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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO VALQUÍRIA PERASSOLO EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA ESTUDANTES COM SURDOCEGUEIRA: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA ESCOLA DE SURDOS CUIABÁ - MT 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VALQUÍRIA PERASSOLO

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA ESTUDANTES COM

SURDOCEGUEIRA: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA ESCOLA DE

SURDOS

CUIABÁ - MT

2018

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VALQUÍRIA PERASSOLO

EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA ESTUDANTES COM

SURDOCEGUEIRA: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA ESCOLA DE

SURDOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da

Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para obtenção

do título de Mestre em Educação, Linha de Pesquisa Educação em

Ciências e Matemática.

Orientadora: Profa. Dra. Tânia Maria de Lima

CUIABÁ - MT

2018

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DEDICO

À minha mãe Ivonete, por nunca ter desistido de mim.

Ao meu pai Pedro, por sempre me incentivar a ir além.

À minha irmã Vanessa, por me encorajar e acreditar nos meus sonhos.

Aos estudantes com surdocegueira e suas professoras, por permitirem que eu vivenciasse o

“universo da surdocegueira” e por fazerem eu me apaixonar ainda mais pela minha profissão!

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela minha vida, por se fazer presente nos meus dias, sustentando-me e me

mostrando que após um dia triste sempre há um lindo dia de Sol.

A Nossa Senhora Aparecida, por sempre ter intercedido por mim junto a Deus para que Ele

realizasse os sonhos que eu trazia no meu coração.

Aos meus pais, Pedro e Ivonete e a minha irmã Vanessa, pela compreensão da minha ausência

nesse período, incentivo, cuidado, amor incondicional, por sempre acreditarem em mim e no

meu potencial. Sem o apoio de vocês eu não seria capaz; portanto, essa conquista é nossa. Eu

amo vocês!

À Professora Drª. Tânia Maria de Lima, minha orientadora, eu agradeço imensamente por me

desafiar a estudar a surdocegueira e consequentemente ter trazido tanta alegria a minha vida.

Obrigada pelas orientações, pelo tempo dedicado a mim, pela companhia e pelas

contribuições ao meu trabalho. Agradeço também a sua família (Duque, Isa, João, Pedro,

Patrícia e Letícia), por terem compartilhado você comigo durante esses dois anos. Eu sei que

você abdicou de muito tempo com os seus familiares para estar comigo!

Aos professores doutores: Edson Caetano, Ozerina, Cleomar, Rute, Graça, Marta, Adelmo,

Tania e Gladys, por compartilharem o conhecimento de vocês e possibilitarem novas

aprendizagens.

À equipe da Secretaria do PPGE, Marisa, Marcos, Duarte e Luiza, pela disposição e

competência na resolução de todas as questões acadêmicas.

À professora Rute Cristina Domingos da Palma por todos os ensinamentos, cuidado, mimos e

principalmente por me acolher como se eu fosse uma de “suas meninas”.

À minha banca avaliadora, Professoras Doutoras Shirley Rodrigues Maia, Sandra Pavoeiro

Tavares Carvalho, Glauce Viana de Souza Torres e Nilce Maria da Silva, pelo tempo

dedicado a este trabalho, pela leitura e contribuições ao estudo. Deixo aqui registrado o meu

respeito e admiração a professora Shirley Rodrigues Maia por ser inspiração a tantos

pesquisadores na área de surdocegueira, a Professora Sandra Pavoeiro que dedicou grande

parte da sua vida ao trabalho e as questões relativas a Educação Especial, a professora Glauce

pelas contribuições referentes a Educação em Ciências e a professora Nilce pelas

contribuições e luta pela integração e inclusão de pessoas com deficiência.

Ao Ceaada, por consentir com a realização da minha pesquisa, me acolher e proporcionar

tantos aprendizados.

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Aos estudantes com surdocegueira Enzo, Daniel, Marcos, Kaio, Luan e Lilly, por serem

únicos, especiais e tão repletos de amor.

Aos pais dos estudantes com surdocegueira, por terem consentido com a realização da minha

pesquisa.

Às professoras Julia, Jaqueline, Luana, Íris, Gabriela e Eduarda, por fazerem com que eu me

apaixonasse ainda mais pela minha profissão. Obrigada por me acolherem, por aceitarem a

minha amizade e por compartilharem comigo um sentimento tão puro e gratuito, o “Amor”.

Obrigada por reafirmarem no meu coração o sentimento de que “Enquanto houver

profissionais que façam a diferença, a Educação vale a pena”. Vocês fazem toda a diferença e

eu jamais esquecerei!

À minha prima Márcia e à tia Fátima (in memoriam), pelos abraços mais acolhedores do

mundo e pela alegria em me receber na casa de vocês.

À tia Neusa, tio Donato e primos Donatinho, Silbene, Letícia e Gabriela, por me acolherem

nos finais de semana e pelas risadas compartilhadas.

À Aline Cristina Cortez, Carolinne Gonçalves, Tia Marli e Tio Cortez, eu agradeço pela

amizade, por nunca terem permitido que eu me sentisse sozinha, pelas caronas, por me

acolherem na casa e no coração de vocês, por terem sido a minha família durante o tempo em

que a minha estava longe de mim.

À Elisete Martins Soares por ter se tornado mais que uma colega de mestrado, por ser uma

verdadeira “irmã”. Obrigada, “Li”, por todos os momentos compartilhados (taxi, refeições,

viagens, quarto de hotel, kitnet, aventuras, passeios, confidências). Obrigada pela sua amizade

tão verdadeira, pelas palavras de incentivo, pelas vezes que compreendeu a minha “loucura” e

vinha correndo me ajudar, obrigada “Li” por cuidar tão bem de mim. Agradeço também ao

seu esposo Márcio e suas filhas Isa e Duda por confiarem em mim, por todo carinho, respeito

e amor que existe entre nós. E a Rosilda da Silva Fonseca, por ter um coração tão generoso,

por me acolher na sua casa, na sua vida e no seu coração. Agradeço também ao seu esposo

Divino e aos seus filhos Danilo, Vinicius e Jenifer por me acolherem como se eu fosse parte

da família de vocês. Sempre vou agradecer a Deus por ter me presenteado com a amizade de

vocês, afinal “amigo é um irmão que a gente escolhe”, e o meu coração escolheu vocês.

À Marcela, pela ajuda na formatação da dissertação (versão qualificação), obrigada por cuidar

tão bem de mim (em todos os momentos, inclusive nos que eu adoecia) e por não medir

esforços para me ajudar.

À “Lenirzinha”, por ser tão cheia de luz, obrigada pelas orações, zelo e amizade.

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À “Danizinha”, por ser tão autêntica, por tanto alegrar a minha vida e por todas as vezes em

que me ajudou.

À Kássia, pelos momentos de descontração, cafés e amizade.

Aos demais amigos de linha de pesquisa: Vanessa, Ieda, Jaqueline, Camile, Alvarina, Doris,

Benedito Eduardo, Ricardo, Lucenildo, Sandro, Clemilson, Cleber, Alessandra, Mariana,

Álvaro e Marcos pela amizade e por todos os momentos compartilhados.

Aos amigos do grupo Educin, pela acolhida e bons momentos vividos.

À Renata Rodrigues, pela amizade verdadeira e por também ser a minha irmã de coração.

Aos vizinhos de sala (65 B), pelo carinho, respeito e amizade.

Aos meus amigos tangaraenses: Fabiane, Jocimar, a princesa Luisa, Sirlei, Douglas, Aninha e

Elika, que não mediram esforços e que em alguns momentos vieram ficar comigo na “minha

casa”.

Aos demais amigos tangaraenses, obrigada pelas mensagens e por sempre lembrarem de mim.

A todos os amigos de trabalho da Escola Ceja Antonio Casagrande, em especial à Joelma,

Gilene, Carlos e Fabinha, que desde o período de seleção de mestrado se dispuseram a trocar

horários de aula comigo para que eu pudesse participar. A secretaria e gestão da escola que

sempre atendeu as minhas solicitações. Agradeço imensamente a todos pela torcida e

incentivo.

Aos meus afilhados Pedro Henrique, Maria Eduarda e Rhaian e as suas famílias por

compreenderem a ausência da “dinda” nesses dois anos e nem por isso permitir que a

distância diminuísse o nosso sentimento.

A Maria Rita, mais conhecida como “Meu carrapato” por seus abraços, beijos e áudios

quando eu mais precisava. Você, minha pequena, me ajudou a chegar até aqui. Você vai ser

para sempre o meu grudinho, o meu amor, o meu carrapato.

E a todos os que torceram para que o meu sonho se tornasse realidade.

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RESUMO

A inclusão escolar de pessoas que estão à margem dos sistemas educacionais é um dos

grandes desafios da Educação brasileira. Na denominada sociedade do conhecimento é grande

o número de pessoas excluídas do direito de acesso à escolarização. A questão é ainda mais

complexa quando se trata de pessoas que apresentam deficiências com grandes desafios, em

especial associadas a aspectos cognitivos. Partimos do entendimento que pessoas usuárias de

cadeira de rodas, com deficiência visual, com surdez, com surdocegueira e/ou pessoas com

síndromes genéticas raras precisam de atenção diferenciada. Este projeto de pesquisa põe em

pauta a Educação de crianças, adolescentes e jovens com surdocegueira, que são socialmente

invisibilizados. O objetivo precípuo é analisar a Educação em Ciências Naturais para

estudantes com surdocegueira , no contexto de uma escola de Educação de surdos. O

referencial teórico está ancorado em autores que estudam e pesquisam essa temática. Em

termos metodológicos esta pesquisa é orientada pela abordagem qualitativa do tipo estudo de

caso. O material empírico para o desenvolvimento das análises foi extraído de produções

acadêmicas que abordam o tema, de textos da legislação educacional em vigência e de

observação participante em sala de aula destinadas à Educação de estudantes com

surdocegueira. Como resultado da pesquisa podemos considerar que, no período considerado,

a Educação em Ciências Naturais foi relacionada com os seguintes temas: órgãos dos sentidos

(uma vez que esses mecanismos sensoriais devem ser estimulados para que o sujeito com

surdocegueira se perceba no mundo); cuidados com a higiene pessoal e dos materiais

utilizados no dia a dia (visando a uma autonomia de vida diária); noções de diversidade de

plantas e animais. Espera-se com este estudo potencializar debates sobre políticas de inclusão

e de socialização da ciência em nossos dias, especialmente para pessoas com surdocegueira

que têm sido historicamente marginalizadas do contexto escolar.

Palavras-chave: Surdocegueira. Educação em Ciências Naturais. Inclusão Escolar.

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ABSTRACT

The school inclusion of people who are at the margins of educational systems is one of the

great challenges of Brazilian education. In the named knowledge society the number of

people excluded from the right of access to schooling is great. The issue is even more

complex and challenging when it comes to people with disabilities, in particular cognitive

aspects. We start from the perspective that wheelchair users, people with visual impairments,

deaf people, deafblind people and people with rare genetic syndromes need differentiated

attention. This research project discuss the education of children, adolescents and young

people with deafblindness, who are socially invisible. The main objective is to analyze

Natural Sciences Education for students with deafblindness in the context of a school for the

education of the deaf. The theoretical framework is anchored in authors who study and

research this theme. In methodological terms this research is guided by the qualitative

approach of the type case study. The empirical material for the development of the analyzes

was extracted from academic productions that discuss the theme, texts of current educational

legislation and participant classroom observation aimed at the education of students with

deafblindness. As a result of the research we can discourse that in the period considered,

Natural Sciences Education was related to the following themes: sense organs (since these

sensory mechanisms must be stimulated in order that the subject with deafblindness notes

himself in the world); personal hygiene care and the materials used on everyday life (aiming

at an autonomy of daily life); notions of plant and animal diversity. This study is expected to

potentiate debates on inclusion policies and science socialization in our days, especially for

people with deafblindness who have been historically marginalized from the school context.

Keywords: Deafblindness. Education in Natural Sciences. School inclusion.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Vista panorâmica da sala de surdocegueira do Ceaada................................. 93

Figura 2 - Varal de Atividades....................................................................................... 95

Figura 3 - Móbile de interação....................................................................................... 96

Figura 4 - Cartaz de Sistema Escrita Braille.................................................................. 96

Figura 5 - Calendário de objeto de referência/ Calendário de Antecipação...................... 97

Figura 6 - Calendário suspenso...................................................................................... 98

Figura 7 – Calendário semanal.......................................................................................... 99

Figura 8 - Calça e bermuda da vovó................................................................................. 100

Figura 9 - Prancha de suporte e/ou apoio....................................................................... 101

Figura 10 - O aluno Daniel higienizando sua salada....................................................... 104

Figura 11 - O aluno Daniel comendo a salada preparada por ele...................................... 105

Figura 12 - Professora Gabriela fazendo o sinal de banho............................................. 106

Figura 13 – O aluno Kaio fazendo o sinal de banho...................................................... 127

Figura 14 - Caderno de comunicação.............................................................................. 127

Figura 15 - Técnica mão-sobre-mão............................................................................... 120

Figura 16 - Técnica mão-sob-mão.................................................................................. 128

Figura 17 – Libras tátil.................................................................................................... 128

Figura 18 - Configuração de mão.................................................................................... 129

Figura 19 - Audição (1) .................................................................................................. 132

Figura 20 - Audição (2) ................................................................................................. 132

Figura 21 - Bolinha com luz........................................................................................... 134

Figura 22 - Latas e tampinhas coloridas......................................................................... 135

Figura 23 - Caixa com tampinhas coloridas................................................................... 135

Figura 24 - Paladar......................................................................................................... 136

Figura 25 – Tato............................................................................................................. 137

Figura 26 – Olfato (1)..................................................................................................... 138

Figura 27 – Olfato (2)...................................................................................................... 138

Figura 28 – Olfato (3) ..................................................................................................... 139

Figura 29 – Olfato (4) .................................................................................................... 139

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Figura 30 - Animal Real (1) .......................................................................................... 141

Figura 31 – Animal Real (2) .......................................................................................... 141

Figura 32 – Aula de campo no zoológico....................................................................... 142

Figura 33 – Apresentação do cacau................................................................................. 143

Figura 34 - Explorando a caixa surpresa........................................................................ 144

Figura 35 - Cacau-chocolate.......................................................................................... 144

Figura 36 - Corpo Humano............................................................................................ 146

Figura 37 – Contorno do corpo humano........................................................................ 147

Figura 38 – Folhas.......................................................................................................... 148

Figura 39 - Colorindo as folhas...................................................................................... 149

Figura 40 - Montando a árvore........................................................................................ 149

Figura 41 - Germinação do feijão.................................................................................. 150

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Levantamento das dissertações e teses sobre surdocegueira encontradas

no BDTD entre os anos 2007 e 2017...........................................................

31

Quadro 2 - Caracterização dos estudantes com surdocegueira atendidos pelo Ceaada.. 102

Quadro 3 - Caracterização das professoras que atuam nas salas exclusivas de

surdocegueira...............................................................................................

110

Quadro 4 - Experiência profissional das professoras que atuam em salas de

surdocegueira ............................................................................................

111

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Áreas de concentração das dissertações e teses sobre surdocegueira

encontradas no BDTD entre os anos de 2007 a 2017.....................................................

33

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LISTA DE SIGLAS

Abrapascem Associação brasileira de pais e amigos dos surdocego e

múltiplos deficientes sensoriais

Abrasc Associação brasileira de surdocego

ADI Auxiliar do Desenvolvimento Infantil

AEE Atendimento Educacional Especializado

Asocide Associação de Surdocegos da Espanha

AVAS Atividade de vida autônoma e social

AVD Atividades de vida diária

BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

Casies Centro de Apoio e Suporte a inclusão da educação Especial

Ceaada Centro de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo

Ceja Centro de Educação de Jovens e Adultos

CEP Comite de Etica em Pesquisa

Educin Educação em Ciências Naturais

EJA Educação de Jovens e Adultos

EU Unidade escolar

IC Implante Coclear

IES Instituição de Ensino Superior

INES Instituto Nacional de Surdos

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Libras Lingua brasileira de sinais

MEC Ministério da Educação

MT Mato Grosso

OM Orientação e Mobilidade

ONG Organização não governamental

PCD Pessoa com Deficiência

PNE Plano Nacional de Educação

PNT Projeto Novos Talentos

PNT Projeto Novos Talentos

PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Secadi Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,

Diversidade e Inclusão

Seduc/MT Secretaria Educação do Estado de Mato Grosso

SEESP/MEC Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação

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SRC Síndrome da Rubéola Congênita

TIC’s Tecnologia da Informação e Comunicação

UEL Universidade Estadual de Londrina

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UFRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFSCAR Universidade Federal de São Carlos

Unemat Universidade do Estado de Mato Grosso

UNIFESP Universidade Federal de São Paulo

UPM Universidade Presbiteriana Mackenzie

USP Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................... 17

1 PERCORRENDO OS ESTUDOS SOBRE SURDOCEGUEIRA.............. 30

1.1 Panorama das teses e dissertações na área de surdocegueira..................... 30

1.2 Autores que fundamentam os estudos do campo da surdocegueira........... 34

1.3 Temáticas mais frequentes............................................................................. 34

2 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLOGICOS ADOTADOS

NESTE ESTUDO............................................................................................

51

2.1 Movimento e proposta de Van Dijk............................................................... 56

2.2 Processos e formas de comunicação.............................................................. 60

2.3 Educação em Ciências Naturais para estudantes com surdocegueira....... 65

3 EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM SURDOCEGUEIRA: UM

PANORAMA NACIONAL E DO MATO GROSSO...................................

72

3.1 Considerações sobre a história da educação de pessoas com deficiência... 72

3.2 Educação de pessoas com surdocegueira: antecedentes históricos............. 74

3.3 A Educação Especial em Mato Grosso: um olhar sobre surdocegueira.... 83

4 O CEAADA COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM

SURDOCEGUEIRA.......................................................................................

91

4.1 Caracterização do Ceaada e da sala de surdocegueira................................ 91

4.2 Perfil dos estudantes com surdocegueira que participaram do estudo...... 101

4.3 Perfis das professoras que atuam com os estudantes com surdocegueira. 109

4.4

Relatos das professoras sobre experiência de comunicação e de

interações em sala de surdocegueira..............................................................

119

5 EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS EM SALA DE

SURDOCEGUEIRA.......................................................................................

124

5.1 Práticas pedagógicas adotadas pelas professoras......................................... 124

5.2 Temáticas exploradas na Educação em Ciências Naturais......................... 130

5.2.1 Sentidos: audição, visão, paladar, tato e olfato................................................. 131

5.2.2 Conhecendo os animais..................................................................................... 140

5.2.3 Transformação de alimentos: cacau-chocolate................................................. 143

5.2.4 Conhecendo o próprio corpo............................................................................. 145

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5.2.5 Vegetais............................................................................................................. 148

5.3 Relatos das professoras sobre a própria prática.......................................... 151

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES................................................................... 154

REFERÊNCIAS.............................................................................................. 158

APÊNDICES.................................................................................................... 165

ANEXOS.......................................................................................................... 181

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem o propósito de problematizar a Educação em Ciências

Naturais para estudantes com surdocegueira na perspectiva de dar visibilidade a esse

grupo social, que demanda práticas educativas singulares. Trata-se, portanto, de um

estudo que se situa no campo das políticas de inclusão escolar de Pessoas Com

Deficiência (PCD) no cenário educacional brasileiro, na atualidade. Nessa dissertação

faremos o uso do termo PCD por entender que a deficiência é uma condição.

Motivação do estudo

A motivação para o estudo dessa temática resultou da minha1 vivência como

professora da rede pública de ensino no estado de Mato Grosso (MT). Formei em

Ciências Biológicas no ano de 2006 pela Universidade do Estado de Mato Grosso

(Unemat) e no ano seguinte, em fevereiro de 2007, iniciei a carreira docente como

professora interina da rede municipal de ensino no município de Tangará da Serra-MT.

Ainda no ano de 2007, o estado de MT abriu concurso para provimento de cargo

de professores e fui aprovada. Tomei posse em agosto de 2007, tornando-me efetiva na

rede estadual de Educação, mas continuava a atuar como professora interina na rede

municipal.

Logo nos primeiros dias de aula como docente percebi o quão frágil havia sido a

minha formação para atuar com estudantes com deficiência. Recordo o primeiro dia em

que dei aula, quando estava entrando em uma sala do 9º Ano2 e a coordenadora da

unidade escolar (UE) veio ao meu encontro e disse: “professora, nesta sala temos uma

aluna surda, ela não tem intérprete, mas tenho certeza que você vai conseguir.” Eu não

sabia o que fazer, foi como se o chão se abrisse porque até então eu nunca tinha entrado

em contato com alunos com surdez e/ou com qualquer outro tipo de deficiência.

Na época já vigorava o Decreto nº 5.626/2005, que orientava que a Língua

Brasileira de Sinais (Libras) deveria ser inserida como disciplina obrigatória para todos

1 Na introdução desse trabalho os verbos foram usados na primeira pessoa do singular, por se tratar de

experiências pessoais da pesquisadora. Nos capítulos que seguem os verbos serão utilizados na primeira

pessoa do plural, por se tratar de uma construção coletiva, resultado do diálogo com muitas pessoas,

incluindo colegas e professores do curso, orientadora, sujeitos da pesquisa, banca examinadora e autores

estudados. 2 Na época era chamada terceira fase do terceiro ciclo (3ª fase do 3º ciclo).

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os cursos de licenciatura e área da saúde e teria o prazo de 10 anos para ser ofertada a

100% dos cursos das Instituições de Ensino Superior (IES) (BRASIL, 2005).

Como essa legislação é de 2005 e havia um prazo para ser implementada e

atender todos os cursos, não tive a disciplina de Libras durante a graduação.

A experiência de ter essa aluna nas minhas aulas de ciências foi marcante. O

medo e a angústia de não saber como lidar com a situação deram lugar a um sentimento

de alegria e superação. A aluna me surpreendia e eu buscava fazer de tudo para que ela

pudesse aprender. Na época eu era contratada pelo município e não tinha direito à

hora/atividade; por isso, ocupava grande parte do meu tempo livre em casa para

preparar materiais diferenciados e pensar em estratégias para que pudesse ensiná-la.

Com essa experiência de atuar como professora de uma estudante surda resolvi

investir na minha formação e fazer um curso básico de Libras no período de férias. Por

morar em uma cidade do interior do estado, os cursos nessa área são escassos, quando

acontecem são onerosos e nós, como professores, normalmente não conseguimos

liberação para fazer esse tipo de formação porque é dado prioridade à atuação em sala

de aula.

A partir do momento em que aprendi alguns sinais de Libras tornou-se mais fácil

a minha comunicação com a aluna. Eu não conseguia dar a minha aula em Libras, mas

já conseguia compreendê-la melhor.

A partir do ano de 2008 optei por permanecer apenas na rede estadual de

ensino. Trabalhei por cinco anos em uma escola de ensino regular e sem novas

experiências como professora de alunos que apresentam necessidades educacionais

especiais.

Há cinco anos atrás pedi remoção para um Centro de Educação de Jovens e

Adultos (Ceja) por ficar mais próximo a minha residência e aí voltei a entrar em contato

e atuar como professora de inúmeros alunos em processo de inclusão escolar. Tive

experiência como professora de alunos com surdez, cegueira, autismo e com síndromes

que afetam o sistema cognitivo. Observei que cada estudante demandava um

atendimento específico, de acordo com a singularidade da sua condição.

Foi nessa escola de Educação de Jovens e Adultos (EJA) que vivi uma

experiência significativa na Educação de surdos. No ano de 2014, em uma sala da

segunda fase do segundo segmento3, eu dava aula para um aluno surdo. Ele tinha a

3 Corresponde ao 8º e 9º ano.

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intérprete em sala de aula, mas uma vez por semana ela se ausentava para participar da

formação continuada da escola, a chamada sala do educador, e era justamente nesse dia

que o referido aluno mais se comunicava com os demais alunos da sala e também

comigo. Conforme as observações feitas por Perassolo, Soares e Fonseca (2016), o

aluno manifestou interesse em ensinar Libras aos colegas e a quem mais se interessasse.

A partir daí ele começou a ministrar uma aula de Libras por semana para os alunos e

professores da escola.

No ano de 2015, com nove anos de experiência como docente, eu já havia

vivenciado muitos desafios e muitas alegrias em sala de aula. Possuía dois cursos de

pós-graduação4, mas existiam alguns questionamentos que não haviam sido respondidos

no percurso e uma vontade imensa de aprender, de ampliar meus conhecimentos e de

qualificar-me profissionalmente. Então, resolvi me inscrever na seleção de Mestrado em

Educação na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), obtendo aprovação.

Em 2016 deparei-me com outra experiência que mudou a minha maneira de ver

o mundo e com toda certeza despertou em mim maior paixão pela profissão. Iniciei o

Mestrado em Educação e comecei a participar do Grupo de Pesquisa em Educação em

Ciências Naturais (Educin). Alguns pesquisadores integrantes do grupo estavam

finalizando um projeto de extensão, o Projeto Novos Talentos (PNT), no Centro de

Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Professora ‘Arlete Pereira Migueletti’

(Ceaada), e foi lá que conheci as salas de atendimento destinadas à alunos que

apresentam surdocegueira.

Três pesquisadoras participantes do PNT realizaram suas pesquisas de mestrado

na referida instituição. Lemos (2016) realizou sua pesquisa visando compreender qual a

concepção de alunos e professores sobre a inclusão desenvolvida pelo PNT nas

atividades relativas à Ciências da Natureza. A pesquisadora constatou que a inclusão foi

entendida como integração. Com base em Nascimento (2012), Lemos (2016, p. 17)

considera que “a inclusão social é um desiderato para que todo cidadão seja aceito,

compreendido e respeitado pela sociedade”. Para a autora, a Educação inclusiva não

deve ser entendida apenas como ocupar o mesmo espaço físico, mas deveria atender as

peculiaridades de aprendizagem de cada indivíduo. Lemos (2016), em suas análises

sobre a experiência vivenciada no PNT, considerou que os alunos e professores

confundiam integração com inclusão. No entanto, na sua perspectiva, o processo não

4 A primeira pós-graduação que fiz foi no ano de 2007, em Educação Ambiental e em 2015 terminei a

segunda pós, que foi em Relações Étnico-Raciais na Educação de Jovens e Adultos.

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deixou de ser significativo, pois possibilitou aproximações entre surdo-ouvinte,

estudantes-professores, universidade-escola, e, por conseguinte, acolhimento,

aprendizagem e maior participação no processo educativo.

Como possibilidades dentro das atividades do PNT, a autora destaca que os

alunos que participaram sentiram-se motivados a ingressar no Ensino Superior, pois

houve o processo de interação com outras pessoas, além de vivenciarem novas

experiências e terem acesso ao aprendizado científico em diferentes áreas do

conhecimento. A pesquisadora enfatiza que a compreensão da Língua Portuguesa, os

limites na comunicação surdo-ouvinte e a necessidade de maior número de intérpretes

no processo de comunicação foram problemas enfrentados durante as atividades

desenvolvidas dentro do PNT. Na pesquisa, ficou evidente que a presença de intérpretes

é essencial para facilitar a relação entre surdos e ouvintes e vice-versa.

Outra pesquisa de mestrado feita por integrante do grupo Educin no Ceaada foi a

realizada por Destro (2017), que analisou as experiências pedagógicas de uma

professora ouvinte na Educação em Ciências Naturais para surdos. A autora aponta

alguns desafios enfrentados pela professora, tais como: fragilidade da formação inicial e

continuada para o magistério na Educação de surdos; falta de preocupação do poder

público em capacitar os docentes para o trabalho com pessoas surdas; dificuldades de

comunicação entre pessoas surdas e pessoas ouvintes; quantidade insuficiente de

intérpretes para auxiliar na condução do trabalho pedagógico e principalmente ausência

de sinais específicos de Libras para termos e conceitos na área de Ciências Naturais. A

pesquisadora ressalta que, mesmo diante dos desafios enfrentados, a professora não se

acomodou. Ela aprendeu Libras em aproximadamente três meses, constatou a

importância do uso de imagens na Educação de surdos, bem como de metodologias

diferenciadas, a exemplo de aulas de campo, experimentos científicos e utilização de

Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC’s).

Cezarino (2017) realizou sua pesquisa de mestrado com docentes e estudantes de

cinco escolas públicas dentro do estado de Mato Grosso que participavam das

atividades do PNT. Quatro dessas escolas eram de ensino regular e uma escola

especializada no ensino de surdos, o Ceaada. A pesquisadora analisou o uso da

fotografia como recurso nas aulas de Ciências Naturais e como ela se tornaria

facilitadora da aprendizagem por meio dos alunos. No decorrer da pesquisa constatou

que a fotografia pode ser considerada uma forma de linguagem que expressa o

aprendizado em Ciências Naturais, bem como em outras Ciências. Como resultado a

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autora observou que a fotografia é um excelente estratégia para ensinar e estimular a

busca por conhecimentos, sobretudo quando se trata de alunos surdos, uma vez que na

falta da audição, a visão é o sentido que eles mais usam para se comunicar. A fotografia

também pode ser entendida como potencializadora da relação surdo-ouvinte, uma vez

que aproxima os sujeitos. A autora acredita ainda que a fotografia é uma forma que as

pessoas encontram de falar de si e do mundo ao redor.

Antes de finalizar o PNT, acompanhei algumas atividades realizadas nessa

escola e pude conhecer as salas destinadas ao atendimento dos estudantes com

surdocegueira. Ao observar os muitos desafios enfrentados tanto pelos estudantes como

pelas professoras5 decidi fazer minha pesquisa de mestrado nessa área. Vale ressaltar

aqui que no ano de 2016 havia três salas destinadas à surdocegueira, tanto no período

matutino quanto no período vespertino, e que, a partir do ano de 2017, pela falta de

espaço físico na escola, foram remanejados para uma única sala um pouco maior, mas

onde todos ocupam o mesmo espaço.

Ainda no ano de 2016, tive outra experiência no aprendizado de Libras, por meio

de um curso intensivo de Libras na UFMT, com a duração de três semanas, carga

horária de 60 horas, ofertado como parte do estágio dos acadêmicos de Letras/Libras.

No início do ano de 2017, comecei a fazer o curso de Libras no Ceaada, que foi

ofertado especialmente aos professores, funcionários da unidade escolar, aos pais e

familiares de alunos matriculados. No entanto, a escola abriu uma exceção para que

minha orientadora e eu pudéssemos participar. O curso foi ministrado uma vez por

semana durante todo o ano letivo, totalizando 100 horas.

Para tentar compreender um pouco mais sobre o Atendimento Educacional

Especializado (AEE) para alunos com surdocegueira decidi fazer um curso online,

oferecido pela Ahimsa6 - Associação Educacional para Deficientes Múltiplos, entre os

meses de junho a setembro de 2017, totalizando 100 horas. O curso foi constituído de

seis módulos. A cada módulo eram postados em uma plataforma7 textos referentes à

escola comum inclusiva, bem como à surdocegueira e deficiência múltipla, mapas para

identificação dos alunos, comunicação (expressiva e receptiva), sistemas de calendário,

5 O termo é usado no feminino porque na sala de aula pesquisada a função docente é exercida

predominantemente por mulheres. 6 Ahimsa é uma palavra indiana que significa “não violência”, isso nos propõe a aceitar o outro como ele

é. 7 Refiro-me à plataforma como Ambiente Virtual de aprendizagem (AVA), onde os alunos participantes

do curso ofertado têm acesso aos textos e postam suas atividades. Há também a possibilidade de interagir

com participantes de todo o Brasil, participando de debates online e fóruns de discussão.

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passaporte de comunicação, livro de experiência real, avaliação, recursos pedagógicos

acessíveis, tecnologia assistiva e planos de intervenção aos alunos com surdocegueira.

Após a leitura dos textos sugeridos para cada módulo o aluno deveria fazer as atividades

sugeridas e postar na plataforma.

Esse curso de AEE para alunos com surdocegueira foi muito proveitoso para que

eu pudesse aprender como trabalhar com os alunos com surdocegueira. As professoras

da unidade escolar pesquisada que não tinham formação em surdocegueira também

fizeram o curso. Desse modo, foi possível interagir com tais professoras e realizar

encontros para leitura e discussão coletiva do material disponibilizado na plataforma e

das atividades propostas no curso.

Neste estudo, parti do entendimento que a inclusão escolar8 de pessoas surdas e

cegas é um grande desafio, em decorrência da necessidade do uso da Libras e também

do Braille. A inclusão torna-se ainda mais complexa quando se trata de estudantes com

surdocegueira que demanda o uso de Libras tátil. As restrições de acesso de pessoa com

surdocegueira podem explicar o reduzido número de estudos na área, questão que foi

constatada na revisão de literatura e que será apresentada no primeiro capítulo.

Entendo também que a surdocegueira é uma condição única, na qual a

deficiência auditiva e visual ocorre simultaneamente no mesmo indivíduo. Essas duas

privações multissensoriais podem ainda estar associadas a outras deficiências, tanto

físicas quanto cognitivas (MAIA, 2011). É preciso considerar que os sujeitos com

surdocegueira nem sempre são totalmente cegos e surdos. Muitos deles têm resquícios

de algum sentido, seja da visão ou da audição, que devem ser estimulados, assim como

os demais sentidos. Dessa forma, as possibilidades de comunicação precisam ser

analisadas caso a caso, visando à autonomia da pessoa e à melhoria da qualidade de

vida.

Em se tratando de Educação em Ciências considero que não existem receitas

prontas para um professor ensinar e se comunicar com as pessoas surdocegas. Faz-se

necessário reconhecer que as técnicas de ensino precisam ser diversificadas,

considerando as singularidades de cada estudante com surdocegueira9.

8 A concepção de inclusão escolar adotada neste estudo será apresentada no tópico “Perspectiva teórico-

metodológica”. 9 Essa discussão será aprofundada no quinto capítulo desta dissertação.

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Com base nesses entendimentos, orientamos esse estudo pela busca de resposta

para a seguinte questão, que se configura o problema de pesquisa: como se caracteriza a

Educação em Ciências Naturais em sala de surdocegueira, numa escola especializada?

Nessa perspectiva, definimos o seguinte objetivo geral: analisar a Educação em

Ciências Naturais para estudantes com surdocegueira, observando os seus desafios e

as suas potencialidades.

Para atingir o objetivo geral, estabelecemos os seguintes objetivos específicos:

Identificar o que diz a literatura sobre surdocegueira e explicitar os

pressupostos teóricos desse estudo;

Apresentar um breve histórico da inclusão de pessoas com surdocegueira no

Brasil e em Mato Grosso;

Caracterizar o Ceaada como espaço de Educação de pessoas com

surdocegueira;

Analisar o trabalho pedagógico de professoras que atuam em sala de

surdocegueira, dando destaque aos processos de comunicação adotados em

sala de aula e às proposições de Educação em Ciências Naturais.

Para atingir esses objetivos, adotei como campo de estudo o Centro Estadual de

Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo “Professora Arlete Pereira Migueletti”.

Essa instituição de ensino atende a Educação Infantil, Ensino Fundamental, incluindo a

Educação de Jovens e Adultos na modalidade de Educação Especializada para surdos.

Sua fundação se deu no ano de 2000 para atender pessoas com surdez. Segundo pessoas

entrevistadas nesse estudo o atendimento de pessoas com surdocegueira se deu a partir

de 2008.

No ano de 2017, havia 13 estudantes com surdocegueira matriculados no

Ceaada. Desse total, 11 estudantes frequentavam a sala específica para surdocegueira e

cada um era acompanhado por uma professora. Duas estudantes são surdocegas

adquirida em razão da Síndrome de Usher10. As duas estudantes são irmãs, ambas

matriculadas na turma de EJA.

Dos 11 estudantes que estudavam em salas específicas para surdocegueira, sete

estavam matriculados no período matutino e quatro no período vespertino11.

10 A síndrome de Usher é uma das causas da surdocegueira e será descrita no capítulo I da dissertação. 11 Em 2018 o Ceaada tornou-se escola plena, garantindo a educação em período integral.

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Optamos na pesquisa por coletar e analisar os dados referentes a seis

estudantes12 e suas respectivas professoras que frequentam as turmas de surdocegueira

no período matutino.

Perspectivas teórico-metodológicas

Este estudo foi orientado pelas contribuições de autores que desenvolvem

pesquisas com surdocegueira, especialmente os que tratam da etiologia, processos de

comunicação e de interação, tais como Serpa (2002); Pinheiro, Wieland e Prochnow

(2005); Maia (2010); Tateish, Santos e Jinhui (2010); Maia (2011); Ampudia (2011);

Boas et al. (2012); Bosco, Mesquita e Maia (2010); Lima (2014); Pacco e Silva (2015);

Meldau (s/d); Silva (s/d); entre outros.

Optei pela abordagem metodológica da pesquisa qualitativa do tipo estudo de

caso. Esse tipo de pesquisa “envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no

contato direto do pesquisador com a situação estudada.” (BOGDAN; BIKLEN apud

LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 13). Essa opção metodológica expressa entendimento de

que o conhecimento científico é resultado de um longo processo de reflexão e de

análises, e não algo dado previamente. O pesquisador precisa avaliar a pertinência de

seus pressupostos e posicionamentos para manter a coerência com as singularidades do

seu objeto de estudo. Conforme observou Godoy (1995, p. 25), o estudo de caso

permite:

[...] responder as questões “como” e “por quê” certos fenômenos

ocorrem, quando há pouca possibilidade de controle sobre os eventos

estudados e quando o foco de interesse é sobre fenômenos atuais, que

só poderão ser analisados dentro de um contexto da vida real.

Lüdke e André (1986) chamam atenção para a necessidade de se considerar que

no estudo de caso o pesquisador precisa estar atento ao máximo de informações

possíveis para posterior análise e interpretação de dados:

Assim, se o estudo é feito numa escola, o pesquisador procurará fazer

observações em situações de aula, de reuniões, de merenda, de entrada

e de saída, das crianças; estará coletando dados no início, no meio e

12 No período matutino são sete estudantes matriculados, mas um deles iniciou o ano letivo no mês de

julho, e como a observação havia iniciado no mês de maio, optamos por analisar os dados apenas

daqueles que já estavam frequentando desde o início do período observacional.

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no final do semestre letivo; ouvirá professores, pais, alunos, técnicos,

serventes etc. com essa variedade de informações, oriundas de fontes

variadas, ele poderá cruzar informações, confirmar ou rejeitar

hipóteses, descobrir novos dados, afastar suposições ou levantar

hipóteses alternativas (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 19).

Um pesquisador que opta pelo estudo de caso precisa estar aberto as suas

descobertas e fazer uso de diferentes fontes de informação e de técnicas de coleta de

dados, como: observação, análise de documentos, entrevistas, narrativas, entre outras.

Seguindo os pressupostos da pesquisa do tipo estudo de caso, realizei o

levantamento de dados a partir de documentos, como leis, decretos, orientações

nacionais e do estado de Mato Grosso e de observação direta do trabalho pedagógico

realizado pelas professoras que atuam em classes destinadas a estudantes com

surdocegueira.

Para caracterizar os alunos com surdocegueira, julguei necessário analisar as

fichas de identificação de cada aluno, a fim de conhecer o perfil dos estudantes que são

sujeitos dessa pesquisa.

Com base nas observações realizadas nesse estudo busquei analisar aspectos

como: infraestrutura da escola para o trabalho com surdocegueira, formação das

professoras para a atuação nesse campo, processos de comunicação e aprendizagem das

crianças com surdocegueira e experiências desenvolvidas na Educação em Ciências

Naturais.

Utilizo a observação como instrumento de coleta de dados por entender que essa

técnica potencializa o desenvolvimento de pesquisas, uma vez que aproxima o

pesquisador do objeto a ser pesquisado:

Usada como o principal método de investigação ou associada a outras

técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e

estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta

uma série de vantagens. Em primeiro lugar, a experiência direta é sem

dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de um determinado

fenômeno. “Ver para crer” diz o ditado popular. (LÜDKE; ANDRÉ,

1986, p. 26).

Segundo Buford Junker (apud LÜDKE; ANDRÉ,1986, p. 28), o observador

pode assumir diferentes posicionamentos, fato que explica o uso de diferentes

terminologias: “participante total”; “participante como observador”; “observador como

participante”; e “observador total”.

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Quando o pesquisador se comporta como um participante total ele não revela ao

grupo sua identidade nem seu propósito de estudo. Na condição de observador total o

pesquisador não interage com o grupo estudado, ele observa de longe ou atrás de uma

parede espelhada. O participante como observador não revela totalmente o que pretende

fazer para não provocar alterações no grupo que está sendo observado. Por exemplo: diz

que vai estudar somente os alunos e acaba estudando a postura do educador. O

observador como participante desenvolve observações, revelando ao grupo pesquisado a

identidade e os objetivos do estudo.

Neste estudo optamos pela observação participante para coleta de dados por

assim entender:

A “observação participante” é uma estratégia que envolve não só a

observação direta, mas todo um conjunto de técnicas metodológicas

(incluindo entrevistas, consultas a materiais etc), pressupondo um

grande envolvimento do pesquisador na situação estudada.

(FIORENTINI; LORENZATO, 2012, p. 108).

As observações ocorreram entre os meses de maio a setembro de 2017, na sala

destinada ao atendimento de estudantes com surdocegueira. No período de observação,

considerei os seguintes aspectos: caracterização do espaço físico, recursos didáticos

utilizados, perfil dos estudantes com surdocegueira e das professoras que atuam com

eles, processos de comunicação, processos de interação entre a sala de surdocegueira e a

escola, Educação em Ciências Naturais em sala de surdocegueira, participação em

projetos escolas e festas comemorativas.

Os registros das observações foram feitos por meio de fotografias, filmagens e

de anotações no diário de campo. As fotografias e filmagens foram feitas utilizando o

celular. Algumas fotografias foram cedidas pelas professoras que atuam nas salas de

surdocegueira. O diário de campo ou de bordo, segundo Fiorentini e Lorenzato (2012, p.

118), é “um dos instrumentos mais ricos de coleta de informações durante o trabalho de

campo.” No diário o pesquisador faz as anotações de tudo que observar, descreve as

situações, cenários e retrata diálogos. Os autores ressaltam, ainda, que quanto mais

próximo do momento da observação forem feitas as anotações no diário de campo, mais

acuidade terá a informação.

Outro instrumento utilizado na coleta de dados foi a entrevista com os sujeitos

da pesquisa. Esse coletivo incluiu seis professoras que atuam em sala de surdocegueira,

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dois gestores e uma mãe que, no Mato Grosso, é responsável pela Associação Brasileira

de Pais e Amigos dos Surdocego e Múltiplos Deficientes Sensoriais (Abraspacem).

Nas entrevistas com as professoras que atuam nas salas de surdocegueira no

Ceaada busquei informações sobre a formação inicial, formação específica para atuar

nas salas de surdocegueira e sobre suas práticas em sala de aula (Apêndice A).

A necessidade de envolver gestores nesse estudo resultou da constatação de que,

no estado de Mato Grosso, faltam documentos oficiais sobre a história da Educação de

pessoas com surdocegueira. A entrevista com tais sujeitos incluiu aspectos como

formação de professores para atuar com estudantes com surdocegueira e o histórico do

atendimento nessa área. Questões similares foram feitas também à mãe de uma

estudante com surdocegueira (Apêndice B).

Todas as entrevistas foram gravadas em áudio, transcritas e enviadas

posteriormente para o respectivo entrevistado. Com base em Fiorentini e Lorenzato

(2012, p. 120), considerei que “a entrevista, além de permitir uma obtenção mais direta

e imediata de dados, serve para aprofundar o estudo, complementando outras técnicas

de coleta de dados”.

O questionário também foi um instrumento utilizado para a coleta de dados.

Fiorentini e Lorenzato (2012, p. 116) consideram que “o questionário é um dos

instrumentos mais tradicionais de coleta de informações e consiste em uma série de

perguntas.” Essas perguntas podem ser fechadas, abertas ou mistas. Fechadas quando

apresentam alternativas para respostas, abertas quando não apresentam alternativas e

mistas quando parte do questionário são perguntas fechadas e outra parte são perguntas

abertas. Optamos por confeccionar e aplicar um questionário com perguntas mistas.

Foi aplicado um questionário (Apêndice C) para a atual diretora do Ceaada com

a finalidade de caracterizar a escola, saber o número de alunos que a unidade escolar

atende, a quantidade de professores interinos e efetivos, os projetos desenvolvidos na

escola e os materiais pedagógicos e espaços de aprendizagem que a escola possui.

As professoras que atuam na sala específica para surdocegueira também

responderam a um questionário (Apêndice D) elaborado com a finalidade de fornecer

dados quanto à formação acadêmica: cursos de graduação e pós-graduação e sobre a

situação e experiência profissional de cada uma delas.

Antes de iniciar a coleta de dados submetemos o projeto de pesquisa à

apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Área das Ciências

Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso (CEP

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Humanidades/UFMT). Os documentos exigidos pelo CEP Humanidades/UFMT

incluíram: carta de apresentação da pesquisadora (Apêndice E); carta de anuência,

solicitando da escola a autorização para a realização da pesquisa (Apêndice F); termo de

consentimento dos (as) professores (as) (Apêndice G) que atuam nas salas de

surdocegueira; termo de consentimento para os responsáveis dos estudantes (Apêndice

H).

Encaminhamos ao Comitê de Ética o requerimento para não utilizar o termo de

assentimento que deveria ser assinado pelos estudantes com surdocegueira (Apêndice I),

uma vez que, além do comprometimento simultâneo da visão e audição, alguns

apresentam deficiência neuromotora e outros não possuem destreza manual para a

escrita por não apresentarem habilidades de psicomotricidade fina. Alguns possuem,

ainda, deficiência intelectual. Foi explicitado ao CEP Humanidades/UFMT que os

sujeitos da pesquisa se comunicam por meio de Libras tátil, tadoma, objetos de

referência, entre outras formas de comunicação. Nenhum deles se comunica mediante a

escrita, ficando impossibilitados de assinar o termo de assentimento. Foi explicitado

também que ficaria assegurado que a observação das salas de aula de surdocegueira só

seria realizada mediante a autorização dos responsáveis pelos alunos.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo CEP Humanidades/UFMT no dia 08 de

maio de 2017, sob o Parecer nº 2.052.534.

Consideramos que a realização desta pesquisa pode contribuir para ampliar o

debate sobre a temática posta em pauta e, por conseguinte, dar visibilidade aos

estudantes com surdocegueira, grupo social historicamente excluído do direito de acesso

à Educação.

A dissertação está estruturada em cinco capítulos. O primeiro capítulo apresenta

uma revisão de literatura sobre os estudos na área de surdocegueira no Brasil, na última

década. Foram identificados 21 trabalhos, sendo 13 dissertações e oito teses. Na análise

consideramos os seguintes aspectos: objetivos, metodologia e os resultados das

pesquisas. As análises realçam desafios enfrentados por estudantes, pais, professores e

equipe pedagógica da escola para a efetivação das políticas de inclusão de pessoas com

surdocegueira. Ficou evidente a ausência de estudos na área de Educação em Ciências,

o que faz desta pesquisa uma produção inédita.

A partir do referencial teórico adotado busquei no segundo capítulo fazer uma

caracterização da surdocegueira, indicando possíveis causas desse tipo de deficiência.

Procurei também apresentar as fases de desenvolvimento propostas por JanVan Dijk, os

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processos e as diferentes formas de comunicação.

No terceiro capítulo apresentei uma contextualização histórica acerca da

Educação de pessoas com deficiência, dando destaque à Declaração de Salamanca,

documento que é considerado referência para a produção de políticas de inclusão. Para

situar a Educação de pessoas com surdocegueira no contexto nacional e do estado de

Mato Grosso foi necessário observar na legislação educacional (brasileira e estadual)

questões relativas à garantia do atendimento educacional especializado para as PCD.

Apresentei também o histórico da Educação de pessoas com surdocegueira no Brasil e

em Mato Grosso.

No quarto capítulo caracterizei o Ceaada como um espaço para Educação de

pessoas com surdocegueira. Nesse sentido, foram destacados os seguintes aspectos:

estrutura física da escola e da sala de surdocegueira; recursos didático-pedagógicos e

caracterização dos alunos e professores da sala de surdocegueira.

No quinto capítulo apresentei uma descrição e análise do trabalho pedagógico

das professoras, dando centralidade à Educação em Ciências Naturais. O foco de

atenção foi o uso de materiais didáticos adaptados e a tecnologia assistiva utilizada por

elas para o ensino dos conteúdos.

Espero com esse trabalho poder contribuir com os estudos sobre a temática posta

em pauta e, por conseguinte, ampliar o debate sobre as políticas de inclusão.

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1 PERCORRENDO OS ESTUDOS SOBRE SURDOCEGUEIRA

Para o desenvolvimento desse estudo buscamos13, inicialmente, compreender o

que dizem as pesquisas que tratam de surdocegueira. Considerando que somos

pesquisadores neófitos nessa área julgamos necessário situarmo-nos nesse campo de

estudo, sobre o qual tínhamos pouco conhecimento. O propósito foi obter um panorama

das teses e dissertações produzidas na última década a fim de identificar onde elas estão

sendo produzidas, os principais autores que fundamentam os estudos do campo da

surdocegueira, as temáticas mais abordadas e os resultados dos estudos. Ao trilhar o

caminho já percorrido por outros pesquisadores intentamos obter parâmetros para o

desenvolvimento de análises dos dados desta pesquisa. Buscamos também conhecer o

léxico que caracteriza a referida área do conhecimento para fazer uso de termos em

conformidade com a literatura.

1.1 Panorama das teses e dissertações na área de surdocegueira

Na revisão de literatura nós realizamos uma busca na Biblioteca Digital

Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), utilizando os descritores “surdocegueira” e

“surdocego”. Delimitamos nossa busca entre os anos 2007 a 2017.

No período considerado encontramos 21 produções acadêmicas relativas à área

da Educação ou que permitem interfaces com essa área. Do total de produções

levantadas 13 são dissertações de mestrado e oito são teses de doutorado. Optamos por

agrupar as dissertações e teses em um único quadro (Quadro 1), organizando-as em

ordem linear, de acordo com o ano em que foram produzidas.

13 Conforme foi explicado anteriormente, na introdução desse trabalho, o verbo foi utilizado na primeira

pessoa do singular por se tratar de uma narrativa pessoal. Neste e nos demais capítulos que compõem essa

dissertação o verbo é conjugado na primeira pessoa do plural.

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Quadro 1 - Levantamento das dissertações e teses sobre surdocegueira encontradas no BDTD

entre os anos 2007 e 2017

Ano Nível Autor da

Pesquisa Título da pesquisa IES

Área de

concentração

2007 Mestrado

Rita de

Cássia

Silveira

Cambruzzi

Análise de uma experiência de

atitudes comunicativas entre

mãe e adolescente surdocega:

construção de significados

compartilhados

Universidade

Federal de

São Carlos

(UFSCAR)

Educação

Especial

2008 Mestrado Lilia

Giacomini

Análise de um programa:

“passo a passo” orientação e

mobilidade para pessoas

surdocegas.

Universidade

de São Paulo

(USP)

Psicologia da

Educação

2008 Doutorado

Célia

Aparecida

Faria

Almeida

A aquisição da linguagem por

uma surdocegapré-linguística

numa perspectiva

sociocognitivo-interacionista

Universidade

de Brasília Linguística

2009 Mestrado Silvia Costa

Andreossi

Pré-requisitos para orientação

e mobilidade da criança com

surdocegueira congênita

Universidade

Presbiteriana

Mackenzie

(UPM)

Distúrbios do

desenvolvimento

2009 Mestrado Vula Maria

Ikonomidis

Estudo exploratório e

descritivo sobre inclusão

familiar de crianças com

surdocegueira pré-linguística

UFSCAR Educação

Especial

2010 Mestrado

Márcia

Maurílio

Souza

Surdocegueira e deficiência

múltipla sensorial: análise do

Programa de Atendimento

Domiciliar e Famílias

Apoiadas

USP Psicologia e

Educação

2011 Doutorado

Shirley

Rodrigues

Maia

Descobrindo crianças com

surdocegueira e deficiência

múltipla sensorial, no brincar

USP Educação

2011 Mestrado

Sueli

Fernandes da

Silva Rached

Ver e ouvir a surdocegueira:

emergir da comunicação

Universidade

Católica de

Pernambuco

Ciências da

Linguagem

2011 Doutorado

Maria

Aparecida

Comerdi

Alicerces de significados e

sentidos: aquisição de

linguagem na surdocegueira

congênita

USP Educação

2012 Doutorado

Marilia

Zannon de

Andrade

Figueiredo

Surdocegueira Pós-linguística

em Síndrome de Usher UNIFESP Educação

2013 Doutorado

Rita de

Cássia

Silveira

Cambruzzi

Recursos pedagógicos

acessíveis ao aluno com

surdocegueira por Síndrome

de Usher: um estudo de caso

UFSCAR Educação

Especial

2014 Doutorado Denise Cintra

Villas Boas

Pessoas com surdocegueira e

deficiência múltipla: análise

de relações de comunicação

Pontifícia

Universidade

Católica

(PUC-SP)

Fonoaudiologia

2015 Mestrado

Sandra

Samara Pires

Farias

Os processos de inclusão dos

alunos com surdocegueira na

Educação básica

Universidade

Federal da

Bahia

(UFBA)

Educação

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Ano Nível Autor da

Pesquisa Título da pesquisa IES

Área de

concentração

2015 Mestrado Shirley Alves

Godoy

Processo de intervenção junto

a professora de geografia e

professoras especialistas para

favorecer a aprendizagem de

uma aluna com surdocegueira:

uma pesquisa colaborativa

Universidade

Estadual de

Londrina

(UEL)

Educação

2015 Mestrado

Vanisse

Cristina

Bussolo

Bertola

Implante Coclear em uma

criança com surdocegueira

congênita: análise das ações

comunicativas

UFSCAR Educação

Especial

2015 Doutorado

Wolney

Gomes

Almeida

O guia-intérprete e a inclusão

da pessoa com surdocegueira UFBA Educação

2016 Doutorado

Luis Carlos

Souza

Bezerra

Crianças Surdocegas Corpo e

Linguagem PUC-SP

Linguística

aplicada

2017 Mestrado Dalva Rosa

Watanabe

O estado da arte da produção

científica na área da

surdocegueira no Brasil de

1999 a 2015

USP Educação

Especial

2017 Mestrado

Fernanda

Cristina

Falkoski

Análise do Processo de

comunicação de pessoas com

surdocegueira congênita a

partir da produção e do uso de

recursos de comunicação

alternativa

Universidade

Federal do

Rio Grande

do Sul

(UFRS)

Educação

2017

Mestrado

Lia Cazumi

Yokoyama

Emi

A inclusão de alunos com

surdocegueira na rede

municipal de ensino de São

Paulo: relatos de profissionais

especializados

USP Psicologia

2017 Mestrado

Simara

Pereira da

Mata

Perspectivas de profissionais

sobre a trajetória inicial de

comunicação de um sujeito

com surdocegueira

Universidade

Estadual

Paulista –

Campus

Marília

Educação

Fonte: Dados da pesquisadora

Ao iniciarmos a revisão de literatura percebemos que tanto as dissertações quanto

as teses foram produzidas em diversas áreas de concentração, como podemos observar

no Gráfico 1, a seguir apresentado:

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Gráfico 1 - Áreas de concentração das dissertações e teses sobre surdocegueira

encontradas no BDTD entre os anos de 2007 a 2017.

Fonte: Dados da pesquisa

Das 21 produções que foram levantadas nessa dissertação, nove são na área da

Educação, quatro na Educação especial, três na área da psicologia, duas em linguística,

uma em linguagem, uma em distúrbios do desenvolvimento e uma na área de

fonoaudiologia. Isso revela que a Educação é um dos fatores que mais geram

inquietações entre os pesquisadores, certamente por se tratar de uma prática social

reconhecida como um direito constitucional assegurado a todas as pessoas,

independente da condição em que elas se encontram.

Um aspecto que chamou nossa atenção no levantamento das pesquisas na área da

surdocegueira é o fato de que a maior parte dos estudos (15 entre 21) concentra-se na

região sudeste, no estado de São Paulo. Três estudos foram realizados no nordeste do

Brasil, sendo dois na Universidade Federal da Bahia e um na Universidade Católica de

Pernambuco. Dois estudos foram realizados na região sul, sendo um no Paraná e outro

no Rio Grande do Sul. Apenas um trabalho foi realizado em Brasília, que se localiza na

região centro-oeste do Brasil. Acreditamos que a concentração dos trabalhos em São

Paulo está relacionada com a presença de grupos de pesquisa sobre surdocegueira

naquele estado e com a atuação da Ahimsa - Associação Educacional para Múltipla

Deficiência.

Não identificamos nenhum estudo sobre surdocegueira realizado no estado de

Mato Grosso. Esse fato, somado a não identificação de pesquisas que tratam de

Educação em Ciências Naturais para estudantes surdocegos, permite considerar que

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nossa pesquisa é inédita e pode contribuir com as discussões nesse campo do

conhecimento.

1.2 Autores que fundamentam os estudos do campo da surdocegueira

Quanto aos referenciais teórico-metodológicos adotados nas pesquisas mapeadas

observamos que os pesquisadores valorizam contribuições de autores internacionais, a

exemplo de Van Dijk, McInnes e Treffry, McInnes, Miles e Riggio e Blaha, bem como

de autores nacionais. No âmbito nacional os autores mais citados são: Maia, Comerdi,

Cambruzzi, Nascimento, Souza, Masini, Araóz, Mesquita e Ikonomidis. São valorizados

também documentos produzidos pelo Grupo Brasil de apoio à Surdocegueira e pela

Ahimsa.

No campo das políticas, tratando-se de documentos oficiais, os autores das

dissertações e teses dão destaque aos seguintes textos: Constituição de 1988, Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/Lei nº 9.394/1996); Direito das

Pessoas com Deficiência (Decreto Lei nº 6.949/2009), mantendo interfaces com a

Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH/1948) e a Declaração de

Salamanca (BRASIL, 1994).

Quanto à metodologia utilizada pelos pesquisadores, destacam-se a coleta de

dados por meio da observação direta dos sujeitos pesquisados, anotações em diário de

campo, entrevistas com educadores e família, pesquisa documental e filmagens.

1.3 Temáticas mais frequentes e descrição dos estudos

No que diz respeito à temática adotada como objeto de estudo nós chegamos às

seguintes constatações: seis pesquisas foram voltadas para a análises de atitudes e

processos de comunicação adotados por crianças e jovens com surdocegueira

(CAMBRUZZI, 2007; RACHED, 2011; BOAS, 2014; BERTOLA, 2015; FALKOSKI,

2017; MATA, 2017); quatro focalizaram processos de inclusão e aceitação da pessoas

com surdocegueira no ambiente familiar e na Educação básica (IKONOMIDIS, 2009;

FARIAS, 2015; ALMEIDA, 2015; EMI, 2017); três analisaram os processos na

aquisição de linguagem (ALMEIDA, 2008; COMERDI, 2011; BEZERRA, 2016); duas

foram relacionadas à orientação e mobilidade (OM) (GIACOMINI, 2008;

ANDREOSSI, 2009); duas trataram especificamente da surdocegueira em razão da

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Síndrome de Usher, sendo uma delas relacionada a recursos pedagógicos

(FIGUEIREDO, 2012; CAMBRUZZI, 2013); uma deu centralidade às brincadeiras

facilitadoras do processo de interação entre crianças com surdocegueira e/ou com

deficiência múltipla sensorial (MAIA, 2011); uma analisou o programa de atendimento

domiciliar ofertado às famílias de crianças com surdocegueira (SOUZA, 2010); uma

pesquisa tratou do processo de intervenção com a professora de Geografia para

favorecer o aprendizado da aluna com surdocegueira (GODOY, 2015) e uma elaborou

um estado da arte com levantamento da produção científica sobre o tema, considerando

o período compreendido entre 1999 a 2015 (WATANABE, 2017).

Nota-se, portanto, que a maior parte das produções deu destaque ao processo de

comunicação das pessoas com surdocegueira. Foi nesse campo que Cambruzzi (2007)

desenvolveu a pesquisa “Análise de uma experiência de atitudes comunicativas entre

mãe e adolescente surdocega: construção de significados compartilhados”, que analisou

os processos de comunicação entre elas. A autora tinha como objetivo instrumentalizar

a mãe para promover o desenvolvimento da comunicação entre ela e sua filha. Nesse

sentido, a referida pesquisadora estimulou a mãe a ser mediadora e também a

compreender as diferentes formas de comunicação adotadas pela filha. A coleta de

dados se deu na casa da família entre os anos de 2005 e 2006. A mãe da criança com

surdocegueira foi orientada pela pesquisadora a fazer anotações sobre o comportamento

e os processos de comunicação adotados em diferentes atividades do dia a dia, como

higiene, café da manhã, almoço, jantar, lavar a louça, entre outras. A autora constatou

que a adolescente não realizava esses afazeres em casa, ou seja, ela esperava que a mãe

realizasse por ela ou realizava com auxílio da técnica mão-sobre-mão ou mão-sob-mão.

Os dados indicam que, no início da pesquisa, a adolescente mostrava-se disposta a

realizar as atividades, mas aos poucos ela começou a gostar, à medida que sorria ao

desenvolver determinada atividade. As análises chamam atenção para a importância de

estimular esse processo para que a pessoa com surdocegueira tenha uma vida autônoma,

fato que requer orientação e implica no apoio que é dado às famílias.

Rached (2011), em sua dissertação “Ver e ouvir a surdocegueira: o emergir da

comunicação”, orientou-se pelo propósito de verificar quais as formas de comunicação

são utilizadas por crianças surdocegas. A pesquisadora realizou entrevistas com os pais

das crianças e observação direta de dez crianças com surdocegueira pré-linguística com

idades variando entre três e dez anos, adotando como campo de estudo uma instituição

de ensino no estado de Pernambuco. Em suas análises a autora constatou que não existe

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um único método de comunicação. Os processos variam de sujeito para sujeito, porém,

é preciso considerar que existe um conjunto de formas comunicativas comuns a todos os

sujeitos. Ao buscar contribuir com os debates sobre a temática posta em pauta a autora

fez apontamentos de algumas estratégias que podem facilitar a aquisição da linguagem,

a visualização das oportunidades de interação comunicativa com a família, a

identificação da quantidade e a qualidade das terapias, questões que são inerentes ao

processo de inclusão escolar.

Denise Cintra Villas Boas (2014), em sua tese intitulada “Pessoas com

surdocegueira e deficiência múltipla: análise de relações de comunicação”, também

buscou contribuir com o debate sobre a comunicação. Nesse sentido, ela investigou os

comportamentos de atenção e as atitudes comunicativas entre uma professora e uma

criança com surdocegueira e uma criança com deficiência múltipla. O estudo foi

dividido em duas partes: a primeira refere-se à percepção da própria pesquisadora sobre

os comportamentos de atenção e comunicação adotados pela professora e alunos

envolvidos. A segunda parte focalizou a percepção da própria professora sobre esses

comportamentos de atenção e comunicação entre ela e seus alunos.

Na primeira parte do estudo a pesquisadora fez uso de observação participante e

de filmagens da interação da professora com a criança surdocega. Procedimento similar

foi adotado na análise da interação entre a referida professora e a criança com

Deficiência Múltipla. A coleta de dados nas duas situações ocorreu em sala de aula.

Na segunda parte da pesquisa foram apresentadas à professora as filmagens feitas

durante o atendimento realizado por ela às crianças. Foi realizada também uma

entrevista para saber qual era a percepção dela sobre os comportamentos de atenção e

comunicação entre ela e os alunos.

As análises realizadas por Boas (2014) realçam a importância da utilização de

atividades que estimulem os sentidos das crianças com surdocegueira, uma vez que

esses sentidos possibilitam o acesso ao mundo e é por seu intermédio que elas

desenvolvem e ampliam suas formas de comunicação. Na primeira parte do seu

trabalho, a autora percebeu que nas atividades que envolviam música e ritmos as

crianças tiveram comportamentos diferentes: a criança com surdocegueira apresentava a

sua atenção voltada para a professora, já a criança com deficiência múltipla manteve sua

atenção voltada para o objeto. As duas crianças apresentaram formas de comunicação

não verbal, dentre as quais se destacaram: vocalizações, olhar, movimentos corporais,

expressões faciais, toques, choro, entre outras. As formas de comunicação adotadas pela

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professora foram verbais: sinais em Libras, toque (contato e vibração). As duas crianças

apresentaram potenciais trocas de turnos apenas quando a ação era iniciada pela

professora.

Na segunda parte do estudo a autora relata que a professora ficou satisfeita ao

visualizar as filmagens e ver o avanço no desenvolvimento de cada criança. Os relatos

indicam que a professora percebeu que fez uso de estratégias diferenciadas para facilitar

o aprendizado de cada criança e reconheceu que em alguns momentos poderia ter

aguardado um pouco mais de tempo para o retorno dos alunos no que diz respeito às

atividades que estavam sendo desenvolvidas. A autora ressalta em sua pesquisa a

importância de parceiros significativos de comunicação, pois eles podem interpretar,

mediar e responder aos comportamentos de atenção e de comunicação de cada criança.

Nessa perspectiva, a autora ressalta o necessário reconhecimento de que cada uma das

crianças se comunica de uma maneira específica. Tal reconhecimento é fator

preponderante para possibilitar um atendimento educacional especializado que seja

significativo à aprendizagem da criança.

Falkoski (2017) também se situou no campo da comunicação ao orientar seu

estudo pelo propósito de compreender os processos de comunicação de pessoas com

surdocegueira congênita a partir da produção e do uso de recursos de comunicação

alternativa. A autora envolveu em sua pesquisa duas crianças que estavam matriculadas

no ensino fundamental em uma escola no Rio Grande do Sul, familiares das crianças e

suas respectivas professoras. O estudo foi desenvolvido com base nos seguintes

procedimentos: 10 encontros com os alunos pesquisados; construção de mapas de

identificação dos referidos alunos; entrevistas com as professoras que atuavam com

eles; visita nas residências e observação direta dos sujeitos pesquisados. O estudo

remeteu à constatação de que existem várias formas de comunicação e que o mediador,

seja a família ou o professor, deve estar atento às variadas formas da criança se

comunicar. Indicou também que a família das pessoas com surdocegueira dispõe de

formas de comunicação e informações sobre as crianças que podem e devem ser

compartilhadas com a escola para auxiliar no processo de comunicação. A autora

destacou a importância da utilização de objetos de referência e de fotografias no sistema

de calendários para organizar a rotina desses estudantes, a fim de antecipar as atividades

que serão posteriormente realizadas. Ficou claro na referida pesquisa que não existe um

único método para ensinar crianças com surdocegueira porque cada condição é singular.

Isso ficou evidente pelo fato de que a menina envolvida no estudo possuía baixa visão e

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utilizava esse canal como o principal meio para a comunicação. Já o menino observado

utilizava outros canais sensoriais para se comunicar, como o tato e o olfato.

Mata (2017), em sua dissertação “Perspectivas de profissionais sobre a trajetória

inicial de comunicação de um sujeito com surdocegueira”, buscou compreender como

profissionais de diferentes áreas percebiam os processos de comunicação de uma pessoa

com surdocegueira pré-linguística. Para tanto, realizou entrevistas no local de atuação

dos profissionais. Entre eles havia: profissional da pedagogia de um centro de

especialidades da área da saúde, fonoaudióloga de um centro de equoterapia e

professores de diferentes áreas de ensino (AEE, classe comum, educador físico, artes e

uma agente educacional de uma escola de ensino regular). A pesquisa revelou que a

comunicação é fundamental para o desenvolvimento da pessoa com surdocegueira e

também para o processo de ensino-aprendizagem. Vários tipos de comunicação foram

observados e elencados pelos profissionais que atuam com esses sujeitos, mas eles

tiveram muitas dúvidas quanto à interpretação de gestos e expressões. Com base nos

resultados do estudo e na literatura da área a autora ressalta a necessidade de formação

profissional adequada para saber interpretar, lidar e estimular o aprendizado desses

sujeitos.

Bertola (2015) também se dedicou ao estudo de ações comunicativas de uma

criança com surdocegueira congênita, voltando sua atenção para o implante coclear

(IC). Seu objetivo foi analisar as ações de comunicação adotadas pela referida criança

após o IC. A criança que foi sujeito de sua pesquisa não possuía nenhum resíduo visual

ou auditivo. A autora explica que a criança estudada era atendida em um Centro

Especializado na área de surdocegueira desde o ano de 2011. Três anos após iniciar esse

atendimento especializado (em 2013), aos oito anos de idade, ela foi submetida à

cirurgia de IC. No ano seguinte seu aparelho foi ativado, fazendo com que tivesse a

possibilidade de comunicação pelo uso do canal sensorial da audição.

Na coleta de dados a autora realizou uma pesquisa documental dos portifólios dos

atendimentos antes do IC. Realizou também entrevistas com a mãe, com a cuidadora e

com a professora. Para coletar os dados após o IC fez intervenções semanais, nas quais

observava atividades como alimentação, estímulos auditivos, orientação e mobilidade.

Os resultados do estudo destacam a evolução na aquisição de linguagem e comunicação

por parte da criança submetida ao IC, mas a pesquisadora relata que a família da criança

não tinha apoio de profissionais especializados que mediassem essa interação e

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oferecessem suporte para o reconhecimento e estimulação das ações comunicativas da

criança no ambiente familiar.

A leitura dos trabalhos discutidos anteriormente remete ao entendimento de que a

maioria dos autores reconhece que não existe um único método para comunicação

adotado por pessoas com surdocegueira. Isso porque o processo varia de sujeito para

sujeito (RACHED, 2011; FALKOSKI, 2017; MATA, 2017). Isso explica o uso do

termo “parceiros significativos de comunicação”, concebidos como pessoas que buscam

reconhecer e estimular os processos de comunicação adotados por cada sujeito

(CAMBRUZZI, 2007; RACHED, 2011; VILLAS BOAS, 2014; FALKOSKI, 2017).

Tais parceiros podem ser pessoas da família, professores e/ou outros profissionais que

mantêm contato com os estudantes com surdocegueira. Villas Boas (2014) chama

atenção para a necessária identificação das diferentes formas de comunicação que

podem ser usadas pelas pessoas com tal condição. Trata-se de comunicação não verbal,

que pode ocorrer como vocalizações, choro, riso, olhares e movimentos corporais. O

interlocultor do estudante com surdocegueira precisa estar atento a esse tipo de

comunicação para compreendê-lo e estimulá-lo na sua relação com os outros e com o

mundo.

A inclusão também apareceu no levantamento que realizamos no BDTD como

uma das temáticas mais adotadas por pesquisadores que tratam de surdocegueira. É o

caso do estudo realizado por Farias (2015), cujo objetivo foi investigar as narrativas de

histórias de vida e verificar como aconteceu o processo de inclusão dos alunos com

surdocegueira na Educação básica, na Bahia. A autora utilizou como instrumento para

coleta de dados a entrevista narrativa registrada em filmagens. Os sujeitos de sua

pesquisa foram dois estudantes com surdocegueira. Um deles tinha concluído a

Educação Básica e o outro estava concluindo o Ensino Médio. Farias (2015) observou

que ambos utilizavam formas de comunicação eficientes, como Libras, comunicação

oral, além de saberem com fluência o sistema de leitura e escrita Braille. A pesquisadora

relata que o fato dos sujeitos terem facilidade para se comunicar favoreceu o seu

processo de inclusão no ensino regular. Como resultado, a pesquisadora percebeu que

na Educação infantil um dos alunos foi matriculado em uma escola de ensino

especializado e teve contato com alunos com surdez. O outro jovem pesquisado foi

matriculado em uma escola de ensino regular, tendo contato desde o início com uma

diversidade de alunos. Já no Ensino Fundamental e Médio, ambos foram matriculados

em escola do ensino regular, sendo que uma escola era pública e outra privada, onde

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recebiam AEE. Todavia, o AEE não atendia as especificidades de um aluno com

surdocegueira, pois os atendimentos eram feitos de forma fragmentada, não havendo

uma articulação entre o professor do ensino regular e o professor do ensino

especializado.

O estudo “A inclusão de alunos com surdocegueira na rede municipal de ensino

de São Paulo: relatos de profissionais especializados”, realizado por Emi (2017), foi

orientado pelo objetivo de propiciar uma reflexão sobre as mudanças na Educação a

partir do olhar de profissionais especializados que participaram do processo de inclusão

de estudantes com surdocegueira na rede municipal do referido estado. Ela realizou

entrevistas orais com quatro colaboradoras que trabalhavam na unidade escolar onde os

alunos com surdocegueira foram incluídos. Com base nos dados levantados a

pesquisadora destacou a resistência de alguns profissionais com a chegada desses alunos

na escola. Destacou também a importância de ações coletivas dos profissionais da

unidade escolar para garantir a permanência e a real inclusão de tais alunos na escola.

Os dados indicam que a escola estudada procurou estabelecer teias de relações entre os

profissionais que ali trabalham, a comunidade surda e adultos com surdocegueira.

Assim, foi possível criar um espaço que a autora denominou “bicultural”. As análises

foram fundamentadas no entendimento de que esse tipo de espaço é condição necessária

para propiciar a interação e a verdadeira inclusão.

Almeida (2015), em sua tese “O guia-intérprete e a inclusão da pessoa com

surdocegueira”, investigou a atuação do referido profissional no atendimento às pessoas

com surdocegueira em Salvador, no estado da Bahia. Para a coleta de dados utilizou a

observação da prática e da interação entre o guia-intérprete e a pessoa com

surdocegueira. No total, foram 11 guias-intérpretes envolvidos na pesquisa. As

observações foram feitas em escolas, associações, igrejas e eventos como congressos,

simpósios e seminários. Ao analisar o processo de inclusão do sujeito com

surdocegueira na sociedade, o pesquisador considerou que para que haja a inclusão

“não basta estar presente ou fazer parte, mas sim, fazer parte de algo e usufruir os

benefícios que contemplem suas necessidades” (p. 64). O autor fez distinção entre

integração e inclusão, considerando que “na integração, a pessoa com surdocegueira

tem que se adaptar ao sistema. Na inclusão, o sistema é que deve se adaptar ao

surdocego.” (p. 64). Ao analisar a atuação dos guias-intérpretes o pesquisador percebeu

o grande impacto que isso acarreta, tanto em ambientes escolares como não escolares.

Como resultado, observou que as principais formas de comunicação adotadas são Libras

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tátil, Tadoma, Braille tátil e alfabeto tátil, respectivamente. Constatou que há falta de

profissionais com formação específica para atuação nessa área e reafirmou a

necessidade de implementação de uma formação inicial e continuada específica na área

tanto para os guias-intérpretes como para professores especialistas e professores do

ensino regular.

Na dissertação “Estudo exploratório e descritivo sobre inclusão familiar de

crianças com surdocegueira pré-linguística”, Ikonomidis (2009) avaliou as formas de

comunicação entre as famílias e os filhos com surdocegueira. Para a coleta de dados a

pesquisadora realizou observação direta e entrevistas gravadas ou filmadas. O estudo foi

realizado com seis crianças com surdocegueira. Três delas recebiam atendimento

educacional especializado e as outras três não recebiam esse atendimento. A autora

constatou que as crianças que recebiam AEE tinham habilidades de comunicação mais

concreta e simbólica com a família quando comparadas com as crianças que não tinham

esse atendimento. Verificou também que as famílias que não estabeleciam uma

comunicação efetiva procuravam inserir essas crianças em todas as atividades

vivenciadas no contexto familiar, no entanto as crianças não possuíam uma participação

efetiva e não conseguiam usufruir dessa inclusão por não saberem se expressar.

Ao analisarmos os trabalhos que tratam de inclusão de pessoas com surdocegueira

no ambiente escolar nós observamos que esse processo é marcado por desafios. Farias

(2015) constatou que, no caso analisado, a inclusão foi favorecida porque os dois alunos

por ela observados faziam o uso fluentemente da Libras e do Braille, o que facilitava a

comunicação. A dificuldade relatada pela autora foi com relação ao atendimento

educacional especializado, pois, segundo ela, não atendia as especificidades dos alunos

com surdocegueira. Ademais, a articulação entre o professor do ensino regular e o

professor de AEE era insatisfatória. O estudo realizado por Emi (2017) também

evidenciou muitos problemas no processo de inclusão dos alunos por ela observados,

pois, de início, houve resistência dos professores por não se sentirem capacitados a lidar

com a nova situação. A autora dá evidências da importância das teias de relações que

foram estabelecidas entre os profissionais que atuavam na escola, a comunidade surda e

pessoas adultas com surdocegueira. Ficou evidente que as referidas teias de relações

permitem que os profissionais da Educação possam conhecer e se apropriar de meios de

comunicação necessários à Educação de pessoas com surdocegueira. A relevância da

formação profissional também foi evidenciada no estudo sobre a atuação do guia-

intérprete que tem a tarefa de estimular formas de comunicação como Libras tátil,

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Tadoma, entre outras (ALMEIDA, 2015). A inclusão familiar de crianças com

surdocegueira também aparece como uma questão que precisa ser valorizada pela

escola, uma vez que há evidências de que crianças que recebem AEE possuem mais

habilidades de comunicação do que as crianças que não recebem esse atendimento

(IKONOMIDIS, 2009). No entanto, é preciso considerar que o contexto familiar

também pode restringir a inclusão de crianças com surdocegueira, sobretudo, quando

não há esforços no sentido de compreender os processos de comunicação por elas

adotados. Assim, tais crianças podem permanecer alheias tanto na família como na

escola por não conseguirem compreender o que está acontecendo e por não serem

compreendidas nas suas formas de expressão.

No que diz respeito ao processo de aquisição de linguagem por parte dos

estudantes com surdocegueira identificamos três teses: Almeida (2008), Comerdi (2011)

e Bezerra (2016). Não identificamos dissertações sobre essa temática, talvez pelo fato

de que a análise dessa problemática demande um tempo maior para estudos teóricos e

para a coleta de dados do que aquele que é previsto para o mestrado.

Almeida C. (2008), na sua tese intitulada “A aquisição da linguagem por uma

surdocegapré-linguística numa perspectiva sociocognitivo-interacionista”, buscou

compreender como aconteceu o processo de aquisição de linguagem por parte da

criança com surdocegueira (sujeito de sua pesquisa). A pesquisadora fundamentou sua

pesquisa em teorias relacionadas ao sociocognitivismo, neurociência, neurolinguística e

considerou também aspectos neuropsicológicos e neurobiológicos da cognição e da

linguagem. Ela analisou a aquisição de linguagem em uma menina que, na época, tinha

12 anos de idade. A autora explica que a menina se tornou surdocega logo após o

nascimento de parto prematuro gemelar em razão de algumas complicações durante o

período em que ficara na incubadora. A pesquisadora explicou que a criança recebeu

estímulos desde o nascimento e durante todo o período da infância conviveu e fazia as

mesmas coisas que sua irmã gêmea, havendo interação com a família. No entanto, a

comunicação de fato só passou a existir a partir do momento que essa criança aprendeu

a se comunicar por meio de Libras aos cinco anos de idade. Explicou também que, a

princípio, os pais não tinham informação sobre o que era surdocegueira e que a mãe

sempre se mostrou disposta a buscar meios para fazer com que a filha tivesse acesso à

Educação e aprendesse cada vez mais. Nesse sentido, ela passou a trabalhar como

voluntária na escola que a filha estudava no interior da Bahia, participava de congressos

em diferentes estados brasileiros, questionava os palestrantes, enviava cartas para as

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43

instituições de atendimento especializado, inclusive internacionais, a fim de obter

maiores esclarecimentos sobre o problema de sua filha. Com os conhecimentos que

havia adquirido na busca de melhor qualidade de vida para filha, passou a ofertar a ela

diferentes meios de comunicação. Utilizava Libras, espalhava as palavras em Braille em

diferentes objetos da casa e levava a mão da filha para que pudesse desenvolver o tato.

Mas foi em 2002, durante o primeiro Encontro Internacional sobre Surdocegueira,

ofertado pelo Grupo Brasil, que a mãe da garota percebeu que a Libras seria o melhor

modo de se comunicar com a filha e passa a utilizar esse método. Na época, a menina

estava com cinco anos de idade. A partir de então a família começou a estabelecer uma

comunicação mais efetiva. O primeiro sinal aprendido pela criança foi água, depois

banheiro, depois comer e aí então foi ampliando cada vez mais o vocabulário de sinais

utilizados. Cada sinal aprendido pela menina passava a ser utilizado pelos familiares.

Esse processo permitiu a inserção da criança em uma escola de ensino fundamental,

possibilitando a interação com outras crianças e professores, fato que resultou em

avanços no seu processo de desenvolvimento cognitivo (ALMEIDA, C., 2008).

O implante coclear, aos nove anos de idade, permitiu que a criança fosse

estimulada à oralidade. Aos 12 anos a menina se comunicava tanto pela Libras quanto

pela oralidade. Almeida C. (2008) realçou a importância dos esforços para favorecer a

aquisição da linguagem pela criança, mas identificou algumas falhas no processo, tais

como a falta de estímulos adequados e da linguagem propriamente dita de zero a cinco

anos de idade. Ela considera que a utilização de Libras tátil desde o princípio facilitaria

a comunicação.

Comerdi (2011), em sua tese “Alicerces de significados e sentidos: aquisição de

linguagem na surdocegueira congênita”, verificou quais eram os fatores que levaram a

aquisição de linguagem por duas jovens que utilizam a língua de sinais para se

comunicarem. A pesquisadora realizou entrevistas com as duas jovens, suas famílias e

profissionais envolvidos no processo. Suas análises indicam que as jovens se

reconheciam como sujeitos com surdocegueira e que essa aceitação potencializou o

desenvolvimento das habilidades sensoriais e motoras. O contexto histórico,

educacional e familiar facilitou processos de interação com outras pessoas,

oportunizando um melhor aprendizado. Esse conjunto de condições, associado à atuação

de um mediador na aprendizagem, constituem aspectos fundamentais para o processo de

aquisição de linguagem.

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Na tese intitulada “Crianças surdocegas, Corpo & Linguagem”, Bezerra (2016)

analisou a interferência da presença materna na aquisição da linguagem por uma criança

com surdocegueira. Para tanto, o pesquisador realizou entrevistas com quatro mães de

crianças com surdocegueira. As análises remeteram ao entendimento de que o momento

mais crítico e sofrido para as mães é o do diagnóstico, pois, em geral, é quando os

médicos tendem a realçar as limitações e não as possibilidades de crianças nessa

condição. O autor percebeu que muitas vezes as mães se sentem perdidas por não

conseguirem identificar os desejos de seus filhos, pois esse processo é demorado. O

estudo revela também que as mães reconhecem que o corpo fala, ou seja, as expressões

e os movimentos corporais dizem muito sobre os anseios das crianças com

surdocegueira.

A leitura desses três trabalhos ajudou-nos a reconhecer o papel da família e da

escola no processo de aquisição de linguagem pela criança com surdocegueira. A partir

do diagnóstico dessa condição os pais precisam estar dispostos a estimular a

comunicação dos filhos e a compreender gestos e expressões que eles manifestam.

Almeida C. (2008) mostra que quando a família disponibiliza para a criança diferentes

meios de comunicação, entre eles Libras tátil, alfabeto manual e o Braille, e faz uso

desses processos de comunicação, há maior possibilidade de integrá-la ao mundo. As

expressões e movimentos corporais também precisam ser considerados, pois o corpo

fala (BEZERRA, 2016). A autoaceitação da sua condição de pessoa com surdocegueria

também precisa ser vista como um aspecto fundamental nos processos de interação com

outras pessoas, no desenvolvimento de habilidades sensoriais e motoras e, portanto, no

processo educativo (COMERDI, 2011).

A orientação e mobilidade de pessoas com surdocegueira também apareceu na

revisão da literatura como uma questão relevante, conforme indicam os estudos de

Giacomini (2008) e Andreossi (2009).

Na pesquisa intitulada “Análise de um programa: ‘passo a passo’ orientação e

mobilidade para pessoas surdocegas” Giacomini (2008) defendeu a ideia de que a OM

gera autonomia para o sujeito com surdocegueira e propicia a inclusão na escola, no

trabalho e em outros espaços. Ela fez o acompanhamento do curso de orientação e

mobilidade que foi ofertado para pessoas com surdocegueira. Os sujeitos da pesquisa

foram cinco pessoas com surdocegueira que faziam parte do programa, todos adultos,

quatro afetados pela Sindrome de Usher e um deles por um acidente. Todos os sujeitos

da pesquisa consideraram de suma importância o curso que lhes foi ofertado, pois

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propiciava mais autonomia para se locomoverem nos ambientes que lhes são de

costume. Os sujeitos da pesquisa elencaram também algumas dificuldades vivenciadas,

tais como: acessibilidade na rua, degraus nas calçadas, escadas, entre outros.

O trabalho “Pré-requisitos para orientação e mobilidade da criança com

surdocegueira congênita”, realizado por Andreossi (2009), foi orientado pelo objetivo

de identificar as atividades desenvolvidas pela família e por profissionais que

trabalhavam com crianças com surdocegueira com idades entre dois a quatro anos,

visando a participação em um programa de OM. A autora realizou entrevistas com

professores, familiares e cuidadores das citadas crianças e verificou que não são todos

os envolvidos que têm clareza do serviço de OM e dos seus benefícios para a

independência da criança que enfrenta essa condição. A pesquisa deixou claro que há

dificuldade na compreensão do que seriam os ambientes adaptados e deixou também

evidente que para o sucesso do programa há necessidade de trabalho de uma equipe

colaborativa articulada com as famílias.

Observamos que existe uma diferença de público-alvo e também de resultados nas

duas dissertações que tratam sobre OM. O trabalho de Giacomini (2008) foi com

pessoas adultas que perceberam a importância do programa ofertado, pois ele gera

autonomia para o sujeito com surdocegueira e propicia a inclusão em diferentes

espaços. Já o trabalho realizado por Andreossi (2009) foi desenvolvido com crianças e

as pessoas envolvidas nesse processo, pais, cuidadores e professores, que não tinham

clareza dos benefícios da OM para a independência da criança.

A Síndrome de Usher, uma das causas da surdocegueira, também aparece como

uma temática que instiga pesquisas (FIGUEIREDO, 2012; CAMBRUZZI, 2013).

Figueiredo (2012) dedicou-se a essa questão no estudo intitulado “Surdocegueira

pós-linguística por síndrome de Usher”, tendo como objetivo caracterizar a

comunicação e os principais mecanismos que facilitaram as relações interpessoais de

pessoas com surdocegueira. A pesquisadora realizou entrevistas semi-estruturadas que

incluíram questões sobre a funcionalidade da comunicação nos aspectos pessoais,

sociais e profissionais. Foram entrevistadas 11 pessoas entre 20 e 57 anos de idade. Os

sujeitos da pesquisa recebiam atendimento no Grupo Brasil, no ano de 2007. Todos

relataram que as perdas visuais e auditivas tiveram início na infância e apontaram

impacto negativo da doença em suas vidas. Seis informaram que a doença afetou

negativamente suas atividades cotidianas, seis relataram dificuldade no trabalho e duas

pessoas evidenciaram dificuldades para o lazer. Quanto ao relacionamento familiar e

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com amigos, quatro pessoas disseram que houve mudanças e cinco disseram que não

houve mudanças. Na pesquisa realizada por Figueiredo (2012) foi possível observar que

30% dos entrevistados utilizavam formas alternativas de comunicação, 40%

apresentaram facilidade para se deslocar (a pé, metro ou ônibus) de um lugar para outro

se o trajeto for previamente conhecido por eles. Somente um dos 11 entrevistados

relatou que não pede ajuda quando necessário.

Cambruzzi (2013), na sua tese “Recursos pedagógicos acessíveis ao aluno com

surdocegueira por Síndrome de Usher: um estudo de caso”, teve como objetivo analisar

a eficiência das adaptações visuais nas atividades para um aluno com surdocegueira e

seu impacto na escolarização. Realizou sua pesquisa com um pré-adolescente de 12

anos de idade em uma cidade do interior de Santa Catarina. Fez entrevistas com a

família, com o estudante e com a professora. Realizou uma avaliação pré e pós-

intervenção do participante, uma avaliação funcional da visão e também observações

em diversas situações e espaços. No ano de 2011, o estudante frequentava a 5ª série na

modalidade bilíngue em classe exclusiva para alunos surdos. Nessa modalidade de

ensino as disciplinas são apresentadas em Libras por ser a primeira língua do surdo e em

Português como segunda língua. Em 2012, o estudante frequentava a 6ª série em uma

turma mista para ouvintes e surdos, onde as disciplinas eram dadas em Português e

havia a presença de intérprete educacional. Os resultados evidenciaram que o estudante

tem fluência na língua de sinais, possui dificuldade em adaptar-se à luz brilhante (um

dos primeiros sintomas da Síndrome de Usher), dificuldade em visão periférica (não

compreendia os sinais em Libras se a pessoa que conversava com ele estivesse

posicionada ao seu lado) e cegueira noturna. Outro problema observado foi que o

estudante não se aceitava como sujeito surdocego, ele afirmava que era surdo. Em

entrevista realizada com a família, pode-se perceber que é composta por sete pessoas, o

casal e cinco filhos, sendo três meninos e duas meninas. O filho mais velho do casal, na

época com 25 anos, apresentava surdocegueira em razão da Síndrome de Usher e o pré-

adolescente observado pela pesquisadora nascera surdo e estava perdendo a visão

também devido a essa Síndrome. Durante as observações em sala de aula, a

pesquisadora percebeu que houve ampliação do tamanho da fonte dos materiais

utilizados pelo estudante e também alteração no tipo de letra. A fonte, que antes era

tamanho 12, passou para tamanho 20 ou 22. O tipo de fonte utilizada no material

impresso passou de Times New Roman para Arial e posteriormente para Verdana, pois

esses tipos de letras possuem traços mais precisos para a pessoa que possui dificuldade

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em enxergar. Ficou evidente na pesquisa que a escola não dispunha de recursos ópticos.

Foram ofertados ao aluno alguns recursos não ópticos, como caderno com linhas

reforçadas e ampliadas e também lápis 6B, mas o aluno se recusou a utilizar esses

recursos. Um recurso pedagógico que era utilizado pelo estudante em sala de aula foi a

prancha inclinada, que facilitava o apoio do material para leitura.

Esses estudos permitem compreender que a pessoa que nasce com a Síndrome de

Usher normalmente nasce surda e com o passar dos anos vai perdendo a visão. Isso

explica porque algumas pessoas têm dificuldades para se aceitar como surdocego em

razão da perda gradativa da visão. Esse fato limita ainda mais o processo educativo, pois

demanda adaptação de materiais escolares e pedagógicos.

Na revisão da literatura que realizamos o brincar apareceu como uma temática

pouco explorada, porém, de grande relevância. Esse entendimento foi explicitado na

tese “Descobrindo crianças com surdocegueira e com deficiência múltipla sensorial”,

produzida por Shirley Rodrigues Maia (2011). A autora analisou se as brincadeiras

facilitam o processo de interação entre crianças e adultos significativos e se essa

interação proporciona melhora nos processos de comunicação. Para tanto, ela realizou a

pesquisa com três crianças de zero a cinco anos, no período que se estendeu entre os

anos de 2007 a 2009. As mães das crianças e as professoras que faziam o atendimento

de recreação também foram envolvidas na pesquisa. A pesquisadora coletou dados por

meio de questionários, observação das brincadeiras (no programa de recreação

realizadas com as crianças), registros por meio de fotos, vídeos, além de entrevistas com

as mães. O critério para escolha das crianças incidiu sobre as que tivessem maior

frequência no programa de recreação durante os três anos em que houve coleta de dados

para a pesquisa e cujas mães tivessem disponibilidade de participação. Duas crianças

eram deficientes múltiplos sensoriais e uma criança possuía surdocegueira. Como

resultado, a pesquisa evidenciou que as brincadeiras propiciaram uma maior interação

entre as crianças, ampliando também suas formas de comunicação e o desenvolvimento

da linguagem.

A presença da família no acompanhamento dos processos de Educação de pessoas

com surdocegueira é também uma questão relevante. Essa temática foi adotada por

Souza (2010), no estudo intitulado “Surdocegueira e deficiência múltipla sensorial:

análise do Programa de Atendimento Domiciliar e Famílias Apoiadas”. A autora

objetivou identificar como as estratégias e orientações dadas às famílias no Programa de

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atendimento domiciliar auxiliavam os filhos com surdocegueira ou deficiência múltipla

sensorial a alcançar habilidades de atividades de vida autônoma e social (AVAS).

Souza (2010) realizou o acompanhamento de dois alunos e suas mães entre os

meses de fevereiro a setembro de 2009. Os dois jovens pesquisados tinham a mesma

faixa etária e ambos apresentavam surdocegueira devido à Síndrome da Rubéola

Congênita (SRC). A pesquisadora realizou dez visitas nas residências dessas famílias.

Houve atendimento especializado e orientação para que as famílias estabelecessem uma

rotina, ampliando, assim, as formas de comunicação expressiva e receptiva com o

propósito de dar autonomia em AVAS a esses sujeitos. Ao final de cada visita foram

realizadas entrevistas com as mães dos alunos e confeccionados relatórios da

intervenção e observação. Os dados evidenciaram melhora significativa nos processos

de comunicação e também na participação dos alunos nas atividades propostas durante

as visitas domiciliares. Segundo os relatos das mães essa melhora se estendeu em várias

atividades do dia a dia daqueles jovens. O programa de atendimento domiciliar auxiliou

as famílias em aspectos como: estabelecimento de rotinas a serem seguidas; organização

de atividades, utensílios e materiais utilizados em casa; ampliação das formas de

comunicação expressiva e receptiva. Após essa intervenção de atendimento e orientação

pode-se observar que as famílias têm, sim, um papel fundamental na Educação desses

sujeitos e quando orientadas adequadamente elas podem facilitar e ampliar esse

processo educativo. A pesquisa de Souza (2010) mostrou também que as famílias

tiveram dificuldades para estabelecer algumas atividades em razão das condições de

saúde e distúrbios comportamentais dos seus filhos.

A aprendizagem de pessoas com surdocegueira no espaço escolar é uma temática

pouco explorada nas pesquisas. Identificamos apenas o estudo de Godoy (2015), que se

interessou pelo ensino Geografia. Nesse sentido, a pesquisadora realizou uma

intervenção com uma professora de Geografia e duas especialistas em Educação

especial (uma que atuava como guia-intérprete da aluna e outra que fazia o atendimento

da aluna no contraturno em um centro de atendimento especializado). O propósito foi

utilizar a cartografia tátil para favorecer o aprendizado de uma aluna com surdocegueira

no 2º ano do Ensino Médio. A pesquisa (do tipo colaborativa) se deu em três fases. Na

primeira foram realizadas observações durante as aulas de geografia para verificar como

era o processo de ensino e aprendizagem. Na segunda fase foi realizada uma

intervenção colaborativa com as professoras, orientando-as sobre como adaptar os

materiais para facilitar o aprendizado da aluna com surdocegueira, de modo que

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confeccionaram mapas e gráficos táteis. A pesquisadora permaneceu dentro da sala de

aula orientando as professoras no trabalho desses materiais com a estudante. A terceira

fase voltou-se para a avaliação do processo de intervenção que foi desenvolvido com as

professoras e a aluna com surdocegueira.

Godoy (2015) observou que a professora de Geografia tinha concepções

equivocadas com relação à inclusão de alunos com surdocegueira. Esse problema foi

solucionado na segunda fase, quando foi dada uma orientação sobre o que era a

surdocegueira e sobre o trabalho em sala de aula direcionado a tais estudantes. A

pesquisa evidenciou a importância do trabalho colaborativo entre a professora de

Geografia e as professoras especialistas em Educação Especial, especialmente no que

diz respeito à confecção de recursos pedagógicos adaptados que possam favorecer o

aprendizado da estudante com surdocegueira. Alguns problemas foram evidenciados

pela pesquisadora, como: falta de tempo das professoras especialistas para participar das

formações dadas por ela e também os turnos alternados de trabalho das professoras

especialistas. A pesquisa de Godoy (2015) evidenciou, ainda, a importância de se criar

na escola espaços para discussão, debates e troca de experiências entre os professores,

pois dessa forma eles podem compartilhar experiências e metodologias que resultem em

êxito na trajetória escolar dos estudantes que se encontram nessa condição.

A revisão da literatura que realizamos se aproxima em muitos aspectos da

pesquisa realizada por Watanabe (2017). Referimo-nos à dissertação “O estado da arte

da produção científica na área da surdocegueira no Brasil de 1999 a 2015”, que se

caracterizou como uma pesquisa bibliográfica documental. Como resultado, a autora

evidenciou que a maior parte das pesquisas foram realizadas na região sudeste e

também que não houve nenhuma produção com essa temática na região norte do país. A

pesquisadora relatou que houve um crescimento considerável das produções com essa

temática nos últimos 10 anos e que as pesquisas brasileiras começaram a embasar

teoricamente outros trabalhos, pois no início as produções tomavam como referência

apenas pesquisadores estrangeiros. Constatou que houve 45 produções sobre

surdocegueira no período analisado; dessas, 11 são teses de doutorado e 34 são

dissertações de mestrado. Watanabe (2017) considera que pesquisas documentais, como

a realizada por ela, podem contribuir para sistematizar os dados para que outros

pesquisadores se localizem e possam dar continuidade aos estudos nessa área.

Em suma, o levantamento e análise das teses e dissertações apresentadas

anteriormente permitiu situar-nos nesse campo de pesquisa, compreendendo as questões

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que são inerentes à Educação de pessoas com surdocegueira. A partir das contribuições

dos pesquisadores incluídos nesse panorama definimos nossos posicionamentos teóricos

e metodológicos, os quais são apresentados no capítulo que segue.

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2 REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLOGICOS ADOTADOS NESTE

ESTUDO

No capítulo anterior apresentamos um conjunto de produções acadêmicas (teses

e dissertações) relativas à surdocegueira, buscando evidenciar onde estão sendo

produzidas as temáticas mais abordadas, os referenciais teóricos mais adotados e os

resultados dos estudos. Assim, pudemos compreender a dinâmica de um campo do

conhecimento que era novo para nós e então definir os nossos posicionamentos nesse

estudo. No presente capítulo buscamos explicitar os referenciais teórico-metodológicos

que adotamos no desenvolvimento das análises apresentadas nos capítulos que se

seguem.

Acompanhando a perspectiva teórico-metodológica de alguns pesquisadores

identificados na revisão da literatura, recorremos às contribuições de autores, como:

Serpa (2002), Pinheiro, Wieland e Prochnow (2005), Bosco, Mesquita e Maia (2010),

Tateishi, Santos e Jinhui (2010), Maia (2011), Ampudia (2011), Rached (2011), Souza,

Maia e Fonegra (2011), Blaha (2011), Lima (2014), Silva (s/d) e Meldau (s/d). Com

base nesse aporte teórico buscamos explicitar o entendimento que temos de

surdocegueira, do movimento e proposta de Van Dijk, dos processos e formas de

comunicação de pessoas com surdocegueira e da Educação em Ciências para estudantes

que se encontram nessa condição.

Optamos por adotar a definição de surdocegueira defendida pela pesquisadora

Shirley Rodrigues Maia, que no Brasil é uma das principais referências na área. Essa

autora explica que tal definição é referenciada na DeafblindInternational, e pode ser

assim explicitada:

A surdocegueira é uma deficiência com características próprias que

implica na existência de uma deficiência auditiva e uma deficiência

visual, suficientemente graves, que afetam a comunicação, a

mobilidade e o acesso à informação e ao entorno. As pessoas

surdocegas também podem ter outras deficiências físicas ou

cognitivas. Só uma pequena parte dos surdocegos são completamente

surdos e completamente cegos. Consequentemente, o planejamento e a

prestação dos serviços necessários requerem a elaboração de respostas

e estratégias adequadas. (DbI, 1999 apud MAIA, 2011, p. 36).

Essa concepção exige, portanto, reconhecer a necessidade de se respeitar as

singularidades de pessoa e as suas habilidades. Ainda que a criança com surdocegueira

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possa apresentar vestígios da audição e da visão é necessário estimular outros sentidos

da criança, como o tato, o olfato e o paladar (GARCIA, 2008).

Segundo a Associação de Surdocegos da Espanha (ASOCIDE), a surdocegueira

é uma deficiência com identidade própria. “As pessoas surdocegas requerem serviços

especializados de profissionais formados em surdocegueira e métodos especiais de

comunicação, para desenvolver as atividades de vida diária.” (ASOCIDE apud MAIA,

2011, p. 37).

Para o Ministério da Educação (MEC) do Brasil a surdocegueira também é

deficiência singular. Vale ressaltar que as definições e concepções adotadas pelo MEC

foram baseadas em documentos apresentados pelo Grupo Brasil de apoio às pessoas

com surdocegueira e aos deficientes múltiplos. O Grupo Brasil é uma ONG criada em

1997, com a finalidade de unir as entidades que atendem as pessoas com surdocegueira.

São instituições filiadas ao Grupo Brasil: a Ahimsa - Associação Educacional

para Múltipla Deficiência, a Associação Brasileira de Surdocegos (Abrasc) e a

Associação Brasileira de Pais e Amigos dos Surdocegos e Múltiplos Deficientes

Sensoriais (Abrapascem). O objetivo do Grupo Brasil é promover uma melhor

qualidade de vida e ampliar os serviços prestados às pessoas surdocegas e/ou com

deficiência múltipla.

Lima (2014) relata que uma pessoa é considerada com surdocegueira

independente do grau da perda de um ou outro sentido. As crianças com surdocegueira

normalmente apresentam problemas na comunicação e na mobilidade e podem

apresentar reações de hiperatividade ou isolamento. Por essa razão, o profissional que

atua no AEE precisa ter formação na área para melhor compreender essa condição e,

assim, proporcionar melhor qualidade de vida a tais crianças. É preciso considerar que o

comprometimento simultâneo da visão e audição varia de uma pessoa para outra, fato

que explica a singularidade de cada caso (AMPUDIA, 2011).

A Resolução federal n.º 4, de 02 de outubro de 2009, que instituiu as diretrizes

operacionais para o AEE na Educação básica, estabeleceu:

Art. 1º [...] os sistemas de ensino devem matricular os alunos com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no

Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de

recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional

Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias,

confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.

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Art. 2º O AEE tem como função complementar ou suplementar a

formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos

de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua

plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua

aprendizagem. (BRASIL, 2009).

Essa Resolução nacional orienta as escolas sobre o atendimento educacional

especializado, sugerindo que o AEE aconteça em salas de recursos multifuncionais

instaladas na própria escola ou em outra escola do ensino regular. O aluno deve receber

esse atendimento no contraturno da classe de escolarização, devendo ter articulação e

diálogo entre o professor da classe regular, o professor de AEE, a família do estudante e

a equipe multiprofissional da escola.

No âmbito estadual, o Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso

estabeleceu a Resolução Normativa n.º 002/2015, que institui as normas aplicáveis para

a Educação básica, incluindo a orientação que diz respeito ao AEE.

Art. 42. Os estudantes com deficiência, transtornos globais do

desenvolvimento e altas habilidades/superdotação devem ser

matriculados em classes comuns do ensino regular e no Atendimento

Educacional Especializado (AEE), complementar ou suplementar à

escolarização, ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em

centros de AEE da rede pública e privada ou de instituições

comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos,

pertencentes ao Sistema Estadual de Ensino. [...] o professor do AEE

deve identificar habilidades e necessidades dos estudantes, organizar e

orientar sobre os serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade

para a participação e aprendizagem dos estudantes. (MATO

GROSSO, 2015).

Carvalho (2017, p. 87) considera que “o AEE não substitui as atividades de

escolarização.” Ele deve ser compreendido como atendimento complementar e/ou

suplementar a fim de proporcionar autonomia às PCD dentro e fora da escola.

Maia (2011) deixa claro que as dificuldades sensoriais não devem ser

trabalhadas individualmente, mas em conjunto para propiciar a aprendizagem e a

comunicação da pessoa com surdocegueira e/ou deficiência múltipla. Nesse sentido, é

preciso utilizar

[...] estratégias específicas para favorecer situações de aprendizagem

nas quais os canais sensoriais remanescentes (tato, olfato,

propriocepção, cinestésico, vestibular e háptico) em conjunto com os

canais sensoriais de visão e audição (residual ou não) possam

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promover as informações necessárias para que essas pessoas (com

surdocegueira e com deficiência múltipla sensorial) interajam e se

comuniquem com mais eficiência. (MAIA, 2011, p. 39).

Os canais sensoriais da propriocepção são aqueles que fazem com que o sujeito

reconheça a posição do corpo, mantendo-se ereto. O organismo se orienta à medida que

a pessoa se movimenta. O canal sensorial cinestésico diz respeito ao toque e ocorre

quando os estímulos são percebidos por reações musculares. A pessoa com

surdocegueira, ao se comunicar, toca o seu ouvinte. A pessoa aprende melhor ao

movimentar-se, tocar e manipular os objetos. O canal sensorial vestibular é o

responsável pela manutenção do equilíbrio. Fica localizado no sistema auditivo e é

responsável também pelo posicionamento da cabeça em relação à gravidade. O canal

sensorial háptico é relativo ao tato, de modo que a pessoa tem que tocar determinado

objeto para sentir textura, vibração, etc. (AYRES, 1987 apud MAIA, 2011).

Segundo Serpa (2002), a causa da surdocegueira pode ser congênita ou

adquirida. É congênita quando o indivíduo nasce com essa deficiência. É adquirida

quando o indivíduo nasce ouvinte e vidente e, por algum motivo, fica sujeito a essa

limitação, ou ainda quando o indivíduo nasce surdo ou cego e depois de algum tempo

tem a perda do outro sentido.

A surdocegueira congênita pode ter origem no período pré-natal ou pode ser de

origem genética. As causas da surdocegueira congênita são diversas: rubéola materna;

toxoplasmose; incompatibilidade sanguínea; uso de drogas teratogênicas14 durante a

gestação; prematuridade e anóxia, que é a falta de oxigenação no cérebro, podendo

ocasionar uma série de anomalias.

O que mais influência o nascimento de uma criança com surdocegueira é o fato

de a mãe ter adquirido rubéola durante a gestação. Quando há o nascimento de uma

criança com ausência ou precariedade da visão e audição em decorrência desse fato, os

pesquisadores chamam de surdocegueira em razão da Síndrome da Rubéola Congênita

(SRC). Isso significa que a surdocegueira naquele indivíduo foi ocasionada pela

passagem da rubéola da mãe para o filho durante a gestação (LIMA, 2014).

Fica evidente, portanto, a necessidade de realizar o exame/acompanhamento pré-

natal com os devidos cuidados, bem como tomar todas as vacinas recomendadas.

14 Drogas teratogênicas são medicamentos que, se forem usados durante o período de gestação, podem

ocasionar má formação no feto e também a surdocegueira.

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No que diz respeito à surdocegueira de origem genética, podemos destacar duas

síndromes: a Síndrome de Usher e a Síndrome de Charge. A Síndrome de Usher é a

principal causa de surdocegueira adquirida. Ela está associada à surdez presente desde o

nascimento do indivíduo, com a perda gradual da visão (ou vice-versa), processo que se

inicia na infância ou na adolescência, tornando a pessoa surdocega (SILVA, s/d;

PINHEIRO, WIELAND, PROCHNOW, 2005). São pouquíssimos os casos em Usher

que ocorre de apresentar a perda dos dois sentidos concomitantemente desde o

nascimento. Há também quem nasça com os dois sentidos (visão e audição) preservados

e após determinada idade perca os dois. Pelo fato de adquirir a condição de

surdocegueira após uma certa idade, normalmente as pessoas com Usher possuem

aquisição de língua, seja ela oral ou língua de sinais.

Estima-se que a Síndrome de Charge que é uma das causas da surdocegueira

congênita de origem genética afete um em cada 10.000 nascimentos. Essa síndrome foi

descrita em 1979, sendo denominada “associação charge”. Em 1981, o acrônimo

CHARGE foi utilizado para denominar um grupo de características incomuns

observadas em recém-nascidos. A inicial de cada letra significa características dos

indivíduos. A letra C designa coloboma do olho; a letra H (do inglês heart) diz respeito

a defeitos cardíacos; a letra A significa atresia das coanas nasais, que é uma falha da

comunicação da cavidade nasal com a nasofaringe; o R indica o retardo no

desenvolvimento e/ou crescimento; o G denota anormalidades genitais e/ou urinárias; e

finalmente o E (do inglês ear) assinala anormalidades na orelha e surdez (MELDAU,

s/d).

A surdocegueira adquirida pode ter suas causas a partir de infecções, como

meningite, sarampo, otites graves e sífilis. Pode ser causada também por acidentes ou

tumorações.

Ampudia (2011) divide a surdocegueira em dois grandes grupos: a

surdocegueira pós-linguística e a surdocegueira pré-linguística15. Essa distinção está

relacionada ao fato de que existem pessoas com surdocegueira que têm audição residual

e até falam. Isso acontece nos casos em que a surdez evolui após o indivíduo ter

desenvolvido a linguagem oral; nesse caso, são chamados de “surdocegos pós-

linguísticos”. Há também os casos de “surdocego pré-linguísticos”, que acontecem

15 Destacamos aqui que a denominação surdocegueira pós-linguística e surdocegueira pré-linguística não

é mais utilizada, nos dias atuais utilizamos os termos surdocegueira adquirida e surdocegueira congênita.

Mas nesse parágrafo optamos por utilizar esses termos tendo como referência os estudos de Ampudia

(2011).

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quando a surdocegueira é congênita ou quando ela ocorre num estágio em que o

indivíduo é ainda um bebê, ou seja, antes da linguagem oral ser desenvolvida. Nesse

caso, há a necessidade de propiciar formas alternativas de comunicação.

Fica evidente que quanto antes a surdocegueira for identificada e a criança

receber estímulos e orientação adequada, maiores são as chances de ela aprender a se

comunicar. Os sentidos remanescentes (tato, paladar e olfato), e ainda os sentidos

residuais, da visão ou da audição, devem ser estimulados e explorados para melhor

desenvolvimento da aprendizagem (AMPUDIA, 2011).

2.1 Movimento e proposta de Van Dijk

Pesquisadores que se situam no campo dos estudos relativos à surdocegueira

(IKONOMIDIS, 2009; MAIA, 2011; RACHED, 2011; WATANABE, 2017;

FALKOSKI, 2017; EMI, 2017, entre outros) fazem referência às contribuições de Van

Dijk, que realizou estudos sobre as fases do desenvolvimento de crianças com essa

deficiência. Por volta de 1960 o referido teórico iniciou na Holanda um programa para

estimular a comunicação em crianças com surdocegueira, cuja causa fosse a SRC. As

seis fases que compõem o referido programa de comunicação são:

(1) relação de apego e confiança – nutrição; (2) fenômeno de

ressonância; (3) movimento coativo; (4) referencia não representativa;

(5) imitação e (6) gestos naturais. Estas fases viabilizam melhores

condições de aprendizagem de um sistema de comunicação. Elas não

são excludentes, nem exclusivas, podendo a criança apresentar várias

fases simultaneamente. (RACHED, 2011, p. 90).

Rached (2011) explica que, segundo Van Dijk, a relação afetiva do adulto com a

criança com surdocegueira, e vice-versa, é a primeira fase do seu desenvolvimento.

Pode-se considerar, portanto, que “a primeira linguagem utilizada pela criança é a

emocional.” (p. 90). Durante essa fase, a criança interage e descobre o ambiente em que

está, emite sons, se movimenta, mas não fala; nessa fase, o adulto deve estar muito

atento a essas formas de comunicação, que são mais emocionais. Recomenda-se que o

número de pessoas que trabalham com a criança durante essa fase seja limitado para

evitar uma superestimulação ou também falta de estímulos.

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Maia (2011), com base nos estudos feitos por Stillman e Battle (1984), chama a

atenção para a necessidade do educador atentar para a relação de afeto e confiança

referida por Van Dijk.

Quando a criança com surdocegueira ou deficiência múltipla inicia um

programa educacional ou um atendimento de intervenção precoce,

necessita ter em seu professor essa relação de confiança, ao se

aproximar, o aconchego, reconhecendo ele pelo toque, cheiro e ritmo

do desenvolvimento das atividades. (MAIA, 2011, p. 72).

Rached (2011) explica que na segunda fase, denominada fenômeno de

ressonância, é estabelecido um vínculo corporal do adulto e da criança. A iniciativa do

movimento deve partir da criança e por meio dessa ação corporal é possível estabelecer

um diálogo entre ambos.

Maia (2011, p. 52) considera que, segundo Van Dijk, nessa fase “o movimento

seja uma união entre o professor com as crianças.” Ou seja:

A fase de ressonância exige um contato físico muito próximo (quase

sem distanciamento) entre o professor e o aluno [...] há razões para

envolver as crianças em atividades de ressonância, pois elas permitem

ao professor ganhar atenção do aluno e desenvolver uma compreensão

sobre ele e as ações que afetam o meio ambiente, permitindo que as

crianças tenham de forma positiva, interações com adultos ou

crianças. Algumas aplicações das atividades de ressonância com

crianças envolvem a utilização total dos movimentos corporais de

mão, de parte dos movimentos do corpo ou com objetos. (WRITER,

1987 apud MAIA, 2011, p. 52).

O período em que ocorre a ressonância é muito importante, pois é nele que a

criança inicia a aceitação do toque de outra pessoa, de estar com o outro, permitindo a

interação, e o estabelecimento de relações positivas com o outro.

A terceira fase de desenvolvimento do programa de Van Dijk é a de movimento

coativo, também chamado de “movimento mão sobre a mão”. Para realizar o

movimento coativo, o ideal é que o adulto permaneça atrás ou ao lado da criança,

guiando a sua mão, pois dessa maneira ela se sente guiada. Se o adulto permanece na

frente da criança muitas vezes ela pode se sentir puxada. Nessa fase são desenvolvidas

as habilidades de antecipação, a criança começa a perceber que as atividades que são

propostas para ela têm início, meio e fim e que após terminada a atividade podem surgir

outras, e assim sucessivamente (RACHED, 2011).

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Maia (2011, p. 52) também destaca a importância da fase de movimento coativo

na qual os “movimentos são realizados de forma paralela ‘ao lado de’ e feitos

simultaneamente, mas requerem uma separação física entre a pessoa com surdocegueira

e ou com deficiência múltipla e seu parceiro.” O adulto pode realizar atividades com a

criança, a princípio guiando sua mão, posteriormente permanecendo ao lado e, aos

poucos, manter distância física. Os estudos realizados por essa autora indicaram que,

por meio dos movimentos coativos, a criança pode acompanhar o movimento do

professor e reagir a eles.

Assim, era possível descobrir pela sua tonicidade muscular e verificar

se a reação na criança era positiva ou se o enrijecimento indicava o

desejo de recusa e o professor era capaz de perceber como a criança

estava emocionalmente (MAIA, 2011, p 52).

O educador de pessoa com surdocegueira precisa estar sensível para captar as

informações dadas pelas crianças, por exemplo: ao propor e realizar o movimento

coativo com a criança é possível perceber, pela sua tonicidade, se ela gosta ou não gosta

da atividade que está sendo proposta.

A quarta fase de desenvolvimento, segundo a proposta de Van Dijk, é a de

referência não representativa. Essa fase consiste na utilização de alguns símbolos,

objetos de referência que indicam para as crianças atividades, pessoas ou situações.

Nessa fase, a criança começa a reconhecer e localizar partes do próprio corpo e também

de outras pessoas, a partir da utilização de modelos tridimensional ou bonecos. É

importante salientar a necessidade dos objetos de referência, modelos tridimensionais

ou qualquer outro material utilizado terem uma equivalência com o real (RACHED,

2011).

A fase de imitação é a quinta proposta por Van Dijk. Ela se caracteriza pelo fato

de a criança ser estimulada para realizar determinada atividade sozinha. É como se fosse

uma evolução do que antes era o movimento coativo, sendo a principal diferença que

antes a criança desenvolvia determinado movimento ou atividade guiada pelo adulto;

nessa, por sua vez, o adulto orienta como deve realizar e ela faz sozinha aquilo que é

proposto. Na referida fase, a criança observa e imita o que o outro faz, demonstrando

compreender como deverá realizar as ações propostas. É nessa fase, igualmente, que a

criança tem a capacidade de ampliar a imagem mental que tem de determinado objeto,

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utiliza os vestígios de visão e audição e também o tato para compreender aquilo que se

passa a sua volta (RACHED, 2011)

Finalmente, a sexta fase de desenvolvimento, segundo a proposta de Van Dijk,

diz respeito ao surgimento de gestos naturais. Rached (2011, p.93-94) relata que os

gestos naturais “surgem a partir da experiência com as qualidades motoras do objeto,

sendo constituídos por movimentos das mãos quase iguais aos objetos da ação. Os

gestos devem ser espontâneos e não criados em situações estruturadas”. Os gestos feitos

pelas crianças nem sempre se tratam de sinais formais de Libras.

É necessário que o educador de pessoa com surdocegueira fique atento aos

gestos que as crianças fazem quando estão próximas ao objeto ou pessoas. Nessa fase as

crianças também são capazes de fazer os gestos sem a presença dos objetos ou pessoas,

manifestando seus interesses. A fase demonstra que a criança possui uma ampliação na

capacidade de simbolização.

O gesto é feito primeiro com o objeto presente, para que a criança

possa fazer uma associação visual e tátil antes de realizar o gesto.

Depois que a criança tenha vinculado o gesto com o objeto, o gesto é

feito sem que o objeto esteja presente, de maneira que possa promover

um comportamento de solicitação, ou seja, pedido. (MAIA, 2011, p.

74).

Maia (2011) ressalta que, quando identificados, os gestos podem ser utilizados

pelos educadores para promover um comportamento na criança e verificar se ela associa

o gesto ao que é por ele solicitado. “O educador deve tratar de obter respostas naturais

da criança e não impor ou criar respostas artificiais.” (p. 74).

Observamos que tanto Maia (2011) como Rached (2011) consideram que o

educador de pessoa com surdocegueira precisa reconhecer os gestos utilizados pelas

crianças como sendo formas de comunicação, mesmo que esses gestos não sejam sinais

padronizados. Esse processo comunicativo necessita ser reconhecido uma vez que não

se pode impor um modelo de comunicação específico quando se trata de pessoas com

surdocegueira.

Quando a criança atinge a sexta fase pode-se introduzir gestos da língua de

sinais por meio do processo que Rached (2011, p.94) chama de “desnaturalização e

descontextualização”. Segundo a autora, a desnaturalização é quando o adulto

transforma gradualmente aquele gesto natural em um sinal padronizado. Essa transição

é um processo lento para que a criança compreenda que o gesto natural antes utilizado

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por ela se transformou em um sinal específico. A descontextualização ocorre quando as

crianças antecipam imagens mentais e pedem por objetos ou atividades que desejam e

que estejam fora do contexto em que se encontram.

Maia (2011) observou que vários pesquisadores estudam e descrevem as fases de

desenvolvimento propostas por Van Dijk. Dentre eles, a autora cita os estudos de

Stillman e Battle (1984, p. 71) e afirma que “o programa proposto por Van Dijk não

deve ser entendido como uma sequência de atividades comunicativas realizadas

isoladamente, mas em algo que estabelece e permeia todas as atividades diárias da

criança”.

2.2 Processos e formas de comunicação

Dentre os conceitos que julgamos necessários considerar na análise da questão

colocada em pauta na nossa pesquisa, demos destaque à comunicação.

A comunicação é extremamente importante na vida de qualquer

pessoa, ela ocorre por meio de diferentes situações. Entretanto, o

processo de comunicação que ocorre de forma natural e facilmente

para a maioria das pessoas pode ser “especialmente” difícil para as

pessoas com deficiências neuromotora, surdocegueira, deficiência

múltipla, pessoas com deficiência intelectual que não falam e pessoas

com transtornos globais de desenvolvimento. A maneira como pessoas

como elas se comunicam pode ser muito diferente do modo que é

utilizado pelo seu parceiro de comunicação. (SOUZA; MAIA;

FONEGRA, 2011, p. 4).

As autoras supracitadas consideram a comunicação essencial para a vida de

qualquer ser humano, pois é por ela que interagimos e nos relacionamos com as demais

pessoas. Ela pode ser um processo relativamente simples para pessoas que não possuem

deficiência, no entanto é algo muito complexo e difícil para se estabelecer para as

pessoas com deficiência.

É relativamente comum as pessoas associarem a fala como sendo o principal

canal de comunicação, mas é necessário considerar que não é o único canal para que ela

de fato aconteça.

Comunicação é mais do que ser capaz de usar a fala ou mesmo de

desenvolver a linguagem. A fala é apenas uma capacidade motora de

expressão oral de elementos que nos servem como instrumento de

transmissão da linguagem. Pode ser substituída por outros

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instrumentos como o gesto, a escrita ou sistemas gráficos. (AMARAL,

1997 apud SOUZA; MAIA; FONEGRA, 2011, p. 4).

Em se tratando da comunicação para pessoas que não falam, Souza, Maia e

Fonegra (2011) distinguem a comunicação em duas formas: expressiva e receptiva. A

comunicação expressiva é emitida pelo sujeito quando ele expressa suas vontades ou

responde o que lhe é perguntado. Já na comunicação receptiva, a pessoa compreende

aquilo que lhe foi ensinado ou mostrado, mas ainda não consegue dar uma resposta

sobre o que foi exposto. Por exemplo, uma criança com surdocegueira pode

compreender uma coisa que lhe é ensinada, mas não consegue se expressar. As autoras

descrevem ainda várias formas de comunicação. São elas: comunicação não alfabética

como expressão facial, gesto natural, gesto contextual, sinal personalizado, sinal

adaptado e também a comunicação simbólica.

A expressão facial é um tipo de comunicação expressiva que permite à criança

expressar seus anseios ou sentimentos. Ela sorri ou chora para demonstrar o seu

sentimento a respeito de alguma coisa. O gesto natural, como o próprio nome já sugere,

é utilizado de forma natural, “não pertencem a nenhum sistema de comunicação formal”

(p.5), já o gesto contextual ocorre dentro de um contexto, normalmente antecipa algo

que irá acontecer.

O sinal personalizado consiste em gestos naturais criados por PCD e seus

parceiros de comunicação. Os parceiros interpretam esses gestos, que são singulares de

cada criança. Os sinais personalizados podem estar associados ao uso de alguns dos

sentidos sensoriais ou objetos de referência. Entre os exemplos citados pelas referidas

autoras, destacamos: quando a criança sente o cheiro de algum alimento que ela goste,

ela coloca a língua para fora da boca, demonstrando que quer provar aquele alimento;

quando a criança está em um balanço e começa a se movimentar para frente e para trás,

demonstra que quer continuar a balançar.

O sinal adaptado na maioria das vezes é utilizado por pessoas que possuem

deficiência motora ou que possuem mobilidade reduzida com os membros superiores,

“os sinais de Libras são adaptados para facilitar a configuração de mãos promovendo a

comunicação.” (SOUZA; MAIA; FONEGRA, 2011, p. 8). Essa adaptação dos sinais

pode partir da própria PCD, como pelo seu parceiro de comunicação. Por exemplo: no

sinal de banheiro em Libras usamos o dedo indicador e o dedo mínimo esticados e os

demais dedos flexionados apoiados no antebraço oposto. No entanto, quando a pessoa

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possui a mobilidade reduzida é possível adaptar esse sinal para que a pessoa consiga

realizá-lo; nesse caso, o dedo indicador e o médio permanecem esticados e os demais

flexionados apoiados no antebraço oposto.

Quando o indivíduo vai evoluindo no que diz respeito aos processos de

comunicação, vai aprendendo alguns tipos de comunicação simbólica por meio de

desenhos, objetos de referência reais, objetos de referência desnaturalizado, símbolos e

sistemas de calendário.

Como já foi exposto anteriormente, muitas crianças com surdocegueira não são

totalmente cegas e surdas. Recomenda-se, então, que esses canais sensoriais sejam

estimulados. Os desenhos são utilizados com essa finalidade, normalmente são

ampliados, usadas cores contrastantes, em relevo, ou até mesmo com contorno em

barbante para que o aluno consiga sentir e delimitar o seu limite.

Souza, Maia e Fonegra (2011) explicam que esses desenhos normalmente são

utilizados para antecipar as atividades. É possível também que se use o objeto de

referência real e ao lado o desenho desse objeto desnaturalizado com contorno em

tamanho real e posteriormente em miniatura para a criança identificar e perceber que

ambos se tratam da mesma coisa.

O sistema de calendários é uma técnica usada para organizar e antecipar o que

será trabalhado. Robbie Blaha, no livro “Calendários: para alunos com deficiência

Múltipla incluindo surdocegueira” 16, considera que o sistema de calendário adapta-se à

necessidade de cada aluno. O calendário é um recurso didático e possui a função de

organizar, referenciar, planejar ações, lembrar de situações já vivenciadas, antecipar

eventos, favorecendo o aprendizado e a comunicação.

O calendário pode ser confeccionado com material permanente, no entanto, é

mais comum os confeccionados com materiais recicláveis, como o papelão. Possui

algumas divisões, distribuídos sempre da esquerda para a direita os objetos de

referência, que têm a função de representar a sequência das atividades que serão

realizadas naquele dia. Ao lado do calendário normalmente há uma cesta ou uma caixa

do “acabou”.

Ao iniciar o dia de trabalho com a criança, o educador dispõe em cada

compartimento do calendário os objetos de referência, seguindo a ordem das atividades

16 O livro “Calendários para alunos com Deficiência Múltipla incluindo surdocegueira” foi traduzido por

Lilia Giacomini, Marcia Maurílio Souza e Shirley Rodrigues Maia, no ano de 2011. O material é

disponibilizado pelo Grupo Brasil.

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que serão realizadas. A cada atividade realizada o aluno coloca aquele determinado

objeto de referência na caixa ou cesto do “acabou”; desse modo, ele percebe que aquela

atividade já se encerrou e irá iniciar outra atividade, indicada pelo objeto de referência

localizado no segundo compartimento do sistema de calendário, e assim

sucessivamente. Blaha (2011, p. 31) acredita que o sistema de calendários funciona

também como apoio emocional a PCD, uma vez que “o calendário proporciona a

segurança de saber o que é que vai acontecer”.

Outra forma de comunicação é a comunicação alfabética, que é baseada na

linguagem oral e na escrita. Nessa técnica, normalmente, o educador soletra o alfabeto

manual tátil nas mãos do aluno, que registra o que foi soletrado escrevendo em Braille,

ou, quando já possui habilidade para a escrita manual, escreve no papel (SOUZA;

MAIA; FONEGRA, 2011).

Segundo as autoras citadas, outras estratégias para comunicação são o passaporte

de comunicação, o livro de experiência real e os cadernos de conversação. No

passaporte de comunicação é descrito todo o histórico do aluno, sua história de vida, a

interação com a família, com as terapias que recebe. Nele é descrito também o que o

aluno gosta, o que não gosta, os medos, os sonhos. Ele pode ser confeccionado com a

ajuda do aluno. É interessante que sejam utilizadas fotografias, materiais táteis que os

alunos possam reconhecer. O passaporte de comunicação é de extrema importância para

orientar o educador de pessoa com surdocegueira; desse modo, é interessante que ele

permaneça na escola para acesso de todos, caso mude de professor.

As autoras também explicam que: “O livro de experiência real é confeccionado

após a realização de uma atividade que foi mais significativa para o aluno,

transformando assim em um livro de história.” (p. 20). Esse tipo de material permite que

a pessoa com surdocegueira construa e desenvolva uma memória tátil e/ou visual, se

possuir vestígios visuais. Ele pode ser confeccionado utilizando miniaturas, objetos de

referência, frascos vazios ou fragmentos que representem determinado objeto, que

quando montados em sequência vão representar alguma atividade que foi desenvolvida

e que foi satisfatória para aquele aluno.

O caderno de comunicação é realizado diariamente, fazendo-se os registros das

atividades diárias. Nele podem ser colados diversos materiais produzidos em sala de

aula, como desenhos, pinturas, colagens, fotografias. Esse caderno normalmente fica

com o aluno. Ele leva para casa, e lá os seus pais podem abrir, ver o que foi produzido e

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estimular para que conte o que aconteceu naquele dia, instigando, assim, a comunicação

(SOUZA, MAIA, FONEGRA, 2011).

Segundo estudos feitos por McInnes (apud BOSCO; MESQUITA; MAIA,

2010), as crianças com surdocegueira apresentam dificuldade em compreender e imitar

o comportamento, seja de membros da própria família, seja de outras pessoas que

entrem em contato com elas. Para que a comunicação aconteça é necessária a utilização

de variadas técnicas, como a “mão-sobre-mão”, “mão-sob-mão”, “Libras tátil”,

“tadoma”, “objetos de referência”, entre outros.

Na técnica “mão-sobre-mão” a mão do professor é colocada sobre a mão do

estudante, de forma a orientar o seu movimento. Nesse caso, o professor tem o controle

da situação, direcionando, assim, a mão da criança. Na técnica “mão-sob-mão” é o

inverso. A mão do professor é colocada embaixo da mão do aluno, de modo que possa

orientar o seu movimento, mas não o controla. Desse modo, a criança se sente mais

confortável e motivada à compreensão do que está sendo ensinado.

Na técnica de “Libras tátil”, o mediador faz os sinais de Libras na mão do

estudante. Ele pode sentir com as mãos a datilologia das letras ou os sinais que estão

sendo feitos em Libras. Desse modo, se estabelecem os processos comunicativos entre o

sujeito com surdocegueira e o seu educador (TATEISHI; SANTOS; JINHUI, 2010).

Para pessoas com surdocegueira adquirida que possuem a aquisição de língua

oral é utilizado o sistema “Tadoma”. Nessa técnica a pessoa utiliza as mãos para sentir

vibrações, movimentos da boca e do maxilar da pessoa que está falando, e dessa

maneira consegue interpretar o que é dito.

Este método de comunicação consiste na percepção tátil da língua oral

emitida, mediante o uso de uma ou das duas mãos da criança

surdocega. A recepção das mensagens orais ocorre, geralmente,

mediante o posicionamento suave do dedo polegar da criança

surdocega, sobre os lábios do interlocutor. Os demais dedos se

mantêm sobre a bochecha, a mandíbula e a garganta do interlocutor.

Essa posição viabiliza o acesso da criança surdocega à produção da

fala pelos seus interlocutores. (NASCIMENTO, 2006, p. 31).

Tanto para pessoas com surdocegueira adquirida quanto para pessoas com

surdocegueira congênita o uso do tato e de outros sentidos é fundamental. Com o uso de

“objetos de referência”, eles podem sentir a forma dos objetos e associá-la a funções

correlatas, como, por exemplo, ao tocar uma colher associá-la ao momento de se

alimentar, ao tocar e sentir o cheiro de um sabonete associar ao ato de tomar banho.

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Essas associações facilitam a orientação, proporcionando maior conforto para a criança

com surdocegueira (MAIA, 2010).

A utilização dessas técnicas de comunicação permite a interação de sujeitos

ouvintes com os sujeitos com surdocegueira. Para Boas et al. (2012), a comunicação é

essencial, pois possibilita a troca de informações, o estabelecimento de relações, a

aquisição de autonomia e a formação da identidade da pessoa com surdocegueira.

2.3 Educação em Ciências Naturais para estudantes com surdocegueira

Antes de explicitarmos o entendimento que temos de Educação em Ciências Naturais

para estudantes com surdocegueira julgamos ser necessário esclarecer o sentido que

damos aos termos Ciência e Educação em Ciências que interessa a tais estudantes.

No imaginário da sociedade ocidental a ciência é entendida como uma forma de

conhecimento organizada e sistematizada com base em métodos rigorosos que garantem

a veracidade dos fatos. Essa ideia é uma construção da modernidade, mais

especificamente da revolução científica, que ocorreu por volta do século XVII17.

Naquele período o mundo estava em convulsão em decorrência de profundas

transformações no cenário político, econômico, social e cultural. Entre as

transformações que deram azo à revolução científica, destacamos: as grandes

navegações, que comprovavam a esfericidade da Terra e a existência de outros

continentes, rompendo com a ideia de existência exclusiva do ecúmeno cristão;

surgimento das cidades e dos estados nacionais, que abalaram as bases do modo de

produção feudal; emergência do capitalismo, que mudou o centro econômico do poder;

reforma protestante, que engendrou mudanças na estrutura social, fazendo surgir outras

cartografias religiosas; rompimento com a ideia de natureza como algo sagrado para

transformá-la numa fonte de recursos propulsores de progresso; utilização pragmática

do conhecimento para transformá-lo em tecnologia.

17 De acordo com Jonh Henry, “Revolução científica é o nome dado pelos historiadores da ciência ao

período da história européia em que, de maneira inquestionável, os fundamentos conceituais,

metodológicos e institucionais da ciência moderna foram assentados pela primeira vez. O período preciso

em questão varia segundo o historiador, mas em geral afirma-se que o foco principal foi o século XVII,

com períodos variados de montagem do cenário no século XVI e de consolidação no século XVIII. De

maneira similar, a natureza precisa da revolução, suas origens, causas, campos de batalha e resultados

variam muito de autor para autor. Tal flexibilidade de interpretação indica claramente que a revolução

científica é, sobretudo, uma categoria conceitual do historiador. Mas o fato de a revolução científica ser

uma expressão de conveniência para historiadores não significa que ela seja um mero produto de sua

imaginação sem nenhuma base na realidade histórica.” (HENRY, 1998, p. 13).

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A partir de então a filosofia natural deu lugar ao pensamento racional, que

buscava romper com dogmas, crenças e superstições para revelar a verdade pela ciência.

Por conseguinte, o cientista foi apresentado como o novo herói da humanidade por ser

devotado à busca da verdade, de forma intrépida, imparcial e desinteressada

(CHASSOT, 1994).

A confiança depositada na ciência foi reconhecida nas benesses que ela

possibilitou à humanidade. De fato, não se podem negar os avanços que a ciência

promoveu ao deslindar os segredos da natureza, incluindo os que são relativos à

dimensão do infinitamente grande (do universo) e à dimensão do infinitamente pequeno

(do mundo microscópico e subatômico). Graças à ciência e à tecnologia dela derivada

nós pudemos compreender o lugar da Terra no universo, descobrir medicamentos para

combater vírus, bactérias, protozoários, vermes e outros agentes patogênicos. Foi

possível também produzir e armazenar alimentos em larga escala para garantir a

existência humana e desenvolver tecnologias que se imiscuíram na nossa vida diária a

ponto de não ser possível pensar na dinâmica da sociedade contemporânea sem a

existência delas.

Essas e outras constatações dão evidências da importância do desenvolvimento

científico e tecnológico para a humanidade. Todavia, quando nos propomos a refletir

sobre o lugar da ciência na denominada sociedade do conhecimento a fim de estabelecer

relações com a Educação de pessoas com surdocegueira, algumas questões instigam

nosso pensamento: por que a ciência se tornou um conhecimento hegemônico? Quem

tem acesso à ciência? Em que língua a Ciência é produzida e divulgada? Qual é a

Educação em Ciências que interessa às pessoas com surdocegueria?

Do nosso ponto de vista o entendimento das razões pelas quais a ciência se

tornou um conhecimento hegemônico pode ser obtido pelas contribuições de autores que

integram a coletânea “Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso

sobre as ciências revisitado”, organizada por Boaventura Souza Santos (2006). Essa

obra, composta por 34 capítulos, apresenta análises de questões relativas à

epistemologia e à sociologia da ciência, permitindo uma reflexão crítica sobre o papel

da ciência no contexto econômico, político, social e cultural do nosso tempo. Tais

análises chamam atenção para a crise instaurada dentro da própria ciência, fato que

impele ao reconhecimento dos limites da racionalidade técnico-científica como método

para garantir a revelação da verdade. Os autores chamam atenção para a perda de

confiança no comportamento objetivo do cientista, nas fronteiras rígidas entre campos

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do conhecimento e na netralidade da ciência em face de suas relações com o poder

(SANTOS et al., 2006). Há evidência de que a hegemonia da ciência foi produzida pela

negação de outras formas de conhecimento não referenciadas na racionalidade técnico-

científica.

A vinculação da imagem de cientista ao macho, branco, europeu serviu/serve

para “discriminar e para promover classificações entre pessoas (brancos, negros,

amarelos, europeus, latinos, africanos, asiáticos, ocidentais, orientais, civilizados,

primitivos, etc.), beneficiando alguns em detrimento de outros.” (TORRES, 2017, p.

45).

Nas críticas que Boaventura Souza Santos e seus coloboradores fazem à

racionalidade técnico-científica fica claro que não se trata de negar a validade da ciência

como um discurso que busca explicar os fatos. Trata-se do necessário reconhecimento

de que nós estamos diante de uma nova revolução científica produzida dentro da própria

ciência. No intento de contribuir com o debate o autor faz referência a um novo

paradigma, considerando que ele não pode ser apenas científico (conhecimento

prudente), mas também social (para uma vida decente). “A prudência é a insegurança

assumida e controlada. Tal como Descartes, no limiar da ciência moderna, exerceu a

dúvida em vez de sofrê-la. Nós, no limiar da ciência pós-moderna, devemos exercer a

insegurança em vez de sofrê-la.” (SANTOS, 1998 apud TORRES, 2017, p. 44).

Com base nesse tipo de entendimento nós consideramos que “os benefícios

possibilitados pela ciência são inegáveis e necessários a humanidade [...] no entanto, é

preciso considerar que a ciência é apenas uma das linguagens que adotamos para

explicar o mundo.” (LOPES; MACEDO, 2012, p. 60). Isso explica porque a

alfabetização científica vem sendo defendida como um direito de todo cidadão.

Com base nas ideias de Chassot (2003) nós consideramos que a alfabetização

científica possa ser pensada como

[...] possibilidades de que a grande maioria da população disponha de

conhecimentos científicos e tecnológicos necessários para se

desenvolver na vida diária, ajudar a resolver os problemas e as

necessidades de saúde e sobrevivência básica, tomar consciência das

complexas relações entre ciência e sociedade. (CHASSOT, 2003, p.

97).

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Definir ações voltadas à alfabetização científica exige partir da seguinte

indagação: quem tem acesso à ciência? Entendemos que a busca de resposta para essa

pergunta passa pelo reconhecimento de que o propósito da ciência de se tornar um

conhecimento neutro e universal não se efetivou. Isso pode ser constatado pelo mapa do

analfabetismo no mundo que é justaposto ao mapa da fome no mundo.

A justaposição miséria-analfabetismo, observada sobremaneira nos países

pobres, contrastada com o excesso de consumo e com o volume de conhecimento que é

produzido e posto em circulação nos países ricos, mostra que a ciência se

manteve/mantêm vinculada ao poder político e econômico. Em outras palavras, a lógica

da distribuição de conhecimentos segue os mesmos pressupostos da lógica de

distribuição de rendas. Assim, “a injustiça social traduz-se, frequentemente, em injustiça

cognitiva. Isso ocorre no interior das sociedades e nas relações entre elas (as relações

entre Norte/Sul, entre centro e periferia do sistema mundial).” (SANTOS, 2006, p. 42).

Falar em injustiça cognitiva exige reconhecer que esse fato está atrelado não

apenas às questões sociais, mas também ao fato de que a ciência é produzida e

divulgada apenas na língua do ouvinte alfabetizado. Grupos sociais que não falam e/ou

não compreendem a língua culta adotada pelos ouvintes, a exemplo de pessoas com

surdez, cegueira ou surdocegueira, tendem a ser excluídas da ciência.

Em se tratando da surdez é necessário considerar que a negação do direito de

acesso à ciência está relacionada também ao fato de que, durante muito tempo, o surdo

foi visto como um corpo com defeitos que poderiam ser corrigidos pela ciência. Nesse

sentido, foram desenvolvidos procedimentos clínicos e tecnologias para reabilitar a

audição e a fala da pessoa com surdez.

O escopo de fazer da pessoa com surdez um ouvinte deu base ao ouvintismo,

conceituado por Skliar (1998, p.15) como “um conjunto de representações dos ouvintes,

a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte.” O

ouvintismo traz em si os postulados da modernidade, que supôs a existência de um

modelo de sujeito compatível com qualquer pessoa. “O sujeito normal era o sujeito

ouvinte, falante. A partir daí se estabeleciam metanarrativas que afirmavam não existir

nada fora da idéia desse sujeito normal.” (PERLIN; STROBEL, 2009, p. 14).

Se a escola se propõe a promover a Educação em ciências para pessoas com

surdez ela precisa reconhecer que esse grupo social tem uma pedagogia própria.

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A pedagogia para o surdo não pode ser tida como a pedagogia global,

isto é, uma pedagogia igual para todos. [...]. O surdo, em primeiro

lugar, tem de saber sua língua, sua cultura, e também aprender o

mesmo que o ouvinte aprende, para poder interagir com ele. Digamos

que o surdo nunca vai viver num gueto [...], mas que vai interagir

continuamente no campo ouvinte. Portanto, a questão da cultura, da

identidade e das línguas dos surdos e dos ouvintes são, ao mesmo

tempo, as questões essenciais da pedagogia de surdos. (PERLIN;

MIRANDA, 2011, p. 109).

Se a Educação em ciências para pessoas com surdez é algo complexo em razão

da barreira linguística, o problema se acentua quando se trata de pessoas com

surdocegueira. Um surdo não ouve, mas vê o que ocorre no mundo. Suas experiências

diárias lhe permitem ter noções dos elementos da natureza. Ele vê o movimento dos

astros do céu e pode elaborar e/ou entender explicações para os dias e noites, fases da

lua, estações do ano. Pode imaginar uma viagem interplanetária, manifestando

entendimento do cosmo para além do que aparece na abóbada celeste. Ele vê a água em

suas múltiplas manifestações (como vapor d’água, rios, mares, geleiras, etc.), bem como

a diversidade de plantas e animais, o que lhe permite compreender o conceito de

natureza e das transformações que nela ocorrem. Se tiver acesso a uma pedagogia

adequada, tal como propõe Perlim e Miranda (2011), a pessoa com surdez pode adquirir

e/ou produzir conhecimentos científicos no mesmo nível que uma pessoa ouvinte.

Quando se trata da Educação em Ciências para pessoas com surdocegueria é

preciso considerar que essa é uma condição única, no qual o sujeito apresenta uma

dupla privação multissensorial da visão e audição, podendo apresentar ainda outro tipo

de deficiência intelectual ou motora. Dessa forma, a Educação em Ciências torna-se um

desafio, pois as pessoas com surdocegueira enfrentam dificuldades para compreender

fenômenos e abstrair conceitos.

Quando lemos a palavra pássaro, muitas imagens vêm a nossa mente,

baseado no que temos visto ou ouvido. Se os alunos jamais viram um

pássaro voar ou tenham escutado o seu trinado, quando lhe mostramos

a palavra pássaro eles não têm as experiências válidas para associá-la

com o pássaro real. Às vezes podem memorizar a palavra impressa, e

esta é muito abstrata para que compreendam que se refere a um

pássaro real. Esta forma usada sem compreensão chama-se forma sem

significado, que estes alunos ficam em risco de desenvolver.

(BLAHA, 2011, p. 13).

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Levando em conta que o estudante com surdocegueira não tem experiências

anteriores que o fazem recordar o significado da palavra, o professor precisa criar

estratégias para que ele compreenda o significado de determinado gesto ou sinal relativo

a um ser vivo, objeto ou fenômeno. Ele precisa se reconhecer, portanto, como

“educador de pessoa com surdocegueira”, termo sugerido por Van Dijk, conforme

observou Maia (2011).

Um verdadeiro mediador ou educador de pessoa com surdocegueira é

aquela pessoa capaz de partilhar o mundo da pessoa com

surdocegueira e que pode deixar de lado o mundo da audição e da

visão no qual ela vive, promovendo para a criança diversas

experiências e, em especial, o uso do toque para explorar e manter a

interação com pessoas, animais e objetos. O toque é imprescindível

para essas crianças estabelecerem vínculos, para a mediação na

comunicação e para estabelecerem e processarem informações

sensoriais, organizando e desenvolvendo conceitos sobre o mundo.

(MAIA, 2011, p. 52-53).

Referenciadas nas proposições de Van Dijk sobre as fases do desenvolvimento

de crianças com surdocegueria nós reafirmamos a necessidade dos profissionais que

atuam nessa área se comportarem como mediadores do aprendizado, reconhecendo-se

no “lugar do outro”. Assim, é possível vivenciar experiências com a criança e desse

modo tão íntimo traçar estratégias para que elas possam aprender.

Ao analisarmos o processo de escolarização de pessoas com surdocegueira não

podemos pensar em um currículo com ementa de conteúdos formais a serem

trabalhados. Devemos pensar em currículo que possibilite a autonomia de vida diária,

autônoma e social, os chamados AVD e AVAS.

Acreditamos que a Educação em Ciências Naturais pode contribuir para a

interação do estudante com surdocegueira com o outro e com o mundo, desde que o

educador, como “parceiro significativo” (BOAS, 2014; FALKOSKI, 2017), ajude-os a

desenvolver habilidades de percepção do meio em que vive e de comunicação com

outras pessoas. Nesse sentido, é preciso levar em conta a opinião de Maia (2011) quanto

ao uso de materiais e brinquedos compatíveis com a condição da criança com

surdocegueira. A autora sugere que os materiais e brinquedos tenham cores

contrastantes, texturas, temperaturas, pesos, possibilidades de vibração que permitam ao

estudante explorar aquele objeto por ele ser interessante.

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Consideramos que Leontiev (2004) é um autor que pode ajudar na compreensão

do papel do educador de crianças com deficiência. Ele chama atenção para o fato de que

nem todas as pessoas aprendem da mesma maneira. Por essa razão é necessário utilizar

métodos e estratégias diferenciadas para que elas possam aprender.

Milhares e milhares de crianças de todos os países do mundo

manifestam um atraso no seu desenvolvimento intelectual quando sob

todos os outros pontos de vista nada as distingue essencialmente das

outras crianças da sua idade. Estas crianças são incapazes de estudar

com resultados e em ritmos satisfatórios nas condições que lhes

convêm [...] a experiência mostra que em muitos casos conseguem

fazer consideráveis progressos e por sua vez liquidar completamente

seu atraso. (LEONTIEV, 2004, p. 337).

Esse autor considera que se as crianças forem estimuladas corretamente,

utilizando estratégias variadas e metodologia significativa, elas podem superar as

limitações e obter avanços significativos na sua aprendizagem.

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3 EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM SURDOCEGUEIRA: UM PANORAMA

NACIONAL E DO MATO GROSSO

Neste capítulo buscamos apresentar um panorama da Educação de pessoas com

surdocegueira, focalizando o cenário nacional e estadual. Nesse sentido, organizamos o

capítulo em três partes. Inicialmente, tecemos algumas considerações sobre a história da

Educação de pessoas com deficiência, tendo como referência os escritos de Mazzotta

(2011). Na segunda parte focalizamos a Educação de pessoas com surdocegueira numa

abordagem histórica fundamentada em textos da legislação educacional brasileira.

Finalizando o capítulo, apresentamos o histórico da Educação especial em Mato Grosso

segundo Lemos (2016), bem como relatos de entrevistas sobre o atendimento às pessoas

com surdocegueira no referido estado.

3.1 Considerações sobre a história da Educação de pessoas com deficiência

A retrospectiva histórica da Educação especial apresentada nesse tópico foi

elaborada com base no livro de Mazzotta (2011), intitulado “Educação Especial no

Brasil: história e políticas públicas”. Segundo o autor, tal história é marcada por

preconceitos e negação de direitos. Durante muito tempo as pessoas com deficiência

foram colocadas à margem da sociedade, pois não eram consideradas à “imagem e

semelhança de Deus”. A exclusão social e cultural das PCD está relacionada também

com o fato delas serem vistas como seres incapazes e inválidos. De acordo com o autor,

esse quadro de exclusão só foi alterado quando pessoas com deficiência se tornaram

líderes da sociedade em que viviam. A partir de então, ocorreram movimentos no

sentido de reconhecer os direitos sociais de tais pessoas.

Os primeiros movimentos e medidas educacionais para atendimento das pessoas

com deficiência surgiram na Europa, tomaram força e se expandiram para os Estados

Unidos, Canadá e outros países, inclusive o Brasil. A primeira obra impressa sobre

Educação para deficientes foi “Redação das Letras e arte de ensinar mudos a falar”,

publicada em 1620, na França, por um pesquisador chamado Jean-Paul-Bonet

(MAZZOTTA, 2011).

Conforme observou esse autor “a primeira instituição especializada para a

Educação de surdos-mudos foi fundada pelo Abade Charles M. Eppée em 1790, em

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Paris” (p.18), a quem é atribuída a criação do método de ensino por meio de sinais. Os

trabalhos de Eppée motivaram outros teóricos ao estudo da Educação de pessoas com

surdez, dentre esses o inglês Tomas Braidwood (1715-1906) e o alemão Samuel

Heinecke (1729-1790). Cada um deles fundou, em seus respectivos países, institutos

para a Educação desses sujeitos. Atribui-se a Heinecke a criação do “método oral”, que

hoje é chamado de leitura labial ou leitura orofacial. Desde aquela época tal método

contrapunha-se ao método de sinais.

Em Paris, no ano de 1784, Valentin Haüy fundou o primeiro instituto para

jovens cegos. “Naquela época Haüy já utilizava letras em relevo para o ensino de cegos,

tendo merecido a aprovação da Academia de Ciências de Paris.” (MAZZOTTA, 2011,

p. 19). O sucesso de seu instituto era tanto que Haüy foi chamado para comparecer à

corte de Luiz XVI para expor sobre o método que utilizava. Após a Revolução Francesa

outros países da Europa também abriram escolas para cegos, utilizando o método de

Haüy.

Em 1819, Charles Barbier, um oficial do exército, esteve no Instituto Nacional

de Jovens Cegos, fundado por Haüy com uma sugestão de processo de escrita

codificada expressa por pontos salientes. Tal método era utilizado nos campos de

batalha à noite, onde não se podia utilizar a luz para não atrair a atenção dos inimigos.

Essa ideia despertou o interesse de alguns professores do instituto, que logo começaram

a utilizar a escrita codificada na escolarização de pessoas com cegueira.

Em 1829, o jovem cego francês Louis Braille (1809-1852) fez uma adaptação do

código militar de comunicação noturna. No início, essa adaptação foi chamada de

sonografia e mais tarde chamada de Braille, tal como é conhecida até os dias atuais.

Esse método consiste em até seis pontos salientes na célula Braille e possibilita até 63

combinações diferentes.

Em Munique, na Alemanha, em 1832, surgiram as instituições para

atendimentos dos deficientes físicos e também foi nessa época, começo do século XIX,

que o médico Jean Marc Itard (1774- 1838) iniciou o atendimento dos deficientes

intelectuais na França. Itard inspirou outros médicos a trabalhar e estimular os sentidos

dos deficientes intelectuais. Um deles foi seu aluno Edward Seguin (1812-1880),

médico que usava cores, música e outros meios sensoriais e motores para estimular as

crianças com deficiência intelectual.

Quando se trata da Educação de pessoas com deficiência intelectual é necessário

destacar o nome de Maria Montessori (1870-1956), médica italiana que aprimorou as

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proposições de Itard e Seguin. Ela desenvolveu um programa para o ensino de crianças

com deficiência intelectual, cujas técnicas foram experimentadas em vários países da

Europa e da Ásia. Conforme Mazzotta (2011, p. 23):

Montessori enfatizou a “autoEducação” pelo uso de materiais

didáticos que incluíam, dentre outros, blocos, encaixes, recortes,

objetos coloridos, letras em relevo. Definiu dez regras de Educação

que parecia considerar adequadas tanto a crianças normais em idade

pré-escolar, como a crianças treináveis, em idade escolar.

Maria Montessori acreditava que as crianças necessitavam ser tratadas

diferentemente dos adultos, precisavam se sentir motivadas para realizar uma atividade.

Para ela, o ambiente educativo deveria ser diferenciado para possibilitar que elas

brincassem livremente, com liberdade de escolha, e onde realmente pudessem se

comportar como crianças.

A primeira escola pública para pessoas com surdez nos Estados Unidos surgiu

em 1817, fundada pelo reverendo Thomas H. Gallaudet. Algum tempo depois, em 1848,

foi fundada outra escola pública para surdos, em Montreal, no Canadá. Somente 50

anos após a fundação da primeira escola para pessoas com cegueira na França é que

foram criados os primeiros internatos para cegos nos Estados Unidos. Em 1837, foi

criada a primeira escola para pessoas com cegueira totalmente subsidiada pelo Estado,

destacando-se que “este fato foi bastante importante, pois despertou a sociedade para a

obrigação do Estado para com a Educação dos portadores de deficiência.”

(MAZZOTTA, 2011, p. 24-25).

No Brasil, a história da Educação especial começou no período colonial, quando

D. Pedro II, em 1854, fundou no Rio de Janeiro o “Instituto de Meninos Cegos”, e três

anos mais tarde, em 1857, foi criado o “Imperial Instituto dos surdos-mudos” na mesma

cidade. Em 1891, o Instituto de meninos cegos passou a chamar-se “Instituto Benjamin

Constant (IBC)”, e 100 anos após a fundação do Imperial Instituto dos surdos-mudos

passou a chamar-se “Instituto Nacional da Educação de Surdos (INES)”, por meio da

Lei n.º 3.198, em 1957.

3.2 Educação de pessoas com surdocegueira: antecedentes históricos

No que diz respeito ao histórico da Educação de pessoas com surdocegueira é

preciso considerar que há pouca informação sobre esse campo do conhecimento.

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Conforme observou Watanabe (2017), não há consenso quanto ao local e data das

primeiras experiências educacionais nessa área. Transcrevemos a seguir a síntese

apresentada por essa autora:

O primeiro registro sobre Educação de pessoa com surdocegueira é do

ano de 1700, na França, com Victoria Morisseau (1789-1832), que

recebeu atendimento educacional como descreve Camacho (2002).

Maia (2004), em sua pesquisa, indica que no ano de 1800 registrou-se

na Escócia o caso de James Mitchel, nascido em 1795, que recebeu

atendimento individualizado nos seus primeiros anos de vida. Amaral

(2002) relata que nos Estados Unidos há o registro da Educação de

uma pessoa com surdocegueira no começo do século XIX. Julia Brice,

jovem que ficou surda e cega ao mesmo tempo, aos quatro anos e

meio de idade, foi colocada em um asilo para pessoas com surdez e

deficiência intelectual, em Hartford, Connecticut, EUA, e ali aprendeu

a comunicação por sinais.

Em 1830, o Dr. Samuel Gridley Howe abriu a escola Perkins para

cegos em Watertown, Massachusetts, nos Estados Unidos. Ele

interessou-se por essas pessoas quando entrou em contato com Laura

Bridgman, pessoa com surdocegueira desde os dezoito meses de

idade. Ela foi admitida nesta escola e o próprio Dr. Howe a ensinou

por meio do Alfabeto Manual Tátil. (WATANABE, 2017, p. 33).

O primeiro país a oficializar e instituir a Educação de crianças com

surdocegueira foi a França, em 1860 (AMARAL, 2002 apud WATANABE, 2017).

Neste estudo não identificamos obras específicas que apresentam um histórico

da surdocegueira no Brasil. No entanto, foi possível observar que essa temática vem

sendo discutida no nosso país há alguns anos, conforme explica Rached (2011). De

acordo com essa autora:

A literatura sobre surdocegueira produzida nos Estados Unidos e

Europa é trazida para o Brasil, para uso interno, com subsidio da

Fundação Hilton/Perkins, pelos programas de atendimento na Escola

de Educação Anne Sullivan, Associação para deficientes Audiovisão

(ADEFAV), Associação Educacional para Múltiplas Deficiências

(AHIMSA), todos em São Paulo; e o Centro de Reabilitação da

Audição (CENTRAU), em Curitiba e a Fundação Catarinense de

Educação Especial. (ARÁOZ, 2003 apud RACHED, 2011, p. 83).

É comum encontrar os nomes de Hellen Keller e de sua professora, Anne

Sullivan, relacionados ao ensino de pessoas com surdocegueira. Hellen Keller foi a

primeira pessoa com surdocegueira a concluir a graduação e Anne Sullivan foi sua

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professora. Foi a partir das práticas dessa educadora que Hellen passou a se comunicar

e compreender o mundo ao seu redor.

No nosso país a primeira instituição a receber estudantes com surdocegueira foi

a “Fundação para o Livro do Cego no Brasil”, fundada em 1946, em São Paulo. Hoje

essa instituição é chamada “Fundação Dorina Novill para cegos” (WATANABE,

2017). Em 1953, Hellen Keller visitou a instituição e foi lá que a professora Nice

Tonhozi, que trabalhava no Instituto Padre Chico, sentiu-se motivada a estudar essa

temática (WATANABE, 2017; GONÇALVES, 2010).

Nice conhecia bem a biografia da conferencista e decidiu conversar

com ela no fim do evento. Helen, surdocega desde a infância,

dominava o tadoma e não teve dificuldade para compreender o inglês

canhestro da brasileira. Ao tocar seus lábios, Helen repetiu as palavras

"Padre Chico", instituição para surdos, em São Paulo, onde Nice

lecionava. A professora se emocionou. Em 1960, Nice viajou para os

Estados Unidos e estagiou na Escola Perkins para Cegos, no

Departamento de Surdos. Ao voltar para o Brasil, criou classes

especiais para surdocegos em entidades que atendiam pessoas com

deficiência visual ou auditiva. No dia 9 de agosto de 1968, um decreto

criou em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, a primeira escola

especial para deficientes audiovisuais da América Latina. Em 1977, a

instituição receberia o nome Fundação Municipal Anne Sullivan, em

homenagem à professora de Helen. A fundação serviu como berço

para outras duas entidades importantes na história da Educação de

surdocegos no País. Em 1983, alguns profissionais deixaram São

Caetano do Sul para fundar, em São Paulo, a Associação para

Deficientes da Áudio Visão (Adefav). Neusa Bassetto, que trabalhava

com Nice desde 1970, participou da iniciativa. Em 1991, outro grupo

se separou da Anne Sullivan e fundou, também em São Paulo, a

Ahimsa. As três entidades disseminaram conhecimento sobre

Educação e surdocegueira no País. Margarida Monteiro, por exemplo,

era professora do Instituto Benjamin Constant (IBC), no Rio, uma

entidade que atende pessoas com baixa visão. Em contato com os

educadores paulistas, decidiu criar um grupo para surdocegos no IBC.

Seu primeiro aluno foi Carlos Jorge Rodrigues. [...] No dia 13 de julho

de 1995, Nice recebeu a Medalha Anne Sullivan, a principal

condecoração no campo da atenção a pessoas com surdocegueira. O

evento ocorreu em Córdoba, na Argentina, durante a 11.ª Conferência

da Associação Internacional para a Educação das Pessoas Cegas.

Quando voltava para o Brasil, Nice passou mal no aeroporto e foi

levada a um hospital argentino. Morreu dias depois. (GONÇALVES,

2010, on line).

A relevância da visita de Hellen Keller para a Educação de pessoas com

surdocegueira no Brasil foi relatada por Rached (2011) e Watanabe (2017). Foi a partir

dessa visita que surgiram várias iniciativas para a criação de salas para surdocegueira.

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Segundo Rached (2011), é preciso destacar a importância do Grupo Brasil, que,

em parceria com a Secretaria de Educação Especial do Ministério de Educação

(SEESP/MEC), oferece cursos de capacitação em surdocegueira por todo o Brasil,

especialmente nas regiões norte e nordeste. Consideramos esse fato de grande

importância, uma vez que a maioria dos centros de atendimento especializados se

concentra na região sul e sudeste, e as demais regiões do país carecem de formação

adequada para um atendimento especializado a esses sujeitos.

Faz-se necessário considerar que, embora as primeiras experiências de Educação

de pessoas com surdocegueira tenham ocorrido no Brasil desde a década de 1950, com a

visita de Hellen Keller foi somente a partir do ano de 2002 que essa temática foi

incorporada em documentos que apresentam orientações didático-pedagógicas para a

Educação especial. Essa temática aparece na coleção “Estratégias e Orientações

Pedagógicas para a Educação de Crianças com Necessidades Educacionais Especiais”

(BRASIL/MEC, 2002 apud ALMEIDA, W., 2015). Antes dessa data a discussão era

apenas sobre outras deficiências, num contexto mais amplo (GALVÃO, 2010 apud

ALMEIDA, W., 2015, p. 93).

A incorporação da Educação de pessoas com necessidades educacionais

especiais na política educacional brasileira foi assegurada na Constituição de 1988, que,

no artigo 208, estabelece: “O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante

a garantia de [...] III - atendimento educacional especializado aos portadores de

deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.” (BRASIL, 1988). O artigo

227 reafirma o direito das PCD à Educação ao estabelecer:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito

à vida, à saúde, à alimentação, à Educação, ao lazer, à

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão [...] II - criação de programas de prevenção e atendimento

especializado para as pessoas portadoras de deficiência física,

sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e

do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o

trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços

coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as

formas de discriminação. (BRASIL, 1988).18

18 Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 65, de 2010.

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Partindo do pressuposto de que as pessoas com deficiência têm seus direitos

garantidos na legislação educacional brasileira, nós realizamos uma análise da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), do Plano Nacional de Educação

(PNE) em vigência e documento subsidiário às políticas de inclusão. Considerando que

esses textos oficiais têm influências de movimentos que ocorrem em nível mundial em

defesa da inclusão, analisamos também a Declaração de Salamanca, que é apontada

como um dos mais importantes documentos relativos à Educação especial. Partimos do

entendimento de que a legislação deva assegurar o direito que as pessoas com

surdocegueira têm de atendimento educacional especializado, uma vez que os processos

de comunicação são significativamente complexos. Cada estudante com surdocegueira

requer atenção exclusiva do professor.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) reafirma o

princípio constitucional do atendimento educacional especializado:

Art. 4º O dever do Estado com Educação escolar pública será

efetivado mediante a garantia de [...] III - atendimento educacional

especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos

globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,

transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente

na rede regular de ensino. (BRASIL, 1996)19.

A referida legislação sugere que o AEE seja dado preferencialmente na rede

regular de ensino. Todavia, há necessidade de políticas educacionais mais efetivas que,

de fato, garantam a Educação de alunos surdos, cegos ou surdocegos. Para Ferreira

(s/d), o uso do termo “preferencialmente”, utilizado tanto na Constituição Federal de

1988 como na LDBEN, pode ser utilizado para excluir e negar esse direito aos alunos,

pois se refere a algo que é preferencial, não de cunho obrigatório. Portanto, se a escola

não se julgar apta a receber esse estudante, ela pode alegar falta de preparo dos docentes

e/ou inexistência de recursos, violando o direito das pessoas com deficiência e ferindo o

princípio democrático da inclusão.

A Lei n.º 13.005, sancionada no dia 25 de junho de 2014, aprovou o PNE 2014-

2024 e estabeleceu metas e estratégias para serem alcançadas nesse período. Uma das

metas a serem alcançadas diz respeito à Educação especial.

19 Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013.

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Meta 4 - Universalizar, para a população de quatro a dezessete anos

com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

habilidades ou superdotação, o acesso à Educação básica e ao

atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede

regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de

salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços

especializados, públicos ou conveniados. (BRASIL, 2014).

Para alcançar essa meta o PNE estabelece diversas estratégias. Dentre elas, as

estratégias sete e 13, que oferecem meios de acesso para a Educação de alunos surdos,

cegos e surdocegos.

4.7. garantir a oferta de Educação bilíngue, em Língua Brasileira de

Sinais (Libras) como primeira língua e na modalidade escrita da

língua portuguesa como segunda língua, aos(às) alunos(as) surdos e

com deficiência auditiva de zero a dezessete anos, em escolas e

classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do

Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos arts. 24 e 30 da

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como

a adoção do sistema braille de leitura para cegos e surdos-cegos [...]

4.13. apoiar a ampliação das equipes de profissionais da Educação

para atender à demanda do processo de escolarização dos(das)

estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e

altas habilidades ou superdotação, garantindo a oferta de

professores(as) do atendimento educacional especializado,

profissionais de apoio ou auxiliares, tradutores(as) e intérpretes de

Libras, guias-intérpretes para surdos-cegos, professores de Libras,

prioritariamente surdos, e professores bilíngues. (BRASIL, 2014, p.

56-57).

De todos os documentos analisados neste estudo, o PNE é o único que faz

referência direta às pessoas com surdocegueira. Por essa razão esse texto da legislação

educacional garante a oferta da Educação bilíngue, caracterizando a Libras como a

primeira língua para alunos surdos e com deficiência auditiva e o português como

segunda língua. Também estabelece a adoção do Braille como sistema de leitura e de

escrita para pessoas com cegueira e pessoas com surdocegueira. O texto prevê na

estratégia 13 a ampliação das equipes de profissionais para o AEE dos estudantes com

deficiência, garantindo, inclusive, guia-intérprete para pessoas com surdocegueira.

No que diz respeito à inclusão, reafirma-se a necessidade de investimentos na

formação de professores para incluir teorias e processos de ensino-aprendizagem

relacionados ao AEE para alunos com deficiência. Diniz (2012) chama atenção para a

necessidade de trabalho com a diferença:

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Se não houver uma abertura para o trabalho com a diferença, em toda

sua ousadia, se a diferença presente no outro for uma precondição para

que ele não seja reconhecido como outro, se os referenciais escolares

continuarem os mesmos, não há caminho para a inclusão, ela torna-se

uma proposta vazia e sem direção. (DINIZ, 2012, p. 34).

O documento subsidiário à política de inclusão garante a individualização do

ensino por meio de planos específicos de aprendizagem. Todavia, o atendimento

individualizado não pode ser sinônimo de segregação. É preciso possibilitar as trocas

significativas de aprendizagem no ambiente escolar como forma de favorecer a

interação social entre tais estudantes (BRASIL, 2005).

Consideramos que as políticas de inclusão engendradas no Brasil estão

articuladas com os movimentos que ocorrem em nível mundial em defesa da Educação

de pessoas com necessidades educativas especiais, a exemplo da Conferência de

Salamanca, realizada na Espanha, no ano de 1994. Na referida Conferência foi feita a

chamada “Declaração de Salamanca”, constituída por um conjunto de princípios

norteadores de políticas e práticas na área da Educação especial. O texto desse

documento expressa o posicionamento de delegados representantes de 92 países e 25

organizações internacionais. Trata-se de um compromisso mundial “em prol da

Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de garantir a Educação

para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais, no quadro do

sistema regular de Educação.” (UNESCO, 1994, p. viii).

Os princípios fundamentais para a definição de ações na área das necessidades

educativas especiais pelos governantes e organizações apontados no referido documento

são:

• cada criança tem o direito fundamental à Educação e deve ter a

oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável de

aprendizagem,

• cada criança tem características, interesses, capacidades e

necessidades de aprendizagem que lhe são próprias,

• os sistemas de Educação devem ser planeados e os programas

educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas

características e necessidades,

• as crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem

ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através

duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas

necessidades,

• as escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem

os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias,

criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade

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inclusiva e atingindo a Educação para todos; além disso,

proporcionam uma Educação adequada à maioria das crianças e

promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade, de todo

o sistema educativo. (UNESCO, 1994, p. viii-ix).

A Declaração afirma o direito que toda criança, jovem e adulto têm à Educação

que leva em conta suas características, singularidades, interesses, capacidades e

necessidades. Por essa razão, os programas educativos precisam ser fundamentados no

respeito à diversidade de características. Para efetivar a política de inclusão as escolas

regulares precisam se adequar por meio de uma pedagogia centrada na criança como

forma de combater as históricas práticas de discriminação.

Em se tratando da Educação de pessoas com surdez e com surdocegueira o

documento destaca a importância da linguagem gestual e das escolas especializadas

para esse público.

A importância da linguagem gestual como o meio de comunicação

entre os surdos, por exemplo, deverá ser reconhecida, e garantir-se-á

que os surdos tenham acesso à Educação na linguagem gestual do seu

país. Devido às necessidades particulares dos surdos e dos

surdos/cegos, é possível que a sua Educação possa ser ministrada de

forma mais adequada em escolas especiais ou em unidades ou classes

especiais nas escolas regulares. (UNESCO, 1994, p. 18).

Entendemos, portanto, que a Declaração de Salamanca considera que a

Educação de pessoas com surdez ou com surdocegueira pode ocorrer tanto nas escolas

regulares (desde que tenham unidades ou classes especiais) como em escolas especiais.

Essa condição é fundamental para que estudantes com surdez ou com surdocegueira

tenham acesso à língua gestual do seu país e, por conseguinte, à cultura surda.

A referida Declaração chama atenção para a necessidade de investimentos na

formação de professores para a Educação de estudantes com necessidades educacionais

especiais.

É preciso repensar a formação de professores especializados, a fim de

que estes sejam capazes de trabalhar em diferentes situações e possam

assumir um papel-chave nos programas de necessidades educativas

especiais. Deve ser adoptada uma formação inicial não categorizada,

abarcando todos os tipos de deficiência, antes de se enveredar por uma

formação especializada numa ou em mais áreas relativas a

deficiências específicas. (UNESCO, 1994, p. 28).

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Nota-se que a formação de professores defendida no texto tem caráter

generalista como forma de preparar para o trabalho com todos os tipos de deficiência.

Nota-se, também, recomendações voltadas para a necessidade de articulação entre

instituições de formação de professores, escolas especiais e escolas regulares.

Tanto as instituições de formação de professores como o pessoal de

apoio das escolas especiais podem apoiar as escolas regulares.

Aquelas devem servir, cada vez mais, como centros de recursos para

estas últimas, oferecendo apoio directo aos alunos com necessidades

educativas especiais. Tanto as instituições de formação como as

escolas especiais podem facilitar o acesso a equipamentos específicos

e materiais, bem como a formação em estratégias educativas que não

sejam utilizadas nas classes regulares. (UNESCO, 1994, p. 31).

Nessa perspectiva, as escolas especiais assumem, portanto, um papel

preponderante no apoio às escolas regulares, sobretudo no que diz respeito ao apoio aos

estudantes e à proposição de práticas e recursos pedagógicos para a Educação especial.

Responsabilidade similar é atribuída também às instituições de formação de professores,

tais como as universidades.

O texto recomenda que “no contexto duma mudança sistêmica, os programas de

formação de professores, tanto a nível inicial como em-serviço, incluam as respostas às

necessidades educativas especiais nas escolas inclusivas.” (UNESCO, 1994, p. x). Essa

recomendação sugere articulação entre formação inicial e formação continuada,

reconhecendo que ambas constituem um único e contínuo processo.

Em síntese, na referida Declaração fica expresso o entendimento de que:

“Inclusão e participação são essenciais à dignidade e ao desfrute e exercício dos direitos

humanos. No campo da Educação, estas concepções refletem-se no desenvolvimento de

estratégias que procuram alcançar uma genuína igualdade de oportunidades.” (p. 11).

Todavia, o texto esclarece que, quando se trata de alunos que demandam atenção

contínua do professor, a exemplo dos estudantes com surdocegueira com outros

comprometimentos sensoriais, é preciso considerar que uma sala de ensino regular não

oferece condições adequadas para o seu atendimento. Em tal situação o princípio da

inclusão escolar não pode ser efetivado.

Neste estudo reiteramos a ideia de que “a inclusão não significa ocupar o mesmo

espaço físico. A acessibilidade é uma condição necessária, mas não suficiente para que

a inclusão se efetive.” (LOPES; FABRIS, 2016, p. 107). Reiteramos também o

entendimento de que a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade

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e Inclusão (SECADI) tem papel preponderante na política de inclusão, uma vez que essa

instância governamental foi criada com o objetivo de contribuir com o desenvolvimento

inclusivo dos sistemas de ensino, valorizando a diversidade e as diferenças, visando à

promoção da Educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade

socioambiental (DINIZ, 2012).

3.3 A Educação Especial em Mato Grosso: um olhar sobre surdocegueira

Lemos (2016), em sua dissertação de mestrado intitulada “Processos de Inclusão

em Atividades de Educação em Ciências: percursos e percalços vivenciados no projeto

Novos Talentos – UFMT/CAPES”, fez um levantamento histórico da Educação especial

e da Educação de surdos no estado de Mato Grosso e relata que a Educação especial em

Mato Grosso começou na Escola Estadual José Magno. É importante destacar que a

Escola Estadual Jose Magno foi fundada em 1938, mas o atendimento a alunos com

surdez foi ofertado duas décadas após sua fundação.

Lemos (2016) destaca, ainda, que não foi possível encontrar documentos legais

que atestassem esse fato. As informações foram coletadas com base em relatos de

professores que atuam há mais tempo na unidade escolar. Todos os relatos deixam claro

que a referida escola foi a precursora da Educação de surdos no Mato Grosso. O modelo

de atendimento adotado na escola era referenciado nos métodos adotados pelo INES.

Essa autora explica que, quando se trata de pessoas que atuaram nas primeiras

experiências da Educação de surdos em Mato Grosso é preciso destacar o nome da

professora Arlete Maria Migueletti, que, entre os anos de 1958 e 1960, realizou estudos

no INES. Ao retornar do Rio de Janeiro começou a alfabetizar os surdos em sua própria

casa, mas o número de alunos foi crescendo e, após muita insistência, em 1964, a

Seduc/MT criou o Centro Auditivo Maria Luisa Pimenta. Essa instituição passou a ter

salas anexas nas dependências da Escola Estadual José Magno (LEMOS, 2016).

O Centro Auditivo Maria Luiza Pimenta foi extinto para dar origem ao Centro

Estadual de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Profª Arlete Maria Pereira

Migueletti, por meio do Decreto n.º 1.138, publicado no D.O. em 20/01/2000. Com a

criação do Ceaada, o governo do estado de Mato Grosso custeou a ida dos profissionais

que ali trabalhariam para o INES, a fim de se qualificarem.

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Em 2011, foi criado o Centro de Apoio e Suporte à Inclusão da Educação

Especial (Casies) e a partir daí a Seduc/MT passou a ofertar curso de Libras aos

profissionais interessados e aos familiares das pessoas surdas.

No ano de 2012, o governo de estado de Mato Grosso fixou as normas para a

oferta da Educação especial no sistema estadual de ensino por meio da Resolução

Normativa n.º 001/2012 – CEE/MT20. O artigo 2º da referida resolução é pautado em

alguns princípios éticos, políticos e estéticos que fundamentam a Educação especial

ofertada aos estudantes que apresentam necessidades educacionais especiais. Esses

princípios são:

I. a preservação da dignidade humana e a observância do direito de

cada aluno de realizar seus projetos de estudo, de trabalho e de

inserção na vida social;

II. a busca da identidade própria de cada educando, o reconhecimento

e a valorização das suas diferenças e potencialidades, bem como de

suas necessidades educacionais especiais, no processo de ensino e

aprendizagem, como base para a constituição e a ampliação de

valores, atitudes, conhecimentos, habilidades e competências;

III. o desenvolvimento para o exercício da cidadania, da capacidade de

participação social, política e econômica e sua ampliação, mediante o

cumprimento de seus deveres e o usufruto de seus direitos. (MATO

GROSSO, 2012, p.1).

Essa Resolução orienta que a Educação ofertada às pessoas com necessidades

educacionais especiais deve intentar o desenvolvimento intelectual, a autonomia do

indivíduo e o exercício para a cidadania. A Resolução orienta que o AEE deve ser

ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de atendimento

especializado. Salienta ainda que esse atendimento deve ser ofertado no turno inverso

ao da escolarização.

Segundo a citada Resolução Normativa: “Os serviços desenvolvidos nos Centros

de Atendimento Especializado deverão ser planejados e executados por professores

especializados e/ou capacitados.” (MATO GROSSO, 2012, p. 3). A Resolução

Normativa garante também no artigo 16 que: “Os professores que atuam em salas de

recursos multifuncionais ou em centros de atendimento educacional especializado

deverão ser capacitados e/ou especializados mediante programas de formação inicial e

continuada.” (MATO GROSSO, 2012, p. 6). É válido ressaltar que o governo de estado

orienta que os professores que atuam com estudantes com necessidades educacionais

20 A resolução 001/2012 – CEE/MT é uma revisão da Resolução 261/2002 - CEE/MT. A Resolução

261/02 fixava as normas para a Educação especial na Educação Básica do Sistema Estadual de Ensino.

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especiais sejam capacitados continuamente. Percebemos também que essa Resolução

Normativa trata de normas de oferta da Educação especial para o estado, mas em

nenhum momento faz menção à surdocegueira.

No que diz respeito à Educação de estudantes com surdocegueira julgamos

necessário destacar que existem poucos registros sobre a questão. Em termos de

legislação, identificamos somente a Portaria n.º 309/14/GS/SEDUC/MT, que orienta

quanto ao atendimento de tais estudantes em salas de recursos multifuncionais.

Art. 7º. Nas Salas de Recursos Multifuncionais (Atendimento

Educacional Especializado) implantadas nas Unidades Escolares serão

admitidos o número mínimo de 02 (dois) alunos e máximo de 04

(quatro) alunos por turma de Deficiência Múltipla (Surdocegueira) e

de no mínimo 05 (cinco) e máximo de 15 (quinze) alunos por turma

de: Déficit Intelectual; Surdez ou Deficiente Auditivo; Deficiente

Visual, cegos ou baixa visão; Transtorno Global de Desenvolvimento,

Altas Habilidades/Superdotação. (MATO GROSSO, 2014, p. 24).

Sendo assim, ela só delimita a quantidade de alunos com surdocegueira que

seriam atendidos em salas de recursos multifuncionais, isso quando os alunos são

matriculados no ensino regular. Mas até o momento não encontramos nenhuma portaria

que orientasse a quantidade de alunos que são atribuídos por professor em classes

específicas de surdocegueira.

Diante da carência de documentos oficiais sobre a Educação de pessoas com

surdocegueira no estado de Mato Grosso, fomos impelidas a recuperar dados históricos

sobre essa questão a partir de entrevistas com pessoas que participaram da criação de

salas específicas de surdocegueira. Entre os entrevistados incluímos: uma professora

que participou do primeiro curso de formação ofertado pelo estado de Mato Grosso no

ano de 2008; uma professora que trabalhava na Secretaria de Educação do Estado de

Mato Grosso; um professor que atuou como coordenador pedagógico do Ceaada; e uma

mãe de uma estudante com surdocegueira. É pertinente destacar que a referida mãe é

presidente da Abrapascem-MT. Além das entrevistas procedemos também a um

levantamento de informações no site da Seduc/MT.

O uso de fontes orais como dados de pesquisa foi fundamentado no

entendimento de que “um dos aspectos mais interessantes do uso de fontes orais é que

não apenas se chega a um conhecimento dos fatos, mas também a forma como o grupo

os vivenciou e percebeu.” (GARRIDO, 19 93 apud LEMOS, 2016, p. 58).

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A professora entrevistada, além de participar do curso de formação ofertado pelo

estado no ano de 2008, participou da primeira atribuição de aula em sala específica para

surdocegueira no ano de 2009.

A professora Julia relata que o Ceaada, desde a sua criação, sempre atendeu

estudantes com surdocegueira, porém, até 2008, nenhum professor da instituição tinha

formação específica para atuação nesse campo da Educação especial. O fato também foi

relatado pela professora Luzinete, que na época trabalhava na coordenação de Educação

especial da Seduc-MT, e também por Roseli, que é mãe de uma estudante com

surdocegueira, conforme foi relatado nas entrevistas a seguir:

Alguns desses alunos que hoje estão nessa modalidade de ensino, na

surdocegueira [...] já estavam inseridos nessa unidade escolar, mas

ainda não se tinha esse trabalho com essa visão específica. Um

trabalho minucioso na área da surdocegueira requer um diagnóstico

para iniciar esse trabalho para saber se realmente esse sujeito, ele

tem uma dupla privação multisensorial dos sentidos, que é a visão e a

audição, pra se iniciar um trabalho e ter uma proposta pedagógica

que seja pertinente e que tenha avanços significativos na vida desse

educando, desse sujeito. E essas crianças já estavam aqui no Ceaada.

Eles recebiam um atendimento, a escola sempre os acolheu, os

atendeu, mas era um trabalho direcionado para surdos múltiplos.

(Professora Julia, dia 15 de maio de 2017).

Esses alunos foram chegando no Ceaada. Até então a gente não tinha

muito conhecimento desses alunos em outras escolas. Eles

começaram a ingressar dentro do Ceaada, que é uma escola pra

surdos. Na época a gente achou que era viável, isso porque já que

tinha os surdos poderia muito bem atender os surdocegos. Mas

quando eles foram chegando, a princípio eles estavam juntos, eles

estavam misturados lá dentro, eles estavam até junto com alunos que

tinham surdez associado a uma deficiência mental. Então, o primeiro

passo que tivemos que fazer foi realizar uma avaliação desses alunos,

pra saber quem era alunos com surdocegueira e quem era alunos com

déficit intelectual, porque quando chegaram estavam todos

misturados lá e precisava ter essa separação. (Professora Luzinete,

dia 22 de janeiro de 2018).

A primeira escola a receber o surdocego foi o Ceaada, mas naquela

época se trabalhava os alunos como crianças surdas, só a parte

auditiva mesmo. A gente sabia que tinham outras deficiências, mas

até então não havia um conhecimento da surdocegueira. (Roseli, mãe

de uma estudante com surdocegueira, dia 06 de fevereiro de 2018).

A professora Luzinete explicou também que não havia equipes para realizar essa

avaliação nos alunos, para atestar a surdocegueira. A avaliação era feita pela equipe

multidisciplinar do Ceaada.

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Na época, quando eles começaram, a Secretaria não tinha ofertado

nenhuma formação na área de surdocegueira. Então, nós começamos

primeiro com a própria equipe multidisciplinar do Ceaada, que foi

fazendo essa investigação, que foi escrevendo sobre eles e a gente foi

acompanhando para saber se eles realmente eram alunos com

surdocegueira, mas sempre ficava um ponto de interrogação.

(Professora Luzinete, dia 22 de janeiro de 2018).

Os anseios por compreender a surdocegueira e os procedimentos de ensino para

tais alunos levaram à busca por qualificação. No ano de 2008, professores do Ceaada e

representantes da Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso se dispuseram a

participar de um curso de formação sobre surdocegueira em Brasília-DF. O curso foi

ministrado pela professora Shirley Rodrigues Maia da Ahimsa, conforme relatado a

seguir:

Nós tínhamos muitas interrogações a respeito desse trabalho que

estava sendo desenvolvido com essas crianças, pois as respostas não

estavam sendo condizentes [...] Isso nos angustiava muito. Foi

quando a Seduc participou de um encontro em Brasília com a

presença da Professora Shirley Maia e também pessoas da equipe

dela, a professora Sandra Mesquita, a Vula e outros que fazem parte

da equipe, que trabalham com ela em São Paulo na [...] Ahimsa.

(Professora Julia, dia 15 de maio de 2017).

Após essa formação inicial em Brasília, a professora Shirley Rodrigues Maia e

sua equipe optaram por fazer a formação sobre surdocegueira nos estados de Mato

Grosso e Espírito Santo. Essa opção foi justificada pela constatação de que havia um

grande número de casos de surdocegueira nesses estados e que não havia um trabalho

específico para esse público. Vale ressaltar que o estado de Mato Grosso, mesmo com

dificuldades, tentou se organizar e atender tais alunos. A importância da presença da

professora Shirley Maia e de sua equipe na formação de professores para a Educação de

pessoas com surdocegueira no estado de Mato Grosso é destacada no relato:

A Secretaria de Educação trouxe essa profissional até Cuiabá e eu

participei da primeira formação que teve aqui. A professora Shirley

Maia socializou seus conhecimentos, nos auxiliando e nos formando

[...] O governo de Estado estava oferecendo o curso para os

professores que trabalhavam com múltiplos e surdocegueira,

específico para surdocegueira e eu participei através de um sorteio na

escola. (Professora Julia, dia 15 de maio de 2017).

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Ao realizarmos uma busca sobre a Educação de pessoas com surdocegueira no

site21 da Seduc/MT encontramos a seguinte matéria relativa ao ano de 2008:

Professores de 40 municípios de Mato Grosso estão sendo

privilegiados com uma capacitação inédita. Em parceria com o

Ministério da Educação, a Seduc realiza esta semana capacitação para

professores que lecionam para alunos com surdocegueira, uma

deficiência que impossibilita ver e ouvir, dificultando a comunicação

entre professor e aluno. [...] Os professores [palestrantes] que estão em

Cuiabá integram a AHIMSA, que na língua indiana significa “não-

violência”. A diretora de Educação do grupo, Shirley Rodrigues Maia,

explica que o nome expressa exatamente o que o trabalho pretende

alcançar. “Estamos aqui para treinar profissionais que vão atender

crianças com necessidades educacionais especiais, deixar essas

crianças fora da sala de aula é uma violência”. (MATO GROSSO,

2008, on line).22

Como a Educação para estudantes com surdocegueira era algo novo e dada a

ausência de profissionais qualificados na área no estado, o curso de capacitação ofertado

no ano de 2008 foi estendido a profissionais que atuam com a Educação especial e que

moram no interior do estado.

Na entrevista concedida pela professora Luzinete ela narrou que na época que a

professora Shirley Maia veio a Cuiabá para dar o curso de formação para os professores

do estado ela fez uma avaliação com os alunos do Ceaada.

Quem nos ajudou muito foi a professora Shirley Maia, pois quando

ela chegou, quando ela veio pela primeira vez, ela avaliou todos os

alunos. (Professora Luzinete, dia 22 de janeiro de 2018).

Essa disponibilidade e avaliação ajudou na confirmação de quem realmente

tinha surdocegueira.

Em entrevista realizada com o professor Luis Grassi, que hoje atua na Casa

Civil, evidenciamos que a Educação da pessoa com surdocegueira passou e ainda passa

por muitos desafios. Segundo o nosso entrevistado:

Primeiro, o que eu observava na questão da Educação da pessoa

surdocega é que era tudo muito novo [...] a família não sabia como

21 Busca por palavra-chave “surdocegueira” ou “surdocego” no site da Secretaria de Educação do estado

de Mato Grosso. Disponível em: <www.seduc.mt.gov.br>. Acesso em: 18 de novembro de 2017. 22 Matéria encontrada no site da Seduc, utilizando a palavra-chave “surdocegueira”. Disponível em:

<http://www2.seduc.mt.gov.br/-/mec-e-seduc-capacitam-professores-para-trabalhar-com-

surdocegos?inheritRedirect=true>. Acesso em: 18 de novembro de 2017.

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lidar com a situação, não sabia nem o que o filho tinha. É uma

Educação que tem que ter continuação do profissional, porque o

primeiro passo é que se estabeleçam vínculos, que a criança adquira

confiança. Mas como você não tem efetivo qualificado é por contrato,

às vezes o aluno começa com você, chega em dezembro você sai,

conta ponto, mas em fevereiro quando iniciam novamente as aulas e

esse aluno está com outro professor, aí até estabelecer todos os

vínculos novamente vai muito tempo. (Professor Luis Grassi, dia 24 de

janeiro de 2018).

Dessa maneira, podemos perceber que a ausência de diagnóstico específico foi

algo que dificultou a oferta de um ensino especializado a esses alunos, fato que nos

remete ao que foi relatado na entrevista da mãe:

Eu, como mãe, fui realmente ter conhecimento que minha filha era

surdocega ela já estava com 10 anos de idade, e hoje ela está com 19.

(Roseli, mãe de uma estudante com surdocegueira, dia 06 de fevereiro

de 2018).

A professora Luzinete também relatou em sua entrevista os seus anseios quanto

à falta de diagnóstico precoce, que, segundo ela, tem implicações.

Esses alunos não tiveram nem estimulação, então no meu

entendimento com esses alunos perdeu-se muito tempo mesmo e para

qualquer aluno com deficiência tempo é vital. (Professora Luzinete,

dia 22 de janeiro de 2018).

Dessa maneira, fica evidente que quanto mais cedo houver o diagnóstico e

atendimento educacional especializado mais os alunos com surdocegueira podem se

desenvolver.

Outro ponto em questão levantado na entrevista com o Professor Luis Grassi foi

o fato de não haver profissionais efetivos com formação para atuar com esses

estudantes. Todos os profissionais que atuam com surdocegueira no Ceaada têm

contrato temporário. Dessa forma, ainda que se qualifique o professor, não há garantias

de que ele irá continuar trabalhando na área, pois as regras do sistema podem mudar de

um ano para o outro. A ausência de política de formação e de garantia de permanência

do professor qualificado na área da surdocegueira gera nos estudantes, nos pais e

professores um sentimento de instabilidade e de quebra de vínculos. Vale ressaltar que,

de acordo com Van Dijk, a relação de apego e confiança é a primeira fase do

desenvolvimento de crianças com surdocegueira.

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Segundo relatos da professora Julia, três profissionais do Ceaada participaram do

curso de formação ofertado pelo estado no ano de 2008. Ela, que atuava como

professora interina, e mais duas professoras efetivas, sendo que uma delas já se

aposentou e a outra não trabalha mais na unidade escolar. Julia narrou, ainda, que das

três professoras que fizeram essa formação sobre surdocegueira apenas ela permaneceu

na área.

Com base nas entrevistas com a professora Julia, com os gestores (professora

Luzinete e professor Luis Grassi) e com Roseli, que é mãe de uma estudante com

surdocegueira, podemos dizer que o Ceaada foi a primeira escola que iniciou o

atendimento aos estudantes com surdocegueira. No ano de 2008 houve um curso de

formação ofertado aos profissionais de todo o estado que atuavam com tais estudantes.

O curso foi ministrado pela professora Shirley Maia e sua equipe, e foi nessa época

também que foi realizada uma avaliação para identificar os alunos que tinham

surdocegueira.

Em síntese, os dados relativos ao atendimento de pessoas com surdocegueira na

rede pública de ensino em Mato Grosso indicam que o reconhecimento desse direito foi

tardio. Deu-se a partir da década passada, de forma precária, pois os professores não

tinham qualificação na área e não tinham/não têm garantias de continuidade do trabalho.

Esse fato compromete a relação de apego e confiança entre o professor, o estudante e os

pais.

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4 O CEAADA COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM

SURDOCEGUEIRA

Conforme foi discutido no capítulo anterior, no estado de Mato Grosso, o

Ceaada tem papel de destaque na Educação de estudantes com surdez e com

surdocegueira. Considerando os objetivos deste estudo, neste capítulo buscamos

caracterizar essa instituição educativa como um espaço de Educação de pessoas com

surdocegueira.

Para desenvolver análises sobre essa temática organizamos o texto em cinco

tópicos. Inicialmente, caracterizamos o Ceaada como instituição que atende esses alunos

e as salas criadas para o atendimento de estudantes com surdocegueira, destacando os

recursos utilizados especialmente no que se refere à tecnologia assistiva. Em seguida,

apresentamos o perfil dos estudantes surdocegos que participaram do estudo,

observando o tempo de escolarização, as causas da surdocegueira e aspectos como

locomoção, alimentação, higiene e comunicação. O perfil das professoras, apresentado

na sequência, aborda questões relativas à formação profissional, tempo de experiência

na Educação, formação na área de surdocegueira. No quarto tópico analisamos os

processos de comunicação entre os estudantes com surdocegueira e as respectivas

professoras. Finalizando o capítulo, discutimos os processos de interação entre a sala de

surdocegueira, a escola e os pais.

Para desenvolver análises sobre as questões suscitadas neste estudo buscamos o

amparo teórico em autores como Maia (2011), Duarte et al. (2011), Manzini e

Deliberato (2007) e Galvão Filho (2009), entre outros.

Para discutir formação e profissionalização docente recorremos às contribuições

teóricas de Marcelo Garcia (1999), Antonio Nóvoa (1995) e Roldão (2007). O conceito

de experiência profissional é discutido a partir das contribuições de Jorge Larrosa

(2016).

4.1 Caracterização do Ceaada e da sala de surdocegueira

O Ceaada é uma escola da rede estadual especializada no atendimento de

estudantes com surdez. Foi fundada pelo Decreto nº 1.138, em 20 de janeiro de 2000. A

escola funciona no período matutino e vespertino e no ano de 2017 contava com cerca

de 41 funcionários, sendo que, desses, seis eram efetivos e 35 interinos.

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Aproximadamente 105 alunos estudam no Ceaada. O público-alvo são os

estudantes surdos, mas, segundo relatos de pessoas que foram por nós entrevistadas,

sempre atendeu os estudantes com surdocegueira. A princípio não havia uma sala

específica para surdocegueira. Foi somente a partir do ano de 2009 que começou o

atendimento específico para esse público, após a realização de um curso de formação de

professores ministrado pela pesquisadora Shirley Maia.

No ano de 2017, observamos que a escola pesquisada possui turmas próprias

para escolarização de pessoas com surdocegueira. Essas turmas funcionavam em um

mesmo espaço físico. Cada turma era formada por um único aluno, que era atendido por

uma professora específica.

Naquele ano, a escola atendeu 13 alunos com surdocegueira. Desse total, duas

alunas foram atendidas na turma de EJA, por terem surdocegueira adquirida em

decorrência da Síndrome de Usher. Dos 11 alunos atendidos na sala de surdocegueira,

sete estavam matriculados no período matutino e quatro no período vespertino.

Optamos aqui por analisar os dados obtidos de seis alunos e suas respectivas

professoras, todos matriculados no período matutino23. Faz-se necessário destacar que

um dos alunos matriculados nesse turno iniciou o ano letivo no mês de julho, e como as

observações e coleta de dados iniciaram no mês de maio, optamos por não o incluir na

pesquisa.

A sala destinada aos estudantes com surdocegueira está localizada no subsolo do

prédio. O acesso se dá por meio de escada interna ou rampa externa. A localização da

sala no piso inferior da escola é justificada pela necessidade de favorecer o acesso ao

refeitório, banheiros, chuveiro e a uma área coberta, que é utilizada para atividades

esportivas e festivas. No mesmo piso funcionam também salas da Educação infantil,

primeiro ano, sala multi24, biblioteca e laboratório de informática.

Devido à falta de espaço físico na escola todos os estudantes com surdocegueira

e suas respectivas professoras ocupam uma única sala de aula, com tamanho de

aproximadamente 24 m². Para organizar o espaço foram criados espaços educacionais

para atendimento individualizado dos estudantes, como pode ser observado na figura 1.

23 A opção pelo desenvolvimento da pesquisa no período matutino se deve ao fato de que esse turno era o

que tinha maior número de alunos. 24 Na sala multi são atendidos estudantes com múltiplas deficiências, que não tem possibilidade de

acompanhar as salas específicas para a educação de surdos.

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Figura 1 - Vista panorâmica da sala de surdocegueira do Ceaada

Fonte: Acervo da pesquisadora, 30 de novembro de 2017

A sala é constituída por sete espaços educacionais. Esse termo é usado aqui para

descrever o espaço utilizado para atender os alunos individualmente. Cada professora

havia organizado seu espaço de acordo com as demandas dos estudantes. Tais espaços

não possuem barreiras físicas e não são fixos. Podem ser reorganizados de acordo com

as atividades que as professoras estão desenvolvendo. No entanto, durante o período de

observação, constatamos que na maior parte do tempo os estudantes permanecem

isolados, de costas ou ao lado de seus colegas. É necessário destacar que a configuração

da sala é resultante da carência de espaço físico que, naquela condição, não permitia a

disposição das mesas de atendimento em formato de círculo e a existência de um espaço

amplo para a realização de atividades de interação dos alunos.

Maia (2011, p. 48) concebe a interação como “a forma que uma pessoa age em

relação a outra pessoa ou objeto, ou responde à ação de uma pessoa ou quando

estimulada por um objeto.” Essa autora ressalta que os processos de interação são

essenciais, pois “incentivam a comunicação de crianças com surdocegueira ou

deficiência múltipla sensorial” (p. 84).

Outro problema de infraestrutura analisado foi o fato de não haver ambientes

que pudessem ser potencializadores para que os estudantes se desenvolvessem no que

diz respeito à AVA. Se a escola dispusesse de uma cozinha experimental, lavanderia,

banheiros adaptados, horta escolar, entre outros espaços, os alunos teriam a

oportunidade de vivenciar novas experiências e assim ampliar as possibilidades de

aprendizagem. Souza (2010) assim explica:

As Avas incluem cuidados pessoais e alimentação, como também as

atividades que inserem a pessoa com deficiência no meio social e na

comunidade a que pertence. Um programa com essas atividades deve

envolver a inclusão na família, na escola e na comunidade; a

participação ativa no ambiente e a busca da independência, da

autonomia e da convivência social. (SOUZA, 2010, p. 28).

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A sala possui vários armários onde são guardados os materiais compartilhados

entre as professoras, denominados aqui de tecnologia assistiva. A tecnologia assistiva

refere-se a “todo e qualquer item, equipamento ou parte dele, produto ou sistema

fabricado em série ou sob-medida utilizado para aumentar, manter ou melhorar as

capacidades funcionais das pessoas com deficiência.” (DUARTE et al., 2011, p. 5).

Com base nas contribuições de Vygotsky, Galvão Filho (2009) chama atenção

para a necessidade de reconhecer que:

[...] é sumamente relevante, para o desenvolvimento humano, o

processo de apropriação, por parte do indivíduo, das experiências

presentes em sua cultura. O autor [Vygotsky] enfatiza a importância

da ação, da linguagem e dos processos interativos, na construção das

estruturas mentais superiores. O acesso aos recursos oferecidos pela

sociedade, pela cultura, escola, tecnologias, etc., influenciam

determinantemente nos processos de aprendizagem e desenvolvimento

da pessoa. Entretanto, as limitações do indivíduo com deficiência

tendem a tornar-se uma barreira a estes processos. Desenvolver

recursos de acessibilidade, a chamada Tecnologia Assistiva, seria uma

maneira concreta de neutralizar as barreiras causadas pela deficiência

e inserir esse indivíduo nos ambientes ricos para a aprendizagem e

desenvolvimento, proporcionados pela cultura. (GALVÃO FILHO;

DAMASCENO, 2003 apud GALVÃO FILHO, 2009, p. 26).

Tais tecnologias incluem também recursos didático-pedagógicos produzidos

com materiais alternativos de baixo custo. Eles são produzidos para auxiliar no

desenvolvimento das atividades. A maior parte dos recursos didáticos utilizados é

confeccionada pelas professoras com materiais recicláveis ou de baixo custo. São

exemplos de tecnologia assistiva: jogos educativos, livros, ábaco, brinquedos

industrializados e outros materiais produzidos artesanalmente pelas professoras. Dentre

os recursos pedagógicos artesanais utilizados na sala de surdocegueira, destacamos:

varal de atividades, móbiles, cartaz de sistema Braille, calendários, caderno de

comunicação, almofadas de apoio (calça da vovó25), prancha de suporte e/ou apoio, os

quais serão descritos a seguir.

O varal de atividades (figura 2) foi confeccionado pela professora Íris para ser

utilizado com Lilly. Foi produzido com uma prancha de papelão revestida com TNT

onde foram colados prendedores de roupa pintados nas cores preto e branco, pois,

segundo Íris, são as cores que sua aluna identifica. A professora realizava as atividades

25 A calça da vovó consiste em uma calça preenchida com retalhos de tecidos. Ela é utilizada para apoiar

os estudantes que não possuem domínio de tronco.

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com Lilly e pendurava no varal, deixando secar o material. Na opinião da professora o

material pendurado no varal era uma forma de ajudar a criança a recordar das atividades

realizadas.

Figura 2 - Varal de Atividades

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 09 de agosto de 2017

O móbile (figura 3) também foi um recurso pedagógico elaborado por Íris,

utilizando alguns brinquedos sensoriais infantis e garrafas que continham diversos

materiais dentro. Considerando que Lilly é cadeirante e possui dificuldade em

movimentação dos membros, a professora buscou recursos para estimular os resíduos

visuais e os movimentos da aluna. O móbile ficava pendurado a uma altura que permitia

à menina tocar nos objetos. Observamos que no início da coleta de dados Íris pegava a

mão de Lilly e levava até os objetos. Com o passar do tempo constatamos que, em

muitas situações, a menina tocava sozinha os objetos ali pendurados e sorria,

demonstrando, assim, gostar daquilo que lhe era proposto.

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Figura 3 - Móbile de interação

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 09 de agosto de 2017

O cartaz de sistema Braille (figura 4) fica exposto numa das paredes da sala. Foi

confeccionado por uma professora do período vespertino, mas pode ser utilizado por

todas. A exposição do cartaz de Braille na sala expressa entendimento de que o

estudante com surdocegueira necessita ter contato com várias formas de comunicação.

No entanto, dados do nosso estudo indicam que há predomínio da Libras tátil sobre o

Braille.

Figura 4 - Cartaz de Sistema Escrita Braille

Fonte: Acervo da pesquisadora, 07 de junho de 2017

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No que se refere aos calendários, observamos que eles são produzidos em vários

formatos e com diferentes materiais. Inclui desde os mais simplificados até os mais

elaborados. O mais utilizado é o calendário de objetos de referência ou calendário de

antecipação (figura 05), sendo ele o mais básico. É utilizado para que os alunos

compreendam e estabeleçam uma rotina a ser seguida. Esse tipo de calendário é

utilizado pelos alunos Kaio e Luan, com a finalidade de estabelecer a rotina dos

estudantes e também para estabelecer o tempo e a ordem de cada atividade que vai ser

realizada. Ele é dividido em alguns compartimentos e a “caixa do acabou”. As

atividades, materiais e objetos de referência que serão utilizados durante o dia são

dispostos nos diversos compartimentos do calendário. Conforme as atividades vão

sendo trabalhadas e o que é proposto vai acontecendo, o material que foi utilizado é

guardado na “caixa do acabou”.

Figura 5 - Calendário de objeto de referência/ Calendário de Antecipação

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de maio de 2017

O calendário suspenso (figura 6) é utilizado pela professora Jaqueline para

orientar seus alunos. Como podemos observar, esse calendário é composto por sete

cores, e cada cor representa um dia da semana. Ela sugere que o aluno venha para a

escola com a camiseta da cor correspondente ao dia. Quando há um feriado durante a

semana a professora amarra uma fita colorida na alça do calendário para indicar ao

aluno que no dia correspondente àquela cor não haverá aula. O calendário suspenso

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possui algumas divisões, de modo que as atividades desenvolvidas naquele dia são

dispostas nessas divisões, no intento de que os alunos consigam se orientar.

Figura 6 - Calendário suspenso

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de maio de 2017

O calendário semanal é utilizado pela professora Julia com o aluno Daniel

(figura 7). É um calendário mais avançado, pois demanda um nível maior de abstração.

É feito utilizando palavras, imagens e sinais em Libras e não objetos de referência.

Segundo relatos da professora, o aluno já teve vários tipos de calendários e hoje utiliza

esse. A professora utiliza também o caderno de comunicação que foi por ela

confeccionado. O referido caderno aparece sobre a mesa. Para trabalhar esse material a

professora usa imagens de familiares, objetos, alimentos e seus respectivos sinais em

Libras. Ao mostrar a imagem para o aluno, faz o sinal, ele observa e repete.

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Figura 7 – Calendário semanal

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de maio de 2017.

A adoção de calendários na Educação de alunos com surdocegueira reitera a

ideia defendida por Blaha (2011) de que esse tipo de tecnologia assitiva permite que o

aluno compreenda a atividade proposta e o momento em que ela é encerrada para dar

início a outras atividades.

As almofadas de apoio, chamadas também de “calça da vovó” (figura 8), são

confeccionadas utilizando calças ou bermudas jeans e preenchidas com retalhos

variados. Elas têm a finalidade de fornecer apoio às crianças que não se locomovem

quando a atividade ou brincadeira sugerida pelas professoras são desenvolvidas no chão.

Normalmente, são utilizadas uma “calça da vovó” e/ou “bermuda da vovó” para dar

maior sustentação à criança sobre um tatame, para evitar o contato direto com o chão.

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Figura 8 - Calça e bermuda da vovó

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 08 de junho de 2017

Na condição de pesquisadora nós fizemos uso desse tipo de almofada de apoio e

podemos afirmar, com base na nossa experiência, que essa tecnologia gera uma

sensação de conforto e aconchego por parecer estar no colo de outra pessoa.

A prancha de suporte e/ou apoio (figura 9) pode ser confeccionada com madeira

ou papelão reforçado e é utilizada com a finalidade de melhorar o posicionamento dos

materiais que estão sendo manipulados pelos alunos. Desse modo, a coluna e a cabeça

permanecem eretas, facilitando que ele visualize (se houver vestígios visuais) aquilo que

está sendo proposto.

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Figura 9 - Prancha de suporte e/ou apoio

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 08 de junho de 2017

A tecnologia assistiva fabricada pelas professoras é produzida com materiais

alternativos, como papelão, isopor, EVA, tecidos, entre outros. A diversidade de

materiais didáticos utilizados e compartilhados cotidianamente pelas professoras dá

evidências da responsabilidade e do compromisso delas com a Educação de seus

estudantes. Do nosso ponto de vista elas demonstram reconhecer que o trabalho na área

da surdocegueira demanda uma pedagogia específica, que nós denominamos Pedagogia

para pessoas com surdocegueira.

Percebemos que as professoras que atuam com tais estudantes assumem o

compromisso e buscam meios para que seus alunos se desenvolvam e aprendam. Como

são poucos os materiais disponibilizados, elas mesmas confeccionam e adaptam o

material, quando acham necessário.

4.2 Perfil dos estudantes com surdocegueira que participaram do estudo

Para caracterizar o perfil dos estudantes com surdocegueira, fizemos uso das

pastas de documentos de cada um dos alunos envolvidos na pesquisa. O conjunto das

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pastas foi disponibilizado pela coordenação pedagógica da escola. Vale ressaltar que

pela regulamentação da escola nenhum documento pode ser dali retirado. Por essa

razão, a análise dos documentos dos alunos foi realizada na sala da coordenação

pedagógica, sob a orientação de um dos funcionários da gestão escolar. Os documentos

analisados incluíram laudos médicos, histórico escolar e dados sobre a família de cada

um dos estudantes.

Os estudantes com surdocegueira e suas respectivas professoras foram

identificados com nomes fictícios, a fim de manter o sigilo de sua identidade.

O quadro 2 apresentado a seguir permite visualizar as características de tais

estudantes.

Quadro 2 - Caracterização dos estudantes com surdocegueira atendidos pelo Ceaada

Nome do

estudante

Idade

(anos) Causas da surdocegueira

Tempo que

frequenta o

Ceaada

Professora que

atua com

estudante

Enzo 29

Síndrome da Rubéola Congênita

(SRC), catarata congênita, surdez

profunda

Desde 2014 Eduarda

Daniel 18 Síndrome da Rubéola Congênita

(SRC), catarata congênita, glaucoma Desde 2008 Julia

Marcos 12 Albinismo, glaucoma Desde 2013 Jaqueline

Kaio 11

Paralisia cerebral, atrofia córtico-

subcortica associado à

leucoencefalopatia de aspecto

inespecífico.

Desde 2013 Gabriela

Luan 8

Síndrome “Pontine Tegmental Cap

Dysplasia”, má formação do

rombencéfalo26

Desde 2016 Luana

Lilly 7 Paralisia cerebral Iniciou em

2017 Íris

Fonte: Dados obtidos a partir da análise das pastas de identificação dos estudantes no Ceaada.

A faixa etária dos estudantes varia entre sete e 29 anos de idade e cada um deles

apresenta um diagnóstico específico. São estudantes que adquiriram a condição de

surdocegueira antes da aquisição de língua. Quanto ao tempo em que estudam no

Ceaada, observamos que Daniel é o aluno que frequenta a escola há mais tempo (nove

anos) e Lilly possui a matrícula mais recente.

26 Rombencéfalo é uma parte do cérebro composto pelo cerebelo e pelo tronco cerebral, conforme

conceituação apresentada em: <http://anatpat.unicamp.br/bineucerebelotronco.html>. Acesso em: 18 de

março de 2018.

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Enzo e Daniel têm surdocegueira congênita e em suas respectivas fichas de

identificação consta que a Síndrome da Rubéola Congênita foi a responsável por

acarretar essa perda auditiva e visual, além de apresentarem outros comprometimentos.

O estudante Marcos tem albinismo e possui surdocegueira desde o nascimento.

Apresenta perda auditiva profunda e uma perda visual devido ao glaucoma. Por essa

razão ele faz uso do implante coclear (IC) para conseguir ouvir alguns sons. A

professora Jaqueline relatou em sua entrevista:

A visão dele é só vulto e a audição dele é pouca. Ele fez o implante

coclear, mas até agora pra nós não resolveu nada, porque não teve

aquele acompanhamento com fono, né... então o problema não foi

resolvido. (Professora Jaqueline, dia 24 de outubro de 2017).

Esse dado reitera os resultados da pesquisa realizada por Bertola (2015),

sobretudo no que diz respeito à importância do apoio de profissionais especializados

que auxiliem as famílias e outros interlocutores a reconhecer as ações comunicativas

dos alunos. Essa autora lembra que se o implante coclear resultar em êxito a criança terá

“uma entrada sensorial menos limitada, e receberá novas informações do contexto que a

rodeia, precisará se adaptar aos novos estímulos sensoriais e a novas intervenções.” (p.

6).

Os estudantes Kaio e Lilly tiveram paralisia cerebral que ocasionou a

surdocegueira. No caso de Lilly a paralisia foi resultante de uma meningite que a

criança teve ainda quando bebê.

O estudante Luan apresenta uma síndrome rara, denominada Síndrome Pontine

Tegmental Cap Dysplasia, que configura na perda da visão e audição simultaneamente

desde o nascimento. Ele recebe atendimento da Home Care e é acompanhado 24 horas

por uma enfermeira. Na escola a enfermeira fica fora da sala de aula, entra apenas nos

horários em que é preciso dar a medicação para a criança.

Quanto à locomoção, apenas os estudantes Luan e Lilly não se locomovem

sozinhos. Lilly utiliza cadeira de rodas e Luan usa o carrinho de bebê. Quando apoiado

pela professora ou com o auxílio do andador ele dá alguns passos que não são firmes, e

em qualquer dessas situações ele carece do apoio.

O aluno Marcos se locomove sem auxílio em ambientes que ele reconhece. No

entanto, quando o local que deseja ir é distante de onde se encontra necessita de

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orientação para direcionar-se. Por exemplo, se ele vai ao banheiro ou ao refeitório, a

professora atua como guia, cedendo-lhe o braço e direcionando-o ao local desejado.

Kaio e Daniel também se locomovem sem auxílio, mas suas professoras fazem o

acompanhamento quando vão realizar alguma atividade fora da sala de aula.

Enzo é o aluno que possui maior autonomia quanto à locomoção, pois vai e volta

do banheiro, do bebedouro e do refeitório sozinho. No entanto, a professora vai atrás e o

acompanha porque é de praxe que o acompanhamento seja realizado.

Quanto à orientação e mobilidade (OM) dos estudantes percebemos que há

necessidade de ampliar essa prática, especialmente aos alunos que têm a capacidade de

se locomoverem sozinhos no ambiente, como é o caso de Marcos, Kaio e Daniel.

Giacomini (2008) e Andreossi (2009) pesquisaram sobre essa temática e garantem que

práticas de OM são necessárias para dar mais autonomia aos estudantes e propiciar a

inclusão deles em diferentes ambientes.

Quanto ao sentido da visão é possível observar que Marcos e Lilly são os alunos

mais comprometidos. Marcos não enxerga nada, mas tem sensibilidade à luz. Lilly,

dependendo da posição em que se encontra, enxerga alguns vultos com o olho esquerdo

e, segundo sua professora, identifica mais as cores preta e branca.

No que diz respeito à alimentação, os alunos Daniel e Luan são os únicos que

não consomem o alimento ofertado pela escola. Daniel consome saladas que prepara

diariamente com verduras que são trazidas da sua própria casa. A professora Julia o

auxilia e orienta para que higienize o alimento antes de consumi-lo, como podemos

observar na figura 10 que segue:

Figura 10 - O aluno Daniel higienizando sua salada

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 18 de agosto de 2017

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Um fator que nos chamou atenção foi o fato de que o aluno consome a salada

sem a utilização de talheres, ou seja, ele utiliza somente as mãos, conforme observamos

na figura 11. Segundo relatos da professora, atualmente ele está utilizando talheres para

se alimentar, mas durante o período da observação, consumia os alimentos com as

mãos.

Figura 11 - O aluno Daniel comendo a salada preparada por ele

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 21 de agosto de 2017

O estudante Luan não se alimenta por via oral, ele possui uma sonda gástrica

pelo qual a comida e medicamentos são injetados por uma seringa no “boton”. Os

cuidados com medicação e alimentação são realizados pela profissional da enfermagem,

que o acompanha pela home care.

Os alunos Enzo e Marcos se alimentam com autonomia. As refeições são

fornecidas a eles pela escola e normalmente repetem o lanche que lhes é ofertado. Kaio

também se alimenta com as refeições servidas pela escola, porém não possui habilidade

motora para realizar os movimentos sozinho. O alimento é colocado na boca pela

professora, utilizando a técnica mão-sobre-mão27.

A estudante Lilly possui dificuldade na deglutição do alimento, por esse motivo

as refeições preparadas pela escola são processadas no liquidificador para adquirir

consistência pastosa. O alimento é dado na boca da estudante pela professora. Quando é

27 As técnicas mão-sobre-mão e mão-sob-mão já foram detalhadas no capítulo 2.

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líquido, ele é colocado em um copo com alça e dado pela professora, utilizando a

técnica mão-sobre-mão.

Quanto à higiene, os alunos Kaio e Enzo são os que tomam banho na escola,

talvez pelo fato de serem os únicos que permaneciam na escola em período integral. No

contraturno de aula frequentavam a sala Multi 28, onde são atendidos estudantes com

múltiplas deficiências e que não têm possibilidade de acompanhar as salas específicas

para a Educação de surdos.

O banho acontece antes do horário do almoço. O aluno Kaio necessita de ajuda

da professora na hora do banho. A professora Gabriela separa a roupa, retira o calçado

do aluno, mostra o sabonete, faz o sinal de banho (figura (12). Ele, por sua vez, repetia o

sinal (figura 13), pegava o sabonete que estava disposto num dos compartimentos do

calendário do tipo objetos de referência e acompanhava a professora. No banheiro, ela o

orientava a tomar banho com a técnica mão-sobre-mão.

Figura 12 - Professora Gabriela fazendo o sinal de banho

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 01 de setembro de 2017

28 A sala Multi é uma sala multiseriada que atende estudantes com surdez associada a múltiplas

deficiências.

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Figura 13 – O aluno Kaio fazendo o sinal de banho

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 01 de setembro de 2017

O aluno Enzo tem autonomia na hora do banho. A professora faz o sinal de

banho, ele repete, pega sua mochila e se dirige ao banheiro, sem necessitar de

acompanhamento.

Observamos que todas as professoras buscam estabelecer uma rotina com os

estudantes. Para alguns alunos essa rotina não pode ser alterada. Foi o que constatamos

com Enzo. Em um dia de frio, a professora Eduarda disse que não faria o sinal de banho

para o seu aluno, como era de costume. Então chegou o horário do almoço, ela fez o

sinal de comer e o aluno foi pegar a mochila, achando que era o horário do banho. A

professora repetiu o sinal “comer” e o acompanhou até o refeitório. Lá, o aluno almoçou

e ao retornar para sala permaneceu inquieto, até que pegou a mochila e foi em direção

ao banheiro. As demais professoras disseram: “Ele vai tomar banho”, e o aluno de fato

foi. A professora tentou mudar a rotina naquele dia, mas ele ficou incomodado com tal

mudança, e enquanto não tomou banho não ficou satisfeito.

No que diz respeito às formas de comunicação adotadas na sala de

surdocegueira, observamos que há variações. As professoras utilizam Libras tátil e

Libras adaptada ao campo visual do aluno29. Os alunos utilizam predominantemente

expressões corporais e gestuais. É possível perceber quando os alunos gostam ou não de

29 Libras adaptada ao campo visual do aluno é quando as professoras realizam os sinais bem próximos dos

estudantes, de modo a facilitar que eles compreendam os sinais que estão emitindo.

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determinada atividade por meio de movimentos e expressões faciais de alegria ou

descontentamento.

Daniel reconhece as pessoas utilizando o resíduo visual que possui. Ao chegar

na sala ele cumprimenta sua professora e as demais professoras. Para reconhecer a

professora o estudante se aproxima e fica parado na frente dela. Estende uma das mãos

para tocar na mão da pessoa que está diante dele. Aceita abraços desde que sejam breves

e leves. Quando não se sente confortável ele se afasta.

O aluno Marcos reconhece a professora Jaqueline pelo toque. Ela usa um anel no

dedo polegar, ele chega na sala, se direciona para seu nicho e pega na mão da

professora, sentindo o anel que ela usa, sorri e a abraça, demonstrando reconhecê-la.

O estudante Kaio utiliza o resíduo visual para se orientar e reconhecer as

pessoas. Demonstra ser carinhoso, abraçando e puxando para perto de si as pessoas que

ele gosta. Quando não gosta de algo, normalmente senta no chão e chora.

O aluno Luan se orienta e reconhece as pessoas utilizando o resíduo visual. Ele

vira a cabeça na direção da pessoa e se estiver no carrinho suspende os braços,

demonstrando que quer colo.

Assim como Boas (2014), nós também percebemos que os estudantes utilizam

formas de comunicação não verbal, como riso, choro e movimentos corporais para

demonstrar que gostam ou não de algo. Os professores, cuidadores e família devem

ficar atentos para reconhecer essas formas de comunicação.

Lilly reconhece sua professora pelo cheiro e pelo toque, as demais pessoas ela

não demonstra reconhecer. Embora a aluna quase não possua vestígios de visão nem de

audição, quando a mãe chega na sala ela sente a presença e movimenta a cabeça,

tentando localizá-la.

A professora Eduarda relata que Enzo tem baixa visão, portanto, além desse

sentido, ele utiliza o tato e o olfato para se comunicar e reconhecer as pessoas. Esse fato

nos chamou atenção, pois quando uma pessoa se aproxima, ele toca o seu rosto, pega

nos cabelos e cheira os olhos. Não encontramos na literatura um autor que descrevesse

algo similar a esse fato, e supomos que seja pelo fato de que uma pessoa passa produtos

(shampoo, hidratante, desodorante, perfumes) em diferentes partes do corpo e esses

produtos podem confundir o cheiro que a caracteriza. Ademais, uma mesma pessoa

pode ainda usar produtos diferentes em dias alternados. Por essa razão acreditamos que

Enzo opte pelo cheiro dos olhos, que permanecem com o mesmo odor.

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Constatamos, portanto, que cada aluno adota uma maneira de reconhecer sua

professora e as demais pessoas, de acordo com as suas singularidades.

Podemos dizer, portanto, que os sujeitos dessa pesquisa se comunicam por meio

de Libras, Libras tátil e de expressões corporais. No entanto, podemos considerar que

nem todos os alunos compreendem sinais em Libras/Libras tátil e os que compreendem

o fazem apenas de forma isolada, com destaque para termos como: água, banheiro,

lanche, comer, banho, estudar, brincar, entre outros.

O fato de cada estudante adotar uma maneira de reconhecer e se comunicar

reafirma resultados de pesquisas que foram apresentadas no levantamento de teses e

dissertações que realizamos. Referimo-nos mais especificamente aos estudos de Rached

(2011), Boas (2014), Falkoski (2017) e Mata (2017), que chamam atenção para o

necessário reconhecimento de que, em se tratando de pessoas com surdocegueira, não

existe um único método para se comunicar.

Conforme análises realizadas por Falkoski (2017), Boas (2014) e Maia (2011), é

importante que as pessoas com surdocegueira tenham “parceiros significativos de

comunicação”. Com base nos estudos dessas autoras consideramos que todas as

professoras envolvidas nessa pesquisa se comportam como:

[...] parceiros significativos de comunicação porque se mostram

dispostas a reconhecer as diferentes formas de comunicação adotadas

por cada estudante. Assim, elas permitem que os estudantes “tenham

acesso e possibilidades de estar ativamente no ambiente recebendo e

transmitindo informações, promovendo assim a aquisição da linguagem

(MAIA, 2011, p. 76).

4.3 Perfis das professoras que atuam com os estudantes com surdocegueira

Para a caracterização do perfil das professoras que atuam nas salas de

surdocegueira do Ceaada, utilizamos um questionário que incluiu aspectos relativos à

formação acadêmica, vínculo empregatício e carga horária de trabalho (APENDICE D).

Como relatado anteriormente foram dados nomes fictícios às professoras a fim de

manter o sigilo sobre a identidade delas. Os dados referentes a esse questionário foram

sistematizados no quadro que é apresentado a seguir:

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110

Quadro 3 – Caracterização das professoras que atuam nas salas exclusivas de surdocegueira

Nome da

professora Idade Formação

Modalidade do

curso IES Especialização

Julia 56 Pedagogia Presencial UNIVAG

Psicopedagogia Clínica;

Psicopedagogia

Institucional;

Surdocegueira;

Psicomotricidade;

Educação Especial

Jaqueline 47 Pedagogia Presencial ICE

Educação Infantil;

Educação Especial;

Surdocegueira; Libras

Luana 44 Pedagogia e

Letras/Libras

Semipresencial e

Presencial

UNITINS e

UFMT

Ciências Neurológicas;

deficiência múltipla;

Libras; Surdocegueira

Íris 39 Pedagogia Semipresencial UNOPAR

Educação Infantil;

Alfabetização e

Letramento

Gabriela 37 Pedagogia e

Artes Presencial ICE

Educação Infantil;

Atendimento Educacional

Especializado (AEE)

Eduarda 35 Pedagogia Presencial UNIC

Psicopedagogia;

Surdocegueira;

Atendimento Educacional

Especializado (AEE);

Libras

Fonte: Dados da pesquisa organizados pela autora

Observamos que a docência nas salas de surdocegueira do Ceaada é exercida

predominantemente por mulheres. As professoras entrevistadas são formadas em

Pedagogia em instituições privadas e duas delas possuem outra graduação. Gabriela é

graduada em Artes e Luana está concluindo Letras/Libras na Universidade Federal de

Mato Grosso (UFMT). Em relação à modalidade do curso, quatro docentes tiveram

formação presencial.

Quanto à pós-graduação todas possuem mais de um curso de especialização.

Quatro possuem especialização específica na área de surdocegueira, uma cursou

especialização em Educação Infantil, Alfabetização e Letramento e a outra em

Educação Infantil e Atendimento Educacional Especializado (AEE). Vale ressaltar que

os cursos de pós-graduação elencados pelas professoras já estavam concluídos. Uma das

professoras, que ainda não possuía pós-graduação específica na área de surdocegueira,

estava com curso em andamento, demonstrando entender que o trabalho nessa área

requer formação específica.

Após o período de observação em sala de aula realizamos entrevistas com as

professoras que atuam nas salas de surdocegueira. A entrevista foi gravada e constituída

de três blocos de perguntas. O primeiro versou sobre a experiência profissional, o

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111

segundo sobre a formação específica para trabalhar nas salas de surdocegueira e o

terceiro bloco sobre a Educação em Ciências Naturais.

A experiência profissional das referidas professoras foi sistematizada no quadro

apresentado a seguir:

Quadro 4 - Experiência profissional das professoras que atuam em salas de surdocegueira

Nome da

professora

Tempo de

trabalho na

Educação

Tempo de

trabalho na

Educação especial

Tempo de

trabalho na

UE

Tempo de trabalho com

estudantes com

surdocegueira

Julia 31 anos 28 anos 12 anos 9 anos

Jaqueline 9 anos 9 anos 5 anos 8 anos

Luana 7 anos 2 anos 2 anos 1 ano

Íris 14 anos 6 anos 1 ano 1 ano

Gabriela 9 anos 4 anos 3 anos 3 anos

Eduarda 5 anos 5 anos 5 anos 5 anos

Fonte: Dados da pesquisa organizados pela autora

Esses dados evidenciam que quatro, dentre as seis professoras, têm acima de

nove anos de experiência profissional na área da Educação. Julia é a que tem maior

tempo de experiência no magistério (31 anos) e Eduarda é a que tem menor tempo de

experiência (cinco anos).

As experiências vivenciadas pelas professoras são diferenciadas e estão

relacionadas com as singularidades de cada uma delas, conforme explicitado a seguir:

Eu tenho 31 anos de experiência no magistério. Mas trabalhei alguns

anos sem registro. [...] quando eu tinha 16 anos fui fazer um trabalho

na Apae e perguntei se poderia trabalhar como voluntária [...] no fim

da década de 70 comecei a trabalhar no Mobral [...] fiz o magistério,

fui pra área da Educação especial e nunca mais eu saí [...] passei por

várias instituições. Trabalho com a Educação especial há uns 28 anos

e no Ceaada já vai fazer 12 anos. Atuo na sala de surdocegueira

desde o começo, em 2009. (Professora Julia, dia 20 de outubro de

2017).

Eu comecei em 2009 em uma escola do ensino regular [...] eu tinha

um aluno, ele era cadeirante, tinha deficiência intelectual [...] em

2010 eu fui para uma creche, na creche eu trabalhava como ADI30

[...] eu não tinha formação de professora e nem formação na área de

Educação especial [...] nessa creche em 2010 eu conheci o aluno

Marcos, que é surdocego [...] mas antes não era como hoje em sala

específica [...] em 2013 Marcos saiu da creche para vir para o

30 ADI é a sigla que designa auxiliar de desenvolvimento infantil. Esse profissional é responsável pela

integridade física e bem estar das crianças durante o período que ela permanece na creche ou escola. Esse

profissional da suporte ao professor nas atividades realizadas dentro e fora da sala de aula. (Disponível

em: <https://www.novaconcursos.com.br/portal/cargos/auxiliar-de-desenvolvimento-infantil/>. Acesso

em: 28 de abril de 2018.

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Ceaada. No Ceaada tinha uma sala especial reservada só para esses

alunos surdocegos. (Professora Jaqueline, dia 24 de outubro de 2017).

Fiz o magistério, comecei a dar aula ainda solteira no Paraná,

trabalhei por dois anos. Concursei lá no município, mas aí eu casei e

vim embora para o Mato Grosso e aí eu tive que abandonar meu

concurso. Eu ainda estava em estágio probatório, tinha só um ano do

concurso. Aqui eu iniciei novamente dando aula, só que engravidei da

minha filha, dei aula um ano e meio e aí eu parei com o nascimento

dela [...] Em 2008 eu fiz o curso de pedagogia, porque eu percebi que

só com o magistério eu já não conseguia mais retornar ao mercado de

trabalho. Aí eu terminei em 2012, mas só em 2016, que foi agora no

ano passado, é que eu voltei trabalhar [...] em 2014 eu iniciei na

UFMT o curso de Letras/Libras [...] o ano passado as coisas

apuraram e eu tive que voltar para o mercado de trabalho sem ter

terminado a faculdade de Letras/Libras [...] então, do ano passado

pra cá, vai fazer mais dois anos que eu voltei ao mercado de trabalho.

Lá no Paraná não era Educação inclusiva, quando eu dei aula. O ano

passado eu encarei um desafio, eu não tinha noção do que era a

inclusão, eu estava fora de sala. (Professora Luana, dia 14 de

setembro de 2017).

Iniciei há 14 anos atrás, quando eu entrei na creche Benedita Dias

como ADI [...] na Escola Dr. Orlando Nigro, eu trabalhei com um

menininho especial, o Pedro. Através dele eu descobri o valor da

vida, o valor de ser uma professora [silêncio... lágrimas], ele era

muito especial, ele amava a vida e a mãe dele era uma pessoa muito

boa. Trabalho com a Educação especial há uns seis anos, mas iniciei

no Ceaada com surdocegueira esse ano. (Professora Íris, dia 14 de

setembro de 2017).

Eu me tornei professora em 2007 [...] atuo há 9 anos como

professora. No início eu era professora somente do município,

pedagoga. Agora do município e estado. Trabalho com Educação

especial há quatro anos e no Ceaada vai fazer três anos. (Professora

Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).

Atuo há 5 anos, desde que eu me formei. No outro ano eu já comecei a

dar aula. Sempre trabalhei na Educação especial, comecei aqui [se

referindo ao Ceaada] já entrei direto na surdocegueira. (Professora

Eduarda, dia 13 de setembro de 2017).

Percebemos que as professoras Julia, Jaqueline e Íris tiveram suas primeiras

experiências na área da Educação e da Educação especial não como docentes. Jaqueline

e Íris iniciaram como ADI. A professora Julia relatou que sua primeira experiência foi

por meio de um trabalho voluntário que desenvolvia na Apae, aos 16 anos de idade. Ela

narrou ainda que começou a lecionar em 1978, mas possui registro da sua atuação como

docente de 31 anos.

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No que diz respeito à atuação na Educação especial percebemos que a professora

Julia é a que tem mais tempo de experiência profissional. As professoras Jaqueline e

Eduarda sempre trabalharam com a Educação especial, sendo que Eduarda desde que

iniciou a atividade docente foi na área da surdocegueira.

Jaqueline relatou em sua entrevista que no ano de 2010, ainda como ADI,

começou a atender o aluno Marcos, que na época frequentava a referida creche. Quando

concluiu o curso de pedagogia, foi trabalhar no Ceaada e Marcos também foi

matriculado na sala específica para surdocegueira.

A experiência profissional de Luana é marcada por descontinuidade. Relatou que

atuou na área da Educação há aproximadamente 20 anos atrás, afastou-se por questões

familiares e retornou há dois anos, enfrentando muitos desafios, dentre eles o de atuar

na Educação infantil de surdos, e em 2017 na surdocegueira.

Íris narrou que tem experiência na Educação especial em outras escolas, mas é o

primeiro ano que trabalha no Ceaada e também a sua primeira experiência como

professora de estudante com surdocegueira.

A professora Gabriela atua na atividade docente há nove anos. Possui duas

graduações: Pedagogia e Artes. No período matutino atua no Ceaada como professora

de estudante com surdocegueira e no período vespertino trabalha em escolas do

município, ministrando aulas de artes. Ela relata que desde que entrou no Ceaada

trabalha com estudantes surdocegos. Narrou ainda que antes já havia trabalhado um ano

na área da Educação especial, mas não com alunos com surdocegueira.

No segundo bloco de perguntas da entrevista realizada com as professoras

buscamos obter dados sobre a formação específica para trabalhar em salas de

surdocegueira e sobre a prática das professoras em sala de aula31.

Em junho de 2008, eu fiz um curso sobre surdocegueira com a

professora Shirley Maia, a Sandra Mesquita e a Vula. Elas vieram

fazer uma formação continuada em Mato Grosso. O governo de

estado estava oferecendo o curso para os professores que trabalham

com múltiplos e a surdocegueira, específico pra surdocegueira e eu

participei através de um sorteio na escola. (Professora Júlia, dia 20 de

outubro de 2017).

Eu não tinha nenhuma formação quando eu comecei e eu acho, assim,

você não precisa ter uma formação específica pra trabalhar com o

aluno surdocego [na atribuição de aulas], acho que vai mais do

interesse do professor, dele pesquisar, dele estudar sobre o tema,

31 As questões relativas à prática serão discutidas no quinto capítulo desta dissertação.

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fazer cursos de formação [...] têm pessoas que entram tem formação e

não sabem como trabalhar com aquele aluno. (Professora Jaqueline,

dia 24 de outubro de 2017).

Não tive nenhuma formação em surdocegueira. Caí de paraquedas

mesmo, não tinha noção, um desespero, eu achava que não iria dar

conta e na verdade eu não sei se estou dando conta [...] a angústia foi

total, a busca foi constante para saber, é muito difícil, você não

consegue aprender tudo em um dia ou dois. Até hoje e tenho essa

angústia, mas ela se acalmou um pouquinho, talvez porque eu aprendi

a conhecer meu aluno ou por causa dos estudos [se referindo à pós-

graduação que está fazendo, específica para surdocegueira, e ao

curso de AEE que fez on line]. Isso veio melhorando, veio me

tranquilizando em relação aos acontecimentos diários. (Professora

Luana. Dia 14 de setembro de 2017).

Não tive formação nenhuma. Quando eu entrei aqui e fui atribuída,

foi como professor normal, como se fosse para uma escola regular e

nós sabemos que aqui não é uma escola regular. Aqui é uma escola

que você precisa ter formação para poder entrar [...] o governo, a

Seduc não dão apoio, não dão essa formação continuada para o

professor. Quando eu entrei aqui eu falei que eu não tinha formação

nenhuma, eu nem sabia o que era a surdocegueira, eu nunca tinha

ouvido falar sobre isso. (Professora Íris, dia 14 de setembro de 2017).

Formação específica para surdocegueira não. Eu iniciei sem curso

específico pra surdocegueira, eu tinha somente a pós graduação em

AEE, mas ela não é específica para surdocegueira. (Professora

Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).

[...] na verdade quando eu entrei na surdocegueira eu não tinha

formação nenhuma. (Professora Eduarda, dia 13 de setembro de

2017).

Entre as professoras entrevistadas, Júlia foi a única que fez a formação

específica para surdocegueira, ofertada pelo estado de Mato Grosso, no ano de 2008.

Ela narrou em sua entrevista que três professores do Ceaada participaram da referida

formação. Duas professoras eram efetivas e ela era interina. Quando interrogada sobre a

atuação das participantes do curso, relatou que as outras duas professoras decidiram não

atuar na área da surdocegueira. Uma das professoras se aposentou e a outra não trabalha

mais na escola.

Na pesquisa fica evidente a precariedade da formação continuada, visto que a

qualificação específica para surdocegueira quase sempre vem de interesse particular das

docentes. No período observado não identificamos cursos de formação ofertados pela

Secretaria de Educação do estado de Mato Grosso.

Em relação à qualificação para a atuação na Educação especial, é necessário

levar em conta o posicionamento de Carvalho (2017, p. 90): “a qualidade dos serviços

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educacionais para pessoas com deficiência dependia da qualidade de formação dos

professores e que essa formação deveria ser parte integrante do Plano Nacional de

Educação”.

Considerando que a maioria das professoras não recebeu formação específica

antes de iniciar o trabalho em sala de surdocegueira, buscamos compreender que

estratégias elas utilizaram para se qualificar na área.

Em 2010, quando eu trabalhava como ADI na creche com o aluno

Marcos, que é surdocego, a Seduc/MT trouxe a professora Shirley

Maia. Foi a primeira vez que eu fiz o curso. Eu comecei a fazer um

curso também no Casies. [...] É por isso que eu falo pra você, quando

a pessoa quer, ela vai e busca. [...]. Só entra quem tem formação

específica? Eu não concordo com isso. Eu acho que você tem que dar

chance para as pessoas. Aí tudo bem, se entrou e não conseguiu a

coordenação poderia estar chamando e dizer realmente: ‘olha, eu

estou vendo que você não está conseguindo’, ou às vezes até a pessoa

mesmo fala né... igual a professora lá na creche que tinha pegado o

Marcos, ela não aguentou e saiu. Ela mesma pediu para sair, não

queria, disse que aquilo não era pra ela. (Professora Jaqueline, dia 24

de outubro de 2017).

Eu pedi ajuda para equipe, eles me indicaram livros que falavam

sobre o assunto. Eu devorava livros, tinha um desespero que tinha

coisas que eu lia e nem conseguia pegar o sentido de tão desesperada

que eu me encontrava. Então depois, conversando com uma colega,

ela me falou sobre uma pós-graduação que ela estava fazendo e que

tinha a disciplina de surdocegueira. Eram três formações: múltiplas

deficiências, neurociência e surdocegueira. Então eu resolvi entrar

nessa pós porque eu vi que, além da surdocegueira, ela falava das

múltiplas deficiências. E, no caso, a maioria dos alunos surdocegos

eles têm múltiplas deficiências, eles não têm somente a surdocegueira,

eles têm o cognitivo não preservado, outros já tem uma limitação

muscular, outros de coordenação motora e por aí vai. Então, quando

eu entrei na pós e eu comecei a ter um estudo mais profundo, eu

comecei a ter um olhar de vários autores, porque antes me mostraram

livros só de um autor e aí na pós eu fui ter o contato com outros

autores e eu pude comparar com o outro. Agora, as coisas estão

ficando mais claras, eu ainda tenho que estudar muito, eu tenho que

me dedicar muito, mas eu já consigo compreender e me colocar

diante de tal autor. (Professora Luana. Dia 14 de setembro de 2017).

[...] as colegas [se referindo às professoras] da sala que têm

experiência, que são formadas em surdocegueira, me ajudaram muito

e eu também corri atrás, eu busquei, estudei, li muito, estou fazendo

um curso da Professora Shirley Maia pra saber um pouco da

surdocegueira. É uma coisa que na verdade eu não sei nada ainda, eu

vou ter que estudar muito, porque é muita novidade [...] mas eu estou

aprendendo. Foi busca própria, eles [se referindo à Secretaria de

Educação] não deram formação nenhuma. Até a remuneração foi

própria [se referindo ao gasto com o curso AEE]. Como eu quis e

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precisava aprender, eu tive que pagar do meu bolso. (Professora Íris,

dia 14 de setembro de 2017).

Eu fiz alguns cursos com a Professora Shirley Maia, eu fui até o

instituto que ela leciona, que é a Ahimsa em São Paulo. É uma escola

referência no Brasil de surdocegos e alunos múltiplos. Lá, nós

tivemos uma experiência extraordinária. Ficamos uma semana, o dia

todo, das 07:00 às 17:00 horas, período integral. Lá, eu fiquei como

professora, estagiária. Eu pude estagiar, dar aula, participar dos

projetos, das atividades diárias dos alunos, de tudo, foi uma

experiência única. Hoje estou fazendo pós-graduação em

neurociência, surdocegueira e deficiências múltiplas. (Professora

Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).

Foi busca pessoal minha, eu procurei na internet trabalhos com

pessoas surdocegas, foquei muito na Shirley Maia, que é professora

da Ahimsa. Eu foquei muito nela e conversei com os colegas que já

trabalhavam há mais anos [...]. Só depois de um ano que eu já estava

trabalhando é que eu fui me especializar na área, com a pós de

surdocegueira. (Professora Eduarda, dia 13 de setembro de 2017).

A professora Jaqueline relatou que durante o primeiro curso de formação que

participou trabalhava como ADI com o aluno surdocego, no ano de 2010. Segundo ela,

a Seduc/MT trouxe a professora Shirley Maia para continuar a formação dos professores

que estavam fazendo o curso de surdocegueira desde o ano de 2008. Explica que

conseguiu realizar o curso, pois estava trabalhando nessa área, e que buscou ajuda para

qualificação nos cursos de formação oferecidos pelo Casies.

As professoras Luana, Íris e Eduarda expuseram que realizaram estudos em

livros e artigos relativos à surdocegueira, extraídos da internet. Mencionaram também a

importância do apoio de outras professoras que já atuavam na área.

Em 2017, no primeiro ano de experiência na área da surdocegueira, Luana e Íris

se inscreveram em um curso online de Atendimento Educacional Especializado para

pessoas com surdocegueira e deficiência múltipla, oferecido pela Ahimsa, em parceria

com o Grupo Brasil.

Gabriela foi a única que relatou ter conhecido a Ahimsa, em São Paulo. A

professora considera que a experiência que vivenciou lá foi de extrema importância para

o seu crescimento e qualificação como profissional.

Várias professoras citaram os textos e orientativos da Ahimsa como sendo

referência para o seu trabalho, evidenciando a relevância dessa instituição. Destacamos

aqui o papel dos profissionais que ali trabalham e que se dispõem a viajar pelo Brasil,

oferecendo capacitação nessa área a diversos profissionais da Educação. Vale ressaltar

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também que a oferta de cursos on line possibilita a democratização do acesso a essa

formação em todo território brasileiro.

No estado de Mato Grosso faz-se necessário destacar o papel do Casies como

espaço de formação de professores para a Educação especial, bem como do Ceaada

como um espaço de formação em serviço.

Em todos os relatos fica evidente o reconhecimento de que a formação docente é

um processo complexo, que não termina com a formação inicial (cursos de magistério

e/ou de licenciatura). Ela é contínua e deve ser assegurada pelas agências contratantes

(Secretarias de Educação e instituições educativas), pela dinâmica do trabalho e pelo

próprio professor, que precisa se reconhecer como um eterno aprendiz. Essas

constatações reiteram as ideias de Garcia (1999) no que se refere aos três tipos de

formação: autoformação, heteroformação e interformação.

A autorformação é uma formação em que o indivíduo participa de

forma independente e tendo sob o seu próprio controle os objetivos, os

processos, os instrumentos e os resultados da própria formação. A

heteroformação é uma formação que se organiza e desenvolve “a

partir de fora”, por especialistas, sem que seja comprometida a

personalidade do sujeito que participa. Por último, a interformação

define-se como “uma ação educativa que ocorre entre os futuros

professores ou entre professores em fase de atualização de

conhecimentos... e que existe como apoio privilegiado no trabalho da

equipe pedagógica.” (DEBESSE, 1982 apud GARCIA, 1999, p. 19-

20).

A “busca constante para saber”, o desejo de “conhecer o aluno” e de estudar em

livros e artigos que tratam de surdocegueira, conforme relatado pelas professoras

entrevistadas, expressam reconhecimento da necessidade de aprender a ser professor de

um estudante surdocego. Do nosso ponto de vista, essa inquietação diante dos desafios

da atividade docente é o fator preponderante para o processo formativo nesse campo do

conhecimento. Nesse sentido, a docência deve ser entendida como experiência na

acepção defendida por Jorge Larrosa (2016), ou seja, como algo que gera tremores, que

causa angústia, desespero, emoções que afetam o corpo, desencadeando um processo de

busca de sentido para o que é vivenciado.

A experiência é algo que (nos) acontece e que às vezes treme, ou

vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo

que luta pela expressão, e que às vezes, quando cai em mão de alguém

capaz de dar forma a esse tremor, então, somente então, se converte

em canto. E esse canto atravessa o tempo e o espaço. E ressoa em

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outras experiências e em outros tremores e em outros cantos.

(LARROSA, 2016, p. 10).

Observamos que cada uma das professoras relata sua experiência de formação

como algo singular, articulado à vida de cada uma. Isso exige reconhecer que, mesmo

quando o processo de formação é coletivo, os acontecimentos nele vivenciados não têm

o mesmo sentido para todos. Nem todos se deixam afetar pela experiência docente com

a mesma intensidade. Alguns podem vivenciá-la como um episódio efêmero, outros

como uma mudança provisória, e ainda outros se deixam afetar profundamente por ela.

Nesse caso, vivem-na como algo que transforma, que muda radicalmente o curso da

vida.

Conforme observou Larrosa (2016), a experiência é singular, pessoal e, por essa

razão, não pode ser pedagogizada, nem didatizada como uma atividade técnica. Trata-se

de algo que só se torna efetivo quando provoca tremores, rupturas, transformações. A

experiência é, portanto, “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. A cada dia

se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece” (p. 18). O

excesso de informação, de opinião, a intensificação do trabalho e a falta de tempo

tornam a experiência cada vez mais rara.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque,

requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos

tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar

para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais

devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos

detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade,

suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza,

abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a

lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito,

ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2016, p. 25).

Nesse sentido, é preciso considerar que nem todos os professores vivem a

formação na condição de sujeito da experiência. Isso permite compreender porque nem

todas as professoras que fizeram a formação ministrada pela Ahimsa, em 2008, optaram

por atuar na área de surdocegueira. Explica também porque professores desistem do

trabalho com crianças surdocegas por não se identificarem com o trabalho, conforme:

[...] o sujeito da experiência é também um sujeito sofredor, padecente,

receptivo, aceitante, interpelado, submetido. Seu contrário, o sujeito

incapaz de experiência, seria um sujeito firme, forte, impávido,

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inatingível, erguido, anestesiado, apático, autodeterminado, definido

por seu saber, por seu poder e por sua vontade. (LARROSA, 2016, p.

28).

As análises sobre a formação inicial e continuada de professores para o trabalho

em sala de surdocegueira realçam o entendimento de que a qualificação profissional

precisa ser assumida como uma política das agências contratantes, das instituições

educativas e do professor. Portanto, é algo como um querer coletivo em razão de um

projeto de Educação. Conforme observou Maia (2011), o educador de pessoa com

surdocegueira precisa se reconhecer como pessoa capaz de se sensibilizar diante da

condição do outro. Só assim ele pode proporcionar à criança surdocega experiências que

permitam a interação, comunicação e, assim, o aprendizado.

Considerando a importância da comunicação na Educação de pessoas com

surdocegueira, julgamos necessário não apenas observar esses processos in loco, mas,

também, compreender a opinião das professoras sobre as experiências de comunicação

por elas vivenciadas.

4.4 Relatos das professoras sobre experiência de comunicação e de interações em

sala de surdocegueira

As professoras entrevistadas na presente pesquisa consideram que a

comunicação é um dos fatores mais importante na vida de qualquer pessoa, isso porque

é o meio pelo qual uma pessoa fornece ou recebe informações. Indicam também

reconhecimento de que na sala de surdocegueira são adotadas diferentes formas de

comunicação, de acordo com as singularidades dos estudantes.

Daniel, dentro da residência dele, é emancipado. Faz tudo o que quer.

[...] Quando está fora de casa, ele pega as pessoas e leva aonde quer,

para que peguem determinado objeto. Assim, vai conquistando seu

espaço dentro dessa comunicação por objetos, que é uma

comunicação instrumental. Aqui na escola trabalhamos com a

comunicação digital, que é um método, através da escrita na palma

da mão, da digitalização no espaço do campo visual dele. Ele já

consegue interagir e prestar atenção. Ele já sabe alguns sinais é só

você mostrar. Se você perguntar o sinal dele ele sabe. E isso ele tá

provando pra nós que ele tem um potencial cognitivo, apesar dele ser

microcefálico, ele tem toda essa capacidade pra desenvolver

habilidade nessa comunicação não alfabética. (Professora Julia, dia

20 de outubro de 2017).

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[...] eu comunico bastante com ele. Às vezes, as pessoas falam:

“porque você fala tanto com ele, Marcos não escuta...” Aí eu falo:

“gente eu tenho que falar com Marcos, ele tem o aparelho, o implante

coclear”. Então eu falo muito com ele mesmo, eu falo, toco nele, faço

sinal, peço pra ele fazer de novo. (Professora Jaqueline, dia 24 de

outubro de 2017).

O Luan tem vários tipos de comunicação expressiva. Quando ele está

enciumado ou nervoso por eu ter deixado ele de lado, se eu for

conversar com outra pessoa, se eu for buscar atividade longe dele, ele

emite um grunhido, mas se eu for buscar a atividade e fizer o sinal de

espera um pouquinho, ele entende que eu vou fazer alguma coisa e ele

espera [...] na questão de atividades que eu proponho pra ele, quando

ele gosta, ele emite um sorriso ou gargalhada, se estiver concentrado,

focado na atividade ele costuma chupar a linguinha [...] se ele não

gosta da atividade, ele tem dois tipos de comunicação: primeiro ele

começa a jogar as coisas no chão e pegar as coisas como se a mão

fosse boba, ou então se ele não gostar mesmo da atividade, ele ergue

os braços na altura da cabeça, vira o rostinho de lado, como se

estivesse dizendo não e não tem Cristo que faça ele abaixar os

bracinhos. (Professora Luana, dia 14 de setembro de 2017).

Eu converso com a Lilly. Ela me reconhece por causa do meu toque e

do cheiro. Entre eu e ela tem aquela ligação, se eu chego e falo “cadê

a minha princesa?”, ela sabe que sou eu. Mas a comunicação que ela

tem muito forte é com a mãe e com o pai, só da mãe chegar na sala

ela sente a presença da mãe. (Professora Íris, dia 14 de setembro de

2017).

A comunicação do Kaio é mais através de gestos, choro ou birra. Ele

demonstra quando ele não quer ou não gosta de alguma coisa, ele

não pega nos objetos, empurra, ele se comunica através de gestos e

comportamentos. Se ele gosta, ele sorri, abraça e permite ajuda pra

fazer a atividade [...], têm sinais que ele já faz, já reconhece, ele

demonstra estar entendendo o propósito das atividades e do trabalho

desenvolvido. (Professora Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).

[...] quando ele chega é tudo pelo cheiro, ele vai cheirando, ele pega

no cabelo, é tudo tátil, então ele vai pegando, vai sentindo teu cheiro,

ele conhece a gente através do cheiro. Ele se comunica através da

Libras também. Como ele tem baixa visão, eu faço Libras tátil; outros

sinais que ele já conhece consegue fazer sozinho, ele já entende o que

é pra ele estar fazendo. (Professora Eduarda, dia 13 de setembro de

2017).

Fica evidente nesses relatos que a Educação de pessoas com surdocegueira

demanda uso de diferentes formas de comunicação, como: comunicação por objetos de

referência, Libras tátil, Libras adaptada ao campo visual do aluno. Os órgãos dos

sentidos (tato e olfato), expressões faciais e corporais também são utilizados para

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reconhecer o ambiente, as pessoas e para demonstrarem seus sentimentos. Os tipos de

comunicação adotados pelos alunos trata-se de comunicação expressiva e receptiva.

A comunicação expressiva, entendida por Souza, Maia e Fonegra (2011) como a

que é utilizada pelo sujeito para expressar suas vontades, aparece, notadamente, nos

relatos de Luana, Íris e Gabriela. Essas professoras mostraram-se atentas ao sentido

cinestésico e háptico, discutidos no capitulo 2 desta dissertação.

A comunicação receptiva é concebida como a manifestação do entendimento

daquilo que foi ensinado ou mostrado (SOUZA; MAIA; FONEGRA, 2011) e aparece

de forma mais evidente nos relatos das professoras Luana e Eduarda, notadamente

quando elas fazem referência ao entendimento que Luan e Enzo têm de sinais como

casa, espera, banheiro, entre outros.

Durante o período de observação buscamos visualizar o uso da Libras tátil na

comunicação professor-aluno. Chamou-nos atenção as práticas de comunicação

adotadas pela professora Jaqueline. Mesmo desconhecendo a capacidade auditiva de

Marcos, após o implante coclear, ela costuma utilizar a fala articulada com a Libras

tátil. Vale ressaltar que esse aluno é o que mais faz uso de sinais como forma de

comunicação. Se ele está realizando alguma atividade e sente vontade de ir ao banheiro,

levanta da carteira, faz o sinal “de banheiro” e sai em direção à porta. Como o aluno não

se orienta pela visão, a professora rapidamente se levanta para conduzi-lo ao banheiro.

Luana relata que seu aluno não produz sinais em Libras, mas compreende alguns

sinais que são produzidos por ela. Luan não se locomove sozinho e possui dificuldade

para a movimentação dos braços e pernas. A professora relata que muitas vezes faz os

sinais em Libras para o aluno e ele tenta reproduzir, mas por questões de configuração

de mão, os sinais ainda não saem da maneira correta. Com base nos estudos de Souza,

Maia e Fonegra (2011), podemos considerar que se trata de sinais adaptados, uma vez

que o aluno possui dificuldade e limitação para movimentação dos membros.

Considerando os relatos da professora Julia, inferimos que a dificuldade que os

alunos têm de utilizar a Libras como uma forma de comunicação pode estar relacionada

ao fato de que no contexto familiar e social os estudantes com surdocegueira tendem a

utilizar a linguagem instrumental. Vale ressaltar que a maioria dos pais não conhece a

linguagem de Libras, embora a escola ofereça cursos prioritariamente para os

familiares.

No que diz respeito à interação entre os estudantes com surdocegueira,

estudantes surdos e a comunidade escolar, as professoras entrevistadas manifestaram

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entendimento de que esse processo configura uma condição de existência humana e se

caracteriza pelo modo como cada pessoa age em relação ao outro. Esse entendimento

explica porque elas fazem uso de diferentes estratégias para promover a interação dentro

e fora de sala de aula.

O Daniel é surdocego, não faz muito o uso olfativo e nem muito tátil,

ele aprendeu a usar o bom resíduo visual que tem [...]. Ele interage

timidamente com outros alunos e professores da escola. Mas, no

momento, falta espaço para que ele possa ampliar o seu

conhecimento e o processo de interação. Poderíamos ter uma

cozinha experimental, uma horta, trabalhar em conjunto. (Professora

Júlia, dia 20 de outubro de 2017).

A socialização é muito bom para o Marcos. É bonito ver a interação

dele com as crianças, e das crianças com ele. Se você visse o cuidado

que as crianças tinham com ele [...] ele pra conhecer a criança, ele

sentava, puxava a criança e começava a apalpar e cheirava.

Apalpava para conhecer. Se alguma criança chegava por trás e fosse

fazer com ele, ele não deixava. Aí eu comecei a trabalhar isso com

ele. Eu perguntava: por que que você pode pegar nas crianças e não

deixa que elas toquem em você? Aí ele começou a aceitar. Antes ele

não aceitava que as pessoas tocassem nele. (Professora Jaqueline, dia

24 de outubro de 2017).

O Luan era retraído, tímido. Só depois do projeto interação as coisas

foram acontecendo e ele se abriu pra vida. A família dele gosta muito

dessa relação que ele tem com as crianças, por essa razão permite

que ele participe de festinhas, de coisas aqui na escola, para essa

interação. A família nessa questão ajuda bastante. Eles preservam

essa relação que ele tem de amizade, pois isso só faz crescer o

aprendizado do Luan. (Professora Luana, dia 14 de setembro de

2017).

[...] eu sinto que a Lilly se identifica muito com uma criança dentro

da sala, que é o Luan. Quando o Luan aproxima eu sinto que ela sente

que é ele, ela ergue o pescoço, a mãozinha e fica sempre naquela

alegria. Só no Luan que eu consegui identificar isso, com as outras

crianças da escola que se aproximam dela eu ainda não consegui

identificar reação. (Professora Íris, dia 14 de setembro de 2017).

Meu aluno Kaio abraça todo mundo. Às vezes eu vejo que as pessoas

se afastam, têm medo, mas ele só quer uma atenção, um carinho. Às

vezes ele quer que a pessoa pegue algo pra ele, um objeto e ele não

sabe se comunicar. Muitas crianças da escola acham que ele quer

agredir. (Professora Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).

O Enzo é mais retraído [...] Ele foi meu primeiro aluno quando eu

entrei na surdocegueira e ele não sabia nada de Libras, ele não tinha

comunicação nenhuma, a não ser com a família dele. E hoje ele se

comunica e interage com outras crianças da escola. (Professora

Eduarda, dia 13 de setembro de 2017).

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Esses relatos indicam que os processos de interação são diferenciados e

particulares, considerando cada estudante. Embora a interação com a família não tenha

sido evidenciada por todas as professoras, dados do nosso estudo permitem afirmar que

a interação ocorre, pois as famílias estão presentes na escola cotidianamente e nas

atividades comemorativas.

Em síntese, podemos considerar que os dados apresentados anteriormente

indicam que as professoras manifestam preocupação com a interação escola-família

entre os estudantes com surdocegueira, bem como entre eles e os demais estudantes e

professores da escola. Entendemos que os processos de interação no interior da sala de

surdocegueira podem ser potencializados pela criação de estratégias que re/configurem

os nichos para que os estudantes vivenciem situações de maior aproximação entre eles.

Entendemos também que a interação dos estudantes com surdocegueira com a escola

como um todo pode ser ampliada com a criação de espaços mais adequados, tais como:

auditório com palco, espaços com bancadas e instalações hidráulicas, quadra

poliesportiva, horta, banheiros adaptados nos dois pisos e cozinha experimental. Esse

conjunto de condições favorece o desenvolvimento de práticas educativas de caráter

individual e coletivo, como as que serão discutidos no capítulo que segue.

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5 EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS EM SALA DE SURDOCEGUEIRA

No capítulo anterior caracterizamos a sala de surdocegueira do ponto de vista

físico e pedagógico, chamando atenção para o necessário reconhecimento das

singularidades de cada estudante. Isso exige considerar que não há um método

específico para ensinar os alunos com surdocegueira. Neste capítulo, temos o intento de

caracterizar a Educação em Ciências Naturais em sala de surdocegueira observando

desafios e potencialidades.

Consideramos que a produção dos dados relativos à prática pedagógica das

professoras foi favorecida pelo método de pesquisa que adotamos: observação

participante. Esse posicionamento foi referenciado em Fiorentine e Lorenzato (2012),

que consideram essa metodologia de pesquisa uma excelente estratégia para coleta de

dados, isso porque o pesquisador não se comporta como uma pessoa estranha que

permanece alheia ao que acontece diante de si. Ele faz uma imersão no ambiente, tendo

o cuidado de não interferir nas práticas realizadas pelos sujeitos da pesquisa.

Ao partir desse entendimento buscamos nos fazer presentes nas atividades

desenvolvidas pelas professoras, interagindo com elas e com os estudantes, contudo,

sem interferir no processo. Observamos atividades desenvolvidas em sala de aula e em

outros espaços (reuniões de planejamento e da sala do educador32, projeto interação,

visita ao zoológico da UFMT, festas comemorativas33).

Os dados relativos à Educação em Ciências Naturais foram registrados por meio

de produções escritas (caderno de campo), fotografias, filmagens e entrevistas com as

professoras. O conjunto dos dados foi analisado considerando os seguintes aspectos:

práticas pedagógicas adotadas pelas professoras; temáticas exploradas na Educação em

Ciências Naturais; relatos das professoras sobre a própria prática.

5.1 Práticas pedagógicas adotadas pelas professoras

Conforme explicado anteriormente, na Educação de estudantes com

surdocegueira não há um padrão a ser seguido. Cada professor utiliza métodos

32 A sala do Educador foi a denominação utilizada pela Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso

para se referir aos encontros semanais de formação continuada realizados dentro da própria escola e

dentro da carga horária do professor. A partir de 2017 tais encontros de formação passaram a ser

denominados Pró-Escola: Formação na escola (PEFE). 33 Durante o período de observação, houve a festa da família, a festa junina e o desfile em comemoração

ao dia 07 de setembro.

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diferenciados para ensinar e se comunicar com os estudantes, conforme expresso nos

excertos de entrevistas que seguem:

Você vê que se você não construir com o aluno, não existe um

material específico [...] tenho que apresentar um material para minha

prática pedagógica, ele é único, ele é daquele aluno. O currículo deve

ser significativo porque de nada adianta o aluno ser capaz de fazer

lindas minhocas de massinha, mas não enrolar o próprio biscoito

para ele comer. (Professora Julia, dia 20 de outubro de 2017).

Eu trabalho os sinais direto, todos os dias, porque eu acho que é

muito importante para o Marcos, para estabelecer a comunicação

dele. Dou outras atividades diferenciadas pra ele estar desenvolvendo

[...] Pra eu trabalhar com ele sinais, pra eu pegar na mão dele, não

foi fácil. Ele não deixava. Eu fazia massinha de modelar, construía

bichinhos com ele, gelatina, que também é mole pra ele começar a

aceitar o toque, eu amornava um pouquinho de água para colocar as

mãozinhas dele e tinha um potinho de gelo. O Marcos é um menino

super inteligente [...] mas se você der chance pra ele e ele perceber

que você deu moleza ele não vai render. Desde que comecei a

trabalhar com ele na creche, eu sou assim, se ele faz uma coisa eu

falo firme, ele compreende. No início, para eu conseguir fazer ele

sentar eu tinha que segurar ele, tinha vez que eu não conseguia fazer

ele sentar. Tinha outra ADI na sala, eu pedia e ela vinha me ajudar e

nós conseguimos [...] na alimentação a gente tinha que segurar o

alimento na mão dele, o pão, ele pegava, mordia, se deixasse na mão

dele ele jogava fora. Aí eu comecei a usar a cumbuquinha, eu

segurava a mão dele, ele mordia, aí eu ia colocava a mão dele dentro

da cumbuquinha, ele deixava o pão ali dentro e ia fazendo esse

trabalho e nisso ele foi aprendendo, aprendendo cada vez mais e eu

aprendendo com ele. (Professora Jaqueline, dia 24 de outubro de

2017).

Eu trabalho com ele: ir para o banheiro, ir e voltar andando, eu

trabalho postura, trabalho subir e descer degraus, trabalho acender e

apagar a luz quando entrar e sair de um ambiente, trabalho abrir e

fechar a porta ao sair e entrar em um local e trabalho também o

andador pra que ele consiga ter essa autonomia do andar [...] A

alimentação eu não posso trabalhar com ele porque ele não se

alimenta via oral, o alimento dele é por uma cirurgia que ele fez no

abdômen e tem um boton onde todo alimento dele é aplicado ali.

Então fica difícil trabalhar com ele porque até os alimentos que

chamam a atenção do aluno, porque a criança tem esse ou aquele

alimento predileto, e eu não consigo trabalhar com o Luan, porque

nem água ele toma via oral. (Professora Luana, dia 14 de setembro de

2017).

Hoje, pegando na mãozinha dela e mostrando o copo, ela já sabe que

ela vai beber, ao mostrar a seringa ela sabe que ela vai tomar água,

[...] a Lilly precisa de todo apoio, ela não se locomove, não move os

braços, tudo tem que ajudar segurar com a mãozinha dela e

mostrando. Se a gente dá a colher, ela sabe que vai comer, no início

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ela não mastigava, hoje ela já mastiga, no início ela não engolia, hoje

ela já engole. (Professora Íris, dia 14 de setembro de 2017).

Eu uso o calendário de pista com ele porque ele é um aluno ainda

dependente, então eu estou trabalhando a independência dele. O

calendário de pista possui objetos que representam uma atividade

diária e ele precisa ser autônomo naquela atividade. Ele está no

estágio básico, estamos trabalhando aquele calendário dando mais

ênfase nas atividades de vida diária (AVD) do aluno. (Professora

Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).

O Enzo tem baixa visão e a minha prática em sala de aula com ele é

mais tátil, para ele estar pegando. Os trabalhos são adaptados e

ampliados. Por exemplo, o nome dele, ele já consegue reconhecer e

separar as letras com tamanho de mais ou menos 10 centímetros. Ele

monta o nome dele. Você vai adaptando os trabalhos pra fazer a

prática com eles. (Professora Eduarda, dia 13 de setembro de 2017).

Esses relatos reafirmam o entendimento de que cada aluno é único e cabe à

professora conhecer as características daquele que ela tem a tarefa de educar. Essa tarefa

inclui atividades de vida diária, como: sentar-se para realização de uma atividade,

permitir o toque de outras pessoas, saber alimentar-se com autonomia, ir ao banheiro,

adquirir hábitos de higiene e cuidados pessoais e coletivos, utilizar talheres e

recipientes, abrir e fechar portas, acender e apagar as luzes, etc. Para as crianças que

dispõem dos sentidos preservados essas atividades são simples, porém, para pessoas

com surdocegueira, em muitos casos associada a outros comprometimentos físicos e

intelectuais, essas tarefas são de difícil realização e aprendizado.

A fala da professora Jaqueline nos remete à fase de apego e confiança que foi

proposta por Van Dijk, conforme indicam os estudos realizados por Rached (2011) e

Maia (2011). A princípio, Marcos manifestava resistência ao toque e não atendia as

orientações da professora. A relação afetiva que se estabeleceu permitiu para que ele

compreendesse o ritmo do desenvolvimento das atividades, iniciando pelo sentar.

Entendemos que a relação afetiva que observamos em todas as professoras

envolvidas nessa pesquisa constitui a primeira fase do programa de comunicação

proposto por Van Dijk. Nesse sentido, todas as professoras expressaram entendimento

de que a criança com surdocegueira, assim como qualquer criança, está inserida num

ambiente que demanda reações afetivas, intelectuais, sociais e culturais.

A interação social depende da forma como a criança é recebida,

acolhida, observada, ouvida e compreendida em suas necessidades.

Essa forma de relação e comunicação influencia o desenvolvimento

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psico-afetivo e determina a maneira como a criança vai interagir com

as pessoas, objetos e o meio em que vive. (RACHED, 2011, p. 71).

Dados do nosso estudo evidenciam que as professoras fazem uso de diferentes

técnicas de ensino, tais como: caderno de comunicação (figura 14), que é utilizado para

lembrar os sinais de familiares e atividades que foram vivenciadas pelos alunos; técnica

mão-sobre-mão (figura 15) e mão-sob-mão (figura 16), para orientar seus alunos no

desenvolvimento das atividades; ensino da Libras pela apresentação do sinal no campo

visual do aluno; ensino de Libras tátil (figura 17) e da configuração de mão (figura 18)

para aquele sinal.

Figura 14 - Caderno de comunicação

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 07 de junho de 2017

Figura 15 - Técnica mão-sobre-mão

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 26 de junho de 2017

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Figura 16 - Técnica mão-sob-mão

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 26 de junho de 2017

Figura 17 - Libras tátil

Fonte: Arquivo da pesquisadora, dia 14 de junho de 2017

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Figura 18 - Configuração de mão

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 05 de julho de 2017

Na figura 14, a professora Gabriela ensina ao Kaio o sinal de mãe a partir de uma

foto da mãe do aluno. A foto compõe o caderno de comunicação e está ligada a relações

afetivas.

Na figura 15 a referida professora faz uso da técnica mão-sobre-mão para ensinar,

numa referência não representativa, as partes do corpo humano: cabeça, braços, pernas e

tronco.

Na figura 16 a professora Jaqueline usa a técnica de mão-sob-mão para trabalhar a

representação de casa (morada do aluno), ao mesmo tempo em que lida com o ensino de

formas geométricas pela colagem das partes que compõem uma casa.

Na figura 17 a professora Julia ensina o sinal de copo ao aluno Daniel, utilizando a

técnica de Libras tátil e objetos concretos (copo grande, copo pequeno, copinho de café) e

também a representação do copo por meio de desenhos que têm equivalência com o real.

Nessa atividade, a professora procurou ajudar o aluno a compreender que existem

diferentes tipos de copos, mas todos têm uma mesma função. Na figura 18 ela ensina a

configuração de mão de sinais de copo e café, utilizando objetos concretos de diferentes

materiais, texturas e peso (vidro, plástico, louça).

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Esses dados dão evidencias de que as professoras fazem uso de diferentes técnicas

de comunicação e de diferentes recursos. Assim, elas expressaram entendimento de que:

A aquisição e o desenvolvimento da linguagem estão ligados à

comunicação e a interação social, a expressão das emoções, o

conhecimento da realidade, a conduta voluntária e a capacidade de

representação. Sendo assim, devemos considerar que a linguagem é

um sistema complexo de símbolos que atua como mediador e

instrumento que favorece a interação com os nossos semelhantes nas

diferentes áreas de atividade (afetiva, cognitiva, social, etc.) e a

sistematização da comunicação para se converter em linguagem.

(MAIA, 2011, p. 78).

Apresentamos a seguir a descrição das práticas de Educação em Ciências

Naturais que consideramos relevantes para o desenvolvimento das análises propostas

neste estudo.

5.2 Temáticas exploradas na Educação em Ciências Naturais

Neste tópico buscamos mostrar as temáticas exploradas na Educação em Ciências

Naturais na sala de surdocegueira que foi campo desse estudo. O período de observação foi

de maio a setembro de 2017. Evidenciamos que as atividades relativas a essa temática

foram desenvolvidas na referida sala de aula e nas atividades do projeto interação.

O projeto interação foi proposto e desenvolvido pelas professoras da sala de

surdocegueira juntamente com a professora da Educação infantil e do primeiro ano da

Educação básica. O propósito foi promover a integração entre as crianças com

surdocegueira e crianças com surdez.

O referido projeto surgiu a partir do momento que as professoras que atuam nas

salas de surdocegueira perceberam a dificuldade que manifestavam seus alunos na

comunicação e na interação com os demais alunos da escola. Elas entenderam, então, que

essa interação com alunos da Educação infantil e do primeiro ano poderia auxiliar no

processo de socialização, comunicação e, por conseguinte, na sua aprendizagem. O Projeto

acontece desde 2016. A princípio apenas três professoras34 eram responsáveis por sua

execução. No ano de 2017 ele foi ampliado e envolveu todas as professoras e alunos da

34 No ano de 2016, duas dessas professoras trabalhavam com a surdocegueira e uma professora com a

educação infantil, ambas no período vespertino.

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surdocegueira e da Educação infantil que frequentam o período matutino. Em ambos os

anos, a gestão pedagógica tomou conhecimento e autorizou a execução do projeto.

Todas as atividades do projeto foram pensadas e preparadas pelas próprias

professoras35. Durante o período de coleta de dados observamos que, na maioria das

vezes, as atividades foram elaboradas e coordenadas pelas professoras Luana, Íris e

Jaqueline. As professoras Gabriela e Eduarda participaram esporadicamente. A professora

Júlia participou apenas uma vez.

Um aspecto que chamou nossa atenção no projeto é a disposição para fazer uso

de atividades diversificadas e de estratégias de ensino que possibilitem a interação entre os

alunos e a aprendizagem dos aspectos abordados. Chamou-nos atenção também o

entendimento de que não é possível comparar alunos que têm características físicas e

intelectuais diferenciadas. Esse entendimento foi expresso nos elogios e incentivos dados

ao grupo como um todo, respeitando as diferenças e motivando os alunos coletivamente.

As atividades de Educação em Ciências Naturais relatadas e analisadas nesse

estudo ocorreram dentro do Projeto Interação e na sala de aula. No projeto Interação, as

atividades foram relacionadas aos seguintes temas: sentidos (tato, visão, audição, olfato,

paladar), diversidade de animais (animais em miniatura-animal verdadeiro), montagem da

fazendinha, visita ao zoológico da UFMT, transformação da matéria cacau-chocolate e

higiene pessoal. No contexto da sala de aula, as atividades foram relacionadas com o corpo

humano e os vegetais.

5.2.1 Sentidos: audição, visão, paladar, tato e olfato

Embora os estudantes com surdocegueira e com surdez apresentassem déficits na

percepção de fatos do mundo (cada um conforme a sua singularidade), as professoras

consideraram relevante desenvolver atividades que pudessem exercitar os cinco sentidos,

explorando canais sensoriais remanescente da visão e audição.

No que diz respeito à audição as atividades foram desenvolvidas num espaço

próximo ao refeitório da escola. Naquele local havia um tablado de madeira sobre o qual

foi colocada uma potente caixa de som. As crianças foram motivadas a deitar sobre o

tablado na posição que se sentissem mais confortáveis. Foram apresentadas músicas de

35 Citamos aqui apenas os nomes das professoras que atuam nas salas de surdocegueira e não relatamos os

nomes das professoras que atuam na educação infantil e 1º ano, embora elas também participassem desse

processo.

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diferentes ritmos, incluindo rock, forró, músicas infantis, funk e cantigas de ninar. As

professoras partiram do entendimento de que se as crianças com surdez ou com

surdocegueira podem não ser totalmente surdas. Ainda que sejam, podem sentir no corpo

a vibração do som propagado pela madeira. A dinâmica dessa atividade foi ilustrada pelas

imagens apresentadas a seguir (figura 19 e figura 20).

Figura 19 - Audição (1)

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 15 de junho de 2017

Figura 20 – Audição (2)

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 15 de junho de 2017

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Conforme consta no nosso caderno de campo essa atividade relativa ao sentido da

audição foi marcante, pois nos fez repensar a concepção que tínhamos de pessoa com

surdez.

Foi a coisa mais maravilhosa que já presenciei na vida. Ver aquelas

crianças deitadinhas naquele tablado... Ver os olhinhos que brilhavam

e procuravam em meio à imensidão compreender o que estava

acontecendo naquele momento... Por que será que o corpinho estava

vibrando? Essa era uma pergunta que se passava na minha mente.

Alguns alunos surdos deitavam bem próximos à caixa de som e, de

acordo com o ritmo da música, batiam as mãozinhas no chão,

acompanhando a melodia da música. Confesso aqui que a princípio eu

duvidei que se pudesse trabalhar o sentido da audição com alunos que

são surdos, mas, mais uma vez, aquelas professoras me

impressionaram com a sua capacidade de criar estratégias para que

seus alunos aprendessem ou ao menos sentissem o que estava

acontecendo. (Diário de campo da pesquisadora, dia 15 de junho de

2017).

Esses dados reafirmam a necessidade do professor de crianças com surdocegueira e

surdez rever suas concepções e práticas a fim de criar estratégias pedagógicas que

permitam a interação e a exploração de canais sensoriais (residual ou não), ampliando,

assim, as possibilidades delas perceberem o mundo e se situar nele.

No que diz respeito ao sentido da visão as professoras utilizaram materiais como

papel celofane nas cores azul e amarelo que, segundo elas, são as cores que os alunos

que possuem resíduos visuais mais enxergam. Foram utilizadas também bolinhas que

emitem luz quando apertadas, bem como lanternas. O papel celofane colorido apresentado

às crianças tinha pedaços de papel colados, com fita adesiva, na frente e no verso. Foi

solicitado que os alunos tirassem os papéis que estavam colados na folha. Observamos que

os estudantes surdos que não têm comprometimento visual retiraram com facilidade os

pedacinhos de papel colados nos dois lados da folha. Os alunos com surdocegueira Marcos

e Lilly não tiveram nenhuma iniciativa para retirar os papéis, demonstrando, assim, que o

resíduo visual que possa existir neles é muito baixo, fato que não possibilitou

entendimento do que estava sendo proposto. Luan retirou os pedacinhos de papel que

estavam na frente da folha e tentou retirar os que estavam no verso pela frente do papel,

evidenciando, desse modo, dificuldades na localização espacial da imagem visualizada.

Outra atividade sobre o sentido da visão desenvolvida dentro do projeto interação

foi a utilização de lanternas e bolinhas que emitem luz (figura 21). As bolinhas, quando

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pressionadas, emitem luzes coloridas que permanecem piscando por determinado tempo.

Os alunos com surdez gostaram da atividade e buscaram interagir com os estudantes com

surdocegueira, propondo brincadeiras com a bolinha e a lanterna. Percebemos que os

estudantes com surdocegueira respondiam visualmente aos estímulos luminosos,

demonstrando prazer na interação.

Figura 21 - Bolinha com luz

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 22 de junho de 2017

As atividades relativas à visão também foram trabalhadas em sala de aula por todas

as professoras. Destacamos aqui as atividades com tampinhas (de metal ou de plástico) e

latas encapadas com EVA (figura 22 e figura 23). O material foi construído pelas próprias

professoras para uso coletivo dentro da sala. Nessa atividade os alunos são instigados a

separar as tampinhas por cor e colocá-las dentro da lata correspondente.

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Figura 22 - Latas e tampinhas coloridas

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de junho de 2017

Figura 23 - Caixa com tampinhas coloridas

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de junho de 2017

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Percebemos que os alunos Enzo e Daniel foram os que apresentaram maior

habilidade no desenvolvimento da atividade proposta, fato que evidencia que ambos

possuem resíduo visual em situações próximas. Com esse tipo de proposição, o professor

que atua em sala de surdocegueira pode conhecer as singularidades dos seus alunos.

O sentido do paladar também foi explorado no projeto interação. Foram

apresentados diversos alimentos (figura 24), entre eles: bolo de chocolate, sorvete,

cachorro quente, melancia, pipoca, suco de limão sem açúcar e suco adoçado. Todas as

crianças, com exceção do Luan, provaram todos os alimentos e reagiam em relação a cada

um deles. As professoras apresentaram então o sinal correspondente.

Figura 24 - Paladar

Fonte: Arquivo da pesquisadora, dia 29 de junho de 2017

O tato foi o sentido mais trabalhado pelas professoras da sala de surdocegueira.

As atividades incluíram manipulação de diferentes materiais, tais como: luvas cirúrgicas

preenchidas com trigo, caixas de areia, bolinhas de gel, objetos de encaixe, balão de

aniversário preenchido com água (Figura 25). Assim, as crianças puderam explorar

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diferentes texturas, pesos e temperatura. Observamos que os estudantes com surdocegueira

gostaram dessa atividade e exploram esse sentido mais do que outros, evidenciando maior

participação nas atividades.

Figura 25 - Tato

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 06 de julho de 2017

O sentido do olfato também foi trabalhado dentro do projeto interação e em sala

de aula. No projeto interação foram utilizados materiais com diferentes odores (figura 26),

tais como pó de café, álcool em gel com essência, limão, hidratante, creme dental e lenços

de bebê. Os alunos deveriam sentir o cheiro e fazer o sinal em Libras do odor

correspondente. Foi uma prática muito interessante.

Quanto ao pó de café, observamos que no início o aluno Marcos não demonstrava

interesse na atividade (figura 27), mas, ao sentir o cheiro do pó de café e sua textura (figura

28), ele tomou outra postura, cheirava, pegava com a mão e passava o pó em seu corpo

(figura 29).

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Figura 26 – Olfato (1)

Fonte: Arquivo da pesquisadora, dia 10 de agosto de 2017

Figura 27 – Olfato (2)

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 10 de agosto de 2017

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Figura 28 – Olfato (3)

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 10 de agosto de 2017

Figura 29 – Olfato (4)

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 10 de agosto de 2017

A postura inicial do aluno Marcos diante do pó de café demonstrou que ele é uma

pessoa com dificuldades para integração sensorial, precisando de estímulo mais intenso

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para poder responder à atividade apresentada. Há razões para crer que esse aluno seja uma

pessoa hiposensível36, pois ele não apenas utilizou o olfato como também o tato ao

esfregar o pó de café pelo corpo explorando o cheiro de maneira mais intensa.

5.2.2 Conhecendo os animais

O estudo dos animais foi desenvolvido dentro do projeto Interação a partir da

exploração de animais de plástico em miniaturas (vacas, bois, cavalos, ovelha, galinhas,

cachorros, entre outros). As crianças puderam escolher os animais, fazer o sinal

correspondente e posteriormente colocá-los em uma maquete, que representava uma

fazendinha. Ela foi confeccionada pelas professoras e pelos alunos, fazendo o uso de placa

de isopor, tinta a base d’água, palitos de picolé, cola quente e plantas de plástico também

em miniatura.

Percebemos que as crianças surdas responderam com mais destreza e entusiasmo

aos comandos dados pelas professoras. Isso se deve ao fato de que elas conseguem

relacionar o objeto de referência com o animal que é visto numa situação real. O mesmo

não acontece com as crianças com surdocegueira, visto que elas não possuem memória

visual sobre aquela representação em miniatura, configurando o que Blaha (2011, p.13)

denominou “forma sem significado”.

Diante do reconhecimento de que a representação do animal em miniatura era

uma “forma sem significado” para os estudantes com surdocegueira, as professoras

resolveram trabalhar com animais reais (figura 30 e figura 31). Numa atividade dentro do

projeto Interação levaram pintinhos para que as crianças pudessem tocar e perceber a

diferença entre a representação de um animal em miniatura e o animal real.

36 Esse termo é utilizado aqui para caracterizar pessoas com dificuldades na integração sensorial. “As

crianças hiposenssíveis necessitam de uma intensidade maior de estímulos, apresentam buscas intensas de

sensações”. Disponível em: <http://www.somarrecife.com.br/site/os-estimulos-sensoriais-e-a-crianca-

com-transtorno-do-espectro-do-autismo> Acesso em: 07 de maio de 2018.

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Figura 30- Animal Real (1)

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 17 de agosto de 2017

Figura 31 – Animal Real (2)

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 17 de agosto de 2017

As crianças puderam tocar o animal e sentir a textura da penugem, calor do corpo

e os movimentos, reconhecendo-o como um ser vivo. Os alunos com surdez apresentaram

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o pintinho para os alunos com surdocegueira, que demonstraram capacidade de interação e

de satisfação com a experiência vivenciada.

Outra atividade proposta pelo projeto Interação foi a visita ao zoológico (figura

32). Essa aula de campo, agendada previamente com a UFMT pelas professoras, foi muito

significativa. Os alunos com surdocegueira que possuem mais resíduos visuais mostraram

maior capacidade de comunicação e interação com os aspectos observáveis. Ao visualizar

os animais eles sorriam e puxavam as professoras, demonstrando querer se aproximar

deles. Lilly e Marcos, que são os estudantes mais comprometidos visualmente, também

gostaram dessa prática. Eles pareciam reconhecer que estavam em um local diferente e

demonstraram contentamento, talvez por sentir sensações como o calor do sol, o frescor da

sombra das árvores e do vento. No decorrer do passeio as professoras faziam paradas para

explicar e ensinar os sinais dos animais em Libras para as crianças com surdez e em Libras

tátil para as crianças com surdocegueira. Nesses momentos de paradas para explicar sobre

determinado animal, Marcos e Lilly davam indícios de que queria continuar o percurso.

Marcos, guiado pelo braço da professora Jaqueline, puxava, como se demonstrasse que

queria continuar andando, e Lilly mexia os pés na cadeira de rodas.

Figura 32 – Aula de campo no zoológico

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 24 de agosto de 2017

Esse tipo de atividade propicia integração com o mundo e favorece o brincar entre

os sujeitos. Trata-se de “um fator que motiva as crianças em geral e para as crianças com

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essas deficiências os agentes dessa motivação serão as famílias e os profissionais que

estarão em contato direto.” (MAIA, 2011, p. 34).

5.2.3 Transformação de alimentos: cacau-chocolate

Para explicar processos de transformação empregados na produção de alimentos,

as professoras desenvolveram atividades que instigaram a curiosidade das crianças. Elas

apresentaram a fruta do cacau, permitindo que elas explorassem em termos de

consistência, sabor e cheiro (figura 33). Depois disso, elas indagaram: que fruta é essa? As

crianças não souberam dizer que fruta era aquela. As professoras explicaram que se tratava

do cacau e que a partir das sementes daquela fruta era produzido um doce muito gostoso e

que quase todas as pessoas gostam. Então, elas perguntaram às crianças qual doce era

produzido a partir daquela fruta. Os alunos surdos se entreolharam, demonstrando

curiosidade em relação a tal fruta. Os alunos surdocego não demonstravam essa reação,

mesmo a partir do manuseio e da exploração das sensações. Na sequência, as professoras

apresentaram uma caixa fechada e informaram que dentro da caixa estava o doce feito com

sementes da fruta. A caixa foi passada de mão em mão e explorada por todos os alunos

(figura 34). Quando indagados sobre qual doce seria, os alunos ficaram pensativos, até

que um deles fez o sinal de chocolate. As professoras aplaudiram, confirmando o acerto.

Os alunos abriram a caixa que continha os bombons e outros tipos de chocolates, que

foram distribuídos para os presentes (figura 35).

Figura 33 – Apresentação do cacau

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 31 de agosto de 2017

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Figura 34 - Explorando a caixa surpresa

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 31 de agosto de 2017

Figura 35 - Cacau-chocolate

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 31 de agosto de 2017

Percebemos que grande parte das atividades relativas à Educação em Ciências

Naturais foram propostas no âmbito do projeto Interação, sendo realizadas com os alunos

com surdez. Mas vale ressaltar que, de acordo com as observações dos dados desta

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pesquisa, percebemos que as professoras reforçavam o que era trabalhado dentro do

projeto em sala de aula. Por exemplo: na semana em que era trabalhado o sentido do tato

no projeto interação, esse mesmo sentido era trabalhado durante toda semana em sala de

aula, e assim era feito com as demais temáticas abordadas.

Além das temáticas abordadas dentro do projeto Interação, as professoras

propuseram e trabalharam outras temáticas em sala de aula com os seus alunos, conforme

as que serão relatadas a seguir.

5.2.4 Conhecendo o próprio corpo

Durante o desenvolvimento dessa pesquisa observamos que todas as professoras

abordaram essa temática, expressando reconhecimento de que a compreensão do corpo é

essencial para o estudante com surdocegueira. Nesse sentido, foram realizadas atividades

que exploraram as diversas partes do corpo, sem deixar de considerar que ele é uma

totalidade.

As estratégias que foram adotadas pelas professoras incluiram: desenhos de

contorno e pinturas, montagem de quebra-cabeça e identificação das partes do corpo de um

esquema corporal móvel, relacionando-os ao próprio corpo do estudante (figura 36). No

caso de aluno que não conseguia apontar no próprio corpo as partes indicadas pelas

respectivas professoras, observamos que elas direcionavam a mão dele para as partes

correspondente ao que era apontado no desenho, no quebra-cabeça, no esquema corporal

ou no modelo utilizado. Observamos que, no caso de estudantes que adquiriam a

habilidade de relacionar as partes do corpo indicado no material pedagógico com o

próprio corpo, a professora ensinava sinais em Libras.

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Figura 36 - Corpo Humano

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 23 de junho de 2017

Outra atividade relacionada com essa temática foi a do contorno do corpo,

desenvolvida pela professora Julia com o aluno Daniel. A professora emendou várias

cartolinas e solicitou que o aluno deitasse sobre elas. Com Daniel deitado sobre as

cartolinas foi traçado o contorno do seu corpo, utilizando pincel colorido. O contorno foi

apresentado posteriormente para o aluno. Durante alguns minutos o aluno permaneceu

sentado no chão, observando o desenho com admiração. Depois se levantou e continuou a

observar a representação na cartolina estendida no chão. Julia se aproximou e perguntou o

que estava desenhado na cartolina. O aluno prontamente fez o seu sinal em Libras,

demonstrando reconhecer que aquele contorno era a representação do seu corpo (figura

37).

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Figura 37 – Contorno do corpo humano

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 08 de agosto de 2017

Após alguns dias a professora retomou a atividade para contornar o esquema do

corpo com barbante. Em seguida, ela recortou os membros para que o aluno montasse

como quebra-cabeça. Observamos que enquanto a professora recortava as partes do corpo,

Daniel manifestava inquietação e rapidamente tentava montar o contorno do corpo, a fim

de mantê-lo inteiro novamente.

Essas atividades relativas ao corpo humano nos remetem à fase de referência não

representativa proposta por Van Dijk e descrita por Rached (2011), pois nessa fase as

crianças reconhecem e localizam as partes do próprio corpo e de outras pessoas a partir de

modelos tridimensionais, bonecos e desenhos.

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5.2.5 Vegetais

Os vegetais também foram abordados na sala de surdocegueira durante o

desenvolvimento dessa pesquisa. Várias estratégias foram utilizadas, como decalque de

folhas, desenhos de contorno, colagens e germinação de sementes.

Julia propôs a Daniel uma atividade que utilizava vários tipos de folhas (figura

38). Ela iniciou mostrando ao estudante uma planta real que estava em um vaso no pátio da

escola. Logo em seguida, ele foi motivado a coletar diferentes tipos de folhas que

encontrava. A professora trouxe também algumas folhas de sua casa e solicitou que Daniel

fizesse o contorno delas, mas como o aluno não demonstrou habilidade manual e visual

para tal atividade ela mesma as contornou. Diante desse fato, Julia decidiu colocar as

folhas embaixo de um papel sulfite e pediu que o estudante friccionasse o giz de cera,

produzindo o decalque do contorno da folha e das nervuras. Durante algum tempo o aluno

ficou observando o que ele e sua professora haviam produzido, expressando surpresa.

Consideramos que ele demonstrou compreensão do que foi proposto ao aproximar as

folhas reais dos desenhos de contorno e decalques.

Figura 38 – Folhas

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 20 de junho de 2017

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Eduarda também realizou atividades referentes aos vegetais com o aluno Enzo. A

atividade consistitiu na montagem da árvove em desenho impresso em papel sulfite. Em

um papel havia desenhos de pequenas folhas e em outro papel havia o contorno de uma

árvore. Para desenvolver a atividade foi proposto ao aluno que pintasse as folhas,

utilizando giz de cera (figura 39). Essas folhas foram recortadas pela professora e dispostas

sobre a mesa. Sob a orientação da professora, Enzo pegava as folhas recortadas e dispostas

sobre a mesa e colava na copa da árvore impressa em papel sulfite (figura 40).

Figura 39 - Colorindo as folhas

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 16 de junho de 2017

Figura 40 - Montando a árvore

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 16 de junho de 2017

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O aluno mostrou habilidade para desenvolver a atividade que foi proposta, mas,

do nosso ponto de vista, se fossem coletadas folhas reais no pátio da escola para serem

coladas na atividade, e também pequenos galhos que pudessem representar o tronco da

árvore, essa atividade teria sido mais significativa para o estudante.

A professora Eduarda realizou outra atividade relacionada aos vegetais, que foi a

germinação de sementes (figura 41). Para a realização da atividade a professora utilizou

grãos de feijão, algodão e um potinho de plástico. Os feijões foram colocados por Enzo

sobre o algodão que estava dentro do pote plástico. Em seguida, ela pediu que ele

colocasse um pouco de água para umedecer o algodão e que molhasse os feijões todos os

dias. Com o passar dos dias os feijões germinaram. O aluno ficava durante algum tempo

observando e parecia compreender que o material de dentro do potinho estava se

transformando. A princípio a intenção da professora era que as mudas pudessem ser

plantadas na horta escolar, mas como não foi possível, os feijões germinados apodreceram

e acabaram morrendo.

Figura 41 - Germinação do feijão

Fonte: Acervo da pesquisadora, dia 03 de julho de 2017

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Acreditamos que se a escola dispusesse de horta escolar essa atividade poderia

ter sido concluída com sucesso, os ramos iriam crescer e iriam produzir frutos e desse

modo o aluno poderia ter percebido que o feijão plantado por ele poderia originar vários

outros feijões. Deixamos aqui registrado que mesmo com a ausência de espaço físico é

possível se fazer uma horta na escola utilizando caixotes ou até mesmo uma horta

suspensa.

5.3 Relatos das professoras sobre a própria prática

Para ampliar os dados relativos à Educação em Ciências Naturais, incluímos nas

entrevistas realizadas com as professoras questões relativas a essa temática. As

entrevistas foram realizadas no mês de setembro e outubro de 2017, após o período de

observação. O propósito foi melhor compreender a dinâmica do trabalho desenvolvido

por elas, especialmente no que diz respeito às práticas na Educação em Ciências

Naturais.

Em outros anos a gente foi no horto [...] Esse ano eu trabalhei a

higienização dos alimentos, sinais desses alimentos, preparo dessas

saladas que ele sempre traz [...] ele já sabe escolher o que ele quer

comer. Quando vão à feira e a família põe algum alimento na sacola,

ele devolve e pega outro alimento, como quem diz: “essa semana eu

não quero comer isso”[...] , em casa ele faz a hortinha com o avô.

[...] Dentro da área de Ciências Naturais trabalhamos mais

alimentos, os objetos, as folhas, o corpo humano. Utilizo o desenho de

contorno dessas verduras que ele traz. (Professora Julia, dia 20 de

outubro de 2017).

Em Ciências Naturais entra a parte da higiene, de vestir e despir. A

gente trabalhava muito isso quando ia na casa [antes havia um

projeto no qual os professores faziam visitas à família e orientavam

como lidar com aquele aluno], na visita in loco. Nós fazíamos as

visitas, orientávamos e trabalhava a higiene junto com a família. Esse

tipo de conteúdo sempre é trabalhado, mesmo o aluno estando mais

avançado esse conteúdo permanece. Têm alunos que sabem tudo

sobre AVD, mas você continua ensinando. Tem que ficar muito atento

na alimentação. Muitas vezes o aluno pega a comida e coloca muito

na boca, fica com a boca cheia, não mastiga, tudo isso você tem que

estar ensinando. Tem aluno que na hora que vai escovar o dente, ao

invés de levar a água na boca ele coloca a boca na torneira, então ele

sabe escovar o dente, mas tem que ensinar a não colocar a boca ali

na torneira. Então é por isso que eu falo, nós sempre vamos estar

trabalhando essa parte de Ciências Naturais com nossos alunos: a

higiene bucal, o vestir, despir, o banho, o corpo humano. (Professora

Jaqueline, dia 24 de outubro de 2017).

Eu trabalhei frutas, os sentidos, higiene pessoal [...] dentro de

ciências eu trabalho alimentos, embora ele não se alimente via oral.

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Trabalhei os alimentos da festa junina, o milho, a pipoca, ele sentia

pelo cheiro e pelo tato, ele só não se alimenta ainda, mas no futuro eu

tenho certeza que ele vai conseguir comer. (Professora Luana, dia 14

de setembro de 2017).

Na realidade a gente nem pode falar em conteúdo porque não é uma

escola regular. Se você for trabalhar atividades mesmo com ela, ela

não vai dar conta de fazer, então a gente trabalha mais o lúdico da

criança, mais mesmo o AVD, a vida diária dela. O que ela faz, como

faz, a troca de fralda. A gente trabalha mais isso, por quê? Porque ela

tem que aprender a se virar sozinha. Então fica meio difícil falar de

Ciências Naturais. Nem a escola tem um orientativo de currículo

funcional. (Professora Íris, dia 14 de setembro de 2017).

Com ele eu trabalho frutas e trabalho o corpo humano. Eu trabalho

com ele objetos de encaixes que são as peças de corpo humano,

trabalho as frutas que ele mais consome e que ele gosta, eu procuro

trabalhar bem a realidade dele, que são coisas do dia a dia, porque

não adianta eu trabalhar uma coisa que pra ele não é real, que ele

não tem contato com aquilo. Então em ciências eu trabalho frutas e o

corpo humano. (Professora Gabriela, dia 20 de outubro de 2017).

Eu trabalho com o Enzo o corpo humano, os alimentos. Na atividade

dos alimentos nós fizemos uma prancha com o nome dele, em cada

letra colocamos arroz, feijão, macarrão, ele ia colando, a gente ia ao

mesmo tempo trabalhando a coordenação motora e os alimentos que

ele come em casa e na escola. Outro conteúdo foi a germinação do

feijão. Ele que fez, desde a hora de colocar a semente no algodão,

todo dia ele foi molhando e acompanhando a germinação, via a

plantinha crescendo. A parte de higiene bucal, quando ele começou

comigo ele colocava a boca na torneira, hoje ele não faz mais assim.

Na parte da alimentação, eu trabalho higiene, antes dele comer tem

que lavar as mãos. Ele começou a comer de garfo e faca, que faz

parte da higiene também, ele colocava a boca no prato. (Professora

Eduarda, dia 13 de setembro de 2017).

Fica evidente nos relatos das professoras que não existem técnicas padronizadas

para Educação de pessoas com surdocegueira. Cada aluno é único e o currículo precisa

ser significativo para ele. O desafio é fazer com que os conhecimentos trabalhados na

escola possam ser utilizados e sejam relevantes nas atividades de vida diária; por essa

razão, as professoras dão prioridade às temáticas sobre órgãos do sentido (audição,

visão, paladar, tato e olfato), reconhecimento dos animais, transformação do cacau em

chocolate, reconhecimento do corpo e dos vegetais.

Não encontramos autores que discutam especificamente a Educação em Ciências

Naturais para estudantes com surdocegueira. Mas, assim como Maia (2011),

acreditamos que adotar a postura de “educador de pessoa com surdocegueira” torna-se

um fator preponderante para que o aprendizado aconteça. Um educador que se coloca

no “lugar do outro” consegue traçar estratégias e propor atividades relevantes e

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significativas que ampliem as AVAS, AVD e também o conhecimento dos estudantes

com surdocegueira.

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ao finalizar a produção dessa dissertação fui instigada a revisitar o percurso

vivenciado durante o curso de mestrado. Nesse processo de revisão da minha trajetória

enquanto pesquisadora da área da Educação em Ciências Naturais, muitas indagações

povoaram meu pensamento. Destaco aqui três delas: Que aprendizados eu realizei ao

desenvolver este estudo? Qual é a relevância social desta pesquisa? Que caminhos eu

pretendo trilhar ao concluir o mestrado? Busco a seguir apresentar algumas respostas.

Considero que meu grande aprendizado foi constatar que, até a elaboração do

projeto de pesquisa que deu origem a esta dissertação, as pessoas com surdocegueira

eram invisíveis ao meu olhar. Eu não havia sequer ouvido falar em surdocegueira.

Embora já contasse com experiência na Educação de pessoas com surdez e com outras

deficiências, desconhecia completamente a problemática vivida pelas crianças, jovens e

adultos com surdocegueira.

A condição de pesquisadora neófita que enfrenta desafios como possibilidade de

aprendizado levou-me à imersão na sala de surdocegueira da escola que foi campo deste

estudo. Nessa experiência eu fui motivada a ampliar meu olhar no campo da Educação,

notadamente, no que diz respeito à inclusão das pessoas diferentes. A cada dia de

convívio com as crianças e jovens com surdocegueira e com suas professoras eu

aprendia novas lições de vida e buscava na literatura formas de compreender o vivido.

Foram muitas situações que despertaram em mim sentimentos de alegria, de emoção, de

inquietações e questionamentos que desencadeavam os “tremores” referidos por Jorge

Larrosa (2016). Conforme observou esse autor, quando um acontecimento se torna

experiência ele nos afeta profundamente porque faz de nós um território de passagem,

uma superfície sensível, um lugar de acolhida, um ponto de chegada. A verdadeira

experiência ocorre na relação com o outro que nos desestabiliza, que nos inquieta e nos

instiga a produzir novos sentidos para o que é vivido. Por essa razão, considero que vivi

a pesquisa como um grande momento de transformação no meu modo de ser e de ver o

mundo. Esse processo foi favorecido pelos estudos realizados no contexto do curso de

mestrado e no contexto da escola pesquisada, quando eu discutia com as professoras os

textos que integraram o currículo do curso de aperfeiçoamento promovido pela Ahimsa,

em parceria com o Grupo Brasil.

Ao buscar traduzir a experiência que eu vivi nessa dissertação de mestrado

observei que a relevância social desta pesquisa possa estar no fato de que, no estado de

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Mato Grosso, esta dissertação é a primeira produção acadêmica (no âmbito da pós-

graduação stricto sensu) que trata dessa temática. No contexto nacional, há razões para

crer que essa pesquisa também é inédita, pois, ao realizar a revisão da literatura sobre a

Educação em Ciências Naturais para estudantes com surdocegueira não identifiquei

teses e dissertações sobre o tema.

No levantamento das dissertações e teses relativas à temática surdocegueira foi

possível perceber que a maior parte das produções está concentrada no sudeste, fato que

pode estar relacionado ao maior número de cursos de pós-graduação nessa região e à

presença do Grupo Brasil e da Ahimsa. Essas instituições têm assumido papel de

destaque na produção de políticas públicas, de materiais didático-pedagógicos e na

formação de professores. O fato de esta produção ser inédita no estado de Mato Grosso

(e talvez no Brasil) exige reconhecer que as discussões sobre a Educação de pessoas

com surdocegueira precisam ser ampliadas tanto no campo da pesquisa como dos

debates sobre políticas de inclusão.

Ao revisitar o percurso realizado pelos pesquisadores que foram apresentados na

revisão da literatura eu pude constatar a complexidade do trabalho do educador de

pessoas com surdocegueira. Atuar nessa área é um grande desafio, pois exige

compreensão dos processos de comunicação, de inclusão, de aquisição de linguagem, de

orientação e mobilidade, das causas da surdocegueira, dos processos de interação e do

brincar. É importante considerar que uma criança com surdocegueira tem capacidade de

brincar sozinhas e/ou com outras crianças. Como observou a professora Shirley Maia na

sua tese de doutorado, as brincadeiras são facilitadoras do processo de aprendizagem e

de interação social.

Com base nas análises de textos oficiais elencados nesta dissertação observei

que a surdocegueira tem pouca visibilidade na legislação educacional, pois a lei trata do

direito à Educação e o atendimento educacional especializado para as PCD, mas, em

geral, não faz referência específica à surdocegueira. Os silenciamentos em torno da

surdocegueira dão evidências de que os debates sobre essa condição precisam ser

ampliados nas creches, escolas de Educação básica, universidades, congressos,

associações, órgãos da administração pública na perspectiva de repercutir nos textos

oficiais que tecem as políticas públicas.

Em se tratando de políticas públicas para a Educação de pessoas com

surdocegueira é possível considerar que, no Mato Grosso, nas últimas décadas, houve

investimentos, todavia, as ações ainda são pouco significativas quando se considera as

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dimensões geográficas desse Estado e a carência de dados sobre as instituições que

fazem esse atendimento.

Outro aspecto que merece destaque é a necessidade de investimento na formação

de professores para atuação nessa área, levando em conta que se trata de um tipo de

Educação que exige conhecimentos e práticas pedagógicas específicas. Como ficou

realçada nas entrevistas com as professoras que foram envolvidas nesta pesquisa, a

maior parte delas iniciou o trabalho na sala de surdocegueira sem ter acesso à formação

requerida. Nesse sentido, é imperativo destacar a importância da parceria entre a Seduc,

as universidades públicas, a Ahimsa e o Grupo Brasil para dar respostas às demandas

desse campo.

Com base na experiência que vivenciei no desenvolvimento da pesquisa aqui

apresentada reafirmo a importância da observação participante (método de pesquisa

qualitativa) como possibilidade de coleta de dados. Assim, eu pude me inserir no campo

do estudo e compreender a condição do trabalho das professoras, os desafios

enfrentados pelas professoras, estudantes, pais e a comunidade escolar como um todo. O

meu posicionamento como observadora participante exigiu que me colocasse na

condição do outro e compreendesse o sentido de termos como “educador de pessoas

com surdocegueira”, “parceiros significativos”, “relações de comunicação”, “interação”,

entre outros.

Os sentidos que hoje dou a esses termos me motivam a realçar a importância do

Ceaada como espaço de Educação de pessoas com surdez e com surdocegueira.

Considero que a criação de uma sala específica para atendimento de surdocegos revela o

reconhecimento de que estudantes que se encontram nessa condição têm direito à

Educação diferenciada e singular. Ao me manifestar favorável à criação e manutenção

de espaços específicos para atendimento educacional de tais pessoas não estou me

colocando ao lado daqueles de defendem a segregação. Ao invés disso, defendo a

inclusão pelo reconhecimento da diferença, pois uma pessoa com surdocegueira

demanda atendimento educacional com professores especializados que favorecem o

desenvolvimento de AVD e AVAS. Tais atividades, fundamentais a autonomia do

estudante surdocego, precisam ocorrer em instituições que disponham de salas de aula

versáteis ricas em equipamentos e tecnologias assistiva. As instituições precisam dispor

também de cozinha experimental, lavanderia, banheiros adaptados e espaços para

atividades de interação com os demais estudantes da escola. Nesse sentido, entendo que

as instalações físicas do Ceaada precisam ser ampliadas.

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Entendo também que o Ceaada carece de investimentos em termos de materiais

didático-pedagógicos. Observei que na referida escola são poucos os materiais

pedagógicos industrializados. A maior parte das tecnologias assistiva utilizadas nas

aulas foi produzida pelas próprias professoras, em geral, com materiais de baixo custo

adquiridos, muitas vezes, com recursos próprios. Isso revela que elas dão sentido ao

termo “parceiro significativo”, mesmo tendo pouca formação na área. Para agir como

“parceiro significativo” as professoras fazem uso de várias técnicas de comunicação,

entre elas Libras, Libras tátil, Tadoma e Braille. No entanto, há predomínio de gestos,

Libras e Libras tátil.

No que se refere à questão central deste estudo ficou evidente que a Educação

em Ciências Naturais é trabalhada com estudantes com surdocegueira, mesmo que essa

condição esteja associada a outros comprometimentos. Entre as temáticas abordadas no

período de observação merecem destaque: órgãos dos sentidos, corpo humano,

diversidade de plantas e animais, transformação de substância articuladas com as AVD

e AVAS.

Em suma, as análises desenvolvidas neste estudo instigam-me a continuar

pesquisando a Educação de pessoa com surdocegueira por entender que Mato Grosso

carece de pesquisadores nessa área. Preocupa-me saber que, no Brasil, o número de

pessoas com surdocegueira está aumentando em consequência de doenças como a zica.

Faz-se necessário, portanto, ampliar os estudos e debates sobre a condição e os direitos

dessas pessoas o que implica em definir políticas públicas em vários setores,

notadamente no campo da Educação.

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APÊNDICES

APÊNDICE A - ENTREVISTA COM PROFESSORAS QUE ATUAM EM

SALAS DE SURDOCEGUEIRA NO CEAADA.............................

166

APÊNDICE B - ENTREVISTA SOBRE O HISTÓRICO DA SURDOCEGUEIRA. 168

APÊNDICE C - QUESTIONÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE

ESCOLAR PESQUISADA...............................................................

169

APÊNDICE D - APENDICE D – QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO

DAS PROFESSORAS QUE ATUAM NAS SALAS DE

SURDOCEGUEIRA.........................................................................

171

APÊNDICE E - CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISADORA................ 173

APÊNDICE F - CARTA DE ANUÊNCIA DA PESQUISADORA........................... 174

APÊNDICE G - TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PROFESSORES............... 176

APÊNDICE H - TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PAIS/RESPONSÁVEIS... 178

APÊNDICE I - TERMO DE NÃO ASSENTIMENTO DOS ALUNOS................... 180

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166

APÊNDICE A - ENTREVISTA COM PROFESSORAS QUE ATUAM EM SALAS

DE SURDOCEGUEIRA NO CEAADA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA DIRECIONADA AS

PROFESSORAS QUE ATUAM EM SALAS DE SURDOCEGUEIRA NO

CEAADA

BLOCO 1- Sobre a experiência profissional do professor que atua na sala de

surdocegueira.

a) Como você se tornou professor (a)? Conte-me a sua história.

b) Há quantos anos você leciona?

c) Há quantos anos você trabalha nesta escola?

d) Há quanto tempo você atua na Educação especial?

e) Há quanto tempo você atua em salas de surdocegueira?

BLOCO 2- Sobre a formação específica para trabalhar nas salas de surdocegueira

e sobre a prática dos professores em sala de aula.

f) Você teve alguma formação específica para trabalhar com alunos com

surdocegueira? Caso a resposta seja afirmativa, qual o tipo de formação?

g) Relate como é a sua prática na sala de aula com estudantes surdocegos?

h) Descreva como acontece a comunicação entre os estudantes surdocegos e

professores?

i) O que você considera ser o maior desafio de atuar como professor (a) dos

estudantes surdocegos?

j) Você gosta de atuar como professor (a) de estudantes surdocegos? Justifique sua

resposta.

k) O que você aprendeu a partir de suas práticas junto com alunos surdocegos?

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BLOCO 3- Sobre o ensino de Ciências Naturais para os estudantes surdocegos.

l) Com relação ao ensino de Ciências Naturais, você poderia elencar quais

conteúdos são trabalhados por você em sala de aula?

m) Como esses conteúdos de Ciências Naturais são trabalhados em sala de aula?

Qual a metodologia que você utiliza?

n) Como você avalia o aprendizado desse estudante?

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APÊNDICE B - ENTREVISTA SOBRE O HISTÓRICO DA SURDOCEGUEIRA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Essa entrevista tem a finalidade de obtermos dados sobre o histórico da surdocegueira

no estado de Mato Grosso. Soubemos que você participou do primeiro curso de

formação oferecido pelo estado no ano de 2008.

Você poderia nos contar:

Como foi esse curso?

Por quem ele foi ofertado?

Como se deu a escolha dos participantes?

Após o curso, como foi a criação das salas de estudantes surdocegos?

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APENDICE C - QUESTIONÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE

ESCOLAR PESQUISADA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

QUESTIONÁRIO – CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA

Dados da Escola

Nome da Escola:_________________________________________________________

Nome do (a) diretor (a):___________________________________________________

Endereço da escola:______________________________________________________

Telefone:______________________

E-mail:_______________________________ Data da fundação:__________________

Turnos de funcionamento da escola: ( ) matutino ( ) vespertino ( ) noturno

Nº total de salas: _____________ Nº de alunos por período: Matutino : _____________

Nº de alunos no período Vespertino:_____ nº de alunos no período noturno: _________

Nº total de professores: Efetivos _________________ contratados: ________________

A escola dispõe de:

Biblioteca: ( ) sim ( ) Não . Outros: ___________________________________

Laboratório de informática : ( ) sim ( ) não

Sala de Video: ( ) sim ( ) não

Materiais pedagógicos: ( ) sim ( ) não . Quais ? ____________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

- Materiais de multimídia? ( ) projetor de imagem ( ) Televisão

Outros ________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

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- Livros didáticos ( ) sim ( ) Não

- Livros para estudos e planejamento dos professores? ( ) sim ( ) não

- Livros de literatura suficientes? ( ) sim ( ) Não

A escola desenvolve algum projeto educativo com parcerias com outras instituições?

( ) sim ( ) não. Em caso afirmativo quais?___________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

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APENDICE D – QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES

QUE ATUAM NAS SALAS DE SURDOCEGUEIRA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

QUESTIONÁRIO - CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES QUE ATUAM

EM SALAS DE SURDOCEGUEIRA NO CEAADA

Professor (a): ___________________________________________________________

1. Dados Pessoais

Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino

Data de Nascimento: ______/______/______

Natural de: _______________________________

E-mail: _______________________________________________________________

Telefone: ( ) __________ - __________ Cel.: ( ) __________ - __________

( ) SURDO ( ) OUVINTE

2. Formação Acadêmica

Graduação

Curso/Habilitação: _______________________________________________________

Instituição: _____________________________________________________________

Cidade/Estado: __________________________________________________________

Modalidade do curso: ( ) Presencial ( ) Distância ( ) Semipresencial

Ano de Início: _____________________ Ano de término: _________________

Pós-graduação (identificar em qual área e o ano em que iniciou e o ano em que

concluiu)

( ) Especialização

Ano de início: _____________________ Ano de término: ______________________

Área: ________________________________________________________________

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( ) Mestrado

Ano de início: _____________________ Ano de término: ______________________

Área: ________________________________________________________________

( ) Doutorado

Ano de início: _____________________ Ano de término: ______________________

Área: ________________________________________________________________

( ) Não cursei ou não completei curso de Pós-Graduação

3. Situação e Experiência Profissional

a) Qual sua situação trabalhista:

( ) Efetivo

( ) Concursado em estágio probatório

( ) Prestador de serviço por contrato

b) Turno que trabalha nesta escola:

( ) Matutino ( ) Vespertino ( ) Noturno

c) Você trabalha em outra escola? ___________________________________________

d) Qual sua jornada de trabalho semanal? _____________________________________

e) Exerce outra profissão além de professor?

( ) Sim

( ) Não

Qual? ________________________________________________________________

Onde? _________________________________________________________________

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APENDICE E - CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISADORA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

Carta de apresentação do pesquisador

Cuiabá, 22 de Março de 2017.

Prezado (a) senhor (a),

Por meio desta, apresentamos a mestranda Valquíria Perassolo, aluna

devidamente matriculada no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da

Universidade Federal de Mato Grosso, que realiza a pesquisa intitulada “PRÁTICAS

DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA ESTUDANTES

SURDOCEGOS: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA ESCOLA PARA

SURDOS”, para que possa contar com vossa autorização para executar coleta de dados

na instituição representada por vossa senhoria.

A coleta de dados citada trata da aplicação de um instrumento semidirigido de

entrevista e de um questionário, que deverão ser respondidos por professores que atuam

em salas de surdocegueira no CEAADA no decorrer do ano de 2017, bem como analisar

o Projeto Político Pedagógico (PPP) da Unidade Escolar, o planejamento dos

professores e fazer observação nas salas de surdocegueira a fim de verificar quais e

como os conteúdos de ciências são trabalhados em sala de aula.

Informamos que o caráter ético desta pesquisa assegura o sigilo das informações

coletadas, mediantes Vossa Autorização, garantindo, a preservação da identidade e da

privacidade da instituição e dos sujeitos entrevistados, bem como, o retorno dos

resultados da pesquisa aos sujeitos ouvidos, na forma de um relatório de dissertação de

pesquisa.

Esclarecemos que a autorização é uma pré-condição bioética para a execução de

qualquer estudo envolvendo seres humanos, sob qualquer forma ou dimensão, em

consonância com a resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

Agradecemos vossa compreensão e colaboração com nosso processo de

obtenção do Título de Mestre em Educação e de desenvolvimento de pesquisa científica

em nossa região.

Colocamo-nos a vossa disposição na Universidade Federal de Mato Grosso ou

nos contatos, conforme segue: Celular da Professora Orientadora: (65) 996067216 E-

mail: [email protected]. Pesquisadora: (65) 999520523 E-mail:

[email protected].

Sendo o que tínhamos para o momento, agradecemos antecipadamente.

Cuiabá, 22 de março de 2017.

______________________________ ______________________________

Professora Orientadora Mestranda Pesquisadora

Tania Maria de Lima Valquíria Perassolo

Obs.: Duas vias. Assinadas pela professora orientadora da instituição envolvida.

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APENDICE F - CARTA DE ANUÊNCIA DA PESQUISADORA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

CARTA DE ANUÊNCIA PARA AUTORIZAÇÃO DE PESQUISA

Ilma Srª. Profª. Glaucia Inês Paes de Barros, atual diretora do CEAADA –

Centro Especializado de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Professora Arlete

Migueletti.

Solicitamos autorização institucional para realização da pesquisa intitulada

“PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA

ESTUDANTES SURDOCEGOS: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA

ESCOLA PARA SURDOS”, a ser realizada no CEAADA - Centro Especializado de

Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Professora Arlete Migueletti, localizado

na Avenida General Valle, no município de Cuiabá-MT.

A pesquisa será realizada com os professores que atuam em salas de

surdocegueira, alunos surdocegos, pais dos alunos surdocegos e gestores da unidade

escolar, pela aluna de Mestrado Valquíria Perassolo, sob orientação da Prof.ª Drª. Tania

Maria de Lima, com o(s) seguinte(s) objetivo(s):

Objetivo Geral:

Analisar práticas docentes de Educação em Ciências Naturais para estudantes

surdocegos observando desafios e potencialidades.

Objetivos Específicos:

Analisar a legislação educacional brasileira e de Mato Grosso observando

aspectos relativos à Educação de pessoas surdocegas;

Caracterizar a escola CEAADA como espaço de Educação de pessoas

surdocegas;

Identificar o perfil de estudantes surdocegos da escola CEAADA;

Analisar o trabalho pedagógico de professoras que atuam em sala de

surdocegueira dando destaque aos processos de comunicação adotados em sala

de aula e às proposições de Educação em Ciências Naturais.

Ao mesmo tempo, pedimos autorização para que o nome desta instituição possa

constar no relatório final bem como em futuras publicações na forma de artigo

científico.

A aceitação está condicionada ao cumprimento da pesquisadora aos requisitos da

Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/MS) 466/12 que trata da Pesquisa

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envolvendo Seres Humanos. Salientamos ainda que tais dados sejam utilizados tão

somente para realização deste estudo. Na certeza de contarmos com a colaboração e

empenho desta Diretoria, agradecemos antecipadamente a atenção, ficando à disposição

para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessário.

Cuiabá, 22 de março de 2017.

______________________________ ______________________________

Professora Orientadora Mestranda Pesquisadora

Tania Maria de Lima Valquíria Perassolo

( ) Concordamos com a solicitação ( ) Não concordamos com a solicitação

______________________________

Profª. Glaucia Inês Paes de Barros

Diretora do CEAADA - Centro Especializado de Atendimento e Apoio ao

Deficiente Auditivo Professora Arlete Migueletti

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APENDICE G - TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PROFESSORES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

PROFESSORES

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa

“PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA

ESTUDANTES SURDOCEGOS: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA

ESCOLA PARA SURDOS”, objeto de estudo da mestranda Valquíria Perassolo, da

Universidade Federal de Mato Grosso, sob orientação da Profª. Drª. Tânia Maria de

Lima, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. O objetivo deste

estudo é analisar práticas docentes de Educação em Ciências Naturais para estudantes

surdocegos observando desafios e potencialidades.

Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer

parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias de igual teor,

uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não terá

nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição na qual

trabalha. Se sentir necessidade, você poderá, a qualquer momento, encerrar a sua

participação. Em caso de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa

com Seres Humanos da Área das Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal

de Mato Grosso – CEP Humanidades/UFMT, coordenado pela Profª Drª Rosangela

Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, ou através do telefone (65) 3615-8935.

Sua participação neste estudo consistirá em responder uma entrevista

semidirigida e também autorizando a mestranda observar as práticas realizadas em sala

de surdocegueira, serão analisados aspectos relativos à comunicação, interação,

conteúdos trabalhados, metodologias utilizadas, e aprendizagem dos estudantes. As

observações, entrevistas e atividades realizadas com os estudantes surdocegos poderão

ser filmadas, gravadas e fotografadas. Todos os registros efetuados no decorrer desta

investigação científica serão usados para fins acadêmico-científicos e inutilizados após a

fase de análise dos dados e apresentação dos resultados finais na forma de dissertação e

artigos científicos.

Os riscos relacionados com sua participação na pesquisa são mínimos e, por este

motivo, os procedimentos deste estudo serão adotados de forma a provocar o menor

nível de desconforto possível. Como benefício, consideramos que a realização deste

estudo pode contribuir para ampliar o debate sobre a temática posta em pauta e, por

conseguinte, para dar mais visibilidade a esse grupo social historicamente excluído do

direito de acesso à Educação. Esta pesquisa buscará contribuir para tornar o ensino de

Ciências Naturais mais dinâmico e significativo tanto para os professores como para os

estudantes das salas de surdocegueira.. Acreditamos que a presente dissertação venha

contribuir com o acervo de pesquisas nessa área, visto que existem poucos estudos na

área do ensino para estudantes surdocegos.

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177

O conteúdo das informações colhidas por esta pesquisa será mantido em sigilo,

os dados referentes aos participantes serão confidenciais, eles servirão como base para a

reflexão, elaboração de relatórios e confecção de artigos para publicação. Você receberá

uma via de igual teor desse termo onde tem o nome, telefone e endereço eletrônico da

pesquisadora responsável, para que você possa localizá-la a qualquer momento. Seu

nome é Valquíria Perassolo ([email protected]), mestranda no Programa de Pós-

Graduação em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso campus Cuiabá e

telefone de contato (65) 99952-0523. Em caso de dúvida você pode procurar o Grupo de

Pesquisa Educação em Ciências da Natureza (EDUCIN) – UFMT, coordenado pela

Profª Drª Tania Maria de Lima (coordenadora do grupo e orientadora da pesquisa).

Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e

verbalmente dos objetivos destes estudos e em caso de divulgação AUTORIZO a

publicação.

Eu,____________________________________________________________________

____ portador (a) do RG, nº _______________________, declaro estar ciente dos

objetivos, riscos e benefícios da minha participação na pesquisa e concordo em

participar da pesquisa.

______________________________________________________________

Assinatura do Professor Participante da Pesquisa

______________________________________________________________

Assinatura da Pesquisadora

Cuiabá, ______ de ___________________ de 2017.

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178

APENDICE H - TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PAIS/RESPONSÁVEIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA OS

PAIS/RESPONSÁVEIS

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa

“PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA

ESTUDANTES SURDOCEGOS: UMA ANÁLISE NO CONTEXTO DE UMA

ESCOLA PARA SURDOS”, objeto de estudo da mestranda Valquíria Perassolo, da

Universidade Federal de Mato Grosso, sob orientação da Profª. Drª. Tânia Maria de

Lima, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação. O objetivo deste

estudo é analisar práticas docentes de Educação em Ciências Naturais para estudantes

surdocegos observando desafios e potencialidades.

Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer

parte do estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias de igual teor,

uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não terá

nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição que recebe

assistência. Se sentir necessidade, você poderá, a qualquer momento, encerrar a sua

participação. Em caso de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa

com Seres Humanos da Área das Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal

de Mato Grosso – CEP Humanidades/UFMT, coordenado pela Profª Drª Rosangela

Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, ou através do telefone (65) 3615-8935.

Sua participação neste estudo consistirá em: autorizar que o estudante surdocego

sob sua responsabilidade seja observado, filmado e fotografado durante as aulas, serão

analisados aspectos relativos à comunicação, interação e aprendizagem dos mesmos.

Todos os registros efetuados no decorrer desta investigação científica serão usados para

fins acadêmico-científicos e inutilizados após a fase de análise dos dados e apresentação

dos resultados finais na forma de dissertação e artigos científicos.

Os riscos relacionados com a participação dos estudantes na pesquisa são

mínimos e, por este motivo, os procedimentos deste estudo serão adotados de forma a

provocar o menor nível de desconforto possível. Como benefício, consideramos que a

realização deste estudo pode contribuir para ampliar o debate sobre a temática posta em

pauta e, por conseguinte, para dar mais visibilidade a esse grupo social historicamente

excluído do direito de acesso à Educação. Esta pesquisa buscará contribuir para tornar o

ensino de Ciências Naturais mais dinâmico e significativo tanto para os professores

como para os estudantes das salas de surdocegueira. Essa proposta será construída a

partir das observações feitas durante a pesquisa de forma que se possa indicar aos

professores e futuros professores de estudantes surdocegos, sugestões de conteúdos de

Ciências Naturais, metodologias utilizadas e instrumentos avaliativos da aprendizagem

dos estudantes surdocegos. Acreditamos que a presente dissertação venha contribuir

com o acervo de pesquisas nessa área, visto que existem poucos estudos na área do

ensino para estudantes surdocegos.

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O conteúdo das informações colhidas por esta pesquisa será mantido em sigilo,

os dados referentes aos estudantes serão confidenciais, eles servirão como base para a

reflexão, elaboração de relatórios e confecção de artigos para publicação. Você receberá

uma via de igual teor desse termo onde tem o nome, telefone e endereço eletrônico da

pesquisadora responsável, para que você possa localizá-la a qualquer momento. Seu

nome é Valquíria Perassolo ([email protected]), mestranda no Programa de Pós-

Graduação em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso campus Cuiabá e

telefone de contato (65) 99952-0523. Em caso de dúvida você pode procurar o Grupo de

Pesquisa Educação em Ciências da Natureza (EDUCIN) – UFMT, coordenado pela

Profª Drª Tania Maria de Lima (coordenadora do grupo e orientadora da pesquisa).

Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e

verbalmente dos objetivos destes estudos e em caso de divulgação AUTORIZO a

publicação.

Eu,____________________________________________________________________

____ portador (a) do RG, nº _______________________, declaro estar ciente dos

objetivos, riscos e benefícios da minha participação na pesquisa e concordo em

participar. Sou o responsável legal pelo estudante

__________________________________________________________, e concordo

com a sua participação na pesquisa.

______________________________________________________________

Assinatura do Responsável pelo Estudante Surdocego

______________________________________________________________

Assinatura da Pesquisadora

Cuiabá, ______ de ___________________ de 2017.

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APENDICE I - TERMO DE NÃO ASSENTIMENTO DOS ALUNOS

REQUERIMENTO

Venho requerer do CEP/Humanidade/UFMT a liberação do termo de

assentimento dos alunos surdocegos, uma vez que além do comprometimento

simultâneo da visão e audição, os mesmos possuem outros comprometimentos, como:

falta de habilidades manuais e alguns ainda possuem deficiência intelectual

Ressalto ainda que as atividades desenvolvidas em sala de aula, são atividades

de vida diária que visa dar autonomia ao sujeito surdocego. Os alunos surdocegos que

estudam no Centro de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Professora Arlete

Migueletti (CEAADA) tem entre 6 e 29 anos de idade, se comunicam através de Libras

tátil, tadoma, objetos de referência, entre outras formas de comunicação, mas os

mesmos não se comunicam através da escrita ficando impossibilitados de assinarem o

termo de assentimento.

As imagens que serão produzidas das práticas desenvolvidas pelas professoras

em sala de aula de surdocegueira serão feitas de forma que garanta a não identificação

dos sujeitos.

Fica assegurado que a observação das salas de aula de surdocegueira só será

realizada mediante a autorização dos responsáveis pelos alunos.

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ANEXOS

ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

HUMANIDADES/UFMT...................................................................

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ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP HUMANIDADES/UFMT

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