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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS INSTITUTO DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO VÍVIAN SILVA AS ESCRITORAS DE GRAFITE DE PORTO ALEGRE: UM ESTUDO SOBRE AS POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO DE IDENTIDADE ATRAVÉS DESSA ARTE. PELOTAS 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS INSTITUTO DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

VÍVIAN SILVA

AS ESCRITORAS DE GRAFITE DE PORTO ALEGRE: UM ESTUDO SOBRE AS POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO DE IDENTIDADE

ATRAVÉS DESSA ARTE.

PELOTAS 2008

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VÍVIAN SILVA

AS ESCRITORAS DE GRAFITE DE PORTO ALEGRE: UM ESTUDO SOBRE AS POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO DE IDENTIDADE ATRAVÉS DESSA ARTE.

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Orientadora: Profª. Dra. Beatriz Ana Loner

PELOTAS 2008

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Dados de catalogação na fonte:

Aydê Andrade de Oliveira CRB - 10/864

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS INSTITUTO DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

VÍVIAN SILVA

S586e Silva, Vívian. As escritoras de grafite de Porto Alegre: um estudo sobre as possibilidades de formação de identidade através dessa arte / Eugênia Antunes Dias. - Pelotas, 2008. 112f. : il. ; tab. ; graf. ; mapas

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Instituto de Sociologia e Política. Universidade Federal de Pelotas.

1. Ciências sociais. 2. Grafite. 3. Identidade. 4.

Movimento hip hop I. Loner, Beatriz Ana, orient. II. Título.

CDD 306.4081652

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AS ESCRITORAS DE GRAFITE DE PORTO ALEGRE: UM ESTUDO SOBRE AS POSSIBILIDADES DE FORMAÇÃO DE IDENTIDADE

ATRAVÉS DESSA ARTE.

BANCA EXAMINADORA:

Dra Beatriz Ana Loner (Orientadora)

Dra. Eliane Ribeiro Pardo

Dr. Wilson José Ferreira de Oliveira

___________________________________________________________________ Dra. Lorena Gill

Data: ___________________

PELOTAS 2008

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AGRADECIMENTOS

A Gilson Antunes, fonte de energia intelectual e sensibilidade humana, sem a

qual esta dissertação não teria sido possível.

A todas as grafiteiras entrevistadas, e especialmente Sabrina Brum, que com

suas trajetórias de vida contribuem para que o grafite respeite e valorize as

mulheres.

Aos informantes grafiteiros entrevistados que contribuíram com este estudo.

À professora Beatriz Ana Loner, minha orientadora, pela cumplicidade, pelas

sugestões e críticas, enfim pela confiança despertada durante a realização deste

trabalho.

Aos professores Álvaro Barreto, Daniel de Mendonça, Lorena Gill, William

Soto, Wilson Oliveira, pela atenção dispensada.

À minha mãe Eliane, minha avó, minha tia avó e toda minha família sempre

pronta para ajudar.

À minha grande amiga Loren, que acompanha meus passos desde a

graduação e por sempre acreditar em mim.

Às minhas colegas de mestrado Cíntia e Cláudia, pelas vivências de amizade

e os momentos de descontração vividos real e virtualmente.

À Capes por conceder a bolsa de estudo para a realização deste trabalho.

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“Tudo entra p’ra história, tudo que vivemos e ainda queremos viver dura eternamente; o ensinamento que aprendemos na vida nos mostra tudo isso. Eu amo o que faço e mais ainda

amo ensinar o que sei, também sei que um pouquinho de mim fica presente em muitas coisas e em muitas pessoas. A vida

nos traz ensinamentos mágicos e é com eles que nos desenvolvemos e que aprendemos. O que nos resta é

aprender...”.

S. - grafiteira de Porto Alegre

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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo analisar a formação de identidade social das

grafiteiras de Porto Alegre. Estas escritoras de rua imprimem nos muros uma prática

de construção de identidade, como mulheres conquistando espaço em um território

até então predominantemente masculino - o “mundo” do grafite e do hip hop. É

possível perceber o grafite como um elemento de expressão sócio-cultural cada vez

mais difundido nas paredes da metrópole. Ao andar pelas ruas da cidade percebe-se

que as meninas envolvidas possuem semelhanças em suas peças de vestuário e

gírias; identificam-se através de elementos audiovisuais em suas vivencias

cotidianas. Os dados desta pesquisa constituem-se em fontes orais, através de

entrevistas semi-estruturadas, que, após sua transcrição são analisadas através da

análise de conteúdo. A técnica de entrevista é utilizada, para manter conversações

com o público alvo sobre um leque de tópicos que possibilitem chegar aos

elementos construtivos das identidades dessas jovens. São utilizados autores das

Ciências Sociais como Erving Goffman, Manuel Castells, Stuart Hall que refletem

sobre a noção de identidade.

Palavras-chave: Identidade. Grafite. Movimento hip hop. Grafiteira.

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ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the formation of social identity of grafiteiras of Porto

Alegre. These writers of streets print in walls one practical of identity construction, as

women conquering space in a predominantly masculine territory until then - the

“world” of the graphite and hip hop. You can see the graffiti as an expression of

socio-cultural increasingly widespread in the wall of the metropolis. When walking

through the streets of the city realizes is that the girls involved have similarities in

their pieces of clothing and slang; identify themselves with audiovisual elements in

their everyday experiences. The data from this research are themselves in oral

sources, through semi-structured interviews, that after his transcript is reviewed by

analysing the content. The technique of interview is used to hold talks with the

audience on a range of topics enabling reach the constructive elements of the

identities of these young people. They are used authors of Social Sciences as Erving

Goffman, Manuel Castells, Stuart Hall that reflect on the notion of identity.

Keywords: Identity. Graffiti, Hip hop movement. Grafiteira.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Crew Zombando nos bastidores de um grafite 30

Figura 2 - Grafite concluído no Palácio das Artes em BH 31

Figura 3 - Muro da Associação de Moradores da Vila dos Papeleiros 64

Figura 4 - Muro da Associação dos moradores da Vila dos Papeleiros 65

Figura 5 - Pintura no loteamento da Vila Planetário 67

Fluxograma 1 - Modelo de como as grafiteiras chegaram a grafitagem 58

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LISTA DE MAPAS E QUADROS Mapa 1 - Mapa Social dos Locais de Grafitagem 84

Mapa 2 - Mapa dos Locais de Grafitagem 86

QUADRO 1 - Série histórica de reportagens do Jornal Correio do Povo

sobre a pichação

95

QUADRO 2 - Série histórica de reportagens do Jornal Correio do Povo

apontando os locais de grafitagem em Porto Alegre 97

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12 O campo de pesquisa e o universo de análise 15 A organização da dissertação 16

CAPÍTULO I 17 1 IDENTIDADE NO CONTEXTO GLOBALIZADO 17 1.1 Algumas considerações teóricas sobre a formação de

identidade

18 1.2 Articulação do grafite no hip hop 26 1.3 Articulação do grafite desconectado do hip hop 34 1.4 Presença feminina no universo masculino da grafitagem 36 CAPÍTULO II 48

2 CONSTRUÇÃO DO CORPUS DISCURSIVO DAS GRAFITEIRAS

48

2.1 As grafiteiras entrevistadas 48 2.2 Como chegou a grafitagem 51

2.3 Os grafiteiros entrevistados 59 2.4 Situação atual das grafiteiras 63 2.5 Espaços de convivência das (os) grafiteiras (os) 69 2.6 O que mais marcou na experiência de grafitar 71 CAPÍTULO III 81

3 PESQUISANDO SOBRE GRAFITE NO CORREIO DO POVO 81 3.1 Espacialização dos locais de grafitagem em Porto Alegre 81 3.2 “Vândalos” que agem nas madrugadas e grafite 91 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 100

REFERÊNCIAS 105 ANEXOS 109 ANEXO A - Fotoblog de grafiteira porto-alegrense 110 ANEXO B - Página Grafiteiras BR 111

ANEXO C - ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA)

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INTRODUÇÃO

“As escritoras de grafite de Porto Alegre: Um estudo sobre as possibilidades

de formação de identidade através dessa arte” é uma dissertação de mestrado na

área das Ciências Sociais que pretende contribuir para a discussão, multifacetada e

complexa, sobre a formação da identidade das grafiteiras da capital gaúcha, levando

em consideração suas experiências de vida cotidiana, estabelecidas no ambiente da

grafitagem na capital gaúcha.

O meu interesse pelo tema grafite feminino tem origem na elaboração do

trabalho de conclusão do Curso de Pós-Graduação em Projetos Sociais e Culturais

pelo IFCH/UFRGS. Como a exigência para obtenção do título de Especialista em

Projetos Sociais e Culturais era a apresentação de um projeto sócio-cultural, o meu

teve como título: “HIP-HOP IN OFFcina”.

A preocupação com o assunto fez com que, ao ingressar no mestrado, em

2006, fizesse um recorte, o que me levou a trabalhar apenas com a expressão

estético visual do hip hop e das pinturas de rua não vinculadas ao mesmo. Esta

manifestação artística está relacionada à emergência de novos movimentos sociais,

inclusive com a participação feminina e à sua luta por direitos de cidadania, e é

exatamente essa forma de inserção social um campo possível de ser explorado pela

sociologia.

Esta investigação tem como objetivo analisar as formas de construção de

identidade social, por parte das meninas que grafitam em Porto Alegre, com o fim de

perceber suas formas de manifestação e suas possibilidades de inserção, além das

características socioeconômicas e culturais desse grupo.

Em outros termos, procura-se mapear os locais de grafitagem na metrópole

gaúcha, identificar as possibilidades de interação social através da arte do grafite e

os aspectos que formam a identidade dessas mulheres; construir uma base

qualitativa que permita a compreensão da divulgação das notícias pertinentes à

grafitagem através do jornal Correio do Povo.

A hipótese fundamental que orienta esse trabalho é que jovens mulheres de

Porto Alegre encontram na pintura de rua um espaço social passível de incorporá-

las, ao mesmo tempo e de forma positiva, tanto no movimento hip hop, quanto na

sociedade, com o grafite auxiliando a formar uma identidade própria desse grupo.

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Para analisar a formação de identidade social das jovens que fazem grafite

em Porto Alegre, busca-se dar conta da variedade dos discursos e seus emissores.

O trabalho de construção de um objeto de estudo e de sua observação e registro

estão articulados e desempenham um papel vital no processo de produção do

conhecimento acadêmico. Assim:

Embora não existam regras fixas acerca do que observar, há itens que, em virtude de serem significativos, costumam ser considerados pelos pesquisadores: a) Os sujeitos. Quem são os participantes? Quantos são? A que sexo pertencem? Quais as suas idades? Como se vestem? Que adornos utilizam? O que os movimentos de seu corpo expressam? b) O cenário. Onde as pessoas se situam? Quais as características desse local? Com que sistema social pode ser identificado? c) O comportamento social. O que realmente ocorre em termos sociais? Como as pessoas se relacionam? De que modo o fazem? Que linguagem utilizam? (GIL, 1999, p.112).

Os dados desta pesquisa constituem-se em fontes orais, através de

entrevistas semi-estruturadas, que, após sua transcrição, são analisadas através da

análise de conteúdo. Os relatos das entrevistadas foram gravados em MP4 e

passados para a forma de texto escrito, via transcrição. A transformação destes

dados coletados em resultados do estudo envolve a utilização de determinados

procedimentos metodológicos para sistematizar, categorizar e tornar possível a

análise. Para este procedimento utiliza-se o software NVIVO para auxiliar a

compreensão da formação de identidades das jovens que grafitam na capital.

A técnica de entrevista é empregada para manter conversações com o

público alvo sobre um leque de tópicos que possibilitem chegar aos elementos

construtivos das identidades dessas jovens. Usa-se a técnica de entrevistas semi–

estruturadas, pois elas possibilitam maior interação com as informantes e maior

liberdade de interferência, pela pesquisadora no momento da entrevista. Destaca-se

que a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas,

ao contrário, explorar o espectro de opiniões e as diferentes representações sobre o

assunto em questão (BAUER E GASKELL, 2000).

O universo de análise foi composto por doze entrevistas (Anexo C) realizadas

em locais escolhidos pelas(os) informantes. A seleção das(os) entrevistadas(os)

iniciou em janeiro de 2007, quando comecei a freqüentar os eventos de hip hop1 e a

1 São os espaços onde acontecem atividades de grafitagem, de dança, de música.

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galeria Mundo Arte Global2. Desta maneira, se estabeleceu uma rede de relações

com os grafiteiros e uma grafiteira, e isto possibilitou o acesso às poucas mulheres

que pintam nos muros da cidade.

Foram entrevistados doze jovens que grafitam nas ruas da capital. Nando é

escritor de grafite e pichador, pai de um menino de seis meses, morador da Lomba

do Pinheiro. Cássio tem 31 anos de idade, não tem filhos e mora no centro da

capital. Mara é uma grafiteira de 21 anos, sem filhos, moradora da Agronomia.

Jacques, de 25 anos, pai de uma menina de 4 anos, é morador da Restinga. A

grafiteira Alice de 20 anos, não tem filhos e é moradora do Bom Fim. Aline é uma

pintora de rua (como se autodenomina) tem 26 anos, não tem filhos e reside no

Morro Santana. A grafiteira Sasinha tem 23 anos é mãe de uma menina e moradora

da Restinga. Estranha, tem 21 anos, é recepcionista e pintora de rua, mora na vila

Bom Jesus e não tem filhos. Joana, de 23 anos, é mãe de uma menina de um ano e

moradora da Agronomia. Andréia tem 21 anos de idade, sem filhos, e mora no

bairro Petrópolis. Paulina, 24 anos, foi entrevistada em sua casa, na tarde de 15 de

setembro, no bairro Bela Vista, não tem filhos. A última entrevistada falou comigo na

livraria em que trabalha. Clara tem 20 anos, não tem filhos e mora no bairro

Petrópolis.

As opiniões ou atitudes das grafiteiras podem ter ciclos diversos, resultando

em "corpus diferentes". Assim, se tivéssemos entrevistado as grafiteiras dos anos

90, veríamos diferenciações em relação às grafiteiras entrevistadas em 2007. Isto

porque a dinâmica de nossa sociedade é muito rápida e assim também evoluem

rapidamente as práticas e atitudes culturais permitidas.

As referências teóricas que norteiam esta pesquisa estão distribuídas da

seguinte maneira: apresenta-se, inicialmente, diferentes abordagens e alguns

autores que investigam o conceito de identidade, já que não seria possível

apresentar todos os usos feitos desta noção nas ciências sociais. Proponho discutir

tal conceito a partir de uma abordagem específica, contemplando principalmente as

contribuições de Erving Goffman, com sua perspectiva teórica filiada ao

interacionismo simbólico, e de Stuart Hall que reflete sobre como as identidades são

formadas na modernidade.

2 Local que abriga grafite de homens e mulheres ligados ou não ao movimento hip hop.

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Mas é preciso reforçar a idéia de que a compressão do espaço – tempo,

formulada por Stuart Hall (2005, p. 69), nos ajuda a pensar sobre as identidades

forjadas pelas grafiteiras, uma vez que o impacto provocado pela globalização pode

ter influência na formação de sua identidade. Considera-se, também, a perspectiva

analítica dramatúrgica de Erving Goffman (1985) focada na situação vivida durante a

interação face a face dos atores sociais.

Na discussão sobre as representações das mulheres grafiteiras utiliza-se

algumas contribuições quanto à perspectiva das relações de gênero a partir da

análise de Pierre Bourdieu (2002) em A Dominação Masculina. Lembra-se que os

espaços de grafitagem nos quais essas mulheres grafiteiras estão envolvidas se

localizam na periferia, nos bairros, no centro da cidade e, eventualmente, até fora do

Estado do Rio Grande do Sul, quando vão a algum evento nacional.

Embora as mulheres ainda ocupem um papel secundário no grafite, elas

despertam interesse como objeto de pesquisa nas universidades brasileiras. A

literatura especializada sobre o tema começa a ser escrita por Wivian Weller (2000)

e Viviane Magro (2003), dentre outras que servem como referência teórica para

abordar a identidade das grafiteiras gaúchas.

O campo de pesquisa e o universo de análise

O trabalho de campo foi realizado durante aproximadamente um ano na

cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, que atualmente possui uma

população de aproximadamente 1.416.3633 habitantes, sendo que 365.090 são

jovens, o que significa que 26% da população têm idade entre 15 e 29 anos.

Em 1989, a Administração Popular, gestão de Olívio Dutra do PT (Partido dos

Trabalhadores), implementou o Orçamento Participativo e nele, em relação à

representação espacial, a cidade de Porto Alegre está dividida em 16 regiões:

Humaitá /Ilhas, Noroeste, Leste, Lomba do Pinheiro, Norte, Nordeste, Partenon,

Restinga, Glória, Cruzeiro, Cristal, Centro-sul, Extremo-Sul, Eixo Baltazar, Sul e

Centro. Neste estudo, os locais de grafitagem foram mapeados de acordo com esta

divisão geográfica e a partir das matérias do jornal Correio do Povo4. Esse jornal

3 Fonte: IBGE/2004. 4 Jornal de Porto Alegre, pioneiro, na América do Sul a utilizar o sistema de transmissão digitalizada via satélite. Circula em todas as cidades do RS, chegando também a SC, PR e Brasília.

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constitui-se como fonte de dados secundários do período de 1999 a 2006. Nesse

período a metrópole gaúcha foi administrada por Raul Pont - PT (1997-2000), Tarso

Genro - PT (2001-2002), novamente, João Verle - PT (2002-2004). José Fogaça foi

eleito pelo PPS e atualmente está no PMDB. O atual prefeito administrará a cidade

até 2008.

A organização da dissertação

Esta dissertação está dividida em três capítulos. O primeiro apresenta

algumas considerações teóricas sobre a formação de identidades no contexto do

mundo globalizado, que forma um mapeamento da abordagem deste tema. Também

se utilizam considerações de autores que estudam o movimento hip hop, e discute-

se brevemente a posição da mulher no espaço da grafitagem.

No segundo capítulo se descrevem as(os) informantes. Destaca-se a

construção do corpus discursivo das grafiteiras, sobre como chegou ao universo da

grafitagem, a situação atual como grafiteira, os espaços de convivência que elas

apontam, e, finalmente, o que mais as marcou na experiência de pintar nas ruas.

Evidencia-se o aspecto metodológico do estudo qualitativo através da utilização do

software NVIVO na construção do corpus discursivo das grafiteiras.

No terceiro capítulo se utilizam as matérias do Jornal Correio do Povo. A

escolha deste veículo de comunicação impressa deve-se ao fato de possibilitar a

realização de buscas e uma varredura por palavras na Internet. A partir desses

dados apresenta-se a espacialização dos locais de grafitagem e a discussão sobre a

diferenciação entre pichação e grafite.

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CAPÍTULO I

1 IDENTIDADE NO CONTEXTO GLOBALIZADO

Atualmente assistimos a um rápido desenvolvimento tecnológico, pelo qual

entramos na era digital, com grande quantidade de informações e redes de

conhecimento cada vez mais complexas. Paradoxalmente a esse contexto

informacional, temos uma outra face desta realidade social, que apresenta conflitos

sócioculturais que geram violência, racismo, preconceito e desigualdades sociais,

observadas no cotidiano, principalmente das populações marginalizadas

socialmente e que não têm acesso ao desenvolvimento tecnológico, sendo que

alguns nem sequer alcançam condições básicas de sobrevivência.

Na obra: Da sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna de Kumar (1997, p.

178) ele observa que talvez se esteja numa ordem econômica autenticamente nova,

que está emergindo a partir de transformações que ocorrem na organização

industrial e também no mundo do trabalho e que grande parte desse fenômeno

social ocorre em conseqüência da nova divisão internacional do trabalho e da

globalização. Pondera o autor: Estamos, de qualquer modo, envolvidos demais nesses fenômenos para podermos julgar com confiança se uma ordem econômica autenticamente nova está emergindo. Mas podemos observar grandes mudanças no caráter da organização industrial e na natureza do trabalho. Grande parte disso é conseqüência da nova divisão internacional do trabalho e do capitalismo em escala global.

Há os movimentos sociais que sublinham as peculiaridades, como nos casos

dos movimentos étnicos, de juventude, de gênero, entre outros. Em contraste com a

universalidade e a generalidade da economia e do meio ambiente global, eles

chamam a atenção para particularidades do grupo, lugar, comunidade e história

(KUMAR,1997). É desta forma que os novos movimentos sociais estão situados no

ambiente globalizado e da sociedade de informação, enfim, pós-moderna. É uma

tarefa complicada definir o que é pós-moderno, de qualquer modo, entende-se que a

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pós-modernidade refere-se a um contexto em que as informações chegam, em

tempo real, a qualquer parte do mundo; é um contexto de um mundo globalizado.

1.1 Algumas considerações teóricas sobre a formação de identidade

Para investigar a formação de identidade em relação às práticas das jovens,

que fazem grafite na cidade de Porto Alegre, é necessário situar alguns

pressupostos teóricos que sustentam a constituição desta categoria analítica

produzida por estudiosos como Stuart Hall (2005). Para este autor, atualmente, não

é possível comprometer-se com uma única identidade fixa para toda vida. Assim,

somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de

identidades possíveis. Elas sempre existem relacionadas às outras identidades do

ator social. A identificação caminha de mãos dadas com a diferenciação, no interior

das interações que constituem as identidades dos grupos sociais, imersos em uma

diversidade cultural.

Stuart Hall (2005, p.10-11) um dos principais teóricos a dedicar–se à noção

de identidade cultural, reflete a cerca de que maneira os indivíduos se comportam no

mundo globalizado e interagem através das relações sociais estabelecidas entre si e

entre os grupos e questiona-se sobre uma possível crise de identidade no mundo

atual. Propõe-se a compreender algumas questões relativas à identidade cultural e

distingue três concepções de identidade ao longo do tempo, que servem de suporte

para a obra A identidade cultural na pós-modernidade:

O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades da razão, de consciência e ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior [...] G.H Mead, C.H Cooley e os interacionistas simbólicos são a figura-chave na sociologia que elaboram essa concepção “interativa” da identidade e do eu. [...] o sujeito pós–moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. [...] deve-se ter em mente que as três concepções de sujeito acima são, em alguma medida simplificações.

Dessa maneira, ele observa que a concepção de identidade do sujeito do

iluminismo é a que o trata como possuidor de uma única identidade determinada

pelo papel produtivo desempenhado em tal sociedade. Nos estados pré-modernos

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nascia-se com uma identidade e carregava-se a mesma para a vida inteira. Por

exemplo, ter nascido na burguesia significava viver a vida inteira como burguês.

Atualmente, este modelo explicativo torna-se inadequado para pensar as

identidades em nosso tempo:

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas [...] A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. (HALL, 2005, p.13).

Já a concepção de identidade do sujeito sociológico está associada,

predominantemente, à corrente teórica da sociologia denominada interacionismo

simbólico. A concepção desta corrente de pensamento sociológico parece dar conta,

de maneira bastante satisfatória, de investigações sobre a formação de identidades

em uma sociedade. O interacionismo simbólico concentra-se nos estudos de

interação face a face, utiliza a observação participante e entrevistas, a fim de

compreender as relações sociais entre os indivíduos. Os sujeitos vêem a si mesmos,

indiretamente, levando em consideração, sobretudo, a visão que os outros possuem

deles próprios.

O interacionismo afirma que o mundo simbólico é construído nas interações

entre duas ou mais pessoas. Trata-se de uma corrente de pensamento que possui

uma percepção profundamente empirista, por exemplo, os estudos dos músicos de

jazz realizado por Howard Becker. Erving Goffman (1985, p.15) é um dos autores

que trabalha inclinado a uma visão interacionista da sociologia. Ele pesquisou e

estudou profundamente o comportamento dos indivíduos em diversas comunidades

urbanas, como os pacientes mentais de um hospital psiquiátrico, na obra

Manicômios, Prisões e Conventos. Em sua obra A Representação do eu na vida

cotidiana (1985) se detém no aspecto que o ator social representa um personagem

diante do público:

[...] Quando um indivíduo chega diante de outros suas ações influenciarão a definição da situação que se vai apresentar. Às vezes, agirá de maneira completamente calculada, expressando-se de determinada forma somente para dar aos outros o tipo de impressão que irá provavelmente levá-los a uma resposta específica que lhe interessa obter.

Essa obra do autor remete à identidade pessoal relacionada com a

pressuposição de que ele (o indivíduo) pode ser diferenciado de todos os outros.

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A informação que o indivíduo transmite sobre si próprio envolve as percepções de

quem somos, em relação a nós e em relação aos outros. Assim, identifica dois tipos

de identidades sociais: a identidade social virtual, em que temos a imagem social do

indivíduo que nós mesmos criamos e a identidade social real que se refere aos

atributos que o ator social possui. O objetivo da obra A Representação do Eu na

Vida Cotidiana:

Para o objetivo deste trabalho, a interação (isto é a interação face a face) pode ser definida, em linhas gerais, como a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata. Uma interação pode ser definida como toda interação que ocorre em qualquer ocasião, quando, num conjunto de indivíduos, uns se encontram na presença imediata de outros (GOFFMAN, 1985, p.23).

A contribuição de Goffman para a sociologia está associada ao uso de

imagens dramatúrgicas aplicadas ao campo de pesquisa micro-sociológica. A

perspectiva teatral refere-se a um método que usa a metáfora do palco, atores e

platéias para observar e analisar as complexidades do mundo atual (JOHNSON,

1997, p. 174), ou seja, é um artifício metodológico para analisar a realidade social.

Erving Goffman (1985) funda as categorias “ator” e “platéia” para investigar

fenômenos sociais. No modelo dramatúrgico, o ator social busca oferecer uma

imagem de si que lhe garanta o controle da interação. Ou seja, a perspectiva

interacionista pode ser adequada para observar detalhes concretos do que acontece

entre atores sociais na vida cotidiana. É fundamental analisar a interação social

quando se estuda a formação de identidade de um indivíduo ou de um grupo.

Goffman não desconsidera questões políticas, técnicas, não nega a influência

destas esferas macrossociais nas relações sociais cotidianas. Mas o autor investiga

a estrutura social a partir de microestruturas, que são as interações sociais.

Assim, a constituição de uma identidade pessoal e social se dá a partir de

interesses e definições de outros atores sociais em relação à identidade investigada.

Trata-se de dois tipos de identidade. No caso das grafiteiras, o processo de

identificação pessoal pode ser observado claramente na escolha de uma marca que

é bastante padronizada, como o conteúdo dos desenhos das mulheres que pintam

em Porto Alegre, e os apelidos que elas utilizam para assinar os grafites. Por

exemplo, uma das entrevistadas assina suas pinturas através do apelido Kah (é a

abreviatura de seu apelido Jamaica) e sempre desenha bonecas negras (e

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pescoçudas); outra grafiteira costuma a grafitar pássaros e assina suas pinturas

como Menina.

A identidade pessoal, então, está relacionada com a pressuposição de que ele pode ser diferenciado de todos os outros e que, em torno desses meios de diferenciação, podem-se apegar e entrelaçar, como açúcar cristalizado, criando uma história contínua e única de fatos sociais que se torna, então, a substância pegajosa à qual vêm-se agregar outros fatos biográficos. O que é difícil de perceber é que a identidade pessoal pode desempenhar, e desempenha, um papel estruturado, rotineiro e padronizado na organização social justamente devido à sua unicidade (GOFFMAN, 1988, p.67).

Desta maneira, o apelido e os personagens de cada uma das entrevistadas

constitui-se na identidade pessoal delas no universo do grafite. A identificação

pessoal é permeada pela idéia implícita da noção de unicidade de uma grafiteiro, é o

“apoio de identidade”. Por exemplo, a imagem do desenho do grafite na mente

das(os) outras(os) grafiteiras(os) determina a identificação na rede dos grupos de

grafitagem. Ou seja, os outros membros do grupo, ao enxergarem certas formas

desenhadas nos muros, identificam a pessoa que realizou aquele “trampo”5.

Mesmo autores com propostas diferentes sinalizam a importância da obra de

Erving Goffman, como Bourdieu (1982) em um texto publicado no jornal Le Monde6:

A obra de Goffman representa o produto mais bem-sucedido de uma das maneiras mais originais e raras de praticar a sociologia: aquela que consiste em olhar de perto e longamente a realidade social, em vestir o avental de médico para penetrar no asilo psiquiátrico e se colocar assim no próprio espaço desta infinidade de interações “infinitesimais” cuja integração faz a vida social. Goffman teria sido aquele que fez com que a sociologia descobrisse o infinitivamente pequeno: aquilo mesmo que os teóricos sem objeto e os observadores sem conceitos não sabiam perceber e que permanecia ignorado, porque muito evidente, como tudo o que é muito óbvio.

A concepção de identidade do sujeito sociológico está relacionada

predominantemente ao interacionismo simbólico segundo Stuart Hall (2005). O autor

desenvolve esta concepção em relação à complexidade do mundo moderno. Desta

maneira o eu e a sociedade interagem para formar identidades.

5 Trabalho final desenhado pelas (os) grafiteiras (os). 6 Esta passagem de texto foi retirada de um artigo publicado originalmente no jornal Le Monde de 4 de dezembro de 1982, chamado Goffman, o descobridor do infinitamente pequeno escrito por Bourdieu e reproduzido no livro Erving Goffman Desbravador do Cotidiano, a referência completa está nas Referências Bibliográficas desta pesquisa .

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Retomando a perspectiva de Stuart Hall (2005, p. 13) entende-se a identidade

como um processo sempre em construção. Podem-se pensar as diferentes

“identidades” presentes em diversas ocasiões do dia-a-dia. Por exemplo, uma

mulher que pinta nos muros, ora participa da reunião de mães na escola de seus

filhos, ora ministra aulas de grafite, ora freqüenta reuniões com a prefeitura e

apresenta projetos culturais que envolvem o grafite. Em todos esses casos o

grafiteiro é, em certo sentido, posicionado pelos outros atores sociais com os quais

ele interage e também se posicionará de acordo com cada evento. O que se

apresenta são identidades de trabalhador, de mãe, de professor, de grafiteiro, que

podem se cruzar ou ser competitivas entre si.

Stuart Hall põe ênfase no fato de que as identidades são posições que o

sujeito é obrigado a assumir e que a prática discursiva molda a identidade. O

caráter dinâmico do conceito de identidade tem relação com os objetivos a serem

atingidos, ou seja, com as escolhas feitas socialmente (BAUMAN, 2005, p. 55). Por

exemplo, as grafiteiras podem escolher participar de uma grafitagem na sua

comunidade, no seu bairro, ou no centro da cidade em um evento da prefeitura que

terá cobertura da imprensa; enfim, a grafitagem terá mais visibilidade, são escolhas

que revelam o caminho que ela traça nos eventos de grafite. As identidades estão

relacionadas diretamente com a maneira de nos apresentarmos em um determinado

contexto e de como somos vistos durante os diversos momentos de interação social

de que participamos cotidianamente em um mundo globalizado.

Nesse sentido, vale considerar que, no que diz respeito à formação de

identidade, Castells (2003, p. 4-5) pensa na sociedade globalizada. Em sua trilogia

Economia, Sociedade e Cultura, de quase mil e quinhentas páginas, ele se ocupa de

uma identidade coletiva. Manuel Castells formula seu pensamento sobre identidade

coletiva firmado na sua contextualização de sociedade em rede. Pensa em

identidades nacionais e na formulação de identidades coletivas imersas em relações

de poder. Propõe uma distinção entre três formas e origens de construção de

identidades:

[...] identidade legitimadora: é introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar a sua dominação sobre os actores sociais [...] identidade de resistência: criada por actores (sic) que se encontram em posições / condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade [...] identidades de projeto: quando os atores sociais, servindo-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance,

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constroem uma nova identidade capaz de redefinir a sua posição na sociedade e de provocar a transformação de toda estrutura social. Este é o caso, por exemplo, do feminismo que abandona as trincheiras de resistência, da identidade e dos direitos da mulher, para fazer frente ao patriarcalismo, à família patriarcal e, assim, a toda a estrutura de produção, reprodução, sexualidade e personalidade sobre a qual as sociedades historicamente se estabeleceram.

Estas identidades estão inseridas dentro de um determinado contexto

histórico e há uma dinâmica entre elas. O ponto inicial na análise de Castells (2003,

p. 4-5) parece ser a revolução da tecnologia da informação para analisar a

complexidade da nova economia, sociedade e cultura em formação. Aqui devemos

considerar que os novos movimentos sociais e, especialmente o hip hop com os

seus quatro elementos: a música rap, o grafite, os DJ’s e a dança (estilo break)

estão presentes na cena cultural contemporânea mundial 7.

Um exemplo de inclusão nessa conjuntura é que uma grafiteira tem a

possibilidade de pesquisar na Internet sobre as maneiras de fazer grafite no Brasil

ou na Alemanha, isto é, articular uma rede de conhecimento a respeito dos estilos de

grafite que existem no mundo; mas também pode produzir exclusão se perceber que

estão utilizando materiais economicamente impossíveis de serem adquiridos por

aqui no Brasil. O importante é destacar que tal possibilidade só é possível aos

indivíduos que têm acesso a esta tecnologia.

Embora ocorram situações excludentes, o caso do Encontro Nacional de

Grafiteiras ocorrido no Fórum Social de 2004, que foi articulado virtualmente pelas

grafiteiras participantes de comunidades virtuais de diversas partes do país. Foi um

momento em que elas trocaram informações, experiências e conhecimento e isto

parece extremamente positivo. Já em abril de 2007 ocorreu o encontro de hip hop,

South King’s, que reuniu participantes dos quatro elementos do movimento na

cidade de Sapiranga, localizada na grande Porto Alegre, também organizado

virtualmente.

Esse contexto social da sociedade informacional é paradoxal, pois temos, em

sua outra face, as presenças de conflitos sócioculturais que possibilitam o aumento

de violência, racismo, preconceito e outras desigualdades sociais, principalmente

observadas no cotidiano das populações marginalizadas socialmente, e que não têm

acesso ao desenvolvimento tecnológico e a condições básicas de sobrevivência. 7 Os elementos do hip hop (música rap, MC’s,DJ’s, grafiteiras(os)) estão espalhados em diversos países na Europa, na Ásia, na Oceania, no Brasil: enfim, estamos diante de um produto globalizado.

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Livio Sansone (2004, p. 255) na obra Negritude sem Etnicidade, baseado em

suas pesquisas de campo nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro direciona o foco

para a identidade racial. Dessa forma, chama a atenção para as práticas juvenis,

como o funk e o hip hop, manifestações de atores sociais que podem ser

relacionadas com o cotidiano dessa população.

Seria possível pensar que as identidades se desenvolvem sistematicamente e

de acordo com os mesmos princípios, nos diferentes países globalizados. Mas isto

não é simples assim, o próprio autor faz uma ressalva, apontando que as

identidades étnicas, no aspecto da imitação, da subversão, ou a criação de um estilo

jovem não são idênticas em todos os lugares:

[...] a identidade étnica se constrói em relação a outras identidades sociais, e é sempre dada e conquistada, no sentido de que a visão das pessoas de fora co - determina as maneiras pelas quais um grupo étnico se (re) descobre [...] Todavia, é fácil prever que tanto o grupo crescente de negros na classe média como a cultura juvenil serão o locus de desenvolvimento de novas formas de negritude.

Além disto, as reflexões deste autor explicam a identidade racial baseada em

experiências de grupos de negros envolvidos na produção cultural negra, da

América Latina e especialmente do Brasil:

O contexto latino-americano deve receber atenção apropriada, se quisermos chegar a uma compreensão universal da dinâmica da raça e da etnia. Para meus fins, é preciso tentar definir a especificidade relativa das culturas e identidades “negras” em relação a outras formas de identificação étnica e de produção cultural. Precisaremos de uma definição de cultura(s) e identidade(s) negra(s) que seja suficientemente ampla e maleável [...] A cultura negra pode ser definida como subcultura específica das pessoas de origem africana dentro de um sistema social que enfatize a cor, ou a ascendência a partir da cor, como um critério importante de diferenciação ou segregação das pessoas (SANSONE, 2004, p.23).

De acordo com essa perspectiva, Sansone (2004) analisa os bailes funks no

Rio de Janeiro e em Salvador, a partir da idéia de uma manifestação cultural que

surge através de jovens negros cariocas que ouviam música soul, na década de

setenta, mesma época que, na periferia dos EUA, adolescentes ouviam este tipo de

som. O soul resgatou o atributo de narrar histórias tendo como ícones Marvin Gaye e

James Brown dentre outros (ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001) no contexto

internacional. No Brasil, a influência do soul aparece relacionada com o movimento

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Black Rio8. O funk brasileiro é uma expressão cultural juvenil centrada no consumo

coletivo de música (SANSONE, 2004, p. 174). Desta maneira, os bailes funk se

constituem para o autor como um locus privilegiado de relações sociais onde é

possível refletir sobre as identidades raciais e sobre as variáveis como juventude e

classe social.

A partir da teorização desses autores pode-se dizer que a noção de

identidade pode ser investigada através de diferentes trajetos analíticos. A

interpretação desta categoria é um elemento de conexão entre os quatro autores

citados acima. Ao estudarem a formação de identidade referem-se a um processo

dinâmico em que ela é construída. É necessário fazer um recorte situacional, onde o

papel do cientista social é, a partir do ponto de vista do outro, pensar a construção

de identidade nos grupos raciais, étnicos e culturais.

Desta forma, a identidade não se constitui de maneira estática ou fixa, ao

contrário, ela é formada a partir de decisões que os atores sociais tomam e dos

caminhos que eles percorrem, de forma dinâmica. Considera-se que além da

identidade ser construída ela está relacionada à interação com os outros indivíduos,

ou seja, a produção da mesma se consolida no contato entre os atores sociais e não

individualmente.

É interessante observar que as práticas de hip hop, que surgiram na cultura

negra, também foram, pelo menos aqui no Brasil, apropriadas por elementos

brancos da periferia, constituindo-se, assim, como a afirmação de uma identidade

que não é racial, mas de um setor marginalizado da população. Da mesma forma

como a dança, a música, a expressão visual do hip hop, o grafite, auxilia na

expressão de sentimentos, de experiências que podem levar algumas mulheres

grafiteiras a criarem grupos femininos de grafite, ressaltando uma possível

identidade de gênero.

Considera-se, neste estudo, que a categoria identidade está centrada em

questões como: a articulação das grafiteiras na dinâmica da pintura nas ruas, no

conjunto de práticas informacionais que elas utilizam, nos seus valores e na maneira

como se organizam, inserindo ou não em um elemento do hip hop, o grafite, dentro

de um espaço predominantemente ocupado por homens na capital do Rio Grande

do Sul.

8 Movimento da década de 70 nascido nos bairros cariocas como em Realengo.

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1.2 Articulação do grafite no hip hop

Os eventos de hip hop constituem momentos de interação e de

desenvolvimento de identidade das (os) grafiteiras (os), pois as narrativas nos muros

têm envolvimento simbólico e interativo.

O hip hop surgiu no bairro do Bronx, Nova York, na década de 1970. Os

jovens desfrutavam das ruas como espaço de lazer. Grupos se formavam de acordo

com a área territorial de moradia. Lá moravam migrantes latinos (vindos

principalmente da Jamaica) que se envolviam em disputas de dança, música, rimas

e pintura. Através da arte, esses atores sociais encontraram uma forma de canalizar

a violência na qual viviam submersos, passaram a freqüentar festas, dançar break,

competir com passos de dança, como propunha Afrika Bambata. Em 1968, quando

Afrika Bambata criou o termo hip hop, ele ensaiava novos modos de fazer música - e

novas formas de pensar a situação dos negros na sociedade norte-americana

(ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001). O fenômeno social conhecido como hip

hop é chamado pelas (os) próprias (os) grafiteiras (os), ora de movimento, ora de

cultura9. Alguns integrantes optam pelo termo cultura, embora também aceitem a

noção de movimento social. De qualquer modo, a definição conceitual do hip hop

ainda é problemática.

Rappers, bboys, grafiteiros, DJ’s e estudiosos acadêmicos do tema sabem dizer o que faz parte ou não do hip hop e avaliar sua importância para a juventude excluída, mas resta uma questão: o hip hop é um movimento social ou uma cultura de rua? A indefinição abre espaço para o uso aleatório de ambas as aplicações.

Na obra Hip Hop a periferia grita, elas descrevem as origens desta prática e

investigam o hip hop na cidade de São Paulo na década de noventa. As autoras

lançam a discussão sobre como se referir ao termo hip hop, mas não chegam a um

9 Conforme observei em minha pesquisa de campo.

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consenso e preferem falar somente em hip hop. Neste estudo sobre a formação de

identidade das grafiteiras na capital gaúcha, considera-se o hip hop como um

movimento social, pois se trata de um esforço coletivo contínuo e organizado que se

concentra em algum aspecto de mudança social (JOHNSON, 1997, p. 155). Não

basta somente ter o desejo em participar do hip hop, é necessário para efetiva

participação reais oportunidades porque desejos e oportunidades variam em

direções opostas com a adversidade das circunstâncias. O que distingue a

participação de uma grafiteira no movimento hip hop é a capacidade de retirar tempo

de outras atividades diretamente produtivas. O movimento hip hop se constitui em

um espaço de participação cultural e política de jovens de periferia.

Em Porto Alegre, o DJ Diter foi o primeiro a tocar em festas exclusivamente

de hip hop. Na Rua da Praia, no centro da capital gaúcha, aconteciam na década de

oitenta as primeiras rodas de dança (break). Nestes eventos, as rimas ficavam por

conta do MC Volmir que também foi o primeiro a fazer gravações de fitas cassetes

na época. Já o primeiro campeonato gaúcho individual de dança (break) foi realizado

em 1984 pelo grupo Jara Multison.

Dentre as mulheres que fizeram parte do início da cultura Hip Hop nos seus

primórdios, uma em especial marcou época: bgirl Lú. Dançarina do grupo Hackers

praticou a dança de forma extrema e dedicada, tendo reinado nos palcos e nas

rodas por quase uma década. Já no bairro Restinga, no ano 2000, surgiu uma das

primeiras grafiteiras da cidade, Sasinha. Ela começou grafitando somente no seu

bairro para acompanhar seu marido. No início fazia somente grapicho, fase

intermediária entre pichação e grafite; seriam, basicamente, pichações mais

coloridas (GITAHY, 1999, p. 13).

As mulheres ainda ocupam um espaço secundário no hip hop e no grafite

porto-alegrense, apesar de nenhum de seus membros admitir esta situação10. Por

outro lado, é possível perceber, nos discursos das pesquisadas, a busca de valorizar

suas experiências de mobilização através das ações culturais, sociais e políticas que

desenvolvem enquanto grafiteiras, como, por exemplo, negociar possíveis espaços

de grafite junto ao poder municipal. As que se identificam com o hip hop encontram

espaços de fala na participação no MOHHB - Movimento Hip Hop Organizado

10 Nas entrevistas nenhum dos informantes admitiu que exista um papel secundário das mulheres.

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Brasileiro. Trata-se de um movimento nacional do hip hop que surgiu no Piauí em

2001, e, atualmente está presente em cinco regiões de nosso país. O movimento hip hop vem se organizando em entidades nacionais como a Nação Hip Hop, a Zulunation, a CUFA e o MHHOB. (CV, MST, UNE, CUT, CUFA, PCC “O mundo se organiza cada um a sua maneira”)11.

Em Porto Alegre, no ano de 2001, dez anos após surgir a Organização

Cultural Movimento Hip Hop no bairro Restinga, grafiteiros e grafiteiras participantes

da crew12 zombando, participam de um edital do Ministério da Cultura para a criação

de Pontos de Cultura no país. Através do MOHHB o grupo obteve o Ponto de

Cultura que denominam de Na Quebrada. Atualmente, eles administram os recursos

financeiros e a infra-estrutura (computadores, material de som e imagem) recebida

do Governo Federal.

De acordo com Herschmann (2005, p. 205) a identidade do hip hop está

profundamente arraigada à experiência local e marcada pelo apego a um status

conquistado em um grupo local. Isto se confirma, pois se percebe uma forte

identificação na fala e nas ações da grafiteira Sasinha com o bairro Restinga, onde

ela sempre morou.

Portanto, as interações sociais travadas no interior do movimento hip hop

transformam os espaços e fornecem novos sentidos às relações entre o popular e o

oficial. Desta maneira, surgem novas identidades coletivas que abarcam

reivindicações e aspirações das (os) participantes, que geralmente compartilham

seus cotidianos nas periferias das cidades. O MHHOB do RS promove oficinas de

grafite, palestras, eventos que misturam dança, pintura de rua, música, além da

rádio comunitária e que envolvem a juventude da periferia e também as meninas que

fazem seus desenhos nas ruas como se percebe no relato abaixo.

Eu comecei a participar assim das reuniões, depois foi aprovado um projeto do MHHOB que era sobre juventude e multimeios que o MHHOB ele é em oito estados no Brasil e inclusive Porto Alegre. No Maranhão fica a sede, aí tipo tudo se desloca pra lá... aí eles fazem o projeto e acaba sendo dividido os recursos entendeu? Daí até a gente tem aqui no comitê um estúdio com câmera, tudo, entendeu? Aonde tem oficinas, onde acontecem as oficinas. A gente fazia as oficinas ali no MHHOB onde acolhem as crianças carentes assim. Eu dava as oficinas, sabe? Representei o MHHOB em Piauí em

11 Só Deus pode me julgar MvBill-Rapper do RJ. Disponível em: <http://vagalume.uol.com.br/mobil/so_deus_pode_me_julgar.html>. 12 São grupos de grafiteiras (os), dançarinas (os) que desenvolvem atividades em conjunto. Exemplo: a Restinga crew, formada por nove dançarinos que se apresentam em eventos de hip hop.

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2006, não, 2005 eu fui p’ra lá fazer uma oficina de formação, né? (Sasinha, grafiteira, 23 anos, moradora da região Restinga, informação verbal).

Sasinha é moradora de um bairro que tem uma população de 50.020

moradores, fica distante do centro (cerca de uma hora de ônibus) e é um dos locais

de maior vulnerabilidade social da cidade. Percebe-se, na fala da informante, sua

participação em uma rede de relações sociais do MHHOB para além da periferia

onde mora. Isto permite pensar em uma identidade positiva dessa grafiteira

enquanto oficineira de grafite. Ela compartilha freqüentemente práticas culturais,

linguagem e idéias que diferem das seguidas por outros atores sociais que vivem na

mesma comunidade e não tem envolvimento com o hip hop.

A identidade social positiva desses jovens está relacionada à sua participação

política através de suas experiências cotidianas. Eles “querem dizer alguma coisa”

através do grafite, da música ou de qualquer outra manifestação cultural. E ainda as

experiências, opiniões, sentimentos compartilhados por esses atores sociais

permitem a formação do sentido de ação (ARCE, 1999, p. 128).

Por outro lado, existe a possibilidade do surgimento de uma identidade

negativa quando a identidade do grupo é observada através de rótulos negativos

como, ser violento, estar alcoolizado. Nas atividades de campo desta pesquisa se

observou que bebidas alcoólicas não fazem parte do cotidiano das(os) escritoras(es)

de rua, a não ser a Coca-Cola dois litros, presente em todas as atividades de

grafitagem. A representação social das(os) grafiteiras(os) se revela na aparência e

maneira que compõem a fachada pessoal desses atores sociais, podendo ser únicos

e específicos de cada um.

A representação envolve também a idealização da conduta de um ator. Se a

grafiteira, por exemplo, é convidada para pintar uns muros em uma comunidade,

provavelmente na platéia muitos adolescentes a observarão, portanto ela deverá

perseguir uma certa idealização de alguém que faz grafites na comunidade, ou seja,

alguém que vem para embelezar um muro e que canaliza seus anseios, sua

ansiedade através da arte e não através de drogas e bebidas. Por exemplo, se uma

grafiteira tem que expressar padrões ideais durante a representação no ambiente de

grafitagem (no momento que ela está pintando em um evento), então abandonará

atitudes que não sejam compatíveis com uma pintura em uma vila. Atitudes como

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beber cerveja, fumar “um”13 deverão ser realizadas quando a grafiteira abandonar a

cena da grafitagem. Desta maneira, pode ocorrer uma discrepância entre a

aparência e a realidade.

Figura 1: Crew Zombando nos bastidores de um grafite. Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora, nov. 2007.

Na foto acima a crew zombando estava em uma atividade de grafite, que

ocorreu em Belo Horizonte em novembro de 2007. Eles conversavam naquele

espaço sobre o grafite que realizariam dentro de poucos instantes, composto de

suas experiências pessoais cotidianas; eles são narradores e observadores do

cotidiano. O grupo se preparava para pintar um painel com tema definido. Os grafites

deveriam remeter-se aos movimentos sociais e ao Ponto de Cultura da Restinga, de

acordo com a proposta dos organizadores do evento. O momento anterior ao início

da pintura pode ser entendido como os bastidores do trabalho de grafitagem; há sem

dúvida muitas funções características de tais lugares. É aqui onde se fabrica

laboriosamente a capacidade de uma representação (GOFFMAN, 1985, p. 106). Na

foto 1, a crew está na região do fundo da representação do grafite que será

realizado. Eles analisam os esboços do desenho feito no papel, que depois passará

para o painel e ainda testam a câmera, pois as atividades de grafitagem, quase

sempre, são registradas pelas(os) grafiteiras(os) através de fotografias na maioria

das vezes, mas podem também filmar todo o procedimento do seu grafite.

13 Fumar maconha.

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Neste caso, do evento Teia 2007, a região dos bastidores, ou seja, a

preparação para participar do evento vinha ocorrendo há vários meses que

antecederam a atividade. Jacques foi o ator principal na negociação do espaço

dessa grafitagem. A região dos bastidores refere-se às ações que estão por trás da

atividade. Embora no dia do evento Sasinha atuasse nessa região de fundo, ela

buscava os suportes para a pintura junto à organização do acontecimento. Foi ela

que conseguiu a lona preta que o grupo colocou embaixo do painel para proteger o

chão do Palácio das Artes, enfim, foi responsável por grande parte da infra-estrutura

para a realização daquele desenho.

Os bastidores, ou a região de fundo do grafite é o momento de negociação da

autorização das paredes, ou seja, quando as(os) grafiteiras(os) falam com os

proprietários dos locais que podem permitir ou não que a prática se realize, ou ainda

podem impor condições para liberalização do espaço. O público se mantém longe

nesse momento.

A preocupação dos quatro jovens grafiteiros era com a aparência dos traços,

pois aquela atividade seria uma espécie de vitrine para pessoas de várias regiões do

país observarem o trabalho da crew de Porto Alegre. A informação social transmitida

por qualquer símbolo particular pode simplesmente confirmar aquilo que outros

signos nos dizem sobre o indivíduo (GOFFMAN, 1988, p. 55). A camiseta que

Sasinha vestia neste evento estampava a foto deles mesmos grafitada e logo abaixo

estava escrito crew Zombando; portanto esta grafiteira exibia um signo que transmite

informação social a respeito de sua participação no hip hop articulada à vivência em

grupo da sua comunidade.

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Figura 2: Grafite concluído no Palácio das Artes em BH. Foto: Arquivo Pessoal da Pesquisadora, nov. 2007

As grafiteiras que se identificam com o hip hop. Encontram também outros

espaços de fala como o rap, uma narrativa de atores sociais moradores de periferia.

A grafiteira Estranha mora na vila Bom Jesus, também conhecida por Bonja entre os

moradores da comunidade.

O Hip Hop...antes de eu começar com essa influência grafite eu já cantava. Eu tinha um grupo de rap com umas gurias da Bom Jesus, né? Então a gente tinha essa conexão Alvorada – Bom Jesus(...) Eu acho que foi lega,l quando eles entraram com isso Racionais, né? Meu... Porque tipo...Eu não sou seguidora sabe...Eu não paro em casa pra escutar, mas acho que eles foram os caras. Acho que foi muito bom quando eles começaram a entrar com as idéias de verdade do que realmente acontece, porque eu moro em comunidade também, eu moro numa vila. Então, é bem próxima essa desigualdade, essa falta de informação, sabe? (Estranha, 21 anos, moradora da região Leste, informação verbal).

O rap é a arte do hip hop que tem o maior poder de sedução sobre o jovem

da periferia (ROCHA; DOMENICH; CASSEANO, 2001, p. 23). O relato da

entrevistada mostrou que antes de tornar-se escritora de rua ela cantava rap num

grupo feminino, embora atualmente demonstre um certo distanciamento do hip hop.

A situação social em que ela vive, o processo de se ver diante de um mundo no qual

os membros da sua comunidade são excluídos, discriminados, pode produzir uma

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grande insatisfação diante da realidade social e política e até mesmo do próprio hip

hop, como a grafiteira relata.

Pode-se dizer que a entrevistada pode demonstrar uma identidade

contrastiva, pois ela faz uma afirmação e uma negação do hip hop. Num primeiro

momento afirma ser do hip hop como cantora de rap. Num segundo momento afirma

não ser seguidora ou militante do movimento. Essas dimensões de afirmação e

negação não são momentos isolados, são aspectos simultâneos da consciência. A

identidade se forma a partir de ambigüidades e contradições. E além do grafite tentar representar o Hip Hop, o grafite de consciência, de valorização do povo da periferia. Isso aí entrou de vez na minha mente, assim né? Essa parada de questão social por trás da manifestação artística,né? Então abracei as duas causas, não só o grafite, mas o movimento Hip Hop transformador assim,né? P’ro povo da periferia né? Transformador social. Eu acho que isso aí é uma diferença...Por exemplo a [ ] faz um grafite, anda com a galera do grafite, só que ela vem de outro contexto. (Joana, 23 anos, região Lomba do Pinheiro, informação verbal).

Joana mora no final do bairro Agronomia, quase divisa com a cidade de

Viamão. Sua casa fica em uma rua de chão batido, nos fundos da casa do

proprietário que aluga a residência em que mora com a filha e o marido grafiteiro.

Nessa casa humilde, com dois cômodos, foi o local onde Joana relatou que é

partidária do movimento hip hop como instrumento de contestação. Isso é uma

diferenciação em relação a grafiteiras que preferem não vincular seu grafite ao

movimento hip hop, apesar de transitarem em eventos desse tipo. Como mostra o

relato de Alice:

Eu acho que grafite é arte não só do Hip Hop. É a arte acima de arte, sabe? Sem ter rótulos nem nada. Grafite é uma maneira de expressão e todo mundo pode se expressar (Alice, 20 anos, moradora da região Centro, informação verbal).

Alice é filha de artista plástico, mora confortavelmente no bairro Bom Fim,

atualmente cursa o segundo semestre de Desenho Industrial. Grafita desde o ano

2000, época que criou a Tikas Crew, uma crew só de mulheres, lembrando que as

crews são uma forma de articulação dentro do movimento hip hop, que foram

criadas para facilitar a atuação de maneira coletiva. Alice já participou de oficinas e

projetos, ou seja, essa grafiteira divide espaços com as pintoras de rua identificadas

com o hip hop.

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Considera-se que um dos aspectos da identidade de grafiteira também se

constrói através da articulação com o movimento hip hop. Ou seja, elas se utilizam e

participam desses eventos que lhes dão visibilidade, o que reforça sua identidade de

grafiteira, assim, desenvolvem interações sociais com seus pares que a reconhecem

como escritoras de rua.

Durante a pesquisa de campo, no evento TEIA 200714 observou-se uma

discussão entre dois grafiteiros sobre como classificar o desenho feito em num

painel ou à mão livre em uma parede. A pintura da tarde de oito de novembro de

2007 foi considerada painel pela crew que fazia o grafite comercial, pois, tiveram que

obedecer a um esboço prévio. Gustavo questionou Jacques: “O que a gente está

fazendo aqui é pintura de painel, não é grafite?” Gustavo alegou que grafite é ilegal,

ou seja, grafite legalizado é painel. Jacques disse que o grafite começou ilegal

porque era outra época (refere-se às frases escritas nos muros pelos jovens lá do

Brooklin e em manifestações nos anos 60 aqui no Brasil). Esse grafiteiro afirmou que

mesmo quando o desenho é encomendado e autorizado é possível deixar o nome

da comunidade. Em seguida, chegou um homem filmando a grafitagem e

interrompeu a discussão dos dois grafiteiros. A realidade é que essas tipificações

permeiam o ambiente do grafite, tanto o vinculado ao hip hop quanto o

desconectado com o hip hop.

1.3 Articulação do grafite desconectado do hip hop

EXPOSIÇÃO ESSA POA É BOA Nessa sexta-feira, dia 25 de maio, às 19h, o artista gaúcho Trampo (foto) apresenta, no Studio Clio, o projeto que o Núcleo Urbanóide desenvolveu para a Exposição essa POA é boa que acontece de 30 de agosto a 2 de dezembro de 2007, em Porto Alegre. O projeto do Núcleo Urbanóide divide-se em três ações: uma instalação na antiga fábrica no DC Shopping, a confecção de uma obra permanente no bairro Navegantes e uma oficina sobre Graffiti. A instalação pretende construir uma pequena cidade dentro da antiga fábrica com ruas, casas, placas, antenas e, até mesmo, barulho urbano. Através dessa instalação os artistas mostrarão para os visitantes qual a concepção que eles têm de cidade. As duas outras ações do projeto serão realizadas fora dos muros DC Shopping e vão interagir diretamente com a comunidade. Estão previstas a pintura de uma empena cega - fase externa de uma edificação que não possui aberturas - e uma oficina que resgatará a história do Graffiti, da sua criação até hoje, para alunos de uma escola da região. A empena cega será a obra permanente que o Núcleo deixará como contribuição artística para o bairro Navegantes.

14 Reunião dos Pontos de Cultura nacionais. Esse evento ocorreu em BH/ Minas Gerais em novembro de 2007.

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O Núcleo Urbanóide é uma organização de artistas e produtores que desenvolve e executa projetos culturais, contribuindo para a transformação social através da Arte (Fonte: <http://www.equipeadiretoria.com/portal> - 24 maio 2007>. Acesso em: 10 fev. 2008).

A exposição Essa Poa é Boa ocorreu em Porto Alegre durante os três últimos

meses do ano de 2007. Foi um projeto patrocinado pela Prefeitura e instituições

privadas. A antiga fábrica da Renner, localizada na entrada da cidade, foi palco

deste evento (que ocorreu em paralelo à Bienal do Mercosul15) e abrigou uma

mostra da produção artística contemporânea da cidade. Esta atividade envolveu

cento e oitenta artistas, entre eles o Núcleo Urbanóide, do qual duas informantes

dessa pesquisa fizeram parte.

Um núcleo ou coletivo de arte geralmente é formado por um profissional

ligado às artes, não envolvido com o hip hop, que reúne seus colegas e forma um

grupo para pintar muros, painéis, dependendo do evento. Eles têm um local

(alugado por eles mesmos) que serve de sede para seus encontros e reuniões.

Esses atores sociais se juntam para desenvolver sua arte de grafite coletivamente;

eles não são moradores da periferia da capital.

O Núcleo Urbanóide é composto por treze artistas de rua, dos quais quatro

são grafiteiras. O grupo foi idealizado por dois grafiteiros em 2006. Atualmente

possuem uma sede no bairro Cidade Baixa. O local é conhecido como Casinha, um

casarão antigo que abriga livros, pincéis, sprays e serve também para discussão

sobre grafite. Inclusive nos meses que antecederam Essa Poa é Boa, o grupo

praticamente passou a morar nesse espaço para dar conta do prazo de entrega do

painel para a exposição.

Então essa casinha é um ponto de encontro dessa minha turma: [...], é um lugar de passagem, todo mundo passa ali. Os guris tem um monte de livros, canetões, livrinhos. A galera vai p’ra lá se junta, fica desenhando. P’ra exposição a gente trabalhou muito com costura, então a gente fez o nosso ateliê lá, a [...] levou a máquina dela, e nós três passamos duas semanas. Ninguém trabalhava em casa era tudo na casinha (Aline, 26 anos, moradora da região Leste, informação verbal).

Desta maneira, o grafite ocorre para além do locus da periferia e invade

galerias de arte e espaços que se propõe a expor essas obras, e as mulheres estão

presentes nesses ambientes. Essa Poa é Boa é exemplo desta situação. Foi

15 Foi uma exposição que reuniu obras e artistas dos países do Mercosul. Essa Poa é Boa aconteceu nos mesmos dias desse evento internacional.

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possível constatar, durante a pesquisa, que jovens de diferentes segmentos sociais

da nossa sociedade utilizam-se do grafite para manifestarem sua arte e se inserem

como mulheres que pintam nas ruas. Essas marcas de identidade aderidas nas

paredes são de dois tipos: murais16 e grafites (ARCE,1999). Os murais são

realizados em Porto Alegre de forma coletiva pelos membros de grupos de arte que

recorrem às paredes para transmitir seus desenhos e não estão necessariamente

articulados ao movimento hip hop.

Uma das características da prática do grafite, enquanto elemento do hip hop é

ser realizado no espaço público, ou seja, quase sempre se encontra exposto a céu

aberto e costuma a ser produzido por grupos de jovens da periferia que expressam

suas idéias através de seus personagens e/ou de desenhos; em geral transmitem

informações.

Os atores sociais, em geral, costumam classificar o grafite assim, mas ele

também pode ser de outro modo realizado por jovens de classe média que realizam

o grafite arte. Tanto o grafite como elemento do hip hop quanto o grafite arte

institucionalizam espaços de afirmação simbólica. É o que acontece, por exemplo,

quando uma crew grafita em um evento de hip hop na periferia ou quando um

coletivo de arte cobre com seus desenhos a Secretaria Municipal de Turismo de

Porto Alegre17.

Partindo-se dos elementos apresentados, é possível considerar algumas

idéias sobre a formação de identidade e ações das mulheres que pintam nos muros

das cidades. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos

(HALL, 2005, p. 13). Algumas se identificam com coletivos de arte, formados por

profissionais e estudantes da área de artes. As(os) participantes dos núcleos ou

coletivos não são moradores da periferia e costumam ter uma vasta bibliografia

sobre grafite; muitas vezes compram seus sprays e invadem as ruas e as galerias.

De qualquer maneira, as jovens que pintam nas ruas e revelam não se identificar

com o hip hop freqüentam esses espaços. Às vezes criam crews e podem utilizar-se

das mesmas gírias que as militantes ou simpatizantes do movimento.

1.4 Presença feminina no universo masculino da grafitagem 16 Murais também podem significar painéis. 17 O escritório da Secretaria de Turismo da capital, localizada no largo Zumbi dos Palmares, teve as paredes externas grafitadas com desenhos dos principais pontos turísticos da cidade; os traços foram realizados por membros do Grupo Urbanóide.

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As bibliografias sobre o movimento hip hop e seus elementos geralmente

referem-se aos jovens dançarinos, aos grafiteiros, aos DJ’s e MC’s; quase todas as

associações existem em relação aos homens. Nas universidades encontram-se

algumas dissertações e teses (WELLER, 2005; MAGRO, 2003; LIMA, 2005;

FERREIRA, 2005) referentes a essa temática, destacando-se alguns estudos sobre

as rappers, as grafiteiras, as dançarinas (break) que podem servir de referência para

esta pesquisa sobre formação de identidade das mulheres grafiteiras de Porto

Alegre.

O objetivo aqui é revisar alguns aspectos apontados por três estudiosas do

movimento hip hop. Elas abordam especificamente a participação feminina na

expressão artística do grafite, na expressão musical do rap e na dança (break).

Poucas análises dão conta do universo feminino no hip hop. O trabalho pioneiro

sobre as jovens grafiteiras foi realizado por Viviane Magro (2003) em Campinas.

Outra investigação foi produzida por Wivian Weller (2005) da Universidade de

Brasília e tem, como universo pesquisado, grupos de jovens negras rappers da

cidade de São Paulo e também dançarinas (break) adolescentes de origem turca da

cidade de Berlim. Priscila Matsunaga Lima (2005) é autora de um estudo instigante

da Faculdade de Educação da Unicamp, em que ela desenvolve pesquisa a cerca

da inserção feminina no movimento hip hop, através das letras das músicas de rap,

composta por homens e mulheres em São Paulo e na cidade de Campinas.

Na seção As cores que vêm da rua, do jornal da Universidade Estadual de

Campinas, Viviane Magro (2003) fala de sua tese de doutorado Meninas do graffiti:

Adolescência, Identidade e Gênero nas Culturas Juvenis Contemporâneas. Percebe-

se duas idéias principais: em primeiro lugar, dentro do movimento hip hop, as

meninas que grafitam procuram seu espaço enquanto atores sociais que interpretam

seu cotidiano e suas idéias sobre sua cidade, sobre o país e o mundo, nos muros

das cidades; em segundo lugar a autora enfatiza o poder de articulação dos jovens

engajados no movimento hip hop e especificamente as grafiteiras que fazem

contatos com a Prefeitura de Campinas, com vereadores e com quem mais for

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necessário com objetivo de adquirir patrocínios, locais para grafitagem e incentivos

para realização de oficinas18.

De acordo com Magro (2003) esse seria um ponto de diferenciação positivo

das meninas do hip hop de Campinas em relação aos jovens não participantes dos

novos movimentos sociais. A participação das grafiteiras acontece em oficinas e

projetos, enquanto os jovens, de maneira geral, são apresentados na mídia como

desinteressados das questões sociais e não articulados entre eles. A antropóloga

Regina Novaes (2006, p. 115), em sua investigação sobre jovens cariocas e sua

inserção em projetos sociais, tem uma opinião um pouco diferente, em suas

palavras: Ter ou não ter acesso a projetos sociais diferencia entre si os jovens mais pobres e também cria uma diferenciação entre os jovens de diversas áreas pobres e violentas da cidade. Isso porque um projeto chama outro, e com as melhores intenções. Afinal a idéia de ‘desenvolvimento local ’ implica criar sinergias, complementaridade e integração dos projetos variados. Enquanto isso, jovens de outras áreas ficam cada vez mais invisíveis. No Rio de Janeiro, esta é uma queixa freqüente dos jovens das favelas e comunidades afastadas da Zona Sul, onde se concentra o maior número de projetos.

A realidade exposta acima refere-se à cidade do Rio de Janeiro, mas

possivelmente poderia ser aplicada ao contexto das grafiteiras de Campinas ou de

Porto Alegre. O destaque é que, a partir do projeto social e cultural, as grafiteiras

encontram mais um ponto de diferenciação entre elas e entre os grafiteiros. Em

Porto Alegre19, os projetos sociais que envolvem o grafite acabam atingindo regiões

específicas da cidade e as (os) jovens que não residem nestes locais são excluídos,

inclusive as grafiteiras.

De qualquer modo é possível perceber, no estudo Meninas do graffiti:

Adolescência, Identidade e Gênero nas Culturas Juvenis Contemporâneas, que a

presença de meninas envolvidas no movimento hip hop em Campinas, ainda é

bastante tímida, embora essas grafiteiras procurem uma certa articulação em

projetos sociais e oficinas. Viviane Magro (2003, p. 12), explica:

Ansiosas por construir sua identidade de mulher, as meninas necessitam de liberdade de expressão e reivindicam maior participação e respeito dos meninos, mas ainda são minorias e ausentes em alguns eventos em ‘rolés’. Ás vezes, elas próprias se excluem.

18 As oficinas são consideradas as escolas de grafite; é o local onde se aprende a grafitar. Geralmente os meninos ministram esses cursos. 19 De acordo com minha observação e diário de campo.

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Elas buscam construir seu espaço em um universo predominantemente

masculino, onde às vezes não se sentem respeitadas20. Esse processo de

subordinação e opressão dessas jovens se deve a uma construção social presente

em diversas instâncias da vida cotidiana, ou seja, nas suas práticas políticas,

sociais, econômicas, culturais e inclusive nos novos movimentos sociais, como na

expressão artístico – visual do hip hop, o grafite.

É necessário compreender–se os gêneros em suas dimensões simbólicas e

no plano das práticas sociais das meninas engajadas na expressão estético visual

do hip hop. Isto pode ser observado nos espaços grafitados por jovens do sexo

feminino: Experiência de meninas que transgridem, ocupam o espaço fincado pela bandeira do macho, tentam construir outros corpos de mulher no espaço urbano de periferia, estruturado e cristalizado naturalmente – mas como possibilidade estratégica de reivindicar um lugar no mundo, ser reconhecida como ser que se expressa, cria, vivencia em seus sentidos, modula sua própria voz – seja aguda, dissonante ou desafinada. Elas marcam presença nas ruas, pelas cores que são grafitadas nos muros, e que revelam a elas próprias suas identidades no transitar pelo espaço público, mostrando a existência vivida, do preto-e-branco às cores (MAGRO, 2004, p.109).

Assim, a trajetória das jovens e suas concepções sobre o movimento hip hop

são fundamentais para os estudos a respeito da presença feminina em inúmeros

espaços predominantemente masculinos, inclusive remetendo à idéia da chegada

das jovens ao movimento, suas experiências atuais e a importância das atividades

que realizam. Isto não significa, contudo, esquecer que corpo, sexo e sexualidade

estão sempre juntos. As representações do outro gênero, no caso os rappers,

grafiteiros ou dançarinos devem ser ouvidos, a fim de se perceber as distintas

vivências de sexualidade.

Desta maneira, ao investigar a formação de identidade das grafiteiras é

necessário remeter a algumas considerações sobre perspectivas de gênero. Assim

como o conceito de identidade pode ser abordado através de diversas

compreensões teóricas, a categoria de gênero pode ser investigada a partir da

20 Algumas de minhas entrevistadas revelaram sentimento de desrespeito por parte dos meninos rappers nas letras que eles compõem, que colocam a mulher como objeto. No caso do grafite, algumas entrevistadas da minha pesquisa dizem sentir-se incomodadas quando eles sugerem a ocupação das posições no muro e quando eles participam de um projeto social e nenhuma menina é chamada para grafitar.

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teorização de diferentes autores, que propõem trajetos analíticos distintos como se

abordará a seguir.

A categoria gênero surge em ambiente acadêmico (HEILBORN, 1999) na

década de setenta no Brasil e pode ser estudada através da ótica de diferentes

nuances dependendo do viés abordado. As mulheres nascem diferentes dos

homens, mas isso não se constitui em uma desigualdade. Pode-se dizer que a

categoria “mulher” é uma construção social que se faz sobre o corpo biológico

feminino, portanto, é visto como um código ou categorias que as mulheres e os

homens devem seguir. A sexualidade está construída em torno da mulher

heterossexual e homem heterossexual; gays e lésbicas ficariam fora desta ordem

construída socialmente. As relações de poder se formam nas estruturas patriarcais e

conduzem à questão da diferença, pois as mulheres são subordinadas de maneiras

diferentes de acordo com determinada raça, classe, etnia, ou seja, cada uma dessas

categorias implica maior peso às relações de poder e dominação.

Sintaticamente pode-se dizer que o gênero é compreendido como uma

classificação, como um modo de expressão do sexo, real ou imaginário dos atores

sociais, como masculino e feminino. Para Scott (1990) o gênero pode ser entendido

como elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças

percebidas entre os sexos (e como) um primeiro modo de dar significado às relações

de poder. Neste sentido, este conceito foi utilizado entre as feministas para sublinhar

o traço essencialmente social e cultural das distinções embasadas no sexo,

rejeitando dessa maneira o caráter determinista da biologia. Assim é possível

perceber, a partir da observação do lugar, que grafiteiros e grafiteiras ocupam na

divisão das tarefas no âmbito da grafitagem, um modo de atribuir significado às

relações de poder existentes neste universo. A perspectiva de Joan Scott (1990)

aponta na direção de ir além da importância da abertura de novos espaços na

narrativa para as mulheres, como o movimento feminista vem fazendo.

As fases do feminismo são chamadas também de “ondas do feminismo”

(COSTA, 2002). A primeira onda do feminismo surgiu da luta das mulheres por

igualdade de direitos civis, políticos, que eram exclusividade dos homens, e,

principalmente o direito ao voto. A segunda onda surgiu nas décadas de sessenta e

setenta do século XX, principalmente na França e nos Estados Unidos. As

americanas visavam à busca de igualdade enquanto as francesas desejavam que

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as diferenças entre homens e mulheres fossem valorizadas. Esses enfoques das

lutas das mulheres geram o feminismo da “igualdade” e da “diferença”. A partir da

década de oitenta no fervor das idéias pós-modernistas, a militância das mulheres e

a academia passaram a discutir diferenças e igualdades nas relações entre homens

e mulheres.

A primeira escola do feminismo apóia-se em um viés pelo qual a diferença

entre homens e mulheres, é de ordem moral. O núcleo da identidade feminina está

relacionado com a figura da mãe e a relação que tem com um filho, do sexo feminino

ou masculino. Como conseqüência, a mulher desenvolveria um pensamento de

cunho relacional, maternal e o homem um pensamento de ordem lógica. Nancy

Chodorow21 representa a perspectiva de pensamento de cunho essencialista, pois

enxerga na dinâmica das relações familiares a formação da identidade da mulher

relacionada diretamente com o fato de o sujeito ser biologicamente mulher. Esta

seria a questão central para a divisão sexual do trabalho.

A segunda escola do feminismo está associada a autoras pós-estruturalistas,

como, por exemplo, Hélene Gixous22. De acordo com essa linha de pensamento, o

feminismo não pode ser inserido em nenhuma representação, pois entraria no

conjunto de categorias e conceitos da razão patriarcal.

Já a terceira escola refere-se à desconstrução do conceito de “mulher”. A

filósofa Judith Butler23 é exemplo desta linha de pensamento. Sugere o fim da

“matriz heterossexual” e a existência de sexualidades múltiplas e combinadas.

Incorporando as tendências pós-estruturalistas Butler (2003) conceitua gênero como

um “ato performático”.

Firmar um outro caminho de conhecimento, embasado em novos conceitos

que se baseiam no campo da História das Mulheres, é a proposta de Joan Scott

(1992) utilizando a categoria gênero. A História das Mulheres não é somente delas,

mas é também do universo social e simbólico que as cerca como, por exemplo, o

trabalho, a família, dentre outros. É possível perceber um aspecto relacional,

incluindo tudo que envolve as mulheres; no caso desta pesquisa, as grafiteiras. Em

linhas gerais, é neste sentido que Joan Scott (1992) propõe a História das Mulheres

e o uso da categoria de gênero, que sempre foi marcada, segundo a autora, por um

21 Ver Sonia Bañón. 22 Idem 19. 23 Ver http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys6/libre/ruth.htm, acesso em 18 mar. 2008.

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determinismo econômico, como um suporte metodológico de transformação nas

investigações sobre esta temática.

Entretanto, ao investigar a inserção feminina no ambiente do grafite em Porto

Alegre busca-se enfatizar o caráter social das distinções baseadas nas interações

sociais, incorporando as possíveis relações de poder na estrutura social do grafite

que atravessam as idéias de assimetria e hierarquização nas relações entre esses

atores sociais.

Neste sentido pode-se dizer que, por exemplo, no momento em que os

grafiteiros são responsáveis pela proposição e desenvolvimento de projetos sociais

de grafitagem junto aos órgãos públicos, eles detêm o poder na estrutura social do

grafite. Inclusive os ícones do grafite nacional destacados pela mídia ou

reconhecidos pelos atores sociais envolvidos na grafitagem geralmente são homens.

Além disso, as grafiteiras enfrentam um problema mais antigo que é a visualização

da mulher como pertencente ao espaço privado, ou seja, afastada do espaço público

das ruas e dos muros. Isso está presente nas idéias de seus parceiros grafiteiros e

em algumas músicas rap que utilizam adjetivos depreciativos como “vadia” para se

referir ao sexo feminino.

Além de enfrentarem um machismo velado que se expressa, no uso freqüente da expressão “vadia” nas músicas e nos discursos, elas enfrentam o pouco espaço que existe para que artistas do sexo feminino – cantoras, dançarinas ou grafiteiras - possam se manifestar (HERSCHMANN, 2000, p.203).

O estudo de Wivian Weller (2005, p.113) reflete sobre a inserção feminina no

movimento hip hop, preocupando-se com as jovens rappers e dançarinas

especificamente. A autora destaca a escassez de abordagens sobre culturas juvenis

nos estudos feministas: As distintas concepções de juventude e de viver a juventude serão compreendidas com clareza quando analisadas sob a perspectiva de gênero e quando realizadas com base na realidade empírica, que implica todo um trabalho de reconstrução e interpretação das ações concretas dos jovens adolescentes nos contextos sociais que estão inseridos.

Assim, percebe-se que os estudos feministas devem prestar mais atenção no

cotidiano das práticas juvenis de adolescentes do sexo feminino. Um trabalho

recente, realizado no ano de 2006, se propõe a investigar tal temática. A

investigação realizada por Priscila Matsunaga intitulada Mulheres no Hip Hop:

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identidades e representações utiliza a análise das letras de rap produzidas por

meninos e meninas e entrevistas semi-estruturadas com grupos de rappers

femininas para compreender as participações e representações das mulheres no hip

hop.

Um dos aspectos apontados em sua pesquisa sugere que a predominância

masculina no hip hop aparece nas letras de rap que referem-se a mulheres, por um

lado envolvidas na figura de mãe e/ou namorada, valorizada por ser negra e

batalhadora, e por outro lado condenada, por ser “objeto” e “vulgar” (MATSUNAGA,

2006, p. 180). Esta é uma das maneiras em que as relações de poder são formadas

nas estruturas do movimento hip hop e isto pode levar a uma diferença, no sentido

que as jovens são subordinadas de maneiras diferentes, em relação à raça, classe,

religião que pertencem. Para a autora: Assim como nas letras de rap, nas entrevistas percebemos que as mulheres(...) não possuem como ideal a imagem da mulher que permanece em casa cuidando dos filhos, esperando que o marido retorne para servir o jantar, após um dia de trabalho. Mas percebem, porém, que o espaço doméstico ainda permanece como um referencial identitário importante para a mulher, assim como a maternidade.

Ou seja, a figura masculina é vista relacionada ao espaço público, nas tarefas

públicas ou como compondo músicas. As falas das informantes de Matsunaga

(2006, p. 122) apontam em direção a uma imagem de mulher que participa do

“mundo público”, apesar de estar vinculada diretamente ao cuidado com os filhos ou

a idéia da maternidade.

O contexto da imagem da mulher que se envolve no hip hop está relacionado

ao sexo oposto, ou seja, na forma como são vistas e se relacionam com o grupo

masculino. Neste sentido Weller (2005, p. 122) descreve algumas inquietudes em

relação ao comportamento feminino. Segundo a autora:

No contexto paulistano, existe uma antecipação dos preconceitos e da moralização em relação ao comportamento feminino, fazendo com que as jovens optem por uma estratégia de redução da proximidade ou até mesmo da privação de relações íntimas com colegas. Tal estratégia parece estar em contradição com a posição do grupo que luta pela eqüidade entre os sexos no movimento. No entanto, as experiências vividas no cotidiano, assim como as projeções em relação ao futuro (casamento, educação dos filhos), dificultam a aproximação entre o discurso e a prática da igualdade.

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As condutas sociais das jovens rappers apresentam um caráter relacional e,

deste modo, as relações sociais se desenvolvem com os rappers a partir de

similitudes e diferenças, pois sempre se tenta controlar a imagem que o outro faz de

nós, no caso a imagem que os homens do movimento hip hop fazem das mulheres

do movimento durante o jogo de cena da interação social entre eles.

Já entre as grafiteiras de Porto Alegre as quais tive acesso, Clara relata a

existência de atitudes dos grafiteiros que podem ser entendidas como preconceito

em relação às mulheres que pintam. Acho que está bem melhor assim... Acho que está crescendo. Mas eu acho que rola muito desse preconceito por parte dos homens, dos grafiteiros. Acho que dum tempo pra cá está até melhorando. Eles até valorizam -‘bah! Olha alí uma guria fazendo grafite sabe?’ Já até ficam mais empolgados. Porque quando começou era aqueles caras que andavam de skate daí iam fazê grafite, aquele esteriótipo masculino. E aí é isso tipo skate, grafite, futebol, coisa de homem. Na verdade não é isso... Até as discussões que tiveram na revista -de grafite- de os guris botarem mulheres peladas na revista é realmente isso. Hoje eu acho que até saí mais na revista a gente está se reunindo mais pra discutir as coisas.” (Clara, 21 anos, moradora da região Centro, informação verbal).

Quando questionada sobre a presença feminina no universo masculino da

grafitagem, Clara acredita que o preconceito por parte dos homens já foi mais

intenso em relação às mulheres que desenham nas paredes e muros da cidade.

Por outro lado, observa-se em seu relato baseado na sua experiência no

mundo, que ela constrói tipificações, por exemplo, futebol coisa de homem. Isto

sugere uma ênfase na fenomenologia que é embasada na experiência, ou seja,

preocupa-se com a percepção no mundo. Ainda de acordo com seu relato, um

exemplo de preconceito são as revistas especializadas na arte do grafite, em grande

parte feita por homens, que publicam fotos de mulheres na praia de biquíni, imagens

desnecessárias para uma publicação24 que trata de técnicas de spray e se propõe a

ser um espaço de discussão sobre grafitagem. Por outro lado, Clara destaca que

atualmente é possível dizer que está ocorrendo mais participação das grafiteiras no

universo masculino da grafitagem. É possível observar um aumento do número de

jovens mulheres que procuraram oficinas25 de grafite na periferia de Porto Alegre.

Em 1988, foi lançado o livro “A Dominação Masculina” de Pierre Bourdieu

(2007, p.16), que apresenta, através de um estudo etnográfico, de que maneira a 24 Ver a revista Arte e Cultura de Rua GRAFFITI. Editora Escala, n. 38, p. 27, nov. 2006. 25 Constatou-se durante a pesquisa de campo que nas oficinas em escolas estaduais no bairro dos Alpes houve um aumento do número de alunas grafiteiras no período pesquisado.

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sociedade Cabília se organiza e constrói classificações que são a base da sua

estrutura social. Nessa cultura, os conceitos de tempo e de estação se baseavam

em definições específicas da oposição entre masculino e feminino. Parte-se de uma

divisão arbitrária entre homens e mulheres ancoradas em oposições binárias como,

por exemplo, reto-curvo, alto-baixo, seco-úmido, direita-esquerda, duro-mole dentre

outros, sendo este o princípio de construção social dos corpos.

Esses esquemas de pensamento, de aplicação universal, registram como que diferenças de natureza, inscritas na objetividade, das variações e dos traços distintivos (por exemplo, em matéria corporal) que eles contribuem para fazer existir, ao mesmo tempo que as “naturalizam”, inscrevendo-as em um sistema de diferenças, todas igualmente naturais em aparência; de modo que as previsões que elas engendram são incessantemente confirmadas pelo curso do mundo, sobretudo por todos os ciclos biológicos e cósmicos.

Assim, as diferenças sociais parecem fundamentadas em diferenças

biológicas, quando na verdade as diferenças sociais é que podem criar categorias

de percepção que levam os sujeitos a tal impressão. Desta maneira teríamos uma

lógica positiva para as tarefas e comportamentos masculinos, e uma lógica negativa

para comportamentos femininos, tarefas e práticas das mulheres e esta situação

apresenta-se na divisão do trabalho sexual.

A mulher é pensada pelo lado interior, do úmido etc. sendo atribuídos a ela os

trabalhos domésticos, ou seja, os trabalhos privados e escondidos, invisíveis e

vergonhosos. Já os homens, esses situados no lado do exterior, do oficial, do

público, do seco, do alto, do direito, a eles são atribuídos todos os atos breves,

perigosos e espetaculares (BOURDIEU, 2005, p. 18). O relato abaixo de uma

grafiteira mostra a posição que ela se coloca de “ajuda” ao marido grafiteiro nos

projetos profissionais: [...] é uma das pessoas que tá batalhando bastante, sabe. Ele teve a idéia de fundar a ONG, fundou a ONG e correu atrás, é presidente da ONG, né. No caso, tem 200 pessoas que fazem parte, mas que ele só praticamente corre entendeu? ...Tem um pessoal de Pelotas, de Rio Grande, de Curitiba que p’ra gente poder registra no cartório, a gente precisava de uma grana né? de 600 reais né daí pra fazer isso a gente teve o apoio da Secretaria de Direitos Humanos e da Prefeitura no caso, p ‘ra fazer um evento que a gente cobrou 10 reais a inscrição e foi daí que a gente conseguiu montar o CNPJ né? Daí um pessoal de Curitiba, de Rio Grande veio pra cá assim, sabe. Na verdade, ele monta o projeto que é sempre o mesmo, é pinta né? Alguns lugares e eu ajudo a chamar o pessoal... alguma coisa assim, geralmente na parte financeira. Que a gente faz os eventos, controlar o dinheiro, essas coisas assim, sabe. Eu quase não me envolvo muito porque a gente não “se bate” muito em conversar assim, sabe eu tenho uma idéia ele tem outra então se a gente parar p‘ra conversar a gente acaba se

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bicando (Sasinha, 23 anos, moradora da região Restinga, informação verbal).

Fica evidente neste relato a constituição de uma situação de relação de

dominação no ambiente da grafitagem, que nesse caso envolve um casal de

grafiteiros que divide o espaço privado da casa e também das atividades

profissionais. São as mulheres, seguindo a análise de Bourdieu (2005, p. 62) que ao

incorporar o papel de dominadas, através de suas atitudes em algumas situações no

ambiente da grafitagem que denotam reconhecimento e submissão. Seus atos a fim

de participar do grafite e se tornarem visíveis, sempre se dão em relação a uma

ordem estabelecida e legítima masculina. Isto não é um ato consciente, mas sim de

incorporação de uma visão legitimada socialmente que é tida como “natural”.

As mulheres muitas vezes estão envolvidas no grafite indiretamente,

desenvolvendo um papel secundário, reforçando a imagem tradicional de si

mesmas de que fala Bourdieu (2005). Sasinha aponta que o marido grafiteiro é

quem planeja e executa os projetos sociais, ela gerencia a parte financeira e capta

recursos humanos. Ela costuma assumir uma posição submissa na divisão sexual

do trabalho preferindo não discutir com o grafiteiro para não haver brigas. Pode-se

dizer que as relações sociais na instituição do movimento hip hop e especialmente

do grafite ainda se fundamentam, primeiramente, na relação hierárquica entre os

sexos, estabelecendo assim relações de poder neste ambiente. Evidentemente os

cargos de autoridade permanecem nas mãos dos grafiteiros.

Para Bourdieu (2005, p. 16) existe uma certa constância das estruturas

simbólicas sobre as quais se sustentam nossas representações da divisão de

trabalho entre os sexos. Tal divisão existe não apenas na materialidade das práticas,

mas, sobretudo, nas estruturas mentais que organizam a percepção das

objetividades materiais. Em nosso caso, vemos isso na divisão de trabalho entre

grafiteiras e grafiteiros no universo da pintura de rua. Uma grafiteira do bairro Bom

Jesus aborda às relações com os grafiteiros:

De grafiteiros não, sabe... Já rolou preconceito... Não... Já rolou, sim. Sim já rolou, porque, por exemplo, está... A gente está pintando fazendo um mural, sabe. Daí sei lá... Ah centraliza entre eles, sabe, a gente pega as beiradas, sabe, a gente faz os personagens, sabe? (Estranha, 21 anos moradora da região Leste, informação verbal).

Por outro lado, as mulheres que pintam nos muros estão assumindo lugares

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de destaque como líderes de algumas crew. A grafiteira Sasinha, por exemplo, tem

dado entrevistas, participado de programas de TV, e começa a elaborar e redigir

seus próprios projetos sociais de grafite. Desta maneira o grafite apresenta-se para

as grafiteiras como um espaço de formação de identidade e de “aprendizado

político”, no qual os sujeitos se percebem como construtores e agentes das relações

sociais (MATSUNAGA, 2006). Aos poucos as grafiteiras deixam de lado o papel

secundário que ocupam no grafite e passam a fazer uso de ferramentas midiáticas e

eventualmente participam de rádios comunitárias para ampliar as instâncias em que

suas mensagens podem ser passadas, além dos muros. As grafiteiras costumam a

sair em grupos pequenos formados somente por mulheres para pintar a capital

gaúcha.

Quanto aos esses estudos sobre a participação feminina no movimento hip

hop e no grafite, descritos acima, é importante dizer que eles surgiram nas

instituições de ensino superior a partir de 2001, e deram voz às grafiteiras, às

dançarinas, às DJ’s. Assim, elas contam como chegaram ao movimento, suas

experiências atuais e a importância das atividades que desenvolvem em suas

cidades.

Reforça-se que ainda há muito a ser investigado sobre a inserção das

mulheres nas práticas de rua, assim como é necessário que ocorra um debate sobre

as relações de gênero entre esses atores sociais. De qualquer maneira, destaca-se

entre alguns autores já definidos como referenciais teóricos desta pesquisa Joan

Scott (1992), que rejeita explicações de cunho biológico para dar conta da discussão

a cerca do gênero, além de ser uma teórica importante na discussão deste conceito.

Pierre Bourdieu (2002) aponta em seu estudo na sociedade Cabília que a

dominação masculina traz consigo um condicionamento simbólico no qual as

construções sociais do masculino e feminino podem se repetir em diferentes

instâncias da sociedade, e estes elementos aparecem ao longo desta pesquisa.

Do ponto de vista macrossocial, o movimento hip hop e especialmente a

atividade de grafite é masculina em sua composição. Em termos de representação, a

idéia do grafite é vista como um trabalho de homem pela sociedade em geral, isto

desde o surgimento desta prática de rua. Estudos vêm indicando a necessidade

compreender-se melhor em que medida esta representação interfere em diversos

aspectos, por exemplo, desde a redistribuição econômica no trabalho remunerado

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que envolva a grafitagem até os comportamentos que se consideram adequados de

parte dos indivíduos envolvidos neste contexto sócio-cultural. O universo da

grafitagem como instrumento do qual as mulheres se utilizam para se expressar e

formar identidades, deve ser visto por meio das lentes dos conceitos de identidade e

de gênero, simultaneamente. Isto é bastante promissor, inclusive no que tange à

articulação das identidades das entrevistadas.

CAPÍTULO II

2 CONSTRUÇÃO DO CORPUS DISCURSIVO DAS GRAFITEIRAS

2.1 As grafiteiras entrevistadas Agora, apresentam-se alguns dados identitários e breve descrição das

grafiteiras entrevistadas nesta pesquisa. Na uniformização das entrevistas utilizam-

se nomes fictícios escolhidos pelas entrevistadas.

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Mara, 21 anos. É uma jovem branca de cabelos pretos, lisos e compridos; no

dia da entrevista carregava uma mochila e seu caderninho de grafite26, calça jeans e

tênis All Star vermelho.

Solteira, mora com os pais no bairro Agronomia, região da Lomba do Pinheiro

no Orçamento Participativo27. Nasceu na cidade de Canoas, na grande Porto Alegre

e veio morar na capital há dois anos. Completou o segundo grau; durante o curso

montou a ARC Arte de Rua Crew, com quatro colegas de classe. Atualmente cursa

duas cadeiras da faculdade de Design na UNIRITTER (Centro Universitário Ritter

dos Reis). Trabalha como telemarketing de uma empresa e desta forma paga seus

estudos. Relata que começou a grafitar por influência de amigos grafiteiros de

Canoas. Mara foi a primeira entrevistada na manhã do dia 23 de agosto de 2007 no

centro de Porto Alegre. Ela se diz simpatizante do movimento hip hop. Faz parte da

comunidade virtual Grafiteiras BR, e não possui fotolog. Começou fazendo letras e

não tem um personagem definido, geralmente pinta bonecas.

Alice, 20 anos. É uma jovem branca, de cabelos pretos com corte chanel. No

momento da entrevista usava calça jeans e tênis All Star pretos e carregava uma

mochila preta nas costas.

Solteira, mora com os pais, no bairro Bom Fim, região Centro do OP. Nasceu

na cidade de Cuiabá, Mato Grosso. Mudou-se com os pais para Porto Alegre no ano

de 2000, época que criou a Tikas Crew, um grupo só de meninas que pintavam nas

ruas. Atualmente cursa Desenho Industrial na Fapa (Faculdades Porto-Alegrense).

Alice enxerga seu grafite desvinculado da cultura hip hop e, às vezes, faz pichação

pelas ruas da cidade. Informou que iniciou no grafite por causa da mudança de

cidade (em Cuiabá não existia essa prática, segundo Aline) e influência das oficinas

que um famoso grafiteiro da capital ministrava no colégio Julinho. Faz parte da

comunidade virtual Grafiteiras BR. Possui um fotolog para expor seus trabalhos.

Seus personagens são pássaros.

26 As grafiteiras e os grafiteiros possuem caderninhos com desenhos em que elas (es) mesmas (os) e outros pintores de rua colocam que suas assinaturas, seus desenhos. Esses caderninhos surgem no ambiente da pichação e hoje estende-se também as (os) grafiteiras (os). 27 http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/

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Sasinha, 23 anos. Branca, cabelos crespos na altura do ombro, usava calça

jeans, tênis All Star respingado de tinta spray, mochila nas costas e carregava pela

mão sua filha no momento que deu seu relato para a pesquisa.

Casada, mora com o marido e a filha de quatro anos na Restinga, região

Restinga. Nasceu em Porto Alegre. Recentemente (2007) criou uma crew chamada

Gurias Grafiteiras, que reúne grafiteiras e dançarinas de rua. Completou o segundo

grau e pretende, se conseguir uma bolsa de estudos, cursar uma faculdade.

Somente pinta em locais autorizados e faz parte do MHHOB que é Movimento do

Hip Hop Organizado Brasileiro. Iniciou a carreira de grafiteira por intermédio de seu

marido que também grafita. Sasinha vive das oficinas que ministra em sua

comunidade e fora de lá e utiliza-se de seu fotolog para mostrar seu trabalho na rede

mundial de computadores. Seus personagens são as bonecas que ilustram “o

mundo de Lara” (Lara é o nome de sua filha).

Aline, 26 anos. Branca, cabelos loiros curtos, no momento da entrevista

usava calça jeans, uma regata e uma bolsa grande, não carregava caderninhos com

seus desenhos naquele momento.

Solteira, mora com a avó no Morro Santana, zona Leste do OP. Nasceu na

cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul. Nunca teve uma crew e relata que muitas

vezes prefere pintar sozinha. Está concluindo a faculdade de Jornalismo na

UNISINOS. Trabalha como free lancer fazendo ilustrações. Pinta em locais

autorizados ou não. Começou a pintar os muros quando iniciou a faculdade. Admite

que lá conheceu alguns grafiteiros e através deles se iniciou na arte. O fotolog de

Aline está sempre atualizado com novas fotos de seus trabalhos. Faz bonecas de

botinhas e sua personagem característica é a “menina enforcada”.

Estranha, 21 anos. Negra, usava um casaco (tipo uniforme adidas azul

marinho com duas faixas brancas), calça jeans e tênis All Star vermelho. Carregava

uma mochila no momento de nossa conversa.

Solteira, mora com os pais na vila Bom Jesus, região Leste do OP. Nasceu

em Porto Alegre. Tem o segundo grau completo e pretende prestar vestibular ano

que vem. Passou em Jornalismo na PUC, mas não chegou a cursar por falta de

recursos financeiros. Estranha e mais duas amigas formaram um grupo feminino de

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grafiteiras, chamado Lirius. Essa grafiteira já liderou uma banda de rap (não existe

mais hoje). Atualmente, Estranha trabalha como recepcionista de uma empresa. Diz

ter tido seu primeiro contato com o grafite através da ONG Trocando Idéia, embora

já participasse há bastante tempo do elemento musical do hip hop. Possui fotolog.

Desenha bonecas negras e pescoçudas.

Joana, 23 anos. Branca cabelos pretos e compridos usava uma camiseta

grafitada, mochila com seus caderninhos de grafite, spray e carregava sua filha no

colo, no momento da entrevista.

Casada, mora com o marido grafiteiro e uma filha de um ano e meio, na

Agronomia, região Lomba do Pinheiro do OP. Nasceu em Porto Alegre. Não

terminou o segundo grau, cursou magistério, mas abandonou o curso, embora tenha

sido nesse momento, segundo ela, que surgiu o interesse pelo grafite e pelo hop

hop. Atualmente faz parte da Muros crew, um grupo de grafiteiros e grafiteiras.

Joana faz bicos eventuais como manicure em um salão de beleza próximo à sua

casa. Costuma pintar em locais autorizados e não autorizados também. Criou a

comunidade virtual Grafiteiras Gaúchas, não possui fotolog. Desenha “joaninhas”.

Débora, 21 anos. Branca, cabelos pretos, óculos vermelho quadrado, vestia

calça jeans, camiseta e tênis All Star no momento da entrevista.

Solteira. Mora com os pais e com um irmão grafiteiro, no bairro Cavalhada,

região Centro-sul do OP. Nasceu em Porto Alegre. Tem o segundo grau completo e

não estuda atualmente. Relata que iniciou no grafite a convite de um colega de aula

que grafitava nas ruas da capital. Trabalha como desenhista e complementa sua

renda com os trabalhos de grafite comercial que realiza. É freqüentadora assídua e

tem seus trabalhos expostos na Galeria Mundo Arte Global, já deu oficinas na

periferia da capital. Débora possui fotolog de seus “trampos”28. Desenha

personagens de desenho animado.

Paulina, 24 anos. Branca, cabelos curtos e loiros, usava calça de abrigo e

chinelos foi entrevistada em casa.

28 Significa trabalho de grafite, ou seja, o desenho pronto na parede.

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Solteira, mora com a mãe e namora um grafiteiro e pichador. Ao contrário das

outras informantes, Paulina reside em um bairro nobre da capital, Bela Vista região

Centro do OP. Nasceu em Porto Alegre. Cursa duas faculdades Artes na UFRGS e

Publicidade na PUCRS. Já fez trabalhos de grafite para as Lojas Renner, Planeta

Atlântida, e também faz pichação pela cidade. Paulina não associa seu grafite ao hip

hop. Possui fotolog com fotos e histórias em que ela narra sobre suas pinturas de

rua. Não tem personagem fixo.

Clara, 21 anos. Branca, cabelos vermelhos e compridos usava uniforme da

loja de livros em que trabalha no momento da entrevista. A última entrevistada fala

comigo no local onde trabalha, na noite de 4 de outubro, no bairro Bom Fim.

Solteira, mora com os pais no bairro Petrópolis região Centro do OP.

Atualmente cursa o primeiro semestre de Jornalismo. Admite gostar de rap, embora

tenha iniciado a atividade de grafiteira por causa dos meninos que pintam. Tem

fotolog com seus desenhos na rede mundial de computadores. Desenha bonecas.

2.2 Como chegou a grafitagem

A seguir, apresentam-se as motivações que levaram as grafiteiras de Porto

Alegre a pintarem, segundo seus relatos codificados no software NVIVO. As falas

das grafiteiras foram importadas para o programa como Document (documentos).

Nesse momento da análise investiga-se como as grafiteiras foram apresentadas ao

universo do grafite. O procedimento foi realizado da seguinte maneira: a partir da

leitura de entrevista por entrevista selecionou-se somente uma pergunta do roteiro

de questões: “Quem te apresentou à grafitagem?” Em seguida sublinha-se essa

indagação e as respostas de cada uma das informantes e indexa-se a um nó criado

pela pesquisadora chamado “como chegou a grafitagem”. Neste caso, os nós

possuem informações diferentes sobre a mesma pergunta.

As percepções sobre o início desta atividade nas experiências das grafiteiras

podem assumir diversas formas. Tem-se o atributo denominado Motivador da

inserção no grafite, no sentido de quem a incentivou num primeiro momento:

o A própria grafiteira;

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o Os Grafiteiros;

o Uma instituição .

É chamado de atributo Motivação as possíveis instâncias que deram

legitimidade para fazer grafite:

o A família (Marido, pai, mãe...);

o A escola, faculdade;

o A cultura hip hop;

o Oficina;

o Grafiteiras;

o ONG (Trocando Idéia.

Esses atributos pertencem à variável como chegou à grafitagerm, que foi

cruzada com a variável escolaridade das pesquisadas, permitindo as reflexões sobre

os relatos das jovens mulheres que desenham nas paredes da metrópole gaúcha.

O corpus discursivo das grafiteiras

Como bem definiram Bauer & Aarts (2002, p. 44) corpus é a constituição de

um conjunto de enunciados, após passar por critérios de análise e seleção

arbitrárias de um "universo" (ou corpus empírico) de enunciados possíveis ou dados

em determinada circunstância histórica e social. A construção de um corpus pode

ser utilizada na pesquisa qualitativa e difere das técnicas de amostragem que se

fundamentam em leis estatísticas (GIL, 1999).

Percebe-se nos discursos das pesquisadas que algumas associam o contexto

familiar, permeado por incentivo às práticas artísticas, devido aos pais serem

profissionais do campo artístico, como algo que as levou a grafitar atualmente. De

acordo com a construção da noção de campo de Pierre Bourdieu (1990) há

delimitação das posições que os sujeitos ocupam na estrutura social. As grafiteiras

diferenciam-se na estrutura do ambiente de grafitagem. A entrevistada relaciona o

ambiente de sua casa ao interesse por grafitar atualmente.

Mas eu desenhei desde criança, meus pais sempre compraram muitos lápis de cor. Eu faço escolinha de arte desde acho que 4, 5 anos, ia no atelier, sempre tive lápis de cor bons assim de marca. E daí... Depois fazia aulas de

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pintura na adolescência. E aí um dia eu vi um papel dizendo que tinha oficina de grafite na Casa de Cultura Mário Quintana, foi quando eu comecei a fazer grafite. (Paulina, 24 anos, moradora da região Centro, informação verbal).

Pode-se dizer que as grafiteiras que freqüentam a universidade e/ou oriunda

de família de artistas devem a sua posição dentro do campo estético-visual (grafite)

a um capital cultural específico.

O autor Valenzuela Arce (1999, p. 126) chama a atenção para esse modelo

de grafiteira que possui uma composição transclassista, da qual participam jovens

(homens e mulheres) de todas as classes e setores sociais. Elas deixam claro que

não pertencem ao hip hop, ou seja, se diferenciam de quem está relacionado ao

movimento. Como observa Stuart Hall (2005), a identificação caminha de mãos

dadas com a diferenciação no interior das relações sociais e pode-se perceber como

isso ocorre no ambiente da grafitagem. A identidade pessoal está relacionada com a

pressuposição de que ele (o indivíduo) pode ser diferenciado de todos os outros

(GOFFMAN, 1985, p. 128). A informação que o indivíduo transmite sobre si próprio

envolve as percepções de quem somos em relação a nós, e em relação aos outros.

Ao considerar a categoria identidade, as pesquisadas foram divididas em dois

grupos: as jovens mulheres que cursam faculdade e as que estão fora do âmbito

acadêmico. Assim, constata-se que as universitárias foram motivadas a entrar no

grafite por intermédio dos grafiteiros; excetuando uma, que relata que seu interesse

inicial pelo grafite tem a ver com a mudança de cidade. Pois, no local em que

morava não existia essa pintura de rua, relata a estudante do segundo semestre de

Desenho Industrial. “Assim que eu cheguei em Porto Alegre. [...] em Cuiabá não

existia grafite eu vi na parede um monte de grafite e fiquei apaixonada” (Alice,

moradora da região Centro, informação verbal).

As grafiteiras entrevistadas que não freqüentam o ensino superior também

entraram na grafitagem por meio dos grafiteiros, embora apontem outros caminhos.

Por exemplo, Estranha que além de grafiteira é cantora de rap, atualmente não

freqüenta os bancos universitários. Foi apresentada ao grafite pela ONG Trocando

Idéia. Ela conta: “Primeiro contato foi no Trocando Idéia eu não tenho certeza se foi

no ano de 2001 ou de 2002 sabe? Mas foi no Trocando Idéia (Estranha, moradora

da região Leste, informação verbal). Joana, mãe de uma menina de um ano e oito

meses pretende fazer um supletivo e terminar o segundo grau ano que vem relata:

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Daí eu pensei putz! Eu quero faze parte do hip hop, apesar de não cantar rap [...] Essa parada de questão social por trás da manifestação artística, né. Então abracei as duas causas, não só o grafite, mas o movimento Hip Hop transformador assim, né... pro povo da periferia né, transformador social. Eu acho que isso aí é uma diferença... Por exemplo, a [...].ela faz um grafite, anda com a galera do grafite, só que ela vem de outro contexto. Por isso eu acho que o grafite dela também não é... É uma outra escola... Entendeu? É uma outra motivação, ela está com uma galera das artes plásticas, é uma galera a-ca-dê-mi-ca, entendeu? Foi um outro envolvimento, sabe. Mas não que o trampo dela não seja válido, entendeu? Mas é um outro embasamento, entendeu? (Joana, 23 anos, moradora da região Lomba do Pinheiro, informação verbal)

As que não estudam atualmente entram por espaços que estão consolidados

fora da universidade como, por exemplo, os novos movimentos sociais. No entanto,

o movimento Hip Hop é um universo que se dispõe a dar espaço para as mulheres,

ou seja, abrem-se possibilidades delas serem vistas e ouvidas, além de

conquistarem um espaço maior, uma forma de afirmação dentro deste movimento.

Tal fato reitera as considerações feitas por Magro (2004, p.170-171) sobre a

identificação das (os) grafiteiras (os) com o movimento hip hop: A experiência de se identificar com o hip hop, tanto para os meninos, como para as meninas, parece ser a experiência de encontrar respostas para suas próprias vidas, marcadas pela exclusão social em vários níveis. Parece também ser, por outro lado, a experiência de encontrar nessas repostas, as contradições e ambigüidades da própria vida, pois se deparam, no hip hop, com situações que contradizem as propostas com as quais se identificaram, como a sua comercialização, busca de fama e dinheiro para alguns, desunião, falta de recursos financeiros, discriminação e sexismo, revelando a necessidade constante de sempre ter que lutar pelo que eles/as são e acreditam.

Por outro lado é possível observar que as grafiteiras inseridas nas instituições

de ensino têm sua rede de relações sociais ampliada e elas conseguem ocupar um

campo consolidado por instituições que promovem atividades de grafite como, por

exemplo, as Ongs e as galerias que se dedicam a esta prática.

A regularidade da iniciação das jovens mulheres no grafite nos dois grupos é

realizada pelos grafiteiros. Os primeiros jatos de spray na parede foram assistidos de

perto pelos homens que muitas vezes as levaram a essa prática. Quem são esses

homens? São amigos, namorados, irmãos que influenciaram no começo e

geralmente desenham junto com as meninas. Como evidencia o relato abaixo:

Aí tipo a gente namorava na época né depois a gente casou e era

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complicado ele ir pintar e eu ficar em casa sabe. Eu sempre gostava então eu comecei a acompanhar ele, comecei a desenhar e ele sempre me apoiou assim ‘tu pode ir pra frente’ e aí eu fui indo, fui indo, fui indo’. A gente pintava muito aqui na Restinga até porque tinha que se locomover pro centro, não conhecia ninguém é complicado. Há sete anos atrás que eu comecei né? (Sasinha, 23 anos, moradora da região Restinga, informação verbal)

É importante ressaltar que os grafiteiros e as grafiteiras costumam pintar

juntos, o que sugere uma proximidade entre eles, tanto em relações de amizade

bem como de relacionamentos afetivos. Considera-se esse fato como uma das

características do grafite porto alegrense. Ao contrário do que aponta Weller (2005,

p. 122): [...] existe uma antecipação dos preconceitos e da moralização em relação ao comportamento feminino, fazendo com que as jovens optem por uma estratégia de redução da proximidade ou até mesmo da privação de relações íntimas com colegas. Tal estratégia parece estar em contradição com a posição do grupo que luta pela equidade entre os sexos no movimento.

Entretanto é fato que há uma superioridade numérica de grafiteiros em

relação ao número de grafiteiras na capital gaúcha. Uma das formas possíveis de

consolidação das relações de poder nas estruturas do universo da grafitagem pode

ser observada quando os homens que pintam nos muros indicam às grafiteiras os

possíveis eventos e acontecimentos que envolvem essa prática. Por exemplo,

quando um órgão público, uma Ong ou uma empresa necessita de um profissional

do grafite para completar o quadro de oficineiros em um evento solicitam aos

grafiteiros uma indicação para o preenchimento da vaga. Portanto, é possível que os

grafiteiros definam em grande parte, a ocupação das grafiteiras nos eventuais

espaços para ministrar oficinas, para participação em exposições e até em eventos

de grafite.

Cabe aos homens, situados do lado exterior, do oficial, do público, do direito, do seco, do alto, do descontínuo, realizar todos os atos ao mesmo tempo breves, perigosos e espetaculares, como matar o boi, a lavoura, a colheita, sem falar do homicídio e da guerra, que marcam rupturas no curso ordinário da vida. As mulheres, pelo contrário, estando situadas do lado do úmido, do baixo, do curvo e do contínuo, vêem ser-lhes atribuídos todos os trabalhos domésticos, ou seja, privados e escondidos ou até mesmo vergonhosos, como o cuidado das crianças e dos animais [...] (BOURDIEU, 2007, p.41).

De acordo com sua análise, Bourdieu (2007) aponta que as mulheres estão

menos engajadas nos jogos de poder, como a política; elas participam dos jogos

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mais sérios como espectadoras. Desta maneira, elas tendem menos que os homens

a auto atribuírem-se competência legítima. Pode-se dizer que no universo do grafite

também ocorre esta situação.

Assim sendo, em algumas situações da pesquisa de campo percebe-se nos

acontecimentos cotidianos fragmentos dessa construção social tradicional descrita

por Bourdieu (2007). No campo da grafitagem, muitas vezes as crianças participam

desses eventos e somente as grafiteiras cuidam delas. Por exemplo, na tarde de 2

de setembro de 2007, Joana foi entrevistada. Sua fala iniciou no muro de num

terreno baldio, um espaço irregular com uma vista muito bonita da cidade, local onde

a crew Arte Muro (composta por Joana, seu marido, um primo dele e mais um rapaz)

fazia uma pintura. Quando desci do ônibus Joana estava me esperando com

Manuela no colo. Joana falou – “Tu que é a Vivian? Eu sou a Joana, tudo bem? Vim

te pegá aqui na parada porque estamos fazendo.... quer dizer, eu já acabei a minha

personagem ali no terreno baldio. Vamos lá?”

Chegando ao muro sentamos no chão, e os homens continuaram pintando.

Começamos a conversar e Manuela corria de um lado para o outro. Lá da parede o

marido de Joana gritava, a todo o momento: – “Olha a Manuela! Ela vai cair no

buraco! Pega ela! Leva ela pra casa!” Mas em momento algum ele saiu do muro ou

largou o spray para atender a filha. Joana decidiu que o melhor era ir para casa, ela

juntou suas tintas, colocou na mochila, pegou o carrinho da filha, eu desliguei o mp4

e fomos eu, Joana e Manuela para a casa da entrevistada. Desta maneira, percebe-

se que as grafiteiras, quando têm filhos, muitas vezes levam as crianças para

grafitar29 e somente elas se responsabilizam pelo seu cuidado. O estudo de Magro

(2003, p. 86), sobre as grafiteiras de Campinas, detecta em uma de suas

observações de campo, esse tipo de acontecimento no ambiente da grafitagem:

Já passava de uma hora da tarde, alguns faziam lanches ali mesmo, garrafas de refrigerantes faziam parte da cena... e eu filmava os muros que eles pintavam. Observava que tão poucas meninas estavam ali, uma delas nada fazia, a não ser segurar sua filha no colo, sentada na calçada, acompanhando o namorado que pintava. Eu soube depois que ela também é grafiteira.

Mas o fato é que esta prática mobiliza jovens de múltiplos segmentos sociais

em razão de contextos diferentes. Percebe-se, nas falas das grafiteiras pertencentes 29 Em muitas atividades de campos as crianças estavam presentes e as grafiteiras pintavam e cuidavam das filhas ao mesmo tempo.

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ao movimento hip hop, que elas estão integradas em projetos sociais voltados para

a juventude, desenvolvidos por Ongs ou governos. A participação nesses eventos,

por exemplo, permite que elas possam utilizar as sobras de tintas destas atividades

em seus grafites na hora que desejarem, já que uma lata de spray30 é cara, e

geralmente utilizam-se várias latas em um mesmo desenho.

Entrevistas AgostoEntrevistas Setembro

MotivaçõesMotivadores

Escolaridade

Como chegou a ser grafiteira

Ens.médio

Acadêmicas

A própria grafiteira

NM(f)P(f)

V(f)

D(f) N(f)K(f)

T(f)B(f)

Os grafiteiros

Ong

"Pintavam desde pequena".

Marido

Escola

Oficinas

Hip Hop

Grafiteiras

Ong

1

2

3

4

Fluxograma 1 - Modelo de como as mulheres chegaram a ser grafiteiras.

Assim, é possível destacar algumas considerações. Todas as grafiteiras

revelaram que desenhavam desde criança; isso é uma regularidade nos conteúdos

de suas falas (caminho 1 lilás). Observa-se que elas utilizam as oficinas, ou em

alguns casos os cursos universitários para aprimorar as técnicas, pois desenhar no

muro é muito diferente de fazer os traços no papel. Mas o ato de desenhar elas já

têm, é recorrente em suas vidas.

30 Cada lata custa em torno de 15 a 20 reais.

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Segundo o fluxograma 1 (acima) os principais motivadores das entrevistadas se

inserirem no grafite, são os grafiteiros. Pode-se perceber através do número 2 no

fluxograma (flecha rosa). A variável escolaridade também é definidora da posição e

do status que a grafiteira ocupa na grafitagem feminina. Essa variável irá influenciar

o grupo de grafiteiras que participa de oficinas. O grupo que finalizou o ensino médio

teve a escola como principal motivação para serem grafiteiras. Já o grupo de

grafiteiras acadêmicas percorreu um caminho diferenciado que as levou a participar

de oficinas.

Algumas grafiteiras cursam faculdade, outras não estudam atualmente e

desenvolvem funções de recepcionistas, balconistas de loja ou somente grafiteiras.

A diferença mais importante entre as grafiteiras que não freqüentam universidades e

as que cursam faculdade é que essas pertencem à classe média e estão integradas

à sociedade local através da universidade, enquanto as grafiteiras que não

freqüentam o ensino superior e pertencem a uma classe baixa trabalham por

necessidade de sobrevivência e já desistiram de fazer um curso superior, a não ser

que encontrem situações facilitadas, através, por exemplo, de bolsas de estudos.

Segundo o caminho 4 (flecha verde) no fluxograma acima, as principais

motivações para as grafiteiras com maior escolaridade se inserirem na grafitagem

são as instituições como a cultura Hip Hop e as Ong’s além das oficinas de grafite e

as próprias grafiteiras

Resumidamente, pode se afirmar que existem articulações que possibilitam a

existência de dois caminhos para as jovens chegarem a ser grafiteiras: o primeiro

representado pelas jovens que conheceram o grafite em sua passagem pelo ensino

médio, suas vinculações familiares a grafiteiros e a presença na cultura hip-hop; o

segundo, trilhado junto aos grafiteiros que ministram oficinas e que encontram como

suas principais seguidoras as grafiteiras acadêmicas. Elas se articulam através das

oficinas projetadas por ONG’s, compostas por grafiteiros que participam da cultura

hip hop. Inclusive, a construção dos vínculos das grafiteiras acadêmicas com os

espaços de grafitagem se dá em espaços acadêmicos e não acadêmicos;

diferentemente das grafiteiras que possuem o ensino médio que se vinculam

somente nos espaços não-acadêmicos.

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2.3 Os grafiteiros entrevistados

Nando, 22 anos. É um jovem branco, no dia da entrevista vestia calças

largas, correntes prateadas grandes penduradas no pescoço, boné, camisa uns dois

números maiores que seu manequim.

Casado, mora com a mulher e um filho de seis meses no Campo Novo, região

centro-sul do OP. Nasceu em Sapiranga, mudou-se para Porto Alegre em 2003. Tem

o primeiro grau incompleto. Trabalha como oficineiro de dança (bboy) e oficineiro de

grafite. Costuma pichar muros pela cidade. Tem fotolog com seus “trampos” de

dança e grafite.

Jacques, 25 anos. É um jovem branco de cabelos pretos curtos. No dia da

entrevista, usava calça jeans e tênis (concedeu a entrevista em seu horário de

almoço; na época de seu depoimento, era trabalhador da ECT).

Casado, mora com a filha e com a mulher, também grafiteira, no bairro

Restinga, região Restinga no Orçamento Participativo. Nasceu na cidade de Porto

Alegre. Completou o segundo grau. Jacques é idealizador da crew Zombando, do

ponto de cultura Na Quebrada e da ONG Circulando. Atualmente tem bolsa do

governo federal Pró Uni e cursa Turismo na PUC. Trabalha como oficineiro de

grafite. Relata que fazia parte do movimento hip hop como dançarino (bboy) e

inclusive participava de campeonatos de dança na Restinga. Possui fotolog do seus

trabalhos.

Cássio, 31 anos. Branco, vestia calças largas e camiseta um pouco maior

que seu manequim, tênis All Star e carregava uma mochila preta.

Solteiro, mora na Casa de Estudante da UFRGS, centro da capital e é

envolvido no Movimento Estudantil. Nasceu em Canoas, mora em Porto Alegre

atualmente. Cursa Artes Visuais, atualmente não trabalha e não vive do grafite. Pinta

por prazer em locais autorizados e não autorizados, quase sempre sozinho. Diz

gostar de música rap.

Três grafiteiros foram entrevistados nesta pesquisa porque a identidade é

moldada através da interação com a sociedade em geral, e, especialmente os

grafiteiros que fazem parte do cotidiano das escritoras de rua. Dois informantes

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homens vivem exclusivamente do hip hop e do grafite. Quanto à escolaridade dois

cursam universidade e um relata que não chegou a completar o primeiro grau.

Homens e mulheres que pintam vivem no interior de diversas instituições,

escolas, local de trabalho, partidos políticos, família, faculdade, espaços de

grafitagem e cada um deles exercendo graus variados de escolha e autonomia. A

Casinha31, por exemplo, é um espaço no qual esses atores sociais vivem suas

identidades de grafiteiras(os). As escolas municipais e estaduais também servem de

cenário para interação deste grupo.

[...] verificamos haver uma “segregação do auditório”. Graças à segregação do auditório o indivíduo garante que aqueles diante dos quais desempenha um de seus papéis não serão as mesmas pessoas para as quais representará um outro papel num ambiente diferente (GOFFMAN, 1985, p.52).

As grafiteiras e os grafiteiros agem de modos diferentes de acordo com a

platéia, ou seja, eles transmitem um discurso (pode ser através da fala ou dos

desenhos) e enquanto atores sociais emitem informação sobre si mesmos e os

observadores interpretam a emissão de seu discurso. Exemplificando, no espaço da

rua, em muro qualquer, os indivíduos costumam chamar o(a) grafiteiro (a)pelo

apelido que ele(a) assina em seus desenhos, já quando esse(a) mesmo(a)

grafiteiro(a) está dando oficina de grafite no pátio de uma escola estadual para uma

turma da sétima série32 ele(a) é chamado de professor(a) pela platéia que assiste a

representação social da grafitagem emitida pelo ator social.

Assim, a identidade é um processo em construção e é sempre a resultante da

identificação imposta pelos outros e da que o grupo ou indivíduo afirma por si

mesmo (CUCHE, 2002, p. 197). Desta maneira, os homens que pintam na metrópole

gaúcha foram questionados sobre algumas questões, e inclusive sobre a

participação feminina no grafite.

A seguir, a descrição de alguns relatos sobre como eles iniciaram nesta

atividade de rua. Ao contrário das grafiteiras entrevistadas nesta pesquisa, os

homens tiveram seu primeiro contato com o grafite através da dança de rua, ou seja,

começaram a pintar por meio do hip hop. Nando, dança até hoje e relata:

31 Espaço para prática de grafite e discussão sobre o tema, localizada no bairro Cidade Baixa criada por dois grafiteiros Trampo e Carioca. 32 Conforme observei na minha pesquisa de campo.

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No grafite... Isto foi em 2002 eu só dançava antes como eu sou bboy.....eu fui dar uma oficina em Santa Maria de dança .... e .... lá em Santa Maria tava o Celo, estava o Peixe, o Jotapê, o Mano, o Trampo tinham vários grafiteiros né...... E nisso... .eu não fazia tag, não fazia nada, só sabia no caso a parte: a teórica.... não tinha a prática.... E em santa Maria tem a linha do trem né... passa o trem por lá e nisso eu vi os caras grafitando o trem né... passando o trem... vi a filmagem no caso, não cheguei a ver ao vivo ... eles pintaram depois me mostraram a filmagem e a partir daquilo ali eu achei massa e... pensei “ah vou começar também” mas nunca pensei em começar pelo lado bonitinho no caso da coisa.... tipo autorização, fazer bonequinho, essas coisas assim fazer as produções né? Eu sempre gostei da parte “vandal” mesmo. (Nando, 22 anos, morador da região Centro Sul, informação verbal).

Assim como Nando, o grafiteiro Jacques era dançarino e foi parar no grafite

por conta de um acidente que sofreu enquanto apresentava-se em um evento de hip

hop há alguns anos. Jacques rompeu o ligamento do joelho direito e foi afastado dos

palcos. Afirma que desde os 12, 13 anos já fazia parte do movimento. Ele conta:

Então, na verdade como é que funcionou a história do grafite comigo? Desde criança eu desenhei bem... aquela historinha toda básica e tal. E.. .eu sempre fui envolvido com a história do RAP, na verdade né no Hip Hop em especial. Eu tinha um grupo antigamente desde os 12,13 anos que durou até meus 17 né. Daí basicamente que eu conheci o grafite. Eu conhecia arte no geral, gostava muito de desenhar, mas o grafite em especial não conhecia mesmo né. Foi através do Hip Hop mesmo que eu vim a conhecer o grafite como tal esse elemento de transformação na rua etc e tal. Até então não levava muito... gostava me dedicava, me dedicava em pesquisa mas a minha história era dançar. Daí eu me machuquei, fiz uma cirurgia no joelho e aí tive que parar 2 anos, parei com a dança...daí o grupo também parou e tal. Daí então eu levei o grafite... bom eu já estou há praticamente 8 anos no grafite, dando oficinas, fazendo alguns eventos, e tal e... pintando a praticamente 8 anos já, né. Dá pra se dizer que desde 99 por aí 2000 comecei mesmo a fazer grafite (Jacques, 25 anos, morador da região Restinga, informação verbal).

Cássio é um grafiteiro e estudante. Participa ativamente do DCE (Diretório

Central dos Estudantes) da UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Quanto à escolaridade dos homens entrevistados, dois deles cursam universidade e

um entrevistado possui o primeiro grau incompleto. Cássio teve seu primeiro contato

com o spray através de uma oficina de grafite realizada em 2001, na Casa de

Cultura de Porto Alegre. Questionados sobre a inserção feminina no grafite, eles

acreditam que não há nenhum tipo de preconceito ou exclusão das mulheres neste

ambiente. Eu vejo assim uma relação como se fosse com qualquer outra pessoa, na verdade, eu não vejo muita diferença entre mulher, criança, homem, mulher, preto e branco, na verdade né. A história é que tipo... cada um tem sua linha e... no grafite... ou em qualquer lugar também né... tipo cada um tem que ser respeitado como é, como quer ser respeitado né. Ele impõe o que

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está afim “oh quero ser assim” e... vai ser visto como tal na verdade né. O grafite das gurias eu vejo assim, das poucas que tem aqui em Porto Alegre... (Jacques, 25 anos, morador da região Restinga, informação verbal)

É possível dizer, diante do relato desse grafiteiro, que as mulheres “precisam”

assumir uma postura de serem respeitadas como são e como querem ser

respeitadas. Ou seja, já existe a admissão de uma modernização dos valores

culturais que envolvem o grafite, principalmente quando se manifesta a possibilidade

de interação das mulheres a um cotidiano de trabalho masculino.

Essa passagem do tradicional para o moderno é uma tentativa na busca de

um processo de mudança social em que os homens absorvem novos valores que

vêm do meio ambiente, permitindo que elas estabeleçam relações de integração em

espaços de grafitagem. Elas estabelecem a harmonia neste espaço, buscando um

tipo de adaptação nesses locais que geralmente os grafiteiros indicam a elas,

através de indicações dos eventos de grafite que acontecem na cidade.

A posição subordinada das grafiteiras pode ser vista por dois caminhos:

primeiro na distribuição dos espaços. No muro, as mulheres grafiteiras costumam

ficar, muitas vezes, com as pontas das paredes e aceitam isto de maneira não

conflituosa com os homens. Por outro lado, essa posição subordinada deixa de

existir quando elas conquistam espaços, como aconteceu no FSM de 2005, quando

as grafiteiras se reuniram para discutir questões da mulher que pinta nas ruas ou

quando estão pintando somente na companhia de mulheres.

2.4 Situação atual das grafiteiras

Um dos aspectos sublinhados nesta pesquisa se refere à situação atual das

grafiteiras no mundo da pintura de rua, ou seja, de que maneira estão inseridas

atualmente no universo do grafite.

Sasinha casou aos dezesseis anos de idade. Tem o segundo grau completo,

sempre estudou em escola estadual. No momento, essa grafiteira trabalha fazendo

grafites comerciais e ministra oficinas em uma escola da rede de ensino pública. É

contratada da SMED33 e sustenta-se com o grafite. Sasinha relata sua situação

como grafiteira:

33 Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre.

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Eu posso dizer que eu vivo do grafite, sou a única que dá oficina de grafite. Quando o pessoal chama alguém pra dar oficina de grafite eles pegam qualquer um até quem está começando o ideal é que tu pegue alguém que já entenda, né? Tanto é que eu entrei agora na SMED porque tinha um menino que dava oficina de grafite que não era nem grafiteiro era bboy era do hip hop chamaram ele p’ra dá essa oficina de grafite, só que não deu certo Daí o que ele fez não agüentou o trampo e largou e nem avisou o pessoal entendeu? Daí procuraram a ONG e o [...] indicou eu entendeu? Daí eu estou há dois meses pretendo assinar o contrato agora de um ano. (Sasinha, 23 anos, moradora da região Restinga, informação verbal)

Sasinha foi a responsável pela autorização de pintar o muro da sede da

Associação de Moradores da Vila dos Papeleiros bairro Humaitá. Esta atividade

aconteceu no sábado, dia 03 de setembro de 2007. Era a comemoração dos nove

anos do Brincalhão, um ônibus que percorre a periferia da cidade levando lazer para

as crianças das comunidades carentes. Nessa ocasião, cinco grafiteiros, convidados

por Sasinha, participaram do evento. Por volta das 13:00hs o grupo (cinco

grafiteiros, duas meninas namoradas dos rapazes) se encontrou na frente da

Prefeitura de Porto Alegre. O grupo caminhou do centro da cidade até o loteamento

da Vila dos Papeleiros (em torno de 40 minutos de caminhada) para economizar as

passagens de ônibus, já que esse evento não foi remunerado, a SMED somente

cedeu os sprays.

Ao chegarem à vila, os grafiteiros ficaram parados na esquina e a Sasinha foi

até a casa do presidente da associação de moradores pedir a autorização para

pintar. Ela falou: - “Oi, eu sou a grafiteira do projeto, a gente pode pintar o muro da

associação de moradores?” O responsável pela associação de moradores da vila

respondeu:- “Sim, mas dá para colocarem escrito Associação de Reciclagem

Ecológica da Vila dos Papeleiros?” Sasinha respondeu: - “Sim, a gente coloca”. E

assim o muro estava autorizado. Em seguida, o grupo trocou de roupa, em frente ao

muro, colocaram calças de abrigo por cima da roupa para não sujar de tinta, e

puseram camisetas na cabeça para se protegerem do sol forte.

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Figura 3: Pintura do muro da Associação de Moradores - Vila Papeleiros Fonte: Arquivo documental da pesquisadora, set. 2007. Antes de iniciar a pintura Jacques reuniu os grafiteiros que formaram um

círculo e passou algumas instruções para cuidarem das tintas, pois o evento juntava

muitas crianças que podiam tentar pegar as latas espalhadas no chão. Recomendou

cuidado com celulares, mochilas, porque estavam em um local estranho. Sasinha

não participou desta conversa; estava envolvida com o material a ser utilizado na

pintura; eram quatro caixas de Color Gin34. O grupo escutou atentamente as

instruções, a conversa seguiu por mais vinte minutos para decidir quem ocuparia

qual espaço no muro e como se dividiriam para fazerem o grafite. Foram pintados os

dois lados do muro que cerca a associação de moradores da vila dos Papeleiros; de

um lado ficaram quatro grafiteiros, do outro lado ficaram três homens e para a

Sasinha restou a ponta do muro, bem próxima a uma piscina de bolinhas, em que as

crianças faziam fila ao seu lado para brincarem, a todo o momento, durante esse

evento.

34 Marca de spray usada em todas as atividades de grafite que observei.

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Figura 4: Pintura do muro da Associação de Moradores - Vila Papeleiros Fonte: Arquivo documental da pesquisadora, set. 2007.

Uma semelhança observada em todos os eventos de grafite contemplados

nessa pesquisa é que a pintura só começa após um diálogo entre as (os) grafiteiras

(os) para organizar a atividade de grafitagem; trata-se de uma situação rotineira no

grafite. Geralmente, um homem assume esse papel, todos falam sobre o desenho

que pretendem fazer, há um cuidado com a harmonia da pintura final. É neste

momento que se definem o espaço que cada um irá ocupar.

Para as grafiteiras que pintam em Porto Alegre, as atividades de grafitagem,

como a descrita acima, podem exemplificar uma situação de hierarquização,

segundo as posições que se ocupa no muro. Os desenhos localizados no centro do

muro ficam mais evidentes e, geralmente, são maiores. As grafiteiras entrevistadas

demonstram, em suas falas, que reconhecem haver um tipo de discriminação em

relação aos desenhos femininos, pois, muitas vezes, elas ficam com as bordas dos

muros. O que caracteriza um complexo cenário de dominação.

Sim já rolou, porque, por exemplo, a gente está pintando fazendo um mural sabe. Daí sei lá... ah centraliza entre eles , sabe, a gente pega as beiradas, sabe, a gente faz os personagens,sabe? (Estranha, 21 anos moradora da região Leste, informação verbal).

Já a grafiteira Joana costuma grafitar sempre com a crew Arte Muro e

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começou a fazer magistério no segundo grau, porque achava que possuía muita

criatividade e queria passar isto através da docência. Joana abandonou o curso e

hoje em dia usa sua criatividade para fazer pinturas nos muros. Além dos grafites,

ela faz telas em papel machê, cortinas e bolsas de fuxico para aumentar a renda

mensal. É manicure em um salão na sua comunidade; lá faz unhas decoradas.

Joana grafita de duas a três vezes por semana no bairro onde mora. Prefere lugares

autorizados, mas pinta em terrenos baldios, paredes abandonadas, onde ela

acredita que o espaço ficará revitalizado com seus personagens. Mas, Joana revela:

E daí, e daí... eu fiz curso... porque o grafite, né, nunca me deu dinheiro mesmo assim, sabe, aparece tipo fazer quarto, fachada de loja, mas não uma coisa certa, né? Então... fiz curso de manicure, faço unha decorada, dou ênfase p’ra fazer unha decorada, quer dizer, indiretamente o grafite está presente...meio que um arte que está presente em várias coisas na minha vida, né? (Joana, 23 anos, moradora da região Lomba do Pinheiro).

Figura 5: Pintura do muro no loteamento da Vila Planetário. Fonte: Arquivo documental da pesquisadora, fev. 2008.

A instabilidade econômica acompanha as grafiteiras; elas ganham dinheiro

com suas pinturas, mas ficam longos períodos sem uma proposta para grafitar

comercialmente ou em algum projeto social, como nos fala Débora:

É sim. Chega a ser, já fiz bastante trabalho pra fora assim... E dá uma grana legal quando rola assim, quando... Porque não é uma coisa que

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está sempre acontecendo né? Até porque as pessoas ainda tem um pouco de preconceito (Débora, 21 anos, moradora da região Centro Sul, informação verbal).

Nas várias entrevistas realizadas, pôde-se perceber que a maior parte das

grafiteiras desenvolvem outras atividades, além da grafitagem, já que depender

exclusivamente do grafite para sobreviver revela um futuro incerto. É o caso da

grafiteira Mara, que cursa faculdade pela manhã, trabalha em São Leopoldo (grande

Porto Alegre) em uma empresa no atendimento ao público. Costuma pintar nos finais

de semana e a noite em locais não autorizados. Faz também grafite comercial. Por

exemplo, quando concedeu sua entrevista estava pintando a fachada de uma escola

infantil, sozinha, um trabalho que levou em torno de quinze dias para ser concluído.

Mara é uma das grafiteiras entrevistadas que está iniciando no meio do grafite. Já

Alice, que pinta há sete anos na capital acredita que dificilmente viverá

exclusivamente do uso de sprays, segundo ela:

E eu também não tô tão ativa porque eu tô estagiando, trabalhando, estudando... Eu não posso vivê só de ser grafiteira, né? Uma coisa que eu cheguei à conclusão que era impossível. Admiro super quem consegue, mas eu... Olha, não p’ra dizê como se fosse um hobby, mas como se fosse uma ... uma... uma forma de me expressar, tanto que eu escrevia poesia, pintava, desenhava, tudo forma de expressão. E grafite é essa forma de expressão p’ra mim (Alice, 20 anos, moradora da região Centro, informação verbal).

Outra grafiteira que não vive exclusivamente do grafite é Estranha; ela

costuma carregar sprays na mochila, se der vontade ela pinta em qualquer lugar, a

qualquer hora. Atualmente tem um trabalho de grafite (realizado junto com o grupo

urbanóide) exposto na mostra de arte Essa Poa é Boa e em 2006 teve alguns

desenhos expostos no Mundo Arte Global. Estranha procura retratar em seus

desenhos a realidade que vive em sua comunidade, tanto nos ambientes de

grafitagem que freqüenta, como nas ruas do seu bairro. Em suas palavras:

Por isso que eu gosto de retratar o meu mundo paralelo, sabe, que é de vez em quando, elas saem pra rua, meus personagens, as minhas fotos, esse choque de realidade. Que é aqui no centro da cidade e lá onde eu moro, que é uma vila totalmente diferente, uma galera totalmente diferente. Lá na minha zona... na minha vila tu vê muitos trampos meus, lá tem muitos trampos meus e só meus, entende? Tanto na... eu sou a única grafiteira e grafiteiro, sou a única pessoa que pinta lá (Estranha, moradora da região Leste, informação verbal).

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Identifica-se na fala das entrevistadas que elas muitas vezes pintam em crew

ou em coletivos de grafite; nos dois casos, isto significa que elas grafitam quase

sempre na companhia dos grafiteiros. São eles que muitas vezes definem as

posições que elas ocuparão na pintura, não só os espaços no muro, mas também as

inserem nas atividades.

No ambiente da grafitagem organizam-se relações sociais através de uma

posição hierarquizada; os grafiteiros assumem o poder de definir os espaços de

participação das mulheres grafiteiras. No espaço de articulação do grafite os homens

protagonizam o “trampo”35 e as mulheres ocupam uma posição de submissão nestas

atividades. Assim desenvolve-se a divisão do trabalho na grafitagem. Segundo

Bourdieu (2007), as propriedades negativas que a visão dominante atribui às

mulheres são impostas através das relações de força e poder que sempre

favorecem os homens. Os grafiteiros possuem os contatos com as instituições

patrocinadoras de grafite, são os mentores das crews, dos coletivos mais atuantes

de Porto Alegre. Pode-se dizer que um maior número de grafiteiros sustenta-se

exclusivamente com as atividades de grafite, em relação às mulheres.

As grafiteiras relataram que trabalham em outras atividades, pois não

conseguem se sustentar apenas pintando, excetuando uma grafiteira que participou

da pesquisa e se mantêm com as suas pinturas. Entende-se as identidades como

múltiplas, flexíveis e variáveis no contexto da pós-modernidade Hall (2005, p. 23),

portanto, as grafiteiras ocupam diversas posições sociais de mulher, de grafiteira, de

professora de grafite, de aluna, de brasileira, de trabalhadora, de mãe. Diversas

posições, embora não seja possível afirmar qual vem em primeiro lugar, se é que

alguma prevalece em detrimento da outra, pois elas acumulam identidades em

diferentes momentos ao longo de sua vida quotidiana.

2.5 Espaços de convivência das (os) grafiteiras (os)

Na primeira entrevista, a grafiteira Mara, ao ser questionada sobre quais os

espaços de convivência das (os) grafiteiras (os), respondeu que a Internet é um

local, embora esse ambiente nem sempre seja confiável, segundo a entrevistada. As

35 Trabalho na gíria das(os) grafiteiras(os).

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interações nas comunidades virtuais36 e fotologs podem ser analisadas segundo o

princípio de Goffman (1985) de administrar impressões, dado o fluxo de informações

em torno dos quais se formam as identidades projetadas. Nas comunidades virtuais,

um(a) grafiteiro(a) procura surpreender o outro desconhecido, exibindo seus

trabalhos. Outras vezes, é possível que o(a) grafiteiro(a) apresente grafites que não

são de sua autoria, passando desta maneira uma imagem falsa. Assim, aparece

uma identidade que não coincide com a identidade real, baseada em atributos

demonstráveis.

Na Internet eu vou te dizer que eu acho que é um pouco tipo... famoso grafiteiro de Internet ou pichador de Internet tipo...faz ali, mas não tem aquela atitude na rua, sabe... fala que faz. É legal a Internet, tem uma interação, tu conhece pessoas de outras cidades. Tem os guris do Rio de Janeiro que eu conheci através da Internet, eles me adicionaram, falaram que já conheciam Porto Alegre que queriam vir p’ra cá e tal. E eu troco uma idéia com eles... e a gente até está com uma idéia deles virem pra cá, depois eu ir pra lá pintar com eles. A gente troca trabalhos através de e-mail eu acho legal assim,... tem aspectos positivos e negativos. O negativo é que muitas pessoas vão ali e fazem uma propaganda, fazem uma fachada dizendo que fazem grafite são grafiteiros, mas é puro modismo, assim não por ter aquele sentimento, por gostar daquilo que faz. Não tem que ficar te denominando alguma coisa “ah eu sou grafiteira!” ou “eu sou artista plástico!” Ou seja o que for, eu acho importante fazer porque tu gosta e tu se sente bem, porque te faz feliz entendeu... (Mara, 21 anos, moradora da região Lomba do Pinheiro, informação verbal).

A grafiteira Mara fala sobre práticas comunicativas virtuais utilizadas pelas

grafiteiras, que é uma maneira de jogar com a identidade na Internet. De acordo com

a entrevistada pode acontecer nos espaços virtuais que um ator social estranho

procure surpreender o outro desconhecido, exibindo atributos positivos dos possíveis

desenhos. Por outro lado, ressalta a troca de informações sobre técnicas com

colegas de arte de outros estados brasileiros, fato que parece ser extremamente

positivo nestas relações possíveis nos sítios da Internet.

É nesse mundo virtual que as identidades formam-se dentro de um

determinado contexto histórico e existe uma dinâmica entre elas. Assim o ponto

inicial da análise de Manuel Castells (2003), parece ser a revolução da tecnologia da

informação. Diferentes épocas culturais têm diferentes formas de combinar essas

coordenadas espaço-tempo (HALL, 2005, p. 70). As grafiteiras atualmente utilizam o

espaço da Internet para formarem redes de discussões. As distâncias espaciais, que

36 As comunidades virtuais (do Orkut) não foram citadas pelas informantes; elas referem-se aos fotologs.

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separam uma da outra, por exemplo, uma grafiteira de Recife e uma de Porto Alegre

podem ser encurtadas através dos fotologs, que são uma espécie de diário virtual

que as escritoras de rua produzem. Alí elas colocam as fotos de seus grafites e

descrevem o contexto em que a pintura foi realizada. Posteriormente, outras

grafiteiras de qualquer lugar do Brasil ou do mundo postam suas mensagens,

opiniões e comentários a respeito daquele desenho exposto no fotolog (Anexo A).

Inclusive as grafiteiras que não possuem fotologs podem ser excluídas por outras.

Por exemplo, duas grafiteiras se conhecem em um muro, uma das primeiras

perguntas que surgem nesse momento é sobre fotolog. Quem não possui fotolog no

mundo do grafite pode deixar de ser convidado (a) para posteriores eventos e

trabalhos de grafite. Os fotologs funcionam como uma espécie de currículo das

grafiteiras e dos grafiteiros.

Os fotologs proporcionam a formação de uma listagem de indicação de links

constituída a partir de interesses temáticos do grupo, o que gera uma rede de

interações virtuais e de circulação de conhecimentos e técnicas de grafites37.

Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, faz uma ressalva, em relação a essas mídias,

pois para ele tampouco podem essas “comunidades virtuais” dar substância à

identidade pessoal – a razão básica para procurá-las. Ainda de acordo com esse

autor, as identidades são para usar e exibir, não para armazenar e manter

(BAUMAN, 2005, p. 31). Grafiteiros(as) exibem seus desenhos nos sítios da Internet,

tendo surgido em 2004 o site <http:www.graffiteirasbr.com.br>. A rede de

comunicação entre as grafiteiras brasileiras surgiu em 2004, baseada em um grupo

de discussão no site yahoo. Duas entrevistadas são representantes do grafite

gaúcho nesta rede virtual (ANEXO B) de troca de informações sobre grafite feminino.

Além da finalidade de manter contatos entre graffiteiras brasileiras e sul-americanas em torno do graffiti, também foi enfocada a discussão na participação feminina nessa arte urbana. Como era observado pelas várias participantes nesse período de surgimento da rede graffiteiras Br, o graffiti está presente num ambiente predominantemente masculino e, por vezes, machista, onde a maioria das graffiteiras não tinha outras meninas próximas para compartilhar suas angústias e experiências. Assim, a criação da rede foi essencial para que algumas referências femininas no universo do graffiti se estabelecessem e, principalmente, para criar um espaço de diálogo entre as diversas meninas que pintam em todo o país. As atividades se estenderam para além da “virtualidade” e das trocas de mensagens da lista de discussão da internet, com a realização, até o presente momento, de 3 encontros nacionais de graffiteiras (2005 – Porto Alegre; 2006 – Porto

37 Por exemplo, técnicas de como fazer o traço sair mais fino, colocando um pedacinho de plástico na válvula do spray.

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Alegre e 2007 – Santo André). Os encontros serviram para, além da pintura coletiva em muro local, houvesse a troca de experiência e discussão sobre temas que envolvem todas as meninas presentes, como, por exemplo, no primeiro encontro nacional debatemos sobre a violência contra a mulher, que também foi tema para as pinturas de graffiti no muro (Fonte: <http://www.graffiteirasbr.com>. Acesso em: 20 mar. 2008)

Além dos espaços virtuais as grafiteiras apontaram a galeria Mundo Arte

Global como um espaço de interação social e convivência para grafiteiros e

grafiteiras de Porto Alegre. Inclusive este local, por vezes, abriga grafites feitos na

periferia da cidade. Esse espaço cultural fica no bairro Petrópolis. É um casarão

antigo com dois andares e um pátio a céu aberto que fica nos fundos da casa.

2.6 O que mais marcou na experiência de grafitar

Partindo do pressuposto de que nos processos de construção de identidade

do sujeito, homens e mulheres que pintam nos muros são profundamente marcados

pelo contexto sóciocultural, procura-se compreender como a lógica de uma

instituição (o movimento hip hop, no qual o grafite é um dos elementos) se manifesta

num grupo social (as grafiteiras) e interfere no processo de constituição de

identidade das mesmas. Destaca-se a concepção relacional e situacional (CUCHE,

2002, p. 81) da formação de identidades. Relacional no sentido de que a identidade

das grafiteiras só existe em relação à sociedade em geral. O que mais marcou na

experiência de grafitar é algo que acontece sempre na presença de outros, seja os

grafiteiros ou a população. Embora a opinião dos grafiteiros seja extremamente

importante para elas, isto marca fortemente à identidade das grafiteiras.

Deve-se considerar que a identidade se constrói e se reconstrói constantemente no interior das trocas sociais. Esta concepção dinâmica se opõe àquela que vê a identidade como um atributo original e permanente que não pode evoluir.

Desta maneira, percebe-se que as grafiteiras envolvidas ou não no

movimento hip hop destacam uma satisfação em perceber que seus desenhos estão

mais desenvolvidos que os primeiros traços realizados inicialmente por elas;

demonstram que com a prática de pintar em eventos de hip hop e de grafite, de dar

oficinas, os desenhos se tornam melhores e mais qualificados no ambiente da

grafitagem.

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A coisa que mais me marcou assim... é sentir de perto a evolução desde o primeiro até o atual sabe... do meu grafite, no caso eu...desde o primeiro que eu te falei que ficou uma negação e hoje eu olho...’bah não cheguei lá ainda onde eu quero, mas... ‘mas acho que já está indo... o segundo já teve uma evolução, o terceiro já teve outra evolução e a gente vai pegando as técnicas, as práticas’, ’bah não pensei que ia ficar tão legal sabe’. Eu acho que isso é uma coisa muito gratificante assim p’ra mim... eu adoro quando eu vejo... quando eu pinto uma coisa que eu gostei assim (Mara, 21 anos, moradora da Lomba do Pinheiro, informação verbal).

Esta dimensão mutável do trabalho das mulheres nos muros faz com que a

identidade das grafiteiras seja um meio de alcançar um objetivo, que pode ser de

cunho profissional ou pessoal. Através de um bom desenho elas conquistam

espaços no âmbito da grafitagem e almejam melhores posições dentro dos eventos

onde se produzem grafite.

Ah o que marca cara é... esse contato sabe? Por exemplo, pinta de noite na rua... ela te deixa super próxima de tudo que acontece, essa galera da rua, as pessoas que moram na rua, entende? As pessoas que passam e gritam “Ah! Pichadores!” Eu me lembro que rolou até foi bem punk... uma vez que eu pintei ali na Farrapos, um pouquinho antes dos primeiros bordéis assim e tava eu e um amigo meu. Só que eu quis pintar e ele não quis. [...] era um fundinho branco cheio de cartaz daí eu fui com um pincel ali sozinha ele não quis fica me esperando ali. Ele ficou na parada, ele falou “então tu vai ali e eu fico na parada...” era umas 3 horas da manhã sabe. E daí eu fui ali e comecei a minha personagem, a pescoçuda, pintei al..daí os carinhas que passavam, falavam “ah que não sei o que” falavam coisas obscenas, ou os carros... rola preconceito direto e... terminei o desenho..” (Estranha, moradora da região Leste, informação verbal).

A grafiteira Estranha, que participa de atividades de hip hop, refere-se a um

momento marcante em sua trajetória como grafiteira, o momento em que pintou suas

personagens pela madrugada da capital, aliás, suas personagens são bonecas

negras e pescoçudas, que, segundo Estranha, se inspiram numa tribo africana que

ela não sabe dizer o nome, mas afirma admirar. Seus desenhos encontram-se tanto

em galerias de grafite quanto na sua comunidade. Já a entrevistada Alice descreve o

que mais marcou na sua experiência de grafitar e pichar pelas ruas da capital

gaúcha.

É fazer parte da cidade, né. Tu faz parte da história de uma cidade. Tu faz parte tipo,... Tu bota um pouco da tua vida ali, né? As pessoas que olham. Eu lembro uma vez que um tiozinho tava reclamando “Ah picharam aqui na minha casa, mas ficou bonitinho esse passarinho não vou apagar”. Eu vi passei na frente.. eu ouvi ele falando, sabe achei legal assim. Pra mim grafite é interferir na vida das pessoas é dar um ar diferente na vida das pessoas, é dar brilho, vida, sabe? É isso que me marca, que na real é interferência urbana, né? (Alice, 20 anos, moradora da região Centro,

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informação verbal).

Assim o trabalho das grafiteiras, por vezes, é reconhecido pela sociedade em

geral e isto é algo que elas destacam como marcante nas suas experiências como

escritoras de rua.

Então, ser grafiteira p’ra mim, é isso assim. É alegria porque às vezes tu faz

um desenho na frente da casa de uma pessoa é ela chegar e dizer:”pô! Que legal todo o dia eu vou abrir a janela e dar de cara com um desenho bonito ”entendeu? Acho que é isso assim (Sasinha, 23 anos, moradora da região Restinga, informação verbal).

Castells (2003) neste sentido mostra que a identidade de projeto leva à

produção de sujeitos, no caso de grafiteiras, que se diferenciam dos grafiteiros pelo

desejo de criar uma história pessoal a partir da atribuição de significados a um

conjunto de experiências da vida individual. Dessa forma, a compreensão da

formação de identidades leva em conta a compreensão de como, e por quem, são

construídas as identidades.

Agora... Eu vejo que foi essa evolução assim..Que o grafite me possibilitou assim... de me tornar agora uma profissional da arte. E agora o grafite me possibilitou várias técnicas né de arte. Então eu acho que isso marcou bastante, assim quando eu noto a transformação, a evolução como eu era e agora, como eu tô evoluindo meu trabalho, né. Então é essa transição que está me marcando agora (Joana, 23 anos,moradora da região Lomba do Pinheiro, informação verbal).

As falas das entrevistadas sobre o que mais marcou na experiência de grafitar

remete a uma identidade positiva em relação aos seus desenhos atuais estarem

mais aprimorados tecnicamente e isto pode levá-las a integrar-se nas práticas de

atividades de grafite, que envolvem rede de relações sociais com os grafiteiros. Elas

estão mais seguras em relação aos grafites que produzem atualmente.

Percebe-se que a aproximação da noção de identidade de projeto

(CASTELLS, 2003) que está na origem da formação de identidade das grafiteiras

que, se servindo de um material cultural, o spray, provoca uma transformação de

toda estrutura social do universo da grafitagem. Por exemplo, a estrutura do

ambiente do grafite até surgir a primeira grafiteira de Porto Alegre sempre foi

composta exclusivamente por homens; não existiam nestes locais possibilidades

relações afetivas e nem de amizades com mulheres no momento em que eles

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pintavam. Atualmente, é possível observar38 que existem essas relações entre os

atores sociais que pintam nas ruas de Porto Alegre.

Por outro lado, a experiência de ser grafiteira e estar na rua, pode ser

marcada por momentos de abordagens das instituições repressivas e responsáveis

por estabelecer a ordem social da cidade. Até 2005, as abordagens aos grafiteiros e

grafiteiras eram realizadas pela Polícia Militar (PM); hoje em dia, esta incumbência

cabe à Guarda Municipal39. Joana relata uma abordagem que sofreu juntamente

com a crew Arte Muro.

[...] por exemplo, já entrei na linha do trem pra faze grafite, sabe. Putz, só tava guri e a gente entrou exclusivamente pra sentir adrenalina... era de noite... só que a gente esperava parar o trem de manutenção e a Polícia Federal já nos pegou, né. PESQUISADORA: AH E AÍ COMO É QUE FOI?): Foi super embaçado assim, porque eles... e rolou um negócio tri chato né. Porque eu tava vindo da casa do meu namorado eu acho até ele tava no role junto, eu tinha umas peças de roupa íntima, peça de roupa. Eles começaram, a revistar minha mochila e eles falaram uma parada super chata: “Tem até uma calcinha aqui”, daí eu “claro tem uma calcinha”, ora uma cueca é que não ia ter,né (risos). Eu fiquei louca pra dizer “uma cueca não ia ter né, mané”? Claro... sabe. Mas ele falou tirando uma onda, então são coisas que agora eu já não me sujeito mais. Claro que com o guris eles estavam super ríspidos assim, né, e tirando uma onda dos guris. Os guris estavam junto só que eu era a única guria, né. Foi super chocante porque a gente tava pintando assim na linha e eles chegaram, com arma, porque até então eles não sabiam o que estavam fazendo ali, se estavam roubando fio, se estavam fazendo sei lá o quê, se eram marginal, né. Daí quando eles viram que a gente estava realmente só pintando eles nos deram uma bronca, né lógico, mandaram a gente embora. Mas assim não aconteceu nada demais, nunca fui presa, sabe. Foi a vez mais tensa assim né? Mas claro, já aconteceu de estar pintando na rua e falarem “ta o que vocês tão fazendo aí e autorizado? (Joana, 23 anos, moradora da região Lomba do Pinheiro, informação verbal).

Na relação cotidiana de desenhar nas ruas, as(os) grafiteiras(os) podem

sofrer uma abordagem por parte da Guarda Municipal40, e às vezes, pela própria

Polícia Militar; é um dos momentos mais comuns da interface entre esses atores

sociais. Na verdade, isto é mais comum ocorrer com grafiteiros homens. A maior

parte das pessoas que grafitam nos muros são homens assim como a maior parte

da corporação dos guardas e dos policiais são do sexo masculino. Desta maneira,

de acordo com os relatos das informantes desta pesquisa a repressão ao grafite

38 Nas observações de campo. 39 Em março de 2007, a ronda cotidiana realizada nos parques e nas ruas de cidade passou a ser feita por guardas municipais que portam armas de fogo. 40 Durante a pesquisa não presenciei tal abordagem, mas as entrevistadas se referiram esta situação quando questionadas sobre a existência de uma possível inibição no momento de grafitar e isto também é algo que as marcou como grafiteiras. A observação de campo foi realizada em eventos de grafites autorizados.

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feminino geralmente acontece em menor número e de uma maneira mais “tranqüila”

que em relação aos grafiteiros. Neste sentido, o policial ou guarda masculino talvez

tenda a evitar circunstâncias em que deve realizar a abordagem em grafiteiras ou

optam por tratá-las de forma mais amena, talvez por receio das conseqüências que

possam advir de sua conduta. O relato abaixo descreve a abordagem numa

grafitagem realizada somente por mulheres. Na verdade única vez que me aconteceu... até foi muito engraçado tava eu e uma amiga minha pintando...num lugar bem tranqüilo até inclusive... era a noite. Tava com as tintas todas espalhadas assim pintando e... passou uma viatura da polícia e eu “bah eles vão vim, eles vão vim” quando vejo eles deram a volta assim e vieram. Aí eles pararam e disseram “o que vocês tão fazendo?” metendo pressão né... tinha 2 policiais masculinos... daí a gente disse -“não a gente não está pichando, isto é um trabalho bonito... a gente é grafiteira e tal”. Daí eles – “Ah vocês tem alguma coisa pra me provar que vocês são grafiteiras, deixa eu ver o trabalho de vocês?” e casualmente eu sempre andava com... um book né com os meus desenhos assim. Daí eu peguei e mostrei pra eles... e eles acabaram...foi até inusitado uma situação que eu acho que não deve ter acontecido com ninguém até hoje, não sei se era porque era mulher.... ou né porque tem uma certa... né.... Eles pegaram e olharam e – ‘Tá gurias, faz o seguinte, faz o trabalho de vocês aí rapidinho e a gente vai fingir que a gente não viu’ e foram embora sabe. Foi tranqüilo... tranqüilo naquelas, porque eles chegaram metendo uma pressão...mas depois até... a gente ri muito até hoje disso... a gente nunca pensou que ia ser... eles acabaram gostando daquilo sabe(risos) foi engraçado (Mara,21anos, moradora da região Lomba do Pinheiro, informação verbal).

O conceito da representação do eu nos apresenta as “reações estruturadas”

que se formam a partir de relações que um grupo experimenta em relação a uma

dada situação. Assim, se um grupo de grafiteiros vive uma experiência negativa

junto a um guarda, pode criar expectativas negativas quanto a todos os outros

guardas (é só um exemplo poderiam ser experiências em relação a um advogado, a

um professor etc.). A experiência particular é generalizada para todas as

experiências que possam vir a existir com qualquer outro guarda ou policial. Isto

porque o grupo criou uma classificação que associa o “guarda” a uma interação

social ocorrida anteriormente. Essa classificação se dá a partir de uma avaliação que

se realiza a todo o momento: o que tu comunica, como comunica, como se veste, e

assim por diante. Essa situação fica evidenciada no relato de Alice:

Ah quando vem policial com arma, apontando pra ti não é legal, sabe? E eu meio que parei de pintar em Porto Alegre por causa disso. PESQUISADORA: JÁ ROLOU ALGUMA ABORDAGEM? COMO FOI? Já, foi chato o cara queria arrancar a mochila de mim e eu berrando e dizendo

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que não ia dar. PESQUISADORA: ERA NOITE? Era noite. E eu gosto de pintar, não aquela coisa com autorização, é chegar num muro ferrado, um muro fudidão, assim, e fazer o que tu quiser. Só que daí... E agora tão até implicando com isso. Eu tenho mais de 10 amigos sendo processados por isso. Horrível que é esse Disk Pichação, foi a pior coisa, porque as pessoas não sabem distinguir o que é a pichação e o que é grafite. Quem quer fazer uma arte livre não pode também (Alice, 20 anos, moradora da região Centro, informação verbal).

No relato acima fica evidente que companheiros de grafitagem da informante

passaram por experiências negativas com os atores sociais que procuram manter a

ordem na cidade, e então ela passa a classificar os guardas como sujeitos que teme,

e que, muitas vezes, até evita de pintar por conta da possibilidade de ser abordada.

Outro relato mostra uma situação em que a grafiteira, valendo-se do fato de

ser mulher “ameniza” o tom da abordagem institucional no muro, no sentido que por

causa dela tal situação poderá transcorrer de modo mais tranqüilo. Assim ocorrem

mudanças visíveis de condições (BOURDIEU, 2007) das grafiteiras que passam a

ocupar neste momento um papel menos secundário no ambiente da grafitagem.

Antes eu ficava meio de lado porque eu não gostava muito de falar, hoje em dia eles

já chegam e eu sou a primeira a me meter assim e falar sabe” (Sasinha, 23 anos,

moradora da região Restinga).

E até as pessoas que passam né... tu sente que tipo... eles são ... Ahm... Mais delicados e menos agressivos com as meninas. Se tem um menino pintando ou uma menina ali, fazendo a mesma coisa, de repente a vovozinha ou o tiozinho que está passando na rua, vai ver de uma maneira diferente. Se for um menino é, sei lá, marginal, é sabe... vândalo. Se for uma menina, de repente “ah é bonitinho”. Ao mesmo tempo que eu como mulher, eu não quero... Que tenha essa distinção, eu também me aproveito, desta situação toda. Porque tipo dá uma segurança de repente, em vários momentos... Não claro... Que se tu vai sair na rua de noite, de madrugada aí tu é menina, muito pior, né tem muito mais risco de acontecer uma coisa que um menino. Mas tu sente mais à vontade, às vezes, tu te sente mais a vontade por ser menina, né. Já aconteceu também de está pintando com meninos e tem sei lá...Tipo 4 guris e 2 gurias e aí vem a polícia - “não se preocupa que as gurias tão aqui”, tipo a gente segura a onda (Aline, 26 anos, moradora da região Leste, informação verbal).

Com isso, as grafiteiras entrevistadas enumeram situações que as marcaram

na experiência de pintar os muros. Em primeiro lugar é marcante a situação

relacional com os grafiteiros, quase sempre envolvidos nesses relatos das

acadêmicas e não-acadêmicas. Uma semelhança nas falas das mulheres que

grafitam é a de que iniciaram a grafitagem por volta dos anos de 2000-2002, época

em que ocorreu em Porto Alegre o Fórum Social Mundial. Esse evento serviu

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como palco de discussões para os movimentos sociais nacionais e internacionais e

também para o grafite feminino nacional. De acordo com as entrevistadas foi nesta

ocasião que ocorreu o maior encontro de grafiteiras em que estiveram presentes

jovens de várias partes do país, além das meninas que pintam em Porto Alegre e,

desta maneira trocaram informações sobre a prática do grafite feminino .

Entende-se que o grafite é um elemento do hip hop, que tem em sua origem

em reivindicações sociais da periferia, bem definidas, e uma obstinação que se torna

resistência social e demarcação cultural. Algumas entrevistadas se inserem nesta

situação e moram na periferia da cidade, outras não se encaixam nesta condição.

Embora o hip hop seja o vértice do movimento negro, no grafite prevalece a

afinidade por classe social em detrimento da cor, notando-se o convívio livre de

preconceitos entre negros, pardos e brancos ressalta Viviane Magro (2005) e é

dessa maneira que estão distribuídas as grafiteiras de Porto Alegre.

Eu acho que vai por afinidade, como já não tem muitas meninas e cada uma tem uma trajetória assim, de repente a outra pinta só.. de repente estuda ou trabalha cada um tem vivência, né? Uma vida assim né. E daí acaba que por proximidade e por afinidade. Por exemplo, é mais fácil eu pinta com a [...] do que pinta com qualquer outra grafiteira,entendeu (Joana, 23 anos, moradora da região lomba do Pinheiro, informação verbal)?

Joana está se referindo a outra grafiteira que mora na periferia como ela,

portanto é mais fácil que pintem juntas em alguma oportunidade. Desta maneira, ao

investigar a formação de identidades das grafiteiras foram contempladas as

grafiteiras da periferia bem como as da classe média, pois o objetivo é a construção

de identidade dessas mulheres em um espaço majoritariamente composto por

homens; tanto o ambiente de grafitagem de uma galeria ou em uma crew é

majoritariamente masculino. Observou-se que as mulheres grafiteiras de Porto

Alegre formam um grupo heterogêneo. Elas seguem diversos caminhos como pôde

ser observado em suas falas, especialmente em relação ao início das atividades de

grafitagem. Algumas grafiteiras estão integradas ao mercado de trabalho, realizam

atividades bem sucedidas como escritoras de rua, como foi possível observar na fala

das entrevistadas.

As informantes destacam que percebem nas pinturas um aprimoramento das

técnicas de grafite, ou seja, a autoconfiança nos desenhos é sublinhada pelas

jovens que enxergam na “evolução” dos desenhos uma possibilidade de ascender

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profissionalmente e também de maior inserção nas atividades de grafite. Aqui temos

uma similitude entre as grafiteiras acadêmicas e as que não freqüentam as salas de

aula.

Outro traço marcante na trajetória de grafitagem, apontado por elas, é a

abordagem institucional (guarda municipal, polícia) que sofrem na hora em que

estão realizando seus desenhos. Mesmo representando uma situação tensa e

preocupante, neste momento pode ocorrer uma valorização da identidade de

grafiteira já que quando tem uma mulher pintando junto com os grafiteiros o poder

regulador da cidade tende a agir de forma mais amena, segundo relato de algumas

pesquisadas.

Partindo dos elementos apresentados: a descrição das (os) entrevistadas

(os), seus relatos sobre situação atual na grafitagem, espaços de convivência que

elas apontaram e as situações que mais marcam na experiência de grafitar é

possível extrair algumas idéias gerais sobre formação de identidade e ações das

grafiteiras. Percebe-se nas falas sobre a situação atual como grafiteira uma

“ritualização da subordinação” no ambiente da grafitagem, quando os grafiteiros

orientam as mulheres sobre qual evento participar, qual lugar ocupar no muro.

Evidentemente as grafiteiras pintam nas ruas para a sociedade em geral, mas

destacam que a opinião dos grafiteiros tem peso no ambiente da grafitagem.

É por esse processo de interação social que é possível procurar entender definições de situação como classificações e atribuições de papéis, formação de expectativas de comportamento e modos de apresentação de indivíduos e grupos no cotidiano (VELHO, 2006, p.192).

Um dos aspectos importantes na formação de identidade das grafiteiras é a

relação complexa de variáveis que se combinam no cotidiano das práticas da

grafitagem, por exemplo, aspectos econômicos, políticos, organizacionais e

simbólicos; é possível dizer que a partir destes elementos se estabelecem

classificações das mulheres pintoras de rua.

Diferentes situações sociais envolvem o cotidiano das grafiteiras além do

ambiente da grafitagem. Assim as mulheres que pintam nas ruas têm atitudes e

padrões de comportamento moldados de acordo com as pessoas ao seu redor. Por

exemplo, as grafiteiras em um muro na companhia dos grafiteiros se sentem

confiantes de estarem ali com um spray nas mãos; já no momento que vão ao

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dentista sujas de tintas podem sentir vergonha das manchas de tintas nas roupas.

Porque não é fácil está na rua, carregar uma mochila pesada cheia de tinta e não sem contar nas unhas, né. Eu cansei de chegar no... meu dentista, no pediatra da Lara e está com vergonha, tu pinta na noite e não saí entendeu? Só com acetona e mesmo assim... nos cantinhos fica, sabe. Mas... tu tem que sair toda cheia de tinta, - olha o meu tênis! Eu nem me estresso mais, antes eu tinha vergonha eu ia arrumadinha, pegava o ônibus daí chegava lá... porque eu manchava todas as minhas roupas boas...ah que sabe vou começa a andá desse jeito porque as vezes nem tem onde troca de roupa, porque é na rua, né aí depois...eu nem me importo mais com isso agora sabe. Tem que saber administrar quando é hora de festa, quando é hora de sair, quando é hora disso e daquilo – risos... (Sasinha, 23 anos, moradora da região Restinga, informação verbal).

A vergonha ilustra um momento que a interação social fracassa, uma parte

significativa da vida social pode parecer então girar em torno de evitar, da defesa.

Goffman (2005) sugere que nossas identidades são construídas unicamente em

cada interação social distinta.

Sob outro aspecto, no entanto, nos espaços de convivência virtuais as

grafiteiras fazem da Internet um dos meios para jogar com a identidade, criando

fotologs, ou seja, é um diário fotográfico na web. Pode-se entender esses locais

como um interessante fenômeno de busca por visibilidade e reconhecimento das

grafiteiras no uso dos meios de comunicação virtuais. A sociedade globalizada

encontra-se marcada por um avanço e desenvolvimento dos meios e técnicas de

comunicação. As possíveis formações de identidade no universo da web e técnicas

de comunicação foi abordada no capítulo anterior.

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CAPÍTULO III

3 PESQUISANDO SOBRE GRAFITE NO CORREIO DO POVO 3.1 Espacialização dos locais de grafitagem em Porto Alegre

O presente capítulo pretende descrever e relacionar as informações sobre os

jovens porto-alegrenses, referentes aos seus locais de moradia. Faz-se necessário

um breve esclarecimento metodológico quanto à escolha dessas variáveis. Percebe-

se, a partir da observação nos artigos do jornal e posterior constatação em

observações de campo, nos quais os principais projetos que envolvem o grafite, que

estavam muitas vezes vinculados às escolas. Quanto aos principais locais de

grafitagem, a seleção se deve às regiões do Orçamento Participativo de Porto

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Alegre.

A categoria juventude é necessária, pois as grafiteiras pertencem,

basicamente, a essa faixa etária. Nesse procedimento foram escolhidas as faixas

etárias entre quinze (15) a vinte e nove (29) anos41, no entanto, esses limites de

idade também não são fixos.

Para os que não tem direito à infância, a juventude começa mais cedo. E, no outro extremo - com o aumento de expectativas de vidas e as mudanças no mercado de trabalho-, uma parte “deles” acaba por alargar o chamado “tempo de juventude” até a casa dos 30 anos. Com efeito, qualquer que seja a faixa etária estabelecida, jovens com idades iguais vivem juventudes desiguais (NOVAES, 2006, p.105).

Apresentam-se dois mapas sociais sobre os jovens porto-alegrenses, que

tentam relacionar a categoria juventude e local de moradia: o Mapa Social de

Moradia (taxa dos locais de moradia) e o Mapa Social de Grafitagem (número

absoluto dos locais de grafitagem).

Utilizou-se para a construção da taxa dos locais de moradia a seguinte

fórmula:

Taxa dos locais de moradia = Total de jovens de cada região X 100

Total de jovens de Porto Alegre

Taxa dos jovens em cada região, considerando a população da respectiva

região = Total de jovens por região____ X 100

Total de moradores por região

Ou seja, os mapas aprofundam os relacionamentos entre as variáveis para

Porto Alegre, segundo as características específicas de cada região, ou seja,

mostrando que a soma das diferentes especificidades das regiões formam a

totalidade social da cidade. Os dados quantitativos da população de jovens da

capital gaúcha são do censo demográfico do IBGE, realizado no ano de 2000. Os

dados qualitativos dos locais de grafitagem foram obtidos através das reportagens

do jornal Correio do Povo entre os anos de 1999 e 2006.

41 Faixa etária que o IBGE, governo federal, Secretaria Municipal de Juventude de Porto Alegre consideram como população de jovens.

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Ainda cabe explicar, em relação à representação espacial dos dados, que a

cidade está dividida em 16 regiões: Humaitá / Ilhas, Noroeste, Leste, Lomba do

Pinheiro, Norte, Nordeste, Partenon, Restinga, Glória, Cruzeiro, Cristal, Centro-sul,

Extremo-Sul, Eixo Baltazar, Sul e Centro.

Região 01 - HUMAITÁ/NAVEGANTES BAIRROS: Anchieta - Farrapos - Humaitá - Navegantes - São Geraldo

Região 02 - NOROESTE BAIRROS: Boa Vista - Cristo Redentor - Higienópolis - Jardim Itú - Jardim Lindóia - Jardim São Pedro - Passo D’areia - Santa Maria Goretti - São João - São Sebastião - Vila Floresta - Vila Ipiranga

Região 03 - LESTE BAIRROS: Bom Jesus - Chácara das Pedras - Jardim Carvalho - Jardim do Salso - Jardim Sabará - Morro Santana - Três Figueiras - Vila Jardim

Região 04 - LOMBA DO PINHEIRO BAIRROS:Agronomia - Lomba do Pinheiro

Região 05 - NORTE BAIRRO: Sarandi

Região 06 - NORDESTE BAIRRO: Mário Quintana

Região 07 - PARTENON BAIRROS: Cel. Aparício Borges - Partenon - Santo Antônio - São José - Vila João Pessoa

Região 08 - RESTINGA BAIRRO: Restinga

Região 09 - GLÓRIA BAIRROS: Belém Velho - Cascata - Glória

Região 10 - CRUZEIRO BAIRROS: Medianeira - Santa Tereza

Região 11 - CRISTAL BAIRRO: Cristal

Região 12 - CENTRO-SUL BAIRROS: Camaquã - Campo Novo - Cavalhada - Nonoai - Teresopólis - Vila Nova

Região 13 - EXTREMO SUL BAIRROS: Belém Novo - Chapéu do Sol - Lageado - Lami - Ponta Grossa

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Região 14 - EIXO-BALTAZAR BAIRROS: Passo das Pedras - Rubem Berta

Região 15 - SUL BAIRROS: Espírito Santo - Guarujá - Hípica - Ipanema - Pedra Redonda - Serraria - Tristeza - Vila Assunção - Vila Conceição

Região 16 - CENTRO BAIRROS: Auxiliadora - Azenha - Bela Vista - Bom Fim - Centro - Cidade Baixa - Farroupilha - Floresta - Independência - Jardim Botânico - Menino Deus - Moinhos de Vento - Mont Serrat - Petrópolis - Praia de Belas - Rio Branco - Santa Cecília - Santana

Os locais de grafitagem abrigam as importantes experiências entre as(os)

grafiteiras(os) desenvolvidos no momento de interação e servem de palco de

formação de identidade para esses atores sociais. Mas de quais locais de grafitagem

está se falando?

Em primeiro lugar destaca-se o espaço das ruas, locais a céu aberto em que

as interações sociais se desenvolvem entre as (os) usuárias (os) de spray. Alguns

exemplos de “muros noticiados”: o viaduto Otávio Rocha, o muro do Pão dos

Pobres, o muro da Mauá, o viaduto Obirici, viaduto Imperatriz Leopoldina, estação

Mercado (Trensurb), estação Aeroporto, muro do cine Baltimore, túnel da Conceição,

parte externa da escola de samba Praiana, pilares do areromóvel são locais que

serviram para as grafiteiras interagirem durante suas pinturas.

Cruzeiro

Cristal

Partenon

Leste

CentroNoroeste

Nordeste

Eixo Baltazar

GlóriaLomba do Pinheiro

Restinga

Sul

Centro Sul

Extremo Sul

Humaitá/Navegantes/Ilhas Norte

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MAPA 1 – MAPA SOCIAL DOS LOCAIS DE GRAFITAGEM Fontes: IBGE, 2000 & Jornal Correio do Povo (1999 -2006)

Consideram-se também os locais de grafitagem em espaços privados, por

exemplo, a Casa de Cultura, o espaço cultural Santander, dependências da UFRGS,

Usina do Gasômetro, o Centro Municipal de Cultura, escolas, só para citar alguns

locais de grafitagem que ficam fora do espaço da rua. As pinturas, tanto em espaços

fechados ou ao ar livre, podem fazer parte de um projeto social ou de um evento

Locais de grafitagem - 2006

44 22 4 ,4

Mapa 1 - Correspondência entre o % dejovens e os locais de grafitagem-ROP 2006

31 ,5% a 32 ,1% (1)30 % a 31 ,4% (2)29 ,4% a 29 ,9% (4)28 % a 29 ,3% (4)26 % a 28 % (5)

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patrocinado por instituições administrativas da metrópole. Ou ainda podem ser

produzidas individualmente ou em grupos de grafiteiras (os) e esses acontecimentos

são divulgados pela imprensa e foram mapeados nesta pesquisa de acordo com as

regiões do OP.

No mapa acima temos a correspondência entre o percentual de jovens de

cada região da cidade e os locais de grafitagem distribuídos de acordo com as

matérias publicadas no Jornal Correio do Povo entre os anos de 1999 e 2006.

Verificamos uma contradição na relação entre a distribuição espacial das grafitagens

e a proporção de jovens em cada região, pois, na região Norte, os grafites aparecem

freqüentemente, ou melhor, estão em evidência nos documentos do Correio do

Povo, mas essa região é uma das que têm menos jovens morando, isto porque

grafiteiras(os) costumam sair de seus bairros para grafitar. Eles não

necessariamente pintam nos locais que moram.

Constatamos que a região Centro concentra o maior número de locais de

grafitagem, pois nesses bairros encontram-se espaços para o grafite vinculado ao

hip hop bem como para o grafite desconectado do hip hop.

O percentual médio de jovens em Porto Alegre é de 28%. As regiões Centro,

Cruzeiro, Noroeste, Nordeste (verde musgo no mapa 1) têm uma distribuição de

quase 30% de jovens morando nela em relação ao total de moradores da região. Na

região Partenon (vermelho no mapa) de cada 100 pessoas que moram no Partenon

até 32% são jovens e na população das regiões Leste, Humaitá / Navegantes/ Ilhas,

de cada 100 moradores até 31,4% são jovens. Enquanto isso nas regiões Sul,

Centro-sul, Cristal e Lomba do Pinheiro concentram do total da sua população até

29,3% são jovens.

Glória

Lomba do Pinheiro

Restinga

Cruzeiro

Humaitá/Navegantes/Ilhas

Norte

Eixo Baltazar

Nordeste

Leste

Centro

Noroeste

Cristal

Partenon

Centro Sul

Sul

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MAPA 2 - MAPAS DOS LOCAIS DE GRAFITAGEM * Na interior a figura do mapa encontra-se indicado mapa 3, o certo porém é mapa 2 pois, como foi transportado de outro local foi impossível efetuar a correção.

Através dos documentos do jornal Correio do Povo georreferenciamos os

locais de grafitagem de Porto Alegre. Lembrando sempre que este

georreferenciamento é uma representação espacial dos locais de grafitagem

interpretados e apontados por essa mídia escrita e virtual; ou seja, é a visão da

grafitagem pelo olhar do jornal Correio do Povo. Nesse contexto interpretativo, a

região Centro é a mais grafitada na capital gaúcha.

Observamos que a região Cruzeiro é um dos locais mais grafitados da cidade.

Na pesquisa de campo os informantes, as grafiteiras e os grafiteiros falaram que

estes locais são bastante grafitados, ou seja, confirmaram as informações contidas

no mapa acima (mapa 2). Inclusive é no bairro Medianeira que se situa o Coruja de

Minerva, um espaço cultural que abriga eventos vinculados ao movimento hip hop,

servindo também como ponto de encontro de seus integrantes e simpatizantes,

shows de rap, danças e oficinas de grafitagem.

As matérias do Correio do Povo também informam sobre atividades, eventos,

oficinas e projetos realizados em parceria de grafiteiras(os) com o poder municipal,

indicando o bairro onde ocorrem; por exemplo, as atividades referentes à Semana

do Grafite que ocorre paralelamente à Semana de Porto Alegre. Na realização desse

evento, em abril de 2006, cerca de 500 metros do muro da Mauá foram grafitados

entre a entrada do porto e a Usina do Gasômetro por quarenta (40) grafiteiras (os). A

Secretaria Municipal de Cultura forneceu novecentas (900) latas de tinta spray, que

foram entregues aos grafiteiros, e estes podiam ficar à vontade para criar seus

desenhos neste espaço público e de grande circulação de pessoas, devendo

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respeitar apenas os temas indicados: cultura e água. Estas atividades ocorreram no

centro de Porto Alegre.

O centro abriga grafites a céu aberto e em locais privados, alguns com

visitação e acessos gratuitos. Já a galeria Mundo Arte Global não aparece nas

reportagens pesquisadas, mas ela foi inaugurada em dezembro de 2006, e é um

local bastante referido na fala dos(as) entrevistados(as), inclusive algumas

observações de campo e uma entrevista foram realizadas neste espaço.

Olhando para a periferia de Porto Alegre a região Partenon, agregada em seis

(6) bairros, aparece como a terceira região mais grafitada da cidade. Essa região

contempla o bairro São José onde se situa o Morro da Cruz. Ali, todo o ano ocorre,

na Páscoa, a procissão Paixão de Cristo que conta com a encenação da crucificação

de Cristo, realizada por moradores da comunidade e atores profissionais. Em 2006,

a festividade religiosa contou com o colorido dos desenhos que mudaram a

paisagem do morro e da Igreja Santa Cruz. Um grupo de grafiteiras(os) grafitaram

em diversos pontos do morro: nos muros, nas fachadas de casas, em

estabelecimentos comerciais; desde o começo do morro, a parte baixa, até o topo.

É relevante destacar que as grafiteiras foram questionadas sobre os lugares

que grafitam; a região Centro é a mais grafitada de acordo com os diversos

depoimentos, da mesma forma que o jornal Correio do Povo aponta:

E eu pinto nossa... eu tenho pintura por vários cantos da cidade. Tem esse ali na Praia de Belas, ali perto do Praia de Belas tem uma ponte, que é a que dá atrás do Anfiteatro sabe?Logo quando desemboca no Guaíba ali embaixo tem um trampo meu também, embaixo da ponte, sabe. Eu e a [...], eu a [...] foi de dia de tarde, tava bem rasinho o rio sabe. A gente meio que atolou um pouquinho numa árvore e pulamos, atravessamos do outro lado, desce e ali tem o trampo, eu não sei se tem ainda, faz um tempo que eu não vou lá. Ah na Zona Norte também tem alguns, deixa eu pensar... alí no Beco do Zaffari,sabe. No Beco Cultural tem uns meus, umas letras.Tenho bastante trabalhos em Alvorada, ali na Vasco, tem um que eu ainda não fiz foto, na Vasco onde tem aqueles muros, tem um compensado agora (Estranha,21 anos, moradora da região Leste, informação verbal).

Esse relato narra a realização de um grafite feito por Estranha e mais duas

grafiteiras em local não autorizado. Por outro lado, destaca um espaço chamado

Beco Cultural, que fica no bairro Cidade Baixa, região Centro do OP. O Beco

Cultural foi criado no final de 2006, é um espaço que abriga festas, exposições de

grafite, fica embaixo do viaduto da João Pessoa. A fachada do Beco Cultural foi

pintada pela crew Zombando. Inclusive no momento que faziam a pintura da

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parede exterior foram interpelados pela Guarda Municipal de Porto Alegre, porque

foram confundidos com pichadores, o que, segundo a entrevistada da crew

Zombando, já aconteceu algumas vezes.

O último até foi semana passada que o pessoal da guarda chegou e... que eles receberam um comunicado... A gente tava pintando do lado duma galeria que o cara tinha autorizado a gente a pintar... Ali a gente tava pintando só que o pessoal que passa toda hora ali não sabe se a gente ta autorizado ou não, né? A gente até tava com escada e tudo e eles ligaram pra Guarda dizendo que a gente tava pichando o viaduto. Dois guardas chegaram... é que agora eles exigem a gente ter autorização por escrito quando tiver pintando. Tu chega pede pro dono da residência, do lugar né daí ele tem que escrever “eu, fulano de tal com a identidade número tal autorizo o fulano de tal a fazer o painel” e deixa o telefone porque daí eles chegam lá tem autorização, eles ligam pro cara e confirmam entendeu? Só que às vezes a gente não precisa o cara ta ali... e naquele dia o cara tava ali só que ele disse “vou dá uma volta no centro e já volto” foi nesse tempo que ele foi daí entendeu (risos). No começo eles foram meio estúpidos, tinha um menino trepado na escada finalizando, a gente já tinha terminado até. Ele disse: - ô magrão desce daí agora!No começo eles são estúpidos depois que tu começa a conversar com eles aí eles acabam mudando assim sabe. Tem que provar pra eles que aquilo tá autorizado senão... (Sasinha, 23 anos, moradora da região Restinga, informação verbal).

A galeria que Sasinha fala é o Beco Cultural e a autorização que a

entrevistada refere-se geralmente é feita oralmente, embora alguns proprietários dos

espaços que serão grafitados a façam por escrito, colocando um número de telefone

no documento. Os grafites realizados nas imediações e no centro de Porto Alegre

costumam acontecer em locais permitidos; muitos projetos sociais e culturais

acontecem no Centro. Segundo revelam as próprias grafiteiras, o melhor lugar para

o grafite ser visto por outros escritores de rua é o bairro Cidade Baixa, pois é local

comum que passam muitas(os) grafiteiras e grafiteiros de todas as regiões da

cidade. Aqui pelo Centro, Cidade Baixa, em cima do Morro lá da Cruz é legal fazer nos lugares onde as pessoas vão passar, tipo a Cidade Baixa é vitrinão todo mundo sabe que é teu desenho. Mas também é legal tu explorar uma outra coisa sabe e de repente uma colagem de um centímetro, atrás do poste que só tu sabe que está ali... (Aline, 26 anos, moradora da região Leste, informação verbal).

Por outro lado as grafiteiras, em sua maioria, moram em diferentes regiões do

OP, bairros distantes do centro da cidade, como nos bairros Restinga, Agronomia,

Morro Santana, Bom Jesus. No entanto, deslocam-se de seus respectivos bairros e

regiões para grafitarem. Observa-se que quando grafitam na própria comunidade

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podem servir de referência em suas relações de troca com a comunidade, além de

servirem como modelo para novas gerações.

Eu curto pintá assim em locais autorizados também, né. Mas eu curto também pintá que nem aqui (muro do terreno baldio abandonado que Vanessinha acabou de pintar um personagem, pouco antes da entrevista começar) pinta dentro do bairro assim na comunidade acho legal pra levar pra outro tipo de pessoa. Porque no Centro, se eu fize no Centro, muita gente passa, muita gente já sabe o que é aquilo. Se eu fizer aqui, passa um monte de criança que de repente pensa “bah isso é pichação?” Que nem na praça ontem, mas... “vocês podem fazer”? “Podemos” eu falei pro gurizinho. Ah “mas vocês podem pichar?” Não não é pichação é grafite. Então é legal fazer assim em comunidade,né. Por essa questão social de tu estar levando a idéia do que é o grafite,né. Muros de escola né, grafite social, muro de escola, muro de terreno baldio. Lugar no meio urbano que eu acho legal de fazer assim mais no bairro (Joana, 23 anos, moradora da região lomba do Pinheiro, informação verbal).

A entrevistada preocupa-se em controlar a imagem que os outros têm dela, os

indivíduos constroem imagens sobre as grafiteiras e transmitirão sinais do que

pensam durante a interação social vivenciada em uma atividade de grafitagem. Um

conjunto correspondente de pressupostos está presente no momento da interação

face a face, que ocorre na presença de outros, por exemplo, entre as grafiteiras e os

atores sociais que assistem à produção de seus desenhos.

Em primeiro lugar, as grafiteiras emitem informações através da fala, dos

desenhos, da vestimenta, da conduta mensagens a seu respeito, que são os

componentes da representação social. Assim, essas informações são reflexivas e

incorporadas pelos sinais corporais daquela pessoa, ou seja, as grafiteiras

costumam usar calças largas sujas de tinta, tênis, mochila cheia de latas, camisa ou

boné na cabeça no momento da grafitagem e estão sempre de costas para a platéia,

já que estão de frente para o muro.

Durante a interação entre os moradores de um bairro da periferia de Porto

Alegre e as grafiteiras no momento que desenham, pode haver o reconhecimento do

trabalho das grafiteiras como arte, como algo que enfeita e decora a cidade e a partir

daí surgem propostas dentro da comunidade para fazer grafite comercial, nas

paredes das casas ou até para embelezar um muro de um terreno abandonado. O

ator social no momento que pinta um muro tem o controle da situação porque é

ele(a) quem está grafitando e desta forma buscará monitorar a informação que

fornece e exala em uma tentativa de influenciar e controlar a definição

predominantemente da situação (GASTALDO, 2004, p. 111). Em poucas palavras,

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é a partir dessas premissas que se desenvolvem a interpretação sobre o sentido da

fala, dos desenhos das grafiteiras no momento da interação face a face.

O conceito de presentantation of self 42 de Goffman (1985, p. 72) diz respeito

às classificações que os sujeitos fazem; são construídas através de idéias,

situações, experiências e comparações. Exemplificando, o morador de uma

comunidade constrói uma imagem negativa dos(as) grafiteiros(as). Algumas

grafiteiras, por vezes pichadoras, se apresentaram diante do público como uma

pessoa que pinta somente em locais autorizados, utilizando sprays coloridos,

representando ser uma grafiteira com esta conduta.

Quando um indivíduo passa a uma nova posição na sociedade e consegue um novo papel a desempenhar, provavelmente não será informado, com todos os detalhes, sobre o modo como deverá se conduzir, nem os fatos da nova situação o pressionarão suficientemente desde o início para determinar-lhe a conduta, sem que tenha posteriormente de refletir sobre ela. Comumente, receberá apenas algumas deixas, insinuações e instruções cênicas, pois se pressupõe que já tenha em seu repertório uma grande quantidade de “pontas” de representações que serão exigidas no ambiente.

Essa situação pode ocorrer tanto nos bairros que compõe a região Centro do

OP, que é apontada como a mais grafitada da cidade tanto pelos grafiteiros como

pelo jornal Correio do Povo quanto em outras regiões da capital gaúcha. De

qualquer maneira, acredita-se que a região Centro aparece como sendo a mais

grafitada por abranger também o centro da capital, que comporta grafites de galeria

e do movimento hip hop ao mesmo tempo. Os locais de grafitagem apresentados

pelo jornal Correio do Povo referem-se sempre aos grafiteiros e ao grafite em geral;

portanto as grafiteiras aparecem indiretamente nestes dados. Aparecem nos

bastidores, em regiões de fundo Goffman (1985, p. 107).

3.2 “Vândalos” que agem nas madrugadas e grafite

Ao investigar o processo de formação de identidade das grafiteiras de Porto

Alegre, percebe-se um questionamento tanto da academia quanto dos colegas sobre

o que é pichação? O que é grafite? Delimitar as fronteiras entre tais práticas parece

ser uma discussão polêmica e longe de ter fim. No entanto, existem visões 42 Representação do eu.

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diferentes sobre essas atividades, que envolvem a formação de identidade das

grafiteiras. Toma-se o jornal Correio do Povo como pano de fundo para algumas

considerações sobre estas atividades na capital gaúcha.

O que está acontecendo com a nossa cidade em relação à falta de respeito dos chamados grafiteiros, que danificam monumentos e prédios públicos e privados, causando despesas ao município? Apelo às nossas competentes organizações policiais, civis e militares e à sociedade no sentido de localizar e prender esses irresponsáveis pichadores. Remulo De Camillis, Porto Alegre (Fonte:<http:// www.cpovo.com. Br>. Acesso em: 2006).

O depoimento desse leitor do Correio do Povo faz um apelo a diversas

instituições para que tomem uma atitude e prendam os grafiteiros e pichadores. É

comum que as duas práticas (pichar e grafitar) sejam vistas pela população como a

mesma coisa. Inclusive a Lei Ambiental 9.505, que entrou em vigor no início de

1988, classifica as duas atividades sem distinção. Em 2007, na cidade de São

Paulo, berço das pichações, as autoridades propuseram uma lei que diferencie estes

atos, mas até hoje isso não saiu da teoria.

Em meados deste ano, por exemplo, São Paulo aprovou uma lei destinada a combater a poluição visual. A lei distingue entre pichação e grafite, mas, como ainda não foi regulamentada, as pinturas dos grafiteiros e as inscrições dos pichadores vêm sendo igualmente apagadas dos muros da cidade. (Revista Veja, 2007, p. 143,n 2037).

Em Porto Alegre, os meios de comunicação, às vezes, não distinguem uma

prática da outra. Percebe-se no jornal Correio do Povo, no período pesquisado, 1999

a 2006, uma leitura estigmatizada da pichação e sugere uma institucionalização do

grafite através de projetos sociais.

Projeto RECICLAGEM LIMPA RASTRO DE PICHADORES Prefeito deu as primeiras pinceladas em ponte A Ponte de Pedra da Praça dos Açorianos recebeu as primeiras pinceladas decorrentes do projeto Reciclagem Visual, um trabalho que visa a coibir a ação de pichadores na cidade, pintando monumentos e prédios públicos vítimas desse tipo de atitude. O projeto está sendo desenvolvido em conjunto, entre o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) e Secretaria Municipal de Cultura (SMC) [...] Para o prefeito Tarso Genro, a iniciativa é simples, mas importante. Segundo ele, os pichadores são pessoas descontentes. 'Queremos transformar esses descontentes em pintores, grafiteiros, artistas, usando sua obra para embelezar a cidade.' Ele deu as primeiras pinceladas na Ponte de Pedra da Praça dos Açorianos (Fonte: <http://www.cpovo. com. br>. Acesso em: 2006) .

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Ao andar pela Avenida Mauá é possível observar uma paisagem composta

por edifícios de um lado da rua e do outro um muro43 com cerca de 500 metros

grafitados entre a entrada do porto e a Usina do Gasômetro. Trata-se de um trabalho

realizado por quarenta grafiteiros e quatro grafiteiras em abril de 2006, durante a

Semana do Grafite instituída por lei municipal, ocorrida dentre as atividades do

aniversário de Porto Alegre.

O governo municipal adquiriu novecentas latas de tinta spray e os grafiteiros

tiveram liberdade para criar os seus desenhos neste espaço público e de grande

circulação de pessoas, embora devessem respeitar o tema indicado pela prefeitura:

“Cultura e Água”. Esta ação do poder municipal está diretamente associada ao ato

de pichação, pois uma das preocupações da prefeitura é através da articulação

entre a Secretaria da Juventude e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e

Segurança Urbana - SMDHSU, conter esta atitude. Essas secretarias estimulam

atividades que possibilitem a diminuição do fenômeno da pichação através de ações

como a realizada em abril deste ano, exemplo explícito, formal e institucional das

medidas para conter a pichação na capital.

Em relato ao Jornal Correio do Povo, um dos coordenadores culturais da

Secretaria Municipal da Cultura, Rafael Cavalheiro, na época diz: [...] os desenhos ajudam a combater as pichações e depredações de locais públicos, além de oportunizar aos artistas espaços para desenvolverem seus trabalhos. Os trabalhos no muro da Mauá e nos viadutos fazem parte também das comemorações relativas ao aniversário de Porto Alegre (Correio do Povo, 03 abr. 2006).

A pichação, indiretamente, impulsiona a proliferação de um agente de sua

própria coerção, ou seja, o grafite (PEREIRA, 2007, p. 223). As instituições sociais e

políticas enxergam o grafite como uma maneira de diminuir a prática da pichação

nas cidades brasileiras. Mas estimular e financiar os desenhos “artísticos” não

garante necessariamente que a prática da pichação será totalmente abandonada por

quem faz um grafite encomendado e/ou remunerado. É bastante comum que os (as)

pichadores (as) ingressem em oficinas de grafitagem e participem de projetos

43 Construído após a enchente de 1941, que alagou ruas e bairros de Porto Alegre, para proteger a cidade contra futuras inundações.

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sociais. Algumas informantes da pesquisa não excluem a pichação e algumas vezes

carregam o spray na bolsa e, se der vontade, picham algum local.

Fiz uns bombs44 ontem de noite. Voltei a ser vândala (risos). Só brincando por ai. Mas gosto de pintar se hoje não chovesse estaria na rua.Porto alegre é de certa forma um bom lugar para pintar.No frio não tem ninguém na rua (Estranha, 21 anos, moradora da região Leste, informação verbal).

Diferenciar-se e igualar-se, mirar-se nos outros e apartar-se deles são duas

faces da mesma moeda, dois momentos complementares do jogo de espelhos em

que nos formamos (SOARES, 2005, p. 206). Quando se fala em grafite geralmente a

prática da pichação vem à tona imediatamente. As(os) grafiteiras(os) em grande

parte já picharam em algum momento de sua trajetória de grafitagem45.

Essas práticas, pichação e grafite, têm fronteiras vazadas e muitas vezes até

se relacionam. Existem semelhanças: as duas usam o mesmo material, tinta spray, e

utilizam o mesmo suporte, os muros das cidades; os mesmos interferem no espaço

público. Já uma diferença é que o grafite aceita dialogar com a cidade, pois a(o)

grafiteira(o) costuma deixar o número do telefone ou endereço de e–mail, fotolog

nas paredes junto aos seus desenhos para as pessoas entrarem em contato.

Na dinâmica da pichação, a identidade de quem escreve a mensagem no

muro é mantida em sigilo para a população em geral. Mas os autores dessas marcas

entendem o recado deixado nas paredes por outros pichadores. As letras que esses

jovens deixam na cidade são para aqueles que “sabem ler o muro” (PEREIRA, 2007,

p. 245). Os símbolos desenhados por pichadores devem ser deixados em lugares

altos, pois isso é um desafio no mundo da pichação. Em Porto Alegre, no dia 12 de

abril de 2007, um pichador deixou sua assinatura na chaminé da Usina do

Gasômetro, que fica a 117 metros do chão, ou seja, atualmente é um dos mais

respeitados pichadores da cidade na visão de seus pares. O anonimato é uma regra

do pichador ou da pichadora que utilizam determinados códigos em seus escritos.

De acordo com Pereira46 (2007, p. 4): As marcas que “lançam” nos muros, prédios, viadutos e monumentos da cidade são geralmente nomes de grupos de pixadores. Estes nomes, no

44 São letras grandes que podem ser consideradas grafite se usar cores e feito em local autorizado. É pichação se realizado em local não autorizado geralmente à noite; utiliza-se tinta Decore que custa em torno de 8 reais e rende para pintar vários locais da cidade. 45 Conforme relatos das (os) meus informantes. 46 O autor explica que escreve pixadores com “x”, conforme o uso feito pelos próprios pichadores paulistas.

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entanto, têm pouca importância quando estão inseridos no contexto mais geral da pixação.Os pixadores não se importam muito com o que significa a denominação empregada por determinado grupo, embora esta siga muitas vezes um certo padrão no repertório que é utilizado para nomear os grupos, tendo nas idéias de sujeira, marginalidade, transgressão e loucura, temáticas a que se referem constantemente. Estes jovens, no entanto, dão grande valor ao formato impresso às letras, às figuras que são desenhadas entre as letras e à estilização adotada para se escrever, ou inscrever, aquela pixação na paisagem urbana. Não se pixa de qualquer modo, com qualquer letra, mas com um formato pré-elaborado, com tipos de letras criadas pelos próprios, demonstrando um padrão estético peculiar.

Estas manifestações juvenis tornam-se visíveis na cena pública através dos

meios de comunicação de massa. No caso da pichação, uma matéria ou uma foto da

expressão de uma(um) pichador(a) na rua é motivo de orgulho para esses

indivíduos, incentivo e reconhecimento no grupo de pichadores. Inclusive eles

costumam recortar as matérias que mostram as fotos de seus desenhos e colocam

em seus caderninhos47 que circulam nos espaços de convivência das(os)

pichadoras(es). Pichadores (as) costumam encontrar-se em locais determinados

eles(as) fazem churrasco, trocam caderninhos, fazem festa, neste momento

desenvolvem-se interações sociais entre eles48.

Durante o período de 1999 a 2006 foram publicadas um total de 118 matérias

referindo-se à prática da pichação.

Ano Número de reportagens

1999 9 2000 12 2001 3 2002 12 2003 7 2004 20 2005 26 2006 29 Total 118

47 Os caderninhos contém assinaturas dos pichadores, que eles trocam entre eles. Trata-se de um caderno de autógrafos e recortes de jornal que falam das suas pichações. Todas as grafiteiras entrevistadas também possuem caderninhos com o desenho de outros grafiteiros. 48 De acordo com um informante esses encontros são semanais, mas o local, a data, a hora exata desses encontros só os(as) pichadores ficam sabendo.

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Quadro 1 – Série histórica de reportagens do jornal Correio do Povo sobre pichação (1999-2006).Fonte: Correio do Povo.

A maioria das matérias pesquisadas no jornal Correio do Povo rotula os

pichadores como “vândalos” que agem nas madrugadas. Os alvos prediletos desta

população são, por exemplo, o monumento Expedicionário (Parque Farroupilha) e o

Bento Gonçalves, que juntos já foram pichados inúmeras vezes e passaram por

diversas operações de limpeza por parte de empresas especializadas em apagar as

pichações.

Por outro lado, é também através dos meios de comunicação de massa, e

especificamente no caso do Correio do Povo, que se desenvolve grande parte dos

processos de estigmatização do grafite e da pichação, na medida em que

acontecimentos, de forma geral, ali ganham sentidos. A noção de estigma

desenvolvida por Erving Goffman (1988) refere-se a algo de mal, que deve ser

evitado. Essa definição encaixa-se na prática da pichação, que seria uma ameaça

para a sociedade e para a conservação do patrimônio público e privado. Desta

maneira, quem pratica pichações carrega uma identidade deteriorada em função de

sua ação social.

O Correio do Povo pode, em algumas matérias, demonizar a pichação, ao

mesmo tempo que abre espaço para o grafite arte, ou então, estigmatizar as duas

ações. Em algumas situações, essas práticas são estigmatizadas sem distinção,

como no caso da manchete de uma matéria no dia 27 de fevereiro de 2005, que

será transcrita integralmente; solicitam-se desculpas pela longa citação:

PICHAÇÕES INCLUEM OS MONUMENTOS DA CIDADE Grafiteiros atacam indistintamente em Porto Alegre Dos 400 monumentos das praças e parques de Porto Alegre, cerca de 80% sofreram pichações, danificações e furtos. Entre eles, os de Bento Gonçalves, de Anita e Giuseppe Garibaldi, do Expedicionário e dos Açorianos, são prejudicados constantemente por ações com tinta spray. O vandalismo chegou a forçar o município a guardar as obras do Parque Farroupilha (Redenção) para evitar prejuízos ainda maiores. Pelo alto custo da manutenção, a prefeitura planeja dar continuidade à idéia da gestão anterior de criar um programa de adoção de monumentos e buscar parcerias na iniciativa privada. As secretarias do Meio Ambiente (Smam) e de Cultura (SMC) estudam ação integrada para revitalizar os monumentos. Deve ser contratada uma empresa especializada para executar o diagnóstico e a recuperação do patrimônio. A administração anterior chegou a prever que seriam necessários R$ 1 milhão por ano só para recuperar e recolocar as placas roubadas. 'Mesmo os monumentos recuperados pelo governo passado já foram danificados

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novamente', disse o titular da Smam, Beto Moesch. A idéia, diz ele, é buscar apoio nas instituições interessadas em cada monumento. Moesch citou como exemplo a participação do Exército na conservação do Momumento ao Expedicionário. Um dos primeiros locais a passar pela recuperação deve ser o Parque Farroupilha. As penas para pichação vão desde advertência e multas até prestação de serviços à comunidade (Fonte: <http://www.cpovo.com.br>, 2006).

É possível observar na narrativa jornalística que pichadores e grafiteiros são

identificados como membros do mesmo grupo que utiliza o spray para deixar seu

nome nos monumentos da cidade. Entretanto, o grafite jamais é realizado em um

monumento público. Pode-se dizer que em alguns momentos, o estigma da pichação

se dirige também a quem pratica grafite. As matérias sugerem uma cidade à mercê

dos pichadores e grafiteiros que se dividem em grupos, para demarcarem territórios

nos muros e nos monumentos da capital.

No que se refere aos conteúdos apresentados pelo jornal, rótulos como

“vandalismo”, “depredação” são utilizados para todos os tipos de pintura de rua. Já

sobre os locais de grafitagem durante o período de 1999 a 2006 foram publicadas

um total de 56 matérias. Esses espaços são: a Usina do Gasômetro, a Casa de

Cultura, a galeria Mundo Arte Global, escolas de ensino médio, enfim, locais onde

ocorre interação social entre grafiteiros e grafiteiras e também com a sociedade em

geral.

Ano Número de reportagens

1999 5 2000 2 2001 3 2002 13 2003 11 2004 10 2005 6 2006 6 Total 56

Quadro 2 – Série histórica de reportagens do jornal Correio do Povo, apontando os locais de grafitagem em Porto Alegre (1999-2006). Fonte: Correio do Povo

É curioso notar que no período de 2002 a 2004, foi publicado um maior

número de matérias sobre os locais de grafitagem. O contexto social e político era o

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seguinte: a cidade era governada pela Administração Popular49, aconteceram três

edições do Fórum Social Mundial (FSM) em Porto Alegre. Inclusive as grafiteiras

pesquisadas destacam o Encontro Nacional de Grafiteiras que ocorreu na capital no

FSM, como aglutinador das escritoras de rua de vários locais do país. Já a partir de

2004 foram publicadas mais matérias sobre pichação. Neste momento foi criado o

disk-pichação50 e o governo municipal investiu em programas que convertam

pichadoras (es) em grafiteiras (os).

Como foi possível perceber nessas descrições jornalísticas, que em sua

maioria referem-se à pichação, ocorre uma verdadeira campanha contra esta

prática, que pode danificar o patrimônio público de acordo com o jornal. Ao mesmo

tempo, essas notícias tornam os(as) pichadores(as) “visíveis”, e isto, para este

grupo, é uma forma de reconhecimento que lhes confere, entre seus pares, uma

identidade positiva. É motivo de orgulho para um(a) pichador(a) ser notícia de jornal

e permanecer anônimo. De acordo com Pereira (2007) a pichação envolve uma rede

de sociabilidade, como e por que se picha é, antes de tudo, a articulação social

desses jovens; se dividem em grupos, cada um com sua "marca" (nome). Por outro,

lado no grafite a intenção é não manter anonimato. Os desenhos de grafites não são

uma incógnita para um observador comum e são assinados pelas(os) grafiteiras(os).

Tendo em vista as inúmeras matérias publicadas no jornal Correio do Povo,

sobre pichação constantemente associada ao “vandalismo”, a destruição do

patrimônio público, é possível perceber uma certa tolerância do jornal com as

atividades de grafitagem. Na realidade, a mídia não é homogênea e muito menos a

sociedade, os políticos, os jovens o são (HERSCHMANN, 2005). O Correio do Povo

parece tolerar a prática dos(as) grafiteiros(as) talvez por cunho ideológico advindo

de uma posição conservadora, já que as medidas de “impacto” para embelezar a

cidade e livrá-la da pichação quase sempre são propostas e realizadas pelo governo

municipal e até mesmo por setores mais conservadores da sociedade, como os

empresários que contratam grafiteiros(as) para fazer grafite comercial. Essas

medidas possibilitariam, de acordo com esses setores, um combate eficiente e eficaz

da pichação e uma melhor mediação da vida social.

Constata-se, no levantamento das matérias que se referem ao grafite e à

pichação, que o Correio do Povo enxerga a arte de pintar nas ruas como um meio de

49 Tarso Genro era prefeito da capital neste época. 50 Serviço gratuito de telefone que recebe denúncias sobre locais onde acontecem as pichações.

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acabar com a pichação na cidade. Mas, na prática, não é tão simples assim. A

participação em atividades que envolvam espaços autorizados nem sempre

garantem que o indivíduo não irá mais pichar pelas ruas. Pichadoras(es) podem

atuar de acordo com uma determinada imagem construída de grafiteiras(os) em uma

oficina de grafite patrocinada pelo poder municipal e desta maneira passam a

representar um determinado papel de grafiteiros(as) que fazem os desenhos

“bonitinhos”.

Mas o fato é que muitos cidadãos porto-alegrenses reclamam da falta de

sentido das inscrições que os(as) pichadores(as) fazem nos muros da cidade e da

destruição do patrimônio público e privado decorrente das escritas nas paredes. No

entanto, as pichações não foram feitas para se comunicarem com a cidade, embora

isso acabe acontecendo, mas sim para se comunicar com outros pichadores. De

acordo com Mary Douglas (1976), os elementos ambíguos, que estão fora de lugar

ou que não conseguem ser encaixados nos sistemas classificatórios, são encarados

como poluição, impureza, perigo.

De maneira geral os(as) grafiteiros (as)convivem bem com os(as)

pichadores(as) em Porto Alegre, embora não trabalhem juntos muitas vezes eles se

conhecem. Os grafites não são “atropelados51” pela prática da pichação. Já as

mulheres que picham na capital, possuem escolaridade alta e costumam a fazer

esses traços na companhia de outras mulheres ou sozinhas. Ou seja, nesse

momento elas são mais autônomas, pois quando picham em algum local não há o

controle de suas ações por parte dos parceiros grafiteiros.

51 Atropelo é uma das regras no mundo da pichação. Não atropelar o “picho” dos outros significa não pintar por cima e isto se estende aos desenhos de grafite.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reflexões aqui realizadas têm como objetivo ampliar a discussão sobre a

inserção e a formação de identidade das mulheres grafiteiras da capital gaúcha.

Muito mais que esgotar o assunto, a presente pesquisa pode ser entendida como

início de novas reflexões a cerca desta temática. É importante sublinhar que estas

considerações finais dizem respeito a uma abordagem da realidade, através do

conteúdo discursivo das grafiteiras, da leitura realizada por meio de uma

determinada inserção no campo, de um referencial teórico advindo do interacionismo

simbólico e outros autores. Trabalha-se com certos dados coletados em entrevistas

e artigos jornalísticos estudados por uma análise discursiva, o que possibilita

visualizar a existência de outras apreciações, com base em leituras da realidade,

que podem se revelar diferentes ou complementares a esta investigação. A temática

da identidade no hip hop - o grafite feminino merece ser mais investigada nas

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universidades brasileiras. O I Encontro de Pesquisadores de Hip Hop que ocorreu

em dezembro de 2007, na Unesp em São Paulo, no qual tive a oportunidade de

apresentar a construção do corpus discursivo das grafiteiras sobre como chegaram à

grafitagem; é exemplo de uma iniciativa de amplificação dos locais para a discussão

a cerca desta temática.

Afinal, quem são as grafiteiras de Porto Alegre? São mulheres que muitas

vezes estudam, que percebem a evolução dos seus desenhos, possuem interação

virtual através de seus fotologs, por vezes picham em alguma parede, grafitam na

companhia dos grafiteiros, trabalham; enfim, encontram no grafite um espaço social

passível de incorporá-las, de forma positiva. Inclusive, esta prática é fonte de renda

principal ou complementar de algumas pintoras de rua.

Identificou-se, nesta pesquisa, que as possibilidades de formação de

identidade através da pintura de rua das grafiteiras se constroem nos momentos de

interação social dos eventos de grafite. A representação social travada no ambiente

de grafitagem decorre, muitas vezes, das interações sociais entre as grafiteiras e a

sociedade em geral. A identidade está profundamente envolvida no processo de

representação (HALL, 2005, p. 21). Desta maneira, identifica-se elementos

constitutivos da formação52 de sua identidade. Por exemplo, em primeiro lugar, tem-

se o jogo de cena que se estabelece entre as grafiteiras e a sociedade em geral:

Se o indivíduo lhes for desconhecido, os observadores podem obter, a partir de sua conduta e aparência, indicações que lhes permitam utilizar a experiência anterior que tenham tido com indivíduos aproximadamente parecidos com este que está diante deles ou, o que é mais importante, aplicar-lhes estereótipos não comprovados. Podem também supor, baseados na experiência passada, que somente indivíduos de determinado tipo são provavelmente encontrados em dado cenário social. Podem confiar no que o indivíduo diz de si mesmo ou em provas documentadas que exibe, referentes a quem é e ao que é. Se conhecem o indivíduo ou estão informados a respeito dele, em virtude de uma experiência anterior à interação podem confiar nas suposições relativas à persistência e generalidade dos traços psicológicos, como meio de predizer-lhe o comportamento presente e futuro (GOFFMAN, 1985, p.11).

As grafiteiras projetam uma definição de uma situação ao chegarem ao muro.

Se os habitantes do local não as conhecem, ao observarem a chegada delas

munidas de spray, mochilas, refrigerantes dois litros, calças e camisetas largas que

protegem a roupa “boa” dos respingos de tinta, associam esta imagem às

52 A etimologia da palavra formação envolve: passado, presente e futuro.

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experiências passadas com outros grupos de escritores de rua. A partir dessa

situação, os observadores do grafite podem atribuir estereótipos no sentido de

classificá-las como sujeitos que vão sujar o muro com seus traços ou, ao contrário,

que vão embelezar o local.

Por outro lado, se os moradores da comunidade, que vão assistir o

desenvolvimento do trabalho de grafitagem, já conhecem as grafiteiras porque já as

viram em outros locais da cidade, ou as viram na mídia, saberão que esses atores

sociais imprimem seus desenhos pelos muros da capital gaúcha e desenvolvem, a

partir daí, a interação social entre atores e platéia.

Para a representação social ocorrer é necessário a existência de uma

fachada, ou seja, o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional,

empregado pelo indivíduo durante a representação (GOFFMAN,1985). A fachada

pode ser dividida em partes: o cenário, a aparência e maneira. O cenário tende a

permanecer na mesma posição geograficamente falando (GOFFMAN,1985, p. 31);

no caso do ambiente da grafitagem, trata-se do muro a ser pintado. A aparência e a

maneira formam a fachada pessoal da grafiteira. A aparência, estímulos que

funcionam no momento de definir o status social da grafiteira, podem ser as

vestimentas, o tênis que usa; quanto à maneira:

Assim, de maneira arrogante, agressiva pode dar a impressão de que o ator espera ser a pessoa que iniciará a interação verbal e dirigirá o curso dela. Uma maneira humilde escusatória pode dar impressão de que o ator espera seguir o comando de outros, ou pelo menos pode ser levado a proceder assim.

Durante as atividades de grafitagem, que foram observadas, foi possível

identificar momentos de interação social como os descritos no exemplo acima, na

vila dos Papeleiros, no Rap é só Cohab, na Teia 2007, só para citar alguns. Daí

surgem novas situações que reorganizam o contexto anterior (de um muro ou uma

parede antes de receber o desenho). Com a chegada de um grupo de pessoas

(grafiteiros e grafiteiras) e dos observadores da atividade ocorrerá uma mudança no

quadro anterior. Portanto, as grafiteiras se inserem em eventos de grafites e formam

suas identidades de mulheres que preenchem espaços “sem vida” em espaços

cobertos por seus personagens. Assim sendo, uma das formas de inserção social é

através do envolvimento em projetos sociais de grafite.

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Já a partir das interações sociais com os grafiteiros identifica-se que persiste

uma dominação e hierarquização dos homens no universo do grafite. Como já foi

dito no capítulo dois, as mulheres ocupam um papel secundário nesta prática. Os

grafiteiros as impedem de “aparecer” tanto quanto eles, talvez por desejo de se

manterem no poder no universo da grafitagem. As grafiteiras não estão no mesmo

grau de estabelecer vínculos que os grafiteiros e, mesmo, que estivessem,

dificilmente seriam suficientes para disputar com aqueles que têm o poder no

universo da grafitagem. Esse poder é representado pelos contatos que eles têm com

as instituições federais, estaduais, municipais e pela legitimação no movimento hip

hop. Eles chegam à grafitagem, por exemplo, através da dança de rua. Já as

grafiteiras chegam à grafitagem através da influência masculina. Assim, as relações

de poder neste campo são bastante desiguais, o que torna a inserção das grafiteiras

nas atividades de grafite um desafio que vem sendo enfrentado de diversas formas.

A formação de grupos de mulheres que pintam (crews femininas) e seus

fotoblogs são exemplos de inserção neste universo, e assim elas se desprendem

aos poucos do olhar dos grafiteiros, ao mesmo tempo que conquistam maior

visibilidade.

Afirma-se, neste estudo, que a formação de identidade relaciona-se à cena da

grafitagem. As grafiteiras de Porto Alegre podem ser esposas, namoradas desses

homens ou manter relações de amizade e profissionais com os grafiteiros,

entretanto, elas trabalham em outras atividades, têm profissões ou estudam, além de

fazer grafite. Isto confirma a argumentação teórica de que com a mundialização da

sociedade as identidades não são únicas e homogêneas:

[...] elas são fragmentadas, múltiplas e descentradas, essencialmente produzidas nas cenas culturais em que o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente (HALL, 2005, p. 13).

Existem múltiplas identidades que as pintoras de rua podem ter basicamente:

as das mulheres brancas, heterossexuais, de classe média. Mas não é possível

generalizar tais categorias, pois dentre o grupo de mulheres que pintam nas ruas da

capital gaúcha encontram-se mulheres negras ou brancas da periferia. É um novo

desafio apresentado às grafiteiras, o reconhecimento de um novo grupo portador de

especificidades como a busca por espaço neste ambiente.

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As grafiteiras formam também identidades relacionadas à sociedade em rede,

reforçando o que Castells (2003) chamou de a era da informação, que se caracteriza

por uma mudança na maneira de se comunicar da sociedade. E, no tocante às

grafiteiras, o contexto do mundo virtual, da troca de informação entre elas, se torna

mais ágil, independentemente de localização geográfica e social, pois a Internet está

disponível inclusive nas periferias da cidade.

As entrevistadas revelam um comprometimento com os seus fotologs; o que

denota que elas utilizam a rede virtual no ciberespaço como forma de inserção, ou

seja, os fotologs das grafiteiras funcionam como um diário composto por texto e seus

desenhos (muitas vezes eles colocam no fotolog desde a primeira pintura). Assim o

meio cibernético é um meio de comunicação para essas jovens, que serve como um

espelho que reflete suas práticas no mundo real.

Esses aspectos contribuem para a formação de identidade social virtual deste

grupo que coincide com a identidade real, ou seja, além da interação face a face

elas interagem virtualmente. Neste espaço da virtualidade se dão novas formas de

interação social, pois a linguagem que elas usam neste ambiente é um sistema de

símbolos; por exemplo, as palavras são escritas de forma abreviada, : ) significa

Tudo bem? .

No ambiente real constata-se ainda que a identidade de grafiteira que pinta

em local autorizado é muitas vezes combinada com a identidade estigmatizada de

pichadora. O jornal Correio do Povo tem representação social de tolerância em

relação ao grafite, como forma de conter a pichação, e a opinião pública é formada

também a partir deste posicionamento. A maioria dos grafiteiros(as) já pichou

alguma vez; isto faz parte do aprender a grafitar. Também existe uma rede de

relações sociais entre os atores sociais que desenvolvem esta prática, o que

significa que, por trás dos riscos pretos inteligíveis para pessoas em geral, existe um

universo de interações sociais que é exclusivo dos entendidos nessa arte.

Mas somente as mulheres com maior escolaridade desenvolvem este hábito,

as que são militantes e simpatizantes do movimento hip hop e que moram na

periferia não costumam praticar este ato. Existem dois grupos definidos de grafiteiras __ algumas pertencem à classe média e estão na universidade, outras moram na

periferia, não estudam, e têm envolvimento intenso com o movimento hip hop.

Quanto ao contexto porto-alegrense as características socioeconômicas e

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culturais das grafiteiras são as seguintes: possuem escolaridade alta, muitas

escritoras de rua não moram na periferia, embora, por vezes participem de

atividades de grafite nestes locais.

Percebe-se que as redes de interações sociais travadas no grafite

conseguem aproximar pessoas que podem estar geográfica e socialmente muito

distantes. Por exemplo, uma entrevistada moradora do bairro Restinga, periferia de

Porto Alegre, já pintou em diversos eventos com a entrevistada estudante de

jornalismo que mora no Morro Santana, o que possibilita uma troca cultural;

evidencia a mudança que vem ocorrendo na sociedade brasileira no que se refere

ao nível dos valores e do ethos (VELHO, 2006). Esta mudança se deve à sociedade

em rede. Sem dúvida, as inovações tecnológicas têm aproximado as jovens de

mundos diferentes. Mesmo que uma grafiteira não tenha computador em casa, os

computadores das associações, centros comunitários estarão disponíveis. Os

projetos sociais se multiplicam nas cidades e também podem aproximar as

grafiteiras com condições sociais diferentes. O grafite associado a uma forma de

manifestação lúdica de arte amplia cada vez mais sua presença na vida social das

mulheres.

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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ANEXO A - Fotoblog de grafiteira porto-alegrense

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ANEXO B - Página Grafiteiras BR

Página das grafiteiras nacional – Grafiteiras BR

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ANEXO C - ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA) Sobre os espaços de grafitagem Quem te apresentou a grafitagem? Como entraste no movimento? Com quem grafita? Que influências sente em teu trabalho(tipo: procura se inspirar em alguém)? Sente alguma inibição, ou medo de grafitar? Quando e porquê? Quais os locais da cidade que tu costumas grafitar? Porquê? O que é ser grafiteira(o)? Tem algo que mais marcou ou aprendeu nesta experiência? Quais são os espaços de relacionamento, de convivência para as (os) grafiteiras (os) que existem? Somente, para as mulheres: Qual a relação com os meninos grafiteiros? Como avalia a participação e posição da mulher nesse espaço? Contextualização socioeconômica Idade: Sexo: Local de nascimento Locais onde morou Bairro onde mora atualmente Tu trabalhas? Como é o teu cotidiano? Com quem tu moras? É casada? Tem filhos? Fale um pouco sobre a profissão dos teus pais? Sobre participação em movimentos sociais Tu estás envolvida (o) em algum movimento social? O que mais marcou ou aprendeu nesta experiência? Como era sua participação? Trajetória escolar ou acadêmica Até que série tu estudaste? Fale um pouco dessa experiência? Tu estudas atualmente? Qual ano ou o curso? Onde?