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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO
TEIXEIRA DE FREITAS:
codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo
Império.
Dissertação de Mestrado
Recife
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO
TEIXEIRA DE FREITAS:
codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo
Império.
Dissertação de Mestrado
Recife
2014
JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO
TEIXEIRA DE FREITAS:
codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo
Império.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito do Centro de
Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do
Recife da Universidade Federal de
Pernambuco como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
Área de concentração: Teoria e Dogmática
do Direito.
Linha de pesquisa: Linguagem e Retórica.
Orientador: Prof. Dr. Torquato da Silva
Castro Junior.
Recife
2014
Catalogação na fonte
Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832
T693t Torres Neto, José Lourenço
TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império. – Recife: O Autor, 2014.
176 f.
Orientador: Torquato da Silva Castro Junior.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2014.
Inclui bibliografia.
1. Freitas, Augusto Teixeira de, 1816-1883. 2. Direito civil - Brasil. 3. Retórica. 4. Retórica antiga. 5. Língua portuguesa - Retórica. 6. Idéia (Filosofia) - História. 7. Escravidão - Brasil. 8. Casamento (Direito) - Brasil. 9. Freitas, Augusto Teixeira de - Obras. 10. Freitas, Augusto Teixeira de - Código Civil - Unificação. I. Castro Junior, Torquato da Silva (Orientador). II. Título.
340.181 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2014-018)
JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO
TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do Direito no fim do Segundo
Império.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito
da Faculdade de Direito do Recife/Centro de Ciências Jurídicas da
Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito.
Área de Concentração: Teoria e Dogmática do Direito
Orientador:
Prof. Dr. Torquato da Silva Castro Junior.
A Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro,
submeteu o candidato à defesa, em nível de Mestrado, e a julgou nos seguintes termos:
MENÇÃO GERAL:
APROVADO
Profª. Drª. Fabíola Albuquerque Lobo (Presidente/UFPE)
Julgamento: APROVADO Assinatura: ___________________
Prof. Dr. João Maurício Leitão Adeodato (1° examinador externo)
Julgamento: APROVADO Assinatura: ___________________
Prof. Dr. Gustavo Just da Costa e Silva (2° examinador interno)
Julgamento: APROVADO Assinatura: ___________________
Recife, 08 de abril de 2014.
Coordenador Prof.º Dr. Marcos Antônio Rios da Nóbrega
A Jerônima, companheira de percurso.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor e orientador, o Dr. Torquato da Silva Castro Junior por seu saber superior e
amadurecido.
Ao Professor Dr. George Browne Rego, também professor na graduação e interlocutor
profundo da História do Direito, bem como, à sua suplente na presidência da banca
examinadora, a Dra. Fabíola Albuquerque Lôbo.
Ao Professor Dr. Gustavo Just da Costa e Silva por sua condução dentro dos caminhos da
hermenêutica e da interpretação.
A todos os doutos professores ao longo da Pós-Graduação de Direito da UFPE.
Em especial, ao Professor Dr. João Maurício Leitão Adeodato, incentivador na Filosofia e
orientador desde a graduação na Retórica e coordenador do grupo de pesquisa sobre
Retóricas na História das Idéias do Brasil.
À Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), como instituição, e aos seus funcionários.
Em particular, à minha querida esposa Jerônima e aos familiares que me apoiaram e
incentivaram durante esta modesta jornada.
“A liberdade é um bem inestimável,
porque mais vale com os seus perigos,
que o serviço do imobilismo.”
Teixeira de Freitas
(Pedro quer ser Augusto, 1872)
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
Abrev. – Abreviações.
AEO – Argumentos de ethos do orador.
AEO1 – Argumentos de ethos do orador baseados em autoridade.
AEO2 – Argumentos de ethos do orador baseados em textos qualificados.
AEO3 – Argumentos de ethos do orador fundamentados em fontes.
ALO – Argumentos de logos do orador.
ALO1 – Argumentos de logos do orador baseados em textos legais.
ALO2 – Argumentos de logos do orador baseados em princípios jurídicos.
ALO3 – Argumentos de logos do orador baseados em brocardos e ditos populares.
ALO4 – Argumentos de logos do orador baseados em deduções.
APA – Argumentos de pathos do auditório.
APA1 – Argumentos de pathos baseados em opiniões e sentimentos a partir do auditório.
APO – Argumentos de pathos do orador.
APO1 – Argumentos de pathos a partir de sentimentos e opiniões do orador
Cân. – Cânone (de uma Encíclica ou Concílio religioso).
CPB – Código Penal Brasileiro de 07.12.1940.
Dig. – O Digesto de Justiniano.
E – O ethos aristotélico.
FDR – Faculdade de Direito do Recife, Pernambuco, Brasil.
FEO – Figuras de ethos do orador.
FEO1 – Figuras de amplificação ou atenuação conforme o ethos do orador (metalogismos).
FLO – Figuras de logos do orador.
FLO1 – Figuras sintáticas ou de construção como base do logos do orador no texto
(metataxias).
FLO2 – Figuras de logos do orador formadas de expressões latinas ou gregas no texto.
FPA – Figuras de pathos do auditório.
FPA1 – Figuras de ação conforme o pathos do auditório.
FPO – Figuras de pathos do orador.
FPO1 – Figuras de significação a partir do pathos do orador (metasemas).
FPO2 – Figuras da oração (de frase) a partir do pathos do orador (metaxias).
FPO3 – Outras figuras de pathos do orador como as figuras de estilo.
IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
L – O logos aristotélico.
P – O pathos aristotélico.
Ret. – A Retórica de Aristóteles.
STF – Supremo Tribunal Federal do Brasil.
STJ – Superior Tribunal de Justiça do Brasil.
TF – (Augusto) Teixeira de Freitas.
Top. – A Tópica de Aristóteles.
UFPE – Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.
RESUMO
TORRES NETO, José Lourenço. TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e
escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império. 2014. 176 f. Dissertação
(Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências
Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.
A presente dissertação aborda as ideias que influíram no pensamento jurídico brasileiro e
estuda a retórica das ideias nos textos da obra jurídica remanescente de Augusto Teixeira de
Freitas durante o final do Segundo Império brasileiro. O objetivo é entender sua postura diante
de temas complexos do Direito Civil brasileiro a exemplo da escravidão, o casamento civil e
os métodos para a codificação da legislação civil com o fim de resgatar a credibilidade
discursiva de Teixeira de Freitas, observar a consistência dos temas de Direito Civil abordados
por ele, e, delimitar categoricamente os elementos e argumentos retóricos predominantes que
contribuíram para a constituição de seus discursos. Utiliza como instrumento metodológico a
análise retórica desenvolvida a partir de elementos da metódica de Ottmar Ballweg e de João
Maurício Adeodato, uma associação de elementos antigos e contemporâneos. As obras que
fornecerão os dados diretos para análise são a Consolidação das Leis Civis e o Esboço do
Código Civil, os trechos de discursos fornecidos por seus biógrafos, artigos publicados pela
imprensa, bem como, cartas oficiais, como as cartas de renúncia à presidência do Instituto dos
Advogados Brasileiros e à elaboração do projeto do Esboço do Código Civil. Conclui que, a
partir dos elementos da retórica utilizada por Teixeira de Freitas nos textos analisados, havia
uma incompatibilidade nas posturas pessoal e profissional que resultou na posterior rejeição
dos discursos que defendeu.
Palavras-chave: Direito. História das ideias. Teixeira de Freitas. Retórica.
ABSTRACT
TORRES NETO, José Lourenço. TEIXEIRA DE FREITAS: codification, civil marriage and
slavery according to Law’s rhetoric by the end of the Brazilian Second Empire. 2014. 176 p.
Dissertation (Master’s Degree of Law) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de
Ciências Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.
The present dissertation deals with ideas that had influenced the Brazilian legal thought, and
studies the rhetoric of them in the remaining work of Teixeira de Freitas’ texts to understand
his position before complexes themes of Civil Law during de Second Brazilian Empire such
as slavery, civil marriage and the codification of civil legislation. The goal is to rescue
Teixeira de Freitas’ discursive credibility, to observe his argumentative consistency in
subjects of Civil Law, and, to delimit categorically rhetorical elements and predominant
arguments that had contributed for the constitution of his speeches. As methodological
instrument uses the rhetorical analysis developed from elements of Ballweg’s and Adeodato’s
methodic, an association of old and contemporaries elements. For this, it makes a
bibliographical revision. It goes into the texts of the Consolidation of Brazilian Civil Law, the
Draft of the Brazilian Civil Code, parts of his speeches supplied by his biographers, articles
published in local press, as well as official letters, as the letters of his resignation to the
presidency of the Institute of the Brazilian Lawyers and that of his resignation to the work to
the Draft of the Civil Code’s project. It concludes that, from the rhetoric elements that
Teixeira de Freitas used in the analyzed texts, there was an incompatibility in his personal and
professional positions that resulted in the posterior rejection of the speeches that he assumed.
Key-words: Legal Philosophy. History of ideas. Teixeira de Freitas. Rhetoric.
SUMÁRIO
Introdução: Investigando os primórdios das ideias jurídicas brasileiras na
primeira codificação geral do direito civil sob o olhar de uma metodologia
retórica do direito ................................................................................................
13
1 Capítulo Primeiro – Exposição de uma metodologia definida por elementos
retóricos antigos e contemporâneos ...................................................................
20
1.1 Pressupostos teóricos de uma metodologia retórica para o estudo do Direito ...... 20
1.2 Elementos de retórica antiga .................................................................................. 23
1.3 Metaníveis como metalinguagem na retórica contemporânea .............................. 28
1.4 Categorias a partir da metodologia tripartida para analisar estratégias ................. 33
2 Capítulo Segundo – Primórdios da formação intelectual e jurídica
portuguesa e brasileira: o ambiente jurídico que antecedeu Teixeira de
Freitas ...................................................................................................................
41
2.1 A influência religiosa jesuíta nos centros culturais lusitanos e as origens do
ensino da retórica em Portugal ..............................................................................
41
2.2 A reforma pombalina do ensino e do estudo da retórica portuguesa e seus
reflexos sobre o ensino brasileiro até sua fase pré-republicana como estratégia
de neutralização de um instrumento de dominação jesuíta: a educação ................
45
2.3 A formação dos primeiros cursos jurídicos brasileiros como estratégia
legitimadora do processo de emancipação nacional ..............................................
50
2.4 A necessidade de uma produção literária para a “nova” Academia: seguindo a
estratégia da tradição lusitana de supressão dos conteúdos rivais .........................
54
2.5 Os conteúdos teóricos e filosóficos encontrados nas primeiras escolas jurídicas
brasileiras e seu antagonismo ao discurso retórico de “modernidade” .................
59
2.6 Uma produção legislativa própria para consolidar a independência brasileira ..... 63
3 Capítulo Terceiro – A formação e as principais ideias de Teixeira de
Freitas e suas possíveis influências .....................................................................
70
3.1 Destaques sobre a formação acadêmica, praxista e intelectual de Augusto
Teixeira de Freitas .................................................................................................
70
3.2 Delimitando ideias de Teixeira de Freitas como eventos linguísticos para o
Direito Civil emergente .........................................................................................
75
3.3 A defesa da escravidão como ponto de inflexão e estagnação temporária do
pensamento jurídico brasileiro ...............................................................................
77
3.4 A influência religiosa e a juridicidade do casamento civil frente ao casamento
religioso: uma disputa no campo da validade jurídica ..........................................
80
3.5 Da consolidação à unificação: influências e evolução da codificação civil
brasileira ................................................................................................................
86
4 Capítulo Quarto – Teixeira de Freitas e o tema da escravidão na retórica
do direito ...............................................................................................................
91
4.1 A legislação escravista ocultada na obra de codificação de Teixeira de Freitas:
uma tática para fazer prevalecer sua retórica textual .............................................
91
4.2 O impacto causado pela estratégia da retórica textual de Teixeira de Freitas no
discurso abolicionista de Joaquim Nabuco ............................................................
97
4.3 O ambiente, as estratégias e os elementos discursivos dos debates de 8 e 15 de
outubro de 1857 no Instituto dos Advogados Brasileiros sobre as doutrinas
jurídicas em relação à questão da liberdade dos filhos das escravas statu líber
sob condição ..........................................................................................................
102
4.4 Análise (primeira) dos principais elementos retóricos nos argumentos sobre a
questão escravista do debate no Instituto dos Advogados Brasileiros elencados
por Teixeira de Freitas em sua carta de renúncia à presidência do mesmo ...........
109
4.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do
tema da escravidão .................................................................................................
118
5 Capítulo Quinto – A validade do casamento normatizada pelo jurisconsulto
positivista: um conflito entre o religioso e o civil ..............................................
120
5.1 A importância e o interesse da Academia brasileira pelo tema do casamento no
período oitocentista ................................................................................................
120
5.2 A reação de Carlos Totvárad às prescrições do Esboço de Teixeira de Freitas a
respeito do casamento através da imprensa como nova estratégia de abordagem
123
5.3 Elementos motivadores nos discursos de Totvárad e de Teixeira de Freitas: um
debate predominantemente fundamentado na religião ..........................................
125
5.4 Análise (segunda) dos principais elementos retóricos dos argumentos sobre o
tema do casamento elencados por Teixeira de Freitas em sua resposta a Carlos
Totvárad no Diário do Rio de Janeiro em agosto de 1861 ....................................
128
5.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do
tema do casamento .................................................................................................
134
6 Capítulo Sexto – A unificação do direito privado e a tentativa retórica de
corrigir um vício doutrinário – o desgaste de Teixeira de Freitas .................. 136
6.1 Circunstâncias para o fracasso da primeira tentativa da codificação civil do
Império brasileiro ..................................................................................................
136
6.2 Algumas alegações da Comissão revisora do Esboço como estratégias para
desgastar os argumentos (e a saúde) de Teixeira de Freitas em 1865 ...................
141
6.3 Análise (terceira) dos principais elementos retóricos de Teixeira de Freitas em
sua carta ao Ministro Ribeiro de Andrada – a interrupção do Esboço (1867) .......
148
6.4 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do
tema da unificação do Código Civil ......................................................
152
Conclusão: (In)Compatibilidade e (in)coerência desvendadas pela retórica
acerca das posturas históricas de teixeira de freitas sobre temas do direito
civil ........................................................................................................................
152
Referências ........................................................................................................... 163
13
INTRODUÇÃO: INVESTIGANDO OS PRIMÓRDIOS DAS IDEIAS JURÍDICAS
BRASILEIRAS NA PRIMEIRA CODIFICAÇÃO GERAL DO DIREITO CIVIL SOB
O OLHAR DE UMA METODOLOGIA RETÓRICA DO DIREITO.
“Com a positivação e a constitucionalização do direito moderno, a visão filosófica do positivismo prevaleceu.
Apesar desse fato, a perspectiva ontológica subjaz sempre, paradoxalmente, na retórica sobre o caráter
“sobrepositivo” desses direitos”.
João Maurício Adeodato1
Houve um tempo em que o saber jurídico tinha um valor e um significado
diferenciado. Nesse período surgiram nomes da mais alta conta no cenário nacional. Alguns se
destacaram apenas em suas províncias de origem, outros se deslocaram para a capital do
Império, o Rio de Janeiro. É ali que encontramos um autor particular: Augusto Teixeira de
Freitas (1816 – 1883), o protagonista deste estudo. Personalidade a quem erroneamente se
vincula a denominação da cidade baiana2. Porém, Augusto Teixeira de Freitas que, sim, era
baiano, foi o jurista nascido em 1816 que com sua obra contribuiu imensamente para o Direito
Civil, no Brasil e no exterior. Por isso, para estudar sua obra o título desta dissertação é
“Teixeira de Freitas: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do
Segundo Império”.
Este estudo não se aterá às acepções dos positivismos e sua filosofia. Mas, observará
as origens das codificações legais como fonte de ideias jurídicas, buscando também algumas
origens das ideias que permearam o Direito no Brasil. Logo, juntamente com o Direito, esta
dissertação observará sua História e, a História do Direito também é o Direito, pois, Direito
sem História é água sem fonte; é chuva sem nuvens. Assim, o objeto de estudo aqui é o
Direito, sua história, e as retóricas de temas de Direito Civil como a escravidão, o casamento
civil e a codificação legislativa, que envolveram a vida e a obra jurídica de Augusto Teixeira
de Freitas no período final do Segundo Império brasileiro. Estudo este, que não negligenciará
um olhar mais pretérito nas circunstâncias e influências que impactaram essa obra.
1 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros
fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 124.
2 A cidade no sul da Bahia que antes era o povoado de São José de Itanhém, Alcobaça, e hoje se chama Teixeira
de Freitas tomou emprestado o nome para homenagear o estatístico e advogado Mario Augusto Teixeira de
Freitas, nascido em 1890, e que idealizou e presidiu o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e
não Augusto Teixeira de Freitas, o autor escolhido para ser estudado neste trabalho. Informação fornecida pelo
Prof. Dr. João Maurício Adeodato que em viagem à região tomou conhecimento deste fato pitoresco.
14
Um dos fundamentos deste estudo é um tipo específico de história das ideias. A
historiografia filosófica não deve se ater apenas à problemática bibliográfica ou biográfica do
autor escolhido. A história das ideias (filosofia da história) diferentemente da história da
filosofia tradicional, procura enfocar as ideias de personalidades jurídicas onde quer que
apareçam e não apenas na filosofia. Embora se reconheça que a cultura nacional está formada
em muitas outras áreas, como música e dança; só muito recentemente as ideias, e aqui em
especial, as jurídicas, é que entraram nessa sorte de considerações.
A época delimitada é o Segundo Império brasileiro, período de mudanças e
transformações no cenário jurídico brasileiro embalado que foi pelo panorama mundial. Foi a
época em que Teixeira de Freitas, além de ter realizado os trabalhos de consolidação e
codificação da legislação civil, se dedicou à prática forense, o que incluiu a magistratura e a
advocacia. Sua obra é constituída de suas publicações e de suas ações.
As obras que fornecerão os dados diretos para análise neste estudo são a Consolidação
das leis civis e o Esboço do Código Civil a ele encomendados, mais trechos de discursos e os
artigos publicados pela imprensa local na disputa com Carlos Totvárad, bem como, as cartas
pessoais que expõem alguns de seus sentimentos íntimos e seus argumentos jurídicos como as
cartas de renúncia à presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e ao trabalho de
confecção do projeto do Código Civil.
Esta dissertação parte de dois pressupostos: o de que uma metodologia retórica pode
analisar e, segundo, essa mesma metodologia pode explicar a construção de um discurso
jurídico e, assim, especificamente, perscrutar a obra de Teixeira de Freitas. O marco teórico
para tal foi o método retórico de análise de Ottmar Ballweg e desenvolvido para o Direito
brasileiro por Adeodato, aqui tomado como paradigma. Com os resultados advindos de sua
incidência, ou seja, sabendo quais elementos retóricos predominaram na obra de Teixeira de
Freitas se determinará a construção dos seus textos e pensamento, e as influências que o
levaram a tomar determinadas posturas, como a de se recusar a regulamentar a escravidão no
Brasil imperial na Consolidação, ou não admitir a liberdade dos filhos das mulheres statu
líber sob condição, e, ainda, não aceitar o casamento civil sem seu vínculo religioso.
Portanto, são objetivos deste estudo atender pelo menos três finalidades (não
necessariamente na ordem proposta): na História, resgatar a totalidade da credibilidade
discursiva de Teixeira de Freitas, que pontualmente e por alguns foi questionada; no Direito,
observar a consistência dos temas de Direito Civil abordados por ele; e, na Retórica, delimitar
15
os elementos e argumentos retóricos predominantes (destacados como incidências de
categorias retóricas) que contribuíram para os seus possíveis (in)sucessos discursivos.
Escolher estudar a obra remanescente de Teixeira de Freitas, primeiro, é uma opção e
até uma paixão pelo Direito Civil desde a graduação; depois, é uma consequência da
proximidade com o Grupo de Pesquisa coordenado pelo Professor João Maurício Adeodato
com o propósito de estudar “as Retóricas na História das Ideias Jurídicas do Brasil”. Além
disso, estudar e analisar a vida e a obra de Teixeira de Freitas e sua postura frente a questões
como a escravidão, o casamento civil e o método de unificação da codificação civilista, mais
que um desafio metodológico, é uma privilegiada homenagem à sua pessoa e obra.
----------
O pano de fundo deste estudo é o fenômeno jurídico, e no campo do Direito, os
fundamentos da experiência jurídica brasileira, por isso questiona a eventual originalidade
dessas ideias e, assim, penetra nos corredores de sua história. Reconhece ideias que influíram
no pensamento jurídico brasileiro pretérito em geral e não apenas as ideias oriundas dos
filósofos, o que permite a inserção de temas de Direito Civil que repercutiram na sociedade de
então, e, também, os elementos que constituíram a linguagem, como discursos vencedores ou
não, dessas ideias. Ainda considera que a formação e a cultura brasileira fez com que os
juristas do Brasil no final do Império recepcionassem ideias dos modelos exógenos, repetindo-
os, embora tal continuidade seja justificada pelas várias condições (precárias) de aquisição de
conhecimento.
As três ideias destacadas aqui como principais na obra de Teixeira de Freitas são: a
unicidade do ordenamento civilista, a legitimação exclusiva do casamento civil e a legalidade
da escravidão. Porém, este estudo fará ainda alguns questionamentos específicos acerca dos
conteúdos de linguagem adotados e usados por Teixeira de Freitas dentro de cada tema, para
reconhecer seus discursos vencedores, ou não, a fim de fazer um resgate histórico das
primeiras ideias jurídicas brasileiras. Questionamentos que pairarão do início ao fim, pois
impossível é recuperar seus reais pensamentos e motivações como respostas. Questiona-se,
por exemplo, se Teixeira de Freitas era a favor ou contra a escravidão no Brasil. Se era a
favor, por que se recusou a regulamentar a escravidão no Brasil imperial na Consolidação? E,
se era contra, por que não admitia a liberdade dos filhos das mulheres statu líber sob condição
nos debates no IAB? Essa era uma postura correspondente com seu legalismo? Se ele era tão
legalista, por que, quanto à questão da legitimação do casamento civil, Teixeira de Freitas não
16
o desvinculou da religião e deixou que ele fosse regulamentado apenas pelas leis civis? Ou
seja, se em cada situação isso era uma estratégia argumentativa, como parece, quais eram
essas estratégias, e, se possível, de onde se originaram, quais eram seus fundamentos e quais
foram os resultados práticos e materiais.
Uma primeira hipótese, por exemplo, sobre a questão da escravidão, seria a de que
Teixeira de Freitas não tinha a finalidade de ocultar o tema da escravidão por “pudor”
jurídico. Parece que Teixeira de Freitas, em nome de uma perfeição textual (para não dizer
literária) e já antevendo tanto a derrocada do evento escravidão como a perpetuação do seu
trabalho extensivo e perfeccionista, buscou deixar um legado livre dessa “mácula”, apesar de
defender legalmente o escravismo com base no direito romano. Será que ele estava realmente
convencido de que a liberdade das pessoas estava limitada pela lei, e por isso se negou a
concordar em conceder a liberdade aos filhos de escravas libertas sob condição diante das
consequências (como a quebra do princípio da propriedade e da segurança jurídica vigente)
contra a credibilidade da unicidade jurídica que tal jurisprudência poderia produzir, embora
afirmasse que a escravidão era uma “mácula”?
Outra possibilidade seria ainda de que sua postura não se definiu apenas em suas
intenções e convicções pessoais, expressas em seus textos, mas que sofreu uma condução
motivada por um interesse externo de expô-lo ao ridículo. O discurso dominante atribuiu o
“fracasso” de Teixeira de Freitas frente ao IAB e na elaboração do Esboço, ora a seu caráter,
ora a seu legalismo. Que razão levou os jurisconsultos do IAB a discutirem casos de
jurisprudência relacionados à escravidão? Houve uma construção ardilosa para fazer com que
a postura de Teixeira de Freitas fosse derrotada, em tempo e lugar, a fim de que a tendência
dominante prevalecesse, apesar da legalidade vigente, como sugere a tese historicista de
Eduardo Spiller Pena (de que talvez essa postura não foi definida apenas a partir de sua
convicção pessoal, mas sofreu uma condução externa guiada por Caetano Alberto Soares que
o fez tropeçar em seu legalismo)? Questionamento reforçado pelas observações biográficas de
Silvio Augusto de Bastos Meira que expõe uma suposta “campanha difamatória”. Houve uma
articulação, intencional e consciente, para fazer com que a postura legalista de Teixeira de
Freitas fosse contestada a fim de que a tendência (política) abolicionista dominante
prevalecesse, ou essa é apenas uma constatação argumentativa a posteriori? E acerca da
prática do casamento civil, será que cada argumento utilizado apenas atendeu às preferências
religiosas das partes argumentantes, aos seus consensos linguísticos e à capacidade de tanto
causarem dano como concederem vantagens diante do processo histórico que se quis
17
construir? Ou o poder religioso apropriou-se das vozes dos contendores para influenciar a
legislação, caso também a situação inversa não fosse passível de ser considerada?
Nesse contexto, também se busca uma resposta para as aparentes “incoerências” de
posturas enquanto jurisconsulto e a realidade prática que vivenciava, se é que ele não era
mesmo incoerente. Muitas são as possibilidades de questionamentos que podem ser
levantados quando se tem a retórica como instrumento para análise. Na verdade, para cada
tema analisado pela retórica há questões específicas. Assim, este estudo crê que a análise pela
retórica pode ajudar a informar se os sucessos ou insucessos de Teixeira de Freitas estavam
relacionados com seu caráter ou com seu estado emocional, e, se, era provável a influência de
outros fatores políticos e sociais nesses elementos integrantes de seus textos. Essa é a
problemática que tentará ser respondida pelo método retórico escolhido.
Ainda, com respeito à retórica é necessário que se entenda, de logo, que ela constará na
aplicação de um método constituído de elementos antigos e contemporâneos. Logo, não
escaparão algumas observações tópicas dessa que é a retórica que se preocupa com a forma do
texto e do discurso, bem como, de elementos conforme a tríade aristotélica: ethos, pathos,
logos; e também, observações em conformidade aos metaníveis da retórica tripartida
concebida e delineada por Ottmar Ballweg e desenvolvida por João Maurício Adeodato.
Metodologia que será mais bem exposta como marco teórico no primeiro capítulo.
Obviamente, a análise retórica que é método também e não pretende prescrever
proposições normativas ou fazer juízos de conteúdo valorativo, mas busca identificar
argumentos e estratégias, deve satisfazer as exigências de análise e averiguação a que este
estudo se propõe. Mais do que um estudo gramatical, que vê “o preto no branco”, esta retórica
busca também o que está nas entrelinhas de um discurso para melhor entendê-lo. Por meio
dela se questiona a historiografia e as “verdades” que compõem as realidades, ou, como a
historiografia passou a ser o relato vencedor. Questiona, como filosofia que é, o saber e o que
se sabe. Certamente isso introduz um elevado elemento de critica aos processos constitutivos
das ideias, e, no caso da dogmática, contribui para sua melhor compreensão, vez que uma não
prescinde da outra, pois ambas se complementam. Se estudar filosofia retórica é um desafio,
aplicar esse método a um autor como Augusto Teixeira de Freitas constitui-se um desafio
ainda maior.
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A dissertação está dividida em seis capítulos:
18
O capítulo primeiro introduzirá uma metodologia retórica para o estudo do Direito
que soma elementos de retórica antiga com os meios “técnicos” da retórica aristotélica: o
ethos, o pathos e o logos e os “recursos retóricos” aristotélicos voltados para a persuasão.
Ainda unirá esses elementos aos metaníveis da retórica contemporânea de Ottmar Ballweg:
material, estratégica e analítica; como constituintes metalinguísticos da retórica material, da
retórica prática ou estratégia e da retórica analítica. Serão confeccionadas categorias a partir
das principais figuras e argumentos relacionadas à metodologia tripartida de Ballweg para
analisar as estratégias expostas nos capítulos posteriores.
O capítulo segundo, juntamente com os dois capítulos seguintes, construirá os
precedentes da formação intelectual e jurídica portuguesa e brasileira na tentativa de
reconstruir o ambiente jurídico que influenciou e no qual viveu Teixeira de Freitas. Para isso,
descreverá a influência religiosa jesuíta nos centros culturais lusitanos e as origens do ensino
da retórica a partir dessa influência. Além disso, também descreverá a reforma pombalina do
ensino e do estudo da retórica portuguesa como estratégia de neutralização de um instrumento
secular de dominação jesuíta: a educação, e seus reflexos sobre o ensino brasileiro até sua fase
pré-republicana. Descreverá ainda a formação dos primeiros cursos jurídicos brasileiros, a
“nova” produção literária para a “nova” Academia brasileira (e os conteúdos filosóficos
encontrados nessas instituições, como elementos antagônicos ao discurso retórico de
“modernidade” educacional) e a necessidade de uma nova codificação como elementos
estratégicos de consolidação da independência brasileira.
O capítulo terceiro continua a contextualização histórica que propiciou a formação de
Teixeira de Freitas destacando sua formação acadêmica, praxista e intelectual e sua
contratação para as obras de consolidação e codificação do Direito Civil brasileiro. Além
disso, apresentará os três principais temas de Teixeira de Freitas escolhidos: a escravidão, o
casamento civil e a codificação, delimitando assim, suas ideias para o Direito Civil emergente
e suas possíveis influências.
O capítulo quarto inicia as análises retóricas do corpus dos discursos elencados como
representantes das ideias de Teixeira de Freitas. Nele, aplicando a metodologia do capítulo
primeiro, será trazida à discussão a escravidão ocultada na obra de codificação de Teixeira de
Freitas como demonstração de uma tática para fazer prevalecer seu estilo textual. Ainda,
mostrará que a estratégia retórica textual de Teixeira de Freitas influenciou anos depois o
discurso abolicionista de Joaquim Nabuco. Por fim, descreverá o debate ocorrido no IAB.
19
Além dos textos da Consolidação e do Esboço, ali serão analisados os fragmentos desses
debates no IAB e sua carta de renúncia à presidência do mesmo.
O capítulo quinto exporá outro debate de Teixeira de Freitas, agora sobre o tema do
casamento, com Carlos Totvárad. Primeiro mostrará a importância e o interesse da Academia
brasileira pelo tema do casamento e, em seguida, a postura de Teixeira de Freitas influenciada
pela tendência religiosa vigente, que buscava manter seu poder também por meio da validação
do casamento civil segundo o rito religioso.
O capitulo sexto, como último capítulo, analisará a postura de Teixeira de Freitas
sobre o tema da unificação do Código Civil, sua postura contrária à tendência política de dar
ao Brasil um código civil insipiente, no que resultou o seu desgaste e na resignação de
Teixeira de Freitas fazendo-o interromper a finalização dessa obra de codificação e deixar o
Esboço, em avançado estado de elaboração, incompleto.
Ressalte-se que as notas de rodapé desta dissertação constituem um trabalho
complementar que não deve ser olvidado, pois servem não só para informar quais as
referências consultadas, mas trazem também dados, exemplos e explicações que enriquecerão
o leitor mais interessado. Diferente do autor elencado, a estratégia de usá-las aqui, visa a que o
objeto central não se disperse ou se avolume em demasia e desnecessariamente, sem deixar,
no entanto, de oferecer sua contribuição, para que mais possa ser dito, como segue, sobre a
metodologia que será empregada.
20
CAPÍTULO PRIMEIRO – EXPOSIÇÃO DE UMA METODOLOGIA DEFINIDA POR
ELEMENTOS RETÓRICOS ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS.
Sumário: 1.1 Pressupostos teóricos de uma metodologia retórica para o estudo do Direito.
1.2 Elementos de retórica antiga. 1.3 Metaníveis como metalinguagem na retórica
contemporânea. 1.4 Categorias a partir da metodologia tripartida para analisar estratégias.
“Lá, onde a filosofia de hoje termina seu discurso cético, a retórica começa”.
Ottmar Ballweg3
1.1 Pressupostos teóricos de uma metodologia retórica para o estudo do Direito.
Um método é um caminho para alcançar ou descobrir resultados. Qual a metodologia
que será usada nesta dissertação? É método das retóricas4. Um conjunto de instrumentos que
podem mostrar um caminho ou mesmo ser um caminho. Logo, este não se pretende como “o”
método, nem mesmo o “melhor” entre tantos outros, mas como é retórico, apenas um método.
E como todo método ou metodologia, é dinâmico, em constante formação e desenvolvimento.
Pode e deve ser adaptado por cada pesquisador a sua necessidade e/ou finalidade. Estudar com
base numa metodologia em formação é um procedimento desafiador. Alguns estudiosos já o
utilizam, mas esta pesquisa pode ser a primeira a analisar retoricamente as ideias jurídicas de
Teixeira de Freitas.
A retórica hábil para desempenhar esta possível tarefa não é qualquer retórica.
Certamente não o é a retórica como a arte do floreio e dos adornos empolados apenas.
Também não o é só aquela eloquência rebuscada que por meio do seu fulcro poético na
linguagem busca o convencimento, a adesão e, muitas vezes, é confundida com a pura e
simples oratória, ou o que é pior, com as falácias e os enganos. Na verdade, neste nível de
observação, são dignas de menção e importância algumas teorias “sérias” de retórica textual,
que embora se dediquem a textos escritos também são aplicáveis a textos orais, como a Teoria
3 „Dort wo die Philosophie des heutigen Tages seine skeptische Rede beendet, beginnt die Rhetorik.“
BALLWEG, Ottmar. Semiotik und Rhetorik. Rhetorische Rechtstheorie. Freiburg: Alber, 1982, p. 31.
4 Várias são as retóricas, e, existem vários tipos de estudos retóricos como métodos; como a retórica figurativa e
textual, qualitativa, descrita por Miltos Liakopoulos em: análise argumentativa, e, Joan Leach em: análise
retórica, no estudo organizado por Martin W. Bauer e George Gaskell. BAUER, Martin W.; GASKELL, George.
Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som – um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 218-243, 293-
317.
21
da Estrutura Retórica (Rhetorical Structure Theory)5, a Teoria das Relações de Coerência
(Theory of Coherence Relations)6 e a Teoria Segmentada da Representação do Discurso
(Segmented Discourse Representation Theory)7 que analisam sequências textuais narrativas,
descritivas, argumentativas e explicativas com a finalidade de observar o domínio da coesão
textual, a coesão gramatical ao nível inter-frásico e ao nível textual, através da analise de
relações retóricas que consideram os argumentos dessas relações uma correspondência entre
núcleos e satélites, ou orações ou frases, em termos sintáticos e que podem provir a partir de
informações lexicais. Destas teorias, alguns princípios simplificados serão aplicados aos
textos de Teixeira de Freitas para destacar uns poucos elementos de retórica textual que
possam ser importantes para observar suas argumentações.
Ainda assim, ela não será limitada ao seu aspecto gramatical ou à analise
argumentativa, importante também no sentido de persuadir, como diz o verbete de Aurélio
Buarque quando afirma que a retórica é “o estudo persuasivo da linguagem, em especial para
o treinamento de oradores” 8
. Existe a acepção que descreve a retórica como uma “faculdade
de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuasão” 9
. Em seu sentido
mais abrangente, juntamente com a poética e com a oratória, é aquela arte eloquente que se
encontra em todo discurso para compor um conjunto que inclui a tópica tradicional latina, a
retórica persuasiva aristotélica e a analítica contemporânea.
Como a investigação humana é densa em estratégias, a retórica perpassa do campo
material ao analítico, tendo em seu interstício a estratégia, e possui como alguns pressupostos
5 A Teoria da Estrutura Retórica é uma teoria descritiva que tem por objeto o estudo da organização dos textos,
caracterizando as relações que se estabelecem entre as partes do texto previamente divididas em unidades que se
relacionam hierarquicamente sob quatro tipos de mecanismos: relações, esquemas, aplicações dos esquemas e
estruturas. Nesse sentido ver MANN, W.; THOMPSON, S. Rhetorical Structure Theory: a theory of text
organization. Text 8, 1988, p. 243 – 281.
6 A Teoria das Relações de Coerência descreve a configuração do foco da atenção discursiva que atua em
conformidade com as restrições próprias ao estabelecimento de relações independentes de coerência entre
enunciados, que podem ser de três tipos: de semelhança, de causa-efeito e de ocasião, a fim de determinar em
cada caso um centro de atenção. Nesse sentido ver KEHLER, A. Coherence, reference, and the Theory of
Grammar. United States: CSLI Publications, 2002.
7 A Teoria Segmentada da Representação do Discurso complementa a Teoria da Estrutura Retórica de Mann e
Thompson, definindo as relações discursivas como narração, resultado e causa (ou explicação), também com o
objetivo de explicitar as relações de significado que subjazem a segmentos textuais e que estruturam o texto, de
tal modo que o processamento da informação textual engloba conhecimento linguístico e conhecimento do
mundo. Nesse sentido ver ASHER, N.; LASCARIDES, A. Logics of Conversation. United States: Cambridge
University Press, 2003.
8 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Retórica. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed.
Curitiba: 2004, p. 1751.
9 BARILLI, Renato. Retórica. Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 11.
22
o ceticismo, o historicismo e o humanismo, vez que a retórica como sistema de análise tem
muito que ver com seus resultados práticos em sua investigação10
. Logo, também é uma
atitude filosófica diante do conhecimento e da ética. É a formulação de uma análise aberta.
Esse parece ser o modelo inicial delimitado por Ballweg11
que, antes de tudo, afirmou que “da
retórica nenhum Direito escapa” 12
. Sua proposta de análise pode ser resumida na assertiva:
O intercâmbio argumentativo de opiniões é o domínio da retórica. Isto é sabido
até hoje nos países latinos, e é também praticado e ensinado nos países anglo-
saxões. A abertura do intercâmbio político e jurídico de opiniões não significa
apenas que as opiniões podem ser expressas de maneira aberta, isto é, livre,
mas também que os seus resultados sempre têm de permanecer em aberto; esta
última é justamente um, [sic] pré-requisito da primeira13
.
Esse modelo ou método é conhecido de professores e egressos do Programa de Pós-
Graduação da UFPE, que em suas publicações têm destacado a aplicação do método da
filosofia retórica do professor Adeodato delineado em Retórica Constitucional, capítulo
primeiro, que propõe a retórica como metódica para estudo do Direito14
com base na
disciplina descrita por Ottmar Ballweg no artigo Rhetorik und Vertrauen e traduzido como
Retórica Analítica e Direito.
10
ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 332 – 333.
11 Ottmar Ballweg (nascido em 11 de março de 1928 na cidade de Hockenheim na Alemanha) é um jurista e
filósofo alemão que substituiu Theodor Viehweg (1907 – 1988) na Universidade Johannes Gutenberg, Mainz
nas áreas de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito. Direcionou seus estudos para a “pequena” escola de
retórica jurídica juntamente com Peter Schneider (1920 – 2002). Sob a influência da tópica de Viehweg e da
semiótica de Charles William Morris (1901 – 1979) desenvolveu uma teoria retórica como parte do movimento
alemão de filosofia jurídica. Desde 1993 está aposentado. Seus principais livros são: Zu einer Lehre von der
Natur der Soche (1963); Rechtswissenschaft und jurisprudenz (1970); Rhetorische Rechtstheorie (1982) e
Analytische Rhetorik: Rhetorik, Recht und Philosophie (2009). Informações biográficas disponíveis em
<http://www.fernuni-hagen.de/ls_schlieffen/rhetorik/ballweg>. Sobre a retórica analítica, ver BALLWEG,
Ottmar. Rhetorik und Vertrauen. Analytische Rhetorik. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009, p. 131;
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de
Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 175.
12 “An der Rhetorik führt kein Rech vorbei.” BALLWEG, Ottmar. Rhetorik und Vertrauen. Analytische
Rhetorik. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009, p. 127; BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e
Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-
setembro. São Paulo, 1991, p. 175.
13 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de
Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 183.
14 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros
fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 15-45.
23
[...] a retórica analítica procura ter uma visão descritiva e abstrair-se de
preferências axiológicas, mesmo diante de objetos valorativos. [...] a retórica
descritiva é formal, mas nunca normativa, não pretende orientar a ação. [...] a
retórica metódica analisa a relação entre como se processa a linguagem
humana e como as pessoas acumulam experiências e desenvolvem
estratégias para utilizá-la de modo eficiente15
.
Assim, a concepção tripartida da retórica de Ballweg e Adeodato envolve os aspectos
das retóricas materiais, das retóricas estratégicas e da retórica analítica, entendida não só como
um método, mas também como uma filosofia constituída de uma metodologia e de uma
metódica. É com essa concepção em mente que se enfrentará o desafio de aplicar tal
metodologia também às ideias elencadas de Teixeira de Freitas. Na verdade, são teses acerca
das possíveis teses das ideias de Teixeira de Freitas. Embora elas não apresentem as elevadas
contribuições filosóficas de outros autores filósofos, até porque seria difícil extraí-las de um
conjunto de discussões a respeito de leis como os delimitados bibliograficamente para este
estudo, ainda assim são relevantes para a filosofia do Direito, uma vez que quaisquer análises
retóricas advêm da filosofia e com ela contribuem.
1.2 Elementos de retórica antiga16
.
Os elementos que comporão o instrumental metodológico podem ser agrupados
didaticamente em dois grupos inicialmente: os antigos e os contemporâneos. Sem temer
incorrer num anacronismo histórico, porque são complementares que se aperfeiçoam, fazem
parte deste arsenal metodológico a tópica tradicional latina, a retórica persuasiva aristotélica e
a retórica analítica contemporânea de Ballweg. A tópica tradicional é a mais conhecida e era
também a mais usada à época em que viveu Teixeira de Freitas. Apesar de ser impossível não
“cair” na sedução de sua abordagem, ela será observada nos estudos históricos adiante, apesar
de caberem, de logo, algumas considerações iniciais.
15
ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros
fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37, 38.
16 A denominação “antigo” está em contraposição a “clássico” especificamente para o estudo da retórica, como
explica o pesquisador Armando Plebe: “A corrente retórico-dialética liga-se à retórica grega e latina, à que
chama ‘antiga’ em contraposição à retórica ‘clássica’ renascentista, e considera que o mundo greco-latino
identificava a retórica com a arte de persuadir”. PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de
retórica. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 2.
24
A tópica antiga estudada como retórica (e denominada de “clássica” no
Renascentismo) antes e no tempo de Teixeira de Freitas era composta pelo que se entende
comumente como “retórica”. Era uma retórica ligada à tradição romana de retórica cívica,
compatível com Cícero (106 – 43 a.C.) e Quintiliano (35 – 95 d.C.)17
e distinta da tradição
formalista aristotélica. Naquela época, o estudo da retórica no Brasil seguia a tradição
europeia, melhor, portuguesa, segundo as orientações dos Estatutos da reforma pombalina e
direcionadas pelo Verdadeiro Método de Estudar de Verney18
, que diferia tenuemente do
método jesuítico anterior à reforma.
Ambas as tradições latinas se prendiam a tropos, figuras de linguagem e ornamentos
estilísticos19
. Ou seja, tanto os textos utilizados pelos jesuítas em suas escolas ao redor do
mundo, como os produzidos em Portugal e no Brasil após a reforma pombalina tinham essa
característica20
. Essa retórica se preocupava com a estética do texto, da ordem das palavras e
dos períodos, dos tipos de elocuções, estilos e orações. Tudo isso associado aos detalhes da
oratória e das partes do discurso segundo a tríade retórica barroca21
. Ela também enfatizava,
até demasiadamente, figuras de linguagem como as metáforas, catacreses, sinédoques e
metonímias, entre tantas outras estudadas junto com as máximas22
, os brocardos, os ditados e
17
As obras conhecidas de Marco Túlio Cícero (106 – 43 a.C.) sobre a temática são: Rethorica ad Herennium (de
autoria discutível), De Inventione, Orator, Brutus, De Optimo Genere Oratorum, Topica, Partitiones Oratoria e
De Oratore, o principal; e de Marco Fábio Quintiliano (35 – 95 d.C.), a Institutio Oratoria. LIMA JÚNIOR,
Dilson Machado de. (Coord.) Dicionário bibliográfico e teórico [de] filosofia do direito. Belo Horizonte:
Líder, 2007, p. 56 – 57.
18 VERNEY, Luís Antônio. O Verdadeiro Método de Estudar para ser útil à República e à Igreja:
proporcionado ao estilo e necessidade de Portugal. Valença: Antonio Balle, 1746. Edição organizada por Antonio
Salgado Junior. Lisboa: Sá da Costa, 1949-1953.
19 Cf. GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 60-61.
20 São exemplos dessa produção PACHECO, Manoel de Sampayo Valladares. Arte de Rhetórica que ensina a
fallar, escrever, e orar, escrita em portuguez para intelligencia dos que não sabem a língua latina. Lisboa:
Na officina de Francisco Luiz Ameno, 1750; SANTO ANTONIO, Sebastião de. Ensaio de Rhetórica. Lisboa:
Na Officina Lusitana, 1779; MENEZES, Bento Rodrigo Pereira de Soto-Maior e. Compêndio Rhetórico ou
Arte Completa de Rhetórica com méthodo fácil para toda pessoa curiosa, sem frequentar as aulas, saber a arte da
eloquência: toda composta das mais sábias doutrinas dos mais sábios autores que escreverão desta importante
sciência de falar bem. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794; FERREIRA, Silvestre Pinheiro.
Prelecções philosophicas sobre a theoria do discurso e da linguagem, a esthética, a diceósyna, e a
cosmologia. Rio de Janeiro: Na Imprensa Régia, 1813-1820; e, FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Noções
Elementares de Philosophia Geral e applicada às sciências moraes e políticas. Ontologia, Psichologia,
Ideologia. Paris: Bravier et Aillaud, 1839.
21 Ver nota 85 adiante.
22 São exemplos de máximas, expressões latinas como dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei) ou in claris non
fit interpretatio (o que é claro não precisa ser interpretado) e os famosos brocardos (axiomas concisos que
expressam conceitos maiores) oculum pro oculum, et dentem pro dente (olho por olho e dente por dente),
inadimplenti non est adimplendum (a parte não precisa respeitar sua obrigação se a contra-parte não respeitar a
que lhe cabe) e quod non est in actis non est in mundo (o que não se encontra nos autos, não existe no mundo).
25
os aforismos. A lista se amplia ainda mais quando são incluídas as locuções que funcionam
como verdadeiros argumentos.
A tradição aristotélica anterior à tradição latina era mais voltada à persuasão. Na obra
de Aristóteles ela é formulada como uma teoria da argumentação, pois para ele a retórica é “a
faculdade de observar os meios de persuasão disponíveis em qualquer caso dado”23
ou como
diz outra tradução, é a “faculdade de descobrir especulativamente sobre o que é adequado em
cada caso para persuadir”24
tendo a função de “descobrir os meios de alcançar o sucesso” e,
“não simplesmente ser bem sucedida na persuasão” (Ret., 1355b)25
. Foi principalmente no
âmbito do discurso deliberativo, aquele em que é possível deliberar, ou seja, onde os casos
podem ser resolvidos com pelo menos “duas soluções opostas”26
, que Aristóteles descreveu os
vários meios de persuasão, desdobrando-os. Ele subdividiu os recursos persuasivos em meios
técnicos e retóricos. Essa subdivisão originou duas outras subdivisões dentro da tradição
retórica formalista. Aquela que observa mais os meios técnicos aplicados ao discurso em
decorrência da oralidade predominante à época de Aristóteles; e aquela voltada para a análise
argumentativa a partir dos recursos retóricos. Os meios técnicos são muito úteis na análise de
relatos quando se busca, também, determinar as estratégias usadas pelo orador. Os recursos
retóricos avaliam as maneiras como essas estratégias alcançam a persuasão, ou não, seja por
deduções diretas ou indiretas.
Ao separar os aspectos técnicos de persuasão daqueles que não pertencem estritamente
à arte retórica, Aristóteles usou os termos ethos27
, pathos28
e logos29
, descrevendo assim, a
São exemplos de expressões que assumem contornos de argumentos, locuções como a maiori ad minus (quem
permite o mais, permite o menos), a minori ad maius (quem proíbe o menos também proíbe o mais), ab absurdo
(argumento que reduz o argumento alheio ao absurdo) e ab auctoritate (argumento que retira a sua força da
autoridade); estas entre tantas expressões variadas que compõem a tópica antiga e clássica (como a priori, a quo,
ad hoc, conditio sine quo non, corpus delicti, etc.). MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da.
Manual de retórica e Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 237 – 297.
23 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.
24 Εστω δή ρητορική δύναμις περέ έκαστον τού θεωρήσαι το ενδεχόμενον πιθνόν. La rhétorique est la faculté de
decouvrir spéculativement ce qui, dans chaque cas, pent ètre propre à persuader. Cf. ARISTOTE. Rhétorique.
Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé d’Edition «Les belles Letres», 1960,
p. 76.
25 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22.
26 ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé
d’Edition «Les belles Letres», 1960, p. 79.
27 O ethos (ηθος) indica o caráter pessoal do orador. Aquilo que do próprio orador dá peso a suas palavras. O
ethos, assim como as outras espécies, não é algo isolado, mas um conjunto de meios, estes centrados no caráter
do orador e podem ser sua honradez, sua autoridade, sua idade ou sua dignidade. Esse conjunto pode influir,
positiva ou negativamente, na mensagem que se transmite por meio da “imagem”, das posturas ou dos
26
base técnica dos discursos (Ret. 1356a)30
. Os meios retóricos foram agrupados genericamente
como silogismos.
Em certa medida, estes três meios, ethos, pathos e logos, são mais que meros
“ingredientes essenciais para explorar o contexto como um primeiro passo para a análise
retórica” ou “formas introdutórias a partir das quais os argumentos persuasivos podem ser
criados ou desenvolvidos”31
apenas. Dependendo do uso deles e de quem os usa ou observa,
eles tanto podem ser os “primeiros passos” como a “análise retórica” mesma.
Além disso, e neste ponto é pertinente voltar à metódica e atentar para a observação de
Ballweg, não se deve perder de vista que estes “meios” retóricos têm o objetivo de “despertar
argumentos do orador. Esses argumentos seriam de ordem mais afetiva que lógica. Rigorosamente não seriam
verdadeiros argumentos, mas para-argumentos, “já que funcionariam como tal, sem necessariamente existir uma
continuidade lógica interna (do argumento em si), ou externa (entre os argumentos)”. Esse conjunto é “melhor”
percebido na oratória do discurso retórico. MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de
retórica e Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 74.
28 O pathos (πάθη) é o conjunto de meios centrados no sentimento do auditório; o que causa no auditório algum
tipo estado de espírito, de reação, de emoção (perplexidade, alegria, indignação, etc. Como meios também
afetivos, são os desejos, as tendências e gostos do público, de que o orador e retórico pode tirar proveito:
antecipando-os, satisfazendo-os ou provocando-os. Esse é um dos objetivos do orador, incluir o auditório para
controlar sua reação. Estes aspectos emotivos da argumentação retórica dificilmente farão parte do articulado
escrito dos argumentos, mas introduz-se com muita facilidade nos textos orais, nos testemunhos, nos discursos
que são ou parecem improvisos. Certamente há escritores que também conseguem “controlar” as reações e as
emoções dos seus leitores, mas isso, sem muita certeza diante do lapso espacial. Essa faculdade também pode ser
encontrada num texto quando este descreve o discurso ou um conjunto de ideias. Este tipo de escritor toma como
meios diferentes artefatos da linguagem escrita para produzir reações. Embora a palavra pathos possa compor
conhecidas palavras como empatia, apatia e simpatia, esse conjunto nem sempre produz uma simpatia, um clima
de amabilidade. O que o orador buscará é a “satisfação” do auditório que pode gostar de ser provocado e até
rebaixado, numa catarse coletiva, com maior ou menor grau de punição libertadora. Contudo, retórica centrada
unicamente no pathos, ou melhor, na emoção, como a usada no insulto gratuito, é oratória de retórica vazia,
embora alcance seu objetivo. (MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e
Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 73.) Ainda, o pathos do auditório deve refletir não somente o sentimento
que o orador ou o escritor busca em seus interlocutores, mas como reflexo, também é (de)composto dos próprios
sentimentos do orador. Logo, quando um discurso sofre uma análise, esta poderá conter os sentimentos e as
sensações/emoções tanto do auditório como do orador.
29 O logos (λογός) é a prova, ou aparente prova. O conteúdo do discurso, propriamente dito. A argumentação
racional objetiva. O poder de provar uma verdade, ou uma verdade aparente, por meio de argumentos
persuasivos internos, resultante de demonstrações intrínsecas ao texto em si, ou externos, baseados em
comparações, exemplificações e deduções de e com outros argumentos encontrados em textos ou alegações de
autoridades aceitas como prova. Aristóteles também os descreve como “espécies” de “persuasão fornecidas pelo
discurso oral” (Ret., 1356a1). O logos corresponde aos meios racionais de competência, que lhe conferem
autoridade e legitimidade como prova, e aos argumentos lógicos que, como máximas ou exemplos, podem ser
discutidos dialeticamente, considerada certa ponderabilidade, mais ou menos explícita. Não visa inquirir
necessariamente sobre a verdade, mas sobre a maior ou menor verossimilhança. O logos, em retórica, encontra-
se, sobretudo, mas não apenas, centrado no entimema, ou seja, num silogismo cujas premissas são verossímeis e
não necessariamente verdadeiras. MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e
Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 73.
30 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.
31 LEACH, Joan. Análise retórica. BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto,
imagem e som – um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 303.
27
confiança se adequadamente inter-relacionados”32
. “O ethos do orador, no sentido de uma
conduta digna de confiança, constrói os pré-requisitos para a plausibilidade de seu logos e
para a autenticidade de seu pathos”33
. Essa “plausibilidade” relacionada à capacidade de
reconhecer nos objetos, aquilo que possa atrair “credibilidade” e assim, confiança, já era
reconhecida por Aristóteles (Ret., 1355b)34
. Ballweg ainda entende que, segundo Aristóteles, a
retórica era a única disciplina que coloca, além de seu objeto, também todo o seu mundo
circundante no discurso, abarcando, compreendendo e reclamando a totalidade do homem,
tanto do lado do orador quanto do lado do auditório35
. Isso implica na absorção das limitações
do homem e do seu universo. Contudo, o que pode ser uma restrição também pode se tornar
uma possibilidade de mudança conceitual positiva, ou pelo menos, uma abertura para tal.
Os outros “meios” ou “recursos” discursivos referidos por Aristóteles são os recursos
retóricos pertinentes especificamente à retórica persuasiva, argumentativa, e são os por ela
construídos através dos princípios da retórica36
. O gênero que sustentou a classificação
aristotélica destes recursos retóricos foi o silogismo, uma dedução formal a partir de duas
proposições, chamadas de premissas, das quais, por inferência, se chega a uma terceira,
chamada de conclusão37
. É a definição para o silogismo “perfeito”. Porém, esse padrão é
comumente quebrado no mundo do Direito, que oculta um dos três elementos formais. É o
caso do entimema.
32
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de
Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179.
33 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de
Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179.
34 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22.
35 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de
Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179
36 São princípios gerais da retórica: objetividade, atratividade, concisão, simplicidade, comunicabilidade,
adequação ao perfil do auditório e respeito ao idioma. Guthrie enumera pelo menos dez características dos
retóricos advindas dos sofistas, e nelas está incluída a persuasão. É o destaque a seguir arranjando, primeiro,
características do discurso formal e depois características de conteúdo: 1. Os sofistas eram conhecidos pela
exibição. Eles praticavam prolongadas exibições de eloquência, declamando ou recitando como os poetas ou os
rapsodos; 2. Eles tinham uma preocupação com o uso correto da linguagem em geral; 3. Faziam exposições e
críticas da poesia como parte de sua arte dos logoi; 4. Buscavam o monismo; 5. O individualismo; 6. O
relativismo, e, 7. A competitividade, conhecida como agonística, batalha onde se deve sempre vencer; 8.
Contudo, politicamente pregavam a tolerância pan-helênica, um discurso de unidade étnica. 9. Desenvolveram a
argumentação retórica, a arete, a arte do discurso persuasivo; 10. Além de, manterem familiaridade com a
filosofia pré-socrática e seus conteúdos: o racionalismo, a rejeição da causação divina, a tendência ao ceticismo,
o interesse pela antropologia e o desenvolvimento da sociedade e civilização humanas. GUTHRIE, W. K. C.
The Sophists. Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 42 – 44.
37 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Silogismo. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed.
Curitiba: 2004, p. 1846.
28
O entimema é formalmente definido como uma estrutura silogística à qual falta um dos
três elementos formais, possuindo “desdobramentos modais ocultos”38
. Portanto, para tratar
das deliberações, o papel mais importante foi atribuído ao entimema ou silogismo retórico,
este visto como o corpo da persuasão e o centro da retórica, e constituído principalmente por
premissas que enunciam apenas o que é provável (Ret., 1357a 13-14)39
.
1.3 Metaníveis como metalinguagem na retórica contemporânea.
No estudo da linguagem, a retórica também exerce uma função metalinguística. Não é
necessário chegar aos refinamentos conceituais da semiótica hodierna, como aqueles
delineados por Charles William Morris (1901 – 11979)40
, por exemplo, para perceber a função
metalinguística da retórica. É certo que Ballweg percebeu isso, mas Aristóteles também
deixou pistas dessa aplicação. A definição de Aristóteles para a retórica não se limitou a
designá-la como os meios de persuasão ou o uso persuasivo da linguagem em si, como
comumente se entende41
. Na sua época, ele percebeu que a maioria dos tratados sobre retórica
se dedicavam a elaborar apenas uma pequena parte dessa arte42
, mas, para ele, a retórica era
algo além.
Há a retórica como expressão da linguagem e há a retórica como uma experiência
metalinguística. Segundo as palavras de Adeodato, a retórica é uma maneira de “experimentar
o mundo, com as associações que o verbo acarreta, a exemplo de ‘olhar’, ‘sentir’, ‘pensar’,
‘provar’, ‘julgar’”43
. Aristóteles já tinha percebido com acuidade que “a retórica pode ser
definida como uma faculdade de observar os meios de persuasão disponíveis em qualquer
caso dado” (Ret., 1355b 25) e diferentemente de outras ciências que também podem instruir
38
ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4.ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 339.
39 ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé
d’Edition «Les belles Letres», 1960, p. 80.
40 Cf. MORRIS, C. W. Foundations of the theory of signs. Chicago: University of Chicago Press, 1938,
passim.
41 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Retórica. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed.
Curitiba: 2004, p. 1751.
42 “Todavia, os autores dos tratados atuais sobre retórica elaboraram uma pequena parte dessa arte” (Ret. 1354a).
ARISTÓTELES, Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 19.
43 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros
fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 15.
29
ou persuadir sobre seus próprios objetos de estudo específicos, ele considerava “a retórica
como o poder de observar os meios de persuasão em quase todos os assuntos que se [...]
apresentam” (Ret., 1355b 33)44
. Note-se que ele usa os termos “faculdade de observar” e
“poder de observar”. Uma coisa são os meios de persuasão, outra coisa é a observação ou,
como diz outra tradução, a “faculdade de descobrir especulativamente”45
. E não só isso, em
outra passagem ele assinala que a retórica é também uma “faculdade de demonstrar
argumentos” (Ret., 1356a 33)46
. O uso de meios de persuasão está em um nível e a observação
e a demonstração deles está em outro nível. Esse conjunto, até certo ponto, exterior ao objeto
dos argumentos e da persuasão, mas incluindo-os, é que é a retórica. De qualquer forma, a
retórica a que Aristóteles se refere é uma metarretórica e essa percepção também deve ser
captada hodiernamente para não se incorrer em limitações e faltas.
Assim, retórica não é apenas uma mera multiplicidade de acepções, mas é uma
metapluralidade metodológica. Observar o uso de figuras e argumentos de um autor, por
exemplo, é uma metalinguagem apreendida pela retórica para expor suas estratégias, suas
teses. Propor uma, ou várias teses a respeito das estratégias usadas por um autor é outra
metalinguagem retórica. Descrever o ambiente e o uso argumentativo que circundaram um
autor e seu(s) discurso(s) é contribuir para construir a esfera da existência inicial de sua
retórica, a retórica material.
A proposta contemporânea de Ballweg, que complementa o entendimento da
aplicabilidade dos elementos antigos, é trazer dimensões retóricas como metaníveis. Isso
define ainda mais a metodologia empregada. Quando o pesquisador aplica tal metodologia à
obra de um autor ou a algum dos seus discursos o faz para identificar, mesmo que de forma
precária, elementos de retórica. Com o fim de contribuir com essa descrição, a retórica
contemporânea de Ballweg, mesmo fazendo parte de uma tradição filosófica minoritária,
possui didaticamente três dimensões de grande relevância, já referidas anteriormente: a
material, a estratégica e a analítica47
.
44
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.
45 La rhétorique est la faculté de decouvrir spéculativement [...]. ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit
par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé d’Edition «Les belles Letres», 1960, p. 76.
46 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 24.
47 Mais informações a respeito de retóricas material, estratégica e analítica, ver: ADEODATO, João Maurício. A
Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito positivo).
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 32 – 39; e, BALLWEG, Ottmar. Rhetorik und Vertrauen. Analytische Rhetorik.
Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009, p. 128 – 131; ou sua tradução em BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica
30
A retórica material são os sistemas linguísticos que condensam a linguagem comum
em linguagens de comando, preenchendo as funções básicas da vida em comum, como
aquelas do Direito, entre outras, que criam as realidades em que as pessoas vivem para que
possam experimentar o Direito, fundamentando assim, sua confiança no Direito.
A retórica material ou existencial vem a ser aquilo que todo ser humano pratica sem
reflexão, ou seja, o próprio ambiente das relações humanas. São os diálogos com suas
implicações linguísticas; as inter-relações humanas, o inter-relacionamento das afinidades
humanas por meio da comunicação. É a própria formação antropológica dos seres humanos
resultante da sociabilidade humana.
O primeiro passo para se determinar o nível da retórica material é o contexto histórico,
a descrição dos eventos. É necessário isolar o contexto histórico descrevendo fatos, casos. Daí
o porquê de se reportar tantos fatos históricos aqui. Esse contexto histórico envolve um
levantamento bibliográfico. Dele também vão ser construídas as teses. Porém, respeitando as
diferenças entre a história dos eventos históricos e a história das ideias, bem colocada pelo
professor José Antônio Tobias em seu livro História das Ideias no Brasil48
, aqui, e
considerando as semelhanças metodológicas com a retórica metódica tripartida de Ballweg,
mais do que um descrição de eventos históricos, busca-se o progresso histórico ou não, das
ideias jurídicas, colaborando para isso, sem dúvida, esses mesmos relatos históricos.
A proporção da ênfase que se dá a cada fase da retórica depende do estilo de vida e da
obra de cada autor escolhido e analisado. Se o autor teve uma vida intensa e interessante,
haverá um destaque maior na questão material e estratégica, ou se mais recluso e introspecto
na questão analítica, haja vista sua contextualização histórica ou bibliográfica. Contudo, não
há como não se colocar alguma ênfase nos distintos níveis de estudo retóricos pretendidos.
Ao serem observados alguns fatos comunicativos percebe-se que certas estratégias são
melhores que outras, embora essa observação seja um pouco mais difícil de ser percebida. Em
algumas áreas existem verdadeiras guerras de estratégias, como na dogmática jurídica e para
aprender a reconhecê-las e participar desse embate são necessários alguns anos de experiência.
e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-
agosto-setembro. São Paulo, 1991. p. 176 – 179.
48 TOBIAS, José Antônio. História das Ideias no Brasil. Estudo de problemas brasileiros. São Paulo: EPU,
1987, p. 10 – 11.
31
A retórica prática ensina o emprego transcendente dos meios retóricos imanentes à
linguagem e que envolve a tópica (inventio), a teoria da argumentação, a teoria das figuras, a
teoria do status, com a finalidade de garantir um trânsito efetivo e bem sucedido com as
retóricas materiais.
A retórica estratégica, que é metodológica, retira algumas orientações normativas que
permitem notar o sucesso estratégico ocorrido nessa convivência do primeiro nível a partir da
observação do mundo visto na retórica material pela comunicação humana. É uma percepção
de que ao passar pelo primeiro nível, observando o que deu certo ou errado ali, se chega ao
prático ou estratégico. Mas, não são as estratégias do observador, são as soluções que o
próprio autor encontrou para solucionar os problemas que ele encontrou; são suas próprias
hipóteses e teses. É um discurso sobre como vencer na retórica material. Isso é visto de forma
tópica, ou seja, diferente em cada ambiente.
Ballweg a denominava de retórica prática. Como são várias as práticas, várias são
também as retóricas práticas. Perelman trabalhou as retóricas em relação à linguagem, à
lógica, à história e ao conhecimento em geral, daí porque um de seus livros foi publicado com
o título de Retóricas49
. Segundo a classificação de Ballweg é essa retórica prática que
desenvolve a tópica (inventio) e a teoria da argumentação como aquelas delineadas também
por Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca50
; a teoria das figuras de Heinrich F. Plett51
e a
teoria do status de Franz Horak52
, entre outras tantas sobre a conduta discursiva e a ação
linguística53
. Quem pensa tratar de argumentação, enumerar figuras de linguagem, de estilo, as
figuras de palavra, também conhecidas como figuras semânticas ou tropos e ainda, figuras de
pensamento, que não devem ser confundidas com as figuras de construção ou figuras
49
Cf. PERELMAN, Chaim. Retóricas. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2004. Traduzido do fracês PERELMAN, Chaim. Rhetoriques. Bruxelles: Université de
Bruxelles, 1989.
50 Cf. PERELMAN, Chaim; TYTECA, Lucie Olbrechts. Traité de l’argumentation. La Nouvelle Rhétorique.
Bruxelles: Université de Bruxelles, 2008.
51 Cf. PLETT, Heinrich F. Einführung in die rhetorische Textanalyse. 6. ed. Hamburg, 1985.
52 HORAK, Franz. Die rhetorische Statuslehre uns der moderne Aufbau des Verbrechensbegriffs. HORAK,
Franz; WALDSTEIN, Wolfgang. (Hrsg.) Festgabe für Arnold Herdlitczka. München, Salzburg, 1972, p. 121 –
141.
53 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de
Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 178.
32
sintáticas e ainda assim, achar que não faz retórica, dará mote ao ditado “lave-me a pele, mas
não me molhe”54
.
Nas palavras de Ballweg, são essas retóricas práticas que “ensinam o emprego
transcendente dos meios retóricos imanentes à linguagem, objetivando a transmissão das
doxai tal como estas são reunidas nas dogmáticas, na intenção de persuadir, convencer ou
fazer crer”55
. Teoricamente, continua na mesma página, quem usa da linguagem
esclarecidamente deveria garantir um “trânsito efetivo e bem sucedido” persuasivamente
devido a seu conhecimento acerca de como atingir seu auditório, apesar de, ou ainda que, haja
ambiguidades na linguagem. Mas, nem sempre os que melhor dominam os meios retóricos
prevalecem. Contudo, são as retóricas práticas, estratégicas, que devem ensinar (observados
esses meios retóricos) o emprego destes com o fim de persuadir.
Adeodato oferece alguns exemplos esclarecedores acerca de como essa retórica
estratégica funciona.
Essa retórica estratégica estuda que topoi aparecem mais frequentemente em
um discurso, os métodos empregados para esse ou aquele efeito, como os
lugares-comuns retóricos são produzidos, utilizados, manipulados. Ela estuda
o kairos, o momento adequado de dizer e fazer acontecer, ocupa-se da
influência da linguagem, da gesticulação, das táticas empregadas e de seus
efeitos sobre a retórica material, ou seja, sobre a conduta dos sujeitos,
lançando mão de exercícios e reflexões sobre seus resultados56
.
Essas estratégias podem ser agrupadas nos meios retóricos sugeridos por Aristóteles. A
forma como as estratégias podem ser agrupadas metodologicamente, a fim de serem
analisadas, será vista no tópico a seguir.
O último dos três níveis é a retórica analítica ou científica. A retórica analítica, ora
orientada para a análise ora para a práxis, renuncia completamente as proposições normativas
dotadas de conteúdo para satisfazer as exigências de análise e averiguabilidade. É a tentativa
de estudar o resultado de determinadas estratégias nos níveis de retórica material, a fim de que
54
Wasch mir den Pelz, aber mach nicht naβ; ou um de seus equivalentes em português, onde, “è impossível
entrar na chuva e não se molhar”.
55 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de
Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 178.
56 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros
fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37.
33
possam ser repetidos e consequentemente, mantidos alguns graus de sucesso. São as
tentativas de mostrar que determinadas expressões provocam deleite aos ouvintes e outras não.
É o que se extrai das estratégias do autor, ou seja, uma(s) tese(s) sobre as teses argumentativas
do autor. Tudo dentro de uma antropologia realista. “Finalmente, a retórica analítica procura
ter uma visão descritiva e abstrair-se de preferências axiológicas, mesmo diante de elementos
valorativos”57
.
É o que intentará este trabalho ao aplicar, ora elementos antigos, ora as dimensões
contemporâneas da retórica, ou ambas, agrupadas ou não, aos relatos do que seria o
constituinte das ideias de Teixeira de Freitas a fim de descrever seus argumentos e estratégias
dentro de cada contexto pré-determinado.
1.4 Categorias a partir da metodologia tripartida para analisar estratégias.
Ainda, Ballweg observou também que o conhecimento que os oradores antigos
detinham sobre a imanência linguística dos sinais e a aplicação de sua transcendência como
garantia de um trânsito efetivo e bem sucedido entre as retóricas práticas e as retóricas
materiais foi mal interpretado pelos filósofos, e com especialidade Platão, por terem sido
“postos a descoberto”. Apesar da sofística (e dessa tradição, os retóricos) e das ontologias
filosóficas derivarem, como pelo menos etimologicamente esses conceitos sugerem, da
Filosofia, a “profissão” dos filósofos, naquele então, se sentiu ameaçada pela conduta
esclarecida acerca do discurso que os retóricos tinham.
Nas palavras de Ballweg, não só a profissão, mas também os interesses e a ideologia
dos filósofos foram ameaçados:
Os filósofos, naturalmente, também viam a investigação retórica sobre a
multiplicidade de significados da linguagem como diretamente contrária a
sua profissão e interesses e como uma ameaça à ideologia estamental da
univocidade linguística que afirmavam58
.
57
ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros
fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37.
58 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de
Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179.
34
Ademais, ele também observou que Aristóteles encontrou mais que três meios
retóricos de persuasão, ele percebeu que estes adequadamente inter-relacionados despertariam
a confiança. Em outras palavras, a retórica constituiria a capacidade de reconhecer nos
objetos, aquilo que possa atrair “credibilidade” (Ret. 1355b)59
, confiança. Confiança essa, que
a retórica pode e deve fundamentar, a despeito da desconfiança que seu mau uso desperte.
Como visto, esses três meios retóricos são o ethos, o pathos e o logos. Estes, vinculados à
acepção de confiança, repita-se, devem ser vistos assim:
O ethos do orador, no sentido de uma conduta digna de confiança, constrói
os pré-requisitos para a plausibilidade de seu logos e para a autenticidade de
seu pathos60
.
Entre outras lições, Ballweg deixa um exemplo de aplicabilidade de sua metodologia,
associando ele mesmo a tríade aristotélica a outros elementos. Alguns estudantes tem aplicado
esse método destacando apenas um ou outro elemento de ethos, de pathos ou do logos de um
autor ou de um determinado discurso seu. Outros destacam vários desses elementos, para
assinalar uma ou mais estratégias. Aqui, a partir da construção de um complexo ambiente
histórico que influenciou Teixeira de Freitas, ambiente esse bastante diverso do atual como
este estudo reconhece, se fará uma correlação entre a ocorrência de alguns argumentos
categorizados e suas possíveis conclusões, a fim de chegar às estratégias do autor e suas
possíveis teses, confirmando ou não as hipóteses da pesquisa.
Criar categorias é uma das características da retórica. Há muito que se entende que as
categorias não tem caráter absoluto, mesmo as tradicionais criadas por Aristóteles61
ou as doze
de Kant ou as únicas três de Schopenhauer. Até os gramáticos demoliram a presunção dos
filósofos e dos lógicos a respeito do caráter absoluto das suas categorias quando afirmaram
que suas presumidas categorias nada mais eram que as regras fundamentais de cada língua62
.
Logo, os retóricos como artífices da linguagem, criam, fundem e substituem categorias.
59
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22.
60 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de
Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179.
61 Ver nota 125 adiante.
62 PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de retórica. Tradução Eduardo Brandão. São
Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 89 – 91.
35
A capacidade da retórica de gerar categorias se revela já nas intervenções que
ela faz sobre a linguagem ordinária, estendendo o uso de uma categoria já
existente a objetos que lhe eram estranhos, ou unindo duas categorias
aparentemente distantes uma da outra63
.
É o que ocorrerá aqui – a fusão de elementos antigos e contemporâneos por seu
denominador comum. Como as estratégias que se pretendem observar são comumente
constituídas de tropos e argumentos, estes serão agrupados em categorias ou tipos ideais
associados ao ethos, pathos e logos aristotélico, para que possam ser aplicados
especificamente aos discursos (e seus textos) de Teixeira de Freitas. Assim, repita-se, os
elementos de retórica antigos e contemporâneos serão associados a esses tipos. Apontar a
ocorrência de determinadas figuras de linguagem ou argumentos como parte das estratégias do
autor, por sua vez, constituirá a dimensão retórica estratégica. As conclusões decorrentes das
incidências consistirão em uma retórica analítica. Contudo, fique claro, que distintamente de
algumas filosofias que “se alteraram na história e que escolheram um grupo de categorias para
ver a realidade e depois disso se recusaram a olhá-la com outras categorias possíveis ou
confutaram todos os outros que não as utilizam”64
, os tipos e categorias aqui elencados servem
apenas de exemplos e não esgotam as possibilidades de associação metodológica para
analisar, estes ou quaisquer outros discursos históricos ou jurídicos, conforme seja a
necessidade de compreensão estratégica de cada pesquisador.
Para a confecção das categorias as figuras tanto do orador e do auditório estarão
presentes, na medida do possível. Isso porque no discurso, além do observador que também
pode ser ou estar incluído, os protagonistas principais são o orador e o auditório. Assim, as
principais figuras e argumentos serão relacionados a estes. Para a denominação e a localização
das incidências serão utilizadas também algumas siglas que facilitem sua visualização.
Ou seja, como o ethos (E), por exemplo, está relacionado à conduta, à dignidade ou à
respeitabilidade de quem profere um discurso. Buscar-se-á a incidência de figuras de
linguagem e/ou de estilo que tenham por base o caráter do orador (FEO) e argumentos que
tenham por base também o caráter do orador (AEO); no caso do pathos (P) que se pauta nas
63
PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de retórica. Tradução Eduardo Brandão. São
Paulo: Martins Fontes, 1992, p.90.
64 PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de retórica. Tradução Eduardo Brandão. São
Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 89.
36
afeições e emoções provenientes do orador e das que se desejam produzir no auditório e são
observadas por quem as descreve, serão destacadas quatro categorias: as figuras baseadas nos
sentimentos do orador (FPO), os argumentos baseados também nos sentimentos do orador
(APO), as figuras baseadas nas sensações do auditório (FPA) e os argumentos baseados em
sentimentos do auditório (APA). Na categoria logos (L) que está relacionada com o conteúdo
do discurso, propriamente dito, a argumentação racional objetiva, serão observadas as figuras
baseadas nos textos usados pelo orador (FLO) e os argumentos baseados nas deduções do
orador (ALO). Observar aspectos de ethos e logos a partir do auditório é necessário, por
exemplo, quando se prepara o debate e para o debate. Essas observações são importantes para
uma melhor avaliação dos sucessos e insucessos das estratégias do orador. A análise fica mais
complexa, porém, mais precisa. Nesta dissertação serão destacadas apenas algumas das
categorias mais relevantes para um exame de ideias jurídicas.
Tipos Categorias de estratégias retóricas Abrev.
ethos
(E)
Figuras de ethos do orador (FEO)
Argumentos de ethos do orador (AEO)
pathos
(P)
Figuras de pathos do orador (FPO)
Argumentos de pathos do orador (APO)
Figuras de pathos do auditório (FPA)
Argumentos de pathos do auditório (APA)
logos
(L)
Figuras de logos do orador (FLO)
Argumentos de logos do orador (ALO)
Os exemplos de tropos, figuras e argumentos elencados pelos gramáticos e pelos
retóricos são muitos65
. Alguns poucos, porém, bem conhecidos, foram relacionados às
categorias propostas a fim de se destacar sua incidência nos textos de Teixeira de Freitas.
Descrever as razões teóricas para justificar essa associação desviaria em muito o foco deste
trabalho, por isso, elas ficam como exemplos, não deixando de manterem um mínimo de
65
Para um melhor aprofundamento nesta matéria ver LAUSBERG, Heinrich. Elementos de retórica literária.
trad. pref. e aditamentos R. M. Rosado Fernandes. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.
37
coerência entre si e de seguirem as definições consagradas em gramáticas66
e dicionários
como o Aurélio brasileiro.
Em relação ao ethos (E) são exemplos figuras de amplificação ou atenuação que
expressam aspectos da personalidade do orador, que pode ser exagerado ou modesto, como
expresso pelo uso de hipérboles, eufemismos, lítotes, aliterações, onomatopeias, auxeses, etc.,
que servem tanto para exagerar ou reduzir o que se representa da realidade (FEO1); além de
características que também manifestam esse caráter na forma de argumentos, como os
argumentos de autoridade (AEO1), aqueles proferidos por uma pessoa ou instituição
respeitada; os argumentos baseados na autoridade de determinados textos qualificados
(AEO2) incluindo as máximas e lugares comuns consagrados, como na esfera jurídica, tais
quais: dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei) ou in claris non fit interpretatio (o que é
claro não precisa ser interpretado); e, os argumentos que apelam para uma demonstração de
experiência, exatidão e conhecimento especializado das fontes (AEO3) que estarão
legitimamente conjugados a esta categoria.
No caso do pathos (P), que está relacionado ao resultado emocional que se consegue
ou que é desejado em um auditório. Nesta categoria também podem ser ou terem sido usados
vários tipos de figuras. São exemplos, as figuras que externam emoções do orador (FPO) tais
como as figuras de significação (FPO1) como a metáfora, a comparação, a prosopopeia, a
ironia, a sátira e o sarcasmo; as figuras da oração ou da frase (FPO2) típicas por estarem
ligadas à estrutura da oração como o uso de parêntesis, reticências, ênfase, o hipérbato – a
inversão da estrutura de uma frase, a diferenciação (por um lado... de outra forma), a restrição
(é verdade que..., mas...) ou a antítese, a exposição de ideias opostas; e outras figuras de
estilo (FPO3) como a gradação, a apóstrofe, etc. O pathos também inclui as figuras de ação
(FPA1) como a pergunta retórica ou interrogação, onde o orador pergunta sabendo que o
auditório não irá responder e o silêncio ou pausa, cheios de significado. Além destes há os
argumentos de pathos do orador (APO) e os argumentos de pathos do auditório (APA).
A categoria logos (L) está relacionada com o conteúdo do discurso, propriamente dito.
A argumentação racional objetiva. O poder de provar uma verdade, ou uma verdade aparente
por meio de argumentos persuasivos. Há figuras ligadas à forma que o orador expõe seu
66
Nesse sentido ver MESQUITA, Roberto Melo. Estilística. Gramática da língua portuguesa. 9. ed. São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 659 – 673. SAVIOLI, Francisco Platão. Figuras de Linguagem. Gramática. 13. ed. São
Paulo: Ática, 1988, p. 403 – 408. TERRA, Ernani. Figuras e vícios de linguagem. Curso prático de gramática.
São Paulo: Scipione, 2002, p. 403 – 411.
38
discurso como texto; logo, figuras de logos do orador (FLO) nas quais se destacam as figuras
sintáticas ou de construção (FLO1) como o anacoluto, a aliteração, a elipse, o pleonasmo, a
silepse, etc.; as expressões latinas ou gregas (FLO2) tais como a priori, a quo, ad hoc, etc. Há
também argumentos de logos do orador (ALO). Nos discursos jurídicos os argumentos estão
relacionados ao Direito. Assim, há argumentos baseados em textos legais (ALO1) que são
aquelas referências a códigos ou textos legais; há argumentos baseados em princípios
jurídicos (ALO2) inclusive aqueles que um tribunal considere como parte da Teoria Geral do
Direito; os argumentos baseados em expressões comuns (ALO3), expressões do dia a dia,
expressões do senso comum e pontos de vista espontâneos; e, os argumentos dedutivos
(ALO4), as conclusões, as deduções dos silogismos e dos entimemas, aquelas expressões que
ocultam uma das premissas. As dezesseis principais categorias podem ser mais bem
visualizadas na tabela a seguir.
TIPOS CATEGORIAS EXEMPLOS
ethos (E)
Figuras de ethos do orador
(FEO)
as figuras de amplificação ou atenuação (FEO1); a onomatopeia, a aliteração, a
hipérbole, o lítote, a auxese, o eufemismo,
etc.
Argumentos de ethos do
orador (AEO)
os argumentos de autoridade (AEO1),
p.e.: “isto é assim, porque pessoas ou
instituições respeitadas disseram”;
os argumentos textuais (AEO2),
baseados na autoridade de determinados
textos qualificados; p.e.: “isto é assim
porque está escrito”;
os argumentos fundamentados em
fontes (AEO3) que apelam para uma
demonstração de experiência, exatidão e
conhecimento especializado das fontes e
tem uma intenção em defender
determinado campo contra influências
externas.
pathos (P)
Figuras de pathos do orador
(FPO)
as figuras de significação (FPO1): a
metáfora, a comparação, a prosopopeia, a
ironia, a sátira, o sarcasmo, o oximoro,
etc.
as figuras da oração ou da frase (FPO2): o uso de parêntesis, reticências,
ênfase, o hipérbato, a inversão, a
diferenciação, a restrição, a antítese, etc.;
outras figuras de estilo (FPO3) como a
gradação, a apóstrofe, etc.
39
Argumentos de pathos do
orador (APO)
manifestação de opiniões e sentimentos
pessoais (APO1)
Figuras de pathos do auditório
(FPA)
as figuras de ação (FPA1): a pergunta
retórica, o silêncio retórico, etc.
Argumentos de pathos do
auditório (APA)
utilização de opiniões e sentimentos
colhidos do auditório (APA1)
logos (L)
logos (L)
Figuras de logos do orador
(FLO)
as figuras sintáticas ou de construção
(FLO1) como anacoluto, diácope,
pleonasmo, silepse, etc.
as expressões latinas e gregas (FLO2)
como: a priori, a quo, ad hoc, conditio
sine quo non, corpus delicti, etc.
Argumentos de logos do
orador (ALO)
os argumentos legais (ALO1): citações
literais de códigos ou textos legais;
os argumentos principiológicos (ALO2):
baseados em princípios legais e
relacionados à Teoria Geral do Direito;
os brocardos e ditos populares (ALO3):
baseados em expressões comuns, do dia a
dia, do senso comum e pontos de vista
espontâneos; oculum pro oculum, et
dentem pro dente (olho por olho e dente
por dente), quod non est in actis non est in
mundo (o que não se encontra nos autos,
não existe no mundo), contra fatos não há
argumentos, etc.
os argumentos dedutivos (ALO4):
conclusões, silogismos, entimemas, etc.
Por fim, os discursos podem ser relacionados em função da quantidade da incidência
do uso dessas categorias específicas por um autor ou orador, levando a conclusões retóricas
interessantes e relevantes para entender os motivos de determinados argumentos prevalecerem
ou não, enriquecendo a práxis jurídica. Assim, a fim de ressaltar meios e recursos retóricos, ao
longo do texto serão colocadas as letras entre parêntesis, juntamente com outros destaques
argumentativos descritos extensivamente.
Contudo, como na construção dessas retóricas, a exposição histórica dos fatos e
mesmo as várias narrativas históricas que podem ter influenciado tais eventos são importantes
para compreender o Direito, não só em sua formalidade, mas como determinante sociológico
de padrões de conduta, os próximos capítulos tratarão de descrever as narrativas que
precederam, também, a época de Teixeira de Freitas.
40
As atualidades, e são várias ao longo dos anos recentes, dificilmente podem imaginar
como foi constituído o Direito no tempo de Teixeira de Freitas sem uma descrição, nem tanto
detalhada aqui, da sua formação intelectual e jurídica como reflexo de um todo, maior, que foi
a formação jurídica em Portugal e no Brasil. É o que se verá nos capítulos seguintes, para
então, retornar e aplicar esta metodologia aos discursos em que Teixeira de Freitas esteve
envolvido; melhor esclarecidos pela História.
41
CAPÍTULO SEGUNDO – PRIMÓRDIOS DA FORMAÇÃO INTELECTUAL E
JURÍDICA PORTUGUESA E BRASILEIRA: O AMBIENTE JURÍDICO QUE
ANTECEDEU TEIXEIRA DE FREITAS.
Sumário: 2.1 A influência religiosa jesuíta nos centros culturais lusitanos e as origens do
ensino da retórica em Portugal. 2.2 A reforma pombalina do ensino e do estudo da retórica
portuguesa e seus reflexos sobre o ensino brasileiro até sua fase pré-republicana, como
estratégia de neutralização de um instrumento de dominação jesuíta: a educação. 2.3 A
formação dos primeiros cursos jurídicos brasileiros como estratégia legitimadora do
processo de emancipação nacional. 2.4 A necessidade de uma produção literária para a
“nova” Academia: seguindo a estratégia da tradição lusitana de supressão dos conteúdos
rivais. 2.5 Os conteúdos teóricos e filosóficos encontrados nas primeiras escolas jurídicas
brasileiras e seu antagonismo ao discurso retórico de “modernidade”. 2.6 Uma produção
legislativa própria para consolidar a independência brasileira.
“A compreensão do humano como experiência de valores (ou de valorações) é o necessário contraponto da
visão histórica dos problemas. O homem, ao pensar sobre si próprio, desenvolve conceitos que vão obviamente
além do empírico, e ao mesmo tempo alimenta-os com visões que são de sua própria presença e de sua vida no
tempo e no espaço.”
Nelson Saldanha67
2.1 A influência religiosa jesuíta nos centros culturais lusitanos e as origens do ensino da
retórica em Portugal.
O ensino, a religião e o Direito foram fortes elementos da cultura europeia no século
XIX. Um ponto de intercessão nesses três grandes sistemas sociais foi a presença marcante da
retórica. Observar a história daquele período leva a essa constatação. Desde os estudos das
“primeiras letras” até o ensino “superior”, a retórica estava incluída. Para o acesso aos
ensinamentos de Leis, o Direito, era pré-requisito obrigatório o estudo da retórica; necessário
que era ser aprovado nos cursos preparatórios aos cursos jurídicos. No aprendizado e na
prática religiosa ela também teve posição de destaque, nunca subestimada pelos estudos
doutrinários e filosóficos a ela relacionados. Foi a religião que produziu os mais importantes
tratados de retórica daquele século; aos quais, provavelmente, Teixeira de Freitas teve acesso,
vez que as línguas portuguesa e latina possibilitavam essa aproximação daquela cultura
comum a Portugal e ao Brasil.
A religião modelou fortemente o ensino lusitano e, como referido, com ela também
veio todo o peso do estudo da (sua) retórica. Antes da reforma pombalina68
, Portugal,
67
SALDANHA, Nelson. A torre de Babel e outros ensaios. Recife: CEPE, 2007, p. 172.
42
internamente, manteve uma união com o cristianismo como fruto da reconquista do território
ibérico dos mouros. Quando se iniciou a expansão ultramarina lusitana do século XVI, esta se
manteve associada também à expansão da “fé”. Porém, o século seguinte foi marcado por um
acirramento da Escolástica e da mística religiosa, apesar da cientificidade e do progresso
tecnológico ter se difundido e multiplicado durante a expansão colonial que, paradoxalmente,
também conduzia os jesuítas e suas Recomendações69
.
A Europa passava pelas intervenções da Reforma protestante e sua atitude científica, o
que exasperava a censura e o controle do ensino nos locais onde o catolicismo “imperava”.
Portugal não ficou fora disso. Por causa da censura literária, os portugueses foram impedidos
de terem acesso a qualquer obra que contrariasse o credo ideologicamente dominante, o que
incluiu o estudo e o ensino das experiências do pensamento. Nas universidades, a liberdade da
ortodoxia era punida com a remoção do magistério, na mais branda das sanções. Também das
Recomendações se apreende que até as ideias de Aristóteles, que eram uma referência e ali se
constituíram como marco teórico geral, só podiam ser ensinadas nos pontos que a tradição
recomendava.
Esse controle não se limitou às universidades. Na impossibilidade de cercear esses
centros, esse sistema se antecipou em criar um “filtro ideológico” nas escolas preparatórias e
primárias. O principal centro cultural de Portugal ficava em Coimbra. Ali estavam
autonomamente, tanto o Real Colégio das Artes e Humanidades70
, como a Universidade de
68
Referente à reforma na educação com fins notadamente políticos realizada pelo ministro plenipotenciário de
Estado, Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, que governou Portugal de 1750 a 1777 à época de D. José I.
D’AZEVEDO, J. Lucio. O marques de pombal e a sua época. 2. ed. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil; Lisboa:
Seara Nova; Porto: Renascença Portuguesa, 1922, p. 87 - 106.
69 Em 1593 a Companhia de Jesus fez a seguinte recomendação: “Os mestres da filosofia não se afastem de
Aristóteles em coisa alguma de importância a não ser que se obedeça algum ponto contrário à doutrina que
defendem geralmente as universidades e muito mais se repugna à fé ortodoxa [...] Não introduzam qualquer
questão ou opinião nova, que não esteja defendida por algum bom autor, sem consultar o assunto com os seus
superiores, nem defendam algo contra os princípios dos filósofos (escolásticos) e contra o uso corrente nas
escolas. Entendam também que, se houver mestres inclinados à novidade ou de engenho demasiado livre, devem
ser removidos sem falta do ofício de ensinar.” DIAS, José da Silva. Os descobrimentos e a problemática
cultural do século XVI. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1973, p. 349-350.
70 O Real Colégio das Artes e Humanidades foi fundado pela iniciativa do infante D. Pedro e criado pelo rei D.
João III em 1542 com o objetivo de preparar os futuros estudantes universitários das artes liberais que, devido à
falta de escolas desse nível, tinham que sair do país para estudar em outros centros europeus. O Colégio começou
a funcionar em 1547. O excelente ensino no Colégio das Artes visava a formação moral e humanística dos
jovens, sendo ministradas matérias como a teologia, dogmática, escrituras, gramática, retórica, poesia,
matemática, grego, hebraico, lógica e filosofia, além de ler e escrever. Funcionou até 1837. SANTOS, D.
Colégio das Artes. Lisboa, 1963, p. 210 – 211. Disponível em: <http://www.delfimsantos.org/textos/
DSantos_Colegio_das_Artes_1963.pdf>.
43
Coimbra71
. Os chamados “estudos menores” eram realizados no Colégio das Artes, incluindo
a retórica72
. A partir de 1639 o controle tornou-se ainda mais rígido quando as
Recomendações não foram suficientes e se introduziu a Ratio Studiorum73
também na
Universidade, uma influência que durou até 1759, quando os jesuítas foram expulsos
temporariamente de Portugal e suas colônias.
De 1555 até 1772 os jesuítas “dirigiam” o ensino na Universidade de Coimbra. A
partir desse ano, com a reforma pombalina, passaram a vigorar os Novos Estatutos daquela
escola, mas só em 1836 é que foi criado o “curso de Direito” em Portugal, deixando de existir
a divisão entre as faculdades de Leis e Cânones, pois os estatutos pombalinos de 1772 não
promoveram a criação de tal curso. Antes, como visto, o ensino jurídico estava dividido em
duas faculdades, a de Leis e a de Cânones que se concentravam, respectivamente, nos estudos
de Direito Romano (Corpus Iuris Civilis) e de Direito Canônico (Corpus Iuris Canonici). O
curso de Direito apenas somou o estudo do Direito Romano ao estudo das Leis. O Direito
71
A Universidade de Coimbra é uma das mais antigas e conceituadas universidades da Europa ainda em
funcionamento. Após várias transferências entre Lisboa e Coimbra, se estabeleceu em 1537 definitivamente em
Coimbra por ordem de D. João III. Durante o período referido neste estudo, nela funcionaram inicialmente a
Faculdade de Cânones e a Faculdade das Leis que , em 1836, foram fundidas na Faculdade de Direito. Durante a
reforma pombalina foram criadas as Faculdades de Matemática e de Filosofia. Quando foi criada a Faculdade de
Letras, esta herdou as instalações da extinta Faculdade de Teologia. Hoje, possui oito Faculdades (Letras,
Direito, Medicina, Ciências e Tecnologia, Farmácia, Economia, Psicologia e Ciências da Educação, e, Ciências
do Desporto e Educação Física). COIMBRA, Universidade de. História. Disponível em: <http://www.uc.pt/>.
72 Os “estudos menores” correspondiam aos estudos primário e secundário de Portugal. O Alvará de 28 de junho
de 1759 ateve-se à sua reforma. Dentre as disposições que constituem a reforma anunciada, determinou que
houvesse “dois professores de retórica nas cidades de Lisboa, Coimbra, Évora e Porto, e, um professor em cada
cidade e vila cabeça de comarca”, e após um ano e meio após a implantação das classes de retórica, determinou
que “ninguém seja admitido a matricular-se na Universidade de Coimbra em alguma das ditas quatro faculdades
maiores sem proceder exame de retórica feito na mesma cidade de Coimbra”. O Alvará foi complementado com
severas e diretas “instruções para os professores de Gramática Latina, Grega, hebraica, e de Retórica”. SILVA,
Antonio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828. O texto
completo deste Alvará, e outros, encontra-se integralmente transcrito no sitio eletrônico:
<http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/index.php>.
73 Ratio Studiorum (Ratio et Instituto Studiorum Societas Jesu) constituiu-se numa sistematização da pedagogia
jesuítica contendo 467 regras cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino e
recomendava, por exemplo, que o professor nunca se afastasse da filosofia de Aristóteles e da teologia tomista.
Foi uma coletânea particular de experiências do Colégio de Roma com adições de observações pedagógicas de
diversos outros colégios, que busca instruir rapidamente todo jesuíta docente sobre a natureza, a extensão e as
obrigações do seu cargo. Ela foi, na verdade, o regime escolar e, nessa medida, também o plano de estudos, o
código e o regulamento para as escolas jesuítas. A Ratio surgiu com a necessidade de unificar o procedimento
pedagógico dos jesuítas diante da disseminação do número de colégios confiados à Companhia de Jesus como
base de sua expansão missionária. O texto de 1563 tomou forma definitiva em 1591 e foi promulgada em 8 de
janeiro de 1599. A Ratio Studiorum assegurou inicialmente a propagação universal do livro didático De arte
Rhetorica libri tres ex Aristotele, Cicerone et Quintiliano do jesuíta português Cipriano Soares, publicado em
1562, até que foi substituído, ainda no período jesuítico, pelo livro A Arte da gramática do padre Manoel
Álvares. MENDES, Eliana Amarante de M. A retórica no Brasil: um pouco da história. Revista
latinoamericana de retórica. v. 1. n. 1. mar. Buenos Aires: Asociación latinoamericana de retórica, 2013, p. 45,
54.
44
Canônico e a Filosofia ficaram por um longo tempo adstritos à Teologia. Nessa época, as
reflexões filosóficas sobre o Direito não estavam a cargo de jurisconsultos, mas dos teólogos.
Estes sempre atrelavam a religião às questões que, a partir do século XVIII, passariam a ser da
esfera temporal. Foi a época áurea, no pensamento filosófico-jurídico, do jusnaturalismo
escolástico que subordinou, nas universidades, a Ética e o Direito à Teologia74
.
Porém, o contraste entre a esfera religiosa, ainda dominante, e a visão racionalista
pautada na lógica, gerava uma inquietação nos que observavam o embate entre a “fé” e a
“ciência”. O chamado “iluminismo português” recebeu influências de nomes como Dom Luís
da Cunha (1662 – 1749)75
, Luiz Antônio Verney (1713 – 1792)76
e Sebastião José de Carvalho
e Melo (1699 – 1782)77
, homens que exerceram principalmente funções diplomáticas. Na
verdade, mais do que fidelidade “dogmática a uma verdadeira fé”, e, independente de valores
“certos” ou “errados”, os interesses sempre se “vestiram” de ideologias, conservadoras ou
modernizantes. Os argumentos dos religiosos foram eficientes, pois não bastavam as
acusações de “estrangeirados”, em vista de vínculos com outros países europeus, quais fossem
Inglaterra, Itália ou França, era importante consternar as emoções populares para tentar
impedir a modernização “das luzes”. Para a população cristã católica e principalmente para o
clero daquela época, ser “reformista”78
ou “judaizante”79
, ou mesmo ser apenas um
74
SILVA, Antonio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p.
81.
75 Luís da Cunha nasceu em Lisboa em 25 de Janeiro de 1662 e faleceu em Paris a 9 de Outubro de 1749. Foi um
diplomata português que serviu o rei D. João V. Estudou na Universidade de Coimbra, onde se formou em
Cânones (1686), tendo em seguida sido nomeado desembargador da Relação do Porto e posteriormente, para a
Relação de Lisboa. Quando o rei D. José I ascendeu ao trono enviou uma carta na qual sugeria, ao rei, dois
homens de boa visão para o coadjuvarem no Governo: Gonçalo Manuel Galvão de Lacerda e Sebastião José de
Carvalho e Melo, o futuro marquês de Pombal, que se podia destinar à pasta do Reino. Cf. CUNHA. D. Luís da.
Instruções políticas. 1736. Lisboa: Edições Abílio Diniz Silva, 2001.
76 Luís António Verney (1713 —1792) foi um filósofo, teólogo, padre oratoriano, professor e escritor português.
Foi um dos maiores representantes do Iluminismo no país e um dos mais famosos estrangeirados portugueses.
Foi também autor do compêndio O Verdadeiro Método de Estudar (Valença, 1746) que foi revolucionário na
pedagogia da época pré-pombalina. Ver também nota de rodapé 85. Fontes: FUNDAÇÃO LUIS ANTONIO
VERNEY. História. Vida e obra de Luis Antonio Verney. Disponível em: <http://www.fundacaoverney.org/
index.php/historia/item/7-vida-e-obra-de-luís-antónio-verney>. TOBIAS, José Antônio. Introdução. História das
Ideias no Brasil. Estudo de problemas brasileiros. São Paulo: EPU, 1987, p. 92.
77 Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 – 1782) que posteriormente, em 1979, tornou-se o Marquês de
Pombal. Ver também as notas 67, 89, 111 e 112.
78 Reformista: partidário de ideias da Reforma Protestante de Lutero, o reformismo. FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: Ed. Positivo, 2004, p.
1720.
79 Judaizante: descendente biológico ou seguidor do judaísmo; que observa ritos e leis da religião judaica.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Judaizante. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed.
Curitiba: Ed. Positivo, 2004, p.1160.
45
simpatizante, era uma séria acusação. Assim, os insatisfeitos clamavam por mudanças
“concretas”.
2.2 A reforma pombalina do ensino e do estudo da retórica portuguesa e seus reflexos
sobre o ensino brasileiro até sua fase pré-republicana como estratégia de neutralização
de um instrumento de dominação jesuíta: a educação.
As academias e as associações de intelectuais e letrados de Portugal buscavam a
renovação do pensamento, vez que as Universidades, nomeadamente Coimbra, se fechavam
ao pensamento moderno. O pensamento “moderno” que se buscava era, pelo menos, aquele no
sentido proposto por Verney, ou seja, um pensamento que tivesse, por exemplo, o Direito
desvinculado da Teologia e que este fosse baseado e consequente da ética80
. Essa postura fazia
parte do processo de secularização de autores jusracionalistas que separavam a ética da
teologia e a faziam derivar da filosofia81
. Foi nesse contexto que surgiu o marquês de Pombal,
certamente voltado para novas pretensões pessoais e políticas, mas com outra estratégia.
Pombal iniciou uma série de ações reformuladoras conhecidas como “despotismo
esclarecido”82
instituindo um Novo Estado83
. O que antes estava nas mãos da Igreja e da
Inquisição, passou para as mãos do Estado. “Nenhuma obra poderia ser publicada ou vendida
sem passar previamente pelo crivo da Real Casa Censória, cujos membros eram indicados
pelo governo”84
. Incluindo em seu discurso recolocar Portugal numa posição digna do mundo
80
VERNEY, Luís António. O Verdadeiro Método de Estudar para ser útil à República e à Igreja:
proporcionado ao estilo, e necessidade de Portugal. Valença: Antonio Balle, 1746, passim. Texto disponível em:
<http://purl.pt/118>.
81 SILVA, Antonio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p.
89.
82 Cf. GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 60-61.
83 “Este regime subordinou os organismos políticos e sociais ao poder central; enquadrou a nobreza eliminando
os privilégios de nascimento; nobilitou os agentes da indústria; neutralizou os conflitos de classe; extinguiu a
Confraria do Espírito Santo da Pedreira ou Mesa dos Homens de Negócio (1755), criando a Junta do Comércio
(1759), e a Aula do Comércio (1759), instituiu a política dos diretórios visando a subtrair os indígenas do
controle eclesial (1757), expulsou os jesuítas (1759); vinculou a Igreja ao Estado, tornando-a independente de
Roma (1760); criou o Colégio dos Nobres (fundado em 1761 e aberto em 1766); aboliu a diferença entre cristãos
velhos e novos (1768); criou a Real Mesa Censória (1768); secularizou a Inquisição, tornando-a um instrumento
do Estado (1769); e decretou a reforma dos estudos menores (1759) e maiores (1772)”. POMBAL. Observações
secretíssimas do marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, na ocasião da inauguração da estátua
equestre no dia 6 de junho de 1775 e entregues por ele mesmo, oito dias depois, ao senhor rei d. José, o 1°. apud
SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 2. ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Autores
Associados, 2008, p. 81-82.
84 GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 61.
46
civilizado, Pombal introduziu novas matérias na Universidade, a matemática e a filosofia
(como faculdades), a física e a química. Nos estudos menores predominou a reforma do
método do ensino do latim e de uma “nova concepção” da retórica.
Sem querer extinguir o estudo da retórica, Verney buscara, antes, modificar-lhe o
conteúdo, ampliando seu alcance e reforçando sua importância. A retórica jesuítica se reduzia
“à inteligência dos tropos e das figuras de linguagem”, o que nos Estatutos era considerado
“sua mínima parte ou a que merece bem pouca consideração”. Na verdade, os portugueses
praticavam um só aspecto da retórica barroca85
. Assim, nas cartas cinco e seis do Verdadeiro
Método de Estudar86
dedicadas à retórica, ele fez uma forte crítica ao mau gosto da oratória
portuguesa, ao excesso de ornamentos estilísticos, à afetação e ao abuso de tropos de
linguagem usando uma abundância de exemplos tirados de sermões, discursos e outros tipos
de escrita, para demonstrar o vazio e o ridículo dos oradores e autores que na busca da
simpatia do auditório, mal ultrapassavam o mau delectare da retórica barroca. Ele dá também
um exemplo do mau uso do logos ao ridicularizar o excesso de citações de frases e autores, as
citações fora de propósito, as repetições inúteis, a exibição fútil de erudição, os títulos
estrambóticos e obscuros atribuídos a autoridades e até mesmo a imperícia na elocução.
Assim, era necessário que a retórica fosse colocada, segundo seu entendimento,
adequadamente de volta ao seu devido lugar. Na verdade, tropos e figuras de linguagem são os
andaimes do edifício dos discursos e, sem eles, é impossível construir, mas não devem
aparecer depois de pronta a obra87
.
85
A tríade da retórica barroca era constituída do ensinar, do deleitar e do mover (docere, delectare, movere). O
barroco português enfatizava o delectare, enquanto que as orientações de Verney eram para que a ênfase
residisse no movere. CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de
leitura. Topoi. Revista de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 132.
86 O Verdadeiro Método de Estudar, para ser útil à República e à Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade
de Portugal é uma obra de autoria de Luís António Verney, cuja primeira edição veio à luz em Valença, em
1746. É a obra mais conhecida deste que é considerado o mais ativo estrangeirado português, reputada como um
autêntico manifesto da modernidade do pensamento à luz das ideias iluministas. Em dois volumes, após a sua
primeira edição em 1746 voltou a ser reeditada em 1747. A autoria, à época, foi atribuída a um anônimo religioso
Barbadinho da Congregação de Itália, pseudônimo de Verney, que preferiu ocultar o seu nome diante da censura
da época. A obra constitui-se por dezesseis cartas que o autor Barbadinho escreve a um certo doutor da
Universidade de Coimbra. São elas: I - Língua Portuguesa; II - Gramática Latina; III – Latinidade; IV - Grego e
Hebraico; V e VI – Retórica e Filosofia; VII – Poesia; VIII – Lógica; IX – Metafísica; X – Física; XI - Ética;
XII – Medicina; XIII - Direito Civil; XIV – Teologia; XV - Direito Canónico; XVI - Regulamentação geral dos
estudos. O texto completo do Método está disponível no sitio eletrônico: <http://purl.pt/118>. TOBIAS, José
Antônio. Introdução. História das Ideias no Brasil. Estudo de problemas brasileiros. São Paulo: EPU, 1987, p.
95.
87 CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista
de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 132-133.
47
Assim, o problema não estava na retórica, mas na ignorância do que fosse a retórica.
Os portugueses, e toda uma tradição que já existia e se projetou na contemporaneidade,
ignoravam o que ela fosse; seja por não a estudarem, seja por a estudarem em manuais
limitados e considerados péssimos, como os jesuíticos. Quem não a estudava, nada dela sabia;
quem a estudava, sabia menos ainda. Porém, no Alvará régio de 1759, não foram poucos os
elogios à retórica. O parágrafo 16, com o subtítulo Dos Professores da Retórica, inicia
afirmando que “o estudo da Retórica, sendo tão necessário em todas as ciências”, e, manda
que fossem providenciadas as Instruções. Nelas, a retórica passou dos tropos e figuras para
outro meio retórico, a persuasão.
Não há estudo mais útil que o da retórica e da eloquência, muito
diferente do estudo da gramática [...]. A retórica ensina a falar bem,
supondo já a ciência das palavras, dos termos e das frases; ordena os
pensamentos, a sua distribuição e ornato. E, com isto, ensina todos os
meios e artifícios para persuadir os ânimos e atrair as vontades88
.
A retórica deveria ser complementada pela poética. Porém, nem tudo o que foi
determinado pela reforma pombalina veio a existir na prática. O estudo do hebraico foi
instituído e parece nunca ter sido implantado. Na colônia foi pequeno o número de aulas
régias criadas a expensas do Estado. A educação elementar sempre contou com a iniciativa de
alguns poucos indivíduos ou de religiosos. A intenção centralizadora e dominadora da
Metrópole sempre teve motivações, nem sempre tão ocultas.
Apesar do tipo de ensino que ofereciam e da resistência contra a “modernidade
científica” na Europa, foram os jesuítas que, com o descobrimento e a colonização da terra
Brasilis, vieram e disseminaram a instrução entre os nativos e criaram colégios de letras na
Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. Ali se lecionava a matemática elementar, a
gramática latina, a filosofia e a teologia da forma controlada e restrita já mencionada. Antes
do reinado de D. José I (1750 – 1777), a metrópole, Lisboa, nunca se preocupou com o
desenvolvimento intelectual da colônia americana. Ela desejava “conservar as povoações nas
trevas da ignorância” para poder obter “a incondicional submissão”. Além disso, também
impedia a introdução no território da colônia de “meios destinados ao referido
88
Este trecho das Instruções pode ser também encontrado na citação de ANDRADE, Antonio Alberto Banha de.
A reforma pombalina dos estudos secundários (1759-1771). v. 2. Coimbra: Por Ordem da Universidade, 1981,
p. 92.
48
desenvolvimento, tanto assim que proibiu até a importação de livros, e chegou ao ponto de
mandar sequestrar e remeter para Portugal, pela Carta Régia de 06 de junho de 1747, uma
pequena tipografia que tinha sido estabelecida no Rio de Janeiro”89
.
Assim, quando os jesuítas foram expulsos de Portugal sob o discurso do interesse da
libertação da ortodoxia religiosa e sufocante do escolasticismo que se irradiava até nos
assuntos seculares90
, eles o foram igualmente na colônia, mas com a finalidade de prejudicar
essa parca instrução91
, que, tornou o que era “ruim” na colônia, ainda pior. Usando da
crendice popular, os jesuítas foram acusados por todos os males naturais e materiais advindos
a Portugal, o grande terremoto de Lisboa e até um ferimento “inexplicável” em D. José. Para a
manipulação dessas emoções populares foram usados os mesmos instrumentos religiosos de
controle: Inquisição, prisões, masmorras e suplícios públicos92
, agora orquestrados pelo
Estado.
Os franciscanos passaram a suprir a lacuna deixada pela expulsão jesuíta do território
brasileiro. Seu ensino se limitava ao ensino de línguas, filosofia e religião. Cursos jurídicos
não existiam ainda. Quem quisesse estudar Direito ainda precisava atravessar o Atlântico e
buscar as universidades ou de Coimbra ou da França e Itália. Era de Coimbra que o Direito
português e as fontes romanas se irradiavam para as terras brasileiras.
89
TRIPOLI, César. História do Direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1936, p. 19.
90 Para Pombal, os jesuítas constituíam-se num obstáculo à condução da sua política de reformas. Subjugada a
nobreza lusitana com o Processo dos Távora e setores do povo com a repressão ao motim do Porto, o próximo
passo foi uma perseguição ao clero. Em 1757 Pombal iniciou sua campanha antijesuítica em Roma, acusando os
padres da Companhia de praticarem comércio ilegal no Brasil e de incitarem as populações contra o governo.
Averiguando a situação relatada pelo Ministro Português, a Santa Sé recebeu informações, manipuladas por
aquele, sobre a veracidade das acusações feitas à Companhia de Jesus. Como resultado, os jesuítas foram
suspensos de confessar e pregar em Lisboa, e o informador, o Cardeal Saldanha, foi recompensado com a cadeira
patriarcal no ano seguinte (1758). Pombal nunca abandonou o sentimento antijesuítico levando-o a escrever
acerca do que pensava daqueles religiosos na sua Dedução Cronológica (publicação assinada por José Seabra da
Silva). Chegou a afirmar que todos os males de Portugal se deviam aos jesuítas, ideia que foi acolhida na Europa
por outros adversários da Companhia. De fato, França, Espanha e Nápoles imitaram Portugal, iniciando-se uma
pressão contra os jesuítas tão grande na Europa que o Papa Clemente XIV, no breve Dominus ac Redemptor, de
21 de Julho de 1773, suprimiu a Companhia na Europa. Esta só veio a ser restaurada em 1814, a partir da Rússia,
ainda que Portugal não consentisse na sua readmissão. D’AZEVEDO, J. Lucio. O marques de pombal e a sua
época. 2. ed. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil; Lisboa: Seara Nova; Porto: Renascença Portuguesa, 1922, p.
127 – 140.
91 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 52.
92 É exemplo, o suplício público do velho padre jesuíta Gabriel Malagrida, que em sua tentativa frustrada de
rebater os ataques aos jesuítas, alegava que a causa do terremoto em Lisboa era a “ira divina” fazendo com que
Pombal intensificasse seus ataques ao clero, pois, estrategicamente, tomou as exortações moralistas do religioso
como acusações. Cf. FRANCO. O Mito dos Jesuítas. Em Portugal, no Brasil e no Oriente (Séculos XVI a XX).
Prefácio Bernard Vincent. v. I - Das origens ao Marquês de Pombal. Lisboa: Gradiva, 2006, passim.
49
O padre Manoel de Nóbrega, após a chegada ao continente construiu uma escola em
Salvador/BA onde lecionou o padre Vicente Rodrigues. Por mais de duzentos anos a educação
ficou a cargo dos religiosos e em especial dos jesuítas. Após a queda de Pombal e sua reforma,
a Metrópole instituiu as Aulas Régias. Há referências a escolas com alguns cursos, que
ensinavam a retórica, em São Paulo93
, em Minas94
, em Olinda95
e no Rio de Janeiro96
. Mas, o
ensino superior dependia totalmente de Portugal. Apenas quando D. João VI veio para o
Brasil, instituíram-se algumas escolas superiores97
, mas o estudo do Direito no Brasil só seria
93
Antes mesmo dos primeiros cursos jurídicos, também outros cursos foram criados como fruto da vontade de
estudar no Brasil. Em São Paulo, no ano de 1776, os frades franciscanos, incorporados ao convívio comunitário,
criaram também uma escola agregada ao seu convento. O ensino da teologia, da moral, da retórica e do latim,
suscitou a ida ali de um número significativo de estudantes. Posteriormente, ali surgiu a Faculdade de Direito do
Largo do São Francisco. CHACON, Vamireh. Formação das ciências sociais no Brasil. 2. ed. Brasília: Paralelo
15; Brasília: LGE Editora; São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 2008, p. 169-170.
94 Em Minas, Manuel Inácio da Silva Alvarenga (1749 — 1814), poeta, advogado, nomeado pelo vice-rei, Luís
de Vasconcelos e Sousa, foi professor régio de uma aula de retórica e poética que fundou solenemente em 1782.
Também sob seus auspícios restaurou, em 1786, com a denominação agora de "Sociedade Literária", a sociedade
científica, cujo objeto principal "era não esquecerem os seus sócios as matérias que em outros países haviam
aprendido, antes pelo contrário adiantar os seus conhecimentos". Com a mudança do vice-rei, foi encarcerado por
dois anos, sendo posto em liberdade sem julgamento, confirmando a observação de que mudanças políticas
influenciavam diretamente o ensino e as sociedades literárias de então, sem falar das arbitrariedades legais.
Como era mestre de retórica, evitou mais que os outros os recursos do arsenal clássico e mitológico e quando
cedeu à corrente, o fez com muito mais personalidade, senão originalidade, e com um desembaraço e liberdade
rara no tempo. Prova disso é "Teseu e Ariana", uma das melhores amostras da poesia brasileira, naquela época.
VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. 1916. e-book Disponível em: <http://www.biblio.com.br/
conteudo/JoseVerissimo/histlitbras.htm>.
95 No ano de 1800 também foi inaugurado em Olinda, Pernambuco, um curso pelo bispo de Olinda José Joaquim
da Cunha Azeredo Coutinho (1742 – 1821) (PILETTI, Nelson, História da Educação no Brasil. 6. ed. São
Paulo: Ática, 1996, p. 37). Era um seminário modelar onde se estudava latim, grego, francês, retórica, história
universal, filosofia, desenho, história eclesiástica, teologia dogmática e moral, matemática, física, química,
mineralogia e botânica (BEVILÁQUA, Clóvis. História da Faculdade de Direito do Recife. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1927). Ali no Convento de Nossa Senhora do Carmo, de Olinda o frei Caneca, em 1803 foi
professor de retórica e geometria. Frei Joaquim do Amor Divino Rabello Caneca que nasceu na cidade do Recife
em julho de 1779 e era um religioso carmelita, ordenado sacerdote pelo Seminário de Olinda, dedicou-se ao
magistério, período em que elaborou alguns compêndios inclusive o de retórica: Tratado da Eloquência.
Considerado como representante típico do chamado “liberalismo radical” das primeiras décadas do século XIX.
Participou da Confederação do Equador (1824) e elaborou a doutrina justificadora do separatismo. Quando o
movimento foi derrotado, ele foi condenado a morte, sendo executado em janeiro de 1825. Cf. CANECA, Frei
Joaquim do Amor Divino. Obras políticas e literárias. 1. ed. Recife, 1875/76, 2 tomos (v. tomo I. Tratado da
Eloquência, pp. 63 – 155); ou versão mais recente em: CANECA, frei Joaquim do Amor Divino. Obras políticas
e literárias de frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Org. Antonio Joaquim de Melo. Recife: Assembléia
Legislativa de Pernambuco, 1972.
96 Há registro da criação de um curso de estudos literários e teológicos em julho de 1776 no Rio de Janeiro, e,
após a criação dos cursos jurídicos (1827) foi fundado também no Rio de Janeiro o Colégio de Pedro II em 1838.
Não é muita pretensão afirmar que era equivalente ao Colégio das Artes de Coimbra. Nele, as cadeiras eram
preenchidas por concurso, inclusive as de retórica e poética, e foram muitas vezes ocupadas por figuras
eminentes da cultura nacional. CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como
chave de leitura. Topoi. Revista de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 133.
97 A Academia Real da Marinha (1808), a Academia Real Militar (1810), a Academia Médico-Cirúrgica da Bahia
(1808), a Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro (1809), o Ensino de Química no Rio de Janeiro, (1812),
50
possível com a independência de Portugal. Logo, o Brasil não possuía uma cultura jurídica
própria, embora esse fosse o anseio dos intelectuais locais da época.
A ideia de estabelecer o ensino superior no Brasil já existia por volta do ano de 1654,
mas não de iniciativa portuguesa. Foi o invasor holandês quem manifestou o primeiro
interesse em instalar uma Universidade no Recife. Como estes foram expulsos, o projeto não
foi levado adiante. Por sua vez, em 1820, o desembargador e ouvidor-geral daquela comarca,
Venâncio Bernardino Uchoa, encaminhou ao rei João o pedido de fundação de uma
Universidade em Pernambuco. O mesmo fez o deputado pernambucano Francisco Muniz
Tavares que pleiteou tal feito junto às Cortes Constituintes de Lisboa entre 1821 e 182298
.
Foram necessários mais alguns anos até que a “realidade” dos cursos jurídicos se
concretizasse no Brasil.
2.3 A formação dos primeiros cursos jurídicos brasileiros como estratégia legitimadora
do processo de emancipação nacional.
O Brasil enquanto colônia, reino unido e império teve uma organização social, política
e econômica arraigada numa elite, representada por grandes proprietários rurais que
exploraram a mão de obra em sua maioria provinda da escravidão de índios, mestiços e
negros, para consolidar um poder sem identidade nacional, e desvinculado dos objetivos de
sua população de origem e da sociedade como um todo, características burocráticas mesmas
da administração da metrópole. Esse intervencionismo estatal no âmbito sócio-jurídico e
econômico foi o fato gerador de diretrizes burocráticas e patrimonialistas, já havidas ao longo
da história na Península Ibérica. O resultado foi uma cultura bacharelesca que profissionalizou
a elite política emergente, fenômeno não singular na América99
.
Para Sergio Buarque de Holanda, o objetivo de se diplomar em uma academia, local ou
do além-mar, era alcançar a administração pública, e os bacharéis “só excepcionalmente farão
o Ensino de Agricultura (1812) e de Botânica (1814) e Farmácia (1814) na Bahia, e da Escola de Belas Artes em
1816.
98 SILVA, Leonio José Alves da. Faculdade de Direito do Recife: breves apontamentos aos 180 anos de sua
história. p. 05 – 06, Laranja mecânica, São Paulo, 11 ago. 2007, p. 5.
99 Com respeito à “praga do bacharelismo” nos Estados Unidos da América consultar HOLANDA, Sergio
Buarque de. Novos tempos. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 31. reimp. 2009,
p. 156 – 157.
51
uso, na vida prática, dos ensinamentos recebidos durante o curso”100
. Uma dessas exceções foi
Teixeira de Freitas. Os cursos jurídicos que Teixeira de Freitas frequentou iniciaram em
1827, quando foram criados. Qual a “nova” produção sobre retórica e filosofia disponíveis nos
educandários brasileiros para alunos como ele? Como esse acesso se enquadrava na estratégia
política de emancipação?
O Brasil já havia proclamado sua independência política de Portugal cinco anos antes e
necessitava de “independência” em todos os demais sentidos, incluindo a educação. É sabido
que a educação era constituída da educação menor e da educação superior. As primeiras letras
constituíam o ensino elementar. O ensino superior, mais que melhores conhecimentos, sempre
envolveu potencialidades mais elevadas: liberdade das variadas opressões e não só da
dominação territorial dos europeus. Assim, mais do que um momento pontual na educação
brasileira, para alguns, os cursos jurídicos brasileiros constituíram um momento marcante na
História nacional. Silvio Meira afirmou que do mesmo modo que a independência política foi
conquistada em 1822, a independência intelectual começou a se esboçar em 1827, embora
tenha ficado por aí101
. Ao menos foi o ano da “libertação” da Universidade de Coimbra, onde
estudaram os mais afortunados na época da Colônia.
Foi o controle da liberdade da administração colonial que centralizava a formação da
“inteligência” do corpo técnico em Coimbra. Então, havia a necessidade manifesta da criação
do ensino do Direito no Brasil a fim de, também, legitimar o processo de independência e da
ampliação do corpo técnico-administrativo, fundamentais para a organização do Estado
burocrático102
. Logo, tal criação era parte de uma estratégia necessária. Se, por um lado,
observou-se um avanço no processo educacional brasileiro que progredia do ensino das
primeiras letras para o ensino universitário, por outro, onde iriam estudar os filhos da elite
libertária? Antes de voltarem para a Europa, parecia melhor demonstrar o poder na nova nação
formada, preparando-os nela.
Os cursos de Olinda e São Paulo foram propugnados pelo ministro da justiça José
Feliciano Fernandes Pinheiro (1774 – 1847), o visconde de São Leopoldo, que assinou a carta
100
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Novos tempos. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1995. 31ª reimp. 2009, p. 156 – 157.
101 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 52.
102 SILVA, Antonio Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p.
181. Disponível em: <http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/index.php>.
52
de lei, votada pela Assembleia Geral e sancionada pelo imperador D. Pedro I (1798 – 1834).
Através dela, em 11 de agosto de 1827 foram escolhidos os locais: São Paulo e Olinda.
Ambos em casas religiosas. Assim, o passo criador foi dado envolvendo o sacro e o temporal.
Se a justificativa era a falta de acomodações adequadas, percebe-se também que nada seria
mais oportuno que vincular as origens às casas de fé para subjugar futuras oposições destas ao
surgimento de novas ideias. Criava-se também a antítese entre a vida religiosa e a vida
secular. Onde antes se abrigavam devotos sacerdotes, a juventude brasileira passou a
festejar103
. Era uma origem humilde, uma origem necessária, porém, mal elaborada e, chegou
às margens da precipitação, comprometendo sua qualidade. Como resultado, os professores
mal pagos e em número reduzido dividiram o magistério com alguma outra atividade
profissional para sobreviver.
O currículo inicial para ambos os cursos foi definido no artigo 1º da lei que criou os
primeiros cursos jurídicos, com ênfase a que os discentes estudassem profundamente a
Constituição do Império, o Direito pátrio civil e criminal, o Direito comercial e marítimo e a
Economia Política. Catorze matérias no total, ao longo de cinco anos104
. Para ensinar, todavia,
“aos professores coube a organização de seus compêndios, de forma clara, breve e
ordenada”105
.
Ainda, seguindo a tradição lusitana, o artigo 8º prescrevia que os interessados em se
inscrever nesses cursos jurídicos deveriam ser aprovados previamente na língua francesa, na
gramática latina, na retórica, na filosofia racional e moral, e na geometria106
. Para tal, o artigo
11 criava também nas cidades de São Paulo e Olinda estudos preparatórios dessas cadeiras107
.
103
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 50.
104 “Artigo 1º: Criar-se-ão dois cursos de ciências jurídicas e sociais, um na cidade de São Paulo e outro na de
Olinda, e neles, no espaço de cinco anos e em nove cadeiras se ensinarão as matérias seguintes: 1º ano – 1ª
cadeira. Direito Natural, público, análise da Constituição do Império, Direito das gentes e diplomacia. 2º ano – 1ª
cadeira. continuação das cadeiras do ano antecedente. 2ª cadeira. Direito público eclesiástico. 3º ano – 1ª cadeira.
Direito pátrio civil. 2ª cadeira. Direito pátrio criminal, com a teoria do processo criminal. 4º ano – 1ª cadeira.
Continuação do Direito pátrio civil. 2ª cadeira. Direito mercantil e marítimo. 5º ano – 1ª cadeira. Economia
Política. 2ª cadeira. Teoria e prática do processo adotado pelas leis do Império.” apud MEIRA, Silvio Romero de
Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de Afonso Arinos de Melo Franco,
Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 54 – 55.
105 CURY, Vera de A. R. Introdução à formação jurídica no Brasil. Campinas: Edicamp, 2002, p. 162.
106 “Artigo 8º: Os estudantes que se quiserem matricular nos Cursos jurídicos devem apresentar as certidões de
idade, por que mostrem ter a de quinze anos completos, e de aprovação da língua francesa, gramática latina,
retórica, filosofia racional e moral, e geometria”. apud MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o
53
Em Olinda, no curso fundado por Fernandes Pinheiro num salão do Mosteiro de São
Bento, a primeira turma se diplomaria em 1832. O mosteiro de São Bento acolheu os
estudantes de Direito em suas instalações precárias no primeiro andar do prédio, vindo a
passar logo depois, para o edifício da ladeira do Varadouro, antigo palácio dos governadores.
Em 1854, com a transformação do "curso jurídico" em Faculdade de Direito sua sede foi
transferida para o Recife, ocupando um velho casarão no Largo do Hospício, esquina com a
Rua do Príncipe, local onde atualmente funciona o Hospital Geral do Exército108
. Em 16 de
março de 1912, o curso jurídico foi transferido para o atual prédio no largo do Hospício109
.
A escola de São Paulo também estava ligada a um convento franciscano criado em
1776, quando os frades franciscanos, incorporados ao convívio comunitário, fundaram uma
escola agregada ao convento. O ensino da teologia, da moral, da retórica e do latim, suscitou
o ingresso de um número significativo de estudantes. A partir de 1828, as instalações do
convento foram ocupadas pela Faculdade de Direito de São Paulo. A Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco ou ainda "Faculdade das Arcadas", em alusão a sua arquitetura, foi
fundamental para o Império, atendendo à expectativa de formar governantes e administradores
públicos capazes de estruturar e conduzir o país recém-emancipado. Com a concretização de
tais desígnios, a presença dos bacharéis logo se fez sentir em todos os níveis da vida pública
nacional, tanto nos quadros judiciários e legislativos como nos executivos. Ali, a Biblioteca,
que, em 1825, já com acervo reunido de longa data pelos frades franciscanos, tornou-se a
primeira biblioteca pública de São Paulo, antes mesmo da inauguração da Faculdade.
Contudo, a presença de uma biblioteca não impedia as dificuldades específicas para o
estudo do Direito. Como consequência, o autodidatismo se tornou uma característica geral
daqueles primeiros anos. O que os alunos das primeiras turmas mostraram saber mais tarde, o
aprenderam por si mesmos. “O autodidatismo continuou por mais de um século no Brasil, e
ainda perdura.” “Podemos afirmar, sem exagero, que quase todos os grandes homens deste
jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir
Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 55.
107 “Artigo 11: O Governo criará nas cidades de São Paulo e Olinda as cadeiras necessárias para os estudos
preparatórios declarados no art. 8º.” apud MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o
jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir
Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 55.
108 SILVA, Leônio José Alves da. Faculdade de Direito do Recife: breves apontamentos aos 180 anos de sua
história. p. 05 – 06, Laranja mecânica, São Paulo, 11 ago. 2007, p. 1.
109 NASPOLINI, Rodrigo Benedet. As primeiras faculdades de direito: São Paulo e Recife. Disponível
em:<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/29120-29138-1-PB.pdf>.
54
país foram autodidatas”, afirmaria Meira110
. Nas escolas de Direito, o ensino se focava em
matérias “dogmáticas” e “positivadas” pelas novas codificações que surgiam. Em razão disso,
Vera Cury definiu a cultura jurídica do Império como “formalista, retórica, individualista e
juridicista”111
. Apesar do progresso em relação ao ensino, sua crítica tem fundamento.
2.4 A necessidade de uma produção literária para a “nova” Academia: seguindo a
estratégia da tradição lusitana de supressão dos conteúdos rivais.
Foram muitas as dificuldades “logísticas” que os cursos jurídicos enfrentaram: escolha
estratégica de localidades, determinação de espaços físicos e de edificações, contratação de
professores e produção literária. Na verdade, a produção literária, ou sua falta, constituíram
uma forte tradição de demonstração de autoridade e afirmação do poder nos domínios
lusitanos antes da independência do Brasil. Assim foi com Pombal, quando ministro de D.
José I e, assim fez o novo gabinete de D. Maria I.
Apesar das intenções da reforma pombalina para o ensino em todos os domínios
portugueses, de fato as reformas não foram radicais, principalmente em seu conteúdo. Após a
morte do rei D. José I, em 1777, um novo gabinete de governo foi estabelecido. A sucessora
do reino foi D. Maria Francisca112
e o marquês de Pombal caiu no ostracismo sendo demitido
e exilado da corte, vez que ela nunca o perdoou pela forma como tratou a família Távora no,
que se conheceu como, o Processo Távora113
, um processo judicial inquisitório cruel até
110
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 47.
111 CURY, Vera de A. R. Introdução à formação jurídica no Brasil. Campinas: Edicamp, 2002, p. 138.
112 D. Maria Francisca (1734-1816), princesa do Brasil se casou com o irmão de D. José, D. Pedro (1717-1786),
que com a ascensão de sua sobrinha ao trono de Portugal passou a ser designado como D. Pedro III, rei consorte.
D. Maria I, foi conhecida no Brasil como a Louca. Isso porque ela era extremamente religiosa. Conta-se que sua
loucura, que se manifestou veementemente nos últimos vinte e quatro anos de sua vida, adveio, em parte, pela
morte de seu marido e também de uma obcessão sobre as penas que seu pai, D. José I, estaria sofrendo no inferno
por ter permitido que o marquês de Pombal tivesse expulsado os jesuítas, tendo visões de seu pai como “um
monte de carvão calcinado”. Para tratá-la veio de Londres o Dr. Willis, psiquiatra e médico real de Jorge III,
enlouquecido em 1788, mas de nada adiantaram seus "remédios evacuantes". Cf. GOMES, Laurentino. 1808. 2.
ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 61.
113 A culpa ou inocência dos Távora, uma família da primeira nobreza de Portugal, é uma questão muito debatida
pelos historiadores portugueses. O Processo dos Távora foi um escândalo político onde aquela família de nobres
foi acusada pelo marquês de Pombal de atentarem contra o rei D. José I. Vários fatos envolveram o episódio: as
cabeças da família eram o duque Dom Francisco de Távora (1703 – 1759) e a marquesa D. Leonor Tomásia de
Távora (1700 – 1759). Ele foi vice-rei na Índia de 1750 a 1754. Ela era envolvida com questões políticas e muito
ligada à religião por seu vínculo com os jesuítas. Assim, essa casa era um foco político contra Pombal. O
55
mesmo para os padrões da época. Sem o patrocínio do ministro, o movimento reformista
perdeu vigor e “regrediu”.
No campo do ensino houve algumas modificações durante o reinado de D. Maria: ela
deu mais ênfase ao ensino das “primeiras letras” em detrimento das “humanidades”. Nas
“primeiras letras”, que consistia no aprendizado da leitura, escrita e contas, houve mudanças
não só no ensino, mas também nas atividades de seus professores. A crise de professores,
portanto, iria se arrastar por muito tempo. O professor régio de filosofia moral e bibliotecário
real da corte Santos Marrocos gravou sua insatisfação, elitista, mas reveladora, ao dizer que o
reinado de D. José “imitou fielmente a prática daqueles monarcas memoráveis” quando as
cadeiras de humanidades “eram geralmente frequentadas da nobreza, infantes e príncipes
deste Reino” em contraste com a administração de D. Maria, que espalhou pelo reino os
mestres das primeiras letras, pobres, mal pagos e ignorantes; apesar da arrecadação dos
“subsídios literários” a partir de 1772114
.
Outro fato consistiu em que o pensamento escolástico não se desentranhou do interior
da Academia, principalmente nas escolas da colônia, mais distantes do centro cultural, e
apresentava sintomas de continuar resistindo à modernização. O ensino das humanidades era
mais facilmente encontrado nos conventos do que nas “aulas régias” por todo o reino. Ainda
assim, apesar de sua importância diminuída em relação às outras matérias ministradas, a
retórica continuou indispensável nos exames obrigatórios para ingresso nos cursos jurídicos e
demandou novas produções “atualizadas” para não incorrer no “antigo” estudo retórico
jesuíta115
, ou das muitas “cópias”, ora mais, ora menos servis, das Institutas Oratórias de
Quintiliano.
“atentado” contra o rei que voltava de um encontro com a amante, e consistiu de tiros que teriam sido dirigidos a
Pedro Teixeira, ou mesmo um roubo comum, foi suficiente para destruir um foco de resistência política e
religiosa dentro do governo. Além disso, o rei mantinha um relacionamento amoroso com a esposa de um dos
filhos desse casal, Teresa Leonor casada com Luis Bernardo. Concomitantemente, o rival seria também
eliminado. Dois homens foram presos, confessaram e indicaram como mandantes os Távora. Foram enforcados
no outro dia. Todos os Távora foram presos. O casal, dois filhos, incluindo Luis Bernardo e vários amigos foram
torturados, espancados, decapitados e queimados publicamente. D. Leonor foi decapitada. Outros parentes foram
poupados, mas condenados à prisão perpétua, graças à intercessão da rainha e sua filha Maria Francisca, que
quando subiu ao trono ordenou que fossem soltos os remanescentes. O palácio do Duque foi demolido e o terreno
salgado. Os bens foram confiscados pela Coroa. Cf. TÁVORA, Luíz de Lencastre. D. Leonor de Távora. O
Tempo da Ira. O Processo dos Távora. Lisboa: Quetzal Editores. 2002, passim.
114 MARROCOS, F. J. dos Santos. Memória sobre o estado dos estudos menores (1799). Revista de educação e
ensino. Ano 7. Lisboa, 1892, p. 442.
115 São exemplos da produção peninsular as obras de Manoel Pacheco de Sampayo Valladares, Arte de
Rhetórica. Lisboa: Na officina de Francisco Luiz Ameno, 1750; e do frei Sebastião de Santo Antonio, Ensaio de
Rhetórica. Lisboa: Na Officina Lusitana, 1779.
56
Com a declaração de incapacidade de D. Maria I em 1792, e o anterior falecimento do
provável herdeiro ao trono português D. José, em 1788, assumiu o trono seu irmão D. João.
Em 1807, com o bloqueio continental decretado por Napoleão, e protegido pela marinha
britânica, a corte lusitana de D. João VI zarpou em direção ao Brasil. Antes de embarcar para
o Brasil D. João teve o cuidado de raspar os cofres do governo tirando de circulação cerca de
metade das moedas em circulação, além de uma grande quantidade de diamantes116
. O mesmo
cuidado não houve para com o acervo da Real Biblioteca portuguesa. Embora o arquivista real
Luiz Joaquim dos Santos Marrocos tivesse recebido instruções para encaixotar às pressas os
60 mil volumes da biblioteca e despacha-los para o cais de Belém. No tumulto da partida
todas as caixas com os livros ficaram esquecidas em meio à lama que tomava as ruas devido à
chuva do dia anterior. Só em 1811 é que ele chegou ao Rio de Janeiro com a segunda remessa
de livros da biblioteca real lusa117
. Logo, ou por falta de livros, ou pela falta de uma
bibliografia específica para o estudo da retórica, se tornou indispensável que se instituíssem
novos livros.
Foi diante dessa imprescindibilidade que vários professores se empenharam em
promover e divulgar a retórica. Um desses professores foi Bento Rodrigo Pereira de Soto-
Maior e Menezes (1760 – ?) que, em 1794, escreveu e publicou um compêndio intitulado
Compêndio Rhetórico ou Arte Completa de Rhetórica que complementava o título
apresentando a obra como um “método fácil para toda pessoa curiosa, sem frequentar as aulas,
saber a arte da eloquência [...]”118
.Certamente o autor acreditava haver um número de
“curiosos” fora dos círculos acadêmicos e de sua “popularidade”. Há muito se contesta sua
autoria, por alguns atribuída a um padre de nome Antonio das Neves Pereira119
. Por ser um
dos primeiros compêndios a chegar ao Brasil, merece uma sucinta descrição de seu conteúdo.
A primeira particularidade é que o autor escreveu o compêndio utilizando uma
“ortografia neográfica”. A mais, sem inovar, ele definiu a retórica como a “ciência do falar
bem”. Seguindo a influência de Verney, considerou como mestres da retórica Cícero e
116
GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 71.
117 GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 76.
118 O título completo desse livro é: MENEZES, Bento Rodrigo Pereira de Soto-Maior e. Compêndio Rhetórico
ou Arte Completa de Rhetórica com méthodo fácil para toda pessoa curiosa, sem frequentar as aulas, saber a arte
da eloquência: toda composta das mais sábias doutrinas dos mais sábios autores que escreverão desta importante
sciência de falar bem. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794. e-Book disponível em:
<https://play.google.com/store/books/details?id=z2o81zpf07gC&rdid=book-z2o81zpf07gC&rdot=1>.
119 Ver SILVA, Innocencio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez. Tomo 8. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1867, p. 353.
57
Quintiliano; e, sua função destina-se a ensinar, deleitar e mover, com o fim precípuo de
persuadir, conseguir a adesão das pessoas. Ele dividiu os argumentos de acordo com sua
natureza em: demonstrativos ou laudatórios, deliberativos ou suasórios, e, judiciais.
Outra característica é que Menezes ligou-se a tradição romana da retórica cívica,
compatível com Cícero e Quintiliano e distinta da tradição formalista aristotélica. Todavia não
a evita de todo; pois, em outras palavras, destaca os meios retóricos de persuasão. Assim já na
segunda página afirma que falar bem “compreende juntamente as virtudes da oração [L] e os
costumes do orador” [E] e complementa justificando: “pois só pode falar bem, o que for
homem bom; qual deve ser o orador, para merecer este nome” [E]. O orador deve ter virtude,
bondade, prudência e benignidade. Ou seja, na retórica cívica, ao contrário da argumentação
puramente racional, destinada apenas a convencer, a qualidade moral do orador (E) vale tanto
quanto a qualidade de seus argumentos (L)120
. Além do mais, ele já observara a necessidade
fundamental de levar em conta a audiência para quem se fala (P), pois ela determinará, diz um
comentarista do autor, “o estilo do orador e os argumentos a serem utilizados”121
.
Uma segunda obra que merece vir à cotação é a redigida pelo conselheiro da corte de
D. João VI, Silvestre Pinheiro Ferreira (1769 – 1846), que abriu no Rio de Janeiro um curso
de filosofia e de teoria do discurso e da linguagem122
e por não encontrar um manual
adequado escreveu, ele mesmo, um compêndio intitulado Prelecções philosóphicas sobre a
theoria do discurso e da linguagem123
, publicado entre os anos de 1813 a 1820. É também de
Silvestre Ferreira um manual de ontologias denominado Noções Elementares de Philosophia
Geral e applicada às sciências moraes e políticas124
, onde afirma ter publicado em 1813 as
120
Segundo Menezes, com base nisso, na retórica era admitido o argumento ad hominen, ou mesmo ad
personam, ou seja, a tentativa de desqualificar o orador opositor atacando sua qualificação moral. MENEZES, B.
R. P. de Soto-Maior e. Compêndio Rhetórico. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794, p. 2.
121 CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista
de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 135.
122 Esse curso, na verdade, foi uma série de conferências ou preleções filosóficas ministradas por Silvestre
Ferreira na sala do Real Colégio de São Joaquim, no Rio de Janeiro, em 1813, que tinham por tema a teoria do
discurso e da linguagem, o tratado das paixões e o sistema do mundo, e abrangia o estudo da lógica, da
gramática, da retórica, da estética, ética, direito natural, ontologia, ciências matemáticas, astronômicas e físicas,
e da teologia natural. Cf. PAIM, Antônio, Introdução; FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Ensaios filosóficos.
Coleção Textos Didáticos do Pensamento Brasileiro, vol. III. Dir. Celina Junqueira. Rio de Janeiro: PUC/Rio, co-
edição Conselho Federal de Cultura e Editora Documentário, 1979.
123 Ver FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Prelecções philosophicas sobre a theoria do discurso e da linguagem,
a esthética, a diceósyna, e a cosmologia. Rio de Janeiro: Na Imprensa Régia, 1813-1820.
124 FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Noções Elementares de Philosophia Geral e applicada às sciências moraes
e políticas. Ontologia, Psichologia, Ideologia. Paris: Bravier et Aillaud, 1839, p. V.
58
Prelecções. Nas Prelecções, ele inseriu uma tradução e seus comentários das Categorias125
de
Aristóteles. Sua visão da retórica também se parecia com a de Verney e se aproxima da que é
defendida hodiernamente por aqueles que procuram resgatar a disciplina da má fama que a
acompanha, como é o caso de Chaïm Perelman126
. Para o autor das Prelecções, a retórica não
devia separar-se da lógica e da gramática; a teoria do raciocínio não devia separar-se da teoria
da linguagem. A retórica não devia ser enfeite, mas instrumento cotidiano de argumentação e
persuasão127
.
Alguns anos adiante, o padre Miguel do Sacramento Lopes Gama (1791 – 1852),
também conhecido como Padre Carapuceiro128
, que fora professor de retórica do Seminário de
Olinda, Pernambuco, em 1817, no Liceu do Recife, e no Colégio de Pedro II, em 1846
publicou um vasto compêndio com o título Lições de Eloquência Nacional como parte de seu
projeto de um curso completo de Princípios de Litteratura Nacional. Lopes Gama exaltou a
importância da retórica e buscou adaptá-la ao idioma brasileiro. Foi influenciado por mestres
como Aristóteles, Cícero e Quintiliano, dentre os antigos, além de vários autores modernos
como Blair, Jerônimo Soares Barbosa e Francisco José Freire. Sua ênfase estava na parte da
retórica dedicada à elocução, “a força da eloquência”. No mais, e certamente devido à força da
tradição do ensino da retórica, sua obra não é muito diferente dos autores anteriores129
.
125
Categorias (em grego: Κατηγοριαι, em latim: Categoriae) é o texto que abre tanto o Organon como o corpus
aristotelicum e estuda os elementos do discurso, os termos da linguagem. Nele, Aristóteles classifica e analisa
dez tipos de predicados ou gêneros do ser (κατηγορια significa justamente predicado). As categorias são:
substância (οὐσία, substantia), quantidade (ποσόν, quantitas), qualidade (ποιόν, qualitas), relação (πρός τι,
relatio), lugar (ποῦ, ubi), tempo (ποτέ, quando), estado (κεῖσθαι, situs), hábito (ἔχειν, habere), ação (ποιεῖν, actio)
e paixão (πάσχειν, passio). Cf. FLORIDO, Janice. (Coord.) Aristóteles – vida e obra. Col. Os Pensadores. São
Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 10.
126 PERELMAN, Chaim. Retóricas. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2004, passim.
127 Nesse sentido ver CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de
leitura. Topoi. Revista de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 134.
128 Miguel do Sacramento Lopes Gama (1791 – 1852), o padre Carapuceiro, foi professor de retórica do
Seminário de Olinda, Pernambuco, em 1817, e também no Liceu do Recife, bem como diretor, em 1840, da
Faculdade de Direito do Recife, e, no Rio de Janeiro, durante suas idas em razão de seus mandatos
parlamentares, lecionou no recém-criado Colégio de Pedro II. Foi eleito deputado para a Assembléia Provincial
de Pernambuco e representante, em 1846, da província de Alagoas no Parlamento Nacional. Cf. GAMA, Miguel
do Sacramento Lopes. Lições de eloquência nacional. Rio de Janeiro: Paula Brito, 1846, p. 11-14.
129 GAMA, Miguel do Sacramento Lopes. Lições de eloquência nacional. Rio de Janeiro: Paula Brito, 1846, p.
11-14.
59
Finalizando estes exemplos de publicações brasileiras, são dignas de menção as obras
do Frei Caneca, o Tratado da Eloquência e as Táboas Sinópticas do Sistema Rhetórico de
Fábio Quintiliano130
.
Assim, embora poucas fossem as obras, é inegável a atenção que a Academia deu ao
estudo da retórica, durante a produção literária nacional. Contudo, não se pode perder de vista
que tal produção foi incentivada como estratégia de uma declaração (insipiente) da
emancipação nacional. Teixeira de Freitas estudou, ao menos, no Compêndio de Soto-Maior?
2.5 Os conteúdos teóricos e filosóficos encontrados nas primeiras escolas jurídicas
brasileiras e seu antagonismo ao discurso retórico de “modernidade”.
Para ingressar nos cursos jurídicos, como visto, era pré-requisito que os interessados
em se inscrever nesses cursos fossem aprovados previamente na língua francesa, na gramática
latina, na retórica, na filosofia racional e moral, e na geometria. Esse apresto ocorria em
cursos preparatórios instituídos, mas, não raramente, os alunos se dedicavam ao seu estudo,
supervisionados por preceptores particulares em sua tenra juventude. Para estudar na
Faculdade de Direito de Olinda/Recife Teixeira de Freitas passou por tal processo. Já com
pouca idade era conhecedor profundo da língua latina. Ele, além do Latim, foi dedicado à
língua francesa e aos conhecimentos gerais de História, Geografia e Filosofia131
. Nabuco, em
suas memórias132
, recorda ser ele mesmo “ávido de impressões novas, fazendo os meus
primeiros conhecimentos com os grandes autores, com os livros de prestígio, com idéias
130
Frei Joaquim do Amor Divino Rabello Caneca (1779 – 1825) foi um religioso carmelita, ordenado sacerdote
pelo Seminário de Olinda, com dedicação ao magistério da retórica e da gramática, período em que elaborou
alguns compêndios inclusive os anteriormente mencionados. Ver CANECA, frei Joaquim do Amor Divino.
Obras políticas e literárias de frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Org. Antonio Joaquim de Melo. Recife:
Assembléia Legislativa de Pernambuco, 1972.
131 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 32.
132 As leituras de Joaquim Nabuco incluíam os “quatro evangelhos” e o “apocalipse” daquela geração. Referência
que Nabuco faz aos livros: As palavras de um crente de Lamennais, a História dos Girondinos de Lamartine, O
mundo caminha de Pelletan, os Mártires da liberdade de Esquiros e o Ashaverus de Quinet. Tinha como poetas
preferidos Victor Hugo e Henrique Heine. No ano de 1866, quando adentrou na Faculdade de Direito vivenciou
uma verdadeira “revolução francesa” literária. Leu Lamartine, Thiers, Mignet, Louis Blanc, Quinet, Mirabeau,
Vergniaud e os Girondinos, além de Donoso Cortez e Joseph de Maitre. Sua concepção política se formou com
leituras de Emilio Ollivier, Prévost-Paradol e a Constituição Inglesa de Bagehot. NABUCO, Joaquim. Minha
formação. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 19 - 20.
60
livres, tudo o que era brilhante, original, harmonioso, me seduzia e arrebatava por igual”133
mesmo antes de ingressar na Academia.
Em adição ao já observado, constata-se que, a produção da bibliografia específica para
o estudo da retórica nos primórdios, na escola de Olinda/Recife, apesar do ensino no mosteiro
de São Bento incluir a filosofia racional e moral em seu currículo, e que a retórica fosse pré-
requisito para o ingresso nos cursos jurídicos, o ensino acadêmico propriamente não
enfatizava essas disciplinas curricularmente nos primeiros anos de funcionamento. Ainda era a
manutenção da velha tradição coimbrã, em que filosofia era mais atinente ao estudo dos
teólogos do que aos juristas.
As bibliotecas e livrarias ofertavam poucos e raros exemplares. Na verdade, não existia
especificamente uma Biblioteca para o curso jurídico de Olinda, embora tivesse sido grande a
disputa pelo cargo de bibliotecário134
. Assim, foi solicitada a criação de uma “Livraria
Pública”135
pois a biblioteca da faculdade só chegaria dois anos depois. Havia apenas a
biblioteca do Convento de São Bento e bibliotecas particulares de pessoas ricas como as de
Cabugá e do Pe. João Ribeiro, como relatado por Tollenare136
. Em sete de dezembro de 1830,
a biblioteca pública de Olinda foi criada com a finalidade específica de atender ao curso
jurídico, mas os livros foram instalados no Convento de São Francisco de Olinda, embora a lei
tivesse determinado que ela fosse localizada no convento de São Bento ou no Palácio dos
Governadores. Os livros adquiridos pela Comissão foram entregues ao curso jurídico na
biblioteca da Congregação da Madre de Deus (oratorianos)137
, apesar de que a existência de
bibliotecas ou livrarias públicas era um requisito apreciável para a instalação dos cursos
jurídicos, mas pouco atendido138
.
Dos volumes inventariados, que se iniciaram com 89 obras e somados à Biblioteca dos
Oratorianos que, segundo Pereira da Costa, tinha entre quatro a cinco mil volumes, encontrou-
se com interesse para esta investigação: dentre os livros de teologia, uma Opera Omnia, em
133
NABUCO, Joaquim. Minha formação. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 19.
134 Fato que se observa nos Ofícios do presidente da Província ao Sr. Ministro de 21 de maio de 1831 e de 31 de
maio de 1831. M. S. Correspondência da Corte 1829/1851, na Biblioteca Pública do Estado.
135 Solicitação feita em 24 de dezembro de 1828 por Lourenço Ribeiro. VEIGA, Gláucio. História das idéias da
faculdade de Direito do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 244.
136 TOLLENARE, L. I. Notes Dominicales Prise Pendant um Voyage em Portugal et au Brésil em 1816,
1817 et 1818. vol. II. notas de Léon Bourdon. p. 451, 461.
137 COSTA, Pereira da. Anais. vol. IX. Revista Acadêmica. vol. XXX. p. 79-86, (s/d).
138 VEIGA, Gláucio. História das idéias da faculdade de Direito do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 244.
61
dois volumes de Heinecio139
, uma Philosophia Rationalis de Verney, uma Philosophia
Rationalis de Storchenau140
, a Instrução Pastoral do Frei Manuel do Cenáculo141
. Dentre as
obras de Direito que incluiam algo de filosofia: Le Droit des Gens ou Principes de la Loi
Naturelle ed. 1758 de Vattel142
, Principes Du Droit Naturel, 1747, de Burlamaqui143
, e os
Essais Politiques, Economiques et Philosophiques, Géneve, 1799, do Conde de Rumford, Sir
Benjamim Thompson (1753 – 1814).
Só a partir de 1892 é que se incorporaram ao acervo acadêmico livros que tratavam da
Filosofia e da História do Direito, especificamente, como parte do programa de ensino das
escolas jurídicas. Quatro exemplares distintos foram encontrados na Biblioteca da Faculdade
de Direito do Recife: um volume de Philosophia e História do Direito, como parte do
programa de ensino para o ano de 1892 da Faculdade de Direito do Recife; um volume de
Philosophia do Direito, como parte do programa de ensino para o ano de 1896, e como
primeira cadeira do primeiro ano, também da Faculdade de Direito do Recife; outro volume de
Philosophia e História do Direito para o programa de ensino para o ano de 1894 da Faculdade
de Direito de São Paulo apresentado por Pedro Lessa; e, um volume de Philosophia do Direito
139
Heinecke (1681 – 1741), conhecido como Juan Heinecio, foi um filósofo e jurista alemão prestigioso
conhecedor do Direito romano. Entre os jusnaturalistas foi o que melhor se adaptou ao absolutismo político e ao
positivismo jurídico. Além disso, foi influenciado em parte por Christian Thomasius e pelo método
demonstrativo de Christian Wolff (1679 – 1754), privado das elucubrações metafísicas, criando um novo método
mais racional para o ensino da Jurisprudência que denominou axiomático e procedia por princípios e deduções
com fundamento em postulados práticos. A obra era: HEINECKE, Johann Gottlieb. Opera Omni. Ginebra,
1771. Cf. LIMA JÚNIOR, Dilson Machado de. (Coord.) Dicionário bibliográfico e teórico [de] filosofia do
direito. Belo Horizonte: Líder, 2007, p. 134.
140 Sigismund von Storchenau (1731 – 1798). Pertencia à ordem jesuíta e era professor de filosofia em Viena.
Fonte: <http://www.deutsche-biographie.de/sfz81604.html>.
141 Cenáculo fixa sua posição filosófica no opúsculo dessa obra e faz considerações sobre a Filosofia da
Natureza. O título completo da obra é: CENÁCULO, Frei Manuel do. Instrução Pastoral do Exmo. e Revmo.
Senhor bispo de Beja ao Clero de Ordenados de sua Diocese, 1784. VEIGA, Gláucio. História das idéias da
faculdade de Direito do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 244.
142 Emerich de Vattel (1714 – 1767) foi um filósofo, diplomata e jurista suíço cujas teorias lançaram os
fundamentos do Direito internacional e da filosofia política moderna. O volume se intitulava : VATTEL,
Emerich de. Principes de la loi naturelle appliqués à la conduite et aux affaires des nations et des
souverains. Ed. Charles Ghequiere Fenwick, 1758. LIMA JÚNIOR, Dilson Machado de. (Coord.) Dicionário
bibliográfico e teórico [de] filosofia do direito. Belo Horizonte: Líder, 2007, p. 242 – 243.
143 Jean-Jacques Burlamaqui (1694 – 1748) foi um jurista, publicista e escritor, autor de obras que tiveram grande
influência na filosofia do Direito nos países católicos do sul da Europa. Dedicou-se ao estudo da teoria do Direito
e às bases da ciência política, contribuindo, através das suas obras de carácter didático, para a difusão nos meios
académicos e entre os juristas das gerações seguintes das ideias de diversos pensadores ligados à corrente
jusnaturalista do pensamento filosófico. LIMA JÚNIOR, Dilson Machado de. (Coord.) Dicionário bibliográfico
e teórico [de] filosofia do direito. Belo Horizonte: Líder, 2007, p. 47 – 48.
62
para o programa de ensino do ano de 1899 – 1900 da Faculdade Livre de Direito da Bahia
apresentado pelo Dr. Leovigildo Filgueiras144
.
Em Recife, depois dos meados do século XIX, as lojas de livros se tornaram bastante
especializadas, enquanto que as bibliotecas dos vários conventos foram devastadas e
deterioradas pelos idos de 1886, nas palavras de Pereira da Costa145
. Joaquim Nabuco lembra
com nostalgia no ano de 1869, das “novidades” da livraria Lailhacar no Recife146
.
O tema principal de estudo nos primeiros anos daquele curso foi o constitucionalismo
e toda a polêmica que envolveu a recente revolta de 1824, que concomitantemente, envolveu a
dissolução da Constituinte e a promulgação da primeira Constituição outorgada do Império.
Isto é, de 1827 até o fim do período regencial, o clima da Faculdade foi de tensão política e
isso era o que mais se estudava. Era uma tensão que oscilava dos atritos entre os liberais
acompanhados, de certa forma, por uma minoria ainda inexperiente de republicanos, e os
absolutistas, os “colunas”147
.
Assim, até a filosofia encontrada para estudo, não apresentava nenhuma inclinação em
direção à modernidade que se instalava e se espalhava no outros centros do saber, e os ânimos
que ainda restavam eram direcionados quase que totalmente para questões políticas. Em geral
preponderou a literatura jurídica e filosófica francesa, reforçada pela alemã traduzida em
francês148
. Meira sustenta que a França foi a grande escola para os brasileiros:
144
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE. Philosophia e história do Direito. Programa de ensino para o
anno de 1892. Recife: Typographia Industrial, 1892. FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE. Philosophia do
Direito. Programa de ensino [para o] anno de 1896. Recife: Pantheon das Artes, 1895 – 1896. FACULDADE
DE DIREITO DE SÃO PAULO. Philosophia e História do Direito. Programa de ensino para o anno de 1894.
Apresentado por Pedro Lessa. São Paulo: Typographia A. Vep. Espindola, Siqueira & Comp., 1894.
FACULDADE LIVRE DE DIREITO DA BAHIA. Philosophia do Direito. Programa de ensino do ano de 1899
– 1900. Apresentado pelo Dr. Leovigildo Filgueiras. Bahia: Typographia Gutemberg, 1899.
145 VEIGA, Gláucio. História das idéias da faculdade de Direito do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 245.
146 NABUCO, Joaquim. Minha formação. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 21.
147 VEIGA, Gláucio. História das idéias da faculdade de Direito do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 261.
148 Para confirmar a influência francesa sobre Teixeira de Freitas está aqui transcrita uma nota de Clóvis
Beviláqua: “A erudição de Teixeira de Freitas, em matéria jurídica, era muito extensa. Sem falar dos juristas
reinões, eram-lhe familiares todos os civilistas franceses de seu tempo: Troplong, Duranton, Demolombe,
Toullier, Duvendier, Delvincourt, Martou, Merlin; o civilista alemão Zacharial; os romancistas Heinecio,
Mackeldey, Blondeau, Mayns, Marezoll, Ortolan, Du Courroy; os escritores de direito natural Ahrens, Belime,
Eschbach; os economistas, e um número considerável de outros cujas obras se vêm citadas na Consolidação, no
Esboço e em outros dos seus livros.” BEVILÁQUA, Clóvis. Linhas e perfis jurídicos. Rio de Janeiro: Editora
Freitas Bastos, 1930, p. 126.
63
Os alemães penetravam no Brasil através da França, como ocorreu com
Savigny, na tradução magistral de M. Ch. Guenoux. O Manuel dês Antiquités
Romaines, obra monumental em 19 volumes, com o que havia de melhor na
Alemanha produzido por Theodor Mommsen, J. Marquardt e P. Krüger,
ingressou no Brasil em traduções de Gustave Humbert, J. Duquesne e outros.
Freitas mesmo, ao que tudo indica, não lia alemão149
.
As fortes ondas filosóficas, principalmente na corrente germanista, só viriam com a
Escola do Recife, na casa de Tobias, anos depois, e, com o obstáculo do uso da língua alemã.
Além disso, as dificuldades de acesso a qualquer acervo, sua instalação e localização, foram
uma problemática a mais. Nesse ambiente foi que estudou Teixeira de Freitas.
2.6 Uma produção legislativa própria para consolidar a independência brasileira.
Nos oitocentos, o Brasil experimentou diferentes status como povo e nação. Foi
colônia, reino unido, império e república. O país não buscou apenas criar a formação oportuna
de seus intelectuais, administradores, políticos e juristas em conformidade à sua estratégia de
legitimação e consolidação da sua emancipação, quando de sua independência de Portugal.
Complementando essa estratégia geral emancipatória, surgiu a necessidade particular de criar
uma produção legislativa própria e não só literária.
Desde o início do século XIX, os códigos editados na França passaram a espelhar
ideais e a exportar princípios que se afinavam com a ordem ensejada pelo liberalismo.
Saldanha mostra que um desses princípios foi a sistematização doutrinária150
. O estilo de
escrita dos Códigos também mudou. No início, a compilação das leis tinha uma preocupação
com o estilo discursivo ou narrativo, que com o passar do tempo passou para o estilo
legislativo151
.
Em Portugal, após as tentativas prematuras de codificação152
, já corria o processo de
elaboração da primeira Constituição portuguesa (1821 – 1822) quando, o brasileiro Cardozo
149
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 241.
150 “Os códigos se elaboraram em determinadas coordenadas teóricas, e, apesar do repúdio napoleônico à
hermenêutica (bem como do literalismo da “exegese”), o que produziram de mais expressivo foi a sistematização
doutrinária”. SALDANHA, Nelson. Estudos de teoria do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, p. 125.
151 CURY, Vera de A. R. Introdução à formação jurídica no Brasil. Campinas: Edicamp, 2002, p. 137.
152 Dois projetos de códigos foram encomendados ao jurisconsulto Pascoal José de Mello Freire (1738 – 1798),
dando sequência às reformas do Marquês de Pombal ao ensino jurídico, durante o reinado de D. Maria I, sendo
64
da Costa apresentou às Cortes de Lisboa um projeto de Código Civil, intenção que foi adiada,
e só retomada nos meados daquele mesmo século quando o Visconde de Seabra fez prosperar
seu projeto que passou, de fato, a ser o primeiro Código Civil português. No Brasil, a
codificação civil foi um longo e penoso “parto”. Foram quatro tentativas malogradas153
, sem
contar com a sugestão gratuita de projeto enviado por Seabra ao imperador D. Pedro II; até
que em 1916 o projeto de Clóvis Beviláqua (1859 – 1944), após longos dezessete anos de
hibernação.
Foi durante a instalação da Assembleia Constituinte de 1823 que o imperador D. Pedro
I foi alertado pela primeira vez para a necessidade de se estimular a instrução pública, e com
destaque a superior, como visto anteriormente, para a produção de mentes que criassem ou
auxiliassem na criação de um ordenamento jurídico próprio, o que de fato veio concretizar o
promulgado na Carta Imperial de 1824 três anos depois154
.
Embora o primeiro imperador brasileiro tivesse proclamado “independência” do Brasil
da metrópole lusa, ele mesmo manteve o mosaico jurídico-legislativo português que vigorava
no Brasil até depois da partida de D. João VI. Certamente essa é uma constatação formal, pois,
os colonos das novas povoações não traziam “debaixo do braço” as Ordenações, o que,
inevitavelmente levou ao surgimento de um direito costumeiro, e em certa medida, “muito
mais poderoso que os códigos, imposto pelas realidades da vida”155
. Contudo, o monarca
buscava a manutenção da “segurança jurídica”. Para isso, determinou a adoção das leis
um de Direito público e outro de Direito criminal que serviu para Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795 –
1850) redigir o projeto que redundou no Código Criminal do Império brasileiro de 1830. Pascoal Freire também
elaborou, nos setecentos, um terceiro projeto de reforma do Santo Ofício. Cf. HESPANHA, António Manuel.
Cultura Jurídica Europeia – síntese de um milênio. Lisboa: Publicações Europa-América, 2003, p. 233 – 235;
COSTA, Mario Júlio de Almeida. História do Direito Português. Coimbra: Almedina, 2007, p. 384 – 386.
153 No período imperial brasileiro, a primeira tentativa foi a de Teixeira de Freitas que foi contratado, em 1859,
para organizar o Código Civil (o Esboço) após o sucesso da Consolidação. Duas outras tentativas recaíram sobre
José Tomás Nabuco de Araújo Filho, em 1872, e Joaquim Felício dos Santos, em 1882. Já na recém-
proclamada República, Antônio Coelho Rodrigues intentou a quarta tentativa em 1893. Cf. FORMIGA,
Armando Soares de Castro. Aspectos da codificação civil no século XIX: história do Direito e do pensamento
jurídico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 11 – 12.
154 O decreto de 11 de agosto de 1827 tornou prático o determinado no inciso XXXIII do artigo 179 da
Constituição de 1824: “Colégios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Ciências, Belas
Letras, e Artes”, quando determinou que “Criar-se-ão dois cursos de ciências jurídicas e sociais, um na cidade de
São Paulo e outro na de Olinda”. BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, XXXIII.
155 CAETANO, Marcello. As Sesmarias no Direito Luso-Brasileiro. Estudos de Direito Civil brasileiro e
português. São Paulo: EdRT, 1980, p. 9 – 10.
65
lusitanas “enquanto não se organizar um novo Código, ou não forem expressamente
alteradas”156
.
Duas frentes de produção se instalaram: a parlamentar e a jurídica. Não há dúvidas de
que ambas estavam inter-relacionadas; os parlamentares dependiam do saber jurídico e os
jurisconsultos dependiam da legitimidade legislativa que incluía vencer os interesses políticos
e a burocracia de discussões e pareceres intermináveis. Assim, os poderes dominantes do
governo se consolidavam.
O Judiciário, denominado de Poder Judicial na Constituição imperial de 1824, que
ainda na Regência desde junho de 1822 tinha instituído os tribunais de juízes de fato e havia
herdado uma estrutura “extensa, flácida e lacunosa”157
da colônia, agora mantinha e instituía
juízes de direito e de fato158
. A mais importante legislação, a Constituição, juntamente com os
juízes municipais instituídos no Código Criminal, criou os Tribunais das Relações159
e o
Supremo Tribunal de Justiça na capital do Império160
em substituição à Casa da Suplicação do
Brasil, como órgão de cúpula do Judiciário161
.
Aos poucos a produção brasileira começou a substituir o direito lusitano, embora
“substituir” seja uma palavra forte dentro de um ordenamento tão semelhante em costumes e
práticas, além de manter a mesma língua. Essas semelhanças sempre deram a impressão de
vínculo e de submissão. Então, a produção local teve como principal objetivo demonstrar
independência e libertação. A legislação abduzida necessitava de substitutos novos e
melhores, se possível.
Para revogar o ordenamento em vigor surgiram novos códigos. Em 1824 após a
promulgação da Carta Imperial (constitucional) veio em 1830 o Código Criminal; em 1832, o
Código de Processo; e em 1850, o Código Comercial. Com relação ao direito civil “os
156
BRASIL, Legislação. Lei de 20 de outubro de 1823, assinada pelo imperador D. Pedro I.
157 CALMON, Pedro. Centenário dos cursos jurídicos (1827 – 1927). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1928,
p. 91.
158 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 151.
159 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 158.
160 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 163.
161 A esse respeito ver: MATHIAS, Carlos Fernando. Notas para uma história do Judiciário no Brasil.
Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, p. 134, 145. Disponível em: <http://www.funag.gov.br/
biblioteca/dmdocuments/0535.pdf>.
66
relógios caminharam lentos”162
. Em 1857 Teixeira de Freitas deu ao Brasil a sua
Consolidação das leis civis, mas o Código Civil propriamente, ainda seria postergado por
mais de 94 anos.
Mais do que uma estratégia do imperador, o decreto imperial representava e ratificava
um pacto entre o imperador e uma elite dominante que desde a chegada da Corte portuguesa
na América do Sul foi a que mais se beneficiou com a independência. Na verdade, o “velho”
Direito não servia nem mesmo à metrópole e às suas necessidades. Assim, era necessário
“uma série de reformas, que contemplassem a definitiva separação do novo Estado da antiga
metrópole”163
. E, adicione-se, mantivesse os privilégios anteriores.
Mas, lidar estrategicamente com o Direito não é simples. As manobras percorrem
longos percursos, e estes também podem ser demorados. Abelardo Saraiva da Cunha Lobo
descreveu como essa dificuldade se maximiza quando a matéria envolve o Direito Civil.
[...] se é fácil, até certo ponto, transformar princípios e regra de governo,
formular normas e leis de administração, em uma palavra – legislar sobre
Direito Público, já o mesmo não ocorre em relação aos princípios, regras,
normas e leis concernentes às matérias do Direito Civil, porque estas são da
própria essência da sociedade civil, que pode viver uniformemente, sem
perturbações graves, sob regimes políticos sucessivamente diversos164
.
Ainda assim, a necessidade estratégica demandava uma libertação da tradição e os
legisladores buscavam, na medida de suas possibilidades, “nacionalizar” o Direito. Porém, na
busca da nova roupagem livre de influências estrangeiras, o legislador brasileiro voltou-se a
uma tradição ainda mais forte: o direito romano. Na verdade, ao observar o resultado do
processo codificador brasileiro não é difícil constatar que diante da massa herdada do Direito
romano, o contingente “nacional” foi pequeno.
162
FORMIGA, Armando Soares de Castro. Aspectos da codificação civil no século XIX: história do Direito e
do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 45.
163 LOBO, Abelardo Saraiva da Cunha. Curso de Direito romano. v. 76. Brasília: Coleção Edições do Senado
Federal, 2006. Reimpressão do original 1931. p. 579.
164 LOBO, Abelardo Saraiva da Cunha. Curso de Direito romano. v. 76. Brasília: Coleção Edições do Senado
Federal, 2006. Reimpressão do original 1931, p. 579.
67
Não foram poucas as tentativas de produzir novos institutos, mas a maioria não passou
de “mal costurados disfarces que escondiam um romanismo latente”165
. Essa foi a tradição que
o Direito civil brasileiro herdou. Mas, de forma alguma se pode dizer que essa era uma
prioridade. Os brasileiros não priorizaram, num primeiro momento, pelo menos, a idéia da
codificação civil. A ideia era estratégica e necessária e tinha mais um objetivo comunicativo
que prático. Era preciso mostrar o “novo”, o “renovado” e o “independente”, mas as
iniciativas adormeciam por anos preciosos.
Apesar da Carta outorgada em 1824 determinar reformas nesse sentido, as incertezas
políticas reinaram até o final da Regência, no ano de 1840, e o desinteresse oculto pelas
reformas acompanhou de perto essas incertezas. O próprio texto da carta constitucional deu
margem a isso. O inciso XVIII do artigo 179 assim dispunha: “Organizar-se-á quanto antes
um Código Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade”166
. O termo
“quanto antes”, sabe-se, é vago e oferece amplo espaço para a discricionariedade parlamentar;
é cláusula aberta. O espaço temporal indeterminado é um dos mais imprecisos referenciais que
existe. O “logo” e o “depois” o acompanha na mesma intensidade. Comprova-se isso pelas
datas mesmas em que os projetos foram entregues e entraram em vigor: o Código Criminal em
1830 e o Civil em 1916! Lapsos que continuaram a servir os interesses políticos e elitistas
dentro de um “novo” estado que relutava em se renovar.
Mas não faltaram iniciativas para levar essa estratégia comunicacional adiante. Em
1845, Francisco Inácio de Carvalho Moreira, o Barão de Penedo, como presidente do IAB,
apresentou uma das tentativas embrionárias de elaboração da legislação civil com sua Da
Revisão Geral e Codificação das Leis Civis e do Processo no Brasil, ressaltando a dificuldade
de aplicação do direito nacional vigente e mostrando a necessidade de organização das fontes
do direito no país. Esse trabalho é considerado um dos pontos de partida para a elaboração do
Código Civil brasileiro. Outro intento ocorreu em 1851, quase trinta anos após a
independência, quando Lourenço Trigo de Loureiro (1792 – 1870), professor de Direito Civil
do curso de Olinda, publicou a primeira obra de doutrina do Direito Civil brasileiro: as
Instituições de Direito Civil brasileiro. Loureiro utilizou as Instituições de Direito Civil
lusitano de J. P. Mello Freire, e as adaptou ao Direito brasileiro recém-nascido, levando em
165
FORMIGA, Armando Soares de Castro. Aspectos da codificação civil no século XIX: história do Direito e
do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 46.
166 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824), Art. 179, XVIII.
68
conta, sobretudo, a Constituição de 1824167
. Uma provocação a ser lembrada é a de Eusébio
de Queirós168
que propôs durante uma sessão no Instituto dos Advogados do Brasil a adoção
do Digesto Português, de autoria de José Homem Correia Telles, como Código Civil
brasileiro. Proposta que também não vingou169
.
O governo entendia que, antes do Código Civil, deveria ocorrer um trabalho
preparatório, um trabalho que ao menos consolidasse todas as leis civis em vigor no Brasil.
Como será visto com mais detalhes adiante, esse trabalho foi confiado a Teixeira de Freitas
quando em 1857 apresentou ao governo um plano para a Consolidação das leis civis,
aprovado. Mas a contribuição de Teixeira de Freitas com a estratégia emancipatória nacional
não se limitaria a isso. Os planos do império eram mais ambiciosos. Como o resultado da
Consolidação rendeu-lhe inúmeros elogios, uma empresa ainda maior lhe foi confiada: dar
início ao Código Civil.
Na verdade, concretizar essa estratégia intelectual, envolveu inúmeras outras. O
projeto de Código Civil de Teixeira de Freitas, chamado de Esboço, foi vítima de fortes
pressões políticas. Teixeira de Freitas se afastou da empreitada em 1872, dando início às
complicações desse “parto” que já estava sendo difícil. A sequência de tentativas e fracassos
não parou aí170
. Tal episódio que se arrastou até 1916 só foi encerrado com o trabalho do
catedrático da Faculdade de Direito do Recife, Clóvis Beviláqua (1859 – 1944).
Que razões levaram Teixeira de Freitas ao “insucesso” desse trabalho? Que tipo de
“maldição” recaiu sobre todos os que tentaram no século XIX (sem sucesso) redigir o Código
Civil brasileiro? A análise retórica estratégica poderá acrescentar alguns esclarecimentos.
167
Cf. LOUREIRO, Lourenço Trigo. Instituições de Direito Civil brasileiro. v. 1. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial: STJ, 2004, p. 23 – 26.
168 O mesmo Eusébio de Queirós Coutinho Matoso Câmara (1812 – 1868) egresso da Faculdade de Direito de
Olinda em 1832 que deu nome a uma legislação brasileira do Segundo Império, que proibiu o tráfico
interatlântico de escravos, a “Lei Eusébio de Queirós” de 4 de setembro de 1850. Também, em sua gestão como
ministro da Justiça (de 1848 a 1852) foi promulgada a Lei 556 de 25 de junho de 1850 que entregou ao Brasil seu
primeiro Código Comercial.
169 CRUZ, Guilherme Braga da. A formação histórica do moderno Direito privado português e brasileiro. Revista
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. v. 50. São Paulo: EdUSP, 1955, p. 66.
170 Depois de Freitas vieram as já referidas (na nota 153) tentativas de Nabuco de Araújo (1813 – 1878), de
Joaquim Felício dos Santos (1822 – 1895) e Antônio Coelho Rodrigues (1846 – 1912) nomeado por Cândido
Luis Maria de Oliveira (1845 – 1918), sem contar o fragmento de código oferecido pelo Visconde de Seabra
(1798 – 1895), ofendido por ter recebido críticas de Teixeira de Freitas ao seu projeto do Código Civil português
pelos idos de 1859. FORMIGA, Armando Soares de Castro. Aspectos da codificação civil no século XIX:
história do Direito e do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2012, p. 73 – 74.
69
CAPÍTULO TERCEIRO – A FORMAÇÃO E AS PRINCIPAIS IDEIAS DE TEIXEIRA
DE FREITAS E SUAS POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS.
Sumário: 3.1 Destaques sobre a formação acadêmica, praxista e intelectual de Augusto
Teixeira de Freitas. 3.2 Delimitando ideias de Teixeira de Freitas como eventos linguísticos
para o Direito Civil emergente. 3.3 A defesa da escravidão como ponto de inflexão e
estagnação temporária do pensamento jurídico brasileiro. 3.4 A influência religiosa e a
juridicidade do casamento civil frente ao casamento religioso: uma disputa no campo da
validade jurídica. 3.5 Da consolidação à unificação: influências e evolução da codificação
civil brasileira.
“O Filósofo-partido-ao-meio é faraute das sereias – faraute do insólito regalo –, faraute da reflexão – faraute
do rodopelo –, e faraute de si mesmo – faraute do faraute.”
Torquato Castro Júnior171
3.1 Destaques sobre a formação acadêmica, praxista e intelectual de Augusto Teixeira de
Freitas.
Na busca de entender e apreender os esforços estratégicos usados por Teixeira de
Freitas em sua trajetória e da prevalência, ou não, de suas articulações ideológicas, apesar de
sua metodologia e didática inovadoras, sem falar no pioneirismo de suas tantas ideias, faz-se
necessário conhecer também um pouco da sua biografia e o momento em que foi escolhido
para elaborar o projeto do Código Civil, adentrando, a seguir, em alguns de seus ideais e
posturas que são relevantes para esta análise.
Augusto Teixeira de Freitas nasceu no dia 19 de agosto de 1816 em Cachoeira, no
estado da Bahia, quando esta ainda era uma pequena vila. Esta cidade era ponto de imigração
europeia e lá moravam várias famílias portuguesas e alemãs, que construíram uma bela cidade
segundo os moldes europeus. Filho de uma família nobre, ele estudou desde a infância latim,
música e francês. Cachoeira liderou a região do Recôncavo baiano no apoio à causa brasileira,
tendo ali instalado um governo interino que mobilizou a expulsão das tropas portuguesas
entrincheiradas em Salvador. Seus pais eram os barões de Itaparica e, bem diferentemente de
muitos jovens bem nascidos, este baiano já aos dezesseis anos estava estudando na Academia
de Direito de Olinda. Intercalou seus estudos entre Olinda e algum tempo no Largo de São
171
A partir da reflexão de Ariano Suassuna no Romance d’A Pedra do Reino. CASTRO JÚNIOR, Torquato da
Silva. A pragmática das nulidades e a teoria do ato jurídico inexistente: reflexões sobre metáforas e
paradoxos da dogmática privatista. São Paulo: Noeses, 2009, p. 32.
70
Francisco, tendo que voltar a Olinda para concluir seu bacharelamento em 1837. A razão
dessa mudança: possivelmente ter feito críticas aos professores paulistas que o avaliaram ao
fim do curso; contenda e problema insuperados172
. Será que já via as incoerências teóricas do
direito privado, questionadas até o fim?
Terminados os estudos, ao retornar à sua província natal a fim de advogar, foi
nomeado juiz. Contudo, por questões de divergência nas posturas partidárias, perdeu o cargo,
o que o levou depois a mudar-se e morar na capital do Império brasileiro, o Rio de Janeiro173
.
Nesse período, o Direito brasileiro e suas codificações eram um verdadeiro emaranhado de
Ordenações, Leis e Decretos e uma imensidade de outras leis avulsas extravagantes que
tentavam adequar as necessidades da Colônia à legislação continental. Embora já estivesse
em vigor a primeira constituição política do Império brasileiro, outorgada por D. Pedro I em
1824, faltava uma legislação civil que solucionasse a pluralidade de fontes.
No Rio de Janeiro, Teixeira de Freitas foi nomeado advogado do Conselho de Estado
fazendo pareceres para o governo imperial e, com pouco mais de dez anos de experiência
jurídica, foi contratado por indicação de Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco174
, para
fazer uma compilação de toda a legislação civil. Embora as posições ideológicas de Teixeira
de Freitas fossem contrárias às de Nabuco de Araújo, o respeito mútuo que ambos nutriam e a
proximidade que partilhavam, permitiu que mantivessem um relacionamento profissional e
intelectual175
. Tal obra extenuante, surpreendentemente seria completada em dois anos. Era
um homem extremamente talentoso e metódico. Assim, pôs-se a trabalhar na árdua tarefa de
ordenar e organizar todo o material da legislação civil, todo ele acrescido das normas locais,
172
Em 1835 Teixeira de Freitas arguiu a suspeição de dois mestres da escola paulista da 2ª cadeira do 4º ano –
Direito mercantil e marítimo. Embora aprovado, mas com nota simples, revoltou-se e retornou a Olinda.
SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Teixeira de Freitas – jurista inolvidável. RUFINO, A.G. PENTEADO, J. de
C. (Org.) Grandes juristas brasileiros. v.1. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 362.
173 POVEDA, Ignácio Maria Veloso. Três Vultos da Cultura Jurídica Brasileira: Augusto Teixeira de Freitas,
Tobias Barreto de Menezes e Clóvis Beviláqua. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito brasileiro –
Leituras da ordem jurídica nacional. 1. ed. 2. reimp. São Paulo: Atlas, 2006, p. 35.
174 A família Nabuco contou com nomes memoráveis. O primeiro a se destacar foi o Barão de Itapuã, José
Joaquim Nabuco de Araújo (1764 – 1844). O barão teve um irmão que se chamou José Tomás Nabuco de Araújo
(1785 – 1850) que foi pai de José Tomás Nabuco de Araújo Filho (1813 – 1878) que conviveu com Teixeira de
Freitas na empreitada de elaboração da codificação civilista brasileira. Foi ele que em 1872 ofereceu também um
malsucedido projeto de Código Civil. Este foi o pai do político, diplomata, historiador, jurista e jornalista
brasileiro Joaquim Nabuco (Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, 1849 – 1910) formado pela Faculdade
de Direito do Recife.
175 NEDER, Gizlene. Cultura religiosa e cultura jurídica no segundo reinado: sobre os direitos civis de
estrangeiros residentes no Brasil. 26ª reunião da SBPH. Rio de Janeiro, 2006, p. 3. Disponível em:
http://www.sbph.org/reuniao/26/mesas/neder/.
71
inclusive de natureza eclesiástica, estas, exerceram grande influência em sua obra, com
especialidade no campo do Direito de Família.
Num período de cerca de dois anos, como dito, concluiu o trabalho, entregando ao
governo a Consolidação das Leis Civis com uma introdução por muitos considerada a maior
obra jurídica pátria do século XIX176
.
Teixeira de Freitas participou da fundação do Instituto de Advogados Brasileiros em
1843, e chegou a presidi-lo em 1857, mas renunciou à sua presidência quando, poucos meses
depois da posse, manifestou parecer acerca de uma questão escravagista e teve o mesmo
derrotado, isso ocorreu em, pelo menos, duas longas sessões de debates que o deixaram
inconformado por ter seu dogmatismo confrontado. Sobre esta posição e sua passagem pelo
IAB se abordará melhor adiante.
Em 22 de Dezembro de 1858 foi encarregado de fazer o primeiro projeto de Código
Civil no Brasil, obra que ficou conhecida como o Esboço do Código Civil. Em 24 de
Dezembro do mesmo ano, o Imperador aprovou a Consolidação das Leis Civis, mesmo sem a
ter submetido ao Parlamento, vigorando esta, como verdadeiro Código Civil durante mais de
meio século, ou seja, de 1858 a 1917.
No ano de 1859, Teixeira de Freitas teve uma polêmica com Antonio Pereira Rebouças
(1798 – 1880)177
, e fez críticas a Antonio Luiz Seabra (o marquês de Seabra) e ao seu projeto
do Código Civil português que vigeu em Portugal até 1967, além da polêmica instigada pelo
jurista húngaro exilado no Brasil, Carlos Kornis de Totvárad (1822 – ?) sobre a validade do
casamento civil.
Nos idos dos seus quase cinco mil artigos, chegou à conclusão de que o Direito
privado deveria ser unificado, para isso, sendo necessários dois novos códigos: um Código
Geral e um Código Civil, propriamente dito. Modificação profunda a tudo o que se pensava na
época, quando se mantinha a tese de se continuar com o Código Comercial em paralelo à
176
SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Teixeira de Freitas – jurista inolvidável. RUFINO, A.G. PENTEADO, J.
de C. (Org.) Grandes juristas brasileiros. v.1. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 378.
177 Antonio Pereira Rebouças nasceu em 10 de agosto de 1780 na cidade de Maragogipe e faleceu em 19 de
junho de 1880 no Rio de Janeiro. Serviu na guerra da independência do Brasil. Foi político, sendo deputado
provincial pela Bahia e por Alagoas de 1830 a 1847. Para exercer a advocacia recebeu em 1847 uma autorização
especial do poder legislativo que lhe permitiu advogar em todo o território nacional mesmo sem ter frequentado
uma escola de ensino superior. SPITZER, Leo. Into the white world: the Rebouças story. Lives in between,
assimilation and marginality in Austria, Brazil and West Africa 1780 – 1945. Cambridge: Cambridge University
Press, 1989, p. 101 – 126.
72
codificação Civil. O Conselho de Estado178
aprovou o projeto. Contudo, em face de
intermináveis debates da comissão e insatisfeito com comentários paralelos, escreveu uma
carta ao ministro da Justiça Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1775 – 1844) em 20 de
setembro de 1867 renunciando ao projeto, baseando sua insatisfação na força do sistema do
Direito romano, o que o levou a criar uma valorosa pequena obra, a tal carta de renúncia, na
qual expôs o seu mais alto grau de pensamento jurídico, como afirmou Silvio A. B. Meira na
introdução da publicação da edição da mesma, em 1977179
.
José de Alencar, o romancista, que em seguida assumiu o Ministério da Justiça,
obstruiu a aprovação do novo trabalho, na contramão do parecer favorável da Comissão
avaliadora desse mesmo ministério. Por isso, entre outras coisas, Teixeira de Freitas
considerou seu contrato encerrado para com o Império.
Com o contrato rescindido, Teixeira de Freitas se retirou para Curitiba no Paraná. Isso
deu margem a uma campanha difamatória. Tese que Meira180
sustenta quando afirma que “a
ida para Curitiba deu margem a explorações de toda natureza. Seus adversários começaram a
espalhar a notícia de que Freitas se achava abalado dos nervos”. Por isso a maioria dos
biógrafos e estudiosos propaga esse paradoxo de imagem denegrida e obra aclamada. São
exemplos Viana (1905)181
, Pellegrino (1983)182
, Valadão (1984)183
, Araújo (2000) 184
, Picanço
(2005)185
, Flores (2006)186
, Pousada (2006)187
, Poveda (2006)188
, Lévay (2007)189
, Medeiros
178
Esse Conselho de Estado era formado por José Tomás Nabuco de Araújo Filho (1813 – 11878), o visconde
de Inhomirim Francisco de Sales Torres Homem (1812 – 1876) e o visconde de Jequitinhonha Francisco Gê
Acayaba de Montezuma (1749 – 1870).
179 MEIRA, Silvio A. B. Teixeira de Freitas e a Carta de 20 de Setembro de 1867. FREITAS, Augusto Teixeira
de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça). Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 1977, p. 3.
180 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 388.
181 VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905.
182 PELLEGRINO, Laércio da Costa. Teixeira de Freitas: a glória – No julgamento da posteridade. 1 ed. Rio
de Janeiro: [s.n.], 1983.
183 VALADÃO, Haroldo. Teixeira de Freitas, o jurista excelso no Brasil e da América. Revista do IAB. n.
61, 1984, p. 105.
184 ARAÚJO, Douglas Santos. A influência de Teixeira de Freitas no Brasil e no mundo. Jus Navigandi,
Teresina, ano 4, n. 43, jul. 2000, p. 1.
185 PICANÇO, Aloysio Tavares. A influência de Augusto Teixeira de Freitas no Direito de países estrangeiros
(1). Jus Vigilantibus, Vitória, 22 fev. 2005. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ ver/13789>.
73
(2011)190
, Portela (2011)191
. Possivelmente a difamação não se restringiu à condição de sua
saúde, única registrada; estratégia vencedora em parte, que se refletiu até na introdução feita à
edição oficial de 1952 do Esboço: “Não se lhe apaga, de súbito, a poderosa inteligência.
Envolve-a, lentamente, desde 1870, a monomania religiosa”192
. Até o sitio eletrônico do STF
perpetua esse paradoxo: o nome de Teixeira de Freitas denomina o primeiro programa de
intercambio daquele tribunal com os países do Mercosul e afirma que ele “morreu esquecido e
com problemas mentais”193
. Desfazer a imagem de intransigente às ideias emancipacionistas é
o primeiro passo para restaurar sua imagem no todo.
Embora afastado dos principais círculos jurídicos da época, Teixeira de Freitas ainda
se dedicou a lecionar e publicar194
. Contudo, “curado de sua estafa e de seu suposto estado de
delírio, Teixeira de Freitas retomou suas atividades jurídico-intelectuais a partir de 1875,
sendo convidado a colaborar com a revista O Jurídico”195
. Sua bibliografia é extensa196
, mas
morreu esquecido e privado do merecido reconhecimento na cidade de Niterói, contudo sem
186
FLORES, Alfredo. O papel de Teixeira de Freitas no contexto do pensamento jurídico do séc. XIX. The
Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies. v.1. n. 1. 2006.
187 POUSADA, Estevan Lo Ré. Preservação da tradição jurídico brasileira: Teixeira de Freitas e A
Consolidação das Leis Civis. São Paulo: USP, 2006, p. 237.
188 POVEDA, Ignácio Maria Veloso. Três Vultos da Cultura Jurídica Brasileira: Augusto Teixeira de Freitas,
Tobias Barreto de Menezes e Clóvis Beviláqua. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito brasileiro –
Leituras da ordem jurídica nacional. 1 ed. 2 reimp. São Paulo: Atlas, 2006.
189 LEVAY, Emeric. A Codificação do Direito civil brasileiro pelo jurisconsulto Teixeira de Freitas. p. 3.
Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/institu/memorial/RevistaJH/vol2n3/08-20EMERIC_LEVAY.PDF>.
190 MEDEIROS, Benizete Ramos. O IAB e a questão da escravidão no Brasil imperial. O entrevero jurídico –
breve histórico, p. 4. Disponível em <http://WWW.iabnacional.org.br/IMG/pdf/doc-3219-pdf>.
191 PORTELA, Marcel Fortes de Oliveira. Augusto Teixeira de Freitas e a questão do elemento servil. Jus
Navegandi, Teresina, ano 16. n. 2893. 3 jun. 2011. p. 4. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19253>.
192 CARNEIRO, Levi. Estudo crítico-biográfico. FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil.
Brasília: Ministério da Justiça, Fundação Universidade de Brasília, 1983, p. XIV.
193 BRASIL, STF. Cooperação Internacional. Disponível em: <http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional
/cms/verConteudo.php?sigla= portalStfCooperacao_pt_br&idConteudo=212051>.
194 São exemplos de publicações de Teixeira de Freitas naquele período: Doutrina das ações, Rio de Janeiro:B.
L. Garnier, 1880; Regras do direito. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1882 e o Vocabulário Jurídico reimpresso
em São Paulo: Saraiva, 1983.
195 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 123.
196 Sua bibliografia inclui as várias edições da Consolidação das Leis Civis, de 1857, 1865 e 1896; o Código
Civil – Esboço, até 1864; o Córtice Eucarístico, Mistério (Pyxide), de 1871(opúsculo); Pedro quer ser Augusto,
1872 (opúsculo); Prontuário de Leis Civis, 1878; o Aditamento ao Código de Comércio, de 1878; o Formulário
dos Contratos e Testamentos, 1882; e, as Regras de Direito Civil e o Vocabulário Jurídico, em 1883.
74
abdicar até o fim de sua militância advocatícia. Nelson Saldanha resumiu seu progresso
intelectual dizendo:
Freitas repensou continuamente os textos romanos, as classificações maiores,
os conceitos de Savigny e de mais alguns grandes mestres, complementando-
os com o conhecimento de autores “menores”, mas conservando-os à mão
para reexames constantes. A partir de um certo tempo já não acompanhou as
novidades europeias; concentrou-se na revisão de suas obras, na reconstrução
de sua vida profissional, no reexame dos problemas de sempre197
.
Por fim, Teixeira de Freitas contribuiu e influenciou as codificações da Argentina, do
Uruguai e do Chile, indiretamente, e, de outros países hispano-americanos, principalmente,
por buscar suas fontes no Direito romano e seguir o método, primeiro no mundo, de dividir as
matérias do Direito civil em um código com parte geral e especial, lustrando um século inteiro
de cultura jurídica, sem, contudo, completar seu intento original na pátria natal198
.
3.2 Delimitando ideias de Teixeira de Freitas como eventos linguísticos para o Direito
Civil emergente.
A descrição de eventos históricos, e aqui, as ideias de Teixeira de Freitas, constitui
parte do que já foi definido no capítulo primeiro como elementos determinantes de retórica
material. Essa descrição existencial é um elemento dos mais difíceis para aquele que analisa
os eventos, seja para descrever como para entender as estratégias por traz das narrativas
informadas pelos historiadores. A descrição deve ser isenta, imparcial, informando apenas os
fatos, mas certamente algum tipo de sentimento já está formado no leitor acerca da qualidade
do ensino e do seu ambiente, bem como do contexto jurídico que permeava o Brasil na época.
Teixeira de Freitas teve “um ponderável gosto pela teoria”. Assim, três ideias
principais de Teixeira de Freitas foram delimitadas: a questão da escravidão, a questão da
legitimação do casamento civil e a questão da unicidade teórica do ordenamento civilista. Para
entender a posição de Teixeira de Freitas sobre a escravidão e o escravismo cabe definir neste
197
SALDANHA, Nelson Nogueira. Historia e sistema em Teixeira de Freitas. Revista de Informação
Legislativa, A. 22, nº 85, Brasilia: Senado Federal, 1985, p. 247.
198 PICANÇO, Aloysio Tavares. A influência de Augusto Teixeira de Freitas no Direito de países estrangeiros
(1). Jus Vigilantibus, Vitória, 22 fev. 2005. p. 2. Disponível em: <http://jusvi.com/ doutrinas_e_pecas/ver/
13789>.
75
estudo escravidão como o antônimo de liberdade, escravidão essa entendida como a
exploração desumana do trabalho humano de africanos e seus descendentes até o fim do
Segundo Império e reduzidos à condição de “coisa” pela sujeição e exploração de sua força de
trabalho, utilizada para fins econômicos sob a égide da propriedade199
. Alguns termos mais
específicos utilizados na temática escravista como o que define o estado da pessoa statu líber,
neste estudo assume o sentido de pessoa que viveu sob escravidão e ganhou, alcançou ou
comprou sua condição de livre ou liberto (manumissio); condição distinta do homem livre,
mas relevante por sua importante evolução judicial. Essa designação ainda é distinta do statu
libertatis que é o estado de liberdade que volta a gozar o cidadão livre ou o estado que poderá
vir a gozar este, após o constrangimento da sua liberdade por ação do Estado. Aquela
condição civil ainda detinha uma particularidade, a de statu líber sob condição, entendida
como a promessa de liberdade concedida pelo senhor do escravo que deveria cumprir uma
determinada cláusula até conseguir sua condição absoluta de statu líber. As cláusulas podiam
impor obrigações das mais simples a outras mais complexas, daí resultarem não raramente em
ações judiciais de libertação. Questões relacionadas à linguagem e sua interpretação.
Logo, as três ideias sobre as quais Teixeira de Freitas refletiu e debateu estavam
ligadas a ambientes linguísticos específicos. O ambiente retórico passa do amplo para o
reduzido. Influenciado pelo antecedente já relatado, e, por outras influências, aqui, não
levadas em conta para não cair numa prolixidade exacerbada. Reduzido, também, por deixar
de se ater a informações e teses históricas mais amplas e se focar nos dados fornecidos pelos
textos específicos, também inafastavelmente históricos.
Outras ideias e conceitos jurídicos podem ser atribuídos originalmente a Teixeira de
Freitas e não há dúvidas que elas estão vinculadas à implantação da dogmática na prática
jurídica brasileira. Exemplos de suas ideias são: a irretroatividade da lei200
, o amplo conceito
de coisa201
, a introdução da teoria da personalidade jurídica no Direito brasileiro202
e sua idéia
199
Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Escravizar. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa.
3. ed. Curitiba: 2004, p. 794 – 795.
200 FRANÇA, R. Limongi. A irretroatividade das leis e o Direito adquirido. 6. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 89.
201 LEITE, Gisele. Considerações sobre bens na teoria geral do Direito civil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG,
a. 5, nº 200, 2006, p. 1. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1606> .
202 REALI, Ronaldo Roberto. A desconsideração da personalidade jurídica no Direito positivo brasileiro
(Disregard of legal entity). Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 88, 2004, p. 1. Disponível em:
<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=327>.
76
de isolar a responsabilidade civil por danos causados por fatos criminais203
, entre outras. Sua
metodologia, organização e sistemática permitiram que o ordenamento jurídico pátrio
ganhasse um corpo de leis civis unificado, o que constituiu parte da identidade jurídica
nacional, e isso, certamente, por meio do domínio que Teixeira de Freitas tinha da abstração e
racionalidade dos mais variados conceitos legais. Certamente, a idéia original, vanguardista
para a época, de unificar o Código Civil e agrupar as leis numa parte geral e noutra parte
especial, são sua maior contribuição para o positivismo nacional e estrangeiro. Mas, não
podem ficar ao largo as discussões que envolveram a questão do casamento civil e a questão
da escravidão das quais participou. Foram ideias importantes para a época, dado que uma se
esvaia, a escravidão com seu trabalho desumano, e outra florescia, o reconhecimento do
casamento civil; introduzidas neste estudo também devido a sua importância na formação das
ideias jurídicas do Brasil.
3.3 A defesa da escravidão como ponto de inflexão e estagnação temporária do
pensamento jurídico brasileiro.
A condição escravagista brasileira à época do Império já se tornava causa de vergonha
dentro dos novos rumos que a modernidade da época impunha aos povos que não queriam
permanecer nas sombras do passado. Isso produziu a formulação de concepções jurídicas
detalhistas discutidas forte e extensivamente no interior do IAB que Teixeira de Freitas
chegou a presidir em 1857; contudo, apesar de haver a sensação de que em seus argumentos
ele não levou em conta algumas variáveis sociais e políticas da realidade escravista, cabe o
destaque para a amplidão que essa discussão ganhou em sua gestão.
Teixeira de Freitas era um positivista e como tal, se debatia entre a abordagem
positivista para o Direito “que representa o estudo do Direito como fato e não como valor”, e a
pressão valorativa da sociedade. Ou seja, por um lado (tomando emprestadas as concepções
hodiernas de Bobbio), Teixeira de Freitas como positivista romanista:
203
OLIVEIRA, Celso. Responsabilidade civil no esporte: análise jurídica da responsabilidade civil e criminal
na morte recente do jogador de futebol Serginho do São Caetano. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 105,
2004. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=429>.
77
[...] considerava Direito romano tudo o que a sociedade romana considerava
como tal, sem fazer intervir um juízo de valor que distinga entre Direito
‘justo’ ou ‘verdadeiro’ e Direito ‘injusto’ ou ‘aparente’. Assim a escravidão
será considerada [por ele] um instituto jurídico como qualquer outro, mesmo
que dela se possa dar uma valoração negativa204
.
Por outro lado, inserido entre os polos da escravidão e da liberdade, Teixeira de
Freitas, a partir de 1855, por meio de uma “ficção engenhosa”, escondeu a condição escravista
do país cedendo à pressão valorativa dos seus pares. “A mácula do nosso código negro estaria
escondida sob o véu de pequenas e inúmeras notas de rodapé, difíceis de serem lidas, e o
“estado de liberdade” do nosso sistema jurídico-civil ficaria garantido e protegido”205
; ainda
assim, acompanhou as sugestões e os debates para diversas propostas de soluções dadas pelos
jurisconsultos de seu tempo na questão das mulheres libertas, obrigadas ainda a prestar serviço
e que exigiam por meio de processos na justiça, a liberdade de seus filhos. Aí aparece
proeminentemente a primeira observação da problemática proposta, visto que, enquanto
escondia a questão dos escravos em sua obra textual, nos debates internos do IAB,
notadamente, ele se posicionava de forma contrária à libertação e não apenas em uma ocasião.
Um verdadeiro contraponto entre a legalidade e o liberalismo moderno.
Em oito de outubro de 1857, mais uma vez, a questão veio à tona no IAB, agora
apresentada por Caetano Soares (1790 – 1867) aos membros do Instituto que, embora, já
tivesse sido debatida na sociedade, foi retomada pelas reivindicações das libertas, envolvendo
tanto sua condição, como a de seus filhos, na prática. Alguns jurisconsultos, como Caetano
Soares, Salles Rosa e Perdigão Malheiro defenderam a liberdade dos filhos da statu liber206
. Já
Teixeira de Freitas, por meio de raciocínios jurídicos abstrusos, acabou negando tal liberdade
e insistindo na escravidão dos filhos da statu liber.
Se a dominação é absoluta, o ente passivo perde o seu caráter de liberdade,
perde portanto a personalidade. Eis a escravidão. É pois que a natureza criada
compõe-se de pessoas e coisas; eis porque nos países, onde houver
escravidão, os escravos são coisas. Se eles não são pessoas, passam a ser
204
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do Direito. Trad. e notas: Márcio Pugliesi,
Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 136.
205 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 75.
206 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 91.
78
coisas, porquanto a força, o abuso, a lei, assim quer que eles sejam. Se
quereis que o escravo seja pessoa, acabai com a escravidão. Se quereis a
escravidão, o escravo será coisa.
Mas, como a escravidão é só obra da lei, obra que não aniquila a essência
humana, a lei que tira a liberdade, por mais bárbara que seja, não suprime
todos os direitos; e quando benigna, pode alargar a esfera desses direitos.
Não implica portanto, que o escravo tenha direitos, para que deixe de ser
coisa. É o que se observa no direito romano, é o que acontece entre nós, e
acontecerá em todos os países, onde existir essa tão má instituição legal207
.
Uma longa discussão se travou no Instituto. A maioria dos jurisconsultos negou a
aplicação do Direito romano ao caso (posição que Teixeira de Freitas defendia) e referendou
rapidamente a interpretação jurídica de que os filhos de uma statu liber seriam livres por
nascimento. Teixeira de Freitas não prevaleceu em seus argumentos, embora complexamente
articulados, já que para ele “a escravidão era um fato, [que] existia como instituição legal e,
apesar de 'macular' o País, deveria ser respeitada e garantida, porque a lei assim o
estabelecia”208
. Assim, rompeu publicamente com os sócios do IAB desafiando-os a
defenderem, então, o fim imediato da escravidão. Isso expôs a incoerência dos mesmos.
Sem, contudo, lograr êxito ante a motivação camuflada dos seus oponentes,
experientes em política e representação, pois que ganhavam os elogios da sociedade sem o
devido comprometimento, preferiu renunciar à presidência do IAB.
Dois motivos conjugados parecem ter explicado, enfim, a origem de toda
essa polêmica no IAB internamente (e externa, nos jornais): a falta de um
Código Civil, que contivesse uma legislação específica que regulamentasse
definitivamente as relações escravistas, e o contínuo ingresso de ações de
liberdade nos tribunais, que parece ter se valido igualmente dessa lacuna209
.
O tanto que Teixeira de Freitas não logrou de êxito nas discussões, conseguiu em
oposição, diante do pathos desagradável que se abateu no IAB. Para esse instituto, a imagem
de unidade e coerência dos seus membros, tão caras à segurança jurídica, ficou arranhada,
incitando uma retaliação silenciosa e bem articulada. Mas, a dualidade que envolvia a questão
207
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 60.
208 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 114.
209 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 118.
79
da escravidão, que confrontava a convicção legal com a convicção pessoal de Teixeira de
Freitas, não seria a última polêmica em que se envolveria. Suas convicções religiosas foram
introduzidas no texto legal do Esboço, insuflando mais oposição.
3.4 A influência religiosa e a juridicidade do casamento civil frente ao casamento
religioso: uma disputa no campo da validade jurídica.
No Brasil, a questão do casamento se aferrava às concepções canônicas da Igreja
Católica como um sacramento210
, gerando alguns problemas práticos. Representações
diplomáticas de países estrangeiros, com diferentes profissões de fé, se mobilizaram junto ao
governo brasileiro. Duas eram as questões pleiteadas pelos diplomatas: a definição jurídica da
nacionalidade de filhos de estrangeiros não católicos nascidos no Brasil e os casamentos
mistos (aqueles referidos ao casamento de católicos e acatólicos)211
.
Assim, a idéia religiosa dominante na época do Império brasileiro no que se refere a
questões jurídicas, era o pensamento clerical da Igreja Católica Romana, apesar das
manifestações de pensamento opostas de protestantes tanto na Europa como na América. Os
domínios e a influência dos católicos se estendiam, principalmente, por todo o mundo
ocidental. Daí surgiu, em face da distância e da demora nas comunicações, inúmeras
distorções nas doutrinas e nas práticas entre os fiéis e, mesmo entre o clero, que por décadas,
se distanciava das práticas e orientações morais exigidas pelas altas cúpulas da igreja.
Mais que isso, com o advento da Reforma protestante espalhada principalmente na
Europa, disseminou-se o conceito de que a Igreja devia submissão aos soberanos locais e não
mais a Roma. Era a perda do poder religioso para o poder temporal. No Brasil o fato se
evidenciava pela existência do “regime do padroado”212
. A religião católica era a religião
210
VATICANO. Concílio Ecumênico de Trento, Sessão XXIV, §970.
211 NEDER, Gizlene. Entre Budapeste e Rio de Janeiro. Exílio e luto de um jurista húngaro no Brasil em
meados do século XIX. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo: 2011, p. 1.
212 Padroado ou regalismo era união da Igreja e do Estado, em que o governo devia ficar responsável pela
manutenção da Igreja e esta deveria submeter-se ao Estado em detrimento do Papa. GALANTE, Raquel de
Souza. O Punhal da fé: As idéias políticas, jurídicas e religiosas em torno do casamento civil no Segundo
Reinado. Rio de Janeiro: APERJ: 2006, p. 6. Disponível em:<http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/
conferencias/Raquel%20de%20Souza%20Galante.pdf.> .
80
oficial do Brasil213
e a ingerência do governo imperial nos assuntos eclesiásticos era tal que ao
Estado cabia a responsabilidade de nomear bispos, entre outras funções214
. Contudo, desde o
Concílio de Trento215
, grande reunião de bispos sob a direção de Paulo III, os católicos
deveriam manter total obediência às ordens e orientações emanadas de Roma. A Igreja do
mundo inteiro deveria seguir plenamente o único centro decisório, Roma, situado para os
europeus, por trás dos Alpes, de onde se adotou para esse movimento o nome de
ultramontanismo216
, “para além das montanhas”217
. A consequência desse Concílio foi a
instituição de um só ritual para todos os templos e de uma oposição ao regalismo, além de
uma rejeição à maçonaria em vista do seu liberalismo e pensamento político secularizado218
.
Esse processo de romanização foi iniciado como uma tentativa de reorganizar e
fortalecer a Igreja como instituição e também reapareceu para ser a “voz” contrária às ideias
liberalizantes. Segundo Vieira:
213 Art. 5. “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras
Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma
alguma exterior do Templo.” BRASIL. Legislação. Constituição de 1824. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>.
214 SILVA, Marcela Pimentel da.; MARTINS, Karla Denise. O lugar da religião no Brasil oitocentista. Anais do
XVIII Encontro Regional da Associação Nacional de História – sec. MG. Mariana, 2012, p. 3. A Constituição do
Império determinava em seu artigo 102, inciso 2º que era atribuição do Imperador: “II. Nomear Bispos, e prover
os Benefícios Eclesiásticos.” BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824).
215 O Concílio de Trento foi o 19º concílio ecumênico, realizado de 1545 a 1563, pela Igreja Católica Romana. É
considerado um dos três concílios fundamentais. Foi convocado pelo Papa Paulo III (1468 – 1549), [distinto do
patriarca de Constantinopla de mesmo nome que viveu entre 687 – 693 d.C.], para assegurar a unidade da fé e a
disciplina eclesiástica, no contexto da Reforma da Igreja Católica e como uma reação à divisão então vivida na
Europa devido à Reforma Protestante, razão pela qual é denominado também de Concílio da Contra-Reforma.
Um novo Concílio (Vaticano I) só veio ocorrer entre 1869 e 1870. Informações disponíveis em:
<http://www.newadvent.org/cathen/15030c.htm>.
216 O termo “ultramontanismo” foi utilizado em vários momentos da História sob diferentes acepções que se
acumularam ao longo do tempo. No século XI denominava os cristãos que desejavam a liderança da Igreja
romana; a partir do século XVI para se mostrar contrário ao Galicanismo, a tendência separatista da igreja
católica da França em relação a Roma e ao Papa. No século XIX, esse termo reapareceu, e no Brasil, fazia
referência às atitudes da ala conservadora da Igreja Católica, e, que na esfera política, se mostrava contrária às
ideias liberais e ao Regalismo. Os principais expositores desse movimento no Brasil foram, inicialmente, o bispo
de Mariana, D. Viçosa e D. Antônio Joaquim de Melo, bispo de São Paulo. Nos anos 70 dois outros nomes se
destacaram: o do bispo do Pará, D. Marcelo Costa e D. Vital, o bispo de Pernambuco. Outro propagador foi a
imprensa, representada pelo periódico O Apóstolo, que atacava quaisquer ideias anticatólico romana,
posteriormente com representações em vários lugares do Brasil. SILVA, Marcela Pimentel da.; MARTINS,
Karla Denise. O lugar da religião no Brasil oitocentista. Anais do XVIII Encontro Regional da Associação
Nacional de História – sec. MG. Mariana, 2012, p. 4. RIBAS, Ana Cláudia. A imprensa, a política e a família: os
discursos normatizantes no jornal O Apóstolo (1929 – 1959). Espaço plural. Ano XII. n. 24. 1º sem. Santa
Catarina: 2011. p. 96 – 106.
217 NETO, Lira. Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 34.
218 GALANTE, Raquel de Souza. O Punhal da fé: As idéias políticas, jurídicas e religiosas em torno do
casamento civil no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: APERJ: 2006, p. 6. Disponível em:
<http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/conferencias/Raquel%20de%20Souza%20Galante.pdf.>.
81
[...] pode-se dizer que o ultramontanismo do século XIX colocou-se, não
apenas numa posição a favor de uma maior concentração do poder
eclesiástico nas mãos do papado, mas também contra uma série de coisas que
eram consideradas erradas e perigosas para a Igreja. Entre esses “perigos”
estavam o galicanismo, o jansenismo, todos os tipos de liberalismo, o
protestantismo, a maçonaria, o deísmo, o racionalismo, o socialismo e certas
medidas liberais propostas pelo estado civil, tais como a liberdade de
religião, o casamento civil, a liberdade de imprensa e outras mais219
.
Esse tipo de discurso religioso não só era ouvido nas assembleias do parlamento, mas
também ecoava na imprensa escrita como o apresentado no jornal O Apóstolo de 3 de janeiro
de 1869 que além de reiterar o vínculo religioso do Império com o catolicismo, repudiava a
permissão de imigrantes estrangeiros e “protestantes”:
Com efeito, repugna a sã razão que uma nação, cujo sistema de governo é
monárquico, cuja religião é a católica romana, mande vir colonos para suas
terras, republicanos e protestantes. É querer solapar ao mesmo tempo o trono
e o altar: é criar elementos destruidores da paz e da harmonia, que nossa lei
fundamental estabeleceu tão sábia a prudentemente. Indubitavelmente era
nesses princípios, que a assembleia devia inspirar-se ao tomar a iniciativa de
colonizar a rica província do Rio de Janeiro; infelizmente desprezou-os e foi
bebê-los em fonte impuríssima, destruindo pela raiz as vantagens que teve
em vista criar220
.
Teixeira de Freitas não ignorava tais instruções ultramontanistas, pois elas ainda
vigoravam. Buscou, assim, um meio termo aos interesses. Quando elaborou seu Esboço já
considerava a possibilidade de receber alguma oposição às suas “reformas” por parte destes:
Creio ter feito o que sensatamente se podia fazer, e se alguma oposição
surgir, virá por certo do lado dos católicos ultramontanos, que, fechados os
olhos, condenam a priori toda a reforma possível; mas esses poucos
fanáticos não podem atualmente fazer prosélitos221
.
219
VIEIRA, Davi Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília: UnB,
1980, p. 33.
220 SILVA, Marcela Pimentel da.; MARTINS, Karla Denise. O lugar da religião no Brasil oitocentista. Anais do
XVIII Encontro Regional da Associação Nacional de História – sec. MG. Mariana, 2012, p. 5.
221 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 223.
82
No período em questão, todos os registros civis (nascimento, casamento, morte,
testamento), principalmente aqueles afetos ao casamento, eram controlados pela Igreja
Católica. Ela considerava o casamento como um sacramento e apregoava que este era
indissolúvel222
, diferentemente das igrejas reformadas, chamadas de protestantes, da Europa.
Ela também avocava para sua competência as causas matrimoniais223
. Assim, a Igreja
realizava e formalizava escriturariamente os nascimentos, a morte e os testamentos224
. Todos,
institutos que a jurisdição civil arrematava para si, e em certa medida, contrariava a tradição
conservadora ultramontanista que influenciava e ainda continuaria assim orientando os
costumes da nação brasileira, católica. Então, o que era válido, tanto para os indivíduos
nacionais como para os estrangeiros? Que tipo de casamento era válido?
Essa era uma questão polêmica. Ainda hoje o é. O Direito retira seu fundamento da
validade ou é válido o que é posto pelo Direito? Ferraz Júnior225
diz que a validade jurídica
das normas e do ordenamento jurídico é uma questão aberta, enquanto zetética; contudo, se
uma norma (moral) já é “aceita e consequentemente eficaz”226
, válida, como no caso do
casamento católico, por que o Direito de então desejava incluir tal preceito no ordenamento
com as influências de sua origem (religiosa)? Se o casamento religioso (norma moral) era
válido, por que necessitava ser incorporado ao ordenamento (norma positiva) para ser válido?
Não seria um bis in idem da validade?
Diplomatas estrangeiros traziam institutos jurídicos independentes da religião e
positivados por seus Estados. O Brasil propunha uma legislação influenciada pela religião,
que indicava não reconhecer, no todo, os mesmos direitos. Assim, era necessário definir
juridicamente a nacionalidade dos filhos dos estrangeiros nascidos no Brasil, dos filhos de
estrangeiros casados com brasileiros, da validade dos casamentos realizados no exterior em
ambos os casos citados, a validação de casamentos “mistos” (entre católicos e acatólicos ou,
222
VATICANO. Concílio Ecumênico de Trento, Sessão XXIV, §969.
223 VATICANO. Concílio Ecumênico de Trento, Sessão XXIV, §982. Cân. 12.
224 NEDER, Gizlene. Entre Budapeste e Rio de Janeiro. Exílio e luto de um jurista húngaro no Brasil em
meados do século XIX. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo: 2011, p. 1.
225 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2008, p. 165.
226 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 117.
83
entre não católicos), além das implicações relativas às heranças e sucessões dos bens
adquiridos no Brasil e outros direitos de imigrantes estrangeiros, pois o Império mantinha
relações diplomáticas com muitos países, principalmente europeus. Isso fez surgir alguns
questionamentos e conflitos. Um conflito com o pensamento eclesiástico que mesmo após a
emancipação política do Brasil, continuou fazendo os registros civis, mantendo sua relação
com o Estado.
Entre os juristas brasileiros havia os que se posicionavam pelo liberalismo e a
modernidade e os de seguimento conservador, conforme a Igreja. Por sua postura, é de se
pensar que Teixeira de Freitas foi um dos que abraçou o conservadorismo clerical. Ele
defendeu e manteve posições favoráveis à validade não apenas do casamento civil, sendo uma
resistência para a solução do impasse acerca do casamento de estrangeiros não católicos aqui
por causa de suas posições abstratas do Direito227
.
Esse fato é observado principalmente nos embates de vários juristas brasileiros a partir
de 1859228
com o húngaro radicado e naturalizado no Brasil, Carlos Kornis de Totvárad, o
qual, por fim, reuniu seu pensamento em um livro intitulado O Casamento Civil ou O Direito
do Poder Temporal em Negócios de Casamentos229
. Muitos dos debates foram levantados em
publicações levadas a público por jornais como o Correio Mercantil e o Diário do Rio de
Janeiro, fato que lhe rendeu homenagens dos protestantes residentes no Rio de Janeiro230
. No
livro citado, Totvárad mostra, também, o descontentamento, e mesmo, um ressentimento pela
desqualificação moral nos campos religioso, linguístico e étnico desferida contra ele por seus
opositores brasileiros, incluindo Teixeira de Freitas, que se mantiveram vitoriosos por um
longo período.
227
NEDER, Gizlene. Entre Budapeste e Rio de Janeiro. Exílio e luto de um jurista húngaro no Brasil em
meados do século XIX. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo: 2011, p. 1.
228 Totvárad contestou os trabalhos de Brás Florentino Henrique de Souza, da Faculdade do Recife; João Lustosa
da Cunha Paranaguá, ministro da Justiça; e o pernambucano Joaquim Vilela de Castro Tavares, além do próprio
Teixeira de Freitas. MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas
introdutórias de Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio;
Brasília: INL, 1979, p. 223.
229 Cf. TOTVÁRAD, Carlos Kornis. O Casamento Civil ou O Direito do Poder Temporal em Negócios de
Casamentos. Discussão jurídico-histórico-theológica em duas partes. Rio de Janeiro, Livraria Universal de
E&H Laemment, 1858.
230 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 223.
84
Os debates de Freitas com Totvárad foram iniciados por aquele, que provocou Teixeira
de Freitas em artigos publicados no Correio Mercantil de 8, 10 e 11 de agosto de 1861. As
refutações de Teixeira de Freitas foram divulgadas no Diário do Rio de Janeiro de 9 e 10 de
agosto do mesmo ano231
.
A solução jurídica surgiu em 1861 quando foi aprovada uma legislação específica que,
todavia, só veio a ser regulamentada em 1873. Enquanto isso, apesar de motivações abstratas
e religiosas, o que se via era apenas uma facilitação de vários abusos de poder por parte de
autoridades inescrupulosas que prejudicavam os imigrantes estrangeiros, principalmente nas
questões de herança e sucessão.
As principais posições de Teixeira de Freitas sobre o casamento (e descritas na Seção
II, dos direitos pessoais nas relações de família; Título I – do Casamento do Esboço)232
envolviam normas não apenas sobre impedimentos, mas também quanto à forma de
celebração (Esboço, art. 1254) de cunho inteiramente religioso. Um exemplo disso é que
casamentos em que ambos os cônjuges fossem estrangeiros surtiam efeitos civis quando
celebrados no Império de “outra forma” em virtude de Tratados ou Convenções Diplomáticas
(Esboço, art. 1256), mas se os cônjuges fossem católicos, entre brasileiros (ou pelo menos um
deles) e casassem em país estrangeiro por simples contrato civil não produziria efeito no
Império enquanto não fosse novamente celebrado à face da Igreja Católica (Esboço, art.
1259). É de se pensar qual a data de casamento que valia e também qual a condição dos filhos
nascidos nesse intervalo.
Outro exemplo é que o Esboço reconhecia não só os impedimentos civis estabelecidos
no Código Civil (em elaboração), mas também os estabelecidos nas leis canônicas (Esboço,
art. 1263) sendo a autoridade eclesiástica quem decidia sobre a dispensa destes, em
conformidade com o já mencionado cânone do Concílio Ecumênico de Trento, Sessão XXIV,
§982. Cân. 12.
Na verdade, no Esboço de Teixeira de Freitas havia três modalidades de casamento
quanto à celebração: o casamento celebrado à face da Igreja Católica (Esboço, arts. 1261 a
1272); o celebrado com autorização da Igreja Católica (Esboço, arts. 1273 e 1274) e o
231
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 223.
232 FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação
Universidade de Brasília, 1983, p. 281 e ss.
85
celebrado sem a autorização da Igreja Católica (Esboço, arts. 1275 a 1298)233
. Reflexo mais
que claro da influência da Igreja na elaboração da legislação.
“Teixeira de Freitas era o reflexo da mentalidade da época”234
.
3.5 Da consolidação à unificação: influências e evolução da codificação civil brasileira.
O Império brasileiro, com o intuito de sistematizar a legislação civil e prepará-la para
formular o Código Civil, contratou Teixeira de Freitas em 1855 para: classificar a legislação
existente, portuguesa e brasileira, revogada ou vigente, por ordem cronológica e observada a
divisão em pública e privada; e, consolidar a legislação civil brasileira. As maiores
dificuldades com que Teixeira de Freitas se deparou relacionaram-se com a definição dos
limites de aplicação da Legislação Civil, a estipulação de um princípio organizador e
coordenador do Direito Civil, bem como a compilação das leis propriamente ditas. Saldanha
recorda que:
[...] apesar de sua precária formação filosófica, e das lacunas de sua
formação jurídica (esta, sem embargo disto, admirável), teve Teixeira de
Freitas um ponderável gosto pela teoria, e um certeiro instinto
sistematizador, aliando inclusive a capacidade de síntese com a paciência
analítica, que o fazia rever detidamente as conceituações235
.
O trabalho de Teixeira de Freitas foi formulado segundo os ideais do Iluminismo e deu
ênfase no método racionalista sintético de estudo do Direito ao invés do analítico da
escolástica medieval. Além disso, priorizou o estudo da história do direito português, bem
233
FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação
Universidade de Brasília, 1983, p. 281 – 286.
234 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 226.
235 SALDANHA, Nelson Nogueira. Historia e sistema em Teixeira de Freitas. Revista de Informação
Legislativa, A. 22, nº 85, Brasília: Senado Federal, 1985, p. 247
86
como do direito romano moderno (que as nações civilizadas aplicavam) e dos valores
humanistas e universalistas236
.
A Consolidação foi completada em dois anos e em 1858 Teixeira de Freitas foi
contratado para elaborar o projeto de Código Civil, o Esboço. Orlando de Carvalho diria que
ao realizar essa obra ele se enquadrou na escola pandectista, fruto de herança kantiana237
.
Em seu Esboço fez a separação entre parte geral e parte especial antecipando-se em
quarenta anos ao código civil alemão. É na parte geral que expõe suas ideias racionais
advindas do Direito romano. Como estratégia original, além de criticar o Código de Napoleão,
também pretendia incluir naquela consolidação o Código Comercial, que entendia totalmente
pertinente à matéria civilista.
Passou a publicar, em fascículos, as partes que ia concluindo, para conhecimento e
debate dos diversos setores da nacionalidade. Quase cinco mil artigos já haviam sido
publicados, quando chegou à conclusão, em 1866, que o seu trabalho não estava “certo”.
Preocupado com o método e o rigor do sistema, fundamentava sua preocupação em uma base
científica sólida. Propôs ao Governo, então, o esquema de um novo Projeto, que consistiria
em dois Códigos: o primeiro, um Código Geral, abrangendo regras de interpretação e
aplicação das leis, computação de prazos; mais a Parte Geral, tratando de pessoas, coisas e
fatos, matéria comum aos diversos ramos do Direito. O segundo, como dito, um Código Civil
unificando o Direito Civil e o Direito Comercial, na primeira tentativa séria de unificação do
Direito Privado em nosso país. E é no terreno das Obrigações onde mais se refletiria esta
unificação.
O governo (ou ao menos a Comissão Revisora de Estado) não aceitou a proposta
modificativa e acabou por rescindir o contrato com Teixeira de Freitas em 1872. Em sua
renúncia alegou, como se verá em detalhes adiante (no capítulo sexto), que o governo
desejava conservar o Código Comercial tendo no Código Civil, um complemento. Teixeira de
Freitas não concordava em ter uma duplicação de leis civis. Ele só concebia um Código único
que dominasse a legislação inteira. Sua frustração se devia a dois problemas principais. O
primeiro consistia em ter que incluir num Código Civil matérias superiores à matéria civilista,
236
POUSADA, Estevan Lo Ré. Preservação da tradição jurídico brasileira: Teixeira de Freitas e a
consolidação das leis civis. São Paulo: USP, 2006, p. 6. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/
disponiveis/2/2131/tde-31102006-172941/>.
237 CARVALHO, Orlando de. Teixeira de Freitas e a unificação do Direito privado no BFDC. LX, 1984, p.
5.
87
já que nenhuma legislação delas tratava. Por outro lado, o ter que excluir do Código Civil
matérias privativas da área civil porque estas já se encontravam no Código Comercial, que
como dito, o governo desejava manter.
Miguel Reale confirmou que Teixeira de Freitas foi um dos primeiros a perceber e
lutar pela unificação do Direito Privado, ideia esta inovadora e pela qual abriu mão da já
referida tarefa em vista do seu ideal, ratificando inclusive, por dados biográficos, as
tendências já referidas, como segue:
Alguns autores entenderam, já no século passado, que a distinção entre
Código Civil e Comercial não tem mais razão de ser. O primeiro a afirmar a
necessidade da unificação do Direito Privado foi o nosso Teixeira de Freitas.
Recebeu ele a incumbência do Império de elaborar um Projeto de Código
Civil. Depois de vários anos de indagações e pesquisas, o ilustre mestre,
quando já havia redigido nada menos de 4.908 artigos de seu monumental
"Esboço de Código Civil", declarou haver chegado à conclusão de que as
obrigações civis e mercantis deviam ser disciplinadas num só Código,
precedido de um Código Geral. Não obtendo o apoio do Governo para essa
nova orientação, declinou ele da alta incumbência que lhe fora confiada238
.
A atitude de Teixeira de Freitas demonstra até que ponto as convicções de “um
cientista jurídico, verdadeiramente autêntico”239
, podem determinar suas atitudes. Ele não
hesitou em abriu mão de tão dignificante missão para ficar fiel ao que tinha na conta de
verdade quando viu que o objetivo governamental estava em conflito com as suas convicções
“científicas”.
O método de Teixeira de Freitas, como referendado por vários autores240
, foi muito
influenciado pela Escola Histórica e em especial por Savigny241
de quem recebia o fluir de um
238
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 364.
239 REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 364.
240 Um exemplo é Nelson Saldanha. Com respeito ao uso de “método” e “sistema”, e suas influências, por
Teixeira de Freitas, ver SALDANHA, Nelson Nogueira. Historia e sistema em Teixeira de Freitas. Revista de
Informação Legislativa, A. 22, nº 85, Brasília: Senado Federal, 1985, p. 248 – 249.
241 “Sente-se no Esboço, mais acentuada a influência de Savigny
(9); porém influxo benéfico de um alto espírito
sobre uma poderosa organização mental, solidamente aparelhada e apta a assimilar ideias novas, sem prejuízo de
sua individualidade”. [...] “Uma das manifestações da ascendência de Savigny é a preferência dada por Teixeira
de Freitas à lei do domicílio da pessoa, para determinar-lhe a capacidade, nas relações de direito internacional
privado”. [...] “Nenhum autor, porém, mereceu de Teixeira de Freitas maior simpatia do que Savigny, cujo nome
aparece invocado 22 vezes na Introdução da Consolidação, ao passo que Mackeldey e Marezoll não o são mais
de 12 vezes, Troplong e Martou, 9”. BEVILÁQUA, Clóvis. Linhas e perfis jurídicos. Rio de Janeiro: Editora
Freitas Bastos, 1930, p. 126 – 127.
88
pensamento tradicionalmente clássico no âmbito jurídico, a praticidade do Direito pertinente a
cada povo242
. Era em meio a essas duas orientações da Escola Histórica que o processo
jurídico inseria a responsabilidade de Teixeira de Freitas e, ainda é o ritmo de nosso tempo:
uma corrente a preferir o Direito expresso de maneira abstrata e racional nas leis; e outra a
querer o Direito tal como ele aparece na vida histórica, na espontaneidade do viver social,
tendo como símile o fenômeno da linguagem. Contudo, o pensamento inovador de Teixeira
de Freitas pôde absorver o que havia de melhor da escola a fim de que o pensamento da
codificação pudesse ser bem aplicado em sua necessidade prática e local, bem exemplificado
no projeto de codificação civil que delimitou essa praticidade ao extenso território brasileiro.
Portanto, Teixeira de Freitas se antecipou ao Código alemão não só em seu formato,
mas também na elaboração do mesmo. Provavelmente a idéia de Savigny, a de que o espírito
do povo manifestado no Direito deveria ser um sentimento amadurecido numa nação, norteou
seu sentimento quando trabalhava sua Consolidação e por isso deixava de fora algumas
questões imaturas ou em desenvolvimento. E ainda, ao concluir que seria melhor unificar a
codificação civil, incluindo a comercial, deve ter considerado relevante a resistência ao seu
projeto como uma falta de amadurecimento nacional, fato que o levou ao maior sacrifício de
sua vida, assumindo, o que poderia ser o único comportamento compatível com sua fidelidade
242
A Escola Histórica, com um amor pelo passado, mas com uma visão mais concreta e social do Direito,
buscava atender as tendências e os variados interesses que advinham de determinada coletividade ou povo. Esse
fenômeno, assim como a linguagem, que também surgiu de forma anônima, ganha, nela, uma particularidade
própria. Contudo, Savigny, seu representante principal, se opôs à idéia de que se elaborasse um Código Civil
para a totalidade do povo alemão com suas particularidades, como se fez na França com Código Civil francês.
Isso se deveu, principalmente, a que o Direito científico alemão que na primeira metade do século XIX deu
origem à doutrina pandectista que sistematizava cientificamente o Direito comum vigente na Alemanha, também
ofertasse a Savigny um contexto de declínio na cultura jurídica fazendo com que ele não concordasse em se fazer
uma codificação naquele momento histórico. Isso seria danoso, entendia, porque cristalizaria e perpetuaria aquele
Direito decadente. Mesmo na Alemanha, houve um debate entre representantes da tendência histórica, ora
defendendo a necessidade de uma codificação como instrumento de unidade científica e política, como Thibaut,
ora admitindo-se esta, apenas nos momentos culminantes de maturidade de um processo jurídico, e não no início
da formação política de uma nacionalidade, como Savigny. O pensamento de Savigny, portanto, se manifestava
contra um plano prematuro de codificação. Os costumes, que traduziam o “espírito do povo”, se contrapunham a
uma lei abstrata e racional prevenindo-se, assim, que leis dotadas de vigência, de validade técnico-formal, mas,
destituídas de eficácia ou de efetiva existência como comportamento, como conduta, fossem o fruto dessa
precipitação codificadora. Ele não era contrário à codificação do Direito em geral, mas somente devido ao
momento histórico com suas condições culturais infelizmente particulares em que se encontrava, então, a
Alemanha. Além disso, Savigny, também criticava a codificação, naquele momento, por que esta poderia trazer o
exemplo da codificação francesa que não levou suficientemente em conta o Direito romano, a maior tradição
jurídica continental como parte do amor ao passado, característica do movimento, não estava condicionado
apenas a questões sociológicas e culturais, mas também pela incorporação, ou sua falta, da linguagem do Direito
romano naquele determinado ordenamento jurídico. Ver também: REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed.
São Paulo: Saraiva, 2002, p. 423 – 424.
89
ideológica para aquele momento, o afastamento. Atitude totalmente compatível com a Escola
História em destaque sobre consolidação ou unificação legislativa.
A influência da Escola Histórica, inicialmente, e da pandectista, depois, em que não
devia simplesmente de se fazer codificação como alteração sem que primeiro não se fizesse o
desenvolvimento da ciência jurídica também aqui no Brasil, portanto, afloraram na elaboração
do Esboço. O ideal lógico da Teixeira de Freitas não convivia bem com uma bipartição do
Direito Civil, vez que o objetivo do Código Civil era prosseguir no processo unificador da
matéria, permitindo-se para isso, uma separação meramente metodológica da parte geral e da
especial, local onde a totalidade da matéria comercial se ubicaria. Tal processo evolutivo
enfrentava outros interesses pelo seu caminho, que se mostraram por fim serem frustrantes.
A “genialidade”, que tantos têm apontado em sua obra, correspondeu a esta
visão “orgânica” que possuiu para a imagem do direito legislado como um
todo – , em época onde ainda não se dispunha do conceito de ordenamento;
correspondeu também à sua extrema acuidade crítica, que era correlata de
sua independência doutrinária, limítrofe de irreverência e congênere da
“audácia” mencionada por Silvio Meira (35
)243
.
Cabe destacar, por fim, que a contribuição e a influencia de Teixeira de Freitas para as
codificações da Argentina, do Uruguai e do Chile, indiretamente, e, de outros países hispano-
americanos, principalmente, se deveu a sua busca nas fontes no Direito romano e por seguir o
método, primeiro no mundo, de dividir as matérias do Direito civil em um código com parte
geral e especial, lustrando um século inteiro de cultura jurídica, sem, contudo, completar seu
intento original na pátria natal244
.
243
SALDANHA, Nelson Nogueira. Historia e sistema em Teixeira de Freitas. Revista de Informação
Legislativa, A. 22, nº 85, Brasilia: Senado Federal, 1985, p. 247. A menção referida por Saldanha de Silvio
Meira na sua nota 35
se encontra em MEIRA, Silvio. Teixeira de Freitas e Pontes de Miranda – a audácia do
pensamento. Revista de Direito Civil. São Paulo, n. 16, abr./jun., 1981.
244 PICANÇO, Aloysio Tavares. A influência de Augusto Teixeira de Freitas no Direito de países estrangeiros
(1). Jus Vigilantibus, Vitória, 22 fev. 2005. p. 2. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_
e_pecas/ver/13789>.
90
CAPÍTULO QUARTO – TEIXEIRA DE FREITAS E O TEMA DA ESCRAVIDÃO NA
RETÓRICA DO DIREITO.
Sumário: 4.1 A legislação escravista ocultada na obra de codificação de Teixeira de
Freitas: uma tática para fazer prevalecer sua retórica textual. 4.2 O impacto causado pela
estratégia da retórica textual de Teixeira de Freitas no discurso abolicionista de Joaquim
Nabuco. 4.3 O ambiente, as estratégias e os elementos discursivos dos debates de 8 e 15 de
outubro de 1857 no Instituto dos Advogados Brasileiros sobre as doutrinas jurídicas em
relação à questão da liberdade dos filhos das escravas statu liber sob condição. 4.4 Análise
(primeira) dos principais elementos retóricos sobre a questão escravista do debate no
Instituto dos Advogados Brasileiros elencados por Teixeira de Freitas em sua carta de
renúncia à presidência do mesmo. 4.5 Resumo dos elementos retóricos e estratégias de
Teixeira de Freitas acerca do tema da escravidão.
“De qualquer lado que se encare a escravidão, ela é a enfermidade moral de que todos sofremos; por isso é
preciso eliminá-la do nosso sistema. [...] Se a escravidão está morta, se não há nada que a possa ressuscitar e se
por outro lado o que vem atrás dela é a abundância e a fertilidade, é preciso abreviar o mais possível o terrível
interregno que estamos atravessando da escravidão para a liberdade”.
Joaquim Nabuco245
4.1 A legislação escravista ocultada na obra de codificação de Teixeira de Freitas: uma
tática para fazer prevalecer sua retórica textual246
.
Muitas questões de Direito internacional despertavam os interesses da sociedade
ocidental no período dos oitocentos. A escravidão, que era uma delas, foi discutida na Europa
e na América do Norte, e não demorou a que o Brasil também entrasse no foco dos debates
sobre algo cada vez mais impossível de ocultar: o fato de que no Brasil ainda se fazia uso do
trabalho de escravos no final do século XIX; debate que logo veio ocupar “os salões da Justiça
brasileira”247
.
Como não poderia deixar de ser, numa ocasião em que a escravidão além de existir e
ser questionada, estava tendo seu fim cogitado, Teixeira de Freitas foi confrontado diversas
vezes a respeito dela por causa da relevância que o tema despertava para a sua época e o
ambiente jurídico em que vivia. O “primeiro confronto” veio com o lançamento da
245
NABUCO, Joaquim. Segunda Conferência. Campanha abolicionista no Recife. 2. ed. Recife: FUNDAJ,
Editora Massangana, 1988, p. 29.
246 O sentido da expressão “retórica textual” aqui utilizada foi delimitado nas páginas 19 e 20 (e notas) desta
dissertação.
247 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 73.
91
Consolidação das Leis Civis em 1857 quando o relatório da Comissão Revisora, que a
aprovou em 4 de dezembro de 1858, antes de fazer um resumo e tecer seus elogios, o
provocou destacando “defeitos, divergências [dentro da Comissão] e a omissão” que,
concluíram eufemisticamente (FPO1), “não comprometem o mérito geral da obra”248
.
A “omissão” a que a Comissão se refere segue transcrita a seguir:
É sensível a omissão [FPA1], que houve na Consolidação a respeito das
disposições concernentes à escravidão; porquanto, posto deva ela constituir,
por motivos políticos e de ordem pública, uma lei especial, contudo convinha
saber-se o estado defectivo da legislação a este respeito249
.
A “resposta” havia sido dada de antemão por Teixeira de Freitas. De logo, diga-se que
ele considerava a escravidão “um mal”, uma “mácula”, e tratar dela era usar de “disposições
vergonhosas”; como transcrito adiante. Também, em outro lugar, para ele a escravidão era “só
obra da lei”, e, no entanto, “uma má instituição legal”250
. Assim, ele era receptivo às ideias
emancipacionistas, mas diante da legalidade vigente só lhe cabia silenciar. A estratégia aqui
foi o uso do silêncio retórico (FPA1). Um recurso que visava um resultado no futuro, e que
despertou emoções no (seu) presente, daí estar relacionada ao pathos dos interlocutores de tal
dispositivo. Não foi por menos que houve tamanha reação dos revisores. Mas, essa tática foi
intencional. Por isso, no corpo da introdução da Consolidação ele já havia feito uma ressalva
manifestando sua opinião e posição a respeito dela, como se vê a seguir:
Cumpre advertir, que não há um só lugar do nosso texto, onde se trate de
escravos. [FPA1] Temos, é verdade, a escravidão entre nós; mas, se esse mal
é uma exceção, que lamentamos, condenado a extinguir-se em época mais ou
menos remota (ALO3); façamos também uma exceção, um capítulo avulso,
na reforma das nossas Leis Civis [ALO4]; não as maculemos com
disposições vergonhosas [APO1], que não podem servir para a posteridade:
fique o estado de liberdade sem o seu correlativo odioso [FPO1]. As Leis
248
FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.
Garnier. 1896, p. 19.
249 FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.
Garnier. 1896, Idem.
250 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 60.
92
concernentes à escravidão (que não são muitas) serão pois classificadas à
parte e formarão nosso Código Negro251
[FPO1].
O “Código Negro”252
a que Teixeira de Freitas se refere no final daquele parágrafo é o
que ele anotou como sendo “o Edito de 1685, regulando a sorte dos escravos nas Colônias
Francesas”253
. Esse termo foi empregado em outros momentos como demonstração de uma
expressão de repugnância para uma realidade ainda tolerada apenas por interesses meramente
econômicos e políticos e nada humanísticos, mesmo para a época.
Essa é uma das teses que historiadores e juristas sustentam para explicar sua atitude e
de outros homens públicos. José Honório Rodrigues254
destacou que desde a Constituinte de
1823 raramente se fez menção à questão da escravidão. A “omissão”, como elemento tático
dos discursos políticos e legais, era uma prática que se repetia constantemente.
Os debates travados na Assembléia Constituinte reunida no Rio de Janeiro no
ano de 1823 já foram vistos como terreno de ausências. [FPO1 e FPA1] A
mais visível delas seria a ausência de discussões sobre a escravidão no
Brasil, certamente a característica mais evidente da organização social do
país. De fato, as referências à escravidão foram poucas e encontram-se
diluídas nos anais da Assembléia, em meio às questões da organização
administrativa e política que se encaminharam na Constituinte255
.
Joaquim Nabuco também reconhecia essa estratégia retórica na Constituição, como
será visto adiante256
. Certamente o Código Penal [Criminal] de 1830 e o Código de Processo
Penal de 1832, entre outras leis criminais, continham dispositivos escravistas, mas, se buscou
uma maneira de não formalizar essa vergonhosa realidade perante o mundo. O historiador
251
FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.
Garnier. 1896, p. 37 (grifos nossos).
252 Na história da escravidão o Code Noir constituiu-se um dos primeiros intentos de codificação no século XVII
de uma prática até então não regulamentada. Trata-se de um edito do rei Luís XVI da França, em março de 1685,
que contém uns 60 artigos que regem a vida e a morte dos escravos negros nos territórios franceses das Antilhas
e do Oceano Índico. Em 1724 esta mesma regulamentação se estendeu à Luisiana na América, então sob o
domínio francês. As suas disposições respondem a três tipos de objetivos: cristianizar os escravos, enunciar as
proibições e as sanções que lhes serão aplicadas e por último definir as condições da sua libertação.
253 FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.
Garnier. 1896, p. 37, nota 10.
254 RODRIGUES, José Honório. A Assembléia Constituinte de 1823. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 189.
255 RODRIGUES, Jaime. Liberdade, humanidade e propriedade: os escravos e a assembléia constituinte de 1823.
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. v. 39. São Paulo: IEB, 1995, p. 159.
256 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 69.
93
Eduardo Pena cita a definição de Joaquim Nabuco para essa recorrência retórica como sendo
“uma ‘ficção engenhosa’; uma construção jurídica elaborada para não ferir suscetibilidades,
pois normatizar a condição dos escravos seria reconhecer, pela lei, o país como escravista”257
.
A omissão foi um espelho de uma tendência retórica estratégica de então [FPA1]258
, quando
juristas, nos quais Teixeira de Freitas se incluiu, e políticos evitavam formalizar juridicamente
a “vergonhosa” escravidão. Na verdade, a “omissão” sobre a escravidão era recorrente259
.
Porém, repita-se, tal observação e prática foi literalmente “lamentada” pela Comissão
Revisora260
que iniciou um sutil debate escrito nas entrelinhas revisionais das leis civis. Ela,
em meio aos galanteios dos elogios, não deixou despercebida sua insatisfação em relação a
esses “defeitos, divergências e a omissão” e principalmente a esta, sobre a escravidão, que
deveria caminhar para ser superada diante dos avanços das ideias que desde o Velho
Continente atingiam o novo reino brasileiro.
Embora já respondida de antemão a lacuna, diante da opinião ou posição que Teixeira
de Freitas já havia tomado com respeito à questão escravagista, também esta crítica subliminar
encontrou eco na sensibilidade de Teixeira de Freitas que, sem ocultá-la, a ela respondeu de
forma semelhante em três momentos. Semelhante, porque o parecer não foi apenas
verbalizado, mas foi impresso junto com a primeira edição, bem como acompanharia as outras
edições da Consolidação e estaria ao alcance de todos os que viessem a usar as leis civis.
A resposta não poderia ser um mero sinal de obediência ou subserviência. Tinha que
ser retoricamente construída para desconstruir a mensagem deixada aparentemente indelével.
Primeiro, inseriu uma nota (FPO2) ao relatório da comissão onde faz referência a outras notas
(FPO2) na Introdução e ao artigo 42 da Lei Civil, aqui transcritos:
257
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 72.
258 Como visto, a omissão é uma ação juridicamente reconhecida e retoricamente qualificada. “Omissão – ato ou
efeito de não fazer aquilo que moral ou juridicamente se devia fazer”. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004, p. 1437. É reconhecida a
“omissão” no direito penal, por exemplo, no Art. 135 do CPB.
259 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 72. Ver também NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio
de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 69, 90, 107, 108, 115 e 116.
260 O relatório da comissão integrada por Nabuco de Araújo, Caetano Soares e Paulino José Soares de Souza, o
Visconde do Uruguai pode ser encontrada na íntegra nas páginas 18 a 26 da Introdução à 3ª edição da
Consolidação, respondida oportunamente na 2ª edição da referida Consolidação.
94
(2) Vide Nota 10 da Introdução, infra, de onde consta na 2ª Edição o
saneamento, pelo modo possível, da omissão lamentada pela Comissão
[FPA1].
No mesmo propósito dou conta agora da legislação sobrevinda que avultou
por motivo da Lei nº 2040 de 28 de setembro de 1871; Lei do Elemento
Servil, seu nome em voga [ALO1].
As Notas aos Arts. 42, e outros, contêm quase toda a legislação sobre
escravidão e alforria261
[ALO1].
Depois, inseriu uma nota de rodapé (a de nº 10) no corpo da Introdução mesma, no
trecho destacado anteriormente, onde depois de esclarecer o que vinha a ser o termo Código
Negro e transcrever mais uma vez as palavras da comissão que o incomodaram, continuou
dizendo:
(10) [...] Nesta 2ª Edição [de 1865] suprimos a censurada lacuna, não nas
disposições do texto, que ficam intactas, mas em cada uma de suas notas
explicativas. [FPO2] Vai indicado o pouco que temos de legislação civil
relativa a escravos; e além disso um copioso subsídio, que extraímos do
Direito Romano, única norma na solução dos casos ocorrentes. [AEO1].
Assim procedemos, no intuito de prestar um serviço ao Foro. São mui
frequentes, e delicadas, as questões, que este assunto oferece262
. (sic)
Por fim, como ele mesmo disse que faria, inseriu obstinadamente em vários artigos do
texto consolidado várias notas contendo quase toda a legislação existente sobre a temática da
escravidão, a exemplo da nota 2 transcrita anteriormente acerca do artigo 42. Solução não
“muito bem digerida” por Nabuco de Araújo263
.
Observe-se que a estratégia não era destacar o tema da escravidão visto que ele poderia
introduzir muitas polêmicas e repercussões de ordem política e até moral. A estratégia foi
responder à Comissão Revisora aquilo que já estava respondido, sem ofender os avaliadores,
atendendo-os em meio a uma ingênua obstinação destes. Aqui, não se deve permitir uma
valoração nem da escravidão nem do tipo de resposta de Teixeira de Freitas. O que se busca
261
FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.
Garnier. 1896, p. 19.
262 FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis - 3. ed. mais augmentada Rio de Janeiro: H.
Garnier. 1896, p. 37 – 38.
263 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 75.
95
analisar aqui é como e por que um meio metodológico e gramatical usado estrategicamente
por Teixeira de Freitas, a nota de rodapé, tornou-se importante como elemento retórico.
Em geral, notas de rodapé são usadas, como o nome indica, como uma anotação
colocada ao pé de uma página de um livro, ou documento, adicionando comentários,
referências ou fontes, ou ambos, a respeito de parte do texto da matéria na mesma página,
nesse caso, para poupar tempo do leitor em verificar as referências no fim do livro a cada
menção. Além disso, elas também podem ter uma finalidade explicativa, sobre o texto ou
sobre itens relacionados ao texto. Salvo algumas exceções onde os autores escrevem mais nas
notas explicativas do que no texto, estas notas são porções menores, reduzidas e sucintas.
Porém, é a estratégia literária do autor quem determina sua importância. Alguns podem usar
ou passar por elas sem lhes darem a menor importância; outros, podem buscar nelas
informações valiosíssimas, como fontes e referências, e encontrar verdadeiros tesouros.
A partir do texto elencado na Introdução da Consolidação, como conclusão a estas
breves considerações de retórica, observa-se que contra o único argumento do silêncio retórico
destacado pela Comissão (FPA1) e admitido por Teixeira de Freitas, ele acrescentou, para
prevalescer, o uso de outros argumentos de reação (P) como o uso algumas figuras de
significação (FPO1) e, especialmente, das notas de rodapé (FPO2) e também argumentos
conceituais (L) como citações da legislação suprimida (ALO1), o senso comum (ALO3) e
deduções racionais (ALO4).
Embora Teixeria de Freitas tenha dado às suas notas a função de explicar e
complementar seu entendimento sobre a temática da escravidão em sua obra (L), parece que
ele as usou também como uma forma de resposta subliminar aos seus avaliadores para afirmar
o seu ethos retórico, sabedor que era da repercussão (P) que tudo isso causaria no mundo
jurídico. Assim, o uso de notas de roda-pé ganha destaque como elemento metarretórico não
só pela importância do conteúdo, mas pelo uso estratégico diante de um assunto tão relevante
e de suas repercussões. Uma destas repercussões, foi o reconhecimento da qualidade do seu
trabalho que o conduziram a receber a incumbência de realizar obra de maior importância, um
projeto definitivo de Código Civil, além de prestígio e honrarias por atender aos interesses do
poder instituído.
Porém, entre as repercussões para a posteridade, se destaca a impressão que ficou em
figuras públicas e jurícas (de uma força contrária que prevalesceu posteriormente) dessa tática
legal, a despeito de sua argumentação. Dentre esses, Joaquim Nabuco que ao defender o fim
96
da escravidão trouxe à mente de sua geração não só a descrição vergonhosa da escravidão e a
aspiração “anônima” de liberdade dos escravos no período da Independência, mas também a
prática retórica de Teixeira de Freitas, marcado pela omissão na Consolidação. Abra-se assim,
um parentesis para destacá-lo, devido a sua importância na política e na retórica do Direito.
4.2 O impacto causado pela estratégia da retórica textual de Teixeira de Freitas no
discurso abolicionista de Joaquim Nabuco.
A prevalência de argumentos retóricos não é algo constante ao logo do tempo, e, ainda,
é condicionada aos meios de propagação do poder. Quando essa constante é mantida por
alguma razão, deve ser lembrada. A fim de manter a coerência temática desses argumentos
retóricos, faz-se aqui uma inserção histórica como exemplo desse tipo de propagação. Alguns
anos se passaram e Joaquim Nabuco (1849 – 1910)264
que recordava a estratégia de Teixeira
de Freitas como um reflexo do silêncio constitucional, digno de ser contestado, mas por ele
perseguido.
Esse silêncio que emanou da primeira Constituição brasileira foi um discurso de
dominação vencedor até então. Ele mesmo descreve que o projeto que se tecia na primeira
Constituinte criava estabelecimentos para a “emancipação lenta dos negros e sua educação
religiosa e industrial”. Ou seja, dispositivos que de alguma forma teriam que mencionar o
tema da escravidão em seu texto. Contudo, não foi isso o que prevaleceu; tanto nos debates do
projeto constitucional como nos artigos legais promulgados e publicados, essa temática foi
suprimida, vencendo aquela figura de ação, o silêncio retórico (FPA1).
Joaquim Nabuco afirma em seu escrito essa literalidade e expõe a prática e a
motivação.
264
“Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo nasceu em 19 de agosto de 1849, no Recife e faleceu em 17 de
janeiro de 1910, nos Estados Unidos. Filho de importante família política do Império e de latifundiários
pernambucanos, aristocrata por formação e temperamento, ao longo de mais de quarenta desses sessenta anos
desenvolveu intensa atividade política e ideológica. Foi transferido em 1868 da Faculdade de Direito de São
Paulo para ingressar na Faculdade de Direito de Recife em 1869 e nela colou grau na turma de 1870. Liberal
abolicionista de primeira hora, fez dessa causa a razão de ser de sua militância e de seus mandatos parlamentares
(três entre 1879 e 1888). Engolfado pela dinâmica republicana amplificada pelo abolicionismo, retirou-se da vida
pública com o 15 de novembro e, por quase dez anos, entregou-se aos livros, ao trabalho de historiar a vida do
pai e do Império decaído. [...] Encontrou na diplomacia a ponte que facilitaria a adesão ao novo regime, em nome
do patriotismo e da “amizade americana”. Embaixador em Washington que acompanhou com entusiasmo até
excessivo a guinada da política externa brasileira em direção à América.” (grifo nosso) NOGUEIRA, Marco
Aurélio. As desventuras do liberalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1984, p. 15. FRANÇA, Humberto. Prefácio à
edição de bolso. NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 11.
97
A Constituição do Império não contém semelhante artigo. Os autores desta
última entenderam não dever nodoar o floral da emancipação política do
país, aludindo à existência da escravidão, no presente265
. (grifo nosso)
E continua em sua descrição metafórica:
No mais os estatutos da nossa nacionalidade não fazem referência à
escravidão. Essa única pedra, posta em qualquer dos recantos daquele
edifício, teria a virtude de convertê-los com a sua fachada monumental do
artigo 179 num todo monstruoso. Por isso os organizadores da Constituição
não quiseram deturpar a sua obra descobrindo-lhe os alicerces266
[FPO1].
(grifo nosso)
Era muito óbvio para qualquer pessoa esclarecida que mencionar a escravidão na
Constituição seria incompatível com princípios constitucionais (ALO2) tais como: “os
cidadãos brasileiros [...] formam uma nação livre [...]”267
, “nenhum cidadão pode ser obrigado
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”268
, ou “a lei será igual para
todos”269
, “ficam abolidos todos os privilégios”270
; mesmo princípios mais particulares como
“todo cidadão tem em sua casa um asilo inviolável”271
e “desde já ficam abolidos os açoites, a
tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis”272
não eram compatíveis com a
condição escravista. Condição ainda mais agravada se a liberdade e a igualdade fossem
confrontadas com o princípio constitucional de que “é garantido o direito de propriedade em
toda a sua plenitude”273
. Logo, Nabuco constatou que a “a posição legal do escravo” não teve
espaço naquela Constituição. Na verdade, “era preciso que a Constituição não contivesse uma
só palavra que sancionasse a escravidão”274
. Até porque, para agravar o engodo, “desde que
265
NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 69.
266 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 69.
267 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 1°.
268 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, I.
269 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, XIII.
270 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, XVI.
271 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, VII.
272 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, XIX.
273 BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824). Art. 179, XII.
274 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 114.
98
foi votada a lei de 28 de setembro de 1871275
o governo brasileiro tratou de fazer acreditar ao
mundo que a escravidão havia acabado no Brasil”276
.
A crítica de Joaquim Nabuco tomou ares de denúncia ao expor a estratégia do governo
em propagar ao mundo que:
[...] os escravos iam sendo gradualmente libertados em proporção
considerável e que os filhos das escravas nasciam completamente livres. A
mortalidade dos escravos é um detalhe que nunca aparece nessas estatísticas
falsificadas, cuja ideia é que a mentira no exterior habilita o governo a não
fazer nada no país e a deixar os escravos entregues à sua própria sorte277
[ALO4].
A impressão que ficou em Nabuco acerca do silêncio da Constituição foi a mesma ou
até mais forte para estratégia seguida pela Consolidação de leis civis que Teixeira de Freitas
havia elaborado pouco depois. Sua expressão, mais que um sentimento, demonstra sua
percepção a respeito de uma estratégia retórica com reflexos até sua época. Assim, além de
descrever os fatos pretéritos, Nabuco também já analisava, mesmo que não intencionalmente,
a estratégia que se perpetuava engenhosamente nos textos legais utilizando argumentos
principiológicos e dedutivos. Como segue:
Esse trabalho, que é a Consolidação das leis civis, e já teve três edições,
apareceu sem nenhum artigo referente a escravos [FPA1]. Pela Constituição,
não existia a escravidão no Brasil [FPA1]. A primeira codificação geral do
nosso Direito continuou essa ficção engenhosa. A verdade é que ofende a
suscetibilidade nacional o confessar que somos – e não o sermos – um país
de escravos, [FPO1] e por isso não se tem tratado de regular a condição
destes278
.
O termo usado por Nabuco, “ficção engenhosa”, é sugestivo além do contexto. O não
haver escravidão no Brasil em seu tempo ser uma “ficção”, no sentido de simulação e
fingimento mais do que no sentido de fantasia279
, não traz novidades para a atualidade, mas
275
A lei Rio Branco ou lei do Ventre Livre.
276 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 110.
277 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 111.
278 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 116.
279 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Ficção. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3. ed.
Curitiba: Positivo, 2004, p. 893.
99
para a época que se deparava com aquela realidade mórbida, a estratégia ia além de uma mera
declaração do que era ou não essa realidade. O impacto não se limitava a forjar a opinião
internacional, no âmbito exterior. Talvez o impacto maior fosse para o público interno, na
população tanto dos opressores como dos oprimidos, não apenas formando uma crença
distorcida nele, mas distorcendo sua percepção da realidade. Na análise de Joaquim Nabuco, a
engenhosidade dessa ficção da não escravidão formal, essa cuidadosa construção intelectual e
conceitual, produziu reflexos na sociedade brasileira. Um dos efeitos da retórica freiteana que
ele combatia abertamente era a “indiferença”. A “omissão” de Teixeira de Freitas produziu
“indiferença” a respeito da condição “bárbara” das vítimas da escravidão; “indiferença” que se
ampliava às próprias vítimas.
[...] desde que no país noite e dia se prática a escravidão e todos se
habituaram, até a mais completa indiferença, a tudo o que ela tem de
desumano e cruel, à vivisecção moral a que ela continuamente submete as
suas vítimas, esse receio de macular as nossas leis civis com disposições
vergonhosas só serve para conservar aquelas no estado bárbaro em que se
acham280
. (grifo nosso).
E continua em outro lugar:
Infelizmente, senhores, nós lutamos contra a indiferença que a nossa causa
encontra entre essas mesmas classes que deveriam ser nossas aliadas e que a
escravidão reduz ao mais infeliz estado de miséria e dependência [ALO4]. É
triste dizê-lo, mas é a verdade. Por acaso os homens de cor, filhos e netos de
escravos, que trazem no rosto a história do martírio da sua raça, têm aderido
ao nosso movimento com a dedicação e a lealdade que era de esperar dos
herdeiros de tantos sofrimentos? 281
[ALO4] (grifo nosso)
Certamente as deduções retóricas de Nabuco, pelo menos aqui, desejavam dar voz à
omissão de Freitas para então combater aquela estratégia. A omissão produz silêncio, que
produz ignorância e indiferença, é o que conclui. Parece que para Nabuco era necessário trazer
à luz os protagonistas da obscura realidade para então retirar-lhes a máscara da satisfação.
Regular aquela situação traria “bons” problemas e discussões, pois o ridículo de discutir o
280
NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010, p. 116.
281 NABUCO, Joaquim. Campanha abolicionista no Recife. Eleições 1884. Discursos de Joaquim Nabuco:
prefácio de Anníbal Falcão; estudo introdutório de Fernando da Cruz Gouvêa. 2. ed. Recife: FUNDAJ, Editora
Massangana, 1988, p. 9.
100
“pior” levaria, de fato, à extinção da escravidão. A omissão produziu apenas uma acomodação
e uma adaptabilidade. Não que se negue a realidade da escravidão, mas sua pior consequência
como discurso de dominação prevalecente foi que a considerassem normal e até necessária.
Ele já observava os resultados de uma instituição que estrategicamente se cala diante de uma
situação que, em outras circunstâncias, poderia provocar revoltas. Sua observação lança luzes
sobre uma situação hipotética onde: o que poderia se esperar de um país sul-americano em que
os meios de comunicação ocultassem as constantes situações de corrupção dos seus
governantes? Todos saberiam que ela existe por sofrerem seus efeitos constantes, mas o
silêncio das denúncias, mais do que levar à ignorância dos fatos, levaria o povo a uma
indiferença irresponsável. Ademais, levaria todo o povo a se corromper de uma ou de outra
forma também. Mas, isso também não passa de outra ficção retórica.
Da análise de Nabuco não se pode inferir que Teixeira de Freitas tivesse, de fato, tal
intenção. Até porque, Teixeira de Freitas deixou claro seu entendimento legal sobre a temática
da escravidão, quando foi confrontado à frente do IAB, no debate que lhe custou a presidência
do mesmo, pelo menos altruisticamente. E acerca desses debates, não só as atas do IAB e
parte da imprensa local silenciaram, Joaquim Nabuco que deve ter recebido relatos de tal
discussão de seu pai, nelas presente, também silenciou.
O mais provável é que Teixeira de Freitas destoou “da roupagem da postura reformista
do instituto – como “progressista” – que foi habilmente elaborada por Joaquim Nabuco”, vez
que este louvava “a ação dos presidentes – entre eles, o seu pai, Nabuco de Araújo – como os
primeiros “abolicionistas” e como os responsáveis pelo “alvorecer do sentimento anti-
esclavagista” [sic] no país282
.
4.3 O ambiente, as estratégias e os elementos discursivos dos debates de 8 e 15 de
outubro de 1857 no Instituto dos Advogados Brasileiros sobre as doutrinas jurídicas em
relação à questão da liberdade dos filhos das escravas statu líber sob condição.
Mais uma vez se volta ao tempo em que viveu Teixeira de Freitas. Além do prélio
textual que exigiu estudos mais profundos de sua parte sobre um tema tão evanescente, o
tópico da escravidão, ocorria no IAB, concomitantemente ao seu trabalho como presidente do
282
NABUCO, Joaquim. Um estadista do império. Nabuco de Araújo, sua vida, suas opiniões, sua época. São
Paulo: Companhia Editora Nacional; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936, t. 2, p. 17 – 19.
101
mesmo, debates jurídicos acerca da libertação de escravos, demandando intensos
posicionamentos daqueles jurisconsultos. Um desses debates se tornou especial por envolver
Teixeira de Freitas diretamente. Seus argumentos estão elencados sistematicamente na carta
de renúncia à presidência do IAB de 22 de outubro de 1857283
; texto que será analisado
adiante284
.
O cerne da polêmica, como se sabe, era um problema que remetia ao Direito Romano,
aplicado subsidiariamente ao direito oitocentista brasileiro, evocado especialmente em casos
de jurisprudência e doutrina285
. Este caso se detinha principalmente na seguinte questão: eram
escravos os filhos de escrava que, em testamento, tivesse sido libertada com a cláusula de
servir ao herdeiro enquanto tivesse vida? Resumindo este caso, Teixeira de Freitas, apesar de
afirmar ser avesso ao regime de escravidão, argumentou que: especificamente, havia
manumissão testamentária sob condição, como prescrevia o direito romano. Ou seja, pendente
condicione, a escrava statu-libera pertencia ao herdeiro, e, em decorrência disso, os filhos
delas também eram escravos deste.
Distintamente da questão textual a respeito do tema da escravidão na Consolidação
que possui texto integral para vários tipos de estudo, e que anteriormente se abordou
brevemente; para penetrar nos debates do IAB, que envolveram Teixeira de Freitas no tema
especifico da escravidão, foi necessário estudar a obra doxográfica de Eduardo Spiller Pena,
Pajens da casa imperial (2001) e a biografia escrita por Sílvio Meira sobre Teixeira de
Freitas, o jurisconsulto do império (1979) que trazem poucas transcrições dos debates que
ocorreram em seções ordinárias do Instituto, e, publicações na mídia escrita da época, a fim de
reconstruir os relatos. Somado a isso (melhor que as atas do IAB que silenciaram diante da
283
Esta carta que Silvio Meira afirma ter sido enviada ao Instituto (MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira
de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 151) foi também
veiculada no jornal Correio Mercantil, tornando sua renúncia conhecida do público em geral, o que deve ter
causado “surpresa e irritação dos demais colegas”. “Sua atitude foi criticada pelos sócios, pois [1] não só abria
para o domínio da opinião pública um assunto delicado e interno ao instituto, como [2] revelava haver cisão e
falta de unidade numa associação criada justamente para uniformizar a ação e o pensamento jurídicos dos
advogados”. PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871.
Campinas: Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 111. Quiçá, em razão disso, as atas do episódio não
foram publicadas e este é mal visto até hoje no IAB.
284 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905. p. 42 – 81. Disponível em: <http://www.iabnacional.org.br/IMG/pdf/doc-8349.pdf>.
285 Neste sentido, Maspétiol via no direito romano, “mais o resultado da técnica jurídica, em especial na
jurisprudência e na doutrina, do que na política. Sem negar-se, todavia, a relação daquela jurisprudência/doutrina
com o quadro político-social geral.” MASPÉTIOL, Roland. Le droit et la politique, deux visions partielles et
fragmentaires d’une même réalité sociale. Archives de philosophie du droit. n. 16. Paris : Sirey, 1991, p. 43.
102
questão), este estudo ficará restrito aos argumentos levantados por Teixeira de Freitas mesmo
em sua carta de renúncia do IAB, não sem contextualizar suas razões aos “fatos” relatados por
seus biógrafos, para compreender, na medida do possível, a exatidão desses fatos, silenciados
no tempo.
Se o silêncio é retórico, como visto, os debates também o foram. Assim, não é possível
esquivar-se do “silêncio” combatido por Joaquim Nabuco em seus discursos a respeito da
“omissão” textual de Teixeira de Freitas, sem observar que Joaquim Nabuco incidiu na mesma
prática discursiva, quando poderia ter prestado subsídios para a história (e para este estudo
indiretamente) ao descrever, caso pudesse, embora devesse, os eventos jurídicos ocorridos
naquele período, próximo que estava daquele momento.
Joaquim Nabuco, ao não detalhar os desenvolvimentos jurídicos ocorridos,
que conduziram, inclusive, ao estremecimento das relações de Teixeira de
Freitas com seus colegas do IAB, acabou por reproduzir a mesma atitude de
silêncio adotada pelas direções posteriores da casa de não publicar as atas
das conferências em que se verificou o episódio286
. (grifo nosso)
O que teria produzido essa geral “atitude de silêncio”? Qual seria o conteúdo oculto
dessas “conferências” ou debates, ocorridos no IAB capazes de estremecer as relações de
Teixeira de Freitas com seus colegas? Será que foi uma posição anti-abolicionista de Freitas
que produziu essa “atitude” ou, também, tudo não passou de uma estratégia do relato vencedor
abolicionista para excluir qualquer argumentação coerente e concorrente, mas fadada à
derrota, a favor do status quo de então e assim, evitar qualquer retorno à situação anterior? A
pesquisa de Pena lança nova luz sobre essa questão centenária, acerca de como reconstituir
relatos, embora, necessariamente, possam estes também ter sido manipulados
argumentativamente. Contudo, isso é o que se dispõe como informação até o momento
presente:
A partir de alguns periódicos da Corte e de uma importante e pouco
conhecida obra de compilação de questões jurídicas relativas a ações de
liberdade movidas por escravos, realizada por um oficial da Secretaria de
Estado dos Negócios da Justiça, pudemos burlar o silêncio e reconstruir os
‘desagradáveis incidentes’ (expressão cunhada pelo próprio Teixeira de
286
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 77.
103
Freitas) ocorridas no instituto. A reconstituição do episódio foi importante,
por um lado, para se desfazer uma possível imagem de Teixeira de Freitas,
que pode ser feita por uma leitura superficial da nota de Joaquim Nabuco,
como adversário intransigente das ideias emancipacionistas287
.
Havia uma luta de ideias, cada uma com seus discursos e táticas específicos. Como
estes discursos separadamente ou associados poderiam ser aplicados aos casos práticos das
mulheres statu líber que reivindicavam a liberdade de seus filhos enquanto vigorava a cláusula
de condição? Seria esse caso difícil uma construção elaborada para fazer com que a postura
legalista de Teixeira de Freitas fosse derrotada, em tempo e lugar, a fim de que a tendência
dominante prevalecesse apesar da legalidade vigente? Já que não havia espaço dentro do
ordenamento legal textual existente, perece que o melhor seria afastar seu mais preparado
defensor.
Já foi visto que a questão da escravidão trouxe para dentro da pratica dos tribunais
relevantes discussões e o IAB tornou-se palco de pareceres que tinham “força vinculante”,
como melhor se entende contemporaneamente a força que o resultado dos mesmos produzia
como jurisprudência prática288
.
Na verdade, a justiça imperial, quando confrontada com a questão escravista,
apresentava posições dúbias e indecisas, o que não firmava uma jurisprudência definitiva
sobre o assunto289
. Especificamente, eram de dois tipos as pessoas que buscavam a justiça
sobre o assunto delimitado: (1) mulheres escravas que por disposição testamentária eram
libertadas, ficando só com a obrigação de prestar serviços por um período de tempo ao
herdeiro, chamadas de statu líber ou libertas “sob condição”, e, (2) os filhos dessas mulheres
287
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 78.
288 O STF apenas surgiria em 22 de junho de 1890 e o STJ, distinto do Supremo Tribunal de Justiça imperial,
iniciaria seu papel em 09 de janeiro de 1929 com funções restritas e bem específicas, após a proclamação da
República. Fonte: BRASIL. STF. Histórico: Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?
servico=sobreStfConhecaStfHistorico>.
289 Pena cita o exemplo de uma filha de statu líber que perdeu uma ação na primeira instância ao pleitear sua
liberdade por ter nascido no período “sob condição” da mãe e que ao recorrer ao Tribunal da Relação da Corte
teve a sentença reformada a seu favor, mas o Supremo Tribunal de Justiça Imperial ao ser provocado por um
pedido de revista por um dos herdeiros decidiu contra ela, numa clara demonstração de que os tribunais não se
entendiam sobre essa e outras questões legais. Aquele autor também descreve a situação de que dez anos depois
o Supremo decidiu inversamente à reforma de uma sentença do Tribunal de Relação que modificara uma decisão
de primeira instância desfavorável, mostrando assim, “que as posições dos juízes do Supremo, em relação à
questão, variavam segundo a interpretação que faziam da vontade dos proprietários escravistas em seus
testamentos e dos termos condicionais da alforria dada a suas escravas”. PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa
imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas: Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005,
p. 85 – 87.
104
nascidos após a libertação testamentária, mas durante o tempo condicional de prestação de tais
serviços.
Como argumento, os juristas emancipacionistas utilizavam os chamados “princípios
jurídico-morais” pelo bem da liberdade contra as regras gerais de Direito e seus “princípios
jurídico-positivos” que se mostraram como sendo “eficiente argumento de retórica jurídica
acionado pelos jurisconsultos mais propensos à liberdade”290
. Diante da inconsistência dos
tribunais que julgavam tais causas, alguns membros do IAB trouxeram essa discussão para o
debate interno. À época em que Teixeira de Freitas era seu presidente, trazer essa discussão
aos seus átrios parece ter sido uma provocação calculada ao jurisconsulto. Isso porque a
acusação para as decisões vacilantes dos tribunais era “a ausência de um Código Civil claro e
conciso que se definisse diante das inúmeras disposições legais, oriundas do Direito romano e
das ordenações portuguesas, que regulavam as relações escravagistas”291
. Curiosamente em
1857, Teixeira de Freitas havia terminado sua Consolidação das Leis Civis com a lacuna
proposital que, como visto, parecia ter a intenção de favorecer a causa libertária, mas esta
mesma lacuna “deu margem ao contínuo ingresso de ações de liberdade nos tribunais”. Isso
amplificava a provocação e, nas entrelinhas, questionaria a qualidade do seu trabalho.
Assim, a comissão de jurisprudência do Instituto enveredou pelo caminho da polêmica
numa das mais longas conferências do Instituto dos Advogados Brasileiros quando Caetano
Soares apresentou a questão das statu líber para discussão. Em sua defesa utilizou uma
interpretação peculiar de uma cláusula escravista do Digesto romano uma vez que, como
determinavam as ordenações portuguesas, em caso de inexistir “legislação positiva e expressa
nossa” poder-se-ia utilizar de dispositivos do Direito romano para o exercício da hermenêutica
jurídica desde que “os dispositivos escolhidos fossem fundados na boa razão”. Foi com base
nesse argumento da “boa razão” que toda a discussão se desenrolou. “O argumento da boa
razão foi frequentemente veiculado como um preceito jurídico-moral a favor da liberdade”
(ALO3)292
.
290
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 87.
291 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 88.
292 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 89.
105
Ressalte-se que o dispositivo utilizado por Caetano Soares, do Digesto, foi uma
cláusula escravagista utilizada a contrario sensu para defender a causa libertária da statu líber,
ou seja, em favor de sua liberdade. Caetano Soares utilizou a primeira linha de prova
demonstrada por Aristóteles no capítulo 23 do livro segundo de sua Arte Retórica: “uma linha
de prova positiva baseia-se na consideração da oposição de uma coisa em questão”293
. O
fundamento nos paradoxos é um dos mais famosos tropos jurídicos (FLO1).
Causava grande polêmica e discussão, a definição do que viria a ser o termo “boa
razão”, de importante valor linguístico para a época294
. Em resumo, o discurso
emancipacionista europeu canalizou os princípios do liberalismo econômico para a
idealização de reformas que visassem uma “humanização” de toda a questão escravista, desde
as condições do tráfico, às condições do trabalho escravo e sua extinção gradual e controlada.
Assim, a “boa razão” era preferir leis que levassem adiante esses princípios humanitários,
portanto, “seria de bom tom ou de boa razão, por parte dos jurisconsultos “humanitários”,
repudiarem qualquer menção a leis ou normas escravistas de Direitos antigos”295
.
Havia consenso de que o uso de qualquer dispositivo escravista romano era inviável
como norma subsidiária a partir da lei de 1769. Ao falar em “consenso” fica claro que não
havia unanimidade, pois o argumento da “boa razão” veiculado pelo discurso jurídico
emancipacionista também serviu de justificativa para a manutenção da escravidão nas
possessões coloniais portuguesas a fim de se manter a ordem política e o bem-estar econômico
e financeiro do Reino296
. Contudo, Caetano Soares, no Brasil, não seguiu esse consenso
abrindo um precedente na discussão de sacar um dispositivo do Direito romano para fortalecer
seu esquema de argumentação jurídica, posto que para ele “a verdadeira boa razão era
293
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 128.
294 As Ordenações portuguesas também não explicavam muito qual o significado dessa “boa razão”. Na
verdade, os advogados e jurisconsultos portugueses usavam muito esse preceito na escolha das leis antigas a fim
de justificarem seus argumentos jurídicos em detrimento das leis pátrias e costumes do Reino desde o século
XVIII, o que levou a Coroa a baixar uma lei conhecida como Lei da Boa Razão de 18 de agosto de 1769 que
parece ter esclarecido seus possíveis significados. A respeito leia-se PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa
imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas: Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005,
p. 89-90.
295 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 90.
296 Sobre a discussão acerca da lei de 1769 ver TELLES, José Homem Corrêa. Comentário da Lei da Boa Razão
de 18 de agosto de 1769 (1824), Ajuris, Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul [...], Porto
Alegre, nov., 1976, 8, p. 6-74.
106
privilegiar o estado de liberdade em contraposição ao da escravidão, mesmo que isso o
conduzisse a raciocínios complexos e controvertidos de interpretação jurídica”297
.
Caetano Soares questionou se, caso a escrava que ganhava a liberdade sob condição
por meio da vontade testamentária do seu senhor, e, durante o período que ainda prestava
serviços ao herdeiro, viesse a ter filhos, estes seriam livres ou escravos; se escravos, a quem
pertenceriam, e se livres, deveriam também prestar serviços durante o tempo condicionado à
sua mãe298
; Caetano Soares acrescentou mais um argumento à sua interpretação, o preceito
comum entre os romanistas: partus ventrem sequitur.
Em conformidade com aquele preceito o filho da escrava devia seguir a condição da
mãe. Assim, se a mãe tinha o Direito à liberdade, esse Direito também pertencia ao filho
nascido após ser concedida tal liberdade. A questão era se aquelas mães que eram alforriadas
sob a condição de continuarem a prestar serviço teriam filhos libertos. Para Caetano Soares o
significado da expressão testamentária “escravos forros com obrigação de prestarem serviços
a alguma pessoa” concedia a esses libertos sob condição o direito definitivo à liberdade,
apesar da restrição temporária para seu gozo. Logo, se já eram livres, os filhos gerados após a
concessão de tal direito seriam igualmente livres, embora as mães continuassem a prestar
serviços.
Uma vez aberta a discussão ao plenário por seu presidente (Teixeira de Freitas), Sales
Rosa, após concordar com a interpretação favorável à liberdade de ambos, utilizou do mesmo
argumento do partus ventrem sequitur para concluir que os filhos deveriam seguir a condição
da mãe. Ou seja. “se esta era obrigada a trabalhar até um determinado tempo, os filhos
nascidos neste período, mesmo sendo livres, quando aptos, deveriam também trabalhar”299
.
Esse argumento desconstruiu o discurso de Caetano Soares. O mesmo argumento para reforçar
a liberdade servia para manter o trabalho escravo também dos filhos legalmente reconhecidos
como livres. Do mesmo fundamento jurídico resultante de uma reflexão paradoxal se chegava
a soluções totalmente distintas. Isto é, tanto se garantia a liberdade legal aos filhos das statu
líber sob condição, como se assegurava aos usufrutuários o direito de explorar sua mão de
297
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 90.
298 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 80.
299 PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 91.
107
obra temporariamente. Contudo, Perdigão Malheiro, retomou o argumento anterior e,
apelando mais uma vez ao espírito da “boa razão”, aplicou-o também aos filhos, concordando
que eles não seriam obrigados a servir, pois a condição fora imposta apenas às mães. O
princípio de que “em favor da liberdade são muitas coisas outorgadas contra as regras gerais”
se interpôs ao reinado absoluto do direito tradicional.
A “boa razão” despontava como metanorma que justificava até decisões supralegais. O
posicionamento moral estava se impondo e até sendo ressaltado por preceitos legais, o que ia
de encontro a qualquer lógica positiva de interpretação jurídica. Mas não era esse o
pensamento de Teixeira de Freitas.
Embora o presidente da casa (TF) não devesse participar do debate, Teixeira de Freitas
interveio na querela.
Como o objetivo desta dissertação não é assumir um compromisso com qualquer
verdade, concordar ou corroborar com esta ou aquela posição dentro do debate jurídico
daquele então, mas apresentar recursos retóricos usados naquele ambiente discursivo como
cabe à metódica, e, também para que não se delongue sobremaneira, em seguida proceder-se-á
a observação dos principais argumentos utilizados pelo próprio Teixeira de Freitas em sua
defesa “solitária” a respeito da questão escravista, descritos em sua carta de renúncia à
presidência do IAB, um dos poucos documentos que veio “quebrar” o silêncio institucional,
embora produzido de forma unilateral, mas útil para a finalidade deste estudo. Esta carta foi
disponibilizada ao público também pelo IAB em seu site, em 2012, depois de reiteradas
requisições de pesquisadores e historiadores.
4.4 Análise (primeira) dos principais elementos retóricos nos argumentos sobre a
questão escravista do debate no Instituto dos Advogados Brasileiros elencados por
Teixeira de Freitas em sua carta de renúncia à presidência do mesmo.
É de se esperar que alguém com o saber intelectual e jurídico como o de Teixeira de
Freitas também utilizasse em seus pronunciamentos (se orais ou escritos, aqui estão mesclados
pelas narrativas) figuras e argumentos retóricos, como os poucos já delineados anteriormente.
A questão de relevância para a retórica jurídica agora é saber “onde” suas citações se
enquadraram. Conforme as categorias elencadas neste estudo (no capítulo primeiro), tais
figuras e principalmente as frases e orações de seus argumentos seriam uma expressão de seu
108
ethos, pathos ou logos? Isso porque dependendo de como se emoldurem, suas características
diferirão. Se em sua maioria, porque nem todas podem ser tão peremptórias, estiverem
relacionadas ao ethos ou ao pathos poderá se inferir que são de caráter ornamental e personal;
se relacionadas ao logos terão um caráter predominantemente postulatório, embora todas
busquem em alguma medida, a persuasão. Estas são as principais teses que se buscará
confirmar.
Como visto, a problemática levantada no debate do IAB versava sobre “se eram livres
ou escravos os filhos de uma escrava, que em testamento havia sido libertada, mas com a
cláusula de servir a um herdeiro ou legatário, enquanto este vivesse”300
. Na carta de 1857, a
primeira ação de Teixeira de Freitas é expor o primeiro argumento emocional do proponente
naquela reunião da entidade de advogados, o Dr. Caetano Soares: “ele preveniu desde logo,
que intensa seria a sua mágoa se resolvida fosse a questão por maneira diversa da que ele
esperava”301
. Como se sabe, Caetano Soares fora o antecessor a Teixeira de Freitas na
presidência daquela casa e naquele então contava com sessenta e sete anos de idade, um
“velho” diante dos jovens que ali se encontravam. Seu apelo pessoal (E) e emocional (P) não
era irrelevante retoricamente. Além disso, tal postura imprimiu o tipo de animosidade que
transcorreria durante o debate.
Quando escreveu a carta de renúncia à presidência do IAB datada de 22 de outubro de
1857, poucos dias após as discussões, as memórias de Teixeira de Freitas estavam vivas e as
emoções agitadas. Suas emoções emergiram intensamente nos primeiros parágrafos como um
fluxo de metáforas, aliterações e ironias, evidenciando sua habilidade retórica em lidar com as
palavras para exprimir o estado de seu espírito. Com isso esperava que o Instituto não
aceitasse sua renúncia? Assim ele descreve seu sofrimento (APO1) em forma de diácope
(FLO1):
Quando as aspirações de uma mocidade ardente e apaixonada foram
convergindo para o mais nobre sentimento que pode excitar o coração
humano;
300
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 45.
301 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 47.
109
quando o amor de todos, concentrado no amor da pátria, me fez
compreender qual o destino da provança da vida;
quando na arena em que a Providência me colocou, conheci o dever de
dedicar-me a sérios estudos de jurisprudência, uma ideia desanimadora, um
prejuízo talvez, apoderou-se do meu animo, ideia desesperada pela
consciência da própria fraqueza.
Eu tinha concebido vastos planos,
eu carecia de uma coadjuvação, de uma vocação igual à minha, e essa
coadjuvação
eu a tive por impossível302
. [...] (grifos nossos).
Até às primeiras razões jurídicas tentou desafogar suas mágoas recorrendo a muitas
figuras de linguagem associadas, como estas metáforas (FPO1), entre tantas:
[...] deixar passar essa onda que submerge minhas esperanças.
[...] Entendi que as sociedades e comissões científicas eram instituições de
mero luxo, senão um hábil invento da insuficiência e ociosidade, que permite
a pequeninos zangões sorver o mel fabricado por abelhas trabalhadoras.
[...]
[...] nada mais natural do que amparar-se o fraco edifício da ignorância com
os esteios de nomes vãos e títulos pomposos, que são ouropéis com que se
impressiona o vulgo.
[...] não sei também que fruto se possa colher dos assaltos de uma primeira
ideia [...]
[...] Arreceei-me, pois, de que o forte licor da liberdade, que na ordem
política tantas calamidades há [sic.] causado [...]
[...] em cujo coração não puderam ainda os anos esfriar a energia dos mais
nobres sentimentos [...]
[...] Era de mister aplacar as vagas agitadas. Intervim na questão, afugentei
o falso aspecto da teoria [...] derivi por outro lado a feroz corrente da
discussão, e então, abertos novos horizontes [...]303
. (grifos nossos).
Ainda fez na sua introdução uso de questionamentos (FPA1) que seguramente sabia
terem nos seus interlocutores uma ampliação retórica de seu estado emocional manifestamente
sarcástico:
302
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 42 – 43.
303 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 42 – 51.
110
O que poderá fazer um homem, que, em trabalhos sobre qualquer ramo da
ciência, lidar com outros que ponham em dúvida as próprias ideias
rudimentares? Podereis vós ter uma questão de gramática com quem não
conhecer as letras? Podereis verificar uma operação de contabilidade com
quem não conhecer os algarismos?304
E ainda minimizando, continua apelando para sentimentos até que, de fato, entre em
alguma questão de jurisprudência:
Seria isso uma ilusão? Terei de voltar ao meu isolamento, aos monólogos de
um solitário, sem o auxílio de tantos espíritos tão liberalmente favorecidos
pela natureza, que podem ser uteis à pátria?305
Ali também, Teixeira de Freitas deixou claro que a aplicação por Caetano Soares da
regra de direito romano, a mesma que ele utilizou306
, de que as mães desses filhos eram livres
e, por conseguinte seus filhos o eram, era “uma suposição errônea”. Na verdade, foi visto que
Caetano Soares utilizou o princípio romano partus ventrem sequitur a contrario sensu e, este
ficou distorcido também pelas deduções de outros presentes, sendo, por fim, abandonado.
Então, foi evocada para interpretar a questão a “famosa boa razão da lei de 18 de agosto de
1769”. Fato que não passou despercebido a Teixeira de Freitas.
O direito romano, que pouco antes havia sido invocado como um foco de luz,
e precisamente em um ponto em que sem necessidade quis ser contraditório,
foi abandonado de improviso, passando logo a ser uma legislação de
bárbaros, que não podia quadrar ao espírito liberal da civilização moderna!307
304
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 44.
305 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 45.
306 “A regra da L. 5ª §2º, e L. 24 Dig. de stat. hom, partus ventrem sequitur.” FREITAS, Augusto Teixeira de.
Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto
Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia Hilderbrandt, 1905, p. 46.
307 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 50 (grifo nosso).
111
Teixeira de Freitas não refutou imediatamente, pois lamentou que o Instituto não
possuísse sequer uma cópia do Corpus Iuris308
, a “suposição errônea” de Caetano Soares com
base no direito romano, realizando essa correção por meio de uma análise trazida na segunda
sessão para expor aquele erro silogístico:
[...] conheci que todo o mal provinha somente da viciosa redação da
proposta, a qual laborava no erro essencial de supor, que o serviço obrigado e
temporário do escravo manutido com condição era o de uma situação
semelhante à do locador de serviços, ou mais ainda, porém não o serviço que
constitui ou caracteriza a escravidão309
.
Parece que o debate prosseguiu do Direito Romano para teorias de locação e usufruto
sem que se conseguisse uma resposta jurídica satisfatória. Durante a discussão, os discursos e
as votações se afastaram cada vez mais do direito romano e da teoria geral fornecedora dos
princípios interpretativos que formaram o ponto inicial da questão. Então, Teixeira de Freitas
mudou seu foco do pathos (P) emocional para uma variedade de argumentos jurídicos
intrínsecos ao logos (L) para, logo, passar a uma demonstração detalhada da doutrina que
defendia. Fez citações legais tanto do direito romano como do Código Civil da Lousiana na
forma de argumentos (ALO1). Apresentou o princípio da “boa razão” mais uma vez (ALO2)
coligado a ditados do senso comum (ALO3). Para enfim, prosseguir em direção a seus
argumentos dedutivos (ALO4).
Estas soluções tem assento no direito romano,
tem autoridade no código civil da Lousiana [sic],
derivam da boa razão em todo o país onde houverem escravos [...]
como o desejam todos os corações bem formados, e como reclama o santo
dever da caridade.
308
A obra legislativa de Justiniano que consta de quatro partes: Institutas (manual escolar), Digesto ou
Pandectas (compilação dos iura), Código (compilação das leges) e Novelas (reunião das constituições
promulgadas depois de 535 por Justiniano). A esse conjunto, o romanista francês Dionísio Godofredo, em 1538,
na edição que dele fez, denominou Corpus Iuris Civiles (Corpo de Direito Civil), designação essa que é hoje
universalmente adotada. A melhor edição do Corpus Iuris Civilis é a devida aos alemães Mommsen, Krueger,
Schoell e Kroll. O primeiro editou o Digesto (Pandectas); o segundo, as Institutas e o Código; e os demais, as
Novelas. Texto integral do Corpus disponível em: <http://archive.org/details/corpusjuriscivil01krueuoft>.
309 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 52.
112
[...] negais-me os princípios, porque vos temeis das minhas consequências.
[...] eu vou em ordem numérica expor as minhas demonstrações; abalai, se
puderdes, a base dos meus raciocínios, rompei sua cadeia lógica310
. (grifos
nossos)
Ao longo da numerosa exposição doutrinária, particularmente a teoria do usufruto, e
foram trinta e duas exposições que versaram acerca de liberdade, vontade, dominação,
personalidade, escravidão, lei e direitos como capacidade civil e capacidade política; sua
retórica se avolumou. Destacadamente na forma de argumentos dedutivos (ALO4). A “ficção
engenhosa” de Teixeira de Freitas, na verdade, foi constituída de deduções silogísticas e
entimemáticas. Um exemplo foi a refutação ao pensamento de que “um testamento liberte um
escravo e ao mesmo tempo o obrigue a servir alguma outra pessoa”:
[...] O serviço livre será eternamente o produto de um contrato, de um
concurso de vontades [premissa: contratos são a expressão de um concurso
de vontades].
[premissa oculta: os serviços são regidos por contratos]
[...] Ora, o testamento não é contrato, é a expressão de uma vontade única
[premissa: testamento não é contrato].
[premissa oculta: testamentos não regem serviços]
[...] Como pode, pois, o testamento obrigar alguém a prestar serviços?311
[conclusão: o testamento não pode obrigar alguém a prestar serviços]
Essas demonstrações incluíam também princípios de lógica. Isso pode ser observado
no seguinte questionamento:
Perguntar, se pessoas livres são obrigadas a prestar serviços como escravas, é
perguntar se pessoas livres podem ser escravas, ou se pode ser livre e escravo
ao mesmo tempo, ou se pode ser e não ser312
.
310
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 59.
311 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 64.
312 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 65.
113
Organizando essas questões logicamente pode-se parafrasear esta passagem assim:
Se, a escravidão é a ausência da liberdade ou, “o estado oposto à liberdade”313
;
Uma pessoa não pode ser livre e não livre ao mesmo tempo (“ser e não ser” ao
mesmo tempo)314
;
Uma pessoa livre não pode ser ao mesmo tempo escrava;
Logo, uma pessoa livre não pode ser obrigada a prestar serviços como escrava.
Para demonstrar ainda que a “teoria do usufruto” não era aplicável àquela controvérsia,
seguindo a mesma lógica, partiu da premissa de que duas entidades deviam estar pressupostas
para o usufruto: a do usufrutuário (aquele que usufrui da coisa) e a do nu proprietário (aquele
que dispõe da coisa). Como o herdeiro não pode ser ambas as entidades, e, o escravo também
não pode ser sujeito e objeto do direito, tal teoria era inaplicável ao caso. Foi assim que
chegou Teixeira de Freitas à essa conclusão:
Se no caso sujeito o herdeiro ou legatário é usufrutuário, quem será então o
proprietário? [O proprietário é sujeito suscetível de direito (o direito de
liberdade, podendo concedê-la ou não)]
Será o escravo o proprietário de si mesmo, ou de sua liberdade alcançada
pela manumissão? [A coisa (o escravo) não pode ser ao mesmo tempo sujeito
(proprietário) e objeto (coisa) do direito (o direito à liberdade)]
Mas, o escravo é coisa [...]
[...] e a coisa, como bem define o código de Berne, só pode ser objeto do
direito, mas não é suscetível do direito315
. [Logo, a coisa é o objeto do direito
(o escravo apenas pode ser liberto ou não)]
Teixeira de Freitas, ainda utilizou-se de deduções (ALO4) para corroborar argumentos
de autoridade ao trazer os axiomas de Berne e Savigny316
(AEO1) para confirmar seu
313
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 63.
314 Conforme o princípio de lógica formal da não contradição em que uma proposição não pode ser e não ser
(seu contrário) ao mesmo tempo (é impossível que A seja A e não-A simultaneamente).
315 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 66.
114
pensamento de que “engana-se quem pensa que o senhor transmite ao liberto a propriedade de
escravo” tomando como base a liberdade, em conclusão à máxima do Digesto – et certe
libertas inœstimabilis res est (ALO3):
[Premissa oculta: propriedade é aquilo que tem preço venal]
Se, a liberdade é inestimável, se não tem preço venal,
não pode ser objeto de propriedade317
.
Continuando sua apresentação a respeito da doutrina do usufruto usou de argumentos
legais onde citou mais do que antes porções do Digesto, das Institutas e de artigos do Código
da Lousiana e do “nosso código penal”, não sem citar também os princípios de Savigny, das
Pandectas de Pothier318
, bem como Molitor319
. Ficando evidenciado assim, seu conhecimento
doutrinário e sua preferência em cunhar sua ciência na letra da lei, no logos (L).
Contudo, chega ao desfecho de sua carta, voltando aos elementos emocionais
relacionados ao pathos (P) como fez no inicio dela. Porém, muda o foco das figuras para os
argumentos, que como cabe ao remate de um discurso não é tão numeroso, mas rico,
principalmente por certo ar de ironia.
Foram poucas as metáforas, porém, fortes:
[...] Eu vos acompanharei em vosso vôo (sic.), contanto que não subais mui
alto.
316
Savigny [que certamente exerceu influencia sobre Teixeira de Freitas no seu tempo, pois aqui ele o cita]
fundado no sistema romano, onde a obrigação se convertia em moeda quando objeto de execução judicial,
sustentou a ideia de que as obrigações apresentam sempre um componente patrimonial. NADER, Paulo. Curso
de direito civil, volume 2: obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 9 – 10.
317 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 66.
318 Robert Joseph Pothier (1699 – 1772) foi um jurisconsulto francês, nascido em Orléans, França. Dentre suas
obras merecem destaque especial as clássicas Pandectae Justinianae in Novum Ordinem Digestae, trabalho ao
qual dedicou vinte anos de sua existência. Foi erudito conhecedor da literatura e das instituições da Antiguidade
clássica sendo também um ilustre romanista. LIMA JÚNIOR, Dilson Machado de. (Coord.) Pothier. Dicionário
bibliográfico e teórico [de] filosofia do direito. Belo Horizonte: Líder, 2007, p. 200.
319 Como nos preceitos reproduzidos na reedição de Jean Paul Molitor, Les obligations en Droit Romain, 10ª ed.,
Gand, H. Hoste, 1866.
115
[...] Se me negardes o brilho do sol, eu não direi que tendes uma opinião,
direi que sois cegos320
. [...] (grifos nossos)
A surpresa que guardou para o fim foi mais destrutiva para a doutrina e para sua
pessoa do que tudo o que tentou construir com as muitas lições do corpo da carta. Vangloriou-
se de ter sido chamado de “romanista”. Antes, porém, enumerando todos os seus recursos
retóricos, mais uma vez desdenhou da proposta:
Já vedes, senhores, que nem o direito antigo nem o direito moderno, vos
autorizava para tantas aberrações; e já que me taxais de nimiamente
romanista, eu vos direi que no ponto discutido, não há nem superstições,
nem sutilezas romanas [APA1]. Tudo é natural, tudo é de rigor, não tenho
feito mais do que aplicar princípios [ALO2], do que lembrar-vos verdades,
umas axiomáticas, outras perfeitamente demonstradas [ALO4], que a
sabedoria dos séculos tem entesourado [ALO3], e que formam hoje o corpo
de doutrinas [ALO2], que se chama Ciência do Direito321
[AEO3].
Certamente Teixeira de Freitas buscou “vencer” a polêmica apelando à “benevolência
de todos”, mas foi resignado e após afirmar “não quero posições artificiais, nem essas
reputações falsas, cobertas de elogios, que tanto abundam em nosso país”, renunciou ao cargo
destruindo a já “falsa” aparência de união do Instituto que ele denominou de “respeitável
corporação”:
Peço-vos humildemente, que me dispenseis, quero a posição subalterna de
simples membro, que só dar-me-á direito de falar as vezes que me
competirem, sem que eu abuse, sem que dê mostras de alguma superioridade
[!]. Quando o meu modo de pensar não se conformar com o da maioria do
Instituto, eu protestarei e farei publicar o meu voto em separado, para que o
direito não fique reduzido a uma ciência extravagante, em que cada um pode
dizer o que quiser.
320
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 42 – 51, 79 – 80.
321 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 77 – 78 .
116
Dispensai-me, senhores; terminai como quiserdes a vossa questão de
liberdade. É uma questão de liberdade e vós a tendes discutido com toda a
liberdade322
.
Essas antíteses não guardaram uma refletida ironia? Se não, como elucidar essas
palavras finais?
Tomo a ousadia de oferecer ao Instituto a pequena quantia de 1:000$ para ser
aplicada à fundação da sua biblioteca, e recomendo-vos sobretudo, que a
enriqueçais logo como o Corpus Iuris, [FPO1] que deve ser a fonte vital,
onde devemos beber sempre e sem descanso323
[FPO1]. (grifos nossos)
Foi assim que Teixeira de Freitas deixou a presidência do IAB.
4.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do tema
da escravidão.
Em resumo a todo o visto neste capítulo e segundo o texto integral usado para análise –
a carta de renúncia de Teixeira de Freitas à presidência do IAB – segue que:
Tipos/Categorias nº de
incidências Observações
ethos (E)
FEO1 0 poucas expressões que possam
manifestar a personalidade do autor e
uns poucos argumentos demonstram seu
conhecimento especializado
AEO1 1
AEO2 1
AEO3 3
FPO1 21 grande ênfase em metáforas e ironias
que ornaram o texto pessoal (carta) FPO2 1
322
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 81.
323 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de renúncia da presidência do IAB de 22 de outubro de 1857 apud
VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia
Hilderbrandt, 1905, p. 81.
117
pathos (P)
FPO3 1
APO1 9 todas, emoções de pesar pelo debate
ocorrido no IAB
FPA1 11 com destaque para as perguntas retóricas
tanto no início como no fim da carta
APA1 4 mostra atenção às emoções dos
interlocutores para usá-las a seu favor
logos (L)
FLO1 7 juntamente com as outras figuras de
linguagem demonstra cuidado na
elaboração do texto
FLO2 7 expressões latinas típicas de quem lida
com textos jurídicos
ALO1 40 grande número de citações de textos
legais do direito romano sobre a teoria
do usufruto
ALO2 9 princípios do direito das obrigações
ALO3 10 principalmente brocardos latinos do
Digesto apresentados na língua original
ALO4 10 importantes deduções para desconstruir
os argumentos de que a teoria do
usufruto se aplicaria à questão proposta
Subtotais 16 135
118
CAPÍTULO QUINTO – A VALIDADE DO CASAMENTO NORMATIZADA PELO
JURISCONSULTO POSITIVISTA: UM CONFLITO ENTRE O RELIGIOSO E O
CIVIL.
Sumário: 5.1 A importância e o interesse da Academia brasileira pelo tema do casamento
no período oitocentista. 5.2 A reação de Carlos Totvárad às prescrições do Esboço de
Teixeira de Freitas a respeito do casamento através da imprensa como nova estratégia de
abordagem. 5.3 Elementos motivadores nos discursos de Totvárad e de Teixeira de Freitas:
um debate predominantemente fundamentado na religião. 5.4 Análise (segunda) dos
principais elementos retóricos dos argumentos sobre o tema do casamento elencados por
Teixeira de Freitas em sua resposta a Carlos Totvárad no Diário do Rio de Janeiro em
agosto de 1861. 5.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas
acerca do tema do casamento.
“Os conceitos intelectuais não são definitivos, mas dinâmicos e abertos, porque extraídos das
consequências práticas previsíveis, o seu número é indefinido e sua aferição problemática, estando, assim,
impregnados de falibilidade.”
George Browne324
5.1 A importância e o interesse da Academia brasileira pelo tema do casamento no
período oitocentista.
Da mesma maneira que a polemica a respeito da escravidão inflamava o cenário
internacional e colocava o Brasil no centro das principais discussões políticas e acadêmicas,
um segundo assunto despertava interesse dos mais sérios: a implantação e validade do
casamento civil.
Na busca pelo poder, cada religião sempre reclamou para si os efeitos e a validade dos
efeitos do casamento e contestava, assim, o rito e a validade de outras celebrações religiosas.
A partir da influência que veio da Europa, no Brasil colonial não foi diferente. Até o ano de
1890 o casamento no Brasil obedeceu quase que exclusivamente a legislação canônica
católica, vez que a religião católica era a religião oficial, primeiro de Portugal e depois do
Império, sendo, portanto ainda aqui, o casamento, um instituto (ou sacramento)
exclusivamente religioso. O primeiro imperador, D. Pedro I, ordenara, por decreto, a
observância das disposições do Concílio de Trento sobre o matrimônio e das Constituições
324
REGO, George Browne. O pragmatismo como alternativa à legalidade positivista: o método jurídico-
pragmático de B. N. Cardozo. BRANDÃO, Cláudio; CAVALCANTI, Francisco; ADEODATO, João Maurício.
(Coord.) Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 70.
119
Primeiras do Arcebispado da Bahia325
. No Segundo Império, a partir de 1840, iniciou-se uma
busca por mudanças que atendessem novas tendências nacionais e internacionais. A questão
do casamento era uma delas e Teixeira de Freitas, uma vez contratado pelo Império para
preparar o Projeto do Código Civil em 1858, a ela também se dedicou, respeitando o modelo
religioso.
No mesmo ano de 1858, o então Ministro da Justiça Diogo de Vasconcelos
encaminhou um projeto estabelecendo o casamento civil, obrigatório aos não católicos, e
facultativo entre um acatólico e um católico que não quisessem casar-se segundo as normas
canônicas. Este projeto foi aprovado e transformado na lei n. 1.144, de 11 de setembro de
1861 (pouco depois dos eventos que serão analisados aqui). Foi essa lei que, regulamentada
pelo decreto n. 3.069, de 17 de abril de 1863, retirou da Igreja a exclusividade do casamento
religioso permitindo que outras religiões tivessem seus casamentos reconhecidos pelo Estado,
produzindo efeitos civis, pois, obviamente, as matérias contidas no Esboço não tinham força
de lei até que fossem prolatadas como Código Civil em conformidade aos procedimentos
legislativos necessários. Contudo, essas matérias serviram como base para discussões e análise
no campo forense material e processual.
Esta primeira ação legislativa concretizou a discussão, ainda que não de forma
definitiva, acerca da obrigatoriedade do casamento civil a fim de neutralizar o poder da Igreja
e consolidar a ordem do Estado brasileiro, embora este ainda continuasse em transição.
Porém, só com a instituição da República, no Brasil, foi que o decreto nº 181, de 24 de
janeiro de 1890 instituiu a obrigatoriedade do casamento civil no Brasil para todas as práticas
religiosas, evidentemente vinculando também a igreja católica. Por esse decreto, os rituais de
cada profissão de fé podiam ocorrer antes ou depois do ato civil326
; e, esse mesmo decreto
determinou que a competência de julgar oficialmente as causas relativas ao casamento
325
Por força da Lei de 3 de novembro de 1827, a Assembleia Legislativa resolveu manter como lei do Império
as disposições do Livro 1º, título 68, §291 das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, elaboradas pelo
Arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide e aprovadas por um Sínodo Diocesano em 12 de junho de 1707. As
disposições a respeito do “sacramento” do matrimônio e seus assentos estão descritas a partir do título 62 até o
título 74 nessas constituições. VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Constituições primeiras do arcebispado da
Bahia. São Paulo: Tipografia 2 de dezembro de Antonio Louzada Antunes, 1853, p. 107 – 132. Disponível para
download em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/222291>.
326 Assim rezava o parágrafo único do artigo 108: “Fica, em todo o caso, salvo aos contraentes observar, antes ou
depois do casamento civil, as formalidades e cerimônias prescritas para celebração do matrimônio pela religião
deles”. BRASIL. Legislação. Decreto nº 181, de 24 de Janeiro de 1890. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-181-24-janeiro-1890-507282-publicacaooriginal
-1-pe.html>.
120
passasse exclusivamente à jurisdição civil327
. Ainda nessa lei fala-se pela primeira vez em
divórcio legal, para indicar a separação de corpos328
. Certamente, tal decreto foi ainda reflexo
de seu tempo, mas serviu bem ao processo crescente de laicização do Estado brasileiro.
Além das considerações religiosas e diplomáticas já referidas resumidamente antes (no
capítulo terceiro) acerca do tema, um grande interesse se abateu nos principais centros
culturais do Brasil, mormente onde se desenvolviam os principais estudos jurídicos: a capital
do Império e outros centros jurídicos. Várias foram as publicações acerca do tema. No Recife,
Braz Florentino Henriques de Souza329
publicou, em 1859, O casamento civil e o casamento
religioso. Quem confrontou o pensamento de Braz Florentino foi Carlos Totvárad com um
estudo chamado Refutação330
. Totvárad, que deu voz a uma oposição silenciosa contra a
Igreja, também escreveu outros dois compêndios acerca do tema do casamento: um, intitulado
O Casamento Civil331
e outro, chamado Reflexões332
. Caetano Alberto Soares também
publicou a obra Do Casamento como Contrato Civil, obra que foi divulgada em 1865333
.
327
Art. 109: “Desta mesma data por diante todas as causas matrimoniais ficarão competindo exclusivamente à
jurisdição civil”. BRASIL. Legislação. Decreto nº 181, de 24 de Janeiro de 1890.
328 Art. 88. “O divorcio não dissolve o vinculo conjugal, mas autoriza a separação indefinida dos corpos e faz
cassar o regime dos bens, como se o casamento fosse dissolvido”. BRASIL. Legislação. Decreto nº 181, de 24
de Janeiro de 1890.
329 Braz Florentino Henriques de Souza frequentou o Seminário de Olinda e concluiu o bacharelado na
Faculdade de Direito do Recife em 1850 e o doutorado em 1855.
330 Título completo da obra era Refutação da doutrina do Dr. Braz Florentino Henriques de Souza lente
catedrático da faculdade de direito do Recife apresentada na sua obra O casamento civil e o casamento
religioso por Carlos Kornis Totvárad ex-lente de direito criminal da universidade de Pest na Hungria. A obra
foi publicada em 1860 no Rio de Janeiro pela Livraria Universal de Eduardo & Henrique Laemmert.
331 Essa obra de Totvárad se intitulou O Casamento Civil ou o Direito do poder temporal em negócios do
casamento. Discussão jurídico-hitórico-teológica em duas partes. A primeira parte (tomo I) se voltou aos
aspectos jurídico-históricos. Nela, ele apresentou “argumentos de direito natural, os costumes e leis matrimoniais
de quase todos os povos da antiguidade”; com a refutação da primeira tese do Cônego Joaquim Pinto de Campos.
Na segunda parte (tomo II), ele apresentou “argumentos dos evangelhos, dos atos e das epístolas dos apóstolos, e
dos escritos dos primeiros padres do cristianismo, da doutrina dos diferentes teólogos e da história eclesiástica”.
A primeira parte foi publicada em 1858 e a segunda, em 1859, ambas no Rio de Janeiro, pela Livraria Universal
de Eduardo & Henrique Laemmert.
332 As Reflexões sobre a emenda substitutiva de João Lustosa da Cunha Paranaguá à proposta do governo
imperial regularizando os negócios de casamentos questionaram os posicionamentos da igreja católica sobre a
celebração e validade de casamentos realizados sob outros ritos, em particular, os das igrejas protestantes. Na
mesma obra foi publicada uma refutação ao que Totvárad chamou de os Paradoxos do Dr. Vilela Tavares, lente
de direito eclesiástico da faculdade do Recife e deputado pela província de Pernambuco à Assembléia Legislativa
Geral. Essa obra foi considerada por Totvárad como um complemento ao seu O Casamento Civil, e, foi publicada
em 1861 no Rio de Janeiro pela Typografia Universal de Eduardo & Henrique Laemmert.
333 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 91.
121
5.2 A reação de Carlos Totvárad às prescrições do Esboço de Teixeira de Freitas a
respeito do casamento através da imprensa como nova estratégia de abordagem.
Nos centros onde florescia a cultura e se estabelecia o poder no Brasil, além das
publicações bibliográficas, outro fenômeno se desenvolvia como forma de manifestação sobre
a questão do casamento, entre outras: as discussões publicadas em periódicos, comumente
referidas como a “imprensa”334
.
É sabido que um “periódico” como indica sua denominação, assim como um jornal ou
revista, é uma publicação que obedece a certa periodicidade (diária, semanal, quinzenal,
mensal, etc.). Esse fenômeno iniciado no final do século XVIII é fonte material que preservou
o desabrochar de uma cultura jurídica também nascente como forma estratégica de divulgação
de argumentos335
. Foi através desse meio e mediante essa estratégia que a questão do
334
As formas de manifestação à época podiam ser públicas ou reservadas. Dentre as formas reservadas estavam,
por exemplo, e com ênfase na forma escrita, os documentos oficiais que circulavam entre os interessados de um
determinado órgão ou instituição, e as cartas pessoais que por vezes tinham força oficial e jurídica como a
estudada no capítulo anterior, que em lugar de um mero pedido de exoneração foi utilizada para, junto com
exposições doutrinárias de Direito, expressar com mais força sentimentos pessoais, assim como também articular
estratégias persuasivas. Esse tipo de discurso, em geral, não chegava ao grande público e seu conteúdo só
ganharia publicidade pela pesquisa e divulgação de historiadores e jornalistas, estes últimos com atividades
iniciadas concomitantemente aos eventos do período oitocentista brasileiro. Por sua vez, as formas de
manifestação pública iam desde os discursos proferidos em locais públicos (como em comícios e preleções em
teatros, estes com ênfase na oratória, a oralidade, que permitiam a percepção imediata da reação do auditório)
até, as impressões gráficas em livros, revistas e periódicos. Com certeza, quem escrevia um livro pretendia
alcançar um outro público, talvez maior ou, pelo menos, um público específico, especializado, contudo, de
retorno menos imediato, o mesmo ocorrendo com os periódicos e jornais, ainda mais gerais. Nestes, também
ficou gravado o registro do interesse sobre o tema do casamento civil.
335 Apesar dos meios de divulgação do debate entre Totvárad e Teixeira de Freitas terem vindo a público através
da imprensa comum, ou seja, os jornais o Correio Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro já em circulação ao
longo de 1859, o periodismo jurídico, especificamente, já era na Europa o meio comum de divulgação das ideias
jurídicas e exerceu papel importante na evolução das Ciências Jurídicas. “O fenômeno do periodismo jurídico
surge na França” tendo como referências o “Journal dês Causes Célèbres (1773), a Gazette dês Tribunaux
(1786) e Jurisprudence de La Cour de Cassation (1791). No entanto, a grande influência inicial foi marcada
pelas publicações germânicas: Friedrich Carl Von Savigny iniciou a edição do periódico Zeitschrift für
geschichtliche Rechtwissenchaft (1815) juntamente com K. F. Eichhorn e T. F. L. Goschen. [...] Em 1820, é
lançado o Archiv der Gesellschaft für aeltere Deutsche Geschichtskunde, seguido de Zeitschrift für Deutsche
Recht (1820)”. Na Itália “Bartolomeo Belli deu ao prelo a Reccolta delle più importanti decisioni dei Supremi
Tribunali de contenziosa (1816), seguido de Repertorio generale di giurisorudenza dei tribunali romano (1817),
publicado até 1861”. Em Portugal, a primeira publicação portuguesa voltada ao Direito foram os Annaes da
Sociedade Jurídica (1835) e a Revista Jurídica da Sociedade Jurídica do Porto (1836), a Gazeta da Relação de
Lisboa (1838) e, em Coimbra, a Chronica Juridica (1840). A Gazeta dos Tribunais, ligada à Associação dos
Advogados de Lisboa surgiu em 1841. No Brasil, o príncipe regente João, em 1808, após a criação da Imprensa
Régia, providenciou a criação da Gazeta do Rio de Janeiro, que foi o “primeiro jornal publicado no Brasil,
voltado à publicidade legislativa”. “A primeira publicação brasileira genuinamente jurídica” foi a Gazeta dos
Tribunais (1843) e o primeiro periódico jurídico do Recife (porque a Faculdade de Olinda se mudou para um
prédio em Recife em 1854) foi o Ensaio Philosophico Pernambucano – Periódico Scientifico e Litterario (1857).
Em 1858 a Associação de Acadêmicos matriculados na Faculdade de Direito do Recife publicou a Revista
Acadêmica: Jornal de Sciencias e de Litteratura. Em 1862, o Instituto dos Advogados Brasileiros, sob a
122
casamento civil foi abordada e confrontada por Carlos Kornis de Totvárad, não sem receber a
devida contrapartida de Teixeira de Freitas. Um debate que teve como “pano de fundo” a
temática abordada no Esboço. Tema que sempre apareceu em publicações acadêmicas como
as que foram assinadas por Bernardino dos Santos com o título “O matrimônio é
indissolúvel?” ou por C. de Lemos “O matrimônio é uma sociedade igual?”, ambos no
periódico da Faculdade de Direito do Recife: o Ensaio Philosophico Pernambucano –
Periódico Scientifico e Litterario336
.
Também já foi referido no capítulo terceiro (p. 84) desta dissertação que a divulgação
desse debate ocorreu por meio de periódicos seculares como o Correio Mercantil e o Diário
do Rio de Janeiro, em 1861, apesar de já existirem vários periódicos jurídicos tanto na capital
do Império como em outros lugares do Brasil. Seguramente, o objetivo era alcançar o público
em geral e não apenas o público versado nas letras jurídicas. Mobilizar a opinião pública para
uma determinada adesão temática é um dos objetivos do jornalismo, que sob o manto de
fornecer informações acerca de eventos, o que certamente não é acompanhado de
imparcialidade, constitui-se numa estratégia de persuasão de maior abrangência, já iniciando
sua utilização naquela época.
A polêmica com Teixeira de Freitas se travou em 1861 não em um livro, como
Totvárad costumava. Como componente de sua estratégia de combater o poder da Igreja
católica, ele partiu para a “imprensa”. Em conformidade ao seu costume de “abundante”
produção jornalística337
, Totvárad, desta vez escolheu discutir através do jornal Correio
Mercantil; por sua vez, Freitas escolheu o Diário do Rio de Janeiro. Num, Totvárad atacava,
no outro, Freitas refutava. O primeiro artigo que Totvárad escreveu para atacar Freitas teve
por título O Casamento no sentido do Esboço do Código Civil pelo Sr. Dr. Augusto Teixeira
de Freitas; as respostas de Teixeira de Freitas apenas se chamaram de O Casamento.
iniciativa de Perdigão Malheiro iniciou a publicação de seu órgão oficial: a Revista do Instituto da Ordem dos
Advogados Brazileiros. “A partir de 1868, o órgão oficial do IAB divulgou os relatórios e o parecer dos membros
da “Comissão encarregada de examinar o projeto do Código Civil redigido pelo doutor Augusto Teixeira de
Freitas e a resposta deste” O tema voltaria à tona em 1870, com a “Resposta do autor do Código Civil ao
secretário da comissão revisora do mesmo código””. FORMIGA, Armando Soares de Castro. Periodismo
jurídico no Brasil do século XIX. Curitiba: Juruá, 2010, p. 36 – 40, 50, 53, 72, 74, 81, 84.
336 FORMIGA, Armando Soares de Castro. Periodismo jurídico no Brasil do século XIX. Curitiba: Juruá,
2010, p. 73.
337 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 220.
123
5.3 Elementos motivadores nos discursos de Totvárad e de Teixeira de Freitas: um
debate predominantemente fundamentado na religião.
A religião se apoiava nas elites dominantes, seja também servindo de apoio para elas,
seja participando do poder mesmo. Uma forma de controle foi o casamento. Vários discursos
de poder têm se levantado no decorrer da história como formas de controle pelas forças
políticas, econômicas e religiosas. Esses discursos têm abordado temas diversos como a
educação, casamento, segurança, direitos civis, direitos ambientais e direitos trabalhistas, entre
outros. O discurso de então, a respeito do casamento, foi levantado pelo poder religioso, para
afirmar ou contestar, mas em outros tempos poderia ser levantado por forças políticas
ambientalistas, sexistas ou de gênero como ocorreu mais de um século depois. É fato que o
tema do casamento sempre atendeu a interesses econômicos hereditários e/ou políticos de
indivíduos e grupos, ora para discutir o papel da igreja como controlador da sociedade, ora
para definir questões pontuais como a idade e o papel da mulher na relação, ou também, sua
abrangência nos relacionamentos de diferentes orientações sexuais. Considerar a “instituição”
casamento como em declínio ou sem importância é, na menor das hipóteses, uma ingenuidade.
Não importa quantos sejam os dispositivos “legais”, cada grupo de interesse deseja adequar
essa “instituição”, o casamento, à sua visão como uma bandeira vitoriosa. O porquê do
interesse do tema para esses grupos, aqui permanecerá apenas como interesse retórico. O
poder, do final do século XIX, se transvestiu de ideologias religiosas, católicas e protestantes,
como hoje se debatem também, por exemplo, forças democráticas e ditatoriais.
Totvárad e Freitas estavam nesses extremos religiosos. Ao expor os dispositivos legais
que Teixeira de Freitas elencou no seu Esboço, Carlos Totvárad destacou principalmente: a
distinção entre as maneiras de celebração do casamento e diferenças entre o caráter e os
efeitos jurídicos do matrimônio.
Em conformidade com sua visão, Totvárad entendia que Freitas havia separado as
maneiras de celebração do casamento, com base na religião católica, a fim de beneficiá-la; o
que de fato foi, da seguinte forma, e as comentou como maneira de iniciar e conduzir sua
argumentação:
O ilustrado Dr. A. T. de Freitas na sua obra acima mencionada, diferencia e
estabelece as seguintes maneiras de celebração do casamento: 1º) A
celebração a face da igreja católica, para os matrimônios entre os católicos;
2º) A celebração com a autorização da igreja católica e conforme a praxe da
124
mesma para os casamentos mistos, quando os respectivos consortes
recorrerão [sic] à intervenção da igreja católica; 3º) A celebração sem
autorização da igreja católica, porém com a observância das disposições
prescritas na lei para os casamentos mistos, quando os respectivos consortes
não querem recorrer à autorização da igreja católica; e para os casamentos
entre pessoas que não seguem a religião católica338
.
Totvárad declarava que as diferenças quanto ao caráter e quanto aos efeitos jurídicos
do matrimônio se davam por algo que não a lei, mas algo que “variava”, se “modificava” e
“flutuava” como: a crença religiosa e a maneira de celebração, também religiosa. Esse tipo de
argumentação tendeu a levar a discussão para o campo da autoridade pessoal de cada autor. Se
no Brasil a autoridade da igreja católica estivesse em crescente descrédito ou, pelo menos, em
frontal confrontação, como na Europa, quiçá tais argumentos tivessem mais eficácia. Porém,
embora os pensamentos inovadores da Reforma por aqui soprassem, estavam longe de
receberem uma entusiasmada acolhida geral. Logo, basear a argumentação em teses pouco
populares corria o risco do insucesso. Assim alegava Totvárad:
No entender do ilustrado doutor, o caráter e os efeitos jurídicos do
matrimônio não é alguma coisa definida pela lei da invariável e eterna
justiça [AEO1] e inerente a natureza e essência do matrimônio [AEO1],
mas sim alguma coisa que se varia e modifica, conforme a flutuação da
crença religiosa e conforme a diversidade da maneira de celebração!339
[AEO3] (grifos nossos)
Totvárad demonstrou ao longo de sua crítica conhecimento filosófico, teológico e
jurídico, e sua retórica não escondeu seu esclarecimento acerca de possíveis intenções “legais”
para favorecer os interesses da Igreja elencadas por Teixeira de Freitas, não sem seus toques
de ironia, de forma que continuou:
[...] a indissolubilidade do vínculo e a duração perpétua das relações
jurídicas entre marido e mulher. – e entre pai, mãe e filhos, dependentes do
bel-prazer e arbítrio da parte católica, em relação aos casamentos mistos,
celebrados em conformidade da lei, porém sem autorização e intervenção da
igreja; – e do capricho de conversão para o catolicismo de um dos
338
TOTVÁRAD, Carlos Kornis de. O casamento no sentido do Esboço do Código Civil pelo Sr. Augusto
Teixeira de Freitas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 2 ago. 1861; 8 ago. 1861; 11 ago. 1861.
339 TOTVÁRAD, Carlos Kornis de. O casamento no sentido do Esboço do Código Civil pelo Sr. Augusto
Teixeira de Freitas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 2 ago. 1861; 8 ago. 1861; 11 ago. 1861.
125
consortes não católicos, unidos anteriormente em matrimônio, sob a
invocação e proteção da lei, porém sem autorização e sem intervenção da
igreja católica340
. [FPO1] (grifos nossos)
E ainda,
[...] e todo esse favor e moralizador em troco de conversão para o
catolicismo – ou em troco de ato sumamente virtuoso, de querer o esposo
unido em matrimônio misto em conformidade da lei, porém, sem autorização
da igreja católica, abandonar a sua família desse modo organizada e nascida
[segundo a lei] – e beatificar-se por uma nova união com alguma pessoa
católica, e fazer a celebração com autorização e intervenção da igreja
católica341
. [FPO1] (grifos nossos)
Porém, neste estudo já se relatou que as principais posições de Teixeira de Freitas
sobre o casamento envolviam normas não apenas sobre impedimentos, mas também quanto à
forma de celebração de cunho inteiramente religioso. Contudo, não só isso. Embora fosse
evidente sua tendência em favorecer a igreja católica, seus dispositivos no Esboço
introduziram um misto de interesses. Um exemplo disso é que casamentos em que ambos os
cônjuges fossem estrangeiros surtiam efeitos civis quando celebrados no Império de “outra
forma” em virtude de Tratados ou Convenções Diplomáticas, mas se os cônjuges fossem
católicos, entre brasileiros (ou pelo menos um deles) e casassem em país estrangeiro por
simples contrato civil não produziria efeito no Império enquanto não fosse novamente
celebrado à face da Igreja Católica. O Esboço também reconhecia não só os impedimentos
civis estabelecidos no Código Civil (em elaboração), mas também os estabelecidos nas leis
canônicas, e, era a autoridade eclesiástica quem decidia sobre a dispensa destes.
De fato, para Teixeira de Freitas havia três modalidades de casamento quanto à
celebração: o casamento celebrado à face da Igreja Católica (Esboço, arts. 1261 a 1272); o
celebrado com autorização da Igreja Católica (Esboço, arts. 1273 e 1274) e o celebrado sem a
340
TOTVÁRAD, Carlos Kornis de. O casamento no sentido do Esboço do Código Civil pelo Sr. Augusto
Teixeira de Freitas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 2 ago. 1861; 8 ago. 1861; 11 ago. 1861.
341 TOTVÁRAD, Carlos Kornis de. O casamento no sentido do Esboço do Código Civil pelo Sr. Augusto
Teixeira de Freitas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, 2 ago. 1861; 8 ago. 1861; 11 ago. 1861.
126
autorização da Igreja Católica (Esboço, arts. 1275 a 1298)342
. Ele os defendeu de forma
convicta, como será analisado a seguir.
5.4 Análise (segunda) dos principais elementos retóricos dos argumentos sobre o tema do
casamento elencados por Teixeira de Freitas em sua resposta a Carlos Totvárad no
Diário do Rio de Janeiro em agosto de 1861.
Independente de uma postura que favorecia sem sombra de dúvida uma tendência
evidentemente religiosa, vez que era voz de uma corrente de dominação estabelecida pela
força ao longo dos anos, mesmo que retoricamente, Teixeira de Freitas mais uma vez
externalizou com convicção uma argumentação discursiva vencedora, ao menos, nesse debate
com Totvárad.
Os registros demonstram que Totvárad escrevia longos artigos sobre a questão do
casamento, e nesta oportunidade não foi diferente. Na mesma proporção, levando em
consideração tratar-se de artigos em jornais, Teixeira de Freitas respondeu prolixamente,
rebatendo cada uma das críticas de seu interlocutor. Contudo, iniciou seu primeiro artigo com
o subtítulo: “Breve resposta ao Sr. Dr. Totvárad...”, claro indício de uma velada (?) ironia
(FPO1).
Como experiente que era em ler as entrelinhas, percebeu uma reação contrária de uma
força semelhante à sua ao normatizar em seu Esboço a questão do casamento, a força da
religião. A primeira reação de Teixeira de Freitas é um pequeno grupo de argumentos (APO e
ALO) com a intenção de desvincular seu posicionamento da matriz religiosa, embora ainda
externasse que havia certa expectativa em relação aos religiosos. É um período que manifesta
e transfere seus primeiros sentimentos, seu pathos. Mas, essa isenção não se mantém até o
fim, como se verá. Nesse texto também algumas poucas figuras retóricas já podem ser vistas,
como a metáfora e a hipérbole.
Em minha consciência, nem católicos, nem protestantes, nem algum outro
por motivo de suas crenças religiosas, poderiam com razão queixar-se das
ideias do meu esboço de código civil na parte relativa ao casamento. [APO1]
342
FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação
Universidade de Brasília, 1983, p. 281 – 286.
127
Não condescendi para agradar a esta ou àquela seita, e nem me constrangi
para a todos satisfazer a um tempo [...] [APO1].
[...] disse eu comigo, e plenamente satisfeito com o resultado de meus
esforços: “Creio ter feito o que sensatamente se podia fazer, e se alguma
oposição surgir, virá por certo do lado dos católicos ultramontanos, que,
fechados os olhos, condenam a priori (FLO2) toda a reforma possível; mas
esses poucos fanáticos não podem atualmente fazer prosélitos. [APO1]
Enganei-me. A primeira agressão vem do lado do protestantismo, e quem
investe contra meu Esboço, como se fora um castelo aéreo que ao longe se
figura ao paladino [FPO1, metáfora] é o Dr. Carlos Kornis Totvárad, a
quem me parece que ninguém terá a fortuna de contentar em matéria de
casamentos, a menos que rasgue a constituição deste império, e por meio
de uma lei ordinária mude de improviso a sua organização atual343
. [FEO1,
hipérbole] (grifos nossos)
É provável que o temor reverencial de confrontar as posições da Igreja Católica levou
Teixeira de Freitas a tentar neutralizar antecipadamente algo que poderia somar-se como uma
resistência a seu trabalho. Assim, ao afirmar que esperava “alguma oposição” por parte dos
“católicos ultramontanos” que “condenam a priori toda a reforma possível”, deixou claro que
seu trabalho, mesmo favorecendo os interesses católicos, como acusava Totvárad, já era uma
“reforma” que atendia seus melhores interesses.
Ainda em seu esforço inicial de desconstruir os argumentos de seu oponente, Teixeira
de Freitas se apegou a uma lógica simples: a base legal constitucional como pressuposto
argumentativo. Contudo, ao longo das duas publicações, nenhum artigo da referida
constituição do Império é citada! Ao contrário, apenas cita artigos do Esboço e faz referência
aos comentários de um Curso de Direito Canônico, aproveitando ainda para defender a
“emenda substitutiva” do Conselheiro Paranaguá.
Parece que desta vez, na verdade, Teixeira de Freitas busca o apoio dos princípios da
Teoria Geral do Direito para rebater as assertivas de seu antagonista, não sem antes tentar
desconstruir o ethos daquele que fez “uma apreciação infeliz” do Esboço: precipitado,
preconceituoso, desleal e desatento são adjetivos que surgem das linhas de Freitas para definir
a pessoa de Totvárad. Alguns exemplos dessas expressões que demonstram a desatenção de
Totvárad podem ser vistas mais uma vez e a continuar:
343
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 223.
128
[...] o Dr. Carlos Kornis Totvárad, a quem me parece que ninguém terá a
fortuna de contentar [...] [FEO1]
[...] Quero crer, tão favoráveis são as disposições de meu fervoroso
antagonista, que, se não o dominam preconceitos, contra os quais a verdade
não tem poder, pelo menos ele nimiamente precipitado em sua censura,
prorrompendo imediatamente em desabono de um trabalho, que confessa em
seu artigo, ontem publicado no Correio Mercantil, ter apenas examinado por
alguns instantes. [AEO3]
Se não é assim, a censura ressente-se de aleivosia. [FEO1]
[...] Ou este período não tem sentido, ou o Dr. Kornis dá uma conta inexata
das idéias do Esboço. [FEO1]
[...] E a essa organização injusta sucedem considerações inúteis sobre a
natureza e essência do casamento [...]344
. [AEO3]
E continua, mais forte ainda em demonstrar a desatenção do seu crítico ao longo da
publicação:
[...] Leia o Dr. Kornis com a devida atenção o meu trabalho [...]
[...] Não estranhei que o Dr. Kornis assim encarasse o Esboço, quanto aos
efeitos jurídicos do casamento [...] porque li suas recentes considerações [...]
[e] coligi desse imenso invólucro de palavras que não estava a digestão feita
sobre o que se deve entender por [...] [AEO3]
[...] Mais vale meditar, do que folhear livros, e encher papel com citações de
autoridades. [...] [AEO1]
[...] Eis que o meu antagonista deve acuradamente discriminar, porque a sua
incerteza de ideias chega a tal ponto, que [...]345
. [AEO3]
Então, encerrou aquele primeiro artigo afirmando: “Eu peço ao meu ilustre censor que
rumine melhor essas matérias, que reveja sem prevenção o meu Esboço, onde verá que
[...]”346
.
Nestes artigos, percebe-se que Teixeira de Freitas não estava preocupado em editar um
texto belo e ilustrado. Seu empenho estava em defender a corrente que abraçara, mas nem por
isso deixou de esclarecer questões jurídicas como a diferenciação entre divórcio, dissolução
344
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 223 – 224.
345 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 224.
346 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 225.
129
do casamento e a nulidade do casamento (ALO1). Também dedicou considerável parte de seu
primeiro texto para distinguir os efeitos civis do casamento de seus efeitos jurídicos
(ALO1)347
. Dessa forma, ele construiu uma sólida base doutrinária relacionada à Teoria Geral
do Direito para fomentar suas deduções (ALO4), não sem variadas figuras irônicas que
minaram a precisão (e de forma indireta, a credibilidade) de Totvárad nessa matéria do
casamento.
No trecho do segundo artigo (publicado em 10/08/1861) a seguir, encontra-se um dos
poucos, até porque um artigo não pode ser tão longo, aglomerados em que Freitas reúne várias
figuras relacionadas ao ethos e ao pathos consecutivamente para formular uma conclusão que
tenta desacreditar o “sólido” ethos de Totvárad, a quem insistiu em chamar de “Dr.” Kornis ao
longo dos textos:
Noções falsas são vidros de cor que nos iludem, [FPO1, metáfora]
e deve-se portanto louvar a ingenuidade do Sr. Dr. Kornis [FPO1, ironia]
quando confessa que no seu esvoaçar sobre o esboço do código civil [FPO1,
metáfora]
não acreditava em seus próprios olhos.
Em verdade, se nesse trabalho existissem as barbaridades que o Sr. Dr.
Kornis descobriu, [FEO1, hipérbole]
quem não ficaria confundido nas ideias de moral, justiça e religião católica?
[FPA1, pergunta retórica]
Também não nos consta, que houvesse jurisconsultos, canonistas, ou mesmo
papas, que pregassem e propagassem doutrinas que o Sr. Dr. Kornis nos as
atribuiu, [AEO3, questionamento das fontes]
e que aliás são de sua lavra própria348
. [ALO4, dedução]
Ele “termina” o artigo com uma série de razões; na verdade, uma sequência de
argumentos principiológicos que ele inicia considerando “enfadonha”. Em suas palavras,
“quero terminar esta enfadonha resposta que me está roubando um tempo precioso [...]”349
,
transmitindo ao leitor seu estado de ânimo que ao longo desse “final” se altera para expor as
347
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 224.
348 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 225.
349 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 225.
130
motivações religiosas que estavam subjazendo a essa polemica por meio da, já observada,
sequência de perguntas (FPA1).
Teixeira de Freitas identificou vários dos efeitos civis do matrimônio (obrigatoriedade
de honestidade, fidelidade conjugal, proibição da bigamia, legitimação dos filhos, etc.),
defendo que estes estavam sendo regulados pelo Código Civil a despeito da maneira ou
diversidade de celebração. Embora a ordem das premissas não esteja numa sequência rígida,
como parte de seu estilo, elas reforçam seu ponto de vista.
Não há um só dos efeitos civis do casamento, que o Esboço recuse aos
casados sem autorização da igreja católica. [ALO4] [1]
Todos os casados, qualquer que seja o seu culto religioso, são iguais perante
a Lei em tudo o que respeita a direitos e obrigações que nascem do
casamento. [ALO2] [2]
A forma de celebração do casamento, a diversidade dessa forma, [...] é a sua
manifestação exterior [ALO2] e nada tem com os efeitos que o ato produz.
[ALO4] [3]
[...] A variedade de forma não corresponde a alguma variedade de efeitos350
.
[ALO4] [4]
Surge, a partir da assertiva [3], uma grande antítese acerca da postura de Teixeira de
Freitas que dava alguma razão a Totvárad em tentar defender a contrapartida de poder que
defendia: por que a legislação deveria apenas beneficiar a religião, expressamente a religião
católica? Ele deixou muito claro essa postura. A assertiva [3] em sua íntegra confirma isso,
embora a intenção de sua argumentação fosse em direção de justificar o casamento religioso
como única possibilidade dentro da legislação, o que para a consciência da sociedade da
época, dominada religiosamente, era a única forma. Ou seja, para ele, era inconcebível a
realização do casamento sem a celebração religiosa, independentemente da seita. Portanto, se
percebe adiante sua preferência pela religião católica de quem era porta-voz (“[...] e não será
isso colocar todas as seitas no mesmo pé de igualdade”351
), o que Totvárad combatia, sob a
justificativa de se basear na Constituição.
350
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.
351 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.
131
A forma de celebração do casamento, a diversidade dessa forma, pertence à
parte constitutiva do mesmo casamento, [ALO2] é um dos elementos
deste importante ato jurídico, [ALO2] é a sua manifestação exterior
[ALO2] e nada tem com os efeitos que o ato produz352
. [ALO4] [3]
Logo, para Freitas, o ato religioso, sua celebração, era um elemento essencial do ato
jurídico. E, então, segue para expor as reais motivações de classificar o matrimônio em
modalidades de celebração no Esboço, defendendo o discurso de poder que abraçara. São
várias perguntas, algumas que ele mesmo responde, outras ficam subentendidas como se não
houvesse outra alternativa que não a sua proposta.
E quanto à forma, [de celebração do casamento] poderá dar-se identidade, ou
a diferença dela existe na validade das coisas? [FPA1] Se não há identidade
de crenças religiosas, a forma da celebração do casamento não pode deixar
de divergir. [ALO4]
Como, pois, uniformizar a forma de celebração de casamento? [FPA1]
E prossegue:
O casamento não é só um contrato, o Esboço abomina a instituição do
casamento, chamado civil. Em caso nenhum prescinde do elemento
religioso, qualquer que seja a seita dos nubentes e não será isso colocar todas
as seitas no mesmo pé de igualdade. [FPO1]
Quereis vós o casamento civil, para que sem diferença alguma, e em virtude
de simples contrato, se hajam por casados católicos e não católicos? [FPA1]
Será isso possível em relação a católicos em um país, onde sua carta política
adotou como religião do estado, a religião católica? [FPA1]
E se isso não é possível, dizei-me, [APA1] eu vos peço, [FPO2] não é mais
dar validade a vossos casamentos com o elemento religioso tal qual ele é do
que simplesmente pelo elemento civil de um contrato? [FPA1]
Não quereis que a autoridade civil fiscalize vossos casamentos, já
mandando publicá-los, já conhecendo dos impedimentos, divórcios e
nulidades?353
[FPA1] (grifos nossos)
352
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.
353 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.
132
E finaliza, quase que abruptamente em relação à argumentação que vinha
desenvolvendo, tentando deixar uma imagem de legalidade:
Remataremos, dizendo-vos que, se o projeto do código civil fiscaliza a
celebração dos casamentos não autorizados pela igreja católica, não vos priva
de realizar esses casamentos com as solenidades anteriores ou posteriores
que por vossas crenças julgardes indispensáveis. [ALO4] O artigo 1.295 [do
Esboço] diz: “As precedentes disposições não excluem qualquer diligência
ou formalidades preliminares, que, segundo os usos das religiões toleradas,
se queira praticar para a celebração do casamento”354
. [ALO1] (grifos
nossos)
5.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do tema
do casamento.
Uma vez feita a identificação dos elementos retóricos mais importantes a partir dos
textos completos dos dois artigos que responderam aos questionamentos embandeirados por
Totvárad, foram enumerados cinquenta e sete ocorrências somadas. A soma se justifica por
estarem os artigos publicados em sequência e, numa certa medida, não repetirem o conteúdo
das matérias. Como proposto inicialmente, as categorias foram mantidas com o objetivo de
estabelecer uma coerência geral ao estilo e às argumentações de Teixeira de Freitas frente a
seus interlocutores.
Assim, as ocorrências foram como segue:
Tipos/Categorias nº de
incidências Observações
ethos (E)
FEO1 5 figuras que ajudam a desconstruir o
oponente mais do que a ilustrar o texto
AEO1 1
AEO2 3
AEO3 3
FPO1 7 a ênfase está nas ironias
354
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.
133
pathos (P)
FPO2 1
FPO3 0
APO1 3
FPA1 7 todas perguntas retóricas
APA1 1
logos (L)
FLO1 1
FLO2 3 poucas expressões latinas
ALO1 8 há maior concentração em citações
legais (mesmo que do direito canônico)
e princípios da doutrina da Teoria do
Direito
ALO2 7
ALO3 0 apesar de escrever num periódico, não
são usadas expressões populares o que
demonstra que o texto é mais técnico
ALO4 7 usa deduções silogísticas,
principalmente nas conclusões dos
artigos, com a intenção de não permitir
refutações
Subtotais 16 57
134
CAPÍTULO SEXTO – A UNIFICAÇÃO DO DIREITO PRIVADO E A TENTATIVA
RETÓRICA DE CORRIGIR UM VÍCIO DOUTRINÁRIO – O DESGASTE DE
TEIXEIRA DE FREITAS.
Sumário: 6.1. Circunstâncias para o fracasso da primeira tentativa da codificação civil do
Império brasileiro. 6.2. Algumas alegações da Comissão revisora do Esboço como
estratégias para desgastar os argumentos (e a saúde) de Teixeira de Freitas em 1865. 6.3.
Análise (terceira) dos principais elementos retóricos de Teixeira de Freitas em sua carta ao
Ministro Ribeiro de Andrada – a interrupção do Esboço em 1867. 6.4 Conclusões a partir
dos elementos e estratégias retóricas de Teixeira de Freitas acerca do tema da unificação do
Código Civil.
“Os problemas interpretativos estão no centro de interesses da teoria do direito, que por sua vez é
globalmente envolvida por um conceito filosófico de interpretação.”
Gustavo Just355
6.1 Circunstâncias para o fracasso da primeira tentativa da codificação civil do Império
brasileiro.
No período imperial, a primeira tentativa para organizar o Direito Civil pátrio após o
sucesso da Consolidação foi a de Teixeira de Freitas que foi contratado, em 1859, para a
empreitada de produzir um projeto de Código Civil, o Esboço. Ele assinou o contrato em 10
de Janeiro de 1859 com o compromisso de entregar seu trabalho em 31 de Dezembro de 1862.
Um período de dois anos que necessitou ser prorrogado por igual período.
Apesar dos cinco fascículos produzidos com quatro mil, novecentos e oito artigos,
precisou ter seu contrato prorrogado até 30 de Junho de 1864 quando foi, também, nomeada
uma Comissão de jurisconsultos que só em 1865 iniciaram a empreitada de examinar seu
trabalho. Contudo, “a comissão revisora nomeada se consumiu em prolongadas e estéreis
discussões que desgostaram o autor do projeto, sendo por fim, os trabalhos suspensos”356
.
Um dos pontos críticos da discussão estava na questão da unificação do direito
privado. A proposta de Teixeira de Freitas era alterar o plano original de todo o trabalho já
realizado e que se baseara no sistema utilizado na Consolidação; isso foi consequência da sua
355
JUST, Gustavo. Apresentação. JUST, Gustavo; REIS, Isaac. (Org.) Teoria hermenêutica do direito:
autores, tendências e problemas. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2012, p. 12.
356 PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em história. 5 ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006, p. 342.
135
imersão nas matérias civilistas e de um lapso de genialidade inovadora. Sua proposta, repita-
se, era alterar o plano do seu projeto elaborando dois Códigos. Um “Código Geral” com
noções preliminares, definições e preceitos amplos em dois volumes, o primeiro sobre as
“causas jurídicas” (pessoas, bens e fatos) e o segundo a respeito dos “efeitos jurídicos”. O
segundo código (chamado de “Código Civil”) seria a união entre o Código Civil e o Código
Comercial com três livros versando sobre os efeitos civis, os direitos pessoais e os direitos
reais357
.
Teixeira de Freitas havia vislumbrado um sistema que bebeu do direito romano – o
Digesto, e na Legum Leges, do filósofo Bacon. Ele pretendia incluir no Código Civil os
preceitos comerciais referentes aos contratos em geral, o mandato, a compra e venda, a troca,
a locação, o mútuo, a fiança, a hipoteca, o penhor, o depósito, as sociedades, os pagamentos, a
novação, a compensação, a prescrição e os seguros. Com essas inclusões Teixeira de Freitas
pretendia curar um vício jurídico doutrinário e legislativo:
Tal é o plano, que nos permitirá erigir um monumento glorioso, plantar as
verdadeiras bases da codificação, prestar à ciência um serviço assinalado. Só
ele corrigirá o vício que quase todos os trabalhos legislativos, que é o de
tomar a parte pelo todo, o que frequentemente se faz por tudo que se pode
fazer358
.
Teixeira de Freitas solicitou mais “dois ou três meses” apenas para concluir o
empreendimento, pois a maior parte do projeto estava concluído no Esboço. Mas, não obteve
sucesso. Neste sentido uma provável tese acerca da relutância dos conservadores deve ter sido
porque o primeiro código comercial Brasileiro foi criado pela lei n° 556, de 25 de junho de
1850 depois de 15 anos tramitando no Congresso Nacional Brasileiro359
. Ele foi baseado nos
Códigos de Comércio de Portugal, da França e da Espanha.
357
MEIRA, Silvio Augusto de Bastos. Teixeira de Freitas e a Carta de 20 de Setembro de 1867. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça).
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 4.
358 FREITAS, Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro
da Justiça). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 11.
359 No dia 10 janeiro de 2002 foi promulgado, finalmente, um novo Código Civil brasileiro (Lei n° 10.406, de 10
de janeiro de 2002) que trouxe em seu conteúdo matéria comercial, realizando no país, a exemplo do que ocorreu
na Itália em 1942, a unificação legislativa do Direito Privado tradicional. O novo Código entrou em vigor em
janeiro de 2003, revogando expressamente o Código Civil de 1916 (Lei n° 3.071, de 1 de janeiro de 1916) e a
Parte Primeira do Código Comercial (Lei n° 556, de 25 de junho de 1850). Atualmente a Lei que regulamenta a
136
Mas, nas palavras de Lévay, o governo representado pelos ministros da Justiça,
primeiro José de Alencar, depois Duarte de Azevedo, queria “um código civil sem as altitudes
científicas do projeto de Teixeira de Freitas, ou em outras palavras, um código de rotina,
despojado de grandes desenvolturas, para pronta aplicação, de molde a atender às condições
de atraso em que se achava o país”360
.
Outro ponto crítico foi a demora mesma, que em si desconstruía a produção realizada e
desviava os esforços da produção para respostas a intermináveis questões levantadas por
membros da comissão revisora do projeto, que a cada nova nomeação de membros abria
novos desvios e esvaia quaisquer forças que se reconstruíssem. O contrato, de 1859 a 1862,
foi renovado. A primeira Comissão361
foi nomeada em dezembro de 1863 em resposta ao
decreto de 1858. Contudo, devido às variadas modificações só iniciou os trabalhos de revisão
em abril de 1865, com a presença do Imperador, “um ano e quatro meses depois do primeiro
ato constitutivo dessa Comissão, em dezembro de 1863”362
.
Durante as [numerosas] sessões havidas as discussões se fizeram em termos
muito altos, sempre com a presença do autor do projeto, que refutava uma
a uma as objeções.
Os estudos realizados pelos membros da Comissão, todos eles revelando
amplo conhecimento da matéria, merecem análise especial363
.
[...]
Freitas com paciência e boa vontade, tentava conciliar as opiniões,
cedendo aqui e ali, redigindo substitutivo ao seu próprio trabalho, o que
revelava probidade e humildade364
. (grifos nossos)
Falência é a Lei 11.101/05 e o antigo Código Comercial Brasileiro de 1850 só está em vigor no que se refere ao
Direito Comercial Marítimo.
360 LEVAY, Emeric. A Codificação do Direito civil brasileiro pelo jurisconsulto Teixeira de Freitas. Revista RJ.
v. 2. n. 3. Rio de Janeiro: STJRJ, 2002, p, 4. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/institu/memorial/
RevistaJH/vol2n3/08-20EMERIC_LEVAY.PDF>.
361 Integrou essa Comissão o Visconde do Uruguai (1807 – 1866); Nabuco de Araújo (1813 – 11878), ministro
da Justiça; Caetano Alberto Soares (1790 – 1867), relator da Comissão; Antonio Joaquim Ribas (1820 – ?), lente
da Academia de Direito de São Paulo; Braz Florentino Henrique de Souza (1825 – 1870), da Academia do
Recife, José Mariani (1809 – 1878), ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Lourenço José Ribeiro, primeiro
diretor interino do Curso de Olinda e desembargador da Redação da Corte, Francisco José Furtado (1809 –
1878), conselheiro e ex-ministro de Estado e Jerônimo Martiniano Figueira de Melo. Cf. PEDROSA, Ronaldo
Leite. Direito em história. 5 ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006, pp. 340 – 342.
362 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 229 – 230.
363 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 230.
364 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 237.
137
Teixeira de Freitas estava sozinho, na defesa daquele empreendimento. Meira, que o
considerou “um gigante”, avaliou que a vitória dos opositores era devida ao cansaço e à falta
do amigo Nabuco. Além disso, havia a intenção de alguns de “destruir” a obra.
Haviam conseguido vencer o gigante pelo cansaço. Seu grande amigo
Nabuco afastara-se da Comissão para exercer o Ministério. Nabuco de
Araújo não chegara a se manifestar em parecer. Nada podia fazer diante
daquela avalancha de críticas, discordâncias, censuras, entremeadas de
elogios365
.
Freitas [...] a cada parecer devia responder por escrito, isso depois de debater
oralmente. Repetir argumentos. Os membros da comissão discordavam entre
si, cada qual tomava um rumo. Alguns [...] admitiam as ideias e redação do
Autor, revelando bom senso e desejo de acertar. Outros, ao que parece,
preferiam destruir a obra esboçada366
. (grifos nossos)
Assim, Meira, que teve acesso a todos os pareceres da Comissão367
, chegou à
conclusão de que “parece ter havido um massacre coletivo, propositado, um bombardeio ao
projeto de Freitas, que em sua pureza e boa fé nem sequer suspeitou”368
.
O primeiro parecer foi de Caetano Soares, aquele que contendera com Freitas no IAB
ao renunciar à presidência do Instituto em 1857. A nódoa do revanchismo parece estar
presente. Seu parecer foi o primeiro tanto por ser o mais antigo da Comissão, como por ser o
relator do processo de revisão. Alguns pareceres ajudavam, outros, concorriam “para protelar
a marcha dos trabalhos”. Ressalte-se que o objeto de tantos pareceres foram apenas os vinte
primeiros artigos do Título Preliminar. O que pensar de um projeto com cerca de cinco mil
365
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 237.
366 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 235.
367 Os pareceres foram publicados em livro sob o título Relatórios e pareceres dos membros da Comissão
encarregada de examinar o projeto do Código Civil do Império redigido pelo bacharel Augusto Teixeira de
Freitas. Rio de Janeiro: tipografia nacional, 1865. MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o
jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 238.
368 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 238.
138
artigos? Nas palavras de Meira, isso “constituía, afinal de contas, uma inteligente
obstrução”369
.
A Comissão suspendeu seus trabalhos em 31 de agosto de 1865. Todavia, alguns fatos
podem ser arguidos dessa suspensão. Foram alegados vários pretextos: excesso de despesas,
com o codificador e com os outros integrantes da Comissão370
; a guerra do Paraguai371
, etc.
Nabuco de Araújo era amigo de Teixeira de Freitas, mas foi quem exarou a suspensão dos
trabalhos, pois era o Ministro da Justiça, provavelmente atendendo ordem do Imperador.
Algumas teses podem ser levantadas a partir desse episódio. Nabuco não conseguiu evitar a
interrupção dos trabalhos, por falta de apoio político junto ao Imperador. Nabuco, a partir da
carga negativa no estudo daqueles vinte artigos, pressentiu que os debates seriam
intermináveis e interrompeu os trabalhos da Comissão. Nabuco quis salvar o amigo do um
vexame de ver seu Esboço estraçalhado ou recusado pela Comissão e encerrou os trabalhos da
Comissão. Teixeira de Freitas poderia ter alegado a suspeição de Caetano Soares na Comissão
ou como relator, por ter tido atritos anteriores com ele? Se possível, por que não o fez? Por
que Nabuco não adotou um novo processo para exame do Esboço, como se fizera na
Consolidação? Muitas são as questões sem respostas e muitas são as teses. O que se tem, na
verdade, é que a Comissão teve seus trabalhos interrompidos e Teixeira de Freitas renunciou
ao empreendimento tentando renovar seu contrato com a nova proposta que foi rejeitada.
Logo, apesar da elevada soma de conhecimento e erudição acumulada em todo o
Conselho, houve um fracasso no empreendimento do governo em concluir sua estratégia de
apresentar um Código Civil como demonstração da capacidade nacional em produzir sua
própria legislação. Esse tipo de ocorrência tem se tornado recorrente ao longo da história
brasileira, onde discussões, articulações, revanchismos, burocracias e demoras servem mais a
interesses de certas elites que à oportunidade da necessidade prática da “justiça”,
(des)amparada sempre no discurso de que existem projetos que apenas aguardam votação e
aprovação. Contudo, a cultura jurídica ganhou. A idéia original, vanguardista para a época, de
369
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 235.
370 Alegação feita por José Martiniano de Alencar, o terceiro ministro a suceder Nabuco de Araújo, para
justificar o acolhimento do cancelamento do contrato de Teixeira de Freitas. MEIRA, Silvio Romero de Lemos.
Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 258.
371 Alegação inadmissível feita por José Carlos de Almeida Areas, em artigo publicado na França. MEIRA,
Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília:
INL, 1979, p. 258.
139
unificar o Código Civil e agrupar as leis numa parte geral e noutra parte especial, são sua
maior contribuição para o positivismo nacional e estrangeiro.
Ainda assim, a análise dos argumentos dos seus oponentes na Comissão e de sua carta
ao ministro da Justiça Martim Francisco Ribeiro de Andrada poderão elucidar algumas
dúvidas, e, mais que isso, ressaltar traços da erudição retórica de Teixeira de Freitas, vez que
nada é tão simples e nem escapam da retórica.
6.2 Algumas alegações da Comissão revisora do Esboço como estratégias para desgastar
os argumentos (e a saúde) de Teixeira de Freitas em 1865.
Depois de várias nomeações, a Comissão revisora do Esboço teve, por fim, sete
integrantes que externaram seus pareceres. O primeiro a emitir parecer foi Caetano Soares. Ele
era o “mais velho” e seu parecer foi tido como um “relatório” e por isso, os outros pareceres
trabalharam a partir dele. sua primeira contestação ou constatação foi a de que o primeiro
título do Esboço, denominado de Título Preliminar, não constava no contrato firmado com o
Governo372
. Contudo, a ele lhe parecia que tal título “deve ser adotado”.
Essa questão foi levantada sem necessidade e propiciou aos outros membros da
Comissão a oportunidade de voltarem a essa questão, despendendo tempo e espaço
desnecessários, pois Freitas tinha liberdade de redigir um projeto de Código, estruturando-o,
como bem lhe parecesse.
Caetano de Soares eliminou os artigos 1º, 2º e o 17373
do projeto inicial. Combateu
todos os artigos, do primeiro ao vigésimo, apresentando um substitutivo com nova redação,
mantendo apenas a redação original dos artigos oito ao dezesseis. Isso “desmontou” a
372
A base do contrato entre Teixeira de Freitas e o governo Imperial estava firmado no sistema desenvolvido por
Freitas na Consolidação das Leis Civis e deveria seguir as Instruções do Ministério da Justiça constantes no
Decreto nº 3292 de 24 de junho de 1864. MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto
do Império. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 230.
373 Art. 1º. “As leis deste Código não serão aplicadas fora de seus limites locais, e nem com efeito retroativo”.
Art. 2º. “Os limites locais de sua aplicação serão nela designados. Os limites de sua aplicação quanto ao tempo
serão designados em uma lei especial transitória”. [...] Art. 17. “As pessoas, ou são de existência visível, ou de
existência tão somente ideal. Elas podem adquirir os direitos, que o presente Código regula, nos casos, e pelo
modo, e forma, que no mesmo se determinar. Daí dimana sua capacidade, e incapacidade civil”. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação Universidade de
Brasília, 1983, p. 1, 10.
140
proposta de Teixeira de Freitas374
. Uma proposta que não apenas continha os dispositivos
legais, mas continha abundantes comentários onde fundamentava na doutrina seu
entendimento acerca de cada tema ou termo empregado. Dessa forma buscou estabelecer
alguns princípios basilares para o Direito Civil a fim de dirimir conflitos entre as leis locais e
as estrangeiras, entre as leis novas e as antigas. No primeiro comentário, a respeito de limites
locais, por exemplo, Teixeira de Freitas apresenta a originalidade daquela expressão. Criticou
o tratado de Foelix e os estatutos de Chassat (AEO2), que faziam o chamado Direito
Internacional conhecido no meio jurídico brasileiro. Evocou Savigny e Demangeat (ALO2)
como doutrinas a priori (FLO2), e, ainda inovou ao afirmar: “dessa maneira concorro para a
grande obra da comunhão do direito” (FEO1)375
. Uma redução das doutrinas do Direito
Internacional à fórmula legislativa. Sua erudição podia ser atacada, mas não era afetada em
sua firmeza.
Mas, as posições de Caetano Soares não ressoavam unanimemente. Até Meira pôde
afirmar que “muito embora não deixe transparecer claramente o seu propósito, depreende-se,
todavia, do relatório de Caetano Soares, o intuito protelatório.” A percepção de Meira é clara:
“Saber se era ou não cabível o título preliminar, em face do contrato; redigir emendas
substitutivas a quase todos os artigos era, até certo ponto, humilhar o autor do Esboço, que a
tudo respondia com superioridade”376
.
Teixeira de Freitas encontrou em alguns, “apoio” para seus conceitos no Esboço,
apesar destes também estenderem os debates. Na verdade, parece que o melhor apoio seria dar
celeridade à aprovação do projeto. Joaquim Marcelino Brito discordou frontalmente do
relatório de Caetano Soares que suprimia os artigos 1º, 2º e o 17. Apresentou apenas algumas
emendas aos artigos para melhorar a redação, “sem ater-lhes a substância”. Acreditava que era
básico para os axiomas do Direito que o Código Civil tratasse dos limites locais e temporais
da aplicação no país da Lei nacional e da legislação estrangeira, bem como a especificação da
contagem de prazos. Além da resposta longa e serena de Freitas, este ofereceu o primeiro
Aditamento.
374
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 230.
375 FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação
Universidade de Brasília, 1983, p. 1.
376 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 259.
141
Figueira de Melo também discordou de Caetano Soares quanto à supressão do Título
Preliminar, percebendo-se que a questão levantada pelo relator ardilosamente consumia tempo
dos membros da Comissão. Apesar do Aditamento de Freitas, Figueiras de Melo propôs nova
redação para vários dos vinte artigos. Uma das expressões que Figueira de Melo sugeriu
suprimir no artigo 5º, número 1º do projeto, foi “tolerância de cultos”. Ou seja, o projeto de
Freitas não aceitava que uma lei estrangeira fosse aplicada no país, entre outras coisas, quando
se opusesse à “tolerância de cultos”. Buscava Figueira de Melo ser mais radical que Teixeira
de Freitas? Mais uma vez, a questão da religião veio à tona. A justificativa de Teixeira de
Freitas buscou aquele tipo de argumentação constitucional (ALO1), discordando da supressão
das palavras “tolerância de cultos” “só pelo motivo de que o art. 5º da Constituição do Império
consagra essa tolerância”. A Constituição tolerava, mas limitava a prática de outras religiões
ou ao culto doméstico ou a casas particulares, sem forma de templo377
. A partir das
considerações observadas quando da discussão com Totvárad, depreende-se que Teixeira de
Freitas favorecia a “religião do Estado”, a Igreja Católica, mas atenuava sua postura sendo
contrário à intolerância contra outros cultos. Nos comentários do Esboço, as alegações são
diretas, e, até apelativas. “Religião do Estado: leis, por exemplo, em ódio ao culto católico;
casamento entre irmãos, o que seria incesto, também proibido pela Igreja católica”378
. A
fundamentação de Teixeira de Freitas era legal (ALO1), mas a argumentação era sentimental
(APA1). Que religião ou legislação, mesmo naquela época, autorizou o casamento entre
irmãos? Isso feria mais a moral que à religião do Estado. De qualquer forma, a influência da
religião ainda permeava a legislação com seu discurso legitimador.
O próximo parecerista foi Joaquim Ribas, que voltou à questão do Título Preliminar e
apresentou substitutivo a vários artigos já aditados. Alfinetou Teixeira de Freitas a partir das
dúvidas de Caetano Soares; declarou “presumir um vício na sua doutrina ou nas fórmulas de
que esta se reveste [...]. Mas no meu entender essa doutrina é verdadeira”379
. A dúvida era
questionar a verdade das ideias daquele título, usando o tempo para aceitá-las ou não. Será que
377
Art. 5º “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras
Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma
alguma exterior do Templo.” BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824).
378 FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação
Universidade de Brasília, 1983, p. 3.
379 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 232.
142
cada membro da Comissão entendia que a sua redação era melhor que a do outro? Ainda
assim, Freitas respondeu e apresentou seu segundo Aditamento.
Francisco Furtado também adotou a ideia do Título Preliminar. As primeiras palavras
de seu parecer demonstram como o uso da retórica era comum entre os juristas. “Uma história
de opiniões”, nas palavras de Freitas380
. É uma exposição do uso inútil de figuras retóricas da
parte de Furtado com o mero fim de florear um discurso desnecessário.
Traçar as raias, [FPO1, metáfora]
que no espaço e no tempo limitam o império das regras do direito [FPO1,
metáfora]
– como em larga e elevada síntese fez o ilustrado Autor do Projeto do
Código Civil [FPO2, FEO1, antítese e hipérbole]
é enquanto a mim ideia aconselhada por um bom método, [FPO2,
hipérbato e personificação]
é um digno pórtico para o majestoso edifício do código Civil381
. [FPO1,
FEO1, metáfora e hipérbole] (grifos nossos)
Contudo, apesar de desnecessárias muitas das palavras de Furtado, ele se posicionou a
favor da primeira redação de Teixeira de Freitas e não só das ideias contidas nela, e fez com
que o debate tomasse relevo, discordando dos colegas, em demonstração de que tipo de
parecer deveria ter recebido todo o projeto:
O Autor do Projeto ofereceu diversas redações; porem, vê-se que o fez mais
com o fim de alcançar a harmonia das opiniões, do que por julgar defeituosa
a primeira redação, que eu tenho por preferível, com as seguintes ligeiras
alterações propostas e aceitas. Aditamento das palavras “validade dos atos”,
ao final do nº 4 do art. 5º. Supressão da palavra “alegado” no art. 6º e da
palavra “inteiro” no art. 9º382
.
O parecer seguinte, de Brás Florentino, levantou novamente a questão da conveniência
ou não do Título Preliminar. Contudo, nele, inicialmente ofendia diretamente Teixeira de
Freitas por “imitar” as obras didáticas e os livros de doutrina. Ele apresentou outro
380
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 7.
381 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 233.
382 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 234.
143
substitutivo, que depois de impressos somaram umas cinquenta páginas, abrangendo os cinco
primeiros artigos do capítulo primeiro, e suprimindo o Título Preliminar. Porém, não o
descartou de todo, sugerindo que uma “lei especial” regulasse os limites locais e temporais de
todas as outras leis. Logo, o tema era “verdadeiro” e necessário, e várias opiniões válidas
podiam ser oferecidas. Por que, então, a opinião do crítico devia prevalecer, se a de Teixeira
de Freitas também era válida? Certamente, no mercado de vaidades, as opiniões serviam
também como armas para desconstruir argumentos. Obstruções inteligentes para protelas
trabalhos sérios. Não havia em todo o teor do projeto matérias que merecessem especial
atenção? A resposta de Teixeira de Freitas, desta vez constou apenas de cinco (!) linhas (uma
debilitação argumentativa, desprezo ou cansaço?):
Não concordo com o doutíssimo parecer do Sr. Dr. Brás Florentino,
de que só hoje tive conhecimento; e refiro-me ao que já disse
em resposta aos pareceres antecedentes.
Se houver discussão oral,
acrescentarei o que for necessário383
.
Ainda havia mais um parecer, o do Conselheiro Areas. A retórica de Areas não era
afeta das figuras, buscava, sim, em argumentos, a força de sua opinião. Em uma longa peça,
ataca a questão do Título Preliminar de forma diferenciada de todos seus antecessores. O
parecer era constituído de observações gerais e observações especiais. Seu principal
argumento não questiona a “verdade” da matéria nem a sua redação. Ele enaltece a questão e
superestima o Título numa verdadeira auxese literária, utilizando as palavras da Comissão
especial do Tribunato francês (Andrieux), e, pergunta: “Mas o Título Preliminar, ainda assim
contraído ao lugar e ao tempo nas relações jurídicas, colocado à frente do Código, estará no
seu lugar? Será, enfim, uma introdução digna do Código? Será uma Introdução digna do
Código?”384
Contudo, ainda diante de tais perguntas, fica a dúvida se de fato a exaltação de
Areas não passou de um sarcasmo.
Do questionamento do Conselheiro Areas se apreendem (e parece que Teixeira de
Freitas também os absorveu) argumentos como: (1) a matéria estava esparsamente regulada na
383
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 235.
384 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 236.
144
legislação pátria geral, embora com vícios radicais e lacunas deploráveis; (2) todas essas faltas
eram preenchidas por meio de princípios de direito, opiniões de jurisconsultos e raras decisões
dos Tribunais, o que demandava reformas precisas e indispensáveis; (3) assim, essa lei não
pertencia somente ao Código civil, mas a todos os Códigos, a todas as leis, e até aos
regulamentos da administração pública. Logo, (4) a conclusão era que, ao invés de um Título
Preliminar reduzido, um título com disposições gerais deveria servir a legislação geral385
.
A primeira parte da fundamentação de Areas é permeada por argumentos de ethos,
bem como de logos, que profundamente mudaram os sentimentos (pathos) de Teixeira de
Freitas. É pertinente reproduzi-los dado ao seu importante deslocamento retórico (em outros
pareceres se destacaram elementos materiais doutrinários (L), neste, argumentos baseados na
autoridade de textos qualificados (E)).
Essas disposições, pelo seu caráter não se referem somente ao Código civil,
mas sim a todos os Códigos e Leis, como observam alguns dos relatórios
precedentes[AEO1]: os conflitos das leis locais com as estrangeiras, as
colisões das leis novas com as antigas não se manifestam somente na
legislação civil e comercial, e sim também na legislação criminal, do
processo e de todos os outros ramos do Direito; [ALO2] aí está o nosso Cód.
Criminal providenciando sobre as últimas nos arts. 309 e 310, [AEO3] e o
moderníssimo Projeto do Cod. Penal Português precedido de um Título
Preliminar, onde se tratou de regular a aplicação e efeitos da lei penal não só
quanto ao lugar, mas também ao tempo386
. [AEO3]
E prossegue argumentando:
As regras sobre a computação do tempo não figuravam até pouco nos
Códigos como princípios gerais e preliminares. [ALO2]
O pensamento de redigir um título, à imitação do Direito Romano sobre as
regras do direito e a significação das palavras de juris, de verborum
significatione [o significado dos termos jurídicos], aparece modernamente
no Projeto do Código Civil da Espanha; esse título, porém, não chegou a
elaborar-se [AEO2][...]
385
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 236.
386 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 236.
145
O Código do Chile seguiu depois o mesmo pensamento do Projeto do
Código Civil da Espanha [AEO2] [...]387
. (grifos nossos)
E conclui na segunda parte de seus argumentos por salientar que o projeto de Teixeira
de Freitas foi além “por uma feliz inovação” vez que “estabeleceu um sistema uniforme ao
computar o tempo em toda sua generalidade, como matéria preliminar, aplicável a todos os
casos possíveis em que o tempo influi, com exceção, do que for necessário excluir em casos
especiais”388
. Quantas deduções a partir de apenas dois artigos!
A profundidade do Conselheiro Areas a respeito da redação de Freitas daqueles dois
artigos veio expor um dos princípios sofísticos de retórica argumentativa: podem haver várias
opções acerca de uma mesma matéria. Era o caso. Quando há opções, ou seja, quando há
vários caminhos a seguir, em rigor, todos eles parecem certos, dentro das perspectivas de cada
um. E, Teixeira de Freitas, com paciência e boa vontade, tentava conciliar as opiniões.
Contudo, “Teixeira de Freitas não respondeu a esse parecer”389
.
O pensamento de redigir um título, à imitação do Direito Romano sobre as regras do
direito incluindo-se aí o significado das palavras parece ter, posteriormente, encontrado eco
em Teixeira de Freitas. Ele, em 1883, publicou um livro intitulado Regras de Direito e
Vocabulário Jurídico. Ainda, será que apesar do resultado nefasto desse parecer sobre
Teixeira de Freitas, não foi a reflexão a seu respeito que gerou a nova sistemática, de um
Código Geral e um Código Especial, proposta por ele na carta ao ministro da Justiça?
6.3 Análise (terceira) dos principais elementos retóricos de Teixeira de Freitas em sua
carta ao Ministro Ribeiro de Andrada – a interrupção do Esboço (1867).
Dois anos se passaram. Um ano antes, em 20 de novembro de 1866, Teixeira de Freitas
enviou carta ao ministro solicitando sua renúncia do projeto; em 13 de dezembro de 1866 o
ministro respondeu não aceitando a renúncia e externado a satisfação do Governo Imperial
387
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 237.
388 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 237.
389 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 237.
146
com os trabalhos já realizados390
. Os trabalhos da Comissão não foram mais retomados e
Teixeira de Freitas decidiu expor seu “novo” projeto ao ministro da Justiça Martin Francisco
Ribeiro de Andrada (1775 – 1844), irmão de José Bonifácio.
Silvio Bastos Meira afirma que essa carta “constitui o ponto mais alto do pensamento
jurídico do célebre jurisconsulto” e é nela que “Teixeira de Freitas expõe as suas últimas e
mais vigorosas ideias: a elaboração de dois Códigos, um Geral, com noções preliminares,
definições e preceitos amplos, constituídos de dois livros [...]. No outro Código, que chamava
Civil, havia três livros [...]”391
. Na verdade, essa carta é um documento de pequenas
proporções que une a eloquência de Teixeira de Freitas com a profundidade e a experiência de
seu saber jurídico, consideradas suas limitações. Certamente, a Consolidação, o Esboço, ou
“simplesmente” a Introdução da Consolidação e até mesmo a Nova Apostila mereceram a
exaltação de vários autores392
, mas esses textos não poderiam expor algo do lado pessoal de
Teixeira de Freitas como o faz uma carta. Aqui, ele também descortina seu “novo” método
como em nenhum outro lugar, e assim, se tornou um “grande servidor do direito universal”393
.
A classificação adotada por Teixeira de Freitas foi definida por Clóvis Beviláqua como,
“uma feliz novidade, com que se enriqueceu a técnica jurídica. [...] Não é
mais a distinção tripartida de Gaio394
[...] [que] as coleções de textos e os
livros de doutrina são-lhe pouco fiéis. [...] Também não é a classificação
objetiva de Savigny [...]. É uma forma intermédia de pensamento, que,
seguindo a visão, obscura ainda, da jurisprudência romana, e assimilando os
resultados das investigações alemãs, possui individualização, e merece que
assinalemos, com estima, na história das idéias jurídicas”395
. (grifo nosso)
390
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 5 – 6.
391 MEIRA, Silvio Augusto de Bastos. Teixeira de Freitas e a Carta de 20 de Setembro de 1867. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça).
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 4.
392 A Consolidação foi exaltada também por Cândido Mendes de Almeida em Código Philipino, Rio de Janeiro:
Editora do Instituto Philomático, 1870; em artigo do Jornal do Comércio de 21 de agosto de 1943 Hanemenn
Guimarães considerou o Esboço superior à Consolidação; por sua vez, Rodrigo Otávio, num artigo do Jornal do
Comércio de 5 de março de 1933 se empolgou com a Introdução à Consolidação; e, Clóvis Beviláqua deu relevo
à Nova Apostila em seu livro Linhas e perfis jurídicos. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1930, p. 132.
393 MEIRA, Silvio Augusto de Bastos. Teixeira de Freitas e a Carta de 20 de Setembro de 1867. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça).
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 3 e 4.
394 Pessoas, coisas e ações: omne jus quo utimur vel ad personas pertinet vel ad res vel ad actiones.
395 BEVILÁQUA, Clóvis. Linhas e perfis jurídicos. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1930, p. 121.
147
Por isso, essa carta também foi eleita para ser analisada. Nela, Teixeira de Freitas
discorre variados argumentos para sustentar seu ponto central, que é o novo sistema. Os
argumentos estão em muito maior número que os ornamentos, mas deles também não
prescinde, principalmente quando externa sua crítica e busca mover seu interlocutor (P). As
metáforas (FPO1) estão em menor número, ainda menos as figuras de estilo (FPO3):
[...] A inércia das legislações [...] formou lentamente um depósito de usos,
costumes e doutrinas que passaram a ser leis de exceção [...]. [...] e
aturdidos os espíritos com a frívola anatomia dos atos até extrair-lhes das
entranhas o delicado critério! [FPO1, metáfora, prosopopeia]
[...] hoje minhas ideias são outras, resistem invencivelmente à essa
calamitosa duplicação de leis civis [...]. Porque nem os livros nem a escola
ensinam nada mais do que uma história de opiniões, ou questões de
palavras [...]396
. [FPO1, prosopopeia] (grifos nossos)
Antes dos argumentos, sempre ele impôs algumas outras figuras de estilo, como
referido, para tentar atenuar a seriedade com que tratara da empreitada a que foi contratado e
estava recebendo severa objeção por parte da Comissão revisora. Fato que não olvidou.
Uma larga memória jurídica reservava eu para tempos calmos, receoso de
não ser ouvido na extraordinária situação, que absorve nossa vitalidade;
[FPO3]
mas, as longas expectativas cansam, e será talvez irreparável a incerteza
provocada pela minha comunicação a V. Ex. [...]397
. [FPO3]
A demora e a procrastinação da Comissão eram cansativas. Mas, o ponto de inflexão
desse contrato estava na questão do Código Comercial que Teixeira de Freitas insistia em não
manter. Ele relembrou a resposta do ministro onde estava a lamentação de que o tempo de
conclusão tivesse se espaçado, embora houvesse declarado o ministro “não haver motivo para
deixar de confiar no remate da empresa”. Mas, parece que na resposta do ministro havia uma
condição que Teixeira de Freitas passou a refutar como seu tema central: “tratando da justiça
comercial, reconheceu [o ministro] as excrescências do nosso Código do Comércio, a
396
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 6 – 8.
397 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 5.
148
necessidade de revê-lo; reservando, porém esse melhoramento para depois de apresentado e
aprovado o Projeto de Código Civil”398
.
Teixeira de Freitas percebeu que essa foi a verdadeira postura do governo Imperial:
manter o Código Comercial. Usando vários hipérbatos (FLO1) alegou que seu projeto, o
Esboço, não era definitivo; era um ensaio. Então escreveu:
O Governo espera por um Projeto do Código Civil no sistema desse Esboço,
sistema tratado no meu contrato de 10 de janeiro de 1859, e para mim já não
há possibilidade de observar tal sistema, convencido, como estou, de que a
empresa quer diverso modo de execução399
. [APO1]
O que Teixeira de Freitas desejava era mudar seu sistema, mas nem por isso apenas
insistiu na sua “novidade”; ele percebeu a tese do governo e passou a desconstruí-la com sua
argumentação. E prossegue expondo a intenção do Governo para chegar àquela conclusão
(ALO4), sua tese, de que um Código Comercial era desnecessário; em resumo:
[1] O Governo quer um Projeto de Código Civil para reger como o subsídio
ao complemento de um Código do Comércio [APO1]
[2] intenta conservar o Código Comercial existente com a revisão que lhe
destina: [APO1]
[3] e hoje minhas ideias são outras, resistem invencivelmente a essa
calamitosa duplicação de leis civis, [FPO1][APO1]
[4] não distinguem no todo das leis desta classe algum ramo, que exija um
Código do Comércio. [APO1]
[Conclusão] O Governo só pretende de mim a redação de um Projeto de
Código Civil, e eu não posso dar esse Código [...] sem começar por um outro
Código, que domine a legislação inteira400
. [ALO4]
Depois de explicar sucintamente sua dificuldade em manter o Código de Comércio,
argumenta contra a “falta”, a dúvida levantada na Comissão (por Caetano Soares), e justifica
que na Comissão “nunca pode formular a parte imperativa das matérias”. Então passa a
justificar sua mudança de método usando um conhecido elemento discursivo seu – as
398
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 5.
399 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 5.
400 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 5.
149
perguntas [FPA1] associadas a argumentos que em si se respondem (ALO4), justificando que
também houvera mudado os termos do contrato da Consolidação para melhorá-la, o que
recebeu aprovação.
Se engendrei tudo isso, se alterei minhas primeiras ideias, porque (sic) não
poderei mais uma vez alterá-las, no meu ardente amor pela conquista da
verdade jurídica? Se o Governo Imperial tem aceitado todo esse lidar de
pensamentos, se continua a confiar no operário, se não o prende alguma
iniciativa do Corpo Legislativo, o que pode agora impedir o acolhimento de
modificações novas em crescente proveito da mais acertada execução da
empresa? [FEO1, FPA1] Quem pode fazer, pode desfazer401
. [ALO3,
ALO4] (grifos nossos)
Outro uso das aliterações (FEO1) é encontrado mais uma vez na justificativa para o
novo sistema unificado:
O meio de sair de tais embaraços, de sanar tantos inconvenientes, de reparar
os erros do passado, de fixar os conhecimentos jurídicos e de extremar os
verdadeiros limites da codificação civil, só o acharemos na composição de
dois códigos [...]402
. [FEO1] (grifos nossos)
Teixeira de Freitas mostrou que a ideia de um Código Geral não era “nova, tem sua
primeira semente nos dois últimos Títulos do Digesto: de verborum significatione, e de
diversis regulis juris antiqui,” (FLO2) sementes divulgadas segundo ele por Pothier, Bacon e
no Código Civil da Louisiana (AEO1)403
.
A partir daí, a argumentação passa exclusivamente a ser legal, a respeito de cada
matéria dos títulos da nova proposta para o projeto. Foram argumentos principiológicos onde
as proposições legais estavam justificadas por suas teses de teoria jurídica. Foram vinte
parágrafos individualizando cada matéria. Dogmaticamente era onde se encontravam as
“novas” conceituações de várias das mais importantes teorias civilistas. Quatro páginas
inteiras as expõem.
401
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 7.
402 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 8.
403 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 8 – 9.
150
Na conclusão da carta considerou que nesse “plano”, “um monumento glorioso”, é
onde estariam plantadas “as verdadeiras bases da codificação” e “o vício de quase todos os
trabalhos legislativos”, qual metonímia legislativa que toma a parte pelo todo, seria
corrigido404
.
Ao fim, demarcou as necessidades derradeiras: “uma nova autorização” para mais
“dois ou três meses” a fim de aprontar o Código Geral, complementar do Esboço e publicar o
Projeto do Código Civil. Seu apelo, porém, tem o tom de uma resignação ameaçadora.
Se o Governo Imperial não o aceitar, o mais, a que posso resignar-me, é à
publicação do complemento do esboço, [APA1] que não deixa de ter seu
merecimento relativo segundo o estado atual das ideias; terminando, porém,
nesse ponto o meu trabalho, desonerando-se-me de todas as mais obrigações
do meu contrato [...]405
.
E arrematou
Se me negam a possibilidade moral [AEO3] de arranjar Códigos de rotina,
que só servem para atrair recompensas exteriores, então sou réu confesso.
[AEO3]
Rogo a V. Ex. que refletidamente medite sobre toda essa ingênua exposição;
[FEO1] que a submeta ao critério de Sua Majestade o Imperador, e que afinal
resolva como melhor parecer em sua sabedoria406
. [APO1]
6.4 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do tema
da unificação do Código Civil.
Nesta carta Teixeira de Freitas apresenta uma quantidade menor de elementos retóricos
que a sua carta de renúncia à presidência do IAB. Todavia, as características retóricas são
semelhantes. Foram noventa e quatro ocorrências destacadas; destas, quatorze relacionadas à
categoria geral ethos (E), trinta e uma ao pathos (P) e quarenta e oito ao logos (L).
404
FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 11.
405 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 11.
406 FREITAS, Augusto Teixeira de. Carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça. FREITAS,
Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 12.
151
Tipos/Categorias nº de
incidências Observações
ethos (E)
FEO1 7 algumas poucas figuras que apenas
mostram a formação erudita do autor.
AEO1 3 todos argumentos de autoridade.
AEO2 0
AEO3 4 mais alguns argumentos que
demonstram a experiência do autor.
pathos (P)
FPO1 7 juntamente com outras figuras de pathos
foram predominantes na busca de
complementar a persuasão lógica, mas o
conteúdo dos argumentos
desfavoreceram a discussão geral.
FPO2 0
FPO3 2
APO1 8 opiniões trazidas do receptor da carta.
FPA1 9 perguntas retóricas.
APA1 5 argumentos também trazidos das
opiniões do ministro receptor.
logos (L)
FLO1 4
FLO2 4 poucas expressões latinas.
ALO1 3
ALO2 25 grande concentração de argumentos
principiológicos descrevendo as partes
do projeto civilista.
ALO3 4 uso de algumas máximas.
ALO4 9 as deduções, conclusões, buscaram
firmar o ponto de vista do autor.
Subtotais 16 94
152
CONCLUSÃO: (IN)COMPATIBILIDADE E (IN)COERÊNCIA DESVENDADAS
PELA RETÓRICA ACERCA DAS POSTURAS HISTÓRICAS DE TEIXEIRA DE
FREITAS SOBRE TEMAS DO DIREITO CIVIL.
“A linguagem é retórica, pois ela quer traduzir apenas uma δοξα (opinião) e não uma επιστήμη (conhecimento).
Não há uma natureza não retórica da linguagem à qual se poderia recorrer: a linguagem mesma é o resultado
das mais puras artes retóricas.”
Friedrich Nietzsche407
A sutil sugestão de Ballweg em associar elementos antigos e contemporâneos como
uma metódica retórica mostrou que tanto a partir da observação de grandes eventos históricos
como, grosso modo, acerca de fatos isolados, a exemplo de textos, discursos e debates que
rigorosamente não são tão isolados assim, como os que analisamos ao longo desta dissertação,
podem ser encontradas e delimitadas estratégias discursivas reveladoras ao longo da História,
resolvendo o problema de que a história não é uma mera sucessão de fatos dados e que vários
instrumentos metodológicos cooperam complementarmente na compreensão da complexidade
da vida prática e da prática do Direito. Daí a importância em observar por meio desta
metodologia as estratégias difundidas por elites que se conservam no poder em quaisquer
esferas de sua atuação, como na política, na religião e no direito, como discursos vencedores.
Na busca de um resgate histórico integral da credibilidade de Teixeira de Freitas,
buscamos através da retórica compreender como foi construído o discurso dominante que
subliminarmente atribuiu os “fracassos” de Teixeira de Freitas, ora a seu legalismo, ora a um
crescente distúrbio emocional. Vimos que os biógrafos em geral deixaram registrados
constantes e progressivos nuances de um comportamento inconformado, forte, como foram os
questionamentos sobre as avaliações que seus mestres dele fizeram nas escolas jurídicas de
Recife e São Paulo. Além disso, sempre informaram que sua genialidade lhe produziu um
desgaste intelectual408
. E, quando de seu afastamento da Capital do Império indo para
Curitiba, longe de qualquer olhar habitual, afirmaram que era envolvido lentamente pela
“monomania religiosa”. Assim, sugestionaram a predominância de aspectos emocionais
407
„Die Sprache ist Rhetorik, denn sie will nur eine δοξα , keine επιστήμη übertragen. Es gibt gar keine
unrhetorissche ‚Natürlichkeit‘ der Sprache, and die man appellieren könnte: die Sprache selbst ist das Resultat
von lauter rhetorischen Künsten.“ NIETZSCHE, Friedrich. Rhetorick. Vorlesungen 1872 – 1876. Gesammelte
Werke (Mussarion Ed.) v. 5. München, 1922, p. 298.
408 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 227.
153
(pathos) como justificativa da não prevalência dos seus argumentos diante de alguns
posicionamentos, e, de aspectos legalistas (logos) para outros não menos infelizes. Mas, de
acordo com a relação categorial aplicada, nem sempre as razões apontadas por aqueles
escritores condisseram coerentemente com as informações contidas nos textos mais
importantes elencados para cada situação e aqui estudados.
É o caso da influência da religião que, hipertrofiando-se já de longa data, chamou a si
vários outros itens culturais no decorrer de sua história confundindo-se com estes. Ou seja,
além das questões espirituais e metafísicas, se envolveu em articulações políticas, como até
hoje. Vimos também que na educação os estudos de gramática, literatura, Direito e filosofia
foram controlados pela Igreja, que junto com o Estado, em maior ou menor medida, deles se
utilizaram para efetivar sua dominação. O estudo da retórica, no sentido de um meio
esclarecido de compreensão e comunicação, foi um dos alvos desse sistema. Devido a sua
importância, esse controle, que sempre esteve muito velado, buscou evidenciar um
preconceito contra a retórica para camuflar-se. Assim, desestimulou drasticamente sua prática
e influência, razão porque seu estudo não é difundido nas escolas de Direito e, com raras
exceções só é estudada na Literatura e na Propaganda.
Observar a reforma pombalina do ensino, incluindo o ensino da retórica, com sua
prática modificada em Portugal, e, reprimida no que puderam nas terras brasileiras por meio
da metodologia retórica proposta neste estudo como instrumento de observação do
historicismo, pode ser detectado como uma estratégia de manipulação de poder.
Para muitos estudiosos e para o público em geral, a reforma dos estudos de retórica,
especificamente, é ignorada e até desconhecida. A reforma pombalina é apenas compreendida
como um conjunto de reformas políticas e econômicas, ou, quanto mais, também uma reforma
nas estruturas da religião e do ensino, incluindo os chamados estudos menores e maiores
dentro dos domínios lusitanos. Mas, a influência ideológica do Verdadeiro Método de Estudar
de Verney comprovou que o estudo da retórica e seu ensino foi uma das mais poderosas armas
de controle daquele período. Daí o porquê sua mudança de conteúdo pôde mudar também os
conteúdos materiais de outras áreas de ensino, como a Filosofia, a Lógica, a Metafísica, o
Direito e a Teologia.
No Brasil, a formação dos primeiros cursos de ensino superior, destacando-se os
cursos jurídicos, e a produção de parte da nova bibliografia, nova para os que abraçavam os
idealismos libertários ou dos que buscaram suprir uma restrição de informações ainda
154
predominante na Academia, na verdade, foi usada para construir um novo discurso de
dominação vitorioso no processo de consolidação da emancipação brasileira, embora não
tenha inovado muito ideologicamente, vez que ao tempo dos primeiros cursos jurídicos
brasileiros o predomínio ainda foi da base literária europeia e lusitana.
Além disso, num campo mais específico dentro do Direito, houve a necessidade de
reformular também a esfera legal, embora “reforma” pareça uma palavra um tanto forte diante
da continuidade burocrática estagnadora que foi preservada. Juntamente com a reformulação
do Poder Judiciário foi importante dar seguimento ao projeto de produção legislativa, ou seja,
o processo que deu ao Brasil a sua primeira Constituição, o Código Criminal, o Código de
Processo e o Código Comercial. Relativamente ao Direito Civil, iniciou-se o caminho em
relação ao Código Civil, com a produção da Consolidação das Leis Civis e o Esboço do
Código Civil de Teixeira de Freitas. As várias tentativas para a produção da codificação civil
mostraram serem elementos resultantes de composições, vencidas ou vencedoras, entre os
atores de um cenário de poder. Ou seja, todos esses fatos formaram uma série de estratégias de
dominação do governo que se estabelecia.
Apesar de Teixeira de Freitas ter uma personalidade marcante, que é seu próprio ethos,
o ambiente cultural o pressionou singularmente, sendo ele também muito sensível às criticas e
às provocações. Isso pode ser percebido desde cedo nos vários episódios de sua vida que o
conduziram para várias tomadas de decisões. Ele era firme em convicções e apto para obras
de qualidade, mas apesar do seu brilhante conhecimento e sistemática inovadora, a estratégia
do confronto não era seu forte. Não era fácil (nem simples) para ele impor suas opiniões e
posturas, fossem pessoais ou técnicas. Servir interesses poderosos pode destruir o brilho do
saber e até sacrificar seus protagonistas. Isso esclarece que o “insucesso” de Teixeira de
Freitas não foi especificamente seu, nem houve, obviamente, nenhuma “maldição”. Esse
embate nos corredores do poder arrasou várias outras tentativas, como vimos.
155
Gráfico 1. Gráfico de incidências das categorias retóricas na obra de Teixeira de Freitas
Com respeito ao tema da escravidão, as porções do texto introdutório da Consolidação
monstraram que, para prevalescer contra o único argumento de reprovação destacado pela
Comissão revisora, o silêncio (retórico) (FPA1), e, admitido por ele, Teixeira de Freitas
necessitou acrescentar o uso de outros elementos relacionados ao pathos (P) como o uso
algumas figuras de significação (FPO1) e, especialmente, das notas de rodapé (FPO2), além
de, também, argumentos conceituais (L) como citações da legislação suprimida (ALO1), o
senso comum (ALO3) e deduções racionais (ALO4).
0 10 20 30 40
FEO1
AEO1
AEO2
AEO3
FPO1
FPO2
FPO3
APO1
FPA1
APA1
FLO1
FLO2
ALO1
ALO2
ALO3
ALO4
Textos a respeito da "unificação dos Códigos"
Textos a respeito do "casamento civil"
Textos a respeito da "escravidão"
156
Teixeira de Freitas dominava muito bem a escrita e era hábil transcritor de suas ideias
e doutrinas. Na primeira carta analisada, o índice de incidência de elementos retóricos textuais
é alto, se comparado a um documento legal e oficial como a introdução da Consolidação,
incluídas as notas de rodapé, onde ganhou relevância seu “silêncio” retório e as explicações
para seu uso. A leitura da Consolidação é juridicamente técnica. Na carta, o grande uso de
figuras de linguagem, em geral, demonstra um cuidado especial para a construção do texto,
criando uma plasticidade literária à altura (ou superior) do ambiente elitista do seu convívio. É
possível que a quantidade de ornamentos apenas reflita a influência da retórica lusitana, que
como visto, se preocupava mais com os adornos que com o conteúdo. Mas, em virtude do tom
repetidamente irônico de seu pronunciamento, também é provável que tal uso representasse
uma crítica a esse mau emprego da retórica, ou, ainda, apenas uma simples demonstração de
seu domínio dessa arte.
Porém, indo além das aparências (se isso é possível), dois fatos causaram grande
surpresa. O primeiro foi constatar o descabimento da tese de que os argumentos de Teixeira de
Freitas estariam baseados principalmente em seu caráter pessoal, seu ethos (E). Certamente
seu caráter se evidencia em seus escritos, sua integridade, sua honestidade e até sua
intransigência, e é forte sua atitude emotiva, mas suas principais habilidades são encontradas
no que foi categorizado como logos (L). Todavia, constata-se neste texto que seu pathos é
superior ao seu ethos. Isso pode ser o resultado direto do tipo de texto analisado, uma carta e
uma carta de renúncia. Não era de se esperar outra coisa de uma carta de cunho tão pessoal,
onde as mágoas dos “fatos desagradáveis” ocorridos durante o debate estavam ainda tão fortes
e, nela, não ficaram ocultas. Contudo, o aspecto justificador de seus argumentos neste
documento é o logos. Mais do que uma expressão de seu ressentimento e de apelo aos
sentimentos dos seus interlocutores, seu texto assume um estilo pedagógico para uma plateia
bastante versada nos assuntos jurídicos. Assim, ele manteve um respeito jurídico que o fez
decidir-se pela escravidão e um respeito igualmente moral pelos princípios da propriedade
privada, quem sabe, defendendo ingenuamente os interesses da elite no poder.
Teixeira de Freitas usou argumentações lógicas, nas quais os argumentos e o orador
estão separados e o campo da argumentação é fechado, e, argumentações silogísticas e
entimemáticas (ALO4), caracterizados pela mescla do argumento com o orador e de terem
estas argumentações o campo argumentativo sempre aberto. Ele possuía a habilidade de
fundamentar o conteúdo de seu discurso argumentando objetivamente para constituir as
provas de ditos argumentos.
157
Possivelmente, em se falando do debate no Instituto, o ambiente ali não estava
propício para os argumentos racionais, prevalecendo mais a persuasão emocional. Mas,
comprovadamente, a argumentação jurídica era sua melhor habilidade. Isso, por outro lado,
confirma a tese de que Teixeira de Freitas era legalista e um profundo conhecedor da lei, em
especial o direito romano, dado a prevalência constatada de inúmeras citações daqueles textos
legais (ALO1), e não fosse essa especialidade, também era profundo conhecedor da legislação
romana na língua original (ALO3), certo que era sua capacidade no latim desde sua infância.
No entanto, sua maneira em fazer tantas afirmações de cunho doutrinário e textual
tanto pode significar que: os interlocutores do IAB não conheciam bastante o direito romano,
tanto que só num momento muito próximo àquele, é que a matéria de direito romano passou a
ser “lecionado nas nossas faculdades” e o Instituto não possuía uma biblioteca ou mesmo um
exemplar do Corpus Iuris, ou, pode ser que mais uma vez Teixeira de Freitas tenha
exteriorizado sua ironia, “ensinando-lhes” algo de que eram conhecedores, mas que relutavam
em reconhecer como direito posto.
Assim, a maioria das citações dos textos legais como do Digesto e de autores como
Savigny guardaram características relativas a seu corpo probatório das doutrinas que defendia,
portanto, relativos ao logos, e não ao ethos ou ao pathos. Isso é importante, porque, a condição
do seu uso determinaria sua prática retórica; se meramente ornamental, ou, se de fato,
persuasiva. Os autores brasileiros tinham a necessidade de citar autores estrangeiros como
condição de aceitação pelos seus pares; argumento de prestígio, de autoridade, pertencente à
prática comum da retórica daquele então409
. Excluir-se de fazer tais citações faria com que
qualquer pensador brasileiro não fosse levado a sério410
, Teixeira de Freitas usou de tais
citações, juntamente com argumentos principiológicos e argumentos dedutivos, não para
demonstrar uma eloquência vazia de conteúdo, mas para fazer várias demonstrações sérias de
seu entendimento doutrinário, sem receber nenhuma contestação, daí o uso de figuras de
linguagem de significação (FPO1). É sabido que a resposta do Conselho do IAB à sua carta se
limitou a aceitar sua renuncia e a declinar da doação financeira que ele propôs, e,
409
CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista
de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 142.
410 CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista
de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 127.
158
posteriormente, a darem parecer favorável à liberdade dos filhos das mães statu líber sob
condição sem maiores justificativas doutrinárias411
.
Ainda assim, apenas esta temática e estes dois importantes textos não são suficientes
para compor um quadro nítido da habilidade retórica de Teixeira de Freitas. Por isso, este
estudo prosseguiu na delimitação de mais dados de cunho estratégico, a fim de ter-se um
apanhado geral de seus polêmicos debates e, consequentemente, de sua aptidão discursiva.
Acerca do tema do casamento a erudição muda de foco, mas não de especialidade;
passa do direito romano para o direito canônico. No debate com Totvárad o primeiro fato que
se destacou foi o de que esse debate ocorreu por meio de periódicos seculares, o Correio
Mercantil e o Diário do Rio de Janeiro, em 1861, apesar de já existirem vários periódicos
jurídicos tanto na capital do Império como em outros lugares do Brasil. Como o objetivo era
alcançar o público em geral e não apenas o público versado nas letras jurídicas, a estratégia de
persuasão consistiu em mobilizar a opinião pública para a adesão às opiniões dadas pelos
debatedores a respeito do tema do casamento. Assim, a polêmica com Teixeira de Freitas se
travou não por meio de um livro, mas por meio da “imprensa” escrita.
Naqueles artigos há mais ocorrências de argumentos principiológicos e argumentos
legais (L), e suas conclusões, que de argumentos que expressassem mais opiniões e
sentimentos (P) (como ocorreu na Carta ao IAB), e, menos ainda de argumentos de autoridade
(AEO1), textuais (AEO2) ou de fontes (AEO3), embora existentes, relacionados ao ethos (E)
do autor. Na verdade, em relação ao ethos (E) e ao pathos (P) foi mais recorrente o uso de
figuras. Embora fossem menores em número as figuras de ethos (E) que as de pathos (P), os
metalogismos de ethos buscaram desconstruir a imagem reverencial e legal de Totvárad. Não
fosse apenas isso, Freitas exteriorizou seu desconforto e superioridade por meio de metáforas
e ironias (FPO1) que de início buscaram desestabilizar as críticas feitas ao Esboço, para ao
final, lançar suas perguntas (FPA1). Perguntas essas que mais defenderam o posicionamento
religioso do Esboço, ou pelo menos, a influência religiosa que sofreu, que os princípios da
Teoria do Direito que se sedimentava. Ainda assim, tais figuras de pathos foram
discursivamente devastadoras. Tudo isso, preparando uma argumentação lógica (L).
411
MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL,
1979, p. 149 – 150. “A decisão final se desdobra em quatro partes e vem referida no vol. IV, p. 176 da Revista
dos Advogados Brasileiros, de 1867” reproduzindo o sumário da decisão, firmado por Caetano Soares do
primeiro número da Revista do Instituto, de 1862, às páginas 30 e seguintes.
159
Dentre os argumentos legais usados por aqueles juristas, ambos tomaram por base a
Constituição. Porém, o principal destaque neste ponto, é que Teixeira de Freitas exteriorizou
seu conhecimento em direito canônico, certamente observado, antes, na elaboração dos
dispositivos a respeito do matrimônio, no Esboço. O uso por Teixeira de Freitas de princípios
da doutrina (ALO2), todavia sem tantas expressões latinas (FLO2), mostraram mais uma vez
um caráter técnico em sua argumentação. A falta de expressões e deduções populares (ALO3)
reforça esse entendimento.
Assim, ficou claro que a tese defendida por Teixeira de Freitas era a da inclusão da
influência da religião no Estado, pelo menos nesta questão do casamento, e isso, com base no
dispositivo constitucional que legitimava a religião católica como oficial no Império412
. Tal
era a influência do discurso legitimador. Para isso necessitou de uma voz à altura. Teixeira de
Freitas dominava matérias diversas como o direito canônico, e anteriormente, o direito
romano. Campos do Direito que deixaram de ser coadjuvantes para assumir um papel
principal à frente das suas argumentações.
Esta análise se defronta, assim, com um dos seus problemas iniciais. Como um
jurisconsulto, positivista, e especificamente, um civilista como Teixeira de Freitas, com a
incumbência de normatizar os atos e fatos da vida civil poderia ser contrário ao casamento
civil? Lembremos suas palavras: “[...] o Esboço abomina a instituição do casamento, chamado
civil. Em caso nenhum prescinde do elemento religioso [...]”413
. O que o levaria a abraçar tais
discursos legitimadores das classes de dominação, em detrimento de sua integridade
intelectual e conhecimento jurídico? Uma das prováveis respostas se encontra no fato de que
Teixeira de Freitas havia sido contratado pelo Império para elaborar o Esboço, e este mesmo
Império teve suas conexões de poder com a Igreja católica. Logo, houve a necessidade de que
alguém experiente e idôneo servisse a esse interesse e legitimasse adequadamente seus
posicionamentos por meio de um discurso convincente.
Ainda, o que impulsionou um jurisconsulto da qualidade de Freitas a utilizar seu
conhecimento e tempo para responder a este ataque? Tal esforço compensaria o desgaste
físico e financeiro? Provavelmente houve várias outras críticas a dispositivos do Esboço por
412
Art. 5. A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras
Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma
alguma exterior do Templo. BRASIL. Legislação. Carta Constitucional (1824).
413 MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Rio de Janeiro: J.
Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 226.
160
meio da imprensa, e apenas a este especificamente, o casamento, ele se “moveu” para
responder pelo mesmo veículo. Certamente houve o entendimento de que as forças por traz da
voz de Totvárad necessitavam de uma resposta à altura. Totvárad havia provocado o Prof.
Brás Florentino da FDR, o ministro da justiça, o Conselheiro Paranaguá e o Dr. Vilela
Tavares. A resposta de Teixeira de Freitas era a voz também destes.
Contudo, a despeito do sucesso discursivo de Teixeira de Freitas, a temática do
casamento evoluiu no sentido de, como visto anteriormente, o casamento religioso ter perdido
gradativamente “espaço” para o casamento civil. Primeiro, quando o Estado reconheceu as
celebrações de outras religiões e, depois, quando, quase trinta anos depois obrigou todos os
ritos ao casamento civil. Ainda assim, diante da dinâmica social do Direito, não deve ser
considerado vencedor um discurso que perdure por quase trinta anos?
Em relação à codificação e sua proposta de unificação, Teixeira de Freitas que já havia
mostrado sua competência e desenvoltura quando da Consolidação, mas foi capturado por
artimanhas de uma Comissão que consumiu tanto o jurisconsulto como seu contratante, o
governo imperial. Wieacker defendeu a tese de que “os códigos extraordinários só surgem
quando uma só e importante personalidade os projetam de uma vez”.
A monumentalidade e a pureza de estilo dos grandes códigos provêm da
intuição pessoal e da capacidade voluntariosa, virtudes que as debilidades,
limitações e o vigor de uma só pessoa equilibram amplamente, já que estas
podem ser dominadas, e ainda mais, não é privativo do jurista o arbítrio
individual e o propósito subjetivo de originalidade414
.
Será que isso poderia ser aplicado e constatado em situações complexas como a do
Brasil? No Brasil do século XIX se confiava mais em comissões que nas virtudes pessoais, e
assim, continua:
O trabalho de colaboração em comissões, pelo contrário, debilita a
responsabilidade e a autocrítica, e favorece a irresolução e a persistência do
que é antigo, rebaixa também por si mesma a superior qualidade dos
membros ao nível da média mais inferior, só é imprescindível para a
comprovação e exame de um projeto acabado415
.
414
WIEACKER, Franz. Historia del derecho privado de la edad moderna. Madrid: Aguilar, 1957, p. 423.
415 WIEACKER, Franz. Historia del derecho privado de la edad moderna. Madrid: Aguilar, 1957, p. 423.
161
O Esboço não era um projeto acabado, obviamente. Ainda assim, Wieacker destacou
algo que certamente foi encontrado em Teixeira de Freitas, sem sobra de duvidas, em alguma
medida: a reunião em uma única pessoa de cultura jurídica e filosófica, senso prático,
resistência física e mental, equilíbrio, pertinácia, serenidade, e pleno conhecimento do meio
social a que vai servir. Só “se submetem ao penoso e incômodo trabalho de comissões, com
mais prazer, os trabalhadores conscienciosos e objetivos”416
.
Nesta outra carta, embora a quantidade do uso de figuras seja menor, a variedade é
mais equilibrada deixando no texto mais uma demonstração do seu domínio da escrita para
transcrever suas ideias, posturas e doutrinas. Mais uma vez, seus sentimentos (P) superam sua
personalidade (E). As figuras de pathos (FPO1, FPO3 e FPA1) predominaram e isso, foi para
complementar a persuasão que ele buscava a fim de levar adiante seu “novo” projeto. Quanto
ao conteúdo do discurso argumentativo neste texto, poucas foram as expressões (FLO2) e
máximas (ALO3). Mas, ele não deixou de fora suas peculiares perguntas (FPA1).
É possível destacar duas classes de abordagem por meio desse tipo de questionamento,
as perguntas (FPA1, perguntas retóricas). As que precederam a grande concentração de
argumentos principiológicos usados para descrever e fundamentar o conteúdo, como partes,
do seu projeto de unificação, composto de dois Códigos: o Geral e o “Civil” propriamente
dito; e, as que foram utilizadas para concluir a carta. As primeiras, embora intrigantes e fortes,
prepararam muito bem os ânimos para os argumentos que descreveram as matérias unificadas,
que seriam comuns também a ramos como o Comercial, o Penal e o Processual. A segunda
série de questionamentos, tomaram um rumo (im)previsível, quando observado retoricamente,
esse olhar que busca a compreensão do porquê de algumas propostas serem vencedoras e
outras não. Isso acrescentou uma porção de desgaste a Teixeira de Freitas.
Certamente, Teixeira de Freitas fez um trabalho exaustivo ao trabalhar no seu projeto
de Código Civil. Porém, o que desgastou Teixeira de Freitas não foi a obra de codificação do
Esboço, mas, primeiro, a protelação orquestrada por seus opositores que o esgotavam com
debates orais, respostas em numerosos e longos pareceres manuscritos, substitutivos a cada
sugestão e aditamentos que mais uma vez eram contestados entre os membros da Comissão. O
desgaste também foi financeiro, vez que para fundamentar seus comentários e pareceres era
416
WIEACKER, Franz. Historia del derecho privado de la edad moderna. Madrid: Aguilar, 1957, p. 423.
162
necessário adquirir livros no exterior, caros e que demoravam, vindos da Europa de navio.
Cada jurisconsulto ou pensador devia formar sua biblioteca particular, nem sempre
numerosa417
. O Governo foi impaciente, Teixeira de Freitas era o condutor do projeto, mas
estava limitado à aprovação da Comissão que o fazia prorrogar os prazos. Impaciente com
Teixeira de Freitas ou com a Comissão, o governo não aceitou a última proposta.
Mas essas não foram a únicas causas para seu desgaste. Analisando o texto é possível
perceber que a segunda e última série de perguntas desfavoreceu todo o conjunto de seus
argumentos em favor do “monumento glorioso” e “das verdadeiras bases da codificação”.
Embora seja impossível determinar peremptoriamente se aqueles elementos finais poderiam
ter levado aquela realidade para outra direção, a prorrogação do plano e a aprovação do
projeto; é provável que a melhor argumentação tivesse sido não conceder ao Governo Imperial
a opção de negar o pedido. Às vezes, numa petição não se deve fazer perguntas que tanto
possam ter o “sim” ou o “não” como respostas; é o que já conhecem os melhores operadores
do Direito. Obviamente, Teixeira de Freitas já havia solicitado sua exoneração daquela
função, mas após uma exposição tão clara de seu plano, posteriormente “copiado” por outros
legisladores, talvez bastasse informar que aguardaria a “reflexão” do Ministro e o “critério” do
Imperador. O uso desses eufemismos (FEO1) que beiravam a ironia deve ter conduzido a
decisão ao desfecho conhecido.
Logo, aquela conclusão, envolvida em sentimentos “negativos”, desconstruiu a
brilhante argumentação legal e fez com que a proposta de um novo modelo de legislação
civilista fosse rejeitada. Finalmente, o objetivo de alguns componentes da Comissão revisora,
qual discurso vencedor, prevaleceu. O contrato foi desfeito e o Direito brasileiro deixou
escapar, pelo menos temporariamente, os louros da inovação sistemática de Teixeira de
Freitas.
417
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