universidade federal de pelotas centro de artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca...

56
Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes Bacharelado em Design Digital Trabalho de Conclusão de Curso Cultura participativa e cultura da convergência: aproximações entre design e videoclipe Bruna Ferreira Gugliano Trabalho de Conclusão de Curso entregue como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Design Digital pela Universidade Federal de Pelotas. Orientadora: Profª. Drª. Ana Paula Penkala Pelotas, 2013

Upload: trankhanh

Post on 02-Dec-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

Universidade Federal de Pelotas

Centro de Artes

Bacharelado em Design Digital

Trabalho de Conclusão de Curso

Cultura participativa e cultura da convergência: aproximações entre design e videoclipe

Bruna Ferreira Gugliano

Trabalho de Conclusão de Curso entregue como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Design Digital pela Universidade Federal de Pelotas.

Orientadora:

Profª. Drª. Ana Paula Penkala

Pelotas, 2013

Page 2: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

Banca examinadora

Profª. Ms. Roberta Barros

Prof. Ms. Guilherme da Rosa

Page 3: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

Agradecimentos

Este trabalho representa meus últimos momentos como

graduanda. Por isso, gostaria de dedicá-lo aos meus

amigos e companheiros de projetos da faculdade – como

os do Centro Acadêmico e da Designeria – mas

principalmente às figuras de Roger Pitsch, Larissa

Oliveira, Arthur Cabreira e Danilo Almeida, por terem

feito dessa etapa um momento ainda mais especial e feliz

na minha vida.

Agradeço, é claro, à minha família – pais e avós – por me

ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das

minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao

meu lado, sempre disposto a ajudar, nessa e em outras

empreitadas. Vocês são a minha inspiração.

Obrigada aos professores Ana Paula Penkala, Guilherme

da Rosa e Roberta Barros pelos conselhos e a todos que

também colaboraram, direta e indiretamente, com este

projeto, especialmente ao iluminado Zudizilla.

Page 4: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

GUGLIANO, Bruna Ferreira. Cultura participativa e cultura da convergência: aproximações entre design e videoclipe. Pelotas: 2013. Monografia (Bacharelado em Design Digital) - Universidade Federal de Pelotas, 2013.

Resumo

Este trabalho propõe gerar uma discussão sobre o papel do design como estratégia

considerando o formato audiovisual do videoclipe a partir da ideia de convergência de Henry

Jenkins em Cultura da Convergência. Para isso, traz uma reflexão sobre o formato do

videoclipe musical em si, analisando sua origem e seus aspectos técnicos; sobre a cultura da

convergência e teorias que se relacionam com ela e, buscando uma conexão entre esses dois

tópicos principais, sobre a cultura participativa do vídeo na plataforma YouTube. Apresenta,

como proposta prática decorrente da reflexão teórica, a criação e o desenvolvimento de uma

campanha para a produção de um videoclipe colaborativo, focando na comunidade de fãs do

músico local Zudizilla e utilizando como ferramenta de comunicação os sites de redes sociais

Facebook e o YouTube.

Palavras-chave: cultura da convergência; videoclipes musicais; design estratégico; cultura

participativa; Zudizilla.

Page 5: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

GUGLIANO, Bruna Ferreira. Convergence culture and participatory culture: approaching design and music video. Pelotas: 2013. Monograph (Bachelor in Digital Design) – Federal University of Pelotas, 2013.

Abstract

This research proposes to discuss the role of strategic design in a project that consider the audiovisual format of the music video based in the ideas of Henry Jenkins in his book Convergence Culture. It brings a reflection about the music video format itself, analyzing its origins and technical aspects; about the convergence culture and the theories that are related to that and, intending to find a connection between both main topics, about online video and participatory culture at YouTube platform. This work also presents as a practical exercise due to the theoretical reflection the creation and development of a collaborative music video campaign, focusing on local rapper Zudizilla and his fan community, using as a communication tool Facebook and YouTube social networks.

Key-words: convergence culture; music videos; strategic design; participatory culture; Zudizilla.

Page 6: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

Lista de figuras

Figura 1 – Personagem principal do videoclipe “Howling For You”................................................... 16

Figura 2 – Cena de “Howling For You”................................................................................................16

Figura 3 – Créditos iniciais do videoclipe “Paranoid”.........................................................................16

Figura 4 – Cena de “Paranoid”.............................................................................................................16

Figura 5 – Sequência de acontecimentos em “Rabbit In Your Headlight”........................................... 19

Figura 6 – “The Zephyr Song”.............................................................................................................. 20

Figura 7 – Lyric video de “Where You Are”, do grupo Cali Swag District.......................................... 20

Figura 8 – Bob Dylan em “Subterranean Homesick Blues”................................................................. 20

Figura 9 – Capa do vinil “Ramones” (1976), dos Ramones, adaptada graficamente à composição da

música no clipe “I Need Nothing”..........................................................................................................20

Figura 10 – Interações do mundo real com o animado em “Take On Me”, do A-Ha............................21

Figura 11 – Membros da banda Gorillaz no videoclipe “Clint Eastwood”...........................................21

Figura 12 – Cenas de “Tik Tok”, de Kesha............................................................................................22

Figura 13 – Homepage do site StarWars Uncut....................................................................................29

Figura 14 – Cena de StarWars Uncut....................................................................................................29

Figura 15 – Cena de StarWars Uncut....................................................................................................29

Figura 16 – Cena de “The Big Fat Gay Collab!”..................................................................................30

Figura 17 – Printscreen do site StatSheep…………………………………………………….………32

Figura 18 – O comediante Felipe Neto em seu vlog……….......………………………….....…….....33

Figura 19 – Cena do fanvideo “Grizzly Bear”.......................................................................................36

Figura 20 – Capa da mixtape e marca produzida por mim a partir dela................................................42

Figura 21 – Família tipográfica TheMix................................................................................................42

Figura 22 – Teaser da campanha publicado no Youtube......................................................................43

Figura 23 – Página da campanha no Facebook.....................................................................................43

Figura 24 – Layout padrão dos cartazes publicados no Facebook.......................................................44

Figura 25 – Fã explicando a sua interpretação da proposta da campanha.............................................47

Page 7: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

Figura 26 – Usuário que utilizou a imagem de capa da página em seu perfil.......................................48

Figura 27 – Divulgação da campanha na página de Zudizilla...............................................................48

Figura 28 – Número de visualizações do vídeo no primeiro dia...........................................................49

Figura 29 – Estatísticas geradas pelo Facebook sobre a página Videoclipe Luz..................................49

Page 8: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

Lista de gráficos

Gráfico 1 – História do videoclipe...........................................................................................17

Gráfico 2 – Uploads diários no YouTube................................................................................31

Gráfico 3 – Origem dos vídeos mais populares do YouTube..................................................34

Gráfico 4 – Consumo da música na internet............................................................................36

Page 9: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

Sumário

Introdução................................................................................................................................10

1 Do videoclipe.........................................................................................................................14

1.1 Origens................................................................................................................................15

1.2 Imagem................................................................................................................................18

2 Da cultura da convergência.................................................................................................24

3 Youtube e a cultura participativa do vídeo.......................................................................30

4 Prática...................................................................................................................................38

4.1 Análise: “The Daylight Project”.........................................................................................39

4.2 Projeto.................................................................................................................................41

4.2.1 Definição do universo..........................................................................................41

4.2.2 Definição do projeto prático.................................................................................42

4.2.3 Movimentação no Facebook................................................................................44

4.2.4 Resultados............................................................................................................46

4.2.5 Interações dos fãs.................................................................................................47

5 Considerações finais.............................................................................................................50

Referências...............................................................................................................................54

Page 10: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

10

Introdução

O leitor já conhece a minha religião. Estou profundamente convencido de que permitir que os seres humanos conjuguem suas imaginações e

inteligências a serviço do desenvolvimento e da emancipação de pessoas é o melhor uso possível das tecnologias digitais.

Pierre Lévy (2010, p. 214)

Quando iniciei essa jornada, a única certeza que tinha era de que queria trabalhar com o

formato do videoclipe em um contexto diferente do tradicional, utilizando para isso o

universo da internet e o pensamento estratégico desenvolvido durante a minha experiência na

graduação. Foi nessa vontade que se fundamentaram os temas discutidos nesse trabalho.

Foi com esse objetivo em mente que surgiu meu interesse nas reflexões de Henry

Jenkins (2009a), a fim de encontrar, na cultura da convergência, um caminho para a produção

de um videoclipe musical colaborativo. Dessa forma, esse trabalho teórico pretende

compreender o formato do vídeo, a montagem e a estética do videoclipe e quais foram suas

origens. Propõe, em seguida, discutir sobre a produção de conteúdo em convergência, a

cultura participativa e a movimentação das comunidades de fãs na internet, para, por último,

pensar no contexto do vídeo dentro dessa cultura de participação através do site YouTube.

Esses três momentos são necessários para a realização da proposta prática do projeto, que

relaciona videoclipe, design e convergência.

E o que é a convergência midiática? Apesar de ser consequência de alterações

técnicas, a convergência não se limita somente a um fator tecnológico: não se trata de

convergir diversas mídias e funções em um só aparelho. Ela amplia-se nos âmbitos culturais e

comunicacionais a partir do momento em que os papéis da mídia e do consumidor se

confundem, se cruzam e colidem: “na cultura de convergência, todos são participantes”, diz

Jenkins (2009a, p. 190).

O usuário da internet é, na maioria das vezes, um criador de conteúdo. Ele não se

contenta em apenas receber a informação de forma passiva, mas participa ativamente na

criação e difusão de dados através de blogs, sites de redes sociais e plataformas de

compartilhamento de arquivos. Segundo Jenkins, este fenômeno indica “o direito que as

pessoas comuns têm de contribuir ativamente com sua cultura” (2009a, p. 189). A web

contém cada vez mais vídeos produzidos pelos próprios usuários; encontramo-nos em um

Page 11: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

11

momento onde “o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de formas

imprevisíveis” (JENKINS, 2009A, p. 29) e onde o consumo colaborativo tende a crescer

rapidamente por basear-se em instintos naturais como o da troca e do compartilhamento

(BOTSMAN; ROGERS, 2011). Desta maneira, a música, sendo “ao mesmo tempo mundial,

eclética e mutável” (LÉVY, 2010, p. 139), juntamente com seus vídeos, torna-se um elemento

de experimentações no ciberespaço1.

O interessante de trabalhar o videoclipe musical em um contexto de convergência é

que seu próprio formato converge:

Falamos deste conjunto de imagens recortadas, descontínuas e detentoras de ritmo, imagens que bailam, ou melhor, pulsam (dependendo da cadência da música utilizada). Tomemos como ponto de intersecção a existência de áreas de convergência no que diz respeito à música, imagem e montagem (edição) no que concerne ao videoclipe. A noção de convergência situa estes três vetores de forças do videoclipe como elementos que, ora poderão dialogar com congruência conceitual, ora, hierarquicamente, poderão se sobrepor conceitualmente a outro elemento (SOARES, 2004, p. 26).

No ano de 2000, Arlindo Machado afirmou que "[...] o videoclipe aparece como um

dos raros espaços decididamente abertos a mentalidades inventivas" (2000, p. 173). Com a

facilidade de produção e difusão de conteúdo provida pelas tecnologias digitais, essa

capacidade de criar não precisa limitar-se somente aos produtores tradicionais de mídia. Este

projeto pretende entender como se dão esses processos de produção cultural alternativa –

neste caso, a produção de um videoclipe – e como o design pode colaborar com eles por meio

do desenvolvimento de estratégias que facilitem a participação das pessoas nessas atividades.

Por isso, no delineamento deste trabalho, o problema de pesquisa aparece na forma de

uma proposta: compreender como a cultura da convergência, os videoclipes musicais e o

design podem estar relacionados atualmente. Assim, a pesquisa problematiza e procura

observar de que forma a convergência evidencia ou proporciona uma relação entre os

fundamentos da prática do design e o videoclipe.

O objetivo geral do trabalho é pensar qual é o papel do design como estratégia na

produção e distribuição de videoclipes num fluxo de convergências, e compreender como esse

papel funciona na prática, por isso, a pesquisa é constituída de uma reflexão teórica e de um

projeto prático. Os objetivos específicos são:

1 Pierre Lévy, em seu livro Cibercultura (2010), define ciberespaço como “o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial de computadores” (p. 17).

Page 12: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

12

a) Identificar as características formais do videoclipe no que tange a sua

estética e montagem e repassar suas origens;

b) Analisar as transformações ocorridas no âmbito da comunicação a partir da

lógica da convergência, enfocando o formato do vídeo e do videoclipe dentro

do contexto do YouTube;

c) Desenvolver um projeto que considere o formato audiovisual do videoclipe a

partir da ideia de convergência de Henry Jenkins e pensando as práticas do

design enquanto prática estratégica.

Esta pesquisa tem caráter teórico, reflexivo e exploratório, embora objetive um projeto

prático em decorrência das reflexões teóricas a que se propõe. Usará o livro Cultura da

Convergência, de Henry Jenkins (2009a), como principal referencial no entendimento das

novas formas de produção e consumo da informação através dos meios digitais, tal como o

comportamento das comunidades de fãs neste cenário. Cibercultura (2010) e Inteligência

Coletiva (2011), de Pierre Lévy, que são citados frequentemente por Jenkins, também serão

obras-chave para essa reflexão teórica. Além disso, vê-se necessário estudar as abordagens de

Rachel Botsman e Roo Rogers (2011) em “O que é meu é seu”, que explicam como

funcionam as novas relações colaborativas entre indivíduos, relações essas que foram

possibilitadas pela internet. Jean Burgess e Joshua Green (2009) contribuem com sua

discussão acerca do fenômeno do YouTube e, segundo o próprio subtítulo de seu livro, “como

o maior fenômeno da cultura participativa está transformando a mídia e a sociedade”.

Já as obras dos brasileiros Thiago Soares (2004) e Arlindo Machado (2000), e do

espanhol Eduardo Suárez (2009), dão conta de esclarecer a temática da linguagem do

videoclipe e sua relação com a televisão e o cinema, bem como delimitar seu espaço na

história da indústria cultural. Philippe Dubois (2004) acrescenta mais ao tema ao explanar

sobre a estética da imagem do vídeo em si.

No decorrer do trabalho são usadas não só referências aos livros citados acima, mas

também a conteúdo enviado por usuários na web como imagens, infográficos, vídeos, artigos

da Wikipédia, e outros, pensando na valorização da inteligência coletiva, tratada nesta

pesquisa.

A relevância desta pesquisa surge a partir do momento em que o universo de estudo –

o videoclipe - é um elemento pouco abordado academicamente sob o viés do design,

especificamente no que tange a questão da estratégia e da convergência. A motivação vem da

Page 13: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

13

minha admiração por assuntos que envolvem identidade musical e cultura pop, assuntos esses

que definem padrões e estéticas expressadas nos videoclipes musicais. Percebendo que

aqueles momentos onde se podia parar diante da televisão para assistir uma hora ou mais de

programas que se dedicavam inteiramente aos videoclipes eram cada vez mais raros (por estes

programas saírem do ar ou sofrerem limitações na grade de programação) e que a utilização

da internet como principal meio de acesso a esse conteúdo acabou sendo uma forma de suprir

essa necessidade, passei a observar que a linguagem do videoclipe pouco mudou ao se

transferir da televisão para a web, mas que esse novo ambiente poderia proporcionar vários

tipos de interação com aqueles que o estão assistindo.

A proposta prática deste trabalho implica na criação de uma estratégia que utilize a

web para possibilitar que usuários participem da construção de um videoclipe musical. Para

isto, será criada uma campanha que, através das plataformas Facebook e YouTube, incentive

os fãs a gravar, em vídeo, sua interpretação pessoal da mensagem de uma determinada

música. As peças de divulgação trarão sugestões do que o participante pode gravar, além de

mensagens de motivação e feedbacks do projeto (informando, por exemplo, a quantidade de

colaborações já recebida) utilizando uma linguagem adequada para o público escolhido a fim

de tornar o projeto mais atraente e legítimo dentro daquela comunidade. O capítulo que traz

essa prática também contém um estudo e caso, responsável por algumas das resoluções

tomadas na estratégia. O videoclipe analisado foi “Daylight”, da banda Maroon 5, que traz

uma proposta parecida e foi composto por depoimentos de fãs a pedido dos integrantes desse

grupo musical.

Apesar de a prática focar na estratégia citada acima, o videoclipe será efetivamente

montado a partir do conteúdo enviado pelos fãs e será publicado no YouTube como um

videoclipe oficial do cantor. Aqui, estará disponível como um apêndice do projeto, em CD-

ROM, juntamente com as peças desenvolvidas no decorrer do projeto e alguns vídeos citados

durante o desenvolvimento teórico.

O músico escolhido para este trabalho foi Zudizilla, artista local que vem repercutindo

muito no cenário independente brasileiro. A escolha se deve, principalmente, ao fato de que o

artista é bastante presente nos sites de redes sociais, utilizando várias plataformas para

divulgar seu trabalho, tais como: Facebook, Soundcloud, YouTube, Vimeo e Tumblr. Zudizilla

possui forte apoio de seus admiradores, que também utilizam as redes para compartilhar e

apoiar seu trabalho, o que aumenta as possibilidades de interação com a estratégia proposta.

Page 14: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

14

1 Do videoclipe

Este capítulo propõe desconstruir o formato do videoclipe a fim de conhecer seus formantes,

sua história e sua importância. É uma etapa significativa para entender o videoclipe, sua

imagem e montagem e poderá auxiliar, no transcorrer deste trabalho, no desenvolvimento do

projeto prático.

Antes de refletir sobre o videoclipe, é pertinente pensar em o quê é o vídeo. No

YouTube, o usuário “Vsauce”, animado ao voltar da Vidcon, um encontro dedicado à

discussão sobre o vídeo online, decide compartilhar com os demais usuários do site o que

aprendeu sobre o tema. Com o título de “O que é vídeo ??”2, Vsauce define: o vídeo é uma

representação eletrônica da imagem do filme. Em seis minutos e dois segundos, Vsauce dá

uma explicação completa sobre os frames e como funcionam, usando para isso fotografia,

animações, trechos de vídeos e um roteiro com linguagem informal e divertida.

No entanto, a discussão que tenta definir o vídeo vai além do ponto de vista técnico;

por ser um formato tão flexível, o conceito de vídeo é muito amplo. Philippe Dubois (2004)

contribui com o livro “Cinema, vídeo, Godard” e faz uma análise que começa com a palavra

“vídeo” em si. Primeiramente, Dubois fala sobre o termo “vídeo” como um sufixo (e também

prefixo) em palavras como “videocassete”, “câmera de vídeo”, “videoarte”, etc. Essas

variantes permanecem as mesmas em diversos idiomas (videokassette, em alemão;

videocámara, em espanhol; video art, em inglês), ou seja, “podemos dizer que não pertence a

nenhuma língua (própria) [...]. Palavra-esperanto, intraduzível, desprovida, pois, de

imaginário” (DUBOIS, 2004, p. 71).

Dubois prossegue sua fala explicando que mesmo que a palavra “vídeo” não pertença

a um idioma, é possível analisá-la a partir de sua etimologia: no latim, video é um verbo que

se refere ao ato de olhar (“videre” – eu vejo), “[...] está presente em todas as outras artes da

imagem” (2004, p. 71), em tudo que pode ser e é visto. Por isso ela é tão difícil de definir: por

um lado é apenas um adjetivo, um complemento para outras palavras e, por outro, é um verbo

genérico que define todas as formas de visualização de imagens.

2 “What Is Video ??” Enviado por Vsauce em 02/08/2011. Disponível em: <http://youtu.be/buSaywCF6E8>. Acesso em: 27 nov. 2012.

Page 15: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

15

Seguindo essa premissa, Roy Armes (1999) afirma que o vídeo, em toda a sua

complexidade, não pode ser pensado individualmente ou especificamente, e sim em sua

relação constante com outros meios de comunicação tais como a fotografia, o rádio e os

demais gêneros audiovisuais. “Visto num vazio, o vídeo é um fenômeno intrigante, mas,

observado em relação a esses outros meios, o seu potencial e amplitude se tornam visíveis”

(ARMES, 1999, p. 12). Chegamos, então, ao videoclipe, resultado da relação do formato de

vídeo com a pragmática da indústria fonográfica e das combinações que ele possibilita fazer

entre som e imagem em movimento.

A palavra “videoclipe” origina-se da união de dois termos, “vídeo” e "clip", que, em

inglês, quer dizer “recorte”. Ou seja: o videoclipe representa a amostra de um produto (no

caso, o álbum ou o próprio artista) (SOARES, 2004), em forma de vídeo.

Do ponto de vista prático, o videoclipe é um formato enxuto e concentrado, de curta duração, de custos relativamente modestos se comparados com os de um filme ou de um programa de televisão e com amplo potencial de distribuição (MACHADO, 2000, p. 173).

O videoclipe é a oportunidade que temos de ver o nosso artista favorito (ou nem tão

favorito), saber como se veste, como se expressa e, principalmente, qual a leitura visual que

ele e sua equipe fazem de sua própria música, letra e melodia. Tudo isso em um curto espaço

de tempo e com variadas possibilidades estéticas e tecnológicas. O videoclipe tem pouco

tempo para ocupar a posição de destaque; logo será substituído pelo próximo single3 e, por

isso, necessita utilizar de todo o seu poder de atração para não passar despercebido.

1.1 Origens

A origem do videoclipe musical tem sido muito discutida entre os interessados no tema.

Pensando na relação música mais imagem em movimento, pode-se remontar a história do

videoclipe aos números musicais de clássicos do cinema, desde os de filmes estrelados por

Elvis Presley (tendo como exemplo o Jailhouse Rock, de Richard Thorpe, 1957) a musicais

baseados em peças da Broadway como Grease (Randal Kleiser, 1978).

No entanto, o autor Eduardo Suárez (2009) rebate a ideia da origem cinematográfica

do videoclipe: enquanto no cinema a música é adaptada à narrativa, no videoclipe o diretor

3 Singles são músicas consideradas com maior potencial de venda dentro de um álbum, sendo escolhidas para serem lançadas separadamente em formato digital e de cd. Essas músicas são enviadas pelas produtoras aos meios de comunicação para divulgação.

Page 16: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

16

tem em mãos uma música que não pode ser modificada, ou seja, ele tem de adaptar a imagem

ao som. Mesmo assim, podem-se creditar ao cinema alguns “elementos formais que aparecem

nos vídeos e que tem uma origem fílmica” (SUÁREZ, 2009, p. 19, tradução minha)4, como o

uso da câmera e a organização dos planos.

Alguns videoclipes vão mais longe nessa apropriação e adotam também a própria

narrativa do cinema, como por exemplo, “Howling For You” (WMG, 2011), do grupo The

Black Keys, demonstrado nas figuras 1 e 2. Ele transcende a narrativa comum dos videoclipes

e cria o trailer de um filme fictício, usando a música – mesmo que sobreposta pela voz de um

narrador - como trilha sonora desse trailer. Os músicos participam como atores, sob o

pseudônimo de “Las Teclas de Negro”, tradução espanhola do nome da banda, adaptando-se

ao estilo western do “filme”. Em “Paranoid”, de Kanye West (Roc-A-Fella Records, 2009),

esses elementos apresentam-se de forma mais sutil: não existe um acontecimento claro sendo

narrado, mas percebem-se elementos inspirados nos filmes de terror e suspense antigos como

sombras que têm vida própria, uma estrada sombria onde a protagonista dirige sozinha e

árvores assustadoras. O “clipe” é todo em preto e branco e, quando inicia, são inscritos os

nomes da música e dos protagonistas como se fazem nos créditos de filme (figuras 3 e 4).

Para o pesquisador Thiago Soares (2004), o videoclipe encontra na televisão sua

verdadeira origem. Ele considera o videoclipe um gênero televisivo assim como o são os

telejornais e as novelas, indicando como princípio de sua história os anos 60, com os

programas dedicados a números musicais, os Scopitones (projetores que exibiam

performances de artistas em evidência) nas boates e os filmes da banda The Beatles.

Precursores da cultura do videoclipe, os Beatles perceberam a grande influência do cinema na

divulgação de artistas do rock (como Chuck Berry, Elvis Presley e Little Richard) e lançaram,

em 1964, o filme “Hard Day’s Night” (Richard Lester, 1964). O filme foi um sucesso e "do

ponto de vista do marketing, uma importante “pontuação” na carreira dos Beatles" (SOARES,

2004, p. 16), o que acarretou na produção de mais três vídeos musicais – agora no formato

tradicional do videoclipe - da banda, incluindo “Yellow Submarine”, feito todo em animação

(inaugurando, também, o uso desta técnica nos videoclipes). Nos anos 70, a disputa entre

programas de televisão dedicados à transmissão de videoclipes musicais acabou por mostrar a

necessidade de um canal exclusivo para o gênero. 1981 foi o ano em que se criou o canal

MTV (Music Television, nos EUA), dedicado exclusivamente aos videoclipes e, dois anos

depois, o mesmo promoveu o primeiro American Video Awards (atualmente VMA – Video 4 “[...] elementos formales que aparecen en los vídeos y que tienen un origen fílmico” (SUÁREZ, 2009, p. 19).

Page 17: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

17

Music Awards), considerado o Oscar dos videoclipes. Com uma premiação em jogo, artistas e

suas produtoras passaram a dedicar cada vez mais trabalho e investimento no gênero. A linha

do tempo “História do videoclipe”, no gráfico 1, pontua alguns momentos considerados por

Soares (2004) importantes na formação do gênero videoclíptico.

Gráfico 1 – Linha do tempo da história do videoclipe. Desenhada por mim.

Atualmente, canais que eram dedicados somente aos videoclipes como a MTV e a

VH1 apresentam também seriados, programas de auditório, desenhos animados e talkshows.

Em compensação, foram criadas redes de televisão “irmãs” como a MTV2 e o VH1

MegaHits, que, adquiridos separadamente nas televisões por assinatura, seguem com a função

de apresentar somente videoclipes durante toda a sua programação.

A televisão pode ser o hábitat do videoclipe, mas este também herdou do cinema sua

linguagem narrativa, aprendendo com ele a “visualizar” a música. Antes do cinema, a música

era defendida por muitos como “um discurso que ocorre no plano exclusivamente sonoro”

(MACHADO, 2000, p. 154), uma entidade autônoma. Foi no final dos anos 20, com a

incorporação do som no cinema (HISTORIA UNIVERSAL DEL CINE, 1982), que se

começou a explorar os aspectos visuais da música na tela5. A diferença é que, no cinema, a

música pode ser considerada um elemento narrativo, mas que deve servir à imagem:

5 Vale comentar que antes disso já se faziam experimentos com incorporação de som em imagens, como ocorreu em 1877 quando Thomas Edison patenteou seu fonógrafo e em 1887 quando Emil Berliner modificou o fonógrafo dando origem ao gramofone (HISTORIA UNIVERSAL DEL CINE, 1982).

Page 18: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

18

“Segundo J. Wyver, desde o início do século XX que as projeções de cinema eram

acompanhadas por música. E a escolha da partitura estava relacionada ao teor das imagens

apresentadas” (SOARES, 2004, p. 14).

1.2 Imagem

Como citado no início deste capítulo, a palavra videoclipe pode ser entendida como o recorte

ou a amostra de um vídeo. Como se dão esses recortes? As imagens em um videoclipe -

independente da técnica ou estilo empregado pelo autor - tendem a se suceder, em sua

maioria, de forma muito rápida. Estamos falando de montagem.

O que é montagem? Jacques Aumont e Michel Marie (2006) definem o termo em seu

Dicionário: "trata-se de colar uns após os outros, em uma ordem determinada, fragmentos de

filme, os planos, cujo comprimento foi igualmente determinado de antemão" (p. 195). Para

Dubois (2004), a montagem é “a operação de agenciamento e encadeamento dos planos pela

qual o filme inteiro toma corpo [...], o instrumento que produz a continuidade do filme” (p.

76). No videoclipe, essa continuidade não se dá de uma forma harmônica, tampouco faz da

passagem de um plano para o outro um processo imperceptível.

O que vai ser relevante para se dar o efeito rítmico, em geral, “movimentador” da desarmonia no videoclipe é a pouca duração da imagem na tela e como esta imagem se articula com sua antecedente e subseqüente, de forma a que venha expressa a noção de conflito e estranhamento (desautomatização). O conceito de ritmo, no videoclipe, traz agregado uma outra idéia que precisamos trazer à tona: a descontinuidade (SOARES, 2004, p. 25).

É através desse estilo de montagem, submisso à duração do plano e ao ritmo da música, que

se dão as imagens explicitadas a seguir.

Um dos grandes diferenciais do videoclipe dentro do universo do audiovisual é o seu

poder de alcance: ao ter ligação direta com um elemento extremamente recorrente e popular

entre as pessoas, a música, pode-se dizer que, pela primeira vez, "[...] certas atitudes

transgressivas no plano da invenção audiovisual encontram finalmente o público de massa"

(MACHADO, 2000, p. 174). Essas atitudes transgressivas também fazem parte deste

diferencial: as imagens gravadas para um videoclipe nem sempre tendem a seguir fielmente o

conteúdo da letra. Tendo como base a estrutura abstrata da melodia, cria-se um ambiente para

experimentações com a manipulação do vídeo no campo da sinestesia6, ou seja, a “paisagem

sonora configura-se num constituinte sinestésico: é música coisificada em imagem, gerando 6 Quando a percepção dos sentidos se mistura; neste caso, quando o som evoca imagens.

Page 19: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

19

um efeito virtual de ouvir algo e ‘estar’ na música. Ou, ‘estar’ no som” (SOARES, 2004, p.

30).

Em sua fala sobre a imagem do vídeo, Dubois (2004) cita uma série de efeitos que

podem ser identificados, também, nos vídeos musicais. Para o autor, esses efeitos – que ele

chama de linguagem ou estética videográfica – são essenciais na compreensão das diferenças

entre a montagem do cinema e a montagem do vídeo.

Em vídeo, os modos principais de representação são, de um lado, o modo plástico (a “videoarte” em suas formas e tendências múltiplas) e, de outro, o modo documentário (o “real” – bruto ou não – em todas as suas estratégias de representação). E, sobretudo – é o que nos une contra a transparência –, ambos com um senso constante do ensaio, da experimentação, da pesquisa, da inovação (DUBOIS, 2004, p. 77).

Transpondo estes dois modos de representação (plástico e documentário) do vídeo

para o universo do videoclipe, pode-se usar como exemplo de modo documentário “Rabbit In

Your Headlight”, da banda Unkle (Mo’Wax, 1998). Nele, um homem caminha irritado por um

túnel urbano, sussurrando algo obsessivamente. Carros buzinam e o atropelam várias vezes;

ele cai, levanta-se e segue caminhando, até que pára: chegou à conclusão que precisava. Ao

fazer isso, o próximo carro que se aproxima é destruído ao chocar-se com o corpo do homem

e a história acaba (sequência representada na figura 5). Durante esse vídeo, o espectador

provavelmente faz diversos questionamentos e interpretações. A narrativa ocorre

independente da figura dos músicos, provocando aquilo que Machado (2000) chama de

“redefinição do videoclipe”: “Em lugar de uma galeria de retratos animados de artistas e

estrelas do mercado fonográfico, o videoclipe passa agora a ser encarado de forma autônoma,

na qual se podem praticar exercícios audiovisuais mais ousados” (p. 176).

A partir dessa afirmativa, pode-se notar que as ideias de Arlindo Machado (2000) e

Philippe Dubois (2004) somam-se também na análise do vídeo (e, consequentemente, do

videoclipe) no modo plástico; ambos citam técnicas de manipulação plástica dos quadros que

põe a sinestesia acima das “regras do ‘bem fazer’ herdadas da publicidade e do cinema

comercial” (MACHADO, 2000, p. 177). No videoclipe “The Zephyr Song”, de Red Hot Chili

Peppers, pode-se identificar, dentre as definições de Dubois, as seguintes manipulações:

sobreimpressão (sobreposição de imagens com transparência), incrustração (combinação de

imagens através do recorte de fragmentos), escala de planos7 versus composição de imagem

(quando a imagem ao fundo é a mesma que está à frente, porém em uma escala maior) e

7 Dubois define o termo plano como “a parte do filme que existe entre dois cortes” (2004, p. 74).

Page 20: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

20

outros efeitos que auxiliam na geração de uma atmosfera psicodélica ao clipe, que pode ser

visto na figura 6.

Em lugar da competência profissional ou da mera demonstração de um bom aprendizado das regras e truques do feudo audiovisual, agora presenciamos o retorno a um primitivismo deliberado [...], todas as regras mandadas para o vinagre e todo o visível reduzido a manchas disformes, deselegantes, gritantes, inquietantes (MACHADO, 2000, p. 177).

O avanço das tecnologias digitais e dos motion graphics vem gerando várias

tendências no modo plástico que vão além das intervenções entre planos. Uma delas é o “lyric

video” (vídeo letra), em voga no lançamento de clipes no site YouTube. Antes de lançar o

clipe gravado, a produtora disponibiliza uma versão de pura animação tipográfica da letra da

música – como “Where You Are”, na figura 7 – gerando uma expectativa quanto ao clipe

“real” e já introduzindo a música no repertório do fã. Um dos precursores deste estilo pode ser

o clipe “Subterranean Homesick Blues” (Docurama, 1967), de Bob Dylan (figura 8), no qual

o cantor vai folheando papéis com as palavras ditas na música8. Este modelo é usado até hoje

em diversos videoclipes, tanto em sua versão “analógica” (com placas e papéis no cenário)

quanto na digital (os lyric videos).

Apesar de recente, o próprio modelo tradicional de lyric video já vem sendo

reinventado. O vídeo “I Need Nothing” (2011), feito pelos designers do estúdio Cãoceito, é

um exemplo desta reinvenção, feita a partir do uso criativo das novas tecnologias de edição de

imagens. Nele, capas famosas de long-plays (ou LP’s, os antigos discos de vinil) têm seus

títulos adaptados graficamente tomando a forma da letra da música, sem perder suas

características básicas, em uma verdadeira homenagem aos clássicos da cultura pop. Nos

comentários do vídeo, publicado no Vimeo.com, os produtores explicam que não fizeram a

edição das LP’s diretamente no vídeo, e sim redesenharam cada capa de vinil, imprimiram e

gravaram os resultados, que podem ser vistos na figura 9.

Já a animação total dos videoclipes ou em conjunção com personagens reais não é um

fenômeno que surgiu com o uso recente dos recursos digitais encontrados nos softwares de

alta tecnologia: “Com o surgimento da computação gráfica, a partir de 1962, [...] um campo

enorme de possibilidades gráficas se abriu para a imagem eletrônica e a televisão soube, desde

o início, tirar delas o melhor partido” (MACHADO, 2000, p. 199). Um exemplo dessa

suposição é o clássico “Take On Me” (WMG, 1984), da banda norueguesa A-Ha, que opõe o

8 “Subterranean Homesick Blues” é considerado um antecessor do videoclipe e foi, na verdade, um vídeo promocional do documentário “Don’t Look Back”, dirigido por D.A. Pennebaker em 1965 e que mostrava a turnê do cantor pelo Reino Unido.

Page 21: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

21

mundo “real” ao mundo animado do desenho e narra uma história de amor vivida entre

personagens desses dois universos (figura 10). A animação foi desenhada manualmente

quadro a quadro, num total de 3.000 frames que levaram 16 semanas para serem feitos através

da técnica da rotoscopia9 (Wikipedia)10.

Amostra inconfundível da relação das tecnologias de animação com a música, a banda

londrina Gorillaz, fundada em 1998, é chamada de “o primeiro grupo virtual de hip-hop11” e

foi criada pelo então vocalista da banda Blur, Damon Albarn, e pelo desenhista de quadrinhos

Jamie Hewlett. A ideia, que conferiu a Hewlett, em 2006, o prêmio de Designer do Ano do

Design Museum de Londres, trazia para a vida real quatro personagens fictícios (Murdoc, 2D,

Russel e Noodle – na figura 11), com características próprias e independentes dos músicos

“reais”12. Apesar de virtuais, tornaram-se verdadeiras entidades na indústria da música

internacional, lançando vários álbuns e videoclipes, ganhando premiações e fazendo turnês.

Lado a lado com essa visão mais inovadora e capaz de gerar emoções e

questionamentos nos espectadores – que chamo de videoclipe “estético” - corre o videoclipe

comercial13. Apesar de os efeitos e experimentações citados até então poderem ser aplicados

neste tipo de videoclipe, seus objetivos são outros. Essa “atitude” diferente depende do

público-alvo dos músicos e de suas ideologias. Certamente é difícil encontrar videoclipes de

artistas pop que não utilizem a imagem (de glamour) do cantor. Um exemplo disto é “Tik

Tok” (Sony Music, 2009), videoclipe de estreia da cantora Kesha: apresenta cenas com cortes

rápidos, cores vibrantes e objetos de desejo típicos da cultura do hip hop (um boombox14, uma

low-bike15 dourada e um carro Trans Am16 também dourado). No início do “clipe”, Kesha

acorda na banheira de uma casa de família típica da classe média dos EUA, levanta e sai da

residência sem questionar o porquê de ter chegado lá – nem ser questionada pela família,

cujos membros, pelas expressões que fazem ao vê-la, não a conhecem. Com flashes da noite

anterior ela segue seu caminho, canta, dança, festeja, desafia autoridades e é personalidade 9 Rotoscopia é uma técnica onde o profissional de animação desenha sobre os frames de um vídeo, “copiando” o movimento. Fonte: <http://www.osga.com.br/referencia-rotoscopia/>. Acesso em 20 fev 2013. 10 Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Take_on_Me#Music_video>. Acesso em: 19 dez 2012. 11 Afirmativa encontrada no site da MTV.com, disponível em <http://www.mtv.com/artists/gorillaz/>. Acesso em: 28 fev 13. De estilo variado, a banda não toca somente hip-hop mas também reggae, trip hop, rock e outros. 12 Fonte: <http://designmuseum.org/design/jamie-hewlett>. Acesso em: 28 fev 2013. 13 Neste trabalho classifico como “comercial” o artista cuja música é mais voltada para a obtenção de lucro e trata, geralmente, de temas que vendem mais como festas, riqueza, amores, bebida e diversão. 14 Boomboxes são grandes aparelhos de som que, nos anos 80, eram carregadas nos ombros pelas ruas. Sua imagem é utilizada até hoje em videoclipes, editoriais, estamparia e etc. 15 Low-bikes são pequenas bicicletas incrementadas com diversos acessórios, inspiradas na cultura dos low-riders, carros antigos modificados. 16 Trans Am é um modelo de carro esportivo clássico, produzido pela GM. Ficou famoso por protagonizar o seriado “A Super Máquina”, nos anos 80.

Page 22: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

22

essencial em uma festa (que não inicia enquanto ela não chega, segundo a letra da música).

Essa sequência de acontecimentos pode ser vista na figura 12. Provavelmente é por essa

liberdade utópica de ações demonstrada em clipes como este que Beatriz Sarlo, em seu livro

“Cenas da Vida Pós-Moderna”, critica: “[...] o videoclipe e a música pop criam a ilusão de

continuidade na qual as diferenças se fantasiam de escolhas que parecem individuais e isentas

de motivação social” (SARLO, 2004, p. 41). Apesar do livro de Sarlo ter sido publicado no

contexto dos anos 90, o clipe de Kesha, de 2009, reflete essa afirmação a partir do momento

em que cria uma fantasia na qual a cantora e os personagens que com ela interagem são

onipotentes, sem preocupações e isentos das responsabilidades impostas pela sociedade (quem

fica despreocupado após acordar em uma casa estranha sem saber como foi parar lá?), pois

sua música tem o intuito somente de divertir.

Essas interpretações e impressões que os videoclipes podem causar através dos

elementos e das sequências mostradas na tela criam uma nova unidade de leitura: a visual.

Maria Sardelich (2006, p. 205) explica que foi em 1970 que se começou a usar a expressão

“leitura de imagens”, nos campos da semiótica17 e do gestaltismo18 e acrescenta que, desde

então, “a imagem passa a ser compreendida como signo que incorpora diversos códigos e sua

leitura demanda o conhecimento e compreensão desses códigos” (p. 206). Desta forma, os

vídeos musicais ganham diversas potencialidades, sendo uma delas a da venda. Não o faz

explicitamente como um comercial televisivo, mas despertando o desejo do espectador

relacionando o produto com o ideal de felicidade mostrado na tela. Por este motivo causou

uma mudança tão grande na indústria fonográfica: através da televisão, as gravadoras podiam

agora exercer poder sobre a construção de significados elaborada por aqueles que consumiam

sua música (SUÁREZ, 2009). Uma amostra disso é a superexposição dos fones de ouvido

Beats by Dre nos videoclipes em geral: considerados peça de luxo19 no Brasil, reitera-se a

concepção de que é o melhor da categoria ao vê-lo frequentemente sendo usado por artistas e

figurantes.

17 Lucia Santaella (1986, p. 2) define a semiótica como “a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido”. 18 Gestalt é um movimento cujo princípio básico é que o olho humano interpreta o todo de forma diferente que suas partes somadas. Suas sete leis básicas são: semelhança, proximidade, continuidade, pregnância, fechamento e unidade. 19 Baseado na notícia publicada na seção de tecnologia do site UOL, disponível em: <http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/11/01/queridinho-dos-jogadores-fone-de-ouvido-monster-equivale-a-preco-de-ipod-no-brasil.htm>. Acesso em: 20 fev 2013.

Page 23: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

23

É importante destacar que esse trabalho não pretende passar uma ideia polarizada e

rígida de estilos de videoclipe (estético x comercial), somente citá-los como dois extremos

dentre todas as variações que podem ocorrer, afinal, a diversidade de abordagens possíveis

dentro do universo dos videoclipes é uma de suas características principais. Como bem

observado por Soares (2004), “tanto o ‘artístico’ quanto o ‘comercial’ se remontam às lógicas

do capitalismo, que determinam o direcionamento de certos artistas da música pop dentro da

indústria fonográfica" (p. 66).

Aqui se encerra momentaneamente a discussão sobre o videoclipe e abre-se espaço

para a apresentação do estudo sobre a cultura da convergência. Mais adiante o videoclipe será

retomado, porém situado em um novo contexto: o da web.

Page 24: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

24

2 Da cultura da convergência

Será que, em 1958, os pesquisadores da DARPA20 tinham ideia da dimensão que sua recém

criada rede de computadores tomaria no futuro? Em plena guerra fria, a preocupação da

Agência era em desenvolver sua tecnologia ao máximo a fim de proteger os EUA das

supostas ameaças da União Soviética. Para isso, foi criada uma rede que permitia a troca de

informações entre seus núcleos de forma mais rápida21. Em menos de 60 anos essa tecnologia

foi desenvolvida e melhorada até resultar no que conhecemos hoje por internet, rede mundial

de computadores, que permite a “livre” troca de informações entre usuários de todo o planeta.

Como dito por André Lemos (1997, p. 23), "O paradigma digital e a circulação de

informações em rede parecem constituir a espinha dorsal da contemporaneidade": hoje em

dia, para os 34,3% da população global que utilizam a internet22, é quase impossível imaginar

a vida sem ela.

O avanço das tecnologias digitais de informação e de comunicação gerou novas

formas de relacionamento, de aprendizado e distribuição de conhecimento, de arte (e seu

contato com ela), enfim, um novo cenário cultural. Pierre Lévy (2010) chama esse cenário de

cibercultura, e acrescenta: “o neologismo cibercultura especifica aqui o conjunto de técnicas

(materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que

se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (p. 17). No mesmo trecho,

Lévy também define ciberespaço como um sinônimo de rede, ou seja, o local que abriga todas

essas informações digitais compartilhadas e seus usuários que o alimentam e são alimentados

por ela.

Mesmo que o desenvolvimento desse espaço tenha se devido a uma estratégia militar e

que as cibertecnologias sejam encorajadas por países em busca da supremacia e por empresas

multinacionais almejando o primeiro lugar nas vendas, há de se admitir que a internet também

é o local em que mentes inventivas decidiram explorar e desenvolver coisas novas a partir de

atitudes visionárias (LÉVY, 2010). E foi nesse ambiente da “improvável interseção da big

science23, da pesquisa militar e da cultura libertária” (CASTELLS, 2001, p. 19) que o

20 Defense Advanced Research Projects Agency: Agência de Projetos para Pesquisa Avançada de Defesa. 21 A animação “History of the Internet”, de Melih Bilgil, dá detalhes deste processo. Disponível em: < http://vimeo.com/2696386>. Acesso em: 13 dez 2012. 22 Estatística do site <http://www.internetworldstats.com/stats.htm>. Acesso em: 13 dez 2012. 23 “Big science”: grandes pesquisas científicas de alto custo, financiadas geralmente pelos governos (CASTELLS, 2001)

Page 25: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

25

ciberespaço cresceu e se desenvolveu. Para Lévy (2010), foram três as causas desse

crescimento, seguindo essa ordem: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a

inteligência coletiva.

A noção de interconexão passada pelo autor é a de uma comunicação universal, onde

todo objeto, computador e indivíduo têm algum tipo de representação digital na web.

Pensemos em um bem de consumo qualquer: o QQ, modelo de carro da montadora chinesa

Chery, apesar de objeto inanimado, tem como endereço eletrônico o site <

http://www.cherybrasil.com.br/chery-qq>24. Isso significa que tudo e todos geram

informação, fazendo com que os veículos de comunicação não estejam simplesmente no

espaço, e sim que o espaço seja um canal interativo por si próprio.

Já as comunidades virtuais são o espaço em que as pessoas se reúnem de acordo com

suas inclinações, apoiadas pela interconexão. Assim, uma comunidade virtual “é construída

sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo

de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das

filiações institucionais” (LÉVY, 2010, p. 130). O autor afirma que esse tipo de comunidade,

ao contrário do que sustentam os mais conservadores, não substitui as relações físicas entre as

pessoas, e sim as complementa. Funciona com regras determinadas de convivência, onde

insultos e ataques geralmente não são permitidos e levam a alguma penalidade (banimento por

certo período ou a expulsão do grupo) e informações devem ser disponibilizadas de forma

direta e inédita, ou seja, é preciso pesquisar antes nos tópicos se o tema já não foi discutido.

Essas regras nem sempre são seguidas, mas fazem parte de uma espécie de “etiqueta”

requerida nesses grupos. Tudo isso para garantir que o usuário não perca seu tempo,

mantendo assim o propósito da reciprocidade, onde se paga a informação que se recebeu

doando uma nova. A biblioteca virtual Scribd25 leva esse preceito a sério: apesar de existirem

opções de assinatura paga (que permitem o download de textos e livros considerados

“Premium”), também é possível baixar um documento a partir do momento em que se envia

outro. Ou seja, o pagamento pela informação se dá a partir do compartilhamento de outra.

A afirmativa “um grupo humano qualquer só se interessa em constituir-se como

comunidade virtual para aproximar-se do ideal do coletivo inteligente” (LÉVY, 2010, p. 133) 24 Acesso em: 01 mar 2013. 25 Disponível em: <http://pt.scribd.com/>. Acesso em: 01 mar 2013. Ao tentar fazer o download de algum documento, no rodapé da página que vende as assinaturas pode ser lido o seguinte texto: "Quer acesso Premium Reader gratuito? Usuários ativos Scribd que contribuem com conteúdo de qualidade para a biblioteca Scribd recebem automaticamente contas gratuitas Premium Reader. Carregue seus documentos originais e baixe este documento, ou qualquer outro e quantos documentos você quiser grátis! Carregue agora."

Page 26: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

26

nos leva ao último princípio da cibercultura, conseqüência das duas causas já citadas: a

inteligência coletiva. Levando em conta que cada indivíduo é competente em alguma área do

conhecimento, a teoria apresentada por Pierre Lévy em 1994 baseia-se no fato de que

“Ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa, todo o saber está na humanidade” (2011, p.

29). Na inteligência coletiva, as competências são compartilhadas de forma a valorizar todo o

saber, sem exclusão ou julgamento de valor. Por isso, a primeira etapa deste processo deve ser

a de identificação e reconhecimento destas competências. Após esta etapa, o aprendizado das

qualidades humanas, em toda a sua diversidade, é permanente. Por isso, o autor sugere que

“conhece-te a ti mesmo”26 seja substituído por “aprendamos a nos conhecer para pensar

juntos” e que “penso, logo existo”27 torne-se “formamos uma inteligência coletiva, logo

existimos eminentemente como comunidade” (2011, p. 32).

Essa mudança, ou melhor, esse aperfeiçoamento na maneira como nos comunicamos

transformou a forma com que consumimos as mídias, representando uma verdadeira

transformação cultural possibilitada pela tecnologia, mas provocada pelos consumidores. E

daí que se origina a cultura da convergência.

Cultura da convergência é um termo cunhado pelo professor Henry Jenkins (2009a),

do MIT28, no livro homônimo que é usado como uma das bases deste trabalho. A

convergência é uma mudança cultural no fluxo das mídias, na forma pela qual a indústria

transmite a informação e os consumidores processam e interagem com ela. É um processo que

ocorre no âmbito da comunicação, onde consumidores podem tanto consumir quanto produzir

conteúdo.

Por isso, não se deve pensar a convergência como um fenômeno meramente

tecnológico; não se trata simplesmente de fundir em um aparelho diversas funções ou de

monopolizar o mercado do entretenimento através de vários meios (como os grandes

conglomerados que produzem filmes, jogos, livros, revistas, música, etc.), mas também da

forma como nós, consumidores, fazemos uso desses meios. Enquanto escrevo este parágrafo,

estou lendo livros, fazendo anotações, checando minhas contas de e-mail e Facebook,

baixando filmes via torrent e ouvindo música na rádio online Grooveshark. A internet

possibilitou todas essas funções. Possibilitou que nos tornássemos multitarefa e abriu um

26 Frase célebre proveniente da filosofia grega. Sua origem não é confirmada, porém é muitas vezes atribuída a Sócrates. Na antiga Grécia, acreditava-se que os dizeres estavam gravados no pórtico do Oráculo de Delfos. 27 “Cogito, ergo sum” é citação creditada ao filósofo francês Descartes (1596-1650). 28 Massachusetts Institute of Technology, renomada universidade estadunidense conhecida por suas pesquisas nas áreas de ciência e tecnologia.

Page 27: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

27

espaço no qual o conteúdo, por vezes, é aberto a ser completado pelos consumidores (como os

artigos da Wikipedia, por exemplo29).

Esse processo vai de encontro às antigas teorias da comunicação unilateral que usavam

termos limitantes como “emissor” e “receptor, em que "a fragilidade e impotência dos

indivíduos são um pré-requisito de todas as abordagens que utilizam o paradigma da

sociedade de massa" (FERREIRA, 2001, p. 108). Um exemplo é a teoria hipodérmica,

elaborada por Harold Lasswell nos anos 50, que colocava de um lado a mídia de massa,

onipotente, e de outro o público, vulnerável e submisso. Esse raciocínio, segundo Stuart Hall,

é falho ao implicar que “toda comunicação é perfeita”, [já que], “produzir a mensagem não é

uma atividade tão transparente como parece. A mensagem é uma estrutura complexa de

significados” (2003, p. 334). As mensagens estão cada vez mais numerosas e complexas, e

percorrem o ciberespaço em um fluxo livre de informações, tanto de cima para baixo

(convergência corporativa) quanto de baixo para cima (convergência alternativa). A cultura da

convergência funciona em um contexto onde “as velhas e novas mídias colidem, onde a mídia

corporativa e a mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do

consumidor interagem de formas imprevisíveis” (JENKINS, 2009A, p. 29), ou seja, usando os

antigos termos, todos somos receptores e emissores ao mesmo tempo. Lévy finaliza essa

reflexão: “a inteligência do todo não resulta mais mecanicamente de atos cegos e automáticos,

pois é o pensamento das pessoas que pereniza, inventa e põe em movimento o pensamento da

sociedade” (2011, p. 31).

Até agora foram comentados os conceitos de ciberespaço, cibercultura, interconexão,

comunidades virtuais, inteligência coletiva e cultura da convergência. Esses termos fazem

parte de um mesmo ciclo, sendo causa e conseqüencia um dos outros. Um exemplo dessa

relação é dado por Jenkins (2009a), que se baseia em Lévy para analisar a movimentação de

fãs do reality show Survivor (do canal CBS), que formaram uma comunidade em busca de

informações exclusivas da série, praticando aquilo que se chama de “spoiling”. Traduzindo do

inglês, to spoil é o equivalente a estragar. Quando alguém faz um spoiler, está, por exemplo,

contando a resolução de um episódio de um seriado que nem todos ainda assistiram,

estragando a surpresa. A comunidade de fãs de Survivor levou essa prática a níveis muito

mais avançados: contrataram empresas de detecção de imagens via satélite (a fim de descobrir 29 Na Wikipedia, artigos incompletos são assinalados com a frase “Este artigo sobre [nome do artigo] é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o”. Já no caso de artigos completos, mas sem referências, a chamada é a seguinte: “Esta página ou secção não cita nenhuma fonte ou referência, o que compromete sua credibilidade. Por favor, melhore este artigo providenciando fontes fiáveis e independentes, inserindo-as no corpo do texto por meio de notas de rodapé”.

Page 28: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

28

a localização exata das filmagens), invadiram a conta de e-mail do webdesigner que

desenvolveu o site do programa para encontrar informações sobre os participantes da próxima

temporada, encontraram o hotel onde seriam feitas as entrevistas com os jogadores,

reservando um quarto com antecedência e tirando foto destes, buscaram por membros

eliminados pelo programa e funcionários da produtora entre outras táticas dignas de detetives

profissionais. Compartilhando esses pedaços de informação, os fãs, unidos, tiveram sucesso

na definição exata de vários dados confidenciais do reality show. Como explica Jenkins,

Numa época em que todas as fontes de informação estão interconectadas e a privacidade está sendo demolida num ritmo alarmante [na internet], há uma quantidade imensa de informações que, com tempo e determinação, uma equipe de várias centenas de pessoas pode descobrir sobre uma pessoa (2009a, p. 68).

O fórum SurvivorSucks30, onde ocorreu o relato feito acima, é uma comunidade

virtual. Nele, foram compartilhados conhecimentos gerando uma inteligência coletiva. Essa

interação ocorreu no ciberespaço e só foi possível graças à possibilidade de interconexões,

gerada dentro do contexto da cibercultura. Toda a atividade feita pelo grupo e os resultados

alcançados demonstram as premissas da cultura da convergência. Para Jenkins31,

Cultura da convergência é um mundo onde cada história, cada som, marca, imagem, relacionamento acontece no máximo de canais midiáticos possível. É moldada bem mais pelas decisões feitas em quartos de adolescentes do que pelas decisões feitas na sala de reuniões da ViaCom32.

Esse poder de decisão, tomado pelos fãs, é que gostaria de enfatizar neste trabalho. É

identificar e discutir os momentos em que as pessoas se unem para demonstrar seu apreço por

determinado cantor, diretor, filme ou seriado. Por que os fãs recebem todo esse destaque nos

estudos da cultura da convergência? Jenkins explica: “os fãs sempre foram os primeiros a se

adaptar às novas tecnologias de mídia [...] são o segmento mais ativo do público das mídias,

aquele que se recusa a simplesmente aceitar o que recebe, insistindo no direito de se tornar um

participante pleno” (2009a, p. 188). Todo o capítulo que contém essa citação é dedicado a

explorar as interações e recriações do universo da franquia Star Wars33, que possui um grande

número de “fanáticos” pelo mundo inteiro. Os filmes são um excelente exemplo de

convergência a partir do momento em que geraram diversos produtos (brinquedos, fantasias,

action figures) que puderam ser usados como recursos na produção de novos filmes feitos por 30 Disponível em: <http://survivorsucks.com/>. Acesso em: 02 mar 2013. 31 Jenkins, em entrevista para o canal do HCDMediaGroup, no YouTube. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=ibJaqXVaOaI>. Acesso em: 02 mar 2013. 32 Da Wikipedia: “Viacom é um conglomerado de mídia americano com várias empresas em todo o mundo de redes de televisão por assinatura e indústria cinematográfica, sendo o quarto maior na indústria do entretenimento no mundo”. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Viacom>. Acesso em: 01 de mar 2013. 33 Star Wars é uma saga de seis filmes de ficção científica escrita por George Lucas. Iniciada nos anos 70, teve seu último filme lançado em 2005, sendo uma das franquias mais valiosas do mundo.

Page 29: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

29

fãs (JENKINS, 2009A). O projeto Star Wars Uncut34 é uma dentre as várias demonstrações

dessa devoção: o site – na figura 13 – propõe um grande remake colaborativo, dividindo os

filmes da série de 15 em 15 segundos (por enquanto, foram propostos dois dos filmes, sendo

que um - Star Wars IV: Uma Nova Esperança - já teve seu remake completado). Mais que

uma “loucura nerd”, o projeto tornou-se uma grande coletânea de criatividade alternativa: de

animações de alta qualidade a naves feitas de papelão, a história inteira é recriada a partir do

esforço de centenas de pessoas que doaram um pouco de seu tempo para fazer parte de seu

filme favorito, como mostram as figuras 14 e 15. Em 2010, Star Wars Uncut ganhou o Emmy

de “Empreendimento Criativo Destaque em Mídia de Interação”, uma categoria relativamente

nova na premiação, que é voltada ao entretenimento televisivo. O prêmio representa não só

uma vitória individual do realizador do projeto – Casey Pugh, na época com 26 anos, é um

Web developer que vive no Brooklyn (Nova Iorque/Estados Unidos)35 – mas também a

ascensão da cultura do vídeo online (e participativo) como um meio de comunicação que

corre lado a lado com a televisão.

É importante compreender que remakes como o citado acima são mais que simples

derivados de um produto já existente: são uma narrativa ampliada de um universo criado pela

mídia, feita a partir da iniciativa dos fãs. Para Jenkins, (2009a, p. 207) “os trabalhos de fãs

não podem mais ser encarados como simples derivados de materiais comerciais, e sim como

sendo eles próprios passíveis de apropriação e formulação pelas indústrias midiáticas”, ou

seja, a própria indústria precisa voltar seu olhar para essas produções e atuar em conjunção

com elas, tanto se inspirando nas técnicas e temáticas quanto contratando novos talentos que

podem qualificar e inovar o conteúdo das mídias.

O próximo capítulo pretende explorar mais esse universo do vídeo em um contexto

participativo. É o momento onde o primeiro capítulo - dedicado ao videoclipe - e este se

cruzam e se complementam, gerando os subsídios necessários para o desenvolvimento do

projeto prático e para uma reflexão a respeito do processo de convergência a partir de práticas

do design.

34 Disponível em: <http://starwarsuncut.com>. Acesso em: 01 mar 2013. 35 Fonte: <http://www.nytimes.com/2010/08/28/arts/television/28uncut.html>. Acesso em: 01 mar 2013.

Page 30: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

30

3 O YouTube e a cultura participativa do vídeo

Há uma quantidade repugnante de ódio na internet (especialmente no youtube!) dirigido a grupos minoritários (especialmente à comunidade LGBT), de modo que eu fui inspirado a organizar esse vídeo colaborativo. Eu nunca quis mudar o mundo. Quis fazer algo de coração e divertido para as vítimas da homofobia, para ensiná-los a deixar o ódio pra lá e seguirem fortes e confiantes como são. Você não está sozinho! Stevie te ama :)

Essa foi a mensagem do usuário steviebeebishop em seu canal no YouTube. Publicado em 4

de maio de 2009, seu vídeo colaborativo36 - onde os participantes cantam a música “Fuck

You” da cantora Lilly Allen - teve mais de 425 mil visualizações. Essa espécie de videoclipe

não-oficial é um exemplo de convergência gerada por uma comunidade de fãs independente

das produtoras: os fãs re-interpretaram a letra da canção como sendo uma crítica à

homofobia37 e criaram um videoclipe a partir deste conceito (figura 16).

As poucas barreiras existentes para se entrar na web facilitam o acesso a ideias inovadoras e até revolucionárias, pelo menos entre o crescente segmento da população com acesso a um computador. Os que são silenciados pelas mídias corporativas têm sido os primeiros a transformar o computador numa gráfica (JENKINS, 2009A, p. 290).

Essa vontade de se expressar e de produzir mídia alternativa à tradicional é o que se chama de

cultura participativa. Nela, todos podem compartilhar suas ideias através da produção e

difusão de mídia, e “é um termo geralmente usado para descrever a aparente ligação entre

tecnologias digitais mais acessíveis, conteúdo gerado por usuários e algum tipo de alteração

nas relações de poder entre os segmentos de mercado da mídia e seus consumidores”

(BURGESS; GREEN, 2009, p. 28).

É a partir dessa mudança nas relações de poder que se pode identificar a diferença

entre os termos interação e participação. Na interatividade, as tecnologias reagem a ações do

usuário, mas essas reações são pré-estabelecidas por aqueles que desenvolveram o dispositivo.

Na participação, o controle não está nas mãos dos desenvolvedores (JENKINS, 2009A).

O exemplo citado no início desse capítulo é apenas um dos milhares de casos de

criatividade vernacular38 e ações coletivas possibilitadas pelo site YouTube. A plataforma

permitiu que a mensagem de pessoas comuns fosse ouvida por internautas de todo o planeta, 36 THE BIG FAT GAY COLLAB! Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=tuDJmVkPYpw>. Acesso em: 15 dez 2012. 37 A homofobia é citada na canção, porém não é o único tópico. Segundo boatos, a música foi escrita como crítica ao ex-presidente dos EUA George W. Bush. Também reprova o racismo e a guerra. 38 Vernacular: termo que designa as características estéticas dos conteúdos gerados pelos utilizadores (CGU) na Web Social (produção ou criatividade vernacular). Fonte: <http://mvflux.com/glossario/>. Acesso em: 19 dez 2012.

Page 31: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

31

permitiu que seus protestos, manifestações, paródias, curta-metragens, animações e

videoclipes tivessem um alcance inimaginável há alguns anos. E é por prover esse espaço

onde grandes produtoras convivem com produções audiovisuais da mídia alternativa que o

site YouTube foi escolhido para análise nesse trabalho.

“Fundado em fevereiro de 2005, o YouTube permite que bilhões de pessoas

descubram, assistam e compartilhem vídeos criados originalmente”. Assim se define o próprio

YouTube em seu site. Criado pelos ex-funcionários do site PayPal Chad Hurley, Steve Chen

e Jawed Karim, o site não impôs limites de upload (envio de arquivos do usuário para a web),

possibilitou a geração de URLs e códigos HTML que permitiam a incorporação de vídeos em

outros sites e blogs e agregou funções relacionadas a redes sociais como lista de amigos e

comentários (BURGESS; GREEN, 2009). Em outubro de 2006 a Google, notando o potencial

da rede, comprou o YouTube por US$ 1,65 bilhão e, a partir daí, o site foi lançado em

diversos países, abriu espaço para anunciantes, criou recursos de legendas e anotações dentro

dos vídeos, passou a transmitir shows, jogos e debates políticos ao vivo e sofreu vários

redesigns em seu layout39.

Segundo estatísticas do próprio site, em 2012 o YouTube excedeu 2 bilhões de

visualizações de vídeo por dia. Como mostra o gráfico 2, a quantidade de uploads de

conteúdo no site também é expressiva, e os números surpreendem ainda mais quando

sabemos que “em 2011, o YouTube teve mais de 1 trilhão de visualizações, ou quase 140

visualizações para cada pessoa na Terra”40.

Gráfico 2 – Eclosão de horas de vídeo enviadas ao YouTube entre os anos de 2006 e 2010. Fonte: elaboração própria, baseada em estatísticas encontradas em <youtube.com/t/press_timeline>.

39 Fonte: <http://www.youtube.com/t/press_timeline>. Acesso em: 15 dez 2012. 40 Fonte: <http://www.youtube.com/t/press_statistics>. Acesso em: 15 dez 2012.

Page 32: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

32

Qual o segredo do site? Para Jenkins,

o YouTube emergiu como um site fundamental para a produção e distribuição de mídia alternativa. [...] representa o encontro entre uma série de comunidades alternativas diversas, cada uma delas produzindo mídia independente há algum tempo, mas agora reunidas por esse portal compartilhado (2009a, p. 348).

O YouTube não discrimina a qualidade técnica ou temática de um vídeo: apenas fornece um

espaço para todas as atividades de expressão, independente de ser conteúdo amador ou

profissional, mainstream ou underground41.

Voltando às estatísticas: o site Statsheep42, dedicado a classificar os principais canais43

e vídeos do YouTube, atesta a função dupla da plataforma ao dar espaço às grandes

corporações e às produtoras alternativas. Os vinte canais com mais inscritos dividem-se entre

essas duas “classes”: na figura 17, podemos ver tanto canais de músicos como Rihanna quanto

canais independentes de humor como o Nigahiga (ambos com mais de seis milhões de

inscritos).

Na apresentação à edição brasileira do livro “YouTube e a revolução digital” (2009),

Mauricio Mota e Suzana Pedrinho chamam o site de “um dos maiores cases de cultura

participativa do mundo [...] que já provou ter mudado para sempre a nossa relação com a

propriedade intelectual, o entretenimento e o conteúdo audiovisual” (p. 9) e explicam que este

fenômeno deve-se, provavelmente, ao fato do YouTube nos transformar na própria mídia,

fazendo de nós a própria mensagem a ser emitida. Para Burgess e Green (2009, p. 32-33) o

YouTube “[...] é tanto um sintoma quanto um agente das transições culturais e econômicas

que estão de alguma maneira atreladas às tecnologias digitais, à internet e à participação mais

direta dos consumidores”.

Essa transição não é completamente aceita pela mídia de massa. Os filmes Cantando

na Chuva (Singing In The Rain, Stanley Donen e Gene Kelly, 1952) e O Artista (The Artist,

Michel Hazanavicius, 2011) mostram o grande alvoroço ocorrido dentro das produtoras de

filmes dos anos 20 ao ter que se adaptar ao novo cinema falado. Parece que a inovação

tecnológica sempre assusta os chefes dos tradicionais conglomerados de mídia. O YouTube

parece ser o "cinema falado" da mídia de massa: fenômeno ainda recente, é menosprezado

pelos jornais e canais televisivos, que, temendo a necessidade de se adequar ao mundo 41 Mainstream e underground são antônimos: o primeiro representa aquilo que está em evidência na mídia e o segundo aquilo que é “subterrâneo”, que está fora dos holofotes da indústria do entretenimento. 42 Disponível em: <http://statsheep.com/p/Top-Subscribers>. Acesso em: 11 mar 2013. 43 Os canais do YouTube são as páginas principais de seus usuários. Neles estão arquivados os uploads e a movimentação do usuário pelo site (comentários que faz, vídeos que favorita, histórico de visualizações, etc). Outros usuários podem se inscrever nesses canais para receberem atualizações de forma mais direta.

Page 33: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

33

digital44, tentam incitar o público contra o site, sugerindo que a plataforma é (somente)

utilizada por exibicionistas e jovens irresponsáveis que vangloriam-se com seus vídeos de

brigas em escolas e vandalismo público (BURGESS; GREEN, 2009). Esse “pânico

midiático” (op. cit.) também tenta se fundamentar em temas como o cyberbullying (utilização

da internet para hostilizar um grupo ou indivíduo) e a rejeição do conteúdo amador como

forma de arte legítima, insinuando que estariam “corroendo as habilidades intelectuais e os

padrões morais” (BURGESS; GREEN, 2009, p. 41).

O YouTube abriga todos os tipos de vídeo e é aberto a qualquer tipo de pessoa, o que

faz com que as discussões sobre seu uso ético precisem ser renovadas e revisadas

frequentemente. Porém, o seu “mau uso” não pode fazer com que se negue seu uso criativo.

No Brasil, usuários que se tornaram famosos com seus vlogs (blogs de vídeo) têm sido cada

vez mais alvo de contratações na televisão e em grandes portais da web. Um exemplo é Felipe

Neto, que tem mais de 160 milhões de visualizações em seu canal no YouTube. Em seus

vídeos, faz críticas a cantores, filmes, livros, eventos e uma infinidade de temas, todos

gravados no mesmo cenário e com óculos escuros, como mostra a figura 18. Em meio a vaias

e aplausos, Felipe Neto já teve aparições no cinema e na televisão e produz vídeos de humor

em outro canal do YouTube, o Parafernalha, com outros atores e personagens, o que pode

demonstrar que nem sempre o objetivo dos criadores de conteúdo no site é o da

autopromoção, mas também o de colaborar com a cultura (nesse caso, a do humor).

A prática coletiva de criação de conteúdo gerada por usuários é marginalizada em detrimento das narrativas individualistas de celebridades de internet e da expressão pessoal, em vez de proporcionar uma compreensão de como o vídeo amador em sua plenitude – conforme representado pelo gênero em evolução do vlog [...] – contribui para a produção de valor no YouTube por meio de sua onipresença absoluta e de seu caráter cotidiano (BURGESS; GREEN, 2009, p. 52).

A fim de compreender os usos do YouTube, os autores citados acima analisaram os

vídeos mais populares da plataforma e puderam demonstrar como funciona essa divisão de

espaço entre a mídia tradicional e o conteúdo produzido pelo usuário. Os vídeos distribuem-se

como demonstrado no gráfico 3, baseado nas categorias “mais adicionados aos favoritos”,

“mais vistos”, “mais comentados” e “mais respondidos”.

44 Arlindo Machado, em entrevista no canal do YouTube SonharTV, fala sobre como ele imagina a televisão do futuro em convergência com o mundo digital, e afirma: "ou a televisão do futuro aprende a conviver com esses meios [a internet], ou ninguém mais vai ficar vendo televisão em casa". Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=TzFPeqnzIOU>. Acesso em: 02 mar 2013.

Page 34: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

34

Gráfico 3 – Gráfico baseado em “Visão geral por tipo de conteúdo”, da pesquisa de Burgess e Green (2009, p. 66), elaborado a partir da análise de 4.320 vídeos dentre os mais populares da época.

Onde se encaixam os videoclipes nesse universo eclético de vídeos da internet? A

cultura do videoclipe não morreu na televisão; apenas está se transformando e adaptando-se a

uma nova plataforma:

O conteúdo de um meio pode mudar, seu público pode mudar e seu status social pode subir ou cair, mas uma vez que um meio se estabelece, ao satisfazer alguma demanda humana essencial, ele continua a funcionar dentro de um sistema maior de opções de comunicação (JENKINS, 2009A, p. 41).

E parece que os videoclipes têm no YouTube um ambiente amigável. Isso porque dentro dele

encontram-se vários “irmãos” do videoclipe, vídeos que não são musicais, mas são clipes de

vídeo45. Burgess e Green (2009) explicam que os usuários do YouTube não só criam novos

vídeos, mas também republicam conteúdos recortados da mídia tradicional a fim de chamar a

atenção para uma determinada parte, criando seus próprios acervos de imagens e referências.

Um teste: o filme “300” (Zack Snyder, 2006) tem uma cena que é o estopim da guerra tratada

em sua narrativa, onde o personagem principal derruba o mensageiro inimigo em um poço.

Esse fragmento do filme encontra-se em vários tamanhos e formatos no YouTube: a cena

completa, somente o momento em que o mensageiro é empurrado, versões remix (com

música) e versões animadas. Os consumidores de vídeo da internet tendem a desejar um

conteúdo fragmentado, de poucos minutos e bastante movimento – uma informação

instantânea. Não são essas algumas das características do videoclipe musical?

Com a entrada do videoclipe na web, uma de suas características, a efemeridade, é

relativa (COSTA, 2010). Na internet nada se perde. Aquele videoclipe de rock dos anos 70 45 Clipes de vídeo: trecho recortado de um vídeo maior.

Page 35: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

35

pode muito bem estar disponível a um ou dois cliques de distância. A internet tornou-se uma

espécie de jukebox que torna o clipe onipresente, flexibilizando-o de forma que possa ser

assistido em diversas plataformas como iPods, PSPs, tablets, celulares e entre outros

aparelhos ligados ao ciberespaço.

A facilidade de acesso aos videoclipes deu um grande retorno às gravadoras e os

tornou um excelente meio de divulgar publicidade46. Segundo uma reportagem da revista

especializada em música Billboard47, os clipes são o formato de música digital favorito dos

internautas, ficando acima inclusive do download gratuito de músicas. A reportagem baseia-se

na pesquisa da Nielsen Music, publicada no site Midem48, que analisou o comportamento dos

consumidores de música digital e a forma como estes se segmentam através das diversas

plataformas que permitem o acesso à música na web. O estudo foi feito com 26.644

consumidores de 53 países durante um mês e concluiu que 57% desta amostra tinha o hábito

de assistir a música por meio dos videoclipes musicais (principalmente na plataforma

YouTube). O gráfico 4 mostra os resultados dessa pesquisa, que demonstram também como

os videoclipes são meios primordiais para alcançar o público e como a web fez este meio

renascer.

46 Em dezembro de 2012, o site do jornal The New York Times publicou uma matéria que chamava a atenção para este fato. O cantor sul-coreano Psy, do fenômeno "Gangnam Style", aproximando-se de um bilhão de visualizações de seu clipe no YouTube, enriquece a cada clique com a publicidade do site. Mas não somente devido às propagandas que aparecem antes de seu videoclipe: também enriquece, espantosamente, com as paródias feitas de sua música publicadas no YouTube. Isso porque o Google tem um sistema de detecção de vídeos que utilizam conteúdo protegido por direitos autorais. Ao detectar o vídeo, o site dá ao artista a opções de removê-lo ou de deixá-lo online e dividir os lucros com os YouTube ads. Em Setembro de 2012, foram detectadas mais de 33 mil paródias de Gangnam Style. Fonte: <http://www.nytimes.com/2012/12/07/business/global/gangnam-style-riches-grow-by-clicks-and-bounds-but-mostly-overseas.html?_r=1&>. Acesso em: 17 dez 2012. 47 Fonte: <http://www.billboard.biz/bbbiz/industry/digital-and-mobile/business-matters-music-videos-great-for-1005356452.story>. Acesso em: 17 dez 2012. 48 Digital music consumption and digital music access. 2011. Disponível em: <http://www.midem.com/en/library/whitepapers/music-consumption-digital-music-access/> [mediante cadastro no site]. Acesso em: 16 dez. 12.

Page 36: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

36

Gráfico 4 – Gráfico que demonstra as formas com que os consumidores de música utilizam a web. Adaptado e traduzido por mim.

Outra mudança ocorrida no âmbito dos videoclipes na web é a crescente proliferação

dos chamados fanvideos, videoclipes não-oficiais criados por fãs (COSTA, 2010). Essa

tendência é tão presente que muitas vezes é necessário digitar “official music video” ao lado

do título do videoclipe que buscamos para encontrar o que realmente se procura. Isso porque,

ao digitar somente o título da música, acabamos por nos perder diante de uma torrente de

resultados de vídeos aleatórios, que vão de montagens com sequências de imagens do artista

(ou de paisagens, imagens com a letra da música e até fotos do próprio autor do vídeo) a

produções de alta qualidade que tornam "cada vez mais difícil (ou mesmo impossível)

distinguir esteticamente fluxos videomusicais oficiais dos não-oficiais" (COSTA, 2010, p.

12). Os três primeiros resultados que surgem ao digitar-se “Two Weeks - Grizzly Bear” na

busca do YouTube são: o clipe oficial, em primeiro lugar; um vídeo com a imagem estática da

capa do álbum da banda e a música (muito comum no site); e um fanvideo enviado pelo

usuário “karpo”, mas feito pelo fã Gabe Askew. O vídeo de Askew (publicado originalmente

no Vimeo49) foi feito todo em animação e resultou em uma obra profissional e tocante, com

dois personagens principais cuja história se desenvolve em diversos cenários (figura 19),

podendo ser facilmente confundido com um videoclipe oficial.

49 Disponível em: <http://vimeo.com/5904993#at=0>. Acesso em: 03 de mar 2013.

Page 37: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

37

A facilidade de upload e redistribuição de conteúdo nas redes sociais, sites e blogs, a

dicotomia mídia tradicional/conteúdo de usuário, as manifestações artísticas e políticas em

forma de vídeo e a transferência dos videoclipes musicais da televisão para a web fazem parte

do universo do YouTube, que “pode representar o epicentro da cultura participativa atual, mas

não representa o ponto de origem para qualquer das práticas culturais associadas a ele”

(JENKINS, 2009b, p. 145). A mídia alternativa sempre existiu; apenas esperava um local

como o YouTube para espalhar sua mensagem pelo mundo.

No capítulo seguinte será apresentada a parte empírica deste projeto. As referências

teóricas discutidas até agora foram buscadas em função das necessidades evidenciadas no

desenvolvimento dessa parte prática, estudadas de forma que pudessem ajudar a compreender

o universo em que ela funcionou.

Page 38: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

38

4 Prática

Até agora, este trabalho apresentou três partes: no primeiro capítulo, tratei sobre formato do

videoclipe; no seguinte, sobre a cultura da convergência e, por fim, sobre a cultura

participativa do vídeo através da plataforma YouTube. A narrativa e montagem videoclíptica,

a importância e a história do videoclipe na indústria cultural, as mudanças nas relações sócio-

culturais trazidas pela web, a ascensão do movimento de consumo ativo e de ações

colaborativas entre usuários/comunidades e a coexistência dessas ações com os produtos da

mídia tradicional no YouTube são algumas das reflexões feitas na seção teórica deste projeto.

Neste capítulo, proponho-me a perceber como os temas discutidos funcionam na

prática, ou seja, como o videoclipe e a cultura da convergência se relacionam a partir de uma

perspectiva do design não só como uma ferramenta de comunicação formal (produzindo

interfaces, produtos, impressos, etc.), mas também como estratégia.

Rachel Botsman e Roo Rogers (2011) escrevem, na seção de seu livro que trata do

design colaborativo, sobre o papel do design além da criação, no sentido de utilizar seu

pensamento50 para facilitar experiências e compreender o que as pessoas precisam e de que

maneira suas necessidades podem ser sanadas: “Quando o design é concebido desta forma, o

papel do designer é pensar primeiro sobre experiências humanas, em vez de apenas na coisa

em si” (p. 157). Baseada nessa afirmação e nas teorias estudadas até o momento, propus a

prática projetual descrita a seguir.

Como descrito na introdução deste trabalho, a prática implicou na criação de uma

campanha que fomentou, por meio da web e dos sites de redes sociais, a criação de um

videoclipe colaborativo dentro de uma comunidade de fãs. O videoclipe deveria consistir em

uma coletânea de vídeos que mostrariam a interpretação pessoal do fã para uma determinada

música, isto é, a leitura visual dos versos, melodia ou do próprio artista. Para isso, não foram

restringidos formatos, técnicas nem qualidade do material, primando, assim, pela ideia ou o

sentimento que o colaborador deseja transmitir.

No primeiro capítulo deste trabalho escrevi sobre a capacidade sinestésica que a

música tem de gerar imagens. Ela desperta emoção nas pessoas que transformam, dentro de

50 “O design thinking implica em pegar o processo de criação intencional e aplicá-lo para além de produtos distintos para resolver problemas grandes, usando sistemas e experiências” (BOTSMAN; ROGERS, 2011, p. 157).

Page 39: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

39

suas mentes, algo intangível em representações físicas de paisagens, seres e objetos; essa

característica, somada ao aspecto “participativo, socializante, descompartimentalizante e

emancipador da inteligência coletiva proposta pela cibercultura” (LÉVY, 2010, p. 30) e à

vontade dos fãs de participar ativamente de sua cultura, descrita no segundo capítulo deste

trabalho, tornam possível a realização desse projeto.

Um fato curioso: aproximadamente na metade do desenvolvimento deste trabalho, em

Dezembro de 2012, no outro lado do continente, a banda estadunidense Maroon 5 lançou,

para a música chamada “Daylight”, um videoclipe resultado de uma proposta muito próxima à

imaginada para este trabalho de conclusão de curso. A partir desse ocorrido, decidi fazer um

breve estudo de caso em busca de orientações para a realização de meu projeto. O estudo

possibilitou a criação de um modelo de abordagem para o desenvolvimento da prática, em que

foram definidos o universo em que ela funcionaria (o cantor, a música e, consequentemente, a

comunidade de fãs alvo do projeto) e as formas com que esse público seria abordado

(plataformas a serem usadas e peças de divulgação).

4.1 Análise: “The Daylight Project”

Pretendeu-se, a partir do caso do videoclipe “Daylight” visualizar pontos importantes

para a elaboração da prática e tudo o que era passível ou não de ser realizado, compreendendo

como um projeto colaborativo funciona. Apesar dessa análise não poder ser considerada um

estudo de caso, busquei na metodologia desse tipo de pesquisa as bases para analisar a

campanha “The Daylight Project”. Segundo Lüdke e André (1989), o estudo de caso “[...]

pretende não partir de uma visão predeterminada da realidade, mas apreender os aspectos

ricos e imprevistos que envolvem uma determinada situação” (p. 22). As autoras dividem o

desenvolvimento do estudo de caso em quatro fases: fase exploratória, delimitação do estudo,

análise sistemática/elaboração do relatório e prática.

Na fase exploratória faz-se um contato inicial com o objeto e a documentação

existente a seu respeito, além da literatura pertinente para seu estudo. No caso deste trabalho,

se fez a seguinte pergunta: o que foi o projeto Daylight? Em seguida, na delimitação do

estudo, se determina o foco da investigação, seus aspectos mais relevantes (por exemplo: o

que foi pedido aos fãs de Maroon 5 e de que forma isso foi feito?) para então poder analisar

os dados recolhidos em forma de um relatório e, se necessário, apresentar estes “rascunhos”

às partes interessadas no estudo, chegando finalmente à prática, onde as conclusões são feitas.

Page 40: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

40

Cabe lembrar que “essas fases não se completam numa sequência linear, mas se interpolam

em vários momentos” (LÜDKE; ANDRÉ, 1989, p. 23), ou seja, nesta análise também não

foram realizadas todas as etapas citadas.

Apesar da campanha já ter terminado e de seu site oficial (<http://daylightproject.org/

>) estar fora do ar, teasers51 e reportagens deram suporte para esta análise. Na página oficial

da banda no YouTube , uma playlist52 apresenta todas as chamadas feitas pelos músicos

convocando seus fãs a participar do projeto; o site oficial e o fansite brasileiro Maroon5Br53

também possuem informações a esse respeito.

A banda gravou no total trinta teasers com aproximadamente dez segundos cada um

como uma forma de incentivar os fãs a participar da campanha, que iniciou no dia 17 de

Setembro de 2012 e terminou no dia 8 de Outubro do mesmo ano. Os teasers foram lançados

todos no primeiro dia, com exceção do último, publicado no dia seguinte. Em todos eles os

membros da banda sugerem os tipos de gravações que eles esperam que sejam enviados.

Segundo o site australiano The Society (2012)54,

Maroon 5 pediu aos seus fãs pra enviar vídeos originais relacionados com tópicos pré-determinados por eles. Os tópicos incluem "filme-se perdoando alguém por algo que fez", "filme alguém ou você triste ou chorando", "filme-se explicando porque está preso".

Isso demonstra um conhecimento prévio da banda quanto ao seu público-alvo e que, apesar de

ser montado com vídeos de fãs, o videoclipe teve um roteiro planejado. O estabelecimento de

tópicos permitiu o controle de qual seria a “cara” do vídeo, que tem foco no lado emocional

das pessoas e em suas dificuldades diárias, ou seja, demonstra a possibilidade de criar-se um

projeto colaborativo de forma ordenada, mesmo que seja sem trabalhar diretamente com a

parte das gravações.

A participação direta dos membros da banda na divulgação também é importante para

dar credibilidade ao projeto, principalmente tratando-se de uma banda com relevância

internacional.

51 O verbo “to tease” em inglês, quer dizer atormentar, provocar. Desta forma, na publicidade, teasers são pequenos anúncios (geralmente em forma de vídeo) que não definem exatamente sua finalidade, mas atiçam a curiosidade de quem os assiste. 52 Disponível em: <http://www.youtube.com/playlist?list=PLKlAQn1vdOt-zmQ1wn_Gz0z3bbu0ipCG->. Acesso em: 18 dez 2012. 53 Disponível em: <http://www.maroon5.com/overexposed/news_detail/daylight_project_going_global/> e em <http://www.maroon5br.com/2012/09/17/maroon-5-anuncia-the-daylight-project/>. Acesso em: 18 dez 2012. 54Disponível em: <http://www.thesociety.org.au/home/maroon-5-crowdsourcing-daylight-video/#>. Acesso em: 8 jan 2013.

Page 41: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

41

A campanha resultou em uma compilação de depoimentos e imagens diversas. Como

foi editado, é difícil saber quais vídeos foram enviados exatamente da forma como aparecem

no resultado final, mas pode-se perceber que as contribuições foram divididas em categorias

e, na montagem do videoclipe, ordenadas de acordo com o tema. Sendo em sua maioria

depoimentos falados, os 9:35 minutos de videoclipe (a música original possui 3:46 minutos)

são acompanhados somente pela música na versão instrumental e pelo refrão.

Com a análise dos teasers da campanha pude apreender dois macetes importantes para

a realização deste projeto. São eles:

a) Divulgação via YouTube: a facilidade de compartilhamento e incorporação dos vídeos do

YouTube em redes sociais, sites de notícias e blogs fez com que a campanha se alastrasse de

forma mais rápida através dos teasers;

b) Sugestões concretas do que poderia ser filmado: pontuar possibilidades ao público é

importante para não deixar a proposta demasiadamente subjetiva e obter o material ideal para

a construção do videoclipe, simplificando a etapa de seleção e categorização dos vídeos.

Feita a análise do videoclipe Daylight, parti para a criação de uma metodologia

projetual para o desenvolvimento da prática deste trabalho.

4.2 Projeto

Nessa seção será apresentado um relatório da prática já com as minhas reflexões sobre

o andamento do projeto. Como comentado anteriormente, o método usado para o seu

desenvolvimento foi definido a partir de um estudo das necessidades do projeto e do

aprendizado adquirido no estudo de caso. A análise da campanha do videoclipe “Daylight”, da

banda Maroon 5, explicitada na seção anterior, possibilitou a criação de um modelo de

abordagem para a realização do projeto prático, que pode ser visto a seguir.

4.2.1 Definição do universo

Nessa etapa foram escolhidos músico e canção, ou seja, o universo em que o projeto tomará

forma. O cantor escolhido foi o rapper Zudizilla, que desenvolve seu trabalho na cidade de

Pelotas. A escolha foi feita a partir de quatro critérios: a) por ser um artista local, valorizando

a cultura musical da cidade; b) por sua intensa atuação nos sites de redes sociais, fomentada

Page 42: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

42

por seus fãs; c) por estar lançando uma nova mixtape, cujo alcance poderia ser potencializado

com a campanha do videoclipe; d) por ter como fã a própria autora que aqui escreve.

Escolhido o músico, parti para a seleção da canção. No caso de Zudizilla, a canção

selecionada compõe a sua nova mixtape, a qual eu já tinha acesso antes de seu lançamento.

Dessa forma, aproveita-se a grande expectativa criada ao longo dos três anos de

desenvolvimento do álbum e a proximidade do lançamento deste. A escolha da música

também foi feita a partir de alguns critérios: a) sinestesia: dentre as músicas do álbum, foi,

pessoalmente, a que mais evocou imagens através da melodia/do instrumental; b) letra: foi

também a que parecia poder gerar uma maior identificação com o grupo de fãs; c) tema:

escolheu-se uma música cujo tema envolvesse positividade e pouca polêmica; d) título: o

título “Luz” é homônimo ao álbum, facilitando a sua divulgação (a palavra “Luz” já era

relacionada ao cantor naquela comunidade).

O refrão da música “Luz” faz os seguintes questionamentos: “o que te faz enxergar

aqui? O que te faz ver melhor?” A partir disso, foi feita a seguinte pergunta aos fãs: “o que é

luz pra ti?”. A pergunta é subjetiva e pode ser respondida de várias formas. Por isso, durante a

divulgação, foram dados vários exemplos de “respostas” que poderiam ser gravadas para

inspirar o público. Esse material foi selecionado e montado no formato do videoclipe.

4.2.2 Definição do projeto prático

Definidos música, artista e questão, iniciaram as decisões do plano de divulgação, ou seja,

quais seriam os meios e as peças usadas para a difusão da campanha. A princípio, pensei em

três: um site, que reuniria todas as informações do projeto, incluindo a música para download;

uma página no Facebook55, onde se incentivaria diariamente os fãs a participarem do projeto;

e uma chamada de divulgação em forma de vídeo, baseada no que se apreendeu do estudo de

caso.

Antes da produção dessas peças construí uma pequena identidade visual do projeto. A

marca foi construída em uma base triangular a fim de fazer relação direta com a capa da

mixtape Luz, que já havia sido divulgada pelo cantor e, portanto, era de conhecimento de seus

fãs, como apresentado na figura 20. A família tipográfica TheMix, na figura 21, foi utilizada

55 O site de rede social Facebook abriga várias comunidades chamadas de “páginas” (pages). Essas páginas podem ser criadas por qualquer usuário. Para seguir suas atualizações o usuário da rede precisa “curtir” uma página, que ficará registrada em seu perfil. Foi escolhido por ser o site de rede social mais popular do momento.

Page 43: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

43

por adaptar-se a diversos formatos digitais sem perder a legibilidade, e por poder, ao possuir

uma extensa lista de variações (black, bold, medium, light, etc), ser utilizada em todas peças

sem causar conflito com a marca. Essa marca acompanha toda a divulgação e ajuda a passar

uma seriedade/confiabilidade ao público-alvo da campanha.

Dada a impossibilidade de gravar diversos vídeos de divulgação, decidi por fazer

somente um que contivesse toda a explicação do funcionamento do projeto56. O planejado era

que, junto ao texto explicativo, já estivessem alguns dos vídeos da campanha, a fim de deixar

mais explícito o tipo de material desejado. Porém, notei que as pessoas escolhidas (por

sugestão do cantor) para o envio desses vídeos antes da campanha ser divulgada não haviam

entendido a proposta ou não se sentiram incentivadas o suficiente para fazer seus vídeos.

Compreendi que, a partir do momento em que a campanha estivesse no ar, essas pessoas se

sentiriam mais a vontade de gravá-los. Dado esse contratempo, a chamada foi publicada no

YouTube57 sem os vídeos de exemplo, como mostra a figura 22.

Enquanto era selecionada a informação mais pertinente a ser usada nessa chamada,

notei que o site planejado não seria necessário: o vídeo já explicava o funcionamento da

campanha, e o link para download da música poderia ser disponibilizado junto à descrição no

próprio YouTube e no momento da divulgação no Facebook. Foi descartada, então, a

necessidade de um site.

Com o teaser pronto, pude montar a página do Facebook, lançada no dia 10 de

Fevereiro de 2013. Na capa, a imagem de uma vela, representação literal da palavra “Luz” e a

marca. Na imagem do perfil, uma pergunta: “o que te faz ver melhor? #LUZ”, como mostra a

figura 23. Foi nessa página que ocorreu toda a movimentação da campanha, a ser mais bem

detalhada no próximo tópico.

Muitas das decisões de linguagem visual e escrita desse projeto foram feitas de forma

intuitiva. Somado ao meu gosto pessoal pela cultura hip-hop, trabalhei por dois anos como

radialista em um programa de rap e compreendo a maneira como essa comunidade se

expressa. Portanto, não foi necessário um grande estudo comportamental dos fãs de Zudizilla;

entendia-se, por exemplo, que cores mais frias agradariam mais ao público, e que a linguagem

precisava ser o menos formal possível para ser considerada autêntica.

56 Disponível no CD-ROM anexo a este trabalho, assim como os outros materiais de divulgação citados neste capítulo. 57 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=LOgEkEtVyd8>.

Page 44: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

44

4.2.3 Movimentação no Facebook

Durante os dezessete dias de campanha (encerrada no dia 25 de Fevereiro de 2013), pude

notar como as mensagens audiovisuais (ou somente visuais) foram mais efetivas que as

textuais. A primeira postagem na página do Facebook foi o vídeo de divulgação, que foi

imediatamente compartilhado58 por vários fãs. O número de compartilhamentos foi superior

ao de “curtidas” 59 na página, ou seja, os usuários não associavam o vídeo à página

“Videoclipe Luz”. No primeiro momento, identifiquei as pessoas que estavam fazendo a

divulgação a partir do vídeo e pedi que divulgassem, também, a página, pedido que foi

prontamente atendido. A partir dessa experiência, incluí nas imagens de divulgação o link

para a página, a fim de divulgá-la.

Uma observação: os primeiros dias de divulgação da campanha foram feitos somente

por mim e pelos fãs. Quando Zudizilla começou a divulgá-la, houve um crescimento

considerável de visualizações do vídeo e curtidas na página, o que demonstra a importância da

participação direta do ídolo nesse tipo de projeto. A participação do irmão do cantor também

foi importante: ao postar em seu perfil uma foto sua com a seguinte descrição “foto da

gravação do vídeo para o Videoclipe Luz do Zudizilla Luz! (participem)”, a foto teve 110

curtidas, oito compartilhamentos e dez comentários e, após ter sido postada, foi responsável

por um grande crescimento nas curtidas da própria página do videoclipe.

Como citado anteriormente, a divulgação da campanha foi feita através de uma

chamada em vídeo e da publicação freqüente de imagens estáticas. Essas imagens seguiam o

padrão da figura 24 e funcionaram como cartazes de motivação que continham as seguintes

mensagens/direcionamentos:

1. Postada em 12 de fevereiro de 2013. “Hoje é feriado. Por que não aproveita para filmar a tua contribuição?” Compartilhamentos: 5. Curtidas: 2.

2. Postada em 13 de fevereiro de 2013. “Anda de skate? Filma uma session e manda a tua #Luz pra nós.” Compartilhamentos: 4. Curtidas: 13.

3. Postada em 14 de fevereiro de 2013. “Já recebemos alguns vídeos. Vai deixar pra última hora?” Compartilhamentos: 5. Curtidas: 1.

4. Postada em 15 de fevereiro de 2013. “Tua arte ilumina as ruas? Filma e manda pra gente.” Compartilhamentos: 12. Curtidas: 11.

58 No Facebook, “compartilhar” uma postagem significa divulgá-la em seu perfil pessoal para todos os seus contatos. 59 “Curtir” é demonstrar que gostou de determinada postagem.

Page 45: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

45

5. Postada em 17 de fevereiro de 2013. Uma figura que demonstra a quantidade de vídeos recebidos e a quantidade esperada. O texto: “Envios até dia 25/02. Participe!”. Compartilhamentos: 16. Curtidas: 10.

6. Postada em 19 de fevereiro de 2013. “Tem gravação de show? Pode mandar pra gente também.” Compartilhamentos: 0. Curtidas: 5.

7. Postada em 20 de fevereiro de 2013. “210 curtidas. Hoje o post é só pra agradecer. Vocês são a nossa #Luz.” Compartilhamentos: 3. Curtidas: 11.

8. Postada em 21 de fevereiro de 2013. “Tá ligado nesse show aí? Queremos assistir ele de todos os ângulos. Leva tua câmera dia 23/02 na Praça Dom Antônio Zattera, filma e nos manda.” Na imagem, o cartaz de um show do cantor no festival Grito Rock. Compartilhamentos: 13. Curtidas: 13.

9. Postada em 22 de fevereiro de 2013. Novamente a figura que demonstra a quantidade de vídeos recebidos e a quantidade esperada, dessa vez com a meta quase alcançada. “Não quer dizer que não queiramos mais. Dá pra enviar até segunda, 25/02.” Compartilhamentos: 4. Curtidas: 8.

10. Postada em 23 de fevereiro de 2013. “É hoje! Zudizilla no Grito Rock. Às 22h na Praça Dom Antônio Zattera (Av. Bento), filma e manda a tua visão do show pra gente!” Compartilhamentos: 1. Curtidas: 3.

11. Postada em 24 de fevereiro de 2013. “Amanhã à meia noite encerramos o recebimento de vídeos. Corre!” Compartilhamentos: 2. Curtidas: 4.

12. Postada em 25 de fevereiro de 2013. “Hoje é o último dia da campanha. Mas também é dia de mixtape #Luz!”. Os dias de lançamento da mixtape e de encerramento da campanha do videoclipe coincidiram. Foi pertinente durante a campanha divulgar esses momentos importantes não só para o videoclipe, mas também para o cantor, para mostrar que ambos estão conectados. Compartilhamentos: 3. Curtidas: 4.

13. Postada em 27 de fevereiro de 2013. “Obrigada”. Compartilhamentos: 4. Curtidas: 14. A não ser pelas pessoas que enviaram os vídeos por e-mail e com as quais conversei, não estava clara a autoria do projeto. Muitos associavam-no diretamente ao cantor, ou a uma equipe maior. Na descrição dessa imagem, expliquei: “Essa será uma obra independente, pra um artista independente, feita por todos nós. Meu nome é Bruna Gugliano e só posso agradecer a todos pelas colaborações, curtidas e compartilhamentos. Em breve vocês verão o resultado desse empenho coletivo. Vocês são #Luz.”

O compartilhamento dos cartazes por parte dos usuários foi muito importante para

potencializar o alcance da campanha. Não fossem eles, a divulgação se limitaria somente às

pessoas que curtiram a página. A proposta do videoclipe é colaborativa; a divulgação acabou

sendo colaborativa também.

Page 46: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

46

Além desses cartazes, também foram produzidos tutoriais de como enviar os vídeos

via mensagem do Facebook, upload no YouTube ou no WeTransfer60. Inicialmente, como

sugerido pela banca de qualificação deste trabalho, pensei que o principal meio de enviar as

contribuições seria o YouTube: as pessoas hospedariam seus vídeos no site e enviariam por e-

mail somente o link. Dessa forma, os vídeos poderiam ser todos baixados – através de um

software adequado para tal – no mesmo formato e dimensões, facilitando o momento da

montagem do videoclipe. No entanto, essa ideia foi descartada na medida em que os arquivos

de vídeo estavam sendo enviados diretamente para o e-mail. A conclusão que pude tirar disso

é que quanto menos etapas impostas na participação, maior será o envolvimento do público.

A divulgação da campanha exigiu um acompanhamento diário das reações do público

e da rotina do artista. A partir dessas observações é que pude definir as chamadas feitas nos

cartazes, como, por exemplo, a que convida os fãs a filmar um show de Zudizilla: não era de

meu conhecimento a participação dele nesse festival quando planejei a divulgação. Esse

acompanhamento também é necessário para manter uma coerência com o trabalho do artista e

unificar a campanha do videoclipe com os demais empreendimentos do cantor (como o

lançamento de sua mixtape).

4.2.4 Resultados

Até o momento em que escrevo, a página “Videoclipe Luz” do Facebook teve 249 curtidas.

As estatísticas do site apontam como pico de alcance a semana entre o dia 19/02 e 25/02, com

mais de 7401 pessoas alcançadas. Os fãs se dedicaram a incentivar o envio de vídeos durante

toda a campanha. No YouTube, a chamada de divulgação teve 1228 visualizações até o

momento.

O envio de vídeos foi tímido no começo da campanha; resumiu-se à colaboração de

duas fãs e ao envio de alguns vídeos que já haviam sido feitos para outros fins. Porém, a baixa

participação inicial não se deveu aos fãs não terem entendido a proposta – uma possibilidade

que me preocupava – já que notei, no acompanhamento das divulgações, que os fãs

explicavam exatamente o que a campanha propunha: “faça seu vídeo em casa, na rua, na

praia, andando de bicicleta, com os amigos, sei lá, algo que represente a Luz pra você e

participe dessa idéia, precisamos de inovações e esta aí, não feche os olhos pra mudança !!!!

LUZ”, publicou um usuário em seu perfil. 60 WeTransfer é um site de compartilhamento de arquivos.

Page 47: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

47

Quando se aproximava o prazo final de envios, os vídeos começaram a chegar,

totalizando 28 colaborações. Foram vídeos gravados com webcam, câmera de celular,

câmeras de alta resolução e câmeras digitais populares. Em alguns, os fãs falavam diretamente

para a câmera, dando seu depoimento sobre a ideia que tinham da palavra “luz” ou falando

sobre Zudizilla e suas músicas. Outros eram filmagens de desenhos, pixações e graffitis nas

ruas. Também houve gravações de momentos importantes dos colaboradores, como em um

dos vídeos que mostrava a contagem regressiva de ano novo na família de uma fã. Nenhum

deles se assemelhava, todos tinham um toque pessoal de quem o enviou.

Na sequência disponibilizo algumas das interações dos fãs com a campanha, através

de printscreens de suas páginas do Facebook e algumas estatísticas geradas pelo site. Essas

reações, aliadas ao comprometimento de Zudizilla em divulgar o projeto e à criatividade dos

vídeos feitos pelos fãs, fazem-me avaliar a campanha como bem sucedida.

4.2.5 Interações dos fãs com a campanha “Videoclipe Luz” e estatísticas

geradas pelo Facebook

Figura 25 – Fã explicando a sua interpretação da proposta da campanha. Printscreen do Facebook.

Page 48: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

48

Figura 26 – Usuário que utilizou a imagem de capa da página em seu perfil. Printscreen do Facebook.

Figura 27 – Divulgação da campanha na página de Zudizilla. Printscreen do Facebook.

Page 49: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

49

Figura 28 – No final do primeiro dia de divulgação do teaser, 106 visualizações já haviam sido contabilizadas. Printscreen do YouTube.

Figura 29 – Estatísticas geradas pelo próprio Facebook quanto ao número de curtidas e a distribuição de usuários de acordo com sexo, idade e localização. Printscreen do Facebook.

Page 50: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

50

5 Considerações finais

George Orwell imaginou um mundo onde o Grande Irmão estava nos assistindo, mas nós, com nossas pequenas câmeras de celular, é que

estamos assistindo ao Grande Irmão vinte e quatro horas por dia.

Henry Jenkins, em entrevista no YouTube61

Vivemos em um mundo cada vez mais tomado pelas tecnologias digitais. Nossas vidas reais e

virtuais estão em convergência. Podemos e queremos acessar a web a qualquer momento, de

qualquer lugar e nos tornamos cada vez mais dependentes dela. Vontade de fazer check-in ao

chegar a um restaurante, de twittar “bom dia!” ao acordar e de postar no Facebook uma foto

recém tirada com a família.

É verdade que essa dependência pode parecer ameaçadora; conhecimentos tornam-se

obsoletos e profissões são substituídas pela tecnologia. Relações são alteradas e vivemos com

um sentimento constante de que perdemos o controle de nossa privacidade. Temos uma vida

toda registrada no virtual.

As reflexões feitas através do diálogo com os autores discutidos neste trabalho tentam

ver o outro lado dessa situação; um lado em que usamos o digital a nosso favor na construção

de conhecimento e no desenvolvimento coletivo da criatividade. No qual o conteúdo

distribuído pela indústria cultural tradicional pode ser decidido ou adaptado por pessoas

comuns; ou no qual podemos usar as tecnologias para criar manifestações globais e denunciar

o preconceito, o abuso e a impunidade, por exemplo.

Nenhum dos principais atores institucionais – Estado ou empresas – planejou deliberadamente, nenhum grande órgão de mídia previu, tampouco anunciou, o desenvolvimento da informática pessoal, o das interfaces gráficas interativas para todos, o dos BBs ou dos programas que sustentam as comunidades virtuais, dos hipertextos ou da World Wide Web, ou ainda dos programas de criptografia pessoal inviolável (LÉVY, 2010, p. 27).

Não se pretende aqui passar uma visão “inocente” de que os grandes conglomerados

de mídia irão se adaptar sempre à nossa vontade ou de que o farão sem segundas intenções.

Tampouco se ignora o fato de que as tecnologias digitais ainda são acessíveis somente para

uma pequena parte da população mundial. Este trabalho propôs iniciar uma discussão sobre a

cultura da convergência e as formas com que o design pode colaborar e trabalhar para o seu

desenvolvimento. É importante que o designer assimile as mudanças nas formas de consumo 61 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ibJaqXVaOaI>. Acesso em: 02 mar. 2013.

Page 51: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

51

das mídias para poder se adaptar a essa nova realidade e assim contribuir para “encontrar um

equilíbrio saudável entre as necessidades dos consumidores e das empresas e o interesse

coletivo da sociedade” (BOTSMAN; ROGERS, 2011, p. 156).

A proposta feita aqui e os exemplos citados ao longo desse trabalho baseiam-se nessa

crença. Acredito que os designers possam participar e intermediar essas novas tendências de

ações colaborativas desenvolvendo estratégias e criando dispositivos que organizem e

facilitem a participação do usuário. Não precisamos ser simplesmente aqueles que recebem o

briefing e produzem a interface. Podemos ser também os detentores da ideia que vai gerar

novas interfaces e, junto a outros profissionais, proporcionar os meios necessários para que,

num contexto da convergência, as pessoas participem da cultura.

O formato do videoclipe foi uma escolha pessoal que acabou por encaixar-se bem

nesse cenário e na proposta prática. Além de aspectos técnicos citados ao longo do trabalho

(ter linguagem ágil e fragmentada, poder ser assistido em vários dispositivos, ser uma das

principais formas de se ouvir música na web), o videoclipe trouxe uma vantagem em sua

própria essência: a música. A música é popular em toda a parte, independente de idiomas,

culturas e ideologias. O filósofo Friedrich Nietzsche (1983), influenciado por Arthur

Schopenhauer e sua afirmação da música como uma linguagem universal, disse, em 1871, que

as melodias podem exprimir todo o tipo de emoção humana, adequando-se a várias situações

e eventos vividos por nós, mesmo sem ter qualquer semelhança concreta com eles. Por isso,

torna-se relativamente fácil incentivar as pessoas a participarem de um videoclipe

colaborativo: a música nos inspira. Quando a escutamos, ela estimula de imediato a nossa

criatividade, evocando imagens, momentos e sentimentos. Restava, então, aos participantes,

interpretar esses estímulos e transformá-los em imagens.

Os resultados obtidos na campanha para a produção de um videoclipe colaborativo e

sua própria criação e desenvolvimento foram uma forma de ver, empiricamente, o que as

teorias que aqui foram discutidas estavam tratando. Em pouco mais de duas semanas de

campanha, diversas manifestações de apoio e várias participações foram recebidas. A

iniciativa alcançou pessoas em todo o Brasil rapidamente, o que foi possível graças à

facilidade de comunicação dentro do site de rede social Facebook, pelo espaço cedido pelo

YouTube e pelas tecnologias de hospedagem e envio de arquivos.

A partir dessa experiência pude ver a cultura da convergência se manifestando; a

comunidade de fãs de Zudizilla recebeu as informações da campanha, mas também produziu

Page 52: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

52

novas mensagens, participando diretamente (ao enviar colaborações em forma de vídeo) e

indiretamente (ao divulgar o projeto em suas redes de contato) do desenvolvimento de um

produto dentro de sua própria cultura, formando um coletivo inteligente, onde todos puderam,

como dito por Lévy (2011, p. 29), “coordenar suas interações no mesmo universo virtual de

conhecimentos”.

Também foi interessante refletir sobre um formato audiovisual sob uma perspectiva do

design. Acredito que a produção de videoclipes seja uma área em que podemos trabalhar,

afinal, transformar ideias e conceitos imateriais em imagens faz parte do nosso desígnio, e

temos acesso a tecnologias digitais que estão sendo cada vez mais usadas na sua produção. O

videoclipe, transitando em televisões, computadores, celulares e tablets, tende a seguir sendo

consumido massivamente e podemos – designers, produtores, músicos e comunidade – nos

apropriar de todas essas opções de comunicação para gerar novas experiências com esse

formato.

A possibilidade de fazer da prática do meu TCC um projeto colaborativo foi

extremamente gratificante por me fazer sentir que meu estudo foi realmente aplicado e útil

para a comunidade em geral, fora dos limites da universidade. Parece-me uma excelente

forma de encerrar esse percurso e me dar a certeza de estar em uma área que trabalha,

principalmente, em prol das pessoas.

Ramificações

Esse estudo poderia ter tomado várias direções diferentes, que apresento aqui como forma de

sugestão aos interessados nas temáticas discutidas nessa pesquisa.

1) O estudo individual do design e do videoclipe, sob uma abordagem da leitura visual de

imagens (estudando o significado de videoclipes pré-existentes) ou da sua própria

construção a partir de técnicas como a animação 3D, 2D, tipográfica, construção de

cenários e objetos, e outras habilidades características da profissão do designer;

2) A pesquisa específica do design convergente, ou seja, das práticas do design no

cenário da cultura da convergência e quais as transformações que a área pode sofrer

para adaptar-se a essas novas tendências;

Page 53: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

53

3) O estudo de caso de sites e aplicativos de cultura participativa, como o Star Wars

Uncut, citado aqui na página 30, seus aspectos formais (layout, arquitetura da

informação, etc) e tecnologias necessárias.

Page 54: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

54

Referências

ANDRÉ, Marli E. D. A.; LUDKE, Menga. Pesquisa em educação: abordagens

qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1986.

ARMES, Roy. On video: o significado do vídeo nos meios de comunicação. São Paulo:

Summus, 1999. Disponível em:

<http://books.google.com.br/books?id=4IEaZygkFpQC&printsec=frontcover&hl=pt-

BR#v=onepage&q&f=false> [prévia]. Acesso em: 06 nov. 2012.

BOTSMAN, Rachel; ROGERS, Roo. O que é meu é seu: como o consumo colaborativo vai

mudar o nosso mundo. Porto Alegre: Bookman, 2011.

BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. Youtube e a revolução digital. São Paulo: Aleph, 2009.

CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a

sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

COSTA, João Pedro da. Fluxos videomusicais: uma proposta epistemológica para o estudo

dos vídeos musicais na Web 2.0. Prisma, revista electrónica do Centro de Estudos das

Tecnologias e Ciências da Comunicação (cetac. media), n. 9, 2009.

DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

FERREIRA, Giovandro Marcus. As origens recentes: os meios de comunicação pelo viés do

paradigma da sociedade de massa. In: HOHLFELDT, Antonio. Teorias da Comunicação:

Conceitos, Escolas e Tendências. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 99-116.

HISTORIA UNIVERSAL DEL CINE. Madrid: Planeta, 1982. v. I.

JENKINS, Henry. A cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009a.

______. O que aconteceu antes do YouTube? In: BURGESS, Jean; GREEN, Joshua.

Youtube e a revolução digital. São Paulo: Aleph, 2009b. p. 143-164.

HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG,

2003.

LEMOS, André. Arte eletrônica e cibercultura. 1997. Disponível em:

<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/viewFile/2960/2243>.

Acesso em: 01 dez. 2012.

Page 55: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

55

LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3. ed. São Paulo: Ed.34, 2010.

______. A inteligência coletiva. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2011.

MACHADO, Arlindo. A Televisão levada a sério. São Paulo: Senac, 2000.

NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia no espírito da música. In: ______. Obras

incompletas. 3. ed. São Paulo: Abril, 1983. p. 7-28.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

SARDELICH, Maria. Leitura de imagens e cultura visual: desenredando conceitos para a

prática educativa. Educar, Curitiba, n. 27, p. 203-219, 2006.

SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e vídeo-cultura na

Argentina. 4. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.

SOARES, Thiago. Videoclipe: o elogio da desarmonia. 2004. Disponível em:

<http://pt.scribd.com/doc/66759744/Videoclipe-O-Elogio-da-Desarmonia>. Acesso em: 24

mai. 2012.

SUÁREZ, Eduardo Viñuela. El videoclipe en España (1980-1995) Gesto audiovisual,

discurso y mercado. Madri: ICCMU, 2009.

Page 56: Universidade Federal de Pelotas Centro de Artes ... · ensinar a dar sempre o melhor de mim e nunca desistir das minhas ambições. Também ao Paulo Ienczak por estar ao meu lado,

56

Bruna Ferreira Gugliano

[email protected]

cargocollective.com/bgoogliano