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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
VALQUÍRIA PERASSOLO
EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA ESTUDANTES COM
SURDOCEGUEIRA: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA ESCOLA DE
SURDOS
CUIABÁ - MT
2018
VALQUÍRIA PERASSOLO
EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA ESTUDANTES COM
SURDOCEGUEIRA: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA ESCOLA DE
SURDOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para obtenção
do título de Mestre em Educação, Linha de Pesquisa Educação em
Ciências e Matemática.
Orientadora: Profa. Dra. Tânia Maria de Lima
CUIABÁ - MT
2018
DEDICO
À minha mãe Ivonete, por nunca ter desistido de mim.
Ao meu pai Pedro, por sempre me incentivar a ir além.
À minha irmã Vanessa, por me encorajar e acreditar nos meus sonhos.
Aos estudantes com surdocegueira e suas professoras, por permitirem que eu vivenciasse o
“universo da surdocegueira” e por fazerem eu me apaixonar ainda mais pela minha profissão!
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela minha vida, por se fazer presente nos meus dias, sustentando-me e me
mostrando que após um dia triste sempre há um lindo dia de Sol.
A Nossa Senhora Aparecida, por sempre ter intercedido por mim junto a Deus para que Ele
realizasse os sonhos que eu trazia no meu coração.
Aos meus pais, Pedro e Ivonete e a minha irmã Vanessa, pela compreensão da minha ausência
nesse período, incentivo, cuidado, amor incondicional, por sempre acreditarem em mim e no
meu potencial. Sem o apoio de vocês eu não seria capaz; portanto, essa conquista é nossa. Eu
amo vocês!
À Professora Drª. Tânia Maria de Lima, minha orientadora, eu agradeço imensamente por me
desafiar a estudar a surdocegueira e consequentemente ter trazido tanta alegria a minha vida.
Obrigada pelas orientações, pelo tempo dedicado a mim, pela companhia e pelas
contribuições ao meu trabalho. Agradeço também a sua família (Duque, Isa, João, Pedro,
Patrícia e Letícia), por terem compartilhado você comigo durante esses dois anos. Eu sei que
você abdicou de muito tempo com os seus familiares para estar comigo!
Aos professores doutores: Edson Caetano, Ozerina, Cleomar, Rute, Graça, Marta, Adelmo,
Tania e Gladys, por compartilharem o conhecimento de vocês e possibilitarem novas
aprendizagens.
À equipe da Secretaria do PPGE, Marisa, Marcos, Duarte e Luiza, pela disposição e
competência na resolução de todas as questões acadêmicas.
À professora Rute Cristina Domingos da Palma por todos os ensinamentos, cuidado, mimos e
principalmente por me acolher como se eu fosse uma de “suas meninas”.
À minha banca avaliadora, Professoras Doutoras Shirley Rodrigues Maia, Sandra Pavoeiro
Tavares Carvalho, Glauce Viana de Souza Torres e Nilce Maria da Silva, pelo tempo
dedicado a este trabalho, pela leitura e contribuições ao estudo. Deixo aqui registrado o meu
respeito e admiração a professora Shirley Rodrigues Maia por ser inspiração a tantos
pesquisadores na área de surdocegueira, a Professora Sandra Pavoeiro que dedicou grande
parte da sua vida ao trabalho e as questões relativas a Educação Especial, a professora Glauce
pelas contribuições referentes a Educação em Ciências e a professora Nilce pelas
contribuições e luta pela integração e inclusão de pessoas com deficiência.
Ao Ceaada, por consentir com a realização da minha pesquisa, me acolher e proporcionar
tantos aprendizados.
Aos estudantes com surdocegueira Enzo, Daniel, Marcos, Kaio, Luan e Lilly, por serem
únicos, especiais e tão repletos de amor.
Aos pais dos estudantes com surdocegueira, por terem consentido com a realização da minha
pesquisa.
Às professoras Julia, Jaqueline, Luana, Íris, Gabriela e Eduarda, por fazerem com que eu me
apaixonasse ainda mais pela minha profissão. Obrigada por me acolherem, por aceitarem a
minha amizade e por compartilharem comigo um sentimento tão puro e gratuito, o “Amor”.
Obrigada por reafirmarem no meu coração o sentimento de que “Enquanto houver
profissionais que façam a diferença, a Educação vale a pena”. Vocês fazem toda a diferença e
eu jamais esquecerei!
À minha prima Márcia e à tia Fátima (in memoriam), pelos abraços mais acolhedores do
mundo e pela alegria em me receber na casa de vocês.
À tia Neusa, tio Donato e primos Donatinho, Silbene, Letícia e Gabriela, por me acolherem
nos finais de semana e pelas risadas compartilhadas.
À Aline Cristina Cortez, Carolinne Gonçalves, Tia Marli e Tio Cortez, eu agradeço pela
amizade, por nunca terem permitido que eu me sentisse sozinha, pelas caronas, por me
acolherem na casa e no coração de vocês, por terem sido a minha família durante o tempo em
que a minha estava longe de mim.
À Elisete Martins Soares por ter se tornado mais que uma colega de mestrado, por ser uma
verdadeira “irmã”. Obrigada, “Li”, por todos os momentos compartilhados (taxi, refeições,
viagens, quarto de hotel, kitnet, aventuras, passeios, confidências). Obrigada pela sua amizade
tão verdadeira, pelas palavras de incentivo, pelas vezes que compreendeu a minha “loucura” e
vinha correndo me ajudar, obrigada “Li” por cuidar tão bem de mim. Agradeço também ao
seu esposo Márcio e suas filhas Isa e Duda por confiarem em mim, por todo carinho, respeito
e amor que existe entre nós. E a Rosilda da Silva Fonseca, por ter um coração tão generoso,
por me acolher na sua casa, na sua vida e no seu coração. Agradeço também ao seu esposo
Divino e aos seus filhos Danilo, Vinicius e Jenifer por me acolherem como se eu fosse parte
da família de vocês. Sempre vou agradecer a Deus por ter me presenteado com a amizade de
vocês, afinal “amigo é um irmão que a gente escolhe”, e o meu coração escolheu vocês.
À Marcela, pela ajuda na formatação da dissertação (versão qualificação), obrigada por cuidar
tão bem de mim (em todos os momentos, inclusive nos que eu adoecia) e por não medir
esforços para me ajudar.
À “Lenirzinha”, por ser tão cheia de luz, obrigada pelas orações, zelo e amizade.
À “Danizinha”, por ser tão autêntica, por tanto alegrar a minha vida e por todas as vezes em
que me ajudou.
À Kássia, pelos momentos de descontração, cafés e amizade.
Aos demais amigos de linha de pesquisa: Vanessa, Ieda, Jaqueline, Camile, Alvarina, Doris,
Benedito Eduardo, Ricardo, Lucenildo, Sandro, Clemilson, Cleber, Alessandra, Mariana,
Álvaro e Marcos pela amizade e por todos os momentos compartilhados.
Aos amigos do grupo Educin, pela acolhida e bons momentos vividos.
À Renata Rodrigues, pela amizade verdadeira e por também ser a minha irmã de coração.
Aos vizinhos de sala (65 B), pelo carinho, respeito e amizade.
Aos meus amigos tangaraenses: Fabiane, Jocimar, a princesa Luisa, Sirlei, Douglas, Aninha e
Elika, que não mediram esforços e que em alguns momentos vieram ficar comigo na “minha
casa”.
Aos demais amigos tangaraenses, obrigada pelas mensagens e por sempre lembrarem de mim.
A todos os amigos de trabalho da Escola Ceja Antonio Casagrande, em especial à Joelma,
Gilene, Carlos e Fabinha, que desde o período de seleção de mestrado se dispuseram a trocar
horários de aula comigo para que eu pudesse participar. A secretaria e gestão da escola que
sempre atendeu as minhas solicitações. Agradeço imensamente a todos pela torcida e
incentivo.
Aos meus afilhados Pedro Henrique, Maria Eduarda e Rhaian e as suas famílias por
compreenderem a ausência da “dinda” nesses dois anos e nem por isso permitir que a
distância diminuísse o nosso sentimento.
A Maria Rita, mais conhecida como “Meu carrapato” por seus abraços, beijos e áudios
quando eu mais precisava. Você, minha pequena, me ajudou a chegar até aqui. Você vai ser
para sempre o meu grudinho, o meu amor, o meu carrapato.
E a todos os que torceram para que o meu sonho se tornasse realidade.
RESUMO
A inclusão escolar de pessoas que estão à margem dos sistemas educacionais é um dos
grandes desafios da Educação brasileira. Na denominada sociedade do conhecimento é grande
o número de pessoas excluídas do direito de acesso à escolarização. A questão é ainda mais
complexa quando se trata de pessoas que apresentam deficiências com grandes desafios, em
especial associadas a aspectos cognitivos. Partimos do entendimento que pessoas usuárias de
cadeira de rodas, com deficiência visual, com surdez, com surdocegueira e/ou pessoas com
síndromes genéticas raras precisam de atenção diferenciada. Este projeto de pesquisa põe em
pauta a Educação de crianças, adolescentes e jovens com surdocegueira, que são socialmente
invisibilizados. O objetivo precípuo é analisar a Educação em Ciências Naturais para
estudantes com surdocegueira , no contexto de uma escola de Educação de surdos. O
referencial teórico está ancorado em autores que estudam e pesquisam essa temática. Em
termos metodológicos esta pesquisa é orientada pela abordagem qualitativa do tipo estudo de
caso. O material empírico para o desenvolvimento das análises foi extraído de produções
acadêmicas que abordam o tema, de textos da legislação educacional em vigência e de
observação participante em sala de aula destinadas à Educação de estudantes com
surdocegueira. Como resultado da pesquisa podemos considerar que, no período considerado,
a Educação em Ciências Naturais foi relacionada com os seguintes temas: órgãos dos sentidos
(uma vez que esses mecanismos sensoriais devem ser estimulados para que o sujeito com
surdocegueira se perceba no mundo); cuidados com a higiene pessoal e dos materiais
utilizados no dia a dia (visando a uma autonomia de vida diária); noções de diversidade de
plantas e animais. Espera-se com este estudo potencializar debates sobre políticas de inclusão
e de socialização da ciência em nossos dias, especialmente para pessoas com surdocegueira
que têm sido historicamente marginalizadas do contexto escolar.
Palavras-chave: Surdocegueira. Educação em Ciências Naturais. Inclusão Escolar.
ABSTRACT
The school inclusion of people who are at the margins of educational systems is one of the
great challenges of Brazilian education. In the named knowledge society the number of
people excluded from the right of access to schooling is great. The issue is even more
complex and challenging when it comes to people with disabilities, in particular cognitive
aspects. We start from the perspective that wheelchair users, people with visual impairments,
deaf people, deafblind people and people with rare genetic syndromes need differentiated
attention. This research project discuss the education of children, adolescents and young
people with deafblindness, who are socially invisible. The main objective is to analyze
Natural Sciences Education for students with deafblindness in the context of a school for the
education of the deaf. The theoretical framework is anchored in authors who study and
research this theme. In methodological terms this research is guided by the qualitative
approach of the type case study. The empirical material for the development of the analyzes
was extracted from academic productions that discuss the theme, texts of current educational
legislation and participant classroom observation aimed at the education of students with
deafblindness. As a result of the research we can discourse that in the period considered,
Natural Sciences Education was related to the following themes: sense organs (since these
sensory mechanisms must be stimulated in order that the subject with deafblindness notes
himself in the world); personal hygiene care and the materials used on everyday life (aiming
at an autonomy of daily life); notions of plant and animal diversity. This study is expected to
potentiate debates on inclusion policies and science socialization in our days, especially for
people with deafblindness who have been historically marginalized from the school context.
Keywords: Deafblindness. Education in Natural Sciences. School inclusion.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Vista panorâmica da sala de surdocegueira do Ceaada................................. 93
Figura 2 - Varal de Atividades....................................................................................... 95
Figura 3 - Móbile de interação....................................................................................... 96
Figura 4 - Cartaz de Sistema Escrita Braille.................................................................. 96
Figura 5 - Calendário de objeto de referência/ Calendário de Antecipação...................... 97
Figura 6 - Calendário suspenso...................................................................................... 98
Figura 7 – Calendário semanal.......................................................................................... 99
Figura 8 - Calça e bermuda da vovó................................................................................. 100
Figura 9 - Prancha de suporte e/ou apoio....................................................................... 101
Figura 10 - O aluno Daniel higienizando sua salada....................................................... 104
Figura 11 - O aluno Daniel comendo a salada preparada por ele...................................... 105
Figura 12 - Professora Gabriela fazendo o sinal de banho............................................. 106
Figura 13 – O aluno Kaio fazendo o sinal de banho...................................................... 127
Figura 14 - Caderno de comunicação.............................................................................. 127
Figura 15 - Técnica mão-sobre-mão............................................................................... 120
Figura 16 - Técnica mão-sob-mão.................................................................................. 128
Figura 17 – Libras tátil.................................................................................................... 128
Figura 18 - Configuração de mão.................................................................................... 129
Figura 19 - Audição (1) .................................................................................................. 132
Figura 20 - Audição (2) ................................................................................................. 132
Figura 21 - Bolinha com luz........................................................................................... 134
Figura 22 - Latas e tampinhas coloridas......................................................................... 135
Figura 23 - Caixa com tampinhas coloridas................................................................... 135
Figura 24 - Paladar......................................................................................................... 136
Figura 25 – Tato............................................................................................................. 137
Figura 26 – Olfato (1)..................................................................................................... 138
Figura 27 – Olfato (2)...................................................................................................... 138
Figura 28 – Olfato (3) ..................................................................................................... 139
Figura 29 – Olfato (4) .................................................................................................... 139
Figura 30 - Animal Real (1) .......................................................................................... 141
Figura 31 – Animal Real (2) .......................................................................................... 141
Figura 32 – Aula de campo no zoológico....................................................................... 142
Figura 33 – Apresentação do cacau................................................................................. 143
Figura 34 - Explorando a caixa surpresa........................................................................ 144
Figura 35 - Cacau-chocolate.......................................................................................... 144
Figura 36 - Corpo Humano............................................................................................ 146
Figura 37 – Contorno do corpo humano........................................................................ 147
Figura 38 – Folhas.......................................................................................................... 148
Figura 39 - Colorindo as folhas...................................................................................... 149
Figura 40 - Montando a árvore........................................................................................ 149
Figura 41 - Germinação do feijão.................................................................................. 150
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Levantamento das dissertações e teses sobre surdocegueira encontradas
no BDTD entre os anos 2007 e 2017...........................................................
31
Quadro 2 - Caracterização dos estudantes com surdocegueira atendidos pelo Ceaada.. 102
Quadro 3 - Caracterização das professoras que atuam nas salas exclusivas de
surdocegueira...............................................................................................
110
Quadro 4 - Experiência profissional das professoras que atuam em salas de
surdocegueira ............................................................................................
111
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Áreas de concentração das dissertações e teses sobre surdocegueira
encontradas no BDTD entre os anos de 2007 a 2017.....................................................
33
LISTA DE SIGLAS
Abrapascem Associação brasileira de pais e amigos dos surdocego e
múltiplos deficientes sensoriais
Abrasc Associação brasileira de surdocego
ADI Auxiliar do Desenvolvimento Infantil
AEE Atendimento Educacional Especializado
Asocide Associação de Surdocegos da Espanha
AVAS Atividade de vida autônoma e social
AVD Atividades de vida diária
BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
Casies Centro de Apoio e Suporte a inclusão da educação Especial
Ceaada Centro de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo
Ceja Centro de Educação de Jovens e Adultos
CEP Comite de Etica em Pesquisa
Educin Educação em Ciências Naturais
EJA Educação de Jovens e Adultos
EU Unidade escolar
IC Implante Coclear
IES Instituição de Ensino Superior
INES Instituto Nacional de Surdos
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Libras Lingua brasileira de sinais
MEC Ministério da Educação
MT Mato Grosso
OM Orientação e Mobilidade
ONG Organização não governamental
PCD Pessoa com Deficiência
PNE Plano Nacional de Educação
PNT Projeto Novos Talentos
PNT Projeto Novos Talentos
PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Secadi Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão
Seduc/MT Secretaria Educação do Estado de Mato Grosso
SEESP/MEC Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação
SRC Síndrome da Rubéola Congênita
TIC’s Tecnologia da Informação e Comunicação
UEL Universidade Estadual de Londrina
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UFRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSCAR Universidade Federal de São Carlos
Unemat Universidade do Estado de Mato Grosso
UNIFESP Universidade Federal de São Paulo
UPM Universidade Presbiteriana Mackenzie
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................... 17
1 PERCORRENDO OS ESTUDOS SOBRE SURDOCEGUEIRA.............. 30
1.1 Panorama das teses e dissertações na área de surdocegueira..................... 30
1.2 Autores que fundamentam os estudos do campo da surdocegueira........... 34
1.3 Temáticas mais frequentes............................................................................. 34
2 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLOGICOS ADOTADOS
NESTE ESTUDO............................................................................................
51
2.1 Movimento e proposta de Van Dijk............................................................... 56
2.2 Processos e formas de comunicação.............................................................. 60
2.3 Educação em Ciências Naturais para estudantes com surdocegueira....... 65
3 EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM SURDOCEGUEIRA: UM
PANORAMA NACIONAL E DO MATO GROSSO...................................
72
3.1 Considerações sobre a história da educação de pessoas com deficiência... 72
3.2 Educação de pessoas com surdocegueira: antecedentes históricos............. 74
3.3 A Educação Especial em Mato Grosso: um olhar sobre surdocegueira.... 83
4 O CEAADA COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM
SURDOCEGUEIRA.......................................................................................
91
4.1 Caracterização do Ceaada e da sala de surdocegueira................................ 91
4.2 Perfil dos estudantes com surdocegueira que participaram do estudo...... 101
4.3 Perfis das professoras que atuam com os estudantes com surdocegueira. 109
4.4
Relatos das professoras sobre experiência de comunicação e de
interações em sala de surdocegueira..............................................................
119
5 EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS EM SALA DE
SURDOCEGUEIRA.......................................................................................
124
5.1 Práticas pedagógicas adotadas pelas professoras......................................... 124
5.2 Temáticas exploradas na Educação em Ciências Naturais......................... 130
5.2.1 Sentidos: audição, visão, paladar, tato e olfato................................................. 131
5.2.2 Conhecendo os animais..................................................................................... 140
5.2.3 Transformação de alimentos: cacau-chocolate................................................. 143
5.2.4 Conhecendo o próprio corpo............................................................................. 145
5.2.5 Vegetais............................................................................................................. 148
5.3 Relatos das professoras sobre a própria prática.......................................... 151
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES................................................................... 154
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 158
APÊNDICES.................................................................................................... 165
ANEXOS.......................................................................................................... 181
17
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem o propósito de problematizar a Educação em Ciências
Naturais para estudantes com surdocegueira na perspectiva de dar visibilidade a esse
grupo social, que demanda práticas educativas singulares. Trata-se, portanto, de um
estudo que se situa no campo das políticas de inclusão escolar de Pessoas Com
Deficiência (PCD) no cenário educacional brasileiro, na atualidade. Nessa dissertação
faremos o uso do termo PCD por entender que a deficiência é uma condição.
Motivação do estudo
A motivação para o estudo dessa temática resultou da minha1 vivência como
professora da rede pública de ensino no estado de Mato Grosso (MT). Formei em
Ciências Biológicas no ano de 2006 pela Universidade do Estado de Mato Grosso
(Unemat) e no ano seguinte, em fevereiro de 2007, iniciei a carreira docente como
professora interina da rede municipal de ensino no município de Tangará da Serra-MT.
Ainda no ano de 2007, o estado de MT abriu concurso para provimento de cargo
de professores e fui aprovada. Tomei posse em agosto de 2007, tornando-me efetiva na
rede estadual de Educação, mas continuava a atuar como professora interina na rede
municipal.
Logo nos primeiros dias de aula como docente percebi o quão frágil havia sido a
minha formação para atuar com estudantes com deficiência. Recordo o primeiro dia em
que dei aula, quando estava entrando em uma sala do 9º Ano2 e a coordenadora da
unidade escolar (UE) veio ao meu encontro e disse: “professora, nesta sala temos uma
aluna surda, ela não tem intérprete, mas tenho certeza que você vai conseguir.” Eu não
sabia o que fazer, foi como se o chão se abrisse porque até então eu nunca tinha entrado
em contato com alunos com surdez e/ou com qualquer outro tipo de deficiência.
Na época já vigorava o Decreto nº 5.626/2005, que orientava que a Língua
Brasileira de Sinais (Libras) deveria ser inserida como disciplina obrigatória para todos
1 Na introdução desse trabalho os verbos foram usados na primeira pessoa do singular, por se tratar de
experiências pessoais da pesquisadora. Nos capítulos que seguem os verbos serão utilizados na primeira
pessoa do plural, por se tratar de uma construção coletiva, resultado do diálogo com muitas pessoas,
incluindo colegas e professores do curso, orientadora, sujeitos da pesquisa, banca examinadora e autores
estudados. 2 Na época era chamada terceira fase do terceiro ciclo (3ª fase do 3º ciclo).
18
os cursos de licenciatura e área da saúde e teria o prazo de 10 anos para ser ofertada a
100% dos cursos das Instituições de Ensino Superior (IES) (BRASIL, 2005).
Como essa legislação é de 2005 e havia um prazo para ser implementada e
atender todos os cursos, não tive a disciplina de Libras durante a graduação.
A experiência de ter essa aluna nas minhas aulas de ciências foi marcante. O
medo e a angústia de não saber como lidar com a situação deram lugar a um sentimento
de alegria e superação. A aluna me surpreendia e eu buscava fazer de tudo para que ela
pudesse aprender. Na época eu era contratada pelo município e não tinha direito à
hora/atividade; por isso, ocupava grande parte do meu tempo livre em casa para
preparar materiais diferenciados e pensar em estratégias para que pudesse ensiná-la.
Com essa experiência de atuar como professora de uma estudante surda resolvi
investir na minha formação e fazer um curso básico de Libras no período de férias. Por
morar em uma cidade do interior do estado, os cursos nessa área são escassos, quando
acontecem são onerosos e nós, como professores, normalmente não conseguimos
liberação para fazer esse tipo de formação porque é dado prioridade à atuação em sala
de aula.
A partir do momento em que aprendi alguns sinais de Libras tornou-se mais fácil
a minha comunicação com a aluna. Eu não conseguia dar a minha aula em Libras, mas
já conseguia compreendê-la melhor.
A partir do ano de 2008 optei por permanecer apenas na rede estadual de
ensino. Trabalhei por cinco anos em uma escola de ensino regular e sem novas
experiências como professora de alunos que apresentam necessidades educacionais
especiais.
Há cinco anos atrás pedi remoção para um Centro de Educação de Jovens e
Adultos (Ceja) por ficar mais próximo a minha residência e aí voltei a entrar em contato
e atuar como professora de inúmeros alunos em processo de inclusão escolar. Tive
experiência como professora de alunos com surdez, cegueira, autismo e com síndromes
que afetam o sistema cognitivo. Observei que cada estudante demandava um
atendimento específico, de acordo com a singularidade da sua condição.
Foi nessa escola de Educação de Jovens e Adultos (EJA) que vivi uma
experiência significativa na Educação de surdos. No ano de 2014, em uma sala da
segunda fase do segundo segmento3, eu dava aula para um aluno surdo. Ele tinha a
3 Corresponde ao 8º e 9º ano.
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intérprete em sala de aula, mas uma vez por semana ela se ausentava para participar da
formação continuada da escola, a chamada sala do educador, e era justamente nesse dia
que o referido aluno mais se comunicava com os demais alunos da sala e também
comigo. Conforme as observações feitas por Perassolo, Soares e Fonseca (2016), o
aluno manifestou interesse em ensinar Libras aos colegas e a quem mais se interessasse.
A partir daí ele começou a ministrar uma aula de Libras por semana para os alunos e
professores da escola.
No ano de 2015, com nove anos de experiência como docente, eu já havia
vivenciado muitos desafios e muitas alegrias em sala de aula. Possuía dois cursos de
pós-graduação4, mas existiam alguns questionamentos que não haviam sido respondidos
no percurso e uma vontade imensa de aprender, de ampliar meus conhecimentos e de
qualificar-me profissionalmente. Então, resolvi me inscrever na seleção de Mestrado em
Educação na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), obtendo aprovação.
Em 2016 deparei-me com outra experiência que mudou a minha maneira de ver
o mundo e com toda certeza despertou em mim maior paixão pela profissão. Iniciei o
Mestrado em Educação e comecei a participar do Grupo de Pesquisa em Educação em
Ciências Naturais (Educin). Alguns pesquisadores integrantes do grupo estavam
finalizando um projeto de extensão, o Projeto Novos Talentos (PNT), no Centro de
Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Professora ‘Arlete Pereira Migueletti’
(Ceaada), e foi lá que conheci as salas de atendimento destinadas à alunos que
apresentam surdocegueira.
Três pesquisadoras participantes do PNT realizaram suas pesquisas de mestrado
na referida instituição. Lemos (2016) realizou sua pesquisa visando compreender qual a
concepção de alunos e professores sobre a inclusão desenvolvida pelo PNT nas
atividades relativas à Ciências da Natureza. A pesquisadora constatou que a inclusão foi
entendida como integração. Com base em Nascimento (2012), Lemos (2016, p. 17)
considera que “a inclusão social é um desiderato para que todo cidadão seja aceito,
compreendido e respeitado pela sociedade”. Para a autora, a Educação inclusiva não
deve ser entendida apenas como ocupar o mesmo espaço físico, mas deveria atender as
peculiaridades de aprendizagem de cada indivíduo. Lemos (2016), em suas análises
sobre a experiência vivenciada no PNT, considerou que os alunos e professores
confundiam integração com inclusão. No entanto, na sua perspectiva, o processo não
4 A primeira pós-graduação que fiz foi no ano de 2007, em Educação Ambiental e em 2015 terminei a
segunda pós, que foi em Relações Étnico-Raciais na Educação de Jovens e Adultos.
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deixou de ser significativo, pois possibilitou aproximações entre surdo-ouvinte,
estudantes-professores, universidade-escola, e, por conseguinte, acolhimento,
aprendizagem e maior participação no processo educativo.
Como possibilidades dentro das atividades do PNT, a autora destaca que os
alunos que participaram sentiram-se motivados a ingressar no Ensino Superior, pois
houve o processo de interação com outras pessoas, além de vivenciarem novas
experiências e terem acesso ao aprendizado científico em diferentes áreas do
conhecimento. A pesquisadora enfatiza que a compreensão da Língua Portuguesa, os
limites na comunicação surdo-ouvinte e a necessidade de maior número de intérpretes
no processo de comunicação foram problemas enfrentados durante as atividades
desenvolvidas dentro do PNT. Na pesquisa, ficou evidente que a presença de intérpretes
é essencial para facilitar a relação entre surdos e ouvintes e vice-versa.
Outra pesquisa de mestrado feita por integrante do grupo Educin no Ceaada foi a
realizada por Destro (2017), que analisou as experiências pedagógicas de uma
professora ouvinte na Educação em Ciências Naturais para surdos. A autora aponta
alguns desafios enfrentados pela professora, tais como: fragilidade da formação inicial e
continuada para o magistério na Educação de surdos; falta de preocupação do poder
público em capacitar os docentes para o trabalho com pessoas surdas; dificuldades de
comunicação entre pessoas surdas e pessoas ouvintes; quantidade insuficiente de
intérpretes para auxiliar na condução do trabalho pedagógico e principalmente ausência
de sinais específicos de Libras para termos e conceitos na área de Ciências Naturais. A
pesquisadora ressalta que, mesmo diante dos desafios enfrentados, a professora não se
acomodou. Ela aprendeu Libras em aproximadamente três meses, constatou a
importância do uso de imagens na Educação de surdos, bem como de metodologias
diferenciadas, a exemplo de aulas de campo, experimentos científicos e utilização de
Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC’s).
Cezarino (2017) realizou sua pesquisa de mestrado com docentes e estudantes de
cinco escolas públicas dentro do estado de Mato Grosso que participavam das
atividades do PNT. Quatro dessas escolas eram de ensino regular e uma escola
especializada no ensino de surdos, o Ceaada. A pesquisadora analisou o uso da
fotografia como recurso nas aulas de Ciências Naturais e como ela se tornaria
facilitadora da aprendizagem por meio dos alunos. No decorrer da pesquisa constatou
que a fotografia pode ser considerada uma forma de linguagem que expressa o
aprendizado em Ciências Naturais, bem como em outras Ciências. Como resultado a
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autora observou que a fotografia é um excelente estratégia para ensinar e estimular a
busca por conhecimentos, sobretudo quando se trata de alunos surdos, uma vez que na
falta da audição, a visão é o sentido que eles mais usam para se comunicar. A fotografia
também pode ser entendida como potencializadora da relação surdo-ouvinte, uma vez
que aproxima os sujeitos. A autora acredita ainda que a fotografia é uma forma que as
pessoas encontram de falar de si e do mundo ao redor.
Antes de finalizar o PNT, acompanhei algumas atividades realizadas nessa
escola e pude conhecer as salas destinadas ao atendimento dos estudantes com
surdocegueira. Ao observar os muitos desafios enfrentados tanto pelos estudantes como
pelas professoras5 decidi fazer minha pesquisa de mestrado nessa área. Vale ressaltar
aqui que no ano de 2016 havia três salas destinadas à surdocegueira, tanto no período
matutino quanto no período vespertino, e que, a partir do ano de 2017, pela falta de
espaço físico na escola, foram remanejados para uma única sala um pouco maior, mas
onde todos ocupam o mesmo espaço.
Ainda no ano de 2016, tive outra experiência no aprendizado de Libras, por meio
de um curso intensivo de Libras na UFMT, com a duração de três semanas, carga
horária de 60 horas, ofertado como parte do estágio dos acadêmicos de Letras/Libras.
No início do ano de 2017, comecei a fazer o curso de Libras no Ceaada, que foi
ofertado especialmente aos professores, funcionários da unidade escolar, aos pais e
familiares de alunos matriculados. No entanto, a escola abriu uma exceção para que
minha orientadora e eu pudéssemos participar. O curso foi ministrado uma vez por
semana durante todo o ano letivo, totalizando 100 horas.
Para tentar compreender um pouco mais sobre o Atendimento Educacional
Especializado (AEE) para alunos com surdocegueira decidi fazer um curso online,
oferecido pela Ahimsa6 - Associação Educacional para Deficientes Múltiplos, entre os
meses de junho a setembro de 2017, totalizando 100 horas. O curso foi constituído de
seis módulos. A cada módulo eram postados em uma plataforma7 textos referentes à
escola comum inclusiva, bem como à surdocegueira e deficiência múltipla, mapas para
identificação dos alunos, comunicação (expressiva e receptiva), sistemas de calendário,
5 O termo é usado no feminino porque na sala de aula pesquisada a função docente é exercida
predominantemente por mulheres. 6 Ahimsa é uma palavra indiana que significa “não violência”, isso nos propõe a aceitar o outro como ele
é. 7 Refiro-me à plataforma como Ambiente Virtual de aprendizagem (AVA), onde os alunos participantes
do curso ofertado têm acesso aos textos e postam suas atividades. Há também a possibilidade de interagir
com participantes de todo o Brasil, participando de debates online e fóruns de discussão.
22
passaporte de comunicação, livro de experiência real, avaliação, recursos pedagógicos
acessíveis, tecnologia assistiva e planos de intervenção aos alunos com surdocegueira.
Após a leitura dos textos sugeridos para cada módulo o aluno deveria fazer as atividades
sugeridas e postar na plataforma.
Esse curso de AEE para alunos com surdocegueira foi muito proveitoso para que
eu pudesse aprender como trabalhar com os alunos com surdocegueira. As professoras
da unidade escolar pesquisada que não tinham formação em surdocegueira também
fizeram o curso. Desse modo, foi possível interagir com tais professoras e realizar
encontros para leitura e discussão coletiva do material disponibilizado na plataforma e
das atividades propostas no curso.
Neste estudo, parti do entendimento que a inclusão escolar8 de pessoas surdas e
cegas é um grande desafio, em decorrência da necessidade do uso da Libras e também
do Braille. A inclusão torna-se ainda mais complexa quando se trata de estudantes com
surdocegueira que demanda o uso de Libras tátil. As restrições de acesso de pessoa com
surdocegueira podem explicar o reduzido número de estudos na área, questão que foi
constatada na revisão de literatura e que será apresentada no primeiro capítulo.
Entendo também que a surdocegueira é uma condição única, na qual a
deficiência auditiva e visual ocorre simultaneamente no mesmo indivíduo. Essas duas
privações multissensoriais podem ainda estar associadas a outras deficiências, tanto
físicas quanto cognitivas (MAIA, 2011). É preciso considerar que os sujeitos com
surdocegueira nem sempre são totalmente cegos e surdos. Muitos deles têm resquícios
de algum sentido, seja da visão ou da audição, que devem ser estimulados, assim como
os demais sentidos. Dessa forma, as possibilidades de comunicação precisam ser
analisadas caso a caso, visando à autonomia da pessoa e à melhoria da qualidade de
vida.
Em se tratando de Educação em Ciências considero que não existem receitas
prontas para um professor ensinar e se comunicar com as pessoas surdocegas. Faz-se
necessário reconhecer que as técnicas de ensino precisam ser diversificadas,
considerando as singularidades de cada estudante com surdocegueira9.
8 A concepção de inclusão escolar adotada neste estudo será apresentada no tópico “Perspectiva teórico-
metodológica”. 9 Essa discussão será aprofundada no quinto capítulo desta dissertação.
23
Com base nesses entendimentos, orientamos esse estudo pela busca de resposta
para a seguinte questão, que se configura o problema de pesquisa: como se caracteriza a
Educação em Ciências Naturais em sala de surdocegueira, numa escola especializada?
Nessa perspectiva, definimos o seguinte objetivo geral: analisar a Educação em
Ciências Naturais para estudantes com surdocegueira, observando os seus desafios e
as suas potencialidades.
Para atingir o objetivo geral, estabelecemos os seguintes objetivos específicos:
Identificar o que diz a literatura sobre surdocegueira e explicitar os
pressupostos teóricos desse estudo;
Apresentar um breve histórico da inclusão de pessoas com surdocegueira no
Brasil e em Mato Grosso;
Caracterizar o Ceaada como espaço de Educação de pessoas com
surdocegueira;
Analisar o trabalho pedagógico de professoras que atuam em sala de
surdocegueira, dando destaque aos processos de comunicação adotados em
sala de aula e às proposições de Educação em Ciências Naturais.
Para atingir esses objetivos, adotei como campo de estudo o Centro Estadual de
Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo “Professora Arlete Pereira Migueletti”.
Essa instituição de ensino atende a Educação Infantil, Ensino Fundamental, incluindo a
Educação de Jovens e Adultos na modalidade de Educação Especializada para surdos.
Sua fundação se deu no ano de 2000 para atender pessoas com surdez. Segundo pessoas
entrevistadas nesse estudo o atendimento de pessoas com surdocegueira se deu a partir
de 2008.
No ano de 2017, havia 13 estudantes com surdocegueira matriculados no
Ceaada. Desse total, 11 estudantes frequentavam a sala específica para surdocegueira e
cada um era acompanhado por uma professora. Duas estudantes são surdocegas
adquirida em razão da Síndrome de Usher10. As duas estudantes são irmãs, ambas
matriculadas na turma de EJA.
Dos 11 estudantes que estudavam em salas específicas para surdocegueira, sete
estavam matriculados no período matutino e quatro no período vespertino11.
10 A síndrome de Usher é uma das causas da surdocegueira e será descrita no capítulo I da dissertação. 11 Em 2018 o Ceaada tornou-se escola plena, garantindo a educação em período integral.
24
Optamos na pesquisa por coletar e analisar os dados referentes a seis
estudantes12 e suas respectivas professoras que frequentam as turmas de surdocegueira
no período matutino.
Perspectivas teórico-metodológicas
Este estudo foi orientado pelas contribuições de autores que desenvolvem
pesquisas com surdocegueira, especialmente os que tratam da etiologia, processos de
comunicação e de interação, tais como Serpa (2002); Pinheiro, Wieland e Prochnow
(2005); Maia (2010); Tateish, Santos e Jinhui (2010); Maia (2011); Ampudia (2011);
Boas et al. (2012); Bosco, Mesquita e Maia (2010); Lima (2014); Pacco e Silva (2015);
Meldau (s/d); Silva (s/d); entre outros.
Optei pela abordagem metodológica da pesquisa qualitativa do tipo estudo de
caso. Esse tipo de pesquisa “envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no
contato direto do pesquisador com a situação estudada.” (BOGDAN; BIKLEN apud
LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 13). Essa opção metodológica expressa entendimento de
que o conhecimento científico é resultado de um longo processo de reflexão e de
análises, e não algo dado previamente. O pesquisador precisa avaliar a pertinência de
seus pressupostos e posicionamentos para manter a coerência com as singularidades do
seu objeto de estudo. Conforme observou Godoy (1995, p. 25), o estudo de caso
permite:
[...] responder as questões “como” e “por quê” certos fenômenos
ocorrem, quando há pouca possibilidade de controle sobre os eventos
estudados e quando o foco de interesse é sobre fenômenos atuais, que
só poderão ser analisados dentro de um contexto da vida real.
Lüdke e André (1986) chamam atenção para a necessidade de se considerar que
no estudo de caso o pesquisador precisa estar atento ao máximo de informações
possíveis para posterior análise e interpretação de dados:
Assim, se o estudo é feito numa escola, o pesquisador procurará fazer
observações em situações de aula, de reuniões, de merenda, de entrada
e de saída, das crianças; estará coletando dados no início, no meio e
12 No período matutino são sete estudantes matriculados, mas um deles iniciou o ano letivo no mês de
julho, e como a observação havia iniciado no mês de maio, optamos por analisar os dados apenas
daqueles que já estavam frequentando desde o início do período observacional.
25
no final do semestre letivo; ouvirá professores, pais, alunos, técnicos,
serventes etc. com essa variedade de informações, oriundas de fontes
variadas, ele poderá cruzar informações, confirmar ou rejeitar
hipóteses, descobrir novos dados, afastar suposições ou levantar
hipóteses alternativas (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 19).
Um pesquisador que opta pelo estudo de caso precisa estar aberto as suas
descobertas e fazer uso de diferentes fontes de informação e de técnicas de coleta de
dados, como: observação, análise de documentos, entrevistas, narrativas, entre outras.
Seguindo os pressupostos da pesquisa do tipo estudo de caso, realizei o
levantamento de dados a partir de documentos, como leis, decretos, orientações
nacionais e do estado de Mato Grosso e de observação direta do trabalho pedagógico
realizado pelas professoras que atuam em classes destinadas a estudantes com
surdocegueira.
Para caracterizar os alunos com surdocegueira, julguei necessário analisar as
fichas de identificação de cada aluno, a fim de conhecer o perfil dos estudantes que são
sujeitos dessa pesquisa.
Com base nas observações realizadas nesse estudo busquei analisar aspectos
como: infraestrutura da escola para o trabalho com surdocegueira, formação das
professoras para a atuação nesse campo, processos de comunicação e aprendizagem das
crianças com surdocegueira e experiências desenvolvidas na Educação em Ciências
Naturais.
Utilizo a observação como instrumento de coleta de dados por entender que essa
técnica potencializa o desenvolvimento de pesquisas, uma vez que aproxima o
pesquisador do objeto a ser pesquisado:
Usada como o principal método de investigação ou associada a outras
técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e
estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta
uma série de vantagens. Em primeiro lugar, a experiência direta é sem
dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de um determinado
fenômeno. “Ver para crer” diz o ditado popular. (LÜDKE; ANDRÉ,
1986, p. 26).
Segundo Buford Junker (apud LÜDKE; ANDRÉ,1986, p. 28), o observador
pode assumir diferentes posicionamentos, fato que explica o uso de diferentes
terminologias: “participante total”; “participante como observador”; “observador como
participante”; e “observador total”.
26
Quando o pesquisador se comporta como um participante total ele não revela ao
grupo sua identidade nem seu propósito de estudo. Na condição de observador total o
pesquisador não interage com o grupo estudado, ele observa de longe ou atrás de uma
parede espelhada. O participante como observador não revela totalmente o que pretende
fazer para não provocar alterações no grupo que está sendo observado. Por exemplo: diz
que vai estudar somente os alunos e acaba estudando a postura do educador. O
observador como participante desenvolve observações, revelando ao grupo pesquisado a
identidade e os objetivos do estudo.
Neste estudo optamos pela observação participante para coleta de dados por
assim entender:
A “observação participante” é uma estratégia que envolve não só a
observação direta, mas todo um conjunto de técnicas metodológicas
(incluindo entrevistas, consultas a materiais etc), pressupondo um
grande envolvimento do pesquisador na situação estudada.
(FIORENTINI; LORENZATO, 2012, p. 108).
As observações ocorreram entre os meses de maio a setembro de 2017, na sala
destinada ao atendimento de estudantes com surdocegueira. No período de observação,
considerei os seguintes aspectos: caracterização do espaço físico, recursos didáticos
utilizados, perfil dos estudantes com surdocegueira e das professoras que atuam com
eles, processos de comunicação, processos de interação entre a sala de surdocegueira e a
escola, Educação em Ciências Naturais em sala de surdocegueira, participação em
projetos escolas e festas comemorativas.
Os registros das observações foram feitos por meio de fotografias, filmagens e
de anotações no diário de campo. As fotografias e filmagens foram feitas utilizando o
celular. Algumas fotografias foram cedidas pelas professoras que atuam nas salas de
surdocegueira. O diário de campo ou de bordo, segundo Fiorentini e Lorenzato (2012, p.
118), é “um dos instrumentos mais ricos de coleta de informações durante o trabalho de
campo.” No diário o pesquisador faz as anotações de tudo que observar, descreve as
situações, cenários e retrata diálogos. Os autores ressaltam, ainda, que quanto mais
próximo do momento da observação forem feitas as anotações no diário de campo, mais
acuidade terá a informação.
Outro instrumento utilizado na coleta de dados foi a entrevista com os sujeitos
da pesquisa. Esse coletivo incluiu seis professoras que atuam em sala de surdocegueira,
27
dois gestores e uma mãe que, no Mato Grosso, é responsável pela Associação Brasileira
de Pais e Amigos dos Surdocego e Múltiplos Deficientes Sensoriais (Abraspacem).
Nas entrevistas com as professoras que atuam nas salas de surdocegueira no
Ceaada busquei informações sobre a formação inicial, formação específica para atuar
nas salas de surdocegueira e sobre suas práticas em sala de aula (Apêndice A).
A necessidade de envolver gestores nesse estudo resultou da constatação de que,
no estado de Mato Grosso, faltam documentos oficiais sobre a história da Educação de
pessoas com surdocegueira. A entrevista com tais sujeitos incluiu aspectos como
formação de professores para atuar com estudantes com surdocegueira e o histórico do
atendimento nessa área. Questões similares foram feitas também à mãe de uma
estudante com surdocegueira (Apêndice B).
Todas as entrevistas foram gravadas em áudio, transcritas e enviadas
posteriormente para o respectivo entrevistado. Com base em Fiorentini e Lorenzato
(2012, p. 120), considerei que “a entrevista, além de permitir uma obtenção mais direta
e imediata de dados, serve para aprofundar o estudo, complementando outras técnicas
de coleta de dados”.
O questionário também foi um instrumento utilizado para a coleta de dados.
Fiorentini e Lorenzato (2012, p. 116) consideram que “o questionário é um dos
instrumentos mais tradicionais de coleta de informações e consiste em uma série de
perguntas.” Essas perguntas podem ser fechadas, abertas ou mistas. Fechadas quando
apresentam alternativas para respostas, abertas quando não apresentam alternativas e
mistas quando parte do questionário são perguntas fechadas e outra parte são perguntas
abertas. Optamos por confeccionar e aplicar um questionário com perguntas mistas.
Foi aplicado um questionário (Apêndice C) para a atual diretora do Ceaada com
a finalidade de caracterizar a escola, saber o número de alunos que a unidade escolar
atende, a quantidade de professores interinos e efetivos, os projetos desenvolvidos na
escola e os materiais pedagógicos e espaços de aprendizagem que a escola possui.
As professoras que atuam na sala específica para surdocegueira também
responderam a um questionário (Apêndice D) elaborado com a finalidade de fornecer
dados quanto à formação acadêmica: cursos de graduação e pós-graduação e sobre a
situação e experiência profissional de cada uma delas.
Antes de iniciar a coleta de dados submetemos o projeto de pesquisa à
apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Área das Ciências
Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso (CEP
28
Humanidades/UFMT). Os documentos exigidos pelo CEP Humanidades/UFMT
incluíram: carta de apresentação da pesquisadora (Apêndice E); carta de anuência,
solicitando da escola a autorização para a realização da pesquisa (Apêndice F); termo de
consentimento dos (as) professores (as) (Apêndice G) que atuam nas salas de
surdocegueira; termo de consentimento para os responsáveis dos estudantes (Apêndice
H).
Encaminhamos ao Comitê de Ética o requerimento para não utilizar o termo de
assentimento que deveria ser assinado pelos estudantes com surdocegueira (Apêndice I),
uma vez que, além do comprometimento simultâneo da visão e audição, alguns
apresentam deficiência neuromotora e outros não possuem destreza manual para a
escrita por não apresentarem habilidades de psicomotricidade fina. Alguns possuem,
ainda, deficiência intelectual. Foi explicitado ao CEP Humanidades/UFMT que os
sujeitos da pesquisa se comunicam por meio de Libras tátil, tadoma, objetos de
referência, entre outras formas de comunicação. Nenhum deles se comunica mediante a
escrita, ficando impossibilitados de assinar o termo de assentimento. Foi explicitado
também que ficaria assegurado que a observação das salas de aula de surdocegueira só
seria realizada mediante a autorização dos responsáveis pelos alunos.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo CEP Humanidades/UFMT no dia 08 de
maio de 2017, sob o Parecer nº 2.052.534.
Consideramos que a realização desta pesquisa pode contribuir para ampliar o
debate sobre a temática posta em pauta e, por conseguinte, dar visibilidade aos
estudantes com surdocegueira, grupo social historicamente excluído do direito de acesso
à Educação.
A dissertação está estruturada em cinco capítulos. O primeiro capítulo apresenta
uma revisão de literatura sobre os estudos na área de surdocegueira no Brasil, na última
década. Foram identificados 21 trabalhos, sendo 13 dissertações e oito teses. Na análise
consideramos os seguintes aspectos: objetivos, metodologia e os resultados das
pesquisas. As análises realçam desafios enfrentados por estudantes, pais, professores e
equipe pedagógica da escola para a efetivação das políticas de inclusão de pessoas com
surdocegueira. Ficou evidente a ausência de estudos na área de Educação em Ciências,
o que faz desta pesquisa uma produção inédita.
A partir do referencial teórico adotado busquei no segundo capítulo fazer uma
caracterização da surdocegueira, indicando possíveis causas desse tipo de deficiência.
Procurei também apresentar as fases de desenvolvimento propostas por JanVan Dijk, os
29
processos e as diferentes formas de comunicação.
No terceiro capítulo apresentei uma contextualização histórica acerca da
Educação de pessoas com deficiência, dando destaque à Declaração de Salamanca,
documento que é considerado referência para a produção de políticas de inclusão. Para
situar a Educação de pessoas com surdocegueira no contexto nacional e do estado de
Mato Grosso foi necessário observar na legislação educacional (brasileira e estadual)
questões relativas à garantia do atendimento educacional especializado para as PCD.
Apresentei também o histórico da Educação de pessoas com surdocegueira no Brasil e
em Mato Grosso.
No quarto capítulo caracterizei o Ceaada como um espaço para Educação de
pessoas com surdocegueira. Nesse sentido, foram destacados os seguintes aspectos:
estrutura física da escola e da sala de surdocegueira; recursos didático-pedagógicos e
caracterização dos alunos e professores da sala de surdocegueira.
No quinto capítulo apresentei uma descrição e análise do trabalho pedagógico
das professoras, dando centralidade à Educação em Ciências Naturais. O foco de
atenção foi o uso de materiais didáticos adaptados e a tecnologia assistiva utilizada por
elas para o ensino dos conteúdos.
Espero com esse trabalho poder contribuir com os estudos sobre a temática posta
em pauta e, por conseguinte, ampliar o debate sobre as políticas de inclusão.
30
1 PERCORRENDO OS ESTUDOS SOBRE SURDOCEGUEIRA
Para o desenvolvimento desse estudo buscamos13, inicialmente, compreender o
que dizem as pesquisas que tratam de surdocegueira. Considerando que somos
pesquisadores neófitos nessa área julgamos necessário situarmo-nos nesse campo de
estudo, sobre o qual tínhamos pouco conhecimento. O propósito foi obter um panorama
das teses e dissertações produzidas na última década a fim de identificar onde elas estão
sendo produzidas, os principais autores que fundamentam os estudos do campo da
surdocegueira, as temáticas mais abordadas e os resultados dos estudos. Ao trilhar o
caminho já percorrido por outros pesquisadores intentamos obter parâmetros para o
desenvolvimento de análises dos dados desta pesquisa. Buscamos também conhecer o
léxico que caracteriza a referida área do conhecimento para fazer uso de termos em
conformidade com a literatura.
1.1 Panorama das teses e dissertações na área de surdocegueira
Na revisão de literatura nós realizamos uma busca na Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), utilizando os descritores “surdocegueira” e
“surdocego”. Delimitamos nossa busca entre os anos 2007 a 2017.
No período considerado encontramos 21 produções acadêmicas relativas à área
da Educação ou que permitem interfaces com essa área. Do total de produções
levantadas 13 são dissertações de mestrado e oito são teses de doutorado. Optamos por
agrupar as dissertações e teses em um único quadro (Quadro 1), organizando-as em
ordem linear, de acordo com o ano em que foram produzidas.
13 Conforme foi explicado anteriormente, na introdução desse trabalho, o verbo foi utilizado na primeira
pessoa do singular por se tratar de uma narrativa pessoal. Neste e nos demais capítulos que compõem essa
dissertação o verbo é conjugado na primeira pessoa do plural.
31
Quadro 1 - Levantamento das dissertações e teses sobre surdocegueira encontradas no BDTD
entre os anos 2007 e 2017
Ano Nível Autor da
Pesquisa Título da pesquisa IES
Área de
concentração
2007 Mestrado
Rita de
Cássia
Silveira
Cambruzzi
Análise de uma experiência de
atitudes comunicativas entre
mãe e adolescente surdocega:
construção de significados
compartilhados
Universidade
Federal de
São Carlos
(UFSCAR)
Educação
Especial
2008 Mestrado Lilia
Giacomini
Análise de um programa:
“passo a passo” orientação e
mobilidade para pessoas
surdocegas.
Universidade
de São Paulo
(USP)
Psicologia da
Educação
2008 Doutorado
Célia
Aparecida
Faria
Almeida
A aquisição da linguagem por
uma surdocegapré-linguística
numa perspectiva
sociocognitivo-interacionista
Universidade
de Brasília Linguística
2009 Mestrado Silvia Costa
Andreossi
Pré-requisitos para orientação
e mobilidade da criança com
surdocegueira congênita
Universidade
Presbiteriana
Mackenzie
(UPM)
Distúrbios do
desenvolvimento
2009 Mestrado Vula Maria
Ikonomidis
Estudo exploratório e
descritivo sobre inclusão
familiar de crianças com
surdocegueira pré-linguística
UFSCAR Educação
Especial
2010 Mestrado
Márcia
Maurílio
Souza
Surdocegueira e deficiência
múltipla sensorial: análise do
Programa de Atendimento
Domiciliar e Famílias
Apoiadas
USP Psicologia e
Educação
2011 Doutorado
Shirley
Rodrigues
Maia
Descobrindo crianças com
surdocegueira e deficiência
múltipla sensorial, no brincar
USP Educação
2011 Mestrado
Sueli
Fernandes da
Silva Rached
Ver e ouvir a surdocegueira:
emergir da comunicação
Universidade
Católica de
Pernambuco
Ciências da
Linguagem
2011 Doutorado
Maria
Aparecida
Comerdi
Alicerces de significados e
sentidos: aquisição de
linguagem na surdocegueira
congênita
USP Educação
2012 Doutorado
Marilia
Zannon de
Andrade
Figueiredo
Surdocegueira Pós-linguística
em Síndrome de Usher UNIFESP Educação
2013 Doutorado
Rita de
Cássia
Silveira
Cambruzzi
Recursos pedagógicos
acessíveis ao aluno com
surdocegueira por Síndrome
de Usher: um estudo de caso
UFSCAR Educação
Especial
2014 Doutorado Denise Cintra
Villas Boas
Pessoas com surdocegueira e
deficiência múltipla: análise
de relações de comunicação
Pontifícia
Universidade
Católica
(PUC-SP)
Fonoaudiologia
2015 Mestrado
Sandra
Samara Pires
Farias
Os processos de inclusão dos
alunos com surdocegueira na
Educação básica
Universidade
Federal da
Bahia
(UFBA)
Educação
32
Ano Nível Autor da
Pesquisa Título da pesquisa IES
Área de
concentração
2015 Mestrado Shirley Alves
Godoy
Processo de intervenção junto
a professora de geografia e
professoras especialistas para
favorecer a aprendizagem de
uma aluna com surdocegueira:
uma pesquisa colaborativa
Universidade
Estadual de
Londrina
(UEL)
Educação
2015 Mestrado
Vanisse
Cristina
Bussolo
Bertola
Implante Coclear em uma
criança com surdocegueira
congênita: análise das ações
comunicativas
UFSCAR Educação
Especial
2015 Doutorado
Wolney
Gomes
Almeida
O guia-intérprete e a inclusão
da pessoa com surdocegueira UFBA Educação
2016 Doutorado
Luis Carlos
Souza
Bezerra
Crianças Surdocegas Corpo e
Linguagem PUC-SP
Linguística
aplicada
2017 Mestrado Dalva Rosa
Watanabe
O estado da arte da produção
científica na área da
surdocegueira no Brasil de
1999 a 2015
USP Educação
Especial
2017 Mestrado
Fernanda
Cristina
Falkoski
Análise do Processo de
comunicação de pessoas com
surdocegueira congênita a
partir da produção e do uso de
recursos de comunicação
alternativa
Universidade
Federal do
Rio Grande
do Sul
(UFRS)
Educação
2017
Mestrado
Lia Cazumi
Yokoyama
Emi
A inclusão de alunos com
surdocegueira na rede
municipal de ensino de São
Paulo: relatos de profissionais
especializados
USP Psicologia
2017 Mestrado
Simara
Pereira da
Mata
Perspectivas de profissionais
sobre a trajetória inicial de
comunicação de um sujeito
com surdocegueira
Universidade
Estadual
Paulista –
Campus
Marília
Educação
Fonte: Dados da pesquisadora
Ao iniciarmos a revisão de literatura percebemos que tanto as dissertações quanto
as teses foram produzidas em diversas áreas de concentração, como podemos observar
no Gráfico 1, a seguir apresentado:
33
Gráfico 1 - Áreas de concentração das dissertações e teses sobre surdocegueira
encontradas no BDTD entre os anos de 2007 a 2017.
Fonte: Dados da pesquisa
Das 21 produções que foram levantadas nessa dissertação, nove são na área da
Educação, quatro na Educação especial, três na área da psicologia, duas em linguística,
uma em linguagem, uma em distúrbios do desenvolvimento e uma na área de
fonoaudiologia. Isso revela que a Educação é um dos fatores que mais geram
inquietações entre os pesquisadores, certamente por se tratar de uma prática social
reconhecida como um direito constitucional assegurado a todas as pessoas,
independente da condição em que elas se encontram.
Um aspecto que chamou nossa atenção no levantamento das pesquisas na área da
surdocegueira é o fato de que a maior parte dos estudos (15 entre 21) concentra-se na
região sudeste, no estado de São Paulo. Três estudos foram realizados no nordeste do
Brasil, sendo dois na Universidade Federal da Bahia e um na Universidade Católica de
Pernambuco. Dois estudos foram realizados na região sul, sendo um no Paraná e outro
no Rio Grande do Sul. Apenas um trabalho foi realizado em Brasília, que se localiza na
região centro-oeste do Brasil. Acreditamos que a concentração dos trabalhos em São
Paulo está relacionada com a presença de grupos de pesquisa sobre surdocegueira
naquele estado e com a atuação da Ahimsa - Associação Educacional para Múltipla
Deficiência.
Não identificamos nenhum estudo sobre surdocegueira realizado no estado de
Mato Grosso. Esse fato, somado a não identificação de pesquisas que tratam de
Educação em Ciências Naturais para estudantes surdocegos, permite considerar que
34
nossa pesquisa é inédita e pode contribuir com as discussões nesse campo do
conhecimento.
1.2 Autores que fundamentam os estudos do campo da surdocegueira
Quanto aos referenciais teórico-metodológicos adotados nas pesquisas mapeadas
observamos que os pesquisadores valorizam contribuições de autores internacionais, a
exemplo de Van Dijk, McInnes e Treffry, McInnes, Miles e Riggio e Blaha, bem como
de autores nacionais. No âmbito nacional os autores mais citados são: Maia, Comerdi,
Cambruzzi, Nascimento, Souza, Masini, Araóz, Mesquita e Ikonomidis. São valorizados
também documentos produzidos pelo Grupo Brasil de apoio à Surdocegueira e pela
Ahimsa.
No campo das políticas, tratando-se de documentos oficiais, os autores das
dissertações e teses dão destaque aos seguintes textos: Constituição de 1988, Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/Lei nº 9.394/1996); Direito das
Pessoas com Deficiência (Decreto Lei nº 6.949/2009), mantendo interfaces com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH/1948) e a Declaração de
Salamanca (BRASIL, 1994).
Quanto à metodologia utilizada pelos pesquisadores, destacam-se a coleta de
dados por meio da observação direta dos sujeitos pesquisados, anotações em diário de
campo, entrevistas com educadores e família, pesquisa documental e filmagens.
1.3 Temáticas mais frequentes e descrição dos estudos
No que diz respeito à temática adotada como objeto de estudo nós chegamos às
seguintes constatações: seis pesquisas foram voltadas para a análises de atitudes e
processos de comunicação adotados por crianças e jovens com surdocegueira
(CAMBRUZZI, 2007; RACHED, 2011; BOAS, 2014; BERTOLA, 2015; FALKOSKI,
2017; MATA, 2017); quatro focalizaram processos de inclusão e aceitação da pessoas
com surdocegueira no ambiente familiar e na Educação básica (IKONOMIDIS, 2009;
FARIAS, 2015; ALMEIDA, 2015; EMI, 2017); três analisaram os processos na
aquisição de linguagem (ALMEIDA, 2008; COMERDI, 2011; BEZERRA, 2016); duas
foram relacionadas à orientação e mobilidade (OM) (GIACOMINI, 2008;
ANDREOSSI, 2009); duas trataram especificamente da surdocegueira em razão da
35
Síndrome de Usher, sendo uma delas relacionada a recursos pedagógicos
(FIGUEIREDO, 2012; CAMBRUZZI, 2013); uma deu centralidade às brincadeiras
facilitadoras do processo de interação entre crianças com surdocegueira e/ou com
deficiência múltipla sensorial (MAIA, 2011); uma analisou o programa de atendimento
domiciliar ofertado às famílias de crianças com surdocegueira (SOUZA, 2010); uma
pesquisa tratou do processo de intervenção com a professora de Geografia para
favorecer o aprendizado da aluna com surdocegueira (GODOY, 2015) e uma elaborou
um estado da arte com levantamento da produção científica sobre o tema, considerando
o período compreendido entre 1999 a 2015 (WATANABE, 2017).
Nota-se, portanto, que a maior parte das produções deu destaque ao processo de
comunicação das pessoas com surdocegueira. Foi nesse campo que Cambruzzi (2007)
desenvolveu a pesquisa “Análise de uma experiência de atitudes comunicativas entre
mãe e adolescente surdocega: construção de significados compartilhados”, que analisou
os processos de comunicação entre elas. A autora tinha como objetivo instrumentalizar
a mãe para promover o desenvolvimento da comunicação entre ela e sua filha. Nesse
sentido, a referida pesquisadora estimulou a mãe a ser mediadora e também a
compreender as diferentes formas de comunicação adotadas pela filha. A coleta de
dados se deu na casa da família entre os anos de 2005 e 2006. A mãe da criança com
surdocegueira foi orientada pela pesquisadora a fazer anotações sobre o comportamento
e os processos de comunicação adotados em diferentes atividades do dia a dia, como
higiene, café da manhã, almoço, jantar, lavar a louça, entre outras. A autora constatou
que a adolescente não realizava esses afazeres em casa, ou seja, ela esperava que a mãe
realizasse por ela ou realizava com auxílio da técnica mão-sobre-mão ou mão-sob-mão.
Os dados indicam que, no início da pesquisa, a adolescente mostrava-se disposta a
realizar as atividades, mas aos poucos ela começou a gostar, à medida que sorria ao
desenvolver determinada atividade. As análises chamam atenção para a importância de
estimular esse processo para que a pessoa com surdocegueira tenha uma vida autônoma,
fato que requer orientação e implica no apoio que é dado às famílias.
Rached (2011), em sua dissertação “Ver e ouvir a surdocegueira: o emergir da
comunicação”, orientou-se pelo propósito de verificar quais as formas de comunicação
são utilizadas por crianças surdocegas. A pesquisadora realizou entrevistas com os pais
das crianças e observação direta de dez crianças com surdocegueira pré-linguística com
idades variando entre três e dez anos, adotando como campo de estudo uma instituição
de ensino no estado de Pernambuco. Em suas análises a autora constatou que não existe
36
um único método de comunicação. Os processos variam de sujeito para sujeito, porém,
é preciso considerar que existe um conjunto de formas comunicativas comuns a todos os
sujeitos. Ao buscar contribuir com os debates sobre a temática posta em pauta a autora
fez apontamentos de algumas estratégias que podem facilitar a aquisição da linguagem,
a visualização das oportunidades de interação comunicativa com a família, a
identificação da quantidade e a qualidade das terapias, questões que são inerentes ao
processo de inclusão escolar.
Denise Cintra Villas Boas (2014), em sua tese intitulada “Pessoas com
surdocegueira e deficiência múltipla: análise de relações de comunicação”, também
buscou contribuir com o debate sobre a comunicação. Nesse sentido, ela investigou os
comportamentos de atenção e as atitudes comunicativas entre uma professora e uma
criança com surdocegueira e uma criança com deficiência múltipla. O estudo foi
dividido em duas partes: a primeira refere-se à percepção da própria pesquisadora sobre
os comportamentos de atenção e comunicação adotados pela professora e alunos
envolvidos. A segunda parte focalizou a percepção da própria professora sobre esses
comportamentos de atenção e comunicação entre ela e seus alunos.
Na primeira parte do estudo a pesquisadora fez uso de observação participante e
de filmagens da interação da professora com a criança surdocega. Procedimento similar
foi adotado na análise da interação entre a referida professora e a criança com
Deficiência Múltipla. A coleta de dados nas duas situações ocorreu em sala de aula.
Na segunda parte da pesquisa foram apresentadas à professora as filmagens feitas
durante o atendimento realizado por ela às crianças. Foi realizada também uma
entrevista para saber qual era a percepção dela sobre os comportamentos de atenção e
comunicação entre ela e os alunos.
As análises realizadas por Boas (2014) realçam a importância da utilização de
atividades que estimulem os sentidos das crianças com surdocegueira, uma vez que
esses sentidos possibilitam o acesso ao mundo e é por seu intermédio que elas
desenvolvem e ampliam suas formas de comunicação. Na primeira parte do seu
trabalho, a autora percebeu que nas atividades que envolviam música e ritmos as
crianças tiveram comportamentos diferentes: a criança com surdocegueira apresentava a
sua atenção voltada para a professora, já a criança com deficiência múltipla manteve sua
atenção voltada para o objeto. As duas crianças apresentaram formas de comunicação
não verbal, dentre as quais se destacaram: vocalizações, olhar, movimentos corporais,
expressões faciais, toques, choro, entre outras. As formas de comunicação adotadas pela
37
professora foram verbais: sinais em Libras, toque (contato e vibração). As duas crianças
apresentaram potenciais trocas de turnos apenas quando a ação era iniciada pela
professora.
Na segunda parte do estudo a autora relata que a professora ficou satisfeita ao
visualizar as filmagens e ver o avanço no desenvolvimento de cada criança. Os relatos
indicam que a professora percebeu que fez uso de estratégias diferenciadas para facilitar
o aprendizado de cada criança e reconheceu que em alguns momentos poderia ter
aguardado um pouco mais de tempo para o retorno dos alunos no que diz respeito às
atividades que estavam sendo desenvolvidas. A autora ressalta em sua pesquisa a
importância de parceiros significativos de comunicação, pois eles podem interpretar,
mediar e responder aos comportamentos de atenção e de comunicação de cada criança.
Nessa perspectiva, a autora ressalta o necessário reconhecimento de que cada uma das
crianças se comunica de uma maneira específica. Tal reconhecimento é fator
preponderante para possibilitar um atendimento educacional especializado que seja
significativo à aprendizagem da criança.
Falkoski (2017) também se situou no campo da comunicação ao orientar seu
estudo pelo propósito de compreender os processos de comunicação de pessoas com
surdocegueira congênita a partir da produção e do uso de recursos de comunicação
alternativa. A autora envolveu em sua pesquisa duas crianças que estavam matriculadas
no ensino fundamental em uma escola no Rio Grande do Sul, familiares das crianças e
suas respectivas professoras. O estudo foi desenvolvido com base nos seguintes
procedimentos: 10 encontros com os alunos pesquisados; construção de mapas de
identificação dos referidos alunos; entrevistas com as professoras que atuavam com
eles; visita nas residências e observação direta dos sujeitos pesquisados. O estudo
remeteu à constatação de que existem várias formas de comunicação e que o mediador,
seja a família ou o professor, deve estar atento às variadas formas da criança se
comunicar. Indicou também que a família das pessoas com surdocegueira dispõe de
formas de comunicação e informações sobre as crianças que podem e devem ser
compartilhadas com a escola para auxiliar no processo de comunicação. A autora
destacou a importância da utilização de objetos de referência e de fotografias no sistema
de calendários para organizar a rotina desses estudantes, a fim de antecipar as atividades
que serão posteriormente realizadas. Ficou claro na referida pesquisa que não existe um
único método para ensinar crianças com surdocegueira porque cada condição é singular.
Isso ficou evidente pelo fato de que a menina envolvida no estudo possuía baixa visão e
38
utilizava esse canal como o principal meio para a comunicação. Já o menino observado
utilizava outros canais sensoriais para se comunicar, como o tato e o olfato.
Mata (2017), em sua dissertação “Perspectivas de profissionais sobre a trajetória
inicial de comunicação de um sujeito com surdocegueira”, buscou compreender como
profissionais de diferentes áreas percebiam os processos de comunicação de uma pessoa
com surdocegueira pré-linguística. Para tanto, realizou entrevistas no local de atuação
dos profissionais. Entre eles havia: profissional da pedagogia de um centro de
especialidades da área da saúde, fonoaudióloga de um centro de equoterapia e
professores de diferentes áreas de ensino (AEE, classe comum, educador físico, artes e
uma agente educacional de uma escola de ensino regular). A pesquisa revelou que a
comunicação é fundamental para o desenvolvimento da pessoa com surdocegueira e
também para o processo de ensino-aprendizagem. Vários tipos de comunicação foram
observados e elencados pelos profissionais que atuam com esses sujeitos, mas eles
tiveram muitas dúvidas quanto à interpretação de gestos e expressões. Com base nos
resultados do estudo e na literatura da área a autora ressalta a necessidade de formação
profissional adequada para saber interpretar, lidar e estimular o aprendizado desses
sujeitos.
Bertola (2015) também se dedicou ao estudo de ações comunicativas de uma
criança com surdocegueira congênita, voltando sua atenção para o implante coclear
(IC). Seu objetivo foi analisar as ações de comunicação adotadas pela referida criança
após o IC. A criança que foi sujeito de sua pesquisa não possuía nenhum resíduo visual
ou auditivo. A autora explica que a criança estudada era atendida em um Centro
Especializado na área de surdocegueira desde o ano de 2011. Três anos após iniciar esse
atendimento especializado (em 2013), aos oito anos de idade, ela foi submetida à
cirurgia de IC. No ano seguinte seu aparelho foi ativado, fazendo com que tivesse a
possibilidade de comunicação pelo uso do canal sensorial da audição.
Na coleta de dados a autora realizou uma pesquisa documental dos portifólios dos
atendimentos antes do IC. Realizou também entrevistas com a mãe, com a cuidadora e
com a professora. Para coletar os dados após o IC fez intervenções semanais, nas quais
observava atividades como alimentação, estímulos auditivos, orientação e mobilidade.
Os resultados do estudo destacam a evolução na aquisição de linguagem e comunicação
por parte da criança submetida ao IC, mas a pesquisadora relata que a família da criança
não tinha apoio de profissionais especializados que mediassem essa interação e
39
oferecessem suporte para o reconhecimento e estimulação das ações comunicativas da
criança no ambiente familiar.
A leitura dos trabalhos discutidos anteriormente remete ao entendimento de que a
maioria dos autores reconhece que não existe um único método para comunicação
adotado por pessoas com surdocegueira. Isso porque o processo varia de sujeito para
sujeito (RACHED, 2011; FALKOSKI, 2017; MATA, 2017). Isso explica o uso do
termo “parceiros significativos de comunicação”, concebidos como pessoas que buscam
reconhecer e estimular os processos de comunicação adotados por cada sujeito
(CAMBRUZZI, 2007; RACHED, 2011; VILLAS BOAS, 2014; FALKOSKI, 2017).
Tais parceiros podem ser pessoas da família, professores e/ou outros profissionais que
mantêm contato com os estudantes com surdocegueira. Villas Boas (2014) chama
atenção para a necessária identificação das diferentes formas de comunicação que
podem ser usadas pelas pessoas com tal condição. Trata-se de comunicação não verbal,
que pode ocorrer como vocalizações, choro, riso, olhares e movimentos corporais. O
interlocultor do estudante com surdocegueira precisa estar atento a esse tipo de
comunicação para compreendê-lo e estimulá-lo na sua relação com os outros e com o
mundo.
A inclusão também apareceu no levantamento que realizamos no BDTD como
uma das temáticas mais adotadas por pesquisadores que tratam de surdocegueira. É o
caso do estudo realizado por Farias (2015), cujo objetivo foi investigar as narrativas de
histórias de vida e verificar como aconteceu o processo de inclusão dos alunos com
surdocegueira na Educação básica, na Bahia. A autora utilizou como instrumento para
coleta de dados a entrevista narrativa registrada em filmagens. Os sujeitos de sua
pesquisa foram dois estudantes com surdocegueira. Um deles tinha concluído a
Educação Básica e o outro estava concluindo o Ensino Médio. Farias (2015) observou
que ambos utilizavam formas de comunicação eficientes, como Libras, comunicação
oral, além de saberem com fluência o sistema de leitura e escrita Braille. A pesquisadora
relata que o fato dos sujeitos terem facilidade para se comunicar favoreceu o seu
processo de inclusão no ensino regular. Como resultado, a pesquisadora percebeu que
na Educação infantil um dos alunos foi matriculado em uma escola de ensino
especializado e teve contato com alunos com surdez. O outro jovem pesquisado foi
matriculado em uma escola de ensino regular, tendo contato desde o início com uma
diversidade de alunos. Já no Ensino Fundamental e Médio, ambos foram matriculados
em escola do ensino regular, sendo que uma escola era pública e outra privada, onde
40
recebiam AEE. Todavia, o AEE não atendia as especificidades de um aluno com
surdocegueira, pois os atendimentos eram feitos de forma fragmentada, não havendo
uma articulação entre o professor do ensino regular e o professor do ensino
especializado.
O estudo “A inclusão de alunos com surdocegueira na rede municipal de ensino
de São Paulo: relatos de profissionais especializados”, realizado por Emi (2017), foi
orientado pelo objetivo de propiciar uma reflexão sobre as mudanças na Educação a
partir do olhar de profissionais especializados que participaram do processo de inclusão
de estudantes com surdocegueira na rede municipal do referido estado. Ela realizou
entrevistas orais com quatro colaboradoras que trabalhavam na unidade escolar onde os
alunos com surdocegueira foram incluídos. Com base nos dados levantados a
pesquisadora destacou a resistência de alguns profissionais com a chegada desses alunos
na escola. Destacou também a importância de ações coletivas dos profissionais da
unidade escolar para garantir a permanência e a real inclusão de tais alunos na escola.
Os dados indicam que a escola estudada procurou estabelecer teias de relações entre os
profissionais que ali trabalham, a comunidade surda e adultos com surdocegueira.
Assim, foi possível criar um espaço que a autora denominou “bicultural”. As análises
foram fundamentadas no entendimento de que esse tipo de espaço é condição necessária
para propiciar a interação e a verdadeira inclusão.
Almeida (2015), em sua tese “O guia-intérprete e a inclusão da pessoa com
surdocegueira”, investigou a atuação do referido profissional no atendimento às pessoas
com surdocegueira em Salvador, no estado da Bahia. Para a coleta de dados utilizou a
observação da prática e da interação entre o guia-intérprete e a pessoa com
surdocegueira. No total, foram 11 guias-intérpretes envolvidos na pesquisa. As
observações foram feitas em escolas, associações, igrejas e eventos como congressos,
simpósios e seminários. Ao analisar o processo de inclusão do sujeito com
surdocegueira na sociedade, o pesquisador considerou que para que haja a inclusão
“não basta estar presente ou fazer parte, mas sim, fazer parte de algo e usufruir os
benefícios que contemplem suas necessidades” (p. 64). O autor fez distinção entre
integração e inclusão, considerando que “na integração, a pessoa com surdocegueira
tem que se adaptar ao sistema. Na inclusão, o sistema é que deve se adaptar ao
surdocego.” (p. 64). Ao analisar a atuação dos guias-intérpretes o pesquisador percebeu
o grande impacto que isso acarreta, tanto em ambientes escolares como não escolares.
Como resultado, observou que as principais formas de comunicação adotadas são Libras
41
tátil, Tadoma, Braille tátil e alfabeto tátil, respectivamente. Constatou que há falta de
profissionais com formação específica para atuação nessa área e reafirmou a
necessidade de implementação de uma formação inicial e continuada específica na área
tanto para os guias-intérpretes como para professores especialistas e professores do
ensino regular.
Na dissertação “Estudo exploratório e descritivo sobre inclusão familiar de
crianças com surdocegueira pré-linguística”, Ikonomidis (2009) avaliou as formas de
comunicação entre as famílias e os filhos com surdocegueira. Para a coleta de dados a
pesquisadora realizou observação direta e entrevistas gravadas ou filmadas. O estudo foi
realizado com seis crianças com surdocegueira. Três delas recebiam atendimento
educacional especializado e as outras três não recebiam esse atendimento. A autora
constatou que as crianças que recebiam AEE tinham habilidades de comunicação mais
concreta e simbólica com a família quando comparadas com as crianças que não tinham
esse atendimento. Verificou também que as famílias que não estabeleciam uma
comunicação efetiva procuravam inserir essas crianças em todas as atividades
vivenciadas no contexto familiar, no entanto as crianças não possuíam uma participação
efetiva e não conseguiam usufruir dessa inclusão por não saberem se expressar.
Ao analisarmos os trabalhos que tratam de inclusão de pessoas com surdocegueira
no ambiente escolar nós observamos que esse processo é marcado por desafios. Farias
(2015) constatou que, no caso analisado, a inclusão foi favorecida porque os dois alunos
por ela observados faziam o uso fluentemente da Libras e do Braille, o que facilitava a
comunicação. A dificuldade relatada pela autora foi com relação ao atendimento
educacional especializado, pois, segundo ela, não atendia as especificidades dos alunos
com surdocegueira. Ademais, a articulação entre o professor do ensino regular e o
professor de AEE era insatisfatória. O estudo realizado por Emi (2017) também
evidenciou muitos problemas no processo de inclusão dos alunos por ela observados,
pois, de início, houve resistência dos professores por não se sentirem capacitados a lidar
com a nova situação. A autora dá evidências da importância das teias de relações que
foram estabelecidas entre os profissionais que atuavam na escola, a comunidade surda e
pessoas adultas com surdocegueira. Ficou evidente que as referidas teias de relações
permitem que os profissionais da Educação possam conhecer e se apropriar de meios de
comunicação necessários à Educação de pessoas com surdocegueira. A relevância da
formação profissional também foi evidenciada no estudo sobre a atuação do guia-
intérprete que tem a tarefa de estimular formas de comunicação como Libras tátil,
42
Tadoma, entre outras (ALMEIDA, 2015). A inclusão familiar de crianças com
surdocegueira também aparece como uma questão que precisa ser valorizada pela
escola, uma vez que há evidências de que crianças que recebem AEE possuem mais
habilidades de comunicação do que as crianças que não recebem esse atendimento
(IKONOMIDIS, 2009). No entanto, é preciso considerar que o contexto familiar
também pode restringir a inclusão de crianças com surdocegueira, sobretudo, quando
não há esforços no sentido de compreender os processos de comunicação por elas
adotados. Assim, tais crianças podem permanecer alheias tanto na família como na
escola por não conseguirem compreender o que está acontecendo e por não serem
compreendidas nas suas formas de expressão.
No que diz respeito ao processo de aquisição de linguagem por parte dos
estudantes com surdocegueira identificamos três teses: Almeida (2008), Comerdi (2011)
e Bezerra (2016). Não identificamos dissertações sobre essa temática, talvez pelo fato
de que a análise dessa problemática demande um tempo maior para estudos teóricos e
para a coleta de dados do que aquele que é previsto para o mestrado.
Almeida C. (2008), na sua tese intitulada “A aquisição da linguagem por uma
surdocegapré-linguística numa perspectiva sociocognitivo-interacionista”, buscou
compreender como aconteceu o processo de aquisição de linguagem por parte da
criança com surdocegueira (sujeito de sua pesquisa). A pesquisadora fundamentou sua
pesquisa em teorias relacionadas ao sociocognitivismo, neurociência, neurolinguística e
considerou também aspectos neuropsicológicos e neurobiológicos da cognição e da
linguagem. Ela analisou a aquisição de linguagem em uma menina que, na época, tinha
12 anos de idade. A autora explica que a menina se tornou surdocega logo após o
nascimento de parto prematuro gemelar em razão de algumas complicações durante o
período em que ficara na incubadora. A pesquisadora explicou que a criança recebeu
estímulos desde o nascimento e durante todo o período da infância conviveu e fazia as
mesmas coisas que sua irmã gêmea, havendo interação com a família. No entanto, a
comunicação de fato só passou a existir a partir do momento que essa criança aprendeu
a se comunicar por meio de Libras aos cinco anos de idade. Explicou também que, a
princípio, os pais não tinham informação sobre o que era surdocegueira e que a mãe
sempre se mostrou disposta a buscar meios para fazer com que a filha tivesse acesso à
Educação e aprendesse cada vez mais. Nesse sentido, ela passou a trabalhar como
voluntária na escola que a filha estudava no interior da Bahia, participava de congressos
em diferentes estados brasileiros, questionava os palestrantes, enviava cartas para as
43
instituições de atendimento especializado, inclusive internacionais, a fim de obter
maiores esclarecimentos sobre o problema de sua filha. Com os conhecimentos que
havia adquirido na busca de melhor qualidade de vida para filha, passou a ofertar a ela
diferentes meios de comunicação. Utilizava Libras, espalhava as palavras em Braille em
diferentes objetos da casa e levava a mão da filha para que pudesse desenvolver o tato.
Mas foi em 2002, durante o primeiro Encontro Internacional sobre Surdocegueira,
ofertado pelo Grupo Brasil, que a mãe da garota percebeu que a Libras seria o melhor
modo de se comunicar com a filha e passa a utilizar esse método. Na época, a menina
estava com cinco anos de idade. A partir de então a família começou a estabelecer uma
comunicação mais efetiva. O primeiro sinal aprendido pela criança foi água, depois
banheiro, depois comer e aí então foi ampliando cada vez mais o vocabulário de sinais
utilizados. Cada sinal aprendido pela menina passava a ser utilizado pelos familiares.
Esse processo permitiu a inserção da criança em uma escola de ensino fundamental,
possibilitando a interação com outras crianças e professores, fato que resultou em
avanços no seu processo de desenvolvimento cognitivo (ALMEIDA, C., 2008).
O implante coclear, aos nove anos de idade, permitiu que a criança fosse
estimulada à oralidade. Aos 12 anos a menina se comunicava tanto pela Libras quanto
pela oralidade. Almeida C. (2008) realçou a importância dos esforços para favorecer a
aquisição da linguagem pela criança, mas identificou algumas falhas no processo, tais
como a falta de estímulos adequados e da linguagem propriamente dita de zero a cinco
anos de idade. Ela considera que a utilização de Libras tátil desde o princípio facilitaria
a comunicação.
Comerdi (2011), em sua tese “Alicerces de significados e sentidos: aquisição de
linguagem na surdocegueira congênita”, verificou quais eram os fatores que levaram a
aquisição de linguagem por duas jovens que utilizam a língua de sinais para se
comunicarem. A pesquisadora realizou entrevistas com as duas jovens, suas famílias e
profissionais envolvidos no processo. Suas análises indicam que as jovens se
reconheciam como sujeitos com surdocegueira e que essa aceitação potencializou o
desenvolvimento das habilidades sensoriais e motoras. O contexto histórico,
educacional e familiar facilitou processos de interação com outras pessoas,
oportunizando um melhor aprendizado. Esse conjunto de condições, associado à atuação
de um mediador na aprendizagem, constituem aspectos fundamentais para o processo de
aquisição de linguagem.
44
Na tese intitulada “Crianças surdocegas, Corpo & Linguagem”, Bezerra (2016)
analisou a interferência da presença materna na aquisição da linguagem por uma criança
com surdocegueira. Para tanto, o pesquisador realizou entrevistas com quatro mães de
crianças com surdocegueira. As análises remeteram ao entendimento de que o momento
mais crítico e sofrido para as mães é o do diagnóstico, pois, em geral, é quando os
médicos tendem a realçar as limitações e não as possibilidades de crianças nessa
condição. O autor percebeu que muitas vezes as mães se sentem perdidas por não
conseguirem identificar os desejos de seus filhos, pois esse processo é demorado. O
estudo revela também que as mães reconhecem que o corpo fala, ou seja, as expressões
e os movimentos corporais dizem muito sobre os anseios das crianças com
surdocegueira.
A leitura desses três trabalhos ajudou-nos a reconhecer o papel da família e da
escola no processo de aquisição de linguagem pela criança com surdocegueira. A partir
do diagnóstico dessa condição os pais precisam estar dispostos a estimular a
comunicação dos filhos e a compreender gestos e expressões que eles manifestam.
Almeida C. (2008) mostra que quando a família disponibiliza para a criança diferentes
meios de comunicação, entre eles Libras tátil, alfabeto manual e o Braille, e faz uso
desses processos de comunicação, há maior possibilidade de integrá-la ao mundo. As
expressões e movimentos corporais também precisam ser considerados, pois o corpo
fala (BEZERRA, 2016). A autoaceitação da sua condição de pessoa com surdocegueria
também precisa ser vista como um aspecto fundamental nos processos de interação com
outras pessoas, no desenvolvimento de habilidades sensoriais e motoras e, portanto, no
processo educativo (COMERDI, 2011).
A orientação e mobilidade de pessoas com surdocegueira também apareceu na
revisão da literatura como uma questão relevante, conforme indicam os estudos de
Giacomini (2008) e Andreossi (2009).
Na pesquisa intitulada “Análise de um programa: ‘passo a passo’ orientação e
mobilidade para pessoas surdocegas” Giacomini (2008) defendeu a ideia de que a OM
gera autonomia para o sujeito com surdocegueira e propicia a inclusão na escola, no
trabalho e em outros espaços. Ela fez o acompanhamento do curso de orientação e
mobilidade que foi ofertado para pessoas com surdocegueira. Os sujeitos da pesquisa
foram cinco pessoas com surdocegueira que faziam parte do programa, todos adultos,
quatro afetados pela Sindrome de Usher e um deles por um acidente. Todos os sujeitos
da pesquisa consideraram de suma importância o curso que lhes foi ofertado, pois
45
propiciava mais autonomia para se locomoverem nos ambientes que lhes são de
costume. Os sujeitos da pesquisa elencaram também algumas dificuldades vivenciadas,
tais como: acessibilidade na rua, degraus nas calçadas, escadas, entre outros.
O trabalho “Pré-requisitos para orientação e mobilidade da criança com
surdocegueira congênita”, realizado por Andreossi (2009), foi orientado pelo objetivo
de identificar as atividades desenvolvidas pela família e por profissionais que
trabalhavam com crianças com surdocegueira com idades entre dois a quatro anos,
visando a participação em um programa de OM. A autora realizou entrevistas com
professores, familiares e cuidadores das citadas crianças e verificou que não são todos
os envolvidos que têm clareza do serviço de OM e dos seus benefícios para a
independência da criança que enfrenta essa condição. A pesquisa deixou claro que há
dificuldade na compreensão do que seriam os ambientes adaptados e deixou também
evidente que para o sucesso do programa há necessidade de trabalho de uma equipe
colaborativa articulada com as famílias.
Observamos que existe uma diferença de público-alvo e também de resultados nas
duas dissertações que tratam sobre OM. O trabalho de Giacomini (2008) foi com
pessoas adultas que perceberam a importância do programa ofertado, pois ele gera
autonomia para o sujeito com surdocegueira e propicia a inclusão em diferentes
espaços. Já o trabalho realizado por Andreossi (2009) foi desenvolvido com crianças e
as pessoas envolvidas nesse processo, pais, cuidadores e professores, que não tinham
clareza dos benefícios da OM para a independência da criança.
A Síndrome de Usher, uma das causas da surdocegueira, também aparece como
uma temática que instiga pesquisas (FIGUEIREDO, 2012; CAMBRUZZI, 2013).
Figueiredo (2012) dedicou-se a essa questão no estudo intitulado “Surdocegueira
pós-linguística por síndrome de Usher”, tendo como objetivo caracterizar a
comunicação e os principais mecanismos que facilitaram as relações interpessoais de
pessoas com surdocegueira. A pesquisadora realizou entrevistas semi-estruturadas que
incluíram questões sobre a funcionalidade da comunicação nos aspectos pessoais,
sociais e profissionais. Foram entrevistadas 11 pessoas entre 20 e 57 anos de idade. Os
sujeitos da pesquisa recebiam atendimento no Grupo Brasil, no ano de 2007. Todos
relataram que as perdas visuais e auditivas tiveram início na infância e apontaram
impacto negativo da doença em suas vidas. Seis informaram que a doença afetou
negativamente suas atividades cotidianas, seis relataram dificuldade no trabalho e duas
pessoas evidenciaram dificuldades para o lazer. Quanto ao relacionamento familiar e
46
com amigos, quatro pessoas disseram que houve mudanças e cinco disseram que não
houve mudanças. Na pesquisa realizada por Figueiredo (2012) foi possível observar que
30% dos entrevistados utilizavam formas alternativas de comunicação, 40%
apresentaram facilidade para se deslocar (a pé, metro ou ônibus) de um lugar para outro
se o trajeto for previamente conhecido por eles. Somente um dos 11 entrevistados
relatou que não pede ajuda quando necessário.
Cambruzzi (2013), na sua tese “Recursos pedagógicos acessíveis ao aluno com
surdocegueira por Síndrome de Usher: um estudo de caso”, teve como objetivo analisar
a eficiência das adaptações visuais nas atividades para um aluno com surdocegueira e
seu impacto na escolarização. Realizou sua pesquisa com um pré-adolescente de 12
anos de idade em uma cidade do interior de Santa Catarina. Fez entrevistas com a
família, com o estudante e com a professora. Realizou uma avaliação pré e pós-
intervenção do participante, uma avaliação funcional da visão e também observações
em diversas situações e espaços. No ano de 2011, o estudante frequentava a 5ª série na
modalidade bilíngue em classe exclusiva para alunos surdos. Nessa modalidade de
ensino as disciplinas são apresentadas em Libras por ser a primeira língua do surdo e em
Português como segunda língua. Em 2012, o estudante frequentava a 6ª série em uma
turma mista para ouvintes e surdos, onde as disciplinas eram dadas em Português e
havia a presença de intérprete educacional. Os resultados evidenciaram que o estudante
tem fluência na língua de sinais, possui dificuldade em adaptar-se à luz brilhante (um
dos primeiros sintomas da Síndrome de Usher), dificuldade em visão periférica (não
compreendia os sinais em Libras se a pessoa que conversava com ele estivesse
posicionada ao seu lado) e cegueira noturna. Outro problema observado foi que o
estudante não se aceitava como sujeito surdocego, ele afirmava que era surdo. Em
entrevista realizada com a família, pode-se perceber que é composta por sete pessoas, o
casal e cinco filhos, sendo três meninos e duas meninas. O filho mais velho do casal, na
época com 25 anos, apresentava surdocegueira em razão da Síndrome de Usher e o pré-
adolescente observado pela pesquisadora nascera surdo e estava perdendo a visão
também devido a essa Síndrome. Durante as observações em sala de aula, a
pesquisadora percebeu que houve ampliação do tamanho da fonte dos materiais
utilizados pelo estudante e também alteração no tipo de letra. A fonte, que antes era
tamanho 12, passou para tamanho 20 ou 22. O tipo de fonte utilizada no material
impresso passou de Times New Roman para Arial e posteriormente para Verdana, pois
esses tipos de letras possuem traços mais precisos para a pessoa que possui dificuldade
47
em enxergar. Ficou evidente na pesquisa que a escola não dispunha de recursos ópticos.
Foram ofertados ao aluno alguns recursos não ópticos, como caderno com linhas
reforçadas e ampliadas e também lápis 6B, mas o aluno se recusou a utilizar esses
recursos. Um recurso pedagógico que era utilizado pelo estudante em sala de aula foi a
prancha inclinada, que facilitava o apoio do material para leitura.
Esses estudos permitem compreender que a pessoa que nasce com a Síndrome de
Usher normalmente nasce surda e com o passar dos anos vai perdendo a visão. Isso
explica porque algumas pessoas têm dificuldades para se aceitar como surdocego em
razão da perda gradativa da visão. Esse fato limita ainda mais o processo educativo, pois
demanda adaptação de materiais escolares e pedagógicos.
Na revisão da literatura que realizamos o brincar apareceu como uma temática
pouco explorada, porém, de grande relevância. Esse entendimento foi explicitado na
tese “Descobrindo crianças com surdocegueira e com deficiência múltipla sensorial”,
produzida por Shirley Rodrigues Maia (2011). A autora analisou se as brincadeiras
facilitam o processo de interação entre crianças e adultos significativos e se essa
interação proporciona melhora nos processos de comunicação. Para tanto, ela realizou a
pesquisa com três crianças de zero a cinco anos, no período que se estendeu entre os
anos de 2007 a 2009. As mães das crianças e as professoras que faziam o atendimento
de recreação também foram envolvidas na pesquisa. A pesquisadora coletou dados por
meio de questionários, observação das brincadeiras (no programa de recreação
realizadas com as crianças), registros por meio de fotos, vídeos, além de entrevistas com
as mães. O critério para escolha das crianças incidiu sobre as que tivessem maior
frequência no programa de recreação durante os três anos em que houve coleta de dados
para a pesquisa e cujas mães tivessem disponibilidade de participação. Duas crianças
eram deficientes múltiplos sensoriais e uma criança possuía surdocegueira. Como
resultado, a pesquisa evidenciou que as brincadeiras propiciaram uma maior interação
entre as crianças, ampliando também suas formas de comunicação e o desenvolvimento
da linguagem.
A presença da família no acompanhamento dos processos de Educação de pessoas
com surdocegueira é também uma questão relevante. Essa temática foi adotada por
Souza (2010), no estudo intitulado “Surdocegueira e deficiência múltipla sensorial:
análise do Programa de Atendimento Domiciliar e Famílias Apoiadas”. A autora
objetivou identificar como as estratégias e orientações dadas às famílias no Programa de
48
atendimento domiciliar auxiliavam os filhos com surdocegueira ou deficiência múltipla
sensorial a alcançar habilidades de atividades de vida autônoma e social (AVAS).
Souza (2010) realizou o acompanhamento de dois alunos e suas mães entre os
meses de fevereiro a setembro de 2009. Os dois jovens pesquisados tinham a mesma
faixa etária e ambos apresentavam surdocegueira devido à Síndrome da Rubéola
Congênita (SRC). A pesquisadora realizou dez visitas nas residências dessas famílias.
Houve atendimento especializado e orientação para que as famílias estabelecessem uma
rotina, ampliando, assim, as formas de comunicação expressiva e receptiva com o
propósito de dar autonomia em AVAS a esses sujeitos. Ao final de cada visita foram
realizadas entrevistas com as mães dos alunos e confeccionados relatórios da
intervenção e observação. Os dados evidenciaram melhora significativa nos processos
de comunicação e também na participação dos alunos nas atividades propostas durante
as visitas domiciliares. Segundo os relatos das mães essa melhora se estendeu em várias
atividades do dia a dia daqueles jovens. O programa de atendimento domiciliar auxiliou
as famílias em aspectos como: estabelecimento de rotinas a serem seguidas; organização
de atividades, utensílios e materiais utilizados em casa; ampliação das formas de
comunicação expressiva e receptiva. Após essa intervenção de atendimento e orientação
pode-se observar que as famílias têm, sim, um papel fundamental na Educação desses
sujeitos e quando orientadas adequadamente elas podem facilitar e ampliar esse
processo educativo. A pesquisa de Souza (2010) mostrou também que as famílias
tiveram dificuldades para estabelecer algumas atividades em razão das condições de
saúde e distúrbios comportamentais dos seus filhos.
A aprendizagem de pessoas com surdocegueira no espaço escolar é uma temática
pouco explorada nas pesquisas. Identificamos apenas o estudo de Godoy (2015), que se
interessou pelo ensino Geografia. Nesse sentido, a pesquisadora realizou uma
intervenção com uma professora de Geografia e duas especialistas em Educação
especial (uma que atuava como guia-intérprete da aluna e outra que fazia o atendimento
da aluna no contraturno em um centro de atendimento especializado). O propósito foi
utilizar a cartografia tátil para favorecer o aprendizado de uma aluna com surdocegueira
no 2º ano do Ensino Médio. A pesquisa (do tipo colaborativa) se deu em três fases. Na
primeira foram realizadas observações durante as aulas de geografia para verificar como
era o processo de ensino e aprendizagem. Na segunda fase foi realizada uma
intervenção colaborativa com as professoras, orientando-as sobre como adaptar os
materiais para facilitar o aprendizado da aluna com surdocegueira, de modo que
49
confeccionaram mapas e gráficos táteis. A pesquisadora permaneceu dentro da sala de
aula orientando as professoras no trabalho desses materiais com a estudante. A terceira
fase voltou-se para a avaliação do processo de intervenção que foi desenvolvido com as
professoras e a aluna com surdocegueira.
Godoy (2015) observou que a professora de Geografia tinha concepções
equivocadas com relação à inclusão de alunos com surdocegueira. Esse problema foi
solucionado na segunda fase, quando foi dada uma orientação sobre o que era a
surdocegueira e sobre o trabalho em sala de aula direcionado a tais estudantes. A
pesquisa evidenciou a importância do trabalho colaborativo entre a professora de
Geografia e as professoras especialistas em Educação Especial, especialmente no que
diz respeito à confecção de recursos pedagógicos adaptados que possam favorecer o
aprendizado da estudante com surdocegueira. Alguns problemas foram evidenciados
pela pesquisadora, como: falta de tempo das professoras especialistas para participar das
formações dadas por ela e também os turnos alternados de trabalho das professoras
especialistas. A pesquisa de Godoy (2015) evidenciou, ainda, a importância de se criar
na escola espaços para discussão, debates e troca de experiências entre os professores,
pois dessa forma eles podem compartilhar experiências e metodologias que resultem em
êxito na trajetória escolar dos estudantes que se encontram nessa condição.
A revisão da literatura que realizamos se aproxima em muitos aspectos da
pesquisa realizada por Watanabe (2017). Referimo-nos à dissertação “O estado da arte
da produção científica na área da surdocegueira no Brasil de 1999 a 2015”, que se
caracterizou como uma pesquisa bibliográfica documental. Como resultado, a autora
evidenciou que a maior parte das pesquisas foram realizadas na região sudeste e
também que não houve nenhuma produção com essa temática na região norte do país. A
pesquisadora relatou que houve um crescimento considerável das produções com essa
temática nos últimos 10 anos e que as pesquisas brasileiras começaram a embasar
teoricamente outros trabalhos, pois no início as produções tomavam como referência
apenas pesquisadores estrangeiros. Constatou que houve 45 produções sobre
surdocegueira no período analisado; dessas, 11 são teses de doutorado e 34 são
dissertações de mestrado. Watanabe (2017) considera que pesquisas documentais, como
a realizada por ela, podem contribuir para sistematizar os dados para que outros
pesquisadores se localizem e possam dar continuidade aos estudos nessa área.
Em suma, o levantamento e análise das teses e dissertações apresentadas
anteriormente permitiu situar-nos nesse campo de pesquisa, compreendendo as questões
50
que são inerentes à Educação de pessoas com surdocegueira. A partir das contribuições
dos pesquisadores incluídos nesse panorama definimos nossos posicionamentos teóricos
e metodológicos, os quais são apresentados no capítulo que segue.
51
2 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLOGICOS ADOTADOS NESTE
ESTUDO
No capítulo anterior apresentamos um conjunto de produções acadêmicas (teses
e dissertações) relativas à surdocegueira, buscando evidenciar onde estão sendo
produzidas as temáticas mais abordadas, os referenciais teóricos mais adotados e os
resultados dos estudos. Assim, pudemos compreender a dinâmica de um campo do
conhecimento que era novo para nós e então definir os nossos posicionamentos nesse
estudo. No presente capítulo buscamos explicitar os referenciais teórico-metodológicos
que adotamos no desenvolvimento das análises apresentadas nos capítulos que se
seguem.
Acompanhando a perspectiva teórico-metodológica de alguns pesquisadores
identificados na revisão da literatura, recorremos às contribuições de autores, como:
Serpa (2002), Pinheiro, Wieland e Prochnow (2005), Bosco, Mesquita e Maia (2010),
Tateishi, Santos e Jinhui (2010), Maia (2011), Ampudia (2011), Rached (2011), Souza,
Maia e Fonegra (2011), Blaha (2011), Lima (2014), Silva (s/d) e Meldau (s/d). Com
base nesse aporte teórico buscamos explicitar o entendimento que temos de
surdocegueira, do movimento e proposta de Van Dijk, dos processos e formas de
comunicação de pessoas com surdocegueira e da Educação em Ciências para estudantes
que se encontram nessa condição.
Optamos por adotar a definição de surdocegueira defendida pela pesquisadora
Shirley Rodrigues Maia, que no Brasil é uma das principais referências na área. Essa
autora explica que tal definição é referenciada na DeafblindInternational, e pode ser
assim explicitada:
A surdocegueira é uma deficiência com características próprias que
implica na existência de uma deficiência auditiva e uma deficiência
visual, suficientemente graves, que afetam a comunicação, a
mobilidade e o acesso à informação e ao entorno. As pessoas
surdocegas também podem ter outras deficiências físicas ou
cognitivas. Só uma pequena parte dos surdocegos são completamente
surdos e completamente cegos. Consequentemente, o planejamento e a
prestação dos serviços necessários requerem a elaboração de respostas
e estratégias adequadas. (DbI, 1999 apud MAIA, 2011, p. 36).
Essa concepção exige, portanto, reconhecer a necessidade de se respeitar as
singularidades de pessoa e as suas habilidades. Ainda que a criança com surdocegueira
52
possa apresentar vestígios da audição e da visão é necessário estimular outros sentidos
da criança, como o tato, o olfato e o paladar (GARCIA, 2008).
Segundo a Associação de Surdocegos da Espanha (ASOCIDE), a surdocegueira
é uma deficiência com identidade própria. “As pessoas surdocegas requerem serviços
especializados de profissionais formados em surdocegueira e métodos especiais de
comunicação, para desenvolver as atividades de vida diária.” (ASOCIDE apud MAIA,
2011, p. 37).
Para o Ministério da Educação (MEC) do Brasil a surdocegueira também é
deficiência singular. Vale ressaltar que as definições e concepções adotadas pelo MEC
foram baseadas em documentos apresentados pelo Grupo Brasil de apoio às pessoas
com surdocegueira e aos deficientes múltiplos. O Grupo Brasil é uma ONG criada em
1997, com a finalidade de unir as entidades que atendem as pessoas com surdocegueira.
São instituições filiadas ao Grupo Brasil: a Ahimsa - Associação Educacional
para Múltipla Deficiência, a Associação Brasileira de Surdocegos (Abrasc) e a
Associação Brasileira de Pais e Amigos dos Surdocegos e Múltiplos Deficientes
Sensoriais (Abrapascem). O objetivo do Grupo Brasil é promover uma melhor
qualidade de vida e ampliar os serviços prestados às pessoas surdocegas e/ou com
deficiência múltipla.
Lima (2014) relata que uma pessoa é considerada com surdocegueira
independente do grau da perda de um ou outro sentido. As crianças com surdocegueira
normalmente apresentam problemas na comunicação e na mobilidade e podem
apresentar reações de hiperatividade ou isolamento. Por essa razão, o profissional que
atua no AEE precisa ter formação na área para melhor compreender essa condição e,
assim, proporcionar melhor qualidade de vida a tais crianças. É preciso considerar que o
comprometimento simultâneo da visão e audição varia de uma pessoa para outra, fato
que explica a singularidade de cada caso (AMPUDIA, 2011).
A Resolução federal n.º 4, de 02 de outubro de 2009, que instituiu as diretrizes
operacionais para o AEE na Educação básica, estabeleceu:
Art. 1º [...] os sistemas de ensino devem matricular os alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no
Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de
recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional
Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.
53
Art. 2º O AEE tem como função complementar ou suplementar a
formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos
de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua
plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua
aprendizagem. (BRASIL, 2009).
Essa Resolução nacional orienta as escolas sobre o atendimento educacional
especializado, sugerindo que o AEE aconteça em salas de recursos multifuncionais
instaladas na própria escola ou em outra escola do ensino regular. O aluno deve receber
esse atendimento no contraturno da classe de escolarização, devendo ter articulação e
diálogo entre o professor da classe regular, o professor de AEE, a família do estudante e
a equipe multiprofissional da escola.
No âmbito estadual, o Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso
estabeleceu a Resolução Normativa n.º 002/2015, que institui as normas aplicáveis para
a Educação básica, incluindo a orientação que diz respeito ao AEE.
Art. 42. Os estudantes com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação devem ser
matriculados em classes comuns do ensino regular e no Atendimento
Educacional Especializado (AEE), complementar ou suplementar à
escolarização, ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em
centros de AEE da rede pública e privada ou de instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos,
pertencentes ao Sistema Estadual de Ensino. [...] o professor do AEE
deve identificar habilidades e necessidades dos estudantes, organizar e
orientar sobre os serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade
para a participação e aprendizagem dos estudantes. (MATO
GROSSO, 2015).
Carvalho (2017, p. 87) considera que “o AEE não substitui as atividades de
escolarização.” Ele deve ser compreendido como atendimento complementar e/ou
suplementar a fim de proporcionar autonomia às PCD dentro e fora da escola.
Maia (2011) deixa claro que as dificuldades sensoriais não devem ser
trabalhadas individualmente, mas em conjunto para propiciar a aprendizagem e a
comunicação da pessoa com surdocegueira e/ou deficiência múltipla. Nesse sentido, é
preciso utilizar
[...] estratégias específicas para favorecer situações de aprendizagem
nas quais os canais sensoriais remanescentes (tato, olfato,
propriocepção, cinestésico, vestibular e háptico) em conjunto com os
canais sensoriais de visão e audição (residual ou não) possam
54
promover as informações necessárias para que essas pessoas (com
surdocegueira e com deficiência múltipla sensorial) interajam e se
comuniquem com mais eficiência. (MAIA, 2011, p. 39).
Os canais sensoriais da propriocepção são aqueles que fazem com que o sujeito
reconheça a posição do corpo, mantendo-se ereto. O organismo se orienta à medida que
a pessoa se movimenta. O canal sensorial cinestésico diz respeito ao toque e ocorre
quando os estímulos são percebidos por reações musculares. A pessoa com
surdocegueira, ao se comunicar, toca o seu ouvinte. A pessoa aprende melhor ao
movimentar-se, tocar e manipular os objetos. O canal sensorial vestibular é o
responsável pela manutenção do equilíbrio. Fica localizado no sistema auditivo e é
responsável também pelo posicionamento da cabeça em relação à gravidade. O canal
sensorial háptico é relativo ao tato, de modo que a pessoa tem que tocar determinado
objeto para sentir textura, vibração, etc. (AYRES, 1987 apud MAIA, 2011).
Segundo Serpa (2002), a causa da surdocegueira pode ser congênita ou
adquirida. É congênita quando o indivíduo nasce com essa deficiência. É adquirida
quando o indivíduo nasce ouvinte e vidente e, por algum motivo, fica sujeito a essa
limitação, ou ainda quando o indivíduo nasce surdo ou cego e depois de algum tempo
tem a perda do outro sentido.
A surdocegueira congênita pode ter origem no período pré-natal ou pode ser de
origem genética. As causas da surdocegueira congênita são diversas: rubéola materna;
toxoplasmose; incompatibilidade sanguínea; uso de drogas teratogênicas14 durante a
gestação; prematuridade e anóxia, que é a falta de oxigenação no cérebro, podendo
ocasionar uma série de anomalias.
O que mais influência o nascimento de uma criança com surdocegueira é o fato
de a mãe ter adquirido rubéola durante a gestação. Quando há o nascimento de uma
criança com ausência ou precariedade da visão e audição em decorrência desse fato, os
pesquisadores chamam de surdocegueira em razão da Síndrome da Rubéola Congênita
(SRC). Isso significa que a surdocegueira naquele indivíduo foi ocasionada pela
passagem da rubéola da mãe para o filho durante a gestação (LIMA, 2014).
Fica evidente, portanto, a necessidade de realizar o exame/acompanhamento pré-
natal com os devidos cuidados, bem como tomar todas as vacinas recomendadas.
14 Drogas teratogênicas são medicamentos que, se forem usados durante o período de gestação, podem
ocasionar má formação no feto e também a surdocegueira.
55
No que diz respeito à surdocegueira de origem genética, podemos destacar duas
síndromes: a Síndrome de Usher e a Síndrome de Charge. A Síndrome de Usher é a
principal causa de surdocegueira adquirida. Ela está associada à surdez presente desde o
nascimento do indivíduo, com a perda gradual da visão (ou vice-versa), processo que se
inicia na infância ou na adolescência, tornando a pessoa surdocega (SILVA, s/d;
PINHEIRO, WIELAND, PROCHNOW, 2005). São pouquíssimos os casos em Usher
que ocorre de apresentar a perda dos dois sentidos concomitantemente desde o
nascimento. Há também quem nasça com os dois sentidos (visão e audição) preservados
e após determinada idade perca os dois. Pelo fato de adquirir a condição de
surdocegueira após uma certa idade, normalmente as pessoas com Usher possuem
aquisição de língua, seja ela oral ou língua de sinais.
Estima-se que a Síndrome de Charge que é uma das causas da surdocegueira
congênita de origem genética afete um em cada 10.000 nascimentos. Essa síndrome foi
descrita em 1979, sendo denominada “associação charge”. Em 1981, o acrônimo
CHARGE foi utilizado para denominar um grupo de características incomuns
observadas em recém-nascidos. A inicial de cada letra significa características dos
indivíduos. A letra C designa coloboma do olho; a letra H (do inglês heart) diz respeito
a defeitos cardíacos; a letra A significa atresia das coanas nasais, que é uma falha da
comunicação da cavidade nasal com a nasofaringe; o R indica o retardo no
desenvolvimento e/ou crescimento; o G denota anormalidades genitais e/ou urinárias; e
finalmente o E (do inglês ear) assinala anormalidades na orelha e surdez (MELDAU,
s/d).
A surdocegueira adquirida pode ter suas causas a partir de infecções, como
meningite, sarampo, otites graves e sífilis. Pode ser causada também por acidentes ou
tumorações.
Ampudia (2011) divide a surdocegueira em dois grandes grupos: a
surdocegueira pós-linguística e a surdocegueira pré-linguística15. Essa distinção está
relacionada ao fato de que existem pessoas com surdocegueira que têm audição residual
e até falam. Isso acontece nos casos em que a surdez evolui após o indivíduo ter
desenvolvido a linguagem oral; nesse caso, são chamados de “surdocegos pós-
linguísticos”. Há também os casos de “surdocego pré-linguísticos”, que acontecem
15 Destacamos aqui que a denominação surdocegueira pós-linguística e surdocegueira pré-linguística não
é mais utilizada, nos dias atuais utilizamos os termos surdocegueira adquirida e surdocegueira congênita.
Mas nesse parágrafo optamos por utilizar esses termos tendo como referência os estudos de Ampudia
(2011).
56
quando a surdocegueira é congênita ou quando ela ocorre num estágio em que o
indivíduo é ainda um bebê, ou seja, antes da linguagem oral ser desenvolvida. Nesse
caso, há a necessidade de propiciar formas alternativas de comunicação.
Fica evidente que quanto antes a surdocegueira for identificada e a criança
receber estímulos e orientação adequada, maiores são as chances de ela aprender a se
comunicar. Os sentidos remanescentes (tato, paladar e olfato), e ainda os sentidos
residuais, da visão ou da audição, devem ser estimulados e explorados para melhor
desenvolvimento da aprendizagem (AMPUDIA, 2011).
2.1 Movimento e proposta de Van Dijk
Pesquisadores que se situam no campo dos estudos relativos à surdocegueira
(IKONOMIDIS, 2009; MAIA, 2011; RACHED, 2011; WATANABE, 2017;
FALKOSKI, 2017; EMI, 2017, entre outros) fazem referência às contribuições de Van
Dijk, que realizou estudos sobre as fases do desenvolvimento de crianças com essa
deficiência. Por volta de 1960 o referido teórico iniciou na Holanda um programa para
estimular a comunicação em crianças com surdocegueira, cuja causa fosse a SRC. As
seis fases que compõem o referido programa de comunicação são:
(1) relação de apego e confiança – nutrição; (2) fenômeno de
ressonância; (3) movimento coativo; (4) referencia não representativa;
(5) imitação e (6) gestos naturais. Estas fases viabilizam melhores
condições de aprendizagem de um sistema de comunicação. Elas não
são excludentes, nem exclusivas, podendo a criança apresentar várias
fases simultaneamente. (RACHED, 2011, p. 90).
Rached (2011) explica que, segundo Van Dijk, a relação afetiva do adulto com a
criança com surdocegueira, e vice-versa, é a primeira fase do seu desenvolvimento.
Pode-se considerar, portanto, que “a primeira linguagem utilizada pela criança é a
emocional.” (p. 90). Durante essa fase, a criança interage e descobre o ambiente em que
está, emite sons, se movimenta, mas não fala; nessa fase, o adulto deve estar muito
atento a essas formas de comunicação, que são mais emocionais. Recomenda-se que o
número de pessoas que trabalham com a criança durante essa fase seja limitado para
evitar uma superestimulação ou também falta de estímulos.
57
Maia (2011), com base nos estudos feitos por Stillman e Battle (1984), chama a
atenção para a necessidade do educador atentar para a relação de afeto e confiança
referida por Van Dijk.
Quando a criança com surdocegueira ou deficiência múltipla inicia um
programa educacional ou um atendimento de intervenção precoce,
necessita ter em seu professor essa relação de confiança, ao se
aproximar, o aconchego, reconhecendo ele pelo toque, cheiro e ritmo
do desenvolvimento das atividades. (MAIA, 2011, p. 72).
Rached (2011) explica que na segunda fase, denominada fenômeno de
ressonância, é estabelecido um vínculo corporal do adulto e da criança. A iniciativa do
movimento deve partir da criança e por meio dessa ação corporal é possível estabelecer
um diálogo entre ambos.
Maia (2011, p. 52) considera que, segundo Van Dijk, nessa fase “o movimento
seja uma união entre o professor com as crianças.” Ou seja:
A fase de ressonância exige um contato físico muito próximo (quase
sem distanciamento) entre o professor e o aluno [...] há razões para
envolver as crianças em atividades de ressonância, pois elas permitem
ao professor ganhar atenção do aluno e desenvolver uma compreensão
sobre ele e as ações que afetam o meio ambiente, permitindo que as
crianças tenham de forma positiva, interações com adultos ou
crianças. Algumas aplicações das atividades de ressonância com
crianças envolvem a utilização total dos movimentos corporais de
mão, de parte dos movimentos do corpo ou com objetos. (WRITER,
1987 apud MAIA, 2011, p. 52).
O período em que ocorre a ressonância é muito importante, pois é nele que a
criança inicia a aceitação do toque de outra pessoa, de estar com o outro, permitindo a
interação, e o estabelecimento de relações positivas com o outro.
A terceira fase de desenvolvimento do programa de Van Dijk é a de movimento
coativo, também chamado de “movimento mão sobre a mão”. Para realizar o
movimento coativo, o ideal é que o adulto permaneça atrás ou ao lado da criança,
guiando a sua mão, pois dessa maneira ela se sente guiada. Se o adulto permanece na
frente da criança muitas vezes ela pode se sentir puxada. Nessa fase são desenvolvidas
as habilidades de antecipação, a criança começa a perceber que as atividades que são
propostas para ela têm início, meio e fim e que após terminada a atividade podem surgir
outras, e assim sucessivamente (RACHED, 2011).
58
Maia (2011, p. 52) também destaca a importância da fase de movimento coativo
na qual os “movimentos são realizados de forma paralela ‘ao lado de’ e feitos
simultaneamente, mas requerem uma separação física entre a pessoa com surdocegueira
e ou com deficiência múltipla e seu parceiro.” O adulto pode realizar atividades com a
criança, a princípio guiando sua mão, posteriormente permanecendo ao lado e, aos
poucos, manter distância física. Os estudos realizados por essa autora indicaram que,
por meio dos movimentos coativos, a criança pode acompanhar o movimento do
professor e reagir a eles.
Assim, era possível descobrir pela sua tonicidade muscular e verificar
se a reação na criança era positiva ou se o enrijecimento indicava o
desejo de recusa e o professor era capaz de perceber como a criança
estava emocionalmente (MAIA, 2011, p 52).
O educador de pessoa com surdocegueira precisa estar sensível para captar as
informações dadas pelas crianças, por exemplo: ao propor e realizar o movimento
coativo com a criança é possível perceber, pela sua tonicidade, se ela gosta ou não gosta
da atividade que está sendo proposta.
A quarta fase de desenvolvimento, segundo a proposta de Van Dijk, é a de
referência não representativa. Essa fase consiste na utilização de alguns símbolos,
objetos de referência que indicam para as crianças atividades, pessoas ou situações.
Nessa fase, a criança começa a reconhecer e localizar partes do próprio corpo e também
de outras pessoas, a partir da utilização de modelos tridimensional ou bonecos. É
importante salientar a necessidade dos objetos de referência, modelos tridimensionais
ou qualquer outro material utilizado terem uma equivalência com o real (RACHED,
2011).
A fase de imitação é a quinta proposta por Van Dijk. Ela se caracteriza pelo fato
de a criança ser estimulada para realizar determinada atividade sozinha. É como se fosse
uma evolução do que antes era o movimento coativo, sendo a principal diferença que
antes a criança desenvolvia determinado movimento ou atividade guiada pelo adulto;
nessa, por sua vez, o adulto orienta como deve realizar e ela faz sozinha aquilo que é
proposto. Na referida fase, a criança observa e imita o que o outro faz, demonstrando
compreender como deverá realizar as ações propostas. É nessa fase, igualmente, que a
criança tem a capacidade de ampliar a imagem mental que tem de determinado objeto,
59
utiliza os vestígios de visão e audição e também o tato para compreender aquilo que se
passa a sua volta (RACHED, 2011)
Finalmente, a sexta fase de desenvolvimento, segundo a proposta de Van Dijk,
diz respeito ao surgimento de gestos naturais. Rached (2011, p.93-94) relata que os
gestos naturais “surgem a partir da experiência com as qualidades motoras do objeto,
sendo constituídos por movimentos das mãos quase iguais aos objetos da ação. Os
gestos devem ser espontâneos e não criados em situações estruturadas”. Os gestos feitos
pelas crianças nem sempre se tratam de sinais formais de Libras.
É necessário que o educador de pessoa com surdocegueira fique atento aos
gestos que as crianças fazem quando estão próximas ao objeto ou pessoas. Nessa fase as
crianças também são capazes de fazer os gestos sem a presença dos objetos ou pessoas,
manifestando seus interesses. A fase demonstra que a criança possui uma ampliação na
capacidade de simbolização.
O gesto é feito primeiro com o objeto presente, para que a criança
possa fazer uma associação visual e tátil antes de realizar o gesto.
Depois que a criança tenha vinculado o gesto com o objeto, o gesto é
feito sem que o objeto esteja presente, de maneira que possa promover
um comportamento de solicitação, ou seja, pedido. (MAIA, 2011, p.
74).
Maia (2011) ressalta que, quando identificados, os gestos podem ser utilizados
pelos educadores para promover um comportamento na criança e verificar se ela associa
o gesto ao que é por ele solicitado. “O educador deve tratar de obter respostas naturais
da criança e não impor ou criar respostas artificiais.” (p. 74).
Observamos que tanto Maia (2011) como Rached (2011) consideram que o
educador de pessoa com surdocegueira precisa reconhecer os gestos utilizados pelas
crianças como sendo formas de comunicação, mesmo que esses gestos não sejam sinais
padronizados. Esse processo comunicativo necessita ser reconhecido uma vez que não
se pode impor um modelo de comunicação específico quando se trata de pessoas com
surdocegueira.
Quando a criança atinge a sexta fase pode-se introduzir gestos da língua de
sinais por meio do processo que Rached (2011, p.94) chama de “desnaturalização e
descontextualização”. Segundo a autora, a desnaturalização é quando o adulto
transforma gradualmente aquele gesto natural em um sinal padronizado. Essa transição
é um processo lento para que a criança compreenda que o gesto natural antes utilizado
60
por ela se transformou em um sinal específico. A descontextualização ocorre quando as
crianças antecipam imagens mentais e pedem por objetos ou atividades que desejam e
que estejam fora do contexto em que se encontram.
Maia (2011) observou que vários pesquisadores estudam e descrevem as fases de
desenvolvimento propostas por Van Dijk. Dentre eles, a autora cita os estudos de
Stillman e Battle (1984, p. 71) e afirma que “o programa proposto por Van Dijk não
deve ser entendido como uma sequência de atividades comunicativas realizadas
isoladamente, mas em algo que estabelece e permeia todas as atividades diárias da
criança”.
2.2 Processos e formas de comunicação
Dentre os conceitos que julgamos necessários considerar na análise da questão
colocada em pauta na nossa pesquisa, demos destaque à comunicação.
A comunicação é extremamente importante na vida de qualquer
pessoa, ela ocorre por meio de diferentes situações. Entretanto, o
processo de comunicação que ocorre de forma natural e facilmente
para a maioria das pessoas pode ser “especialmente” difícil para as
pessoas com deficiências neuromotora, surdocegueira, deficiência
múltipla, pessoas com deficiência intelectual que não falam e pessoas
com transtornos globais de desenvolvimento. A maneira como pessoas
como elas se comunicam pode ser muito diferente do modo que é
utilizado pelo seu parceiro de comunicação. (SOUZA; MAIA;
FONEGRA, 2011, p. 4).
As autoras supracitadas consideram a comunicação essencial para a vida de
qualquer ser humano, pois é por ela que interagimos e nos relacionamos com as demais
pessoas. Ela pode ser um processo relativamente simples para pessoas que não possuem
deficiência, no entanto é algo muito complexo e difícil para se estabelecer para as
pessoas com deficiência.
É relativamente comum as pessoas associarem a fala como sendo o principal
canal de comunicação, mas é necessário considerar que não é o único canal para que ela
de fato aconteça.
Comunicação é mais do que ser capaz de usar a fala ou mesmo de
desenvolver a linguagem. A fala é apenas uma capacidade motora de
expressão oral de elementos que nos servem como instrumento de
transmissão da linguagem. Pode ser substituída por outros
61
instrumentos como o gesto, a escrita ou sistemas gráficos. (AMARAL,
1997 apud SOUZA; MAIA; FONEGRA, 2011, p. 4).
Em se tratando da comunicação para pessoas que não falam, Souza, Maia e
Fonegra (2011) distinguem a comunicação em duas formas: expressiva e receptiva. A
comunicação expressiva é emitida pelo sujeito quando ele expressa suas vontades ou
responde o que lhe é perguntado. Já na comunicação receptiva, a pessoa compreende
aquilo que lhe foi ensinado ou mostrado, mas ainda não consegue dar uma resposta
sobre o que foi exposto. Por exemplo, uma criança com surdocegueira pode
compreender uma coisa que lhe é ensinada, mas não consegue se expressar. As autoras
descrevem ainda várias formas de comunicação. São elas: comunicação não alfabética
como expressão facial, gesto natural, gesto contextual, sinal personalizado, sinal
adaptado e também a comunicação simbólica.
A expressão facial é um tipo de comunicação expressiva que permite à criança
expressar seus anseios ou sentimentos. Ela sorri ou chora para demonstrar o seu
sentimento a respeito de alguma coisa. O gesto natural, como o próprio nome já sugere,
é utilizado de forma natural, “não pertencem a nenhum sistema de comunicação formal”
(p.5), já o gesto contextual ocorre dentro de um contexto, normalmente antecipa algo
que irá acontecer.
O sinal personalizado consiste em gestos naturais criados por PCD e seus
parceiros de comunicação. Os parceiros interpretam esses gestos, que são singulares de
cada criança. Os sinais personalizados podem estar associados ao uso de alguns dos
sentidos sensoriais ou objetos de referência. Entre os exemplos citados pelas referidas
autoras, destacamos: quando a criança sente o cheiro de algum alimento que ela goste,
ela coloca a língua para fora da boca, demonstrando que quer provar aquele alimento;
quando a criança está em um balanço e começa a se movimentar para frente e para trás,
demonstra que quer continuar a balançar.
O sinal adaptado na maioria das vezes é utilizado por pessoas que possuem
deficiência motora ou que possuem mobilidade reduzida com os membros superiores,
“os sinais de Libras são adaptados para facilitar a configuração de mãos promovendo a
comunicação.” (SOUZA; MAIA; FONEGRA, 2011, p. 8). Essa adaptação dos sinais
pode partir da própria PCD, como pelo seu parceiro de comunicação. Por exemplo: no
sinal de banheiro em Libras usamos o dedo indicador e o dedo mínimo esticados e os
demais dedos flexionados apoiados no antebraço oposto. No entanto, quando a pessoa
62
possui a mobilidade reduzida é possível adaptar esse sinal para que a pessoa consiga
realizá-lo; nesse caso, o dedo indicador e o médio permanecem esticados e os demais
flexionados apoiados no antebraço oposto.
Quando o indivíduo vai evoluindo no que diz respeito aos processos de
comunicação, vai aprendendo alguns tipos de comunicação simbólica por meio de
desenhos, objetos de referência reais, objetos de referência desnaturalizado, símbolos e
sistemas de calendário.
Como já foi exposto anteriormente, muitas crianças com surdocegueira não são
totalmente cegas e surdas. Recomenda-se, então, que esses canais sensoriais sejam
estimulados. Os desenhos são utilizados com essa finalidade, normalmente são
ampliados, usadas cores contrastantes, em relevo, ou até mesmo com contorno em
barbante para que o aluno consiga sentir e delimitar o seu limite.
Souza, Maia e Fonegra (2011) explicam que esses desenhos normalmente são
utilizados para antecipar as atividades. É possível também que se use o objeto de
referência real e ao lado o desenho desse objeto desnaturalizado com contorno em
tamanho real e posteriormente em miniatura para a criança identificar e perceber que
ambos se tratam da mesma coisa.
O sistema de calendários é uma técnica usada para organizar e antecipar o que
será trabalhado. Robbie Blaha, no livro “Calendários: para alunos com deficiência
Múltipla incluindo surdocegueira” 16, considera que o sistema de calendário adapta-se à
necessidade de cada aluno. O calendário é um recurso didático e possui a função de
organizar, referenciar, planejar ações, lembrar de situações já vivenciadas, antecipar
eventos, favorecendo o aprendizado e a comunicação.
O calendário pode ser confeccionado com material permanente, no entanto, é
mais comum os confeccionados com materiais recicláveis, como o papelão. Possui
algumas divisões, distribuídos sempre da esquerda para a direita os objetos de
referência, que têm a função de representar a sequência das atividades que serão
realizadas naquele dia. Ao lado do calendário normalmente há uma cesta ou uma caixa
do “acabou”.
Ao iniciar o dia de trabalho com a criança, o educador dispõe em cada
compartimento do calendário os objetos de referência, seguindo a ordem das atividades
16 O livro “Calendários para alunos com Deficiência Múltipla incluindo surdocegueira” foi traduzido por
Lilia Giacomini, Marcia Maurílio Souza e Shirley Rodrigues Maia, no ano de 2011. O material é
disponibilizado pelo Grupo Brasil.
63
que serão realizadas. A cada atividade realizada o aluno coloca aquele determinado
objeto de referência na caixa ou cesto do “acabou”; desse modo, ele percebe que aquela
atividade já se encerrou e irá iniciar outra atividade, indicada pelo objeto de referência
localizado no segundo compartimento do sistema de calendário, e assim
sucessivamente. Blaha (2011, p. 31) acredita que o sistema de calendários funciona
também como apoio emocional a PCD, uma vez que “o calendário proporciona a
segurança de saber o que é que vai acontecer”.
Outra forma de comunicação é a comunicação alfabética, que é baseada na
linguagem oral e na escrita. Nessa técnica, normalmente, o educador soletra o alfabeto
manual tátil nas mãos do aluno, que registra o que foi soletrado escrevendo em Braille,
ou, quando já possui habilidade para a escrita manual, escreve no papel (SOUZA;
MAIA; FONEGRA, 2011).
Segundo as autoras citadas, outras estratégias para comunicação são o passaporte
de comunicação, o livro de experiência real e os cadernos de conversação. No
passaporte de comunicação é descrito todo o histórico do aluno, sua história de vida, a
interação com a família, com as terapias que recebe. Nele é descrito também o que o
aluno gosta, o que não gosta, os medos, os sonhos. Ele pode ser confeccionado com a
ajuda do aluno. É interessante que sejam utilizadas fotografias, materiais táteis que os
alunos possam reconhecer. O passaporte de comunicação é de extrema importância para
orientar o educador de pessoa com surdocegueira; desse modo, é interessante que ele
permaneça na escola para acesso de todos, caso mude de professor.
As autoras também explicam que: “O livro de experiência real é confeccionado
após a realização de uma atividade que foi mais significativa para o aluno,
transformando assim em um livro de história.” (p. 20). Esse tipo de material permite que
a pessoa com surdocegueira construa e desenvolva uma memória tátil e/ou visual, se
possuir vestígios visuais. Ele pode ser confeccionado utilizando miniaturas, objetos de
referência, frascos vazios ou fragmentos que representem determinado objeto, que
quando montados em sequência vão representar alguma atividade que foi desenvolvida
e que foi satisfatória para aquele aluno.
O caderno de comunicação é realizado diariamente, fazendo-se os registros das
atividades diárias. Nele podem ser colados diversos materiais produzidos em sala de
aula, como desenhos, pinturas, colagens, fotografias. Esse caderno normalmente fica
com o aluno. Ele leva para casa, e lá os seus pais podem abrir, ver o que foi produzido e
64
estimular para que conte o que aconteceu naquele dia, instigando, assim, a comunicação
(SOUZA, MAIA, FONEGRA, 2011).
Segundo estudos feitos por McInnes (apud BOSCO; MESQUITA; MAIA,
2010), as crianças com surdocegueira apresentam dificuldade em compreender e imitar
o comportamento, seja de membros da própria família, seja de outras pessoas que
entrem em contato com elas. Para que a comunicação aconteça é necessária a utilização
de variadas técnicas, como a “mão-sobre-mão”, “mão-sob-mão”, “Libras tátil”,
“tadoma”, “objetos de referência”, entre outros.
Na técnica “mão-sobre-mão” a mão do professor é colocada sobre a mão do
estudante, de forma a orientar o seu movimento. Nesse caso, o professor tem o controle
da situação, direcionando, assim, a mão da criança. Na técnica “mão-sob-mão” é o
inverso. A mão do professor é colocada embaixo da mão do aluno, de modo que possa
orientar o seu movimento, mas não o controla. Desse modo, a criança se sente mais
confortável e motivada à compreensão do que está sendo ensinado.
Na técnica de “Libras tátil”, o mediador faz os sinais de Libras na mão do
estudante. Ele pode sentir com as mãos a datilologia das letras ou os sinais que estão
sendo feitos em Libras. Desse modo, se estabelecem os processos comunicativos entre o
sujeito com surdocegueira e o seu educador (TATEISHI; SANTOS; JINHUI, 2010).
Para pessoas com surdocegueira adquirida que possuem a aquisição de língua
oral é utilizado o sistema “Tadoma”. Nessa técnica a pessoa utiliza as mãos para sentir
vibrações, movimentos da boca e do maxilar da pessoa que está falando, e dessa
maneira consegue interpretar o que é dito.
Este método de comunicação consiste na percepção tátil da língua oral
emitida, mediante o uso de uma ou das duas mãos da criança
surdocega. A recepção das mensagens orais ocorre, geralmente,
mediante o posicionamento suave do dedo polegar da criança
surdocega, sobre os lábios do interlocutor. Os demais dedos se
mantêm sobre a bochecha, a mandíbula e a garganta do interlocutor.
Essa posição viabiliza o acesso da criança surdocega à produção da
fala pelos seus interlocutores. (NASCIMENTO, 2006, p. 31).
Tanto para pessoas com surdocegueira adquirida quanto para pessoas com
surdocegueira congênita o uso do tato e de outros sentidos é fundamental. Com o uso de
“objetos de referência”, eles podem sentir a forma dos objetos e associá-la a funções
correlatas, como, por exemplo, ao tocar uma colher associá-la ao momento de se
alimentar, ao tocar e sentir o cheiro de um sabonete associar ao ato de tomar banho.
65
Essas associações facilitam a orientação, proporcionando maior conforto para a criança
com surdocegueira (MAIA, 2010).
A utilização dessas técnicas de comunicação permite a interação de sujeitos
ouvintes com os sujeitos com surdocegueira. Para Boas et al. (2012), a comunicação é
essencial, pois possibilita a troca de informações, o estabelecimento de relações, a
aquisição de autonomia e a formação da identidade da pessoa com surdocegueira.
2.3 Educação em Ciências Naturais para estudantes com surdocegueira
Antes de explicitarmos o entendimento que temos de Educação em Ciências Naturais
para estudantes com surdocegueira julgamos ser necessário esclarecer o sentido que
damos aos termos Ciência e Educação em Ciências que interessa a tais estudantes.
No imaginário da sociedade ocidental a ciência é entendida como uma forma de
conhecimento organizada e sistematizada com base em métodos rigorosos que garantem
a veracidade dos fatos. Essa ideia é uma construção da modernidade, mais
especificamente da revolução científica, que ocorreu por volta do século XVII17.
Naquele período o mundo estava em convulsão em decorrência de profundas
transformações no cenário político, econômico, social e cultural. Entre as
transformações que deram azo à revolução científica, destacamos: as grandes
navegações, que comprovavam a esfericidade da Terra e a existência de outros
continentes, rompendo com a ideia de existência exclusiva do ecúmeno cristão;
surgimento das cidades e dos estados nacionais, que abalaram as bases do modo de
produção feudal; emergência do capitalismo, que mudou o centro econômico do poder;
reforma protestante, que engendrou mudanças na estrutura social, fazendo surgir outras
cartografias religiosas; rompimento com a ideia de natureza como algo sagrado para
transformá-la numa fonte de recursos propulsores de progresso; utilização pragmática
do conhecimento para transformá-lo em tecnologia.
17 De acordo com Jonh Henry, “Revolução científica é o nome dado pelos historiadores da ciência ao
período da história européia em que, de maneira inquestionável, os fundamentos conceituais,
metodológicos e institucionais da ciência moderna foram assentados pela primeira vez. O período preciso
em questão varia segundo o historiador, mas em geral afirma-se que o foco principal foi o século XVII,
com períodos variados de montagem do cenário no século XVI e de consolidação no século XVIII. De
maneira similar, a natureza precisa da revolução, suas origens, causas, campos de batalha e resultados
variam muito de autor para autor. Tal flexibilidade de interpretação indica claramente que a revolução
científica é, sobretudo, uma categoria conceitual do historiador. Mas o fato de a revolução científica ser
uma expressão de conveniência para historiadores não significa que ela seja um mero produto de sua
imaginação sem nenhuma base na realidade histórica.” (HENRY, 1998, p. 13).
66
A partir de então a filosofia natural deu lugar ao pensamento racional, que
buscava romper com dogmas, crenças e superstições para revelar a verdade pela ciência.
Por conseguinte, o cientista foi apresentado como o novo herói da humanidade por ser
devotado à busca da verdade, de forma intrépida, imparcial e desinteressada
(CHASSOT, 1994).
A confiança depositada na ciência foi reconhecida nas benesses que ela
possibilitou à humanidade. De fato, não se podem negar os avanços que a ciência
promoveu ao deslindar os segredos da natureza, incluindo os que são relativos à
dimensão do infinitamente grande (do universo) e à dimensão do infinitamente pequeno
(do mundo microscópico e subatômico). Graças à ciência e à tecnologia dela derivada
nós pudemos compreender o lugar da Terra no universo, descobrir medicamentos para
combater vírus, bactérias, protozoários, vermes e outros agentes patogênicos. Foi
possível também produzir e armazenar alimentos em larga escala para garantir a
existência humana e desenvolver tecnologias que se imiscuíram na nossa vida diária a
ponto de não ser possível pensar na dinâmica da sociedade contemporânea sem a
existência delas.
Essas e outras constatações dão evidências da importância do desenvolvimento
científico e tecnológico para a humanidade. Todavia, quando nos propomos a refletir
sobre o lugar da ciência na denominada sociedade do conhecimento a fim de estabelecer
relações com a Educação de pessoas com surdocegueira, algumas questões instigam
nosso pensamento: por que a ciência se tornou um conhecimento hegemônico? Quem
tem acesso à ciência? Em que língua a Ciência é produzida e divulgada? Qual é a
Educação em Ciências que interessa às pessoas com surdocegueria?
Do nosso ponto de vista o entendimento das razões pelas quais a ciência se
tornou um conhecimento hegemônico pode ser obtido pelas contribuições de autores que
integram a coletânea “Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso
sobre as ciências revisitado”, organizada por Boaventura Souza Santos (2006). Essa
obra, composta por 34 capítulos, apresenta análises de questões relativas à
epistemologia e à sociologia da ciência, permitindo uma reflexão crítica sobre o papel
da ciência no contexto econômico, político, social e cultural do nosso tempo. Tais
análises chamam atenção para a crise instaurada dentro da própria ciência, fato que
impele ao reconhecimento dos limites da racionalidade técnico-científica como método
para garantir a revelação da verdade. Os autores chamam atenção para a perda de
confiança no comportamento objetivo do cientista, nas fronteiras rígidas entre campos
67
do conhecimento e na netralidade da ciência em face de suas relações com o poder
(SANTOS et al., 2006). Há evidência de que a hegemonia da ciência foi produzida pela
negação de outras formas de conhecimento não referenciadas na racionalidade técnico-
científica.
A vinculação da imagem de cientista ao macho, branco, europeu serviu/serve
para “discriminar e para promover classificações entre pessoas (brancos, negros,
amarelos, europeus, latinos, africanos, asiáticos, ocidentais, orientais, civilizados,
primitivos, etc.), beneficiando alguns em detrimento de outros.” (TORRES, 2017, p.
45).
Nas críticas que Boaventura Souza Santos e seus coloboradores fazem à
racionalidade técnico-científica fica claro que não se trata de negar a validade da ciência
como um discurso que busca explicar os fatos. Trata-se do necessário reconhecimento
de que nós estamos diante de uma nova revolução científica produzida dentro da própria
ciência. No intento de contribuir com o debate o autor faz referência a um novo
paradigma, considerando que ele não pode ser apenas científico (conhecimento
prudente), mas também social (para uma vida decente). “A prudência é a insegurança
assumida e controlada. Tal como Descartes, no limiar da ciência moderna, exerceu a
dúvida em vez de sofrê-la. Nós, no limiar da ciência pós-moderna, devemos exercer a
insegurança em vez de sofrê-la.” (SANTOS, 1998 apud TORRES, 2017, p. 44).
Com base nesse tipo de entendimento nós consideramos que “os benefícios
possibilitados pela ciência são inegáveis e necessários a humanidade [...] no entanto, é
preciso considerar que a ciência é apenas uma das linguagens que adotamos para
explicar o mundo.” (LOPES; MACEDO, 2012, p. 60). Isso explica porque a
alfabetização científica vem sendo defendida como um direito de todo cidadão.
Com base nas ideias de Chassot (2003) nós consideramos que a alfabetização
científica possa ser pensada como
[...] possibilidades de que a grande maioria da população disponha de
conhecimentos científicos e tecnológicos necessários para se
desenvolver na vida diária, ajudar a resolver os problemas e as
necessidades de saúde e sobrevivência básica, tomar consciência das
complexas relações entre ciência e sociedade. (CHASSOT, 2003, p.
97).
68
Definir ações voltadas à alfabetização científica exige partir da seguinte
indagação: quem tem acesso à ciência? Entendemos que a busca de resposta para essa
pergunta passa pelo reconhecimento de que o propósito da ciência de se tornar um
conhecimento neutro e universal não se efetivou. Isso pode ser constatado pelo mapa do
analfabetismo no mundo que é justaposto ao mapa da fome no mundo.
A justaposição miséria-analfabetismo, observada sobremaneira nos países
pobres, contrastada com o excesso de consumo e com o volume de conhecimento que é
produzido e posto em circulação nos países ricos, mostra que a ciência se
manteve/mantêm vinculada ao poder político e econômico. Em outras palavras, a lógica
da distribuição de conhecimentos segue os mesmos pressupostos da lógica de
distribuição de rendas. Assim, “a injustiça social traduz-se, frequentemente, em injustiça
cognitiva. Isso ocorre no interior das sociedades e nas relações entre elas (as relações
entre Norte/Sul, entre centro e periferia do sistema mundial).” (SANTOS, 2006, p. 42).
Falar em injustiça cognitiva exige reconhecer que esse fato está atrelado não
apenas às questões sociais, mas também ao fato de que a ciência é produzida e
divulgada apenas na língua do ouvinte alfabetizado. Grupos sociais que não falam e/ou
não compreendem a língua culta adotada pelos ouvintes, a exemplo de pessoas com
surdez, cegueira ou surdocegueira, tendem a ser excluídas da ciência.
Em se tratando da surdez é necessário considerar que a negação do direito de
acesso à ciência está relacionada também ao fato de que, durante muito tempo, o surdo
foi visto como um corpo com defeitos que poderiam ser corrigidos pela ciência. Nesse
sentido, foram desenvolvidos procedimentos clínicos e tecnologias para reabilitar a
audição e a fala da pessoa com surdez.
O escopo de fazer da pessoa com surdez um ouvinte deu base ao ouvintismo,
conceituado por Skliar (1998, p.15) como “um conjunto de representações dos ouvintes,
a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte.” O
ouvintismo traz em si os postulados da modernidade, que supôs a existência de um
modelo de sujeito compatível com qualquer pessoa. “O sujeito normal era o sujeito
ouvinte, falante. A partir daí se estabeleciam metanarrativas que afirmavam não existir
nada fora da idéia desse sujeito normal.” (PERLIN; STROBEL, 2009, p. 14).
Se a escola se propõe a promover a Educação em ciências para pessoas com
surdez ela precisa reconhecer que esse grupo social tem uma pedagogia própria.
69
A pedagogia para o surdo não pode ser tida como a pedagogia global,
isto é, uma pedagogia igual para todos. [...]. O surdo, em primeiro
lugar, tem de saber sua língua, sua cultura, e também aprender o
mesmo que o ouvinte aprende, para poder interagir com ele. Digamos
que o surdo nunca vai viver num gueto [...], mas que vai interagir
continuamente no campo ouvinte. Portanto, a questão da cultura, da
identidade e das línguas dos surdos e dos ouvintes são, ao mesmo
tempo, as questões essenciais da pedagogia de surdos. (PERLIN;
MIRANDA, 2011, p. 109).
Se a Educação em ciências para pessoas com surdez é algo complexo em razão
da barreira linguística, o problema se acentua quando se trata de pessoas com
surdocegueira. Um surdo não ouve, mas vê o que ocorre no mundo. Suas experiências
diárias lhe permitem ter noções dos elementos da natureza. Ele vê o movimento dos
astros do céu e pode elaborar e/ou entender explicações para os dias e noites, fases da
lua, estações do ano. Pode imaginar uma viagem interplanetária, manifestando
entendimento do cosmo para além do que aparece na abóbada celeste. Ele vê a água em
suas múltiplas manifestações (como vapor d’água, rios, mares, geleiras, etc.), bem como
a diversidade de plantas e animais, o que lhe permite compreender o conceito de
natureza e das transformações que nela ocorrem. Se tiver acesso a uma pedagogia
adequada, tal como propõe Perlim e Miranda (2011), a pessoa com surdez pode adquirir
e/ou produzir conhecimentos científicos no mesmo nível que uma pessoa ouvinte.
Quando se trata da Educação em Ciências para pessoas com surdocegueria é
preciso considerar que essa é uma condição única, no qual o sujeito apresenta uma
dupla privação multissensorial da visão e audição, podendo apresentar ainda outro tipo
de deficiência intelectual ou motora. Dessa forma, a Educação em Ciências torna-se um
desafio, pois as pessoas com surdocegueira enfrentam dificuldades para compreender
fenômenos e abstrair conceitos.
Quando lemos a palavra pássaro, muitas imagens vêm a nossa mente,
baseado no que temos visto ou ouvido. Se os alunos jamais viram um
pássaro voar ou tenham escutado o seu trinado, quando lhe mostramos
a palavra pássaro eles não têm as experiências válidas para associá-la
com o pássaro real. Às vezes podem memorizar a palavra impressa, e
esta é muito abstrata para que compreendam que se refere a um
pássaro real. Esta forma usada sem compreensão chama-se forma sem
significado, que estes alunos ficam em risco de desenvolver.
(BLAHA, 2011, p. 13).
70
Levando em conta que o estudante com surdocegueira não tem experiências
anteriores que o fazem recordar o significado da palavra, o professor precisa criar
estratégias para que ele compreenda o significado de determinado gesto ou sinal relativo
a um ser vivo, objeto ou fenômeno. Ele precisa se reconhecer, portanto, como
“educador de pessoa com surdocegueira”, termo sugerido por Van Dijk, conforme
observou Maia (2011).
Um verdadeiro mediador ou educador de pessoa com surdocegueira é
aquela pessoa capaz de partilhar o mundo da pessoa com
surdocegueira e que pode deixar de lado o mundo da audição e da
visão no qual ela vive, promovendo para a criança diversas
experiências e, em especial, o uso do toque para explorar e manter a
interação com pessoas, animais e objetos. O toque é imprescindível
para essas crianças estabelecerem vínculos, para a mediação na
comunicação e para estabelecerem e processarem informações
sensoriais, organizando e desenvolvendo conceitos sobre o mundo.
(MAIA, 2011, p. 52-53).
Referenciadas nas proposições de Van Dijk sobre as fases do desenvolvimento
de crianças com surdocegueria nós reafirmamos a necessidade dos profissionais que
atuam nessa área se comportarem como mediadores do aprendizado, reconhecendo-se
no “lugar do outro”. Assim, é possível vivenciar experiências com a criança e desse
modo tão íntimo traçar estratégias para que elas possam aprender.
Ao analisarmos o processo de escolarização de pessoas com surdocegueira não
podemos pensar em um currículo com ementa de conteúdos formais a serem
trabalhados. Devemos pensar em currículo que possibilite a autonomia de vida diária,
autônoma e social, os chamados AVD e AVAS.
Acreditamos que a Educação em Ciências Naturais pode contribuir para a
interação do estudante com surdocegueira com o outro e com o mundo, desde que o
educador, como “parceiro significativo” (BOAS, 2014; FALKOSKI, 2017), ajude-os a
desenvolver habilidades de percepção do meio em que vive e de comunicação com
outras pessoas. Nesse sentido, é preciso levar em conta a opinião de Maia (2011) quanto
ao uso de materiais e brinquedos compatíveis com a condição da criança com
surdocegueira. A autora sugere que os materiais e brinquedos tenham cores
contrastantes, texturas, temperaturas, pesos, possibilidades de vibração que permitam ao
estudante explorar aquele objeto por ele ser interessante.
71
Consideramos que Leontiev (2004) é um autor que pode ajudar na compreensão
do papel do educador de crianças com deficiência. Ele chama atenção para o fato de que
nem todas as pessoas aprendem da mesma maneira. Por essa razão é necessário utilizar
métodos e estratégias diferenciadas para que elas possam aprender.
Milhares e milhares de crianças de todos os países do mundo
manifestam um atraso no seu desenvolvimento intelectual quando sob
todos os outros pontos de vista nada as distingue essencialmente das
outras crianças da sua idade. Estas crianças são incapazes de estudar
com resultados e em ritmos satisfatórios nas condições que lhes
convêm [...] a experiência mostra que em muitos casos conseguem
fazer consideráveis progressos e por sua vez liquidar completamente
seu atraso. (LEONTIEV, 2004, p. 337).
Esse autor considera que se as crianças forem estimuladas corretamente,
utilizando estratégias variadas e metodologia significativa, elas podem superar as
limitações e obter avanços significativos na sua aprendizagem.
72
3 EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM SURDOCEGUEIRA: UM PANORAMA
NACIONAL E DO MATO GROSSO
Neste capítulo buscamos apresentar um panorama da Educação de pessoas com
surdocegueira, focalizando o cenário nacional e estadual. Nesse sentido, organizamos o
capítulo em três partes. Inicialmente, tecemos algumas considerações sobre a história da
Educação de pessoas com deficiência, tendo como referência os escritos de Mazzotta
(2011). Na segunda parte focalizamos a Educação de pessoas com surdocegueira numa
abordagem histórica fundamentada em textos da legislação educacional brasileira.
Finalizando o capítulo, apresentamos o histórico da Educação especial em Mato Grosso
segundo Lemos (2016), bem como relatos de entrevistas sobre o atendimento às pessoas
com surdocegueira no referido estado.
3.1 Considerações sobre a história da Educação de pessoas com deficiência
A retrospectiva histórica da Educação especial apresentada nesse tópico foi
elaborada com base no livro de Mazzotta (2011), intitulado “Educação Especial no
Brasil: história e políticas públicas”. Segundo o autor, tal história é marcada por
preconceitos e negação de direitos. Durante muito tempo as pessoas com deficiência
foram colocadas à margem da sociedade, pois não eram consideradas à “imagem e
semelhança de Deus”. A exclusão social e cultural das PCD está relacionada também
com o fato delas serem vistas como seres incapazes e inválidos. De acordo com o autor,
esse quadro de exclusão só foi alterado quando pessoas com deficiência se tornaram
líderes da sociedade em que viviam. A partir de então, ocorreram movimentos no
sentido de reconhecer os direitos sociais de tais pessoas.
Os primeiros movimentos e medidas educacionais para atendimento das pessoas
com deficiência surgiram na Europa, tomaram força e se expandiram para os Estados
Unidos, Canadá e outros países, inclusive o Brasil. A primeira obra impressa sobre
Educação para deficientes foi “Redação das Letras e arte de ensinar mudos a falar”,
publicada em 1620, na França, por um pesquisador chamado Jean-Paul-Bonet
(MAZZOTTA, 2011).
Conforme observou esse autor “a primeira instituição especializada para a
Educação de surdos-mudos foi fundada pelo Abade Charles M. Eppée em 1790, em
73
Paris” (p.18), a quem é atribuída a criação do método de ensino por meio de sinais. Os
trabalhos de Eppée motivaram outros teóricos ao estudo da Educação de pessoas com
surdez, dentre esses o inglês Tomas Braidwood (1715-1906) e o alemão Samuel
Heinecke (1729-1790). Cada um deles fundou, em seus respectivos países, institutos
para a Educação desses sujeitos. Atribui-se a Heinecke a criação do “método oral”, que
hoje é chamado de leitura labial ou leitura orofacial. Desde aquela época tal método
contrapunha-se ao método de sinais.
Em Paris, no ano de 1784, Valentin Haüy fundou o primeiro instituto para
jovens cegos. “Naquela época Haüy já utilizava letras em relevo para o ensino de cegos,
tendo merecido a aprovação da Academia de Ciências de Paris.” (MAZZOTTA, 2011,
p. 19). O sucesso de seu instituto era tanto que Haüy foi chamado para comparecer à
corte de Luiz XVI para expor sobre o método que utilizava. Após a Revolução Francesa
outros países da Europa também abriram escolas para cegos, utilizando o método de
Haüy.
Em 1819, Charles Barbier, um oficial do exército, esteve no Instituto Nacional
de Jovens Cegos, fundado por Haüy com uma sugestão de processo de escrita
codificada expressa por pontos salientes. Tal método era utilizado nos campos de
batalha à noite, onde não se podia utilizar a luz para não atrair a atenção dos inimigos.
Essa ideia despertou o interesse de alguns professores do instituto, que logo começaram
a utilizar a escrita codificada na escolarização de pessoas com cegueira.
Em 1829, o jovem cego francês Louis Braille (1809-1852) fez uma adaptação do
código militar de comunicação noturna. No início, essa adaptação foi chamada de
sonografia e mais tarde chamada de Braille, tal como é conhecida até os dias atuais.
Esse método consiste em até seis pontos salientes na célula Braille e possibilita até 63
combinações diferentes.
Em Munique, na Alemanha, em 1832, surgiram as instituições para
atendimentos dos deficientes físicos e também foi nessa época, começo do século XIX,
que o médico Jean Marc Itard (1774- 1838) iniciou o atendimento dos deficientes
intelectuais na França. Itard inspirou outros médicos a trabalhar e estimular os sentidos
dos deficientes intelectuais. Um deles foi seu aluno Edward Seguin (1812-1880),
médico que usava cores, música e outros meios sensoriais e motores para estimular as
crianças com deficiência intelectual.
Quando se trata da Educação de pessoas com deficiência intelectual é necessário
destacar o nome de Maria Montessori (1870-1956), médica italiana que aprimorou as
74
proposições de Itard e Seguin. Ela desenvolveu um programa para o ensino de crianças
com deficiência intelectual, cujas técnicas foram experimentadas em vários países da
Europa e da Ásia. Conforme Mazzotta (2011, p. 23):
Montessori enfatizou a “autoEducação” pelo uso de materiais
didáticos que incluíam, dentre outros, blocos, encaixes, recortes,
objetos coloridos, letras em relevo. Definiu dez regras de Educação
que parecia considerar adequadas tanto a crianças normais em idade
pré-escolar, como a crianças treináveis, em idade escolar.
Maria Montessori acreditava que as crianças necessitavam ser tratadas
diferentemente dos adultos, precisavam se sentir motivadas para realizar uma atividade.
Para ela, o ambiente educativo deveria ser diferenciado para possibilitar que elas
brincassem livremente, com liberdade de escolha, e onde realmente pudessem se
comportar como crianças.
A primeira escola pública para pessoas com surdez nos Estados Unidos surgiu
em 1817, fundada pelo reverendo Thomas H. Gallaudet. Algum tempo depois, em 1848,
foi fundada outra escola pública para surdos, em Montreal, no Canadá. Somente 50
anos após a fundação da primeira escola para pessoas com cegueira na França é que
foram criados os primeiros internatos para cegos nos Estados Unidos. Em 1837, foi
criada a primeira escola para pessoas com cegueira totalmente subsidiada pelo Estado,
destacando-se que “este fato foi bastante importante, pois despertou a sociedade para a
obrigação do Estado para com a Educação dos portadores de deficiência.”
(MAZZOTTA, 2011, p. 24-25).
No Brasil, a história da Educação especial começou no período colonial, quando
D. Pedro II, em 1854, fundou no Rio de Janeiro o “Instituto de Meninos Cegos”, e três
anos mais tarde, em 1857, foi criado o “Imperial Instituto dos surdos-mudos” na mesma
cidade. Em 1891, o Instituto de meninos cegos passou a chamar-se “Instituto Benjamin
Constant (IBC)”, e 100 anos após a fundação do Imperial Instituto dos surdos-mudos
passou a chamar-se “Instituto Nacional da Educação de Surdos (INES)”, por meio da
Lei n.º 3.198, em 1957.
3.2 Educação de pessoas com surdocegueira: antecedentes históricos
No que diz respeito ao histórico da Educação de pessoas com surdocegueira é
preciso considerar que há pouca informação sobre esse campo do conhecimento.
75
Conforme observou Watanabe (2017), não há consenso quanto ao local e data das
primeiras experiências educacionais nessa área. Transcrevemos a seguir a síntese
apresentada por essa autora:
O primeiro registro sobre Educação de pessoa com surdocegueira é do
ano de 1700, na França, com Victoria Morisseau (1789-1832), que
recebeu atendimento educacional como descreve Camacho (2002).
Maia (2004), em sua pesquisa, indica que no ano de 1800 registrou-se
na Escócia o caso de James Mitchel, nascido em 1795, que recebeu
atendimento individualizado nos seus primeiros anos de vida. Amaral
(2002) relata que nos Estados Unidos há o registro da Educação de
uma pessoa com surdocegueira no começo do século XIX. Julia Brice,
jovem que ficou surda e cega ao mesmo tempo, aos quatro anos e
meio de idade, foi colocada em um asilo para pessoas com surdez e
deficiência intelectual, em Hartford, Connecticut, EUA, e ali aprendeu
a comunicação por sinais.
Em 1830, o Dr. Samuel Gridley Howe abriu a escola Perkins para
cegos em Watertown, Massachusetts, nos Estados Unidos. Ele
interessou-se por essas pessoas quando entrou em contato com Laura
Bridgman, pessoa com surdocegueira desde os dezoito meses de
idade. Ela foi admitida nesta escola e o próprio Dr. Howe a ensinou
por meio do Alfabeto Manual Tátil. (WATANABE, 2017, p. 33).
O primeiro país a oficializar e instituir a Educação de crianças com
surdocegueira foi a França, em 1860 (AMARAL, 2002 apud WATANABE, 2017).
Neste estudo não identificamos obras específicas que apresentam um histórico
da surdocegueira no Brasil. No entanto, foi possível observar que essa temática vem
sendo discutida no nosso país há alguns anos, conforme explica Rached (2011). De
acordo com essa autora:
A literatura sobre surdocegueira produzida nos Estados Unidos e
Europa é trazida para o Brasil, para uso interno, com subsidio da
Fundação Hilton/Perkins, pelos programas de atendimento na Escola
de Educação Anne Sullivan, Associação para deficientes Audiovisão
(ADEFAV), Associação Educacional para Múltiplas Deficiências
(AHIMSA), todos em São Paulo; e o Centro de Reabilitação da
Audição (CENTRAU), em Curitiba e a Fundação Catarinense de
Educação Especial. (ARÁOZ, 2003 apud RACHED, 2011, p. 83).
É comum encontrar os nomes de Hellen Keller e de sua professora, Anne
Sullivan, relacionados ao ensino de pessoas com surdocegueira. Hellen Keller foi a
primeira pessoa com surdocegueira a concluir a graduação e Anne Sullivan foi sua
76
professora. Foi a partir das práticas dessa educadora que Hellen passou a se comunicar
e compreender o mundo ao seu redor.
No nosso país a primeira instituição a receber estudantes com surdocegueira foi
a “Fundação para o Livro do Cego no Brasil”, fundada em 1946, em São Paulo. Hoje
essa instituição é chamada “Fundação Dorina Novill para cegos” (WATANABE,
2017). Em 1953, Hellen Keller visitou a instituição e foi lá que a professora Nice
Tonhozi, que trabalhava no Instituto Padre Chico, sentiu-se motivada a estudar essa
temática (WATANABE, 2017; GONÇALVES, 2010).
Nice conhecia bem a biografia da conferencista e decidiu conversar
com ela no fim do evento. Helen, surdocega desde a infância,
dominava o tadoma e não teve dificuldade para compreender o inglês
canhestro da brasileira. Ao tocar seus lábios, Helen repetiu as palavras
"Padre Chico", instituição para surdos, em São Paulo, onde Nice
lecionava. A professora se emocionou. Em 1960, Nice viajou para os
Estados Unidos e estagiou na Escola Perkins para Cegos, no
Departamento de Surdos. Ao voltar para o Brasil, criou classes
especiais para surdocegos em entidades que atendiam pessoas com
deficiência visual ou auditiva. No dia 9 de agosto de 1968, um decreto
criou em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, a primeira escola
especial para deficientes audiovisuais da América Latina. Em 1977, a
instituição receberia o nome Fundação Municipal Anne Sullivan, em
homenagem à professora de Helen. A fundação serviu como berço
para outras duas entidades importantes na história da Educação de
surdocegos no País. Em 1983, alguns profissionais deixaram São
Caetano do Sul para fundar, em São Paulo, a Associação para
Deficientes da Áudio Visão (Adefav). Neusa Bassetto, que trabalhava
com Nice desde 1970, participou da iniciativa. Em 1991, outro grupo
se separou da Anne Sullivan e fundou, também em São Paulo, a
Ahimsa. As três entidades disseminaram conhecimento sobre
Educação e surdocegueira no País. Margarida Monteiro, por exemplo,
era professora do Instituto Benjamin Constant (IBC), no Rio, uma
entidade que atende pessoas com baixa visão. Em contato com os
educadores paulistas, decidiu criar um grupo para surdocegos no IBC.
Seu primeiro aluno foi Carlos Jorge Rodrigues. [...] No dia 13 de julho
de 1995, Nice recebeu a Medalha Anne Sullivan, a principal
condecoração no campo da atenção a pessoas com surdocegueira. O
evento ocorreu em Córdoba, na Argentina, durante a 11.ª Conferência
da Associação Internacional para a Educação das Pessoas Cegas.
Quando voltava para o Brasil, Nice passou mal no aeroporto e foi
levada a um hospital argentino. Morreu dias depois. (GONÇALVES,
2010, on line).
A relevância da visita de Hellen Keller para a Educação de pessoas com
surdocegueira no Brasil foi relatada por Rached (2011) e Watanabe (2017). Foi a partir
dessa visita que surgiram várias iniciativas para a criação de salas para surdocegueira.
77
Segundo Rached (2011), é preciso destacar a importância do Grupo Brasil, que,
em parceria com a Secretaria de Educação Especial do Ministério de Educação
(SEESP/MEC), oferece cursos de capacitação em surdocegueira por todo o Brasil,
especialmente nas regiões norte e nordeste. Consideramos esse fato de grande
importância, uma vez que a maioria dos centros de atendimento especializados se
concentra na região sul e sudeste, e as demais regiões do país carecem de formação
adequada para um atendimento especializado a esses sujeitos.
Faz-se necessário considerar que, embora as primeiras experiências de Educação
de pessoas com surdocegueira tenham ocorrido no Brasil desde a década de 1950, com a
visita de Hellen Keller foi somente a partir do ano de 2002 que essa temática foi
incorporada em documentos que apresentam orientações didático-pedagógicas para a
Educação especial. Essa temática aparece na coleção “Estratégias e Orientações
Pedagógicas para a Educação de Crianças com Necessidades Educacionais Especiais”
(BRASIL/MEC, 2002 apud ALMEIDA, W., 2015). Antes dessa data a discussão era
apenas sobre outras deficiências, num contexto mais amplo (GALVÃO, 2010 apud
ALMEIDA, W., 2015, p. 93).
A incorporação da Educação de pessoas com necessidades educacionais
especiais na política educacional brasileira foi assegurada na Constituição de 1988, que,
no artigo 208, estabelece: “O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante
a garantia de [...] III - atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.” (BRASIL, 1988). O artigo
227 reafirma o direito das PCD à Educação ao estabelecer:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
à vida, à saúde, à alimentação, à Educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão [...] II - criação de programas de prevenção e atendimento
especializado para as pessoas portadoras de deficiência física,
sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e
do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o
trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços
coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as
formas de discriminação. (BRASIL, 1988).18
18 Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 65, de 2010.
78
Partindo do pressuposto de que as pessoas com deficiência têm seus direitos
garantidos na legislação educacional brasileira, nós realizamos uma análise da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), do Plano Nacional de Educação
(PNE) em vigência e documento subsidiário às políticas de inclusão. Considerando que
esses textos oficiais têm influências de movimentos que ocorrem em nível mundial em
defesa da inclusão, analisamos também a Declaração de Salamanca, que é apontada
como um dos mais importantes documentos relativos à Educação especial. Partimos do
entendimento de que a legislação deva assegurar o direito que as pessoas com
surdocegueira têm de atendimento educacional especializado, uma vez que os processos
de comunicação são significativamente complexos. Cada estudante com surdocegueira
requer atenção exclusiva do professor.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) reafirma o
princípio constitucional do atendimento educacional especializado:
Art. 4º O dever do Estado com Educação escolar pública será
efetivado mediante a garantia de [...] III - atendimento educacional
especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,
transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente
na rede regular de ensino. (BRASIL, 1996)19.
A referida legislação sugere que o AEE seja dado preferencialmente na rede
regular de ensino. Todavia, há necessidade de políticas educacionais mais efetivas que,
de fato, garantam a Educação de alunos surdos, cegos ou surdocegos. Para Ferreira
(s/d), o uso do termo “preferencialmente”, utilizado tanto na Constituição Federal de
1988 como na LDBEN, pode ser utilizado para excluir e negar esse direito aos alunos,
pois se refere a algo que é preferencial, não de cunho obrigatório. Portanto, se a escola
não se julgar apta a receber esse estudante, ela pode alegar falta de preparo dos docentes
e/ou inexistência de recursos, violando o direito das pessoas com deficiência e ferindo o
princípio democrático da inclusão.
A Lei n.º 13.005, sancionada no dia 25 de junho de 2014, aprovou o PNE 2014-
2024 e estabeleceu metas e estratégias para serem alcançadas nesse período. Uma das
metas a serem alcançadas diz respeito à Educação especial.
19 Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013.
79
Meta 4 - Universalizar, para a população de quatro a dezessete anos
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação, o acesso à Educação básica e ao
atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede
regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de
salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços
especializados, públicos ou conveniados. (BRASIL, 2014).
Para alcançar essa meta o PNE estabelece diversas estratégias. Dentre elas, as
estratégias sete e 13, que oferecem meios de acesso para a Educação de alunos surdos,
cegos e surdocegos.
4.7. garantir a oferta de Educação bilíngue, em Língua Brasileira de
Sinais (Libras) como primeira língua e na modalidade escrita da
língua portuguesa como segunda língua, aos(às) alunos(as) surdos e
com deficiência auditiva de zero a dezessete anos, em escolas e
classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos arts. 24 e 30 da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como
a adoção do sistema braille de leitura para cegos e surdos-cegos [...]
4.13. apoiar a ampliação das equipes de profissionais da Educação
para atender à demanda do processo de escolarização dos(das)
estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação, garantindo a oferta de
professores(as) do atendimento educacional especializado,
profissionais de apoio ou auxiliares, tradutores(as) e intérpretes de
Libras, guias-intérpretes para surdos-cegos, professores de Libras,
prioritariamente surdos, e professores bilíngues. (BRASIL, 2014, p.
56-57).
De todos os documentos analisados neste estudo, o PNE é o único que faz
referência direta às pessoas com surdocegueira. Por essa razão esse texto da legislação
educacional garante a oferta da Educação bilíngue, caracterizando a Libras como a
primeira língua para alunos surdos e com deficiência auditiva e o português como
segunda língua. Também estabelece a adoção do Braille como sistema de leitura e de
escrita para pessoas com cegueira e pessoas com surdocegueira. O texto prevê na
estratégia 13 a ampliação das equipes de profissionais para o AEE dos estudantes com
deficiência, garantindo, inclusive, guia-intérprete para pessoas com surdocegueira.
No que diz respeito à inclusão, reafirma-se a necessidade de investimentos na
formação de professores para incluir teorias e processos de ensino-aprendizagem
relacionados ao AEE para alunos com deficiência. Diniz (2012) chama atenção para a
necessidade de trabalho com a diferença:
80
Se não houver uma abertura para o trabalho com a diferença, em toda
sua ousadia, se a diferença presente no outro for uma precondição para
que ele não seja reconhecido como outro, se os referenciais escolares
continuarem os mesmos, não há caminho para a inclusão, ela torna-se
uma proposta vazia e sem direção. (DINIZ, 2012, p. 34).
O documento subsidiário à política de inclusão garante a individualização do
ensino por meio de planos específicos de aprendizagem. Todavia, o atendimento
individualizado não pode ser sinônimo de segregação. É preciso possibilitar as trocas
significativas de aprendizagem no ambiente escolar como forma de favorecer a
interação social entre tais estudantes (BRASIL, 2005).
Consideramos que as políticas de inclusão engendradas no Brasil estão
articuladas com os movimentos que ocorrem em nível mundial em defesa da Educação
de pessoas com necessidades educativas especiais, a exemplo da Conferência de
Salamanca, realizada na Espanha, no ano de 1994. Na referida Conferência foi feita a
chamada “Declaração de Salamanca”, constituída por um conjunto de princípios
norteadores de políticas e práticas na área da Educação especial. O texto desse
documento expressa o posicionamento de delegados representantes de 92 países e 25
organizações internacionais. Trata-se de um compromisso mundial “em prol da
Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de garantir a Educação
para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais, no quadro do
sistema regular de Educação.” (UNESCO, 1994, p. viii).
Os princípios fundamentais para a definição de ações na área das necessidades
educativas especiais pelos governantes e organizações apontados no referido documento
são:
• cada criança tem o direito fundamental à Educação e deve ter a
oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável de
aprendizagem,
• cada criança tem características, interesses, capacidades e
necessidades de aprendizagem que lhe são próprias,
• os sistemas de Educação devem ser planeados e os programas
educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas
características e necessidades,
• as crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem
ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através
duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas
necessidades,
• as escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem
os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias,
criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade
81
inclusiva e atingindo a Educação para todos; além disso,
proporcionam uma Educação adequada à maioria das crianças e
promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade, de todo
o sistema educativo. (UNESCO, 1994, p. viii-ix).
A Declaração afirma o direito que toda criança, jovem e adulto têm à Educação
que leva em conta suas características, singularidades, interesses, capacidades e
necessidades. Por essa razão, os programas educativos precisam ser fundamentados no
respeito à diversidade de características. Para efetivar a política de inclusão as escolas
regulares precisam se adequar por meio de uma pedagogia centrada na criança como
forma de combater as históricas práticas de discriminação.
Em se tratando da Educação de pessoas com surdez e com surdocegueira o
documento destaca a importância da linguagem gestual e das escolas especializadas
para esse público.
A importância da linguagem gestual como o meio de comunicação
entre os surdos, por exemplo, deverá ser reconhecida, e garantir-se-á
que os surdos tenham acesso à Educação na linguagem gestual do seu
país. Devido às necessidades particulares dos surdos e dos
surdos/cegos, é possível que a sua Educação possa ser ministrada de
forma mais adequada em escolas especiais ou em unidades ou classes
especiais nas escolas regulares. (UNESCO, 1994, p. 18).
Entendemos, portanto, que a Declaração de Salamanca considera que a
Educação de pessoas com surdez ou com surdocegueira pode ocorrer tanto nas escolas
regulares (desde que tenham unidades ou classes especiais) como em escolas especiais.
Essa condição é fundamental para que estudantes com surdez ou com surdocegueira
tenham acesso à língua gestual do seu país e, por conseguinte, à cultura surda.
A referida Declaração chama atenção para a necessidade de investimentos na
formação de professores para a Educação de estudantes com necessidades educacionais
especiais.
É preciso repensar a formação de professores especializados, a fim de
que estes sejam capazes de trabalhar em diferentes situações e possam
assumir um papel-chave nos programas de necessidades educativas
especiais. Deve ser adoptada uma formação inicial não categorizada,
abarcando todos os tipos de deficiência, antes de se enveredar por uma
formação especializada numa ou em mais áreas relativas a
deficiências específicas. (UNESCO, 1994, p. 28).
82
Nota-se que a formação de professores defendida no texto tem caráter
generalista como forma de preparar para o trabalho com todos os tipos de deficiência.
Nota-se, também, recomendações voltadas para a necessidade de articulação entre
instituições de formação de professores, escolas especiais e escolas regulares.
Tanto as instituições de formação de professores como o pessoal de
apoio das escolas especiais podem apoiar as escolas regulares.
Aquelas devem servir, cada vez mais, como centros de recursos para
estas últimas, oferecendo apoio directo aos alunos com necessidades
educativas especiais. Tanto as instituições de formação como as
escolas especiais podem facilitar o acesso a equipamentos específicos
e materiais, bem como a formação em estratégias educativas que não
sejam utilizadas nas classes regulares. (UNESCO, 1994, p. 31).
Nessa perspectiva, as escolas especiais assumem, portanto, um papel
preponderante no apoio às escolas regulares, sobretudo no que diz respeito ao apoio aos
estudantes e à proposição de práticas e recursos pedagógicos para a Educação especial.
Responsabilidade similar é atribuída também às instituições de formação de professores,
tais como as universidades.
O texto recomenda que “no contexto duma mudança sistêmica, os programas de
formação de professores, tanto a nível inicial como em-serviço, incluam as respostas às
necessidades educativas especiais nas escolas inclusivas.” (UNESCO, 1994, p. x). Essa
recomendação sugere articulação entre formação inicial e formação continuada,
reconhecendo que ambas constituem um único e contínuo processo.
Em síntese, na referida Declaração fica expresso o entendimento de que:
“Inclusão e participação são essenciais à dignidade e ao desfrute e exercício dos direitos
humanos. No campo da Educação, estas concepções refletem-se no desenvolvimento de
estratégias que procuram alcançar uma genuína igualdade de oportunidades.” (p. 11).
Todavia, o texto esclarece que, quando se trata de alunos que demandam atenção
contínua do professor, a exemplo dos estudantes com surdocegueira com outros
comprometimentos sensoriais, é preciso considerar que uma sala de ensino regular não
oferece condições adequadas para o seu atendimento. Em tal situação o princípio da
inclusão escolar não pode ser efetivado.
Neste estudo reiteramos a ideia de que “a inclusão não significa ocupar o mesmo
espaço físico. A acessibilidade é uma condição necessária, mas não suficiente para que
a inclusão se efetive.” (LOPES; FABRIS, 2016, p. 107). Reiteramos também o
entendimento de que a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
83
e Inclusão (SECADI) tem papel preponderante na política de inclusão, uma vez que essa
instância governamental foi criada com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento
inclusivo dos sistemas de ensino, valorizando a diversidade e as diferenças, visando à
promoção da Educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade
socioambiental (DINIZ, 2012).
3.3 A Educação Especial em Mato Grosso: um olhar sobre surdocegueira
Lemos (2016), em sua dissertação de mestrado intitulada “Processos de Inclusão
em Atividades de Educação em Ciências: percursos e percalços vivenciados no projeto
Novos Talentos – UFMT/CAPES”, fez um levantamento histórico da Educação especial
e da Educação de surdos no estado de Mato Grosso e relata que a Educação especial em
Mato Grosso começou na Escola Estadual José Magno. É importante destacar que a
Escola Estadual Jose Magno foi fundada em 1938, mas o atendimento a alunos com
surdez foi ofertado duas décadas após sua fundação.
Lemos (2016) destaca, ainda, que não foi possível encontrar documentos legais
que atestassem esse fato. As informações foram coletadas com base em relatos de
professores que atuam há mais tempo na unidade escolar. Todos os relatos deixam claro
que a referida escola foi a precursora da Educação de surdos no Mato Grosso. O modelo
de atendimento adotado na escola era referenciado nos métodos adotados pelo INES.
Essa autora explica que, quando se trata de pessoas que atuaram nas primeiras
experiências da Educação de surdos em Mato Grosso é preciso destacar o nome da
professora Arlete Maria Migueletti, que, entre os anos de 1958 e 1960, realizou estudos
no INES. Ao retornar do Rio de Janeiro começou a alfabetizar os surdos em sua própria
casa, mas o número de alunos foi crescendo e, após muita insistência, em 1964, a
Seduc/MT criou o Centro Auditivo Maria Luisa Pimenta. Essa instituição passou a ter
salas anexas nas dependências da Escola Estadual José Magno (LEMOS, 2016).
O Centro Auditivo Maria Luiza Pimenta foi extinto para dar origem ao Centro
Estadual de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Profª Arlete Maria Pereira
Migueletti, por meio do Decreto n.º 1.138, publicado no D.O. em 20/01/2000. Com a
criação do Ceaada, o governo do estado de Mato Grosso custeou a ida dos profissionais
que ali trabalhariam para o INES, a fim de se qualificarem.
84
Em 2011, foi criado o Centro de Apoio e Suporte à Inclusão da Educação
Especial (Casies) e a partir daí a Seduc/MT passou a ofertar curso de Libras aos
profissionais interessados e aos familiares das pessoas surdas.
No ano de 2012, o governo de estado de Mato Grosso fixou as normas para a
oferta da Educação especial no sistema estadual de ensino por meio da Resolução
Normativa n.º 001/2012 – CEE/MT20. O artigo 2º da referida resolução é pautado em
alguns princípios éticos, políticos e estéticos que fundamentam a Educação especial
ofertada aos estudantes que apresentam necessidades educacionais especiais. Esses
princípios são:
I. a preservação da dignidade humana e a observância do direito de
cada aluno de realizar seus projetos de estudo, de trabalho e de
inserção na vida social;
II. a busca da identidade própria de cada educando, o reconhecimento
e a valorização das suas diferenças e potencialidades, bem como de
suas necessidades educacionais especiais, no processo de ensino e
aprendizagem, como base para a constituição e a ampliação de
valores, atitudes, conhecimentos, habilidades e competências;
III. o desenvolvimento para o exercício da cidadania, da capacidade de
participação social, política e econômica e sua ampliação, mediante o
cumprimento de seus deveres e o usufruto de seus direitos. (MATO
GROSSO, 2012, p.1).
Essa Resolução orienta que a Educação ofertada às pessoas com necessidades
educacionais especiais deve intentar o desenvolvimento intelectual, a autonomia do
indivíduo e o exercício para a cidadania. A Resolução orienta que o AEE deve ser
ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de atendimento
especializado. Salienta ainda que esse atendimento deve ser ofertado no turno inverso
ao da escolarização.
Segundo a citada Resolução Normativa: “Os serviços desenvolvidos nos Centros
de Atendimento Especializado deverão ser planejados e executados por professores
especializados e/ou capacitados.” (MATO GROSSO, 2012, p. 3). A Resolução
Normativa garante também no artigo 16 que: “Os professores que atuam em salas de
recursos multifuncionais ou em centros de atendimento educacional especializado
deverão ser capacitados e/ou especializados mediante programas de formação inicial e
continuada.” (MATO GROSSO, 2012, p. 6). É válido ressaltar que o governo de estado
orienta que os professores que atuam com estudantes com necessidades educacionais
20 A resolução 001/2012 – CEE/MT é uma revisão da Resolução 261/2002 - CEE/MT. A Resolução
261/02 fixava as normas para a Educação especial na Educação Básica do Sistema Estadual de Ensino.
85
especiais sejam capacitados continuamente. Percebemos também que essa Resolução
Normativa trata de normas de oferta da Educação especial para o estado, mas em
nenhum momento faz menção à surdocegueira.
No que diz respeito à Educação de estudantes com surdocegueira julgamos
necessário destacar que existem poucos registros sobre a questão. Em termos de
legislação, identificamos somente a Portaria n.º 309/14/GS/SEDUC/MT, que orienta
quanto ao atendimento de tais estudantes em salas de recursos multifuncionais.
Art. 7º. Nas Salas de Recursos Multifuncionais (Atendimento
Educacional Especializado) implantadas nas Unidades Escolares serão
admitidos o número mínimo de 02 (dois) alunos e máximo de 04
(quatro) alunos por turma de Deficiência Múltipla (Surdocegueira) e
de no mínimo 05 (cinco) e máximo de 15 (quinze) alunos por turma
de: Déficit Intelectual; Surdez ou Deficiente Auditivo; Deficiente
Visual, cegos ou baixa visão; Transtorno Global de Desenvolvimento,
Altas Habilidades/Superdotação. (MATO GROSSO, 2014, p. 24).
Sendo assim, ela só delimita a quantidade de alunos com surdocegueira que
seriam atendidos em salas de recursos multifuncionais, isso quando os alunos são
matriculados no ensino regular. Mas até o momento não encontramos nenhuma portaria
que orientasse a quantidade de alunos que são atribuídos por professor em classes
específicas de surdocegueira.
Diante da carência de documentos oficiais sobre a Educação de pessoas com
surdocegueira no estado de Mato Grosso, fomos impelidas a recuperar dados históricos
sobre essa questão a partir de entrevistas com pessoas que participaram da criação de
salas específicas de surdocegueira. Entre os entrevistados incluímos: uma professora
que participou do primeiro curso de formação ofertado pelo estado de Mato Grosso no
ano de 2008; uma professora que trabalhava na Secretaria de Educação do Estado de
Mato Grosso; um professor que atuou como coordenador pedagógico do Ceaada; e uma
mãe de uma estudante com surdocegueira. É pertinente destacar que a referida mãe é
presidente da Abrapascem-MT. Além das entrevistas procedemos também a um
levantamento de informações no site da Seduc/MT.
O uso de fontes orais como dados de pesquisa foi fundamentado no
entendimento de que “um dos aspectos mais interessantes do uso de fontes orais é que
não apenas se chega a um conhecimento dos fatos, mas também a forma como o grupo
os vivenciou e percebeu.” (GARRIDO, 19 93 apud LEMOS, 2016, p. 58).
86
A professora entrevistada, além de participar do curso de formação ofertado pelo
estado no ano de 2008, participou da primeira atribuição de aula em sala específica para
surdocegueira no ano de 2009.
A professora Julia relata que o Ceaada, desde a sua criação, sempre atendeu
estudantes com surdocegueira, porém, até 2008, nenhum professor da instituição tinha
formação específica para atuação nesse campo da Educação especial. O fato também foi
relatado pela professora Luzinete, que na época trabalhava na coordenação de Educação
especial da Seduc-MT, e também por Roseli, que é mãe de uma estudante com
surdocegueira, conforme foi relatado nas entrevistas a seguir:
Alguns desses alunos que hoje estão nessa modalidade de ensino, na
surdocegueira [...] já estavam inseridos nessa unidade escolar, mas
ainda não se tinha esse trabalho com essa visão específica. Um
trabalho minucioso na área da surdocegueira requer um diagnóstico
para iniciar esse trabalho para saber se realmente esse sujeito, ele
tem uma dupla privação multisensorial dos sentidos, que é a visão e a
audição, pra se iniciar um trabalho e ter uma proposta pedagógica
que seja pertinente e que tenha avanços significativos na vida desse
educando, desse sujeito. E essas crianças já estavam aqui no Ceaada.
Eles recebiam um atendimento, a escola sempre os acolheu, os
atendeu, mas era um trabalho direcionado para surdos múltiplos.
(Professora Julia, dia 15 de maio de 2017).
Esses alunos foram chegando no Ceaada. Até então a gente não tinha
muito conhecimento desses alunos em outras escolas. Eles
começaram a ingressar dentro do Ceaada, que é uma escola pra
surdos. Na época a gente achou que era viável, isso porque já que
tinha os surdos poderia muito bem atender os surdocegos. Mas
quando eles foram chegando, a princípio eles estavam juntos, eles
estavam misturados lá dentro, eles estavam até junto com alunos que
tinham surdez associado a uma deficiência mental. Então, o primeiro
passo que tivemos que fazer foi realizar uma avaliação desses alunos,
pra saber quem era alunos com surdocegueira e quem era alunos com
déficit intelectual, porque quando chegaram estavam todos
misturados lá e precisava ter essa separação. (Professora Luzinete,
dia 22 de janeiro de 2018).
A primeira escola a receber o surdocego foi o Ceaada, mas naquela
época se trabalhava os alunos como crianças surdas, só a parte
auditiva mesmo. A gente sabia que tinham outras deficiências, mas
até então não havia um conhecimento da surdocegueira. (Roseli, mãe
de uma estudante com surdocegueira, dia 06 de fevereiro de 2018).
A professora Luzinete explicou também que não havia equipes para realizar essa
avaliação nos alunos, para atestar a surdocegueira. A avaliação era feita pela equipe
multidisciplinar do Ceaada.
87
Na época, quando eles começaram, a Secretaria não tinha ofertado
nenhuma formação na área de surdocegueira. Então, nós começamos
primeiro com a própria equipe multidisciplinar do Ceaada, que foi
fazendo essa investigação, que foi escrevendo sobre eles e a gente foi
acompanhando para saber se eles realmente eram alunos com
surdocegueira, mas sempre ficava um ponto de interrogação.
(Professora Luzinete, dia 22 de janeiro de 2018).
Os anseios por compreender a surdocegueira e os procedimentos de ensino para
tais alunos levaram à busca por qualificação. No ano de 2008, professores do Ceaada e
representantes da Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso se dispuseram a
participar de um curso de formação sobre surdocegueira em Brasília-DF. O curso foi
ministrado pela professora Shirley Rodrigues Maia da Ahimsa, conforme relatado a
seguir:
Nós tínhamos muitas interrogações a respeito desse trabalho que
estava sendo desenvolvido com essas crianças, pois as respostas não
estavam sendo condizentes [...] Isso nos angustiava muito. Foi
quando a Seduc participou de um encontro em Brasília com a
presença da Professora Shirley Maia e também pessoas da equipe
dela, a professora Sandra Mesquita, a Vula e outros que fazem parte
da equipe, que trabalham com ela em São Paulo na [...] Ahimsa.
(Professora Julia, dia 15 de maio de 2017).
Após essa formação inicial em Brasília, a professora Shirley Rodrigues Maia e
sua equipe optaram por fazer a formação sobre surdocegueira nos estados de Mato
Grosso e Espírito Santo. Essa opção foi justificada pela constatação de que havia um
grande número de casos de surdocegueira nesses estados e que não havia um trabalho
específico para esse público. Vale ressaltar que o estado de Mato Grosso, mesmo com
dificuldades, tentou se organizar e atender tais alunos. A importância da presença da
professora Shirley Maia e de sua equipe na formação de professores para a Educação de
pessoas com surdocegueira no estado de Mato Grosso é destacada no relato:
A Secretaria de Educação trouxe essa profissional até Cuiabá e eu
participei da primeira formação que teve aqui. A professora Shirley
Maia socializou seus conhecimentos, nos auxiliando e nos formando
[...] O governo de Estado estava oferecendo o curso para os
professores que trabalhavam com múltiplos e surdocegueira,
específico para surdocegueira e eu participei através de um sorteio na
escola. (Professora Julia, dia 15 de maio de 2017).
88
Ao realizarmos uma busca sobre a Educação de pessoas com surdocegueira no
site21 da Seduc/MT encontramos a seguinte matéria relativa ao ano de 2008:
Professores de 40 municípios de Mato Grosso estão sendo
privilegiados com uma capacitação inédita. Em parceria com o
Ministério da Educação, a Seduc realiza esta semana capacitação para
professores que lecionam para alunos com surdocegueira, uma
deficiência que impossibilita ver e ouvir, dificultando a comunicação
entre professor e aluno. [...] Os professores [palestrantes] que estão em
Cuiabá integram a AHIMSA, que na língua indiana significa “não-
violência”. A diretora de Educação do grupo, Shirley Rodrigues Maia,
explica que o nome expressa exatamente o que o trabalho pretende
alcançar. “Estamos aqui para treinar profissionais que vão atender
crianças com necessidades educacionais especiais, deixar essas
crianças fora da sala de aula é uma violência”. (MATO GROSSO,
2008, on line).22
Como a Educação para estudantes com surdocegueira era algo novo e dada a
ausência de profissionais qualificados na área no estado, o curso de capacitação ofertado
no ano de 2008 foi estendido a profissionais que atuam com a Educação especial e que
moram no interior do estado.
Na entrevista concedida pela professora Luzinete ela narrou que na época que a
professora Shirley Maia veio a Cuiabá para dar o curso de formação para os professores
do estado ela fez uma avaliação com os alunos do Ceaada.
Quem nos ajudou muito foi a professora Shirley Maia, pois quando
ela chegou, quando ela veio pela primeira vez, ela avaliou todos os
alunos. (Professora Luzinete, dia 22 de janeiro de 2018).
Essa disponibilidade e avaliação ajudou na confirmação de quem realmente
tinha surdocegueira.
Em entrevista realizada com o professor Luis Grassi, que hoje atua na Casa
Civil, evidenciamos que a Educação da pessoa com surdocegueira passou e ainda passa
por muitos desafios. Segundo o nosso entrevistado:
Primeiro, o que eu observava na questão da Educação da pessoa
surdocega é que era tudo muito novo [...] a família não sabia como
21 Busca por palavra-chave “surdocegueira” ou “surdocego” no site da Secretaria de Educação do estado
de Mato Grosso. Disponível em: <www.seduc.mt.gov.br>. Acesso em: 18 de novembro de 2017. 22 Matéria encontrada no site da Seduc, utilizando a palavra-chave “surdocegueira”. Disponível em:
<http://www2.seduc.mt.gov.br/-/mec-e-seduc-capacitam-professores-para-trabalhar-com-
surdocegos?inheritRedirect=true>. Acesso em: 18 de novembro de 2017.
89
lidar com a situação, não sabia nem o que o filho tinha. É uma
Educação que tem que ter continuação do profissional, porque o
primeiro passo é que se estabeleçam vínculos, que a criança adquira
confiança. Mas como você não tem efetivo qualificado é por contrato,
às vezes o aluno começa com você, chega em dezembro você sai,
conta ponto, mas em fevereiro quando iniciam novamente as aulas e
esse aluno está com outro professor, aí até estabelecer todos os
vínculos novamente vai muito tempo. (Professor Luis Grassi, dia 24 de
janeiro de 2018).
Dessa maneira, podemos perceber que a ausência de diagnóstico específico foi
algo que dificultou a oferta de um ensino especializado a esses alunos, fato que nos
remete ao que foi relatado na entrevista da mãe:
Eu, como mãe, fui realmente ter conhecimento que minha filha era
surdocega ela já estava com 10 anos de idade, e hoje ela está com 19.
(Roseli, mãe de uma estudante com surdocegueira, dia 06 de fevereiro
de 2018).
A professora Luzinete também relatou em sua entrevista os seus anseios quanto
à falta de diagnóstico precoce, que, segundo ela, tem implicações.
Esses alunos não tiveram nem estimulação, então no meu
entendimento com esses alunos perdeu-se muito tempo mesmo e para
qualquer aluno com deficiência tempo é vital. (Professora Luzinete,
dia 22 de janeiro de 2018).
Dessa maneira, fica evidente que quanto mais cedo houver o diagnóstico e
atendimento educacional especializado mais os alunos com surdocegueira podem se
desenvolver.
Outro ponto em questão levantado na entrevista com o Professor Luis Grassi foi
o fato de não haver profissionais efetivos com formação para atuar com esses
estudantes. Todos os profissionais que atuam com surdocegueira no Ceaada têm
contrato temporário. Dessa forma, ainda que se qualifique o professor, não há garantias
de que ele irá continuar trabalhando na área, pois as regras do sistema podem mudar de
um ano para o outro. A ausência de política de formação e de garantia de permanência
do professor qualificado na área da surdocegueira gera nos estudantes, nos pais e
professores um sentimento de instabilidade e de quebra de vínculos. Vale ressaltar que,
de acordo com Van Dijk, a relação de apego e confiança é a primeira fase do
desenvolvimento de crianças com surdocegueira.
90
Segundo relatos da professora Julia, três profissionais do Ceaada participaram do
curso de formação ofertado pelo estado no ano de 2008. Ela, que atuava como
professora interina, e mais duas professoras efetivas, sendo que uma delas já se
aposentou e a outra não trabalha mais na unidade escolar. Julia narrou, ainda, que das
três professoras que fizeram essa formação sobre surdocegueira apenas ela permaneceu
na área.
Com base nas entrevistas com a professora Julia, com os gestores (professora
Luzinete e professor Luis Grassi) e com Roseli, que é mãe de uma estudante com
surdocegueira, podemos dizer que o Ceaada foi a primeira escola que iniciou o
atendimento aos estudantes com surdocegueira. No ano de 2008 houve um curso de
formação ofertado aos profissionais de todo o estado que atuavam com tais estudantes.
O curso foi ministrado pela professora Shirley Maia e sua equipe, e foi nessa época
também que foi realizada uma avaliação para identificar os alunos que tinham
surdocegueira.
Em síntese, os dados relativos ao atendimento de pessoas com surdocegueira na
rede pública de ensino em Mato Grosso indicam que o reconhecimento desse direito foi
tardio. Deu-se a partir da década passada, de forma precária, pois os professores não
tinham qualificação na área e não tinham/não têm garantias de continuidade do trabalho.
Esse fato compromete a relação de apego e confiança entre o professor, o estudante e os
pais.
91
4 O CEAADA COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM
SURDOCEGUEIRA
Conforme foi discutido no capítulo anterior, no estado de Mato Grosso, o
Ceaada tem papel de destaque na Educação de estudantes com surdez e com
surdocegueira. Considerando os objetivos deste estudo, neste capítulo buscamos
caracterizar essa instituição educativa como um espaço de Educação de pessoas com
surdocegueira.
Para desenvolver análises sobre essa temática organizamos o texto em cinco
tópicos. Inicialmente, caracterizamos o Ceaada como instituição que atende esses alunos
e as salas criadas para o atendimento de estudantes com surdocegueira, destacando os
recursos utilizados especialmente no que se refere à tecnologia assistiva. Em seguida,
apresentamos o perfil dos estudantes surdocegos que participaram do estudo,
observando o tempo de escolarização, as causas da surdocegueira e aspectos como
locomoção, alimentação, higiene e comunicação. O perfil das professoras, apresentado
na sequência, aborda questões relativas à formação profissional, tempo de experiência
na Educação, formação na área de surdocegueira. No quarto tópico analisamos os
processos de comunicação entre os estudantes com surdocegueira e as respectivas
professoras. Finalizando o capítulo, discutimos os processos de interação entre a sala de
surdocegueira, a escola e os pais.
Para desenvolver análises sobre as questões suscitadas neste estudo buscamos o
amparo teórico em autores como Maia (2011), Duarte et al. (2011), Manzini e
Deliberato (2007) e Galvão Filho (2009), entre outros.
Para discutir formação e profissionalização docente recorremos às contribuições
teóricas de Marcelo Garcia (1999), Antonio Nóvoa (1995) e Roldão (2007). O conceito
de experiência profissional é discutido a partir das contribuições de Jorge Larrosa
(2016).
4.1 Caracterização do Ceaada e da sala de surdocegueira
O Ceaada é uma escola da rede estadual especializada no atendimento de
estudantes com surdez. Foi fundada pelo Decreto nº 1.138, em 20 de janeiro de 2000. A
escola funciona no período matutino e vespertino e no ano de 2017 contava com cerca
de 41 funcionários, sendo que, desses, seis eram efetivos e 35 interinos.
92
Aproximadamente 105 alunos estudam no Ceaada. O público-alvo são os
estudantes surdos, mas, segundo relatos de pessoas que foram por nós entrevistadas,
sempre atendeu os estudantes com surdocegueira. A princípio não havia uma sala
específica para surdocegueira. Foi somente a partir do ano de 2009 que começou o
atendimento específico para esse público, após a realização de um curso de formação de
professores ministrado pela pesquisadora Shirley Maia.
No ano de 2017, observamos que a escola pesquisada possui turmas próprias
para escolarização de pessoas com surdocegueira. Essas turmas funcionavam em um
mesmo espaço físico. Cada turma era formada por um único aluno, que era atendido por
uma professora específica.
Naquele ano, a escola atendeu 13 alunos com surdocegueira. Desse total, duas
alunas foram atendidas na turma de EJA, por terem surdocegueira adquirida em
decorrência da Síndrome de Usher. Dos 11 alunos atendidos na sala de surdocegueira,
sete estavam matriculados no período matutino e quatro no período vespertino.
Optamos aqui por analisar os dados obtidos de seis alunos e suas respectivas
professoras, todos matriculados no período matutino23. Faz-se necessário destacar que
um dos alunos matriculados nesse turno iniciou o ano letivo no mês de julho, e como as
observações e coleta de dados iniciaram no mês de maio, optamos por não o incluir na
pesquisa.
A sala destinada aos estudantes com surdocegueira está localizada no subsolo do
prédio. O acesso se dá por meio de escada interna ou rampa externa. A localização da
sala no piso inferior da escola é justificada pela necessidade de favorecer o acesso ao
refeitório, banheiros, chuveiro e a uma área coberta, que é utilizada para atividades
esportivas e festivas. No mesmo piso funcionam também salas da Educação infantil,
primeiro ano, sala multi24, biblioteca e laboratório de informática.
Devido à falta de espaço físico na escola todos os estudantes com surdocegueira
e suas respectivas professoras ocupam uma única sala de aula, com tamanho de
aproximadamente 24 m². Para organizar o espaço foram criados espaços educacionais
para atendimento individualizado dos estudantes, como pode ser observado na figura 1.
23 A opção pelo desenvolvimento da pesquisa no período matutino se deve ao fato de que esse turno era o
que tinha maior número de alunos. 24 Na sala multi são atendidos estudantes com múltiplas deficiências, que não tem possibilidade de
acompanhar as salas específicas para a educação de surdos.
93
Figura 1 - Vista panorâmica da sala de surdocegueira do Ceaada
Fonte: Acervo da pesquisadora, 30 de novembro de 2017
A sala é constituída por sete espaços educacionais. Esse termo é usado aqui para
descrever o espaço utilizado para atender os alunos individualmente. Cada professora
havia organizado seu espaço de acordo com as demandas dos estudantes. Tais espaços
não possuem barreiras físicas e não são fixos. Podem ser reorganizados de acordo com
as atividades que as professoras estão desenvolvendo. No entanto, durante o período de
observação, constatamos que na maior parte do tempo os estudantes permanecem
isolados, de costas ou ao lado de seus colegas. É necessário destacar que a configuração
da sala é resultante da carência de espaço físico que, naquela condição, não permitia a
disposição das mesas de atendimento em formato de círculo e a existência de um espaço
amplo para a realização de atividades de interação dos alunos.
Maia (2011, p. 48) concebe a interação como “a forma que uma pessoa age em
relação a outra pessoa ou objeto, ou responde à ação de uma pessoa ou quando
estimulada por um objeto.” Essa autora ressalta que os processos de interação são
essenciais, pois “incentivam a comunicação de crianças com surdocegueira ou
deficiência múltipla sensorial” (p. 84).
Outro problema de infraestrutura analisado foi o fato de não haver ambientes
que pudessem ser potencializadores para que os estudantes se desenvolvessem no que
diz respeito à AVA. Se a escola dispusesse de uma cozinha experimental, lavanderia,
banheiros adaptados, horta escolar, entre outros espaços, os alunos teriam a
oportunidade de vivenciar novas experiências e assim ampliar as possibilidades de
aprendizagem. Souza (2010) assim explica:
As Avas incluem cuidados pessoais e alimentação, como também as
atividades que inserem a pessoa com deficiência no meio social e na
comunidade a que pertence. Um programa com essas atividades deve
envolver a inclusão na família, na escola e na comunidade; a
participação ativa no ambiente e a busca da independência, da
autonomia e da convivência social. (SOUZA, 2010, p. 28).
94
A sala possui vários armários onde são guardados os materiais compartilhados
entre as professoras, denominados aqui de tecnologia assistiva. A tecnologia assistiva
refere-se a “todo e qualquer item, equipamento ou parte dele, produto ou sistema
fabricado em série ou sob-medida utilizado para aumentar, manter ou melhorar as
capacidades funcionais das pessoas com deficiência.” (DUARTE et al., 2011, p. 5).
Com base nas contribuições de Vygotsky, Galvão Filho (2009) chama atenção
para a necessidade de reconhecer que:
[...] é sumamente relevante, para o desenvolvimento humano, o
processo de apropriação, por parte do indivíduo, das experiências
presentes em sua cultura. O autor [Vygotsky] enfatiza a importância
da ação, da linguagem e dos processos interativos, na construção das
estruturas mentais superiores. O acesso aos recursos oferecidos pela
sociedade, pela cultura, escola, tecnologias, etc., influenciam
determinantemente nos processos de aprendizagem e desenvolvimento
da pessoa. Entretanto, as limitações do indivíduo com deficiência
tendem a tornar-se uma barreira a estes processos. Desenvolver
recursos de acessibilidade, a chamada Tecnologia Assistiva, seria uma
maneira concreta de neutralizar as barreiras causadas pela deficiência
e inserir esse indivíduo nos ambientes ricos para a aprendizagem e
desenvolvimento, proporcionados pela cultura. (GALVÃO FILHO;
DAMASCENO, 2003 apud GALVÃO FILHO, 2009, p. 26).
Tais tecnologias incluem também recursos didático-pedagógicos produzidos
com materiais alternativos de baixo custo. Eles são produzidos para auxiliar no
desenvolvimento das atividades. A maior parte dos recursos didáticos utilizados é
confeccionada pelas professoras com materiais recicláveis ou de baixo custo. São
exemplos de tecnologia assistiva: jogos educativos, livros, ábaco, brinquedos
industrializados e outros materiais produzidos artesanalmente pelas professoras. Dentre
os recursos pedagógicos artesanais utilizados na sala de surdocegueira, destacamos:
varal de atividades, móbiles, cartaz de sistema Braille, calendários, caderno de
comunicação, almofadas de apoio (calça da vovó25), prancha de suporte e/ou apoio, os
quais serão descritos a seguir.
O varal de atividades (figura 2) foi confeccionado pela professora Íris para ser
utilizado com Lilly. Foi produzido com uma prancha de papelão revestida com TNT
onde foram colados prendedores de roupa pintados nas cores preto e branco, pois,
segundo Íris, são as cores que sua aluna identifica. A professora realizava as atividades
25 A calça da vovó consiste em uma calça preenchida com retalhos de tecidos. Ela é utilizada para apoiar
os estudantes que não possuem domínio de tronco.
95
com Lilly e pendurava no varal, deixando secar o material. Na opinião da professora o
material pendurado no varal era uma forma de ajudar a criança a recordar das atividades
realizadas.
Figura 2 - Varal de Atividades
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 09 de agosto de 2017
O móbile (figura 3) também foi um recurso pedagógico elaborado por Íris,
utilizando alguns brinquedos sensoriais infantis e garrafas que continham diversos
materiais dentro. Considerando que Lilly é cadeirante e possui dificuldade em
movimentação dos membros, a professora buscou recursos para estimular os resíduos
visuais e os movimentos da aluna. O móbile ficava pendurado a uma altura que permitia
à menina tocar nos objetos. Observamos que no início da coleta de dados Íris pegava a
mão de Lilly e levava até os objetos. Com o passar do tempo constatamos que, em
muitas situações, a menina tocava sozinha os objetos ali pendurados e sorria,
demonstrando, assim, gostar daquilo que lhe era proposto.
96
Figura 3 - Móbile de interação
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 09 de agosto de 2017
O cartaz de sistema Braille (figura 4) fica exposto numa das paredes da sala. Foi
confeccionado por uma professora do período vespertino, mas pode ser utilizado por
todas. A exposição do cartaz de Braille na sala expressa entendimento de que o
estudante com surdocegueira necessita ter contato com várias formas de comunicação.
No entanto, dados do nosso estudo indicam que há predomínio da Libras tátil sobre o
Braille.
Figura 4 - Cartaz de Sistema Escrita Braille
Fonte: Acervo da pesquisadora, 07 de junho de 2017
97
No que se refere aos calendários, observamos que eles são produzidos em vários
formatos e com diferentes materiais. Inclui desde os mais simplificados até os mais
elaborados. O mais utilizado é o calendário de objetos de referência ou calendário de
antecipação (figura 05), sendo ele o mais básico. É utilizado para que os alunos
compreendam e estabeleçam uma rotina a ser seguida. Esse tipo de calendário é
utilizado pelos alunos Kaio e Luan, com a finalidade de estabelecer a rotina dos
estudantes e também para estabelecer o tempo e a ordem de cada atividade que vai ser
realizada. Ele é dividido em alguns compartimentos e a “caixa do acabou”. As
atividades, materiais e objetos de referência que serão utilizados durante o dia são
dispostos nos diversos compartimentos do calendário. Conforme as atividades vão
sendo trabalhadas e o que é proposto vai acontecendo, o material que foi utilizado é
guardado na “caixa do acabou”.
Figura 5 - Calendário de objeto de referência/ Calendário de Antecipação
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de maio de 2017
O calendário suspenso (figura 6) é utilizado pela professora Jaqueline para
orientar seus alunos. Como podemos observar, esse calendário é composto por sete
cores, e cada cor representa um dia da semana. Ela sugere que o aluno venha para a
escola com a camiseta da cor correspondente ao dia. Quando há um feriado durante a
semana a professora amarra uma fita colorida na alça do calendário para indicar ao
aluno que no dia correspondente àquela cor não haverá aula. O calendário suspenso
98
possui algumas divisões, de modo que as atividades desenvolvidas naquele dia são
dispostas nessas divisões, no intento de que os alunos consigam se orientar.
Figura 6 - Calendário suspenso
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de maio de 2017
O calendário semanal é utilizado pela professora Julia com o aluno Daniel
(figura 7). É um calendário mais avançado, pois demanda um nível maior de abstração.
É feito utilizando palavras, imagens e sinais em Libras e não objetos de referência.
Segundo relatos da professora, o aluno já teve vários tipos de calendários e hoje utiliza
esse. A professora utiliza também o caderno de comunicação que foi por ela
confeccionado. O referido caderno aparece sobre a mesa. Para trabalhar esse material a
professora usa imagens de familiares, objetos, alimentos e seus respectivos sinais em
Libras. Ao mostrar a imagem para o aluno, faz o sinal, ele observa e repete.
99
Figura 7 – Calendário semanal
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de maio de 2017.
A adoção de calendários na Educação de alunos com surdocegueira reitera a
ideia defendida por Blaha (2011) de que esse tipo de tecnologia assitiva permite que o
aluno compreenda a atividade proposta e o momento em que ela é encerrada para dar
início a outras atividades.
As almofadas de apoio, chamadas também de “calça da vovó” (figura 8), são
confeccionadas utilizando calças ou bermudas jeans e preenchidas com retalhos
variados. Elas têm a finalidade de fornecer apoio às crianças que não se locomovem
quando a atividade ou brincadeira sugerida pelas professoras são desenvolvidas no chão.
Normalmente, são utilizadas uma “calça da vovó” e/ou “bermuda da vovó” para dar
maior sustentação à criança sobre um tatame, para evitar o contato direto com o chão.
100
Figura 8 - Calça e bermuda da vovó
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 08 de junho de 2017
Na condição de pesquisadora nós fizemos uso desse tipo de almofada de apoio e
podemos afirmar, com base na nossa experiência, que essa tecnologia gera uma
sensação de conforto e aconchego por parecer estar no colo de outra pessoa.
A prancha de suporte e/ou apoio (figura 9) pode ser confeccionada com madeira
ou papelão reforçado e é utilizada com a finalidade de melhorar o posicionamento dos
materiais que estão sendo manipulados pelos alunos. Desse modo, a coluna e a cabeça
permanecem eretas, facilitando que ele visualize (se houver vestígios visuais) aquilo que
está sendo proposto.
101
Figura 9 - Prancha de suporte e/ou apoio
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 08 de junho de 2017
A tecnologia assistiva fabricada pelas professoras é produzida com materiais
alternativos, como papelão, isopor, EVA, tecidos, entre outros. A diversidade de
materiais didáticos utilizados e compartilhados cotidianamente pelas professoras dá
evidências da responsabilidade e do compromisso delas com a Educação de seus
estudantes. Do nosso ponto de vista elas demonstram reconhecer que o trabalho na área
da surdocegueira demanda uma pedagogia específica, que nós denominamos Pedagogia
para pessoas com surdocegueira.
Percebemos que as professoras que atuam com tais estudantes assumem o
compromisso e buscam meios para que seus alunos se desenvolvam e aprendam. Como
são poucos os materiais disponibilizados, elas mesmas confeccionam e adaptam o
material, quando acham necessário.
4.2 Perfil dos estudantes com surdocegueira que participaram do estudo
Para caracterizar o perfil dos estudantes com surdocegueira, fizemos uso das
pastas de documentos de cada um dos alunos envolvidos na pesquisa. O conjunto das
102
pastas foi disponibilizado pela coordenação pedagógica da escola. Vale ressaltar que
pela regulamentação da escola nenhum documento pode ser dali retirado. Por essa
razão, a análise dos documentos dos alunos foi realizada na sala da coordenação
pedagógica, sob a orientação de um dos funcionários da gestão escolar. Os documentos
analisados incluíram laudos médicos, histórico escolar e dados sobre a família de cada
um dos estudantes.
Os estudantes com surdocegueira e suas respectivas professoras foram
identificados com nomes fictícios, a fim de manter o sigilo de sua identidade.
O quadro 2 apresentado a seguir permite visualizar as características de tais
estudantes.
Quadro 2 - Caracterização dos estudantes com surdocegueira atendidos pelo Ceaada
Nome do
estudante
Idade
(anos) Causas da surdocegueira
Tempo que
frequenta o
Ceaada
Professora que
atua com
estudante
Enzo 29
Síndrome da Rubéola Congênita
(SRC), catarata congênita, surdez
profunda
Desde 2014 Eduarda
Daniel 18 Síndrome da Rubéola Congênita
(SRC), catarata congênita, glaucoma Desde 2008 Julia
Marcos 12 Albinismo, glaucoma Desde 2013 Jaqueline
Kaio 11
Paralisia cerebral, atrofia córtico-
subcortica associado à
leucoencefalopatia de aspecto
inespecífico.
Desde 2013 Gabriela
Luan 8
Síndrome “Pontine Tegmental Cap
Dysplasia”, má formação do
rombencéfalo26
Desde 2016 Luana
Lilly 7 Paralisia cerebral Iniciou em
2017 Íris
Fonte: Dados obtidos a partir da análise das pastas de identificação dos estudantes no Ceaada.
A faixa etária dos estudantes varia entre sete e 29 anos de idade e cada um deles
apresenta um diagnóstico específico. São estudantes que adquiriram a condição de
surdocegueira antes da aquisição de língua. Quanto ao tempo em que estudam no
Ceaada, observamos que Daniel é o aluno que frequenta a escola há mais tempo (nove
anos) e Lilly possui a matrícula mais recente.
26 Rombencéfalo é uma parte do cérebro composto pelo cerebelo e pelo tronco cerebral, conforme
conceituação apresentada em: <http://anatpat.unicamp.br/bineucerebelotronco.html>. Acesso em: 18 de
março de 2018.
103
Enzo e Daniel têm surdocegueira congênita e em suas respectivas fichas de
identificação consta que a Síndrome da Rubéola Congênita foi a responsável por
acarretar essa perda auditiva e visual, além de apresentarem outros comprometimentos.
O estudante Marcos tem albinismo e possui surdocegueira desde o nascimento.
Apresenta perda auditiva profunda e uma perda visual devido ao glaucoma. Por essa
razão ele faz uso do implante coclear (IC) para conseguir ouvir alguns sons. A
professora Jaqueline relatou em sua entrevista:
A visão dele é só vulto e a audição dele é pouca. Ele fez o implante
coclear, mas até agora pra nós não resolveu nada, porque não teve
aquele acompanhamento com fono, né... então o problema não foi
resolvido. (Professora Jaqueline, dia 24 de outubro de 2017).
Esse dado reitera os resultados da pesquisa realizada por Bertola (2015),
sobretudo no que diz respeito à importância do apoio de profissionais especializados
que auxiliem as famílias e outros interlocutores a reconhecer as ações comunicativas
dos alunos. Essa autora lembra que se o implante coclear resultar em êxito a criança terá
“uma entrada sensorial menos limitada, e receberá novas informações do contexto que a
rodeia, precisará se adaptar aos novos estímulos sensoriais e a novas intervenções.” (p.
6).
Os estudantes Kaio e Lilly tiveram paralisia cerebral que ocasionou a
surdocegueira. No caso de Lilly a paralisia foi resultante de uma meningite que a
criança teve ainda quando bebê.
O estudante Luan apresenta uma síndrome rara, denominada Síndrome Pontine
Tegmental Cap Dysplasia, que configura na perda da visão e audição simultaneamente
desde o nascimento. Ele recebe atendimento da Home Care e é acompanhado 24 horas
por uma enfermeira. Na escola a enfermeira fica fora da sala de aula, entra apenas nos
horários em que é preciso dar a medicação para a criança.
Quanto à locomoção, apenas os estudantes Luan e Lilly não se locomovem
sozinhos. Lilly utiliza cadeira de rodas e Luan usa o carrinho de bebê. Quando apoiado
pela professora ou com o auxílio do andador ele dá alguns passos que não são firmes, e
em qualquer dessas situações ele carece do apoio.
O aluno Marcos se locomove sem auxílio em ambientes que ele reconhece. No
entanto, quando o local que deseja ir é distante de onde se encontra necessita de
104
orientação para direcionar-se. Por exemplo, se ele vai ao banheiro ou ao refeitório, a
professora atua como guia, cedendo-lhe o braço e direcionando-o ao local desejado.
Kaio e Daniel também se locomovem sem auxílio, mas suas professoras fazem o
acompanhamento quando vão realizar alguma atividade fora da sala de aula.
Enzo é o aluno que possui maior autonomia quanto à locomoção, pois vai e volta
do banheiro, do bebedouro e do refeitório sozinho. No entanto, a professora vai atrás e o
acompanha porque é de praxe que o acompanhamento seja realizado.
Quanto à orientação e mobilidade (OM) dos estudantes percebemos que há
necessidade de ampliar essa prática, especialmente aos alunos que têm a capacidade de
se locomoverem sozinhos no ambiente, como é o caso de Marcos, Kaio e Daniel.
Giacomini (2008) e Andreossi (2009) pesquisaram sobre essa temática e garantem que
práticas de OM são necessárias para dar mais autonomia aos estudantes e propiciar a
inclusão deles em diferentes ambientes.
Quanto ao sentido da visão é possível observar que Marcos e Lilly são os alunos
mais comprometidos. Marcos não enxerga nada, mas tem sensibilidade à luz. Lilly,
dependendo da posição em que se encontra, enxerga alguns vultos com o olho esquerdo
e, segundo sua professora, identifica mais as cores preta e branca.
No que diz respeito à alimentação, os alunos Daniel e Luan são os únicos que
não consomem o alimento ofertado pela escola. Daniel consome saladas que prepara
diariamente com verduras que são trazidas da sua própria casa. A professora Julia o
auxilia e orienta para que higienize o alimento antes de consumi-lo, como podemos
observar na figura 10 que segue:
Figura 10 - O aluno Daniel higienizando sua salada
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 18 de agosto de 2017
105
Um fator que nos chamou atenção foi o fato de que o aluno consome a salada
sem a utilização de talheres, ou seja, ele utiliza somente as mãos, conforme observamos
na figura 11. Segundo relatos da professora, atualmente ele está utilizando talheres para
se alimentar, mas durante o período da observação, consumia os alimentos com as
mãos.
Figura 11 - O aluno Daniel comendo a salada preparada por ele
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 21 de agosto de 2017
O estudante Luan não se alimenta por via oral, ele possui uma sonda gástrica
pelo qual a comida e medicamentos são injetados por uma seringa no “boton”. Os
cuidados com medicação e alimentação são realizados pela profissional da enfermagem,
que o acompanha pela home care.
Os alunos Enzo e Marcos se alimentam com autonomia. As refeições são
fornecidas a eles pela escola e normalmente repetem o lanche que lhes é ofertado. Kaio
também se alimenta com as refeições servidas pela escola, porém não possui habilidade
motora para realizar os movimentos sozinho. O alimento é colocado na boca pela
professora, utilizando a técnica mão-sobre-mão27.
A estudante Lilly possui dificuldade na deglutição do alimento, por esse motivo
as refeições preparadas pela escola são processadas no liquidificador para adquirir
consistência pastosa. O alimento é dado na boca da estudante pela professora. Quando é
27 As técnicas mão-sobre-mão e mão-sob-mão já foram detalhadas no capítulo 2.
106
líquido, ele é colocado em um copo com alça e dado pela professora, utilizando a
técnica mão-sobre-mão.
Quanto à higiene, os alunos Kaio e Enzo são os que tomam banho na escola,
talvez pelo fato de serem os únicos que permaneciam na escola em período integral. No
contraturno de aula frequentavam a sala Multi 28, onde são atendidos estudantes com
múltiplas deficiências e que não têm possibilidade de acompanhar as salas específicas
para a Educação de surdos.
O banho acontece antes do horário do almoço. O aluno Kaio necessita de ajuda
da professora na hora do banho. A professora Gabriela separa a roupa, retira o calçado
do aluno, mostra o sabonete, faz o sinal de banho (figura (12). Ele, por sua vez, repetia o
sinal (figura 13), pegava o sabonete que estava disposto num dos compartimentos do
calendário do tipo objetos de referência e acompanhava a professora. No banheiro, ela o
orientava a tomar banho com a técnica mão-sobre-mão.
Figura 12 - Professora Gabriela fazendo o sinal de banho
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 01 de setembro de 2017
28 A sala Multi é uma sala multiseriada que atende estudantes com surdez associada a múltiplas
deficiências.
107
Figura 13 – O aluno Kaio fazendo o sinal de banho
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 01 de setembro de 2017
O aluno Enzo tem autonomia na hora do banho. A professora faz o sinal de
banho, ele repete, pega sua mochila e se dirige ao banheiro, sem necessitar de
acompanhamento.
Observamos que todas as professoras buscam estabelecer uma rotina com os
estudantes. Para alguns alunos essa rotina não pode ser alterada. Foi o que constatamos
com Enzo. Em um dia de frio, a professora Eduarda disse que não faria o sinal de banho
para o seu aluno, como era de costume. Então chegou o horário do almoço, ela fez o
sinal de comer e o aluno foi pegar a mochila, achando que era o horário do banho. A
professora repetiu o sinal “comer” e o acompanhou até o refeitório. Lá, o aluno almoçou
e ao retornar para sala permaneceu inquieto, até que pegou a mochila e foi em direção
ao banheiro. As demais professoras disseram: “Ele vai tomar banho”, e o aluno de fato
foi. A professora tentou mudar a rotina naquele dia, mas ele ficou incomodado com tal
mudança, e enquanto não tomou banho não ficou satisfeito.
No que diz respeito às formas de comunicação adotadas na sala de
surdocegueira, observamos que há variações. As professoras utilizam Libras tátil e
Libras adaptada ao campo visual do aluno29. Os alunos utilizam predominantemente
expressões corporais e gestuais. É possível perceber quando os alunos gostam ou não de
29 Libras adaptada ao campo visual do aluno é quando as professoras realizam os sinais bem próximos dos
estudantes, de modo a facilitar que eles compreendam os sinais que estão emitindo.
108
determinada atividade por meio de movimentos e expressões faciais de alegria ou
descontentamento.
Daniel reconhece as pessoas utilizando o resíduo visual que possui. Ao chegar
na sala ele cumprimenta sua professora e as demais professoras. Para reconhecer a
professora o estudante se aproxima e fica parado na frente dela. Estende uma das mãos
para tocar na mão da pessoa que está diante dele. Aceita abraços desde que sejam breves
e leves. Quando não se sente confortável ele se afasta.
O aluno Marcos reconhece a professora Jaqueline pelo toque. Ela usa um anel no
dedo polegar, ele chega na sala, se direciona para seu nicho e pega na mão da
professora, sentindo o anel que ela usa, sorri e a abraça, demonstrando reconhecê-la.
O estudante Kaio utiliza o resíduo visual para se orientar e reconhecer as
pessoas. Demonstra ser carinhoso, abraçando e puxando para perto de si as pessoas que
ele gosta. Quando não gosta de algo, normalmente senta no chão e chora.
O aluno Luan se orienta e reconhece as pessoas utilizando o resíduo visual. Ele
vira a cabeça na direção da pessoa e se estiver no carrinho suspende os braços,
demonstrando que quer colo.
Assim como Boas (2014), nós também percebemos que os estudantes utilizam
formas de comunicação não verbal, como riso, choro e movimentos corporais para
demonstrar que gostam ou não de algo. Os professores, cuidadores e família devem
ficar atentos para reconhecer essas formas de comunicação.
Lilly reconhece sua professora pelo cheiro e pelo toque, as demais pessoas ela
não demonstra reconhecer. Embora a aluna quase não possua vestígios de visão nem de
audição, quando a mãe chega na sala ela sente a presença e movimenta a cabeça,
tentando localizá-la.
A professora Eduarda relata que Enzo tem baixa visão, portanto, além desse
sentido, ele utiliza o tato e o olfato para se comunicar e reconhecer as pessoas. Esse fato
nos chamou atenção, pois quando uma pessoa se aproxima, ele toca o seu rosto, pega
nos cabelos e cheira os olhos. Não encontramos na literatura um autor que descrevesse
algo similar a esse fato, e supomos que seja pelo fato de que uma pessoa passa produtos
(shampoo, hidratante, desodorante, perfumes) em diferentes partes do corpo e esses
produtos podem confundir o cheiro que a caracteriza. Ademais, uma mesma pessoa
pode ainda usar produtos diferentes em dias alternados. Por essa razão acreditamos que
Enzo opte pelo cheiro dos olhos, que permanecem com o mesmo odor.
109
Constatamos, portanto, que cada aluno adota uma maneira de reconhecer sua
professora e as demais pessoas, de acordo com as suas singularidades.
Podemos dizer, portanto, que os sujeitos dessa pesquisa se comunicam por meio
de Libras, Libras tátil e de expressões corporais. No entanto, podemos considerar que
nem todos os alunos compreendem sinais em Libras/Libras tátil e os que compreendem
o fazem apenas de forma isolada, com destaque para termos como: água, banheiro,
lanche, comer, banho, estudar, brincar, entre outros.
O fato de cada estudante adotar uma maneira de reconhecer e se comunicar
reafirma resultados de pesquisas que foram apresentadas no levantamento de teses e
dissertações que realizamos. Referimo-nos mais especificamente aos estudos de Rached
(2011), Boas (2014), Falkoski (2017) e Mata (2017), que chamam atenção para o
necessário reconhecimento de que, em se tratando de pessoas com surdocegueira, não
existe um único método para se comunicar.
Conforme análises realizadas por Falkoski (2017), Boas (2014) e Maia (2011), é
importante que as pessoas com surdocegueira tenham “parceiros significativos de
comunicação”. Com base nos estudos dessas autoras consideramos que todas as
professoras envolvidas nessa pesquisa se comportam como:
[...] parceiros significativos de comunicação porque se mostram
dispostas a reconhecer as diferentes formas de comunicação adotadas
por cada estudante. Assim, elas permitem que os estudantes “tenham
acesso e possibilidades de estar ativamente no ambiente recebendo e
transmitindo informações, promovendo assim a aquisição da linguagem
(MAIA, 2011, p. 76).
4.3 Perfis das professoras que atuam com os estudantes com surdocegueira
Para a caracterização do perfil das professoras que atuam nas salas de
surdocegueira do Ceaada, utilizamos um questionário que incluiu aspectos relativos à
formação acadêmica, vínculo empregatício e carga horária de trabalho (APENDICE D).
Como relatado anteriormente foram dados nomes fictícios às professoras a fim de
manter o sigilo sobre a identidade delas. Os dados referentes a esse questionário foram
sistematizados no quadro que é apresentado a seguir:
110
Quadro 3 – Caracterização das professoras que atuam nas salas exclusivas de surdocegueira
Nome da
professora Idade Formação
Modalidade do
curso IES Especialização
Julia 56 Pedagogia Presencial UNIVAG
Psicopedagogia Clínica;
Psicopedagogia
Institucional;
Surdocegueira;
Psicomotricidade;
Educação Especial
Jaqueline 47 Pedagogia Presencial ICE
Educação Infantil;
Educação Especial;
Surdocegueira; Libras
Luana 44 Pedagogia e
Letras/Libras
Semipresencial e
Presencial
UNITINS e
UFMT
Ciências Neurológicas;
deficiência múltipla;
Libras; Surdocegueira
Íris 39 Pedagogia Semipresencial UNOPAR
Educação Infantil;
Alfabetização e
Letramento
Gabriela 37 Pedagogia e
Artes Presencial ICE
Educação Infantil;
Atendimento Educacional
Especializado (AEE)
Eduarda 35 Pedagogia Presencial UNIC
Psicopedagogia;
Surdocegueira;
Atendimento Educacional
Especializado (AEE);
Libras
Fonte: Dados da pesquisa organizados pela autora
Observamos que a docência nas salas de surdocegueira do Ceaada é exercida
predominantemente por mulheres. As professoras entrevistadas são formadas em
Pedagogia em instituições privadas e duas delas possuem outra graduação. Gabriela é
graduada em Artes e Luana está concluindo Letras/Libras na Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT). Em relação à modalidade do curso, quatro docentes tiveram
formação presencial.
Quanto à pós-graduação todas possuem mais de um curso de especialização.
Quatro possuem especialização específica na área de surdocegueira, uma cursou
especialização em Educação Infantil, Alfabetização e Letramento e a outra em
Educação Infantil e Atendimento Educacional Especializado (AEE). Vale ressaltar que
os cursos de pós-graduação elencados pelas professoras já estavam concluídos. Uma das
professoras, que ainda não possuía pós-graduação específica na área de surdocegueira,
estava com curso em andamento, demonstrando entender que o trabalho nessa área
requer formação específica.
Após o período de observação em sala de aula realizamos entrevistas com as
professoras que atuam nas salas de surdocegueira. A entrevista foi gravada e constituída
de três blocos de perguntas. O primeiro versou sobre a experiência profissional, o
111
segundo sobre a formação específica para trabalhar nas salas de surdocegueira e o
terceiro bloco sobre a Educação em Ciências Naturais.
A experiência profissional das referidas professoras foi sistematizada no quadro
apresentado a seguir:
Quadro 4 - Experiência profissional das professoras que atuam em salas de surdocegueira
Nome da
professora
Tempo de
trabalho na
Educação
Tempo de
trabalho na
Educação especial
Tempo de
trabalho na
UE
Tempo de trabalho com
estudantes com
surdocegueira
Julia 31 anos 28 anos 12 anos 9 anos
Jaqueline 9 anos 9 anos 5 anos 8 anos
Luana 7 anos 2 anos 2 anos 1 ano
Íris 14 anos 6 anos 1 ano 1 ano
Gabriela 9 anos 4 anos 3 anos 3 anos
Eduarda 5 anos 5 anos 5 anos 5 anos
Fonte: Dados da pesquisa organizados pela autora
Esses dados evidenciam que quatro, dentre as seis professoras, têm acima de
nove anos de experiência profissional na área da Educação. Julia é a que tem maior
tempo de experiência no magistério (31 anos) e Eduarda é a que tem menor tempo de
experiência (cinco anos).
As experiências vivenciadas pelas professoras são diferenciadas e estão
relacionadas com as singularidades de cada uma delas, conforme explicitado a seguir:
Eu tenho 31 anos de experiência no magistério. Mas trabalhei alguns
anos sem registro. [...] quando eu tinha 16 anos fui fazer um trabalho
na Apae e perguntei se poderia trabalhar como voluntária [...] no fim
da década de 70 comecei a trabalhar no Mobral [...] fiz o magistério,
fui pra área da Educação especial e nunca mais eu saí [...] passei por
várias instituições. Trabalho com a Educação especial há uns 28 anos
e no Ceaada já vai fazer 12 anos. Atuo na sala de surdocegueira
desde o começo, em 2009. (Professora Julia, dia 20 de outubro de
2017).
Eu comecei em 2009 em uma escola do ensino regular [...] eu tinha
um aluno, ele era cadeirante, tinha deficiência intelectual [...] em
2010 eu fui para uma creche, na creche eu trabalhava como ADI30
[...] eu não tinha formação de professora e nem formação na área de
Educação especial [...] nessa creche em 2010 eu conheci o aluno
Marcos, que é surdocego [...] mas antes não era como hoje em sala
específica [...] em 2013 Marcos saiu da creche para vir para o
30 ADI é a sigla que designa auxiliar de desenvolvimento infantil. Esse profissional é responsável pela
integridade física e bem estar das crianças durante o período que ela permanece na creche ou escola. Esse
profissional da suporte ao professor nas atividades realizadas dentro e fora da sala de aula. (Disponível
em: <https://www.novaconcursos.com.br/portal/cargos/auxiliar-de-desenvolvimento-infantil/>. Acesso
em: 28 de abril de 2018.
112
Ceaada. No Ceaada tinha uma sala especial reservada só para esses
alunos surdocegos. (Professora Jaqueline, dia 24 de outubro de 2017).
Fiz o magistério, comecei a dar aula ainda solteira no Paraná,
trabalhei por dois anos. Concursei lá no município, mas aí eu casei e
vim embora para o Mato Grosso e aí eu tive que abandonar meu
concurso. Eu ainda estava em estágio probatório, tinha só um ano do
concurso. Aqui eu iniciei novamente dando aula, só que engravidei da
minha filha, dei aula um ano e meio e aí eu parei com o nascimento
dela [...] Em 2008 eu fiz o curso de pedagogia, porque eu percebi que
só com o magistério eu já não conseguia mais retornar ao mercado de
trabalho. Aí eu terminei em 2012, mas só em 2016, que foi agora no
ano passado, é que eu voltei trabalhar [...] em 2014 eu iniciei na
UFMT o curso de Letras/Libras [...] o ano passado as coisas
apuraram e eu tive que voltar para o mercado de trabalho sem ter
terminado a faculdade de Letras/Libras [...] então, do ano passado
pra cá, vai fazer mais dois anos que eu voltei ao mercado de trabalho.
Lá no Paraná não era Educação inclusiva, quando eu dei aula. O ano
passado eu encarei um desafio, eu não tinha noção do que era a
inclusão, eu estava fora de sala. (Professora Luana, dia 14 de
setembro de 2017).
Iniciei há 14 anos atrás, quando eu entrei na creche Benedita Dias
como ADI [...] na Escola Dr. Orlando Nigro, eu trabalhei com um
menininho especial, o Pedro. Através dele eu descobri o valor da
vida, o valor de ser uma professora [silêncio... lágrimas], ele era
muito especial, ele amava a vida e a mãe dele era uma pessoa muito
boa. Trabalho com a Educação especial há uns seis anos, mas iniciei
no Ceaada com surdocegueira esse ano. (Professora Íris, dia 14 de
setembro de 2017).
Eu me tornei professora em 2007 [...] atuo há 9 anos como
professora. No início eu era professora somente do município,
pedagoga. Agora do município e estado. Trabalho com Educação
especial há quatro anos e no Ceaada vai fazer três anos. (Professora
Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).
Atuo há 5 anos, desde que eu me formei. No outro ano eu já comecei a
dar aula. Sempre trabalhei na Educação especial, comecei aqui [se
referindo ao Ceaada] já entrei direto na surdocegueira. (Professora
Eduarda, dia 13 de setembro de 2017).
Percebemos que as professoras Julia, Jaqueline e Íris tiveram suas primeiras
experiências na área da Educação e da Educação especial não como docentes. Jaqueline
e Íris iniciaram como ADI. A professora Julia relatou que sua primeira experiência foi
por meio de um trabalho voluntário que desenvolvia na Apae, aos 16 anos de idade. Ela
narrou ainda que começou a lecionar em 1978, mas possui registro da sua atuação como
docente de 31 anos.
113
No que diz respeito à atuação na Educação especial percebemos que a professora
Julia é a que tem mais tempo de experiência profissional. As professoras Jaqueline e
Eduarda sempre trabalharam com a Educação especial, sendo que Eduarda desde que
iniciou a atividade docente foi na área da surdocegueira.
Jaqueline relatou em sua entrevista que no ano de 2010, ainda como ADI,
começou a atender o aluno Marcos, que na época frequentava a referida creche. Quando
concluiu o curso de pedagogia, foi trabalhar no Ceaada e Marcos também foi
matriculado na sala específica para surdocegueira.
A experiência profissional de Luana é marcada por descontinuidade. Relatou que
atuou na área da Educação há aproximadamente 20 anos atrás, afastou-se por questões
familiares e retornou há dois anos, enfrentando muitos desafios, dentre eles o de atuar
na Educação infantil de surdos, e em 2017 na surdocegueira.
Íris narrou que tem experiência na Educação especial em outras escolas, mas é o
primeiro ano que trabalha no Ceaada e também a sua primeira experiência como
professora de estudante com surdocegueira.
A professora Gabriela atua na atividade docente há nove anos. Possui duas
graduações: Pedagogia e Artes. No período matutino atua no Ceaada como professora
de estudante com surdocegueira e no período vespertino trabalha em escolas do
município, ministrando aulas de artes. Ela relata que desde que entrou no Ceaada
trabalha com estudantes surdocegos. Narrou ainda que antes já havia trabalhado um ano
na área da Educação especial, mas não com alunos com surdocegueira.
No segundo bloco de perguntas da entrevista realizada com as professoras
buscamos obter dados sobre a formação específica para trabalhar em salas de
surdocegueira e sobre a prática das professoras em sala de aula31.
Em junho de 2008, eu fiz um curso sobre surdocegueira com a
professora Shirley Maia, a Sandra Mesquita e a Vula. Elas vieram
fazer uma formação continuada em Mato Grosso. O governo de
estado estava oferecendo o curso para os professores que trabalham
com múltiplos e a surdocegueira, específico pra surdocegueira e eu
participei através de um sorteio na escola. (Professora Júlia, dia 20 de
outubro de 2017).
Eu não tinha nenhuma formação quando eu comecei e eu acho, assim,
você não precisa ter uma formação específica pra trabalhar com o
aluno surdocego [na atribuição de aulas], acho que vai mais do
interesse do professor, dele pesquisar, dele estudar sobre o tema,
31 As questões relativas à prática serão discutidas no quinto capítulo desta dissertação.
114
fazer cursos de formação [...] têm pessoas que entram tem formação e
não sabem como trabalhar com aquele aluno. (Professora Jaqueline,
dia 24 de outubro de 2017).
Não tive nenhuma formação em surdocegueira. Caí de paraquedas
mesmo, não tinha noção, um desespero, eu achava que não iria dar
conta e na verdade eu não sei se estou dando conta [...] a angústia foi
total, a busca foi constante para saber, é muito difícil, você não
consegue aprender tudo em um dia ou dois. Até hoje e tenho essa
angústia, mas ela se acalmou um pouquinho, talvez porque eu aprendi
a conhecer meu aluno ou por causa dos estudos [se referindo à pós-
graduação que está fazendo, específica para surdocegueira, e ao
curso de AEE que fez on line]. Isso veio melhorando, veio me
tranquilizando em relação aos acontecimentos diários. (Professora
Luana. Dia 14 de setembro de 2017).
Não tive formação nenhuma. Quando eu entrei aqui e fui atribuída,
foi como professor normal, como se fosse para uma escola regular e
nós sabemos que aqui não é uma escola regular. Aqui é uma escola
que você precisa ter formação para poder entrar [...] o governo, a
Seduc não dão apoio, não dão essa formação continuada para o
professor. Quando eu entrei aqui eu falei que eu não tinha formação
nenhuma, eu nem sabia o que era a surdocegueira, eu nunca tinha
ouvido falar sobre isso. (Professora Íris, dia 14 de setembro de 2017).
Formação específica para surdocegueira não. Eu iniciei sem curso
específico pra surdocegueira, eu tinha somente a pós graduação em
AEE, mas ela não é específica para surdocegueira. (Professora
Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).
[...] na verdade quando eu entrei na surdocegueira eu não tinha
formação nenhuma. (Professora Eduarda, dia 13 de setembro de
2017).
Entre as professoras entrevistadas, Júlia foi a única que fez a formação
específica para surdocegueira, ofertada pelo estado de Mato Grosso, no ano de 2008.
Ela narrou em sua entrevista que três professores do Ceaada participaram da referida
formação. Duas professoras eram efetivas e ela era interina. Quando interrogada sobre a
atuação das participantes do curso, relatou que as outras duas professoras decidiram não
atuar na área da surdocegueira. Uma das professoras se aposentou e a outra não trabalha
mais na escola.
Na pesquisa fica evidente a precariedade da formação continuada, visto que a
qualificação específica para surdocegueira quase sempre vem de interesse particular das
docentes. No período observado não identificamos cursos de formação ofertados pela
Secretaria de Educação do estado de Mato Grosso.
Em relação à qualificação para a atuação na Educação especial, é necessário
levar em conta o posicionamento de Carvalho (2017, p. 90): “a qualidade dos serviços
115
educacionais para pessoas com deficiência dependia da qualidade de formação dos
professores e que essa formação deveria ser parte integrante do Plano Nacional de
Educação”.
Considerando que a maioria das professoras não recebeu formação específica
antes de iniciar o trabalho em sala de surdocegueira, buscamos compreender que
estratégias elas utilizaram para se qualificar na área.
Em 2010, quando eu trabalhava como ADI na creche com o aluno
Marcos, que é surdocego, a Seduc/MT trouxe a professora Shirley
Maia. Foi a primeira vez que eu fiz o curso. Eu comecei a fazer um
curso também no Casies. [...] É por isso que eu falo pra você, quando
a pessoa quer, ela vai e busca. [...]. Só entra quem tem formação
específica? Eu não concordo com isso. Eu acho que você tem que dar
chance para as pessoas. Aí tudo bem, se entrou e não conseguiu a
coordenação poderia estar chamando e dizer realmente: ‘olha, eu
estou vendo que você não está conseguindo’, ou às vezes até a pessoa
mesmo fala né... igual a professora lá na creche que tinha pegado o
Marcos, ela não aguentou e saiu. Ela mesma pediu para sair, não
queria, disse que aquilo não era pra ela. (Professora Jaqueline, dia 24
de outubro de 2017).
Eu pedi ajuda para equipe, eles me indicaram livros que falavam
sobre o assunto. Eu devorava livros, tinha um desespero que tinha
coisas que eu lia e nem conseguia pegar o sentido de tão desesperada
que eu me encontrava. Então depois, conversando com uma colega,
ela me falou sobre uma pós-graduação que ela estava fazendo e que
tinha a disciplina de surdocegueira. Eram três formações: múltiplas
deficiências, neurociência e surdocegueira. Então eu resolvi entrar
nessa pós porque eu vi que, além da surdocegueira, ela falava das
múltiplas deficiências. E, no caso, a maioria dos alunos surdocegos
eles têm múltiplas deficiências, eles não têm somente a surdocegueira,
eles têm o cognitivo não preservado, outros já tem uma limitação
muscular, outros de coordenação motora e por aí vai. Então, quando
eu entrei na pós e eu comecei a ter um estudo mais profundo, eu
comecei a ter um olhar de vários autores, porque antes me mostraram
livros só de um autor e aí na pós eu fui ter o contato com outros
autores e eu pude comparar com o outro. Agora, as coisas estão
ficando mais claras, eu ainda tenho que estudar muito, eu tenho que
me dedicar muito, mas eu já consigo compreender e me colocar
diante de tal autor. (Professora Luana. Dia 14 de setembro de 2017).
[...] as colegas [se referindo às professoras] da sala que têm
experiência, que são formadas em surdocegueira, me ajudaram muito
e eu também corri atrás, eu busquei, estudei, li muito, estou fazendo
um curso da Professora Shirley Maia pra saber um pouco da
surdocegueira. É uma coisa que na verdade eu não sei nada ainda, eu
vou ter que estudar muito, porque é muita novidade [...] mas eu estou
aprendendo. Foi busca própria, eles [se referindo à Secretaria de
Educação] não deram formação nenhuma. Até a remuneração foi
própria [se referindo ao gasto com o curso AEE]. Como eu quis e
116
precisava aprender, eu tive que pagar do meu bolso. (Professora Íris,
dia 14 de setembro de 2017).
Eu fiz alguns cursos com a Professora Shirley Maia, eu fui até o
instituto que ela leciona, que é a Ahimsa em São Paulo. É uma escola
referência no Brasil de surdocegos e alunos múltiplos. Lá, nós
tivemos uma experiência extraordinária. Ficamos uma semana, o dia
todo, das 07:00 às 17:00 horas, período integral. Lá, eu fiquei como
professora, estagiária. Eu pude estagiar, dar aula, participar dos
projetos, das atividades diárias dos alunos, de tudo, foi uma
experiência única. Hoje estou fazendo pós-graduação em
neurociência, surdocegueira e deficiências múltiplas. (Professora
Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).
Foi busca pessoal minha, eu procurei na internet trabalhos com
pessoas surdocegas, foquei muito na Shirley Maia, que é professora
da Ahimsa. Eu foquei muito nela e conversei com os colegas que já
trabalhavam há mais anos [...]. Só depois de um ano que eu já estava
trabalhando é que eu fui me especializar na área, com a pós de
surdocegueira. (Professora Eduarda, dia 13 de setembro de 2017).
A professora Jaqueline relatou que durante o primeiro curso de formação que
participou trabalhava como ADI com o aluno surdocego, no ano de 2010. Segundo ela,
a Seduc/MT trouxe a professora Shirley Maia para continuar a formação dos professores
que estavam fazendo o curso de surdocegueira desde o ano de 2008. Explica que
conseguiu realizar o curso, pois estava trabalhando nessa área, e que buscou ajuda para
qualificação nos cursos de formação oferecidos pelo Casies.
As professoras Luana, Íris e Eduarda expuseram que realizaram estudos em
livros e artigos relativos à surdocegueira, extraídos da internet. Mencionaram também a
importância do apoio de outras professoras que já atuavam na área.
Em 2017, no primeiro ano de experiência na área da surdocegueira, Luana e Íris
se inscreveram em um curso online de Atendimento Educacional Especializado para
pessoas com surdocegueira e deficiência múltipla, oferecido pela Ahimsa, em parceria
com o Grupo Brasil.
Gabriela foi a única que relatou ter conhecido a Ahimsa, em São Paulo. A
professora considera que a experiência que vivenciou lá foi de extrema importância para
o seu crescimento e qualificação como profissional.
Várias professoras citaram os textos e orientativos da Ahimsa como sendo
referência para o seu trabalho, evidenciando a relevância dessa instituição. Destacamos
aqui o papel dos profissionais que ali trabalham e que se dispõem a viajar pelo Brasil,
oferecendo capacitação nessa área a diversos profissionais da Educação. Vale ressaltar
117
também que a oferta de cursos on line possibilita a democratização do acesso a essa
formação em todo território brasileiro.
No estado de Mato Grosso faz-se necessário destacar o papel do Casies como
espaço de formação de professores para a Educação especial, bem como do Ceaada
como um espaço de formação em serviço.
Em todos os relatos fica evidente o reconhecimento de que a formação docente é
um processo complexo, que não termina com a formação inicial (cursos de magistério
e/ou de licenciatura). Ela é contínua e deve ser assegurada pelas agências contratantes
(Secretarias de Educação e instituições educativas), pela dinâmica do trabalho e pelo
próprio professor, que precisa se reconhecer como um eterno aprendiz. Essas
constatações reiteram as ideias de Garcia (1999) no que se refere aos três tipos de
formação: autoformação, heteroformação e interformação.
A autorformação é uma formação em que o indivíduo participa de
forma independente e tendo sob o seu próprio controle os objetivos, os
processos, os instrumentos e os resultados da própria formação. A
heteroformação é uma formação que se organiza e desenvolve “a
partir de fora”, por especialistas, sem que seja comprometida a
personalidade do sujeito que participa. Por último, a interformação
define-se como “uma ação educativa que ocorre entre os futuros
professores ou entre professores em fase de atualização de
conhecimentos... e que existe como apoio privilegiado no trabalho da
equipe pedagógica.” (DEBESSE, 1982 apud GARCIA, 1999, p. 19-
20).
A “busca constante para saber”, o desejo de “conhecer o aluno” e de estudar em
livros e artigos que tratam de surdocegueira, conforme relatado pelas professoras
entrevistadas, expressam reconhecimento da necessidade de aprender a ser professor de
um estudante surdocego. Do nosso ponto de vista, essa inquietação diante dos desafios
da atividade docente é o fator preponderante para o processo formativo nesse campo do
conhecimento. Nesse sentido, a docência deve ser entendida como experiência na
acepção defendida por Jorge Larrosa (2016), ou seja, como algo que gera tremores, que
causa angústia, desespero, emoções que afetam o corpo, desencadeando um processo de
busca de sentido para o que é vivenciado.
A experiência é algo que (nos) acontece e que às vezes treme, ou
vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo
que luta pela expressão, e que às vezes, quando cai em mão de alguém
capaz de dar forma a esse tremor, então, somente então, se converte
em canto. E esse canto atravessa o tempo e o espaço. E ressoa em
118
outras experiências e em outros tremores e em outros cantos.
(LARROSA, 2016, p. 10).
Observamos que cada uma das professoras relata sua experiência de formação
como algo singular, articulado à vida de cada uma. Isso exige reconhecer que, mesmo
quando o processo de formação é coletivo, os acontecimentos nele vivenciados não têm
o mesmo sentido para todos. Nem todos se deixam afetar pela experiência docente com
a mesma intensidade. Alguns podem vivenciá-la como um episódio efêmero, outros
como uma mudança provisória, e ainda outros se deixam afetar profundamente por ela.
Nesse caso, vivem-na como algo que transforma, que muda radicalmente o curso da
vida.
Conforme observou Larrosa (2016), a experiência é singular, pessoal e, por essa
razão, não pode ser pedagogizada, nem didatizada como uma atividade técnica. Trata-se
de algo que só se torna efetivo quando provoca tremores, rupturas, transformações. A
experiência é, portanto, “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. A cada dia
se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece” (p. 18). O
excesso de informação, de opinião, a intensificação do trabalho e a falta de tempo
tornam a experiência cada vez mais rara.
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque,
requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos
tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar
para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais
devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade,
suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza,
abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a
lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito,
ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2016, p. 25).
Nesse sentido, é preciso considerar que nem todos os professores vivem a
formação na condição de sujeito da experiência. Isso permite compreender porque nem
todas as professoras que fizeram a formação ministrada pela Ahimsa, em 2008, optaram
por atuar na área de surdocegueira. Explica também porque professores desistem do
trabalho com crianças surdocegas por não se identificarem com o trabalho, conforme:
[...] o sujeito da experiência é também um sujeito sofredor, padecente,
receptivo, aceitante, interpelado, submetido. Seu contrário, o sujeito
incapaz de experiência, seria um sujeito firme, forte, impávido,
119
inatingível, erguido, anestesiado, apático, autodeterminado, definido
por seu saber, por seu poder e por sua vontade. (LARROSA, 2016, p.
28).
As análises sobre a formação inicial e continuada de professores para o trabalho
em sala de surdocegueira realçam o entendimento de que a qualificação profissional
precisa ser assumida como uma política das agências contratantes, das instituições
educativas e do professor. Portanto, é algo como um querer coletivo em razão de um
projeto de Educação. Conforme observou Maia (2011), o educador de pessoa com
surdocegueira precisa se reconhecer como pessoa capaz de se sensibilizar diante da
condição do outro. Só assim ele pode proporcionar à criança surdocega experiências que
permitam a interação, comunicação e, assim, o aprendizado.
Considerando a importância da comunicação na Educação de pessoas com
surdocegueira, julgamos necessário não apenas observar esses processos in loco, mas,
também, compreender a opinião das professoras sobre as experiências de comunicação
por elas vivenciadas.
4.4 Relatos das professoras sobre experiência de comunicação e de interações em
sala de surdocegueira
As professoras entrevistadas na presente pesquisa consideram que a
comunicação é um dos fatores mais importante na vida de qualquer pessoa, isso porque
é o meio pelo qual uma pessoa fornece ou recebe informações. Indicam também
reconhecimento de que na sala de surdocegueira são adotadas diferentes formas de
comunicação, de acordo com as singularidades dos estudantes.
Daniel, dentro da residência dele, é emancipado. Faz tudo o que quer.
[...] Quando está fora de casa, ele pega as pessoas e leva aonde quer,
para que peguem determinado objeto. Assim, vai conquistando seu
espaço dentro dessa comunicação por objetos, que é uma
comunicação instrumental. Aqui na escola trabalhamos com a
comunicação digital, que é um método, através da escrita na palma
da mão, da digitalização no espaço do campo visual dele. Ele já
consegue interagir e prestar atenção. Ele já sabe alguns sinais é só
você mostrar. Se você perguntar o sinal dele ele sabe. E isso ele tá
provando pra nós que ele tem um potencial cognitivo, apesar dele ser
microcefálico, ele tem toda essa capacidade pra desenvolver
habilidade nessa comunicação não alfabética. (Professora Julia, dia
20 de outubro de 2017).
120
[...] eu comunico bastante com ele. Às vezes, as pessoas falam:
“porque você fala tanto com ele, Marcos não escuta...” Aí eu falo:
“gente eu tenho que falar com Marcos, ele tem o aparelho, o implante
coclear”. Então eu falo muito com ele mesmo, eu falo, toco nele, faço
sinal, peço pra ele fazer de novo. (Professora Jaqueline, dia 24 de
outubro de 2017).
O Luan tem vários tipos de comunicação expressiva. Quando ele está
enciumado ou nervoso por eu ter deixado ele de lado, se eu for
conversar com outra pessoa, se eu for buscar atividade longe dele, ele
emite um grunhido, mas se eu for buscar a atividade e fizer o sinal de
espera um pouquinho, ele entende que eu vou fazer alguma coisa e ele
espera [...] na questão de atividades que eu proponho pra ele, quando
ele gosta, ele emite um sorriso ou gargalhada, se estiver concentrado,
focado na atividade ele costuma chupar a linguinha [...] se ele não
gosta da atividade, ele tem dois tipos de comunicação: primeiro ele
começa a jogar as coisas no chão e pegar as coisas como se a mão
fosse boba, ou então se ele não gostar mesmo da atividade, ele ergue
os braços na altura da cabeça, vira o rostinho de lado, como se
estivesse dizendo não e não tem Cristo que faça ele abaixar os
bracinhos. (Professora Luana, dia 14 de setembro de 2017).
Eu converso com a Lilly. Ela me reconhece por causa do meu toque e
do cheiro. Entre eu e ela tem aquela ligação, se eu chego e falo “cadê
a minha princesa?”, ela sabe que sou eu. Mas a comunicação que ela
tem muito forte é com a mãe e com o pai, só da mãe chegar na sala
ela sente a presença da mãe. (Professora Íris, dia 14 de setembro de
2017).
A comunicação do Kaio é mais através de gestos, choro ou birra. Ele
demonstra quando ele não quer ou não gosta de alguma coisa, ele
não pega nos objetos, empurra, ele se comunica através de gestos e
comportamentos. Se ele gosta, ele sorri, abraça e permite ajuda pra
fazer a atividade [...], têm sinais que ele já faz, já reconhece, ele
demonstra estar entendendo o propósito das atividades e do trabalho
desenvolvido. (Professora Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).
[...] quando ele chega é tudo pelo cheiro, ele vai cheirando, ele pega
no cabelo, é tudo tátil, então ele vai pegando, vai sentindo teu cheiro,
ele conhece a gente através do cheiro. Ele se comunica através da
Libras também. Como ele tem baixa visão, eu faço Libras tátil; outros
sinais que ele já conhece consegue fazer sozinho, ele já entende o que
é pra ele estar fazendo. (Professora Eduarda, dia 13 de setembro de
2017).
Fica evidente nesses relatos que a Educação de pessoas com surdocegueira
demanda uso de diferentes formas de comunicação, como: comunicação por objetos de
referência, Libras tátil, Libras adaptada ao campo visual do aluno. Os órgãos dos
sentidos (tato e olfato), expressões faciais e corporais também são utilizados para
121
reconhecer o ambiente, as pessoas e para demonstrarem seus sentimentos. Os tipos de
comunicação adotados pelos alunos trata-se de comunicação expressiva e receptiva.
A comunicação expressiva, entendida por Souza, Maia e Fonegra (2011) como a
que é utilizada pelo sujeito para expressar suas vontades, aparece, notadamente, nos
relatos de Luana, Íris e Gabriela. Essas professoras mostraram-se atentas ao sentido
cinestésico e háptico, discutidos no capitulo 2 desta dissertação.
A comunicação receptiva é concebida como a manifestação do entendimento
daquilo que foi ensinado ou mostrado (SOUZA; MAIA; FONEGRA, 2011) e aparece
de forma mais evidente nos relatos das professoras Luana e Eduarda, notadamente
quando elas fazem referência ao entendimento que Luan e Enzo têm de sinais como
casa, espera, banheiro, entre outros.
Durante o período de observação buscamos visualizar o uso da Libras tátil na
comunicação professor-aluno. Chamou-nos atenção as práticas de comunicação
adotadas pela professora Jaqueline. Mesmo desconhecendo a capacidade auditiva de
Marcos, após o implante coclear, ela costuma utilizar a fala articulada com a Libras
tátil. Vale ressaltar que esse aluno é o que mais faz uso de sinais como forma de
comunicação. Se ele está realizando alguma atividade e sente vontade de ir ao banheiro,
levanta da carteira, faz o sinal “de banheiro” e sai em direção à porta. Como o aluno não
se orienta pela visão, a professora rapidamente se levanta para conduzi-lo ao banheiro.
Luana relata que seu aluno não produz sinais em Libras, mas compreende alguns
sinais que são produzidos por ela. Luan não se locomove sozinho e possui dificuldade
para a movimentação dos braços e pernas. A professora relata que muitas vezes faz os
sinais em Libras para o aluno e ele tenta reproduzir, mas por questões de configuração
de mão, os sinais ainda não saem da maneira correta. Com base nos estudos de Souza,
Maia e Fonegra (2011), podemos considerar que se trata de sinais adaptados, uma vez
que o aluno possui dificuldade e limitação para movimentação dos membros.
Considerando os relatos da professora Julia, inferimos que a dificuldade que os
alunos têm de utilizar a Libras como uma forma de comunicação pode estar relacionada
ao fato de que no contexto familiar e social os estudantes com surdocegueira tendem a
utilizar a linguagem instrumental. Vale ressaltar que a maioria dos pais não conhece a
linguagem de Libras, embora a escola ofereça cursos prioritariamente para os
familiares.
No que diz respeito à interação entre os estudantes com surdocegueira,
estudantes surdos e a comunidade escolar, as professoras entrevistadas manifestaram
122
entendimento de que esse processo configura uma condição de existência humana e se
caracteriza pelo modo como cada pessoa age em relação ao outro. Esse entendimento
explica porque elas fazem uso de diferentes estratégias para promover a interação dentro
e fora de sala de aula.
O Daniel é surdocego, não faz muito o uso olfativo e nem muito tátil,
ele aprendeu a usar o bom resíduo visual que tem [...]. Ele interage
timidamente com outros alunos e professores da escola. Mas, no
momento, falta espaço para que ele possa ampliar o seu
conhecimento e o processo de interação. Poderíamos ter uma
cozinha experimental, uma horta, trabalhar em conjunto. (Professora
Júlia, dia 20 de outubro de 2017).
A socialização é muito bom para o Marcos. É bonito ver a interação
dele com as crianças, e das crianças com ele. Se você visse o cuidado
que as crianças tinham com ele [...] ele pra conhecer a criança, ele
sentava, puxava a criança e começava a apalpar e cheirava.
Apalpava para conhecer. Se alguma criança chegava por trás e fosse
fazer com ele, ele não deixava. Aí eu comecei a trabalhar isso com
ele. Eu perguntava: por que que você pode pegar nas crianças e não
deixa que elas toquem em você? Aí ele começou a aceitar. Antes ele
não aceitava que as pessoas tocassem nele. (Professora Jaqueline, dia
24 de outubro de 2017).
O Luan era retraído, tímido. Só depois do projeto interação as coisas
foram acontecendo e ele se abriu pra vida. A família dele gosta muito
dessa relação que ele tem com as crianças, por essa razão permite
que ele participe de festinhas, de coisas aqui na escola, para essa
interação. A família nessa questão ajuda bastante. Eles preservam
essa relação que ele tem de amizade, pois isso só faz crescer o
aprendizado do Luan. (Professora Luana, dia 14 de setembro de
2017).
[...] eu sinto que a Lilly se identifica muito com uma criança dentro
da sala, que é o Luan. Quando o Luan aproxima eu sinto que ela sente
que é ele, ela ergue o pescoço, a mãozinha e fica sempre naquela
alegria. Só no Luan que eu consegui identificar isso, com as outras
crianças da escola que se aproximam dela eu ainda não consegui
identificar reação. (Professora Íris, dia 14 de setembro de 2017).
Meu aluno Kaio abraça todo mundo. Às vezes eu vejo que as pessoas
se afastam, têm medo, mas ele só quer uma atenção, um carinho. Às
vezes ele quer que a pessoa pegue algo pra ele, um objeto e ele não
sabe se comunicar. Muitas crianças da escola acham que ele quer
agredir. (Professora Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).
O Enzo é mais retraído [...] Ele foi meu primeiro aluno quando eu
entrei na surdocegueira e ele não sabia nada de Libras, ele não tinha
comunicação nenhuma, a não ser com a família dele. E hoje ele se
comunica e interage com outras crianças da escola. (Professora
Eduarda, dia 13 de setembro de 2017).
123
Esses relatos indicam que os processos de interação são diferenciados e
particulares, considerando cada estudante. Embora a interação com a família não tenha
sido evidenciada por todas as professoras, dados do nosso estudo permitem afirmar que
a interação ocorre, pois as famílias estão presentes na escola cotidianamente e nas
atividades comemorativas.
Em síntese, podemos considerar que os dados apresentados anteriormente
indicam que as professoras manifestam preocupação com a interação escola-família
entre os estudantes com surdocegueira, bem como entre eles e os demais estudantes e
professores da escola. Entendemos que os processos de interação no interior da sala de
surdocegueira podem ser potencializados pela criação de estratégias que re/configurem
os nichos para que os estudantes vivenciem situações de maior aproximação entre eles.
Entendemos também que a interação dos estudantes com surdocegueira com a escola
como um todo pode ser ampliada com a criação de espaços mais adequados, tais como:
auditório com palco, espaços com bancadas e instalações hidráulicas, quadra
poliesportiva, horta, banheiros adaptados nos dois pisos e cozinha experimental. Esse
conjunto de condições favorece o desenvolvimento de práticas educativas de caráter
individual e coletivo, como as que serão discutidos no capítulo que segue.
124
5 EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS EM SALA DE SURDOCEGUEIRA
No capítulo anterior caracterizamos a sala de surdocegueira do ponto de vista
físico e pedagógico, chamando atenção para o necessário reconhecimento das
singularidades de cada estudante. Isso exige considerar que não há um método
específico para ensinar os alunos com surdocegueira. Neste capítulo, temos o intento de
caracterizar a Educação em Ciências Naturais em sala de surdocegueira observando
desafios e potencialidades.
Consideramos que a produção dos dados relativos à prática pedagógica das
professoras foi favorecida pelo método de pesquisa que adotamos: observação
participante. Esse posicionamento foi referenciado em Fiorentine e Lorenzato (2012),
que consideram essa metodologia de pesquisa uma excelente estratégia para coleta de
dados, isso porque o pesquisador não se comporta como uma pessoa estranha que
permanece alheia ao que acontece diante de si. Ele faz uma imersão no ambiente, tendo
o cuidado de não interferir nas práticas realizadas pelos sujeitos da pesquisa.
Ao partir desse entendimento buscamos nos fazer presentes nas atividades
desenvolvidas pelas professoras, interagindo com elas e com os estudantes, contudo,
sem interferir no processo. Observamos atividades desenvolvidas em sala de aula e em
outros espaços (reuniões de planejamento e da sala do educador32, projeto interação,
visita ao zoológico da UFMT, festas comemorativas33).
Os dados relativos à Educação em Ciências Naturais foram registrados por meio
de produções escritas (caderno de campo), fotografias, filmagens e entrevistas com as
professoras. O conjunto dos dados foi analisado considerando os seguintes aspectos:
práticas pedagógicas adotadas pelas professoras; temáticas exploradas na Educação em
Ciências Naturais; relatos das professoras sobre a própria prática.
5.1 Práticas pedagógicas adotadas pelas professoras
Conforme explicado anteriormente, na Educação de estudantes com
surdocegueira não há um padrão a ser seguido. Cada professor utiliza métodos
32 A sala do Educador foi a denominação utilizada pela Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso
para se referir aos encontros semanais de formação continuada realizados dentro da própria escola e
dentro da carga horária do professor. A partir de 2017 tais encontros de formação passaram a ser
denominados Pró-Escola: Formação na escola (PEFE). 33 Durante o período de observação, houve a festa da família, a festa junina e o desfile em comemoração
ao dia 07 de setembro.
125
diferenciados para ensinar e se comunicar com os estudantes, conforme expresso nos
excertos de entrevistas que seguem:
Você vê que se você não construir com o aluno, não existe um
material específico [...] tenho que apresentar um material para minha
prática pedagógica, ele é único, ele é daquele aluno. O currículo deve
ser significativo porque de nada adianta o aluno ser capaz de fazer
lindas minhocas de massinha, mas não enrolar o próprio biscoito
para ele comer. (Professora Julia, dia 20 de outubro de 2017).
Eu trabalho os sinais direto, todos os dias, porque eu acho que é
muito importante para o Marcos, para estabelecer a comunicação
dele. Dou outras atividades diferenciadas pra ele estar desenvolvendo
[...] Pra eu trabalhar com ele sinais, pra eu pegar na mão dele, não
foi fácil. Ele não deixava. Eu fazia massinha de modelar, construía
bichinhos com ele, gelatina, que também é mole pra ele começar a
aceitar o toque, eu amornava um pouquinho de água para colocar as
mãozinhas dele e tinha um potinho de gelo. O Marcos é um menino
super inteligente [...] mas se você der chance pra ele e ele perceber
que você deu moleza ele não vai render. Desde que comecei a
trabalhar com ele na creche, eu sou assim, se ele faz uma coisa eu
falo firme, ele compreende. No início, para eu conseguir fazer ele
sentar eu tinha que segurar ele, tinha vez que eu não conseguia fazer
ele sentar. Tinha outra ADI na sala, eu pedia e ela vinha me ajudar e
nós conseguimos [...] na alimentação a gente tinha que segurar o
alimento na mão dele, o pão, ele pegava, mordia, se deixasse na mão
dele ele jogava fora. Aí eu comecei a usar a cumbuquinha, eu
segurava a mão dele, ele mordia, aí eu ia colocava a mão dele dentro
da cumbuquinha, ele deixava o pão ali dentro e ia fazendo esse
trabalho e nisso ele foi aprendendo, aprendendo cada vez mais e eu
aprendendo com ele. (Professora Jaqueline, dia 24 de outubro de
2017).
Eu trabalho com ele: ir para o banheiro, ir e voltar andando, eu
trabalho postura, trabalho subir e descer degraus, trabalho acender e
apagar a luz quando entrar e sair de um ambiente, trabalho abrir e
fechar a porta ao sair e entrar em um local e trabalho também o
andador pra que ele consiga ter essa autonomia do andar [...] A
alimentação eu não posso trabalhar com ele porque ele não se
alimenta via oral, o alimento dele é por uma cirurgia que ele fez no
abdômen e tem um boton onde todo alimento dele é aplicado ali.
Então fica difícil trabalhar com ele porque até os alimentos que
chamam a atenção do aluno, porque a criança tem esse ou aquele
alimento predileto, e eu não consigo trabalhar com o Luan, porque
nem água ele toma via oral. (Professora Luana, dia 14 de setembro de
2017).
Hoje, pegando na mãozinha dela e mostrando o copo, ela já sabe que
ela vai beber, ao mostrar a seringa ela sabe que ela vai tomar água,
[...] a Lilly precisa de todo apoio, ela não se locomove, não move os
braços, tudo tem que ajudar segurar com a mãozinha dela e
mostrando. Se a gente dá a colher, ela sabe que vai comer, no início
126
ela não mastigava, hoje ela já mastiga, no início ela não engolia, hoje
ela já engole. (Professora Íris, dia 14 de setembro de 2017).
Eu uso o calendário de pista com ele porque ele é um aluno ainda
dependente, então eu estou trabalhando a independência dele. O
calendário de pista possui objetos que representam uma atividade
diária e ele precisa ser autônomo naquela atividade. Ele está no
estágio básico, estamos trabalhando aquele calendário dando mais
ênfase nas atividades de vida diária (AVD) do aluno. (Professora
Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).
O Enzo tem baixa visão e a minha prática em sala de aula com ele é
mais tátil, para ele estar pegando. Os trabalhos são adaptados e
ampliados. Por exemplo, o nome dele, ele já consegue reconhecer e
separar as letras com tamanho de mais ou menos 10 centímetros. Ele
monta o nome dele. Você vai adaptando os trabalhos pra fazer a
prática com eles. (Professora Eduarda, dia 13 de setembro de 2017).
Esses relatos reafirmam o entendimento de que cada aluno é único e cabe à
professora conhecer as características daquele que ela tem a tarefa de educar. Essa tarefa
inclui atividades de vida diária, como: sentar-se para realização de uma atividade,
permitir o toque de outras pessoas, saber alimentar-se com autonomia, ir ao banheiro,
adquirir hábitos de higiene e cuidados pessoais e coletivos, utilizar talheres e
recipientes, abrir e fechar portas, acender e apagar as luzes, etc. Para as crianças que
dispõem dos sentidos preservados essas atividades são simples, porém, para pessoas
com surdocegueira, em muitos casos associada a outros comprometimentos físicos e
intelectuais, essas tarefas são de difícil realização e aprendizado.
A fala da professora Jaqueline nos remete à fase de apego e confiança que foi
proposta por Van Dijk, conforme indicam os estudos realizados por Rached (2011) e
Maia (2011). A princípio, Marcos manifestava resistência ao toque e não atendia as
orientações da professora. A relação afetiva que se estabeleceu permitiu para que ele
compreendesse o ritmo do desenvolvimento das atividades, iniciando pelo sentar.
Entendemos que a relação afetiva que observamos em todas as professoras
envolvidas nessa pesquisa constitui a primeira fase do programa de comunicação
proposto por Van Dijk. Nesse sentido, todas as professoras expressaram entendimento
de que a criança com surdocegueira, assim como qualquer criança, está inserida num
ambiente que demanda reações afetivas, intelectuais, sociais e culturais.
A interação social depende da forma como a criança é recebida,
acolhida, observada, ouvida e compreendida em suas necessidades.
Essa forma de relação e comunicação influencia o desenvolvimento
127
psico-afetivo e determina a maneira como a criança vai interagir com
as pessoas, objetos e o meio em que vive. (RACHED, 2011, p. 71).
Dados do nosso estudo evidenciam que as professoras fazem uso de diferentes
técnicas de ensino, tais como: caderno de comunicação (figura 14), que é utilizado para
lembrar os sinais de familiares e atividades que foram vivenciadas pelos alunos; técnica
mão-sobre-mão (figura 15) e mão-sob-mão (figura 16), para orientar seus alunos no
desenvolvimento das atividades; ensino da Libras pela apresentação do sinal no campo
visual do aluno; ensino de Libras tátil (figura 17) e da configuração de mão (figura 18)
para aquele sinal.
Figura 14 - Caderno de comunicação
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 07 de junho de 2017
Figura 15 - Técnica mão-sobre-mão
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 26 de junho de 2017
128
Figura 16 - Técnica mão-sob-mão
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 26 de junho de 2017
Figura 17 - Libras tátil
Fonte: Arquivo da pesquisadora, dia 14 de junho de 2017
129
Figura 18 - Configuração de mão
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 05 de julho de 2017
Na figura 14, a professora Gabriela ensina ao Kaio o sinal de mãe a partir de uma
foto da mãe do aluno. A foto compõe o caderno de comunicação e está ligada a relações
afetivas.
Na figura 15 a referida professora faz uso da técnica mão-sobre-mão para ensinar,
numa referência não representativa, as partes do corpo humano: cabeça, braços, pernas e
tronco.
Na figura 16 a professora Jaqueline usa a técnica de mão-sob-mão para trabalhar a
representação de casa (morada do aluno), ao mesmo tempo em que lida com o ensino de
formas geométricas pela colagem das partes que compõem uma casa.
Na figura 17 a professora Julia ensina o sinal de copo ao aluno Daniel, utilizando a
técnica de Libras tátil e objetos concretos (copo grande, copo pequeno, copinho de café) e
também a representação do copo por meio de desenhos que têm equivalência com o real.
Nessa atividade, a professora procurou ajudar o aluno a compreender que existem
diferentes tipos de copos, mas todos têm uma mesma função. Na figura 18 ela ensina a
configuração de mão de sinais de copo e café, utilizando objetos concretos de diferentes
materiais, texturas e peso (vidro, plástico, louça).
130
Esses dados dão evidencias de que as professoras fazem uso de diferentes técnicas
de comunicação e de diferentes recursos. Assim, elas expressaram entendimento de que:
A aquisição e o desenvolvimento da linguagem estão ligados à
comunicação e a interação social, a expressão das emoções, o
conhecimento da realidade, a conduta voluntária e a capacidade de
representação. Sendo assim, devemos considerar que a linguagem é
um sistema complexo de símbolos que atua como mediador e
instrumento que favorece a interação com os nossos semelhantes nas
diferentes áreas de atividade (afetiva, cognitiva, social, etc.) e a
sistematização da comunicação para se converter em linguagem.
(MAIA, 2011, p. 78).
Apresentamos a seguir a descrição das práticas de Educação em Ciências
Naturais que consideramos relevantes para o desenvolvimento das análises propostas
neste estudo.
5.2 Temáticas exploradas na Educação em Ciências Naturais
Neste tópico buscamos mostrar as temáticas exploradas na Educação em Ciências
Naturais na sala de surdocegueira que foi campo desse estudo. O período de observação foi
de maio a setembro de 2017. Evidenciamos que as atividades relativas a essa temática
foram desenvolvidas na referida sala de aula e nas atividades do projeto interação.
O projeto interação foi proposto e desenvolvido pelas professoras da sala de
surdocegueira juntamente com a professora da Educação infantil e do primeiro ano da
Educação básica. O propósito foi promover a integração entre as crianças com
surdocegueira e crianças com surdez.
O referido projeto surgiu a partir do momento que as professoras que atuam nas
salas de surdocegueira perceberam a dificuldade que manifestavam seus alunos na
comunicação e na interação com os demais alunos da escola. Elas entenderam, então, que
essa interação com alunos da Educação infantil e do primeiro ano poderia auxiliar no
processo de socialização, comunicação e, por conseguinte, na sua aprendizagem. O Projeto
acontece desde 2016. A princípio apenas três professoras34 eram responsáveis por sua
execução. No ano de 2017 ele foi ampliado e envolveu todas as professoras e alunos da
34 No ano de 2016, duas dessas professoras trabalhavam com a surdocegueira e uma professora com a
educação infantil, ambas no período vespertino.
131
surdocegueira e da Educação infantil que frequentam o período matutino. Em ambos os
anos, a gestão pedagógica tomou conhecimento e autorizou a execução do projeto.
Todas as atividades do projeto foram pensadas e preparadas pelas próprias
professoras35. Durante o período de coleta de dados observamos que, na maioria das
vezes, as atividades foram elaboradas e coordenadas pelas professoras Luana, Íris e
Jaqueline. As professoras Gabriela e Eduarda participaram esporadicamente. A professora
Júlia participou apenas uma vez.
Um aspecto que chamou nossa atenção no projeto é a disposição para fazer uso
de atividades diversificadas e de estratégias de ensino que possibilitem a interação entre os
alunos e a aprendizagem dos aspectos abordados. Chamou-nos atenção também o
entendimento de que não é possível comparar alunos que têm características físicas e
intelectuais diferenciadas. Esse entendimento foi expresso nos elogios e incentivos dados
ao grupo como um todo, respeitando as diferenças e motivando os alunos coletivamente.
As atividades de Educação em Ciências Naturais relatadas e analisadas nesse
estudo ocorreram dentro do Projeto Interação e na sala de aula. No projeto Interação, as
atividades foram relacionadas aos seguintes temas: sentidos (tato, visão, audição, olfato,
paladar), diversidade de animais (animais em miniatura-animal verdadeiro), montagem da
fazendinha, visita ao zoológico da UFMT, transformação da matéria cacau-chocolate e
higiene pessoal. No contexto da sala de aula, as atividades foram relacionadas com o corpo
humano e os vegetais.
5.2.1 Sentidos: audição, visão, paladar, tato e olfato
Embora os estudantes com surdocegueira e com surdez apresentassem déficits na
percepção de fatos do mundo (cada um conforme a sua singularidade), as professoras
consideraram relevante desenvolver atividades que pudessem exercitar os cinco sentidos,
explorando canais sensoriais remanescente da visão e audição.
No que diz respeito à audição as atividades foram desenvolvidas num espaço
próximo ao refeitório da escola. Naquele local havia um tablado de madeira sobre o qual
foi colocada uma potente caixa de som. As crianças foram motivadas a deitar sobre o
tablado na posição que se sentissem mais confortáveis. Foram apresentadas músicas de
35 Citamos aqui apenas os nomes das professoras que atuam nas salas de surdocegueira e não relatamos os
nomes das professoras que atuam na educação infantil e 1º ano, embora elas também participassem desse
processo.
132
diferentes ritmos, incluindo rock, forró, músicas infantis, funk e cantigas de ninar. As
professoras partiram do entendimento de que se as crianças com surdez ou com
surdocegueira podem não ser totalmente surdas. Ainda que sejam, podem sentir no corpo
a vibração do som propagado pela madeira. A dinâmica dessa atividade foi ilustrada pelas
imagens apresentadas a seguir (figura 19 e figura 20).
Figura 19 - Audição (1)
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 15 de junho de 2017
Figura 20 – Audição (2)
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 15 de junho de 2017
133
Conforme consta no nosso caderno de campo essa atividade relativa ao sentido da
audição foi marcante, pois nos fez repensar a concepção que tínhamos de pessoa com
surdez.
Foi a coisa mais maravilhosa que já presenciei na vida. Ver aquelas
crianças deitadinhas naquele tablado... Ver os olhinhos que brilhavam
e procuravam em meio à imensidão compreender o que estava
acontecendo naquele momento... Por que será que o corpinho estava
vibrando? Essa era uma pergunta que se passava na minha mente.
Alguns alunos surdos deitavam bem próximos à caixa de som e, de
acordo com o ritmo da música, batiam as mãozinhas no chão,
acompanhando a melodia da música. Confesso aqui que a princípio eu
duvidei que se pudesse trabalhar o sentido da audição com alunos que
são surdos, mas, mais uma vez, aquelas professoras me
impressionaram com a sua capacidade de criar estratégias para que
seus alunos aprendessem ou ao menos sentissem o que estava
acontecendo. (Diário de campo da pesquisadora, dia 15 de junho de
2017).
Esses dados reafirmam a necessidade do professor de crianças com surdocegueira e
surdez rever suas concepções e práticas a fim de criar estratégias pedagógicas que
permitam a interação e a exploração de canais sensoriais (residual ou não), ampliando,
assim, as possibilidades delas perceberem o mundo e se situar nele.
No que diz respeito ao sentido da visão as professoras utilizaram materiais como
papel celofane nas cores azul e amarelo que, segundo elas, são as cores que os alunos
que possuem resíduos visuais mais enxergam. Foram utilizadas também bolinhas que
emitem luz quando apertadas, bem como lanternas. O papel celofane colorido apresentado
às crianças tinha pedaços de papel colados, com fita adesiva, na frente e no verso. Foi
solicitado que os alunos tirassem os papéis que estavam colados na folha. Observamos que
os estudantes surdos que não têm comprometimento visual retiraram com facilidade os
pedacinhos de papel colados nos dois lados da folha. Os alunos com surdocegueira Marcos
e Lilly não tiveram nenhuma iniciativa para retirar os papéis, demonstrando, assim, que o
resíduo visual que possa existir neles é muito baixo, fato que não possibilitou
entendimento do que estava sendo proposto. Luan retirou os pedacinhos de papel que
estavam na frente da folha e tentou retirar os que estavam no verso pela frente do papel,
evidenciando, desse modo, dificuldades na localização espacial da imagem visualizada.
Outra atividade sobre o sentido da visão desenvolvida dentro do projeto interação
foi a utilização de lanternas e bolinhas que emitem luz (figura 21). As bolinhas, quando
134
pressionadas, emitem luzes coloridas que permanecem piscando por determinado tempo.
Os alunos com surdez gostaram da atividade e buscaram interagir com os estudantes com
surdocegueira, propondo brincadeiras com a bolinha e a lanterna. Percebemos que os
estudantes com surdocegueira respondiam visualmente aos estímulos luminosos,
demonstrando prazer na interação.
Figura 21 - Bolinha com luz
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 22 de junho de 2017
As atividades relativas à visão também foram trabalhadas em sala de aula por todas
as professoras. Destacamos aqui as atividades com tampinhas (de metal ou de plástico) e
latas encapadas com EVA (figura 22 e figura 23). O material foi construído pelas próprias
professoras para uso coletivo dentro da sala. Nessa atividade os alunos são instigados a
separar as tampinhas por cor e colocá-las dentro da lata correspondente.
135
Figura 22 - Latas e tampinhas coloridas
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de junho de 2017
Figura 23 - Caixa com tampinhas coloridas
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de junho de 2017
136
Percebemos que os alunos Enzo e Daniel foram os que apresentaram maior
habilidade no desenvolvimento da atividade proposta, fato que evidencia que ambos
possuem resíduo visual em situações próximas. Com esse tipo de proposição, o professor
que atua em sala de surdocegueira pode conhecer as singularidades dos seus alunos.
O sentido do paladar também foi explorado no projeto interação. Foram
apresentados diversos alimentos (figura 24), entre eles: bolo de chocolate, sorvete,
cachorro quente, melancia, pipoca, suco de limão sem açúcar e suco adoçado. Todas as
crianças, com exceção do Luan, provaram todos os alimentos e reagiam em relação a cada
um deles. As professoras apresentaram então o sinal correspondente.
Figura 24 - Paladar
Fonte: Arquivo da pesquisadora, dia 29 de junho de 2017
O tato foi o sentido mais trabalhado pelas professoras da sala de surdocegueira.
As atividades incluíram manipulação de diferentes materiais, tais como: luvas cirúrgicas
preenchidas com trigo, caixas de areia, bolinhas de gel, objetos de encaixe, balão de
aniversário preenchido com água (Figura 25). Assim, as crianças puderam explorar
137
diferentes texturas, pesos e temperatura. Observamos que os estudantes com surdocegueira
gostaram dessa atividade e exploram esse sentido mais do que outros, evidenciando maior
participação nas atividades.
Figura 25 - Tato
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 06 de julho de 2017
O sentido do olfato também foi trabalhado dentro do projeto interação e em sala
de aula. No projeto interação foram utilizados materiais com diferentes odores (figura 26),
tais como pó de café, álcool em gel com essência, limão, hidratante, creme dental e lenços
de bebê. Os alunos deveriam sentir o cheiro e fazer o sinal em Libras do odor
correspondente. Foi uma prática muito interessante.
Quanto ao pó de café, observamos que no início o aluno Marcos não demonstrava
interesse na atividade (figura 27), mas, ao sentir o cheiro do pó de café e sua textura (figura
28), ele tomou outra postura, cheirava, pegava com a mão e passava o pó em seu corpo
(figura 29).
138
Figura 26 – Olfato (1)
Fonte: Arquivo da pesquisadora, dia 10 de agosto de 2017
Figura 27 – Olfato (2)
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 10 de agosto de 2017
139
Figura 28 – Olfato (3)
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 10 de agosto de 2017
Figura 29 – Olfato (4)
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 10 de agosto de 2017
A postura inicial do aluno Marcos diante do pó de café demonstrou que ele é uma
pessoa com dificuldades para integração sensorial, precisando de estímulo mais intenso
140
para poder responder à atividade apresentada. Há razões para crer que esse aluno seja uma
pessoa hiposensível36, pois ele não apenas utilizou o olfato como também o tato ao
esfregar o pó de café pelo corpo explorando o cheiro de maneira mais intensa.
5.2.2 Conhecendo os animais
O estudo dos animais foi desenvolvido dentro do projeto Interação a partir da
exploração de animais de plástico em miniaturas (vacas, bois, cavalos, ovelha, galinhas,
cachorros, entre outros). As crianças puderam escolher os animais, fazer o sinal
correspondente e posteriormente colocá-los em uma maquete, que representava uma
fazendinha. Ela foi confeccionada pelas professoras e pelos alunos, fazendo o uso de placa
de isopor, tinta a base d’água, palitos de picolé, cola quente e plantas de plástico também
em miniatura.
Percebemos que as crianças surdas responderam com mais destreza e entusiasmo
aos comandos dados pelas professoras. Isso se deve ao fato de que elas conseguem
relacionar o objeto de referência com o animal que é visto numa situação real. O mesmo
não acontece com as crianças com surdocegueira, visto que elas não possuem memória
visual sobre aquela representação em miniatura, configurando o que Blaha (2011, p.13)
denominou “forma sem significado”.
Diante do reconhecimento de que a representação do animal em miniatura era
uma “forma sem significado” para os estudantes com surdocegueira, as professoras
resolveram trabalhar com animais reais (figura 30 e figura 31). Numa atividade dentro do
projeto Interação levaram pintinhos para que as crianças pudessem tocar e perceber a
diferença entre a representação de um animal em miniatura e o animal real.
36 Esse termo é utilizado aqui para caracterizar pessoas com dificuldades na integração sensorial. “As
crianças hiposenssíveis necessitam de uma intensidade maior de estímulos, apresentam buscas intensas de
sensações”. Disponível em: <http://www.somarrecife.com.br/site/os-estimulos-sensoriais-e-a-crianca-
com-transtorno-do-espectro-do-autismo> Acesso em: 07 de maio de 2018.
141
Figura 30- Animal Real (1)
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 17 de agosto de 2017
Figura 31 – Animal Real (2)
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 17 de agosto de 2017
As crianças puderam tocar o animal e sentir a textura da penugem, calor do corpo
e os movimentos, reconhecendo-o como um ser vivo. Os alunos com surdez apresentaram
142
o pintinho para os alunos com surdocegueira, que demonstraram capacidade de interação e
de satisfação com a experiência vivenciada.
Outra atividade proposta pelo projeto Interação foi a visita ao zoológico (figura
32). Essa aula de campo, agendada previamente com a UFMT pelas professoras, foi muito
significativa. Os alunos com surdocegueira que possuem mais resíduos visuais mostraram
maior capacidade de comunicação e interação com os aspectos observáveis. Ao visualizar
os animais eles sorriam e puxavam as professoras, demonstrando querer se aproximar
deles. Lilly e Marcos, que são os estudantes mais comprometidos visualmente, também
gostaram dessa prática. Eles pareciam reconhecer que estavam em um local diferente e
demonstraram contentamento, talvez por sentir sensações como o calor do sol, o frescor da
sombra das árvores e do vento. No decorrer do passeio as professoras faziam paradas para
explicar e ensinar os sinais dos animais em Libras para as crianças com surdez e em Libras
tátil para as crianças com surdocegueira. Nesses momentos de paradas para explicar sobre
determinado animal, Marcos e Lilly davam indícios de que queria continuar o percurso.
Marcos, guiado pelo braço da professora Jaqueline, puxava, como se demonstrasse que
queria continuar andando, e Lilly mexia os pés na cadeira de rodas.
Figura 32 – Aula de campo no zoológico
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 24 de agosto de 2017
Esse tipo de atividade propicia integração com o mundo e favorece o brincar entre
os sujeitos. Trata-se de “um fator que motiva as crianças em geral e para as crianças com
143
essas deficiências os agentes dessa motivação serão as famílias e os profissionais que
estarão em contato direto.” (MAIA, 2011, p. 34).
5.2.3 Transformação de alimentos: cacau-chocolate
Para explicar processos de transformação empregados na produção de alimentos,
as professoras desenvolveram atividades que instigaram a curiosidade das crianças. Elas
apresentaram a fruta do cacau, permitindo que elas explorassem em termos de
consistência, sabor e cheiro (figura 33). Depois disso, elas indagaram: que fruta é essa? As
crianças não souberam dizer que fruta era aquela. As professoras explicaram que se tratava
do cacau e que a partir das sementes daquela fruta era produzido um doce muito gostoso e
que quase todas as pessoas gostam. Então, elas perguntaram às crianças qual doce era
produzido a partir daquela fruta. Os alunos surdos se entreolharam, demonstrando
curiosidade em relação a tal fruta. Os alunos surdocego não demonstravam essa reação,
mesmo a partir do manuseio e da exploração das sensações. Na sequência, as professoras
apresentaram uma caixa fechada e informaram que dentro da caixa estava o doce feito com
sementes da fruta. A caixa foi passada de mão em mão e explorada por todos os alunos
(figura 34). Quando indagados sobre qual doce seria, os alunos ficaram pensativos, até
que um deles fez o sinal de chocolate. As professoras aplaudiram, confirmando o acerto.
Os alunos abriram a caixa que continha os bombons e outros tipos de chocolates, que
foram distribuídos para os presentes (figura 35).
Figura 33 – Apresentação do cacau
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 31 de agosto de 2017
144
Figura 34 - Explorando a caixa surpresa
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 31 de agosto de 2017
Figura 35 - Cacau-chocolate
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 31 de agosto de 2017
Percebemos que grande parte das atividades relativas à Educação em Ciências
Naturais foram propostas no âmbito do projeto Interação, sendo realizadas com os alunos
com surdez. Mas vale ressaltar que, de acordo com as observações dos dados desta
145
pesquisa, percebemos que as professoras reforçavam o que era trabalhado dentro do
projeto em sala de aula. Por exemplo: na semana em que era trabalhado o sentido do tato
no projeto interação, esse mesmo sentido era trabalhado durante toda semana em sala de
aula, e assim era feito com as demais temáticas abordadas.
Além das temáticas abordadas dentro do projeto Interação, as professoras
propuseram e trabalharam outras temáticas em sala de aula com os seus alunos, conforme
as que serão relatadas a seguir.
5.2.4 Conhecendo o próprio corpo
Durante o desenvolvimento dessa pesquisa observamos que todas as professoras
abordaram essa temática, expressando reconhecimento de que a compreensão do corpo é
essencial para o estudante com surdocegueira. Nesse sentido, foram realizadas atividades
que exploraram as diversas partes do corpo, sem deixar de considerar que ele é uma
totalidade.
As estratégias que foram adotadas pelas professoras incluiram: desenhos de
contorno e pinturas, montagem de quebra-cabeça e identificação das partes do corpo de um
esquema corporal móvel, relacionando-os ao próprio corpo do estudante (figura 36). No
caso de aluno que não conseguia apontar no próprio corpo as partes indicadas pelas
respectivas professoras, observamos que elas direcionavam a mão dele para as partes
correspondente ao que era apontado no desenho, no quebra-cabeça, no esquema corporal
ou no modelo utilizado. Observamos que, no caso de estudantes que adquiriam a
habilidade de relacionar as partes do corpo indicado no material pedagógico com o
próprio corpo, a professora ensinava sinais em Libras.
146
Figura 36 - Corpo Humano
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de junho de 2017
Outra atividade relacionada com essa temática foi a do contorno do corpo,
desenvolvida pela professora Julia com o aluno Daniel. A professora emendou várias
cartolinas e solicitou que o aluno deitasse sobre elas. Com Daniel deitado sobre as
cartolinas foi traçado o contorno do seu corpo, utilizando pincel colorido. O contorno foi
apresentado posteriormente para o aluno. Durante alguns minutos o aluno permaneceu
sentado no chão, observando o desenho com admiração. Depois se levantou e continuou a
observar a representação na cartolina estendida no chão. Julia se aproximou e perguntou o
que estava desenhado na cartolina. O aluno prontamente fez o seu sinal em Libras,
demonstrando reconhecer que aquele contorno era a representação do seu corpo (figura
37).
147
Figura 37 – Contorno do corpo humano
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 08 de agosto de 2017
Após alguns dias a professora retomou a atividade para contornar o esquema do
corpo com barbante. Em seguida, ela recortou os membros para que o aluno montasse
como quebra-cabeça. Observamos que enquanto a professora recortava as partes do corpo,
Daniel manifestava inquietação e rapidamente tentava montar o contorno do corpo, a fim
de mantê-lo inteiro novamente.
Essas atividades relativas ao corpo humano nos remetem à fase de referência não
representativa proposta por Van Dijk e descrita por Rached (2011), pois nessa fase as
crianças reconhecem e localizam as partes do próprio corpo e de outras pessoas a partir de
modelos tridimensionais, bonecos e desenhos.
148
5.2.5 Vegetais
Os vegetais também foram abordados na sala de surdocegueira durante o
desenvolvimento dessa pesquisa. Várias estratégias foram utilizadas, como decalque de
folhas, desenhos de contorno, colagens e germinação de sementes.
Julia propôs a Daniel uma atividade que utilizava vários tipos de folhas (figura
38). Ela iniciou mostrando ao estudante uma planta real que estava em um vaso no pátio da
escola. Logo em seguida, ele foi motivado a coletar diferentes tipos de folhas que
encontrava. A professora trouxe também algumas folhas de sua casa e solicitou que Daniel
fizesse o contorno delas, mas como o aluno não demonstrou habilidade manual e visual
para tal atividade ela mesma as contornou. Diante desse fato, Julia decidiu colocar as
folhas embaixo de um papel sulfite e pediu que o estudante friccionasse o giz de cera,
produzindo o decalque do contorno da folha e das nervuras. Durante algum tempo o aluno
ficou observando o que ele e sua professora haviam produzido, expressando surpresa.
Consideramos que ele demonstrou compreensão do que foi proposto ao aproximar as
folhas reais dos desenhos de contorno e decalques.
Figura 38 – Folhas
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 20 de junho de 2017
149
Eduarda também realizou atividades referentes aos vegetais com o aluno Enzo. A
atividade consistitiu na montagem da árvove em desenho impresso em papel sulfite. Em
um papel havia desenhos de pequenas folhas e em outro papel havia o contorno de uma
árvore. Para desenvolver a atividade foi proposto ao aluno que pintasse as folhas,
utilizando giz de cera (figura 39). Essas folhas foram recortadas pela professora e dispostas
sobre a mesa. Sob a orientação da professora, Enzo pegava as folhas recortadas e dispostas
sobre a mesa e colava na copa da árvore impressa em papel sulfite (figura 40).
Figura 39 - Colorindo as folhas
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 16 de junho de 2017
Figura 40 - Montando a árvore
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 16 de junho de 2017
150
O aluno mostrou habilidade para desenvolver a atividade que foi proposta, mas,
do nosso ponto de vista, se fossem coletadas folhas reais no pátio da escola para serem
coladas na atividade, e também pequenos galhos que pudessem representar o tronco da
árvore, essa atividade teria sido mais significativa para o estudante.
A professora Eduarda realizou outra atividade relacionada aos vegetais, que foi a
germinação de sementes (figura 41). Para a realização da atividade a professora utilizou
grãos de feijão, algodão e um potinho de plástico. Os feijões foram colocados por Enzo
sobre o algodão que estava dentro do pote plástico. Em seguida, ela pediu que ele
colocasse um pouco de água para umedecer o algodão e que molhasse os feijões todos os
dias. Com o passar dos dias os feijões germinaram. O aluno ficava durante algum tempo
observando e parecia compreender que o material de dentro do potinho estava se
transformando. A princípio a intenção da professora era que as mudas pudessem ser
plantadas na horta escolar, mas como não foi possível, os feijões germinados apodreceram
e acabaram morrendo.
Figura 41 - Germinação do feijão
Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 03 de julho de 2017
151
Acreditamos que se a escola dispusesse de horta escolar essa atividade poderia
ter sido concluída com sucesso, os ramos iriam crescer e iriam produzir frutos e desse
modo o aluno poderia ter percebido que o feijão plantado por ele poderia originar vários
outros feijões. Deixamos aqui registrado que mesmo com a ausência de espaço físico é
possível se fazer uma horta na escola utilizando caixotes ou até mesmo uma horta
suspensa.
5.3 Relatos das professoras sobre a própria prática
Para ampliar os dados relativos à Educação em Ciências Naturais, incluímos nas
entrevistas realizadas com as professoras questões relativas a essa temática. As
entrevistas foram realizadas no mês de setembro e outubro de 2017, após o período de
observação. O propósito foi melhor compreender a dinâmica do trabalho desenvolvido
por elas, especialmente no que diz respeito às práticas na Educação em Ciências
Naturais.
Em outros anos a gente foi no horto [...] Esse ano eu trabalhei a
higienização dos alimentos, sinais desses alimentos, preparo dessas
saladas que ele sempre traz [...] ele já sabe escolher o que ele quer
comer. Quando vão à feira e a família põe algum alimento na sacola,
ele devolve e pega outro alimento, como quem diz: “essa semana eu
não quero comer isso”[...] , em casa ele faz a hortinha com o avô.
[...] Dentro da área de Ciências Naturais trabalhamos mais
alimentos, os objetos, as folhas, o corpo humano. Utilizo o desenho de
contorno dessas verduras que ele traz. (Professora Julia, dia 20 de
outubro de 2017).
Em Ciências Naturais entra a parte da higiene, de vestir e despir. A
gente trabalhava muito isso quando ia na casa [antes havia um
projeto no qual os professores faziam visitas à família e orientavam
como lidar com aquele aluno], na visita in loco. Nós fazíamos as
visitas, orientávamos e trabalhava a higiene junto com a família. Esse
tipo de conteúdo sempre é trabalhado, mesmo o aluno estando mais
avançado esse conteúdo permanece. Têm alunos que sabem tudo
sobre AVD, mas você continua ensinando. Tem que ficar muito atento
na alimentação. Muitas vezes o aluno pega a comida e coloca muito
na boca, fica com a boca cheia, não mastiga, tudo isso você tem que
estar ensinando. Tem aluno que na hora que vai escovar o dente, ao
invés de levar a água na boca ele coloca a boca na torneira, então ele
sabe escovar o dente, mas tem que ensinar a não colocar a boca ali
na torneira. Então é por isso que eu falo, nós sempre vamos estar
trabalhando essa parte de Ciências Naturais com nossos alunos: a
higiene bucal, o vestir, despir, o banho, o corpo humano. (Professora
Jaqueline, dia 24 de outubro de 2017).
Eu trabalhei frutas, os sentidos, higiene pessoal [...] dentro de
ciências eu trabalho alimentos, embora ele não se alimente via oral.
152
Trabalhei os alimentos da festa junina, o milho, a pipoca, ele sentia
pelo cheiro e pelo tato, ele só não se alimenta ainda, mas no futuro eu
tenho certeza que ele vai conseguir comer. (Professora Luana, dia 14
de setembro de 2017).
Na realidade a gente nem pode falar em conteúdo porque não é uma
escola regular. Se você for trabalhar atividades mesmo com ela, ela
não vai dar conta de fazer, então a gente trabalha mais o lúdico da
criança, mais mesmo o AVD, a vida diária dela. O que ela faz, como
faz, a troca de fralda. A gente trabalha mais isso, por quê? Porque ela
tem que aprender a se virar sozinha. Então fica meio difícil falar de
Ciências Naturais. Nem a escola tem um orientativo de currículo
funcional. (Professora Íris, dia 14 de setembro de 2017).
Com ele eu trabalho frutas e trabalho o corpo humano. Eu trabalho
com ele objetos de encaixes que são as peças de corpo humano,
trabalho as frutas que ele mais consome e que ele gosta, eu procuro
trabalhar bem a realidade dele, que são coisas do dia a dia, porque
não adianta eu trabalhar uma coisa que pra ele não é real, que ele
não tem contato com aquilo. Então em ciências eu trabalho frutas e o
corpo humano. (Professora Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).
Eu trabalho com o Enzo o corpo humano, os alimentos. Na atividade
dos alimentos nós fizemos uma prancha com o nome dele, em cada
letra colocamos arroz, feijão, macarrão, ele ia colando, a gente ia ao
mesmo tempo trabalhando a coordenação motora e os alimentos que
ele come em casa e na escola. Outro conteúdo foi a germinação do
feijão. Ele que fez, desde a hora de colocar a semente no algodão,
todo dia ele foi molhando e acompanhando a germinação, via a
plantinha crescendo. A parte de higiene bucal, quando ele começou
comigo ele colocava a boca na torneira, hoje ele não faz mais assim.
Na parte da alimentação, eu trabalho higiene, antes dele comer tem
que lavar as mãos. Ele começou a comer de garfo e faca, que faz
parte da higiene também, ele colocava a boca no prato. (Professora
Eduarda, dia 13 de setembro de 2017).
Fica evidente nos relatos das professoras que não existem técnicas padronizadas
para Educação de pessoas com surdocegueira. Cada aluno é único e o currículo precisa
ser significativo para ele. O desafio é fazer com que os conhecimentos trabalhados na
escola possam ser utilizados e sejam relevantes nas atividades de vida diária; por essa
razão, as professoras dão prioridade às temáticas sobre órgãos do sentido (audição,
visão, paladar, tato e olfato), reconhecimento dos animais, transformação do cacau em
chocolate, reconhecimento do corpo e dos vegetais.
Não encontramos autores que discutam especificamente a Educação em Ciências
Naturais para estudantes com surdocegueira. Mas, assim como Maia (2011),
acreditamos que adotar a postura de “educador de pessoa com surdocegueira” torna-se
um fator preponderante para que o aprendizado aconteça. Um educador que se coloca
no “lugar do outro” consegue traçar estratégias e propor atividades relevantes e
153
significativas que ampliem as AVAS, AVD e também o conhecimento dos estudantes
com surdocegueira.
154
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Ao finalizar a produção dessa dissertação fui instigada a revisitar o percurso
vivenciado durante o curso de mestrado. Nesse processo de revisão da minha trajetória
enquanto pesquisadora da área da Educação em Ciências Naturais, muitas indagações
povoaram meu pensamento. Destaco aqui três delas: Que aprendizados eu realizei ao
desenvolver este estudo? Qual é a relevância social desta pesquisa? Que caminhos eu
pretendo trilhar ao concluir o mestrado? Busco a seguir apresentar algumas respostas.
Considero que meu grande aprendizado foi constatar que, até a elaboração do
projeto de pesquisa que deu origem a esta dissertação, as pessoas com surdocegueira
eram invisíveis ao meu olhar. Eu não havia sequer ouvido falar em surdocegueira.
Embora já contasse com experiência na Educação de pessoas com surdez e com outras
deficiências, desconhecia completamente a problemática vivida pelas crianças, jovens e
adultos com surdocegueira.
A condição de pesquisadora neófita que enfrenta desafios como possibilidade de
aprendizado levou-me à imersão na sala de surdocegueira da escola que foi campo deste
estudo. Nessa experiência eu fui motivada a ampliar meu olhar no campo da Educação,
notadamente, no que diz respeito à inclusão das pessoas diferentes. A cada dia de
convívio com as crianças e jovens com surdocegueira e com suas professoras eu
aprendia novas lições de vida e buscava na literatura formas de compreender o vivido.
Foram muitas situações que despertaram em mim sentimentos de alegria, de emoção, de
inquietações e questionamentos que desencadeavam os “tremores” referidos por Jorge
Larrosa (2016). Conforme observou esse autor, quando um acontecimento se torna
experiência ele nos afeta profundamente porque faz de nós um território de passagem,
uma superfície sensível, um lugar de acolhida, um ponto de chegada. A verdadeira
experiência ocorre na relação com o outro que nos desestabiliza, que nos inquieta e nos
instiga a produzir novos sentidos para o que é vivido. Por essa razão, considero que vivi
a pesquisa como um grande momento de transformação no meu modo de ser e de ver o
mundo. Esse processo foi favorecido pelos estudos realizados no contexto do curso de
mestrado e no contexto da escola pesquisada, quando eu discutia com as professoras os
textos que integraram o currículo do curso de aperfeiçoamento promovido pela Ahimsa,
em parceria com o Grupo Brasil.
Ao buscar traduzir a experiência que eu vivi nessa dissertação de mestrado
observei que a relevância social desta pesquisa possa estar no fato de que, no estado de
155
Mato Grosso, esta dissertação é a primeira produção acadêmica (no âmbito da pós-
graduação stricto sensu) que trata dessa temática. No contexto nacional, há razões para
crer que essa pesquisa também é inédita, pois, ao realizar a revisão da literatura sobre a
Educação em Ciências Naturais para estudantes com surdocegueira não identifiquei
teses e dissertações sobre o tema.
No levantamento das dissertações e teses relativas à temática surdocegueira foi
possível perceber que a maior parte das produções está concentrada no sudeste, fato que
pode estar relacionado ao maior número de cursos de pós-graduação nessa região e à
presença do Grupo Brasil e da Ahimsa. Essas instituições têm assumido papel de
destaque na produção de políticas públicas, de materiais didático-pedagógicos e na
formação de professores. O fato de esta produção ser inédita no estado de Mato Grosso
(e talvez no Brasil) exige reconhecer que as discussões sobre a Educação de pessoas
com surdocegueira precisam ser ampliadas tanto no campo da pesquisa como dos
debates sobre políticas de inclusão.
Ao revisitar o percurso realizado pelos pesquisadores que foram apresentados na
revisão da literatura eu pude constatar a complexidade do trabalho do educador de
pessoas com surdocegueira. Atuar nessa área é um grande desafio, pois exige
compreensão dos processos de comunicação, de inclusão, de aquisição de linguagem, de
orientação e mobilidade, das causas da surdocegueira, dos processos de interação e do
brincar. É importante considerar que uma criança com surdocegueira tem capacidade de
brincar sozinhas e/ou com outras crianças. Como observou a professora Shirley Maia na
sua tese de doutorado, as brincadeiras são facilitadoras do processo de aprendizagem e
de interação social.
Com base nas análises de textos oficiais elencados nesta dissertação observei
que a surdocegueira tem pouca visibilidade na legislação educacional, pois a lei trata do
direito à Educação e o atendimento educacional especializado para as PCD, mas, em
geral, não faz referência específica à surdocegueira. Os silenciamentos em torno da
surdocegueira dão evidências de que os debates sobre essa condição precisam ser
ampliados nas creches, escolas de Educação básica, universidades, congressos,
associações, órgãos da administração pública na perspectiva de repercutir nos textos
oficiais que tecem as políticas públicas.
Em se tratando de políticas públicas para a Educação de pessoas com
surdocegueira é possível considerar que, no Mato Grosso, nas últimas décadas, houve
investimentos, todavia, as ações ainda são pouco significativas quando se considera as
156
dimensões geográficas desse Estado e a carência de dados sobre as instituições que
fazem esse atendimento.
Outro aspecto que merece destaque é a necessidade de investimento na formação
de professores para atuação nessa área, levando em conta que se trata de um tipo de
Educação que exige conhecimentos e práticas pedagógicas específicas. Como ficou
realçada nas entrevistas com as professoras que foram envolvidas nesta pesquisa, a
maior parte delas iniciou o trabalho na sala de surdocegueira sem ter acesso à formação
requerida. Nesse sentido, é imperativo destacar a importância da parceria entre a Seduc,
as universidades públicas, a Ahimsa e o Grupo Brasil para dar respostas às demandas
desse campo.
Com base na experiência que vivenciei no desenvolvimento da pesquisa aqui
apresentada reafirmo a importância da observação participante (método de pesquisa
qualitativa) como possibilidade de coleta de dados. Assim, eu pude me inserir no campo
do estudo e compreender a condição do trabalho das professoras, os desafios
enfrentados pelas professoras, estudantes, pais e a comunidade escolar como um todo. O
meu posicionamento como observadora participante exigiu que me colocasse na
condição do outro e compreendesse o sentido de termos como “educador de pessoas
com surdocegueira”, “parceiros significativos”, “relações de comunicação”, “interação”,
entre outros.
Os sentidos que hoje dou a esses termos me motivam a realçar a importância do
Ceaada como espaço de Educação de pessoas com surdez e com surdocegueira.
Considero que a criação de uma sala específica para atendimento de surdocegos revela o
reconhecimento de que estudantes que se encontram nessa condição têm direito à
Educação diferenciada e singular. Ao me manifestar favorável à criação e manutenção
de espaços específicos para atendimento educacional de tais pessoas não estou me
colocando ao lado daqueles de defendem a segregação. Ao invés disso, defendo a
inclusão pelo reconhecimento da diferença, pois uma pessoa com surdocegueira
demanda atendimento educacional com professores especializados que favorecem o
desenvolvimento de AVD e AVAS. Tais atividades, fundamentais a autonomia do
estudante surdocego, precisam ocorrer em instituições que disponham de salas de aula
versáteis ricas em equipamentos e tecnologias assistiva. As instituições precisam dispor
também de cozinha experimental, lavanderia, banheiros adaptados e espaços para
atividades de interação com os demais estudantes da escola. Nesse sentido, entendo que
as instalações físicas do Ceaada precisam ser ampliadas.
157
Entendo também que o Ceaada carece de investimentos em termos de materiais
didático-pedagógicos. Observei que na referida escola são poucos os materiais
pedagógicos industrializados. A maior parte das tecnologias assistiva utilizadas nas
aulas foi produzida pelas próprias professoras, em geral, com materiais de baixo custo
adquiridos, muitas vezes, com recursos próprios. Isso revela que elas dão sentido ao
termo “parceiro significativo”, mesmo tendo pouca formação na área. Para agir como
“parceiro significativo” as professoras fazem uso de várias técnicas de comunicação,
entre elas Libras, Libras tátil, Tadoma e Braille. No entanto, há predomínio de gestos,
Libras e Libras tátil.
No que se refere à questão central deste estudo ficou evidente que a Educação
em Ciências Naturais é trabalhada com estudantes com surdocegueira, mesmo que essa
condição esteja associada a outros comprometimentos. Entre as temáticas abordadas no
período de observação merecem destaque: órgãos dos sentidos, corpo humano,
diversidade de plantas e animais, transformação de substância articuladas com as AVD
e AVAS.
Em suma, as análises desenvolvidas neste estudo instigam-me a continuar
pesquisando a Educação de pessoa com surdocegueira por entender que Mato Grosso
carece de pesquisadores nessa área. Preocupa-me saber que, no Brasil, o número de
pessoas com surdocegueira está aumentando em consequência de doenças como a zica.
Faz-se necessário, portanto, ampliar os estudos e debates sobre a condição e os direitos
dessas pessoas o que implica em definir políticas públicas em vários setores,
notadamente no campo da Educação.
158
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165
APÊNDICES
APÊNDICE A - ENTREVISTA COM PROFESSORAS QUE ATUAM EM
SALAS DE SURDOCEGUEIRA NO CEAADA.............................
166
APÊNDICE B - ENTREVISTA SOBRE O HISTÓRICO DA SURDOCEGUEIRA. 168
APÊNDICE C - QUESTIONÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE
ESCOLAR PESQUISADA...............................................................
169
APÊNDICE D - APENDICE D – QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO
DAS PROFESSORAS QUE ATUAM NAS SALAS DE
SURDOCEGUEIRA.........................................................................
171
APÊNDICE E - CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISADORA................ 173
APÊNDICE F - CARTA DE ANUÊNCIA DA PESQUISADORA........................... 174
APÊNDICE G - TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PROFESSORES............... 176
APÊNDICE H - TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PAIS/RESPONSÁVEIS... 178
APÊNDICE I - TERMO DE NÃO ASSENTIMENTO DOS ALUNOS................... 180
166
APÊNDICE A - ENTREVISTA COM PROFESSORAS QUE ATUAM EM SALAS
DE SURDOCEGUEIRA NO CEAADA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA DIRECIONADA AS
PROFESSORAS QUE ATUAM EM SALAS DE SURDOCEGUEIRA NO
CEAADA
BLOCO 1- Sobre a experiência profissional do professor que atua na sala de
surdocegueira.
a) Como você se tornou professor (a)? Conte-me a sua história.
b) Há quantos anos você leciona?
c) Há quantos anos você trabalha nesta escola?
d) Há quanto tempo você atua na Educação especial?
e) Há quanto tempo você atua em salas de surdocegueira?
BLOCO 2- Sobre a formação específica para trabalhar nas salas de surdocegueira
e sobre a prática dos professores em sala de aula.
f) Você teve alguma formação específica para trabalhar com alunos com
surdocegueira? Caso a resposta seja afirmativa, qual o tipo de formação?
g) Relate como é a sua prática na sala de aula com estudantes surdocegos?
h) Descreva como acontece a comunicação entre os estudantes surdocegos e
professores?
i) O que você considera ser o maior desafio de atuar como professor (a) dos
estudantes surdocegos?
j) Você gosta de atuar como professor (a) de estudantes surdocegos? Justifique sua
resposta.
k) O que você aprendeu a partir de suas práticas junto com alunos surdocegos?
167
BLOCO 3- Sobre o ensino de Ciências Naturais para os estudantes surdocegos.
l) Com relação ao ensino de Ciências Naturais, você poderia elencar quais
conteúdos são trabalhados por você em sala de aula?
m) Como esses conteúdos de Ciências Naturais são trabalhados em sala de aula?
Qual a metodologia que você utiliza?
n) Como você avalia o aprendizado desse estudante?
168
APÊNDICE B - ENTREVISTA SOBRE O HISTÓRICO DA SURDOCEGUEIRA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Essa entrevista tem a finalidade de obtermos dados sobre o histórico da surdocegueira
no estado de Mato Grosso. Soubemos que você participou do primeiro curso de
formação oferecido pelo estado no ano de 2008.
Você poderia nos contar:
Como foi esse curso?
Por quem ele foi ofertado?
Como se deu a escolha dos participantes?
Após o curso, como foi a criação das salas de estudantes surdocegos?
169
APENDICE C - QUESTIONÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE
ESCOLAR PESQUISADA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
QUESTIONÁRIO – CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA
Dados da Escola
Nome da Escola:_________________________________________________________
Nome do (a) diretor (a):___________________________________________________
Endereço da escola:______________________________________________________
Telefone:______________________
E-mail:_______________________________ Data da fundação:__________________
Turnos de funcionamento da escola: ( ) matutino ( ) vespertino ( ) noturno
Nº total de salas: _____________ Nº de alunos por período: Matutino : _____________
Nº de alunos no período Vespertino:_____ nº de alunos no período noturno: _________
Nº total de professores: Efetivos _________________ contratados: ________________
A escola dispõe de:
Biblioteca: ( ) sim ( ) Não . Outros: ___________________________________
Laboratório de informática : ( ) sim ( ) não
Sala de Video: ( ) sim ( ) não
Materiais pedagógicos: ( ) sim ( ) não . Quais ? ____________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
- Materiais de multimídia? ( ) projetor de imagem ( ) Televisão
Outros ________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
170
- Livros didáticos ( ) sim ( ) Não
- Livros para estudos e planejamento dos professores? ( ) sim ( ) não
- Livros de literatura suficientes? ( ) sim ( ) Não
A escola desenvolve algum projeto educativo com parcerias com outras instituições?
( ) sim ( ) não. Em caso afirmativo quais?___________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
171
APENDICE D – QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES
QUE ATUAM NAS SALAS DE SURDOCEGUEIRA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
QUESTIONÁRIO - CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES QUE ATUAM
EM SALAS DE SURDOCEGUEIRA NO CEAADA
Professor (a): ___________________________________________________________
1. Dados Pessoais
Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
Data de Nascimento: ______/______/______
Natural de: _______________________________
E-mail: _______________________________________________________________
Telefone: ( ) __________ - __________ Cel.: ( ) __________ - __________
( ) SURDO ( ) OUVINTE
2. Formação Acadêmica
Graduação
Curso/Habilitação: _______________________________________________________
Instituição: _____________________________________________________________
Cidade/Estado: __________________________________________________________
Modalidade do curso: ( ) Presencial ( ) Distância ( ) Semipresencial
Ano de Início: _____________________ Ano de término: _________________
Pós-graduação (identificar em qual área e o ano em que iniciou e o ano em que
concluiu)
( ) Especialização
Ano de início: _____________________ Ano de término: ______________________
Área: ________________________________________________________________
172
( ) Mestrado
Ano de início: _____________________ Ano de término: ______________________
Área: ________________________________________________________________
( ) Doutorado
Ano de início: _____________________ Ano de término: ______________________
Área: ________________________________________________________________
( ) Não cursei ou não completei curso de Pós-Graduação
3. Situação e Experiência Profissional
a) Qual sua situação trabalhista:
( ) Efetivo
( ) Concursado em estágio probatório
( ) Prestador de serviço por contrato
b) Turno que trabalha nesta escola:
( ) Matutino ( ) Vespertino ( ) Noturno
c) Você trabalha em outra escola? ___________________________________________
d) Qual sua jornada de trabalho semanal? _____________________________________
e) Exerce outra profissão além de professor?
( ) Sim
( ) Não
Qual? ________________________________________________________________
Onde? _________________________________________________________________
173
APENDICE E - CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISADORA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
Carta de apresentação do pesquisador
Cuiabá, 22 de Março de 2017.
Prezado (a) senhor (a),
Por meio desta, apresentamos a mestranda Valquíria Perassolo, aluna
devidamente matriculada no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso, que realiza a pesquisa intitulada “PRÁTICAS
DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA ESTUDANTES
SURDOCEGOS: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA ESCOLA PARA
SURDOS”, para que possa contar com vossa autorização para executar coleta de dados
na instituição representada por vossa senhoria.
A coleta de dados citada trata da aplicação de um instrumento semidirigido de
entrevista e de um questionário, que deverão ser respondidos por professores que atuam
em salas de surdocegueira no CEAADA no decorrer do ano de 2017, bem como analisar
o Projeto Político Pedagógico (PPP) da Unidade Escolar, o planejamento dos
professores e fazer observação nas salas de surdocegueira a fim de verificar quais e
como os conteúdos de ciências são trabalhados em sala de aula.
Informamos que o caráter ético desta pesquisa assegura o sigilo das informações
coletadas, mediantes Vossa Autorização, garantindo, a preservação da identidade e da
privacidade da instituição e dos sujeitos entrevistados, bem como, o retorno dos
resultados da pesquisa aos sujeitos ouvidos, na forma de um relatório de dissertação de
pesquisa.
Esclarecemos que a autorização é uma pré-condição bioética para a execução de
qualquer estudo envolvendo seres humanos, sob qualquer forma ou dimensão, em
consonância com a resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.
Agradecemos vossa compreensão e colaboração com nosso processo de
obtenção do Título de Mestre em Educação e de desenvolvimento de pesquisa científica
em nossa região.
Colocamo-nos a vossa disposição na Universidade Federal de Mato Grosso ou
nos contatos, conforme segue: Celular da Professora Orientadora: (65) 996067216 E-
mail: [email protected]. Pesquisadora: (65) 999520523 E-mail:
Sendo o que tínhamos para o momento, agradecemos antecipadamente.
Cuiabá, 22 de março de 2017.
______________________________ ______________________________
Professora Orientadora Mestranda Pesquisadora
Tania Maria de Lima Valquíria Perassolo
Obs.: Duas vias. Assinadas pela professora orientadora da instituição envolvida.
174
APENDICE F - CARTA DE ANUÊNCIA DA PESQUISADORA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
CARTA DE ANUÊNCIA PARA AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA
Ilma Srª. Profª. Glaucia Inês Paes de Barros, atual diretora do CEAADA –
Centro Especializado de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Professora Arlete
Migueletti.
Solicitamos autorização institucional para realização da pesquisa intitulada
“PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA
ESTUDANTES SURDOCEGOS: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA
ESCOLA PARA SURDOS”, a ser realizada no CEAADA - Centro Especializado de
Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Professora Arlete Migueletti, localizado
na Avenida General Valle, no município de Cuiabá-MT.
A pesquisa será realizada com os professores que atuam em salas de
surdocegueira, alunos surdocegos, pais dos alunos surdocegos e gestores da unidade
escolar, pela aluna de Mestrado Valquíria Perassolo, sob orientação da Prof.ª Drª. Tania
Maria de Lima, com o(s) seguinte(s) objetivo(s):
Objetivo Geral:
Analisar práticas docentes de Educação em Ciências Naturais para estudantes
surdocegos observando desafios e potencialidades.
Objetivos Específicos:
Analisar a legislação educacional brasileira e de Mato Grosso observando
aspectos relativos à Educação de pessoas surdocegas;
Caracterizar a escola CEAADA como espaço de Educação de pessoas
surdocegas;
Identificar o perfil de estudantes surdocegos da escola CEAADA;
Analisar o trabalho pedagógico de professoras que atuam em sala de
surdocegueira dando destaque aos processos de comunicação adotados em sala
de aula e às proposições de Educação em Ciências Naturais.
Ao mesmo tempo, pedimos autorização para que o nome desta instituição possa
constar no relatório final bem como em futuras publicações na forma de artigo
científico.
A aceitação está condicionada ao cumprimento da pesquisadora aos requisitos da
Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS) 466/12 que trata da Pesquisa
175
envolvendo Seres Humanos. Salientamos ainda que tais dados sejam utilizados tão
somente para realização deste estudo. Na certeza de contarmos com a colaboração e
empenho desta Diretoria, agradecemos antecipadamente a atenção, ficando à disposição
para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessário.
Cuiabá, 22 de março de 2017.
______________________________ ______________________________
Professora Orientadora Mestranda Pesquisadora
Tania Maria de Lima Valquíria Perassolo
( ) Concordamos com a solicitação ( ) Não concordamos com a solicitação
______________________________
Profª. Glaucia Inês Paes de Barros
Diretora do CEAADA - Centro Especializado de Atendimento e Apoio ao
Deficiente Auditivo Professora Arlete Migueletti
176
APENDICE G - TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PROFESSORES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
PROFESSORES
Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa
“PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA
ESTUDANTES SURDOCEGOS: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA
ESCOLA PARA SURDOS”, objeto de estudo da mestranda Valquíria Perassolo, da
Universidade Federal de Mato Grosso, sob orientação da Profª. Drª. Tânia Maria de
Lima, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. O objetivo deste
estudo é analisar práticas docentes de Educação em Ciências Naturais para estudantes
surdocegos observando desafios e potencialidades.
Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer
parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias de igual teor,
uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não terá
nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição na qual
trabalha. Se sentir necessidade, você poderá, a qualquer momento, encerrar a sua
participação. Em caso de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos da Área das Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal
de Mato Grosso – CEP Humanidades/UFMT, coordenado pela Profª Drª Rosangela
Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, ou através do telefone (65) 3615-8935.
Sua participação neste estudo consistirá em responder uma entrevista
semidirigida e também autorizando a mestranda observar as práticas realizadas em sala
de surdocegueira, serão analisados aspectos relativos à comunicação, interação,
conteúdos trabalhados, metodologias utilizadas, e aprendizagem dos estudantes. As
observações, entrevistas e atividades realizadas com os estudantes surdocegos poderão
ser filmadas, gravadas e fotografadas. Todos os registros efetuados no decorrer desta
investigação científica serão usados para fins acadêmico-científicos e inutilizados após a
fase de análise dos dados e apresentação dos resultados finais na forma de dissertação e
artigos científicos.
Os riscos relacionados com sua participação na pesquisa são mínimos e, por este
motivo, os procedimentos deste estudo serão adotados de forma a provocar o menor
nível de desconforto possível. Como benefício, consideramos que a realização deste
estudo pode contribuir para ampliar o debate sobre a temática posta em pauta e, por
conseguinte, para dar mais visibilidade a esse grupo social historicamente excluído do
direito de acesso à Educação. Esta pesquisa buscará contribuir para tornar o ensino de
Ciências Naturais mais dinâmico e significativo tanto para os professores como para os
estudantes das salas de surdocegueira.. Acreditamos que a presente dissertação venha
contribuir com o acervo de pesquisas nessa área, visto que existem poucos estudos na
área do ensino para estudantes surdocegos.
177
O conteúdo das informações colhidas por esta pesquisa será mantido em sigilo,
os dados referentes aos participantes serão confidenciais, eles servirão como base para a
reflexão, elaboração de relatórios e confecção de artigos para publicação. Você receberá
uma via de igual teor desse termo onde tem o nome, telefone e endereço eletrônico da
pesquisadora responsável, para que você possa localizá-la a qualquer momento. Seu
nome é Valquíria Perassolo ([email protected]), mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso campus Cuiabá e
telefone de contato (65) 99952-0523. Em caso de dúvida você pode procurar o Grupo de
Pesquisa Educação em Ciências da Natureza (EDUCIN) – UFMT, coordenado pela
Profª Drª Tania Maria de Lima (coordenadora do grupo e orientadora da pesquisa).
Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e
verbalmente dos objetivos destes estudos e em caso de divulgação AUTORIZO a
publicação.
Eu,____________________________________________________________________
____ portador (a) do RG, nº _______________________, declaro estar ciente dos
objetivos, riscos e benefícios da minha participação na pesquisa e concordo em
participar da pesquisa.
______________________________________________________________
Assinatura do Professor Participante da Pesquisa
______________________________________________________________
Assinatura da Pesquisadora
Cuiabá, ______ de ___________________ de 2017.
178
APENDICE H - TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PAIS/RESPONSÁVEIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA OS
PAIS/RESPONSÁVEIS
Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa
“PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA
ESTUDANTES SURDOCEGOS: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA
ESCOLA PARA SURDOS”, objeto de estudo da mestranda Valquíria Perassolo, da
Universidade Federal de Mato Grosso, sob orientação da Profª. Drª. Tânia Maria de
Lima, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. O objetivo deste
estudo é analisar práticas docentes de Educação em Ciências Naturais para estudantes
surdocegos observando desafios e potencialidades.
Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer
parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias de igual teor,
uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não terá
nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição que recebe
assistência. Se sentir necessidade, você poderá, a qualquer momento, encerrar a sua
participação. Em caso de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos da Área das Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal
de Mato Grosso – CEP Humanidades/UFMT, coordenado pela Profª Drª Rosangela
Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, ou através do telefone (65) 3615-8935.
Sua participação neste estudo consistirá em: autorizar que o estudante surdocego
sob sua responsabilidade seja observado, filmado e fotografado durante as aulas, serão
analisados aspectos relativos à comunicação, interação e aprendizagem dos mesmos.
Todos os registros efetuados no decorrer desta investigação científica serão usados para
fins acadêmico-científicos e inutilizados após a fase de análise dos dados e apresentação
dos resultados finais na forma de dissertação e artigos científicos.
Os riscos relacionados com a participação dos estudantes na pesquisa são
mínimos e, por este motivo, os procedimentos deste estudo serão adotados de forma a
provocar o menor nível de desconforto possível. Como benefício, consideramos que a
realização deste estudo pode contribuir para ampliar o debate sobre a temática posta em
pauta e, por conseguinte, para dar mais visibilidade a esse grupo social historicamente
excluído do direito de acesso à Educação. Esta pesquisa buscará contribuir para tornar o
ensino de Ciências Naturais mais dinâmico e significativo tanto para os professores
como para os estudantes das salas de surdocegueira. Essa proposta será construída a
partir das observações feitas durante a pesquisa de forma que se possa indicar aos
professores e futuros professores de estudantes surdocegos, sugestões de conteúdos de
Ciências Naturais, metodologias utilizadas e instrumentos avaliativos da aprendizagem
dos estudantes surdocegos. Acreditamos que a presente dissertação venha contribuir
com o acervo de pesquisas nessa área, visto que existem poucos estudos na área do
ensino para estudantes surdocegos.
179
O conteúdo das informações colhidas por esta pesquisa será mantido em sigilo,
os dados referentes aos estudantes serão confidenciais, eles servirão como base para a
reflexão, elaboração de relatórios e confecção de artigos para publicação. Você receberá
uma via de igual teor desse termo onde tem o nome, telefone e endereço eletrônico da
pesquisadora responsável, para que você possa localizá-la a qualquer momento. Seu
nome é Valquíria Perassolo ([email protected]), mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso campus Cuiabá e
telefone de contato (65) 99952-0523. Em caso de dúvida você pode procurar o Grupo de
Pesquisa Educação em Ciências da Natureza (EDUCIN) – UFMT, coordenado pela
Profª Drª Tania Maria de Lima (coordenadora do grupo e orientadora da pesquisa).
Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e
verbalmente dos objetivos destes estudos e em caso de divulgação AUTORIZO a
publicação.
Eu,____________________________________________________________________
____ portador (a) do RG, nº _______________________, declaro estar ciente dos
objetivos, riscos e benefícios da minha participação na pesquisa e concordo em
participar. Sou o responsável legal pelo estudante
__________________________________________________________, e concordo
com a sua participação na pesquisa.
______________________________________________________________
Assinatura do Responsável pelo Estudante Surdocego
______________________________________________________________
Assinatura da Pesquisadora
Cuiabá, ______ de ___________________ de 2017.
180
APENDICE I - TERMO DE NÃO ASSENTIMENTO DOS ALUNOS
REQUERIMENTO
Venho requerer do CEP/Humanidade/UFMT a liberação do termo de
assentimento dos alunos surdocegos, uma vez que além do comprometimento
simultâneo da visão e audição, os mesmos possuem outros comprometimentos, como:
falta de habilidades manuais e alguns ainda possuem deficiência intelectual
Ressalto ainda que as atividades desenvolvidas em sala de aula, são atividades
de vida diária que visa dar autonomia ao sujeito surdocego. Os alunos surdocegos que
estudam no Centro de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Professora Arlete
Migueletti (CEAADA) tem entre 6 e 29 anos de idade, se comunicam através de Libras
tátil, tadoma, objetos de referência, entre outras formas de comunicação, mas os
mesmos não se comunicam através da escrita ficando impossibilitados de assinarem o
termo de assentimento.
As imagens que serão produzidas das práticas desenvolvidas pelas professoras
em sala de aula de surdocegueira serão feitas de forma que garanta a não identificação
dos sujeitos.
Fica assegurado que a observação das salas de aula de surdocegueira só será
realizada mediante a autorização dos responsáveis pelos alunos.
181
ANEXOS
ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
HUMANIDADES/UFMT...................................................................
182
182
ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP HUMANIDADES/UFMT
183
184
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186