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IlustraçõesNanuka Andrade

Herois-da-internet-MIOLO.indd 1 16/09/2016 15:56:36

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Imaginação Alpha

Italo Matheus havia subido ao Mundo da Nuvem logo cedo naquele dia. Tudo fora preparado com muito cuidado para que a missão saísse perfeita. Era o trabalho de quase um mês colo-cado à prova. Se desse errado, ele seria a nova piada da internet.

A equipe estava pronta. Os atiradores davam cobertura do alto de um pequeno morro, enquanto Italo e os outros dois membros do time preparavam a subida da colina. O vento assobiava pelos vales rochosos, dando boas-vindas à mais perigosa fase do jogo “Pegue a Bandeira”.

Todos no time vestiam algumas peças da armadura feita de fibra de carbono e um capacete com viseira digital. Era um grupo composto por jovens fortes, dignos de um exército. E Italo não era diferente. Com a vestimenta, ele parecia um herói de guerra. Estava quase todo coberto, com exceção do braço direito, livre de panos, mas repleto de tatuagens.

O rapaz abaixou o visor e olhou para cima, mirando em seu alvo: um pequeno mastro, distante, onde uma bandeirola azul bailava ao sabor do vendaval. Estava a mais de oitocen-tos metros, montanha acima. Assim que ele travou o olhar no objetivo, um círculo vermelho apareceu no visor, envolvendo a bandeira.


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Italo Matheus Renan Carvalho

— Alvo definido — uma voz feminina ecoou no céu. Era o sistema avisando que a fase estava prestes a começar.

— Trinta segundos — Italo alertou.A única garota do time deu um passo à frente e se preparou

para iniciar, montando em uma das motos. Ela não iria antes apenas pela regra de “as damas primeiro”, mas sim porque ela era a linha de defesa do grupo, a mais preparada para seguir naquela posição. Se algo tentasse atacá-los pela dianteira, não passaria pelo escudo de energia que ela podia criar com os dis-positivos de suas luvas. Na sequência, iriam Italo e um terceiro membro, também motorizados. Se um inimigo oculto apare-cesse, os dois atiradores dariam conta dele.

E foi um deles, de cima do morro, que retirou o pequeno drone da mochila e o colocou para voar. Italo viu o robô e acenou para a câmera embutida na máquina. A partir dali toda a ação seria filmada e registrada para os espectadores de diversos canais na Nuvem. Não tinha como dar errado. Não podia dar errado.

A verdade é que ninguém ousava desafiar essa fase com tão poucos recursos. Eram apenas cinco para vencer um desa-fio que exigia no mínimo dez jogadores. Mas Italo acreditava que conseguiriam. Tinham treinado duro para isso.

— Coloca uma música pra gente, Italo — o garoto na motocicleta pediu.

— Rock?— Isso! — respondeu, sorrindo, então abaixou a viseira

escura também.Italo se concentrou e algo foi alterado no banco de dados

da matriz que gerava aquela fase. O som sem graça do vento batendo nas montanhas foi abafado pela batida pesada de uma bateria, e a melodia forte das guitarras inundou as colinas logo depois. Mais alto do que a música que Italo escolhera, apenas a contagem regressiva que se destacou na voz feminina:


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— Dez, nove, oito...— Todos prontos? — Italo questionou, recebendo um

energético “sim” de seu time.— Sete, seis...A garota colocou uma das mãos diante de sua moto e ligou

o escudo.— Cinco, quatro, três...Italo deu a partida na motocicleta.— Dois, um... Ataquem agora!Ao sinal da voz do jogo, o time disparou na direção do

objetivo.O caminho de pedras no início do percurso parecia fácil. E

de fato seria, se do solo não brotassem enormes vermes cheios de dentes. Italo viu o primeiro tentar um ataque contra a garota na frente, mas ela o evitou com o escudo de energia, dando cobertura para que os outros dois avançassem. Mais quatro monstros tentaram uma investida, mantendo-a para trás, mas eles acabaram alvejados pelos atiradores.

— Obrigada — ela disse pelo comunicador do capacete.— De na... ahh!Italo olhou para trás e testemunhou outro verme cheio de

dentes devorar um de seus atiradores. “Aquelas criaturas não deveriam chegar até ali”, ele pen-

sou, preocupado. Teria errado os cálculos? O morro era para ser seguro para eles.

— Sigam! — o outro sniper mandou, disparando contra mais vermes que brotavam ao seu redor.

— Vai logo! — a garota reforçou, enquanto lutava com outra dúzia de minhocas monstruosas.

Sem opções, Italo acelerou a motocicleta. O drone acompanhava seu movimento, embalado pela

batida frenética do rock. E a câmera capturava cada detalhe


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em alta resolução. Era possível notar, através do visor, o suor de Italo escorrendo pela testa. Ele estava nervoso. As coisas não iam como o planejado.

Após ganharem distância dos vermes medonhos, o rapaz se deparou com um paredão de pedra que se ergueu de forma repentina no alto da colina. E lá, a muralha se despedaçou. Uma avalanche rochosa veio em seguida, com força, lançando dezenas de pedregulhos que passaram quicando entre os dois motociclistas. Ambos se desviaram dos obstáculos com agili-dade, mantendo-se firmes na pista. No entanto, da última rocha não era possível se esquivar. Uma gigantesca bola de pedra des-cia do alto pela ladeira, ocupando todo o espaço do percurso.

Sem a proteção dos escudos da linha de frente do time, Italo precisou lançar mão do plano B. Era para isto que ele liderava o grupo: usar de sua habilidade se algo desse muito errado. Aquele era o momento.

Enquanto corria na direção da rocha rolante, Italo tirou a atenção dos guidões e se concentrou nos dados que voavam invisíveis na programação do Mundo da Nuvem. De alguma forma, ele podia compreender aquelas informações e se comu-nicar com elas, mesmo que minimamente. Sua imaginação era de nível alpha, aquela que menos de um por cento da popula-ção possuía. Ele interagia de forma diferente com a Nuvem, permitindo que sua criatividade alterasse pequenos, mas pre-ciosos, detalhes. Foi o que Italo fez.

Ele estendeu o braço tatuado, e as linhas negras dos dese-nhos ganharam vida. Serpentearam em sua frente e voaram depressa para o solo, onde se fixaram, viraram uma rocha, depois uma pequena lombada.

O pedregulho redondo bateu com força na criação de Italo e pulou alto, passando por cima dos dois, antes de continuar seu caminho, ladeira abaixo.


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— Caraca! — o outro motociclista gritou. — Isso foi demais.

— Tive que pensar rápido — Italo falou, aliviado.Mas ainda estavam na metade do caminho. O visor

mostrava que faltavam centenas de metros em uma pista extremamente íngreme e perigosa. Eles continuaram.

A música já repetia seu refrão quando Italo e seu companhei-ro motorizado passaram por mais vermes, que insistentemente voltavam a nascer do solo, lançando rochas para cima. A última criatura a surgir acertou em cheio a moto de Italo, fazendo-o rolar no chão duro.

O segundo motoqueiro deu meia-volta e recebeu um sinal para que continuasse. Mas ele ignorou. Parou a moto após um cavalinho de pau, sacou uma pistola e deu cinco tiros, afas-tando os vermes mais próximos, que já se rastejavam quase mordendo as pernas do herói tatuado.

— Não devia ter voltado. O objetivo é a bandeira.— Só você pode chegar até lá, sabe disso. Eu não duraria

mais cem metros sozinho.Italo se levantou, notando os danos na armadura. Apoiou

o peso na perna esquerda e a sentiu falhar. Mesmo assim, con-tinuou. Sua moto estava destruída, então subiu na garupa do outro motociclista. Enquanto partiam novamente, ele precisou usar a própria arma para abater outros dois vermes gigantes que surgiram do solo.

— Aumentaram a dificuldade desse troço — Italo afirmou. Ele já tinha certeza disso.

— Sim. Mas agora precisamos ir até o fim.— Nós vamos.A moto fez uma curva arriscada em um dos cotovelos da

montanha e seguiu em alta velocidade. Italo ouvia seu colega cantarolar o rock enquanto dirigia, tentando se distrair. Mas o


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líder do grupo estava pensativo. Queria desvendar que outro obstáculo apareceria. Que armadilha poderia ser diferente de todas as possíveis que ele estudou antes de decidirem realizar a missão?

No entanto, ele não teve que se preocupar com isso por muito tempo. Logo na curva seguinte, outros bichos medo-nhos saltaram de trás das pedras. Dessa vez eram lagartos ferozes, com garras e dentes afiados. A moto se desviou dos três primeiros e foi ziguezagueando por uns cinquenta metros até que o motorista perdeu o equilíbrio e caiu, lançando Italo mais uma vez ao chão.

Sua arma se arrastou por alguns metros e o rapaz apenas conseguiu acompanhá-la com os olhos, fazendo uma careta quando ela despencou pela beira da montanha.

— Corra! — Então Italo se levantou e seguiu o próprio conselho.

Os dois correram o máximo que puderam para fugir da nova ameaça. A cada dúzia de passos, o companheiro de Italo se virava e disparava três ou quatro tiros. Mas isso não servia para afastar os répteis. Os bichos eram rápidos e praticamente roda-vam as quatro patas, correndo como loucos atrás dos heróis.

Já faltava pouco para a bandeira e Italo pensou que tal-vez conseguiriam. Seu visor mostrava o alvo a apenas alguns metros. Eles escalaram dois rochedos como lagartixas. Só não conseguiam ser mais ágeis do que as criaturas, especialistas nesse quesito.

A música já havia mudado quando Italo alcançou o topo. Ele se debruçou e jogou o corpo para cima, em seguida deu a mão ao colega a fim de puxá-lo. O herói fez força, mas seu companheiro não saía do lugar. A língua de um dos animais de sangue frio estava enrolada na perna do rapaz, tentando levá-lo de volta para baixo. Com a mão que continuava livre,


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o companheiro de Italo apontou a arma para os lagartos e teve tempo de dar dois tiros antes que outra língua pegajosa se enrolasse em seu braço, fazendo a pistola cair.

Italo fez mais força para subir o colega, mas não obteve sucesso. Uma terceira língua se atracou ao pescoço do rapaz, que apenas mandou o líder seguir, largando-lhe a mão. Então o herói disse um palavrão e usou novamente sua habilidade. Dessa vez, as linhas negras da tatuagem serpentearam até sua mão e nela forjaram uma nova pistola. Italo alvejou os lagartos que insistiam em escalar as pedras e, após se certificar de que eles demorariam para retomar a subida, correu para a bandeira.

A câmera do drone fechou a imagem em Italo no momento em que ele estendeu o braço para agarrar o mastro. Sua sede para vencer aquele jogo era tanta que ele vacilou por alguns segundos, não percebendo a última armadilha. Ao pisar em uma rocha falsa, a colina tremeu, desequilibrando o herói. O chão em sua frente se abriu e revelou um abismo bem no meio da montanha. Italo via a bandeira se afastando e ela levava consigo a vitória. Sem pensar, ele saltou.

Seu troncou bateu firme do outro lado do buraco, mas suas mãos não conseguiram se agarrar na rocha escorregadia. Italo caiu alguns metros e se segurou com uma das mãos em outra pedra, logo abaixo. Ele olhava para a câmera, como se bus-casse ajuda, mas o drone não podia fazer nada além de filmar.

Então ouviu um ruído e sentiu as pedras tremerem outra vez. O buraco agora se fechava. Ele tentou escalar e escorre-gou novamente. As mãos suadas não se prendiam na pedra. Buscou concentrar-se em algo que pudesse mudar ali, mas não teve tempo.

Italo caiu. O buraco se fechou. E o vídeo foi finalizado.


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