou mesmo um roubo comum, foi suficiente para destruir um foco de resistência política e

religiosa dentro do governo. Além disso, o rei mantinha um relacionamento amoroso com a esposa de um dos

filhos desse casal, Teresa Leonor casada com Luis Bernardo. Concomitantemente, o rival seria também

eliminado. Dois homens foram presos, confessaram e indicaram como mandantes os Távora. Foram enforcados

no outro dia. Todos os Távora foram presos. O casal, dois filhos, incluindo Luis Bernardo e vários amigos foram

torturados, espancados, decapitados e queimados publicamente. D. Leonor foi decapitada. Outros parentes foram

poupados, mas condenados à prisão perpétua, graças à intercessão da rainha e sua filha Maria Francisca, que

quando subiu ao trono ordenou que fossem soltos os remanescentes. O palácio do Duque foi demolido e o terreno

salgado. Os bens foram confiscados pela Coroa. Cf. TÁVORA, Luíz de Lencastre. D. Leonor de Távora. O

Tempo da Ira. O Processo dos Távora. Lisboa: Quetzal Editores. 2002, passim.

114 MARROCOS, F. J. dos Santos. Memória sobre o estado dos estudos menores (1799). Revista de educação e

ensino. Ano 7. Lisboa, 1892, p. 442.

115 São exemplos da produção peninsular as obras de Manoel Pacheco de Sampayo Valladares, Arte de

Rhetórica. Lisboa: Na officina de Francisco Luiz Ameno, 1750; e do frei Sebastião de Santo Antonio, Ensaio de

Rhetórica. Lisboa: Na Officina Lusitana, 1779.

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Com a declaração de incapacidade de D. Maria I em 1792, e o anterior falecimento do

provável herdeiro ao trono português D. José, em 1788, assumiu o trono seu irmão D. João.

Em 1807, com o bloqueio continental decretado por Napoleão, e protegido pela marinha

britânica, a corte lusitana de D. João VI zarpou em direção ao Brasil. Antes de embarcar para

o Brasil D. João teve o cuidado de raspar os cofres do governo tirando de circulação cerca de

metade das moedas em circulação, além de uma grande quantidade de diamantes116

. O mesmo

cuidado não houve para com o acervo da Real Biblioteca portuguesa. Embora o arquivista real

Luiz Joaquim dos Santos Marrocos tivesse recebido instruções para encaixotar às pressas os

60 mil volumes da biblioteca e despacha-los para o cais de Belém. No tumulto da partida

todas as caixas com os livros ficaram esquecidas em meio à lama que tomava as ruas devido à

chuva do dia anterior. Só em 1811 é que ele chegou ao Rio de Janeiro com a segunda remessa

de livros da biblioteca real lusa117

. Logo, ou por falta de livros, ou pela falta de uma

bibliografia específica para o estudo da retórica, se tornou indispensável que se instituíssem

novos livros.

Foi diante dessa imprescindibilidade que vários professores se empenharam em

promover e divulgar a retórica. Um desses professores foi Bento Rodrigo Pereira de Soto-

Maior e Menezes (1760 – ?) que, em 1794, escreveu e publicou um compêndio intitulado

Compêndio Rhetórico ou Arte Completa de Rhetórica que complementava o título

apresentando a obra como um “método fácil para toda pessoa curiosa, sem frequentar as aulas,

saber a arte da eloquência [...]”118

.Certamente o autor acreditava haver um número de

“curiosos” fora dos círculos acadêmicos e de sua “popularidade”. Há muito se contesta sua

autoria, por alguns atribuída a um padre de nome Antonio das Neves Pereira119

. Por ser um

dos primeiros compêndios a chegar ao Brasil, merece uma sucinta descrição de seu conteúdo.

A primeira particularidade é que o autor escreveu o compêndio utilizando uma

“ortografia neográfica”. A mais, sem inovar, ele definiu a retórica como a “ciência do falar

bem”. Seguindo a influência de Verney, considerou como mestres da retórica Cícero e

116

GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 71.

117 GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 76.

118 O título completo desse livro é: MENEZES, Bento Rodrigo Pereira de Soto-Maior e. Compêndio Rhetórico

ou Arte Completa de Rhetórica com méthodo fácil para toda pessoa curiosa, sem frequentar as aulas, saber a arte

da eloquência: toda composta das mais sábias doutrinas dos mais sábios autores que escreverão desta importante

sciência de falar bem. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794. e-Book disponível em:

<https://play.google.com/store/books/details?id=z2o81zpf07gC&rdid=book-z2o81zpf07gC&rdot=1>.

119 Ver SILVA, Innocencio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez. Tomo 8. Lisboa: Imprensa

Nacional, 1867, p. 353.

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Quintiliano; e, sua função destina-se a ensinar, deleitar e mover, com o fim precípuo de

persuadir, conseguir a adesão das pessoas. Ele dividiu os argumentos de acordo com sua

natureza em: demonstrativos ou laudatórios, deliberativos ou suasórios, e, judiciais.

Outra característica é que Menezes ligou-se a tradição romana da retórica cívica,

compatível com Cícero e Quintiliano e distinta da tradição formalista aristotélica. Todavia não

a evita de todo; pois, em outras palavras, destaca os meios retóricos de persuasão. Assim já na

segunda página afirma que falar bem “compreende juntamente as virtudes da oração [L] e os

costumes do orador” [E] e complementa justificando: “pois só pode falar bem, o que for

homem bom; qual deve ser o orador, para merecer este nome” [E]. O orador deve ter virtude,

bondade, prudência e benignidade. Ou seja, na retórica cívica, ao contrário da argumentação

puramente racional, destinada apenas a convencer, a qualidade moral do orador (E) vale tanto

quanto a qualidade de seus argumentos (L)120

. Além do mais, ele já observara a necessidade

fundamental de levar em conta a audiência para quem se fala (P), pois ela determinará, diz um

comentarista do autor, “o estilo do orador e os argumentos a serem utilizados”121

.

Uma segunda obra que merece vir à cotação é a redigida pelo conselheiro da corte de

D. João VI, Silvestre Pinheiro Ferreira (1769 – 1846), que abriu no Rio de Janeiro um curso

de filosofia e de teoria do discurso e da linguagem122

e por não encontrar um manual

adequado escreveu, ele mesmo, um compêndio intitulado Prelecções philosóphicas sobre a

theoria do discurso e da linguagem123

, publicado entre os anos de 1813 a 1820. É também de

Silvestre Ferreira um manual de ontologias denominado Noções Elementares de Philosophia

Geral e applicada às sciências moraes e políticas124

, onde afirma ter publicado em 1813 as

120

Segundo Menezes, com base nisso, na retórica era admitido o argumento ad hominen, ou mesmo ad

personam, ou seja, a tentativa de desqualificar o orador opositor atacando sua qualificação moral. MENEZES, B.

R. P. de Soto-Maior e. Compêndio Rhetórico. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794, p. 2.

121 CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista

de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 135.

122 Esse curso, na verdade, foi uma série de conferências ou preleções filosóficas ministradas por Silvestre

Ferreira na sala do Real Colégio de São Joaquim, no Rio de Janeiro, em 1813, que tinham por tema a teoria do

discurso e da linguagem, o tratado das paixões e o sistema do mundo, e abrangia o estudo da lógica, da

gramática, da retórica, da estética, ética, direito natural, ontologia, ciências matemáticas, astronômicas e físicas,

e da teologia natural. Cf. PAIM, Antônio, Introdução; FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Ensaios filosóficos.

Coleção Textos Didáticos do Pensamento Brasileiro, vol. III. Dir. Celina Junqueira. Rio de Janeiro: PUC/Rio, co-

edição Conselho Federal de Cultura e Editora Documentário, 1979.

123 Ver FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Prelecções philosophicas sobre a theoria do discurso e da linguagem,

a esthética, a diceósyna, e a cosmologia. Rio de Janeiro: Na Imprensa Régia, 1813-1820.

124 FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Noções Elementares de Philosophia Geral e applicada às sciências moraes

e políticas. Ontologia, Psichologia, Ideologia. Paris: Bravier et Aillaud, 1839, p. V.

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Prelecções. Nas Prelecções, ele inseriu uma tradução e seus comentários das Categorias125

de

Aristóteles. Sua visão da retórica também se parecia com a de Verney e se aproxima da que é

defendida hodiernamente por aqueles que procuram resgatar a disciplina da má fama que a

acompanha, como é o caso de Chaïm Perelman126

. Para o autor das Prelecções, a retórica não

devia separar-se da lógica e da gramática; a teoria do raciocínio não devia separar-se da teoria

da linguagem. A retórica não devia ser enfeite, mas instrumento cotidiano de argumentação e

persuasão127

.

Alguns anos adiante, o padre Miguel do Sacramento Lopes Gama (1791 – 1852),

também conhecido como Padre Carapuceiro128

, que fora professor de retórica do Seminário de

Olinda, Pernambuco, em 1817, no Liceu do Recife, e no Colégio de Pedro II, em 1846

publicou um vasto compêndio com o título Lições de Eloquência Nacional como parte de seu

projeto de um curso completo de Princípios de Litteratura Nacional. Lopes Gama exaltou a

importância da retórica e buscou adaptá-la ao idioma brasileiro. Foi influenciado por mestres

como Aristóteles, Cícero e Quintiliano, dentre os antigos, além de vários autores modernos

como Blair, Jerônimo Soares Barbosa e Francisco José Freire. Sua ênfase estava na parte da

retórica dedicada à elocução, “a força da eloquência”. No mais, e certamente devido à força da

tradição do ensino da retórica, sua obra não é muito diferente dos autores anteriores129

.

125

Categorias (em grego: Κατηγοριαι, em latim: Categoriae) é o texto que abre tanto o Organon como o corpus

aristotelicum e estuda os elementos do discurso, os termos da linguagem. Nele, Aristóteles classifica e analisa

dez tipos de predicados ou gêneros do ser (κατηγορια significa justamente predicado). As categorias são:

substância (οὐσία, substantia), quantidade (ποσόν, quantitas), qualidade (ποιόν, qualitas), relação (πρός τι,

relatio), lugar (ποῦ, ubi), tempo (ποτέ, quando), estado (κεῖσθαι, situs), hábito (ἔχειν, habere), ação (ποιεῖν, actio)

e paixão (πάσχειν, passio). Cf. FLORIDO, Janice. (Coord.) Aristóteles – vida e obra. Col. Os Pensadores. São

Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 10.

126 PERELMAN, Chaim. Retóricas. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 2004, passim.

127 Nesse sentido ver CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de

leitura. Topoi. Revista de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 134.

128 Miguel do Sacramento Lopes Gama (1791 – 1852), o padre Carapuceiro, foi professor de retórica do

Seminário de Olinda, Pernambuco, em 1817, e também no Liceu do Recife, bem como diretor, em 1840, da

Faculdade de Direito do Recife, e, no Rio de Janeiro, durante suas idas em razão de seus mandatos

parlamentares, lecionou no recém-criado Colégio de Pedro II. Foi eleito deputado para a Assembléia Provincial

de Pernambuco e representante, em 1846, da província de Alagoas no Parlamento Nacional. Cf. GAMA, Miguel

do Sacramento Lopes. Lições de eloquência nacional. Rio de Janeiro: Paula Brito, 1846, p. 11-14.

129 GAMA, Miguel do Sacramento Lopes. Lições de eloquência nacional. Rio de Janeiro: Paula Brito, 1846, p.

11-14.

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Finalizando estes exemplos de publicações brasileiras, são dignas de menção as obras

do Frei Caneca, o Tratado da Eloquência e as Táboas Sinópticas do Sistema Rhetórico de

Fábio Quintiliano130

.

Assim, embora poucas fossem as obras, é inegável a atenção que a Academia deu ao

estudo da retórica, durante a produção literária nacional. Contudo, não se pode perder de vista

que tal produção foi incentivada como estratégia de uma declaração (insipiente) da

emancipação nacional. Teixeira de Freitas estudou, ao menos, no Compêndio de Soto-Maior?

2.5 Os conteúdos teóricos e filosóficos encontrados nas primeiras escolas jurídicas

brasileiras e seu antagonismo ao discurso retórico de “modernidade”.

Para ingressar nos cursos jurídicos, como visto, era pré-requisito que os interessados

em se inscrever nesses cursos fossem aprovados previamente na língua francesa, na gramática

latina, na retórica, na filosofia racional e moral, e na geometria. Esse apresto ocorria em

cursos preparatórios instituídos, mas, não raramente, os alunos se dedicavam ao seu estudo,

supervisionados por preceptores particulares em sua tenra juventude. Para estudar na

Faculdade de Direito de Olinda/Recife Teixeira de Freitas passou por tal processo. Já com

pouca idade era conhecedor profundo da língua latina. Ele, além do Latim, foi dedicado à

língua francesa e aos conhecimentos gerais de História, Geografia e Filosofia131

. Nabuco, em

suas memórias132

, recorda ser ele mesmo “ávido de impressões novas, fazendo os meus

primeiros conhecimentos com os grandes autores, com os livros de prestígio, com idéias

130

Frei Joaquim do Amor Divino Rabello Caneca (1779 – 1825) foi um religioso carmelita, ordenado sacerdote

pelo Seminário de Olinda, com dedicação ao magistério da retórica e da gramática, período em que elaborou

alguns compêndios inclusive os anteriormente mencionados. Ver CANECA, frei Joaquim do Amor Divino.

Obras políticas e literárias de frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Org. Antonio Joaquim de Melo. Recife:

Assembléia Legislativa de Pernambuco, 1972.

131 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 32.

132 As leituras de Joaquim Nabuco incluíam os “quatro evangelhos” e o “apocalipse” daquela geração. Referência

que Nabuco faz aos livros: As palavras de um crente de Lamennais, a História dos Girondinos de Lamartine, O

mundo caminha de Pelletan, os Mártires da liberdade de Esquiros e o Ashaverus de Quinet. Tinha como poetas

preferidos Victor Hugo e Henrique Heine. No ano de 1866, quando adentrou na Faculdade de Direito vivenciou

uma verdadeira “revolução francesa” literária. Leu Lamartine, Thiers, Mignet, Louis Blanc, Quinet, Mirabeau,

Vergniaud e os Girondinos, além de Donoso Cortez e Joseph de Maitre. Sua concepção política se formou com

leituras de Emilio Ollivier, Prévost-Paradol e a Constituição Inglesa de Bagehot. NABUCO, Joaquim. Minha

formação. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 19 - 20.

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60

livres, tudo o que era brilhante, original, harmonioso, me seduzia e arrebatava por igual”133

mesmo antes de ingressar na Academia.

Em adição ao já observado, constata-se que, a produção da bibliografia específica para

o estudo da retórica nos primórdios, na escola de Olinda/Recife, apesar do ensino no mosteiro

de São Bento incluir a filosofia racional e moral em seu currículo, e que a retórica fosse pré-

requisito para o ingresso nos cursos jurídicos, o ensino acadêmico propriamente não

enfatizava essas disciplinas curricularmente nos primeiros anos de funcionamento. Ainda era a

manutenção da velha tradição coimbrã, em que filosofia era mais atinente ao estudo dos

teólogos do que aos juristas.

As bibliotecas e livrarias ofertavam poucos e raros exemplares. Na verdade, não existia

especificamente uma Biblioteca para o curso jurídico de Olinda, embora tivesse sido grande a

disputa pelo cargo de bibliotecário134

. Assim, foi solicitada a criação de uma “Livraria

Pública”135

pois a biblioteca da faculdade só chegaria dois anos depois. Havia apenas a

biblioteca do Convento de São Bento e bibliotecas particulares de pessoas ricas como as de

Cabugá e do Pe. João Ribeiro, como relatado por Tollenare136

. Em sete de dezembro de 1830,

a biblioteca pública de Olinda foi criada com a finalidade específica de atender ao curso

jurídico, mas os livros foram instalados no Convento de São Francisco de Olinda, embora a lei

tivesse determinado que ela fosse localizada no convento de São Bento ou no Palácio dos

Governadores. Os livros adquiridos pela Comissão foram entregues ao curso jurídico na

biblioteca da Congregação da Madre de Deus (oratorianos)137

, apesar de que a existência de

bibliotecas ou livrarias públicas era um requisito apreciável para a instalação dos cursos

jurídicos, mas pouco atendido138

.

Dos volumes inventariados, que se iniciaram com 89 obras e somados à Biblioteca dos

Oratorianos que, segundo Pereira da Costa, tinha entre quatro a cinco mil volumes, encontrou-

se com interesse para esta investigação: dentre os livros de teologia, uma Opera Omnia, em

133

NABUCO, Joaquim. Minha formação. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 19.

134 Fato que se observa nos Ofícios do presidente da Província ao Sr. Ministro de 21 de maio de 1831 e de 31 de

maio de 1831. M. S. Correspondência da Corte 1829/1851, na Biblioteca Pública do Estado.

135 Solicitação feita em 24 de dezembro de 1828 por Lourenço Ribeiro. VEIGA, Gláucio. História das idéias da

faculdade de Direito do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 244.

136 TOLLENARE, L. I. Notes Dominicales Prise Pendant um Voyage em Portugal et au Brésil em 1816,

1817 et 1818. vol. II. notas de Léon Bourdon. p. 451, 461.

137 COSTA, Pereira da. Anais. vol. IX. Revista Acadêmica. vol. XXX. p. 79-86, (s/d).

138 VEIGA, Gláucio. História das idéias da faculdade de Direito do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 244.

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61

dois volumes de Heinecio139

, uma Philosophia Rationalis de Verney, uma Philosophia

Rationalis de Storchenau140

, a Instrução Pastoral do Frei Manuel do Cenáculo141

. Dentre as

obras de Direito que incluiam algo de filosofia: Le Droit des Gens ou Principes de la Loi

Naturelle ed. 1758 de Vattel142

, Principes Du Droit Naturel, 1747, de Burlamaqui143

, e os

Essais Politiques, Economiques et Philosophiques, Géneve, 1799, do Conde de Rumford, Sir

Benjamim Thompson (1753 – 1814).

Só a partir de 1892 é que se incorporaram ao acervo acadêmico livros que tratavam da

Filosofia e da História do Direito, especificamente, como parte do programa de ensino das

escolas jurídicas. Quatro exemplares distintos foram encontrados na Biblioteca da Faculdade

de Direito do Recife: um volume de Philosophia e História do Direito, como parte do

programa de ensino para o ano de 1892 da Faculdade de Direito do Recife; um volume de

Philosophia do Direito, como parte do programa de ensino para o ano de 1896, e como

primeira cadeira do primeiro ano, também da Faculdade de Direito do Recife; outro volume de

Philosophia e História do Direito para o programa de ensino para o ano de 1894 da Faculdade

de Direito de São Paulo apresentado por Pedro Lessa; e, um volume de Philosophia do Direito

139

Heinecke (1681 – 1741), conhecido como Juan Heinecio, foi um filósofo e jurista alemão prestigioso

conhecedor do Direito romano. Entre os jusnaturalistas foi o que melhor se adaptou ao absolutismo político e ao

positivismo jurídico. Além disso, foi influenciado em parte por Christian Thomasius e pelo método

demonstrativo de Christian Wolff (1679 – 1754), privado das elucubrações metafísicas, criando um novo método

mais racional para o ensino da Jurisprudência que denominou axiomático e procedia por princípios e deduções

com fundamento em postulados práticos. A obra era: HEINECKE, Johann Gottlieb. Opera Omni. Ginebra,

1771. Cf. LIMA JÚNIOR, Dilson Machado de. (Coord.) Dicionário bibliográfico e teórico [de] filosofia do

direito. Belo Horizonte: Líder, 2007, p. 134.

140 Sigismund von Storchenau (1731 – 1798). Pertencia à ordem jesuíta e era professor de filosofia em Viena.

Fonte: <http://www.deutsche-biographie.de/sfz81604.html>.

141 Cenáculo fixa sua posição filosófica no opúsculo dessa obra e faz considerações sobre a Filosofia da

Natureza. O título completo da obra é: CENÁCULO, Frei Manuel do. Instrução Pastoral do Exmo. e Revmo.

Senhor bispo de Beja ao Clero de Ordenados de sua Diocese, 1784. VEIGA, Gláucio. História das idéias da

faculdade de Direito do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 244.

142 Emerich de Vattel (1714 – 1767) foi um filósofo, diplomata e jurista suíço cujas teorias lançaram os

fundamentos do Direito internacional e da filosofia política moderna. O volume se intitulava : VATTEL,

Emerich de. Principes de la loi naturelle appliqués à la conduite et aux affaires des nations et des

souverains. Ed. Charles Ghequiere Fenwick, 1758. LIMA JÚNIOR, Dilson Machado de. (Coord.) Dicionário

bibliográfico e teórico [de] filosofia do direito. Belo Horizonte: Líder, 2007, p. 242 – 243.

143 Jean-Jacques Burlamaqui (1694 – 1748) foi um jurista, publicista e escritor, autor de obras que tiveram grande

influência na filosofia do Direito nos países católicos do sul da Europa. Dedicou-se ao estudo da teoria do Direito

e às bases da ciência política, contribuindo, através das suas obras de carácter didático, para a difusão nos meios

académicos e entre os juristas das gerações seguintes das ideias de diversos pensadores ligados à corrente

jusnaturalista do pensamento filosófico. LIMA JÚNIOR, Dilson Machado de. (Coord.) Dicionário bibliográfico

e teórico [de] filosofia do direito. Belo Horizonte: Líder, 2007, p. 47 – 48.

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62

para o programa de ensino do ano de 1899 – 1900 da Faculdade Livre de Direito da Bahia

apresentado pelo Dr. Leovigildo Filgueiras144

.

Em Recife, depois dos meados do século XIX, as lojas de livros se tornaram bastante

especializadas, enquanto que as bibliotecas dos vários conventos foram devastadas e

deterioradas pelos idos de 1886, nas palavras de Pereira da Costa145

. Joaquim Nabuco lembra

com nostalgia no ano de 1869, das “novidades” da livraria Lailhacar no Recife146

.

O tema principal de estudo nos primeiros anos daquele curso foi o constitucionalismo

e toda a polêmica que envolveu a recente revolta de 1824, que concomitantemente, envolveu a

dissolução da Constituinte e a promulgação da primeira Constituição outorgada do Império.

Isto é, de 1827 até o fim do período regencial, o clima da Faculdade foi de tensão política e

isso era o que mais se estudava. Era uma tensão que oscilava dos atritos entre os liberais

acompanhados, de certa forma, por uma minoria ainda inexperiente de republicanos, e os

absolutistas, os “colunas”147

.

Assim, até a filosofia encontrada para estudo, não apresentava nenhuma inclinação em

direção à modernidade que se instalava e se espalhava no outros centros do saber, e os ânimos

que ainda restavam eram direcionados quase que totalmente para questões políticas. Em geral

preponderou a literatura jurídica e filosófica francesa, reforçada pela alemã traduzida em

francês148

. Meira sustenta que a França foi a grande escola para os brasileiros:

144

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE. Philosophia e história do Direito. Programa de ensino para o

anno de 1892. Recife: Typographia Industrial, 1892. FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE. Philosophia do

Direito. Programa de ensino [para o] anno de 1896. Recife: Pantheon das Artes, 1895 – 1896. FACULDADE

DE DIREITO DE SÃO PAULO. Philosophia e História do Direito. Programa de ensino para o anno de 1894.

Apresentado por Pedro Lessa. São Paulo: Typographia A. Vep. Espindola, Siqueira & Comp., 1894.

FACULDADE LIVRE DE DIREITO DA BAHIA. Philosophia do Direito. Programa de ensino do ano de 1899

– 1900. Apresentado pelo Dr. Leovigildo Filgueiras. Bahia: Typographia Gutemberg, 1899.

145 VEIGA, Gláucio. História das idéias da faculdade de Direito do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 245.

146 NABUCO, Joaquim. Minha formação. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 21.

147 VEIGA, Gláucio. História das idéias da faculdade de Direito do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 261.

148 Para confirmar a influência francesa sobre Teixeira de Freitas está aqui transcrita uma nota de Clóvis

Beviláqua: “A erudição de Teixeira de Freitas, em matéria jurídica, era muito extensa. Sem falar dos juristas

reinões, eram-lhe familiares todos os civilistas franceses de seu tempo: Troplong, Duranton, Demolombe,

Toullier, Duvendier, Delvincourt, Martou, Merlin; o civilista alemão Zacharial; os romancistas Heinecio,

Mackeldey, Blondeau, Mayns, Marezoll, Ortolan, Du Courroy; os escritores de direito natural Ahrens, Belime,

Eschbach; os economistas, e um número considerável de outros cujas obras se vêm citadas na Consolidação, no

Esboço e em outros dos seus livros.” BEVILÁQUA, Clóvis. Linhas e perfis jurídicos. Rio de Janeiro: Editora

Freitas Bastos, 1930, p. 126.

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63

Os alemães penetravam no Brasil através da França, como ocorreu com

Savigny, na tradução magistral de M. Ch. Guenoux. O Manuel dês Antiquités

Romaines, obra monumental em 19 volumes, com o que havia de melhor na

Alemanha produzido por Theodor Mommsen, J. Marquardt e P. Krüger,

ingressou no Brasil em traduções de Gustave Humbert, J. Duquesne e outros.

Freitas mesmo, ao que tudo indica, não lia alemão149

.

As fortes ondas filosóficas, principalmente na corrente germanista, só viriam com a

Escola do Recife, na casa de Tobias, anos depois, e, com o obstáculo do uso da língua alemã.

Além disso, as dificuldades de acesso a qualquer acervo, sua instalação e localização, foram

uma problemática a mais. Nesse ambiente foi que estudou Teixeira de Freitas.

2.6 Uma produção legislativa própria para consolidar a independência brasileira.

Nos oitocentos, o Brasil experimentou diferentes status como povo e nação. Foi

colônia, reino unido, império e república. O país não buscou apenas criar a formação oportuna

de seus intelectuais, administradores, políticos e juristas em conformidade à sua estratégia de

legitimação e consolidação da sua emancipação, quando de sua independência de Portugal.

Complementando essa estratégia geral emancipatória, surgiu a necessidade particular de criar

uma produção legislativa própria e não só literária.

Desde o início do século XIX, os códigos editados na França passaram a espelhar

ideais e a exportar princípios que se afinavam com a ordem ensejada pelo liberalismo.

Saldanha mostra que um desses princípios foi a sistematização doutrinária150

. O estilo de

escrita dos Códigos também mudou. No início, a compilação das leis tinha uma preocupação

com o estilo discursivo ou narrativo, que com o passar do tempo passou para o estilo

legislativo151

.

Em Portugal, após as tentativas prematuras de codificação152

, já corria o processo de

elaboração da primeira Constituição portuguesa (1821 – 1822) quando, o brasileiro Cardozo

149

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 241.

150 “Os códigos se elaboraram em determinadas coordenadas teóricas, e, apesar do repúdio napoleônico à

hermenêutica (bem como do literalismo da “exegese”), o que produziram de mais expressivo foi a sistematização

doutrinária”. SALDANHA, Nelson. Estudos de teoria do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 125.

151 CURY, Vera de A. R. Introdução à formação jurídica no Brasil. Campinas: Edicamp, 2002, p. 137.

152 Dois projetos de códigos foram encomendados ao jurisconsulto Pascoal José de Mello Freire (1738 – 1798),

dando sequência às reformas do Marquês de Pombal ao ensino jurídico, durante o reinado de D. Maria I, sendo

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO …‰ LOURENÇO TORRES NETO TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império

64

da Costa apresentou às Cortes de Lisboa um projeto de Código Civil, intenção que foi adiada,

e só retomada nos meados daquele mesmo século quando o Visconde de Seabra fez prosperar

seu projeto que passou, de fato, a ser o primeiro Código Civil português. No Brasil, a

codificação civil foi um longo e penoso “parto”. Foram quatro tentativas malogradas153

, sem

contar com a sugestão gratuita de projeto enviado por Seabra ao imperador D. Pedro II; até

que em 1916 o projeto de Clóvis Beviláqua (1859 – 1944), após longos dezessete anos de

hibernação.

Foi durante a instalação da Assembleia Constituinte de 1823 que o imperador D. Pedro

I foi alertado pela primeira vez para a necessidade de se estimular a instrução pública, e com

destaque a superior, como visto anteriormente, para a produção de mentes que criassem ou

auxiliassem na criação de um ordenamento jurídico próprio, o que de fato veio concretizar o

promulgado na Carta Imperial de 1824 três anos depois154

.

Embora o primeiro imperador brasileiro tivesse proclamado “independência” do Brasil

da metrópole lusa, ele mesmo manteve o mosaico jurídico-legislativo português que vigorava

no Brasil até depois da partida de D. João VI. Certamente essa é uma constatação formal, pois,

os colonos das novas povoações não traziam “debaixo do braço” as Ordenações, o que,

inevitavelmente levou ao surgimento de um direito costumeiro, e em certa medida, “muito

mais poderoso que os códigos, imposto pelas realidades da vida”155

. Contudo, o monarca

buscava a manutenção da “segurança jurídica”. Para isso, determinou a adoção das leis

um de Direito público e outro de Direito criminal que serviu para Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795 –

1850) redigir o projeto que redundou no Código Criminal do Império brasileiro de 1830. Pascoal Freire também

elaborou, nos setecentos, um terceiro projeto de reforma do Santo Ofício. Cf. HESPANHA, António Manuel.

Cultura Jurídica Europeia – síntese de um milênio. Lisboa: Publicações Europa-América, 2003, p. 233 – 235;

COSTA, Mario Júlio de Almeida. História do Direito Português. Coimbra: Almedina, 2007, p. 384 – 386.

153 No período imperial brasileiro, a primeira tentativa foi a de Teixeira de Freitas que foi contratado, em 1859,

para organizar o Código Civil (o Esboço) após o sucesso da Consolidação. Duas outras tentativas recaíram sobre

José Tomás Nabuco de Araújo Filho, em 1872, e Joaquim Felício dos Santos, em 1882. Já na recém-

proclamada República, Antônio Coelho Rodrigues intentou a quarta tentativa em 1893. Cf. FORMIGA,

Armando Soares de Castro. Aspectos da codificação civil no século XIX: história do Direito e do pensamento

jurídico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 11 – 12.

154 O decreto de 11 de agosto de 1827 tornou prático o determinado no inciso XXXIII do artigo 179 da

Constituição de 1824: “Colégios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Ciências, Belas

Letras, e Artes”, quando determinou que “Criar-se-ão dois cursos de ciências jurídicas e sociais, um na cidade de

São Paulo e outro na de Olinda”. BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, XXXIII.

155 CAETANO, Marcello. As Sesmarias no Direito Luso-Brasileiro. Estudos de Direito Civil brasileiro e

português. São Paulo: EdRT, 1980, p. 9 – 10.

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65

lusitanas “enquanto não se organizar um novo Código, ou não forem expressamente

alteradas”156

.

Duas frentes de produção se instalaram: a parlamentar e a jurídica. Não há dúvidas de

que ambas estavam inter-relacionadas; os parlamentares dependiam do saber jurídico e os

jurisconsultos dependiam da legitimidade legislativa que incluía vencer os interesses políticos

e a burocracia de discussões e pareceres intermináveis. Assim, os poderes dominantes do

governo se consolidavam.

O Judiciário, denominado de Poder Judicial na Constituição imperial de 1824, que

ainda na Regência desde junho de 1822 tinha instituído os tribunais de juízes de fato e havia

herdado uma estrutura “extensa, flácida e lacunosa”157

da colônia, agora mantinha e instituía

juízes de direito e de fato158

. A mais importante legislação, a Constituição, juntamente com os

juízes municipais instituídos no Código Criminal, criou os Tribunais das Relações159

e o

Supremo Tribunal de Justiça na capital do Império160

em substituição à Casa da Suplicação do

Brasil, como órgão de cúpula do Judiciário161

.

Aos poucos a produção brasileira começou a substituir o direito lusitano, embora

“substituir” seja uma palavra forte dentro de um ordenamento tão semelhante em costumes e

práticas, além de manter a mesma língua. Essas semelhanças sempre deram a impressão de

vínculo e de submissão. Então, a produção local teve como principal objetivo demonstrar

independência e libertação. A legislação abduzida necessitava de substitutos novos e

melhores, se possível.

Para revogar o ordenamento em vigor surgiram novos códigos. Em 1824 após a

promulgação da Carta Imperial (constitucional) veio em 1830 o Código Criminal; em 1832, o

Código de Processo; e em 1850, o Código Comercial. Com relação ao direito civil “os

156

BRASIL, Legislação. Lei de 20 de outubro de 1823, assinada pelo imperador D. Pedro I.

157 CALMON, Pedro. Centenário dos cursos jurídicos (1827 – 1927). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1928,

p. 91.

158 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 151.

159 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 158.

160 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 163.

161 A esse respeito ver: MATHIAS, Carlos Fernando. Notas para uma história do Judiciário no Brasil.

Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, p. 134, 145. Disponível em: <http://www.funag.gov.br/

biblioteca/dmdocuments/0535.pdf>.

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66

relógios caminharam lentos”162

. Em 1857 Teixeira de Freitas deu ao Brasil a sua

Consolidação das leis civis, mas o Código Civil propriamente, ainda seria postergado por

mais de 94 anos.

Mais do que uma estratégia do imperador, o decreto imperial representava e ratificava

um pacto entre o imperador e uma elite dominante que desde a chegada da Corte portuguesa

na América do Sul foi a que mais se beneficiou com a independência. Na verdade, o “velho”

Direito não servia nem mesmo à metrópole e às suas necessidades. Assim, era necessário

“uma série de reformas, que contemplassem a definitiva separação do novo Estado da antiga

metrópole”163

. E, adicione-se, mantivesse os privilégios anteriores.

Mas, lidar estrategicamente com o Direito não é simples. As manobras percorrem

longos percursos, e estes também podem ser demorados. Abelardo Saraiva da Cunha Lobo

descreveu como essa dificuldade se maximiza quando a matéria envolve o Direito Civil.

[...] se é fácil, até certo ponto, transformar princípios e regra de governo,

formular normas e leis de administração, em uma palavra – legislar sobre

Direito Público, já o mesmo não ocorre em relação aos princípios, regras,

normas e leis concernentes às matérias do Direito Civil, porque estas são da

própria essência da sociedade civil, que pode viver uniformemente, sem

perturbações graves, sob regimes políticos sucessivamente diversos164

.

Ainda assim, a necessidade estratégica demandava uma libertação da tradição e os

legisladores buscavam, na medida de suas possibilidades, “nacionalizar” o Direito. Porém, na

busca da nova roupagem livre de influências estrangeiras, o legislador brasileiro voltou-se a

uma tradição ainda mais forte: o direito romano. Na verdade, ao observar o resultado do

processo codificador brasileiro não é difícil constatar que diante da massa herdada do Direito

romano, o contingente “nacional” foi pequeno.

162

FORMIGA, Armando Soares de Castro. Aspectos da codificação civil no século XIX: história do Direito e

do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 45.

163 LOBO, Abelardo Saraiva da Cunha. Curso de Direito romano. v. 76. Brasília: Coleção Edições do Senado

Federal, 2006. Reimpressão do original 1931. p. 579.

164 LOBO, Abelardo Saraiva da Cunha. Curso de Direito romano. v. 76. Brasília: Coleção Edições do Senado

Federal, 2006. Reimpressão do original 1931, p. 579.

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67

Não foram poucas as tentativas de produzir novos institutos, mas a maioria não passou

de “mal costurados disfarces que escondiam um romanismo latente”165

. Essa foi a tradição que

o Direito civil brasileiro herdou. Mas, de forma alguma se pode dizer que essa era uma

prioridade. Os brasileiros não priorizaram, num primeiro momento, pelo menos, a idéia da

codificação civil. A ideia era estratégica e necessária e tinha mais um objetivo comunicativo

que prático. Era preciso mostrar o “novo”, o “renovado” e o “independente”, mas as

iniciativas adormeciam por anos preciosos.

Apesar da Carta outorgada em 1824 determinar reformas nesse sentido, as incertezas

políticas reinaram até o final da Regência, no ano de 1840, e o desinteresse oculto pelas

reformas acompanhou de perto essas incertezas. O próprio texto da carta constitucional deu

margem a isso. O inciso XVIII do artigo 179 assim dispunha: “Organizar-se-á quanto antes

um Código Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade”166

. O termo

“quanto antes”, sabe-se, é vago e oferece amplo espaço para a discricionariedade parlamentar;

é cláusula aberta. O espaço temporal indeterminado é um dos mais imprecisos referenciais que

existe. O “logo” e o “depois” o acompanha na mesma intensidade. Comprova-se isso pelas

datas mesmas em que os projetos foram entregues e entraram em vigor: o Código Criminal em

1830 e o Civil em 1916! Lapsos que continuaram a servir os interesses políticos e elitistas

dentro de um “novo” estado que relutava em se renovar.

Mas não faltaram iniciativas para levar essa estratégia comunicacional adiante. Em

1845, Francisco Inácio de Carvalho Moreira, o Barão de Penedo, como presidente do IAB,

apresentou uma das tentativas embrionárias de elaboração da legislação civil com sua Da

Revisão Geral e Codificação das Leis Civis e do Processo no Brasil, ressaltando a dificuldade

de aplicação do direito nacional vigente e mostrando a necessidade de organização das fontes

do direito no país. Esse trabalho é considerado um dos pontos de partida para a elaboração do

Código Civil brasileiro. Outro intento ocorreu em 1851, quase trinta anos após a

independência, quando Lourenço Trigo de Loureiro (1792 – 1870), professor de Direito Civil

do curso de Olinda, publicou a primeira obra de doutrina do Direito Civil brasileiro: as

Instituições de Direito Civil brasileiro. Loureiro utilizou as Instituições de Direito Civil

lusitano de J. P. Mello Freire, e as adaptou ao Direito brasileiro recém-nascido, levando em

165

FORMIGA, Armando Soares de Castro. Aspectos da codificação civil no século XIX: história do Direito e

do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 46.

166 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824), Art. 179, XVIII.

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68

conta, sobretudo, a Constituição de 1824167

. Uma provocação a ser lembrada é a de Eusébio

de Queirós168

que propôs durante uma sessão no Instituto dos Advogados do Brasil a adoção

do Digesto Português, de autoria de José Homem Correia Telles, como Código Civil

brasileiro. Proposta que também não vingou169

.

O governo entendia que, antes do Código Civil, deveria ocorrer um trabalho

preparatório, um trabalho que ao menos consolidasse todas as leis civis em vigor no Brasil.

Como será visto com mais detalhes adiante, esse trabalho foi confiado a Teixeira de Freitas

quando em 1857 apresentou ao governo um plano para a Consolidação das leis civis,

aprovado. Mas a contribuição de Teixeira de Freitas com a estratégia emancipatória nacional

não se limitaria a isso. Os planos do império eram mais ambiciosos. Como o resultado da

Consolidação rendeu-lhe inúmeros elogios, uma empresa ainda maior lhe foi confiada: dar

início ao Código Civil.

Na verdade, concretizar essa estratégia intelectual, envolveu inúmeras outras. O

projeto de Código Civil de Teixeira de Freitas, chamado de Esboço, foi vítima de fortes

pressões políticas. Teixeira de Freitas se afastou da empreitada em 1872, dando início às

complicações desse “parto” que já estava sendo difícil. A sequência de tentativas e fracassos

não parou aí170

. Tal episódio que se arrastou até 1916 só foi encerrado com o trabalho do

catedrático da Faculdade de Direito do Recife, Clóvis Beviláqua (1859 – 1944).

Que razões levaram Teixeira de Freitas ao “insucesso” desse trabalho? Que tipo de

“maldição” recaiu sobre todos os que tentaram no século XIX (sem sucesso) redigir o Código

Civil brasileiro? A análise retórica estratégica poderá acrescentar alguns esclarecimentos.

167

Cf. LOUREIRO, Lourenço Trigo. Instituições de Direito Civil brasileiro. v. 1. Brasília: Senado Federal,

Conselho Editorial: STJ, 2004, p. 23 – 26.

168 O mesmo Eusébio de Queirós Coutinho Matoso Câmara (1812 – 1868) egresso da Faculdade de Direito de

Olinda em 1832 que deu nome a uma legislação brasileira do Segundo Império, que proibiu o tráfico

interatlântico de escravos, a “Lei Eusébio de Queirós” de 4 de setembro de 1850. Também, em sua gestão como

ministro da Justiça (de 1848 a 1852) foi promulgada a Lei 556 de 25 de junho de 1850 que entregou ao Brasil seu

primeiro Código Comercial.

169 CRUZ, Guilherme Braga da. A formação histórica do moderno Direito privado português e brasileiro. Revista

da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. v. 50. São Paulo: EdUSP, 1955, p. 66.

170 Depois de Freitas vieram as já referidas (na nota 153) tentativas de Nabuco de Araújo (1813 – 1878), de

Joaquim Felício dos Santos (1822 – 1895) e Antônio Coelho Rodrigues (1846 – 1912) nomeado por Cândido

Luis Maria de Oliveira (1845 – 1918), sem contar o fragmento de código oferecido pelo Visconde de Seabra

(1798 – 1895), ofendido por ter recebido críticas de Teixeira de Freitas ao seu projeto do Código Civil português

pelos idos de 1859. FORMIGA, Armando Soares de Castro. Aspectos da codificação civil no século XIX:

história do Direito e do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 73 – 74.

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69

CAPÍTULO TERCEIRO – A FORMAÇÃO E AS PRINCIPAIS IDEIAS DE TEIXEIRA

DE FREITAS E SUAS POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS.

Sumário: 3.1 Destaques sobre a formação acadêmica, praxista e intelectual de Augusto

Teixeira de Freitas. 3.2 Delimitando ideias de Teixeira de Freitas como eventos linguísticos

para o Direito Civil emergente. 3.3 A defesa da escravidão como ponto de inflexão e

estagnação temporária do pensamento jurídico brasileiro. 3.4 A influência religiosa e a

juridicidade do casamento civil frente ao casamento religioso: uma disputa no campo da

validade jurídica. 3.5 Da consolidação à unificação: influências e evolução da codificação

civil brasileira.

“O Filósofo-partido-ao-meio é faraute das sereias – faraute do insólito regalo –, faraute da reflexão – faraute

do rodopelo –, e faraute de si mesmo – faraute do faraute.”

Torquato Castro Júnior171

3.1 Destaques sobre a formação acadêmica, praxista e intelectual de Augusto Teixeira de

Freitas.

Na busca de entender e apreender os esforços estratégicos usados por Teixeira de

Freitas em sua trajetória e da prevalência, ou não, de suas articulações ideológicas, apesar de

sua metodologia e didática inovadoras, sem falar no pioneirismo de suas tantas ideias, faz-se

necessário conhecer também um pouco da sua biografia e o momento em que foi escolhido

para elaborar o projeto do Código Civil, adentrando, a seguir, em alguns de seus ideais e

posturas que são relevantes para esta análise.

Augusto Teixeira de Freitas nasceu no dia 19 de agosto de 1816 em Cachoeira, no

estado da Bahia, quando esta ainda era uma pequena vila. Esta cidade era ponto de imigração

europeia e lá moravam várias famílias portuguesas e alemãs, que construíram uma bela cidade

segundo os moldes europeus. Filho de uma família nobre, ele estudou desde a infância latim,

música e francês. Cachoeira liderou a região do Recôncavo baiano no apoio à causa brasileira,

tendo ali instalado um governo interino que mobilizou a expulsão das tropas portuguesas

entrincheiradas em Salvador. Seus pais eram os barões de Itaparica e, bem diferentemente de

muitos jovens bem nascidos, este baiano já aos dezesseis anos estava estudando na Academia

de Direito de Olinda. Intercalou seus estudos entre Olinda e algum tempo no Largo de São

171

A partir da reflexão de Ariano Suassuna no Romance d’A Pedra do Reino. CASTRO JÚNIOR, Torquato da

Silva. A pragmática das nulidades e a teoria do ato jurídico inexistente: reflexões sobre metáforas e

paradoxos da dogmática privatista. São Paulo: Noeses, 2009, p. 32.

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70

Francisco, tendo que voltar a Olinda para concluir seu bacharelamento em 1837. A razão

dessa mudança: possivelmente ter feito críticas aos professores paulistas que o avaliaram ao

fim do curso; contenda e problema insuperados172

. Será que já via as incoerências teóricas do

direito privado, questionadas até o fim?

Terminados os estudos, ao retornar à sua província natal a fim de advogar, foi

nomeado juiz. Contudo, por questões de divergência nas posturas partidárias, perdeu o cargo,

o que o levou depois a mudar-se e morar na capital do Império brasileiro, o Rio de Janeiro173

.

Nesse período, o Direito brasileiro e suas codificações eram um verdadeiro emaranhado de

Ordenações, Leis e Decretos e uma imensidade de outras leis avulsas extravagantes que

tentavam adequar as necessidades da Colônia à legislação continental. Embora já estivesse

em vigor a primeira constituição política do Império brasileiro, outorgada por D. Pedro I em

1824, faltava uma legislação civil que solucionasse a pluralidade de fontes.

No Rio de Janeiro, Teixeira de Freitas foi nomeado advogado do Conselho de Estado

fazendo pareceres para o governo imperial e, com pouco mais de dez anos de experiência

jurídica, foi contratado por indicação de Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco174

, para

fazer uma compilação de toda a legislação civil. Embora as posições ideológicas de Teixeira

de Freitas fossem contrárias às de Nabuco de Araújo, o respeito mútuo que ambos nutriam e a

proximidade que partilhavam, permitiu que mantivessem um relacionamento profissional e

intelectual175

. Tal obra extenuante, surpreendentemente seria completada em dois anos. Era

um homem extremamente talentoso e metódico. Assim, pôs-se a trabalhar na árdua tarefa de

ordenar e organizar todo o material da legislação civil, todo ele acrescido das normas locais,

172

Em 1835 Teixeira de Freitas arguiu a suspeição de dois mestres da escola paulista da 2ª cadeira do 4º ano –

Direito mercantil e marítimo. Embora aprovado, mas com nota simples, revoltou-se e retornou a Olinda.

SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Teixeira de Freitas – jurista inolvidável. RUFINO, A.G. PENTEADO, J. de

C. (Org.) Grandes juristas brasileiros. v.1. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 362.

173 POVEDA, Ignácio Maria Veloso. Três Vultos da Cultura Jurídica Brasileira: Augusto Teixeira de Freitas,

Tobias Barreto de Menezes e Clóvis Beviláqua. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito brasileiro –

Leituras da ordem jurídica nacional. 1. ed. 2. reimp. São Paulo: Atlas, 2006, p. 35.

174 A família Nabuco contou com nomes memoráveis. O primeiro a se destacar foi o Barão de Itapuã, José

Joaquim Nabuco de Araújo (1764 – 1844). O barão teve um irmão que se chamou José Tomás Nabuco de Araújo

(1785 – 1850) que foi pai de José Tomás Nabuco de Araújo Filho (1813 – 1878) que conviveu com Teixeira de

Freitas na empreitada de elaboração da codificação civilista brasileira. Foi ele que em 1872 ofereceu também um

malsucedido projeto de Código Civil. Este foi o pai do político, diplomata, historiador, jurista e jornalista

brasileiro Joaquim Nabuco (Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, 1849 – 1910) formado pela Faculdade

de Direito do Recife.

175 NEDER, Gizlene. Cultura religiosa e cultura jurídica no segundo reinado: sobre os direitos civis de

estrangeiros residentes no Brasil. 26ª reunião da SBPH. Rio de Janeiro, 2006, p. 3. Disponível em:

http://www.sbph.org/reuniao/26/mesas/neder/.

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71

inclusive de natureza eclesiástica, estas, exerceram grande influência em sua obra, com

especialidade no campo do Direito de Família.

Num período de cerca de dois anos, como dito, concluiu o trabalho, entregando ao

governo a Consolidação das Leis Civis com uma introdução por muitos considerada a maior

obra jurídica pátria do século XIX176

.

Teixeira de Freitas participou da fundação do Instituto de Advogados Brasileiros em

1843, e chegou a presidi-lo em 1857, mas renunciou à sua presidência quando, poucos meses

depois da posse, manifestou parecer acerca de uma questão escravagista e teve o mesmo

derrotado, isso ocorreu em, pelo menos, duas longas sessões de debates que o deixaram

inconformado por ter seu dogmatismo confrontado. Sobre esta posição e sua passagem pelo

IAB se abordará melhor adiante.

Em 22 de Dezembro de 1858 foi encarregado de fazer o primeiro projeto de Código

Civil no Brasil, obra que ficou conhecida como o Esboço do Código Civil. Em 24 de

Dezembro do mesmo ano, o Imperador aprovou a Consolidação das Leis Civis, mesmo sem a

ter submetido ao Parlamento, vigorando esta, como verdadeiro Código Civil durante mais de

meio século, ou seja, de 1858 a 1917.

No ano de 1859, Teixeira de Freitas teve uma polêmica com Antonio Pereira Rebouças

(1798 – 1880)177

, e fez críticas a Antonio Luiz Seabra (o marquês de Seabra) e ao seu projeto

do Código Civil português que vigeu em Portugal até 1967, além da polêmica instigada pelo

jurista húngaro exilado no Brasil, Carlos Kornis de Totvárad (1822 – ?) sobre a validade do

casamento civil.

Nos idos dos seus quase cinco mil artigos, chegou à conclusão de que o Direito

privado deveria ser unificado, para isso, sendo necessários dois novos códigos: um Código

Geral e um Código Civil, propriamente dito. Modificação profunda a tudo o que se pensava na

época, quando se mantinha a tese de se continuar com o Código Comercial em paralelo à

176

SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Teixeira de Freitas – jurista inolvidável. RUFINO, A.G. PENTEADO, J.

de C. (Org.) Grandes juristas brasileiros. v.1. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 378.

177 Antonio Pereira Rebouças nasceu em 10 de agosto de 1780 na cidade de Maragogipe e faleceu em 19 de

junho de 1880 no Rio de Janeiro. Serviu na guerra da independência do Brasil. Foi político, sendo deputado

provincial pela Bahia e por Alagoas de 1830 a 1847. Para exercer a advocacia recebeu em 1847 uma autorização

especial do poder legislativo que lhe permitiu advogar em todo o território nacional mesmo sem ter frequentado

uma escola de ensino superior. SPITZER, Leo. Into the white world: the Rebouças story. Lives in between,

assimilation and marginality in Austria, Brazil and West Africa 1780 – 1945. Cambridge: Cambridge University

Press, 1989, p. 101 – 126.

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codificação Civil. O Conselho de Estado178

aprovou o projeto. Contudo, em face de

intermináveis debates da comissão e insatisfeito com comentários paralelos, escreveu uma

carta ao ministro da Justiça Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1775 – 1844) em 20 de

setembro de 1867 renunciando ao projeto, baseando sua insatisfação na força do sistema do

Direito romano, o que o levou a criar uma valorosa pequena obra, a tal carta de renúncia, na

qual expôs o seu mais alto grau de pensamento jurídico, como afirmou Silvio A. B. Meira na

introdução da publicação da edição da mesma, em 1977179

.

José de Alencar, o romancista, que em seguida assumiu o Ministério da Justiça,

obstruiu a aprovação do novo trabalho, na contramão do parecer favorável da Comissão

avaliadora desse mesmo ministério. Por isso, entre outras coisas, Teixeira de Freitas

considerou seu contrato encerrado para com o Império.

Com o contrato rescindido, Teixeira de Freitas se retirou para Curitiba no Paraná. Isso

deu margem a uma campanha difamatória. Tese que Meira180

sustenta quando afirma que “a

ida para Curitiba deu margem a explorações de toda natureza. Seus adversários começaram a

espalhar a notícia de que Freitas se achava abalado dos nervos”. Por isso a maioria dos

biógrafos e estudiosos propaga esse paradoxo de imagem denegrida e obra aclamada. São

exemplos Viana (1905)181

, Pellegrino (1983)182

, Valadão (1984)183

, Araújo (2000) 184

, Picanço

(2005)185

, Flores (2006)186

, Pousada (2006)187

, Poveda (2006)188

, Lévay (2007)189

, Medeiros

178

Esse Conselho de Estado era formado por José Tomás Nabuco de Araújo Filho (1813 – 11878), o visconde

de Inhomirim Francisco de Sales Torres Homem (1812 – 1876) e o visconde de Jequitinhonha Francisco Gê

Acayaba de Montezuma (1749 – 1870).

179 MEIRA, Silvio A. B. Teixeira de Freitas e a Carta de 20 de Setembro de 1867. FREITAS, Augusto Teixeira

de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça). Rio de Janeiro:

Arquivo Nacional, 1977, p. 3.

180 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 388.

181 VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905.

182 PELLEGRINO, Laércio da Costa. Teixeira de Freitas: a glória – No julgamento da posteridade. 1 ed. Rio

de Janeiro: [s.n.], 1983.

183 VALADÃO, Haroldo. Teixeira de Freitas, o jurista excelso no Brasil e da América. Revista do IAB. n.

61, 1984, p. 105.

184 ARAÚJO, Douglas Santos. A influência de Teixeira de Freitas no Brasil e no mundo. Jus Navigandi,

Teresina, ano 4, n. 43, jul. 2000, p. 1.

185 PICANÇO, Aloysio Tavares. A influência de Augusto Teixeira de Freitas no Direito de países estrangeiros

(1). Jus Vigilantibus, Vitória, 22 fev. 2005. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ ver/13789>.

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73

(2011)190

, Portela (2011)191

. Possivelmente a difamação não se restringiu à condição de sua

saúde, única registrada; estratégia vencedora em parte, que se refletiu até na introdução feita à

edição oficial de 1952 do Esboço: “Não se lhe apaga, de súbito, a poderosa inteligência.

Envolve-a, lentamente, desde 1870, a monomania religiosa”192

. Até o sitio eletrônico do STF

perpetua esse paradoxo: o nome de Teixeira de Freitas denomina o primeiro programa de

intercambio daquele tribunal com os países do Mercosul e afirma que ele “morreu esquecido e

com problemas mentais”193

. Desfazer a imagem de intransigente às ideias emancipacionistas é

o primeiro passo para restaurar sua imagem no todo.

Embora afastado dos principais círculos jurídicos da época, Teixeira de Freitas ainda

se dedicou a lecionar e publicar194

. Contudo, “curado de sua estafa e de seu suposto estado de

delírio, Teixeira de Freitas retomou suas atividades jurídico-intelectuais a partir de 1875,

sendo convidado a colaborar com a revista O Jurídico”195

. Sua bibliografia é extensa196

, mas

morreu esquecido e privado do merecido reconhecimento na cidade de Niterói, contudo sem

186

FLORES, Alfredo. O papel de Teixeira de Freitas no contexto do pensamento jurídico do séc. XIX. The

Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies. v.1. n. 1. 2006.

187 POUSADA, Estevan Lo Ré. Preservação da tradição jurídico brasileira: Teixeira de Freitas e A

Consolidação das Leis Civis. São Paulo: USP, 2006, p. 237.

188 POVEDA, Ignácio Maria Veloso. Três Vultos da Cultura Jurídica Brasileira: Augusto Teixeira de Freitas,

Tobias Barreto de Menezes e Clóvis Beviláqua. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito brasileiro –

Leituras da ordem jurídica nacional. 1 ed. 2 reimp. São Paulo: Atlas, 2006.

189 LEVAY, Emeric. A Codificação do Direito civil brasileiro pelo jurisconsulto Teixeira de Freitas. p. 3.

Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/institu/memorial/RevistaJH/vol2n3/08-20EMERIC_LEVAY.PDF>.

190 MEDEIROS, Benizete Ramos. O IAB e a questão da escravidão no Brasil imperial. O entrevero jurídico –

breve histórico, p. 4. Disponível em <http://WWW.iabnacional.org.br/IMG/pdf/doc-3219-pdf>.

191 PORTELA, Marcel Fortes de Oliveira. Augusto Teixeira de Freitas e a questão do elemento servil. Jus

Navegandi, Teresina, ano 16. n. 2893. 3 jun. 2011. p. 4. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19253>.

192 CARNEIRO, Levi. Estudo crítico-biográfico. FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil.

Brasília: Ministério da Justiça, Fundação Universidade de Brasília, 1983, p. XIV.

193 BRASIL, STF. Cooperação Internacional. Disponível em: <http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional

/cms/verConteudo.php?sigla= portalStfCooperacao_pt_br&idConteudo=212051>.

194 São exemplos de publicações de Teixeira de Freitas naquele período: Doutrina das ações, Rio de Janeiro:B.

L. Garnier, 1880; Regras do direito. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1882 e o Vocabulário Jurídico reimpresso

em São Paulo: Saraiva, 1983.

195 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 123.

196 Sua bibliografia inclui as várias edições da Consolidação das Leis Civis, de 1857, 1865 e 1896; o Código

Civil – Esboço, até 1864; o Córtice Eucarístico, Mistério (Pyxide), de 1871(opúsculo); Pedro quer ser Augusto,

1872 (opúsculo); Prontuário de Leis Civis, 1878; o Aditamento ao Código de Comércio, de 1878; o Formulário

dos Contratos e Testamentos, 1882; e, as Regras de Direito Civil e o Vocabulário Jurídico, em 1883.

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abdicar até o fim de sua militância advocatícia. Nelson Saldanha resumiu seu progresso

intelectual dizendo:

Freitas repensou continuamente os textos romanos, as classificações maiores,

os conceitos de Savigny e de mais alguns grandes mestres, complementando-

os com o conhecimento de autores “menores”, mas conservando-os à mão

para reexames constantes. A partir de um certo tempo já não acompanhou as

novidades europeias; concentrou-se na revisão de suas obras, na reconstrução

de sua vida profissional, no reexame dos problemas de sempre197

.

Por fim, Teixeira de Freitas contribuiu e influenciou as codificações da Argentina, do

Uruguai e do Chile, indiretamente, e, de outros países hispano-americanos, principalmente,

por buscar suas fontes no Direito romano e seguir o método, primeiro no mundo, de dividir as

matérias do Direito civil em um código com parte geral e especial, lustrando um século inteiro

de cultura jurídica, sem, contudo, completar seu intento original na pátria natal198

.

3.2 Delimitando ideias de Teixeira de Freitas como eventos linguísticos para o Direito

Civil emergente.

A descrição de eventos históricos, e aqui, as ideias de Teixeira de Freitas, constitui

parte do que já foi definido no capítulo primeiro como elementos determinantes de retórica

material. Essa descrição existencial é um elemento dos mais difíceis para aquele que analisa

os eventos, seja para descrever como para entender as estratégias por traz das narrativas

informadas pelos historiadores. A descrição deve ser isenta, imparcial, informando apenas os

fatos, mas certamente algum tipo de sentimento já está formado no leitor acerca da qualidade

do ensino e do seu ambiente, bem como do contexto jurídico que permeava o Brasil na época.

Teixeira de Freitas teve “um ponderável gosto pela teoria”. Assim, três ideias

principais de Teixeira de Freitas foram delimitadas: a questão da escravidão, a questão da

legitimação do casamento civil e a questão da unicidade teórica do ordenamento civilista. Para

entender a posição de Teixeira de Freitas sobre a escravidão e o escravismo cabe definir neste

197

SALDANHA, Nelson Nogueira. Historia e sistema em Teixeira de Freitas. Revista de Informação

Legislativa, A. 22, nº 85, Brasilia: Senado Federal, 1985, p. 247.

198 PICANÇO, Aloysio Tavares. A influência de Augusto Teixeira de Freitas no Direito de países estrangeiros

(1). Jus Vigilantibus, Vitória, 22 fev. 2005. p. 2. Disponível em: <http://jusvi.com/ doutrinas_e_pecas/ver/

13789>.

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estudo escravidão como o antônimo de liberdade, escravidão essa entendida como a

exploração desumana do trabalho humano de africanos e seus descendentes até o fim do

Segundo Império e reduzidos à condição de “coisa” pela sujeição e exploração de sua força de

trabalho, utilizada para fins econômicos sob a égide da propriedade199

. Alguns termos mais

específicos utilizados na temática escravista como o que define o estado da pessoa statu líber,

neste estudo assume o sentido de pessoa que viveu sob escravidão e ganhou, alcançou ou

comprou sua condição de livre ou liberto (manumissio); condição distinta do homem livre,

mas relevante por sua importante evolução judicial. Essa designação ainda é distinta do statu

libertatis que é o estado de liberdade que volta a gozar o cidadão livre ou o estado que poderá

vir a gozar este, após o constrangimento da sua liberdade por ação do Estado. Aquela

condição civil ainda detinha uma particularidade, a de statu líber sob condição, entendida

como a promessa de liberdade concedida pelo senhor do escravo que deveria cumprir uma

determinada cláusula até conseguir sua condição absoluta de statu líber. As cláusulas podiam

impor obrigações das mais simples a outras mais complexas, daí resultarem não raramente em

ações judiciais de libertação. Questões relacionadas à linguagem e sua interpretação.

Logo, as três ideias sobre as quais Teixeira de Freitas refletiu e debateu estavam

ligadas a ambientes linguísticos específicos. O ambiente retórico passa do amplo para o

reduzido. Influenciado pelo antecedente já relatado, e, por outras influências, aqui, não

levadas em conta para não cair numa prolixidade exacerbada. Reduzido, também, por deixar

de se ater a informações e teses históricas mais amplas e se focar nos dados fornecidos pelos

textos específicos, também inafastavelmente históricos.

Outras ideias e conceitos jurídicos podem ser atribuídos originalmente a Teixeira de

Freitas e não há dúvidas que elas estão vinculadas à implantação da dogmática na prática

jurídica brasileira. Exemplos de suas ideias são: a irretroatividade da lei200

, o amplo conceito

de coisa201

, a introdução da teoria da personalidade jurídica no Direito brasileiro202

e sua idéia

199

Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Escravizar. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa.

3. ed. Curitiba: 2004, p. 794 – 795.

200 FRANÇA, R. Limongi. A irretroatividade das leis e o Direito adquirido. 6. ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2000, p. 89.

201 LEITE, Gisele. Considerações sobre bens na teoria geral do Direito civil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG,

a. 5, nº 200, 2006, p. 1. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1606> .

202 REALI, Ronaldo Roberto. A desconsideração da personalidade jurídica no Direito positivo brasileiro

(Disregard of legal entity). Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 88, 2004, p. 1. Disponível em:

<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=327>.

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76

de isolar a responsabilidade civil por danos causados por fatos criminais203

, entre outras. Sua

metodologia, organização e sistemática permitiram que o ordenamento jurídico pátrio

ganhasse um corpo de leis civis unificado, o que constituiu parte da identidade jurídica

nacional, e isso, certamente, por meio do domínio que Teixeira de Freitas tinha da abstração e

racionalidade dos mais variados conceitos legais. Certamente, a idéia original, vanguardista

para a época, de unificar o Código Civil e agrupar as leis numa parte geral e noutra parte

especial, são sua maior contribuição para o positivismo nacional e estrangeiro. Mas, não

podem ficar ao largo as discussões que envolveram a questão do casamento civil e a questão

da escravidão das quais participou. Foram ideias importantes para a época, dado que uma se

esvaia, a escravidão com seu trabalho desumano, e outra florescia, o reconhecimento do

casamento civil; introduzidas neste estudo também devido a sua importância na formação das

ideias jurídicas do Brasil.

3.3 A defesa da escravidão como ponto de inflexão e estagnação temporária do

pensamento jurídico brasileiro.

A condição escravagista brasileira à época do Império já se tornava causa de vergonha

dentro dos novos rumos que a modernidade da época impunha aos povos que não queriam

permanecer nas sombras do passado. Isso produziu a formulação de concepções jurídicas

detalhistas discutidas forte e extensivamente no interior do IAB que Teixeira de Freitas

chegou a presidir em 1857; contudo, apesar de haver a sensação de que em seus argumentos

ele não levou em conta algumas variáveis sociais e políticas da realidade escravista, cabe o

destaque para a amplidão que essa discussão ganhou em sua gestão.

Teixeira de Freitas era um positivista e como tal, se debatia entre a abordagem

positivista para o Direito “que representa o estudo do Direito como fato e não como valor”, e a

pressão valorativa da sociedade. Ou seja, por um lado (tomando emprestadas as concepções

hodiernas de Bobbio), Teixeira de Freitas como positivista romanista:

203

OLIVEIRA, Celso. Responsabilidade civil no esporte: análise jurídica da responsabilidade civil e criminal

na morte recente do jogador de futebol Serginho do São Caetano. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 105,

2004. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=429>.

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[...] considerava Direito romano tudo o que a sociedade romana considerava

como tal, sem fazer intervir um juízo de valor que distinga entre Direito

‘justo’ ou ‘verdadeiro’ e Direito ‘injusto’ ou ‘aparente’. Assim a escravidão

será considerada [por ele] um instituto jurídico como qualquer outro, mesmo

que dela se possa dar uma valoração negativa204

.

Por outro lado, inserido entre os polos da escravidão e da liberdade, Teixeira de

Freitas, a partir de 1855, por meio de uma “ficção engenhosa”, escondeu a condição escravista

do país cedendo à pressão valorativa dos seus pares. “A mácula do nosso código negro estaria

escondida sob o véu de pequenas e inúmeras notas de rodapé, difíceis de serem lidas, e o

“estado de liberdade” do nosso sistema jurídico-civil ficaria garantido e protegido”205

; ainda

assim, acompanhou as sugestões e os debates para diversas propostas de soluções dadas pelos

jurisconsultos de seu tempo na questão das mulheres libertas, obrigadas ainda a prestar serviço

e que exigiam por meio de processos na justiça, a liberdade de seus filhos. Aí aparece

proeminentemente a primeira observação da problemática proposta, visto que, enquanto

escondia a questão dos escravos em sua obra textual, nos debates internos do IAB,

notadamente, ele se posicionava de forma contrária à libertação e não apenas em uma ocasião.

Um verdadeiro contraponto entre a legalidade e o liberalismo moderno.

Em oito de outubro de 1857, mais uma vez, a questão veio à tona no IAB, agora

apresentada por Caetano Soares (1790 – 1867) aos membros do Instituto que, embora, já

tivesse sido debatida na sociedade, foi retomada pelas reivindicações das libertas, envolvendo

tanto sua condição, como a de seus filhos, na prática. Alguns jurisconsultos, como Caetano

Soares, Salles Rosa e Perdigão Malheiro defenderam a liberdade dos filhos da statu liber206

. Já

Teixeira de Freitas, por meio de raciocínios jurídicos abstrusos, acabou negando tal liberdade

e insistindo na escravidão dos filhos da statu liber.

Se a dominação é absoluta, o ente passivo perde o seu caráter de liberdade,

perde portanto a personalidade. Eis a escravidão. É pois que a natureza criada

compõe-se de pessoas e coisas; eis porque nos países, onde houver

escravidão, os escravos são coisas. Se eles não são pessoas, passam a ser

204

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do Direito. Trad. e notas: Márcio Pugliesi,

Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 136.

205 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 75.

206 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 91.

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coisas, porquanto a força, o abuso, a lei, assim quer que eles sejam. Se

quereis que o escravo seja pessoa, acabai com a escravidão. Se quereis a

escravidão, o escravo será coisa.

Mas, como a escravidão é só obra da lei, obra que não aniquila a essência

humana, a lei que tira a liberdade, por mais bárbara que seja, não suprime

todos os direitos; e quando benigna, pode alargar a esfera desses direitos.

Não implica portanto, que o escravo tenha direitos, para que deixe de ser

coisa. É o que se observa no direito romano, é o que acontece entre nós, e

acontecerá em todos os países, onde existir essa tão má instituição legal207

.

Uma longa discussão se travou no Instituto. A maioria dos jurisconsultos negou a

aplicação do Direito romano ao caso (posição que Teixeira de Freitas defendia) e referendou

rapidamente a interpretação jurídica de que os filhos de uma statu liber seriam livres por

nascimento. Teixeira de Freitas não prevaleceu em seus argumentos, embora complexamente

articulados, já que para ele “a escravidão era um fato, [que] existia como instituição legal e,

apesar de 'macular' o País, deveria ser respeitada e garantida, porque a lei assim o

estabelecia”208

. Assim, rompeu publicamente com os sócios do IAB desafiando-os a

defenderem, então, o fim imediato da escravidão. Isso expôs a incoerência dos mesmos.

Sem, contudo, lograr êxito ante a motivação camuflada dos seus oponentes,

experientes em política e representação, pois que ganhavam os elogios da sociedade sem o

devido comprometimento, preferiu renunciar à presidência do IAB.

Dois motivos conjugados parecem ter explicado, enfim, a origem de toda

essa polêmica no IAB internamente (e externa, nos jornais): a falta de um

Código Civil, que contivesse uma legislação específica que regulamentasse

definitivamente as relações escravistas, e o contínuo ingresso de ações de

liberdade nos tribunais, que parece ter se valido igualmente dessa lacuna209

.

O tanto que Teixeira de Freitas não logrou de êxito nas discussões, conseguiu em

oposição, diante do pathos desagradável que se abateu no IAB. Para esse instituto, a imagem

de unidade e coerência dos seus membros, tão caras à segurança jurídica, ficou arranhada,

incitando uma retaliação silenciosa e bem articulada. Mas, a dualidade que envolvia a questão

207

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 60.

208 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 114.

209 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 118.

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79

da escravidão, que confrontava a convicção legal com a convicção pessoal de Teixeira de

Freitas, não seria a última polêmica em que se envolveria. Suas convicções religiosas foram

introduzidas no texto legal do Esboço, insuflando mais oposição.

3.4 A influência religiosa e a juridicidade do casamento civil frente ao casamento

religioso: uma disputa no campo da validade jurídica.

No Brasil, a questão do casamento se aferrava às concepções canônicas da Igreja

Católica como um sacramento210

, gerando alguns problemas práticos. Representações

diplomáticas de países estrangeiros, com diferentes profissões de fé, se mobilizaram junto ao

governo brasileiro. Duas eram as questões pleiteadas pelos diplomatas: a definição jurídica da

nacionalidade de filhos de estrangeiros não católicos nascidos no Brasil e os casamentos

mistos (aqueles referidos ao casamento de católicos e acatólicos)211

.

Assim, a idéia religiosa dominante na época do Império brasileiro no que se refere a

questões jurídicas, era o pensamento clerical da Igreja Católica Romana, apesar das

manifestações de pensamento opostas de protestantes tanto na Europa como na América. Os

domínios e a influência dos católicos se estendiam, principalmente, por todo o mundo

ocidental. Daí surgiu, em face da distância e da demora nas comunicações, inúmeras

distorções nas doutrinas e nas práticas entre os fiéis e, mesmo entre o clero, que por décadas,

se distanciava das práticas e orientações morais exigidas pelas altas cúpulas da igreja.

Mais que isso, com o advento da Reforma protestante espalhada principalmente na

Europa, disseminou-se o conceito de que a Igreja devia submissão aos soberanos locais e não

mais a Roma. Era a perda do poder religioso para o poder temporal. No Brasil o fato se

evidenciava pela existência do “regime do padroado”212

. A religião católica era a religião

210

VATICANO. Concílio Ecumênico de Trento, Sessão XXIV, §970.

211 NEDER, Gizlene. Entre Budapeste e Rio de Janeiro. Exílio e luto de um jurista húngaro no Brasil em

meados do século XIX. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo: 2011, p. 1.

212 Padroado ou regalismo era união da Igreja e do Estado, em que o governo devia ficar responsável pela

manutenção da Igreja e esta deveria submeter-se ao Estado em detrimento do Papa. GALANTE, Raquel de

Souza. O Punhal da fé: As idéias políticas, jurídicas e religiosas em torno do casamento civil no Segundo

Reinado. Rio de Janeiro: APERJ: 2006, p. 6. Disponível em:<http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/

conferencias/Raquel%20de%20Souza%20Galante.pdf.> .

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80

oficial do Brasil213

e a ingerência do governo imperial nos assuntos eclesiásticos era tal que ao

Estado cabia a responsabilidade de nomear bispos, entre outras funções214

. Contudo, desde o

Concílio de Trento215

, grande reunião de bispos sob a direção de Paulo III, os católicos

deveriam manter total obediência às ordens e orientações emanadas de Roma. A Igreja do

mundo inteiro deveria seguir plenamente o único centro decisório, Roma, situado para os

europeus, por trás dos Alpes, de onde se adotou para esse movimento o nome de

ultramontanismo216

, “para além das montanhas”217

. A consequência desse Concílio foi a

instituição de um só ritual para todos os templos e de uma oposição ao regalismo, além de

uma rejeição à maçonaria em vista do seu liberalismo e pensamento político secularizado218

.

Esse processo de romanização foi iniciado como uma tentativa de reorganizar e

fortalecer a Igreja como instituição e também reapareceu para ser a “voz” contrária às ideias

liberalizantes. Segundo Vieira:

213 Art. 5. “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras

Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma

alguma exterior do Templo.” BRASIL. Legislação. Constituição de 1824. Disponível em: <http://www.planalto.

gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>.

214 SILVA, Marcela Pimentel da.; MARTINS, Karla Denise. O lugar da religião no Brasil oitocentista. Anais do

XVIII Encontro Regional da Associação Nacional de História – sec. MG. Mariana, 2012, p. 3. A Constituição do

Império determinava em seu artigo 102, inciso 2º que era atribuição do Imperador: “II. Nomear Bispos, e prover

os Benefícios Eclesiásticos.” BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824).

215 O Concílio de Trento foi o 19º concílio ecumênico, realizado de 1545 a 1563, pela Igreja Católica Romana. É

considerado um dos três concílios fundamentais. Foi convocado pelo Papa Paulo III (1468 – 1549), [distinto do

patriarca de Constantinopla de mesmo nome que viveu entre 687 – 693 d.C.], para assegurar a unidade da fé e a

disciplina eclesiástica, no contexto da Reforma da Igreja Católica e como uma reação à divisão então vivida na

Europa devido à Reforma Protestante, razão pela qual é denominado também de Concílio da Contra-Reforma.

Um novo Concílio (Vaticano I) só veio ocorrer entre 1869 e 1870. Informações disponíveis em:

<http://www.newadvent.org/cathen/15030c.htm>.

216 O termo “ultramontanismo” foi utilizado em vários momentos da História sob diferentes acepções que se

acumularam ao longo do tempo. No século XI denominava os cristãos que desejavam a liderança da Igreja

romana; a partir do século XVI para se mostrar contrário ao Galicanismo, a tendência separatista da igreja

católica da França em relação a Roma e ao Papa. No século XIX, esse termo reapareceu, e no Brasil, fazia

referência às atitudes da ala conservadora da Igreja Católica, e, que na esfera política, se mostrava contrária às

ideias liberais e ao Regalismo. Os principais expositores desse movimento no Brasil foram, inicialmente, o bispo

de Mariana, D. Viçosa e D. Antônio Joaquim de Melo, bispo de São Paulo. Nos anos 70 dois outros nomes se

destacaram: o do bispo do Pará, D. Marcelo Costa e D. Vital, o bispo de Pernambuco. Outro propagador foi a

imprensa, representada pelo periódico O Apóstolo, que atacava quaisquer ideias anticatólico romana,

posteriormente com representações em vários lugares do Brasil. SILVA, Marcela Pimentel da.; MARTINS,

Karla Denise. O lugar da religião no Brasil oitocentista. Anais do XVIII Encontro Regional da Associação

Nacional de História – sec. MG. Mariana, 2012, p. 4. RIBAS, Ana Cláudia. A imprensa, a política e a família: os

discursos normatizantes no jornal O Apóstolo (1929 – 1959). Espaço plural. Ano XII. n. 24. 1º sem. Santa

Catarina: 2011. p. 96 – 106.

217 NETO, Lira. Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 34.

218 GALANTE, Raquel de Souza. O Punhal da fé: As idéias políticas, jurídicas e religiosas em torno do

casamento civil no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: APERJ: 2006, p. 6. Disponível em:

<http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/conferencias/Raquel%20de%20Souza%20Galante.pdf.>.

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81

[...] pode-se dizer que o ultramontanismo do século XIX colocou-se, não

apenas numa posição a favor de uma maior concentração do poder

eclesiástico nas mãos do papado, mas também contra uma série de coisas que

eram consideradas erradas e perigosas para a Igreja. Entre esses “perigos”

estavam o galicanismo, o jansenismo, todos os tipos de liberalismo, o

protestantismo, a maçonaria, o deísmo, o racionalismo, o socialismo e certas

medidas liberais propostas pelo estado civil, tais como a liberdade de

religião, o casamento civil, a liberdade de imprensa e outras mais219

.

Esse tipo de discurso religioso não só era ouvido nas assembleias do parlamento, mas

também ecoava na imprensa escrita como o apresentado no jornal O Apóstolo de 3 de janeiro

de 1869 que além de reiterar o vínculo religioso do Império com o catolicismo, repudiava a

permissão de imigrantes estrangeiros e “protestantes”:

Com efeito, repugna a sã razão que uma nação, cujo sistema de governo é

monárquico, cuja religião é a católica romana, mande vir colonos para suas

terras, republicanos e protestantes. É querer solapar ao mesmo tempo o trono

e o altar: é criar elementos destruidores da paz e da harmonia, que nossa lei

fundamental estabeleceu tão sábia a prudentemente. Indubitavelmente era

nesses princípios, que a assembleia devia inspirar-se ao tomar a iniciativa de

colonizar a rica província do Rio de Janeiro; infelizmente desprezou-os e foi

bebê-los em fonte impuríssima, destruindo pela raiz as vantagens que teve

em vista criar220

.

Teixeira de Freitas não ignorava tais instruções ultramontanistas, pois elas ainda

vigoravam. Buscou, assim, um meio termo aos interesses. Quando elaborou seu Esboço já

considerava a possibilidade de receber alguma oposição às suas “reformas” por parte destes:

Creio ter feito o que sensatamente se podia fazer, e se alguma oposição

surgir, virá por certo do lado dos católicos ultramontanos, que, fechados os

olhos, condenam a priori toda a reforma possível; mas esses poucos

fanáticos não podem atualmente fazer prosélitos221

.

219

VIEIRA, Davi Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília: UnB,

1980, p. 33.

220 SILVA, Marcela Pimentel da.; MARTINS, Karla Denise. O lugar da religião no Brasil oitocentista. Anais do

XVIII Encontro Regional da Associação Nacional de História – sec. MG. Mariana, 2012, p. 5.

221 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 223.

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82

No período em questão, todos os registros civis (nascimento, casamento, morte,

testamento), principalmente aqueles afetos ao casamento, eram controlados pela Igreja

Católica. Ela considerava o casamento como um sacramento e apregoava que este era

indissolúvel222

, diferentemente das igrejas reformadas, chamadas de protestantes, da Europa.

Ela também avocava para sua competência as causas matrimoniais223

. Assim, a Igreja

realizava e formalizava escriturariamente os nascimentos, a morte e os testamentos224

. Todos,

institutos que a jurisdição civil arrematava para si, e em certa medida, contrariava a tradição

conservadora ultramontanista que influenciava e ainda continuaria assim orientando os

costumes da nação brasileira, católica. Então, o que era válido, tanto para os indivíduos

nacionais como para os estrangeiros? Que tipo de casamento era válido?

Essa era uma questão polêmica. Ainda hoje o é. O Direito retira seu fundamento da

validade ou é válido o que é posto pelo Direito? Ferraz Júnior225

diz que a validade jurídica

das normas e do ordenamento jurídico é uma questão aberta, enquanto zetética; contudo, se

uma norma (moral) já é “aceita e consequentemente eficaz”226

, válida, como no caso do

casamento católico, por que o Direito de então desejava incluir tal preceito no ordenamento

com as influências de sua origem (religiosa)? Se o casamento religioso (norma moral) era

válido, por que necessitava ser incorporado ao ordenamento (norma positiva) para ser válido?

Não seria um bis in idem da validade?

Diplomatas estrangeiros traziam institutos jurídicos independentes da religião e

positivados por seus Estados. O Brasil propunha uma legislação influenciada pela religião,

que indicava não reconhecer, no todo, os mesmos direitos. Assim, era necessário definir

juridicamente a nacionalidade dos filhos dos estrangeiros nascidos no Brasil, dos filhos de

estrangeiros casados com brasileiros, da validade dos casamentos realizados no exterior em

ambos os casos citados, a validação de casamentos “mistos” (entre católicos e acatólicos ou,

222

VATICANO. Concílio Ecumênico de Trento, Sessão XXIV, §969.

223 VATICANO. Concílio Ecumênico de Trento, Sessão XXIV, §982. Cân. 12.

224 NEDER, Gizlene. Entre Budapeste e Rio de Janeiro. Exílio e luto de um jurista húngaro no Brasil em

meados do século XIX. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo: 2011, p. 1.

225 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed.

São Paulo: Atlas, 2008, p. 165.

226 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2009, p. 117.

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entre não católicos), além das implicações relativas às heranças e sucessões dos bens

adquiridos no Brasil e outros direitos de imigrantes estrangeiros, pois o Império mantinha

relações diplomáticas com muitos países, principalmente europeus. Isso fez surgir alguns

questionamentos e conflitos. Um conflito com o pensamento eclesiástico que mesmo após a

emancipação política do Brasil, continuou fazendo os registros civis, mantendo sua relação

com o Estado.

Entre os juristas brasileiros havia os que se posicionavam pelo liberalismo e a

modernidade e os de seguimento conservador, conforme a Igreja. Por sua postura, é de se

pensar que Teixeira de Freitas foi um dos que abraçou o conservadorismo clerical. Ele

defendeu e manteve posições favoráveis à validade não apenas do casamento civil, sendo uma

resistência para a solução do impasse acerca do casamento de estrangeiros não católicos aqui

por causa de suas posições abstratas do Direito227

.

Esse fato é observado principalmente nos embates de vários juristas brasileiros a partir

de 1859228

com o húngaro radicado e naturalizado no Brasil, Carlos Kornis de Totvárad, o

qual, por fim, reuniu seu pensamento em um livro intitulado O Casamento Civil ou O Direito

do Poder Temporal em Negócios de Casamentos229

. Muitos dos debates foram levantados em

publicações levadas a público por jornais como o Correio Mercantil e o Diário do Rio de

Janeiro, fato que lhe rendeu homenagens dos protestantes residentes no Rio de Janeiro230

. No

livro citado, Totvárad mostra, também, o descontentamento, e mesmo, um ressentimento pela

desqualificação moral nos campos religioso, linguístico e étnico desferida contra ele por seus

opositores brasileiros, incluindo Teixeira de Freitas, que se mantiveram vitoriosos por um

longo período.

227

NEDER, Gizlene. Entre Budapeste e Rio de Janeiro. Exílio e luto de um jurista húngaro no Brasil em

meados do século XIX. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo: 2011, p. 1.

228 Totvárad contestou os trabalhos de Brás Florentino Henrique de Souza, da Faculdade do Recife; João Lustosa

da Cunha Paranaguá, ministro da Justiça; e o pernambucano Joaquim Vilela de Castro Tavares, além do próprio

Teixeira de Freitas. MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas

introdutórias de Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio;

Brasília: INL, 1979, p. 223.

229 Cf. TOTVÁRAD, Carlos Kornis. O Casamento Civil ou O Direito do Poder Temporal em Negócios de

Casamentos. Discussão jurídico-histórico-theológica em duas partes. Rio de Janeiro, Livraria Universal de

E&H Laemment, 1858.

230 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 223.

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84

Os debates de Freitas com Totvárad foram iniciados por aquele, que provocou Teixeira

de Freitas em artigos publicados no Correio Mercantil de 8, 10 e 11 de agosto de 1861. As

refutações de Teixeira de Freitas foram divulgadas no Diário do Rio de Janeiro de 9 e 10 de

agosto do mesmo ano231

.

A solução jurídica surgiu em 1861 quando foi aprovada uma legislação específica que,

todavia, só veio a ser regulamentada em 1873. Enquanto isso, apesar de motivações abstratas

e religiosas, o que se via era apenas uma facilitação de vários abusos de poder por parte de

autoridades inescrupulosas que prejudicavam os imigrantes estrangeiros, principalmente nas

questões de herança e sucessão.

As principais posições de Teixeira de Freitas sobre o casamento (e descritas na Seção

II, dos direitos pessoais nas relações de família; Título I – do Casamento do Esboço)232

envolviam normas não apenas sobre impedimentos, mas também quanto à forma de

celebração (Esboço, art. 1254) de cunho inteiramente religioso. Um exemplo disso é que

casamentos em que ambos os cônjuges fossem estrangeiros surtiam efeitos civis quando

celebrados no Império de “outra forma” em virtude de Tratados ou Convenções Diplomáticas

(Esboço, art. 1256), mas se os cônjuges fossem católicos, entre brasileiros (ou pelo menos um

deles) e casassem em país estrangeiro por simples contrato civil não produziria efeito no

Império enquanto não fosse novamente celebrado à face da Igreja Católica (Esboço, art.

1259). É de se pensar qual a data de casamento que valia e também qual a condição dos filhos

nascidos nesse intervalo.

Outro exemplo é que o Esboço reconhecia não só os impedimentos civis estabelecidos

no Código Civil (em elaboração), mas também os estabelecidos nas leis canônicas (Esboço,

art. 1263) sendo a autoridade eclesiástica quem decidia sobre a dispensa destes, em

conformidade com o já mencionado cânone do Concílio Ecumênico de Trento, Sessão XXIV,

§982. Cân. 12.

Na verdade, no Esboço de Teixeira de Freitas havia três modalidades de casamento

quanto à celebração: o casamento celebrado à face da Igreja Católica (Esboço, arts. 1261 a

1272); o celebrado com autorização da Igreja Católica (Esboço, arts. 1273 e 1274) e o

231

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 223.

232 FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação

Universidade de Brasília, 1983, p. 281 e ss.

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celebrado sem a autorização da Igreja Católica (Esboço, arts. 1275 a 1298)233

. Reflexo mais

que claro da influência da Igreja na elaboração da legislação.

“Teixeira de Freitas era o reflexo da mentalidade da época”234

.

3.5 Da consolidação à unificação: influências e evolução da codificação civil brasileira.

O Império brasileiro, com o intuito de sistematizar a legislação civil e prepará-la para

formular o Código Civil, contratou Teixeira de Freitas em 1855 para: classificar a legislação

existente, portuguesa e brasileira, revogada ou vigente, por ordem cronológica e observada a

divisão em pública e privada; e, consolidar a legislação civil brasileira. As maiores

dificuldades com que Teixeira de Freitas se deparou relacionaram-se com a definição dos

limites de aplicação da Legislação Civil, a estipulação de um princípio organizador e

coordenador do Direito Civil, bem como a compilação das leis propriamente ditas. Saldanha

recorda que:

[...] apesar de sua precária formação filosófica, e das lacunas de sua

formação jurídica (esta, sem embargo disto, admirável), teve Teixeira de

Freitas um ponderável gosto pela teoria, e um certeiro instinto

sistematizador, aliando inclusive a capacidade de síntese com a paciência

analítica, que o fazia rever detidamente as conceituações235

.

O trabalho de Teixeira de Freitas foi formulado segundo os ideais do Iluminismo e deu

ênfase no método racionalista sintético de estudo do Direito ao invés do analítico da

escolástica medieval. Além disso, priorizou o estudo da história do direito português, bem

233

FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação

Universidade de Brasília, 1983, p. 281 – 286.

234 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 226.

235 SALDANHA, Nelson Nogueira. Historia e sistema em Teixeira de Freitas. Revista de Informação

Legislativa, A. 22, nº 85, Brasília: Senado Federal, 1985, p. 247

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como do direito romano moderno (que as nações civilizadas aplicavam) e dos valores

humanistas e universalistas236

.

A Consolidação foi completada em dois anos e em 1858 Teixeira de Freitas foi

contratado para elaborar o projeto de Código Civil, o Esboço. Orlando de Carvalho diria que

ao realizar essa obra ele se enquadrou na escola pandectista, fruto de herança kantiana237

.

Em seu Esboço fez a separação entre parte geral e parte especial antecipando-se em

quarenta anos ao código civil alemão. É na parte geral que expõe suas ideias racionais

advindas do Direito romano. Como estratégia original, além de criticar o Código de Napoleão,

também pretendia incluir naquela consolidação o Código Comercial, que entendia totalmente

pertinente à matéria civilista.

Passou a publicar, em fascículos, as partes que ia concluindo, para conhecimento e

debate dos diversos setores da nacionalidade. Quase cinco mil artigos já haviam sido

publicados, quando chegou à conclusão, em 1866, que o seu trabalho não estava “certo”.

Preocupado com o método e o rigor do sistema, fundamentava sua preocupação em uma base

científica sólida. Propôs ao Governo, então, o esquema de um novo Projeto, que consistiria

em dois Códigos: o primeiro, um Código Geral, abrangendo regras de interpretação e

aplicação das leis, computação de prazos; mais a Parte Geral, tratando de pessoas, coisas e

fatos, matéria comum aos diversos ramos do Direito. O segundo, como dito, um Código Civil

unificando o Direito Civil e o Direito Comercial, na primeira tentativa séria de unificação do

Direito Privado em nosso país. E é no terreno das Obrigações onde mais se refletiria esta

unificação.

O governo (ou ao menos a Comissão Revisora de Estado) não aceitou a proposta

modificativa e acabou por rescindir o contrato com Teixeira de Freitas em 1872. Em sua

renúncia alegou, como se verá em detalhes adiante (no capítulo sexto), que o governo

desejava conservar o Código Comercial tendo no Código Civil, um complemento. Teixeira de

Freitas não concordava em ter uma duplicação de leis civis. Ele só concebia um Código único

que dominasse a legislação inteira. Sua frustração se devia a dois problemas principais. O

primeiro consistia em ter que incluir num Código Civil matérias superiores à matéria civilista,

236

POUSADA, Estevan Lo Ré. Preservação da tradição jurídico brasileira: Teixeira de Freitas e a

consolidação das leis civis. São Paulo: USP, 2006, p. 6. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/

disponiveis/2/2131/tde-31102006-172941/>.

237 CARVALHO, Orlando de. Teixeira de Freitas e a unificação do Direito privado no BFDC. LX, 1984, p.

5.

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87

já que nenhuma legislação delas tratava. Por outro lado, o ter que excluir do Código Civil

matérias privativas da área civil porque estas já se encontravam no Código Comercial, que

como dito, o governo desejava manter.

Miguel Reale confirmou que Teixeira de Freitas foi um dos primeiros a perceber e

lutar pela unificação do Direito Privado, ideia esta inovadora e pela qual abriu mão da já

referida tarefa em vista do seu ideal, ratificando inclusive, por dados biográficos, as

tendências já referidas, como segue:

Alguns autores entenderam, já no século passado, que a distinção entre

Código Civil e Comercial não tem mais razão de ser. O primeiro a afirmar a

necessidade da unificação do Direito Privado foi o nosso Teixeira de Freitas.

Recebeu ele a incumbência do Império de elaborar um Projeto de Código

Civil. Depois de vários anos de indagações e pesquisas, o ilustre mestre,

quando já havia redigido nada menos de 4.908 artigos de seu monumental

"Esboço de Código Civil", declarou haver chegado à conclusão de que as

obrigações civis e mercantis deviam ser disciplinadas num só Código,

precedido de um Código Geral. Não obtendo o apoio do Governo para essa

nova orientação, declinou ele da alta incumbência que lhe fora confiada238

.

A atitude de Teixeira de Freitas demonstra até que ponto as convicções de “um

cientista jurídico, verdadeiramente autêntico”239

, podem determinar suas atitudes. Ele não

hesitou em abriu mão de tão dignificante missão para ficar fiel ao que tinha na conta de

verdade quando viu que o objetivo governamental estava em conflito com as suas convicções

“científicas”.

O método de Teixeira de Freitas, como referendado por vários autores240

, foi muito

influenciado pela Escola Histórica e em especial por Savigny241

de quem recebia o fluir de um

238

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 364.

239 REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 364.

240 Um exemplo é Nelson Saldanha. Com respeito ao uso de “método” e “sistema”, e suas influências, por

Teixeira de Freitas, ver SALDANHA, Nelson Nogueira. Historia e sistema em Teixeira de Freitas. Revista de

Informação Legislativa, A. 22, nº 85, Brasília: Senado Federal, 1985, p. 248 – 249.

241 “Sente-se no Esboço, mais acentuada a influência de Savigny

(9); porém influxo benéfico de um alto espírito

sobre uma poderosa organização mental, solidamente aparelhada e apta a assimilar ideias novas, sem prejuízo de

sua individualidade”. [...] “Uma das manifestações da ascendência de Savigny é a preferência dada por Teixeira

de Freitas à lei do domicílio da pessoa, para determinar-lhe a capacidade, nas relações de direito internacional

privado”. [...] “Nenhum autor, porém, mereceu de Teixeira de Freitas maior simpatia do que Savigny, cujo nome

aparece invocado 22 vezes na Introdução da Consolidação, ao passo que Mackeldey e Marezoll não o são mais

de 12 vezes, Troplong e Martou, 9”. BEVILÁQUA, Clóvis. Linhas e perfis jurídicos. Rio de Janeiro: Editora

Freitas Bastos, 1930, p. 126 – 127.

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88

pensamento tradicionalmente clássico no âmbito jurídico, a praticidade do Direito pertinente a

cada povo242

. Era em meio a essas duas orientações da Escola Histórica que o processo

jurídico inseria a responsabilidade de Teixeira de Freitas e, ainda é o ritmo de nosso tempo:

uma corrente a preferir o Direito expresso de maneira abstrata e racional nas leis; e outra a

querer o Direito tal como ele aparece na vida histórica, na espontaneidade do viver social,

tendo como símile o fenômeno da linguagem. Contudo, o pensamento inovador de Teixeira

de Freitas pôde absorver o que havia de melhor da escola a fim de que o pensamento da

codificação pudesse ser bem aplicado em sua necessidade prática e local, bem exemplificado

no projeto de codificação civil que delimitou essa praticidade ao extenso território brasileiro.

Portanto, Teixeira de Freitas se antecipou ao Código alemão não só em seu formato,

mas também na elaboração do mesmo. Provavelmente a idéia de Savigny, a de que o espírito

do povo manifestado no Direito deveria ser um sentimento amadurecido numa nação, norteou

seu sentimento quando trabalhava sua Consolidação e por isso deixava de fora algumas

questões imaturas ou em desenvolvimento. E ainda, ao concluir que seria melhor unificar a

codificação civil, incluindo a comercial, deve ter considerado relevante a resistência ao seu

projeto como uma falta de amadurecimento nacional, fato que o levou ao maior sacrifício de

sua vida, assumindo, o que poderia ser o único comportamento compatível com sua fidelidade

242

A Escola Histórica, com um amor pelo passado, mas com uma visão mais concreta e social do Direito,

buscava atender as tendências e os variados interesses que advinham de determinada coletividade ou povo. Esse

fenômeno, assim como a linguagem, que também surgiu de forma anônima, ganha, nela, uma particularidade

própria. Contudo, Savigny, seu representante principal, se opôs à idéia de que se elaborasse um Código Civil

para a totalidade do povo alemão com suas particularidades, como se fez na França com Código Civil francês.

Isso se deveu, principalmente, a que o Direito científico alemão que na primeira metade do século XIX deu

origem à doutrina pandectista que sistematizava cientificamente o Direito comum vigente na Alemanha, também

ofertasse a Savigny um contexto de declínio na cultura jurídica fazendo com que ele não concordasse em se fazer

uma codificação naquele momento histórico. Isso seria danoso, entendia, porque cristalizaria e perpetuaria aquele

Direito decadente. Mesmo na Alemanha, houve um debate entre representantes da tendência histórica, ora

defendendo a necessidade de uma codificação como instrumento de unidade científica e política, como Thibaut,

ora admitindo-se esta, apenas nos momentos culminantes de maturidade de um processo jurídico, e não no início

da formação política de uma nacionalidade, como Savigny. O pensamento de Savigny, portanto, se manifestava

contra um plano prematuro de codificação. Os costumes, que traduziam o “espírito do povo”, se contrapunham a

uma lei abstrata e racional prevenindo-se, assim, que leis dotadas de vigência, de validade técnico-formal, mas,

destituídas de eficácia ou de efetiva existência como comportamento, como conduta, fossem o fruto dessa

precipitação codificadora. Ele não era contrário à codificação do Direito em geral, mas somente devido ao

momento histórico com suas condições culturais infelizmente particulares em que se encontrava, então, a

Alemanha. Além disso, Savigny, também criticava a codificação, naquele momento, por que esta poderia trazer o

exemplo da codificação francesa que não levou suficientemente em conta o Direito romano, a maior tradição

jurídica continental como parte do amor ao passado, característica do movimento, não estava condicionado

apenas a questões sociológicas e culturais, mas também pela incorporação, ou sua falta, da linguagem do Direito

romano naquele determinado ordenamento jurídico. Ver também: REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed.

São Paulo: Saraiva, 2002, p. 423 – 424.

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ideológica para aquele momento, o afastamento. Atitude totalmente compatível com a Escola

História em destaque sobre consolidação ou unificação legislativa.

A influência da Escola Histórica, inicialmente, e da pandectista, depois, em que não

devia simplesmente de se fazer codificação como alteração sem que primeiro não se fizesse o

desenvolvimento da ciência jurídica também aqui no Brasil, portanto, afloraram na elaboração

do Esboço. O ideal lógico da Teixeira de Freitas não convivia bem com uma bipartição do

Direito Civil, vez que o objetivo do Código Civil era prosseguir no processo unificador da

matéria, permitindo-se para isso, uma separação meramente metodológica da parte geral e da

especial, local onde a totalidade da matéria comercial se ubicaria. Tal processo evolutivo

enfrentava outros interesses pelo seu caminho, que se mostraram por fim serem frustrantes.

A “genialidade”, que tantos têm apontado em sua obra, correspondeu a esta

visão “orgânica” que possuiu para a imagem do direito legislado como um

todo – , em época onde ainda não se dispunha do conceito de ordenamento;

correspondeu também à sua extrema acuidade crítica, que era correlata de

sua independência doutrinária, limítrofe de irreverência e congênere da

“audácia” mencionada por Silvio Meira (35

)243

.

Cabe destacar, por fim, que a contribuição e a influencia de Teixeira de Freitas para as

codificações da Argentina, do Uruguai e do Chile, indiretamente, e, de outros países hispano-

americanos, principalmente, se deveu a sua busca nas fontes no Direito romano e por seguir o

método, primeiro no mundo, de dividir as matérias do Direito civil em um código com parte

geral e especial, lustrando um século inteiro de cultura jurídica, sem, contudo, completar seu

intento original na pátria natal244

.

243

SALDANHA, Nelson Nogueira. Historia e sistema em Teixeira de Freitas. Revista de Informação

Legislativa, A. 22, nº 85, Brasilia: Senado Federal, 1985, p. 247. A menção referida por Saldanha de Silvio

Meira na sua nota 35

se encontra em MEIRA, Silvio. Teixeira de Freitas e Pontes de Miranda – a audácia do

pensamento. Revista de Direito Civil. São Paulo, n. 16, abr./jun., 1981.

244 PICANÇO, Aloysio Tavares. A influência de Augusto Teixeira de Freitas no Direito de países estrangeiros

(1). Jus Vigilantibus, Vitória, 22 fev. 2005. p. 2. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_

e_pecas/ver/13789>.

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CAPÍTULO QUARTO – TEIXEIRA DE FREITAS E O TEMA DA ESCRAVIDÃO NA

RETÓRICA DO DIREITO.

Sumário: 4.1 A legislação escravista ocultada na obra de codificação de Teixeira de

Freitas: uma tática para fazer prevalecer sua retórica textual. 4.2 O impacto causado pela

estratégia da retórica textual de Teixeira de Freitas no discurso abolicionista de Joaquim

Nabuco. 4.3 O ambiente, as estratégias e os elementos discursivos dos debates de 8 e 15 de

outubro de 1857 no Instituto dos Advogados Brasileiros sobre as doutrinas jurídicas em

relação à questão da liberdade dos filhos das escravas statu liber sob condição. 4.4 Análise

(primeira) dos principais elementos retóricos sobre a questão escravista do debate no

Instituto dos Advogados Brasileiros elencados por Teixeira de Freitas em sua carta de

renúncia à presidência do mesmo. 4.5 Resumo dos elementos retóricos e estratégias de

Teixeira de Freitas acerca do tema da escravidão.

“De qualquer lado que se encare a escravidão, ela é a enfermidade moral de que todos sofremos; por isso é

preciso eliminá-la do nosso sistema. [...] Se a escravidão está morta, se não há nada que a possa ressuscitar e se

por outro lado o que vem atrás dela é a abundância e a fertilidade, é preciso abreviar o mais possível o terrível

interregno que estamos atravessando da escravidão para a liberdade”.

Joaquim Nabuco245

4.1 A legislação escravista ocultada na obra de codificação de Teixeira de Freitas: uma

tática para fazer prevalecer sua retórica textual246

.

Muitas questões de Direito internacional despertavam os interesses da sociedade

ocidental no período dos oitocentos. A escravidão, que era uma delas, foi discutida na Europa

e na América do Norte, e não demorou a que o Brasil também entrasse no foco dos debates

sobre algo cada vez mais impossível de ocultar: o fato de que no Brasil ainda se fazia uso do

trabalho de escravos no final do século XIX; debate que logo veio ocupar “os salões da Justiça

brasileira”247

.

Como não poderia deixar de ser, numa ocasião em que a escravidão além de existir e

ser questionada, estava tendo seu fim cogitado, Teixeira de Freitas foi confrontado diversas

vezes a respeito dela por causa da relevância que o tema despertava para a sua época e o

ambiente jurídico em que vivia. O “primeiro confronto” veio com o lançamento da

245

NABUCO, Joaquim. Segunda Conferência. Campanha abolicionista no Recife. 2. ed. Recife: FUNDAJ,

Editora Massangana, 1988, p. 29.

246 O sentido da expressão “retórica textual” aqui utilizada foi delimitado nas páginas 19 e 20 (e notas) desta

dissertação.

247 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 73.

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Consolidação das Leis Civis em 1857 quando o relatório da Comissão Revisora, que a

aprovou em 4 de dezembro de 1858, antes de fazer um resumo e tecer seus elogios, o

provocou destacando “defeitos, divergências [dentro da Comissão] e a omissão” que,

concluíram eufemisticamente (FPO1), “não comprometem o mérito geral da obra”248

.

A “omissão” a que a Comissão se refere segue transcrita a seguir:

É sensível a omissão [FPA1], que houve na Consolidação a respeito das

disposições concernentes à escravidão; porquanto, posto deva ela constituir,

por motivos políticos e de ordem pública, uma lei especial, contudo convinha

saber-se o estado defectivo da legislação a este respeito249

.

A “resposta” havia sido dada de antemão por Teixeira de Freitas. De logo, diga-se que

ele considerava a escravidão “um mal”, uma “mácula”, e tratar dela era usar de “disposições

vergonhosas”; como transcrito adiante. Também, em outro lugar, para ele a escravidão era “só

obra da lei”, e, no entanto, “uma má instituição legal”250

. Assim, ele era receptivo às ideias

emancipacionistas, mas diante da legalidade vigente só lhe cabia silenciar. A estratégia aqui

foi o uso do silêncio retórico (FPA1). Um recurso que visava um resultado no futuro, e que

despertou emoções no (seu) presente, daí estar relacionada ao pathos dos interlocutores de tal

dispositivo. Não foi por menos que houve tamanha reação dos revisores. Mas, essa tática foi

intencional. Por isso, no corpo da introdução da Consolidação ele já havia feito uma ressalva

manifestando sua opinião e posição a respeito dela, como se vê a seguir:

Cumpre advertir, que não há um só lugar do nosso texto, onde se trate de

escravos. [FPA1] Temos, é verdade, a escravidão entre nós; mas, se esse mal

é uma exceção, que lamentamos, condenado a extinguir-se em época mais ou

menos remota (ALO3); façamos também uma exceção, um capítulo avulso,

na reforma das nossas Leis Civis [ALO4]; não as maculemos com

disposições vergonhosas [APO1], que não podem servir para a posteridade:

fique o estado de liberdade sem o seu correlativo odioso [FPO1]. As Leis

248

FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.

Garnier. 1896, p. 19.

249 FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.

Garnier. 1896, Idem.

250 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 60.

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concernentes à escravidão (que não são muitas) serão pois classificadas à

parte e formarão nosso Código Negro251

[FPO1].

O “Código Negro”252

a que Teixeira de Freitas se refere no final daquele parágrafo é o

que ele anotou como sendo “o Edito de 1685, regulando a sorte dos escravos nas Colônias

Francesas”253

. Esse termo foi empregado em outros momentos como demonstração de uma

expressão de repugnância para uma realidade ainda tolerada apenas por interesses meramente

econômicos e políticos e nada humanísticos, mesmo para a época.

Essa é uma das teses que historiadores e juristas sustentam para explicar sua atitude e

de outros homens públicos. José Honório Rodrigues254

destacou que desde a Constituinte de

1823 raramente se fez menção à questão da escravidão. A “omissão”, como elemento tático

dos discursos políticos e legais, era uma prática que se repetia constantemente.

Os debates travados na Assembléia Constituinte reunida no Rio de Janeiro no

ano de 1823 já foram vistos como terreno de ausências. [FPO1 e FPA1] A

mais visível delas seria a ausência de discussões sobre a escravidão no

Brasil, certamente a característica mais evidente da organização social do

país. De fato, as referências à escravidão foram poucas e encontram-se

diluídas nos anais da Assembléia, em meio às questões da organização

administrativa e política que se encaminharam na Constituinte255

.

Joaquim Nabuco também reconhecia essa estratégia retórica na Constituição, como

será visto adiante256

. Certamente o Código Penal [Criminal] de 1830 e o Código de Processo

Penal de 1832, entre outras leis criminais, continham dispositivos escravistas, mas, se buscou

uma maneira de não formalizar essa vergonhosa realidade perante o mundo. O historiador

251

FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.

Garnier. 1896, p. 37 (grifos nossos).

252 Na história da escravidão o Code Noir constituiu-se um dos primeiros intentos de codificação no século XVII

de uma prática até então não regulamentada. Trata-se de um edito do rei Luís XVI da França, em março de 1685,

que contém uns 60 artigos que regem a vida e a morte dos escravos negros nos territórios franceses das Antilhas

e do Oceano Índico. Em 1724 esta mesma regulamentação se estendeu à Luisiana na América, então sob o

domínio francês. As suas disposições respondem a três tipos de objetivos: cristianizar os escravos, enunciar as

proibições e as sanções que lhes serão aplicadas e por último definir as condições da sua libertação.

253 FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.

Garnier. 1896, p. 37, nota 10.

254 RODRIGUES, José Honório. A Assembléia Constituinte de 1823. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 189.

255 RODRIGUES, Jaime. Liberdade, humanidade e propriedade: os escravos e a assembléia constituinte de 1823.

Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. v. 39. São Paulo: IEB, 1995, p. 159.

256 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 69.

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Eduardo Pena cita a definição de Joaquim Nabuco para essa recorrência retórica como sendo

“uma ‘ficção engenhosa’; uma construção jurídica elaborada para não ferir suscetibilidades,

pois normatizar a condição dos escravos seria reconhecer, pela lei, o país como escravista”257

.

A omissão foi um espelho de uma tendência retórica estratégica de então [FPA1]258

, quando

juristas, nos quais Teixeira de Freitas se incluiu, e políticos evitavam formalizar juridicamente

a “vergonhosa” escravidão. Na verdade, a “omissão” sobre a escravidão era recorrente259

.

Porém, repita-se, tal observação e prática foi literalmente “lamentada” pela Comissão

Revisora260

que iniciou um sutil debate escrito nas entrelinhas revisionais das leis civis. Ela,

em meio aos galanteios dos elogios, não deixou despercebida sua insatisfação em relação a

esses “defeitos, divergências e a omissão” e principalmente a esta, sobre a escravidão, que

deveria caminhar para ser superada diante dos avanços das ideias que desde o Velho

Continente atingiam o novo reino brasileiro.

Embora já respondida de antemão a lacuna, diante da opinião ou posição que Teixeira

de Freitas já havia tomado com respeito à questão escravagista, também esta crítica subliminar

encontrou eco na sensibilidade de Teixeira de Freitas que, sem ocultá-la, a ela respondeu de

forma semelhante em três momentos. Semelhante, porque o parecer não foi apenas

verbalizado, mas foi impresso junto com a primeira edição, bem como acompanharia as outras

edições da Consolidação e estaria ao alcance de todos os que viessem a usar as leis civis.

A resposta não poderia ser um mero sinal de obediência ou subserviência. Tinha que

ser retoricamente construída para desconstruir a mensagem deixada aparentemente indelével.

Primeiro, inseriu uma nota (FPO2) ao relatório da comissão onde faz referência a outras notas

(FPO2) na Introdução e ao artigo 42 da Lei Civil, aqui transcritos:

257

PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 72.

258 Como visto, a omissão é uma ação juridicamente reconhecida e retoricamente qualificada. “Omissão – ato ou

efeito de não fazer aquilo que moral ou juridicamente se devia fazer”. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.

Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004, p. 1437. É reconhecida a

“omissão” no direito penal, por exemplo, no Art. 135 do CPB.

259 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 72. Ver também NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio

de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 69, 90, 107, 108, 115 e 116.

260 O relatório da comissão integrada por Nabuco de Araújo, Caetano Soares e Paulino José Soares de Souza, o

Visconde do Uruguai pode ser encontrada na íntegra nas páginas 18 a 26 da Introdução à 3ª edição da

Consolidação, respondida oportunamente na 2ª edição da referida Consolidação.

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(2) Vide Nota 10 da Introdução, infra, de onde consta na 2ª Edição o

saneamento, pelo modo possível, da omissão lamentada pela Comissão

[FPA1].

No mesmo propósito dou conta agora da legislação sobrevinda que avultou

por motivo da Lei nº 2040 de 28 de setembro de 1871; Lei do Elemento

Servil, seu nome em voga [ALO1].

As Notas aos Arts. 42, e outros, contêm quase toda a legislação sobre

escravidão e alforria261

[ALO1].

Depois, inseriu uma nota de rodapé (a de nº 10) no corpo da Introdução mesma, no

trecho destacado anteriormente, onde depois de esclarecer o que vinha a ser o termo Código

Negro e transcrever mais uma vez as palavras da comissão que o incomodaram, continuou

dizendo:

(10) [...] Nesta 2ª Edição [de 1865] suprimos a censurada lacuna, não nas

disposições do texto, que ficam intactas, mas em cada uma de suas notas

explicativas. [FPO2] Vai indicado o pouco que temos de legislação civil

relativa a escravos; e além disso um copioso subsídio, que extraímos do

Direito Romano, única norma na solução dos casos ocorrentes. [AEO1].

Assim procedemos, no intuito de prestar um serviço ao Foro. São mui

frequentes, e delicadas, as questões, que este assunto oferece262

. (sic)

Por fim, como ele mesmo disse que faria, inseriu obstinadamente em vários artigos do

texto consolidado várias notas contendo quase toda a legislação existente sobre a temática da

escravidão, a exemplo da nota 2 transcrita anteriormente acerca do artigo 42. Solução não

“muito bem digerida” por Nabuco de Araújo263

.

Observe-se que a estratégia não era destacar o tema da escravidão visto que ele poderia

introduzir muitas polêmicas e repercussões de ordem política e até moral. A estratégia foi

responder à Comissão Revisora aquilo que já estava respondido, sem ofender os avaliadores,

atendendo-os em meio a uma ingênua obstinação destes. Aqui, não se deve permitir uma

valoração nem da escravidão nem do tipo de resposta de Teixeira de Freitas. O que se busca

261

FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.

Garnier. 1896, p. 19.

262 FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.

Garnier. 1896, p. 37 – 38.

263 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 75.

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analisar aqui é como e por que um meio metodológico e gramatical usado estrategicamente

por Teixeira de Freitas, a nota de rodapé, tornou-se importante como elemento retórico.

Em geral, notas de rodapé são usadas, como o nome indica, como uma anotação

colocada ao pé de uma página de um livro, ou documento, adicionando comentários,

referências ou fontes, ou ambos, a respeito de parte do texto da matéria na mesma página,

nesse caso, para poupar tempo do leitor em verificar as referências no fim do livro a cada

menção. Além disso, elas também podem ter uma finalidade explicativa, sobre o texto ou

sobre itens relacionados ao texto. Salvo algumas exceções onde os autores escrevem mais nas

notas explicativas do que no texto, estas notas são porções menores, reduzidas e sucintas.

Porém, é a estratégia literária do autor quem determina sua importância. Alguns podem usar

ou passar por elas sem lhes darem a menor importância; outros, podem buscar nelas

informações valiosíssimas, como fontes e referências, e encontrar verdadeiros tesouros.

A partir do texto elencado na Introdução da Consolidação, como conclusão a estas

breves considerações de retórica, observa-se que contra o único argumento do silêncio retórico

destacado pela Comissão (FPA1) e admitido por Teixeira de Freitas, ele acrescentou, para

prevalescer, o uso de outros argumentos de reação (P) como o uso algumas figuras de

significação (FPO1) e, especialmente, das notas de rodapé (FPO2) e também argumentos

conceituais (L) como citações da legislação suprimida (ALO1), o senso comum (ALO3) e

deduções racionais (ALO4).

Embora Teixeria de Freitas tenha dado às suas notas a função de explicar e

complementar seu entendimento sobre a temática da escravidão em sua obra (L), parece que

ele as usou também como uma forma de resposta subliminar aos seus avaliadores para afirmar

o seu ethos retórico, sabedor que era da repercussão (P) que tudo isso causaria no mundo

jurídico. Assim, o uso de notas de roda-pé ganha destaque como elemento metarretórico não

só pela importância do conteúdo, mas pelo uso estratégico diante de um assunto tão relevante

e de suas repercussões. Uma destas repercussões, foi o reconhecimento da qualidade do seu

trabalho que o conduziram a receber a incumbência de realizar obra de maior importância, um

projeto definitivo de Código Civil, além de prestígio e honrarias por atender aos interesses do

poder instituído.

Porém, entre as repercussões para a posteridade, se destaca a impressão que ficou em

figuras públicas e jurícas (de uma força contrária que prevalesceu posteriormente) dessa tática

legal, a despeito de sua argumentação. Dentre esses, Joaquim Nabuco que ao defender o fim

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da escravidão trouxe à mente de sua geração não só a descrição vergonhosa da escravidão e a

aspiração “anônima” de liberdade dos escravos no período da Independência, mas também a

prática retórica de Teixeira de Freitas, marcado pela omissão na Consolidação. Abra-se assim,

um parentesis para destacá-lo, devido a sua importância na política e na retórica do Direito.

4.2 O impacto causado pela estratégia da retórica textual de Teixeira de Freitas no

discurso abolicionista de Joaquim Nabuco.

A prevalência de argumentos retóricos não é algo constante ao logo do tempo, e, ainda,

é condicionada aos meios de propagação do poder. Quando essa constante é mantida por

alguma razão, deve ser lembrada. A fim de manter a coerência temática desses argumentos

retóricos, faz-se aqui uma inserção histórica como exemplo desse tipo de propagação. Alguns

anos se passaram e Joaquim Nabuco (1849 – 1910)264

que recordava a estratégia de Teixeira

de Freitas como um reflexo do silêncio constitucional, digno de ser contestado, mas por ele

perseguido.

Esse silêncio que emanou da primeira Constituição brasileira foi um discurso de

dominação vencedor até então. Ele mesmo descreve que o projeto que se tecia na primeira

Constituinte criava estabelecimentos para a “emancipação lenta dos negros e sua educação

religiosa e industrial”. Ou seja, dispositivos que de alguma forma teriam que mencionar o

tema da escravidão em seu texto. Contudo, não foi isso o que prevaleceu; tanto nos debates do

projeto constitucional como nos artigos legais promulgados e publicados, essa temática foi

suprimida, vencendo aquela figura de ação, o silêncio retórico (FPA1).

Joaquim Nabuco afirma em seu escrito essa literalidade e expõe a prática e a

motivação.

264

“Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo nasceu em 19 de agosto de 1849, no Recife e faleceu em 17 de

janeiro de 1910, nos Estados Unidos. Filho de importante família política do Império e de latifundiários

pernambucanos, aristocrata por formação e temperamento, ao longo de mais de quarenta desses sessenta anos

desenvolveu intensa atividade política e ideológica. Foi transferido em 1868 da Faculdade de Direito de São

Paulo para ingressar na Faculdade de Direito de Recife em 1869 e nela colou grau na turma de 1870. Liberal

abolicionista de primeira hora, fez dessa causa a razão de ser de sua militância e de seus mandatos parlamentares

(três entre 1879 e 1888). Engolfado pela dinâmica republicana amplificada pelo abolicionismo, retirou-se da vida

pública com o 15 de novembro e, por quase dez anos, entregou-se aos livros, ao trabalho de historiar a vida do

pai e do Império decaído. [...] Encontrou na diplomacia a ponte que facilitaria a adesão ao novo regime, em nome

do patriotismo e da “amizade americana”. Embaixador em Washington que acompanhou com entusiasmo até

excessivo a guinada da política externa brasileira em direção à América.” (grifo nosso) NOGUEIRA, Marco

Aurélio. As desventuras do liberalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1984, p. 15. FRANÇA, Humberto. Prefácio à

edição de bolso. NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 11.

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A Constituição do Império não contém semelhante artigo. Os autores desta

última entenderam não dever nodoar o floral da emancipação política do

país, aludindo à existência da escravidão, no presente265

. (grifo nosso)

E continua em sua descrição metafórica:

No mais os estatutos da nossa nacionalidade não fazem referência à

escravidão. Essa única pedra, posta em qualquer dos recantos daquele

edifício, teria a virtude de convertê-los com a sua fachada monumental do

artigo 179 num todo monstruoso. Por isso os organizadores da Constituição

não quiseram deturpar a sua obra descobrindo-lhe os alicerces266

[FPO1].

(grifo nosso)

Era muito óbvio para qualquer pessoa esclarecida que mencionar a escravidão na

Constituição seria incompatível com princípios constitucionais (ALO2) tais como: “os

cidadãos brasileiros [...] formam uma nação livre [...]”267

, “nenhum cidadão pode ser obrigado

a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”268

, ou “a lei será igual para

todos”269

, “ficam abolidos todos os privilégios”270

; mesmo princípios mais particulares como

“todo cidadão tem em sua casa um asilo inviolável”271

e “desde já ficam abolidos os açoites, a

tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis”272

não eram compatíveis com a

condição escravista. Condição ainda mais agravada se a liberdade e a igualdade fossem

confrontadas com o princípio constitucional de que “é garantido o direito de propriedade em

toda a sua plenitude”273

. Logo, Nabuco constatou que a “a posição legal do escravo” não teve

espaço naquela Constituição. Na verdade, “era preciso que a Constituição não contivesse uma

só palavra que sancionasse a escravidão”274

. Até porque, para agravar o engodo, “desde que

265

NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 69.

266 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 69.

267 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 1°.

268 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, I.

269 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, XIII.

270 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, XVI.

271 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, VII.

272 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, XIX.

273 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, XII.

274 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 114.

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foi votada a lei de 28 de setembro de 1871275

o governo brasileiro tratou de fazer acreditar ao

mundo que a escravidão havia acabado no Brasil”276

.

A crítica de Joaquim Nabuco tomou ares de denúncia ao expor a estratégia do governo

em propagar ao mundo que:

[...] os escravos iam sendo gradualmente libertados em proporção

considerável e que os filhos das escravas nasciam completamente livres. A

mortalidade dos escravos é um detalhe que nunca aparece nessas estatísticas

falsificadas, cuja ideia é que a mentira no exterior habilita o governo a não

fazer nada no país e a deixar os escravos entregues à sua própria sorte277

[ALO4].

A impressão que ficou em Nabuco acerca do silêncio da Constituição foi a mesma ou

até mais forte para estratégia seguida pela Consolidação de leis civis que Teixeira de Freitas

havia elaborado pouco depois. Sua expressão, mais que um sentimento, demonstra sua

percepção a respeito de uma estratégia retórica com reflexos até sua época. Assim, além de

descrever os fatos pretéritos, Nabuco também já analisava, mesmo que não intencionalmente,

a estratégia que se perpetuava engenhosamente nos textos legais utilizando argumentos

principiológicos e dedutivos. Como segue:

Esse trabalho, que é a Consolidação das leis civis, e já teve três edições,

apareceu sem nenhum artigo referente a escravos [FPA1]. Pela Constituição,

não existia a escravidão no Brasil [FPA1]. A primeira codificação geral do

nosso Direito continuou essa ficção engenhosa. A verdade é que ofende a

suscetibilidade nacional o confessar que somos – e não o sermos – um país

de escravos, [FPO1] e por isso não se tem tratado de regular a condição

destes278

.

O termo usado por Nabuco, “ficção engenhosa”, é sugestivo além do contexto. O não

haver escravidão no Brasil em seu tempo ser uma “ficção”, no sentido de simulação e

fingimento mais do que no sentido de fantasia279

, não traz novidades para a atualidade, mas

275

A lei Rio Branco ou lei do Ventre Livre.

276 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 110.

277 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 111.

278 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 116.

279 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Ficção. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3. ed.

Curitiba: Positivo, 2004, p. 893.

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para a época que se deparava com aquela realidade mórbida, a estratégia ia além de uma mera

declaração do que era ou não essa realidade. O impacto não se limitava a forjar a opinião

internacional, no âmbito exterior. Talvez o impacto maior fosse para o público interno, na

população tanto dos opressores como dos oprimidos, não apenas formando uma crença

distorcida nele, mas distorcendo sua percepção da realidade. Na análise de Joaquim Nabuco, a

engenhosidade dessa ficção da não escravidão formal, essa cuidadosa construção intelectual e

conceitual, produziu reflexos na sociedade brasileira. Um dos efeitos da retórica freiteana que

ele combatia abertamente era a “indiferença”. A “omissão” de Teixeira de Freitas produziu

“indiferença” a respeito da condição “bárbara” das vítimas da escravidão; “indiferença” que se

ampliava às próprias vítimas.

[...] desde que no país noite e dia se prática a escravidão e todos se

habituaram, até a mais completa indiferença, a tudo o que ela tem de

desumano e cruel, à vivisecção moral a que ela continuamente submete as

suas vítimas, esse receio de macular as nossas leis civis com disposições

vergonhosas só serve para conservar aquelas no estado bárbaro em que se

acham280

. (grifo nosso).

E continua em outro lugar:

Infelizmente, senhores, nós lutamos contra a indiferença que a nossa causa

encontra entre essas mesmas classes que deveriam ser nossas aliadas e que a

escravidão reduz ao mais infeliz estado de miséria e dependência [ALO4]. É

triste dizê-lo, mas é a verdade. Por acaso os homens de cor, filhos e netos de

escravos, que trazem no rosto a história do martírio da sua raça, têm aderido

ao nosso movimento com a dedicação e a lealdade que era de esperar dos

herdeiros de tantos sofrimentos? 281

[ALO4] (grifo nosso)

Certamente as deduções retóricas de Nabuco, pelo menos aqui, desejavam dar voz à

omissão de Freitas para então combater aquela estratégia. A omissão produz silêncio, que

produz ignorância e indiferença, é o que conclui. Parece que para Nabuco era necessário trazer

à luz os protagonistas da obscura realidade para então retirar-lhes a máscara da satisfação.

Regular aquela situação traria “bons” problemas e discussões, pois o ridículo de discutir o

280

NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 116.

281 NABUCO, Joaquim. Campanha abolicionista no Recife. Eleições 1884. Discursos de Joaquim Nabuco:

prefácio de Anníbal Falcão; estudo introdutório de Fernando da Cruz Gouvêa. 2. ed. Recife: FUNDAJ, Editora

Massangana, 1988, p. 9.

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“pior” levaria, de fato, à extinção da escravidão. A omissão produziu apenas uma acomodação

e uma adaptabilidade. Não que se negue a realidade da escravidão, mas sua pior consequência

como discurso de dominação prevalecente foi que a considerassem normal e até necessária.

Ele já observava os resultados de uma instituição que estrategicamente se cala diante de uma

situação que, em outras circunstâncias, poderia provocar revoltas. Sua observação lança luzes

sobre uma situação hipotética onde: o que poderia se esperar de um país sul-americano em que

os meios de comunicação ocultassem as constantes situações de corrupção dos seus

governantes? Todos saberiam que ela existe por sofrerem seus efeitos constantes, mas o

silêncio das denúncias, mais do que levar à ignorância dos fatos, levaria o povo a uma

indiferença irresponsável. Ademais, levaria todo o povo a se corromper de uma ou de outra

forma também. Mas, isso também não passa de outra ficção retórica.

Da análise de Nabuco não se pode inferir que Teixeira de Freitas tivesse, de fato, tal

intenção. Até porque, Teixeira de Freitas deixou claro seu entendimento legal sobre a temática

da escravidão, quando foi confrontado à frente do IAB, no debate que lhe custou a presidência

do mesmo, pelo menos altruisticamente. E acerca desses debates, não só as atas do IAB e

parte da imprensa local silenciaram, Joaquim Nabuco que deve ter recebido relatos de tal

discussão de seu pai, nelas presente, também silenciou.

O mais provável é que Teixeira de Freitas destoou “da roupagem da postura reformista

do instituto – como “progressista” – que foi habilmente elaborada por Joaquim Nabuco”, vez

que este louvava “a ação dos presidentes – entre eles, o seu pai, Nabuco de Araújo – como os

primeiros “abolicionistas” e como os responsáveis pelo “alvorecer do sentimento anti-

esclavagista” [sic] no país282

.

4.3 O ambiente, as estratégias e os elementos discursivos dos debates de 8 e 15 de

outubro de 1857 no Instituto dos Advogados Brasileiros sobre as doutrinas jurídicas em

relação à questão da liberdade dos filhos das escravas statu líber sob condição.

Mais uma vez se volta ao tempo em que viveu Teixeira de Freitas. Além do prélio

textual que exigiu estudos mais profundos de sua parte sobre um tema tão evanescente, o

tópico da escravidão, ocorria no IAB, concomitantemente ao seu trabalho como presidente do

282

NABUCO, Joaquim. Um estadista do império. Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. São

Paulo: Companhia Editora Nacional; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936, t. 2, p. 17 – 19.

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mesmo, debates jurídicos acerca da libertação de escravos, demandando intensos

posicionamentos daqueles jurisconsultos. Um desses debates se tornou especial por envolver

Teixeira de Freitas diretamente. Seus argumentos estão elencados sistematicamente na carta

de renúncia à presidência do IAB de 22 de outubro de 1857283

; texto que será analisado

adiante284

.

O cerne da polêmica, como se sabe, era um problema que remetia ao Direito Romano,

aplicado subsidiariamente ao direito oitocentista brasileiro, evocado especialmente em casos

de jurisprudência e doutrina285

. Este caso se detinha principalmente na seguinte questão: eram

escravos os filhos de escrava que, em testamento, tivesse sido libertada com a cláusula de

servir ao herdeiro enquanto tivesse vida? Resumindo este caso, Teixeira de Freitas, apesar de

afirmar ser avesso ao regime de escravidão, argumentou que: especificamente, havia

manumissão testamentária sob condição, como prescrevia o direito romano. Ou seja, pendente

condicione, a escrava statu-libera pertencia ao herdeiro, e, em decorrência disso, os filhos

delas também eram escravos deste.

Distintamente da questão textual a respeito do tema da escravidão na Consolidação

que possui texto integral para vários tipos de estudo, e que anteriormente se abordou

brevemente; para penetrar nos debates do IAB, que envolveram Teixeira de Freitas no tema

especifico da escravidão, foi necessário estudar a obra doxográfica de Eduardo Spiller Pena,

Pajens da casa imperial (2001) e a biografia escrita por Sílvio Meira sobre Teixeira de

Freitas, o jurisconsulto do império (1979) que trazem poucas transcrições dos debates que

ocorreram em seções ordinárias do Instituto, e, publicações na mídia escrita da época, a fim de

reconstruir os relatos. Somado a isso (melhor que as atas do IAB que silenciaram diante da

283

Esta carta que Silvio Meira afirma ter sido enviada ao Instituto (MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira

de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 151) foi também

veiculada no jornal Correio Mercantil, tornando sua renúncia conhecida do público em geral, o que deve ter

causado “surpresa e irritação dos demais colegas”. “Sua atitude foi criticada pelos sócios, pois [1] não só abria

para o domínio da opinião pública um assunto delicado e interno ao instituto, como [2] revelava haver cisão e

falta de unidade numa associação criada justamente para uniformizar a ação e o pensamento jurídicos dos

advogados”. PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871.

Campinas: Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 111. Quiçá, em razão disso, as atas do episódio não

foram publicadas e este é mal visto até hoje no IAB.

284 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905. p. 42 – 81. Disponível em: <http://www.iabnacional.org.br/IMG/pdf/doc-8349.pdf>.

285 Neste sentido, Maspétiol via no direito romano, “mais o resultado da técnica jurídica, em especial na

jurisprudência e na doutrina, do que na política. Sem negar-se, todavia, a relação daquela jurisprudência/doutrina

com o quadro político-social geral.” MASPÉTIOL, Roland. Le droit et la politique, deux visions partielles et

fragmentaires d’une même réalité sociale. Archives de philosophie du droit. n. 16. Paris : Sirey, 1991, p. 43.

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questão), este estudo ficará restrito aos argumentos levantados por Teixeira de Freitas mesmo

em sua carta de renúncia do IAB, não sem contextualizar suas razões aos “fatos” relatados por

seus biógrafos, para compreender, na medida do possível, a exatidão desses fatos, silenciados

no tempo.

Se o silêncio é retórico, como visto, os debates também o foram. Assim, não é possível

esquivar-se do “silêncio” combatido por Joaquim Nabuco em seus discursos a respeito da

“omissão” textual de Teixeira de Freitas, sem observar que Joaquim Nabuco incidiu na mesma

prática discursiva, quando poderia ter prestado subsídios para a história (e para este estudo

indiretamente) ao descrever, caso pudesse, embora devesse, os eventos jurídicos ocorridos

naquele período, próximo que estava daquele momento.

Joaquim Nabuco, ao não detalhar os desenvolvimentos jurídicos ocorridos,

que conduziram, inclusive, ao estremecimento das relações de Teixeira de

Freitas com seus colegas do IAB, acabou por reproduzir a mesma atitude de

silêncio adotada pelas direções posteriores da casa de não publicar as atas

das conferências em que se verificou o episódio286

. (grifo nosso)

O que teria produzido essa geral “atitude de silêncio”? Qual seria o conteúdo oculto

dessas “conferências” ou debates, ocorridos no IAB capazes de estremecer as relações de

Teixeira de Freitas com seus colegas? Será que foi uma posição anti-abolicionista de Freitas

que produziu essa “atitude” ou, também, tudo não passou de uma estratégia do relato vencedor

abolicionista para excluir qualquer argumentação coerente e concorrente, mas fadada à

derrota, a favor do status quo de então e assim, evitar qualquer retorno à situação anterior? A

pesquisa de Pena lança nova luz sobre essa questão centenária, acerca de como reconstituir

relatos, embora, necessariamente, possam estes também ter sido manipulados

argumentativamente. Contudo, isso é o que se dispõe como informação até o momento

presente:

A partir de alguns periódicos da Corte e de uma importante e pouco

conhecida obra de compilação de questões jurídicas relativas a ações de

liberdade movidas por escravos, realizada por um oficial da Secretaria de

Estado dos Negócios da Justiça, pudemos burlar o silêncio e reconstruir os

‘desagradáveis incidentes’ (expressão cunhada pelo próprio Teixeira de

286

PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 77.

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103

Freitas) ocorridas no instituto. A reconstituição do episódio foi importante,

por um lado, para se desfazer uma possível imagem de Teixeira de Freitas,

que pode ser feita por uma leitura superficial da nota de Joaquim Nabuco,

como adversário intransigente das ideias emancipacionistas287

.

Havia uma luta de ideias, cada uma com seus discursos e táticas específicos. Como

estes discursos separadamente ou associados poderiam ser aplicados aos casos práticos das

mulheres statu líber que reivindicavam a liberdade de seus filhos enquanto vigorava a cláusula

de condição? Seria esse caso difícil uma construção elaborada para fazer com que a postura

legalista de Teixeira de Freitas fosse derrotada, em tempo e lugar, a fim de que a tendência

dominante prevalecesse apesar da legalidade vigente? Já que não havia espaço dentro do

ordenamento legal textual existente, perece que o melhor seria afastar seu mais preparado

defensor.

Já foi visto que a questão da escravidão trouxe para dentro da pratica dos tribunais

relevantes discussões e o IAB tornou-se palco de pareceres que tinham “força vinculante”,

como melhor se entende contemporaneamente a força que o resultado dos mesmos produzia

como jurisprudência prática288

.

Na verdade, a justiça imperial, quando confrontada com a questão escravista,

apresentava posições dúbias e indecisas, o que não firmava uma jurisprudência definitiva

sobre o assunto289

. Especificamente, eram de dois tipos as pessoas que buscavam a justiça

sobre o assunto delimitado: (1) mulheres escravas que por disposição testamentária eram

libertadas, ficando só com a obrigação de prestar serviços por um período de tempo ao

herdeiro, chamadas de statu líber ou libertas “sob condição”, e, (2) os filhos dessas mulheres

287

PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 78.

288 O STF apenas surgiria em 22 de junho de 1890 e o STJ, distinto do Supremo Tribunal de Justiça imperial,

iniciaria seu papel em 09 de janeiro de 1929 com funções restritas e bem específicas, após a proclamação da

República. Fonte: BRASIL. STF. Histórico: Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?

servico=sobreStfConhecaStfHistorico>.

289 Pena cita o exemplo de uma filha de statu líber que perdeu uma ação na primeira instância ao pleitear sua

liberdade por ter nascido no período “sob condição” da mãe e que ao recorrer ao Tribunal da Relação da Corte

teve a sentença reformada a seu favor, mas o Supremo Tribunal de Justiça Imperial ao ser provocado por um

pedido de revista por um dos herdeiros decidiu contra ela, numa clara demonstração de que os tribunais não se

entendiam sobre essa e outras questões legais. Aquele autor também descreve a situação de que dez anos depois

o Supremo decidiu inversamente à reforma de uma sentença do Tribunal de Relação que modificara uma decisão

de primeira instância desfavorável, mostrando assim, “que as posições dos juízes do Supremo, em relação à

questão, variavam segundo a interpretação que faziam da vontade dos proprietários escravistas em seus

testamentos e dos termos condicionais da alforria dada a suas escravas”. PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa

imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas: Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005,

p. 85 – 87.

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nascidos após a libertação testamentária, mas durante o tempo condicional de prestação de tais

serviços.

Como argumento, os juristas emancipacionistas utilizavam os chamados “princípios

jurídico-morais” pelo bem da liberdade contra as regras gerais de Direito e seus “princípios

jurídico-positivos” que se mostraram como sendo “eficiente argumento de retórica jurídica

acionado pelos jurisconsultos mais propensos à liberdade”290

. Diante da inconsistência dos

tribunais que julgavam tais causas, alguns membros do IAB trouxeram essa discussão para o

debate interno. À época em que Teixeira de Freitas era seu presidente, trazer essa discussão

aos seus átrios parece ter sido uma provocação calculada ao jurisconsulto. Isso porque a

acusação para as decisões vacilantes dos tribunais era “a ausência de um Código Civil claro e

conciso que se definisse diante das inúmeras disposições legais, oriundas do Direito romano e

das ordenações portuguesas, que regulavam as relações escravagistas”291

. Curiosamente em

1857, Teixeira de Freitas havia terminado sua Consolidação das Leis Civis com a lacuna

proposital que, como visto, parecia ter a intenção de favorecer a causa libertária, mas esta

mesma lacuna “deu margem ao contínuo ingresso de ações de liberdade nos tribunais”. Isso

amplificava a provocação e, nas entrelinhas, questionaria a qualidade do seu trabalho.

Assim, a comissão de jurisprudência do Instituto enveredou pelo caminho da polêmica

numa das mais longas conferências do Instituto dos Advogados Brasileiros quando Caetano

Soares apresentou a questão das statu líber para discussão. Em sua defesa utilizou uma

interpretação peculiar de uma cláusula escravista do Digesto romano uma vez que, como

determinavam as ordenações portuguesas, em caso de inexistir “legislação positiva e expressa

nossa” poder-se-ia utilizar de dispositivos do Direito romano para o exercício da hermenêutica

jurídica desde que “os dispositivos escolhidos fossem fundados na boa razão”. Foi com base

nesse argumento da “boa razão” que toda a discussão se desenrolou. “O argumento da boa

razão foi frequentemente veiculado como um preceito jurídico-moral a favor da liberdade”

(ALO3)292

.

290

PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 87.

291 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 88.

292 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 89.

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Ressalte-se que o dispositivo utilizado por Caetano Soares, do Digesto, foi uma

cláusula escravagista utilizada a contrario sensu para defender a causa libertária da statu líber,

ou seja, em favor de sua liberdade. Caetano Soares utilizou a primeira linha de prova

demonstrada por Aristóteles no capítulo 23 do livro segundo de sua Arte Retórica: “uma linha

de prova positiva baseia-se na consideração da oposição de uma coisa em questão”293

. O

fundamento nos paradoxos é um dos mais famosos tropos jurídicos (FLO1).

Causava grande polêmica e discussão, a definição do que viria a ser o termo “boa

razão”, de importante valor linguístico para a época294

. Em resumo, o discurso

emancipacionista europeu canalizou os princípios do liberalismo econômico para a

idealização de reformas que visassem uma “humanização” de toda a questão escravista, desde

as condições do tráfico, às condições do trabalho escravo e sua extinção gradual e controlada.

Assim, a “boa razão” era preferir leis que levassem adiante esses princípios humanitários,

portanto, “seria de bom tom ou de boa razão, por parte dos jurisconsultos “humanitários”,

repudiarem qualquer menção a leis ou normas escravistas de Direitos antigos”295

.

Havia consenso de que o uso de qualquer dispositivo escravista romano era inviável

como norma subsidiária a partir da lei de 1769. Ao falar em “consenso” fica claro que não

havia unanimidade, pois o argumento da “boa razão” veiculado pelo discurso jurídico

emancipacionista também serviu de justificativa para a manutenção da escravidão nas

possessões coloniais portuguesas a fim de se manter a ordem política e o bem-estar econômico

e financeiro do Reino296

. Contudo, Caetano Soares, no Brasil, não seguiu esse consenso

abrindo um precedente na discussão de sacar um dispositivo do Direito romano para fortalecer

seu esquema de argumentação jurídica, posto que para ele “a verdadeira boa razão era

293

ARISTÓTELES. Retórica. Tradução Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 128.

294 As Ordenações portuguesas também não explicavam muito qual o significado dessa “boa razão”. Na

verdade, os advogados e jurisconsultos portugueses usavam muito esse preceito na escolha das leis antigas a fim

de justificarem seus argumentos jurídicos em detrimento das leis pátrias e costumes do Reino desde o século

XVIII, o que levou a Coroa a baixar uma lei conhecida como Lei da Boa Razão de 18 de agosto de 1769 que

parece ter esclarecido seus possíveis significados. A respeito leia-se PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa

imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas: Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005,

p. 89-90.

295 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 90.

296 Sobre a discussão acerca da lei de 1769 ver TELLES, José Homem Corrêa. Comentário da Lei da Boa Razão

de 18 de agosto de 1769 (1824), Ajuris, Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul [...], Porto

Alegre, nov., 1976, 8, p. 6-74.

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106

privilegiar o estado de liberdade em contraposição ao da escravidão, mesmo que isso o

conduzisse a raciocínios complexos e controvertidos de interpretação jurídica”297

.

Caetano Soares questionou se, caso a escrava que ganhava a liberdade sob condição

por meio da vontade testamentária do seu senhor, e, durante o período que ainda prestava

serviços ao herdeiro, viesse a ter filhos, estes seriam livres ou escravos; se escravos, a quem

pertenceriam, e se livres, deveriam também prestar serviços durante o tempo condicionado à

sua mãe298

; Caetano Soares acrescentou mais um argumento à sua interpretação, o preceito

comum entre os romanistas: partus ventrem sequitur.

Em conformidade com aquele preceito o filho da escrava devia seguir a condição da

mãe. Assim, se a mãe tinha o Direito à liberdade, esse Direito também pertencia ao filho

nascido após ser concedida tal liberdade. A questão era se aquelas mães que eram alforriadas

sob a condição de continuarem a prestar serviço teriam filhos libertos. Para Caetano Soares o

significado da expressão testamentária “escravos forros com obrigação de prestarem serviços

a alguma pessoa” concedia a esses libertos sob condição o direito definitivo à liberdade,

apesar da restrição temporária para seu gozo. Logo, se já eram livres, os filhos gerados após a

concessão de tal direito seriam igualmente livres, embora as mães continuassem a prestar

serviços.

Uma vez aberta a discussão ao plenário por seu presidente (Teixeira de Freitas), Sales

Rosa, após concordar com a interpretação favorável à liberdade de ambos, utilizou do mesmo

argumento do partus ventrem sequitur para concluir que os filhos deveriam seguir a condição

da mãe. Ou seja. “se esta era obrigada a trabalhar até um determinado tempo, os filhos

nascidos neste período, mesmo sendo livres, quando aptos, deveriam também trabalhar”299

.

Esse argumento desconstruiu o discurso de Caetano Soares. O mesmo argumento para reforçar

a liberdade servia para manter o trabalho escravo também dos filhos legalmente reconhecidos

como livres. Do mesmo fundamento jurídico resultante de uma reflexão paradoxal se chegava

a soluções totalmente distintas. Isto é, tanto se garantia a liberdade legal aos filhos das statu

líber sob condição, como se assegurava aos usufrutuários o direito de explorar sua mão de

297

PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 90.

298 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 80.

299 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:

Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 91.

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107

obra temporariamente. Contudo, Perdigão Malheiro, retomou o argumento anterior e,

apelando mais uma vez ao espírito da “boa razão”, aplicou-o também aos filhos, concordando

que eles não seriam obrigados a servir, pois a condição fora imposta apenas às mães. O

princípio de que “em favor da liberdade são muitas coisas outorgadas contra as regras gerais”

se interpôs ao reinado absoluto do direito tradicional.

A “boa razão” despontava como metanorma que justificava até decisões supralegais. O

posicionamento moral estava se impondo e até sendo ressaltado por preceitos legais, o que ia

de encontro a qualquer lógica positiva de interpretação jurídica. Mas não era esse o

pensamento de Teixeira de Freitas.

Embora o presidente da casa (TF) não devesse participar do debate, Teixeira de Freitas

interveio na querela.

Como o objetivo desta dissertação não é assumir um compromisso com qualquer

verdade, concordar ou corroborar com esta ou aquela posição dentro do debate jurídico

daquele então, mas apresentar recursos retóricos usados naquele ambiente discursivo como

cabe à metódica, e, também para que não se delongue sobremaneira, em seguida proceder-se-á

a observação dos principais argumentos utilizados pelo próprio Teixeira de Freitas em sua

defesa “solitária” a respeito da questão escravista, descritos em sua carta de renúncia à

presidência do IAB, um dos poucos documentos que veio “quebrar” o silêncio institucional,

embora produzido de forma unilateral, mas útil para a finalidade deste estudo. Esta carta foi

disponibilizada ao público também pelo IAB em seu site, em 2012, depois de reiteradas

requisições de pesquisadores e historiadores.

4.4 Análise (primeira) dos principais elementos retóricos nos argumentos sobre a

questão escravista do debate no Instituto dos Advogados Brasileiros elencados por

Teixeira de Freitas em sua carta de renúncia à presidência do mesmo.

É de se esperar que alguém com o saber intelectual e jurídico como o de Teixeira de

Freitas também utilizasse em seus pronunciamentos (se orais ou escritos, aqui estão mesclados

pelas narrativas) figuras e argumentos retóricos, como os poucos já delineados anteriormente.

A questão de relevância para a retórica jurídica agora é saber “onde” suas citações se

enquadraram. Conforme as categorias elencadas neste estudo (no capítulo primeiro), tais

figuras e principalmente as frases e orações de seus argumentos seriam uma expressão de seu

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108

ethos, pathos ou logos? Isso porque dependendo de como se emoldurem, suas características

diferirão. Se em sua maioria, porque nem todas podem ser tão peremptórias, estiverem

relacionadas ao ethos ou ao pathos poderá se inferir que são de caráter ornamental e personal;

se relacionadas ao logos terão um caráter predominantemente postulatório, embora todas

busquem em alguma medida, a persuasão. Estas são as principais teses que se buscará

confirmar.

Como visto, a problemática levantada no debate do IAB versava sobre “se eram livres

ou escravos os filhos de uma escrava, que em testamento havia sido libertada, mas com a

cláusula de servir a um herdeiro ou legatário, enquanto este vivesse”300

. Na carta de 1857, a

primeira ação de Teixeira de Freitas é expor o primeiro argumento emocional do proponente

naquela reunião da entidade de advogados, o Dr. Caetano Soares: “ele preveniu desde logo,

que intensa seria a sua mágoa se resolvida fosse a questão por maneira diversa da que ele

esperava”301

. Como se sabe, Caetano Soares fora o antecessor a Teixeira de Freitas na

presidência daquela casa e naquele então contava com sessenta e sete anos de idade, um

“velho” diante dos jovens que ali se encontravam. Seu apelo pessoal (E) e emocional (P) não

era irrelevante retoricamente. Além disso, tal postura imprimiu o tipo de animosidade que

transcorreria durante o debate.

Quando escreveu a carta de renúncia à presidência do IAB datada de 22 de outubro de

1857, poucos dias após as discussões, as memórias de Teixeira de Freitas estavam vivas e as

emoções agitadas. Suas emoções emergiram intensamente nos primeiros parágrafos como um

fluxo de metáforas, aliterações e ironias, evidenciando sua habilidade retórica em lidar com as

palavras para exprimir o estado de seu espírito. Com isso esperava que o Instituto não

aceitasse sua renúncia? Assim ele descreve seu sofrimento (APO1) em forma de diácope

(FLO1):

Quando as aspirações de uma mocidade ardente e apaixonada foram

convergindo para o mais nobre sentimento que pode excitar o coração

humano;

300

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 45.

301 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 47.

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109

quando o amor de todos, concentrado no amor da pátria, me fez

compreender qual o destino da provança da vida;

quando na arena em que a Providência me colocou, conheci o dever de

dedicar-me a sérios estudos de jurisprudência, uma ideia desanimadora, um

prejuízo talvez, apoderou-se do meu animo, ideia desesperada pela

consciência da própria fraqueza.

Eu tinha concebido vastos planos,

eu carecia de uma coadjuvação, de uma vocação igual à minha, e essa

coadjuvação

eu a tive por impossível302

. [...] (grifos nossos).

Até às primeiras razões jurídicas tentou desafogar suas mágoas recorrendo a muitas

figuras de linguagem associadas, como estas metáforas (FPO1), entre tantas:

[...] deixar passar essa onda que submerge minhas esperanças.

[...] Entendi que as sociedades e comissões científicas eram instituições de

mero luxo, senão um hábil invento da insuficiência e ociosidade, que permite

a pequeninos zangões sorver o mel fabricado por abelhas trabalhadoras.

[...]

[...] nada mais natural do que amparar-se o fraco edifício da ignorância com

os esteios de nomes vãos e títulos pomposos, que são ouropéis com que se

impressiona o vulgo.

[...] não sei também que fruto se possa colher dos assaltos de uma primeira

ideia [...]

[...] Arreceei-me, pois, de que o forte licor da liberdade, que na ordem

política tantas calamidades há [sic.] causado [...]

[...] em cujo coração não puderam ainda os anos esfriar a energia dos mais

nobres sentimentos [...]

[...] Era de mister aplacar as vagas agitadas. Intervim na questão, afugentei

o falso aspecto da teoria [...] derivi por outro lado a feroz corrente da

discussão, e então, abertos novos horizontes [...]303

. (grifos nossos).

Ainda fez na sua introdução uso de questionamentos (FPA1) que seguramente sabia

terem nos seus interlocutores uma ampliação retórica de seu estado emocional manifestamente

sarcástico:

302

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 42 – 43.

303 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 42 – 51.

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110

O que poderá fazer um homem, que, em trabalhos sobre qualquer ramo da

ciência, lidar com outros que ponham em dúvida as próprias ideias

rudimentares? Podereis vós ter uma questão de gramática com quem não

conhecer as letras? Podereis verificar uma operação de contabilidade com

quem não conhecer os algarismos?304

E ainda minimizando, continua apelando para sentimentos até que, de fato, entre em

alguma questão de jurisprudência:

Seria isso uma ilusão? Terei de voltar ao meu isolamento, aos monólogos de

um solitário, sem o auxílio de tantos espíritos tão liberalmente favorecidos

pela natureza, que podem ser uteis à pátria?305

Ali também, Teixeira de Freitas deixou claro que a aplicação por Caetano Soares da

regra de direito romano, a mesma que ele utilizou306

, de que as mães desses filhos eram livres

e, por conseguinte seus filhos o eram, era “uma suposição errônea”. Na verdade, foi visto que

Caetano Soares utilizou o princípio romano partus ventrem sequitur a contrario sensu e, este

ficou distorcido também pelas deduções de outros presentes, sendo, por fim, abandonado.

Então, foi evocada para interpretar a questão a “famosa boa razão da lei de 18 de agosto de

1769”. Fato que não passou despercebido a Teixeira de Freitas.

O direito romano, que pouco antes havia sido invocado como um foco de luz,

e precisamente em um ponto em que sem necessidade quis ser contraditório,

foi abandonado de improviso, passando logo a ser uma legislação de

bárbaros, que não podia quadrar ao espírito liberal da civilização moderna!307

304

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 44.

305 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 45.

306 “A regra da L. 5ª §2º, e L. 24 Dig. de stat. hom, partus ventrem sequitur.” FREITAS, Augusto Teixeira de.

Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto

Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia Hilderbrandt, 1905, p. 46.

307 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 50 (grifo nosso).

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111

Teixeira de Freitas não refutou imediatamente, pois lamentou que o Instituto não

possuísse sequer uma cópia do Corpus Iuris308

, a “suposição errônea” de Caetano Soares com

base no direito romano, realizando essa correção por meio de uma análise trazida na segunda

sessão para expor aquele erro silogístico:

[...] conheci que todo o mal provinha somente da viciosa redação da

proposta, a qual laborava no erro essencial de supor, que o serviço obrigado e

temporário do escravo manutido com condição era o de uma situação

semelhante à do locador de serviços, ou mais ainda, porém não o serviço que

constitui ou caracteriza a escravidão309

.

Parece que o debate prosseguiu do Direito Romano para teorias de locação e usufruto

sem que se conseguisse uma resposta jurídica satisfatória. Durante a discussão, os discursos e

as votações se afastaram cada vez mais do direito romano e da teoria geral fornecedora dos

princípios interpretativos que formaram o ponto inicial da questão. Então, Teixeira de Freitas

mudou seu foco do pathos (P) emocional para uma variedade de argumentos jurídicos

intrínsecos ao logos (L) para, logo, passar a uma demonstração detalhada da doutrina que

defendia. Fez citações legais tanto do direito romano como do Código Civil da Lousiana na

forma de argumentos (ALO1). Apresentou o princípio da “boa razão” mais uma vez (ALO2)

coligado a ditados do senso comum (ALO3). Para enfim, prosseguir em direção a seus

argumentos dedutivos (ALO4).

Estas soluções tem assento no direito romano,

tem autoridade no código civil da Lousiana [sic],

derivam da boa razão em todo o país onde houverem escravos [...]

como o desejam todos os corações bem formados, e como reclama o santo

dever da caridade.

308

A obra legislativa de Justiniano que consta de quatro partes: Institutas (manual escolar), Digesto ou

Pandectas (compilação dos iura), Código (compilação das leges) e Novelas (reunião das constituições

promulgadas depois de 535 por Justiniano). A esse conjunto, o romanista francês Dionísio Godofredo, em 1538,

na edição que dele fez, denominou Corpus Iuris Civiles (Corpo de Direito Civil), designação essa que é hoje

universalmente adotada. A melhor edição do Corpus Iuris Civilis é a devida aos alemães Mommsen, Krueger,

Schoell e Kroll. O primeiro editou o Digesto (Pandectas); o segundo, as Institutas e o Código; e os demais, as

Novelas. Texto integral do Corpus disponível em: <http://archive.org/details/corpusjuriscivil01krueuoft>.

309 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 52.

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112

[...] negais-me os princípios, porque vos temeis das minhas consequências.

[...] eu vou em ordem numérica expor as minhas demonstrações; abalai, se

puderdes, a base dos meus raciocínios, rompei sua cadeia lógica310

. (grifos

nossos)

Ao longo da numerosa exposição doutrinária, particularmente a teoria do usufruto, e

foram trinta e duas exposições que versaram acerca de liberdade, vontade, dominação,

personalidade, escravidão, lei e direitos como capacidade civil e capacidade política; sua

retórica se avolumou. Destacadamente na forma de argumentos dedutivos (ALO4). A “ficção

engenhosa” de Teixeira de Freitas, na verdade, foi constituída de deduções silogísticas e

entimemáticas. Um exemplo foi a refutação ao pensamento de que “um testamento liberte um

escravo e ao mesmo tempo o obrigue a servir alguma outra pessoa”:

[...] O serviço livre será eternamente o produto de um contrato, de um

concurso de vontades [premissa: contratos são a expressão de um concurso

de vontades].

[premissa oculta: os serviços são regidos por contratos]

[...] Ora, o testamento não é contrato, é a expressão de uma vontade única

[premissa: testamento não é contrato].

[premissa oculta: testamentos não regem serviços]

[...] Como pode, pois, o testamento obrigar alguém a prestar serviços?311

[conclusão: o testamento não pode obrigar alguém a prestar serviços]

Essas demonstrações incluíam também princípios de lógica. Isso pode ser observado

no seguinte questionamento:

Perguntar, se pessoas livres são obrigadas a prestar serviços como escravas, é

perguntar se pessoas livres podem ser escravas, ou se pode ser livre e escravo

ao mesmo tempo, ou se pode ser e não ser312

.

310

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 59.

311 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 64.

312 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 65.

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113

Organizando essas questões logicamente pode-se parafrasear esta passagem assim:

Se, a escravidão é a ausência da liberdade ou, “o estado oposto à liberdade”313

;

Uma pessoa não pode ser livre e não livre ao mesmo tempo (“ser e não ser” ao

mesmo tempo)314

;

Uma pessoa livre não pode ser ao mesmo tempo escrava;

Logo, uma pessoa livre não pode ser obrigada a prestar serviços como escrava.

Para demonstrar ainda que a “teoria do usufruto” não era aplicável àquela controvérsia,

seguindo a mesma lógica, partiu da premissa de que duas entidades deviam estar pressupostas

para o usufruto: a do usufrutuário (aquele que usufrui da coisa) e a do nu proprietário (aquele

que dispõe da coisa). Como o herdeiro não pode ser ambas as entidades, e, o escravo também

não pode ser sujeito e objeto do direito, tal teoria era inaplicável ao caso. Foi assim que

chegou Teixeira de Freitas à essa conclusão:

Se no caso sujeito o herdeiro ou legatário é usufrutuário, quem será então o

proprietário? [O proprietário é sujeito suscetível de direito (o direito de

liberdade, podendo concedê-la ou não)]

Será o escravo o proprietário de si mesmo, ou de sua liberdade alcançada

pela manumissão? [A coisa (o escravo) não pode ser ao mesmo tempo sujeito

(proprietário) e objeto (coisa) do direito (o direito à liberdade)]

Mas, o escravo é coisa [...]

[...] e a coisa, como bem define o código de Berne, só pode ser objeto do

direito, mas não é suscetível do direito315

. [Logo, a coisa é o objeto do direito

(o escravo apenas pode ser liberto ou não)]

Teixeira de Freitas, ainda utilizou-se de deduções (ALO4) para corroborar argumentos

de autoridade ao trazer os axiomas de Berne e Savigny316

(AEO1) para confirmar seu

313

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 63.

314 Conforme o princípio de lógica formal da não contradição em que uma proposição não pode ser e não ser

(seu contrário) ao mesmo tempo (é impossível que A seja A e não-A simultaneamente).

315 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 66.

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114

pensamento de que “engana-se quem pensa que o senhor transmite ao liberto a propriedade de

escravo” tomando como base a liberdade, em conclusão à máxima do Digesto – et certe

libertas inœstimabilis res est (ALO3):

[Premissa oculta: propriedade é aquilo que tem preço venal]

Se, a liberdade é inestimável, se não tem preço venal,

não pode ser objeto de propriedade317

.

Continuando sua apresentação a respeito da doutrina do usufruto usou de argumentos

legais onde citou mais do que antes porções do Digesto, das Institutas e de artigos do Código

da Lousiana e do “nosso código penal”, não sem citar também os princípios de Savigny, das

Pandectas de Pothier318

, bem como Molitor319

. Ficando evidenciado assim, seu conhecimento

doutrinário e sua preferência em cunhar sua ciência na letra da lei, no logos (L).

Contudo, chega ao desfecho de sua carta, voltando aos elementos emocionais

relacionados ao pathos (P) como fez no inicio dela. Porém, muda o foco das figuras para os

argumentos, que como cabe ao remate de um discurso não é tão numeroso, mas rico,

principalmente por certo ar de ironia.

Foram poucas as metáforas, porém, fortes:

[...] Eu vos acompanharei em vosso vôo (sic.), contanto que não subais mui

alto.

316

Savigny [que certamente exerceu influencia sobre Teixeira de Freitas no seu tempo, pois aqui ele o cita]

fundado no sistema romano, onde a obrigação se convertia em moeda quando objeto de execução judicial,

sustentou a ideia de que as obrigações apresentam sempre um componente patrimonial. NADER, Paulo. Curso

de direito civil, volume 2: obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 9 – 10.

317 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 66.

318 Robert Joseph Pothier (1699 – 1772) foi um jurisconsulto francês, nascido em Orléans, França. Dentre suas

obras merecem destaque especial as clássicas Pandectae Justinianae in Novum Ordinem Digestae, trabalho ao

qual dedicou vinte anos de sua existência. Foi erudito conhecedor da literatura e das instituições da Antiguidade

clássica sendo também um ilustre romanista. LIMA JÚNIOR, Dilson Machado de. (Coord.) Pothier. Dicionário

bibliográfico e teórico [de] filosofia do direito. Belo Horizonte: Líder, 2007, p. 200.

319 Como nos preceitos reproduzidos na reedição de Jean Paul Molitor, Les obligations en Droit Romain, 10ª ed.,

Gand, H. Hoste, 1866.

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[...] Se me negardes o brilho do sol, eu não direi que tendes uma opinião,

direi que sois cegos320

. [...] (grifos nossos)

A surpresa que guardou para o fim foi mais destrutiva para a doutrina e para sua

pessoa do que tudo o que tentou construir com as muitas lições do corpo da carta. Vangloriou-

se de ter sido chamado de “romanista”. Antes, porém, enumerando todos os seus recursos

retóricos, mais uma vez desdenhou da proposta:

Já vedes, senhores, que nem o direito antigo nem o direito moderno, vos

autorizava para tantas aberrações; e já que me taxais de nimiamente

romanista, eu vos direi que no ponto discutido, não há nem superstições,

nem sutilezas romanas [APA1]. Tudo é natural, tudo é de rigor, não tenho

feito mais do que aplicar princípios [ALO2], do que lembrar-vos verdades,

umas axiomáticas, outras perfeitamente demonstradas [ALO4], que a

sabedoria dos séculos tem entesourado [ALO3], e que formam hoje o corpo

de doutrinas [ALO2], que se chama Ciência do Direito321

[AEO3].

Certamente Teixeira de Freitas buscou “vencer” a polêmica apelando à “benevolência

de todos”, mas foi resignado e após afirmar “não quero posições artificiais, nem essas

reputações falsas, cobertas de elogios, que tanto abundam em nosso país”, renunciou ao cargo

destruindo a já “falsa” aparência de união do Instituto que ele denominou de “respeitável

corporação”:

Peço-vos humildemente, que me dispenseis, quero a posição subalterna de

simples membro, que só dar-me-á direito de falar as vezes que me

competirem, sem que eu abuse, sem que dê mostras de alguma superioridade

[!]. Quando o meu modo de pensar não se conformar com o da maioria do

Instituto, eu protestarei e farei publicar o meu voto em separado, para que o

direito não fique reduzido a uma ciência extravagante, em que cada um pode

dizer o que quiser.

320

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 42 – 51, 79 – 80.

321 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 77 – 78 .

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116

Dispensai-me, senhores; terminai como quiserdes a vossa questão de

liberdade. É uma questão de liberdade e vós a tendes discutido com toda a

liberdade322

.

Essas antíteses não guardaram uma refletida ironia? Se não, como elucidar essas

palavras finais?

Tomo a ousadia de oferecer ao Instituto a pequena quantia de 1:000$ para ser

aplicada à fundação da sua biblioteca, e recomendo-vos sobretudo, que a

enriqueçais logo como o Corpus Iuris, [FPO1] que deve ser a fonte vital,

onde devemos beber sempre e sem descanso323

[FPO1]. (grifos nossos)

Foi assim que Teixeira de Freitas deixou a presidência do IAB.

4.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do tema

da escravidão.

Em resumo a todo o visto neste capítulo e segundo o texto integral usado para análise –

a carta de renúncia de Teixeira de Freitas à presidência do IAB – segue que:

Tipos/Categorias nº de

incidências Observações

ethos (E)

FEO1 0 poucas expressões que possam

manifestar a personalidade do autor e

uns poucos argumentos demonstram seu

conhecimento especializado

AEO1 1

AEO2 1

AEO3 3

FPO1 21 grande ênfase em metáforas e ironias

que ornaram o texto pessoal (carta) FPO2 1

322

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 81.

323 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia

Hilderbrandt, 1905, p. 81.

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117

pathos (P)

FPO3 1

APO1 9 todas, emoções de pesar pelo debate

ocorrido no IAB

FPA1 11 com destaque para as perguntas retóricas

tanto no início como no fim da carta

APA1 4 mostra atenção às emoções dos

interlocutores para usá-las a seu favor

logos (L)

FLO1 7 juntamente com as outras figuras de

linguagem demonstra cuidado na

elaboração do texto

FLO2 7 expressões latinas típicas de quem lida

com textos jurídicos

ALO1 40 grande número de citações de textos

legais do direito romano sobre a teoria

do usufruto

ALO2 9 princípios do direito das obrigações

ALO3 10 principalmente brocardos latinos do

Digesto apresentados na língua original

ALO4 10 importantes deduções para desconstruir

os argumentos de que a teoria do

usufruto se aplicaria à questão proposta

Subtotais 16 135

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118

CAPÍTULO QUINTO – A VALIDADE DO CASAMENTO NORMATIZADA PELO

JURISCONSULTO POSITIVISTA: UM CONFLITO ENTRE O RELIGIOSO E O

CIVIL.

Sumário: 5.1 A importância e o interesse da Academia brasileira pelo tema do casamento

no período oitocentista. 5.2 A reação de Carlos Totvárad às prescrições do Esboço de

Teixeira de Freitas a respeito do casamento através da imprensa como nova estratégia de

abordagem. 5.3 Elementos motivadores nos discursos de Totvárad e de Teixeira de Freitas:

um debate predominantemente fundamentado na religião. 5.4 Análise (segunda) dos

principais elementos retóricos dos argumentos sobre o tema do casamento elencados por

Teixeira de Freitas em sua resposta a Carlos Totvárad no Diário do Rio de Janeiro em

agosto de 1861. 5.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas

acerca do tema do casamento.

“Os conceitos intelectuais não são definitivos, mas dinâmicos e abertos, porque extraídos das

consequências práticas previsíveis, o seu número é indefinido e sua aferição problemática, estando, assim,

impregnados de falibilidade.”

George Browne324

5.1 A importância e o interesse da Academia brasileira pelo tema do casamento no

período oitocentista.

Da mesma maneira que a polemica a respeito da escravidão inflamava o cenário

internacional e colocava o Brasil no centro das principais discussões políticas e acadêmicas,

um segundo assunto despertava interesse dos mais sérios: a implantação e validade do

casamento civil.

Na busca pelo poder, cada religião sempre reclamou para si os efeitos e a validade dos

efeitos do casamento e contestava, assim, o rito e a validade de outras celebrações religiosas.

A partir da influência que veio da Europa, no Brasil colonial não foi diferente. Até o ano de

1890 o casamento no Brasil obedeceu quase que exclusivamente a legislação canônica

católica, vez que a religião católica era a religião oficial, primeiro de Portugal e depois do

Império, sendo, portanto ainda aqui, o casamento, um instituto (ou sacramento)

exclusivamente religioso. O primeiro imperador, D. Pedro I, ordenara, por decreto, a

observância das disposições do Concílio de Trento sobre o matrimônio e das Constituições

324

REGO, George Browne. O pragmatismo como alternativa à legalidade positivista: o método jurídico-

pragmático de B. N. Cardozo. BRANDÃO, Cláudio; CAVALCANTI, Francisco; ADEODATO, João Maurício.

(Coord.) Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 70.

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Primeiras do Arcebispado da Bahia325

. No Segundo Império, a partir de 1840, iniciou-se uma

busca por mudanças que atendessem novas tendências nacionais e internacionais. A questão

do casamento era uma delas e Teixeira de Freitas, uma vez contratado pelo Império para

preparar o Projeto do Código Civil em 1858, a ela também se dedicou, respeitando o modelo

religioso.

No mesmo ano de 1858, o então Ministro da Justiça Diogo de Vasconcelos

encaminhou um projeto estabelecendo o casamento civil, obrigatório aos não católicos, e

facultativo entre um acatólico e um católico que não quisessem casar-se segundo as normas

canônicas. Este projeto foi aprovado e transformado na lei n. 1.144, de 11 de setembro de

1861 (pouco depois dos eventos que serão analisados aqui). Foi essa lei que, regulamentada

pelo decreto n. 3.069, de 17 de abril de 1863, retirou da Igreja a exclusividade do casamento

religioso permitindo que outras religiões tivessem seus casamentos reconhecidos pelo Estado,

produzindo efeitos civis, pois, obviamente, as matérias contidas no Esboço não tinham força

de lei até que fossem prolatadas como Código Civil em conformidade aos procedimentos

legislativos necessários. Contudo, essas matérias serviram como base para discussões e análise

no campo forense material e processual.

Esta primeira ação legislativa concretizou a discussão, ainda que não de forma

definitiva, acerca da obrigatoriedade do casamento civil a fim de neutralizar o poder da Igreja

e consolidar a ordem do Estado brasileiro, embora este ainda continuasse em transição.

Porém, só com a instituição da República, no Brasil, foi que o decreto nº 181, de 24 de

janeiro de 1890 instituiu a obrigatoriedade do casamento civil no Brasil para todas as práticas

religiosas, evidentemente vinculando também a igreja católica. Por esse decreto, os rituais de

cada profissão de fé podiam ocorrer antes ou depois do ato civil326

; e, esse mesmo decreto

determinou que a competência de julgar oficialmente as causas relativas ao casamento

325

Por força da Lei de 3 de novembro de 1827, a Assembleia Legislativa resolveu manter como lei do Império

as disposições do Livro 1º, título 68, §291 das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, elaboradas pelo

Arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide e aprovadas por um Sínodo Diocesano em 12 de junho de 1707. As

disposições a respeito do “sacramento” do matrimônio e seus assentos estão descritas a partir do título 62 até o

título 74 nessas constituições. VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Constituições primeiras do arcebispado da

Bahia. São Paulo: Tipografia 2 de dezembro de Antonio Louzada Antunes, 1853, p. 107 – 132. Disponível para

download em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/222291>.

326 Assim rezava o parágrafo único do artigo 108: “Fica, em todo o caso, salvo aos contraentes observar, antes ou

depois do casamento civil, as formalidades e cerimônias prescritas para celebração do matrimônio pela religião

deles”. BRASIL. Legislação. Decreto nº 181, de 24 de Janeiro de 1890. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-181-24-janeiro-1890-507282-publicacaooriginal

-1-pe.html>.

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passasse exclusivamente à jurisdição civil327

. Ainda nessa lei fala-se pela primeira vez em

divórcio legal, para indicar a separação de corpos328

. Certamente, tal decreto foi ainda reflexo

de seu tempo, mas serviu bem ao processo crescente de laicização do Estado brasileiro.

Além das considerações religiosas e diplomáticas já referidas resumidamente antes (no

capítulo terceiro) acerca do tema, um grande interesse se abateu nos principais centros

culturais do Brasil, mormente onde se desenvolviam os principais estudos jurídicos: a capital

do Império e outros centros jurídicos. Várias foram as publicações acerca do tema. No Recife,

Braz Florentino Henriques de Souza329

publicou, em 1859, O casamento civil e o casamento

religioso. Quem confrontou o pensamento de Braz Florentino foi Carlos Totvárad com um

estudo chamado Refutação330

. Totvárad, que deu voz a uma oposição silenciosa contra a

Igreja, também escreveu outros dois compêndios acerca do tema do casamento: um, intitulado

O Casamento Civil331

e outro, chamado Reflexões332

. Caetano Alberto Soares também

publicou a obra Do Casamento como Contrato Civil, obra que foi divulgada em 1865333

.

327

Art. 109: “Desta mesma data por diante todas as causas matrimoniais ficarão competindo exclusivamente à

jurisdição civil”. BRASIL. Legislação. Decreto nº 181, de 24 de Janeiro de 1890.

328 Art. 88. “O divorcio não dissolve o vinculo conjugal, mas autoriza a separação indefinida dos corpos e faz

cassar o regime dos bens, como se o casamento fosse dissolvido”. BRASIL. Legislação. Decreto nº 181, de 24

de Janeiro de 1890.

329 Braz Florentino Henriques de Souza frequentou o Seminário de Olinda e concluiu o bacharelado na

Faculdade de Direito do Recife em 1850 e o doutorado em 1855.

330 Título completo da obra era Refutação da doutrina do Dr. Braz Florentino Henriques de Souza lente

catedrático da faculdade de direito do Recife apresentada na sua obra O casamento civil e o casamento

religioso por Carlos Kornis Totvárad ex-lente de direito criminal da universidade de Pest na Hungria. A obra

foi publicada em 1860 no Rio de Janeiro pela Livraria Universal de Eduardo & Henrique Laemmert.

331 Essa obra de Totvárad se intitulou O Casamento Civil ou o Direito do poder temporal em negócios do

casamento. Discussão jurídico-hitórico-teológica em duas partes. A primeira parte (tomo I) se voltou aos

aspectos jurídico-históricos. Nela, ele apresentou “argumentos de direito natural, os costumes e leis matrimoniais

de quase todos os povos da antiguidade”; com a refutação da primeira tese do Cônego Joaquim Pinto de Campos.

Na segunda parte (tomo II), ele apresentou “argumentos dos evangelhos, dos atos e das epístolas dos apóstolos, e

dos escritos dos primeiros padres do cristianismo, da doutrina dos diferentes teólogos e da história eclesiástica”.

A primeira parte foi publicada em 1858 e a segunda, em 1859, ambas no Rio de Janeiro, pela Livraria Universal

de Eduardo & Henrique Laemmert.

332 As Reflexões sobre a emenda substitutiva de João Lustosa da Cunha Paranaguá à proposta do governo

imperial regularizando os negócios de casamentos questionaram os posicionamentos da igreja católica sobre a

celebração e validade de casamentos realizados sob outros ritos, em particular, os das igrejas protestantes. Na

mesma obra foi publicada uma refutação ao que Totvárad chamou de os Paradoxos do Dr. Vilela Tavares, lente

de direito eclesiástico da faculdade do Recife e deputado pela província de Pernambuco à Assembléia Legislativa

Geral. Essa obra foi considerada por Totvárad como um complemento ao seu O Casamento Civil, e, foi publicada

em 1861 no Rio de Janeiro pela Typografia Universal de Eduardo & Henrique Laemmert.

333 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 91.

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5.2 A reação de Carlos Totvárad às prescrições do Esboço de Teixeira de Freitas a

respeito do casamento através da imprensa como nova estratégia de abordagem.

Nos centros onde florescia a cultura e se estabelecia o poder no Brasil, além das

publicações bibliográficas, outro fenômeno se desenvolvia como forma de manifestação sobre

a questão do casamento, entre outras: as discussões publicadas em periódicos, comumente

referidas como a “imprensa”334

.

É sabido que um “periódico” como indica sua denominação, assim como um jornal ou

revista, é uma publicação que obedece a certa periodicidade (diária, semanal, quinzenal,

mensal, etc.). Esse fenômeno iniciado no final do século XVIII é fonte material que preservou

o desabrochar de uma cultura jurídica também nascente como forma estratégica de divulgação

de argumentos335

. Foi através desse meio e mediante essa estratégia que a questão do

334

As formas de manifestação à época podiam ser públicas ou reservadas. Dentre as formas reservadas estavam,

por exemplo, e com ênfase na forma escrita, os documentos oficiais que circulavam entre os interessados de um

determinado órgão ou instituição, e as cartas pessoais que por vezes tinham força oficial e jurídica como a

estudada no capítulo anterior, que em lugar de um mero pedido de exoneração foi utilizada para, junto com

exposições doutrinárias de Direito, expressar com mais força sentimentos pessoais, assim como também articular

estratégias persuasivas. Esse tipo de discurso, em geral, não chegava ao grande público e seu conteúdo só

ganharia publicidade pela pesquisa e divulgação de historiadores e jornalistas, estes últimos com atividades

iniciadas concomitantemente aos eventos do período oitocentista brasileiro. Por sua vez, as formas de

manifestação pública iam desde os discursos proferidos em locais públicos (como em comícios e preleções em

teatros, estes com ênfase na oratória, a oralidade, que permitiam a percepção imediata da reação do auditório)

até, as impressões gráficas em livros, revistas e periódicos. Com certeza, quem escrevia um livro pretendia

alcançar um outro público, talvez maior ou, pelo menos, um público específico, especializado, contudo, de

retorno menos imediato, o mesmo ocorrendo com os periódicos e jornais, ainda mais gerais. Nestes, também

ficou gravado o registro do interesse sobre o tema do casamento civil.

335 Apesar dos meios de divulgação do debate entre Totvárad e Teixeira de Freitas terem vindo a público através

da imprensa comum, ou seja, os jornais o Correio Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro já em circulação ao

longo de 1859, o periodismo jurídico, especificamente, já era na Europa o meio comum de divulgação das ideias

jurídicas e exerceu papel importante na evolução das Ciências Jurídicas. “O fenômeno do periodismo jurídico

surge na França” tendo como referências o “Journal dês Causes Célèbres (1773), a Gazette dês Tribunaux

(1786) e Jurisprudence de La Cour de Cassation (1791). No entanto, a grande influência inicial foi marcada

pelas publicações germânicas: Friedrich Carl Von Savigny iniciou a edição do periódico Zeitschrift für

geschichtliche Rechtwissenchaft (1815) juntamente com K. F. Eichhorn e T. F. L. Goschen. [...] Em 1820, é

lançado o Archiv der Gesellschaft für aeltere Deutsche Geschichtskunde, seguido de Zeitschrift für Deutsche

Recht (1820)”. Na Itália “Bartolomeo Belli deu ao prelo a Reccolta delle più importanti decisioni dei Supremi

Tribunali de contenziosa (1816), seguido de Repertorio generale di giurisorudenza dei tribunali romano (1817),

publicado até 1861”. Em Portugal, a primeira publicação portuguesa voltada ao Direito foram os Annaes da

Sociedade Jurídica (1835) e a Revista Jurídica da Sociedade Jurídica do Porto (1836), a Gazeta da Relação de

Lisboa (1838) e, em Coimbra, a Chronica Juridica (1840). A Gazeta dos Tribunais, ligada à Associação dos

Advogados de Lisboa surgiu em 1841. No Brasil, o príncipe regente João, em 1808, após a criação da Imprensa

Régia, providenciou a criação da Gazeta do Rio de Janeiro, que foi o “primeiro jornal publicado no Brasil,

voltado à publicidade legislativa”. “A primeira publicação brasileira genuinamente jurídica” foi a Gazeta dos

Tribunais (1843) e o primeiro periódico jurídico do Recife (porque a Faculdade de Olinda se mudou para um

prédio em Recife em 1854) foi o Ensaio Philosophico Pernambucano – Periódico Scientifico e Litterario (1857).

Em 1858 a Associação de Acadêmicos matriculados na Faculdade de Direito do Recife publicou a Revista

Acadêmica: Jornal de Sciencias e de Litteratura. Em 1862, o Instituto dos Advogados Brasileiros, sob a

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casamento civil foi abordada e confrontada por Carlos Kornis de Totvárad, não sem receber a

devida contrapartida de Teixeira de Freitas. Um debate que teve como “pano de fundo” a

temática abordada no Esboço. Tema que sempre apareceu em publicações acadêmicas como

as que foram assinadas por Bernardino dos Santos com o título “O matrimônio é

indissolúvel?” ou por C. de Lemos “O matrimônio é uma sociedade igual?”, ambos no

periódico da Faculdade de Direito do Recife: o Ensaio Philosophico Pernambucano –

Periódico Scientifico e Litterario336

.

Também já foi referido no capítulo terceiro (p. 84) desta dissertação que a divulgação

desse debate ocorreu por meio de periódicos seculares como o Correio Mercantil e o Diário

do Rio de Janeiro, em 1861, apesar de já existirem vários periódicos jurídicos tanto na capital

do Império como em outros lugares do Brasil. Seguramente, o objetivo era alcançar o público

em geral e não apenas o público versado nas letras jurídicas. Mobilizar a opinião pública para

uma determinada adesão temática é um dos objetivos do jornalismo, que sob o manto de

fornecer informações acerca de eventos, o que certamente não é acompanhado de

imparcialidade, constitui-se numa estratégia de persuasão de maior abrangência, já iniciando

sua utilização naquela época.

A polêmica com Teixeira de Freitas se travou em 1861 não em um livro, como

Totvárad costumava. Como componente de sua estratégia de combater o poder da Igreja

católica, ele partiu para a “imprensa”. Em conformidade ao seu costume de “abundante”

produção jornalística337

, Totvárad, desta vez escolheu discutir através do jornal Correio

Mercantil; por sua vez, Freitas escolheu o Diário do Rio de Janeiro. Num, Totvárad atacava,

no outro, Freitas refutava. O primeiro artigo que Totvárad escreveu para atacar Freitas teve

por título O Casamento no sentido do Esboço do Código Civil pelo Sr. Dr. Augusto Teixeira

de Freitas; as respostas de Teixeira de Freitas apenas se chamaram de O Casamento.

iniciativa de Perdigão Malheiro iniciou a publicação de seu órgão oficial: a Revista do Instituto da Ordem dos

Advogados Brazileiros. “A partir de 1868, o órgão oficial do IAB divulgou os relatórios e o parecer dos membros

da “Comissão encarregada de examinar o projeto do Código Civil redigido pelo doutor Augusto Teixeira de

Freitas e a resposta deste” O tema voltaria à tona em 1870, com a “Resposta do autor do Código Civil ao

secretário da comissão revisora do mesmo código””. FORMIGA, Armando Soares de Castro. Periodismo

jurídico no Brasil do século XIX. Curitiba: Juruá, 2010, p. 36 – 40, 50, 53, 72, 74, 81, 84.

336 FORMIGA, Armando Soares de Castro. Periodismo jurídico no Brasil do século XIX. Curitiba: Juruá,

2010, p. 73.

337 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 220.

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5.3 Elementos motivadores nos discursos de Totvárad e de Teixeira de Freitas: um

debate predominantemente fundamentado na religião.

A religião se apoiava nas elites dominantes, seja também servindo de apoio para elas,

seja participando do poder mesmo. Uma forma de controle foi o casamento. Vários discursos

de poder têm se levantado no decorrer da história como formas de controle pelas forças

políticas, econômicas e religiosas. Esses discursos têm abordado temas diversos como a

educação, casamento, segurança, direitos civis, direitos ambientais e direitos trabalhistas, entre

outros. O discurso de então, a respeito do casamento, foi levantado pelo poder religioso, para

afirmar ou contestar, mas em outros tempos poderia ser levantado por forças políticas

ambientalistas, sexistas ou de gênero como ocorreu mais de um século depois. É fato que o

tema do casamento sempre atendeu a interesses econômicos hereditários e/ou políticos de

indivíduos e grupos, ora para discutir o papel da igreja como controlador da sociedade, ora

para definir questões pontuais como a idade e o papel da mulher na relação, ou também, sua

abrangência nos relacionamentos de diferentes orientações sexuais. Considerar a “instituição”

casamento como em declínio ou sem importância é, na menor das hipóteses, uma ingenuidade.

Não importa quantos sejam os dispositivos “legais”, cada grupo de interesse deseja adequar

essa “instituição”, o casamento, à sua visão como uma bandeira vitoriosa. O porquê do

interesse do tema para esses grupos, aqui permanecerá apenas como interesse retórico. O

poder, do final do século XIX, se transvestiu de ideologias religiosas, católicas e protestantes,

como hoje se debatem também, por exemplo, forças democráticas e ditatoriais.

Totvárad e Freitas estavam nesses extremos religiosos. Ao expor os dispositivos legais

que Teixeira de Freitas elencou no seu Esboço, Carlos Totvárad destacou principalmente: a

distinção entre as maneiras de celebração do casamento e diferenças entre o caráter e os

efeitos jurídicos do matrimônio.

Em conformidade com sua visão, Totvárad entendia que Freitas havia separado as

maneiras de celebração do casamento, com base na religião católica, a fim de beneficiá-la; o

que de fato foi, da seguinte forma, e as comentou como maneira de iniciar e conduzir sua

argumentação:

O ilustrado Dr. A. T. de Freitas na sua obra acima mencionada, diferencia e

estabelece as seguintes maneiras de celebração do casamento: 1º) A

celebração a face da igreja católica, para os matrimônios entre os católicos;

2º) A celebração com a autorização da igreja católica e conforme a praxe da

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mesma para os casamentos mistos, quando os respectivos consortes

recorrerão [sic] à intervenção da igreja católica; 3º) A celebração sem

autorização da igreja católica, porém com a observância das disposições

prescritas na lei para os casamentos mistos, quando os respectivos consortes

não querem recorrer à autorização da igreja católica; e para os casamentos

entre pessoas que não seguem a religião católica338

.

Totvárad declarava que as diferenças quanto ao caráter e quanto aos efeitos jurídicos

do matrimônio se davam por algo que não a lei, mas algo que “variava”, se “modificava” e

“flutuava” como: a crença religiosa e a maneira de celebração, também religiosa. Esse tipo de

argumentação tendeu a levar a discussão para o campo da autoridade pessoal de cada autor. Se

no Brasil a autoridade da igreja católica estivesse em crescente descrédito ou, pelo menos, em

frontal confrontação, como na Europa, quiçá tais argumentos tivessem mais eficácia. Porém,

embora os pensamentos inovadores da Reforma por aqui soprassem, estavam longe de

receberem uma entusiasmada acolhida geral. Logo, basear a argumentação em teses pouco

populares corria o risco do insucesso. Assim alegava Totvárad:

No entender do ilustrado doutor, o caráter e os efeitos jurídicos do

matrimônio não é alguma coisa definida pela lei da invariável e eterna

justiça [AEO1] e inerente a natureza e essência do matrimônio [AEO1],

mas sim alguma coisa que se varia e modifica, conforme a flutuação da

crença religiosa e conforme a diversidade da maneira de celebração!339

[AEO3] (grifos nossos)

Totvárad demonstrou ao longo de sua crítica conhecimento filosófico, teológico e

jurídico, e sua retórica não escondeu seu esclarecimento acerca de possíveis intenções “legais”

para favorecer os interesses da Igreja elencadas por Teixeira de Freitas, não sem seus toques

de ironia, de forma que continuou:

[...] a indissolubilidade do vínculo e a duração perpétua das relações

jurídicas entre marido e mulher. – e entre pai, mãe e filhos, dependentes do

bel-prazer e arbítrio da parte católica, em relação aos casamentos mistos,

celebrados em conformidade da lei, porém sem autorização e intervenção da

igreja; – e do capricho de conversão para o catolicismo de um dos

338

TOTVÁRAD, Carlos Kornis de. O casamento no sentido do Esboço do Código Civil pelo Sr. Augusto

Teixeira de Freitas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 2 ago. 1861; 8 ago. 1861; 11 ago. 1861.

339 TOTVÁRAD, Carlos Kornis de. O casamento no sentido do Esboço do Código Civil pelo Sr. Augusto

Teixeira de Freitas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 2 ago. 1861; 8 ago. 1861; 11 ago. 1861.

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consortes não católicos, unidos anteriormente em matrimônio, sob a

invocação e proteção da lei, porém sem autorização e sem intervenção da

igreja católica340

. [FPO1] (grifos nossos)

E ainda,

[...] e todo esse favor e moralizador em troco de conversão para o

catolicismo – ou em troco de ato sumamente virtuoso, de querer o esposo

unido em matrimônio misto em conformidade da lei, porém, sem autorização

da igreja católica, abandonar a sua família desse modo organizada e nascida

[segundo a lei] – e beatificar-se por uma nova união com alguma pessoa

católica, e fazer a celebração com autorização e intervenção da igreja

católica341

. [FPO1] (grifos nossos)

Porém, neste estudo já se relatou que as principais posições de Teixeira de Freitas

sobre o casamento envolviam normas não apenas sobre impedimentos, mas também quanto à

forma de celebração de cunho inteiramente religioso. Contudo, não só isso. Embora fosse

evidente sua tendência em favorecer a igreja católica, seus dispositivos no Esboço

introduziram um misto de interesses. Um exemplo disso é que casamentos em que ambos os

cônjuges fossem estrangeiros surtiam efeitos civis quando celebrados no Império de “outra

forma” em virtude de Tratados ou Convenções Diplomáticas, mas se os cônjuges fossem

católicos, entre brasileiros (ou pelo menos um deles) e casassem em país estrangeiro por

simples contrato civil não produziria efeito no Império enquanto não fosse novamente

celebrado à face da Igreja Católica. O Esboço também reconhecia não só os impedimentos

civis estabelecidos no Código Civil (em elaboração), mas também os estabelecidos nas leis

canônicas, e, era a autoridade eclesiástica quem decidia sobre a dispensa destes.

De fato, para Teixeira de Freitas havia três modalidades de casamento quanto à

celebração: o casamento celebrado à face da Igreja Católica (Esboço, arts. 1261 a 1272); o

celebrado com autorização da Igreja Católica (Esboço, arts. 1273 e 1274) e o celebrado sem a

340

TOTVÁRAD, Carlos Kornis de. O casamento no sentido do Esboço do Código Civil pelo Sr. Augusto

Teixeira de Freitas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 2 ago. 1861; 8 ago. 1861; 11 ago. 1861.

341 TOTVÁRAD, Carlos Kornis de. O casamento no sentido do Esboço do Código Civil pelo Sr. Augusto

Teixeira de Freitas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 2 ago. 1861; 8 ago. 1861; 11 ago. 1861.

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126

autorização da Igreja Católica (Esboço, arts. 1275 a 1298)342

. Ele os defendeu de forma

convicta, como será analisado a seguir.

5.4 Análise (segunda) dos principais elementos retóricos dos argumentos sobre o tema do

casamento elencados por Teixeira de Freitas em sua resposta a Carlos Totvárad no

Diário do Rio de Janeiro em agosto de 1861.

Independente de uma postura que favorecia sem sombra de dúvida uma tendência

evidentemente religiosa, vez que era voz de uma corrente de dominação estabelecida pela

força ao longo dos anos, mesmo que retoricamente, Teixeira de Freitas mais uma vez

externalizou com convicção uma argumentação discursiva vencedora, ao menos, nesse debate

com Totvárad.

Os registros demonstram que Totvárad escrevia longos artigos sobre a questão do

casamento, e nesta oportunidade não foi diferente. Na mesma proporção, levando em

consideração tratar-se de artigos em jornais, Teixeira de Freitas respondeu prolixamente,

rebatendo cada uma das críticas de seu interlocutor. Contudo, iniciou seu primeiro artigo com

o subtítulo: “Breve resposta ao Sr. Dr. Totvárad...”, claro indício de uma velada (?) ironia

(FPO1).

Como experiente que era em ler as entrelinhas, percebeu uma reação contrária de uma

força semelhante à sua ao normatizar em seu Esboço a questão do casamento, a força da

religião. A primeira reação de Teixeira de Freitas é um pequeno grupo de argumentos (APO e

ALO) com a intenção de desvincular seu posicionamento da matriz religiosa, embora ainda

externasse que havia certa expectativa em relação aos religiosos. É um período que manifesta

e transfere seus primeiros sentimentos, seu pathos. Mas, essa isenção não se mantém até o

fim, como se verá. Nesse texto também algumas poucas figuras retóricas já podem ser vistas,

como a metáfora e a hipérbole.

Em minha consciência, nem católicos, nem protestantes, nem algum outro

por motivo de suas crenças religiosas, poderiam com razão queixar-se das

ideias do meu esboço de código civil na parte relativa ao casamento. [APO1]

342

FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação

Universidade de Brasília, 1983, p. 281 – 286.

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127

Não condescendi para agradar a esta ou àquela seita, e nem me constrangi

para a todos satisfazer a um tempo [...] [APO1].

[...] disse eu comigo, e plenamente satisfeito com o resultado de meus

esforços: “Creio ter feito o que sensatamente se podia fazer, e se alguma

oposição surgir, virá por certo do lado dos católicos ultramontanos, que,

fechados os olhos, condenam a priori (FLO2) toda a reforma possível; mas

esses poucos fanáticos não podem atualmente fazer prosélitos. [APO1]

Enganei-me. A primeira agressão vem do lado do protestantismo, e quem

investe contra meu Esboço, como se fora um castelo aéreo que ao longe se

figura ao paladino [FPO1, metáfora] é o Dr. Carlos Kornis Totvárad, a

quem me parece que ninguém terá a fortuna de contentar em matéria de

casamentos, a menos que rasgue a constituição deste império, e por meio

de uma lei ordinária mude de improviso a sua organização atual343

. [FEO1,

hipérbole] (grifos nossos)

É provável que o temor reverencial de confrontar as posições da Igreja Católica levou

Teixeira de Freitas a tentar neutralizar antecipadamente algo que poderia somar-se como uma

resistência a seu trabalho. Assim, ao afirmar que esperava “alguma oposição” por parte dos

“católicos ultramontanos” que “condenam a priori toda a reforma possível”, deixou claro que

seu trabalho, mesmo favorecendo os interesses católicos, como acusava Totvárad, já era uma

“reforma” que atendia seus melhores interesses.

Ainda em seu esforço inicial de desconstruir os argumentos de seu oponente, Teixeira

de Freitas se apegou a uma lógica simples: a base legal constitucional como pressuposto

argumentativo. Contudo, ao longo das duas publicações, nenhum artigo da referida

constituição do Império é citada! Ao contrário, apenas cita artigos do Esboço e faz referência

aos comentários de um Curso de Direito Canônico, aproveitando ainda para defender a

“emenda substitutiva” do Conselheiro Paranaguá.

Parece que desta vez, na verdade, Teixeira de Freitas busca o apoio dos princípios da

Teoria Geral do Direito para rebater as assertivas de seu antagonista, não sem antes tentar

desconstruir o ethos daquele que fez “uma apreciação infeliz” do Esboço: precipitado,

preconceituoso, desleal e desatento são adjetivos que surgem das linhas de Freitas para definir

a pessoa de Totvárad. Alguns exemplos dessas expressões que demonstram a desatenção de

Totvárad podem ser vistas mais uma vez e a continuar:

343

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 223.

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128

[...] o Dr. Carlos Kornis Totvárad, a quem me parece que ninguém terá a

fortuna de contentar [...] [FEO1]

[...] Quero crer, tão favoráveis são as disposições de meu fervoroso

antagonista, que, se não o dominam preconceitos, contra os quais a verdade

não tem poder, pelo menos ele nimiamente precipitado em sua censura,

prorrompendo imediatamente em desabono de um trabalho, que confessa em

seu artigo, ontem publicado no Correio Mercantil, ter apenas examinado por

alguns instantes. [AEO3]

Se não é assim, a censura ressente-se de aleivosia. [FEO1]

[...] Ou este período não tem sentido, ou o Dr. Kornis dá uma conta inexata

das idéias do Esboço. [FEO1]

[...] E a essa organização injusta sucedem considerações inúteis sobre a

natureza e essência do casamento [...]344

. [AEO3]

E continua, mais forte ainda em demonstrar a desatenção do seu crítico ao longo da

publicação:

[...] Leia o Dr. Kornis com a devida atenção o meu trabalho [...]

[...] Não estranhei que o Dr. Kornis assim encarasse o Esboço, quanto aos

efeitos jurídicos do casamento [...] porque li suas recentes considerações [...]

[e] coligi desse imenso invólucro de palavras que não estava a digestão feita

sobre o que se deve entender por [...] [AEO3]

[...] Mais vale meditar, do que folhear livros, e encher papel com citações de

autoridades. [...] [AEO1]

[...] Eis que o meu antagonista deve acuradamente discriminar, porque a sua

incerteza de ideias chega a tal ponto, que [...]345

. [AEO3]

Então, encerrou aquele primeiro artigo afirmando: “Eu peço ao meu ilustre censor que

rumine melhor essas matérias, que reveja sem prevenção o meu Esboço, onde verá que

[...]”346

.

Nestes artigos, percebe-se que Teixeira de Freitas não estava preocupado em editar um

texto belo e ilustrado. Seu empenho estava em defender a corrente que abraçara, mas nem por

isso deixou de esclarecer questões jurídicas como a diferenciação entre divórcio, dissolução

344

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 223 – 224.

345 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 224.

346 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 225.

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129

do casamento e a nulidade do casamento (ALO1). Também dedicou considerável parte de seu

primeiro texto para distinguir os efeitos civis do casamento de seus efeitos jurídicos

(ALO1)347

. Dessa forma, ele construiu uma sólida base doutrinária relacionada à Teoria Geral

do Direito para fomentar suas deduções (ALO4), não sem variadas figuras irônicas que

minaram a precisão (e de forma indireta, a credibilidade) de Totvárad nessa matéria do

casamento.

No trecho do segundo artigo (publicado em 10/08/1861) a seguir, encontra-se um dos

poucos, até porque um artigo não pode ser tão longo, aglomerados em que Freitas reúne várias

figuras relacionadas ao ethos e ao pathos consecutivamente para formular uma conclusão que

tenta desacreditar o “sólido” ethos de Totvárad, a quem insistiu em chamar de “Dr.” Kornis ao

longo dos textos:

Noções falsas são vidros de cor que nos iludem, [FPO1, metáfora]

e deve-se portanto louvar a ingenuidade do Sr. Dr. Kornis [FPO1, ironia]

quando confessa que no seu esvoaçar sobre o esboço do código civil [FPO1,

metáfora]

não acreditava em seus próprios olhos.

Em verdade, se nesse trabalho existissem as barbaridades que o Sr. Dr.

Kornis descobriu, [FEO1, hipérbole]

quem não ficaria confundido nas ideias de moral, justiça e religião católica?

[FPA1, pergunta retórica]

Também não nos consta, que houvesse jurisconsultos, canonistas, ou mesmo

papas, que pregassem e propagassem doutrinas que o Sr. Dr. Kornis nos as

atribuiu, [AEO3, questionamento das fontes]

e que aliás são de sua lavra própria348

. [ALO4, dedução]

Ele “termina” o artigo com uma série de razões; na verdade, uma sequência de

argumentos principiológicos que ele inicia considerando “enfadonha”. Em suas palavras,

“quero terminar esta enfadonha resposta que me está roubando um tempo precioso [...]”349

,

transmitindo ao leitor seu estado de ânimo que ao longo desse “final” se altera para expor as

347

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 224.

348 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 225.

349 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 225.

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130

motivações religiosas que estavam subjazendo a essa polemica por meio da, já observada,

sequência de perguntas (FPA1).

Teixeira de Freitas identificou vários dos efeitos civis do matrimônio (obrigatoriedade

de honestidade, fidelidade conjugal, proibição da bigamia, legitimação dos filhos, etc.),

defendo que estes estavam sendo regulados pelo Código Civil a despeito da maneira ou

diversidade de celebração. Embora a ordem das premissas não esteja numa sequência rígida,

como parte de seu estilo, elas reforçam seu ponto de vista.

Não há um só dos efeitos civis do casamento, que o Esboço recuse aos

casados sem autorização da igreja católica. [ALO4] [1]

Todos os casados, qualquer que seja o seu culto religioso, são iguais perante

a Lei em tudo o que respeita a direitos e obrigações que nascem do

casamento. [ALO2] [2]

A forma de celebração do casamento, a diversidade dessa forma, [...] é a sua

manifestação exterior [ALO2] e nada tem com os efeitos que o ato produz.

[ALO4] [3]

[...] A variedade de forma não corresponde a alguma variedade de efeitos350

.

[ALO4] [4]

Surge, a partir da assertiva [3], uma grande antítese acerca da postura de Teixeira de

Freitas que dava alguma razão a Totvárad em tentar defender a contrapartida de poder que

defendia: por que a legislação deveria apenas beneficiar a religião, expressamente a religião

católica? Ele deixou muito claro essa postura. A assertiva [3] em sua íntegra confirma isso,

embora a intenção de sua argumentação fosse em direção de justificar o casamento religioso

como única possibilidade dentro da legislação, o que para a consciência da sociedade da

época, dominada religiosamente, era a única forma. Ou seja, para ele, era inconcebível a

realização do casamento sem a celebração religiosa, independentemente da seita. Portanto, se

percebe adiante sua preferência pela religião católica de quem era porta-voz (“[...] e não será

isso colocar todas as seitas no mesmo pé de igualdade”351

), o que Totvárad combatia, sob a

justificativa de se basear na Constituição.

350

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.

351 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.

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131

A forma de celebração do casamento, a diversidade dessa forma, pertence à

parte constitutiva do mesmo casamento, [ALO2] é um dos elementos

deste importante ato jurídico, [ALO2] é a sua manifestação exterior

[ALO2] e nada tem com os efeitos que o ato produz352

. [ALO4] [3]

Logo, para Freitas, o ato religioso, sua celebração, era um elemento essencial do ato

jurídico. E, então, segue para expor as reais motivações de classificar o matrimônio em

modalidades de celebração no Esboço, defendendo o discurso de poder que abraçara. São

várias perguntas, algumas que ele mesmo responde, outras ficam subentendidas como se não

houvesse outra alternativa que não a sua proposta.

E quanto à forma, [de celebração do casamento] poderá dar-se identidade, ou

a diferença dela existe na validade das coisas? [FPA1] Se não há identidade

de crenças religiosas, a forma da celebração do casamento não pode deixar

de divergir. [ALO4]

Como, pois, uniformizar a forma de celebração de casamento? [FPA1]

E prossegue:

O casamento não é só um contrato, o Esboço abomina a instituição do

casamento, chamado civil. Em caso nenhum prescinde do elemento

religioso, qualquer que seja a seita dos nubentes e não será isso colocar todas

as seitas no mesmo pé de igualdade. [FPO1]

Quereis vós o casamento civil, para que sem diferença alguma, e em virtude

de simples contrato, se hajam por casados católicos e não católicos? [FPA1]

Será isso possível em relação a católicos em um país, onde sua carta política

adotou como religião do estado, a religião católica? [FPA1]

E se isso não é possível, dizei-me, [APA1] eu vos peço, [FPO2] não é mais

dar validade a vossos casamentos com o elemento religioso tal qual ele é do

que simplesmente pelo elemento civil de um contrato? [FPA1]

Não quereis que a autoridade civil fiscalize vossos casamentos, já

mandando publicá-los, já conhecendo dos impedimentos, divórcios e

nulidades?353

[FPA1] (grifos nossos)

352

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.

353 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.

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132

E finaliza, quase que abruptamente em relação à argumentação que vinha

desenvolvendo, tentando deixar uma imagem de legalidade:

Remataremos, dizendo-vos que, se o projeto do código civil fiscaliza a

celebração dos casamentos não autorizados pela igreja católica, não vos priva

de realizar esses casamentos com as solenidades anteriores ou posteriores

que por vossas crenças julgardes indispensáveis. [ALO4] O artigo 1.295 [do

Esboço] diz: “As precedentes disposições não excluem qualquer diligência

ou formalidades preliminares, que, segundo os usos das religiões toleradas,

se queira praticar para a celebração do casamento”354

. [ALO1] (grifos

nossos)

5.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do tema

do casamento.

Uma vez feita a identificação dos elementos retóricos mais importantes a partir dos

textos completos dos dois artigos que responderam aos questionamentos embandeirados por

Totvárad, foram enumerados cinquenta e sete ocorrências somadas. A soma se justifica por

estarem os artigos publicados em sequência e, numa certa medida, não repetirem o conteúdo

das matérias. Como proposto inicialmente, as categorias foram mantidas com o objetivo de

estabelecer uma coerência geral ao estilo e às argumentações de Teixeira de Freitas frente a

seus interlocutores.

Assim, as ocorrências foram como segue:

Tipos/Categorias nº de

incidências Observações

ethos (E)

FEO1 5 figuras que ajudam a desconstruir o

oponente mais do que a ilustrar o texto

AEO1 1

AEO2 3

AEO3 3

FPO1 7 a ênfase está nas ironias

354

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.

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133

pathos (P)

FPO2 1

FPO3 0

APO1 3

FPA1 7 todas perguntas retóricas

APA1 1

logos (L)

FLO1 1

FLO2 3 poucas expressões latinas

ALO1 8 há maior concentração em citações

legais (mesmo que do direito canônico)

e princípios da doutrina da Teoria do

Direito

ALO2 7

ALO3 0 apesar de escrever num periódico, não

são usadas expressões populares o que

demonstra que o texto é mais técnico

ALO4 7 usa deduções silogísticas,

principalmente nas conclusões dos

artigos, com a intenção de não permitir

refutações

Subtotais 16 57

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134

CAPÍTULO SEXTO – A UNIFICAÇÃO DO DIREITO PRIVADO E A TENTATIVA

RETÓRICA DE CORRIGIR UM VÍCIO DOUTRINÁRIO – O DESGASTE DE

TEIXEIRA DE FREITAS.

Sumário: 6.1. Circunstâncias para o fracasso da primeira tentativa da codificação civil do

Império brasileiro. 6.2. Algumas alegações da Comissão revisora do Esboço como

estratégias para desgastar os argumentos (e a saúde) de Teixeira de Freitas em 1865. 6.3.

Análise (terceira) dos principais elementos retóricos de Teixeira de Freitas em sua carta ao

Ministro Ribeiro de Andrada – a interrupção do Esboço em 1867. 6.4 Conclusões a partir

dos elementos e estratégias retóricas de Teixeira de Freitas acerca do tema da unificação do

Código Civil.

“Os problemas interpretativos estão no centro de interesses da teoria do direito, que por sua vez é

globalmente envolvida por um conceito filosófico de interpretação.”

Gustavo Just355

6.1 Circunstâncias para o fracasso da primeira tentativa da codificação civil do Império

brasileiro.

No período imperial, a primeira tentativa para organizar o Direito Civil pátrio após o

sucesso da Consolidação foi a de Teixeira de Freitas que foi contratado, em 1859, para a

empreitada de produzir um projeto de Código Civil, o Esboço. Ele assinou o contrato em 10

de Janeiro de 1859 com o compromisso de entregar seu trabalho em 31 de Dezembro de 1862.

Um período de dois anos que necessitou ser prorrogado por igual período.

Apesar dos cinco fascículos produzidos com quatro mil, novecentos e oito artigos,

precisou ter seu contrato prorrogado até 30 de Junho de 1864 quando foi, também, nomeada

uma Comissão de jurisconsultos que só em 1865 iniciaram a empreitada de examinar seu

trabalho. Contudo, “a comissão revisora nomeada se consumiu em prolongadas e estéreis

discussões que desgostaram o autor do projeto, sendo por fim, os trabalhos suspensos”356

.

Um dos pontos críticos da discussão estava na questão da unificação do direito

privado. A proposta de Teixeira de Freitas era alterar o plano original de todo o trabalho já

realizado e que se baseara no sistema utilizado na Consolidação; isso foi consequência da sua

355

JUST, Gustavo. Apresentação. JUST, Gustavo; REIS, Isaac. (Org.) Teoria hermenêutica do direito:

autores, tendências e problemas. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2012, p. 12.

356 PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em história. 5 ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006, p. 342.

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imersão nas matérias civilistas e de um lapso de genialidade inovadora. Sua proposta, repita-

se, era alterar o plano do seu projeto elaborando dois Códigos. Um “Código Geral” com

noções preliminares, definições e preceitos amplos em dois volumes, o primeiro sobre as

“causas jurídicas” (pessoas, bens e fatos) e o segundo a respeito dos “efeitos jurídicos”. O

segundo código (chamado de “Código Civil”) seria a união entre o Código Civil e o Código

Comercial com três livros versando sobre os efeitos civis, os direitos pessoais e os direitos

reais357

.

Teixeira de Freitas havia vislumbrado um sistema que bebeu do direito romano – o

Digesto, e na Legum Leges, do filósofo Bacon. Ele pretendia incluir no Código Civil os

preceitos comerciais referentes aos contratos em geral, o mandato, a compra e venda, a troca,

a locação, o mútuo, a fiança, a hipoteca, o penhor, o depósito, as sociedades, os pagamentos, a

novação, a compensação, a prescrição e os seguros. Com essas inclusões Teixeira de Freitas

pretendia curar um vício jurídico doutrinário e legislativo:

Tal é o plano, que nos permitirá erigir um monumento glorioso, plantar as

verdadeiras bases da codificação, prestar à ciência um serviço assinalado. Só

ele corrigirá o vício que quase todos os trabalhos legislativos, que é o de

tomar a parte pelo todo, o que frequentemente se faz por tudo que se pode

fazer358

.

Teixeira de Freitas solicitou mais “dois ou três meses” apenas para concluir o

empreendimento, pois a maior parte do projeto estava concluído no Esboço. Mas, não obteve

sucesso. Neste sentido uma provável tese acerca da relutância dos conservadores deve ter sido

porque o primeiro código comercial Brasileiro foi criado pela lei n° 556, de 25 de junho de

1850 depois de 15 anos tramitando no Congresso Nacional Brasileiro359

. Ele foi baseado nos

Códigos de Comércio de Portugal, da França e da Espanha.

357

MEIRA, Silvio Augusto de Bastos. Teixeira de Freitas e a Carta de 20 de Setembro de 1867. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça).

Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 4.

358 FREITAS, Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro

da Justiça). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 11.

359 No dia 10 janeiro de 2002 foi promulgado, finalmente, um novo Código Civil brasileiro (Lei n° 10.406, de 10

de janeiro de 2002) que trouxe em seu conteúdo matéria comercial, realizando no país, a exemplo do que ocorreu

na Itália em 1942, a unificação legislativa do Direito Privado tradicional. O novo Código entrou em vigor em

janeiro de 2003, revogando expressamente o Código Civil de 1916 (Lei n° 3.071, de 1 de janeiro de 1916) e a

Parte Primeira do Código Comercial (Lei n° 556, de 25 de junho de 1850). Atualmente a Lei que regulamenta a

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136

Mas, nas palavras de Lévay, o governo representado pelos ministros da Justiça,

primeiro José de Alencar, depois Duarte de Azevedo, queria “um código civil sem as altitudes

científicas do projeto de Teixeira de Freitas, ou em outras palavras, um código de rotina,

despojado de grandes desenvolturas, para pronta aplicação, de molde a atender às condições

de atraso em que se achava o país”360

.

Outro ponto crítico foi a demora mesma, que em si desconstruía a produção realizada e

desviava os esforços da produção para respostas a intermináveis questões levantadas por

membros da comissão revisora do projeto, que a cada nova nomeação de membros abria

novos desvios e esvaia quaisquer forças que se reconstruíssem. O contrato, de 1859 a 1862,

foi renovado. A primeira Comissão361

foi nomeada em dezembro de 1863 em resposta ao

decreto de 1858. Contudo, devido às variadas modificações só iniciou os trabalhos de revisão

em abril de 1865, com a presença do Imperador, “um ano e quatro meses depois do primeiro

ato constitutivo dessa Comissão, em dezembro de 1863”362

.

Durante as [numerosas] sessões havidas as discussões se fizeram em termos

muito altos, sempre com a presença do autor do projeto, que refutava uma

a uma as objeções.

Os estudos realizados pelos membros da Comissão, todos eles revelando

amplo conhecimento da matéria, merecem análise especial363

.

[...]

Freitas com paciência e boa vontade, tentava conciliar as opiniões,

cedendo aqui e ali, redigindo substitutivo ao seu próprio trabalho, o que

revelava probidade e humildade364

. (grifos nossos)

Falência é a Lei 11.101/05 e o antigo Código Comercial Brasileiro de 1850 só está em vigor no que se refere ao

Direito Comercial Marítimo.

360 LEVAY, Emeric. A Codificação do Direito civil brasileiro pelo jurisconsulto Teixeira de Freitas. Revista RJ.

v. 2. n. 3. Rio de Janeiro: STJRJ, 2002, p, 4. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/institu/memorial/

RevistaJH/vol2n3/08-20EMERIC_LEVAY.PDF>.

361 Integrou essa Comissão o Visconde do Uruguai (1807 – 1866); Nabuco de Araújo (1813 – 11878), ministro

da Justiça; Caetano Alberto Soares (1790 – 1867), relator da Comissão; Antonio Joaquim Ribas (1820 – ?), lente

da Academia de Direito de São Paulo; Braz Florentino Henrique de Souza (1825 – 1870), da Academia do

Recife, José Mariani (1809 – 1878), ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Lourenço José Ribeiro, primeiro

diretor interino do Curso de Olinda e desembargador da Redação da Corte, Francisco José Furtado (1809 –

1878), conselheiro e ex-ministro de Estado e Jerônimo Martiniano Figueira de Melo. Cf. PEDROSA, Ronaldo

Leite. Direito em história. 5 ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006, pp. 340 – 342.

362 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 229 – 230.

363 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 230.

364 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 237.

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137

Teixeira de Freitas estava sozinho, na defesa daquele empreendimento. Meira, que o

considerou “um gigante”, avaliou que a vitória dos opositores era devida ao cansaço e à falta

do amigo Nabuco. Além disso, havia a intenção de alguns de “destruir” a obra.

Haviam conseguido vencer o gigante pelo cansaço. Seu grande amigo

Nabuco afastara-se da Comissão para exercer o Ministério. Nabuco de

Araújo não chegara a se manifestar em parecer. Nada podia fazer diante

daquela avalancha de críticas, discordâncias, censuras, entremeadas de

elogios365

.

Freitas [...] a cada parecer devia responder por escrito, isso depois de debater

oralmente. Repetir argumentos. Os membros da comissão discordavam entre

si, cada qual tomava um rumo. Alguns [...] admitiam as ideias e redação do

Autor, revelando bom senso e desejo de acertar. Outros, ao que parece,

preferiam destruir a obra esboçada366

. (grifos nossos)

Assim, Meira, que teve acesso a todos os pareceres da Comissão367

, chegou à

conclusão de que “parece ter havido um massacre coletivo, propositado, um bombardeio ao

projeto de Freitas, que em sua pureza e boa fé nem sequer suspeitou”368

.

O primeiro parecer foi de Caetano Soares, aquele que contendera com Freitas no IAB

ao renunciar à presidência do Instituto em 1857. A nódoa do revanchismo parece estar

presente. Seu parecer foi o primeiro tanto por ser o mais antigo da Comissão, como por ser o

relator do processo de revisão. Alguns pareceres ajudavam, outros, concorriam “para protelar

a marcha dos trabalhos”. Ressalte-se que o objeto de tantos pareceres foram apenas os vinte

primeiros artigos do Título Preliminar. O que pensar de um projeto com cerca de cinco mil

365

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 237.

366 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 235.

367 Os pareceres foram publicados em livro sob o título Relatórios e pareceres dos membros da Comissão

encarregada de examinar o projeto do Código Civil do Império redigido pelo bacharel Augusto Teixeira de

Freitas. Rio de Janeiro: tipografia nacional, 1865. MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o

jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 238.

368 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 238.

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138

artigos? Nas palavras de Meira, isso “constituía, afinal de contas, uma inteligente

obstrução”369

.

A Comissão suspendeu seus trabalhos em 31 de agosto de 1865. Todavia, alguns fatos

podem ser arguidos dessa suspensão. Foram alegados vários pretextos: excesso de despesas,

com o codificador e com os outros integrantes da Comissão370

; a guerra do Paraguai371

, etc.

Nabuco de Araújo era amigo de Teixeira de Freitas, mas foi quem exarou a suspensão dos

trabalhos, pois era o Ministro da Justiça, provavelmente atendendo ordem do Imperador.

Algumas teses podem ser levantadas a partir desse episódio. Nabuco não conseguiu evitar a

interrupção dos trabalhos, por falta de apoio político junto ao Imperador. Nabuco, a partir da

carga negativa no estudo daqueles vinte artigos, pressentiu que os debates seriam

intermináveis e interrompeu os trabalhos da Comissão. Nabuco quis salvar o amigo do um

vexame de ver seu Esboço estraçalhado ou recusado pela Comissão e encerrou os trabalhos da

Comissão. Teixeira de Freitas poderia ter alegado a suspeição de Caetano Soares na Comissão

ou como relator, por ter tido atritos anteriores com ele? Se possível, por que não o fez? Por

que Nabuco não adotou um novo processo para exame do Esboço, como se fizera na

Consolidação? Muitas são as questões sem respostas e muitas são as teses. O que se tem, na

verdade, é que a Comissão teve seus trabalhos interrompidos e Teixeira de Freitas renunciou

ao empreendimento tentando renovar seu contrato com a nova proposta que foi rejeitada.

Logo, apesar da elevada soma de conhecimento e erudição acumulada em todo o

Conselho, houve um fracasso no empreendimento do governo em concluir sua estratégia de

apresentar um Código Civil como demonstração da capacidade nacional em produzir sua

própria legislação. Esse tipo de ocorrência tem se tornado recorrente ao longo da história

brasileira, onde discussões, articulações, revanchismos, burocracias e demoras servem mais a

interesses de certas elites que à oportunidade da necessidade prática da “justiça”,

(des)amparada sempre no discurso de que existem projetos que apenas aguardam votação e

aprovação. Contudo, a cultura jurídica ganhou. A idéia original, vanguardista para a época, de

369

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 235.

370 Alegação feita por José Martiniano de Alencar, o terceiro ministro a suceder Nabuco de Araújo, para

justificar o acolhimento do cancelamento do contrato de Teixeira de Freitas. MEIRA, Silvio Romero de Lemos.

Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 258.

371 Alegação inadmissível feita por José Carlos de Almeida Areas, em artigo publicado na França. MEIRA,

Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília:

INL, 1979, p. 258.

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139

unificar o Código Civil e agrupar as leis numa parte geral e noutra parte especial, são sua

maior contribuição para o positivismo nacional e estrangeiro.

Ainda assim, a análise dos argumentos dos seus oponentes na Comissão e de sua carta

ao ministro da Justiça Martim Francisco Ribeiro de Andrada poderão elucidar algumas

dúvidas, e, mais que isso, ressaltar traços da erudição retórica de Teixeira de Freitas, vez que

nada é tão simples e nem escapam da retórica.

6.2 Algumas alegações da Comissão revisora do Esboço como estratégias para desgastar

os argumentos (e a saúde) de Teixeira de Freitas em 1865.

Depois de várias nomeações, a Comissão revisora do Esboço teve, por fim, sete

integrantes que externaram seus pareceres. O primeiro a emitir parecer foi Caetano Soares. Ele

era o “mais velho” e seu parecer foi tido como um “relatório” e por isso, os outros pareceres

trabalharam a partir dele. sua primeira contestação ou constatação foi a de que o primeiro

título do Esboço, denominado de Título Preliminar, não constava no contrato firmado com o

Governo372

. Contudo, a ele lhe parecia que tal título “deve ser adotado”.

Essa questão foi levantada sem necessidade e propiciou aos outros membros da

Comissão a oportunidade de voltarem a essa questão, despendendo tempo e espaço

desnecessários, pois Freitas tinha liberdade de redigir um projeto de Código, estruturando-o,

como bem lhe parecesse.

Caetano de Soares eliminou os artigos 1º, 2º e o 17373

do projeto inicial. Combateu

todos os artigos, do primeiro ao vigésimo, apresentando um substitutivo com nova redação,

mantendo apenas a redação original dos artigos oito ao dezesseis. Isso “desmontou” a

372

A base do contrato entre Teixeira de Freitas e o governo Imperial estava firmado no sistema desenvolvido por

Freitas na Consolidação das Leis Civis e deveria seguir as Instruções do Ministério da Justiça constantes no

Decreto nº 3292 de 24 de junho de 1864. MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto

do Império. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 230.

373 Art. 1º. “As leis deste Código não serão aplicadas fora de seus limites locais, e nem com efeito retroativo”.

Art. 2º. “Os limites locais de sua aplicação serão nela designados. Os limites de sua aplicação quanto ao tempo

serão designados em uma lei especial transitória”. [...] Art. 17. “As pessoas, ou são de existência visível, ou de

existência tão somente ideal. Elas podem adquirir os direitos, que o presente Código regula, nos casos, e pelo

modo, e forma, que no mesmo se determinar. Daí dimana sua capacidade, e incapacidade civil”. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação Universidade de

Brasília, 1983, p. 1, 10.

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140

proposta de Teixeira de Freitas374

. Uma proposta que não apenas continha os dispositivos

legais, mas continha abundantes comentários onde fundamentava na doutrina seu

entendimento acerca de cada tema ou termo empregado. Dessa forma buscou estabelecer

alguns princípios basilares para o Direito Civil a fim de dirimir conflitos entre as leis locais e

as estrangeiras, entre as leis novas e as antigas. No primeiro comentário, a respeito de limites

locais, por exemplo, Teixeira de Freitas apresenta a originalidade daquela expressão. Criticou

o tratado de Foelix e os estatutos de Chassat (AEO2), que faziam o chamado Direito

Internacional conhecido no meio jurídico brasileiro. Evocou Savigny e Demangeat (ALO2)

como doutrinas a priori (FLO2), e, ainda inovou ao afirmar: “dessa maneira concorro para a

grande obra da comunhão do direito” (FEO1)375

. Uma redução das doutrinas do Direito

Internacional à fórmula legislativa. Sua erudição podia ser atacada, mas não era afetada em

sua firmeza.

Mas, as posições de Caetano Soares não ressoavam unanimemente. Até Meira pôde

afirmar que “muito embora não deixe transparecer claramente o seu propósito, depreende-se,

todavia, do relatório de Caetano Soares, o intuito protelatório.” A percepção de Meira é clara:

“Saber se era ou não cabível o título preliminar, em face do contrato; redigir emendas

substitutivas a quase todos os artigos era, até certo ponto, humilhar o autor do Esboço, que a

tudo respondia com superioridade”376

.

Teixeira de Freitas encontrou em alguns, “apoio” para seus conceitos no Esboço,

apesar destes também estenderem os debates. Na verdade, parece que o melhor apoio seria dar

celeridade à aprovação do projeto. Joaquim Marcelino Brito discordou frontalmente do

relatório de Caetano Soares que suprimia os artigos 1º, 2º e o 17. Apresentou apenas algumas

emendas aos artigos para melhorar a redação, “sem ater-lhes a substância”. Acreditava que era

básico para os axiomas do Direito que o Código Civil tratasse dos limites locais e temporais

da aplicação no país da Lei nacional e da legislação estrangeira, bem como a especificação da

contagem de prazos. Além da resposta longa e serena de Freitas, este ofereceu o primeiro

Aditamento.

374

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 230.

375 FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação

Universidade de Brasília, 1983, p. 1.

376 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 259.

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141

Figueira de Melo também discordou de Caetano Soares quanto à supressão do Título

Preliminar, percebendo-se que a questão levantada pelo relator ardilosamente consumia tempo

dos membros da Comissão. Apesar do Aditamento de Freitas, Figueiras de Melo propôs nova

redação para vários dos vinte artigos. Uma das expressões que Figueira de Melo sugeriu

suprimir no artigo 5º, número 1º do projeto, foi “tolerância de cultos”. Ou seja, o projeto de

Freitas não aceitava que uma lei estrangeira fosse aplicada no país, entre outras coisas, quando

se opusesse à “tolerância de cultos”. Buscava Figueira de Melo ser mais radical que Teixeira

de Freitas? Mais uma vez, a questão da religião veio à tona. A justificativa de Teixeira de

Freitas buscou aquele tipo de argumentação constitucional (ALO1), discordando da supressão

das palavras “tolerância de cultos” “só pelo motivo de que o art. 5º da Constituição do Império

consagra essa tolerância”. A Constituição tolerava, mas limitava a prática de outras religiões

ou ao culto doméstico ou a casas particulares, sem forma de templo377

. A partir das

considerações observadas quando da discussão com Totvárad, depreende-se que Teixeira de

Freitas favorecia a “religião do Estado”, a Igreja Católica, mas atenuava sua postura sendo

contrário à intolerância contra outros cultos. Nos comentários do Esboço, as alegações são

diretas, e, até apelativas. “Religião do Estado: leis, por exemplo, em ódio ao culto católico;

casamento entre irmãos, o que seria incesto, também proibido pela Igreja católica”378

. A

fundamentação de Teixeira de Freitas era legal (ALO1), mas a argumentação era sentimental

(APA1). Que religião ou legislação, mesmo naquela época, autorizou o casamento entre

irmãos? Isso feria mais a moral que à religião do Estado. De qualquer forma, a influência da

religião ainda permeava a legislação com seu discurso legitimador.

O próximo parecerista foi Joaquim Ribas, que voltou à questão do Título Preliminar e

apresentou substitutivo a vários artigos já aditados. Alfinetou Teixeira de Freitas a partir das

dúvidas de Caetano Soares; declarou “presumir um vício na sua doutrina ou nas fórmulas de

que esta se reveste [...]. Mas no meu entender essa doutrina é verdadeira”379

. A dúvida era

questionar a verdade das ideias daquele título, usando o tempo para aceitá-las ou não. Será que

377

Art. 5º “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras

Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma

alguma exterior do Templo.” BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824).

378 FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação

Universidade de Brasília, 1983, p. 3.

379 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 232.

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cada membro da Comissão entendia que a sua redação era melhor que a do outro? Ainda

assim, Freitas respondeu e apresentou seu segundo Aditamento.

Francisco Furtado também adotou a ideia do Título Preliminar. As primeiras palavras

de seu parecer demonstram como o uso da retórica era comum entre os juristas. “Uma história

de opiniões”, nas palavras de Freitas380

. É uma exposição do uso inútil de figuras retóricas da

parte de Furtado com o mero fim de florear um discurso desnecessário.

Traçar as raias, [FPO1, metáfora]

que no espaço e no tempo limitam o império das regras do direito [FPO1,

metáfora]

– como em larga e elevada síntese fez o ilustrado Autor do Projeto do

Código Civil [FPO2, FEO1, antítese e hipérbole]

é enquanto a mim ideia aconselhada por um bom método, [FPO2,

hipérbato e personificação]

é um digno pórtico para o majestoso edifício do código Civil381

. [FPO1,

FEO1, metáfora e hipérbole] (grifos nossos)

Contudo, apesar de desnecessárias muitas das palavras de Furtado, ele se posicionou a

favor da primeira redação de Teixeira de Freitas e não só das ideias contidas nela, e fez com

que o debate tomasse relevo, discordando dos colegas, em demonstração de que tipo de

parecer deveria ter recebido todo o projeto:

O Autor do Projeto ofereceu diversas redações; porem, vê-se que o fez mais

com o fim de alcançar a harmonia das opiniões, do que por julgar defeituosa

a primeira redação, que eu tenho por preferível, com as seguintes ligeiras

alterações propostas e aceitas. Aditamento das palavras “validade dos atos”,

ao final do nº 4 do art. 5º. Supressão da palavra “alegado” no art. 6º e da

palavra “inteiro” no art. 9º382

.

O parecer seguinte, de Brás Florentino, levantou novamente a questão da conveniência

ou não do Título Preliminar. Contudo, nele, inicialmente ofendia diretamente Teixeira de

Freitas por “imitar” as obras didáticas e os livros de doutrina. Ele apresentou outro

380

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 7.

381 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 233.

382 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 234.

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substitutivo, que depois de impressos somaram umas cinquenta páginas, abrangendo os cinco

primeiros artigos do capítulo primeiro, e suprimindo o Título Preliminar. Porém, não o

descartou de todo, sugerindo que uma “lei especial” regulasse os limites locais e temporais de

todas as outras leis. Logo, o tema era “verdadeiro” e necessário, e várias opiniões válidas

podiam ser oferecidas. Por que, então, a opinião do crítico devia prevalecer, se a de Teixeira

de Freitas também era válida? Certamente, no mercado de vaidades, as opiniões serviam

também como armas para desconstruir argumentos. Obstruções inteligentes para protelas

trabalhos sérios. Não havia em todo o teor do projeto matérias que merecessem especial

atenção? A resposta de Teixeira de Freitas, desta vez constou apenas de cinco (!) linhas (uma

debilitação argumentativa, desprezo ou cansaço?):

Não concordo com o doutíssimo parecer do Sr. Dr. Brás Florentino,

de que só hoje tive conhecimento; e refiro-me ao que já disse

em resposta aos pareceres antecedentes.

Se houver discussão oral,

acrescentarei o que for necessário383

.

Ainda havia mais um parecer, o do Conselheiro Areas. A retórica de Areas não era

afeta das figuras, buscava, sim, em argumentos, a força de sua opinião. Em uma longa peça,

ataca a questão do Título Preliminar de forma diferenciada de todos seus antecessores. O

parecer era constituído de observações gerais e observações especiais. Seu principal

argumento não questiona a “verdade” da matéria nem a sua redação. Ele enaltece a questão e

superestima o Título numa verdadeira auxese literária, utilizando as palavras da Comissão

especial do Tribunato francês (Andrieux), e, pergunta: “Mas o Título Preliminar, ainda assim

contraído ao lugar e ao tempo nas relações jurídicas, colocado à frente do Código, estará no

seu lugar? Será, enfim, uma introdução digna do Código? Será uma Introdução digna do

Código?”384

Contudo, ainda diante de tais perguntas, fica a dúvida se de fato a exaltação de

Areas não passou de um sarcasmo.

Do questionamento do Conselheiro Areas se apreendem (e parece que Teixeira de

Freitas também os absorveu) argumentos como: (1) a matéria estava esparsamente regulada na

383

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 235.

384 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 236.

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legislação pátria geral, embora com vícios radicais e lacunas deploráveis; (2) todas essas faltas

eram preenchidas por meio de princípios de direito, opiniões de jurisconsultos e raras decisões

dos Tribunais, o que demandava reformas precisas e indispensáveis; (3) assim, essa lei não

pertencia somente ao Código civil, mas a todos os Códigos, a todas as leis, e até aos

regulamentos da administração pública. Logo, (4) a conclusão era que, ao invés de um Título

Preliminar reduzido, um título com disposições gerais deveria servir a legislação geral385

.

A primeira parte da fundamentação de Areas é permeada por argumentos de ethos,

bem como de logos, que profundamente mudaram os sentimentos (pathos) de Teixeira de

Freitas. É pertinente reproduzi-los dado ao seu importante deslocamento retórico (em outros

pareceres se destacaram elementos materiais doutrinários (L), neste, argumentos baseados na

autoridade de textos qualificados (E)).

Essas disposições, pelo seu caráter não se referem somente ao Código civil,

mas sim a todos os Códigos e Leis, como observam alguns dos relatórios

precedentes[AEO1]: os conflitos das leis locais com as estrangeiras, as

colisões das leis novas com as antigas não se manifestam somente na

legislação civil e comercial, e sim também na legislação criminal, do

processo e de todos os outros ramos do Direito; [ALO2] aí está o nosso Cód.

Criminal providenciando sobre as últimas nos arts. 309 e 310, [AEO3] e o

moderníssimo Projeto do Cod. Penal Português precedido de um Título

Preliminar, onde se tratou de regular a aplicação e efeitos da lei penal não só

quanto ao lugar, mas também ao tempo386

. [AEO3]

E prossegue argumentando:

As regras sobre a computação do tempo não figuravam até pouco nos

Códigos como princípios gerais e preliminares. [ALO2]

O pensamento de redigir um título, à imitação do Direito Romano sobre as

regras do direito e a significação das palavras de juris, de verborum

significatione [o significado dos termos jurídicos], aparece modernamente

no Projeto do Código Civil da Espanha; esse título, porém, não chegou a

elaborar-se [AEO2][...]

385

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 236.

386 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 236.

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O Código do Chile seguiu depois o mesmo pensamento do Projeto do

Código Civil da Espanha [AEO2] [...]387

. (grifos nossos)

E conclui na segunda parte de seus argumentos por salientar que o projeto de Teixeira

de Freitas foi além “por uma feliz inovação” vez que “estabeleceu um sistema uniforme ao

computar o tempo em toda sua generalidade, como matéria preliminar, aplicável a todos os

casos possíveis em que o tempo influi, com exceção, do que for necessário excluir em casos

especiais”388

. Quantas deduções a partir de apenas dois artigos!

A profundidade do Conselheiro Areas a respeito da redação de Freitas daqueles dois

artigos veio expor um dos princípios sofísticos de retórica argumentativa: podem haver várias

opções acerca de uma mesma matéria. Era o caso. Quando há opções, ou seja, quando há

vários caminhos a seguir, em rigor, todos eles parecem certos, dentro das perspectivas de cada

um. E, Teixeira de Freitas, com paciência e boa vontade, tentava conciliar as opiniões.

Contudo, “Teixeira de Freitas não respondeu a esse parecer”389

.

O pensamento de redigir um título, à imitação do Direito Romano sobre as regras do

direito incluindo-se aí o significado das palavras parece ter, posteriormente, encontrado eco

em Teixeira de Freitas. Ele, em 1883, publicou um livro intitulado Regras de Direito e

Vocabulário Jurídico. Ainda, será que apesar do resultado nefasto desse parecer sobre

Teixeira de Freitas, não foi a reflexão a seu respeito que gerou a nova sistemática, de um

Código Geral e um Código Especial, proposta por ele na carta ao ministro da Justiça?

6.3 Análise (terceira) dos principais elementos retóricos de Teixeira de Freitas em sua

carta ao Ministro Ribeiro de Andrada – a interrupção do Esboço (1867).

Dois anos se passaram. Um ano antes, em 20 de novembro de 1866, Teixeira de Freitas

enviou carta ao ministro solicitando sua renúncia do projeto; em 13 de dezembro de 1866 o

ministro respondeu não aceitando a renúncia e externado a satisfação do Governo Imperial

387

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 237.

388 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 237.

389 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 237.

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com os trabalhos já realizados390

. Os trabalhos da Comissão não foram mais retomados e

Teixeira de Freitas decidiu expor seu “novo” projeto ao ministro da Justiça Martin Francisco

Ribeiro de Andrada (1775 – 1844), irmão de José Bonifácio.

Silvio Bastos Meira afirma que essa carta “constitui o ponto mais alto do pensamento

jurídico do célebre jurisconsulto” e é nela que “Teixeira de Freitas expõe as suas últimas e

mais vigorosas ideias: a elaboração de dois Códigos, um Geral, com noções preliminares,

definições e preceitos amplos, constituídos de dois livros [...]. No outro Código, que chamava

Civil, havia três livros [...]”391

. Na verdade, essa carta é um documento de pequenas

proporções que une a eloquência de Teixeira de Freitas com a profundidade e a experiência de

seu saber jurídico, consideradas suas limitações. Certamente, a Consolidação, o Esboço, ou

“simplesmente” a Introdução da Consolidação e até mesmo a Nova Apostila mereceram a

exaltação de vários autores392

, mas esses textos não poderiam expor algo do lado pessoal de

Teixeira de Freitas como o faz uma carta. Aqui, ele também descortina seu “novo” método

como em nenhum outro lugar, e assim, se tornou um “grande servidor do direito universal”393

.

A classificação adotada por Teixeira de Freitas foi definida por Clóvis Beviláqua como,

“uma feliz novidade, com que se enriqueceu a técnica jurídica. [...] Não é

mais a distinção tripartida de Gaio394

[...] [que] as coleções de textos e os

livros de doutrina são-lhe pouco fiéis. [...] Também não é a classificação

objetiva de Savigny [...]. É uma forma intermédia de pensamento, que,

seguindo a visão, obscura ainda, da jurisprudência romana, e assimilando os

resultados das investigações alemãs, possui individualização, e merece que

assinalemos, com estima, na história das idéias jurídicas”395

. (grifo nosso)

390

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 5 – 6.

391 MEIRA, Silvio Augusto de Bastos. Teixeira de Freitas e a Carta de 20 de Setembro de 1867. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça).

Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 4.

392 A Consolidação foi exaltada também por Cândido Mendes de Almeida em Código Philipino, Rio de Janeiro:

Editora do Instituto Philomático, 1870; em artigo do Jornal do Comércio de 21 de agosto de 1943 Hanemenn

Guimarães considerou o Esboço superior à Consolidação; por sua vez, Rodrigo Otávio, num artigo do Jornal do

Comércio de 5 de março de 1933 se empolgou com a Introdução à Consolidação; e, Clóvis Beviláqua deu relevo

à Nova Apostila em seu livro Linhas e perfis jurídicos. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1930, p. 132.

393 MEIRA, Silvio Augusto de Bastos. Teixeira de Freitas e a Carta de 20 de Setembro de 1867. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça).

Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 3 e 4.

394 Pessoas, coisas e ações: omne jus quo utimur vel ad personas pertinet vel ad res vel ad actiones.

395 BEVILÁQUA, Clóvis. Linhas e perfis jurídicos. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1930, p. 121.

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Por isso, essa carta também foi eleita para ser analisada. Nela, Teixeira de Freitas

discorre variados argumentos para sustentar seu ponto central, que é o novo sistema. Os

argumentos estão em muito maior número que os ornamentos, mas deles também não

prescinde, principalmente quando externa sua crítica e busca mover seu interlocutor (P). As

metáforas (FPO1) estão em menor número, ainda menos as figuras de estilo (FPO3):

[...] A inércia das legislações [...] formou lentamente um depósito de usos,

costumes e doutrinas que passaram a ser leis de exceção [...]. [...] e

aturdidos os espíritos com a frívola anatomia dos atos até extrair-lhes das

entranhas o delicado critério! [FPO1, metáfora, prosopopeia]

[...] hoje minhas ideias são outras, resistem invencivelmente à essa

calamitosa duplicação de leis civis [...]. Porque nem os livros nem a escola

ensinam nada mais do que uma história de opiniões, ou questões de

palavras [...]396

. [FPO1, prosopopeia] (grifos nossos)

Antes dos argumentos, sempre ele impôs algumas outras figuras de estilo, como

referido, para tentar atenuar a seriedade com que tratara da empreitada a que foi contratado e

estava recebendo severa objeção por parte da Comissão revisora. Fato que não olvidou.

Uma larga memória jurídica reservava eu para tempos calmos, receoso de

não ser ouvido na extraordinária situação, que absorve nossa vitalidade;

[FPO3]

mas, as longas expectativas cansam, e será talvez irreparável a incerteza

provocada pela minha comunicação a V. Ex. [...]397

. [FPO3]

A demora e a procrastinação da Comissão eram cansativas. Mas, o ponto de inflexão

desse contrato estava na questão do Código Comercial que Teixeira de Freitas insistia em não

manter. Ele relembrou a resposta do ministro onde estava a lamentação de que o tempo de

conclusão tivesse se espaçado, embora houvesse declarado o ministro “não haver motivo para

deixar de confiar no remate da empresa”. Mas, parece que na resposta do ministro havia uma

condição que Teixeira de Freitas passou a refutar como seu tema central: “tratando da justiça

comercial, reconheceu [o ministro] as excrescências do nosso Código do Comércio, a

396

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 6 – 8.

397 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 5.

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necessidade de revê-lo; reservando, porém esse melhoramento para depois de apresentado e

aprovado o Projeto de Código Civil”398

.

Teixeira de Freitas percebeu que essa foi a verdadeira postura do governo Imperial:

manter o Código Comercial. Usando vários hipérbatos (FLO1) alegou que seu projeto, o

Esboço, não era definitivo; era um ensaio. Então escreveu:

O Governo espera por um Projeto do Código Civil no sistema desse Esboço,

sistema tratado no meu contrato de 10 de janeiro de 1859, e para mim já não

há possibilidade de observar tal sistema, convencido, como estou, de que a

empresa quer diverso modo de execução399

. [APO1]

O que Teixeira de Freitas desejava era mudar seu sistema, mas nem por isso apenas

insistiu na sua “novidade”; ele percebeu a tese do governo e passou a desconstruí-la com sua

argumentação. E prossegue expondo a intenção do Governo para chegar àquela conclusão

(ALO4), sua tese, de que um Código Comercial era desnecessário; em resumo:

[1] O Governo quer um Projeto de Código Civil para reger como o subsídio

ao complemento de um Código do Comércio [APO1]

[2] intenta conservar o Código Comercial existente com a revisão que lhe

destina: [APO1]

[3] e hoje minhas ideias são outras, resistem invencivelmente a essa

calamitosa duplicação de leis civis, [FPO1][APO1]

[4] não distinguem no todo das leis desta classe algum ramo, que exija um

Código do Comércio. [APO1]

[Conclusão] O Governo só pretende de mim a redação de um Projeto de

Código Civil, e eu não posso dar esse Código [...] sem começar por um outro

Código, que domine a legislação inteira400

. [ALO4]

Depois de explicar sucintamente sua dificuldade em manter o Código de Comércio,

argumenta contra a “falta”, a dúvida levantada na Comissão (por Caetano Soares), e justifica

que na Comissão “nunca pode formular a parte imperativa das matérias”. Então passa a

justificar sua mudança de método usando um conhecido elemento discursivo seu – as

398

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 5.

399 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 5.

400 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 5.

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149

perguntas [FPA1] associadas a argumentos que em si se respondem (ALO4), justificando que

também houvera mudado os termos do contrato da Consolidação para melhorá-la, o que

recebeu aprovação.

Se engendrei tudo isso, se alterei minhas primeiras ideias, porque (sic) não

poderei mais uma vez alterá-las, no meu ardente amor pela conquista da

verdade jurídica? Se o Governo Imperial tem aceitado todo esse lidar de

pensamentos, se continua a confiar no operário, se não o prende alguma

iniciativa do Corpo Legislativo, o que pode agora impedir o acolhimento de

modificações novas em crescente proveito da mais acertada execução da

empresa? [FEO1, FPA1] Quem pode fazer, pode desfazer401

. [ALO3,

ALO4] (grifos nossos)

Outro uso das aliterações (FEO1) é encontrado mais uma vez na justificativa para o

novo sistema unificado:

O meio de sair de tais embaraços, de sanar tantos inconvenientes, de reparar

os erros do passado, de fixar os conhecimentos jurídicos e de extremar os

verdadeiros limites da codificação civil, só o acharemos na composição de

dois códigos [...]402

. [FEO1] (grifos nossos)

Teixeira de Freitas mostrou que a ideia de um Código Geral não era “nova, tem sua

primeira semente nos dois últimos Títulos do Digesto: de verborum significatione, e de

diversis regulis juris antiqui,” (FLO2) sementes divulgadas segundo ele por Pothier, Bacon e

no Código Civil da Louisiana (AEO1)403

.

A partir daí, a argumentação passa exclusivamente a ser legal, a respeito de cada

matéria dos títulos da nova proposta para o projeto. Foram argumentos principiológicos onde

as proposições legais estavam justificadas por suas teses de teoria jurídica. Foram vinte

parágrafos individualizando cada matéria. Dogmaticamente era onde se encontravam as

“novas” conceituações de várias das mais importantes teorias civilistas. Quatro páginas

inteiras as expõem.

401

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 7.

402 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 8.

403 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 8 – 9.

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150

Na conclusão da carta considerou que nesse “plano”, “um monumento glorioso”, é

onde estariam plantadas “as verdadeiras bases da codificação” e “o vício de quase todos os

trabalhos legislativos”, qual metonímia legislativa que toma a parte pelo todo, seria

corrigido404

.

Ao fim, demarcou as necessidades derradeiras: “uma nova autorização” para mais

“dois ou três meses” a fim de aprontar o Código Geral, complementar do Esboço e publicar o

Projeto do Código Civil. Seu apelo, porém, tem o tom de uma resignação ameaçadora.

Se o Governo Imperial não o aceitar, o mais, a que posso resignar-me, é à

publicação do complemento do esboço, [APA1] que não deixa de ter seu

merecimento relativo segundo o estado atual das ideias; terminando, porém,

nesse ponto o meu trabalho, desonerando-se-me de todas as mais obrigações

do meu contrato [...]405

.

E arrematou

Se me negam a possibilidade moral [AEO3] de arranjar Códigos de rotina,

que só servem para atrair recompensas exteriores, então sou réu confesso.

[AEO3]

Rogo a V. Ex. que refletidamente medite sobre toda essa ingênua exposição;

[FEO1] que a submeta ao critério de Sua Majestade o Imperador, e que afinal

resolva como melhor parecer em sua sabedoria406

. [APO1]

6.4 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do tema

da unificação do Código Civil.

Nesta carta Teixeira de Freitas apresenta uma quantidade menor de elementos retóricos

que a sua carta de renúncia à presidência do IAB. Todavia, as características retóricas são

semelhantes. Foram noventa e quatro ocorrências destacadas; destas, quatorze relacionadas à

categoria geral ethos (E), trinta e uma ao pathos (P) e quarenta e oito ao logos (L).

404

FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 11.

405 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 11.

406 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,

Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 12.

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151

Tipos/Categorias nº de

incidências Observações

ethos (E)

FEO1 7 algumas poucas figuras que apenas

mostram a formação erudita do autor.

AEO1 3 todos argumentos de autoridade.

AEO2 0

AEO3 4 mais alguns argumentos que

demonstram a experiência do autor.

pathos (P)

FPO1 7 juntamente com outras figuras de pathos

foram predominantes na busca de

complementar a persuasão lógica, mas o

conteúdo dos argumentos

desfavoreceram a discussão geral.

FPO2 0

FPO3 2

APO1 8 opiniões trazidas do receptor da carta.

FPA1 9 perguntas retóricas.

APA1 5 argumentos também trazidos das

opiniões do ministro receptor.

logos (L)

FLO1 4

FLO2 4 poucas expressões latinas.

ALO1 3

ALO2 25 grande concentração de argumentos

principiológicos descrevendo as partes

do projeto civilista.

ALO3 4 uso de algumas máximas.

ALO4 9 as deduções, conclusões, buscaram

firmar o ponto de vista do autor.

Subtotais 16 94

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152

CONCLUSÃO: (IN)COMPATIBILIDADE E (IN)COERÊNCIA DESVENDADAS

PELA RETÓRICA ACERCA DAS POSTURAS HISTÓRICAS DE TEIXEIRA DE

FREITAS SOBRE TEMAS DO DIREITO CIVIL.

“A linguagem é retórica, pois ela quer traduzir apenas uma δοξα (opinião) e não uma επιστήμη (conhecimento).

Não há uma natureza não retórica da linguagem à qual se poderia recorrer: a linguagem mesma é o resultado

das mais puras artes retóricas.”

Friedrich Nietzsche407

A sutil sugestão de Ballweg em associar elementos antigos e contemporâneos como

uma metódica retórica mostrou que tanto a partir da observação de grandes eventos históricos

como, grosso modo, acerca de fatos isolados, a exemplo de textos, discursos e debates que

rigorosamente não são tão isolados assim, como os que analisamos ao longo desta dissertação,

podem ser encontradas e delimitadas estratégias discursivas reveladoras ao longo da História,

resolvendo o problema de que a história não é uma mera sucessão de fatos dados e que vários

instrumentos metodológicos cooperam complementarmente na compreensão da complexidade

da vida prática e da prática do Direito. Daí a importância em observar por meio desta

metodologia as estratégias difundidas por elites que se conservam no poder em quaisquer

esferas de sua atuação, como na política, na religião e no direito, como discursos vencedores.

Na busca de um resgate histórico integral da credibilidade de Teixeira de Freitas,

buscamos através da retórica compreender como foi construído o discurso dominante que

subliminarmente atribuiu os “fracassos” de Teixeira de Freitas, ora a seu legalismo, ora a um

crescente distúrbio emocional. Vimos que os biógrafos em geral deixaram registrados

constantes e progressivos nuances de um comportamento inconformado, forte, como foram os

questionamentos sobre as avaliações que seus mestres dele fizeram nas escolas jurídicas de

Recife e São Paulo. Além disso, sempre informaram que sua genialidade lhe produziu um

desgaste intelectual408

. E, quando de seu afastamento da Capital do Império indo para

Curitiba, longe de qualquer olhar habitual, afirmaram que era envolvido lentamente pela

“monomania religiosa”. Assim, sugestionaram a predominância de aspectos emocionais

407

„Die Sprache ist Rhetorik, denn sie will nur eine δοξα , keine επιστήμη übertragen. Es gibt gar keine

unrhetorissche ‚Natürlichkeit‘ der Sprache, and die man appellieren könnte: die Sprache selbst ist das Resultat

von lauter rhetorischen Künsten.“ NIETZSCHE, Friedrich. Rhetorick. Vorlesungen 1872 – 1876. Gesammelte

Werke (Mussarion Ed.) v. 5. München, 1922, p. 298.

408 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 227.

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153

(pathos) como justificativa da não prevalência dos seus argumentos diante de alguns

posicionamentos, e, de aspectos legalistas (logos) para outros não menos infelizes. Mas, de

acordo com a relação categorial aplicada, nem sempre as razões apontadas por aqueles

escritores condisseram coerentemente com as informações contidas nos textos mais

importantes elencados para cada situação e aqui estudados.

É o caso da influência da religião que, hipertrofiando-se já de longa data, chamou a si

vários outros itens culturais no decorrer de sua história confundindo-se com estes. Ou seja,

além das questões espirituais e metafísicas, se envolveu em articulações políticas, como até

hoje. Vimos também que na educação os estudos de gramática, literatura, Direito e filosofia

foram controlados pela Igreja, que junto com o Estado, em maior ou menor medida, deles se

utilizaram para efetivar sua dominação. O estudo da retórica, no sentido de um meio

esclarecido de compreensão e comunicação, foi um dos alvos desse sistema. Devido a sua

importância, esse controle, que sempre esteve muito velado, buscou evidenciar um

preconceito contra a retórica para camuflar-se. Assim, desestimulou drasticamente sua prática

e influência, razão porque seu estudo não é difundido nas escolas de Direito e, com raras

exceções só é estudada na Literatura e na Propaganda.

Observar a reforma pombalina do ensino, incluindo o ensino da retórica, com sua

prática modificada em Portugal, e, reprimida no que puderam nas terras brasileiras por meio

da metodologia retórica proposta neste estudo como instrumento de observação do

historicismo, pode ser detectado como uma estratégia de manipulação de poder.

Para muitos estudiosos e para o público em geral, a reforma dos estudos de retórica,

especificamente, é ignorada e até desconhecida. A reforma pombalina é apenas compreendida

como um conjunto de reformas políticas e econômicas, ou, quanto mais, também uma reforma

nas estruturas da religião e do ensino, incluindo os chamados estudos menores e maiores

dentro dos domínios lusitanos. Mas, a influência ideológica do Verdadeiro Método de Estudar

de Verney comprovou que o estudo da retórica e seu ensino foi uma das mais poderosas armas

de controle daquele período. Daí o porquê sua mudança de conteúdo pôde mudar também os

conteúdos materiais de outras áreas de ensino, como a Filosofia, a Lógica, a Metafísica, o

Direito e a Teologia.

No Brasil, a formação dos primeiros cursos de ensino superior, destacando-se os

cursos jurídicos, e a produção de parte da nova bibliografia, nova para os que abraçavam os

idealismos libertários ou dos que buscaram suprir uma restrição de informações ainda

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154

predominante na Academia, na verdade, foi usada para construir um novo discurso de

dominação vitorioso no processo de consolidação da emancipação brasileira, embora não

tenha inovado muito ideologicamente, vez que ao tempo dos primeiros cursos jurídicos

brasileiros o predomínio ainda foi da base literária europeia e lusitana.

Além disso, num campo mais específico dentro do Direito, houve a necessidade de

reformular também a esfera legal, embora “reforma” pareça uma palavra um tanto forte diante

da continuidade burocrática estagnadora que foi preservada. Juntamente com a reformulação

do Poder Judiciário foi importante dar seguimento ao projeto de produção legislativa, ou seja,

o processo que deu ao Brasil a sua primeira Constituição, o Código Criminal, o Código de

Processo e o Código Comercial. Relativamente ao Direito Civil, iniciou-se o caminho em

relação ao Código Civil, com a produção da Consolidação das Leis Civis e o Esboço do

Código Civil de Teixeira de Freitas. As várias tentativas para a produção da codificação civil

mostraram serem elementos resultantes de composições, vencidas ou vencedoras, entre os

atores de um cenário de poder. Ou seja, todos esses fatos formaram uma série de estratégias de

dominação do governo que se estabelecia.

Apesar de Teixeira de Freitas ter uma personalidade marcante, que é seu próprio ethos,

o ambiente cultural o pressionou singularmente, sendo ele também muito sensível às criticas e

às provocações. Isso pode ser percebido desde cedo nos vários episódios de sua vida que o

conduziram para várias tomadas de decisões. Ele era firme em convicções e apto para obras

de qualidade, mas apesar do seu brilhante conhecimento e sistemática inovadora, a estratégia

do confronto não era seu forte. Não era fácil (nem simples) para ele impor suas opiniões e

posturas, fossem pessoais ou técnicas. Servir interesses poderosos pode destruir o brilho do

saber e até sacrificar seus protagonistas. Isso esclarece que o “insucesso” de Teixeira de

Freitas não foi especificamente seu, nem houve, obviamente, nenhuma “maldição”. Esse

embate nos corredores do poder arrasou várias outras tentativas, como vimos.

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155

Gráfico 1. Gráfico de incidências das categorias retóricas na obra de Teixeira de Freitas

Com respeito ao tema da escravidão, as porções do texto introdutório da Consolidação

monstraram que, para prevalescer contra o único argumento de reprovação destacado pela

Comissão revisora, o silêncio (retórico) (FPA1), e, admitido por ele, Teixeira de Freitas

necessitou acrescentar o uso de outros elementos relacionados ao pathos (P) como o uso

algumas figuras de significação (FPO1) e, especialmente, das notas de rodapé (FPO2), além

de, também, argumentos conceituais (L) como citações da legislação suprimida (ALO1), o

senso comum (ALO3) e deduções racionais (ALO4).

0 10 20 30 40

FEO1

AEO1

AEO2

AEO3

FPO1

FPO2

FPO3

APO1

FPA1

APA1

FLO1

FLO2

ALO1

ALO2

ALO3

ALO4

Textos a respeito da "unificação dos Códigos"

Textos a respeito do "casamento civil"

Textos a respeito da "escravidão"

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156

Teixeira de Freitas dominava muito bem a escrita e era hábil transcritor de suas ideias

e doutrinas. Na primeira carta analisada, o índice de incidência de elementos retóricos textuais

é alto, se comparado a um documento legal e oficial como a introdução da Consolidação,

incluídas as notas de rodapé, onde ganhou relevância seu “silêncio” retório e as explicações

para seu uso. A leitura da Consolidação é juridicamente técnica. Na carta, o grande uso de

figuras de linguagem, em geral, demonstra um cuidado especial para a construção do texto,

criando uma plasticidade literária à altura (ou superior) do ambiente elitista do seu convívio. É

possível que a quantidade de ornamentos apenas reflita a influência da retórica lusitana, que

como visto, se preocupava mais com os adornos que com o conteúdo. Mas, em virtude do tom

repetidamente irônico de seu pronunciamento, também é provável que tal uso representasse

uma crítica a esse mau emprego da retórica, ou, ainda, apenas uma simples demonstração de

seu domínio dessa arte.

Porém, indo além das aparências (se isso é possível), dois fatos causaram grande

surpresa. O primeiro foi constatar o descabimento da tese de que os argumentos de Teixeira de

Freitas estariam baseados principalmente em seu caráter pessoal, seu ethos (E). Certamente

seu caráter se evidencia em seus escritos, sua integridade, sua honestidade e até sua

intransigência, e é forte sua atitude emotiva, mas suas principais habilidades são encontradas

no que foi categorizado como logos (L). Todavia, constata-se neste texto que seu pathos é

superior ao seu ethos. Isso pode ser o resultado direto do tipo de texto analisado, uma carta e

uma carta de renúncia. Não era de se esperar outra coisa de uma carta de cunho tão pessoal,

onde as mágoas dos “fatos desagradáveis” ocorridos durante o debate estavam ainda tão fortes

e, nela, não ficaram ocultas. Contudo, o aspecto justificador de seus argumentos neste

documento é o logos. Mais do que uma expressão de seu ressentimento e de apelo aos

sentimentos dos seus interlocutores, seu texto assume um estilo pedagógico para uma plateia

bastante versada nos assuntos jurídicos. Assim, ele manteve um respeito jurídico que o fez

decidir-se pela escravidão e um respeito igualmente moral pelos princípios da propriedade

privada, quem sabe, defendendo ingenuamente os interesses da elite no poder.

Teixeira de Freitas usou argumentações lógicas, nas quais os argumentos e o orador

estão separados e o campo da argumentação é fechado, e, argumentações silogísticas e

entimemáticas (ALO4), caracterizados pela mescla do argumento com o orador e de terem

estas argumentações o campo argumentativo sempre aberto. Ele possuía a habilidade de

fundamentar o conteúdo de seu discurso argumentando objetivamente para constituir as

provas de ditos argumentos.

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157

Possivelmente, em se falando do debate no Instituto, o ambiente ali não estava

propício para os argumentos racionais, prevalecendo mais a persuasão emocional. Mas,

comprovadamente, a argumentação jurídica era sua melhor habilidade. Isso, por outro lado,

confirma a tese de que Teixeira de Freitas era legalista e um profundo conhecedor da lei, em

especial o direito romano, dado a prevalência constatada de inúmeras citações daqueles textos

legais (ALO1), e não fosse essa especialidade, também era profundo conhecedor da legislação

romana na língua original (ALO3), certo que era sua capacidade no latim desde sua infância.

No entanto, sua maneira em fazer tantas afirmações de cunho doutrinário e textual

tanto pode significar que: os interlocutores do IAB não conheciam bastante o direito romano,

tanto que só num momento muito próximo àquele, é que a matéria de direito romano passou a

ser “lecionado nas nossas faculdades” e o Instituto não possuía uma biblioteca ou mesmo um

exemplar do Corpus Iuris, ou, pode ser que mais uma vez Teixeira de Freitas tenha

exteriorizado sua ironia, “ensinando-lhes” algo de que eram conhecedores, mas que relutavam

em reconhecer como direito posto.

Assim, a maioria das citações dos textos legais como do Digesto e de autores como

Savigny guardaram características relativas a seu corpo probatório das doutrinas que defendia,

portanto, relativos ao logos, e não ao ethos ou ao pathos. Isso é importante, porque, a condição

do seu uso determinaria sua prática retórica; se meramente ornamental, ou, se de fato,

persuasiva. Os autores brasileiros tinham a necessidade de citar autores estrangeiros como

condição de aceitação pelos seus pares; argumento de prestígio, de autoridade, pertencente à

prática comum da retórica daquele então409

. Excluir-se de fazer tais citações faria com que

qualquer pensador brasileiro não fosse levado a sério410

, Teixeira de Freitas usou de tais

citações, juntamente com argumentos principiológicos e argumentos dedutivos, não para

demonstrar uma eloquência vazia de conteúdo, mas para fazer várias demonstrações sérias de

seu entendimento doutrinário, sem receber nenhuma contestação, daí o uso de figuras de

linguagem de significação (FPO1). É sabido que a resposta do Conselho do IAB à sua carta se

limitou a aceitar sua renuncia e a declinar da doação financeira que ele propôs, e,

409

CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista

de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 142.

410 CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista

de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 127.

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158

posteriormente, a darem parecer favorável à liberdade dos filhos das mães statu líber sob

condição sem maiores justificativas doutrinárias411

.

Ainda assim, apenas esta temática e estes dois importantes textos não são suficientes

para compor um quadro nítido da habilidade retórica de Teixeira de Freitas. Por isso, este

estudo prosseguiu na delimitação de mais dados de cunho estratégico, a fim de ter-se um

apanhado geral de seus polêmicos debates e, consequentemente, de sua aptidão discursiva.

Acerca do tema do casamento a erudição muda de foco, mas não de especialidade;

passa do direito romano para o direito canônico. No debate com Totvárad o primeiro fato que

se destacou foi o de que esse debate ocorreu por meio de periódicos seculares, o Correio

Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro, em 1861, apesar de já existirem vários periódicos

jurídicos tanto na capital do Império como em outros lugares do Brasil. Como o objetivo era

alcançar o público em geral e não apenas o público versado nas letras jurídicas, a estratégia de

persuasão consistiu em mobilizar a opinião pública para a adesão às opiniões dadas pelos

debatedores a respeito do tema do casamento. Assim, a polêmica com Teixeira de Freitas se

travou não por meio de um livro, mas por meio da “imprensa” escrita.

Naqueles artigos há mais ocorrências de argumentos principiológicos e argumentos

legais (L), e suas conclusões, que de argumentos que expressassem mais opiniões e

sentimentos (P) (como ocorreu na Carta ao IAB), e, menos ainda de argumentos de autoridade

(AEO1), textuais (AEO2) ou de fontes (AEO3), embora existentes, relacionados ao ethos (E)

do autor. Na verdade, em relação ao ethos (E) e ao pathos (P) foi mais recorrente o uso de

figuras. Embora fossem menores em número as figuras de ethos (E) que as de pathos (P), os

metalogismos de ethos buscaram desconstruir a imagem reverencial e legal de Totvárad. Não

fosse apenas isso, Freitas exteriorizou seu desconforto e superioridade por meio de metáforas

e ironias (FPO1) que de início buscaram desestabilizar as críticas feitas ao Esboço, para ao

final, lançar suas perguntas (FPA1). Perguntas essas que mais defenderam o posicionamento

religioso do Esboço, ou pelo menos, a influência religiosa que sofreu, que os princípios da

Teoria do Direito que se sedimentava. Ainda assim, tais figuras de pathos foram

discursivamente devastadoras. Tudo isso, preparando uma argumentação lógica (L).

411

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de

Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,

1979, p. 149 – 150. “A decisão final se desdobra em quatro partes e vem referida no vol. IV, p. 176 da Revista

dos Advogados Brasileiros, de 1867” reproduzindo o sumário da decisão, firmado por Caetano Soares do

primeiro número da Revista do Instituto, de 1862, às páginas 30 e seguintes.

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159

Dentre os argumentos legais usados por aqueles juristas, ambos tomaram por base a

Constituição. Porém, o principal destaque neste ponto, é que Teixeira de Freitas exteriorizou

seu conhecimento em direito canônico, certamente observado, antes, na elaboração dos

dispositivos a respeito do matrimônio, no Esboço. O uso por Teixeira de Freitas de princípios

da doutrina (ALO2), todavia sem tantas expressões latinas (FLO2), mostraram mais uma vez

um caráter técnico em sua argumentação. A falta de expressões e deduções populares (ALO3)

reforça esse entendimento.

Assim, ficou claro que a tese defendida por Teixeira de Freitas era a da inclusão da

influência da religião no Estado, pelo menos nesta questão do casamento, e isso, com base no

dispositivo constitucional que legitimava a religião católica como oficial no Império412

. Tal

era a influência do discurso legitimador. Para isso necessitou de uma voz à altura. Teixeira de

Freitas dominava matérias diversas como o direito canônico, e anteriormente, o direito

romano. Campos do Direito que deixaram de ser coadjuvantes para assumir um papel

principal à frente das suas argumentações.

Esta análise se defronta, assim, com um dos seus problemas iniciais. Como um

jurisconsulto, positivista, e especificamente, um civilista como Teixeira de Freitas, com a

incumbência de normatizar os atos e fatos da vida civil poderia ser contrário ao casamento

civil? Lembremos suas palavras: “[...] o Esboço abomina a instituição do casamento, chamado

civil. Em caso nenhum prescinde do elemento religioso [...]”413

. O que o levaria a abraçar tais

discursos legitimadores das classes de dominação, em detrimento de sua integridade

intelectual e conhecimento jurídico? Uma das prováveis respostas se encontra no fato de que

Teixeira de Freitas havia sido contratado pelo Império para elaborar o Esboço, e este mesmo

Império teve suas conexões de poder com a Igreja católica. Logo, houve a necessidade de que

alguém experiente e idôneo servisse a esse interesse e legitimasse adequadamente seus

posicionamentos por meio de um discurso convincente.

Ainda, o que impulsionou um jurisconsulto da qualidade de Freitas a utilizar seu

conhecimento e tempo para responder a este ataque? Tal esforço compensaria o desgaste

físico e financeiro? Provavelmente houve várias outras críticas a dispositivos do Esboço por

412

Art. 5. A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras

Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma

alguma exterior do Templo. BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824).

413 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.

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meio da imprensa, e apenas a este especificamente, o casamento, ele se “moveu” para

responder pelo mesmo veículo. Certamente houve o entendimento de que as forças por traz da

voz de Totvárad necessitavam de uma resposta à altura. Totvárad havia provocado o Prof.

Brás Florentino da FDR, o ministro da justiça, o Conselheiro Paranaguá e o Dr. Vilela

Tavares. A resposta de Teixeira de Freitas era a voz também destes.

Contudo, a despeito do sucesso discursivo de Teixeira de Freitas, a temática do

casamento evoluiu no sentido de, como visto anteriormente, o casamento religioso ter perdido

gradativamente “espaço” para o casamento civil. Primeiro, quando o Estado reconheceu as

celebrações de outras religiões e, depois, quando, quase trinta anos depois obrigou todos os

ritos ao casamento civil. Ainda assim, diante da dinâmica social do Direito, não deve ser

considerado vencedor um discurso que perdure por quase trinta anos?

Em relação à codificação e sua proposta de unificação, Teixeira de Freitas que já havia

mostrado sua competência e desenvoltura quando da Consolidação, mas foi capturado por

artimanhas de uma Comissão que consumiu tanto o jurisconsulto como seu contratante, o

governo imperial. Wieacker defendeu a tese de que “os códigos extraordinários só surgem

quando uma só e importante personalidade os projetam de uma vez”.

A monumentalidade e a pureza de estilo dos grandes códigos provêm da

intuição pessoal e da capacidade voluntariosa, virtudes que as debilidades,

limitações e o vigor de uma só pessoa equilibram amplamente, já que estas

podem ser dominadas, e ainda mais, não é privativo do jurista o arbítrio

individual e o propósito subjetivo de originalidade414

.

Será que isso poderia ser aplicado e constatado em situações complexas como a do

Brasil? No Brasil do século XIX se confiava mais em comissões que nas virtudes pessoais, e

assim, continua:

O trabalho de colaboração em comissões, pelo contrário, debilita a

responsabilidade e a autocrítica, e favorece a irresolução e a persistência do

que é antigo, rebaixa também por si mesma a superior qualidade dos

membros ao nível da média mais inferior, só é imprescindível para a

comprovação e exame de um projeto acabado415

.

414

WIEACKER, Franz. Historia del derecho privado de la edad moderna. Madrid: Aguilar, 1957, p. 423.

415 WIEACKER, Franz. Historia del derecho privado de la edad moderna. Madrid: Aguilar, 1957, p. 423.

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O Esboço não era um projeto acabado, obviamente. Ainda assim, Wieacker destacou

algo que certamente foi encontrado em Teixeira de Freitas, sem sobra de duvidas, em alguma

medida: a reunião em uma única pessoa de cultura jurídica e filosófica, senso prático,

resistência física e mental, equilíbrio, pertinácia, serenidade, e pleno conhecimento do meio

social a que vai servir. Só “se submetem ao penoso e incômodo trabalho de comissões, com

mais prazer, os trabalhadores conscienciosos e objetivos”416

.

Nesta outra carta, embora a quantidade do uso de figuras seja menor, a variedade é

mais equilibrada deixando no texto mais uma demonstração do seu domínio da escrita para

transcrever suas ideias, posturas e doutrinas. Mais uma vez, seus sentimentos (P) superam sua

personalidade (E). As figuras de pathos (FPO1, FPO3 e FPA1) predominaram e isso, foi para

complementar a persuasão que ele buscava a fim de levar adiante seu “novo” projeto. Quanto

ao conteúdo do discurso argumentativo neste texto, poucas foram as expressões (FLO2) e

máximas (ALO3). Mas, ele não deixou de fora suas peculiares perguntas (FPA1).

É possível destacar duas classes de abordagem por meio desse tipo de questionamento,

as perguntas (FPA1, perguntas retóricas). As que precederam a grande concentração de

argumentos principiológicos usados para descrever e fundamentar o conteúdo, como partes,

do seu projeto de unificação, composto de dois Códigos: o Geral e o “Civil” propriamente

dito; e, as que foram utilizadas para concluir a carta. As primeiras, embora intrigantes e fortes,

prepararam muito bem os ânimos para os argumentos que descreveram as matérias unificadas,

que seriam comuns também a ramos como o Comercial, o Penal e o Processual. A segunda

série de questionamentos, tomaram um rumo (im)previsível, quando observado retoricamente,

esse olhar que busca a compreensão do porquê de algumas propostas serem vencedoras e

outras não. Isso acrescentou uma porção de desgaste a Teixeira de Freitas.

Certamente, Teixeira de Freitas fez um trabalho exaustivo ao trabalhar no seu projeto

de Código Civil. Porém, o que desgastou Teixeira de Freitas não foi a obra de codificação do

Esboço, mas, primeiro, a protelação orquestrada por seus opositores que o esgotavam com

debates orais, respostas em numerosos e longos pareceres manuscritos, substitutivos a cada

sugestão e aditamentos que mais uma vez eram contestados entre os membros da Comissão. O

desgaste também foi financeiro, vez que para fundamentar seus comentários e pareceres era

416

WIEACKER, Franz. Historia del derecho privado de la edad moderna. Madrid: Aguilar, 1957, p. 423.

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necessário adquirir livros no exterior, caros e que demoravam, vindos da Europa de navio.

Cada jurisconsulto ou pensador devia formar sua biblioteca particular, nem sempre

numerosa417

. O Governo foi impaciente, Teixeira de Freitas era o condutor do projeto, mas

estava limitado à aprovação da Comissão que o fazia prorrogar os prazos. Impaciente com

Teixeira de Freitas ou com a Comissão, o governo não aceitou a última proposta.

Mas essas não foram a únicas causas para seu desgaste. Analisando o texto é possível

perceber que a segunda e última série de perguntas desfavoreceu todo o conjunto de seus

argumentos em favor do “monumento glorioso” e “das verdadeiras bases da codificação”.

Embora seja impossível determinar peremptoriamente se aqueles elementos finais poderiam

ter levado aquela realidade para outra direção, a prorrogação do plano e a aprovação do

projeto; é provável que a melhor argumentação tivesse sido não conceder ao Governo Imperial

a opção de negar o pedido. Às vezes, numa petição não se deve fazer perguntas que tanto

possam ter o “sim” ou o “não” como respostas; é o que já conhecem os melhores operadores

do Direito. Obviamente, Teixeira de Freitas já havia solicitado sua exoneração daquela

função, mas após uma exposição tão clara de seu plano, posteriormente “copiado” por outros

legisladores, talvez bastasse informar que aguardaria a “reflexão” do Ministro e o “critério” do

Imperador. O uso desses eufemismos (FEO1) que beiravam a ironia deve ter conduzido a

decisão ao desfecho conhecido.

Logo, aquela conclusão, envolvida em sentimentos “negativos”, desconstruiu a

brilhante argumentação legal e fez com que a proposta de um novo modelo de legislação

civilista fosse rejeitada. Finalmente, o objetivo de alguns componentes da Comissão revisora,

qual discurso vencedor, prevaleceu. O contrato foi desfeito e o Direito brasileiro deixou

escapar, pelo menos temporariamente, os louros da inovação sistemática de Teixeira de

Freitas.

417

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.

Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 241.

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