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TATIANA LIMA BRASIL RESILIÊNCIA INTEGRAL: um caminho de possibilidades para formação humana de futuros docentes Recife 2019 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE DOUTORADO

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TATIANA LIMA BRASIL

RESILIÊNCIA INTEGRAL: um caminho de possibilidades para formação humana de

futuros docentes

Recife

2019

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE DOUTORADO

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TATIANA LIMA BRASIL

RESILIÊNCIA INTEGRAL: um caminho de possibilidades para formação humana de

futuros docentes

Tese apresentada como requisito parcial para

obtenção do grau de Doutor em Educação ao

Programa de Pós-graduação em Educação da

Universidade Federal de Pernambuco.

Área de concentração: Educação e

Espiritualidade

Orientador: Prof. Dr. Aurino Lima Ferreira

Recife

2019

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Amanda Nascimento, CRB-4/1806

B823r Brasil, Tatiana Lima.

Resiliência integral: um caminho de possibilidades para formação

humana de futuros docentes / Tatiana Lima Brasil. – Recife, 2019.

331 f. : il.

Orientador: Aurino Lima Ferreira.

Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE.

Programa de Pós-graduação em Educação, 2019.

Inclui Referências e Apêndices

1. Educação. 2. Resiliência (Traço de personalidade). 3. Professores -

Formação. 4. UFPE - Pós-graduação. I. Ferreira, Aurino Lima

(Orientador). II. Título.

370.71 (22. ed.) UFPE (CE2019-038)

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TATIANA LIMA BRASIL

RESILIÊNCIA INTEGRAL: um caminho de possibilidades para formação humana de

futuros docentes

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Federal de Pernambuco, como requisito parcial

para a obtenção do título de Doutora em

Educação.

Aprovada em: 11/03/2019

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________

Prof. Dr. Aurino Lima Ferreira (Orientador)

Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________________

Prof. Dr. Marlos Alves Bezerra (Examinador Externo)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª. Ana Lúcia Galvão Leal Chaves (Examinadora Externa)

Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________________

Prof. Dr. Alexandre Simão de Freitas (Examinador Interno)

Universidade Federal de Pernambuco

____________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Eugênia de Paula Benício Cordeiro (Examinadora Interna)

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco

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Dedico aos seres mais queridos nesta encarnação, que me deram a honra de me

tornar mãe, buscando uma ruptura com o velho e sonhando com um porvir cheio de

inovações, superações, aprendizado, crescimento e muito amor: Jorge Luiz, com sua maestria

e sabedoria de Ser-no-mundo, e Helena, na inocência, leveza, renovação de uma criança e

toda luz que carrega consigo. E ao meu esposo, por sua incansável presença silenciosa e

amorosa!

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AGRADECIMENTOS

Gratidão a um ser maior que por ora insisto em não nomear, abrangendo todas as

formas e personificações atribuídas. Por ter criado este mundo, por me permitir fazer parte

dele numa jornada intensa de crescimento, me levando ao encontro mais precioso – comigo

mesma.

A minha mãe, por sua existência amorosa, generosa e guerreira, por ser um exemplo

de ser humano e por nela encontrar formas de ser-resiliente-no-mundo. Uma forma de amor

único e diferenciado que demorei a entender, mas através da ampliação de perspectivas na

vida pude senti-lo em sua intensidade e dimensão.

A meu pai, por de sua forma peculiar acreditar e torcer por mim. Um amor

silencioso, porém verdadeiro. Que insiste em torcer calado, com poucas palavras e quase

nenhum gesto, mas uma energia do bem.

Ao amor da minha vida, meu esposo Bruno, que de sua forma sempre acreditou em

meus sonhos mesmo que parecessem distantes e impossíveis. Quanto esforço ele fez para

estar presente. Gratidão! Te amo imensamente.

Ao meu filho Jorge Luiz, por sua crença incondicional no meu potencial, por cada

palavra dita e não dita, por todos os abraços sinceros. Sempre presente nos momentos mais

árduos como um grande mestre a olhar para seu discípulo encorajando-o silenciosamente.

A Helena, que em meio a tantas exigências aceitou vir ao mundo, mesmo sabendo

das restrições de tempo, de dias de ausência e muito estudo, nunca deixou de me incentivar

com seus sorrisos mais generosos e belos, com os gritos de quem me cobra prontidão e

urgência em terminar essa tarefa, além dos muitos abraços em dias de choro e dúvidas.

A minha família, por serem humanos suficientemente bons e presentes na medida

certa. A minha irmã Juliana, por vibrar comigo. A Léo e Lucas, que talvez não entendam até

hoje o que eu faço, mas que me têm como exemplo no caminho dos estudos. A tio Antônio

por ser a alegria dos meus dias complicados. Aos primos, sobrinhos, tios e irmãs, por terem

tentado compreender meus MUITOS momentos de ausência.

Sou imensamente grata a meu orientador, Aurino, educador para a vida, de alma

generosa, que sempre esteve comigo até quando eu mesma pensei em me abandonar. Alguém

que me fez e faz pensar na vida por vários ângulos e possibilidades, que me oportunizou a

ampliação da consciência e uma crença real no meu potencial humano de ser e fazer.

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A cada um dos meus colegas de núcleo, em especial Mariana Arantes, por ser uma

das mais verdadeiras pessoas que conheço, por se permitir cair, levantar, aprender, sofrer e

persistir, minha amiga doutoranda feliz! Lúcia, que sempre esteve carinhosamente presente

com um abraço, um carinho, um cuidado. Silas, um primo-irmão de alma que o doutorado nos

aproximou, pelas vivências e aprendizados. Carol e Luiza Souto, ah! Meninas lindas do meu

coração, sempre alimentando minh’alma.

Aos professores do núcleo de educação e espiritualidade pela força e generosidade

em oferecer a todos nós um espaço precioso de formação humana. Gratidão especial Prof.

Alexandre Freitas, por toda desconstrução causada em meu ser através de suas aulas ao longo

da vida, me propiciando assumir-me com toda minha potencialidade de existir.

Ao Neimfa, família maior, que me acolheu desde muito cedo, por despertar em mim

a necessidade profunda de ser no mundo, colaborar e gerar benefícios aos seres de modo a

contribuir em seus processos de crescimento e formação humana.

Aos meus alunos, por me inspirarem sempre e por toda a torcida durante todo o

processo seletivo e o caminhar no doutorado.

A todos os meus pacientes, por generosamente compartilharem suas dores,

sofrimentos e adversidades, me oportunizando crescimento e aprendizado contínuo.

Aos professores e funcionários do programa - PPGE, pelo grande suporte sempre.

A todos que de alguma forma me ajudaram nesses dois anos. Não esquecendo os

animais e plantas que habitam minha casa, que, mesmo sem saber, me acalmaram nas

intermináveis horas solitárias de escrita.

A CAPES, por fomentar pesquisas, sonhos de educadores em dias melhores, um

mundo melhor, processos educativos de inteireza onde a formação humana possa se fazer

presente e auxiliar a transformação da sociedade em um espaço equânime, livre e acima de

tudo justo.

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RESUMO

A resiliência enquanto fenômeno humano ganhou espaço na agenda do debate

educacional contemporâneo, aparecendo como possibilidade de favorecer o processo de

formação humana integral. Esta tese buscou compreender como a relação entre os quadrantes

de Wilber, a resiliência e o reconhecimento podem favorecer a ampliação e o direcionamento

a uma formação humana integral de futuros docentes, a partir da investigação de uma

proposta formativa voltada para promoção de resiliência no intuito de apresentar suas

contribuições para o processo de formação humana. Este trabalho situa-se no campo da

abordagem qualitativa de base fenomenológica, interacionista e construcionista e faz uso da

Metodologia de Análise de Redes do Cotidiano (MARES) para acessar o fenômeno. Durante

quinze encontros, de quatro horas cada, investigamos um grupo de vinte e cinco participantes

utilizando observação participante, mapas de rede, diário de gratidão e proposta formativa. Do

total de participantes foram escolhidos dois que apresentaram maior índice de resiliência e

dois com menor índice para entrevista em profundidade. A proposta formativa teve como

objetivo nos proporcionar condições de elaborar o conceito de resiliência integral e suas

contribuições para o processo de formação humana integral de futuros docentes. Tecemos a

partir dos encontros as relações das possíveis contribuições da resiliência integral para a

finalidade da educação compreendida como formação humana. A análise de campo

desdobrou-se em uma descrição dos encontros interventivos, indicando a potencialidade da

resiliência, bem como do reconhecimento de si a partir de uma proposta formativa cunhada

nos quadrantes de Wilber e na teoria do reconhecimento de Honneth, visando fazer as

possíveis relações entre as temáticas e suas contribuições no processo de formação humana

integral. As entrevistas foram analisadas lexometricamente através do software Iramuteq e

categorizadas conforme Bicudo em doze categorias abertas. 1) Enfrentamento: esforços

comportamentais e cognitivos voltados ao manejo de um acontecimento; aprender a lidar com

as adversidades, tornando-se mais suscetível para encarrar o enfrentamento, mais seguro e por

vez com mais características resilientes. 2) Transformação cooperativa: movimento e

necessidade de mudar; os participantes relatam que sentem os processos que implicam

principalmente a formação formal dentro da instituição, ainda muito engessados, compilados

por normatizações e regras muito duras, onde algumas vezes o pensar parece ser ruim. 3)

Possibilidades ampliadas: o desvelar dos fenômenos nos processos de formação humana,

porém não apenas deixando que emerjam, mas sim olhando de modo transformativo, onde o

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velho perde um pouco da força e dá lugar a um novo, com modos diferentes de não mais

assujeitamento, e sim de rompimentos de barreiras propiciando o crescimento. 4)

Compreensão e aprendizagem: compreensão não deve ser tida como algo permissivo,

banalizando o processo de aprendizagem ou coisas semelhantes, e sim uma possibilidade de o

outro vir-a-ser sujeito em todas as dimensões. 5) Superação e integração: indicativo de ação e

movimento; ideia de ultrapassar barreiras, enfrentar problemas, ir além de crises e obstáculos,

superar; não é apenas o movimento de passar sobre, alcançar o resultado apenas, e sim de

aprender com a situação, problema, adversidade enfrentada, vez que o simples fato de

alcançar o objetivo/resultado não implica um aprendizado, por isso propomos a integração,

como forma de apreensão do vivenciado. 6) Ruptura dimensional: promoção em si de

deslocamento e ruptura de padrões cristalizados em prol de um novo, de uma nova construção

capaz de incluir outros fatores que antes talvez não se fizessem presentes no âmbito social,

educacional, emocional, psicológico. 7) Cuidado de si: trabalhar-se, construir-se, reconstruir-

se, inventar e reinventar a si próprio; assumir-se em seu projeto singular de existência. 8)

Empoderamento: um processo individual e coletivo cujo objetivo é ajudar os sujeitos a

conduzirem as suas vidas e também a se emanciparem; uma tomada de consciência crítica

com o engajamento crítico e político dos indivíduos e dos grupos; o poder de ser e tomar suas

decisões, ser dono de suas escolhas sendo capaz de sustentá-las e brigar por elas. 9)

Reconhecimento em si: ideais da cidadania e do exercício democrático e na responsabilidade

pelo futuro, buscando olhar de maneira integral para o sujeito, possibilitando-o e a si mesmo

um caminho de aprendizados, observação de valores, cultura, limitações, potencialidades e

capacidades múltiplas. 10) Estima e acolhimentos. 11) Autenticidade: livre de máscaras e

genuinamente sincera: nesse tipo de relação, professores e alunos têm a liberdade de se

expressar, sem censura ou condições, de modo que ambas as partes tenham condições de

identificar pelas emoções do outro as ressonâncias e os limites de seu próprio “eu”. 12)

Formação integral: o caminho proposto para o desenvolvimento da prática educativa que

integre a complexidade humana, a partir da inclusão de práticas e exercícios e reflexões que

contemplem e valorizem cada dimensão, inclusive a espiritual, assumindo um contexto

integral e consequentemente uma abertura, um novo olhar frente à profissão escolhida e ao

seu papel quanto educador. Os participantes assumem em suas falas a noção de resiliência já

em uma perspectiva mais integral, contendo os elementos dos quatro quadrantes de Wilber,

fora do escopo salvacionista e de resolubilidade total dos problemas. Podemos encarar a

relação entre resiliência e reconhecimento como uma forma de luta e resistência às mais

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diversas formas de sofrimento, uma possibilidade de fazer diferente. Indicamos a necessidade

de mais estudos sobre a promoção de resiliência integral no campo educacional, no intuito de

possibilitar uma melhor qualidade de vida pessoal e profissional dos educadores, auxiliando

na diminuição do sofrimento e adoecimento no exercício da docência.

Palavras-chave: Resiliência integral. Educação. Formação humana.

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ABSTRACT

Resilience as a human phenomenon has gained space in the agenda of contemporary

educational debate, appearing as a possibility to favor the process of integral human

formation. This thesis sought to understand how the relationship between Wilber 's quadrants,

resilience and recognition can favor the expansion and orientation to an integral human

formation of future teachers, based on the investigation of a formative proposal aimed at

promoting resilience in order to present their contributions to the process of human formation.

This work is in the field of qualitative approach based on phenomenology, interactionist and

constructionist and makes use of the Methodology of Network Analysis of Daily Life

(MARES) to access the phenomenon. During fifteen four-hour meetings, we investigated a

group of twenty-five participants using participant observation, network maps, gratitude

journal, and formative proposal. From the total of participants were chosen two that presented

higher index of resilience and two with lower index for interview in depth. The purpose of the

formative proposal was to provide us with the conditions to elaborate the concept of integral

resilience and its contributions to the integral human formation process of future teachers. We

trace from the meetings the relations of the possible contributions of integral resilience to the

purpose of education understood as human formation. The analysis of the field unfolded in a

description of the interventional meetings, indicating the potentiality of the resilience, as well

as of the recognition of itself from a formative proposal coined in the quarters of Wilber and

in the theory of the recognition of Honneth aiming to make the possible relations among the

themes and their contributions in the process of integral human formation. The interviews

were analyzed lexometrically through the Iramuteq software and categorized according to

Bicudo in twelve open categories: 1) Confrontation, as behavioral and cognitive efforts aimed

at managing an event, is learning to deal with adversities, becoming more susceptible to

dealing with the confrontation, safer and at the same time with more resilient characteristics;

2) Cooperative transformation defined as movement and need to change, participants report

that they feel the processes that imply mainly in formal training within the institution, still

very ingrained, compiled by rules and rules very hard, where sometimes thinking seems; 3)

Possibilities expanded account of the unveiling of phenomena in the processes of human

formation, but it is not only to let them emerge, but to look in a transformative way, where the

old one loses some of the force and gives place to a new one, which brings different modes of

no more assujeitamento but yes of breaks of barriers providing a grow. ; 4) Understanding and

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learning understanding should not be taken as permissive, trivializing the learning process, or

the like, but rather a possible of the other to become subject in all dimensions. ; 5)

Overcoming and indicative integration of action and movement. The idea of overcoming

barriers, facing problems, going beyond crises, obstacles, overcoming is not only the

movement to pass on, achieve the result only, it is rather the idea of learning from the

situation, problems, adversity faced, of achieving the goal - result does not imply learning, so

we propose integration, as a way of apprehending the experienced; 6) Dimensional rupture

was seen as the promotion itself of displacement and rupture of crystallized patterns in favor

of a new one, of a new construction capable of including other factors that previously might

not have been present in the social, educational, emotional, psychological; 7) Self-care

implies working, building, rebuilding, inventing and to reinvent itself; take on his unique

project of existence; 8) Empowerment was seen as an individual and collective process whose

purpose is to help individuals lead their lives and also to emancipate themselves, a critical

awareness of the critical and political engagement of individuals and groups, is the power of

being and making their decisions, being the owner of their choices and being able to support

them and fight for them; 9) Recognition in itself supported ideals of citizenship and

democratic exercise and responsibility for the future, seeking to look at the subject in an

integral way, enabling him and himself a path of learning, observation of values, culture,

limitations, multiple capabilities and capabilities; 10) Estimate and welcome; 11) Authenticity

free of masks and genuinely sincere. In this type of relation, teachers and students have the

freedom to express themselves, without censorship or conditions, so that both parties are able

to identify by the emotions of the other the resonances and limits of their own self and 12)

Integral formation is the path proposed for the development of educational practice that

integrates human complexity, from the inclusion of practices and reflections that contemplate

and value each dimension, including the spiritual, assuming an integral context, thus

assuming an openness, a new look to the chosen profession and its role as educator. The

participants assume in their speech the notion of resilience in a more integral perspective,

containing the elements of the four quadrants of Wilber, a more integral vision and outside the

Salvationist scope and total resolubility of the problems, we can deal with the relationship

between resilience and recognition a form of struggle, resistance to the most diverse forms of

suffering. A possibility to do differently. We indicate the need for more studies on the

promotion of integral resilience in the educational field, in order to enable a better quality of

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personal and professional life of the educators, helping in the reduction of suffering and

illness in the exercise of teaching.

Keywords: Integral resilience. Education. Human formation.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Cora Coralina .................................................................................................... 33

Figura 2 – Escolhas ............................................................................................................ 58

Figura 3 – Dimensões ......................................................................................................... 64

Figura 4 – Resiliência Integral ........................................................................................... 66

Figura 5 – Integralidade ..................................................................................................... 81

Figura 6 – A Grande Cadeia do Ser ................................................................................... 83

Figura 7 – Níveis ................................................................................................................ 85

Figura 8 – Estados .............................................................................................................. 87

Figura 9 – Linhas ................................................................................................................ 89

Figura 10 – Tipos ................................................................................................................. 91

Figura 11 – Quadrantes ........................................................................................................ 92

Figura 12 – Os Quatro Quadrantes ....................................................................................... 93

Figura 13 – Hólon dos quadrantes ........................................................................................ 96

Figura 14 – Mapa Integral .................................................................................................... 98

Figura 15 – Categoria de Reconhecimentos ....................................................................... 116

Figura 16 – Nó marinheiro ................................................................................................. 145

Figura 17 – Mapa da pessoa ............................................................................................... 163

Figura 18 – Resiliência nos Quadrantes ............................................................................. 180

Figura 19 – Acolhimento .................................................................................................... 183

Figura 20 – Autoconhecimento .......................................................................................... 187

Figura 21 – Traumas........................................................................................................... 195

Figura 22 – Praticando ....................................................................................................... 196

Figura 23 – Trabalho em grupo .......................................................................................... 200

Figura 24 – Cuidando de si................................................................................................. 204

Figura 25 – Quadrante Superior Direito ............................................................................. 208

Figura 26 – Expressões....................................................................................................... 209

Figura 27 – Adoecimento ................................................................................................... 212

Figura 28 – Doenças ........................................................................................................... 214

Figura 29 – Quadrante Nós ................................................................................................ 216

Figura 30 – Rede ................................................................................................................ 217

Figura 31 – O desafio ......................................................................................................... 218

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Figura 32 – Todos juntos .................................................................................................... 221

Figura 33 – Sentimentos ..................................................................................................... 223

Figura 34 – Grupo .............................................................................................................. 226

Figura 35 – Quadrante inferior direito ............................................................................... 232

Figura 36 – Professor ......................................................................................................... 232

Figura 37 – Sonho e Realidade........................................................................................... 235

Figura 38 – Ser integral ...................................................................................................... 238

Figura 39 – Pensar .............................................................................................................. 244

Figura 40 – Pensando a vida como uma borboleta ............................................................. 245

Figura 41 – Encontro no NEIMFA..................................................................................... 246

Figura 42 – Nuvem de palavras com as “assimilações dos participantes” ......................... 253

Figura 43 – Árvores com similitudes com “assimilações dos participantes” ..................... 254

Figura 44 – Extrato do gráfico de similitudes .................................................................... 255

Figura 45 – Árvores com similitudes com “assimilações dos participantes” sem a

palavra problema ............................................................................................. 256

Figura 46 – Dendograma da classificação hierárquica descendente .................................. 258

Figura 47 – Matriz das Unidades de Significado ............................................................... 263

Figura 48 – Os quadrantes pela ótica resiliente .................................................................. 285

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Estados .............................................................................................................. 88

Quadro 2 – Inteligências múltiplas ...................................................................................... 90

Quadro 3 – Estrutura das Relações Sociais de Reconhecimento ....................................... 116

Quadro 4 – Amostra emparelhadas .................................................................................... 156

Quadro 5 – Teste ................................................................................................................ 157

Quadro 6 – Descrição encontros ........................................................................................ 159

Quadro 7 – Instrumentos da pesquisa ................................................................................ 167

Quadro 8 – Cronograma dos Encontros ............................................................................. 183

Quadro 9 – Acordos ........................................................................................................... 184

Quadro 10 – Atividades de apresentação ............................................................................. 185

Quadro 11 – Atividades do EU ............................................................................................ 191

Quadro 12 – Gosto / Não Gosto ........................................................................................... 192

Quadro 13 – Valores ............................................................................................................ 193

Quadro 14 – Emoções .......................................................................................................... 194

Quadro 15 – Descobrindo a Resiliência ............................................................................... 197

Quadro 16 – Ter um problema ............................................................................................. 199

Quadro 17 – Analisar situações traumáticas ........................................................................ 202

Quadro 18 – O último dia .................................................................................................... 204

Quadro 19 – Cuidando de Si ................................................................................................ 205

Quadro 20 – Formas de reconhecimento ............................................................................. 206

Quadro 21 – Sentindo meu corpo ........................................................................................ 210

Quadro 22 – Sentindo o outro .............................................................................................. 211

Quadro 23 – Adoecimento e o reconhecimento ................................................................... 213

Quadro 24 – Enfrentando os problemas............................................................................... 215

Quadro 25 – Reflexão .......................................................................................................... 215

Quadro 26 – Aceita o desafio? ............................................................................................. 218

Quadro 27 – Quem eu levo? ................................................................................................ 220

Quadro 28 – Mar revolto...................................................................................................... 220

Quadro 29 – Grupo Focal .................................................................................................... 222

Quadro 30 – A bola .............................................................................................................. 224

Quadro 31 – Excluir pode! ................................................................................................... 225

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Quadro 32 – Solução grupal ................................................................................................ 228

Quadro 33 – O espelho ........................................................................................................ 229

Quadro 34 – A jornada ......................................................................................................... 230

Quadro 35 – Esfera do reconhecimento ............................................................................... 233

Quadro 36 – Montagem ....................................................................................................... 235

Quadro 37 – Violências ....................................................................................................... 237

Quadro 38 – Valores ............................................................................................................ 239

Quadro 39 – Refletindo os valores....................................................................................... 240

Quadro 40 – Provocações .................................................................................................... 242

Quadro 41 – Mapa da Pessoa ............................................................................................... 243

Quadro 42 – Mapa Coletivo ................................................................................................. 250

Quadro 43 – Exemplo de Redução de Unidades de Significado ......................................... 261

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Escores de todos os participantes .................................................................... 170

Tabela 2 – Nível de resiliência ......................................................................................... 170

Tabela 3 – Escores dos participantes entrevistados .......................................................... 171

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 22

2 “RESILIENCIANDO” PELAS ESQUINAS POR QUE PASSEI .................. 33

2.1 SÓ EU SEI OS DESERTOS QUE ATRAVESSEI - Resiliência: os

alinhavados de sua tessitura ................................................................................... 36

2.2 SABE LÁ O QUE É NÃO TER E TER QUE TER PRA DAR - Aspectos

constituintes da resiliência ..................................................................................... 42

2.3 NOS ARREDORES DO AMOR QPUE VAI SABER REPARAR -

Resiliência e educação: um enlace promissor ....................................................... 51

2.4 AO VENTO VAGA DE LEVE E TRAZ - Aportando na formação humana

pelas vias da resiliência integral ............................................................................ 62

3 SER DOCENTE: quando um só não dá conta de me fazer acreditar que

não é preciso sofrer tanto .................................................................................... 80

3.1 KEN WILBER E SUA PERSPECTIVA INTEGRAL: um debruçar-se sobre

possibilidades ......................................................................................................... 81

3.1.1 Níveis ou Estágios de desenvolvimento .............................................................. 85

3.1.2 Estados .................................................................................................................. 87

3.1.3 Linhas ................................................................................................................... 89

3.1.4 Tipos ...................................................................................................................... 91

3.1.5 Quadrantes ........................................................................................................... 92

3.2 AXEL HONNETH E A TEORIA DO RECONHECIMENTO: uma lente

poderosa ............................................................................................................... 101

3.2.1 Conhecendo a teoria do reconhecimento de Axel Honneth ........................... 101

3.2.1.1 Amor: primeira esfera do reconhecimento .......................................................... 105

3.2.1.2 Direito: segunda esfera do reconhecimento ......................................................... 108

3.2.1.3 Solidariedade: terceira esfera do reconhecimento ............................................... 111

3.3 A OUTRA FACE DO RECONHECIMENTO: violação, privação de direitos

e degradação ........................................................................................................ 116

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3.4 RECONHECIMENTO, SOCIALIZAÇÃO, LIBERDADE E EDUCAÇÃO ..... 121

3.5 DOCENTES: O QUE ACONTECE COM ESSA PROFISSÃO? ....................... 128

3.5.1 Na estrada longa da vida eu vou chorando as minhas dores:

adversidades, traumas e sofrimento ................................................................. 129

3.5.2 Igual a uma borboleta voando triste por sobre uma flor: o adoecer

docente ................................................................................................................ 133

3.6 UM MODO OUTRO DE OPERAR: UM OLHAR AMOROSO PELAS

LENTES INTEGRAL ......................................................................................... 139

4 PERCURSO METODOLÓGICO: o nó do nó na rede do marinheiro,

por entre as marés ............................................................................................. 145

4.1 PRESSUPOSTOS DA ABORDAGEM E ESTRATÉGIAS

METODOLÓGICAS DA PESQUISA ................................................................ 146

4.2 OS CAMINHOS PELA MARES E MARÉS ...................................................... 149

4.2.1 Conhecendo as águas a serem navegadas: familiarização com o local da

pesquisa ............................................................................................................... 150

4.2.2 Navegando por entre os mares: capturando dados desvelados ..................... 150

4.2.3 Instrumentos ...................................................................................................... 154

4.2.3.1 Instrumentos para construção dos dados ............................................................. 154

4.2.3.2 Instrumentos da experiência formativa ................................................................ 158

4.3 PARTICIPANTES ............................................................................................... 169

4.4 ANÁLISE DOS DADOS .................................................................................... 171

5 RESULTADOS: apresentação, análises e discussões ...................................... 179

5.1 PROMOÇÃO DE RESILIÊNCIA: reconhecendo-se em si mesmo e, nas

relações e os processos para formação humana integral ..................................... 179

5.2 ANALISANDO O MAPA DA PESSOA COLETIVO ....................................... 249

5.3 ANALISANDO AS ENTREVISTAS ................................................................. 251

5.3.1 Analisando as entrevistas com o IRAMUTEQ ............................................... 251

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5.3.2 Relato de uma experiência vivida: da entrevista ao tratamento dos

dados ................................................................................................................... 259

5.3.2.1 Explicação das Unidades de Significado ............................................................. 260

5.3.2.2. Análise e discussão do Gráfico das Unidades de Significado ............................. 264

5.3.2.2.1. Enfrentamento...................................................................................................... 265

5.3.2.2.2 Transformação cooperativa................................................................................. 267

5.3.2.2.3 Possibilidades ampliadas .................................................................................... 268

5.3.2.2.4 Compreensão e aprendizagem ............................................................................. 269

5.3.2.2.5 Superação e integração ....................................................................................... 270

5.3.2.2.6 Ruptura dimensional ............................................................................................ 273

5.3.2.2.7 Cuidado de si ....................................................................................................... 273

5.3.2.2.8 Empoderamento ................................................................................................... 275

5.3.2.2.9 Reconhecimento em si.......................................................................................... 277

5.3.2.2.10 Estima e acolhimento ........................................................................................... 279

5.3.2.2.11 Autenticidade ....................................................................................................... 280

5.3.2.2.12 Formação integral ............................................................................................... 280

5.4 A RESILIÊNCIA INTEGRAL NOS QUATRO QUADRANTES DO

KOSMOS: um panorama geral, uma compreensão, uma visão .......................... 283

5.4.1 Dimensão subjetiva (as experiências educacionais): ...................................... 286

5.4.2 Dimensão objetiva (o comportamento educacional): ..................................... 288

5.4.3 Dimensão intersubjetiva (a cultura educacional) ........................................... 290

5.4.4 Dimensão interobjetiva (os sistemas educacionais): ....................................... 293

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 296

REFERÊNCIAS ................................................................................................. 304

ANEXO A – ESCALA DE RESILIÊNCIA ..................................................... 326

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APÊNDICE 1 – MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO

LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE, utilizado para adesão dos

participantes na pesquisa de campo ................................................................. 329

APÊNDICE 2 – ROTEIRO DA ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE .... 331

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1 INTRODUÇÃO

Tempos tão difíceis nos suplicam cuidado e atenção. No contexto da educação, nada

tem sido fácil, favorável, ameno, tranquilo, o que de certa forma causa uma imensa angústia

em quase todos aqueles que dela se alimentam, lutam e desejam ver modificações, além da

constante luta para superar os desafios que se apresentam.

Tais desafios extrapolam a educação em sentido estrito, envolvendo a sociedade e

requerendo reflexões mais amplas no que diz respeito às metas da formação humana, devendo

incluir a multietnicidade, a convivência plural e democrática e a unidade na diversidade.

A cada dia torna-se mais presente a desconfiança, violência e agressão nas relações, e

os cidadãos cada vez mais transformam-se em inimigos em potencial, cujo foco é a disputa

entre si em todos os âmbitos, demonstrando algumas vezes o que não é real, uma falsa

realidade da vida, de ideologia e de pensamentos, e forçando-se a terem atitudes que não

acreditam, para estar ou pertencer a determinados grupos.

Em meios aos mais variados desafios que enfrentamos, os que a educação deve se

defrontar — a desvalorização profissional e da própria formação, o analfabetismo, a evasão

escolar, a educação de jovens e adultos, as mais variadas formas de violência, o

desaparelhamento das instituições, as inúmeras reformas contraditórias, etc. —, a questão da

formação humana, sem dúvida, constitui um ponto focal da agenda educativa deste século.

As reflexões teóricas e estudos empíricos, acerca da formação humana, ainda não

conseguiram estabelecer possibilidades de rupturas com os modelos tradicionais que exaltam

a adaptação ao mercado de trabalho como meta educacional. Entre as causas que estão na raiz

de nossa dificuldade de pensar essa problemática, está o fato de não dispormos de modelos

complexos de compreensão do humano capazes de oferecer processos de enfretamento das

adversidades pela reflexão pedagógica.

Tratar essas e outras questões significa ocupar-se com temas complexos que não se

esgotam numa primeira análise e abrangem uma multiplicidade de fatores e variáveis —

psicológicas, sociais, econômicas, culturais —, todas elas igualmente importantes. É preciso,

portanto, estar atento para vencer as tentações do reducionismo bastante comum no campo

educativo.

Como destaca Rodrigues (2001, p. 253-254):

A partir dos tempos modernos ocorreram diversos movimentos para universalizar a

Educação Escolar e essa universalização tem sido cada vez mais entendida como

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universalização da Educação. Como a Educação Escolar sempre teve por

característica central lidar com questões do conhecimento e da formação de

habilidades, ambas as concepções de Educação Escolar e Educação foram se

identificando até dissolver absolutamente o sentido de formação humana. A

concepção de formação foi reduzida ao plano dos domínios dos conhecimentos. [...]

As crianças serão enviadas para a Escola cada vez mais cedo e nela permanecerão

por um tempo mais extenso. E isso não será porque há um mundo novo de

informações a ser processado e, sim, porque a Escola deverá exercer o tradicional

papel das famílias, das comunidades, da Igreja, e ainda, o que lhe era próprio:

desenvolver conhecimentos e habilidades. Ela deverá se ocupar com a formação

integral do ser humano e terá como missão suprema a formação do sujeito ético.

A partir das minhas inquietações, o desejo de pesquisar a resiliência e formação

humana numa perspectiva integral assumiu uma nova conotação, perfazendo os caminhos

advindos dessas angústias, sofrimentos e dores que insistiam em se apresentar no meu

cotidiano profissional como psicóloga, dando lugar a questionamentos e formas como os

sujeitos encaravam suas várias adversidades.

Ao longo da minha trajetória profissional, tive uma oportunidade conferida por meio

da experiência de ser professora substituta (isso de alguma forma poderia ter me levado a um

lugar de não legitimidade como docente — o que não aconteceu) da Universidade Federal de

Pernambuco, onde estabeleci contatos com os alunos em formação e com os mais diversos

questionamentos sobre seu papel ou papéis, as tarefas desenvolvidas, a finalidade de sua

atuação, o não desejo de estar naquele lugar, a escolha (ou falta de escolha) da profissão, o

alto índice de adoecimento e os tipos de doenças mais temidas, o não reconhecimento e

principalmente um vazio imenso no âmbito do cuidado do professor. Um lugar de não

pertencimento social, que hoje ganha ainda mais força no escopo político que se engendra de

maneira a devastar sonhos e ideais.

Não posso me esquecer dos meus caros colegas de profissão, os docentes do centro de

educação, que, apesar do amor pelo exercício docente, por ter feito a escolha por esse

caminho a ser seguido em algum momento da vida e por uma série de outras variáveis, era

perceptível em alguns a dor, o sofrimento, a angústia, as adversidades advindas da profissão.

Esse não foi nosso foco, mas registro aqui o crescimento constante do adoecimento dos caros

colegas, que têm uma árdua tarefa, não valorizada em nossa sociedade, de ensinar e trocar

conhecimentos.

Neste processo, observei a importância de trabalhar conteúdos que ao mesmo tempo

cumprissem sua função teórico-reflexiva e, principalmente, pudessem afetar a prática

cotidiana das/os alunas/os, assim como constatei que havia uma demanda em entender a si

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mesmos minimamente, a fim de poderem buscar compreender o outro, algo que para as/os

alunas/os parecia extremamente novo e impossível.

Partindo da minha experiência no mestrado (BRASIL, 2015), na qual realizei uma

intervenção que visava à promoção de resiliência, obtive deslocamentos no comportamento e

forma de olhar as adversidades das/dos estudantes de pedagogia e, pude me dar conta de que o

mais valioso estava nas falas destas/es sujeitos, que imploravam por cuidado e

reconhecimento de si e para si, por sentirem-se parte do mundo, no quanto as redes de

vínculos podem influenciar positiva ou negativamente, visto que são “[...] estruturas

significativas e inerentes às práticas sociais” (CAILLÉ, 2002, p. 115).

Assim decidi lançar-me ao mar complexo de um doutorado, na tentativa de encontrar

tesouros mais profundos. Nasceu um desejo de ser doutora em mim mesma e proporcionar

aos sujeitos essa mesma possibilidade, pois, em espaços onde mal se re/conhece a si, ser

doutor de si1 é ser muito no mundo.

Para tal, é sabido que todos os acontecimentos das nossas vidas decorrem de relações,

sejam familiares, profissionais, amizades, com o meio ambiente, ou na suposta ausência de

qualquer estímulo externo, é certo que nos relacionamos conosco, nossos sentimentos,

angústias, medos, adversidades, memórias, traumas, etc. São estas relações fontes de

conhecimento, crescimento e reconhecimento, uma vez que recebemos inspirações como

resultado da dinâmica interativa que movimenta a vida, ou, como dizem os mais sábios,

reconhecemos nos outros aquilo que de certa forma conhecemos em nós mesmos. Talvez esse

seja o primeiro ponto crucial da questão: será que nos conhecemos o suficiente para

reconhecer o outro?

O mais comum é não saber como lidar com tudo isso. Na grande maioria das vezes,

para compreender as relações e o que elas trazem consigo, é necessário um olhar interior,

entender a si mesmo. Para que esse processo se torne responsável e consciente, é peculiar

aprender a se conhecer, criar possibilidades de construir novos caminhos em sua vida, retomar

um desenvolvimento, a partir da ruptura, com a construção de novas formas de subjetivação.

Não optando, portanto, esquecer ou subestimar o evento traumático, mas a partir dele refazer-

se a si mesmo (CYRULNIK, 2004) e para si mesmo acima de tudo.

No momento, o que nos inquietava era e continua sendo a ausência quase que total de

um processo educativo formal que trate diretamente as relações das/os alunas/os e futuras/os

1 Processo de reconhecimento de si mesmo nas três dimensões de Honneth: amor, direito e solidariedade,

integradas às ideias de resiliência.

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docentes do cultivo do seu autoconhecimento como seres humanos, do reconhecimento de e

para si dos seus potenciais e limitações, das possibilidades de superação e subjetivação das

adversidades, do enfrentamento da vida, do olhar para si mesmo, do desenvolvimento da

capacidade de acreditar ser uma pessoa importante na formação de outros seres, das poucas

relações de afeto seguro, da sensação de invisibilidade, negligenciando os quadrantes

interiores EU e o NÓS, na visão de Ken Wilber (2008)2, dando ênfase ao quadrante

exteriores ISTO e ISTOS, afastando assim as possibilidades de cuidados consigo e para com o

outro.

E para onde vai a maioria de nossas/os futuras/os docentes? Para a escola, que,

enquanto instância social responsável pela organização e transmissão do conhecimento

socialmente produzido, assimilou o rompimento com a Cadeia do Ser3, que é normalmente

apresentada como: matéria, corpo, mente, alma e espírito, fidelizando-se aos pressupostos

liberais e cientificistas. Consequentemente, a educação reduziu-se a uma função transmissiva

e meritocrática ao invés de humana-formativa.

Imersas num grande emaranhado quanto ao dever humano, as instituições de ensino

abrem mão do ensino crítico-reflexivo-criativo-contemplativo e humano-formativo visando

desenvolver quase que exclusivamente o exercício da memorização e o raciocínio lógico-

matemático e linguístico (GARDNER, 1995), restando uma participação coadjuvante às

ciências fomentadoras do pensar nas dimensões educativas do deve ser.

Severino (2010) aponta que o sistema anda obedecendo a uma lógica capitalista

marcada por um irreversível processo de globalização econômica e cultural, no qual

referências ético-políticas perdem sua força na orientação do comportamento das pessoas,

trazendo descrédito e desqualificação para a educação.

Na ausência de clareza com relação a uma perspectiva multidimensional da realidade e

do ser humano por parte das instituições veículos de conhecimento, a escola assimilou o olhar

monológico da ciência, contribuindo para que o indivíduo participe do processo de construção

social refém daquilo que “é” ou “está” disseminado como “verdade” (WILBER, 2006).

Mediante esta lógica instituída pelo processo de negação, é axiomático dizer que

evoluímos tecnologicamente, porém somos prisioneiros dos processos de crescimento

2 Ken Wilber (2007) criou o chamado Sistema Operacional Integral, uma forma de mapeamento das múltiplas

percepções humanas a respeito de um determinado fenômeno, inclusive do próprio fenômeno humano. Na

intenção de construir uma visão integral da realidade, Wilber (2008) faz uso de cinco elementos: os quadrantes,

os níveis, os estados, os tipos e as linhas. 3 Iremos nos aprofundar nesses conhecimentos no segundo capítulo.

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econômico, de uma sensação de fracasso e incapacidade de colaborar com o processo

formativo de outrem (CORDEIRO, 2012). Nas/os alunas/os de graduação em pedagogia, foi

fácil perceber durante minha experiência docente e no processo interventivo do mestrado, o

quanto não ter um espaço para olhar para si e ser solicitado a ter atitudes e sentimentos

positivos, a dor da invisibilidade quanto sujeito ao longo do exercício da profissão, pouco

reconhecimento e valoração do trabalho desenvolvido, competitividade interna e a fragilidade

das relações interpessoais na instituição, saber lidar com as dificuldades em vários âmbitos

dos seus futuros alunos, na e da escola, manter-se calmo, equilibrado psicológico e

emocionalmente, sem falar do físico, são requisitos muitas vezes não atingíveis pela grande

dificuldade de lidar com suas próprias adversidades.

Através da teoria de Wilber, nossa intenção foi revisitar a perspectiva integral, nos

detendo aos quatro quadrantes e aos possíveis enredamentos que surgem entre ela, a

resiliência e o reconhecimento, buscando assim dar nossa contribuição para a construção do

conceito de resiliência integral. Mas isso não nos era suficiente, parecia faltar algo, que ao

longo da pesquisa pudemos clarificar estar contidos de uma forma sutil na perspectiva

wilberiana.

A resiliência como um processo de ser afetado, enfrentar e transformar as

adversidades em potencialidades de crescimento (YUNES, 2006; GROTBERG, 2005;

CYRULNIK, 2004) surge como uma possibilidade de enfrentamento e saídas diante das

condições adversas, desafiando o modo naturalizador de ver estes espaços e instigando a

ampliação das visões dos envolvidos no processo.

Segundo Guzzo (2015), para discutir processos de resiliência é preciso ter claro o

horizonte político, para onde as intervenções estão sendo dirigidas, na tentativa de favorecer

uma consciência política de ser sujeito de sua própria história e poder operar mudanças no

cotidiano.

A psicologia tem apresentado como via teórica para compreender e discutir essas

interrogações o conceito de resiliência, comumente definida como a “capacidade” de o

indivíduo, ou a família, enfrentar as adversidades, ser transformado por elas, mas conseguir

superá-las. Na tentativa de ampliar o entendimento deste fenômeno, Junqueira e Deslandes

(2003, p. 235) apontam a resiliência como a:

[...] possibilidade [humana] de superação num sentido dialético, isto é,

representando um novo olhar, uma ressignificação do problema, mas não o elimina,

pois constitui parte da história do sujeito. O caráter contextual e histórico da

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resiliência se expressa seja do ponto de vista biográfico, seja do conjunto de

interações dadas numa cultura determinada.

Contudo, em outros momentos, a literatura destaca o fenômeno da resiliência como

“[...] a capacidade dos indivíduos de superar os fatores de risco aos quais são expostos,

desenvolvendo comportamentos adaptativos e adequados” (GARCIA, 2001, p. 128), podendo

ser entendido como risco os resultados negativos e indesejáveis no desenvolvimento do

sujeito. Não podemos deixar de incluir o social, pensando na concepção de que todos os

elementos que dele fazem parte afetam e são afetados pelas relações, pelos diversos fatores

que se apresentam como de risco e protetivos, podendo estes ser encarados de modos

diferentes por cada população, quiçá cada ser humano.

Para colaborar com nossos estudos, lançamos mão da teoria do reconhecimento, numa

tentativa de ampliar nossas percepções no campo mais teórico-objetivo quanto ao outro, às

relações e ao nosso modo de agir e pensar as adversidades, mas atentos às suas limitações no

campo empírico. Axel Honneth faz uso das ideias de Hegel, bem como das ideias de George

Herbert Mead (1863-1931), numa busca de estabelecer a consciência de perceber a si mesmo

como ser suspenso; é a totalidade singular de consciência que se percebe como ser suspenso

no outro e pelo outro, e assim se percebe a si mesma como reflexiva.

Honneth não simplesmente aplica uma definição acabada de reconhecimento aos

fenômenos políticos, mas busca fundamentar solidamente, a partir dos escritos do jovem

Hegel, a ideia de que é a luta por reconhecimento (e não a luta por autoconservação) que

constitui uma gramática não utilitarista, mas moral. Honneth constrói a hipótese fundamental

de que a experiência do desrespeito, isto é, de não-reconhecimento, “[...] é a fonte emotiva e

cognitiva de resistência social e de levantes coletivos” (HONNETH, 2009, p. 227). Assim,

deve-se entender a luta social como:

[...] o processo prático no qual experiências individuais de desrespeito são

interpretadas como experiências cruciais típicas de um grupo inteiro, de forma que

elas podem influir, como motivos diretores da ação, na exigência coletiva por

relações ampliadas de reconhecimento. (HONNETH, 2009, p. 257)

Apoiada nessas possibilidades teóricas, passei a pesquisar a relação entre promoção de

resiliência, o reconhecimento, a perspectiva integral e a formação humana, no intuito de poder

contribuir para uma nova forma de olhar as queixas advindas da educação, como traumas,

patologias, medicalização, falta de valorização profissional, sucateamento das instituições,

aumento da violência, desestímulo por parte dos alunos e colegas de profissão, falta de

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comprometimento das famílias, fracasso escolar e as diversas maneiras de lidar com este

universo.

Cada ser humano tem uma forma particular de olhar para sua(s) adversidade(s). Para

Chequini (2009, p. 1):

Os estudos sobre resiliência investigam a capacidade do indivíduo, grupo ou

sociedade de superar adversidades; buscam responder a questões relacionadas aos

processos através dos quais se dá essa superação, o que leva uma pessoa ou

comunidade a ultrapassar situações de extrema dificuldade e sobreviver de forma

renovada e fortalecida. Procuram responder quais seriam os fatores que atuam no

processo e que garantem o sucesso mesmo diante do infortúnio.

Sendo assim, pretendemos com esse trabalho começar a entender como a relação entre

resiliência, reconhecimento e perspectiva integral colabora com a ampliação e um

direcionamento para uma formação integral. A tentativa é de colaborar com o

desenvolvimento de formas de promoção de resiliência e reconhecimento de si no âmbito da

formação humana no campo da educação.

Esse é um campo no qual ainda é perceptível a escassez de trabalhos. As reflexões

acerca da resiliência no âmbito educacional denotam a ambivalência embutida nos conceitos

de resiliência, ora sobrecarregando o sujeito, atribuindo-lhe apenas a sua “capacidade” de

superação o sucesso ou fracasso da formação, ora retirando-lhe as possibilidades de

resistência pela atribuição de um poder determinista do social ou conservando uma

indeterminação através do hibridismo, além dos poucos estudos que enfoquem a possibilidade

de promoção de resiliência com futuros docentes.

Neste sentido, surgem alguns questionamentos que vão povoar nossa mente durante

um tempo de maturação, nos levando às seguintes questões: qual a percepção de resiliência

assumida pelas/os futuras/os docentes, alunas/os de pedagogia da UFPE? Qual a percepção de

reconhecimento para essas/es mesmas/os alunas/os? Como a relação entre resiliência e

reconhecimento pode contribuir para uma formação humana? Como uma experiência

formativa à guisa da relação entre resiliência e reconhecimento numa perspectiva integral e

que busca a promoção de resiliência poderia contribuir na formação humana de alunas/os do

curso de pedagogia da UFPE?

Diante de tantos questionamentos formulamos a partir da temática da pesquisa a

seguinte pergunta norteadora: De que maneira a relação entre os quadrantes de Wilber, a

resiliência e o reconhecimento Honneth pode favorecer a ampliação e direcionamento a uma

formação humana integral de futuros docentes?

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Perguntas desta ordem servem para instigar e pensar em uma premissa de nossa tese, a

qual considera que as pessoas em geral não têm acesso a um processo de ensino, nas

instâncias de socialização, promotor de uma formação com sentido de humanização, e sim são

imersas em uma dinâmica mercadológica e pouco reflexiva, onde o “ser-si-mesmo em outro”

(HEGEL, 1992) não existe em praticamente nenhuma instância. Röhr (2007) relata que

pessoas que crescem sem conseguir balizar seu processo de hominização — processo natural

de se tornar homem ou mulher obedecendo ao estágio de crescimento desde a infância até a

velhice — e a humanização, que requer um trabalho de autoconhecimento por parte do

indivíduo a respeito da sua própria natureza, que para ele é composta por múltiplas

dimensões, de modo a não perpetuarem dores e sofrimentos, além do assujeitamento a

processos de inferiorização e invisibilidade no âmbito social. Sendo assim defendemos a tese

de que a relação entre "os quatro quadrantes" de Wilber, a resiliência e a teoria do

reconhecimento de Honnett favorece a ampliação e direcionamentos a uma formação humana

quanto à espiritualidade, na qual a resiliência desponta como integral, multidimensional e

promotora da ampliação de valores, rompendo, assim, com visões salvacionistas, adaptativas

e utilitaristas atribuídas a este fenômeno.

Como pressuposto para nossa pesquisa, partimos de um conceito de formação humana

que, ao considerar as múltiplas dimensões do ser (RÖHR, 2007, 2010) — física, sensorial,

emocional, mental e espiritual —, tem como objetivo ofertar conhecimento adequado à/ao

aluna/o de graduação em pedagogia, possibilitando a promoção de conscientização do seu

compromisso com seu próprio processo de humanização que acontece por meio do

autoconhecimento, do reconhecimento mútuo, da autonomia e do desenvolvimento humano, à

medida que busca integrar as dimensões, favorecendo a apropriação, expressão, superação e

subjetivação das dificuldades vivenciadas pelos mesmos ao longo de sua vida.

Como justificativa para pesquisa, encaramos a possibilidade de ser feito um esforço

pela educação formal no sentido de oportunizar os sujeitos a entrarem em contato com o

processo de humanização e desenvolvimento humano de maneira mais ampla e substancial,

estabelecendo condições de escolha e comprometimento com seu processo formativo integral,

de modo a trabalhar as questões advindas das dificuldades vividas, além de exercitarem o

reconhecimento mútuo e principalmente as relações estabelecidas com o que Wilber chama de

interior e exterior nos quadrantes, observando todos os enredamentos e suas possibilidades.

Espaço para ser-no-mundo de forma integral.

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Pensando na relevância deste assunto tanto para a área de educação quanto para a

psicologia e na necessidade de rompermos com os modelos convencionais de olhar para

adversidades e superá-las, propomos investigar a relação entre resiliência, reconhecimento e

perspectiva integral numa experiência formativa, Promoção de resiliência: reconhecendo-se

em si mesmo, nas relações e os processos para formação humana integral, voltada para

promoção de resiliência em alunas/os do curso de Pedagogia da UFPE.

Dessa forma, o objetivo geral desta tese foi compreender como a relação entre os

quadrantes de Wilber, a resiliência e o reconhecimento pode favorecer a ampliação e

direcionamento a uma formação humana integral de futuros docentes.

Tivemos como objetivos específicos:

1. Implementar, aplicar, mapear, investigar e analisar uma proposta formativa à luz dos

quadrantes wilberianos, resiliência e reconhecimento honnethianos, no intuito de

apresentar suas contribuições para o processo de formação humana integral de futuros

docentes da Universidade Federal de Pernambuco.

2. Compreender a percepção de futuras/os docentes acerca da resiliência e da teoria do

reconhecimento e suas possíveis contribuições para o processo de formação humana

integral.

3. Apresentar as relações entre resiliência e a teoria do reconhecimento e suas possíveis

contribuições para o processo de formação humana integral.

Desta maneira, como indicado nos objetivos acima, valemo-nos da MARES -

Metodologia de Análise de Redes do Cotidiano, que é um método fenomenológico,

interacionista e construcionista a ser utilizado para analisar redes sociais do cotidiano, em

geral, e redes de usuários4 dos serviços públicos, em particular, com o objetivo de mapear as

redes existentes, as redes em formação ou as redes potenciais, identificando os problemas que

inibem a expansão da rede e os meios de superação dos problemas (AMARANTE, TORRE,

2000; 2007), com o objetivo de transversalizar a relação entre resiliência, reconhecimento e

perspectiva integral no foco da formação humana de futuras/os docentes.

Para alcançarmos nossos objetivos com a pesquisa, percorrermos altos mares. No

primeiro capítulo, a contextualização, ainda que de forma breve, do panorama do constructo

resiliência desde sua etimologia e histórico, as abordagens de pesquisas e seus caminhos,

semelhanças e distanciamentos com outros termos outrora assumidos como resiliência, fatores

4 Explicaremos o uso dessa terminologia no capítulo referente à metodologia.

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protetores, coping e os mecanismos de riscos implicados em um dano ou prejuízos, para a

partir disto compreender como os fatores promotores da resiliência podem contribuir com a

formação humana. Além disso, nos detivemos nos enlaces possíveis da resiliência e cultura,

assim como com a educação. Todo esse caminho nos deu aporte teórico para desenvolvermos

uma conceituação nossa sobre a resiliência integral, assumindo assim esse local como guia

para a pesquisa.

Em seguida, no capítulo dois, buscamos apresentar o abraço existente entre a

abordagem integral na perspectiva de Ken Wilber, que nos apresenta os "cinco elementos

essenciais" do SOI ou da Metateoria AQAL (todos os quadrantes e todas as linhas) são

aspectos de nossa própria experiência: quadrantes, níveis, linhas, estados e tipos. A realidade

humana é assim descrita em quatro quadrantes: o que mostra o Eu Individual (consciência,

realidades subjetivas; que existem dentro de cada um), o que revela o Exterior Individual

(organismo, os comportamentos observados), o que revela a cultura da nossa vivência com o

mundo (cultura, o Nós) e o Exterior Coletivo (ambiente, a sociedade, os comportamentos

observados desde o exterior para o conjunto da humanidade) e a teoria do reconhecimento de

Axel Honneth, que procura servir de modelo avaliativo dos conflitos sociais contemporâneos

através de um conceito moral de luta social, e também como modelo explicativo acerca do

processo de evolução social (WERLE, 2004, p. 53). Da perspectiva da teoria do

reconhecimento, os atores da vida social não podem ser compreendidos separadamente do

contexto moral e cultural em que estão inseridos. Esse contexto quase sempre se encontra

escondido, subentendido nas práticas sociais e políticas de um povo, muito dificilmente

expostos nos discursos explícitos.

Resiliência e educação, como este constructo está inserido no campo educacional e o

que tem feito para colaborar com tal área. Encontramos o mal-estar da docência interligado ao

estresse e à busca dos pesquisadores em promover resiliência nos profissionais desta área com

o intuito de minimizar os desgastes, problemas, adoecimento, licenciamento, aposentadorias

precoces. Para fazer o contraponto, surge a conceituação de bem-estar e suas possibilidades na

área educacional, como uma possibilidade promotora de características resilientes. Com esses

saberes, procuramos ainda neste capítulo fazer a relação do reconhecimento com a educação,

apontando como a docência acontece enquanto profissão e o adoecimento docente enquanto

luta social no olhar integral.

Já o capítulo três apresenta a metodologia, a relevância do estudo, a apresentação dos

participantes da pesquisa, familiarização com o local da pesquisa, os instrumentos utilizados e

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detalhadamente a experiência formativa sob a perspectiva da MARES intitulada Promoção

de resiliência: reconhecendo-se em si mesmo, nas relações e os processos para formação

humana integral, que foi parte da metodologia da pesquisa, tendo sido minuciosamente

estudado e descrito. Explicitamos os fundamentos da metodologia utilizada na pesquisa

participante e sistematizamos quais as atividades foram utilizadas e seu procedimento;

posteriormente, indicamos como foi realizado o sistema de análise dos dados dos

participantes.

No capítulo quatro, apresentamos os resultados através dos dados da pesquisa

participante através da observação participante, grupos focais, mapa da pessoa coletivo,

diários de gratidão e entrevistas em profundidade, sua análise e os diálogos possibilitados com

os teóricos da área. Neste momento, temos o detalhamento da experiência formativa e análise

por fase, sendo cada uma delas elencadas a teorias anteriormente descritas e estudadas,

subdivida em quinze encontros, tendo sido cada um descrito e analisado. Neste capítulo ainda,

encontra-se uma análise quantitativa dos dados coletados através da aplicação da escala de

resiliência, cuja finalidade era captar os participantes para as entrevistas em profundidade,

analisadas através do software IRAMUTEQ, que nos apresenta uma análise lexométrica, além

de uma análise temática, sistema de análise de conteúdo. Tais análises tinham a intenção de

perceber os participantes após a experiência, noção de resiliência e reconhecimento, assim

como sua atuação e a contribuição no processo de desenvolvimento e formação humana.

Por último, nas considerações finais, teceremos alguns comentários à guisa de

reflexões, procurando apontar as colaborações dos nossos objetivos propostos, os limites

enfrentados por uma pesquisa como esta e as possibilidades exploratórias para a continuidade

de uma pedagogia direcionada à busca da formação humana integral.

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2 “RESILIENCIANDO” PELAS ESQUINAS POR QUE PASSEI

Figura 1 – Cora Coralina

Fonte: Pinterest, 2009

Em tempos tão difíceis, falar de resiliência foi quase uma tarefa impossível algumas

vezes, era como me desnudar, transpor barreiras gigantes e ainda acreditar que dali algo

brotaria, mesmo que o broto fosse um grande vazio. A resiliência sobre a qual falamos não

tem caráter salvacionista, que leva irremediavelmente a um final feliz, como os contos de

fadas.

Falamos de um lugar de aprendizado, onde podemos olhar para a dificuldade, encarar

as possibilidades advindas da mesma e, acima de tudo, integrar o novo saber que se desvela

com o meio e tudo que dele faz parte, visto que afetamos e somos afetados.

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Adentrar nos tempos inglórios que estamos vivendo não fazia parte desse trabalho,

mas, ao assumir resiliência como algo no âmbito/escopo integral, era impossível não o fazer.

Era e é tão latente que não pude me eximir de tamanho sentimento e me pus como a grande

maioria dos seres humanos que fazem parte da minha convivência, lutando ainda mais. Assim

expresso a minha luta: “resilienciar” como forma de resistir e principalmente de existir.

Ser docente e falar de formação humana incluem estar presente e presentificada nas

situações, acontecimentos e momentos históricos que em muito vão ressignificar a existência.

E, de modo muito singular, irei iniciar meus escritos deste capítulo, a partir da canção

“Pra não dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré (1968), que com muita ousadia fui

tecendo o que chamei de um complemento não musical, sob minha ótica resiliente.

Caminhando e cantando, nem sempre sorrindo, mas seguindo

E seguindo a canção, por vezes a única forma de espantar a angústia arrebatadora

Somos todos iguais, somos mesmo? Será que precisamos ser todos iguais?

Braços dados ou não, nem sempre com o mesmo propósito

Nas escolas, nas ruas, em qualquer lugar

Campos, construções, família, amigos, situações, trabalhos

Caminhando e cantando¸ na intenção de seguir e resistir

E seguindo a canção, às vezes é preciso parar e olhar para si!

Vem, vamos embora, vamos olhar para o que dói, tentar resolver as dores

Que esperar não é saber, ninguém pode fazer por nós aquilo que não desejamos

Quem sabe faz a hora, só nós podemos dizer quando e como!

Não espera acontecer, esperar do outro é como esperar uma ilusão. FAÇA!

Vem, vamos embora, que lutar nos faz crescer

Que esperar não é saber, olhar para si, faz se conhecer

Quem sabe faz a hora, cada um no seu tempo, mas não sem tempo

Não espera acontecer, busca e faz acontecer!

Pelos campos há fome, de solução, de alívio, de vida

Em grandes plantações, que geram colheitas. É preciso saber o que plantar

Pelas ruas marchando, sigamos em busca

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Indecisos cordões¸ mesmo quando não sabemos por onde ir, sigamos

Ainda fazem da flor, onde há amor e desejos, há possibilidades

Seu mais forte refrão, que nutre a força e a presença

E acreditam nas flores¸ base de luta e conquistas! Do possível

Vencendo o canhão, rompendo tudo aquilo que gera mal-estar.

Gratidão a Geraldo Vandré por essa forma e registro de luta! Por resilienciar sem

temer, por provocar em mim e em muitos a vontade de prosseguir na luta.

Sendo assim, que a arbitrariedade não seja tão forte, de modo a não permitir a vida, a

luta, que sejamos para além de uma superação de atos, atitudes, adversidades, que sejamos

construção, transformação.

A interpretação da música, com sonoridade de um hino, onde os versos rimam um com

o outro, é uma forma de registro de linguagem, buscava fazer referência às canções usadas em

passeatas, protestos e manifestações contra o regime que se espalhavam pelo país no ano de

1968.

A música era, então, usada como um instrumento de combate, que pretendia divulgar,

de forma direta e concisa, mensagens ideológicas, processos de luta e resistência aos atos

dominantes que assolavam a população, faziam calar e desaparecer, e o modo de produção de

saberes era simplesmente tolhido. O fazer pedagógico5 no período do AI5 estava atravancado

à mera reprodução.

Ao longo da vida, em algum momento, todos iremos passar por pelo menos uma

situação adversa. Como nós, indivíduos, enfrentamos essas situações? O que faz uns se

adaptarem e outros não a um contexto de intenso estresse? São todas as pessoas que se

recuperam de grandes perdas materiais, psicológicas, físicas e/ou afetivas? A psicologia vem

buscando responder a essas perguntas através do estudo do fenômeno Resiliência, o qual gera

uma nova possibilidade de compreensão acerca de como o ser humano lida com condições

potencialmente traumáticas.

É importante entender a resiliência e não permitir que seja encarada como um mito, se

concebida como mais um novo nome para ser acrescentado à lista de conceitos já conhecidos,

como resistência, adaptabilidade, invulnerabilidade ou capacidade de enfrentamento/lidar com

5 Estamos chamando de fazer pedagógico a forma de possibilidades, viabilização da construção de pensamentos

e saberes, além do contexto educacional tradicional, nas bancas escolares. Tempos doutrinários e de muita

obediência.

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tensões; ou, ainda, se tomada num sentido de sobrevalorização dos recursos psicológicos e

competências do indivíduo em detrimento de uma diminuição do apoio profissional, social,

administrativo e financeiro a que os sujeitos têm direito numa sociedade solidária e

preocupada com a promoção da saúde e do bem-estar psicossocial.

Todavia, pensar resiliência através das múltiplas trajetórias existenciais e histórias de

vida com sucesso talvez possa demonstrar que não só ela existe, como também se trata de um

processo cujo estudo e aprofundamento são significativos (SOUSA et al., 2014), os quais

veremos ao longo deste capítulo.

2.1 SÓ EU SEI OS DESERTOS QUE ATRAVESSEI - Resiliência: os alinhavados de sua

tessitura

Não vou me deter em trazer toda a cronologia e a história da resiliência, mas sim a

tessitura desta rede de pescador que ora volta cheia de peixes, ora traz apenas os lixos do

oceano. Brasil (2015) fez um estado da arte, mapeando a origem, surgimento, histórico

mundial e nacional da resiliência em seu trabalho de dissertação do mestrado, não cabendo

aqui mais uma repetição, assim como Rachman (2008), que desenvolveu uma revisão de

literatura bem detalhada sobre resiliência nas áreas de Educação e de Psicologia da Educação

de 2002 a 2007, que pode auxiliar o leitor na compreensão do fenômeno em questão.

O conceito de resiliência, ainda que permeado por discursos polissêmicos, vem

ganhando espaço no cenário acadêmico nacional. Em países como Estados Unidos, Canadá,

Reino Unido, Inglaterra e Austrália, a disseminação de propostas metodológicas com esse

viés investigativo possui ampla diversidade (YUNES; MENDES; ALBUQUERQUE, 2005),

variando intensamente de acordo com a área de estudo. Constatamos, no Brasil, que o tema da

resiliência predominantemente situa-se na área da psicologia, embora possamos encontrar

algumas propostas na área da educação (TAVARES, 2001; GARCIA, 2007; TIMM;

MOSQUEIRA; STOBÄUS, 2008), serviço social (JANCZURA, 2005; MURTA;

MARINHO, 2009) e enfermagem (SILVA et al., 2005; SÓRIA et al., 2006).

Etimologicamente a origem da palavra resiliência considera que ela advém do latim

resilio, resilire. Resilio, conforme dois dicionários latim-português (FARIA, 1967;

SARAIVA, 2000; TAVARES, 2001; PINHEIRO, 2004), seria derivada de re, indicando

retrocesso, e salio, indicando saltar, pular, significando assim saltar para trás, voltar saltando.

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De maneira geral, aceita-se que o termo resiliência deriva-se da física, indicando o

retorno de um material a seu estado anterior depois de sofrer uma determinada pressão.

Tavares (2001) faz uma analogia com a ideia de um material flexível capaz de autorregular-se

e autorrecuperar-se, voltando à sua forma original após sofrer uma pressão externa ou uma

modificação na estrutura. Mas como pensar isso no ser humano? Será que ele volta para o

mesmo estado de quando sofreu a pressão?

Libório, Castro e Coelho (2006, p. 92) apontam que os estudos na área da resiliência

atribuíram inicialmente ao termo a ideia de capacidade de resistir, “[...] sendo a força

necessária para a saúde mental durante a vida”. Destacam que o termo foi utilizado por

Bowlby ao finalizar seu primeiro livro sobre a teoria do apego, em 1969. Nessa época, já se

atribuía ao termo o significado de um traço ou característica de personalidade que pode

aparecer mesmo sob condições adversas. Assim sendo, os indivíduos que tinham experiências

positivas com a mãe, o pai e outros adultos significativos poderiam ter uma formação de

personalidade saudável, resistentes às situações adversas, ou seja, resilientes. Esse vínculo

com a mãe é muito importante para os processos de reconhecimento, principalmente na esfera

do amor.

Segundo Brandão, Mahfoud e Gianordolli-Nascimento (2011), os estudos da

resiliência começam a surgir de forma mais intensa com as investigações de pesquisadores

anglo-saxões, ingleses e americanos no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, a

partir de eventualidades históricas e socioculturais que ocasionaram uma tendência de

interesses e objetos de pesquisa de várias áreas da saúde mental.

Assis et al. (2006) adotam a noção de “potencial de resiliência”, que pode ser mais ou

menos desenvolvido no decorrer da vida do indivíduo. Ou seja, para os autores, “todas as

pessoas possuem um potencial para desenvolver resiliência em maior ou menor grau”.

A partir desta visão, os mesmos autores acima citados relatam sob sua ótica um problema

originado dos estudos iniciais sobre resiliência, que a concebem como atribuição de sucesso

pessoal frente ao meio social ‘desajustado’, uma ideia de superação, pois esta afirmação tem

duas fontes de incerteza. Inicialmente podemos falar sobre a definição de critério de sucesso

pessoal, já que muitos estudos se referem a pessoas “resilientes” como aquelas que não

apresentam comportamentos antissociais ou problemas psiquiátricos, tornando assim a

resiliência restrita à negação de comportamentos indesejáveis, enquanto outros estudos fazem

conexão entre resiliência com término de estudos, obtenção de trabalho e manutenção de um

relacionamento.

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Sakotani (2016) assume assim uma condição sine qua non em que uma pessoa

“resiliente” é aquela bem-sucedida em alguns aspectos da vida e o “não resiliente” seria

aquele que não é bem-sucedido, sem considerar outras esferas da vida em que este mesmo

indivíduo é capaz de superar as suas dificuldades.

A outra fonte de incerteza é a noção de cultura que determina o que é adaptação bem-

sucedida e o que é ambiente desajustado, tornando pessoas “resilientes” aquelas que seguem

as normas sociais vigentes, que são protegidas pelo grupo social ou familiar, principalmente

os indivíduos pertencentes às classes mais privilegiadas. Isso acaba por rotular e estigmatizar

as pessoas de grupos mais vulneráveis como “não-resilientes” (SAKOTANI, 2016).

Pessoa (2015) relata que a temática da resiliência pode direcionar a atenção para os

fatores que são favorecedores do desenvolvimento saudável, (sinonimamente entendido como

desenvolvimento positivo), mesmo quando encontramos no entorno do indivíduo condições

extremamente adversas. O autor parte do pressuposto que é relevante analisar os indicadores

sociais que conduzem pessoas a encontrarem formas de lidar tão distintas com os infortúnios.

Em alguns casos, as pessoas simplesmente sucumbem mediante situações problemáticas. Em

outros, notamos o aparecimento de estratégias, objetivas e subjetivas, que diluem a

intensidade do impacto das adversidades.

A complexificação da noção de resiliência tem sido visível, fazendo com que a mesma

seja vinculada aos processos sociais dinâmicos e intrapsíquicos de risco e de proteção,

levando-se em conta a interação entre eventos estressores e fatores de proteção internos e

externos do indivíduo, dois polos: adversidade e proteção.

É precisa estar alerta, fazendo ressalvas em relação à associação que geralmente é feita

entre superação das dificuldades e resiliência.

O dicionário Aurélio (versão on-line) traz como significado para superar: Ser superior

a ou melhor do que, passar mais além do que, obter uma vitória relativamente a, e/ou

suplantar. Nem de longe são definições cabíveis aos nossos estudos, pesquisa e investigação.

É sabido que superar as dificuldades não significa sair totalmente ileso da situação ou

evento adverso da vida, pois essas adversidades deixam algumas marcas em cada um, mais ou

menos duradouras, de acordo com a forma específica que o sujeito lidou ou respondeu às

situações de risco a que foi exposto.

Para Castro e Libório (2010, p. 21), o “referencial de superação é muito particular e

subjetivo, variando de pessoa para pessoa, de grupo para grupo, de sociedade para sociedade.

Modelos de sucesso estabelecidos por um grupo podem não coincidir com o referencial de

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resiliência de outro”, principalmente em relação às diversidades culturais, o que deve ser

levado em consideração em todos os âmbitos da pesquisa.

Neste emaranhado todo, ainda não há consensos na definição do conceito de

resiliência, o que nos leva a tratá-la como um constructo quando aplicada às ciências

humanas, sendo utilizada como uma metáfora, em que seu efeito principal é de criar uma

imagem, uma nova significação. No campo humano não é possível pensar na possibilidade de

sofrer um grande trauma e retornar ao estado anterior, mas, sim, na capacidade de resistência

e flexibilidade mediante os acontecimentos, ou seja, após o trauma, o indivíduo é capaz de se

reestabelecer seguindo sua vida e adequando-se à sua nova realidade (CABRAL;

CYRULNIK, 2015). Também está associada com o desenvolvimento positivo de crianças,

adolescentes e pessoas quando se deparam com adversidade (LUTHAR; CICCHETTI;

BECKER, 2000; DAIGNEAULT; HÉBERT; TOURIGNY, 2007).

No pensamento de Junqueira e Deslandes (2003) por não haver ainda um consenso

quanto à definição de resiliência, o que se deve tomar como base é a ressignificação do

problema, e não a abolição do mesmo, ou seja, o ser humano ‘adapta-se’ ao problema e

encontra caminhos para dar continuidade à dinamicidade da vida. A literatura (PINHEIRO,

2004; ASSIS; PESCE; AVANCI, 2006) aponta importantes características presentes em

indivíduos bem adaptados, como projetos de vida, bom humor, autoeficácia, autocontrole,

autoestima, pensamento crítico, criatividade e perseverança, ressaltamos que essas

características não são suficientes e/ou condicionantes de seres ou habilidades resilientes,

sendo necessário insistir na composição com outros fatores e o meio.

O estudo sobre resiliência deve ser processual, dinâmico e relativo, não se baseando

em perspectivas individualizantes (resiliência como característica do indivíduo), não

relacionais (desconsidera o contexto e as relações interpessoais), deterministas (se é

invulnerável, é inato), estigmatizantes (classifica como resiliente e não resiliente).

(LIBÓRIO; CASTRO; COELHO, 2006, p. 94)

Corroborando esse modo de pensar, a resiliência deve ser entendida com

dinamicidade, levando em consideração aspectos comunitários e culturais (UNGAR, 2007;

UNGAR et al., 2007; 2008), num processo situado ontologicamente e atrelado à história do

indivíduo. Enfatizamos, desse modo, que compreendemos os processos de resiliência como

uma construção social, mediados especialmente pela disponibilidade de recursos

(BOTTRELL, 2009) que trazem sentidos pessoais que se desdobram em significações sociais.

O indivíduo considerado resiliente passa por uma transformação, passagem da sombra

à luz, reaprendendo a viver em sua nova vida após o trauma sofrido, pois é bem certo que o

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mesmo não sai da experiência da mesma forma que entrou. Sendo assim, podemos dividir o

processo de trauma em dois momentos: o primeiro gera a dor da ferida (a carência), e o

segundo, a representação real que faz nascer o sofrimento. Para sarar a primeira ferida, é

preciso que o corpo e a memória consigam realizar o processo de “cicatrização”, e, para o

segundo, é preciso alterar a ideia sobre o que aconteceu, rever a representação do

acontecimento na vida e construir um novo olhar (CYRULNIK, 2015). Importante ressaltar

que o sujeito considerado resiliente, não é uma determinação, fixo, estático, pois as reações

surgem de diversas formas a uma determinada situação a depender do contexto, do seu

momento de vida bio-psico-socio-emocional.

A resiliência não é um catálogo de qualidades que um indivíduo possuiria. É um

processo que, do nascimento à morte, nos liga sem cessar com o meio que nos

rodeia. (CYRULNIK, 2001, p. 226)

Superar apenas, não nos traz modos de aprendizado, não nos leva a revisitar as dores,

angústias e sofrimentos por ventura vivenciados, por vezes não vão ocasionar “curas” nem a

construção de um olhar diferenciado.

Optamos por tentar construir uma perspectiva crítica a fim de sustentar nossos

argumentos, pois quando o tema da resiliência é abordado sem problematizações profundas

incorre no risco de superficializar o debate e elaborar modelos explicativos meramente

descritivos. A condução de boa parte das pesquisas com esse viés aproxima o conceito ao

modelo positivista de ciência e retoma questões aparentemente já superadas, como de

associação com habilidades adaptativas das pessoas, superação na lógica do não aprendizado

ou ainda dentro de uma perspectiva salvacionista, mágica e mítica de resolubilidade absoluta

das adversidades.

Para Pessoa (2015), novos paradigmas para essa área de estudo exigem um

comprometimento dos pesquisadores em termos da compreensão da totalidade da realidade

social, que se tornarão viáveis na medida em que os recortes metodológicos e aportes teóricos

forem capazes de desnudar a complexidade das relações humanas em sua essência. Portanto, o

isolamento de variáveis ou dos fatores que são constituintes de mecanismos de

vulnerabilidade social já não é capaz de contribuir para o avanço da produção do

conhecimento nos estudos que investigam resiliência, na verdade eles são apenas uma parte

necessária para a construção epistemológica da temática.

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Talvez não consigamos fechar, ou melhor, seja pretensioso demais determinar uma

conceituação fixa para a resiliência, visto que a mesma é fluida e desliza sobre as águas do

contexto, que engloba vários aspectos, âmbitos e variáveis.

Percebemos nos estudos da resiliência que vem sendo dada ênfase aos aspectos

positivos do universo psíquico, tais como felicidade, otimismo, altruísmo, esperança e alegria,

tidos com salutogênicos, em face dos correspondentes de depressão, ansiedade, angústia e

agressividade. Isso não deve nos levar a crer ou assumir a resiliência como algo estritamente

positivo ou provocador do bem, do bom. É preciso lembrar que a promoção da resiliência

mexe com traumas e feridas, o que causa dores, e não há garantias de que tudo sairá

convencionalmente bem.

De acordo com Araújo (2006, p. 92), a resiliência tem suas raízes no desenvolvimento

humano: “uma autoestima valorizada pode ser considerada a base para que o processo de

resiliência se instale”. Explica que ela é adquirida e se desenvolve “na interpelação com os

outros significativos” ao longo da vida do indivíduo. Afirma, ainda, que “resiliência é um

potencial humano, presente nos seres humanos em todas as culturas e em todos os tempos, é

parte de um processo evolutivo e pode ser promovida desde o nascimento” (p. 86).

Para nós, não faz sentindo compreender resiliência apenas como respostas adaptativas

ou criativas frente às adversidades, mas sim de recursos extraídos do contexto que criam

oportunidades de desenvolvimento e formam identidades fortalecidas, mesmo quando as

respostas esperadas no contexto normativo não sejam as obtidas, ou seja, o resultado não é o

padrão.

No nosso entendimento, resiliência não se assemelha a um final feliz, ciclos

perfeitamente fechados, traumas, feridas devidamente sanadas, sem cicatrizes ou marcas.

Incluímos nesse processo a possibilidade de não resolubilidade com uma saída. O que nos

mobiliza não são os resultados, visto que trabalhamos com um fenômeno lábil, mutável,

interseccionado no campo social do indivíduo; com isso o que nos chama atenção é o

processo e tudo que dele faz parte, tudo que ele pode acessar e afetar.

Diante disto, vamos assumindo para este trabalho a condição da resiliência quanto um

processo e não um traço de personalidade, inata e fixa. Nas próximas seções vamos continuar

tecendo o caminho que nos levará a uma perspectiva de resiliência integral.

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2.2 SABE LÁ O QUE É NÃO TER E TER QUE TER PRA DAR - Aspectos constituintes da

resiliência

Para tentar lograr um caminho de entendimento às muitas dúvidas surgidas e ao desejo

de compartilhá-las, buscando entender o que estava sendo dito sobre o que para muitos é a

base da resiliência — risco, vulnerabilidade, adaptação —, vamos fazer uso das ideias de

alguns autores, nem sempre concordando como os mesmos, mas elucidando nossos

questionamentos e nos encaminhando ao que tanto buscamos.

Iniciaremos com a proposta de Junqueira e Deslandes (2003), que estabeleceram o

eixo adaptação/superação, observando assim duas maneiras distintas de conceber a resiliência:

uma enfoca o caráter adaptativo dos indivíduos, que diante dos traumas e adversidades

desenvolvem comportamentos adaptados às expectativas sociais (polo adaptação); e outra que

enfoca o sentido de superação do trauma vivido, que é elaborado simbolicamente e ainda

compreende o fenômeno de transformação e crescimento a partir do encontro do sujeito com

as adversidades (polo superação). Com isso, foram categorizadas no polo adaptação as

normas sociais e no polo superação aquelas que implicam uma elaboração ativa dos traumas

vividos, como uma maneira própria de significar as adversidades e lidar com elas

(BRANDÃO, 2009).

Por adaptação se compreende a possibilidade de a pessoa se manter saudável, mesmo

passando por situações estressantes, conservando suas características, adquirindo aprendizado

perante a dificuldade, mas estabelecendo condutas esperadas pela sociedade. Diferente da

adaptação, que lança mão de ações esperadas, a superação implica o sujeito usar

características resultantes de outros processos resilientes para superar as demandas e ainda

desenvolver novas qualidades (JUNQUEIRA; DESLANDES, 2003). Espera-se que haja um

aprendizado.

Grotberg (1999, 2005, 2006) traz uma definição representativa do polo superação que

é uma das mais divulgadas e dela derivariam outras variações: a resiliência é “[...] a

capacidade humana para enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por experiências

de adversidade” (GROTBERG, 2005, p. 15), o que implica dizer que nem tudo se resolverá da

e na forma padronizada em vias das projeções, desejos e expectativas quanto a determinada

adversidade.

Propomos neste trabalho ir além da ideia de adaptação ou superação como meras

consequências, buscando entender a resiliência como um processo dinâmico que engloba

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fatores bio-psíquico-emocional-social e todas as dimensões que abrangem o ser humano,

como promotora de processos de ampliação do autorreconhecimento e das possibilidades de

tornar-se si-mesmo-do-outro. Em todos os contextos em que vive o ser humano ou grupo

familiar em desenvolvimento, há fatores de risco e de proteção ativos, funcionando de

maneira dinâmica e influenciando os processos familiares em seu desenvolvimento.

Segundo De Antoni e Koller (2010), o termo "risco" tem sido utilizado para

denominar fatores ou situações potencialmente estressores, que possam predispor a um

desfecho negativo ou indesejado; já o termo "proteção" refere-se a fatores que poderão

defender ou fortalecer a pessoa frente a uma situação de vulnerabilidade, ficando claro que o

termo não se refere a questões políticas e econômicas como muitas vezes é associado.

Desta forma, assumimos os fatores de risco e de proteção como processos, e não

eventos estáticos, e devem ser compreendidos de acordo com a situação e o contexto, pois,

dependendo das suas implicações nas relações e os resultados específicos de cada situação,

alguns indicadores podem constituir-se tanto como risco quanto como proteção (DE

ANTONI, KOLLER, 2010). A resiliência, portanto, refere-se a processos que operam na

presença do risco para produção de características saudáveis (MORAIS; KOLLER, 2004). Já

a vulnerabilidade tem sido relacionada com características inatas ou adquiridas através das

relações que o indivíduo estabelece nos diferentes contextos, que dificultam o

desenvolvimento de respostas adaptativas a situações de crise quando estas ocorrem

(CECCONELLO; KOLLER, 2003).

Mais uma vez deixo claro que a resiliência na presente pesquisa é compreendida a

partir das construções que ocorrem por meio das interações do sujeito em diferentes espaços,

que, neste campo teórico “[...] o compreende como um fenômeno complexo, atrelado à

interdependência entre os múltiplos contextos com os quais o sujeito interage de forma direta

ou indireta e sobre o qual incidem diferentes visões” (DA SILVA, ELSEN, LACHARITÉ,

2003, p. 18). Desse modo, apresentamos a resiliência enquanto um processo, e não apenas

como um conjunto de qualidades de um indivíduo.

Ampliando o pensamento e seguindo nesse viés, a resiliência caracteriza-se como um

recurso psicológico produzido pelas emoções positivas que representam uma ampliação das

estratégias de enfrentamento e podem servir como fator de proteção nas situações adversas

nas quais o sujeito pode estar em risco. A despeito do risco, as emoções positivas no

enfrentamento podem produzir resultados saudáveis que afetarão os processos envolvidos na

resiliência. (FREDRICKSON, 1998, 2000; PALUDO; KOLLER, 2005).

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Rutter (1985), ao abordar essa temática, destaca as experiências positivas que

proporcionam sentimentos de autoeficácia, autonomia, autoestima e capacidade para enfrentar

mudanças e adaptações como fatores importantes para o desenvolvimento da resiliência. Para

Bandura (1989), a autoeficácia é um dos fatores que pode ser associado à resiliência, sendo

essa a crença nas habilidades individuais para o desempenho de determinadas tarefas. Isso

envolve o julgamento sobre suas capacidades para exercitar os recursos cognitivos para

administrar situações e ações de controle sobre eventos ou demandas do meio, visando ao

futuro.

A resiliência e a autoeficácia percebida atuam como forma do sujeito obter uma

melhor qualidade de vida na superação da adversidade, envolvendo o contexto, a cultura e a

responsabilidade coletiva, sendo capaz de responder de diferentes formas ante um fracasso

(BARREIRA; NAKAMURA, 2006, p. 78).

Além da autoeficácia, outro conceito associado à resiliência é o coping, que assume o

caminho inverso ao estresse, cuja função é amenizar os efeitos do estresse. Nas palavras de

Dell’Aglio e Santos (2011, p. 215), coping corresponde a “[...] uma resposta que poderia

funcionar como moderadora dos efeitos negativos do estresse, integrando os processos de

resiliência do indivíduo”.

Enquanto o estresse indica o excedente sobre os recursos disponíveis pela pessoa, o

coping sugere os esforços cognitivos e comportamentais que favorecem o aumento dos

recursos disponíveis, como se ele potencializasse os recursos já existentes. “Muitas questões

vêm sendo feitas ainda sobre o que estaria envolvendo o fenômeno da resiliência no que tange

ao coping “bem-sucedido” diante das situações de estresse” (YUNES; SZYMANSKI, 2006,

p. 31).

Podemos dizer que coping é um conjunto de estratégias, ações intencionais para

gerenciar um estressor, classificadas por Folkman e Lazarus (1980) em dois tipos,

dependendo de sua função: o coping focalizado no problema e o coping focalizado na

emoção.

O coping focalizado no problema se refere às estratégias usadas para atuar em causa

de um estresse, empreendendo esforços para mudá-la. O papel dessa estratégia é modificar a

situação de estresse na relação do sujeito com o ambiente que está determinando o conflito. A

ação de coping focalizado no problema pode estar direcionada para uma fonte externa ou

interna de estresse. Quando externa, compreende estratégias tais como negociar para titubear

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algum conflito interpessoal, requerer ajuda da rede social; quando dirigido internamente, o

coping abarca a reestruturação cognitiva, como redefinir o elemento estressor.

Em suma, é uma estratégia que nos lança a olharmos para o interior, o dentro de nós,

ou para o que nosso ‘nós’ pode estar causando / sofrendo nas relações, seja com o próprio

interno ou com o externo.

O coping focalizado na emoção, por sua vez, é o empenho em regular o estado

emocional quando, em situações de estresse, é dirigido a um nível de sentimentos e atua no

sentido de reduzir a sensação desagradável decorrente de alguma experiência conflituosa.

Como estratégia de coping focalizado na emoção, pode-se citar a ingestão de um remédio

tranquilizante, uma corrida ou o ato de fumar um cigarro (ANTONIAZZI; DELL’AGLIO,

BANDEIRA, 1998).

É a busca de equilíbrio da emoção, sem camuflá-la ou fingir que não existe, que não

causa desconfortos, angústias, dor ou sofrimento.

Brasil (2015) ressalva que as estratégias de coping fazem parte do processo de

resiliência, uma vez que o enfrentamento das adversidades é uma fase do mesmo. Porém, é

essencial deixar bem claro que coping não é a resiliência, assim como nem toda estratégia de

enfrentamento é bem-sucedida, portanto, nem sempre resultará em promoção de resiliência.

Por vezes o sujeito vai escolher apenas sair da adversidade, dor ou situação difícil.

Apesar de toda uma estrutura nas pesquisas no campo da resiliência, começamos a

perceber algumas mudanças de pensamentos. Sousa (2008) mostra que as pesquisas feitas em

Portugal começaram a mudar de perspectiva: ao invés de focar no risco ou no déficit, estão

buscando focar na promoção de desenvolvimento adaptativo e positivo, de ajustamento face

às dificuldades do cotidiano. Este tipo de percepção compreende resiliência num âmbito

generalista, que está focado na promoção e desenvolvimento positivo, e destaca a necessidade

de focar em processos e intervenções comuns e universais, no lugar de focar risco, déficit e

segregação. Neste entendimento de resiliência como adaptação positiva, ao propor

intervenções comuns e universais, não se leva em conta as diferenças culturais. O que seria

adaptação positiva? Positiva para quem nos revelam que há uma intencionalidade de aprender,

transformar, incluir, dar relevância ao contexto bio-psico-socio-cultural dos indivíduos, vez

que a separatividade destes âmbitos em termos práticos e vivenciais é da ordem do quase

impossível.

O campo da resiliência nesta perspectiva mais ampliada, relacional, não seletiva, é útil

para compreender em quais situações o indivíduo torna-se mais vulnerável ao longo do seu

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desenvolvimento e quais são aquelas que possibilitam, apesar das dificuldades, projetar-se

para um crescimento físico e psicológico saudável. Sousa (2008) também generaliza risco e

proteção, universalizando-os, dessa forma o que é risco para alguns, para outros pode ser

proteção. Assim, resiliência não implica apenas identificar, mas também estabelecer laços de

reciprocidade com outros sujeitos além dos seus cuidadores.

Os pensamentos de Sousa (2008) trouxeram uma luz, porém não parecia bastante,

insistíamos em pensar na ausência de alguns aspectos, mas sem descartar nenhuma das

construções feitas pelos diversos autores até o presente momento. Em busca de algo que

pudéssemos usar como meio para costurar nosso trabalho, teoria e a intervenção, como

veremos no capítulo que trará os resultados, lançamos mão das ideias de Michael Ungar, da

Dalhousie University – Canadá.

O referido autor nos oferece uma compreensão pós-moderna da resiliência, podendo

ser entendida como uma ampliação da teoria ecológica de Bronfenbrenner, propondo que os

indivíduos e os discursos sociais nos quais participam moldam negociações que determinarão

se um fator de proteção num nível ou no outro promoverão resiliência (UNGAR, 2008).

Para entender o caminho percorrido pelo autor, foi necessário recordamos que a

conceituação clássica de resiliência perpassa por uma série de convenções sobre o que é “estar

bem”, apoiados, sobretudo, nos discursos médicos e nos saberes “psi”, negligenciando outros

aspectos. Dispositivos reguladores preestabelecem e normatizam a compreensão sobre as

formas representativas dos modelos de agir e pensar que expressam positividade pessoal. Não

por acaso estão, na maioria das vezes, pareados com a realidade da cultura ocidental, da classe

média e dentro da expectativa de determinados grupos étnicos, como se a resiliência não fosse

algo cabível a todos os indivíduos e classes sociais, raciais, políticas.

A ideia de saudável ou crescimento psicológico nas variadas conceituações de

resiliência são questionadas por Ungar, pois para ele é preciso levar em consideração a cultura

e os contextos específicos nos quais os sujeitos estão inseridos, vez que a interferência de

cada fator de proteção, em diferentes níveis, irá influenciar em resultados desenvolvimentais

diferenciados, ou seja, fatores de proteção não devem ser tomados como algo fixo, estático,

determinista, nem isolados das cultura e do contexto, podendo ter múltiplas combinações que

afetam a resiliência.

É preciso sair da lógica já existente que relaciona a resiliência com saúde, bem-estar,

resolução positiva, como que uma ideia de apenas nesse lugar encontrarmos saídas paras as

adversidades. Encarar e questionar as relações de poder que existem no processo de atribuição

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de significados aos conceitos de saúde, representativamente tidos como “verdades”, porém

que não podem ser atribuídos a diversos grupos sociais e culturais concomitantemente.

Neste sentido, a resiliência se define como “o resultado de negociações entre

indivíduos e seus ambientes por recursos que os definem como saudáveis em meio a

condições coletivamente vistas como adversas” (UNGAR, 2004, p. 342).

Ao considerarmos essa perspectiva, chegamos à possibilidade de um indivíduo estar

manifestando resiliência no ponto de vista subjetivo e manifestando vulnerabilidade caso seja

visto pela ótica social. Assim a sugestão é que se tente compreender a resiliência através das

lentes fenomenológicas, de modo a ser considerada como

Negociação bem-sucedida dos indivíduos em busca de recursos de saúde, cuja

definição de sucesso baseia-se na experiência de reciprocidade entre eles e as

construções sociais de bem-estar que moldam a interpretação de seu status de saúde.

(UNGAR, 2004, p. 352)

Ungar ainda vai nos falar sobre as estratégias de enfrentamento, coping, uma vez que

são parte do processo de promoção de resiliência. O que o autor ressalva são as diferentes

formas acionadas pelos indivíduos, pois algumas podem fugir ao que já está estereotipado,

considerado “satisfatório” para o alcance da autoestima, satisfação, sensação de poder e

controle sobre sua vida. Isso se deve a alguns se utilizarem de mecanismos não convencionais

no enfrentamento das adversidades.

Para Libório e Ungar (2009, p. 483), a resiliência:

Primeiramente, é a capacidade de os indivíduos navegarem por recursos que mantêm

bem-estar; em segundo lugar, é a capacidade de os ambientes físicos e sociais

oferecerem tais recursos; e em terceiro lugar, é a capacidade de os indivíduos, suas

famílias e comunidades negociarem recursos culturalmente significativos a serem

partilhados. É esse processo duplo de navegação através de recursos disponíveis,

bem como a negociação por recursos a serem proporcionados de forma valorizada

pelos adolescentes, envolvendo tanto o indivíduo quanto seus ambientes em um

processo dinâmico, conduzindo ao bem-estar.

A partir de pesquisas multiculturais, como as desenvolvidas por Ungar e sua equipe de

pesquisadores do Resilience Research Centre6, destacam a existência de sete temas que foram

recorrentes na vida de adolescentes avaliados como tendo processos de resiliência,

denominados de tensões que, se resolvidas de diversas formas, levariam ao desenvolvimento

psicossocial associado à resiliência e ao bem-estar. Essas tensões são:

6 Internacional Resilience Project (IRP), http://www.resilienceproject.org/

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1. Acesso a Recurso Material. Refere-se à possibilidade de o adolescente acessar

estruturas sociais que garantam assistência financeira e a concretização de

necessidades básicas (alimento, abrigo, roupas, acesso a cuidados médicos e

educação de qualidade e emprego).

2. Experiências de Justiça Social. Ao expandir seus relacionamentos, os

adolescentes desenvolvem a capacidade de, individualmente e coletivamente,

reivindicar seus direitos. Vivências de preconceito e de não acesso aos

privilégios político sociais funcionam como catalizadores de conscientização,

resistência, solidariedade, crença em um poder espiritual e enfrentamento da

opressão.

3. Acesso a Relacionamentos Interpessoais que Oferecem Apoio. Os

relacionamentos significativos incluem redes compostas por membros

familiares, grupo de pares, demais adultos da comunidade, professores,

conselheiros, modelos de identificação e amigos íntimos (associados a suporte

emocional, experiências de confiança, amor, cuidado e compaixão).

4. Desenvolvimento de uma Identidade Pessoal Fortalecida. Um senso de

individualidade é negociado através das relações com os outros. O processo de

formação de identidade é uma coconstrução através de interações em espaços

discursivos mútuos.

5. Experiências de Senso de Coesão com Outros. Em contraste com o tópico da

individualidade, há a necessidade de estabelecer uma relação balanceada entre o

senso pessoal de responsabilidade com o dever e compromisso com a

comunidade; tal conceito foi emprestado da teoria do Capital Social de

Bourdieu.

6. Experiências de Poder e Controle Pessoal. Essa tensão relaciona-se à

“autoconfiança do adolescente e sua capacidade em tomar conta de si próprio e

sua convicção sobre a capacidade de promover mudanças que assegurem

recursos materiais e relacionamentos.

7. Aderência Cultural. Refere-se à capacidade de aderir (ou ficar em oposição) às

normas culturais, crenças e valores de sua comunidade, o que implica em

negociações complexas com os cuidadores e comunidades, explicitando os

conflitos entre culturas globais e locais. (LIBÓRIO; UNGAR, p. 482, 2009)

Assim os autores destacam ser de suma importância estudar e pesquisar resiliência em

contextos e culturas diferentes, possibilitando o reconhecimento dos recursos disponíveis para

sobrevivência que, muitas vezes, podem diferir a depender da cultura.

Assim, é possível concluir que resiliência se associa com características do lugar

social e político em que o indivíduo vive. Conceber a resiliência de forma menos

individualizante e universal reduz a tendência de culpabilização do indivíduo pelo próprio

insucesso.

Ungar et al. (2011 apud LIBÓRIO, 2011) propõem 4 princípios que auxiliam na

definição e operacionalização de resiliência, como veremos a seguir:

1. Descentralidade propõe a necessidade de desfocarmos a atenção no indivíduo

como o único responsável pelo processo de resiliência, necessitando focar no

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contexto. Assim devemos analisar primeiramente a natureza social e física do

indivíduo, depois os processos interativos entre ela e o contexto e, em terceiro lugar,

as características específicas do indivíduo. 2. Complexidade diz respeito a não se

fazer relações simplistas sobre processos protetivos e resultados previsíveis, pois

devemos refletir que há muitos pontos de partida (distintas situações de risco),

muitos resultados desejáveis (com variações culturais) que ocorrem através de

múltiplos processos relevantes em diferentes ecologias sociais. 3. Atipicabilidade

refere-se aos caminhos imprevisíveis que levam à resiliência em decorrência das

condições e do contexto. Ou seja, indivíduos em situação de risco podem manifestar

a resiliência de forma que não prevíamos, em decorrência de situações em que os

caminhos mais socialmente aceitos para o bom crescimento estão bloqueados. Isso

remete-se à necessidade de se mudar o contexto, oferecendo mais oportunidades de

escolha (portanto, as decisões que os indivíduos assumem em suas vidas dependem

mais do contexto onde vivem, do que de seus traços individuais/pessoais). 4.

Relatividade Cultural defende uma posição que leve em conta a cultura,

especialmente no sentido de pensarmos sobre a atribuição de significados aos

comportamentos e atitudes que são considerados adequados ou não, pois aqueles

indivíduos que serão considerados resilientes em certo contexto cultural, podem não

ser vistos dessa forma em outra cultura. Ou seja, se seus comportamentos vão ao

encontro das expectativas culturais de seu grupo, eles serão vistos como resilientes.

(LIBÓRIO, 2011, p. 39-40)

Deste modo, quando tomamos nossa população alvo nesta pesquisa — estudantes de

graduação do curso de pedagogia —, não podemos deixar de considerar o contexto ao seu

redor e sua cultura (lembrando que estamos falando de alunas/os de uma instituição

federal/pública, em processo formativo, com as expectativas para o mercado de trabalho,

dificuldades específicas do curso), quais são os fatores de risco predominantes e,

principalmente, identificarmos e fortalecermos os fatores de proteção do ambiente ao seu

entorno, pois são eles que contribuirão diretamente na construção de processos de resiliência,

promotor de fortalecimento e bem-estar.

Libório e Ungar (2009, p. 478) ressaltam que resiliência “[...] não é um estado

psicológico interno de bem-estar, nem um conjunto de comportamentos aceitáveis

socialmente que ocorrem após a exposição ao risco, nem uma condição que resulta de

qualidades inatas tais como, temperamento positivo ou capacidades latentes”. Resiliência está

para além disso, devendo ser entendida como um processo dinâmico de tensões, e não um

estado permanente do indivíduo.

A resiliência pode ser compreendida de modos diversos, devendo-se levar em

consideração as pessoas e os contextos distintos aos quais estão inseridos. Castro e Libório

(2010) dizem que a proposta não é relativizar o fenômeno, e sim singularizá-lo, ou seja, partir

da singularidade do sujeito, do contexto e de sua história, o que nos leva a perceber que este

modo de compreensão segue remando contra a maré da linha tradicional dos estudos

americanos, como a psicologia positiva, nos quais a resiliência se alia com a adaptação social

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positiva. Este tipo de compreensão visa enquadrar as pessoas de modo a satisfazer a

sociedade, mesmo quando a cultura provoca mal-estar.

Devemos atinar para uma questão pontual: não cabem restrições ao fenômeno

resiliência, ou seja, a mesma não se restringe à adaptação sociocultural, e o trabalho na área

precisa “[...] ser sensível aos incontáveis canais de expressão possíveis para se manifestar o

sentido pelo qual a resiliência pode se manifestar” (LIBÓRIO; CASTRO, 2011, p. 29).

Garcia (2001) afirma que existem três tipos de resiliência: social, acadêmica e

emocional. A resiliência social engloba fatores ligados aos relacionamentos mais íntimos que

estabelecemos diariamente, por exemplo, a supervisão dos pais ou amigos e o sentimento de

pertencimento a determinado grupo ou aos padrões sociais que por sua vez incentivam a

aprendizagem e a resolução de problemas. A resiliência emocional estabelece relações entre

as experiências positivas dos sujeitos, que proporcionam sentimentos de autoestima,

autoeficácia e autonomia, com a capacidade para lidar com as mudanças e adaptações,

proporcionando um repertório de estratégias para a resolução de problemas. E, finalmente, a

resiliência no contexto acadêmico, que vê na escola um local onde as habilidades para

resolver problemas podem ser adquiridas com o auxílio dos agentes educacionais.

Segundo Brown (2004), a perspectiva da resiliência educacional / acadêmica tem

abandonado progressivamente a focalização do risco e do défice, para se concentrar no

desenvolvimento adaptado e positivo, apesar de muitos estudos ainda tomarem por incursão o

desenvolvimento humano em contexto de risco e défice (SOUSA, 2006, 2010). Na tentativa

de se ultrapassar esta dificuldade, vários autores como Battistich (1996) e Brown et al. (2000),

apontam para um desenvolvimento alargado deste constructo como uma forma útil para

promover o bem-estar de todas as crianças, jovens, adultos e idosos.

A investigação sobre resiliência em contexto educativo fez surgir o conceito de

resiliência educacional associado à elevada probabilidade de sucesso educativo e pessoal,

apesar das adversidades sociais do indivíduo (WANG; HAERTEL; WALBERG, 1994). Para

estes investigadores, a resiliência educacional não deve ser considerada um atributo fixo, mas

tão só um processo que pode ser promovido pela focalização nos fatores protetores que

podem ter impacto no sucesso educativo.

No desenvolvimento da resiliência acadêmica, destaca-se o papel primordial da escola,

através da aprendizagem de novas estratégias e do aumento e fortalecimento da habilidade em

resolução de problemas (RUTTER , 1999), na sua interface com a resiliência social em que os

relacionamentos interpessoais, a empatia, o otimismo, as competências sociais e o senso de

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pertença a um grupo a favorecem, como defendem Poletto e Koller (2008) e Luthar (1993), e

com a resiliência emocional, em cujo desenvolvimento se destacam a importância das

experiências positivas que geram sentimentos de autoeficácia e de autoestima, capacidade de

saber gerir as mudanças e a adaptação a novas situações e de resolução de problemas, como

sublinham Bardagi, Arteche e Neiva-Silva (2005), Hutz, Koller e Bandeira (1996) e Rutter

(1999).

Iremos nos adentrar na relação da resiliência e educação, corroborando com as ideias

de Rutter, de modo a tecer uma colcha que nos levou à compreensão da proximidade entre as

temáticas. Quanto sofrimento há nos espaços formativos, e quando esse espaço é o de

formação dos formadores /educadores, o que fazer? Pensando na ideia de bem-estar e saúde

tão comum nos mais diversos olhares à resiliência, talvez neste campo relacional existam

maiores possibilidades de um cerceamento dos sentimentos, da transparência das adversidades

e da culpabilização dos indivíduos, devido às questões culturais, políticas e sociais não

fazerem parte do modo de se pensar resiliência — uma perspectiva pós-moderna. Apesar

desta constatação, seguimos até o final da pesquisa acreditando no binômio resiliência e

educação como algo possibilitador.

2.3 NOS ARREDORES DO AMOR QUE VAI SABER REPARAR - Resiliência e educação:

um enlace promissor

Se a temática resiliência no campo da psicologia é algo recente, demandando muitos

estudos e olhares, a relação entre este constructo e a educação é ainda mais recente no âmbito

educacional brasileiro. Quando partimos para os sujeitos integrantes do campo educacional,

percebemos que o tema ainda é inaudito, raros são os que se permitem falar sobre o assunto.

A triste constatação de Zacharias et al. (2011), em um artigo que versou sobre “Saúde

e educação: do mal-estar ao bem-estar docente”, ainda totalmente atual, concluiu que:

• A profissão docente vem sendo desgastada por vários fatores históricos, políticos,

econômicos, sociais e culturais, os quais contribuem para o desenvolvimento do mal-

estar docente e para a desvalorização da profissão;

• A infraestrutura deficitária, os recursos materiais limitados, os baixos salários, a

desvalorização da mídia e a violência escolar são fatores geradores de estresse,

desânimo e adoecimento entre os educadores; e

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• O não gerenciamento do estresse está se tornando crônico, representado pela Síndrome

de Burnout, que se caracteriza pela exaustão emocional, pela despersonalização e pela

reduzida realização profissional, atingindo até mesmo educadores comprometidos e

atuantes.

Herdamos um sistema educacional contraditório, que em termos da constituição

federal garante o acesso de todos à educação. Entretanto, além de não garantir a qualidade,

também não tem conseguido atender a demanda, bem como colaborar com a permanência dos

alunos no espaço escolar e/ou interesse por aprender. Onde mora o déficit? Onde está o

problema?

Samaniego e Boufler (2017) retratam que, apesar da grande oferta de cursos de

formação de Professores e de Pedagogia no Brasil, a resiliência não é abordada diretamente

como uma disciplina especifica ou/e inserida como tema transversal na grade curricular das

instituições de ensino, o que para os autores acarreta uma lacuna na formação de futuros

docentes que nada conhecem acerca desta temática a qual cada vez mais faz se necessária aos

processos educacionais contemporâneos.

A realidade dura apresentada nas mais diversas áreas da educação hoje nos mostra

uma quantidade enorme de professores que de alguma forma “pararam no tempo”, com baixas

taxas de reciclagem, mesmo frequentando atividades pedagógicas, de formação continuada e

mudanças metodológicas, porém parecem ter ficado congelados num tempo outro que os

torna enrijecidos, estagnados em suas rotinas, sem espaço para novas experiências

educacionais. Será que a responsabilidade é inteira deste profissional? Qual é de fato a relação

entre a resiliência e formação docente?

Para nós o enlace entre a resiliência e a educação acontece face às intensas mudanças

vividas na contemporaneidade, onde cada pessoa assimila as transformações ocorridas de

forma processual e única. Cada docente, aluno, gestor ou participante da área educacional

pode desenvolver uma força interna, através de pensamentos, palavras e ações, que facilitam a

vivência dessas mudanças, superando as crises e estresses com o mínimo de comportamentos

disfuncionais, podendo colaborar com o seu próprio crescimento bem como, com o do outro,

sendo um agente colaborador.

Dessa forma não podemos atribuir apenas ao professor/educador a responsabilidade de

ser resiliente, como uma condição para ser um excelente profissional. A resiliência vai

colaborar com os processos diversos, vai permear as relações intra e interpessoais, com o

meio físico, político e social, uma vez que nada está desatrelado.

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É sabido que professores ao longo de toda a nossa história podem ser, foram ou serão

figuras ímpares, os quais desempenharam papéis fundamentais na vida de algum ou alguns

alunos. Mesmo que não se deem conta e não tenham esta intencionalidade (são muitos os

casos), são promotores de transformação e bem-estar, às vezes as únicas figuras a creditarem

sentimentos positivos, incentivos, afeto ou pelo menos uma escuta que desenvolve no outro

uma sensação de existir, um reconhecer a si mesmo.

Professores são sujeitos que de alguma maneira podem afetar, atravessando a vida de

seus alunos, assim como serem afetados, e nesse jogo afetivo pode haver transformação e

lugar para o reconhecimento do sujeito.

Ralha-Simões (2014) diz que o desenvolvimento pessoal constitui uma dimensão

fundamental para definir a competência de qualquer educador pelo seu papel potencializador

relativamente a todas as demais que, no seu conjunto, são essenciais ao seu adequado

desempenho profissional. Efetivamente existe uma evidente inter-relação entre o educador no

seu todo e as suas características pessoais, sendo a sua identidade parte integrante da

pessoalidade. Por conseguinte, urge encontrar espaços de integração das dimensões pessoal e

profissional, de modo a permitir aos educadores apropriarem-se dos seus processos de

formação, a fim de lhes dar um sentido no quadro das suas histórias de vida.

Visto que nenhum de nós está livre das dificuldades da vida, e em alguns (e diferentes)

momentos estamos mais vulneráveis, é como enfrentamos esta vulnerabilidade e o significado

que nós escolhemos para elaborar os problemas ou a situação de desconforto que podem nos

levar à resiliência. A boa notícia é que todos nós temos essa capacidade, embora a resiliência

não seja um estado fixo, permanente e, por essa razão, deva ser buscada, trabalhada,

desenvolvida (UNGAR; LIEBENBERG; DIDKOWSKY, 2007).

Conforme Silva, Alves e Motta (2005), há professores que apresentam maior

resistência aos fatores agressores encontrados na prática, criando alternativas para controlar os

desafios e responder às dificuldades, reagindo às adversidades e mostrando-se capazes de

recuperação das agressões sofridas, conseguindo, assim, diminuir seu estresse. Esses

profissionais detêm características que fortalecem a resiliência.

Segundo Gu e Day (2007), a resiliência nos professores7 parece assumir características

particulares: 1) é específica de um contexto, o contexto de sala de aula, da escola e de um

determinado sistema de ensino; 2) está fortemente associada ao papel de professor e ao

7 A designação anglo-saxónica é “teacher resilience”.

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compromisso com esta profissão; e 3) a definição mais comum não se adequa aos professores.

Os autores propõem que a resiliência nos professores seja definida como a capacidade para

manter o equilíbrio e o sentido de compromisso e controle no quotidiano em que os

professores ensinam, além de estar associada à sua eficácia: os alunos de professores com

maior sentido de compromisso e resiliência demonstram maior probabilidade de ter resultados

escolares ao nível ou acima do esperado (GU, 2014).

Algumas características do caráter resiliente quando falamos de educadores são:

• Entender sem perder a condição de ensinante;

• Resolver sem achar que perdeu poder;

• Intermediar sem medo de perder a autoridade;

• Cuidar sem descuidar-se;

• Ser flexível, sem achar que é irresponsável;

• Permitir-se errar nas experiências. (ANTONI, 2011, p. 12)

É importante ter em mente que ter essas características não condicionam à

resiliência, afinal, o educador, assim como todos os sujeitos também estão inseridos cada um

nos seus contextos, lida com suas adversidades, sofrimentos e angústias, tem seus limites e

nem sempre poderá ajudar a todos os alunos ou sujeitos que cruzarem seus caminhos. Porém

ter esse conhecimento colabora no crescimento pessoal e profissional, favorecendo também

aos que estão no entorno. Como já nos chama atenção Ungar e Libório (2009), a resiliência

está para além de um estado psicológico interno, bem como também não se restringe a

comportamentos adequados e aceitáveis socialmente, qualidades inatas, temperamento

positivo ou capacidades potenciais, ao sermos expostos ao risco. O que para uns pode

promover a resiliência, para outros pode ser um fator de extrema vulnerabilidade, assim

acontece no âmbito educacional. O que fazer então? Como lidar com as diferenças?

Diversidades? Existe modo de estar preparado?

Assis, Pesce e Avanci (2006), Barbosa (2006) e Tavares (2001) ressaltam o valor da

resiliência na educação escolar, pois, segundo esses autores, a escola é um dos espaços

promotores de resiliência mais potentes que a sociedade pode implementar, por apresentar

duas condições importantes: agrupar diferentes seres humanos, no sentido de cultura, crenças,

valores e papéis, bem como a possibilidade de articular o papel do professor direcionado ao

aluno dentro de uma perspectiva de desenvolvimento humano, de proteção, e não de fatores

de risco. Assim, além da família e da comunidade, a escola é um dos meios fundamentais e

essenciais para que as crianças, em sala de aula, adquiram as competências necessárias para

ter sucesso, por meio da superação das adversidades, no âmbito das tarefas escolares e na vida

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em geral (CONDLY, 2006; FARJADO; MINAYO; MOREIRA, 2010), devendo as

instituições educacionais serem vistas como entidades promotoras também de saúde

psicológica (GUZZO, 2001).

A resiliência no campo educacional fala da disposição do indivíduo para perseverar

em tarefas acadêmicas, mesmo quando ele se sente frustrado (POLETTI; DOBBS, 2007). Em

outras palavras, academicamente resiliente é aquele que alcança sucesso, apesar da presença

de condições adversas – traumas, grande pobreza, enfermidade grave, divórcio dos pais, luto

pesado, etc. Vale enfatizar que a maneira como os alunos respondem a todos esses desafios é

fundamental para o sucesso, em todos os níveis, e contribui para a sensação geral de bem-

estar e saúde; e a Resiliência é o elemento-chave para evitar o esgotamento – físico e mental –

a depressão e a fadiga (MEYER et al., 2006).

Para Henderson e Milstein (2005), torna-se imprescindível que a escola desdobre todo

o potencial e recursos ao seu alcance para conseguir uma comunidade educativa inclusiva e

resiliente. Os autores descrevem os seis passos que estimulam a construção de características

próprias de um docente resiliente, a saber: (1) enriquecer os vínculos; (2) determinar limites

claros e fortes; (3) ensinar habilidades para a vida; (4) proporcionar afeto e apoio; (5)

estabelecer e transmitir expectativas elevadas; e (6) proporcionar oportunidades de

participação significativa. A combinação desses seis passos produz como resultado maior

apego à escola, mais compromisso social e concepção mais positiva de si mesmo por parte

dos alunos, pais, responsáveis e docentes (HENDERSON; MILSTEIN, 2005).

No contexto escolar, a capacidade resiliente se fortalece à medida que o diálogo se

torna um princípio fundamental na relação entre gestores, docentes e estudantes,

oportunizando a troca de conhecimentos, vivências, percepções e expectativas.

Portanto, para fundamentar estratégias educacionais de implementação da

competência educativa, da competência intercultural e da resiliência, é importante identificar

os fatores que promovem e protegem contra os efeitos adversos causados por situações de

risco, que podem, em última análise, ser conducentes ao insucesso pessoal, acadêmico,

psicológico ou outros.

Os professores podem e são bons observadores desses tais fatores que tanto podem

ajudar como causar efeitos nocivos. Para tanto, é de suma importância compreender quais os

fatores e, sobretudo, quais os processos e os mecanismos que estão por detrás de uma

invulnerabilidade aparente revelada, pois só a partir desse conhecimento se poderá saber o

que é necessário fazer para promover, em circunstâncias análogas, a resiliência.

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Os estudos sobre esta temática apontam que os professores, por exemplo, ao

incentivarem nos seus alunos a capacidade para trabalhar árdua e persistentemente face aos

objetivos propostos, ao encorajarem o seu autoconceito saudável, ao incentivarem as suas

expectativas pessoais elevadas, ao empenharem-se positivamente no seu sucesso pessoal e

acadêmico, estão a promover não só competência (educativa, psicossocial), mas também a sua

resiliência (WANG; HAERTEL; WALBERG, 1994).

Para Benetti, Junior e Wilhelm (2017), compreender os processos envolvidos na

resiliência acadêmica pode fornecer ferramentas conceituais e teóricas para quebrar o ciclo

intergeracional de desempenho acadêmico pobre, perspectivas de emprego escassas e pobreza

crônica. Além disso, o conhecimento sobre esse assunto pode contribuir para estabelecer uma

base sólida para o desenvolvimento de políticas e práticas eficazes para a promoção da

resiliência no ambiente acadêmico e na comunidade.

É importante salientar que aprender qualquer coisa pode ser um processo

inerentemente frustrante (LEAL, 2010). Se já soubéssemos tudo, não estaríamos

continuamente em processo de aprendizagem. Portanto, ter uma personalidade mais inclinada

para a tolerância a frustrações é um fator importante para o sucesso e, no caso da resiliência

do professor, para ajudar o aluno a se tornar um bom acadêmico.

É dada aos educadores a missão de cuidar dos alunos, colaborando com os processos

de aprendizagem e desenvolvimento das habilidades necessárias para favorecer condições de

vida favoráveis e que os faça alcançar suas metas, desejos, sonhos. Então, como manter a

qualidade de vida e o equilíbrio emocional face a tamanha responsabilidade?

Pois é, essa foi uma das motivações que nos levaram a esta pesquisa, saber quem

poderia, deveria ou cuidaria de quem cuida, afinal educar é uma forma de cuidado.

O cuidar na educação transcende, no reino humano, o cuidar das espécies

irracionais: nestas, basta alimentar e proteger da agressão do meio (embora já se

possa considerar aí também a manifestação um princípio afetivo). Para o homem,

trata-se de cuidar de seu desenvolvimento pleno, para a sua autonomia e

consequente felicidade. (SANTOS; INCONTRI, 2010, p. 493)

A promoção de resiliência no campo acadêmico enquanto educador é assim cuidar por

inteiro, estar e continuar incentivando seus alunos a encarar as adversidades quando as

mesmas surgem, olhando para elas como uma possibilidade de ser enfrentada, mesmo que o

resultado não seja o desejado por ora, incentivando-os a serem positivos, sem criar

expectativas sobre algo que é difícil de alcançar êxito (ANTUNES, 2007).

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Faz-se necessário promover oportunidades para que os alunos se sintam desejados,

valorizados, seguros de si, esperançosos e levando-os aos empoderamento, como forma de

reconhecimento dos seus valores. Lembrando que o processo é dinâmico, não estático e que

cada sujeito é único, com suas singularidades.

Nossas instituições educacionais passam por um período de crise, confusão, conflito

entre o novo (ruptura dos paradigmas, diversidade, inclusão) e as ideologias prefixadas como

modelos básicos de educação, ainda aos moldes do boom da educação durante a revolução

industrial, o que tem gerado muito sofrimento, desânimo, desmotivação, desinteresse de

docentes e discentes. Não é nossa intenção generalizar todo o campo educacional, afinal

temos muitos educadores na luta pela transformação deste modus operandi de ser, mas talvez

explique os motivos da resiliência ainda não ter sido difundida entre os educadores.

Para Maria Montessori, a forma que está posta a educação hoje

[...] embrutece o indivíduo e atrofia seus valores morais. Ele se torna um número,

uma engrenagem da máquina cega que é seu ambiente material. Uma educação que

reprime e rejeita as sugestões da consciência moral, que impõe obstáculos ao

desenvolvimento da inteligência, que condena partes inteiras da população à

ignorância, é um crime. (MONTESSORI, 2004, p. 22)

Não é difícil concordar e lamentar com a afirmação acima, nos instigando a pensar no

que fazer enquanto educadores. Soluções mágicas, em formatos de manuais ou cartilhas que

contêm todas as respostas para as diversas dificuldades, não devem existir, afinal estamos em

constante movimento. Porém, inovar a prática, estratégias e didáticas de ensino enseja em

facilitar o engajamento dos alunos no pensamento crítico e viabilizar o aprendizado e

construção de informações consideradas essenciais para ganhar proficiência em áreas do

conhecimento; ao mesmo tempo, o foco também estará associado a fatores relacionados à

resiliência — no momento em que seus conhecimentos são utilizados em contextos

pessoalmente relevantes (IMBERNÓN, 2011).

Os professores podem incluir nas suas aulas estratégias que encorajem o pensamento

crítico e o diálogo, o envolvimento dos alunos através da planificação e criação de regras e da

avaliação participativa, entre outras. Uma escola que pretenda educar para a resiliência

deverá, ainda, estabelecer redes com os pais e membros da família dos alunos, visando à

construção de um sentido de comunidade dentro da escola, em que a comunicação com

dignidade e o respeito deverá ser uma constante quotidiana; até porque a combinação das altas

expectativas e o apoio adequado proporcionarão aos alunos uma melhor autoeficácia,

autoestima e otimismo (SOUSA et al., 2014).

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Ao longo deste capítulo, fomos esclarecendo a ideia de onde partimos quanto à

resiliência. Acreditamos ser processual, dinâmica, perpassada por diversos aspectos, e com o

educador não foge à regra, portanto a qualidade do seu desempenho profissional, seja no

espaço que for, está diretamente ligada à sua qualidade de vida. Não há separatividade ou

imparcialidade quando o problema tange a individualidade, afinal o problema está presente.

Desta forma, é sensato pensar em estratégias de enfrentamento dos problemas, de

modo a ofertar recursos para que estes profissionais possam lidar, de maneira mais eficaz,

com situações desafiadoras e, ainda assim, manter ou recuperar uma perspectiva saudável.

Não se pode mudar o que aconteceu no passado, mas é possível sempre olhar para o futuro.

Olhar, aceitar e até mesmo antecipar a mudança faz com que seja mais possível se adaptar e

ver novos desafios com menos ansiedade, numa tentativa de tornar o dia a dia singular e mais

significativo, refletindo assim em bem-estar, satisfação pessoal e reconhecimento de si como

sujeito potencial. É importante que as atividades desempenhadas cultivem uma sensação de

realização, que as metas ajudem a almejar um futuro significativo e que haja uma sensação de

satisfação ao longo do exercício docente.

O educador é livre para ser e estar consigo como for melhor para si, porém nos cabe

refletir: qual outra profissão tem a possibilidade de influenciar, afetar a vida de outrem. quase

que diariamente por pelo menos um ano inteiro?

Outro aspecto que é preciso ter em mente é a possibilidade de não estar sempre bem.

Diante das adversidades, podemos escolher a forma de enfrentá-las, sendo assim uma

representatividade para os que fazem parte do nosso cotidiano. Afetamos e somos afetados,

isso é bem mais que real!

Figura 2 – Escolhas

e/ou

Fonte: Blog da Alê, acesso em 28.04.2011

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Sempre haverá insatisfações, seja quanto ao lugar, salários ou condições de trabalho,

pelo menos enquanto a educação for regida, como define Neil Postman (2002, p. 34), em sua

obra O fim da educação, pelo deus da Utilidade Econômica, onde o propósito da escolaridade

é:

[...] preparar as crianças para o ingresso competente na vida econômica de uma

comunidade. Segue-se daí que qualquer atividade escolar não destinada a promover

esse fim é vista como um penduricalho ridículo, isto é, um desperdício de tempo

precioso. (…) De acordo com esse deus, você é o que você faz para ganhar a vida —

concepção um tanto problemática da natureza humana.

Apesar dessa ideia ainda tão arraigada na e da educação, ainda assim é melhor

trabalhar para que haja alterações no cenário e contexto, mesmo que nos ciclos micropolíticos,

como fala Bronfenbrenner (2011), nas pequenas salas de aula de história, sociologia,

matemática do ensino médio da escola onde os alunos não querem ir. O papel desempenhado

pelo educador pode sim promover mudanças. É preciso levar em consideração tudo que

compõe as possibilidades educacionais.

As decisões devem ser tomadas a partir do coletivo e com o mesmo, não sendo

saudável ou até mesmo produtivo tomá-las de forma individual. O educador não precisa ser

solitário no desenvolvimento das atividades e funções; uma rede de apoio e colaboração pode

ser formada. O trabalho em conjunto, além de mais agradável na grande maioria das vezes,

torna-se mais produtivo e interfere no coletivo como um todo.

O trabalho grupal é uma forma de colaboração mútua, mas é também o desvelar dos

limites, falhas, dificuldades e resistências, podendo ser compartilhado e cuidado, surgindo

potenciais possibilidades de manejo.

É desafiante e estimulante assumir riscos, então é pertinente aventurar-se além de sua

zona de conforto e tentar algo novo (LEMAY, 2010). Os educadores pedem aos alunos para

que aprendam algo novo, tentem algo que nunca tentaram antes; muitos insistem para que

seus estudantes sejam melhores do que foram no dia anterior (LEAL, 2010). Portanto, sirva de

modelo. Se você falhar, ria e aprenda a ser melhor da próxima vez. Se você tiver sucesso,

comemore.

Zwierewicz (2012, p. 54) defende que:

[...] fortalecer a resiliência na escola implica na oferta de fatores de proteção para

que as crianças, adolescentes e jovens possam ter segurança de agir com autonomia,

a partir da descoberta de sua capacidade criativa para transformar adversidade em

possibilidades.

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Yunes, Fernandes e Weschenfelder (2018) apontam que as intervenções positivas ou

intervenções protetoras são aquelas que visam promover resiliência, interações de bons tratos,

bem-estar subjetivo e coletivo de comunidades em situações de risco pessoal e social.

Ademais, possibilitam cultivar nos profissionais expressões de tutoria de resiliência. Assim,

“transcendem as intervenções tradicionais, pois objetivam aliviar o sofrimento” (SELIGMAN

et al., 2014, p. 412), por meio de um profissional educador que se interessa e “pré-ocupa-se”

em compreender e apoiar pessoas sobrecarregadas por um acúmulo de situações sociais e

pessoais aparentemente sem saída.

Comumente os educadores são tidos como tutores resilientes, ou seja, aqueles que

cuidam e estabelecem um relacionamento progressivo e constante com o outro, numa esfera

do reconhecimento, apoiando e ativando os processos de resiliência diante daquele que

enfrenta a dor, trauma, angústia, adversidade.

A construção de relações fortes e positivas e relacionamentos saudáveis que geram

confiabilidade pode fornecer aos sujeitos o apoio necessário para o enfrentamento das

adversidades. Resiliência é não só uma capacidade pessoal; é o resultado de uma combinação

de um número de fatores complexos nos quais a personalidade é forjada pelo próprio sujeito,

a interação social e as redes de apoio (SALEEBEY, 2008). Estes três elementos

desempenham um papel essencial na modificação da percepção de uma experiência negativa.

A saúde mental também é parte integral e essencial para a promoção de resiliência,

pois envolve o equilíbrio dos aspectos físico, social, emocional e espiritual dos sujeitos, além

de reverberar na capacidade de pensar, sentir, agir, reagir, interagir e perceber o mundo,

encaminhando-nos na vida e mediante os desafios que ao longo da nossa história vão

surgindo. A saúde mental também envolve a forma como pensamos e avaliamos a nós

mesmos, nossa vida e as pessoas que conhecemos. Ela envolve a nossa capacidade de dar

sentido realista e de reagir de forma significativa ao mundo que nos rodeia. Ela afeta nossa

capacidade de fazer escolhas e tomar decisões (GASPARINI et al., 2005)

Compreender a resiliência cria a possibilidade de ver as dificuldades como desafio, e

não como algo paralisante ou destruidor, além de poder olhar para os seus fracassos e erros

como lições a serem aprendidas a partir de e como oportunidades de crescimento

(CYRULNICK, 2007). As pessoas que são otimistas (e, portanto, têm mais resistência) veem

os efeitos de acontecimentos ruins como temporários, não permanentes.

Sousa et al. (2014) ressalvam que as estratégias cabíveis para a promoção de

resiliência devem incluir uma escola em que toda a comunidade educativa — professores,

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alunos, pais e auxiliares educativos — esteja interessada em aumentar a promoção dos laços

sociais de seus alunos, definindo limites claros e consistentes, proporcionando apoio e atenção

afetivo-relacional, ensinando habilidades de vida, manifestando e estabelecendo altas

expectativas e proporcionando apoio adequado e oportunidades para que estes possam ter uma

participação efetiva na vida escolar, sentindo-a como sua.

Ao abordar o tema resiliência em instituições, Tavares (2001, apud PINHEIRO, 2004,

p. 69) também desenvolveu a tese de que não apenas indivíduos poderiam ser resilientes, mas

também espaços como instituições e organizações. Segundo o autor, uma instituição resiliente

[...] é uma organização inteligente, reflexiva, onde todas as pessoas são inteligentes,

livres, responsáveis, competentes, e funciona numa relação de confiança, empatia,

solidariedade. Trata-se de organizações vivas, dialéticas e dinâmicas cujo

funcionamento tende a imitar o do próprio cérebro que é altamente democrático e

resiliente.

Outro autor que desenvolveu pensamento semelhante foi Flach (1991, apud

PINHEIRO, 2004, p. 69) ao propor a ideia de “ambientes facilitadores de resiliência”, que

apresentam características como: “estruturas coerentes e flexíveis; respeito; reconhecimento;

garantia de privacidade; tolerância às mudanças; limites de comportamento definidos e

realistas; comunicação aberta; tolerância aos conflitos; busca de reconciliação; sentido de

comunidade; empatia”.

Nossa atualidade parece angustiar-se por uma necessidade de que a comunidade

escolar seja capaz de promover esforços significativos no sentido de aumentar a proteção aos

seus alunos, contribuindo, assim, para abrir as suas perspectivas sobre a diversidade e

especificidade de ser humano e sua condição de ser resiliente. Para nós isso torna-se possível

através de uma escola resiliente, onde o olhar não seja cognoscente apenas, e sim uma visão

ampla sobre e para os sujeitos participantes. É preciso promover resiliência em nossos

professores para que os mesmos possam sentir-se acolhidos e possivelmente serem

acolhedores com os outros.

E é dentro da perspectiva de superação/aprendizagem, autoconhecimento e

autoconfiança das situações e de si que se acredita que o desenvolvimento de características

mais resilientes possam vir a contribuir com uma prática docente mais eficiente na qual

professor e aluno possam crescer e aprender juntos.

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2.4 AO VENTO VAGA DE LEVE E TRAZ - Aportando na formação humana pelas vias da

resiliência integral

A visão que sustentamos de formação humana encontra estreita ressonância com as

apresentadas por Ferreira (2010) e Wilber (2007a, 2006, 2002, 1997), para quem o humano

em formação deve ser compreendido dentro de uma visão integral que engloba múltiplas

dimensões. Esta noção resgata a perspectiva de um modo vida que prioriza a humanização

como fim do processo formativo, não se centrando apenas na dimensão cognitiva, mas

incluindo-a em um abraço integral com as outras dimensões, pois, como aponta Gadotti

(2000, p. 10), uma visão abrangente de educação visa:

Desenvolvimento integral da pessoa: inteligência, sensibilidade, sentido ético e

estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade, pensamento autônomo e crítico,

imaginação, criatividade, iniciativa. Para isso não se deve negligenciar nenhuma das

potencialidades de cada indivíduo.

Pensar o humano quanto à sua inteireza nos remete a uma união das instâncias bio-

psico-socio-cultural e espiritual do ser. Segundo Silva e Alves (2007), o não respeito a essa

inteireza de cada ciclo de desenvolvimento promove a fragmentação em diferentes níveis

(físico, mental, social, cultural, ambiental e espiritual) do ser.

Não temos por finalidade afirmar que o humano encontra-se em algum momento

completo de forma a não caber mais nada em si, afinal somos seres capazes de diversas

modificações, mutações e transformações. O que se aponta é a necessidade de respeitarmos os

níveis, as condições, o contexto social e vários outros aspectos externos que de alguma forma

afetam sua constituição. Em cada momento do desenvolvimento vão sendo alcançadas metas

cabíveis.

Para tanto, Chaves (2011, p. 61) nos diz que:

Em cada um deles, o indivíduo necessita aprender a amar, a conhecer, a fazer, a

viver juntos, aprender a ser, a crer e a adaptar-se de acordo com as circunstâncias,

expandindo sua consciência rumo à inteireza, dando-lhe sentido e,

consequentemente, promovendo a qualidade de vida. Para superar essa

fragmentação, faz-se necessária uma educação que se estenda ao longo de toda vida

e passe pela aprendizagem da humildade de descobrir e revelar “o que há de melhor”

em cada um.

Autores como Ferreira (2007), Pierre Weil e Roberto Crema (2000), defensores da

“educação holística” ou “integral”, têm como objetivo comum a “reconfiguração” do ser, ou

seja, a formação do humano em sua totalidade.

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Lamentavelmente, na modernidade, o campo do ensino tem se apresentado,

comumente, de forma fragmentada. A noção de integralidade, como paradigma emergente,

apresenta-se como um novo referencial a partir do qual pode emergir um caminho de

superação aos problemas da educação na contemporaneidade. Não se trata exatamente de

propor uma nova tendência educativa e muito menos de um debate focado na transmissão de

conhecimentos religiosos através da educação. A problemática central consiste na discussão

dos modelos que tentam compreender a experiência humana de ser-no-mundo, questionando o

reducionismo do método positivista de conhecimento, a crença no progresso material

ilimitado fornecido pelo desenvolvimento indefinido da ciência e da tecnologia e o

predomínio dos valores utilitaristas (FERREIRA, 2007).

Fontoura (2016), baseado em Wilber (2006), relata que a sociedade se encontra à beira

do colapso com diversas crises econômicas, sociais, políticas, educacionais, morais, éticas,

religiosas, entre outras, e deixa de focar em uma educação pura, firmada em práticas pautadas

em valores comuns e no respeito mútuo, no interesse coletivo e na harmonia social.

O ser humano é um todo complexo, porém mais complexa está sendo a forma com que

se está construindo e mantendo a sociedade, ausente de valores e em total desconsideração do

todo que envolve o ser e da importância que a educação possui para organizar aqueles que

constituem uma sociedade. Isto porque, é somente “[...] o conhecimento vivo que conduz à

grande aventura da descoberta do universo, da vida e do homem!” (MORIN, 2007, p. 15).

Seguindo nossa angústia, continuamos pensando o que fazer e como lidar com essa

realidade, o que fazer com toda essa crise e, principalmente, como agir diante de tantas

adversidades surgidas em meio à violência, dor, sofrimento, injustiça, desigualdades e modos

diversos de pensar, agir e ser-no-mundo, no espaço educacional, que aos meus olhos deveria

ser uma local de construção, interação, transformação.

Baseada nas ideias do pesquisador canadense Michael Ungar, questionei-me nos se

toda essa problemática seria uma forma de reação, ou seja, se tudo que apontamos como

vulnerabilidade seria para uns fatores de proteção; pensamento baseado em reação a um

modelo de educação ultrapassado, que degringola e desmotiva.

Enquanto pesquisadora, que busca atravessar o oceano aportando em várias margens,

através da visão participava de Jorge Ferrer (2002), reagindo contra o reducionismo

intrasubjetivo, isto é, a redução de fenômenos transpessoais a experiências individuais, penso

que poderíamos considerar todas as questões que se desvelam no espaço educacional como

representação de um coletivo, neste caso algo que não tem voz, vez, visibilidade. É preciso ter

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muito cuidado para não incorrer no erro de achar que estamos concordando ou até mesmo

fazendo apologia à violência ou qualquer tipo de sofrimento, apenas apontamos a

possibilidade de ser uma forma de representação.

Faz-se importante dizer que assumimos resiliência como um processo integral que

contempla as dimensões subjetiva, intersubjetiva, objetiva e interobjetiva do ser,

possibilitando a superação de eventos traumáticos (BRASIL; FERREIRA, 2016) vividas ao

longo de suas trajetórias e vivências, bem como inseridas nos diversos contextos que o que

sujeito habita, ao qual chamamos de coletivo, conforme ilustração abaixo.

Fonte: A autora (2019)

Ampliamos a consciência e enxergamos o humano como um ser integral, integrante e

integrado.

Estamos numa busca constante em tecer um enredamento claro entre a resiliência e a

formação humana, proporcionando reconhecimento, visibilidade, aceitação e formas de ser-si-

mesmo-no-outro baseada em “velhos-novos” valores, tais como altruísmo, generosidade,

INTEGRALIDADE

ESPIRITUALIDADE

Figura 3 – Dimensões

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ética, compaixão, empatia, felicidade, amor, amizade, cooperação dentre outros. Não é nossa

pretensão trazer conceituações pré-fixadas sobre cada um deles, vamos discorrer o que alguns

autores falam sobre, porém vamos nos deter em como esses valores se fazem presentes nos

atos e atitudes dos sujeitos no seu cotidiano.

No contexto da formação humana, estamos assumindo a espiritualidade como um

componente importante e colaborador com os processos de promoção da resiliência, além de

colaborar com a ampliação da consciência, o que favorece o entendimento da integralidade.

Apoiada nos princípios produtivos e por vezes complexos de Wilber, criamos um

caminho lúcido que nos levou à resiliência integral. O fervilhar das ideias ao longo da

pesquisa, nos levou a pensar que a resiliência integral, assim como a psicologia transpessoal, é

algo integrador. Não descartamos nada, nos valemos das experiências, vivências e

construções e ampliamos nosso modo de vislumbrar o fenômeno.

Construímos a figura abaixo no intuito de facilitar o entendimento do fluxo dos nossos

pensamentos; para tanto, ao apreciá-la, que seja de fora para dentro, de modo a tornar mais

claro aonde pretendíamos chegar e chegamos, com todos os encontros, emaranhados e

tessituras de uma colcha de retalhos que ainda não teve seu fim — e ao nossos olhos não terá

nunca, a menos que uma das esferas apresentadas abaixo seja congelada.

A resiliência a que estamos nos referindo e está no centro da figura é orgânica,

dinâmica, espiralada, capaz de olhar e enxergar o outro dentro de suas adversidades, e não

como a própria, o que propicia os enlaces com os níveis seguintes.

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Figura 4 – Resiliência Integral

Fonte: A autora (2019)

A resiliência é também um processo de negociação e, para que ele aconteça, é

necessário que o contexto e a cultura presentes também se modifiquem a fim de oferecer

outros recursos protetivos e potencializar os já existentes.

Esse viés da resiliência em colaboração com os quadrantes de Wilber nos conduziu às

camadas seguintes que vamos destrinchar, a começar pelos valores.

A influência que os valores exercem sobre a dimensão comportamental ocorre por

meio de um processo de socialização. Ao agirem conforme os ditames do grupo social, os

indivíduos internalizam alguns valores compartilhados culturalmente pelo mesmo grupo,

deixando, assim, implícita a conexão entre os valores e o comportamento. Assim, como

veremos detalhadamente no próximo capítulo, Wilber (2007b) nos traz um mapa que orienta

as futuras escolhas e valores para se compreender a realidade e se relacionar com ela.

O comportamento de cada indivíduo é aceito pelos seus próximos quando

subordinados a parâmetros, que se denominam “valores” e que determinam os acertos e

equívocos na produção e utilização das intermediações criadas pelo homem para sua

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sobrevivência e transcendência. Novos meios de sobrevivência e de transcendência fazem

com que valores mudem, mas alguns deles, que estão intrínsecos à ética da diversidade sendo

mais facilmente reconhecidos — respeito, solidariedade, cooperação, independente da cultura

e de sistemas de conhecimento —, são transculturais e transdisciplinares.

Devemos nos ater à significação de valores no âmbito da axiologia: axios valor; logos

estudo. Axiologia é a teoria filosófica responsável pelo estudo dos valores predominantes

numa determinada sociedade. O valor, ou aquilo que é valorizado pelas pessoas, é definido

como uma escolha individual, subjetiva e produto da cultura onde o indivíduo está inserido.

A diversidade de valores é elevada, porém varia de indivíduo para indivíduo e de

cultura para cultura. Podem estes ser categorizados em diferentes hierarquias onde é atribuída

uma valoração diferente a cada uma, ajudando a clarificar as nossas ideias e orientando-nos

para ter um comportamento adequado à sociedade e a facilitar escolhas.

Há valores que estão na base da Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH

(1948, Nações Unidas), que são considerados valores universais, tais como a liberdade, a

igualdade, a solidariedade, a segurança, a dignidade, a honra, a reputação, a privacidade, o

trabalho, o repouso, o lazer, a saúde, a cultura e a educação.

Não se espera que os valores sejam ensinados como se ensina uma matéria de uma

determinada disciplina, porém necessitam de compromisso e responsabilidade pessoal.

Segundo Loureiro (2006), quando se fala da promoção dos valores em meio educativo, fala-se

de uma meta primordial: que os alunos saiam da escola com um sentido claro dos seus valores

e da sociedade em que vivem. Trata-se de uma consciência que compreende o compromisso,

que leva à responsabilidade pessoal para com o próprio e suas metas como pessoa em

construção e para com a sociedade em que vive.

Trabalhar a ideia de valores é possibilitar a formação de uma consciência nos sujeitos,

de modo a ajudar a discernir em liberdade aquilo que deve ou não ser feito, por si e pelos

outros, tomar consciência dos seus direitos e dos seus deveres, como indivíduo e como

cidadão, além de ser um meio de colaborar para os processos de reconhecimento de si em

relação a si mesmo, ao coletivo, cultura, tendo noção dos seus limites e possibilidades.

Através dos valores e de sua ativação e tomada de responsabilidade, olhar o outro por

meio da sua própria lente colabora nos processos de promoção de resiliência e

reconhecimento, possibilitando um crescimento e empoderamento de si enquanto sujeito

pertence ao coletivo.

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A seguir convocamos alguns de muitos valores que existem em nossa cultura, que nos

ajudaram a caminhar nesta pesquisa. A escolha dos mesmos se deu pela presença e

representatividade dentro das temáticas abordadas: resiliência e reconhecimento de si.

Valendo-nos dos valores, de seu uso, não estamos querendo com isso transformar os

seres, tampouco propor uma ideia salvacionista ou vincular a promoção de resiliência com a

resolução completa de angústias, dores e /ou sofrimentos.

Iniciamos com a bondade. Enquanto sentimento moral, é a disposição geral para

praticar o bem. Associa-se estreitamente à compaixão, que é a necessidade de aliviar o

sofrimento dos outros, e ao altruísmo, que é a emoção social que dela deriva. Estes

sentimentos estão na base de comportamentos pró-sociais e pró-ambientais importantes, que

implicam a cooperação e a confiança nos outros (LENCASTRE, 2010).

Para Ricard (2015) a cooperação não é somente a força criadora da evolução, ela está

no cerne das realizações sem precedentes da espécie humana, permitindo que a sociedade

realize tarefas que uma única pessoa não conseguiria realizar. Segundo o autor, alguns estudos

comprovam que é preferível, tanto para si como para os outros, confiar mutuamente e

cooperar, ao invés de agir isoladamente.

A cooperação humana constitui um desafio tanto para a teoria mais ortodoxa da

evolução, escorada na noção de competição entre indivíduos unicamente

preocupados com sua própria reprodução, quanto para a teoria econômica clássica,

baseada na existência de atores ‘egoístas’, inteiramente devotados à maximização de

seus próprios interesses. Existe aí, portanto, um fato antropológico que requer

explicações. (CANDAU, 2012, p. 12)

A relação de cooperação desencadeia favorecimento para ambas as partes, que

individualmente talvez não alcançassem os resultados. Desenvolver este hábito no campo da

educação e na lógica docente é um meio de contribuirmos com a aprendizagem de um maior

número de alunos, visto que entre eles pode surgir a colaboração e troca de conhecimentos,

bem como aquisição e/ou ampliação de habilidades (para além da cognição) e o

desenvolvimento do senso de responsabilidade.

Ricard (2015) diz que a educação moderna, em geral muito centrada no “sucesso” no

individualismo e na competição, quase não oferece os meios que permitam apreciar a

importância da cooperação e outros valores humanos.

Ainda na perspectiva cooperativa, temos o altruísmo, que tem uma definição por

norma mais restritiva. Macaulay e Berkowitz (1970, apud LOURENÇO, 1998) definem o

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altruísmo como um comportamento efetuado para beneficiar outra pessoa sem esperar uma

recompensa de origem externa.

Batson (2011), psicólogo que dedicou a carreira ao estudo do altruísmo, afirma que o

altruísmo é uma motivação cuja finalidade última é aumentar o bem-estar do outro. Ele

distingue notoriamente o altruísmo como finalidade última e como meio.

Para falar de amor, Ricard (2015) faz uma junção com o altruísmo, trazendo assim o

amor altruísta que tem por máxima a benevolência incondicional para com todos os seres,

suscetível de exprimir-se a todo momento a favor de cada ser em particular.

Amor, amorosidade tomada aqui a partir da ideia de Leonardo Boff como cuidado,

onde ser amoroso reflete ser cuidadoso, PRÉ-OCUPAR-SE com o bem-estar do outro, de

mesmo modo que se preocupa com o seu. Na rede de relações no campo da educação, torna-

se complexo estabelecer elos sem esse cuidado. Um amor enquanto valor humano que está

para além de condições, julgamentos e/ou pessoas. Esse amor que no exercício docente pode

ser um elemento colaborativo para a superação das adversidades.

Lembramos que, além do amor e dos vários valores aqui tratados, a compaixão assume

uma forma adquirida do amor altruísta quando confrontado com sofrimentos alheios. O

budismo define como “o desejo de que todos os seres sejam liberados do sofrimento e de suas

causas” (MONROE, 1996, p. 6) ou, como relata o monge budista Bhante Henepola

Gunaratana (apud RICARD, 2015, p. 47): “O degelo do coração ao pensar o sofrimento do

outro”.

Desta maneira, pensamos que os seres humanos são capazes de sentir empatia, ou seja,

de terem uma reação emocional derivada das circunstâncias de outra pessoa, mesmo quando

essas circunstâncias não o afetem diretamente.

Para Dalai Lama (1999), a empatia pode ser desencadeada por uma percepção afetiva

do sentimento do outro e pela imaginação cognitiva de sua experiência. Em ambos os casos, a

pessoa distingue claramente entre seu sentimento e o do outro.

A empatia afetiva consiste em entrar em ressonância com os sentimentos do outro, seja

alegria ou sofrimento, onde as emoções e projeções mentais inevitavelmente irão se misturar à

representação dos sentimentos do outro, podendo chegar ao ponto de não conseguirmos fazer

uma distinção entre eles.

Esses são alguns elementos constituintes de uma rede maior de valores que de alguma

forma contribuem com a formação humana. Não é pretensão nossa ensinar valores ou

determinar a existência dos mesmos na vida dos sujeitos. Nossa vontade é que possa ser

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despertado o que há de melhor em cada um, possibilitando o enfrentamento das adversidades,

superação de dores e acima de tudo aprendizagem sobre si mesmo, entendendo que o modo

como cada um trata a si e as suas dores reverbera no seu modo de agir, pensar e atuar, nas

suas relações, trabalho, sucessos e fracassos.

O professor que visa a essa conexão consigo mesmo, conhece a si e seus limites, pode

então de alguma forma saber até que ponto pode favorecer os processos dos outros.

A educação não se resume em transmitir o saber e as competências que permitem

alcançar objetivos limitados. Ela consiste também em abrir os olhos das crianças

para os direitos e as necessidades dos outros. Cabe a nós fazer as crianças

compreenderem que suas ações têm dimensão universal, e devemos encontrar um

meio de fazê-las desenvolver sua empatia inata para que adquiram um sentimento de

responsabilidade em relação a seu próximo. Pois é isto que impele a agir. Na

verdade, se tivermos que escolher entre a virtude e o saber, a virtude seria

certamente preferível. O bom coração do qual o fruto é, em si, um grande benefício

para a humanidade. Isso não ocorre com o saber. (DALAI LAMA, 1999, p. 79)

Toda essa concepção de valores que assumimos, de algum modo reverbera no que

vamos considerar, tomar para a pesquisa como espiritualidade.

Seaward (2005) sugere que os fundamentos de qualquer forma de espiritualidade

incluem quatro aspetos chave: relacionamentos; valores; sentido para a vida; e o sentimento

de ligação. A investigação tem identificado sistematicamente uma relação direta entre

qualquer um destes aspetos e uma melhor capacidade de coping face a estressores da vida

diária. Deste modo, a espiritualidade poderá potenciar a resiliência através do seu impacto

sobre: os relacionamentos; os valores; o propósito atribuído ao self e a capacidade de coping

(SMITH et al., 2012).

Para Timm et al. (2016), espiritualidade tem sido uma palavra muito utilizada na

atualidade e a problematização acerca de seu significado evidencia como não é unívoco o seu

entendimento. Para os autores, é possível observar que ela está na moda, pois tem sido falada

em contextos plurais, percebendo-se a sua inserção em campos onde até algum tempo ela não

era admitida. Nota-se um crescente interesse de algumas áreas, como a educação, a medicina,

a psiquiatria, e a física em sua modalidade quântica, abrindo- -se um diálogo transdisciplinar

sobre a complexidade.

O conceito da espiritualidade é abrangente, revestindo-se de especial complexidade

devido às constantes mutações sociais e culturais que ocorrem no mundo constantemente,

com a tecnologia cada vez mais presente, as mudanças têm surgido em tempos veloz.

A partir desta ideia de alterações constantes, é importante não cristalizar a ideia de

espiritualidade num único pote, afinal somos pluriculturais, assim falar em espiritualidades

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torna-se mais apropriado, onde estamos reverenciando as concretizações históricas e culturais,

as quais podem ser classificadas de várias maneiras, conforme o critério de que se parte.

Trabalhar com a temática resiliência em algum momento suscitou questões relativas a

espiritualidade, muito confundida ou tendenciosamente relacionada com a religião. E, nesse

sentido, podemos olhar a espiritualidade como um processo ou itinerário espiritual:

conversão, progresso e caminho de união com Deus num decurso de crescimento, da

inautenticidade à relação concreta com Deus e à posse da sua verdade como imagem do

mesmo Deus. Apesar de reconhecer essa forma de pensar, faz-se importante compreender que

a espiritualidade humana existe para além da religião e pode representar uma vivência interior

com capacidade de produzir alterações na vida do Homem, na sua relação consigo mesmo e

com os outros, conforme nos explica Giovanetti (2005, p. 136-137):

Entendemos que o termo «espiritualidade» não implica nenhuma ligação com uma

realidade superior. Como diz Boff, a espiritualidade designa o mergulho que

fazemos em nós mesmos. No momento em que nos voltamos para o nosso interior, e

às vezes por meio de técnicas de meditação, mergulhamos no nosso mais profundo,

e ao experimentarmos a realidade como um todo estamos vivenciando a nossa

espiritualidade. Assim, a espiritualidade é uma atividade do nosso espírito e não

necessariamente implica a fé em algum ser transcendente, característica necessária

na vivência da religiosidade.

Torralba (2010) ressalta que a espiritualidade é sobretudo, um conjunto de

necessidades que não podem desenvolver nem se satisfazer de outro modo senão cultivando e

desenvolvendo a inteligência espiritual, vista como um caminho para aceder aos significados

profundos e questionar-se sobre o fim da existência. É a inteligência do eu profundo que

enfrenta as questões da existência e que procura respostas credíveis e razoáveis. Ela permite

fazer a vivência de experiências transcendentes e também se torna útil na vida prática e na

forma como se lida com os problemas do dia-a-dia.

Algumas conclusões da investigação sobre o significado de espiritualidade, sustentam

que: é um constructo complexo e multidimensional, envolvendo vários níveis como: o afetivo,

o cognitivo, o moral, o relacional e cultural; pode ser desenvolvida ou modificada nos

indivíduos ou grupos, tendo, contudo essencialmente um caráter de análise individual; a

espiritualidade pode estar relacionada com a saúde mental e com a gestão do sofrimento

emocional (TEIXEIRA et al., 2016).

Para nós é importante manter o entendimento de que não se deve confundir

espiritualidade com religião. O debate no campo da educação esclarece que, ao contrário das

concepções que entendem que a tarefa prática da educação é preparar os indivíduos para a

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vida social, a visão da educação dentro de uma perspectiva integral que “[...] busca ampliar e

resgatar os fundamentos da razão educativa, a saber: a humanização” (FERREIRA, 2012, p.

156)

Para Da Silva e Ferreira (2015), os valores espirituais têm sido altamente ignorados e

substituídos por visões de mundo que limitam e reduzem o ser humano e a vida em

considerações racionalistas e materialistas. Entretanto, outros autores mais pragmáticos

querem ressaltar que essa forma de pensar e de se relacionar com os valores espirituais é

exagerada, imatura e desnecessária. Apontam ainda que a ciência genuína e a espiritualidade

não precisam competir pelo mesmo território. Afinal, elas são complementares, e não

competitivas.

De acordo com Wilber (2011) e Grof e Grof (2010), o conflito que se instaurou entre

ciência e espiritualidade decorre, entre outros fatores, do engano fundamental que existe em

torno desses termos:

A aparente incompatibilidade deve-se ao fato de que ambos os lados compreendem

de modo seriamente equivocado a posição do outro e provavelmente cada um deles

representa também uma falsa versão de sua própria disciplina. (GROF, GROF,

2010, p. 23)

Para tanto existe o conflito e persiste a incompatibilidade, é possível que a relação foi

estabelecida com uma versão limitada de espiritualidade, de modo a não caber dúvidas ou

incompreensões práticas ou científicas, “para tanto desprezo a espiritualidade, não se

restringe à religião ou qualquer outro tipo de crença que ofereça legitimidade a algum tipo de

dogma” (DA SILVA, FERREIRA, 2015).

Viktor Frankl (1991) que criou a chamada análise existencial (Existenzanalyse), que

tem como objetivo o esclarecimento da existência, enfatizando possibilidades de se realizar o

sentido da vida. Essa análise difere da análise da existência (Daseinanalyse), que não enfoca

especificamente o sentido da vida, e sim um "esclarecimento do ser" (p.61). Fundador da

logoteoria que enfoca o noético (palavra que vem do grego "noos" que significa "mente", e

aqui é usada como "espiritual": a dimensão dos fenômenos especificamente humanos, como a

liberdade para descobrir o sentido da própria vida, a autotranscedência, o auto distanciamento,

a decisão, a capacidade de amar etc.)

A logoteoria afirma a "autonomia da existência espiritual" e disso decorre o "senso de

responsabilidade". O ser humano é, em essência, ser-responsável (FRANKL, 1993, p. 15), e a

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responsabilidade está na ação no momento presente ("aqui e agora"), na "concretude de

determinada pessoa numa determinada situação" (p.16).

Humano é, também, o "ser que decide" (FRANKL,1993, p. 26). Somente diante

daquilo que é decisão sua a pessoa é responsável, e somente quando ela é responsável, pode-

se dizer que está sendo "ela mesma". "O ser humano propriamente dito começa onde deixa de

ser impelido, e cessa quando deixa de ser responsável" (p. 19).

A concepção de homem trazida por Frankl associada a conceituação de espiritualidade

não como religiosidade, vai nos ajudar a guiar esta jornada.

Consideramos a vastidão do conceito / definições para espirtualidade neste trabalho,

vamos tentar compreender o desenvolvimento da mesma enquanto pressuposto para a

formação humana, que é objeto de estudo de muitos teóricos contemporâneos e sobre o qual

ainda não há consenso.

Como o nosso foco é a perspectiva integral baseamo-nos em Wilber (2006, p. 3) que

traz uma espiritualidade dotada de capacidade transformativa, autêntica e revolucionária

porque “ela não legitima o mundo; ela rompe com ele. Não consola o mundo, ela o estilhaça.

E não dá importância ao self; ela o desfaz”.

Wilber (2006) diferencia duas maneiras para explicar as funções da religião e expor

sua visão de espiritualidade. Na primeira função, que denomina translação, refere-se a criação

de significado para o self (ou sujeito) e na segunda função, denominada transformação refere-

se a transcendência do self. O cerne da diferença entre as duas visões está na forma de pensar

o mundo. Na translação, “é dado ao self (ou sujeito) um novo modo de pensar sobre o mundo

(ou objetos); com a transformação radical, o próprio self passa a interrogar-se, a olhar para

dentro de si” (WILBER, 2006, p. 2). Na translação, o que é oferecida é uma legitimidade ao

significado para o self, enquanto na transformação, o objetivo é oferecer autenticidade.

A espiritualidade transformativa não procura dar suporte ou legitimar nenhuma

visão de mundo atual; ao contrário, ela provê a verdadeira autenticidade

estilhaçando aquilo que o mundo considera legítimo. A consciência legítima é

sancionada pelo consenso, adotada pela mentalidade de rebanho, aceita tanto pela

cultura quanto pela contracultura, promovida pelo self alienado como o caminho

para que este mundo faça sentido. Mas a consciência autêntica sacode tudo isso de

suas costas e, em substituição, fixa o olhar numa visão que vê somente um infinito

radiante no coração de todas as almas e inspira em seus pulmões a atmosfera de uma

eternidade muito simples de acreditar. (WILBER, 2006, p. 3)

Para tanto centramos na visão que considera o ser humano como um ser

multidimensional, inseparável do mundo, e que tem dimensões além da mental, que precisam

ser contempladas da mesma forma e com o mesmo peso que outras. Ou seja, considera que a

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separação entre o as múltiplas formas de ver a vida e vivê-la são apenas didáticas, mas não

podem ser consideradas para validar, explicar ou justificar quaisquer ações como sempre

tratou o racionalismo, privilegiando a mente (razão) em detrimento, por exemplo, da emoção

ou do corpo.

Solomon (2003) aborda a espiritualidade como parte do aspecto do humano, um modo

de ser, especialmente quando “[...] bebemos ao máximo de nossas vidas” (p. 40). Para o autor

a espiritualidade é “um fenômeno humano”, inerente à natureza humana e exige além de

sentimento, pensamento, aguda concepção do self. Por sua vez, o pensamento requer

conceitos que exigem consciência, autoconsciência e autorreflexão, são estes impulsos que

Solomon denomina de uma “vida examinada8”. “[...] Assim, espiritualidade e inteligência

caminham de mãos dadas” e emergem por meio de uma vibrante “[...] sensação de

autoconsciência, em que a própria distinção entre egoísmo e abnegação desaparece”

(SOLOMON, 2003, p. 41).

O mesmo autor citado acima afirma que a espiritualidade é a compreensão nítida do

que é melhor em todos nós e para todos nós. Desse modo, a espiritualidade torna-se pela sua

natureza um percurso social e não solitário, ao qual qualquer indivíduo pode alcançar.

A revolução espiritual que preconizo não é uma revolução religiosa. Ela nada tem a

ver, tampouco, com um estilo de vida que, de certa forma, seria de um outro mundo,

e ainda menos com qualquer coisa mágica ou misteriosa. Pelo contrário, é uma

reorientação radical, longe de nossas preocupações egoístas habituais, em benefício

da comunidade que é a nossa, de uma conduta que leva em conta ao mesmo tempo

que os nossos, os interesses dos outros. (DALAI LAMA, 2000, p. 124)

Devemos, portanto, encontrar e criar procedimentos para que as novas sociedades que

estão emergindo possam cultivar uma espiritualidade apoiada na própria interioridade e na

própria autonomia, tendo como fundamento desta interioridade, autonomia, iniciativa,

criatividade, resiliência e liberdade, sendo a experiência em nós mesmos da infinita dimensão

do existir (HOLANDA, 2014).

A autora ressalva ser necessário, porém, respeitar suas condições culturais próprias da

coletividade e as diferenças que dela emergem a partir da inovação e da mudança frequentes

na sociedade, que nos impulsiona para vivermos em condição de globalidade. Somente uma

espiritualidade responsável socialmente e culturalmente viável poderá salvar a humanidade e

o planeta.

8 Significa manter a atenção focada no momento presente, no acontecimento, em constante e profundo exame do

que ocorre no aqui e no agora, em atitude atenta e consciente do presente. É manter a mente vigilante.

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Goswami et al (1998) e Goswami (2005), Grof (1999), Capra (1987) e muitos outros

filósofos, físicos e cientistas nos dizem que somos moléculas de carbono, poeira de estrela,

matéria primeira do Universo. Somos o vazio repleto de possibilidades, as quais compõem a

natureza de seres com ilimitadas potencialidades. Somos também energia vagante, seres

errantes, matéria e espiritualidade.

Acreditamos que despertar da consciência humana — entendendo que consciência

“não é o produto do cérebro, e sim um princípio primário da existência, desempenhando um

papel fundamental na criação do mundo fenomenal” (GROF, 1999, p. 6) — vem a ocorrer

mediada pelo amor, reconhecimento do outro enquanto sujeito, pela sensibilidade, pela escuta

sensível e amorosa, pela percepção da multidimensionalidade humana, pela consciência

espiritual no aqui e no agora, pela percepção da interdependência e interligação de todos os

seres cósmicos.

Assim arriscamos dizer que uma das formas de humanização do humano — algo que

não deveria ser necessário se todos entendessem que ser humano está para além do

desenvolvimento / evolução biológica, fisiológica do corpo — se dá através do amor, no qual

todos somos artesões da tessitura da vida, todos somos fios da teia da vida, cada um com seu

infinito valor que nasce do amor.

Educar moralmente não é tarefa fácil: não basta traduzir pelos e para os alunos os

princípios de convivência fraterna em regras” (TOGNETTA; VINHA, 2007, p. 35). Os alunos

precisam refletir e se apropriar da importância das regras, sendo necessário que os mesmos

participem dos processos de construção, podendo se ver nessas regras e sentir-se responsável

por elas, por sua aplicabilidade e consequências. Ao contrário disso, a escola costuma

estabelecer uma lista de normas inegociáveis e muitas vezes inatingíveis transformando em

utopia o que poderia ser meios para melhoria nas relações, no campo educacional e

principalmente na formação humana integral.

Ferreira (2010) sinaliza que a linha integral de formação humana pode auxiliar no

autoconhecimento e desenvolvimento interno do educando.

Nessa visão, o processo formativo auxilia no desdobramento das diversas

dimensões, buscando favorecer ao educando uma maior compreensão do seu nível

de desenvolvimento, de forma a poder encontrar caminhos que o auxiliem no

fortalecimento das dimensões já presentes, ampliação daquelas que se encontram

pouco desenvolvidas e cuidados para solucionar algum transtorno ocorrido ao longo

do desenvolvimento. (FERREIRA, 2010, p. 119)

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A educação, enquanto um processo de formação humana, propõe em seu fundamento

o desenvolvimento de duas vias necessárias ao humano, a de fora para dentro e a de dentro

para fora, e, nestas bases, conceitua a educação como um processo que deve ser global. Com

isso integral não se reduz a partes, mas se esculpe na relação entre as partes e o todo, porém

não podemos considerar o todo como soma das partes, e sim a interação entre elas, entre si

mesmo e com elas. Rodrigues (2001, p. 242) considera que

Educação é o processo integral de formação humana, pois cada ser humano ao

nascer, necessita receber uma nova condição para poder existir no mundo da cultura.

Esse processo inclui a aquisição de produtos que fazem parte da herança civilizatória

que concorreram para que os limites da natureza sejam transpostos. [...] o ser

humano, por não receber qualquer determinação por natureza, pode construir o seu

modo de vida tendo por base a liberdade da vontade, a autonomia para organizar os

modos de existência e a responsabilidade pela direção de suas ações, essa

característica do ser humano constitui o fundamento da formação do sujeito ético.

Este deve ser o objetivo fundamental da Educação, ao qual devem ser submetidas

toda e qualquer prática educativa, aí incluídas as escolares.

Assim a integralidade é um aporte para evitar a divisibilidade, onde ser integral está

relacionado com a experiência, vivência da não separatividade, do não divisível.

O educador que se apropria de uma maior quantidade de elementos que visam a uma

forma outra de educação para responsabilidade consigo, com o outro, com o conteúdo e o

coletivo, priorizando a ética, solidariedade, respeito, autonomia, autoconfiança, é alguém que

visualiza o processo educativo integral, sendo capaz de exercê-lo. Quanto mais

conhecimentos seguros o educador adquire na sua conceituação de integralidade do ser

humano, mais orientações ele dispõe para nortear a sua prática pedagógica (RÖHR, 2004,

p.13)

A forma como a educação tem sido vivência na atualidade tem gerado adversidades,

reducionismos e quebras que por vezes inviabilizam a ação ou fazer pedagógico. O desafio é

uma formação que vislumbre a humanização do humano e não a vigente escolarização que

hominiza para atuar em sociedade (RÖHR, 2007).

Diante de tamanhas adversidades advindas do processo formativo, das inquietações

que surgem em diferentes espaços sociais, tem ecoado a importância de uma educação

integral. Entretanto, existem várias compreensões sobre tal conceito e, dessa forma, práticas

educativas de configurações diversas. A discussão sobre a educação integral é complexa e

envolve questões legais e, principalmente, uma questão epistemológica, uma vez que não há

consenso quanto ao entendimento do termo entre os próprios envolvidos na dinâmica

educativa.

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Propusemos, então, mesmo diante dessa crise ou falta de entendimento unificado, a

resiliência integral como mais um instrumento colaborativo para chegarmos à composição

desta educação integral que almejamos.

O pensamento de Ken Wilber foi a nossa base norteadora dentro da perspectiva

integral. Suas ideias caminham desde o desenvolvimento da consciência a uma Abordagem

Integral, em que a realidade é entendida em sua complexidade, não podendo ser abordada de

forma fragmentada (WILBER, 2006).

A integralidade envolve, de acordo com Wilber (2007a, 2008), uma visão abrangente

das nossas relações conosco mesmo, com a cultura e com a sociedade. E, para isso, é

fundamental alcançar outro nível de consciência e almejar uma prática que transforme que

unifique/integralize, sem uniformizar.

Trata-se da abertura do olhar para os diversos espaços — interior, exterior, individual

e coletivo — que nos perpassam e as possibilidades que tal abertura propiciaria para uma

visão integral.

O ponto de partida das ideias de Wilber é a compreensão do homem não apenas de

maneira filosófica e intelectual, mas também nos aspectos social, biológico e espiritual. A

partir do momento em que caminhamos, seja em direção ao autoconhecimento, em direção ao

outro, seja na atenção do mundo que nos cerca, a complexidade do viver torna-se mais

compreensível, dinâmica e satisfatória (LIMA, 2014).

Seguindo todo o pensamento desenvolvido neste capítulo, podemos dizer que a

resiliência integral se torna possível com o reconhecimento de si, do outro em si, do meio, das

relações que estabelecemos direta ou indiretamente, as que não são estabelecidas também

estão na composição; os fatores de proteção individuais, os contextuais e/ou coletivos; a rede

de apoio que se estabelece; reconhecimento das competências sociais, emocionais,

profissionais e culturais; capacidade de identificar, regular e expressar as emoções; buscar

trabalhar a autoeficácia, autonomia, autoestima e os valores que tendem a colaborar com o

processo de empoderamento de si e formação humana: amor, ética, respeito, cooperação,

empatia, altruísmo.

A disponibilidade de enfrentar a si, os outros e as dificuldades surgidas ao longo do

caminho de vida, numa tentativa de superação das adversidades atrelada a um aprendizado,

sempre respeitando suas limitações, reconhecendo a cultura, buscando estar inserido nos

contextos bio-psico-sociais da época, gera uma capacidade consciente de encarar os

problemas.

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Em síntese, nesta tese, assumimos uma visão de resiliência integral, participativa,

multidimensional, processual, histórica, imersa em uma rede relacional complexa de fatores

subjetivos, objetivos, sociais e culturais, que nos habilita a inúmeras possibilidades de

modificações constantes. Tomando o pluralismo participativo (FERRER, 2017) como

referência, contestamos a ideia de uma noção de resiliência substancial prévia, decorrente de

um mundo de natureza pré-dada, que é percebida de maneira diferente pelas várias culturas

humanas. A resiliência se desenvolve de forma cocriativa em múltiplas direções ontológicas.

Segundo Ferrer (2017, p. 75, tradução livre),

Essa postura está alinhada com o desafio de Viveiros de Castro (2014, 2015) da

superioridade do “mononaturalismo” científico, que reconhece diferentes

representações do mesmo mundo pregresso, sobre o “multinaturalismo” Ameríndio,

concebendo que diferentes encarnações e aparatos cognitivos trazem mundos

ontologicamente distintos. Em suas próprias palavras: “multinaturalismo não supõe

uma Coisa em si, parcialmente apreendida através de categorias de entendimento

próprias de cada espécie. […] O que existe na cultura não são essas entidades

autoidênticas percebidas diferentemente, mas multiplicidades imediatamente

relacionais [...]”.

Esta visão participativa integral do fenômeno da resiliência a concebe como um

processo gerativo que coemerge das relações de interdependência entre aspectos de cocriação

intrapessoais, cocriação interpessoais e cocriação transpessoais.

A cocriação intrapessoal consiste na participação colaborativa de todos os atributos

humanos — corpo, energia vital, coração, mente e consciência — na construção da

resiliência. Assim, nenhum atributo ou dimensão humana é intrinsecamente superior ou mais

evoluído que qualquer outro neste processo. Rompe-se com a tendência de considerar a

resiliência como um fenômeno meramente “psicológico”, dissociado, por exemplo, do corpo.

Este “Princípio da Equiprocidade” (FERRER, 2017) favorece pensarmos processos

formativos incorporados (FERREIRA, 2007) que levam em consideração as várias dimensões

do ser.

A cocriação interpessoal emerge das relações cooperativas entre os seres humanos

crescendo como pares no espírito de solidariedade, respeito mútuo e confronto construtivo.

Nesta perspectiva, a resiliência, partindo do “Princípio da Equipotencialidade” (FERRER,

2017), segundo o qual “somos todos professores e estudantes” ao mesmo tempo, pois temos

formas distintas de saberes que se reconfiguram no contato com o outro, põe a relação no

centro dos processos de ensino-aprendizagem. Isto os permite pensar que os processos de

promoção de resiliência dão-se em mão dupla, ideia fundamental para a educação de jovens.

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Cocriação interpessoal pode dar-se no contato com ambientes ou situações educativos,

valores e energias sutis ou forças arquetípicas que podem ser incorporadas na psique e que

tornam o processo formativo participativo e intrinsecamente relacional.

A Cocriação transpessoal no processo de resiliência refere-se à interação dinâmica

entre seres humanos encarnados e a transcendência (FERREIRA et al., 2016) no surgimento

de insights, práticas, estados mentais e mundos.

Esta dimensão é fundamentada no “Princípio da Equipluralidade”, segundo o qual

pode potencialmente haver múltiplas enacções (VARELA; THOMPSO; ROSCH, 2003) de

resiliência, desde que sejam, no entanto, igualmente holísticas e emancipatórias.

A cocriação transpessoal da resiliência afirma a importância de estar aberto à

espiritualidade e faz da promoção de resiliência integral um processo eminentemente ético-

espiritual que estimula o desenvolvimento de autoridade existencial interior, afirmação do

direito de inquirir, coragem herética e enactiva e perspectivas de aprendizagens criativas.

Na cocriação da resiliência integral, estas três dimensões são inter-relacionadas e

estabelecem, respectivamente, processos de promoção de resiliência como corporificada

(intrapessoal), relacional (interpessoal) e enactiva (transpessoal).

Esse é um caminho que pode viabilizar a formação humana em diversas dimensões,

desenvolvendo a força interior, que habilita o sujeito a superar dificuldades e possibilita o

bem-estar e uma qualidade de vida.

Esse caminho que percorremos, tornar-se-á mais claro com o entendimento da

abordagem integral, que por vezes será visitada e olhada através da teoria do reconhecimento

e do sofrimento docente, que nos debruçaremos no próximo capítulo.

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3 SER DOCENTE: quando um só não dá conta de me fazer acreditar que não é preciso

sofrer tanto

O Grande Ninho do Ser

A realidade é uma série de ninhos,

dentro de ninhos,

dentro de ninhos,

abrangendo desde a matéria

até o espírito,

com o resultado de que

todos os seres e todos os níveis são,

finalmente,

envoltos no abraço penetrante e amoroso

de um Espírito sempre presente.

Ken Wilber

Conhecimento verdadeiro de si

Próprio só é dado ao ser humano

Quando ele desenvolve interesse

Afetuoso para com os outros;

Conhecimento verdadeiro do mundo,

O ser humano só alcança quando

Ele procura compreender seu próprio ser.

Rudolf Steiner

As experiências docentes que pude vivenciar ao longo da minha jornada me fizeram

adentrar o campo desta pesquisa em especial, pois para mim docência não combina ou não

deveria estar atrelada a sofrimento, angústia, tristeza, adoecimento, como estamos

presenciando nos últimos tempos.

O que faz essa arte da troca e construção de saberes um lugar onde poucos querem

habitar, que tem gerado medo, angústia, aversão quanto à sua prática? Educar para quem?

Essa é uma busca que deveria mobilizar nossos seres e gerar verdadeiras transformações.

Esse capítulo vai tratar uma tentativa de convergência, um caminho onde Wilber, com

sua abordagem integral, vai nos guiar, e Honneth, com a teoria do reconhecimento, vai apoiar

em busca de novas formas de enfrentamento das adversidades, afinal elas sempre existirão.

Wilber com toda sua teoria pareceu-me em algum momento não responder todos os

questionamentos, então busquei esse alento em Honneth, que para minha surpresa estava

contido na abordagem integral, só que em uma outra formatação. Mas o diálogo entre essas

perspectivas só favoreceu a ideia de que há possibilidades de transformar o modo como nos

portamos diante das dificuldades, olhar para elas com generosidade, inteireza e no modo real,

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sem expectativas fantásticas e salvacionistas. Saber que o não ter saída é uma saída, uma

resolução. Reconhecer seus limites é uma forma saudável de lidar com as adversidades, sem

criar mais dor e sofrimento que o existente.

Nosso intuito foi explicitar a abordagem integral de Ken Wilber, seus elementos e

aspectos, fazendo uma leitura na ótica da resiliência e educação, apoiada pela teoria de Axel

Honneth, numa complementaridade, se assim podemos chamar, da teoria wilberiana e como

as duas podem mostrar caminhos resilientes para o ser do(c)ente em formação.

3.1 KEN WILBER E SUA PERSPECTIVA INTEGRAL: um debruçar-se sobre possibilidades

Figura 5 – Integralidade

Fonte: Pinterest, 2010

Ken Wilber (2006), filósofo norte-americano, propõe um modelo que nos ajuda a

enxergarmos nós mesmos e o mundo que nos cerca de modo mais eficaz e abrangente. Wilber

é fundador dos chamados “estudos integrais” e tornou-se um dos pensadores mais influentes

da contemporaneidade ao desenvolver uma teoria que busca englobar os princípios

fundamentais de todas as grandes tradições espirituais, filosóficas, científicas e psicológicas

do Oriente e do Ocidente, esboçando um modelo integrativo que se empenha em levar em

conta e em aceitar cada aspecto legítimo da consciência humana.

O pensamento integral de Ken Wilber representa um passo à frente, tanto em relação

ao movimento holístico neoplatônico (e a metafísica das formas ideais) e neohegeliano (que

generaliza tudo em nome do todo) da Nova Era, quanto do pluralismo relativista

intersubjetivo dos pensadores pós-modernos (sejam eles acadêmicos ou esotéricos). O ponto

de partida de Ken Wilber é a necessidade de um único modelo teórico que dê conta de todos

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os fenômenos: a teoria de tudo, porém, de uma perspectiva diferente das dos físicos, que, na

verdade, aspiram a construir uma “teoria do todo” monológica e não uma teoria de tudo,

capaz de descer a cada domínio específico do conhecimento humano sem perder a visão de

conjunto.

A partir desta ideia, Wilber (2006a) relata que o nosso grande desafio é integrar a

ciência e a religião, verdade e sentido respectivamente, duas forças enormes que guerreiam

pelo domínio do mundo: a primeira representada pela ciência e a segunda pelas religiões

pautadas no misticismo e no dogmatismo, as quais mantêm padrões semelhantes às pré-

modernas, estando, assim, os seres humanos cada vez mais distantes, mais imersos nas

dimensões exteriores destas “verdades”, ignorando quase que completamente as necessidades

inerentes às camadas mais internas do ser como afeto, autoconhecimento, empatia,

compaixão, bondade, generosidade, etc.

Wilber (2007a) relaciona, assim, os campos do conhecimento humano: o eu com o

Estético, com a Beleza; o Nós com o Ético, com a Bondade; o Ele com a Ciência, com a

Verdade. Nesse sentido, para ser integral, é necessário distinguir essas dimensões, porém, não

as dissociando, mas incluindo-as e transcendendo-as.

Para Wilber (2007a), não há um único universo subdivido em partes conexas nem uma

complexidade múltipla sem totalização ou síntese possível, mas um Kosmo (com k, em uma

referência à noção dos gregos) formado por vários hólons (todos-partes) hierarquizados, com

uma totalidade sendo parte de outra totalidade em uma escala superior: hólon atômico, hólon

molecular, hólon orgânico, hólon planetário. A essas hierarquias sistêmicas, Wilber chama

'Holarquias e, ao conjunto dessas redes ontológicas, a Grande Cadeia do Ser e do Saber ou

Grande Ninho do Ser. Para cartografar as holarquias, Wilber elabora um complexo castelo de

conceitos, cruzando várias teorias e abordagens de diferentes domínios. É um modelo

complexo que combina diferentes teorias e outros modelos. Wilber o considera um mapa e

lembra que “não devemos confundir o mapa com o território”, que o modelo é apenas uma

tentativa de enquadrar e pensar a realidade, uma fisicalidade complexa, que sempre nos

escapa.

Cada um dos níveis mais elevados do Grande Ninho, embora contenha os seus

menores, possui qualidades emergentes não encontradas no nível secundário. Dessa

forma, o corpo vital animal contém a matéria em sua composição, mas também

acrescenta as sensações, sentimentos e emoções, que não são encontrados nas

pedras. Enquanto a mente humana contém emoções corporais em sua composição,

também acrescenta faculdades cognitivas mais elevadas, como razão e lógica, que

não são encontradas nas plantas ou em outros animais. E, enquanto a alma contém a

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mente em sua composição, ela também acrescenta cognições e afetos, como

iluminação e visão arquetípicas, não encontradas na mente racional. E assim por

diante. (WILBER, 2006, p. 15 – itálico no original)

Uma cadeia composta por uma infinidade de elos continuamente interligados por uma

lógica de gradativa complexificação, partindo de estruturas mais abrangentes, abarcam as

menos abrangentes em movimento de “transcendência e inclusão” (WILBER, 2006, p.14).

A tentativa de compreender uma maneira de progredir sem romper com as esferas

menos complexas, mas sim englobá-las e incluí-las, fez com que Wilber (2006) considerasse a

denominação de Grande Ninho do Ser ou Grande Cadeia do Ser como uma apropriada

representação da realidade, somando os menos complexos em cinco níveis de gradação, desde

a matéria que possibilita a manifestação da vida (Biologia), passando pela mente que nos

torna autoconsciente (Psicologia) e pela alma que clama por sentido (Teologia) até a dimensão

da qual partem as causas de todas as coisas, o espírito (Misticismo).

Figura 6 – A Grande Cadeia do Ser

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/IntegralTheory#AQALTheory.E2.80.93Lines

Segundo Wilber (2000, p. 33), “O Grande Ninho é na verdade uma grande holarquia

do ser e do conhecer: níveis de realidade e níveis de conhecimento [...]”. Assim, os problemas

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do ser estariam submetidos à ontologia, enquanto os problemas relacionados ao conhecer

ficariam no domínio da epistemologia.

Oferta um aspecto de complementaridade, numa proposta de integração entre as visões

sensorial, introspectiva, racional e contemplativa do conhecimento, fugindo das concepções

que utilizam apenas algumas dessas visões para geração de conhecimento, negando ou

negligenciando as outras.

Segundo Röhr (2007), a dissociação total da ciência dos outros níveis da Cadeia do

Ser, como a mente sutil, a alma (sentimentos e emoções) e o espírito, fez com que os homens

se distanciassem da sua diferenciação mais integradora: seu próprio processo de humanização

em busca da plenitude, o qual não pode se dar com anulação de esferas mais sutis do Ser.

Diante da abrangência do seu pensamento, Wilber (2007), incansável pesquisador,

ampliou sua teoria e criou um Sistema Operacional Integral (SOI), que tem como proposta a

superação de visões parciais e fragmentadas com uma forma mais inclusiva e abrangente de

estudar, pesquisar e compreender todas as áreas do conhecimento. A filosofia de Wilber, de

um certo modo, reeduca a nossa percepção na medida em que guia o nosso olhar para setores

internos e externos de uma realidade, setores coletivos e individuais, além de considerar

estados de alma em tipos diferentes de pessoas humanas.

Pensar desta forma é considerar a integralidade, pois o fato de não a considerar leva o

mundo subjetivo e interior (a consciência, a percepção, a mente, a psique, a ideia e o

idealismo), parecer estar em desacordo com a descrição objetiva e exterior do mundo (o

biofísico, o cérebro, a natureza, o empírico, o material e o materialismo).

O castelo ao qual Wilber se refere é o que ele mesmo nomeia como o Mapa Integral ou

Sistema Operacional Integral (SOI), parte de cinco elementos/ingredientes básicos e

acessíveis à nossa percepção racional: quadrantes, estados, níveis (estágios), linhas e tipos.

Não são meros elementos conceituados teoricamente, e sim aspectos da própria experiência,

além de serem contornos da consciência humana.

O Sistema Operacional Integral possibilita a cada um desses domínios comunicar-se

com os outros. Se usam esse sistema operacional, os negócios dispõem da

terminologia com a qual se comunicam plenamente com a ecologia, que pode se

comunicar com as artes, por sua vez, podem se comunicar com o direito, e esses

com a poesia, a educação, a medicina e a espiritualidade. Na história da humanidade

isso nunca aconteceu antes. Usando a Abordagem Integral – usando um Mapa

Integral ou Sistema Operacional Integral – podemos facilitar e acelerar

drasticamente o conhecimento interdisciplinar e transdisciplinar, criando com isso a

primeira verdadeira comunidade de aprendizagem integral. (WILBER, 2010, p. 19-

20)

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Os elementos propostos na abordagem integral de Ken Wilber (2007) são cinco: níveis

de desenvolvimento, estados, linhas, tipos e os quatro quadrantes, que têm por objetivo ajudar

e orientar a jornada de descoberta e despertar da consciência. No entrelace com a resiliência, a

abordagem integral pode nos embasar para uma ideia construtiva de lógica mais ampliada,

abrangente, onde não nos focamos apenas na adversidade e sim na constituição do sujeito, nas

suas relações, cultura e sistemas nos quais está inserido. A lente da abordagem integral

permite ver, reconhecer os diversos emaranhados que não são em momento algum

excludentes ou limitantes, onde todos os elementos da abordagem se fazem presentes,

pertencentes e necessários para este olhar que assumimos como resiliência integral.

A seguir faremos um breve relato sobre cada um dos elementos pertencentes ao mapa,

a fim de torná-los mais compreensíveis e acessíveis a todos.

3.1.1 Níveis ou Estágios de desenvolvimento

O nível pode ser chamado também de estrutura, onda e estágio, porém existe uma

diferença entre esses termos. Cada nível é um tipo de organização qualitativamente único, e

vários níveis formam uma holarquia; a estrutura é o que cada nível tem, é o padrão que o nível

possui, é a sua arquitetura; a onda diz respeito a uma característica dos níveis que é a sua

fluidez e interligação entre eles, a denominação enfatiza que não há rigidez nem linearidade

estanque entre os níveis; já os estágios são por onde emergem os níveis, é o desdobramento

sequencial dos níveis (WILBER, 2007b, 2011).

Níveis ou estágios de desenvolvimento trazem a ideia de que cada estágio representa

um nível de organização ou um nível de complexidade. Para exemplificar, podemos perceber

a figura abaixo e ver que cada fase envolve a outra, aumentando o grau de complexidade.

Figura 7 – Níveis

Fonte: Blog Aqal, 2014

Física

Emocional

Mental

Sutil

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Para Cardoso e Ferrer (2014), a camada Causal/Sutil — essência, significado mais

profundo, orientação última ou ulterior —, mais profunda e interior, é experienciada no

indivíduo como significado; pelas relações é experienciada como propósito compartilhado

e pela organização como visão; e todas as três são diferentes expressões do propósito maior

ou missão da organização.

A camada intermediária Mental é experienciada no indivíduo como Modelo Mental;

nas relações como relações de poder; e na organização como estratégias.

A camada Emocional é experienciada pelo indivíduo como Motivação Intrínseca; nas

relações como Vínculos Afetivos; e na organização como Execução das ações.

A camada Física, mais exterior e aparente, é experienciada pelo indivíduo como

performance e comportamento; pelas relações como Inteligência Coletiva, Símbolos e Ritos; e

pela organização como Resultados Econômicos, Sociais, Ambientais e os Sistemas.

De acordo com a maior parte dos modelos de desenvolvimento, a partir do

nascimento os seres humanos passam por uma série de estágios ou ondas de

crescimento e desenvolvimento. Os estágios inferiores, iniciais, juniores, são visões

de mundo parciais e fragmentadas, enquanto os estágios superiores são integrados,

abrangentes e genuinamente holísticos. Por isso, os estágios iniciais são muitas

vezes chamados de “primeira camada” e os estágios superiores de “segunda

camada.” (WILBER et al., 2011, p. 13)

A conceituação de nível não significa uma separação de maneira rígida ou excludente,

mas que existem importantes qualidades emergentes que tendem a surgir de formas diversas,

sendo os estágios / níveis de desenvolvimento aspectos importantes de muitos fenômenos

naturais.

Separar em estágios é uma forma de apresentação da consciência do desdobramento

do corpo até à mente, a relação da mente com o espírito, onde cada um deles é tido como um

estágio, onda ou nível de desdobramento, atenção e consciência, passando do egocêntrico para

etnocêntrico e depois para globocêntrico (relação com o todo). Então, podemos resumir

níveis como:

[...] estruturas de ordem superior que emergem à medida que a evolução penetra em

nossos territórios. Essas estruturas refletem altitudes de consciência (como

egocêntrico, etnocêntrico, mundicêntrico). Às vezes chamados de estágios ou ondas

de desenvolvimento. (WILBER et al., 2011, p. 92)

Se faz importante a compreensão de que os estágios significam marcos progressivos e

permanentes do caminho evolutivo, desenvolvimental. Não interessa se são classificados

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pelos estágios de consciência, fase de energia, fases da cultura, fases de realização espiritual,

estágios de desenvolvimento moral; o que de fato interessa é ter sempre em mente que são

degraus importantes e condutores no desenrolar dos potenciais, de forma mais profunda e

ampla.

A relação com a educação, quando consideramos os estágios e sua integração, se dá

como um marco progressivo no desenvolvimento. Acessar os significados mais elevados da

educação, seus valores e finalidades possibilita uma atuação de mais rica e criativa nas

questões educacionais.

3.1.2 Estados

Figura 8 – Estados

Fonte: Blog Aqal, 2014

Os estados de consciência estão relacionados às realidades subjetivas, que podem ser

os estados acordado, sonhando ou em sono profundo. Outros estados podem surgir das

inúmeras vivências humanas, tais como estados meditativos e contemplativos, através de

prática de yoga e oração; estados alterados de consciência, normalmente por uso de drogas; e

estados de pico desencadeados “por experiências intensas como fazer amor, andar na natureza

ou ouvir uma boa música” (WILBER, 2007a, p. 28).

Segundo o autor, “esses estados costumam propiciar motivação, sentido e impulsos

profundos tanto a você mesmo como a outras pessoas” (WILBER, 2008, p.29), como

momentos de absoluta concentração, nos quais através de insight encontramos a solução

desejada para um problema, ou ainda quando compreendemos em profundidade

circunstâncias constrangedoras que exigem de nós um processo de aceitação tal que nos

oportuniza considerar dimensões mais amplas e complexas da convivência humana.

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Uma das características dos estados, conforme Wilber (2007a), é sua temporalidade,

abrindo as portas para a percepção, enquanto os estágios ou níveis são permanentes, pois

resultam de um processo de adoção consciente e livre.

Os estados vão e vêm como flashes temporários de experiência fugaz. Podemos

experimentar estados emocionais, mentais ou espirituais a qualquer momento, e todo

mundo percorre diariamente estados de vigília, sonho e sono profundo. (WILBER et

al., 2011, p. 142)

Para o autor, grandes tradições de sabedoria espiritual (cristianismo, hinduísmo,

budismo e o judaísmo) acreditam que os estados naturais de consciência — vigília, sonho e

sono profundo — contêm um tesouro de sabedoria e despertar espiritual, caso usados

corretamente. Apesar disso, estão presentes em um nível bem mais simples, no qual os

sujeitos experimentam vários tipos de estado de consciência.

O sujeito pode enfrentar diversos estados, como alegria, tristeza, entusiasmo,

curiosidade, no mesmo dia, podendo vivenciar estados de diversas formas nas várias

dimensões do “EU”, do “NÓS”, do “ISTO” e do “ISTOS”, como apresentado no quadro

abaixo:

Quadro 1 – Estados

DIMENSÕES ESTADOS

EU Estados emocionais, estados meditativos, estados criativos,

estados fluentes.

NÓS

Estados interpessoais/relacionamento, estados de sentido

compartilhado, estados de emoções compartilhadas, estados de

comunicação.

ISTO Estado de desempenho de pico, estados cerebrais, estados

biológicos (por exemplo, saúde, doença).

ISTOS Estados econômicos, estados políticos, estados climáticos,

estados de guerra. Fonte: Adaptado de WILBER et al., 2011, p. 123

Os estados, em algumas situações particulares, não são tratados como fatores

importantes, porém há situações em que eles podem ser determinantes; nesta abordagem não

são descartados devido a uma solicitação de verificar as realidades subjetivas que podem ser

atingidas.

As realidades subjetivas são potencialmente importantes para a educação e a

resiliência, pois refletem experiências pessoais dos docentes, seus processos e as

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adversidades, a partir da produção de significados e interpretações das práticas, atividades

desenvolvidas na docência, bem como na sua vida, estando relacionadas aos fatores

psicológicos, cognitivos, emocionais, às vontades do sujeito e como tudo isso impacta no seu

desenvolvimento e nas relações estabelecidas com o meio.

As práticas de promoção de resiliência acontecem no estado de vigília, não

descartamos os demais estados e suas influências sobre os valores pessoais, intenções e os

significados produzidos pelos docentes. Com isso, podemos dizer que é algo que acontece

prioritariamente no quadrante superior esquerdo — interior e individual —, porém repercute

nos demais quadrantes9, afetando as relações, a cultura, o social, os sistemas e os

comportamentos dos grupos.

3.1.3 Linhas

Figura 9 – Linhas

Fonte: Blog Aqal, 2014

Podemos considerar que as linhas são sinuosas e não trilhos retos, fluídas nas ondas,

por isso são chamadas também de correntezas ou correntes de desenvolvimento. Lima (2014)

relata que o conceito de linhas foi difundido por Howard Gardner como inteligências

múltiplas: inteligência emocional (interpessoal, intrapessoal), cinestésica, linguística, espacial,

matemática, musical, naturalista. Todavia, além destas, existem a linha cognitiva, as linhas

relacionadas ao eu, linhas de desenvolvimento espiritual (solicitude, sinceridade, fé religiosa,

estágios meditativos) e a estética.

A linha cognitiva é fundamental, mas não suficiente para o crescimento das outras

linhas. Precisamos saber sobre alguma coisa para que possamos agir sobre ela, e a linha

cognitiva fornece a capacidade de assumirmos perspectivas. No desenvolvimento das linhas,

há uma correlação clara com os níveis, mas também com os estados.

9 Iremos tratar com mais detalhes dessas relações adiante.

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Você já observou alguma vez como o desenvolvimento de praticamente todos nós é

desigual? Algumas pessoas são altamente desenvolvidas, por exemplo, em termos de

pensamento lógico, mas emocionalmente subdesenvolvidas. Certas pessoas têm um

desenvolvimento cognitivo extremamente avançado (são muito sagazes), mas têm

um desenvolvimento moral baixo (são más e inescrupulosas). Existem pessoas com

uma excelente inteligência emocional, mas que não conseguem somar dois mais

dois. (WILBER, 2007b, p. 37)

Wilber (2007b) vai nos dizer que as linhas referem-se à desigualdade de níveis de

desenvolvimento que os sujeitos alcançam em diferentes inteligências. Temos, assim, que um

sujeito pode ser altamente desenvolvido no pensamento lógico, porém pouco desenvolvido

em relação aos sentimentos emocionais. É comum na maioria das pessoas um destaque em

uma área, deixando as outras áreas um pouco aquém. Isso de todo não é ruim, pois ter uma

área de destaque é parte integrante da sabedoria, podendo, assim, saber quais os seus dons

mais profundos possíveis de serem oferecidos ao mundo.

Deve-se ampliar a consciência dos pontos fortes e das inteligências que são destaques,

assim como ter clareza das fraquezas a fim de indicar o que precisa melhorar, o que conduz às

múltiplas inteligências ou linhas de desenvolvimento, as quais seguem explicitadas abaixo.

Quadro 2 – Inteligências múltiplas

INTELIGÊNCIA CARACTERÍSTICA

Cognitiva

Capacidade de analisar logicamente os problemas, realizar operações

matemáticas e investigar questões cientificamente, detectar padrões,

usar a razão dedutiva e lógica. É a inteligência associada ao pensamento

científico e matemático com maior frequência.

Interpessoal

Capacidade de entender as intenções, motivações e desejos das outras

pessoas. Permite trabalhar de forma eficaz com os outros. Está ligada à

capacidade de relacionar-se.

Moral Está ligada às regras, comportamentos, atitudes que regem as virtudes

da vida humana e de qualquer ser vivo e do mundo em que vivem.

Emocional

Capacidade de monitorar as próprias emoções e as de outras pessoas,

diferenciando-as e identificando-as de forma adequada, utilizando essa

informação emocional para guiar o pensamento e o comportamento.

Estética

Preocupação com julgamento de valor a partir das percepções

sensoriais, identificação e comunicação dos valores éticos como

componente integral, fornecendo base para um significado comum ao

grupo. Fonte: Wilber (2007b), Goleman (2004) e Gardner (2011)

O crescimento de cada inteligência pode se dar por meio dos três estágios de

desenvolvimento, já apresentados.

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Podemos fazer uma relação entre as linhas de desenvolvimento e os processos de

promoção de resiliência como algo ao longo do tempo, através do aumento de complexidade,

maturidade e habilidade. Significando ampliar a inteligência cognitiva para investigar

cientificamente as adversidades, entendo as intenções, motivações que as permeiam. Este

desenvolvimento utiliza a inteligência emocional para monitorar as emoções dos sujeitos,

auxiliando e guiando pensamentos e comportamentos.

Promoção de resiliência pode se desenvolver na linha da inteligência moral à medida

que aumenta a preocupação com as regras e com elas afetam o indivíduo, o comportamento e

atitudes que regem as virtudes da vida e como estas se fazem presentificadas no sujeito, o

quanto isso afeta e de que forma.

3.1.4 Tipos

Figura 10 – Tipos

Fonte: Blog Aqal, 2014

O próximo componente do Mapa Integral é simples: cada um dos componentes

anteriores tem um tipo masculino ou feminino, por exemplo. Com tipos, Wilber (2007a) se

refere a aspectos que podem estar presentes em praticamente todos os estágios ou estados.

Podemos ser um dos tipos em qualquer estágio de desenvolvimento. São as chamadas

"tipologias horizontais" (tipos junguianos, Eneagrama, Myers-Briggsetc), que, diferentemente

dos estágios ou níveis "verticais" — estágios universais —, ressaltam algumas orientações

possíveis de serem encontradas ou não nos indivíduos (nem todos se ajustam a uma

determinada tipologia, mas todos atravessam as ondas básicas da consciência).

Os tipos referem-se à evolução e são frequentemente representados como estilos ou

tipologias que simbolizam traços permanentes (por exemplo, tipos sanguíneos, tipos

corporais). As tipologias são abundantes e representam diferenças individuais inatas no

processamento mental e nas percepções, como as pessoas veem e se relacionam com o

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mundo. Pertencer a um tipo significa que os indivíduos compartilham atitudes e disposições,

empregam diferentes lógicas (aspecto ou voz) e mantêm diferentes orientações. Tipos são

muito estáveis, resistentes e duradouros traços do comportamento humano. Wilber (2007a) e

outros afirmaram que o tipo mais prevalente é a voz masculina ou feminina ou aspecto (tipos

de gênero). As pessoas costumam usar o termo orientação sexual. Indivíduos falam sobre

sistemas de parentesco. Os estudiosos se referem aos tipos de regime governamental. Tipo

dinâmica direta e sutilmente afeta as relações das pessoas uns com os outros, portanto, afeta

seu desenvolvimento, progressão e crescimento. Nem todas as diferenças são verticais, ou de

desenvolvimento. Duas coisas podem ser radicalmente dessemelhantes entre si sem que uma

seja superior ou inferior à outra (WILBER et al., 2011, p. 127).

Tanto os homens quanto as mulheres se desenvolvem seguindo as mesmas etapas,

apenas com vozes diferentes. De acordo com Wilber (2003), ao longo da onda de crescimento,

os homens dão ênfase à ação, à autonomia, à abstração, ao direito e à justiça, e seu julgamento

é a partir do raciocínio classificatório e hierárquico; já as mulheres dão ênfase à comunhão, à

responsabilidade, à consideração, tendem a ser mais permeáveis e sentimentais, sendo seu

julgamento feito através de raciocínio conectivo e relacional. Não obstante, no final, as duas

vozes, a feminina e a masculina, se integram em uníssono e assim as duas tendências

constituirão o ser independente do tipo.

3.1.5 Quadrantes

Figura 11 – Quadrantes

Fonte: Blog Aqal, 2014

A teoria AQAL propõe quatro quadrantes, cada um dele inclui progressão,

desenvolvimento, crescimento e evolução (WILBER, 2007a). Esta é a parte AQ do AQAL

(todos os quadrantes). Wilber usou o quadrante como conceito organizacional e integrador de

sua teoria. Quadrante é outra palavra para dimensão ou perspectiva.

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Figura 12 – Os Quatro Quadrantes

Fonte: politicamenteintegral.wordpress.com, 2016

Partimos da figura acima dos quatro quadrantes — dois superiores (EU e ISTO) e dois

inferiores (NÓS e ISTOS), dois representando aspectos exteriores (à direita – ISTO/ELE e

ISTOS/ELES) e dois interiores (à esquerda – EU e NÓS).

Esses quadrantes representam quatro perspectivas /olhares fundamentais presentes em

qualquer situação. Segundo Wilber (2007a, p. 87),

O assunto é que cada ser humano tem um aspecto subjetivo (sinceridade,

honestidade), um aspecto objetivo (verdade, correspondência), um aspecto

intersubjetivo (significado culturalmente construído, imparcialidade, correção) e um

aspecto interobjetivo (encaixe funcional e de sistemas), e nossas diferentes asserções

de conhecimento estão fundamentadas nessas esferas reais. E, assim, sempre que

tentamos negar quaisquer dessas insistentes esferas, simplesmente terminamos, mais

cedo ou mais tarde, por infiltrá-las na nossa filosofia, de um modo oculto e não

reconhecido [...].

Didaticamente, podem-se representar estes aspectos citados por Wilber (2007a) por

meio dos quadrantes, cuja distribuição apresenta as dimensões sintéticas que consistem em o

sujeito.

O QUADRANTE SUPERIOR ESQUERDO (QSE) cobre os aspectos interiores

individuais da consciência humana, como estudado pela parapsicologia, psicologia do

desenvolvimento, tanto na sua forma convencional quanto contemplativa. O QSE é a

perspectiva do “eu” ou a subjetividade, a respeito do que encontramos os estudos da

consciência humana de Buda a Freud. Esse quadrante pode ser apenas alcançado por meio do

diálogo ou da introspecção, não estando disponível diretamente aos sentidos.

Segundo Lima (2014), está relacionado a aspectos individuais interiores, consciência,

realidades subjetivas que existem dentro de cada situação específica, o espaço “Eu”. Esse

quadrante se refere à ideia, pensamentos, opiniões que temos sobre cada fenômeno, seu

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significado, seus símbolos e imagens. Representa as motivações, visões, valores, visão de

mundo e filosofia de vida. É o invisível para os outros.

Essa dimensão é aquela em que o sujeito vivencia a experiência dentro de si mesmo,

na dimensão do Eu, que é a dimensão espiritual e estética; e essa garante o crescimento

individual por meio das múltiplas fases de desenvolvimento, que vão do pré-pessoal ao

pessoal e ao transpessoal. Esse é o campo da sensibilidade, do pensar filosófico, da

espiritualidade, da introspecção psicológica, da criação artística e da percepção estética

(ANDRADE, 2011).

O QUADRANTE SUPERIOR DIREITO (QSD) cobre os aspectos exteriores-

individuais da consciência humana, como estudado pela neurologia e ciência cognitiva. Essa

dimensão expressa as nossas experiências individuais internas, através das manifestações do

nosso corpo, dos nossos sistemas fisiológicos (nervoso, circulatório, respiratório) e do nosso

comportamento psicossocial. São elementos que podem ser estudados objetivamente, via os

meios de mensuração. É o campo do Ele/Isto individual e comportamental.

Para Lima (2014), revela o exterior individual, o organismo, a base biológica e os

comportamentos observáveis, é o olhar de fora da situação: o espaço “Isto”. Representa o

corpo físico grosseiro, mas também o corpo sutil e o corpo causal. Ele reflete a forma objetiva

do quadrante superior esquerdo, assim o superior esquerdo e o direito estão intimamente

relacionados, o primeiro é o olhar subjetivo e o segundo o olhar objetivo do fenômeno.

Esse é o campo da fisiologia, da anatomia, da neurofisiologia, das ciências

comportamentais em geral. Essa é uma dimensão até então privilegiada pelas pesquisas na

área da formação dos educadores, por ser objetiva e facilitar as generalizações (ANDRADE,

2011).

O QUADRANTE INFERIOR ESQUERDO (QIE) cobre os aspectos interiores da

consciência humana, como estudado pelas ciências da cultura, da antropologia, da

hermenêutica e de etnometodologia. Nesse quadrante, busco o “nós”, ou a cultura, o aspecto

subjetivo da coletividade. É nesse quadrante que o sujeito experiencia sua comunidade, os

valores e os sentimentos de viver e conviver com o outro e com os outros, numa cultura e com

valores comuns, que dirigem a sua própria vida.

Este quadrante como afirma Lima (2014) faz referência à cultura em que estamos

imersos, destaca, dessa maneira, a cultura, a nossa vivência com o mundo, a consciência

grupal, a percepção subjetiva coletiva — a intersubjetiva — os valores comuns, os

sentimentos compartilhados, o espaço “Nós”. Os aspectos do quadrante superior esquerdo só

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fazem sentido dentro de uma bagagem cultural que perpassa a situação, que influencia nossas

percepções e, em algumas ocasiões, de maneira tão sutil, que não a percebemos.

É a dimensão do Nós, de nossa experiência, que se faz presente na formação e na

vivência da ética e da moral. Essa dimensão está relacionada com as demais, num movimento

de complementaridade. Resgatar essa dimensão na formação dos educadores é encontrar

nossa própria identidade cultural (ANDRADE, 2011).

O QUADRANTE INFERIOR DIREITO (QID) cobre os aspectos exteriores coletivos

da consciência humana, como estudado pela sociologia. Essa dimensão refere-se às relações

sistêmicas que constituem a vida, através das relações interobjetivas; às múltiplas relações que

agem e reagem entre si, constituindo sistemas de elementos e variáveis que determinam

dialeticamente um modo de ser e de viver. É o campo do Ele/ Istos coletivo, que pode ser

estudado, também, objetivamente, sob a ótica do funcionamento dos sistemas. Campo de

interesse da sociologia, da história social, da política, das abordagens sistêmicas em geral

(ANDRADE, 2011)

Refere-se à dimensão social, ao exterior coletivo, aos comportamentos externos do

grupo, estruturas físicas e instituições; estruturas sociais; os comportamentos observados

desde o exterior para o conjunto da humanidade, a natureza e o meio ambiente, o espaço

“Istos”.

Assim, tomo um “todo/parte” ou hólon dos quadrantes para estudar a resiliência e o

reconhecimento nos/dos educadores nos quatro quadrantes: a) a pessoa (a história de vida

individual do educador) e os papéis que desempenha (homem, mulher, mãe, filho, educador,

educadora, trabalhador, etc.), no QSE; b) o aspecto genético, parapsicológico e a estrutura

hereditária, no QSD; c) a relação do educador x instituição em seus diferentes aspectos, no

QIE; e, finalmente, d) as relações econômicas, políticas e sociais da formação e atuação, no

QID. O quadrante representado pelo todo/parte representa-se num movimento quântico de ida

e volta ao real, com considerações sempre provisórias e incertas. Uma ideia de

multidimensionalidade e integralidade surge a partir da visão geral das análises e dos

quadrantes, visto que tomamos o sujeito como um todo.

Essa perspectiva quádrupla, ou perspectiva integral, reduz bastante a possibilidade de

enfoques reducionistas. No entanto, “há dois erros que podemos cometer em relação ao QSE.

Um é torná-lo absoluto, por enfatizar que a formação pode ser reduzida ao domínio de

conteúdos e das técnicas para transmiti-los; e o outro, por negá-los. A modernidade comete o

primeiro; a pós-modernidade, o segundo” (WILBER, 2007a, p. 212).

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Resumindo, os quadrantes representam o interior e exterior de um indivíduo

isoladamente e deste nas suas experiências com o coletivo interior e exterior.

Figura 13 – Hólon dos quadrantes

Fonte: Wilber (2008), adaptado por Raynsford (2009)

Tanto Wilber (2000) como Röhr (2006) indicam que essas dimensões não constituem

uma série de estágios lineares e monolíticos, que se sucedem à maneira de uma escada.

Segundo Ferreira (2007), o primeiro autor indica a presença de diversas linhas ou correntes de

desenvolvimento — tais como emoções, necessidades, auto identidade, moral, realizações

espirituais [...] — “todas elas avançando no seu próprio compasso, à sua própria maneira,

com a sua própria dinâmica” (WILBER, 2000, p. 31). Por sua vez Röhr (2006, p. 17, negrito

no original) apresenta o aspecto dinâmico das dimensões através das “dimensões transversais

[...] relacional-social, a prático-laboral-profissional, a político-econômica, a

comunicativa, a sexual-libidinal e de gênero, a étnica, a estético-artística, a ética, a

místico-mágico-religiosa, a lúdica e a volitivo-impulsional-motivacional”.

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Ainda Ferreira (2007), aponta que nessa visão o processo formativo auxilia o desdobramento

das diversas dimensões, buscando favorecer ao educando uma maior compreensão do seu

nível de desenvolvimento, de forma a poder encontrar caminhos que o auxiliem no

fortalecimento das dimensões já presentes, na ampliação daquelas que se encontram pouco

desenvolvidas e nos cuidados para solucionar algum transtorno ocorrido ao longo do

desenvolvimento.

Na figura abaixo é possível termos uma visão geral da teoria AQAL de Wilber (2006).

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Fonte: Wilber (2006)

Figura 14 – Mapa Integral

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A possibilidade de achar padrões que conectam todos os elementos dispostos até aqui

é uma grande conquista da abordagem integral, sendo o objetivo final de qualquer um que use

essa teoria. São necessários padrões sinérgicos para resolver os problemas emergentes e

complexos do mundo, incluindo a desigual distribuição de riqueza e renda, injustiças,

desenvolvimento desigual, insegurança, conflito, agressão, insustentabilidade e as diversas

formas de vulnerabilidade.

Cada problema possui quatro dimensões ou perspectivas (quadrantes), portanto é

preciso recorrer a todos a fim de encontrar uma solução para o mesmo, respeitando a

integração dos níveis. Ao pensarmos na formação docente, podemos ver, por exemplo, o

problema da crescente do não reconhecimento/valorização profissional, que contém

dimensões do eu interior (ética e estima) (QSE), os altos índices de adoecimento (QSD), os

relacionamentos, divergências culturais (QIE), o sucateamento das instituições, salários de

péssima qualidade (QID). Dentro de cada um desses quadrantes estão os níveis de

desenvolvimento, incluindo estados, estágios, linhas e tipos.

Uma abordagem integral da prática move o ideal de integrar arte, moralidade e ciência

(os quatro quadrantes) em concreto, ações (Wilber, 2001a, 2007b). Esta integração implica

trazer todos os quatro quadrantes para cada situação de liderança, garantindo assim uma

verdadeira representação das complexidades globais existentes. As pessoas precisam da

ciência (ISTO e ISTOS), da arte (EU) e da moralidade (NÓS) para resolver os problemas

complexos e emergentes da humanidade.

Mesmo tendo noção da imensa complexidade da abordagem, por motivos já falados

incansavelmente aqui, fizemos uma escolha de usar uma lente diferente. Apoiamo-nos na

filosofia e pensamento de Axel Honneth, a teoria do reconhecimento, que é a tentativa de

construir uma teoria social de caráter normativo. Ele parte da proposição de que o conflito é

intrínseco tanto à formação da intersubjetividade como dos próprios sujeitos. Tal conflito não

é conduzido apenas pela lógica da autoconservação dos indivíduos. Trata-se, sobretudo, de

uma luta moral, visto que a organização da sociedade é pautada por obrigações intersubjetivas

(MARTINS, 2017).

Uma abordagem ou visão integral pressupõe que as pessoas tentam respeitar e

aprender com muitas e muitas perspectivas. A intenção é ser o mais abrangente, inclusivo e

atencioso possível, buscando a clareza da situação. Wilber (2007b) explicou que as pessoas

que buscam uma visão integral do mundo farão a varredura automática dos quatro quadrantes,

ajudando-os a mover seu pensamento para uma postura mais integral e inclusiva. Uma vez

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que Honneth vai nos dizer que a luta pelo reconhecimento se dá na luta pelos conflitos, uma

ideia integral faria com que os sujeitos pudessem pensar no outro, como em si mesmo, nessa

troca e respeito, gerando possibilidades de autonomia, autorrespeito, liberdade e

principalmente satisfação quanto às suas escolhas, caminhos, decisões.

As relações tornar-se-iam uma possibilidade de formação e constituição subjetiva de

seres autônomos, pois se acredita que todo ser humano nasce com uma tendência inata ao

desenvolvimento, que, para estabelecer-se, depende fundamentalmente do suporte de um

ambiente provedor da satisfação de suas necessidades básicas.

Ao pensarmos nisso e juntarmos com as ideias de Wilber, os cinco elementos

integrados da AQAL, onde tudo tem um significado, há lugar para tudo, não há certo e errado;

podemos falar que o reconhecimento seria fruto da compreensão mais profunda de todos os

quadrantes, ou melhor seria reconhecer as esferas as quais Honneth menciona em sua teoria:

amor, direito e solidariedade em cada quadrante, perpassados por estados, tipos, linhas e

níveis, num emaranhado teórico que nos permite olhar para o sujeito dentro de uma

consciência maior consigo, com outro, com o social e com tudo que constitui e favorece sua

condição de ser-no-mundo.

A provocação de Wilber conduz-nos a pensar, respeitar e tecer juntos aprendizados nos

diversos âmbitos:

• o interior e o exterior;

• o indivíduo, o grupo e o sistema;

• o corpo, a mente (intelecto), o espírito e a sombra (emoções reprimidas);

• as artes, as ciências e a moralidade;

• o ego (eu), o etno (nós) e o mundo (todos nós);

• nós mesmos, os outros e a natureza;

• a beleza, a bondade e a verdade;

• o grupo, a nação e o global; e

• o pessoal, o integrado e o transpessoal.

Para Ferreira (2010, p. 1), Wilber “[...] desenvolveu uma metodologia integrativa, e

não eclética, no estudo da consciência humana, conseguindo integrar em uma cartografia

harmônica as principais contribuições dos teóricos de diversas áreas do saber humano” e que

são imprescindíveis no entendimento da complexidade do homem e suas dimensões.

Honneth vem colaborar e intensificar a perspectiva da abordagem integral, a nossa

busca era mergulhar no reconhecimento como um viabilizador da promoção de resiliência,

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porém ele está tão associado à teoria de Wilber (pelo menos na nossa condução) que não

caberia colocá-lo em um outro lugar que não de uma lente poderosa e extremamente

importante contida no prisma wilberiano.

A seguir iremos destrinchar a teoria de Honneth, para nos fazermos compreendidos

quanto à escolha e por que a chamamos de lente poderosa contida na abordagem integral,

tecendo as possíveis relações entre ambas e o processo de formação humana.

Tentaremos tecer uma relação entre os quadrantes, o reconhecimento e a resiliência, e

a partir dessa perspectiva mostrar as reflexões contidas, na direção de uma formação humana

integral.

3.2 AXEL HONNETH E A TEORIA DO RECONHECIMENTO: uma lente poderosa

A figura mais proeminente dentre os teóricos da terceira geração de Frankfurt é Axel

Honneth. Os seus estudos concentram-se nas áreas da filosofia social, política e moral,

tratando, principalmente, da explicação teórica e crítico-normativa das relações de poder,

respeito e reconhecimento na sociedade atual.

Desenvolve sua teoria a partir de três modos de reconhecimento: o amor (dedicação

emotiva), o direito (respeito cognitivo) e a solidariedade (estima social), numa tentativa de

promover a analítica dos conflitos sociais e no mundo contemporâneo. A partir de uma

releitura ampliada de matriz hegeliana, a estrutura das relações abrange três dimensões

fundamentais da vida individual e coletiva: a dimensão do amor, correspondente à

constituição de uma autoconfiança individual; a dimensão do direito, associada à constituição

de um autorrespeito do indivíduo; e a dimensão da solidariedade, que corresponde à

constituição de autoestima individual. Nossa tentativa foi ampliar a(s) conexão(ões) entre a

abordagem integral, a teoria do reconhecimento e âmbito educacional e como são tecidas suas

relações.

3.2.1 Conhecendo a teoria do reconhecimento de Axel Honneth

A utilização dos termos “teoria crítica” e “Escola de Frankfurt”, segundo Matos

(2015), caracteriza o movimento intelectual, surgido em 1923, em Frankfurt, com a criação do

Instituto de Pesquisa Social (Institut für Sozialforschung), na busca de diferentes explicações

já ofertadas pela política e economia advindas do totalitarismo na sociedade.

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A teoria do reconhecimento se apresenta como um importante quadro conceitual para a

análise social desde as últimas décadas do século XX, contando, para isso, com contribuições

bastante originais, como Charles Taylor (2000) e Axel Honneth (2003), entre outros.

Em Honneth, a perspectiva teórica do reconhecimento se insere no rico contexto da

teoria crítica, surgida por volta de 1924, a partir dos trabalhos de renomados intelectuais como

Max Horkheimer, Felix Weil e Friendrich Pollock, entre outros pensadores que, desde as

primeiras décadas do século XX, deram importantes contribuições para a análise das relações

políticas, econômicas e sociais do mundo ocidental. Assim como no passado, os autores e

seus sucessores continuam sendo importantes fontes teóricas para a análise e compreensão da

realidade. Intelectuais como Patrícia Mattos (2006), Jessé Souza (2012), entre outros, a

utilizam em algumas de suas ricas discussões sobre a realidade brasileira.

Honneth, já era apontado como um dos herdeiros da teoria crítica, especificamente a

terceira geração desta linha teórica (NOBRE apud HONNETH, 2003, p. 10), o qual procurou

dar à teoria crítica um novo rumo na medida em que considerou a luta por reconhecimento,

baseada na construção pessoal e coletiva da identidade, como fator determinante para a

compreensão dos conflitos sociais. Honneth adotou como principal fonte de seu trabalho o

pensamento do jovem Hegel do período de Jena: “Maneiras científicas de tratar o direito

natural” (1802); “Sistema de Eticidade” (1802/3) e “Sistema de Filosofia Especulativa ou

Real philosophie de Jena” (1805/6) (HONNETH, 2003), e na psicologia social de Mead

(1972). Sendo Hegel conhecido por sua filosofia idealista, a preocupação de Honneth foi dar à

teoria do reconhecimento social uma base realista e concreta, o que ele fez considerando a

importância dos pressupostos do que veio a ser chamado na psicologia social de

interacionismo simbólico (BLUMER, 1986).

Honneth, inspirando-se no conceito de reconhecimento do jovem Hegel, busca

fundamentar a sua própria versão da teoria crítica. Com isso, ele pretende explicar as

mudanças sociais por meio da luta por reconhecimento e propõe uma concepção normativa de

eticidade a partir de diferentes dimensões de reconhecimento. Os indivíduos e os grupos

sociais somente podem formar a sua identidade quando forem reconhecidos

intersubjetivamente.

Albornoz (2011) explica os meandros percorridos por Honneth para constituir sua

visão teórica da teoria do reconhecimento. Este autor apoia-se nas três esferas do

reconhecimento afirmadas por Hegel — em que evolui, como numa espiral ascendente, a

formação da autoconsciência e do reconhecimento das pessoas, no movimento de confronto

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entre os sujeitos —, as quais encontram continuidade e complemento nas três dimensões do

reconhecimento que aparecem na psicologia social de George Herbert Mead (1863-1931),

cujo sistema teórico foi chamado de “interacionismo simbólico”. A psicologia social desse

autor, no que se refere à teoria do reconhecimento intersubjetivo, segundo Honneth, constitui

uma ponte entre a ideia original de Hegel e o modo de pensar do nosso tempo, e os escritos de

Mead poderiam ser vistos como uma tradução da teoria hegeliana da intersubjetividade numa

linguagem teórica pós-metafísica.

Em Mead seria desenvolvida, sobre pressupostos naturalistas, a ideia de que os

sujeitos humanos devem sua identidade à experiência de um reconhecimento intersubjetivo;

sendo estes escritos os meios mais apropriados encontrados até hoje “para reconstruir as

intuições da teoria da intersubjetividade do jovem Hegel num quadro teórico pós-metafísico”

(ALBORNOZ, 2011, p. 9).

Buscando desenvolver os fundamentos de uma teoria social de teor normativo,

Honneth se diferencia de Habermas, cujo objetivo é resgatar com sua teoria da ação

comunicativa a possibilidade de uma racionalidade cujas operações cognitivas sejam capazes

de ir além da instrumentalização e que está escrita nas relações sociais contemporâneas.

Honneth vai privilegiar os conflitos sociais, do qual a luta por reconhecimento, formadora da

identidade individual e coletiva, funciona como força moral impulsionadora de

desenvolvimentos sociais. Ele vai assumir que os conflitos advindos de uma experiência de

desrespeito social têm o poder de afetar e violar os processos de autorrealização e formação

espontânea das suas escolhas perante a vida; os sentimentos de injustiça experimentados

coletivamente levam a uma ação que tem por fim o restabelecimento das condições de

reconhecimento da dignidade dos sujeitos desrespeitados (CARVALHO, 2011).

Para Bressiani (2016), Honneth é o responsável pela radicalização da virada

comunicativa empreendida por Jürgen Habermas, sustentando que elaborar uma teoria social

da perspectiva de uma teoria dos sistemas implica perder de vista a dinâmica normativa que

está na base da reprodução social como um todo. Para ele, as sociedades modernas não se

caracterizam pelo surgimento de formas sistêmicas de integração, capazes de coordenar a

ação pelas costas dos indivíduos, mas sim pela diferenciação de princípios de integração

social, que se distinguem conforme se realizam por meio de “ligações emotivas, da

adjudicação de direitos ou da orientação comum por valores” (Honneth, 2003a, p. 159). É

neste sentido que ele reconstrói o processo de modernização social como um processo de

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desenvolvimento moral, no decorrer do qual três princípios/formas de reconhecimento teriam

se diferenciado: o do amor, o do respeito e o da solidariedade.

Em sua obra Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais,

Honneth (2003) objetiva mostrar como indivíduos e grupos sociais se inserem na sociedade

atual. Isso ocorre por meio de uma luta por reconhecimento intersubjetivo, e não por

autoconservação, como salientavam Maquiavel e Hobbes. Afirma ainda o autor que a luta

pelo reconhecimento sempre inicia pela experiência do desrespeito das formas de

reconhecimento. A autorrealização do indivíduo somente é alcançada quando há, na

experiência de amor, a possibilidade de autoconfiança, na experiência de direito, o

autorrespeito e, na experiência de solidariedade, a autoestima.

Segundo De Oliveira Zana e Perelson (2013), a luta por reconhecimento é o elemento

no qual se constitui a subjetividade e a identidade individual e coletiva. O termo

reconhecimento é definido como “aquele passo cognitivo que uma consciência já constituída

idealmente em totalidade efetua no momento em que ela se reconhece como a si mesma em

uma outra totalidade, em uma outra consciência’” (HONNETH, 2003, p. 63).

A formação da identidade se dá num contexto de relações de reconhecimento, em três

dimensões distintas, mas interligadas: desde a emotiva, que permite a confiança em si mesmo,

indispensável para a autorrealização pessoal, até a estima social, em que esses projetos podem

ser objeto de um respeito solidário, e passando pela jurídico-moral, em que a pessoa

individual é reconhecida como autônoma, desenvolvendo assim uma relação de autorrespeito

(Honneth, 2003).

Segundo Albornoz (2011) ao reconhecer essa tripartição, na realidade, ainda não se

pensa o assunto de modo completo. O que haveria a mais, na teoria de Hegel como na de

Mead, é que ambos atribuíram às três esferas de interação social padrões distintos de

reconhecimento recíproco, aos quais correspondem diferentes potenciais de desenvolvimento

moral e de autorrelação individual. A partir das teorias do reconhecimento nas três dimensões

da interação social, contidas na filosofia dialética idealista de Hegel e na psicologia social

materialista de Mead, Honneth busca uma formulação complementar da intuição desses

autores; para tanto, volta a pensar as três dimensões do reconhecimento como algo que se

diferencia conforme se realize na rede dos afetos, na dos direitos ou na da solidariedade.

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3.2.1.1 Amor: primeira esfera do reconhecimento

Ao usar o termo amor, Honneth (2003) não pretende demarcar o conceito naquilo que

os românticos consideravam relação sexual. Para classificar o amor como um padrão de

reconhecimento, Honneth usa de uma visão conceitual mais abrangente, trazendo para o

centro do termo as relações afetivas, especialmente no envolvimento sexual, a relação pais e

filhos, e na amizade.

Por relações amorosas devem ser entendidas aqui todas as relações primárias, na

medida em que elas consistam em ligações emotivas fortes entre poucas pessoas,

segundo o padrão de relações eróticas entre dois parceiros, de amizade e de relações

pais/filhos. (HONNETH, 2003, p. 159).

A primeira esfera de reconhecimento se tece no plano dos afetos, entre as pessoas

próximas, nas relações primárias. O que acontece primeiro na forma do amor entre mãe e

filho, na primeira infância, desenvolve-se ao longo do que se pode chamar de aventura infantil

do pré-reconhecimento, e é nesse movimento intersubjetivo em que se constrói, ao mesmo

tempo, o amor de si mesmo e a autoconfiança, possibilitados pela experiência do amor do

outro e da confiança no amor do outro, formando-se assim a base concreta emotiva para a

defesa e reivindicação de direitos, na rede do reconhecimento jurídico, bem como as

condições pessoais para a participação no plano da rede de solidariedade e da estima social

(ALBORNOZ, 2011).

Nesse sentido, o amor é uma forma de afeto recíproco, no qual os sujeitos irão

confirmar suas carências emocionais no processo de reconhecimento intersubjetivo.

Para demonstrar de forma desenvolvimentista as relações de reconhecimento da mãe e

filho, Honneth usa dos escritos de Winnicott. A fim de desenvolver uma compreensão mais

segura da dinâmica do reconhecimento intersubjetivo na rede afetiva, a análise de Honneth

vai remeter à experiência do amor vivenciada na primeira infância, raiz da possibilidade do

amor de si mesmo e da autoconfiança. Nessa empreitada, a descrição da “aventura infantil do

pré-reconhecimento” toma como referência principal as ideias do psicanalista inglês Donald

W. Winnicott (1896-1971), que desenvolveu seus estudos na perspectiva de um pediatra com

formação psicanalítica, no âmbito do tratamento de distúrbios psíquicos e de comportamento,

buscando estabelecer conhecimentos sobre as boas condições de socialização das crianças

pequenas.

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Winnicott concebeu o processo de amadurecimento infantil como uma tarefa que só

pode ser solucionada em comum, através da cooperação intersubjetiva de mãe e filho, pois

ambos os sujeitos dessa díade estão incluídos no início da vida da criança, no estado de “ser-

um simbiótico”, e por isso não só a criança, mas também a mãe, mãe e filho “precisam

aprender do respectivo outro como têm de diferenciar-se em seres autônomos”

(WINNICOTT, 1978).

A partir deles, Honneth foi capaz de compreender o estado de relação simbiótica

existente entre mãe e filho nos primeiros meses de vida do bebê. Nesse período, a mãe tem

sua energia direcionada principalmente para o bebê, e este é altamente dependente da mãe.

Esse período foi chamado por Winnicott de categoria da dependência absoluta (SOBOTTKA;

SAAVEDRA, 2008). Como a mãe e a criança dependem uma da outra nessa fase de unidade

simbiótica, esta só pode chegar a um termo quando ambos obtêm para si um pouco de

independência. À “desadaptação gradativa” da mãe corresponde, de parte do bebê, um

desenvolvimento intelectual que, junto com a ampliação dos reflexos condicionados, provoca

a capacidade de diferenciar cognitivamente o próprio ego e o ambiente.

Com o crescimento da criança, a mãe gradativamente dedica mais tempo às atividades

diárias e menos ao bebê, ocasionando o início do processo de individualização e

independência tanto do bebê como dela mesma.

Com isso, surge como imperativo ao bebê uma diferenciação dele com o ambiente.

Essa fase é chamada por Winnicott de dependência relativa (SOBOTTKA; SAAVEDRA,

2008), no qual o bebê ainda é dependente da mãe, mas está desenvolvendo uma subjetividade,

separando o mundo externo a si mesmo. Conforme a criança se desenvolve, ela e seus pais se

reconhecem afetivamente sem a necessidade de retorno daquele primeiro estado simbiótico

pós-nascimento, e tal processo gera na criança o que Honneth chamou de autoconfiança.

Albornoz (2011) diz que para analisar o segundo estágio da interação, Winnicott adota

o conceito “dependência relativa”. O autor dedicaria grande parte de sua obra à compreensão

dessa fase do desenvolvimento psicológico da criança, pois durante essa fase evolutiva

ocorrem muitos dos passos decisivos no desenvolvimento da capacidade infantil para a

relação intersubjetiva. Nessa fase se constitui, na relação entre mãe e filho, aquele “ser-em-si-

mesmo em um outro”, o qual pode ser concebido como padrão elementar de todas as formas

maduras de amor. Se o amor da mãe é duradouro e confiável, a criança é capaz de

desenvolver, à sombra de sua confiabilidade intersubjetiva, uma confiança na satisfação social

de suas próprias demandas ditadas pela carência; pelas vias psíquicas abertas dessa forma, vai

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desdobrando, de maneira gradual, uma “capacidade elementar de estar só”. A capacidade de

estar só é a expressão prática de uma forma de autorrelação individual que outros podem

chamar de “autoconfiança”: a criança, por se tornar segura do amor materno, alcança uma

confiança em si mesma que lhe possibilita estar a sós despreocupadamente. Winnicott atribui

a capacidade da criança pequena de estar a sós, no sentido de que ela começa a descobrir de

maneira descontraída sua própria vida pessoal, à experiência da existência contínua de uma

mãe confiável.

A criança trabalha esta nova experiência por meio de dois mecanismos, que Honneth

chama de destruição e fenômeno de transição. O primeiro mecanismo é interpretado, por

Honneth, a partir dos estudos de Jessica Benjamin, que constata que os fenômenos de

expressão agressiva da criança nesta fase acontecem na forma de uma espécie de luta, que

ajuda a criança a reconhecer a mãe como um ser independente com reivindicações próprias. A

mãe precisa, por outro lado, aprender a aceitar o processo de amadurecimento que o bebê está

passando (SOBOTTKA; SAAVEDRA, 2008)

Se o amor representa uma “simbiose quebrada”, pela individuação recíproca, o que

nele encontra reconhecimento junto ao respectivo outro é apenas sua independência

individual. Por causa disso, poder-se-ia criar a ilusão de que a relação amorosa seria

caracterizada apenas por uma espécie de reconhecimento com caráter de aceitação cognitiva

da autonomia do outro, mas supor isso é errôneo e simplificador, pois a própria liberação para

a independência precisa ser sustentada por uma confiança afetiva na continuidade da

dedicação partilhada; sem a segurança emotiva de que a pessoa amada preserva sua afeição,

mesmo depois da autonomia renovada, para o sujeito que ama não seria possível o

reconhecimento de sua independência.

A criança, porém, só estará em condições de desenvolver o segundo mecanismo se ela

tiver desenvolvido com o primeiro mecanismo uma experiência elementar de confiança na

dedicação da mãe.

Com base nesses estudos, Honneth demonstra as principais características do primeiro

nível de reconhecimento, como a relação simbiótica mãe-bebê e o movimento de libertação,

no qual o bebê começa a criar um “Eu”, diferenciando as suas características das do ambiente.

Tanto na amizade, na relação pais-bebê, e no relacionamento sexual, o processo de

reconhecimento negado se concretiza pelos maus-tratos ou violação. Essa é uma forma de

desrespeito na qual o indivíduo perde o controle do seu próprio corpo e vê ferida a confiança

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no outro e em si mesmo. Tal desrespeito pode afetar diretamente a integridade física da

criança ou do adulto.

Segundo Sobottka e Saavedera (2008), quando a criança experimenta a confiança no

cuidado paciencioso e duradouro da mãe, ela passa a estar em condições de desenvolver uma

relação positiva consigo mesma. Honneth chama essa nova capacidade da criança de

autoconfiança. De posse dessa capacidade, a criança está em condições de desenvolver de

forma sadia a sua personalidade. Esse desenvolvimento primário da capacidade de

autoconfiança é visto por Honneth (2003, p. 168) como a base das relações sociais entre

adultos. Honneth vai além e sustenta que o nível do reconhecimento do amor é o núcleo

fundamental de toda a moralidade (p. 172). Portanto, este tipo de reconhecimento é

responsável não só pelo desenvolvimento do autorrespeito, mas também pela base de

autonomia necessária para a participação na vida pública (p. 174).

É a psicologia que mostra, pois, que toda relação amorosa, seja entre pais e filho, seja

aquela relação contida na experiência da amizade, seja também a que acompanha o contato

íntimo, está ligada à condição de simpatia e atração, que não se submete inteiramente ao

domínio do indivíduo. Os sentimentos positivos para com outros seres humanos são sensações

involuntárias, e a relação amorosa não se aplica indiferentemente a um maior número de

parceiros. Mas, embora seja inerente ao amor um elemento necessário de “particularismo

moral”, Honneth concorda com Hegel ao considerar o amor como sendo o cerne estrutural de

toda eticidade: só aquela ligação simbioticamente alimentada, que surge da delimitação

desejada reciprocamente, cria a medida da autoconfiança individual, que pode tornar-se base

indispensável para a participação autônoma na vida pública.

3.2.1.2 Direito: segunda esfera do reconhecimento

Da forma de reconhecimento do amor tal como apresenta Honneth, com auxílio da

teoria psicológica na visão psicanalítica de Winnicott, distingue-se a relação jurídica.

Para nós fazer entender Sobottka e Saavedera (2008) lançam mão de duas perguntas

que vão guiar a análise honnethiana da segunda esfera do reconhecimento: (1) Qual é o tipo

de autorrelação que caracteriza a forma de reconhecimento do direito?; e (2) Como é possível

que uma pessoa desenvolva a consciência de ser sujeito de direito?

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O desenvolvimento das leis acompanha a evolução da consciência dos direitos, e esse

é o plano do reconhecimento jurídico, que se dá de modo diferente da forma de

reconhecimento afetivo a que nos referimos. A distinção entre reconhecimento afetivo e

reconhecimento jurídico atravessa muitos aspectos. Nesse ponto da análise do plano das

relações jurídicas, Honneth continua mantendo suas referências principais: Hegel e Mead. No

que concerne ao direito, ambos perceberam que só podemos chegar a uma compreensão de

nós mesmos como portadores de direitos quando sabemos quais obrigações temos de observar

em face do outro. Da perspectiva normativa de um “outro generalizado”, que nos ensina a

reconhecer os outros membros da coletividade como portadores de direitos, passamos a nos

entender também como pessoas de direito, e é assim que nos tornamos seguros do

cumprimento social de algumas de nossas pretensões.

Portanto, a partir do não reconhecimento dos direitos individuais, o sujeito sente sua

integridade social ameaçada, podendo ocasionar o processo de luta pelo reconhecimento

descrito por Honneth, no qual os conflitos levam à reconciliação, que leva à evolução da

moralidade social. A ação do crime é um exemplo da constituição da privação de direitos, na

qual quem pratica o crime nega o reconhecimento jurídico a quem o sofre (PONCHIROLLI;

SANTOS FILHO, 2011).

No estado, o homem é reconhecido e tratado como ser racional, como livre, como

pessoa; e o singular, por sua parte, se torna digno desse reconhecimento porque ele,

com a superação da naturalidade de sua autoconsciência, obedece a um universal, à

vontade sendo em si e para si, à lei, ou seja, se porta em relação aos outros de

maneira universalmente válida, reconhece-os como o que ele próprio quer valer –

como livre, como pessoa. (HEGEL apud HONNETH, 2003, p. 179)

Segundo Honneth (2003), somente a partir do reconhecimento do outro-de-direito é

que um indivíduo identifica a si mesmo como possuidor de direitos. Então, mesmo não

havendo uma ligação afetiva direta entre dois sujeitos sociais, o padrão de reconhecimento

baseado no direito possibilita um respeito mútuo entre as pessoas. E essa é a base para a

formação do autorrespeito no indivíduo. Seguindo essa linha de pensamento, os pressupostos

de Mead e Hegel para o direito são concretizados na ideia do outro generalizado, ou seja, uma

generalização das necessidades de todos à medida que estejam dentro das possibilidades de

uma conciliação entre todos.

Honneth (2003) também diferencia o âmbito do direito moderno e não moderno. Nas

sociedades tradicionais, a definição do direito tem suas raízes na concepção do status social,

no qual os indivíduos não são considerados igualmente merecedores do reconhecimento dos

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110

direitos, mas sim merecedores das determinações de seu status. Já nas sociedades modernas, o

jurídico tem a função de combater qualquer forma de privilégio ou exceções, e os indivíduos

são considerados todos iguais perante a lei.

Para Ponchirolli e Santos Filho (2011), Honneth utiliza também da construção

histórica de Marshall para evidenciar as três esferas fundamentais do direito, que evoluíram

separadamente no século XVIII, XIX e XX. Elas formam o direito fundamental à liberdade, à

participação de todos na esfera pública, e os direitos que possibilitam o bem-estar de todos os

indivíduos da sociedade. Essas categorias, quando plenamente reconhecidas, permitem a

formação individual do autorrespeito.

A estratégia utilizada por Honneth (2003) consiste em apresentar o surgimento do

direito moderno de tal forma que, neste fenômeno histórico, também seja possível encontrar

uma nova forma de reconhecimento. Ele pretende, portanto, demonstrar que o tipo de

reconhecimento característico das sociedades tradicionais é aquele ancorado na concepção de

status: em sociedades desse tipo, um sujeito só consegue obter reconhecimento jurídico

quando ele é reconhecido como membro ativo da comunidade e apenas em função da posição

que ele ocupa nesta sociedade (SOBOTTKA; SAAVEDRA, 2008).

Honneth reconhece na transição para a modernidade uma espécie de mudança

estrutural na base da sociedade, à qual corresponde também uma mudança estrutural

nas relações de reconhecimento: ao sistema jurídico não é mais permitido atribuir

exceções e privilégios às pessoas da sociedade em função do seu status. Pelo

contrário, o sistema jurídico deve combater estes privilégios e exceções. O direito

então deve ser geral o suficiente para levar em consideração todos interesses de

todos os participantes da comunidade. A partir desta constatação, a análise do direito

que Honneth procura desenvolver consiste basicamente em explicitar o novo caráter,

a nova forma do reconhecimento jurídico que surgiu na modernidade. (HONNETH,

2003, p. 178)

Honneth procura mostrar que, junto com o surgimento de uma moral ou de uma

sociedade pós-tradicional, houve também uma separação da função do direito e daquela do

juízo de valor. Para o direito, a pergunta central é: como a propriedade constitutiva das

pessoas de direito deve ser definida; no caso do juízo de valor: como se pode desenvolver um

sistema de valor que está em condições de medir o valor das propriedades características de

cada pessoa (HONNETH, 2003, p. 183).

Os sujeitos de direito precisam estar em condições de desenvolver sua autonomia, a

fim de que possam decidir racionalmente sobre questões morais. Aqui, Honneth (2003) tem

em mente a tradição dos direitos fundamentais liberais e do direito subjetivo em condições

pós-tradicionais, que indicam a direção do desenvolvimento histórico do direito.

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111

A luta por reconhecimento deveria, então, ser vista como uma pressão, sob a qual

permanentemente novas condições para a participação na formação pública da vontade vêm à

tona. Honneth esforça-se, naturalmente influenciado pelos escritos de T. H. Marshall (1967),

para mostrar que a história do direito moderno deve ser reconstruída como um processo

direcionado à ampliação dos direitos fundamentais. Apesar de Honneth sempre utilizar um

conceito problemático de direito subjetivo, a sua correta intuição pode ser compreendida

claramente quando ele explicita a sua interpretação da reconstrução histórica de Marshall: os

atores sociais só conseguem desenvolver a consciência de que eles são pessoas de direito e

agir, consequentemente, no momento em que surge historicamente uma forma de proteção

jurídica contra a invasão da esfera da liberdade, que proteja a chance de participação na

formação pública da vontade e que garanta um mínimo de bens materiais para a sobrevivência

(HONNETH, 2003, p. 190). Honneth sustenta que as três esferas dos direitos fundamentais,

diferenciadas historicamente, são o fundamento da forma de reconhecimento do direito. Por

conseguinte, reconhecerem-se reciprocamente como pessoas jurídicas significa hoje muito

mais do que no início do desenvolvimento do direito: a forma de reconhecimento do direito

contempla não só as capacidades abstratas de orientação moral, mas também as capacidades

concretas necessárias para uma existência digna; em outras palavras, a esfera do

reconhecimento jurídico cria as condições que permitem ao sujeito desenvolver autorrespeito

(HONNETH, 2003, p. 194).

3.2.1.3 Solidariedade: terceira esfera do reconhecimento

Segundo Ponchirolli e Santos Filho (2011), há uma estrutura emocional e uma racional

que são as bases dos dois padrões anteriores do reconhecimento intersubjetivo. O amor se

baseia no afeto recíproco natural entre pessoas próximas, o direito concretiza-se no

reconhecimento geral de que todos os indivíduos são pessoas com direitos. O primeiro está

intrínseco ao ser humano, o segundo é intrínseco à sociedade moderna democratizada.

Tanto Hegel como Mead, na visão de Honneth, distinguiram do amor e da relação

jurídica uma terceira forma de reconhecimento recíproco, que descreveram de maneira

diversa, mas com algumas concordâncias, sobretudo no que se refere à definição de sua

função, pois os sujeitos humanos precisam, além da experiência da dedicação afetiva e do

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reconhecimento jurídico, de uma estima social que lhes permita referir-se positivamente às

suas propriedades e capacidades concretas (ALBORNOZ, 2011).

Ainda a partir das contribuições de Hegel e de Mead, Honneth conclui que um padrão

de reconhecimento dessa espécie, cuja substância seja a estima mútua — logo, que vá além

dos afetos e também da rede jurídica dos direitos —, só se torna compreensível quando

houver, por trás dele, um horizonte de valores partilhado entre si pelos sujeitos envolvidos. Já

na apresentação do reconhecimento jurídico, o autor indicava a distinção entre o

reconhecimento com base em leis e direitos e a rede da estima social, baseada em qualidades e

realizações individuais, que vão ser expostas e reconhecidas no plano das relações

intersubjetivas ou sociais, ou melhor, propriedades gerais do ser humano. No caso da

valoração social, são postas em relevo as propriedades que tornam o indivíduo diferente dos

demais, ou seja, as propriedades de sua singularidade. Portanto, Honneth parte do princípio de

que a terceira forma de reconhecimento, a saber, a comunidade de valores ou solidariedade,

deve ser considerada um tipo normativo ao qual correspondem as diversas formas práticas de

autorrelação valorativa.

O conceito de solidariedade social desenvolvido por Honneth, a partir da terceira

etapa do reconhecimento, tem como base a ideia de que os pilares da sociedade

moderna são as relações simétricas existente entre os membros da sociedade. Por

relações simétricas deve-se entender, segundo Honneth, a possibilidade de qualquer

sujeito ter chances de ter suas qualidades e especialidades reconhecidas como

necessárias e valiosas para reprodução da sociedade. (MATTOS, 2006, p. 93)

Honneth não aceita aquilo que Hegel e Mead consideram condição deste padrão de

reconhecimento, pois ambos os autores estão convencidos da existência de um horizonte

valorativo e intersubjetivo compartilhado por todos os membros da sociedade como condição

da existência da forma de relacionamento que Honneth chama de solidariedade. Honneth

procura mostrar, ao contrário, que com a transição da sociedade tradicional para a sociedade

moderna surge um tipo de individualização que não pode ser negado. A terceira esfera do

reconhecimento deveria ser vista, então, como um meio social a partir do qual as propriedades

diferenciais dos seres humanos venham à tona de forma genérica, vinculativa e intersubjetiva

(HONNETH, 2003, p. 197). Honneth identifica um segundo nível desta terceira esfera do

reconhecimento (solidariedade). No nível de integração social encontram-se valores e

objetivos que funcionam como um sistema de referência para a avaliação moral das

propriedades pessoais dos seres humanos e cuja totalidade constitui a autocompreensão

cultural de uma sociedade. A avaliação social de valores estaria permanentemente

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determinada pelo sistema moral dado por esta autocompreensão social. Esta esfera de

reconhecimento está vinculada de tal forma em uma vida em comunidade que a capacidade e

o desempenho dos integrantes da comunidade somente poderiam ser avaliados

intersubjetivamente.

O terceiro elemento do reconhecimento é determinado não pelas ligações afetivas

naturais nem pelos imperativos da sociedade civilizada, mas por um reconhecimento do grupo

com características pessoais que estão presentes ao mesmo tempo nos valores que o grupo

estima e que pertencem ao sujeito (HONNETH, 2003). Nos escritos de Hegel do período de

Jena, havia-se encontrado o conceito de “eticidade” para designar uma semelhante relação de

reconhecimento próprio da estima mútua; em Mead, por sua vez, pode-se encontrar, para a

mesma forma de reconhecimento, não um conceito puramente formal, mas apenas o modelo

da divisão cooperativa do trabalho, já institucionalmente concretizado (HONNETH, 2003, p.

198).

Enquanto o direito moderno representa um meio de reconhecimento que expressa

propriedades universais de sujeitos humanos, a forma de reconhecimento por estima requer

um meio social que avalie as diferenças de capacidades e qualidades entre sujeitos humanos,

fundamentando os vínculos intersubjetivos. Essa tarefa de mediação é operada, no nível

social, por um quadro de orientações simbolicamente articulado, embora sempre aberto,

poroso, no qual se formulam valores e objetivos éticos, cujo todo constitui a autocompreensão

cultural de uma sociedade (ALBORNOZ, 2011).

Tal quadro de orientações serve de sistema referencial para a avaliação de

propriedades da personalidade, cujo “valor” social se mede pelo grau em que parecem estar

em condições de contribuir à realização dos objetivos sociais.

A autocompreensão cultural de uma sociedade predetermina os critérios pelos quais se

orienta a estima social das pessoas, já que suas capacidades e realizações são julgadas

intersubjetivamente, à medida que cooperaram na implementação de valores culturalmente

definidos. Nesse sentido, essa forma de reconhecimento recíproco está ligada à pressuposição

de um contexto de vida social, cujos membros constituem uma comunidade de valores,

mediante a orientação por “concepções de objetivos comuns”, e as formas que essa

comunidade pode assumir são tão variáveis historicamente quanto as do reconhecimento

jurídico. Quanto mais as concepções dos objetivos éticos se abrem a diversos valores e quanto

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mais a ordenação hierárquica cede a uma concorrência horizontal, tanto mais a estima social

assumirá um traço individualizante e criará relações simétricas10.

A estima social não demonstra, portanto, um nível ético superior no qual a vida, o

bem-estar e a felicidade humana são os padrões essenciais do comportamento moral, mas uma

mera associação entre aquilo que determinada sociedade considera importante e as

características que um indivíduo veio a ter ou a adquirir. Logo, a estima social em Hegel e

Mead não representa diretamente a ética social. A evolução dessa ética e a alteração dos

valores socialmente superiores são fatores que podem tornar o reconhecimento no nível da

solidariedade uma ferramenta importante na evolução do comportamento moral.

Honneth (2003, p. 200), contudo, propõe que, quando a “[...] estima social é

determinada por concepções de objetivos éticos, que predominam numa sociedade, as formas

que elas podem assumir são de uma grandeza não menos variável historicamente do que o

reconhecimento jurídico”. Nessa proposta, a solidariedade tem uma abrangência muito maior

e pode definir melhor o processo de reconhecimento da comunidade de valores. Nesse

processo de reconhecimento, o indivíduo tem, ao mesmo tempo, sua individualização, com

suas características próprias, e a igualização frente aos outros. Quando alcançado esse

reconhecimento, surge a possibilidade de uma forma de autorrelação designada pela

autoestima. Negar esse nível de reconhecimento pela degradação e ofensa seria privar o

sujeito de sua honra e dignidade. Portanto, segundo Honneth (2003), as relações solidárias são

aquelas em que há a tolerância e o interesse afetivo pelas particularidades do outro.

Segundo Honneth (2003), uma tensão especial da sociedade e do tempo impregna a

forma moderna de organização da estima social, submetendo-a de modo duradouro a um

conflito cultural. Trata-se de um conflito cultural de longa duração, pois, nas sociedades

modernas, as relações de estima social estão sujeitas a uma luta permanente na qual os

diversos grupos procuram elevar, com os meios da força simbólica e em referência às

finalidades gerais, o valor das capacidades associadas à sua forma de vida (HONNETH, 2003,

p. 207). Assim, tem-se hoje que a afirmação na rede dinâmica da estima social não se faz

apenas no registro da dinâmica intersubjetiva e do reconhecimento das capacidades e

realizações individuais, mas na dinâmica dos grupos que representam formas de vida, como

afirmação e conquista de estima social de grupos ou “movimentos sociais”. Quanto mais os

movimentos sociais conseguem chamar a atenção da esfera pública para a importância das

10 Simetria para Honneth (2003) significa aqui que os atores sociais adquirem a possibilidade de vivenciarem o

reconhecimento de suas capacidades em uma sociedade não-coletiva.

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capacidades por eles representadas, de modo coletivo, tanto mais existe a possibilidade de

elevar na sociedade o valor social do grupo que representam — dito de outro modo, elevar a

reputação de seus membros. O autor não deixa de registrar que as relações de estima social

estão associadas, embora de forma indireta, aos padrões de distribuição de renda, o que parece

bem evidente; em consequência, os confrontos econômicos pertencem de modo constitutivo a

essa forma de luta por reconhecimento. A esse respeito, sobre o elo entre as redes da situação

econômica e da estima social, Honneth refere especialmente as contribuições de Georg

Simmel (ALBORNOZ, 2011).

Partindo das ideias de Hegel e de Mead sobre as três redes de reconhecimento —

afetiva, jurídica e social —, com a sociologia do reconhecimento, Honneth (2003) esclarece

sobre a “solidariedade”, diz que se aplica especialmente às relações de grupo que se originam

na experiência de circunstâncias difíceis, negativas. É o que se dá, por exemplo, em situações

de resistência comum contra a repressão política, quando a concordância no objetivo prático,

predominando sobre tudo, gera um horizonte intersubjetivo de valores, no qual cada um

aprende a reconhecer, na mesma medida, o significado das capacidades e propriedades do

outro.

Conforme relata Albornoz (2011), a espécie de autorrelação prática, em que a estima

social é vivenciada segundo o modelo estatamental, com o desenvolvimento moderno da

individuação, modifica-se a relação prática consigo próprio, em que a estima social

encaminha os sujeitos. O indivíduo passa a referir a si próprio o respeito social que goza por

suas realizações, aos olhos dos demais membros da sociedade; não se confunde mais com seu

grupo, ou seja, não mais se identifica inteiramente com a estima social do grupo. Desse

dinamismo decorrem expressões da autorrealização prática que, na linguagem comum,

passam como “sentimento do próprio valor”, de “autoestima”, expressões paralelas com os

conceitos antes atribuídos à rede afetiva e à rede jurídica de reconhecimento, respectivamente,

de “autoconfiança” e de “autorrespeito”.

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116

Figura 15 – Categoria de Reconhecimentos

Fonte: Nogueira; Pizzi (2016)

O quadro abaixo faz uma síntese panorâmica da Teoria do Reconhecimento e suas

relações:

Quadro 3 – Estrutura das Relações Sociais de Reconhecimento

Modos de

reconhecimento Dedicação emotiva Respeito cognitivo Estima social

Dimensões da

personalidade

Natureza carencial e

afetiva Imputabilidade moral

Capacidades e

propriedades

Formas de

reconhecimento

Relações primárias

(amor, amizade)

Relações jurídicas

(direitos)

Comunidade de

valores

(solidariedade)

Potencial evolutivo

Generalização,

materialização

Individualização,

igualização

Autorrelação prática Autoconfiança Autorrespeito Autoestima

Formas de

desrespeito

Maus-tratos e

violação

Privação de direitos e

exclusão Degradação e ofensa

Componentes

ameaçados da

personalidade

Integridade física Integridade Social “Honra, dignidade”

Fonte: Honneth (2003a, p. 211)

3.3 A OUTRA FACE DO RECONHECIMENTO: violação, privação de direitos e degradação

Segundo Rosenfield e Saavedra (2013), para tornar a sua teoria admissível, Honneth

buscou encontrar na história social traços de uma tipologia tripartite negativa da estrutura das

relações de reconhecimento. Para tanto, deve cumprir duas tarefas: (1) para cada esfera de

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relação de reconhecimento deve surgir um equivalente negativo, com o qual a experiência de

desrespeito possa ser esclarecida, seguindo a estrutura da forma de reconhecimento

correspondente; (2) a experiência de desrespeito deve ser ancorada de tal forma em aspectos

afetivos do ser humano que a sua capacidade motivacional de desencadeamento de uma luta

por reconhecimento venha à tona.

A primeira esfera de reconhecimento, o amor, corresponde às formas de desrespeito

definidas por Honneth como maus tratos e violação. Nesta forma de desrespeito o

componente da personalidade atacado é aquele da integridade psíquica, ou seja, não é

diretamente a integridade física que é violentada, mas sim o autorrespeito que cada pessoa

possui de seu corpo e que, segundo Winnicott, é adquirido por meio do processo

intersubjetivo de socialização originado através da dedicação afetiva (HONNETH, 2003, p.

214).

A forma de reconhecimento do direito corresponde à forma de desrespeito intitulada

privação de direitos. Nesta esfera do reconhecimento, o componente da personalidade que é

ameaçado é aquele da integridade social. Também aqui o desrespeito se refere a um tipo

específico de autorrelação: o autorrespeito. Central para a análise das formas de desrespeito

feita por Honneth é o fato de que todo o tipo de privação violenta da autonomia deve ser visto

como vinculado a uma espécie de sentimento. O sentimento de injustiça ocupa um papel

importante na análise que Honneth faz do direito (HONNETH, 2003, p. 219). Porém, apesar

de Honneth ressaltar em um primeiro momento o papel do sentimento de injustiça, logo em

seguida a sua análise passa a considerar um tipo de respeito cognitivo da capacidade de

responsabilidade moral, que um ator social vivencia numa situação de desrespeito jurídico.

Portanto, o que significa ser uma capacidade para responsabilidade moral de uma pessoa deve

ser medido no grau de universalização e também no grau de materialização do direito

(HONNETH, 2003, p. 219).

A forma de reconhecimento da solidariedade corresponde à forma de desrespeito da

degradação moral e da injúria. Honneth entende que a dimensão da personalidade ameaçada é

aquela da dignidade. A experiência de desrespeito deve ser encontrada na degradação da

autoestima, ou seja, a pessoa aqui é privada da possibilidade de desenvolver uma estima

positiva de si mesma (SOBOTTKA; SAAVEDRA, 2008).

Para melhor elucidar as formas de desrespeito, Honneth adota o conceito psicanalítico

de patologia, em que todas essas formas de desrespeito são, portanto, uma forma de patologia.

Assim, uma teoria do reconhecimento deveria ser capaz de indicar a classe de sintomas que os

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atores sociais atingidos pela forma de desrespeito em seu estado patológico deixam

transparecer. Os sinais corporais do sofrimento psíquico devem ser vistos, portanto, como

expressões exteriores, ou melhor, como reações externas de sentimentos patológicos interiores

ou psíquicos. Dessa forma, somente as experiências de injustiça que acarretam fenômenos

patológicos devem ser consideradas fenômenos de desrespeito (SOBOTTKA; SAAVEDRA,

2008).

Com ajuda dos estudos desenvolvidos por Dewey, Honneth procura mostrar que uma

experiência social de desrespeito atua como uma forma de freio social que pode levar à

paralisia do indivíduo ou de um grupo social. Por outro lado, ela mostra o quanto o ator social

é dependente do reconhecimento social. Honneth sustenta que o indivíduo está sempre

vinculado em uma complexa rede de relações intersubjetivas e que, consequentemente, ele é

dependente estruturalmente do reconhecimento dos outros indivíduos. A experiência do

desrespeito, então, deve ser tal que forneça a base motivacional da luta por reconhecimento,

porque essa tensão afetiva só pode ser superada quando o ator social estiver em condições de

voltar a ter uma participação ativa e sadia na sociedade. É exatamente porque os seres

humanos nunca reagem de forma neutra a esse tipo de enfermidade social que o sentimento de

injustiça acaba sendo o estopim da luta por reconhecimento.

Honneth (2003) sustenta que, ao contrário dos modelos atomísticos, utilitaristas ou

intencionistas de explicação dos movimentos sociais, o surgimento de um movimento social

deve ser explicado a partir da existência de uma semântica coletiva que permita a

interpretação das experiências individuais de injustiça, de forma que não se trate mais aqui de

uma experiência isolada de um indivíduo, mas sim de um círculo intersubjetivo de sujeitos

que sofrem da mesma patologia social. Aqui, Honneth está fazendo jus à crítica hegeliana do

atomismo à medida que ele retira do indivíduo a capacidade de explicar os problemas sociais.

O indivíduo só pode ser considerado como tal se é considerada a existência anterior de uma

sociedade que lhe dá sentido.

Portanto, quanto mais forte for a influência da luta por reconhecimento de um

determinado grupo, ou quanto maior for o número de exigências sociais em função de uma

mudança específica, mais haverá de surgir, por consequência, uma espécie de horizonte de

interpretação subcultural que explicará a relação motivacional entre sentimento individual de

injustiça e luta coletiva por reconhecimento. Na inserção em um grupo social que busca um

determinado tipo de reconhecimento, os atores sociais experimentam, concomitantemente, um

tipo de reconhecimento antecipado de uma sociedade futura em que a sua reivindicação social

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será reconhecida socialmente e, dessa forma, o indivíduo tem de volta um pouco do

reconhecimento perdido.

Em resumo, o reconhecimento é entendido, por Honneth, como uma construção

intersubjetiva, dialógica e histórica, por meio da qual os sujeitos buscam a sua realização em

três domínios essenciais: o afeto/amor, os direitos e a estima social, dos quais advém,

respectivamente, a autoconfiança, o autorrespeito e a autoestima. Na contramão dos

pensamentos, Honneth deposita especial atenção aos conflitos nas interações sociais,

sobretudo àqueles que se efetivam como força moral, promovendo a busca de reconhecimento

por meio da luta política.

A partir disso, podemos dizer que é possível encontrar as três esferas propostas por

Honneth em cada um dos quadrantes, o que ressoa a ideia de que o reconhecimento proposto

pelo autor e a forma como ele é posto favorece o sujeito e suas buscas. A ênfase nas relações

dada por Honneth pode ser ampliada para cada um dos quadrantes, nos quais teremos os

pontos convergentes e divergentes, porém que irão proporcionar um olhar ampliado.

Se tomarmos o quadrante inferior esquerdo, que fala da cultura e das relações,

usarmos as esferas e fizermos um detalhamento, encontramos que o amor, ligado às relações

primárias, vai influenciar no modo como cada sujeito se reconhece, a partir das relações

básicas estabelecidas, com isso há todo uma reverberação nas demais relações. Para tanto, não

estamos estabelecendo uma condição sine qua non entre as relações, ou seja, bom

estabelecimento de relações básicas não determina boas relações no campo maior,

interpessoais, não garante que os sujeitos se sintam adaptados, adequados ou integrados aos

modelos culturais dispostos na sociedade. Trata-se dos grupos e de como este marca o

reconhecimento, através da aceitação ou recusa do sujeito, através dos muitos conflitos

acontecidos no âmbito grupal, onde essa dimensão moral dos conflitos confere visibilidade e

consideração à rede cotidiana das relações, estabelecendo uma continuidade entre interações,

social e historicamente construídas, e as vivências cognitivas e afetivas pessoais,

especialmente quando, e sempre que, ocorrem experiências de desrespeito, mobilizando

sentimento de injustiça.

A formação da identidade pessoal retém e reconstrói, portanto, padrões sociais de

reconhecimento, sob os quais um sujeito pode-se saber, ou querer ser, respeitado em seu

entorno sociocultural, e, “[...] se essas expectativas normativas são desapontadas pela

sociedade, isso desencadeia exatamente o tipo de experiência moral que se expressa no

sentimento de desrespeito” (HONNETH, 2003, p. 258).

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O amor, afeto, é responsável pela autonomia nas relações sociais e impacta na

autoconfiança por mobilizar a dependência. Se o sujeito tem essas dificuldades, como ele

pode circular pelos elementos AQAL, de maneira positiva, de integração consigo? Assim,

com essa possível ruptura, os demais quadrantes sofrerão uma visão referenciada a partir

dessa construção inicial.

Um sujeito sem autonomia é geralmente visto como dependente, fraco, incapaz, dentro

dos julgamentos do grupo que vai se inserindo.

Não obstante, foi possível perceber que, neste encontro, ao tratarmos das esferas,

como o reconhecimento afeta inclusive sua caminhada, as relações pessoais,

profissionais, no e com o meio que vivem, um modo de não enfrentamento dos seus

direitos, uma apatia ou sensação de fracasso. Os participantes pareciam muito

tristonhos quando ouviram sobre quão enrolados estamos nessa rede, e o pior era ver

que muitos tinham o desejo de mudar, de fazer algo verdadeiro por si. Era como se

um grito ecoasse na sala: me ajuda a me salvar, mesmo que muitos não tivessem a

consciência do pedido. (DIÁRIO DE BORDO DA AUTORA)

A esfera do direito envolve a questão da dignidade e se relaciona com o autorrespeito

na medida em que diz respeito à participação das pessoas na esfera pública, ao seu

reconhecimento (ou não) como dignas das mesmas prerrogativas e consideração que as

demais; como encarar essa esfera no quadrante do nós?

Uma vez respeitadas como sujeito de direito, as pessoas tendem a buscar condições

para desenvolver sua autonomia, de modo a decidir racionalmente sobre questões morais,

partindo da ideia do direito, na qual a expectativa é respeitar o outro, viabilizar sua

autonomia, propiciando empoderamento e reconhecimento dos direitos e deveres, que terão

um peso grande nas mais diversas relações.

Segundo Wernet, Mello e Ayres (2017), a estima social remete aos valores e à sua

consideração na apreciação das contribuições sociais, movimentando a questão da autoestima

e do entendimento de possuir capacidades valorizadas positivamente pelos membros da

comunidade. Em sua expressão positiva, a estima social ultrapassa a esfera dos direitos,

determinando-a, avalizando, por assim dizer, a proposição/aceitação pública de novos padrões

de normatividade moral e social, na qual se legitima a própria.

Essa é uma pequena aproximação das milhares de tessituras que podemos elencar

entre Honneth e Wilber. Cada um na sua perspectiva, porém colaborando para que ampliação

da consciência, empoderamento do sujeito, para que ele possa tornar-se hólon, respeitando a

si e outro, desenvolvendo a autonomia, autoeficácia, autocontrole, a liberdade.

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3.4 RECONHECIMENTO, SOCIALIZAÇÃO, LIBERDADE E EDUCAÇÃO

Conforme Cenci (2013), Honneth concebe as sociedades capitalistas liberais modernas

como resultado de um processo de diferenciação e de evolução de esferas de reconhecimento.

Com o desenvolvimento de tais esferas, aumentam as oportunidades de todos os sujeitos para

alcançar um grau superior de individualidade, uma vez que podem experimentar mais e novos

aspectos de suas próprias personalidades. A partir desse resultado, o autor introduz dois

critérios para justificar o conceito de progresso nas relações de reconhecimento, a saber, o de

socialização e o de inclusão. Por um lado, ocorre um processo de individuação que propicia a

[...] ampliação de oportunidades para articular legitimamente partes da própria

personalidade; por outro, vemos um processo de inclusão social, isto é, expandindo

a inclusão de sujeitos no círculo dos membros plenos da sociedade. (HONNETH,

2003b, p. 184-185)

Seguindo o pensamento, Cenci (2013) aponta que Honneth necessita estabelecer um

parâmetro para distinguir desenvolvimentos históricos que possuem caráter de progresso

moral daqueles que podem significar retrocesso. Esse parâmetro é encontrado nos critérios de

socialização e de inclusão, pois, a seu juízo, a integração social pode melhorar mediante a

individuação e a inclusão dos indivíduos. Em outros termos, o avanço representado pela

sociedade moderna — o progresso nas condições do reconhecimento social — pode ser

entendido como progresso moral, uma vez que a diferenciação das três esferas de

reconhecimento foi acompanhada pelo incremento de possibilidades de individuação e de

inclusão social. Portanto, para haver progresso nas condições do reconhecimento social,

[...] ou novas partes da personalidade são abertas ao reconhecimento mútuo, de

maneira que aumente o grau de individualidade socialmente confirmada; ou mais

pessoas são incluídas nas relações de reconhecimento existentes, de maneira que

aumente o círculo dos sujeitos que se reconhecem. (HONNETH, 2003b, p. 186)

Decisivo para essa melhora qualitativa foi o fato de que, com a separação entre

reconhecimento jurídico e estima social, ganhou relevância a ideia de que “[...] todos os

sujeitos devem ter a mesma oportunidade de autorrealização individual mediante a

participação em relações de reconhecimento” (HONNETH, 2003, p. 185).

Podemos dizer que os membros de uma sociedade podem levar em comum uma vida

exitosa, não distorcida, se todos eles se orientarem em função de princípios ou instituições

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que possam ser compreendidas por eles próprios como metas racionais de sua autorrealização.

(HONNETH, 2003, p. 107)

Por conseguinte, na ideia do universal racional, está contido um conceito de bem

comum que demanda um acordo racional entre os membros da sociedade para que as suas

liberdades possam ser relacionadas cooperativamente. Isso significa que a socialização dos

seres humanos só pode ser exitosa se levada adiante sob as condições de uma liberdade

cooperativa. Nesse sentido, a teoria do reconhecimento de Honneth vincula a ideia de um

aperfeiçoamento ético singular, pois

[...] a finalidade normativa das sociedades deveria consistir em tornar a

autorrealização mutuamente possível, mas ela [teoria do reconhecimento] concebe a

recomendação em vista de realizar esse objetivo como o resultado fundamentado de

uma análise específica do processo de formação do ser humano (2006a, p. 113).

É a ideia de formação do ser humano, presente no núcleo ético da teoria crítica, que

permite diagnosticar a falta de racionalidade social que lesa as condições de socialização

moral e, portanto, em sentido mais amplo, de autorrealização dos sujeitos (CENCI, 2013), não

sendo diferente do processo educativo.

Fagundes e Trevisan (2014) apontam que a denotação de uma formação de qualidade

está ligada ao desenvolvimento de competências, no atual modo operante do campo

educacional onde um ensino cuja expressividade atual o coloca como uma espécie de

pedagogia oficial, tornando-se ao mesmo tempo, o fim último e o elo articulador que

estabelece uma conexão vital entre os princípios formativos da docência em nível superior e

as necessidades qualitativas da educação básica, estabelecidas segundo os indicadores das

demandas do mercado produtivo.

A adesão à perspectiva das competências no campo da formação de professores tem

implicações bem pontuais, como: a) enfoque na primazia da dimensão cognoscitiva da

formação; b) ênfase na operação prática concreta de trabalho em contrapartida ao

enfraquecimento teórico da formação; c) ênfase na consecução de fins alheios às demandas

subjetivas do sujeito; e d) instrumentação das capacidades humanas. Com isso, a experiência

intersubjetiva e as situações que servem de aprendizado do reconhecimento da alteridade do

outro ganham pouca atenção ou são tratadas de modo superficial, como elementos

secundários, nos textos das propostas oficiais da formação docente.

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Diante destas questões, instala-se a manifestação de um quadro de reificação11 no

processo formativo que converge para o esquecimento das qualidades substanciais de

humanos, uma prática que tem tomado grandes proporções e se tornado natural. A reificação

da formação docente diante da onipresença das competências e motivação das propostas

educativas é de cunho instrumental, pretendendo, a todo custo, manter como fim último do

processo formativo o vínculo estreito entre educação e necessidades do mercado de trabalho,

limitando o sujeito apenas à execução de tarefas predeterminadas. Consequentemente, é

negado o teor mais importante e substancial do reconhecimento como base dos aprendizados

de relações intersubjetivas e ações cognitivas em relação ao mundo. Em decorrência disso,

abre-se margem ou espaço para a reificação, manifesta no esquecimento do teor de

humanidade, enquanto afeto e identificação com o outro necessário ao desdobramento do ato

educativo crítico. Assim, “a intensa reificação mercantilizada da educação formal

contemporânea contribuiu decisivamente para o ‘esquecimento do reconhecimento’ do

aspecto especificamente humano na formação das novas gerações” (DALBOSCO, 2011, p.

47).

Kesselring (2012), em seu artigo “Reconhecimento e educação”, descreve as várias

dimensões do reconhecimento interligadas à educação.

a) A dimensão emocional: reconhecer o outro tem como base a empatia. Sem a

capacidade de empatizar com outras pessoas, dificilmente seríamos capazes de reconhecê-las.

b) A dimensão das regras ou normas morais: reconhecer o outro tem como base um

conjunto de regras compartilhadas, regras que nós reclamamos para nós mesmos. A regra de

ouro nos lembra disso. No entanto, é melhor conceder que o outro escolha as regras e os

hábitos (ou, na terminologia de Kant, as máximas) que lhe parecem adequados ao seu modo

de viver, se com isso ele não incomoda de forma ilícita a vida dos outros.

Sem dúvida, a consideração da regra de ouro é uma forma de reconhecer o outro nos

seus direitos morais. No entanto, conceder ao outro o direito de escolher, ele mesmo, o seu

modo de viver (pressupondo que ele não infrinja as regras básicas) é uma forma superior de

reconhecimento.

11 Honneth denomina como “reificación” a tal forma del “olvido del reconocimiento”; y com ellonos referimos al

processo por El cualennuestro saber acerca de otras personas yen el conocimiento de lãs mismas se pierde La

conciencia de em qué medida ambosse de ben a la implicación y El reconocimiento prévios” (HONNETH, 2007,

p. 91).

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c) A dimensão dos direitos do outro, particularmente dos seus direitos básicos: é

preciso lembrar que crianças também têm seus direitos básicos. As dimensões b e c fazem

parte dos critérios de reconhecimento.

d) Reconhecimento da outra pessoa com as suas capacidades e o seu desempenho:

para o processo educativo, este aspecto é essencial, segundo Ernest Tugendhat (2005).

Entretanto, raras vezes é mencionado na literatura filosófica.

Não podemos negar que o cotidiano escolar é perpassado por relações intersubjetivas

de reconhecimento entre os professores e alunos, entre os professores e os coordenadores

pedagógicos, bem como entre os pares. É de fato uma rede de relações e reconhecimentos —

ou deveria ser — que exercem uma influência significativa na formação das identidades dos

professores, pois por meio delas eles elaboram sua condição de “ser” professor, avaliam seu

trabalho pedagógico e garimpam apoios para a realização de seus projetos. Lembrando, ainda,

que, como grupo ou classe, os professores também buscam reconhecimento social.

Para Gatti (2012), a educação, consagrada como direito subjetivo inalienável das

pessoas, encontra-se nesse cenário em posição desprivilegiada, e as fortes reivindicações e

lutas por uma educação de qualidade para todos são a expressão da busca por esse direito. A

análise e o questionamento de políticas implementadas por diferentes níveis de governo, em

um país de constituição federativa como é o Brasil, passam por diferentes grupos sociais com

seus específicos interesses e necessidades e traduzem uma nova perspectiva de vida e

demandas sociais.

“A luta pelo reconhecimento é também uma afirmação da diferença, uma vez que ela

pede o reconhecimento da identidade específica de grupos” (PAIVA, 2006, p. 11). Pensando

no professor, trata-se de seu reconhecimento como um trabalhador, uma categoria profissional

de forte impacto em aspectos fundamentais da civilização humana. Os direitos à diferença e

ao reconhecimento vêm sendo fortemente afirmados por vários movimentos na sociedade

contemporânea, os quais vêm produzindo impactos na educação, especialmente nas disputas

relativas aos currículos escolares, portanto na formação dos professores e no seu trabalho.

Ambas as tendências são forças sociais que se avolumam e colocam novas condições para a

concepção e consecução de políticas públicas voltadas ao social, e, mais enfaticamente, para

as redes educacionais escolares. Aqui, o fator humano — quem ensina, quem aprende, quem

faz a gestão do sistema e da escola e como — destaca-se como polo de atuação dos vários

grupos envolvidos na busca de uma nova posição social e de novas condições para suas rela-

ções sociais, de convivência e de trabalho. A uma vez, o reconhecimento social de grupos

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diversificados que demandam por escolarização, e, simultaneamente, a necessidade do

reconhecimento social da categoria dos professores como trabalhadores essenciais. Essas

questões se inserem no amplo âmbito da justiça social. Não se trata, portanto, de

reconhecimento no sentido do orgulho pessoal, mas no sentido de uma subjetividade coletiva

na demanda por equidade social (GATTI, 2012).

No contexto hodierno, na situação da educação no nosso país, é possível

identificarmos as diversas formas de desvalorização e negação do professor e do trabalho

docente, evidenciando o não reconhecimento desta área. Nesse sentido, evocamos a

possibilidade de compreender a formação das identidades dos professores a partir da

perspectiva do reconhecimento social, uma vez que esta nos possibilita estabelecer um

diálogo entre os conflitos sociais, provenientes das lutas por reconhecimento, e a formação do

“ser” professor.

Para Bracht et al (2012), inúmeras relações de reconhecimento e de denegação do

reconhecimento, que podem ser percebidas por situações de desvalorização, atuam sobre a

imagem que os professores têm de si. Essa situação de não reconhecimento pode ser

evidenciada claramente por meio das análises da condição de trabalho e do prestígio social da

profissão. A exemplo disso, percebe-se, hoje, um desprestígio social da profissão expresso,

entre outras coisas, na condição de baixos salários, além do elevado número de adoecimentos,

afastamentos por ordem médica, rejeição total às atividades laborais, doenças somáticas e

processos de aposentadoria precoce.

Conforme Mattos (2006, p. 152), o economicismo tende a propagar a ideia de que a

solução para os problemas da realidade social só pode ser dada pela economia; seriam

“explicações que afirmam, por exemplo, que se o PIB de tal país crescer tanto por cento é

possível que se reduza a pobreza, se distribua renda, etc.”, numa perspectiva unicista e linear.

A cultura aqui é elemento adjacente ou decorrente.

Se privilegiarmos a cultura, a corrente defende a ideia de que mudanças na cultura é

que podem alterar aspectos, ou toda a ordem social; sendo assim, a injustiça econômica está,

porém, ligada à injustiça cultural e vice-versa. Deste modo, o conhecimento dos fatores

determinantes de sua constituição é importante para a compreensão dos conflitos sociais

emergentes e das necessidades que provocam movimentos de determinados grupos

(HONNETH, 2003). O senso de injustiça atrita-se com o reconhecimento social.

O não reconhecimento da educação como um campo necessário e promotor de

transformações sociais vem desencadeando problemas da formação e trabalho docentes.

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Políticas públicas e investimentos são cada vez mais escassos, originando desconfortos

anunciados por diferentes grupos sociais, em diferentes condições, os quais expõem suas

demandas e geram reivindicações expressas por vários meios (associações diversas, mídias,

movimentos por mais e melhor educação etc.). Tais desconfortos se relacionam a novas

posturas diante das injustiças sociais, marcadamente das injustiças de status social, que têm a

ver com a ordem cultural na sociedade, aliada às possibilidades de sobrevivência digna.

Assim, compreender as políticas governamentais em relação aos docentes pode iluminar

aspectos da relação opaca entre legisladores e gestores dessas políticas e as novas postulações

de grupos sociais que reivindicam para si, de diferentes formas, equidade, reconhecimento

social e dignidade humana. Grupos sociais que se candidatam à formação e adentram a

profissão docente, por diversas injunções, e grupos sociais que adentram, por meio dos filhos,

as escolas. Transformar a educação escolar implica transformar radicalmente o

reconhecimento social da profissão docente e dos professores (GATTI, 2012).

A atuação de professores no seu trabalho, em situações em que demandas

diversificadas provêm do movimento da sociedade contemporânea, ocorre em um

determinado contexto sociocultural-histórico e em um dado contexto relacional e interpessoal.

Conforme Souza e Pestana (2009, p. 147), as situações escolares não são “descoladas” das

circunstâncias que as constituem especificamente. Afirmam assim que, com apoio

[...] no pressuposto desse sujeito descolado de suas circunstâncias, os sistemas

educativos e as instituições educacionais, tendem a comprometer-se exclusivamente

com a capacitação de pessoas isoladas, sem se responsabilizar pelas condições que

as constituem como professor e como sujeitos.

Capacitações isoladas são movimentos excludentes e que não proporcionam

reconhecimento verdadeiro, apenas formas de “enganar” o sujeito e o meio para que os

mesmos continuem executando suas tarefas e permanecendo na invisibilidade notória, sem

preocupar-se com os processos de avaliação docente, construção e compartilhamento de

saberes coletivos e responsabilidades.

Para Conte e Ourique (2018), o campo da educação, por ser reconhecidamente uma

prática humana, social e política, requer um envolvimento ativo dos sujeitos, enquanto prática

vital potencializadora de interação e (re)construção dos conhecimentos. Por tudo isso, é uma

das artes mais difíceis, pois está justificada no trabalho de pensar, que dá voz ao outro e

transforma, ao mesmo tempo, as individualidades e a práxis social. As autoras afirmam que,

no modelo contemporâneo, a educação e a prática formativa também sofrem os efeitos da

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barbarização das relações. As condutas de civilidade que permitiriam aos sujeitos construírem

uma experiência mais autônoma e diversa com o mundo foram, de alguma forma, tomadas

pela instrumentalização e pela dessensibilização, o que interfere diretamente nos processos

formativos.

Segundo Adorno (2008), a supressão de uma postura caricaturada de civilidade,

entendida, então, como expressão de humanidade e autonomia, seria condição para a

convivência social suportável. Diferente disso, a indiferença como manifestação de barbárie

continua permeando as relações e nublando o reconhecimento mútuo.

Sobre o contexto atual da educação, Flickinger (2011, p. 10) afirma:

Além disso, as últimas preocupações com a dependência desastrosa que a origem

social dos educandos exerce sobre suas chances de formação, também vêm

confirmando a importância de um reconhecimento social capaz de trabalhar as

diferenças sociais e culturais. Teríamos de falar também da negligência das questões

do reconhecimento social perante o peso maior dos conhecimentos, em detrimento

das experiências intersubjetivas; fato este que me faz acreditar que aí se esconde um

dos motivos do crescimento da violência social.

É tempo de pensarmos a educação como tarefa mediadora no processo de formação

humana e responsabilidade pela vida, se efetiva através do reconhecimento de múltiplas

racionalidades, vez que estas abrangem não apenas a cognição, mas também vontade, desejo,

gosto e afetos, misturados na subjetividade e desenvolvidos na intersubjetividade

(HABERMAS, 1987). Tudo isso comporta o processo formativo, desde condições de

civilidade favoráveis à percepção e à expressão até exercícios de pensamento e ensaios

miméticos na cultura, visando às possibilidades de articulação entre conhecimento e

reconhecimento. Através deste processo, podemos deslocar a visão romântica que se tem da

educação e de todos os seus processos, podemos estabelecer formas dignas de

reconhecimento, em que a relação ética entre os sujeitos se estabelece de modo que ambos

sentem-se ser-si-mesmo-do-outro, criando responsabilizações e cooperações mútuas. Nos dias

atuais, o reconhecimento pode ser visto como remédio para boa parte da crise instalada no

campo educacional; aliado a um modo de olhar para si e compreender-se e às suas

adversidades, pode promover mudanças de comportamento inter e interpessoal.

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3.5 DOCENTES: O QUE ACONTECE COM ESSA PROFISSÃO?

Um homem com uma dor

É muito mais elegante

Caminha assim de lado

Com se chegando atrasado

Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor

Como se portasse medalhas

Uma coroa, um milhão de dólares

Ou coisa que os valha

Ópios, edens, analgésicos

Não me toquem nesse dor

Ela é tudo o que me sobra

Sofrer vai ser a minha última obra

(Paulo Leminski)

Depois de uma longa viagem pelas marés da resiliência, da abordagem integral e da

teoria do reconhecimento, numa tentativa de desvendar ou rebuscar os mistérios que habitam

terras insólitas tanto no âmbito da resiliência quanto na educação, nos debruçaremos no que

causa tantos males aos educadores e às relações nas quais os mesmos estão inseridos,

lembrando da premissa que não é possível estar com o outro sem se afetar e ser afetado.

Detivemo-nos aos sofrimentos diversos, com mais ênfase nas adversidades causadoras

de adoecimento físico, o que mais comumente tem sido visto ou divulgado, de modo que não

estamos negando ou negligenciando as demais formas de sofrimento, apenas anunciamos o

recorte feito. Vale salientar que as adversidades no campo físico desequilibram o quadrante

superior direito, mas no efeito espiral todos os demais são atingidos.

De posse de vários entendimentos, elucidações por assim dizer, o questionamento

torna-se mais emergente: por que tem machucado tanto ser docente? O que representa, ainda,

tamanho mal-estar, traumas e sofrimento, de forma geral e sobre o modo no qual está inserido

no contexto da educação? Por que ainda há desrespeito e desvalorização deste campo

profissional, formador e possibilitador de transformações?

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Salientamos que estas reflexões buscam abarcar a complexidade de fenômeno, e o

intuito de reuni-las neste trabalho é possibilitar um espaço de diálogo que fomente novas

reflexões.

3.5.1 Na estrada longa da vida eu vou chorando as minhas dores: adversidades, traumas

e sofrimento

Desastres naturais, tragédias e morte de entes queridos são males que podem atingir

todo ser humano em qualquer momento da vida. O tempo todo somos expostos às

adversidades. Por mais que esses eventos possam ser perturbadores, debilitantes, e causar

sofrimento, nem todas as pessoas reagem da mesma forma. Estudos demonstram que,

enquanto alguns reagem a esses eventos de forma negativa, como desenvolvimento ou

agravamento de transtornos mentais/psiquiátricos, outros, pelo contrário, reagem de forma

adaptativa, mantendo uma trajetória de funcionamento saudável ao longo do tempo mesmo

diante dessas adversidades (BONANNO, 2004).

Quando se instala uma crise, inúmeras demandas podem surgir, como aquelas ligadas

à sobrevivência humana, à infraestrutura, à moradia, à comunicação e outras. Para Reyes

(2006), os desastres costumam ocasionar enormes perdas materiais e humanas, as quais, na

maioria das vezes, tendem a ser rapidamente esquecidas por quem não as viveu. Nesse

universo de perdas, as pessoas afetadas podem ter perdido familiares, amigos, estrutura de

apoio comunitário, trabalho e outros bens de valor para a sobrevivência. Na prática, isso nos

leva a pensar que a maioria de nós já vivenciou ou vivenciará pelo menos uma situação

adversa que venha a causar um trauma psicológico, porém é importante lembrar que eventos

estressores por si só não levam à manifestação de traumas psicológicos.

O que define o trauma não é o evento em si, mas, antes, os recursos (ou a falta deles)

de que o sujeito dispõe para responder ao evento. O trauma pode ser caracterizado por ações

pequenas e ordinárias, que ocorrem de forma contínua e ao longo do tempo causam um desvio

de percurso que impede a pessoa de viver plenamente, sendo chamado, então, de trauma de

desenvolvimento. Por sua vez, o trauma causado por um evento único ou extraordinário é

chamado de trauma de choque (LEVINE; FREDERICK, 1999; LEVINE; KLINE, 2007).

Segundo Peres (2014), é a lembrança específica de eventos em condições de extremo

estresse que pode vir a disparar a formação de padrões defensivos de comportamentos

inapropriados ao momento, causando desajustes à vida rotineira. São essas lembranças muitas

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vezes que acompanham os sujeitos ao longo de suas vidas e durante seu processo de formação

humana e que podem vir a criar impedimentos, barreiras, limitações, inseguranças, baixa

autoestima dentre outros muitos comprometimentos bio-psico-sócio-afetivos nas relações do e

no ser-no-mundo.

Para Neves, Hirata e Tavares (2015), o trauma, que desvia o sujeito de seu

desenvolvimento “normal”, destitui as experiências presentes de seus valores reais, mantendo

sempre atuais os espaços de silêncio no corpo. Muitas pessoas traumatizadas evitam falar

sobre o trauma numa tentativa de não reviver / rememorar os sentimentos experienciados,

alastrando assim os efeitos dos sintomas. Essa é uma estratégia de enfrentamento

normalmente estabelecida pela maioria das pessoas traumatizadas, porém o falar sobre tem

suas vantagens. Deve-se pensar o falar como sinônimo de uma possibilidade de enfrentamento

e superação, adquirindo uma experiência / aprendizado sobre tal evento. Pessoas

traumatizadas são incapazes de superar a ansiedade de sua experiência e permanecem

sobrecarregadas pelos acontecimentos, derrotadas e aterrorizadas. As defesas protetoras

usadas no trauma levam à alteração da consciência e à desconexão das sensações do corpo,

impactando a memória, a coesão e a consciência de si (KRUEGER, 2002).

Um bom exemplo de que a expressão / o falar do trauma pode vir a contribuir com sua

superação está no fragmento do depoimento do sobrevivente do Holocausto, Prêmio Nobel da

Paz de 1986, Elie Wiesel (Apud PERES, 2014, p. 30):

[...] nós devemos falar. Ainda que não consigamos expressar nossos sentimentos e

memórias da maneira mais adequada, devemos tentar. Precisamos contar nossa

história tão bem quanto pudermos. Eu aprendi que o silêncio nunca ajuda a vítima,

apenas o vitimizador [...]. Se eu ficar em silêncio, enveneno minha alma.

O trauma não é uma sentença perpétua, ele pode ser renegociado. Cyrulnik (2004)

ressalta que o trauma não pode ser revertido depois de ocorrido, mas pode ser reelaborado e

ressignificado, reduzindo o impacto provocado por estresses ou infortúnios ocorridos com

crianças, adolescentes e suas famílias.

Um ferimento precoce ou um grave choque emocional deixam um traço cerebral e

afetivo que permanece dissimulado sob a retomada do desenvolvimento. O tecido

portará uma lacuna ou uma malha particular que irá alterar a continuação da

tecedura. Poderá se tornar um tecido bonito e quente, mas será diferente. O distúrbio

é reparável, às vezes até para melhor, mas não é reversível. (Cyrulnik, 2004, p. 113)

Uma das formas mais potenciais que se conhece de traumatizar um sujeito é através da

violência e suas diversas modalidades. A violência está presente em todos os lugares, nas

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escolas, nas ruas, no ambiente doméstico, ou seja, é algo real que a sociedade vivencia e,

devido ao seu aumento nos últimos anos, tem sido motivo de preocupação de pesquisadores.

O aumento da violência na sociedade é que nos torna cada dia mais individualistas e

autônomos.

Segundo Viana (2004), podemos falar em dois tipos de violência: a visível e a

invisível. A primeira é caracterizada como agressões físicas, e a segunda, como imposições

culturais, ou seja, agressões verbais, exclusões dentre outros. A violência se apresenta com o

convívio de indivíduos indiferentes que se veem melhores em tudo, uma tentativa de oprimir

outrem.

Tomando a violência não visível e bastante comum, temo a violência simbólica, na

qual o indivíduo não percebe, de fato, mas acontece; para Bourdieu (1988), é considerado um

problema de ordem social, ocorrendo no cotidiano das pessoas, sem que essas tenham a

consciência da situação na qual estão envolvidas. Podemos pensar numa espécie de

cumplicidade, em que, inconscientemente e de comum acordo, se estabelece a prática dessa

troca de violência, alguns mandam e outros obedecem, sem perceberem o que está

acontecendo de fato.

Enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de

conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem a sua função política de

instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para

assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica).

(BOURDIEU, 1988, p. 11)

Ao pensarmos nas práticas educacionais e na promoção de resiliência, essa é uma das

violências mais intensas, que consideramos difícil de ser percebida pelo outro como tal, uma

vez que acredita ser ele o problema, além de ser de laboriosa inserção.

A violência assumiu um patamar de grande preocupação e relevância social; está

presente nas diversas formas culturais, o que gera conflitos de entendimento, visto que o que é

violento para uns pode ser tido como extremamente natural para outros, demonstrando

extrema agressividade. Candau (2012) afirma que, para a prática da não violência, o cidadão

deveria ser respeitado na sua alteridade, observando que a pobreza e suas consequências, o

desemprego, a desigualdade social e a corrupção não constituem os únicos fatores

determinantes da violência e não explicam a perda dos referenciais éticos, que sustentam as

interações entre grupos e indivíduos.

Segundo Souza (2008, p. 120),

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A violência pode ser caracterizada como imposição de algo realizado por um

indivíduo/grupo social a outro indivíduo/grupo social contra a sua vontade.

Dependendo do local e da maneira como ocorre a violência, ela pode ser classificada

como criminal, policial, estatal, institucional; pode também ocorrer na forma física

ou psicológica, doméstica, rural, urbana, escolar dentre outras classificações,

podendo ser aparente ou não.

Assumimos como violência qualquer forma de desrespeito ao direito e vontade do

outro, expressa muitas vezes por atos, atitudes, gestos, falas e comportamentos que as pessoas

praticam sem consciência efetiva do seu significado e de suas consequências. No ambiente

escolar, pode ser observada em atos como falta de respeito aos colegas e professores,

agressões verbais (ameaças e xingamentos), abandono e negligência (SOUZA, 2008),

negligência de informações, não inclusão aos grupos, atividades etc.

Estudos mostram que a vivência na escola, seja entre pares, seja por professores, pode

contribuir para o aparecimento de sintomas psicológicos ou psiquiátricos nas vítimas

(HOUBRE et al., 2006), podendo gerar angústias e sofrimentos. Encontram-se descritos na

literatura sintomas de depressão (FEKKES et al., 2010), ansiedade (LUUKKONEN et al.,

2010) e até mesmo de Transtorno de Estresse Pós-traumático (ALBUQUERQUE;

WILLIAMS; D’AFFONSECA, 2013; ATEAH; COHEN, 2009; CROSBY; OEHLER;

CAPACCIOLLI, 2010), sendo que as consequências da violência escolar podem acontecer a

curto, médio e longo prazo.

Stelko-Pereira e Williams (2010) destacam que definir violência escolar não é uma

tarefa fácil, devido aos diversos elementos que contribuem direta ou indiretamente para a

concretização da mesma. Aspectos culturais, quando se trata da imposição de cultura, de

elementos simbólicos ou concretos de um povo/sujeitos sobre outros; históricos e/ou

individuais, segundo os autores, são possíveis desencadeadores de atitude de violência, ao

observar a presença da violência em todo o processo histórico, no caso do Brasil, desde a

colonização até os dias atuais. A escola é composta por pessoas que viveram e vivem essas

imposições culturais e sociais, por isso a violência está presente.

Violência isolada se dá entre dois indivíduos, o agressor e o agredido, podendo ocorrer

em qualquer espaço, a qualquer momento, só bastando haver “disponibilidade” para tal entre

as partes. Vale salientar que nem sempre acontece de maneira explícita. Sendo assim,

[...] compreende-se que a violência escolar incorpora tanto a perspectiva mais

explícita da violência, como agressão entre indivíduos, quanto a violência simbólica

que ocorre por meio das regras, normas e hábitos culturais de uma sociedade

desigual. (STELKO-PEREIRA; WILLIAMS, 2010, p. 45)

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As pessoas são diferentes, cada um possui seu modo de pensar e agir, suas crenças e

seus costumes, que influenciam na concepção de violência de cada sociedade, assim como a

falta de respeito ao outro e às suas crenças implicam movimentos violentos. No espaço de

formação, é muito comum percebermos posturas que geram adversidades, dor, sofrimento

pela imposição, pela dificuldade de percepção do outro, pelas relações de poder que vão se

estabelecendo ao longo do exercício profissional, assim como o falso lugar do saber como

máxima para a manutenção de status.

Essa é uma realidade presente nos processos formativos, de forma a gerar divergências

entre os sujeitos, conflitos e relações interpessoais desastrosas, diversos subgrupos incapazes

de interagir um com o outro, aumento da individualização do fazer pedagógico, além do

adoecimento, afastamento e muitas vezes a desistência da profissão.

3.5.2 Igual a uma borboleta voando triste por sobre uma flor: o adoecer docente

A atividade profissional não é apenas um modo de ganhar a vida, mas uma forma de

inserção social na qual os fenômenos psíquicos e físicos estão fortemente implicados. O

trabalho pode ser um fator de equilíbrio e de desenvolvimento humano. Essa situação está

vinculada a um trabalho que permita a um indivíduo aliar necessidades de diferentes ordens

ao desejo de executar tarefas, ou seja, que seja uma fonte de prazer (DEJOURS; DÉSSOURS;

DÉSRIAUX, 1993; MENDES, 1995; MENDES; ABRAHÃO, 1996; LOURENÇO;

FERREIRA; BRITO, 2013).

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/96), o

indivíduo deve ser formado para o exercício da cidadania e para a qualificação para o

mercado de trabalho. Esse parece ser o fim último da formação humana segundo nossas leis,

porém, talvez seja esse reducionismo que cause um dos maiores sofrimentos no exercício

docente, no qual se deixa de ser-si-mesmo para ser um conjunto de regras e saberes

estabelecidos.

A base de toda a sociedade e dos princípios políticos, éticos, tecnológicos e

organizacionais nela existente é sustentada por uma dimensão de conhecimentos e saberes.

Lessard e Tardif (2008) afirmam que a instrução é indissociável do mundo social uma vez que

a grande maioria de seus atores, em diferentes graus e formas, é escolarizada. Salientam ainda

que é no ambiente escolar que ocorre a formação do homem que irá assumir os papéis,

promover as mudanças e as transformações da sociedade.

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A construção da identidade do docente, seja individualmente, seja coletivamente, deve

ser como algo surgido do processo de relação com o fazer, isto é, elaborada a partir dele

mesmo, no exercício do seu trabalho, do modo como o vivencia e dá significado a ele. O

professor competente, sob esse foco, seria aquele que possui experiência e consegue lidar com

situações que se repetem e para as quais criou estratégias e rotinas de solução. A

subjetividade, portanto, prevalece sobre a formação acadêmica e os conhecimentos teóricos.

Esse olhar não invalida e não desconsidera o adoecimento e sofrimento nesta área

laboral bem como todas as consequências trazidas muitas vezes por não reconhecimento do

sujeito como uma totalidade, em que não é possível suprimir sentimentos, emoções, dores dos

docentes.

Silva (2015) considera que o sofrimento é inerente à atividade laboral e que se

relaciona dialeticamente ao prazer. O trabalho atua como mediador entre o desejo e a vida

social, envolvendo renúncias e ao mesmo tempo possibilitando gratificações.

O mundo do trabalho é entendido como o palco por excelência da disputa e da

existência desse equilíbrio: profissionais entre o sofrimento e o prazer, em que as vivências de

prazer/sofrimento são indicadores do processo saúde/adoecimento, que são influenciadas pela

forma como está montada a organização do trabalho e pelas condições de suas relações

sociais, que podem ser manifestar através da liberdade e realização profissional ou pelo

esgotamento e falta de reconhecimento (MENDES; ARAÚJO; FREITAS, 2008).

O sofrimento humano e o adoecimento no trabalho são, aparentemente, temas da

modernidade, porém a sociedade convive com essas misérias morais desde os tempos em que

a prática humana de trabalhar se configurou na única forma de produzir a si mesmo.

Sendo assim, concordamos com Carvalho (2015) quando diz que as vivências de

sofrimento não devem ser estigmatizadas de pronto como algo patológico, mas sim como

indicadores da possibilidade de que doenças ocupacionais podem vir a se instaurar por se

tratar de vivências de afetos dolorosos. Elas podem ter sua expressão nos males causados no

corpo, na mente e nas relações socioprofissionais, apresentando, assim, suas causas no

contexto de trabalho, caracterizadas pela ansiedade, insatisfação, indignidade, desvalorização

e desgaste no trabalho. No entanto, elas podem ser tanto mascaradas como também

ressignificadas pelas estratégias de mediação, constituindo-se no impulso necessário para que

ocorram mudanças no contexto de trabalho.

De acordo com Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), o sofrimento é inevitável. Há dois

tipos de sofrimento: o criador e o patológico. O criador é quando o “sujeito consegue elaborar

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soluções originais que são em geral simultaneamente favoráveis à produção e à saúde”

(HELOANI, 2008, p. 165), quando também “o sofrimento pode ser transformado em

criatividade e traz uma contribuição que beneficia a identidade” (DEJOURS; ABDOUCHELI;

JAYET, 1994, p. 137). Ou seja, quando o trabalhador consegue tolerar o sofrimento e superá-

lo, quando consegue vencer os obstáculos e fracassos decorrentes da atividade laboral,

desenvolvendo, assim, sua capacidade e inteligência, o que torna possível a transformação do

sofrimento em prazer, por meio do uso de sua inteligência prática (AZEVEDO;

FIGUEIREDO, 2015).

De acordo com Costa et al. (2014, p. 5), esta inteligência prática “é a capacidade do

indivíduo em desenvolver habilidades práticas por meio de experiências e de expor ideias que

mesmo contraditórias, são ouvidas e respeitadas”. Porém, o desenvolvimento da inteligência

prática só se torna possível quando há liberdade criativa de transformação do trabalho e das

relações interpessoais associadas às boas condições de trabalho. E essa transformação

“aumenta a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e somática”.

Já o sofrimento patogênico ou patológico ocorre “quando todas as possibilidades de

liberdade na transformação laboral já foram utilizadas e quando findaram os recursos de

defesa psíquica” (HELOANI, 2008, p. 165). Como afirma também Dejours, Abdoucheli e

Jayet (1994, p. 137), tal sofrimento é decorrente do esgotamento de todas as possibilidades de

liberdade na transformação e de uma gestão aperfeiçoada da organização do trabalho, “isto é,

quando não há nada além de pressões fixas, rígidas, incontornáveis, inaugurando a repetição e

a frustração, o aborrecimento, o medo, ou o sentimento de impotência”.

A partir de pesquisas realizadas por outros autores europeus, Esteve (1999) se tornou

pioneiro ao utilizar a expressão “mal-estar docente” na década de 1980. Antes dele, o

professor Juan Mosquera foi autor de diversas publicações na década de 1970, resultantes de

pesquisas na área de educação. Por sua vez, Mosquera aborda a temática da afetividade que

perpassa todo o processo de ensino-aprendizagem e que não era levada em conta,

principalmente nos cursos de formação de professores. Ele não utiliza a expressão mal-estar

docente, mas pontua em seus escritos “a problemática do professor”, refletindo sobre o

sofrimento derivado das suas frustrações na prática da sala de aula e conduz sua investigação

a partir da dualidade professor como pessoa x professor como profissional.

Mal-estar docente é uma doença social que provoca a pessoa e é causado pela falta

de apoio da sociedade aos professores, tanto no terreno dos objetivos de ensino,

como nas compensações materiais e no reconhecimento do status que lhes atribui.

(MOSQUERA; STOBÄUS, 2001, p. 25)

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Já Jesus (2004, p. 122) aponta que o “[...] conceito de mal-estar traduz um processo de

falta de capacidade por parte do sujeito para fazer face às exigências que lhe são colocadas

pela sua profissão”. Também distingue três etapas no desenvolvimento do processo de mal-

estar docente: na primeira etapa, as exigências profissionais excedem os recursos do

professor, provocando estresse; na segunda, o professor tenta corresponder a estas exigências,

aumentando seu esforço; e, na terceira, aparecem os sintomas que caracterizam o mal-estar

docente.

Ainda há outra classificação, na qual os indicadores do mal-estar docente se dividem

em dois fatores: os de primeira ordem, referindo-se aos que incidem diretamente sobre a ação

de sua docência em sua classe, gerando tensões associadas a sentimentos e emoções negativas

como recursos materiais e condições de trabalho que limitam a prática docente; violência nas

instituições escolares, principalmente em grandes centros; e esgotamento docente fruto do

acúmulo de exigências. Muito embora a evolução negativa do contexto social não afete por

igual todos os professores, muitos não têm encontrado respostas aos novos desafios. Alguns,

por consequência, reduzem sua eficácia ao não conseguirem adequar-se às novas exigências.

Estes estão sujeitos a se depararem com os agravantes das condições de mal-estar docente,

podendo agir negativamente em sua profissão.

Os fatores de segunda ordem referem-se às condições ambientais no contexto do

exercício da docência, dentre eles a modificação do mundo do professor e dos agentes

tradicionais de socialização, a função docente caracterizada por contestação e contradições, a

modificação do apoio do contexto social, os objetivos do sistema de ensino e avanço dos

conhecimentos, e a imagem do professor, muitas vezes mais ligadas às situações de conflito.

A ação deste segundo grupo é indireta, afetando a eficácia docente ao promover uma

diminuição da motivação do professor em seu trabalho (SAMPAIO; STOBÄUS, 2016).

A palavra mal-estar se presta a inúmeras conotações como vimos acima, não nos

deteremos em detalhá-las neste trabalho, de acordo com a perspectiva adotada. Neste estudo,

optamos usar a conceituação no sentido de um elemento inerente à própria condição humana,

no que tange um resto não satisfeito ou por satisfazer, que se atualiza em cada cena cotidiana

articulada nas relações do sujeito com o mundo. Os modos de expressão do mal-estar, por sua

vez, constituem-se como efeito das práticas sociais que implicam o sujeito em vínculos que

sustentam a sua existência.

Portanto não nos apegaremos a patologias específicas, e sim a formas de experiências

dos sujeitos que vivenciam o mal-estar na educação. Também não pretendemos nos deter

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sobre situações em que, por exemplo, a ocorrência de um quadro tradicional da psicopatologia

psiquiátrica é determinante do modo como o sujeito se insere no campo escolar. Não é nossa

intenção também aprofundarmo-nos em figuras específicas do campo da psicopatologia do

trabalho, como é o caso da síndrome de burnout ou do esgotamento profissional, não as

desconsiderando, mas sim ampliando para outras formas de sofrimento que não ganham voz

nem vez no campo de pesquisa.

Estamos tentando detectar posicionamentos dos sujeitos frente à vivência do mal-estar

na prática docente. O trajeto proposto não tem, obviamente, a pretensão de esgotar o tema, no

sentido de abordar todas as formas de mal-estar na escola, até porque essa é uma condição

fluiída visto que as formas de relacionamento e os sujeitos estão em constantes alterações.

Brasil (2015) afirma que a crescente frustração que domina os profissionais da

educação gera prejuízos que os atingem e estão à vista de todos: desmotivação pessoal e

elevados índices de absentismo e de abandono, insatisfação profissional traduzida numa

atitude de desinvestimento e indisposição constante. O número de adoecimentos,

afastamentos médicos, licenciamentos por tempo indeterminado e aposentadorias precoces é

crescente. A crise da profissão docente arrasta-se há longos anos no Brasil, e não se

vislumbram perspectivas de superação a curto prazo. Esta espécie de autodepreciação é

acompanhada por um sentimento generalizado de desconfiança em relação às competências e

à qualidade do seu próprio trabalho, o que é alimentado por círculos intelectuais e políticos

que dispõem de um importante poder simbólico nas atuais culturas de informação.

A educação ainda não assumiu o papel transformador perante a nossa sociedade, ainda

não se tem fincado nas bases da mudança um pilar que diz respeito ao empoderamento social

que pode se ter por meio da educação.

Vários pesquisadores e educadores tem demonstrado interesse na temática do mal-

estar docente hoje reconhecida como um “fenômeno” internacional, levando-os à produção de

estudos investigativos em razão do elevado número de profissionais vivenciando o sofrimento

e angústia docente na prática do magistério.

Gallegos e Barrios (2013) e Carlotto (2002) revelam a importante relação entre o

trabalho na educação e o adoecimento docente. Parece que os fatores de risco presentes no

local de trabalho dos docentes agravam e comprometem a saúde dos profissionais de forma

lenta e insidiosa. De acordo com Carlotto (2002, p. 26), “está na relação aluno-professor a

maior fonte de oportunidade de adoecimento, bem como de grandes oportunidades de

recompensas e gratificações”. Segundo Gallegos e Barrios (2013), o entorno da educação se

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constitui um risco para a saúde física e mental do professor. A problematização é

compreendida como o ato de dialogar sobre a realidade, sobretudo buscar transformá-la, como

destaca Freire (1987, p. 97): “Problematizar, porém, não é sloganizar, é exercer uma análise

crítica sobre a realidade”.

A atividade educativa exercida como profissão é considerada uma das com elevado

risco, além de ser uma das mais estressantes, o que já era dito pela Organização Internacional

do Trabalho (OIT) em 1981, baseando-se em evidências. Tal conceituação continua até a

atualidade em face dos vários desafios que o professor encontra para desenvolver sua tarefa.

Diante de tantas constatações é possível levantar que a temática adoecimento / mal-

estar docente se tornou, na última década, um problema de saúde pública que tem pautado as

discussões educacionais nacionais e internacionais, estando atrelado à ideia de que,

encontrando a solução para o mal-estar, os problemas escolares serão resolvidos, que não

acreditamos ser de fato a única solução, além de superdimensionar as responsabilidades dos

docentes.

Mediante levantamento bibliográfico, é possível afirmar que as principais

manifestações de doenças em professores são fadiga, cansaço físico, insônia, transtornos

cardiovasculares, quedas de cabelo, bronquite, asmas, alergias, disfunções sexuais,

perturbações psíquicas, emagrecimento ou obesidade, tristeza profunda, depressão,

transtornos de humor, ansiedade, AVC12, falta de apetite. Diante dessa sintomatologia,

situações de desconforto são constantes, justificando, assim, a existência do mal-estar

vivenciado atualmente diante da complexidade do cotidiano do professor.

Para Manfré (2014), o mal-estar é consequência de uma multiplicidade de fatores —

crise de identidade, problemas na formação inicial e continuada, idealização do contexto

pedagógico, síndromes e patologias — que revelam a falta de zelo para com os professores,

cuja função passa por profundas transformações, exigindo novas competências e

conhecimentos que lhes permitam dar respostas adequadas às necessidades de um cotidiano

que se modifica rapidamente.

Podemos compreender o sofrimento por meio de vivências de esgotamento e falta de

reconhecimento. O esgotamento emocional, vincula-se às experiências de frustração,

insegurança, inutilidade e desqualificação, que podem gerar desgaste e estresse. A falta de

12 Acidente Vascular Cerebral

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reconhecimento, por sua vez, está relacionada às vivências de injustiça, indignação e

desvalorização no trabalho.

O sofrimento se localiza, portanto, entre a saúde e a patologia. Isto quer dizer que a

existência de sofrimento não implica em patologia. Além disso, o prazer-sofrimento pode

conviver nas situações de trabalho e, mesmo assim, não ser contrário à saúde (MENDES;

ARAÚJO; FREITAS, 2008).

Para que o trabalho não seja fonte de sofrimento, mas sim de equilíbrio e bem-estar,

Dejours (1998) salienta que o mesmo deve favorecer o equilíbrio mental e a saúde do corpo,

tratando de uma abordagem muito ampla sobre o conceito de sofrimento do trabalho, em

especial, pode-se destacar sua abordagem sobre a ambivalência “bem-estar” e “mal-estar” no

contexto do trabalho; sendo que essa ambivalência quer dizer que o sofrimento no trabalho

pode ser entendido “como o espaço de luta que ocorre no campo situado entre, de um lado, o

bem-estar, e, de outro, a doença mental ou a loucura” (DEJOURS, 1998, p. 153), o que faz

sentido conjuntamente com as ideias de Honneth (2003), sobre reconhecimento se dar pela

luta de classes.

Sob o aporte teórico da Psicodinâmica do trabalho, Dejours (1998) explica que, se a

organização do trabalho não é capaz de atender aos projetos, anseios e desejo do indivíduo,

favorece um tipo de sofrimento que é de natureza mental e tem início quando o indivíduo não

consegue empreender mudança com o objetivo de adequar as tarefas às suas necessidades

fisiológicas e desejos psicológicos, ou seja, quando a relação homem-trabalho é bloqueada.

Os estudos baseados na sociologia, como os de Esteve (1999), e na Psicodinâmica do

trabalho, como os de Dejours (1998), apontam para a necessidade de analisar a saúde/doença

do professor numa perspectiva não apenas da individualidade. Ao contrário, essas análises

indicam a necessidade de contextualizar sempre, tanto em nível das políticas públicas

educacionais quanto no universo específico que constitui cada escola. Desse modo, sugiro que

tenhamos um olhar integral, não em tempo, e sim no modo operante; que o adoecimento,

sofrimento e mal-estar docente possam tomar uma conotação integrada e que perpassa mente,

corpo, matéria e espírito, de modo a encontrar caminhos para ressignificar os traumas, dores e

adversidades, possibilitando prazer na escolha bem como no exercício da profissão.

3.6 UM MODO OUTRO DE OPERAR: UM OLHAR AMOROSO PELAS LENTES

INTEGRAL

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140

Silva e Paiva (2018) relatam que o trabalho docente é um trabalho emocional, por ser

também um trabalho interativo com outros seres humanos e pelo fato de ultrapassar as

capacidades físicas e mentais, requerendo forte investimento afetivo.

Assim podemos afirmar que o nosso olhar para o sofrimento e adoecimento docentes

remete-nos às suas dimensões afetivas, éticas e políticas. Como nos aponta Sawaia (1995, p.

155), "[...] é preciso colocar no centro da reflexão do adoecer", mal-estar, a maneira como

cada indivíduo se relaciona consigo e com o mundo social como "ser ético" e "ser afetivo".

O "agir infrutífero" no trabalho, no sentido das reduzidas possibilidades do sujeito

ético-político de atuar conforme o ideal de transformação social, produz o "sofrimento

psicossocial"; o trabalho "deixa um gosto amargo na boca", sobrepõe o "tempo de viver" ao

"tempo de morrer", espécie de "adormecimento intelectual" que, no limite, engendra o

"sofrimento" como redução do indivíduo ao "zero afetivo" e às vivências depressivas que

condensam "sentimentos de indignidade, inutilidade e desqualificação" (SAWAIA, 1995, p.

158-159).

A autorreflexão é um dos caminhos que pode propiciar um pensamento sobre a

ressignificação do mal-estar docente e aquilo que o acomete, referindo que, mesmo inseridos

nos processos de formação do nosso tempo, podemos buscar um arcabouço substancial de

resistência para as relações empobrecidas na vida docente.

Nesse contexto, somos instigados a rever o modo de pensar, de sentir, de significar e

de agir como educadores para a inteireza, reconhecendo preconceitos, ponderando exigências

essenciais e imprescindíveis, assumindo uma atitude responsável e consciente de humildade

diante de nosso próprio conhecimento (autoformação/autoconhecimento). O que está em jogo

e em risco é nosso futuro para bem mais além do acadêmico-profissional, mas enquanto

espécie.

As questões partem da disponibilidade dos docentes em aderirem esse processo de

transformação. Será que estariam sensíveis e atentos a esse chamado? Estão preocupados em

relação à integralidade, ao desenvolvimento das diferentes dimensões constitutivas: corpo,

matéria, mente e espírito? Quais as possibilidades de formação continuada estão sendo

aderidas? Por quê? Para quê? A favor de quem? Quais as notórias repercussões? Como

respondem aos interesses institucionais?

Essas indagações remetem a uma reflexão sobre si, sobre seus atos e sobre seu próprio

pensamento, assim como remete à autorresponsabilidade assumida ou que deveria ser e nos

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esquivamos frente ao sistema, aos medos, ao sofrimento e aos traumas, vez que, nos

mantendo assim, estamos aprisionados em um ciclo vicioso de permanência.

O mal-estar docente, o adoecimento e as adversidades enfrentadas pelos docentes são

bem amplos, como vimos anteriormente, mas não é impossível que alguém os supere,

aprendendo com a experiência e ultrapassando-as.

[...] uma encruzilhada onde pode continuar refletindo no espelho o materialismo

científico, o pluralismo fragmentário e o pós-modernismo desconstrucionista, ou

olhar para além do espelho escolhendo uma vereda mais integral, mais abrangente e

mais inclusiva. (WILBER, 2003, p. 11)

É preciso alterar a sintonia, mudar a frequência e criar possibilidades de não

encapsulamento no processo de adoecimento e mal-estar docente, buscando maneiras de

sentir-se inteiro com as escolhas feitas; isso não nos remete a negligenciar acontecimentos, e

sim olhar para cada um deles aprendendo com os mesmos.

Veloso et al (2016) relatam que a vivência de prazer no trabalho está relacionada ao

bem-estar que o trabalho causa no corpo, na mente e nas relações interpessoais, manifestado

por meio de realização, reconhecimento, liberdade, gratificação e valorização no trabalho.

Para os autores, tais características são indicadores de saúde no trabalho, e a vivência de

prazer no trabalho é caracterizada por um estado da carga psíquica adequada e por um melhor

funcionamento do aparelho psíquico do trabalhador.

Executar, desempenhar e ter atividades significativas que façam parte do processo do

desenvolvimento profissional do sujeito sugerem que o mesmo vivencia o prazer no trabalho,

além de sentir-se valorizado e reconhecido. A valorização, o sentimento de importância

vivenciado pelo sujeito, o reconhecimento e a admiração pelo trabalho executado

proporcionam a vivência de prazer no trabalho e agregam valores à sua vida e à organização a

qual pertence (MENDES, 2008).

Sendo assim, o trabalho pode ocupar um lugar central na vida das pessoas,

interferindo nas relações sociais e na formação da identidade do indivíduo (LOURENÇO;

FERREIRA; BRITO, 2013), o que contribui também na realização do trabalhador enquanto

pessoa e como fonte de prazer e saúde mental (SOUZA, 2015).

O reconhecimento, na concepção de Dejours, Lancman e Sznelwar (2008) e da

Psicodinâmica do Trabalho, é a contrapartida que o trabalhador recebe por suas contribuições.

Nesse sentido, as retribuições recebidas, sejam elas simbólicas ou econômicas, servem tanto

para incentivar o trabalhador quanto para atribuir sentido à sua ação. Elas não só permitem

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que haja identificação do profissional com aquilo que realiza, como também contribuem para

a concepção do prazer no trabalho. Embora essa retribuição possa ser econômica, o autor

enfatiza que ela pode ser mais significativa quando for simbólica.

Em sentido parecido, Mendes (2008) argumenta que o trabalhador reconhecido tem

sua imagem caracterizada pela realização profissional. O próprio profissional internaliza essa

visão ao mesmo tempo que ressignifica seu oficio. Desse modo, segue a autora, o

reconhecimento permite a atividade de trabalhar ganhos de sentido e ressonância simbólica.

Para Mendes, Araújo e Freitas (2008), sem o reconhecimento não há nem sentido nem prazer

no trabalho, apenas o sofrimento patogênico e estratégias defensivas, o que levará à

desmobilização. Desse modo, as formas de reconhecimento no mundo do trabalho demandam

pelo sentido do coletivo, da equipe e da filiação. Nesse sentido, seguem as autoras, reconhecer

e dar voz à participação dos professores é uma maneira de engajá-los para a ação, ao mesmo

tempo que se permite a estruturação do coletivo, uma melhor dinâmica do trabalho e de sua

organização.

Para Wilber, integral significa abrangente, equilibrado e inclusivo. Pensar, sentir e agir

de maneira integral traz sempre um senso de totalidade ou plenitude, de que não deixamos de

lado nada importante. Em geral, essa é uma experiência intuitiva. Tudo parece simplesmente

mais correto, mais em contato com a realidade (WILBER et al., 2011, p. 49).

Ao nosso entender, a superação dos desafios locais e globais da atual sociedade

depende de soluções baseadas na complexidade das relações humanas de forma integral, que

favorece nos ver e ver o mundo de maneira completa e efetiva, percebendo os níveis físicos,

emocionais, mentais e espirituais das pessoas e das ações. “É o conhecimento vivo que

conduz à grande aventura da descoberta do universo, da vida e do homem!” (MORIN, 2007,

p. 15).

A abordagem integral vem ao encontro de uma nova imagem do ser-si-mesmo

educador, em que vão sendo indicados os novos desafios a serem vivenciados, tornando-se

assim primordial uma transformação global das instituições, das circunstâncias, dos conceitos,

das artes e das ciências, o que significa mudar o modo de pensar e a própria natureza na

constituição interna do ser-si-mesmo educador — impulsos, alma, espírito — e exige

“mudança de valores”.

Para compreendermos o ser-si-mesmo educador nas quatro dimensões do ser, é preciso

destacar a relevância da educação dos sentidos, da ampliação da consciência, a promoção da

resiliência, o reconhecimento, tornando possível propor a inclusão de um novo olhar, na

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complexa relação entre a mente, o cérebro, a cultura e a sociedade desse sujeito complexo que

está disponível nos modos de se conhecer.

É ter em mente o hólon educador, no qual os cinco elementos — níveis, estados,

linhas, tipos e quadrantes —, de uma forma espiralada, estão presentificados, afetando e sendo

afetados na existência do ser educador. Uma forma integrada do interno, externo e tudo que

perpassa eles.

Segundo Fontoura (2016), pode-se perceber que a pessoa se faz constituinte e

constituída do constructo que fornece e absorve da interação continuada com o mundo

(interno e externo), em razão de tudo que está à sua volta e em seu interior, interagindo e

agindo sistematicamente, de forma independente, conforme é possível observar a seguir.

Wilber (2007a) relaciona os quadrantes com os campos do conhecimento humano: o

eu com o Estético, com a Beleza; o Nós com o Ético, com a Bondade; o Ele (Isso e Issos) com

a Ciência, com a Verdade. Nesse sentido, para ser integral, é necessário distinguir essas

dimensões, porém, não as dissociando, mas incluindo-as e transcendendo-as.

Pensando de forma mais pontual, conforme Wilber (2007b), na dimensão subjetiva -

EU (QSE), a natureza da existência envolve a sensação de transcendência-e-inclusão de vários

momentos de ser-estar-no-mundo. Na dimensão objetiva - ISSO (QSD), a existência envolve

a auto-organização e a autorreprodução. Na intersubjetiva - NÓS (QIE), predomina o

background cultural de significados compartilhados que se constituem como a base essencial

da memória cultural e as relações. Na interobjetiva - ISSOS (QID), é o subconjunto dos

fenômenos gerais da memória de sistemas sociais. Essas dimensões são padrões profundos e

buscam o sentido de ser-estar-no-mundo-com-os-outros, assim, “você tem uma missão, um

sentido na vida, que não poderá ser ignorado”, afirma um dos participantes da pesquisa.

Para Andrade e Portal (2014), olhar alguém por inteiro é perceber, compreender e

respeitar seus limites, diferenças e escolhas, que nada mais são do que momentos de

consciência ante aquilo que está contido no íntimo de cada um, ante aos anseios ocultos de

paz interior, sublimados momentaneamente com distrações, mas que logo ocupam seu lugar

no vazio que exige respostas.

Partindo dessa perspectiva, é possível vislumbrar um novo olhar, um outro caminho a

ser tomado frente ao exercício da profissão docente. Algumas circunstâncias vão existir, vão

exigir do professor prontidão, assim como este não vai conseguir dar conta de todas as

demandas surgidas, porém o mais importante é a forma como cada professor vai encarar este

caminho, o ofício, a fim de tornar-se conhecedor de si mesmo, das suas possibilidades e

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limitações, vez que isso irá facilitar o enfrentamento das adversidades passadas, atuais e por

vir.

Para Fontoura (2016), educar de forma integral é considerar a totalidade do ser,

espiritualidade, a atenção, o respeito, a cooperação, o conhecimento, a cultura, dentre outros

elementos que compõem a pessoa — fato que, por si só, já deveria ser fundamento suficiente

para que a totalidade do ser faça parte do dia a dia escolar, haja vista a relevância de todos

estes elementos para o despertar do pleno potencial humano, em termos de convívio e

construção social, respeito e cultivo da cidadania, incentivo pleno da educação e do ensino,

percepção das múltiplas possibilidades e potencialidades etc.

Desta maneira, podemos pensar que o ser educador está contido no rol de

transformações, mudança, quebras de paradigma e barreiras, ultrapassando cristalizações

próprias quanto ao meio, é promover a si mesmo condições de ser-no-mundo consigo e com

os outros, é poder reinventar-se diante de si e das dificuldades, é ter mãos a si mesmo como

ferramenta principal para o ato pedagógico; com isso não descartamos os conhecimentos

cognitivos estruturais, mas abrimos espaço para as diversas formas de saberes.

O bem-estar e o prazer podem se fazer presentes no cotidiano docente e a escolha pode

ser menos árdua, visto que sempre haverá dificuldades a serem vencidas. É preciso enfrentar

nossas dificuldades, adversidades, sofrimentos, mas que isso não seja algo penoso, custoso,

doloroso apenas, pois não podemos descartar essa possibilidade, vez que, como apresentamos,

não somos criados para desenvolver um modo de enfrentamento dos problemas, é mais fácil

tentar transmitir a outrem nossas responsabilidades.

A resiliência integral abraça aqui uma proposta nada piegas ou salvacionista, mas uma

diferente forma de enfrentar as durezas de ser docente, sem precisarmos ficar doente. Caso

fique, que a consciência ampliada possa ajudar no enfrentamento e na compreensão desse

todo inseparável, mas visto através de quadrantes.

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145

4 PERCURSO METODOLÓGICO: o nó do nó na rede do marinheiro, por entre as

marés

Figura 16 – Nó marinheiro

Fonte: Pinterest

A metodologia é o “nó central” da pesquisa, elucidando e incluindo as articulações

entre a teoria, os métodos e as técnicas empregados na investigação da pesquisa, para o qual é

necessário que exista um consenso com o objeto de investigação, permitindo responder aos

pressupostos teóricos que fundamentam as noções de ciência e da pesquisa. Depois de muito

nadar, fizemos aqui uma opção por uma metodologia prioritariamente qualitativa que atente

para aspectos subjetivos e simbólicos presentes no cotidiano das práticas educacionais, apesar

de termos coletado dados quantitativos que nos ajudaram a nortear algumas escolhas.

A opção feita pela pesquisa qualitativa se dá primordialmente por não limitar o

conhecimento a um número de dados isolados, ligados por uma teoria explicativa, onde o

sujeito-observador compila os dados, interpreta os fenômenos e lhes dá um significado.

Chizotti (2006) aponta algumas características da pesquisa qualitativa que julga ser

importante para o pesquisador e o desenvolvimento da pesquisa: 1) envolvimento do

pesquisador com as circunstâncias e contexto da pesquisa; 2) reconhecimento dos atores

sociais como sujeitos que produzem suas próprias formas de conhecimento; 3) resultados

analíticos como frutos de um trabalho intersubjetivo resultante da relação estabelecida entre

pesquisador e sujeito.

Concordamos com Cavalcanti (2011), que compreende que a educação é um processo

dinâmico e que envolve várias dimensões da vida social que buscamos priorizar na pesquisa

qualitativa, possibilitando reflexões acerca das situações, eventos, pessoas, interações e

comportamentos que são diretamente observáveis por um tratamento objetificador.

Essa pesquisa nasceu de uma grande ruptura, pois o objeto da pesquisa, da forma

como estávamos olhando, não cabia nos modelos existentes — cartesianos, estruturalistas.

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146

Assim, apresento-vos, o primeiro desafio metodológico: como dar conta de algo que parecia

não ter saídas. Após uma bomba de alto impacto ter caído em mim, eis que surge uma saída

através da MARES.

4.1 PRESSUPOSTOS DA ABORDAGEM E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS DA

PESQUISA

O nosso nó aportou e apertou na escolha que fizemos dentre as várias possibilidades e

abordagens no campo qualitativo. Optamos por baixar âncora na Metodologia de Análise de

Redes do Cotidiano13 (MARES), visto que a mesma enfatiza as redes do cotidiano,

explicando como elas interferem nos processos de representação e instituição das realidades

sociais e culturais, mas também nos utilizaremos de procedimentos da pesquisa bibliográfica,

que mais tarde serão detalhados.

Com a MARES, Martins (2009, p. 61) visa

[...] sistematizar os fundamentos de uma abordagem fenomenológica e hermenêutica

do cotidiano que nos ajude a descobrir a superfície da vida comum de maneira a

expor os planos de organização das subjetividades. Para tal desconstrução,

incorporamos os três níveis de organização identitárias e moral do sujeito

sistematizados por A. Honneth, a saber: os da confiança, do respeito e da estima.

A MARES trata-se de um método fenomenológico, interacionista e construcionista a

ser utilizado para analisar redes sociais do cotidiano, em geral, e redes de usuários14 dos

serviços públicos, em particular, com o objetivo de mapear as redes existentes, as redes em

13 O termo ”cotidiano” expressa algo muito mais complexo que tem a ver com as manifestações simultâneas,

caóticas, e diferenciadas de desejos, sonhos e práticas colaborativas, coletivas e individuais, que conspiram a

favor da organização da vida social em diversos planos: da vida afetiva, da vida social e da vida cultural

(MARTINS, 2009, p. 67). 14 O usuário deve ser visto como um ator comunitário que reelabora sua fala técnica em função de alguns

critérios, tornando-se atores sociais que podem se empoderar no processo de organização imaginária e

institucional do ser usuário, posicionando-se como sujeitos ativos da ação e desconstruindo a associação negativa

entre pobreza e pauperismo em geral (social, cultural, econômico e mental) (MARTINS, 2009, p. 58). O autor

considera que o cidadão não é visto arbitrariamente e sim como um usuário, personagem que luta e que participa

do processo efetivo de redistribuição dos bens de cidadania (MARTINS, 2008).

Usuários são variações da cidadania, surgidas do confronto por visibilidades das redes sociais nos espaços

localizados entre o Estado, a sociedade civil e o mundo da vida. O usuário é quem usa e se apropria dos recursos

das políticas distributivas do sistema formal e estatal. Neste sentido, pode ser passivo quando se apresenta como

mera unidade estatística “público-alvo” ou ativo quando se articula em redes de usuários criando novas formas

participativas na esfera pública local, municipal, intermunicipal, estadual, regional e cosmopolita (MARTINS,

2009, p. 79).

Estamos assumindo usuário = participante, nesta pesquisa.

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formação ou as redes potenciais, identificando os problemas que inibem a expansão da rede e

os meios de superação dos problemas (TORRES, AMARANTE, 2000, 2007).

As redes sociais15 constituem um tema da maior atualidade sociológica para se

compreender a complexidade da vida social, sobretudo nos tempos presentes em que a

sociedade civil mundial exige respostas políticas locais, rápidas e eficazes, para assegurar a

ampliação dos direitos de gozo da cidadania. Por um lado, a discussão sobre redes sociais

responde diretamente aos anseios dos setores da sociedade civil, desejosos de promover

políticas de inserção e de participação social. Mas, por outro, deve-se registrar que o interesse

pelo assunto atinge também aqueles intelectuais e técnicos interessados em promover ações

de descentralização em áreas estratégicas como aquelas da saúde e da educação, visando criar

condições institucionais favoráveis para a emancipação de experiências de esfera pública e

democrática. Neste sentido, as redes sociais aparecem como recurso decisivo para permitir o

avanço de programas territorializados, que exigem envolvimento e participação ativa das

populações locais, objetivando a promoção da cidadania e a democratização da vida local

(MARTINS, 2008).

Para Martins (2009), a MARES é uma metodologia que busca resgatar a complexidade

simbólica das práticas sociais entrelaçadas em sistemas interativos sobrepostos que articulam

as regiões da moral, da afetividade, da associação espontânea, do direito e da

corresponsabilidade na esfera pública. Essa metodologia diferenciada encerra uma reação

normativa e sociológica contra as estratégias utilitaristas e reducionistas, as quais reduzem a

análise das práticas a alguns modelos analíticos validados em indicadores superficiais como

densidade e tamanho, mas que não contemplam a complexidade dos sistemas de

relacionamentos e de trocas nos campos do mundo da vida.

Segundo Martins (2008, 2009), existem alguns desafios para aplicar a noção de rede

nos espaços públicos de usuários, a saber: superar a compreensão funcionalista de rede que

impede apreender os aspectos intersubjetivos das práticas sociais; entender o caráter

relacional das redes; qualificar a rede de usuários (como aquele que usa e se apropria dos

recursos das políticas distributivistas do Estado) como diferente da rede de cidadão; entender

que a rede de usuários é diferente daquela rede social por se constituir nos espaços

intermediários entre Estado, sociedade civil e mundo da vida.

15 O entendimento do usuário pela teoria relacional de redes permite compreender como, na prática do dia a dia,

as pessoas nunca estão sozinhas, mas acompanhadas por parentes, amigos, vizinhos e, mesmos desconhecidos

(MARTINS, 2009, p. 79).

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Almeida (2012), em seus estudos sobre a MARES, relata que esta se encontra

ancorada no referencial teórico proveniente das Ciências Sociais, tendo como cerne o ideal

antiutilitarista. A concepção antiutilitarista se organiza a partir da produção de Marcel

Mauss16, antropólogo e sociólogo francês que nas primeiras décadas do século XX propôs a

teoria da dádiva. Estudando os movimentos que levam aos agrupamentos humanos arcaicos,

sugere uma tríade de relações de dar, receber e retribuir como princípio de relações humanas

que constituem as sociedades. Releituras contemporâneas enxergam estes movimentos

presentes nas sociedades complexas do século XXI, movimentos que contrariam a ordem

hegemônica instituída pelo mercantilismo, pelas relações de troca marcadas por relações

utilitaristas unidirecionadas de dar e receber.

As implicações disto, que para Caillé (1998) constituem o único paradigma

sociológico aceitável, para a pesquisa social são várias e compõem, por si, o itinerário de

pesquisa aqui proposto. Porém de antemão podemos firmar compromisso com alguns

pressupostos ético-políticos como o da relação entre os sujeitos envolvidos na produção

coletiva do conhecimento. Estamos falando de uma relação solidária entre o ato de pesquisar e

a ação social cotidiana. Nesta perspectiva, consideramos todos os envolvidos no processo

como sujeitos da pesquisa e também fazemos opção por um comprometimento com a

construção da integralidade na educação e relações humanas mais solidárias. Como explicita

Martins (2009, p. 62),

A MARES é uma metodologia de base qualitativa que busca resgatar a

complexidade simbólica das práticas sociais articuladas em sistemas interativos

sobrepostos que articulam as regiões da afetividade, da moral, do direito, da

associação espontânea e da corresponsabilidade na esfera pública. Esta metodologia

encerra uma reação sociológica e normativa contra as estratégias reducionistas e

utilitaristas levadas adiante por teorias como as do network analysis, que reduzem a

análise das práticas a alguns modelos analíticos legitimados em indicadores

superficiais como os de tamanho e densidade, que não respondem, em absoluto, à

complexidade dos sistemas de trocas e relacionamentos, sobretudo nas esferas do

mundo da vida.

Este interesse em evidenciar o pensamento antiutilitarista requer um diálogo da

sociologia com as mudanças paradigmáticas das disciplinas afins e, por outro lado, a

elaboração de um pensamento complexo no contexto da sociologia o qual dê conta de

responder os novos desafios postos pelas mudanças simbólicas e materiais dos bens

16 Foi concedida uma referência ao pesquisador denominando o movimento por ele estudado de M.A.U.S.S. –

Mouvement Anti-Utilitarist e dans les Sciences Sociales (Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais).

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circulantes e pelos processos de organização espacial e temporal da sociedade moderna, é o

que nos revela Martins (2008).

Por seu fundamento fenomenológico e hermenêutico-dialético, o método utilizado

parte do pressuposto que todos os indivíduos envolvidos na pesquisa são sujeitos do processo

complexo de produção de conhecimento implicado (ALMEIDA, 2012), cujo objetivo amplo é

identificar as crenças e valores dos atores locais a respeito dos problemas que inibem a vida

nas comunidades e os meios de superação desses mesmos problemas, ampliando

consequentemente a reflexividade dos mediadores sociais (sejam pesquisadores ou

planejadores governamentais) na organização de espaços públicos (MARTINS, 2009).

A MARES, se utilizada de forma devida, pode possibilitar o desenvolvimento da

reflexividade cooperada por parte dos participantes dos grupos pesquisados, bem como se

apresentar como um excelente auxílio pedagógico nos processos formativos críticos.

A reflexividade é condicionada pela autoconfiança que se move pelo amor; no nível

socioinstitucional, a reflexividade é condicionada pelo autorrespeito que se move

pelo direito; no nível socioético, a reflexividade é condicionada pela autoestima que

se move pela solidariedade. (MARTINS, 2009, p. 58)

O autor propõe várias possibilidades de e na utilização da metodologia proposta,

combinando técnicas variadas de coletas de dados: grupos focais, entrevistas e profundidade,

aplicações de questionários, mapas de redes, dentre outros procedimentos (MARTINS, 2009,

p. 80). Iremos detalhar as nossas escolhas no próximo ponto, justificando-as mediante a

necessidade de cumprir os objetivos da pesquisa.

4.2 OS CAMINHOS PELA MARES E MARÉS

Para cumprir o objetivo específico proposto em descrever e mapear uma proposta

formativa que visa à promoção de resiliência numa visão integral, apoiada na teoria do

reconhecimento honnethiana, em estudantes de pedagogia da Região Metropolitana do Recife,

no intuito de apresentar suas contribuições para o processo de formação humana, adotaremos

a abordagem qualitativa na perspectiva da MARES.

Uma pesquisa de natureza qualitativa, por trabalhar com a dimensão do subjetivo e do

simbólico das interações sociais na constituição das redes de sociabilidade, focando o

processo vivenciado pelos sujeitos.

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Essa é uma abordagem onde a realidade se constitui a partir das referências dos

próprios participantes do estudo, que neste caso assumem o lugar de atores, cabendo o

pesquisador decifrar o enigma dos significados das ações compartilhadas. Desse modo, o

investigador é participe dos eventos que analisa e sua voz se encontra com as vozes dos

sujeitos para produzir novos sentidos para novas experiências vivenciadas, inserindo o

significado e a intencionalidade dos atos às relações sociais, avaliando conjuntamente suas

dinâmicas históricas, culturais e simbólicas (MINAYO, 2012).

Com permissão e total tranquilidade neste casamento, de algum modo também iremos

nos valer do método transpessoal de investigação integral elaborado por Braud (2011), que

tem como escopo a integração das perspectivas quali e quanti no processo de construção e

análise de dados. Notadamente, “a investigação integral oferece tanto uma visão abrangente

dos métodos de pesquisa psicológica quanto os meios para misturá-los e aplicá-los a um

determinado tema de pesquisa” (ANDERSON; BRAUD, 2011, p. 26).

Segundo Cunha (2017) o pesquisador integral busca diversas formas de conhecimento

e diferentes fontes de informação para assegurar a visão mais abrangente e integral do

fenômeno estudado. Afinal o ser pesquisador que escolhemos, optou por explorar diversas

ferramentas.

4.2.1 Conhecendo as águas a serem navegadas: familiarização com o local da pesquisa

Antes da construção de dados propriamente dita, a pesquisadora foi até o local da

pesquisa, previamente escolhida por ter em sua grade o curso de Pedagogia, a fim de conhecer

a rotina da instituição, funcionários e instalações, avaliar a possibilidade da realização do

trabalho e analisar a melhor forma de procedimento para a construção de dados.

Dada a validação e disponibilidade em realização da pesquisa, surgiu a necessidade de

termos um grupo disposto a vivenciar uma experiência de promoção de resiliência, dessa

forma optamos pela montagem de um curso de extensão com este objetivo. Todas/os as/os

alunas/os inscritos tiveram acesso à informação de que o curso possuía um caráter de

pesquisa, contudo a participação nesta só se daria mediante a assinatura do Termo de

Compromisso Livre e Esclarecido.

4.2.2 Navegando por entre os mares: capturando dados desvelados

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A nossa construção se deu de fato na pesquisa numa trajetória exploratória,

participativa, com vontade de uma aproximação com o fenômeno investigado, das muitas

interrogações e desejos de saber, de ver o desvelamento desse fenômeno e como nossas

hipóteses se comportariam diante de tal evento.

Nossa grande tarefa com esta pesquisa pode ser sentida nas intervenções, nas quais

teremos a pesquisa participante definida como:

[...] um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação

social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está

em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu

cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto sob

observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto

(SCHWARTZ; SCHWARTZ, 1955 apud MINAYO, 1999, p. 135)

Dessa forma, a pesquisa participante se insere na pesquisa prática, classificação

apresentada por Demo (2000, p. 21), para fins de sistematização. Segundo o autor, a pesquisa

prática

[...] é ligada a práxis, ou seja, a prática histórica em termos de usar conhecimento

científico para fins explícitos de intervenção; nesse sentido, não esconde sua

ideologia, sem com isso necessariamente perder de vista o rigor metodológico.

Há na pesquisa participante um componente político que possibilita discutir a

importância do processo de investigação tendo por perspectiva a intervenção na realidade

social. Guariente e Berbel (2006) afirmam que a pesquisa participante é um método que

proporciona ao pesquisador o conhecimento da realidade alvo e também possibilita integrar,

através de uma contínua Ação-Reflexão-Ação da situação definida, os participantes-

pesquisadores, pela conscientização e entendimento para tomada de decisão, visando à

transformação.

Com relação ao conhecer o outro em sua realidade, destacamos como ponto central

desta metodologia a preocupação com o processo em si, e não com o produto. Para tanto,

torna-se essencial a interação entre o pesquisador e o grupo pesquisado, proporcionando

espaço, no qual as pessoas falem por si mesmas, desvelando a sua realidade, interagindo e

ensinando-se mutuamente. Neste sentido, a população envolvida na pesquisa participante tem

parte em todo o processo. População e pesquisador tornam-se partícipes do processo em

construção para a transformação.

Para a realização da pesquisa participante, o pesquisador deve adquirir algumas

habilidades e competências, tais como: ser capaz de estabelecer uma relação de confiança

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com os sujeitos; ter sensibilidade para pessoas; ser um bom ouvinte; ter familiaridade com as

questões investigadas, com preparação teórica sobre o objeto de estudo ou situação que será

observada; ter flexibilidade para se adaptar a situações inesperadas; não ter pressa de adquirir

padrões ou atribuir significado aos fenômenos observados; elaborar um plano sistemático e

padronizado para observação e registro dos dados; ter habilidade em aplicar instrumentos

adequados para a coleta e apreensão dos dados; verificar e controlar os dados observados; e

relacionar os conceitos e teorias científicas aos dados coletados (SCHWARTZ; SCHWARTZ,

1955 apud GUARIENTE; BERBEL, 2006).

Dentre as perspectivas possíveis, seguimos a mesma orientação filosófica proposta

pela MARES, de fundamento fenomenológico e hermenêutico-dialético. O pesquisador se

apresenta na condição de participante total na classificação proposta por Raymond Gold

(MINAYO, 1999. p 141). Desta forma:

[...] o pesquisador, no trabalho de campo que inclui a observação participante, está

mais livre de prejuízos uma vez que não é, necessariamente, prisioneiro de um

instrumento de coleta de dados ou de hipóteses testadas antes, e não durante o

processo de pesquisa. A fluidez da própria observação participante concede ao

pesquisador a possibilidade de usufruir ao mesmo tempo de dados que os ‘surveys’

proporcionam e de uma outra abordagem não estruturada. Na medida em que

convive com o grupo, o observador pode retirar de seu roteiro questões que percebe

como irrelevantes; consegue também compreender aspectos que se explicitam aos

poucos, e que o pesquisador que trabalha exclusivamente com questionários

certamente desconheceria. A observação participante ajuda, portanto, a vincular os

fatos a suas representações e as contradições vivenciadas no próprio cotidiano do

grupo.

Nesta pesquisa, acompanhamos o grupo por quinze semanas, em encontros semanais

com duração de quatro horas, no Centro de Educação da Universidade Federal de

Pernambuco, assim divididos: um encontro para efetivação das inscrições através de uma

explicação sobre o curso de extensão, qual o seu propósito e a temática a ser abordada,

esclarecendo dúvidas e questionamentos surgidos no dado evento; doze encontros de

intervenção propriamente ditos; um encontro para entrevistas de profundidade, com o intuito

de aprofundar saberes — para tal escolhemos os participantes que tiveram os maiores e

menores escores na escala de resiliência —; e um encontro de devolução, no qual podemos

conversar sobre as alterações percebidas durante a intervenção.

Podemos dizer que o último encontro foi um dos momentos mais valiosos da

experiência, pois a troca se fez presente em uma grande roda de conversa, vários

desnudamentos e um desabrochar de possibilidades que surgiram como uma flor de lótus que

teima em sair, mesmo os seres achando que o ambiente que ela brota nada tem de auspicioso.

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Logo, assumimos a interação que surgiu nas experiências como uma relação entre

sujeitos em um processo de formação, havendo uma implicação, ou melhor, uma participação

da pesquisadora no ambiente de investigação. Neste tipo de pesquisa, parece ser impossível

não participar. O fato de estar presente ou não já é uma forma de participação, a temática

escolhida, os instrumentos selecionados, a metodologia tracejada, tudo se faz partícipe da

experiência.

O que de fato assumimos foi a experiência como algo maior, algo que vai além das

fronteiras limitantes vistas nas diversas pesquisas ainda em nossos tempos. A ideia de evento

participativo trazida por Ferrer (2002, p. 82)

Pode envolver a participação criativa não apenas de nossas mentes, mas também de

nossos corações, corpos, almas e essência mais vital. Além disso, as energias

espirituais não estão confinadas ao nosso mundo interior, mas também podem fluir

de relacionamentos, comunidades e até lugares.

Assim, com a modalidade participativa ampliada, houve a possibilidade da

pesquisadora também colaborar para a criação de situações, além de ter acesso a interações e

comportamentos, também de sentimentos e atitudes, desejos, dificuldades e adversidades

contidas no espaço no qual eles estavam inseridos, principalmente a reação negativa em

relação ao curso e profissão escolhidos, que em outra forma de observação não seria possível,

ou pelo menos seria insuficiente, um olhar tendencioso de alguém que não estava ali

vivenciando os anos de construção e constituição do ser docente.

A inserção da pesquisadora no contexto formativo da UFPE tomou forma no cotidiano

de suas atividades durante o ano de 2012, através da docência, o que possibilitou maior

percepção das concepções acerca da dificuldade em se relacionar com as adversidades, de

olhá-las como algo possível de ser vivenciado e superado de várias formas que permeiam os

alunos (que manteve contato) integrantes da instituição, trazendo uma compreensão em

profundidade dos trajetos que possivelmente contribuam para seu desenvolvimento. Houve,

portanto, uma familiaridade com os grupos de alunas/os matriculadas/os no curso de formação

em Pedagogia, possibilitando que as atividades transcorressem como cotidianamente. Desta

forma, o grau de participação “observador participante” manteve sua característica

fundamental de revelar a identidade da pesquisadora e os objetivos do estudo a todos os

envolvidos. Tal situação permitiu, entre outros aspectos, o acesso a uma grande variedade de

informações e uma relação ética e clara entre os sujeitos (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).

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Antes do início das observações, foram realizados os acordos com os participantes

inscritos no curso, estabelecendo nosso código de ética e responsabilidade perante o grupo, de

modo que o vivenciado por eles naquele momento não poderia ser compartilhado fora daquele

ambiente. Foi também esclarecido que não haveria risco aos alunos ou exposição indevida de

seus cadernos de atividades e/ou entrevista, cada um recebendo um nome fictício sem

possibilidades de identificação por parte de qualquer leitor deste trabalho.

Após a explicação geral dos objetivos da pesquisa e dirimidas as dúvidas, os

participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE (Apêndice 1).

4.2.3 Instrumentos

Para efeito de melhor visualização, dividimos os instrumentos em duas categorias: o

primeiro diz respeito aos utilizados para construção dos dados quantitativos e o segundo trata

dos instrumentos utilizados para realizar a intervenção de promoção de resiliência, na

perspectiva da MARES.

4.2.3.1 Instrumentos para construção dos dados

Escala de Resiliência de Wagnild e Young (1993) – (Anexo A)

A Escala de Resiliência de Wagnild e Young é uma versão adaptada para o português

por Pesce et al. (2005) e foi utilizada nesta pesquisa para levantar os participantes que

apresentaram maiores e menores escores de resiliência após a intervenção.

Esta escala é um dos poucos instrumentos usados para medir níveis de adaptação

psicossocial positiva em face de eventos de vida importantes. Possui 25 itens descritos de

forma positiva com resposta tipo likert variando de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo

totalmente). Os escores da escala oscilam de 25 a 175 pontos, com valores altos indicando

elevada resiliência. Seus autores entendem por resiliência o conjunto de processos sociais e

intrapsíquicos que possibilitam o desenvolvimento saudável do indivíduo, ainda que

submetido a situações de adversidade. Postulam que a complexidade do constructo se refere à

interação entre os eventos adversos e fatores de proteção externos e internos inerentes ao

indivíduo (CHEQUINI, 2009, p. 48), pressupostos que não apresentam nenhuma

incompatibilidade com os que fundamentam esta pesquisa.

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De acordo com Angst (2009), o referido teste de resiliência tem como objetivo medir

níveis de adaptação psicossocial positiva e é dividido em três fatores:

• Fator I – se refere à competência pessoal, aceitação de si mesmo e da vida: à

invencibilidade, controle, desenvoltura, perseverança. Indicam resolução de ações e

valores que dão sentido à vida: a amizade, a realização pessoal e a satisfação.

• Fator II – se refere à aceitação de si e da vida: adaptabilidade, equilíbrio,

flexibilidade, perspectiva de uma vida equilibrada, independência e determinação.

• Fator III – apresenta questões de competência pessoal: itens indicativos de

autoconfiança e capacidade de adaptação a situações adversas.

Conforme informações disponibilizadas pelo Projeto Alavanca, as questões que fazem

parte do fator I são: 1, 2, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 14, 16, 18, 19, 21, 23, e 24; do fator II as

questões: 4, 5, 15 e 25; e as do fator III: 3, 9, 13, 17, 20 e 22.

Segundo os próprios autores, a escala de Resiliência de Wagnild e Young (1993) é

capaz de avaliar apenas indivíduos resilientes, pois não constam itens negativos para mensurar

a baixa resiliência, e esta é uma das grandes limitações do instrumento.

“Na realidade, as limitações e incertezas da escala de resiliência refletem as

instabilidades no conhecimento sobre o tema” (PESCE et al., 2005, p. 9), o que, segundo os

autores da escala, não desqualifica seu uso, uma vez que identificar os recursos internos que

os indivíduos resilientes utilizam na superação de eventos difíceis da vida contribui “para

nosso entendimento da resistência ao estresse e à adaptação bem sucedida” (CHEQUINI,

2009, p. 49).

Esta escala entrou na pesquisa para avaliar os participantes antes e depois da

intervenção, sendo aplicada a todos os participantes da pesquisa. A aplicação inicial ocorreu

no primeiro encontro, e a final, no décimo terceiro encontro. Nos dois momentos de

aplicação, cada participante recebeu uma escala, sendo orientado a respondê-la

individualmente e sem pressa, lendo com bastante atenção cada pergunta, pensando em si e

nos seus atos diários, sem receio de julgamentos ou de ter seus dados expostos futuramente.

Foi explicado que não existe resposta certa ou graduação melhor, devendo ser explicitado

aquilo que o participante de fato estava sentindo.

Os resultados quantitativos obtidos foram utilizados para selecionar os sujeitos para as

entrevistas de profundidade. Não foi intuito desta pesquisa fazer análises quantitativas da

mesma. O intervalo entre a primeira e a segunda aplicação da escala de resiliência foi de

aproximadamente doze semanas.

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Optamos por usar a escala de resiliência como instrumento de inclusão e exclusão,

para a etapa seguinte. Através dos escores, selecionamos dois participantes com os escores

mais baixos e outros dois com os escores mais altos, critério por nós utilizado apenas para

facilitar a escolha dos entrevistados.

Não foi nosso foco a análise quantitativa, mas esta nos trouxe dados interessantes,

colaborando com as análises qualitativas. Assim fizemos uma breve análise quantitativa das

escalas de Resiliência de Wagnild e Young (1993), de modo apenas a enriquecer os dados do

nosso trabalho.

Utilizamos o programa SPSS para fazer a análise, o qual apresenta várias

possibilidades de resultados, variando apenas da amostra que é inserida. Todos os dados

relevantes para a pesquisa precisam estar claros, como fatores e categorias, que vão sendo

preenchidos ao longo do programa.

Devido ao tamanho da nossa amostra ser considerada pequena para pesquisas

quantitativas, utilizamos a análise t-Student para amostras emparelhadas, feita pra verificar

alguma diferença entre o antes e depois da aplicação da intervenção.

Para efeitos de cálculo foi necessário separar os fatores em antes e depois da

intervenção (aplicação pré e outra pós-intervenção).

Quadro 4 – Amostra emparelhadas

Fonte: A autora (2019) (2018)

Em todos os tipos de testes t necessitamos relatar o valor de "t", que é chamado de

razão crítica, assim como do p-valor, pois assim podemos identificar a veracidade da sua

probabilidade (p). Com essas informações, podemos afirmar se a diferença ocorre na

Estatísticas de amostras emparelhadas

Média N Desvio

padrão

Erro padrão

da média

Par 1 Fator_1_antes 5,3547 25 ,63032 ,12606

Fator_1_depois 5,5173 25 ,61922 ,12384

Par 2 Fator_2_antes 5,6600 25 ,72844 ,14569

Fator_2_depois 5,7800 25 ,91663 ,18333

Par 3 Fator_3_antes 5,2600 25 ,83898 ,16780

Fator_3_depois 5,3533 25 ,78516 ,15703

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157

realidade (p<0,05), rejeitamos a hipótese nula ou existente apenas ao acaso (p>0,05)

aceitamos a hipótese nula (SPARRENBERGER, 2015)

A partir desta conceituação, podemos dizer que foi significativo apenas o fator 1. Isso

mostra que somente no fator 1 houve uma diferença significativa de média após a intervenção.

Nos outros fatores não foram significativos, ainda que um aumento da média no pós-teste

possa ser visualizado.

Quadro 5 – Teste

Teste de amostras emparelhadas

Diferenças emparelhadas t df Sig. (2 extremidades)

Média Desvio padrão

Erro padrão da

média

95% Intervalo de confiança da diferença

Inferior Superior

Par 1

Fator_1_antes - Fator_1_depois

-,16267

,30616 ,06123 -,28904 -,03629 -2,657 24 ,014

Par 2

Fator_2_antes - Fator_2_depois

-,12000

,56421 ,11284 -,35289 ,11289 -1,063 24 ,298

Par 3

Fator_3_antes - Fator_3_depois

-,09333

,41410 ,08282 -,26427 ,07760 -1,127 24 ,271

Fonte: A autora (2019) (2018)

O fato de os outros fatores não terem sido significativos pode ser relacionado à

amostra pequena, a especificidade de cada fator. Em resumo, com a finalidade de verificar as

possíveis diferenças de média entre o pré e o pós-intervenção, foi realizada uma análise por

meio do teste t de student. Inicialmente as respostas dos participantes foram separadas de

acordo com os fatores do instrumento em antes e depois da intervenção. Pode-se verificar que,

dos três fatores, apenas um apresentou um dado significativo, ou seja, apenas para o fator 1

(referente à competência pessoal, aceitação de si mesmo e da vida: à invencibilidade,

controle, desenvoltura, perseverança) se pode considerar que houve um impacto da

intervenção e um aumento significativo da média. Desta forma, podemos perceber que a

intervenção provocou uma melhor avaliação, ou maior modificação de olhar com campo da

competência pessoal, no que diz respeito aos cuidados consigo e ao reconhecimento. Para os

demais fatores, não foram encontradas diferenças significativas entre o pré e o pós-aplicação,

mas é possível verificar um aumento da média após a intervenção, o que, no entanto, não pode

ser considerado dado significativo a ponto de afirmar que ocorreu alguma mudança

decorrente da intervenção.

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158

Optamos pelo uso da escala primeiro pela escassez de instrumentos que avaliem

resiliência e, segundo, porque estamos considerando o fato de já estar adaptada e validada,

sendo muito utilizada em pesquisas no Brasil.

4.2.3.2 Instrumentos da experiência formativa

Neste item, nos detivemos em descrever os instrumentos sugeridos e utilizados na

realização da intervenção apoiada na MARES. Como mais adiante vamos descrever a

intervenção encontro por encontro, nos limitamos a só fazer aqui a descrição dos

instrumentos, a fim de não ficar cansativa e repepetiva nossa pesquisa.

Por vezes pode até parecer que nos utilizamos de uma quantidade imensa de

instrumentos, que pode remeter a vários questionamentos ou dúvidas por parte do leitor, mas

posso afirmar que cada um deles teve um papel significativo, complementar e serviu como

meios de transbordamento para os participantes – atores.

A intervenção foi constituída de quinze encontros semanais que assim foram

distribuídos:

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159

Quadro 6 – Descrição encontros

ENCONTRO TEMÁTICA OBJETIVOS

1 Acolhimento, expectativas e

acordos/ responsabilizações

Explanar e esclarecer a proposta do curso de

extensão, com intuito de estabelecer um contato e

firmar contrato com o grupo, possibilitando o

acontecimento de uma “oficina formativa” de

promoção de resiliência ao longo de um semestre.

Aplicar a escala de resiliência, TCLE.

2

PRIMEIRO QUADRANTE –

EU: RECONHECENDO A SI

MESMO

Esfera do AMOR - Honneth

Trabalhar temáticas: Quem sou eu? O que me faz

feliz? Autoconhecimento, autoestima, visibilidade e

invisibilidade (Honneth), Reconhecimento

emocional, corporal, atitudes, empatia.

Explanar a teoria do conceito de Resiliência .

3

PRIMEIRO QUADRANTE –

EU: TRABALHANDO

TRAUMAS

Esfera do AMOR - Honneth

Provocar um olhar mais sensível sobre e onde dói?

Como isso me afeta? Como afeta as minhas

relações? Afeta meu desenvolvimento profissional?

Tutores resilientes / Educadores

4

PRIMEIRO QUADRANTE –

EU: CUIDANDO DE SI

Esfera do AMOR - Honneth

Tentar elaborar um check-up da “Alma”, como me

vejo? Buscar em mim “curas” para minhas feridas,

prática de introspecção e observação focada no eu a

fim de promover calmaria interior. Trabalhar o

amor-próprio, respeito, ética

5

SEGUNDO QUADRANTE –

ISTO: O CORPO FALA

Esferas AMOR, DIREITO e

SOLIDARIEDADE - Honneth

Refletir como tenho me tratado (alimentação,

exercícios físicos, dores, cansaço) e como anda a

saúde (Atividades PVI Wilber).

Trazer as possíveis contribuições da neurociências

para trabalhar o corpo.

6

SEGUNDO QUADRANTE –

ISTO: ADOECIMENTO DO

CORPO FÍSICO E MENTAL

Esferas AMOR, DIREITO e

SOLIDARIEDADE - Honneth

Esclarecer quanto às patologias decorrentes da falta

de cuidado consigo mesmo, do trabalho e suas

implicações a partir das dimensões da teoria de

Honneth (2003).

7

TERCEIRO QUADRANTE –

NÓS: COMPREENSÃO DAS

EMOÇÕES NAS RELAÇÕES

INTERPESSOAIS

Esferas AMOR, DIREITO e

SOLIDARIEDADE - Honneth

Eu e os outros – caminhos para visibilidade

(Honneth,2003)

Trabalhar as emoções dentro do grupo (sala de

aula), que “nós” podem ser desatados?

Trabalhar autoestima, autonomia, autoeficácia,

otimismo.

8

TERCEIRO QUADRANTE –

NÓS: SENTIMENTOS

COMPARTILHADOS

Esferas AMOR, DIREITO e

SOLIDARIEDADE - Honneth

Trabalhar questões: Como os outros me vêem?

Qual a importância que esses sentimentos exercem

em mim? E nas relações? Promover mudanças de

foco / crenças negativas de si mesmo.

Criar a percepção de um conjunto de sentimentos

compartilhados nas redes como forma de

estigmatização (professores são assim...).

9

TERCEIRO QUADRANTE –

NÓS: AS RELAÇÕES

INTERPESSOAIS

Esferas AMOR, DIREITO e

SOLIDARIEDADE - Honneth

Trabalhar redes de constituição das relações: O que

ando esperando do outro? Como me coloco/

disponibilizo nas relações? Eu faço ou espero do

outro uma ação? Trabalhar noções de grupo: tipos,

liderança, mecanismos de defesa; reações

características do grupo; competência interpessoal:

eu e os outros

10 QUARTO QUADRANTE – Trabalhar a dimensão do Direito (Honneth), relação

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160

ISTOS:

INTERCONECTIVIDADE COM

O KOSMOS

Esfera do DIREITO - Honneth

de direitos e deveres, condições econômicas.

11

QUARTO QUADRANTE –

ISTOS: ESPAÇOS

EDUCATIVOS E SUAS

(deS)LIMITAÇÕES

Esfera da SOLIDARIEDADE –

Honneth

Trabalhar normatizações, regras, condições

materiais/físicas da instituição e suas implicações

no exercício da profissão.

Educação feita por quem? Currículo, políticas

públicas, violência(s) como isso afeta o

reconhecimento? Escola sem partido, como reagir a

essa questão?

12

ESPIRITUALIDADE –

INTEGRALIDADE E

MULTIDIMENSIONALIDADE

Esferas AMOR, DIREITO e

SOLIDARIEDADE - Honneth

Trabalhar a ideia de empoderamento e valores

como compaixão, generosidade, altruísmo, empatia,

amor, ética, respeito, cooperação como caminhos

para formação humana, qualidade de vida e bem-

estar.

13

ESPIRITUALIDADE –

RESILIÊNCIA COMO UMA

EXPERIÊNCIA INTEGRAL

Esferas AMOR, DIREITO e

SOLIDARIEDADE - Honneth

Revisitar o conceito de resiliência, reconhecimento,

relações e formação humana.

14 ENTREVISTAS DE

PROFUNDIDADE

Coletar dados mais pontuais e aprofundados sobre a

temática desta tese, com intuito de colaborar com a

confirmação ou refutamento da hipótese levantada

nesta pesquisa.

15 DEVOLUTIVA DA PESQUISA

AUTOAVALIAÇÃO – TROCA

DE SIGNIFICÂNCIAS

Apresentar um panorama dos dados coletados,

prévia das análises, troca de experiência.

Roda de conversa: como foi participar desta

intervenção; mudou alguma coisa? Alguma crença

foi desfeita?

Fonte: A autora (2019)

Grupo Focal – GF

Nosso interesse no grupo focal foi a construção dos mapas individuais e

posteriormente o mapa coletivo da pessoa. Mesmo utilizando as técnicas e instrumentos do

GF, preferimos dar foco maior à observação participante, onde o fenômeno se desvela com

maior naturalidade.

Gatti (2005) traz uma ideia do fazer uso da técnica de grupo focal que nos remete ao

interesse não apenas no que as pessoas pensam e expressam, e sim como elas pensam e os

motivos pelo quais expressam; daí a importância da técnica de grupo focal como instrumento

de coleta de dados.

De acordo com Gaskell e Bauer (2002, p. 79) o grupo focal (GF):

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161

[...] é um debate aberto e acessível a todos porque os assuntos são de interesse

comum, não levando em consideração diferença de status entre os participantes do

grupo, e o fundamento é uma discussão racional.

Racional no sentido de ser condizente com os pensamentos e opiniões, uma vez que

toda opinião é aceita numa discussão. “Grupos Focais são um tipo de pesquisa qualitativa que

tem como objetivo perceber os aspectos valorativos e normativos que são referência de um

grupo particular. São, na verdade, uma entrevista coletiva que busca identificar tendências”

(COSTA, 2005, p. 181). Para Costa, esta técnica busca compreender, e não deduzir e

generalizar, deixar o outro ser quem ele é, expressando o que pode e como pode fazer. As

implicações e julgamentos não cabem nessa técnica; caso achem espaço, fatidicamente o

grupo não funcionará.

Para Dos Santos (2013), o grupo passa a ser um recurso metodológico que está sendo

cada dia mais utilizado como instrumento de captação de dados em pesquisas qualitativas de

diversas áreas, visto que essa abordagem, ao mesmo tempo que permite a

aproximação/interação dos indivíduos, possibilita captar os significados que os profissionais

da educação dão a si mesmos, aos outros e às coisas que fazem parte da realidade do dia a dia

em seu trabalho. Assim, temos a definição de grupo focal como “[...] uma técnica de

levantamento de dados muito rica para capturar formas de linguagem, expressões e tipos de

comentários de determinado segmento” (GATTI, 2005, p. 12). Especificamente na educação,

o GF marca sua presença a partir de meados da década de 1990. Era uma ferramenta mais

utilizada nas áreas de marketing, propaganda, publicidade e recursos humanos, com objetivos

mercadológicos.

Através dos grupos focais realizados, a técnica se torna apropriada para a

metodologia escolhida por permitir uma convergência discursiva dos selves

individuais em torno do self comunitário e associativo. (MARTINS, 2009, p. 80)

Segundo Martins (2009) por meio do GF busca-se delimitar os critérios pelos quais os

usuários constroem suas redes, itinerários e trajetórias:

Primeiro Método (M1): Mapeando as Redes de Crenças e Horizontes na Educação.

Neste momento, nos interessava apreender as representações dos estudantes de

pedagogia acerca dos determinantes micro e macrossociológicos responsáveis pelo seu bem-

estar, numa perspectiva de integralidade. Buscou compreender e sistematizar as crenças e

valores gerais do usuário com relação à educação e na formação humana.

Há três momentos no desenvolvimento do M1, releva Martins (2009):

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162

1. Fala introdutória para apresentação do trabalho, objetivando a apresentação do

projeto e discussão de seu interesse para o grupo com a finalidade de construção de

um pacto de confiança: a) conversar com os participantes sobre a finalidade da

pesquisa; e b) explicar aos participantes sobre a técnica de grupo focal. Nesta etapa

busca-se uma apropriação reflexiva da pesquisa pelos participantes sobre como o

grupo pode ser utilizado como recurso de empoderamento; tomada de consciência

sobre a experiência cotidiana.

2. Mapeamento dos problemas e soluções gerais na organização da promoção da

integralidade em educação na comunidade. Esta fase tem por objetivo discutir os

critérios e determinantes macrossociológicos na perspectiva do participante.

3. Mapeamento dos problemas e soluções específicos na organização da educação na

comunidade. Aqui objetiva-se discutir os determinantes macrossociológicos na

perspectiva do usuário, das suas relações com o meio, como é construída a sua

trajetória institucional, como as experiências influem sobre a lógica de

funcionamento da esfera pública da educação e da comunidade.

Podemos dizer que se deu ao longo da intervenção, visto que cada encontro tinha um

objetivo especifico a ser trabalhado, com temáticas que se complementavam ou não, mas

sempre instigavam os sujeitos a serem presentes em si, nas relações e com o mundo. Ficará

mais claro quando da leitura descritiva de cada encontro. Mas adiantamos que, a cada

encontro, era um ressurgir das cinzas que pareciam queimar ainda, mesmo que brotando

rosas.

Segundo Método (M2): Mapeando a Rede de Conflitos e Mediações da Pessoa.

Nesta etapa, nosso objetivo era detectar o modo como o participante tem enfrentado

estes problemas, a quem ou a que recorre para mediar tais conflitos e construir pactos de

solidariedade. O M2 divide-se em duas etapas:

1. Mapa de identificação de problemas da rede da pessoa; e

2. Análise coletiva do mapa da pessoa.

Na construção do mapa da pessoa, consideram-se mediadores colaboradores os

humanos solidários, as pessoas de confiança ou as instituições, os quais são acionados nas

demandas, nas solicitações e no desenvolvimento de estratégias e outros mecanismos para a

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163

mediação, exame, compreensão e resolução de conflitos e problemas. Sendo assim, podem ser

internos ou externos à rede. Suas ações reforçam o empoderamento da rede, ou seja, a

circulação de dons positivos que reforçam a aliança e o vínculo.

Já os mediadores inibidores têm por características o fato de que as suas ações

reforçam o conflito, contribuem para a perpetuação dos problemas, perda da solidariedade

grupal e da sinergia.

A MARES ainda permite que os sujeitos construam soluções para estas problemáticas,

o que é chamado de saídas.

Figura 17 – Mapa da pessoa

Fonte: Martins (2009)

Em uma folha de ofício, no círculo mais interno, colocou-se o nome do participante e

a seguir foi solicitado que o mesmo descrevesse um problema que fazia parte da sua vida e do

seu cotidiano. A seguir, para esse mesmo problema, foi questionado ao participante um

mediador colaborador, o qual lhe ajudava a transpor esse problema, e, por conseguinte, um

mediador inibidor, ou seja, o que proporcionava a perpetuação do seu problema. Para

finalizar, o sujeito foi estimulado a desenvolver uma saída para esse problema.

Portanto, por meio da construção de cada Mapa da Pessoa Individual com os 25

participantes, foram identificados 48 problemas e destes selecionados os três mais citados, os

quais estiveram expostos no último grupo focal, considerando-se a construção do Mapa da

Pessoa Coletivo.

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164

Estas etapas foram realizadas através de grupos focais com os estudantes das IES

selecionadas da RMR no período de 2017.1, ao longo dos encontros interventivos. Cada um

tinha por finalidade / objetivo elucidar ou esclarecer, fazer-se conhecer a si mesmo, o outro e

o meio.

Entrevistas em Profundidade

O termo entrevista tem dois sentidos, segundo Minayo (2012). De um lado, a

perspectiva mais abrangente de comunicação verbal. Do outro lado, o entendimento mais

específico de levantamento de informações relacionado a uma categoria de estudo. Em ambos

os casos, a entrevista é uma comunicação verbal que se constitui de forma bilateral

(RICHARDSON et al., 1999). Isto implica dizer que podemos estabelecer diversos tipos de

entrevista, de acordo com os objetivos a alcançar e as fases de um projeto-atividade.

Para Richardson et al. (1999), entrevista abarca dois termos: entre e vista. O “entre”

traz a ideia de relação, intervalo, reciprocidade, separação que envolve pessoas, animais,

objetos ou coisas. Já “vista” designa o ato ou efeito de ver. Assim., concluem que “o termo

entrevista refere-se ao ato de perceber realizado entre duas pessoas” (RICHARDSON et al.,

1999, p. 208). Revisitando o processo de construção dessa definição, propomos outra

interpretação para o nome entrevista.

Cunha (2017) entende que esse termo explicita uma relação que envolve duas pessoas

no ato ou efeito de ver (perceber) um fenômeno e todas as partes integradas e interessadas

nesse fenômeno, isto é, o ato ou efeito de ver o outro (objeto) e a si (sujeito).

Aqui optamos por uma entrevista em profundidade, com características

possibilitadoras de uma troca, o que na visão de Ferrer (2002) se intitula como pesquisa

participativa, permitindo o pesquisador fazer parte da entrevista não apenas como mero

locutor, mas sim participante, mediador, facilitador, e isso não implicará em falsos resultados.

De acordo com Duarte (2006), a entrevista em profundidade é uma técnica dinâmica e

flexível, útil para apreender uma realidade, tratar de questões relacionadas ao íntimo do

entrevistado e descrever processos complexos nos quais está ou esteve envolvido. As

informações colhidas passam por uma interpretação e reconstrução pelo pesquisador, em

diálogo inteligente e crítico com a realidade. As perguntas permitem explorar ou aprofundar

um assunto, descrever processos e fluxos, compreender o passado, analisar, discutir e fazer

prospectivas. Possibilitam, também, identificar problemas, micro interações, padrões e

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165

detalhes, obter juízos de valor e interpretações, caracterizar a riqueza de um tema e explicar

fenômenos de abrangência limitada.

Martins (2009) revela ser a entrevista de profundidade conveniente na medida em que

certos atores locais possuem uma reflexão cartográfica relevante sobre a história e os modos

de vida da comunidade.

Conduzimos a entrevista em profundidade, onde lançamos cinco questões para

reflexão e discussão do sujeito, visando criar uma conversa inspirada no método

fenomenológico. Nossas questões tinham a intenção de obter a maior quantidade de

informações, por nós julgadas como interessante e importante para chegarmos aos nossos

objetivos.

Registramos as entrevistas por meio de gravações em áudio e anotações, com

transcrição literal em seguida. Todo esse material constitui a base para nossa análise dos

dados empíricos, bem como as impressões e interpretações dos gestos e falas dos

entrevistados, por vezes associados ao diário de gratidão dos participantes.

A análise foi desenvolvida com auxílio do software IRAMUTEQ (Interface de R pour

les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Este programa, gratuito,

foi desenvolvido por Pierre Ratinaud (2009), na perspectiva da open source, licenciado por

GNU GPL (v2), e passou a ser aplicado no Brasil em 2013. Ele possibilita a realização de

diferentes estudos lexicométricos como o cálculo de frequência de palavras, análise fatorial de

correspondência, classificação hierárquica descendente, análises de similitude, nuvem de

palavras (CAMARGO; JUSTO, 2013).

A fim de entendermos o percurso dos entrevistados, contemplando suas experiências,

formações, concepções e interesses, partimos para a realização das análises estatísticas

textuais clássicas; o estudo da classificação hierárquica descendente; análises de similitude e

nuvem de palavras. Utilizamos, para tanto, as recomendações existentes no tutorial para uso

do software de análise textual IRAMUTEQ (CAMARGO; JUSTO, 2013b).

Observação Participante

A observação participante buscará levantar aspectos de promoção de resiliência e

aspectos do reconhecimento, nos quatro quadrantes de Wilber (2007a) perpassadas pelas três

dimensões citadas por Honneth (2003) presentes nos encontros com os participantes. Assim,

buscamos através do roteiro de campo e do diário os elementos que nos ajudaram a entender o

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166

fenômeno em foco. Os dados do diário ajudaram a compor o cenário geral na apresentação e

compreensão dos resultados.

A observação participante é uma técnica muito utilizada pelos pesquisadores que

adotam a abordagem qualitativa e consiste na inserção do pesquisador no interior do grupo

observado, tornando-se parte dele, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando

partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação.

Lembramos que nos utilizamos de uma metodologia antiutilitarista, uma pesquisa

participativa, onde todos se movem, afetam e são afetados por si, pelo outro e pelo campo.

Para May (2001, p. 17), a observação participante é

[...] o processo no qual um investigador estabelece um relacionamento multilateral e

de prazo relativamente longo com uma associação humana na sua situação natural

com o propósito de desenvolver um entendimento científico daquele grupo.

É possível afirmar, de forma sintética, que a observação participante se caracteriza

pela promoção de interatividade entre o pesquisador, os sujeitos observados e o contexto no

qual eles vivem. A pesquisa dita qualitativa — e dentre todas as suas técnicas, em particular, a

observação participante — obriga o pesquisador a lidar com o "outro", num verdadeiro

exercício constante de respeito à alteridade. Pressupõe convívio e intercâmbio de experiências

primordialmente através dos sentidos humanos: olhar, falar, sentir, vivenciar, experimentar

(FERNANDES; MOREIRA, 2013).

Por meio do contato direto, a observação participante estabelece relações informais

entre os sujeitos observados e o pesquisador, que lança mão de recursos variados para a coleta

e análise de informações e dados:

Foi elaborado previamente um roteiro de campo, no qual a pesquisadora estabeleceu

as diretrizes a serem exploradas, quer dizer, as questões que desejava observar em cada

encontro, de acordo com os objetivos da pesquisa, sem a preocupação de segui-las com

rigidez absoluta, deixando espaço para "imponderáveis", situações inesperadas

(MALINOWSKI, 1984) e insights (NICOLÁS, 1987) — "estalos", percepções da

pesquisadora a partir de determinadas situações, fatos, diálogos ou lembranças, estabelecendo

conexões lógicas entre dois ou mais elementos.

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167

Quadro 7 – Instrumentos da pesquisa

ENCONTROS INSTRUMENTOS OBJETIVO

Aplicação da escala de

resiliência, TCLE

Diário de Gratidão

Analisar o nível de resiliência dos participantes antes da

intervenção.

Relatar através da gratidão a experiência vivenciada,

escrita livre.

2º ao 13º Encontros

Intervenção / MARES

Diário de Gratidão

Reaplicação da escala de

resiliência (13º)

Apresentar e discutir a noção de resiliência e as formas

de reconhecimento nas dimensões propostas por

Honneth.

Mapear as redes de crenças e horizontes, mapear as redes

de conflitos e mediações da pessoa, experiências de

empoderamento.

Ampliar a consciência crítica sobre a educação e o modo

de ser de cada participante.

Investigar se após a intervenção ocorrerá mudanças nas

respostas dos sujeitos e no grupo como um todo.

14º Encontro Entrevista de

Profundidade

Analisar os efeitos do programa nos participantes que

obtiveram os menores e maiores escores na escala de

resiliência.

15º Encontro Devolutiva

Fazer uma análise grupal sobre a experiência vivida em

grupo: quais as mudanças possíveis de serem percebidas,

qual o ganho desta experiência.

Todos os encontros Observação Participante

Observar como o grupo se porta diante da intervenção e

dos conteúdos manejados e quais as grandes dificuldades

grupais. Observar as formas de reconhecimento através

das ações dos participantes.

Fonte: A autora (2019)

Através deste roteiro, foi possível buscar com mais clareza os elementos que

contribuíram para o entendimento da intervenção e do “movimento” dos participantes. Fomos

nos adaptando às possibilidades e aos fenômenos que surgiam ao longo dos encontros.

A observação participante vem complementar a MARES, na forma de percepção dos

fenômenos e dos atores sociais, mas, como essa não foi uma pesquisa no paradigma casual,

singela, envolveu “uma estratégia de investigação em que o pesquisador identifica a essência

das experiências humanas, com respeito a um fenômeno, descritas pelos participantes”

(CRESWELL, 2010, p. 38).

Diário de Gratidão

Com esse instrumento, tínhamos por interesse coletar dados do cotidiano, a cada

encontro, que individualmente cada participante pudesse expressar quanto à sua percepção,

sentimentos e sensações, reflexões sobre as temáticas envolvidas e trabalhadas na forma de

expressão livre. A sugestão foi que a cada encontro os participantes verificassem e tentassem

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168

alterar o modo de ver as adversidades (problemas, angústias, dores, sofrimentos, dificuldades)

apresentadas. Para tanto, nos apoiamos nas ideias de Barbier sobre o diário de itinerância:

É um instrumento metodológico específico. Enquanto tal, distingue-se das outras

formas de diário. [...] Ele fala da itinerância de uma ‘trajetória’ muito bem balizada.

Lembremos que, na itinerância de uma vida encontramos uma infinidade de

itinerários contraditórios. A itinerância representa um percurso estrutural de uma

existência concreta tal qual se manifesta pouco a pouco, e de uma maneira

inacabada, no emaranhado dos diversos itinerários percorridos por uma pessoa ou

por um grupo. Bloco de apontamentos no qual cada um anota o que sente, o que

pensa, o que medita, o poetiza, o que retém de uma teoria, o que constrói para dar

sentido a sua vida. (2002, p. 133-134)

Nossa ideia não era banalizar, diminuir ou tornar inexistente a adversidade, problema

ou angústia relatados, e sim fazer com que, por meio da escrita, após uma intervenção, de

maneira individual / particular, fossem feitas reflexões sobre a vivência, elencando quando

possível relações consigo e seu cotidiano.

Ao pensar na adversidade ou simplesmente na temática trabalhada no dia, fazer uma

tentativa de olhar de outra forma, se poderia e como ser solucionado, mesmo que a solução

fosse não encontrar respostas ou fechamentos de ciclos comumente esperados.

A riqueza desse instrumento foi explorada ao máximo. Mesmo não estando totalmente

explícito através das falas dos participantes, a leitura de cada diário clareou, norteou ainda

mais a pesquisa, deixando uma sensação de que ser ator tem um peso e uma significância.

Posso me atrever a comparar com as cartas náuticas deixadas por algum outro marinheiro.

Diário de campo da pesquisadora

Como todo bom marinheiro que planeja uma viagem, principalmente uma longa

viagem, eu também precisei de um diário, um lugar de registros, onde pudesse deixar minhas

impressões sobre os encontros, sobre o grupo, os participantes, as interações e principalmente

as relações estabelecidas.

Diário náutico no qual registramos as impressões sobre o cotidiano dos participantes

observados, atentando para o fato de que aquilo que se anota ainda não é dado científico, pois

surge a partir da submissão das informações coletadas às categorias de análise construídas

pela reflexão teórica. Aquilo que se anota são as impressões da pesquisadora.

Em um direcionamento mais reflexivo, mantivemos nosso diário como um guia de

registros e observações. Mesmo sabendo que não fazíamos construções científicas naquele

diário, havia lá reflexões analíticas, metodológicas, insights quando à teoria utilizada, autores

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169

que iam cruzando nosso caminho. Talvez a riqueza que se procure tanto em navios

naufragados esteja de fato nas anotações do capitão, pois lá estão os registros por onde passou

e o que viu.

4.3 PARTICIPANTES

Participaram da pesquisa 25 alunas/os regularmente matriculadas/os no curso de

Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco. As/Os participantes foram convidados a

participar do curso de extensão “Promoção de resiliência: reconhecendo-se em si mesmo,

nas relações e os processos para formação humana integral” organizado pela

pesquisadora. O único critério de exclusão utilizado foi não ser aluna/o de pedagogia da

referida instituição. Os encontros ocorreram no período de fevereiro a julho de 2017,

perfazendo um total de 60 horas distribuídas em quinze encontros, todos com duração de 4

(quatro) horas. As/Os participantes selecionadas/os se inscreveram mediante divulgação na

internet e redes sociais e divulgação oral na instituição.

O primeiro encontro foi utilizado para esclarecimentos quanto ao curso, uma

explanação e explicação a respeito da temática e da pesquisa, tomando cuidado para certificar

que a participação ocorra de forma voluntária e gratuita. Havendo concordância e adesão por

partes das/os interessadas/os, cada participante recebeu parte do material a ser utilizado em

um envelope contendo alguns instrumentos da pesquisa na seguinte sequência:

✓ TCLE;

✓ Escala de Resiliência17; e

✓ Caderno para o diário de gratidão (onde deverá ser registrado cada encontro

vivenciado).

Neste encontro, aplicamos a escala de resiliência (pré-teste), a qual teve uma nova

aplicação no final da intervenção (pós-teste). Tínhamos por objetivo mapear os participantes

que demonstravam os maiores e menores escores.

Nenhuma das/os participantes faltou aos encontros de aplicação da escala, também

consideramos a participação assídua de todos, neste caso pudemos utilizar os dados de todos.

A análise realizada através do SPSS com os dados dos 25 participantes indicou um

aumento geral no escore final, após intervenção, conforme tabela a seguir:

17 Escala de Wagnild e Young (1993); traduzida por Pesce et al (2005).

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170

Tabela 1 – Escores de todos os participantes

NOME INÍCIO FINAL

ANIS 127 134

AMARILIS 127 135

ALFAZEMA 152 163

BEGÔNIA 137 141

BROMÉLIA 134 141

CRAVO 142 145

DÁLIA 109 114

FLOR DE LÓTUS 136 141

HIBISCO 138 138

HORTÊNCIA 128 139

IRIS 146 153

JASMIM 151 153

JACINTO 147 148

LAVANDA 118 141

LÍRIO 151 162

MAGNÓLIA 133 137

MIOSÓTIS 113 116

ORQUIÍDEA 105 109

PETUNIA 127 131

ROSA 127 130

SÁLVIA 112 117

TULIPA 126 129

VIOLETA 140 147

VERÔNICA 158 162

ZÍNIA 153 160 Fonte: A autora (2019)

Wagnild e Young (1993) destacam a interpretação dos resultados feita através da

soma total de itens da escala de resiliência segue o seguinte padrão:

Tabela 2 – Nível de resiliência

NÍVEL DE RESILIÊNCIA ESCORES

Baixa resiliência 25 a 63 pontos

Média resiliência 64 a 125 pontos

Alta resiliência 126 a 175 pontos Fonte: A autora (2019)

Deste modo, conforme os critérios estabelecidos para esta pesquisa, selecionamos

as/os seguintes participantes para realização das entrevistas:

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171

Tabela 3 – Escores dos participantes entrevistados

NOME PONTUAÇÃO INICIAL PONTUAÇÃO FINAL

ALFAZEMA 152 - Alta resiliência 163 - Alta resiliência

DÁLIA 109 - Média resiliência 114 - Média resiliência

LÍRIO 151 - Alta resiliência 162 - Alta resiliência

ORQUÍDEA 105 - Média resiliência 109 - Média resiliência Fonte: A autora (2019)

Uma observação interessante a ser feita é que neste grupo não tivemos nenhum

participante com escore representativo de baixa resiliência, o que nos leva a crer que, mesmo

não sabendo conceituar, identificar ou nomear, muitos dos participantes de alguma forma

nutrem suas habilidades de enfrentamento das adversidades de forma a deixá-las emergir

quando são questionados sobre.

As variações do engajamento claramente corresponderam às possibilidades vivenciais

de cada participante, tendo sido respeitados os limites individuais. Vimos que, embora as

limitações tenham aparecido, boa parte do grupo esteve o tempo todo participativo e bem

interessado no programa investigado.

Após deixarmos claro aqui no texto os instrumentos, bem como os motivos que nos

levaram por essas escolhas e caminhos, seguimos para a elucidação da análise dos dados.

4.4 ANÁLISE DOS DADOS

A análise contemplou os dados construídos através de observação participante,

experiência formativa baseada na MARES e entrevistas em profundidade.

Para a escala, utilizamos os dados obtidos através da escala de Pesce e avaliamos

através do programa SPSS (Statical Package for the Social Science) versão 22.0 de forma

mais quantitativa, construindo, assim, dados numéricos que nos serviram de apoio para a

seleção dos participantes das entrevistas de profundidade — participantes com maiores e

menores escores na escala.

Após a transcrição das entrevistas, codificação e preparo, fizemos uso do programa

IRAMUTEQ, um software licenciado por GNU GPL (v2) que permite fazer análises

estatísticas sobre corpus textuais e sobre tabelas indivíduos/palavras.

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172

Trata-se de um software que viabiliza diferentes tipos de análise de dados textuais,

desde aquelas bem simples, como a lexicografia básica, que abrange sobretudo a lematização

e o cálculo de frequência de palavras, até análises multivariadas, como classificação

hierárquica descendente, análise pós-fatorial de correspondências e análises de similitude. Por

meio desse software, a distribuição do vocabulário pode ser organizada de forma facilmente

compreensível e visualmente clara com representações gráficas pautadas nas análises

lexicográficas.

No IRAMUTEQ essas análises podem ser realizadas tanto a partir de um grupo de

textos a respeito de uma determinada temática (corpus textual), reunidos em um único

arquivo de texto; como a partir de matrizes com indivíduos em linha e palavras em coluna,

organizadas em planilhas, como é o caso dos bancos de dados construídos a partir de testes de

evocações livres.

Esta análise ajudou a nos nortear quanto aos dados capturados. Tínhamos dados que

nos mostrava um grupo com um escore de resiliência entre média e alta, porém, quando da

leitura das entrevistas, ainda foi possível localizar muita dureza, dificuldade em olhar e lidar

com as adversidades. O processo de reconhecimento por muitas vezes pareceu distanciado do

real, apesar de estar contido na abordagem de Wilber de ver o mundo.

Após análise de todos os encontros da intervenção / grupos focais, procedemos à

análise qualitativa de todo o material da pesquisa. Fizemos inicialmente uma descrição de

cada encontro, já costurando uma análise comparativa com os dados, a priori, da observação

participante, entrevistas, diário de campo e diário de gratidão. Buscamos identificar os

significados das falas e discursos dos estudantes nos seus contextos histórico, sociocultural e

político, enfatizando as dimensões intersubjetivas e simbólicas presentes nas relações sociais,

dentro de uma perspectiva integral, nos utilizando dos quatro quadrantes de Ken Wilber como

norteador / balizador na análise. Toda essa bagagem será analisada na próxima fase da análise.

Para esta análise, nos apoiamos na pesquisa qualitativa de natureza fenomenológica

que é um modo de investigação que difere das “posturas clássicas”, que se caracterizam por

utilizar métodos empíricos e testes de natureza indutiva e lógico-dedutiva, que são submetidos

ao rigor da prova verificadora e generalizadora.

Esclarecemos que a opção pela fenomenologia foi mais do que uma forma de coleta e

organização de dados na pesquisa. Trata-se de uma postura assumida ao realizar a pesquisa

que, nos dizeres de Bicudo (1999, p. 13), busca

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173

[...] pelo sentido e pelo significado do que se faz e do que escolhe. Com isso, faz-se

presente o autoconhecimento e o conhecimento do Outro. Nesse fazer, a análise, a

crítica e a reflexão são constantes e são componentes básicos.

Nossa intenção na pesquisa põe em foco o fenômeno resiliência como possibilidade

para formação humana de futuros docentes na perspectiva integral, buscando por essa

constituição onde ela, inicialmente, se dá: o espaço da formação inicial do professor. A

abordagem fenomenológica nos permitiu tratar e interpretar os dados de modo a ser possível

evidenciar aquilo que é revelado no movimento de interpretação. Ou seja, a fenomenologia

“[...] não traz consigo a imposição de uma verdade teórica ou ideológica preestabelecida, mas

trabalha no real vivido, buscando compreensão disso que somos e que fazemos” (BICUDO,

1999, p. 13).

Na pesquisa qualitativa, o investigador busca a compreensão do “fenômeno” situado

no tempo e no espaço tal como ele é descrito pelo sujeito que o vivencia, que não está

estritamente ligado ao racional, mas ao homem situado no mundo-com-os-outros, ou seja,

vivendo com outros humanos, numa relação da qual faz parte, não podendo dissociar-se dela.

Martins e Bicudo (1989) veem o pesquisador como aquele que deve perceber a si

mesmo e a realidade que o cerca em termos de possibilidades, nunca só de objetividades e

concretudes, a partir de que a pesquisa qualitativa, dizem, dirige-se a fenômenos, não a fatos.

Fatos são eventos, ocorrências, realidades objetivas, relações entre objetos, dados empíricos já

disponíveis e apreensíveis pela experiência, observáveis e mensuráveis no que se distinguem

de fenômeno.

O significado de fenômeno vem da expressão grega fainomenon e deriva-se do

verbo fainestai que quer dizer mostrar-se a si mesmo. Assim, fainomenon significa

aquilo que se mostra, que se manifesta. Fainestai é uma forma reduzida que provém

de faino, que significa trazer à luz do dia. Faino provém da raiz Fa, entendida como

fos, que quer dizer luz, aquilo que é brilhante. Em outros termos, significa aquilo

onde algo pode tornar-se manifesto, visível em si mesmo. [...] Fainomena ou

fenomena são o que se situa à luz do dia ou o que pode ser trazido à luz. Os gregos

identificavam os fainomena simplesmente como taonta que quer dizer entidades.

Uma entidade, porém, pode mostrar-se a si mesma de várias formas, dependendo,

em cada caso, do acesso que se tem a ela. (MARTINS; BICUDO, 1989, p.21-22)

Borges e Dalberio (2012) concebem a fenomenologia como o estudo dos fenômenos

em si mesmos, independentemente dos condicionamentos exteriores a eles, cuja finalidade é

apreender sua essência, que é a estrutura de sua significação. Na segunda metade do século

XVIII, o filósofo Jean-Henri Lambert denominou a fenomenologia como a “teoria das

aparências”, para distinguir a aparência das coisas do que elas são em si mesmas; com Hegel ,

na Fenomenologia do Espírito (1807) “é a ciência da experiência que faz a consciência”; e

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Edmund Husserl, nas primeiras décadas do século XX, faz da fenomenologia uma meditação

sobre o conhecimento, considerando que tudo que é dado à consciência é o fenômeno. Para

ele, a consciência é intencional e não está fechada em si mesma, mas se define como certa

maneira de perceber o mundo e seus objetos.

Triviños (1987, p. 43) afirma ainda que a fenomenologia é o “[...] estudo das

essências, e todos os problemas, segundo ela, tornam a definir essências: a essência da

percepção, a essência da consciência”, por exemplo. Mas também a fenomenologia é uma

filosofia que substitui as essências na existência e não pensa que se possa compreender o

homem e o mundo de outra forma senão a partir de sua “facticidade”. É uma filosofia

transcendental que coloca em “suspenso”, para compreendê-las, as afirmações da atitude

natural, mas também uma filosofia segundo a qual o mundo está sempre “aí”, antes da

reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço está em reencontrar esse contato

ingênuo com o mundo para lhe dar enfim um status filosófico. É o ensaio de uma descrição

direta de nossa experiência tal como ela é, sem nenhuma consideração com sua gênese

psicológica e com as explicações causais que o sábio, o historiador ou o sociólogo podem

fornecer dela.

Na pesquisa fenomenológica, para o pesquisador não há fechamentos e nem sistemas

concluídos, pois estar no mundo é sempre interrogá-lo. Colocam-se em destaque as

percepções dos sujeitos e, sobretudo, salienta-se, o significado que os fenômenos têm para as

pessoas. Assim, “o mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que vivo, sou aberto ao

mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável”

(PONTY apud MASINI, 1997, p. 66).

A fenomenologia dá ênfase ao ator, na experiência pura do sujeito, em forma subjetiva.

Assim, “[...] baseada na interpretação dos fenômenos, na intencionalidade da consciência e na

experiência do sujeito, falou do currículo construído, do currículo vivido pelo estudante”

(TRIVINOS, 1990, p. 47).

A trajetória fenomenológica procura estabelecer um contato direto com o fenômeno

que está sendo vivido. Para compreender esse fenômeno, é preciso, então, buscar a descrição

da experiência pelos sujeitos que o vivenciam. A essência objetivada pela fenomenologia não

é um conteúdo conceitual passível de definição, mas uma significação da essência existencial,

que como tal deve ser descrita. Essa descrição deve ser a mais natural e espontânea possível;

não é opinião nem o que se pensa, mas o que o sujeito está experienciando. Uma palavra, uma

definição não poderão dizer o que há a dizer. É preciso recorrer ao discurso, à descrição, para

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175

a aproximação maior possível da densidade semântica do fenômeno humano (REZENDE,

1990).

Para Garnica (1997), a essência do que se procura nas manifestações do fenômeno

nunca é totalmente apreendida, mas a trajetória da procura possibilita compreensões.

Fenômenos nunca são compreendidos sem que sejam inicialmente interrogados: disponíveis

na percepção, são questionados, e, na perspectiva fenomenológica, qualquer forma de

manifestação ou objetividade implica um relacionamento intersubjetivo. O questionamento

põe-nos frente ao manifesto, em atitude de abertura ao que se mostra, na intenção de

conhecer, própria da consciência. O fenômeno, assim, é sempre visto contextualizadamente.

Situado o fenômeno, recolhidas as descrições, iniciamos os momentos das análises sob

a perspectiva da abordagem integral de Wilber, ancorados na subjetividade sob um ponto de

vista coletivo, a partir do nosso encontro com os participantes e com os valores culturais que

nos atravessam. Não tínhamos outro caminho senão “Nós” - coletivo, que pode ser

compreendido através de entendimento mútuo entre pesquisador e interlocutor, como foi o

caso, considerando a realização das entrevistas. Seguindo a perspectiva integral, existe um

conjunto de metodologias, que é assim resumida por Wilber (2006, p. 57): “Hermenêutica é a

denominação geral da arte e da ciência da interpretação do nós”.

Assim diante do leque de possibilidades que a MARES nos oferece e numa tentativa

de tecer uma rede das análises qualitativas, nos apoiamos na chamada Fenomenologia

Hermenêutica (BICUDO, 2011).

Aqui, a descrição do fenômeno interrogado se manifesta a partir de um texto

articulado, histórica e culturalmente situado, doando-se à análise e à reflexão. Assim,

tratando-se do material das entrevistas — parte do corpus desta pesquisa —,em um primeiro

momento, buscamos estabelecer um horizonte geral de compreensão, enquanto no segundo,

iniciamos um movimento mais vertical, em profundidade. Retornamos, portanto, às leituras à

procura de mais particularidades, elegendo tópicos que nos levaram, no momento seguinte, às

unidades de sentido e de significado, ou passagens significativas dos textos que respondem às

perguntas que direcionamos a eles. Os tópicos, então, são os contextos ou as categorias mais

amplas nas quais estão imersas as unidades de significado, as expressões que fazem sentido ao

que o pesquisador busca compreender. Nessa fase, o pesquisador realiza uma

hermenêutica, buscando explicitar o que compreende do dito pelo sujeito, construindo as

asserções articuladas ou, colocando na linguagem do pesquisador, o sentido percebido nos

discursos do sujeito. Machado (1994) nos diz que, na pesquisa fenomenológica, os discursos

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dos sujeitos revelam os significados atribuídos e, na análise ideográfica, o pesquisador busca

compreendê-los; busca, portanto, uma interpretação do fenômeno interrogado. Essa

interpretação dá ao pesquisador o sentido do todo e ele passa a buscar convergências do que é

dito e a proceder a Análise Nomotética. Afirma Machado (1994, p. 42): “o termo nomotético

deriva-se de nomos, que significa uso de leis, portanto, normatividade ou generalidade,

assumindo um caráter de princípio ou lei”. Assim, o fenomenólogo, ao realizar a análise

nomotética, procura passar do nível de análise individual para o geral, procurando os aspectos

que lhe são significativos nos discursos dos sujeitos e lhe permitem realizar convergências

que agregam pontos de vista, modos de dizer, perspectivas, que o levam à compreensão do

investigado. Essas convergências dos aspectos individuais, percebidas nos discursos dos

sujeitos, levam o pesquisador às Categorias Abertas, grandes regiões de generalidades que

passam a ser interpretadas pelo pesquisador. Na interpretação, o pesquisador vai construindo o

seu discurso e expondo sua compreensão acerca da estrutura do fenômeno que interroga. O

pesquisador chega, portanto, às generalidades pelo movimento de análise e interpretação.

Essas generalidades, porém, não são universalidades sobre o que é interrogado. Elas iluminam

“uma perspectiva do fenômeno, considerada a inesgotável abrangência do seu caráter

perspectival” (MACHADO, 1994, p. 43).

O trabalho seguiu, então, ancorado nas categorizações que foram, depois de

recolhidas, transcritas para a linguagem do pesquisador, num discurso mais próprio da área na

qual a pesquisa se insere.

Na compreensão está sempre subentendida a interpretação. Ela possibilita ao

investigador aceitar os resultados da redução como afirmativas que têm significados para ele,

mas que apontam para a experiência do sujeito, isto é, apontam para a consciência que este

tem do fenômeno (MARTINS, 1992). A interpretação refere-se ao fenômeno que é percebido

e vivido; na realidade trata-se de interpretar a existência.

O caminho fenomenológico não pode ser imposto ao pesquisador, sequer sugerido.

Precisa ser basicamente uma opção, uma visão de mundo. Sendo assim, a postura do

investigador difere fundamentalmente da do pesquisador das ciências naturais, pois procura

compreender o homem como sujeito que tem seu mundo vivido para ser desvelado e, para

tanto, vai buscar sentido nas suas falas e ações. Empatia, integração, participação, diálogo,

liberdade pessoal e social, encontro, intersubjetividade, perpassam uma situação de pesquisa

nessa modalidade (CAPALBO, sd).

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177

Fica, portanto, evidenciada a contribuição dessa abordagem para os estudos no campo

da educação que, na nossa pesquisa, visou compreender a promoção de resiliência em

estudantes da graduação de pedagogia de IES da Região Metropolitana do Recife, como um

caminho de possibilidades no que diz respeito à formação humana integral.

As nossas categorias teóricas de análise, conforme apontadas ao longo dos capítulos

teóricos do projeto são: resiliência, perspectiva integral de Wilber e formação.

Nesse sentido, pensamos serem possíveis categorias metodológicas de análise

empírica, em um sentido ampliado, que podem vir a conduzir nossas análises e discussões de

resultados, já na perspectiva dos quadrantes da abordagem integral. A saber:

✓ 1º QD Ausência de reconhecimento, cuidado de si e suas consequências na

formação humana;

✓ 2º QD Relação do sofrimento e a realização no exercício do(c)entes;

✓ 3º QD Dons circulantes com a constituição de redes de apoio social –

reestabelecendo relações saudáveis;

✓ 4º QD O cosmos, suas limitações e implicações para formação humana; e

✓ Reconhecimento de si, dos outros e do meio nas multidimensões.

Tais categorias serão abordadas ao longo do próximo capítulo, que versará sobre os

resultados, análises e discussão da pesquisa.

A nossa maior expectativa com essa pesquisa foi que a mesma pudesse gerar

benefícios para os estudantes de pedagogia, servindo para o seu cotidiano profissional e

ampliando para uma esfera maior, a vida, podendo adotar condutas que levem outras pessoas

a também alterarem seu modus operandi de viver no mundo. Talvez fosse uma intenção

ambiciosa diante do que está posto no que se diz respeito à formação social, pessoal e

profissional, porém são modos e vontades que vão mobilizando pequenas alterações e

modificando o curso da viagem.

Sabemos que as alterações e benefícios aqui apontados dizem respeito à ótica desta

pesquisadora diante deste grupo. Não é possível generalizar ou acreditar que os resultados

sejam os mesmos para qualquer grupo, mesmo que a intervenção feita seja similar.

Que os mapas cartesianos de viagens náuticas sirvam de norteadores, mas que não nos

impeçam nunca de ver belezas em outros caminhos, que possamos sair um grau fora do

meridiano e encontrar outras possibilidades, mesmo que sejam turbulentas e ondas gigantes,

mas terá sido uma nova aventura, afinal o que seria de nós se tudo fosse do mesmo jeito

sempre, ou se todos os nós fossem desatados de uma só vez.

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No próximo capítulo, nossa carta náutica segue para os nossos achados, nossos olhares

e as discussões que teceremos sobre o que capturamos, chegando ao final desta viagem

saborosa, não fácil, porém bastante construtiva.

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5 RESULTADOS: apresentação, análises e discussões

Neste capítulo, inicialmente buscamos apresentar o conjunto dos fenômenos

investigados a partir de uma experiência formativa realizada com as/os futuras/os docentes a

qual denominamos: Promoção de resiliência: reconhecendo-se em si mesmo, nas relações

e os processos para formação humana integral. A partir disso, buscamos tecer as relações

das possíveis contribuições para a finalidade da educação compreendida como formação

humana.

Para percorrermos esta jornada, escolhemos os caminhos possíveis de um marinheiro

que não conhece o mar, mas que tem em mãos cartas náuticas que de alguma forma vão

norteando sua viagem.

O primeiro passo será a descrição da intervenção. Expomos os dados da pesquisa

participante, com a investigação da análise das experiências e implicações sentidas pelas/os

participantes, do início ao final do curso de extensão, com os detalhes, perpassado pelas falas

dos participantes, numa tentativa de promover a resiliência integral. Não ensinamos mágicas,

não levamos a ideia de salvação, mas sim de autoconhecimento, reconhecimento, visibilidade,

empoderamento.

Em seguida, teceremos sobre as entrevistas, numa análise através do software

Iramuteq e as várias possibilidades apresentadas por ele, aliadas à nossa ótica

fenomenológica. Conjuntamente, trouxemos o mapa da pessoa coletivo, com uma

interpretação proposta pelo autor da MARES, aliando e costurando com a noção de resiliência

que assumimos e os quatro quadrantes de Wilber.

5.1 PROMOÇÃO DE RESILIÊNCIA: reconhecendo-se em si mesmo e, nas relações e os

processos para formação humana integral

Esta seção apresenta a experiência de formação humana integral desenvolvida em

catorze encontros, cuja proposta visava à promoção de resiliência ancorada na perspectiva

integral de Ken Wilber18 e apoiada em elementos da teoria do reconhecimento de Axel

18 Contemplado detalhadamente no capítulo 3.

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Honneth19, com a finalidade de apresentar suas contribuições e desafios para o processo de

formação integral.

A fim de clarificar as bases da experiência de formação integral, apoiei-me na

abrangência do pensamento de Wilber (2008) sobre o Sistema Operacional Integral, o qual

propõe a superação de visões parciais e fragmentadas com uma forma mais inclusiva e

abrangente de estudar, pesquisar e compreender todas as áreas do conhecimento.

Utilizamos o Mapa Integral ou Sistema Operacional Integral (SOI), hoje mais

conhecido como AQAL, com foco nos quatro quadrantes para construção da experiência

formativa: dois superiores e individuais (EU e ISTO) e dois inferiores e coletivos (NÓS e

ISTOS); dois representando aspectos exteriores (à direita - ISTO/ELE e ISTOS/ELES) e dois

interiores (à esquerda - EU e NÓS), como mostra a figura abaixo:

Figura 18 – Resiliência nos Quadrantes

Fonte: A autora (2019)

Vamos nos deter nos quadrantes, que são uma forma de representação, um mapa de

visualização, apreciação e consideração do desenvolvimento sob três perspectivas: 1ª pessoa,

19 Contemplada no capítulo 3.

EU

Esfera: Amor

Reconhecimento de si

Cuidado

Trabalhar traumas

ISTO

O Corpo fala

Adoecimento do corpo físico e mental

Esferas: Amor,

Direito e Solidariedade

NÓS

Compreensão das emoções nas relações

interpessoais

Sentimentos compartilhados

Relações interpessoais

Esferas: Amor, Direito e Solidariedade

ISTOS

Educação, o social e as implicações no

exercício profissional

Esfera: Direito

Resiliência como

experiência

integral e

empoderamento

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que indica o EU, onde podemos visualizar as experiências pessoais através da fala, percepção

e sentimentos, uma busca do auto reconhecimento, cuidados de si e traumas; 2ª pessoa, que

indica o NÓS, nos remetendo à experiência entre dois EU’s, podendo ser visualizada através

da comunicação, diálogo, as formas de relações estabelecidas, na compreensão das emoções e

sentimentos compartilhados; e, por fim, a 3ª pessoa, ELE ou ISTO, pessoa ou coisa de quem

ou a que se refere, as relações com o meio, o público, a educação e suas limitações.

Esses quadrantes representam quatro perspectivas/olhares fundamentais presentes em

qualquer situação. Segundo Wilber (2007a, p. 87):

O assunto é que cada ser humano tem um aspecto subjetivo (sinceridade,

honestidade), um aspecto objetivo (verdade, correspondência), um aspecto

intersubjetivo (significado culturalmente construído, imparcialidade, correção) e um

aspecto interobjetivo (encaixe funcional e de sistemas), e nossas diferentes asserções

de conhecimento estão fundamentadas nessas esferas reais. E, assim, sempre que

tentamos negar quaisquer dessas insistentes esferas, simplesmente terminamos, mais

cedo ou mais tarde, por infiltrá-las na nossa filosofia, de um modo oculto e não

reconhecido [...].

Wilber (2007a) ainda relaciona com os campos do conhecimento humano: o eu com o

Estético, o Belo, numa perspectiva da dimensão interior de cada um; o Nós com o Ético,

Bondade, em que se chega a um entendimento intersubjetivo, dialogal, do que é justo; e o Ele

com a Ciência, Verdade, ligado ao conhecimento do mundo. Nesse sentido, para ser integral,

é necessário distinguir essas dimensões, porém não as dissociando, mas as incluindo e

transcendendo.

Aliada a isso, temos a teoria do reconhecimento, que é entendido por Honneth (2003a)

como uma construção intersubjetiva, dialógica e histórica, por meio da qual os sujeitos

buscam a sua realização em três domínios essenciais: amor (o afeto), os direitos e a

solidariedade (estima social), dos quais advém, respectivamente, a autoconfiança, o

autorrespeito e a autoestima.

Honneth (2003a) objetiva mostrar como indivíduos e grupos sociais se inserem na

sociedade atual. Isso ocorre por meio de uma luta por reconhecimento intersubjetivo, e não

por autoconservação, como salientavam Maquiavel e Hobbes,20 que evidencia os conflitos nas

20 Maquiavel (1469-1527) é um dos mais originais pensadores do Renascimento, uma figura brilhante, mas

também trágica. Foi o primeiro a discutir a política e os fenômenos sociais nos seus próprios termos, sem recurso

à ética ou à jurisprudência.

Para Maquiavel, a ontologia social é marcada pela concorrência hostil permanente com sujeitos que sabem do

egocentrismo uns dos outros e relacionam-se entre si através pela desconfiança e receio. Os conflitos são

motivados, na ótica de Maquiavel pelo impulso de autoconservação. Embora Maquiavel manifestasse

preferência maior pela forma republicana, não manifestava dúvidas sobre a “essência” (ele chega a tal conclusão

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interações sociais, sobretudo aqueles que surgem e fincam-se como força moral, promovendo

a luta por reconhecimento através da luta política.

O autor afirma ainda que a luta pelo reconhecimento sempre inicia pela experiência do

desrespeito das formas de reconhecimento. A autorrealização do indivíduo somente é

alcançada quando há, na experiência de amor, a possibilidade de autoconfiança; na

experiência de direito, o autorrespeito; e, na experiência de solidariedade, a autoestima.

Segundo De Oliveira Zana e Perelson (2013), a luta por reconhecimento é o elemento

no qual se constitui a subjetividade e a identidade individual e coletiva. O termo

reconhecimento é definido como

[...] aquele passo cognitivo que uma consciência já constituída idealmente em

totalidade efetua no momento em que ela ‘se reconhece como a si mesma em uma

outra totalidade, em uma outra consciência’. (HONNETH, 2003, p. 63)

Assim, construímos um processo de olhar, criar, possibilitar a promoção de resiliência

de modo integral, de modo a abranger o reconhecimento de si, em si e no coletivo. Os

encontros seguiram a ordem dos quadrantes de Wilber, se apropriando das esferas de

Honneth, com objetivos distintos por etapas, conforme quadro abaixo:

a respeito da natureza humana por conta de análises históricas, e não por ferramentas metafísicas como os

antigos gregos) do homem não ser marcada pela virtude, mas pelo egocentrismo e interesse próprio

(HONNETH, 2003, p. 33).

Thomas Hobbes (1588-1679) sempre mostrou grande interesse pelos problemas sociais, sendo fiel defensor do

despotismo político.

Hobbes irá desenvolver tal linha de pensamento de molde egocêntrico: por conta das experiências históricas da

Guerra dos Trinta Anos e do conflito civil que ocorreu durante a Revolução Inglesa e, ainda, seguindo moldes

metodológicos similares aos das Ciências da Natureza, ele desenvolve a ideia de que a natureza humana se

sobressai pela preocupação com seu bem-estar futuro. Quando os homens se deparam uns com os outros, há a

suspeita mútua e um passa a desejar poder para si a fim de se resguardar de uma possível agressão. Assim, as

lutas também são vistas como resultado da busca pela autoconservação (SILVA, 2017).

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Quadro 8 – Cronograma dos Encontros

ENCONTRO QUADRANTE

WILBER

ESFERA

HONNETH

OBJETIVOS

1 Esclarecimento, adesão e TCLE

2, 3 e 4

Primeiro

quadrante

O Eu

Amor Trabalhar o EU: reconhecimento de si

5 e 6

Segundo

quadrante

ISTO

Amor, Direito

e

Solidariedade

Trabalhar o ISTO: corpo e o

adoecimento físico e mental

7, 8 e 9

Terceiro

quadrante

O NÓS

Amor, Direito

e

Solidariedade

Trabalhar o NÓS: emoções e as

relações interpessoais

10 e 11 Quarto quadrante

ISTOS Direito

Trabalhar o ISTOS: educação, o social

e as implicações no exercício

profissional

12 e 13 Todos Solidariedade Resiliência como experiência integral

14 Todos Todos Entrevistas de Profundidade

15 Todos Todos

Auto avaliação

Devolutiva

Avaliando a experiência formativa Fonte: A autora (2019)

A fim de tornar mais didático este caminhar, vamos analisar a proposta de promoção

de resiliência encontro por encontro.

Encontro 1: Acolhimento, expectativas e acordos/responsabilizações - 15/08/2017

Figura 19 – Acolhimento

Fonte: Rede Humaniza SUS (2016)

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O início de uma jornada, que poderia ser ou não encantadora, muitos olhares

duvidosos de ter feito a escolha certa em participar, mas muitos corações desejosos de

mudança. Assim fomos estabelecendo nosso primeiro encontro, no qual procuramos criar um

vínculo inicial com os participantes no intuito de tê-los ativamente envolvidos no processo de

construção da pesquisa.

Buscamos explanar a proposta do curso de extensão, com intuito de estabelecer um

contato e firmar contrato com o grupo, possibilitando o acontecimento de uma “oficina

formativa” de promoção de resiliência ao longo de um semestre.

Para que não houvesse dúvidas quanto à participação, foram feitos todos os

esclarecimentos quanto à pesquisa, participação, exposição, acompanhamento e

comprometimento com o trabalho, chegando a um acordo mútuo que contemplavam os

seguintes itens:

1. Funcionamento geral do grupo: a) temporalidade - horários de entrada e saída; b)

espacialidade – local de realização;

2. Mecanismos de participação e avaliação – processual e contínuo; e

3. Acordos éticos.

Para estabelecermos esses acordos, utilizamos de atividade abaixo descrita:

Quadro 9 – Acordos

Fonte: A autora (2019)

ACORDOS GRUPAIS

Objetivo Estabelecer os principais acordos que orientarão o grupo durante a

formação.

Método/Técnica Exercício moderado pelo facilitador (brainstorming).

Recursos Quadro/ cartolina, papel e canetas.

Procedimento

Este exercício foi conduzido em grande grupo, permitindo que as

perspectivas dos participantes relativas ao que é aplicável ou não no

seu contexto surjam como resultado de uma atividade de

brainstorming.

1. Pedir aos participantes que apresentem a sua opinião em relação aos

principais acordos que poderiam dar sustentação ao grupo, encorajando

o debate de ideias.

2. Durante a discussão, fui anotando os acordos sugeridos no quadro.

Uma vez partilhadas as perspectivas e anotadas as sugestões, foi

apresentado um sumário dos acordos pactuados no grupo.

3. Os participantes assinaram o acordo que ficava disponível para o

grupo quando desejassem.

Duração 10 minutos.

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Realizados os acordos acerca das questões mais burocráticas, porém necessárias ao

processo de autorresponsabilização, que tem uma significância ímpar para resiliência, demos

início ao processo formativo. Ainda muito contidos em seus “lugares seguros”, “muros

protetivos”, pouco a pouco os participantes foram permitindo um primeiro contato com a

proposta.

Aos poucos vamos nos soltando. É bom estar numa sala diferente, falar de coisas

diferentes e saber que elas vão ajudar de alguma forma. Um lugar aconchegante,

dinâmicas que penso eu vou construir outros saberes. Um rompimento a tudo que

estamos acostumados, mas vamos desacostumar e gostar, eu acho. (DIÁRIO DE

GRATIDÃO – LÍRIO)

A nossa expectativa, assim como na MARES, é que cada participante se tornasse

sujeito, assumindo a condição de ator sugerida por Martins (2009, p. 58):

O usuário deve ser visto como um ator comunitário que reelabora sua fala técnica

em função de alguns critérios, tornando-se atores sociais que podem se empoderar

no processo de organização imaginária e institucional do ser usuário, posicionando-

se como sujeitos ativos da ação e desconstruindo a associação negativa entre

pobreza e pauperismo em geral (social, cultural, econômico e mental).

Para facilitar esse caminhar, propusemos dinâmicas de apresentação inicial que tinham

como finalidade descontrair e eliminar a tensão, aproximar e integrar os participantes, como

podemos perceber no exemplo a seguir:

Quadro 10 – Atividades de apresentação

Primeiro passo:

Cada participante é convidado a retirar de uma caixinha uma ficha numerada. Divide-se o grande

grupo em duplas pela numeração. Ex.: Formam-se duplas com o número 1, com o número 2 e assim

sucessivamente. Cada dupla procura saber o nome de seu parceiro ou sua parceira e uma característica.

A característica será escrita em uma tarjeta de papel cartão. Ao retornar ao grande grupo, cada um fala

o nome e aquela característica marcante de seu parceiro ou de sua parceira. Ao final todas as tarjetas

são entregues a facilitadora.

Segundo passo:

Em uma ficha, cada participante escreve, em segredo, a impressão que teve do seu parceiro.

Fonte: A autora (2019)

Atividades de apresentação, como a acima apresentada, buscavam sensibilizar os

participantes. Curiosamente, eles se descobriram, assim como se depararam com novidades

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dos colegas de grupo, uns por vezes já conhecidos da sala da graduação. Foi possível perceber

que não há uma abertura para assuntos muito além da academia, onde negligências aparecem

e não são acolhidas, de forma a gerar desconforto, desânimos e até raivas. Mas como acolher

aquilo que não conhecemos?

Como é difícil perceber o outro, como nós selecionamos desde sempre quem

queremos por perto, sempre aqueles que vão responder as nossas expectativas.

Desde pequenos escolhemos os nossos pares e de preferência os que não tenham

problemas graves... notar o outro e suas características para além do cotidiano da

universidade é intrigante, parece outra pessoa que não conheço. (DIÁRIO DE

GRATIDÃO – IRIS)

Interessante observar que, como afirma Honneth (2003), o reconhecimento surge em

situações de desrespeito às formas de reconhecimento, os participantes consideram-se em

muitos momentos invisíveis, apenas mais um dentro do espaço formativo.

[...] a dificuldade de me reconhecer, como sinto, como meu nome tem sentido, isso

parece afetar a relação que os outros estabelecem comigo. Às vezes nem me veem.

(DIÁRIO DE GRATIDÃO – LAVANDA)

Assim, passamos para a segunda atividade, na qual foi pedido que cada participante

pensasse na sua história de vida, no seu nome, como ele havia surgido, quais suas

identificações com esse nome, se gostava ou não do mesmo, e por fim pudesse pensar na

seguinte questão: Quem sou eu?

Saber de tudo isso suscitou muitas histórias, e o compartilhamento das mesmas se deu

no grande grupo, sob a orientação da facilitadora, regada de muitas risadas, lágrimas,

lembranças, raivas, tristezas e emoções diversas.

Além de uma provocação interna através de um contato inicial com o primeiro

quadrante de Wilber, também tocamos na esfera do amor de Honneth, como uma forma sutil

de demonstrar o nosso desejo de trabalho.

Distribuímos um caderno em branco, o qual serviria como o diário de gratidão,

objetivando ser não apenas um lugar para relatar os encontros, e sim para expressar

sentimentos, emoções, experiências e poder agradecer por elas. Apoiamo-nos nas ideias de

Barbier (2004, p. 138), que diz que neste diário são registrados “[...] tudo o que ele

[participante] tem vontade de anotar no fervilhar da ação ou na seriedade da contemplação”,

que a leitura teria caráter íntimo, só a pesquisadora teria acesso.

Nestes registros, encontramos narrativas, descrições, problematizações e devaneios,

contos e encantos, histórias de vidas, tentativas de mudanças, um buscar constante de alguns

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participantes, outros que permaneciam em seus lugares por diversos motivos, mas todos se

presentificando mediante suas possibilidades.

Meu querido diário de gratidão, aqui escreverei tudo que ainda não posso ou não

consigo dizer, por hoje vou começar agradecendo a escolha que fiz, no fim do curso

estou tendo uma oportunidade de desconstruir coisas pesadas... (DIÁRIO DE

GRATIDÃO – AMARILIS)

Ainda seguindo a mesma sensação:

Quando ouvi escrever um diário, pensei: ela não vai ter juízo em ler tantas coisas,

sonhos, desejos, tantas angústias para serem ditas... que bom que vamos te ter,

diário! Nem sempre vou só agradecer, talvez eu brigue contigo, chore e relate coisas

ruins, mas farei registros sempre. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – ANIS)

Neste encontro, aplicamos a escala de Resiliência de Wagnild e Young (1993), versão

adaptada para o português por Pesce et al. (2005), no intuito de levantar os participantes que

apresentassem maiores e menores escores de resiliência após o processo formativo de

promoção de resiliência. Também foi realizada a assinatura do TCLE21 de comum acordo e

tendo sido explicado todos os termos de participação da pesquisa.

Por fim, solicitamos que cada um trouxesse fotografias suas, de épocas da vida e de

seus familiares significativos, para uma atividade no próximo encontro.

Encontro 2: Reconhecimento de si - 22/08/2017

Figura 20 – Autoconhecimento

Fonte: Dilza Santos (2017)

21 Termo de consentimento livre e esclarecido.

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Iniciamos este encontro com uma roda de conversa que tinha o intuito de retomar o

encontro passado. Estas rodas de diálogo aconteceram durante todo o processo formativo

como estratégia de acolhimento e forma de acompanharmos o andamento da proposta

formativa. Nosso desejo era saber como as pessoas tinham internalizado os conhecimentos, se

tinham sido afetadas e de que forma, qual a impressão da experiência, quais emoções haviam

surgido à medida que possibilita:

[...] ao investigador verificar como as pessoas avaliam uma experiência, ideia ou

evento; como definem um problema e quais opiniões, sentimentos e significados

encontram-se associados a determinados fenômenos. (IERVOLINO; PELICIONI,

2001, p. 116)

Neste encontro, iniciamos um mergulho mais profundo na teoria integral de Ken

Wilber (2007a) do QUADRANTE SUPERIOR ESQUERDO (QSE) que cobre os aspectos

interiores individuais da consciência humana, como estudado pela psicologia do

desenvolvimento, tanto na sua forma convencional quanto contemplativa. O QSE é a

perspectiva do “eu” ou a subjetividade, a respeito do que encontramos nos estudos da

consciência humana de Buda a Freud. Esse quadrante pode ser apenas alcançado por meio do

diálogo ou da introspecção, não estando disponível diretamente aos sentidos. É a expressão do

que cada pessoa sente, vê, percebe.

Segundo Lima (2014), está relacionado a aspectos individuais interiores, consciência,

realidades subjetivas que existem dentro de cada situação específica, o espaço “Eu”. Esse

quadrante se refere à ideia, pensamentos, opiniões que temos sobre cada fenômeno, seu

significado, seus símbolos e imagens. Representa as motivações, visões, valores, visão de

mundo e filosofia de vida. É o invisível para os outros.

Essa dimensão é aquela em que o sujeito vivencia a experiência dentro de si mesmo,

na dimensão do Eu, que é a dimensão espiritual e estética; e essa garante o crescimento

individual por meio das múltiplas fases de desenvolvimento, que vão do pré-pessoal ao

pessoal e ao transpessoal. Esse é o campo da sensibilidade, do pensar filosófico, da

espiritualidade, da introspecção psicológica, da criação artística e da percepção estética

(ANDRADE, 2011).

Tínhamos como objetivo trabalhar o autoconhecimento, a relação consigo mesmo, no

intuito de visualizar a autoestima, autoeficácia, autonomia e otimismo, de forma a colaborar

com o processo de promoção de resiliência na formação humana integral.

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Para Honneth (2003), a lógica do desenvolvimento moral da sociedade é o conflito,

isto é, a luta por reconhecimento, que difere do conhecimento, que se dá por etapas.

A primeira está contida na família: pais e filhos que se reconhecem reciprocamente

enquanto sujeitos amantes e carentes. Momento da formação da personalidade individual pelo

reconhecimento por parte do outro, pela dependência da proteção de sua sobrevivência. A

família se transforma em exemplo negativo quando não permite que o filho alcance sua

própria independência pessoal, através dos processos de unificação.

A segunda, quando do acesso a “bens”: momento de trocas com outros proprietários,

propiciando, assim, a universalização social. Estes aspectos práticos das relações se

transformam em pretensões universais de direitos, não mais particulares como na família, mas

universais e reguladas contratualmente. Estabelecer essas relações permite que os indivíduos

se reconheçam mutuamente como proprietários de bens e posses, atribuindo ao direito formal

a regulamentação de suas relações.

No mundo atual, em que desafios e dificuldades se apresentam a cada dia para os seres

humanos, em que a competição e a busca por espaços profissionais e pessoais se tornam mais

acirradas, em que as expectativas externas se chocam com as possibilidades reais de

realização do sujeito, este precisa ser formado — e se autoformar — para se preservar

psicologicamente, para reagir, para ordenar seu mundo, suas necessidades, suas prioridades,

seus desejos e suas ações, de modo a não se deixar sobrepujar por contingências e

circunstâncias a que não possa, em dado momento e em determinadas situações, controlar e

dar as respostas exigidas (PLACCO, 2001, p. 7).

Para acessar a primeira esfera, o amor, que se tece no plano dos afetos, entre as

pessoas próximas, nas relações primárias, Honneth (2003) vai nos falar, baseado nos escritos

de Winnicott, que a primeira forma de amor acontece no vínculo mãe e filho, na primeira

infância, e desenvolve-se ao longo do que ele chamou de aventura infantil do pré-

reconhecimento.

Esse movimento intersubjetivo que se constrói, ao mesmo tempo, o amor de si mesmo

e a autoconfiança, possibilitados pela experiência do amor do outro e da confiança no amor do

outro, forma assim a base concreta emotiva para a defesa e reivindicação de direitos, na rede

do reconhecimento jurídico, bem como as condições pessoais para a participação no plano da

rede de solidariedade e da estima social (ALBORNOZ, 2011).

Reconhecer que dificuldades todos temos facilita enxergar o outro e sua dificuldade

do momento. Com união e perseverança conseguimos e conseguiremos vencer

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obstáculos. As relações tendem a ter outros formatos, nem tudo será bom, mas

também não precisa ser cruel. Eu reconheço no outro o que conheço de alguma

maneira. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – FLOR DE ZÍNIA)

A fala acima nos indica o quanto essa relação tem significância no processo de

reconhecimento e no estabelecimento das relações inter e intrapessoais. Ao longo de toda

intervenção foi possível perceber que os participantes tinham uma enorme dificuldade de

sentirem-se atores de suas próprias histórias, como que num impulso de manter-se gerenciado

e gerenciando o sistema, ou seja, na tentativa de manter-se agradando e sendo aceitos.

Hoje sou uma pessoa que tento alcançar um conhecimento interior, que me preocupo

com o bem-estar, ainda que seja muito difícil, luto diariamente, mas ainda não

consigo me sentir dominando minha vida. Como se eu não pudesse ou conseguisse

fazer o que quero dela, sempre fico pensando nas pessoas, em agradar, se vão

gostar... é assim na escola que trabalho. Sempre pergunto se está bom. (DIÁRIO DE

GRATIDÃO – BEGÔNIA)

Cenci (2015), em suas releituras de Honneth (2003), nos diz que o caminho que nos

leva ao encontro da autonomia só é possível na medida em que o indivíduo for capaz de

manter relações com outros sujeitos de tal forma que estas proporcionem um reconhecimento

recíproco de certos aspectos de sua personalidade. Por conseguinte, somente a experiência do

reconhecimento das próprias capacidades e necessidades possibilita aos seres humanos

adquirirem condições para configurar as suas metas de vida de maneira autônoma.

Como podemos ver na fala abaixo:

Sabe o que foi mais difícil para mim, diário? Foi descobrir, ou melhor, assumir que

os defeitos, que me incomodavam tanto no meu colega fazem parte de mim também.

É como se tivesse sido um grande espelho. Olhar para o outro atentamente e me

enxergar, principalmente minhas coisas ruins... esse não é e nem foi um contato

fácil, mas assim posso pensar no que vou fazer com isso. (DIÁRIO DE GRATIDÃO

– HIBISCO)

Para entrarmos em contato com esse lugar subjetivo de cada participante, de início

propusemos um conjunto de atividades, todas com o intuito de acessar o EU, descritas abaixo:

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Quadro 11 – Atividades do EU

Atividade 1: Meditação – REVEJA SUA VIDA – JORNADA NA MONTANHA (Bill

Anderton).

Tem como objetivo oportunizar cada participante revistar a sua vida, contemplar de onde veio e para

onde está indo. Cada um tem a chance de confrontar-se consigo mesmo, descobrir a si próprio, quem

é e para onde está seguindo com sua vida. As experiências passadas podem levar a um processo de

mudança e de transformação da personalidade.

Após a meditação guiada, em silêncio, cada um deve buscar representar o que sentiu / vivenciou

através de símbolo, imagem e/ou sentimento em forma de desenho, frase ou pintura numa folha de

papel A4.

Um breve momento para compartilharmos a experiência vivida e os sentimentos.

Atividade 2: Quem sou eu?

O propósito desta atividade é tocar a autoconsciência. Cada participante recebeu um desenho de uma

árvore genealógica, onde deveriam preencher a maior quantidade de espaços relativos aos seus

ancestrais, acrescidos de um sentimento, ideia ou pensamento referente à sua relação com este ente.

Aos mais distantes e que não houve contato, fazer menção de uma característica representativa do

mesmo, algo que foi mencionado em família (ex: Bisavô materno: João – muito rígido).

Guardar para a próxima atividade

REFLEXÃO: COMO ME SENTI FAZENDO ESSA VIAGEM POR MINHA ORIGEM?

(Espaço aberto para posicionamentos dos participantes)

Atividade 3: Falar de mim

A atividade consiste em criar um momento em que cada participante fala de si e do seu

enquadramento familiar. Os participantes poderão utilizar os seus desenhos e as árvores

genealógicas, as fotografias de casa, suas e da sua família. Numa troca rápida, cada um vai contando

um pouco da sua história pessoal. Essa atividade deve continuar no diário de gratidão, nos relatos do

dia.

Fonte: A autora (2019)

Essas atividades suscitaram muitas emoções, provocações e descobertas — que no

geral foram boas —, percepções e sentimentos positivos, resgates de histórias que de alguma

forma mobilizam o enraizamento, o encontro consigo e suas características.

Incrível como mesmo com tanto tempo de vida não conhecíamos nossas origens,

nossas histórias ficam perdidas em gavetinhas da vida. Isso para mim foi muito

importante, foi um resgate, me trouxe sentimentos e lembranças de tempos bons,

infância, alegrias. Sei lá, ver minha árvore pronta me remeteu a uma história de vida

feita por muitas pessoas. Chorei. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – JACINTO)

Mas também foi possível o encontro, por parte de alguns participantes, de sensações e

recordações não tão gloriosas, de muita dor, sofrimento, invisibilidade, humilhação... emoções

negativas, que carregam e transbordam em diversos âmbitos da vida.

Eita lembranças danadas para doer... pensar que saí de casa, sozinha. Uma mala,

uma passagem para algum lugar e uma vida pela frente. Preconceitos, o não ser

ninguém numa terra alheia, mudanças climáticas, desamores foram só o início de

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algo bem maior que estava para chegar. Sofrimentos à vista, que já não sangram,

mas doem até hoje. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – VERÔNICA)

Nesta fala é tão expressiva a dor, a ferida mantida no EU, a falta de reconhecimento

que acomete o participante, a ponto de o mesmo não se sentir parte integrante merecedora de

direitos. A partir desses sentimentos, as relações começam a tomar novas formas, a serem

conduzidas como reações ao que não é visto, reconhecido, valorizado pelo social e que é

muito caro ao sujeito.

Podemos relatar uma dor absurda, que neutraliza boa parte das possibilidades de

mudanças, visto que o sujeito se enquadrou num lugar de não possibilidades, uma vez que não

se sente reconhecido.

A questão central que orienta a ideia de reconhecimento e, pois, dentro desta, a de

autonomia, dirá respeito ao significado de os indivíduos serem reconhecidos como pessoas de

valor (HONNETH, 2003).

Após o bloco de atividades intensas no tocante do primeiro quadrante, prosseguimos

com a atividade: o que eu gosto e o que eu não gosto.

A apresentação não se esgota no momento inicial e deve ser complexificada a par com

a evolução do grupo. Mesmo que os jovens já se conheçam, permite observar como cada um

se apresenta, o que diz de si mesmo. Por outro lado, para que os jovens se deem a conhecer ou

mesmo para se conhecerem, é importante fazerem uma reflexão sobre os gostos e expectativas

que têm em relação a si e aos outros.

Quadro 12 – Gosto / Não Gosto

Fonte: A autora (2019)

Descrição: Neste sentido, a atividade proposta começa por ser simples, passando para

níveis de reflexão mais complexos. Estes momentos, em que cada um fala da percepção

que tem de si mesmo, têm funções de aprofundamento de relações e são chaves para a

criação de um clima afetivo e positivo de trabalho.

No grande grupo, pedir para que as pessoas possam falar sobre os seus gostos e desgostos,

indagando: o que elas fazem para manter o que gostam e não fazer o que não gostam?

Como lidam com os intermediários? Introduzir a partir desta atividade a ideia de VALOR.

Objetivos

- Permitir que cada elemento do grupo “olhe para si”, mas também “para o outro”.

- Permitir que todos se expressem e sintam que estão presentes sendo importantes como

elemento individual, com as suas características próprias, e como pertencentes ao grupo. Solicitar que cada participante preencha o quadro abaixo

GOSTO NÃO GOSTO

NÃO GOSTO NADA GOSTO POUCO

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A partir da ideia do que cada um conseguiu reconhecer ou não em si, passamos para a

etapa seguinte, que consiste em visualizar os valores, se eles existem, de que forma se

apresentam e como cada um sente esses valores.

Ainda na esfera do amor, é preciso que o sujeito compreenda seus valores, que possa

saber de onde surgem e como se apresentam em si; caso contrário, Honneth (2003) aponta que

o desrespeito se fez presente, levando, assim, as possibilidades de autonomia e liberdade.

Para Wilber (2006), não compreender esses valores pessoais diz muito do olhar que

estamos fazendo para o QSE, a não internalização e valorização pessoal. Quão consciente de

mim eu tenho sido?!

Prosseguimos o processo de promoção, enfocando aqui os valores internos, numa

tentativa de continuar com o deslocamento de percepção dos participantes.

Quadro 13 – Valores

EM QUE ACREDITO, QUAIS OS MEUS VALORES

Quais são os valores importantes para mim?

O desenvolvimento moral é uma dimensão crucial do desenvolvimento interpessoal e social

do jovem. Diz respeito ao processo de progressiva complexificação do raciocínio

subjacente ao juízo sobre o bem e o mal, o justo e o injusto. Cada pessoa tem o seu sistema

de valores, isto é, existem certas coisas que colocamos em primeiro lugar. Esta

hierarquização de valores foi construída através das experiências, da educação, da relação

com os outros significativos. Para que o jovem mantenha a sua integridade em situações de

desafio em relação ao seu sistema de valores, é importante que reflita sobre o que realmente

valoriza, para que possa manter e defender o que acredita e o que quer para si.

Se eu me valorizo, acredito em minhas potencialidades, consigo seguir e levar uma vida

mais amena, tendo a ter menos dificuldades em lidar com as adversidades que vão surgindo

ao longo do caminho.

Esta atividade inicia com uma pequena conversa acerca da importância de refletirmos sobre

nossos próprios valores, por exemplo:

“Todos temos valores, quer digamos abertamente ou não. Basta observar alguém, o seu

comportamento e reações, ouvir o que diz, para nos apercebermos de algumas coisas que

são importantes para essa pessoa. Também, para nos conhecermos melhor a nós mesmos,

descobrirmos o que é fundamental para nós, o que nos faz bem e devemos defender, é

importante sermos capazes de refletir sobre os valores que são importantes para cada um.”

Numa segunda fase, é pedido aos jovens que escrevam:

a. o nome de uma pessoa muito importante para elas;

b. a característica mais importante que uma pessoa pode ter; e

c. uma coisa muito importante que possuem.

Numa terceira fase, são colocadas algumas questões ao grupo para serem respondidas

espontaneamente:

a. Em que pessoa pensam quando ouvem a palavra “honestidade”? Por quê?

b. Em que pessoa pensam quando ouvem a palavra “inteligente”? Por quê?

c. Em que pessoa pensam quando ouvem a palavra “confiança”? Por quê? Fonte: A autora (2019)

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A cada atividade, pudemos observar o estranhamento relacionado às autodescobertas

feitas. O enamoramento consigo, a resistência em reconhecer a si em determinadas ocasiões, o

julgamento, a vergonha e principalmente a dificuldade de assumir o lugar que ocupam.

Observar tantos olhares internos, cada um buscando de si e em si coisas que parecia

ser novidade, ver como isso mexeu com os participantes, me fez crer que estava no

caminho, não atribuo certo ou errado, apenas um caminho, uma jornada que estava

acontecendo de forma lúcida, porque a presença atingia quase 100%. Se deparar

com característica, emoções, atitudes, gestos, pensamentos que pareciam não fazer

parte do cardápio diário da vida, foi alucinante para alguns sujeitos. (DIÁRIO DA

PESQUISADORA – 23/08/2017)

Culminando este encontro, não poderíamos deixar de falar nas emoções, ponto auge

do QSE, o modo como vamos estabelecer nossas relações com o mundo. Ter consciência das

nossas emoções dominantes é importante para nos conhecer e reagir a estados sentimentais,

quando necessário. Por exemplo, um passo importante para lidar com os estados emocionais

negativos é ter consciência deles e das situações que os provocam.

Quadro 14 – Emoções

Fonte: A autora (2019)

Pensar em que é não é uma tarefa fácil ou para a qual tenhamos habilidades, mas,

quando nos deparamos com a possibilidade de entrar em contato, descobrimo-nos. As

atividades vêm revelando fatos que os participantes por vezes duvidam, como podemos ver na

fala a seguir:

Quando eu era criança, vi uma matéria sobre a dificuldade de os adolescentes

saberem o que eram, disse para mim mesmo: não serei assim, sei quem sou! Hoje

quando lembro disso fico rindo de mim mesmo, porque obviamente descobri que as

coisas não eram tão simples, e que não sei quem sou. Descobri que o que foi de mais

verdadeiro já não o é, porque as respostas vão se modificando a cada dia. Será que é

isso mesmo, diário? Aqui posso escrever até o que parece bobagem. (DIÁRIO DE

GRATIDÃO – SÁLVIA)

Atividade 5 – O que mexe com as minhas emoções?

Começa-se por falar do significado das emoções expressas na Pizza das emoções. Posteriormente,

cada um vai preencher a ficha com a máxima sinceridade. Concluído o preenchimento das fichas,

cada um receberá uma folha em formato de pizza onde deverá representar cada emoção através de

fatias e da intensidade que cada emoção assume em si normalmente.

Para encerrar este encontro sugiro uma nova meditação: A VERDADE DE QUEM VOCÊ É.

Depois de tudo que vivemos hoje no grupo qual a Declaração mais verdadeira que eu posso

fazer neste momento a meu respeito? Refletir e escrever no Diário de Gratidão.

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Esse foi de fato um encontro de muitos trabalhos internos, de várias reflexões e

tentativas de apropriações de si, como eu sou de fato? Como me vejo? O que de bom eu faço

por mim? Foram algumas ideais sugestionadas para guiar cada um ao seu próprio

reconhecimento, utilizando a lógica de Honneth (2003), de uma falta de reconhecimento para

um reconhecimento, na dor, no sofrer eu paro para olhar o que me dói.

A resiliência vai nos guiar a uma possibilidade de olhar para tudo que não nos agrada,

assombra, amedronta, ofende, angustia, e tentar ressignificar essa experiência de modo a

tornar possível o processo de formação humana integral, numa perspectiva multidimensional,

que abrange todos os níveis do ser humano.

Encontro 3: Trabalhando traumas - 29/08/2017

Figura 21 – Traumas

Fonte: www.eusemfronteiras.com.br

Iniciamos o encontro com a costumeira roda de diálogos, na busca de aproximarmo-

nos cada vez mais dos participantes, das emoções e dos possíveis deslocamentos propostos

por esse processo formativo.

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Figura 22 – Praticando

Fonte: A autora (2019)

Após as colocações, trocas de diálogos e sensações, demos início ao encontro do dia

com o propósito inicial de apresentar a Resiliência, trazendo algumas definições e os lugares

que estas habitam, bem como fazer relação como a área educacional/ formativa e adentrar na

temática do encontro: trauma, sofrimento.

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Quadro 15 – Descobrindo a Resiliência

Fonte: A autora (2019)

Fonte: A autora (2019)

A temática parecia muito desconhecida, algo que não soava bem ou que, de tão

desconhecida, parecia utópica para aqueles participantes, atores queixosos e reivindicando, ou

melhor, suplicando um contato, um olhar, uma atenção. As definições eram novidade para a

grandiosa maioria.

Resiliência? Nunca tinha ouvido falar. Parece algo tão distante, mas tão importante,

pode ajudar, mas como usar? Se usa? Uma confusão em minha mente. Eu respondi

depois de ouvir vários colegas, que era uma forma de superar os problemas. Para

minha surpresa descobri que é bem mais que isso! (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

BROMÉLIA)

Muitas definições surgiram, como podemos ver a seguir:

Superação, meio de enfrentar os problemas, persistência, luta, colaboração,

enfrentamento, resistência, mudança, resolução, entendimento, busca foram algumas

das palavras vinculadas a Resiliência no primeiro exercício. (DIÁRIO DA

PESQUISADORA)

Após essa etapa e com a exibição dos curtas Patinhos Feios e Lições de resiliência,

assumimos temporariamente o seguinte conceito de resiliência:

Resiliência é o processo intersubjetivo que se organiza como uma das possíveis

respostas após um traumatismo, mas com a peculiaridade de levar a retomada a

Introdução do tema

A palavra RESILIÊNCIA foi colocada em destaque no centro do quadro. Iniciamos a atividade de

apresentação do tema com a pergunta: O que é Resiliência? (chuva de ideias)

A facilitadora pediu a participação de todos nesse momento com suas concepções sobre a

resiliência e foi escrevendo no quadro as respostas. Após todos terem opinado, a facilitadora

convocou o grupão a formar pequenos grupos utilizando a seguinte dinâmica:

Dinâmica 2: Formação dos pequenos grupos

Foi apresentada uma caixa com pétalas de papel dobradas com cores variadas, de modo a formar

cinco pequenos grupos. Ex.: 5 pétalas azuis, 5 brancas, 5 vermelhas, 5 amarelas e 5 rosa. Cada um

pegou a cor de sua preferência. Os pequenos grupos, de 5 membros, serão formados pelas cores das

pétalas.

Segundo passo: Trabalho em pequenos grupos

Quando todos se acomodaram entregamos a cada grupo um texto composto de uma relação com

várias definições de Resiliência, segundo diferentes autores. Solicitamos a leitura e que por

identificação escolhessem a definição que melhor representava a concepção de resiliência para o

grupo, levando em consideração o significado para a vida pessoa e profissional. Após discussão,

ainda no pequeno grupo, escolheu-se um relator para explanar as conclusões do grupo no plenário.

Terceiro passo: Plenário

Cada relator(a) expõe para o grande grupo o conceito escolhido e comenta as razões da escolha. Os

grupos puderam escolher formas diversificadas para apresentar o resultado de suas reflexões. Ao

término das exposições, traçamos, com a ajuda de todos os participantes, paralelos entre os

conceitos escolhidos e comentados com as concepções iniciais dadas à pergunta feita na introdução

do tema: O que é Resiliência? Lições

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algum tipo de desenvolvimento. Contudo, compreende-se que o mais difícil a se

descobrir são as condições que permitem essa retomada. (CABRAL; CYRULNIK,

2015)

Foi fatídico quase que o total desconhecimento da temática por parte do grupo. As

ideias surgidas estavam arraigadas de intenção salvacionista, no formato autoajuda, como

meio de exterminar os problemas, sofrimento, além de parecer algo muito distante, para uma

realidade que não a deles, na qual sofrer parece fazer parte e ser necessário para existir.

Resiliência é a capacidade de transformar uma situação desfavorável, através de uma

intervenção positiva ou não tanto para o educando como para o educador. (DIÁRIO

DE GRATIDÃO – LAVANDA)

É preencher espaços vazios nos ajudando, ajudando ao próximo — doando-se e

recebendo também. Buscando superar as dificuldades e enfrentar a vida. (DIÁRIO

DE GRATIDÃO – PETUNIA)

Mesmo diante de conceitos ainda bem básicos sobre a temática, foi possível perceber

que, após os vídeos, algumas concepções foram apreendidas.

Pude perceber que a resiliência não é só o que eu já havia dito, mas se revela como

algo com limites, que podem ser superados ou não. Que pode resultar num processo

com final feliz ou não. Que não é a mesma coisa de quando começamos, algo muda,

há uma mudança mesmo que não se queira. Aprendi que ainda não é algo definitivo,

é um constructo – em formação. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – TULIPA)

Dando continuidade ao nosso encontro, agora já mais inteirados quanto à resiliência,

propusemos trabalhar uma das alavancas para o surgimento da mesma: o sofrimento. Para tal,

tínhamos como objetivo olhar diretamente para a dor, problema, trauma, adversidade interna,

subjetiva, ou seja, cada um olhando para sua dor, como e quais os incômodos que ela causa,

qual a implicação na vida pessoal e/ou profissional.

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Quadro 16 – Ter um problema

Fonte: A autora (2019)

O problema, quando apresentado como algo exterior, parece ter e ser solucionável com

algumas possibilidades. As discussões foram bastante calorosas e em alguns momentos dava

indícios de estarem reverberando nos participantes.

A observação quanto os processos de defesa, negação quanto aos seus próprios

problemas, foi clara e real, a ponto de as resoluções apresentadas serem baseadas no que os

participantes chamaram de: “o que eu não faria”.

Aos 29 de agosto de 2017, pude relatar em meu diário, a experiência de um

participante totalmente transtornado quanto a um posicionamento assumido por

demais colegas, no que dizia respeito a uma condução de um problema específico,

algo que surgiu no terceiro encontro. A atitude de defender determinado modo de

ação causou uma explosão de sentimentos, onde o participante relatou ter atitudes

semelhantes ao do caso escolhido e não estava aceitando a conduta dada pelo grupo.

O participante expôs sua forma de agir, foi bastante criticado, mas sensibilizou o

grupo quando disse não saber agir de outra forma. Solicitou apoio, apesar de relatar

não acreditar na mudança de sua conduta. (DIÁRIO DA PESQUISADORA)

O enfrentamento dos problemas não é um exercício fácil de ser cumprido, me arrisco a

dizer que muitas vezes se torna mais comum a negligência do que encontro com o que fere,

angustia ou provoca qualquer desconforto.

O trabalho em grupo ainda traz consigo nuances particulares e um desejo de

reconhecimento. Podemos dizer que nesse tipo de exposição pode ocorrer uma maturação e

transformações advindas de situações as quais chamamos de traumáticas.

Atividade 1: A trajetória de Clarice Lispector

A partir da leitura de um texto sobre a história de vida da referida autora, fazer reflexões e

reconhecimentos dos problemas/traumas/adversidades vivenciados pela mesma, assim como buscar

identificar se ela teve ajuda, apoio e o que fez mediante o que lhe acontecera.

Atividade 2: Ter um problema

Esta atividade pretende trabalhar a capacidade de identificar e esclarecer problemas em diversas

situações. Como preparação para a atividade, começa-se por confrontar o grupo com um conjunto de

perguntas:

“O que seria um trauma/adversidade? Quais os tipos de traumas/adversidades podemos nomear?

Quando pensam em problemas que possam ter ocorrido em casa ou na escola/instituição, no que

costumam pensar? Que tipo de problemas têm com mais frequência? Quais são as formas que as

pessoas arranjam para acusar os outros dos seus problemas? (Dizendo que a responsabilidade é de

outra pessoa etc.). Pensam que existe uma resposta ou solução para todos os problemas?” Apresentamos e confrontamos o grupo com vários problemas (uns importantes e de âmbito relacional e

outros de solução prática).

A partir dessa exposição, pedimos que os participantes escolhessem uma das situações apresentadas e

discutissem sobre cada uma das personagens envolvidas nos exemplos de modo a resolver os seus

problemas. Discutir o cerne de cada situação.

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Figura 23 – Trabalho em grupo

Fonte: A autora (2019)

Cyrulnik (2004) destaca a importância das metamorfoses provocadas pelos traumas.

Os traumas não podem ser revertidos depois de ocorridos. No entanto, eles podem ser

reelaborados e ressignificados, reduzindo o impacto provocado por estresses ou infortúnios

ocorridos com crianças, adolescentes e suas famílias.

Sendo assim, os problemas fazem parte da vida cotidiana e aparecem-nos muitas

vezes, sempre com variáveis diferentes. Esses problemas podem constituir um desafio ou uma

preocupação, dependendo da forma como os olhamos e da noção de autoeficácia que temos

para os resolver.

Honneth (2003) diz que a luta pelo reconhecimento sempre inicia pela experiência do

desrespeito dessas formas de reconhecimento, ou seja, em situações que rompem com uma ou

todas as esferas de reconhecimento propostas por ele. Os problemas, sofrimentos, quando não

reconhecidos por si, são uma forma de desrespeito, provocando possivelmente situações de

invisibilidade.

Neste sentido, foi importante trabalhar com os participantes mecanismos de

reconhecimento e resolução de problemas, de modo que estes possam encontrar as melhores

respostas aos obstáculos de percurso. O primeiro passo na resolução de um problema é

identificar qual é o problema — a natureza daquilo com que estamos a lidar — e aceitar a sua

existência.

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Para enfrentar os problemas, é necessário lidar com os medos. Aprender a conhecer os

próprios sentimentos é um passo importante antes de saber lidar com eles. O medo é uma

emoção que, na devida medida, pode ser protetor, mas em excesso pode levar a inibições e

impedir que o sujeito lute pelo que deseja e pode ser. Nem sempre é claro para os sujeitos o

que sentem. Frequentemente, um sentimento como o medo pode ser confundido com um

outro, resultando em emoções vagas, embora fortes.

Medo te aprisiona, escreveu minha dupla no “receituário” do encontro de hoje.

Mostre-se, seja, cause, exercite o relaxamento, converse descontraidamente com os

amigos, colegas, namorada. Olhe para você e enxergue o que és de verdade. Acho

que em muito tempo de toda a minha vida eu havia escutado algo assim. Falar do

medo que sinto de sentir, ser e agir como eu sou. Estou mexido, não sei se vou

conseguir lidar com isso tudo. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – CRAVO)

Os sujeitos devem aprender a ler os seus sinais internos para se aperceberem do que

sentem, o que está a provocar esse sentir e, assim, lhe poder dar um nome. Só depois de se

perceberem os próprios sentimentos e a sua influência nos comportamentos é que se está

preparado para expressar sentimentos de uma forma mais social.

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Quadro 17 – Analisar situações traumáticas

Atividade 3: A partir de fragmentos extraídos do livro Trauma e superação, Júlio Peres, pedir para

o grupo se dividir em 5 grupos de 5 participantes. Cada um fica com uma situação traumática e em

grupo devem pensar numa solução viável. A apresentação desta solução para o grande grupo se dá através de representação teatral com a

participação de todos do pequeno grupo, possibilitando um debate com todos os participantes. Com isso queremos saber se os participantes se identificam com as dores e como reagem a elas. Após essa atividade, exibir um curta metragem / animação sobre sofrimento, trauma, ainda com a

finalidade de provocação e tentativa de um mergulho em si mesmo, por parte de cada participante. https://www.youtube.com/watch?v=DOz6QiF_Zn8 – Mestre Yoda. Encerramos com um debate sobre o filme aliado a um pouco de temáticas, patologias e suas nuances

que perpassam nossa existência e condição de ser-no-mundo, tais como: Normal x patológico / Medo de falar sobre o assunto / Dificuldades de enfrentamento /

Egocentrismo / Individualismo / Narcisismo / Burnout / Violência e suas diversas formas de se

apresentar / Desvalorização do outro / Desumanização

“QUANDO UMA DOR É COMPLETAMENTE ACEITA, ELA SE TRANSFORMA.” Ao

passo que, se resistirmos a alguma coisa, ela vai persistir”

Atividade 4: Ponte afetiva para dissociação ADULTO – CRIANÇA / TRABALHANDO AS

DORES Iniciar com um exercício meditativo que leva ao contato com o corpo em suas camadas mais

variadas, buscando acessar dores mais presentes e as contidas no passado (infância, adolescência). Depois do exercício, cada participante recebe uma folha contendo um desenho do corpo humano,

onde deverá marcar / representar de alguma forma as dores que sentiu ao longo da experiência

(pode ser com um x, um desenho na região indicada, uma cor...) além de escrever as dores sentidas. Fonte: A autora (2019)

Enfretamento, grupo e dores permite que o autorreconhecimento surja. Mesmo que

perpassada por dificuldades, a experiência no coletivo possibilita novos olhares ou até mesmo

um olhar para aquilo que não se quer ou consegue ver. Os exercícios tinham essa finalidade

mobilizadora.

Trabalhar em grupo, ouvir problemas do outro e identificar em mim coisas muito

parecidas, me angustiou. Comecei relatando que estava estressada devido a tantos

trabalhos e documentações para preencher, estou cansada disso tudo. Identificar

pontos de tensão no meu corpo foi quase que marcar ele inteirinho, tudo dói, mas

hoje percebi que o que me dói mais é a alma, por tantas incertezas que tenho.

(DIÁRIO DE GRATIDÃO – ZÍNIA)

Não gostei de ouvir que quando aceitamos uma dor ela se transforma, me irritei, tive

vontade de sair da sala, de ir embora e não voltar. Afinal ninguém sabia da minha

dor, como aceitar algo que me machuca? Resolvi ficar e no grupo eu coloquei isso,

interessante foi o silêncio das pessoas, parecia que não se importavam comigo.

Alguém pediu para falar e disse que estava passando por uma situação parecida, com

muitas revoltas... pensamos juntas a frase e chegamos à conclusão que não era

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deixar ela de lado e sim olhar de frente para tamanho sofrimento. Eu desabei na sala,

chorei como nunca chorei antes e não me senti julgada. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

MAGNÓLIA)

Esse talvez tenha sido um dos momentos mais marcantes desse processo formativo,

regado por muitas emoções, lágrimas e tentativas de conscientização. Muitos participantes

buscaram olhar para si e enxergar seus traumas, dores, sofrimento, com o intuito de não mais

permanecer na situação. Mesmo com dificuldades de conduzir seus traumas para a fogueira,

todos sem exceção tiveram algo para queimar e simbolicamente comunicar a abertura para

possibilidades de mudança.

Juntei meus caquinhos, porque foi duro demais olhar para as minhas dores e me

lembrar de onde elas vêm, como e os motivos. Ciúme, insegurança, possessividade,

medo, baixa autoestima , levei para queimar. Cada cinza me deixou uma esperança

do novo. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – DÁLIA)

Obviamente que não podemos e nem queremos dizer que todos conseguiram resolver

tudo que causa dor interna e externamente, mas o intuito foi alcançado no momento em que

todos se disponibilizaram a enfrentar-se.

Encerrando o que chamei de encontro da ruptura, do contato com o que ninguém vê

porque eu não quero mostrar por medo e vários julgamentos, propusemos uma reflexão

baseada no livro Os patinhos feios (CYRULNIK, 2004), que diz que o patinho feio levará

muito tempo para compreender que a cicatriz nunca é segura. É uma fenda no

desenvolvimento de sua personalidade, um ponto fraco que pode sempre se dilacerar sobre os

golpes do destino. Essa rachadura obriga o patinho a trabalhar incessantemente sua

metamorfose interminável. Então, poderá levar uma vida de cisne, bela, porém frágil, porque

nunca poderá esquecer seu passado de patinho feio.

Mas, ao se tornar cisne, poderá pensar nele de maneira suportável. Isso significa que a

resiliência, o fato de se tornar bonito apesar de tudo, nada tem a ver com a invulnerabilidade

nem com o êxito social, e sim com o existir.

Encontro 4: Cuidando de Si - 05/09/2017

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Figura 24 – Cuidando de si

Fonte: criatividadeipa, 2017

Uma roda de conversa diferenciada se deu neste encontro, muitas falas, muitas

emoções, mas o que mais chamou atenção foram as reflexões feitas, o conjunto de inquéritos

que soavam como um pedido de cuidado misturado com a necessidade de saber para que

mexer em tantas coisas. Mas uma certeza existia: não querer permanecer do mesmo jeito.

Esse encontro teve como finalidade principal fazer um checkup da “alma”, procurando

entender como cada um se vê, a busca pela cura das feridas internas através de práticas de

introspecção e observação focada no eu, a fim de promover calmaria interior.

Quadro 18 – O último dia

Atividade 1: Escutar a música O último dia de Paulinho Moska, pelo menos três vezes,

após isso trabalhar com a música / letra a respeito do que cada um faria se só restasse esse

dia. Solicitar que cada participante expresse seus sentimentos através de colagem, pintura,

escrita, desenho.

Passada esse fase da explosão de emoções, pedir que cada um produza um pergaminho da

vida, enumerando dez coisas que são importantes em si, escrevendo o que há de melhor em

si, quais os defeitos que consegue enxergar em si, o que já conseguiu modificar, o que ainda

não foi possível, mas tem desejo de fazê-lo. Fonte: A autora (2019)

Dar conta das emoções não era o suficiente para nós, era preciso exalar, deixar fluir,

vir à tona, experienciar o que de fato estamos fazendo conosco e como estamos lidando com

isso. O tempo não para, não espera, é imutável e intransigente no seu modo de agir.

Camarada, eu ficaria com minha mãe [...] morro de medo do fim, sem poder fazer

tudo que eu sonhei, coisas simples, casar, ter filhos, me formar, um bom emprego e

um marido apaixonado. Eu quase lá e o mundo decide acabar? Dá para esperar não

mais um taquinho? Kkkk. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – DÁLIA)

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Todo dia é o último dia. Viva todo dia como se fosse o último, ame como se não

houvesse amanhã [...] viva o momento com consciência, sem se apegar, porque

dessa vida nada se leva. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – FLOR DE LÓTUS)

Tomasi (2014), baseado nas ideias de Honneth (2003), diz que, para saber se um

indivíduo é reconhecido e aceito na coletividade, basta perceber o valor que ele dá a si

mesmo, se tem uma atitude positiva para consigo mesmo, se tem autorrespeito.

Sabemos que todos nós temos várias facetas, assumimos diversos papéis diante dos

grupos aos quais nos vinculamos, mas o ideal é que mantenhamos uma forma de

personalidade nesses diversos âmbitos. Por muitas vezes, valorizamos exageradamente o que

os outros acham de nós e acabamos por viver verdadeiras angústias na tentativa de manter

nossa aprovação / aceitação.

Mais importante do que saber e valorizar o que os demais sujeitos pensam de nós é o

que se faz de fato com as informações que chegam, pois “A experiência de ser reconhecido

pelos membros da coletividade como uma pessoa de direito significa para o sujeito individual

poder adotar em relação a si mesmo uma atitude positiva” (HONNETH, 2003, p. 139).

Quadro 19 – Cuidando de Si

Atividade 2: Oficina de cuidado de si – com técnicas de relaxamento, massagem,

respiração, alongamento. A intenção é promover um momento de bem-estar, poder

demonstrar cuidado com seu corpo físico, emocional, psíquico, propiciando um estado mais

consciente de si.

Utilizar técnicas de relaxamento:

1. Inspirando eu me acalmo, expirando eu reconheço – acompanhar a respiração; à medida

que inspira, sente-se acalmando o corpo; e, expirando, vai se reconhecendo como sujeito.

2. BodyScan – ainda através da respiração, buscar fazer um escaneamento corporal, na

tentativa de reconhecer tanto tensões e dores como também sensações boas.

3. Acalmar-se – abrir e fechar as mãos inicialmente, depois com a mão esquerda sobre o

peito acompanhar a respiração, a direita abre lentamente por 3x depois troca.

4. Ensinar o Ho’oponopono22 – forma de liberar-se e aos traumas/problemas/pessoas.

Sinto Muito, Me perdoe, Eu te amo, Sou grato. Fonte: A autora (2019)

Após esse momento de cuidado, chegamos à fase de trabalhar a temática do

reconhecimento através da Teoria de Axel Honneth (2003). Nossa ideia não era nem de longe

aprofundar na teoria, mas trazer elementos da mesma para contribuir com o processo

formativo e principalmente fortalecer os processos de promoção de resiliência ao longo da

22 A palavra “ho’o” significa “causa” em havaiano, enquanto “ponopono” quer dizer “perfeição”. O termo

“ho’oponopono” pode ser traduzido como: “corrigir um erro” ou “tornar certo”.

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vida. Não era do nosso interesse que a experiência se findasse com o encerramento deste

evento, mas que cada participante pudesse levar consigo uma sementinha de tudo que foi

visto.

Em relação à teoria do reconhecimento, tratamos da identidade pessoal e modos de

não reconhecimento: violação, privação de direitos, degradação.

A cada relação prática de reconhecimento, podem ser percebidas, também, categorias

morais de desrespeito, que não se configuram somente como relações de injustiça, nas quais

os sujeitos são privados de sua liberdade, mas, também, uma violação na compreensão que os

próprios sujeitos têm de si mesmos. Portanto, a cada forma de desrespeito, vincula-se a

privação de determinadas pretensões de identidade: em relação ao “amor”. O desrespeito se

dá nas formas de maus-tratos físicos e violações; nas relações jurídicas, por privações de

direito e exclusão; em relação à solidariedade/ética, nas formas de degradação e ofensa.

Quadro 20 – Formas de reconhecimento

Atividade 3: Dinâmica de representação

A partir de algumas músicas e reflexões, trouxemos questões chaves: AUTOESTIMA,

AUTOEFICÁCIA, AUTONOMIA, AUTOCONTROLE, OTIMISMO.

Dividir em grupos, propor um tema e uma discussão, tentar promover novas formas de

solução.

Promover uma mudança de foco (negativo) possibilitando aos participantes acessarem suas

potencialidades e habilidades esquecidas, bem como as relações práticas do reconhecimento

em suas categorias.

Atividade 4: Jogando fora o não me serve mais

Escrever numa folha de papel aquilo que já considera não ser mais necessário, aquele lixo,

mala pesada que carrega sem uma finalidade positiva... dores, traumas, sentimentos ruins

que já podem ser liberados. Colocar tudo no papel! Após toda expressão dos sentimentos,

solicitar que cada um pique seu papel em partes bem pequenas, como que cortando seus

medos, angústias, dores, traumas e assim liberando-se desse peso. Forma simbólica de

eliminar aquilo que já não nos pertence. Fonte: A autora (2019)

Reconhecer traz a ideia de conhecer novamente ou identificar no outro aquilo que de

alguma forma é conhecido. Habilidades existentes podem colaborar com os processos de ser-

no-mundo, apesar de serem amplamente desqualificadas no intuito de um permanente

controle. As falas nos revelam que essas habilidades em geral não são percebidas e

dimensionadas de forma a proporcionar crescimento.

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Não podemos esperar que o outro faça por nós, que nos valorize se nós mesmos nem

olhamos para nosso interior. Pensar em autoestima, autocontrole, autonomia,

autoeficácia, otimismo parece algo tão distante do grupo, todo mundo meio perdido

com a ideia de que somos nós os responsáveis por tudo isso. Minha autoestima não

está no outro, está no valor que me dou. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – LÍRIO)

Mais uma chance de jogar fora nosso lixo. Agora ainda tendo noção que nossa

autoestima é de nossa responsabilidade, o que faço comigo é meu, o outro vê aquilo

que eu mostro. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – JASMIN)

As falas acima nos fizeram refletir a relação da resiliência e as características do

reconhecimento de Honneth (2003), levando-nos a tal entendimento:

A resiliência e a autoeficácia atuam como forma do sujeito obter uma melhor

qualidade de vida na superação da adversidade, envolvendo o contexto, a cultura e a

responsabilidade coletiva, sendo capaz de responder de diferentes formas ante um

fracasso. (BARREIRA; NAKAMURA, 2006, p. 78)

Não fórmulas mágicas, nem pretendíamos que os sujeitos saíssem alterados a ponto de

não serem reconhecidos — isso não existe —, mas nos apoiar nas possibilidades de mudanças

consciente nos fortaleceu e guiou o trabalho até o final. Ouvir futuros educadores dizerem que

ainda há uma esperança era ao mesmo tempo um alívio e uma indignação, pois como assim

não existia mais esperanças? Afinal, continuamos acreditando que a educação é um meio de

transformação, de modificação a partir da ampliação dos modos conscientes de estar-no-

mundo. Mantemos o questionamento sempre presente: Educamos para quem? De modo a

pensar no coletivo, partindo de si mesmo.

Os encontros do primeiro quadrante se encerram aqui neste dia, trabalhar o EU, o

subjetivo, foi trazer à tona muitos elementos que notoriamente precisavam ser cuidados.

Apoiados na visão integral de Wilber (2006), podemos dizer que nenhum sentimento ou

emoção está estático, fixo em um único quadrante; estão todos entrelaçados e

interdependentes.

Já está se conhecendo? Sim! Prestou atenção em si mesmo? Está na hora de se

cuidar! Áreas como saúde e educação passam tanto tempo se preocupando com os

outros e esquecem de sim. Encerrar esse módulo é a certeza de precisamos cuidar do

que há aqui dentro. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – SÁLVIA)

Veremos a seguir o modo de expressão na ótica do segundo quadrante que é intitulado

de QUADRANTE SUPERIOR DIREITO (QSD), que cobre os aspectos exteriores-

individuais da consciência humana, como estudado pela neurologia e ciência cognitiva. Essa

dimensão expressa as nossas experiências individuais internas, através das manifestações do

nosso corpo, dos nossos sistemas fisiológicos (nervoso, circulatório, respiratório) e do nosso

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comportamento psicossocial. São elementos que podem ser estudados objetivamente, via os

meios de mensuração. É o campo do Ele/Isto individual e comportamental.

Figura 25 – Quadrante Superior Direito

Fonte: Santos (2013)

Andrade (2011) vai nos dizer que é o campo da fisiologia, da anatomia, da

neurofisiologia, das ciências comportamentais em geral. Essa é uma dimensão até então

privilegiada pelas pesquisas na área da formação dos educadores, por ser objetiva e facilitar as

generalizações.

Interessante perceber como os participantes — alunos em formação do curso de

pedagogia, que irão lecionar, em sua grande maioria, aulas para as turmas iniciais, com

crianças bem pequenas, cujos movimento, expressão e (re)conhecimento do corpo estão

desabrochando nesta fase — são extremamente desconhecedores do seu próprio corpo, da sua

fisiologia, da relação corpo e mente nos processos de formação.

Yus (2002, p. 195) afirma que

[...] o cenário educacional produz um analfabetismo funcional em termos de

domínio de nosso próprio corpo nas sociedades modernas, de modo que passamos

grande tempo de nossas vidas em instituições normatizadas para nos educar e somos

praticamente desconhecedores de nossa própria corporeidade.

Concentramos esforços para colaborar com os processos formativos e propiciar novos

olhares, como veremos a seguir.

Encontro 5: O Corpo Fala - 12/09/2017

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Figura 26 – Expressões

Fonte: Tâm-Tài-Trí, 2016

Retomamos o encontro passado fazendo uma síntese das temáticas tratadas nos

encontros referentes ao primeiro quadrante, explicando que agora estaríamos iniciando um

novo ciclo, cujo foco estava no cuidado com o corpo mais propriamente no tocante biológico.

Para tal, fizemos os seguintes questionamentos iniciais: Como tenho me tratado? Me

sinto cansado? Tenho adoecido nesses últimos tempos? Tenho tempo para me exercitar?

Numa grande roda de conversa, pudemos ouvir relatos interessantes de quanto o corpo

tem sido negligenciado. Chego a afirmar que muitos não o percebem como algo importante,

não o reconhecem como parte integrante de si.

Não vou mentir, chego tão cansado em casa que nem me dou conta de como estou,

senão cansado, exausto de três turnos de luta. De verdade só olho para o corpo

quando ele reclama, quando fico doente e preciso parar, fora isso é sempre uma

máquina. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – JACINTO)

Muitos afirmaram não ter tempo para se preocupar ou cuidar como deseja deste corpo,

que o fará assim que puder, quando as atividades formativas permitirem, mas não muito

distante lembram que as atividades profissionais talvez não os permitam também, afinal a

nossa cultura imprime essa ideia.

Nas férias, eu procuro fazer alguma coisa. Não tenho tempo nem para dar minhas

caminhadas, tempo está muito apertado, muitos trabalhos da faculdade, fora a

escola, família, casa e tudo que eu já tenho para cuidar. Mas como está perto de me

formar acho que terei mais tempo, ou não né? (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

PETÚNIA)

Após esse momento, exibimos um vídeo sobre linguagem corporal — O corpo fala, de

Pierre Wiel23 —, a partir do qual foi possível entender que a comunicação não se dá apenas de

23 Link do filme: https://www.youtube.com/watch?v=9dwEAJOLjok

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forma direta e oralizada, mesmos os gestos das línguas de sinais trazendo consigo toda uma

gestualização corporal.

Se tentamos entender a forma de comportamento dos participantes sob a perspectiva

mais biológica, em que a resiliência tem características de traço de personalidade,

tenderíamos a pensar nas mudanças apenas como superação de adversidades, ou seja, cuidar

de si quando isso representasse algum risco. Resiliência seria entendida:

Como uma resposta global em que estão em jogo os mecanismos de proteção,

entendendo por estes não a valência contrária aos fatores de risco, mas aquela

dinâmica que permite ao indivíduo sair fortalecido da adversidade, em cada situação

específica, respeitando as características pessoais. (INFANTE, 1997, p.10)

No espaço onde estresse, angústias, sofrimento, dores e patologias surgem com uma

intensidade grandiosa e atingem o corpo físico, é preciso criar estratégias de enfrentamento,

que podem ser denominada copping. Para Dell’Aglio e Santos (2011, p. 215) é “[...] uma

resposta que poderia funcionar como moderadora dos efeitos negativos do estresse integrando

os processos de resiliência do indivíduo”.

Então o que fazer para proporcionar mudanças mais significativas? Talvez mais

intensas e reais, que não precisem surgir da máxima dor ou de uma adversidade profunda?

Passamos para a próxima atividade, a fim de sentirmos esse corpo, como materialidade. Aqui,

diferente do encontro do QSE, nós estávamos preocupados com o corpo enquanto matéria,

não os processos subjetivos que implicam o não cuidado.

Quadro 21 – Sentindo meu corpo

Atividade 1: Discussão e debate sobre o filme, seguido de um momento de reflexão sobre o

que cada um está fazendo com o seu próprio corpo. Quais os cuidados que tem?

Depois da discussão, partir para uma prática de contato em que cada um deve lentamente ir

tocando seu corpo, sentir as mãos se tocando, o contato com os pés no solo, suas costas na

parede, tocar o rosto. Perceber o seu corpo e visualizar pontos de tensão, angústia, medo.

Concentrar-se nele e perceber como ele está: quente/frio? Entorpecido/formigando? O que

sente? Sentir o ar entrando nos seus pulmões, os seus batimentos cardíacos, suas pernas,

tronco, braços, cabeça. Após essa pausa para reflexão/meditativa, solicitar que cada um

preencha silenciosamente a ficha do Caderno de Exercícios (STAPPEN, 2013, p. 11) e

indicar no desenho do corpo humano (desenho) as tensões que conseguiu identificar. Fonte: A autora (2019)

Depois desse exercício, voltamos para a roda e ouvimos os compartilhamentos de

sensações.

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211

[...] neste momento pensamentos predominantes na minha mente, meu corpo, mente

estão cansados, meu coração anda meio bipolar, engraçado poder dizer isso, porque

nem eu tinha essa clareza, mas também não sei se é claro, sei que senti. Porque não

paramos para pensar no corpo? Porque só valorizamos quando nos acontece alguma

coisa? Pensei até na minha unha encravada... (DIÁRIO GRATIDÃO –

ORQUÍDEA)

Assim como também é relatado nessa fala:

Parar para sentir meu corpo, algo que já não faço há um bom tempo, melhor não

lembro de ter feito. É hora de pensar no que estamos fazendo. O cotidiano nos

sobrecarrega, se adoece mergulhado num lamaçal de problemas. Sinto muitos pontos

de dor. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – PETÚNIA)

Desta forma, pudemos identificar o quanto esse corpo é e tem sofrido. O que fazer

para melhorar? A partir da dificuldade de pensar o corpo, sugerimos a próxima atividade. Já

imaginávamos a repercussão que iria causar, visto que a experiência semelhante em um

encontro anterior já havia sido impactante.

Quadro 22 – Sentindo o outro

Atividade 2: Dividir o grupo em duplas, escolher preferencialmente alguém que não tenha

muito contato, alguém que não conhece muito. Escolher quem iniciará o exercício. Sentados

um de frente para o outro, buscar uma cadência, uma harmonia entre os corpos (seja através

de movimentos, respiração, olhares...), após essa cadência estabelecida, o que escolheu ser

primeiro iniciará uma massagem, um cuidado “curativo” no outro, tentando aliviar o que

venha a surgir, sempre respeitando os limites de quem está sendo tocado. Cinco minutos

passados, invertemos os participantes, quem estava fazendo passa a receber a massagem.

Terminado o exercício, porém ainda nas duplas, refletir como foi a experiência, como é

sentir esse cuidado, quantas vezes se possibilita ser cuidado assim, quais as formas de

cuidado que toma para consigo mesmo? Resgatando o desenho do corpo que utilizamos na

atividade anterior, cada participante vai receitar a partir da massagem modos de cuidados. Fonte: A autora (2019)

O estranhamento, quase uma ruptura no possível desconforto inicial causado pelo fato

do toque24 ao corpo do outro, tinha fundamentos bem além do simples contato físico, dizia de

um descuido quase homogêneo desse grupo.

Infelizmente devido aos nossos afazeres e correria do dia a dia, não paramos para

observar as reações e os sinais que o nosso corpo dá muitas vezes, pedidos de

socorro e ignoramos os sinais... tocar no outro me fez refletir isso. Ando

descuidando do que me sustenta.” (DIÁRIO DE GRATIDÃO – MIOSOTIS)

24 Importante ressaltar que a atividade foi explicada antes e que todos aceitaram participar, com a certeza de que

seus limites seriam respeitados.

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O estranho, inacessível, o nosso corpo já é algo que não damos conta, imagina quando

isso se refere ao corpo do outro.

Ao tocar o corpo da colega, inicialmente tenho uma certa resistência pela timidez,

mas embora a vergonha, fui aos poucos fazendo massagens na colega, onde perceber

diferentes mensagens. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – HORTÊNCIA)

Para finalizar o encontro, ainda falamos sobre nutrição integral, sono e suas

consequências (WILBER, 2011) e como isso afeta o nosso corpo e seu funcionamento diário,

causando interferências nos resultados que esperamos para as nossas ações. O mais

interessante foi perceber que as pessoas não fazem ligação entre as áreas — se eu não como

bem, afeta meu desempenho na escola e/ou trabalho; manter-me descansado e ter noites de

sono regulares me ajudam a estar alerta nas atividades e colaboram no estado de humor —

,não há nada isolado.

Encontro 6: Adoecimento do corpo físico e mental - 19/09/2017

Figura 27 – Adoecimento

Fonte: Blog Jornal Regional (2017) Fonte: Cartilha para profissionais do SUS (2014)

A roda de conversa ao longo dos encontros revelou vários elementos referentes à

dimensão do cuidado, algo que tem sido negligenciado, escorando-se numa tradição cultural

cujo trabalho é a forma de inserção no mundo produtivo, onde as pessoas ganham visibilidade

pelo seu poder de aquisição material. Segundo Dejours (2004, p. 18),

O trabalho ocupa posição central na sociedade e na vida dos indivíduos, pois

desempenha função fundamental na construção de espaços públicos coletivos de

convivência. O trabalho é o que insere as pessoas no meio social, sendo assim, o

principal responsável pela construção e constituição das relações sociais. O trabalho

não é apenas a relação salarial ou o emprego. É mais do que a venda da força de

trabalho pela remuneração.

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O principal objetivo desse encontro foi esclarecer quanto às patologias decorrentes da falta de

cuidado consigo mesmo, do trabalho e suas implicações, a partir das dimensões da teoria de

Honneth (2003), e resgatar os conceitos básicos da teoria honnethiana, fazendo associações

com o trabalho, corpo e patologias.

Quadro 23 – Adoecimento e o reconhecimento

Atividade 1: Dividir o grupo em pequenos grupos, distribuir os textos “Corpo e Teoria

Crítica” (CERNEA, 2015, p. 17-38). Após leitura, promover um debate sobre as

principais problemáticas apresentadas quanto ao corpo, sua reificação, as interações

feitas, banalização, as formas de não reconhecimento, adoecimento. Fazer possíveis

relações com trabalho, grupos, espaço educacionais. Fonte: A autora (2019)

O que de fato representa o corpo? Como os sujeitos lidam com seus corpos físicos e

mentais? Os imperativos sociais têm tomado conta, regendo e ditando regras duras e gerando

adoecimentos e não pertencimentos.

Estamos nos tornando coisas, falta o olhar para o outro, afetando assim as relações

grupais... parece algo tão distante de mim, mas é tão perto. Tudo virou qualquer

coisa e é fazer porque todo mundo faz.” (DIÁRIO DE GRATIDÃO – LÍRIO)

A sensação de pertencimento pareceu algo muito doloroso para os participantes,

Meu corpo minhas regras, ouvimos isso com frequência, mas como é difícil sentir-

me dona dela, parece mais que ele está à disposição do outro, a serviço do que é

bom, agrada, serve para os outros. Quando resolvo fazer algo com o meu corpo, sou

imensamente criticada, desacreditada... se alguém me viola ainda sou culpada...

cansada dessa relação. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – ALFAZEMA)

Honneth (2003) diz que todo reconhecimento está atrelado a um não

reconhecimento ou reconhecimento negativo, sendo fruto da própria lógica interna das

relações interpessoais, porém o aspecto do reconhecimento negativo não representa apenas

traços de limitação da liberdade ou expressões de injustiça contra a integridade humana, mas

também fere a forma como as pessoas se autocompreendem. A autorrelação prática positiva é

atingida em sua própria estrutura, e tal ação faz com que as formas de desrespeito neguem a

possibilidade da autoconfiança, do autorrespeito e da autoestima.

Aproveitamos o texto da Cernea (2015) para explorar ainda mais as questões do corpo,

só que numa perspectiva do adoecimento, do agravamento de condições negligentes de existir

e da relação com a educação e com o reconhecimento honnethiano.

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Para trabalharmos bem essa temática, fizemos uma explanação sobre as patologias

mais frequentes encontradas no âmbito docente, suas principais causas e consequências,

sequelas para a vida, fazendo as possíveis relações com a vivência deles, buscando sempre a

realidade vivida por cada um.

Tínhamos como principal objetivo fazê-los identificar se estavam sendo vítimas de

alguma forma ou possível adoecimento.

Figura 28 – Doenças

Fonte: A autora (2019)

A figura acima foi o resultado de um diálogo pós-explanação, intrigante e revelador,

visto que muitos, mesmo discordando das ideias, formas, mecanismos de trabalhos nos quais

estão inseridos, não paravam para pensar no quão nocivo estava sendo essa relação.

Pensar que o dinheiro que ganho não irá restabelecer minha saúde, que meu corpo

envelhece proporcionalmente ao tanto de estresse que vivo, que as doenças me

rondam mais que qualquer coisa, não foi bom. Me questionando sobre o que fazer,

porque a grana é necessária. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – MIOSOTIS)

O quanto mesmo vale o educador? O que estamos fazendo com nossas vidas?

Tantas doenças, tantos problemas, pensar que professor só acumula coisas ruins me

deixa triste. Não quero ficar toda doente, com mil coisas numa velhice e não poder

fazer nada da vida. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – MAGNÓLIA)

Após uma enxurrada de mobilizações, era preciso pensar em como encarar essa

situação, as possibilidades de adoecimento, as limitações que poderiam vir a surgir ou como

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não cair nessa rede emaranhada de sofrimentos, afinal nossa proposta formativa era trabalhar

a resiliência em todos os âmbitos.

Quadro 24 – Enfrentando os problemas

Atividade 3: Dinâmica de grupo – o grande grupo deverá construir um único corpo humano

contendo as possibilidades de solução ou de enfrentamento para eles dos diversos problemas

que os mesmos enfrentam no seu dia a dia (profissional, pessoal, emocional, financeiro),

indicando os sentimentos possibilitadores da transformação.

Fonte: A autora (2019)

A percepção da dor do outro torna-se mais próxima e possível quando o grupo relata

sensações coletivas que pareciam ser da ordem do individual. Os sujeitos passam a

reconhecer, como mostra as falas a seguir:

Estranho pensar que o outro sabe de mim aquilo que não contei, mas na verdade

aquilo que parecia ser meu, fui vendo que era tão comum, tão de todos. Montar um

corpo único pareceu-me uma maneira de curar, cuidar, saber, sei lá! Só sei que não

me senti só. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – HISBISCO)

Na hora de fazermos o corpo, fui me dando conta que as dores que víamos nos

nossos professores, em geral eram as mesmas que a maioria do grupo estava

mencionando, marcando. O sentimento foi único: precisamos fazer alguma coisa

urgente. Afinal eu não quero isso para o futuro. Mas a ideia era fazermos um corpo

de bem com a vida (DIÁRIO DE GRATIDÃO – IRIS)

Levaram algum tempo intrigados em como resolver o cotidiano, como alterar aquilo

que se vive e não se encontra saída. As lógicas pareciam ainda mais angustiantes do que

apenas ter um problema, pois saber que para tal existe uma solução é como remontar uma

história em quadrinhos em outro idioma sem dominá-lo.

Poderíamos passar todo o processo formativo detidos no segundo quadrante e suas

implicações, mas era preciso seguir, outras revelações ainda estavam por vir e tinham toda

importância.

Quadro 25 – Reflexão

Atividade 4: Refletir os dois encontros. O que ficou para eles? Qual a importância de

falarmos sobre o corpo, o cuidado com o mesmo? Pensar/refletir sobre o corpo muda

alguma coisa em relação à condução do seu processo formativo? Condução enquanto

profissional? Fonte: A autora (2019)

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Como pensar o corpo como algo que parece não pertencer, estar fora ou desacoplado

de si? As provocações tinham o intuito de mexer com o modo como andamos cuidando do

que temos, dos exemplos que damos com nossas condutas. O corpo é parte integrante do

processo formativo em sua totalidade, e não apenas como condutor de uma razão e saberes.

Corpo, corpo, corpo... pude refletir que o corpo não é só um corpo, mas são vários

corpos em diversos modos de ser. Mas o corpo não anda só, sem a razão as coisas

não surgem. Bom, sei que nesses encontros aprendi que ou cuido de mim ou

ninguém fará. Manter em desrespeito a mim, só é a prova que não me reconheço.

DIÁRIO DE GRATIDÃO – JACINTO)

Corpo deseducado, descuidado, desnudado quando já não tem mais temo, é isso que

queremos? Quem vai cuidar de mim quando tudo parecer estar no fim? Ou paramos para

pensar e cuidar ou chegaremos ao ponto de colapso.

Esperar alguém para cuidar, já sei que não vai funcionar... kkk, mas não é

engraçado, porque nós deixamos de lado nosso bem maior, nosso instrumento de

trabalho, de vida e fingimos que vai ficar tudo bem, no final, só dor e doença.

Aprendendo que ou cuido ou vou me arrepender em breve. Estou numa situação no

trabalho que agora eu resolvo! (DIÁRIO DE GRATIDÃO – VIOLETA)

Foram encontros intensos e modos de pensar o corpo de formas diversas. Agora,

seguindo os caminhos que passei, chegamos ao terceiro quadrante - QUADRANTE

INFERIOR ESQUERDO (QIE), que cobre os aspectos interiores da consciência humana,

como estudado pelas ciências da cultura, da antropologia, da hermenêutica e de

etnometodologia.

Figura 29 – Quadrante Nós

Fonte: SILVA (2013)

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Nesse quadrante, busco o “nós”, ou a cultura, o aspecto subjetivo da coletividade. É

aqui que o sujeito experiencia sua comunidade, os valores e os sentimentos de viver e

conviver com o outro e com os outros, as relações numa cultura e com valores comuns, que

dirigem a sua própria vida. A partir dessa perspectiva, iremos buscar compreender como a

resiliência pode afetar e ser afetada sob a ótica deste quadrante.

Encontro 7: Compreensão das emoções nas relações interpessoais - 26/09/2017

Figura 30 – Rede

Fonte: pos.unipar.br

Iniciamos o encontro com a roda de diálogo, refletindo sobre o que havíamos vivido,

como estava sendo para eles essa participação e se e como poderia ser aplicado no seu

cotidiano. Era uma tentativa de captar se existia uma percepção quanto ao processo de

formação humana, bem mais amplo do que apenas a formação docente.

Este encontro tinha como objetivo compreender as relações estabelecidas no grupo,

bem como as emoções que permeavam as mesmas numa tentativa de identificar formas de

reconhecimento positivo e/ou negativo, associada ao que já vimos em Honneth (2003).

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Quadro 26 – Aceita o desafio?

Atividade 1

Objetivo: motivar, integrar o grupo, desenvolver competências como coragem, confiança,

superação e busca adequada de informações.

Material necessário: uma caixa (tipo de sapato) embrulhada; dentro dela há instruções para

cumprir um desafio.

Execução: Dividir em 2 grupos, cada grupo faz um círculo de modo que os integrantes não

fiquem um do lado do outro. A caixa do desafio (devendo ser explicado do que se trata) é

entregue a um participante aleatório, coloca-se uma música e quando parar a música o

participante que estiver com ela na mão terá que cumprir o desafio.

Quando a música parar, o participante que estiver com a caixa na mão deverá ser indagado

se quer cumprir ou não o desafio (fazer um suspense); caso ele passe adiante, esse processo

pode ser repetido no máximo três vezes.

Depois da terceira vez, o participante não terá mais escolha, terá que abrir o embrulho e

cumprir o desafio. Ao desembrulhar, vai perceber que o desafio é comer uma caixa de

bombons.

“MELHOR ENCARAR OS DESAFIOS DO QUE PASSAR A BATATA QUENTE.” Fonte: A autora (2019)

Essa atividade foi encarada como simplória pela maioria do grupo, afinal todos

consideravam que desafios deveriam ser prontamente atendidos e resolvidos.

Figura 31 – O desafio

Fonte: A autora (2019)

Esse foi o discurso inicial. A caixa começou a passar e as instruções foram surgindo.

Foi possível perceber que o desafio não iria ter uma solução imediata, afinal tratava-se de algo

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grupal; sozinho não era possível resolver, o outro tinha que desejar se envolver, o que tornou

a dinâmica animada e foi desvelando pontos de tensões grupais.

Não sou muito de enfrentar desafios, mas estava disposta a fazer isso naquela hora,

mas um dos meus colegas de lado não toparam, ficou apreensivo, disse que não

queria se expor e tal. Quando tudo terminou e eu vi que perdemos uma deliciosa

caixa de chocolates foi aí que fiquei com mais raiva. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

BROMÉLIA)

As falas nos relatam que havia um certo interesse em resolver, cercado de receio ou

dificuldades, como apontado a seguir:

Eu tinha certeza de que iria resolver, era fácil demais, não parecia ter nada que

causasse impedimento, só foi a professora dizer que era preciso seguir as regras

contidas dentro do embrulho que eu me embrulhei... assim como uma ostra, preferi

deixar para lá. Minha colega ficou muito chateada, mas não deu! No final prometi

que traria uma caixa de chocolates para ela. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – CRAVO)

Uns ainda com muito receio, outros desejando solucionar, como quem está ávido por

uma mudança, por uma ruptura, por permitir-se transbordar.

Era minha! Tinha que ser minha! Desafios maiores eu estava passando, então fui

logo dizendo as meninas do meu lado, nem vem que não tem, se parar aqui vamos

enfrentar. Foi assim, na terceira rodada parou em mim. O desafio era aceitar o

desafio, encarar isso... a caixa estava recheada de chocolates, delícia! (DIÁRIO DE

GRATIDÃO – LÍRIO)

Enfrentar as adversidades pareceu algo tenebroso para alguns, mas o mais difícil

mesmo foi mostrar-se em relação. A tarefa não poderia ser feita só, ou indica não poder, só

sendo descoberto depois de abrir o primeiro embrulho, mas muitos não toparam.

Com as leituras dos diários de gratidão, ficou clara a maior dificuldade da turma: o

que o outro poderia achar se ele não conseguisse executar a tarefa? Como isso

poderia afetar futuras atividades? Era o desconhecido que falava naquele momento,

muitos apontaram existência de subgrupos, redes de preferências e exclusão por não

enquadramento nas regras estabelecidas por alguns. No final, o que parecia tão

simples fez desmoronar uma estrutura que parecia sólida. (DIÁRIO DA

PESQUISADORA)

Compartilhamos sentimentos relacionados à vivência, a partir dos quais foram

brotando as dificuldades relacionais, mas resolvemos não dar vazão nesse momento à escuta,

como forma de provocar o grupo a externar com mais lucidez as emoções, então fomos

adiante e seguimos para a próxima atividade. Para tal, sugerimos a atividade abaixo descrita,

que tinha por objetivo motivar os participantes a desenvolverem habilidades de

reconhecimento de qualidades em outras pessoas e a percepção de como os outros os vêem.

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Quadro 27 – Quem eu levo?

Atividade 2

Material: envelopes, lápis e questionário

Execução: Distribuir os envelopes e pedir que os mesmos só sejam abertos após as

instruções. Cada pessoa deve responder o questionário que existe dentro do envelope, sem

permitir ou compartilhar com os outros, suas respostas (devem ser confidenciais) e os

questionários não devem ser identificados. Fazer a contagem dos escolhidos e apresentar no

próximo encontro.

1. Se você fosse para uma ilha deserta, que pessoa do grupo gostaria de levar com você?

2. Se tivesse que organizar uma festa, que pessoa do grupo gostaria que o ajudasse?

3. Se ganhasse na loteria um prêmio alto e pudesse escolher 3 pessoas do grupo para fazer

um cruzeiro fantástico, quem você escolheria? Fonte: A autora (2019)

Como os votos eram confidenciais, o grupo reagiu com mais tranquilidade, podendo

escolher com discernimento e sem receios. As escolhas se deram por afinidade, o que já era

esperado.

As pessoas que escolhi foram as que estão comigo ao longo desse caminhar na

universidade. Elas estão sempre comigo, fazendo trabalhos, seminários, tudo que

tem aqui dentro [...], mas eu até pensei em uma pessoa fora do meu grupo, mas na

dúvida resolvi não arriscar. Às vezes é só dor de cabeça! (DIÁRIO DE GRATIDÃO

– LAVANDA)

Eles ainda haviam se apercebido do quão mexido estava o grupo, ou pelo menos as

cabeças, pensamentos e sentimentos em relação àquele aglomerado de pessoas comungando

do mesmo espaço. Nem de longe eram um grupo, o que ficou notório na atividade seguinte.

A esta altura, as emoções explodiam, melhor procuravam escapes para sair, sendo

mantidas em contenção, afinal nada deveria dar errado. A pesquisadora não esperava isso,

haveriam possíveis feridos no grupo e as relações estavam ameaçadas.

Após toda essa mobilização, a atividade propunha trabalhar a liderança, cooperação e

coletividade. Fundamental pensar junto para alcançar um resultado favorável a todos.

Quadro 28 – Mar revolto

Atividade 3

Material: Participantes e emborrachados

Execução: Pedir para todos fazerem um grande círculo, e que gravem quem está à sua

direita e esquerda. Agora podem soltar e começar a andar livremente pela sala, de repente a

pesquisadora coloca algumas placas unidas do emborrachado no chão e pede que todos

subam nela, espremendo-se. Sem sair do local devem dar as mãos aos seus antigos pares,

após isso devem voltar ao grande círculo, sem soltar de forma alguma as mãos. Fonte: A autora (2019)

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A atividade consistia em uma solução coletiva, pensar juntos, se associar para uma

solução. O que na vida prática é comumente difícil, por inúmeras questões, sendo assim,

parece muito mais lógico desistir, renunciar, recuar do que tentar. Podemos ver como a

atividade impactou

Como assim, professora? Lembrar quem estava ao meu lado já era o bastante e ainda

desfazer esse nó? Foi o que eu pensei na hora da dinâmica, estava tão embrulhada

que minha primeira vontade foi soltar as mãos e desistir da atividade, mas aí veio a

culpa, o medo de como as pessoas iriam reagir. Eu iria ser taxada como a que

destruiu a atividade, só de pensar eu chegando na sala de aula e todo mundo me

apontando, nem quero pensar mais. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – HORTÊNCIA)

Mesmo pensando em desistir e do incômodo sentido por alguns, podemos perceber

que o grupo tentou uma solução, o trabalho grupal foi fundamental nessa atividade.

Figura 32 – Todos juntos

Fonte: A autora (2019)

A esta altura, eles estavam precisando falar, dizer o que o corpo já expressava com

clareza, deixar vir à tona as insatisfações, satisfações, gratidão e tudo que de alguma forma

não estava cabendo mais em si. Sentamos numa grande roda e iniciamos o grupo focal, com

perguntas que tangiam as relações, os problemas das mesmas, os sentimentos, o entendimento

de grupo e agrupamento e a responsabilidade de cada um.

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Quadro 29 – Grupo Focal

Atividade 5

Perguntas chaves:

1. Como o grupo se comporta mediante dificuldades com os professores?

2. Quem você acha que poderia assumir a liderança do grupo e representar a maioria

de vocês? Por quê?

3. Relate os principais conflitos existentes nesse grupo.

4. Quem ou quais as pessoas mais emotivas do grupo? Por que você acha isso?

5. É possível expressar sentimentos nesse grupo? Explique.

6. Se você pudesse indicar alguém com um grande problema nesse grupo, quem seria?

Um problema que afeta o grupo.

7. Quais os tipos de reações grupais você percebe neste grupo?

8. Como você percebe este grupo?

9. Um “estrangeiro” (pessoa inicialmente não pertencente ao grupo) tem espaço neste

grupo?

10. Seriam vocês um grupo ou um agrupamento?

11. As opiniões do grupo são importantes para você? Como isso te afeta?

12. As pessoas são capazes de escutar os outros? Explique. Fonte: A autora (2019)

A atividade se deu de forma turbulenta, recheada de muitas emoções, lágrimas,

acusações, alterações de voz e posicionamentos mil. Parecia uma bomba-relógio que estava

prestes a explodir, mas nada que a pesquisadora de alguma forma já não houvesse captado, foi

uma ação controlada, mas necessária.

Hoje eu sabia que possivelmente poderia colocar minha pesquisa num enorme risco,

mas não havia proposto tal processo formativo para ver as coisas acontecerem de

forma superficial, desejei profundidade e tive toda ela nesse encontro. Interessante

ver como as pessoas não têm noção de sua presença, de como o

autorreconhecimento negativo interfere nas ações, na autonomia, no autocontrole e

principalmente na autoestima. Discursos permeados de invisibilidade a partir de si

mesmo! Se acontecesse algo hoje e terminasse e eu não pudesse continuar, tenho a

certeza de que aqueles seres jamais seriam os mesmos. Minhas provocações não

foram e nem serão à toa. (DIÁRIO DA PESQUISADORA – 10/10/17)

A resiliência acadêmica refere-se à disposição do indivíduo para perseverar em tarefas

acadêmicas, mesmo quando ele se sente frustrado (POLETTI; DOBBS, 2007). Em outras

palavras, academicamente resiliente é aquele que alcança sucesso, apesar da presença de

condições adversas – traumas, grande pobreza, enfermidade grave, divórcio dos pais, luto

pesado etc. Vale enfatizar que a maneira como os alunos respondem a todos esses desafios é

fundamental para o sucesso, em todos os níveis, e contribui para a sensação geral de bem-

estar e saúde; e a resiliência é o elemento-chave para evitar o esgotamento — físico e mental

—, a depressão e a fadiga (MEYER et al., 2006).

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Essa dinâmica me foi bem desafiadora, pois nos fez perceber, me fez perceber como

às vezes estou na minha zona de conforto e comodismo, e que isso me impede de

dizer, me expressar em relação ao grupo. Fico sempre achando que é melhor não

dizer nada e levar do jeito que está. Descobri que grupo é bem além do eu pensava

está mexendo comigo, porque sempre achei que pertencia a um monte deles, mas

agora nem sei se eles são reais. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – ANIS)

Como também podemos perceber na fala a seguir os sentimentos aflorando, ou

tomando coragem para sair.

A configuração de um grupo fala muito dele, como é formado e as ideias que ali

circula. Os grupos segregam os demais e se autopromovem como melhores, não

interagindo com os outros grupos, perdendo momentos valiosos de integração e

socialização com ideias diferente deles. O diferente assusta. Assim eu resumo a

sensação de hoje, alguém colocou fogo dentro do caldeirão e cada um precisava se

salvar. Temos tantas dores nesse grupo que parecia que íamos terminar o curso sem

resolver. Foi [...] para todo lado. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – BEGÔNIA)

Como em qualquer grupo social, o indivíduo busca aprovação por parte de outros

indivíduos. Neste sentido, o filósofo e sociólogo alemão Axel Honneth (2013) propõe que o

grupo deveria ser inicialmente compreendido como mecanismo social, que se forma a partir

da necessidade do interesse psíquico do indivíduo, pois auxilia na estabilidade e ampliação

pessoal.

Afinal, quando no grupo social se cumpre a função de reconcretização do

reconhecimento intersubjetivo, faz-se necessário “[...] reforçar justamente aqueles valores e

normas aos quais os sujeitos devem confirmação de sua estima” (HONNETH, 2013, p. 73).

Encontro 8: Sentimentos Compartilhados - 03/10/2017

Figura 33 – Sentimentos

Fonte: Sobrevida, 2012

A roda de conversa hoje começou de forma comum, mas, ao serem questionados sobre

o que estavam achando dos encontros, fui surpreendida com a fala de um dos participantes

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que só me alegrou, apesar de reconhecer o tamanho esforço que estava sendo desprendido ali

por todos.

Esses encontros têm sido como murros na boca do estômago, pois para nós é muito

incomum olharmos para nós mesmos, falarmos dos nossos sentimentos, nos ver

dentro das relações, e o pior é dar conta de que somos responsáveis por muitas

coisas que sempre culpamos alguém. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – HIBISCO)

Esse encontro foi o segundo deste quadrante, e não é possível falar de relações sem

cada um se apropriar do que de fato é seu, sua responsabilidade. Para isso, buscamos levantar

algumas questões: Como os outros me veem? Qual é a importância que esses sentimentos

exercem em mim? E nas relações?

À medida que posso perceber o que o outro percebe de mim, estou no processo do

meu próprio reconhecimento, para tal pensamos que isso colaboraria na promoção de

mudanças de foco das crenças negativas de si mesmo, poderia vir a criar uma possível

percepção de formas de exclusão através de rótulos – processos de estigmatização.

Quadro 30 – A bola

Atividade 1: Dinâmica do balão

Dar uma bola de soprar para cada participante e pedir que os mesmos a encham, depois

entregar um palito e fazer o movimento aproximando o palito da bola, dizer que cada

participante deve proteger a sua bola. “Pode começar (indução ao erro) o último que restar

com sua bola será o ganhador do prêmio”. Ao final, fazer a reflexão: não foi solicitado que

ninguém estourasse a bola do outro, apenas protegesse a sua. Isso pode instalar conflitos. Fonte: A autora (2019)

Momento lúdico, mas de comunhão entre os pares na tentativa de proteger os balões

“amigos”, ficando para o final a possibilidade de estourá-los; nesse momento, havia uma

sensação de ruptura.

Estranho estourar a bola do meu amigo, sei lá, mas era uma brincadeira, apesar de

ficar pensando o que ele iria dizer depois. Todos querem ser o ganhador, inclusive

eu. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – LAVANDA)

As relações se mantêm sob muitos alicerces, algumas vezes não estão pautadas no que

de fato poderia beneficiar o coletivo, e sim em modos e papéis que os sujeitos assumem em

cada relação, como vemos nas ideias de grupo de Pichon-Rivière e seus estudos sobre

dinâmicas grupais. Os grupos são fontes de aprendizagem e interações.

A aprendizagem centrada nos processos grupais coloca em evidência a possibilidade

de uma nova elaboração de conhecimento, de integração e de questionamentos

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acerca de si e dos outros. A aprendizagem é um processo contínuo em que

comunicação e interação são indissociáveis, na medida em que aprendemos a partir

da relação com os outros. (BASTOS, 2010, p. 161)

As relações vão se estabelecendo à medida que cada um pode olhar para si e

reconhecer-se em si mesmo.

Quadro 31 – Excluir pode!

Atividade 2:

Excluindo para ver como é! Consiste em dividir o grupo, através de critérios de exclusão

escolhidos pela pesquisadora: cabelo, cor, peso, afinidade com a pesquisadora. O intuito era

deixar um grupo bem pequeno, que seria classificado como o ideal para se trabalhar e o

restante não se enquadrando nele, seria excluído. Ao final fazer uma relação com a

profissão, as vivências na escola, na universidade, no ambiente educacional. Fonte: A autora (2019)

Os critérios foram aleatórios, mediante características dos participantes do grupo, mas

isso de fato não era o mais importante, o que estava em questão eram os sentimentos surgidos,

as alianças des/feitas, o comportamento frente à exclusão.

DOEU, VIU!? Foi excluindo, excluindo, excluindo e no final parecia que estava ali

só os escolhidos, o grupinho que era melhor, que tinha mais atenção do professor.

Pior é perceber que isso acontece na escola, que nós professores agimos assim! Me

doeu saber que causei essa dor em alguém ou muitos. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

BROMÉLIA)

E o sentimento foi reverberando-se, como podemos ver na fala a seguir:

Ninguém é perfeito, mas todos nós podemos ser melhores. Foi ruim sentir sensações

de desconforto, desigualdade, inferioridade, diferenciações. Fiquei no grupo final,

dos escolhidos, foi uma mistura me senti escolhida, mas também mal por pensar nos

que ficaram de fora. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – ZÍNIA)

Após a atividade, foi o momento de compartilhar os sentimentos, as sensações e se

isso tem relação com o espaço escolar, universitário, o local de trabalho, família e demais

grupos que eles participam.

Havíamos remexido vários aspectos nesse encontro e, como tentativa de organização,

nos coube trazer noções básicas que de alguma forma colaboram nas relações interpessoais.

Não era uma cartilha pronta, apenas caminhos a serem seguidos.

Uma aula expositiva, com conceituações sobre relações interpessoais, conflitos,

liderança, ética, moral, comunicação, motivação e desmotivação, atitude, desempenho em

coletivos., respeito, empatia e cooperação.

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Terminamos o encontro com as seguintes questões: Qual é o meu papel nas relações

que estabeleço? Como as relações vão impactar no desenvolvimento do meu trabalho

enquanto educador? Qual é a relação entre as relações interpessoais e a resiliência?

Nos despedimos com olhares espantados de quem é surpreendido e posto a pensar,

talvez melhor, a se responsabilizar, mas eles tinham substratos para tal reflexão.

Toda aquela teoria sobre conflitos, moral, motivação, coisas de uma relação parecia

que a professora sabia dos segredos de nossa turma. Como alguém podia saber do

tamanho dos problemas que ninguém tinha expressado? A cada relato, eu ia ficando

com mais certeza de que era de nós que ela falava. (DIÁRIO DE GRTIDÃO –

PETÚNIA)

O acolhimento e a autorresponsabilização se fizeram presentes nessa atividade,

ficando claros na fala abaixo:

Como foi bom saber que uma relação pode e deve ter suas diferenças, que não

precisamos ser todos iguaizinhos, na mesma lógica. Mas me dar conta de que meus

problemas pessoais interferem diretamente nas relações, mesmo quando eu penso

que não, foi ruim. Pensei que neutralizava, e até tem coisas que sim, outras

impossíveis. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – DÁLIA)

As relações devem ser vínculos estabelecidos de forma que ambas as partes tenham

lugar, possam falar e ouvir, que haja respeito e discernimento para lidar com as pessoas

envolvidas.

Encontro 9: As relações interpessoais: o nó ou o nós? - 10/10/2017

Figura 34 – Grupo

Fonte: Eli Rodrigues (2010)

Este encontro começou atípico, muitos agitados com alguns acontecimentos dentro da

instituição de ensino, a proximidade do feriado, desejos de descansar. Estavam dispersos,

alheios uns aos outros, o que nos fez alterar o cronograma de atividades do dia.

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Sempre tinha comigo músicas, dinâmicas e atividades que em momentos assim

pudessem ser convocadas a fazer parte do encontro. Assim o fiz, para começar pedi que todos

largassem seus pertences no chão, ficassem de pé e começassem a gritar, pular, liberar os

braços, pernas, quadril, seguindo as instruções. Não foi instalado um caos, pelo contrário, a

ideia era desinstalá-lo. Depois de alguns minutos, com os ânimos mais tranquilizados,

solicitei que procurassem um lugar cômodo, que os deixasse livres, se concentrassem na

respiração, e soltei a música “Paciência” de Lenine.

Depois disso, sentamos na grande roda para compartilhar os sentimentos e, conforme

surgiam, aos poucos foram sendo feitas relações com o encontro passado, com as questões

relativas aos conflitos, surgimentos, motivações e resoluções; a comunicação que muitas

vezes é falha ou negligente. O mais importante para mim foi o aparecimento da relação que

eles foram fazendo com a resiliência e o ser educador.

Me diga como é que eu como professor, mas sou gente, né? Chego na escola,

encontro o caos instalado, menino gritando, diretora xingando, mãe nem aí para os

filhos, só cobranças e posso me manter calmo? Se for num dia que estiver cheio da

cabeça, vou estourar de verdade [...] não sou de ferro. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

JACINTO).

Dar conta de que os problemas estão e são parte do mundo trouxe uma conotação

outra, que pode causar impactos nas relações, como tenta elucidar a fala abaixo

Pensei assim, às vezes alguns problemas se tornam maior do que são porque existem

em mim, se eu conseguir olhar para eles e tentar resolver, aprender alguma coisa,

poderei ajudar meus alunos. Ou pelo menos vou ter mais paciência em ouvir, sei lá

não vou querer só os alunos bonzinhos. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – LÍRIO)

Ver que aos poucos eles foram se dando conta de suas responsabilidades nos diversos

espaços foi me dando ainda mais coragem para persistir nos processos formativos. Era hora de

continuarmos seguindo um pouco o que havia sido programado, pois ali havia uma

necessidade particular do grupo.

Esse encontro objetivava aprofundar as questões relativas às relações interpessoais, só

que a lente usada seria a partir de si, trabalhar a autorresponsabilidade.

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Quadro 32 – Solução grupal

Atividade 1- em grupo

Dividir a sala em grupos de no máximo 5 pessoas e entregar uma situação, para qual cada

grupo deve apresentar uma solução. Todos deveriam estar de acordo com a solução

apresentada. Antes de iniciar a apresentação, fazer uma breve explanação da situação, só

depois a solução deveria ser apresentada através de representação teatral sem fala, e os

demais deveriam adivinhar o desfecho.

Atividade 2 - individual

Cada um deve responder as seguintes perguntas, sem se identificar, num papel que a

pesquisadora entregou individualmente: Essa seria a solução dada por mim? Estou de acordo

verdadeiramente? Qual é o meu papel diante da situação? Fonte: A autora (2019)

Outra vez os participantes foram incitados a pensar as relações de modo coletivo,

porém sem olhar para si mesmo. O que parecia trivial e até sem graça tomou uma conotação

própria, uma reflexão autorresponsável, como podemos ver nas falas abaixo:

Quando penso que nada mais pode acontecer, vem a dinâmica, que eu pensei: que

bobo! Aí vem a segunda parte, poxa, professora, por que tanta maldade?

Brincadeira, eu não sou de me expressar, preferi concordar para não ter atrito, não

sou do grupo há muito tempo e a forma que me relaciono como eles é no silêncio.

(DIÁRIO DE GRATIDÃO – ALFAZEMA).

Sempre arrumando um jeito de me fazer sentir pressionada, incrível como é tão mais

fácil aceitar e terminar logo a tarefa, mas fiquei pensando: e quando for na escola, no

trabalho, quando eu tiver que resolver mesmo? Me senti mal por não aproveitar as

oportunidades. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – MIOSÓTIS)

Interessante essa atividade porque rapidamente percebi que os grupos haviam

encontrado uma solução, sem muitas interferências; uns foram apresentando seus pontos de

vista e aquilo foi sendo aceito como solução grupal. Só que no momento das respostas algo

modificou, uma tensão parecia instalada. Foram descortinados e precisavam revelar-se.

Almeida (2015) nos faz refletir que características resilientes se desenvolvem e

ampliam através da interação com características pessoais como empatia, autoeficácia,

assertividade, habilidades sociais, comportamentos direcionados para metas e habilidades em

resolver problemas, o que colabora para as relações interpessoais de qualidade. Ou seja, a

possibilidade de enxergar o outro assim como ele é de fato.

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Quadro 33 – O espelho

Atividade 3:

Na sua célebre frase, Sartre diz que o inferno são os outros. A partir dessa afirmação, vamos

iniciar nossa atividade. Cada um recebe um espelho e, olhando para a imagem refletida,

deve apontar as maiores dificuldades encontradas em se relacionar com esta pessoa,

explicando-as. Fonte: A autora (2019)

A ideia era saber o que surgiria, será que de fato as pessoas conseguiriam enxergar

além das suas imagens refletidas? Nas falas abaixo podemos ver que os reflexos já tomavam

outros contornos além do físico apenas.

Me deparei com minhas dificuldades. Não era ninguém falando de mim e sim eu

mesmo, como dizer algo nesse sentindo? Fui pensando em coisas que fico duelando

comigo mesmo, que não faço, não me permito. Algumas lembranças de tempos

passados surgiram e não trouxeram coisas boas. Se eu não consigo lidar comigo,

então os outros tem dificuldades reais, né? (DIÁRIO DE GRATIDÃO – CRAVO)

Tive receio de dizer algo, porque estaria falando das dificuldades que ninguém vê.

Sei não, é mentira isso, todo mundo vê e eu finjo que não. Mas era dizendo que

poderia reconhecer os erros e quem sabe consertar. Eu agora estava gostando dessa

coisa resiliente. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – ORQUÍDEA)

As atividades até agora propostas neste encontro estavam atingindo seus objetivos,

mostrando que as relações interpessoais são tal qual raízes de uma árvore, bases de

sustentação, mas não estão fadadas a serem perfeitas ou darem certo sempre. Aprendendo

sobre si, facilita a manutenção das relações saudáveis e equilibradas.

Nosso próximo ponto a ser tratado era a relação, a tríade relações interpessoais,

resiliência e educação. Foi feita uma explanação teórica sobre essa relação, como cada uma

afeta a outra, quais as implicações, colaborações, o educador como possível tutor resiliente,

em seguida lançamos mão de uma dinâmica.

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Quadro 34 – A jornada

Atividade 4:

Uma jornada. Inicialmente projetar essa imagem abaixo por uns minutos e deixar o grupo

visualizando.

Eles iriam para um lugar assim, levando consigo uma classe de alunos de uma determinada

escola, com o intiuito de explorar o lugar e aprender na prática determinados conteúdos que

estavam sendo estudados na teoria. Contudo nesse grupo tinha alunos diversos, com

problemas de comportamento, físicos, uma professora estressada e uma assistente negligente.

Todos deitados, de olhos fechados, imaginando o lugar, sendo conduzidos à situação. Após

toda a jornada, cada um escolhe um personagem com o qual mais se identificou e monta uma

solução na perspectiva do mesmo, levando em consideração a tríade resiliência, relações

interpessoais e educação. Fonte: A autora (2019)

Estar no papel do outro nos remete a sensações que parecem não fazer parte da nossa

lógica. Ser ou estar professor não tira a condição de aprendiz, e essa troca pode favorecer o

coletivo. Os participantes de alguma forma foram levados a olhar para além da sua condição e

perceberam que eles também têm limites, que a não resolução pode ser uma saída.

Nunca havia me dado conta do real papel que assumi quando escolhi fazer

pedagogia, não sei se ao longo do curso, visto que estou me formando, temos essa

noção. Mas hoje fiquei chocada com o que posso me deparar. Aí pensei: se eu

estiver com problemas, e não souber lidar com eles, isso vai para minha sala de aula,

não terei trato com os alunos, logo não serei bem vista, logo o caos se instala e tudo

vai para o brejo. Será que é assim mesmo? (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

AMARALIS)

Nem sempre vou conseguir resolver tudo, mas saber que existe o problema me deixa

em alerta, penso que assim terei cuidado com as relações professor x aluno, e o

momento educacional não sairá tão prejudicado. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

ANIS)

Estavam por demais “sacolejados”, tudo fora do lugar, pareciam não se reconhecerem

mais, mesmo sabendo quem exatamente eram. As relações entre professor e aluno têm ganhos

fundamentais quando se apoiam na afetividade, segundo Wallon (2008), como um conjunto

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de funções psíquicas que, ligado aos outros conjuntos, o cognitivo e o motor, constituem a

pessoa.

O motor, o afetivo, o cognitivo, a pessoa, embora cada um desses aspectos tenha

uma identidade estrutural e funcional diferenciada, estão tão integrados que cada um

é parte constitutiva do outro. Sua separação se faz necessária apenas para a descrição

do processo. Uma das consequências dessa interpretação é de que qualquer atividade

humana sempre interfere em todos eles. Qualquer atividade motora tem ressonâncias

afetivas e cognitivas; toda disposição afetiva tem ressonâncias motoras e cognitivas;

toda operação mental tem ressonâncias afetivas e motoras. E todas elas têm um

impacto no quarto conjunto: a pessoa, que, ao mesmo tempo em que garante essa

integração, é resultado dela. (MAHONEY, 2010, p. 15)

Sendo o docente um mediador da aprendizagem, deve buscar mecanismos que ajudem

seu aluno a se desenvolver, além de dar suporte para que este supere suas expectativas de

aprendizagem. É importante salientar que aprender qualquer coisa pode ser um processo

inerentemente frustrante (LEAL, 2010).

O trabalho do docente é colaborar com o desenvolvimento do aluno, mas sabendo que

há limitações em ambos os lados. Para o aluno reconhecer-se como resiliente, ele deve sentir a

sensação de ter a capacidade de poder fazer algo, ter controle sobre as situações adversas,

enfrentando seus desafios (DESMOND; MACLACHLAN, 2006).

Os processos formativos precisam de alguma forma cuidar de quem educa, de quem se

disponibiliza a compartilhar momentos diários de possíveis construções, mas que sozinho não

pode ser responsabilizado pelo todo.

Apesar de ter a noção de que ainda teria muito a ser explorado, vivido e vivenciado,

era preciso encerrar. No próximo encontro já estaremos no quarto e último quadrante. O

QUADRANTE INFERIOR DIREITO (QID) cobre os aspectos exteriores coletivos da

consciência humana, como estudado pela sociologia. Essa dimensão refere-se às relações

sistêmicas que constituem a vida, através das relações interobjetivas; às múltiplas relações que

agem e reagem entre si, constituindo sistemas de elementos e variáveis que determinam

dialeticamente um modo de ser e de viver.

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Figura 35 – Quadrante inferior direito

Fonte: Santos (2013)

É o campo do Ele/Istos coletivo, que pode ser estudado, também, objetivamente, sob a

ótica do funcionamento dos sistemas. Campo de interesse da sociologia, da história social, da

política, das abordagens sistêmicas em geral (ANDRADE, 2011). Nos encontros a seguir,

entramos em contato com estes aspectos e as relações que eles têm com o meio, o todo.

Encontro 10: Interconectividade com o Kosmos25 - 17/10/2017

Figura 36 – Professor

Fonte: Pedagogia Concursos (2017)

25 Adotamos Kosmos com k por trazer a ideia de coletividade, do todo, que buscamos para esse encontro, uma

dimensão maior.

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Este encontro está baseado na lógica que se refere à dimensão social, ao exterior

coletivo, aos comportamentos externos do grupo, estruturas físicas e instituições, nos quais a

busca é identificar como o meio externo afeta o sujeito e suas diversas relações.

A roda de conversa se deu de forma tranquila, ainda muito reflexivos, porém com

grande interesse nesse novo quadrante. Houve abertura para falar de questões políticas, de

estrutura, condições de trabalho, violência e os medos que perpassam o ser educador em um

momento tão singular como o que estávamos vivendo.

O objetivo deste encontro era trabalhar com maior profundidade as relações de direitos

e deveres do educador, apoiadas na dimensão do direito de Axel Honneth.

A primeira coisa a fazer, mesmo já tendo sido falada no processo formativo por várias

vezes, aqui cabia pararmos para pensar e refletir essa dimensão e como ela afeta e é afetada.

Quadro 35 – Esfera do reconhecimento

Atividade 1:

Roda de conversa sobre o atual cenário político e econômico da educação, a crise no campo

educacional. As realidades vividas por quem já está atuando nas diversas áreas da educação.

Atividade 2:

A partir de tudo que foi relatado na roda de conversa, fazer relação com a dimensão do

direito de Honneth (2003), para tal foram divididos em grupo, recebendo um texto com a

conceituação feita pelo autor. Após a leitura, construir possibilidades para os problemas

relatados anteriormente. Fonte: A autora (2019)

Diante de um cenário que não privilegia a educação, eu estava solicitando que

olhássemos para esse campo de uma forma diferenciada, que nos implicássemos com o

processo, mesmo sabendo das diversas camadas de dificuldades, de políticas públicas falhas e

limitadas, um sistema falido e individualista, mas que não pode nos fazer desistir de uma

formação melhor.

Como podemos ser resilientes com tantas faltas assim, professora? Como podemos

não nos afetar por coisas básicas, como falta de merenda para as crianças que

chegam a desmaiar em sala de aula? Como posso dizer ao meu aluno que ele precisa

estudar para ter um futuro melhor e ter minha sala invadida por bandidos, em plena

manhã de aula normal! (DIÁRIO DE GRATIDÃO – VIOLETA)

É muito complicado para os educadores lidar com as mais diversas formas de

violência e desrespeito docente.

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Falamos tanto de políticas públicas para educação, mas a prática é escandalosamente

diferente. Chego para dar aula e encontro cadeiras quebradas, banheiros nojentos,

uma equipe para lá de desmotivada, irritada, impaciente, correndo para terminar o

expediente e ir embora. Muitos colegas de licença médica, outros adoecendo e um

discurso de querer sair dali tudo isso me assusta, penso que escolhi errado minha

profissão. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – HORTÊNCIA).

Permeados por uma sensação de medo, revolta e insatisfação, solicitaram que

conversássemos mais sobre aquele assunto. E assim fizemos: abrimos a palavra e

gradativamente eles puderam expor suas dores, não tem outra forma de expressar tamanho

sentimento.

O reconhecimento do trabalho do professor se dá através da esfera do direito, com a

legitimação dos mesmos, porém por mais que os direitos sejam reconhecidos mediante leis,

frequentemente não são respeitados, dando vazão ao surgimento dos conflitos e modos de

lutas.

Há um prosseguimento da ‘luta por reconhecimento’ no interior da esfera jurídica;

portanto, conflitos práticos, que se seguem por conta da experiência do

reconhecimento denegado ou do desrespeito, representam conflitos em torno da

ampliação tanto do conteúdo material como do alcance social do status de uma

pessoa de direito. (HONNETH, 2003, p. 194)

Figueiredo e Prudêncio (2018) vão nos lembrar de que reconhecer o direito deste

trabalhador assegurado por meio de dispositivos legais é uma das formas de reconhecimento

do trabalho do indivíduo e, ainda, uma forma de se obter o reconhecimento por parte do outro.

Porém não é o bastante, pois Honneth (2003) diz que só se faz possível assegurar nossos

direitos quando inversamente sabemos quais as obrigações temos que observar em face do

outro.

Isso tudo nos leva às questões de respeito, não ligadas a empatia ou afeições afetivas, e

sim ao comportamento humano.

O lema é respeite para ser respeitado, mas como fazer isso se me sinto tão

desrespeitada, desvalorizada, desumanizada? Será que vamos sempre ter que viver

em conflitos para sermos vistos? (DIÁRIO DE GRATIDÃO – FLOR DE LÓTUS)

Sendo bem sincera, eu odeio a diretora da escola que trabalho, ela tem umas

preferências que chegam a doer, de deixar faltar material para uma professora que

ela não tenha afinidade e mandar a mesma dispensar a turma cedo, só para ver o boi

de fogo das mães depois. Isso é o que? Como respeitar essa ... ? Acredito que não

consigo chegar nessa coisa de respeito. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – TULIPA)

A peça chave para o reconhecimento entre indivíduos é o respeito, pois parte da ideia

de ser realizado de forma partilhada, de forma que, para existir o respeito, o outro faz

necessário. Para Honneth (2003), o sujeito somente será considerado portador de direitos

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quando é reconhecido como parte uma coletividade e quando aceito por uma organização

social, definido pela divisão do trabalho. Pois é através do reconhecimento jurídico que é

concedido ao indivíduo a “dignidade humana”, um dos critérios para se atingir a estima.

Encontro 11: Espaços Educativos e suas (deS)limitações - 24/10/2017

Figura 37 – Sonho e Realidade

Fonte: /www.pragmatismopolitico.com.br/2018

Respeito e dignidade nortearam a nossa roda de conversa, quando ficou claro que o

reconhecimento acontece a partir dessas instâncias e de forma mútua.

Nesse encontro, tínhamos por objetivos suscitar as implicações no exercício da

profissão de questões quanto a normatizações, regras, condições físicas e materiais, tecendo

interfaces com as diversas formas de violências, currículo e políticas educacionais.

Quadro 36 – Montagem

Atividade 1

Educação feita por quem? E para quem?

Cada grupo recebe uma caixa com o que chamo de diretrizes para a construção,

implementação e funcionamento de uma escola. 5 grupos, cada um com uma proposta para

existir. O grupo deve montar toda a estrutura, políticas de funcionamento, condições físicas,

regimentos e deixar claro o seu público-alvo, bem como os critérios para escolha do seu

corpo docente.

Com recortes, papel, lápis, material reciclável, lã, canudos, diversos objetos, precisa

apresentar a “foto” dessa escola. Fonte: A autora (2019)

A atividade consistia em dimensionar a complexidade de montar uma instituição,

formatá-la aos moldes cabíveis a todos do grupo, respeitando os desejos, mas pensando em

algo que precisava dar certo, independente das condições oferecidas. A experiência do dia a

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dia, o cotidiano expresso e vivido por alguns milhares de educadores e alunos, foi relatada na

fala que se segue:

Ficamos com a escola pública, sem muitos recursos, que iria receber matérias de

segunda linha e além de sucatas contidas nos galpões do governo. Precisava ficar

pronta antes do período eleitoral e sua fachada deveria expressar alegria. Como

fiquei chateada em pensar que essa coisa existe, mas resolvi usar tudo que

aprendemos aqui, e me perguntei o que de melhor poderia ser feito, como poderia

ajudar meu corpo docente a sentir vontade de estar ali? Resiliência foi o que me veio

na mente, superar os desafios e fazer algo bom, uma escola pública decente.

(DIÁRIO DE GRATIDÃO – VERÔNICA)

As experiências não são iguais para todos, mas também não indicam ausência de

dificuldades ou implicações com o processo, como nos relata a fala abaixo:

Escola particular de alto padrão, com regras rígidas, sem espaço para a criatividade,

estrutura impecável, mensalidades altíssimas, corpo docente deveria ter níveis de

excelência... fiquei horrorizada como algo que poderia ser perfeita aos meus olhos

seria a maior desgraça. Não queria fazer parte disso, era um lugar onde não se

poderia pensar, sonhar, desejar. Depois de tudo que vivi aqui não sei se estou pronta

para isso. Muito depressiva essa situação. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

BROMÉLIA)

Ainda tem aquela experiência que talvez seja o mais próximo do que muitos

educadores com uma perspectiva na formação humana pode esperar, mas também não está

ausente de problemas.

Tive muita sorte porque a escola que meu grupo pegou era algo possível ao meu ver,

uma estrutura física boa, uma verba que dava para manter o espaço e seus

colaboradores, uma proposta pedagógica que primava pela educação incluindo o

cognitivo, as emoções, afetividade, corpo, o lúdico, a única coisa que me deixou

triste foi o fato de não ser acessível a todos pois era particular localizada numa

região nobre. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – IRIS)

As diferentes formas de estruturar as instituições propostas tiveram intencionalidade

de provocar e convocar cada um à sua parcela de responsabilidade no fazer pedagógico.

Condições insalubres, desmotivantes, rígidas, excludentes são barreiras na e da ação

educativa, podemos dizer que não há o reconhecimento de mim e nem do outro.

Não existe condição perfeita, modelo pedagógico insuperável, planos de ensino

adequados à nossa cultura, valorização profissional que nada tenha a ajustar, aprender e

ensinar.

Da Silva et al. (2018) diz que o projeto para um espaço escolar adequado exige

conhecimento multidisciplinar, já que são muitas as áreas envolvidas para esta tarefa. Desde a

concepção arquitetônica, é preciso considerar o dinamismo próprio da educação, cujos

métodos pedagógicos, intrinsicamente ligados às questões sociais, econômicas e políticas

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condizentes com as mudanças globais, têm impacto direto na conformação do espaço, na

tecnologia construtiva, nas relações interpessoais, na segurança dos usuários e no

desenvolvimento físico e psíquico de crianças e jovens. Um edifício desta tipologia é quase

como um paradoxo: a construção deve ser robusta, rígida o suficiente para suportar o fluxo e a

energia vital de seus frequentadores, e ainda assim deve ser um espaço resiliente,

multifuncional, que privilegie as constantes mutações as quais a sociedade sofre, permitindo a

possibilidade de readequação de seus espaços para o bem-estar físico e mental dos usuários

(KOWALTOWSKI et al., 2012).

A escola ainda não é um lugar acessível a todos, a educação ainda não está integrada à

vida dos sujeitos como possibilidade de construção, desenvolvimento e ampliação de

horizontes. Muitas vezes, por esse não reconhecimento, tantas violências surgem como

formas de enfrentamento ou desmedidas dos valores.

O que fazer quando a assujeitamento se faz presente? Como reagir a uma violência

física? Em casos de subserviência devido a tamanha rigidez das normas, como educar? O que

fazer com nossos valores, conceitos e princípios frente a ideias políticas que criminalizam as

opiniões dos educadores?

Para tentar responder, sem criar uma verdade absoluta do grupo, propusemos a última

atividade do encontro desta data.

Quadro 37 – Violências

Atividade 2

Roda de conversa e questionamentos.

O foco é tratar as diversas formas de violências vivenciadas no(s) espaço(s) educacional(is).

Para tanto, lança alguns questionamentos:

1. Quais são as violências existentes nas escolas / espaços educacionais?

2. Quem são as maiores vítimas?

3. O meio social interfere para a existência dessa violência?

4. O que mais dói quando você pensa na violência nesses espaços?

5. Pessoas com características resilientes poderiam colaborar de alguma forma? Como? Fonte: A autora (2019)

Refletir sobre as múltiplas formas de violência, as vítimas, quem contribui e qual a

nossa colaboração nestes processos gerou algumas ponderações bem pertinentes, como vemos

abaixo:

Parece que ser pobre é ser sem educação, mas não estou falando disso. A pobreza

impede muitas coisas, mas quando se tem o desejo, apoio da família seja de uma

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pessoa só vejo que se consegue. Acho que tem tantas formas de violência na escola,

maldades de alunos, perseguição de colegas com a medalhinha do poder, o medo da

violência externa, da morte. E no final somos todos vítimas e reféns de um sistema

que não prioriza a educação. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – HIBISCO)

Sempre ampliando as maneiras de sentir as violências, sentimos que o exercício

docente está quase alinhavado com esse sofrimento.

Violência maior é você não ser reconhecido pelo trabalho que faz, é você ter que

implorar favores, é ser maltratado por outros professores, ter suas ideias descartadas

sempre. É não querer ir trabalhar nunca mais naquele lugar, mas precisar do salário.

É ter a certeza de que nada vai mudar. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – LAVANDA)

Moura et al. (2018) compreende que o significado de violência requer, primeiramente,

entendê-la como um fenômeno de diversificadas faces e dimensões, uma vez que “o que é

violência para um pode não ser para o outro” (ABRAMOVAY, 2006, p. 63), embora seja

possível pensar ou identificar padrões gerais daquilo que pode ser considerado violência na

ótica dos Direitos Humanos. Ademais, deve ser compreendida como um fenômeno amplo,

visto que ocorre a partir das relações com outros sujeitos e suas diversas interações, bem

como dentro do contexto social que estas acontecem (ABRAMOVAY, 2006).

Depois de termos mergulhado nos quadrantes de Wilber, vamos expandir nossa visão.

Nos dois encontros seguintes, iremos falar de valores, caminhos para uma formação mais

humanizadora, qualidade de vida e relações com a educação.

Encontro 12: Integralidade e multidimensionalidade - 31/10/2017

Figura 38 – Ser integral

Fonte: novaconscincia.wordpress.com/2016

Tínhamos como objetivo trabalhar o empoderamento e alguns valores que

reconhecemos como importantes contribuintes para a ideia de resiliência integral que

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estávamos assumindo, além de estarem intrínsecos na perspectiva formativa na qual nos

apoiamos até o presente momento e como isso colabora com a qualidade de vida e bem-estar

dos participantes.

Nossa roda de conversa começou falando sobre o cenário político e econômico da

educação em nosso país, a crise educacional, fazendo um resgate de tudo que já tínhamos

vivido até ali, um breve apanhado de ideias, sentimentos e fatos que foram eclodindo e nos

encaminharam a primeira atividade.

Quadro 38 – Valores

Atividade 1: Dinâmica de aproximação, fazer com que cada um esteja centrado em si. O

que eu tenho de melhor para oferecer ao mundo. Apresentar ao grupo uma caixa contendo

diversos valores com uma pequena definição de cada. O grande grupo deve se dividir em

pequenos subgrupos e neles receber aleatoriamente um valor com sua respectiva definição,

que se torna a base criativa de uma história associando a vida cotidiana (cenário atual) e o

valor recebido.

Valores trabalhados nesta atividade:

COMPAIXÃO, GENEROSIDADE, ALTRUÍSMO, EMPATIA, AMOR, ÉTICA,

RESPEITO, COOPERAÇÃO Fonte: A autora (2019)

Os valores trabalhados pareciam distante do cotidiano da maioria do grupo, para

alguns até utópico no âmbito educacional. A surpresa tomou conta com a dificuldade de criar

uma história e versar sobre ela para o grande grupo posteriormente.

Achei que meu grupo fosse permanecer calado todo o tempo que tínhamos para a

atividade. Nosso valor foi amor, talvez não fosse difícil de falar, mas não saía nada,

nadinha. Até que alguém teve a coragem de dizer que o amor para ela era algo fora

de cogitação, tanto pessoal como profissionalmente. Não fazia sentido amar a sala

de aula e não ser reconhecida. A partir disso surgiram as reflexões e tentativas de

ajudar a pessoa que parecia sofrer muito com tanta amargura. (DIÁRIO DE

GRATIDÃO – ROSA)

Tantos depoimentos quanto aos valores e suas vinculações com a educação, a falta de

credibilidade e distanciamento fazem os sujeitos não acreditarem muito mais nos valores.

Confesso que de todas as atividades que fizemos até aqui, achei que essa era

loucura, viagem da pesquisadora. Essa história de falar de generosidade, amor,

altruísmo... era para mim uma grande bobagem. Me detive a escutar o que as

pessoas estavam dizendo e saí mexido e com a cabeça pensando que não era algo tão

distante de mim, mas talvez naquela escola isso demoraria séculos para ser

cumprido. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – SÁLVIA)

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As histórias foram surgindo e direcionando nosso leme, o barco não poderia naufragar

agora; caso isso acontecesse, era preciso que fosse de uma maneira responsável e consciente

por parte de todos, afinal estávamos buscando caminhos para uma formação humana e

humanizadora.

Quadro 39 – Refletindo os valores

Atividade 2: A partir de recortes de filmes, alguns curtas e comerciais, levar o grande

grupo a fazer uma reflexão de como os valores apresentados e trabalhados anteriormente

implicam a formação humana, seja a deles, a dos seus alunos ou a das pessoas com quem

convivem.

Lista filmes exibidos:

https://www.youtube.com/watch?v=IKWHuQv-OhI – Altruísmo Verdadeiro 9’04’’

https://www.youtube.com/watch?v=Ejl-DNOrvY0 – Acredite na bondade (comercial

tailandês) 3’05’’

https://www.youtube.com/watch?v=n3rA_5Xxkiw – Ser rico, não é sobre quanto você tem.

Mas sim quanto você pode dar... 7’30’’

https://www.youtube.com/watch?v=stLCdLx81bk – Cativar - Príncipe e a raposa 9’13’’

Após a exibição, discutir os valores numa grande roda de conversa e, como tarefa pessoal,

solicitar que cada um em seu diário de gratidão escolha um valor que mais o representa e

explique os motivos para tal escolha. Fonte: A autora (2019)

A partir dos filmes, foram feitas várias reflexões sobre a formação humana, o papel de

cada um no grupo, na vida, as escolhas que fizeram para si, suas contribuições para com os

outros.

Em meus relatos de hoje, posso dizer que os participantes estavam inebriados com

as possibilidades surgidas com os filmes e principalmente com as trocas na roda de

conversa. Olhar para si e sentir-se integrante, possível agente de transformação, ou

simplesmente estar bem consigo e suas escolhas, já nos fez pensar que a formação

humana numa perspectiva integral é um viés, uma probabilidade no campo

educacional. Não excluímos outras ideias e perspectivas, mas defendemos que uma

ideia que inclui o outro como ele é, com respeito e valores (não castrantes), que

enxerga o todo, as formas de e onde estão inseridos, que busca alcançar as esferas de

Honneth, tem gerado um certo reconhecimento de si. (DIÁRIO DE CAMPO –

PESQUISADORA – 31/10/2017)

Como havia sido solicitado, as expressões brotaram com muito mais clareza e

voracidade nos relatos dos diários.

Aqui posso falar sem medo do julgamento, mas o valor que mais me representa é a

generosidade, porque estou sempre a servir. É só alguém precisar que estou lá, mas

quando lembrei das esferas (de não sei o nome dele), vi que talvez eu esteja mesmo

não contribuindo tanto quanto acho que faço. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

MAGNÓLIA)

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Outro relato ainda nos diz:

Valores? Valores? Fico com a compaixão. Vejo tanta coisa nesse nosso país, tanta

desigualdade, tanta criança sem perspectiva de vida. Mas me vejo fazendo pouco

para colaborar no processo de tantos [...] principalmente na amplitude da formação

humana, para além das barreiras da sala de aula. Nem sei se sou qualificada para tal

coisa. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – JASMIM)

Após toda uma visão sob a perspectiva dos quatro quadrantes de Wilber, seguimos

com a intervenção numa perspectiva integral, ou melhor, dentro do que assumimos como

resiliência integral: essa disponibilidade de enfrentar a si, os outros e as dificuldades surgidas

aos longo do caminho de vida, numa tentativa de superação das adversidades atrelada a um

aprendizado, sempre respeitando suas limitações, reconhecendo a cultura, buscando estar

inserido nos contextos bio-psico-sociais da época, gerando uma capacidade consciente de

encarar os problemas.

Encontro 13: Resiliência como experiência integral - 07/11/2017

O objetivo desse encontro era revisitar os conceitos de resiliência, reconhecimento,

empoderamento, os valores trabalhados recentemente, todo nosso caminhar durante esses

vários encontros.

Para não ficar cansativo e avaliar, no sentido de reconciliar as diversas representações

do problema e da intervenção construídos pelos participantes implicados, com intuito de

melhorar, colaborar com os processos, sugerimos uma atividade grupal, que se evidencia o

que teria sido apreendido. Uma troca na roda de conversa iniciou a revisitação as temáticas

sugeridas.

O desejo era que os participantes tivessem um olhar do todo, não uma soma das partes.

Como diz Wilber (2007b), que fôssemos hólons, numa perspectiva integral, em que todos os

quadrantes, linhas, tipos, estados e níveis estão implicados e intrinsecamente ligados.

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Quadro 40 – Provocações

Atividade 1: Provocando deslocamentos

A intenção é provocar, tirar da zona de conforto caso ainda tenha algum participante nela,

fazendo todas as relações possíveis com a educação e formação humana.

1. A promoção de resiliência é algo possível no âmbito educacional?

2. Por que os educadores têm tantas dificuldades na atuação profissional hoje?

3. O que tem causado tanto adoecimento, inclusive com mortes, em docentes?

4. Como podemos contribuir para um processo de formação diferenciado do que está

posto?

5. Qual a relação entre reconhecimento, empoderamento e resiliência?

6. Como é para você escutar que o AFETO afeta. Qual a sua visão sobre isso?

7. Integralidade é algo possível nos moldes atuais da educação? Fonte: A autora (2019)

Na grande roda, trocando o máximo volume de ideias, conceituações, definições e

convicções, fomos ouvindo, trocando, participando da imensa gama de informações que aí se

desvelavam. Deixamos fluir, com as interpelações entre eles, muitas sugestões de formas de

ação diante de determinadas situações e inúmeros problemas apresentados.

Dessa forma sugerimos outra atividade, que seria o registro de todas ou boa parte das

queixas, representadas no mapa da pessoa. No centro está a representação do eu, e os três

círculos seguintes delimitam a distância e proximidades entre o eu e o outro.

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Quadro 41 – Mapa da Pessoa

Atividade 2: MAPA DA PESSOA – MARES – formato próprio sugerido pelo autor

Solicitar que cada participante preencha o seu mapa, apresentando três problemas

relacionados à educação, no campo acadêmico, prático ou profissional, que identificou ao

longo dos nossos encontros.

No centro deve colocar EU, como representando a si mesmo.

No círculo mais próximo do eu, identificar os Mediadores Facilitadores/colaboradores —

humanos ou não humanos, aqueles que colaboram.

No círculo mais externo, colocar os Mediadores Inibidores — pessoas, objetos, situações

que perpetuam esses problemas.

Fonte: A autora (2019)

De posse dos mapas individuais, a ideia era fazer o mapa da pessoa coletivo, que

apontou os problemas que mais foram citados, assim como os mediadores facilitadores e os

inibidores. Conforme Martins (2009), utilizamos o Mapa da Pessoa Coletivo para evidenciar

os problemas que se sobressaíram e a construção coletiva definida pelos moradores de seus

mediadores colaboradores e inibidores.

Como o nosso próximo encontro seria para as entrevistas e o posterior, o 15º e último,

destinado à devolutiva da pesquisa, uma troca de entendimentos, sugerimos um prazo maior

para que os dados pudessem ser complicados e a mudança de local de encontro para o

NEIMFA, um local diferente, mas alinhado à nossa linha de pensamento, além de ser um

espaço de educação não formal, voltado para a formação humana. A sugestão foi aceita.

Encontro 14: Entrevistas de Profundidade - 21/11/2017

MEDIADORES INIBIDORES

PROBLEMAS

MEDIADORES FACILITADORES

EU

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Figura 39 – Pensar

Fonte: Saiba+ (2016)

Esse encontro foi mantido no horário da intervenção para facilitar a adesão de todos a

serem entrevistados. Esclarecemos que para essa atividade só foram convocados quatro

participantes a partir dos resultados/escores obtidos na escala de resiliência. Entendemos que

não interessava para nenhum dos participantes saber sua classificação, visto que esta

informação não mudaria em nada o quadro atual.

Esse foi um grupo bastante interessante, visto que iniciamos já com a maioria com

escore de resiliência média, o que nos aponta que, mesmo sem eles terem noção conceitual,

técnica sobre a temática, as habilidades desenvolvidas já os remetiam a um desejo de

enfrentar, superar, seguir caminhos de possibilidades, romper com o que está posto.

Uma metáfora interessante relacionada à entrevista em profundidade refere-se a ela

como uma “representação teatral frente ao participante” em que o êxito dependerá

do grau de “legitimação” de tal representação por parte do entrevistado e do grau de

“perfeição” com o que o desempenhe. Assim, o sucesso no processo de interação

que ali acontece e que é a base da entrevista, terá que se assentar necessariamente na

coerência de ambos os aspectos mencionados. (MORÉ, 2015, p. 129)

Nosso roteiro consistia em cinco questões, já com o caráter de aprofundar os

conhecimentos. Mesmo sabendo que a entrevista de profundidade é uma entrevista não-

estruturada, seguimos um roteiro e, quando foi necessário, nos valemos das respostas

aprofundando as temáticas. Confesso que não precisei fazer isso mais que duas vezes, pois os

participantes estavam muito disponíveis e tranquilos para responder o que era solicitado.

Podemos afirmar que as entrevistas seguiram com tranquilidade, só precisei fazer duas

intervenções, na verdade responder questionamentos que surgiram ao longo da entrevista,

dentro da temática tratada. Em média cada participante levou quarenta e cinco minutos para

conversar sobre as questões postas e o fizeram com bastante tranquilidade, segurança no que

estavam dizendo e um sentimento unânime ficou claro: o reconhecimento. As pessoas que

foram convidadas para entrevista disseram isso de alguma forma em suas respostas, o que nos

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fez pensar que aquela teria sido pelo menos uma experiência agradável que deixaria algo

positivo no e para o grupo.

Lembramos que o nosso próximo e último encontro seria o NEIMFA, para a

devolutiva da pesquisa.

Encontro 15: Encerrando com muita gratidão - 02/12/2017

Figura 40 – Pensando a vida como uma borboleta

Fonte: http://maryoscosta.wixsite.com (2017)

Nossa roda de conversa começou com outros ares, muitas indagações quanto ao lugar,

aos trabalhos desenvolvidos, ao enfrentamento das diversas adversidades que ali pareciam

existir. De tal modo que, para responder de certo modo aos questionamentos, fizemos uma

breve explanação sobre a instituição e as bases que a movimentam.

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Figura 41 – Encontro no NEIMFA

Fonte: A autora (2019)

O Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis (NEIMFA) foi fundado

com base na parceria entre moradores da comunidade do Coque e um grupo de jovens

espíritas em 26 de setembro de 1986; formalizado juridicamente em 26 de setembro de 1994,

como foro na cidade do Recife, Estado de Pernambuco, e sede atual na Rua Jacaraú, nº 31,

bairro do Coque, Recife-PE. O projeto NEIMFA consiste no desenvolvimento de programas

interarticulados que visam promover educação, saúde, trabalho e arte aos participantes da

instituição, por meio de vários programas que trabalham a autoestima pessoal e social, a

educação geral e específica e o desenvolvimento de atividades produtivas de base

comunitária, sustentados nos seguintes princípios:

• Direito aos meios de vida dignos;

• Direito de acesso aos serviços sociais de educação; e

• Direito a viver em uma cultura de paz.

O NEIMFA se organiza como uma instituição da sociedade civil, sem fins lucrativos,

discriminação de raça, cor, gênero ou religião e com as seguintes finalidades:

Promoção e defesa dos direitos das crianças, adolescentes, jovens, mulheres e

moradores em situação de vulnerabilidade das periferias urbanas da Região

Metropolitana do Recife, [...] desenvolvimento de ações educacionais, em todos os

seus aspectos, áreas e dimensões, através de projetos de desenvolvimento

sustentável voltados à reversão das causas geradoras de exclusão e miséria; [...]

promoção dos direitos humanos, do voluntariado e do associacionismo como dever

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social, exercício da solidariedade e formação para a cidadania; [...] estudo, a prática

e a divulgação dos valores humanos e das tradições espirituais que estimulem a

cultura de paz; [...] realização de estudos, pesquisas e assessorias no campo

psicopedagógico e didático-metodológico, voltadas à educação infantil e ensino

fundamental das camadas populares (ESTATUTO DO NEIMFA, p. 1).

A instituição atua prioritariamente nas ações de promoção e defesa dos direitos das

crianças, adolescentes e mulheres, dando ênfase principalmente ao direito à educação.

O público envolvido nas ações do NEIMFA se divide em dois grupos. O primeiro é

composto por aqueles que esporadicamente participam de alguma intervenção mais ampla

desencadeada na comunidade, como feiras de conhecimento e de promoção da qualidade de

vida, trabalhos de conscientização nas áreas de políticas públicas e cultura de paz. As

intervenções nesse nível chegam a congregar uma média de 1.500 a 2.000 participantes. O

segundo grupo é formado por participantes diretos das atividades do NEIMFA, ou seja,

aqueles que frequentam a instituição no mínimo uma vez por semana.

Segundo Ferreira e Silva (2009), no ano de 2008, a organização atendia diretamente

um total de 778 pessoas, sendo 255 crianças, entre 5 e 12 anos; 168 pré-adolescentes,

adolescentes e jovens, entre 13 e 21 anos, de ambos os sexos; e 355 adultos, entre 21 e 80

anos, na grande maioria mulheres. Quase que a totalidade desse grupo pertence a famílias

compostas por no mínimo 5 pessoas que dividem uma renda mensal de até R$ 240,00

(duzentos e quarenta reais). A definição desse perfil não é aleatória, pois reflete a forma de

distribuição da população da comunidade. Esse levantamento realizado por Ferreira e Silva

(2007) constatou que as crianças e jovens da organização estão matriculados no ensino regular

formal, sendo que 85% estudam nas escolas públicas da região; 67% dos jovens residem em

casas com até 7 pessoas, das quais 55% dessas famílias têm apenas uma pessoa inserida no

mercado de trabalho; 68% dos jovens beneficiados não tinham participação anterior em

projetos sociais. O alto nível de demanda obriga, dependendo do programa, a realização de

um processo seletivo que inclui entrevistas com as famílias para detectar o nível de interesse e

expectativa em relação às atividades propostas.

A instituição tem como foco, dentro do que chama de promoção da cultura de paz, a

humanização e o cuidado de si, em uma tentativa de resgate do autocuidado, do

reconhecimento de sujeito que há em cada um dos participantes, moradores, visando resgatar

possibilidades outrora destruídas pelas adversidades nas quais cada um está inserido. Há um

núcleo de gênero e saúde, cuja maior adesão é por parte das mulheres entre 21 e 80 anos, com

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a promoção de atividades diversas englobando temáticas trazidas/sugeridas pelas mesmas,

como um espaço acolhedor e esclarecedor.

Para Brasil (2015), a “visibilidade” e a “invisibilidade” tornam-se questões-chave para

compreender a dinâmica dos atuais problemas sociais do Coque. Podemos considerar que, no

caso do Coque, não foi apenas a natureza dos problemas sociais (o apelo crescente de

problemas com a violência, por exemplo) que fez com que algumas questões se tornassem

visíveis e outras invisíveis. A mídia e os seus processos de linguagem e poder realizaram um

papel determinante na manipulação, reiteração e consolidação do que é possível ou não ser

visto sobre a comunidade do Coque. Com o pretexto de retratar a violência do bairro,

historicamente os meios de comunicação acabaram estigmatizando-o, associando-o com certa

'naturalidade' a práticas sociais desvalorizadas.

Assim tecemos sobre os trabalhos e principalmente sobre os caminhos de

possibilidades que podem existir, que não se deve permitir que nenhum aspecto seja

condicionante, que determine os limites que não podem ser ultrapassados.

Após falarmos sobre o NEIMFA, abrimos, ou melhor, devolvemos a palavra para o

grupo, com vontade de ouvir como era para eles se deparar com o projeto apresentado,

fazendo relações com a resiliência, reconhecimento, empoderamento, integralidade e

formação humana.

Depois dessa troca, me detive a relatar os dados levantados pela pesquisa, lembrando-

os dos meus objetivos e hipótese, que se confirmaram, com algumas nuances bastante

interessantes. Foi um momento de gratidão por toda disponibilidade em participar, da entrega,

pertencimento e presença amorosa.

Conforme combinado, recebi todos os diários de gratidão, sendo assim não temos

registros deste último encontro nos cadernos.

Abri a roda para questionamentos, dúvidas e fala em geral, podendo, assim,

finalizarmos esta experiência formativa com um grande almoço solidário, no qual cada um

pensou em um participante e no que ele gostaria de comer nesse dia, levando o prato para que

todos pudessem desfrutar. Muito interessante perceber que não tivemos pratos repetidos,

muitos participantes se emocionaram ao saber que aquele prato era para ele, pois refletia seus

gostos, surgindo uma sensação de reconhecimento e felicidade.

A nossa intervenção se encerrou num clima tranquilo, mas não reflexivo, pois um dos

participantes solicitou que o grupo pudesse perpetuar tamanha interação, troca,

reconhecimento e colaboração depois que saíssem daquela experiência interventiva. Solicitou,

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ainda, que pudessem levar para a vida pessoal e profissional, buscando ser seres-no-mundo

melhores, sem ficar esperando pelo externo, pelo outro para fazer aquilo que pode ser feito, e

que o conceito adotado pela pesquisadora como resiliência integral os acompanhasse no dia a

dia do ser educador, sabendo que nem todas as adversidades serão vencidas, porém sem nunca

esquecer o caminho de possibilidades de enfrentamento e a relação com o outro.

5.2 ANALISANDO O MAPA DA PESSOA COLETIVO

Para a construção do Mapa da Pessoa Coletivo, participaram as/os 25 participantes que

fizeram parte dos grupos focais. Os mapas foram construídos individualmente por cada

sujeito, com os devidos esclarecimentos da pesquisadora.

Em uma folha de ofício, no círculo mais interno, colocava-se o nome do participante e

a seguir era solicitado que o mesmo descrevesse um problema que fazia parte da sua vida e do

seu cotidiano. A seguir, para esse mesmo problema era questionado ao participante um

mediador colaborador, o qual lhe ajudava a transpor esse problema e, por conseguinte, um

mediador inibidor, ou seja, o que proporcionava a perpetuação do seu problema. Para

finalizar, o sujeito era estimulado a desenvolver uma saída para esse problema.

Por meio da construção de cada Mapa da Pessoa Individual com as/os 25 estudantes,

foram identificados 48 problemas diferentes, além de detectarmos 44 mediadores inibidores

diferentes e 35 mediadores colaboradores, destes selecionados os três mais citados, os quais

foram expostos no último grupo focal, considerando-se a construção do Mapa da Pessoa

Coletivo.

No quadro abaixo, para exemplificar a aplicação da MARES, evidenciamos o Mapa da

Pessoa Coletivo, através dos problemas que se sobressaíram e também da construção coletiva

definida pelos participantes de seus mediadores colaboradores e inibidores.

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Quadro 42 – Mapa Coletivo

PROBLEMAS MEDIADORES

INIBIDORES

MEDIADORES

COLABORADORES SAÍDAS

Crise na

educação,

falência no

sistema

educacional,

excesso de

trabalho

Sistema educacional

engessado, gestão,

cobrança, baixos

salários, formação dos

professores.

Sociedade capitalista

Projetos educacionais

humanizadores

Aquisição de

resultados por parte

dos alunos

Buscar alternativas

possíveis para o

sistema

Redução de carga

horária

Falta de

alteridade,

exclusão,

egoísmo,

preconceito

Relacionamentos O

próprio EU

Amigos, família e

religiosidade

Tentar olhar para o

outro com mais

significância

Tempo de

formação e falta

de

reconhecimento

do professor

Excesso de atividades,

textos, leituras

Egoísmo

Sistema financeiro

Leis que dificultam a

autonomia do educador

Docentes com uma

visão reflexiva, mais

humanizada

Propostas de ensino

mais interativas

Dedicação ao curso

Políticas de

esclarecimento sobre

a profissão docente

Fonte: A autora (2019)

Compreender a rede social dos participantes da intervenção através da Metodologia de

Análise de Redes do Cotidiano (MARES), que foi desenvolvida e sistematizada pelo

sociólogo Paulo Henrique Martins, mostrou-se eficaz para visualizar e compreender as

demandas dos participantes, os principais inibidores, que se repetem nas falas durante a

intervenção, nos registros dos diários e nas entrevistas. Apesar do foco das pesquisas do autor

serem voltadas para a área de saúde, conseguimos perceber bem sua contribuição na área de

educação. Foi possível captar as redes sociais que se constituem no cotidiano destes

participantes, nesta presente pesquisa.

A MARES teve importância investigativa porque permitiu desenhar as redes dos

sujeitos, articulando informações subjetivas e objetivas, e em seu caráter construcionista

permitiu que os integrantes da pesquisa se sentissem à vontade para se apropriarem das

informações quanto às temáticas trazidas, podendo tornar-se mediadores e multiplicadores de

processos sociais coletivos. É uma metodologia que valoriza a experiência do participante no

cotidiano, as trocas que estabelece, os conflitos e alianças, e permite apontar saídas que, além

de fortalecerem a pessoa individualmente, contribuem para a construção coletiva e para o

senso comunitário.

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O mapa coletivo apontou problemas e saídas plausíveis para cada situação, o que

demonstra que os participantes estão conectados com a rede social de que fazem parte. Por

outro lado, muito nos preocupa, pois vemos uma crescente crise na esfera educacional que

assola nosso país e que está atingindo deveras os futuros docentes, de forma a refletir no

interesse na e pela docência, o fio condutor que guia os processos formativos que por ora

estão permeados de desestímulo e desinteresse.

A falta de reconhecimento da condição, papel do educador, também implica os

processos educacionais, devastando desejos pela profissão, aumentando o preconceito, a

exclusão, o não reconhecimento de valor.

Todas essas questões causam impacto direto e indireto na formação, pois, ao

pensarmos no processo de promoção de resiliência em espaços e com pessoas mergulhadas

nesse contexto, sentimos considerar a gama de adversidades necessárias de cuidado, atenção,

resolução e aprendizado com o mesmo. As saídas podem ser vistas como as várias

possibilidades de superação das adversidades, dentro de uma lógica única em que o universo

investigado tem suas especificidades.

5.3 ANALISANDO AS ENTREVISTAS

Importante ressaltar que vamos nos utilizar de dois caminhos, que no momento

entendemos como complementares, cooperativos e coparticipativos — o software e a

fenomenologia —, para um análise mais subjetiva, porém não menos científica. Assim como

toda tentativa deste trabalho, iremos tecer um enredamento entre esses dois caminhos que

tomamos.

5.3.1 Analisando as entrevistas com o IRAMUTEQ

Para análise textual estatística das entrevistas, nos utilizamos do software

IRAMUTEQ. O estudo lexicométrico, ainda pouco difundido no Brasil, tem despertado

interesse nos pesquisadores nacionais (CAMARGO, 2005; CONDE, 2008, 2015;

CAMARGO; JUSTO, 2013a; 2013b; JUSTO; CAMARGO, 2014), principalmente nos

estudos de representações sociais. Percebemos uma carência, quase inexistência, de trabalhos

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na área de educação que se valham deste método de análise, e no domínio da psicologia da

educação e resiliência ainda é mais raro.

O software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de

Textes et de Questionnaires) é um programa gratuito que foi desenvolvido por Pierre

Ratinaud (2009), na perspectiva da open source, licenciado por GNU GPL (v2), e passou a ser

aplicado no Brasil em 2013. Ele possibilita a realização de diferentes estudos lexicométricos,

como o cálculo de frequência de palavras, análise fatorial de correspondência, classificação

hierárquica descendente, análises de similitude, nuvem de palavras (CAMARGO; JUSTO,

2013a).

O corpus analisado é composto por quatro unidades de textos ou entrevistas, que o

programa dividiu em 245 segmentos de texto (ST) com 1560 formas distintas (palavras) que

ocorreram 8.817 vezes. Nesse sentido, há uma frequência média de ocorrência de 9,97% por

palavra e uma frequência média de 56,35% de ocorrência por segmento.

Para desenvolver a análise textualmétrica, elaboramos primeiramente a nuvem de

palavras mostrada na figura 40, a qual reúne e ordena as palavras em forma gráfica em função

da sua frequência. É, portanto, uma análise lexical simples, que permite expressar

graficamente e de modo mais rápido as palavras-chave de um corpus (CAMARGO; JUSTO,

2013a, 2013b).

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Figura 42 – Nuvem de palavras com as “assimilações dos participantes”

Fonte: A autora (2019)

O resultado evidencia que o corpus analisado está em conformidade com as

expectativas, visto que a temática era algo não muito conhecido do grupo; desta forma os

termos mais frequentes demonstram um vocabulário voltado para o entendimento sobre

resiliência e formação humana. A palavra problema, ao centro, é a mais frequente; em seguida

encontramos pessoa, saber, pensar, resolver, relação, mudança, entender, querer, vida,

professor, formação, as quais apontam outros elementos característicos e comuns entre os

participantes entrevistados.

Seguindo na ideia de aprofundar o estudo textualmétrico, realizamos a análise de

similitude, que fundamenta-se na teoria dos grafos, permitindo mapear as coocorrências entre

as palavras e seu resultado, apontando para a conexidade entre as palavras. Essa análise

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contribui para o reconhecimento da base de um corpus textual, diferenciando os componentes

comuns e os específicos, de acordo com as variáveis descritivas identificadas no estudo

(CAMARGO; JUSTO, 2013a; MARCHAND; RATINAUD, 2012).

Figura 43 – Árvores com similitudes com “assimilações dos participantes”

Fonte: A autora (2019)

O gráfico de similitude mostrado na figura 41 apresenta a estrutura, o núcleo central e

o conjunto periférico da interpretação das entrevistas realizadas com os participantes. A

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análise de similitude realizada confirmou a presença marcante da palavra problema, não só

em termos de frequência, mas também de estrutura, uma vez que este vocábulo mantém um

grande número de relações para se tornar central.

Para tornar ainda mais claro e evidente, fizemos uma seleção em que retiramos

algumas categorias de palavras, para limpar o gráfico. O resultado continuou mostrando o alto

índice de frequência da palavra problema e fez o enredamento com os outros termos que

também obtiveram uma frequência alta o suficiente para se fazerem presentes, além de

estarem diretamente relacionados à palavra problema, estabelecendo assim uma relação

significativa.

Figura 44 – Extrato do gráfico de similitudes

Fonte: A autora (2019)

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Removemos a palavra problemas para a redefinição do gráfico de similitude. Assim,

encontramos os espaços lexicais realinhados ao escopo central desse estudo (Figura 5).

Figura 45 – Árvores com similitudes com “assimilações dos participantes” sem a palavra problema

Fonte: A autora (2019)

Para o desenvolvimento da análise do gráfico de similitude mostrado na figura 43,

tomamos como ponto de partida o estudo do polo central pessoa. Esse núcleo é caracterizado

por “ser” e pelos elementos que constituem os caminhos que levam desde a formação, as

práticas corporais, abertura para sociedade, até a própria existência, ser-no-mundo. Mas,

também, trata-se da análise dos diversos trajetos que partem desse eixo central em direção a

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outros núcleos, como ajudar, sentir, resolver, acreditar, resiliente, ver, gerando assim uma

rede de ramificações e de possíveis interpretações das palavras proferidas pelos entrevistados.

1) Trajeto pessoa-ajudar. Esse caminho sugere a reflexão de uma relação necessária

para o seu desenvolvimento. Os seres estão em constante contato, visto que é

através da colaboração mútua, da ideia de ajudar o outro e também conhecer a si,

seus limites e possibilidades, de forma a consolidar uma visão de mundo, de

humano e do coletivo.

2) Trajeto pessoa-sentir. Esse percurso promove a meditação e a percepção por meio

de sentidos e formas de expressão (dita ou não ditas). Trata-se de um caminho para

revisitar as relações intra e interpessoais, buscando manter-se ancorados numa

perspectiva multidimensional e integral.

3) Trajeto pessoa-resolver. Esse itinerário é realizado na perspectiva de olhar, sanar os

problemas, enfrentar as adversidades, olhando-as como pertence ao ser pessoa, sem

deixar cristalizar a ideia de que tudo será resolvido de forma positiva e/ou

favorável. Resolver implica implicar-se em buscar saídas para algo que por vezes

não traz benefícios ou gera sentimentos bons.

4) Trajeto pessoa-acreditar. Esse caminho é feito tomando como viés o

autoconhecimento, as esferas de Honneth do reconhecimento — amor, direito e

solidariedade —, de modo a provocar o empoderamento, a crença em si, a

autovalorização, que contribuem direta e indiretamente nas relações humanas e em

todos os processos nos quais os sujeitos estão inseridos. Acreditar no campo

educacional é dar visibilidade ao outro, permitir que ele se mostre, tenha espaço e

voz através das suas habilidades.

5) Trajeto pessoa-resiliente. Esse pode ser o caminho mais árduo se for encarado

como salvação, mas aqui assumimos um lugar de possibilidades, de construção,

promoção e maturação. Não é fixo e perpétuo, podendo os seres se reconstruírem

ao longo de sua caminhada. Está atrelada à concepção integral, pois é um

movimento que busca manter-se no campo do hólon, do coletivo.

Talvez ainda não tenha ficado muito claro, para tanto seguimos conforme sugestão do

idealizador do software e realizamos uma análise lexical através da classificação hierárquica

descendente (CHD) do conjunto dos segmentos de textos -ST (REINERT, 1983). A análise da

CHD reteve 200 ST, ou seja, foram consideradas 81,63% dos ST (n=245). Após a redução

dos vocábulos às suas raízes, obtivemos 999 lematizações, que resultaram em 832 palavras

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analisáveis. Conforme orientam Camargo e Justo (2013b), para realização de análises do tipo

CHD, é necessária a retenção de no mínimo 75% dos ST.

Figura 46 – Dendograma da classificação hierárquica descendente

Fonte: A autora (2019)

A análise da CHD, ilustrada pelo dendograma da figura 44, demonstra que,

inicialmente, o corpus “Promoção de resiliência na formação humana integral” foi dividido

(1ª partição) em dois subcorpus (de um lado, o maior, aqui denominado de “Reconhecer-se

resiliente”; do outro, “Impedir-se resiliente”), com isso há uma separação da classe 6 do

restante do grupo.

Num segundo momento, o primeiro subcorpus, “Reconhecer-se resiliente”, é

subdividido (2ª partição), originando a classe 1. Partimos para um terceiro momento em que

os dois outros subcorpus (3ª partição) geraram as classes 2 e 3, 4 e 5.

Isso significa que as classes 2 e 3 possuem menor relação ou proximidade com as

classes 4 e 5. A classe 2 possui maior relação ou proximidade com a classe 3, assim como a

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classe 4 possui mais relação ou proximidade com a classe 5. A CHD foi finalizada nesse

momento porque as seis classes apresentaram-se estáveis, isto é, cada classe foi constituída

por Unidades de Contexto Elementar (UCE) com termos semelhantes. Para cada uma dessas

classes, encontram-se efetivo/frequência, percentual, nível de significância - qui-quadrado de

associação das formas ativas (palavras) mais associadas.

O dendograma da figura 44 denota as categorias surgiram a partir dos fragmentos das

entrevistas, demonstrando os elementos que fundamentam experiências, formações,

concepções, sentidos, reconhecimento e resiliência nos participantes entrevistados. Para a

análise descritiva das palavras mais frequentes de cada classe, expressa por tais categorias,

adotamos os critérios sugeridos por Camargo (2005) e Camargo e Justo (2013b):

(1) reter as palavras não instrumentais com média maior que a frequência média por

forma distinta (nesse estudo foi 5,65); e

(2) considerar as palavras cujo valor de qui-quadrado de associação à classe seja >a

3,84 (pois p<0,05).

De posse de todo esse tesouro, agora nos cabe deixar que o fenômeno se mostre

subjetivamente, que ele dance com liberdade científica e nos mostre caminhos e

possibilidades.

5.3.2 Relato de uma experiência vivida: da entrevista ao tratamento dos dados

Para fins de análise dos dados, neste item, buscamos nos deter nas questões da

entrevista em profundidade (Apêndice 3), pois elas focam diretamente a nossa atenção sobre o

fenômeno aqui em análise: a compreensão de resiliência, reconhecimento e a relação entre os

conceitos no processo de formação integral através da experiência vivenciada através da

atividade formativa oferecida para alunos. Os dados das outras questões servirão de auxílio e

norteamento de outros itens de outras seções deste capítulo, corroborando, assim, com a

tentativa de oferecer uma compreensão a mais ampla e dinâmica possível da experiência

acompanhada.

A análise das cinco questões da entrevista em profundidade — 1. A partir da

experiência vivenciada no curso, qual sua compreensão de resiliência?; 2. Como você pensa a

resiliência na relação da pessoa consigo e com o outro?; 3. Como você pensa que um

educador que desenvolveu características mais resilientes pode lidar com as situações de

necessidade de visibilidade de si e reconhecimento do outro?; 4. Como você percebeu /

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percebe o seu processo formativo a partir das reflexões e vivências sobre resiliência?; e 5.

Qual o papel da resiliência no processo de formação humana de futuros docentes?) — será

realizada mediante o procedimento de redução de unidades de significado do discurso dos

participantes, seguida de uma tentativa de encontrar invariantes ou “categorias abertas”26 e

montagem de uma rede de convergência de significados, conforme procedimento de análise

apresentada por Bicudo (2000, p. 70-102). Depois procuramos estabelecer um diálogo entre as

categorias emergentes e a teoria, de forma que a trama

[...] que se forma como uma rede de significações expressas, constitui a realidade

mundana na qual somos, ou seja, existimos de modo participativo. Não se trata,

porém, de uma rede abstrata. Mas ela própria é corpórea, porquanto o expresso se

presentifica com materiais e recursos específicos, conforme sua modalidade,

carregando consigo a história, a marca do ethos de um povo, as possíveis

interpretações elaboradas sobre a fala-falada. (BICUDO, 2000, p. 97)

5.3.2.1 Explicação das Unidades de Significado

Segundo Bicudo (2000, p. 81), as unidades de significado “são unidades da descrição

ou do texto que fazem sentido para a pesquisadora a partir da interrogação formulada”.

Assim, iniciando pela questão “A partir da experiência vivenciada na proposta formativa qual

sua compreensão de resiliência?”, procuramos destacar das respostas dos participantes as

principais unidades de significado do seu discurso. Não pretendemos esgotar as unidades de

significado presentes nos discursos dos participantes, pois, como em toda pesquisa

fenomenológica, o olhar da pesquisadora, conforme seu questionamento, pode oferecer outros

ângulos para compreensão do fenômeno.

Priorizamos as unidades de significado (US) que apresentavam relação direta com o

foco de investigação da nossa pesquisa; contudo, procuramos, o máximo possível, explicitar

como o recurso da entrevista, mesmo limitado e sujeito a inúmeras críticas, pode ser útil

quando associado a um conjunto de outros recursos metodológicos que ajudem a formar um

quadro geral do fenômeno estudado.

Apresentamos no quadro a seguir um exemplo de Unidades de Significados e a seguir

indicaremos como foi realizada esta redução de acordo com o discurso dos participantes.

26 Segundo Bicudo (2000, p. 82), as categorias abertas são “constructos que apresentam grandes convergências

de Unidades de Significado já analisadas e interpretadas. Indicam os aspectos estruturantes do fenômeno

investigado e abrem-se à metacompreensão considerando a interrogação, o percebido, o analisado, o diálogo

estabelecido na intersubjetividade auto/sujeitos/autores/região de inquérito”.

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Quadro 43 – Exemplo de Redução de Unidades de Significado

Fonte: A autora (2019)

As respostas dos participantes às perguntas 1, 2, 3, 4 e 5 da entrevista em profundidade

foram gravadas e transcritas e, após, foram lidas repetidas vezes; com o foco na pergunta guia

para cada questão, chegamos às unidades de significado que se revelaram mais significativas

para a investigação em curso. Assim, as respostas de cada um dos participantes foram

desdobradas em unidades de significado que se apresentavam carregadas de possíveis sentidos

para a questão formulada. Nesse ponto, a dimensão da expressão do comportamento no corpo-

próprio, na construção do discurso também era considerada, pois, como indica Merleau-Ponty

(1969, p. 110),

[...] todo uso do nosso corpo já é expressão primordial, ou seja, não o trabalho

segundo e derivado que substitui ao exprimido certos signos, aliás, com seu sentido

e sua regra de emprego, mas a operação que, antes de tudo, constitui os signos em

signos, faz neles habitar o exprimido, não sob a condição de alguma convenção

preestabelecida, mas, pela eloquência de sua organização mesma e de sua

configuração, implanta um sentido naquilo que não tinha [...].

A transcrição dos discursos considerou o participante em sua totalidade, ou seja,

considerava-o como sujeito incorporado, no qual o corpo habitual, além de sujeito de

percepção, era também compreendido como sujeito de expressão ou significação.

P1 - Participante Anis

Questão 1: A partir da experiência vivenciada na proposta formativa, qual é a sua compreensão de

resiliência?

Discurso na linguagem do participante Redução unidades de significado

Consegui superar essas, como posso dizer, esses

entraves que poderiam ter me feito desistir. A partir da

experiência, pude entender a minha resistência, minha

vontade de permanecer e como é importante. Fui

repensando cada momento, cada dor, sofrimento e luta,

o que me faz pensar que resiliência é como essa

vontade de seguir, superar, ir além das barreiras, de

ser, pertencer mesmo na dificuldade.

P1.US1. Superar entraves;

P2.US2. Enxergar minha resistência, vontade de

permanecer;

P2.US3. Repensar cada dor, sofrimento e luta com

vontade de seguir; e

P2.US4. Vontade de superar, ir além das barreiras, de

ser, pertencer mesmo na dificuldade.

P3 - Participante Orquídea

Questão 1: A partir da experiência vivenciada na proposta formativa, qual é a sua compreensão de

resiliência?

Discurso na linguagem do participante Redução unidades de significado

A partir da vivência, compreendi que resiliência é

quando a gente tá passando, por exemplo, por um

problema e conseguimos superar esse momento

independente de ter resolvido o problemas ou não, né?

Não é um livro de resolução de cálculos matemáticos,

mas é se aprender, se recuperar, né? Superar, tirar isso

como aprendizado para seu crescimento pessoal em

todas as áreas da sua vida.

P3.US11. Buscar superar o momento, problemas

independente de ter resolvido;

P3.US12. Não é resolver apenas, mas aprender com o

problema, adversidades;

P3.US13. Aprendizado pessoal para crescimento em

diversas áreas da vida; e

P3.US14. Superar e aprender.

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As unidades de significado de cada entrevista foram numeradas para facilitar a

composição dos gráficos de apresentação dos resultados, assim, nos exemplos acima, P1 se

refere à participante Anis, P2 se refere à participante Dália, P3 à participante Orquídea e P4 à

participante Lírio. No total foram levantadas 25 (vinte e cinco) unidades de significados sobre

a questão 1, 34 (trinta e quatro) para a questão 2, 21 (vinte e uma) para a questão 3, 21 (vinte

e uma) para a questão 4 e 21 (vinte e uma) sobre a questão 5. Estas unidades de significados

estarão sendo indicadas pelas letras “US” seguidas de um número, de forma que ao final

temos, por exemplo, “P2.US9”, indicando que a unidade em análise é a de número 9 e

pertence à participante Dália, para quem a resiliência na relação da pessoa consigo e com o

outro significa: “A resiliência torna as relações possíveis, podendo seguir menos tensas e com

a aceitação das pessoas como elas são.”.

De posse das unidades de significados levantadas em cada questão, procuramos,

seguindo as orientações de Bicudo, realizar um cruzamento entre elas, fazendo-as dialogar

entre si e buscando agregá-las em possíveis categorias abertas ou invariantes. Desse diálogo

entre as unidades de significado e de acordo com o questionamento central da pesquisadora,

emergiram doze categorias abertas, que, conforme os significados apresentados, foram

nomeadas de: a) Enfrentamento das adversidades; b) Transformação cooperativa; c)

Possibilidades ampliadas; d) Compreensão e aprendizagem; e) Superação e integração; f)

Ruptura dimensional; g) Cuidado de si; h) Empoderamento; i) Reconhecimento em si; j)

Estima e acolhimento; l) Autenticidade; e m) Formação integral. Cada uma destas categorias

congrega um número de unidades de significados que explicitam as ideias gerais que os

participantes apresentam sobre resiliência após o processo formativo.

Optamos por apresentar os dados na forma gráfica, estilo “Rede de significações”, pois

ela parece “[...] expor o movimento da existência total, enfatizando aquele da compreensão da

operação primordial da significação e do sentido encarnado que preenche a palavra de vida,

constituindo a fala autêntica” (BICUDO, 2000, p. 96-97).

A seguir, apresentaremos o gráfico da matriz das unidades de significados já

agrupadas em torno das categorias abertas.

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Figura 47 – Matriz das Unidades de Significado

Fonte: A autora (2019)

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5.3.2.2. Análise e discussão do Gráfico das Unidades de Significado

A apresentação destas categorias na forma de gráfico é uma tentativa de resgatar o

aspecto dinâmico vivido na fala dos participantes, de forma que deve ser lido como uma teia

dinâmica que se interliga, tipo sociograma moreniano, conforme descrito em Gil (1995). Cada

categoria aberta congrega uma rede de unidades de significados que também se interligam,

como a formar um texto mais amplo que busca captar o vivido dos participantes em relação à

experiência formativa - resiliência. Desta forma, as categorias abertas se interligam, bem

como as unidades de significado, formando um grande texto que busca sintetizar as ideias de

resiliência, reconhecimento na experiência formativa no processo de formação integral.

De posse das 12 categorias emergentes, buscamos fazê-las dialogar com as

perspectivas que tentam orientar a resiliência, reconhecimento rumo à formação humana. Isto

pareceu-nos pertinente, dada a necessidade de entender como os participantes perceberam a

experiência formativa de inspiração integral que vivenciaram e a concepção de resiliência e

reconhecimento, bem como os afetamentos que isso provoca no processo formativo de futuros

docentes.

Nesse sentido, sete das categorias abertas que mais congregavam unidades de

significado, de todas as perguntas, apresentavam sintonia com as perspectivas de resiliência e

reconhecimento numa perspectiva mais integral, a qual incansavelmente tratamos no texto

visando à formação humana.

As cinco categorias restantes parecem emergir como um fortalecimento para as

categorias anteriores, reforçando e desvelando múltiplas visões e possibilidades no processo

formativo de futuros docentes numa perspectiva mais humanizadora e humanizante.

Interessante percebermos que todos as categorias abertas estavam presentes em pelo menos 3

das 5 perguntas que fizemos aos nossos participantes, de modo que a rede de significados

ficou bastante entrelaçada, o que nos aponta uma compreensão do todo, do hólon como versa

Wilber.

A seguir faremos uma apresentação destas doze categorias abertas, buscando

exemplificá-las com as unidades de significados dos alunos e com as ideias de alguns autores

que fazem parte da nossa pesquisa.

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5.3.2.2.1. Enfrentamento

Esta primeira grande categoria aberta congrega as unidades de significados que situam

a resiliência como enfrentamento. Na linguagem de Folkman (2011), enfrentamento é

definido como esforços comportamentais e cognitivos do indivíduo voltados para manejar um

acontecimento estressante, fazendo-o compreender quais são os fatores que irão influenciar o

resultado final do processo. O processo de enfrentamento não garante a solução do problema.

Para tal, é necessário que o indivíduo seja resiliente, pois resiliência implica ações de

confronto e superação.

Apesar de tão lógica, essa categoria retratada por todos os participantes demonstrou

que uma das grandes e iniciais dificuldades em lidar com as adversidades não é nem mesmo a

problemática em si, mas o receio que muitos têm em olhar para seus problemas, se dar conta

de que algo existe e não está harmonioso.

Essa coisa de olhar para nós, ver o que está acontecendo, pedir para parar,

sei lá me angustiou. Confesso que tentei muito não pensar, em alguns

momentos eu até nem pensei mesmo, ou achei que não estava pensando e de

repente, estava pensando, revendo condutas, falas e tendo tempo para olhar o

problema. Nem era tão grande como eu estava imaginando. (DIÁRIO DE

GRATIDÃO – HIBISCO)

Conhecer a capacidade de enfrentamento e resiliência dos participantes possibilita o

desenvolvimento de ações que envolvem a psicoeducação na e para a vida, além de

influenciar a probabilidade de encontrar uma resolução para as adversidades, de modo que

cada fator envolvido venha a influenciar no processo de formação humana.

Pensar em problemas, não é de fato o meu forte, não tenho nem paciência

para isso. Nas aulas pude perceber que agindo assim, apenas retardo ou

complico ainda mais minha vida, porque os problemas não deixam de existir,

e volta e meia surgem com uma força ainda maior. (ANIS)

O modo de enfrentamento das adversidades não deve estar fincado em um padrão ou

modo de execução, pois, em se tratando de habilidades resilientes, isso é quase impossível

acontecer, visto que todos os contextos devem ser levados em consideração, de modo a

estarem em constantes modificações.

No âmbito formativo, o que podemos considerar são as regras institucionais que

existem, mas lembrando que cada pessoa é única e vai ter sua forma de ação e reação. O que

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futuros docentes podem levar consigo são as ideias de colaborar com os processos dos alunos

à medida que for possível, sendo, assim, tutores resilientes.

Antunes (2003, p. 17) descreve algumas características da pessoa ou organização

resiliente:

Ser ágil, apresentar facilidade em acolher a diversidade, contextualizar o

conhecimento e sua cíclica transformação, revelar poder sistêmico e criar

solidariedade, sabendo dar a volta por cima, reajustar-se rapidamente após

perturbações, choques ou frustrações e, sobretudo, achar saídas. Saber explicar-se,

possuir autoconfiança, sentido da efemeridade e da importância da biodiversidade,

construindo-se permanentemente e realizando julgamentos éticos.

O que estamos querendo dizer é que essas características são pontos de partida, não

são únicas, nem classificatórias, não há obrigatoriedade de preencher uma quantidade mínima

nem máxima para ser considerado resiliente, porém o mais importante e relevante é que sejam

internalizadas, que façam parte do contexto e ações do futuro docente e dos já docentes

também.

Nunca me imaginei achando que umas características que tenho e o que eu faço na

escola podiam ser características resilientes, na verdade sempre foram para mim

estratégias de enfrentamento dos problemas. Minha escola é muito tensa, precisando

estar nos reinventando e arrumando maneiras de enfrentar as dificuldades. (LÍRIO).

A essas estratégias de enfrentamento, pode-se entender como coping, que nada mais

são que habilidades, estratégias, comportamentos, estilos, respostas ou recursos para lidar com

o estresse e adversidades, aliviando os seus aspectos negativos e, incluso com a resiliência em

si, acrescenta uma noção de incremento nos mecanismos interiores para superar as

adversidades através de alternativas.

Na linguagem das unidades de significado dos participantes, enfrentamento “seria um

mecanismo para lidar com as dificuldades”, pois seria “passar por problemas e olhar para eles,

tentando lidar”, pois “não olhar, é nem tentar”, tornado “em algo muito além do que

realmente é!”, pois “pode ser que não tenha jeito, solução, conserto, nada possa ser feito”.

Enfim, é

Encarar de frente a realidade, é não achar que a vida é perfeita e que para ficar tudo

bem, precisamos não ter nenhuma coisa nos incomodando, nenhum problema ou dificuldade.

Acho mesmo que elas surgem para nos levar para algum lugar, basta saber para onde

queremos ir. E pensar nosso processo formativo aqui dentro da universidade e na própria vida

sem nenhum acontecimento, é achar que todos os nossos alunos serão santos, robôs ou sem

vida.

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Enfrentar está para além de duelar, brigar é um modo de olhar para as adversidades

surgidas ao longo do nosso contínuo processo de formação e encontrar formas de lidar com

ele, tendo consciência de que não há uma condição sine qua non entre enfrentamento e

resolubilidade, ou seja, algumas vezes a solução é a simples existência do problema sem nada

a fazer quanto ao mesmo. Algumas coisas independem da nossa vontade ou possibilidade de

ação.

5.3.2.2.2 Transformação cooperativa

Nesta categoria aberta, assumimos a transformação como o movimento e necessidade

de mudar, os participantes relatam que sentem os processos que implicam principalmente a

formação formal dentro da instituição, ainda muito engessados, compilados por

normatizações e regras muito duras, nas quais algumas vezes o pensar parece ser ruim ou

“pecado” diante das leis áureas.

Estamos em pleno século XXI e ainda vemos e ouvimos coisas de alguns de

nossos professores que parecem ser do século passado. Comportamentos que

não condizem com o discurso que pregam. Não temos mais tempo, é preciso

mudar urgente, precisamos nos ajudar nos processos de mudança, alteração e

crescimento. (LÍRIO)

Goffman (2013) diz que a identidade pessoal está relacionada com a pressuposição de

que o sujeito pode ser diferençado dos outros e pode sofrer uma transformação. Ela é

determinada pelo papel que o indivíduo ocupa no mundo e pelo modo que este é percebido e

tratado pelos demais. Contudo, considerando que o lugar que é ocupado pode ser mudado

conforme o momento e o período de desenvolvimento pelo qual o sujeito está passando, a

construção da identidade é caracteristicamente dinâmica, de constante transformação

(GOFFMAN, 2013; LEITE; MONTEIRO, 2008).

Essa experiência, essas aulas, dinâmicas, jogos e tudo que vivemos aqui,

cada lágrima derramada, me faz achar que foi uma oportunidade que tive de

mudar, mudar meu modo de ver as coisas, meu jeito de me relacionar com

meus problemas e até de encarar minha formação, estava bem

desestimulada. Mexeu, mudou, acho que temos tanto medo de mudar e sair

do lugar conhecido, que quando isso acontece nos perguntamos por que

demoramos tanto. Pensando que o que vivemos deveria ser obrigatório no

curso inteiro. (DÁLIA)

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268

É falso afirmar que as pessoas são de uma determinada forma e não se modificam.

Basta observar as pessoas e a si mesmo.

Manter-se inalterado e evitar a transformação é uma tarefa impossível. O possível e

mais trabalhoso é preservar por algum tempo alguma aparência de inalterabilidade, como

resultado do grande esforço de conservar uma condição prévia, para manter a mesmice

(SANTOS, 2018).

No campo educacional é muito comum vermos que alguns, com muito trabalho, adiam

certas transformações, evitam a evidência de determinadas mudanças, se esforçam para

continuarem sendo o que já foram em um momento de suas vidas, sem perceberem, que talvez

estejam se transformando em uma réplica, uma cópia daquilo que já não estão sendo,

tornando-se obsoletos ou atrasados, perdendo suas mágicas e encantos, ficando estagnados

numa condição desfavorável e muitas vezes perversas consigo mesmos, visto que deixam de

ser surpreendentes para serem toleráveis.

Assim como a resiliência, a transformação também se guia pelo social, afinal os

tempos mudam, as civilizações se modificam, introduzem elementos que não eram pensados

antes, bem como deixam partir outros que já não têm mais utilidade.

Um docente que não encara a transformação ou que sustenta a mesmice tem seu

desenvolvimento prejudicado ou impedido de alguma forma, reproduzindo réplicas de si

mesmo, com o propósito de preservar interesses estabelecidos e situações convenientes que

são, sob uma análise radical, simplesmente interesses e conveniências do capital, e não do ser

humano, que permanece aprisionado à mesmice imposta (CIAMPA, 1987).

Para os processos de formação humana, numa perspectiva integral, a transformação

vai ocupar, interagir e /ou reverberar a partir dos quatro quadrantes de Wilber, de modo não

fixo e contínuo, assumindo também a ideia de uma transformação cooperativa, visto que há

necessidade de ampliar os modos e possibilidades transformativas.

5.3.2.2.3 Possibilidades ampliadas

Fenomenologicamente falando, esta categoria vai dar conta do desvelar dos

fenômenos nos processos de formação humana, porém não é apenas deixar que emerjam, mas

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sim olhar de modo transformativo, onde o velho perde um pouco da força e dá lugar a um

novo, que traz modos diferentes de não mais assujeitamento, e sim de rompimentos de

barreiras, propiciando um crescer.

A resiliência vai falar do espaço de cocriação onde, para nós, essas possibilidades

fazem morada, sendo alimentadas pelo desejo de participação e ampliação da consciência

existente atualmente.

Não dá para fingir que não vemos. Do jeito que está, não vai suportar por

muito tempo, pois aquilo que estudamos hoje aqui temos sempre que buscar

muitas adaptações, pois o lá fora é diferente, é real. Ou encaramos, criamos

formas de olhar para as coisas, processos e pessoas de outro jeito, ou nem sei

o que será dessa sociedade. E não é olhar com esses olhos, porque essas

respostas também estão velhas, temos que ir além disso tudo. (ORQUÍDEA)

No campo pertencente à formação, os participantes foram unânimes em descrever,

como mostra a fala acima, a necessidade desse lugar/espaço do novo, encarando assim um

fazer pedagógico diferenciado, com implicações de ambas as partes.

5.3.2.2.4 Compreensão e aprendizagem

Gadotti (2000) nos diz que o prazer de compreender, descobrir, construir e reconstruir

o conhecimento, curiosidade, autonomia e atenção colabora nos processos de aprendizagem,

porém é inútil tentar conhecer tudo. Isso supõe uma cultura geral, o que não prejudica o

domínio de certos assuntos especializados.

Aprender a conhecer é mais do que aprender a aprender. Aprender mais linguagens e

metodologias do que conteúdos, pois estes envelhecem rapidamente, assim precisamos estar

abertos a compreender, olhando para o que se mostra, sem apegos às velhas formas,

aprendendo a pensar — pensar uma realidade, e não apenas “pensar pensamentos”; pensar o

já dito, o já feito, reproduzir o pensamento. É preciso pensar também o novo, reinventar o

pensar, pensar e reinventar o futuro.

Desta maneira, podemos compreender a música e sua temporalidade nos levando a

caminhos que a resiliência nos convoca a superar as adversidades.

Na experiência formativa vivenciada, ficou evidente que a compreensão não deve ser

tida como algo permissivo, banalizando o processo de aprendizagem ou coisas semelhantes, e

sim uma possibilidade do outro vir-a-ser sujeito em todas as dimensões.

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270

Na teoria do reconhecimento, em que Honneth (2003) nos fala que para que o sujeito

seja reconhecido é necessário que o mesmo passe por processos de não reconhecimento,

invisibilidade, o que o vai fazer lutar para tornar-se visível, podemos lançar mão de toda essa

trama honnethiana para dizer que a compreensão pode ser um “encurtador” deste caminho

longo que o sujeito tem a percorrer.

5.3.2.2.5 Superação e integração

Nos relatos da compreensão do constructo, assim o tomamos, pois os estudos ainda

são recentes e inconclusos na área, foram positivos, com indicativo de ação e movimento.

Muito presente a ideia de ultrapassar barreiras, enfrentar problemas, ir além de crises,

obstáculos, mas o aspecto mais forte e presente são as ideias de superação, pertencimento e

integração, como podemos ver nas falas a seguir:

A partir da experiência, pude entender a minha resistência, minha vontade de

permanecer, [...] repensando cada dor, sofrimento e luta, o que me faz pensar

resiliência como vontade de seguir, de superar, de ir além das barreiras, de ser,

pertencer mesmo nas dificuldades. (DÁLIA)

Mecanismo pelo qual nos utilizamos para lidar com as dinâmicas, coisas que

atrapalham nossas vidas, que a gente tenta ultrapassar para formar nova opinião,

superar o que já passamos e seguir fazendo parte. (ANIS)

Apesar de todos os entrevistados terem relatado uma ideia de superação,

pertencimento e integração, uma delas indicou dificuldades e resistência quanto a esse

entendimento, sugerindo a necessidade de revisitarmos as noções diversas do constructo e

evidenciar como algo científico, pois o questionamento girava em torno da dúvida quanto às

definições apresentadas e sua prática.

A princípio me pareceu algo meio mítico, mágico, mais uma daquelas promessas de

autoajuda, ou ideia de salvação, mas acho que era também meu momento. Estar

dessa forma me ajudou a mudar essa visão primária. Ao longo dos encontros, fui

percebendo e sentindo na prática o que estava sendo dito, muito me sentindo eu e

entendendo que o era tido como superação. (ORQUÍDEA)

Podemos pensar, como afirma Cyrulnik (2007), que, ao falar de resiliência, há a

necessidade de ter sido vulnerado, ferido, de maneira que temos desmontado a ideia de

invulnerabilidade, corroborando com as ideias de Honneth e suas esferas, que diz que, para

atender as esferas, faz-se preciso visitar seu lado opositor; neste caso, para se entender o

respeito, é preciso viver uma experiência de desrespeito.

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271

Assim, através da experiência formativa, foi possível perceber que os participantes

começaram a repensar suas atitudes frente às adversidades e também quanto ao seu

posicionamento nos espaços formativos, não sendo estimulados de tornarem-se pessoas

resistentes a todos os tipos de adversidades. A superação não é apenas o movimento de passar

sobre, alcançar o resultado apenas, e sim a ideia de aprender com a situação, problemas e

adversidade enfrentados, vez que o simples fato de alcançar o objetivo – resultado não implica

um aprendizado, por isso propomos a integração, como forma de apreensão do vivenciado.

Para Santos (2018), superação é a ação de vencer, ultrapassar uma situação

desagradável. Pode ser relacionada à definição dada à resiliência como a capacidade humana

de enfrentar, vencer e sair fortalecido e transformado de situações adversas (GROTBERG,

2005).

A superação consiste na manutenção do desejo, na esperança de sua realização e na

ação para a sua viabilização: este conjunto de atitudes conduzirá o sujeito a superar-se,

cumprindo a função social de elemento de projeção daqueles que buscam alcançar este tipo de

sonho (SILVA; RUBIO, 2003). Embora a superação seja um assunto presente no meio

esportivo, poucos pesquisadores têm se dedicado a discuti-lo na sua especificidade (SILVA;

RUBIO, 2003).

Superar limites gera transformação, seja ela física, psicológica ou social. Somente uma

teoria que abranja a transformação como atributo natural dos processos vivos, e que não a

trate como exceção, não se afastará excessivamente do seu caráter (KATZ, 2005).

A resiliência integral é orgânica, dinâmica, espiralada, capaz de olhar e enxergar o

outro dentro de suas adversidades, e não como a própria. Conforme pensamento de Ungar et

al. (2007, p. 3),

Entender a resiliência como associada à capacidade do indivíduo em navegar seu

caminho em direção a recursos de bem-estar assim como a capacidade de suas

comunidades oferecerem esses recursos de formas culturalmente significativas.

Portanto, a resiliência é vista como resultado daquilo que a comunidade toma como

saudável e socialmente aceito para a sua população, além da capacidade de prover recursos

significativos.

Foi sugerido no processo interventivo que nossa capacidade de lidar com o estresse

inerente e associado às várias fases da vida pode impactar neurologicamente a estrutura do

cérebro, órgãos e corpo como um todo, além de influenciar toda uma coletividade na qual nos

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inserimos, perpassando por nossa cultura, valores, relações com o meio interno e externo,

além de modo como nos relacionamos com as adversidades em qualquer âmbito.

Não é um estado psicológico interno de bem-estar, nem um conjunto de

comportamentos aceitáveis socialmente que ocorrem após a exposição ao risco, nem

uma condição que resulta de qualidades inatas tais como, temperamento positivo ou

capacidades latentes. (UNGAR, 2005b, p. 90)

Não estamos livres das experiências traumáticas que deixam marcas amplas, a

literatura no campo da resiliência (DAVIDSON, 2013) tem sugerido a possibilidade de novas

ressignificações e alterações neurológicas a partir de intervenções que visam à promoção da

resiliência. Colaborando com a ideia da superação do trauma, Bonanno (2004) ressalta que a

resiliência do adulto é a capacidade de a pessoa preservar os resultados de sua trajetória de

vida através do tempo do trauma.

Já passei tanta coisa, e sempre achei que estava certa, eu brigava mesmo, de agredir

fisicamente, ficar chateada por não ser compreendida. Jamais achei, e assumir um

erro nem pensar, não via assim, errando. Imagine o que acumulei de dores,

sofrimentos, adversidades. Com essa experiência, pude me deslocar dos meus

achismos e olhar para minhas dores... digo que estou fazendo uma seleção destes

traumas, angústias que me atormentam, e tentando aprender com o que surge dessas

experiências. O trauma dói, mas dói mais não fazer nada de novo, para transformar

(GARDÊNIA).

Esse espaço formativo foi uma experiência ímpar. Apesar de ter sido delicada por

muitas vezes, percebermos que, apesar das dificuldades, da temática provocativa e

deslocadora, a todo tempo os participantes buscavam se comprometer especialmente consigo

mesmo e com todas as relações estabelecidas. Proporcionou uma alteração no pensamento,

alterando também os sentimentos deles, sendo expressa na segunda aplicação da escala de

resiliência, em que saem da baixa resiliência e chegam a um nível de alta resiliência.

Talvez eu não saiba dizer um significado assim tecnicamente falando, um definição,

mas para mim é algo que faz a gente poder lidar com os problemas, conseguir uma

maneira na qual a gente pode verificar os problemas sem precisar de muita agonia

para resolver logo, é entender o que acontece, é ir fazendo. Antes eu achava que os

problemas tinham saídas sempre. Hoje já penso no que vou fazer para resolver,

como, para que fazer [...]. (LÍRIO)

Para esta pesquisa, não era o mais importante a apreensão do constructo, uma

definição fixa, mas o mais relevante foi o processo de internalização, através do sentir,

vivenciar, refletir sobre resiliência e seus caminhos, rompendo a velha ideia de superação,

presente nas pesquisas em que a resiliência é tido como traço de personalidade, algo inativo e

fixo.

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5.3.2.2.6 Ruptura dimensional

A lógica pré-estabelecida de condutas, perfis, são condicionamentos que ao longo do

tempo foram sendo construídos e tidos como verdadeiros caminhos a serem seguidos. Ungar

(2004) vai nos dizer que, bem como a capacidade de negociação com aqueles que fornecem

os recursos aos quais as crianças e adolescentes percebem que são necessários para seu bem-

estar, romper com essa lógica posta pode indicar que aquilo que é considerado como fator

protetivo para uns pode não ser em outro contexto.

Educadores resilientes e com essa perspectiva vão promover em si deslocamentos e

ruptura de padrões cristalizados em prol de um novo, de uma nova construção capaz de incluir

outros fatores que antes talvez não se fizessem presentes no âmbito social, educacional,

emocional, psicológico.

Sou resistente, bastante resistente e acho que acabo sempre em ambientes

que me ajudam a continuar assim. Agora estou vivendo um dilema, pois

estou fazendo um estágio com possibilidade de contratação, mas lá nessa

escola, eu tenho que usar minha autonomia, preciso fazer, criar atividades,

aulas dinâmicas, utilizando milhares de elementos solicitados pela professora

da turma. Sei lá, fico pensando que ela está me testando embora vejo todo

mundo trabalhando assim. Como dizem os meus amigos, estou saindo da

caixinha e tá doendo. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – CRAVO)

Visto por esse prisma, um recurso como a escola não é facilmente compreendido sem

a apreciação dos múltiplos aspectos de resiliência: os sistemas individuais e coletivos de

atribuição de significados, a cultura e o acesso ao recurso.

Ruptura dimensional implica estar disponível a romper as barreiras do que impede o

crescimento, o enfrentamento das adversidades em várias dimensões da vida, porque

problemas acumulados em algum momento transbordam; manter a resistência, como foi dito

anteriormente, é retardar um processo que inevitavelmente irá acontecer.

5.3.2.2.7 Cuidado de si

Bauman (2005, p. 57), refletindo sobre os dias que correm, diz que vivemos uma era

líquido-moderna, em que as relações humanas de afetividade são comprometidas pela

velocidade com que os laços humanos se mostram cada vez mais frágeis, com maiores índices

de adoecimento e sofrimento.

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O mal-estar que vivenciamos na atualidade arrebata o docente no exercício de seu

magistério e de sua vida privada. As satisfações e as angústias que esse ser humano chamado

professor experimenta afetam incondicionalmente essas esferas interdependentes em sua vida.

O que acontece numa esfera influencia direta ou indiretamente a outra. Some-se a esta

afirmação o reconhecimento explícito do Relatório Delors (2006, p. 26), de que, atualmente:

Pede-se muito aos professores, demasiado até. Espera-se que remediem as

falhas de outras instituições, também elas com responsabilidade no campo da

educação e formação dos jovens. Pede-se-lhes muito, agora que o mundo

exterior invade cada vez mais a escola, principalmente através dos novos

meios de informação e de comunicação. De fato, os professores têm na sua

frente jovens cada vez menos enquadrados pelas famílias ou pelos

movimentos religiosos, mas cada vez mais informados, terão de ter em conta

este novo contexto, se quiserem fazer-se ouvir e compreender pelos jovens,

transmitir-lhes o gosto de aprender, explicar-lhes que informação não é

conhecimento e que este exige esforço, atenção, rigor, vontade. Com ou sem

razão, o professor tem a sensação de estar isolado, não só porque se dedica a

uma atividade individual, mas devido às expectativas geradas pelo ensino e

às críticas, muitas vezes injustas, de que é alvo.

Por essas e outras razões, que também poderiam ser alinhadas aqui nesta constatação

da condição do mal-estar na atualidade e de sua extensão aos professores, é que nos

permitimos entender que não se pode mais reduzir a problemática do mal-estar na docência a

questões que dizem respeito diretamente à ação docente em sala de aula, que Esteve (1994, p.

27), refletindo sobre os “indicadores do mal-estar docente”, alinha como fatores de primeira

ordem. Em nossa posição — reconhecendo com esse autor também a influência dos fatores

por ele denominados de segunda ordem, quais sejam, os contextuais —, entendemos que,

além dos contextuais mais próximos ou diretos à profissão, é preciso levar em consideração o

contexto mundial em que a humanidade se encontra.

Ser professor deixou de ser algo importante, virou sentença de adoecimento,

fracasso e morte. Sofro preconceito todos os dias dentro de casa, da escola

que trabalho, acredita nisso? Estou cansada de ver os professores se

afastando, professor chorando, agredido. Não sinto vontade de exercer a

pedagogia, não tem retorno positivo, apenas negativo. (DIÁRIO DE

GRATIDÃO - ALFAZEMA)

Se faz urgente o cuidado, um cuidado maior que deve atingir o coletivo, propiciando o

que Weiss (1999, p. 100) nos diz:

O ato de cuidar é também ato de significar ou ressignificar, pois muitas

vezes possibilita construções na esfera cognitiva, emocional e

comportamental. [...] Momento onde há oportunização para manifestar

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sentimentos, dúvidas, dividir conhecimentos, crenças e valores. Momento de

incorporação das coisas do mundo e introjeção da cultura.

Para falarmos de cuidado, faz-se presente a ideia de epimeléia heautoû de Foucault

(2001, p. 15) de que o cuidado de si envolve todo um conjunto de práticas de si que a pessoa

desenvolve sobre si mesmo, objetivando estilizar singularmente sua existência. Para tanto,

conforme ele constata, se faz necessário dispor de certas tecnologias de si, técnicas de si, que

são

[...] práticas refletidas e voluntárias através dos quais os homens não somente se

fixam regras de conduta, como também procuram se transformar, modificar-se em

seu ser singular e fazer de sua vida uma obra que seja portadora de certos valores

estéticos e responda a certos critérios de estilo.

Com isso se vê que o cuidado de si implica trabalhar-se, construir-se, reconstruir-se,

inventar e reinventar a si próprio; assumir-se em seu projeto singular de existência, fazer as

escolhas necessárias na perspectiva de uma ocupação regulada. “Epimeléia não designa

simplesmente uma atitude de consciência ou uma forma de atenção sobre si mesmo; designa

uma ocupação regulada, um trabalho com prosseguimentos e objetivos” (FOUCAULT, 1997,

p. 121).

Timm, Mosquera e Stobäus (2008) compartilham o entendimento de que o conceito de

epimeléia pode e deve alcançar a docência, acreditando que “a resiliência pode ser trabalhada,

na perspectiva do cuidado de si, pelo professor no exercício de sua autoeducação” (TIMM,

2006, p. 50).

Voltamos a salientar que cuidado de si na perspectiva da resiliência não significa

simplesmente adotar uma série de recursos paliativos de autoajuda para fazer frente às

adversidades. Implica verdadeiramente conjugar entre si, dimensionando reflexivamente no

projeto existencial de estilização da própria vida, os conceitos de autoimagem e de

autoestima. A conjugação desses conceitos na prática de si mesmo do professor é fundamental

para o desenvolvimento de sua autoeducação para a resiliência.

5.3.2.2.8 Empoderamento

Para Axel Honneth (2011), o envolvimento e o compromisso ativo das práticas

educativas com as lutas pelo reconhecimento, lutas que não se explicam (p. 215-226), pela

lógica da sequência de interesses coletivos, tanto materiais como culturais e simbólicos, mas

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por uma gramática que articula reivindicações morais a partir do momento em que são

defraudadas as expectativas de reconhecimento em três esferas fundamentais: a esfera das

relações íntimas (amor, amizade); a esfera das relações jurídicas (lei, direito); e a esfera das

relações sociais (vida social e trabalho).

Nestas esferas (que configuram a ordem sócio-moral da sociedade capitalista

burguesa), desenvolvem-se formas específicas de reconhecimento (reconhecimento afetivo,

reconhecimento jurídico e reconhecimento social) em função dos princípios que regem essas

esferas: o amor (no reconhecimento afetivo), a igualdade jurídica (no reconhecimento

jurídico) e a valorização social (no reconhecimento social). As expectativas normativas dos

indivíduos, dos grupos e das organizações são que esses princípios se concretizem

adequadamente, ou de forma justa, nas diferentes esferas de interação humana. Quando assim

não acontece, os indivíduos e os coletivos sentem-se moralmente rebaixados e socialmente

humilhados.

O empoderamento é simultaneamente um processo individual e coletivo, cujo objetivo

é ajudar os sujeitos a conduzirem as suas vidas e também a emanciparem-se, sendo

importante, na linha das teorias de transformação social de Paulo Freire, ou dos ramos mais

radicais do movimento feminista, a realização de um processo ou dinâmica de

“conscientização” enquanto parte de um processo de ação: “reflete-se para agir, e esta real

capacidade de ação é fundamental para uma intervenção de empowerment” (PINTO, 2013, p.

53).

Quando damos conta do nosso valor, do que e de quem somos, parece que a vida

assume outro sentido. Refletindo e vendo que repetimos aquilo que criticamos e

estamos sempre no lugar de professor vítima, que precisa adoecer, estar sempre de

mal com a docência, sem ânimo, estressado... tudo que dizem por aí, mas tomar

consciência e assumir minha capacidade, me faz ver que pelo menos eu tenho

minhas particularidades e posso me encher do meu próprio poder e exercer minhas

funções, causando impactos positivos nas pessoas. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

SÁLVIA)

Assente numa consciência da opressão social, das desigualdades na distribuição do

poder e dos recursos, esta concepção de empoderamento visa permitir aos indivíduos e aos

grupos o aumento do “poder de agir” (BOSSÉ, 2003, p. 45) no sentido de serem competentes

a exercer influência na repartição de recursos sociais e na definição, eminentemente política,

da ordem jurídica que rege a vida em comum. Assim, e para esse efeito, conjuga-se a

tomada de consciência crítica com o engajamento crítico e político dos indivíduos e dos

grupos.

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O empoderamento que nos guia nesta pesquisa, está baseado nas lutas sociais como

um forma de luta social dos docentes, como uma forma de reconhecimento. Um grito, uma

voz que esbraveja o seu valor, que luta contra modos de opressão e limitadores de pensamento

e criação. Empoderamento, assumindo-me, meu poder e todos os modos de luta contra aquilo

que de alguma forma aprisiona, tolhe, impede o crescimento do coletivo. Um professor

empoderado é capaz de mover obstáculos, não para se tornar herói, e sim para dizer apenas

que é possível para todos.

5.3.2.2.9 Reconhecimento em si

A referência ao termo reconhecimento remete a vários sentidos. Esse termo é usado de

forma recorrente, representando algo conhecido, com valor e estima. O reconhecimento

apresenta variantes que dependem de seu uso.

Pensar no meu processo formativo era visto por mim como algo muito mais forte

que eu e que não conseguia superar, como algo novo, situações e desafios, mudanças

era algo que me remetia a medo e desistência. Hoje e depois das nossas vivências

sobre resiliência e reconhecimento, eu vejo desafio e mudança, como oportunidade

de algo novo, de aprendizado, independente de dar certo ou não. O que mais importa

é eu estar bem, me considerar bem e estar fazendo o meu certo. (ORQUÍDEA)

A teoria do reconhecimento não deve ser confundida com relações de reconhecimento.

Para Honneth, a teoria é mais abrangente, garantindo uma análise aprofundada das relações

sociais e das injustiças desencadeadas por desrespeito em cada um dos três modos de

reconhecimento: a dedicação emotiva, o respeito cognitivo e a estima social.

Para Honneth, a luta por reconhecimento só se manifesta quando um sujeito ou um

grupo social experimenta o desrespeito. Contudo, não se trata apenas das manifestações

públicas, mas também daquelas lutas que não se manifestam linguisticamente, uma vez que

podem ser até mesmo pré-comunicativas. Quer dizer, o desrespeito é um sentimento que pode

tornar-se público ou não. O importante para Honneth é entendermos a luta como um processo

originado pelo sentimento de desrespeito. A origem da luta encontra-se na percepção pelo

sujeito dos bloqueios para a sua autorrealização.

No início do curso me senti muito mal, senti que em algumas atividades não fui

respeitada, senti uma exclusão. Fiquei pensando que era por não ter proximidade

com muitos do grupo, mas depois fui vendo que as pessoas estavam interessadas em

si e pronto. Terminei com uma sensação melhor, talvez tenham mudado, ou talvez

eu tenha mudado a percepção de mim. (ANIS)

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Diferente dos seus antecessores que subestimaram o papel dos grupos sociais, Honneth

argumenta que os sujeitos sofrem com o desrespeito e, em função disso, se engajam em

movimentos sociais que lutam pelo atendimento de suas expectativas morais.

Chegar naquela escola e imaginar aquelas pessoas, que me fazem mal só de estarem

lá. Não concordo com a forma de tratamento dispensado aos alunos, o lugar que se

colocam, isso me aborrece, tira do sério mesmo. Vejo quantas vezes minhas

atividades não deram certo, sempre acontecendo alguma coisa, até que resolvi agir

da mesma forma, ou pior, cheia de raiva, eu fazia tudo que podia para as coisas deles

darem errado. Não mudei muito, mas hoje encaro com naturalidade o pensamento

ruim que tenho algumas vezes. (LÍRIO)

Os conflitos têm origem em experiências de desrespeito, gerando as lutas por

reconhecimento. Uma vez instalado o conflito, a expectativa dos movimentos sociais é o

fortalecimento e atendimento de suas aspirações. Nas palavras de Honneth (2003, p. 258),

Sentimentos de lesão dessa espécie só podem tornar-se a base motivacional de

resistência coletiva quando o sujeito é capaz de articulá-los num quadro de

interpretação intersubjetivo que os comprova como típicos de um grupo inteiro;

nesse sentido, o surgimento de movimentos sociais depende da existência de uma

semântica coletiva que permite interpretar as experiências de desapontamento

pessoal como algo que afeta não só o eu individual, mas também um círculo de

muitos outros sujeitos.

Diante das muitas violências dispensadas no espaço educacional, desenvolver e manter

algumas habilidades são formas de luta por reconhecimento, uma luta social, mesmo que

muitas vezes se apresente de maneira individual, pode ter uma representatividade grupal.

O educador é posto a desafios todo o tempo, cobranças e mais cobranças, tarefas

burocráticas, excesso de atividades, preparação, execução, correção, atividades

extras... milhões de coisas. Às vezes sinto que estou lutando sozinha, que não tenho

ninguém por mim. Mas penso que poderia ser pior e então sigo enfrentando e

lutando, umas vezes com uma sensação de estar sozinha, de ser eu a incomodada.

(DÁLIA)

O encontro das características resilientes com o reconhecimento se dá na

tentativa de olhar de maneira integral para o sujeito, possibilitando-o e a si mesmo um

caminho de aprendizados, observação de valores, cultura, limitações, potencialidades e

capacidades múltiplas.

De tal modo, esperamos que, através da educação, seja possível incentivar nas

gerações mais jovens posturas compatíveis com os ideais da cidadania e do exercício

democrático: capacidade de tolerância, de se colocar no lugar do outro, de se orientar para o

bem comum, de ter responsabilidade pelo futuro, contribuindo para o processo formativo

integral.

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5.3.2.2.10 Estima e acolhimento

Segundo Branden (1988), uma avaliação positiva de si mesmo vai funcionar como um

sistema imunitário do indivíduo, garantindo força, resistência e capacidade de retomar. Os

indivíduos alcançam mais facilmente os seus objetivos se tiverem uma melhor autoestima,

pois assim estarão mais habilitados para lidar com as situações adversas (NUNES; TAP;

HIPÓLITO, sd). Nesta linha de pensamento, um indivíduo que tenha uma maior autoestima,

será mais resiliente, pois apresentará maior capacidade para processar contrariedades.

Parece que esse negócio é mágico, mas num é não. Demorei para entender que se eu

estou bem, se me conheço, se sei o que posso é mais fácil aceitar o problema do

outro. Não sou perfeito, mas me tornarei alguém melhor. (DIÁRIO DE GRATIDÃO

– JACINTO)

Para Barreira e Nakamura (2006), pessoas com habilidades mais resilientes

apresentam características básicas, como autoestima positiva, habilidades de dar e receber em

relações humanas, disciplina, responsabilidade, receptividade, interesse, tolerância ao

sofrimento e muitas outras. Em se tratando dos futuros docentes que desta pesquisa

participaram, podemos dizer que há uma tendência, após a internalização dos conteúdos, de

olhar para os alunos de modo integral, onde o coletivo tem espaço, ou seja, como diz Wallon,

é possível ver o aluno como uma pessoal completa, sabendo que o é para aquela ocasião e

estágio de sua existência, levando em consideração o contexto no qual o sujeito está inserido.

Guilhardi (2002) aponta que a estima é um sentimento produto de contingências de

reforçamento positivo de origem social, ou seja, o adolescente, ao relacionar-se, constrói sua

autoestima a partir de reforçadores sociais (atenção, carinho, afago físico, sorriso).

Muitas crianças e adolescentes que vivenciam no seu dia a dia práticas educativas

parentais inadequadas acabam tornando-se mais suscetíveis a construírem uma autoestima

deficitária ao não se sentirem especiais e amadas (WEBER, 2017).

Não conseguia entender realmente o motivo daquele garoto me abraçar toda vez que

eu chegava na escola, fiquei com medo, com tudo que acontece fiquei achando que

alguém podia pensar que era algo mais. Mas eu sempre falava com ele por onde ele

estivesse, perguntava pelos pais, como ele estava, nada que não fizesse com os

outros da sala, pelo menos os que permitiam, ouviam [...] só depois soube que ele

era bastante maltratado em casa. Mas apesar de tudo se esforçava muito na escola.

(DIÁRIO DE GRATIDÃO – TULIPA)

O acolhimento ofertado pelos educadores tem um significado especial em muitos

casos, visto ser uma fonte única de atenção e percepção do sujeito como tal, mas para isso

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280

voltamos a dizer que o educador precisa estar conectado consigo e ter a real noção dos seus

limites.

5.3.2.2.11 Autenticidade

Rogers (2001) salienta a necessidade da empatia e da autenticidade como pilares para

uma relação humana congruente, isto é, livre de máscaras e genuinamente sincera. Nesse tipo

de relação, professores e alunos têm a liberdade de se expressar, sem censura ou condições, de

modo que ambas as partes tenham condições de identificar pelas emoções do outro as

ressonâncias e os limites de seu próprio “eu”.

Nem tinha me dado conta do meu valor, quando um aluno meu chegou agradecendo,

dizendo o quanto tudo que eu fazia tinha sido importante na vida dele. Mas eu nem

sabia o que tinha feito. Foi o alerta mais que vermelho para mim. (DIÁRIO DE

GRATIDÃO – LAVANDA)

Essa, como todas as outras categorias abertas, faz parte de um grande conjunto que vai

nos levar aos caminhos da resiliência e reconhecimento de si. Cabe a cada educador assumir

seu lugar de direito compreendendo o papel que desempenha e suas implicações para os

processos formativos dos que permeiam sua jornada, encarando suas limitações, desejos,

vontades e possibilidades, respeitando, assim, sua condição de ser-no-mundo.

5.3.2.2.12 Formação integral

A formação que nos mobiliza está muito além dos bancos universitários, além da

instituição, de conteúdos alinhados e formatados a serem fatiados e distribuídos, tendo o

aluno a responsabilidade de aprender tais “conhecimentos” e a obrigação de ir em busca de

sua fatia. Está muito além de futuros docentes possivelmente doentes, entristecidos,

insatisfeitos com seu percurso de vida e caminhos que percorreu ao longo de sua jornada.

Buscamos uma interseção entre o eu, nós, isto e istos, em uma amplitude

multidimensional, onde cada camada tem sua potencialidade e é inserida na seguinte como

base e aprendizado, sem impossibilitar os retornos e os recomeços.

O docente que busca pautar sua formação em aspectos positivos, mobilizadores de

transformação, nas relações de reconhecimento, capazes de aceitar que existe uma enorme

diversidade no cotidiano escolar, precisando assim ter respeito e abertura para compreensão

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281

do outro e aceitação da condição inacabada do ser humano, tem grandes chances de promover

mudanças nos sujeitos, porém é muito mais comum acharmos docentes que por motivos

diversos perderam a crença no poder da educação.

O professor não tem noção do papel tão importante que ele tem na vida do aluno,

não sabe a figura representativa ativa que ele é para os alunos. Um professor que não

tenha resiliência em si, não sabe lidar com a realidade maior e não tem uma prática

aberta é um professor extremamente autoritário, um professor que não estabelece

uma relação próxima com o aluno. Muito difícil abrir mão do poder para uma outra

visão de docência. (LÍRIO)

Maddi e Khoshaba (2005) afirmam que a resiliência permite que as pessoas enfrentem

situações arriscadas de maneira corajosa, transformando as adversidades em oportunidades.

Que as pessoas olhem para suas adversidades e possam enxergar possibilidades.

Quando entramos na universidade, temos uma ideia muito romântica do que é ser

educador, no decorrer do curso você percebe através de todos esses processos de

rejeições ou até as várias dúvidas plantadas sobre sua escolha, competência,

atitudes... fui muito perseguida na escola que trabalho por ter outra forma de

trabalhar com meus alunos. Eu pedia material para uma atividade lúdica, sempre

ouvia não. Pedia para remanejar uma aula com outro professor, nunca era possível,

muitas coisas, mas a turma foi entendendo meus esforços e fomos criando saídas

legais para nossos desejos não ficarem aprisionados... o mais difícil foi quando

alguém questionou meu profissionalismo [...] naquele momento tive vontade de ir

embora, sem olhar para trás, mas não pude, tinha todas aquelas crianças em quem eu

havia despertado o desejo de sonhar. Ainda hoje é barra, mas sinto que evoluímos, e

continuo criando saídas. (ANIS)

A ideia de aprender com as adversidades vai mobilizando crescimento nos indivíduos,

que aos poucos vão se permitindo cada vez mais enfrentar os desafios.

Para Bedani (2008), o indivíduo desenvolve-se, cresce, prospera de forma criativa e

adaptável quando se possibilita a transformar em algo positivo os sentimentos advindos de

experiências em constantes mudanças, pressões e exigências, não só no âmbito pessoal, como

também no profissional.

A educação como a formação humana, na perspectiva de multidimensionalidade e

reconhecimento do ser integral, conforme Röhr (2010), requer incluir todos os esforços

educacionais na preparação do educando para encontrar a sua espiritualidade; no entanto, esta

só se realiza de fato quando o educando assume a sua busca de forma autônoma. Quando este

é possibilitado a assumir-se enquanto sujeito, facilita os demais processos no qual ele se

inserir, vivenciar, escolher estar.

Muita dificuldade de entender como a resiliência poderia colaborar no processo

formativo. A temática veio no momento certo em minha vida, de fato não conhecia

nada sobre o assunto e estava longe de ser uma pessoa resiliente, de me perceber

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podendo ser pelo menos. Para mim que nunca via com olhar positivo, de superação e

tudo era motivo de dificuldade, medo e consequentemente as muitas não realizações

[...] a partir do que fui escutando, vivendo, sentindo, porque dói bastante, eu pude

me achar, me conhecer, saber quem sou e o que quero. Bastava de tanto agradar todo

mundo e não me agradar. Estou perdendo amizades, algumas pessoas não entendem

e fazem cara feia, me julgam de egoísta, mas estou aprendendo a lidar com isso, e

me cuidar mais. Estou sendo mais feliz, mesmo quando dói. (ORQUÍDEA)

A proposta desenvolvida no processo de promoção de resiliência nesta pesquisa visou

ofertar uma experiência de prática educativa que conhecesse a complexidade humana, a partir

da inclusão de práticas e exercícios e reflexões que contemplem e valorizem cada dimensão,

inclusive a espiritual, assumindo um contexto integral.

Sob a perspectiva histórico-dialética, a noção de resiliência é ampliada, reconhecida

como um processo pluralista e que envolve tanto o indivíduo quanto tudo que o cerca. Desse

modo é um processo também interativo, que possibilita ao indivíduo explorar recursos que

mantenham seu bem-estar ao passo que os ambientes aos quais tal indivíduo pertence, quer

sejam físicos ou sociais, são capazes, de maneira suportiva, de oferecer esse bem-estar com

base nos mecanismos existentes e possíveis (YUNES, 2003; LIBÓRIO; UNGAR, 2010;

COIMBRA; MORAIS, 2015; SAKOTANI, 2016).

Isso no âmbito educacional pode interferir na vida dos professores assim como na dos

alunos, que por vezes podem levar para suas casas, famílias, comunidades e assim sair

reverberando. Não é algo instantâneo ou rápido de acontecer, mas a promoção contínua da

resiliência em espaços educacionais fala de plantar sementes que talvez não vejamos

florescer.

É como uma árvore que plantamos no quintal da casa que julgamos ser o local onde

vamos estar a vida inteira e por motivos diversos precisamos ir embora e nunca vemos ou

sentimos sua sombra, mas a certeza de sua existência e dos benefícios por ela gerado já

colaboram como o processo de transformação.

Quase me formando, pouco ou nenhum acesso a essa temática e penso se não seria

possível, nos próximos semestres que me restam, repetir, rever, participar

novamente, acompanhar, qualquer coisa que me faça estar aqui e em contato com

esse conteúdo. Uma certeza de que posso ser um@ educador@ melhor. Certo, não

serei perfeita, nem quero, mas posso me valer de habilidades, características, valores

para nem me tornar um docente doente, nem adoecer ninguém com as minhas

problemáticas. (DÁLIA)

Deste modo, a resiliência vai tecendo suas contribuições na e para educação, vai

desmistificando o lugar do professor como um ser inatingível, dotado de todo conhecimento

sobre o que se propõe ensinar, sem defeitos, erros, avarias e que é neutro a toda e qualquer

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expressão ou reação positiva ou negativa a seu respeito. Trata-se da abertura do olhar para os

diversos espaços, interior, exterior, individual e coletivo, que nos perpassam e as

possibilidades que tal abertura propiciaria para uma visão integral.

O importante, na formação docente não é a repetição mecânica do gesto, deste ou

daquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da

insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser “educado”, vai gerando a

coragem (FREIRE, 1997).

Encarar que ser educador não é algo diminuto, pequeno, sem valor, apesar de todas

as adversidades que enfrentamos e enfrentaremos, devido à não valorização da

educação, me faz sentir melhor. Estou mais leve, não mais feliz, mas pelo menos

não carrego mais as pedras que vinha arrastando e agora vai ter mais de mim no meu

exercício docente. Ainda tenho que melhorar muito, mas acho que estou

caminhando. (LÍRIO)

Tomamos emprestado de Francisco e Coimbra (2019) a ideia de resiliência em-si

como o reflexo, imediato, da adaptabilidade ao contexto social. O termo “em-si”, utilizado

para designar a resiliência em-si, advém das produções de Duarte (1999, 2007). A estrutura

das objetivações genéricas, em níveis (em-si e para-si), reflete o grau de humanização

alcançado pelos homens ao longo da história. No espaço educacional, podemos dizer que

reflete o grau de entrelaçamento entre a resiliência e a educação no processo de humanização.

Não está na guisa deste trabalho, mas autores como Wallon (2008) e Ferreira (2010),

no campo da educação, vêm nos mostrar que relações perpassadas pela afetividade

contribuem mais para os processos de formação, nos quais o sujeito torna-se pessoa, podendo

assumir suas limitações, desejos, faltas, medos, angústias, dificuldades. O que indica um

processo para além da formação da meramente cognitiva.

Depois dessa tessitura toda apresentada, vamos mostrar a rede, o resultado ou os

emaranhados que nos levou à construção dos quadrantes da resiliência integral.

5.4 A RESILIÊNCIA INTEGRAL NOS QUATRO QUADRANTES DO KOSMOS: um

panorama geral, uma compreensão, uma visão

Nesta seção, faremos uma construção dos quatro quadrantes através das lentes da

resiliência na formação humana integral de futuros docentes. Uma tentativa de demonstrar os

nossos achados, contribuições e limitações acerca da contribuição da resiliência no processo

de formação humana na perspectiva integral.

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Relembrando que, para Wilber (2007a, 2008), a integralidade traz consigo a ideia

ampliada das relações internas, externas e com o meio. Com isso abarca a cultura, sociedade,

o público e o privado, as leis e regras sociais. Neste ponto, tecemos um diálogo com Honneth,

em suas esferas e nas lutas sociais, que se dão por formas de não reconhecimento dos sujeitos.

Essas lutas trazem consigo o enfretamento das adversidades diversas, levando o sujeito, ao

nosso ver, a olhar para o outro de maneira mais ampla, com as vinculações possíveis e

cabíveis para melhor ser-no-mundo, podendo alcançar outro nível de consciência e almejar

uma prática que transforme que unifique/integralize e fundamentalmente sem uniformizar.

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Figura 48 – Os quadrantes pela ótica resiliente

Fonte: A autora (2019)

A figura acima é a demonstração gráfica do que nossos olhos e mente puderam

capturar dos enredamentos entre a resiliência, o reconhecimento e a abordagem integral de

Ken Wilber no processo da formação humana. Com ela, queremos demonstrar que tudo está o

tempo todo relacionado, que não há uma separatividade, que todos os quadrantes, linhas,

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estados, tipos e níveis estão interligados e de algum modo são afetados e se coafetam, assim

como afetam o outro, o meio, a comunidade, o todo.

Para nós, ficou claro que resiliência integral, engloba dimensões que outros vários

autores não mencionam, mas que de alguma forma interferem nos movimentos de

enfretamento das adversidades. Dar conta dessa ampliação denota uma nova forma de ver o

mundo, traz uma dúbia possibilidade que devemos nos atentar sempre: 1) não deixar de olhar

para si e a relação interna com a adversidade, responsabilizando o outro; mas 2) não achar que

toda adversidade é decorrente de si e de suas limitações. Todos somos dotados de limitações;

reconhecer esses patamares nos leva a uma clareza de ação e lucidez quanto às nossas

possibilidades.

Partindo da nossa definição de resiliência integral, essa tal disponibilidade de enfrentar

a si, os outros e as dificuldades surgidas ao longo do caminho de vida, numa tentativa de

superação das adversidades atrelada a um aprendizado, sempre respeitando suas limitações,

reconhecendo a cultura, buscando estar inserido nos contextos bio-psico-sociais da época, foi

constituída através desse olhar.

Para melhor compreensão, vamos tecer nossas considerações a partir de cada

quadrante de Wilber, visando a um melhor entendimento do leitor. Ao final, faremos os

entrecruzamentos que vivenciamos e acessamos, mas de antemão já anunciamos nossas

limitações quanto às possibilidades reflexivas, cabendo analisar os dados capturados por nós,

sabendo que este universo não tem fim.

5.4.1 Dimensão subjetiva (as experiências educacionais): ausência de reconhecimento,

cuidado de si e suas consequências na formação humana

A compreensão integral da resiliência a partir do quadrante do Eu engloba o cuidado

com os níveis do ser e do conhecer que incluem o emocional e sentimental, mental e

espiritual.

O nível emocional pode englobar “uma série de práticas educativas que visam

aprender a manejar as emoções através de um trabalho formativo que promova

inteligência emocional através do uso da arte e da expressão criativa”. (WILBER,

2006, p. 260).

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Ela trata diretamente da parte interior individual do fenômeno investigado, do qual

emergem as experiências individuais, sensações, impulsos, emoções, sentimentos,

pensamentos, intenções etc.

Neste quadrante, emerge o que é da ordem do subjetivo, do eu, o intrínseco do interno.

Aqui alimentamos de certo nosso ego, damos vazão aos conteúdos mais internos, mas que são

extremamente particulares. Mesmo que sejam similares a de outrem, são individuais, pessoais

e estão numa dimensão em que o questionamento quanto a determinadas dualidades não

cabem, não fazem sentido ou não levam a conclusões plausíveis.

Nosso intuito neste quadrante, através da ótica da resiliência integral, era fazer com

que cada um pudesse olhar para esse interior e perceber o que havia guardado, acumulado e

poderia ser posto à mesa; através da perspectiva integral, onde estamos em relação conosco,

com o outro e com o meio, afetando e sendo afetados a todo instante.

Com os exercícios propostos na experiência formativa, neste quadrante encontramos

com facilidade a ausência de reconhecimento, cuidado de si e suas consequências na

formação humana.

Os participantes demonstraram dificuldades de reconhecer-se, assim como reconhecer

o outro, porém era perceptível a luta social e o desejo de tornar-se visível.

Às vezes tenho a sensação de que não somos nada, não valemos nada, não existe

nada que fazemos para que o outro nos veja. Mas, também, confesso não sou uma

pessoa que enxergo o outro. Sei lá faço o meu, entro dou minha aula, cumpro

minhas obrigações e vou embora, nem fico muito de conversinha. Acho que nem sei

o nome do povo do trabalho direito, sei os mais próximos. (Diário de Gratidão –

ORQUÍDEA)

Como mostra a fala acima, assim seguimos em diversos espaços, uma luta social

constante que pulsa muito mais no não reconhecimento, como uma antítese desejando tornar-

se aceita. Para tal acontecimento, vislumbramos Honneth (2009), que diz que pela relação

amorosa os sujeitos reconhecem-se numa reciprocidade de um saber-se-no-outro na medida

em que constroem um conhecimento partilhado intersubjetivamente pelos dois acerca de si

mesmos no outro.

Este reconhecimento vai proporcionar ou facilitar o cuidado de si, bem como o olhar

para o seu espaço corporal, mental, sentimental, emocional, com a finalidade de sabermos

nossos limites e guiar nossos passos, podendo, assim, denotar as possibilidades e buscando

diminuir o sofrimento, as adversidades, o adoecimento e as violências internas que são

cometidas por nós mesmos.

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Autoconhecimento, formas de reconhecimentos, instituição de limites e possibilidades,

aliadas a uma visão das três esferas de Honneth, podem resgatar ou trazer a autoconfiança,

autoestima, autocontrole, que geram segurança e empoderamento do sujeito, podendo levar os

sujeitos a níveis mais sutis de desenvolvimento.

Empoderamento é ir além da hominização, é a não aceitação dos determinismos e

reducionismos ideológicos, é crescer em todos os aspectos citados por Wilber, relacionando-

se e tecendo seu caminhar. É também ir além da detenção do poder pelo poder, mas usar esse

poder em prol do autocrescimento e crescimento coletivo na abrangência possível.

No espaço da formação humana, empoderar-se é tornar-se si-mesmo, através do

processo educativo destinado a colaborar com os sujeitos a desenvolver conhecimentos,

habilidades, atitudes e autoconhecimento necessários para assumir efetivamente a

responsabilidade com as decisões acerca de si mesmo e todos os âmbitos de sua vida

(JARDIM; FONSECA; SILVA, 2019).

Para alcançar maiores habilidades e o empoderamento em si, é fundamental melhorar

a capacidade das pessoas de compreender e gerir sua própria vida, negociar com diferentes

atores que fazem parte da sua vida, encontrando o seu caminho na complexidade dos sistemas

constituintes do ser-no-mundo. Nesse aspecto, é inegável a contribuição do acesso aberto para

a disseminação do conhecimento, não apenas para que o sujeito busque voluntariamente

informações relacionadas à formação, mas principalmente para que os diversos sistemas que

coexistem no Brasil — público e privado, formal e informal — possam incentivar e

desenvolver práticas educativas de acesso às informações.

5.4.2 Dimensão objetiva (o comportamento educacional): campo da fisiologia, anatomia,

neurofisiologia, ciências comportamentais - relação do sofrimento e a realização no

exercício docentes

Esta dimensão corresponde ao quadrante superior direito que envolve o

“comportamental”. Ela trata diretamente da parte exterior individual do fenômeno

investigado, no qual emergem características como tamanho, cor, peso, disposição,

localização, comportamento etc.

Tão estranho pensar no meu corpo como um todo, para mim sempre pensei na

minha voz, mãos e olhos, o resto tudo certo, achava que poderia falhar. Você foi

provocante e bagunçou as coisas aqui dentro. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

PETÚNIA)

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A dimensão individual externa expressa, objetivamente, nossa experiência individual

interna, através das manifestações do nosso corpo, dos nossos sistemas fisiológicos (nervoso,

circulatório, respiratório) e do nosso comportamento psicossocial. São elementos que podem

ser estudados objetivamente, via meios de mensuração.

Dessa forma, nosso foco foi provocar o reconhecimento de cada participante quanto à

essa dimensão, visto que o mal-estar docente é uma crescente nos dias atuais. O corpo é um

ente negligenciado por grande parte dos que o detém; no campo educacional, parece não

sobrar tempo ou não se dar a devida importância ao corpo, mesmo sendo ele o principal

instrumento de trabalho dos educadores.

Com nossos encontros, passei a me dar conta de quanto eu não cuido dele, do meu

corpo, fui lembrando que há anos não vou ao dentista, não fiz exames pelo menos

nos últimos três anos e olha que já não sou tão novinha assim... exijo demais dele

algumas vezes, mas não tenho dado muito em troca. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –

JASMIM)

A ideia era proporcionar aos sujeitos um caminhar para si, um (re)descobrir-se, como

proposta de conhecimento de si, propiciado, estudado e investigado nessa pesquisa.

Pretendíamos fazer com que os sujeitos compreendessem o valor do corpo, do físico, as

possíveis fontes de adoecimento e estadia nas muitas doenças que ao longo do exercício da

profissão podem acometê-los.

Mesmo tratando-se de um quadrante objetivo, a resiliência pode contribuir para que os

sujeitos possam compreender através das experiências vividas e construídas ao longo de suas

vidas. As adversidades advindas do corpo físico, da matéria, como classifica Wilber, podem

estar carregadas de crenças negativas que perpetuam como uma condição da profissão. É

preciso tomar consciência de que este reconhecimento de si mesmo, das dores e dos motivos

de manutenção das mesmas pode ser um caminho para a transmutação, dando lugar a vozes

que podem lutar e transformar as condições pré-existentes.

O tempo era curto, estágio em horário integral e faculdade à noite, finais de semana

para estudar, colocar a vida em dias e tal, nunca achei que pudesse me acontecer

nada. Até que um dia em plena sala de aula eu tive uma vertigem, sei lá o que foi,

caí e só me lembro de estar sendo socorrida [...] parei porque minha máquina parou.

Tranquei um semestre, perdi o estágio e ganhei uma coleção de coisas, hoje me

pergunto se vou seguir nessa profissão. (DIÁRIO DE GRATIDÃO –AMARILIS)

Refletir sobre suas histórias, vivências e lutas se torna um instrumento para auxiliar os

professores a tomarem consciência das determinações que pesam sobre sua maneira de estar

no mundo, além de possibilitar o conhecimento dos seus limites e colaborar nos processo de

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reconhecimento, nas lutas sociais e no comportamento psicossocial, de modo que,

descobrindo suas determinações, abrem-se outras possibilidades para o enfrentamento das

adversidades.

5.4.3 Dimensão intersubjetiva (a cultura educacional): dons circulantes com a

constituição de redes de apoio social – reestabelecendo relações saudáveis

Esta dimensão corresponde ao quadrante inferior esquerdo, que comporta o “cultural”.

Ela trata diretamente do interior coletivo do fenômeno investigado, onde emerge a cultura,

valores compartilhados, sentido difundido, crenças etc.

Esse foi um eixo delicado de sentir, apesar de ser tão intrínseco à nossa condição

humana de existir, vez que as relações são presentes até quando não nos relacionamos

diretamente. Uma forma indireta de estar no encadeamento. Foi nítido ao longo de toda

pesquisa perceber através de todos os outros instrumentos utilizados, de alguma forma,

tamanha dificuldade de estabelecer, compreender, pertencer e estar nas relações, de fazer

parte e/ou construir a cultura educacional, assumindo por vezes características,

operacionalizações caquéticas e ultrapassadas, devido ao receio de provocar mudanças

internas e externas.

Ação de listar, de descrever, de relatar; descrição, listagem. Vínculo afetivo;

relacionamento. Estabelecido por comparação; em que há semelhança: relação entre

uma coisa e outra; Conexão existente entre duas grandezas, dois fenômenos: relação

entre causa e efeito; Ato de narrar; narração: relação do naufrágio. (DICIONÁRIO

ONLINE DE PORTUGUÊS, s.p.)

Os que fazem o campo educacional têm feito esforços para integrar construtos

motivacionais — crenças de autoeficácia, atribuições de causalidade, metas pessoais,

autoconceito e autoeficácia — com os conceitos de estratégias de aprendizagem,

metacognição e aprendizagem autorregulada, gerando importantes contribuições para a

formação de professores, contribuindo para uma abertura e ampliação do quadrante inferior

esquerdo e das relações que o permeiam (BORUCHOVITCH, 2014).

Wilber vai abrigar neste quadrante a intenção em aprofundar as relações que falam da

cultura, do intersubjetivo, valores, significados, visões de mundo e ética que são

compartilhados por um grupo de indivíduos. Sua linguagem seria a linguagem do nós, de

como nos arranjamos para nos relacionar harmoniosamente.

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Nessa perspectiva, tratando-se do grupo, foi perceptível a dificuldade encontrada de

estar em relação com o outro, de respeitar os valores, a cultura. O que é diferente incomoda,

não é correto, além de gerar bastante estranheza, dificultando as relações diversas.

Eu confesso que essa questão é muito, muito, muito difícil. [...] Na relação com o

outro, eu vou ser bastante sincera, eu não consigo pensar em muita coisa não, pois

quando eu penso a relação eu e o outro, me vem na maioria das vezes a sensação de

um jogo de interesses, a pessoa sempre querendo algo de você, e como eu falei não

podemos perder o tempo em ser um super-herói de ninguém, senão acabamos

magoando alguém, nesse caso é melhor cuidar de mim. Fica difícil às vezes porque

não concordo com o outro, não acho certo o que ele faz e pensa, aí aqui dentro da

universidade, pessoas assim me afasto. Já me enganei, mas para não correr risco,

continuo assim. (ORQUÍDEA)

Essa fala é só um pequeno exemplo do que a normatização tende a fazer, uma

exclusão em um espaço onde deveríamos ser os primeiros a buscar incluir. Esse movimento

excludente gera a falta de reconhecimento. E como relacionar-se sem reconhecer o outro?

Para Honneth, a luta por reconhecimento só se manifesta quando um sujeito ou um

grupo social experimenta o desrespeito. Contudo, não se trata apenas das manifestações

públicas, mas também daquelas lutas que não se manifestam linguisticamente, uma vez que

podem ser até mesmo pré-comunicativas. Quer dizer, o desrespeito é um sentimento que pode

tornar-se público ou não. O importante para Honneth é entendermos a luta como um processo

originado pelo sentimento de desrespeito. A origem da luta encontra-se na percepção pelo

sujeito dos bloqueios para a sua autorrealização.

No início do curso me senti muito mal, senti que em algumas atividades não fui

respeitada, senti uma exclusão. Fiquei pensando que era por não ter não ter

proximidade com muitos do grupo, mas depois fui vendo que as pessoas estavam

interessadas em si e pronto, terminei com uma sensação melhor, talvez tenham

mudado, ou talvez eu tenha mudado a percepção de mim. (ANIS)

E as relações estão muitas vezes pautadas na necessidade, no movimento de estar com

o outro, mesmo que isso não implique laços afetivos, de bem querer. Precisamos deixar claro

que as relações que aqui se evidenciaram trouxeram aspectos do campo pessoal e

principalmente profissional, como podemos verificar no texto abaixo que se refere ao

quadrante intersubjetivo de Wilber – o nós.

Este quadrante nos relembra que aprendemos a pensar, a sentir e agir fortemente

influenciados pelos sentidos e significados que adquirimos no conviver e fomos

afetados pelas crenças sociais que indicam as formas de nos relacionar tanto conosco

quanto com os demais. Assim, esse e o campo onde podemos examinar sobre quais

as sensações intersubjetivas comuns do grupo, as expressões verbais e não verbais

do coletivo, onde aprendemos os valores e sentimentos compartilhados sobre a

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família, sociedade, comunidade, educação, crescimento humano, entre outros.

(SANTOS, 2013, p. 98)

Quando falamos no quadrante NÓS, fica difícil pensar esse nós sem um nó, no sentido

de elo e não de problema. Nos espaços formativos, as atividades estão distribuídas de modo a

todos os profissionais estarem de alguma maneira ligados. Isso não implica afetividade,

porém provoca uma necessidade relacional que muitas vezes está carregada de sentimentos

negativos, inveja, raiva, discordância pessoal, que não são relevados e perpassam as ações e

transbordam nas ações, quiçá respingando nos alunos e/ou em outros profissionais.

Chegar naquela escola e imaginar aquelas pessoas, que me fazem mal só de estarem

lá. Não concordo com a forma de tratamento dispensado aos alunos, o lugar que se

colocam, isso me aborrece, tira do sério mesmo. Vejo quantas vezes minhas

atividades não deram certo, sempre acontecendo alguma coisa, até que resolvi agir

da mesma forma, ou pior, cheia de raiva, eu fazia tudo que podia para as coisas deles

darem errado. Não mudei muito, mas hoje encaro com naturalidade o pensamento

ruim que tenho algumas vezes. (LÍRIO)

O posicionamento de Honneth, com a questão do reconhecimento e suas implicações

que desembocam na maré das relações, nos provoca a pensar e voltar para as memórias da

resiliência, que nos leva ao contato, reconhecimento, superação e aprendizado através das

adversidades vivenciadas.

As relações sob a ótica da resiliência são, para nós, uma visão integral que traz todo o

interno assim como o externo, numa espiral, caminhando por todos os níveis, linhas, estados e

tipos da perspectiva AQAL, o que, de forma mais resumida, nos diz que há afetividade,

avanços e limitações da ciência, responsabilidade com o outro, o meio e o todo.

Para nós, diante desta pesquisa, ficou claro que a resiliência vai assumir um lugar nas

relações, viabilizando suas existências, mesmo que elas não sejam as desejadas. Como nos diz

Labronici (2012, p. 631),

A resiliência é um processo de mobilização interna que desencadeia um movimento

de rupturas e de abertura existencial em direção ao outro, com o intuito de ser

ajudado, de transcender a experiência vivida e encontrar um novo sentido para a

existência, mesmo que provisório.

Ao pensarmos nas relações no espaço de formação docente, logo nos vem à mente a

ideia de troca, de estar em movimento contínuo; voltamos a insistir, não prejulga a

afetividade, porém se faz necessário o reconhecimento do outro enquanto sujeito e dotado de

possibilidades.

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293

5.4.4 Dimensão interobjetiva (os sistemas educacionais): o cosmos, suas limitações e

implicações para formação humana

Esta dimensão corresponde ao quadrante inferior direito que comporta o “social”. Ela

trata diretamente do exterior coletivo do fenômeno investigado, no qual emergem as

macroestruturas, os grupos sociais, os comportamentos partilhados, as organizações sociais, a

infraestrutura, os espaços etc.

Nessa esteira, Yus (2002, p. 43) adverte que a escola é uma organização e que se

comporta como um ser vivo, e, para uma pesquisa

[...] não pode ser compreendida ou descrita somente em termos de suas partes, mas

unicamente em termos das relações existentes dentro dela, e entre ela e o ambiente

externo.

Aqui nossa busca era perceber como a resiliência poderia colaborar com os processos

de socialização, manutenção e permanência das instituições e sistemas educacionais e assim

também fazer vir à tona as discrepâncias e a forma como em cada espaço os educadores se

comportam e caminham.

Uma escola onde nada funciona só pode ter os professores desestimulados, doentes,

tristes, era assim que eu pensava. Nunca que eu achei que assim eu estava

reforçando tudo de ruim. Cadeiras eu não sei consertar, a estrutura física não tenho

como mudar com meu mísero salário, mas posso cativar os alunos, os pais a

fazermos algo. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – HORTÊNCIA)

A escola pública, em geral, tem sido muito depreciada, desgastada, associada a mal-

estar docente, além de encontrar-se sucateada das mais diversas formas. O acesso às escolas

privadas tem se tornado cada vez mais caro e difícil diante de nossa conjuntura político-

econômica.

A resiliência pôde colaborar para uma ampliação da consciência frente ao meio no

qual estamos inseridos, sugerindo um enfrentamento da realidade. Através da perspectiva

wilberiana de hólon, todo o coletivo pudemos sensibilizar quanto à ideia de responsabilização

coletiva, ou seja, todos de alguma forma estão comprometidos positiva ou negativamente com

o ambiente, o funcionamento, as transformações possíveis.

Não consigo pensar que reproduzimos tanto essa ideia de que tudo é

responsabilidade do outro, da gestão, do governo, e não me dei conta de que ajudo a

escola continuar do mesmo jeito. O clima é pesado, sei lá, não tenho vontade de ir

dar aula, tem dias que nem o básico do básico tem. Tudo quebrado, enferrujado,

velho. (DIÁRIO DE GRATIDÃO – IRIS)

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Não estamos desta forma transferindo ou agregando mais peso ou funções aos

professores, mas estamos chamando a atenção para o que cada um pode fazer, o quão

comprometido com aquele espaço eles estão, como eles podem contribuir para não perpetuar

o sistema.

Assumimos a luta social de classes tão difundida por Honneth como uma forma de

enfrentamento das adversidades e reconhecimento de si, onde não há espaço para ficar

esperando apenas que o outro reconheça suas habilidades, potencialidades, valores. É preciso

lutar por esse reconhecimento, resistir, buscar transformar espaços mesmo que minimante,

tornando-os possíveis de abrigar o criativo, produtivo, espaço onde o outro possa ser visto

como sujeito.

A grande maioria dos nossos problemas é de natureza ontológica e epistemológica.

Concordamos com Moraes (2008, p. 90) quando diz: “como seres humanos, estamos todos

absolutamente vulneráveis em nosso processo de ser/conhecer/viver/conviver.” O autor

acrescenta ainda que as concepções teóricas atuais giram em torno de um conhecimento

paradigmático de natureza sistêmica para explicar o funcionamento do mundo, da vida e do

homem.

Apresentamos essa análise por meio dos quadrantes, trazendo pontos principais de

uma experiência formativa e o quanto ela pode produzir transformações mínimas que seja nos

sujeitos participantes, mas lembramos que a vida não é traduzida em quadrantes, ou seja, tudo

isso acontece sistematicamente o tempo todo e concomitantemente. Não há separatividade,

podendo em alguns momentos tornar-se pesado ou impossível aos olhos dos que fazem

educação. Voltamos, então, a lembrar que as habilidades resilientes não nos torna super-heróis

ou imbatíveis, capazes de um enfrentamento dos problemas sempre, obtendo resultados

positivos a todo custo. Não é bem assim. Os limites estão e são postos primeiro por nossa

condição humana e por toda a relação estabelecida na condição ser-no-mundo-com-o-outro.

Desta forma, a formação humana segue o fluxo das possibilidades de cada um, sendo a

ele apresentados os elementos, capturando aquilo que é possível. Enxergar a formação

humana como o desvelar fenomenológico individual, particular, também é uma forma de

compreender a ação da resiliência integral permeada pelo reconhecimento de si.

Assim, pensar formação humana no viés das lentes da resiliência integral é perceber

modos de enfrentamento das adversidades — lembrando que nem sempre acarreta em uma

ação, algumas vezes o enfrentamento se dá pela ausência da mesma —, sejam elas quais

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forem, como um processo que coemerge das relações entre os aspectos intra, inter e

transpessoais, havendo uma participação colaborativa entre eles.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, continuamos a refletir sobre o fenômeno da resiliência na busca de

evidenciar visões abrangentes sobre esta temática e propor uma conceituação para o entrelace

entre a temática e a perspectiva integral, tudo isso voltado para a área da educação como na

psicologia, no intuito de lançarmos luz sobre a possibilidade de potencializarmos o

reconhecimento de si e a promoção de capacidades e habilidades resilientes de futuros

docentes, hoje estudantes de curso de pedagogia.

Indicamos que a resiliência não deve ser considerada de maneira estática ou fixa, pois

diz respeito à interação entre o indivíduo e o meio de modo participativo e cocriativo,

desenvolvendo-se em um processo dinâmico, complexo e plástico, capaz de oferecer

subsídios para o processo formativo em todos os quadrantes.

Mergulhamos de cabeça nas produções cientificas sobre a temática da resiliência no

debate educacional e ainda encontramos um panorama marcado por um grande número de

estudos e pesquisas que discorrem sobre a sua utilização e/ou presença no processo de

enfrentamento do adoecimento, o mal-estar da docência ou como fórmulas mágicas de

resolução de problemas, prometendo algo que é impossível caso não haja transformações

interiores, ou seja, a resiliência não é um processo que surge do externo para o interno, e sim

algo que desabrocha internamente na busca de uma superação com apreensão de

conhecimentos e ações. Não podemos afastar a ideia de que o constructo resiliência está

intrinsecamente ligado ao estresse, à falta de reconhecimento, ao meio que se habita, ao social

que também tem grande interferência, além das adversidades que ocasionam distúrbios na

qualidade de vida dos profissionais da área de educação.

Como modo de ampliação investigativo do processo de estudo da resiliência, à luz dos

quatro quadrantes wilberianos e do reconhecimento, no intuito de apresentar suas

contribuições para o processo de formação humana integral de futuros docentes da

Universidade Federal de Pernambuco, buscamos investigar a noção de resiliência e

reconhecimento na experiência formativa intitulada Promoção de resiliência: reconhecendo-se

em si mesmo, nas relações e os processos para formação humana integral. Neste sentido,

percorremos uma trajetória investigativa e montamos uma oficina em que elementos

significativos pudessem ser trabalhados tanto no âmbito do reconheciment, quanto da

resiliência numa perspectiva integral, ampliada, com ênfase no exercício da profissão que eles

escolheram para si.

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Tínhamos como conduta construir uma estrutura significativa, através das leituras de

textos, de vários autores, manuais existente nessa perspectiva, experiências formativas ao

redor do mundo e encontros interventivos. Em uma conjunção de procedimentos

metodológicos, entrelaçamos a pesquisa MARES, significativa, que abarcava nossos desejos,

dando voz à pesquisa participante, em busca de significados que pudessem nos indicar

elementos relevantes à compreensão do fenômeno investigado.

Com a experiência formativa, os diversos conceitos apresentados e o embasamento nas

diversas fontes bibliográficas próprias, encontramos a noção de resiliência que nos fazia

sentido. Debruçamo-nos em outras fontes bibliográficas para compor o contraponto entre o

conceito apresentado por nós e o conceito em pesquisas da psicologia e da educação.

Partimos das noções de resiliência levantadas no mestrado e ampliamos essa pesquisa

de forma a chegar a uma “definição” de resiliência integral, a qual assumimos e, para nós, na

pesquisa e na vida, fazem todo sentido, uma vez que não estamos tratando de um efeito

mágico ou salvacionista. Não estávamos propondo um mundo sem problemas, e sim formas

de enfrentamento e aprendizado.

Mapeando pontos significativos, trouxemos a descrição de elementos e aspectos

importantes para o tema que nos levaram à concepção da noção de resiliência integral. E, sob

a lente de uma perspectiva mais ampla sobre o constructo, podemos perceber que ainda há

muito a ser desenvolvido, estudado e dimensionado. Há muito diálogo a ser estabelecido,

cruzamentos de investigações e ampliações de olhares para o fenômeno, podendo, assim,

tornar a resiliência integral algo mais visível.

Indicamos as relações nos quatro quadrantes wilberianos, de modo didático e

compreensível na relação com a resiliência: Dimensão subjetiva (as experiência

educacionais) - Ausência de reconhecimento, cuidado de si e suas consequências na

formação humana; Dimensão objetiva (o comportamento educacional) - campo da

fisiologia, anatomia, neurofisiologia, ciências comportamentais - Relação do sofrimento e a

realização no exercício docente; Dimensão intersubjetiva (a cultura educacional) - Dons

circulantes com a constituição de redes de apoio social - reestabelecendo relações saudáveis; e

Dimensão interobjetiva (os sistemas educacionais) - O cosmos, suas limitações e

implicações para formação humana; cada uma apresentando visões teóricas e concepções de

sujeito e mundo próprias. Contudo, deixamos claro que este é apenas um modo didático para

entendermos a resiliência e o reconhecimento, pois, na realidade, tudo acontece ao mesmo

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tempo e integrado, perpassando por entre as linhas, estágios, níveis e quadrantes de forma

espiralada e contínua.

A noção de resiliência integral assumida nesta tese é a disponibilidade de enfrentar a

si, os outros e as dificuldades surgidas ao longo do caminho de vida, em uma tentativa de

superação das adversidades atrelada a um aprendizado, sempre respeitando suas limitações,

reconhecendo a cultura, buscando estar inserido nos contextos bio-psico-sociais da época,

gerando uma capacidade consciente de encarar os problemas.

Em resumo, assumimos uma visão de resiliência integral, participativa,

multidimensional, processual, histórica, imersa em uma rede relacional complexa de fatores

subjetivos, objetivos, sociais e culturais, que nos habilita a inúmeras possibilidades de

modificações constantes.

Através do estudo da experiência formativa: Promoção de resiliência: reconhecendo-se

em si mesmo, nas relações e os processos para formação humana integral, elencamos as

principais contribuições para a formação humana de alunos de pedagogia da UFPE, sob o

nosso olhar, sendo elas: a aquisição e/ou constatação de habilidades resilientes capazes de

favorecer o reconhecimento e empoderamento do futuro docente, de modo a colaborar com a

diminuição de fatores que provocam a invisibilidade, adoecimento, desinteresse, várias

formas de violência e mal-estar na docência; permissão da construção ou ressignificação de

espaços integradores das dimensões pessoal e profissional; uso da criatividade frente às

situações adversas, resultando em manifestações positivas. Com a aquisição de habilidades

resilientes na perspectiva integral, é possível a construção e o desenvolvimento do bem-estar

pessoal e profissional, transitando pelas esferas de Honneth (amor, direito e solidariedade) e

alcançando o reconhecimento enquanto sujeito pertencente ao meio ou adquirindo habilidades

para persistir na luta social que a teoria indica; assim como o favorecimento da base do

contexto social, mediante constatação de redes de apoio.

Autoconfiança aumentada, propiciando um sucesso frente ao enfrentamento das

adversidades, possibilidades de reconhecimento de si e do outro, além da atuação como

balizador do estresse, na busca de sua diminuição; surgem a empatia, o autocontrole e a

autoeficácia.

A experiência foi constituída em 15 encontros, divididos em 8 blocos referentes aos

quadrantes e ao todo, num sentido integral, interligados e interdependentes que vão passo a

passo construindo o modo de funcionamento, visando proporcionar mecanismos de promoção

da resiliência e reconhecimento de si. O cerne da experiência formativa e sua estrutura,

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centrou-se na relação entre os quadrantes de Wilber, resiliência e o reconhecimento de

Honneth, favorecendo a ampliação e direcionamento a uma formação humana integral de

futuros docentes e buscando identificar todo e qualquer dispositivo que possa tirar o indivíduo

do seu objetivo.

Foram trabalhados, principalmente, autoconhecimento, autoestima, visibilidade e

invisibilidade (Honneth), reconhecimento emocional, corporal, atitudes, empatia, cuidado de

si através da esfera do amor; adoecimento do corpo físico e mental, traumas e suas

consequências para as relações, principalmente com a educação, também na esfera do amor; o

corpo no âmbito físico e os cuidados que são dados a ele; as emoções nas relações

interpessoais e os caminhos para visibilidade; a relação com o kosmos e as

responsabilizações; e por fim espaços educativos e suas limitações, como tudo isso afeta o

processo de resiliência integral.

Trabalhados todos os aspectos acima citados, surgiram os sentimentos e

comportamentos reativos; identificação e construção de redes de apoio na intenção de

enfrentar as adversidades, inspirando e possibilitando o indivíduo a alcançar seus objetivos;

estratégias avançadas de solução de problemas, lançando mão de técnicas sugeridas para

enfrentar e identificar os problemas, quais as possíveis condutas cabíveis, assumindo que,

quanto mais forem praticadas, mais internalizadas serão e atuarão com mais facilidade, quase

naturalmente; e treinamento de resolução de conflitos, focado em maneiras positivas de

resolução de conflitos, considerando que treinar pessoas para resolverem seus conflitos de

forma assertiva melhora seu bem-estar pessoal e autoconfiança, reduzindo a ansiedade ao

lidar com pessoas ao redor.

A intervenção nos mostrou que, estando contida em uma perspectiva maior da

resiliência integral, houve uma mudança significativa na forma de pensar e agir da maioria

dos participantes, percebidos através dos resultados quantitativos obtidos na análise do SPSS,

cujo indicativo mostrava que este grupo já tinha uma particularidade, pois todos os

participantes encontravam-se entre a classificação de média e alta resiliência. Os diários

foram também bastante significativos, vez que continham relatos profundos das adversidades,

angústias e traumas vivenciados, os quais puderam de alguma forma, através da experiência

formativa, ser repensados, olhados através de outras lentes.

A experiência formativa teve como foco o indivíduo e suas relações com o todo, o que

este pode fazer para tornar-se mais resiliente, conseguir enfrentar com maior destreza as

adversidades, tornar-se visível e capaz de reconhecimento, sendo percebida na intervenção

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uma mudança, uma interiorização de olhar para si, de preocupar-se consigo mesmo em

detrimento dos outros.

Na busca de apreender os efeitos percebidos pelos alunos, a intervenção se deu em

quinze semanas, nas quais os participantes foram esclarecidos quanto ao programa e a cada

encontro foram vivenciando as atividades sugeridas na experiência formativa, respeitando

sempre o grupo e cada um dos participantes.

Foi possível perceber um deslocamento nos pensamentos, sentimentos e

comportamentos dos participantes frente às adversidades, através das atividades sugeridas,

fazendo vinculações com o seu cotidiano pessoal e/ou profissional.

Com as entrevistas, encontramos doze categorias abertas, após a redução das unidades

de significados, que norteiam as respostas dos participantes, elucidando as nossas questões e

respondendo aos dois últimos objetivos específicos desta tese assim apresentados:

1) Enfrentamento, como esforços comportamentais e cognitivos voltados ao manejo de

um acontecimento - aprender a lidar com as adversidades, tornando-se mais suscetível para

encarar o enfrentamento, mais seguro e por vez com mais características resilientes; e

2) Transformação cooperativa - movimento e necessidade de mudar. Os participantes

relatam que sentem os processos que implicam principalmente a formação formal dentro da

instituição, ainda muito engessados, compilados por normatizações e regras muito duras, onde

algumas vezes o pensar parece fixo;

3) Possibilidades ampliadas - desvelar dos fenômenos nos processos de formação

humana; porém não é apenas deixar que emerjam, mas sim olhar de modo transformativo,

onde o velho perde um pouco da força e dá lugar a um novo, que traz modos diferentes de não

mais assujeitamento e sim de rompimentos de barreiras propiciando um crescer;

4) Compreensão e aprendizagem - compreensão não deve ser tida como algo

permissivo, banalizando o processo de aprendizagem, ou coisas semelhantes, e sim uma

possível do outro vir-a-ser sujeito em todas dimensões;

5) Superação e integração - indicativo de ação e movimento. Ideia de ultrapassar

barreiras, enfrentar problemas, ir além de crises, obstáculos. Superação não é apenas o

movimento de passar sobre, alcançar o resultado apenas, mas também a ideia de aprender com

a situação, problemas e adversidade enfrentados, vez que o simples fato de alcançar o objetivo

– resultado não implica um aprendizado, por isso propomos a integração, como forma de

apreensão do vivenciado;

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6) Ruptura dimensional - a promoção em si de deslocamento e ruptura de padrões

cristalizados em prol de um novo, de uma nova construção capaz de incluir outros fatores que

antes talvez não se fizessem presentes no âmbito social, educacional, emocional, psicológico;

7) Cuidado de si - implica trabalhar-se, construir-se, reconstruir-se, inventar e

reinventar a si próprio; assumir-se em seu projeto singular de existência;

8) Empoderamento - um processo individual e coletivo cujo objetivo é ajudar os

sujeitos a conduzirem as suas vidas e também a emanciparem-se; uma tomada de

consciência crítica com o engajamento crítico e político dos indivíduos e dos grupos; o poder

de ser e tomar suas decisões, ser dono de suas escolhas sendo capaz de sustentá-las e brigar

por elas;

9) Reconhecimento em si - apoia-se ideais da cidadania e do exercício democrático e

na responsabilidade pelo futuro, buscando olhar de maneira integral para o sujeito,

possibilitando-o e a si mesmo um caminho de aprendizados, observação de valores, cultura,

limitações, potencialidades e capacidades múltiplas;

10) Estima e acolhimentos;

11) Autenticidade livre de máscaras e genuinamente sincera - nesse tipo de relação,

professores e alunos têm a liberdade de se expressar, sem censura ou condições, de modo que

ambas as partes tenham condições de identificar pelas emoções do outro as ressonâncias e os

limites de seu próprio “eu”; e

12) Formação integral - caminho proposto para o desenvolvimento da prática

educativa que integre a complexidade humana, a partir da inclusão de práticas e exercícios e

reflexões que contemplem e valorizem cada dimensão, inclusive a espiritual, assumindo um

contexto integral e uma abertura, um novo olhar frente à profissão escolhida e o seu papel

enquanto educador. Houve uma percepção da necessidade de manter relações de

conhecimento de si e o outro, aluno e professor; um deslocamento na figura estritamente

bancária da educação. Novas possibilidades de enfrentar as adversidades da vida que em

alguns momentos chegam a causar impedimentos profissionais e/ou pessoais.

Segundo os participantes e as observações feitas, uma das limitações do programa

investigado é acontecer de forma esporádica. Diante disto, sugerimos que a temática possa ser

mais veiculada, pensada de forma a contemplar uma população maior, aumentando a

probabilidade de vivências, aprendizagem, possibilidades de internalização das habilidades

resilientes numa visão integral.

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Percebemos nas leituras, tanto em materiais bibliográficos situados em campos de

conhecimento específicos como nas vivências de práticas relacionadas à resiliência em um

curso de extensão formado por alunos do curso de Pedagogia, que alguns pontos convergentes

nos apontaram sentidos na apreensão da noção de resiliência e reconhecimento, bem como

suas contribuições para formação humana.

Reconhecemos que a abrangência metodológica por nós adotada, combinando

procedimentos de naturezas diferentes, nos permitiu uma visão ampla do fenômeno — pontos

gerais que compõem o conceito, aspectos teóricos e características das práticas. Entretanto, a

trajetória heterogênea com diversos caminhos a serem percorridos, o pouco tempo hábil e a

intensidade que as vivências poderiam tomar dificultou-nos tocar com mais profundidade

muitos aspectos que poderiam ser benéficos para os sujeitos, assim como desvelar ainda mais

o fenômeno.

No curso do caminho investigativo, nos encontramos com estudos e pesquisas

importantes que passaram ao largo de nossas análises, devendo ser incluídas em pesquisas

futuras para a constituição de um arcabouço teórico mais consistente sobre a resiliência e os

processos de promoção.

A estrutura utilizada na experiência formativa foi fruto de um projeto piloto de que

participamos anteriormente, no qual buscamos pluralizar, coletivizar, incluir o maior número

de possibilidades características dos possíveis participantes, bem como as mais variadas

demandas e adversidades, sabendo que, mesmo com todo esse esforço, seria insuficiente

quanto a uma totalidade de abrangência. Desta forma, podemos dizer que ainda é necessário

que outros vários grupos, em condições diversas, possam vivenciar a experiência para termos

um mapeamento das atividades, condutas e vivências norteadoras do trabalho, uma vez que o

que mais interesse neste tipo de pesquisa é o desvelar do fenômeno a partir do participante, é

a voz que ele traz e dá às suas experiências no tocante do processo de formação humana.

Vemos também a importância de pesquisas empíricas mais detalhadas que examinem

cuidadosamente os processos e práticas nas atividades educativas e que ofereçam

contribuições e sugestões mais ligadas ao fazer pedagógico. Talvez possam surgir pesquisas

que se aprofundem em um único quadrante ou esfera do reconhecimento e as relações entre os

mesmos, aprofundando, assim, os conhecimentos e suas implicações para a formação humana.

Esta pesquisa é a primeira que tece essa relação atrevida, porém bastante

significativa, entre a resiliência e o reconhecimento sob a luz dos quadrantes wilberianos, o

que não nos permite realizar comparações que ajudem a construir os saberes advindos dessas

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práticas e dar visibilidade ao que tem sido feito, no sentido de ampliar os conhecimentos

fornecidos pelo programa, bem como possibilitar uma aproximação com nossa realidade.

Estudos longitudinais seriam importantes para indicar a permanência da aquisição de

habilidades resilientes, os processos de reconhecimento e empoderamento apresentadas pelos

participantes, pois, como a resiliência não é um fenômeno fixo, questionamos o quanto esta

capacidade foi incorporada na vida dos participantes.

Vislumbramos possibilidades de seguir por esses rumos, renovando e ampliando

nosso trabalho investigativo. Uma vez que, com o estudo aqui apresentado, chegamos ao

ponto em que reconhecemos que a resiliência é participativa, cocriativa e que permite circular

nas várias dimensões como uma espiral que leva em consideração os momentos, o contexto

no qual está inserido, o aprendizado a cada enfrentamento e principalmente a ideia de que,

depois de uma experiência, não se é igual nunca mais. Contudo, nesta direção, ainda há muito

caminho a percorrer; este foi apenas o início de uma caminhada longa e sem fim, devido à

condição humana que assumimos desde sempre.

Chegamos, assim, a um ponto, em uma trajetória, que não se configura em um final,

mas um até breve, uma necessidade de encerrar as páginas que escrevo como cumprimento às

questões práticas da pesquisa e, também, como forma de divulgar os achados até agora. O

próprio constructo encontra-se sendo lapidado, entendido, olhado e estudado por diversas

frentes, não podendo assim considerarmos concluído.

O que damos por investigado aqui é o processo de análise da experiência formativa

sob a nossa leitura e participação, são as nossas lentes que descrevem o que foi visto,

apreendido enquanto pesquisadora. Como dissemos anteriormente, reconhecemos a

impossibilidade de esgotar a compreensão de um fenômeno. Ensejamos que novas perguntas

surjam através de outros olhares analíticos do programa, originando novas remontagens,

trazendo novas possibilidades no que toca a resiliência, sua promoção e formação humana.

Desejamos continuar as pesquisas nessa área como forma de resistência a práticas

políticas hoje apresentadas que visam a mecanização dos sujeitos, não sobrando espaço e

meios para o criativo, lúdico, empoderamento, reconhecimento e promoção da resiliência

como exercício na formação humana. Nosso desejo é colaborar de forma efetiva com o(s)

processo(s) formativos, buscando uma ampliação da população pesquisada.

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326

ANEXO A – ESCALA DE RESILIÊNCIA

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APÊNDICE 1 – MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO – TCLE, utilizado para adesão dos participantes na pesquisa de campo

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Nome do aluno (a) ______________________________________________________

______________________________________________________________ está sendo

convidado (a) como a participar da pesquisa: RESILIÊNCIA: UM CAMINHO PARA AS

POSSIBILIDADES DE RECONHECIMENTO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO

HUMANA DE EDUCADORES IES DO RECIFE/PE

O motivo que nos leva a estudar a promoção de resiliência face ao programa citado é o

grande interesse que o tema da resiliência vem suscitando no campo educacional, mostrando a

importância de se estudar as possibilidades de promoção dessa faculdade, em práticas e

atividades que colaborem com a formação humana. A pesquisa se justifica por haver poucos

estudos que tratem do tema no meio pedagógico, e pela necessidade da área da educação

promover debates sobre as concepções da resiliência e seus processos de aprendizagem e

cultivo.

O objetivo desse projeto é compreender como a promoção de resiliência em estudantes

da graduação de pedagogia de IES da Região Metropolitana do Recife, contribui nas

possibilidades de reconhecimento no que diz respeito a formação humana integral.

Para tanto, analisaremos uma intervenção baseada na MARES com estudantes do

curso de pedagogia da (nome da instituição), no intuito de descrever e avaliar a experiência,

buscando apreender os efeitos percebidos nos alunos de pedagogia da IES a partir do uso das

estratégias de promoção de resiliência

Essa análise será realizada a partir de uma observação participante. Destacamos que

não haverá risco algum para os participantes, as atividades ocorrerão em encontros com

quatro horas de duração uma vez por semana.

Você será esclarecido (a) sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar. Você é

livre para recusar a sua participação, retirar seu consentimento ou interromper a participação a

qualquer momento. A participação é voluntária e a recusa em participar não irá acarretar

qualquer penalidade ou perda de benefícios.

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A pesquisadora irá tratar a sua identidade com padrões profissionais de sigilo. Os

nomes dos participantes serão resguardados e, em hipótese alguma, haverá a exposição

indevida de suas imagens. Seu nome ou o material que indique sua participação não será

liberado sem a sua permissão. O participante será identificado (a) em nenhuma publicação

que possa resultar deste estudo.

Uma cópia deste consentimento informado será arquivada pela pesquisadora, em

conjunto aos materiais originados por essa pesquisa e outra será fornecida a você.

A participação no estudo não acarretará custos para você e não será disponível

nenhuma compensação financeira adicional.

Eu, _______________________________________, fui informada (o) dos objetivos

da pesquisa acima de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que em

qualquer momento poderei solicitar novas informações e mudar minha decisão se assim o

desejar. O professor orientador Drº Aurino Lima Ferreira certificou-me de que todos os dados

desta pesquisa serão confidenciais.

Em caso de dúvidas poderei chamar a estudante Tatiana Lima Brasil e o professor

orientador Prof. Drº Aurino Lima Ferreira no telefone (81) 99743418.

Recife, _____ de _______________ de 2017.

_________________________________________

Participante da pesquisa

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APÊNDICE 2 – ROTEIRO DA ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE

1. A partir da experiência vivenciada no curso, qual sua compreensão de resiliência?

2. Como você pensa resiliência na relação da pessoa consigo e com o outro?

3. Como você pensa que um educador que desenvolveu características mais resilientes

pode lidar com as situações de necessidade de visibilidade de si e reconhecimento?

4. Como você percebeu / percebe o seu processo formativo a partir das reflexões e

vivências sobre resiliência? (desafios, mudanças, visões de mundo)

5. Qual o papel da resiliência no processo de formação humana de futuros docentes?