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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Programa de Pós-Graduação em Educação Tese A CONSTITUIÇÃO DO EU-DOCENTE NA FORMAÇÃO INICIAL ATRAVÉS DOS ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS Vanessa Caldeira Leite Pelotas, 2014.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Programa de Pós-Graduação em Educação

Tese

A CONSTITUIÇÃO DO EU-DOCENTE NA FORMAÇÃO INICIAL ATRAVÉS DOS

ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS

Vanessa Caldeira Leite

Pelotas, 2014.

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VANESSA CALDEIRA LEITE

A constituição do eu-docente na formação inicial através dos Estágios

Supervisionados

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Doutorado, da Universidade Federal de Pelotas, como pré-requisito para a obtenção do título de Doutora em Educação.

Orientadora: Prof.ª Drª. Maria Manuela Alves Garcia

Pelotas, 2014.

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BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Prof.ª Drª. Eli Terezinha Henn Fabris (UNISINOS)

________________________________________________

Prof. Dr. Pedro Angelo Pagni (UNESP)

________________________________________________

Prof.ª Drª. Marta Nörnberg (UFPel)

________________________________________________

Prof. Dr. Jarbas Santos Vieira (UFPel)

________________________________________________

Prof.ª Drª. Maria Manuela Alves Garcia (UFPel – Orientadora)

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Ao meu querido pai, José Pedro, uma inexplicável partida, uma saudade sem fim... ele que sempre

foi meu grande entusiasta, dedico esta conquista.

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AGRADECIMENTOS

À professora Maria Manuela Alves Garcia, meu sincero e carinhoso

agradecimento, por assumir a minha orientação, pela confiança depositada durante

esta trajetória e por todos os momentos de trocas, aprendizagem e incentivo.

Aos professores Pedro Angelo Pagni, Marta Nörnberg e Jarbas Santos

Vieira, que, com muita atenção, aceitaram nosso convite e participaram da banca de

qualificação do projeto e da defesa da tese. Suas sugestões foram muito

importantes para o seguimento do trabalho. Também agradeço à professora Eli

Terezinha Henn Fabris, que veio somar e contribuir no momento da banca de

defesa.

Aos alunos da primeira turma do Curso de Teatro-Licenciatura da UFPel,

hoje companheiros de profissão, que permitiram que esta pesquisa fosse realizada,

a partir das suas escritas nos relatórios dos Estágios.

Aos colegas do Curso de Teatro-Licenciatura, que apoiaram prontamente

meu afastamento, o que, com certeza, foi muito importante para conclusão da tese.

Um agradecimento sincero para uma grande mulher, sempre muito presente

na minha vida e incansável no apoio e no incentivo: minha mãe, Maria de Lourdes.

Meu obrigado especial ao meu companheiro, Alexandre, que dia a dia está

ao meu lado, com muito amor, carinho e atenção, dando-me ânimo e força durante

todos estes anos.

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LEITE, Vanessa Caldeira. A constituição do eu-docente na formação inicial através dos Estágios Supervisionados. 2014. 190f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

RESUMO

Esta tese tem como objetivo problematizar o modo como os alunos vêm se constituindo enquanto docentes a partir das disciplinas de Estágios Supervisionados do curso Teatro-Licenciatura da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Para tanto, tem como fonte de dados a análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores e o Projeto Pedagógico do Curso e, de modo específico, vinte e um relatórios de Estágio dos alunos da primeira turma concluinte do Curso de Teatro-Licenciatura, ingressantes no ano de 2008, e que realizaram seus estágios no período entre o segundo semestre de 2010 e 2011. As bases teóricas fundamentais para esta pesquisa são os estudos de Michel Foucault e Jorge Larrosa. Os últimos estudos realizados por Michel Foucault, o domínio da ética, que trata dos modos de subjetivação e sobre as tecnologias do eu, auxiliaram na discussão sobre a constituição do eu-docente, por entender a disciplina de Estágio como um dispositivo pedagógico em que diferentes práticas ou tecnologias do eu-docente são efetuadas. Os estudos de Jorge Larrosa sobre a educação moral presente nas práticas educativas e o conceito de experiência nas suas relações com o tema da formação humana, foram importantes para a análise dos Estágios. Com base nessas teorizações, foram realizados três movimentos analíticos que levaram a algumas constatações em relação a esta disciplina curricular: O Estágio compartilha de aspectos de uma educação moral na medida em que os alunos não aprendem os conteúdos específicos da área, mas princípios de comportamento ou de procedimentos; ao mesmo tempo, compartilha de elementos da ética, por ser um espaço onde o sujeito observa, narra, expressa, decifra, julga a si mesmo, com intuito de sua constituição e transformação de sua subjetividade. As análises realizadas ainda demonstraram que, na atitude de narrar suas experiências nos relatórios, o acadêmico constitui-se, ou seja, a escrita de si atua como elemento de autoformação do eu-docente. Por fim, foi possível encontrar diferentes marcas de aprendizagens nos futuros professores, através dos Estágios e a possibilidade da experiência como princípios de uma formação humana, contrária a uma formação instrumental ou técnica.

Palavras-chave: Formação de Professores; Currículo; Estágio Supervisionado; Eu-docente; Tecnologias do Eu.

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LEITE, Vanessa Caldeira. The formation of the selfteacher in initial training through the Supervised Traineeship. 2014. 190f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

ABSTRACT

This thesis aims to discuss how students have been formed as teachers from the disciplines of Supervised Traineeship in the Drama- Degree in Universidade Federal de Pelotas - Federal University of Pelotas (UFPel). To do so, it uses as a source of data the analysis of the National Curriculum Guidelines (Diretrizes Curriculares Nacionais) for teacher training and the Course Pedagogical Project and, specifically, twenty-one Traineeship reports produced by students from the first class to graduate in Drama-Degree, who started the course in 2008, and held their traineeships in the period between the second semester of 2010 and 2011. The fundamental theoretical basis for this research are the studies of Michel Foucault and Jorge Larrosa. The latest studies by Michel Foucault, the domain of ethics, which deals with the kinds of subjectivity and technologies of the self, supported the discussion of the constitution of the selfteacher, understanding the discipline of traineeship as a pedagogical device where different practices or technologies of the selfteaching are performed. Studies by Jorge Larrosa concerning moral education in educational practices and the concept of experience in its relation with the subject of human development, were important for the analysis of the traineeship. Based on these theories, three analytical movements were made, which led to some findings in relation to this curricular discipline: the Traineeship shares aspects of moral education as students do not learn specific content from the area, but principles of behavior or procedures; while sharing elements of ethics, because it is a space where the subjects observe, chronicle, express, decode, judge themselves, in order to change their constitution and of their subjectivity. The analysis also showed that the attitude of describing their experiences in the reports, the academics constitute themselves, or, writing itself acts as an element of self-formation of the selfteacher. Finally, we could find different signs of learning in future teachers through the traineeship and the possibility of the experience as principles of human formation, opposite to an instrumental or technical training.

Key-words: Teacher Training; Curriculum; Supervised Traineeship; Selfteacher;

Technologies of the self.

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LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Quadro 1 – Dados sobre os Estágios da primeira turma do Curso de Teatro –

Licenciatura /UFPel ................................................................................................... 33

Figura 1: Organização curricular de acordo com a estrutura apresentada no PPC,

com total de 2933 horas. ........................................................................................... 45

Quadro 2 – Estrutura curricular de cada Estágio do Curso de Teatro ....................... 52

Quadro 3 – Roteiro para elaboração dos relatórios de Estágio ............................... 102

Quadro 4 - Temáticas desenvolvidas nos relatórios na seção: “Reflexões acerca de

uma temática” .......................................................................................................... 105

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRACE Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas

ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

CA Centro de Artes – UFPel

CE Comunidade Europeia

CLC Centro de Letras e Comunicação – UFPel

CNE/CES Conselho Nacional de Educação / Câmara de Ensino Superior

CNE/CP Conselho Nacional de Educação / Conselho Pleno

COP Círculo Operário Pelotense

CRE Coordenadoria Regional de Educação

DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

DMAC Departamento de Música e Artes Cênicas – UFPel

EBA Escola de Belas Artes – UFPel

ES Estágio Supervisionado

FaE Faculdade de Educação – UFPel

FHC Fernando Henrique Cardoso

FMI Fundo Monetário Internacional

GT Grupo de Trabalho

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IAD Instituto de Artes e Design – UFPel

IES Instituição de Ensino Superior

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases para Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OEA Organização dos Estados Americanos

ONG Organização não governamental

OPPM Orientação e Prática Pedagógica Musical

PCC Prática como Componente Curricular

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

PNE Plano Nacional de Educação

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPC Projeto Pedagógico de Curso

PREAL Programa de Reformas Educacionais da América Latina e Caribe

REUNI Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

SCIELO Scientific Electronic Library Online

SMEd Secretaria Municipal de Educação – Pelotas

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

TOCO Projeto de Extensão Teatro do Oprimido na Comunidade

UFPel Universidade Federal de Pelotas

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

UNICEF United Nations Children's Fund

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 – OS CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA: OS SENTIDOS,

AS ESCOLHAS, OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E O CAMPO

EMPÍRICO ............................................................................................................ 21

1.1 Dos trajetos que me constituíram como professora-pesquisadora ................. 21

1.2 Caminhos metodológicos percorridos ............................................................. 30

1.3 O campo empírico: O Curso de Teatro-Licenciatura da UFPel ....................... 38

1.3.1 Organização Curricular do Curso de Teatro-Licenciatura da UFPel ..................................... 41

1.3.2 Os Estágios Supervisionados no Curso Teatro-Licenciatura da UFPel ................................. 49

CAPÍTULO 2 – A REFORMA EDUCACIONAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO

CURRÍCULO DE FORMAÇÃO DOCENTE ........................................................... 56

2.1 O texto e o contexto da atual LDBEN N. 9.394/96 e das Diretrizes Curriculares

Nacionais para os Cursos de Licenciatura ............................................................ 57

2.1.1 As políticas de formação de professores para educação básica .......................................... 64

2.2 Sentidos e significados da reforma educacional para a formação inicial de

professores ........................................................................................................... 71

2.3 Currículo de formação de professores: campo de regulação e de domínio

particular do eu-docente ....................................................................................... 77

CAPÍTULO 3 – TECNOLOGIAS DO EU-DOCENTE: A ESCRITA DE SI E A

EXPERIÊNCIA DE SI COMO MODOS DE SUBJETIVAÇÃO ............................... 84

3.1 As práticas de si e a ética da existência: uma perspectiva foucaultiana ......... 84

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3.2 A escrita como exercício de cuidado de si ...................................................... 96

3.3 A escrita do relatório de Estágio: experiência de si, autorreflexão e a

constituição do eu-docente ................................................................................. 100

CAPÍTULO 4 – TECNOLOGIAS DO EU E A CONSTITUIÇÃO DO EU-DOCENTE:

ÉTICA E EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

ATRAVÉS DOS ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS ............................................ 118

4.1 Ética e formação: da relação consigo mesmo e com os outros na constituição

do eu-docente ..................................................................................................... 119

4.2 As aprendizagens construídas com os Estágios Supervisionados: um espaço

para a experiência como princípio formativo do eu-docente ............................... 141

CONSIDERAÇÕES FINAIS: Do eu que se produz docente ................................... 161

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 168

ANEXOS ................................................................................................................. 176

Anexo 1: Regulamentação dos Estágios Obrigatórios e Não Obrigatórios ......... 176

Anexo 2: Plano de Ensino do Estágio I ............................................................... 182

Anexo 3: Plano de Ensino do Estágio II .............................................................. 184

Anexo 4: Plano de Ensino do Estágio III ............................................................. 186

Anexo 5: Carta de um acadêmico endereçada a sua turma do Estágio II .......... 188

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INTRODUÇÃO

Temos notícias acerca da formação de professores para a escola primária

de modo sistemático e organizado no Brasil desde o início do século XIX, com as

Escolas Normais, que ganharam maior fôlego e êxito a partir de 1870. Desde então,

é conhecida a presença de um momento especial para o exercício profissional como

atividade obrigatória na formação. Seja como disciplina específica, seja como

recomendação ou orientação, sempre existiu a necessidade da prática da docência.

Tal necessidade surge nas chamadas escolas-modelos, onde as boas práticas e os

métodos tradicionais de ensino deveriam ser observados e seguidos, pautados

principalmente pelos estudos da psicologia cognitiva.

Esta intenção de prática ou exercício da docência durante a formação

também existiu no Curso de Didática inaugurado em 1939, junto às Faculdades de

Filosofia (Brasil, 1939), ministrado no quarto ano, para alunos interessados na

profissão docente, após terem frequentado três anos de diferentes cursos de

Bacharelado (conhecido pelo modelo curricular “3 + 1”). Encontramos, nesse Curso

de Didática, a ação docente como uma atividade a ser praticada durante a formação,

tendo como palco o Ginásio de Aplicação, mantido pela Faculdade de Filosofia,

considerado um espaço de experimentos metodológicos inovadores, fundamentados

principalmente na pedagogia da Escola Nova.

No início dos anos 1960, antecipando a reforma universitária no Brasil, o

Conselho Federal de Educação questiona o funcionamento dos Colégios de

Aplicação, através do Parecer 292 (Brasil, 1962), e indica que as práticas de ensino

devam acontecer em escolas “reais” da comunidade e não em colégios-modelos, de

modo que os alunos vivenciassem a profissão, aplicando os conhecimentos

adquiridos nos anos anteriores, com a orientação de um professor. A partir deste

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momento, a prática passa a ser abalizada pelos princípios do tecnicismo vigentes no

país e que imprimiram um significado de treinamento de técnicas de ensino e rotinas

pedagógicas, usos de ferramentas e livros didáticos, marcando um profundo

desprestígio da Didática. Os Estágios tornaram-se um movimento de mão única: da

universidade para a escola. Este foi um dos modelos de Estágio Supervisionado

(ES) que se perpetuou durante décadas no país, conservando-se basicamente com

o ideário do racionalismo técnico e da formação instrumental, tendo como princípio o

momento de aplicação dos conhecimentos aprendidos na universidade.

Ao darmos um salto histórico, da década de 1960 até o momento de alguma

alteração legal em relação aos Estágios, chegaremos ao ano da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação, Lei N. 9.394, de 1996, que vai definir o mínimo de 300 horas

como carga horária dos ES para a formação de professores. Porém, as atuais

políticas de formação de professores1, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

formação de professores para educação básica (Brasil, 2001a; 2001b; 2002a;

2002b), além de ampliarem o tempo de Estágio para 400 horas, incluíram o eixo da

Prática como Componente Curricular com mais 400 horas na matriz que orienta a

elaboração das grades curriculares dos cursos de Licenciatura, atribuindo um novo

valor aos períodos de Estágio/prática na formação do professor.

Entra em pauta a teoria dos saberes docentes, dentre eles, os saberes

considerados práticos e os saberes da experiência profissional, cunhada por Tardif

(2002) e adotada por alguns pesquisadores da educação brasileira, a qual vai

influenciar diretamente o texto legal que hoje rege a formação de professores para

educação básica. Na Lei n. 11.788, de 25 de setembro de 2008, que dispõe sobre o

Estágio de estudantes (formação de profissionais liberais além da formação de

professores), o Estágio é um ato educativo supervisionado, a ser desenvolvido no

lugar de trabalho, com objetivo de preparar os alunos tanto do ensino regular de

instituições de ensino superior, quanto da educação profissional, de ensino médio,

da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade

profissional da educação de jovens e adultos (BRASIL, 2008).

1 Os textos legais referentes à formação de professores – Leis, Resoluções e Pareceres – serão mais

bem apresentados e discutidos no capítulo 2 da tese.

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O ES deve fazer parte do projeto pedagógico do curso de formação,

integrado ao percurso formativo do aluno, visando à aprendizagem das atividades

profissionais. A Lei referida versa sobre duas modalidades: os Estágios obrigatórios,

previstos no currículo do curso e os não obrigatórios, desenvolvidos como atividades

opcionais pelos alunos e, em ambos os casos, não configuram vínculo empregatício.

A modalidade de Estágio abordada nesta pesquisa é a do Estágio curricular,

ou seja, pertencente ao currículo do curso de formação docente como atividade

obrigatória, juntamente com as demais disciplinas curriculares. É um momento de

grande expectativa por parte dos alunos na medida em que, mais do que uma das

condições necessárias para a obtenção da licença para ser professor, o Estágio

precisa possibilitar a aquisição da prática profissional docente e abordar as diversas

dimensões desta profissão, junto ao campo futuro de atuação – a escola – e junto

aos profissionais que nela atuam.

O ES corresponde a um tempo, a um espaço e a uma ação, ou seja, refere-

se a uma sequência temporal em que determinadas ações são desenvolvidas. O

tempo é recortado e determinado previamente, uma fase, um período, uma etapa; o

espaço é o lócus da atividade profissional escolhida e a ação é o exercício, a

experiência, a prática para aprendizagem, formação e aperfeiçoamento profissional.

Neste período de ES, incide um movimento ou uma vibração em todo o

currículo do curso de formação, quando os licenciandos, ao iniciarem seus Estágios,

retomam tudo aquilo que apreenderam nos semestres anteriores, com as disciplinas

cursadas e com outras experiências em diferentes atividades e projetos, na intenção

de pôr em prática o que estudaram até então. Durante os Estágios, muitas são as

angústias, dúvidas e inquietações que acometem os estagiários, principalmente no

que se refere ao como ensinar os saberes específicos de sua área de conhecimento.

É um momento de coroamento do processo de formação e espaço curricular de

discussão ímpar acerca da própria formação.

Um dos motivos que me fizeram optar por esta temática, além da atual

legislação para a formação docente e do impacto que o ES causa no currículo, foi a

minha atuação profissional como professora de Estágio no Curso de Teatro-

Licenciatura da UFPel, colocando-me constantemente no espaço entre as fronteiras

da escola-universidade e na relação nem sempre tranquila entre alunos estagiários e

professores da escola, num tempo-espaço de ambiguidades e (auto)formação.

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A partir destas reflexões e relações traçadas entre o Estágio e a formação

docente, a questão central que pautou esta pesquisa foi: Como os alunos, futuros

professores da educação básica, vêm-se constituindo no interior das disciplinas de

Estágios Supervisionados em que eles assumem (ou vivenciam) a regência de

classe? A partir dessas experiências de Estágio, como percebem o ser e os fazeres

docentes? Como problematizam o ensinar e o aprender, a escola e o Teatro na

escola a partir dessas vivências?

E os objetivos fundamentais que permearam este estudo foram: analisar que

sentidos o Estágio e a prática de ensino vêm assumindo na formação inicial e seus

efeitos na subjetividade do futuro professor; a partir dos relatórios de Estágio

identificar experiências e práticas vivenciadas pelos alunos que são por eles

destacados como mais ou menos relevantes no seu processo de formação e os

motivos dos significados atribuídos; identificar e analisar que saberes são acionados

durante os Estágios, como eles se articulam entre si e o modo como são percebidos

pelos alunos; analisar as narrativas sobre as experiências de si presentes nos

relatórios finais dos Estágios pelos alunos, futuros professores.

O processo de formação docente pode ser analisado, pesquisado e

explorado por diferentes vieses teóricos e metodológicos. A opção desta pesquisa

de doutorado pautou-se pelos estudos sobre os modos de subjetivação do professor

em formação inicial no curso de graduação, a partir do entendimento de que,

durante a formação inicial, diferentes técnicas e práticas de si são mobilizadas ou

diferentes procedimentos prescritos ou pressupostos são realizados com objetivo de

fixar, manter ou transformar a(s) subjetividade(s) do docente em desenvolvimento.

É necessário ressaltar que os últimos estudos realizados por Michel Foucault

(1984; 1985; 1990; 1993; 1995; 1996b; 1996c; 1996d; 1997b; 1997c; 2006c; 2006d;

2012) são as principais balizas teóricas que sustentam a minha análise, muito

embora as pesquisas de Foucault tenham tido como objetivo entender por qual

razão, em nossa sociedade, a sexualidade não seja simplesmente o fator que

permite a reprodução da espécie, mas também o espaço privilegiado a partir do qual

se entende e se profere a verdade sobre o homem; ou, ainda, por que motivo se

passou cada vez mais usar a palavra sexualidade e também cresceu a

problematização em torno do sexo, entre os saberes médicos, judiciais, sociológicos

e biológicos. A sexualidade interessa a Foucault, por ser um modo de experimentar

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a subjetivação, um caminho pelo qual nos subjetivamos como seres de desejo

(Veiga-Neto, 2005).

O tema da produção da verdade marcou a obra de Foucault do início ao fim.

Primeiramente, realizou uma história da produção da verdade a partir do saber (ser-

saber); logo depois, a partir do poder (ser-poder); e, por fim, a partir da ética (ser-

consigo). Os estudos deste terceiro domínio colaboraram muito para pensar e

discutir a disciplina de Estágio Supervisionado na formação de professores para

educação básica. Como ferramentas teóricas, utilizo suas formulações conceituais

de tecnologias do eu, práticas de si, cuidado de si, subjetivação, ética, moral,

governo do eu e dos outros, poder pastoral, como eixos norteadores para minha

análise sobre a constituição do eu-docente.

As práticas de si, que tiveram grande importância na Antiguidade Clássica

ou tardia, foram tema de estudo de Michel Foucault para o curso ministrado no

Collège de France em 1981-1982; A Hermenêutica do Sujeito (Foucault, 2006c), e

para os dois últimos volumes da História da Sexualidade (Foucault, 1984; 1985),

quando buscou compreender a história dos modos de subjetivação ou das formas e

modalidades da relação consigo mesmo, uma história da “ética” ocidental e da

“ascética”, das regras éticas que possibilitaram a nossa existência como sujeitos de

conduta moral. Foucault analisa toda uma cultura de si, associada aos princípios do

“cuidado de si” (epimeleïa heautou) e suas conexões com o tema do “conhecimento

de si mesmo” (gnôthi seauton), que comportava um conjunto de práticas (askesis) e

exercícios sobre si mesmo.

Inspirada nestes estudos sobre a cultura de si da Antiguidade, faço uma

aproximação teórica para estudar outro tipo de problemática – a formação de

professores – por entender que, neste campo de conhecimento, também existem

práticas do eu, as quais serão aqui chamadas de práticas ou de tecnologias do eu-

docente. Vivenciadas durante a formação inicial, referem-se aos momentos em que

diferentes discursos, técnicas, tecnologias, ações, exercícios operam nos cursos de

licenciatura a fim de que o futuro professor vá-se percebendo, sentindo, vendo,

agindo, enfim, constituindo-se como um docente.

E, ainda, tenho como apoio teórico os estudos de Jorge Larrosa (1994;

1998), que explora detalhadamente um conjunto de estratégias e práticas de

interrogação e descrição que funcionam nas instituições escolares. Ao reelaborar os

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conceitos foucaultianos do terceiro domínio (da ética), descreve e analisa os

diferentes dispositivos pedagógicos presentes nas práticas educativas que

colaboram na produção de formas de experiências de si, através do narrar-se, ver-

se, julgar-se, expressar-se e dominar-se. E também foi muito importante, para esse

estudo, o conceito de experiência e suas aproximações com a formação humana,

apresentadas por Larrosa (2002; 2003; 2005; 2006), tendo como lugar da

experiência o próprio eu. Portanto, o sujeito da experiência é o sujeito da formação e

da transformação do que se é.

As práticas do eu-docente são inumeráveis, inconstantes e transformam-se

na medida em que novos modos de ser professor vão surgindo ou sendo fabricados.

Porém, com este estudo, não pretendi elencar ou classificar todas as possíveis

práticas do eu-docente que constituem o ser professor, durante a formação inicial,

pois elegi, para o foco de análise, um período específico do currículo de formação:

os Estágios Supervisionados, momento curricular obrigatório em que os alunos se

preparam e são levados a assumir a atividade de ensino e regência de classe. O ES,

portanto, foi considerado e analisado nesta pesquisa, como um dispositivo

pedagógico onde diferentes tecnologias ou práticas são efetuadas na constituição do

eu-docente.

O conceito de dispositivo também está baseado nas teorizações de Foucault

(2006d, p. 244), quando ele afirma que o dispositivo é uma estrutura de elementos

heterogêneos que reúne “discursos, instituições, organizações arquitetônicas,

decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos,

proposições filosóficas, morais, filantrópicas”. A rede que se estabelece entre esses

elementos, o dito e o não dito, como um tipo de jogo entre eles, seja discursivo ou

não discursivo, possui uma função estratégica dominante, para responder a uma

urgência. Está sempre inserido em um jogo de poder e, ao mesmo tempo, ligado a

certas configurações de saber. Ao longo dos seus estudos, Foucault falará em

dispositivos disciplinares, dispositivo carcerário, dispositivos de poder, dispositivos

de saber, dispositivo de sexualidade, etc. Na minha pesquisa, trabalharei com a

noção de dispositivo pedagógico, onde os elementos articulados compõem um modo

de pensar e fazer a educação, a escola, o currículo, a formação, o ensino e a

aprendizagem dos sujeitos.

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Deleuze (1990) trata o dispositivo como um novelo ou meada, ou seja, um

conjunto multilinear, com linhas não homogêneas, que se aproximam e se afastam

umas das outras e formam processos em desequilíbrio sempre. Para ele, os

dispositivos podem ser definidos como “máquinas de fazer ver e de fazer falar”. As

linhas de luz ou o regime de luz formam diversas figuras que são inseparáveis do

dispositivo. E, ainda, os regimes de enunciação remetem à linha de enunciação

responsável por distribuir as diferentes posições dos seus elementos. O dispositivo

possui ainda linhas de forças, linhas de objetivação e linhas de subjetivação como

dimensões que se entrecruzam e contornam esse emaranhado de elementos

heterogêneos para formar determinados dispositivos.

Ao entendermos o Estágio como um dispositivo pedagógico onde atuam

diferentes tecnologias do eu-docente, do eu que se produz docente, que se forma,

se conforma e se reforma a partir de práticas que imprimem um modo de ser

docente, significa então compreender que o sujeito toma a si próprio como material

de trabalho a fim de tornar-se professor, onde se transforma a experiência que se

tem de si mesmo. O ES pode ser visto como o lugar no qual os sujeitos se veem, se

narram, se expressam, se decifram e julgam suas próprias ações como professores,

ou seja, estabelecem relações consigo mesmos, em prol da constituição e da

transformação de sua própria subjetividade.

As práticas do eu-docente não ficam restritas ao momento da formação

inicial, tampouco ao ES, pois permanecem por toda a vida profissional, num

constante fazer-se e refazer-se quando, por exemplo, os professores realizam

cursos de formação continuada; participam de eventos, congressos, seminários,

fóruns; escrevem e publicam relatos e artigos sobre suas práticas; vão para as ruas

na luta por melhores condições de trabalho, de carreira e por salários dignos;

assumem diferentes cargos de gestão na escola; conversam com os pais dos seus

alunos; recebem estagiários em suas aulas para os observarem; elaboram seus

planejamentos e, até mesmo, quando estão na sala de aula, trabalhando com seus

alunos e assumindo, muitas vezes, responsabilidades para além dos conteúdos

disciplinares.

Os acadêmicos estão, a todo o momento, constituindo-se como sujeitos-

professores desde as vivências anteriores ao curso de graduação, até a experiência

docente, através de diferentes práticas do eu, que vão formatando os modos de ser

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e agir na profissão docente. Porém, selecionei os Estágios Supervisionados por

entender que, durante esse componente curricular, as tecnologias do eu-docente, ou

as práticas do eu-docente, acabam sendo potencializadas com os recorrentes

discursos que produzem modos de ação sobre si (experiência de si) e,

consequentemente, modos de ação sobre o outro e sobre o mundo. Esses discursos

estão presentes tanto nas principais teorias educacionais que têm fundamentado a

formação inicial, quanto nas políticas educacionais, que colocam o sujeito no centro

da sua formação, impulsionando e intensificando as ações sobre si, sua

autoformação e sua ação autorreflexiva.

Os discursos pedagógicos da formação inicial são responsáveis pelos

processos de subjetivação dos indivíduos, futuros professores da educação básica,

e, portanto, os efeitos da ação dos Estágios são de ordem prática na vida dos

indivíduos em formação, pois transformam os modos como pensam, falam, atuam;

do mesmo modo, os efeitos são de ordem moral na medida em que imprimem

modos de se verem e de agirem sobre si mesmos, com os outros e com o mundo e,

portanto, os indivíduos significam e interpretam as relações educacionais a partir de

determinados lugares que ocupam.

Resta, ainda, apresentar o campo empírico da pesquisa, que foi fundamental

para me ajudar a responder às questões iniciais: realizei um estudo de caso com a

primeira turma do Curso de Teatro- Licenciatura da UFPEL, lugar onde atuo como

professora das práticas de ensino na formação do professor de Teatro para a

educação básica, através dos ES, desde 2010. O corpus da pesquisa baseou-se em

dois focos de análise: os documentos legais e as narrativas dos alunos, tratando

ambos como objetos históricos, vistos em suas descontinuidades e permanências,

suas rupturas e fixações de modos de ser e agir.

Os textos legais (Pareceres e Resoluções) selecionados para análise foram

as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores (Brasil, 2001a;

2001b; 2002a; 2002b), as Diretrizes para a Graduação em Teatro (Brasil, 2004) e o

Projeto Pedagógico do Curso de Teatro (UFPEL, 2009). Já para a análise das

narrativas dos alunos, foram capturados os textos dos relatórios finais, que tratam

sobre as experiências nos ES dos alunos da primeira turma do Curso de Teatro-

Licenciatura, que ingressaram no ano de 2008 e realizaram seus estágios nos anos

de 2010 (Estágio I) e de 2011 (Estágios II e III). Deste modo, a pesquisa deu-se em

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dois momentos: primeiramente, através de análise dos textos legais para, em

seguida, realizar análise das narrativas dos alunos estagiários, por meio dos

relatórios finais dos três Estágios.

As análises realizadas demonstraram que a escrita dos relatórios é uma

forma de experiência de si, na medida em que o narrar-se, contar-se, expressar-se

aparecem nas escritas endereçadas à professora orientadora da disciplina. Embora

sejam escritas acadêmicas, guiadas por roteiros orientadores, deixam espaços

abertos para as subjetividades e particularidades dos sujeitos em formação. Os

relatórios atuam como elemento formativo e constitutivo do eu-docente.

Com este estudo, entendi que os ES para a formação de professores são

dispositivos pedagógicos que compartilham de aspectos de uma educação moral, na

medida em que os alunos aprendem, fundamentalmente, princípios de

comportamento ou de procedimentos atitudinais, antes de conteúdos específicos da

área; ao mesmo tempo, compartilham de elementos éticos, entendidos como a

relação de si para consigo mesmo, ou seja, o Estágio também é um espaço onde os

sujeitos agem sobre si mesmos, a fim de se constituírem professores. A ética,

baseada numa perspectiva foucaultiana, faz parte da moral, juntamente com os

comportamentos dos indivíduos e com os códigos ou regras que atribuem valores às

atitudes e às relações sociais.

Ainda compreendi que, através dos Estágios, diferentes aprendizagens são

marcadas nos sujeitos em formação, seja a partir de situações e momentos

considerados pelos acadêmicos como negativos ou difíceis, seja pelas trocas e

surpresas que recebem dos seus alunos. Tais situações foram consideradas como

marcas de aprendizagens que vão constituindo o eu-docente.

Por fim, a tese está organizada em quatro capítulos: no primeiro capítulo,

apresento os caminhos metodológicos que percorri nesta pesquisa, as bases

teóricas que me orientaram neste percurso acadêmico e o campo empírico

analisado, o projeto curricular do Curso de Teatro – Licenciatura da UFPel e os

Estágios Supervisionados do Curso. No segundo capítulo, a discussão gira em torno

das atuais reformas educacionais brasileiras e seus sentidos e significados para a

formação de professores e para as práticas curriculares, enfocando principalmente

as disciplinas de Estágios nesses diferentes textos, demonstrando ainda o

entendimento sobre currículo como regulação social. No terceiro capítulo, apresento

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o primeiro movimento analítico com os relatórios de Estágios dos alunos da primeira

turma do Curso de Teatro – Licenciatura, da UFPel, trago alguns movimentos gerais

sobre a escrita dos relatórios como uma experiência de si; também apresento uma

breve síntese dos estudos sobre a cultura de si desde a Antiguidade, realizados por

Michel Foucault e as principais características da escrita como experiência de si. No

quarto e último capítulo, realizo o segundo e o terceiro movimentos analíticos a partir

dos relatórios de Estágio: um em relação ao sujeito ético, que age sobre si e sobre

os outros; e depois em função das aprendizagens formativas, através das disciplinas

de Estágios.

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CAPÍTULO 1 – OS CAMINHOS PERCORRIDOS NA PESQUISA: OS SENTIDOS,

AS ESCOLHAS, OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E O CAMPO

EMPÍRICO

Este capítulo está organizado em três momentos para tratar sobre os

caminhos metodológicos: no primeiro, trago alguns encontros profissionais e

acadêmicos que foram me constituindo como professora e me trouxeram até esta

ocasião de pesquisar o Estágio na formação de professores. No segundo momento,

apresento os caminhos teórico-metodológicos que sustentam esta pesquisa, meu

modo de ver e pensar sobre pesquisa no campo da educação. Por fim, procuro

apresentar o campo empírico do meu trabalho, o Curso de Teatro-Licenciatura da

UFPel, trazendo basicamente a organização curricular e seus pressupostos e o lugar

que os Estágios ocupam no Curso, o funcionamento e a dinâmica destes

componentes curriculares, dando destaque à experiência que vivenciei com a

primeira turma de licenciandos em Teatro.

1.1 Dos trajetos que me constituíram como professora-pesquisadora

É nossa radicalidade histórica que produz o tipo de pergunta que abala nossas certezas, que inquieta, que apaixona, que impulsiona e, muitas vezes, amedronta pelo que sugere como possibilidade (COSTA, 2005, p. 201).

Como professora de Estágio do Curso de Teatro–Licenciatura, da

Universidade Federal de Pelotas, desde 2010, permito-me perambular por essa

temática e apresentar alguns trajetos anteriores a este momento, que foram me

constituindo como formadora de professores e, ao mesmo tempo, destituindo-me de

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outras infinitas formas de ser professora. Esses trajetos possibilitaram-me chegar a

esta tese, tendo como foco principal a prática de ensino2 vivenciada pelos alunos

futuros professores, durante as disciplinas de Estágio como modo de subjetivação

do eu-docente. Esta pesquisa é desenvolvida em decorrência de algumas

inquietações que me foram surgindo e pude ir amadurecendo desde a Graduação

em Licenciatura em Artes (2005), da Especialização (2007), do Mestrado em

Educação (2009) e da experiência docente, tanto no âmbito da educação básica3

quanto no ensino superior, onde exerço minhas atividades.

Durante o estudo realizado para o curso de Especialização em Educação

(Leite, 2007), voltei meu olhar para uma questão que, já no início da minha carreira

docente, revelou-se muito importante: as práticas de ensino na formação inicial.

Durante o curso de Especialização, atuava como professora substituta no

Departamento de Música e Artes Cênicas (DMAC), do Instituto de Artes e Design

(IAD) da UFPel, e ministrava as disciplinas de Orientação e Prática Pedagógica

Musical (OPPM) I, II, III e IV e Estágio Supervisionado, dentre outras disciplinas

específicas de Arte-Educação. Desta forma, tive como campo empírico da minha

pesquisa uma turma do Curso de Música-Licenciatura para qual eu ministrei as

quatro disciplinas de Orientação e Prática Pedagógica Musical.

O curso de Música tinha acabado de reformular o seu currículo, alterando

basicamente a grade de disciplinas no Projeto Pedagógico, para cumprir as novas

indicações das Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2002b) e, portanto, estas

disciplinas de OPPM eram consideradas como pré-estágio e cumpriam a demanda

de 400 horas de Prática como Componente Curricular exigidas pelas Diretrizes. Por

não terem sido ministradas anteriormente, quando eu assumi o contrato, eu as

2 O estágio esteve atrelado às disciplinas de Didática, num primeiro momento da formação de

professores em ensino superior e, depois, às disciplinas de Prática de Ensino. Portanto, o estágio era responsabilidade dos professores de Didática e de Prática de Ensino. Atualmente e, especificamente no curso de Teatro, o Estágio é uma disciplina independente e, portanto, destaco que utilizarei o termo “prática de ensino” entendendo-a, não como outra disciplina, mas como o momento da ação, da experimentação do ato de ser professor ou, ainda, o momento em que o estagiário está praticando a docência, regendo ou ministrando uma aula. No entanto, compreendo que esta prática de ensino é uma parte dentro da disciplina de Estágio, que se constitui de outras etapas além da atuação, como por exemplo, o diagnóstico, a observação, o planejamento, a escrita do relatório, as orientações. Deste modo, embora constantemente eu dê destaque à prática de ensino que acontece durante o Estágio, não desvincularei ou isolarei a prática de ensino das outras etapas que fazem parte do Estágio na formação de professores.

3 Atuei como professora de Arte nas redes públicas municipais de Pelotas e de Morro Redondo, na

educação infantil, séries iniciais e finais do ensino fundamental e, no Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IFSul-Pelotas) no ensino técnico de nível médio.

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iniciei, colocando o currículo pré-ativo (as ementas das disciplinas) em ação, pois

pela primeira vez estas disciplinas aconteciam no Curso de Música. Estas disciplinas

iniciavam no segundo semestre e encerravam no quinto semestre do curso e todas

previam prática de ensino de música nas escolas, por meio de atividades

extraclasse, modificando a cada disciplina apenas os níveis da educação básica

com os quais atuavam os acadêmicos.

Quando da realização do artigo final para a obtenção do título de

Especialista em Educação, tinha muitas dúvidas em relação a esta ida precoce para

as escolas, pois muitos licenciandos, recém chegados ao segundo semestre do

curso, estavam ainda inseguros e sem conhecimentos específicos da música, da

iniciação musical e de metodologia do ensino de música, importantes para o ensino

e a aprendizagem musical. Foi a partir desta inquietação que acabei encontrando o

referencial sobre os saberes docentes, da prática ou da experiência e constatei que,

para a formação docente, era necessária a mobilização de uma prática reflexiva

(com referência em Donald Schön) nos momentos de pré-estágios e ES, com a

intenção de qualificar a formação inicial, já que as Diretrizes indicavam este aumento

do tempo de atuação na escola formal ou espaços informais de ensino, através da

prática como componente curricular e dos Estágios.

Procurei, ainda, conhecer como, durante a formação inicial e por meio do

exercício reflexivo da profissão, o futuro professor vai desenvolvendo um saber

sobre seu ofício. Neste sentido é que foi possível destacar, dentre outras, a

preocupação em considerar o desenvolvimento pessoal, autorreflexivo do

profissional da educação como elemento fundamental no seu processo de formação.

Segundo Nóvoa (1997, p. 25), o reconhecimento do professor como pessoa provoca

a busca por “(re)encontrar espaços de interação entre as dimensões pessoais e

profissionais, permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos de

formação e dar-lhes um sentido no quadro das suas histórias de vida”.

Até então, esta era, para mim, a única resposta possível para a formação

docente: o aumento da prática, a aprendizagem através do contato direto com os

espaços de ensino. Isso resultaria na formação de professores mais capacitados,

atentos, experientes e reflexivos sobre sua prática. A esse tempo, não conseguia

problematizar, fazer uma crítica ou pôr em dúvida os discursos presentes nas

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Diretrizes Curriculares Nacionais e, por entender que estava praticamente esgotada

esta temática, parti para outro foco de estudo.

Com a pesquisa desenvolvida no Mestrado em Educação (Leite, 2009;

2013), desloquei-me para o estudo da relação entre corpo, arte e escola. Uma das

técnicas de coleta de dados foi a entrevista com três professoras de Arte, formadas

antes da implantação das novas políticas de formação de 2001-2002, sendo que

cada uma das professoras, embora tenha cursado Licenciatura na mesma

universidade, formou-se com currículos diferentes e em momentos distintos da

Licenciatura em Artes na UFPEL. As entrevistas foram estabelecidas em torno de

quatro eixos, possibilitando uma conversa mais aberta com cada uma das

professoras, e tinham questões que tratavam do foco da minha pesquisa. Porém,

embora meu estudo não versasse sobre a formação inicial, este tema veio à tona

enquanto as entrevistava.

As principais reflexões que as professoras trouxeram em relação à formação

acabaram revelando-se como um dos eixos analisados na dissertação de mestrado:

o distanciamento entre a teoria aprendida no curso de formação e a prática da sala

de aula. Nesse eixo, realizei uma discussão sobre a relação teoria e prática, pois as

professoras enfatizaram que a universidade trabalha com teorias distantes da prática

efetiva que acontece nas escolas e que, deste modo, ao chegarem à escola,

perceberam como o trabalho era desafiador e como ainda precisavam aprender a

ser professoras, já que somente a formação inicial não foi o suficiente para ensiná-

las a ser docentes.

A partir da dissertação, percebi que o tema da formação inicial ainda estava

latente e não estava encerrado para mim. Desde então, voltei a questionar a

formação de professores e retomei meu estudo da especialização sobre a prática

reflexiva durante as práticas dos Estágios e pré-estágios, agora com um novo olhar,

mais atento para modos de subjetivação e fabricação da docência, e mais

desconfiado para os discursos das reformas das políticas educacionais e dos

referenciais teóricos pautados pelo pragmatismo na formação docente.

Venho constatando, desde então, que, durante a formação inicial, existe

uma tendência no discurso acadêmico em dar ênfase e valor ao saber adquirido com

a experiência pedagógica nos momentos de Estágio e prática, com a mesma

intensidade (ou mais) que aos saberes do campo de conhecimento específico de

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sua área de atuação ou mesmo aos saberes das disciplinas pedagógicas. A

justificativa para tal discurso que vem sendo divulgado é que a formação inicial do

professor não se dá apenas dentro da academia com as teorias, mas no espaço

onde a ação acontece, a escola, e que esta se constitui numa importante parceria

para o desenvolvimento do ser professor, pois, quando se atua na escola, se

aprende com ela.

Do mesmo modo, durante o tempo em que atuei na educação básica na

rede pública (desde a pré-escola até o ensino médio) e, atualmente, através do

contato que estabeleço periodicamente com as escolas em função dos Estágios,

percebo que tal discurso é recorrente. Os professores novos, que se veem, muitas

vezes, confusos no seu desempenho docente, alegam que o curso não lhes deu as

bases necessárias para sua formação, por estar distante da realidade escolar. Os

professores que já estão há bastante tempo na escola enfatizam que foram os anos

de prática que lhes ensinaram a profissão.

O discurso de que existe um distanciamento entre a teoria aprendida no

curso de formação e a prática da sala de aula, de certa forma, sustenta as ideias

presentes nas atuais políticas de formação estabelecidas pelo Parecer CNE/CP

09/2001, que versa sobre “Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de

Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de Licenciatura, de

graduação plena”, que foram instituídas através da Resolução CNE/CP 01/2002 e

reiteradas com a Resolução CNE/CP 02/2002, que “institui a duração e a carga

horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica”, indicando

uma matriz curricular para compor um curso de Licenciatura. Instituem um aumento

na carga horária dos ES, que passa para 400 horas e apresentam a modalidade de

“Prática como Componente Curricular”, a ser vivenciada ao longo do curso, também

de 400 horas. Temos, então, 800 horas de prática indicadas pelas diretrizes para a

formação, que se somam com 1800 horas de aulas para os conteúdos curriculares

de natureza científico-cultural e com 200 horas de outras atividades acadêmico-

científico-culturais, totalizando 2800 horas como indicação mínima para os cursos de

formação de professores em nível superior (BRASIL, 2002b).

Numa rápida ou desatenta observação, a reclamação contra o

distanciamento entre a vida acadêmica e a realidade escolar, apresentada pelas

professoras em exercício, estaria em parte “resolvida”, na medida em que as

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políticas atuais de formação inicial para a educação de professores indicam um

aumento da carga horária de prática e de Estágios no campo de atuação (escola),

indo ao encontro das ideias de que a realidade é algo a ser desvelada a partir de um

maior contato com a escola e o ensino com uma prática reflexiva.

Se, por um lado, existe o discurso recorrente de que a teoria da academia

não dá conta de preparar para a realidade escolar por estar distante desta, teríamos,

por outro lado, com a legislação atual, a “solução” deste distanciamento ao aumentar

a carga horária de prática durante a formação inicial. Em torno dessa discussão,

algumas problematizações iniciais foram surgindo e foram-me conduzindo para esse

estudo. Primeiro, perguntava-me se a quantidade de tempo dentro da escola

garantiria uma melhor formação inicial para o futuro docente ou se o fato de estar

mais tempo na escola significaria maior domínio sobre o ser professor ou sobre a

realidade escolar. E, ainda, pensando em todas as especificidades, possibilidades e

ambiguidades da realidade escolar, o questionamento que me cercava era se o

aumento da carga horária da prática e dos momentos de Estágios podia dar conta

de uma realidade escolar ambígua ou garantir a qualidade do futuro professor, pois

é importante pensarmos também quais são as aprendizagens e os saberes

acumulados ou apreendidos nestes momentos de Estágios pelos futuros

professores, para, então, problematizar e compreender que profissionais da

educação básica estão sendo formados a partir deste discurso de aprender na/com

a prática.

Estas inquietações, embora não sejam as questões centrais da pesquisa,

possibilitaram-me pensar sobre os rumos da formação de professores, diante dos

textos da reforma educacional, investir e pesquisar sobre a história da formação

docente, conhecer seus textos legais, procurando entender o lugar dos Estágios e

das práticas nos diferentes contextos da história da educação brasileira. Fizeram-me

refletir sobre os modos de subjetivação que os Estágios estão produzindo no futuro

professor e lançaram-me nesta pesquisa sustentada pelas ricas experiências

vivenciadas com os Estágios e pelas inquietudes advindas delas.

Após retomar toda a trajetória acadêmico-profissional que percorri até então,

entendo que, ao escrever meu trajeto, aprendo, constituo-me e trago marcas

autobiográficas, embora não seja este o objetivo da tese. Vejo-me nas fronteiras,

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limites e aproximações conforme a autora Rosa Fischer (2005) propõe entre arte,

produção científica e exposição de si mesmo.

E, portanto, acredito que esta pesquisa esteve pautada por duas premissas

que considero importantes para sua realização: o desejo e a demanda. O desejo

pode ser considerado o coração de uma pesquisa, para dar-lhe vida e para que se

realize com paixão e responsabilidade. Deve fazer sentido para quem escreve,

estuda, explora o problema elencado. Todavia, não basta o desejo do pesquisador.

Há que se ter demanda, o tema escolhido precisa estar articulado com uma

demanda social/cultural, não no sentido de encontrar uma saída ou resposta

definitiva para um problema, mas, ao menos, uma consonância com a vida, com a

existência humana e suas relações que geram sentidos e significados ao mesmo

tempo em que deixam rastros de dúvidas e inquietações.

O desejo de pesquisar o Estágio na formação de professores esteve

diretamente relacionado à minha atuação docente. Assim sendo, propus encaminhar

a pesquisa através de um estudo de caso no Curso de Teatro- Licenciatura da

UFPel, lugar onde atuo como professora das práticas de ensino na formação do

professor de Teatro para a educação básica, através dos ES.

Ao chegar ao Curso de Teatro em 2010, fui informada de que ainda não

tinham acontecido os Estágios obrigatórios e, portanto, tive de começar os Estágios

com a primeira turma do curso (que ingressou em 2008). Dei início ao Estágio I, II e

III com a mesma turma que ansiava por este momento e aguardava com temor e

incerteza os rumos destas disciplinas, pois não tinham nenhuma referência anterior

a eles no Curso. A partir das ementas dos Estágios, tive de concretizar a ida destes

licenciandos, pioneiros professores de Teatro formados nesta universidade, para as

escolas e para os espaços não formais de educação. Isso significou inúmeras

reuniões com a Secretaria Municipal de Educação (SMEd), com a 5ª Coordenadoria

Regional de Educação (5ª CRE), com cada escola visitada, apresentando o Curso

de Teatro, explicando a área de Arte e suas quatro modalidades artísticas – Artes

Visuais, Música, Teatro e Dança, ambas como área de conhecimento e disciplina –

já que ainda não existia o Teatro como disciplina nos currículos da Educação Básica

na cidade de Pelotas. E, de certo modo, ao assumir tal responsabilidade, fui tomada

novamente pelo desejo de aprofundar e compreender o que este momento curricular

mobiliza no processo de formação docente.

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Ter iniciado os ES no Curso de Teatro conduziu-me para outras tarefas de

cunho mais administrativo em comissões que discutem a formação docente: como

representante do Colegiado do Curso na Coordenadoria das Licenciaturas, na

condição de coordenadora da Câmara de Estágios4 e, ainda, como presidente da

Comissão de Estágios obrigatórios e não obrigatórios do Curso de Teatro5 durante

dois anos. Desde então, fui percebendo que toda a minha ação docente tem sido

voltada para as questões da prática de ensino durante a formação, desde as

questões de ordem mais burocrática (seguros, autorizações, reuniões, contatos com

as escolas, coordenações de comissões), até as de cunho mais reflexivo de

planejamento, estudo e avaliação durante as disciplinas de Estágios.

A demanda social a que esta pesquisa se vincula pauta-se pela ideia de

construir um “objeto que, como princípio, possa também servir aos outros” (Eco,

2012, p. 4) e de contribuir para novos modos de pensar a formação docente, além

de uma concepção pragmática que parece ser a vigente nas reformas e nas teorias

educacionais que sugestionam no eu-docente em formação o imaginário de uma

formação na ação, um fazer ensaístico e intuitivo, privilegiando ainda um perfil de

professor performático (Ball, 2002; 2005; 2010). O aumento das horas de prática nas

escolas durante a formação inicial, seja durante as disciplinas de Estágio, seja nas

diferentes maneiras como as Licenciaturas adaptaram seus currículos para as

Práticas como Componentes Curriculares (Garcia, 2008), levou-me a refletir sobre

que sentidos a prática vem assumindo na formação inicial docente e quais seus

efeitos.

Nos textos da reforma para a formação de professores, temos uma

indicação de uma carga horária de prática bastante elevada, se somados os eixos

da PCC e dos ES são 800 horas, imprimindo no currículo de formação a expectativa

de que, com a prática, os licenciandos terão o verdadeiro conhecimento sobre a

4 A Coordenadoria das Licenciaturas da Universidade Federal de Pelotas é um órgão colegiado,

consultivo e propositivo, vinculado à Pró-Reitoria de Graduação, articulador das ações referentes à formulação, execução e avaliação de políticas concernentes à formação regular, especial e continuada de Professores para a educação básica, tanto na forma presencial quanto na Educação a Distância, nos Cursos de Licenciatura mantidos pela UFPel. Participam representantes de todos os cursos de Licenciatura da UFPel que atuam em três câmaras: de Estágios; de Currículo e Projetos Pedagógicos e de Formação Continuada.

5 A Comissão de estágios tem como finalidades principais agenciar, estruturar, coordenar e

supervisionar os estágios obrigatórios e não obrigatórios realizados pelos acadêmicos do Curso de Teatro-Licenciatura da UFPel. É constituída por três professores e um representante discente.

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educação através do que será apreendido, diretamente, no campo de atuação – a

escola. A reforma educacional está pautada por uma perspectiva empirista, por uma

imagem de conhecimento tácito sobre a ação docente. Todavia, muito antes de

proporcionar a transformação ou o progresso da educação e, particularmente, da

formação de professores, a reforma representa uma tecnologia de regulação dos

indivíduos envolvidos neste processo. Cabe-nos, então, tentar compreender quais

são os efeitos dessa visão empirista ou pragmática no campo da formação docente.

Do mesmo modo, a revisão de artigos científicos realizada para a escrita do

projeto de tese demonstrou fortemente a perspectiva pragmática e a vigência da

teoria do professor reflexivo presentes nas pesquisas e nos estudos sobre os

estágios na formação inicial6. E, portanto, questionar essa maneira pragmática de

6 Com a intenção de me aproximar e de compreender os discursos produzidos sobre a prática de

ensino e o Estágio na formação docente busquei os artigos publicados em duas instâncias relevantes para o meio acadêmico do campo educacional brasileiro: a biblioteca eletrônica de periódicos científicos; o Scielo-Brasil e o GT 08 – Formação de Professores, da ANPED, tendo como ponto de coorte a partir do ano 2000 até outubro de 2011, quando foi realizado o levantamento. No Scielo, foram utilizados descritores: Formação de Professores; Formação Docente; Teoria e Prática; Relação Teoria e Prática; Epistemologia da Prática; Prática Pedagógica; Prática de Ensino; Estágio. Deste modo, além de versarem sobre formação de professores, esses artigos versam também sobre a prática. Foram selecionados seis artigos dos periódicos: Baccon (2010); Felício e Oliveira, (2008); Rosa e Ramos (2008); Semeghini-Siqueira et al (2010); Silva (2010); Ustra e Hernandes (2010). Na busca dos trabalhos aprovados para GT 08 da ANPED, desde a 23ª Reunião Anual em 2000 até a 34ª em 2011, foram encontrados 259 artigos neste período e elegidos seis artigos para este estudo, os quais foram selecionados a partir dos resumos de todos os artigos que tinham em seu título alguma intenção de estudo sobre estágios ou prática de ensino. Foram selecionados seis artigos: Guerra (2000); Mendes (2000); Moraes (2001); Pierro e Fontoura (2009); Santos, (2005); Silva e Machado (2008). Então, para este estudo, foram analisados efetivamente doze artigos: seis dos periódicos e seis do GT 08 da ANPED, pois estes estavam direcionados às práticas de ensino e/ ou aos Estágios durante a formação inicial. O número reduzido de artigos nos faz pensar sobre como o tema da Prática de Ensino ou do Estágio tem sido pouco veiculado nesses espaços de publicação de pesquisas. A Prática de Ensino, ainda que componha os currículos de formação docente, e esteja previsto uma carga horária de 800 horas de prática na formação docente, segundo a indicação das DCN, ainda é uma questão de menos prestígio para a academia e para a pesquisa educacional. Embora a intenção não tenha sido a de realizar um estado da arte, debrucei-me sobre esses doze artigos e procurei destacar os modos como o Estágio e/ou da prática de ensino são significados nos currículos e na formação inicial dos professores: as referências conceituais e os autores mais citados; o lugar que ocupam e o papel que desempenham em relação à instituição formadora, à escola e ao sujeito em formação, de forma a traçar um breve quadro analítico considerando o período de 2000-2011, a fim de compreender as regularidades discursivas e as dissonâncias dos discursos sobre a prática e compreender como as práticas de ensino e os Estágios têm atuado na constituição do eu-docente. As principais referências teóricas encontradas foram: Donald Schön (1997; 2000), citado em oito dos doze artigos lidos; Antônio Nóvoa (1997) e Selma Garrido Pimenta (2011) citados em sete artigos e Maurice Tardif (2002), em cinco artigos. Outros autores, embora menos citados, podem ser destacados para ilustrar o quadro teórico conceitual que percorram esses estudos. São eles: Maria Socorro Lucena Lima (2001); Angel Pérez Gómez (1997) e K. M. Zeichner (1993; 1997). A partir desse quadro, é possível, mesmo que rapidamente, levantar algumas ideias que foram recorrentes nos textos lidos: a defesa de uma prática reflexiva, a importância dos saberes experienciais e da prática, em prol da formação da identidade do professor reflexivo e pesquisador da sua ação educativa.

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pensar a formação é uma das intenções desta tese, na medida em que procura

explorar outros modos de tratar dos Estágios, entendendo-os como dispositivos

pedagógicos onde atuam diferentes tecnologias na constituição do eu-docente.

1.2 Caminhos metodológicos percorridos

O homem que busca o conhecimento não se considera investigador da verdade. Isso porque a procura do conhecimento requer, muitas vezes, que se solape a autoridade da Verdade (TERRA, 2000, p. 13).

Pensar em metodologia de pesquisa é, antes de tudo, pensar em um

caminho, uma escolha, um olhar para aquilo que se pretende estudar. Por ser um

processo de criação e não apenas de constatação, o olhar do pesquisador é o que

dá originalidade ao tema da pesquisa, já que as coisas não estão no mundo

esperando para serem encontradas e pesquisadas. Munida de muitas dúvidas,

incertezas e de um aparato teórico que as sustentasse, procurei construir meu

objeto de investigação. Para Costa (2007, p. 148), “o olhar inventa o objeto e

possibilita as interrogações sobre ele. Assim, parece que não existem velhos

objetos, mas sim olhares exauridos”.

Para tratar especificamente sobre as escolhas feitas para esta pesquisa,

relembro o problema que a sustentou: Como os alunos, futuros professores da

educação básica, vêm-se constituindo no interior das disciplinas de Estágios

Supervisionados em que eles assumem (ou vivenciam) a regência de classe? A

partir dessas experiências de Estágios, como percebem o ser e os fazeres

docentes? Como problematizam o ensinar, o aprender, a escola, a pedagogia e o

próprio Teatro na escola a partir dessas vivências?

Para tanto, a metodologia abordada foi de caráter qualitativo, por trabalhar

com o universo dos significados e das relações estabelecidas entre os discursos

sobre a prática e o Estágio presentes nos documentos oficiais (DCN e PPC), e nas

narrativas dos sujeitos sobre os ES. Os documentos e as narrativas foram

considerados como objetos históricos, vistos em suas descontinuidades e

permanências, suas rupturas e fixações de modos de ser e agir.

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Os textos (Pareceres e Resoluções) das Diretrizes Curriculares Nacionais

para a formação de professores (Brasil, 2001a; 2001b; 2002a; 2002b), as Diretrizes

para a Graduação em Teatro (Brasil, 2004) e o PPC de Teatro (UFPEL, 2009) foram

selecionados para compor as análises por compreender que eles são discursos

oficiais e “políticas como textos” (BALL, 1994). Tornaram-se referência para a

formação e, direta ou indiretamente, estão produzindo novos discursos, atitudes

pedagógicas e valores para o ensino. Para Ball (1994), as políticas atuam sempre na

relação entre a política como texto e a política como discurso. Para o autor, é

importante reconhecermos os textos não necessariamente como claros ou fechados

ou completos, mas sim como produtos de múltiplas influências, agendas e

negociações.

Na percepção deste estudo, os documentos das Diretrizes são textos

codificados de forma complexa e, ao mesmo tempo, decodificados de forma

complexa, por possuírem uma pluralidade de leituras produzidas pela multiplicidade

de leitores e leitoras. Na medida em que o Curso organizou e elaborou seu currículo

para a formação docente, a partir da leitura política e institucional das DCN, pude

observar as interpretações e ajustes realizados na construção do PPC.

Voltei meu olhar para estes documentos entendendo que são constituídos

por discursos (culturais, políticos e pedagógicos) que formam os objetos dos quais

falam, narram um tipo de sujeito-docente e têm efeitos de poder na fabricação de

professores. Estes textos legais surgem em determinados contextos históricos da

organização da sociedade e são parte do processo de regulação social que

instituem práticas sociais e de governo, com o objetivo de realizar fins sociais e

políticos através da ação, das atividades e dos indivíduos que constituem uma

determinada população.

Tomei estes documentos legais para análise, não preocupada em identificar

os autores, mas seus efeitos na formação docente, definidores de um campo de

ação docente, produtores de modos de ser professor. A leitura destes documentos

foi realizada a partir do modo como Foucault (1996a; 1997a) nos apresenta a ideia

de discurso, o qual pode ser tomado como monumento em termos de suas

condições de existência, de suas emergências e de suas correlações com outros

eventos.

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Adotar os discursos legais como monumentos implica não procurar nada por

trás ou além do que está sendo anunciado, mas descrevê-los em sua própria

especificidade a partir do que é efetivamente anunciado e do contexto desse ato. A

noção de discurso que pautou este estudo não é a da linguística, que tem a

preocupação centrada na estrutura da linguagem, mas o discurso no contexto de

relações de poder específicas, historicamente construídas, com noções particulares

de verdade, que definem as ações dos sujeitos envolvidos. Não pesquisei tanto com

o que as palavras significam quanto com a forma como as palavras funcionam e se

relacionam com a existência dos sujeitos, neste caso, como os textos legais

funcionam, que relações de poder e saber movimentam e como se relacionam com

os futuros professores da educação básica.

Apresento, ainda, como o principal instrumento do estudo, além da análise

do documento curricular do Curso, dos textos da reforma para a formação de

professores (pareceres e resoluções) e das Diretrizes para Graduação em Teatro, a

análise das narrativas sobre as experiências de si, capturadas nos relatórios de

estágio dos alunos da primeira turma do Curso de Teatro-Licenciatura, os quais

ingressaram no ano de 2008 e realizaram seus estágios nos anos de 2010 (Estágio

I) e de 2011 (Estágios II e III). A natureza do material analisado é um documento

exigido ao final de cada disciplina de Estágio, escrito individualmente por cada

licenciando, a partir de um roteiro que orienta a escrita, que será apresentado mais

adiante. A opção de trabalhar com apenas uma turma deu-se pelo fato de poder

analisar de modo temporal, ou seja, verificar as consistências, regularidades e

inconsistências presentes nos textos e, ao mesmo tempo, para poder identificar o

que se passa em cada estágio e como incidem na constituição do eu-docente, a

partir de um olhar temporal sob uma mesma turma, o movimento ocorrido no

primeiro, no segundo e no terceiro Estágio. Deste modo, foram lidos vinte e um

relatórios: três relatórios de cada aluno; portanto, foram lidos os relatórios de sete

alunos formados na primeira turma do Curso.

No quadro a seguir, apresento uma breve identificação dos estagiários que

compuseram o corpus de análise deste estudo, o modo pelo qual irei me referir a

cada relatório e alguns aspectos das experiências narradas por cada um deles.

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Quadro 1 – Dados sobre os Estágios da primeira turma do Curso de Teatro – Licenciatura /UFPel

Acadêmico/a Estágio Escola/ Comunidade Série/ Ano N.º Alunos

EaI, 2010

EaII, 2011

EaIII, 2011

Estágio I E.E.E.F. Fernando Treptow 4ª série EF*** 22

Estágio II Colégio Municipal Pelotense 2º ano EM**** 25

Estágio III Comunidade Bairro Dunas – Projeto de Extensão TOCO- Teatro do Oprimido na Comunidade (homens e mulheres)

8

EbI, 2010

EbII, 2011

EbIII, 2011

Estágio I E.E.E.F. Fernando Treptow 2º ano EF 23

Estágio II E.E.E.M. Coronel Pedro Osório 3º ano EM 35

Estágio III Projeto Núcleo 2 – Projeto de Extensão Núcleo de Teatro da UFPEL (jovens e adolescentes)

10

EcI, 2010

EcII, 2011

Ec III, 2011

Estágio I E.E.E.M. Coronel Pedro Osório 1ª série EF 21

Estágio II E.E.E.M. Coronel Pedro Osório 1º ano EM 25

Estágio III Grupo de jovens da Comunidade Católica Santo Cura d‟Ars (jovens)

15

EdI, 2010

EdII, 2011

EdIII, 2011

Estágio I E.E.E.F. Francisco Simões 4ª série EF 20

Estágio II E.E.E.M. Adolfo Fetter EJA - 3º ano EM 18

Estágio III Escola Especial Professor Alfredo Dub (adolescentes surdos)

8

EeI, 2010

EeII, 2011

EeIII, 2011

Estágio I E.E.E.F. Francisco Simões 1º ano EF 18

Estágio II E.E.E.M. Adolfo Fetter EJA - 2º ano EM 15

Estágio III Colônia de Pescadores do Bairro Z3 – Projeto de Extensão TOCO- Teatro do Oprimido na Comunidade (mulheres)

15

EfI, 2010

EfII, 2011

EfIII, 2011

Estágio I E.E.E.F. Francisco Simões 4º ano EF 25

Estágio II E.E.E.M. Coronel Pedro Osório 2º ano EM 20

Estágio III Abrigo Institucional de Meninas II (meninas) 10

EgI, 2010

EgII, 2011

EgIII, 2011

Estágio I E.E.E.F. Francisco Simões 3º ano EF 22

Estágio II Colégio Municipal Pelotense 2º ano EM 30

Estágio III Sociedade São Vicente de Paulo (grupo de idosos) 22

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OBS.: Foram analisados apenas os relatórios de sete alunos a cujos relatórios tive acesso e também daqueles que autorizaram a pesquisa.

** “E” refere-se a estagiário; “a, b, c, d, e, f, g” referem-se à identificação de cada aluno; “I, II, III” referem-se ao primeiro, segundo e terceiro Estágios e seus respectivos anos.

***EF – Ensino Fundamental.

****EM – Ensino Médio.

Fonte: Relatórios de Estágio da primeira turma do Curso de Teatro-Licenciatura/UFPel.

O intuito de analisar as narrativas dos alunos licenciandos, tendo como

instrumento seus relatórios de Estágio, foi de capturar suas regularidades

discursivas a respeito das suas experiências com os estágios, os modos de se

narrarem, se constituírem como futuros professores, as práticas, as escolhas, as

angústias, as conquistas, as impressões sobre si, apontadas pelos alunos-

estagiários em suas escritas e depoimentos. O que veem de si mesmos, como se

narram, como são aplicados os julgamentos a si mesmos, em relação às práticas de

ensino. Como expressam, exteriorizam e contam de suas experiências como

professores, durante a regência de classe, na relação com os alunos, professores e

direção da escola, no planejamento das aulas, enfim, a intenção foi a de resgatar

esses elementos em que falam sobre a experiência de si que implica a constituição

do eu-docente.

Ao trabalhar com a ideia de discurso, deixo de lado as explicações únicas,

as interpretações fáceis, a universalidade de um conceito e a busca de um sentido

oculto das coisas, a fim de atentar para as coisas ditas e para o que o próprio

discurso põe em funcionamento: uma arena de significados, cultural e socialmente

situados. E, ainda, desprendo-me da ideia de o discurso ser apenas um conjunto de

signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações) e,

com isso, passo a compreender o discurso como práticas que formam

sistematicamente os objetos de que falam, o discurso enquanto constituidor da

realidade e produtor de saberes.

Na intenção de realizar uma análise dos discursos, procurei sempre atentar

para as práticas concretas, as relações históricas, escapando da fácil interpretação

daquilo que estaria “por trás” das falas e dos documentos e explorando ao máximo

os materiais, considerando-os como “uma produção histórica e política; na medida

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em que as palavras são também construções; na medida em que a linguagem

também é constitutiva de práticas” (FISCHER, 2001, p. 198-199).

As práticas sociais estão mergulhadas em relações de poder, produzidas

discursivamente, ao mesmo tempo produtoras de discursos e de saberes, os quais

se inscrevem no interior de algumas formações discursivas e de acordo com certo

regime de verdade. Isso significa que estamos sempre obedecendo a um conjunto

de regras, dadas historicamente, afirmando verdades de um tempo (Fischer, 2001).

As coisas ditas (narrativas) foram consideradas amarradas às dinâmicas de poder e

saber de seu tempo e cultura.

Os desafios colocados numa pesquisa pautada pela abordagem pós-

estruturalista estão no modo de operar os limites e dúvidas, divergências e conflitos

e, ao mesmo tempo, compreender que o saber é provisório e coexistem diferentes

verdades que atuam e se articulam em campos de saber-poder e, portanto, não

busquei sínteses conclusivas ou generalizáveis.

Reconheço que os discursos presentes nas narrativas produzem e colocam

em ação diferentes mecanismos e estratégias de identificação e diferenciação dos

sujeitos, ao mesmo tempo em que constroem lugares nos quais os indivíduos se

posicionam ou são posicionados, operando na definição ou na tentativa de definição

daquilo que somos ou pensamos ser.

Pesquisar a partir destes pressupostos pós-estruturalistas deslocaram as

minhas certezas para atuar com as ideias de multiplicidade e provisoriedade,

admitindo a contingência e a transitoriedade e, deste modo, a minha postura como

pesquisadora foi de estranhamento diante do que parece familiar e conhecido. Ao

invés de priorizar os pontos de chegada ou a conclusão final de cada relatório

analisado, o foco da análise esteve nos processos e nas práticas, múltiplas,

conflitantes, com base nas narrativas dos sujeitos.

De modo a facilitar o acompanhamento da leitura deste texto e rememorar

as intenções desta pesquisa, trago novamente os objetivos que a pautaram: Analisar

que sentidos o Estágio e a prática de ensino vêm assumindo na formação inicial e

seus efeitos na subjetividade do futuro professor; a partir dos relatórios e das falas

dos alunos, identificar experiências e práticas vivenciadas pelos alunos que são por

eles destacadas como mais ou menos relevantes no seu processo de formação e os

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motivos dos significados atribuídos; a partir desses materiais, identificar e analisar

que saberes são acionados durante os Estágios, como eles se articulam entre si e o

modo como são percebidos pelos alunos; analisar as narrativas sobre as

experiências de si presentes nos relatórios finais dos ES dos alunos, futuros

professores.

Tendo sempre em vista estes objetivos, algumas questões me cercavam

durante as leituras dos relatórios: De que ordem ou racionalidades, de que lugares

estão narrando suas experiências dos estágios? Da crítica, da proposição, da

incerteza, da afirmação, da negação, do ser-consigo, do ser-com-o-outro? Que

saberes são acionados durante os Estágios, como eles se articulam entre si e de

que modo eles percebem estes saberes? Que experiências e práticas vivenciadas

pelos alunos são por eles destacados como mais ou menos relevantes no seu

processo de formação e os motivos dos significados atribuídos para esses

momentos? Quais sentidos dão ao estágio para sua formação docente?

Após uma exaustiva leitura dos vinte e um relatórios, fui tentando organizar

um modo de articular as narrativas com os propósitos da pesquisa. Muitas variáveis

foram possíveis de serem construídas e analisadas a partir destes documentos.

Contudo, foi necessário concentrar as energias e focar em algumas unidades de

registro para organizar uma metodologia de pesquisa coerente com os pressupostos

teóricos que a sustentam. Deste modo, elenquei cinco unidades de registro que me

pareceram coerentes e que me ajudaram sistematicamente a responder a minhas

questões, quais sejam:

a) Os sentidos do estágio na formação: nesta unidade, selecionei partes das

narrativas em que os acadêmicos apresentavam a importância e o sentido do

Estágio para a formação deles, aspectos tanto positivos, quanto negativos em

relação a este momento na vida acadêmica; b) Os saberes mobilizados para o

estágio: foram destacados os saberes que cada aluno apresentou como

fundamentais e que os ajudaram nesse processo formativo, tanto saberes teóricos,

quanto saberes práticos; c) A escrita autorreflexiva sobre si: nesta unidade elenquei

as falas onde apareciam textos de cunho mais reflexivo ou autorreflexivo, como se

narravam a si mesmos, como se viam como professores, e ideias sobre si mesmos

durante a atuação na escola; d) O papel docente na contemporaneidade: selecionei

diferentes modelos de ser professor que os acadêmicos apresentaram como sendo

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ideais para a sociedade atual; e) A aula de Teatro: Destaquei aspectos sobre a aula

de teatro, como, por exemplo: objetivos, erros, acertos, metodologias, como

entendiam que deveria ser a aula de teatro e o motivo de haver aula de teatro na

escola.

Para cada unidade elencada, foi aberto um arquivo específico onde foram

colocados fragmentos de textos de todos os relatórios compatíveis com a unidade,

de modo a montar um grande emaranhado de ideias, vindas das narrativas dos sete

alunos. Após este trabalho artesanal – digo artesanal porque lembra o trabalho de

um “artesão intelectual”, conforme nos fala Mills (2009) – foram realizadas várias

leituras de cada unidade, de modo a compreender as regularidades discursivas

presentes nas escritas. O valor do artesanato está na sua natureza criativa do

trabalho e na prática do artesão independente e, por vezes, solitário, embora em

estreita relação com os indivíduos a quem o trabalho se refere, se endereça.

Atenta para as combinações não previstas e evitando normas de

procedimentos metodológicos rígidas, procurei apreender alguns pensamentos

marginais que me cercavam durante as leituras do material. Foi a partir desse

movimento que apreendi em três grandes blocos analíticos: o primeiro deles está

situado no penúltimo capítulo e trata da escrita do relatório em si, a produção do eu-

docente considerando os efeitos do tempo-duração do componente Estágio (I, II e

III) e o próprio relatório enquanto dispositivo curricular e como dispositivo de

reflexividade, de experiência de si. O segundo e o terceiro movimentos analíticos

aparecem no último capítulo, onde realizei a análise a partir dos aspectos da ética

(da relação consigo mesmo) apresentados por Michel Foucault e da educação moral

discutida por Jorge Larrosa; e, por fim, trato das marcas de aprendizagens enquanto

experiência de formação do eu-docente, seja pelo que pode ser considerado como

negativo ou erro, seja pelas positividades ou surpresas.

A intenção desta pesquisa foi a de tentar fugir da forma idealista com que as

práticas de Estágio têm sido descritas e justificadas nos discursos teóricos e das

políticas de formação de professores, como espaços neutros de aprendizagem,

diálogo e reflexão docentes. E, ainda, tenta escapar do modo essencialista através

do qual o sujeito em formação tem sido designado, construindo e desenvolvendo

sozinho suas capacidades de reflexão e de ação, elaborando seus valores próprios

sobre o ensino e a aprendizagem, a partir da prática. A intenção foi de perguntar e

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demonstrar como as coisas acontecem e funcionam, entendendo que não há como

separar teoria e prática.

Embora seja praticamente impossível encontrar uma metodologia de análise

ou um método nos textos de Foucault, foi a partir dele, com sua forma de

interrogação e suas estratégias analíticas de descrição, as quais aparecem em seus

estudos sobre as subjetividades, a ética e as tecnologias do eu, que pautei os

movimentos analíticos realizados nesta tese, com “vigilância epistemológica” (Veiga-

Neto, 2005). A análise encontra-se dividida nesses três momentos, embora se

complementem e se relacionem, na tentativa de desenvolver uma das teorizações

de Foucault, as tecnologias do eu, porém, com um recorte específico para o meu

estudo, o eu-docente, a partir da realização e funcionamento das disciplinas de ES.

1.3 O campo empírico: O Curso de Teatro-Licenciatura da UFPel

Mais do que apresentar o campo de estudo empírico desta tese, esta seção

pretende fazer com que o leitor compreenda as especificidades, as modalidades

concretas e materiais da realização, do funcionamento do curso de Teatro-

Licenciatura da UFPel7 e, mais especificamente, as disciplinas de Estágio (I, II e II),

que são o foco da pesquisa. É importante perceber a realização efetiva destas

disciplinas como atividades pedagógicas de formação docente, onde se aprende

7 O professor Arão Paranaguá de Santana (2009) trata do histórico da formação em teatro e nos diz

que: O ensino do teatro surgiu no período colonial como instrumento de catequese, sendo utilizado durante quatro séculos, pela pedagogia tradicional, na comemoração de datas cívicas ou na animação de solenidades escolares. Com o advento do teatro moderno (séc. XX), a criação de conservatórios e as renovações promovidas pelo movimento dos pioneiros pela escola nova, o teatro passou a ser concebido como experiência expressiva, penetrando aos poucos no currículo escolar brasileiro, junto aos saberes e fazeres das outras linguagens da arte. A partir do momento em que o ensino de teatro foi considerado obrigatório na educação básica (anos 1970), ocorreu uma expansão significativa em todos os níveis da escolarização. O ensino universitário na área de teatro foi regula-mentado em 1965, após a legalização das carreiras profissionais de ator, crítico, diretor, cenógrafo e professor de arte dramática, embora o Conservatório Brasileiro de Teatro, órgão ligado ao MEC, ofertasse, desde 1939, um curso tido como superior. Não se deve perder de vista que a expansão do ensino das artes em nível superior efetivou-se de maneira semelhante em todas as modalidades e linguagens. Em 1970, não existiam mais de 30 cursos superiores nas diversas áreas, quase todos em âmbito de bacharelado, sendo a maioria de artes plásticas. As áreas de música e teatro contavam com poucas oportunidades, ao passo que eram raros os cursos de dança e cinema, por exemplo. Atualmente, conforme determina a LDBEN, o teatro é uma das quatro linguagens da disciplina Arte e, de acordo com a orientação oficial, o ensino dessa matéria [...] “tem a mesma importância que os demais componentes curriculares”. Hoje, há um amplo leque de áreas e profissões contempladas pelas IES, incluindo moda, decoração e design, além de música, artes plásticas, dança e teatro – desse total, mais da metade são cursos de formação de professores.

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algo através de diferentes tecnologias do eu que estabelecem uma relação do

sujeito consigo mesmo.

A partir do movimento da arte-educação, iniciado nas décadas de 1970 -

1980, os cursos de formação de professores de Arte atualizaram-se em licenciaturas

específicas para cada modalidade artística, com o intuito de qualificar as ações de

ensino e aprendizagem em Artes Visuais, Música, Teatro e Dança, cumprindo a

nova LDBEN (Brasil, 1996). A Universidade Federal de Pelotas, que já vinha há

muitos anos formando professores nas áreas de Música e Artes Visuais8,

implementa, no ano de 2008, o Curso de Teatro – Licenciatura9, suprindo uma

demanda local e regional de profissionais habilitados para o trabalho em artes

cênicas nas escolas. O curso tem duração de oito semestres e é oferecido no

período noturno, de forma a contemplar alunos trabalhadores, bem como

professores em exercício das redes escolares da cidade e da região.

Segundo o Projeto Pedagógico do Curso de Teatro – PPC (UFPEL, 2009), a

constituição do currículo contempla as orientações legais da LDBEN 9.394/96,

acompanha as indicações das novas políticas de formação docente, as Resoluções

CNE/CP 01/2002, CNE/CP 02/2002 (Brasil, 2002a; 2002b), as Diretrizes para

Graduação em Teatro CNE/CES 04/2004 (Brasil, 2004), as normas instituídas nas

Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil, ensino fundamental e

médio, bem como as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a

Educação Básica, ambos os documentos assinados pelo Ministério da Educação,

por suas diferentes secretarias.

A finalidade do Curso de Teatro, expressa no PPC, é de formar profissionais

do campo teatral comprometidos com a construção do conhecimento, com a

produção e desenvolvimento cultural da região, com a educação e formação de

crianças, jovens e adultos nos diferentes níveis do ensino formal e informal.

Apresenta ainda como objetivo geral: “Formar profissional Licenciado em Teatro com

8 Em 1949, foi criado o Curso de Artes na EBA. Em 1955, o governo federal autoriza a funcionamento

dos Cursos de Graduação em Pintura e Escultura. No ano de 1969, com a criação da UFPel, a EBA tornou-se uma Unidade agregada. Em 1975, foi reconhecido o Curso de Licenciatura Curta em Educação Artística, o qual em 1978, foi substituído pelo Curso de Licenciatura Plena em Educação Artística (com as habilitações em Artes Plásticas, Desenho e Música). Em 1998, após LDBEN 9.394/96, o Curso de Licenciatura Plena em Educação Artística passa a ser Licenciatura em Artes, com as seguintes habilitações: Música, Desenho e Computação Gráfica e Artes Visuais.

9 O Curso de Teatro – Licenciatura é o primeiro curso da UFPel criado com total adesão ao REUNI,

estando em funcionamento desde o primeiro semestre de 2008.

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amplo conhecimento sobre a linguagem teatral para atuar no mercado de trabalho

como professor(a), agente cultural, ator/atriz e diretor(a)-pedagogo(a)” (UFPEL,

2009, p. 8).

Encontramos ressonância na indicação das Diretrizes para Graduação em

Teatro no que diz respeito ao perfil do egresso de Teatro, no Art. 3°:

O curso de graduação em Teatro deve ensejar, como perfil desejado do formando, capacitação para a apropriação do pensamento reflexivo e da sensibilidade artística, compreendendo sólida formação técnica, artística, ética e cultural, com aptidão para construir novas formas de expressão e de linguagem corporal e de propostas estéticas, inclusive como elemento de valorização humana e da autoestima, visando a integrar o indivíduo na sociedade e tornando-o participativo de suas múltiplas manifestações culturais (BRASIL, 2004, p. 2).

O currículo de um curso de graduação expressa um ordenamento, uma

racionalidade, uma disposição organizada para atingir determinados fins no ser

professor. Logo, o currículo de formação docente destina-se ao governo das

condutas dos futuros professores e pode ser entendido como uma tecnologia de

governo, com uma série de finalidades específicas que, para serem atingidas, são

dispostas em forma de grade de disciplinas, com suas cargas horárias, ementas,

com pré-requisitos e com um sequenciamento semestral, perpassando ainda pelas

atividades complementares de formação e a formação livre. Ou, além disso,

conforme apresenta Goodson (1995), o currículo nos proporciona um testemunho,

uma fonte documental, um mapa do terreno ou um roteiro oficial que legitima a

estrutura institucional e promove a formação docente.

Passarei a apresentar a organização curricular do Curso analisado, de modo

a compreender como esse ordenamento vem produzindo o futuro professor de

Teatro para a educação básica, a partir da disposição e articulação dos conteúdos

curriculares específicos da graduação em Teatro, juntamente com as orientações

para a formação docente.

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1.3.1 Organização Curricular do Curso de Teatro-Licenciatura da UFPel

O ensino de Teatro em escolas conta com diversas propostas ancoradas em

teorias e metodologias amplamente difundidas e com vertentes múltiplas. Conta,

também, com pessoas e centros de pesquisa responsáveis pela divulgação dos

saberes construídos, de modo que, conforme comenta Santana (2009), a área tende

cada vez mais a firmar-se como campo de saber próprio, sem necessidade de

afirmar-se em campos de saber alheios.

O curso de Teatro da UFPel está pautado fundamentalmente pela

Resolução CNE/CES 04/2004, que versa sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais

do Curso de Graduação em Teatro (Brasil, 2004). Nestas diretrizes, encontramos

algumas orientações estruturantes para compor um currículo mínino da graduação

em Teatro. Conforme podemos verificar no Art. 4°, a formação profissional deve

possibilitar as seguintes habilidades e competências:

I - conhecimento da linguagem teatral, suas especificidades e seus desdobramentos, inclusive conceitos e métodos fundamentais à reflexão crítica dos diferentes elementos da linguagem teatral; II - conhecimento da história do teatro, da dramaturgia e da literatura dramática; III - domínio de códigos e convenções próprios da linguagem cênica na concepção da encenação e da criação do espetáculo teatral; IV - domínio técnico e expressivo do corpo visando a interpretação teatral; V - domínio técnico construtivo na composição dos elementos visuais da cena teatral; VI - conhecimento de princípios gerais de educação e dos processos pedagógicos referentes à aprendizagem e ao desenvolvimento do ser humano como subsídio para o trabalho educacional direcionado para o teatro e suas diversas manifestações; VII - capacidade de coordenar o processo educacional de conhecimentos teóricos e práticos sob as linguagens cênica e teatral, no exercício do ensino de Teatro, tanto no âmbito formal como em práticas não-formais de ensino; VIII - capacidade de auto aprendizado contínuo, exercitando procedimentos de investigação, análise e crítica dos diversos elementos e processos estéticos da arte teatral (BRASIL, 2004).

A organização curricular básica do Curso está dividida em quatro áreas de

conhecimento que, juntas, somam a carga horária total de formação de 2933 horas:

Área de Conhecimento de Fundamentos do Teatro; Área de Conhecimento

Humanístico – Pedagógico; Área de Integração e Pesquisa; Núcleo de Formação

Livre – disciplinas e/ou oficinas e/ou atividades.

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1) Área de Conhecimento de Fundamentos do Teatro: trabalha com os

conhecimentos específicos do Teatro (teóricos e práticos) e dos elementos

fundamentais da linguagem teatral, que possam subsidiar a sua prática pedagógica,

seguindo as indicações do Art. 5°da Resolução CNE/CES 04/2004:

I – conteúdos Básicos: estudos relacionados com as Artes Cênicas, a Música, a Cultura e a Literatura, sob as diferentes manifestações da vida e de seus valores, bem assim com a História do Espetáculo Teatral, a Dramaturgia, a Encenação, a Interpretação Teatral e com a Ética Profissional; II – conteúdos Específicos: estudos relacionados com a História da Arte, com a Estética, com a Teoria e o Ensino do Teatro, além de outros relacionados com as diferentes formas de expressão musical e corporal, adequadas à Expressão Teatral e às formas de Comunicação Humana; III – conteúdos Teórico-Práticos: domínios de técnicas integradas aos princípios informadores da formação teatral e sua integração com atividades relacionadas com Espaços Cênicos, Estéticos, Cenográficos, além de domínios específicos em produção teatral, como expressão da Arte, da Cultura e da Vida (BRASIL, 2004).

No Curso analisado, contemplam esta área as seguintes disciplinas:

Expressão Corporal I e II (68 horas cada = 136 horas); Improvisação Teatral I e II (68

horas cada = 136 horas); História do Teatro I, II, III e IV (68 créditos cada = 272

horas); História do Teatro Brasileiro I e II (68 horas cada = 136 horas); Crítica Teatral

(34 horas); Fundamentos da Linguagem Teatral (68 créditos); Interpretação Teatral I

e II (68 horas cada = 136 horas); Expressão Vocal I e II (68 horas cada = 136 horas);

Estética Teatral (34 horas); Encenação Teatral I e II (68 horas cada = 136 horas);

Dramaturgia (68 horas); Montagem Teatral I e II (68 horas cada = 136 horas),

Metodologia do Estudo e da Pesquisa (34 horas). Somadas, totalizam 1462 horas,

que correspondem a 50% do total da carga horária de formação e, ainda, atendem à

determinação da Resolução CNE/CP 02/2002 de 1800 horas de aulas para os

conteúdos curriculares de natureza científica/cultural.

2) Área de Conhecimento Humanístico-Pedagógico: oferece conhecimentos

que irão compor a formação pedagógica do licenciando e a abordagem de aspectos

relevantes à prática docente, incluindo as disciplinas: Fundamentos Psicológicos da

Educação (68 horas); Fundamentos Sócio-Histórico-Filosóficos da Educação (68

horas); Educação Brasileira: Organização e Políticas Públicas (68 horas); Educação

Inclusiva (51 horas); Libras (68 horas). Totalizando: 323 horas, que correspondem a

11% do total da carga horária de formação e também estão de acordo com a

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determinação da Resolução CNE/CP 02/2002 de 1800 horas de aulas para os

conteúdos curriculares de natureza científica/cultural.

3) Área de Integração e Pesquisa: constitui-se em espaço de integração

teórico-prático do currículo e em instrumento de aproximação do aluno com a

realidade social e pedagógica do trabalho educativo por meio da prática pedagógica

e dos Estágios orientados. Acontece através de disciplinas específicas, projetos e

articulações com as atividades das diferentes disciplinas que compõem o currículo.

Esta área inclui as horas previstas pela Resolução CNE/CP 02/2002 da Prática

como Componente Curricular (400 horas); dos Estágios Supervisionados (400

horas); da Atividade Complementar (200 horas), entre outras que também

pertencem às 1800 horas para os conteúdos curriculares de natureza

científica/cultural. Corresponde a 32 % do total da carga horária e está dividida em

quatro segmentos (que juntos somam 948 horas):

a) Práticas Teórico-Pedagógicas: Conforme a Resolução do CNE/CP

02/2002, a prática deve estar presente como componente curricular desde o início

do curso e permear toda a formação do professor, além de corresponder a 400

horas de aulas. Constam aqui as disciplinas de Teatro e Educação I (68 horas), II, III

e IV (34 horas cada = 102 horas); Teatro, Educação e Ética (34 horas). Somadas,

totalizam 204 horas. O Projeto Pedagógico indica, para compor as 400h de PCC –

Práticas como Componente Curricular, as disciplinas do item 2 “Área de

Conhecimento Humanístico-Pedagógico: Libras; Educação Inclusiva; Fundamentos

Psicológicos da Educação; Fundamentos Sócio-Histórico-Filosóficos da Educação;

Educação Brasileira: Organização e Políticas Públicas da Educação, totalizando 323

horas. Deste modo, apresentam a carga horária de prática vivenciada ao longo do

curso (PCC) de 527 horas, pois somam a carga horária das “Práticas Teórico-

Pedagógicas” com a carga horária das disciplinas do “Conhecimento Humanístico-

Pedagógico”.

b) Atividades Complementares de Formação: As atividades complementares

de formação acadêmica são de caráter esporádico ou contínuo, das quais os alunos

participem ao longo do tempo de integralização do curso de graduação,

devidamente comprovadas através de atestados e/ou certificados de participação

que contenham a carga-horária da atividade. Tais atividades devem somar, no

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mínimo, 200 horas, e correspondem a indicação da matriz curricular proposta pela

Resolução CNE/CP 02/2002.

c) Estágios Supervisionados: Os ES acontecem nos 6º, 7º e 8º semestres do

Curso, estão divididos em três disciplinas: Estágio I e II (119 horas cada = 238

horas); Estágio III (170 horas), totalizando 408 horas e correspondem à indicação da

matriz curricular da Resolução CNE/CP 02/2002 de, no mínino, 400 horas de

Estágio.

d) Trabalho de Conclusão de Curso (TCC): A monografia final (ou Trabalho

de Conclusão de Curso – TCC) está dividida em duas disciplinas de Projeto em

Teatro I e II (68 horas cada = 136 horas). É importante destacar que o TCC não é

uma obrigatoriedade de acordo com as Diretrizes para Graduação em Teatro (Brasil,

2004) e também, segundo as Diretrizes Curriculares para a formação de professores

(Brasil 2002a), de modo que ao optar-se por esse trabalho final, com caráter de

pesquisa, temos um currículo que elege uma prática de pesquisa durante a

formação inicial docente, embora o PPC não indique que a pesquisa deva ser na

área de educação ou da pedagogia do teatro. É aberto para projetos de pesquisa na

área específica de teatro, incluindo trabalhos teórico-práticos de encenação e

análise teatral.

4) Núcleo de Formação Livre – disciplinas e/ou oficinas e/ou atividades: A

Formação Livre corresponde a 7% da carga horária total do Curso (200 horas) e é

apresentado como “o espaço concreto para a interdisciplinaridade, para os

cruzamentos epistemológicos, para as escolhas singulares de cada aluno” (UFPEL,

2009, p. 20). Os alunos têm a possibilidade de cursar diferentes disciplinas em

outros cursos, para construírem parte de seu percurso acadêmico, a partir das suas

necessidades e especificidades.

Após esta extensa apresentação da distribuição das cargas horárias e das

áreas que compõem o currículo de formação do Curso de Teatro da UFPEL,

apresento o gráfico construído a partir das quatro áreas que o PPC estipula:

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Figura 1: Organização curricular de acordo com a estrutura apresentada no PPC, com total de 2933 horas.

Fonte: UFPEL (2009).

É possível identificar visualmente a hierarquização das áreas de

conhecimentos estabelecidas pelo PPC, de forma que a metade da carga horária do

Curso é destinada para conteúdos específicos da área de conhecimento em Teatro,

e apenas 11% são destinados para conteúdos pedagógicos. Embora se trate de um

Curso de Licenciatura, prevalecem questões de cunho teórico-científicas em Teatro.

A formação como preparação profissional deve possibilitar que os professores se apropriem de determinados conhecimentos e que possam experimentar, em seu próprio processo de aprendizagem, o desenvolvimento das competências necessárias para atuar nas diferentes conjunturas sociais. A formação de um profissional de educação tem que estimulá-lo a aprender, a pesquisar e investir na sua própria formação (UFPEL, 2009, p. 13).

Mais do que carga horária, distribuição de disciplinas e toda organização

curricular em cada semestre, o Projeto Pedagógico apresenta questões de cunho

conceitual, pedagógico e metodológico do Curso em questão. Percebemos a forte

presença, no texto do PPC, de ideias que remetem a uma autoformação ou

autogerenciamento da formação docente, quando lemos, por exemplo, na citação

anterior, o curso de licenciatura estimulando o futuro professor a ir atrás da própria

formação e o incentivando a buscar os saberes que o tornem apto para atuar em

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diferentes situações e, também, na medida em que encontramos, na apresentação

sobre o perfil do acadêmico e do profissional que se pretende formar, de modo

recorrente, a ideia de competências:

Para tanto, o domínio da dimensão teórica do conhecimento para a atuação profissional é essencial, mas não é suficiente. É preciso saber mobilizar o conhecimento em situações concretas, qualquer que seja a sua natureza. Essa perspectiva traz para a formação a concepção de competência, como sendo o ponto de partida e de chegada de formação e atuação profissional do professor (UFPEL, 2009, p. 13).

Embora não seja uma abordagem nova – já utilizada pelos Estados Unidos

na década de 197010 – essa noção de competências está ainda mais presente com

as reformas educacionais desde o início dos anos 90 e, especialmente na formação

docente, pode ser lida como uma centralidade do saber fazer.

As competências tratam sempre de alguma forma de atuação, só existem em situação e, portanto, não podem ser apreendidas pela comunicação de ideias. Para construí-las, as ações mentais não são suficientes – ainda que sejam essenciais. Não basta a um profissional ter conhecimento sobre o seu trabalho; é fundamental que saiba fazê-lo (UFPEL, 2009, p. 13).

A noção de competência relaciona-se, segundo Maués (2003a, p. 105), com

o mundo da indústria e das empresas, através de uma indicação de que a escola

deve ser flexível e a formação polivalente, já que o mundo das indústrias necessita

de uma acelerada e dinâmica renovação, vinculando-se educação ao mercado, ou à

mercadoria. A política de formação docente, ao seguir este aporte das

competências, coloca o conhecimento sobre a prática num patamar de maior

relevância, em detrimento de uma formação intelectual e política dos professores

(Dias; Lopes, 2003). De certo modo, há uma repaginação da pedagogia tecnicista.

Segundo o Projeto Pedagógico analisado, as competências devem-se refletir

nos “objetivos da formação, na eleição de seus conteúdos, na organização

curricular, na abordagem metodológica, na criação de diferentes tempos e espaços

10

O currículo por competências das décadas de 1960 e 1970 aproximava-se dos modelos de mercado e gerenciamento, na medida em que: “a) apresentava como estratégia metodológica a definição de um perfil profissional a ser formado, identificando nele as respectivas competências que os sujeitos deveriam demonstrar; b) definia esse perfil com base nos desempenhos (comportamentos) desejáveis nos professores para garantir a eficiência do processo de ensino-aprendizagem; c) estabelecia a eficiência do processo de ensino-aprendizagem com base nas expectativas sociais, centradas no mercado de trabalho” (DIAS; LOPES, 2003, p. 1161).

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de vivência para o professor em formação” (UFPEL, 2009, p. 13). Isso reitera a ideia

de que as competências não possuem conteúdos próprios, pois os conteúdos por

elas mobilizados podem variar conforme o desempenho a ser desenvolvido e partem

de diferentes disciplinas, articuladas entre si e segundo as exigências das situações

concretas (DIAS; LOPES, 2003).

Na seção intitulada “unidade metodológica” do documento analisado, a

interdisciplinaridade aparece como metodologia integradora, como “uma prática de

negociação entre pontos de vista, projetos e interesses diferentes” (UFPEL, 2009, p.

23). E, ainda:

A metodologia integrada nasce da interdisciplinaridade, uma conjunção de diferentes disciplinas curriculares que pressupõe uma reconfiguração da concepção do saber e uma reformulação na estrutura pedagógica do ensino. [...] O trabalho interdisciplinar supõe uma interação das disciplinas, uma interpretação, indo desde a simples comunicação de ideias até a integração mútua dos conceitos, da epistemologia e da metodologia. A interdisciplinaridade se impõe como um princípio de organização do conhecimento (UFPEL, 2009, p. 23).

Os primeiros passos para a interdisciplinaridade, segundo Ivani Fazenda

(1994; 1998; 2003), são o diálogo (troca, encontro com o outro) entre professores e

alunos, currículo e disciplinas. Enquanto troca, todo encontro supõe um confronto de

ideias onde cada qual traz seu testemunho e busca o testemunho do outro. O

próximo passo seria a ação: a interdisciplinaridade fundamenta-se na ação, cuja

natureza é ambígua, tendo como pressuposto a metamorfose, a incerteza, porque

trata com a complexidade dos saberes. Necessita-se do domínio da

interdisciplinaridade como metodologia (conhecimentos disciplinares, culturais,

pedagógicos, didáticos e práticos).

A autora ainda diz que a interdisciplinaridade é, antes de tudo, uma questão

de atitude diferente a ser assumida diante do problema do conhecimento, ou seja, é

a substituição de uma concepção fragmentária de currículo e saberes para uma

noção unitária do saber e do próprio sujeito. Indica uma inter-relação entre duas ou

mais disciplinas, sem que nenhuma sobressaia às outras, mas que se estabeleça

uma relação de reciprocidade e colaboração, com o desaparecimento de fronteiras

entre as áreas do conhecimento. A atitude interdisciplinar é definida como:

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[...] uma atitude diante de alternativas para conhecer mais e melhor, atitude de espera ante os atos consumados, atitude de reciprocidade que impele à troca, que impele ao diálogo – ao diálogo com pares anônimos ou consigo mesmo – atitude de humildade diante da limitação do próprio saber, atitude de perplexidade ante a possibilidade de desvendar novos saberes, atitude de desafio – desafio perante o novo, desafio em redimensionar o velho – atitude de envolvimento e comprometimento com os projetos e com as pessoas neles envolvidos, atitude, pois, de compromisso em construir sempre da melhor forma possível, atitude de responsabilidade mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de encontro, enfim de vida (FAZENDA, 1994, p. 82).

Entretanto, Gallo (2009, p. 17) alerta que “a questão da interdisciplinaridade

tem estado muito em moda nos debates educacionais; e como toda coisa importante

que, de repente, vira modismo, esvazia-se de sentido”. Os trabalhos

interdisciplinares são, muitas vezes, realizados sob a forma de projetos. Se, em um

currículo disciplinar, projeto significa planejamento, plano, programa, em um

currículo interdisciplinar, projeto é intenção, desígnio, esboço, desenho. O autor

indica duas metodologias de trabalho possíveis para o trabalho interdisciplinar: a

pedagogia de projetos e os temas transversais. No primeiro caso, a metodologia

consiste em construir coletivamente projetos temáticos, em torno dos quais os

professores de cada disciplina desenvolvem seus conteúdos próprios. No segundo,

a ideia é a de inverter a lógica da grade curricular: em lugar de ela ser articulada em

torno das disciplinas, são escolhidos alguns temas que serão o eixo do currículo, e

atravessarão todas as disciplinas (GALLO, 2009, p. 21).

Se entendermos que a interdisciplinaridade é a consciência da necessidade

de um inter-relacionamento explícito e direto entre duas ou mais disciplinas,

veremos que o PPC não aponta para tal possibilidade, pois está organizado em

disciplinas e áreas com fronteiras bem demarcadas, apresentando apena o Núcleo

de Formação Livre como o “espaço concreto para a interdisciplinaridade, para os

cruzamentos epistemológicos, para as escolhas singulares de cada aluno” (UFPEL,

2009). No entanto, percebo que o Núcleo de Formação Livre configura não uma

postura interdisciplinar, mas um cruzamento disciplinar mais aberto para outras

áreas de conhecimentos, que não especificamente as disciplinas ofertadas pelo

Curso de Teatro. Conforme já foi apresentado anteriormente, os alunos são

incentivados a cursar outras disciplinas em cursos de áreas afins (Filosofia,

Pedagogia, Artes Visuais, Música, Dança, História, etc.), de modo que são escolhas

individuais que devem somar 200 horas-aula, não configurando necessariamente

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uma ação interdisciplinar, mas uma caminhada curricular mais aberta para uma

formação mais livre e individualizada.

Ao me aproximar do currículo do curso, entendo que está presente a ideia

de hibridismo (Ball, 2001; Popkewitz, 2004; Lopes, 2005), que atua nas políticas

educacionais, sobrepondo procedimentos, pressupostos, orientações curriculares e

didáticas plurais, uma mistura de imagens globais, nacionais, locais que se localizam

num mesmo texto com configurações próprias, recontextualizadas. Por isso,

encontramos conceitos como competências, interdisciplinaridade e, ainda, o núcleo

de formação livre, agrupados num mesmo currículo. Resultado de um processo de

“bricolagem” (Ball, 2001), toma emprestado fragmentos e partes de outras

conjunturas sociais e culturais, ao mesmo tempo que procura melhorar abordagens

metodológicas já conhecidas e tendências curriculares ou modas didáticas, com a

intenção de reunir essa pluralidade num único texto.

Ao final, é possível inferirmos que esse currículo escrito, considerado como

“mapa”, ou currículo pré-ativo, resultado de uma bricolagem de diferentes tradições

e movimentos curriculares, só faz sentido de ser estudado e analisado se observado

também na sua prática, em ação. Portanto, passo a apresentar o funcionamento e a

dinâmica das disciplinas de ES no Curso de Teatro, ocorrido com a primeira turma

do Curso, entendendo ainda que, a cada nova turma, as disciplinas assumem

peculiaridades distintas de acordo com as diversas realidades encontradas nas

escolas ou nas comunidades e mesmo com os diferentes alunos licenciandos, com

suas subjetividades e singularidades. Deste modo, dou destaque ao contexto da

turma específica que é o corpus de análise principal desta pesquisa.

1.3.2 Os Estágios Supervisionados no Curso Teatro-Licenciatura da UFPel

As disciplinas de Estágio I, II e III fazem parte do currículo do curso de

Teatro – Licenciatura totalizando 408 horas, cumprindo a exigência das Diretrizes

Curriculares Nacionais (Brasil, 2002b) de 400 horas de Estágio para a formação

docente. O que apresento, neste momento, é o resultado do cruzamento desta

estrutura curricular, suas definições e indicações para os Estágios, com a

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experiência dos Estágios da primeira turma do curso de Teatro, procurando trazer a

materialidade do currículo do Curso, suas modalidades concretas e efetivas.

Os Estágios do curso de Teatro acontecem nos três últimos semestres

letivos: no ES I, os alunos atuam em escolas de educação infantil e/ou ensino

fundamental; no ES II, no ensino médio e, no ES III, em comunidades. Antes disso,

já estudaram os conteúdos das disciplinas pedagógicas de Teatro na Educação (I, II,

III e IV) ministradas pelas professoras da área de Teatro e Educação, vinculadas ao

Curso de Teatro e os conteúdos das disciplinas das ciências básicas da educação11,

ministradas por professores da Faculdade de Educação e do Centro de Letras e

Comunicação.

De acordo com as ementas, previstas no PPC e apresentadas nos Planos

de Ensino, o ES I (Anexo 2) é definido como: “Vivências de situações práticas de

ensino de Teatro na educação infantil e/ou séries iniciais e finais do ensino

fundamental em escola de ensino regular. Elaboração de planos de ensino e

relatório final”. O ES II (Anexo 3): “Vivências de situações práticas de ensino de

Teatro no ensino médio e/ou técnico em escola de ensino regular. Elaboração de

plano de ensino, planos de aula e relatório final”. E o ES III (Anexo 4): “Vivências de

situações práticas de ensino de Teatro na comunidade. Elaboração de plano de

ensino, planos de aulas e relatório final”.

Os objetivos anunciados para os Estágios Supervisionados são:

Desenvolver capacidade de reflexão crítica sobre o ensino de Teatro no

contexto escolar e na comunidade, inter-relacionada com elementos antropológicos,

socioculturais e político-econômicos;

Possibilitar conhecimentos e habilidades didático-pedagógicas necessárias

para elaboração de planejamentos, formulação de objetivos;

Discutir sobre os processos avaliativos e a utilização de recursos materiais

no Ensino de Teatro na escola e na comunidade.

11

São responsabilidades da FaE as disciplinas: Fundamentos Psicológicos da Educação (68 horas); Fundamentos Sócio-Histórico-Filosóficos da Educação (68 horas); Educação Brasileira: Organização e Políticas Públicas (68 horas); Educação Inclusiva (51 horas). Libras (68 horas) é uma disciplina ministrada por professores do CLC.

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Os programas dos três estágios possuem basicamente as mesmas

unidades, diferindo apenas em questões pontuais e específicas de cada público-alvo

selecionado para o exercício da docência:

Unidade1 – Metas educacionais, planejamentos, objetivos, avaliações e

recursos materiais.

Unidade 2 – Propostas de intervenções, planos de curso e planos de aula.

Unidade 3 – Acompanhamento de aulas de teatro nas escolas da educação

infantil e/ou no ensino fundamental (ES I). Acompanhamento de aulas de teatro nas

escolas no ensino médio (ES II). Acompanhamento das oficinas de teatro em

comunidades, projetos sociais, associações de bairro, etc. (ES III). Práticas

pedagógicas supervisionadas.

Unidade 4 – Avaliação das observações e intervenções na escola (ES I e II).

Avaliação das observações e intervenções na comunidade (ES III).

Unidade 5 – Seminários temáticos sobre as práticas de ensino de teatro

desenvolvidas durante o estágio.

Unidade 6 – Estudos acerca da(s) infância(s) na contemporaneidade (ES I).

Estudos sobre juventude(s) na contemporaneidade (ES II).

A metodologia de trabalho de cada Estágio passa pelos momentos de

diagnóstico, observação, planejamento, atuação e reflexão teórica (escrita de

relatório final), diferindo apenas o público-alvo de cada atuação. Para melhor

visualizar a estrutura curricular de cada disciplina de Estágio no Curso de Teatro,

apresento o quadro a seguir:

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Quadro 2 – Estrutura curricular de cada Estágio do Curso de Teatro

Estágio / Semestre / Ano Carga horária / Créditos

Foco de atuação Carga horária mínima de regência de classe

ESTÁGIO I / 2ºsem/2010 119 h/a / 7 créditos

Educação infantil / ensino fundamental

20 h/a

ESTÁGIO II / 1ºsem/2011 119 h/a / 7 créditos

Ensino médio / EJA / ensino técnico

20 h/a

ESTÁGIO III / 2ºsem/2011 170 h/a / 10 créditos

Comunidade 40 h/a

Total da carga horária e créditos dos Estágios

408 h/a / 24 créditos

Total da carga horária de regência de classe

80 h/a

Fonte: Projeto Pedagógico do Curso de Teatro – Licenciatura (UFPEL, 2009).

É possível verificarmos que o ES III tem a maior carga horária de regência, é

exatamente o dobro da carga horária prevista para os dois primeiros estágios. Ao

final, temos 40 horas de regência em escolas (somando os ES I e II) e 40 horas de

regência em comunidades (ES III), o que também nos leva a pensar no perfil desse

profissional que se pretende formar, um professor agente de ação cultural-social,

não apenas em espaços formais de educação, mas também em espaços não

formais, como organizações de bairros, grupos comunitários, ONGs, projetos de

extensão da universidade em comunidades, entendendo que ser professor de Teatro

vai além das paredes das escolas. Então, estar na comunidade é reconhecer a

potência da Arte na vida das pessoas. É uma característica do campo da Arte estar

presente nestes espaços não formais de educação, o que me faz arriscar a dizer

que, muitas vezes, é mais potente o ensino da Arte fora da escola do que dentro

dela, porque todo o engessamento curricular que a escola possui, muitas vezes, não

permite que Arte tenha o tempo e o espaço desejados pelos arte-educadores.

As disciplinas de Estágios acontecem em dois momentos concomitantes:

1) Encontros semanais de 4 horas-aula com toda a turma e com professora

orientadora do Estágio para: a) Leitura, reflexão e discussão sobre educação,

através de textos previamente selecionados; b) Elaboração de resumos e resenhas

dos textos para discussão com a turma; c) Elaboração do Plano de Ensino e Planos

Diários das aulas; d) Orientações coletivas e individuais; e) Avaliação da prática

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fundamentada teoricamente para elaboração e apresentação oral do Relatório Final

de Estágio;

2) Prática de Ensino contando com 3 horas-aula por semana nos Estágios I

e II, e 6 horas-aula no Estágio III para a realização de: a) Contato com o campo de

trabalho para observações, diagnóstico e entrevista com professor da turma,

coordenador da escola/comunidade; b) Planejamento e pesquisa de atividades para

o público-alvo e de acordo com a realidade encontrada; c) Execução do Plano de

Ensino com no mínimo 20 horas-aula na educação básica (ES I e II) e no mínimo de

40 horas-aula na comunidade (ES III); d) Elaboração de Planos Diários e reflexão da

prática; e) Avaliação da prática fundamentada teoricamente para elaboração do

Relatório Final de Estágio.

São contempladas, ainda, nesta carga horária, as ações realizadas pela

orientadora dos estágios: todas as idas às escolas, à CRE e à SMEd para articular

que os estágios aconteçam e explicar a proposta do Curso de Teatro; as idas às

escolas para observação e avaliação de desempenho de cada estágio, pelo menos

em uma aula de todos os alunos que estão realizando seus estágios; o retorno às

escolas, ao final da atuação, para pegar as avaliações de desempenho preenchidas

pelo professor responsável pelo Estágio na escola e, ainda, as orientações

individuais, além dos encontros semanais, quando necessário.

Por se tratar de uma disciplina que ainda não existia na grade curricular das

escolas de educação básica de Pelotas, até 2013, faço três destaques. Primeiro, em

relação ao meu planejamento, pois, tendo em vista que no curso não existiam

referências anteriores de Estágios, tive de dar vida ao currículo escrito e às

regulamentações sobre os Estágios (Anexo 1) que me foram passadas pela

coordenadora do curso assim que eu cheguei à UFPel. Deste modo, parti do

seguinte questionamento para o planejamento dos Estágios: O que temos nas

escolas de Pelotas em relação ao fazer teatral? Destaquei previamente algumas

ações e atividades possíveis, sem fazer juízo de valor, apenas para diagnóstico e

reflexão inicial. Encontrei algumas possibilidades, tais como:

Iniciativa de professores de outras disciplinas como ferramenta didático-

pedagógica; Grupos de Teatro nas escolas, organizados e orientados por

professores interessados pela prática teatral, com ou sem experiência prévia;

Grupos de Teatro independentes (comunitários, experimentais, profissionais) que se

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apresentam nas escolas esporadicamente a convite ou para divulgação do próprio

grupo; Visitas organizadas pela escola a diferentes espaços onde acontecem

atividades artísticas fora dos muros da escola; Projetos de extensão do Curso de

Teatro (desde 2008) e ações do PIBID-Teatro (desde 2010) que acontecem

nas/para/com escolas por meio de oficinas extracurriculares para alunos,

professores e funcionários e também possibilitam a recepção de espetáculos

teatrais; Alunos do curso de Teatro atuando diretamente no horário curricular em

razão da prática de ensino/Estágio obrigatório do curso.

A partir deste breve levantamento, constatei a importância que o curso de

Teatro assume em relação não apenas à formação do professor de Teatro, mas

também à formação cultural-teatral dos alunos da educação básica, tanto através de

projetos de extensão que acontecem nas escolas com atividades extracurriculares,

quanto através dos ES dos futuros professores. Com isso, o compromisso do

Estágio se tornou ainda maior, pois o Teatro (não necessariamente a encenação de

textos dramáticos, mas, muito antes disso, o desenvolvimento do jogo teatral, da

expressão corporal, do jogo dramático, da recepção e da improvisação teatral)

chegaria à rotina da escola e à vida de muitos alunos pela primeira vez. E,

diferentemente de outros cursos de licenciatura, não tínhamos modelos de

professores para conhecer, criticar, pesquisar. Este foi um bom desafio que enfrentei

junto com a primeira turma do curso12.

Em segundo lugar, destaco o momento previsto para a observação e/ou

acompanhamento do professor titular da disciplina antes da atuação do estagiário.

Neste caso, a observação não aconteceu da maneira desejada, por não existirem,

até então, professores de Teatro nas escolas de Pelotas. Os alunos realizaram as

suas observações, na maioria das vezes em uma ou duas aulas apenas, junto ao

professor de Artes Visuais ou junto à professora de séries iniciais (pedagoga).

Portanto, focamos a observação em questões mais relacionadas à área de Arte e

em aspectos mais formais da rotina da escola, da relação professor-aluno, da

avaliação, etc.

12

Atualmente, temos uma professora de Teatro – formada na primeira turma do Curso da UFPel – que atua como professora da educação básica na rede estadual de ensino na cidade de Pelotas. Além dela, temos uma professora de Teatro – formada na USP – que atua em escolas particulares de Pelotas. Temos notícias de mais três alunos formados que aguardam a nomeação no Estado para trabalhar em escolas de Pelotas. Em 2014, foi possível que três estagiários realizassem seus estágios em turmas de ensino médio junto desta professora de Teatro da rede estadual.

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O terceiro destaque refere-se à atuação dos nossos estagiários que

acontece basicamente junto à disciplina de Arte, a qual, na maioria das escolas

públicas de Pelotas, tem o foco em Artes Visuais. Por isso, nos casos em que a

carga horária de Arte é de apenas 1h/a semanal, no ensino médio, tivemos de

contar com o tempo curricular de outras disciplinas para que os licenciandos

cumprissem a carga horária mínima de 20h/a de prática de ensino efetiva. Assim,

muitos alunos estagiaram utilizando além do horário da disciplina de Arte, também

os horários das disciplinas de História, Educação Física, Geografia, Relações

Humanas, Religião, Português e Literatura. Os projetos foram pensados a partir de

uma relação interdisciplinar, com temas geradores que atravessavam o Teatro e a(s)

outra(s) disciplina(s), para compor a carga horária mínima exigida. O momento do

planejamento gerou a necessidade de estudo e retomada das disciplinas teórico-

práticas e pedagógicas do curso, bem como um efetivo diálogo com o(s)

professor(es) da escola para que o estagiário de Teatro pudesse elaborar seu

projeto levando em conta uma articulação do conteúdo de teatro com os conteúdos

das outras disciplinas.

A imprevisibilidade durante cada aula e a cada Estágio e a complexidade de

levar para as escolas públicas de Pelotas a novidade da disciplina Teatro produziu

frutíferos debates e reflexões na turma de Estágio e o reconhecimento mútuo entre o

curso de formação e as escolas da rede; os estagiários e os professores das

escolas; os estagiários e os estudantes das escolas; a orientadora do estágio e os

supervisores das escolas.

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CAPÍTULO 2 – A REFORMA EDUCACIONAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO

CURRÍCULO DE FORMAÇÃO DOCENTE

Este capítulo pretende percorrer a temática do Estágio na formação inicial

docente a partir das reformas educacionais brasileiras no final do século XX e início

do século XXI e suas implicações e sentidos para o currículo dos cursos de

licenciatura. Para tanto, encontra-se dividido em três seções: primeiramente,

apresento um breve relato sobre as reformas educacionais e suas implicações

pragmáticas na formação, a partir dos estudos de pesquisadores brasileiros que

também tratam desta temática, de modo a compreender e retomar as políticas de

formação de professores, desde as reformas educacionais brasileiras ocorridas nos

anos 1990, que resultaram nas atuais políticas de formação. Trato de alguns

aspectos do contexto político, social, cultural e econômico no Brasil, que consolidou

a atual LDBEN 9.394/96 e as DCN para a formação de professores da educação

básica, em cursos de licenciatura, aprovadas no início do século XXI.

Na segunda parte, desenvolvo uma discussão em torno dos sentidos e

significados da reforma educacional para a formação de professores, a partir da

implantação de mais horas para a prática na matriz curricular e algumas de suas

implicações no currículo de formação, a partir do referencial teórico utilizado nesta

tese. Na terceira parte deste capítulo, trago as concepções de currículo que pautam

este estudo e algumas considerações sobre este dispositivo que atua através da

normalização, disciplinarização e regulação de todos os agentes educacionais,

definindo disposições, sensibilidades e consciências em relação a si mesmo, ao

mundo e às pessoas.

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2.1 O texto e o contexto da atual LDBEN N. 9.394/96 e das Diretrizes

Curriculares Nacionais para os Cursos de Licenciatura

Em março de 1990, coincidente com o início do governo Fernando Collor,

começa a discussão internacional sobre um plano decenal para os países

considerados do Terceiro Mundo, tendo como fórum de discussão a realização da

Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia,

promovida pela UNESCO, UNICEF e o Banco Mundial. Essa conferência fixou

metas e prioridades para a educação nesses países, apontou a educação básica

como prioridade para a década, e a educação de primeiro grau (hoje ensino

fundamental) como o carro-chefe em busca da educação básica (TORRES, 2003).

Em 1993, já com a presidência de Itamar Franco, foi elaborado o Plano

Decenal de Educação para Todos, que não saiu do papel, uma vez que, em 1995,

Fernando Henrique Cardoso deixa de lado o documento anterior e estabelece outras

metas para a educação: descentralização da administração das verbas federais,

elaboração do currículo básico nacional, educação a distância, avaliação nacional

das escolas, incentivo à formação de professores, parâmetros de qualidade para o

livro didático (Libâneo, 2010). Tais ações seguiam as tendências e indicações

internacionais, alinhadas com o pensamento econômico neoliberal, sob a orientação

de agências financeiras como o BM e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que

vinham, já há alguns anos, tratando da temática da educação.

O BM privilegiou, nos anos 1960, os empréstimos para construções de

estruturas físicas e investiu na educação técnica e vocacional, em nível de ensino

médio. Já nos anos 1970, o BM focalizou sua ação para atender aos mais pobres,

suas necessidades básicas de moradia, saúde, alimentação, saneamento e

educação, priorizando, para este último setor, a escola de ensino fundamental como

base para a redução da pobreza. Para tanto, ocupou-se da função de assessoria

técnica aos países em desenvolvimento. Na década de 1980, foram destaques, na

agenda do BM, seis mudanças consideradas fundamentais na educação: 1) um

notável incremento dos empréstimos para a educação; 2) importância crescente

concedida à educação de primeiro grau e, mais recentemente, aos primeiros anos

da educação secundária; 3) extensão do financiamento a todas as regiões do

mundo; 4) menor importância concedida às construções escolares; 5) atenção

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específica à educação das meninas e 6) transição de um enfoque estreito de

“projeto” para um amplo enfoque setorial (TORRES, 2003, p. 129).

Na década de 1990, o BM dedicou maior atenção ao desenvolvimento da

educação infantil e, no documento escrito em 1995 e intitulado “Prioridades e

estratégias para a educação”, enfatiza a necessidade de atenção a outros setores

da população, como os indígenas e as minorias étnicas. Neste mesmo documento,

apresenta o pacote de reforma para o sistema educacional dos países em

desenvolvimento, apresentando quatro desafios: o acesso; a equidade; a qualidade

e a redução da distância entre a reforma educativa e a reforma das estruturas

econômicas, ou seja, para o BM, a reforma educativa é urgente no sentido de evitar

riscos econômicos, sociais e políticos sérios para os países.

O paradigma da ideia de melhoria da qualidade da educação calcado no

pacote da reforma do BM, a partir das propostas formuladas por economistas para

educadores colocarem em ação, está dentro de uma lógica econômica dos bancos,

que calcula a relação custo-benefício e a taxa de retorno como categorias centrais

para medir a qualidade da educação. Deixando de fora os aspectos pedagógicos e

qualitativos, esse modelo trabalha com variáveis apenas quantificáveis e a educação

passa a ser avaliada com critérios semelhantes aos do mercado econômico e a

escola comparada com uma empresa, ou seja, “um modelo educativo, por fim, que

tem pouco de educativo” (TORRES, 2003, p. 139).

Não apenas o BM e o FMI atuam nessa regulação e no controle

educacional. Diferentes organismos internacionais passam a ditar as normas e

metas da educação mundial, alinhados com o pensamento econômico do

neoliberalismo, entre eles: OEA, BID, CE, OCDE, PNUD, PREAL. O destaque

principal pode ser dado ao BM, que ocupa atualmente o espaço tradicionalmente

concedido à UNESCO, a agência das Nações Unidas especializada em educação, e

que não apenas financia a educação, mas também promove assistência técnica

sobre educação para os países em desenvolvimento, com um papel de assessoria

de política educacional, conforme destaca Torres (2003):

O BM não apresenta ideias isoladas mas uma proposta articulada – uma ideologia e um pacote de medidas – para melhorar o acesso, a equidade e a qualidade dos sistemas escolares, particularmente do ensino de primeiro grau, nos países em desenvolvimento. Embora se reconheça que cada país e cada situação concreta requerem especificidade, trata-se de fato de um

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“pacote” de reforma proposta aos países em desenvolvimento que abrange um amplo conjunto de aspectos vinculados à educação, das macropolíticas até a sala de aula (TORRES, 2003, p. 126).

No Brasil, na esteira destas indicações internacionais, em 20 de dezembro

de 1996, é assinada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN N.

9.394, instituindo com ela a Década da Educação, iniciada um ano a partir da sua

publicação e anunciando, no Art. 87, o encaminhamento para o Congresso Nacional

do “Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos

seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos”

(BRASIL, 1996).

Instituiu a educação básica em três níveis: educação infantil, ensino

fundamental e ensino médio e universalizou o ensino com uma formação comum

“indispensável para o exercício da cidadania” (Art. 22), sendo incumbência da União

assegurar uma formação básica comum em todos os níveis da educação, a ser

estabelecida entre os Estados e os Municípios, a partir de diretrizes, currículos e

conteúdos mínimos, conforme consta no Art. 9º e reafirmada nos Art. 22, 26, 38 e 64

(BRASIL, 1996).

A imagem da educação pública desenhada com a nova legislação, assinada

pelo então governo FHC, representava novas expectativas e esperanças da

sociedade brasileira para o ensino público. Apresentou, como um dos princípios do

ensino, a valorização dos profissionais da educação (Art. 3º, VII), por meio de

programas de capacitação, inaugurando a possibilidade da educação a distância

para a formação inicial e continuada, de modo a exigir que, até o fim da Década da

Educação, somente professores habilitados em nível superior pudessem atuar na

educação (BRASIL, 1996).

Destacam-se algumas questões apresentadas pela LDBEN: a inclusão da

educação infantil como primeira etapa da educação básica (de 0 a 6 anos); a

obrigatoriedade progressiva do ensino médio; o estabelecimento de 200 dias letivos

e 800 horas anuais como mínimo para o ensino fundamental e médio; incentivo ao

desenvolvimento de programas de ensino a distância em todos os níveis e

modalidades de ensino e de educação continuada e, ainda, a possibilidade de a

formação de professores acontecer nos institutos superiores de educação, não

somente em universidades.

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A LDBEN 9.394/96 trata, no Título VI, dos “Profissionais da Educação”, e

traz, no Art. 61 os fundamentos para a sua formação “de modo a atender aos

objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada

fase do desenvolvimento do educando”. São eles:

I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço;

II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades (BRASIL, 1996).

Tais fundamentos revelam uma orientação teórica, sugerindo uma atribuição

de relevância para as experiências anteriores à própria formação e uma articulação

entre teoria e prática. A articulação entre teoria e prática presente na legislação e, na

medida em que esta reconhece a prática e as experiências anteriores como espaços

portadores de saberes para o professor, podemos inferir que esta LDBEN expressa

uma concepção teórica para a formação docente baseada, principalmente, nas

proposições de Tardif (2002), que apresenta os saberes da experiência como um

dos saberes docentes, em oposição a uma concepção tradicional que compreendia

a prática apenas como um espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria.

De acordo com o Art. 62 (Brasil, 1996), a formação de docentes para a

educação básica deverá ser em “ensino superior, em cursos de Licenciatura, de

graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação”; porém,

continua admitindo a formação docente em nível médio, em curso normal, para o

exercício da docência na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino

fundamental.

Os institutos superiores de educação deverão propiciar, segundo consta no

Art. 63, cursos de formação de profissionais para a educação básica; curso normal

superior para a formação de professores para a educação infantil e para as séries

iniciais do ensino fundamental; programas de formação pedagógica para portadores

de título na educação superior interessados em atuar na educação básica;

programas de educação continuada para professores em exercício na educação

básica.

A formação dos profissionais especialistas da educação – administração,

planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação

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básica – também deverá ser realizada em Cursos de Graduação em Pedagogia ou

em nível de Pós-Graduação, segundo consta no Art. 64, garantindo uma base

comum nacional para esta formação.

Em relação ao Estágio, consta, no Art. 65 da LDBEN, que a formação

docente para educação básica deverá incluir Prática de Ensino de, no mínimo,

trezentas horas. Não se encontram definições sobre Prática de Ensino, tampouco

indicações de currículos mínimos para a formação docente em nível superior. Estas

indicações serão, mais tarde, apresentadas pelas DCN no início do século XXI e

discutidas na próxima seção deste capítulo.

Iniciado com o governo Collor e reafirmado pelos governos FHC e Lula13, as

políticas públicas da educação brasileira têm-se pautado pela lógica do projeto

neoliberal, que veem na educação um caminho para os ajustes do desenvolvimento

econômico. E, ainda, a nova ordem mundial respalda-se nos ideais neoliberais, que

têm como princípio a não intervenção estatal na economia, a fim de facilitar uma

melhor mobilidade do capital e, portanto, um estado mínimo de participação nos

setores básicos para os indivíduos de qualquer nação, como a educação, a saúde, a

segurança, o transporte, entre outros.

A escola, que antes preparava o trabalhador para um tipo de sistema

industrial fordista, agora se vê obrigada a formar sujeitos mais flexíveis, eficientes e

polivalentes, capazes de se autoadaptarem às mudanças tecnológicas e às

estruturas econômicas. A instituição passa a ser criticada justamente por estar com

conteúdos defasados e por não dar conta de preparar seus alunos para o novo

mundo do trabalho, ou seja, há uma desvinculação entre o que é ensinado nas

escolas e o que é demandado pelo mundo do trabalho. Recai ainda a mesma crítica

sobre os professores, que são apregoados como os responsáveis pelo fracasso

escolar e daí a necessidade de se repensar a formação inicial, considerada muito

“teórica” e afastada da prática efetiva e das necessidades reais (MAUÉS, 2003b).

As políticas educacionais são declarações das intenções do governo, com

propósitos dirigidos a um problema, necessidade ou aspiração, apontando princípios

e ações projetadas para cumprir metas desejadas. Alinhado com a nova ordem

13

Fernando Collor de Mello: Mandato presidencial de 15 de março de 1990 a 29 de dezembro de 1992; Fernando Henrique Cardoso: Mandato presidencial de 1 de janeiro de 1995 a 1 de janeiro de 2003; Luiz Inácio Lula da Silva: Mandato presidencial de 1 de janeiro de 2003 a 1 de janeiro de 2011.

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econômica, política e social do neoliberalismo, o cenário das reformas da educação

foi disposto e desenhado por organizações internacionais, reafirmado em

documentos, como o PNE 2001-2010 e o atual PNE 2011-2020, apontando as

metas e as estratégias a serem atingidas, de modo a implantar esse pensamento

homogeneizado e globalizado na educação brasileira.

Embora a agenda do BM esteja voltada para assuntos da educação básica,

por entender que esta é responsável pelos benefícios econômicos e sociais e que,

portanto, em longo prazo, diminuiria a pobreza, é possível encontrarmos destaque

também para a formação inicial dos professores no pacote proposto para a reforma

da educação, tendo como principal referência a América Latina. Torres (2003)

sustenta a ideia de que as estratégias propostas pelo BM para os países em

desenvolvimento foram pensadas de acordo com a realidade africana, mais

especificamente, a África Sub-Saariana – uma das regiões mais pobres do mundo e

com os mais baixos indicadores educacionais.

Se, num primeiro momento, estudos demonstravam que o impacto da

formação docente não era considerado para a qualidade do rendimento escolar,

recentemente o BM começa a reconhecer que estes estudos não estavam dando

conta do tema. Era necessário investir na questão da formação e capacitação

docente, mesmo que ocupasse um lugar menor dentre as prioridades da educação

básica. Dever-se-ia optar por priorizar a capacitação em serviço, por entender ser

mais efetiva em termos de custo (na modalidade a distância, principalmente) e de

resultado direto no desempenho do aluno. Para o BM, o sistema escolar deve ser a

fonte principal da formação docente por entender que os professores reproduzem o

que observaram e experimentaram quando alunos da escola básica. E, ainda, uma

formação básica insuficiente não permite que sejam formados bons professores.

Portanto, o melhor investimento para a formação docente ainda é a educação

básica, segundo alerta-nos Torres (2003).

As reformas educacionais brasileiras atingem todo o processo educacional,

envolvendo a estrutura administrativa e pedagógica da escola, por exemplo, os

conteúdos, as metodologias e as teorias educacionais – como é o caso da

implantação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997) – e programas

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específicos para a educação básica14. No ensino superior, também podemos

destacar inúmeros programas15, sendo alguns deles voltados especificamente para

a formação de professores (PIBID e Prodocência, por exemplo), que é considerada

a segunda etapa das reformas educacionais. Com base nestes programas e ações

do MEC, podemos enfatizar algumas táticas que compõem a reforma para a

formação docente, apresentadas por Maués (2003a; 2003b): “a universitarização /

profissionalização; a ênfase na formação prática / validação das experiências; a

formação continuada, a educação a distância e a pedagogia das competências”.

Neste estudo, a preocupação central está na questão da prática durante a formação

inicial e, portanto, na seção seguinte, tal temática será analisada a partir dos textos

14

Em pesquisa realizada no portal do MEC, foram encontrados 42 programas para a educação básica, quais sejam: Programa Saúde na Escola, Programa Escola Aberta, Programa Mais Educação, Caminhos do Direito de Aprender, Parlamento Juvenil do Mercosul, Ensino Fundamental de Nove Anos, Ensino Médio Inovador, Escolas de Fronteira, Escola de Gestores da Educação Básica, Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), PDE-Escola, Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação (Pra;dime), Programa Nacional de Capacitação dos Conselheiros Municipais de Educação (Pró-Conselho), Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, Programa de Fortalecimento Institucional das Secretarias Municipais de Educação do Semi-Árido (Proforti), Pesquisa: Educação Infantil no Brasil - Avaliação Qualitativa e Quantitativa, Pró-Letramento, Rede Nacional de Formação Continuada de Professores, ProInfantil, Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE), Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), PAR, Coleção explorando o Ensino, Gestar II, Ideb, Olimpíadas de Língua Portuguesa, Olimpíadas de Matemática, Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Prova Brasil, Provinha Brasil, Prêmio Professores do Brasil, Prêmio Ciências, Feira Nacional de Ciências – Fenaceb, Programa Currículo em Movimento, Guia de Tecnologias, TV Escola, DVD Escola, Banco Internacional de Objetos Educacionais, Portal do Professor, ProInfo, ProInfo Integrado, E-ProInfo. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12492&Itemid=811. Acesso em: Fevereiro de 2012.

15 Em pesquisa realizada no portal do MEC, foram encontrados 5 setores de ações dos programas

para o ensino superior: 1) Avaliação, Regulação e Supervisão da Educação Superior, contendo os programas: Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes); Cadastro de Instituições e Cursos da Educação Superior; Supervisão de instituições e cursos de graduação; Cartilha Qualidade da educação superior: avaliação, regulação e supervisão. 2) Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e outros programas: Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni); Programa de Educação Tutorial (PET); Programa de Bolsa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID); Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência); Programa de Apoio à Extensão Universitária (Proext); Acessibilidade na Educação Superior (Programa Incluir); Programa Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Promisaes); Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES); Credenciamento de Fundações de Apoio. 3) Bolsas e Financiamento da Educação Superior: Programa IES-MEC/BNDES; Programa Universidade Para Todos (ProUni); Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies); 4) Hospitais Universitários e Residências em Saúde: Hospitais Universitários; Residências em saúde. 5) Programas e Convênios Internacionais: Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-bras); Programa de Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G); Programa de Mobilidade Acadêmica Regional em Cursos Acreditados (Marca). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12492&Itemid=811. Acesso em: Fevereiro de 2012.

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das atuais políticas, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de

professores da educação básica (BRASIL, 2001a; 2001b; 2002a; 2002b).

2.1.1 As políticas de formação de professores para educação básica

Nesta seção, busco compreender, sem esgotar a discussão, os sentidos da

prática e dos estágios presentes nos discursos das políticas de formação de

professores através do Parecer CNE/CP 09/2001, que versa sobre “Diretrizes

Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica, em

nível superior, curso de Licenciatura, de graduação plena” (Brasil, 2001a), instituídas

através da Resolução CNE/CP 01/2002 (Brasil, 2002a) e reiteradas com a

Resolução CNE/CP 02/2002, que “institui a duração e a carga horária dos cursos de

Formação de Professores da Educação Básica” (BRASIL, 2002b).

Dou início pelo Parecer CNE/CP 09/2001; com base em diagnósticos dos

problemas detectados na formação dos professores, as diretrizes apresentam

princípios orientadores amplos para uma política de formação, para organização do

tempo e do espaço e para estruturação dos cursos de Licenciatura. As

características consideradas inerentes à atividade docente, na atualidade, são

apresentadas no início do documento:

Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos; assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos; incentivar atividades de enriquecimento cultural; desenvolver práticas investigativas; elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos curriculares; utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio; desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe (BRASIL, 2001a, p. 4).

Com estas indicações, é possível perceber que o papel do docente tornou-

se ainda mais complexo e não se reduz à figura do detentor do conhecimento

científico (específico da sua área de formação), ou de um transmissor de saberes, a

partir do domínio de metodologias educacionais pertinentes ao espaço escolar e ao

público destinado. As novas orientações requerem um professor flexível, crítico, com

iniciativas inovadoras e sempre em estado de prontidão para as mais diferentes

atividades e situações, ampliando sua responsabilidade, muitas vezes, para além da

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sala de aula, na tarefa de articular a relação escola e comunidade. De certo modo,

as DCN retomam, com base no Art. 13 da LDBEN, o perfil de professor almejado,

um professor que deve ser responsável por:

I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade (BRASIL, 1996).

As DCN apresentam treze questões-problemas a serem enfrentadas na

formação de professores, tanto no campo institucional quanto no campo curricular.

De todas estas, destaco apenas três, referentes ao campo curricular, as quais

tangenciam o foco deste projeto. São elas: “Desconsideração do repertório de

conhecimento dos professores em formação”; “Tratamento inadequado dos

conteúdos”; “Concepção restrita da prática”.

O primeiro problema identificado pelas DCN diz respeito aos conhecimentos

que os acadêmicos possuem em função das experiências como alunos da escola ou

quando já estão atuando como professores por terem outra formação. A orientação

é de que estas experiências anteriores devem ser consideradas no planejamento

dos cursos de formação e, ainda, os cursos de licenciatura devem tomar para si a

responsabilidade de suprir eventuais deficiências na formação anterior desses

alunos (BRASIL, 2001a, p. 19-20).

No segundo problema a que dei destaque, o “tratamento inadequado dos

conteúdos", a questão colocada refere-se à falta de clareza, por parte dos cursos de

licenciatura, de quais conteúdos o professor em formação deve aprender. Traz a

transposição didática como o eixo articulador da relação teoria e prática, de modo

que o aluno, além de conhecer os conteúdos que irá ministrar, deva também

conhecer as estratégias e procedimentos de ensino desses conteúdos. Segundo as

DCN, historicamente, os cursos de formação ou dão ênfase ao pedagogismo –

“ênfase à transposição didática dos conteúdos, sem sua necessária ampliação e

solidificação” (Brasil, 2001a, p. 21), ou estão focados no conteudismo, onde a ênfase

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recai nos conhecimentos específicos. Esta também é vista como uma questão a ser

superada.

No campo curricular, a prática é uma das questões históricas a serem

enfrentadas na formação, segundo as DCN, pois esta é tomada a partir de uma

concepção restrita como “aplicacionista das teorias”. O curso de licenciatura

costuma segmentar seu currículo em dois polos isolados entre si:

O primeiro polo supervaloriza os conhecimentos teóricos, acadêmicos, desprezando as práticas como importante fonte de conteúdos da formação. [...] O segundo polo, supervaloriza o fazer pedagógico, desprezando a dimensão teórica dos conhecimentos como instrumento de seleção e análise contextual das práticas (BRASIL, 2001a, p. 22).

As diretrizes ainda indicam que a concepção de prática deve ser colocada

como um componente curricular, como uma dimensão do conhecimento presente

nos momentos em que se trabalham os conteúdos da atividade profissional, bem

como durante o Estágio, momento do exercício da atividade docente. Tal concepção

reitera o pensamento teórico sobre os saberes da docência, como, por exemplo, os

saberes docentes apresentados por Maurice Tardif (2002), Clermont Gauthier (1998)

e Selma Garrido Pimenta (1998).

Os saberes docentes apresentados por Tardif (2002) classificam-se em: a)

Saberes da formação Profissional: são aqueles saberes transmitidos através das

instituições de formação de professores; b) Saberes Disciplinares: os adquiridos na

formação inicial e continuada, produzidos dentro da universidade; c) Saberes

Curriculares: correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir

dos quais a instituição categoriza e apresenta os saberes sociais, como modelos da

cultura erudita; d) Saberes Experienciais ou práticos: aqueles saberes próprios do

professor e da sua vida educacional. Considera os diversos tipos de saberes como

integrantes da prática docente, sendo que a diferença estaria na relação do

professor com cada um deles.

Gauthier (1998) nos fala sobre o que ele denomina seis saberes da docência

que, quando bem articulados, qualificariam a prática educativa: a) Disciplinar:

referente ao conhecimento do conteúdo a ser ensinado; b) Curricular: relativo à

transformação da disciplina em programa de ensino; c) das Ciências da Educação:

relacionado ao saber profissional específico, que não está diretamente relacionado

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com a ação pedagógica; d) da Tradição Pedagógica: relativo ao saber de dar aulas,

que será adaptado e modificado pelo saber experencial e, principalmente, validado

ou não pelo saber da ação pedagógica; e) da Experiência: referente aos julgamentos

privados responsáveis pela elaboração, ao longo do tempo, de uma jurisprudência

de truques etc.; f) da Ação Pedagógica: que se refere ao saber experiencial tornado

público e testado. Segundo o autor, os saberes docentes são aqueles adquiridos

para o ou no trabalho e mobilizados tendo em vista uma tarefa ligada ao ensino e ao

universo de trabalho do professor, exigindo da atividade docente uma reflexão

prática.

Nesta mesma perspectiva, a autora Pimenta (1998) destaca que a

identidade do professor se baseia na tríade: a) da experiência: que seria aquele

aprendido pelo professor desde quando aluno, com os professores significativos

etc., assim como o que é produzido na prática num processo de reflexão e troca com

os colegas; b) do conhecimento: que abrange a revisão da função da escola na

transmissão dos conhecimentos e as suas especialidades num contexto

contemporâneo e c) dos saberes pedagógicos: aquele que abrange a questão do

conhecimento juntamente com o saber da experiência e dos conteúdos específicos e

que será construído a partir das necessidades pedagógicas reais. A autora enfatiza

a importância de que a fragmentação entre os diferentes saberes seja superada,

considerando a prática social como objetivo central, possibilitando, assim, uma re-

significação dos saberes na formação dos professores.

Os diferentes eixos dos saberes docentes apresentados pelas três

referências assinalam vários pontos em comum, e acabam sustentando

teoricamente as diretrizes de formação inicial, as quais apresentam uma série de

competências (concepção nuclear para orientação dos cursos de formação de

professores) a serem desenvolvidas na formação, que englobam esses saberes, e

são referentes: ao comprometimento com os valores inspiradores da sociedade

democrática; à compreensão do papel social da escola; ao domínio dos conteúdos;

ao domínio do conhecimento pedagógico; ao conhecimento de processo de

investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica; e, por fim,

ao gerenciamento do próprio desenvolvimento profissional. E, ainda, as diretrizes

elencam uma lista de conhecimentos para o desenvolvimento profissional docente,

quais sejam: cultura geral e profissional; conhecimentos sobre crianças, jovens e

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adultos; sobre a dimensão cultural, social, política e econômica da educação;

conteúdos das áreas que são objeto de ensino; conhecimento pedagógico; e,

conhecimento advindo da experiência (BRASIL, 2001a).

Para organização da matriz curricular, o documento indica seis eixos como

critérios a serem observados e contemplados nos projetos pedagógicos e nos

desenhos curriculares. São eles: 1) eixo articulador dos diferentes âmbitos de

conhecimento profissional; 2) eixo articulador da interação e comunicação e do

desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional; 3) eixo articulador da

disciplinaridade e da interdisciplinaridade; 4) eixo que articula a formação comum e a

formação específica; 5) eixo articulador dos conhecimentos a serem ensinados e

dos conhecimentos educacionais e pedagógicos que fundamentam a ação

educativa; 6) eixo articulador das dimensões teóricas e práticas.

Este último eixo concentra-se nas questões relativas à teoria e à prática na

formação docente, entendendo como princípio metodológico geral que “todo fazer

implica uma reflexão e toda reflexão implica um fazer, ainda que nem sempre este

se materialize” (Brasil, 2001a, p. 56). De forma a superar a dicotomia existente entre

teoria e prática, as DCN indicam que a prática não pode ficar reduzida a um espaço

isolado ou que o Estágio seja fechado em si mesmo e desarticulado do restante do

curso. Prevê três situações didáticas que os futuros professores devem vivenciar,

em diferentes tempos e espaços curriculares:

a) No interior das áreas ou disciplinas: uma dimensão prática deve ser

trabalhada de forma permanente em todas as disciplinas do curso de formação, não

apenas as pedagógicas (BRASIL, 2001a, p. 57);

b) Em tempo e espaço específico, chamado coordenação da dimensão

prática: seriam atividades que transcendem aos Estágios, devem promover a

articulação de diferentes práticas, com ênfase na observação e reflexão, que pode

acontecer com a observação direta da escola ou por meio de narrativas de

professores, situações simuladas, estudos de caso, etc. (BRASIL, 2001a, p. 57);

c) Nos Estágios: a ser vivenciado ao longo do curso de formação nas

escolas de educação básica, com um tempo suficiente para abordar as diferentes

dimensões da atuação profissional. Indica ainda que os Estágios não devem ficar a

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cargo de um professor, mas devem se dar pela ação coletiva dos professores

formadores (BRASIL, 2001a, p. 58).

Com o Parecer CNE/CP 28/2001 (Brasil, 2001b), temos uma

complementação do primeiro Parecer no que se refere as determinações que

servem de base para os cursos de formação de professores. Este Parecer dá nova

redação ao Parecer CNE/CP 21/2001 (não homologado), que estabelece a duração

e a carga horária dos cursos de formação de professores. A duração do curso de

formação deve contemplar, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico em

cada ano de curso, sendo que o mínimo é de três anos letivos.

Estava previsto com a LDBEN 9.394/96 (Brasil, 1996) e com as DCN (Brasil,

2001a) que o Estágio deveria contemplar no mínimo trezentas horas. Mas, com este

Parecer CNE/CP 28/2001, há o entendimento de que este tempo de Estágio não é

suficiente dadas as novas exigências, principalmente com a indicação do eixo de

articulação teoria e prática, e justificam:

A prática não é uma cópia da teoria e nem esta é um reflexo daquela. A prática é o próprio modo como as coisas vão sendo feitas cujo conteúdo é atravessado por uma teoria. Assim a realidade é um movimento constituído pela prática e pela teoria como momentos de um dever mais amplo, consistindo a prática no momento pelo qual se busca fazer algo, produzir alguma coisa e que a teoria procura conceituar, significar e com isto administrar o campo e o sentido desta atuação (BRASIL, 2001b, p. 9).

Deste modo, apresentam o eixo da Prática como Componente Curricular

(PCC) como mais abrangente e o eixo do Estágio obrigatório. Segundo as definições

expressas no documento, a PCC é “uma prática que produz algo no âmbito do

ensino” e deve ser uma “atividade tão flexível quanto outros pontos de apoio do

processo formativo, a fim de dar conta dos múltiplos modos de ser da atividade

acadêmico-científica” (Brasil, 2001b, p. 9). A indicação é de que este componente

deve ser planejado no projeto pedagógico e deve acontecer desde o início da

duração do processo formativo e se estender ao longo do curso, além de estar

articulado com o ES e com as atividades de trabalho acadêmico.

A correlação teoria e prática apresentada pelo documento é bastante ampla,

ambígua e confusa, na medida em que não esclarece ou apresenta um modelo de

PCC, repassando para os cursos a responsabilidade de dar conta deste eixo nos

seus currículos de formação. De todo modo, é possível destacar algumas ideias

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sobre como efetivar este eixo, a partir de alguns indícios, tais como: “é um

movimento contínuo entre saber e fazer na busca de significados na gestão,

administração e resolução de situações próprias do ambiente da educação escolar”

(Brasil, 2001b, p. 9). Ou ainda: a Prática como Componente Curricular...

Ao transcender a sala de aula para o conjunto do ambiente escolar e da própria educação escolar, pode envolver uma articulação com os órgãos normativos e com os órgãos executivos dos sistemas. [...] Importante também é o conhecimento de famílias de estudantes sob vários pontos de vista, pois eles propiciam um melhor conhecimento do ethos dos alunos (BRASIL, 2001b, p. 9).

Se a PCC é um eixo que não nos oferece muitos esclarecimentos, o eixo do

Estágio Curricular Supervisionado de Ensino é entendido como o tempo de

aprendizagem, que é um tempo mais demorado, de modo a aprender a prática do

seu ofício. De tal modo, o Estágio Curricular Supervisionado supõe uma relação

pedagógica entre alguém que já é um profissional reconhecido, em um ambiente

institucional de trabalho, e um aluno estagiário.

O Estágio é um momento de “formação profissional seja pelo exercício direto

in loco, seja pela presença participativa em ambientes próprios de atividades

daquela área profissional, sob a responsabilidade de um profissional já habilitado”

(Brasil, 2001b, p. 10). Ele é uma das condições necessárias para a obtenção da

respectiva licença para ser professor. É o momento de efetivar o processo de

ensino-aprendizagem, com o “conhecimento do real em situação de trabalho”,

diretamente nas escolas. É também um momento para se “verificar e provar a

realização das competências exigidas na prática profissional”, especialmente quanto

à regência. Mas é também um momento “para se acompanhar alguns aspectos da

vida escolar” (Brasil, 2001b, p. 10) que não acontecem em outros espaços.

A partir destas diretrizes e orientações teóricas sobre a formação docente, a

prática ficou situada em dois momentos da vida acadêmica do futuro professor: nos

Estágios Supervisionados (ES) e na Prática como Componente Curricular (PCC).

Com a Resolução CNE/CP 02/2002, temos a indicação sobre a duração e a carga

horária mínima para compor um curso de Licenciatura: 1.800 horas de aulas para os

conteúdos curriculares de natureza científico-cultural; 400 horas de prática como

componente curricular, vivenciadas ao longo do curso; 400 horas de Estágio

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curricular supervisionado a partir da segunda metade do curso; e 200 horas para

outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais, totalizando 2.800 horas

(BRASIL, 2002b).

O aumento da carga horária para 800 horas de prática num currículo de

formação aponta uma expectativa de que, com a prática, os futuros professores

terão uma dimensão real da educação. “Essa perspectiva tende a certo enfoque

empirista por valorizar como base do conhecimento „verdadeiro‟ o que é apreendido,

exclusivamente, pela experiência” (Dias; Lopes, 2009, p. 87). Os efeitos com o

aumento da carga horária da prática podem ser vistos como geradores de uma

intenção de um conhecimento tácito como aquele que é mais completo, mais

abrangente, de forma a proporcionar aos acadêmicos um maior domínio da ação

docente (do ser-docente).

Passo agora a apresentar uma discussão sobre os sentidos da reforma

educacional para a formação de professores, a partir dessa implantação de mais

horas para a prática na matriz curricular, e algumas de suas implicações no currículo

de formação de professores para a educação básica.

2.2 Sentidos e significados da reforma educacional para a formação inicial de

professores

Encontrar um sentido para a palavra reforma não representa buscar a

essência totalizadora ou o verdadeiro significado desta. Apenas enseja colaborar na

compreensão de como seus efeitos são praticados no campo educacional, de modo

a corroborar minha pesquisa. Para tanto, alguns autores ajudaram-me a elaborar tal

compreensão, tais como: Oliveira (2009), Popkewitz (2004), Foucault (2006b).

A palavra reforma remete-nos rapidamente à ideia de melhoria, reparo,

renovação, conserto, enfim, de dar melhor forma para alguma coisa ou setor social,

como, por exemplo, a educação. Embora, num primeiro momento, pensar em

reforma educacional possa nos conduzir a esses sentidos de transformação e

progresso, em seguida, é necessário questionar e re-significar tal percepção, uma

vez que a(s) reforma(s) representa(m), antes de tudo, um processo de regulação e

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controle social. As políticas de reforma não representam necessariamente uma

mudança educacional.

De todo modo, é importante destacar que, para ser elaborada uma reforma

educacional, é indispensável a articulação de um discurso cujos termos evolução,

modificação, transformação sugerem, pois, a reforma é dependente da ideia de

mudança, inovação e melhoria para se sustentar sob a forma de textos,

regulamentações, diretrizes, projetos, leis. Embora devessem visar ao bem-estar

social, as reformas do estado não asseguram ganhos definitivos e não garantem o

acesso de direitos e, portanto, não necessariamente representam progresso ou

evolução da sociedade.

No caso das reformas para a formação docente, é possível identificarmos,

nos programas federais, maior interesse em aumentar o número de professores da

educação básica com formação superior, utilizando estratégias como políticas de

aceleramento no tempo de formação ou de formação para profissionais em serviço,

a concessão de bolsas para estudos em instituições particulares, de modo a elevar

os índices que colocam o Brasil em determinada posição no ranking dos países em

desenvolvimento, proposto por organismos internacionais. Por outro lado, podemos

verificar que há menos investimento na qualidade e na melhoria da carreira dos

professores em serviço nas escolas, com a eclosão do movimento em prol da

meritocracia como fator de avaliação docente.

A reforma educacional não transforma as práticas escolares ou a formação

docente na mesma velocidade com que são planejadas e na mesma quantidade dos

textos produzidos pelos reformadores. Circunda o texto da reforma uma função

simbólica pois, ao organizar a compreensão dos problemas educacionais que

merecem atenção, geram confiança na possibilidade de soluções destes mesmos

problemas, ao indicarem que as problemáticas estão sendo enfrentadas através

dessas reformas, legitimam o papel do estado e submergem eventuais conflitos ou

inconformismos.

Assim, reforma educacional pode ser entendida para além de um texto legal,

contudo subsumida nele, implementada pelo Estado, pensada não apenas pelos

seus organismos, mas pela sociedade e suas instituições ou grupos de interesses e,

ainda, influenciada por políticas e acordos internacionais, com intento de uma

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mudança ampla, institucionalizada e deliberada, destinada à mobilização de todos

os indivíduos envolvidos com a educação, ou seja, à regulação e ao controle social.

Oliveira (2009, p. 72) ajuda-nos a concluir que “reforma não é sinônimo de

mudança, portanto definir mudança não esclarece o significado de reforma”. Para

haver mudança social, a tradição deve interagir com a transformação em meio ao

processo de produção e reprodução social. Também alerta que nas reformas não há

um movimento progressista, pois são constituídas a partir de agendas de

negociações conflitantes entre os diferentes protagonistas das políticas, tanto na

constituição de significados e de definições de finalidades, quanto na eleição de

prioridades, metas, estratégias e objetivos para a prática educacional.

Portanto, os textos das políticas de reforma, assim como já destaquei na

análise do texto do PPC (na seção 1.3 da tese), podem ser lidos como híbridos, o

que nos possibilita pensar em políticas educacionais como pressupostos,

orientações e procedimentos plurais nos quais as práticas destas políticas são

efetuadas (Popkewitz, 2004). Ou ainda: o hibridismo se configura nas políticas “a

partir da ideia de uma mistura de lógicas globais, locais e distantes, sempre

recontextualizadas”, visando orientar “determinados desenvolvimentos simbólicos,

obter consenso para uma dada ordem e/ou alcançar uma determinada

transformação social” (Lopes, 2005, p. 56). Garcia Canclini (2003, p. 3) entende por

hibridação os processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas, que existiam

separadamente, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.

Mesmo ponderando os diferentes contextos nacionais (sociais e culturais)

nas políticas de reforma educacional (resultando em textos híbridos), há uma

questão recorrente, segundo Ball (2001, p. 100): o aumento da “colonização das

políticas educativas pelos imperativos das políticas econômicas”. Encontramos

constantemente a presença de discursos híbridos e mesmo contraditórios nas

proposições da organização curricular e didática (pedagogia das competências,

construtivismo, interdisciplinaridades, temas transversais, etc.), conforme apontaram

Lopes (2005), Popkewitz (2004) e Ball (2001) e, “híbridos também do ponto de vista

dos imaginários nacionais e regimes éticos que propõem” (GARCIA, 2010, p. 452).

Lopes (2005), amparada pelos estudos de Stephen Ball, Basil Bernstein e

Néstor Garcia Canclini, trata a política curricular como política cultural, resultado dos

processos de recontextualizações constantes do texto curricular sob a influência de

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múltiplos fatores políticos, sociais e culturais. Como política cultural, a política

curricular é a síntese da correlação de forças de diferentes grupos; portanto, são

resultados híbridos (Lopes, 2005), com textos ambíguos e ressignificados nas

diferentes realidades.

Para Ball (2001), a criação das políticas nacionais é, ainda, um processo de

“bricolagem”, o que significa dizer que é processo que toma de empréstimo ou copia

elementos ou fragmentos de outros contextos, de outras abordagens ou teorias,

adotando novas tendências e lógicas globais e locais, na expectativa de fazer

funcionar a política.

Popkewitz (2004, p. 108) parte da ideia de reforma que surge na Europa e

na América do Norte no século XIX para tratar sobre a escola moderna e sobre a

administração social da individualidade, já que, para o autor, a reforma social está

relacionada com a construção da concepção de Estado moderno, o qual tem como

interesse principal o cuidado de suas populações, não mais apenas os seus limites

territoriais e fronteiriços. A construção do Estado moderno teve de criar novas

formas de exercer o poder e de governar os cidadãos, não mais através da força

bruta e da violência exercida pela soberania ou pela Igreja, mas agora através da

aplicação de uma racionalidade que imprime modos de ser e molda as condutas do

bom cidadão, bom trabalhador, bom aluno, bom professor, e assim por diante. A arte

de governar, portanto, pode ser feita a distância, através de sistemas de

conhecimento que decretam princípios para que o indivíduo seja um cidadão

responsável de si, autodisciplinado.

Segundo o autor, embasado pelo pensamento foucaultiano, a reforma social

inscreve-se na alma, não a alma definida pelo cristianismo, a ser salva após a morte,

mas nas consciências e nas sensibilidades dos indivíduos, em nome do progresso,

da liberdade e da cidadania. A partir da união dos registros da administração social e

da liberdade, as práticas da reforma produziram seus efeitos. Na administração

social, encontra-se a criação de instituições sociais, a partir de sistemas de

conhecimento especializados, que vão surgir com o intuito de proporcionar

progresso para a sociedade, destacando a escola para a massa, que tem como

objetivo administrar, desde a infância, “o crescimento, o desenvolvimento e a

evolução social”, responsabilizando-se em governar cada demanda específica da

população. Ligadas também ao registro da liberdade, as instituições sociais tratam

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de disseminar discursos liberais sobre o ser do sujeito: autônomo, livre, participativo,

cidadão, responsável, e tantos outros adjetivos que dizem respeito à ideia de

cidadania e individualidade (Popkewitz, 2004, p. 109). Como arte de governo, trata

de unir os registros da administração social e da liberdade, não apenas para

direcionar a ação/intervenção social do Estado, mas como uma forma muito

particular de prática de governo nas condutas dos indivíduos.

Deste modo, são noções importantes para compreender a ideia da reforma

as ideias de governo e de governamentalidade, apresentadas por Michel Foucault

(1997b, p. 111), como “o governo de si por si na sua articulação com as relações

com o outro”, por exemplo, a pedagogia e as religiões de salvação. O autor,

preocupado com o problema específico da população, chegou à questão do

governo, não no sentido estrito de governo, mas no sentido de uma “arte de

governar” de dois modos: o governo de si mesmo (relacionado a uma ética), e o

governo dos outros (que são as formas políticas da governamentalidade). No

primeiro caso, diz respeito ao governo que se pode estabelecer consigo mesmo,

como, por exemplo, dominar os prazeres indesejáveis para a economia da

sociedade moderna, que se pode denominar um autogoverno de si mesmo. Já o

segundo caso trata de “um conjunto de ações sobre ações possíveis”, em que o

governo trabalha no campo do comportamento dos sujeitos. Trata-se “de uma

conduta que tem por objetivo a conduta de outro indivíduo ou de um grupo.

Governar consiste em conduzir condutas” (CASTRO, 2009, p. 190).

O governo é definido por Foucault (2006b, p. 284) “como uma maneira

correta de dispor as coisas para conduzi-las não ao bem comum, [...] mas a um

objetivo adequado a cada uma das coisas a governar”. Enquanto que, para a

soberania atingir sua finalidade, era aplicada a obediência à lei, e a lei e a soberania

estavam indissoluvelmente ligadas, ao contrário, “no caso da teoria do governo não

se trata de impor uma lei aos homens, mas de dispor as coisas, isto é, utilizar mais

táticas do que leis, ou utilizar ao máximo as leis como táticas” (Foucault, 2006b, p.

284). A finalidade do governo está nas coisas que ele dirige, e não é através da lei,

mas de táticas com as quais se podem atingir os fins do governo. Seu estudo sobre

a governamentalidade acaba por fazer a crítica às conceituações correntes do

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poder16 por analisá-la como domínio de relações estratégicas entre indivíduos e

grupos (a conduta dos indivíduos).

Neste estudo, a reforma na formação inicial dos professores pode ser

compreendida como uma prática que estabelece as metas, os objetivos e as

posições para os protagonistas da política de currículo de formação de professores.

Retira do Estado o papel de ator principal nas reformas da formação ao posicioná-lo

como coadjuvante ao lado de todos os atores que assinam os textos que

corporificam as políticas, por exemplo, os representantes de entidades do campo

educacional e de todos os que protagonizam as práticas do currículo em ação, nos

cursos de formação das universidades. E, ainda, como uma prática de governo que

se estabelece a partir de uma problemática específica, inscreve-se na alma humana,

de modo que os indivíduos se tornem motivados e encorajados para assumir o papel

de autônomos e responsáveis pela mudança social, possibilitando que o Estado

possa governar a distância seus cidadãos.

As políticas de formação docente destinam-se ao governo das condutas dos

futuros professores através de tecnologias de governo, e de uma série de finalidades

específicas, que, para serem atingidas, são dispostas em forma de políticas como

texto – resoluções/diretrizes. As reformas educacionais de formação de professores

expressam um ordenamento ou uma racionalidade, uma disposição organizada para

atingirem determinados fins no ser professor e no agir como professor.

Conforme vimos, os discursos que circulam nas reformas educacionais

narram um tipo de aluno e de professor cujo desempenho diz respeito à imagem do

professor pesquisador, participativo, colaborativo, que resolve problemas e que

constrói conhecimento acerca da aprendizagem e do conteúdo a ser ensinado e,

ainda, inscrevem e modelam sua personalidade flexível às mudanças sociais que

vão ocorrendo. Passarei a discutir as implicações destas reformas no currículo de

formação de professores, trazendo primeiramente qual o entendimento de currículo

está presente nesta tese.

16

O poder “pensado como um sistema unitário, organizado em torno de um centro que é, ao mesmo tempo, a sua fonte e que é levado por sua dinâmica interna a se estender sempre” (FOUCAULT, 1997b, p.110).

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2.3 Currículo de formação de professores: campo de regulação e de domínio

particular do eu-docente

O modo de entender o currículo para a formação docente pode ser visto

como uma “pista de corrida”, conforme apresenta Goodson (1995, p. 32), por onde

todos os alunos dos cursos de licenciatura passam com a intenção de se

constituírem professores. A metáfora da pista de corrida remete-nos a um percurso

com um ponto de partida e um ponto de chegada, a ser percorrido durante um

determinado tempo, cumprindo determinadas ações e regras previamente

acordadas, com a finalidade de estabelecer como se deve ser professor e como não

se deve ser. E, ainda, provoca-nos a pensar sobre currículo como resultado de uma

construção cultural, social e historicamente produzido a partir de diferentes

concepções de educação, escola, sociedade, sujeito, conhecimento e ciência.

O autor trabalha com uma definição pré-ativa de currículo escrito,

contrapondo-o à realização interativa de currículo como prática. Porém, embora

apresente as definições pré-ativa e ativa de currículo, não coloca o currículo escrito

e a prática em sala de aula como fatos isolados, mas como elementos

interdependentes entre si, tendo o currículo realizado na prática como componente

central. Deste modo, afirma que o currículo escrito é um testemunho visível e

público, que justifica e legitima o processo educativo e, como um mapa do terreno

ou um roteiro, estabelece, no tempo/espaço curricular, padrões, classificações,

atribuições e, ainda, é suscetível a modificações, na medida em que as lógicas e as

práticas educativas vão-se operacionalizando e recriando o currículo ativo nas

instituições.

Goodson (1995) alerta-nos que estudar apenas o currículo escrito como se

fosse um catálogo, desencarnado, sem vida, pode representar um risco, pois acaba

por reafirmar ou pressupor que existe uma dicotomia entre teoria e prática que seria

definida como currículo escrito e ativo, respectivamente e, ainda, pode caracterizar

como irrelevante o currículo escrito e supervalorizar o currículo ativo, por ser o

vivenciado e posto em prática nas rotinas dos cursos de formação. Por isso, é

importante que sejam abordados ambos os tipos de currículo concomitantemente

num estudo que busque compreender os efeitos regulatórios desse arranjo

curricular.

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Somos inclinados a pensar que o currículo escrito é neutro e inquestionável,

pois seria o depositário de todo o conhecimento acumulado pela história da cultura e

da ciência e, sendo resultado deste acúmulo, não há o que contrariar, está dado.

Porém, a perspectiva que trago neste estudo não compartilha esta visão dicotômica

e tradicional de currículo, como uma simples elaboração de grades disciplinares a

partir da sistematização do conhecimento.

O currículo existe no interior das instituições de formação – escolas, cursos

de licenciatura. É uma invenção relativamente recente da sociedade ocidental e

“pode ser visto como uma invenção da modernidade, a qual envolve formas de

conhecimento cujas funções consistem em regular e disciplinar o indivíduo”

(Popkewitz, 1994, p. 186). A imagem de currículo que compartilho está ancorada na

ideia de um arranjo particular de conhecimento sobre o mundo e sobre os

indivíduos, através do qual imprimem modos de regulação e de disciplinamento a si

próprios. Através da inscrição de sistemas simbólicos, o currículo impõe um

conhecimento do eu e do mundo e propicia ordem e disciplina aos indivíduos.

Com as teorias críticas e pós-críticas, o currículo passa a ser analisado a

partir de relações de poder – embora com diferentes abordagens sobre o poder – e,

portanto, nenhum texto curricular pode ser considerado neutro. Assim como destaca

Silva (2007, p. 16): “Selecionar é uma operação de poder. Privilegiar um tipo de

conhecimento é uma operação de poder. Destacar, entre as múltiplas possibilidades,

uma identidade ou subjetividade como sendo a ideal é uma operação de poder”.

Popkewitz (1994, p. 183) alerta-nos que o currículo de formação não é

constituído apenas de regras e padrões de cognição; é constituído também de

relações de poder entranhadas na seleção, organização e avaliação do

conhecimento. Enquanto, para as teorias críticas, o poder é algo repressor e deve

ser eliminado, para as teorias pós-críticas, o poder é considerado produtivo, constitui

e cria identidades e subjetividades. Essa ênfase ao poder que produz possui sua

referência em Michel Foucault. Embora seu estudo não esteja relacionado

diretamente com os estudos sobre currículo, sua definição de poder ajuda-nos a

entender e a pensar também nas questões curriculares, quando ele afirma:

Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não, você acredita que seria obedecido? O que faz com o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma

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força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir (FOUCAULT, 2006a, p. 8).

O poder atua através de dispositivos de regulação, controle e disciplina dos

corpos e das populações. O currículo, por sua vez, é um dos dispositivos na tarefa

de normalização, disciplinarização e regulação que atinge todos os agentes

educacionais (professores e estudantes). Através do currículo, aprende-se não

apenas o conhecimento específico da área de atuação do futuro professor, mas

também se aprendem disposições, consciências e sensibilidades em relação a si

mesmo, ao mundo e às pessoas. O conhecimento curricular “vincula formas de falar

e raciocinar” (Popkewitz, 1994, p. 185) ou, ainda, estabelece as formas pelas quais

nós dizemos a verdade sobre nós mesmos, sobre o mundo e sobre os outros.

O autor nos apresenta dois níveis diferentes que são responsáveis pela

regulação através do currículo. O primeiro deles é a imposição sobre o que deve ser

conhecido, estudado, ou seja, qual conhecimento é mais apropriado, mais

verdadeiro. E, com isso, algumas informações são as eleitas dentre tantas outras

possibilidades. A seleção do conhecimento a ser estudado compõe a configuração

curricular, que atuam como “lentes” ou modos de ver, pensar, refletir as situações

sociais e questões pessoais de toda ordem.

Temos, então, o segundo nível de regulação, pois a triagem do

conhecimento alude não apenas ao que está sendo aprendido, mas também a

padrões, regras, estratégias e tecnologias que conduzem os estudantes a

determinados modos de pensar sobre o eu, o mundo e os outros. As práticas

concernentes aos currículos de formação são formas “politicamente sancionadas

para os indivíduos organizarem suas visões do „eu‟. [...] a aprendizagem implica

também distinções, diferenciações e sensibilidade que inscrevem emoções e

atitudes apropriadas” (POPKEWITZ, 1994, p. 192).

Para tanto, conforme Silva (2005, p. 191) coloca, é necessário “conhecer

para governar”, ou seja, para controlar, regular, governar, agir sobre uma

determinada população, precisa-se, primeiramente, conhecê-la. O campo do

currículo é precisamente um domínio particular de conhecimento do indivíduo,

implicado em estratégias de governo. A teoria do currículo consiste precisamente

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nisto, afirma Silva (2005): em estabelecer meios de melhor organizar experiências

de conhecimento dirigidas à produção de formas particulares de subjetividade, seja

o sujeito conformista e essencializado das pedagogias tradicionais, seja o sujeito

emancipado e libertado das pedagogias progressistas.

Se entendermos o currículo como um dispositivo pedagógico que atua como

um processo de subjetivação através de práticas e tecnologias, então, o currículo de

formação de professores pode ser analisado como o lugar no qual os indivíduos em

constituição, associando-se ao conceito foucaultiano de subjetivação, “se submetem

mais ou menos completamente a um princípio de conduta” (Foucault, 1984, p. 26),

obedecendo ou resistindo às regras oferecidas e respeitando ou negligenciando

determinados valores atribuídos ao eu-docente. Desta forma, a constituição do eu-

docente que se forja através do currículo, pode ainda ser percebido como um

processo de aprendizagem, através de exercícios de memorização, de assimilação

de diferentes conceitos e também através do controle da conduta do sujeito em

formação.

Ao mesmo tempo, o currículo age na constituição do eu-docente, na medida

em que implica uma certa relação a si, ação sobre si, enquanto sujeito-professor, ele

age sobre si mesmo, ou ainda, tomando de empréstimo as teorizações sobre

subjetivação no pensamento de Foucault (1984, p. 28), “procura conhecer-se,

controlar-se, põe-se à prova, aperfeiçoa-se, transforma-se”, através de exercícios,

práticas, técnicas que são propostos para o desenvolvimento das relações de si,

para a reflexão sobre si, para o conhecimento, o exame, a decifração de si por si

mesmo.

O currículo de um curso de formação de professores pode ser entendido

como um modo de subjetivação na medida em que comporta dois aspectos: o dos

códigos de comportamento e o das formas de subjetivação, que não são dissociados

e asseguram a constituição do eu-docente, através de diferentes tecnologias e

práticas. Os Estágios são entendidos, neste estudo, como dispositivos pedagógicos

onde diferentes práticas e tecnologias atuam na constituição do futuro professor da

educação básica.

A prática na formação inicial é apresentada como um saber docente, um

saber tácito, da experiência, com base também num referencial de cunho prático-

reflexivo, para que, através do contato direto com a escola formal, os indivíduos

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construam sua subjetividade docente. Deste modo, entendo que estes saberes de

ordem prática no processo de formação docente atuam como tecnologias do eu-

docente, no interior da qual os indivíduos exercem um trabalho sobre si com a

intenção de assegurarem ou construírem suas subjetividades docentes e seus

modos de ser e agir no mundo e com os outros.

Percebo que as DCN apontam para um governo ou, ainda, um autogoverno

da conduta do futuro docente em formação, que transfere para o indivíduo a

responsabilização por sua formação e carreira profissional. O Estágio e a prática de

ensino, tais como outras experiências de conhecimento, atuam como tecnologias do

eu, definidas por Foucault como aquelas nas quais os indivíduos estabelecem uma

relação consigo mesmos e:

[...] que permitem aos indivíduos efetuar, por conta própria ou com a ajuda de outros, certo número de operações sobre seu corpo e sua alma, pensamentos, conduta, ou qualquer forma de ser, obtendo assim uma transformação de si mesmos com o fim alcançar certo estado de felicidade, pureza, sabedoria (FOUCAULT, 1990, p. 48).

A ideia central que defendo é a de que o aumento da carga horária dos

Estágios e a inserção do elemento de prática como componente curricular, os quais

juntos totalizam no mínimo 800 horas, indicados pelas DCN para os cursos de

formação de professores da educação básica, apontam para uma intensificação da

autoformação, principalmente por estarem calcadas numa teoria pragmática de

reflexão e autorreflexão sobre as ações – a “prática reflexiva” e o “aprender a

aprender”. Estes incidem sobre um modo de subjetivação do futuro professor, sendo

a prática de ensino uma tecnologia do eu-docente, este eu-docente que se conhece

e se forma através da sua prática, da formação na ação, tendo como elemento

dinamizador principal a elaboração ou re-elaboração da ação reflexiva consigo

mesmo.

Segundo Larrosa (1994, p. 49), o professor reflexivo é aquele “capaz de

examinar e reexaminar, regular e modificar constantemente tanto sua própria

atividade prática quanto, sobretudo, a si mesmo”. E destaca as expressões mais

recorrentes no campo da formação de professores: “reflexão, autorregulação,

autoanálise, autocrítica, tomada de consciência, autoformação, autonomia, etc.”

Estas ações reflexivas sobre si mesmo caracterizariam uma postura adequada para

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o sujeito em formação, segundo as orientações teóricas recorrentes, como um

exemplo de sujeito maduro, equilibrado, que se conhece profundamente e se

modifica quando necessário.

O aumento da carga horária do saber de ordem prática nos currículos de

formação docente, no entendimento deste estudo, compartilha também com o

pensamento trazido por Jorge Larrosa (1994) sobre a constituição do sujeito (neste

caso, o eu-docente) a partir de aparatos complexos de discursos pedagógicos ou

regimes discursivos diversos que implicam algum tipo de relação do sujeito consigo

mesmo, e, sobretudo, um modo de comportamento. Sendo dispositivos

pedagógicos, os Estágios produzem e transformam a experiência que os alunos,

futuros mestres, têm em relação a si mesmos, porque, com estes momentos, mais

do que aprenderem algo exterior – conhecimentos gerais acerca da escola e/ou

saberes específicos da área de atuação – há uma relação reflexiva do aluno consigo

mesmo – autoconhecimento e autorreflexão.

O futuro professor define e elabora sua subjetividade, quando oferece a si

mesmo momentos de observação, decifração, descrição, julgamento, narração e

domínio de si, partindo de uma noção de experiência de si, que é resultado de um

entrecruzamento de “discursos que definem a verdade do sujeito, as práticas que

regulam seu comportamento e as formas de subjetividade nas quais se constitui sua

própria interioridade” (Larrosa, 1994, p. 43). Esta interioridade acaba sendo

fabricada na experiência de si e na sua capacidade de examinar e reexaminar,

regular e modificar constantemente sua prática e a si mesmo.

O currículo de formação e as disciplinas de Estágio atuam como aparatos de

subjetivação na fabricação do eu-docente, principalmente porque oferecem a

possibilidade de o sujeito se relacionar consigo mesmo, a partir de diferentes

“tecnologias óticas de autorreflexão, formas discursivas (basicamente narrativas) de

autoexpressão, mecanismos jurídicos de autoavaliação, e ações práticas de

autocontrole e autotransformação” (Larrosa, 1994, p. 38). Enfim, temos, com os

Estágios, estas modalidades do dispositivo pedagógico apresentadas pelo autor:

mecanismos óticos, discursivos, jurídicos e práticos.

Cada um destes mecanismos é, a todo momento, acionado nas disciplinas

de Estágios, e é justamente na articulação complexa de discursos e práticas que se

constitui o eu-docente e, portanto, não pode ser analisado independentemente

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desses discursos e mecanismos. Não se deve considerar as disciplinas de Estágios

apenas como possibilidade ou oportunidade de desenvolvimento da subjetividade

docente, mas como mecanismo de produção da experiência de si.

A experiência que se tem de si mesmo é um processo histórico e cultural e,

portanto, é algo transmitido e aprendido nas relações entre os sujeitos. É possível

identificarmos diferentes práticas que são recorrentes durante as disciplinas de

Estágio, que possuem certo repertório de ações que colaboram na construção do

professor, por exemplo, através de exercícios e práticas de autoconhecimento e

autoavaliação. Nas construções narrativas, “onde cada um de nós é, ao mesmo

tempo, o autor, o narrador e o personagem principal” (Larrosa, 1994, p. 48), os

futuros professores vão elaborando seu modo de ver-se docente, sempre com

objetivo de capturar-se a si mesmo para sua autorreflexão e transformação.

Por fim, é possível afirmar que o currículo de formação docente é composto

por princípios que incorporam padrões e regras através dos quais são constituídas a

razão e a individualidade dos futuros professores, cujas consequências são

regulatórias. A regulação abarca o que deve ser apreendido cognitivamente, após

uma seleção e organização do conhecimento que é considerado verdadeiro por

determinados grupos sociais e, ao mesmo tempo, o processo de regulação

compreendido pelo currículo produz sensibilidades, consciências, modos de ser e

agir no mundo social e principalmente em relação aos temas emergentes da

educação.

Passarei, no próximo capítulo, a aprofundar algumas questões específicas

das teorizações foucaultianas sobre as tecnologias do eu e o modo como as

percebo compondo as disciplinas curriculares de Estágio Supervisionado.

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CAPÍTULO 3 – TECNOLOGIAS DO EU-DOCENTE: A ESCRITA DE SI E A

EXPERIÊNCIA DE SI COMO MODOS DE SUBJETIVAÇÃO

Neste capítulo, realizo o primeiro movimento analítico com os relatórios de

Estágios dos alunos da primeira turma do Curso de Teatro – Licenciatura, da UFPel,

a partir das referências teóricas principais que pautam esta tese: Michel Foucault e

Jorge Larrosa. Para tanto, o capítulo está dividido em três partes. Primeiramente,

apresento uma breve síntese dos estudos sobre a cultura de si desde a Antiguidade,

realizados por Michel Foucault. No segundo momento, trato das características

principais da escrita como experiência de si. Depois, na terceira parte deste capítulo,

apresento alguns movimentos gerais sobre a escrita dos relatórios como uma

experiência de si, entendendo que, nesses textos, os acadêmicos atribuem valores e

sentidos às experiências de formação nesses componentes curriculares.

3.1 As práticas de si e a ética da existência: uma perspectiva foucaultiana

Quero que nunca deixes escapar a alegria. Quero que ela seja abundante em tua casa. Ela abundará com a condição de estar dentro de ti mesmo... Ela nunca mais cessará quando encontrares, uma vez, de onde ela pode ser tomada... Dirige teu olhar para o bem verdadeiro; sê feliz pelos teus próprios bens.

Mas, esses bens, de que se trata?

De ti mesmo e da tua melhor parte (Sêneca). 17

17

Carta de Sêneca a Lucílio, apud Foucault (1985, p.71).

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Michel Foucault18 analisa no período compreendido entre os séculos I e II da

nossa era, de que modo os prazeres sexuais e seus efeitos sobre o corpo e a alma

são descritos pelos filósofos e médicos, a partir de uma moral austera, que será

tomada de empréstimo pelos escritores cristãos para reprovar o que seria por eles

considerado imoral e lascivo. O projeto de uma História da Sexualidade estava

centrado na sexualidade enquanto experiência, considerando-a enquanto a

correlação entre campos de saber, tipos de normatividade e formas de subjetividade.

Para o filósofo, os três eixos que constituem os sujeitos da modernidade são: a

formação dos saberes que os constituem enquanto sujeitos; os sistemas de poder e

suas tecnologias que regulam as suas práticas (um poder que não é considerado

como dominação); e as formas e os modos pelos quais os indivíduos são levados a

se reconhecerem como sujeitos.

Após ter-se ocupado dos jogos de verdade nas ciências empíricas dos

séculos XVII e XVIII, dos jogos de verdade nas relações de poder, Foucault foi

estudar “os modos instituídos do conhecimento de si e sobre sua história” (Foucault,

1997b, p. 109), os jogos de verdade na relação do sujeito consigo mesmo, na

constituição de si mesmo como sujeito, do que se poderia denominar uma história

do homem de desejo. Surge, então, seu interesse pelos gregos clássicos, um

interesse ético e político, não apenas na constituição e relação do sujeito consigo

mesmo, mas na relação deste com os outros, no governo de si e dos outros.

Este último eixo – a relação do sujeito consigo mesmo – é o foco principal da

sua História da Sexualidade: analisar as práticas de si, através das quais os

indivíduos são levados a prestar atenção a si mesmos, “a se decifrar, a se

reconhecer e se confessar como sujeitos de desejo, estabelecendo de si para

consigo, uma certa relação que lhes permite descobrir a verdade de seu ser”

(FOUCAULT, 1984, p. 11).

Ao pesquisar as formas e as modalidades da relação consigo, através das

quais os indivíduos se constituem e se reconhecem como sujeitos, o autor realiza

uma história do cuidado e das técnicas de si, uma história da subjetividade, através

do estudo da lenta formação de uma “hermenêutica” de si, desde a Antiguidade até

18

Encontramos, em diferentes textos, a discussão sobre a ética, desde seminários, conferências, entrevistas e nas escritas de Foucault (1984; 1985; 1990; 1993; 1995; 1996b; 1996c; 1996d; 1997b; 1997c; 2006c; 2006d; 2012).

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o cristianismo. Essas práticas diziam respeito ao princípio de “ocupar-se de si”, ou

de “cuidar de si mesmo”, frequentemente chamado em grego de epimeléia heautoû;

em latim, cura sui. Associado a esse princípio estava o tema do “conhecimento de

si”, gnôthi seautón (FOUCAULT, 1997c).

A marca principal nos textos dos primeiros séculos da nossa era não

aparece no sentido de uma legislação coercitiva e geral dos comportamentos

sexuais, tampouco no sentido de proibições rigorosas, estritamente limitadas pelas

instituições e pelas leis de um poder político autoritário. Entretanto, o que baliza

estes escritos, antes de ser uma interdição sobre os comportamentos sexuais:

É a insistência sobre a atenção que convém ter para consigo mesmo; é a modalidade, a amplitude, a permanência, a exatidão da vigilância que é solicitada; é a inquietação com todos os distúrbios do corpo e da alma que é preciso evitar por meio de um regime austero; é a importância de se respeitar a si mesmo, não simplesmente em seu próprio status, mas em seu próprio ser racional, suportando a privação dos prazeres ou limitando o seu uso ao casamento ou à procriação (FOUCAULT, 1985, p. 46-47).

A ampliação da severidade sexual na reflexão moral não possui o formato de

uma lei ou código que define ou inibe os atos proibidos, mas de uma intensificação

da relação que o sujeito estabelece consigo, na sua constituição como sujeito de

seus atos. Nesta moral sobre si, ganham espaços cada vez maiores na existência os

aspectos privados da conduta pessoal, porém, Foucault (1985) alerta que não

podemos atrelar tais aspectos ao individualismo que, segundo o autor, é

constantemente invocado para explicar este fenômeno.

O individualismo não pode ser aferido como justificativa para a moral dos

primeiros séculos, nem das práticas mais austeras dos estoicos, pois o argumento

desta moral sobre si está fundamentado justamente no período histórico do apogeu

do fenômeno do que se pode chamar de uma “cultura de si”, da intensificação e

valorização das relações de si para consigo, o que não configura uma prática

individualista, mas uma prática social, uma ética da existência cultivada durante este

período.

A arte da existência é dominada pelo princípio de que é preciso “ter cuidados

consigo”, o cuidado é o princípio que fundamenta e organiza a prática de si, que

adquiriu um alcance bastante geral, que circulou entre diferentes doutrinas

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filosóficas, sendo um tema bem antigo na cultura grega. Ou, ainda, a arte da

existência pode ser entendida como:

[...] práticas refletidas e voluntárias através das quais os homens não somente se fixam regras de conduta, como também procuram se transformar, modificar-se em seu ser singular e fazer de sua vida uma obra que seja portadora de certos valores estéticos e responda a certos critérios de estilo (FOUCAULT, 1984, p. 15).

As técnicas de si são procedimentos existentes em toda civilização, que são

prescritos aos indivíduos para “fixar sua identidade, mantê-la ou transformá-la em

função de determinados fins, e isso graças a relações de domínio de si sobre si ou

de conhecimento de si por si” (Foucault, 1997b, p. 109). Em seu estudo sobre o

cuidado de si, o autor isola três momentos históricos: o momento socrático-platônico

do surgimento da epiméleia heautoû (cuidado de si) na reflexão filosófica; o período

da idade de ouro da cultura de si mesmo, nos séculos I e II da nossa era e, por fim,

o momento da passagem aos séculos III, IV e V, da ascese filosófica ou pagã para o

ascetismo cristão.

O Alcibíades de Platão pode ser considerado como ponto de partida para o

estudo sobre uma história do cuidado de si. Sócrates, mestre do cuidado de si,

interpela as pessoas e lhes diz que devem cuidar não das suas riquezas, mas deles

próprios. Assim o fez com o jovem Alcibíades, quando este, ao pretender tomar o

poder da sua cidade, é interpelado por Sócrates que o aconselha a, primeiro,

ocupar-se de si próprio, antes de querer governar a cidade. Com o texto Alcibíades,

assistimos à emergência do cuidado de si, determinada por três condições de

aplicação deste cuidado:

1) Elemento Político: Os jovens aristocratas destinados a exercer o poder

devem ocupar-se de si. Esta era a situação de Alcibíades, que, por status, um dia

deveria dirigir a cidade e, portanto, tinha “necessidade de ocupar-se consigo mesmo

na medida em que se há que governar os outros” (Foucault, 1990; 1997c; 2006c, p.

56). O eu a ser objeto de cuidado era um eu-político, o objeto era o eu, mas a

finalidade era a cidade;

2) Elemento Pedagógico: O cuidado de si relaciona-se à prática educativa

considerada insuficiente para quem deveria governar a cidade, principalmente

quando comparada à educação e aos saberes dos espartanos e dos persas. Do

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mesmo modo, recai a crítica ao amor entre os homens e os rapazes, que não

cumpria uma tarefa formadora, apenas uma função amorosa enquanto os rapazes

estavam no esplendor de sua juventude. Desta “dupla falha pedagógica (escolar e

amorosa)”, os jovens necessitariam de um guia para uma formação que os

ensinasse a ocupar-se consigo mesmos (Foucault, 2006c, p. 56);

3) Elemento do “conhece-te a ti mesmo”: Encontramos o elemento da

“ignorância” das coisas que se deveria saber para governar a cidade e a ignorância

de si mesmo, ou seja, o jovem Alcibíades não sabia e ignorava que não sabia, deste

modo “o cuidado de si tem como forma principal, senão exclusiva, o conhecimento

de si: ocupar-se consigo é conhecer-se” (FOUCAULT, 2006c, p. 102).

O tema do cuidado de si (epiméleia heautoû), consagrado por Sócrates,

acabou sendo o núcleo da arte da existência e foi retomado por outras filosofias,

adquirindo progressivamente a dimensão e a forma de uma “cultura de si”: um

imperativo para doutrinas diferentes, que surgem a partir dos primeiros séculos da

época imperial, um modo de se comportar, uma forma de viver, desenvolvida,

aperfeiçoada e ensinada através de procedimentos, práticas e receitas, constituindo

uma prática social, um modo de conhecimento e a elaboração de um saber.

A cultura de si vive a idade de ouro nos séculos I e II, embora caiba destacar

que este modo de vida era para poucos, somente para grupos sociais portadores de

uma cultura para a qual tivesse sentido um cuidado de si. O cuidado de si implica

sempre uma escolha de modo de vida, jamais foi percebido como uma lei universal

válida para todo indivíduo. “Ocupar-se de si é um privilégio, é a marca de uma

superioridade social, por oposição àqueles que devem se ocupar dos outros para

servi-los ou ainda se ocupar de um ofício para poder viver” (FOUCAULT, 1997c, p.

121).

A prática de si como fórmula geral da arte de viver, nos séculos iniciais da

nossa era, passa a ser um tipo de exigência que devia acompanhar toda a extensão

da existência, não apenas na juventude, como era com Alcibíades. O cuidado de si

deixa de possuir o caráter de uma transição entre o período de educação e a fase

adulta, para se tornar uma preocupação constante durante toda a vida e concentrar-

se na vida adulta.

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Desse fato, segundo Foucault (1990; 1997c; 2006c), originam-se duas

consequências. Primeira: a prática de si assume uma função mais nitidamente crítica

que formadora, tratava-se de corrigir mais que de instruir (desaprender os maus

hábitos); uma função de luta, um combate permanente para lutar durante toda a vida

contra os males do corpo e da alma; uma função curativa e terapêutica contra as

paixões da alma e as doenças do corpo (pathos). Daí o parentesco com a medicina.

Torna-se uma preparação para a velhice, como momento de plenitude do sujeito,

momento privilegiado. Para ser sujeito, é preciso ser velho, eis um deslocamento

cronológico, dando nova importância à velhice. Na cultura antiga (socrático-

platônico), a velhice tinha valor tradicional, representava sabedoria e experiência,

mas também representava fraqueza ou incapacidade de estar ativo na vida política.

A velhice era honrosa, mas indesejável na cultura grega tradicional. Com a cultura

do cuidado de si a ser praticado durante toda a vida, durante os séculos I e II, a

velhice passa a ser o “coroamento, a mais alta forma do cuidado de si, o momento

de sua recompensa” (Foucault, 2006c, p. 134). Era a velhice como meta positiva da

existência, não a velhice cronológica, mas “uma velhice que, de certo modo,

fabricamos; uma velhice para a qual nos preparamos” (FOUCAULT, 2006c, p. 137).

Segunda consequência: o cuidado de si converte-se em um princípio

incondicionado, universal (regra aplicável a todos), que se dirige a todos,

independente de sua origem e condição social. O cuidado de si tornou-se um

princípio geral, um imperativo que se impõe a todos, durante todo o tempo e sem

condição de status. O cuidado de si é uma obrigação permanente que deve durar a

vida toda, é um modo de existência (FOUCAULT, 1990; 2006c).

A razão de ser de ocupar-se consigo mesmo não é mais uma atividade bem

particular, a quem consistia em governar os outros, não tem mais por finalidade

última a cidade, pois ocupar-se consigo agora é por si mesmo e com finalidade de si

mesmo (Foucault, 2006c, p. 103). O eu aparece tanto como objeto do qual se cuida,

quanto, principalmente, como finalidade que se tem em vista ao cuidar-se de si. Por

que se cuida de si? Não mais pela cidade (como era em Alcebíades), mas por si

mesmo.

Para Foucault (1985, p. 50-52), o cuidado de si encontra espaço em muitas

doutrinas filosóficas: nos platônicos, a leitura de Alcibíades era o começo do estudo

da filosofia para “tornar-se e retornar-se para si mesmo”, de modo a saber o que

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convém ser objeto dos próprios cuidados; com os epicuristas, o cuidado de si era

considerado exercício para a vida toda, pois, conforme Epicuro, nunca é cedo ou

tarde “para assegurar a saúde da alma”, empregando a ideia de um cuidar-se sem

cessar; Com Sêneca, para consagrar-se a si próprio, “é preciso renunciar às outras

ocupações”, não perder tempo, não poupar esforços a fim de “formar-se,

transformar-se, voltar a si”. Para este filósofo, era necessário transformar a

existência num exercício permanente e jamais descuidar.

Entretanto, Foucault (1985, p. 52-53) destaca Epicteto como o filósofo que

elaborou o tema do cuidado de si de uma forma ímpar. Define o ser humano “como

o ser a quem foi confiado o cuidado de si” sendo isso o que diferencia os animais

dos homens, uma vez que o homem pode, por vontade de Deus, “livremente, fazer

uso de si próprio; e é para este fim que o dotou de razão”. A faculdade da razão

permite que se tome a si mesmo o objeto do próprio estudo. Para Epicteto, o

cuidado de si é “um privilégio-dever, um dom-obrigação que nos assegura a

liberdade obrigando-nos a tomar-nos nós próprios como objeto de toda a nossa

aplicação”.

O cuidado de si não designa apenas uma preocupação, mas um conjunto de

ocupações, do mesmo modo que os cuidados dispensados com as atividades de um

dono de casa, com as tarefas de um príncipe para seus súditos, com um doente ou

ferido, com as obrigações aos deuses ou aos mortos, enfim, “a epiméleia implica um

labor” (Foucault, 1985, p. 56). Para tanto, é preciso tempo: seja no final do dia, seja

no início da manhã, é necessário que se tenha um tempo para consagrar-se a si

mesmo, voltar-se a si mesmo. Pode, ainda, acontecer de tempos em tempos, uma

espécie de retiro, com uma interrupção das atividades diárias, para um recolhimento

de si para consigo. Ou, então, aproveitando o final da carreira e a idade avançada,

quando, segundo Sêneca, os desejos ficam apaziguados, é possível consagrar-se

inteiramente à posse de si, “na calma de uma existência agradável” (FOUCAULT,

1985, p. 56).

Porém, este tempo não é vazio, pois está repleto de tarefas práticas,

atividades e exercícios diversos (askesis), desde os cuidados com o corpo (regimes,

exercícios físicos) até as práticas de meditação, leituras, anotações das leituras e

conversações, rememoração das verdades. Existem, ainda, as conversas com um

confidente, um amigo, um guia ou diretor de alma, para o qual são solicitados

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conselhos e, por vezes, também se fornecem conselhos, que podem ser em forma

de correspondência, efetuando-se uma atividade de palavra e escrita no trabalho de

si para consigo e com outrem.

Destaca Foucault (1985; 1997c) que a epiméleia não se constitui em um

exercício de solidão, mas uma verdadeira prática social, ao assumir formas mais ou

menos institucionalizadas. É o caso de Epicteto, que ensinava sua filosofia numa

espécie de escola, para várias categorias de alunos: uns estavam de passagem e só

queriam uma preparação para a existência, outros ambicionavam atividades

importantes na cidade, outros desejavam ser filósofos e trabalhar com as práticas de

direção de consciência. Além do mais, principalmente em Roma, nas famílias

aristocráticas, encontrava-se a figura de um conselheiro da existência, um consultor

privado ou inspirador político.

Enfim, diferentes funções, como a de professor, a de guia, a de conselheiro,

a de confidente vão demonstrar que a ligação intrínseca de uma atividade da alma,

com a possibilidade de trocas com o outro, “o cuidado de si – ou os cuidados que se

tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos – aparece como uma

intensificação das relações sociais” (Foucault, 1985, p. 58). O cuidado de si está

intrinsecamente ligado a uma ação consigo ao mesmo tempo em que comporta

intercâmbios de conselhos de consciência com o outro, seja através de

organizações escolares, ou com conselheiros privados ou mesmo nas relações de

família e de amizade entre duas pessoas, o “serviço de alma” se realiza através de

múltiplas relações sociais (FOUCAULT, 1997c, p. 126).

É possível, ainda, fazer-se a relação entre o cuidado de si e o pensamento

médico, tendo ambas as práticas como elemento central o conceito de pathos, que

se refere tanto à paixão quanto à doença física, à perturbação do corpo como

movimento involuntário da alma e, em ambos os casos, remete-se a um estado de

passividade que permite que a alma e o corpo sejam afetados pelos males. Com

isso, na prática do cuidado de si, reforça-se o cuidado médico, deve-se dar atenção

“à saúde, ao regime, aos mal-estares e a todas as perturbações que podem circular

entre corpo e alma” (Foucault, 1985, p. 62). Nas práticas de si, na relação entre

medicina e moral, o sujeito deve constituir-se a si próprio como um indivíduo que

deve estar sempre atento a si, para quando sofrer os diferentes males ele possa

cuidar a si mesmo ou deixar-se cuidar por alguém.

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Com a prática de si, foi desenvolvida toda uma arte de conhecimento de si,

com receitas precisas, formas particulares de exame e exercícios, apresentadas por

Foucault (1985; 1997c; 2006c) em três tipos de procedimentos: os procedimentos de

provação; o exame de consciência; o pensamento sobre ele mesmo.

Os procedimentos de provação tinham o objetivo de avançar no

desenvolvimento da virtude e medir cada avanço alcançado, ou seja, era uma

maneira de regulação e confirmação do grau de independência de que se era capaz

a respeito de tudo aquilo que era considerado supérfluo e dispensável. Eram

comuns, na época helenístico-romana, os exercícios voluntários de abstinência, de

estágios de pobreza fictícia a fim de familiarizar-se com o mínimo, abstendo-se de

tudo o que fosse hábito, gosto pela ostentação, sabendo viver com apenas o

indispensável, preparando-se para as possíveis privações (FOUCAULT, 1985, p. 63-

65).

O exame de consciência era outra técnica de si amplamente difundida no

período helenístico-romano. Tratava-se de um momento de exame pela manhã para

preparar-se para as tarefas e obrigações do dia e, pela noite, o exame servia tanto

para memorização do que tinha sido feito durante o dia como, ao mesmo tempo, um

balanço dos avanços conquistados para si. Constituía uma espécie de “encenação

judiciária”, onde o sujeito julga a si mesmo, ou “controle administrativo”, para medir e

avaliar as ações para possíveis correções futuras, realizar um exame de si,

inspecionar-se, não esconder nada de si mesmo. O erro e/ou a falta encontrados a

partir do exame de consciência não servem para fixar culpa ou remorso de si, mas

para lembrar a sua razão e assegurar-lhe uma conduta sábia (FOUCAULT, 1985, p.

65-67).

Era necessário, ainda, um trabalho do pensamento sobre ele mesmo, de

modo a ser uma espécie de filtro permanente das representações: examinar,

controlar e realizar triagem. Um vigia de si, que realiza uma verificação de si mesmo,

como um “vigia noturno” que cuida as entradas das portas das casas e, ao mesmo

tempo, distingue aquilo que depende do que não depende de nós (cânone estoico).

Tudo aquilo que não depende de nosso domínio, que está fora do nosso alcance,

deve ficar em segundo plano, a fim de só aceitar na relação consigo mesmo aquilo

que pode depender da livre escolha do sujeito (FOUCAULT, 1985, p. 67-69).

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O objetivo das práticas de si pode ser analisado pelo princípio geral da

conversão a si. Essa conversão implica duas ideias: um deslocamento do olhar, que

não pode se dispersar com curiosidades desimportantes; e uma trajetória pela qual o

sujeito acaba voltando para si mesmo. Enfim, embora o sujeito não necessite

interromper outros tipos de ocupações para voltar-se inteiramente a si, convém

manter sempre em mente que os propósitos para sua vida devem ser buscados a

partir da sua relação consigo mesmo (FOUCAULT, 1985, p. 69).

Deste modo, este movimento de conversão a si e todas as práticas de si

dizem respeito a uma ética do domínio, “uma relação concreta que permite gozar de

si como que de uma coisa que ao mesmo tempo se mantém em posse e sob as

vistas” (Foucault, 1985, p. 70). A experiência de si gerada pela ética do domínio,

pela posse de si...

[...] não é simplesmente a de uma força dominada, ou de uma soberania exercida sobre uma força prestes a se revoltar; é a de um prazer que se tem consigo mesmo. Alguém que consegue, finalmente, ter acesso a si próprio é, para si, um objeto de prazer. Não somente contenta-se com o que se é e aceita-se limitar-se a isso, como também „apraz-se‟ consigo mesmo (FOUCAULT, 1985, p. 70-71).

E, ainda, ao ser entrevistado por Dreyfus e Rabinow, lança a máxima de

uma ética de existência, de uma vida como obra de arte:

O que me surpreende é o fato de que, em nossa sociedade, a arte tenha se transformado em algo relacionado apenas a objetos e não a indivíduos ou à vida; que a arte seja algo especializado ou feita por especialistas que são artistas. Entretanto, não poderia a vida de todos se transformar numa obra de arte? Por que deveria uma lâmpada ou uma casa ser um objeto de arte, e não a nossa vida? (FOUCAULT, 1995, p. 261).

A ascese, para os gregos antigos, não era um caminho de progressiva

renúncia a si mesmo. Antes, tratava-se do trabalho de constituição de si mesmo, de

uma relação plena consigo mesmo, autossuficiente e capaz de produzir a felicidade

de estar consigo mesmo ou o domínio de si mesmo. E, portanto, diferencia-se

conceitualmente da ascese cristã em três eixos: primeiro, não está dirigido à

renúncia de si, mas à constituição e exaltação de si mesmo; segundo, não se regula

pelos sacrifícios, mas pelo dotar-se de algo que não se tem; e, finalmente, a terceira

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diferença está na não ligação do indivíduo à lei, mas à verdade (FOUCAULT, 1990;

2006c).

No modelo platônico, o cuidado de si é ocupado pelo imperativo do

conhecimento de si, de modo que estão reunidos e aglutinados, em um único

movimento, conhecimento de si e conhecimento da verdade, cuidado de si e retorno

ao ser (Foucault, 2006c, p. 310). No modelo cristão, formado a partir dos séculos III

e IV, o conhecimento de si está ligado, de modo complexo, ao conhecimento da

verdade tal como é dada no Texto pela Revelação e, para tanto, é preciso conhecer

a si e purificar o coração. Há um movimento circular: conhecimento de si,

conhecimento da verdade (Texto) e cuidado de si. Não é possível conhecer a

verdade nem conhecer-se a si mesmo sem a purificação de si mesmo.

Em segundo lugar, com o cristianismo, as práticas de si mesmo foram

integradas ao exercício do poder pastoral, formando um modelo cristão do cuidado

de si mesmo, um modelo ascético-monástico. O conhecimento de si é praticado

através de técnicas cuja função essencial consiste em dissipar as ilusões interiores,

reconhecer as tentações e frustrar as seduções de que se pode ser vítima.

Em terceiro lugar, enquanto, no modelo platônico, o conhecimento de si

mesmo gira em torno do voltar-se a si mesmo, num ato de reminiscência, no modelo

cristão, encontramos um ato de renúncia a si mesmo, com um modelo exegético, ou

seja, de detectar a natureza e a origem dos movimentos interiores que se produzem

na alma. Este modelo cristão será em seguida transmitido para toda a história da

cultura ocidental (FOUCAULT, 2006c, p. 312).

O modelo da cultura do cuidado de si (helenístico), dos séculos I e II,

(ocorrido entre os períodos do platonismo e do cristianismo) difere do platonismo,

pois não identifica cuidado de si e conhecimento de si, nem absorve o cuidado de si

no conhecimento de si e porque tende a acentuar e privilegiar o cuidado, como

vimos nas práticas de si deste período. Quanto ao cristianismo, o modelo helenístico

diferencia-se no que diz respeito à exegese de si e à renúncia a si, pois, ao

contrário, o eu é o objeto a se alcançar.

Na Antiguidade clássica, o cuidado de si não se opõe ao cuidado dos outros,

pois, ao contrário, implica relações complexas com os outros. Conforme comenta

Revel (2005, p. 34), “O ethos do cuidado de si é, portanto, igualmente uma arte de

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governar os outros e, por isso, é essencial saber tomar cuidado de si para poder

bem governar a cidade”. Enquanto que, na moral cristã, o cuidado ou o amor a si é

considerado uma falha moral, o cuidado dos outros requer uma renúncia de si

durante a vida terrena.

O modelo helenístico, centrado em torno da autofinalização da realização a

si, da conversão a si, foi um modelo de moral que o cristianismo recebeu, herdou,

repatriou e elaborou o que hoje chamamos de moral cristã. Esta, com suas práticas

de exegese do sujeito e da renúncia de si, conhecimento de um eu profundo,

anterior à própria existência, mais tarde será objeto de estudos das ciências

humanas, da psicologia, da psiquiatria, da pedagogia, que re-atualizam estas

práticas de si, de modo a subjetivar e constituir os sujeitos modernos.

As técnicas de si, na era moderna e com o cristianismo, perderam sua

importância e sua autonomia, enquanto objetivo de voltar-se a si mesmo, ao serem

integradas no exercício do poder pastoral, e também aos saberes médico, educativo

e psicológico, que concentraram atenção, não no cuidado de si, mas no preceito do

conhece-te a ti mesmo. “Podemos ver como várias técnicas estoicas do eu foram

transferidas para as técnicas cristãs espirituais” (FOUCAULT, 1990, p. 86).

O cristianismo, sendo uma religião de salvação, deve conduzir o indivíduo de

uma realidade a outra, da vida terrena para a eternidade. Para tanto, impõe uma

série de condições e de regras de conduta que vão transformar e fazer descobrir o

eu, ou seja, desenvolve uma nova tecnologia do eu. Vemos surgir, mais tarde, as

práticas de penitência e de confissão (decifração dos pensamentos ocultos) e

também dois princípios da espiritualidade cristã: a obediência (controle completo da

conduta do indivíduo por parte do mestre ou pastor) e a contemplação permanente

de Deus como um bem supremo (FOUCAULT, 1990).

A partir do estudo destes três grandes modelos de cuidado e das práticas de

si, apresentados por Michel Foucault em diversas obras e textos (1984; 1985; 1990;

1995; 1997b; 1997c; 2006c), é que fui inspirada e motivada a pesquisar e a

compreender os modos de subjetivação do eu-docente, a partir de diferentes

tecnologias do eu, durante os ES, no curso de formação de professores de Teatro

da UFPel.

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Entendendo que a função da escrita torna-se muito relevante neste princípio

de conversão a si durante a Antiguidade, aproprio-me dessa ideia para pensar a

temática da escrita durante a formação inicial, de modo que, quando escrevem seus

relatórios de Estágio, os futuros professores colocam-se como objetos do próprio

estudo, tomando a si mesmos e as experiências que tiveram da prática de docência

como matéria de observação e de escrita. Por conseguinte, passo a aprofundar a

questão de uma “ética da palavra” (Foucault, 2006c, p. 427), revisitando suas

particularidades e especificidades durante o período antigo que, de certo modo, são

atualizadas nas práticas de si ou nas subjetividades éticas contemporâneas.

3.2 A escrita como exercício de cuidado de si

A noção socrática do „cuidado de si‟ converteu-se em um tema filosófico

universal, durante os períodos helenísticos e imperiais, cheio de obrigações e

tarefas para o desenvolvimento do eu, considerado um momento de ócio ativo, por

compreender atividades como: estudar, ler, escrever, preparar-se para os

contratempos e para a morte.

Na atividade dedicada a si mesmo, na cultura de si, Foucault (1985; 1997c;

2006c; 2012) destaca que se desenvolveu toda uma atividade centrada na leitura e

na escrita (ética da palavra), ligando o trabalho de si para consigo e a comunicação

com o outro, através de conversas com amigo, confidente, diretor ou guia, ou

mesmo através de correspondência, através da qual é exposto o estado da própria

alma e são pedidos ou fornecidos conselhos ao destinatário.

O exercício da leitura na cultura de si da Antiguidade tem como objetivo

principal proporcionar uma ocasião de meditação (meditatio – palavra latina; meléte

– substantivo grego); trata-se primeiramente, de apropriar-se de um pensamento

lido, não no sentido de esforçar-se em entender o que o autor quis dizer, mas

convencer-se dele de modo a acreditar que ele seja verdadeiro (e que a verdade

seja gravada no espírito) e, ainda, que se possa redizê-lo quando necessário. E um

segundo aspecto: “trata-se de exercitar-se na coisa que se pensa”. A meditação

sobre a morte é o exemplo mais célebre, diz Foucault (2006c, p. 430), “o sujeito se

põe pelo pensamento em uma situação fictícia na qual se experimenta a si mesmo”,

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de modo que o efeito da leitura seja a constituição para si de uma trama sólida de

proposições verdadeiras, que valham por prescrições e princípios de

comportamento. A leitura tomada como exercício e experiência, como meditatio,

está diretamente ligada à escrita.

A escrita, associada ao exercício do pensamento, assume uma forma linear,

que vai da meditação, passando pela escrita, pelas práticas até a experiência e o

trabalho na realidade; e a outra forma que a escrita assume, segundo Foucault

(2012), é circular: vai da meditação para a escrita, que, por sua vez, ao ser relida,

restaura a meditação.

A relação constante com a atividade literária, seja a leitura seja a escrita, é

uma importante característica do cuidado de si mesmo neste período destacado.

“Nenhuma técnica, nenhuma habilidade profissional pode ser adquirida sem

exercício: não se pode mais aprender a arte de viver, a technê tou biou, sem uma

askêsis que deve ser compreendida como um treino de si por si mesmo” (Foucault,

2012, p. 143). Dentre todas as maneiras tomadas para o exercício da cultura de si

(abstinências, memorizações, exames de consciência, meditações, silêncio e escuta

do outro), a escrita (escrever para si mesmo e para outro) desempenhou um papel

consideravelmente importante por muito tempo.

A partir dos séculos I e II da nossa era, desenvolveu-se uma cultura que se

poderia chamar de escrita pessoal: o “si mesmo” é algo sobre o qual se deve

escrever; é tema ou objeto da atividade literária. Tomar notas sobre si mesmo, das

leituras, da conversas, das reflexões, para serem relidas posteriormente, tinha o

objetivo de reatualizar o que contêm estas anotações e de reativar para si mesmo as

verdades necessárias para uma vida de cuidados.

Desenvolvia-se uma relação entre a escrita e a vigilância, pois era

necessário que se prestasse atenção aos detalhes da vida, no estado de ânimo, na

experiência de si, cada vez mais intensa e ampla em função da própria escrita.

Adquire uma função etopoiéitica: a escrita é operadora da transformação da verdade

em êthos, e está localizada em duas formas: os hypomnêmata e a correspondência.

Os hypomnêmata eram suportes de lembranças, livros de vida, guias de

conduta para o sujeito que quer ter cuidado consigo mesmo (Foucault, 2006c; 2012).

Ali se anotavam fragmentos de leituras, citações, conversas com amigos, aulas

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assistidas, exemplos e ações testemunhadas, reflexões ou pensamentos que

viessem à mente. Por constituírem anotações de lembranças, ou seja, uma memória

material das coisas lidas, ouvidas ou pensadas, era possível rememorar as coisas

escritas, era um tesouro particular para posterior releitura e meditação. Tratava-se

de captar o já dito ou de reunir o que se ouviu ou leu, com a finalidade de constituir-

se a si mesmo.

É importante diferenciar os hypomnêmata, embora sejam escritos pessoais,

dos diários de vida, dos diários íntimos, ou dos diários de existência ou, ainda, das

narrativas de experiência espiritual que são encontradas no século XVI, na Europa,

com a literatura cristã, pois não constituem uma „narrativa de si mesmo‟. A escrita

recorrente na Antiguidade é um exercício pessoal feito por si e para si, uma

combinação “da autoridade tradicional da coisa já dita com a singularidade da

verdade que nela se afirma e a particularidade das circunstâncias que determinam

seu uso” (FOUCAULT, 2012, p. 148).

Já a correspondência é um texto destinado a outro para ajudá-lo, aconselhá-

lo, consolá-lo, mas também para dar, um ao outro, notícias de si mesmo. Fazem

parte da correspondência as notícias sobre a saúde, sobre o dia, as ações corretas

ou não, a vida cotidiana, a dieta, o exame de consciência, os exercícios físicos ou

mentais. A correspondência era formulada como um relato escrito de si mesmo.

A missiva exerce uma dupla função: ao se dizer alguma coisa ao outro,

ouve-se o que se diz, ou seja, também permite o exercício pessoal daquele que

escreve e, eventualmente, a terceiros que a leiam. A carta enviada age sobre aquele

que a escreve, através do gesto da escrita. E exerce sua primeira função sobre

aquele que a recebe e a lê (Foucault, 2006c; 2012). Como um treino, os conselhos

dados ao outro ajudam a preparar a si próprio para situações semelhantes que lhe

possam ocorrer ou, ainda, através da carta, o escrevente recorda as verdades que

fornece ao outro e que também são importantes para sua vida, um exercício

destinado ao outro e a si mesmo.

Escrever é, portanto, „se mostrar‟, se expor, fazer aparecer seu próprio rosto perto do outro. E isso significa que a carta é ao mesmo tempo um olhar que se lança sobre o destinatário (pela missiva que ele recebe, se sente olhando) e uma maneira de se oferecer ao seu olhar através do que lhe dito sobre si mesmo. A carta prepara de certa forma um face a face (FOUCAULT, 2012, p. 152).

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Todos os detalhes do cuidado de si estão na carta: o que tem pensado, o

que tem feito, o que tem sentido. Portanto, a carta acaba sendo uma transcrição do

estado de consciência daquele que escreve. De certo modo, Foucault (1990) nos

alerta, a carta precede a confissão cristã.

Analisar os exercícios relacionados à palavra na filosofia antiga ajudam-me a

pensar sobre a escrita nos dias de hoje, especificamente, na formação de

professores, de modo que a escrita dos relatórios de Estágios é tomada por

circunstâncias semelhantes àquelas vivenciadas pelos antigos. Encontramos, por

um lado, algumas características dos hypomnêmata, por conterem anotações de

lembranças vividas e testemunhadas nas escolas e comunidades, citações de

teóricos e fragmentos de leituras realizadas pelos escreventes, que fazem sentido

para eles pensarem e refletirem sobre suas ações; encontramos, ainda, relatos das

aulas ministradas, destaques de momentos que foram significativos positiva ou

negativamente, exemplos de atitudes, gestos marcantes, fragmentos das conversas

com alunos e professores das escolas, com os agentes comunitários.

Por outro lado, os relatórios cumprem uma função de dizer algo a alguém.

Não servem apenas como suporte material de lembranças para eles mesmos lerem

posteriormente, pois são escritos que têm um endereçamento particular: a

professora orientadora do Estágio, que, ao ler o relatório, deverá avaliar e aferir uma

nota, um valor, por se tratar de um artefato curricular, exigido na disciplina de

Estágio como prerrogativa para aprovação. Aquele que escreve acaba por aprender

sobre si mesmo ao refletir sobre sua ação docente. Ao mesmo tempo, quem lê

também re-atualiza os sentidos da atividade docente e devolve o relatório para o

escrevente com as suas impressões, reflexões, dicas e correções no texto.

Na escrita dos relatórios, os licenciandos seguem um roteiro para orientá-

los. Porém, as especificidades e subjetividades dos escreventes vêm à tona quando

são incentivados a falar sobre as experiências vividas nas escolas e nas

comunidades, que são únicas e exclusivas de cada um deles, não possibilitando,

deste modo, que encontremos escritas padronizadas ou repetitivas. Na seção a

seguir, apresentarei as análises feitas dos vinte e um relatórios de Estágio, dos

alunos da primeira turma do Curso de Teatro-Licenciatura.

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3.3 A escrita do relatório de Estágio: experiência de si, autorreflexão e a

constituição do eu-docente

Os relatórios, fontes dos dados analisados, são textos acadêmicos

procedentes das complexidades dos Estágios ocorridos na educação formal e não

formal. São escritas atravessadas e irrompidas pelas tensões e conquistas desses

momentos. Assim sendo, procurei debruçar-me sobre as narrativas dos professores

em formação e, a partir dessas escritas, capturar os modos de subjetivação do eu-

docente. Primeiramente, entendendo o relatório como uma narrativa de si, trago

movimentos gerais que circunstanciaram a escrita de cada relatório e procuro

estabelecer uma relação entre o primeiro, segundo e terceiro Estágios do Curso de

Teatro. Em seguida, discuto a própria escrita do relatório como elemento do

dispositivo pedagógico que age na constituição do eu-docente.

A partir de um emaranhado de possibilidades, tensões, emoções,

conquistas, desafios, problemas e enfrentamentos, os alunos licenciandos, após

cada momento de regência em cada um dos três Estágios, tiveram de escrever

sobre suas experiências, a partir de um roteiro básico que orienta a escrita. O

relatório necessita ser mais do que apenas um mero relato dos fatos, precisa ser

uma reflexão sobre as aprendizagens construídas com as experiências sob a luz de

autores (dos diferentes campos teóricos que os fundamentam: da educação, do

Teatro, da arte-educação, da pedagogia do Teatro) estudados durante as disciplinas

de Estágio e outras disciplinas do curso.

Essas são, portanto, as condições de possibilidades da produção dos textos

de cada aluno: por um lado, uma demanda curricular de escrever um relatório a

partir de um roteiro padrão, que equivale a uma nota para a disciplina de Estágio,

mas, por outro lado, não posso deixar de destacar que, nessa escrita, há uma

aprendizagem que é significativa na construção e na constituição do eu-docente,

desse eu que reflete sobre suas experiências docentes e, no processo mesmo de

narrá-las, constitui suas subjetividades, gerando textos particulares e imprevisíveis

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por tratar de experiências que são singulares para cada sujeito em formação,

trazendo sentidos e significados únicos.

Se levarmos em conta que narrar uma história é enumerar, colocar em

ordem os rastros que guardamos do que vimos ou, ainda, um modo de apresentar

de novo o que ficou na memória, conforme Larrosa (1994) nos ensina, então, o

sujeito em formação, ao narrar-se, fala sobre aquilo que guarda de si mesmo.

Embora não seja uma descrição minuciosa de si, trata antes de uma ordenação

temporal, uma temporalidade de sua própria história a partir de descontinuidades

reunificadas, rastros de sua memória que vão constituir sua autonarrativa, de modo

que se assume como um sujeito calculável, pronto para fazer uma valoração de si

mesmo, uma contabilidade de si mesmo.

A narrativa de si é uma modalidade discursiva encontrada com facilidade

nos textos dos relatórios de Estágio, onde está estabelecida a posição daquele que

fala/escreve: o narrador é o futuro professor e, ao mesmo tempo, é o personagem

da própria narrativa. Este processo de escrever sobre si é uma fabricação ou

invenção, que se constrói e se reconstrói na própria operação narrativa e no manejo

com outros textos já existentes, que vão proporcionar ao sujeito um conjunto de

procedimentos discursivos com os quais será possível narrar a si mesmo. Toda a

escrita de si contém vestígios ou rastros de outras palavras e de outras histórias

recebidas, diz Larrosa (2006, p. 25), assim como num pergaminho, onde eram

apagados os textos para novas escritas por cima, porém, ainda ficavam legíveis os

restos dos antigos textos.

As práticas discursivas são também atravessadas pelo poder, são práticas

sociais constituídas e organizadas numa relação desigual de poder e de controle,

conforme Foucault (1997a) nos apontou. As racionalidades que orientam os

discursos dos escreventes são como dobras do lado de fora, estão inscritas nos

currículos e nos sistemas sociais que os produziram. Não são escritas autônomas,

mas compõem o dispositivo pedagógico das disciplinas de Estágio para a formação

de professores, em que o sujeito é induzido a decifrar a si mesmo e colocar-se como

personagem da narrativa.

Assim sendo, há um roteiro repassado para os alunos escreverem seus

relatórios, com algumas seções básicas indicadas para a escrita, conforme

apresento no quadro a seguir:

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Quadro 3 – Roteiro para elaboração dos relatórios de Estágio

Elementos Pré-Textuais

Capa

Folha de Rosto

Agradecimentos (opcional): São colocados agradecimentos a pessoas e instituições que colaboraram e foram importantes na elaboração do trabalho.

Epígrafe (opcional): constitui-se numa citação, que bem caracteriza a linha de pensamento abordada pelo autor.

Sumário

Introdução

A introdução tem a função de apresentar o trabalho e de despertar o interesse do leitor e recomenda-se que seja a última parte do trabalho a ser realizada. Apresentar o relatório de estágio, descrevendo sobre como foi constituído o texto.

Caracterização da realidade do estágio

Apresentar: local, turma, número de alunos, média de idade, período de atuação, recursos oferecidos pela escola, interesse da escola pelo teatro, receptividade dos alunos pelo teatro, caracterização geral da escola, dados principais obtidos por meio do levantamento e diagnóstico da escola, etc. Ressalta-se que os dados deverão ser comentados criticamente e não apenas apresentados.

Atividades desenvolvidas

Apresentar e comentar: objetivos gerais, específicos, metodologia utilizada, conteúdos desenvolvidos, formas de avaliação, cronograma, recursos utilizados, dificuldades encontradas, etc. Ressalta-se que os dados deverão ser comentados criticamente e não apenas apresentados.

Reflexões acerca de uma temática

Caracteriza-se por uma análise crítica de uma temática / questão da realidade observada na escola e da própria prática, inclusive apresentando sugestões de melhoria para possíveis ações/projetos posteriores. Utilizar as referências bibliográficas da educação, da pedagogia do teatro, ou da arte-educação.

Conclusão

Síntese de tudo que foi apresentado, não é uma ideia nova, mas uma reflexão final do momento do estágio para sua formação de professor.

Elementos Pós-Textuais

Referências: Modelo a partir das normas da ABNT.

Apêndices: Todo material elaborado pelo autor, complementar ao texto, imprescindível para sua compreensão. Exemplos: planos diários (obrigatório), observações, entrevista, etc.

Anexos: todo material não elaborado pelo autor. Exemplos: atestado de horas (obrigatório), trabalhos dos alunos, fotos, etc.

Fonte: Planos de Ensino das disciplinas de Estágio I, II e III.

Conforme é possível observar no quadro 3, o modelo do relatório segue os

passos de um trabalho acadêmico tradicional, o que demonstra que ele faz parte ou

compõe o discurso curricular e disciplinar existente na instituição de ensino superior

e por conseguinte, na própria disciplina de Estágio. Convém lembrar que, além deste

roteiro, também foram repassadas para os alunos algumas questões, que não são

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colocadas para serem respondidas, mas para suscitar a reflexão e a escrita. São

questões amplas com a intenção de problematizar as experiências que vivenciaram

e incentivar o exercício da escrita crítica e reflexiva, para além de um mero relato de

fatos. Abaixo, alguns dos questionamentos repassados:

Como e por que foram selecionados os conteúdos do plano de ensino?

Como ensinei teatro para as crianças, ou para os adolescentes ou para os

adultos?

Como os alunos receberam a aula de teatro? E a escola?

Como os alunos aprenderam teatro?

Que métodos foram selecionados para garantir a aprendizagem em teatro?

Que questões do planejamento inicial não foram contempladas durante as

aulas? Por quê?

Como eu avalio a minha prática pedagógica?

De que outra maneira poderia ser realizada a prática do estágio?

Que questões me inquietaram durante a prática pedagógica?

Que pontos positivos eu percebi durante a prática pedagógica? E os

negativos?

Que experiências eu levo deste estágio? O que aprendi?

Como eu percebo as relações escola x sociedade e aluno x professor?

A intenção desta longa sequência de interrogações, que são repassadas

para os licenciandos antes de escreverem seus relatórios, de certo modo, induz a

um exame de consciência, são práticas de direção da consciência, na medida em

que é preciso que se reflita um pouco sobre si mesmo, que se olhe a si mesmo para

bem compreender e avaliar as suas práticas e sobre elas escrever de modo

sistemático. As questões não possuem intenção de ensinar alguma coisa

objetivamente, porém, com elas os acadêmicos aprendem muitas coisas. O eu se

torna objeto de atenção para o trabalho pedagógico a ser desenvolvido com os

outros – os alunos. Este exercício de interrogar-se a si mesmo torna-se um exercício

de constituição de uma subjetividade em relação a seu trabalho docente. A disciplina

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de Estágio, por meio dessas práticas de si, torna-se um espaço de produção e

mediação da experiência de si.

Com a prática de escrever o relatório, pretende-se que os licenciandos

problematizem, explicitem e, talvez, modifiquem seu modo de ser professor a partir

do exame e reexame da sua própria atividade profissional. São estimulados a que

tratem tanto de aspectos exteriores, suas atitudes nas aulas ou seus conhecimentos

sobre os conteúdos, por exemplo, quanto de aspectos de ordem mais pessoal, como

os valores, as emoções, os sentimentos, de tal modo que se estabelece muito mais

uma maneira de ser professor, do que aquilo que ele faz ou sabe.

Está presente, durante a escrita do relatório, uma atitude de ver a si mesmo,

aliado a um julgamento de si e, dessa relação consigo mesmo, objetiva-se uma

explícita transformação de si ou, ainda, os futuros professores aprendem também a

julgar-se e a transformar-se em função de padrões, normas e códigos presentes nas

pedagogias que os cercam e os subjetivam. “Entre o sujeito e seu duplo que se

tornou visível como imagem no espelho, entre o sujeito e aquilo de si mesmo que se

tornou visível ao dar-se ao olhar, se intercala um critério”, diz Larrosa (1994, p. 74).

E esse critério, atribuído ou construído, incondicional ou relativo, é o que vai servir

de padrão para o autojulgamento.

Os sujeitos falantes são também sujeitos confessantes, através dos seus

textos. Lembrando novamente a ideia de dispositivo apresentada por Deleuze

(1990), “como máquinas de fazer ver e de fazer falar”, os Estágios são dispositivos

pedagógicos justamente por estimularem os sujeitos em formação às práticas de ver

e de falar sobre si mesmo.

Na escrita do relatório, segundo Silva e Miranda (2008), a característica de

quem o escreve deve assemelhar-se à postura de um pesquisador, capaz de

problematizar o contexto no qual sua prática está inserida, levantando hipóteses,

buscando referenciais teórico-metodológicos que esclareçam seu olhar para o objeto

em questão, seja o Teatro na escola, a profissão docente, ou as práticas

curriculares.

A ideia de uma temática a ser desenvolvida parte do princípio de que o dia a

dia da escola é um espaço de múltiplas relações e complexidades que precisam ser

analisadas cuidadosamente para que possam ser bem compreendidas. Com

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certeza, não é tarefa simples; por isso, a proposta é de que cada aluno escolha um

tema específico para ser analisado, estudado e escrito, para tentar evitar escritas

que versem sobre tudo, conforme alerta Silva e Miranda (2008).

A seção intitulada “Reflexões acerca de uma temática”, presente no roteiro

do relatório, foi a mais difícil de ser compreendida e executada pelos alunos. Percebi

que, nos relatórios do Estágio I, de modo geral, a temática discutida não foi muito

aprofundada e, por vezes, apareceram duas ou três possibilidades de temas a

serem discutidos, ou mais de uma intenção de discussão teórica, não havendo um

foco muito definido na escrita desta seção do relatório. Entendo que tal situação se

deu pelo fato de ser uma novidade na vida acadêmica este tipo de cobrança mais

teórica e reflexiva, após uma experiência docente, estando eles ainda numa fase

inicial (baseada muitas vezes pelo senso comum) de construção de sentidos e

significados sobre a profissão docente, a escola, a educação e o teatro na escola.

Veremos, no quadro abaixo, as temáticas desenvolvidas em cada relatório, por cada

um dos acadêmicos da primeira turma do Curso de Teatro:

Quadro 4 - Temáticas desenvolvidas nos relatórios na seção: “Reflexões acerca de uma temática”

Estágio Temáticas desenvolvidas nos relatórios Estagiário

Estágio I

A contribuição do Teatro para a educação Ea

Falta de concentração e a indisciplina dos alunos Eb

A mídia e a indisciplina na escola Ec

A importância do Teatro no processo educacional com crianças Ed

O jogo como Teatro e o Teatro como disciplina Ee

A indisciplina na escola Ef

A indisciplina na escola Eg

Estágio II

A experiência docente adquirida com o estágio Ea

O Teatro na escola x a “pecinha” Eb

Avaliação em Teatro como processo Ec

A importância do Teatro no processo educacional com jovens e adultos Ed

A Educação de Jovens e Adultos e a interdisciplinaridade Ee

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Avaliação em Teatro Ef

O desafio de pôr em prática a aprendizagem construída no curso de Teatro

Eg

Estágio III

Teatro e política: o sentido do Teatro na comunidade Ea

Teatro experimental e experiência estética Eb

O Teatro como meio de reflexão em comunidades Ec

O Teatro com alunos surdos Ed

O Teatro em comunidade: práxis e reflexão na ação Ee

A aprendizagem construída no estágio Ef

O papel do Teatro na comunidade Eg

Fonte: Relatórios de Estágios da primeira turma do curso de Teatro – Licenciatura/ UFPel

Ao observarmos o quadro acima, percebemos que, nos relatórios do Estágio

I, a temática que mais foi trabalhada foi a indisciplina (quatro relatórios). Nos outros

três relatórios a discussão se deu em torno do próprio Teatro como disciplina

curricular, seus objetivos e contribuições na formação dos sujeitos. Em relação ao

tema mais comentado, trago os excertos a seguir19:

Brigavam muito e era uma situação que me chamou muito a atenção e que sobressalta aos olhos de qualquer um: a agressividade, tanto no diálogo entre eles como agressividade física, eu tinha que estar sempre atenta para não se baterem, mas acabava acontecendo muitas vezes tapas, socos e puxões e sem discriminação, era entre todos mesmo, meninos com meninas, maiores com os menores, é impressionante, tem que estar sempre alerta e chamando atenção, principalmente para não se machucarem (EaI, 2010, p. 15).

Deixo esta questão como provocação: Não seria a concentração a solução para a indisciplina? Espero poder responder esta provocação no estágio II (EbI, 2011,p. 8).

Estamos no ponto onde quero chegar, a indisciplina permeou sempre as minhas aulas, muitas vezes voltei desmotivada para casa e troquei ideias

19

Para as análises que me propus realizar, foram destacados vários fragmentos dos vinte e um relatórios de Estágio da primeira turma do Curso de Teatro-Licenciatura. Portanto, peço desculpa ao leitor se, por vezes, tais fragmentos são extensos e numerosos, tornando a leitura um pouco cansativa, pois a tarefa de trazer as narrativas, de quase trezentas páginas de escritas dos sujeitos em formação, foi bastante intensa e, por vezes, foi difícil fazer exclusões, recortes ou resumos desses fragmentos.

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com professores e colegas para tentar solucionar este problema. Mas, se pararmos para pensar como a geração passada se comportava em aula, percebemos que a mídia e os pais são os “bandidos” da história, ou seja, são os pais que não dão a base da educação para as crianças e esperam que as escolas cumpram esse papel e outros muitos de obrigação dos pais (EcI, 2010, p. 1).

Concluí a aula mais cedo e tive uma longa conversa com eles, apontando diversos pontos do comportamento deles que desrespeitavam a mim ou aos colegas. Fui severa e garanti que na aula seguinte seria rigorosa e passaria a punir aqueles que passassem dos limites, ignorassem as orientações e continuassem com grosserias e falta de respeito (EfI, 2010, p. 21).

Elaboramos planos, tentamos desenvolvê-los, mas a cada dia o sonho ficava distante, sempre barrado pela indisciplina, dispersão, o plano era alterado e trocado por minutos de silêncio. [...] o desinteresse era geral, não sei se falhei, ou se os alunos não souberam aproveitar a oportunidade. Tinha dias que notava alguns com mais interesse, via o crescimento em relação à aula anterior, mas logo eram contaminados pela maioria, optando pela tradicional brincadeira deles se jogarem bolinhas de papel e aviõezinhos (EgI, 2010, p. 3-4).

Em relação à indisciplina dos alunos das escolas, inferimos que a

experiência do Estágio I foi muito intensa para os acadêmicos, seja por ter sido, para

a maioria deles, a primeira experiência como professores em escola, seja ainda por

justamente ter como público-alvo crianças das séries iniciais do ensino fundamental.

Estas não estão acostumadas com aulas mais livres e fora das classes

tradicionalmente enfileiradas, como é o caso da aula de Teatro, que dá margem para

dispersões, confusões, agitações e muito movimento das crianças pela sala ou pátio

da escola. Consideradas tais situações muitas vezes como indisciplina, potencializou

nos acadêmicos uma explosão de sentimentos, angústias, incertezas, que aparecem

repetidamente nas suas narrativas, conforme pudemos ler anteriormente.

Mesmo que pouco aprofundadas teoricamente, as escritas são bastante

descritivas, relatam os fatos de modo literal, aparecem muitos detalhes e alguns

diálogos entre eles e os alunos, de tal forma que o leitor do relatório pode

praticamente “visualizar” as aulas de Teatro ministradas por eles. Muitas são as

descrições de momentos de “bagunça” generalizada da turma, de conflitos entre as

crianças, de atitudes de desrespeito e desatenção, de reações negativas e

indesejadas que tiveram de tomar para controlar a turma e seguir com a aula, e

também muitas alterações nos planejamentos para conseguir desenvolver algum

conteúdo do Teatro previsto.

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Encontramos, nos relatórios do primeiro Estágio, muitas críticas em relação

à escola, aos professores, aos alunos, às famílias, imprimindo um discurso

desestimulado, desesperançado em relação aos rumos da educação de modo geral

no país. Baseados num modelo imaginário e idealizado de escola, instalado desde o

princípio das escolas de massa no século XIX e reforçado cotidianamente pelos

meios de comunicação, restam aos licenciandos a angústia, a insegurança e muitas

dúvidas em torno da escolarização. Não foi possível encontrar respostas para estas

questões durante o primeiro Estágio, pois foi um momento de uma espécie de

“choque de realidade” com a escola, provocando um desassossego nos sujeitos em

formação ou, ainda, uma perda de certa ingenuidade em relação ao processo

educativo em instituições escolares.

Não que tenha sido um fracasso, mas não é este o teatro que ainda gostaria de fazer, não seria esta aula que gostaria de dar hoje, mas é este que achei que eles deveriam ter, pois trabalhar os jogos é o início de tudo, mas não percebi que se trata de pessoas diferentes, outros alunos, outras idades, outros interesses, outras ideias e expectativas. Confesso que tanto o plano de ensino como as expectativas que gerei para o estágio não aconteceram na sua totalidade, mas isso foi por falta minha de conhecimento, tanto prático quanto teórico e porque não dizer, falta de sensibilidade minha também!? (EaI, 2010, p. 17).

O dia em que fui conhecer a turma foi, ao mesmo tempo, estimulador - adoro crianças, achei eles lindos e estava muito entusiasmada com a ideia de conhecê-los e trabalhar com eles - e preocupante. Não gostei do tom irônico com que a professora titular falava com eles, enfatizando que seria um privilégio para eles ter aulas de teatro, que ela nunca tinha tido a oportunidade de ter quando estava na escola, mas, simultaneamente ela já insinuava que eles não saberiam aproveitar o “presente” dado. Saí de lá incomodada. Pareceu-me um despropósito, agressivo demais falar com sarcasmo para crianças de, na maioria, nove ou dez anos de idade. Entendo que eles estão em idade de formação, tudo o que fizermos ou o modo como agirmos certamente terá uma forte influência na pessoa que eles virão a ser, no futuro (EfI, 2010, p. 6).

Quanto ao espaço físico, por ser pequeno, dificultou bastante o trabalho, pois as classes eram sobrepostas e colocadas em forma de “U”, ficando um espaço mínimo para efetuarmos os exercícios. Quanto aos alunos, eles possuem uma boa receptividade em relação ao professor, sempre abraçando, tanto na chegada quanto na saída. Entretanto, referente à disciplina e à concentração, deixam muito a desejar, a atenção sempre dispersada, eu me transportava da aula de teatro para a corda bamba, às vezes com dificuldade de dominar a turma, e sem saber como agir para cativar a atenção da turma, que não se mostrava interessada em participar dos exercícios. [...] tudo isso nos faz pensar, como estagiária, cursando uma faculdade, será que somos preparados para essa realidade? (EgI, 2010, p. 2).

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Conforme podemos ver, as falas são bastante descritivas e questionadoras,

sem muitas respostas; os alunos estão atravessados por muitas inquietações em

relação ao processo de ensino e de aprendizagem de Teatro com crianças, em

escolas formais. Sensações de despreparo e de insensibilidade são destacadas

como motivos para os erros que eles mesmos avaliam que ocorreram.

No entanto, nos relatórios do segundo Estágio, o movimento é mais

analítico, menos descritivo, conseguem tomar distância dos acontecimentos e

desenvolvem uma discussão mais aprofundada de uma temática e menos a

narração de fatos e diálogos. Embora estes ainda apareçam, os relatórios são mais

reflexivos, trazem mais referências teóricas para a discussão e conseguem chegar a

ponderações mais sistemáticas, demonstrando uma autoria e uma autorreflexão. Há

um movimento de amadurecimento, não no sentido de uma evolução transcendental

do sujeito, mas como um processo de formação e elaboração de si mesmo a partir

da resignificação dos fatos vivenciados durante os Estágios. Agora o discurso

desesperançoso e desestimulado dá espaço a um discurso mais positivo e motivado

em relação aos processos educativos institucionalizados. Novas experiências e

outros resultados são motivos para pensar numa formação humana com resultados

interessantes para a sociedade e para eles próprios, reforçando a opção pela

carreira docente, conforme podemos observar ao ler os fragmentos abaixo:

Sei que nem tudo ficou tão claro para todos meus alunos, mas alguma coisa da aula ficou clara para todos, o que me satisfaz e me garante que a tarefa da disciplina e a minha foram cumpridas. [...] Não encontrei dificuldades em trabalhar com esta turma, sempre se mostraram dispostos ao trabalho e depois que conheceram as aulas práticas, ficaram além de dispostos, também interessados, a partir daí foi uma troca e novas experiências. [...] Não consegui seguir os planos de aula, mas desta vez não só por falta de tempo (minha visão do semestre passado), pois fui moldando e avaliando minhas aulas, uma conforme a outra e conforme o que eles gostavam e se identificavam. Assim este semestre serviu para me certificar e me dar forças para continuar lecionando, seguir minha carreira com esta disciplina, o teatro. [...] Obtive o maior número de respostas satisfatórias possíveis neste período de estágio, tanto minhas como dos meus alunos, fiquei orgulhosa deles, reconheci meu trabalho e os objetivos e diferenças da educação (EaII, 2011, p. 8-16).

Antes de iniciar o texto principal, preciso comentar: O segundo estágio supervisionado do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) me abriu os horizontes com relação a prática da docência. [...] Posso concluir este relatório, de uma forma bastante diferente a que concluí o relatório do primeiro estágio. A diferença está, que neste, posso dizer que a prática foi bastante fácil, perto da outra. Fácil para mim significa que as minhas expectativas foram mais que superadas. Graças a

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esses alunos que tiveram tanta boa vontade. Os alunos foram desde o início bastante receptivos, o que não significa que eles não tiveram nenhum tipo de resistência, pelo contrário, eles sempre tinham algum tipo de resistência no início de qualquer atividade, mas a medida que a aula ia passando eles iam se entregando ao processo e praticavam experiências criativas que nos surpreendiam bastante (a eles e a mim) (EbII, 2011, p. 4-5).

Finalizo esta experiência com o segundo estágio de uma forma muito otimista. Pela primeira vez me senti realmente como professor, e pude perceber como a relação de professor com os alunos é importante. Não sei se pelo fato dos alunos possuírem a idade próxima da minha, mas mantemos um contato que considero muito importante para o processo pelo qual passamos. Tivemos muito sinceridade um com os outros. Acho que isso foi um ponto bem marcante. Relacionando a prática deste estágio com a prática do estagio anterior, posso avaliar que possuí uma evolução considerável. Acho que neste estágio eu estava mais calmo, mais disposto a escutar os meus alunos, a conversar com eles (EbII, 2011, p. 13).

Em suma, o contato com a escola me fez pensar as relações entre os educadores e os educandos e assim problematizar este vínculo, pensando o que podemos fazer para essa relação se tornar mais frutífera, pois se alunos e professores se entendessem e ouvissem um ao outro, seria um primeiro passo para a mudança no sentindo de socialização dentro da escola. [...] No mais, acredito que foi gratificante minha atuação na escola, e desta vez me senti parte dela, mais engajada e comprometida com o universo do professor (EcII, 2011, p. 13).

Os comentários dos alunos – que declararam no Conselho de Classe que as minhas aulas tinham sido o melhor do primeiro semestre letivo e que as aulas de teatro estavam contribuindo muito para melhorar o relacionamento deles -, logo ratificados pelos questionários preenchidos, são extremamente animadores e me enchem de esperança: percebo um belo caminho pela frente (EfII, 2011, p. 20).

Encontramos nestas falas muito mais satisfação em relação à prática

docente vivenciada no segundo Estágio. Tiveram menos dificuldades de

comunicação com a turma, sentiram um reconhecimento do trabalho desenvolvido,

estiveram mais engajados com as escolas, de modo que saíram desta experiência

com mais entusiasmo em relação à escolha da profissão docente, pois, conforme

comentaram, tiveram uma “abertura de horizontes”, viram-se como professores e

perceberam um “belo caminho pela frente”.

Em relação aos temas desenvolvidos no Estágio II, aparecem, em cinco

relatórios, discussões acerca do Teatro como disciplina e suas interlocuções com as

questões curriculares, como, por exemplo, a avaliação, a interdisciplinaridade e os

objetivos educacionais do Teatro na escola como disciplina para a formação humana

e não apenas para a montagem de espetáculos (as “pecinhas”- termo pejorativo

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utilizado para definir as montagens teatrais muito recorrentes em festividades e

datas comemorativas nas escolas). Isso se deu pelo fato de atuarem com ensino

médio em que foi cobrada uma nota para a disciplina de Arte no trimestre em que

trabalharam, sendo esta uma das dificuldades encontradas neste Estágio: como

avaliar em Teatro? O tema da interdisciplinaridade aparece porque, conforme já

relatei no primeiro capítulo, no Estágio II, os acadêmicos atuaram em duas

disciplinas, Arte e outra disciplina da área de Linguagens (Português, Literatura) ou

da área de Ciências Humanas (História, Geografia) para conseguirem completar a

carga horária de duas horas-aula semanais para totalizar o mínimo de vinte horas-

aula exigidas no Estágio II. Deste modo, outra questão muito debatida e trabalhada

foi o planejamento de Teatro e sua relação interdisciplinar com os conteúdos da

outra disciplina em que atuaram.

O tema da própria formação docente apareceu declaradamente em dois

relatórios do Estágio II e em um relatório do Estágio III, onde a questão era

justamente o sujeito em formação através do Estágio, o eu-docente, que se colocou

como objeto da própria investigação, reconhecendo-se como professor, suas

conquistas, avanços e dificuldades encontradas. Ou, ainda, como nos apresenta

Larrosa (1994, p. 70), os textos autobiográficos ou as narrativas pessoais são

aqueles em que “o autor, o narrador e o personagem são a mesma pessoa”:

Iniciei um pouco insegura e assustada por se tratar de uma aula teórica, que nunca tinha ministrado e com adolescentes. Na medida em que os planos de aula iam sendo dados, que ia introduzindo os jogos teatrais percebi que estava havendo uma troca, ali estaria meu aprendizado e por consequência o verdadeiro significado de educação. Visivelmente fui conquistando-os e conseguindo manter um diálogo constante e crescente com meus alunos, pois fui percebendo cada vez mais a importância do não jogar para ganhar e nem jogar por jogar, e sim fazer do jogo um elemento essencial para vivenciarmos, juntos, uma experiência muito rica, alegre e especial. [...] A despedida foi ao mesmo tempo triste e alegre, sai daquela sala, daquele colégio, com sensação de dever cumprido, me sentindo bem, realizei minha prática pedagógica e construí um plano educacional sólido em mim. Sei que este plano pode mudar, que novas sensações e frustrações virão mais adiante, pois tudo muda e outros novos desafios virão (EaII, 2011, p.13-16).

No final do meu estágio fiz algumas reflexões sobre a teoria recebida na academia e a prática desenvolvida na sala de aula com os alunos. Das aulas teóricas da academia, à sala de aula na escola, para aplicação do nosso aprendizado, o grande desafio foi colocar em prática os conceitos aprendidos, e o planejamento, por vezes, precisou de ajustes (EgII, 2011, p. 11).

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Eu estava cheia de boas intenções, disposta a dar a elas o melhor de mim, a “fazer com que se sentissem” queridas, amadas e importantes. Pensei que estivesse preparada para tudo e que dificilmente algo me surpreenderia. Não estava preparada, contudo, para que o objeto de rejeição, desta vez, fosse “eu”. Mal sabia eu que o aprendizado seria bem maior do que poderia imaginar. Aprendizado meu, enquanto educadora. Eu queria muito dar, mas o que fazer se elas não quisessem receber? [...] Mais do que nunca, este estágio foi o momento de eu refletir e firmar meus princípios sobre a educadora que pretendo ser (EfIII, 2011, p. 7-8).

Durante meu Estágio, procurei fazer uma reflexão crítica permanente sobre a minha prática. Estar aberta às mudanças no plano, conforme as dificuldades iam se apresentando, e a conversar com elas sempre, sobre suas aflições e “coisas da vida”. [...] Acredito que, se fosse colocar tudo em uma balança, ao longo desta prática o aprendizado maior foi meu. A maior lição que tirei deste estágio, com relação à minha formação enquanto professora, quanto à educadora que eu quero ser, daqui por diante, é a de ter humildade para dar, dar sempre, e estar aberta para que não queiram receber, ou seja, o aprendizado está em conseguir aceitar a “rejeição” sem ter minha “vaidade ofendida” (EfIII, 2011, p. 17).

Nestes fragmentos, verificamos que os acadêmicos fazem comentários e

reflexões sobre as suas aprendizagens construídas com os Estágios (II e III), sendo

um momento intenso de autorreflexão e de reafirmação de princípios educativos que

alimentam suas subjetividades docentes. Estiveram abertos a mudanças de

planejamentos ao refletirem sobre suas ações após cada aula, entendendo que a

maior lição dos ES é a relação com a própria formação enquanto futuros

educadores. Embora apontem a sensação de dever cumprido com a escola e com

os alunos, percebem que o maior aprendizado efetivou-se neles mesmos. Tendo

como temática a própria formação, é interessante destacarmos o processo de

autorreflexão, de autoavaliação e de narrativas de si que envolvem esta escrita; são

movimentos de ação consigo mesmo, de colocar-se como matéria do próprio estudo

e escrita. São textos, por fim, que compartilham de elementos da autobiografia, pois

trazem aspectos confidenciais, declarações pessoais, revelações de temas e ações

que foram importantes para a formação do eu-docente.

Nos relatórios do Estágio III, encontramos seis discussões acerca do Teatro

em comunidades, sua relação com diferentes públicos e realidades sociais.

Lembramos que o Estágio III acontece em comunidades, a partir de escolhas

pessoais dos acadêmicos, ou seja, atuam com sujeitos constituídos a partir de

realidades e vivências diversas e mesmo adversas.

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As escolhas dos espaços para realizarem seus estágios em comunidades

foram motivadas a partir das vontades, interesses, singularidades e subjetividades

de cada um deles, que fez com que procurassem determinados espaços na

sociedade, a partir das suas crenças e concepções de ensino de Teatro, de sujeito,

de mundo20. Os sujeitos dessas comunidades que se tornaram alunos dos

acadêmicos licenciandos eram pessoas voluntárias, fato que difere bastante das

experiências que tiveram com os alunos de escolas, que eram obrigados a

participarem das atividades, por se tratar de uma disciplina curricular. Esta é a

grande diferença entre a atuação em um espaço formal e em um não formal de

educação. Podemos perceber algumas motivações que os levaram a escolher a

comunidade de atuação.

Escolhi este grupo para trabalhar justamente por eles fazerem parte deste chamado “futuro da nação”, por serem estudantes universitários, pela minha falta de interesse de trabalhar com problemas sociais como seria o caso de desenvolver um trabalho em qualquer ONG de apoio a menores em caso de risco, por exemplo. Meu foco de trabalho, pelas minhas experiências, desde meu contato com o teatro acadêmico, é justamente colocar estes alunos em contato com um “teatro atual” que fuja da noção de teatro como palco italiano, peça com início, meio e fim, sem pausas etc., pois esta noção de teatro não se precisa aprender, pois todos nós nos desenvolvemos com essa percepção simplesmente por ela já ter se tornado uma forte denominação cultural. A experimentação da linguagem é mais importante para o grupo do que qualquer brilho do espetáculo (EbIII, 2011, p. 3).

Nota-se, também, em se tratando de “comunidade aberta” – onde todos podem participar – que não há uma coesão/permanência dos mesmos sujeitos, pois eles são “livres” em suas participações e que o trabalho em/para/com/pela Comunidade demanda tempo, constância, persistência, paciência, e outros que possam contribuir para o alcance dos objetivos propostos (EeIII, 2011, p. 6-7).

Eu sabia, de antemão, que encontraria um ambiente de muita carência afetiva, em que todas as meninas, de uma forma ou de outra, haviam sido vítima de maus tratos ou, no melhor dos casos, “apenas” de rejeição. Talvez exatamente por esta razão eu tenha escolhido fazer meu estágio ali. Queria que elas se sentissem “escolhidas”, ao menos uma vez na vida, ao invés de rejeitadas. Mas eu sabia, também, que não seria fácil... Tinha consciência de que seria um desafio, mas estava disposta a encará-lo porque queria, muito, que este terceiro e último estágio realmente importasse. Tinha a pretensão, ainda que inconsciente, de que ele fizesse diferença na vida de quem participasse das aulas (EfIII, 2011, p. 5).

20

Por ter sido a primeira turma a realizar o Estágio III do Curso, eles foram atrás de lugares para realizarem seus Estágios. Já as próximas turmas foram incentivadas a manter os estágios nesses mesmos espaços, para um trabalho mais contínuo e efetivo. Quando isso não foi possível, também procuraram outros espaços.

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Já fiquei comprometida de ser a mais nova voluntária para participar de eventos e visitá-las oportunamente, me identifiquei, gostei de atuar na comunidade e fiquei muito feliz com a visita de duas participantes em minha casa (EgIII, 2011, p. 10).

Lembremos os lugares e os sujeitos envolvidos no processo: Comunidade

Bairro Dunas, vinculada ao Projeto de Extensão TOCO (Teatro do Oprimido na

Comunidade), tendo como sujeitos homens e mulheres já aposentados; Projeto

Núcleo 2, vinculado ao Projeto de Extensão Núcleo de Teatro da UFPEL, com

público-alvo de jovens e adolescentes, na maioria alunos da universidade, de

diferentes cursos; Grupo de jovens da Comunidade Católica Santo Cura d‟Ars,

oficina com jovens identificados pela crença religiosa; Escola Especial Professor

Alfredo Dub, onde foi realizada oficina extracurricular com adolescentes surdos;

Colônia de Pescadores do Bairro Z3, vinculada ao Projeto de Extensão TOCO, onde

foi realizada oficina com as mulheres desta comunidade; Abrigo Institucional de

Meninas II, casa onde moram meninas com vulnerabilidade social ou vítimas de

violência; Sociedade São Vicente de Paulo, casa de idosos.

É possível inferirmos, ainda que com certa ressalva, que os acadêmicos que

atuaram num determinado espaço talvez não atuassem em outro. Por exemplo, a

aluna que desenvolveu seu estágio com idosos, não tinha perfil para atuar com os

jovens universitários, e vice-versa: o aluno que atuou junto ao projeto de extensão

Núcleo 2 não tinha perfil para trabalhar com idosos. Outro elemento interessante de

se dar destaque, pois isso configura as diferentes possibilidades que o próprio Curso

de Teatro oferece, diferentes perfis de docentes são possíveis, são constituídos, não

há um modelo padronizado, fechado. A partir das experiências que os acadêmicos

tem tanto com a educação formal, quanto a não formal, o que demonstra que o

profissional licenciado em Teatro atua além das salas de aula e dos muros da

escolas, há uma constituição do eu-docente também nessa relação entre espaços

formais e não formais de educação.

Busquei demonstrar, neste primeiro movimento analítico, que os sujeitos em

formação vão-se constituindo, por um lado, a partir de um eixo temporal, ao longo

dos três estágios, em que vivenciam três situações distintas que produzem

significados diferentes a cada uma delas. Por outro lado, vão-se constituindo no

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próprio processo de escrever, como um modo de se ver e de se narrar, com objetivo

de uma transformação do eu-docente.

Ao longo dos três estágios, há um movimento tanto interno, no sentido de

um processo de amadurecimento, de avaliar as situações com mais tranquilidade,

conforme consegui perceber através das escritas, quanto um movimento externo, no

sentido de um explicitar ou exteriorizar através das narrativas mais fundamentadas e

problematizadoras, fugindo de aspectos do senso comum em relação à educação

(que, por vezes, eram encontrados nos relatórios do primeiro Estágio). Enquanto, no

primeiro Estágio, houve muita tensão em relação às questões da indisciplina e esta,

por sua vez, foi a temática mais explorada e discutida pelos acadêmicos, no

segundo e no terceiro Estágios, vão conseguindo tomar distância dos

acontecimentos e vê-los com mais criticidade, vão articulando-os com as referências

teóricas estudadas e problematizando mais o tema do próprio ensino de Teatro

como disciplina e suas interlocuções com as práticas curriculares das escolas e com

as particularidades dos sujeitos das comunidades.

Os temas que eles discutem revelam também modos de se constituírem

professores, pois elegem questões que tiveram algum significado, que tiveram

alguma importância para sua formação; são temas que, de certo modo, abrangem

os sentidos que a prática assumiu para cada um deles. Com base nestas escolhas,

produzem textos impregnados de valores por eles atribuídos às práticas docentes e

a si mesmos. Por conseguinte, para encerrar este capítulo, trago fragmentos da

escrita de dois alunos que tratam da importância da escrita do relatório. Vejamos:

O relatório, assim como os planejamentos das aulas, foi de extrema importância para a reflexão das questões que surgiram durante o contato com a sala de aula, além, de estimular a formação de novos questionamentos e reflexões para os estágios que teremos que fazer no ensino médio e na comunidade (EeI, 2010, p. 14).

Acredito sinceramente que tanto esta atividade deste semestre quanto este relatório possa contribuir num futuro próximo para desenvolver meu trabalho com mais maturidade e esclarecimentos (EaI, 2010, p. 9).

A partir destes fragmentos, fui direcionada a pensar, sobre o papel central

que a escrita desempenha na constituição do eu-docente. Conforme Larrosa (2004,

p. 12), “o ser humano é um ser que se interpreta e, para essa autointerpretação,

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utiliza fundamentalmente formas narrativas”. O sentido de quem somos, tanto para

nós mesmos como para os outros, depende das histórias que contamos, diz o autor.

A ideia de escrever para se acompanhar, para se pensar, é uma forma de entender

a escrita (e igualmente a leitura do que se escreve e de outros textos) como uma

experiência formadora. Creio ser muito importante, no processo de formação de

professores, estimular o gosto pela escrita, como um exercício de experiência de si,

não apenas reduzir a escrita à reprodução de outros autores ou à respostas

“decoradas” (práticas comuns durante a formação acadêmica), mas uma escrita

necessária para assumir-se como autor da própria vida e das experiências.

A centralidade da escrita de narrativas, como espaço de diálogo e

rememoração, ou mesmo como Benjamim (1994) apresenta, como uma forma

artesanal de comunicação, em que o narrador deixa a sua marca na narrativa

contada, também é um aspecto a ser considerado na escrita do relatório de Estágio.

Mesmo sendo este uma obrigatoriedade para cumprir a disciplina com prévio roteiro,

vejo que os alunos sempre acabam encontrando espaços para suas subjetividades e

autonarrativas.

Através da narrativa, o simples relato de sua vivência na escola ou na

comunidade se torna uma experiência de si, pois partem de situações confusas,

complexas, por vezes até caóticas, partem também de suas reações e choques

iniciais, para compartilhar, narrar para o outro e, ao contar esta ação para o outro, a

narrativa assume um caráter de permanência, de ir além do que foi vivido

individualmente para se tornar coletivo, compartilhado. Narrar é “a faculdade de

intercambiar experiências”, diz Benjamin (1994, p. 198).

A escrita do relatório de Estágio permite sistematizar e compreender melhor

o processo vivido nas escolas e comunidades, percebendo suas contradições,

dificuldades e incoerências e superando a dureza da própria prática. A escrita como

experiência formativa acontece quando tanto quem escreve quanto quem lê aprende

com ela. Por isso, mais uma vez, reitero a ideia de que a escrita desempenha um

importante papel na formação. Escrever pode ser considerado, assim como Mills

(2009, p. 94) apresenta, como “um conjunto de hábitos e de sensibilidades que

moldam quase todas as nossas experiências. Escrever é, entre outras coisas,

sempre uma maneira de compreender a nós mesmos”.

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Como diz Larrosa (2006, p. 49), “uma escrita silenciosa produz uma atenção

concentrada e algo assim como um estar voltado para si mesmo. Mas tem também

outra qualidade não menos importante: fazer com que o mundo apareça aberto”. A

escrita escapa do controle totalizante, com sua dimensão solitária e silenciosa de

quem escreve, permite ao escrevente realizar exercícios de reflexão, avaliação,

claro, não considerando que o aluno escreva apenas para cumprir uma função

burocrática e acadêmica, mas que explore, de algum modo, uma autoria e uma

narrativa de suas experiências. Ao entendermos a escrita do relatório a partir de dois

pontos de vista, o do seu controle pedagógico, dado pelo roteiro, pela avaliação a

que se refere e, ainda, a sua relação com a formação e a transformação daquilo que

se é, então, podemos apreender que, na disciplina de Estágio, há espaço para uma

formação mais aberta, quando o sujeito se volta para si mesmo, para se

compreender e se transformar, através da escrita.

Embora a disciplina de Estágio esteja muito impregnada dos aspectos de

uma educação moral, ainda vejo espaços de vácuos onde é possível que os sujeitos

criem seus próprios códigos de conduta e ação sobre si, recriem metodologias de

ensino de Teatro, extrapolem as barreiras disciplinares que impedem novos

processos educativos. No próximo capítulo, vou explorar mais aprofundadamente

tanto os aspectos da moral como da ética na constituição do eu-docente, bem como

as diferentes aprendizagens que as disciplinas de Estágio podem oferecer, partindo

da ideia de que, durante a disciplina de Estágio, há espaço para a formação e a

transformação do sujeito.

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CAPÍTULO 4 – TECNOLOGIAS DO EU E A CONSTITUIÇÃO DO EU-DOCENTE:

ÉTICA E EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES ATRAVÉS

DOS ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS

Com este capítulo, pretendo trazer a materialidade da ideia central desta

tese que versa sobre as tecnologias do eu-docente, através dos Estágios, até então

desenvolvida mais teoricamente nos capítulos anteriores, embora já tenha realizado

um primeiro movimento analítico, com questões mais gerais em relação aos

Estágios e ao próprio processo da escrita dos relatórios. Trato agora de apresentar

outros dois movimentos analíticos: um em relação ao sujeito ético, que age sobre si

e sobre os outros; o segundo em função das aprendizagens formativas, através das

disciplinas de Estágios. Ambos os movimentos analíticos buscam desenvolver a

questão de como os alunos, futuros professores, vêm-se desenvolvendo no interior

dos Estágios, em que assumem a regência de uma turma em escolas ou em grupos

comunitários.

É necessário observar novamente que os últimos estudos realizados por

Michel Foucault (1984; 1985; 1990; 1993; 1995; 1996b; 1996c; 1996d; 1997b;

1997c; 2006c; 2006d; 2012) são as principais balizas teóricas que sustentam a

minha análise. Muito embora suas pesquisas tenham tido outros interesses e

objetivos, elas são produtivas para pensar e discutir a disciplina de ES, o exercício

da escrita dos relatórios de Estágio e a formação de professores. Trato de utilizar

como ferramentas os princípios de tecnologias do eu, práticas de si, cuidado de si,

práticas de subjetivação, ética, moral, governo do eu e dos outros, poder pastoral,

como eixos norteadores para minha análise sobre a constituição do eu-docente.

Jorge Larrosa (1994; 1998), por sua vez, reelabora esses conceitos

foucaultianos e brinda-nos com suas reflexões, oferecendo-nos, de modo

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sistemático, seus estudos e pesquisas sobre a educação, potencializando e

atualizando o discurso de Foucault para temas como o da construção de práticas

pedagógicas, da educação moral, da constituição do sujeito do conhecimento

moderno. Ainda outros estudos de Larrosa (2002; 2003; 2005; 2006) colaboram para

pensar e discutir os temas da escrita e da experiência como processo de formação

humana, para além de uma educação moralizante.

4.1 Ética e formação: da relação consigo mesmo e com os outros na

constituição do eu-docente

Nesta seção, desenvolve-se o segundo movimento analítico realizado a

partir dos relatórios de Estágios. A intenção gira em torno do estudo da ética e da

educação moral presentes nesta disciplina curricular obrigatória na formação de

professores para a educação básica. Investiga-se a relação do sujeito em formação

(eu-docente) consigo mesmo e com os outros como atitude ética inscrita nas

práticas e nos discursos pedagógicos e do ensino de Teatro.

Influenciada pelos últimos escritos de Michel Foucault (1985; 1990; 1996b;

1997c; 2006c) sobre as tecnologias do eu e pelos estudos de Jorge Larrosa (1994;

1998) sobre a educação moral, realizo a minha análise sobre a formação de

professores. O ES é entendido como um dispositivo pedagógico onde um conjunto

particular de práticas e tecnologias do eu constituem a experiência que o sujeito tem

de si mesmo e de sua relação com os outros sujeitos envolvidos no processo

educativo: os alunos, os professores e os agentes comunitários.

O ES ainda pode ser compreendido como uma disciplina que compartilha

alguns aspectos da educação moral na medida em que, conforme nos fala Jorge

Larrosa (1998), o que se pretende objetivamente é que os licenciandos aprendam

não os conteúdos específicos da área de formação, mas procedimentos ou

princípios de comportamento. São práticas pedagógicas especializadas que

compõem o currículo do curso e têm fins morais, possuem um caráter constitutivo e

regulativo do sujeito em formação, envolvendo uma constituição bastante particular

do domínio de si, para que executem certas ações apropriadamente, ou seja, que o

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seu desempenho seja de modo esperado (em virtude de um ideal imaginário e

difundido cultural e socialmente) para um professor de Teatro especificamente.

Se entendermos as disciplinas de Estágio como uma prática de educação

moral, então, é importante vê-las conforme nos apresenta Larrosa (1998):

primeiramente, em sua realização concreta, o modo pelo qual elas podem ser

efetivadas. Mais do que aquilo que é aprendido nestas disciplinas é importante

perceber o como é aprendido. Em segundo lugar, entendê-las como ação

pedagógica, onde algo é transmitido e adquirido, ou seja, possuem um caráter de

constituição dos sujeitos em formação, de modo que não podemos pensar que são

“espaços neutros” onde se desenvolvem competências de “forma natural” (Larrosa,

1998, p. 52). E, por fim, entender as disciplinas de Estágio como “práticas de

significação”, onde acontecem rituais bastante específicos, fornecem tipos

particulares de experiências consigo mesmo e com os outros, produzindo

significados e imagens das pessoas e das suas relações interpessoais.

Foucault, quando realiza sua história da sexualidade, trata de realizar uma

história da moral, o que entende ser “um conjunto de valores e regras de ação

propostas aos indivíduos e aos grupos por intermédio de aparelhos prescritivos

diversos” (Foucault, 1984, p. 26), como, por exemplo, as instituições sociais: escola,

universidade, igreja, família. O autor distingue dois aspectos através dos quais uma

ação moral é inscrita: um código moral (o conjunto prescritivo ou código de

comportamento); uma conduta – os atos (comportamento real dos indivíduos e suas

formas de subjetivação). Acontece que este código moral, por mais bem formulado e

ensinado de forma explícita ou imposto ao indivíduo, deixa sempre espaço para

escapatória do sujeito, pois a transmissão é, muitas vezes, difusa e complexa e

também não há uma completa e cega obediência.

Mas há também que se destacar que, numa ação moral, inscreve-se uma

determinada relação consigo mesmo (o tipo de relação que se deve ter consigo

mesmo), chamado de ética por Foucault (1996b), e que determina como o sujeito

deve se constituir a si mesmo como sujeito moral. Para Deleuze (1992), os

processos de subjetivação são variáveis de acordo com as épocas. Com os gregos,

por exemplo, não se tratava de formas determinadas (como no saber) ou de regras

coercitivas (como no poder), mas de “regras facultativas que produzem a existência

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como obra de arte, regras ao mesmo tempo éticas e estéticas que constituem

modos de existência ou estilos de vida” (DELEUZE, 1992, p. 123).

Deleuze (1992, p. 125) apresenta uma distinção entre ética e moral na obra

de Foucault: enquanto a moral seria um conjunto de “regras coercitivas”, que trata

de julgamentos de atitudes com finalidades transcendentais (bom, mau, certo,

errado); a ética seria um conjunto de “regras facultativas” que avalia as ações, em

relação a um modo de existência ou estilo de vida que se deseja alcançar.

Com essa diferenciação, sou inclinada a pensar que, na disciplina de

Estágio, predominam elementos éticos, na medida em que não há um código de

conduta instituído e não se aplica uma coerção aos sujeitos em formação, embora

seja constituída por muitos aspectos da própria moral pedagógica e curricular que a

compõe enquanto disciplina num curso de formação. O processo de subjetivação

ocorrido no Estágio se dá muito antes através de regras facultativas, a partir de um

conjunto de práticas, modelos, exemplos, técnicas, exercícios, atitudes que vão

sendo oferecidos (através das orientações, dos estudos, palestras, seminários) e

trocados entre os licenciandos durante os encontros semanais para atingirem seus

objetivos planejados para as aulas. Tais elaborações aparecem descritas nos

relatórios, conforme podemos observar abaixo:

Muita reflexão fiz a partir das nossas reflexões em aula e também da palestra da professora Maria Lúcia Pupo apresentada no Teatro do COP, entre essas, percebi que em alguns pontos errei como professora/estagiária, e foi exatamente onde a minha própria orientadora já havia me alertado, no plano de ensino (EaI, 2010, p. 17).

Minha atuação na escola foi gratificante, embora às vezes desestimulante, por falta de instrumentos que me socorressem nos momentos de desordem. Contudo, foi importante esse primeiro contato e as trocas que fizemos na sala de aula onde estagiei e também o apoio de colegas e a professora orientadora, foram fundamentais nos momentos de desabafo, questionamento e dúvidas (EcI, 2010, p. 10).

O aluno se avalia a partir de modelos ofertados exteriormente a ele ou

através das trocas entre os pares. Aspectos das reflexões, dos sentimentos, das

vontades ou mesmo dos comportamentos dos licenciandos são tomados como

elementos de investigação deles próprios e aparecem descritos nos relatórios em

diferentes ocasiões. A relação que o sujeito estabelece consigo mesmo aparece em

dois movimentos fundamentais: primeiramente, em relação a si mesmo e, depois,

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em relação aos outros (alunos, professores, agentes comunitários, a instituição

escolar).

O primeiro movimento é a relação do sujeito consigo mesmo, um tipo de

autoavaliação ou autoexame de suas ações realizadas nas aulas ministradas. São

reflexões de final de processo, a ser executado por cada licenciando, sozinho, com

sinceridade de modo que possa escrever e expressar no relatório os significados

atribuídos a si mesmo. Examinar e avaliar a si mesmo são ações de reflexão,

autointerrogação, que tem “como regra a sinceridade” (LARROSA, 1998, p. 59).

Alguns fragmentos das escritas dos licenciandos podem ajudar-nos a perceber tais

elaborações:

Não que tenha sido um fracasso, mas não é este o teatro que ainda gostaria de fazer, não seria esta aula que gostaria de dar hoje, mas é este que achei que eles deveriam ter, pois trabalhar os jogos é o início de tudo, mas não percebi que se trata de pessoas diferentes, outros alunos, outras idades, outros interesses, outras ideias e expectativas. Confesso que tanto o plano de ensino como as expectativas que gerei para o estágio não aconteceram na sua totalidade, mas isso foi por falta minha de conhecimento, tanto prático quanto teórico e por que não dizer, falta de sensibilidade minha também? (EaI, 2010, p. 17).

Concluindo posso dizer que foi uma experiência realmente encantadora esses encontros com meus alunos. Pude ampliar minhas reflexões sobre a prática da docência e pela primeira vez me senti realmente professor (EbII, 2011, p. 8).

Confesso que fui pega totalmente de surpresa. Havia construído meu plano de ensino com aulas que seriam produtivas e divertidas para os estudantes. Eles iriam aprender sobre teatro e sobre a vida e iam adorar. Isso pensava eu. Não estava preparada para, muitas vezes, não conseguir explicar as regras de um jogo apropriadamente, tamanha era a zoeira. Não estava preparada para ter que separar meninos trocando socos e pontapés nem para ter que gritar para pedir silêncio. Muito pior. Não estava preparada para me tornar a professora que precisa apagar a luz para conseguir um pouco de atenção nem que faz chantagens bobas para conseguir um pouco menos de barulho: “se vocês não pararem de gritar, não vou ligar o ventilador” (fazia muito calor); “se vocês não ficarem um minuto completo em silêncio absoluto, não vamos seguir a aula nem fazer um exercício muito legal que eu tinha planejado pra vocês” (EfI, 2010, p. 20).

Percebi que a convivência com elas [meninas da comunidade] e este aprendizado me tornou uma pessoa mais generosa e menos exigente em questões que antes eu poderia considerar importantes (EfIII, 2011, p. 17).

A atitude de sinceridade é uma prerrogativa importante para a escrita do

relatório, os licenciandos são estimulados a isso. Trata-se de um momento de

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expressar suas angústias, incertezas, medos, dificuldades, erros, e não apenas os

acertos, o que foi bom, o que deu certo. É o que os excertos acima nos mostram.

A relação que o sujeito estabelece consigo mesmo é da ordem da reflexão,

de um repensar suas posturas e atitudes, a rever seus objetivos educacionais a

partir das realidades encontradas com as escolas e comunidades. O futuro professor

está sendo levado a tomar a si próprio como matéria de trabalho, sua alma, seu

corpo, seus pensamentos, suas sensibilidades e a se ver como professor de Teatro

durante os Estágios. Os estagiários fazem um exercício de si mesmos para serem

mais conscientes, mais disciplinados, mais críticos, mais produtivos com a finalidade

de alcançarem resultados positivos.

O segundo movimento que podemos encontrar é a relação do eu-docente

com os outros, a partir de ações, gestos e atitudes em relação a este outro, seja ele

o aluno da escola, o professor regente da turma, membro da direção da escola, o

agente comunitário. Existem ações que os legitimam diante do outro e, do mesmo

modo, existem ações que não são indicáveis para os sujeitos em formação,

conforme eles mesmos destacam. Há uma relação interpessoal, uma comunicação a

ser estabelecida de modo que haja compreensão mútua. Na relação com o outro,

aprendem-se as diferentes posições que os sujeitos ocupam e certos modos de se

relacionar com o outro de acordo com as regras, valores e princípios estabelecidos e

difundidos cultural e socialmente, ou seja, novamente, uma aprendizagem de

procedimentos, desempenhos e comportamentos.

A história de vida e o contato com estes participantes foi para mim o mais rico nestes meses, conhecê-los, conversar com eles, fazer parte de uma parte de suas vidas, perceber seu contentamento com sua autoestima e seu crescimento pessoal com seus atos, para mim foi uma possibilidade de „docência‟ extraordinária e poderosa numa carreira acadêmica (EaIII, 2011, p. 21).

Posso falar, sem medo de estar me equivocando, que o processo pelo qual passamos, a turma e eu, foi bastante importante para ambos. Tivemos momentos de crescimento bastante consideráveis tanto no que diz respeito a eles como alunos, pelo que eles aprenderam, quanto no que diz respeito a mim, como professor que fui, pelo que aprendi sobre a experiência da docência. Acredito que para eles, o aprendizado mais considerável foi justamente o encontro que tiveram com a linguagem teatral, pois eram alunos que em sua maioria não haviam tido um contato prático com a linguagem, sendo que a maior parte dos alunos nunca havia nem assistido a nenhuma peça de teatro. Para mim, como professor, o aprendizado foi a experiência de ter um contato direto com os alunos, usando de um diálogo

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mais direto, mais sincero, o que, por exemplo, não era possível com as crianças do primeiro estágio. Poder falar com o aluno “de igual para igual”, por eles já possuírem certa experiência de vida e já saberem conversar, expor suas inquietações e por estarem, acredito eu, mais dispostos a solucionarem os problemas (EbII, 2011, p. 5).

Outro aspecto, que posso considerar na prática com o estágio, refere-se ao trabalho com as realidades dos sujeitos – não podemos desprezar ou desconsiderar as vivências e experiências dos sujeitos que trabalhamos, em qualquer tipo de comunidade, porque fortalece o vínculo entre o “nós” – sujeitos que vivenciam realidades diferentes – e o “eles” – sujeitos que vivem a sua comunidade como um todo – e esse vínculo é que estimulam as trocas e as transformações, por ambas as partes (EeIII, 2011, p. 16).

Localizamos diferentes aspectos em relação ao encontro com o outro,

positivos, negativos, frustrações, surpresas. Um deles é aprender a ser professor

nesta relação com o outro, com suas histórias de vida, entender suas dificuldades e

perceber o mínimo crescimento e desenvolvimento que a aula proporcionou. Os

estagiários reconhecem que o desenvolvimento dos alunos é também o seu próprio

desenvolvimento como docentes, veem no outro uma ação em si mesmo,

remetendo-nos à ideia da ação do mestre de cuidar do cuidado do outro, como a

antiguidade clássica nos ensinou.

No caminho de estágio encontrei algumas dificuldades, problema de não ser ouvida, de motivar o grupo todo e com relação a comprometimento. Estes foram os principais problemas, porém, esta idade é quando eles estão em transformação, quando buscam saber quem são, onde se enquadram, se já não são crianças. Procurei ser flexível e realizar o trabalho visando aproveitar essa fase da vida dos discentes. Desta forma, mesmo com os problemas no percurso e questionamentos que o tempo se encarrega de responder; noto que este momento de contato com adolescentes e seus modos de ver o mundo e se relacionar com ele, foi de grande valia, pois observei que o teatro desestabilizou essa relação com o mundo e principalmente com as pessoas, se mostraram mais engajados uns com os outros (EcII, 2011, p. 8).

Surpreendeu-me, também, a pouca receptividade das demais professoras com relação aos estagiários. Com exceção da coordenadora pedagógica, que sempre se mostrou simpática e prestativa, disposta a nos ajudar no que fosse preciso, as demais com quem tive algum contato pareciam de algum modo irritadas ou desconfortáveis com a nossa presença e não faziam nenhum esforço para que nos sentíssemos bem-vindos. Com o passar das semanas, no entanto, fui compreendendo que elas adotavam uma espécie de “máscara”, com aspecto de severidade, que “vestiam” diante dos alunos - possivelmente, especulo, para conseguir manter o controle das turmas (EfI, 2010, p. 7).

Medo e ousadia, foi o que senti, me apresentei, conheci a turma, fiz um questionário sobre teatro, se já participaram de alguma apresentação, como

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se sentiram como espectador. Encontrar trinta jovens, a princípio me passou uma insegurança, pois tinha que ter firmeza nos meus propósitos, dominar a aula, mas o que na realidade aconteceu, foi uma troca muito grande de experiências, um bom relacionamento (EgII, 2011, p. 8).

Dificuldades de se relacionar com os outros sujeitos envolvidos no processo

educativo e encontrar diferentes saídas para essa relação é também uma forma de

aprender a ser professor, por ser um dos elementos que compõem o ato docente, o

ser com o outro. Aliás, o ato da docência só acontece nessa relação com o outro. E

é para isso que, ao fim, a disciplina de Estágio existe num currículo de formação

docente: oferecer e promover este encontro com os outros, com os sujeitos que

também estão em formação. Encontrar-se com o outro, motivá-lo, ser ouvido, trocar

experiências e marcar de algum modo a vida desse outro são noções que

caracterizam o ser docente.

Em um diálogo com a professora da turma na qual eu estagiava, ela me falou sobre as histórias dos alunos e eu entendi o porquê de todos aqueles problemas de convívio que eles tinham. Foi comentado por ela que nas aulas de teatro eram um dos poucos momentos onde os alunos ficavam “brincando” todos juntos. Como a dificuldade de relação entre eles era um fator que eu considerava grave, considerei este comentário da professora regente uma conquista, afinal, boa parte dos jogos tinham o objetivo de integração de grupo. [...] O que foi proposto, com mais ou menos concentração, foi realizado. A dificuldade maior que me deparei não foi com um aluno, foi com a mãe que pediu para o filho não ter aula de teatro por que o professor era muito “diferente”. Isto foi na minha penúltima aula e na última o menino não foi. Conversei com a coordenação da escola sobre o acontecido, mas nenhuma decisão foi tomada (EbI, 2011, p. 5-6).

Foi marcante para este licenciando especificamente a atitude de uma mãe

que não permitiu que seu filho tivesse aula de Teatro com ele, devido ao seu estilo

performático: o licenciando usava vários piercings no rosto, cabelo colorido e com

dreds, roupas coloridas e estampadas com coturnos pretos e muitos acessórios.

Essa atitude da mãe foi tema de discussão em nossas aulas e foi, de certo modo,

um choque para o sujeito em formação, principalmente por não ter tido nenhum

apoio da escola. Compreendemos que a sociedade ainda não está preparada para o

sujeito que foge do convencional, que tem estilo muito marcado e próprio e a escola,

que é símbolo das convenções e tradições culturais, muito menos. Embora o aluno

esteja acostumado a “chamar a atenção” quando anda pelas ruas da cidade, não

imaginava que seria impedido de se aproximar de alguém, como se fosse deseducá-

lo ou feri-lo. A escola simplesmente acatou o pedido da mãe e não conversou com o

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estagiário sobre a questão. Embora através de um fato negativo, todos nós

aprendemos com ele, pois conversamos bastante e percebemos que a escola é uma

instituição social carregada de uma moral e princípios ainda oriundos do período da

sua invenção (século XIX), por exemplo, o conservadorismo, os preconceitos, a

exclusão das diferenças. De todo modo, há um movimento de reação ao outro, de

constituição do eu-docente com o outro.

Retomando-se a ideia de que as tecnologias do eu são todas as práticas

sociais que sistematicamente produzem ou provocam uma autorreflexão, então,

podemos encontrar com muita tranquilidade estas tecnologias atuando nas

disciplinas de Estágio, principalmente no momento da escrita do relatório, quando

são convidados a se colocarem numa atitude interrogativa e reflexiva sobre as

experiências vivenciadas. Estas práticas criam uma experiência subjetiva de si

mesmo, há um movimento de voltar-se a si mesmo, de colocar-se como matéria de

trabalho.

Foucault (1984; 1995; 1996b) apresenta quatro aspectos da ética, da relação

do sujeito consigo mesmo, que constituem o sujeito moral. Estes aspectos nos

ajudarão a visualizar as modalidades pedagógicas envolvidas nas disciplinas de

Estágio, na constituição do eu-docente. De acordo com o autor, as tecnologias do eu

estabelecem, em primeiro lugar, a parte do sujeito que deve ser considerada como o

material de sua conduta moral (substância ética); em segundo lugar, a forma pela

qual o sujeito define sua relação com as regras (modos de sujeição); em terceiro

lugar, o trabalho que o sujeito realiza sobre si mesmo com a finalidade de se tornar o

sujeito dessa moral (práticas de si); e, por fim, em quarto lugar, os objetivos que o

indivíduo procura atingir (teleologia).

Embora Foucault não nos ofereça uma teoria propriamente dita ou método

analítico dos modos de realização dessas práticas, foi a partir dessas formulações

que também desenvolvi minhas análises e reflexões para encontrar algumas

respostas e atingir meus objetivos com esta pesquisa. A tentativa foi de verificar e

examinar, numa lógica pedagógica particular de formação de professores, como

acontecem essas práticas, numa determinada relação consigo mesmo, na qual o

indivíduo se define a partir dessas quatro instâncias.

O primeiro aspecto, chamado por Foucault (1984, p. 27) de substância ética

(ontologia), é a “maneira pela qual o indivíduo deve constituir tal parte dele mesmo

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como matéria principal de sua conduta moral”. A questão que orienta este aspecto

seria: Qual a parte de mim ou da minha conduta está relacionada a determinada

moral? É a matéria a ser trabalhada pela ética.

Como matéria da prática do professor, são esperadas determinadas

atitudes, são cobrados certos desempenhos, obrigações e responsabilidades. O

papel do professor, o que é esperado dele, é a parte do eu-docente que pertence à

moral pedagógica ou, em resumo, o que agrega todas as atitudes esperadas do ser

docente é o ensino. O ensinamento é a matéria do professor pois envolve uma

atitude de ensino. Seja pelo texto (conteúdo), pelo exemplo, pelo gesto, pelas

práticas que desenvolve com os alunos, há uma incumbência principal no eu-

docente, a atitude de ensinar algo a alguém. O que ensinar? Como ensinar? Por que

ensinar isso a alguém? São questões centrais no processo de ensino e de

aprendizagem, e são trazidas nas narrativas dos estagiários.

Meu objetivo seria conseguir dar uma aula com muita expressão corporal, jogos teatrais e dramáticos, improvisações e leitura dramática estimulando suas capacidades cognitivas, de destreza aprendendo a colocar em prática essas habilidades para se utilizar delas em suas realidades, reproduzindo-as e usando-as para um conhecimento novo e também para seu próprio conhecimento (EaI, 2010, p. 12).

[...] os objetivos das aulas também estão lhes ajudando a desenvolver a memória, perder a timidez de forma divertida, a cada aula se sentem mais soltos e com mais vontade de fazer, com menos vergonha, conseguem se soltar na frente das pessoas, principalmente nas apresentações de outras disciplinas, se envolvem mais com as pessoas, confiam, interagem mais com colegas, mais habilidade, concentração, reflexo, criatividade, instiga a explorar os sentidos (EaII, 2011, p. 14-15).

Não tenho a pretensão de achar que todos tenham aprendido algo neste estágio, mas dá para ler com clareza, através dos seus olhos, suas falas, suas respostas, através de nossa avaliação final e no carinho deles, que a maioria saiu com algum aprendizado, informação e/ou modificação interior. [...] Foi o que fiz, analisei, estudei e coloquei em prática, vendo pelo viés do ensino/aprendizado, alguns alunos aprenderam teatro e sobre o teatro de forma descontraída, alegre e divertida (EaII, 2011, p. 16).

Acredito que para eles, o aprendizado mais considerável foi justamente o encontro que tiveram com a linguagem teatral, pois eram alunos que em sua maioria não haviam tido um contato prático com a linguagem, sendo que a maior parte dos alunos nunca havia assistido a nenhuma peça de teatro (EbII, 2011, p. 5).

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Além do mais, ensinei a trabalhar em grupo, a respeitar os colegas e ouvi-los, embora nem sempre eles respeitassem as minhas colocações, muitas vezes tinha que reforçar o que já havia dito e em tom mais alto, do que utilizava normalmente, isso foi um ponto que me chateou, ter que falar alto, para obter o silêncio e atenção dos alunos (EcI, 2010, p. 3).

Desta forma, as capacidades expressivas, tanto coletivas como de cada um dos estudantes, foram estimuladas ao longo do processo, aprenderam um pouco sobre a história [do teatro] através da leitura das folhas que lhes dava a cada encontro, como também através de conversas, exemplos (EcII, 2011, p. 5).

Para que meus objetivos fossem alcançados – objetivos pessoais e de grupo – procurei em cada oficina, propor diferentes alternativas (jogos) que levassem a construção do sujeito, enquanto parte de uma sociedade, salientando a importância que os mesmos têm para o convívio e transformação do meio. Assim, como o estímulo e conscientização do seu próprio corpo e o espaço que ocupa, buscando alternativas entre o “eu” e os “outros” – como eu me vejo e como eu vejo os outros, afinal que papel eu represento no mundo e na comunidade onde vivo (EeIII, 2011, p. 16).

Percebemos os diferentes modos como cada um encara a questão do

ensino. Muitos deles fazem questão de lecionar muito além dos conteúdos21 da

disciplina, ensinam posturas e atitudes como respeito, diálogo, integração,

concentração, trabalhar em grupo, solidariedade, autoconhecimento, promoção do

bem-estar entre os sujeitos, o bom convívio da turma, potencializar a reflexão e a

autoexpressão.

A ideia central que podemos perceber é o princípio de conduzir a conduta do

outro e, para tanto, aproximo-me novamente dos últimos estudos de Foucault

(2006c), que apresenta o papel do mestre do cuidado de si grego, Sócrates.

Motivada por esses estudos da Antiguidade, consigo fazer algumas aproximações

com a tarefa docente atual (embora a escola seja coordenada pelos ideais da

Modernidade). A partir das falas dos acadêmicos, concluo que é uma atividade que

consiste em incitar os outros, em zelar pela vida dos outros. Esta seria a posição do

21

Os conteúdos específicos do Teatro, a partir da abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa, são organizados, basicamente, em três eixos: Criação – produção; Recepção teatral – fruição; Contextualização – reflexão. Passam pelos aspectos elementares da linguagem teatral, que envolvem corpo, espaço, cena, relação palco/plateia, uso da voz: respiração, volume, altura, articulação, etc.; Experimentar a construção e criação de ações, personagens, roteiro e cenas; Recepção teatral em apresentações teatrais dos colegas, de artistas profissionais ou amadores, inclui ainda apreciar obras de outras linguagens artísticas; Compreender e interpretar arte e conhecer concepções estéticas; Pesquisar, teorizar e refletir criticamente sobre teatro em diferentes contextos culturais, sociais e históricos; Conhecer artistas, obras, movimentos e períodos da história do teatro (do Brasil e do mundo); Relacionar o teatro com outras áreas do conhecimento e das artes; interrelações entre arte e cotidiano; circulação da cultura; patrimônio cultural da humanidade.

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mestre, que desempenha o papel daquele que interpela e desperta os alunos para

as coisas boas e positivas da vida. Permeado pelo princípio de agitação, de

movimento, de inquietude permanente, o fazer docente é da ordem da ética, o

sujeito mestre “é aquele que cuida do cuidado que aquele que ele guia pode ter de si

mesmo” (FOUCAULT, 2006c, p. 73).

O segundo aspecto da ética diz respeito ao modo de sujeição (deontologia),

ou seja, “a maneira pela qual o indivíduo estabelece sua relação com essa regra e

se reconhece como ligado à obrigação de pô-la em prática” (Foucault, 1984, p. 27).

Seria a maneira pela qual as pessoas são chamadas ou incitadas a reconhecer suas

obrigações morais ou, ainda, o modo como as pessoas são levadas a se

comportarem como sujeitos morais.

Neste aspecto, podemos destacar os saberes mobilizados pelos

acadêmicos, através dos quais são orientados e perseguem seus objetivos

educacionais, isto é, o modo como ensinam Teatro, a partir de determinadas regras

racionais, sociais, teóricas, metodológicas e de planejamento. Está muito presente

um ideal de escola, de sujeito, de sociedade e, portanto, um modelo de prática

educacional para o ensino de Teatro que orienta o comportamento dos acadêmicos

no exercício da docência, conforme podemos ler no fragmento abaixo:

Escolhi o teatro para a minha vida porque acredito ter algo a dizer e tenho a pretensão de que as pessoas repensem a si mesmas a partir do que eu faço. Escolhi dar aula de teatro porque acredito que esta linguagem pode ajudar as pessoas, sejam elas crianças, adolescentes ou adultos, a se conhecerem melhor, a ter consciência de seus próprios limites e, quem sabe, a propor a si mesmos a ir além deles, a explorar possibilidades antes não cogitadas, a se relacionar melhor com os demais, a se expressar melhor, a perceber a importância da própria voz no mundo em que habita, a ter certeza de que faz a diferença, a respeitar o espaço do outro, ouvi-lo, a não se deixar enrijecer e ficar mais sensível às coisas do mundo, a ser mais humano, a se importar (EfI, 2010, p. 24).

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A Pedagogia do Teatro22 e a Pedagogia Crítica são os dois principais pilares

que sustentam teoricamente as práticas e as reflexões dos alunos em formação.

Temos a incidência maior de autores da Pedagogia do Teatro ou da Arte-Educação.

Entre eles, Augusto Boal, Ingrid Koudela, Olga Reverbel e Viola Spolin23 são os mais

citados e estudados, aparecem praticamente na totalidade dos vinte e um relatórios

analisados. No campo específico da educação, temos a forte presença da

22

É importante revermos a própria relação entre o Teatro e a Educação e os múltiplos significados que têm sido atribuídos a ela. Historicamente, os fundamentos do Teatro na Educação foram estabelecidos sob a perspectiva da educação. No entanto, atualmente, essa relação se inverte, pois são os conteúdos e metodologias específicas do Teatro que direcionam a reflexão e prática teatral em sala de aula. A partir da reestruturação da relação entre a arte e a educação, passamos da denominação Educação Artística para Arte. De mera atividade educativa, atingimos o estatuto de disciplina e do Teatro-Educação chegamos à Pedagogia do Teatro, comenta Hartmann (2009). Em meados do século passado, apresenta Santana (2009), foram designadas artes dramáticas as atividades escolares inerentes a esse ramo do conhecimento, ao passo que a lei de 1971 rotulou de artes cênicas a habilitação da educação artística voltada para a dança, o teatro e o circo. Com o movimento nacional de revitalização do ensino das artes ocorrido logo depois (anos 1980-90), o termo que passou a vigorar foi teatro-educação, posteriormente substituído por pedagogia do teatro. A pedagogia do teatro não só amplia o espectro da pesquisa na área como traz para a discussão os ensinamentos dos mestres do teatro, teóricos, encenadores, dramaturgos. Hartmann (2009) apresenta algumas teorias, métodos, técnicas sobre o ensino e aprendizagem de teatro desenvolvidos a partir de processos criativos realizados por artistas, docentes e pesquisadores, são eles: jogos improvisacionais, jogo teatral, jogo dramático, peça didática, pedagogia do oprimido, drama como método de ensino, etnocenologia, antropologia teatral e os estudos da performance. Estas metodologias não esgotam as possibilidades de trabalho prático e de reflexão sobre o Teatro como Pedagogia, porém são representativas de algumas das principais tendências de abordagem da linguagem teatral nos últimos cinquenta anos. A ABRACE mantém um grupo bastante ativo de estudos denominado Pedagogia do Teatro e Teatro na Educação onde estas questões sobre as metodologias do ensino do teatro são abordadas.

23 As obras destes autores mais citados e estudados foram: Augusto Boal: Jogos para atores e não

atores; A Estética do Oprimido; O arco-íris do desejo; Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas; Ingrid Koudela: Jogos Teatrais; Brecht: um jogo de aprendizagem; Olga Reverbel: Jogos teatrais na escola; Teatro na sala de aula; Viola Spolin: Improvisação para o teatro; Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin; O jogo teatral no livro do diretor. Mas também é importante destacar a incidência de outros teóricos da Pedagogia do Teatro ou da Arte-Educação, como por exemplo: Flávio Desgranges: A pedagogia do espectador; Pedagogia do Teatro: Provocação e Dialogismo; Johan Huizinga: Homo Ludens; Peter Slade: O jogo dramático infantil; João Francisco Duarte Júnior: O sentido dos sentidos; A montanha e o videogame: escritos sobre educação; Márcia Pompeu Nogueira: Tentando definir o teatro na comunidade; Teatro e Comunidade: Dialogando com Brecht e Paulo Freire; A opção pelo teatro em comunidades: alternativas de pesquisa; Narcíso Telles: Teatro comunitário: ensino de teatro e cidadania; Taís Ferreira: A escola no teatro e o teatro na escola; Vera Lúcia Bertoni dos Santos: Atenção! Crianças brincando!; Brincadeira e conhecimento: do faz-de-conta à representação teatral; Beatriz Ângela Vieira Cabral: Drama como método de ensino; Avaliação em Teatro: implicações, problemas e possibilidades. Destacam-se, ainda, os autores do campo teatral e dos estudos da cena, como Bertold Brecht: Estudos sobre o Teatro; Constantin Stanislavski: A criação de um papel; A preparação do ator; A construção do personagem; Hans-Thies Lehmann: Teatro Pós-Dramático; Margot Berthold: História Mundial do Teatro; Paul Heritage: Mudança de cena: o uso do teatro no desenvolvimento social; Richard Couteney: Jogo, teatro e pensamento: as bases intelectuais do teatro na educação.

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Pedagogia Crítica, com Paulo Freire citado em praticamente todos os relatórios24.

Encontramos também textos de políticas educacionais, como os PCN – Arte (Brasil,

1998a; 1998b; 2000), que colaboram na elaboração e divulgação dos objetivos do

Teatro e das outras linguagens artísticas na escola.

Diante deste emaranhado teórico e epistemológico, é possível perceber a

recorrência do discurso da Pedagogia Crítica, de uma educação redentora, em prol

do esclarecimento dos sujeitos em formação. Em relação a esta vertente

pedagógica, Garcia (2002a; 2002b) realiza uma pesquisa em que estuda os

discursos das Pedagogias Críticas e mostra que o exercício da docência nesta

perspectiva é o de “uma função governamental-pastoral que tem por tarefa a

produção do sujeito de consciência e do „bem‟ agir” (Garcia, 2002b, p. 55). Está

presente uma função pastoral, de esclarecer, humanizar e salvar os outros, o que

será evidenciado, logo a seguir, quando apontarei os discursos dos acadêmicos

sobre os modelos de ser professor ou o papel do professor hoje.

Ainda é possível destacar a forte marca dos estudos específicos da Arte-

Educação e da Pedagogia do Teatro, que são fundamentais no modo pelo qual o

sujeito, futuro professor, estabelece em relação a si mesmo, sua ética profissional.

Está muito presente a defesa da formação específica de professores de Teatro, de

modo que o Teatro seja reconhecido como área de conhecimento e como disciplina.

Esta é uma discussão muito atual e sempre emergente no campo das Artes; Artes

Visuais, Música, Dança e Teatro.

Diversos autores do campo da Arte-Educação dedicam-se a defender as

quatro linguagens artísticas como disciplinas independentes para a educação básica

(André, 2011; Barbosa, 2003; Ferreira, 2006; Japiassu, 2008; Koudela, 2009;

Santos, 2012; Soares, 2010). O objetivo central é abolir o uso do Teatro apenas

como ferramenta metodológica dentro de outras disciplinas ou a montagem de

espetáculos em festividades (“as pecinhas”) e o ter como parte do currículo, com

24

As obras citadas de Paulo Freire foram: Pedagogia do Oprimido; Pedagogia da Autonomia; Pedagogia da Esperança. Outros autores e suas obras do campo educacional, menos incidentes, porém, importantes de serem destacados, são eles: Moacir Gadotti: História das Ideias Pedagógicas; Pedagogia da Práxis; Atualidade de Paulo Freire; Carlos Brandão: O que é educação; Maria Tereza Esteban: Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos; Selma Garrido Pimenta: O estágio na formação de professores; Sérgio Lulkin: Atividades dramáticas com estudantes surdos; Sílvio Gallo: Currículo: entre disciplinaridades, interdisciplinaridades… e outras ideias; Transversalidade e Educação: Pensando uma educação não-disciplinar.

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igual importância e valor como outras disciplinas que o compõem. Por ser a primeira

turma do Curso, tivemos de explicar, em todas as escolas em que atuamos, os

fundamentos do Teatro como disciplina antes de começarem os Estágios. Por isso,

tal discurso está muito presente nas narrativas dos acadêmicos25, conforme

podemos ler nos fragmentos abaixo:

Os novos profissionais da área do teatro que através dos estágios, entraram nas instituições escolares, para poder mostrar um pouco do perfil desta área, são agentes de transformações não somente dos alunos, mas em toda a escola, que através do contato e do diálogo mostram o caráter peculiar desta disciplina. [...] Acredito mais do que nunca, com a formação de profissionais especializados, que as escolas estão compreendendo o processo do ensino-aprendizagem por meio do teatro, onde cada aluno norteia seu caminho, tendo no professor apenas um mediador deste processo (EdII, 2011, p. 14).

Acredito que a prática de teatro contemporâneo nas escolas é o que verdadeiramente pode quebrar com a “tradição das pecinhas”, justamente por ser um teatro que rompe com os paradigmas do teatro tradicional preso aos padrões do texto dramático. De acordo com estudos de teóricos do teatro contemporâneo, podemos perceber que foi justamente por meio deste “rompimento” com o texto teatral que o teatro se expandiu para novas possibilidades. Agora deixo a questão: será que não seria essa quebra com o teatro tradicional que as escolas precisam para expandir seu território e extrapolar os limites das “pecinhas”? (EbII, 2011, p. 10).

Não podemos deixar de pontuar também que um dos saberes mobilizados

no exercício da prática docente, durante os Estágios, são os saberes da prática ou

da experiência, apresentados por Tardif (2002). Verificamos que a participação em

projetos de extensão ou de ensino26, ou mesmo a experiência em docência (como é

o caso de uma aluna que já era professora de outra disciplina), são muito válidas e

marcantes nas falas dos acadêmicos, conforme podemos ver nos destaques abaixo:

O objetivo geral e principal já vinha sendo desenvolvido desde o projeto de extensão através do Teatro do Oprimido na Comunidade, seria a promoção

25

Atualmente, o Curso tem mais facilidade de trabalhar com as escolas da rede pública, pois já atuamos repetidas vezes nas mesmas escolas, de modo a conseguir manter o vínculo e conquistar espaços para o Teatro e também porque já temos ex-alunos formados e atuando nas escolas estaduais em Pelotas.

26 Exemplos de projetos em 2010 e 2011 no curso de Teatro, nos quais estes alunos participaram:

Projeto de Extensão Núcleo de Teatro da UFPel, coordenado pelo professor Adriano Moraes; Projeto de Extensão Teatro do Oprimido na Comunidade (TOCO), coordenado pela professora Fabiane Tejada; Projeto de Extensão Teatro nas Escolas, coordenado por mim, Vanessa Leite; Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), coordenado pela professora Taís Ferreira.

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do bem-estar social destes habitantes, do convívio entre eles, da reflexão e da autoexpressão (EaIII, 2011, p. 15).

Tive como foco principal deste estágio, colocar os alunos em contato, principalmente de forma teórica, com as teorias pós-modernas de teatro. Considero que esta escolha de foco partiu principalmente por ser o “ambiente” da arte teatral que mais tenho contato hoje, tanto de forma prática, quanto teórica. Na verdade, quis aproximar este estágio das reflexões que já venho fazendo [no projeto de extensão Núcleo de Teatro] com relação às teorias e conceitos do teatro (EbII, 2011, p. 6).

Há nove anos venho trabalhando com o teatro voltado para a educação nas escolas onde leciono como professora de Artes Visuais no ensino fundamental. Um dos motivos que me levaram a usar o teatro como recurso em sala de aula em primeiro lugar foi minha experiência enquanto acadêmica na Universidade Federal de Pelotas, onde tive a oportunidade de conhecer mais profundamente a linguagem teatral através das cadeiras de Cênicas, as quais me proporcionaram a fabulosa vivência de ministrar oficinas de teatro para a comunidade (EdI, 2010, p. 3).

Aqui farei referência ao “Projeto de Extensão Teatro do Oprimido na Comunidade- TOCO” (Projeto que motivou e é a base para o Trabalho de Conclusão de Curso, além do Estágio III – em Comunidades), que desenvolve oficinas com as técnicas do Teatro do Oprimido de Augusto Boal desde fevereiro de 2010 nas comunidades da Colônia de Pescadores Z-3 e do bairro Dunas, ambas situadas na cidade de Pelotas- RS. A práxis pedagógica teatral referida constitui-se a partir dos pressupostos da Estética do Oprimido, projeto criado e desenvolvido pelo teatrólogo brasileiro Augusto Boal, na década de 60 e 70 quando esteve no exílio, provocado pela ditadura militar no Brasil (EeIII, 2011, p. 13).

Participação em palestras, seminários também são fontes de referência que

oferecem aos acadêmicos modos de ser professor de Teatro. E, ainda, suas

crenças, valores e referências de vida que o constituem como sujeitos de uma

moral, vão efetuando um conjunto de possibilidades a serem ensinadas aos alunos,

conforme veremos no exemplo abaixo:

Em diversas aulas tentei lembrá-las de um princípio básico e importantíssimo que poderia facilitar o convívio entre elas, mas que também deve ser lembrado por toda a vida: não se faz para o outro o que não gostaríamos que fizessem para a gente. Quer ser respeitado? Respeite! Quer ter sua privacidade? Respeite a privacidade da colega. Odeia que falem mal de você “pelas costas”? Não fale mal de ninguém “pelas costas”. Ou seja, não faça aos outros o que não quer que façam para você. Se cada um agir assim, todos viverão melhor (EfIII, 2011, p. 15).

Está muito presente um saber de ordem moral, de conduta, de um modo de

agir com o outro, e, portanto, o acadêmico também educa pelo seu entusiasmo ou

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pelo bom exemplo que caracteriza seu comportamento e seus princípios. Deste

modo, é importante perceber a existência de uma rede complexa de saberes que

vão constituindo os modos de sujeição pelos quais os sujeitos se tornam

professores. Não são apenas saberes de ordem teórica que estão incidindo, mas

todo um leque de saberes de ordem moral, que vão demarcando um modo de ser

professor e de agir, conquistar, resgatar e educar seus alunos.

Passando agora para o terceiro aspecto apresentado por Foucault, temos a

elaboração do trabalho ético, prática de si ou ascetismo. É o trabalho que se efetua

sobre si mesmo, são as práticas que são realizadas para tornar o próprio

comportamento em conformidade com as regras instituídas e também para se

transformar num sujeito moral, que toma a si mesmo como matéria de um longo

trabalho de aprendizagem e assimilação dessas regras. É toda a preparação do

sujeito e a realização de certos atos sobre si de modo a se comportar eticamente.

Os licenciandos apresentam vários momentos em que realizam uma

autoavaliação, fazem reflexões após as aulas ministradas, elaboram novos

planejamentos, repensam os atos feitos na escola, enfim, este aspecto é o trabalho

de elaboração de si mesmo. Ao se verem como professores podem julgar suas

condutas, na expectativa de melhorar sua ação docente, ou seja, de se

comportarem eticamente. Encontramos, na extensa fala a seguir, este aspecto

prático:

Minha primeira experiência como estagiária de teatro em uma escola, no semestre anterior (2º sem./2010), com uma turma do quarto ano do ensino fundamental havia sido um tanto quanto desalentadora e frustrante. Apesar de constatar o entusiasmo das crianças - cuja faixa etária média ficava em torno dos nove anos de idade - pelas aulas, que consideravam os jogos teatrais divertidas brincadeiras e ansiavam pelos nossos encontros, por outro lado, era extremamente exaustivo e desencorajador, uma vez que, desacostumadas com “tamanha liberdade” para se expressar e explorar seus potenciais, elas ficavam tão agitadas e excitadas que mal ouviam as instruções. Avaliar o que havia sido feito, então, era algo praticamente fora de questão. De modo que, concluída aquela etapa, ainda que ao colocar tudo “na balança” eu tenha encontrado mais aspectos positivos que negativos, precisava agora encarar o Estágio 2, com uma turma de adolescentes do Ensino Médio. Se após a aula com os alunos do quarto ano - e eu adoro crianças! - eu chegava em casa exaurida e precisava me jogar na cama e descansar ao menos meia hora para recuperar um pouco da energia dissipada, como seria agora, com adolescentes? Confesso, sem nenhum constrangimento, que procurei me preparar para “o pior”. Sou consciente de que este período de transição entre a infância e a fase adulta tende a ser difícil para a maioria das pessoas, um período em que afloram as dúvidas e ressaltam as inseguranças e incertezas. Assim que, quando

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digo que “procurei me preparar para o pior” me refiro a que estava esperando encontrar um grupo de mocinhas e rapazes petulantes, “respondões”, arrogantes, que tentassem mostrar aos colegas que sabiam mais que a professora, que iriam tentar me enfrentar, testar e desautorizar. As minhas “reservas” com relação a esta segunda etapa, me parece que ficou evidente, eram gigantescas. Apesar disso, fui de “coração aberto”, disposta a enfrentar o desafio, dar o melhor de mim e, quem sabe, contribuir, de alguma forma, para tornar este período da vida - a adolescência - menos doloroso e mais instigante para eles (EfII, 2011, p. 4).

Encontramos aqui um movimento interno de preparação, o que nos lembra

os exercícios difundidos entre os pitagóricos, estoicos e epicuristas de preparação

para as possíveis dificuldades ou infortúnios, quando a acadêmica, ao ter vivenciado

um experiência difícil, agora se prepara para “o pior”, isto é, imaginou que

encontraria um grupo de alunos que dificultaria seu trabalho e, portanto, não criou

expectativas positivas para o segundo Estágio. É um exercício reflexivo e

preparatório ao mesmo tempo. Encontramos ainda:

Concluí a aula mais cedo e tive uma longa conversa com eles, apontando diversos pontos do comportamento deles que desrespeitavam a mim ou aos colegas. Fui severa e garanti que na aula seguinte seria rigorosa e passaria a punir aqueles que passassem dos limites, ignorassem as orientações e continuassem com grosserias e falta de respeito. “Eu queria ser uma professora legal, mas parece que vocês não sabem a diferença entre „liberdade‟ e „bagunça‟”, sentenciei. Saí de lá com um nó na garganta e fui caminhando, para um compromisso, quando dei por mim as lágrimas escorriam e até me escapou um soluço. Então me dei conta de que eu chorava de frustração... Não por ter perdido o controle da turma, mas porque, na tentativa de recuperar este controle, eu tinha agido, justamente, como o tipo de professor que não quero ser. E o que mais me doía era não encontrar alternativa para evitar esta armadilha. [...] Se encontrei dificuldades em estabelecer os limites dos alunos, se me senti frustrada e “perdida”, sem saber como conseguir que respeitassem estes limites sem ter que impô-los, por meio de ameaças, se fiquei diversas vezes confusa entre o que era ou não permitido ou tolerado com relação aos estudantes, se eu queria, mas não sabia como incluir uma menina com problema de fala ou um grupo de adolescentes que “destoava” do resto da turma... [...] Sou consciente de que não haverá respostas prontas ou soluções mágicas para a maioria das situações (EfI, 2010, p. 23).

Saí daquela aula frustrada, preocupada. Minha “ideia genial” não estava funcionando. Precisava encontrar uma segunda alternativa. Acredito que também faz parte do papel do professor adaptar-se à realidade da turma. Podemos ter um planejamento inicial, mas se percebemos que nosso plano não está surtindo o efeito esperado, que não estamos alcançando a “resposta” desejada, precisamos estar conscientes e abertos a mudanças. Uma aula que não conta com o interesse, a atenção e a participação dos alunos, por mais que a proposta soe maravilhosa, não é uma boa aula (EfII, 2011, p. 10-11).

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Qual seria o meu papel neste ambiente de rejeição? Como elas me tratariam e como eu deveria tratá-las? Faria o meu trabalho alguma diferença na vida destas meninas? As dúvidas eram muitas, mas consciente de que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996), procurei manter a tranquilidade e ir para nossos encontros “aberta” para ir percorrendo o caminho aos poucos, decidindo, conforme os empecilhos fossem se apresentando, se tomava o desvio da direita ou o da esquerda. Decidi, embora tivesse um plano de ensino pronto, que planejaria as aulas conforme o desempenho da aula anterior, sem a ideia fixa de seguir o plano à risca, nem ignorar o que fosse acontecendo no percurso (EfIII, 2011, p. 6).

Do mesmo modo, encontramos, nos fragmentos acima, muito presente nos

textos dos três Estágios de uma mesma aluna, este aspecto da ascética quando ela

realiza um exercício de exame de consciência, sente dificuldades e se avalia

confusa, perdida, frustrada, preocupada. Trata-se de um momento de preparação

para as tarefas e para as obrigações do fazer docente ou, ainda, o exame após a

aula ministrada, o qual serve para uma avaliação dos avanços conquistados na

constituição do eu-docente e no próprio processo de ensino e de aprendizagem de

Teatro. Constitui-se como um julgamento, onde o sujeito julga a si mesmo para

medir e avaliar suas ações de modo a corrigir e melhorar sua conduta. Encontrar os

erros ou as faltas cometidas nas aulas ministradas é importante para que o sujeito

lembre e assegure sua conduta ética, e não para sentir-se culpado ou ter remorso.

Por fim, o último aspecto da ética é a teleologia do sujeito moral. A ação

moral do indivíduo tende a constituir uma conduta que o leve além das ações,

conforme as regras e valores estabelecidos, também a um modo de ser do sujeito

moral, um modelo idealizado de professor, por exemplo. A pergunta a ser

respondida neste aspecto é: Qual o tipo de pessoa que queremos ser quando nos

comportamos de acordo com a moral? O que devemos nos tornar? (DÍAZ, 2012).

A todo o momento, aparecem nos relatórios alguns modelos de ser docente.

Seja a partir da negação a modelos considerados negativos e não desejáveis, seja a

partir da descrição literal de um professor necessário, podemos encontrar nas

escritas dos licenciandos padrões e modos de ser professor que são ideais na

concepção deles. A partir desse imaginário ou ideário os futuros professores se

constituem numa busca constante de ser esse docente e questionam-se ou julgam-

se quando não conseguem realizar o papel idealizado ou desempenhar as funções

de acordo este modelo.

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Ser acadêmica de teatro licenciatura me mostrou o quanto ser utópica é importante e o quanto é imprescindível me tornar uma pessoa reflexiva com pensamentos críticos. Como professora, tenho que me conscientizar de que o discurso ideológico pode cegar, anestesiar, confundir e distorcer a percepção dos fatos e tenho que ver e estar aberta para os fatos e para as grandes diferenças, [...] esta é a verdadeira prática que faz sentido para mim, para me tornar melhor na minha vida pessoal e profissional (EaIII, 2011, p. 20).

Se me perguntassem o que é professor hoje, eu responderia: Professor é aquele que se abre para mostrar algum caminho, ou teoria, ou experiência ou conhecimento, sem se fechar a aprendizagem de novos caminhos, ou arte, ou experiência, ou conhecimento (EbII, 2011, p. 8-9).

Com esta comunidade busquei ser uma propositora de ideias, visando que os sujeitos fossem agentes de seus próprios conhecimentos, através da troca de aprendizados e de sua curiosidade pessoal (EcIII, 2011, p. 11).

Como educadores devemos acompanhar o processo como mediadores, para propiciar que cada um possa fazer suas descobertas por conta própria (EdII, 2011, p. 12).

A competência intelectual deve ser estimulada pelo educador a alunos de ensino fundamental e médio através de atividades que possibilitem desenvolver habilidades criadoras e expressivas. Trabalhando com a livre expressão e anseios dos alunos, nós educadores estaremos contribuindo para o seu crescimento intelectual e cultural (EeII, 2011, p. 8).

O professor, bem ou mal, dá o exemplo. Se formos sarcásticos, irônicos, de certo modo estamos “ensinando-os” a ser assim também (EfI, 2010, p. 6).

Não acredito que o professor de Teatro tenha somente a função de despertar em seus alunos o potencial criativo, ou a desenvolver concentração, ou habilidades em executar jogos de improvisos. O arte-educador participa na formação de um indivíduo que vai ser o formador de opinião e o julgador de tudo aquilo que for criado nos próximos tempos, então acho que nós, arte-educadores, devemos nos conscientizar do tamanho da nossa responsabilidade como moldador e orientador da futura geração, se falharmos em nosso propósito e se não formos capazes de até mesmo nos conscientizar disso, como seremos capazes de ensinar o caminho a ser seguido? (EgII, 2011, p. 13).

Neste quarto aspecto da ética, da teleologia, do modelo de professor que se

quer atingir, fiz questão de trazer algumas falas de todos os acadêmicos, das quais

é possível destacar dois eixos fundamentais e, ao mesmo tempo, interdependentes

que dão forma ao tipo de professor que desejam ser. Este modelo funciona, ao

mesmo tempo, como desejo e como critério para seu próprio julgamento ou

comportamento na sua prática profissional.

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Na primeira citação que destaquei anteriormente, encontramos a presença

de um princípio humanista, por excelência. Seja em relação à vida pessoal ou

profissional, está presente a ideia de “ser melhor” 27, como um princípio que tem sido

norteador das práticas docentes. Há uma intenção de fazer a diferença na vida dos

alunos, mas, antes disso, de melhorar a si mesmo para em seguida poder ajudar a

melhorar o outro. Embora com algumas ressalvas, podemos considerar que muitas

teorias educacionais compartilham este ideal, mas o que muda são os modos de se

chegar a este ser mais e o que é considerado este “melhor” tem significados

diferentes (ser crítico, consciente, trabalhador, profissional flexível, autônomo

autorresponsável etc.).

Logo, nos próximos fragmentos dos relatórios, temos um segundo eixo, que

participa também deste ideário de aperfeiçoamento, de tornar-se melhor, porém tem

a ver com o papel do professor na condução deste processo. Aparece novamente a

referência ao modelo de mestre da antiguidade grega: função de dar conselhos,

mostrar caminhos, abrir novos horizontes e dar o exemplo com a própria atitude, isto

é, ensinar pelo exemplo. Também encontramos o papel docente como um mediador,

orientador, estimulador, propositor de novas ideias e possibilidades. O destaque

abaixo é muito significativo dessa ideia:

Os objetivos estiveram calcados na interação entre elas, a fim de melhorar os relacionamentos na casa, na concentração, na atenção - ao perceber as dificuldades delas, intensifiquei atividades nestes dois aspectos -, na autoexpressão criativa, na imaginação, no “seguir as regras de um jogo”, no adaptar-se a novas situações, no “estar aberto a propostas dos colegas e desenvolvê-las”, etc. Mas eu pretendia ir além. Queria que elas percebessem “seu lugar no mundo”, que são importantes e que sua opinião importa, sobretudo na comunidade em que estão inseridas. Queria que se percebessem enquanto cidadãs, seres politizados que não estão à margem da sociedade, mas cujas decisões influenciam diretamente na construção desta mesma sociedade. [...] Neste estágio, diferente dos dois anteriores, e ainda com aquela ideia em mente de que nossos encontros fizessem alguma diferença “efetiva” na vida destas meninas, eu procurei preocupar-me menos com o conteúdo a ser ministrado, aquele que eu tinha

27

A expressão “ser melhor” nos lembra o princípio educativo “ser mais” muito usado nos escritos de Paulo Freire. Segundo Renilda Garcia (2011), “ser mais” significa exatamente a possibilidade que se apresenta ao homem de se humanizar, por meio da qual o ser humano curiosamente busca o conhecimento de si mesmo e do mundo, em prol de sua liberdade. Essa possibilidade é fundamental na experiência humanística de Freire. O compromisso radical com o homem concreto não pode ser passivo: ele é práxis, inserção na realidade e conhecimento científico desta realidade. O ser humano nasce com potência de “querer bem” e querer “ser mais”. O “querer” é pressuposto essencial para ser mais. Porém, é na interface, na interação com outros pressupostos, como a motivação-estímulo, oportunidade, possibilidade e principalmente por meio da educação que ele se potencializa e se manifesta.

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programado no plano de ensino (elementos cênicos e montagem), e dei prioridade a conversar muito com elas sobre os diversos aspectos que se evidenciavam, ao longo do percurso. “Bati nas mesmas teclas” repetidamente, com a esperança de que, assim elas acabassem por memorizar a melodia, a “melodia da vida”, percebendo os acordes essenciais que tornam a vida mais prazerosa de se viver (EfIII, 2011, p. 12-14).

A imagem que a acadêmica nos apresenta é de um professor engajado na

luta por melhorar as condições de vida dos seus alunos, que reitera o pensamento

da Pedagogia Crítica já apresentado anteriormente como um dos fundamentos ou

pilares que têm sustentado a formação docente. Foucault (1990) apresenta alguns

aspectos da modalidade pastoral do poder, que nos ajuda a pensar no modelo de

professor apresentado anteriormente. A ideia central que o autor traz é a de que o

pastor é aquele que reúne, guia e conduz seu rebanho e, ao mesmo tempo, supõe

uma atenção individual a cada membro, com objetivo de salvar o rebanho. Do

mesmo modo, o problema principal do professor (pastor) fica muito atrelado à vida

dos alunos.

Encontramos, no texto de Foucault (1990, p. 112), a tecnologia do poder

pastoral que se exerce sobre o rebanho (aqui considerarei a turma de alunos) em

quatro planos, que traduzirei para a relação do professor com seus alunos:

primeiramente, está a questão da responsabilidade: o professor-pastor deve assumir

a responsabilidade da totalidade da turma e de cada aluno em particular,

desenvolvendo laços morais associados ao professor e a cada membro da sua

turma de alunos; em segundo lugar, destaca que a relação entre o pastor e o seu

rebanho se dá pela obediência, dependência e submissão, os quais devem ser

permanentes; encontramos ainda a necessidade de o professsor-pastor conhecer

em particular cada membro da sua turma, saber das suas necessidades, do que se

passa com cada um deles, através do uso de técnicas de confissão e de direção de

consciência; por fim, Foucault (1990, p. 116) destaca o tema da “mortificação”, que,

através de diferentes técnicas, tem-se o objetivo de renunciar ao mundo e a si

mesmo para se alcançar outro mundo, o que, de certa forma, é também um modo de

se relacionar consigo mesmo.

Deste modo, conforme Garcia (2002a, p. 142) apresenta em seu estudo, os

professores, permeados pelas características do poder pastoral, “devem ser

intérpretes e tradutores das necessidades e aspirações da população. Devem ser

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organizadores e problematizadores do pensamento e do saber dos outros, e

desveladores de suas contradições”. E, além de perceber os problemas, os

professores devem articular e oferecer as possíveis soluções, ou seja, devem ter o

“esclarecimento” como princípio de ação.

Retomando as teorizações de Foucault (1984) para me ajudar a pensar

sobre formação, enfatizo que a docência enquanto experiência envolve a correlação

entre campos de saber sobre a própria docência: da pedagogia, das metodologias,

do teatro, da arte-educação, da pedagogia do teatro, etc.; tipos de normatividade: o

que deve ser feito, que regras seguir, as normas de conduta; formas de

subjetividade: são as formas de pessoalidade ou tipos humanos que correspondem

a essas descrições, em síntese, uma correlação entre saber, poder e ética. Esses

três domínios podem ser encontrados em funcionamento durante as disciplinas de

ES, conforme pudemos acompanhar nas narrativas trazidas ao longo deste capítulo.

Há, a todo o momento, um entrecruzamento desses domínios que vão dando

significados a essas experiências.

Deleuze (2013, p. 104) fala que os processos de subjetivação são as dobras

do lado de fora, que, por sua vez, “não é um limite fixo, mas uma matéria móvel,

animada de movimentos peristálticos, de pregas e de dobras que constituem o lado

de dentro do lado de fora”. Esse duplo, portanto, não é uma projeção do interior,

mas uma interiorização do lado de fora. Deleuze (2013, 111), inspirado em Foucault,

apresenta o que ele chama de quatro dobras ou pregas de subjetivação: A primeira

dobra concerne à causa material; a segunda dobra é a da relação de forças que se

verga para tornar-se relação consigo, é a causa eficiente; a terceira dobra é a do

saber, da verdade, evoca a causa formal, uma ligação entre a verdade e o nosso ser

e vice-versa; a quarta dobra é o próprio lado de fora, é a causa final, uma

“interioridade de espera”. É a partir dela que o sujeito acredita e aguarda de

diferentes modos, a liberdade, a salvação, a felicidade, etc. São dobras variáveis,

com ritmos diferentes que constituem os modos de subjetivação e, ao mesmo

tempo, permitem que outras dobraduras se façam sobre o sujeito.

Inclino-me a pensar, movida pelo pensamento de Deleuze (2013), que

sempre haverá uma relação consigo que pode resistir aos códigos, aos poderes, as

coerções, sendo a relação consigo uma das possibilidades desses “pontos de

resistência”, com outras formas e lugares inimagináveis, como singularidades de

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resistência, capazes de modificar as relações de poder e criar novos modos de ser

professor de Teatro.

Para encerrar esta seção, sinto necessidade de registrar que esses pontos

de resistência também estão presentes na formação de professores e nas

disciplinas de Estágio, como uma possibilidade de fugir ou escapar das condições

fechadas ou totalitárias de controle sobre a ação do outro, provocando uma abertura

no eu-docente, de modo que esse eu-docente não seja apenas um resultado do que

já era esperado, sabido de antemão. Tomada por esse sentimento, procurei

desenvolver a última seção deste capítulo, trazendo algumas reflexões sobre as

aprendizagens desenvolvidas e destacadas pelos acadêmicos durante as três

disciplinas de Estágio.

4.2 As aprendizagens construídas com os Estágios Supervisionados: um

espaço para a experiência como princípio formativo do eu-docente

Neste terceiro movimento analítico realizado com os relatórios dos ES,

compreendi que existem algumas aprendizagens que marcam o sujeito em

formação. Os acadêmicos foram narrando suas experiências e apontando, de

diferentes maneiras e sentidos, algumas marcas que os atingiram, as quais foram

consideradas por mim como marcas de aprendizagens. A aprendizagem assume o

sentido de deixar sinais no sujeito em formação, como uma espécie de bordado feito

à mão, com linhas finas e delicadas que vão sendo tecidas e produzindo imagens,

cores, formas, significados, ao mesmo tempo em que deixa espaços vazios, enfim, a

aprendizagem como a arte de reter na memória estas imagens das experiências

com os Estágios, e possibilitar novos arranjos e modos de existência.

Para dar início a essas marcas de aprendizagens, parto de ideias muito

presentes a todo o momento nas narrativas dos alunos e que, de certo modo, me

desacomodavam ou inquietavam, após as exaustivas leituras e releituras desses

textos: os erros, as dificuldades, os aspectos negativos, as duras realidades, as

carências, os desencontros, as incertezas, as contradições, os constrangimentos, as

injustiças, os problemas, as faltas, etc. e concluo que as vivências obtidas com os

Estágios deixam marcas que deseducam, ou seja, são algumas imagens de

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deseducação encontradas, contadas e avaliadas pelos futuros professores. São

como um choque de realidade para os acadêmicos, em que vão perdendo suas

ingenuidades pedagógicas ou docentes (construídas a partir de modelos

imaginários), ao se depararem com tantas incoerências e com os sujeitos reais da

vida na comunidade, na escola, que não são aqueles idealizados em livros de

metodologia do ensino de Teatro. Eis algumas dessas imagens:

É muito comum andarmos pelo bairro e vermos caminhando pelas suas ruas empoeiradas agentes e assistentes de saúde, equipes de estudantes de nutrição, serviço social, medicina, teatro, dança, educação física e tantos mais, é muito comum chegarmos ao Comitê de Desenvolvimento do Dunas [bairro periférico da cidade] e verificarmos o quanto de tecnologia e cultura está recheada a casa, isso me faz saber que ali existe um grande local, rico em projetos e rico para estudos de casos, mas também rico em pobreza, falta educação, saúde e falta de uma vida digna. Fico me perguntando qual interesse e o quanto estas pessoas, representantes e instituições estão lá para mudar este panorama, que não seja apenas, em seu favorecimento próprio, pois ainda vejo um bairro com poucas mudanças no que diz respeito às necessidades básicas. Ainda vejo escondidas nas suas ruas empoeiradas, as mesmas crianças, idosos e animais em riscos diversos, seja social, na fila do posto de saúde, seja caminhando pelo meio da rua junto com os carros ou expostos a violência do lugar, lugar este que tanta assistência tem, e quanto mais tem, menos se consegue fazer algo, pois mais se enxerga os habitantes (em geral) desestimulados para uma mudança (EaIII, 2011, p. 13).

Encontramos, nesta fala, vários aspectos negativos em relação à realidade

encontrada na comunidade em que atuou. A aluna demonstra um desestímulo, não

com o Estágio em si, mas com os representantes destas pessoas que vivem nesta

comunidade, com o sistema institucional e com a política, que não consegue garantir

qualidade de vida para essas pessoas. Entende que há um descontrole, desrespeito,

injustiça social e exploração dos indivíduos que sofrem com a miséria e violência da

comunidade e, ao mesmo tempo, identifica certa inércia por parte de alguns desses

sujeitos que, de certo modo, já se acostumaram com a realidade em que vivem.

Por eu fazer parte de uma instituição de ensino superior estou acostumado com certos “padrões de comportamento”, com as questões de regras sociais e respeito. Estamos nos formando a todo o momento e mantemos nossos instintos “malvados” guardados por respeito a essas convenções sociais. O fato de eu participar deste cotidiano fez com que eu me sentisse vulnerável e indefeso ao chegar na escola e me deparar com o modo que essas crianças se relacionam. O contraste das relações entre pessoas que eu convivo comparado com as relações dos meus alunos entre eles fez com que eu me chocasse. A violência, a discriminação, o preconceito estão tomando conta destas crianças de periferia, manipuladas por um mundo adulto defeituoso que reflete em sua vida “infantil” onde a inocência foi

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quebrada por uma realidade repleta de agressão e desrespeito. [...] Entrando nesta turma de crianças marcadas por uma vida econômica difícil, onde a maioria dos alunos vive a margem da violência, das drogas, do crime me vi de frente a uma realidade humanamente dolorosa, onde eu não sabia se existia uma saída para uma realidade mais humana e justa para aquelas crianças (EbI, 2011, p. 2-3).

O acadêmico desta narrativa aponta declaradamente que existem padrões

mínimos de comportamento ou convenções socialmente aceitáveis para a boa

convivência entre os indivíduos e, constituído por este pensamento, espanta-se com

a realidade quando encontra, na escola, alunos com muitos problemas de

relacionamento entre si, marcados pelas questões de violência, crime, pobreza,

considerada por ele como “realidade humanamente dolorosa”. Vê-se sem saída, o

que significa dizer que, por ele ocupar a posição de professor, deveria modificar

essa condição “dolorosa”; porém, não consegue elaborar uma maneira de

transformá-la, pois efetivamente a solução está muito além de suas possibilidades.

Saio desta experiência com estágio com algumas felicidades e outras tristezas, me entristeceu ter visto os problemas que a escola enfrenta e o quanto aspectos sociais e culturais como violência, desigualdade e desrespeito interferem na educação destas crianças. Considero meu trabalho feito na escola como um trabalho bom, à medida que não podemos resolver esses problemas políticos. Acho que o primeiro passo já foi dado, e espero que na medida em que as próximas turmas de estágio entrarem na escola este quadro preocupante mude. Acho que os estágios do curso de teatro serão muito úteis na divulgação da arte como forma de vida e como forma de pedagogia. Considero a partir desta experiência que a relação mais válida nesse processo foi conhecer a realidade da escola percebendo seus problemas e o que é mais importante, perceber soluções que podem ser propostas pela linguagem teatral que seria meu meio de contribuição para este grupo (EbI, 2011, p. 9).

Os futuros professores saíram dos Estágios com sentimentos diversos: de

tristezas a alegrias e, dentre todo espectro de sensações possíveis entre ambos,

foram afetados pelas boas e más realizações, bons e maus momentos, que são os

limites do próprio Estágio. Não é possível uma resolução ou modificação de

questões tão profundas e complexas que permeiam as escolas e comunidades, num

curto espaço de tempo definido para um ES e, mesmo, quiçá, em muitos anos de

profissão. Uma acadêmica acaba definindo a escola como “esclerosada” (EcI, 2010,

p. 10) e deposita certa esperança na continuidade dos Estágios, como meio de

divulgação da arte teatral, a ser desenvolvida com as mesmas escolas e, até

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mesmo, trabalhada com as mesmas crianças, pelo entendimento e concepção de

que a aula de Teatro pode sensibilizar e transformar os sujeitos.

O desafio de superar obstáculos que iam aparecendo dia após dia, aula

após aula, é destacado nas narrativas abaixo:

Nestes quase três meses de Estágio 2, foram várias as “pedras no meio do caminho” – os poucos recursos materiais; a dificuldade de comunicação por parte da escola, que não nos avisava sobre troca de horários, início da reforma do auditório, extravio de notas, etc.; a postura “defensiva” com relação às aulas de teatro, por parte de alguns professores; a dificuldade (minha) de fazer a avaliação dos alunos segundo as exigências da instituição; a falta de iniciativa e de entusiasmo dos alunos em diversos momentos (EfII, 2011, p. 20).

O desafio foi superar os percalços apresentados a cada encontro, quando, por exemplos: tinha que trocar o local da oficina na última hora, a espera pelos responsáveis e os coordenadores da comunidade, a espera pelos sujeitos que iriam participar, a incerteza de quantas mulheres iriam aparecer, as reclamações e ou lamentos por parte delas quando propunha os jogos, entre outros (EeIII, 2011, p. 10).

Apesar do esforço constante para conseguir ter algum controle sobre esta “abundante energia”, minha maior dificuldade foi, contudo, com um grupinho de quatro adolescentes, três meninas e um menino, de 13 e 14 anos que, desde a primeira aula, deixou claro que não estava disposto a participar ou a colaborar. [...] Talvez este tenha sido o conflito mais claro que eu tenha enfrentado durante o estágio. Tinha em mãos dois grupos com faixas etárias bem diferentes: crianças e adolescentes. [...] Cheguei a cogitar preparar exercícios específicos para os quatro adolescentes, mas logo percebi que não teria tempo hábil nem condições de dividir-me em duas dentro da mesma aula – já era difícil conseguir atender a todos, mesmo quando realizavam as mesmas atividades (EfI, 2010, p. 9-11).

Na última aula, era tanta a bagunça e outra professora entrou na sala duas vezes e esbravejou. Ainda que eu ache que ela faltou ao respeito comigo - já que eu era a professora encarregada da turma e ela simplesmente me ignorou e xingou as crianças -, também fiquei envergonhada de ter permitido que a situação chegasse a tal ponto, de não ter conseguido “controlar a turma” e, pela segunda vez visivelmente furiosa com eles, em tom ameaçador, deixei-os de castigo: quinze minutos em silêncio total; não podiam falar nenhuma palavra nem levantar das cadeiras e quem desobedecesse seria levado para a supervisora (EfI, 2010, p. 21).

Primeiramente, são destacadas as questões de rotina e de logística da aula,

quando, muitas vezes, há incerteza em disponibilizar os recursos e espaços das

escolas ou das comunidades, o desconhecimento sobre as regras e normas dos

lugares, a falta de aviso prévio sobre aulas mais curtas que precisam ser

readaptadas às pressas ou, até mesmo, com relação ao modo de resolver os

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problemas de comportamento dos alunos, e tantos outros imprevistos que os fazem

realizar alterações nos planejamentos. Depois, as dificuldades de um trabalho

consistente ou mais aprofundado, tendo em vista as diferenças entre os alunos

numa mesma turma, com interesses e disposições divergentes. E, ainda, as

interferências realizadas pelos professores das escolas durante as aulas de Estágio,

desautorizando-os diante da turma, são fatores considerados negativos pelos

acadêmicos e, muitas vezes, levam-lhes a agir em desacordo com o modelo de

professor que querem ser: um professor disciplinado, que dá o exemplo, que faz a

diferença na vida dos alunos, que consegue desenvolver atividades interessantes e

atingir objetivos pedagógicos e culturais com a turma.

Ainda, gostaria de destacar alguns aspectos relacionados com o que

deseduca, os quais estão diretamente ligados com as práticas curriculares, como,

por exemplo, a avaliação, a relação professor-aluno, o tempo, o planejamento,

conforme podemos verificar nas falas abaixo:

Vinte horas aulas é absolutamente insuficiente para que um professor consiga construir uma relação de confiança e, como consequência, de cumplicidade, com seus alunos – condição primordial para a realização de um trabalho consistente de aprendizado (EfI, 2010, p. 23).

Em suma, o contato com a escola me fez pensar as relações entre os educadores e os educandos e assim problematizar este vínculo, pensando o que podemos fazer para essa relação se tornar mais frutífera, pois se alunos e professores se entendessem e ouvissem um ao outro, seria um primeiro passo para a mudança no sentindo de socialização dentro da escola. Percebi como é difícil conhecer efetivamente todos os nossos alunos, visto que dentro da escola sabemos uma parte que compõem a vida de cada um, e com essa multiplicidade de comportamentos e formas de pensar, cabe a nós docentes fazer do espaço escolar um momento de diálogo, reflexão e interação (EcII, 2011,p. 13).

Ora, como avaliar alunos que mal se conhece? Decidi que, neste primeiro momento, a avaliação teria por base a disponibilidade, concentração e participação nas aulas e na execução dos exercícios e pelo entendimento e realização das atividades propostas. [...] No fundo, me sentia péssima por “descontar nota”. Afinal, como poderia julgar o comportamento de jovenzinhos que eu mal conhecia? [...] Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que a escola nos cobra uma avaliação para preencher as exigências do sistema, por outro nos deixa bem claro que “ninguém deve rodar”, principalmente em se tratando da disciplina de educação artística – “ninguém roda em Artes”. Assim, o que fazer com aqueles alunos que mal apareciam em aula? Como avaliar “quem não está lá”? (EfII, 2011, p. 15-16).

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Não acredito em uma prática artística sem prazer, não acredito que para ser um bom professor de arte devemos fazer como nas outras disciplinas que os conteúdos devem ser engolidos “goela abaixo” pelos alunos. Considero que todos tiveram um bom aproveitamento das aulas de acordo com os lugares de fala de cada um. Seria imperativo de mais da minha parte considerar que algum aluno é melhor do que o outro. Prefiro pensar que existem alunos que se interessam por teatro e outros que não. Existem alunos que vão fazer o básico para passar e outros que vão se entregar e tentar aprender ao máximo, como é na escola nas outras áreas de conhecimento. Refiro-me a tudo isso para falar da avaliação, para mim o processo de avaliar um aluno com um numeral é muito equívoco, à medida que a relação desses alunos com suas experiências pessoais valem muito mais do que um dez ou um dois, como eu poderia saber avaliar um aluno numericamente se não sei quais as mudanças que ocorreram dentro dele? (EbII, 2011, p. 8).

A avaliação no meu processo foi o que mais me inquietou, pois, queria saber qual a melhor forma de avaliar os alunos de forma a ser criteriosa e justa, mas por não achar a nota o principal, pelo contrário, visava o desenvolvimento de um processo de aprendizagem e troca com os discentes (EcII, 2011, p. 9).

Depois de todas essas narrativas (e, com certeza, de muitas outras que

ficaram para trás, pois não seria possível trazer todas para este texto), é possível

inferir que fica uma marca muito profunda nos acadêmicos esse encontro com

realidades problemáticas, tendo como referência um modelo ideal de sociedade e de

justiça social, que, de certo modo, está impregnado nas consciências dos sujeitos,

desde o projeto de progresso e bem-estar social que a Modernidade criou e

propagou, até os dias de hoje. Esta foi então uma das marcas de aprendizagem que

gostaria de destacar: o que deseduca.

O espetáculo esteve longe de alcançar a perfeição. Talvez justamente aí resida a sua beleza. O erro nos leva a reavaliar nossos conceitos, posturas e ações, a refletir e a crescer. [...] O gran finale na verdade não é um gran finale, é apenas um começo. Ou melhor, um re-começo. Mas um recomeço mais positivo. Após o choque inicial, todas as experiências vividas e as reflexões que elas trouxeram, acredito que estarei melhor preparada para o que vem por aí. Tentarei não criar demasiadas expectativas e estar mais atenta às pequenas conquistas. Elas nos dão força para seguir trilhando o caminho. Após refletir sobre todas estas questões, acredito que, se o Estágio começasse hoje, estaria melhor preparada, senão com as respostas prontas, ao menos para sair em busca delas, ao invés de apenas sofrer a angústia das dúvidas e incertezas. Talvez, no fim das contas, isso signifique um passo importante na direção do Estágio II (EfI, 2010, p. 24).

A ideia que lanço de uma aprendizagem pela deseducação, ou por uma

educação na contramão do sentido que se deseja seguir, é a de que se aprende

pela negativa, pelo que não se deseja, pelo contraexemplo, pelo que não se quer

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ser, pelo que não se quer fazer e, ainda, como apresenta a acadêmica na narrativa

anterior, a beleza do “espetáculo” reside justamente pela sua não perfeição. Percebo

que a formação, conforme diz Larrosa (2006), aparece como um trajeto não

normatizado, pelo qual se aprende a ler e a percorrer o mundo, de modo que, para

que isso aconteça, é fundamental primeiro se descolar dos esquemas prontos e pré-

estabelecidos, de tudo o que já foi passado como dado e interpretado. O autor fala

em uma desaprendizagem para se conseguir ler o mundo de outras formas

possíveis. Inspirada nessa ideia de desaprender, é que percebi que a formação

através do Estágio também pode-se encontrar nessa via de desaprendizagem de

muitos pré-conceitos, modelos ou códigos que parecem ser insubstituíveis ou

eternos no campo da educação, ao mesmo tempo em que os alunos se formam

pelas marcas de uma deseducação.

Outras marcas de aprendizagens que percebi nas narrativas dos

acadêmicos, que pretendo explorar a partir de agora, são aquelas realizadas pela

própria aula de Teatro28, pela potência da aula de Teatro. Partindo do entendimento

de como deve ser essa aula e das suas reflexões sobre o porquê de ter aula de

Teatro na escola, foi possível encontrar uma dimensão formativa para os futuros

professores bastante específica, por se tratar justamente desta disciplina que

envolve aspectos do saber sensível da Arte. Os alunos, futuros professores,

constituem-se a partir dos saberes do próprio campo da Arte que são mobilizados

para sua atuação docente. O primeiro destaque parte de dois fragmentos que tratam

da receptividade da escola em relação a esta “novidade” do Teatro no currículo:

28

Segundo Santana (2009): O teatro é uma das mais antigas manifestações culturais do homem e o tem acompanhado ao longo da história, discutindo e confrontando suas crenças, valores, costumes, atitudes, fantasias e realidades. Se, num passado longínquo, o teatro aproximava o homem de seus deuses, hoje o ajuda a compreender sua posição face a si próprio e em relação à sociedade em que vive. E além do mais, a arte está presente em todas as atividades humanas – da criação de artefatos caseiros à produção industrial, das manifestações culturais populares às obras eruditas – e sua função educacional tem sido muito valorizada no âmbito social. Contudo, durante muito tempo, vigorou uma visão elitista concebendo arte como algo feito somente pelas mentes e mãos privilegiadas de mestres extremamente cultos. Dentro dessa perspectiva, a arte teria a finalidade de promover a elevação espiritual dos que podem frequentar espaços nobres como museus, galerias, teatros etc., sendo que, quando dirigida ao povo, assumiria a forma de ostentação de poder ou meio de transmissão de lições morais e religiosas. A mudança dessa visão se deu em face de muitos fatores de natureza cultural, mas o fato é que uma das marcas mais relevantes do século XX refere-se à compreensão de que a arte possui conhecimentos próprios, fundamentalmente diferentes da maneira de entender o mundo possibilitado pela ciência, por exemplo. Esse fenômeno traduziu-se em termos de sua inserção na educação escolar, na maioria das nações, especialmente nos últimos cinquenta anos.

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Como reflexão, pude constatar que o Teatro como disciplina do Currículo Escolar ainda é “visto” como um recurso didático. A realidade informada reitera o pensamento de uma grande maioria das escolas e só será modificada partindo da formação profissional em Licenciatura em Teatro. Para isso, vejo a importância de estarmos cada vez mais presentes nas escolas e que os estágios das turmas que virão, sejam feitos nas mesmas Instituições, fazendo com que a realidade informada seja modificada através da dedicação, empenho e reflexões (EeII, 2011, p. 15).

Pois bem, nesta escola que realizei meu segundo estágio percebi que em nenhum momento esta arte foi confundida, pelos professores ou direção, com a apresentação de uma peça ou de algum produto que futuramente poderia ser “vendido” às festinhas da escola. Muito pelo contrário, me senti bastante a vontade para lançar mão de uma prática teatral que não tinha como pretensão nenhum produto final, e sim a aproximação e o entendimento dos alunos com a linguagem do teatro e mais especificamente com a linguagem da performance (EbII, 2011, p. 10).

Os acadêmicos encontraram as duas realidades de escola: primeiramente,

aquelas que viam o Teatro apenas como ferramenta didática para outras disciplinas

ou outros objetivos pedagógicos e esperavam dos acadêmicos que lá estagiaram

uma pequena montagem de espetáculo, a conhecida “pecinha”.29 Mas os alunos

também encontraram escolas que compreenderam o Teatro inserido como disciplina

no currículo escolar e que, portanto, não solicitaram apresentações ao final dos

Estágios. É interessante perceber, ainda, que mais de um acadêmico levantou a

ideia de que o Estágio é uma oportunidade de mostrar e levar os princípios da Arte e

do Teatro como disciplina e não como ferramenta didática, sendo esta uma questão

muito discutida no Curso de Teatro, principalmente nas disciplinas de Teatro na

Educação. Tais constatações são importantes, pois nos sugerem pensar e discutir

sobre os objetivos do Teatro na escola.

A partir das expectativas das escolas e das comunidades com o ensino de

Teatro, a partir dos desejos, vontades e entendimentos sobre o seu ensino, os

acadêmicos destacaram diferentes discursos que circulam em torno do ensino de

Teatro, desde um modelo ideal de aula até de sujeito que aprende Teatro, conforme

podemos observar nas narrativas abaixo:

29

Não posso furtar-me a trazer um comentário que ouvi em uma escola, onde fui procurar espaço para nossos Estágios. A professora questionou-me se os acadêmicos teriam o que trabalhar nas 20h/a, se Teatro teria conteúdos suficientes para serem desenvolvidos em tanto tempo... Mas, também não posso deixar de comentar que isso aconteceu na primeira vez em que procurava espaço para nossos Estágios. Hoje, depois de vários Estágios, Projetos de Extensão e o Pibid nas escolas e comunidades da cidade de Pelotas e região, continuamos procurando espaços, mas as escolas e as comunidades também vêm ao nosso encontro, pois querem nosso trabalho.

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Além de trabalhar com conteúdos próprios da linguagem teatral, como por exemplo, espaço cênico e técnica de interpretação eu queria contribuir em uma modificação da realidade vivida por aquelas crianças até então. Chegando à escola e tendo diretamente um choque perceptivo onde eu identifiquei a existência de dificuldades e as faltas de cuidados que parte dos alunos estavam submetidos, decidi utilizar minhas aulas de teatro como forma de ensino de um caráter humano, mostrando a importância da convivência, da integração, da aceitação do colega, da quebra com violência e dos preconceitos. Ou seja, eu quis utilizar o teatro para uma reconstrução do sensível. Era um grupo com dificuldades de relacionar-se, tocar-se, ou seja, dificuldades basicamente ligadas à convivência. Antes do trabalho com teorias diretas do teatro era preciso quebrar esse bloqueio do grupo com o grupo (EbI, 2011, p. 4)

No geral creio que tanto para mim quanto para o grupo todo o trabalho desenvolvido foi bastante proveitoso. Creio que para mim, a maior contribuição foi justamente compreender que mesmo pessoas que não são do teatro, que não querem o teatro como profissão, podem interessar-se pelo teatro como obra de arte, como linguagem, como obra estética, e não como ferramenta, como terapia, como geralmente é defendida em práticas teatrais para pessoas que não são de teatro. Para eles, creio, que a maior contribuição foi justamente poder ter esse contato com o teatro, com a estética teatral, com o trabalho de ator, com dramaturgias interessantes do campo teatral. Creio que com esses encontros eles conheceram melhor o próprio teatro, o teatro como obra de arte, o que em minha opinião nunca deveria ter deixado de ser. O teatro já é pedagógico por si só. Ele não precisa ser usado como ferramenta. É uma linguagem que em contato com o público já causa reflexão, mas a reflexão sobre a obra mesmo, sobre o processo de criação e até mesmo sobre o texto e a personagem e sua vida, já que a relação entre teatro e vida é inevitável. Mas o principal foi o contato com o teatro e seu funcionamento, o desenvolvimento, o preparativo e as necessidades de uma montagem, o trabalho em grupo, o respeito pelo colega. Todas essas coisas foram aprendidas nestes encontros, mesmo tendo como foco apenas uma experimentação teatral (EbIII, 2011, p. 9-10).

Contudo, se algo durante as aulas foi proveitoso em algum momento na vida de cada um, já se configura como um avanço, visto que meu trabalho era novo para a maioria deles, e com o tempo espero que amadureçam algumas ideias que provoquei a eles, uma delas a mais discutida e forte sobre a arte e as relações com ela. [...] Neste contato com os alunos acredito que fizemos trocas de aprendizado, desde a primeira aula onde discutimos sobre arte até a última que conversamos sobre apreciação teatral, aprendi que cada turma tem suas particularidades, seu modo de aprender, de assimilar os conteúdos e se relacionar com eles (EcII, 2011, p. 10).

No estágio Fundamental, realizado no semestre passado, apreendi que no decorrer do processo, com a participação nos jogos dramáticos e teatrais, o menor movimento realizado pela criança é percebido e tem todo um significado. Isso porque não só seu corpo está sendo trabalhado, mas justamente com ele o aluno está desenvolvendo uma consciência da realidade que o cerca. Entendi também, que a aprendizagem se dá através da própria vivência da criança e não através do filtro de experiência de terceiros. Embora agora trabalhando com adulto, neste estágio tive a oportunidade de compreender melhor que o jogo teatral é um momento em

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que cada um tem a oportunidade de vivenciar e experimentar situações, não importa se quem está jogando é adulto ou criança (EdII, 2011, p. 12).

As narrativas levam-nos a pensar sobre o porquê da Arte na escola, trazem

ideias sobre formação humana, saber sensível, experiência estética, contato com a

obra de arte, com a recepção teatral. Em outra oportunidade (Leite, 2012; 2013),

pude desenvolver o tema da educação do sensível e do ensino de Arte na escola, de

modo que agora vou retomar algumas ideias já elaboradas anteriormente e que me

ajudam a pensar sobre a aprendizagem que os acadêmicos cultivam a partir da

própria Arte, mais especificamente, do Teatro. Portanto, a primeira questão que

coloco é: Qual o sentido do Teatro na escola? O sentir! – arrisco-me a dizer.

Simplesmente nos fazer sentir, através de vivências que extrapolam ou vão além do

uso mecânico de técnicas, ou da quantidade de dados e informações sobre

determinados artistas e movimentos artísticos. Pensar no ensino de Teatro enquanto

saber sensível é pensar em ação, mais especificamente numa ação do corpo como

lugar do conhecimento, do sentimento, do sentir.

A resposta também passa pela valorização do jogo, do simbólico, do faz de

conta, da imaginação, da criação e, enfim, de provocar os sentidos. Embora

pudesse não encerrar a discussão aqui e continuar a falar em tantos outros aspectos

do ensino de Teatro como os elementos da linguagem teatral, a recepção teatral, a

dramaturgia, etc. devo focar o que me parece ser primordial para se pensar o ensino

de Teatro como uma das marcas de aprendizagens na formação dos futuros

professores: a promoção de um saber sensível, que envolve novos modos de ver,

ouvir, tocar, sentir, ser e estar no mundo, atravessado por relações sociais, culturais,

políticas, econômicas, morais e éticas.

Enquanto a escola ainda atua com a lógica do olhar orientado para a clara

percepção das coisas do mundo, a imaginação e a representação estética são

consideradas como vestígios ou sombras da realidade. Por isso, é importante

pensarmos a Arte na escola como um momento onde o sujeito pode pensar e

explorar de maneiras diferentes daquelas que a tradição disciplinar costuma orientar

em algumas disciplinas, em que prevalecem o uso do raciocínio, da lógica, da razão,

da instrução. A tentativa constante é de uma educação do inteligível que pretende

chegar a uma totalidade da verdade e do real através do exercício da razão,

distanciado da experiência sensível. A educação do sensível, por sua vez, fica

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relegada a uma posição quase dispensável nos currículos ou necessária em

momentos festivos em que o Teatro pode oferecer entretenimento ou descontração.

Ser Arte e ser Educação ao mesmo tempo. A especificidade da dimensão

poética do ensino de Teatro se apresenta como aquela capaz de realizar uma

educação mais aberta e criativa, não prescritiva. Promove uma escuta do mundo

radicalmente polifônica, pois possui o poder de engendrar direções ilimitadas de

pensamento e ação. O ensino de Teatro torna-se um espaço da desconstrução dos

modos de olhar e agir no mundo (e na escola como um mundo onde se passam

muitas coisas), onde não existem fórmulas certas ou erradas, lugares definidos

anteriormente pelo professor. É importante lembrar que o Teatro constitui uma área

de conhecimento específica com um saber próprio, uma história e possui uma

linguagem expressiva que precisa ser estimulada, conhecida, explorada, recriada.

Com isso, chegamos ao conceito de saber sensível (estesia), destacado

anteriormente na fala de uma acadêmica. Duarte Júnior (2006, p. 127) fala em

“saber” ao invés de “conhecimento”, por entender que há uma relação direta entre o

inteligível e o sensível: O inteligível (conhecimento) comporta todo aquele

conhecimento capaz de ser articulado abstratamente por nosso cérebro através de

signos eminentemente lógicos e racionais, é coisa mental, intelectual; enquanto que

o sensível (saber) diz respeito a uma sabedoria detida pelo corpo, residida também

na carne, no organismo, na união mente-corpo. O saber tem parentesco com o

“sabor”: fala aos sentidos, agrada ao corpo, integrando-se feito um alimento em

nossa existência, incorporando-se em nossa formação.

Sem dúvida, há um saber sensível, inelutável, primitivo, fundador de todos os demais conhecimentos, por mais abstratos que estes sejam, um saber direto, corporal, anterior às representações simbólicas que permitem os nossos processos de raciocínio e reflexão. E será para essa sabedoria primordial que devemos voltar a atenção se quisermos refletir acerca das bases sobre as quais repousam todo e qualquer processo educacional, por mais especializado que ele se mostre (DUARTE JR., 2006, p. 12).

O autor defende a necessidade atual e urgente de se dar maior atenção a

uma “educação do sensível”, também denominada por ele de “educação estética”.

Não apenas como repasse de informações teóricas acerca da arte (artistas, objetos

estéticos, movimentos artísticos), mas como um “projeto radical: o de um retorno à

raiz grega da palavra „estética‟ – aisthesis, indicativa da primordial capacidade do

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ser humano de sentir a si próprio e ao mundo num todo integrado” (DUARTE JR.,

2006, p. 13).

Enquanto o ensino do Teatro orienta-se e tem como base o sensível, o

inefável e a experiência (embora nem sempre isso se efetive em todas as aulas), a

escola, por sua vez, com seu projeto de modernidade e como espaço de governo

dos outros, vem na contramão dessas ideias, pois, na instituição escolar, funciona a

“arte de governo pedagógica”, que desfigura a experiência que o sujeito possa ter de

si mesmo, diz Pagni (2011, p. 11), e está pautada pela racionalização das

subjetividades, regulamentando e prescrevendo normas de conduta e

disciplinarizando os corpos. Daí que a escola parece não oferecer possibilidades de

fuga. A racionalidade instrumental ou técnica que pauta o ensino e os processos de

aprendizagem escolar faz com que a Arte seja minimizada nos currículos escolares,

ou seja, a dimensão estética do ensino e sua relação com a vida, com a ética, são

colocadas de lado (ou mesmo consideradas desimportantes) nas práticas escolares.

E, com isso, chego à terceira marca de aprendizagem que pretendo

destacar, encontrada justamente na experiência do Estágio, ou melhor, no Estágio

como experiência. Parto do pensamento de Jorge Larrosa (2002; 2003; 2004; 2005)

para discutir a experiência como categoria fundamental para a formação de

professores e, ainda, o Estágio como experiência formativa. Pagni (2011, p. 9), ao

comentar o projeto da modernidade, lembra que, com ele, assistiu-se a uma

“redução da experiência ao empírico e a sua desqualificação como um saber, a

restrição do pensamento ao conhecimento científico e à tecnologia”, provocando

ainda um silenciamento do indivíduo.

Convém, logo de saída, diferenciar experiência de prática: o que significa

pensar em experiência a partir da paixão e não da ação. Larrosa (2005) alerta para

despragmatizar a palavra experiência, descontaminar suas aderências pragmáticas.

Neste sentido, o sujeito da experiência não é o sujeito ativo (das políticas

educacionais atuais), mas um sujeito passional, receptivo, aberto, atento, disponível,

sensível. O que não quer dizer que a ação ou a prática não podem ser lugares de

experiência. Pois, às vezes, na ação e na prática, algo me passa. Porém, esse algo

que me passa tem a ver com a suspensão de lógica da prática ou da ação, tem a ver

com sua interrupção; portanto, adquire um sentido de padecimento e não de uma

intenção de ação.

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Larrosa (2002) afirma que experiência é aquilo que nos passa, que nos

acontece, o que sucede conosco, o que nos toca, não é algo que eu faço. Com o

excesso de informação e de opinião, pela falta de tempo, pelo excesso de trabalho,

a experiência tem- se tornado cada vez mais rara. Não estou a afirmar com isso que

a cada aula ministrada os alunos passaram por experiências, pois, embora a cada

dia eles passassem por muitas coisas, nem sempre acontecia alguma coisa.

Portanto, vez ou outra, foram atingidos por possibilidades de experiências que

marcaram e transformaram o eu-docente. A experiência é um acontecimento que

tem lugar em raras ocasiões. Por isso, Larrosa (2003) alerta para termos a seguinte

precaução: não usar a palavra experiência para qualquer coisa, evitar que tudo se

converta em experiência, para não neutralizá-la ou desativá-la.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24).

O sujeito da experiência, diz Larrosa (2002), não é o sujeito da informação,

do trabalho, da opinião, mas um sujeito sensível, como um território de passagem,

“superfície de sensibilidade”, aberto para escutar e ver com atenção, um sujeito que

se deixa afetar de algum modo, se deixa marcar e, ao mesmo tempo o sujeito da

experiência é também um ponto de chegada, aonde chegam as coisas e se dá lugar

a essas coisas. Seja como for, o sujeito da experiência é passivo, receptivo,

disponível, aberto, atento, paciente, exposto.

E, partindo para etimologia do termo experiência, vemos que ela evoca uma

estreita relação com a formação humana. Deriva do latim experiri (provar,

experimentar), e possui associação com a palavra „perigo‟, na medida em que

contém a mesma raiz (per) de periculum (perigo). Larrosa ainda lembra que a

palavra experiência possui a raiz (ex) de exterior, de extranjero (estrangeiro), de

extraño (estranho), de existência. “A experiência é a passagem da existência, a

passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que

simplesmente “ex-iste” de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente”

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(Larrosa, 2002, p. 25). Então, este é um dos princípios da experiência, o princípio de

exterioridade: só há experiência com um alguém ou algo, exterior a mim mesmo,

estrangeiro a mim.

A partir das palavras equivalentes de experiência em alemão, os termos

Erlebnis e Erfahrung, podemos compreender ainda melhor e ressignificar a palavra

experiência. Erlebnis costuma se traduzida por „experiência vivida‟ ou „vivência‟,

entendida como uma experiência mais imediata, pré-reflexiva e pessoal; já

Erfahrung compõe-se de Farht (viagem) e pode ser associada a Gefahr (perigo).

Portanto, remete-se a um longo tempo e, ainda, sugere uma ideia de „aventura‟.

Com base nessas duas noções, a experiência significa ter vivido os riscos do perigo,

ter a eles sobrevivido e aprendido algo no encontro com o perigo (PAGNI, 2011;

PASSEGGI, 2011).

Ao contrário de experimento científico, que tem um caráter de concretude,

caminho seguro e determinado, a experiência possui um caráter de incerteza, de

risco e de indeterminação. As expressões em alemão contribuíram para que a

palavra experiência fosse diferenciada de experimento que, nas teorias pedagógicas

e em boa parte das Ciências Humanas, foi utilizada como uma das técnicas ou

metodologia para legitimar o campo da Educação como um campo das Ciências.

Então, é importante, além de despragmatizar a palavra experiência, desempirizar,

descontaminá-la de suas aderências empiristas (LARRORA, 2003; 2005).

Após essa breve demarcação semântica e de alguns significados da

experiência, destaco alguns exemplos dos relatórios de Estágio que me remeteram

ao pensamento sobre experiência na formação. Cito um fragmento de uma

acadêmica em seu Estágio I e também destaco uma carta (Anexo 5) de um

acadêmico (EbII, 2011) remetida a sua turma no Estágio II.

Para mim, como professora de teatro, o mais gratificante eram os momentos em que percebia os alunos completamente comprometidos com as propostas, entusiasmados, entregues às cenas, expressando, através das cenas que criavam, seu modo de ver o mundo e de relacionar com ele. Era notório que se divertiam mais em criar e apresentar cenas do que em assistir os colegas – estes eram os momentos em que eu era mais rigorosa com eles: “você apresentou, agora é a vez do colega; ele tem tanto direito quanto você; ninguém pisa no espaço cênico e ninguém interfere na cena: só pode falar quem está na cena; vamos assistir!” Mas, apesar de preferir fazer a assistir, acredito que todos também deram boas risadas com as cenas feitas pelos colegas. Também era comovente ver a alegria deles com a expectativa de fazer a aula de teatro [...] E em alguns momentos, quando

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me questionava se os alunos estavam, efetivamente, compreendendo o conteúdo que estava sendo trabalhado, acontecia algum episódio que me reforçava as esperanças. [...] - Muito bem, foi muito divertido, mas faltou alguma coisa... Será que não? Ao que Emanuel, de nove anos, que tinha participado da cena, disparou para os colegas: - Eu falei pra vocês que estava faltando o conflito dramático! [...] Aula 8, nosso penúltimo encontro. Estranho o comportamento de José Luiz: está quieto demais, ao menos “demais” para o José Luiz que eu conheci em sete encontros prévios. Fiquei preocupada. Talvez estivesse passando por algum problema em casa. Alguns meninos se preparavam para realizar um exercício, casualmente ele estava sentado perto de mim. - Está tudo bem? - eu perguntei. Ele olhou pra mim, olhar excitado, de expectativa: - Ahã... Eu tô esperando a cena. Hoje vai ter cena, né? Estes momentos são impagáveis. Compensam todo o esforço e as frustrações (EfI, 2010, p. 15-16).

Tais exemplos vão ao encontro da ideia de experiência como algo que nos

passa, nos atravessa e nos deixa marcas, que chamo aqui de marcas de

aprendizagens. E com certeza outros tantos fragmentos das narrativas dos alunos,

citados anteriormente, já vêm demonstrando isso: o sujeito da experiência, o eu-

docente em formação, como um sofredor, um ser passional, padecente, receptivo e

aberto à sua própria transformação, que se deixa atravessar tanto pelo sofrimento

quanto pela felicidade. Uma das dimensões da experiência é a transformação do

sujeito, a experiência que me forma e me transforma.

Após ter trazido tantos fragmentos das escritas dos acadêmicos em seus

relatórios, percebo o Estágio como um momento em que rompem barreiras,

enfrentam situações inesperadas, desenvolvem reflexões sobre a prática educativa,

que fazem questionamentos sobre este lugar que parece ser desconhecido, trocam

saberes entre os colegas, professores e alunos. Destacam, em suas falas, que foi

muito gratificante viver este período. Mesmo sendo tão curto, consideram ter sido

muito rico em oportunidades e conhecimentos para a formação docente e mesmo

para a formação para “a vida” (EgIII, 2011, p. 12). Em suma, as atividades

desenvolvidas com as escolas e com as comunidades foram importantes, intensas,

por serem espaços únicos, oportunizando o convívio entre os diferentes sujeitos da

formação.

São experiências que dão o que pensar, inquietam, desacomodam e que

geram um saber próprio, que não é científico, não é informação, não é técnica,

tampouco é instrumental, pois o saber da experiência é da ordem da ética e “se dá

na relação entre o conhecimento e a vida humana” (Larrosa, 2002, p. 26). O saber

da experiência se dá no modo como o sujeito responde e dá sentido ao que lhe vai

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acontecendo, um sentido, ou mesmo um sem-sentido sobre aquilo que lhe acontece,

portanto, um saber particular, subjetivo, contingente. Deste modo, a constituição do

eu-docente, que se dá a partir da experiência, daquilo que atravessa esse sujeito em

formação, sempre é único, singular e expõe as representações que se tem de si

mesmo e do mundo para se colocar em transformação.

Não repetível, imprevisível, incerto são ainda adjetivos que exprimem o

sentido da experiência para Larrosa. Portanto, a experiência que atravessa o eu-

docente não se dá quando eles atingem os objetivos pedagógicos previstos em seus

planos de ensino mas, muito antes, pelas surpresas, pelos imprevistos, pelas

readaptações, improvisos e choques de realidade. Diz Larrosa (2005) que

experiência tem a ver com o não saber e...

[...] com o limite daquilo que já sabemos, com o limite do nosso saber e mesmo com a finitude do nosso saber. E com o não-poder-dizer, com o limite do que já sabemos dizer, com o limite de nossa linguagem, com a finitude do que dizemos. E com o não-poder-pensar, com o limite do que já sabemos pensar, do que podemos pensar, com o limite de nossas ideias, com a finitude do nosso pensamento. E com o não-poder, com o não-saber-o-que-fazer, com nossa impotência, com o limite do que podemos, com a finitude dos nossos poderes (LARROSA, 2005, p. 13).

Percebo permeando os Estágios todos esses não poderes que Larrosa

apresenta. Durante os encontros semanais, em que todos da turma estão presentes

e conversam sobre suas vivências, o que está acontecendo, o que está dando certo

ou errado, enfim, num momento de trocas, muitas vezes deparamo-nos com um não

saber. Esse não saber envolve o como resolver determinadas situações, como dar

continuidade ao trabalho, como aferir uma nota ou um número para as

aprendizagens em Teatro, como alcançar alguns objetivos, como se articular com as

infinitas possibilidades de criações e reações de crianças, jovens, adultos com a

aula de Teatro. E, partindo desse não saber é que juntos (ou, às vezes, em

momentos de orientações individuais) vamos criando e construindo possibilidades

de ação, refletindo cada nova situação com tempo (que nos beneficia30) para

refletirmos a partir das diferentes opiniões e pontos de vista que cada um apresenta,

vamos construindo possibilidades educativas.

30

Sabemos que esse tempo de encontros e conversas é um privilégio do próprio momento do Estágio, que permite que toda semana haja uma troca entre as experiências de cada aluno e maior motivação entre eles.

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Para encerrar esta seção que tratou das marcas de aprendizagens que a

disciplina de Estágio potencializa nos sujeitos em formação inicial, a questão central

que me vem à mente e que, me circundou todo tempo, é justamente sobre o

processo de formação. Formar, num sentido tradicional, diz Larrosa (2006), significa,

de um lado, dar forma e desenvolver um conjunto de disposições preexistentes e,

por outro, levar o sujeito até a conformidade em relação a um modelo ideal do que é

ser sujeito ou, neste caso, do que é ser professor, modelo este fixado de antemão e

difundido no próprio ambiente da academia. A ideia que o autor traz, e que

compartilho, pois me ajuda a pensar numa formação de professores mais aberta, é a

de uma formação sem ter uma ideia rígida prescrita para o desenvolvimento do

sujeito, nem um modelo normativo de sua realização.

Assim sendo, também com apoio teórico de Pagni (2001), foi possível

problematizar este ideal moderno de formação humana que privilegia certas

tradições metafísicas e despreza um modelo de formação que promova uma arte de

viver, no sentido de uma atitude ética e estética, por meio dos processos de

subjetivação, pelos quais o sujeito pode-se fazer, criar e resistir, ampliando os

sentidos ou promovendo novos modos da própria existência. A formação cultural

(Bildung) estaria em oposição à educação (Erziehung) segundo os filósofos do

classicismo, do romantismo31 e do idealismo alemão, pois a Bildung pressupõe

“„independência‟, „liberdade‟ e „autonomia‟”, uma autoformação que se dá a partir da

relação com o mundo, com o outro e consigo mesmo (Pagni, 2011, p. 25). O autor

apresenta, por um lado, a “categoria iluminista” da formação, dada pelo uso da

razão, através de uma autoridade moral que garanta a transmissão dos bens

culturais acumulados e, por outro lado, a “categoria romântica”, que “pressupõe o

cultivo interior e o exercício da liberdade da vontade, para que se forme a pessoa

humana”. Enquanto a categoria iluminista esteve na base dos discursos

pedagógicos da modernidade, determinando uma educação moralizante, a categoria

romântica vai postular um ideal de formação voltado para o sensível, levando em

conta que o indivíduo “se forma em e por si mesmo” (PAGNI, 2011, p. 26).

31

Pagni (2011, p. 25) cita os escritores do romantismo alemão, Schiller e Goethe, “que veem no teatro a possibilidade de uma (auto)formação [...] Bildung significou a emancipação dos sujeitos das formas tradicionais”, sua emancipação não pela razão, mas através do gosto pela cultura que não costuma ser oferecida pela instituição escolar, mas que pode ser obtida pela própria arte e pelo teatro, particularmente.

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Grande parte das teorias pedagógicas que se apropriam da categoria

iluminista vê com desprestígio a experiência como formação, por entender que, para

garantir a racionalidade da ação educativa, deve-se abandonar essa acepção

romântica de formação humana, a Bildung na vertente alemã, que atua com o

sensível, o subjetivo, a imaginação. O resultado é uma educação com

características técnicas e instrumentais, baseadas nos princípios da promessa de

liberdade e emancipação pela razão e um esvaziamento da ação educativa como

formação cultural.

Tendo em vista estes dois grandes modelos de formação, a aposta que se

faz para as disciplinas de Estágio do curso de Teatro é naquele voltado para uma

formação humana, por meio de um saber sensível que impulsione o sujeito numa

autoformação, ampliando as possibilidades de autonomia e liberdade de

pensamento, através da relação direta que os acadêmicos têm com a Arte, e com o

Teatro especialmente, assumindo em sua formação o caráter artístico, estético e

expressivo. Embora não me possa furtar a destacar, conforme nos alerta Pagni

(2011), que a concepção de experiência formativa defendida pelos escritores

românticos, não se reduz a educação formal ocorrida na escola, pois nesta

instituição está a presença constante dos princípios iluministas de educação nos

discursos pedagógicos, nas práticas e nos saberes moralizantes, no disciplinamento

dos corpos e na regulação de todos os sujeitos envolvidos no processo educativo. A

intenção é justamente a de tentar romper com essas características moralizantes

que atuam na escola para se aproximar de práticas mais livres.

A ideia de Foucault (1985; 1995) sobre uma experiência de si, suscitada pela

ética do domínio de si ou mesmo pela posse de si, como um prazer que se tem de si

mesmo, uma existência como obra de arte, supõe pensarmos numa forma de vida

constituída pelos valores estéticos ou, ainda, uma realização ou uma invenção de si

mesmo, portanto, um trabalho sobre si mesmo. Essa potência de vida como obra de

arte também nos faz pensar numa formação humana ou cultural pautada por um

saber sensível, ainda que distante de muitas práticas curriculares e dos cursos de

licenciatura, pode ser um ponto de partida para nutrir as disciplinas de Estágio, na

medida em que o sujeito em formação, o eu-docente, está a todo momento indo ao

seu próprio encontro, tomando a si mesmo como matéria de observação, rompendo

com as amarras que cercam os discursos moralizantes, questionando as práticas

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curriculares empoeiradas nos corredores das escolas, despertando os corpos,

rompendo com o silêncio, buscando novas atitudes e comprometimentos, permitindo

acasos, possibilitando novos modos de ser e estar no mundo e se relacionar com os

outros.

Pensar no Estágio e na formação que se estabelece através dele é pensar

também em seu inacabamento, nas dúvidas não respondidas, nas aulas não

ministradas, nos conteúdos não desenvolvidos, nos objetivos não alcançados, e no

intricado mundo escolar e a sua interpretação, administração, avaliação, gestão,

currículo, carreira docente, que são sempre temas emergentes da educação e que

vêm à tona durante nossos encontros semanais. Um processo de estar sempre se

fazendo, se formando, se reformando, se reconfigurando.

O Estágio é movimento e, ao mesmo tempo, uma experiência de abandono

do conforto transmitido pelas teorias pedagógicas ao serem confrontadas com a

escola e com a comunidade imprevisíveis, inquietantes e complexas. A virtude dos

Estágios do Curso de Teatro está em sua infinita capacidade de realização ou

desrealização, no sentido de uma abertura ao desconhecido, como ocorre no

Estágio III em comunidades, ou mesmo uma nova fissura ao conhecido sob outro

ponto de vista, quando, por exemplo, o Estágio acontece na escola, já que todos

passaram por ela e, portanto, não é um lugar completamente estranho a eles.

Uma formação plural, criativa, e sem prescrições. É possível pensarmos

numa aula de ES como acontecimento da pluralidade e da diferença, numa aventura

rumo ao desconhecido, numa produção infinita de sentidos que se renovam sempre

a cada nova turma, com cada aluno? Gostaria de contribuir para esse pensamento

sobre formação, indo de encontro ao ideal moderno de formação (racional, idealista,

moralista) e a toda operação pedagógica que se destina a controlar rigidamente a

experiência que o sujeito possa ter com o Estágio durante seu curso de formação, ir

contra as explicações fáceis ou as denominações de tudo o que acontece em uma

sala de aula e permitir que aflorem a multiplicidade, as incertezas, o não saber, e

pensar no Estágio como um espaço de abertura para novas aprendizagens.

O objetivo final do Estágio, para finalizar minha contribuição, seria de uma

educação que escapa de formulações prontas ou normatizadas pela

intencionalidade do professor orientador ou do currículo de formação, de um modo

de ser professor, o qual todos devam perseguir, projetar e alcançar. Entendo, ainda,

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que o futuro professor resiste aos códigos de conduta a partir da sua alteridade,

anseios, crenças, e não se submete integralmente a um modelo de professor, pois

confronta suas crenças e ideários com as teorias, a pedagogia e o próprio Teatro,

durante os momentos de Estágio e cria seu próprio modo de ser professor. A

constituição do eu-docente, que se dá através do dispositivo pedagógico das

disciplinas de Estágio, a partir de diferentes tecnologias do eu exercidas pelo sujeito

em formação, pode transformar-se em práticas de resistência que escapam aos

princípios de uma educação moralista e, ao mesmo tempo, gestam a possibilidade

de outros modos de existência.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Do eu que se produz docente

A expectativa de encerrar este momento de escrita leva-me a pensar em

algumas questões que me circundaram desde o início da escolha do tema de

pesquisa. Se, por um lado, me inquietava muito pesquisar uma prática na qual eu

faço parte diuturnamente, e isso pode ser até mesmo assustador, por outro lado,

dava-me segurança poder pensar e discutir sobre um tema que me é tão caro e que

com certeza me ajudaria a repensar a minha atuação como professora de Estágio,

figura que tem por ofício colaborar e orientar os outros a serem professores. Ao ler e

reler tantas vezes os relatórios, fui, de certo modo, recontaminando-me com as

angústias, incertezas, medos, desafios apresentados pelos alunos e, ao mesmo

tempo, rememorando muitas de nossas conversas, dúvidas, trocas e aprendizagens.

E pude perceber que são sempre desafiadores os momentos que passo com os

alunos, pelo elemento do imprevisível e do acaso, que cerca este componente

curricular da formação de professores. Percebo que aprendi e aprendo com estas

práticas de ensino e que, por mais moralizantes que possam parecer, os Estágios

dão espaço para aventuras pedagógicas inimagináveis.

Traduzir em alguns parágrafos finais o processo de constituição do eu-

docente através dos Estágios torna-se complexo na medida em que as infinitas

possibilidades de erros, acertos, ajustes estão diretamente relacionadas com os

possíveis encontros com os outros sujeitos, também em formação, alunos das

escolas, professores, agentes comunitários e com a própria instituição, escolar ou

comunitária, recheada de regras, códigos de conduta, proibições e lógicas próprias

que interferem na ação daqueles que lá atuam.

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Do mesmo modo que a escrita opera como uma experiência de si aos

alunos, futuros professores, quando eles escrevem seus relatórios, tal exercício

também funciona em mim, enquanto autora desta tese. Igualmente, reconstruo-me

como professora de Estágio, que cuida do cuidado que os outros devem ter de si

mesmos, que age em prol da ação do outro, ao mediar a inserção das turmas de

licenciandos em Teatro em variadas escolas e comunidades, enfim, em diferentes

realidades, possibilidades e enfrentamentos que garantem sempre o inesperado, a

surpresa, os novos desafios, tanto para os futuros professores quanto pra mim.

Procurei desenvolver uma discussão coerente com os encontros teóricos

que me conduziram ao problema de pesquisa, ao tentar compreender como os

futuros professores de Teatro para a educação básica vêm-se constituindo no

interior das disciplinas curriculares de Estágios Supervisionados, momentos em que

eles assumem o papel de docentes e, consequentemente, como estes acadêmicos

percebem o ser e os fazeres docentes e, ainda, como problematizam o ensinar e o

aprender Teatro na escola, na comunidade, a partir da oportunidade de prática

docente que os Estágios oferecem.

A fim de encontrar respostas, foram desenvolvidos dois momentos de

análises. O primeiro deles deu-se em função das políticas atuais para a formação de

professores para educação básica no Brasil, as DCN, a LDBEN 9.394/96 e, ainda, o

PPC de Teatro, de modo a encontrar as racionalidades presentes nesses textos.

Essas políticas têm-se pautado, principalmente, pela lógica do projeto neoliberal,

que vê na educação um caminho para os ajustes do desenvolvimento econômico. O

papel do docente tornou-se ainda mais complexo. As novas orientações indicam um

modelo de professor pesquisador, participativo, colaborativo, flexível, autônomo,

crítico, com iniciativas inovadoras, que desenvolve diferentes competências nos

alunos e que está sempre em estado de prontidão para resolver as mais diferentes

atividades e situações.

Encontra-se a presença do saber da prática como princípio orientador e

como um componente curricular para a formação docente, a partir de um

entendimento de que existe um saber tácito capaz de produzir professores reflexivos

e críticos da própria ação. São textos híbridos com pressupostos, orientações e

procedimentos plurais e mesmo contraditórios em suas proposições da organização

curricular e didática. A constituição do eu-docente, que se tece através do currículo

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(entendido como um dispositivo pedagógico), é um processo de aprendizagem,

através de práticas e tecnologias, com as quais os indivíduos vão-se submetendo

mais ou menos completamente aos princípios de comportamento, obedecendo ou

resistindo às regras oferecidas e aos valores atribuídos ao eu-docente.

O currículo de formação de professores comporta tanto os aspectos dos

códigos de comportamento quanto as formas de subjetivação, que vão assegurar a

constituição do eu-docente. Sendo assim, os ES são entendidos como dispositivos

pedagógicos em que diferentes práticas e tecnologias atuam na constituição do

futuro professor da educação básica. O currículo de formação também sugere uma

relação consigo mesmo, uma ação sobre si, como, por exemplo, através de

exercícios, práticas, técnicas que são propostos para o conhecimento, o

aperfeiçoamento, a transformação, o exame, a decifração de si por si mesmo.

Destaco que, neste estudo, foi efetivamente descrito e analisado o exercício da

escrita ou da narrativa de si, através dos relatórios de Estágio, em que diferentes

procedimentos em relação a si mesmo são articulados, como avaliar-se, observar-

se, narrar-se, julgar-se.

O segundo momento da pesquisa foi a análise realizada nos relatórios de ES

da primeira turma do Curso de Teatro-Licenciatura da UFPel que aconteceram no

segundo semestre do ano de 2010 e no ano de 2011. Com base nestes textos,

foram desenvolvidos três movimentos analíticos, a partir das teorizações de Michel

Foucault (sobre as tecnologias do eu e as práticas de subjetivação

fundamentalmente) e Jorge Larrosa (com base nos temas da moral, da escrita e da

experiência, principalmente). A escrita dos relatórios, entendida como uma

experiência de si, pois os acadêmicos atribuem valores e sentidos às experiências

de formação, contêm comentários de suas vivências nas escolas e comunidades,

relatos das aulas ministradas, exemplos de atitudes, gestos marcantes, fragmentos

das conversas com os sujeitos envolvidos e citações de teóricos, que os ajudam a

pensar e a refletir sobre suas atuações. Os relatórios, além de serem esse suporte

material das memórias, possuem uma função de dizer algo a alguém, têm um

endereçamento (à professora orientadora do Estágio), ou seja, trata-se de um

artefato curricular obrigatório.

Percebe-se que, embora os licenciandos tenham como base um roteiro que

orienta a escrita dos relatórios, as particularidades e subjetividades dos escreventes

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vêm à tona quando estes são estimulados a discorrer sobre as experiências

docentes nas escolas e nas comunidades, pois são únicas e produzem sentidos e

significados peculiares a cada um deles. Conforme apontou Larrosa (2004), o

sujeito, ao narrar-se, fala sobre aquilo que guarda de si mesmo. São textos

acadêmicos procedentes das complexidades encontradas nos espaços de educação

formal e não formal e, deste modo, são escritas atravessadas por tons confidenciais

de conquistas e de tensões dos futuros professores. E, ainda, mesmo se tratando de

uma escrita de si, contém vestígios de outros textos e de outras histórias lidas que

possibilitam, ao escrevente, um conjunto de artifícios discursivos para narrar a si

mesmo.

Afirma-se que a escrita tem um papel central na constituição do eu-docente,

como uma experiência formadora, no sentido de escrever como um modo de

acompanhar-se, pensar-se, entender-se. Assim sendo, no processo de formação de

professores, a escrita, como um exercício de experiência de si, torna-se necessária

para assumir-se como autor da própria vida. A escrita do relatório de Estágio é um

espaço para uma formação mais aberta, quando o sujeito volta-se para si mesmo,

para compreender-se e transformar-se através deste ato autoral.

O ES, por um lado, compartilha alguns aspectos de uma educação moral na

medida em que o que se pretende objetivamente é que os licenciandos aprendam

procedimentos ou princípios de comportamento, envolvendo uma constituição

bastante particular do domínio de si. Porém, mesmo que estes códigos de conduta

sejam ensinados de forma explícita ou impostos ao sujeito, há sempre espaço para

o impensado, pois o processo de subjetivação ocorrido no Estágio se dá a partir de

regras facultativas oferecidas e trocadas entre os licenciandos através das práticas,

modelos, exemplos, técnicas, exercícios e atitudes.

Por outro lado, os ES compartilham aspectos de uma ética, ou de uma

relação do sujeito consigo mesmo quando, através dos ES, estabelece uma

autoavaliação de suas ações, com sinceridade, e atribui significados a si mesmo. Ao

mesmo tempo, com o ES, há uma relação do eu-docente com os outros, com os

alunos da escola, os professores, os agentes comunitários. Nesta relação com o

outro, o sujeito aprende as diferentes posições sociais e modos de se relacionar com

o outro de acordo com as regras, os valores e os princípios estabelecidos social e

culturalmente.

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A partir dos quatro aspectos da ética, da relação do sujeito consigo mesmo,

apresentados por Foucault (1984; 1995; 1996b), foi possível visualizar as

modalidades pedagógicas envolvidas nas disciplinas de Estágio, na constituição do

eu-docente. Primeiramente, a substância ética que envolve o eu-docente é o

ensinamento, uma atitude de ensinar algo a alguém, seja pelo texto, pelo exemplo,

pelo gesto, pelas práticas, pelos exercícios: esta é a matéria da prática do professor.

Em segundo lugar, são os modos de sujeição, ou a forma pela qual o sujeito define

sua relação com os saberes mobilizados que orientam seu modo de ensinar Teatro,

a partir de determinadas regras racionais, sociais, teóricas, metodológicas e de

planejamento (a Pedagogia do Teatro e Pedagogia Crítica foram as mais citadas).

Em terceiro lugar, o trabalho que o sujeito realiza sobre si mesmo como, por

exemplo, autoavaliação, as reflexões após as aulas ministradas, a elaboração de

novos planejamentos, a fim de se comportarem eticamente. Por fim, em quarto lugar,

os objetivos que o indivíduo procura atingir, a teleologia. Aparecem alguns modelos

de professor, padrões e modos de ser que são ideais na concepção deles, que os

colocam numa busca constante de ser esse professor idealizado.

Desta relação consigo, a partir destes quatro aspectos da ética, novamente

fui movida a pensar que sempre haverá uma relação consigo mesmo que pode

resistir aos códigos, aos poderes, às coerções, construindo ou criando outros modos

de ser e agir no mundo e com os outros, sendo, então, possível, durante as

disciplinas de ES, surgirem singularidades de resistência, que modificam as relações

de poder e criam novos modos de ser professor de Teatro, um eu-docente

inesperado, desconhecido.

Através das narrativas dos alunos, compreendi que existem algumas

aprendizagens que marcam o sujeito em formação. São marcas de aprendizagens,

que deixam sinais e fazem guardar na memória certas imagens das experiências

com os Estágios. Foram destacadas, primeiramente, as marcas de uma

aprendizagem pelo que deseduca, pelo encontro com realidades precárias,

problemáticas, como um choque de realidade, uma aprendizagem que se dá na

contramão do sentido que se deseja seguir. Outra marca de aprendizagem se dá a

partir da especificidade do saber sensível que o ensino de Teatro envolve, novos

modos de ver, ouvir, tocar, sentir, ser e estar no mundo. Um ensino que possibilita

momentos de prazer, fruição estética, em que o sujeito pode pensar, criar e explorar

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o corpo, indo contra a tradição disciplinar em que prevalece o uso do raciocínio, da

lógica, da razão, da instrução.

O Estágio como experiência foi a terceira marca de aprendizagem que pude

constatar. Entendo a experiência, a partir de Larrosa (2002; 2005), como aquilo que

me passa, me atravessa, me toca, me transforma, me deixa marcas. Diferentemente

de prática e de experimento científico, a experiência requer um sujeito livre, aberto,

exposto, de modo a poder ser atingido por ela. Deste modo, é possível perceber,

mesmo que sutilmente, que os alunos são atravessados pelas marcas da

experiência, não em todas as aulas, pois a experiência é rara, mas é possível

perceber que algumas coisas „acontecem‟ durante a passagem deles pelas

„aventuras‟ dos Estágios Supervisionados. Vez ou outra, o eu-docente é marcado e

transformado. Os sujeitos sofrem, padecem, resistem, criam, potencializam o ensino

de Teatro na escola e na comunidade, abrem fendas nos lugares em que passam e

se deixam permear pelos „perigos‟ da incerteza e do imprevisível e aprendem com

eles.

Como contribuição final para o campo da formação de professores,

proponho pensarmos na constituição do eu-docente através dos Estágios

Supervisionados, entendendo-os como dispositivos pedagógicos em que diferentes

práticas ou tecnologias do eu são articuladas, promovendo uma atitude ética que

envolve uma relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Ao mesmo

tempo, os ES comportam aspectos de uma educação moral que orientam

determinadas atitudes aceitas ou reconhecidas pela tradição curricular e

pedagógica, a partir de modelos idealizados de ser professor.

O desafio que se coloca para as disciplinas de Estágio é o de buscar

possibilidades ou espaços de criação e invenção de novos conceitos, ideias ou

práticas para compreender e decodificar a realidade vivenciada. Deve instigar no

futuro professor a habilidade de narrar-se, avaliar-se, contar-se, problematizar-se,

compreender-se, através dos projetos de intervenção em escolas e comunidades,

numa atitude mais ética e menos moralizante. O desafio que também se coloca é o

de romper com as concepções mais tecnicistas e pragmáticas sobre o Estágio, para

uma visão mais dinâmica e plural enquanto oportunidade de produção de

conhecimento, de questionamento da realidade e novas possibilidades de educação.

Proponho pensarmos e redimensionarmos o paradigma do Estágio como o momento

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da aplicação e medição de conteúdos aprendidos no curso, e compreender que a

prática docente é uma rede viva de troca, criação e transformação de significados

constante.

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ANEXOS

Anexo 1: Regulamentação dos Estágios Obrigatórios e Não Obrigatórios32

CAPÍTULO I

DA FUNDAMENTAÇÃO, CONCEITOS, OBRIGAÇÕES E LOCAIS DE REALIZAÇÃO

Art. 1º - O regulamento dos Estágios obrigatórios e não-obrigatórios dos acadêmicos do

curso de Teatro – Licenciatura fundamenta-se na Lei nº11.788 de 25 de setembro de 2008, que

dispõe sobre os Estágios de estudantes no Brasil e nas leis e resoluções que regem a construção dos

currículos de cursos de graduação em Teatro e as licenciaturas plenas no Brasil, a saber Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96, de 20 de dezembro de 1996), da Resolução

CNE/CP 28/2001, da Resolução CNE/CP 1 de 18/02/2002, da Resolução CNE/CP 2 de 19/02/2002,

bem como os Parâmetros Curriculares Nacionais para Ensino Fundamental e para o Ensino Médio.

Art. 2º - Por tratar-se de uma licenciatura, os Estágios obrigatórios do qual trata este

documento serão de caráter docente. Entender-se-á por Estágio docente obrigatório, neste curso de

Teatro - Licenciatura, as atividades vinculadas às três disciplinas obrigatórias componentes do

currículo, a seguir listadas com suas respectivas cargas-horárias: Estágio em Teatro I – 117 horas/ 7

créditos, Estágio em Teatro II – 117 horas/ 7 créditos, Estágio em Teatro III – 170 horas/ 10 créditos.

Correspondem às disciplinas, respectivamente, aos Estágios na Educação Infantil e Fundamental,

Ensino Médio e Comunidade.

§ 1º - Os Estágios docentes obrigatórios, no caso dos Estágios em Teatro I e II, deverão ser

realizados junto à escola de educação infantil, de ensino fundamental e/ou médio, conforme

caracterização das disciplinas no Projeto Pedagógico, das redes pública (municipal, estadual ou

federal) ou privada.

§ 2º - O Estágio docente obrigatório com grupos comunitários, no caso do Estágio em

Teatro III, deverá ser realizado junto a instituições, públicas ou privadas, com notório reconhecimento

no atendimento a diferentes públicos e extratos comunitários, ou seja, associações, organizações ou

órgãos, com ou sem fins lucrativos, de atendimento a crianças, adolescentes/jovens, adultos, idosos,

deficientes físicos, auditivos e visuais, portadores de necessidades especiais e/ou doenças, abrigos,

hospitais, presídios, casas de passagem, associações de bairro, entre outros que forem julgados

procedentes pela Comissão de Estágios. Também poderão ser realizados junto a escolas de ensino

formal e não-formal através de atividades de ensino extra-curriculares e/ou junto a projetos de

extensão universitária vinculados a universidades de Pelotas e região.

§ 3º - No caso dos Estágios em Teatro I e II, do total de horas semestrais de cada disciplina,

no mínimo 20 horas/aula deverão ser de aulas ministradas junto aos discentes da instituição de

32

Esta Regulamentação é parte do Projeto Pedagógico do Curso de Teatro-UFPEL (UFPEL, 2009).

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ensino na qual realizar-se-á o Estágio docente, além das outras atividades propostas pelo orientador

de Estágio, como encontros com grupo de orientação, observações, planejamento de aulas, estudos

dirigidos, estudos de conteúdo, orientações individuais, relatórios de Estágio, avaliações, participação

em atividades da escola e/ou órgão associação comunitária etc.

§ 4º - No caso dos Estágios em Teatro III, o discente-estagiário deverá ministrar junto ao

grupo comunitário uma carga-horária mínima de 40 horas/aula, além das outras atividades propostas

pelo orientador de Estágio, como encontros com grupo de orientação, observações, planejamento de

aulas, estudos dirigidos, estudos de conteúdo, orientações individuais, relatórios de Estágio,

avaliações, participação em atividades da escola e/ou órgão associação comunitária etc.

Art. 3º - Entender-se-á por Estágio não-obrigatório, docente ou não, aquele desenvolvido

como atividade opcional, acrescida à carga-horária regular e obrigatória do curso de graduação em

Teatro. Serão acatadas pela Comissão de Estágio todas as normatizações da Lei 17.788/2008 e as

resoluções e portarias que regulamentam os Estágios não-obrigatórios na Universidade Federal de

Pelotas.

§ 1º - As atividades deverão ser desenvolvidas em espaços julgados pertinentes aos

Estágios não-obrigatórios, como instituições e/ou órgãos, públicos ou privados, de notório

reconhecimento na área, com no mínimo três anos de existência e CNPJ regularizado, que estejam

ligados a atividades culturais em geral e/ou educacionais. Entendem-se como espaços de

desenvolvimento de atividades culturais secretarias de cultura e educação, fundações e autarquias de

cunho sócio-cultural-educacional, ONGs, OSSIPs ou associações que tenham esta finalidade em seu

estatuto, escolas públicas e privadas, companhias de dança e/ou Teatro, empresas de produção

cultural, entre outros que forem julgados aptos a receber estagiários do curso de Teatro -

Licenciatura, pela Comissão de Estágios.

CAPÍTULO II

DA COMISSÃO DE ESTÁGIOS

SEÇÃO I

DAS FINALIDADES

Art. 4º - A Comissão de Estágios terá como finalidades principais agenciar, estruturar,

coordenar e supervisionar os Estágios obrigatórios e não-obrigatórios realizados por acadêmicos do

curso de Teatro - Licenciatura.

SEÇÃO II

DA CONSTITUIÇÃO

Art. 5º - A Comissão de Estágios será constituída de 3 (três) professores, sendo que no

mínimo 1 (um) deles deverá pertencer à área de educação e/ou pedagogia do Teatro e 1 (um)

representante discente.

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Parágrafo Único - O mandato dos componentes da Comissão de Estágios será de 2 (dois)

anos, permitida a recondução.

Art. 6º - Os 3 (três) professores de que trata o artigo 5º serão indicados pelo Coordenador

do Colegiado de Curso de Teatro e submetidos à aprovação deste mesmo órgão.

Art. 7º - O representante discente de que trata o artigo 5º será indicado pelo Diretório

Acadêmico do Curso de Teatro, e deverá estar regularmente matriculado e ter cursado no mínimo 60

(sessenta) créditos.

Parágrafo Único - Será vedada a participação na Comissão de discente que estiver apto a

formar-se dentre 2 (dois) semestres.

Art. 8º – O Presidente da Comissão de Estágios será escolhido pelos integrantes da

mesma.

SEÇÃO III

DA COMPETÊNCIA

Art. 9º - Compete à Comissão de Estágios, quanto aos Estágios docentes obrigatórios:

a) receber, analisar e aprovar as propostas de Estágios docentes na comunidade, no caso

da disciplina de Estágio em Teatro III, por parte dos alunos;

b) contatar e criar convênio com instituições de ensino regular, públicas e/ou privadas, de

educação infantil, ensino fundamental e ensino médio e/ou técnico, a fim da realização dos Estágios

docentes obrigatórios referentes às disciplinas Estágio em Teatro I e II, encaminhando os discentes-

estagiários, devidamente identificados por carta de apresentação, a estas instituições;

c) sugerir os professores orientadores das turmas das disciplinas de Estágio em Teatro I, II

e III, enviando esta sugestão por escrito à chefia imediata, que é quem designa professores para

disciplinas dos cursos;

d) organizar um seminário semestral com orientadores e estagiários para esclarecer sobre a

condução e leis do Estágio;

e) estabelecer prazos e datas para solicitação e validação dos Estágios, apresentação de

relatórios e demais atividades que lhe competem.

Parágrafo Único - A Comissão de Estágios é soberana em autorizar ou não a realização de

um Estágio.

Art. 10º - Compete à Comissão de Estágios quanto aos Estágios docentes não-obrigatórios:

a) receber, analisar e aprovar as propostas de Estágios docentes não-obrigatórios;

b) designar os professores orientadores que acompanharão e responsabilizar-se-ão pelos

Estágios não-obrigatórios de cada aluno, de acordo com as áreas de atividades a serem

desenvolvidas pelo estagiário;

c) solicitar e acompanhar o contrato a ser travado entre a instituição de ensino (UFPEL),

parte concedente do Estágio e estagiário;

d) organizar um seminário semestral com orientadores e estagiários para esclarecer sobre a

condução e leis do Estágio;

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e) estabelecer prazos e datas para solicitação e validação dos Estágios, apresentação de

relatórios e demais atividades que lhe competem.

Parágrafo Único - A Comissão de Estágios é soberana em autorizar ou não a realização de

um Estágio em determinada instituição, órgão e/ou empresa.

Artigo 11º - Compete ao Presidente da Comissão de Estágios:

a) representar a Comissão nas ocasiões e eventos em que isto se fizer oportuno;

b) assinar ofícios, contratos de Estágio, instruções de serviço, atestados e outros

documentos relativos aos trabalhos da Comissão;

c) convocar reuniões com os demais membros da Comissão, orientadores, estagiários ou

pessoas envolvidas com a atividade de Estágio;

d) manter, em local e meio apropriados, os documentos relativos aos trabalhos da

Comissão e aos Estágios docentes obrigatórios e Estágios não-obrigatórios;

e) encaminhar às Bancas Examinadoras (quando for esta a forma de avaliação) os

relatórios dos Estágios e todos os demais documentos necessários às avaliações;

f) manter contato permanente com a Coordenação do Colegiado de Curso, informando-lhe,

através de correspondência escrita, todas as decisões tomadas pela Comissão no que concerne aos

Estágios docentes obrigatórios.

CAPÍTULO III

DOS ESTÁGIOS OBRIGATÒRIOS E NÃO-OBRIGATÓRIOS

SEÇÃO I

DOS ORIENTADORES E SUAS FUNÇÕES

Art. 12º - Cada estagiário terá supervisão de dois orientadores, um da instituição

concedente do Estágio e outro um professor da Universidade Federal de Pelotas, no caso de

Estágios não-obrigatórios.

§ 1º - O professor orientador deverá ser preferencialmente atuante na área de

conhecimento do Estágio.

Art. 13º - Cada aluno que estiver devidamente matriculado e cursando uma das três

disciplinas de Estágios docentes obrigatórios, será orientado por um professor da Universidade

Federal de Pelotas. A instituição de ensino ou comunitária concedente do Estágio deverá nomear um

responsável pelo estagiário na escola/ instituição comunitária.

§ 1º - O professor orientador deverá ser preferencialmente atuante na área de pedagogia do

Teatro.

§ 2º - O professor orientador, responsável pela disciplina de Estágio, no caso dos três

Estágios obrigatórios, será professor-orientador de uma turma de no máximo 20 alunos.

Art. 14º - São atribuições do orientador e/ou responsável pelo Estágio, obrigatório ou não-

obrigatório, indicado pela instituição:

a) preencher os formulários de avaliação;

b) rubricar o relatório do Estágio;

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c) supervisionar a frequência do aluno estagiário na empresa ou instituição;

d) comunicar ao professor orientador fato relevante que venha a ocorrer durante o Estágio.

Art. 15º - São atribuições do professor orientador do Estágio não-obrigatório:

a) elaborar o plano de trabalho do aluno estagiário e enviá-lo à Comissão de Estágios;

b) orientar o aluno durante seu Estágio;

c) comunicar-se com o orientador da empresa ou instituição de ensino/e ou comunitária

sempre que necessário.

Art. 16º - São atribuições do professor orientador dos Estágios docentes obrigatórios:

a) ministrar aulas, seminários, conduzir atividades e grupo de orientação com a turma de

alunos matriculados em cada uma das disciplinas de Estágio docente que lhe for designada;

b) elaborar o plano de ensino da disciplina de Estágio obrigatório que lhe for designada pela

chefia imediata;

b) orientar os alunos durante seus Estágios e acompanhar as atividades desenvolvidas

junto às instituições concedentes;

c) tratar da criação de vínculos e/ou convênios com instituições de ensino/e ou

comunitárias, sempre que necessário;

d) enviar documento por escrito, assinado e com seus dados apresentando o aluno à

instituição concedente do Estágio docente;

e) avaliar o desempenho acadêmico dos alunos em Estágio docente orientado.

SEÇÃO II

DOS CAMPOS

Art. 17º - São considerados campos de Estágio, as empresas e instituições públicas ou

privadas, localizadas ou não em Pelotas, selecionadas como tal pela Comissão de Estágios e que

aceitem sua indicação como campo de Estágio.

Parágrafo Único - Às empresas ou instituições que forem indicadas como campo de Estágio

compete:

a) oferecer condições ao estagiário para o desenvolvimento de seu trabalho;

b) possibilitar ao estagiário o cumprimento das exigências escolares, inclusive aquela

relacionada à supervisão do estagiário.

SEÇÃO III

DA MATRÍCULA E DAS VAGAS

Art. 18º - Só poderão solicitar, realizar e manter Estágios não-obrigatórios alunos

regularmente matriculados no Curso de Teatro – Licenciatura, que estejam matriculados durante o

semestre em mais de 50% dos créditos obrigatórios na seriação do curso.

Art. 19º - Para realização dos Estágios docentes obrigatórios, o aluno deverá ter sido

aprovado nas disciplinas que constam como pré-requisitos na grade curricular do curso.

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SEÇÃO IV

DA DOCUMENTAÇÃO

Art. 20º - Caberá à Comissão de Estágios fornecer ao estagiário conhecimento público da

presente norma, acompanhada da documentação necessária.

SEÇÃO V

DO RELATÓRIO

Art. 21º - Quando da conclusão dos Estágios obrigatórios docentes e não-obrigatórios, o

aluno deverá apresentar ao professor orientador um relatório em 3 (três) vias. Ao professor cabe

enviar o relatório, devidamente revisado, assinado pelas três partes (estagiário, responsável da

instituição concedente e professor orientador), à Comissão de Estágios. Uma via ficará arquivada na

coordenação do curso de Teatro, outra ficará com o aluno e outra deverá ser entregue à instituição

concedente.

Art. 22º - O relatório, digitado, deverá referir:

a) dados de identificação do aluno e da empresa, ONG e ou/instituição de ensino;

b) período do Estágio, especificando as datas do seu início e término, bem como o número

de horas úteis de Estágio;

c) planejamento inicial e relato do trabalho realizado;

d) integração no ambiente educacional e/ou de trabalho;

e) memorial descritivo e/ou partes de diário de campo, contendo reflexão a partir das

experiências desenvolvidas nos Estágios;

f) solicitações feitas pelos professores orientadores responsáveis pelas disciplinas de

Estágio docente obrigatório ou pelos Estágios não-obrigatórios.

Art. 23º - O relatório, caso rejeitado pela análise da Comissão de Estágios, deverá ser

refeito e reapresentado no prazo máximo de 15 (quinze) dias, a contar da data de avaliação do

mesmo.

CAPÍTULO V

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 24º - Esta norma entrará em vigor a partir da data da homologação da aprovação no

Colegiado de Curso de Teatro - Licenciatura e pelo Conselho Coordenador do Ensino, da Pesquisa e

da Extensão (COCEPE).

Art. 25° - Das decisões da Comissão de Estágios caberá recurso ao Colegiado de Curso de

Teatro-Licenciatura.

Art. 26° - Os casos omissos nesta norma serão julgados e decididos pela Comissão de

Estágios.

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Anexo 2: Plano de Ensino do Estágio I

Ementa:

Vivências de situações práticas de ensino de Teatro na educação infantil e/ou séries iniciais

e finais do ensino fundamental em escola de ensino regular. Elaboração de planos de ensino e

relatório final.

Objetivos:

Desenvolver capacidade de reflexão crítica sobre o ensino de Teatro no contexto escolar da

educação infantil e/ou no ensino fundamental, inter-relacionada com elementos antropológicos,

socioculturais e político-econômicos;

Possibilitar conhecimentos e habilidades didático-pedagógicas necessárias para elaboração

de planejamentos, formulação de objetivos;

Discutir sobre os processos avaliativos e a utilização de recursos materiais no Ensino de

Teatro na escola.

Programa:

Unidade 1: Metas educacionais, planejamentos, objetivos, avaliações e recursos materiais.

Unidade 2: Propostas de intervenções, observação na escola, plano de ensino e planos de

aulas.

Unidade 3: Acompanhamento de aulas de Teatro nas escolas da educação infantil e/ou no

ensino fundamental. Práticas pedagógicas supervisionadas.

Unidade 4: Estudos acerca da(s) infância(s) na contemporaneidade

Unidade 5: Avaliação das observações e intervenções na escola. Escrita do relatório.

Metodologia:

Aulas expositivas dialogadas, organizadas em dois momentos concomitantes:

Encontros semanais: 4 horas/aula por semana = 68 horas/aula no semestre/; Leitura,

reflexão e discussão sobre educação, através de textos previamente selecionados; Elaboração de

textos onde contemple as ideias principais do(s) autor(es), bem como, a opinião do aluno; Elaboração

do Plano de Ensino e Planos Diários das aulas; Orientações coletivas e individuais; Avaliação da

prática fundamentada teoricamente para elaboração e apresentação oral do Relatório Final de

Estágio;

Prática: 3 horas/aula por semana = 51 horas/aula no semestre; Contato com o campo de

trabalho e observações; Planejamento e pesquisa de atividades para o público-alvo e de acordo com

a realidade encontrada; Execução do Plano de Ensino com no mínimo 20 horas/aula (Escola Infantil

ou Ensino Fundamental); Elaboração de Planos Diários e reflexão da prática; Avaliação da prática

fundamentada teoricamente para elaboração do Relatório Final de Estágio.

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Avaliação:

A avaliação será contínua, de processo, não havendo possibilidade de recuperação ao final

do semestre, se não for realizada a prática na escola, de acordo com os critérios estabelecidos. O

não cumprimento dos prazos das entregas do plano de ensino e do relatório acarretará um desconto

de 10% da nota.

1ª nota: Plano de Ensino –10,0

2ª nota: Participação nas atividades em aula (discussões dos textos, seminários,

orientações, elaboração de textos/resumos) – 2,5 + Avaliação de desempenho – 7,5 = 10,0

3ª nota: Relatório Final de Estágio – 10,0

Bibliografia:

ARIÈS, P. História Social da Infância e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981.

BLANCH, M. T. MORAS, A., GASOL, A. 100 juegos de Teatro en la Educación Infantil. Barcelona,

Espanha: Ediciones CEAC, 2003.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais de 5ª a 8ª Séries: Arte. Brasília: Ministério da

Educação, Secretaria de Educação Fundamental, Brasília: MEC/SEF, 1998.

______. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: Ministério da Educação,

Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais de 1ª a 4ª Séries: Arte. Brasília: Ministério da

Educação, Secretaria de Educação Fundamental, Brasília: MEC/SEF, 2001.

______. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de

idade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.

BUJES, M. I. E. Escola Infantil: Pra que te quero? In: CRAIDY, Carmem Maria; KAERCHER, G. E.

Educação infantil. São Paulo: Artmed, 2000.

FERRAZ, M., FUSARI, M. F. Metodologia do ensino de arte: fundamentos e proposições. 2 ed. São

Paulo: Cortez, 2009.

HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2008.

SANTOS, V. L. B. Brincadeira e conhecimento: do faz-de-conta à representação teatral. Porto

Alegre: Mediação, 2002.

SLADE, P. O jogo dramático infantil. São Paulo: Summus, 1978.

SOUZA, L.F. Um palco para o conto de fadas: uma experiência teatral com crianças pequenas.

Porto Alegre: Ed. Mediação, 2008.

SPOLIN, V. Improvisação para o Teatro. 4 ed. São Paulo: Perspectiva.2005.

STOKOE, P., HARF, R. Expressão corporal na pré-escola. São Paulo: Summus, 1987

SULZBACH, L. A invenção da Infância. (Documentário). Porto Alegre/RS, M. Schmiedt Produções.

2000. 26 min. Son, Color, Formato: 16 mm.

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Anexo 3: Plano de Ensino do Estágio II

Ementa:

Vivências de situações práticas de ensino de Teatro no ensino médio e/ou técnico em

escola de ensino regular. Elaboração de plano de ensino, planos de aula e relatório final.

Objetivos:

Desenvolver capacidade de reflexão crítica sobre o ensino de Teatro no contexto escolar no

ensino médio e/ou técnico, inter-relacionada com elementos antropológicos, socioculturais e político-

econômicos;

Possibilitar conhecimentos e habilidades didático-pedagógicas necessárias para elaboração

de planejamentos, formulação de objetivos e desenvolvimento das aulas;

Discutir sobre os processos avaliativos e a utilização de recursos materiais no ensino de

Teatro na escola.

Programa:

Unidade 1: Metas educacionais, planejamentos, objetivos, avaliações e recursos materiais.

Unidade 2: Propostas de intervenções, plano de ensino e planos de aula.

Unidade 3: Acompanhamento de aulas de Teatro (arte) nas escolas no ensino médio.

Práticas pedagógicas supervisionadas.

Unidade 4: Avaliação das observações e intervenções na escola.

Unidade 5: Estudos sobre a escola e a juventude na contemporaneidade.

Unidade 6: Pesquisa temática sobre as práticas de ensino de Teatro desenvolvidas durante

o Estágio para relatório final.

Metodologia:

Aulas expositivas dialogadas, organizadas em dois momentos concomitantes:

Encontros semanais: 4 horas/aula por semana = 68 horas/aula no semestre; Leitura,

reflexão e discussão sobre educação, através de textos previamente selecionados; Elaboração de

textos que contemple as ideias principais do(s) autor(es), bem como a opinião do aluno;

Apresentação de seminários em grupos; Elaboração do Plano de Ensino e Planos Diários das aulas;

Orientações coletivas e individuais; Avaliação da prática fundamentada teoricamente para elaboração

e apresentação oral do Relatório Final de Estágio;

Prática: 3 horas/aula por semana = 51 horas/aula no semestre; Contato com o campo de

trabalho e observações; Planejamento e pesquisa de atividades para o público-alvo e de acordo com

a realidade encontrada; Execução do Plano de Ensino com no mínimo 20 horas/aula (Ensino Médio);

Elaboração de Planos Diários e reflexão da prática; Avaliação da prática fundamentada teoricamente

para elaboração do Relatório Final de Estágio.

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Avaliação:

A avaliação será contínua, de processo, não havendo possibilidade de recuperação

(exame/prova) ao final do semestre, se não for realizada a prática na escola, ou se não estiver de

acordo com os critérios estabelecidos, ou se não tiver frequência mínima de 75% nas aulas

semanais. O não cumprimento dos prazos das entregas do Plano de Ensino e do Relatório Final

acarretará um desconto de 20% da nota, podendo ainda o Relatório Final ser considerado como nota

de exame se entregue na semana de exames programada no calendário acadêmico da Instituição. A

média final será contabilizada a partir de 3 notas (com valor 10,0 cada) durante o semestre, as quais

serão atingidas a partir da seguinte distribuição:

NOTA 1 Plano de Ensino (individual) – 7,0; Seminário (grupo) – 3,0; TOTAL: 10,0

NOTA 2 Avaliação de Desempenho realizado pela orientadora – 5,0; Avaliação de

Desempenho realizado pela supervisão da escola – 2,5; Autoavaliação de Desempenho – 2,5.

TOTAL: 10,0

NOTA 3 Relatório Final (individual) – 9,0; Participação nas atividades de aula: discussões

dos textos; orientações; elaboração de textos/resumos (individual) – 1,0. TOTAL: 10,0

Bibliografia:

BOAL, A. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

BRASIL. MEC. Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional: Lei nº 9.394. Brasília, 1996.

________. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio – Parte II: Linguagens, Códigos e

suas Tecnologias. Secretaria de Educação Fundamental, Brasília: Ministério da Educação, Secretaria

de Educação Básica, 2000.

________.Orientações curriculares para o ensino médio: Linguagens e suas tecnologias. Brasília:

Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.

DESGRANGES, F. Pedagogia do Teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006.

ESTEBAN, M.T. A avaliação no cotidiano escolar. In: ________. (org.) Avaliação: uma prática em

busca de novos sentidos. Rio de Janeiro, DP&A, 1999.

FERRAZ, M. H., FUSARI, M. F. Metodologia do ensino de arte: fundamentos e proposições. 2 ed.

São Paulo: Cortez, 2009.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

________. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e

Terra, 1996.

GARCIA, R.L. A avaliação e suas implicações no fracasso/sucesso. In: ESTEBAN, M. T. (org.)

Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro, DP&A, 1999.

HARTMANN, L. O lugar da arte-educação no Brasil contemporâneo. In: HARTMANN, L.; FERREIRA,

T. História da Arte-educação 2 (módulo 16). Brasília: LGE Editora, 2009.

KOUDELA, I. D. Jogos Teatrais. São Paulo: Perspectiva, 1998.

SANTANA, A P. Ensino do Teatro e preparação de professores: o caso brasileiro. In: MACHADO, I.

[et al.] (orgs.). Teatro: ensino, teoria e prática. Uberlândia: EDUFU, 2004.

SPOLIN, V. Improvisação para o Teatro. 4 ed. São Paulo: Perspectiva.2005.

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Anexo 4: Plano de Ensino do Estágio III

Ementa:

Vivências de situações práticas de ensino de Teatro na comunidade. Elaboração de plano

de ensino, planos de aulas e relatório final.

Objetivos:

A prática de Teatro em comunidades: contato com práticas existentes; estudos de caso.

Perspectiva histórica da área. Objetivos e métodos. Planejamento e Projeto de Estágio. Sondagem de

temas para o desenvolvimento de trabalhos. Estágio supervisionado. Debate de questões advindas

da prática com grupo de orientandos em Estágio III e professor orientador.

Possibilitar conhecimentos e habilidades didático-pedagógicas necessárias para elaboração

de planejamentos, formulação de objetivos e desenvolvimento das aulas.

Discutir sobre os processos avaliativos e a utilização de recursos materiais no ensino de

Teatro em comunidades.

Programa:

Unidade 1: Metas educacionais, planejamentos, objetivos, avaliações e recursos materiais.

Unidade 2: Propostas de intervenções, plano de curso e planos de aula.

Unidade 3: Acompanhamento das oficinas de Teatro em comunidades, projetos sociais,

associações de bairro, etc. Práticas pedagógicas supervisionadas.

Unidade 4: Avaliação das observações e intervenções na comunidade.

Unidade 5: Seminários temáticos sobre as práticas de ensino de Teatro desenvolvidas

durante o Estágio.

Metodologia:

Aulas expositivas dialogadas, organizadas em dois momentos concomitantes:

Encontros semanais: 4 horas/aula por semana = 68 horas/aula no semestre

Leitura, reflexão e discussão sobre educação, Teatro e comunidade através de textos

previamente selecionados; Apresentação de seminários/estudos; Elaboração do Plano de Ensino e

Planos das aulas/oficinas/encontros; Orientações coletivas e individuais; Avaliação da prática

fundamentada teoricamente para elaboração e apresentação oral do Relatório Final de Estágio;

Prática: 6 horas/aula por semana = 102 horas/aula no semestre; Contato com o campo de

trabalho e observações: Pesquisa de campo; Planejamento e pesquisa de atividades para o público-

alvo e de acordo com a realidade encontrada; Execução do Plano de Ensino com no mínimo 40

horas; Elaboração de Planos Diários e reflexão da prática; Avaliação da prática fundamentada

teoricamente para elaboração do Relatório Final de Estágio.

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Avaliação:

A avaliação será contínua, de processo, não havendo possibilidade de recuperação

(exame/prova) ao final do semestre, se não for realizada a prática na comunidade, ou se não estiver

de acordo com os critérios estabelecidos. O não cumprimento dos prazos das entregas do plano de

ensino e do relatório acarretará um desconto de 20% da nota, podendo ser considerado como nota

de exame se entregue na semana de exames programada no calendário acadêmico. Será cobrada

75% de frequência nas aulas semanais.

Participação nas atividades em aula (discussões dos textos, apresentação de seminários;

orientações coletivas e individuais, supervisão da prática) – Peso 5;

Plano de Ensino – Peso 5;

Relatório Final de Estágio – Peso 10.

Bibliografia:

BOAL, A. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de janeiro: Civilização Brasileira,

1980.

________. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

DESGRANGES, F. Pedagogia do Teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec, 2006.

FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

________. Criando Métodos de Pesquisa Alternativa: aprendendo a fazê-lo melhor pela Ação. In:

Brandão, C. R., Pesquisa Participante, São Paulo: Brasiliense, 1981.

________. Ação Cultural para a Liberdade e outros Escritos, Rio: Paz e Terra, 1982.

KOUDELA, I. D. Jogos Teatrais. São Paulo: Perspectiva, 1998.

________. Um vôo brechtiano: teoria e prática da peça didática. São Paulo: Perspectiva: FAPESP,

1992.

________. Texto e Jogo. São Paulo: Perspectiva, 1999.

NOGUEIRA, M. P. Buscando uma interpretação teatral poética e dialógica com comunidades.

Revista Urdimento. Universidade do Estado de Santa Catarina, n. 4, p. 70-88, dez/2002.

________. Teatro e comunidade: dialogando com Brecht e Paulo Freire. Revista Urdimento.

Universidade do Estado de Santa Catarina, n. 9, p. 69-84 , dez/2007.

________. A opção pelo Teatro em comunidades: alternativas de pesquisa. Revista Urdimento.

Universidade do Estado de Santa Catarina, n. 10, p. 127-136 , dez/2008.

________. Tentando definir o Teatro na comunidade. Anais da IV Reunião Científica de Pesquisa e

Pós-Graduação em Artes Cênicas, 2008. p. 19-28.

RIBEIRO, J. M. B. (org.) Trajetórias e Políticas para o ensino das artes no Brasil: anais da XV

CONFAEB. Brasília: Ministério da Educação, 2009.

TELLES, N. Teatro Comunitário: Ensino e cidadania. In: MACHADO, I. [et al.]. Teatro: ensino, teoria e

prática. Uberlândia: EDUFU, 2004.

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Anexo 5: Carta de um acadêmico endereçada a sua turma do Estágio II

Queridos alunos da Turma 303 da escola Coronel Pedro Osório,

Chego em casa já não me aguentando de vontade de escrever. Escrevo

aqui o que não consegui, ou melhor, o que não conseguiria falar neste nosso ultimo

encontro formal.

Vocês me ajudaram a passar de uma parte importante em minha vida.

Sempre tive uma grande resistência a prática da docência. Sempre falei e gritei que

não gostaria jamais de ser professor. Pois é, queridos alunos, as coisas para mim

mudaram. Vocês fizeram com que eu acreditasse na prática do teatro como um meio

de formação de seres pensantes, de seres racionais, verdadeiramente racionais. Era

um prazer me encontrar com vocês nas quintas pela manhã. Na minha prática com o

antigo estágio, com crianças, tive uma grande frustração, por perceber o quanto eles

estavam próximos de uma vida marginalizada e vulneráveis a serem seduzidos pela

maldade. Com vocês, pude perceber que ainda podemos acreditar nos seres

humanos, que o mundo não está perdido ainda, graças a jovens como nós que

estamos aqui tentando crescer e aprender. Vocês também estão em um momento

muito importante, e aconselho vocês que aproveitem! Sinto saudade de quando

estava desfrutando da mesma fase em que vocês se encontram agora.

Durante nossos dez encontros, percebi em muitos (mesmo que as vezes

sem a atenção necessária por parte destes) uma certa disponibilidade maior para a

prática! Refiro-me a um certo talento natural. Gostei muito de trabalhar com vocês, e

perceber as peculiaridades de cada um. Aprendi muito com todos. Ficaria difícil

descrever o quanto vocês contribuíram para minha formação de professor e

atorprofessor. Após esta ultima aula, só me arrependo de uma coisa: de não ter

realizado, junto a vocês mais performances pelas ruas de Pelotas. Teria sido muito

bom terminar esse estágio com um repertório de performances desenvolvidas por

vocês! Vocês perceberam que realmente quebramos o cotidiano das pessoas? E

perceberam que quebramos o nosso cotidiano também? Tornamos diferente o dia

de muitas pessoas. A performance vem como modo de experimentação. Foi muito

prazerosa essa experiência com vocês!

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É com muita felicidade que concluo este estágio, e ressalto: Coisa bem boa

se todas as turmas fossem como vocês!

Carlos me perguntou uma coisa quando saí de aula hoje. Ele disse: Então ta

tudo acabado professor?

No momento, me sentido sem resposta em frente a uma certa “tristeza” por

“deixá-los” respondi: Sim, acabou.

Na verdade com essa afirmativa menti. Peço desculpas por ter lhes faltado

com a verdade. A resposta correta, Carlos, é: Não, não está tudo acabado. As aulas

de teatro com vocês terminaram, realmente e admito que até, infelizmente. Mas não

está tudo acabado, por que fica a lembrança da experiência, dos nossos jogos, das

minhas aulas chatas contando sobre a teoria e o conceito de performance. Além

destas lembranças fica nossa amizade, e para mim, ainda fica o reconhecimento de

quanto vocês foram importantes na minha história, tendo participado do que mais

me fa feliz, o Teatro.

Jú, obrigado pelo “Boa Sorte”, agradeço e fico muito feliz com essas suas

“ultimas palavras”. Quero ressaltar aqui, que desejo muita sorte e sucesso para

todos vocês neste grande palco da vida! Como dizemos no Teatro, Merda a todos!

Desculpem a saída quase fugida da sala, é que como todo artista, a minha

sensibilidade é bem salientada na personalidade e odeio despedidas.

Pois então, jovens brilhantes, muito bom ter dividido algumas horas de

minhas manhãs com vocês. Apesar de não ter decorado o nome de todos, saibam,

que cada um representa uma pessoa importante para mim.

Acho que é isso, que fique claro que a performance é a arte do real, que a

realidade está a todo momento presente nesta arte. O performer não representa um

papel, ele realiza uma ação real em frente ao público. Aproveitem e façam suas

performances diárias. Não representem, sejam! Deixem as máscaras para o velho

teatro tradicional, nós, como seres pós-modernos devemos nos mostrar e assumir

como somos. Sejam corajosos sempre! E não tenham vergonha de se expor neste

espetáculo chamado vida! O antídoto mágico para não precisar se envergonhar de

nada é: jamais extrapolar os limites da bondade! O mundo precisa de pessoas como

vocês, jovens, bonitos, cheios de vida e com muita bondade para distribuir. Seja pelo

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meio do teatro, da música, da matemática... não importa o caminho, o que importa é

a direção.

Como dizia o poeta das coisas simples:

[...] existe somente uma idade para agente ser feliz [...]

[...] essa idade tão fugaz na vida d’agente,

Chama-se presente, e tem a duração do instante que passa.

Mário Quintana

Como já disse: Não está tudo acabado! É apenas um novo fechar de

cortinas. Agora seguiremos, seja pelos palcos da vida ou pela vida dos palcos, não

importa. O importante é sempre abrir novamente as cortinas a cada recomeço, e

mostrar, sem medo o processo pelo qual estamos passando.

Muito obrigado pela parceria, paciência e compreensão. Sintam-se todos

abraçados com carinho. Novamente lhes desejo sorte, e não se esqueçam do meu

convite para a formatura! (EbII, 2011, p. 13-15).