universidade federal de pernambuco centro de … · a todos os colegas da unidade de igarassu. a...

177
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO JUVENTUDE NEGRA E A EDUCAÇÃO NAS PRISÕES EUCLIDES FERREIRA DA COSTA Recife 2011

Upload: dodieu

Post on 29-Dec-2018

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

JUVENTUDE NEGRA E A EDUCAÇÃO NAS PRISÕES

EUCLIDES FERREIRA DA COSTA

Recife 2011

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

JUVENTUDE NEGRA E A EDUCAÇÃO NA PRISÃO

EUCLIDES FERREIRA DA COSTA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientador: Profº Dr. Alexandre Simão de Freitas

Recife 2011

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

Costa, Euclides Ferreira da

Juventude negra e a educação nas prisões / Euclides Ferreira da Costa. – Recife: O Autor, 2011. 176 f.

Orientador: Prof. Dr. Alexandre Simão de Freitas

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2011.

Inclui Referências.

1. Prisioneiros - Educação 2. Racismo institucional

3. Educação de adultos 4. Ressocialização I. Freitas, Alexandre Simão de (Orientador) II. Título.

CDD 365.66 UFPE (CE 2012-012)

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE POS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

COMISSÃO EXAMINADORA

Presidente e Orientador

Prof.º Dr.º Alexandre Simão de Freitas

_______________________________________________

Examinador Externo –

Profº. Drº. Moisés Santana – PPGE/UFRPE

_______________________________________________

Examinador Interno -

Profº. Drº. Aurino Lima Ferreira

_______________________________________________

Recife 2011

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

DEDICAÇÃO

Salve o sagrado de todas as crendices, salve todos os Orixás.

Eu tenho raiva da morte porque a morte matou meu pai. A gente mata e vai preso, a morte mata e não vai...

Com esses versos, que Mestre João gostava de recitar, saúdo os meus entes

queridos que já não encontram-se entre nós:

Maria José Aquino Ferreira, minha mãe a quem eu devo tudo.

Euzébio Ferreira da Costa por tudo que fez e me ensinou.

Ao Mestre João pela confiança e carinho que nutria por mim.

A Itamar Batista dos Santos pela saudade que sinto.

A minha avó Clotilde, pelo cuidado e amor.

Ao Amigo e Profº Drº João Francisco de Souza.

No entanto a morte faz parte da vida e a vida é um fluxo continuo.

A Dayse por tudo que fizemos e construímos juntos.

A meus filhos e filhas que são a razão do meu viver: Gal Maria; Jonas Black,

Raytsa Odara; Oladelê Bayó; Nzinga Bosodê; Dandara Onasilê; Oranyam

Costa.

A Martha Rosa pela grandeza de humanidade.

A Kayodê Botelho, o mais novo fruto gerado pelo amor de sua mãe Denise.

A Bruna de Gal, a Denise de Jonas.

A Zury Beny, a renovação do quilombo.

A Ceça pelo amor e carinho dedicado a Bria.

A minha tia Maninha pelo amor e carinho dedicado e vivido junto a Bria.

A Severina Cabral de Moura pelo amor dedicado a todos nós e pela sabedoria

com que enfrenta as adversidades da vida.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

A Lúcia dos Prazeres por sua força e generosidade, a bruxa mais legal que

conheço.

A Micheli Diniz que cuida de mim com muito carinho e dedicação.

Aos meus irmãos e irmãs: Rosa; Rosicleide; Lilo; Sandra; Lindo; Mere; Edson;

Lena; Rosilda; Bisa e todos os sobrinhos e sobrinhas.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

AGRADECIMENTOS

Eu passei muito tempo Aprendendo a beijar outros homens

Como beijo o meu pai Eu passei muito tempo

Pra saber que a mulher que eu amei Que amo, que amarei Será sempre a mulher

Como é minha mãe Como é, minha mãe?

Como vão seus temores? Meu pai, como vai?

Diga a ele que não se aborreça comigo Quando me vir beijar outro homem qualquer

Diga a ele que eu quando beijo um amigo Estou certo de ser alguém como ele é

Alguém com sua força pra me proteger Alguém com seu carinho pra me confortar Alguém com olhos e coração bem abertos

Para me compreender. Gilberto Gil

É com essa letra de Gil que começo a agradecer as pessoas responsáveis pela

feitura dessa dissertação, umas porque cuidaram de minha alma e do meu

corpo; outras, porque me ajudaram de alguma forma a cumprir esta tarefa.

Meus queridos pais não mais estão entre nós, por isso sei da falta que eles me

fazem e a importância dos amigos que aprendi a beijar.

Agradeço de todo meu coração:

Denise Botelho; Luci Ribeiro; Iedo Lima; Fernando Batista; Alex Costa; Natan

de Adriana; Adriana de Natan; Junior de Luiza; Luiza de Junior; Alexandre

Viana; Ana Lúcia Felex, Djanira Moura; Malú Ribeiro; Mestre Barthô; Gilberto

Santana; Laudicea Roque; Simony; Rossana Tenório; Itacir Luz; Xavier

Ytentenbrok; David José; Everson Melquides;Lindenberg Silva; Djanete Cabral;

Tia Nilsa, Tio Toinho; Anderson Luiz ,Stefany e Bruno.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

Agradeço aos colegas: Breno; Ricardo; Nilton; Jorge; Adelson; Ronaldo por me

ensinar que é possível fazer um sistema penitenciário melhor e que

honestidade e ética fazem parte da formação humana.

Aos colegas do plantão que com generosidade me apoiaram nesta empreitada.

A todos os colegas da Unidade de Igarassu.

A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara.

A todos os reeducandos e, em especial, aos colaboradores da pesquisa.

Aos irmãos Ricardo Guedes e Carlos Monteiro; Ao Professor Osvaldo.

Aos irmãos e irmãs do MNU quem me ensinaram a ser negro e compromissado

com a luta contra a discriminação. Inaldete Pinheiro; José Cirilo; Josafá Mota,

Adelaide, Zeca, Marcos Pereira, Chico; Junior Afro; Mônica Oliveira; Piedade,

Alzenide Simões; Romero; Pedro.

Aos colegas da turma 27 e aos demais.

A todos os professores e professoras do programa de Pós-Graduação do

Centro de Educação da UFPE.

Às meninas da Secretaria do Programa de Pós-Graduação: Shirley; Morgana;

Rebeka; Camila.

Ao pessoal da manutenção e infra estrutura.

Agradecimentos especiais: Rosangela Tenório; Zélia Granja Porto; Moises

Santana e Alexandre Simão de Freitas.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

RESUMO

Essa pesquisa se propõe investigar sobre a juventude negra, as relações etnicorraciais e o processo de ensino-aprendizagem em uma escola localizada no interior de um presídio. O objetivo mais amplo consiste em analisar, a partir das narrativas dos jovens negros, como eles apreendem suas trajetórias de vida e o lugar que as experiências escolares ocupam na percepção de sua existência. Mais especificamente, a ideia geradora da pesquisa consistiu em mapear como as questões etnicorraciais são abordadas nos processos educativos desenvolvidos no interior das prisões. Do ponto de vista metodológico, buscamos compreender como o pertencimento etnicorracial era percebido pelos próprios sujeitos inseridos no sistema penitenciário em articulação com a forma como eles experienciam e se relacionam com a educação vivenciada dentro e fora do presídio. Dentre os resultados alcançados, identificamos que o racismo institucional é elemento determinante na construção dos sujeitos marginalizados, pois suas trajetórias foram marcadas pela discriminação e falta de oportunidades. Despossuídos de instrumentos fomentadores de uma perspectiva de futuro, esses sujeitos sempre viveram o agora e a escola foi uma instituição ausente nas suas necessidades de garantias de construir sonhos promotores para um dia nascer feliz. Concluímos assim que a escola precisa promover a cidadania de seus usuários, garantir seu aprendizado, reforçar os laços identitários, pois nem a escola de fora dos muros, bem como a da prisão tratou de incluir em seus currículos o que preconiza as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações etnicorraciais e para o ensino de história e cultura afrobrasileira, e em particular a escola do presídio ainda não entrou de fato em contato com as diretrizes nacionais para a educação em prisões - instrumento importante para um fazer pedagógico que vai para além da escolarização. A escola precisa fazer o que estar ao seu alcance e buscar parceria para realizações de atividades que está fora de suas possibilidades, se responsabilizando pelo futuro de seus usuários criando uma forma acolhedora e desenvolvendo meios de se relacionar com os sujeitos que historicamente foram jogados nos guetos. A escola na prisão precisa deixar de ser um simples lugar do refgio e ser também o lócus da construção do conhecimento. Palavras-chave: Educação na Prisão; Educação de Jovens e Adultos; Juventude Negra; Racismo institucional; Ressocialização.

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

ABSTRACT

This studies investigates the dimensions of Black youth, and it’s etnicorracial

relationships, process of teaching and learning in a school located inside a prison. The main objective consists in analyze the narratives of young black people, during their understanding of life and how this learning process inside the school brought as experiences in their lives. Furthermore the inquiry was inspired in mapping up etnicorracial approaches in a educational system inside the prison. From the methodological point of view, we tried to find out how the etnicorracial belonging, was felt by the people inside the prison system joint they also experienced and related in and outside the prison. Therefore among the results achieved, within the institutional racism is the strongest element, that determines the increasing of marginalization among those people, because their way were marked by discrimination and missing opportunities, devoid of instruments that feed a prospective of a future, those people have lived the present and the school was a absent institute, for their needs and guaranties of a better life for their dreams. We agreed that the school should promote the citizenship among its attenders, hold up the understanding, reinforce the brotherhood id, otherwise not the school, not even jail includes the curriculum calls for national curriculum guidelines for education etnicorracial relations and the teaching of history and afro-Brazilian culture, specially prison’s school in fact, did not get into the national guidelines to use education as a important pedagogical instrument that goes beyond schooling. The school needs to be doing what it can reach, to seek partnerships, to make possible the activities beyond its edges, being responsible for the future of its students, creating a way to shelter and also develop ways of relating those students with the ones that were thrown in the ghetto’s history. A school in a prison must be more than a simple hideaway but also a place to construct knowledge. Keywords: Education in Prison, Education young and adults, Black youth, Institutional Racism, Resocialization.

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

LISTA DE QUADROS

1. QUANTIDADE DE PRESOS POR COR DE PELE/ETNIA

2. QUANTIDADE DE PRESOS POR FAIXA ETÁRIA

3. PERFIL DO PRESO

4. QUANTIDADE DE PRESOS POR COR DE PELE/ETNIA

5. PERFIL DA ESCOLARIDADE DO PRESO

6. QUANTIDADE DE PRESOS/INTERNADOS

7. DADOS REFERENTES AOS PRESOS DE PERNAMBUCO

8. MAPA DA ESCOLARIDADE NAS UNIDADES PRISIONAIS DE

PERNAMBUCO - 2011

9. SUJEITOS DE PESQUISA

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

SIGLAS E ABREVIATURAS

CENIP- Centro de Internação Provisória

CNPCP - Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária

CPI DAS PRISÕES - Comissão Parlamentar de Inquérito

DATASUS - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde

DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional

DFID - Department Four Internacional Development

DHESC - Plataforma Dhesca Brasil - Rede Nacional de Direitos Humanos

DISOC/IPEA - Diretoria de Estudos Sociais

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

EJA - Educação de Jovens e Adultos

FUNAP – Fundação de Amparo ao Preso

FUNASE – Fundação de Atendimento Sócio Educativo

FUNDAC – Fundação da Criança e do Adolescente

FUNPEN - Fundo Penitenciário Nacional

HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INFOPEN - Sistema Integrado de Informações Penitenciárias

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LEP - Lei de Execução Penal

MEC - Ministério da Educação e Cultura

MJ – Ministério da Justiça

ONU - Organização das Nações Unidas

PNAD/IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/ Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística

PUC - Rio – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

SDSDH - Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos

SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

SEDE - Secretaria de Educação e Esportes

SEPM – Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres

SERES - Secretaria Executiva de Ressocialização

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 13

CAPÍTULO 1 .................................................................................................... 19

1.1 O surgimento e a formação do dispositivo prisional ......................................... 19

1.2 O sistema penitenciário brasileiro na atualidade ............................................... 27

CAPÍTULO 2. A EDUCAÇÃO NAS PRISÕES ................................................ 34

2.1 A educação nas prisões ..................................................................................... 34

2.2 Escola na prisão e os processos de ressocialização ......................................... 47

CAPÍTULO 3. PERCURSO METODOLÓGICO .............................................. 55

3.1 Fases da metodologia ........................................................................................ 55

3.2 O Campo Empírico – Escola Dom Helder .......................................................... 59

3.2.1 Sujeitos da pesquisa .................................................................................... 61

CAPÍTULO 4. ANÁLISE DOS DADOS ........................................................... 81

4.1. O resgate das memórias da infância dos jovens em situação de reclusão ...... 81

4.2. O lugar do pertencimento racial ...................................................................... 100

4.3. A experiência com a escola ............................................................................ 126

4.4. O pertencimento etnicorracial e a escola: cruzando impressões .................... 136

4.5. As motivações para frequentar a escola no presídio ...................................... 146

4.6. A escola do presídio e a construção de um projeto de futuro ......................... 154

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 162

REFERENCIAS .............................................................................................. 167

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

13

INTRODUÇÃO

Este trabalho se propõe a pesquisar sobre a juventude negra, as

relações etnicorraciais e a prática docente em uma escola localizada no interior

de um presídio do Estado de Pernambuco. O objetivo mais amplo que norteou

a pesquisa consistiu em analisar, desde as narrativas de vida dos jovens

negros, como eles apreendem suas trajetórias de vida e o lugar que as

experiências escolares ocupam na percepção de sua existência. Mais

especificamente, procuramos cartografar como as questões etnicorraciais são

problematizadas no contexto da educação nas prisões.

O interesse de investigar essa temática decorreu da necessidade de

ressignificar a minha prática profissional como pedagogo que exerce,

simultaneamente, a função de agente penitenciário e militante do movimento

negro. Também, durante certo tempo atuei como diretor de uma unidade da

Fundação da Criança e do Adolescente (FUNASE), instituição que

paradoxalmente, apresenta certa similaridade com os presídios, tanto no que,

diz respeito às origens de seus “usuários”, como no que se refere aos serviços

que visam à ressocialização dos sujeitos que cometeram atos infracionais.

Atualmente, estou lotado no Presídio de Igarassu, onde se encontra

localizada a escola estadual Dom Hélder Câmara, lócus do estudo empírico

dessa pesquisa. Observamos que esse presídio não foge a regra das unidades

prisionais de nosso país, extrapolando, por exemplo, a capacidade de

atendimento para a qual foi inicialmente projetado.

A escola situada no seu interior assume um papel importante na

dinâmica da ressocialização dos sujeitos encarcerados, em sua grande

maioria, provenientes das periferias das cidades que fazem parte da Grande

Recife. Além disso, a população encarcerada é basicamente formada por

jovens negros, sem ou com baixa escolaridade, e que, ao passar pela escola

pública, vivenciaram situações de fracasso escolar, sendo em algum momento

expulsos daquela instituição.

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

14

De acordo com o Censo Penitenciário Nacional (1997), o Estado de

Pernambuco aparece em quarto lugar quanto ao número de presos/pretos e

em terceiro, com relação ao número de presos/pardos.

Apesar desses dados, o fato é que na educação nas prisões ocorre uma

espécie de invisibilização da educação para as relações etnicorraciais, ainda,

não incorporada como um elemento, a nosso ver, importante no currículo das

unidades educativas localizadas no sistema penitenciário. Os dados atuais em

relação à raça e etnia se mantêm constante como pode ser observado nos

dados relativos ao ano de 20101.

Quadro - 1

QUANTIDADE DE PRESOS POR COR DE PELE/ETNIA

Branca 4.495 351 4.846 Negra 3.642 301 3.943 Parda 13.846 898 14.744 Amarela 37 7 44 Indígena 58 2 60 Outras 266 31 297 Valor automático de correção de itens inconsistentes - Diferença com relação à população carcerária do

-9 0 -9

Total de presos 22.335 1.590 23.925 www.mj.gov.br

Assim, do ponto de vista acadêmico, a ideia é contribuir com a

construção de novos olhares sobre a juventude negra e a educação

desenvolvida nos presídios, principalmente, no que se refere às questões sobre

as relações etnicorraciais. Identificamos uma escassez de pesquisas que

problematizem essas questões, apesar das demandas sociais e políticas de

construção de uma sociedade menos violenta e menos racista. Busca-se,

então, problematizar a condição desses jovens triplamente discriminados,

justamente, por serem negros, pobres e presidiários. Acreditamos se tratar de

uma temática importante, na medida em que a educação, além de um direito

social, deve ser entendida como um processo de desenvolvimento humano. A

educação escolar corresponde a um espaço sociocultural importante no trato

1 Esses dados foram retirados da pesquisa realizada do INFOPEN no período de 2010. Disponível em: www.mj.gov.br

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

15

pedagógico do conhecimento e da cultura. Por isso mesmo é preciso ir mais

adiante do silêncio acerca da questão etnicorracial. Como ressalta Cavalleiro

(2005), esse silenciamento nas várias instituições de educação contribui para

reproduzir a construção histórica da identidade negra como algo inferior.

Entre as questões que mobilizaram o presente estudo, destacamos as

seguintes: em que medida o racismo institucional pode estar contribuindo para

ausência de conteúdos relacionados com a inclusão da temática etnicorracial

nas escolas prisionais? As escolas nos presídios mobilizam a construção de

uma identidade racial, favorecendo o processo de ressocialização?

Nossos pressupostos indicam que as escolas nas prisões parecem estar

reproduzindo a exclusão pelo viés racial, ao não levar em consideração a

importância desse fator para o processo de ressocialização de jovens negros

presos.

A alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pela Lei

10.639/03 configura-se, desse modo, como um marco importante na luta pela

superação da desigualdade racial na educação pública brasileira e constitui

medida de ação afirmativa sintonizada com reivindicações históricas do

movimento negro.

Do ponto de vista mais estrito deste trabalho, entendemos que esse

dispositivo normativo configura-se, também, como um elemento pedagógico

vital para as escolas situadas em unidades prisionais, uma vez que está em

consonância com as normas internacionais de garantia dos direitos da

educação para todos, dentre as quais destacamos:

A Declaração Mundial sobre Educação para Todos (artigo 1º); Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (parágrafo 1º, art. 29); a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (artigos 10 e 14); a Convenção contra a Discriminação no Ensino (artigos 3º, 4º e 5º); a Declaração de Copenhague (compromisso nº 6); a Plataforma de Ação de Beijing (parágrafos 69, 80, 81 e 82); a Agenda de Habitat (parágrafos 2.36 e 3.43); a Afirmação de Aman e Plano de Ação para o Decênio das Nações Unidas para Educação na Esfera dos Direitos Humanos (parágrafo 2º) e a Declaração e o Programa de Ação de Durban – contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas (dos artigos 117 a 143). (PLATAFORMA DHESC, 2008).

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

16

Vale lembrar que, recentemente, através de uma mobilização do

governo federal, através do Ministério da Justiça representado pelo DEPEN –

Departamento Penitenciário Nacional - e do Ministério da Educação

representado pela SECADI – Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização, Diversidade e Inclusão – foram elaboradas as Diretrizes

Nacionais para a Educação em Prisões.

Do nosso ponto de vista, uma maior articulação entre essas iniciativas e

o que dispõe a Lei 10.639/03 poderia contribuir, de forma significativa, para

repensar tanto os objetivos quanto os processos de ressocialização da

população encarcerada.

Para Santos (2005) as más condições das instalações físicas e a

superlotação das unidades prisionais, aliado a falta de formação dos agentes

responsáveis pela reeducação dos presos, bem como a não consideração das

condições sociais dos reeducandos, dentre as quais destacamos as condições

etnicorraciais, formam o ciclo dos problemas que desfavorece e inviabiliza o

sucesso no processo de ressocialização no sistema penitenciário brasileiro.

Na mesma direção, Alvim (2006) argumenta que hoje no Brasil as

penitenciárias são conhecidas mais como “escolas dos crimes” do que como

instituições capazes de promover a ressocialização dos sujeitos.

Na perspectiva de inverter essa situação, emergiu a possibilidade de se

adotar a remição educacional da pena equivalente ao que já existe para o

trabalho. Essa experiência já existia no Rio Grande do Sul, Pernambuco, São

Paulo e mais alguns estados. Essa proposta que contou com o apoio de

educadores, advogados, magistrados e militantes dos direitos humanos.

A remição torna-se uma oportunidade aos que antes tinham sido

incluídos perversamente no sistema de ensino, apresentando-se como uma

medida de ação afirmativa para a escolarização dos negros presentes no

sistema penitenciário.

Mais ainda, pode vir a ser uma forma contundente de tematizar o viés

estrutural que provoca as inúmeras defasagens que comprometem e mutilam

as vidas de crianças e jovens, em nosso país, expostas a uma vulnerabilidade

crônica, cujas raízes históricas trabalham na contramão da construção de um

legado capaz de produzir experiências concretas que possibilitem aos negros e

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

17

negras resistirem e aos poucos desconstruírem as desvantagens sociais,

políticas e culturais enraizadas em nossas instituições educacionais.

Nessa direção, acreditamos que é urgente ampliar o modo de

problematização do conceito de racismo, entendendo que esse também é

produzido e reproduzido nas escolas.2

Como afirmam os estudos desenvolvidos por Nascimento (1978),

Munanga (1996) e Silva (1996; 1998), o sistema educacional brasileiro tem sido

usado como aparelhamento de controle na estrutura de discriminação cultural,

em todos os níveis de ensino, desqualificando racialmente os negros.

Por essa razão, consideramos ser importante que a prática pedagógica,

compreendida aqui, na concepção de Souza (2000), como composta pela

prática docente, prática discente e a prática gestora, mediada pela prática

epistemológica, contemple os conteúdos das relações etnicorraciais, para que

possa contribuir com a construção das identidades etnicorraciais dos

reeducandos.

A construção da identidade negra não é apenas um instrumento de

reivindicação de direitos e de justiça é também uma forma de reescrever e

afirmar o patrimônio histórico e cultural construído por essa população.

Enfim, defendemos que as escolas localizadas nos presídios têm o

desafio e o compromisso de proporcionar aos reeducandos o acesso à

educação enquanto uma prática humanizadora, emancipatória, um ato político,

social e histórico. Capaz de contribuir para a ressignificação de suas

existências, apresentando-lhes conteúdos atitudinais, conceituais e

procedimentais que, problematizem suas realidades e fomentem alternativas

de elaboração de projetos individuais e coletivos para uma melhor intervenção

na sociedade.

Em outras palavras, é preciso organizar uma educação no sistema

penitenciário que possibilite reverter os dados atuais em relação à evasão e

fomente o desejo da não reincidência. Constata-se que o reeducando ao sair 2 A política histórica de exclusão vivenciada no Brasil deixou de fora da escola milhões de brasileiros. Sempre respaldado pelo aspecto legal, instrumento usado para barrar o acesso a educação das massas trabalhadoras (negros, negras), nos períodos colonial, imperial e republicano, tais como: Decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854 que trazia no seu texto a proibição dos escravos estudarem nas escolas públicas, e os negros libertos só poderiam estudar se houvessem disponibilidade de professores; o Decreto nº 7.031, de 06 de setembro de 1878, estabelecia que os negros só poderiam estudar em horário noturno, sendo este mais uma das formas que dificultava o acesso daquele segmento da população à escolarização.

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

18

da prisão, após cumprimento de sua pena, volta a cometer crimes, como se a

prisão o tornasse ainda mais nocivo ao convívio social.

Nesse aspecto, consideramos que as questões etnicorraciais seriam um

elemento vital para intervir nesse processo. Com base nessas premissas,

nosso trabalho foi organizado em quatro capítulos, sendo que nos dois

primeiros apresentamos os referenciais teóricos e no terceiro capítulo

descrevemos o percurso metodológico, e no quarto capítulo a análise de

nossos dados de pesquisa.

No primeiro capítulo, tratamos do surgimento do dispositivo prisional e

do nascimento da prisão, entre os séculos XVII a XIX, bem como a

configuração desse dispositivo aqui no Brasil. Faremos um breve relato

histórico para evidenciar que a prisão, no Brasil, nasceu com o objetivo de

trancafiar o já cativo e seus descendentes.

No segundo capítulo, abordamos como e porque se insere a educação

na prisão, além de destacar sua importância no processo de ressocialização.

Avançamos também em uma discussão sobre os dispositivos legais que

podem favorecer os processos de ensino-aprendizagem nesses espaços. O fio

articulador do debate é o conceito de ressocialização problematizado desde um

ponto de vista estritamente pedagógico.

No terceiro capítulo tratamos, inicialmente, de uma descrição sucinta do

percurso metodológico traçado para o desenvolvimento da pesquisa de campo,

coletas de dados e os sujeitos da pesquisa.

Para em seguida no quarto capítulo, apresentamos e discutimos os

recortes temáticos das narrativas dos sujeitos entrevistados a partir de suas

trajetórias de vida, analisando mais detidamente seu envolvimento com a

instituição escolar e com as questões abordadas no decorrer dessa

dissertação.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

19

CAPÍTULO 1

1.1 O surgimento e a formação do dispositivo prisional

Segundo Michel Foucault (1987), em um texto já clássico, o surgimento

da prisão teria se dado no final do século XVIII e início do século XIX com o

objetivo de superar o suplício do corpo. A intenção era erradicar as torturas e

execuções dos envolvidos em atos infracionais, atendendo assim a um novo

modelo de sociedade que foi se forjando a partir da derrocada do poder

soberano. Nesse momento, torna-se mais eficaz vigiar do que punir.

Trata-se da formação da chamada sociedade disciplinar3 que deve atuar

em duas frentes: uma que é a própria prisão que fica encarregada de tirar do

convívio os indivíduos que praticam atos delituosos; e a outra forma mais

sofisticada é a criação do panóptico, um dispositivo funcional capaz de facilitar

o exercício do poder mediante uma generalização da vigilância (FOUCAULT,

1987, p.173). Assim, para Foucault, as prisões configuram-se como

mecanismos operatórios práticos que fixam relações, mediante a composição

de aparelhos e regras, que, no conjunto, redefinem o poder de punir como

função geral da sociedade. Foucault (1987, p.195) afirma, então, que a prisão

se constituiu enquanto um aparelho que serve para transformar os indivíduos,

ou seja, para além de uma detenção legal configura-se, também, como uma

empresa de modificação global dos indivíduos, através da normalização de

suas condutas.

Os trabalhos de Foucault figuram como um marco nos estudos sobre o

nascimento das prisões, abordadas no interior do exercício do poder

governamental. Dessa forma, ele analisa meticulosamente como se dá a

formação do poder como produção de toda uma cadeia hierárquica que

acontece a partir dos saberes e das práticas disciplinares.

3 Esse novo modelo societário traz o confinamento como regra, de tal forma que o indivíduo agora tem um circuito a seguir sempre num espaço fechado: família, escola, fábrica, universidade; e quando desviasse do “normal”, a prisão ou o hospital. A novidade na sociedade disciplinar é a sistematização dos mecanismos disciplinares que já existiam, no entanto, de forma isolada e fragmentada.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

20

Isso significa dizer que a privação de liberdade, com o dispositivo

prisional, passou a englobar simultaneamente o encarceramento penal e a

"transformação técnica" dos indivíduos. Essa compreensão pode nos ajudar,

com os devidos cuidados e contextualizações, a entender como se processou o

controle dos corpos nas sociedades escravistas como o Brasil.

Isso porque, sem dúvida, no Brasil, o dispositivo prisional abordado por

Foucault foi adensado pelo sistema escravista, o que pode ser percebido em

alguns elementos normativos. Em 03 de maio de 1823, por exemplo, os

deputados brasileiros se reuniram em uma Assembléia Nacional Constituinte.

Nela, havia alguns deputados com ideias liberais, inspirados na Revolução

Francesa, o que divergia com certas práticas, como a escravidão.

Curiosamente, a Assembléia foi dissolvida nesse mesmo ano. No ano seguinte,

em 25 de março, seria outorgada a Constituição do Império por Dom Pedro I,

onde se afirmava que eram considerados cidadãos brasileiros todos nascidos

em terras brasileiros, independentemente de serem ingênuos ou libertos.

Entretanto, tal premissa constitucional não resultou em igualdade de

direitos políticos e sociais, uma vez que podiam exercer o direito de voto

apenas aqueles que possuíssem bens, conforme o artigo 94. Permaneceram

sem solução as questões de cidadania e a concessão de igualdade de direitos

políticos a todos. Logo não é de estranhar que, ao contrário do Código Civil que

só passou a vigorar na República em 1° de janeiro de 1917, o Código Criminal

do Império entrou em vigor logo em dezembro de 1830.

Muitos juristas da época caracterizaram o Código como “um corpo de

leis moderno, produzido em sintonia com as mudanças de seu tempo”

(FERREIRA, 2009:189). Norteado pelo artigo 179 da Constituição de 1824, o

Código Criminal não adotou a punição como a marca de ferro quente, pois o

crime não passava da pessoa do delinqüente estendendo-se aos seus

descendentes. A pena de morte foi sustentada, mas sem a distinção entre a

forca e o machado – prevalecendo a primeira. Ao mesmo tempo, as práticas de

encarceramento continuaram, agora, nas casas de correção, não muito

diferentes das realizadas no período colonial, incorporando um variado leque

de indivíduos como vadios, menores, órfãos, escravos e africanos livres.

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

21

Para Algranti (1988), a discrepância nas concepções de punir entre o

Velho Mundo e a nossa sociedade, nesse período, era de tal ordem que,

enquanto os tais castigos estariam findando no velho continente, no Brasil eles

eram cada vez mais acirrados.

[...], na sociedade escravista brasileira não só permaneciam os castigos corporais, como também eram acirrados. Esse aumento da aplicação de penas corporais estava diretamente vinculado ao crescimento da população escrava nas primeiras décadas dos oitocentos. [assim] sobre o ponto de vista da sociedade da época, uma punição que atingisse a alma, o intelecto, a vontade e não o corpo do escravo era inócua. (ALGRANTI, apud FERREIRA, 2009, p.179-180).

Desse modo, apesar da regulamentação estabelecida no Código

Criminal de 1830, os escravos continuaram a serem punidos com violência

física; enquanto os libertos e livres eram tratados, ao menos em tese, com

formas alternativas de reeducação e ressocialização. É preciso lembrar que

prisão e cumprimento de pena não se constituíam necessariamente em

sinônimos no Império do Brasil, principalmente, nos casos de crimes de sangue

(ferimentos, homicídios e tentativas).

Mesmo com o Código de Procedimentos Penais, dez anos após o

rompimento de Brasil com Portugal (que regeria todo o procedimento diante do

crime, desde o conhecimento deste até seu julgamento), não se garantiu a

permanência do suspeito na prisão, sendo esta uma prática intermediária do

processo. Logo, não era algo simples obter uma condenação judicial em última

instância devido aos questionamentos durante o processo, tanto de defesa

quanto de acusação. Frente a essa realidade, destacamos que:

Não existiu no Brasil, desde o período colonial, um Código Negro Formal. Havia no Brasil, entretanto, obras que recomendavam aos senhores o tratamento mais cristão em relação aos cativos, ou a gestão escravista mais eficiente, como os manuais de agricultores do século XIX. A Legislação era feita, da Colônia ao Império, por meio de alvarás, decretos, avisos, cartas de leis, aditamentos, regulamentos e leis excepcionais. Até 1830 a avaliação dos crimes cometidos eram principalmente regulamentos pelas ordenações portuguesas e posteriormente, pelos códigos criminais e de processo criminal do Império e suas reformas. (FERREIRA, 2009, p. 183).

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

22

Para Fernando Salla, (1999) não havia, para os crimes previstos nas

ordenações, nenhuma pena que correspondesse somente à prisão no sentido

de ressocialização. Nessa direção estavam reservadas exclusivamente ao

condenado escravo, quando não sentenciado às penas de morte ou de galés, a

substituição da prisão por açoites, em um máximo 50 açoites por dia,

complementados pelo uso de ferros nos pés ou pescoço.

Mesmo sofrendo diversos ataques, a lei de 1835 nunca foi totalmente abolida enquanto vigeu o cativeiro no Brasil. Apenas algumas correções foram feitas. Num primeiro momento, a imediata execução da sentença foi suspensa, para que houvesse tempo de se empreender uma revisão dos autos antes da consumação da pena. Posteriormente, em 1837, o recurso à Graça Imperial foi permitido aos cativos condenados à morte por homicídios que não vitimaram seus proprietários. Um aviso de 1849 mandava estender aos cativos condenados na lei de 1835 um dispositivo geral do Código do Processo que proibia a aplicação da pena de morte nos casos em que a única prova contra o réu era a confissão. (FERREIRA, 2009, p.195).

É possível concluir que não havia um descompasso ou um atraso das

leis penais brasileiras do período imperial em relação a outros países que

também abandonaram legislações baseadas nos fundamentos do Antigo

Regime para reger-se por leis de base iluminista. O que existia era a

manutenção do cativeiro e com ele a perpetuação de uma situação de exceção

que se acomodou à sociedade, até que a própria sociedade - inclusive os

escravos -, movida por interesses, pressões, ideais e aspirações, derrubasse o

escravismo. Antes que isso ocorresse, entretanto, livres e escravos

continuaram a dividir espaços – dentre eles, nas prisões.

Outro elemento importante, nesse contexto, é o fato de em 1870 o

Estado de São Paulo aparecer na estatística policial do Império como a terceira

colocada na lista das províncias com maior número total de delitos praticados,

perdendo apenas para Pernambuco, cuja população era maior e para o Ceará,

que tinha metade dos habitantes da província paulista (FERREIRA, 2009) 4.

4 Em 1852 José Thomaz Nabuco de Araújo, ministro da Justiça, providenciou a preparação das estatísticas criminais e judiciárias da província.

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

23

Independentemente das variações locais entre a população livre e a

população escrava, manteve-se a tendência geral, pelo menos até 1870, dos

escravos comporem uma pequena fração do total de réus. Assim, de um total

de 389 réus listados, dos quais 26 (6,68%) eram cativos.5 Nas cadeias paulista,

um recenseamento realizado ainda em 1870 constatou que do total de 292

prisioneiros, 114 eram escravos. O documento menciona 52 (45,6%) cativos

condenados pelos crimes da lei de 10 de junho de 1835, ou seja, crimes contra

os senhores, seus prepostos ou familiares deles.

Todos os demais escravos estavam presos por crimes cometidos contra

outros cativos e pessoas livres distintas de seus proprietários, feitores e

administradores, ou seja, estavam no âmbito dos crimes cometidos por

escravos, mas agrupados à criminalidade atribuída à população em geral, pois

eram os crimes eram cometidos por motivos semelhantes às dos crimes

cometidos por pessoas livres (FERREIRA, 2009).

Mesmo com todo o desenvolvimento no século XIX, nem o estado de

São Paulo, na época já um grande exportador, conseguiu estruturar um

sistema de segurança eficiente. Acrescidas às causas de criminalidade

atribuída aos costumes da população, o aparato policial era bastante deficiente.

Os delegados encontravam diversas dificuldades em contar com uma guarda

permanente de soldados, onde até indivíduos leigos juntavam-se a “tropa” para

capturarem criminosos.

Vale lembrar que, na capital de São Paulo, havia, assim como na Corte

do Rio de Janeiro, uma casa de correção desde os anos de 1850. Na condição

de centro destinado ao cumprimento das penas de prisão simples e prisão com

trabalho, ela representava uma tentativa mais concreta de incorporação das

concepções de ressocialização do encarcerado. Na casa de correção,

funcionava o calabouço, um conjunto de celas destinadas à prisão correcional

dos escravos, mas essas casas, em meados do século, eram exceções em

relação ao conjunto das cadeias e prisões espalhadas pelo país. O fato era

que, nesse período, a superpopulação carcerária já era um dos grandes

problemas enfrentados pelos governantes.

5 Os motivos apontados para a prática dos crimes eram os mais variados, predominando as motivações consideradas como frívolas e ocasionais: a prática de jogos, o abuso de bebidas alcoólicas e as disputas envolvendo amantes.

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

24

Por meio da documentação produzida nesse período, é possível

acompanhar o recrudescimento do embate entre poder público e o poder

privado no controle social dos escravos nas cidades. As melhorias urbanas

foram realizadas por braços cativos e as cadeias eram as principais

fornecedoras do contingente utilizado nas obras da cidade. O desdobramento

do sistema escravista fez surgir a escravidão urbana com dinâmicas distintas

da escravidão rural, e tendo na figura do prisioneiro o mesmo escravo, porém

com outro senhor – o poder público. Nascia, assim, uma espécie de duplo

cativeiro. Um escravo e dois senhores – o privado e o público.

Havia, também, a dificuldade de realizar o controle urbano, uma vez que

o maior número de habitantes compunha-se de mulatos e negros. O intenso ir-

e-vir dos escravos de ganho pelas ruas durante o dia em busca de trabalho, os

contatos travados entre estes e marinheiros estrangeiros potencializavam o

perigo de subversão da ordem.

Em linhas gerais, o sistema prisional da capital do vice-reinado do Brasil

era caracterizado pela ausência de acomodações suficiente para o abrigo de

tantos detidos, altas taxas de enfermidade e mortalidade devido às precárias

condições sanitárias e elevados índices de fuga, dadas as ineficientes

estruturas de segurança. Os contatos entre criminosos e desordeiros nas ruas

da cidade eram potencializados no interior das prisões. Controlar esses

espaços era uma tarefa que não estava ao alcance das autoridades coloniais.

Desse modo, as mudanças no controle da criminalidade – escrava e livre

- empreendidas pelo vice-rei conde de Resende na década de 1790

provocaram um aumento na população carcerária da cidade. O problema fora

transmitido das ruas para as prisões (ARAÚJO, 2009). Precariedade e caos,

portanto, são as palavras que melhor definem a situação das cadeias da capital

do vice-reinado no Brasil. As fugas eram constantes. E muitas vezes contavam

com a colaboração dos guardas responsáveis pelos presos.

Os responsáveis pelo financiamento da segurança da cidade não se

preocupavam em pagar os carcereiros porque sabiam que estes conseguiam

auferir algum lucro com a administração das cadeias. Apesar de promover

obras públicas importantes e reorganizar o controle da criminalidade, a

autoridade colonial não conseguiu resolver o problema das prisões. Elas

passaram a última década do século XVIII abarrotadas.

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

25

Apesar disso, segundo os pesquisadores, as cadeias não eram ainda

uma preocupação metropolitana. Segundo as Ordenações Filipinas, as prisões

eram simplesmente depósitos provisórios onde os criminosos deveriam

aguardar a sentença, o que geralmente se traduzia em suplícios, morte na

forca ou degredo para lugares longínquos. A princípio, a legislação sobre os

africanos e seus descendentes mostra-se, sobretudo, cuidadosa em não

interferir no poder senhorial e no direito de propriedade do senhor sobre o seu

escravo. A intenção era cortar o excesso, sem, entretanto afetar o poder dos

senhores nem dar margem à soltura dos escravos.

Por essa razão, o clima de instabilidade social transformava a violência

repressiva das autoridades em algo natural. Deve-se ressaltar que com a

chegada da corte portuguesa, ao Rio de Janeiro, diversos habitantes foram

desalojados, inclusive os presos da Cadeia Pública, que se localizava no andar

térreo do edifício onde se localizava a Câmara. As fortalezas já estavam com

as masmorras cheias de presos militares. O calabouço dos escravos,

localizado no Forte de Santiago, estava com a lotação esgotada. A solução

encontrada foi a utilização de um espaço pertencente à Igreja. Tratava-se do

Aljube, prisão eclesiástica, localizada no sopé do morro da Conceição.

Essa situação, que acabou por gerar uma intensificação das penas

corporais, especialmente sobre os escravos, levou os sentenciados, inclusive

os condenados à morte e os prisioneiros detidos pelos mais variados crimes, a

ficarem, a partir de 1808, na prisão do Aljube, que se transformou no maior e

no pior centro de detenção do Rio de Janeiro nas duas primeiras décadas do

século XIX. Segundo (MOREIRA DE AZEVEDO apud ARAUJO, 2009, p. 235).

O Aljube “não era uma cadeia, era um antro; não era um cárcere, era um

sepulcro”.

Durante mais de quarenta anos, o Aljube serviu de depósito para os

criminosos, escravos e livres, libertos e militares, homens e mulheres. “Havia

confusão de crimes, de idades, de sexos e de condições”. Araujo (2009)

informa que devido à superpopulação carcerária do Aljube até a antiga capela

tinha se transformado em cela e os detentos estavam cobrando das

autoridades uma solução para que as missas fossem realizadas e os presos

tivessem um pouco de “conforto espiritual” para as suas almas. O carcereiro

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

26

fazia a intermediação ente os detentos e as autoridades competentes a fim de

resolver essa situação.

D. João ordenou que a situação fosse resolvida. Para isso, os religiosos

do convento de Santo Antônio – que antes celebravam missas na antiga

Cadeia Pública – foram convocados para a realização dos preceitos religiosos

no Aljube. O conforto espiritual, porém, não durou muito tempo. O frei Antonio

do Bom Despacho Macedo justificava que a falta de religiosos no Aljube devia-

se ao excessivo número de pessoas que estavam precisando de socorro

espiritual na cidade, sem contar o aumento na quantidade de fiéis que

recorriam às igrejas aos domingos e festas de guarda.

Embora seja um processo mais facilmente identificável, a partir da

década de 1820, o afastamento dos criminosos e de suas penas dos olhos da

sociedade teve início exatamente no período joanino. A necessidade de utilizar

os detentos nas obras públicas foi diminuindo, à medida que a cidade adquiria

minimamente as feições de uma Corte. Os açoitamentos públicos passaram a

ser feitos em lugares de menor fluxo de pessoas, como o Calabouço.

Ainda sobre os padrões de criminalidade, Algranti (1988) ressalta que

nesse mesmo período o estado caótico da Justiça desmoralizava a polícia. A

imprensa, segunde ela, se tornou a principal porta-voz da indignação contra o

crescente número de criminosos na Corte. Seguindo os dados levantados em

sua pesquisa, 2.866 escravos foram presos entre 1810-1821, representando

um percentual de 71,9% dos detidos. Este número mostra o índice de

africanidade nas cadeias da Corte, em especial no Aljube, para onde foi

remetida a maior parte dos presos pela polícia.

Com uma população de descendentes de africanos escravizados e libertos que, às vésperas da abolição da escravatura, chegava a aproximadamente 7 milhões de pessoas e uma indisposição por parte das classes dirigentes brancas em renegociar os termos de um pacto social tão violento e assimétrico, não sobraram muitas alternativas se não avançar material e simbolicamente sobre o grupo oprimido. (FLAUZINA, 2008, p.47)

Dessa ótica, percebe-se que a população negra sempre esteve presente

na história das prisões no Brasil. O pertencimento racial conduziu muitos

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

27

escravizados aos presídios, desvelando a existência de uma história que deixa

uma marca no sistema penal brasileiro como um espaço discriminador.

Situação que ainda parece perdurar, na contemporaneidade, como

veremos a seguir com os dados atuais do sistema prisional brasileiro.

É interessante observar como padrão de silenciamento que preside a discussão sobre relação raciais no Brasil não foi capaz de alcançar, em sua radicalidade, o campo penal. Na terra da harmonia das raças, do senso comum ao formalismo acadêmico, circula , há muito, a percepção de que o sistema se dirige preferencialmente ao segmento negro da população. Parece que foi mesmo impossível sufocar a voz e abalar os sentidos quando as massas encarceradas e os corpos caídos estampavam monotonamente o mesmo tom. (FLAUZINA, 2008, p.51).

1.2. O sistema penitenciário brasileiro na atualidade

Os últimos dados consolidados sobre o sistema prisional, no Brasil,

divulgados pela relatoria da Plataforma DHESC, segundo o INFOPEN (Sistema

Integrado de Informações Penitenciárias), em dezembro de 2009, apontam que

o Brasil possui 469.546 pessoas adultas privadas de liberdade, sendo que 94%

são homens e 6% mulheres, distribuídos em 1094 unidades prisionais

estaduais e federais. Dados do Ministério da Justiça de 2006 indicam que: 95

por cento são pobres ou muito pobres oriundos das periferias das grandes

cidades, habitantes dos guetos sociais, desses baseados nos critérios

estabelecidos pelo IBGE para sua autoidentificação 65 por cento são negros

como já fora dito juntando pretos e pardos.

A pesquisa revela, ainda, que 2/3 dos presos foram autores de crimes

que não envolveram violência, somente 8/9 cometeram crime contra a vida. Um

dado extremamente preocupante é que existe um alto índice de reincidência

que varia entre 50 a 80 por cento.

A escolaridade, também, é um fator de preocupação uma vez que 70 por

cento da população carcerária não completou o ensino fundamental e que 8

por cento ainda é analfabeta; além disso, 60 por cento são jovens com idade

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

28

entre 18 e 29 anos, comprovando que existe um processo acelerado de

juvenilização da população carcerária no Brasil.

QUADRO - 2

QUANTIDADE DE PRESOS POR FAIXA ETÁRIA

IDADE MASCULINO FEMININO TOTAL 18 a 24 anos 120.408 6.521 126.929 25 a 29 anos 105.270 6.018 111.288 30 a 34 anos 71.346 4.599 75.945 35 a 45 anos 63.556 5.364 68.920 46 a 60 anos 24.016 2.351 26.367 Mais de 60 anos 4.079 264 4.343 Não Informado 10.130 546 10.676 Total de presos 417.517 28.188 445.705

www.mj.gov.br

Esses mesmos dados mostram que somente 26 por cento dos presos

brasileiros estão envolvidos com alguma atividade laboral e que somente 18

por cento do universo dos seres encarcerados estão participando de algum tipo

de atividade educacional dentro das unidades prisionais.

O custo mensal por preso varia, no Brasil, entre R$ 1.600,00 a

R$1.880,00 e ainda existindo um déficit de mais ou menos 220 mil vagas. Essa

situação provoca o fenômeno da superpopulação, prejudicando as ações

educativas que poderia ajudar no processo de ressocialização dos apenados

(CPI DAS PRISÕES, 2008).

É importante destacar, a partir dos dados da Relatoria (2009), que a

maioria dos apenados se constitui de pessoas que cometeram delitos leves.

Um fato pouco problematizado na sociedade brasileira, visto que a opinião

pública midiatizada tende a evidenciar os crimes considerados hediondos, o

que contribui para constituir pontos de vista em defesa da pena de morte,

prisão perpétua e diminuição ou redução da idade penal.

Desde a democratização do país, as políticas penitenciárias estão imersas numa dinâmica contraditória: de um lado, pesam as heranças de arbítrio e violência, de gestão autoritária, de invisibilidade dos territórios de encarceramento, de baixos controles sobre a administração; de outro, a vigência do estado

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

29

de direito impondo a necessidade de ajuste de agências e agentes às diretrizes democráticas. (ADORNO, SALLA, 2007, p.18).

Os recursos investidos pelo governo federal, através do FUNPEN

(Fundo Penitenciário Nacional), parecem não atender as ações voltadas para a

ressocialização dos detentos em função do perfil da população carcerária.

O perfil da população carcerária é o resultado de uma seqüência de fatores, dentro dos quais está incluído a maior exposição de certos segmentos (homens, negros, jovens, pobres) a situações que levam ao crime, mas também um eventual tratamento desigual da Justiça, aplicando as penas mais ou menos rigidamente, dependendo do tipo de grupo de que se trate. Os indicadores desse setor, apesar de falhos em alguns pontos, não deixam dúvidas: homens negros (sobretudo os de cor preta) têm participação maior na população carcerária do que na população brasileira adulta. (CPI das prisões, 2008, p.94).

Os dados apresentados na tabela a seguir nos dão uma ideia de como

está dividida a população carcerária no Brasil. É possível verificar que a

maioria desta população não tem em média o ensino fundamental.

QUADRO - 3

PERFIL DO PRESO MASCULINO FEMININO TOTAL Quantidade de Presos por Grau de Instrução

417.517 28.188 445.705

Analfabeto 23.992 1.327 25.319 Alfabetizado 52.964 2.819 55.783 Ensino Fundamental Incompleto 189.980 11.958 201.938 Ensino Fundamental Completo 49.840 2.986 52.826 Ensino Médio Incompleto 44.363 3.098 47.461 Ensino Médio Completo 29.744 2.917 32.661 Ensino Superior Incompleto 2.699 435 3.134 Ensino Superior Completo 1.582 247 1.829 Ensino acima de Superior Completo 61 11 72 Não Informado 19.411 714 20.125 Valor automático de correção de itens inconsistentes - Diferença com relação à população carcerária do

2.881 1.676 4.557

Quantidade de Presos por Nacionalidade 417.517 28.188 445.705

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

30

Brasileiro Nato 394.407 24.673 419.080 Brasileiro Naturalizado 73 1 74 www.mj.gov.br

Através dos dados apresentados na tabela abaixo, podemos inferir que o

racismo institucionalizado aparece como um condicionante no tratamento

desigual vigente no sistema social e, consequentemente, prisional da

sociedade brasileira, fazendo com que a prisão, pouco a pouco, se torne um

“espaço natural” para as camadas mais vulneráveis de nosso país.

QUADRO - 4

QUANTIDADE DE PRESOS POR COR DE PELE/ETNIA

Branca 147.217 9.318 156.53 Negra 66.219 4.223 70.442 Parda 170.916 11.438 182.354 Amarela 1.876 130 2.006 Indígena 692 56 748 Outras 10.295 391 10.686 Total de presos 417.517 28.188 445.705

www.mj.gov.br

O FUNPEN – Fundo Penitenciário Nacional foi criado pela lei

complementar nº 79 em 7 de janeiro de 1994 e regulamentado pelo decreto nº

1.093, de 3 de março de 1994, visa atender as demandas de modernização e

aprimoramento do sistema penitenciário. Porém, na prática, os recursos não

dão conta das demandas existente, ficando de fora os investimentos nas ações

educativas. Um aspecto fundamental para o processo de ressocialização.6

A prisão brasileira foi transformada em grandes favelas com muralhas.

Tornou-se um ambiente no qual impera todo tipo de violência. A estratificação

social e racial praticada no sistema penitenciário é a mesma que ocorre fora

dos muros da prisão. Além das relações raciais, de classe e geração temos

uma grande e importante questão que é relativa ao gênero feminino no cárcere.

Por conseguinte, se a população masculina encarcerada passa por desrespeito

6 Os governos estaduais dificilmente investem alguma verba, pois a verba gasta no sistema penitenciário não é identificada como um investimento na “recuperação” dos seres humanos em conflito com a lei. Grosso modo, a visão que muitos gestores têm é a mesma em relação aos investimentos feitos em saneamento básico, acreditando que não se deve investir, pois não dá visibilidade e conseqüentemente bônus políticos.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

31

aos seus direitos enquanto seres humanos, as mulheres que se encontram

presas vivem situações vexatórias que violam a dignidade humana.

Dados do Ministério da Justiça, divulgados em janeiro de 2008, 6% da

população prisional brasileira é composta por mulheres, são cerca de 26 mil

mulheres. Das 1094 unidades prisionais, somente 40 delas são destinadas

especificamente a mulheres. Em mais de 400 unidades, as mulheres ocupam

alas de unidades masculinas. A superlotação também é uma realidade no

mundo das mulheres encarceradas. O déficit de vagas é estimado em 12 mil

vagas.

A população feminina apresenta-se dividida nas faixas etárias seguintes

entre 18 e 24 anos (17,6%), seguidas pelas que têm entre 25 e 29 anos

(16,1%), 35 e 45 anos (13,4%) e 30 e 34 anos (12,5%). Em relação às

questões etnicorraciais, as brancas representam 27,9%, seguidas pelas de cor

parda (25,8%) e pelas de cor preta (10,1%). Entre os crimes cometidos, estão a

participação no tráfico internacional de drogas (30,2%), seguido de roubo

qualificado (4,8%), roubo simples (4,6%) e furto simples (3,9%). Apesar de

representarem uma minoria no total da população encarcerada, 25% estão

presas no sistema de polícia, enquanto 13% dos homens.

A partir de 2002, a taxa das mulheres nas prisões brasileiras cada vez

aumenta em proporções alarmantes e é de 2,5 vezes a dos homens. Analistas

apontam que isso se deve, em grande parte, a um maior envolvimento das

mulheres no tráfico de drogas, principalmente na função de “aviãozinhos”,

sendo que a maioria delas são chefes de família. Na maior parte dos casos,

sua prisão leva à desestruturação do núcleo familiar.7

Em 2007, sob a liderança da Secretaria Especial de Políticas das

Mulheres e do Ministério da Justiça, foi criado um Grupo Interministerial com a

finalidade de elaborar propostas para a reorganização e reformulação do

Sistema Prisional Feminino. Envolvendo diferentes Ministérios e Secretarias do

governo federal, o Grupo teceu um diagnóstico da situação e elaborou um

documento que foi divulgado em dezembro de 2007. Segundo consta no

relatório o quadro atual diz que:

7 Em Países como o Equador, chegaram a conclusão que soltar mulheres com baixo perfil de periculosidade das prisões e atuar por meio de penas alternativas e acompanhamento social tem sido uma alternativa a superpopulação, bem como um passo importante para o processo de ressocialização das mesmas.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

32

[...]o retrato do sistema prisional brasileiro é composto de imagens que revelam o desrespeito aos direitos humanos e, ao olharmos especificamente para as mulheres que estão neste sistema, as imagens são ainda mais aterradoras, pois a elas é destinado o que sobra do sistema prisional masculino: presídios que não servem mais para abrigar os homens infratores são destinados às mulheres, os recursos destinados para o sistema prisional são carreados prioritariamente para os presídios masculinos e, além disso, os presos masculinos contam sempre com o apoio externo das mulheres (mães, irmãs, esposas e ou companheiras) ao tempo que as mulheres presas são abandonas pelos seus companheiros e maridos. Restando- lhes, apenas, a solidão e a preocupação com os filhos que, como sempre, ficam sob sua responsabilidade. (SEPM, 2007, p.101).

Em síntese, o cenário apresentado revela como o Estado brasileiro cada

vez mais se isenta de suas obrigações nesse âmbito. A Lei de Execução Penal

de número 7.210, de 11 de junho de 1984, traz em seu bojo um dispositivo no

qual explicita claramente quais são as obrigações do estado. O capítulo 2 da

assistência, na seção 1 dos dispositivos gerais, no art. 10 afirma: a assistência

ao preso e ao internado é dever do estado, objetivando prevenir o crime e

orientar o retorno à convivência em sociedade. No parágrafo único, há um

destaque importante: a assistência estende-se ao egresso.

Do ponto de vista mais estrito da educação, também se afirma a

obrigatoriedade da assistência, visto que a Constituição Federal de 1988 tornou

um direito à educação para todo cidadão brasileiro. Mas como a lei de

execução penal é de 1984 ainda carrega o termo assistência no seu texto. No

entanto, pouca coisa mudou. Do ponto de vista didático, o que há é uma

transposição da escola pública existente fora dos muros da prisão, pela qual a

maioria já passou e fracassou. Dessa forma, desconsidera-se a especificidade

da educação nos presídios, aspecto que implicaria no mínimo de uma revisão

do currículo para atender a realidade e o contexto existencial dos reeducandos.

Se a Constituição Federal garante o estudo como direito, na prisão

estadual, ainda é um privilégio, uma vez que o número de vagas nunca atende

a demanda, haja vista a superlotação em tais espaços.

O direito humano à educação é classificado de distintas maneiras como direito econômico, social e cultural. Também é

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

33

tomado no âmbito civil e político, já que se situa no centro das realizações plenas e eficazes dos demais direitos. Nesse sentido, o direito à educação também é chamado de “direito de síntese” ao possibilitar e potencializar a garantia dos outros, tanto no que se refere à exigência, como no desfrute dos demais direitos. (GRACIANO, 2005. p, 165).

Na prática, entretanto, nem o sistema prisional, nem a sociedade têm

feito sua parte e esse sujeito receberá nas costas ou na frente um carimbo

dizendo: ex-presidiário, levando essa marca de exclusão para onde for.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

34

CAPÍTULO 2 A EDUCAÇÃO NAS PRISÕES

2.1 A educação nas prisões

Não existem diagnósticos precisos que possibilitem visualizar o

panorama preciso sobre a situação da educação nas prisões no mundo. Dados

aproximados nos indicam que menos de um terço da população encarcerada

no planeta tem acesso a algum tipo ação educativa na prisão. Se é verdade

que grande parte dos países possui uma legislação que fomenta o direito das

pessoas em situação de privação de liberdade, a exemplo do acesso à

educação como direito inalienável a pessoa humana, também é verdadeiro que

existe um enorme número de países que simplesmente ignoram esses

preceitos.

Mesmo nos países europeus, existe uma grande diversidade com

relação à garantia do direito à educação nas prisões. Aspecto que é partilhado

com a realidade latino-americana (RANGEL, 2007). Para, Scarfó (2008), a

fragilidade no oferecimento da educação nas prisões é proveniente, dentre

outros elementos, da superpopulação oriunda da forma como o Estado

materializa o ato infracional, além da lentidão nos processos e a falta de

infraestrutura decorrentes da indefinição de responsabilidade institucional pelo

atendimento educacional. Com base nessa situação, o Conselho Econômico e

Social da ONU aprovou, ainda na década de 1950, um documento contendo

regras mínimas para o tratamento de pessoas encarceradas, prevendo o

acesso à educação. Segundo o documento, a educação de analfabetos e

jovens reeducandos deve fazer parte do sistema prisional para que, ao cumprir

sua pena, os presos possam continuar seus estudos.

Para Graciano (2005), contudo, esse documento apresenta três grandes

entraves ao reconhecimento do direito humano à educação de pessoas presas.

O primeiro deles diz respeito à confusão entre educação formal, ensino

religioso e educação não-formal. O segundo restringe a obrigatoriedade do

Estado em oferecer educação apenas em relação à alfabetização. O terceiro

torna facultativa a integração da educação penitenciária ao sistema regular de

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

35

ensino. Apesar desses limites, é importante observar que o documento prevê a

possibilidade do atendimento de creche dentro da unidade prisional e a oferta

de educação física.

De todo modo, foi a partir desse documento que a Resolução nº 14 de

11 de novembro de 1994, do Conselho Nacional de Políticas Criminal e

Penitenciária (CNPCP), estabeleceu a adaptação e a aplicação no Brasil das

Regras Mínimas para o Tratamento da pessoa presa, o que também foi

ratificado pela Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, nº 9394\96.

Do ponto de vista legal, existe todo um aparato para dar suporte à

educação nos presídios: a Lei de Execução Penal, lei 7210 de 11 julho de

1984; a Constituição Federal de 1988 que no artigo 208 reza como dever do

Estado proporcionar educação para todos, inclusive para os que tiveram

acesso na idade própria; a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação

Nacional(LDB), Lei 9394/96 que no artigo 1º incentiva a criação de proposta de

educação para promover igualdade de condições para o acesso e a

permanência do aluno no processo educativo, com destaque para o artigo 37

que expressa que a educação de jovens e adultos será destinada aqueles que

não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio

na idade própria.

Nessa direção, Silva (2006), ao pesquisar a prática docente de EJA na

Penitenciária Juiz Plácido de Souza, no município de Caruaru, situado no

agreste do Estado de Pernambuco, buscou situar o conceito de EJA1, tentando

apreender sua expressão no âmbito prisional. A pesquisa focalizou a

organização e a efetivação do trabalho docente em sala de aula da unidade

prisional. Os resultados, bastante críticos, desvelam os paradoxos nas

unidades prisionais ao apontar a ineficácia do sistema penitenciário em

possibilitar aos detentos o acesso à construção dos conhecimentos

necessários à recuperação e reinserção dos presos na sociedade.

Na mesma direção, outra pesquisa intitulada Escola da Prisão: Espaço

de Construção da Identidade do Homem Aprisionado, fruto de uma tese de

doutorado (ONOFRE, 2002), faz uma análise da situação educacional no

ambiente correcional, alertando que os problemas na área da educação são

complexos e não existem respostas em curto prazo.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

36

Outra importante pesquisa foi realizada por Moreira (2008) que há

quatorze anos vem trabalhando em programas de educação nos presídios do

Estado de São Paulo e consiste em uma análise crítica acerca das práticas de

Educação de adultos presos no Estado de São Paulo, especialmente as

práticas desenvolvidas a partir da década de 1980 pela FUNAP – Fundação

Profº Dr. Manoel Pedro Pimentel.

Nesse trabalho, é feito um histórico do processo de constituição do

quadro de educadores que atuam no sistema penitenciário, sendo também

problematizada a condição de precariedade em que desenvolvem este trabalho

e aponta os obstáculos para que esta experiência seja transformada em uma

política pública de Educação de Adultos Presos. O texto apresenta uma breve

reflexão sobre as funções atribuídas à pena e à prisão, aproximações entre a

Educação de Jovens e Adultos e a Educação de Adultos Presos e subsidia a

reflexão sobre a especificidade desse trabalho para esta área no Estado de

São Paulo, com o levantamento do quadro de educadores existente no Estado.

Outro trabalho importante é a dissertação de mestrado de Julião (2003),

defendida no programa de pós-graduação da PUC-Rio sob o título: Políticas

Públicas de Educação Penitenciária: Contribuindo para o Diagnóstico de

Experiência do Rio de Janeiro. Tem como objetivo traçar um panorama da

atual situação do sistema penitenciário brasileiro, discutindo a educação como

“programa de ressocialização” na política da execução penal. O trabalho é

realizado através de análise documental e coleta de relatos orais sobre o

modelo de políticas públicas de educação implementada no sistema

penitenciário do Rio de Janeiro. Além de procurar compreender o papel que a

educação desempenha no sistema penitenciário e se existe a relação com o

processo de “ressocialização”.

Observamos, assim, que existe um número importante de pesquisas que

abordam a problemática da educação prisional, apresentando críticas aos

processos de ressocialização e apontando elementos para que sejam

reformuladas políticas públicas para a educação de Jovens e Adultos em

regime de privação de liberdade. Contudo, percebemos também que ainda são

escassos os trabalhos e pesquisas que levem em consideração questões

relativas às relações etnicorraciais e a educação prisional.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

37

Isso não deixa de ser preocupante, tendo em vista que 65% dos sujeitos

que se encontram encarcerados são negros. Ao mesmo tempo, os estudos

acima indicaram a superpopulação dos presídios faz com que estudar deixe de

ser um direito e acabe sendo privilégio, pois se apenas quem precisasse

completar sua escolaridade resolvesse estudar não haveria vagas disponíveis

nos presídios. Mas, paradoxalmente, outro fato que merece preocupação é que

sempre “sobra vagas”, pois existe uma grande evasão mesmo com o advento

da remição por dias de aulas assistidas.

Essa situação remete a questões importantes: o que se deve ensinar

aos detentos? Como ensinar? Qual a formação docente? Que prática

pedagógica daria conta dessa problemática? Por isso mesmo, desde 2005,

iniciou-se uma parceria entre o MEC e o Ministério da Justiça para construir

propostas de financiamento de projetos educacionais para as populações

encarceradas. Tais projetos deveriam estimular uma maior participação dos

detentos nos programas educativos e promover situações exitosas. O início

dessa parceria contou com um projeto denominado Educando para a

Liberdade, que teve a participação da Organização das Nações Unidas para a

educação, a ciência e a cultura (UNESCO).

Na verdade, a aproximação dos ministérios da educação (MEC) e da

Justiça (MJ) visa fechar as lacunas que durante muito tempo serviram para que

as ações desenvolvidas por esses órgãos fossem descoordenadas,

provocando desperdícios e desencontros nos resultados pretendidos. A ideia,

portanto, além de expandir a oferta de vagas para a população carcerária, é

construir uma política com diretrizes claras para o setor, levando em

consideração as especificidades pedagógicas e metodológicas, bem como a

formação docente capaz de garantir que a educação nos presídios possa

cumprir sua finalidade ressocializadora. A parceria tem como meta também o

desenvolvimento de programas situados para além da educação básica e que

pretendem fomentar e apoiar o desenvolvimento de programas de educação

profissional. Nesse caso, a intenção é incentivar os jovens em idade produtiva

a adquirirem uma profissão ou mesmo realizarem atividades geradoras de

renda, tirando-os da ociosidade prevalecente nos espaços prisionais.

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

38

Nesse sentido, temos alguns dados que mostram como é o perfil da

população carcerária e o envolvimento com o processo de escolarização no

sistema penitenciário brasileiro:

QUADRO -5

PERFIL DA ESCOLARIDADE

MASCULINO

FEMININO

TOTAL

Quantidade de Presos por Grau de Instrução 417.517 28.188 445.705 Analfabeto 23.992 1.327 25.319 Alfabetizado 52.964 2.819 55.783 Ensino Fundamental Incompleto 189.980 11.958 201.938 Ensino Fundamental Completo 49.840 2.986 52.826 Ensino Médio Incompleto 44.363 3.098 47.461 Ensino Médio Completo 29.744 2.917 32.661 Ensino Superior Incompleto 2.699 435 3.134 Ensino Superior Completo 1.582 247 1.829 Ensino acima de Superior Completo 61 11 72 Não Informado 19.411 714 20.125 Valor automático de correção de itens inconsistentes - Diferença com relação à população carcerária.

2.881 1.676 4.557

Quantidade de Presos por Nacionalidade 417.517 28.188 445.705 www.mj.gov.br

Com bases nesses dados, é importante salientar que a educação nos

presídios tem como especificidade o caráter de ser uma educação de jovens e

adultos (EJA), uma vez que seus usuários já passaram da “idade própria” e

mesmo já tendo passado pela escola na condição de sujeitos livres tiveram um

baixo aproveitamento. É importante destacar que a remição da pena pela

educação tem sido alvo de intensas polêmicas no Brasil. Mesmo assim, já vem

sendo experimentada em alguns estados da federação como: Pernambuco; Rio

de Janeiro; Paraná; Distrito Federal; Espírito Santo entre outros.

A remição da pena pela educação foi reivindicada a partir da prática de

remição pelo trabalho, já existente e regulamentada por lei (a cada três dias

trabalhado o apenado recebe um dia de remição). No entanto, para a educação

a contagem é realizada em horas, ficando para cada doze horas de estudo, um

dia de liberdade.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

39

Apesar disso, como já dizemos anteriormente, todo ano tem-se

experimentado a dificuldade de se formar turmas e sempre se conta com um

índice muito alto de evasão. Algumas unidades prisionais contam com a

imposição da gerência de segurança que vai até os pavilhões com o intuito de

persuadir para que os detentos se matriculem na escola, enquanto que em

outras, a direção junto com a gerência de segurança se aproveitam dessa falta

de interesse para boicotar as atividades escolares.8

Já em relação às atividades laborais, existe uma via de mão dupla no

sentido de garantir a participação no trabalho, pois cerca de 90% dos serviços

executados nas unidades prisionais são feitos pelos detentos, tais como a

limpeza, a capinação, o restaurante e também as atividades administrativas. Ao

realizar tais serviços, o detento percebe cerca de 90% do salário mínimo, além

da remição da pena.

Conforme disposto na Lei de Execução Penal(LEP, 1984), a assistência

educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do

preso e do internado.

Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa. Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição. Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.

No caso de Pernambuco, a partir de uma população carcerária com

aproximadamente 24 mil presos, temos o seguinte tipos de regimes:

8 Desde uma perspectiva pessoal, acreditamos que a remição da pena pela educação é um assunto que deveria adquirir o status de uma ação afirmativa para a população carcerária.

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

40

QUADRO 6

QUANTIDADE DE PRESOS/INTERNADOS MASCULINO FEMININO TOTAL

MASCULINO FEMININO TOTAL

Quantidade de Presos (Polícia e Segurança Pública)

0 0 0

Polícia Judiciária do Estado (Polícia Civil/SSP) 0 0 0 Quantidade de Presos custodiados no Sistema Penitenciário

22.335 1.590 23.925

Sistema Penitenciário - Presos Provisórios 13.060 677 13.737 Sistema Penitenciário - Regime Fechado 4.477 475 4.952 Sistema Penitenciário - Regime Semi Aberto 3.071 271 3.342 Sistema Penitenciário - Regime Aberto 1.295 128 1.423 Sistema Penitenciário - Medida de Segurança - Internação

430 38 468

Sistema Penitenciário - Medida de Segurança - Tratamento ambulatorial

2 1 3

www.mj.gov.br

O direito à educação está garantido através de uma parceria entre dois

órgãos do governo estadual: a Secretaria Executiva de Ressocialização

(SERES) e a Secretaria de Educação e Esportes (SEDE). E os dados gerados

pela Gerencial de Profissionalização e Qualificação são:

PERFIL DO PRESO MASCULINO FEMININO TOTALQuantidade de Presos por Grau de Instrução 22.335 1.590 23.925 Analfabeto 4.657 272 4.929 Alfabetizado 1.479 114 1.593 Ensino Fundamental Incompleto 9.680 749 10.429 Ensino Fundamental Completo 842 101 943 Ensino Médio Incompleto 4.069 215 4.284 Ensino Médio Completo 1.111 105 1.216 Ensino Superior Incompleto 146 11 157 Ensino Superior Completo 62 10 72 Ensino acima de Superior Completo 2 2 4 Não Informado 314 19 333 Valor automático de correção de itens inconsistentes - Diferença com relação à população carcerária do

-27 -8 -35

Quantidade de Presos por Nacionalidade 22.335 1.590 23.925 Brasileiro Nato 22.331 1.585 23.916 Brasileiro Naturalizado 7 0 7 www.mj.gov.br

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

41

Nunca é demais insistir no fato de que Pernambuco segue a tendência

nacional no processo de juvenilização da população carcerária.

QUADRO 7

PERNAMBUCO - PE

Quantidade de Presos por Faixa Etária 22.335 1.590 23.925 18 a 24 anos 6.905 450 7.355 25 a 29 anos 5.988 3 98 6.386 30 a 34 anos 3.933 249 4.182 35 a 45 anos 3.945 332 4.277 46 a 60 anos 1.043 122 1.165 Mais de 60 anos 388 23 411 Não Informado 153 16 169 Valor automático de correção de itens inconsistentes - Diferença com relação à população carcerária.

-20 0 -20

www.mj.gov.br

Nossa compreensão é a de que a educação escolar ainda não consegue

competir com as demais educações do cárcere. Neste sentido, acreditamos

que esteja havendo o que denominamos de uma ressocialização invertida, logo

o processo de socialização entre seus pares torna-se mais eficaz de que o

proposto pelo sistema. Daí a importância de se repensar o modelo educacional

proposto para a educação prisional.9

No caso pernambucano, as unidades prisionais contam com escolas em

todas as unidades sendo escolas 7 credenciadas e 13 escolas anexos:

9 Ao mesmo tempo, seria de fundamental importância realizar um trabalho com a própria sociedade civil organizada, pois muitas vezes a opinião pública não identifica a relevância dessa modalidade de ensino para os processos de ressocialização. Isso ocorre pela veiculação de representações sobre o encarcerado e pelo próprio sucateamento do nosso sistema penitenciário.

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

42

QUADRO 810

MAPA DA ESCOLARIDADE NAS UNIDADES PRISIONAIS DE PERNAMBUCO - 2011

Nº UNID. ESCOLA FUNC. MUNICÍPIO MB EF 1 EF 2 EM AL. POP % SL.

1 PPAB JOEL PONTES CREDENCIADA RECIFE 253 96 251 60 660 4366 15 09 2 CPFR OLGA BENÁRIO CREDENCIADA RECIFE 57 71 97 - 225 663 34 03 3 PAISJ JUIZ ANTONIO

BARROS CREDENCIADA ITAMARACÁ 15 60 112 - 187 1964 10 03

4 HCTP MÉDICO RUI R.BARROS

CREDENCIADA ITAMARACÁ 30

85 50 - 165 517 32 07

5 PPBC OLEGÁRIO MARIANO

CREDENCIADA ITAMARACÁ 45

157 186 45 433 1823 24 07

6 PIG DOM HELDER CÂMARA

CREDENCIADA IGARASSU 100

125 210 222 657 2244 29 05

7 PJPS NICANOR SOUTO EXTENSÃO CARUARU 94 120 118 27 359 1141 31 04 8 PRRL ELISEU P. MELO EXTENSÃO PALMARES 40 60 20 - 120 675 18 03 9 PABA IND. DE

ARCOVERDE EXTENSÃO ARCOVERDE 50 120 90 - 260 724 36 05

10 PDAD ELISEU ARAÚJO EXTENSÃO PESQUEIRA 37 58 54 - 149 655 23 03 11 CRA AMÉLIA G LEITE EXTENSÃO CANHOTINH

O 35 22 80 - 137 742 18 04

12 PEPG PAULO FREIRE CREDENCIADA LIMOEIRO 137 178 120 40 475 1526 30 06 13 PVSA AMÉLIA COELHO EXTENSÃO VITÓRIA 75 100 37 - 212 491 43 03 14 CPFB DUQUE DE

CAXIAS EXTENSÃO BUÍQUE 44 53 100 20 217 375 58 02

15 PSAL OSMUNDO BEZERRA

EXTENSÃO SALGUEIRO 26 51 60 - 137 578 24 02

16 PDEG ESCOLA DE ALTERNÂNCIA

EXTENSÃO PETROLINA 80 67 87 - 234 980 24 06

17 CPFAL LUIS RODOLFO EXTENSÃO ABREU E LIMA

76 17 47 18 158 354 45 03

18 CADEIAS GRP I EXTENSÃO - 35 42 - - 77 650 12 03 19 CADEIAS GRP II EXTENSÃO - - 45 - - 45 904 5 01 20 CADEIAS GRP III EXTENSÃO - - 53 24 - 77 484 16 02 TOTAL 1.229 1.580 1.719 432 4.960 21.899 23 81

FONTE: Gerencia de Educação e Qualificação Profissionalizante-SERES * 09.05.11

A escola localizada no presídio tem, portanto, o desafio de proporcionar

aos reeducandos a oportunidade à educação enquanto uma prática

humanizadora, emancipatória, um ato político, social e histórico, capaz de

contribuir para a ressignificação de suas existências e o fomento de

alternativas de elaboração de projetos individuais e coletivos. Onofre (2007)

alerta que a escola do presídio é uma peça fundamental no processo de

ressocialização e não se pode deixar de levar em consideração a construção

de programas educativos para as unidades prisionais estejam vinculados.

...em uma política pública de âmbito nacional, mas quando se pensa em formular esses programas, não pode ser esquecida uma referência básica – a relação futuro-presente-passado, uma vez que para o aprisionado, essa relação é fundamental, em qualquer programa educativo que se lhe apresente. É o cotidiano que revela as bases sobre o que é possível, mas não deixa de trazer embutido o passado, como memória e

10 Abreviaturas: Um. (unidade prisional)/EF 1 (Ensino Fundamental, ou seja 1º ao 4º ano); EF 2 (Ensino Fundamental 2, ou seja 5º ao 9º ano); EM (Ensino Médio); MB (Projeto de Alfabetização Mova Brasil-Paulo Freire); Func. (Forma de Funcionamento); POP. (População); AL. (nº alunos); Sl(nº de salas)

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

43

incorporação de vivências. Sua expectativa de futuro é algo que deve ser também considerada. (ONOFRE, 2002, p. 33).

Nesse sentido, essa autora afirma que o projeto político-pedagógico teria

a função de orientar uma proposta educacional que levasse em consideração

as concepções sobre o homem, sobre o mundo e sobre a educação desde a

ótica do sujeito encarcerado, possibilitando o acesso à construção dos

conhecimentos necessários à recuperação e reinserção dos presos à

sociedade, bem como, a reconstrução de sua postura enquanto ser humano,

ressignificando sua visão e inserção no mundo.

Silva (2006), por sua vez, destaca a reação de alguns sujeitos que

entrevistou nos presídios sobre a identificação da cor/raça, apontando que

mais de 60% dos entrevistados são negros, mas, ao responderem alguma

pergunta sobre cor/raça, identificam-se como morenos, mulatos, pouquíssimos

se reconheciam como negros.

Essa informação sinaliza, a nosso ver, que o preconceito racial não é apenas na sociedade externa á instituição prisional, nem só dos que aplicam as leis. Os próprios presos revelam certa resistência em assumirem a cor/raça. Para um trabalho escolar junto aos presos/alunos, parece-nos importante, sobretudo, a realização de estudos, reflexões acerca de temas sobre raça, cultura, preconceito, discriminação, como possibilidades de trazer à tona valores que edifiquem e valorizem o sujeito em suas potencialidades humanas (SILVA, 2006, p. 65).

Concordamos com Silva (2006) que a prática docente deve ser

compreendida como prática social, percebida em sua totalidade, comprometida

com a busca da transformação de uma dada realidade. O que exige organizar

uma educação no sistema penitenciário que possibilite ao preso/aluno uma

reflexão acerca de sua realidade na perspectiva de transformá-la na tentativa

de reverter os dados atuais em relação à reincidência.

Mas, para isso acontecer, Molina (1998) sugere que o modelo de

aprisionamento, no Brasil, precisaria se desvincular do modelo em que o

castigo é a principal meta do encarceramento.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

44

O modelo ressocializador propugna, portanto, pela neutralização, na medida do possível, dos efeitos nocivos inerentes ao castigo, por meio de uma melhora substancial ao seu regime de cumprimento e de execução e, sobretudo,sugere uma intervenção positiva no condenado que, longe de estigmatizá-lo com uma marca indelével, o habilite para integrar-se e participar da sociedade, de forma digna e ativa, sem traumas, limitações ou condicionamentos especiais. (MOLINA, 1998, p.383).

Na mesma direção, Rangel (2006) destaca a importância da educação

no interior dos presídios e seu lugar na construção de redes. Ou seja, na

formação de grupos de reeducandos, o que potencializa a desconstrução das

chamadas gangues que induzem o chamado processo de ressocialização

invertida

Os países em que funcionam com maior eficácia os programas educativos nas prisões são aqueles onde existem políticas sociais que promovem a equidade; aqueles que coordenam projetos no interior de prisões com as comunidades e as famílias dos presos; aqueles que colocam o indivíduo no centro dos programas, aqueles que identificam os presos com problemas de comportamento ou psicológicos; aqueles que se complementam com um sistema de justiça eficaz; aqueles em que as prisões são instituições mais humanas e que levam em conta as necessidades dos jovens e das mulheres, oferecendo assim, cursos e serviços profissionais de que necessitam, identificando os que necessitam de tratamento psicológico (e representam um perigo social), mas sem adotar pedagogia terapêutica, ou seja, sem olhar para os presos como doentes. (RANGEL, 2009, p.67).

A educação ao fortalecer as identidades dos sujeitos presos pode se

configurar como uma dimensão vital da dinâmica ressocializadora. É neste

contexto que entra a importância da lei 10.639/03 que define a obrigatoriedade

do ensino da história e da cultura dos africanos e seus descendentes no

Brasil. A Lei 10.639/03 visa contribuir e, ao mesmo tempo, corrigir as

desigualdades existentes no processo de escolarização dos alunos brasileiros,

não importando a sua origem racial. O racismo não é um problema do negro e

sim, de toda sociedade brasileira.

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

45

Vale salientar que, com a construção e fortalecimento da autoestima do

aluno(a) negro(a), é toda a sociedade brasileira quem ganha, pela abertura

nas escolas de novos e radicais processos de (re)cognição social. Dessa

ótica, a lei 10.639/2003 ao alterar o artigo 26-A da lei 9.394, de 20 de

dezembro de 1996 que estabelece as Diretrizes e Bases da educação

nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino, tornando o ensino

obrigatório da temática “História da África e Cultura Afro-Brasileira”,

estabelece as seguintes diretrizes:

[...] Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1º O conteúdo programático a que se refere o capítulo deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica, política pertinentes à História do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.( ...) Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

Trata-se de um avanço no processo de democratização no sistema de

ensino brasileiro, como também vem revigorar a luta pelo anti-racismo na

escola em todo Brasil. A lei determina entre outros pontos: a) a revisão dos

currículos a fim de adequá-los à lei; b) a qualificação dos professores e o seu

constante aperfeiçoamento pedagógico; c) e, que a implementação da lei fica a

cargo do Poder Executivo. Destaca-se, então, que sua implementação é

preciso rever e modificar os currículos escolares, organizando a cultura escolar

para trabalhar com este contexto e as mudanças exigidas.

Entende-se, ainda, que é necessário repensar a qualificação dos

professores acerca desta temática, por serem eles os atores que lidam

diretamente com essa lei no processo de ensino-aprendizagem. Os docentes

têm contato direto com os alunos, fazendo as pontes entre a lei e a dinâmica

concreta da sala de aula. Mais: os docentes configuram-se como sujeitos

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

46

centrais no processo de formação da identidade dos alunos enquanto cidadãos

críticos e atuantes na sociedade.

Contudo, vale frisar que:

essa lei não surgiu do nada ou da boa vontade política, [ela é] resultado de anos de lutas e pressões do movimento social negro por uma educação não eurocêntrica e anti-racista. (...) [estas propostas aparecem] por meio das agendas de reivindicações do movimento ao longo do século XX (...). (CAVALLEIRO, 2005, p.15).

O movimento negro brasileiro sempre lutou para erradicar o preconceito,

a discriminação e o racismo que se configura através das desigualdades

existentes em todas as esferas da nossa sociedade. O movimento negro

brasileiro sempre pautou em suas lutas uma atenção especial à educação, por

estar preocupado com a desigualdade racial dominante no nosso país.

A educação sempre ocupou um lugar de destaque na medida em que o

Movimento entende que através dela podemos transformar nossa realidade e

sermos realmente livres, pois a situação que vivenciamos não é justa e nem

satisfatória para a população negra. A compreensão, portanto, é a de que as

relações etnicorraciais, quando invisibilizadas no processo de ensino-

aprendizagem, prejudicam a população negra que vem passando por um

processo histórico de marginalização.

O estímulo ao estudo das reminiscências africanas no país bem como os meios de remoção das dificuldades dos brasileiros de cor e a formação de Institutos de Pesquisa, públicos e particulares, com esse objetivo (NASCIMENTO, 1968: 293, Apud SECAD, 2005: 23)

A implementação da lei 10639/03 visa contribuir entre outras coisas

com o combate à discriminação racial e à veiculação de ideias racistas nas

escolas em todos os níveis (HASENBALG, 1987), o que vem diretamente de

encontro à situação atual da educação prisional e sua ênfase na

ressocialização.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

47

2.2 Escola na prisão e os processos de ressocialização.

Segundo o relator especial da ONU sobre Educação, Vernor Muñoz,

existem três modelos educativos que predomina no atendimento educacional

nas prisões da América Latina, O primeiro deles toma a educação como parte

de um tratamento terapêutico, visando a cura das pessoas encarceradas. O

segundo entende a educação em sua função moral destinada a corrigir

pessoas intrinsecamente imorais. E o terceiro toma como base um caráter mais

oportunista ao restringir a educação nas prisões às necessidades do mercado

de trabalho. Muñoz alerta, assim, para o predomínio de um caráter utilitarista

da educação nas prisões descomprometido com a afirmação da educação

como direito humano das pessoas encarceradas.

Reconhecendo que a educação é um dos requisitos para a reinserção social e contribuição ao desenvolvimento real e sustentável da sociedade que a põe em prática. Em definitivo, a educação é um direito humano e não uma ação terapêutica ou uma variável a mais de um tratamento. Um direito que permite às pessoas encarceradas fazerem escolhas e desenvolverem trajetórias educativas positivas, concretizando o direito humano a um projeto de vida. A educação é um direito chave que possibilita conhecer e exercer outros direitos, facilitando, inclusive, a se defender da vida na prisão. (SCARFÓ apud DESCH, 2008, p 27).

Para os objetivos de nosso trabalho, é fundamental a perspectiva

delineada por Souza (2007) a respeito da educação escolar. De acordo com

esse autor, a educação formal ou não formal depende de algo que a organize e

a realize de forma intencional e propositada. Para isso é preciso desenvolver

uma prática pedagógica, ou seja, uma ação coletiva e planejada com fins de

atingir seus objetivos. A prática pedagógica é pensada, portanto, dentro do

fenômeno social mais amplo que é a educação.

Trata-se de uma ação realizada dentro de um coletivo que visa à

formação humana do sujeito, tendo como finalidades garantir condições

subjetivas e objetivas na perspectiva do crescimento humano de mulheres e

homens. A prática pedagógica é constituída de quatro elementos fundamentais:

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

48

a ação desenvolvida por quem assume papel de ensinante, ele denominou de

prática docente; a ação desenvolvida pelo sujeito aprendente é por ele

denominada de prática discente; aquela desenvolvida por quem tem a função

de gerenciar o processo e as coisas é chamada de prática gestora e a quarta e

não menos importante, a prática epistemológica ou gnosiológica

correspondente a complexidade da construção do conhecimento ou dos

conteúdos pedagógicos explorados por meio de programas, planos e projetos

determinados institucionalmente. Todas essas dimensões compõem um

conjunto de ações envolvidas e encharcadas pela afetividade.

Os quatro elementos presentes na prática pedagógica se inter-

relacionam em suas complexidades, singularidades, heterogeneidades,

diversidades de sujeitos sociais a partir de suas respectivas práticas: a

docente, a discente e a gestora para garantir a complexidade da construção do

conhecimento. Partimos do princípio que Souza (2007) fundamentou uma

compreensão da prática pedagógica que apresenta elementos para subsidiar a

emancipação dos sujeitos, ressignificando o espaço escolar e (re)ampliando o

conceito de educação, seguindo as trilhas abertas por Paulo Freire.

Dessa ótica, Souza (2007) critica a burocratização da educação escolar,

alegando que os projetos e programas construídos pelos governos são

constituídos, muitas vezes, a partir de um processo de hierarquização,

seguindo ritos que provocam e reforçam a submissão dos professores e

alunos. Para ele, é fundamental restabelecer

a subjetividade da educação (uma visão integral do fenômeno social da educação e de sua prática intencional sem reduzi-lo à escolarização, mas incorporando a escola), [para poder] fornecer condições que garantam o sucesso acadêmico das maiorias sociais (minorias sociológicas) e possibilitem elementos para seu êxito social. (SOUZA, 2007, p.181).

O fato de entender que a prática docente é um dos elementos da prática

pedagógica não significa dizer que ela é menos importante. Ao contrário, o

autor ressalta que a referida prática tem uma importância especial, porém é

preciso salientar que faz parte de uma totalidade que, é a soma das partes que

fazem a práxis pedagógica. A prática pedagógica como ação coletiva e

intencionada é capaz de gerar uma prática consciente na construção de uma

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

49

educação que propicie uma sociedade baseada na solidariedade e aponte para

um projeto de existência humana que favoreça a desconstrução da violência.

Nesse sentido, acreditamos que o conceito de prática pedagógica

defendido por Souza (2007) é o mais adequado para uma reflexão crítica das

práticas situadas nas escolas presentes nos presídios. A força da sua

compreensão da prática pedagógica está na sua noção de ressocialização.

Para o autor, a ressocialização corresponde aos saberes construídos da

prática pedagógica, escolar ou não. A ressocialização é apreendida enquanto

processo de recognição e reinvenção permanentes.

Isso implica dizer que é um processo de educação ao longo da vida,

travando um embate pela construção da humanidade do ser humano. A

ressocialização (recognição e reinvenção) é um movimento contínuo e

permanente, exige que nos refaçamos, caso contrário, corremos o risco de

estacionarmos e provocar a morte mental e até mesmo física. Segundo Souza

(2007), precisamos ir para além da socialização da primeira infância, num

processo contínuo e crescentemente sistemático de superação de

socializações anteriores.

Souza (2007) também chama a atenção para que não percamos o foco

no processo de ressocialização que não pode ser voltado para desumanização,

pois se acontecer esse tipo de ressocialização ele denomina de ressocialização

subalterna ou domesticação. A ressocialização deve nos remeter a uma

transformação nas nossas formas de pensar, de emocionarmos, de

compreendermos a nós mesmos, aos outros, a natureza, a cultura e as

instituições sociais. A partir dessa perspectiva, o autor chama de recognição as

mudanças nas emoções, nas formas de agir que ele denomina de reinvenção.

Esses dois processos juntos configurarão o processo de ressocialização

que é um processo mais amplo.

A ressocialização são múltiplos processos que se dão mediante o confronto entre conheceres, fazeres e sentires de uma pessoa ou de um grupo cultural com os de outras pessoas ou grupos culturais cujos resultados são novos conhecimentos, emoções e ações tornando cada um dos envolvidos mais socializados, culturalmente enriquecidos simbólica e materialmente. Numa palavra, mais humanos. (SOUZA, 2007 p.304).

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

50

Os fins da ressocialização são o desenvolvimento de homens e

mulheres e também de grupos humanos extremamente socializados e que

vivam de forma aberta a convivência multicultural pela Interculturalidade. Vale

salientar que a escola pode e deve ser um espaço para que possa acontecer a

ressocialização não podemos desperdiçar um espaço tão significativo a

sociedade atual, no entanto é importante ressaltar que suas atividades e seus

programas devem estar voltados para esses fins. A práxis pedagógica pode

buscar no dia a dia sua própria reinvenção, fundando outras direções até

porque os processos de ressocialização não são iguais: o da mulher é um, o do

homem é outro, o da dona de casa é diferente da camponesa, a do africano é

diferente da do asiático, os moradores da periferia tem um processo diferente

dos moradores do centro e assim por diante.

Hoje, temos um grande desafio no sistema penitenciário. Os

documentos tanto em nível de Ministério da Justiça, bem como dos órgãos

estaduais de ressocialização trazem a ressocialização como missão, no

entanto, não foi possível construir diretrizes nacionais que possam orientar

esse processo do ponto de vista pedagógico e filosófico.

Precisamos entender que todos os seres humanos são elementos da

ressocialização. No entanto, esse processo parece está resguardado para o

individuo encarcerado. É como se apenas os sujeitos presos tivessem que

(re)aprender a conviver em sociedade. Daí porque, na atualidade, as reflexões

e debates sobre a educação prisional tratam a ressocialização meramente

como instrumento de reintegração social.

Em uma perspectiva mais ampliada, os trabalhos de Souza (2007),

permitem que situemos a ressocialização para além do foco punitivo-integrativo

que hegemonicamente orienta as questões relativas ao mundo penitenciário.

Então ressocialização, aqui, remete a ideia de que os sujeitos (todos os

sujeitos) precisam reaprender algo que já havia sido-lhe ensinado e que por

algum motivo falhou no exercício de sua socialização.

A ressocialização se dá a partir de qualquer processo de socialização,

uma vez que leva o sujeito a mudanças significativas no seu modo de agir e de

pensar não se confundindo com as noções correntes de reintegração social.

Ressocialização é algo bem maior que simplesmente preparar o sujeito

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

51

encarcerado a reinserção social, se trata de um processo de reinvenção,

recognição para chegar na ressocialização.

Ao refletirmos sobre o conceito de ressocialização, segundo Souza

(2000), percebemos a ênfase em experiências que levem os sujeitos à

recognição e reinvenção, pois é a colocação do sujeito histórico-epistêmico,

tanto em caráter individual ou social, em polêmica com sua cultura que permite

resgatar suas experiências anteriores para com isso questioná-las. Esse

aspecto é o ponto de partida para a ressocialização, ou seja, perceber e criticar

o seu próprio contexto para retornar para ele de forma diferenciada.

Essa questão e vital quando se trata de processos educativos nas

prisões, para efetivamente romper com o círculo vicioso do aprisionamento.

Dessa forma, o reeducando teria a oportunidade de fazer uso da palavra e

expressando-a vivenciar outras experiências ao longo de sua existência,

superando a lógica disciplinar (CHANTRAINE, 2006) e problematizando a

ascensão do Estado penal (WACQUANT, 2002). Essa é uma questão vital,

como diz Sales Junior (2006), o mito da democracia racial interfere nas

decisões tomadas no sistema jurídico, apontando como esse mito é

transformado em um dispositivo ideológico de reprodução das relações raciais.

Efetivando-se através de duas formas de discursos; o desconhecimento

ideológico das relações raciais e o não dito racista, o mito da democracia racial

instaurou-se pelo deslocamento do discurso racial ‘racista ou não’ do âmbito do

discurso sério. ‘argumentativo, relacional, formal e público’, marginalizando

saberes apreendidos como irrelevantes ou como um falso problema.

Sabe-se que o Brasil é o segundo maior país do mundo em população

negra, ficando atrás apenas da Nigéria. A diáspora negra foi configurada pelo

seqüestro dos africanos e africanas, arrancados de suas terras para servir de

mão de obra escravizada. De mais a mais, foi o último país a abolir a

escravidão, passando a utilizar, de forma cruel, um racismo nada cordial para

manter os privilégios alcançados de forma autoritária e desumana. Agora não

mais a base da força, do açoite, e sim através de uma ideologia que

hierarquiza uma “raça” sobre outra, baseada na diferença, criando

desigualdades múltiplas.11

11 A discussão sobre as relações étnicas e raciais se dá de forma pluri conceitual, pois existem algumas concepções e termos que causa diversas discordâncias entre os vários segmentos

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

52

Na perspectiva aqui assumida, a noção de ressocialização, desenvolvida

por Souza (2000; 2007) permite superar a dubiedade que demarca o

tratamento dado à educação prisional em nosso país, pois como lembra o

movimento negro brasileiro:

Relações raciais e étnicas são consideradas por como um tipo especial de relação intergrupos que quase sempre envolvem relações de poder em que “um grupo dominante aloca para si a maior parte das recompensas, tais como os melhores empregos e moradias, e do controle sobre os mais importantes recursos ou centro de poder (BLALOK, 1982, p.1).

Fazendo uma interface das relações raciais e do racismo no Brasil e a

noção de ressocialização, tal como aqui abordada, é possível, por um lado,

criticar o modelo que orienta a organização da forma prisão (GARLANDO,

2008), abrindo muito diretamente seu modo de endereçamento para um grupo

específico: homens jovens pobres e negros que não completaram o ensino

médio.

Ou seja, permite evidenciar que a pobreza brasileira tem cor (IPEA,

2005). Os negros são sempre maioria nos pobres espaços como: favelas, nos

presídios, no subemprego. Situação que guarda estreita relações com o padrão

injusto que orienta a oferta e a qualidade das práticas educativas.

Nesse sentido, segundo o UNIFEM (2005), a população negra

compreende o contingente de pessoas que mais são vítimas dos grupos de

extermínios, alvo das abordagens policiais que, via de regra, constrangem os

jovens negros que pertencem às famílias com menor poder aquisitivo, pois

seus parentes recebem os menores salários quase sempre abaixo do mercado.

Sem emprego e também encabeçando a lista dos analfabetos, os negros são

os que saem mais cedo da escola e que possuem as maiores defasagens.

Nesse aspecto, o sistema penitenciário pernambucano não se diferencia

dos demais estados da união como podemos constatar na citação abaixo.

envolvidos nessa polêmica, no entanto algumas delas se destacam temos uma que defende a existência de uma democracia racial tendo como base a concepção do Gilberto Freyre que é influenciado pela escola culturalista da antropologia de Franz Boas e ao mesmo tempo o fato de estabelecer como parâmetro o racismo desenvolvido nos Estados Unidos segregacionista e violento.

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

53

Os níveis de superlotação são absolutamente dramáticos e as condições sanitárias vergonhosas. Vestuários e artigos básicos de higiene pessoal, como sabonete, pasta de dente, papel higiênico e absorvente para mulheres, são raramente distribuídos. A violência entre os internos é comum e os espancamentos por guardas são considerados rotineiros. (JULIÃO, 2003, p.26).

Essa prática parece ser uma regra.

O amontoamento nas prisões somado ao mal estado da estrutura física geram uma situação de violência constante, que se traduz na impossibilidade de dar um tratamento penitenciário de acordo com as necessidades de cada pessoa, na impossibilidade de cumprir com o que manda a lei e os tratados de direitos humanos, no aumento de doenças (tuberculose e HIV), na implementação de um tratamento indigno (maus tratos físicos e psicológicos), casos de tortura, etc.(SCARFÓ, 2009, p. 108).

A sociedade brasileira vive num misto de estado de guerra e do estado

do bem estar social promotor de uma imensa desigualdade social. O Nordeste

brasileiro dentre as demais regiões tem os piores índices de desenvolvimento

humano no ranking nacional, seus nove estados estão na 19ª a 27ª posição,

conseqüentemente, as últimas posições, confirmando o status de região mais

pobre do país, tendo IDH de países como: Turcomenistão, Síria, e Guatemala.

Dados disponíveis no DISOC/IPEA(2003) e INUFEN (2005), PNAD/IBGE

apontam que a taxa de analfabetismo entre negros/as, de 5,8% é três vezes

maior do que a observada para jovens brancos (1,9%). Em média, os jovens

negros têm dois anos a menos de estudo do que os brancos da mesma faixa

etária: 7,5 anos e 9,4 anos repetitivamente. E mais: as desigualdades vão se

acirrando à medida que aumentam os níveis educacionais. Elementos que

indicam como o sistema educacional brasileiro não é capaz de combater as

desigualdades raciais: a proporção de crianças de 7 a 14 anos matriculadas no

ensino fundamental é de 92,7% para negros e de 95% para brancos; no

entanto somente 4,4%dos negros de 18 a24 anos estão matriculados em

instituições de ensino superior; entre os brancos, esse percentual é cerca de

quatro vezes maior 16,6%.

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

54

Outro importante setor no qual a população negra leva uma enorme

desvantagem é o setor produtivo. Um conjunto de fatores faz com que os

jovens negros sofram mais que os jovens brancos com baixa escolaridade e

tendem a entrar na informalidade e nas relações trabalhistas recebendo os

menores salários. Dados oficiais revelados pelo DISOC/IPEA(2003) apontavam

que em cada dez jovens negros de 18 a 24 anos de idade, quatro se

encontravam desempregado; entre os brancos essa relação era de um para

seis. Quando, finalmente, o jovem negro consegue uma ocupação, em geral,

ela é exercida de forma bem mais precária. Com isso, os jovens negros

percebiam uma renda média mensal de R$ 418,47, equivalente a 63% da

renda dos brancos da mesma idade.

Observando as estimativas da DISOC/IPEA (2003), a partir de dados do

departamento de informática do sistema único de saúde (DATASUS),

percebemos que em 2000, a taxa de vítimas de homicídios de jovens negros

era de 74,1 por 100 mil habitantes, bastante superiores à observada para os

brancos da mesma idade, de 41,8 por 100 mil habitantes. Numa equação bem

conhecida, a conjugação perversa de vários fatores, tais como, racismo,

pobreza, discriminação institucional e impunidade, contribui para a falência do

sistema de segurança e justiça em relação à população negra que acaba

compondo o maior percentual de pessoas encarceradas.

Dessa forma, os jovens negros são vítimas do projeto genocida do

estado brasileiro, caracterizado pelo racismo institucional que, segundo o DFID

(Department Four Internacional Development), é entendido como o fracasso

coletivo das organizações e instituições em prover um serviço profissional e

adequado às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem racial. Como os

dados de nossa pesquisa pretendem evidenciar o racismo institucional

existente no Brasil é uma das causas do fracasso do processo de

ressocialização dos reeducandos do nosso sistema penitenciário.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

55

CAPÍTULO 3 PERCURSO METODOLÓGICO

3.1 Fases da Metodologia

A linguagem é expressão e criação do pensamento, elemento integrante

da subjetividade do sujeito. “Na complexidade existencial humana, a

subjetividade resulta da atuação simultânea de fatores de ordem biológica,

psicológica, epistêmica e afetivo-emocional.” (SEVERINO, 2001, p. 97). O

desenvolvimento de uma linguagem dialógica se associa ao desenvolvimento

do pensamento e seus significados também se modificam com o

amadurecimento dos indivíduos, que atribuem sentidos particulares, de acordo

com o contexto do uso da palavra e com suas vivências.

Com esse olhar, construímos a proposta metodológica da pesquisa em

consonância com o tipo de objeto, do objetivo e das questões orientadoras da

investigação proposta e optamos por uma abordagem do tipo qualitativa com

intuito de alcançar a compreensão da nossa temática. A opção se justifica por

possibilitar reformulações das etapas metodológicas, sobretudo porque “...

trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores

Faremos aqui a descrição do campo empírico com a intenção que possamos

visualizar melhor o espaço e o universo no qual os sujeitos da pesquisa estão

inseridos para melhor compreender as narrativas de suas experiências de vida

e suas trajetórias escolares inclusive no ambiente prisional.

Presídio de Igarassu, situado a margem direita da BR 101 Norte, km 32

no bairro de Tabatinga em Itapissuma - PE no sentido Recife/João Pessoa. O

fato de ter o nome de um município e está situado em outro tem causado

alguns transtornos às autoridades municipais dos dois municípios que tendem

a querer abandoná-lo, é como se fosse terra de ninguém. Outro fator

importante é que ninguém quer ter em seu território uma unidade prisional, não

gera bônus. No entanto essa região aprendeu a conviver com presídios, pois a

cultura de instalação de presídios em ilhas também fez parte dos ideais das

autoridades pernambucanas que logo instalaram um complexo prisional na Ilha

de Itamaracá.

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

56

Como o percurso até ao referido complexo envolve os municípios de

Igarassu, Itapissuma e Itamaracá essa região ficou marcada pelo descaso das

autoridades governamentais depreciando uma linda região litorânea. O presídio

inicialmente foi construído para abrigar 426 reeducandos. O referido espaço foi

pensado e dividido em módulos.

Módulo de saúde ou enfermaria é destinado aos cuidados médicos para

aqueles se submeteram tratamentos médicos e cirúrgicos, bem como para

serem dados os primeiros socorros para aqueles reeducandos que serão

encaminhados a alguma unidade de pronto atendimento ou hospitalar. Módulo

de ensino é reservado para a instalação da Escola Dom Helder Câmara.

O módulo familiar foi originalmente pensado para os reeducandos e seus

familiares pudessem se confraternizar, além de abrigar o encontro conjugal. No

módulo de convivência diversa foi pensado para os eventos coletivos nas datas

comemorativas. O módulo assistencial foi pensado para atender aos

reeducandos nos serviços de apoio psicossocial pareceres psicológicos e

assistenciais no sentido de tirar documentos tais como registro-civil para os

filhos dos reeducandos, bem como os documentos que os reeducandos

necessitam.

No caso do Módulo da laborterapia, tem sido de uma grande importância

para a unidade prisional, pois consegue ser um espaço produtivo, o qual abriga

as atividades geradoras de renda, bem como as atividades profissionalizantes.

No entanto, como não poderia deixar de ser inchado e insuficiente. Também há

os setores administrativos como armaria, setor jurídico, setor penal, setor

administrativo, setor de segurança, diretoria.

O módulo de aprovisionamento que compreende a copa local no qual os

trabalhadores e trabalhadoras fazem suas refeições, o rancho espaço no qual é

confeccionados as refeições dos servidores e reeducandos, a padaria e a

dispensa no qual se armazena toda provisão alimentar. O alojamento dos

agentes de segurança penitenciária.

No entanto, agora vem a parte do encarceramento propriamente dito,

nesse ordenamento inicial o presídio foi pensado para conter seis pavilhões.

Um pavilhão de triagem o qual tem a função de distribuir os reeducandos

recém chegados levando em consideração o grau de risco que por ventura o

reeducando possa está envolvido. Um pavilhão individual para os reeducandos

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

57

que precisam de proteção e que cometeram alguma indisciplina uma espécie

de isolamento e quatros pavilhões de convivência assim nomeados pavilhão A,

pavilhão B, pavilhão C e o pavilhão D.

Além do mais, é claro, como já virou uma coisa institucionalizada, as

unidades prisionais cotam com uma igreja evangélica construída por uma das

denominações que visitam os presídios de forma sistemática e se

apresentando como uma prática catequizadora e única forma de expressão

religiosa. Na unidade de Igarassu, a construção da igreja criou certo problema

por questão de limitação de espaço. O local onde foi construída a igreja fazia

parte daquele espaço inicialmente descrito como módulo de convivência

diversa, nos quais aconteciam os encontros familiares, reuniões com os

servidores e as práticas esportivas. Com a edificação da igreja, que não utiliza

o espaço o tempo todo, o mesmo fica ocioso na maior parte do tempo.

Portanto, um contra censo, considerando a escassez de ambiente coletivo para

atividades educativas e recreativas, além de ser constituir em uma prática de fé

unilateral.

Essa descrição acima faz parte de um passado recente no qual a

população carcerária cresceu bastante de forma assustadora ultrapassando a

marca dos mil sujeitos encarcerados nesta unidade prisional. Esse aumento é

fruto da falta de políticas públicas para as juventudes e, como foi pensado para

no máximo 426 reeducandos, então imaginem a transformação/deformação da

arquitetura interna do presídio.

Sendo assim os ambientes foram sendo adaptados para receber as

demandas do encarceramento dos guetos sociais. E os seis pavilhões iniciais

se transformaram até o momento em onze. Os ambientes planejados para

serviços específicos e essenciais foram dando espaço para abrigar os

reeducandos que a cada leva que chega vai se transformando em meros

detentos. Assim o ambiente que poderia servir de lugar no qual fosse possível

pensar uma política ressocializadora não passa de um simples espaço para a

prática de vigiar e punir.

Somado aos pavilhões iniciais, temos agora os mais novos e inchados

espaços. O ambiente que fora pensados para desenvolver as atividades

psicossociais agora é o pavilhão assistencial. O módulo de saúde ou

enfermaria, além dos doentes também abriga pessoas saudáveis; o módulo de

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

58

convivência familiar virou o pavilhão familiar e ainda foi subdividido e criado o

pavilhão canil onde é habitado por reeducandos e cães que fazem parte da

guarda do presídio. O rancho que faz parte do complexo do aprovisionamento,

local que deveria ter como princípio a higiene - onde se confecciona parte da

alimentação da unidade prisional - também virou pavilhão. Esses pavilhões

mais novos abrigam os reeducandos que são concessionados, ou seja,

aqueles que desenvolvem alguma atividade laboral na unidade e também

aqueles que gozam de algum “privilégio”, a pedido de alguém conhecido.

Ocorre, por vezes, de serem filhos ou parentes de policiais ou alguma

autoridade etc.

Os pavilhões planejados para tal contam com um número de vinte celas,

cada uma delas tem quatro camas de cimento que é chamado pelos

reeducandos de barracos, que devido a superpopulação serve de referência

para contagem dos que habitam esses espaços. No entanto, atualmente cada

uma das celas abriga onze reeducandos e para abrigar os reeducandos que

não estão em nenhuma das celas, foi criada uma cela imaginária chamada cela

vinte e uma que abriga a população excluída das celas e perambula pelo

corredor ou BR como chamam. BR, aqui é sinônimo de estrada ou local a esmo

para quem não tem onde ficar.

Geralmente, habitar uma cela custa entre R$ 700,00 e R$ 1.000,00 reais

sem a garantia de permanência por muito tempo, pois em ambiente prisional

tudo é muito caro e quase tudo é negócio, viver num ambiente como esse,

além de ser muito violento também é muito caro. O Estado os abandonam a

própria sorte. No pavilhão, é onde tudo acontece. Afinal, uma unidade que foi

projetada para abrigar 426 reeducandos abriga esse número em apenas um

pavilhão. A contabilidade real é 20 celas multiplicadas por onze reeducandos

em cada uma delas, acrescido dos “alocados” na cela 21. Esse total ultrapassa

em muito a quantidade prevista inicialmente.

É nesse contexto de profundas dificuldades que a ressocialização busca

inserção. A escola se apresenta como um dos únicos serviços e instrumentos

ofertado pelo estado, de forma sistemática, no sentido ressocializar os sujeitos

encarcerados.

Do ponto de vista arquitetônico, o presídio tem forma de um T rodeado

por uma muralha. Na parte da frente, existe um edifício de dois andares onde

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

59

abriga os portões de entrada de pessoal e serviços, a da permanência e o

parlatório onde os reeducandos são ouvidos e acompanhados por seus

advogados. Essas instalações são divididas por um enorme corredor. Após

adentrar a unidade, encontraremos o refeitório do lado esquerdo; em frente fica

a sala da segurança, de identificação, a sala de administração, o alojamento e

dentro do alojamento a armaria. Mais adiante, encontramos o pavilhão

assistencial, o módulo de saúde, o módulo de ensino e o módulo de

laborterapia. Próximo a esses espaços, ficam a cantina (de responsabilidades

da administração do presídio nesse momento), uma pequena depressão que

leva aos pavilhões de origens. Neste sentido, em Igarassu a expressão “fulano

desceu para o pavilhão” é literal, não figura de linguagem ou metáfora. Para ir

para pavilhão precisa realmente descer.

No primeiro andar fica instalada a diretoria, e atualmente os setores que

foram remanejados por ocasião da descaracterização sofrida por conta do

aumento da população carcerária.

3.2 – Campo Empírico - Escola Dom Helder Câmara

A escola Dom Helder fica bem no meio do presídio, numa parte onde

começa o declive defronte ao módulo de laborterapia como que fazendo parte

de uma região de ensino-aprendizagem.

A laborterapia responsável pelas atividades de ensino-aprendizagem

vinculadas às áreas profissionalizantes e/ou geradoras de renda, tais como

artesanato, pintura automotiva, marcenaria etc. Cabem à escola os processos

mais teóricos do ensino-aprendizagem. Esta região foi planejada para facilitar

o acesso dos reeducandos envolvidos nas atividades educativas, oriundos

majoritariamente oriundos dos pavilhões A, B, C e D. Tais pavilhões são

habitados por um grupo extremamente discriminado dentro do ambiente

prisional. Por não compor o grupo dos “privilegiados” que tem alguém que o

proteja, são denominados pejorativamente de “bactérias”; “maloqueiros” ou

“aqueles que não servem pra nada”, segundo a estratificação interna.

Os pavilhões também são chamados de morro ou favela, uma

referência à desvalorização espacial extra

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

60

prisão, visão consolidada pela ausência do estado. Situação identificada por

Wacquant (2003) como gueto social, na medida em que ocorre uma

justaposição dos guetos sociais e judiciários. Portanto, os usuários dos

serviços educacionais são os mais necessitados para qual a escola se

apresenta como uma possibilidade de acessar a bens elementares, como

alimento. Uma vez que a alimentação oferecida pelo presídio não atende às

suas necessidades fisiológicas, como sabemos são em maioria todos muitos

jovens e com apetite peculiar dessa faixa etária. Assim, a merenda escolar se

apresenta como um complemento alimentar para esses reeducandos. Esses

sujeitos são majoritariamente negros e pobres, não contando com grande ajuda

de seus familiares e sem recursos financeiros para adquirir os produtos

comercializados nas cantinas existentes. Ainda para sanar carência material,

uma grande parte do alunado comercializa seus materiais didáticos

transformando cadernos, bolsas fardamentos entre outros em moeda de trocas.

Como 4/5 da população do presídio habita esses quatros pavilhões, a

maioria dos reeducandos/alunos faz o trajeto subida/descida para ir e vir a

escola. No entanto, dizer que alguém habita algum desses pavilhões originais é

dizer que são carentes de toda ordem, por isso a escola está para além de ser

um lócus onde se busca apenas a escolarização e que seus trabalhadores são

apenas educadores.

Não basta querer estudar, é preciso perseverança, pois a decisão de ir à

escola não pertence só ao aluno. Mesmo tendo o direito a estudar, o

reeducando muitas vezes depende da boa vontade e do humor do chaveiro,12

do chefe de plantão, da rotina da segurança que na maioria das vezes não

respeita os horários de funcionamento da escola.

As revistas ocorrem, em muitos casos, no momento da transição entre

um turno e outro, impossibilitando os reeducandos de deixarem os pavilhões.

Nessas ocasiões, quando dá, a única coisa que resta aos os alunos liberados

é pegar a merenda para que a mesma não se estrague. Infelizmente, o mais

importante – o tempo curricular – não é vivenciado. O que está posta, é a

priorização da segurança em detrimento da atividade escolar. O surgimento de

12 Chaveiro é como é denominado o preso que por possuir uma vasta ficha criminal se impõe aos demais, garantido, conforme seus interesses, a ordem no pavilhão. Sua existência revela a inoperância do Estado na gestão do sistema penitenciário, uma vez que a atuação dos chaveiros é marcada pela violência.

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

61

alguma “informação importante” resulta em revistas surpresas, ficando a escola

a mercê desses expedientes. Os alunos para sair do pavilhão têm todo um

ritual sistematizado: serão escoltados por um reeducando concessionado

responsável por tal função e revistados para que não transportem nenhum tipo

de arma artesanal ou drogas. Esse procedimento se dá no corredor, ficando

todos de frente para a parede, e se efetiva nos momentos da ida e da volta da

escola. O espaço ocupado pela escola é equivalente a de um pavilhão,

subtraindo a quadra existente nos pavilhões. Além de uma sala que serve para

diretoria e secretaria, a escola possui seis salas de aula, um banheiro, uma

biblioteca - denominada Madre Tereza de Calcutá –, uma cozinha, e abriga

uma cantina gerenciada pela administração do presídio. Todos esses

ambientes têm uma boa ventilação, tanto pelas janelas quanto pelos

ventiladores em número satisfatório.

As turmas inicialmente são formadas com média de trinta alunos, mas

ocorre um esvaziamento decorrente da evasão.

3.2.1 - Sujeitos da pesquisa

QUADRO 9

Sujeitos: Faixa etária:

Série/turma Raça/etnia Tipo de Delitos

RE-1 20 anos 1ª fase Negra Tráfico RE-213 47 anos 2ª Fase Moreno Maria da Penha RE-3 21 anos 1ª Fase Moreno Tráfico RE-4 22 anos Alfa Negra Tráfico RE-5 23 anos Alfa Negra Tráfico RE-6 18 anos 2ª Fase Negra Assalto RE-7 21 anos 2ª Fase Negra Tráfico RE-8 22 anos Alfa Negra Furto RE-9 24 anos 2ª Fase Negra Assalto RE-10 19 anos 2ª Fase Negra Assalto

www.mj.gov.br

13 RE-2 não seria sujeito participante da pesquisa por esta fora da faixa etária escolhida, no entanto por um erro de compreensão de sua professora que o selecionou para a entrevista e para não constranger-lo colhemos seu depoimento com a intenção de descartar-lo, porém ao perceber a semelhança entre sua narrativa e a dos demais resolvemos deixar para mostrar que o tempo passa e a situação não muda, o racismo atua de forma cruel diante do sujeito negro.

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

62

Apresentaremos com mais detalhes o perfil dos sujeitos entrevistados

que aparece no quadro 9 .

RE-1

O nosso sujeito em voga é da zona da mata norte, tem 20 anos(14 de

junho de 1990) Nasceu em Nazaré da Mata, mas morava em Tracunhaém. É

artesão, trabalha com barro. Oriundo de uma família pobre, como a maioria dos

reeducandos, enquanto seus pais moravam juntos a situação era razoável, não

faltava os bens materiais básicos. Depois da separação dos pais, os prejuízos

foram de ordem emocional e material, isso se deu quando ele contava 10 anos

de idade. Neste momento, começou a trabalhar na rua fazendo biscaites.

Juntamente com mais dois irmãos, conforme seu depoimento, tiveram que se

virar cada um do seu jeito. A rua foi a alternativa encontrada, principalmente

carregar frete e acompanhar turistas que ia comprar artesanato nas oficinas.

Quando ainda era adolescente foi preso como traficante em Tracunhaém, mas

segundo ele nunca traficou e foi vítima e uma implantação de provas por parte

dos policiais.

Sua família, que morava em casa de aluguel, é composta pela mãe, dois

irmãos e ele. A mãe é empregada doméstica e não contou com nenhuma ajuda

do pai que após a separação foi morar em outra cidade. Com a

responsabilidade de arcar sozinha com as despesas e cuidados com os filhos,

a mãe trabalhava como doméstica no Recife só indo à Tracunháem a cada

quinze dias nos finais de semana. Ele os irmãos eram cuidados por uma prima

adolescente de 17 anos de idade, período no qual o mesmo relata lembranças

de maus tratos dos tios e tias que xingava muito ele e os irmãos, deixando-o

muito confuso e inquieto. Para ele, era um verdadeiro massacre, pois os tios

diziam muita coisa ruim com eles e seus irmãos.

A escolaridade dos pais não difere da dos demais sujeitos da pesquisa:

muito baixa e que geralmente repercute nos filhos. Ele teve uma professora

que marcou sua vida de forma negativa, o que mais gostava de fazer era

colocar os alunos de castigo e falar mal bastante. Agora é aluno da 1ª fase que

corresponde a 1ª e 2ª série do ensino fundamental.

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

63

Esse entrevistado denomina-se negro e alega que todos membros da

sua família são negros e morenos e não ver correspondência no fato de estar

preso e seu pertencimento racial. No entanto, percebe que a polícia trata de

forma diferente os negros. Ele não viu nenhum assunto relacionado às relações

raciais no currículo escolar e na prática pedagógica. O reeducando faz parte do

grande grupo de presos acusados de tráfico, também passou pela FUNDAC14 e

viciou-se aos 11 anos de idade. Gosta da escola porque a professora tem

consideração aos alunos, acha a escola boa. Quer aprender a ler e a escrever

melhor.

RE-2

Nascido no Recife no ano de 1967 na comunidade da Casa Forte

(Charcon, uma favela/ocupação às margens do Rio Capibaribe). É aluno do

Mova Brasil. Foi introduzido na pesquisa, pois a professora esqueceu que um

dos critérios seria a faixa etária entre 18 e 23 anos de idade. No entanto, sua

trajetória de vida não se diferencia dos demais, apesar de fazer parte de outra

geração. Deixamos seu depoimento com objetivo de evidenciar que os dilemas

não evoluíram, mantendo as mesmas condições de adversidades. Pelas

similaridades nas trajetórias de gerações distintas, percebemos que a situação

do negro no Brasil para evoluir precisará de um esforço do Estado brasileiro em

promover políticas públicas eficazes e específicas a este grupo racial.

Teve uma infância conturbada, filho de pai alcoolista e por conta disso

passou muita necessidade, mesmo seu pai tendo profissão de pintor não

conseguia parar em um emprego e a família vivia com o que sua mãe ganhava

como empregada doméstica e lavadeira. Sua família se mudou para a cidade

de Olinda, o bairro de Caixa D’água. A mudança foi motivada pelas enchentes

do rio Capibaribe, que invadiam sua casa causando-lhes prejuízos. Na época,

ele tinha nove anos de idade. Foi uma vida de muito trabalho, apesar das

lembranças das brincadeiras.

Sua família era formada de mãe, pai, ele e duas irmãs. Só aos 16 anos

ficou sabendo que era filho adotivo e nunca conheceu os pais biológicos. O

alcoolismo do pai resultava em atos de violências com ele, com a mãe e com

14 Atual FUNASE.

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

64

as irmãs. Relata momentos do pai expulsando toda a família de casa,

colocando-os para dormir na rua.

Privações, alcoolismo, fome e violências marcaram sua vida até seus 12 anos,

quando começou a construir o seu próprio destino com muita força e coragem,

pois nunca teve medo de trabalhar. A escolarização dos pais é baixa, ele relata

que a mãe era alfabetizada e o pai nunca demonstrou saber e escrever. O

sujeito entrevistado entrou na escola aos sete anos de idade. Está no módulo

2, equivalente a terceira e quarta série. Expressa que quer completar esse

módulo para poder fazer o telecurso fundamental.

Antes de ser preso, era evangélico e foi casado duas vezes. A primeira

esposa não bebia e ele senti-se culpado por deixá-la para viver maritalmente

com a segunda esposa, que bebia e fumava bastante.

Autodenomina-se moreno e diz gostar da sua cor. Segundo o

reeducando, sua mãe era morena, seu pai branco e suas minhas irmãs tinham

pele clara. Declarou sempre evitar chamar os outros de negro, alegando ser

melhor chamar de moreno para evitar problemas com quem não gosta de ser

chamado de negro.

Acredita não ser bom ficar com essas coisas de racismo na cabeça e

comentou nunca ter namorado uma mulher negra. Destacou que tal situação

não expressa racismo de sua parte e sim uma casualidade. Apesar do seu

argumento, entendemos que esse é mais um dos tantos efeitos da auto-

rejeição. Alega que não existe discriminação, pois acredita que há pessoas que

se autodiscriminam e que quando percebe algum tipo de atitude racista leva na

brincadeira.

Está preso por agressão a sua esposa, enquadrado na Lei Maria da

Penha. Sente-se envergonhado, como é que ele que sofreu tanta agressão de

seu pai e via sua mãe ser agredida pode ter agredido sua esposa, afirmando

ser covardia um homem bater em mulher. Toma remédio controlado e esse fato

é motivo para não ser usuário de álcool, declara que no dia do ocorrido havia

ingerido álcool. Ao expor sua reflexão sobre o ocorrido, tem contribuído como

conselheiro para os mais novos, que só falam em violência. Ele gosta da

escola porque é onde encontra paz, uma vez que no pavilhão o ambiente é

muito tenso. Seu objetivo maior agora é aprender a ler e escrever bem e ao

sair da prisão vai continuar estudando. Pelo que percebemos do depoimento,

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

65

essa motivação foi construída através da escola da prisão que lhe incentivou a

partir da prática docente, as professoras têm uma forma melhor de tratamento

em relação às professoras da escola do mundo livre.

RE-3

23 anos, nasceu em 17 de janeiro de 1987. Aluno da 1ª fase que

corresponde às 1ª e 2ª series, recifense, nascido no bairro de Torreões. Foi

criado pelo pai. Por questões de falta de estrutura familiar, desde muito cedo

teve que encarar o batente, tendo o trabalho na infância como sua companhia,

pois seu pai não tinha com quem deixá-lo. Outra atividade que gostava de fazer

era pescar na praia do Pina, onde a mãe morava. Filho único por parte da mãe,

e o caçula por parte de pai que, ainda tinha outros dois filhos. Sua mãe o

abandonou, porém ele sempre a via. Ela tinha entre 40 a 45 anos e morava

com a mãe. Sua avó expressava que gostaria que sua mãe o criasse, segundo

ela, mãe é quem cuida dos filhos. Entretanto, a mãe dele dizia que não ia

perder sua vida por causa de filho. O reeducando sempre que podia ia até a

casa da avó visitar a mãe. Seu pai mora em um asilo e atualmente está

internado, em decorrência de um AVC - Acidente Vascular Cerebral. O

reeducando reconhece a bondade e o carinho que o pai sempre dedicou a ele

e pretende ao sair da prisão dá um jeito de cuidar dele, que é uma ótima

pessoa já está com 70 anos e precisa de cuidado. Não sabe até que série sua

mãe estudou, mas ela sabe ler, seu pai sabe ler e escrever e por trabalhar com

vendas sabe as operações aritméticas de cabeça.

Quando começou a freqüentar a escola, já havia completado 10 anos.

Foi matriculado numa escola em Pau Amarelo, nesse período morava com seu

pai na casa de um irmão que era motorista de ônibus. Mas passou pouco

tempo estudando nessa escola, não gostava da escola, os meninos maiores

batiam nos menores. Saiu da escola porque teve que mudar para Rio Doce, lá

foi estudar numa escola da terceira etapa da vila da COHAB, mas os meninos

perturbavam muito, ele sentia incomodado e saiu da escola. Então passou sua

vida de escola em escola, sem completar sua escolaridade ou ao menos se

alfabetizar direito. Está na primeira fase que é primeira e segunda série, ler

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

66

muito pouco, meio atrapalhado e já está aprendendo a escrever seu nome, faz

sete meses que está na escola.

Também a declaração dada por este entrevistado para seu

pertencimento racial foi moreno. Segundo ele, seu pai e todos da família são

morenos. Gosta de ser moreno, para ele “é melhor ser moreno porque a pele é

mais forte, agüenta sol”. Ainda afirma que “se fosse branco não aguentaria o

sol forte”. O que ele gosta na escola da prisão é que está aprendendo a ler. Ele

gosta de ver as pessoas felizes, sem brigarem, sem xingarem os outros

independente da raça que pertença, todos são seres humanos e merecem

respeito. E sobre assuntos relacionados às relações etnicorraciais nunca

estudou nem na escola de fora nem na da prisão. Acredita ser bom não

estudar o tema, assim evita conflitos, brigas e discussões. O que mais motivou

ele a estudar na escola da prisão foi o fato de querer aprender a ler com

facilidade e escrever com nitidez, também pode diminuir sua pena através da

remição, bem como sair do pavilhão e poder ter contato com coisas boas.

Está preso há 8 meses e foi preso no mês em que completou 23 anos.

Foi preso por tráfico, pego com 15 papelotes de maconha. Alega não ser

traficante, segundo ele comprava para fumar é que fumava três cigarros de

maconha por dia, a quantidade se justificava porque não gostava de ir sempre

a boca de fumo, é muito ariscado.

RE-4

Tem atualmente 22 anos e é Oriundo da zona norte do Recife, residente

do bairro de Nova Descoberta, região de morros e córregos as margens da BR

101 perto da divisa com o município do Paulista área ainda com grande

resquício da Mata Atlântica e nascentes de rios, por isso mesmo foi nesse

ambiente que na sua infância usufruía das dádivas da natureza, sem se

importar muito com a sua escolaridade. Seu pai nunca se empenhou no sentido

de matriculá-lo e seus avós, com quem foi criado, que não gozavam de boa

saúde também não efetuavam seu ingresso na escola. O trabalho marcou sua

infância, dividida entre o tempo com as brincadeiras de criança e as atividades

que geravam renda para.

Seus pais morreram quando ainda tinha pouca idade, sua mãe quando

ele tinha 5 anos e seu pai quando ele completou 13 anos de idade. Ele ainda

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

67

tem dois irmãos mais velhos de outro casamento de seu pai. Como os demais

entrevistados, seus pais tinham uma baixa escolaridade.

Começou estudar aos 14 anos, quando sua mãe morreu, e foi morar

com seu pai. A esposa dele não valorizava a escolarização a ponto de não

providenciar nem seu registro de nascimento. Depois foi expulso da escola,

passando a estudar numa sala de EJA à noite. Sua madrasta o batia muito e

também o xingava bastante. Atualmente é aluno do Mova Brasil, pretende se

alfabetizar

Segundo sua entrevista, todas as pessoas da sua família são negras e

ele nunca teve medo de ser negro. Mesmo sabendo o significado de ser negro

no Brasil acha positivo o fato ser negro. Acredita que devemos nos conformar

em ser negro porque foi Deus que fez as pessoas como são e que o orgulho de

ser negro foi ensinado pelo pai.

Declara que há mais negros na prisão porque os “playboys” ficam pouco

tempo, já que tem dinheiro. Segundo o reeducando, esses sujeitos são todos

brancos e a cadeia foi feita para os negros. Para reforçar, relata o descaso com

seu processo, uma vez que faz quase um ano que está preso e ainda não teve

nenhuma audiência. Faz parte do grupo dos reeducando que não teve

nenhuma experiência didática na escola sobre as questões raciais. As

lembranças acerca de algo relacionado ao negro na escola, dizem respeito à

escravidão.

Foi viciado em crack e depois passou a traficar. É réu confesso e se

arrepende de ter feito essa atividade, pois hoje tem consciência do mau que o

crack vem fazendo principalmente aos jovens. Descobriu a importância de

estudar na prisão e faz ótima referência à escola, principalmente por conta da

postura das professoras. Sente-se bem na escola, é tratado como gente. Tem

como principal motivação para está na escola o fato de poder aprender ler e

escrever.

RE-5

Nascido em 09 de abril de 1987, completou 23 anos. Residente no bairro

dos Coelhos, teve uma infância, boa seu pai e sua mãe sempre o trataram

bem. Seus pais se separaram quando ele tinha 5 anos e aos 17 sua mãe

faleceu. Viveu sempre na rua, sua mãe nunca o controlou. Apesar de lhe

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

68

matricular no colégio Manoel Bandeira, não o controlava. Ele ia para escola

quando queria, gazeava aula para fazer os pequenos delitos, mas sempre

tentou esconder seus malfeitos. Levava a vida do jeito que Deus lhe deu, mas

nunca levava problemas para casa. Envolveu-se com o tráfico e foi preso.

O entrevistado tem dois irmãos que também estão envolvidos com o

crime. Um passou 11 anos preso por um latrocínio e o outro 5 anos por tráfico.

Tem boa relação com eles e sempre tentou ajudá-lo de alguma maneira. Seu

sustento e dos seus filhos ele tira com a habilidade do artesanato que faz na

prisão.

Sua mãe era analfabeta, o reeducando começou a gazear aulas e

copiar as tarefas dos outros para mostra em casa. Foi aí que iniciou a praticar

os pequenos delitos como descuidistas no Colégio Salesiano do Recife no

bairro da Boa Vista, pois as bolsas eram caras e ele vendia para sustentar o

vício. Começou a fumar maconha aos 11 anos, até os 20 anos. Afirma que

passou pelo juizado da infância, na Rua Fernandes Vieira, por mais de 15

vezes.

Em relação ao pertencimento etnicorracial no Brasil ele identifica que as

desigualdades existem e que a pobreza no Brasil tem cor. O branco é o rico e o

negro é pobre. Relatou que durante o tempo que estudou na escola Manoel

Bandeira foi expulso por que reagiu ao xingamento relativo a racismo, entrou

em briga corporal com uma colega que o xingou de macaco entre outras

gracinhas. A referida briga foi apartada pelo vigia que ao relatar o fato a

diretora, decretou sua expulsão da escola. Sobre a questões referentes a

educação escolar ele lembra de duas ótimas professoras da escola poeta

Manoel bandeira: professoras Rosana e Marluce que tanto fizeram por ele,

mas que ele não aproveitou e ressaltou que em toda estadia na escola a única

coisa que aprendeu foi assinar seu nome. Atualmente é aluno do mova Brasil.

Diz que é preto, se autodenomina da raça negra e afirma gostar e

agradecer a Deus por ser negro. Segundo o entrevistado, nunca foi trabalhado

nesses dois anos que estuda na escola Dom Helder Câmara assuntos relativos

a questões etnicorraciais e também não teve durante esse período em que está

estudando alguma abordagem sobre o ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana como preconiza a Lei 10.639/03.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

69

Depois que sua mãe morreu, ele só tirou cadeia. Primeiro na FUNDAC,

no sistema penitenciário está preso há 3 anos. Já foi julgado e sentenciado,

pegou 9 anos inicialmente no fechado. Acredita que deve mesmo pagar pelo

erro, mas percebe que a justiça não é correta, não liga para os presos. Refere-

se ao fato de que tem muita gente que já deveria ter saído por ter cumprido sua

pena, mas ainda está presa. Segundo o mesmo, se fosse o filho do rico não

ficava tanto tempo preso. Mas como a maioria na prisão é pobre na prisão e o

rico quando chega, nem desce para o pavilhão. E o fato dele não ter pai nem

mãe, são seus pares que os ajudam lá em baixo. Uns ajudam aos outros. Para

ele, o estado só esta preocupado em julgar. O juiz sentencia e “coloca tudo no

balde de lixo”.

Pretende se regenerar, ao sair da prisão, cadeia não esta dando, a

cadeia mudou muito. Mostra-se muito atento ao movimento que vem

acontecendo é que estar chegando cada vez mais para a cadeia jovens entre

19 a 21 anos todos ou quase todos sem cara de bandidos tudo por causa do

crack.

Reconhece que o fato de ser negro contribui para que ele esteja preso.

Isso fez recordar algumas vezes que foi abordado pela polícia. E sobre a

escola da prisão é crítico. Acha igual à escola do lado de fora dos muros da

prisão. A metodologia é a mesma, a professora copia do livro no quadro e

explica tudo igual. Mas tem como o principal motivo para estudar na escola da

prisão a vontade de aprender a ler, já que só sabe escrever o nome, e quer ser

respeitado.

RE-6

Nasceu em Pau Amarelo na cidade do Paulista - Pernambuco. Em 27 de

janeiro de 1990. Residente desde os cinco anos na favela do Tururu, uma das

localidades de extrema vulnerabilidade social da Região Metropolitana do

Recife. Brincou bastante e teve uma infância normal ao grupo social/racial ao

qual faz parte. Muitas brincadeiras e muito trabalho também, pois o trabalho é

parte sine qua nom na vida desses garotos como forma de sobrevivência.

Sua família tinha como chefe sua avó materna, que garantia a

estrutura para que pudessem sobreviver. A avó era benzedeira da comunidade,

que lhe rendia certos preconceitos de alguns. No entanto, o reeducando diz

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

70

que ela não se importava e servia a todos que lhe procuravam, mesmo sobre o

protesto da filha, a genitora do depoente que alegava que o povo não merecia

seus serviços por ser ingrato e preconceituoso. Era sua avó quem ensinava as

tarefas dos netos, ela sabia ler e escrever. Se orgulhava de ter melhor

desempenho que a filha, apesar de ter estudando só até a quarta série do

primário.

O reeducando entrou na escola aos 6 anos de idade na alfabetização,

quem o matriculou na escola foi sua avó Dona Luzia. Foi estudar na escola

perto de sua casa, onde já estudava suas irmãs mais velhas. Sua primeira

professora, dona Valéria, era boa e diz sentir saudades dela até hoje. Alega o

reeducando que se todas as professoras fossem iguais a ela, ele sempre

estudaria. Por isso mesmo, ele diz que nunca perturbou na escola porque essa

professora sabia lidar com os alunos e com as situações de conflitos, no

entanto as outras não sabiam lidar com os alunos e só maltratavam, gritavam e

queriam suspender.

Quando o mesmo foi estudar com outras professoras, foi muito

complicado porque as outras professoras não sabiam falar com os alunos.

Ficou até a quarta série porque sua avó dizia que para ser gente teria que

estudar, só assim se é alguém na vida. Também era a condição para continuar

morando com ela tinha que estudar. Mesmo assim ele já não gostava mais da

escola e abandonou os estudos. Agora é aluno da segunda fase que é o

mesmo que a 3ª e 4ª série. Sabe ler, escrever e quer ser escritor. Se

autodenomina negro de corpo e alma. Sua avó sempre o ensinou a gostar e ter

orgulho da sua cor.

Relata que o que mais tem na escola são brigas por razões de racismo.

Já presenciou muitas. Segundo o reeducando, sempre viu alguém ser

ofendido de negro safado, macaco, mas isso é coisa que sempre acontece.

Para ele, seria bom que alguém resolvesse, não deixando “para lá” como

acontecia na escola do mundo livre. Apesar de identificar diferenças,

principalmente na forma como os alunos resolvem essas questões, elas

também estão presentes na escola da prisão.

Está preso por assalto (artigo 157), afirma que nunca havia roubado

quando foi convencido a dá uma volta com uma turma. Bebeu bastante, fumou

muita maconha e alega ter bodeado, ou seja, adormeceu. Quando acordou

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

71

estava preso. Mesmo não tendo a intenção de participar do assalto, não se

sente inocente, sabia com quem estava andando. Porém diz que se estivesse

limpo, ou melhor, não tivesse usado drogas não estaria preso, uma vez que

nunca roubou. Sempre se lembrava dos conselhos de sua avó. Ele não

acredita haver ligação entre seu pertencimento racial e o fato de está na prisão,

mas reconhece que a maioria dos que ocupa a prisão são negros ou morenos.

Estuda na escola desde maio de 2010, pouco tempo depois que chegou

preso. Ele alega o fato de não conseguir ficar quieto é como não aceitar que

está preso. Para ele, ficar preso é muito ruim. Não vê a hora de sair da prisão.

Gosta da escola porque existe respeito, não tem bagunça nem briga. Só vem

pra escola quem quer estudar. Mesmo reconhecendo os benefícios da remição,

afirma que estuda pelo desejo de aprender e se escolarizar. Como é para a

grande maioria, também tem a escola como um lugar de refúgio das

atrocidades que acontece nos pavilhões

RE-7

Nasceu no bairro de Campina do Barreto–Chão de Estrelas em

23/10/1989, tendo 21 anos na época da pesquisa.

Teve uma infância e adolescência saudável, com liberdade para

brincadeiras e diversão, em conformidade com o seu tempo e as condições

materiais disponíveis. O apoio da família, principalmente da avó, foi constante.

Percebe-se, nos seus relatos, que os vínculos familiares são muitos fortes. O

reeducando informa que orienta seus pais para não deixarem suas irmãs irem

visitá-lo. Diferente da maioria dos depoimentos, esse reeducando destaca a

importância do pai na sua trajetória. Quanto à escolaridade dos pais, não

obtemos muitas informações. O reeducando só soube informar que os mesmos

são alfabetizados. O ingresso na escola foi traumático. Lembra que aos 6 anos

de idade começou a estudar em uma escola que não gostava, sempre chorava

muito para ficar na escola. Seu desejo era estudar no colégio que a avó

trabalhava. Porém, não podia por causa da distância e da inexistência de

alguém responsável para acompanhá-lo.

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

72

Para ele foi muito difícil assimilar a separação dos pais, uma vez que

nem o pai nem a mãe tinham outro cônjuge. A tristeza maior era porque

sempre acompanhava seu pai aos diversos lugares que ia.

É aluno da segunda fase que corresponde a terceira e quarta série.

Sabe ler e escrever.

O reeducando denomina-se negro e alega que toda sua família também

é negra. Seu pai é capoeirista e ele jogava capoeira quando era pequeno.

Sempre freqüentou a Organização Não-Governamental(ONG) Daruê Malungo,

que ficava perto de sua casa. As lembranças da escola e da participação em

atividades culturais ainda estão bastante vivas.

Além do Daruê Malungo e da capoeira junto com o pai, lembra da

participação da avó no grupo Desperta Povo, que era coordenado pelo líder

comunitário, Sr. Ovídio.

Pelas palavras do reeducando percebe-se a vitalidade cultural da

comunidade de Chão de Estrelas. A diretora, que residia na própria

comunidade, disponibilizava o espaço escolar para as atividades dos grupos,

inclusive nos finais de semana. Para o reeducando, a escola era uma trincheira

na qual a comunidade se organizava para reivindicar políticas públicas.

Foi preso com dez pedras de crack, quando ia fazer uma entrega. Está

sendo acusado por tráfico de drogas. Conforme seus relatos, no ato da prisão

os policiais solicitaram 3 mil reais para não o prender.

É técnico em manutenção de microcomputador e deseja terminar a

quarta série na escola do presídio, para quando sair completar seus estudos e

parar de dá desgosto para a família. Quer seguir os exemplos das irmãs. Uma

já terminou o ensino médio e quer fazer concurso público, a outra está

terminando. Alega que fez besteira demais, agora quer ajudar sua mãe. Afirma

que a escola D. Helder Câmara é muito boa, não tem bagunça e as

professoras respeitam os alunos. Na medida do possível, quando elas podem,

ajudam os alunos em questões extraescolares, tais como encaminhamento à

enfermaria, informações sobre os processos etc.

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

73

RE-8

No ato da pesquisa, tinha 21 anos de idade. O grande sonho infantil era

ser jogador de futebol, sendo considerado por muitos como craque e com um

futuro promissor. As pessoas diziam que ele seria um grande jogador. Fez

teste na escolinha de um grande clube e foi aprovado. Mas, infelizmente seu

pai bebia muito e não conseguia levá-lo aos treinos. O avô teve papel

importante. Infelizmente, apesar do apoio não tinha condições físicas de

assumir a responsabilidade de levá-lo ao Clube.

O alcoolismo do pai o impossibilitava de assumir as responsabilidades

com os cuidados com a família. Esse quadro foi agravado com o abandono

pela mãe, ficando o mesmo sob os cuidados dos avós, que já outros netos e

alguns filhos e filhas. Após o falecimento dos referidos avós, ele ficou sob a

guarda dos tios. No entanto, uma das tias o maltratava muito. Apesar de um tio

o considerar como um irmão, a permanência na casa era insustentável e ele

passou a morar na rua. Naquele momento, a situação ficou tão difícil que ele

não gosta nem de lembrar. Foram tantas experiências dolorosas que, muitas

vezes, o faz pensar que a prisão é melhor que a rua. Seus avôs eram

alfabetizados e queriam que ele estudasse. Ele sempre quis estudar, queria ser

“gente”. Porém, só entrou na escola aos 14 anos de idade no ensino regular. A

presença de alunos menores, que sabiam mais do que ele, o chateava.

Resolveu sair da escola e ir estudar a noite. Comparando a escola de fora dos

muros da prisão com a escola de dentro, gosta muito mais da segunda. É aluno

da turma de alfabetização do projeto MOVA BRASIL.

Assume seu pertencimento racial como negro/moreno e afirma pertencer

a raça negra, seus avós eram negros, seu pai negro e sua mãe branca. Como

os demais entrevistados, não registra na trajetória escolar (dentro ou fora do

presídio) abordagem de questões etnicorraciais, bem como a lei 10639/2003.

Sobre manifestações racistas, alega nunca ter acontecido com ele nenhum tipo

de xingamento na cadeia e nem na escola. Mas já viu acontecer com seus

colegas em sala de aula.

É viciado em crack, está preso enquadrado pelo artigo 155, por furto

qualificado. Foi preso quando furtava uma Bomba velha muito enferrujada sem

nenhum valor comercial, que estava no terraço de uma casa. No momento que

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

74

cometeu o delito, diz que estava noiado, ou seja, sob efeito do crack e sem a

noção exata do que estava fazendo. Tudo para satisfazer o vício, que

abandonou após a prisão. Afirma que, no momento, faz uso apenas de cigarro

e de maconha, mas que pretende abandoná-las.

Ele agora destaca a importância da educação. Gosta de estudar na

escola prisão, é mais organizada, não tem muito barulho. Está na escola para

aprender ler e escrever, mesmo sabendo da remição o que o motiva é o fato de

querer se escolarizar.

RE-9

Natural do Recife, nasceu no bairro do Jordão, na época da pesquisa

tinha 24 anos. Atualmente, tem como endereço residencial um bairro periférico

da cidade de Olinda onde constituiu família. Sua infância foi bem vivida até os

12 anos, quando seu pai morreu. Foi quando o tempo das brincadeiras cedeu

lugar ao trabalho para que pudesse ajudar sua mãe na renda familiar. É que a

pensão que seu pai deixou mal dava para pagar as contas, a exemplo do

aluguel. Seu pai era funcionário público e muito trabalhador, bebia todo dia e

morreu de cirrose hepática. É caçula dos quatros filhos do casal, ninguém se

formou. Todos são trabalhadores braçais, aceitando todo tipo de trabalho. É

casado, tem mulher e duas filhas. A mãe morreu e o irmão o mais velho foi

assassinado. Seu pai sabia ler e escrever, tinha uma caligrafia muito bonita.

Sempre estimulou os filhos para os estudos. No entanto, sua mãe era

analfabeta e trabalhava em casa de família como empregada doméstica.

Começou estudar cedo na educação infantil na escola pública Eneida

Rabelo, onde ficou nessa escola aproximadamente 6 anos. Depois sua mãe o

tirou dessa escola e lhe matriculou numa escola próximo de sua casa, mas só

estudou até a 2ª série. O reeducando afirma que essa segunda escola é ruim,

os alunos eram tratados como bichos e esse fato fez com que ele desistisse

daquela escola.

Sabe ler e escrever e está matriculado na escola da prisão na segunda

fase que é a 3ª e 4ª série. Nessa escola, a professora escuta todos, o

tratamento é igual não há diferença. Conforme seu depoimento, as professores

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

75

sempre buscavam ajudar. Lembra dos momentos de problemas como a

necessidade de um remédio, de uma autorização, de uma olhada no processo.

Se dependesse delas eles não sofriam

Autodenomina-se negro, sua família é toda negra e tem orgulho disso.

Sempre, segundo o reeducando, vivenciou e presenciou situações de racismo.

Tal fato, o deixava para baixo. Mas, ele ia buscar forças para seguir em frente.

Casos de racismo aconteciam várias vezes e nada era feito na escola e se ele

reagisse era suspenso. Para não ser expulso, tinha que se conter, ainda era

acusado de ser complexado.

Foi preso, enquadrado nas tipificações de assalto, formação de

quadrilha e tentativa de homicídio. Pelas duas primeiras acusações, foi

sentenciado a 13 anos e 8 meses. Como já cumpriu 5 anos, já pode progredir

de regime. Porém, continua preso pela acusação de tentativa de homicídio,

pela qual aguarda sentença. Por não ter condições financeiras, é

acompanhando pela defensoria pública do Estado.

Conforme depoimento, entende que a população negra tem mais

dificuldades. Articula o pertencimento racial e a situação de pobreza dos

reeducandos com o alto índice de negros na prisão. Conforme seu

entendimento, “na cadeia só tem pobre. Rico não vai preso e quando vai nem

esquenta. Vai logo saindo, ao contrário dos pobres que vão ficando até

demais.”

O reeducando sabe ler e escrever com nitidez e desembaraço, cobra

que deveria ter na escola um laboratório de informática. Acredito que ele está

sendo subutilizado na fase em que está matriculado, pois tem condições de

está no Telecurso Fundamental. Fiz uma breve diagnose de leitura e ele se

saiu muito bem. O que o motivou ir para a escola da prisão foi o desejo de se

promover, tem vontade de aprender para ter um futuro melhor. E, segundo ele,

“Educação é tudo é caminho para todos os cantos”.

RE-10

Oriundo da zona da mata norte pernambucana, tinha 19 anos de idade

na época da pesquisa. Morava com o pai na cidade de Macaparana, onde com

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

76

8 anos de idade ingressou pela primeira vez na escola. São poucas

lembranças sobre o período. Não consegue identificar nome da escola nem de

nenhuma professora. Destacou que a escola era muito cheia e que ficava

preso, sem poder sair para brincar no recreio. Era uma escola sem

brincadeiras, também muito bagunçada. A diretora só queria expulsar,

suspender, chamar a mãe. Fica nítida a fragilidade de laços afetivos com o

universo escolar.

Era muito pequeno, quando os pais se separaram. Tem cinco irmãos e

morou com seu pai em Macaparana até os noves anos de idade, quando o

mesmo morreu. Neste momento, todos foram morar em Timbaúba, na casa de

sua avó, onde sua mãe já morava com um irmão mais novo. Foi aí, com 10

anos de idade, que ele voltou a estudar em uma escola pública de nome Clovis

Salgado, não permanecendo muito tempo. O estudo nunca teve lugar

privilegiado na sua vida, logo se envolveu com pequenos delitos, resultando em

muitas conturbações e levando-o a passar muitas vezes pela FUNDAC, hoje

FUNASE. Iniciou na vida do encarceramento muito cedo. Com quatorze anos

de idade ficou internado durante 3 anos por uma tentativa de homicídio. No

entanto, foi na FUNDAC que despertou o interesse por atividades educativas,

sobretudo o artesanato. Enfatizou que as atividades artesanais e laborais, a

exemplo dos cuidados com a horta lhe proporcionavam enorme prazer,

deixando-o muito tranqüilo.

Aluno da segunda fase do Ensino Fundamental, correspondente a 3ª e

4ª série, pretende continuar os estudos quando sair da prisão, acredita que só

vence na vida quem tem uma boa escolaridade. Gosta muito da escola da

prisão. Diz que as professoras são atenciosas, se interessam em resolver seus

problemas e são verdadeiras. Sobre a escolaridade dos pais, não soube

precisar até que série o pai estudou, porém lembra que o mesmo sabia

escrever seu nome, mas não sabia ler direito. Era agricultor e, segundo o relato

do reeducando, era bom nas contas de cabeça. A mãe estudou até a quarta

série, sabia ler e escrever.

Sobre o pertencimento racial, alegou ter sido vítima de discriminação

pelo fato de ser negro e sempre foi visto como bandido. Isso o deixava muito

chateado. Tem uma visão muito clara sobre a existência do racismo, fato que

lhe incomoda bastante. Para ele, não existem pessoas mais importantes que

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

77

outras. Com um discurso universalista, complementa que todos são iguais:

brancos, negros... Somos todos filhos de Deus. Declara não ter estudando

nenhum assunto sobre racismo e discriminação durante sua escolaridade.

Está preso porque cometeu um assalto. Antes deste ocorrido, tentou

arranjar emprego, porém o fato de ser um ex-presidiário causava-lhe bastante

dificuldades. Reconhece que essa condição é uma marca muito forte a ser

superada. Ao atender aos apelos de uns conhecidos, caiu na besteira de

cometer o delito. Garante que não incorrerá no mesmo erro, pretende criar a

filha e fortalecer a família. Segundo o reeducando, não agüenta mais cadeia.

Deseja arranjar um emprego, viver bem e ensinar coisas boas aos filhos.

As entrevistas foram realizadas na própria escola do presídio. De forma

que as nossas conversas e questões da entrevista com os sujeitos foram

algumas vezes pausadas e posteriormente retomadas, ora por interrupção das

atividades, ora pelo barulho potencializado pelos outros espaços da unidade

prisional.

Ressaltamos que a coordenação e direção foram receptivas conosco,

colaborando para o desenvolvimento da pesquisa. Explicitamos a temática da

pesquisa (resumo, objetivos e problema). Tentamos conduzir o processo em

um clima menos formal possível, enfatizando, naquele momento, a nossa

condição como pesquisador da área educacional.

A opção pela entrevista narrativa se justifica por entendermos que

recordar e falar sobre si, sobre as vivências significativas que contribuíram para

a nossa formação humana nos ajuda a desenvolver o autoconhecimento e

refletir criticamente sobre nossas convicções. “Falar de recordações-

referências é dizer, de imediato que elas são simbólicas do que o autor

compreende como elementos constitutivos da sua formação.” (JOSSO, 2004, p.

40). A narrativa conecta o pensamento do indivíduo de forma multidimensional,

possibilitando sua relação com a sociedade e a cultura.

Na análise de dados, tivemos como princípio desmontar a estrutura e os

elementos das narrativas para esclarecer suas diferentes características e

extrair sua significação (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 214). Fizemos várias

leituras flutuantes com olhar atento, a fim de identificarmos palavras que se

repetiam nas narrativas, bem como, selecionamos trechos de falas, com base

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

78

nos seguintes critérios: significativas para nosso objetivo de pesquisa e

vinculados a discussão do nosso referencial teórico.

Partimos de pensadores ‘intencionalmente periféricos’, que ‘destroem

para o bem de sua geração’ (RORTY apud VEIGA-NETO, 1995, p. 19), pois

não objetivamos oferecer verdades objetivas, mas desenvolver uma “sabedoria

prática” (ib., 20). Assim, a presente investigação não se fundamentou, como

dissemos acima, num método positivo, mas numa perspectiva, “num

acomodamento do olhar, numa maneira de fazer o suporte das coisas girar

pelo deslocamento de quem as observa” (FOUCAULT, 2008, p. 160). A

intenção foi viver a própria pesquisa uma experiência.

Decorre daí a nossa ênfase nas entrevistas narrativas como eixo central

do nosso dispositivo metodológico. No entanto, com esse dispositivo não

buscamos recompor o passado vivido, nem realizar uma autoapresentação dos

sujeitos abordados, mas apenas ressaltar a estreita relação existente entre

narração de si e a experiência formativa dos sujeitos. Ou seja, procuramos ficar

frente às experiências de si e do mundo dos sujeitos com os quais entraremos

em relação. As narrativas de si foram apreendidas como lugares nos quais os

sujeitos se transformam no que contam e na medida em que contam (ALVES,

2008). Trata-se, então, de compreender a narrativa de si como um relato

reflexivo contado em dois planos: o plano sucessivo dos acontecimentos e o

plano intensivo dos afetos produzidos pelos próprios acontecimentos.

Uma temporalidade que não tem uma forma linear, digamos progressiva, na qual os acontecimentos anteriores repercutem sobre os posteriores, mas uma forma permanentemente reflexiva na qual são os acontecimentos posteriores, e as formas de consciência posteriores, os que repercutem sob os anteriores, em um processo constante de ressignificação retrospectiva. (LARROSA, 2002, p.54).

Pineau (2006) coloca que a principal questão que move uma narrativa

de si é: “o que é a vida?”. Para ele “tentar dizer a sua vida” (p. 42) é mesmo

uma necessidade antropológica, uma busca vital para “saber-poder-viver”.

Trata-se, ainda segundo Pineau, de uma situação geradora de “práticas

contrabandeadas em relação às práticas disciplinares”, já que as narrativas de

si integram e articulam uma “expressão espontânea, selvagem” de si mesmo.

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

79

O mais curioso é que o sujeito que fala, nessas narrativas, “toma a palavra

para se formar” (SOUZA, 2008, p. 89).15

A perspectiva aqui delineada, em traços largos, não partiu do ponto de

vista de um sujeito, mas da experiência, apreendida ela mesma como aquilo

que “nos passa e o modo como nos colocamos em jogo, nós mesmos, no que

se passa” (LARROSA, 2002, p. 66-7). Mais especificamente, o que se enfatiza

é a estruturação de uma determinada “relação a si”, uma relação sempre

heterogênea e que delimita o caráter experiencial do sujeito que narra.

Dessa maneira, não se busca 'avaliar' os processos vivenciados pelos

sujeitos, mas, em vez disso, entrar em relação, captando indícios de micro-

transformações que apontem deslocamentos do pensamento e da vida. Como

ressalta RAMOS-DO-Ó (2010),

É pela análise das dinâmicas aí supostas que efetivamente poderemos compreender que as identidades são a um tempo coletiva e relacionais. Todo o jogo da subjetivação que Foucault procurou desvendar assenta sobre esta oposição: identificando o seu próprio nome como o nome de um sujeito particular, o ser humano está afinal a trabalhar sobre um conjunto de alter identificações. Escolho quase ao acaso algumas definições diferenciadoras ou categorias de ser: branco, mulher, aluno, anormal, homossexual, etc. são estas e outras identidades hegemônicas que estão na origem da relação dos indivíduos consigo próprio, nos tipos de disposição e hábitos que vai inculcando (p. 25).

Nessa ótica, as narrativas não funcionam como ilustrações empíricas de

um argumento teórico, mas são relatadas como histórias específicas na medida

em que partem do princípio de que elas contam as ligações e a multiplicidade

das linguagens que historicamente envolvem as pessoas. A própria identidade

é tomada aqui como um estado em processo; abordagem bastante próxima de

um sujeito que se constitui mediante práticas (FISCHER, 2004, p.157). Práticas

que podem ser mediadas tanto por relações poder-saber, quanto por relações

e atitudes éticas. Logo, o uso dessas narrativas não visavam captar a verdade

15 Mas é preciso cuidado: atentar para o fato que não estamos aqui no âmbito das narrativas de formação, fundadas numa noção clássica de Bildung, uma vez que essa forma de narração busca demarcar o processo pelo qual o sujeito alcança e constitui uma identidade (LARROSA, 2002, p. 52), mediante acontecimentos encadeados a partir de uma causalidade final, uma teleologia.

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

80

a respeito dos sujeitos, mas tão somente propiciar uma reconstrução pessoal

da mesma, situando-a para além das interações de tipo confessional,

duramente, criticadas por Foucault. Essa posição também apontou o nosso

modo de análise, pois não se tratou de interpretar ou verificar a verdade do que

os sujeitos abordados disseram ou deixaram de dizer.

Não se trata de querer descobrir o que as pessoas entrevistadas gostariam de ter dito, e por razões diversas, não o fizeram; ou ainda de desvendar que o discurso encobria o poder de dizer algo diferente ou de englobar uma pluralidade de sentidos (FISCHER, 2004, p. 158).

O foco da análise consiste apenas em conectar a narração de uma vida

com a narração de outras vidas, reconstruindo as intensidades afetivas e as

reflexões que se irradiam e se cruzam, em um dado momento, num espaço

concreto de relações. Trata-se, portanto, de problematizar experiências,

claramente delimitadas, analisando em que medida elas contribuíram no

processo de constituição dos sujeitos, apontando suas marcas e rupturas.

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

81

CAPITULO IV A ANÁLISE DOS DADOS

4. A Análise dos Dados

4.1 O resgate das memórias da infância dos jovens em situação de

reclusão

O primeiro ponto que abordamos com os sujeitos entrevistados foi a

memória de suas infâncias, no sentido de não apenas resgatar os

acontecimentos desse período no curso de suas vidas, mas também de tentar

conhecer um pouco das percepções e significados que cada um atribuiu – ou

atribui – à tais vivências.

No entanto, gostaríamos de discorrer sobre o que diz a literatura

acerca do(s) significado(s) da infância ao longo da história e como esse

conceito foi se constituindo para alguns teóricos da sociologia.

A sociologia nos diz que não existe um modelo de infância, ela varia de

acordo com o grupo a qual pertence o sujeito. Esse período importante da vida

é marcado pela condição social, localização espacial, pertencimento étnico e

racial. Dessa forma o que temos como certeza é que criança e infância são

construções sociais. A partir do que fora exposto, fica evidente que não existe

um modelo universal de infância, pois as condições sociais impõem a sua

marca a cada grupo em que os sujeitos estão inseridos. Assim, foi se

construindo uma pluralidade de tipos de infância e juventude. Silva afirma que

para os seres humanos existem duas vias que não se contrapõem: a via que

nos conduz de forma cronologicamente, e outra que é marcada pela

experiência vivida.

É importante perceber que o termo infância é mutante e está ligado a

como a sociedade entende esse período socialmente ou juridicamente. A

organização Mundial de Saúde traz um dado importantíssimo para nossa

pesquisa. Afirma, a partir de estudos realizados, que independentemente de

origem racial, étnica e de classes sociais, tendo as mesmas oportunidades

nutricionais e de aleitamento, as crianças terão as mesmas condições de

crescimento e desenvolvimento.

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

82

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA - Lei Federal nº

8069 de 13 de julho de 1990 - determina que criança é todo cidadão e cidadã

que se encontra entre 0 a 12 anos de idade. Quanto à adolescência,

compreende o período de 12 anos completos até 18 anos incompletos. Esses

períodos com fronteiras tão nítidas são para que os operadores da lei possam

demarcar objetivamente as penalidades legais para aqueles que porventura

cometam algum delito ou precisem das garantias da doutrina de proteção

integral. Neste mesmo ano foi criado o Conselho Nacional da Criança e do

Adolescente (CONANDA) que:

Explicitou melhor cada um dos direitos da criança e do adolescente, bem como os princípios que devem nortear as políticas de atendimento. Determinou ainda a criação dos Conselhos da Criança e do adolescente e dos Conselhos Tutelares. Os primeiros devem traçar as diretrizes políticas e os segundos devem zelar pelo respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes, entre os quais o direito à educação, que para as crianças pequenas incluirá o direito a creches e pré-escolas. (CRAIDY, 2001, p.24).

Ainda acerca do que venha a ser adolescência, a Organização Mundial

de Saúde declara que é viver entre o “ser e não ser”. Adolescência é uma das

etapas do desenvolvimento humano que se caracteriza pelas mudanças

físicas, psíquicas e sociais. Estas duas últimas são percebidas e interpretadas

a partir dos vários significados atribuídos de acordo com contexto histórico ao

qual está envolvido.

A infância e a criança no medievo, bem com na modernidade não tinham

a atenção devida, eram tratados com indiferença. Só os mais fortes

sobreviviam.

Pode-se apresentar um argumento contundente para demonstrar que a suposta indiferença com relação à infância nos períodos medieval e moderno resultou em uma postura insensível com relação à criação de filhos. Os bebês abaixo de 2 anos, em particular, sofriam de descaso assustador, com os pais considerando pouco aconselhável investir muito tempo ou esforço em um “pobre animal suspirante”, que tinha tantas probabilidades de morrer com pouca idade. (HEYWOOD, 2004, p.87).

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

83

Então, estabelecemos uma forte semelhança entre os períodos

históricos supracitados e o tratamento dado a alguns grupos étnicos e raciais

no Brasil. É que para esses grupos, historicamente discriminados, o estado

brasileiro exerce de forma cruel todo um aparato do racismo institucional que

os mantêm a margem dos bens materiais e sociais produzidos em nosso

território, tornando a sobrevivência uma luta literal pela vida, na qual só os mais

fortes sobrevivem.

A discriminação se dá por meio de uma prática secular na qual a

exclusão acontece pela inclusão perversa que afasta a possibilidade de

competir em igualdades de condições, ampliando cada vez mais o fosso

existente entre brancos e não-brancos. As desigualdades vão se

estabelecendo ao longo da vida desses sujeitos. Se na fase da infância está o

alicerce do indivíduo, passando pela adolescência, a partir da juventude o

quadro vai se tornando irreversível.

No mundo do trabalho, o processo de exclusão vivido pelos jovens pretos e pardos não é diferente: maior dificuldade em encontrar uma ocupação, maior informalidade nas relações trabalhistas e menores rendimentos. Ainda segundo os dados oficiais, em 2003, de cada dez jovens negros de 18 a 24 anos de idade, quatro encontravam- se desempregados; entre os brancos essa relação era de um para seis. (BENTO & BEGHIN, 2005, p. 194).

Nas narrativas observamos que a separação dos pais aparece como

ponto fundamental das transformações nas condições materiais do

entrevistado.

Eu me lembro que quando meu pai morava com a gente era outra coisa. Mas depois que meus pais se separaram, as coisas começou a ficar ruim. Eu tinha 10 anos. Então, a gente foi trabalhar na rua, fazer biscaites, cada um se virava do seu jeito. Eu gostava de ficar na feira e carregar frete e também acompanhar os turistas que ia comprar artesanato nas oficinas. (RE-1).

Nessa fala, é possível inferir que o divórcio ocorrido trouxe mais impacto

econômico do que necessariamente um trauma psicológico no universo

familiar. Aos olhos de uma criança de dez anos de idade, a ausência do pai

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

84

trouxe consigo a necessidade de “ganhar a vida”. Desse modo, ser imerso no

mundo do trabalho implicou o choque da nova realidade não apenas pela

pouca idade em que isso se deu, mas também pelo tipo de atividade que se

dispunha.

Estamos nos referindo ao universo do trabalho precário que absorve a

mão-de-obra sem qualificação, geralmente desempenhado por aqueles em

condições bastante adversas de sobrevivência.

Todavia, como demonstrado ainda na própria fala de RE-1, no interior

desse mesmo contexto hostil, não deixam de existir escolhas e construção de

possibilidades para o atendimento minimamente das necessidades imediatas.

Ficar na feira para carregar fretes ou acompanhar turistas na compra de

artesanato podia não ser o trabalho mais rentável ou prestigioso do mundo,

mas abria ao nosso sujeito em questão uma margem de ação especial na sua

luta por sobrevivência.

Embora importante, essa constatação não elimina os efeitos da injustiça

social que atua como dispositivo de uma inclusão perversa sobre determinado

segmento da população. O processo se repete, atuando de modo similar sobre

essas vidas como nos informa as principais causas do trabalho infantil:

Nos últimos dez anos, graças à disponibilidade de microdados de pesquisas domiciliares levantadas em diversos países e de análises econometrias voltadas ao tema trabalho infantil, economistas começam a entender melhor o que leva as crianças a trabalhar. A pobreza, a escolaridade dos pais, o tamanho e a estrutura da família, o sexo do chefe, idade em que os pais começaram a trabalhar, local de residência, entre outros são os determinantes mais analisados e dos mais importantes para explicar a alocação do tempo da criança para o trabalho. (KASSOUF, 2005, p. 20).

Conectando com o segmento social foco da presente dissertação –

jovens negros pobres e presidiários -, retomemos aqui mais um trecho de outro

depoimento no qual alguns elementos dessa dimensão social são reiterados.

Também no caso de RE-4, a liberdade da rua mais uma vez se faz presente

como um contraponto à dureza da realidade vivida. Nas palavras do

entrevistado, ir à feira e pegar frete também representava uma oportunidade de

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

85

passar o dia na rua, lugar onde se poderia sonhar concretamente em ser

jogador de futebol.16

Obviamente que nesse tipo de desejo há a busca por elementos como

prestígio, dinheiro etc. O que, normalmente, implica numa negação do próprio

contexto de origem e uma necessidade de fuga para outro lugar social. Até que

ponto isso é ilegítimo é o que precisamos ponderar. Importante que tal

ponderação não ocorra fora da realidade em questão. Realidade como a

descrita por RE-6:

Saía de manhã, chegava de noite sempre com alguma coisa: pão, ovos, leite. Alguma coisa para comer. A gente sempre trabalhou, mesmo pequeno. Era trabalho de menino: levar roupa das pessoas, carregar areia para a construção das casas dos ricos. Eu e meus irmãos limpavam quintal, aguavam as plantas, levavam o lixo e quando faltava água, era muito bom. A gente se dava bem. Passava o dia botando água nas casas dos outros, dava pra ganhar uma grana legal.

Novamente, temos uma demonstração de que parece haver um tipo de

“trajetória padrão” a ser seguida pelos sujeitos com tal perfil de raça/classe

social. A rua era o destino, o meio de se adquirir recursos para suprir as

necessidades de casa, uma vez que a falta de estrutura era gritante. Essa

carência material parece efetivamente implicar na produção de trabalhadores

mirins, crianças e jovens que atuam no mundo do trabalho como verdadeiros

adultos, ou pelo menos costumam ser exigidos como tal. Sair de manhã e

chegar à noite com algo para comer é a regra. Trabalhar em qualquer

atividade, fazer qualquer coisa é o cotidiano. Aqui, pode-se até não ser adulto,

mas se é tratado como se fosse. Isso pode ser reiterado na fala de RE-3:

Fui criado pelo meu pai. Quando criança, além de jogar bola e brincar, era trabalhador infantil ajudando meu pai a comprar comida pra gente e porque ele não tinha com quem me deixar, então eu sempre ficava na companhia do meu pai. A gente vendia prestação, todo tipo de

16 Trabalhei muito, coisa de menino, lá onde a gente morava faltava muita água, então, eu enchia os tonel das pessoas, ia pra feira e pegava frete, era bom, eu passava o dia na rua; eu queria ser jogador de futebol. (RE-4).

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

86

mercadoria de casa, sempre os preços são divididos em vários pagamentos.

Aqui, é visível que a responsabilidade com atividades geradoras de

renda não elimina desses garotos as expressões de suas infâncias. Sendo

assim, a forma lúdica de lidar com a vida através do futebol e demais

brincadeiras se interpõe significativamente em meio às ocupações existentes,

de maneira a atenuar ou mesmo romper com a imagem dura do contexto

vivido. Esse espírito lúdico com o qual encarar o dia-a-dia talvez ajudasse de

fato até mesmo a suavizar a necessidade do trabalho, como se fosse possível

“brincar de trabalhar”.

Se considerarmos a importância da existência desse ser infantil, é

preciso lembrar, por conseguinte, que a busca de alternativas de sobrevivência

autônoma, eventualmente, também distancia estes mesmos sujeitos das

etapas comuns do processo infantil. E, em muitas situações, mesmo de regras

da convivência familiar e conduta social, levando a uma linha tênue que, via de

regra, se manifesta em atos infracionais. Existe um contingente de meninos e

meninas nas ruas em busca de sobrevivência em paradoxo com a legislação

vigente que se apresenta como um texto avançado na busca de reparar os

danos e prejuízos sofridos pelos grupos historicamente discriminados.

O Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de julho de 1990 trazia

em seu texto baseado na Constituição Federal de 1988 que a idade mínima

aceita para se empregar adolescente seria 14 anos. No entanto, por conta da

aprovação da emenda número 20, esse limite sobe para 16 anos. E

estabeleceu que as atividades laborais desenvolvidas entre 14 a 16 anos

seriam na modalidade de aprendizagem. O referido documento enfatiza que só

a partir dos 18 anos é que serão permitidas atividades trabalhistas que

envolvam possibilidades de causar danos à saúde e, proíbe para menores de

21 anos qualquer produção ou trabalho de manipulação de material

pornográfico, divertimento (clubes noturnos, bares, cassinos, circo, apostas) e

comércio de rua. A proibição se estende a minas, estivagem, ou qualquer

trabalho subterrâneo. No entanto, a falta de políticas públicas capazes de

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

87

reverter a realidade desses jovens faz com que a lei siga sendo letra morta,

então como diz o Rappa “o morto já nasce velho”.

Por isso mesmo, o que temos no geral são memórias do ingresso no

mundo da criminalidade. Esperávamos com certa expectativa a manifestação

dos nossos entrevistados, na medida em que estes se encontram agora na

condição de presos no sistema penitenciário. Nossa expectativa se relacionava

a indagações acerca de possíveis vínculos entre a realidade nos presídios e o

conjunto de eventos das suas trajetórias.

Nosso entrevistado, RE-1, por exemplo, nos conta que sua experiência

com a polícia ainda em tempos juvenis é resultado de um “forjado” - termo

utilizado para definir o implante de provas que configurem um delito. Nesse

caso específico passando da categoria de usuário para à de traficante:

Quando eu era de menor fui preso como traficante na cidade de Tracunhaém. Mas, eu nunca trafiquei. Eu não tinha dinheiro pra comprar pra mim, imagine para vender. Isso era preciso muito dinheiro, onde eu ia acha? Só era usuário, estava com vinte gramas de maconha. Mas os policiais, sabe como é né? Botaram um forjado, polícia é assim. (RE-1).

Falando a partir da sua condição como figura conhecedora tanto dos

negócios do tráfico quanto dos modos operantes da polícia, RE-1 nos lembra

uma música do grupo musical Rappa que trata do “tribunal” de rua.17 No nosso

entender, um relato de como muitos jovens são condenados nesse espaço, tal

qual a declaração de “forjado” de RE-1. Nesse testemunho, regado com boa

dose de ironia e pragmatismo, temos o registro de como as drogas levam

precocemente os jovens a conhecerem a vida na prisão.

São sujeitos que amadurecem com brevidade e com valores sociais

muitas vezes próprios de quem teve que construir e desenvolver estratégias de

sobrevivências baseadas no aqui e no agora sem considerar noções de certo

ou errado, a urgência é continuar vivo. Não conheceram uma infância saudável

e cresceram, muitas vezes, com angústia, dor, raiva, senão dos pais, talvez da

sociedade. Essas dores individuais e coletivas podem se constituir em convites

17 Título da música: Tribunal de Rua. Álbum “Lado B, Lado A” Rappa,

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

88

ao mundo do crime, da prostituição, das drogas, enfim negações dos padrões

legais que ao longo da vida lhes foram negados.

Como reza o ECA, em seu artigo 4º o qual apresenta a essência desse

documento e traz o conjunto dos direitos das crianças e dos adolescentes,

Art. 4.º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (ECA,1990, p.10).

Apesar dos dispositivos legais acima, o que assistimos são realidades

de crianças e jovens desassistidos, jogados a própria sorte.

As narrativas das infâncias dos reeducandos entrevistados para a

presente dissertação revelam jovens que viveram suas infâncias dentro de

rearranjos familiares, e a maioria apresentam um grande número de pais

separados, mães solteiras e avós provedoras. Quadro bem conhecido das

estatísticas sobre a realidade das famílias brasileira em situação de pobreza e

ou extrema pobreza.

Outra problemática vivenciada pelos reeducandos entrevistados foi à

presença do alcoolismo na família. A partir de seus depoimentos, podemos

perceber a influência negativa na vida desses sujeitos. Nesse sentido,

Nascimento e Justo (2000) afirmam que o alcoolismo apresenta-se como um

dos maiores problemas na atualidade se constitui em uma das maiores

preocupação de saúde pública no mundo. Em geral, está associado a vários

outros problemas tais como: mortes no trânsito, desestruturação familiar...

como geradores de problemas afetivos tendem a provocar a separação de

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

89

casais. São, também, potenciais causadores de homicídios, espancamentos

de crianças e mulheres, deserção do trabalho, da escola entre outros.

Tive uma infância conturbada, meu pai bebia muito. Passei muita necessidade, pois como meu pai era alcoólatra mesmo tendo profissão de pintor não conseguia emprego e a família vivia com o que minha mãe ganhava com as lavagens de roupas. Ela era lavadeira. (RE-2).

Como é recorrente, o alcoolismo é uma doença que afeta a família.

Muitos sonhos foram e são frustrados pela força do álcool. Isso pode ser

observado na fala de RE-8 quando afirma que o vício do álcool impediu que ele

contasse com ajuda de seu pai na realização de seu desejo de ser um jogador

de futebol profissional, o mesmo era dependente de álcool e não o

acompanhava nos treinos. De acordo com RE-8 havia grandes chances de se

consolidar como um bom jogador, uma vez que suas habilidades foram

comprovadas através de testes em escolinhas de futebol de times profissionais

do Recife Não significa que seu pai não quisesse vê-lo triunfar, no entanto, a

força do álcool não possibilita vislumbrar tempos melhores como nos diz

Nascimento e Justo:

Quanto à desesperança na personalidade de alcoolistas, ela se funda nos fantasmas de insucessos anteriores e no temor de novas frustrações no presente, fazendo com que o indivíduo sinta que seus projetos de realização pessoal estão condenados antecipadamente ao fracasso, pelo fato de seu passado resguardar muito mais decepções e desenganos do que conquistas. (NASCIMENTO & JUSTO, 2000, p. 530).

Entretanto, havia a necessidade da presença do pai ou responsável para

que o mesmo pudesse participar das atividades esportivas. Isso pode ser

observado na fala de RE-8.

Eu, quando era pequeno, brincava e jogava bola. Queria ser jogador de futebol e as pessoas diziam que eu ia ser jogador de futebol. Então, me levaram para um teste na escolinha de futebol. Mas, meu pai nunca me levava. Eu

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

90

passei no teste, mas meu pai bebia muito e não ligava para me levar.

É fato que, da pobreza material decorre um alto índice de pais

alcoolistas, doença muito crescente no meio de populações vulneráveis. A falta

de emprego ou o subemprego, atividades insalubres levam aos sujeitos desses

grupos raciais/sociais a se utilizarem tanto das chamadas drogas lícitas,

(álcool, cigarros e as anfetaminas) quanto das ilícitas (maconha, crack, virado,

dentre outras) para fugirem da realidade social na qual estão imersos.

O alcoolista passa, então, a viver estagnado no presente anônimo e passivo sem dispor de perspectivas planificadoras que o direcione ao futuro, a um sonho de prosperidade sujeitando-se à neutralidade e se aprisionando ao estado de desesperança-desengano puro que, em alguns casos, pode até culminar em atos suicidas. (NASCIMENTO & JUSTO, 2000. P 530).

Destaca-se, igualmente neste cenário, o papel da mulher como

provedora. Por meio de atividades informais e formais, mantém

financeiramente a família.

A análise dos depoimentos revela o forte vínculo entre desestruturação

familiar, em especial decorrente da separação dos pais, e a vivência nas ruas.

As narrativas demonstraram o quanto esses fatores interferiram de forma

negativa na vida desses jovens, os conduzindo por “caminhos tortuosos”. A

partir do depoimento de RE-5, podemos observar que a escola não foi

prioridade em sua vida e que não houve, por parte de seus pais, um

acompanhamento mais próximo das questões de cunho educacional.

Tive uma infância boa. Meu pai e minha mãe sempre me trataram bem e tudo o que aconteceu comigo foi culpa minha. Me envolvi com o tráfico e vim parar aqui. Meus pais se separaram. Vivi sempre na rua, minha mãe nunca me empatou. Me colocou no colégio Manoel bandeira, eu ia quando queria. Gazeava aula para fazer minhas coisas, mas nunca deixei minha mãe saber. Levava a vida do jeito que Deus me deu. Sempre fiz minhas coisas, mas nunca levei problemas pra minha mãe.

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

91

O quadro é de uma infância de abandono em que os estudos não foram

priorizados, e a rua tornou-se o local dos acontecimentos mais importantes de

sua vida. Percebe-se aqui que, por não haver um acompanhamento dos pais e

da própria escola na educação desse sujeito, sua vida acabou seguindo rumos

bem diferentes de uma infância saudável.

No entanto, é possível perceber não só no depoimento de RE-5 como no

dos outros jovens o quanto a separação dos pais influencia na estruturação de

suas vidas. Na maioria das vezes, o principal fator para a separação está no

envolvimento de boa parte dos homens com o uso de álcool e outras drogas,

servido como responsáveis pelas desestruturações das famílias e como

elementos deflagrador da violência doméstica. Este tema está presente em boa

parte dos depoimentos de nossos entrevistados, como algo importante a ser

dito.

Meu pai, devido à bebida, tinha um comportamento violento. Me batia constantemente e um dia colocou uma corda no pescoço da minha mãe querendo matá-la sem ela ter feito nada só porque ele estava bêbado. Pois, o que lembro é de muita violência e expulsões de casa, quando meu pai chegava bêbado colocava todos para dormir na rua. Minha vida foi marcada por muita necessidade, passei muita fome até meus 12 anos. A partir daí, comecei a construir o meu próprio destino com muita força e coragem, pois nunca tive medo de trabalhar. (RE-2).

Nessa direção, o resultado da pesquisa com os reeducandos/alunos

sujeitos de nossa investigação sinaliza que o modelo tradicional de família

convive a cada dia com novas formas familiares. Independente do modelo,

tradicional ou não, as narrativas colhidas nos leva a pensar que a instituição

familiar está à deriva, impotente diante de tantos desafios que precisa dá conta.

O pai e a mãe da gente era a nossa vó, Dona Luzia ou vó Luzia como era chamada na comunidade. Ela era benzedeira. Quem tivesse doente na comunidade ia lá e ela benzia. Ficava bom na hora. E ela criou nós - eu e meus irmãos - e ainda dois primos. A mãe da gente era como se fosse uma irmã, a gente chama de Dinda nunca chamamos de mãe. (RE-6)

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

92

O depoimento acima nos dá a visão de como muitos lares são

constituídos a partir de avós, que de uma forma ou de outra sustentam diversas

famílias com suas aposentadorias ou outros rendimentos. São verdadeiras

matriarcas que trazem todos para a barra de suas saias e os mantém. Como

vimos na fala de RE-6, essas mulheres avós têm um enorme sentido de

maternidade. Além de amparar os seus entes, têm sempre a disposição de

amparar, curar e aconselhar os demais da comunidade em que está inserida.

No nosso entendimento, a fala de RE-6: “o pai e a mãe da gente era nossa

avó” é muito marcante. A referência da avó é tão forte para ele que se refere a

sua mãe biológica pelo nome, reconhecendo-a como uma irmã.

É fato que os rearranjos familiares vêm se constituindo muito pela

participação da mulher, seja a mãe ou a avó. Elas, por questões culturais,

foram educadas para cuidar do lar e de tudo o que lhe diz respeito. Então, os

filhos são de seus cuidados e nas separações ou na construção de um lar sem

parceiros, nasce e se fortalece o fenômeno das mães solteiras. Como pode ser

observado no depoimento de RE-1:

A minha família é formada pela mãe, eu e os dois irmãos. A gente mora em casa alugada. Minha mãe é empregada doméstica e meu pai, depois que se separou, nunca ajudou em nada com as despesas e se mudou para Nazaré da Mata. Depois que meu pai saiu de casa, eu só vi ele três vezes [...] Mas, meus tios e tias me xingava muito e eu ficava muito baratinado, muito doido. Eles diziam muita coisa ruim comigo e com meus irmãos. Quem bancava a alimentação da família era minha mãe que era empregada doméstica em Recife, onde trabalhava de segunda a sábado. Ela só folgava no domingo. Eu e meus dois irmãos ficava com uma prima de 17 anos que tomava conta da gente. Depois que meus pais se separaram, fui na rua e comecei a fazer biscaite, o que ganhava dividia com a minha mãe e ela sempre me dizia pra mim ir estudar.

Percebe-se que RE-1 é bem enfático em seu depoimento quando afirma

que o pai após a separação não contribuiu em nada, chegou até a mudar-se da

cidade, enquanto que a mãe ficou com a responsabilidade do sustento dos

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

93

filhos. Por questão de necessidade, a mãe passou a contar com a “ajuda” dos

filhos na complementação da renda familiar.

A família em conflito conjugal, em situação de separação, habitualmente não tem clareza que está afetando os filhos, pois em crise, o casal não sabe exatamente o que sente e como interagir em conflito, tomando, muitas vezes, atitudes prejudiciais a si próprio e aos filhos. Os filhos, entremeados nos conflitos do processo de separação dos pais, habitualmente são manipulados como instrumentos de acerto de contas, conscientemente ou não. (NOLASCO, 2008).

O pai, ao se transferir para outra cidade após a separação, cortou os

laços com sua antiga família, deixando de participar do processo educativo dos

filhos, além de não acompanhá-los em suas trajetórias de vida. No caso da

mãe, teve que se ausentar da cidade para trabalhar, passando a vê-los a cada

final de semana e tendo que delegar a uma adolescente de 17 anos os

cuidados com os filhos.

Daí, podemos mensurar que implicações podem ter três crianças sendo

cuidadas por uma adolescente. Mas o que nos chama a atenção no

depoimento é a forma com que os tios e tias tratavam esse sujeito e seus

irmãos, uma vez que os maus tratos praticados por esses atores o deixavam

muito desorientado. Sabemos que essa faixa etária precisa de apoio e

proteção, exatamente porque é nesse momento que ocorre as transformações

psicossociais. No entanto, esse sujeito não contou com essa compreensão.

Outra questão são as famílias chefiadas unicamente pela figura do pai,

apesar de serem em número reduzido. Podemos observar isso no depoimento

abaixo:

Sempre vi minha mãe, o nome dela é Marilene. Ela mora com a minha vó. Minha mãe tem mais ou menos 45 anos, minha vó não queria que eu ficasse com meu pai, mas ela não podia me criar e dizia que era pra minha mãe cuidar de mim, mas ela dizia que não ia perder a vida por causa de filho. Quando eu podia, eu ia até a casa da minha vó ver minha mãe. Meu pai está internado porque ele teve um derrame. Ele está morando num asilo. Ele é muito bom e quando eu sair daqui vou dá um jeito de cuidar dele. Ele sempre cuidou de mim, eu acho que ele completou setenta anos setenta anos. (RE-3).

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

94

Apesar de não ser recorrente a figura da mãe isentando-se da criação

dos filhos, vimos neste depoimento que isto foi muito forte na vida deste sujeito,

visto que sua mãe não queria perder sua vida por causa de filho e o mesmo só

pode contar com seu pai. Nem o conselho da avó para que a sua mãe ficasse

com o filho, surtiram efeitos. No entanto nossa intenção aqui não é fazer juízo

de valor. O que nos chama a atenção na fala desse sujeito é seu o esforço de

sempre ver a mãe. Mas, o carinho e cuidado que o pai dispensou é

reconhecido por ele quando diz que ao sair da prisão cuidará do pai.

Vemos aqui que as mudanças de arranjos familiares não levaram ao

sucumbimento da instituição familiar, uma vez que esta adquire novo fôlego a

cada tempo e sobrevive às mudanças de uma sociedade cada vez mais

dinâmica. Enfim, o desejo de se agregar é inerente ao ser humano.

A família também não está imune aos impactos das condições sócio-

econômicas e do racismo. Assim, a desigualdade de renda, não pode ser

tomada como o único elemento indicador da condição social, pois o racismo

tem se constituído como obstáculo na vida dos negros e negras que

sistematicamente têm recebido as piores condições para sobreviver a partir da

falta de políticas públicas que favoreçam a desconstrução dessas mazelas

impostas a esse grupo racial. A pobreza tem sido o motivo de tanta

desagregação familiar e provocando muitas tragédias a esse grupo.

O abandono, via de regra, se dá através das separações. Além de

casamentos efêmeros, é comum que as mulheres fiquem com os filhos. Porém,

em alguns casos encontramos filhos abandonados também pelas mães.

Atualmente, além de prover com carinho e cuidados, as avós e os avôs suprem

necessidades materiais com suas aposentadorias que muitas vezes é a única

renda familiar.

Meu pai bebia muito, era viciado em cachaça. Minha mãe me abandonou. Fui criado pelos meus avós que na casa deles morava os meus tios e primos. Mas quando meus avós morreram, fiquei com meus tios. Só que minha tia me maltratava bastante. Primeiro morreu minha avó, quando eu tinha 7 anos de idade. Foi quando veio morar o tio para cuidar de meu avô que era diabético e tinha colesterol alto, quando eu fiz 16 anos meu avô morreu. (RE-8).

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

95

Temos novamente a figura do pai como alcoolista. No entanto, o que o

depoimento chama a atenção é mais uma mãe como promotora de abandono e

avós como pais substitutos e provedores da família. Percebendo uma família

com vários membros e bastante numerosa, mas que infelizmente esse jovem já

não contava com os pais e aos poucos vai ficando órfão dos avós.

Esses reeducandos/alunos da Escola Dom Hélder Câmara localizada no

interior do presídio de Igarassu sofreram os impactos da pobreza na precoce

inserção no mundo do trabalho, da desestruturação de suas famílias, bem

como da tardia entrada e frágil permanência na escola. Mas, como a ludicidade

é própria da infância, as durezas do trabalho - atividade tida como natural como

algo inerente a esses grupos – e da separação dos pais não impediram que os

sujeitos pesquisados, mesmo em situações adversas, criassem estratégias

para se envolverem em brincadeiras peculiares a esse grupo racial\social.

Futebol, empinar pipa, andar de bicicleta, pescar, pegar caranguejo,

tomar banho no rio, visitar parentes, memórias lúdicas de uma infância vivida,

por meio de atividades criativas e que não demandavam custos financeiros.

Quando criança fiz tudo que os pirraia da comunidade faz: briguei muito por causa de bola, empinei pipa, joguei bola de pé, bola de gude, pião, pescava no rio. Quando a ponte caia, passava o dia ajudando as pessoas passar pra o outro lado e elas me dava dinheiro. Tirava areia no rio pra vender no armazém, era muito bom. Na época de Cosme e Damião era muito bamburim, pau de sebo e quebra panela. (RE-7).

Brincar e trabalhar estavam muito próximos desses sujeitos, pois a idade

lhes dizia que era tempo de brincar, porém suas necessidades materiais lhes

convidavam para o trabalho e assim foram se constituindo no mundo do

trabalho e da brincadeira. Outra interessante constatação é que o brincar tem

ligação com sua cultura. São brincadeiras de rua que associadas ao contexto

sócio-geográfico completa o cenário dessa epopéia. Percebemos essas

descrições em outros depoimentos:

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

96

Brinquei bastante. Pescava, nadava no mar ia pro mangue pegar carangueijo, jogava bola, empinava pipa, corria de bicicleta tirava onda era muito bom. (RE-6).

Na minha infância, brinquei a vontade: jogo de bola, empinando pipa, corria de bicicleta, tomava banho de rio. (RE-4). Minha infância foi bem vivida até os doze anos, pois jogava bola, corria de bicicleta, empinava pipa, entre outras brincadeiras. (RE-9).

Para esses jovens, a maioria das brincadeiras era ao mesmo tempo uma

forma de se divertir, de esquecer os problemas e de ganhar algum dinheiro

para ajudar na renda familiar.

É fato que as condições sociais impostas a este grupo social inviabilizam

a realização de projetos de vida calcados no sucesso pessoal e coletivo. A

educação como um direito social é um instrumento básico para a sobrevivência

humana e sua evolução, que permite construir um capital humano gerador do

bem estar social tendo na educação escolar um espaço de construção de

signos e sentidos fundamental para o desenvolvimento dos indivíduos.

Não sei se meu pai estudou. Só sei que ele sabia escrever o nome dele e não sabia ler direito. Ele sempre trabalhou na roça e lembro que era bom nas contas. Minha mãe estudou até a quarta série, sabia ler e escrever. (RE-8).

Como descrito no relato acima, a escolaridade dos pais dos sujeitos

entrevistados é baixa e tem uma real repercussão nas vidas dessas pessoas.

Mas, o que chama a atenção é que o entrevistado chega a anunciar que não

sabe se seu pai estudou, revelando o pouco envolvimento com as questões

relativas à educação. De todos os depoimentos, esse é único no qual a família

tem relações profissionais com a vida no campo, onde as condições de

escolaridade são ainda mais difíceis. Somado a esse dado, precisamos sempre

considerar, há as adversidades sociais vivenciadas pela população negra.

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

97

Tudo isso contribui para uma estabilidade na desigualdade, mantendo a

defasagem de geração em geração, conforme Henriques:

a escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. O diferencial de 2,3 anos de estudos entre jovens brancos e negros de 25 anos de idade é a mesma observada entre os pais desses jovens. E, de forma assustadoramente natural, 2,3 anos é a diferença entre os avós desses jovens. Além de elevado o padrão de discriminação racial expresso pelo diferencial na escolaridade entre brancos e negros, mantém-se perversamente estável entre as gerações (HENRIQUES, 2001, p. 26).

Esses sujeitos, que não tiveram as mínimas condições de se

escolarizarem, demonstram que suas capacidades intelectuais não são

inferiores, conforme temos acompanhando em pesquisas.

As similaridades entre os depoimentos não são meras coincidências.

São marcas de um passado e um presente marcado pela discriminação a um

grupo racial que acumula perdas ao longo do tempo e hoje se constitui em uma

categoria em desvantagem. Isto é visto no depoimento abaixo:

Não sei até que série minha mãe estudou, mas sei que minha mãe estudou pouco. Minha mãe sabe ler, meu pai não estudou muito, sabe ler e escrever e sabe muito de conta, tudo de cabeça. Mas nenhum dois tem diploma não. Os estudos deles é pouco não dá pra isso não, sempre trabalharam desde pequenos. (RE-6).

A dúvida que reaparece faz parte de uma construção social em que esses

sujeitos foram envolvidos. Não saber a até que série sua mãe estudou,

demonstra a relação desses sujeitos com os estudos na família e como isso foi

sendo negado a eles, também associado à questão ocupacional:

A maior inserção das mulheres negras no trabalho doméstico revela um traço desvantajoso na situação em que estas se encontram. O emprego doméstico é uma das formas mais antigas de trabalho assalariado, sendo exercido pelos trabalhadores masculinos e femininos no decorrer dos últimos

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

98

dois séculos. Como o serviço doméstico remunerado é um espaço de absorção de mão-de-obra feminina, os níveis de remuneração nessa atividade sejam inferiores aos observados para o conjunto dos trabalhadores. (PINTO, 2006, p. 6).

Numa sociedade letrada, em pleno século XXI, denota uma contradição

entre uma desigualdade no acesso aos bens materiais e culturais, dentre eles a

educação, e o desenvolvimento tecnológico. Os relatos sobre a escolaridade

dos pais, como no caso acima em que ambos estudaram pouco, revelam esse

paradoxo social e também o reconhecimento de outros lócus de apropriação de

saber. Quando RE-6 afirma que o pai “não estudou muito, sabe ler e escrever e

sabe muito de conta, tudo de cabeça”, entendemos que se trata da apreensão

e do domínio de saberes a partir de uma sistematização não-escolar.

Ao afirmar que seus pais não têm diplomas, RE-6 sinaliza o

distanciamento entre o “pouco estudo dos pais” e essa conquista. Seu

depoimento sobre a precocidade do trabalho na vida dos pais possibilita uma

leitura sobre o papel do trabalho na infância enquanto barreira à escolaridade

das pessoas

Minha mãe não sabia nem ler, nem escrever era analfabeta. (RE-4).

Em um universo de pais com baixa escolaridade, as mães quase sempre

estão em maior desvantagem, quadro histórico facilmente identificável nas

estatísticas atuais sobre escolaridade, emprego e qualidade de vida. Neste

caso, a mulher negra ocupa lugar ainda mais vulnerável. Vejamos o

depoimento de RE-4 “minha mãe é analfabeta e sempre trabalhou nas casa

dos outros. Trabalhava muito, mas ganhava pouco”.

É urgente a criação se criem políticas educacionais que possam corrigir

históricas distorções e combater desigualdades raciais e sociais que marcam a

sociedade brasileira:

As disparidades de rendimentos, causadas pela educação, advém das diferenças existentes entre os indivíduos quanto

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

99

aos seus atributos produtivos, geradas principalmente no período da infância e da adolescência, fase em que se acumula capital humano. Quando uma população tem muito pouca escolaridade, a qualidade da força de trabalho geralmente é baixa e homogênea. Em caso extremo, a maioria dos trabalhadores é analfabeta ou só tem o primário. (PINTO, 2006, p. 6).

No depoimento abaixo, mais uma vez a mãe tem escolaridade inferior ao

do pai, fato que a coloca em funções de pouco prestígio social e baixa

remuneração. Afinal, infelizmente o que caracteriza o valor de uma função é o

seu reconhecimento social e a remuneração valorizada.

Meu pai sabia ler e escrever. Tinha uma caligrafia muito bonita Ele puxava muito para que eu e meus irmãos estudasse. Minha mãe era analfabeta e trabalhava em casa de família como empregada doméstica. (RE-9).

A mãe de RE-9 é mais uma das tantas mulheres negras que, sem acesso

à escolaridade e vivenciados todos os mecanismos de exclusão

implementados pelo racismo, encontram no trabalho doméstico a alternativa de

renda. Esse quadro que mantém viva a memória escravista tem sido motivo de

muitas reflexões e críticas por parte das organizações de mulheres negras

As denúncias sobre essa dimensão da problemática da mulher na sociedade brasileira, que é o silêncio sobre outras formas de opressão que não somente o sexismo vêm exigindo a reelaboração do discurso e práticas políticas do feminismo. E o elemento determinante nessa alteração de perspectiva é o emergente movimento de mulheres negras sobre o ideário e a prática política feminista no Brasil. (CARNEIRO, 2003, p.118).

O depoimento traz com destaque a qualidade da caligrafia de seu pai,

bem como o fato de seu pai exigir que ele e seus irmãos estudassem. Uma

observação que queremos reforçar aqui é que se os pais sabem ler, isso já é

motivo de “boa escolaridade”. Uma vez que esses sujeitos não têm

perspectivas de uma maior ascensão social e melhores níveis educacionais.

Apesar de o próximo depoimento revelar uma família com uma

escolaridade sensivelmente melhor, a desvantagem das mulheres se mantém.

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

100

Meu pai estudou, mas eu não sei direito até que série. Mas ele ler e escreve. Ele é motorista e fez um curso na empresa que ele trabalha. Minha mãe sabe ler e escrever. Ela trabalhava passando jogo de bicho, mas agora trabalha de manicure. Minha vó comprou um estojo e ela trabalha com isso. Minha mãe diz que não tem cabeça pra estudar. Minha vó sabe ler e escreve também, o que atrapalha é os óculos. Ela precisa de ver com os óculos, mas ela sabe ler Ela é aposentada da prefeitura, ela era merendeira da escola Antonio Heráclito.(RE-7).

A família de RE-7 se diferencia pela escolaridade e pela estabilidade

financeira: pai motorista, mãe manicure e avó funcionária pública municipal

aposentada. Importante destacar que “não tem cabeça pra estudar”, dados da

mãe de RE-7, é um mito que ainda hoje percorre o imaginário social das

classes populares. Reflete uma baixa autoestima e uma justificativa

autoculpabilização para o fracasso escolar. Constitui-se em mais uma barreira

para as aprendizagens.

4.2 O lugar do pertencimento racial

Cada sociedade se constrói a partir de engendramentos, baseados em

certo ou errado, bonito ou feio, do bem ou do mal, da luz ou das trevas. Somos

frutos daquilo que dizem de nós, através da fala direta, dos meios de

comunicação de massa e dos conceitos que nos relacionam. Como habitamos

em um país no qual os estereótipos estigmatizam as pessoas é importante vê

como esses sujeitos se identificam e o que dizem de sua identidade. Para

tanto, vamos refletir sobre como o pertencimento racial se apresenta em nosso

contexto.

O discurso racializado perde fôlego, a partir do momento que as ciências

biológicas negam o conceito de raça, fato consensual hoje também entre as

ciências sociais. No entanto, o movimento negro brasileiro por entender que

não basta negar para resolver o problema, insiste no uso do conceito de raça

por conta da dimensão do racismo que o negro sofre em virtude de suas

características físicas. Para o movimento negro, o simples fato de discursar

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

101

sobre a não existência do conceito não elimina o racismo, mesmo

considerando e concordando que:

Hoje já está comprovado pela biologia e pela genética que todos os seres humanos possuem a mesma carga genética. Tais estudos são importantes para desconstruir e superar as teorias racistas que predominaram na intelectualidade no final do século XIX e início do século XX, e cujo teor, infelizmente, ainda se faz presente na sociedade brasileira.(GOMES, 2003, p. 77).

O fato de ainda permanecer no imaginário racista de nossa sociedade

contribui para não desconstruir o conceito de beleza único, no qual a estética

traz os ideais do grupo hegemônico; não positiva a cosmovisão africana; não

desconstrói o processo de demonização das religiões de matrizes africanas e

não ajuda na formulação de políticas de ações afirmativas. O negro continua

sem a visibilidade proporcional na mídia e sendo as principais vítimas das

violências raciais em nosso país. A cor da pele e os traços fenótipos continuam

dando as cartas por aqui

“Identidade” significa aparecer: ser diferente e, por essa diferença, singular — e assim a procura da identidade não pode deixar de dividir e separar. E no entanto a vulnerabilidade das identidades individuais e a precariedade da solitária construção da identidade levam os construtores da identidade a procurar cabides em que possam, em conjunto, pendurar seus medos e ansiedades individualmente experimentados e, depois disso, realizar os ritos de exorcismo em companhia de outros indivíduos também assustados e ansiosos. (BAUMAN, 2003, p.77).

Nesse contexto assumir-se negro ou negra no Brasil é uma tarefa para

além da constatação do pertencimento racial. O fato do nosso país ser

caracterizado pelo enorme processo de miscigenação racial ou caldeamento -

como também é chamado esse processo -, não garante como, já dissemos

anteriormente, um universo democrático entre os vários povos e seus

descendentes de nossa nação.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

102

Mas se todos partilhamos de semelhanças como seres humanos, o que nos faz diferentes? Segundo Denys Cuche (1999, p. 10), são as nossas escolhas, a forma como cada grupo cultural inventa soluções originais para os problemas que lhes são colocados pela vida em sociedade e ao longo do processo histórico. Essas escolhas não são simplesmente mecânicas e empíricas. Elas não estão relacionadas somente à adaptação ao meio, mas às disputas de poder entre grupos e povos. Nessas disputas as diferenças são inventadas, e através delas nos aproximamos de uns e tornamos outros inimigos, adversários, inferiores ou “violentos”.(GOMES, 2003, p. 77).

Como o não-branco brasileiro pode produzir uma identidade positiva? Se

o imaginário de nação, a partir da abolição, foi baseado entre duas vertentes

que acreditavam que o processo da miscigenação traria prejuízo ao futuro da

pátria Brasil. Para a antropologia física racialista, os negros eram apresentados

como uma categoria racial inferior, podendo até pesar negativamente sobre o

futuro do país, devido à mestiçagem com a população branca. Outra vertente

de pensadores, nesse mesmo período, acreditavam também que o processo

de sucessivos cruzamentos daria ao Brasil uma cor única e homogênea: a cor

branca. Para esses, o negro e o índio desapareceriam da nossa sociedade,

resolvendo assim a questão sobre a identidade nacional, por um processo e

ideal de branqueamento.

Sendo esse o debate que permeia o cenário nacional até a década de

1930, quando entra em cena outro pensamento: a teoria culturalista

capitaneada por Gilberto Freyre a partir de sua obra Casa Grande e Senzala.

Esse segmento trazia nos seus pensamentos a tese de que o negro vivia numa

sociedade harmônica sem conflitos raciais, fundamentações essas baseadas

na teoria de Levy-Bruhl. Do ponto de vista histórico, esses pensamentos

permaneceram lado a lado até a década de 1950.

A atitude pouco preconceituosa do português, somada ao fato de virem poucas mulheres européias à colônia, criou as condições propícias para um processo de mestiçagem entre os senhores da Casa Grande e as escravas da Senzala. É esta miscigenação que sustentaria a crença na democracia racial no Brasil. Mas Gilberto Freire, não podendo evitar a evidência dos negros ocuparem na República uma situação marginal, afirma que o negro não teria vez na sociedade brasileira não por ser negro, mas por ser pobre.(CAMINO, 2001, p. 21).

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

103

É importante ressaltar que esses teóricos nunca se posicionaram a partir

de uma reflexão sobre as relações raciais entre brancos e negros e nem entre

brancos e indígenas em uma sociedade dominada pelo segmento branco. Na

verdade, esses pressupostos construíram uma imagem da existência no Brasil

de um universo harmônico entre os principais grupos raciais. Essa é a base da

tese da democracia racial. No entanto, a realidade diverge do pressuposto

freyreano:

Assim, constata-se que nas sociedades modernas, embora os atos explícitos de discriminação estejam publicamente proibidos por lei, a discriminação em função da cor da pele continua a se desenvolver. Observa-se, por exemplo, que na maioria dos países onde se deu a escravidão, continuam a aumentar as diferenças socioeconômicas entre as pessoas de cor branca e as pessoas de cor negra (Mtb, Assessoria Internacional,1998. In:CAMINO, 2001, p.17).

Entretanto, o que houve foi uma imposição de crença, hábitos e

costumes de um só povo, o branco europeu, tornando-o hegemônico e

referência da beleza e da moral. Os demais grupos se tornaram os diferentes e

essa diferença foi transformada em desigualdade. Para a manutenção do

status quo, o grupo dominante se utiliza de mecanismos de desvalorização dos

não-brancos através do menosprezo, do estereótipo, do etnocentrismo que

cada vez mais cria forma de manter o racismo voraz e subjugar os indivíduos

vitimizados. Ao agir por meio de processos educativos, despem esses sujeitos

de suas culturas, crenças, religiões, forma de pensar, e política própria.

Essa forma sistemática de discriminação do elemento negro no Brasil

tem gerado uma desvantagem que aumenta o já citado fosso entre brancos e

negros no país. Essa prática secular tem produzido um cenário de

marginalização. Quando analisamos os dados que se referem a condições de

vida da juventude negra, não podemos deixar de expor esses fatos de forma

enfática e explícita como um amplo e diversificado leque de manifestações da

discriminação racial que atinge essa população.

O racismo institucional condena-os de um lado, por uma forma escolar

nada acolhedora para esse grupo racial, que reverbera em um quadro de

evasão sistemática ou ainda em uma escolarização de forma interditada. A

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

104

conseqüência é uma enorme impossibilidade se inserir qualificadamente no

mercado de trabalho, que está cada vez mais competitivo conforme os dados

apresentado pelo DIEESE:

Em se tratando da inserção da população negra no mercado de trabalho no ano de 1999, tendo em vista as seis regiões metropolitanas estudas pela PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego, os negros representavam 41,3% do total da População em Idade Ativa (PIA), que compreende as idades de 10 a 40 anos ou mais. Ao analisar separadamente as regiões, constatou-se que em Salvador os negros eram a grande maioria 82,4% da PIA, seguida por Recife 65,2%, Distrito Federal 58,8%, Belo Horizonte 53,3%, São Paulo 31,4% e Porto Alegre 10,4% (DIEESE, 2001). Esses dados confirmam o processo histórico de formação econômica e social, no qual os grandes latifúndios, fundamentados pelo trabalho escravo, estavam em sua maioria concentrados na região nordeste do Brasil. Neste caso, explica-se a maior concentração da população negra nestas regiões.(DIEESE, 2001, p 129).

No entanto, para aprofundar ainda mais esse cenário estarrecedor é só

observar o quadro de genocídio. Os dados do Mapa da Violência de 2011

revelam que a população negra teve as taxas de mortalidade por assassinato

aumentada, que passaram de 30,0 em 2002 para 33,6 homicídios para cada

100 mil negros em 2008, o que representa um aumento de 12,1%. Em sua

maioria, jovens com idade entre 15 e 24 anos.

Essa realidade não apresenta um quadro que possibilite uma

experiência exitosa na vida profissional e educacional nem favorece ao

desenvolvimento de um processo de autoestima elevada. Sem perspectiva de

um futuro promissor, esses jovens não conseguem garantir a escolaridade

básica muito menos seguir caminho rumo a uma carreira considerada de

prestígio social. Uma sociedade baseada na meritocracia se promove a

desesperança na medida em que as ferramentas que possibilitam acessar uma

carreira de sucesso não são oferecidas equitativamente a todos. A

discriminação retira a esperança dos jovens negros, como se fosse sua sina

superlotar as prisões. É como se seu pertencimento racial o condenasse às

mais danosas mazelas sociais. Nesse contexto, tornar-se negro não é uma

tarefa fácil, sendo preciso um investimento muito grande num processo de

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

105

aprendizagem capaz de resgatar a autoestima, o autoconceito dos milhões de

seres da raça negra e indígena.

Sou moreno, meu pai é moreno. Todos da minha família é moreno. Gosto de ser moreno, é melhor ser moreno porque a pele é mais forte, agüenta sol. Já pensou se eu fosse branco, eu não agüentava o sol forte. (RE-3).

É possível inferir que para ele o ser moreno tem a qualidade de ter uma

pele resistente ao sol e o branco tem a desvantagem de não resistir.

A opinião de RE-3 esta baseada na experiência, pois provavelmente não

conhece a substância melanina. Mas, já ouviu dizer que a pele mais escura é

mais resistente ao sol, bem como sobre toda experiência de ver as pessoas

querendo um bronzeado melhor. Entretanto, não podemos esquecer que ser

moreno é mais prestigioso do que ser preto/negro. Isso faz com muitos afro-

brasileiros se auto denominam morenos e passem a habitar uma “zona de

conforto” que os negros não se incluem.

Sou negro/moreno pertenço a raça negra, meus avós eram negros, meu pai negro minha mãe branca. (RE-8).

Esse jovem demonstra como o dilema de ser negro ou moreno no Brasil

existe e persiste. Sua auto declaração nos diz o quanto ser negro ainda é algo

difícil para uma aceitação tranqüila. Esse tipo de declaração também está

presente na fala do jovem A2:

Sou moreno e gosto da minha cor. (...) Minha mãe era morena e meu pai era branco, e as irmãs são claras. Eu sempre evito chamar os outros de negro. Eu acho sempre melhor chamar de moreno para evitar problemas com quem não gosta de ser chamado de negro. Eu evito chamar os outros de negros, pois sei que não é bom a gente ficar com essas coisas de racismo.(RE-2).

Considerar que nomear alguém de negro pode ser um ato racista é um

dos tantos frutos ideologia de que no Brasil não existe racismo:

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

106

O mito da democracia racial é compreendido como uma corrente ideológica que pretende negar a desigualdade racial entre os brancos e negros no Brasil como fruto do racismo, afirmando que existe entre estes dois grupos raciais uma situação de igualdade de oportunidade e de tratamento. No entanto, é politicamente correto tratar o negro brasileiro como moreno, com a justificativa de não querer ofender o outro (negro). Aquele moreninho ou aquela morena são palavras fortemente enraizadas na cultura brasileira, que tentam camuflar situações de preconceitos, onde são introjetados valores negativos em relação às pessoas afro-brasileiras, desenvolvendo identidades que inclui valores estigmatizados, levando à incapacidade de alterar situações de discriminação por meio de ações afirmativas. (MENESTRINO & SANTOS, 2010, p.139).

A leitura dos depoimentos do jovem RE-2 evidencia sua percepção do

racismo brasileiro e do papel fenótipo na definição de quem deve gozar de

privilégios e acessar lugares de prestígios em nossa sociedade

Eu tive um patrão que não gostava de negro e xingava bastante os negros. Foi aí que um dia eu disse: o senhor vive xingando os negros, mas o senhor já percebeu que todos seus empregados são negro? O senhor pode ter problema com isso, o senhor sabia?

Vale registrar nesta situação é o empresário em tela é do ramo da

construção civil. Assim, mesmo que venha a exigir uma boa formação por

parte de seus funcionários - o desenvolvimento tecnológico está mudando os

canteiros de obras –, este é um setor que historicamente foi ocupado por

trabalhadores de baixa escolaridade e em sua maioria negros. “Os empregados

que eu estou falando era os pedreiros que trabalhavam para o meu patrão que

era construtor” (RE-2).

O Depoimento nos ensina como o racismo atua sobre o nosso

imaginário social, principalmente no que se refere às dificuldades de mensurar

se papel em nossas vidas. Apesar de se autodeclarar moreno, o jovem RE-2

evita denominar as pessoas de negras e declara que NUNCA namorou ou

casou com uma mulher negra. Fato que ele afirma não ter relação com o

racismo e que só pensou realmente no momento da entrevista: “Agora

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

107

pensando eu nunca namorei ou me casei com uma mulher negra, nunca e não

é historia de racismo meu não é que nunca namorei” (RE-2).

Portanto, os processos de assimilação e o de autorejeição se dão de

forma contínua e silenciosa, deformando os indivíduos por dentro e por fora,

enquanto um ser humano. A identidade negra se constrói em diálogo com

essas questões, conforme Menestrino e Santos:

A ausência de um consenso gera dificuldades para a construção de uma identidade do afro-brasileiro. Percebe-se que a construção da identidade negra é um processo bastante complexo, pois esse processo possui dimensões pessoais e sociais que não podem ser separadas, sendo que, estão interligadas e se constroem na vida social. Tal construção se dá ao longo da vida do indivíduo, principalmente na família. Os contatos primários têm uma forte base emocional, pois as pessoas envolvidas compartilham suas experiências individuais, causando, portanto, uma forte influência no processo de construção da identidade negra. (MENESTRINO & SANTOS, 2010 p. 133).

Alguns dos nossos jovens entrevistados se declararam negros: “Sou

preto sou da raça negra e gosto de ser negro e agradeço a Deus”. (A5). Este

jovem faz a associação entre preto e a raça negra que é o caminho mais fácil

para identificar qual o seu pertencimento racial no Brasil. Como já mencionado

neste trabalho, a discriminação racial tem como marca o fenótipo que se baseia

na coloração da pele e/ou no tipo de cabelo. No entanto, só podemos nos

afirmar identitariamente por mecanismos de comparações entre nós e os

outros:

A identidade e a diferenciação estão ligadas às relações de poder, onde o poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder. Relações estas que nos levam a dividir o mundo social entre “nós” e “eles” e conseqüentemente a elaborar um processo de classificação, baseado em oposições binárias. (MENESTRINO & SANTOS, 2010 p. 133).

Mas essas fronteiras não são tão bem definidas num país onde o grau

de miscigenação é muito grande. Então, para os negros de pele clara podem

ser mais cômodo se identificarem como morenos, caboclos e até mesmo

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

108

branco. Também, quando é mais conveniente para a sociedade não incluí-lo

como negro isso é feito.

No caso brasileiro, é o preconceito racial de marca, isto é, aquele vinculado à aparência física, manifestações gestuais, etc., que permite, em função do grau de mestiçagem, do indivíduo para indivíduo, decidir a sua inclusão na categoria de negro. Isto é o que se torna impossível frente ao preconceito racial de origem vivido nos Estados Unidos, segundo o qual a definição étnica está dada pela hereditariedade, independente do fato de o indivíduo trazer ou não traços do fenótipo negro. (MENESTRINO & SANTOS, 2010, p.132).

Guimarães, no seu livro Racismo e Anti-Racismo no Brasil (2005), é

enfático ao afirmar que no Brasil em preconceito racial é baseado na cor da

pele. Como o jovem RE-5, o depoimento abaixo também expressa uma

assunção enquanto negro juntamente com uma alusão a Deus, seja na

definição dessa condição racial seja para conformação dos sofrimentos que

esse pertencimento racial impõe.

Todas as pessoas da minha família é negra e eu nunca tive medo de ser negro. É bom ser negro, mesmo que a gente de vez enquando sofra um tipo de preconceito. Mas a gente não deve ligar porque Deus fez a gente assim e é assim que a gente deve ser. Meu pai sempre disse que era pra gente ter orgulho de ser negro. (RE-4).

O jovem RE-4 tem um discurso que valoriza o fato de ser negro e de sua

família também ser negra. Isto ajuda a ter consciência do seu pertencimento

racial como algo bom, uma vez que seu pai reforça que ser negro é algo

positivo e deve-se ter orgulho de ser negro. Então, talvez isso tenha produzido

uma forma de resiliência nesse jovem a ponto de se empoderar, ainda que

tenha consciência que isso não o livra de ser vítima de algum tipo de

preconceito por pertencer a raça negra. No entanto, RE-4 se refugia em Deus

como responsável por sua criação, sendo assim faz um discurso conformista

dizendo que ele é o que Deus quis. Como se sua igualdade como ser humano

viesse por ser filho de Deus e não porque sua diferença não o torna desigual,

mas apenas diferente como são todos os seres humanos.

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

109

Acho que aqui tem mais gente negra porque na prisão os playboy não fica, por isso tem mais gente negra do que branca. Eu acho que o fato de está preso de algum jeito tem a ver com a minha cor. Estou preso há 11 meses e já faz quase um ano que estou aqui e nem se quer uma audiência. É, como diz o compassa, uma forma de deixar a gente apodrecer neste inferno.

Como o pertencimento racial no Brasil, em grande medida, determina o

lugar que se ocupa na sociedade, RE-4 identifica que na prisão não é espaço

para “playboy” e esse fato faz com que a prisão seja povoada por um maior

contingente de pessoas negras. Continua sua percepção observando que

“playboy” é sinônimo de branco. Demonstra saber como a discriminação atua,

percebe que o Estado é negligente com ele e seus pares, uma vez que vão

ficando sem assistência jurídica o que significa dizer que mais tempo ficará na

prisão. RE-4 acredita que o fato de ser negro levou-o a ser presidiário.

Ser negro no Brasil é muito ruim. No mundão quando você tá na rua as pessoas pensa que você é ladrão, e aqui só tem preto e pobre né? Tem playboy não, então já viu, né? Escreveu não leu o pau comeu.

Esse jovem denuncia ainda a violência que acontece na prisão, fazendo

uma relação entre pertencimento racial e pobreza. Nos depoimentos abaixo o

jovem RE-9 reforça a discriminação que os negros sofrem no Brasil. Traçando

um paralelo entre a população carcerária do Brasil e a dos Estados Unidos

encontraremos uma enorme semelhança, que nos faz lembrar novamente do

grupo Rappa quando afirma que “Brixton, Bronx ou Baixada pois tudo, tudo,

tudo igual” Ou seja, aqui ou lá a situação da população negra não muda:

John Irwin, a partir da observação direta e de entrevista em profundidade com “peixe fresco” caído na rede da cadeia de São Francisco. Irwin sublinha que “os indivíduos que enche os cárceres municipais são essencialmente os membros do populacho, i.e fragilmente integrado a sociedade e tidas como de má reputação”: gatunos e vagabundos, marginalizados, e os doentes mentais, toxicônomos, imigrantes ilegais e “corner boys” (jovens do meio operário que se reúnem em grupos populares). (WACQUANT, 2003, p. 133).

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

110

Apesar de privilegiar o prisma da luta de classe, o autor atribui o alto

índice de negros no sistema carcerário a uma política de extermínio da

população pobre. Mas tanto lá como aqui o que existe na prática é a

transferência do gueto social para o gueto judiciário, para usar a expressão do

referido autor. Além do que no interior desses guetos existem

desproporcionalidades entre brancos e não-brancos, mostrando que também

nos Estados Unidos da América, a maior economia do mundo, a pobreza tem

cor.

Sou negro, e tenho orgulho da minha cor. Temos que se valorizar, se a gente não se der valor, quem vai dar? Minha família é toda negra, é o nosso orgulho. Mesmo dizendo que a gente não é gente, a gente sabe que todos são filhos de Deus. (RE-9).

Sou negro e minha família é toda negra, meu pai é capoeirista e eu jogava capoeira quando era pequeno. Sempre freqüentei o Daruê Malungo, [...] mestre Meia Noite sempre ensinou a gente coisas da cultura. Eu era do grupo do maculelê. (RE-7).

O entrevistado RE-7 teve um contato mais próximo com a cultura negra,

primeiro porque seu pai é capoeirista, depois pela participação uma instituição

que trabalha com manifestações culturais afrobrasileiras. Na região que

morava surgiu vários grupos culturais, como Lamento Negro e a Nação Zumbi,

uma região que predomina muitas entidades do movimento negro e do

movimento popular. Como ele mesmo diz, freqüentou o Daruê Malungo para

não “ficar na rua”. Esses palcos políticos são fomentadores de uma identidade

positiva. Nesse sentido Gomes afirma que:

A identidade negra é também uma construção política. Por isso, ela não pode ser vista de forma idealizada ou romantizada. O que isso significa? Significa que, no contexto das relações de poder e dominação vividas historicamente pelos negros, no Brasil e na diáspora, a construção de elos simbólicos vinculados à uma matriz cultural africana tornou-se um imperativo na trajetória de vida e política dos(as) negros(as) brasileiros(as). Ser negro e afirmar-se negro, no Brasil, não se limita à cor da pele. É uma postura política.(GOMES, 2002, p. 2).

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

111

O depoimento abaixo mostra um sujeito com uma autoestima elevada

em relação a seu pertencimento racial.

Sou negro de corpo e alma, minha vó sempre disse pra gente gostar da nossa cor e ter orgulho disso. Minha vó era benzedeira, ela aprendeu com sua vó que também rezava. As pessoas diziam que ela era macumbeira, ela ria muito. Mas Dinda ficava muito chateada, dizia que minha vó parasse de rezar porque as pessoas eram mal agradecidas. Minha família é toda negra e isso é bom. (RE-6).

Esse jovem mostra-se satisfeito com o seu pertencimento racial, ao

afirmar que é negro de corpo e alma, tendo como referência desse orgulho sua

avó, que era benzedeira, habilidade que aprendeu com suas ancestrais.

Segundo o depoimento, algumas pessoas intitulavam sua avó de macumbeira.

Essa atitude é uma das inúmeras formas de desqualificar as religiões de

matrizes africanas.

Para Gomes (2002) é importante conceber a identidade negra como

uma construção social, histórica e cultural que se constitui de forma densa e

conflituosa através de uma forma dialogada. Portanto, o processo identitário se

dá numa via de mão dupla que favorece a aceitação das diferenças,

constituindo assim os “eus”.

O entrevistado RE-10 também demonstra ter consciência do

pertencimento racial como fator de discriminação. Para ele, a questão racial é

vista como elemento diferenciador entre as pessoas.

Eu sempre fui muitas vezes discriminado pelo fato de ser negro e sempre como se fosse um ladrão ou um bandido perigoso e por isso ficava muito chateado porque a gente não queria fazer nada. Mas eles sempre achava que a gente tava ali pra roubar. Acho que esse negócio de racismo é uma coisa muita chata. As pessoas se acha mais importante que as outras. Mas isso não deveria acontecer. Pois, todos somos iguais brancos, negros somos todos filhos de Deus.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

112

Como diz o Rappa: “Eu sei que sou caçado e visto como um animal”. O

racismo para a RE-10 é algo extremamente negativo, pois desqualifica os

sujeitos a partir de fenótipos e da posição social. É assim que a condição de

negro e/ou de pobre produz na sociedade brasileira representações que

alimentam práticas discriminatórias. Como em outras narrativas, o elemento

sagrado é utilizado como refúgio na tentativa de superar/amenizar as

frustrações.

Outra questão que procuramos saber dos nossos entrevistados dizia

respeito à relação etnicorracial na escola. No depoimento do jovem RE-1,

observamos que ele percebe a existência do racismo em sua vida desde a

infância.

Para Pereira e Padovini, a escola se livra do aluno pensando está

resolvendo o problema da violência. No entanto, ao agir assim, comete um

crime, descumpre a lei e transfere o problema para outra instituição ou para as

ruas. Praticando, assim, um ato de extrema violência, não buscou os

mecanismos pedagógicos no sentido de resolver a questão. E, ainda

negligencia com os conflitos raciais existentes no interior das relações

escolares. E desse silenciamento e da truculência que nos falar o entrevistado

ao dizer que não lembra de ter estudado algo referente às questões raciais e

do julgamento prévio ao qual foi submetido, resultando no seu afastamento da

escola.

Nunca houve essa coisa de alguém xingar o outro por causa da raça na turma da 1º série. A professora lá era muito boa e não deixava acontecer nada de errado com a gente. Mas, já na segunda série, que a professora era dona Marlene, teve uma vez que eu fui pra secretaria, pois um colega me chamou de negro safado e macaco fedorento, então a gente brigou. A gente foi pra secretaria e a professora nem quis saber quem tinha razão, ela nem quis saber quem tava errado, foi pedindo para mim ser suspenso. Eu não gostei e já não gostava de lá, não voltei mais. Não me lembro de ter visto nada na aula que falasse de direito que defendesse as pessoas por causa da cor ou por outro preconceito. (RE-1).

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

113

Ah, sempre aconteceu algum tipo de brincadeira em sala de aula. Negão, nego safado, macaco, mas sempre em tom de brincadeira. Às vezes, ia na professora que botava os engraçadinho de castigo para evitar brigas. Mas a gente sempre resolveu sozinho, porque se não a gente ia para secretaria. Aí, a gente só entrava com a mãe.(RE-2).

Nosso entrevistado RE-3 demonstra bastante entusiasmo com o

processo de alfabetização pelo qual está passando, pois está aprendendo a ler,

e já sente uma melhora no seu rendimento. E que não teve contato com a

temática preconizada pela Lei 10.639/03.

A narrativa do RE-3 reafirma a ausência da temática trazida pela Lei

10.639/03 na sua trajetória escolar, tanto nas escolas de fora do presídio,

quanto na escola da prisão. Vale destacar sua posição contrária à presença e

importância dessa legislação. Na sua concepção, ao contrário do proposto,

estudar a cultura afrobrasileira seria uma forma de promover o preconceito.

Entendemos que tal posicionamento expressa o êxito do mito da democracia

racial, que ao afirmar a inexistência do racismo, ilegítima quaisquer discussões

sobre o mesmo.

O que eu mais gosto nessa escola é de aprender a ler. Eu estou começando agora, tô melhorando. [...] E sobre esses assuntos sobre a raça negra ou branca eu nunca estudei não. Nem na de lá de fora - a do mundão, nem a daqui. Eu acho bom não estuda isso, evita outras coisas, coisas de preconceito esse negócio aí. (RE-3).

O entrevistado RE-8, não recorda de atividades escolares vinculadas às

relações raciais, e afirma nunca ter sofrido racismo. No entanto, já presenciou

atos racistas. Mais uma vez, imputamos ao ideário supostamente democrático

brasileiro a leitura que alguns membros da população negra fazem da não

vivência do racismo. De tanto escutar que não existe racismo, fica realmente

difícil identificá-lo, a não ser em casos de extrema violência. É nesse sentido

que Abramowicz (2010) defende que a escola precisa tornar visível a dimensão

racial.

Não lembro de nenhuma atividade nem nas escolas do mundão que falasse sobre as essas coisas raciais e sobre essa lei aí da cultura africana nem nessa escola aqui.

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

114

Sobre assuntos de racismo. Nunca aconteceu comigo nenhum tipo de xingamento nem na cadeia e nem na escola. Mas já vir acontecer com meus colegas em sala de aula. Mas a professora foi logo reclamando com os comédias que não se manca em tirar pra cima dos outros. (RE-8).

O depoimento do jovem RE-4 reforça o que foi dito por RE-9, as escolas

não privilegiaram conteúdos importantes na construção de identidades

positivas, capazes de favorecer a construção de uma autoestima positiva em

seus usuários. O entrevistado diz com muita clareza que nunca viu os

conteúdos preconizados na lei 10.639/03.

Eu não me lembro de ter estudado esses assuntos que o senhor esta falando sobre racismo e essa coisa de ralações da raça. Eu acho que nunca vi nem na escola do mundão nem aqui na escola da prisão. Assuntos desse tipo aí eu não lembro não. Educação das relações e da história africana, não. (RE-4).

No depoimento abaixo, do jovem RE-6, é possível perceber que as

lembranças das brincadeiras preconceituosas na infância geraram traumas que

parecem não se diluir. Mesmo passado alguns anos, as referidas lembranças

deixaram marcas que estão presentes até hoje. Essas atitudes

preconceituosas são frutos do desconhecimento acerca da nossa pluralidade

etnicorracial. São ideias preconceituosas que inferiozam um grupo que também

é importante para a sociedade brasileira, criando toda essa desvalorização.

Ferreira afirma sobre a lei 10.639/03 que:

A discriminação racial nas escolas públicas manifesta-se no momento em que agentes pedagógicos não reconhecem o direito à diferença e acabam mutilando a particularidade cultural de um importante segmento da população brasileira que é discriminada nas salas de aulas, nos locais de trabalho e na rua, não apenas por aquilo que é dito, mas, acima de tudo, pelo que é silenciado. (FERREIRA, 2004, p. 70).

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

115

Nessa direção, Cavalleiro (2003) afirma que o silenciamento da escola

em relação às questões raciais promovem prejuízos incomensuráveis, gerando

traumas para a vida toda.

Sempre aconteceu alguma coisa sobre preconceito. As brincadeiras era muito pesadas, sempre pra botar a gente pra trás, [...] Sempre a gente era ofendido como nego safado, macaco e outros apelidos. Tinha vez que só era brincadeiras, zoação. Mas às vezes era pra machucar mesmo, isso é coisa que sempre aconteceu. Aqui também tem, mas é pouco e é só brincadeira. (RE-6).

A escola do Presídio de Igarassu atua na modalidade Educação de

Jovens e Adultos/EJA, uma vez que seus usuários têm baixa escolaridade. Os

jovens aqui entrevistados estão matriculados no programa de alfabetização

MOVA BRASIL ou no Ensino Fundamental, mais especificamente nas séries

iniciais (Fase l: 1ª e 2ª séries; Fase II: 3ª e 4ª séries). São sujeitos que

apresentam grande dificuldade na escrita e na leitura, mesmos os que estão na

Fase II. Muitos deles querem avançar para poder entrar no Programa Travessia

Fundamental, que corresponde a quinta a oitava série do Ensino Fundamental.

Estou na turma do MOVA BRASIL que é uma turma de alfabetização e eu já tô melhorando na leitura quero ler bem e escrever também. (RE-4).

Os depoimentos revelam que, apesar das precariedades, o sonho pela

escolarização e tudo que ela representa é parte do ideário desses jovens.

Estou na turma de alfabetização e quero aprender a ler e escrever. Sou da turma do MOVA/BRASIL (RE-8). Atualmente sou aluno do mova Brasil. (RE-5). Estou na primeira fase que é primeira e segunda série, leio muito pouco, meio atrapalhado e já estou aprendendo a escrever meu nome, faz sete mês que estou na escola.(RE-3).

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

116

Sou aluno do modulo I eu faço a primeira e a segunda série, eu quero estudar para aprender para arranjar um trabalho e ser solto ganhar a vida com coisa legal, isso é muito bom. (RE-1).

Percebe-se a vinculação dos estudos com ampliação da possibilidade

de, após sair da prisão, conseguir um emprego e construir uma vida pautada

na legalidade.

Os próximos depoimentos são de alunos da segunda fase que sabem

ler, que estudaram até a quarta série na escola fora do presídio. RE-6 declara

que sabe ler e escrever e quer ser escritor. Na verdade, essa declaração

merece uma atenção especial, pois é preocupante o nível de escolaridade dos

sujeitos que se encontram no sistema penitenciário.

Sou aluno da segunda fase que é a mesma coisa da terceira e quarta série, sei ler e escrever, e estudei na escola do mundão até a quarta série. (RE-7) Estudei na escola do mundão até a quarta série, mas não completei o ano. Agora sou aluno da segunda fase que é o mesmo que a 3ª e 4ª série. Sei ler, escreve e quero ser escritor. (RE-6).

Nesses depoimentos sobre a escolarização dos sujeitos dessa

pesquisas constatamos o baixíssimo nível de escolaridade dos reeducandos.

Infelizmente esse quadro não é uma novidade, vários estudos e pesquisas

apontam números alarmantes que distanciam esse público de condições mais

favoráveis e posição de prestígio na sociedade. Então vejamos:

8% dos jovens negros/as entre 15 a 25 anos eram analfabetos, em relação a 3% de brancos; 5% dos jovens negros entre 7 e 13 anos não freqüentaram a escola e somente 2% dos jovens brancos da mesma faixa etária não o fizeram; a escolaridade média de um jovem negro de 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo, um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 de estudo. (SILVA, 2010, p. 104).

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

117

Um país que trata assim grande parte de sua população não pode ser

chamado de democrático. Esses jovens são vitimas diretas do racismo

institucional. Todos foram matriculados na escola, passaram nela no mínimo 4

anos e, mesmo assim, continuam com baixo rendimento escolar. Martins

(1997) sinaliza que atualmente o que há é um processo de inclusão perversa,

que é uma forma de manter as desvantagens existentes.

O ingresso dos entrevistados ao sistema penitenciário sempre está

ligada à sua trajetória de vida e como se dá as relações raciais no Brasil. Algo

muito imbricado como nos mostra Leal:

Parece fazer parte de uma lógica abstrusa e pusilânime substituir ao negro que se podia marcar com ferro (para, mesmo forro, levar consigo a pecha do cativeiro), pelo mesmo negro, só que agora corrompido nas prisões, sem falar dos reincidentes, que incapacitados para o (re)começo de uma vida decente, porque carregam consigo o estigma maldito de serem ex-presidiários. (LEAL, 1995, p. 39).

Nesse sentido, o pertencimento racial tem sido indicativo de qual a

posição na sociedade o sujeito vai ocupar, pois os efeitos do conjunto de

medidas discriminatórias carrega consigo um leque de desvantagens. É assim

que os sujeitos negros, e sobretudo a juventude, têm sido alvo de uma política

de encarceramento e assim se constituído no contingente populacional de

maior expressão no sistema penitenciário como vemos com Leitão:

A combinação explosiva da pena privativa de liberdade com o racismo, no Brasil, tem produzido uma massa carcerária predominante de negros. Juntem-se a esse fato alguns outros: a pena privativa de liberdade está falida, a ressocialização é uma falácia e os índices de reincidência só não são maiores porque os de óbito têm igualmente crescido. E continua-se a pedir penas cada vez mais severas: mais anos de cadeia, menos facilidades para o livramento condicional, mais penitenciárias de “segurança máxima”. (LEITÃO, 2003, p. 4)

A seguir, veremos os depoimentos que se relacionam com os delitos

praticados pelos quais chegaram aqui os sujeitos da pesquisas.

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

118

Sou viciado em crack, estou preso enquadrado pelo artigo 155, pois estava muito noiado e pulei um muro de uma casa em Bairro Novo, Olinda e furtei uma bomba d’água que estava no terraço. Eu tava muito noiado, perambulando pela rua eu nem sabia onde tava, nem quem eu era coisa de louco, um cachorro era melhor que eu. Queria um lugar pra ir, entrar em uma clinica sabe? Mas o que ganhei foi pau e cadeia, o barato é louco. Bomba véia enferrujada não valia nada só peso, meu Deus, mas nóia é nóia né? (RE-8)

Por ser viciado em crack, foi preso e enquadrado no artigo 155, pois

furtou uma bomba d’água em Olinda, após está bastante noiado, que o estado

de quem está sob o efeito do crack. Perambulava pela rua, sem noção de sua

localização muito menos quem ele era. O momento era tão difícil que achava

que os cachorros eram melhores do que ele. Tinha a intenção de procurar

ajuda para se livrar do vício, no entanto não conseguiu a ajuda desejada.

Porém em contrapartida teve como conseqüência pau e cadeia e expressa que

o barato é louco. Lamenta que a bomba velha e enferrujada não valia nada, só

servia pra vender no ferro velho. E solta meu Deus nóia é nóia não é?

Antes tentei ir para uma clínica, mas é muito difícil. Fui 3 vezes, mas não conseguir aquela perto do Gétulio Vargas, Centro Eulámpio Cordeiro. Minha tia perguntou se eu queria ir para lá eu disse sim, mas não consegui. Hoje eu estou livre do crack, uso só cigarro e maconha. Pois desde que fui preso que não uso crack, primeiro porque o chaveiro do meu pavilhão não aceita crack e depois porque até o cigarro e a maconha estou tentando largar.(RE-8).

Como já foi dito antes, o entrevistado tentou uma clínica para se tratar.

Foi três vezes, só que não conseguiu. Uma das clínicas procuradas é pública,

o Centro Eulámpio Cordeiro que fica no bairro do Cordeiro no Recife. Mesmo

com o apoio da tia, que tentou junto com ele, não conseguiu. Hoje não usa

mais o crack, só usa cigarro e maconha. Um dos motivos que ajudou ele a

largar o crack é o fato do chaveiro não permitir crack no pavilhão e salienta que

pretende deixar de usar o cigarro e a maconha.

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

119

Sinto muito tá aqui, é muito duro a gente fica doente sem ter nada. Estou enquadrado na lei Maria da penha e isso é muito chato, pois sempre fui contra homem que bate em mulher, mas isso só aconteceu pela bebedeira. Tenho marcas no corpo provocado por meu pai que quando bebia me batia, depois eu faço a mesma coisa, não pode né? não pode né? Eu estou no terceiro casamento, ou melhor, eu estava e tenho uma filha de sete anos, porém não registrei ainda e não sei se ela tá estudando, mas acho importante que ela estude. Eu não tenho mais nada, não tenho casa, não tenho mulher, não tenho mãe, não tenho pai, não tenho mais nada. O que eu tenho é uma vontade muito grande de trabalhar e as pessoas que gosta de mim. (RE-2).

O que levou o entrevistado a prisão foi a lei Maria da Penha, e ele

lamenta muito porque sempre foi contrário à violência contra mulher. Logo ele

que sofreu tanta violência quando criança que ainda carrega marcas no corpo.

Alega que isto só aconteceu por conta da bebida e que justamente seu pai era

bastante violento quando bebia. E não se conforma em fazer a mesma coisa. O

entrevistado saiu do terceiro casamento e tem uma filha de sete anos que

ainda não registrou e não sabe informar se ela estuda, mas deseja que ela

esteja estudando. Lamenta por ter perdido tudo, pai, mãe, mulher, a casa que

morava e só restou é muita vontade de trabalhar e as pessoas que gostam

dele.

Fui preso por ser enquadrado nos seguintes artigos 157; assalto e também por formação de quadrilha, mas continuo preso por uma tentativa de homicídio, pois pelos crimes citados anteriormente já fui sentenciado a 13 anos e 8 messes e como já estou preso há 5 anos já tenho tempo de ir para rua, como aconteceu com meus compassas. Como não tenho dinheiro estou sendo acompanhado por advogado do Estado. A vida do negro é mais difícil, discriminação, preconceito, racismo, você é pobre e na cadeia só tem pobre, rico não vai preso e quando vai nem esquenta já vai logo saindo ao contrário dos pobres que vai ficando até demais. Por isso aqui só tem pobre e negros e eu fosse branco não estava preso. Eu só sei que a polícia onde você for vai logo te parando mesmo quando você não fez nada foi sempre assim, mas isso é racismo? ou por que você é pobre?(RE-9).

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

120

O que o trouxe ao sistema penitenciário foi principalmente um assalto,

artigo 157 que é o que chamamos de roubo, caracterizado ação violenta, o

outro artigo foi uma formação de quadrilha, artigo 288, delitos esses que já

foram julgados e a sentença já saiu que foi de treze anos e oito meses no

regime fechado. Como já está preso há cinco anos já poderia está em

liberdade, no entanto continua preso porque surgiu mais um processo de uma

tentativa de homicídio, artigo 121 c/c artigo 14. Por essa acusação,

permanecerá preso, enquanto seus compassas já estão na rua. Como não tem

dinheiro, está sendo acompanhado por um advogado do estado que é um

defensor público do estado. Ele, com muito discernimento, destaca o fato de

que aonde o negro vai é sempre suspeito.

Tô preso por um 157. Tava de bobeira, sem entender o que acontecia comigo. Então me juntei aos uns amigos para ir à praia. Rolou de tudo, tinha umas meninas na parada, muita bebida, maconha, crack eu tava tão doido, mas tão doido que só vim saber que tava preso quando acordei na delegacia. Eu não saí pra assaltar ninguém e estou aqui, não tô dizendo que não tenho culpa, mas se eu tivesse na careta eu não entrava nessa. Eu sempre fumei maconha, beber não bebia muito, mas fumar eu fumava muita maconha. Mas roubar, eu nunca quis. Quando eu fui preso a primeira coisa que lembrei foi da minha vó. Tanto que ela me falou: olha com quem tu anda, e eu não segui os seus conselhos e agora estou nessa.(RE-6).

Mais um caso de assalto, artigo 157, o entrevistado no seu depoimento

nos fala de sua condição na hora em que foi preso. Encontrava-se de bobeira,

sem saber ao certo o que lhe acontecia. Juntou-se a alguns amigos para uma

curtição na praia, na qual contavam com muita bebida e várias meninas. O final

foi trágico. Meninas, maconha, crack e muitas bebidas. O porre foi tão grande

que só se deu conta do que havia acontecido quando acordou na delegacia.

Como destacamos no tópico anterior – sobre as lembranças da infância, a avó

teve um papel importante, daí o entrevistado lamentar não ter ouvido os

conselhos dela.

Fui viciado em crack durante 6 meses, mas me livrei e passei a traficar. Foi quando rodei, comprava uma pedra

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

121

por R$ 100,00 e dividia em 17 pedras então apurava R$170,00. Era muito fácil ganhar dinheiro, tá todo mundo fumando crack parece que as pessoas não têm outra coisa pra fazer. O barato é louco, mas agora eu sei o mal que faz se eu soubesse antes não tinha entrado nessa. Pois, aqui o bicho pega tem neguinho que vende até a mãe, a irmã pra fumar, tem carinha fazendo sexo pra fumar. Às vezes, fico castelando e acho que isso vai explodir, não sei como isso vai parar.(RE-4).

O entrevistado está enquadrado no artigo 33, se trata de tráfico de

entorpecente. No entanto, foi durante seis meses viciado em crack, conseguiu

se livrar do citado vício e passou a traficar. As durezas da prisão o faz perceber

os danos causados pelo crack e pelo tráfico. Seu depoimento traz a tona a

epidemia do crack que infelizmente assola nossa sociedade.

Depois que ela morreu é só cadeia tirando, FUNDAC/Paratibe e agora aqui estou preso há 3 anos. Já foi julgado, peguei 9 anos inicialmente no fechado. A gente errou e por isso estamos pagando, mas a gente não é bicho. A justiça é mais errada do que nós, porque tem muita gente que já deveria ter saído por ter cumprido um terço da pena, mas ainda esta aqui. Então eles têm culpa, se fosse o filho do rico não ficava aqui. Só tem pobre aqui, o rico quando chega não desce não. O rico quando chega jamais vai lá pra baixo, só tem pobre que não tem nada na vida. Eu mesmo não tenho pai, não tenho mãe. Eles que me ajuda lá em baixo e assim uns ajuda os outros. (RE-4)

O entrevistado começa o seu relato falando que depois da morte da sua

mãe sua vida é “tirar cadeia”. Passou primeiro pela FUNDAC/Paratibe.

Reclama do Estado que trata de forma desigual pobres e ricos.

O entrevistado culpabiliza o sistema judiciário, que os tratam como

animais. Explicita a manutenção da hierarquia social (e racial) no interior do

presídio, na medida em que os “ricos” não descem para os pavilhões, onde a

situação é de extrema precariedade.

O Estado só tá aí pra julgar. O juiz julga e pronto! Bota tudo no balde de lixo. Quando eu sair daqui quero me

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

122

regenerar, por que cadeia não tá dando não. A cadeia mudou muito. No pavilhão onde eu estou não tem crack, pois o chaveiro e o auxiliar são gente boa e não admitem crack e nem rupnol, pois se permitisse já tinha havido morte. (RE-4)

As narrativas desses sujeitos falam não apenas de suas trajetórias

individuais. Por elas podemos olhar o sistema penitenciário, bem como nossa

sociedade. Colocar pessoas no balde de lixo, juízes que não consideram a

dimensão humana e chaveiros que definem o cotidiano na prisão. Entretanto,

como revela RE-4 e outros, o desejo de mudanças e regeneração persiste.

Outra coisa ruim que está acontecendo é que cada vez mais está chegando para a cadeia os jovens entre 19 a 21 anos. Tudo com cara de comédia por causa do crack que vai acabar com o mundo. Sei que o fato de ser negro contribui para eu está preso. Isso fez recordar algumas vezes que fui abordado pela polícia, teve uma vez que um policial me espancou muito e só parou quando as pessoas que tiram fotos chegaram, ele disse é apenas um maloqueiro, um negro safado. Por isso eu prefiro ser abordado por um ladrão de que por um policial. (RE-5).

O entrevistado destaca é algo bastante preocupante: o processo de

juvenilização da população carcerária. Para ele esse dado é muito ruim,

inclusive nos informa que esses jovens são “comédias”, ou seja, são jovens

que têm trajetória criminal e estão na prisão por questões que poderiam serem

resolvidas pelo Estado de outras formas. Seu depoimento também ressalta a

epidemia do crack, responsável pelo ingresso de muitos desses “comédias”.

Quanto ao racismo, ele tanto relaciona com sua estada na prisão quanto relata

um caso de racismo vivenciado por ele com policiais. O vínculo que faz entre

práticas racistas e sistema policial é tão forte, que para ele é menos danoso ser

abordado por um “ladrão”.

Estou sendo acusado por tráfico de drogas, fui pego com dez pedras de crack. Eu tava indo fazer uma entrega, eu sempre tive muito cuidado. Bacalhau sempre disse: cuidado, não vacile. Pois, os home sempre se liga e eu era o mais esperto. Nunca vacilei até que um dia o castelo caiu. Os home queria três mil reais para me soltar. Eu

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

123

disse que se eles não me prendesse eu aranjava, mas não adiantou. Eu disse que venderia meus computadores e levantava a grana. Eu fui pego três horas da tarde quando ia entregar as pedras a uns playboy e só cheguei na delegacia perto da meia noite rodei muito. (RE-7).

No depoimento anterior, RE-7 (mais um caso de tráfico) explicita a

vulnerabilidade desses jovens diante dos policiais e da vida. Apesar do crack e

do tráfico, na sua opinião foi a falta de R$ 3 mil reais que, de fato, o levou para

a prisão. Neste caso, os “playboy” são os jovens “ricos” que consumem drogas.

Acho que estou preso pelo fato de ser negro, pois a gente é muito visado tá fazendo nada é suspeito. Entra na loja pra comprar acha que a gente vai roubar, então prende logo. Aqui só tem pobre e preto. Cadê os brancos presos? Tem dinheiro, faz acerto não vai preso. Se eu tivesse dinheiro não tava preso.(RE-7).

Essa narrativa não deixe dúvida quanto à existência do racismo, seus

mecanismos de implementação e a consciência dos sujeitos negros de suas

práticas. O rol de eventos elencados por RE-7, ser sempre tratado como

suspeito, constrangimentos em lojas são relatos presentes em trabalhos sobre

o racismo no Brasil. O entrevistado é enfático ao afirmar que o racismo o levou

para o mundo do crime e mesmo na prisão, a discriminação permanece. Daí,

na sua compreensão, a grande diferença entre o número de negros e brancos

no sistema penitenciário.

Os próximos relatos são de jovens envolvidos com o artigo 157, que

corresponde a assalto com uso de meios violentos ou sob ameaça. É grande a

incidência de jovem enquadrado nesse artigo.

Através de um assalto artigo 157. Eu tinha um 38 reforçado e saí para uma festa lá em Timbaúba. Eu já tava cansado de ficar sem fazer nada, não queria mais me meter em cutruca, só dá atraso. Mas não conseguia trabalhar, queria fazer qualquer coisa. Eu tenho disposição, mas o senhor sabe né? O problema da gente é a fama. Quando se veve na vida errada não tem jeito ninguém acredita. Então eu pensei em fazer um trabalhinho e dancei pra uns comédia.(RE-10)

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

124

O entrevistado chegou ao sistema penitenciário por praticar um assalto.

Segundo ele, um dos problemas foi que a falta de experiência do pessoal que

foi realizar o assalto, na linguagem deles, “os comédias”. Também vincula a

reincidência no crime pela falta de opção no mercado de trabalho, que

discrimina os ex-presidiários.

Não acho que o fato de ser negro é que faz eu ser preso. A gente entra na vida errada e dá nisso. Eu acho que é isso. Ninguém mandou a gente fazer besteira, a gente não sabe que não pode. Agora só que o filho do rico as vez faz pior e não vai preso. Os playboy pode a gente não, é quente.(RE-10).

Para RE-10 não há relação entre seu pertencimento racial e sua

condição de presidiário. No seu pensar, está na prisão é uma decorrência de

suas escolhas. No entanto, não deixa de reconhecer que os “playboy” por

vezes cometem delitos ainda piores e nem sempre são punidos.

Veja, dessa vez que eu rodei. Eu estava chegando na casa da minha prima em Abreu e Lima, quando fui abordado. Eu só tava com dinheiro, ele me botou pedra e maconha, um tal de Marco Preto. Faz cinco meses que eu estou preso ainda não fui a nenhuma audiência e a primeira está marcada para 11 de outubro. Virei um viciado aos 11 anos e aos 12 anos fui preso e levado pro CENIP/FUNDAC como traficante e lá só fiquei um mês.(RE-1).

O nosso entrevistado em tela vai falar que foi vitima de um forjado. É

mais um acusado por tráfico de entorpecente artigo 33. Estava chegando na

casa da prima em Cruz de Rebouças quando foi abordado por um policial

chamado Paulo Preto que, segundo ele, simulou o delito. Gostaria de destacar

alguns dados dessa narrativa: a precocidade no ingresso ao uso de drogas,

apenas 11 anos; a morosidade da justiça, que depois de cinco meses ainda

não marcou uma audiência; e a pela experiência desses jovens com a

FUNDAC por meio de medidas socioeducativas.

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

125

Estou preso há 8 mês e fui preso no mesmo mês que eu fiz 23 anos. Fui preso por tráfico, fui pego com 15 papelotes de maconha. Mas não sou traficante, comprava pra fumar é que fumava três dólares por dia. Comprava sempre muito pra não ter que ir muito na boca, pois tinha medo de está sempre indo em boca que é muito perigoso.

O entrevistado tem como marco da chegada na prisão o mês em que

completou 23 anos de idade.

Dessa vez foi só sair da boca e a polícia chegar na moto deita, deita ,deita me algema e me leva para a delegacia. Eu sou pescador e também cato reciclagem com a carroça era daí que eu comprava a droga nunca trafiquei. Hoje não fumo mais nada, deixei não quero mais saber de droga.(RE-3).

Além da pouca idade, RE-3 tem em comum com outros depoentes o fato

de não vim de outros envolvimentos com a justiça e ter uma profissão. No

entanto, igualmente como outros, seu caso foi enquadrado como tráfico e não

como consumo e o Estado não ofereceu alternativas, senão a prisão.

Esses depoimentos falam de como os sujeitos chegaram ao sistema

penitenciário e nos mostram como as peças se encaixam nas trajetórias de

vida dos entrevistados. O que os trouxeram, na grande maioria, foi o tráfico e o

roubo. Todos muitos jovens e desprovidos de elementos necessários para se

constituírem como cidadãos de direitos. São incluídos de forma perversa em

uma sociedade tecnológica cada vez mais concorrida em que não basta ler as

letras. É preciso o domínio de vários saberes e conhecimentos que por

questões históricas lhes foram negados. Sem uma devida orientação, vão

caindo nas armadilhas desse sistema racista cruel, povoando os guetos sociais

e sendo transferidos para os guetos jurídicos. São vítimas sistemáticas de uma

sociedade extremamente desigual, que aciona os mecanismos de extinção e

do genocídio.

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

126

4.3 A experiência com a escola

A década de 80 do século passado foi marcada pela redemocratização

do país, pelas conquistas sociais, sendo uma das principais bandeiras o direito

a uma educação de qualidade. A partir daí houve o início da expansão da

oferta da educação em todo território nacional. Essas conquistas só foram

possíveis pelas tantas lutas e debates realizados. Essa dinâmica suscitou

muitas discussões, integrações e interpretações de novas definições legais

sobre a educação.

Nos marcos regulatórios tais como: a Constituição Federal de 1988,

Estatuto da Criança e Adolescente de 1990, a Lei Orgânica da Assistência

Social de 1993, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96.

Esse conjunto de leis preconiza sobre as garantias que toda criança de zero a

seis anos de idade tem direito à Educação Infantil em creches e pré-escolas.

Também dispõe sobre a Educação de Jovens e Adultos que passa a fazer

parte da Educação Básica, portanto como meio também para o ensino

superior.

A criança passa a ser sujeito de direito, e a constituição de 1988

determina que pais, sociedade e o Estado garantam o que determina seu artigo

227 que, traz em seu texto as garantias preconizadas pela doutrina da proteção

integral que se contrapõe ao código de menores que via as crianças como

objeto de direito.

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência e opressão. (C.F, art. 227. 1988).

Nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação regulamenta e

dá um dinamismo jurídico ao apresentar o princípio da equidade, que possa

garantir ações para a superação das desigualdades sociais. No entanto, a luta

por uma educação de qualidade parece que ainda precisará de outros

capítulos. Ainda não foi alcançada uma síntese entre estudar e viver, uma

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

127

escola que consiga uma forma que acolham os educandos populares. O direito

a educação é maior do que a simples existência de escolas:

Os sujeitos sociais têm pressa. Empurram e alargam as fronteiras dos direitos humanos. Os educandos, nos relatos de suas vidas, deixam marcantes que a educação, como direito, tem formas bem peculiares de ser aprendida e vivida. Por vezes, de tanto repetir nos anos 1980 educação direito de todo cidadão e dever do estado, nos fizemos a imagem de crianças, adolescentes e jovens caminhando espontaneamente alegres e agradecidas, às escolas que os governos abriam em cada esquina. Lá iriam eles e elas, legião de crianças e adolescentes com seu crachá: sou cidadão, sujeito de direito deixem-me entrar. Obrigado. (ARROYO, 2004. p,112).

É nesse contexto de tentativa na busca pelo direito a uma educação de

qualidade e uma escola que acolha e compreenda os anseios e as

necessidades que iremos perceber as experiências das trajetórias que os

sujeitos dessa pesquisa tiveram com o inicio da sua escolaridade. Essas

narrativas servirão de referência tanto para nos informar de como era a relação

desses sujeitos com a instituição escolar, como para percebemos como essa

instituição se relaciona com esses usuários.

É grande o contingente de pessoas que buscam na escola o caminho

para sua formação, sempre levados por seus familiares. Esses acreditam no

discurso vigente que defende ser a escola “o caminho, a verdade e a vida”.

Que não há salvação sem ela e fora dela. Nesse sentido, para Bourdieu:

as crianças devem à sua família não só os encorajamentos e exortações ao esforço escolar, mas também um ethos de ascensão social e de aspiração ao êxito na escola e pela escola, que lhes permite compensar a privação cultural com a aspiração fervorosa à aquisição da cultura (BOURDIEU, 1998, p. 48).

Começaremos ouvir as trajetórias escolares dos sujeitos entrevistados a

partir da fala de RE-6 que nos relata sua experiência no início de sua

escolaridade:

Entrei na escola com 6 anos de idade na alfabetização. Quem me matriculou na escola foi minha vó Dona Luzia, minhas irmãs já estudava nessa escola e eu pedia a minha vó que me botasse na mesma escola da minhas irmãs. Eu

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

128

ia pras festas de lá era bom, então pedi a minha vó e ela me botou. Eu queria estudar sala das minhas irmãs, mas não podia. Elas eram mais velhas, então eu chorei muito vários dias depois foi passando e a minha professora era boa. Sinto saudade dela até hoje, tia Valeria. Se todas as professoras fosse igual a ela eu sempre estudava.

A entrada na escola de certa forma foi na idade própria já que se deu aos

seis anos de idade na alfabetização, que na época fazia parte da educação

infantil. Naquele tempo a alfabetização funcionava como uma fase de transição

para o início do ensino fundamental. A educação infantil ainda hoje é uma

conquista a ser realizada plenamente, imagine há alguns anos atrás.

A avó se responsabilizou por fazer o ingresso de RE-6 na escola e como

vemos o fato das irmãs estudarem, nessa escola fomentou o desejo de estudar

na referida escola uma vez que sempre era levado para os eventos festivos.

O entrevistado não fugiu a regra da maioria das crianças que leva um

tempo para se adaptar ao ambiente escolar e deseja estudar na sala de

familiares. No caso de RE-6, além das irmãs mais velhas havia toda uma

familiaridade com a escola, pois participava das atividades festivas. A

frustração por não ser matriculado na mesma sala das irmãs foi grande.

Trauma superado pelo tempo e pelos laços afetivos com a professora.

Continua RE-6:

Nunca zuei, nem tirei onda com ela, era muito boa. Estudei a primeira série com ela, também aprendi muitas coisas com ela. Escrever meu nome, ler no livro, as contas de matemática. Era muito bom com tia Valéria, ninguém brigava. Quando eu fui estudar com outras professoras foi muito complicado porque as outras professoras não sabiam falar com a gente, elas só fazia gritar, dizer que ia botar a gente suspenso. Eu fiquei até a quarta série porque minha vó dizia que a gente tem que estudar pra ser alguém na vida e ela dizia que pra ficar morando com ela tinha que estudar.

Percebe-se que para o entrevistado as lembranças positivos da trajetória

escolar está relacionada com a postura de uma professora, no caso tia Valéria.

Essa profissional marcou esse jovem nas aprendizagens cognitivas (ler,

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

129

escrever, contar), e é uma referência de um ambiente escolar harmônico, sem

brigas.

Pode resultar-nos estranho que adolescentes moleques se lembrem logo de um olhar positivo, de um sentimento. Deve haver muitos olhares positivos de professoras e professores que provocam agradecidos sentimentos de adolescentes e jovens acostumados a olhares tão negativos em suas trajetórias humanas. (ARROYO, 2004, p. 94).

Ao mudar de professora, RE-6 teve muitas dificuldades. A vivência com

professoras repressoras, infelizmente realidade mais presente na vida desses

sujeitos, foi mais um elemento a contribuir com o abandono da escola. Resistiu

até a 4ª série muito em função da pressão da avó que chamava a atenção para

a importância da escolaridade, e condicionava a permanência na sua casa ao

fato de estar estudando. Mas ao continuar as analises do depoimento de A6,

veremos que sua trajetória escolar vai sofrer uma mudança:

Mas eu já não gostava mais da escola. Eu não ia pra escola e ninguém sabia, porque as minhas irmãs depois que começou a trabalhar nas casas dos outros foram estudar a noite e minha vó morreu e eu não mais fui para escola. Fiquei na vida sem fazer nada, ia pra rua e pronto. O mundão é muito bom, você vai pra onde quer, mas você é olhado como uma pessoa que vai atacar.

A morte da avó, o ingresso das irmãs no mundo do trabalho, deixa o

jovem entrevistado sobre seus próprios cuidados. É assim que abandona a

escola sem ninguém saber. O mundo, a rua é um convite à liberdade, que tem

um preço muito alto.

Sabem bem cedo que não podem determinar seus destinos fechados nas condições sociais e nos preconceitos raciais e de gênero. Entretanto, por causa dessa situação, aparecem reinventando em cada momento comportamento possíveis. São forçados, desde criancinhas, a aprender a fazer escolhas onde há poucas alternativas de escolha. Muitos dos adolescentes e jovens populares aparecem sem qualquer autonomia econômica, não dependem da família, nem do grupo social. Dependem de si mesmos, das escolhas que fizeram na vida. (ARROYO, 2004, p. 159).

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

130

A narrativa de RE-6 expressa um total descumprimento do aparato legal

que citamos no início desse tópico. Constituição, ECA, LDB... Nada vem ao

auxílio desse jovem.

Porque ainda a escola insiste em não dialogar com a lei? Refazer suas

práticas, porque é tão complicado para a instituição implementar leis que

beneficiem seus usuários? Ainda nos dias atuais, após vinte e um anos da

promulgação do ECA, as instituições escolares não se reordenaram do ponto

de vista institucional, bem como do ponto de vista pedagógico para atender o

cumprimento da LEI 8.069/90. Parece não entender a importância desse

valioso instrumento para o desenvolvimento de suas atribuições.

Veremos a seguir o depoimento de RE-3 que vem trazer informações de

como se deu seu processo de iniciação da sua escolaridade:

Quando eu comecei a freqüentar a escola eu já tinha 10 anos, fui matriculado numa escola em Pau Amarelo. Nesse período, morava eu e o pai, na casa de meu irmão que era motorista de ônibus. Mas só estudei um mês, a escola se chamava Paulo Freire. Sai da escola porque tive que se mudar para Rio Doce, lá fui estudar numa escola da terceira etapa, mas os meninos perturbava muito. Eu então sai da escola, faltava muito porque gostavam de me bater, fui estudar em outras escolas, mas eu saia muito porque meu pai saia pra trabalhar e eu ia com ele, depois fui trabalhar pra mim. Fui catar reciclagem e andava com uma carroça pra todo lado.

Uma experiência muito frágil sem as devidas condições de permanência

efetiva para freqüentar os bancos escolares. A falta de alguém que pudesse

cuidar dele obrigava seu pai a levá-lo para trabalhar com ele. Além do fato de

que sua entrada na escola ter sido tardia, aos 10 anos de idade, as dificuldades

familiares e as constantes mudanças de endereço diminuíam as possibilidades

de permanência na escola. Outro aspecto que deve ser considerado é a

prática do bullying, evento que o fez sair de uma escola na terceira etapa de

Rio Doce.

O depoimento traz a voz de alunos que não suportam escolas na qual há

perturbação, bagunça. São sujeitos que se sentem vulneráveis a todo tipo de

violência física e psicológica. E como conseqüência de uma vida sem a escola

como prioridade acabou levando-o ao trabalho informal em idade escolar e à

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

131

ambientes que sugerem riscos à sua integridade física e mental. A rua como

alternativa de sobrevivência é diferente da rua das brincadeiras de um tempo

romântico. Depoimentos como esses tomam uma dimensão importante, pois

encontramos semelhanças em outros atores oriundos das classes subalternas:

Na maioria dos depoimentos as condições de vida são mais fortes e vencem. “Eu larguei a escola”, uma confissão de tantos entrevistados e que carrega uma sensação de ter perdido a batalha, de ter abandonado a esperança de poder articular os tempos da escola com a condição popular de ser criança, adolescente ou jovem. Como é difícil para a infância, adolescente e juventude populares dos campos e das cidades articular os tempos de escola. Se é dramático abandonar a escola, mais dramático, ainda, é ter de abandoná-la para sobreviver. Esta pode ser a razão principal para lembranças tão contraditórias dos tempos de escola.(ARROYO,2004. p.97).

No caso do entrevistado a seguir, temos o que mais aproxima do

depoente anterior é o fato da entrada tardia na escola que se repete com mais

gravidade, a idade é ainda mais avançada. Vejamos:

Comecei a estudar já grande, com 14 anos, pois quando aconteceu a morte da minha mãe, fui morar com meu pai e minha madrasta nunca fez esforço para eu estudar. E como meu pai tinha rasgado o meu registro de nascimento, foi a partir de minha irmã do primeiro casamento de meu pai que é professora que falou com a diretora para me matricular. Mas depois fui expulso dessa escola por que risquei uma banca. A minha madrasta bebia muito e me maltratava muito, me batia toda hora e dizia muitas coisas ruins comigo.(RE-4)

Uma pessoa que só ingressa aos quatorze anos de idade na escola já

perdeu uma etapa muito importante de sua vida e principalmente as relações

que se estabelecem com a escola. Existe toda uma fase propicia para

socialização e adaptação à forma escolar. No entanto, os prejuízos vão mais

além, cronologicamente foi formado um déficit na relação idade/série,

produzindo uma distorção muito difícil de ser corrigida. RE-4 sofreu a perda da

sua mãe e provavelmente deve sido esse fato a principal causa dessa entrada

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

132

tão tardia na escola, uma vez que relata os maus tratos e a negligência

praticada por sua madrasta.

O pai se mostrou deveras irresponsável e também negligente, inclusive

não tendo o cuidado necessário com documento tão importante para filho,

apesar de que esse fato não o impedia de efetuar a matrícula do filho na

escola. Mas vimos uma contradição nessa família, pois tinha uma pessoa

letrada com formação para ser professora que não interviu no processo em

tempo hábil, só após quatorze anos, agiu em forma de matricular seu irmão.

No entanto, esse encontro com a escola não durou muito, logo foi

expulso por ter riscado uma banca. Imagino que catástrofe foi essa que

justificou uma expulsão. Continuemos a analisar os relatos de RE-4 como

forma de entender melhor sua trajetória escolar:

Quando fui expulso da escola fui estudar no mesmo bairro, numa turma de jovens e adultos só não lembro o nome da escola. Mas eu era pequeno, os outros todos grandes aí a professora só ligava para as pessoas grandes e eu ficava de fora dos assuntos. Mas eu queria aprender, só que não ligavam pra mim. Então, às vezes eu ia, ás vezes não ia. Depois eu saí, não quis mais estudar.

Ao ser expulso, o entrevistado tratou de arranjar outra escola para

estudar. Conseguiu na mesma localidade, como deve ser. Como já possuía

idade, foi inscrito na Educação de Jovens e Adultos. Mas o que ele traz em seu

depoimento é o fato de ser o mais novo na sala, sofrendo com a falta de

acolhida por parte da professora. Pelo o que está descrito, acredito ter mais a

ver com a metodologia e os processos desenvolvidos em sala de aula, do que

discriminação por qualquer outra motivação. Essa questão tem surgido, pois as

escolas estão tendo dificuldade de trabalhar com uma turma cada vez mais

jovem na turma de EJA.

Então, o aluno foi saindo, foi saindo até o ponto de desistir de da escola.

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

133

Veremos mais um depoimento de alguém que entrou na escola com

idade avançada, com características e prejuízos semelhantes ao entrevistado

anterior

Minha mãe me botou na escola em Timbaúba, ai eu já tinha dez anos de idade, na escola pública Clóvis Salgado. Mas eu também não lembro do nome da minha da professora da escola não. Mas eu não estudei muito lá não, fiquei por pouco tempo, pois tive uma vida muito complicada e os estudos nunca teve muita importância, que desde cedo me envolvi com besteiras e fui logo entrando na vida errada. Por isso mesmo passei boa parte de minha infância na FUNDAC cumprindo medida sócio-educativa no CENIP/ Paratibe. Foi lá que comecei a estudar de verdade, aprendi a fazer artesanato. Puxei três anos de cadeia (de internamento) por uma tentativa de homicídio nessa época tava com quatorze anos de idade.( RE-10)

Já discutimos os prejuízos acarretados por uma entrada tardia na

escola, então vamos ver o que aconteceu com RE-10

A vida em cárcere é uma realidade desde o início da adolescência.

Infelizmente não há diferenças significativas em termos de tratamento e

perspectivas de ressocialização entre as instituições aos adolescentes em

conflito com a lei e as unidades prisionais.

No entanto, o que deveria servir de um momento na vida do adolescente

como processo de aprendizado ou até mesmo reeducação, os locais de

internamentos de adolescentes sofrem dos mesmos males que encontramos

nas prisões. Se o adulto é desrespeitado na sua dignidade de pessoa humana,

o adolescente que se envolve em ato infracional é desrespeitado por ainda ser

um ser em formação e precisaria de um local para além da punição.

Todavia, o entrevistado ressalta a importância desse local para o que

chamou de estudo, foi nesse ambiente que desenvolveu suas habilidades

artesanais. Os estudos não tiveram espaço prioritário, tendo uma vida muito

complicada se envolvendo com besteiras e entrando no mundo do crime. Dos

quatorze anos aos dezessete esteve sob medida sócio-educativa, apesar de

ser legalizado tal procedimento é uma medida muito extrema para um

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

134

adolescente principalmente pelo fato de ser aplicada em uma ambiente que

não contribui para um processo reflexivo.

A experiência com a escola tem se mostrado um instrumento importante

para que possamos refletir sobre as práticas pedagógicas existentes nesses

espaços educativos e formativos. As subjetividades operam sobre os fazeres

escolares e influencia de várias maneiras as vidas de seus usuários. Vejamos

o depoimento de RE-9:

Comecei estudar cedo na educação infantil numa escola pública Eneida Rabelo, onde estudei desde a alfabetização. Nessa escola estudei aproximadamente 6 anos. Com a idade de 11 anos minha mãe me tirou dessa escola e me matriculou numa escola que existia no centro social urbano. Pois, era melhor porque a escola Eneida Rabelo ficava no Jordão Baixo. Essa escola era mais próxima de casa, mas só estudei até a 2ª série.

O que nos chama à atenção é a clareza com que o entrevistado se

refere aos acontecimentos na sua trajetória escolar. Nome da escola,

localização, tempo de permanência, série que cursou em cada

estabelecimento, os motivos pelos quais mudou de escola. Parece não ter

conflito com a instituição. No entanto, essa narrativa expressa que há muitos

mecanismos que barram o desempenho escolar. RE-9 entrou cedo na escola,

permaneceu lá por 6 anos e mesmo assim só estudou até a 2ª série. Neste

caso, a repetência se apresenta como a grande alternativa para explicar a não

promoção desse indivíduo. Continua RE-9:

Essa não era uma escola muito boa, pois era como se não fosse feita para os alunos. É que parecia que ninguém gostasse da gente. Acho que gostavam mais dos animais do que da gente. É que lá tinha uns gatinhos que tomava leite que sobrava da merenda parecia até que eles era as pessoas e, nós os bichos.

A percepção do entrevistado quanto à forma indiferente e inferiorizante

como os trabalhadores da escola tratavam os alunos se constituiu enquanto

convite para deixar a escola. RE-9 foi se afastando aos poucos, até abandonar

totalmente os estudos, como veremos no depoimento abaixo.

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

135

Depois fui deixando de freqüentar a escola, pois era muito suspenso. A diretora uma vez disse que eu ia ser expulso se não tomasse jeito de gente. Então fui saindo, fui saindo. Só que minha mãe disse que não dava pra ficar sem ir pra escola, que sem estudar a gente não é nada. Foi então que fui estudar à noite no projeto que tinha pra gente grande ler. Eu tinha quinze anos”.(RE-9).

A forma como são tratados os alunos podem definir que tipo de relação

eles vão ter com a escola. A evasão se dá por vários motivos, um deles é a

violência da escola, expressa pela marca da indiferença, do autoritarismo entre

outros. Ameaças e efetivação de suspensão, expulsão são razões que levam à

desistência, mas nada é pior que a indiferença. Em um jogo de busca de

culpados, em geral a escola transfere as responsabilidade para os alunos e/ou

para os familiares, que, por sua vez, acredita que a responsabilidade é da

instituição escolar. No entanto, a escola diante de alunos com problema de

comportamentos tende a sacrificar a parte mais frágil, o aluno, além de

escamotear a problemática.

Diante, então, da pressão dos funcionários, alunos e dos familiares, e da impossibilidade da garantia de uma redução imediata e duradoura dos comportamentos agressivos do aluno, a escola busca junto da família e do próprio estudante incentivar a transferência e/ou expulsão do mesmo. Tal “incentivo” é realizado na maioria das vezes, muito antes do momento real da transferência propriamente dita. Comumente, os alunos escutam: “Se não melhorar, vai ser expulso” ou “Se continuar com isso, vai ganhar suspensão”. Quando a ameaça de punição não se mostra mais eficaz no controle do comportamento indesejado do aluno e a transferência ou expulsão se concretiza, o que se observa é uma sensação de alívio e aprovação por parte da coordenação, do corpo docente, alunos, que muitas vezes se sentem intimidados ou amedrontados na presença desse grupo e familiares, reforçando, ainda mais, esse mecanismo de controle. (STELKO-PEREIRA; PADOVANI).

Mas, antes de sair definitivamente da escola, há uma espécie de

dicotomia entre ficar e sair. Todos estão cientes que precisam da escola,

mesmo esta escola que os maltratam. Não dá para ficar sem estudar. A

sociedade, os meios de comunicação, a família (como vimos aqui na pessoa da

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

136

avó, da mãe ou do pai) diz insistentemente que para “ser alguém na vida” é

preciso estudar. Sentenciam: sem escola a pessoa não é nada! Então, como

percebemos os entrevistados buscam alternativas para se manter na instituição

escolar: se matricular em projetos para pessoas fora de faixa; trocar de escola;

participar de projetos de alfabetização e, por finalmente se matriculam na

escola do presídio. A escolarização continua ser o grande horizonte.

4.4 O Pertencimento etnicorracial e a escola: cruzando impressões.

A luta do movimento negro por uma educação de qualidade interetnica

e, por uma escola democrática foi e tem sido uma de suas prioridades no

combate à discriminação racial. Educação como direito humano inalienável é

uma busca incessante. A gente não só tem fome por comida, a nossa fome é

por saber e oportunidades.

Nesse sentido, houve uma mobilização dos grupos e entidades do

referido movimento em todas as regiões do país nessas ultimas quatro

décadas. Uma educação que esteja adiante de uma mera formação e que

compreenda a necessidade de construir novas formas e metodologias. Enfim,

uma escola que inclua os diversos atores da sociedade brasileira, pois como

nos diz Grossi:

Nos tornamos gente porque incorporamos lembranças ao nosso organismo. “Nós somos os nossos recuerdos”, donde somos seres de cultura e não de natureza. As lembranças que nos constituem não são o conjunto completo de tudo o que vivemos. São, isto sim, o resultado de escolhas que fazemos dentre os nossos vividos. Reprimir ou negar certas partes significativas do nosso passado nos faz enfermo ou menos gente. Ora, ignorar a profundidade e ampla presença do negro na nossa constituição como sujeitos é certamente produção de doença nacional. (GROSSI, 2004, p. 67).

Uma escola que combata e previna ações discriminadoras e racistas e

desenvolva mecanismos para garantir uma revolução no campo educacional no

qual a diversidade, a pluralidade seja vivenciadas de forma natural, sem

atividades exóticas, como parte de um todo em igualdades de condições e

Page 138: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

137

importância. Uma educação para além dos números e dados e que resgate

sujeitos, salve vidas e ressignifique a sua didática.

No qual o sujeito envolvido no processo de ensino e aprendizagem

possa se sentir acolhido e interaja de forma que possa contribuir na construção

do conhecimento como protagonista do processo. A lei 10.639/03 é um

instrumento que pode contribuir para uma mudança de atitude, no entanto é

preciso empenho e determinação:

O cumprimento desta lei não necessita apenas da edição de regulamentos e diretrizes, requer principalmente mudanças de discurso, raciocínios e posturas. Faz-se necessário desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira e admitir que ainda existe em nosso país um imaginário étnico-racial que privilegia as raízes européias da sua cultura, pouco valorizando as demais, em especial a africana. (SAUER, 2004, p.75).

Nesse sentido, a implementação da LEI 10.639/03 tem uma fundamental

importância uma vez que propõe uma transformação no campo educacional. O

conteúdo da lei trata da participação do grupo negro de uma forma positiva.

Historicamente a escola vem contado a história e cultura afrobrasileira de forma

deturpada, negando seu valor na formação da cultura brasileira. Então, a luta

por mudanças do modelo educacional baseado no eurocentrismo é reforçada

por legislações municipal, estadual e federal que o ensino de tal conteúdo no

currículo escolar da educação básica. Tal reivindicação contou com a

participação de grupos e pessoas da sociedade preocupados com mudanças

que possam garantir direitos essenciais e uma educação inclusiva, como afirma

o parecer das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações

Etnicorraciais:

Destina-se, o parecer, aos administradores dos sistemas de ensino, de mantenedoras de estabelecimentos de ensino, aos estabelecimentos de ensino, seus professores e a todos implicados na elaboração, execução, avaliação de programas de interesse educacional, de planos institucionais, pedagógicos e de ensino. Destina-se, também, às famílias dos estudantes, a eles próprios e a todos os cidadãos comprometidos com a educação dos brasileiros, para nele buscarem orientações, quando pretenderem dialogar com os sistemas de ensino, escolas e educadores, no que diz respeito às relações etnicorraciais, ao reconhecimento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, à diversidade da nação brasileira,

Page 139: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

138

ao igual direito à educação de qualidade, isto é, não apenas direito ao estudo, mas também à formação para a cidadania responsável pela construção de uma sociedade justa e democrática. (DCNPEER, 2004, p. 10)

Nesse sentido, é preciso desconstruir um modelo de sociedade no qual

apresenta o negro como um sujeito de inteligência e cultura estranha e o que

se relaciona com o seu legado seja contrario à razão. Para Césaire, esse

modelo eurocêntrico de apresentação do negro fomentou a construção de

dores física, infelicidades e sofrimentos, capazes de produzir um

aprisionamento metal impossibilitando o negro de se ver capaz de emancipar-

se. No entanto, uma educação emancipatório é preciso para que de fato

tenhamos um país democrático. Por isso, o parecer da LEI 10.639/03 tem uma

importância fundamental na formulação de políticas de ações afirmativas e

implementação da referida lei:

Este parecer visa a atender os propósitos expressos na Indicação CNE/CP 6/2002, bem como regulamentar a alteração trazida à Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei 10.639/2000, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. Desta forma, busca cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5º, I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26 A e 79 B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que asseguram o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como garantem igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos brasileiros. (DCNPEER, 2004, p. 9)

Como mostram os documentos já se possuem meios e caminhos para

combater a violência e a opressão no ambiente escolar. Talvez a tarefa mais

importante seja conscientizar os agentes envolvidos no fazer pedagógico dessa

instituição a assumirem uma posição proativa no combate às atitudes de

omissão, geralmente presente, diante das várias formas de violências no

referido ambiente. Essa omissão dos agentes escolares tem promovido a

expansão dos insultos raciais, apesar da instituição escolar já contar com

mecanismos didáticos, pedagógicos e legais atualizados para atuação no

combate às manifestações racistas, homofóbicas, sexista e de gênero etc.

Page 140: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

139

No entanto, é preciso a escola assumir seu dever em promover uma

cultura de paz, para isso será preciso estabelecer parcerias com entidades

públicas e privadas, grupos e entidades dos movimentos sociais. Também é

necessário fomentar a participação efetiva da família na escola, buscando

superar a ausência desse grupo nas principais discussões escolares. Não é

distinto com as questões relativas a educação para as relações raciais. Nesse

caso o que existe é um silêncio ensurdecedor, mas que segundo Cavalleiro ele

acontece porque:

O silêncio, ali reinante, quer acalentar, proteger do sofrimento que sabemos, irá ao seu encontro. Assim, a família protela, por um tempo maior, o contato com o racismo da sociedade e com as dores e perdas dele decorrentes, ‘silencia’ um sentimento de impotência ante o racismo da sociedade que se mostra hostil e forte ‘silencia’ a dificuldade que se tem em se falar de sentimentos que remetem ao sofrimento.’Silencia’ o despreparo do grupo para enfrentamento do problema, visto que essa geração também apreendeu o silêncio e foi a ele condicionada na sua socialização. (CAVALLEIRO, 2003, p. 100).

Esse diálogo com algumas pesquisas, em especial que articula

educação e racismo, é fundamental para nossos análises acerca da relação

entre a escola, as questões etnicorraciais e as experiências dos sujeitos

entrevistados.

Começaremos com os dados de RE-2 que resiste à ideia de que a

discriminação parte do outro, é a pessoa mesma que se discrimina:

Não nunca sofri nenhum tipo de discriminação, por que discriminação não existe. A gente é quem se discrimina. Eu nunca vi nada desse tipo na escola. Na vida sim sempre houve algum tipo dessas coisas, já fui jogador de futebol em Surubim e no campo a gente ouvia muitas coisas, mas a gente leva na brincadeira, ne? Não me lembro de ter esses assuntos nas aulas, pois a professora só dava os assuntos da escola para a gente aprender a ler e escrever. Eu acho que ela tava certa, pra que falar disso? Pois se alguém xingar o outro com preconceito, o problema é dele, que não tem Deus dentro dele, é só o outro não ligar, porque todos nós somos iguais, filhos de Deus ne?

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

140

Apesar de afirmar nunca ter sido vítima de discriminação e defender a

inexistência dessa prática, logo em seguida RE-2 relata que “ sempre houve

algum tipo dessas coisas” na vida e recorda dos seus tempos de futebol

quando “ouvia muitas coisas”. Como no senso comum, RE-2 classifica tais

atitudes como “brincadeiras”.

Ah sempre aconteceu algum tipo de brincadeira em sala de aula, negão, nego safado, macaco, mas sempre em tom de brincadeira as vezes ia para na professora que bota os engraçadinho de castigo para evitar brigas, mas a gente sempre resolveu sozinho porque se não a gente ia para secretaria ai agente só entrava com a mãe, acho que isso é coisa dos alunos a professora cuida do quadro ela não tem nada com isso, isso é coisa dos alunos.(RE-2).

Sobre brincadeiras, alega que sempre aconteceram do tipo: negão, nego

safado, macaco, mas para ele sempre foi brincadeiras que ás vezes acabava

por parar na professora que punia o brincalhão para evitar brigas. Pelo fato de

não querer que fosse chamado as mães eles sempre resolviam entre si os

conflitos existentes. A professora é pra cuidar do quadro e não tem nada a ver

com isso. Mas o que significa tais insultos para responder a essa questão

traremos Guimarães para explicar:

a animalidade, quando se trata de insulto propriamente racial, é atribuída principalmente através de termos como “macaco” e “urubu”, usados indistintamente para ambos os sexo. No primeiro caso, o animal, além de selvagem, é considerado pela zoologia como mais próximo do ser humano, devendo portanto, seguindo as idéias de Leach, ser objeto de distanciamento ritual muito rigoroso; no segundo caso, trata-se de um abutre que tem por hábito devorar cadáveres de outros animais, inclusive humanos. (GUIMARÃES, 2002, p.174).

O entrevistado demonstra um entusiasmo com o processo de

alfabetização pelo qual esta passando, ao mesmo tempo desobriga a

professora de intervir nos conflitos envolvem questões raciais.

O que eu mais gosto nessa escola é de aprender a ler, eu estou começando agora, to melhorando. Eu gosto de ver as pessoas felizes, sem brigar, sem xingar os outros. Uma

Page 142: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

141

vez um menino me chamou de negro, eu disse você se acha melhor do que os outros, mas você não é não. Mas eu não fiquei com raiva dele não, eu sou moreno, não sou negro eu nem disse a professora. E sobre esses assuntos sobre a raça negra ou branca eu nunca estudei não, nem na de lá de fora a do mundão, nem a daqui. Acho bom não estuda isso, evita outras coisas, coisas de preconceito esse negócio aí.(RE-3).

A negação da temática racial na sala de aula é acompanhada por uma

autonegação, quando o entrevistado se diz moreno e não negro. Munanga nos

auxilia na análise dessa narrativa:

O brasileiro foge de sua realidade étnica, de sua identidade, procurando mediante simbolismo de fuga, situar-se o mais próximo possível do modelo tido como superior, isto é: branco. (MUNANGA, 1999, p.14).

A narrativa de RE-8 não difere da experiência de RE-3 e da maioria das

narrativas no que se refere a total ausência de debates sobre temáticas

etnicorraciais na sala de aula.

Não lembro de nenhuma atividade nem nas escolas do mundão que falasse sobre as essas coisas raciais e sobre essa lei ai da cultura africana nem nessa escola aqui. Sobre assuntos de racismo nunca aconteceu comigo nenhum tipo de xingamento nem na cadeia e nem na escola, mas já vi acontecer com meus colegas em sala de aula, mas a professora foi logo reclamando com os comédias que não se manca em tirar pra cima dos outros.(RE-8).

Novamente Munanga explica o quanto é prejudicial para o aluno negro a

escola e seus agentes não saber/querer lidar com as questões etnicorraciais e

a diversidade:

Não precisamos ser profetas para compreender que o preconceito incutido na cabeça do professor e sua incapacidade em lidar profissionalmente com a diversidade, somando-se ao conteúdo preconceituoso dos livros e materiais didáticos e as relações as relações preconceituosas entre alunos de diferentes ascendências étnico-raciais, sociais e outras, desestimulam o aluno negro e prejudicam seu

Page 143: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

142

aprendizado. O que explica o coeficiente de repetência e evasão escolar altamente elevado do aluno negro, comparativamente ao aluno branco. (MUNANGA, 2005, p. 16).

RE-9 vem nos contar um pouco de como aconteceu com ele, como seu

pertencimento racial esteve presente nas relações estabelecidas na escola e

como esse fato reverberou sobre seu cotidiano escolar.

Eu sempre presenciei ou vivi situações de racismo na escola. Coisas como xingamentos, chacotas, e muitos constrangimentos, coisa do tipo negro só devia ter dois dentes um pra roer osso e outro pra limpar pente. Isso como brincadeira, mas a gente quando é pequeno é como se fosse uma martelada na cabeça e isso me deixava pra baixo. Mas você tem que seguir pra frente. Quem me dava bastante força era minha mãe. Ela dizia você é negro, mas também é gente. Mas tudo isso provocava uma grande revolta, era como uma martelada na cabeça, isso acontecia várias vezes e nada era feito na escola.

O entrevistado relata que sempre presenciou ou vivenciou situações de

racismo no ambiente escolar. Coisas bastante estarrecedoras, como os

xingamentos, as chacotas e os diversos tipos de constrangimentos. Um ele

chama atenção, um ditado racista que o incomodou tanto que ele fica repetindo

o efeito negativo em suas lembranças: Negro só devia ter dois dentes um pra

roer osso, outro pra limpar pente. Os efeitos negativos dos insultos raciais são

tão nocivos que não se pode mensurar tanto para a vida do sujeito agredido,

bem como para o rendimento escolar. Cunha Junior explica por que acontece:

Devido ao racismo os alunos negros são motivos de chacotas e insultos pelos colegas. As piadinhas com os negros não são simples brincadeiras. Elas são responsáveis pela desqualificação social da população negra. Com estas piadas se aprende a desfazer da imagem do negro. (CUNHA JUNIOR, 2007, p.1)

As agressões são prejudiciais e marcam as trajetórias dos sujeitos

negros para a vida toda. Muitos são acometidos por depressão, recalques

tornando-se pessoas com problemas de aprendizagens. O sujeito contava com

Page 144: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

143

o apoio da mãe que tentava amenizar as desqualificações advindas das injúrias

raciais.

Quando a gente reagia era suspenso e você para não ser expulso comia partido. Uma vez a diretora disse ao aluno que ele era complexado, pois se importava com essas coisas. Então, ele botou uma bomba relógio que destruiu a descarga e foi pego no corredor, foi suspenso, mas ninguém abriu.

No relato acima, RE-9 coloca em evidência um procedimento comum no

racismo brasileiro: imputar à vítima a pecha de complexado. Ou seja,

identificar, renegar e exigir providências contra as discriminações são

sinônimos de um comportamento complicado, emocionalmente instável. Nesse

sentido, Gonsalves, a partir de D’Adesky, afirma que:

Concordando com D’Adesky, acreditamos ser de suma importância para a formação de professores. Nesse sentido, penso que as escolas, ao não estarem atentas aos aspectos culturais e às relações raciais e desprivilegiarem discussões sobre esses temas, acabam por adotar práticas e discursos que valorizam determinada ordem social, estimulando os alunos a adaptar a ela e aceitar como natural que desigualdades sociais e culturais sejam considerados “déficits” individuais. (GONSALVES, 2005, p. 2)

Fatos de negligencia e descaso são patrocinadores de atitudes

violentas em respostas às agressões sofridas e gera revolta e vandalismo por

parte de alunos que, erroneamente, encontra na violência uma alternativa de

reação. E nos perguntamos quem nasceu primeiro. Foi à violência da escola

ou a violência na escola?

O próximo entrevistado tem em suas lembranças os acontecimentos que

geraram alguns traumas que parecem não se diluir, mesmo passando alguns

anos as referidas lembranças deixaram marcas que estão presentes até hoje.

Sempre aconteceu alguma coisa sobre de preconceito. As brincadeiras era muito pesadas sempre pra botar a gente pra trás durante o tempo que eu passei na escola no mundão teve sim, sempre a gente era ofendido como

Page 145: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

144

negro safado, macaco e outros apelidos, tinha vez que só era brincadeiras, zoação, mas as vez era pra machucar mesmo isso é coisa que sempre aconteceu. Aqui também tem, mas é pouco e é só brincadeira. Eu nunca estudei sobre esse negocio de cultura negra não e da história dos negros também não as história que tem a gente já sabe a história que os escravos veio da África.(RE-6).

As narrativas, ao registrar a inexistência de quaisquer atividades

pedagógicas relativas às culturas africanas e afrobrasileiras, mostra que

mesmo a LEI 10.639 tendo sido promulgada em 2003 sua implementação

ainda não foi assegurada como evidenciam vários trabalhos de pesquisas. Há

um descaso das redes e das escolas em promover sua implementação e uma

não observância dessa infração pelo Ministério Público. Por conta desses fatos,

o ambiente escolar segue como espaço reprodutor das desigualdades, dos

preconceitos, da discriminação e do racismo:

Dentro do espaço escolar, pode-se colaborar para que preconceitos se desenvolvam de forma consciente ou inconsciente, pois a escola, como reprodutora dos valores da sociedade na qual está inserida, tem ação política e transmite esses valores, através da prática de professores que não se atentam para isso. Assim, os preconceitos que estão disseminados na sociedade podem se reproduzir e muitos deles no próprio livro didático. (MOHAMAD, 2008, p. 1)

O depoimento do jovem RE-7 relata uma escola que dialoga com a

comunidade e que se mantém aberta nos finais de semana para os grupos

culturais e a comunidade em geral. Com a intenção de promover uma inserção

da comunidade no processo de educação promovendo a cultura e a

participação. Tendo como matéria prima principal para o seu fazer pedagógico

a cultura na qual está em sua volta.

Na escola sempre tinha atividade cultural. Minha vó fazia parte do grupo de seu Ovídio e esse grupo estava sempre na escola a diretora era de lá da comunidade. Todos os grupos de lá usa a escola nos fins de semana, lá tinha desfile de moda. Minha irmã fazia parte do grupo de dança da escola e do Daruê. Lá tinha frevo com o professor Limão. A escola ganhou um prêmio da

Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

145

secretaria, a gente foi se apresentar na cidade e depois no Geraldão.

A escola descrita por RE-7 se diferencia das demais escolas que

abrigaram os entrevistados desta pesquisa. Realiza a interação com a

comunidade e abrir espaços para grupos culturais, sendo as manifestações

culturais afrobrasileiras bastante valorizadas.

Para Chalita(2004), incluir os estudos da História da África e da Cultura

africana no currículo e no cotidiano das escolas do Ensino Fundamental e

Médio vai além de preencher a lacuna deixada por todos esses anos. Mas

apresentará aos usuários do sistema de ensino e aos professores um universo

de encantamento e magia que, com certeza, aumentará seus níveis de

aprendizagens. Nesse sentido Machado nos diz que:

O processo educativo coloca-se, neste contexto, enquanto elemento fundamental de combate ao preconceito e a discriminação, pois, quando passa a servir como ferramenta de reestruturação da auto-imagem da pessoa negra, contribui na consolidação do respeito aos direitos humanos. (MACHADO, 2004, p.73).

Então uma escola com essa prática diferenciada precisa ser reconhecida

como espaços de possibilidades de construção de uma prática pedagógica

capaz de garantir aos seus usuários o reconhecimento de outras identidades

positivas.

Outra vez teve uma exposição dos maracatus. Minha vó saía no “desperta povo” de seu Ovídio. Na escola sempre teve algo falando de negro. Um dia teve uma reunião com a polícia para ela não chegar batendo em todo mundo, foi lá na escola. Porque a polícia tinha matado uma pessoa inocente, só porque ele era negro. Ele era trabalhador e assassinaram, ele era aluno da escola. Então teve passeata. Qualquer coisa era discutido, mas tinha uns que só queria fumar maconha na escola, a diretora dizia que lá era lugar de estudar. (RE-7).

Page 147: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

146

As práticas pedagógicas da escola vivenciada pelo jovem RE-7

contempla o disposto na LDB, conforme abaixo, e está em conformidade com a

LEI 10.639/03.

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (LDB, 9.394/96 art.1°).

4.5 As motivações para frequentar a escola do presídio

Os reeducandos apresentaram quatro principais razões que os

motivaram a vir estudar na escola da prisão: a primeira é o fato da necessidade

e do desejo pela sua escolaridade, embora a grande maioria ainda está

sedentos por se alfabetizar; em seguida, aparece a necessidade de um lugar

para se refugiar, pois a superlotação torna o convívio insuportável e o ambiente

prisional violento e o ápice dessa violência está nos pavilhões. Em terceiro

lugar, aparece a remição que em outra situação poderia ser a número um na

ordem de motivação. Mas com a burocracia e a lentidão do judiciário, a

remição não se torna eficiente, logo não se apresenta como prioridade. A

quarta motivação é a complementação alimentar.

A escola também oferece a oportunidade de serem atendidos em outras

questões, tais como: acesso à enfermaria; acompanhamento de processo;

acompanhamento dos pareceres jurídico e psicossocial. A escola se apresenta

como um espaço capaz de ajudar os reeducandos a mudar de vida

literalmente. No entanto, é preciso fortalecer os laços entre a instituição e seus

usuários, transformando a atividade educacional em um elemento importante

dentro da unidade prisional, bem como no programa de ressocialização.

Mas o principal destaque nessa escola é a afetividade demonstrada

pelas professoras que, como eles mesmos dizem nos depoimentos, elas o

tratam de forma igualitária. Os trata como “gente”, assim transformam o que

deveria ser a regra em algo excepcional. É especialmente por este aspecto

Page 148: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

147

que a escola, para eles, se torna uma ilha, um oásis dentro de um ambiente

brutalizado.

As professoras passam a ter uma relação diferenciada com seus alunos,

e, como nos alertou o professor Moisés Santana,18 o cuidado também faz parte

das atribuições do educador. Cuidar como um ato educativo e não puramente

como uma ação caridosa, muito mais que isso:

Ensinar exige querem bem aos educandos (...) Significa, de fato, que a efetividade não me assusta, que não tenho medo de expressá-la. Significa esta abertura ao querer bem a maneira que tenho de autenticamente selar o meu compromisso com os educandos, numa prática específica do ser humano. Na verdade, preciso descartar como falsa a separação entre seriedade docente e afetividade. (FREIRE, 2001, p. 159).

Infelizmente, a escola no ambiente prisional não é vista como uma

instituição importante, mas sim como um adendo dos serviços penitenciários.

Uma espécie de faz de conta e sendo assim, os profissionais também recebem

um status desvalorizado.

Os depoimentos seguintes trazem mais informações sobre as

motivações para participar do espaço escolar.

Estou na escola para aprender ler e escrever. Sei que tem um adianto que é se estudar 3 meses diminui a pena. Mas não é isso, não. Eu quero aprender a ler para quando eu sair daqui eu possa ir na parada de ônibus e saber para onde ir, onde vai parar e não pegar o ônibus errado.(RE-8).

Percebemos que motivos bem simples, aprender a ler para não se

enganar com os ônibus, é mais valorizado que a remição.

Eu quero aprender a ler e escrever legal, não ter atrapalho na hora de ler. Quero saber ler tudo, e é muito bom sair do pavilhão. Poder ficar tranqüilo, conversar tranqüilo, e falar de coisas boas. A remição é um adianto para diminuir a cadeia da gente. A gente vem pensando nisso, mas depois a gente nem lembra mais, quer mesmo é aprender a ler e, mais: aqui na escola eu me sinto

18 Reflexão feita na argüição de defesa desta dissertação, realizada em 30 de setembro de 2011 no Centro de Educação da UFPE.

Page 149: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

148

seguro, respeitado pelos colegas e pelas professoras.(RE-3)

A narrativa de RE-3 acrescenta aquele rol de motivações que

descrevemos para está na escola, questões bem subjetivas: conversar, sair do

pavilhão, caminhar tranqüilo.

Quando fiquei preso na FUNDAC, nunca me interessou em ir pra escola. Ficava mais trancado na cela. Só aqui foi que eu vim estudar por que a diretora afirmou que se eu estudasse a minha pena diminuía. Estou estudando há 2 anos. Minha cadeia tirada e nada, ela falou que procurasse meu advogado, meu advogado é Deus e o do Estado. Mas agora a vontade de aprender a ler é maior, pois eu só sei escrever meu nome, ganhar respeito é que nunca fui respeitado.(RE- 5).

O desejo de aprender vem sempre na frente nos depoimentos dos

sujeitos. Como principal motivo que os levaram para a escola do presídio, bem

como a escola como espaço de paz, refúgio. Para RE-2:

Um dos motivos maior foi o de aprender a escrever, porque lê eu já sabia um pouco, mas escrever foi sempre um tropeço na minha vida. Mas tentarei resolver isso aqui. Então eu disse já que eu tô preso eu vou tentar diminuir meu prejuízo se eu concluir a quarta série já tá bom. Eu nunca pensei que vinha para aqui, eu sempre tive vontade de conhecer um presídio, mas quando eu dei fé tava dentro dele é de arrepiar. A vinda para escola me livra de tá lá embaixo por que lá embaixo só se fala em violência, e eu como mais velho tenho que ajudar a eles mudar isso porque a conversa é só quando eu sair daqui vou matar, vou fazer, vou acontecer, por isso estou também na igreja.

Um dos principais motivos foi o de aprender a escrever, pois já lia um

pouco, no entanto escrever sempre foi algo muito difícil para ele e ele queria

desenvolver essa competência, e acredita que vai resolver esse problema na

escola. Já que estava preso resolveu diminuir seu prejuízo investindo parte de

seu tempo nos estudos. A possibilidade de terminar a quarta série já será um

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

149

grande ganho. Nesse sentido a instituição deve investir na recuperação do

tempo perdido:

A educação de jovens e adultos é toda educação destinada àqueles que não tiveram oportunidades educacionais em idade própria ou que a tiveram de forma insuficiente, não conseguindo alfabetizar-se e obter os conhecimentos básicos necessários (PAIVA, 1973, p. 16).

A narrativa abaixo é rica em detalhes. Trata das disciplinas prediletas de

RE-2, atribui o fato de está na prisão a uma missão divina, ou seja aprender o

que é a vida e conjectura sobre o desejo e as possibilidades para continuar os

estudos após cumprir a pena. Vale destacar sua observação sobre a

possibilidade da violência no seu bairro não permitir a realização desse

desejo.

Gosto mais de matemática e das aulas de leitura. Muita gente está aqui mais preocupado com a remição que, é um adianto de cada 03 dias de estudo um de liberdade e também porque a diretora e as professoras só falam nisso. Mas eu estou aqui porque Deus quis para eu aprender o que é a vida. E uma coisa que eu aprendi que a educação tem uma importância muito grande na vida da gente e, quando sair da prisão vou sentir muita falta e se, a violência no bairro onde moro não estiver muito grande vou continua meus estudos a noite mesmo quando chegar do trabalho cansado, eu vou. (RE-2).

Para o nosso entrevistado a seguir, um dos motivos que o levou à escola

do presídio foi o poder de transformação. Para ele, a escola transforma as

pessoas. Estuda e deseja continuar estudando para “ser alguém na vida”.

Acredita com os estudos vão ajudá-lo a reconstruir sua vida, pretende sair da

vida do crime, criar sua filha.

A escola é muito importante porque pode transformar as pessoas. Quando sair daqui vou continuar estudando para ser alguém na vida, pois tenho como objetivo criar minha filha e reconstruir minha família. Sempre tirei cadeia, desde pequeno e tenho muita fé em Deus que vou sair do mundo do crime porque o crime só dá cadeia ou cemitério e quando sai da prisão vou mudar. Eu quero aprender

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

150

mais do que sei, pois sei pouco, é bom saber das coisas e a escola ensina.

No depoimento abaixo, RE-2 destaca a escola como refúgio frente às

violências presentes nos pavilhões, bem como uma alternativa para sair dos

pensamentos negativos ou no seu dizer, deixar de ficar castelando.

A gente pode quando sair daqui arranjar um trabalho e viver do bem. Não aguento mais cadeia minha infância toda foi tirar cadeia e também poder ensinar meus filhos é bom. Vim pra escola é deixar as coisas ruim lá embaixo, onde tudo de ruim acontece. Muita violência, a gente fica o tempo todo sob a ameaça e o medo de que a qualquer momento alguma coisa ruim vai acontecer, pois tudo que não presta a gente ver no pavilhão aí a gente só fica castelando o que não presta.

A narrativa do RE-10 apresenta a escola como possibilidade de

ascensão social. Na sua compreensão, conseguir uma boa escolaridade

garante uma vida melhor. A remição, mais uma vez, é minimizada. O valor

maior recai no aprender, na aquisição de conhecimentos.

Na escola é outro tipo de viagem. A gente fica importante, eu gosto. Também sei que tem a remição, eu sei, todo mundo sabe é um adianto bom. Claro que a gente quer, mas não conheço ninguém que saiu daqui por causa disso. O bom mesmo é aprender, isso é o que vale, eu quero aprender, adianto mesmo é isso. Se a gente aprender já tá bom, o importante mesmo é conseguir a liberdade. Gostar de ir pra escola e saber dá importância de poder criar seus filhos e com a graça de Deus vou poder realizar meus sonhos e objetivos.(RE-10).

O desejo do próximo entrevistado reside ao mesmo tempo em poder

aprender e também diminuir sua pena. É melhorar sua escolarização e ao

mesmo tempo usufruir o direito à remição de sua pena pelo estudo, que agora

é lei. Neste caso, o reeducando que estiver matriculado na escola da prisão

receberá por cada doze horas de estudo um dia de liberdade. Para RE-4 não

há diferenciação nos aspectos pedagógicos entre a escola fora do presídio e a

escola localizada no interior da prisão. Essa constatação nos leva a refletir

Page 152: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

151

sobre a urgência de uma revisão do nosso sistema educacional, se quisermos

uma educação de qualidade para todos os usuários, independente do lugar

onde ele se encontre.

Eu vim para a escola pelo fato de querer aprender ler e escrever, e para diminuir minha pena, leio gaguejando e fico muito nervoso tenho dificuldade de copiar as lições, eu quero ficar bom nos estudos para que possa estudar lá fora e arranjar um emprego e nunca mais ser preso quero virar gente e sair daqui. Não vejo muita diferença entre esta e a escola do mundão a diferença é apenas a liberdade, pois no mundão a gente faz o que quiser, entra na sala se quiser, vai pra aula se quiser, mas fora isso é do mesmo jeito. A professora escreve no quadro a gente, tira do quadro, às vezes não dá tempo, a gente pede ao colega pra emprestar o caderno às vezes eles também não conseguiu terminar. Tem dia que é muito chato vir para a escola, mas a gente vem, porque aqui é melhor do que lá em baixo, lá em baixo é outra coisa e é muita coisa, a gente prefere sair ou pra escola ou pra igreja, mas a gente não pode dizer isso não, pra não pensarem que a gente é X9, mas lá embaixo o bicho pega. (RE-4).

Mais um depoimento, no qual o cruzamento entre o desejo de aprender

e o de diminuir a sua pena aparece como motivação principal, nesse caso a

remição como política compensatória vem cumprindo sua função a de ao

mesmo tempo beneficiar os encarcerados que resolvem estudar, bem como ser

um atrativo que estimulem os sujeitos a se motivarem a voltar a estudar.

O motivo que eu voltei a estudar é que aqui a gente pode aprender e ainda diminui a nossa pena. Mas o mais importante é que quero aprender mais, pois faz muito tempo que não estudo. Aqui é legal, a professora ensina bem, respeita o aluno, trata o aluno bem, fala direito. (RE-1).

Esses sujeitos têm a consciência de que na escola podem diminuir seu

déficit de escolaridade. Novamente vem à tona a forma como a professora se

relaciona com os alunos como algo positivo, tratar bem, falar direito tem sido os

destaques dado por esses sujeitos:

Page 153: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

152

O professor que tem entusiasmo, que é otimista, que acredita nas possibilidades do aluno, é capaz de exercer uma influência benéfica na classe como um todo e em cada aluno individualmente, pois sua atitude é estimulante e provocadora de comportamentos ajustados. O clima da classe torna-se saudável, a imaginação criadora emerge espontaneamente e atitudes construtivas tornam-se a tônica do comportamento da aula como grupo. (PILETTI, 1989, pg. 19).

A partir dessa reflexão, percebemos que a forma como os educadores

se posicionam influência nos resultados obtidos na sala de aula e no processo

educativo. Não se trata de colocar o educador como centro desse processo,

mas sim como fundamental importância a sua participação.

Educação é tudo é caminho para todos os cantos. Eu tinha vontade de aprender para ter um futuro melhor, para que eu pudesse dar coisas boas para meus filhos e, por vontade de aprender mesmo. Pois lembro que pai puxava muito por nós para que estudasse. E isso ficou do pai, que estudar é tudo, só o estudo pode fazer o pobre ter alguma coisa. Aprender coisas novas, coisas boas, matérias que puxem pela nossa mente, pra a gente não ficar castelando, fica pensando coisas ruim, então você sai do pavilhão e se livra de tanta coisa não é? O senhor sabe, não é? Não é bom nem a gente falar. (RE-9)

RE-9 começa seu depoimento com uma oração, que mais parece com

um slogan, que chega a ser poético: educação é caminho para todos os

cantos. Sempre teve vontade de aprender para ter um futuro melhor, como

garantia de dar coisas boas a seus filhos, e também por vontade de aprender

mesmo. Destaca a influência do pai na valorização dos estudos e a escola

como uma opção à violência dos pavilhões. Aprender, construir caminhos

melhores, recordar os conselhos do pai e sair do pavilhão são razões

elencadas para ir para a escola.

Depoimento como o de RE-9 demonstra a importância da educação para

esses sujeitos e a escola como uma das únicas possibilidades para aquisição

de cultura e principalmente no espaço de encarceramento. Portanto, essa

escola deve assumir uma postura que não se limite a alfabetizar. Para

Arbache:

Page 154: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

153

É necessário superar a idéia de que a EJA se esgota na alfabetização, desligada da escolarização básica de qualidade. É também necessário superar a descontinuidade das ações institucionais e o surgimento de medidas isoladas e pontuais, fragmentando e impedindo a compreensão da problemática. É preciso desafiar o encaminhamento de possíveis resoluções que levem à simplificação do fenômeno do analfabetismo e do processo de alfabetização, reduzindo o problema a uma mera exposição de números e indicadores descritivos. Visualizar a educação de jovens e adultos levando em conta a especificidade e a diversidade cultural dos sujeitos que a ela recorrem torna-se, pois, um caminho renovado e transformador nessa área educacional (ARBACHE, 2001, p. 22).

Com um depoimento muito claro, nos diz o que realmente motivou a

estudar na escola da prisão foi o fato de não conseguir ficar quieto, uma forma

de não aceitar que está preso. Assim, entrou na escola para receber o

beneficio da remição. A fala revela uma memória de organização escolar em

primário, 1º e 2º grau. É neste sentido que buscam concluir a 4ª série para

ingressar no 1º grau (5ª série).

Eu estudo nesta escola desde maio, pouco tempo depois que fui preso. Eu não consigo ficar quieto, é como não aceitar que estou preso. Ficar preso é muito ruim, só vejo a hora de sair daqui e ir pro mundão. Trabalhar, resolver o meu alistamento. Minha vó queria me ver no exército, mas agora não dar mais. Então eu tô na escola para me adiantar. Eu já sei ler e escrever. Sou primário e devo sair logo. Então eu quero concluir a primário e entrar na quinta série. Eu vou estudar como queria minha vó. Eu vou trabalhar quando eu sair daqui, então eu estou nesta escola para receber a diminuição da pena e sair logo daqui. (RE-6).

Os entrevistados vão na mesma direção que é terminar um ciclo para

continuar em outro patamar. Assim os depoimentos vão se cruzando e nos

dizendo quase sempre coisas óbvias, mas que precisamos nos debruçar sobre

esses dizeres para compreender e interpretar o complexo de tudo isso porque

em pleno século XXI ainda estamos com questões que deveriam ter sido

resolvidas no início século passado.

Page 155: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

154

Eu quero terminar a quarta série para quando sair daqui completar meus estudo e parar de dar desgosto a minha família. Minhas irmãs, uma já terminou o segundo grau quer fazer concurso e outra tá terminando. Só eu que fiz besteira, vou ajudar minha mãe tenho uma boa profissão, conserto computador. Sei coisas que muitos não sabem, não quero coisas fácil, pois o que vem fácil vai fácil. Vou estudar mais e crescer na vida, cadeia é atraso. Minha vó, meu pai e minha mãe toda vez que vem aqui me diz isso e é verdade. Então venho estudar, fico livre do pavilhão por um tempo, tem comida, tem farda, tem lápis e ainda te adianta na diminuição da pena. Quando sair minha cadeia vou pra rua. (RE-7).

Na era da informação, da robótica, um jovem de vinte poucos anos quer

terminar a quarta série, pois pretende, ao sair da prisão, continuar seus

estudos. A meta é parar de dar desgosto a família, já que suas irmãs, diferente

dele, continuam estudando. Reconhece que fez besteira e planeja ajudar a

família, após sair da prisão. Faz questões de enumerar os diversos ganhos

que tem por participar da escola.

4.6 A Escola do Presídio e a Construção de um Projeto de Futuro

A escola do presídio tem uma responsabilidade maior e, por isso

mesmo, precisa ser diferente. Na verdade, a escola pública, no geral, precisa

se reinventar, as demandas sociais são tantas que os desafios são cada vez

maiores. As escolas públicas das periferias das grandes cidades e as escolas

inseridas no ambiente prisional estão a serviço dos mesmos usuários pela

existência perversa de uma transferência do gueto social para o gueto judicial,

(WACQUANT, 2003). O fato de atenderem públicos que têm muitos pontos em

comum, sendo tênue a linha que os separa, entre as escolas extraprisão e as

escolas intraprisão há mais similaridades que diferenças. No entanto, se essas

similaridades podem, num primeiro momento parecer algo negativo, pode

também favorecer uma ressignificação da instituição escolar instalada na

prisão. Entendemos que um passo importante para superarmos equívocos

históricos é o respeito pelas diferenças existentes, pois a homogeneização

Page 156: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

155

desses usuários impossibilita a construção de alternativas que atendam às

especificidade de cada escola.

Refletir e estabelecer a finalidade da educação, em particular da escola, significa perceber a diversidade conceitual implícita/explicita à educação, uma vez que esta contempla aspectos éticos, políticos, pedagógicos, sociais, históricos, culturais e econômicos, entre outros. Por sua vez, essa diversidade exigirá um olhar crítico para as especificidades de cada grupo/comunidade para qual a escola está a serviço, em virtude da heteregeneidade que lhe é basicamente característica e que, identificada, poderá melhor subsidiar a prática. (SILVA, 2006, p. 92).

Acreditamos que a escola da prisão tenha muito a ensinar a que se situa

fora dos muros, pois ela recebe o aluno “fracassado” da sua co-irmã. Esse

“fracasso” é bastante significativo na medida em que ele é se estende para a

esfera social. O aluno da escola do presídio considerado fracassado no campo

educacional e no campo social. Portanto, a ação dessa escola não se restringi

à escolarização. Cabe a ela, a função do educar, do reeducar e, mais ainda, se

constituir enquanto o principal ator na ressocialização. A escola pode até não

ressocializar, porém sem ela esse processo não acontece. Ela precisa levar

seus usuários a um processo de transformação.

[...] a primeira condição para que um ser pudesse exercer um ato comprometido era a sua capacidade de atuar e refletir. É exatamente esta capacidade de atuar, operar, de transformar a realidade de acordo com finalidades propostas pelo homem, à qual está associada sua capacidade de refletir, que o faz um ser de práxis (FREIRE, 1979, p. 17)

A transformação só será possível se houver, como nas palavras de

Freire, uma reflexão da realidade pelos sujeitos envolvidos e incomodados com

o que lhe oprime, condição primeira para a transformação.

Transformação é a função maior da escola do presídio, transformação

como algo constante e indiscriminado. A escola que se pretende viva e atuante

se transforma, deixando de ser o espaço mais frágil do ambiente prisional para

Page 157: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

156

ser o principal instrumento da ressocialização. Coordenando esse processo,

saindo do imobilismo e da posição de expectadora para cumprir sua finalidade:

É, então, finalidade da educação, criar condições que favoreçam a construção da postura do ser humano na e com a sociedade, possibilitando-lhe entender e explicar a realidade, enfrentar os problemas do dia-a-dia, buscar soluções, tomar decisões, pôr-se criticamente diante da realidade e intervir para transformá-la e transformar a si mesmo, enquanto sujeito inconcluso, histórico, crítico, criador. (SILVA, 2006, p. 91).

A partir do seu projeto político pedagógico, a escola deve buscar

influenciar as demais instâncias existentes na unidade prisional. Por meio de

novos conteúdos programáticos poderá fomentar o desejo em seus usuários de

ressignificar seus atos e ações e a sair do aprisionamento mental para a

condição de sujeitos de seus destinos e de suas histórias.

Por fim, os entrevistados narraram como eles veem a escola do presídio,

qual sua importância nas suas vidas e como ela pode lhe ajudar a criar alguma

possibilidade de melhora nas realidades de cada um deles.

Eu agora vejo uma importância muito grande da educação. Essa escola é boa, pois você aprende coisa que vai te ajudar a quando sair daqui a arranjar um emprego. Quando eu sair daqui vou tirar meus documentos e continuar estudando para aprender mais, para viver melhor. Gosto de estudar nesta escola porque é melhor de estudar porque é mais organizada. Não tem muito barulho, a professora copia no quadro, explica e se a gente não entender, ela explica de novo e depois corrige o caderno. Nas outras escolas, se a gente copiasse ou não a tarefa do quadro a professora vinha, corrigia o caderno e pronto. Se a gente não entendesse, a gente que se virasse. (RE-8).

O entrevistado começa o seu relato nos dizendo que descobriu a

importância da educação e não só salienta o momento da descoberta com

também enfatiza o tamanho da importância. Identifica que é através da

educação que ele poderá se relacionar melhor com o mundo do trabalho,

pretende, ao sair da prisão, tirar seus documentos e continuar estudando para

aprender ainda mais. O gosto pela escola do presídio está relacionado,

Page 158: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

157

segundo ele, ao fato da mesma ser organizado, não ter barulho e ter

professoras atenciosas.

A metodologia que a professora usa favorece seu aprendizado, pois a

professora coloca o conteúdo no quadro, faz a explicação e, se os alunos não

entenderem, ela repete a explicação e a correção das tarefas no caderno.

Essa forma de atuar da professora é outro ponto que RE-8 utiliza para

diferenciar a escola da prisão da escola de fora da prisão, afirmando que a

primeira é melhor.

[...] A educação, por seu lado, almeja a formação dos sujeitos, a ampliação de sua leitura de mundo, o despertar da criatividade, a participação na construção do conhecimento e a superação de sua condição atual. O princípio fundamental da educação escolar, que é por essência transformador, aponta o tempo-espaço da escola como possibilidade [...] (ONOFRE, 2004, p. 2).

Os depoimentos são estimuladores para diversas reflexões, no sentido

de construirmos novas práticas no cotidiano escolar que favoreçam o processo

de ensino-aprendizagem desses sujeitos oriundos das periferias. Para RE-3:

Esta escola aqui é legal, a gente fica mais perto da professora. Ela responde quando a gente pergunta, a professora vem até a banca e te ajuda na lição. A gente aqui pode perguntar se não sabe pergunta. A gente não fica com vergonha de perguntar porque a professora diz que só aprende quem pergunta. Aqui ninguém briga com ninguém, não tem perturbação. A professora trata bem as pessoas. Bota ordem, isso é bom. Enquanto que nas outras era muita bagunça, eles só querem briga com a gente.(RE-3).

RE-3 sabe muito bem diferenciar a escola do presídio da escola do

mundo livre, e começa dizendo que a localizada no interior da prisão é melhor

porque não existe um distanciamento entre os alunos e a professora. Quando

se pergunta algo a professora não deixa os alunos sem respostas. Estabelece-

se um contato mais direto ao ajudar nas lições.

Na escola do presídio, poder perguntar é uma regra, sendo estimulados

pela professora, como parte do aprendizado. A advertência da professora de

Page 159: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

158

que “só aprende quem pergunta” agrada muito RE-8 que, como outros

entrevistados, afirmam que uma das qualidades da escola é não ter bagunça.

Tudo igual! A professora tem o livro e no livro tá a lição, ela bota no quadro e explica tudo igual. Eu já quis sair da escola, então eu chamei a diretora e disse essa professora só quer botar o dever no quadro e falar. Então a diretora me botou nessa classe. Quantas pessoas não saíram da escola porque era assim. Outro motivo que leva as pessoas a saírem da escola é porque as aulas a noite são perigosas. As pessoas são acusadas de X9 e, quem mora lá embaixo teme isso. Durante o dia não, pois é muita gente solta e todo mundo vigia todo mundo. (RE-5).

Já para esse entrevistado não existe diferença entre as escolas. É tudo

igual: lição no quadro e no livro, cópia e explicação... Tudo igual! Essa

constatação lhe causou frustração a ponto dele solicitar transferência de sala.

Na narrativa destaca que essa metodologia afasta muitas pessoas da escola.

Na prisão somadas às tantas outras barreiras, estudar no turno noturno e um

desafio ainda maior.

Os problemas na área da educação são complexos e não existem respostas imediatas ou soluções rápidas para eles, o que justifica a necessidade de estudos, reflexões e, especialmente, a formulação de projetos sociais educacionais voltados para os excluídos, os marginais, os insatisfeitos, os não-clientes, as maiorias perdedoras. (ONOFRE, 2002, p. 1).

A escola tem sua importância para esses jovens, na medida em eles

podem aproveitar o tempo na prisão para melhorar sua escolaridade, e com

isso diminuir o prejuízo em relação ao “tempo perdido”. Visa-se aprender

coisas que vai servir para eles lá fora. A meta principal para eles é aprender ler

e escrever bem. Para ilustrar a importância da escola da prisão para os sujeitos

negros, traremos os dados coletados por Henriques(2001) que Silva(2010)

apresenta em seu trabalho “Juventude Negra na EJA: o direito à diferença”, no

qual enfatiza que mesmo tendo algum sinal de avanço nos indicativos

educacionais, as desigualdades persistem:

Page 160: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

159

8% dos jovens negros/as entre 15 a 25 anos eram analfabetos, em relação a 3% de brancos; 5% dos jovens entre 7 e 13 anos não freqüentaram a escola e somente 2% dos jovens brancos da mesma faixa etária não o fizeram; a escolaridade média de um jovem negro de 25 anos de idade gira em torno de 6,1anos de estudo, um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. (HENRIQUES, 2001 apud SILVA, 2010, 104).

Seguindo os depoimentos, percebemos que os discursos sobre a escola

como refúgio se consolida, tornando esse lugar educativo também como um

espaço de serviço social como na fala RE-4:

A escola do presídio é um lugar onde a gente pode ficar em paz e pensar coisas boas, deixar de ficar castelando coisas que não serve, quem vai pegar quem. Na escola a gente tem apoio, tem quem se preocupa com a gente. As professoras são as nossas defensora, resolve as coisas da gente, nos trata bem, fala direito com a gente. Para elas a gente deixa de ser ladrão para ser uma pessoa que elas gostam, a gente não é ladrão, a gente é alunos.(RE-4).

A escola se apresenta para o entrevistado como propiciadora de paz,

favorece aos bons pensamentos e encontra apoio das professoras. Elas são

suas defensoras e os fazem se sentir como “gente” e não como “ladrão”. A

forma como as professoras/os tratam os reeducandos tem sido destaque nas

suas narrativas. E como não existe escola sem professores, esse fato é a

marca da escola da prisão:

Educar não significa apenas repassar informações ou mostrar um caminho a trilhar, que o professor julga ser o certo. Educar é ajudar o educando a tomar consciência de si mesmo, dos outros e da sociedade em que vive, bem como de seu papel dentro dela. É saber aceitar-se como pessoa e principalmente aceitar ao outro com seus defeitos e qualidades. É, também, oferecer diversas ferramentas para que a pessoa possa escolher o seu caminho, entre muitos. Determinar aquele que for compatível com seus valores, sua visão de mundo e com circunstâncias adversas que cada um irá encontrar. (FARIA & Paula. 2010, p. 2).

Na narrativa de RE-9 a percepção da escola é também de refúgio.

Page 161: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

160

Nessa escola a professora escuta a gente, o tratamento é igual não tem diferença. Se elas puder nos ajudar, fazem o que pode. Às vezes, nós estamos com problema e logo elas tenta resolver: um remédio, uma autorização, uma olhada no processo. Se dependesse das professoras, a gente não sofria.

Para esse jovem, a escola, e mais ainda as professoras, preenchem

lacunas para além do pedagógico. Assistência social, psicológica e afetiva. No

limite, minimizam sofrimentos.

Continua RE-9, agora destacando a metodologia de ensino.

Nesse caso é tudo igual, não muda nada até o quadro é o mesmo. Sei que existem escolas que o quadro é branco e nele se escreve com piloto. Aqui deveria colocar alguns computadores, pois hoje quem não saber mexer em computador é como se fosse analfabeto. (RE-9).

Se no tratamento há diferença entre as escolas (fora e dentro da prisão),

no tocante à estruturação e aos procedimentos de ensino a diferença não

significativa. Quadro e giz branco, ausência de computadores nivelam essas

escolas. Para RE-9, é importante que na escola do presídio tivesse

computadores, pois saber como trabalhar com computadores é uma exigência

atual.

Essa consciência da defasagem faz a gente trazer um dos grupos

musicais de grande aceitação entre os sujeitos entrevistados:

E eu não sei fazer, Internet, vídeo-cassete, Os carro loko. Atrasado, eu tô um pouco. Se tô, eu acho sim. Problema com escola,eu tenho mil. Mil fita.(RACIONAIS’Cs, Negro Drama).

Na narrativa abaixo, RE-6 ressalta a importância da escola como

possibilidade de sair do pavilhão e se livrar um pouco de ficar castelando.

Como afirma saber ler e escrever, não tem dificuldades para realizar as tarefas

Page 162: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

161

escolares. Para ele, o papel da escola na sua vida é ofertar a certificação que

lhe possibilite acessar a 5ª série.

Vim para a escola livra a gente de ficar no pavilhão, lá a gente só fica castelando e isso não é bom. Violência e mais violência. Na escola a gente se livra por um tempo. Mas eu já sei ler e escrever e todas as tarefas que a professora passa no quadro eu já sei, no instante eu faço. Eu quero mesmo é pegar o certificado para quando eu for para o mundão eu entrar na quinta série. (RE-6).

A escola como um espaço sem bagunça vem surpreendentemente nos

dizer que esses sujeitos se queixam da bagunça da escola. A mesma bagunça

pelo qual eles são acusados de serem os responsáveis. Veremos o que o

próximo entrevistado tem a nos dizer:

É uma escola boa, não tem bagunça, as professoras respeita a gente. Se puder, ajuda a gente A gente sente que é importante. Na outra é tanta gente que a professora quase nem ver a gente, só quando falta muito ai manda avisar a família se morar perto. As aulas são boas, a professora coloca no quadro e explica igual a outra, só que aqui não tem bagunça.(RE-7).

RE-7 traz em sua narrativa algo recorrente em outras narrativas, ou seja,

a escola como refúgio, respeito e solidariedade das professoras e ausência de

bagunça. Desconstruindo estereótipos sobre esses sujeitos como pessoas

promotoras de desordem.

Percebemos nas narrativas que a escola do presídio é parte de um

projeto de futuro melhor para esses jovens. Interessante destacar que o

suposto fracasso na escolar de fora do presídio e na vida social não apagou

nesses atores a crença na educação como ponte para uma melhoria de vida.

Resta, o sistema educacional e penitenciário investir nas escolas das prisões,

uma vez que as narrativas do seus usuários aqui registradas revelam o

potencial dessa instância formativo no processo de ressocialização desses

jovens.

Page 163: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

162

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Legião Urbana tem uma música que diz: Todo dia quando acordo, não

tenho mais o tempo que passou, mas tenho muito tempo, temos todo o tempo

do mundo. Isso está posto quando a gente chega ao final de um

trabalho/pesquisa como este. Temos a impressão de que poderíamos ter feito

melhor, no entanto, o melhor ainda estar por vir. A partir deste lugar no qual

chegamos, outros e nós mesmos partiremos para outras pesquisas seguindo

os caminhos trilhados. A militância nos joga para as questões sociais

preteridas.

As questões das relações etnicorraciais no Brasil serão, por muito

tempo, objeto de pesquisa e estudo no sentido de garantir a diminuição das

desigualdades existentes entre brancos e não-brancos. E a educação tem um

papel importante na promoção da equidade e da garantia dos direitos sociais.

Ao negro sempre foi negado uma educação de qualidade que pudesse servir

de instrumento fomentador de uma ascensão social e de uma participação na

sociedade em condições de poder de decisão e de gerir os aparelhos do

Estado, bem como usufruir das riquezas dessa rica nação. O resultado de tanta

negação se materializa nas ações do racismo que sistematicamente joga a

população negra e seus descendentes a ocuparem os guetos sociais que, via

de regra, são transferidos para os guetos judiciários. Portanto, os habitantes

das favelas são os que vão povoar as prisões como um processo “natural” de

uma prática sistemática de discriminação.

A educação na prisão foi o lócus desta pesquisa e os sujeitos

entrevistados compõem o grande contingente dos encarcerados negros

vitimados pelo racismo institucional. São jovens negros que possuem baixa

escolaridade. Suas trajetórias revelaram que integraram o sistema público de

educação e “fracassaram” e agora se encontram em uma escola no interior de

uma unidade prisional em busca de escolarização e outros benefícios.

A pesquisa revelou que as condições são desfavoráveis à promoção

desses sujeitos, pois a existência do conflito entre vigiar e punir versus garantir

o direito à educação dos reeducados comprova que segurança é mais

importante do que educação. Conclusão que chegamos diante de um ambiente

Page 164: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

163

inapropriado para quaisquer tipos de atividades ressocializadoras e um espaço

demograficamente inchado onde a violação dos direitos humanos é rotineira.

Enfim, um modelo perverso no qual as medidas disciplinares são a regra para

manter os corpos caídos no chão, corpos esses todos ou quase todos negros.

Em uma condição de total desprestígio, a educação, que deveria ser um

direito, passa a ser um privilégio. A presente dissertação encontrou um

ambiente – a prisão - onde a escola se apresenta como a parte mais frágil. Por

qualquer motivo as aulas são paralisadas e os alunos são impedidos de

participarem das atividades. Ora por castigo; ora por revistas; ora por

suspeitas disso ou daquilo. Infelizmente, a educação em um ambiente de

encarceramento ainda é considerada como algo fora do lugar.

No tocante às questões pedagógicas, a pesquisa revelou graves

problemas: tempo curricular reduzido - muito longe do ideal; ausência de

projetos que dessem conta das necessidades dos reeducandos e ausência de

materiais didáticos pedagógicos que levem em conta a especificidade da

educação de jovens e adultos encarcerados.

No que se refere ao papel da educação na construção de uma

identidade etnicorracial, um dos objetivos da presente pesquisa, percebemos

um total desconhecimento por parte das educadoras, gestores e reeducandos

da Lei 10.639/03 que obriga a inclusão da história dos africanos e

afrobrasileiros no currículo escolar do ensino fundamental e médio. A despeito

da maioria da população carcerária ser composta por afrobrasileiros, como

ocorre também no sistema público de educação, o não cumprimento da

10.639/2003 impossibilita os reeducandos que entrevistamos de entrarem em

contato com uma proposta pedagógico na qual os africanos e seus

descendentes possam ser vistos, também, como agentes produtores de

cultura, história e filosofia. Tal atitude é fundamental no enfrentamento às

ideias preconceituosas - a exemplo da demonização das religiões de matrizes

africanas e afrobrasileiras.

Entendemos que uma prática pedagógica pautada nestes princípios

muito tem a contribuir com o fortalecimento da identidade de 65% da população

carcerária brasileira que é negra. Com importante papel na desconstrução da

discriminação existente no ambiente prisional e na construção de uma visão

sobre o pertencimento etnicorracial como algo positivo, além de favorecer a

Page 165: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

164

elevação da autoestima do sujeito negro. Os reeducandos negros iria se

perceber como participante de um grupo racial que ajudou a construir os pilares

desta nação com seu legado trazido da África, sendo seus antepassados

possuidores de conhecimentos milenares. Afinal, a meta é uma educação

antirracista.

Não podemos perder de vista que ao trabalhar o respeito às diferenças e

consolidar a implementação da Lei 10.639/2003, a escola estará contribuindo

igualmente para uma educação sem preconceitos e discriminações.

Fortalecendo, portanto, uma educação não-homofóbicas, não-lesbofóbicas e

não-sexistas.

Com tantas carências e fragilidades, voltamos ao dilema já posto: a

primazia da segurança em detrimento da ressocialização. Assim, a educação

oferecida na prisão por meio da escola localizada em seu interior é um mero

acessório, se tornando um espaço em que se faz educação de vez enquando,

um lugar menor. A escola que é uma instituição com identidade própria e com

papel definido se rende ao apelo da segurança e perde a importância como

instituição parceira no processo de ressocialização dos reeducandos. Então, a

parceria estabelecida entre a Secretaria Estadual de Educação e Desportos/

SEDE, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos/SDSDH,

através da Secretaria Executiva de Ressocialização/SERES, no cumprimento

da Lei de Execução Penal/LEP se transforma em mais uma atividade

governamental na qual o resultado alcançado não é o proposto pelos

documentos.

Para atender às demandas será preciso criar políticas estaduais de

educação para o sistema penitenciário, em sintonia com as Diretrizes

Nacionais para a Educação nas Prisões, visando ampliar a oferta, bem como

garantir qualidade no oferecimento dos serviços educacionais. Será preciso

também uma melhor articulação entre as secretarias de educação e a

secretaria executiva de ressocialização.

Esses limites no campo educacional não estão dissociados da política

traçada para o sistema penitenciário. Neste sentido, vale destacar o atual

debate que envolve as prisões como geradores de lucros para o setor privado.

Numa época em que o Estado brasileiro está sendo governado por correntes

“progressistas”, as propostas neoliberais têm muita força nas políticas desses

Page 166: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

165

governos. Nesta lógica, o sistema penitenciário é repensado em termos de

seus objetivos e possibilidades: além de vigiar e punir, a prisão também pode

gerar lucros.

Assim, enquanto os depoimentos dos entrevistados revelam os danos

gerados por um sistema voltado principalmente para a segurança, estamos

diante de um nova realidade no qual, mais uma vez, a educação que possibilite

uma ressocialização a partir de uma visão de desenvolvimento integral do ser

humano poderá ser preterida em favor, no máximo, de uma educação para o

trabalho. Logo, como parte da política neoliberal, a prisão como disciplinadora,

para qual foi inventada, parece ter seus dias contados. O Brasil e mais

especificamente Pernambuco recentemente está envolvido em políticas que já

vem sendo implementadas em outros países, como Inglaterra e os Estados

Unidos. Tais políticas surgem a partir da derrocado do Estado do Bem Estar

Social, quando a prisão é transformada em um grande negócio. Neste sentido,

prender os pobres dá lucro. E, corroborando com a perspectiva de que pobreza

tem cor, ressaltamos que as prisões brasileiras continuarão sendo espaço para

a população negra.

Mais uma vez, como ressaltamos em vários momentos no corpo da

presente dissertação, o aspecto racial coloca a população negra em situação

de desvantagem e o racismo institucionalizado impede que nessas políticas o

recorte racial seja considerado com objetivo de promover a equidade. O

debate só está começando, da nossa parte, resta-nos pensar como o racismo

institucional levou e mantém tantos jovens negros tolhidos da liberdade. A

educação foi nosso fio condutor. Foi em torno dos aspectos educacionais que

buscamos perceber a interligação entre o pertencimento racial dos

reeducandos e suas vivências escolares.

A pesquisa revelou, por meio das narrativas dos dez reeducandos, o

papel central do racismo em uma sociedade que construiu suas desigualdades

sociais baseadas em critérios raciais. As trajetórias individuais e coletivas dos

entrevistados explicitam o eixo central do que aqui denominamos racismo

institucional: o fracasso das políticas públicas no acesso da população negra

brasileira aos serviços públicos básicos necessários para o exercício pleno da

sua cidadania. As narrativas expuseram também o quanto o racismo

institucional foi determinante em suas trajetórias por falta de estrutura sócio-

Page 167: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

166

econômica de seus familiares, bem como pela discriminação que os atinge no

campo moral, estética, cultural, estrutural.

A escola pública, onde esses sujeitos passaram alguns anos de suas

vidas, tem papel importante na construção desses sujeitos como de

“fracassados”. Lá não conseguiram se quer aprender o básico, que é ler e

escrever. A falta de acesso aos serviços públicos atinge a todo o grupo familiar,

os depoimentos relatam que todos tiveram experiência com o trabalho infantil.

Essa inserção precoce no mundo do trabalho foi uma forma de contribuir e/ou

garantir algum sustento para a sobrevivência da família. Vale destacar que, em

geral, o trabalho realizado por aquelas crianças lhes colocavam em situação de

risco pessoal e social. Como já registrado pela literatura específica, é o

trabalho infantil, em muitos casos, porta de entrada para drogas, pequenos

delitos, furtos, roubos, tráfico, e de outros riscos a exemplo da exposição ao

perigo no mar e nos rios.

Esses jovens têm em comum as experiências como o trabalho infantil e

com a escola pública Suas trajetórias de vida desvendam o quanto a escola

não cumpriu seu papel com esses usuários. O mesmo descaso foi notado na

construção de seu pertencimento racial. A escola não os defenderem das

atitudes racistas e das injúrias raciais, e não os ajudou a fortalecer suas

identidades trazendo conteúdos que possibilitassem compreender suas

trajetórias como sujeitos de sua própria história. Depois de serem considerados

fracassados no sistema escolar fora dos muros da prisão, os entrevistados se

deparam com uma educação na prisão com as mesmas problemáticas.

Além da ausência dos conteúdos preconizados na Lei 10.639/03, a

escola na prisão não se apresenta como um espaço de ensino-aprendizagem

habilitado a ajudar esses jovens no processo de ressocialização. No entanto,

essa escola é ressignificada transformando-se em ilha em meio aos caos da

prisão. Os jovens, apesar de buscarem sua escolaridade, encontram na

instituição um ambiente de refúgio, da não-violência e da paz e o mais

importante, uma relação humana respeitosa. Nas narrativas são destacadas a

forma como as professoras buscam garantir seus direitos e os respeitam como

pessoas humanas. Parafraseando Paulo Freire, se a escola (fora ou dentro dos

muros da prisão) sozinha não garante o processo de ressocialização, sem ela o

processo não acontece.

Page 168: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

167

Referências

ABRAHÃO, Maria Helena (org.). A aventura (auto) biográfica: teoria e

empiria. Porto Alegre, EDIPURS, 2004.

ABRAHÃO, Maria Helena; VICENTINI, Paula P. (orgs.). Sentidos,

potencialidades e usos da (auto)biografia. São Paulo: Cultura Acadêmica,

2010.

ADORNO, Sérgio. Entrevista a revista Com Ciência, Justiça Penal é mais

severa com os criminosos negros. Novembro-2003.

ADORNO, Sérgio; SALLA, F. Criminalidade organizada nas prisões e os

ataques do PCC. Revista Estudos Avançados, vol. 21, n. 61, p. 7-29, dez.

2007.

ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudos sobre a escravidão urbana

no Rio de Janeiro – 1808-1822. Petrópolis: Vozes, 1988.

ALVES, Nilda. 2008. Nós somos o que contamos: a narrativa de si como

prática de formação. In: SOUZA, Elizeu C.; MIGNOT, Ana C. V. (orgs.).

Historias de vida e formação de professores. Rio de Janeiro: Quartet:

FAPERJ, 2008.

ALVIM, Wesley Botelho. A Ressocialização do preso Brasileiro. 2006.

Disponível em http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1626

Acesso em 14/07/2011

ARAUJO, Eduardo M. Entre dois cativeiros: Escravidão Urbana e sistema

Prisional no Rio de Janeiro 1790-1821. In: História das prisões no Brasil. Rio

de Janeiro: ROCCO, 2009.

ARBACHE, Ana Paula Bastos. A formação do educador de pessoas jovens

e adultas numa perspectiva multicultural crítica. Dissertação de Mestrado.

Rio de Janeiro: Papel Virtual Editora, 2001.

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro:

Zahar Editores, 1973.

ARROYO, Miguel G. Imagens Quebradas: trajetórias e Tempos de Alunos e

Mestres. Petrópolis: Vozes, 2004.

Page 169: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

168

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio

de Janeiro: J. Zahar Editor, 2003.

BENTO, M. A. S.; BEGHIN, N. Juventude negra e exclusão radical. In:

Boletins do IPEA: Políticas Sociais - acompanhamento e análise, número 11.

Agosto, 2005.

BOURDIEU, Pierre. A Escola Conservadora: As dificuldades frente à Escola e

à Cultura. Petrópolis: Vozes, 1998.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Ed.

Revista dos Tribunais,1988.

BRASIL. Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-

Econômicos. Brasil, 2005.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacional para Educação das Relações

Etnicorraciais. Brasil, 2004.

BRASIL. Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003. D.O.U de 10/01/03

BRASIL. Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990. Estatuto da Criança e do

Adolescente. Recife: Ed. COMDICA, 2000.

BUENO, I. S. (2008). A importância da História Oral como Instrumento de

Inclusão da Cultura Negra. Fazendo Gênero, Florianópolis, V.8, p. 1-5, 2008.

CAMINO, Leoncio. A Face Oculta do Racismo no Brasil: Uma Análise

Psicossociológica. Revista Psicologia Política, 2001.

CAMINO, Leôncio. SILVA, Patrícia da. MACHADO, Aline e PEREIRA, Cícero.

A face Oculta do Racismo no Brasil: Uma análise Psicossociológica.

Revista de Psicologia Política. Volume 1, número 1 – Jan./Jun., 2001.

Disponível in

http://www.fafich.ufmg.br/~psicopol/psicopol/ver_volume.php?cod=42 Acesso

em 16 de março de 2011.

CANDIOTO, Cesar. 2010. Foucault e a crítica da verdade. Belo

Horizonte:Autêntica Editora; Curitiba:Champagnat.

CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, 2003, vol.

17, nº 49, PP 117-133. Disponível em

http://www.scielo.br/pdf/ea/v17n49/18400.pdf acesso em 09/02/2011

CARONE, Iray. & BENTO, Maria Aparecida Silva. (Orgs). Psicologia social do

racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis,

RJ: Vozes, 2002.

Page 170: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

169

CARRREIRA, Denise. Relatoria Nacional para o Direito Humano à

Educação: Educação nas Prisões Brasileiras. Denise Carreira e Suelaine

Carneiro – São Paulo: Plataforma DhESCA Brasil, 2009.

CARVALHO, Everaldo de Jesus. Sistema Penitenciário na Ótica Negra: a

questão Étnico/Racial e a Formação do Agente Penitenciário. Monografia

apresentada ao Centro de Pós-Graduação Visconde de Cairu. Salvador, 2007.

CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Introdução. In: Educação Anti-racista

Caminhos Abertos para Lei 10639/03. Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de

Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

CAVALLEIRO, Eliane. Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: Racismo,

Preconceito e Discriminação na Educação Infantil. São Paulo: Contexto, 2003.

CHANTRAINE, Gilles. A prisão pós-disciplinar. Revista Brasileira de Ciências

Criminais. – São Paulo, São Paulo: Revista dos Tribunais; IBCCRIM, v. 14, n.

62, p. 79-106, setembro/2006.

Constituição Federal do Brasil/1988. Disponível em

http://www.senado.gov.br/legislacao/const/ acesso em 19/07/2011.

CPI DAS PRISÕES (2008). In: CARRREIRA, Denise. Relatoria Nacional para

o Direito Humano à Educação: Educação nas Prisões Brasileiras. Denise

Carreira e Suelaine Carneiro – São Paulo: Plataforma DhESCA Brasil, 2009.

CRAIDY, Carmem Maria. Educação Infantil e as Novas Definições da

Legislação. In: CRAIDY, Carmem; KAERCHER, Gládis E. (orgs.). Educação

Infantil pra que te quero? Porto Alegre: ArtMed, 2001

CUNHA JR. Henrique. Os negros não se deixaram escravizar: Temas para

as aulas de história dos afrodescendentes. Disponível em:

http://www.espacoacademico.com.br. Acesso em 27/08/2011.

DIEESE. Pesquisa de Emprego e Desemprego, 2001.

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico

Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília:

Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade, 2004. Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.p acesso em

10/05/2010.

Page 171: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

170

FERREIRA, Bem-Hur. Resgate histórico e cultural. In: ROCHA, Maria José;

PANTOJA, Selma(org.) Rompendo silêncios: História da África nos Currículos

da educação Básica. Brasília: DP Comunicações, 2004.

FERREIRA. Ricardo. A. o tronco na Enxovia; Escravo e livres nas prisões

paulistas dos oitocentos. In: História das prisões no Brasil. MAIA, Clarissa

N.;COSTA, Marcos et al. Rio de Janeiro: ROCCO, 2009.

FISCHER, Beatriz T. Foucault e historias de vida: aproximações e que tais. In:

ABRAHÃO, Maria Helena (org.). A aventura (auto)biográfica: teoria e

empiria. Porto Alegre: EDIPURS, 2004.

FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo Negro Caído no Chão: o sistema penal

e o projeto genocida do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes,

1987.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 10ª ed.

São Paulo: Paz e Terra, 2002.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 10ª ed.

São Paulo. Paz e Terra. 2002.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. São Paulo: Editora Paz e Terra, 200.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática

educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001. (Coleção Leitura).

GARLAND, David. (2008). Entrevista concedida à Cristina Caldas e à Marta

Kanashiro para a Revista Eletrônica Com Ciência. Edição n. 35

(www.comciencia.br).

GOMES, Nilma Lino. Cultura negra e educação. Revista Brasileira de

Educação, Nº 23, Maio/Jun/Jul/Ago 2003.

GOMES, Nilma Lino. Educação e Identidade Negra. Disponível em

http://www.ideario.org.br/neab/kule1/Textos%20kule1/nilma%20lino.pdf acesso

em 27/05/2011.

GONÇALVES, Luciane Ribeiro Dias. Educação das Relações Étnico-Raciais:

O Desafio da Formação Docente. ANPED, n.21, 2005.

GRACINIANO, Mareangela. A educação como direito humano: a escola na

prisão. Dissertação de mestrado. Faculdade de educação da USP. 2005.

GROSSI, Esther. Apresentação Capítulo II. In: ROCHA, Maria José; PANTOJA,

Page 172: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

171

Selma(org.) Rompendo silêncios: História da África nos Currículos da

educação Básica. Brasília: DP Comunicações, 2004.

GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Classes, Raças e Democracia. Rio de

Janeiro: Editora 34, 2002.

HASENBALG, Carlos A. Entre o mito e os fatos: racismo e as relações raciais

no Brasil. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 38, nº 2, 1995.

HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: evolução das

condições de vida na década de 90. Brasília: IPEA, 2001.

HEYWOOD, Colin. Uma história da infância: da Idade Média á época

contemporânea no Ocidente. Porto Alegre: Artmed. 2004.

JOSSO, Marie-Cristine. As narrações do corpo nos relatos de vida e suas

articulações com os vários níveis de profundidade do cuidado de si. In:

ABRAHÃO, Maria Helena; VICENTINI, Paula P.(orgs.). Sentidos,

potencialidades e usos da (auto) biografia. São Paulo: Cultura Acadêmica,

2010b.

JOSSO, Marie-Cristine. Caminhar para si. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010a.

JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Política Pública de Educação Penitenciária:

contribuição para o diagnóstico da experiência do Rio de Janeiro.

Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Departamento de Educação, Rio de Janeiro, 2003.

JUNIOR, Ronaldo Laurentino Sales. O mito da democracia racial: racismo

institucional no fluxo da justiça. Tese de Doutorado. Doutorado em Sociologia,

UFPE, 2006.

KASSOUF, Ana Lúcia. Trabalho infantil: causas e conseqüências. Estudo

realizado para apresentação no concurso de Professor titular do Depto. de

Economia, Administração e Sociologia da ESALQ/USP em 9 de novembro de

2005.

LARROSA, Jorge. Nietzsche e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber: manual de

metodologia da pesquisa em Ciências humanas. Belo Horizonte: Editora

UFMG, 1999 (tradução: MONTEIRO, Heloísa. SETTINERI, Francisco. Porto

Alegre: Artmed)

Page 173: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

172

LEAL, João José. Penitenciarismo brasileiro, sombra sinistra da sociedade

desajustada em que vivemos. In: Estudos Jurídicos, vol. 2, n.1, Curitiba:

Champagnat, 1995.

LEITÃO, Kleber Luis da Costa. Do negro Escravo ao Negro Preso: Sistema

Prisional e Racismo. Maceió, 2003. Disponível em

http://www.nucleo.ufal.br/gepsojur/anais-connasp/eixos/GSC-03.pdf acesso em

15/07/2011.

LEP/Lei da Execução Penal nº 7210 de 11 de julho de 1984. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm acesso em 13/04/2010.

LIMA, COSTA & MOHAMED. Livros Didáticos de História na Formação dos

Educandos. disponível em:

www.uniban.br/pesquisa/iniciacao.../pdf/.../livros_educandos.pdf. Acesso em

05/10/2011.

MACHADO, Gilmar. Ensino da cultura afro-brasileira na educação básica:

marco histórico na superação do racismo e da desigualdade racial no Brasil. In:

ROCHA, Maria José; PANTOJA, Selma(org.) Rompendo silêncios: História

da África nos Currículos da educação Básica. Brasília: DP Comunicações,

2004.

MENESTRINO, Fátima Rosangela Padilha; SANTOS, Suely de Oliveira.

Reflexões sobre a construção da identidade do Afro-brasileiro: Negro ou

Moreno. Disponível em em: revistas.unievangelica.edu.br/index.php/rem/article/

Acesso 25/11/2011.

MINAYO, Maria Cecília. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social.

In: MINAYO, M. C. (org). Pesquisa social: teoria, método e criatividade.

Petrópolis: Vozes, 1994.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino e Cultura Afro-

Brasileira e Africana. BRASIL, 2005.

Ministério da justiça. Censo Penitenciário Nacional de 1995. Brasília,1997.

MOLINA, Antônio Pablos Garcia de. Criminologia: Uma Introdução aos seus

Fundamentos Teóricos. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1998.

MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v.

22, n. 37, p. 7-32, 1999

Page 174: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

173

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil. Identidade

nacional versus identidade negra, Petrópolis: Vozes, 1999

MUNANGA, Kabengele. Superando o Racismo na escola. 2ª edição

revisada. Brasília: Ministério da Educação; Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

MUNOZ, Vernor. El derecho de La educación de las personas privadas de

liberdade. ONU, 2009.

NASCIMENTO, Abdias do. O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de

um Racismo Mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

NASCIMENTO, Eurípides Costa do. JUSTO, José Sterza. Vidas Errantes:

Uma questão social. Universidade Federal do Rio grande do Sul, Porto

Alegre, vol 13, nº 003, 2000.

Nolasco, Moema Pinheiro. A influência da separação conjugal sobre a

formação da identidade dos filhos adolescentes. Universidade do Sul de

Santa Catarina. TCC, Curso de Psicologia, 2008. Disponível em

http://inf.unisul.br/~psicologia/wp-content/uploads/2008/07/MoemaNolasco.pdf

acesso em 09/10/2010.

NOVOA, Antonio; FINGER, Mathias (orgs.). 2010. O método (auto)biográfico

e a formação. Natal; São Paulo, EDUFRN; Paulus.

ONOFRE, Elenice Maria Cammarosano. Educação na prisão. Para além das

grades: A ausência da escola e a possibilidade de resgate da identidade do

homem aprisionado. Tese de doutorado. Universidade Estadual Paulista Julio

de Mesquita Filho, Araraquara, 2002.

ONOFRE, Elenice Maria Cammarosano. Educação Escolar de Adultos em

Privação de Liberdade: Limites e Possibilidades. ANPED, 2004.

PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de jovens e adultos.

Rio de Janeiro: Edições Loyola, 1973.

PAIXÃO, M. J. P. Desenvolvimento Humano e Relações Raciais. Rio de

Janeiro: DP&A Editora, 2003.

PAULA, Sandra Regina de & FARIA, Moacir Alves de. Afetividade na

Aprendizagem. Revista Eletrônica Saberes da Educação – Volume 1 – nº 1 –

2010.

PILETTI, C. Didática Geral. São Paulo: Editora Ática, 1989,

Page 175: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

174

PINEAU, Gaston. As histórias de vida como artes formadoras da existência. In:

Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si. Porto Alegre: EDIPUCRS,

2006.

PINTO, Giselle. Situação das mulheres negras no mercado de trabalho:

uma análise dos indicadores sociais. ANPED. Caxambú – Minas Gerais: 2006.

RAMOS DO Ó, Jorge. Para uma crítica das artes da existência e da ideia de

consciência na modernidade: a problematização foucaultiana. In: ABRAHÃO,

Maria Helena; VICENTINI, Paula P. (orgs.). Sentidos, potencialidades e usos

da (auto)biografia. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

RANGEL, Hugo (org.) Mapa Regional Lationoamericano sobre Educación

en Prisiones. Centre Internacional détudes Pédagogiques (CIEP), 2009.

Disponível em http://www.ciep.fr/publi_educ/docs/mapa-regional-

latinoamericano-sobre-educacion-en-prisones.pdf acesso 10/06/2010.

RANGEL, Hugo. Estratégias Sociais e Educação Prisional na Europa:

visão de conjunto e reflexões. In Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34

jan./abr. 2007 Disponível em

http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n34/a07v1234.pdf acesso em 04/10/2010.

ROCK, Edy & BROWN, Mano. RACIONAIS’ Mcs. Negro Drama. São Paulo:

Gravação Independente, 2002.

SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo: 1822-1940. São Paulo: Editora

Annablume, 1999.

SANTOS, Sales Augusto dos. A formação do mercado do trabalho livre em

São Paulo: Tensões Raciais e Marginalização Social. Brasília:

UnB/Departamento de Sociologia, Dissertação de Mestrado, 1997.

SAUER, Adeum Hilario. Desconstruindo o mito da democracia racial. In:

ROCHA, Maria José; PANTOJA, Selma(org.) Rompendo silêncios: História

da África nos Currículos da educação Básica. Brasília: DP Comunicações,

2004.

SCARFÓ, Francisco. Educação em Prisões na América Latina: Direito,

Liberdade .e Cidadania. - Brasília: UNESCO, OEI, AECID, 2008.

SCARFÓ, Francisco. O papel da sociedade civil na garantia da educação

nas prisões. Observatório da Educação/Ação Educativa. Disponível em:

WWW.observatoriodaeducacao.org.br>. Acesso 18/maio/2011.

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

Page 176: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

175

SEVERINO, Joaquim. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d’água,

2001.

SILVA, Ana Célia. A Ideologia do Embranquecimento na Educação Brasileira e

Proposta de Revisão. In MUNANGA, Kabenguele (Org.) Estratégias e

Políticas de Combate à Discriminação Racial. São Paulo: EDUSP/Estação

Ciências, 1996.

SILVA, Maria da Conceição Valença. A prática docente de EJA: o caso da

Penitenciária Juiz Plácido de Souza em Caruaru. Recife: Centro Paulo Freire/

Bagaço, 2006.

SILVA, Natalino Neves da. Juventude Negra na EJA: o direito à diferença.

Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010.

SILVERIO, Valter Roberto (Org). Educação e Ações Afirmativas: entre a

justiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília: INEP, 2003.

SOUZA, Elizeu Clementino. 2008. Histórias de vida, escritas de si e abordagem

experiencial. In: SOUZA, Elizeu C.; MIGNOT, Ana C. (orgs.). Histórias de vida

e formação de professores. Rio de Janeiro: Quartet; FAPERJ, 2008.

SOUZA, João Francisco. Educação Popular: ¿¿ Que?? Recife: Bagaço,

2007.

STELKO-PEREIRA, Ana Carina; PADOVANI, Ricardo da Costa.

Transferência e/ou expulsão escolar de estudantes por comportamentos

agressivos: uma discussão necessária. Disponível em

http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/458_321.pdf

acesso em 17/05/2011.

TRIVIÑOS, Augusto. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa

qualitativa em educação. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

VEIGA-NETO, A. Crítica pós-estruturalista e educação. Porto Alegre:

Sulina, 1995.

VEIGA-NETO, A. Foucault & a Educação. Coleção pensadores e educação,

Belo Horizonte:Autêntica, 2003.

VEIGA-NETO, Alfredo. 1995. Foucault e Educação: outros estudos

foucaultianos. In: O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Rio de

Janeiro: Vozes, 1994.

VIEIRA. Andréia Lopes da Costa. Políticas de educação, educação como

política: observações sobre a ação afirmativa como estratégia política. (In)

Page 177: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE … · A todos os colegas da Unidade de Igarassu. A todas as professoras e professores da escola Dom Helder Câmara. ... Instituto Brasileiro

176

SILVA Petronilha B.G.; SILVERIO, Valter R. (org.).Educação e ações

afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília:

Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira, 2003. Disponível em

http://w3.ufsm.br/afirme/LEITURA/noensino/ne02.pdf acesso em 21/09/2010

WACQUANT, Loic. A ascensão do Estado nos Estados Unidos. Discurso

Sedicioso. Rio de Janeiro, ano 7, nº 11, p.15-41, 1º sem.2003.

WACQUANT, Loic. Os condenados da cidade: estudo sobre marginalidade

avançada. Rio de Janeiro: Revan; FASE, 2001.

WACQUANT, Loic.Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados

Unidos [a onda punitiva]. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan,

2003. 3ª edição revista e ampliada, agosto de 2007.