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CAPA COLETA SELETIVA Nem luxo,nem lixo A falta de participação da sociedade ainda é uma das grandes dificuldades para a coleta seletiva; embora sejam os maiores responsáveis por esseserviço, os catadores não são valorizados, permanecem na informalidade e acabam concorrendo com as prefeituras ,r F ., ~ 16 Revista do Idec I Junho 2007 H á pelo menos vinte anos se começou a falar em cole- ta seletiva no Brasil, e um dos principais persona- gens dessa história ainda permanece alheio à im- portância da separação do lixo domiciliar: a população. Ao menos no que diz respeito aos programas municipais, o que os caminhões da coleta seletiva recolhem nas ruas são sacos de lixo cheios de plástico, e o papelão junto com restos de comida e papel higiênico. Essa não é a única difi- culdade das prefeituras. A "concorrência" da coleta infor- mal e o número insuficiente de centrais de triagem são ou- tros problemas encontrados em algumas cidades do país. Porém, se as pessoas não separam o lixo reciclável do não-reciclável, muitas vezes é por pura ignorância. Em parte, isso se deve à ausência de campanhas informativas, que seriam uma função do município. "É papel da prefeitu- ra, a gente não se omite", afirma o assessor de imprensa da Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) de Recife, ]únior Vilela. Segundo ele, no ano passado a Emlurb realizou dezessete campanhas educativas em bairros da cidade. Podem não ser o bastante, mas o assessor acredita que, para a coleta seletiva funcionar, também falte punição àqueles que não aderem a ela. Curitiba tem o mesmo problema. De acordo com o Departamento de Limpeza Pública do município, embora existam campanhas, a sensibilização das pessoas ainda é a principal dificuldade de seu programa. Alguns municípios, por outro lado, não promovem cam- panhas educativas porque sua estrutura para a coleta sele- tiva simplesmente não seria capaz de atender a uma maior demanda pelo serviço - o que certamente ocorreria no caso de haver uma população mais informada. Na opinião da educadora Mara França, funcionária da Coopere (coopera- tiva de catadores responsável pela Central de Triagem da região da Sé), a prefeitura de São Paulo é uma das que não podem manter campanhas por não ter pernas para coletar. Em conseqüência disso, o lixo reciclável chega para a tria- gem bastante misturado com rejeitos orgânicos. "Precisamos fazer um trabalho de conscientização", afir- ma a assessora de imprensa da Secretaria Municipal de Serviços de São Paulo, Rosely Pires. "Mas também pre- cisamos ampliar o número de centrais e de rotas de atendi- mento." Para ela, uma alternativa à infra-estrutura insufi- ciente seria as pessoas encaminharem seu lixo reciclável « para pontos de coleta - os chamados PEVs (Postos de ~ Entrega Voluntária), situados em locais públicos como ~ praças ou parques, ou a rede de supermercados Pão de ~ Açúcar. Vale lembrar que também existem diversas coo- o 12 perativas de catadores que recolhem o lixo e lhe dão uma

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Page 1: COLETA SELETIVA Nem luxo, nem lixo - polis.org.brpolis.org.br/uploads/1566/1566.pdf · versidade de Brasília, e acaba de lançar o livro ... ploram a mão-de-obra dos pequenos. Mas

CAPACOLETA SELETIVA

Nem luxo,nem lixoA falta de participação da sociedade

ainda é uma das grandes dificuldades

para a coleta seletiva; embora sejam os

maiores responsáveis por esseserviço,os catadores não são valorizados,

permanecem na informalidade e

acabam concorrendo com as prefeituras

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.,~

16 Revista do Idec I Junho 2007

Há pelo menos vinte anos se começou a falar em cole-ta seletiva no Brasil, e um dos principais persona-gens dessa história ainda permanece alheio à im-

portância da separação do lixo domiciliar: a população. Aomenos no que diz respeito aos programas municipais, oque os caminhões da coleta seletiva recolhem nas ruas sãosacos de lixo cheios de plástico, e o papelão junto comrestos de comida e papel higiênico. Essa não é a única difi-culdade das prefeituras. A "concorrência" da coleta infor-mal e o número insuficiente de centrais de triagem são ou-tros problemas encontrados em algumas cidades do país.

Porém, se as pessoas não separam o lixo reciclável donão-reciclável, muitas vezes é por pura ignorância. Emparte, isso se deve à ausência de campanhas informativas,que seriam uma função do município. "É papel da prefeitu-ra, a gente não se omite", afirma o assessor de imprensa daEmpresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) deRecife, ]únior Vilela.

Segundo ele, no ano passado a Emlurb realizou dezessetecampanhas educativas em bairros da cidade. Podem nãoser o bastante, mas o assessor acredita que, para a coletaseletiva funcionar, também falte punição àqueles que nãoaderem a ela. Curitiba tem o mesmo problema. De acordocom o Departamento de Limpeza Pública do município,embora existam campanhas, a sensibilização das pessoasainda é a principal dificuldade de seu programa.

Alguns municípios, por outro lado, não promovem cam-panhas educativas porque sua estrutura para a coleta sele-tiva simplesmente não seria capaz de atender a uma maiordemanda pelo serviço - o que certamente ocorreria no casode haver uma população mais informada. Na opinião daeducadora Mara França, funcionária da Coopere (coopera-tiva de catadores responsável pela Central de Triagem daregião da Sé), a prefeitura de São Paulo é uma das que nãopodem manter campanhas por não ter pernas para coletar.Em conseqüência disso, o lixo reciclável chega para a tria-gem bastante misturado com rejeitos orgânicos.

"Precisamos fazer um trabalho de conscientização", afir-ma a assessora de imprensa da Secretaria Municipal deServiços de São Paulo, Rosely Pires. "Mas também pre-cisamos ampliar o número de centrais e de rotas de atendi-mento." Para ela, uma alternativa à infra-estrutura insufi-ciente seria as pessoas encaminharem seu lixo reciclável

« para pontos de coleta - os chamados PEVs (Postos de~ Entrega Voluntária), situados em locais públicos como~ praças ou parques, ou a rede de supermercados Pão de~ Açúcar. Vale lembrar que também existem diversas coo-o

12 perativas de catadores que recolhem o lixo e lhe dão uma

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destinação correta. Muitos condomínios da capi-tal paulista já fazem negócio com esses grupos.

"CONCORRÊNCIA"

Porto Alegre é uma das capitais onde a coletaseletiva mais funciona. Depois de dezessete anosde sua implantação, a população exige que acoleta seja mantida, afirma a pedagoga IzabelZaneti, mesmo quando prefeitos diferentesassumem a administração da cidade. "Houveuma mudança cultural." Mas a magnitude dacoleta de lixo reciclável feita por catadores infor-mais é tamanha que até na capital gaúcha elasupera a oficial. Enquanto, em 2006, os cami-nhões da prefeitura recolheram 60 toneladas delixo reciclável diariamente, os "autõnomos" cole-taram nada menos do que 100 toneladàs diárias.

Ao mesmo tempo em que as cidades investeme criam infra-estrutura para recolher os resíduosdos domicílios e dar uma destinação a eles, algu-mas pessoas encontram no lixo uma maneira desobreviver. Já houve até vereador propondo leipara tornar ilegal o ato de coletar o lixo alheio,sem a autorização do municipio.

"Só que no momento em que você põe o lixona rua, ele é público", afirma Izabel Zaneti. Aomesmo tempo em que o lixo é essencial para o

Poucacoleta

COLETA SELETIVA

..~

a 5,8 milhõesdetoneladasano.Outrapesquisafeitam 2006,constatouqueo

volumedo materialcoletadonopaísau-nosúltimosdoisanos.

catador que sobrevive disso, na opinião da pes-quisadora, ele quebra a cadeia da coleta seletivaoficial. "O catador informal deveria ir para acooperativa também", diz lzabel, que trabalha noCentro de Desenvolvimento Sustentável da Uni-versidade de Brasília, e acaba de lançar o livroSobras da modernidade.

Grande parte dos atuais programas municipaisde coleta seletiva integra o trabalho de catadorescadastrados, que atuam na própria coleta, ousomente na triagem do material recolhido peloscaminhões da prefeitura. Na opinião da sociólo-ga Elisabeth Grimberg, do Instituto Pólis, houveum avanço nesse ponto. 'Já há uma abertura aoreconhecimento de que o trabalhador existe",diz, "e de que sem ele o trabalho de coleta etriagem não é possível".

FORÇA BRUTA

Ao mesmo tempo, em alguns municípiosocorre a exploração da mão-de-obra do catador.Segundo Elisabeth, em Londrina (PR), embora acoleta oficial contemple o admirável índice de23% dos resíduos gerados no município, todo olixo reciclado é recolhido pelos catadores , quepuxam suas carroças no braço. "Eles não recebempela coleta", afirma. "Só pelo que vendem depoisda triagem." Na opinião da socióloga, no modeloideal de gestão de resíduos, a prefeitura seriaresponsável pela coleta e destinação do lixoorgânico, enquanto os catadores fariam a coleta edariam a destinação para o reciclável - sendoremunerados por ambas as tarefas.

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.. COLETA SELETIVA

Para Elisabeth, que está escrevendo um estudoresultante de sua pesquisa sobre a coleta seletivaem Porto Alegre, Londrina e Belo Horizonte, alógica que os municípios estão aplicando ao lixotambém está mudando. "Está migrando de umalógica de 'limpeza urbana', [que tratava] de levaro resíduo para longe, para uma lógica de gestãosustentável de resíduos."

A reciclagem dos resíduos sólidos, em largaescala, diminui o volume nos aterros sanitários,cuja vida útil é limitada. Evita também suadecomposição em locais impróprios, como oslixões. Segundo dados da Pesquisa Nacional deSaneamento Básico do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (lEGE) de 2000, 59% detodo o lixo gerado no país vão parar nos lixões,

Trabalhoinvisível

Ocatador é um personagem importante nahistória da reciclagem do país, já que amaior parte do que é coletado vem do tra-

balho dessas pessoas. Seja trabalhando por contaprópria, seja apoiado em alguma cooperativa,entre 800 mil e 1 milhão de catadores estão

espalhados pelas ruas e lixões do país. Eles sãoresponsáveis por nada menos que 85% dos resí-duos coletados, segundo dados do CompromissoEmpresarial para a Reciclagem (Cempre).

Só na cidade de São Paulo existem 20 mil cata-

dores, e apenas uma pequena parte deles é liga-

Aindafaltapolítica

Apesarda necessidadede aprovaçãode uma lei sobreresíduossólidosque estabeleçaas diretrizesnacionaisparao setor,não háprevisãode quando o assuntoentraráem pauta no CongressoNacional.Na falta de um marcoregulatórionacional,as adminis-traçõesmunicipaisisoladamente,ou com o apoio dos governosestaduais,buscamsoluçõesparao problema.Seteestadosjá edi-taramsuaspolíticas.

Atualmente,háquatroproposiçõeslegaistratandodo assunto:umanteprojetode lei do governofederal,elaboradopelo MinistériodoMeioAmbiente,queestáparadona CasaCivil;o PLnQ203/91, doex-deputadoEmersonKapaz(PPS-SP);maisdoisprojetosdaCãmarados Deputadose outrodo Senado.Umapolíticanacionalde resídu-ossólidosédiscutidahápelomenosduasdécadas.Osmaisdecemprojetosquesurgiramno períodoforamanexadosao PL203/91.

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que são depósitos a céu aberto, sem nenhumtratamento. Existem no país pouco mais de 20aterros sanitários, depósitos que causam bemmenos impacto para o meio ambiente e a saúdedas pessoas.

Se o consumidor deve se preocupar com seuconsumo de água e energia, precisa atentar tam-bém para a produção de lixo: a fabricação doproduto que depois vira lixo consome umadeterminada quantidade de matéria-prima; a co-leta desse lixo exige investimentos financeiros daprefeitura (ou seja, de cada um de nós) e tambémconsome recursos, como o combustível; e suadestinação vai ocupar um espaço escasso, alémde provavelmente se tornar uma fonte de conta-minação do ar, do solo e da água.

da a cooperativas. Claudinei Silva Zorante deSousa e Silvana Lopes Zorante, casados há trezeanos, são alguns deles. Começaram a "catação"juntos, há cinco anos, e há três anos fazem parteda Cooper Glicério, cooperativa que conta com45 catadores e recolhe 120 toneladas de material

reciclável por mês. O casal percorre um longocaminho até a cooperativa, localizada debaixo doMinhocão (grande viaduto da capital paulista).

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Claudinei e Silvana, catadores da Cooper Glicério

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COLETA SELETIVA

Saem de Suzano às 6h da manhã e vão de bici-

cleta até ltaquaquecetuba (outro município daGrande São Paulo), onde pegam o trem até obairro do Brás. De lá, tomam o metrô até a coo-perativa. O casal chega às 8h no trabalho e sepa-ra o lixo recolhido no dia anterior. Por volta das15h, sai com a carroça para recolher material, esó retoma à cooperativa por volta das 23h.

A UNIÃO...

Quando trabalham de forma autônoma, os ca-tadores acabam vendendo o que coletam, porum valor muito baixo, a ferros-velhos e su-cateiros. Estes são os "atravessadores", que ex-ploram a mão-de-obra dos pequenos. Mas alémde explorar o trabalhador autônomo, em algu-mas cidades, os atravessadores acabam pormontar um esquema de coleta em que percor-rem as ruas das cidades com caminhões ilegais edispensam até mesmo os catadores. "A saídapara essecatador é a cooperativa,onde ele lucraum pouco mais, e ganha mais força e respeito",diz Davi Amorim, da comunicação do Mo-vimento Nacional dos Catadores de MateriaisRecicláveis.

Para aumentar o poder de negociação dos cata-dores na hora de vender os materiais para aindústria, as cooperativas de São Paulo criaramno ano passado a Rede Cata Sampa, e, até agora,quinze entidades integram o grupo. .

Dicasparao consumidor

. Reduzasua geração de resíduos. Consuma menos, e aproveite

o máximo dos produtos orgânicos.

. No caso de outros produtos, use-os e mantenha-os adequada-

mente, para não ter de descartá-Ios tão cedo.

. Informe-se. Descubra se sua cidade possui coleta seletiva, e em

que horário ela ocorre.

. Outra opção é procurar cooperativas de catadores, saber se

eJas fazem a coleta ou se ao menos recebem o lixo, que você podelevar.

. Terceiraopção; seu lixoreciclávelparapontosdecoleta. Informe-se na prefeitura para saber quais são os mais pró-

ximos de sua casa. há lojas do Pão de Açúcar com essespontos.

. Quando

desperdiçar água,

. Na hora de comprar, escolha produtos com menos embalagens.

. Exija que os fabricantes utilizem menos embalagens.

. Evite comprar retornáveis.

. Quando

. Não queime nenhum tipo de lixo.

bairro, enterre o lixo orgânico.

. Evite produtos descartáveis.

. Veja mais dicas no "Manual de Educação para o Consumo

Sustentável" disponível para download na biblioteca do site do Idec

(www.idec.org.br).

Revista do Idec I Junho 2007 19

"m"r.

Curitiba 100% 10,6 mil 164 mil Unidade de Valorização Sensibilidade www.curitiba.pr.gov .brjtoneladas toneladasj ano de Rejeitos. Trabalha da população cidadaos.aspx?s=296

pouco com catadores Tel: 156

Porto

I

100% 13 unidades Concorrência www.portoalegre.rs.gov.br

Alegre triagem, formadas por coleta informal (clicar em DMLU)cooperativas de [email protected]

catadores Tel: (51) 3289-6999

Recife 19 mil não 4 núcleos de triagem, A população ainda www.recife.pe.gov .brj prjtoneladas informou com 120 catadores não faz separação servicospublicosj emlurbj

coleta.phpTel: (81) 3232-1070

40 bairros 6 mil 8,4 mil 2 uSinas, de onde Alto custo da coleta www.rio.rj.govjcomblurJaneiro I toneladas toneladasj ano é enviado para e concorrência dos Tel: (21) 2204-9999

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São Paulo de 24 mil não 15 centrais de Falta conscientização. http://portal.prefeitura.a 36 mil informou triagem, formadas Número insuficiente sp.gov.brj secretariasjtoneladas por cooperativas de centrais de servicoseobrasj limpurbj 0005

triagem e rotas Tel: 156