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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM WALDINÉIA LEMES DA CRUZ ALVES LETR@MENTO NO UNIVERSO FANFICTION: DO IMPRESSO À TELA CUIABÁ/MT 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

WALDINÉIA LEMES DA CRUZ ALVES

LETR@MENTO NO UNIVERSO FANFICTION:

DO IMPRESSO À TELA

CUIABÁ/MT

2015

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WALDINÉIA LEMES DA CRUZ ALVES

LETR@MENTO NO UNIVERSO FANFICTION:

DO IMPRESSO À TELA

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Estudos

de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de

Linguagem.

Área de concentração: Paradigmas do Ensino de Línguas

Orientador: Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus

CUIABÁ/MT

2015

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - CEP: 780600-000 - Cuiabá-MT

Tel: (65) 3615-8408 - E-mail: [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

Título: Letr@mento no universo fanfiction: do impresso à tela

Autora: Waldinéia Lemes da Cruz Alves

Dissertação Defendida e Aprovada em: 26 de março de 2015.

Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus

Presidente da Banca/Orientador

Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT

Profª Drª Nara Hiroko Takaki

Examinadora Externa

Instituição: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS

Profª Drª Solange Maria de Barros

Examinadora Interna

Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT/UNEMAT

Profª Drª Águida Aparecida Gava

Examinadora Suplente

Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT

Cuiabá-MT, 26 de março de 2015.

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Este trabalho é dedicado às tecelãs que me

apresentaram os primeiros novelos para que eu

pudesse tecer a minha própria história:

À Benedita Evangelista de Oliveira (in

memoriam), a tecelã-bisa que acreditou que eu

encontraria respostas nos estudos.

À Jacinta Rosa de Oliveira (in

memoriam). Exemplo de dignidade, moral e fé

que além de acreditar, confiou plenamente nos

fios que escolhi para tecer o meu “eu”. Tia

única e absoluta.

À minha mãe, Benedita Lemes da Cruz,

que com sua simplicidade e delicadeza trouxe-

me paz, carinho e tranquilidade nos momentos

precisos.

À minha madrinha, Zena Eva de Oliveira,

tecelã para a vida inteira.

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AGRADECIMENTOS

Para tudo há um tempo, para cada coisa há momento debaixo dos céus: tempo para

nascer, e tempo para morrer; tempo para plantar, e tempo para arrancar o que foi plantado;

tempo para chorar, e tempo para rir; tempo para gemer, e tempo para dançar; tempo para

atirar pedras, e tempo para ajuntá-las; tempo para dar abraços, e tempo para apartar-se. Tempo

para procurar, e tempo para perder; tempo para guardar, e tempo para jogar fora; tempo para

rasgar, e tempo para costurar; tempo para calar, e tempo para falar (Eclesiastes 3:1).

Sobretudo, tempo para ficar em silêncio; tempo para tecer os fios da amizade,

compartilhar emoções e desafios; tempo para aprender a sonhar e a acreditar. E enfim, tempo

para agradecer...

Ao meu orientador, prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus, por me fazer encontrar os Fios

de Ariadne nos emaranhados da pesquisa científica.

Aos meus pais pelo apoio incondicional aos meus estudos.

Às minhas irmãs pela compreensão de uma ausência, muitas vezes, incompreendida.

Aos colegas e amigos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia-IFMT:

Polyana Rafaela Ramos, pessoa de muita coragem e de muita força; Itamar José Valério

Júnior, sempre disposto a qualquer momento, amigo de todas as horas e para todos os

momentos; Saullo Diogo de Assis, pessoa de um coração enorme; Willian Silva de Paula,

pessoa admirável que tive a honra de conhecer e conviver; Gislene Cardoso de Souza pela

amizade e exemplo de profissionalismo.

Aos colegas do Mestrado, turma 2013/2015, em especial, à Rosária Cristina da Silva

Ormond, grata pelos momentos de risadas, reflexões e cumplicidade.

À professora Maria Lúcia Bandeira Vargas, da Universidade de Passo Fundo, pela

importante contribuição teórica para compreensão do fenômeno Fanfiction.

Aos professores do Programa que, de alguma forma, contribuíram para a minha

formação como pesquisadora.

À Divanize Carboniere e seus pupilos Juliana, Winny e Sabrina que estiveram à frente

da secretaria do MeEL, sempre dispostos e precisos.

Aos colegas do Grupo de Estudos de Linguagem e Tecnologia (GELTEC). À

Elizabeth Conceição de Almeida Alves, meu par avançado, a tecelã-luz. Especialmente, à

Joana Rodrigues Moreira Leite, uma pessoa de grande generosidade e fé. À Ardalla

Guimarães Oliveira, pelo exemplo de força e coragem.

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“Há um tempo em que é preciso abandonar as

roupas usadas

que já tem a forma do nosso corpo; e esquecer

os nossos caminhos,

que nos levam sempre aos mesmos lugares.

É o tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-

la,

teremos ficado, para sempre, à margem de nós

mesmos.”(Fernando Pessoa)

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RESUMO

ALVES, Waldinéia Lemes da Cruz. Letr@mento no universo fanfiction: do impresso à tela.

2015. 121 f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada). Universidade Federal de Mato

Grosso, Cuiabá-MT, 2015.

Orientador: Dánie Marcelo de Jesus.

Esta dissertação objetiva investigar e analisar os movimentos de leitura e escrita de fanfictions

na comunidade virtual Nyah! Fanfiction. Esse site abriga histórias ficcionais produzidas por

escritores amadores e, por conseguinte, é referência para os mais ávidos leitores de fanfictions

no Brasil. O estudo apoiou-se teoricamente em Soares (2010), Kleiman (1995), Lankshear e

Knobel (2006), Lévy (1999), Rojo (2009, 2012, 2013), Shepherd (2013), Correa (2007),

Coscarelli (2011), Pinheiro (2013), Vargas (2005), Freitas e Costa (2006) e outros. A pesquisa

foi norteada por uma pergunta que conduziu a análise dos dados: 1) Como ler e escrever

histórias ficcionais se constituem práticas de letramento(s) no Nyah! Fanfiction? A

metodologia de pesquisa é de caráter qualitativo interpretativista apoiada por Flick (2009) e

Bortoni-Ricardo (2008), baseada no método de observação não-participante que orientaram a

geração de dados. Os resultados apontam para uma valorização da criação e a autoria de

leitores e escritores de fanfictions num território virtual que favorece uma interação

assíncrona e por textos ficcionais que estimulam as práticas sociais que se constituem pela

linguagem escrita e, portanto por estar disposto na rede possibilita e amplia os

relacionamentos sociais para além das agências tradicionais e, assim, criando espaços para o

aprendizado coletivo e colaborativo da língua(gem). Por fim, concluí que o espaço Nyah!

Fanfiction representa um ambiente de letramento, pois conduz o indivíduo contemporâneo a

participar de eventos sociais e interacionais reais de leitura e escrita de maneira ativa e

dinâmica para o contexto digital.

Palavras-chave: Fanfiction; Letramento; Interação; Contexto digital.

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ABSTRACT

ALVES, Waldinéia Lemes da Cruz. Liter@cy in the universe of fanfiction: from printing to

the screen. 2015. 121 p. Thesis (Master in Applied Linguistics). Federal University of Mato

Grosso, Cuiabá-MT, 2015.

Supervisor: Dánie Marcelo de Jesus.

This thesis aims to investigate and analyze the movements of reading and writing of fanfiction

in the virtual community Nyah! Fanfiction. This website has fictional stories produced by

amateur writers and, therefore, it is reference to the most avid fan fiction readers in Brazil.

The study is theoretically supported by Soares (2010), Kleiman (1995) Lankshear and Knobel

(2006), Lévy (1999), Rojo (2009, 2012, 2013), Shepherd (2013), Correa (2007), Coscarelli

(2011), Pinheiro (2013), Vargas (2005), Freitas and Costa (2006) and other. The research was

guided by a question that led to the data analysis: 1) How reading and writing of fictional

stories can become literacy practices in Nyah! Fanfiction? The research methodology has a

qualitative and interpretative approach supported by Flick (2009) and Bortoni-Ricardo (2008),

based on the non-participant observation method that guided the generation of the data. The

outcomes have pointed out to an appreciation of creation and authorship of fanfiction readers

and writers in a virtual territory that favors an asynchronous interaction and fictional texts that

encourage social practices that are constituted by the written language and therefore for being

available on the web, this way they provide and expand social relationships beyond traditional

agencies and creat spaces for collective and collaborative language learning. Finally, I

concluded that the space Nyah! Fanfiction is a literacy environment, because it leads the

contemporary individual to participate in real social and interactional events of reading and

writing in an active and dynamic way to the digital environment.

Keywords: Fanfiction; Literacy; Interaction; Digital environment.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Página inicial - Acesso em 2-6-2014. ....................................................................... 51

Figura 2: Cadastre-se - Acesso em 2-6-2014............................................................................ 52

Figura 3: Recentes - Acesso em 2-6-2014. ............................................................................... 52

Figura 4: Seção de Português - Acesso em: 2-6-2014. ............................................................. 53

Figura 5: Procurando algo para ler? - Acesso em 2-6-2014 ..................................................... 53

Figura 6: Melhores leitores da semana - Acesso em 2-6-2014................................................. 54

Figura 7: Nosssas regras - Acesso em 2-6-2014....................................................................... 55

Figura 8: Nyah! Fanfiction - curtidas no facebook – Acesso em 2-6-2014 ............................. 55

Figura 9: Aulas de português – Acesso em 2-6-2014. .............................................................. 58

Figura 10: O caminho do Ninja Amador - Acesso em 2-6-2014.............................................. 58

Figura 11: O caminho do Ninja Semiprofissional – Acesso em 2-6-2014. .............................. 59

Figura 12: O caminho do Mestre Ninja Supremo – Acesso em 2-6-2014. .............................. 59

Figura 13: Comentários ............................................................................................................ 59

Figura 14: Liga Beta - Página Inicial - Acesso em 2-6-2014. .................................................. 60

Figura 15: Liga dos Betas – Acesso em 2-6-2014. ................................................................... 61

Figura 16: Perfil da Amanda Gomes - Acesso em 2-6-2014. ................................................... 65

Figura 17: Página Inicial - Acesso em 15-6-2014. ................................................................... 77

Figura 18: Aviso - Acesso em 15-6-2014. ................................................................................ 79

Figura 19: Logotipo do Nyah! Fanfiction - Acesso em 15-6-2014. ......................................... 80

Figura 20: [Categorias] > [Livros] > [Harry Potter] - Acesso em 15-06-2014. ....................... 81

Figura 21: [Categorias] > [Livros] > [Harry Potter] > [Selecionar o gênero] - Acesso em 15-6-

2014. ......................................................................................................................................... 82

Figura 22: Canais de contato - Acesso em 15-6-2014. ............................................................. 82

Figura 23: Banners - Acesso em 19-10-2014. .......................................................................... 83

Figura 24: Páginal Inicial - Acesso em 15-06-2014. ................................................................ 85

Figura 25: [Categorias] > [Livros] > [Harry Potter] > [Romance] - Acesso em 21-10-2014. . 86

Figura 26: [Categorias] > [Livros] > [Harry Potter] - Acesso em 21-10-2014. ....................... 87

Figura 27: Página Inicial do Nyah! Fanfiction > Notícias - Acesso em 21-10-2014. .............. 88

Figura 28: Página Inicial do Nyah! Fanfiction > Notícias - Acesso em 21-10-2014. ............. 88

Figura 29: Página Inicial do Nyah! Fanfiction > Notícias > Quinta e Sexta fase - Acesso em

21-10-2014. .............................................................................................................................. 89

Figura 30: Resultado do Desafio - Acesso em 21-10-2014 ...................................................... 90

Figura 31: Amanda Gomes - Acesso em 6-5-2014. ................................................................. 92

Figura 32: Amanda Gomes ....................................................................................................... 92

Figura 33: Corujas para você - Acesso em 6-5-2014 ............................................................... 96

Figura 34: Favoritaram esta história - Acesso em 6-5-2014. ................................................... 99

Figura 35: Estão acompanhando - Acesso em 6-5-2014. ......................................................... 99

Figura 36: Comentários - Acesso em 6-5-2014. ..................................................................... 101

Figura 37: Comentário - Acesso em 6-5-2014. ...................................................................... 102

Figura 38: Comentário – Acesso em 6-5-2014. ...................................................................... 103

Figura 39: Comentário - Acesso em 6-5-2014. ...................................................................... 103

Figura 40: Comentário - Acesso em 6-5-2014. ...................................................................... 104

Figura 41: Comentário - Acesso em 6-5-2014. ...................................................................... 104

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Organização das categorias do site Nyah! Fanfiction, www.fanfiction.com.br >

acesso em 19-1-2014. ............................................................................................................... 56

Quadro 2: Resumo das produções de Amanda Gomes - Acesso em 4-6-2014. ....................... 65

Quadro 3: Resumo das Obras e Quantidade de Histórias ......................................................... 91

Quadro 4: Resumo História, Sinopses e Capítulos ................................................................... 93

Quadro 5: Resumo Títulos, Palavras/Classificação, Capítulos e Comentários ........................ 95

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO OS PRIMEIROS FIOS .......................................................................................................... 12

Objetivo geral ...................................................................................................................... 15

Objetivos específicos ........................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1

MÚLTIPLOS FIOS: PERSPECTIVAS TEÓRICAS ......................................................... 17

1.1 Linguagem e Lingu@gem: reflexões reais para o contexto virtual .......................... 17

1.2 Os fios híbridos das Fanfictions: As pesquisas se entrelaçam .................................. 32

CAPÍTULO 2

A ESCOLHA DO TEAR ........................................................................................................ 44

2.1 A Metodologia da Pesquisa .......................................................................................... 44

2.2 A delimitação do site: A seleção da linha .................................................................... 47 2.2.1 Nyah! Fanfiction ...................................................................................................... 48

2.2.1.1 Os tecelões das palavras: usuários leitores/escritores de histórias ficcionais ....... 62

2.2.1.2 Leitora e Escritora fã: Amanda Gomes e a „saga‟ Harry Potter ........................... 64

2.3 Geração de Dados ......................................................................................................... 66

2.4 Dos procedimentos analíticos à organização dos temas ............................................ 69

CAPÍTULO 3

ANÁLISE: O DESTECER E O TECER DOS “NÓS” ....................................................... 73

3.1 Tema 1: Os fios do hipertexto Nyah! Fanfiction: os vieses para o Letramento ...... 74 3.1.1 Eventos para as práticas de letramento ................................................................... 84

3.1.1.1 A textura do texto: os sentidos da leitura do impresso à tela ................................ 91

3.1.1.2 A tessitura das palavras: o Nyah! Fanfiction como espaço de escrita criativa e

colaborativa ....................................................................................................................... 94

CONSIDERAÇÕES FINAIS

OS ÚLTIMOS FIOS: O ARREMATE DOS “NÓS” ........................................................ 106

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 111

ANEXO 1 – Corujas para você escrita por Amanda Gomes ................................................. 114

ANEXO 2 – 1. Prólogo - corujas para você escrita por Amanda Gomes .............................. 117

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INTRODUÇÃO

OS PRIMEIROS FIOS

“Também o poeta é um artista

do tecer e entretecer porque,

engenhoso, conjuga as histórias

metamórficas em um único

e amplo tapete de metamorfoses,

o tapete das ficções.” (Karl Stirle1)

O ato de “tecer” nos remete a algo bastante antigo e arcaico na nossa história. Na

tradição hindu, na concepção de Maya, o mundo aparece num tecido, um mundo concreto e

real. Na mitologia grega, o tecer nos direciona ao fiar da vida nas mãos das moiras que

fabricavam, teciam e cortavam o fio da vida dos indivíduos e dos deuses.

O tecer, o costurar, o fiar, os fios que entrelaçam e que fazem surgir obras de arte

traduzidas em imagens tecidas, fatos históricos, mitológicos ou cenas da vida cotidiana. E,

com os mesmos fios, destecer e tecer novamente dando vida a novos tecidos. Há fios de todas

as cores, uns firmes, outros mais fracos, flexíveis ou não, cobrem, encobrem emolduram o

tecido. Nas artes, na literatura e, especialmente, nos contos de fadas e mitos, o tecer está

condicionado a imagens femininas.

Em meio a um emaranhado de ideias, dúvidas e inquietações, que começaram a surgir

os fios que compõem esse trabalho. Posso afirmar que este estudo tem sua gênese no meu

desejo de buscar, por meio de uma pesquisa científica, encaminhamentos que pudessem me

ajudar na compreensão sobre o ensino de leitura e produção escrita entre adolescentes na

contemporaneidade.

Desse modo, os problemas, que mais fortemente me impulsionaram a pesquisa,

surgiram do meu contexto profissional, sendo professora da rede pública de ensino na área de

linguagem: português/espanhol há mais de 10 anos, pude ao longo dessa trajetória construir e

desconstruir metodologias de aprendizagem que adequassem à cada contexto, com isso trouxe

a baila discussões acerca do processo de leitura e escrita, especialmente, no Brasil, onde paira

uma percepção de fragilidade escolar em relação ao ensino de língua portuguesa, visto que os

resultados obtidos em exames nacionais, como o Sistema Nacional de Avaliação Básica

(SAEB); Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA); Exame Nacional do

Ensino Médio (ENEM) e a Prova Brasil, entre outras.

1 In: A ficção. Organização de Carlinda Fragale Pate Nuñez e Francisco Venceslau dos Santos. Tradução de Luiz

Costa Lima. Rio de Janeiro: Caetés, 2006. (Novos Cadernos de Mestrado, v. 1)

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Um cenário entrelaçado de tramas que se tornou impossível os questionamentos e

indagações, pois como alunos que vivenciaram práticas escolares durante anos puderam

apresentar capacidades em escrita tão ínfimas? Que gêneros textuais eles têm acesso? O que é

possível fazer para entender e alterar esse quadro?

Na busca de respostas às minhas inquietações, entre linhas e entrelinhas, percebo que

muitos jovens utilizam da internet como espaço de várias maneiras e para diversas

finalidades. Eles produzem textos bastante sofisticados em suas interações virtuais. Contudo,

observo que, quando envoltos em atividades escolares, pareciam produzir pouco ou nenhum

sentido. Novamente, coloquei-me a questionar: por que alunos/usuários produzem textos

bastante elaborados em comunidades digitais? De que forma compreender essas práticas

poderia contribuir para um ensino de língua mais significativo que partisse da escola para

além dela?

Em busca dessas respostas, notei que processos de letramento(s) aconteciam para além

dos muros escolares, refugiando-se em ambientes digitais habitados por pessoas que

conduziam a uma aprendizagem colaborativa, disposta na rede, e poderiam servir de

orientação para construção de novas formas de interação atreladas à leitura e escrita coletiva,

principalmente. Essa constatação foi a baliza que trouxe pistas que me orientaram no

desenrolar dos fios desta pesquisa.

Como pesquisadora iniciante, deparei-me com o universo Fanfiction – ficções escritas

por fãs – reconhecido como espaço no qual a cultura de leitura e produção de textos são

estimulados constantemente por compartilhamentos virtuais e que servirá para investigar

como se constituem a leitura e escrita nesse universo, bem como refletir sobre os reflexos do

envolvimento com a língua na formação de um leitor/escritor que atenda às necessidades

sociais de uma sociedade contemporânea e digitalizada.

O fenômeno ganhou grandes dimensões no campo da pesquisa científica, sobretudo

para os Estudos Linguísticos contemporâneos, pois traz uma nova concepção de leitura e

escrita preconizada por uma geração que rompe paradigmas e se posiciona de maneira mais

ativa e espontânea na criação e recepção textuais realizadas por autores e leitores de

fanfictions para uma nova realidade, mesmo que virtual, mas que os resultados poderão

refletir em contextos reais.

Adeptos e defensores desse recente gênero textual (VARGAS, 2005; MORAES, 2009;

SILVA, 2009; NOVAES, 2011; MARTINS, 2013; ALVES, 2014) vêm dando sinais dos

efeitos sociais que provocam na sua constituição enquanto sujeitos, por conta disso, estudos e

pesquisas em torno do Fanfiction têm ganhado espaço e aceitação na comunidade acadêmica,

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principalmente sob o viés do Letramento(s) e os usos da linguagem em prática social e

interacional em contextos não oficiais.

O Fanfiction se tornou conhecido mesmo antes do advento da internet e surgiu nos

Estados Unidos com o intuito de reinterpretar as obras consideradas fora do cânone escolar,

ou seja, obras de cultura de massa ou cultura pop. A sua circulação, no início do século XIX,

era mais restrita e com isso pouco divulgada pelas condições de divulgação. Com a internet e

a popularidade da série Harry Potter2, entre 2002 e 2005, é que aumentaram

consideravelmente os Websites dedicados aos fãs-navegadores-leitores dessa obra, inclusive

no Brasil.

Prazer e envolvimento se tornaram palavras-chave para a proliferação de Fanfiction,

pois os participantes lêem e escrevem sobre o que gostam sem pretensões estéticas ou

literárias. Os ambientes passaram a ser o encontro de fãs para a divulgação de suas produções

e impressões sobre uma determinada obra sem a intenção de lucro. Embora seja um trabalho

amador, leitores e autores encontram no universo Fanfiction um território que favorece a

interação e a liberdade de criação e, de certa forma, requerem do escritor habilidades

linguísticas e desenvolvimento comunicativo que sejam compatíveis ao entendimento dos

seus interlocutores.

Entende-se, então, que o Fanfiction hospeda histórias dos universos ficcionais –

personagens, cenários e acontecimentos de ficção – criadas por leitores-fãs do cânone, aqui se

referindo à obra original, que transcendem a posição de meros consumidores quando recriam,

ampliam e subvertem ambientes ficcionais de outros criadores em suas próprias histórias,

demonstrando que há preocupações com a estrutura linguística. E a Internet permitiu que

essas histórias aflorassem e, com isso, abriram caminhos para novos relacionamentos entre fãs

do mundo inteiro.

Os escritores e leitores de fanfiction ou fanfiqueiros, como são chamados, não

são/estão isolados. A partir da necessidade de divulgação do seu texto, é que as comunidades

de fãs vão se formando, num processo de interação e comunicação. E hoje são muitos os fãs-

leitores-escritores que participam e frequentam essas comunidades virtuais com o intuito de

compartilhar experiências, que possivelmente poderá contribuir para desenvolver outras

formas de práticas sociais para além daquelas virtuais.

2 Harry Potter é uma série literária de aventuras fantásticas escritas pela britânica J.K. Rowling. Desde 1994

ganhou grande popularidade e sucesso comercial no mundo todo e deu origem a filmes, videojogos etc. São sete

livros publicados que foca nos conflitos entre Harry Potter e o bruxo das trevas Lord Volemort. Fonte:

www.pt.wikipedia.org/wiki/harry_potter Acesso em 21-5-2014.

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No Brasil, desde 2000, tornaram-se mais evidentes o aparecimento de Websites

dedicados à publicação de fanfictions, ano em que foi lançado o primeiro livro da série Harry

Potter3. Apesar de seu sucesso, esse gênero ainda é desconhecido no âmbito escolar. Para

melhor conhecer e entender esse contexto visitei alguns ambientes que oferecem espaços para

que os consumidores de obras ficcionais possam ter seus textos publicados e lidos. A

princípio, percorri os sites Nyah! Fanfiction; fanfiction.net; fanfictionbr; mugglenet fanfiction

e floreios e borrões fanfic.potterrish.com, para uma melhor compreensão do funcionamento

desse fenômeno.

Devo reconhecer que o fascínio proporcionado por essas comunidades digitais me fez

aprofundar no conceito de letramento(s), entendido como práticas sociais diversificadas e

situadas que envolvem signos como a escrita ou outras modalidades de linguagem com a

finalidade de gerar sentidos (ROJO, 2009). Contudo, essa perspectiva de letramentos parece

sofrer pouco impacto na escola que parece abarcar a noção de alfabetização, o “estado ou

condição de quem sabe ler e escrever” (SOARES, 2010), no sentido de decodificação de

estruturas linguísticas.

Neste estudo, portanto, pretendo compreender de que forma o ambiente Fanfiction

contribui para o letramento, conduzindo o seu usuário a práticas interacionais de leitura e

escrita na rede de forma “livre” e espontânea. Dessa forma, busco responder à seguinte

questão:

1. Como ler e escrever histórias ficcionais se constituem práticas de letramento(s) no

Nyah! Fanfiction?

Levando em conta essas questões de pesquisa, acorrentei os seguintes objetivos.

Objetivo geral

Investigar e analisar os movimentos de leitura e escrita em contexto digital na

perspectiva dos estudos de letramento(s), com o intuito de compreender como as práticas

sociais e interacionais representadas pela língua(gem) se constituem no universo Fanfiction.

Objetivos específicos

Levantar características da organização hipertextual do Nyah! Fanfiction;

3 Harry Potter e a Pedra Filosofal (1997); Harry Potter e a Câmara Secreta (2000); Harry Potter e o Prisioneiro

de Azkaban (2000); Harry Potter e o Cálice de Fogo (2001); Harry Potter e a Ordem da Fênix (2003); Harry

Potter e o Enigma do Príncipe (2005); Harry Potter e as Relíquias da Morte (2007).

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Observar e analisar que eventos de leitura e escrita e como se constituem em práticas

de Letramento(s) nesse ambiente.

Nas tramas que envolvem esta pesquisa e, em meios a indagações de pesquisadora

iniciante, busco listar as razões que justificam a escolha do objeto de estudo, o Fanfiction, que

esclarecerão as questões colocadas.

No capítulo 1 – Múltiplos fios: perspectivas teóricas – entrelaço os fios das minhas

reflexões com os estudiosos que me ajudaram a entender e compreender o processo de leitura

e escrita colaborativa em ambientes eletrônicos. Problematizo ainda as questões relacionadas

às novas habilidades de ler e escrever em contextos virtual e coletivo, bem como a

participação dos usuários-leitores/escritores para lidar com essas práticas na

contemporaneidade.

No capítulo 2 – Metodologia da pesquisa: A escolha do tear – trago a abordagem

metodológica adotada neste trabalho, que serviu de fio condutor para a constituição da

pesquisa até as considerações e reflexões finais. Com isso, na pesquisa qualitativa de cunho

interpretativista baseada no método de observação que estão os princípios e os diálogos

teóricos com a metodologia que orientaram a geração e coleta de dados, considerando que o

Nyah! Fanfiction é um ambiente onde o indivíduo encontra espaço para praticar a leitura e

escrita e, assim, serviu de elementos para observação e análise. Nas trilhas de Flick (2009) e

Bortoni-Ricardo (2008), me apoio no interpretativismo para moldar esta pesquisa a meus

propósitos. Para tanto, exponho os critérios e o processo de seleção do material que

conduziram a análise e reflexões dos dados desta pesquisa.

No capítulo 3 – Análise: O destecer e o tecer dos “nós” – intento analisar as práticas

de leitura e escrita com o objetivo de responder à indagação deste trabalho.

E antes do arremate dos “nós” do trabalho, retomo a questão de pesquisa e algumas

conclusões com a finalidade de problematizar, dialogar e ressignificar o ensino da língua

portuguesa, sobretudo a leitura e escrita potencializada pela explosão da Internet e sua vasta

possibilidade de aprendizagem.

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CAPÍTULO 1

MÚLTIPLOS FIOS: PERSPECTIVAS TEÓRICAS

“Em meio às tramas e textura outras,

enredar ideias e linguagens para

compor tramas, tecer textos, escrever,

faz de quem escreve um tecelão de palavras.

A arte de escrever é como a arte de urdir os fios,

cerzir as fendas, enviesar a linguagem, enovelar.

Escrever é trama. O texto tem textura, contextura.

O texto se tece com fios das palavras ditas

e não ditas, e o seu tecido se pinta de tintas várias,

texturas diversas, dimensões.

Os vieses são vários, o arremate, o provisório.” (Liane

Araújo (Lica)4)

Este capítulo destina-se a apresentar os fios teóricos que norteiam a discussão sobre as

tendências e encaminhamentos em torno dos conceitos de Letramento(s) e o reflexo disso nas

práticas sociais dos indivíduos. Trago também considerações teóricas sobre a língua(gem)

como aspecto relevante para esta pesquisa, tornando-se imprescindível um olhar investigativo

para compreender os fenômenos linguísticos no processo de interação em rede. E, contudo, no

entrelaçar dos fios dessas teorias busco sinais de que o ambiente Nyah! Fanfiction poderá

servir de um espaço que favorece o letramento pelos movimentos de leitura e escrita num

ambiente digital movido pelas práticas interacionais.

No primeiro momento, teço reflexões sobre o uso da língua(gem) num contexto

histórico em que as práticas reais e virtuais estão norteadas pelas múltiplas formas de uso da

língua escrita. Posteriormente, intento discutir a coexistência da língua proporcionada pela

rede, pois nela o uso dos signos linguísticos significa e ressignifica para produzir sentidos.

1.1 Linguagem e Lingu@gem: reflexões reais para o contexto virtual

O que torna relevante trazer a baila mais uma das muitas discussões em torno da

língua(gem)? Pois é sabido e comprovado que, por meio da linguagem, o ser humano adquire

a capacidade de se comunicar. É única e é o que nos distingue de qualquer outro animal. Por

outro lado, segundo Bastos e Candiotto (2007), além da distinção de outros animais, a sua

4 Tramas, Textos e Texturas – Feira do Livro, abril 2010. Fonte: www.viamagia.org/escola/atividades Acesso em

21-5-2014.

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representação simbólica favorece as interações sociais dando condições à sobrevivência

humana.

Dessa forma, o intuito, nesta seção, não é tratar a linguagem em seu sentido amplo,

não cabendo aqui delongas a respeito das teorias, mas aproveitá-las para compreender a

linguagem verbal em um dado momento sócio-histórico quando traz a tona um novo refletir

sobre ela, pois

Enquanto a língua permanecer viva, ela não deixará de se transformar, de se adaptar

às necessidades de uma comunidade que também evolui, e de refletir uma visão das

coisas que se renova continuamente. As línguas têm uma história – como os grupos

que as manifestam: são objetos contingentes e não objetos imutáveis. (MARTIN,

2003, p. 135)

E é na contemporaneidade, com as novas tecnologias, que se observa que a língua está

ainda mais viva e latente e nos mais diversos meios e suportes tornando-a relevante para os

estudos linguísticos atuais.

De Aristóteles a Bakhtin, cada qual a seu tempo, estudaram a linguagem com o

objetivo de compreender o seu funcionamento sob ponto de vista diversos, com isso geraram

muitas teorias que servem e/ou serviram para um entendimento preciso e de caráter científico

à muitas questões linguísticas. De uma forma ou de outra, não há dúvidas de que a

língua(gem) é indispensável para o desenvolvimento do sujeito e que está diretamente

relacionado aos fatores sociais e culturais do meio e do momento.

Adentrar no universo da linguagem é mergulhar nas tramas e vozes que surgem e

ressurgem do pensamento e que constitui o Homem em suas particularidades. E o

entendimento de como esse fenômeno acontece, para que os sujeitos se apropriem da

linguagem para definir-se, está envolto de emaranhados linguísticos que, até então,

compreendê-los sempre nos parece distante e complexo.

A linguagem como estrutura, como sistema, independente de situação cultural ou

manifestação individual, torna-se parte constitutiva do indivíduo; esse por sua vez se detém da

fala para exercitar a língua, ou seja, mediante a um signo articulado e utilizado por um grupo

ou comunidade específica por convenções necessárias. Para tanto, a linguagem é elemento de

sobrevivência humana que depende da representação simbólica e que possibilita todas as

interações sociais. Diante disso, Zuin e Reyes (2010) afirmam que

a constituição do sujeito pela linguagem ocorre a partir das interações de que

participa. Nestas interações ele assimila palavras alheias, internalizando signos, não

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só verbais, que vinculam nas mais diversas interações que mantém com outros.

(ZUIN; REYES, 2010, p. 49)

E pensar em relações e interações sociais é pensar na dinamicidade e heterogeneidade

a que se dispõe a língua(gem) no âmbito da realidade social ou natural mediada pelo processo

comunicativo que encontra terreno fértil para uma abordagem interativo no uso da linguagem

que, por sua vez, é altamente complexo, dado o seu caráter simbólico e abstrato.

Então, por ser primordial na comunicação, Gomes (2011, p. 71) diz que, “a língua está

estreitamente ligada aos seus usuários, que, dotados de inteligência, pertencentes a uma

cultura e capazes de interagir com outras culturas, exercem influencia capaz de alterar a

língua”. E, a essa capacidade de alteração da língua por seus falantes em situações reais de

uso e em seu contexto social, nos remete à ideia de diversas variáveis de seu uso, tornando-a

objeto de estudo da Sociolinguística, pois descreve os fatos linguísticos, seja por qualquer

variedade utilizada com o intuito de se comunicar e interagir, a língua será perfeitamente

legítima e adequada à comunidade que a utiliza.

Em meio às diversidades linguísticas, o falar é perfeitamente adequado às finalidades e

aos contextos específicos dos sujeitos para se comunicar e se relacionar. E, para isso, eles se

dispõem de formas e normas que compõem o saber linguístico individual, no qual exige certo

grau de consciência por parte do enunciador, ou seja, o uso do estilo formal em detrimento ao

estilo informal requer particularidades e afinidades em diversos níveis variacionais da língua,

como já dito. E, assim, é na sociedade que as falas fluem e as interações acontecem e isso

implica dizer que,

a variação no uso a linguagem é sistemática e acessível ao estudo científico e que

aquilo que o torna sistemático é sua correlação com variáveis sociais: a língua varia

de acordo com a natureza da relação entre os participantes em interações, o tipo de

evento social, os propósitos sociais das pessoas na interação... (DOWNES, 1984

apud FAIRCLOUGH, 2001)

Infere-se, a partir de Crystal (2005), que a língua(gem) está em constante mudança,

dada a sua natureza dinâmica, é capaz de incorporar variações em seu sistema padrão. E essa

transformação, na contemporaneidade, com o aparecimento da Internet é que motiva o

surgimento de novas variações linguísticas que vem se tornando motivo de preocupações e

inquietações aos mais ilustres defensores clássicos da língua. Com isso, as possibilidades de

articular discursos são ínfimas, apesar de que ela disponibiliza aos seus usuários escolher o

melhor termo que expresse suas ideias, pensamento e desejos, mas desabonam a sua

plasticidade e a criatividade do usuário.

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E, assim, Moita-Lopes (2013) menciona que é na Internet que novas variedades de

língua começam a aflorar, decorrentes das várias possibilidades de expressão e novas formas

de uso da língua, demonstrando criações de vocabulário, pois um número considerável de

palavras e expressões surgiu e, com eles, novos significados e sentidos. Inaugurando, dessa

forma, diferentes estilos linguísticos para o século XXI, bem como para a satisfação das

necessidades de comunicação e adquirir novas identidades para a sociedade virtual. São

processos que se articulam por uma linguagem escrita que se destaca pela velocidade que a

rede digital exige e pela quantidade de informações e em curto espaço de tempo, que

possivelmente serviria de motivos para a criação de símbolos comunicativos, cujos sentidos

são negociados entre os interlocutores da mensagem.

Os sentidos no uso da língua começam pelo vocabulário, pois é por ele que a mudança

acontece com mais rapidez e dá mais visibilidade. São empréstimos de palavras da língua

inglesa, principalmente, que passam a compor o léxico dos usuários da Internet e a integração

dessas palavras no seu repertório linguístico leva menos tempo graças a rede, o que antes

levaria décadas para acontecer. E, na mesma velocidade, há uma tendência para infringir as

regras linguísticas mais tradicionais de ortografia e pontuação, seja introduzindo ou

combinando novos códigos que possam garantir a interação, o que requer aprender regras e

modos de comportamento estabelecidos pelo grupo, segundo Crystal (2005).

Por ser eletrônica, global e interativa, dizem Sherpherd e Saliés (2013), que a internet

é um acontecimento revolucionário, tanto em termos linguísticos quanto nos aspectos sociais

e tecnológicos. A Comunicação Mediada pelo Meio Digital (CMD), nas situações síncronas

ou assíncronas, é diferente da fala real mesmo nas formas que se assemelham ou se

aproximam a ela, como nas salas de bate-papos. Entre a conversa real e virtual, há diferenças

notáveis, dada à tecnologia digital, e está relacionada ao retorno simultâneo5 que ao contrário

da conversa face a face é imediato e assim garante o sucesso da comunicação.

Na interação virtual entre várias pessoas, como nos grupos de bate-papos, as vozes se

encontram e produzem situações também diferentes, assevera Crystal (2005) que é “porque

interfere em outra característica essencial da interação face a face tradicional: a vez da fala”.

O qual também é um aspecto fundamental para que as interações sejam bem-sucedidas e que

são desprezadas por grande parte das pessoas, como diz o autor.

Para Crystal (2005), as questões de retorno e de turnos de fala são situações que

diferem uma conversa real daquela mediada pela rede, visto que também são diferentes pelas

5 Sinais físicos que mantêm uma interação na fala tradicional, como: movimentos com a cabeça, sorriso,

vocalizações, olhar, gestos etc.

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propriedades formais e técnicas do veículo que se tornam complexas para os indivíduos

obedecerem às regras recomendadas de que devem „escrever como falam‟ e, entre tais

propriedades, ele considera o tom de voz a principal delas,

„não é o que se diz, mas a forma como se diz‟ – expresso por meio de variações

vocais no diapasão (entonação), na altura (ênfase), na velocidade, no ritmo, na pausa

e outros efeitos vocais. Tem havido esforços (...) para substituir o tom de voz na tela,

sob forma de uso exagerado de ortografia, pontuação, letras maiúsculas,

espaçamento e símbolos especiais para ênfase. (CRYSTAL, 2005, p. 85)

Além dos elementos próprios da língua, como a ortografia, pontuação, letras

maiúsculas, vale ressaltar os símbolos criativos para acrescentar dinamismo e ludicidade à

mensagem, são os smileys ou emoticons6 que “se expandiram como forma de evitar as

ambiguidades e as percepções errôneas que surgem quando se faz a linguagem escrita

carregar o peso da fala” (CRYSTAL, 2005, p. 86). São símbolos engenhosos e artísticos

muito usados em interações informais e poucos observados em comunicações mais sérias,

mas a tecnologia digital já se permite ser mais que interativa, pois os participantes de um bate-

papo podem ser vistos e ouvidos enquanto falam, diminuindo as limitações da CMD.

Sobretudo, acredita-se que o meio eletrônico aliado à Internet sempre encontrará mecanismos

técnicos de se usar a língua que supere a fala tradicional.

O universo digital é pura linguagem e nele encontram-se enunciados linguísticos e

semióticos que garantem a comunicabilidade entre os sujeitos envolvidos no discurso e, em

decorrência disso, possivelmente acarretará mudanças no comportamento humano no século

XXI, pois é na e pela linguagem, de forma híbrida, que o indivíduo se constitui socialmente e

se permite ver no outro a partir de si mesmo, dando assim um caráter social à linguagem. E

como esse caráter se constitui na linguagem com a interface digital?

Destacou-se que na fala teclada, Crystal (2005) considera que difere sobremaneira da

fala oralizada real, o que também acontece com a escrita em contexto digital em relação

àquela escrita tradicional e essa é considerada uma tecnologia que revolucionou a

humanidade. E sua evolução e suas implicações sociais têm trazido valiosas contribuições

para os estudos linguísticos, sobretudo, na contemporaneidade com o advento da Web 2.0.

Na escrita tradicional, o texto é estático e permanece inalterado na sua forma gráfica

quando voltamos a ele, o que causaria estranheza caso isso fosse possível. Ao contrário, na

Web o texto é dinâmico e variável, o que o torna igualmente revolucionário nesse sentido, são

6 São combinações de caracteres do teclado, planejadas para demonstrar uma expressão facial de emoção. Os

dois tipos básicos expressam atitudes positivas e negativas, respectivamente. In: CRYSTAL, 2005, p. 85/86.

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as novas características gráficas que podem ser alteradas e/ou atualizadas a gosto do seu

mantenedor. É apenas uma diferença sutil de que,

a escrita que se vê não é necessariamente estática, em virtude das opções técnicas

disponíveis que permitem ao texto se mover pela tela, desaparecer/reaparecer, mudar

de cor, e assim por diante. E do ponto de vista do usuário, existem possibilidades de

se „interferir‟ no texto de várias maneiras, que não estão disponíveis na escrita

tradicional. (CRYSTAL, 2005, p. 87)

A escrita também apresenta características semelhantes e diferentes com a tecnologia

tradicional, sendo que naquela o processo de construção discursiva da linguagem, mediada

pelos gêneros hipertextuais, é complexo, pois no tempo e no espaço tudo é interação: com

pessoas, com textos, com sites, com as páginas. Enfim, são textos lidos e produzidos e

gerenciáveis graças às propriedades técnicas à disposição do usuário no meio eletrônico,

como afirmam Sherpherd e Saliés (2013). A exemplo de semelhança e divergência com a

escrita tradicional, está o gênero e-mail que, em princípio, é estático e permanente, porém há

possibilidades de alteração eletronicamente com certa facilidade e em tempo real. Por outro

lado, se assemelha à escrita tradicional porque é um tipo de interação que exige uma

construção textual planejada e elaborada nos padrões formais da língua.

Outro aspecto relevante na CMD, em que nada se compara à escrita tradicional, é a

flexibilidade e dinamicidade do hipertexto. Os links que compõem o grande texto é a

propriedade mais importante da Web e nele os textos rompem com as formas lineares da

leitura tradicional, são palavras e imagens eletronicamente conectadas com múltiplos

percursos e com vários acessos possíveis. Se por um lado o texto favorece uma leitura com

caminhos fixos, por outro o hipertexto disponibiliza ao leitor/escritor construir as ideias

progressivamente com um conjunto de elementos textuais, ou seja,

um texto é uma estrutura linear, mais ou menos textuais, mais ou menos autônomos,

que se ligam coesivamente e coerentemente por relações de ordem, um hipertexto é

uma estrutura de rede, cujos elementos textuais são nós, ligados por relações não-

lineares e pouco hierarquizadas. (FREITAS; COSTA, 2006, p. 40)

São “nós” que permitem construir um jeito diferente da escritura tradicional que se

formam a partir dos vários cliques. Como agência, o hipertexto acaba por moldar um novo

tipo de leitor/escritor. Um leitor/usuário que participa, interage e constrói coletivamente o seu

próprio texto, seu próprio itinerário de navegação. E, diante da diversidade e da

heterogeneidade de hipertextos, cria-se uma nova linguagem, um estilo on-line que traz

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mudanças no código alfabético e na escrita formalizada, possibilitando a invenção ou criação

de novos códigos, léxicos e até mesmo uma estrutura sintática para a escrita digital.

De fato, tais modificações são objetos de muitas críticas dos fiéis conservadores e

defensores de um ensino da gramática normativa tradicional. Numa visão formalista,

sistêmica e estática da língua consideram que a volatilidade e a multissemiose, próprias da

Internet, poderão ocasionar uma deterioração dos padrões linguísticos. Mas que tipo de escrita

se estabelece na interação virtual?

Na rede, na qual se configura um espaço de aparente liberdade de expressão levou os

usuários/internautas a criar de forma coletiva e colaborativa recursos que se aproximam dos

gestos, mímicas, entonação e que pudessem ser uma linguagem de uso no ciberespaço com o

manuseio do teclado. Caracteriza-se, contudo, pela economia na escrita das palavras, são

abreviações, reduções de palavras, letras maiúsculas (grito ou destaque), letras minúsculas

(murmúrio), o excessivo uso de sinais de pontuação, alongamento de vogais e consoantes. E,

assim, surgiu uma escrita que adequasse à comunicação e à interação ciberespacial com traços

linguísticos bem definidos e se constituem processos lentos de aceitação e construção dos

sentidos e significados, como corrobora Crystal (2005), assim como ao longo da história da

escrita muitos ajustes de códigos linguísticos e semióticos foram precisos para se chegar a um

sistema “padrão” de linguagem.

Para a geração Web, saber ler e escrever no século XXI é mais que dominar as simples

folhas escritas do livro impresso, é adentrar nas diversas possibilidades encontradas em

ambientes virtuais nas várias formas de se informar, se comunicar e, sobretudo, interagir com

o mundo pela Internet em tempo real por suportes leves, portáteis e práticos.

Nesse sentido, o universo digital oferece uma gama de ferramentas para instigar e

levar o indivíduo a entender a leitura e a escrita como habilidades necessárias para se inserir

nesse espaço dinâmico e de múltiplas possibilidades de aprendizagem da língua, seja a língua

portuguesa ou estrangeira facilitando por meio dela a participação de indivíduos e grupos

variados de maneira interativa que permite a circulação de vozes dos diferentes grupos

sociais. São gêneros como Twitter, Google docs, Redes sociais, e-mail, mais recentemente,

Whatsapp e outras ferramentas de interação, pois são mudanças nos modos de ler e de

escrever propiciados pela emergência dos meios e ambientes digitais, considerando que

a leitura é um aspecto fundamental do consumo, em virtude de a sociedade

organizar-se em torno da escrita. É através das habilidades de leitura e escrita que se

faz possível o exercício da cidadania, e o aprimoramento daquelas habilidades leve o

sujeito a conquistar um grau de penetração na sociedade que lhe oportunize

aumentar seu nível de interferência nela... (DE CERTEAU, 2003, p. 261)

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No universo das múltiplas linguagens e de possibilidades de ensino, o hipertexto,

assim como o texto impresso, é um recurso que promove a interação entre os sujeitos sociais e

é considerado também um evento dialógico e polifônico, pois sobrepõe a outros textos, porém

conforme “Lemke (2002), o hipertexto difere do texto impresso por não ser somente a

justaposição de imagens e texto, mas por ter um design que permite várias interconexões,

possibilidades diversas de trajetórias e múltiplas sequências” (ROJO, 2012, p. 37). Dessa

forma, traz uma realidade ímpar e nova que abarca novas formas de relacionar ícones e

escrita, imagens e outros sistemas sígnicos, sobretudo, mantendo a escrita como fonte

imprescindível de significações.

Ao mencionar as múltiplas linguagens, além do código verbal, vale-se destacar como

significativos às imagens e ícones que instigam no leitor um modo desafiador de olhar o

hipertexto, ampliando as suas possibilidades de interatividade, pois os textos se interconectam

de maneira que possa servir a seus propósitos, as palavras e as imagens se interagem, se

revezam e se completam para a constituição do sujeito leitor. Mas com tudo isso, o texto e

sua razão de ser dependem de outro texto, inseridos num contexto e fazendo parte de um

diálogo, que só ocorre pela linguagem ou comunicação pela palavra viva, a qual é responsável

pelo sentido e pela consciência da realidade, isso ocorre, sobretudo, pelo fato de que

no processamento da linguagem verbal, há dois dispositivos essenciais: O „módulo‟

linguístico e o processador cognitivo geral. O primeiro é automático, rápido,

inconsciente e limitado; o segundo é pensado, relativamente lento, opcional e

acessível quando se deseja. (ARAÚJO et al., 2010, p. 181)

Nesse universo de múltiplos saberes o ensino de línguas, nesse caso a língua

portuguesa, encontra terreno fértil para uma abordagem interativa no uso da linguagem. Entre

os diversos gêneros digitais, encontra-se o gênero Fanfiction – ficções escritas por fãs –

reconhecido como espaço onde a cultura de leitura e a produção de textos são estimuladas

constantemente por compartilhamentos virtuais, esse espaço poderia servir para investigar a

constituição de letramento, bem como analisar os reflexos dessa cultura de participação na

formação do leitor/escritor que atenda às necessidades sociais de uma sociedade digitalizada.

Para isso, compreende-se que

A vivência do letramento é aquela que possibilita o aprofundamento de leituras de

mundo, processo que confere complexidade à linguagem, mas não se limita à

palavra escrita. Essas atividades são aquelas que estimulam as faculdades do sujeito,

conferindo-lhe sensação de autoridade e competência, decorrente do uso de suas

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habilidades linguísticas para a reconfiguração da sua compreensão dos textos do

mundo – sejam eles impressos ou não - ... (VARGAS, 2005, p. 84)

No ambiente Fanfiction, a leitura e a escrita têm um papel significativo para a

formação do sujeito, pois o seu contato com o outro, num contexto dialógico, bem como o seu

aprofundamento se dará a partir do abrir-se para o outro, voltando-se para si mesmo num

determinado espaço-temporal-virtual, buscando ressignificar modos comportamentais pela

imposição do olhar e da palavra do outro diretamente envolvido pela linguagem escrita.

Em contextos digitais, inauguram-se novas abordagens de leitura e escrita nas quais

estabelecem a construção de sentido na interação social, pois no fanfiction os

usuários/leitores/escritores mantêm essa interação pela publicação de comentários utilizando-

se elementos discursivos híbridos perfeitamente aceitáveis nas comunidades, levando-os a

uma aprendizagem colaborativa da língua(gem),

pois a internet permite-nos acompanhar, como jamais foi possível, a proporção e o

alcance da mudança no uso de vocabulário, gramática, ortografia e (cada vez mais)

pronúncia. É também possível ver a rápida evolução de uma Linguística

Comparativa da Internet, na medida em que o meio se torna cada vez mais

multilíngue. (SHEPHERD; SALIÉS, 2013, p. 21)

Depara-se, então, com tempos em que os modos de ler e escrever tradicionais dão

lugar a outros estágios linguísticos, conduzindo-nos a reconsiderar questões teóricas da

linguagem em contextos interacionais/virtuais. Mudam-se os suportes e as formas de leitura,

segundo Shepherd e Saliés (2013). Pois ela, em tempos de tecnologia digital, está presente a

todo o momento, desmistificando a ideia de que os jovens não leem e tampouco escrevem,

mesmo não sendo as leituras do cânone escolar, mas o que torna relevante é que ler faz parte

da rotina desses adolescentes.

E possível que a internet potencializa esses recursos, dispondo ao leitor/sujeito

ferramentas de reconstrução das imagens e signos ressignificando-os nesse universo

heterogêneo dos espaços virtuais. E, em meios a tantos recursos midiáticos, devem-se

considerar as formas de como esse sujeito aprende e apreende a língua e se constitui por

intermédio dela que passa a linguagem, ser uma atividade constitutiva que, principalmente,

envolve o indivíduo que vai construindo uma nova forma de ler e escrever por meio de links.

Então, em meios a links e sublinks o trabalho com a língua deverá considerar que as

formas de ler e entender um texto no suporte eletrônico não são as mesmas estabelecidas em

material impresso. É levar em conta que o indivíduo é um leitor ativo e diferenciado, também

para o contexto digital. Assim, parece-nos que a aquisição dessa nova forma de linguagem

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carece de mais estudos na área da linguística, pois – no processo de aprendizagem – é o

domínio dela que conduz o leitor e o hiperleitor a resultados práticos e significativos e que

possa dar sentido e significação ao seu uso em diversas situações e interações, seja na escrita,

seja na oralidade, na forma impressa ou digital, quebrando barreiras de espaço e tempo.

Com isso, os ambientes digitais, provavelmente, servirão de orientação para

construção de novas formas de interação atreladas à leitura e escrita coletiva, conduzindo os

seus usuários a uma aprendizagem colaborativa com novas formas de organização textual. O

que antes era linear, rígida e hierárquica, vem com um novo formato que vai além da escrita,

juntam-se sons, imagem, cores e efeitos visuais para compor o texto.

Nesse aspecto, a escrita vem sendo ressignificada, pois ela nem sempre é central

diante das múltiplas linguagens, sobretudo, numa sociedade midiática, onde saber escrever é

aliar-se às estratégias multimodais de tecer o texto, e que não é somente a junção de

linguagens, e sim a interação entre as diferentes linguagens em um mesmo texto, assim afirma

Rojo (2012).

Para Kress (1998 apud PREDIGER; KERSCH, 2013) produzir um texto multimodal

torna-se fácil com o advento das tecnologias contemporâneas, pois a combinação de imagens,

sons e formas verbais de escrita podem até se tornarem animadas seguindo uma lógica da

imagem. Para tanto, o produtor do texto deve conhecer bem o potencial de cada linguagem

para produzir sentido, bem como saber em que medida determinada linguagem contribui para

a comunicação e interação (KRESS, 2004 apud PREDIGER; KERSCH, 2013).

Organizar um texto, na concepção de Kress (1998; 2004), está relacionado ao sentido

que o escritor/produtor quer transmitir a seus leitores, seja qual for o canal de transmissão,

para que ele seja capaz, também de produzir sentido efetivo para quaisquer que seja o

contexto. Contudo, escritor e leitor precisam conhecer as potencialidades das linguagens e que

elas possam combinar de várias maneiras.

No mundo no qual tudo é tecnologia e tudo se constitui por múltiplas linguagens, os

jovens deste século estão imersos em um universo de múltiplas possibilidades de

aprendizagem, graças ao advento do World Wide Web. Nessa trama, de cliques em cliques

eles conseguem chamar a atenção dos estudiosos para uma nova abordagem linguística e

educacional e que poderá dar novos sentidos à sua forma de ler e escrever, principalmente,

quando tais elementos são os fios que os constituirão sujeitos ativos e críticos.

Apesar de tecnologias antigas e corriqueiras, ler e escrever no século XXI e em

diversos suportes deram um novo significado e sentido para o indivíduo contemporâneo.

Novos contextos e situações fazem emergir complexos modos de pensar e agir na e pela

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língua(gem) e, com isso, novos eventos de leitura e escrita conduzem-nos a outras

configurações de letramento(s).

No entanto, os estudos linguísticos atuais ressignificam o conceito de alfabetização

pelo conceito de letramento. Mas há que considerar que o entendimento do termo ainda é

bastante complexo e multifacetado, dado ao seu recente surgimento no Brasil e a variação dos

tipos de estudos que abarcam o termo. Há teorias preconizadas por Soares (2010) que

examinam, por exemplo, a capacidade dos sujeitos alfabetizados refletirem sobre a sua

própria linguagem em comparação àqueles não alfabetizados. Implicam considerar que

conhecer somente o código alfabético e linguístico não os classifica, socialmente, como

sujeitos letrados. Nessa vertente, ser letrado é desenvolver e usar uma capacidade

metalinguística em relação à linguagem.

Por outro lado, o letramento pode ser considerado como prática discursiva de um

determinado grupo social, Kleiman (1995, p. 18) diz que essa prática “está relacionada ao

papel da escrita para tornar significativa essa interação oral, mas que não envolve,

necessariamente, as atividades específicas de ler ou de escrever”. Então, esse fenômeno não

está exclusivamente ligado a formas únicas e fechadas, ou seja, letrar-se vai além do que é

adquirido na escola, pois nela a prática de letramento estimula a competência individual do

sujeito e o promove somente nessa esfera.

Saber ler e escrever, no sentido de codificar a língua, atribuições dos conceitos de

alfabetização, que vem sendo superado, não garante a habilidade para fazer uso da leitura e da

escrita em práticas sociais. Desse modo, Soares (2010) traz a concepção de que “letramento é

um estado, uma condição: o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores

de leitura e escrita, com as diferentes funções que a leitura e escrita desempenham na nossa

vida”. São exigências do mundo globalizado, sem descartar e, tampouco encarar como

negativo e desnecessário, o processo de alfabetização, pois o letramento é mais bem

compreendido quando resolvido, pelo menos em partes, as questões do analfabetismo nos

mais diversos contextos, seja cultural, econômica e tecnológica dependendo de como a leitura

e escrita são concebidas e praticadas, isso significa que,

um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado

é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o letrado, o indivíduo que vive em

estado de letramento, é não só aquele que usa socialmente a leitura e a escrita,

pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura

e escrita. (SOARES, 2010, p. 39-40)

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O envolvimento do indivíduo em contextos que exigem o uso da leitura e escrita, na

concepção escolar de alfabetização, está associado ao modelo autônomo de letramento que,

segundo Street (1984), considera a escrita um produto complexo em si mesmo. Dessa

maneira, “o leitor não precisa considerar o contexto de sua produção para a interpretação [...]

este processo está determinado pelo funcionamento lógico interno do texto escrito”

(CORREA; SALEH, 2007, p. 79). E como tal, esse modelo é o que ainda prevalece na

sociedade atual e que vem se reproduzindo a passos curtos.

E, para contrapor à concepção de letramento autônomo, o modelo ideológico adota o

pressuposto de que as práticas de letramento são social e culturalmente determinadas, isto é,

especificamente, a escrita assume significados específicos para um grupo social que está

relacionado também a contextos e instituições em que ela foi adquirida e que combinam

diferentes formas em eventos diversos.

Dados os conceitos de letramento por Soares (2010) e Kleiman (1995) como práticas

sociais (ler e escrever) que os sujeitos vivenciam em um determinado contexto. Por outro

lado, Lankshear e Knobel (2006) conceituam letramentos como além da leitura e escrita

cunhados pelas práticas sociais na contemporaneidade, sendo que os leitores dispõem de

outros conhecimentos além da tradicional leitura em papel. São as formas heterogêneas das

práticas sociais da leitura/escrita e o uso da língua(gem) e isso é importante acionar o

conhecimento de mundo e de outros textos.

E, graças ao avanço tecnológico e midiático, o ler e o escrever nunca estiveram tão

presentes, tanto que estimulam novas práticas de letramento, e, agora na hipermídia, o que

antes era restrito apenas aos grupos de poder e não é uma função exclusivamente delegada à

instituição escolar, são os fios modernos da tecnologia e as possibilidades de Letramento(s).

Intenciono aqui complementar e ampliar o entendimento da dimensão dos estudos de

Letramento(s) à luz de uma sociedade cada vez mais digital. O ciberespaço como um lugar

social e de letramentos múltiplos, como diz Rojo (2013), “não são simplesmente

consequência de avanços tecnológicos [...] estão relacionadas a uma nova mentalidade, que

pode ou não ser exercida por meio de novas tecnologias digitais”. E, para tanto, há que se

preparar, o que é função da instituição escolar, a sociedade para se conectar a esse universo

cada vez mais digital.

Os enlaces com os conceitos de letramento no contexto escolar, sobretudo, a escrita

enquanto tecnologia e também como prática social, não poderão se esgotar em si mesma. A

escrita como um saber, um modo de conhecer se incorpora a outras tecnologias, a da

informação e da comunicação se mostra cada vez mais necessária em contextos não

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escolarizados e desprovidos de credibilidade pelos que neles frequentam, considerando que “o

conhecimento da escrita em si, como uma forma de linguagem, é o mesmo; entretanto novas

condições de produção determinam novas formas de organização do discurso, novos gêneros,

novos modos de ler e escrever” (COSCARELLI; RIBEIRO, 2011, p. 53), em contexto e no

universo digital, pois inseridos em sociedades letradas, os sujeitos, escolarizados ou não

estarão afetados pelo fenômeno do letramento.

Nesse sentido, discorrer sobre o letramento é sempre contrapor-se às questões que

envolvem a alfabetização com a sua especificidade, Soares (2010) vê que entrar no mundo da

escrita está ligado, por um lado, aos usos dessa tecnologia e, por outro lado, ao aprendizado

de uma “técnica”. Ou seja, o ler e escrever envolvem compreender a relação dos sons com as

letras, fonemas com grafemas, bem como a outras técnicas secundárias que também é

atribuição da alfabetização, como: segurar o lápis e aprender que se escreve de cima para

baixo e da esquerda para a direita etc. Porém, a participação no mundo da escrita como

práticas sociais, segundo Kleiman (1995) vão além das habilidades técnicas, serão “exigidos

percepções, conhecimentos, valores e sociabilidades próprias de um tempo [...], sempre em

movimento, sempre acrescida de novos usos e funções”. E, enfim, em contextos nos quais a

leitura e escrita façam parte e tenham sentido na vida dos sujeitos.

E, na busca de ressignificar os usos da linguagem em contexto digital, é que surge o

letramento digital, mas é preciso saber muito mais que apenas digitar em qualquer suporte,

implica apropriar-se de uma tecnologia e seu uso efetivo em práticas de escrita que se inserem

no meio digital, segundo Soares (2010).

Dessa forma, novas terminologias surgem para dar conta das novas abordagens que

emanam das hipermídias, como alfabetização digital, que requer a habilidade de lidar com

ferramentas técnicas como conhecer as linguagens específicas: ícones, sons etc, e que

precisam que esses signos sejam decifrados. Numa outra abordagem, inaugurada como

letramento digital, é preciso que o indivíduo desperte a percepção crítica da produção, dos

modos de distribuição e circulação da cultura da linguagem verbal e visual na Web.

Dada a heterogeneidade das práticas sociais de usos da língua(gem) em contextos

letrados, as pesquisas linguísticas reconhecem a multiplicidade de letramentos que variam no

tempo e no espaço, sejam locais ou globais. Mas ainda se questionam sobre as dimensões

reais das práticas sociais, ou seja, se essas práticas serão consideradas como letramento em

qualquer espaço e a qualquer tempo. O que implica compreender o que Rojo (2009, p. 102)

chama de letramentos dominantes (institucionalizados) e os letramentos locais (vernaculares),

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conceitos que estarão interligados no intuito de esclarecer ao leitor as suas diferenças e

convergências.

Os letramentos dominantes estão relacionados às agências: escolar, familiar, às igrejas

e a outras esferas organizacionais formais e burocráticos, que são intimamente ligados aos

indivíduos, transformando-os em professores, burocratas, advogados, juízes, pesquisadores.

Pessoas que são valorados pelo conhecimento legal e cultural, i.e., segundo Rojo (2009), “são

poderosos na proporção do poder da sua instituição de origem”.

Já os letramentos locais (vernaculares) são culturalmente desprezados por não serem

regulados, controlados ou sistematizados por instituições sociais, pois tem origem nas

manifestações locais por práticas não oficiais, chamadas por Rojo (2009) de práticas de

resistência. Desprezadas e marginalizadas, principalmente, pela agência escolar, são práticas

que emergem da mídia digital, sobretudo, ao tratamento da linguagem quando essa se destaca

nas esferas cotidianas.

Por estarem interligadas, é relevante ressaltar que os estudos de letramento ampliam-

se na medida em que novas práticas são evidenciadas. Nesse momento, no auge da tecnologia

digital, as pesquisas se voltam para os letramentos vernaculares, por conta da heterogeneidade

e possibilidades de práticas não valorizadas pela escola. E essa revê as formas de letramento

dominante na contemporaneidade por motivos de como se apresenta o mundo neste século

que implicaram mudanças e que requerem refletir sobre os letramentos considerando que

a vertiginosa intensificação e a diversificação da circulação nos meios de

comunicação analógicos e digitais, (...) a diminuição das distâncias espaciais – (...) a

diminuição das distâncias temporais ou a contração do tempo, (...) a multissemiose

ou a multiplicidade de modos de significar que as possibilidades multimidiáticas e

hipermidiáticos do texto eletrônico trazem para o ato de leitura. (ROJO, 2009, p.

115)

São mudanças inerentes aos frequentes acessos às tecnologias digitais da comunicação

e da informação por diferentes suportes eletrônicos que propiciam, na maioria das vezes, seus

pares ou grupos o uso de um conjunto de signos de outras modalidades como imagem estática

e em movimento, música, escrita que são intercalados conforme a necessidade da interação.

São práticas apagadas no contexto escolar e tratadas como letramento não-verdadeiro, mas

que são influentes e valorizados na vida diária dos sujeitos. Assim, na perspectiva dos

letramentos, como lidar com sujeitos na escola com múltiplas habilidades técnicas no mundo

contemporâneo?

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A obrigatoriedade de conduzir o indivíduo a participar das várias práticas sociais que

requerem habilidades de leitura e escrita é o objetivo da escola e isso de maneira ética, crítica

e democrática, como diz Rojo (2009, p. 107). Para tanto, os estudos de linguagem hoje deverá

considerar também de maneira ética e democrática: os letramentos múltiplos; os letramentos

multissemióticos e os letramentos críticos, bem como, não menos importante, o letramento

digital, para complementar os letramentos necessários para agir no mundo contemporâneo.

É na escola que convivem os letramentos diferenciados por sujeitos múltiplos. E, de

forma alguma, se devem ignorar os letramentos das culturas locais e seus agentes, ir além da

linguagem escrita e ampliar a noção de letramentos para outros aspectos (imagem, música e

outras semioses) que estão cada vez mais presentes nas ações e no uso da linguagem. Lidar

com textos, na perspectiva dos letramentos, não poderá ser de maneira estática, pois os textos

por si só não têm sentido, é conveniente levar em conta que

os significados são contextualizados. Essa compreensão é extremamente importante

no mundo altamente semiotizado da globalização, uma vez que possibilita situar os

discursos a que somos expostos e recuperar sua situacionalidade social ou seu

contexto de produção e interpretação. (ROJO, 2009, p. 108)

Para complementar o conjunto de práticas sociais, que comungam usos heterogêneos

de leitura e escrita e como outras formas de linguagens aliadas à tecnologia digital, requerem

novos instrumentos metodológicos devido a essas novas formas linguísticas e de construção

do conhecimento e seus impactos no aprendizado dos sujeitos. Nesse aspecto que o

letramento digital se constitui como prática social podendo ser considerado, como chamou

Rojo (2009), de práticas de resistência.

Constatam-se, com o advento da Internet, diferentes modos de ser letrado na sociedade

contemporânea e que estão intimamente conectados aos usos e efeitos da leitura e escrita

como práticas sociais e interacionais em ambiente virtual que segundo Moita Lopes (2010)

assevera que tal “implica tanto a apropriação de uma tecnologia quanto o exercício efetivo das

práticas de escrita que circulam no meio digital”. Nesses contextos, estão imbricados os

efeitos de uso e de sentido da linguagem.

Os letramentos na cibercultura – como lugar de ações sociais situadas – conduzem à

construção do significado por discurso escrito mediado por imagens, fotos, emoticons,

ressaltando que o texto escrito, como práticas sociais passaram a ser foco de estudos dos

letramentos na contemporaneidade,

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por que tais letramentos envolvem a participação colaborativa de atores sociais

localizados sócio-histórico-culturalmente na construção conjunta de significados,

mediada por instrumentos multissemióticos (textos, imagens, vídeos, sons etc), em

comunidades de práticas no mundo digital. (COSCARELLI; RIBEIRO, 2011, p. 60)

Com isso, reafirma a questão de que a técnica não existe separadamente para a

constituição do sujeito sociopolítico e que a internet possibilita e amplia relacionamentos

sociais, além das agências tradicionais, criando espaços para o conhecimento coletivo e

colaborativo num universo potencialmente fluido em velocidade rápida e em rede ainda que

de forma limitada.

As concepções de alfabetismo são complexas e determinadas sócio-historicamente,

por que a condição de ser alfabetizado envolve as capacidades de leitura/escrita que são

indissociáveis e são variadas e múltiplas e que envolvem as capacidades letradas imbricadas

no conceito de alfabetismo, assim como que para ler não basta conhecer o sistema alfabético e

decodificar letras em sons da fala, são habilidades que deverão ser acrescentadas à habilidade

de compreender o que se lê.

E, além disso, prever, hipotetizar, inferir, comparar informações e generalizar. E,

igualmente importante, saber interpretar, criticar e dialogar com o texto. E para escrever é

preciso, assim como para ler, dispor de capacidades, habilidades muito mais complexas que

codificar e observar as normas de escrita e “é também preciso textualizar: estabelecer relações

e progressão de temas e ideias, providenciar coerência e coesão, articular o texto a partir de

um ponto de vista levando em conta a situação e o leitor etc” (ROJO, 2009, p. 44-45).

1.2 Os fios híbridos das Fanfictions: As pesquisas se entrelaçam

O ler e a escrever, na contemporaneidade, são evidenciadas por práticas coletivas e

colaborativas cada vez mais necessárias para e na comunicação e interação dos sujeitos,

tornando-os atrativas para os jovens ávidos de aventura e criatividade.

Esta subseção versará acerca da leitura e escrita, a partir dos gêneros do mundo virtual,

que revelam que os hábitos de ler e escrever deixam de serem atitudes isoladas e solitárias

para construir e se constituir coletivamente. E, nessas entrelinhas, o gênero Fanfiction,

nascido em tempos do códex, passa a ter destaque na era do pós-papel como uma prática

relevante para muitos adeptos desse gênero. O objetivo é trazer algumas contribuições

científicas e pesquisas já realizadas em torno desse fenômeno, que é relativamente novo para

os estudos de linguagem e até mesmo para outras áreas do conhecimento.

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O hábito de produzir Fanfiction vem bem antes de surgir a internet nos Estados

Unidos. Origina das comunidades de fãs, nas quais as obras eram difundidas pelos meios de

comunicação de massa mais avançada para a época: a televisão. Pois, dessa forma, os fãs de

um universo ficcional poderiam estender o contato com outros fãs para além do material

impresso. Vargas (2005) diz que Fanfiction tem origem na língua inglesa e é composta pelas

palavras Fan e Fiction, estando relacionada a uma história fictícia, que deriva de um trabalho

ficcional já existente, ou seja, escrita por um leitor/fã daquele original. É um termo universal e

independe da língua em que a fanfiction é escrita. Desde então, se é permitido algumas

abreviações como: fanfic e fic. E Vargas (2005, p. 21) ainda a define como “uma história

escrita por um fã, envolvendo os cenários, personagens e tramas previamente desenvolvidos

no original, sem que exista nenhum intuito de quebra de direitos autorais e de lucro

envolvidos nessa prática”.

Pela constatação da existência de que os jovens se dedicam espontânea e

voluntariamente às atividades de leitura e escrita de fanfictions, somando horas de trabalho

intelectual e tornando-os atores sociais, pela participação constante em eventos que

proporcionam a interagir com o mundo pelas palavras (ALVES, 2014), a qual é praticamente

desconhecida da escola e da família, quiçá da sociedade de forma geral, me instigou a buscar

um aporte teórico para os estudos sobre o Fanfiction e tornar consistente esta pesquisa.

Da TV para a internet, as comunidades de fãs cresceram e passaram a agregar cada vez

mais pessoas interessadas a essa atividade. Outras categorias textuais foram somadas à ideia,

como séries policiais e de suspense, filmes, quadrinhos, games e livros ficcionais; enfim,

produtos vinculados à indústria do entretenimento. E, aliada aos recursos da internet, várias

páginas híbridas e multilíngues foram criativamente elaboradas para abrigar as histórias e

atrair leitores e escritores/fãs.

Para Vargas (2005), os estudos sobre o fenômeno Fanfiction chamaram tanto a sua

atenção que se aprofundou em suas pesquisas e essas resultaram num livro que se tornou

referência para os estudos seguintes. Porém, desde 2000, quando Harry Potter é lançado no

Brasil, é que as histórias tomam grandes dimensões de produção ficcional em contexto virtual.

A autora traz muitos pontos importantes para a reflexão em torno dessa prática, sobretudo,

para repensar as formas de abordar a leitura e escrita em contexto digital por jovens

totalmente imersos virtualmente.

Vargas (2005) investigou o universo daqueles que frequentam as comunidades

virtuais/Fanfiction, os chamados fanfiqueiros. Como leitores despendem do seu tempo livre

buscando novas histórias pelo mundo de fanfictions e, em decorrência disso, ativam a sua

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criatividade e encontram pessoas que comungam dos mesmos prazeres. Isso acontece mesmo

que não exista uma proximidade real, assim como em debates e nas interações virtuais com

outros sujeitos on-line tornam-se fundamentais para a constituição de uma comunidade

concreta.

Fanfiction e os espaços que acolhem suas histórias são nutridos por leituras de textos

populares por muitos fanfiqueiros e a sua intervenção eleva-os ao título de co-autores que se

combinam e/ou confrontam para construir sentidos. Vargas (2005) considera que o

letramento não é exclusivo da escola, mas, sobretudo, nos muitos contextos de vivência dos

sujeitos, que envolvem a manipulação da linguagem e do pensamento e que são claras as

oportunidades de aprendizagem, além do mais,

esses jovens autores estão usando suas experiências e suas habilidades como leitores

para transformar a si mesmos, construindo uma nova representação identitária para

si, essa de um autor ou, no mínimo, de um leitor altamente participativo. (VARGAS,

2005, p. 97)

A próxima abordagem de Vargas (2005) teoriza sobre a participação de jovens

adolescentes envolvidos e habilidosos com o uso da tecnologia digital, há predisposição em

arriscar-se nesse tipo de atividade. Os frequentadores mais assíduos como autores e leitores de

Fanfiction no Brasil são adolescentes que frequentam o Ensino Médio e, apesar de não

exclusivamente, a maioria é composta por mulheres. E, por fim, a autora procura chamar a

atenção para o que poderá representar para a aprendizagem de leitura a prática de Fanfiction,

isso implica considerar também a escrita, que juntas se constituem práticas de letramento e,

apesar disso, dentre os autores de fanfictions podem ser observados alunos com um

bom grau de instrução que utilizam as habilidades fundantes da escolarização e da

constituição da sociedade contemporânea – a leitura e a escrita prolongadas – para a

realização de projetos voltados para seus próprios interesses de entretenimento,

construindo pontes, ao invés de rupturas, entre a escola e o seu mundo extraclasse.

(VARGAS, 2005, p. 121)

Há, portanto, um envolvimento afetivo e intelectual dos fanfiqueiros com o texto,

ademais, se posicionam criticamente diante dele, expressam julgamentos, refinam e

compartilham comentários colaborativamente. Essa prática faz com que os fanfiqueiros

estejam longe de serem considerados passivos em relação ao texto do outro, isso pode ser

evidenciado pela busca constante de interação. Vargas (2005) aponta que o fenômeno

Fanfiction é um caminho a ser pensado pelos educadores e estudiosos da linguagem, a partir

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da dedicação espontânea na leitura, escrita e na interação com o outro pelo texto ficcional

num contexto virtual.

A pesquisa de Silva (2009), por outro lado, foi de caráter qualitativo e os seus dados

foram gerados por entrevistas virtuais, utilizou-se também dos recursos de e-mail, Skype, e

MSN. E, após a realização das entrevistas, foi feita uma análise argumentativa dos dados e

elaboraram-se esquemas argumentativos que contribuíssem para responder as questões de

pesquisa.

E assim, pela análise argumentativa das entrevistas, Silva (2009) pode chegar a alguns

aspectos relevantes para a pesquisa. Primeiramente, os sujeitos indicaram que o gerador de

interesse para ler e escrever uma história é o contexto dos personagens e dos universos

ficcionais, os fãs se divertem e são movidos a produzir. E, ainda, que ser fã de determinado

personagem, gênero ou universo ficcional é igualmente importante para despertar o interesse.

A partir das falas dos sujeitos, foi possível analisar como se processa o endereçamento

das histórias que escrevem. De maneira geral, inicialmente, cada um escreve para si mesmo,

mas também se preocupam com a satisfação dos leitores que reflete nos comentários. A quem

se destinam as histórias de cada sujeito é diferente, isso implica conhecer o mundo ficcional

dos seus leitores. Há escritores que procuram escrever no que acreditam ser o público-alvo

daquele gênero e não necessariamente que o escritor seja fã.

Alguns padrões indicaram que a escrita em ambiente virtual das fanfictions, em

contraposição aos textos produzidos na escola, são perceptíveis para os professores

pesquisados, pois há “uma liberdade de escrita e produção textual que não se consegue ser

encontrada no ambiente escolar” (SILVA, 2009). Mas essa ideia não é unanime, há

discordância, nesse sentido, considerando que as fanfics são formas inferiores de literatura.

Por outro lado, outros corroboram positivamente de que uma fic é mais dinâmica que textos

acadêmicos. Além disso, da produção textual, a distinção primordial entre o virtual e o escolar

está na liberdade de escrever, diz uma pesquisada.

Quanto à experiência de introduzir o gênero digital fanfiction no espaço escolar,

somente quatro sujeitos o utilizaram de maneiras variadas, ora como modelo, ora como

trabalhos de escrita tradicional. Os resultados desse desafio nem sempre foram satisfatórios,

mas alguns perceberam que houve melhora efetiva nos textos dos alunos. Apesar de que o

posicionamento inicial da pesquisa é a fic com o letramento digital, muitos conduziram o seu

uso em sala de aula para o letramento “tradicional”, ou seja, não se utilizou o computador

como suporte tecnológico, tampouco a tecnologia da Internet. Nem por isso deixou de ser

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possível perceber que as fans fictions podem ajudar a produção escrita escolar e o

letramento digital de maneira efetiva. As fanfics são uma das poucas atividades que

estimulam naturalmente os jovens e adolescentes para a produção escrita hoje em

dia. O fato de ela ocorrer em ambiente virtual ajuda neste aspecto e a posiciona

como fortemente ligada ao letramento digital, já que as práticas de leitura e de

escrita ocorrem na tela do computador. (SILVA, 2009, p. 57-58)

Moraes (2009), por seu turno, optou por uma pesquisa de cunho etnográfico e utilizou

um site nacional específico de fanfictions – Fanfic Addiction. Os seus estudos mostram que os

leitores e escritores, nesse ambiente, constituem uma comunidade discursiva, mesmo sem

pertencerem à esfera acadêmica. Trazem, também, esclarecimentos sobre o contexto de

produção de fanfictions e o envolvimento de fãs leitores/escritores com essa atividade. E,

ainda, em relação ao estudo da página, observou-se a estreita relação desse gênero da web e os

gêneros textuais.

Em sua análise, Moraes (2009) justifica a escolha do site Fanfic Addiction como

objeto de estudo e diz que, além das categorias comuns (livros, quadrinhos, animes/mangás,

romances etc), aquele ambiente abriga histórias de grupos musicais (Simple Plan, McFly,

Jonas Brothers, entre outros), o que não acontece com outros ambientes, o inviabilizando

aplicar as teorias abordadas anteriormente. E, para adentrar nas análises, a pesquisadora

retoma algumas considerações e concepções para compreender a constituição de uma

comunidade de fãs leitores/escritores numa comunidade discursiva. Utiliza-se de um

questionário com onze perguntas que foi envidado por correio eletrônico para trinta usuários

do site, escolhidos aleatoriamente, e a discussão começa a partir dessas respostas.

O Fanfic Addiction é um ambiente que abriga fanfictions interativas7, voltados a

grupos musicais filmes e seriados. Inicialmente, é feito a apresentação, a organização e os

elementos que compõem o site, na página inicial, e em seguida se adentra pelos links para

conduzir o leitor as mais diversas possibilidades de leitura. Na análise de Moraes (2009),

alguns aspectos me chamaram a atenção, além do objetivo da pesquisa.

A primeira é um elemento fundamental na prática de fanfictions: a interação

leitor/autor que no site Fanfic Addiction é quase imediata. São comentários que estimulam a

continuar a escrever, contribuindo para aprimorar a comunicação, interação social e o

pluralismo cultural no espaço virtual. Outro ponto é a questão de gênero: o número de

frequentadores no ambiente do sexo masculino é inferior em relação ao feminino. Dentre os

trinta sujeitos de pesquisa, há apenas um autor e esse faz contribuições importantes, diz que

“o fato de ser „menino‟ tem a vantagem de que, quando escreve algo do ponto de vista

7 Histórias das quais o leitor faz parte como personagem.

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masculino, sabe melhor o que escrever. A desvantagem (...) é errar quando tem de escrever

sob o ponto de vista feminino. (...) talvez seja um desafio para um menino escrever fics cujo

público maior são meninas e conseguir entretê-las”.

Para a pesquisadora, ao considerar o Fanfic Addiction uma comunidade discursiva,

baseado em Swales (1992), foi importante seguir os seguintes critérios em relação ao website:

objetivos comuns, sendo que o interesse dos leitores/escritores em ler, escrever e

disponibilizar no site e também comentar. Além de que, as regras exigidas são seguidas e

respeitadas. Nos mecanismos de interação e de participação, a intercomunicação, participação

e feedback entre os membros são feitos, inclusive, por trocas de e-mail, MSN e outros tipos de

suportes.

Na seleção crescente de gêneros, a própria página funciona como mecanismo de

compartilhamento de gênero, sendo as fanfictions on-line, o chat, as regras e as instruções. As

terminologias específicas em desenvolvimento também é um ponto relevante, pois o léxico

especializado é amplamente compartilhado por seus membros, com o intuito de constituir a

sua identidade, são abreviações e termos reconhecidos e utilizados com propriedade pelos

usuários. E há, na estrutura hierárquica, de maneira explícita ou implícita, orientações dos

processos de admissão e de progresso no ambiente. E é confirmado pela relação entre

administradores e membros, incluindo betas e escritores.

Moraes (2009) constatou com esse estudo que as fanfictions on-line têm contribuído

para que os jovens passem horas envolvidos com a leitura e escrita. Consequentemente,

compartilham textos, comentam, sugerem e interagem com outros que desfrutam dos mesmos

gostos. São mecanismos que influenciam diretamente na qualidade e na quantidade de

histórias escritas por fãs, sobretudo, por direcionar a leitura e a pesquisa em torno delas. São

tramas que urgem a colaboração do outro para desenrolar, admitindo-se concluir que

ao longo de nosso estudo, que a escrita e a leitura de fanfictions constituem

verdadeiras práticas de letramento pelo fato de os envolvidos fazerem usos dessas

habilidades para a criação e divulgação das histórias no meio virtual, esfera na qual

chegou a construir verdadeiras comunidades discursivas que criam websites com a

finalidade de agregar fanfictions para disponibilizá-las para a leitura por outros fãs.

(MORAES, 2009)

Neves (2011) começa a sua pesquisa por um tipo de análise que quebra os modelos

hegemônicos de cultura e, nos moldes dos Estudos Culturais, desconstruindo os conceitos

hierárquicos. O objeto de estudo é a “alteria”, ou seja, a autoria coletiva “ou a

construção/desconstrução da identidade coletiva de autoria no ciberespaço ou, ainda,

identidade coletiva flutuante” (NEVES, 2011), uma tentativa de projeção da identidade

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individual na identidade coletiva para a construção de um saber maior, uma inteligência

coletiva.

É uma pesquisa de cunho qualitativa e de caráter exploratório e investigativo.

Possibilitando compreender melhor as comunidades virtuais e os blogs, bem como os sujeitos

de pesquisa. Os seus locus são blogs com conteúdo literário de poetas e autores

marginalizados, cinco comunidades fizeram parte da pesquisa e nelas foram observados os

seus participantes leitores/escritores, os quais também foram incluídos na análise de como os

discursos feitos se configuram no ambiente.

O desenvolvimento das análises de Neves (2011) contribuiu para a compreensão da

cultura de fã, sendo essa uma literatura originada no espaço virtual – as fanfictions – e versou,

inclusive, sobre o processo de construção da identidade autoral dos leitores/escritores. Os

resultados conduziram a entender que o híbrido, a pluralidade cultural, o multiculturalismo e a

convergência cultural, são consequências de um mundo globalizado e Neves (2011) declara

que “o ciberespaço como um lugar de culturas múltiplas, de encontro e diluição cultural,

conecta não só computadores, mas também pessoas com suas ações do quotidiano, seus bens

culturais e simbólicos e configura-se como lugar de encontros e/ou des/integração desses

bens”.

De acordo com os dados observados, foi possível perceber que a expansão das

comunidades e blogs literários contribui sobremaneira para o surgimento de um novo tipo de

autoria que se mantém na relação com o leitor, uma parceria co-participativa na construção do

texto, daí, surgiu o termo „alteria‟, porque,

a fronteira entre o leitor e escritor torna-se cada vez mais imprecisa, pois o leitor

navegador não é um mero consumidor passivo, mas um produtor do texto que está

lendo, um co-autor. Percebeu-se, portanto, que o leitor de fanfiction, nesse sentido,

mantém uma relação paradoxal com o autor, por vezes transgressora e, por outras, de

cumplicidade. (NEVES, 2011, p. 120)

Afirmar que “a relação com o autor é transgressora na medida em que sua obra é

desconstruída pelo leitor” (NEVES, 2011), partiu das análises em conjunto com o aporte

teórico que sustenta a assertiva. Na fanfiction, o trabalho do autor nunca acaba, pois passa por

uma (des)construção constante. Já o leitor transita entre autor>obra>leitor e pode reconfigurar

em autor>obra>autor ou também em autor>obra>leitor. Esse processo poderá acontecer

conforme as fics reconstituem em novas escritas simulando a original.

Neves (2011) afirma que as fanfics se manifestam como um jogo discursivo,

transgressor e não somente uma habilidade de escrita como reprodução e/ou produções das

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obras supostamente „originais‟. O leitor na (re)escrita dessas histórias, conforme Neves

(2011), “se manifesta como uma tentativa de fazer tornar audível a voz marginal, como

tentativa, também, de mudar (desconstruir) o discurso do autor primeiro, dispersando-o no

discurso coletivo”. Essas posições estão alicerçadas no discurso foucaltiano sobre autoria.

Então, esse pesquisador constatou que a literatura produzida no ambiente digital e

marginalizada, especificamente as fanfictions, nos remete a refletir sobre o conceito de

literatura hegemônica, sendo possível conceber uma literatura fora do papel e, sobretudo, que

transgrida ao cânone literário. Assim, as comunidades virtuais e blogs literários instigaram

essa reflexão. A relação autor>leitor num contexto digital se estabelece entre eles pela co-

participação, pela interação na produção do hipertexto literário, constituindo uma relação

coletiva e colaborativa.

A pesquisa em torno dos “Universos Alternativos: Literatura e Produção de Sentido

em Sites de Fanfictions” envolve as questões de apropriação dos conteúdos das séries “Saga

Crepúsculo” e “Harry Potter” em ambientes de fãs na rede, bem como da criação e leitura de

fanfics, de modo a compreender como são dadas as formas de uso, produção de sentido e

apropriação da obra a partir das interações entre os fãs. E, como contribuição, utiliza

elementos da sociologia formal e os estudos de interação para compreender as dinâmicas

interacionais construídas pelos fanfiqueiros.

Martins (2013) analisa quatro categorias relevantes para o estudo do universo das

histórias ficcionais na contemporaneidade. A primeira trata da “Dinâmica Interacional das

Fanfictions” – que busca entender os padrões de interação entre os sujeitos envolvidos com o

mundo das fanfictions. São padrões que permeiam todo o processo analítico da dissertação,

que são: o início da interação; a importância da interação com a autora e entre as leitoras; a

demarcação da posição de autora; a relação de reciprocidade e os conflitos. O contato inicial

das leitoras com as histórias acontecem pela indicação de amigas ou de outras autoras ou pelo

acesso ao ambiente que abriga as fanfics.

Depois disso, o contato se dá por um elogio, pois os comentários estão envoltos de

expressões de apoio à escritora. Já o “não elogio” marca uma neutralidade, nesse aspecto, o

objetivo é marcar presença sem julgamentos ao texto e tampouco ao autor, pois muitos

conflitos são visíveis no processo de interação, em se tratando de críticas. Porém, para

preservar a integridade do grupo, seguem com o repertório de cordialidade de maneira que

não cause rupturas.

Os comentários são marcados por agradecimentos, acolhimentos, cordialidade e

estímulo a continuar a escrever as histórias, ou seja, situação que estabelecem uma boa

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relação entre leitor e escritor. Há que assegurar que ambos, leitor e escritor, na dinâmica da

interação assumem posições que marcam status, como que demarcar a relação de poder,

sobretudo, os deveres implícitos que precisam ser realizados reciprocamente, “embora não

estejam escritas em nenhum lugar no site, essas regras de convivência são compartilhadas

pelos seus integrantes” (MARTINS, 2013, p. 82).

Legitimar a história é o que perseguem os escritores de fanfictions. Essa legitimação

acontece pela quantidade de reviews, pois um determinado número de comentários não

significa que a história foi visualizada, tem a ver com o engajamento interacional e revela a

qualidade da história dentro do fandom. A “legitimação pelos pares” também é o caminho,

sendo que as autoras de sucesso “são constantemente convidadas por membros de seu

público, que também são autoras, a lerem as suas histórias” (MARTINS, 2013, p. 83). Outro

ponto é a recomendação e a classificação como favoritas. Recomendar é uma forma de revelar

que gostou e aprovou publicamente a qualidade da narrativa, assim como favoritar. E, estando

expostos na página inicial e no perfil de quem recomendou e/ou favoritou, acaba atraindo

mais leitores.

Na segunda categoria “construindo Universos Alternativos” são apresentadas as

especificidades de cada grupo de fãs e como as leitoras encaram as mudanças na história

original e, também, discute-se nessa seção a noção de plágio. No universo fanfiction

encontram-se dois tipos de leitoras: aquelas que somente leem histórias concluídas e outras

que vão além da leitura, elas participam do processo de construção da narrativa fazendo

comentários, principalmente. E, nessa interação, muitas leitoras e escritoras afirmam que a

motivação para ler e escrever é, também, pela possibilidade de fazer e fortalecer amizades,

que vai além dos grupos on-line. Nesse viés, a leitura de fanfics, segundo Martins (2013),

parece ser fonte de novas experiências para as leitoras que se identifica com determinados

temas e grupos e “a possibilidade de prolongar a fruição daquele universo, experenciar mais

elementos que não foram abordados pela história original e ler ou criar caminhos alternativos

de interpretação também são motivações bastante aparentes” (MARTINS, 2013, p. 91).

O universo alternativo, de que trata a autora desse estudo, também está relacionado

com as modificações nas histórias originais, conduzindo o escritor a uma prática lúdica e

experimental, levando-os a compartilharem de novas possibilidades interpretativas, ou seja,

outras formas de olhar determinadas situações ou personagens poderão ou não ser socialmente

aceitas pelos membros. Esse feedback é observado pelos comentários das leitoras opinando,

elogiando, sugerindo e criticando e, dessa forma, manter o circuito: elogio – sugestão –

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elogio. Ainda nessa seção, o plágio na cultura fanfiction vem à tona, encarado como uma das

grandes contradições nessa cultura, à questão da autoria.

Em entrevistas com as leitoras e escritoras percebe-se que há atribuições conceituais

variadas em torno do que realmente é considerado plágio, sobretudo, para o contexto das

fanfictions. É comum encontrar postagens com notas explicativas em relação aos personagens

e enredos para evitar qualquer alusão ao plágio e aos direitos autorais. Da mesma forma,

acontecem nas traduções e ainda que se deva pedir autorização à autora e constar nas notas.

Nos espaços que abrigam fanfictions, a escritora poderá denunciar no próprio site que a sua

história está sendo plagiada, obviamente, provando os seus direitos sobre ela. Então, para o

fandom só são consideradas plágio da história original quando envolve ganhos financeiros,

mesmo assim é uma preocupação constante das leitoras e escritoras.

Os usuários entendem o plágio de várias formas, ora como cópia da história ou de

passagens dela sem dar créditos, ora como cópias de ideias, mesmo que se desenvolva de

forma diferente, são conscientes de que parte da cópia do cânone e das próprias fanfics

causam conflitos dentro dessa cultura e

aprende-se daí que, mesmo não tendo ganhos financeiros com as histórias, há uma

necessidade de demarcar a sua posse devido ao ganho imaterial de fama, elogios e

reconhecimento que seria o pagamento pelo trabalho que a autora tem de escrever

uma história (mesmo que ela seja baseada em outra). (MARTINS, 2013, p. 113)

A terceira categoria de que trata a pesquisadora está relacionada com “O Universo dos

Livros”. Ela observou que, apesar da interatividade e convergência das mídias, o material

impresso ainda se destaca em relação a outros suportes, mesmo com o advento de hiperlinks

com sons e imagens que são agregados aos hipertextos. Muitas leitoras afirmar que

imprimem as fanfics preferidas e as encadernam, como objeto de recordação, algo para a

eternidade. Isso implica afirmar que o livro (impresso) é capaz de modificar o status de

escritora à autora profissional.

A última categoria “Um mundo de mulheres”, como denominou Martins (2013). Leva-

se em conta de sua presença maciça nos espaços virtuais, blogs e redes sociais que reúnem

leitoras e escritoras. Nas análises dos comentários sobre as histórias de Crepúsculo, é comum,

conforme Martins (2013), “o elogio e a defesa pela constituição de papéis estereotipados no

que diz respeito aos gêneros tiveram grande presença”. A pesquisadora ressalta também que o

surgimento de fanfictions, além de ser a fonte para as novas amizades, serve para dar mais

leveza aos problemas e a „descarregar as frustrações‟.

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O trabalho mais recente em torno de Fanfictions tem como objetivo “investigar como

adolescentes constituem a escrita no ambiente digital participando de comunidades on-line

como o fanfiction”. Alves (2014) buscou apoio teórico em estudiosos que versam sobre o

letramento, novos letramentos e multiletramentos que pudessem apoiá-la nas análises dos

resultados, bem como responder às questões de pesquisa. Optou pela abordagem

interpretativista e os dados foram gerados a partir de entrevistas com alguns sujeitos

previamente selecionados para esse fim.

Na perseguição de compreender os reflexos das práticas de leitura e escrita de

fanfictions por adolescentes que compartilham do gosto pelas histórias ficcionais, conforme

os dados, esses jovens alcançam maturidade e abrem um leque de possibilidades de

crescimento pessoal e intelectual. Alves (2014) se dedicou a olhar a escrita trazendo

esclarecimentos históricos desde a escrita tradicional à escrita tecnológica, em especial à

escrita de fanfics. No viés interpretativista buscou ainda estudar os fenômenos sociais com o

intuito de analisar a interação entre os sujeitos da pesquisa.

Para a pesquisadora, muitas inquietações a moveram à reflexão, visto que os jovens do

século XXI estão imersos em práticas de letramentos, aproveitando das muitas leituras e

escrita oferecidas pela web. Essa apropriação está cada vez mais significativa, mesmo porque

envolvem outros participantes e usuários de uma determinada comunidade, tornando a prática

de construção da escrita mediada pelas tecnologias digitais, muito mais efetivas que na escola.

De fato, a estudiosa sinaliza que há um distanciamento entre as novas formas de escrever em

contexto digital com aquelas preconizadas pela instituição de ensino e, claro, acaba destoando

do que oferece o mundo virtual.

As adolescentes que fizeram parte da pesquisa são assíduas leitoras de livros

impressos e/ou digitais da literatura popular como: Percy Jackson, Crônicas do Gelo e do

Fogo, Crônica de Nárnia, sendo a maioria, obras de ficção, mas, por outro lado, também são

fãs de bandas de músicas, filmes e outros. Deixa evidente que, a trajetória de leitura dessas

jovens, é híbrida e requer habilidade semiótica para alcançar a interação. São estímulos

naturais que provocam a escrita e leitura de fanfictions e se tornam significativos.

Alves (2014) observou que para as postagens de fanfics, seguir as regras são

necessárias e é um aspecto percebido pelos jovens escritores que frequentam o ciberespaço, o

que na esfera escolar ainda não se consegue instituir. Não é fácil levar em conta diversas

vozes que vivenciam e experimentam as práticas de letramento no ambiente on-line, mas são

possibilidades que poderão nos encorajar e quem sabe resultar em boas experiências. E o

processo de escrita no universo fanfiction, como se dá?

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As pesquisadas lidam com propriedade da tecnologia digital e, por conta disso, elas

leem, escrevem e comentam na própria tela de computador dando sinais de que assim começa

a constituição da escrita. Elas também utilizam do recurso colaborativo e participativo como o

objetivo de criar histórias ficcionais no espaço virtual. A pesquisadora entende que poderá ser

um passo para um engajamento com relação à escrita, pois “retratam a colaboração como um

processo compartilhado, ativo, conjunto e de apoio mútuo” (ALVES, 2014). Em tempo,

incentivar a escrita por comentários é um estímulo na constituição da escrita de fanfics,

mesmo que esbarrem em correções mais rígidas antes da publicação das histórias.

Nesta subseção, compartilhei de algumas pesquisas em torno do gênero Fanfiction e

que poderei juntá-las aos meus fios de análise. São estudos que merecem atenção dado à

consistência e a relevância social nas áreas de educação, da linguagem, da tecnologia e até

mesmo dos estudos culturais, dentre outras. Ressalto que não menos importantes são os

muitos artigos em relação aos temas, que não foram trazidos à tona, porém foram

imprescindíveis para se pensar o fanfiction como objeto de outras dissertações, teses e /ou

artigos.

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CAPÍTULO 2

A ESCOLHA DO TEAR

“Acordava ainda no escuro, como se ouvisse

o sol chegando atrás das beiradas da noite.

E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia.

Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios

estendidos,

enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o

horizonte.” ( Marina Colasanti8)

2.1 A Metodologia da Pesquisa

Neste capítulo, apresento o caminho metodológico percorrido, para desenvolver este

trabalho, até as considerações finais. A escolha do instrumento metodológico se deu tendo em

vista de que os sujeitos desenvolvem atividades de leitura e escrita em ambientes

multimodais, porém, possivelmente, tais atividades poderão conduzi-los a práticas de

letramento(s) no espaço virtual.

Dessa forma, adoto a pesquisa qualitativa interpretativista por considerar que “não há

como observar o mundo independente das práticas sociais e significados vigentes”

(BORTONI-RICARDO, 2008, p. 32). E, nessa postura metodológica, pretendo observar como

os usuários num ambiente Fanfiction produzem, reproduzem e compartilham as suas histórias

e sustentam a interação em um dado contexto digital.

A pesquisa, sob o olhar quantitativo, é ver somente pela óptica do objeto desprovido

da interioridade, pois “privilegia a razão analítica, buscando explicações causais por meio de

relações lineares entre fenômenos” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 13) e os resultados

acontecem unilateralmente; são estáticos, considerando o olhar do pesquisador sob um objeto

mudo; levando-o a uma forma monológica de saber, atendendo somente a um interesse

prático e restrito.

Fazer pesquisa é buscar um caminho possível para se alcançar os objetivos, é conduzi-

la a um olhar quantitativo e/ou qualitativo. Nesse aspecto, “o processo de pesquisa qualitativa

pode ser representado como sendo um caminho da teoria ao texto e outro caminho do texto de

volta à teoria” (FLICK, 2009, p. 14). O pesquisador busca basicamente levantar as opiniões,

as crenças, o significado das coisas nas palavras dos participantes da pesquisa,

8 Fragmento extraído do livro “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”. Rio de Janeiro: Global Editora,

2000.

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compartilhando e interagindo com os dados, para, então, assumir um compromisso ético na

elaboração do texto e, consequentemente, a produção de sentido da pesquisa.

A pesquisa qualitativa não é exclusiva de uma determinada área, seja na psicologia ou

na sociologia. Ela se caracteriza por questões teóricas específicas e até mesmo por seus

próprios caminhos metodológicos dentro de um plano específico da investigação. É um tipo

de pesquisa que cabe às ciências sociais e tem relevância ao estudo das relações sociais.

Conforme Flick (2009, p. 20) “à pluralização das esferas da vida que exige uma nova

sensibilidade para o estudo empírico das questões”, ou seja, as diversas esferas da vida levam

os pesquisadores a enfrentarem novas perspectivas e contextos sociais a serem explorados.

As investigações em torno dos Estudos Linguísticos, no uso real da linguagem, se

articulam com os objetivos e pressupostos teóricos do seu objeto. Então, de acordo com os

aspectos da pesquisa qualitativa, este estudo abrange questões sociais ligadas aos usos da

linguagem em contexto digital para observar, identificar e analisar as contribuições das

práticas sociais – ler e escrever no site Nyah! Fanfiction – e os modos de concebê-la para as

práticas interacionais nesse ambiente.

Por certo, é na perspectiva interpretativista que busco tratar este estudo, partindo da

compreensão de dados contextuais e relacionados entre si para o entendimento do processo de

leitura e escrita em uma realidade social, i.e., em espaços virtuais privilegiados por uma

grande parte do público jovem.

Dessa forma, dado as teorias que se apropriam a pesquisa científica, os pesquisadores

e estudiosos precisam se apoiar em meios que os conduzem a uma aproximação do contexto a

ser investigado, para poder compreender e interpretar as ações e práticas sociais. Nesse caso,

dos usuários-fãs do universo Fanfiction.

Nesta pesquisa, de caráter qualitativo-interpretativista, defino como o método para

geração de dados o método de observação valendo-se dos sentidos para obter informações em

determinados aspectos da realidade. Esse método não requer apenas em ver e ouvir, pois vai

além desses sentidos para examinar fatos ou fenômenos dos quais se deseja investigar. Com a

observação, o pesquisador poderá colher dados que condizem com os objetivos de estudo,

sobretudo, em torno das práticas nos quais os indivíduos não têm consciência, mas que

determinam o seu comportamento.

Este estudo tem o caráter de observação não participante de maneira que a comunidade

virtual será investigada com o olhar de fora e, de forma alguma, o pesquisador se integre a

ela, presencia os fatos sem a participação ativa e sem a intervenção, bem como sem um

envolvimento nas situações, configurando-se o papel de espectador. Contudo, estar de fora

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não implica que a observação não seja ou não esteja organizada com um propósito, pois assim

Flick (2009, p. 204) corrobora que “os observadores comuns seguem a corrente dos eventos.

O comportamento e a interação prosseguem da mesma forma como prosseguiriam sem a

presença de um pesquisador, sem a interrupção da intrusão”.

No início deste capítulo, afirmei que este estudo será norteado pela pesquisa

qualitativa interpretativista, baseada na observação, por conta de que os dados serão gerados a

partir do ambiente Nyah! Fanfiction – um dos muitos espaços que abriga Fanfictions – bem

como é um ambiente virtual que acolhe usuários leitores/escritores para a divulgação de seus

textos. O uso da internet não se tornou apenas ferramenta de trabalho, mas também opção de

ócio para uma boa parte de seus usuários. Então, nesta pesquisa não tomo a Internet em si

como objeto de estudo, mas, sim, ver e conhecer as possibilidades de comunicação e interação

para a construção de novas formas de se constituir sujeito num universo mediado pelo

computador.

A revolução digital e tecnológica deste século modificou sobremaneira a vida das

pessoas e tornou-se parte cotidiana da vida delas. Com isso, as metodologias de pesquisa

acompanham a essa revolução tomando os conceitos das pesquisas quantitativas e qualitativas

para adequá-los à realidade virtual. E cabe, ao pesquisador, observar as vantagens e

possibilidades de utilização da internet como instrumento ou meio.

É comum entre os pesquisadores, a transferência de métodos qualitativos para uma

pesquisa na internet, apesar de que se encontram, na maior parte das vezes, levantamentos

quantitativos on-line, considerando, de certa forma, a pesquisa qualitativa Web ainda recente.

Mas é corriqueiro encontrar métodos já facilmente adaptados e com algumas modificações

para a geração de dados para uma pesquisa na internet, seja a entrevista on-line, o uso de

grupos focais on-line, observação participante ativa e passiva, etnografia virtual, estudos de

interação e de traços de interação estarão condizentes para a condução da pesquisa, mas que

serão necessárias as modificações, mesmo que sutis, para o âmbito virtual.

Por fim, a escolha do método de observação para geração de dados, não é aleatória,

partiu da necessidade de uma interpretação clara dos significados e das funções das ações e/ou

produções de usuários-fãs no contexto digital, além dos significados atribuídos a tais práticas

pela linguagem nas relações e interações, os quais são aspectos inerentes ao Nyah! Fanfiction,

podendo estudá-lo “como um tipo de ambiente social ou cultura na qual as pessoas

desenvolvem formas específicas de comunicação ou, às vezes, identidades específicas”

(FLICK, 2009, p. 246).

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2.2 A delimitação do site: A seleção da linha

Para um entendimento do desempenho de usuários/leitores/escritores na produção de

leitura e escrita, escolhi o gênero Fanfiction por ser um espaço virtual bastante visitado por

fãs organizados em torno de um universo ficcional que desperta a vontade e a criatividade,

colaborando para expandir e reajustar as histórias a partir da obra original. E, essa escolha, foi

considerando alguns critérios para delimitação de alguns temas que farão parte de análises

fundamentadas.

Foram observados, primeiramente, os ambientes ativos que hospedam as histórias

escritas por fãs. Nessa busca, me deparei com quatro espaços9, dos quais selecionei um. Além

de direcionados à publicação das histórias, contam com inúmeros leitores ativos e

participativos, pois são várias categorias de postagens que os escritores podem publicar as

suas histórias, dependendo da afinidade do leitor.

A observação versou levando em consideração elementos como: multimodalidade,

número de usuários, língua oficial, tempo de permanência na rede e diversidade de

„categorias10

‟, por considerá-los fundamentais para compreender os processos de Letramento

e que poderá servir de laboratório virtual para fins de análise interpretativista do fenômeno

Fanfiction.

Mediante os elementos observados e coletados e uma leitura atenta dos hipertextos,

busquei me ater aos eventos de Letramento, que o espaço poderá conduzir os usuários/fãs,

considerando que a leitura e escrita são fios condutores para o letramento escolar e,

exclusivamente, desenvolvido na e pela escola. E, ao contrário do que parece, no espaço que

acolhe fanfictions aparecem elementos significativos, para pensar novos caminhos, para um

Letramento híbrido, ou seja, que as instituições de ensino possam trazer para as salas de aula

possibilidades de leitura e escrita que até então possa parecer “inútil”, porém é um aspecto a

ser pensado e quiçá ressignificar a aprendizagem da linguagem em consonância com o uso da

tecnologia digital e virtual.

Então, nesse decurso foram encontradas homepages bem estruturadas, entre links e

hiperlinks para conduzir o leitor/usuário ao universo da leitura e da escrita num ambiente no

qual ele se sente representado.

9 www.fanfiction.net; www.fanfictionbr.com; www.fanfiction.mugglenet.com; www.fanfiction.com.br

10 Categorias que variam em cada ambiente, são: Anime/Mangás; Cartoons; Filmes; Jogos; Livros; Originais;

Poesias; Quadrinhos; Seriados/Novelas/Doramas.

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Foram examinados textos introdutórios de cada ambiente, bem como os itens de

informações atualizadas, sobretudo, observados os aspectos que me mostrassem os indícios de

práticas interacionais e sociais em contexto virtual. Com foco nessas últimas questões,

priorizei o site Nyah! Fanfiction dado, a priori, o seu tempo que se encontra vigente, desde

novembro de 2005 e, principalmente, por estar mais bem organizado e atender às propostas

desta pesquisa.

Para análise dos aspectos inerentes a ler e escrever histórias ficcionais no Nyah!

Fanfiction, foquei nos eventos que esse ambiente oferece para, então, constituir um espaço de

efetiva prática social e interacional de leitura e escrita, os quais passaram a constituir o corpus

deste estudo. Dessa forma, os tecelões envolvidos foram os participantes/usuários fãs do

gênero fanfiction.

2.2.1 Nyah! Fanfiction

O Nyah! Fanfiction foi criado em novembro de 2005 por Michel Frank, 29 anos,

graduado em Desenvolvimento de sistemas para internet, leitor e fã de uma literatura

marginal. Ele criou uma nova possibilidade de manter a história viva, mesmo que, no formato

impresso, essa história chegasse ao fim. No fanfiction a história nunca acaba. Nele, os

personagens favoritos estarão sempre ativos e envolvidos em novas aventuras, mas dessa vez

escritas pelos seus fãs e disponíveis a outros fãs. Essa condição foi proporcionada pelo

surgimento da internet, que tornou possível a propagação dessa nova modalidade de ler e

escrever em contexto digital.

A princípio, Michael Frank queria apenas que seus amigos tivessem um lugar para

postar suas fanfictions e reunir pessoas que compartilhavam os mesmos gostos, mas confessa

que “hoje meu objetivo é fazer com que as pessoas tenham prazer na leitura, ao mesmo

tempo, incentivá-las a explorar seu lado criativo”. E, para que essa proposta atingisse os seus

objetivos, muitos ajustes e reajustes técnicos foram necessários para aperfeiçoar o sistema

para enfim tornar um site reconhecido pelo público-fã e também pela mídia. Segundo o

Google Analtics, entre o período de 27/04 a 27/05/2013, o Nyah! Fanfiction alcançou

números11

significativos para garantir a sua permanência no ar.

11

Média: 297 novas histórias; 1.200 novos capítulos; 390 cadastros de usuários; 160.000 histórias; 900.000

capítulos; 300.000 usuários cadastrados. Além de registrar também: 4.823.380 visitas; 46.846.528 visualizações

de páginas; 00:21:07 tempo médio no site e 18,32% de novas visitas. As cidades com maior número de acesso:

São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

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Fato consideravelmente importante para seus frequentadores/usuários e principalmente

para seus administradores. Por conta disso, há uma equipe atenta para manter o bom

andamento do ambiente – desde o sistema operacional à organização de informações – que

facilitem o acesso e o manusear dos links e hiperlinks. O grupo é composto por seis membros,

já contando com Michael Frank.

Bárbara Martins (Anne L.), 21 anos, estudante de Engenharia Mecatrônica na UNB,

também é escritora de fanfiction e tem a função de moderadora. Atua no gerenciamento do

conteúdo do site, auxilia os usuários através do Suporte, apura denúncias de violação de

regras e avalia as recomendações enviadas por seus escritores e leitores. Outro membro é

Kaline Prata (Kaline Bogard), 32 anos, cursa 10º semestre de Psicologia12

, também atua como

moderadora desenvolvendo as mesmas funções de Bárbara Martins, bem como Camila

Felacio (Kori Hime), 29 anos, que é moderadora, mas não consta em seu perfil a sua formação

acadêmica.

Graduada em Letras com habilitação em língua portuguesa e literaturas, brasileira e

portuguesa, Tatiele Freitas (Lady Salieri), 29 anos, é especialista em língua espanhola e

literaturas de espanhola e hispano-americana e mestre em teoria literária. Sua função no

ambiente está ligada à revisão dos textos e também é escritora de fanfictions. É responsável

pela seção de português juntamente com Letícia Silveira de 17 anos, que é beta-reader que “é

aquele avalia o trabalho do autor antes de ele ser „lançado ao mundo‟”13

, ou seja, publicado. É

uma espécie de leitor teste, que pode ajudar a analisar se determinada história „está pronta‟ ou

se ela ainda precisa de alguns ajustes. E isso não apenas no aspecto gramatical, mas também

no que diz respeito à redação, à estética, à construção do enredo, das personagens etc. E, por

fim, o seu criador Michael Frank (Seiji) que trabalha diretamente com o servidor do site. Ele é

responsável pela eficácia do sistema, desenvolve novas ferramentas e faz a correção de

bugs14

, prestando informações pelo suporte, nos casos que exigem conhecimento técnico.

Dadas às características postas em evidência do grupo de administradores do site,

trazem importantes reflexões em torno das práticas de ler e escrever em contexto digital,

sobretudo, por serem práticas consideradas exaustivas para muitos no âmbito acadêmico. O

que se torna evidente no Nyah! Fanfiction é a satisfação em participar desse espaço,

12

Informações coletadas em 2013. 13

www.fanficion.com.br > Nyah! Fanfiction 14

Erro defeito, falha de funcionamento. (1) Erro de software ou hardware. (2) Equívoco ou funcionamento

defeituoso. (4) Falha de funcionamento que ocorre nos componentes ou equipamento físico de um sistema de

processamento de dados. In: SAWAYA, Márcia Regina. Dicionário de informática e Internet (inglês/português).

São Paulo. Novel, 1999, p. 60.

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contribuindo para uma consciência linguística que ultrapassa os muros escolares e buscando o

lugar social de leitor e escritor ressignificado em contexto virtual.

Evidencia que o prazer em compartilhar as emoções das histórias de uma cultura de

massa fez despertar, nesses jovens, o prazer de escrever e demonstrar a sua criatividade nas

narrativas. Daí a ideia da construção de um ambiente virtual que pudesse oportunizar outros

fãs a desenvolver a leitura e a escrita. E, assim, surge o Nyah! Fanfiction. Diante dele e a

partir dele, pude obter informações, conhecer e refletir sobre o seu funcionamento.

O Nyah! Fanfiction é um ambiente simples e objetivo, porém carregado de

informações que conduzem o usuário a muitos caminhos. Para se chegar a essas sendas, exige

disposição à leitura e só por ela que se consegue atingir o objetivo pretendido, seja ler, postar

ou comentar alguma história. Assim, o ato de ler representa o fio condutor para acesso aos

links e hiperlinks do site, sobretudo, é um ambiente que abriga exclusivamente histórias

escritas em língua portuguesa e que permite penetrar e interferir no espaço pelas habilidades

que lhes conferem no uso da língua.

Apresento, em seguida, a organização do site Nyah! Fanfiction, de maneira que se

possa compreender as linhas e entrelinhas para compor “uma grande colcha de retalho” que é

o texto virtual.

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Figura 1: Página inicial - Acesso em 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

É na página inicial de qualquer ambiente que se encontram as mais diversas opções

para o hiperleitor que busca se interar com o mundo. No Nyah! Fanfiction não é diferente.

Primeiramente, observa-se o predomínio da cor azul em alguns tons que funcionam como

destaque para algum episódio relevante para o usuário. Evidentemente, o que foge a esse tom

chama um pouco mais da atenção do leitor. É o exemplo do destaque em lilás (Figura 1) que

explica o objetivo do ambiente.

Acima desse quadro lilás, encontra-se a logomarca do Nyah! Fanfiction na forma de

cabeçalho. A imagem representativa desse site é de uma menina-gato, “comportada” e

Imagem símbolo

Logotipo

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tranquila, conhecida como Misaki15

. É uma figura, possivelmente, baseada nas histórias de

anime, dada a sua característica física.

Na mesma direção da logo, há duas opções de acesso: [ENTRE] e [CADASTRE-SE].

Figura 2: Cadastre-se - Acesso em 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Na primeira [ENTRE], é possível visualizar os movimentos de seus usuários sem

participar dos eventos do espaço. Já na segunda, [CADASTRE-SE], a opção ampliam-se as

possibilidades dos leitores, podendo não só navegar, mas fazer parte da comunidade. Assim,

fica muito mais fácil acompanhar as histórias usando nosso sistema de

acompanhamento. Você marca o último capítulo lido e assim não se perde na leitura.

Sempre que houver um novo capítulo, o sistema avisa por email! Você também

poderá comentar nos capítulos, incentivando seu autor favorito.

(www.fanfiction.com.br > Acesso em 2-6-2014)

Percebe-se que o Nyah! Fanfiction procura-se manter o seu público de todas as formas

possíveis, seja coletivamente e colaborativamente. Ainda na horizontal, depara-se com alguns

itens de acesso, são eles: [Categorias], [Português], [Liga dos Betas], [Recentes], [Pesquisar],

[Ajuda]. Por esses links, permitirão ao leitor se aprofundar no universo do Nyah! Fanfiction e,

de certa forma, conhecer um pouco mais das artimanhas dos jovens tecelões das palavras.

Saber o que estará por trás desses itens é assunto que será melhor detalhado mais adiante.

Figura 3: Recentes - Acesso em 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

15

Nome de origem japonesa que significa beleza, florescer.

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Logo abaixo do quadro lilás são oferecidas informações sobre o uso de alguns termos

da Língua Portuguesa. A cada movimento, esse mesmo quadro se altera com novas

informações e estruturas sobre a língua em uso. E informa também que o usuário poderá

expandir o seu conhecimento linkando a “seção de português”.

Figura 4: Seção de Português - Acesso em: 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Há uma preocupação do grupo que organiza o site em manter informado o seu usuário

e, para tanto, criaram o apartado [Notícias]. Nele, o leitor poderá entender as mudanças e/ou

problemas técnicos que ocorreram e/ou ocorrerão no ambiente, bem como se interar dos

eventos que acontecerão durante o ano.

No espaço [Procurando algo para ler?], o leitor tem acesso às histórias recentes de

categorias e gêneros diversos. Entende-se aqui por “categorias” a obra original (Quadro 1)

que originou a fic. E por “gêneros” entendem-se: Ação, Aventura, Drama, terror etc. e os

gêneros próprios do universo das fanfictions.

Figura 5: Procurando algo para ler? - Acesso em 2-6-2014

Fonte: www.fanfiction.com.br.

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Os fãs-leitores também são avaliados/elogiados e, por conta disso, foi criado um

espaço “Melhores leitores da semana”, pois

Em cada capítulo o autor pode selecionar aquele que considera como o melhor

comentário deixado. Na lista abaixo exibimos os melhores leitores, aqueles que

deixaram o melhor feedback para o autor e tiveram seu comentário nos capítulos,

diga o que gostou, o que não gostou e o que pode ser melhorado.

(www.fanfiction.com.br > acesso em 16-1-2014)

Figura 6: Melhores leitores da semana - Acesso em 2-6-2014

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Assim, os leitores e escritores são imprescindíveis para a permanência e crescimento desse

universo.

Por fim, no rodapé do ambiente (Figura 7), de maneira discreta, mas não menos

importantes, aparecem “Nossas regras”. Nelas encontram-se, como sublinks: [Termo de uso]

– [Regras de Postagem] – [Regras de conduta]. São estabelecidas, então, algumas orientações

que garantirão o bom relacionamento com o Nyah! Fanfiction, disponibilizando, também, no

mesmo apartado, um canal de comunicação com os seus administradores, como [Suporte] –

[Imprensa] – [Contato].

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Figura 7: Nosssas regras - Acesso em 2-6-2014. Fonte: www.fanfiction.com.br.

Nesse espaço (Figura 7), ainda aparece uma informação que garante certa autonomia

na produção de fanfictions: “Todas as histórias são de responsabilidade de seus respectivos

autores. Não nos responsabilizamos pelo material aqui contido”. Com o intuito de que os

escritores, ainda adolescentes, se tornam responsáveis e conscientes de sua própria produção

que, apesar da liberdade aparente da Internet, há de considerar que os danos poderão ser

maiores na vida real.

O contato entre leitores e escritores ultrapassa ao ambiente de exclusiva publicação e

leitura de suas histórias, por isso eles desenvolvem outros mecanismos de intercomunicação

além dos comentários sobre as fics lidas. Aproveitam para se socializar pelo facebook,

whatsapp, twitter, e-mails, blogs etc. Nessas ferramentas e em diversos suportes, podem expor

suas opiniões e discutir as suas produções com mais “liberdade”, mesmo com a mediação da

equipe. No facebook, por exemplo, são mais de 71.00016

curtidas na página.

Figura 8: Nyah! Fanfiction - curtidas no facebook – Acesso em 2-6-2014

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Ao considerar o facebook como um canal aberto às mais variadas manifestações do

pensamento e de atitudes, não há dúvidas que a repercussão da postagem gerou muitas

16

Números obtidos em 2-6-2014.

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“curtidas”, muitos comentários e compartilhamentos. Não desprezando o aspecto de “curtir” e

“compartilhar”, sobretudo, por que também são elementos de interação importantes para o

conjunto, porém me ative aos comentários por serem formas linguísticas concretas

caracterizadas pelo uso da escrita alfabética.

Dado o primeiro reconhecimento da página inicial, novos entrelaçamentos se darão

com o intuito de conhecer o que motiva os fãs leitores/escritores e como esse gênero,

chamado Fanfiction, se constitui enquanto prática social no âmbito digital. Para isso, começo

adentrando no universo do Nyah! Fanfiction pelos links a que se dispõem.

A um clique, em [Categorias], se permite a visualização de nove subitens e neles

contêm as obras que deram origem às histórias criadas. E a partir daí, o leitor terá à sua

disposição as mais variadas opções de leitura, bem como a oportunidade de fazer comentários,

favoritar e recomendar a história e tornar-se parte da comunidade.

Categorias Obras-Cânone17

Anime/Mangás Aa! Megami-Sama, Baccano, Cavaleiros do Zodíaco, Naruto, Zettai

Kareschi

Cartoons

A casa do Michey Mouse, As aventuras de Tintin, As meninas

superpoderosas, Bob Esponja, Futurama, He-man, Liga da Justiça, X-

men

Filmes

17 outra vez, A Bela e a fera, Camp Rock, Duro de matar 4.0, Efeito

Borboleta, E o vento levou, Matrix, O aprendiz de feiticeiro, O

silêncio do inocentes

Jogos Ace Combat, Cabal online, Dragon Age

Livros

1984, A hora da Estrela, A invenção de Hugo Cabret, A menina que

roubava livros, As crônicas de Nárnia, Cinquenta tons de cinza, Dom

Casmurro, Hamlet, Jogos Vorazes, O cortiço, O mundo de Sofia,

Orgulho e Preconceito, Saga crepúsculo, Senhor dos Anéis, Harry

Potter, Percy Jackson

Originais Não contém títulos

Poesias Produções próprias. Não contém títulos.

Quadrinhos Ben 10, Conan, Garfield, Turma da Mônica jovem, Zé Carioca

Seriados/Novelas/Doramas18

10 coisas que eu odeio em você, Agents of SHIELD, Arquivo X, As

panteras, Body of proof, Breaking bad, Carrossel, Dexter, Hannah

Montana, Once upon a time, Rei Davi, Teen Wolf Quadro 1: Organização das categorias do site Nyah! Fanfiction, www.fanfiction.com.br > acesso em 19-1-2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

Ilustro em seguida, alguns exemplos das obras que geram as histórias de ficção

postadas no Nyah! Fanfiction. Elas estão organizadas conforme demonstrado no Quadro 1,

para cada categoria há várias obras-base das quais darão acesso às produções textuais (fanfics)

criadas pelos fãs dessa cultura. As obras estão organizadas em ordem alfabética e são escritas

17

O Cânone, para a cultura de fã, define-se como o que foi estabelecido pela indústria cultural como oficial. 18

Denominação generalizada de séries de televisão oriental com representação de pessoas reais.

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por jovens de várias faixas etárias, mas, prioritariamente, por adolescentes em fase de Ensino

Médio, bem como em vários gêneros (drama, ação, aventura, romance etc).

Evidentemente, há categorias que nos dão mais clareza para reconhecer quais os seus

principais escritores, pois atraem um público fã específico de uma faixa etária específica.

Embora não que seja recorrente, leva-nos a crer nessa hipótese pela popularidade das

histórias, assim como animes/mangás, quadrinhos, cartoons e jogos.

Na categoria Animes/Mangás, que são desenhos animados televisionados de estilo

oriental e que apresentam características próprias: olhos muito grandes, bem definidos,

redondos e rasgados, brilhantes e em cores fortes, são muito comuns na cultura japonesa e que

se espalhou pelo mundo com as histórias de Naruto19

. Por outro lado, o ocidente também é

representado pelos seus desenhos animados televisionados, conhecidos como cartoons e por

ser mundialmente conhecidos serviram de inspiração aos jovens leitores/escritores fãs.

Os filmes, seriados, novelas e dramas possuem fãs assíduos e comprometidos com o

andamento e pela continuidade das histórias. Assim como a categoria „Jogos‟ – games que

atraem muitos leitores/escritores – com o intuito de compartilhar emoções e criatividade na

produção das histórias.

Na categoria [Livros], encontram-se muitas fanfics baseadas em obras da cultura

popular, em sua maioria, sendo que também estão presentes algumas obras da literatura

brasileira, como: A hora da estrela, Dom Casmurro, O cortiço etc, mas de forma alguma,

superam as produções e leituras de uma cultura considerada marginalizada20

.

O Nyah! Fanfiction não exclui aqueles que produzem histórias exclusivas, sem

nenhum vínculo com o fanône (cultura de fã). Esse espaço se encontra na categoria

[Originais]. E, aos amantes da poesia, também tem o seu canto, bem como os fãs de

[Quadrinhos] e [Seriados/Novelas/Doramas].

São muitas as opções de leitura no Nyah! Fanfiction, fato comprovado quando se

conhece as possibilidades acessando [Categorias], pois a partir dos personagens, cenários

presentes na história original (cânone) publicada, os fãs exploram a sua criatividade dando

mais dinamicidade aos personagens sem projeção ou até mesmo juntando elementos de várias

outras histórias.

19

É um anime japonês criado por Masashi Kishimoto. Naruto é uma criança que cresce sem saber quem são seus

pais, e é observado por todas as pessoas com muito ódio. Aparentemente é fraco, desajeitado e inútil.

www.fipararnanet.com.br Acesso em 1-4-2014. 20

Harry Potter (12.340); Heróis do Olimpo (1.559); Jogos Vorazes (2.152); Percy Jackson e os olimpianos

(7.168); Saga Crepúsculo (15.911); The Hunger games (919); The vampires diaries (696); Vampires diaries

(760). www.fanfiction.com.br Acesso em 5-8-2013.

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Evidentemente, o escritor de fanfic precisa ter um conhecimento aprofundado das

historias originais em que se baseia e, sobretudo, apresentar habilidades e fluência na língua

na qual, se escreve bem como disposição à criatividade. São aspectos valorados pelos leitores

e frequentadores da comunidade, observados pelos comentários em relação às histórias

publicadas.

Justifica-se, então, a preocupação dos criadores do site com o bom uso da língua

portuguesa dentro dos padrões da norma, principalmente. Isso implicou a elaboração de um

campo de estudo para auxiliar, a princípio, os seus escritores e, consequentemente, seus

leitores nas artimanhas linguísticas.

No item [Português], seção recentemente inaugurada21

, encontram-se as "Aulas de

Português", pois elas são “feitas especialmente para você, amante do mundo das fanfics, que

não se sente atraído pela Gramática e tem dúvidas de Redação. A língua pode ser muito bonita

e fácil de lidar, e aqui vamos te mostrar como”. Nessa nova seção, as responsáveis Lady

Salieri e Nah_Rangel, da área de literatura, argumentam que a estruturação de boas ideias vai

muito além que o bom uso da gramática e consideram que escrever pode ser divertido, mas é

um trabalho árduo.

Figura 9: Aulas de português – Acesso em 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Para tanto, o escritor é levado a desafios em relação à língua para que desenvolvam as

suas habilidades linguísticas. São três níveis e a cada nível, superados os obstáculos, os

escritores recebem um título: Ninja Amador (iniciante) (Figura 10); Ninja Semiprofissional

(intermediário) (Figura 11); e Ninja Supremo (avançado) (Figura 12).

Figura 10: O caminho do Ninja Amador - Acesso em 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

21

Seção criada em 2013. Ano que deu início esta pesquisa.

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Figura 11: O caminho do Ninja Semiprofissional – Acesso em 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Figura 12: O caminho do Mestre Ninja Supremo – Acesso em 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Os caminhos (Figuras 10, 11, 12) propostos pelos betas, tem o intuito de melhorar as

habilidades linguísticas dos usuários do ambiente Nyah! Fanfiction, sobretudo, aos

aficionados à escrita contribuindo para uma produção mais coerente e “aceitável” para os

mais exigentes leitores de histórias ficcionais. É uma forma de aprendizado que é percebido

no espaço [Comentários].

Comentários

Mirella

04/02/2014 às 15:27 Ninja Noob presente!!!, amo fics, mais sim preciso melhorar, quero e vou escrever uma mais para isso preciso estar preparada. Afinal uma boa fic é uma boa leitura!

Di Angelo

30/01/2014 às 15:26 Ninja noob atrasada, mas disposta a aprender cada vez mais o/

Lucele Ribeiro

29/01/2014 às 13:45 Aluna nova aqui ^^ bom sou uma ninja nub mais com muita vontade de aprender e melhorar minhas historias e personagens ^^

Doutor Stein

28/01/2014 às 23:47 Ninja Noob Nº 364, Presente e Ativo...

Figura 13: Comentários

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Conforme os comentários expostos, a iniciativa foi bem aceita pelos fanfiqueiros e

estão dispostos a aprender mais sobre as estruturas da língua com intuito de melhorar a escrita

de suas fics. Reconhecem-se como escritores iniciantes (noob), pois consideram que precisam

superar alguns obstáculos básicos da gramática, os quais deverão ser superados até serem

considerados Ninjas em todos os níveis. Contudo, o Nyah! Fanfiction não se tornou apenas

um ambiente on-line que abriga as histórias de fãs, tornou-se um espaço híbrido de

informações, aprendizado e, acima de tudo, interativo. Para tanto, buscam pela linguagem

novas formas de comunicação e interação e com ela contornar possíveis conflitos que

ocorrerão nesse processo.

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Dadas às circunstâncias do seu crescimento e popularidade, novos elementos surgem

para dar suporte a seus leitores, escritores e possíveis pesquisadores da contemporaneidade.

Esse suporte é recente, visto a necessidade de maior interação com a comunidade, é a “Liga

dos Betas”.

Figura 14: Liga Beta - Página Inicial - Acesso em 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Nessa seção, os seus responsáveis são

participantes do site Nyah! Fanfiction, escritores e leitores, que, no intuito de

atender a demanda por revisão textual no referido site, decidimos compor este

grupo, que está ligado à moderação e à seção de „Português‟, e é gerido por dois

membros do staff (Lady Salieri e Letícia Silveira) com o apoio de várias

coordenações.

E, cada uma delas, é conduzida por um responsável que trabalha em rede no intuito de

atender da melhor forma a comunidade e seus usuários. O funcionamento da Liga dos Betas

se dá de maneira que haja harmonia e que mantenha a boa imagem do ambiente.

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Figura 15: Liga dos Betas – Acesso em 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Assim, as coordenações (Figura 15) cuidam de vários aspectos relacionados aos

membros internos (administradores e mantenedores), bem como os seus usuários (leitores e

escritores). Há um responsável pela seleção de novos betas, pois ele cuida de todo o processo

que envolve uma aceitação, é a Coordenação de Seleção. E para validar a sua aceitação, há

uma Coordenação de Apadrinhamento que cuida da adaptação do recém-aprovado à Liga dos

Betas. Já a Coordenação de Seguimento avalia tanto o andamento da membresia, como

relação entre o autor e o avaliador.

Diante da dimensão que tomou o Nyah! Fanfiction, fez com que criasse a

Coordenação de Comunicação que cuida de todas as ferramentas que servem de ponte entre a

Liga dos Betas e os usuários, como o blog, a página do facebook, o ask.fm, o twitter e o grupo

de interação da Liga SBLAN. São pensadas também várias atividades que envolvem a

comunidade do Nyah! Fanfiction e o responsável por isso é a Coordenação de Interação.

Ademais, os betas oferecem serviços voluntários aos usuários do Nyah! Fanfiction,

que precisam de orientações para construção de seus textos ficcionais. Neles, são feitos

apontamentos críticos por desvios gramaticais e ortográficos, bem como desvios de enredo e

composição das personagens, tornando-se, assim, um espaço de referência nacional para

escritores amadores. E, além disso, servir de capacitação para futuros voluntários que queiram

compor a Liga dos Betas.

A Liga também ambiciona com esse espaço

desconstruir esta ideia disseminada pelo senso comum, resultado de más

experiências, de que a beta é mal educada e nunca deve ser contrariado, mostrando

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para os autores uma postura profissional, ao analisar suas histórias, sugerir

melhorias e sempre incitar a discussão, de maneira a se chegar a consensos.

Considera-se, então, pelos dados observados, que cada fio que entrelaça o ambiente

em questão é pensado para significar e ressignificar e, principalmente, produzir sentido à

permanência no espaço.

2.2.1.1 Os tecelões das palavras: usuários leitores/escritores de histórias ficcionais

Com o aparecimento do fenômeno editorial “Harry Potter”, surgiu também uma

legião de fãs dessa obra, que deu impulso a uma nova geração de escritores de fanfictions no

Brasil. Desde então, no Nyah!Fanfictio, é a obra mais lida e reproduzida nesse ambiente, são

cerca de 12.34022

histórias já publicadas. São leituras informais que conduzem e inspiram os

fãs a uma cultura de escrita interativa e colaborativa, principalmente, com a descoberta do

universo fanfiction que se mantêm por constantes comentários, recomendações e também por

“favoritagem” das histórias postadas.

Os usuários de ambientes virtuais, com o caráter de divulgar histórias, apropriam-se da

escrita de suas fics com o intuito de dar sentido e significado às suas produções sem fins

lucrativos. Eles, realmente, adquirem o status de escritores e não apenas por conta dos

momentos esporádicos de escrita, mas se nutrem das experiências e incentivos para continuar

com a tarefa. Percebe-se que esses adolescentes possuem escolarização real e fazem parte de

um grupo socialmente diferenciado e que dispõem de material de leitura disponível nos mais

diferentes suportes, do impresso ao digital, o que talvez não aconteça com grande parte da

população.

Não há como precisar o número de escritores no Nyah! Fanfiction, mas percebe-se que

são muitos e que escrevem em várias categorias e, para fazer parte da comunidade de

escritores, é condição do ambiente se cadastrar e registrar um perfil. Porém, nem todos

cumprem com essa regra, o que dificultou, em parte, a seleção do sujeito para este trabalho.

Por outro lado, há aqueles mais assíduos e comprometidos com os seus leitores e que se

fazem conhecer por esses perfis. E cada autor tem a liberdade de criar seu próprio texto.

São autores/leitores, na grande maioria, adolescentes entre 13-18 anos de idade; são

estudantes do ensino médio, há um índice significativo da participação de mulheres como

escritoras, mas nem por isso os homens deixam de participar, mesmo que de forma mais

22

Estes números são de 2013. Fonte: www.fanfiction.com.br > Nyah! Fanfiction

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tímida enquanto escritores e um pouco mais aberta como leitores. Dessa forma, pude

identificar alguns escritores pelos nomes23

que usam em seus perfis, como: Luis Victor, Steve

Stark, Harold Blucher, Sr Johnson, Sebastian Ochoa, Péricles, Luke Zabine, João Siqueira,

rodrigostoll16, PotterheadBoy. Pseudônimos ou não, são criativos e híbridos, permitindo o

anonimato, o que os leva a maior liberdade em apresentar identidades e interpretações. O

ambiente permite que os usuários escolham a maneira de identificação como autores oficiais

e, além disso, descobrem que há outras fontes de pesquisa, on-line, como recurso para instigar

a fantasia e a criatividade, é o site www.nomesdefantasia.com: “Gerador de nomes de

fantasia”24

.

Já que a paixão por fanfictions começou com as mulheres, é sinal de que elas, também,

são responsáveis por essa nova forma de uma identidade virtual. É comum encontrar no Nyah!

Fanfiction nicks names femininos25

como: Rosa Potter, Lá Valdez Collins, Melody Potter

Black, Srta Malfoy, Uma filha de Zeus, Hermione Malfoy, Bruna Granger Malfoy, Nick

Malfoy, Marion Black, Dani Chan, Aninha Swan, TsumiKiecham, Aline Prince, Mylla Black

Malfoy Horan, dentre outros. E o que é incomum é deparar com nomes mais “comuns”,

como: Amanda Gomes, Joana Castro, Janaina, Giovana Vic, Mary. Enfim, são formatos bem

mais reduzidos no site.

São situações naturais e frequentes no universo ficcional das fanfictions, os nomes e

sobrenomes virtuais que correspondem aos personagens da série favorita. Como exemplo do

fenômeno Harry Potter, alguns names sugerem fãs absolutos da saga, pois carregam, na

maioria dos casos, sobrenomes de seus personagens favoritos (Melody Potter Black, Srta

Malfoy, Hermione Malfoy). Isso implica reconhecer na obra parte do que são e não só um

produto da indústria de entretenimento, que é inevitável, mas a obra torna-se referência na

vida desses contemporâneos leitores e escritores que interagem entre o imaginário e o real. E

leva-me a crer que há um desalinhamento entre os letramentos institucionais e organizacionais

com os letramentos locais, de como tratam de formas distintas a informação e o conhecimento

para o que realmente provoca sentidos a esses jovens.

Para este trabalho, recorri à categoria [Livros > Harry Potter >] e nesses menus

selecionei a leitora e escritora Amanda Gomes, mas, antes, foi preciso uma observação atenta

dos vários autores que circulam como fãs/escritores de Harry Potter com o intuito de “olhar”

como acontecem os movimentos de leitura e escrita no ambiente em questão.

23

www.fanfiction.com.br Nyah! Fanfiction > Acesso em 14-7-2014. 24

Fonte: Grupo fechado: Facebook: SBLAN: Sociedade dos Betas, Leitores e Escritores do Nyah! Fanfiction

>Acesso em 14-5-2014. 25

www.fanfiction.com.br Nyah! Fanfiction > Acesso em 14-7-2014.

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2.2.1.2 Leitora e Escritora fã: Amanda Gomes e a „saga‟ Harry Potter

Amanda Gomes é uma leitora/escritora que, apesar de ser fã incondicional da saga

“Harry Potter”, optou por não utilizar um nome híbrido, mas nem sempre foi assim, durante o

tempo em que frequenta o Nyah! Fanfiction, desde julho de 2012, ela já foi conhecida como:

“Amanda Gomez (já usou o nome Amanda Gomes); Amanda Klein (já usou o nome Amanda

Gomes Froes); Potter Head Depphed (já usou o nome Amanda Gomes); Sra ADSG (já usou o

nome Amanda Gomes)26

”. Essa é uma condição autorizada pelo site, de poder alterar seus

nomes a qualquer momento.

Amanda Gomes é uma escritora jovem, que se envolve incondicionalmente com as

histórias de Harry Potter “tanto que, em tudo que falo, tem algo subliminarmente envolvendo

o bruxo”. Escrever para ela é prazer, possivelmente nem tanto para a leitura “sempre dou o

máximo para lê-las e comentá-las”. Em seu perfil, deixa claro que está aberta a sugestões para

melhorar as suas histórias. No momento não acompanha nenhuma história, mas, quando o

fazia, as histórias eram recomendadas, como: “Quando o vento selvagem sopra”; “Não me

deixe – Fremione (Fred e Hermione)”; “An Epic Love”; “Accidentally in love”. Assim, como

consideram importantes os comentários de seus leitores, Amanda deixa comentários para os

seus escritores. Ela tem como favoritas: “Accidentally in love”; “Quando o vento selvagem

sopra”.

O tempo de permanência de Amanda Gomes no site como membro leva-me a acreditar

que as suas habilidades técnicas para lidar com o ambiente já estão bastante aprimoradas e,

com isso, dando-lhe condições para um engajamento preciso entre as normas sociais e

textuais da comunidade, supondo que ela seja consciente dos modos de distribuição e

circulação de uma linguagem verbal apropriada para o contexto Nyah! Fanfiction.

26

www.fanfiction.com.br Nyah! Fanfiction > Acesso em 14-7-2014.

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65

Figura 16: Perfil da Amanda Gomes - Acesso em 2-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Amanda Gomes parece bastante aberta – “Aceito sugestões” – apesar de ser super fã

de Harry Potter, ela adora “qualquer tipo de história” e procura colaborar com os escritores

virtuais a prosseguirem com a produção, “sempre dou o máximo para lê-las e comenta-las”.

Ademais, considera que escrever para o Nyah! Fanfiction é um “Hobbie”. Isso é visível pelas

suas produções, são poucas histórias com muitos capítulos. De quatro narrativas, três são

dedicadas à obra “Harry Potter” e uma baseada na “Saga Crepúsculo”.

Quadro 2: Resumo das produções de Amanda Gomes - Acesso em 4-6-2014.

Fonte: Elaborado pela autora.

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66

Em relação às preferências em criar histórias, Amanda não é muito eclética, ela se vale

de sua paixão maior e dá sentido a isso pela escrita de suas histórias e isso se reflete em

quantidade, palavras, capítulos e comentários produzidos para o ambiente, como

demonstrados acima (Quadro 2) são as produções virtuais da escritora.

Pelo que consta no Quadro 2 pode-se depreender de que Amanda Gomes se mantém

fiel a Harry Potter, como escritora. Atualmente ela só escreve nessa categoria e, como

constam, as três primeiras histórias se baseiam nas aventuras do bruxo, são significativas e

atraem os leitores, isso pôde ser evidenciado pela quantidade de comentários. Portanto, os

aspectos interacionais estão intimamente relacionados com essas particularidades e quiçá

contribuem para a constituição do hiperescritor no Nyah! Fanfiction.

2.3 Geração de Dados

Os dados desta pesquisa começaram a ser tecidos a partir do primeiro instante em que

ouvi a palavra “Fanfiction”, como sugestão para um Projeto de Mestrado. Como graduada em

Letras com habilitação em Português/Espanhol, o termo em inglês, naquele momento me fez

dar um passo de recuo por imaginar que a minha pouca proficiência nessa língua poderia

dificultar um trabalho com a língua portuguesa. Mas avancei três passos adiante, pois como

professora de línguas não poderia ignorar as possibilidades de ensino e aprendizagem, mesmo

com um conhecimento instrumental da língua inglesa. Afinal, “ser ou não ser” pesquisadora?

E, para tanto, persegui no propósito de levar avante o desafio.

Então, foi com essa disposição que dei os primeiros passos para conhecer o significado

da palavra Fanfiction e, além desse entendimento, graças à tecnologia Web, fui conduzida a

um passeio pelas diversas páginas que abrigam histórias produzidas por fãs de uma cultura

aquém do meu conhecimento e desconhecida até o momento. Para a minha surpresa, encontrei

um universo de possibilidades e caminhos a serem explorados como esse fenômeno. E, a

partir de então, começo a “saga” no intuito de encontrar uma linha que servisse aos propósitos

dos estudos de linguagem. Foi preciso, em partes, destecer algumas crenças que me

perseguiram e ainda perseguem na lida diária no ensinar a língua portuguesa, principalmente.

As observações preliminares partiram da curiosidade de conhecer o fenômeno

Fanfiction sem objetivos claros e definidos, para desenvolver um projeto maior sobre a

temática. Mas, a partir da leitura atenta dos hipertextos, foram surgindo os primeiros fios que

se constituíram em um produto consistente e que pudesse ser relevante aos estudos

linguísticos atuais. Para isso, me detive ao método de observação no espaço digital Nyah!

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Fanfiction, no qual os indivíduos fãs de obras “marginalizadas” se movimentam pela

linguagem escrita para disseminação virtual de suas produções.

Dessa forma, dado o caráter do método, a geração e análise dos dados foram

acontecendo concomitantemente aos estudos teóricos que nortearam este estudo. Durante um

ano, acessei o site, esporadicamente, para assim “olhar” a circulação e o comportamento de

seus usuários dedicados exclusivamente às leituras e escritas de histórias ficcionais.

Fato é que são muitas informações e que são incrivelmente ricas, o que requer do

pesquisador coerência e foco nos objetivos, cabendo a ele manter a precisão nos

procedimentos de análise dos dados. Por isso, o período de observação do ambiente foi

imprescindível para garantir a credibilidade e a relevância do estudo.

Os objetivos desta pesquisa são investigar e analisar os movimentos de leitura e a

cultura de escrita colaborativa na perspectiva dos estudos de Letramento(s) em um ambiente

digital, Nyah! Fanfiction, que abriga fics escritas, prioritariamente, na língua portuguesa.

Também persigo um entendimento de como acontecem às práticas sociais e interacionais

nesse universo ficcional de caráter real.

E, nessa perspectiva, estudar e compreender os pressupostos do letramento(s) num

ambiente digital implica uma reflexão para além daqueles estabelecidos nas instituições de

ensino, mas que as mudanças nas práticas sociais são evidentes quando se percebe que fora

delas ganham dimensões bastante significativas como o uso da língua.

A escolha pelo fenômeno fanfiction para desenvolver esta pesquisa envolve,

sobretudo, fatores profissionais que farão parte de futuras reflexões sobre a minha prática em

sala de aula, mas são projetos que ainda estão nas “nuvens”.

O fanfiction é um universo digital complexo e não legitimado, que merece ser

explorado pelos estudos linguísticos e pedagógicos. Por sua amplitude de possibilidades,

preocupei-me em selecionar um ambiente no qual eu pudesse analisar as práticas sociais e

interacionais assíncronos em contexto digital com o uso de tecnologias tradicionais como a

leitura e a escrita.

Para uma “leitura” dos ambientes que abrigam fanfictions, observei sites que contam

com leitores/escritores ativos e fiéis à proposta de ler, escrever e compartilhar suas histórias.

Para delimitação do espaço foram considerados os seguintes critérios:

multimodalidade27

;

número de usuários;

27

Ambientes com elementos sígnicos múltiplos: som, imagem, cores e várias sequências textuais.

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língua oficial28

;

tempo de permanência na rede;

diversidade de “categorias29

”.

Sem dúvida, os ambientes fanfictions são riquíssimos para muitas propostas de

pesquisa, que possivelmente atenderão as expectativas do estudioso, pois são homepages bem

estruturadas que respondem aos critérios elencados. Lembrando que quem movimenta e dá

vigor aos ambientes são os seus usuários, que se constituem leitores/escritores, na maioria das

vezes, diria até que em grande parte, por adolescentes.

Essa informação me faz crer no caráter multimodal (multissemiótico) para garantir a

permanência desses usuários. Nesse aspecto, apenas o Nyah! Fanfiction não se configura

dessa forma. Ele é prático, objetivo e complexo. Fatores que poderiam contribuir para a

desistência e o abandono do usuário; não é um ambiente novo, já possui uma história e

experiência na rede. E um aspecto relevante é que as histórias só podem ser escritas e

publicadas na língua portuguesa, critério esse igualmente importante para determinar a

escolha desse espaço frequentado por fãs, que compartilham o prazer de ler e criar os seus

próprios textos.

Vale lembrar ainda que o desenvolvimento deste trabalho se molda no viés dos

estudos de letramento(s) e das práticas sociais e interacionais no espaço digital, compreende

valer-se das observações não participante, quiçá em contraste com as interações fora dele

(blog, facebook). Assim, seguindo o método e observando a movimentação, o comportamento

e a interação dos usuários do Nyah! Fanfiction pude “conhecer” a trajetória virtual de leitores

e escritores comprometidos e preocupados com a sua produção.

Dentre os participantes ativos nesse processo, estão os colaboradores do site (betas e

moderadores) que são fãs ativos e participativos no ambiente. Saliento ainda que o próprio

espaço, dado o caráter hipertextual, será considerado como elemento de análise, pois é nele

que os seus usuários desenvolvem habilidades de leitura e escrita de forma extensiva.

Enfim, neste item intencionei esclarecer como os dados foram gerados desde as

observações preliminares que me levaram a determinar elementos significativos para

constituir o corpus desta pesquisa. Contudo, ressalto a importância das teorias pertinentes às

diversas abordagens que ocorreram durante o período de observação e que condicionaram à

categorização dos temas.

28

Alguns sites permitem a postagem de textos em mais de uma língua. 29

São categorias próprias do universo fanfiction: animês/mangás, livros, desenhos, seriados, bandas etc.

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2.4 Dos procedimentos analíticos à organização dos temas

Os procedimentos de análise dos dados observados na página do Nyah! Fanfiction

seguem a abordagem qualitativa interpretativista, baseados principalmente em Flick (2009),

pois ele entende que as várias esferas da vida exigem pesquisas em contextos diversificados e

que abarcam questões sociais inerentes às novas realidades. Bortoni-Ricardo (2008) defende

que é impossível observar os fatos independentes das práticas sociais da contemporaneidade.

Por certo, valendo-me das contribuições dos autores e, pelo método de observação,

persigo a compreensão dos dados contextuais do processo de leitura e escrita de adolescentes

em espaços virtuais, que poderá determinar o seu comportamento e as formas de interação.

E, com as artimanhas de uma tecelã observadora, os dados foram tomando forma e

significação e, para assegurar a coerência desta pesquisa, faz-se necessário estabelecer e

definir os caminhos a serem percorridos pelo pesquisador, bem como os instrumentos

utilizados para garantir precisão na análise dos dados. Inicialmente, o reconhecimento do

ambiente foi imprescindível para certificar de que o site escolhido pudesse me conduzir a

temas que direcionassem a análise dos dados na senda dos estudos de língua(gem) e de

letramento(s).

Os dados começaram a surgir pelos estudos sobre fanfictions: primeiramente, busquei

espaços que pudessem entender o funcionamento, finalidade e os objetivos desses ambientes,

com o intuito de identificar em quais aspectos seriam relevantes aos estudos de linguagem e

que sentido esses espaços serviriam de objeto de investigação. Dada às diversas possibilidades

de estudos, o próximo passo foi buscar pesquisas já realizadas sobre o fenômeno fanfiction,

mais especificamente voltados à Linguística Aplicada. Esses primeiros passos foram

importantes para compreender que ler e escrever são práticas frequentes entre jovens, mesmo

na contemporaneidade quando as multiplicidades de textos emergem virtualmente.

Igualmente, foi importante observar os espaços que abrigam fanfictions para, então,

estabelecer critérios de escolha de um ambiente que representasse um desafio às formas

tradicionais de se fazer uso da leitura e escrita em práticas sociais. Para isso foram

observações, questionamentos e reflexões em torno dessa atividade que atrai os mais

exigentes leitores e escritores para esse universo.

As observações imersivas no Nyah! Fanfiction foram constantes para defini-lo como

espaço de pesquisa e busquei me ater aos eventos de leitura e escrita que constituem o

ambiente, sendo que essas habilidades, possivelmente, estão condicionadas ao uso da língua

portuguesa em um contexto virtual. Nesse viés de pensamento, foram elaboradas as perguntas

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de pesquisa e traçados os objetivos. E, assim, pude coletar os dados nessa perspectiva que

emanaram alguns temas que pudessem servir para os estudos linguísticos e pedagógicos.

Entre os fios que entrelaçam, para manter e sustentar o site Nyah! Fanfiction estão a

leitura e escrita, sobretudo, a prática de ler que começa a partir do impresso e que o sentido se

concretiza na virtualidade. Assim como o uso da língua portuguesa também é um tema que

chama a atenção nesse ambiente e, por conseguinte, as formas interativas e colaborativas pela

escrita que sustentam e instigam as práticas sociais de Letramento. Com isso, os recortes dos

dados foram feitos conforme os temas imbricados às teorias de letramento organizadas num

contexto digital.

Considerando que as atividades de leitura e escrita são fatores que conduzem a vários

caminhos no espaço, os seus usuários, conscientes ou não, fazem parte de um grupo

diferenciado de leitores/escritores jovens que, comumente, não encontramos em espaços reais,

são aqueles que se constituem em contextos digitais. Dessa maneira, busco analisar os eventos

de leitura e escrita que favorecem as práticas de letramento(s), bem como as configurações do

hipertexto Nyah! Fanfiction – desde a apresentação aos objetivos e procedimentos a que os

usuários devem submeter-se para se tornar um hiperescritor – assim como os sujeitos se

constituem hiperleitores na interação com o próprio ambiente, tornando-o também um

instrumento de práticas de letramento(s) pelos diversos eventos que emergem pelo acesso aos

menus de orientação.

Outro aspecto latente no site são as práticas interacionais que nutrem o leitor e o

escritor num processo colaborativo na criação das histórias. De maneira assíncrona, mas não

menos relevantes os comentários e as recomendações são cruciais para os usuários/fãs que

compartilham emoções com os mesmos objetivos.

O Nyah! Fanfiction é pura linguagem. Inevitável não perceber a sua preocupação com

a língua oficial no ambiente, com objetivos de conduzir os seus escritores a uma melhor

performance textual. As manifestações linguísticas permeiam todo o movimento no site e

compreender o sentido, que os leitores e escritores atribuem em suas práticas, foi considerado

também um tema recorrente. A essas categorias procurei responder as questões de pesquisa

aliadas às interpretações ao fio teórico desenvolvido nos capítulos anteriores.

Ainda, no tecer e destecer das discussões trago recortes retirados da página Nyah!

Fanfiction com a denominação de Figura 1, 2, 3 etc. para facilitar um melhor entendimento

dos temas gerados. Contudo, os procedimentos foram afunilados da seguinte forma:

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ESTUDOS SOBRE FANFICTIONS

* Espaços que abrigam fanfictions;

* Levantamento de pesquisas sobre o assunto.

OBSERVAÇÃO DOS ESPAÇOS FANFICTION

* Seleção dos sites;

* Elaboração de critérios para definir o objeto;

* Escolha do ambiente: Nyah! Fanfiction.

IMERSÃO NO AMBIENTE NYAH!

FANFICTION

* Observações constantes no site;

* Questionamentos e reflexões sobre ler e escrever

Fanfictions.

ELABORAÇÃO DA QUESTÃO DE PESQUISA

E DOS OBJETIVOS

* Seleção de eventos recorrentes no espaço Nyah!

Fanfiction para responder a questão;

* Coleta e reflexão sobre alguns temas.

*

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TEMAS RECORRENTES: NYAH!

FANFICTION

Seleção dos dados

* Letramento(s);

* Práticas Sociais e Interacionais.

(RE) LEITURA DOS DADOS COLETADOS

* Recortes dos dados de acordo com os temas

recorrentes.

ANÁLISE DOS DADOS

* Selecionar os dados organizando-os em cada

categoria;

* (Re) Leitura dos elementos teóricos;

* Iniciar a análise.

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CAPÍTULO 3

ANÁLISE: O DESTECER E O TECER DOS “NÓS”

“E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza

lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus

tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom

estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido

dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para

não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se

ao tear. Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a

lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para

o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os

cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois

desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que

continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu

para o jardim além da janela.” (Marina Colasanti30

)

Apresento e discuto, neste capítulo, as análises decorrentes do estudo do site Nyah!

Fanfiction apoiado nas teorias do letramento(s) como Soares (2010), Kleiman (1995), Rojo

(2009, 2010, 2013), Lankshear e Knobel (2006). E também as teorias de língua(gem)

baseadas em Crystal (2005), Gnerre (2012), Shepherd e Saliés (2013). Nas discussões em

torno da leitura e escrita, converso com Freitas e Costa (2006), Chartier (2002), Koch e Elias

(2013), Pinheiro (2013).

É conveniente ressaltar que as posições aqui tecidas estão centradas na perspectiva do

letramento(s), especificamente, em um ambiente onde os movimentos de leitura e escrita são

instrumentos de interação, apropriação e recriação de histórias ficcionais oriundas da cultura

de massa. Ademais de que ler e escrever são fortemente evidenciados no Nyah! Fanfiction,

ambiente virtual que abriga as narrativas ficcionais, porque são elementos que se constituem

em práticas sociais no contexto digital. Para tanto, se observa que há uma preocupação

também com o uso formal da língua portuguesa na produção de textos de maneira interativa e

colaborativa dando-lhes sentidos às referidas práticas sociais.

Com esse fim e objetivo, a análise flui para entender as práticas de letramento, o uso

da linguagem escrita nas representações sociais e interacionais que se constituem no Nyah!

Fanfiction. Com este capítulo, retomo a questão de pesquisa que norteou este trabalho que é:

30

Fragmento extraído do livro "Doze reis e a Moça no Labirinto do Vento". Rio de Janeiro: Global Editora,

2000.

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Como ler e escrever histórias ficcionais se constituem práticas de letramento(s) no Nyah

Fanfiction?

Tal questionamento foi a linha mestra da minha pesquisa e serviu para organizar as

discussões neste capítulo na intenção de compreender as representações sociais e interacionais

ressignificadas num espaço de pura leitura e escrita.

Com os objetivos traçados, a leitura do site Nyah! Fanfiction como um lugar social -

ocupado por usuários leitores/escritores – no qual que se pode desenvolver sua criatividade

com o uso de tecnologias, de um lado a escrita e de outro as tecnologias digitais, pois são

práticas constantes e imprescindíveis para as suas representações. Diante disso, selecionei e

delimitei alguns temas que se destacaram e procurei sistematizá-las de maneira que possa ser

compreensível aos olhos de futuros pesquisadores.

O primeiro tema, “Os fios do hipertexto Nyah! Fanfiction: os vieses para o

Letramento” se alicerça na observação dos modos de leitura e a sua prática na constituição do

letramento(s), busco entender como os aficionados às histórias ficcionais se movimentam para

se constituírem leitores de fanfictions. Entrelaçado a esse tema, destaco os eventos que

sugerem constituir práticas efetivas de letramento, seguidas dos movimentos de ler e escrever

num espaço frequentado por adolescentes fãs de histórias ficcionais.

3.1 Tema 1: Os fios do hipertexto Nyah! Fanfiction: os vieses para o Letramento

Ao tratar sobre o letramento (SOARES, 2010; KLEIMAN, 1995; VARGAS, 2005),

autores corroboram com a ideia de que é um processo para além da alfabetização e que

também possibilita um aprofundamento de leituras de mundo. Por outro lado, é uma prática

determinada por um grupo social ligada, exclusivamente, por atividades de ler e escrever,

mas,�sobretudo, pratica a leitura e a escrita socialmente. Dessa forma, percebe-se que na

virtualidade os fãs leitores/escritores do Nyah! Fanfiction se envolvem incondicionalmente

nesse universo.

Neste item, busco entender as primeiras marcas que representam as práticas de

Letramento no ambiente Nyah! Fanfiction. Este site criado, desde 2005, exclusivamente para

abrigar histórias de ficção escritas na língua portuguesa e que constitui sujeitos ativos pela

trajetória virtual.

Dentre os vários gêneros considerados emergentes na web que se destaca, não só por

uma forma textual colaborativa, mas como meio que conduz às interações pela linguagem,

está o gênero Fanfiction. Os estudos e pesquisas revelam que em muitos aspectos é um

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instrumento que potencializa a formação do indivíduo para os múltiplos contextos com muitas

possibilidades linguístico-pedagógicas.

E é, nesse mundo virtual, que se alargam as agências, ou seja, espaços complexos de

letramento(s) não legitimados, porém são novas formas de envolvimento dos sujeitos com a

produção de textos em meio eletrônico e, assim, desenvolvem uma identidade de autor/leitor

em potencial. De maneira geral, o fanfiction é um ambiente de aprendizagem colaborativo, de

formação e desenvolvimento da autonomia da escrita, é um espaço de diversidade linguística

que requer habilidades de compreensão e interpretação técnica e intelectual.

Os primeiros fios, para o letramento no site em questão, começam logo na página

inicial, pois ao contrário de outros ambientes híbridos de modalidades que exploram a

imagem, o som, dispõem de recursos multimidiáticos e, claro, pelo código linguístico

alfabético, não acontece no Nyah! Fanfiction, onde prevalece a linguagem escrita requerendo

do usuário disposição à leitura, além do conhecimento técnico da tecnologia digital para

entender o seu funcionamento. É um ambiente que traz muitas informações, é extenso e

complexo. Para melhor compreensão da análise, as referências no interior da página inicial

serão apontadas com letras alfabéticas - A, B, C, D, E, F, G, H e I (Figura 17).

Por certo, as diferenças entre o texto impresso e o hipertexto estão nos diferentes

suportes que o abarcam, como afirma Gualberto (2008), o hipertexto é um formato que se

permite articular fontes diferenciadas de informação de modo fácil, rápido e eficiente,

podendo o usuário agrupar, atualizar, pesquisar e recuperar tais informações de maneira

interativa. Assim, os suportes sendo eletrônicos ou não, contam com os mecanismos

linguísticos-semióticos para estabelecer as interações entre os indivíduos sociais, leitores e

escritores que frequentam o Nyah! Fanfiction com determinados fins, pois seu design permite

a justaposição de texto verbal, pela palavra viva.

Ler na forma multidirecional no Nyah! Fanfiction é semelhante a outros hipertextos,

que não necessariamente tem as mesmas funções e objetivos. Os links que conduzem às

informações mais gerais estão contidos no endereço www.fanfiction.com.br e, a partir dessa

descoberta, o usuário decide quais os caminhos seguir. São algumas possibilidades de acesso,

conforme indicações numéricas complementares às letras alfabéticas - A1, B2, C3, D4, E5,

F6, G7, H8 e I9.

Os links são organizados de maneira não lineares e não sequenciais que permitem os

leitores/usuários a um acesso imediato a outros textos e a outras informações que independem

da distância e do tempo e das linhas que se entrelaçam e se conectam para a constituição de

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um sujeito leitor de fanfictions que participa, interage e constrói seu próprio itinerário de

leitura.

O que se pode encontrar por trás dessas linhas que se entrelaçam no Nyah! Fanfiction?

Não se sabe ao certo que tipo de técnica o leitor se utiliza para ter acesso aos espaços virtuais,

são modos particulares de explorar os recursos que oferecem os hipertextos, mas, de qualquer

forma, são habilidades adquiridas com o tempo e a experiência que irão definir o perfil do

leitor de textos eletrônicos. Daí que Lobo-Sousa et al. (2013) consideram o que letramento

digital vai além das questões técnicas, porém afirma que, ao estar em contato com o

hipertexto, é imprescindível pensar em um novo tipo de letramento, pois esse fenômeno está

relacionado às práticas de linguagem que se origina na hipertextualidade.

No Nyah! Fanfiction é preciso estar bastante disposto a adentrá-lo e conhecer o que ele

pode oferecer aos usuários, principalmente, para aqueles que desejam se inserir no mundo das

fanfictions. Os passos que seguem para análise desse ambiente são observações feitas com o

intuito de aprofundar-se no espaço para conhecer e reconhecer o que ele poderá oferecer para

ampliar e possibilitar a interatividade para assim, constituir um espaço de letramento.

A seguir, passo a navegar por esse grande e extenso novelo hipertextual para

compreender como se constituem os modos de leitura e, também, como se dispõem os eventos

para as práticas sociais de ler e escrever no universo Nyah! Fanfiction.

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Figura 17: Página Inicial - Acesso em 15-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

A presença da modalidade textual no campo da virtualidade, trazem características

próprias inerentes à www. Askehave e Nielsen (2004 apud BEZERRA, 2007) dizem que os

textos virtuais diferem daqueles impressos pela intertextualidade, pelo alcance global e pela

imaterialidade, assim, a cada acesso à textos na rede, o leitor se utiliza de mecanismos

particulares, explorando o hipertexto de modo significativo e a seus propósitos.

Então, as formas convencionais de leitura passam a requerer estratégias diferenciadas

no sentido de conduzir o usuário a interagir com diferentes signos linguísticos, sejam icônicos

C

D E

F

H

I

A B

G

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ou não. O que acontece nesse processo é que a comunicação ocorre quase que totalmente pela

imagem. Esse tipo de comunicação, como dizem Zuin e Reyes (2010), modificou o

pensamento dos seres humanos, os autores ainda afirmam que vivemos e vivenciamos a

cultura da forma e da imagem, de maneira geral.

Contudo, o ambiente Nyah! Fanfiction contraria a posição dos estudiosos de que essa

cultura faz parte da grande maioria dos hipertextos, pois nele há regras estabelecidas (Figura

17: H, I) em relação à multimodalidade: se exige o uso moderado de imagens e, tampouco, se

permitem outros recursos como, por exemplo, muitas cores, som, movimento e outros que

caracterizam o grande texto virtual. Por outro lado, no site, apresenta-se fortemente e bem

acentuado outras características como a linguagem escrita, porque é a essência da constituição

do espaço, a comunicação, por conta da interação que o ambiente promove via publicação de

histórias de ficção escritas por jovens escritores amadores (Figura 17: B) e a multilinearidade

que oferece a oportunidade de múltiplos acessos para além da página inicial. E, dessa forma,

satisfazendo os muitos usuários/leitores desse gênero e seguidores do Nyah! Fanfiction.

A análise das propriedades da página inicial do Nyah! Fanfiction perpassa por alguns

pontos que contribuem para os fios primeiros do Letramento, envolvendo a leitura e escrita

como práticas sociais. E isso implica as práticas de ler e escrever on-line que complementam

a constituição do sujeito para a contemporaneidade.

Nas considerações de Finnemann (1999 apud BEZERRA, 2007), geralmente o

hipertexto mobiliza dois diferentes modos de leitura: Modo de leitura (leitura como tal) e o

Modo de navegação. O primeiro corresponde às formas tradicionais de leitura, linear ou não.

Já o segundo modo está relacionado ao caminho que o hiperleitor percorre pelo site e constrói

a sua própria estratégia.

A princípio, o usuário da Web ativa o Modo de leitura, buscando algum tipo de

informação sobre o ambiente e o seu conteúdo e, como forma de apoio ao navegador, o Nyah!

Fanfiction dispõe de alguns tópicos que poderão auxiliar nessa busca (Figura 17: B

[Pesquisar] e B [Ajuda]) aliados a outros tópicos secundários, que orientam o usuário a obter,

ampliar as informações e a compreender os objetivos do espaço (Figura 18).

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Figura 18: Aviso - Acesso em 15-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

O Modo de navegação no Nyah! Fanfiction está na possibilidade de acesso no interior

da página, como no item A [ENTRE – CADASTRE-SE] (Figura 17), o usuário tem duas opções

de acesso que lhe dará condições de observar ou participar da comunidade. O item B

[Categorias – Português – Liga dos Betas] são links que darão maior clareza do conteúdo

principal, que para o leitor de fanfiction é um espaço importante para as suas práticas de

leitura e escrita. Já o item C [Nyah! Fanfiction no facebook31

] é a indicação de que Nyah!

Fanfiction é versátil e procura expandir as suas formas de interação. E interagir com membros

de outras comunidades também é um recurso que move os leitores/escritores de fanfictions,

levando a criação de comunidades paralelas32

sem vínculo com o espaço Nyah! Fanfiction,

mas apenas usam da mesma denominação para aproximar os muitos fãs no Brasil.

Há ainda características, no Modo de leitura, que se destacam na página inicial e que

se tornarão familiares às formas tradicionais de ler e outros movimentos que acionarão o

Modo de navegação, no qual o usuário mesmo define a sua estratégia de leitura no hipertexto.

Então, ele ativa dois diferentes procedimentos cognitivos, como assim pondera Finnemann

(1999 apud BEZERRA, 2007).

Em comparação a outros ambientes que abrigam fanfictions, que se apresentam como

multimodais, o Nyah! Fanfiction possui poucas características que o remete a essa ideia. Está

bastante próximo de uma estrutura grafocêntrica por excelência e que proporciona um grau de

interação inerente ao hipertexto. Lévy (1999) considera que os usuários encontrarão as

informações para além do limite visual graças aos mecanismos do ciberespaço e, para esse

aspecto, o hiperleitor aciona o seu Modo de navegação.

31

Página Oficial do Facebook são mais de 74.000 seguidores. Acesso em 14-6-2014. Twitter: @nyah_brasil 32

Grupos fechados (Facebook): SBLAN: Sociedade dos Betas, Leitores e Escritores do Nyah! Fanfiction (102

membros – 14-5-2014); Nyah! Fanfiction ~~ Escritores e Leitores (16.495 membros – 14-5-2014); Liga dos

Betas do Nyah! Fanfiction (582 curtidas – 14-5-2014).

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Outro ponto que os teóricos colocam como Modo de leitura é a "Saudação" com o

propósito de acolher os navegadores dando-lhes a sensação de boas vindas. Todavia, essa

saudação não está evidenciada no site em questão, possivelmente, estará implícita na

mensagem descrita na Figura 18, onde se pode entender o propósito da existência do espaço.

O Nyah! Fanfiction é identificado e representado por um logotipo que lembra uma

menina-gato das histórias de animes/mangás. Dessa forma, se consolida uma imagem aos seus

criadores e, assim, reafirma os interesses na criação de um ambiente on-line.

Figura 19: Logotipo do Nyah! Fanfiction - Acesso em 15-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

O conteúdo de maior relevância no Nyah! Fanfiction de que trata as autoras no Modo

de leitura está indicado no topo da página (Figura 17: B [Categorias], [Português], [Liga dos

Betas]), que darão uma noção maior e mais direta em relação ao funcionamento do site.

Também se encontram, nesse item, os tópicos centrais que movimentam o espaço, nele há

mais detalhamento das histórias ficcionais dispostas ao leitor, assim demonstrado na Figura

20 - [Categorias].

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Figura 20: [Categorias] > [Livros] > [Harry Potter] - Acesso em 15-06-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Nessas [Categorias] servem de opções para que as leituras sejam direcionadas de

acordo com os gostos, faixa etária e motivação dos usuários. E a cada subcategoria são muitas

histórias disponíveis e nos mais diversos gêneros33

(Figura 21), sendo que muitos são

conhecidos da esfera escolar [Aventura, Comédia, Drama, Mistério, Paródia, Poesia,

Romance, Suspense, Tragédia] que, de alguma maneira, faz parte do repertório do leitor

acadêmico.

Há outros gêneros que provêm do conhecimento e da experiência de leitor marginal

[Ação, Amizade, Fantasia, Ficção Científica, Horror, Humor Negro, Mistério, Terror] e que

passam a compor o vocabulário dos leitores a partir do impresso. Por fim, há aqueles gêneros

que são acrescentados a partir da imersão no universo ficcional das fanfictions [Angst,

Crossover, Darkfic, Death Fic, Ecchi, Furry, Hentai, Lemon, Lime, Orange, Shoujo-ai,

Sounen-ai, Songfic Universo Alternativo, Yaoi, Yuri], por conta disso, esses novos gêneros

são incorporados ao repertório linguístico do leitor/escritor tornando-o inserido e conectado e

que são encontrados somente na prática de fanfiction.

33

Gêneros Escolares que na concepção de Marcuschi (2011), se referem aos textos materializados, encontrados

no cotidiano e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades

funcionais, estilo e composição característica.

Halo, Hamlet, Harry Potter,

Hercule Poirot, Heróis do

Olimpo, Hex Hall, História

sem fim, House of Night

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Figura 21: [Categorias] > [Livros] > [Harry Potter] > [Selecionar o gênero] - Acesso em 15-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

A confiabilidade no ambiente de que trata Bezerra (2007), quando diz que o

proprietário deve estabelecer credenciais de confiança com os navegadores. E para o site em

questão, se evidencia, sobretudo, de que o seu criador também é leitor e escritor de histórias

ficcionais, bem como pelo expresso pelo movimento quantitativo que poderá credenciá-lo

como um ambiente confiável.

Média: 297 novas histórias; 1.200 novos capítulos; 390 cadastros de usuários; 160.000 histórias;

900.000 capítulos; 300.000 usuários cadastrados. Além de registrar também: 4.823.380 visitas;

46.846.528 visualizações de páginas; 00:21:07 tempo médio no site e 18,32% de novas visitas. As

cidades com maior número de acesso: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Google Analytics para o período entre 27/04/2013 e 27/05/2013

Não somente com o seu administrador, mas, também, com toda a equipe organizada

para atender e, sobretudo, auxiliar os seus leitores/escritores na solução de problemas, sejam

técnicos ou não (Figura 22), portanto, pressupõe que são canais que além de servir para

estabelecer contato, transmitem segurança e confiança aos jovens leitores e escritores.

Figura 22: Canais de contato - Acesso em 15-6-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Aventura, Comédia, Drama,

Mistério, Paródia, Poesia,

Romance, Suspense, Tragédia,

Ação, Amizade, Fantasia,

Ficção Científica, Horror,

Humor Negro, Mistério,

Terror, Angst, Crossover,

Darkfic, Death Fic, Ecchi,

Furry, Hentai, Lemon, Lime,

Orange, Shoujo-ai, Sounen-ai,

Songfic Universo Alternativo,

Yaoi, Yuri

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A relação de pertencimento que estabelece o usuário com o Website se dá através de

cadastro com login e senha para então se constituir em uma comunidade discursiva (Figura

17: A [CADASTRE-SE]). Feito isso, os navegadores podem se considerar membros do grupo

e espera-se que realmente se constituam leitores ativos e escritores vorazes.

E, por fim, é comum em sites a formação de outras organizações ou produtos que são

feitas por pequenos anúncios no formato de banner (Figura 23). No Nyah! Fanfiction se

percebe essa característica à medida que se adentre a página pelos links específicos, o que

pode nem sempre perceptível pelo leitor.

Figura 23: Banners - Acesso em 19-10-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

O que se nota nessas abordagens é que os movimentos de leitura na Web não são

padronizados, tampouco obrigatórios no processo comunicativo do hipertexto em geral, assim

como no Nyah! Fanfiction, os modos de ler e navegar de que trata Finnemann (1999) (apud

BEZERRA, 2007) são acionados permitindo aos usuários/leitores escolher, criar seu "próprio"

texto e seu próprio roteiro de navegação que os conduzirão aos eventos significativos no

universo das fanfiction, construindo e renegociando sentidos em consequência da dinâmica

proporcionada pela rede digital.

Estudos preconizados por Soares (1996), no processo de alfabetização escolar, os

indivíduos aprendem a decodificar o código alfabético, mas nem sempre adquirem

habilidades para lidar com a leitura e escrita para se envolverem em práticas de escrita,

mesmo respondendo às demandas sociais de um domínio mais profundo de ler e de escrever.

Para tanto, no terreno da virtualidade se exige um sujeito que saiba atribuir sentido aos

códigos verbais e não verbais que emanam dos hipertextos, é ser também um alfabetizado

digital.

Os conceitos de letramento cunhado por Soares (2010) e Kleiman (1995), o Nyah!

Fanfiction garante e proporciona os espaços para as práticas de leitura e escrita para além

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delas, ou seja, as leituras tradicionais feitas no material impresso não se esgotam, ampliam-se

para o contexto digital, pois nele o conhecimento de mundo e de outros textos garante uma

prática da linguagem verbal, que assim corroboram também Lankshear e Knobel (2006).

Diante dos conceitos de Letramento até aqui tratados, evidenciam que a leitura como

prática social no Nyah! Fanfiction, seja no modo de leitura ou no modo de navegação, é

efetiva, contribui e complementa a constituição do indivíduo para o contexto virtual por

apropriação da tecnologia digital e é constatado por vários acessos aos links pelo espaço na

sua página inicial, que objetiva manter certo grau de interação com o hipertexto e, graças ao

modo de navegação, os usuários têm contato com outros eventos para o exercício constante de

ler e escrever na tela.

3.1.1 Eventos para as práticas de letramento

Tratou-se, na proposição anterior, entender como acontece a prática de leitura no

hipertexto Nyah! Fanfiction, pois nele é possível que os usuários, inconscientemente, ativem o

modo de leitura, que se assemelha ao folhear das páginas dos livros e, também, o modo de

navegação, acionando e optando por quais caminhos seguir. Nesta subseção, o objetivo é

observar e analisar os espaços e/ou eventos que proporcionam aos fãs/navegadores praticar e

vivenciar a leitura e escrita e, com isso, se constituírem membros de uma comunidade virtual

de efetivo letramento.

O site Nyah! Fanfiction (Figura 17) é um ambiente frequentado por indivíduos

escolarizados por dominarem as capacidades básicas de leitura para dar conta de decodificar,

compreender, interpretar, estabelecer relações que garantam a capacidade de acessar e

processar informações escritas e as utilizar para enfrentar as demandas que exigem saber ler e

escrever para então, se apropriar das ferramentas que dispõe o universo digital, assim como vê

Soares (2010).

É considerar que esses sujeitos participam ativamente do mundo da escrita na escola e

muito mais fora dela e, assim, imersos no mundo letrado, que está associado a diferentes

práticas de letramento e as mais diversas agências (família, escola, igreja, trabalho etc) de sua

vida. Contudo, são práticas sociais que partem da escola que contribui sobremaneira para a

inserção de indivíduos a outros eventos de letramento e implica considerar as práticas de ler e

escrever para outros contextos, ideia defendida por Soares (2010) de que ser letrado é

interagir com diferentes portadores de leitura e escrita, sobretudo, aquele que vivencia e

pratica essas habilidades respondendo coerentemente às demandas que as exigem.

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Se participar de um evento de letramento, como acredita Kleiman (1995), é estar em

contato constante e direto em situações de escrita – que constitui parte da interação entre

navegadores – tanto em processos e estratégias quanto interpretativas, então, fazer parte da

comunidade Nyah! Fanfiction é ser capaz de renegociar os sentidos pela língua escrita para o

exercício da análise crítica dos textos lidos e/ou produzidos por eles. Para tanto, por estar

posto em suporte eletrônico, conhecer e inserir-se nos eventos que ele oferece é

imprescindível para os leitores/escritores de histórias ficcionais.

No Nyah! Fanfiction, o contato com situações, de escrita e leitura, implementadas por

estratégias técnicas, estão postas nos links genéricos34

- [Categorias], [Português], [Liga dos

Betas], [Recentes], [Pesquisar], [Ajuda] (Figura 24). E, a partir do acesso a esses canais, o

usuário/navegador poderá inserir-se no mundo da leitura, que são leituras advindas do

impresso que originaram na criatividade em produzir as histórias ficcionais postadas nesse

ambiente.

Figura 24: Páginal Inicial - Acesso em 15-06-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Dos eventos relevantes para o exercício da leitura está o link [Categorias] (Figura 20),

nele consta de várias subcategorias [Animes/Mangás] > [Cartoons] > [Filmes] > [Jogos] >

[Livros] > [Originais] > [Poesias] > [Quadrinhos] > [Seriados/Novelas/Doramas], escritos

para as mais diversas faixas etárias (Livre, +13, +16, +18). A escolha depende do grau de

atração da obra original, como exemplo, chamo atenção do link [Livros] > [Harry Potter]

(Figura 21).

O fenômeno “Harry Potter” é bastante popular e o seu sucesso comercial no mundo,

por sua hitória de aventuras fantásticas, dá origem a filmes, games, entre outros e em suportes

variados, a partir de 1997. No Brasil, o primeiro livro “Harry Potter e a pedra filosofal”,

lançado em 2000 coincindiu com o crescimento de sites destinados à publicação de

fanfictions. E, naquele mesmo ano, é construído o mais antigo espaço brasileiro dedicado ao

gênero, o Edwiges homepage, ele se dedica exclusivamente às histórias ficcionais de Harry

34

Os links genéricos, que dão acesso aos principais tópicos do site, em geral se localizam na parte superior da

homepage, ... que confere uma posição saliente em relação ao restante das informações na página. Essa posição é

ainda salientada pelo caráter estático desses links, que acabam funcionando como uma espécie de barra de

navegação sempre visível. (ARAÚJO, 2007, p. 121)

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Potter. Ao todo, a série é composta por sete livros publicados, possivelmente, o consumo e a

quantidade de fãs impulsionaram os jovens à participação mais ativa no universo da leitura e

escrita na internet, o que antes o principal acesso era o livro impresso, mas há algum tempo os

adolescentes leitores encaram a rede como o canal para as suas ações coletivas e isso implica

dizer que tais ações contribuiram para a expansão de espaços destinados à fanfictions.

No Nyah! Fanfiction, os acervos são organizados por gêneros para facilitar a escolha

do leitor (Figura 21) e para o escritor servirá de orientação para as postagens e classificação

de suas histórias. Geralmente, no universo fanfiction, os gêneros literários são semelhantes

entre os sites, para Vargas (2005), são compreendidos a partir do universo escolar, porém há

gêneros oriundos das experiências e da criatividade dos autores e é atualizada pelo ambiente

conforme se apresentam as narrativas.

Para exemplificar, o resultado da filtragem no gênero [Romance], que demonstrará

todas as sinopses das histórias baseadas em Harry Potter de cunho romântico e que poderá

haver um híbrido de gêneros. Ademais de romance, conter um teor de comédia, drama, entre

outras numa mesma narrativa (Figura 25), isso implica desenvolver uma capacidade maior de

criatividade e conhecimento teórico em relação aos gêneros escolhidos.

Figura 25: [Categorias] > [Livros] > [Harry Potter] > [Romance] - Acesso em 21-10-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

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De acordo com a demonstração (Figura 21), ao “Filtrar a Listagem”, é possível afirmar

que o contato com o gênero ficcional como: “Ecchi: história contendo cenas de pornografia

leve, geralmente apenas insinuações. (+16); Hentai: história com cenas de sexo explícito entre

casais héteros. (+18); Lemon: história com cenas de sexo explícito entre homens. (+18); Lime:

história com cenas de sexo implícitas, tanto entre casais héteros quanto homossexuais.

Devem-se obrigatoriamente ser classificadas com (+16); Orange: histórias com cenas de sexo

explícito entre mulheres (+18)”. São condições em que o escritor é capaz de transbordar a sua

criatividade, o estilo para outros gêneros, sobretudo, considerados fatos sociais, que envolvem

outros fenômenos, é criar um lugar de encontro comunicativo projetado pelos gêneros

híbridos nesse espaço virtual.

A filtragem é opcional para o leitor que queira conhecer a construção da história em

um determinado gênero. Por outro lado, há usuários que preferem as possibilidades de leituras

navegando pela mesma tela, seja rolando, seja linkando pelas opções disponíveis (Figura 26).

E na categoria “Harry Potter”, mais de cem narrativas estão disponibilizadas e que poderão

ser acessadas no espaço específico.

Figura 26: [Categorias] > [Livros] > [Harry Potter] - Acesso em 21-10-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

O evento seguinte, publicado no site pelo canal de "Notícias" desafia os seus usuários

à prática de escrita por temas selecionados pelos seus Betas e, ademais, utilizar o ambiente

oficial. A divulgação também é publicada no [Facebook oficial], possivelmente, com o

intuito de atrair mais participantes e tornar o desafio uma ocasião significativa para leitores e

escritores que se envolvem nas práticas de ler e escrever no Nyah! Fanfiction.

Os temas para o desafio variam, conforme a época e do assunto mais relevante para a

comunidade, como exemplo na Figura 27, é por ocasião da Copa do Mundo e por ter o Brasil

como o seu anfitrião. Nota-se que o desafio compreendeu os meses de junho e julho, os meses

de férias escolares, na maioria das vezes, e para tanto o tempo será ocupado e dedicado à

prática da leitura e da escrita de histórias.

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Figura 27: > Página Inicial do Nyah! Fanfiction > Notícias - Acesso em 21-10-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br

O desafio é dividido em seis fases que requer uma leitura atenta às regras para

participação. Na primeira fase do desafio, o participante deverá escolher o país-sede de sua

Copa do Mundo (Alemanha, Portugal, Holanda, Japão, Chile, Brasil), ou seja, da sua história

para o desafio e somente é válido escolher um (1) país, mas (Figura 28) pela observação feita

pela Beta, sugere que além de escrever, o participante terá de pesquisar e ler sobre o país. Isso

implica considerar que o referido desafio permitirá o usuário a transitar por espaços virtuais e

também reais, para que possa obter bons resultados no evento.

Figura 28: Página Inicial do Nyah! Fanfiction > Notícias - Acesso em 21-10-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Na segunda fase, as instruções são referentes ao uso das palavras-chave: "Guarda-

chuva, chave de roda ou cadeado", dentre essas somente uma deverá ser escolhida para

compor o texto. Na terceira fase, a orientação é para começar a escrever a história que terá no

mínimo de 1666 e no máximo 3666 palavras e ser escrita na classificação: "Livre, +13 ou

+16". No próximo passo, quarta fase, a história deverá ser enviada ao beta de sua escolha,

que não é obrigatório, mas que fará grande diferença na concorrência.

Na quinta fase, o participante/escritor deverá certificar-se de que todas as anteriores

foram observadas e seguidas para, enfim, na sexta fase enviar o trabalho pronto (Figura 29).

Ao que parece, é um trabalho simples e intenso que requer um pensar e repensar, escrever e

reescrever para atender aos critérios exigidos.

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Figura 29: Página Inicial do Nyah! Fanfiction > Notícias > Quinta e Sexta fase - Acesso em 21-10-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Na fase final, já compete aos betas, a leitura e a avaliação das histórias, levando em

consideração os critérios: "Adequação ao tema proposto e as regras do desafio"; "Criatividade

e originalidade"; "Desenvolvimento da história". São pontos importantes a serem observados

no momento da construção do texto e, nesse ponto, é que o beta se torna um parceiro

importante no processo, bem como as regras e dicas de português que são publicadas no site

do Nyah! Fanfiction e poderão receber comentários, recomendações e "favoritações".

Dentre as informações importantes, como datas de início e término do desafio, estão

as três primeiras histórias do Top 10 (Figura 30) que receberão resenhas e serão publicadas na

página do facebook, no qual a visualização estará disposta para mais navegadores,

fanfiqueiros ou não, e com isso abertas a comentários e a "curtição".

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Figura 30: Resultado do Desafio - Acesso em 21-10-2014

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Como se percebe, o mundo Nyah! Fanfiction é fluido e está repleto de eventos para as

práticas de Letramento que possibilita aos usuários explorar as suas próprias habilidades

comunicativas reagindo aos modos de lidar com a linguagem escrita e que associada, ao

sentido que ela remete, para construir novas oportunidades de construir-se leitor e escritor.

Mas isso implica aprender as regras de como se socializa em comunidades virtuais com essa

e, por outro lado, modos de comportamento são constantemente refinados para a permanência

do navegador no ambiente.

Contudo, Rojo (2013) e Soares (2010) compactuam da ideia de que além de aprender

regras, o aluno tem de ser inserido em eventos escolares de letramento, sobretudo, de eventos

que emergem da virtualidade, para que desenvolvam as competências e habilidades de lidar

com a leitura e escrita na atualidade, mas, especialmente, proporcionar condições para isso. E,

de fato, o Nyah! Fanfiction cria todas as condições para que o fã da modalidade fanfiction se

mantenha inserido e ativo no universo da ficção.

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91

3.1.1.1 A textura35

do texto: os sentidos da leitura do impresso à tela

Nesse espaço, busca-se alinhavar algumas reflexões em torno dos movimentos de

leitura no site Nyah! Fanfiction, e, principalmente, observar como se constituem as práticas

sociais e interacionais pelo ato de ler na contemporaneidade. São aspectos interacionais

norteados por esse ato nas modalidades de textos eletrônicos que advém de textos impressos e

que poderão constituir um sujeito leitor proficiente para o contexto virtual e, possivelmente,

para um contexto real de aprendizagem de leitura.

Os sentidos, os significados que leitores atribuem às histórias estão relacionados às

suas práticas de leitura que começam com hábitos adquiridos por contato com o material

impresso e que se convertem em novos hábitos a partir da cibercultura. Para compreender

essas manifestações e representações nada convencionais, busco observar a fanfiqueira

Amanda Gomes na tentativa de analisar a sua constituição, enquanto leitora num ambiente e

numa categoria onde os aficionados à série “Harry Potter” são quase que 100% dos usuários

que frequentam o Nyah! Fanfiction, conforme o Quadro 3, ficando atrás somente das

histórias de "Saga Crepúsculo".

Obra Original Quantidade de Histórias Postadas

1. Harry Potter 12.340

2. Heróis do Olimpo 1.559

3. Jogos Vorazes 2.152

4. Percy Jackson e os olimpianos 7.168

5. Saga Crepúsculo 15.911

6. The Hunger games 919

7. The vampires diaries 696

8. Vampires diaries 760 Quadro 3: Resumo das Obras e Quantidade de Histórias

Fonte: Elaborado pela autora.

A leitura, no formato impresso dessas obras, provoca um envolvimento afetivo e

intelectual do fã com o texto (VARGAS, 2005) e, consequentemente, o leitor consegue se

posicionar criticamente diante da obra. A autora afirma ainda que, por conta disso, os fãs

conseguem expressar julgamentos e até refinam o uso da língua no compartilhamento de

35

Sf. Ato ou efeito de tecer. 2. Disposição dos fios de um tecido. 3. P.ext. Qualidade visual e tátil de certos

materiais manufaturados ou não. 4. Fig. Contextura, trama. In: Mini Aurélio: O dicionário da Língua Portuguesa.

Curitiba: Editora Positivo, 2010.

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comentários, i.e., agir ativa e colaborativamente para o seu aprendizado. Nesse aspecto, Silva

(2009) comprova por seus dados que os indivíduos envolvidos com a leitura de fanfictions são

motivados pelo contexto dos personagens e dos universos ficcionais e, além de diversão, são

instigados a produzir versões criativas da obra original.

Figura 31: Amanda Gomes - Acesso em 6-5-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

O que demonstra no perfil de Amanda Gomes (Figura 31) é que, apesar de "adorar"

qualquer tipo de história, ela se considera "viciada" em Harry Potter. Levando em conta o seu

fascínio com a leitura por tudo que envolve o bruxo, instiga, de certa forma, a uma produção

criativa em torno do personagem e de suas aventuras. Essa imersão no mundo imaginário de

Harry Potter, para os jovens, muitas vezes os conduzem a fugir de certos aspectos da vida

real por imagens e situações fictícias que se ampliam em narrativas extensas e fomentam a

interação.

Figura 32: Amanda Gomes

Fonte: www.fanfiction.com.br.

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93

Histórias Sinopses36

Capítulos

Voltar para casa depois de certo tempo

longe lhe traz uma sensação estranha.

Você percebe o quão tudo e todos

mudaram, o quanto estão diferentes.

Porque, assim como a sua, a vida deles

continuou, e o mundo prosseguiu...

06

Hermione é apaixonada por Rony, mas

logo no sexto ano quando está preste a

demostrar isso, ele começa a namorar

Lilá.

Como Hermione vai reagir a isso. Será

que ela ira se apaixonar por mais um

Ruivinho?

O autor desta história

a marcou como

imprópria para

menores de 18 anos.

Se não atingiu a idade

de maioridade legal

em seu país ou se

ofende com este tipo

de material, não leia.

Para acessar histórias

com esta

classificação, você

deve alterar suas

preferências em

http://controleparental

.fanfiction.com.br/

Tudo estava tão bem quanto poderia: A

guerra havia acabado, famílias se reuniam

e festejavam, ataques não aconteciam

mais, tudo estava em perfeita harmonia.

Mas, até quando poderia ficar assim?

Será que finalmente teríamos paz? E se

de repente, tudo mudasse? Como seria?

50

Elena com seus 18 anos já era noiva de

Stefan, eles se conheciam à 3 anos, e

eram completamente apaixonados um

pelo outro, mas seus sentimentos

começam a mudar quando conhece o

primo da sua melhor amiga Damion. E

então começam...

O autor desta história

a marcou como

imprópria para

menores de 18 anos.

Se não atingiu a idade

de maioridade legal

em seu país ou se

ofende com este tipo

de material, não leia.

Para acessar histórias

com esta

classificação, você

deve alterar suas

preferências em

http://controleparental

.fanfiction.com.br/

Dois jovens com carreiras promissoras e

bem sucedidas são escalados para

contracenarem juntos em uma série de

uma grande TV americana. Eles ficam

amigos e as coisas começam a se

complicar quando o relacionamento torna

se intimo.

18

Quadro 4: Resumo História, Sinopses e Capítulos

Fonte: Elaborado pela autora.

36

Estas sinopses foram escritas pelos autores das histórias e estão disponíveis no site [www.fanfiction.com.br].

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Observa-se, pelo histórico de Amanda Gomes, que é leitora cativa e fiel a Harry Potter

e se envolve também com as histórias relacionadas a ele, mesmo aquelas impróprias para

menores de 18 anos. O que está demonstrado no Quadro 4 são as narrativas que ela

"recomenda" por apresentar, no seu ponto de vista, episódios inéditos e/ou inusitados que lhe

chamaram atenção.

E, ao recomendar, Amanda poderá ser destacada como "Melhores leitores da semana".

Então, pode-se dizer que o leitor de fanfiction é um leitor ativo e que interage pelos textos

com outras ideias e outras vozes na medida em que os seus comentários são partilhados e

compartilhados assíncrona e virtualmente. Nesse sentido, se tratando de leitura de histórias

ficcionais no Nyah! Fanfiction, os sujeitos não apenas preenchem vazios, o que não deixa de

ser necessário para cumprir o protocolo de interação, mas, sobretudo, produzem outras

leituras e outros sentidos (CAVALCANTI, 2010).

A imersão no mundo imaginário das histórias ficcionais por jovens e adolescentes,

muitas vezes os conduzem a fugir de certos aspectos da vida real por situações imagéticas que

se ampliam em narrativas extensas e formentam a interação e a comunicação mediada pelo

meio digital, mas que cabe ao leitor reconhecer e atribuir sentido, focar a atenção em quem

escreve e que será captada somente por quem lê.

De fato, as relações de interação entre leitor e escritor de fics se dão pelo ato de ler e

esse sempre foi e será o fio condutor para aquisição de uma consciência linguística e social

em espaços virtuais que abrigam fanfictions e, por sujeitos leitores reais, que interagem via

texto e, possivelmente, se tornarão leitores proficientes nas várias formas de ler textos e

hipertextos, participando efetivamente desse universo ficcional que os mobiliza.

3.1.1.2 A tessitura37

das palavras: o Nyah! Fanfiction como espaço de escrita criativa e

colaborativa

Neste ponto, persigo os movimentos de escrita, ou seja, o que realmente instiga e

fortalece escrever histórias de ficções no site Nyah! Fanfiction. E que, através do constante

exercício de escrita, poderá o sujeito se tornar também um escritor “competente”.

O envolvimento com a cultura popular, como Harry Potter, tem se tornado fonte de

inspiração para que os escritores “amadores” desenvolvam outras habilidades de letramento,

além daquelas que provém do letramento dominante ligado às esferas organizacionais e

37 Organização dos enunciados na elaboração de um texto.

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formais intimamente relacionadas à formação do indivíduo. Pois esses escritores

experimentam práticas de letramento locais, desprezadas e não valorizadas pelas instituições e

organizações, e que estão postas na rede, oportunizando e possibilitando o uso concreto da

língua(gem).

No entanto, para analisar os aspectos de escrita e a importância dela para as práticas

sociais e interacionais no universo fanfiction, remeto-me à fanfiqueira Amanda Gomes, a

tecelã fã viciada nas histórias de Harry Potter, a qual considera um “hobbie escrever para o

site‟. Apesar de poucas histórias escritas e publicadas no Nyah! Fanfiction, as narrativas

possuem muitos capítulos, na maioria deles, dedicadas ao Harry Potter (Quadro 2) que, ainda

hoje, com tantas produções de histórias ficcionais no mercado, virtual ou impresso, as

aventuras do jovem bruxo continuam a ser significativas para os mais ávidos leitores e

escritores de fanfictions.

Quadro 5: Resumo Títulos, Palavras/Classificação, Capítulos e Comentários

Fonte: Elaborado pela autora.

Diante disso, tomo para observar e analisar a repercussão dos textos produzidos por

Amanda Gomes, a sua primeira história “Corujas para você” com 52 capítulos e com mais de

63.000 palavras, a soma de todos os capítulos que compõe a trama. É uma história

envolvendo romance e aventura e tem como personagens principais – Fred Weasley e

Hermione Granger, porém adverte em uma nota que esses personagens não são seus, mas não

descarta a ideia de que poderão aparecer criações suas (Figura 32). Os episódios de “Corujas

para você” envolvem sexo e linguagem imprópria e acompanha uma sinopse que poderá ou

não ser um ponto atrativo para adentrar e conhecer todo o enredo.

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Figura 33: Corujas para você - Acesso em 6-5-2014

Fonte: www.fanfiction.com.br.

O primeiro capítulo de [Corujas para você], sua autora o denominou de “Prólogo” e

o último de “Epílogo”, possivelmente, essa escolha foi por deixar evidente que a sua narrativa

há começo, meio e fim, as quais são características inerentes às regras de produção de textos.

A partir do segundo texto, Amanda Gomes começa a nomear os capítulos de acordo com o

enredo e, em muitos deles, trazem nomes que estão diretamente relacionados às narrativas

originais, como: Weasley, Corujas, Dumbledore, Potter, Hogwarts Obliviate, Draco (Anexo

1).

Nesse aspecto, os enunciados linguísticos relacionados à saga Harry Potter, garantem a

comunicação entre os sujeitos, pois a imagem que se remete pela língua(gem) é que dá

sentido às histórias, a começar pelo léxico específico e adequado, sobretudo, ao público fã da

narrativa original, o que requer particularidades e afinidades nas interações (DOWNES, 1984

apud FAIRCLOUGH, 2001). E, para analisar o movimento de escrita de Amanda Gomes,

remeterei ao primeiro capítulo que ela chama de “Prólogo” para, então, compreender como

essa leitora/autora constrói a sua narrativa de maneira a garantir a interação com outros fãs da

mesma obra.

A escritora se basea na narração em terceira pessoa, como narradora observadora, e

dinamiza a história com muitos diálogos. Aspectos que sobressaem no capítulo. Assim, se

utiliza dos recursos de pontuação que, de certa forma, contribui para a dinamicidade do texto,

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principalmente, do travessão que é próprio e demarca um diálogo (Anexo 2). Se observa ainda

que há situações que fogem às regras gramaticais da língua portuguesa, como ausência de

alguns acentos e de vírgulas, bem como o seu uso em demasia, e também algumas formas

verbais inadequadas. Enfim, são “equívocos” que não prejudicam o sentido que o autor deseja

atribuir à sua história. E, dessa ideia partilha Crystal (2005), de que na rede, tende-se a

infringir algumas regras da língua, aquelas mais tradicionais como a ortografia e a pontuação,

mas que nada interfere no significado e na importância que provocam as histórias ficcionais

escritas por esses jovens e adolescentes, sobretudo, os fanfiqueiros.

A história completa envolve romance e aventura e resgata os personagens

originalmente criados por J.K. Rolling, como Harry, Fred, Hermione, Gina, Ronald e outros

que compõem a trama no universo potteriano. Porém, não exclui a possibilidade de que em

algum momento poderá surgir personagens de sua criação, como Amanda Gomes adverte em

“Notas da História” (Figura 32), possivelmente, com a intenção de provocar e instigar a

curiosidade do leitor-fã. Da mesma forma acontece com o cenário, como a “Toca”, “casa dos

Weasley”e também uma das lojas do Beco Diagonal (centro de compras do mundo bruxo), a

“Floreios e Borreões”. Enfim, a autora deixou, nesse primeiro capítulo, os elementos do

mundo bruxo intocados e o que se destaca nessa fanfic é o romance entre Hermione e Fred,

enquanto na obra original esse envolvimento não acontece.

Contudo, essa constatação, de elementos que compõem a obra original estar presentes

nas criações, poderiam causar transtornos por conta dos direitos autoriais, porém Vargas

(2005) afirma que a motivação começa a partir da experiência com outras leituras, sem o

menor intuito de quebra dos direitos autorais e lucros envolvidos na prática de escrita de

histórias ficcionais.

De forma geral, Amanda Gomes consegue ser clara e objetiva na sua escrita, apesar de

estar bem direcionado ao público virtual fã da saga “Harry Potter”. Prova disso está na

primeira linha da história: “O silêncio foi quebrado por um som alto e logo passos invadiram

a sala da Toca.”. Pressupõe, por esse exemplo, que apesar de ser o primeiro capítulo, dá-se a

ideia de continuidade a uma trama já começada, mas, apesar disso, a história flui. A autora

consegue demarcar os fatos na trama, como as falas dos personagens, o sonho, conflitos e

preocupaçãoes, bem como atrair o seu leitor para o clímax do enredo que é um romance

adolescente seguido de malícia e sensualidade, conforme o excerto seguinte (Anexo 2):

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–Desculpe, mas você me assustou. –Diz a garota se recuperando do susto. Percebe o olhar do ruivo

para suas pernas que pela curta bermuda mostravam mais que o necessário. Corou violentamente e as

cobriu novamente. O ruivo percebe e sorri deixando a bandeja sobre a bagunçada cama de Gina.

Apesar de se caracterizar por um texto linear e estático, em comparação ao hipertexto

que é multilinear e dinâmico e possibilita o texto se mover pela tela, bem como outros

aspectos inerentes à virtualidade (Crystal, 2005), a escrita da autora deixa de ser estático e

passa a adquirir dinamicidade pela linguagem verbal planejada e elaborada nos padrões

formais ou quase formais da língua, quando provoca sensações e instiga a criatividade para

“brincar” com as palavras e com isso trazer ao seu público a melhor imagem, mesmo que

abstrata e também poder mobilizar os seus leitores para o prazer das histórias ficcionais. E

essa primeira tentativa de interagir pela linguagem empreende uma ação que se manifesta nas

práticas socias de escrita, que não são práticas individuais e isoladas, assim como afirma

Santos (2006).

No Nyah! Fanfiction, a maneira como o autor conduz a sua escrita é significativa para

se constituir como tal. Essa constituição depende da imposição do olhar e da palavra do outro,

se constrói pela interação e através da linguagem escrita. Nesse ambiente, a interação

acontece pela publicação de comentários e, diferentemente dos textos, se permite utilizar

códicos linguísticos próprios do internetês.

O usuário-leitor dispõe de três categorias para se expressar e se manifestar em relação

às histórias postadas, são: “Recomendação”, “Comentários”, “Favoritar” e “Acompanhar”.

Dessas, “comentários” e “recomendações” se utilizam da escrita; “favoritar” e “acompanhar”

requer somente uma marcação utilizando a imagem que representa o leitor. Assim como

segue:

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Figura 34: Favoritaram esta história - Acesso em 6-5-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

“Favoritar” representa dizer que a história postada foi lida por alguns leitores fãs, é

como “curtir”, não exclusivamente, mas – na maioria das vezes – por adeptos das aventuras

dos mistérios de Harry Potter. Significa, sobretudo, que Amanda Gomes conseguiu que a sua

história fosse aceita pelos fanfiqueiros do site Nyah! Fanfiction.

Figura 35: Estão acompanhando - Acesso em 6-5-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Outro ponto igualmente importante é reconhecer que a escrita do texto ficcional pode

se tornar um “livro de cabeceira” e construir laços afetivos com a história e com o autor. E

“acompanhar” sinaliza que o leitor aguarda o desenrolar da trama. O que pode sugerir o

compromisso do autor com os seus leitores. Portanto, expressar-se no Nyah! Fanfiction é

levar em conta as diversas formas de saber utilizar outros códigos para produzir sentido, não

somente pela escrita, assim como “favoritar” e “acompanhar” não exigem o formato de texto

tradicional. Porém, a linha mestra que conduz o site está na capacidade de seus leitores se

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100

expressarem pela Língua Portuguesa e, por conta disso, há dois canais de interação que

permitem desenvolver a habilidade de escrita: “Recomendação” e “Comentários”.

As recomendações são destinadas aos leitores que acompanham todos os capítulos que

compõem a obra. Os leitores chamam atenção para as partes que se destacam de forma

pessoal. Há críticas, mas muitos elogios, e que a obra merece ser recomendada (Figura 35)

muitas vezes as leitoras se arriscam em sugerir outras direções para o enredo, já que os

escritores se mantêm abertos às sugestões. Percebe-se que são textos curtos com um teor de

formalidade na escrita dos textos, porém se destaca alguns elementos do internetês, como “;)”

e “*-*” que, como diria Crystal (2005), são elementos criativos, dinâmicos e lúdicos à

mensagem, são planejados para demonstrar a expressão facial de emoção e que,

possivelmente, ameniza o lado formal das interações.

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Figura 36: Comentários - Acesso em 6-5-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Há que se destacar também as emoções emitidas pelas palavras que se aproximam da

fala oralizada, face a face como faz Anna em sua recomendação. Ela consegue transmitir pela

sua escrita seu envolvimento afetivo e intelectual com a história “Corujas para você”. E como

leitora-fã, ela age colaborativamente e de forma alguma poderá ser considerada passiva em

relação ao texto de Amanda Gomes, como assim expôs Vargas (2005).

O espaço para os “Comentários” está aberto para proporcionar ao leitor e ao escritor

uma interação assíncrona e que passa a ser um canal importante para aqueles que desejam

continuar a escrever histórias ficcionais. Enquanto que “Recomendação” não se permite

respostas, já nos “Comentários”, as respostas são imprescidíveis para manter a motivação do

escritor para se constituir como tal e construir sentido pela interação mediada pela internet.

No Nyah! Fanfiction, esse relacionamento começa a partir do impresso que ultrapassa as

simples folhas de papel para além do universo digital.

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Figura 37: Comentário - Acesso em 6-5-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Primeiramente, a leitora MillaHalliwell classifica o primeiro capítulo como “Muito

bom...” e deixa claro que os personagens são os seus favoritos, possivelmente, o que foi o

ponto relevante que a levou a ler essa fanfic. Pela sua experiência como leitora, ainda não

havia lido nada igual em relação à personagem “Mione” e, por fim, concorda que foi uma boa

ideia o arranjo da autora. Essa leitora constrói seu comentário de forma simples e consistente.

Não se observa nenhuma inconsistência gramatical que pudesse complicar o entendimento da

mensagem. Se permite considerar, também, que MillaHalliwell é uma leitora experiente e que

conhece bem as regras da Língua Portuguesa. Já na “resposta do autor”, Amanda Gomes

utiliza de uma linguagem própria dos jovens imersos no mundo digital ;D – sem

desconsiderar, no entanto, de seu conhecimento em relação à língua.

Estar imersos na produção de histórias de ficção é fazer parte de um grupo social, o

universo Nyah! Fanfiction, para tornar significativa a interação social que, segundo Kleiman

(1995), é uma prática relacionada à escrita para que seja significativa e que vai mais além do

ato de ler e escrever. É uma promoção não só da competência individual do sujeito, mas,

sobretudo, de uma competência social que ultrapassa os muros da escola.

Os demais comentários do primeiro capítulo “Prólogo” são curtos, porém demonstram

que os leitores estão realmente envolvidos na trama e que esperam poder apreciar a

criatividade da autora. A autora sempre atenta a todos, também se manifesta respondendo a

todos com igual apreço e compartilhando das mesmas opiniões, quiçá para instigar a

permanência de sua leitora (Figura 37).

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Figura 38: Comentário – Acesso em 6-5-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

Os comentários para os escritores de fanfictions é uma forma de feedback de seu

trabalho como escritor dessa categoria, tanto que reflete na continuidade ou não do seu

enredo. No caso de Amanda Gomes, o efeito foi positivo e trouxe novas ideias para construir

sua trama (Figura 38), “Então vais ter uma surpresa!!”

Figura 39: Comentário - Acesso em 6-5-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

No avançar dos capítulos, os leitores procuram manter uma proximidade maior com o

texto, como é o caso da leitora MillaHalliwell. A cada comentário ela dá sinais de que

realmente está acompanhando as histórias e isso é evidente quando traz para seus comentários

elementos bem particulares do que acontece nas histórias. Há momentos em que ela começa a

leitura da história não concordando com algumas situações criadas pela autora, mas no final

se rende, “Foi até bom ....” (Figura 39). E a escritora fica feliz “;D” por alguém compartilhar

das mesmas ideias.

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104

Figura 40: Comentário - Acesso em 6-5-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

De forma geral, os leitores mais envolvidos com a trama fazem contribuições para

algumas situações que poderiam não cair bem no enredo e a aconselha a explorar alguns

pontos do texto. Assim como a leitora Lady Herondale (Figura 41), ao que parece ser um

conflito entre os pares na trama, a leitora espera que Amanda Gomes consiga resolvê-lo, que,

por outro lado, não considera que a situação irá causar danos, desde que a normalidade volte a

reinar.

Figura 41: Comentário - Acesso em 6-5-2014.

Fonte: www.fanfiction.com.br.

São comentários como na Figura 41 que contribuem para a construção de um texto

criativo e colaborativo para um contexto de letramentos múltiplos, que é o ciberespaço, onde

a escrita “tradicional”, inerente à escolarização, assume sentidos específicos para o grupo

Nyah! Fanfiction, É uma prática social determinada por uma cultura de participação e pelo

uso da língua(gem). Os frequentadores desse site estão envolvidos em uma determinada

organização textual, novos gêneros e formas novas de escrever e que, por dominarem essa

tecnologia, participam de vários eventos de letramento, afirmam Coscarelli e Ribeiro (2011).

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Nos entrelaçamentos finais para o arremate, retomo a pergunta inicial que também

norteou a análise deste item. Então, como escrever histórias ficcionais se constitui práticas de

letramento(s) no Nyah! Fanfiction?

É certo que para o universo fanfiction escrever vai além de uma simples diversão, é ter

o compromisso de conduzir o leitor ao universo ficcional levando as imagens, os sons e,

provocando as mais diversas sensações que um filme ou uma música poderia causar. E nesse

sentido, o espaço Nyah! Fanfiction oferece condições para que os escritores desenvolvam as

suas habilidades linguísticas para assim dar conta de transmitir, pela escrita verbal,

criatividade, aventura e diversão para esse contexto.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

OS ÚLTIMOS FIOS: O ARREMATE DOS “NÓS”

“A noite acabava quando o marido estranhando a cama

dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve

tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos

sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as

pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito

aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu

uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios,

delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do

horizonte.” (Marina Colasanti38

)

Ao arrematar os últimos "nós" desta pesquisa, posso afirmar que a experiência de

tecelã iniciante me conduziu a momentos de alento, mas, também, de questionamentos em

torno da labuta diária na difícil arte de destecer, tecer e arrematar as palavras e torná-las

significativas para o século XXI. Questiono – enquanto tecelã pesquisadora – quais serão os

rumos da leitura e da escrita para contemporaneidade que atenda às perspectivas dos estudos

de letramento? Qual o sentido deste tecido para outros tecelões e para a escola?

São questionamentos e reflexões que ainda pairam no arremate dos últimos fios em

meio aos emaranhados de interpretações, que surgirão com outros olhares para as questões

que envolvem uma nova concepção de ler e escrever em contextos não formalizados,

sobretudo, quando atreladas à tecnologia digital.

No entanto, neste último capítulo, procuro responder a pergunta de pesquisa

inicialmente formulada que me provocou a tessitura deste trabalho, remetendo-me aos pontos

relevantes do estudo. Reflito também sobre a necessidade de repensar e ressignificar práticas

de ensino de leitura e escrita para a virtualidade. Ademais, como toda pesquisa, confrontar as

limitações deste estudo.

Nesta dissertação, objetivou-se investigar e analisar os movimentos de leitura e escrita

de histórias ficcionais em contexto digital na perspectiva das teorias de Letramento no site

Nyah! Fanfiction, ambiente que abriga narrativas escritas por jovens fãs de textos

38

Fragmento extraído do livro "Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento". Rio de Janeiro: Global Editora,

2000.

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“desconhecidos” da escola e da sociedade. Nessa direção, foram traçados alguns objetivos

específicos com a intenção de que no destecer e tecer os "nós" pudesse construir o trabalho:

Verificar e levantar as características da organização hipertextual do Nyah! Fanfiction;

Observar e analisar que eventos de leitura e escrita e como se constituem em práticas de

Letramento nesse ambiente.

Em decorrência de tais objetivos, e com o intuito de construir sentido e significado,

somente uma pergunta foi elaborada:

1. Como ler e escrever histórias ficcionais se constitui práticas de letramento(s) no Nyah!

Fanfiction?

A partir dessa pergunta de pesquisa e observações feitas no espaço em questão, alguns

temas foram salientes para discussão de como os leitores-fãs lidam com a leitura e escrita no

espaço virtual Nyah! Fanfiction.

1. "Os fios do hipertexto Nyah! Fanfiction: os vieses para o Letramento";

1.1 Eventos para a prática de Letramento

1.1.1 "A textura do texto: os sentidos da leitura do impresso à tela"

1.1.2 "A tessitura das palavras: O Nyah! Fanfiction como espaço de escrita criativa e

colaborativa"

Para isso, é na abordagem qualitativa interpretativista que escolhi tecer esta

dissertação, partindo de uma compreensão dos dados contextuais e relacionados entre si para

o entendimento do processo de leitura e escrita em uma realidade social no espaço virtual que

abriga histórias ficcionais. O caminho metodológico, desta pesquisa, teve o caráter de

observação não participante de forma que a comunidade virtual foi investigada com o olhar de

foram para a geração de dados que me permitiu analisar a produção, reprodução e o

compartilhamento que sustentam a interação no Nyah! Fanfiction, atribuindo significado à

participação nessa cultura marginalizada.

Os temas selecionados contribuíram sobremaneira para responder a questão de

pesquisa, porque serviram para uma ampla compreensão de que os sujeitos reais imersos à

virtualidade conseguem atingir um grau satisfatório de Letramento que corresponde ao uso da

leitura e escrita em práticas sociais de forma independente, criativa e colaborativa. Desse

modo, para a discussão da análise dos dados, ressalto novamente, a pergunta de pesquisa e em

seguida busco respondê-la conforme as interpretações tecidas no capítulo de análise. 1) Como

ler e escrever histórias ficcionais se constitui práticas de letramento(s) no Nyah! Fanfiction?

No primeiro tema, "Os fios do hipertexto Nyah! Fanfiction: os vieses para o

letramento" examinou-se as linhas que conduzem para a constituição do leitor/escritor no

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108

universo das fanfictions, pois os entrelaçamentos que o caracterizam como hipertexto são

acionados por Modos de Leitura: Modo de Leitura (tradicional) e o Modo de Navegação.

Esses modos apontaram que ler na modalidade do hipertexto difere em muitos aspectos da

leitura na modalidade impressa e ficou claro que o usuário constrói a sua própria habilidade

em lidar com o (hiper) texto disposto na rede e pelo alcance que a virtualidade proporciona. O

modo de Leitura, que implica linearidade, está relacionado à maneira tradicional de ler como

o folhear das páginas, numa única sequência (da esquerda para direita).

O Modo de Leitura no Nyah! Fanfiction está relacionado a alguns pontos que o

caracterizam, como: saudação, a imagem que o representa, os links iniciais que conduzem a

outros links e, enfim, a confiança estabelecida com os usuários pela organização na

distribuição das informações. São movimentos bem comuns a todos os navegadores virtuais.

Compreendi que o Modo de Navegação é individual e não linear, implicando que o

indivíduo circula por vários caminhos sem perder o sentido e, assim, criar sua própria

estratégia de se movimentar pelo ambiente dando sentido às múltiplas formas da linguagem,

seja verbal e/ou não verbal, que são próprios de hipertextos. Porém, no Nyah! Fanfiction, o

que se destaca é a linguagem verbal, o que é intencional pelo objetivo do site.

Dessa forma, ler no hipertexto Nyah! Fanfiction atende às perspectivas do letramento,

pois há interação pela linguagem e isso provoca uma ação que se realiza nas práticas sociais e

se manifesta pelos textos. Assim, os leitores respondem uma demanda social e

contemporânea: a leitura em um determinado contexto.

De fato, os leitores/escritores fãs de histórias ficcionais estão imersos ao mundo da

leitura e da escrita e sabem fazer uso dessas habilidades socialmente (SOARES, 2010). Para

tanto, é preciso estar em constante contato com situações que possibilitem o leitor e o escritor

a aperfeiçoar tais habilidades conduzindo-o a eventos que o provoque a essas práticas e que

possa contribuir para se constituir letrado para o contexto virtual e real. No Nyah! Fanfiction,

os eventos principais observados estão no link [Categorias], onde se encontra o fio que conduz

aos objetos de leitura das histórias ficcionais. Constantemente, são lançados desafios de

escrita aos seus usuários e isso despende de um processo bastante cauteloso na elaboração e

execução dessa atividade, mas o resultado é sempre positivo e, evidentemente, causa um

envolvimento afetivo e intelectual dos fanfiqueiros.

Para continuar respondendo a pergunta de pesquisa, alinhavei mais um fio, "A tecitura

do texto: os sentidos da leitura do impresso à tela”. Nele busquei observar os significados que

os usuários atribuem à leitura como um tipo de literatura nada convencional e à margem do

esperado para as agências hegemônicas. São leituras que superam a qualquer obra literária

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brasileira e, sobretudo, os adolescentes aprendem a ser criativo com a experiência dessas

leituras transformando-as em algo significativo e prazeroso no universo da fantasia, da

aventura, do romance, da ficção que os tornam proficientes na produção de fanfictions. Os

hábitos de leitura começam pelo formato com o impresso e se convergem em novos hábitos

com o advento da rede. Para Vargas (2005), a leitura a partir do impresso contribuiu

sobremaneira para a construção da crítica diante da obra, pois julgam e conseguem usar a

língua para a comunicação e interação, para a autora, é um ganho na aprendizagem da língua

portuguesa. Então, vale afirmar que o letramento mais uma vez se consolida como fato no

espaço Nyah! Fanfiction por conduzir o indivíduo a outras experiências para além desse

universo, sobretudo produzindo outras leituras e outros sentidos.

Por último, "A tessitura das palavras: o Nyah! Fanfiction como espaço de escrita

criativa e colaborativa", trouxe elementos do ambiente em estudo, para a reflexão em torno da

escrita como prática social para o contexto digital, que são ficções escritas por fãs do fânone e

são constantemente estimuladas por interação assíncrona. Escrever criativa e

colaborativamente é uma atividade pouco utilizada em contextos reais, sendo mais efetiva em

contexto on-line que evidencia sua eficácia por permitir aos participantes a alternar os papéis

entre o leitor e escritor, bem como refletir e negociar sentido de maneira que produza

resultados relativamente positivos.

A escrita no Nyah! Fanfiction é um ponto bastante importante, pois percebi que a

circulação de textos nesse ambiente é incrivelmente extensa, seja na construção da fic, sejam

nas formas de interação por “favoritagem”, “acompanhar”, “recomendar”; exceto os dois

primeiros, os últimos exigem o uso da Língua Portuguesa (LP) relativamente padrão, mas que

permite o uso das inovações linguísticas contemporâneas da contemporaneidade. Por outro

lado, para a publicação das histórias é obrigatório o uso da LP padrão, o que requer conhecer

as regras que as regem.

Definitivamente, como ler e escrever histórias ficcionais se constitui práticas de

letramento(s) no Nyah! Fanfiction? A partir do momento que ele possibilita aos usuários

explorar as suas próprias habilidades comunicativas, reagindo aos modos de lidar com a

linguagem escrita e que associada ao sentido que ela remete para construir novas

oportunidades de constituir-se leitor e escritor. Isso implica aprender as regras de como

socializar-se em comunidades virtuais como esta, são modos de comportamento

constantemente refinados para a permanência do usuário no ambiente. De fato, os que

frequentam como escritores de fanfictions, acabam por se render aos eventos e às

oportunidades para alcançar o status de escritor e leitor que, ademais da leitura tradicional

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impressa, o sujeito contemporâneo acessa outros conhecimentos que vai além do mundo

ficcional, mas, sobretudo, considerar que o Nyah! Fanfiction é um espaço social propício às

práticas sociais de leitura e escrita.

Contudo, no intuito de compreender e entender a importância das histórias ficcionais

para os fãs-navegadores de fanfictions, conduziu-me a observar que a língua(gem) no

contexto virtual ocupa um espaço supremo para a atividade de ler e escrever, e que para os

vorazes leitores e escritores desse gênero vai além das regras da língua. É transpor para o seu

mundo real imagens, cenários, emoções e situações do mundo ficcional de modo significativo

e interativo.

Dessa forma, o trabalho com as produções de histórias ficcionais – fanfictions –

contribuem para uma educação linguística mais efetiva desmistificando a teoria de que

escrever só se aprende e se pratica na escola. Porém, por outro lado, os reflexos das atividades

de escrita dessas histórias que atendam as exigências das instituições de ensino, bem como de

outras agências serão objetos para as pesquisas futuras com uma metodologia que permita

investigar como os movimentos de leitura e escrita de ficções que emergem do virtual poderá

impactar em contextos reais, para então analisar se essas práticas contribuem para o

letramento do indivíduo que atenda as demandas sociais que emanam do ato de ler e escrever.

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ANEXO 1 – Corujas Para Você escrita por Amanda Gomes

Capítulos Palavras MAIS INFORMAÇÕES

1. Prólogo

07 comentários

1.712 Minha primeira história sobre Hermione e Fred,

espero que fique boa ;D

2. Nova Weasley

04 comentários

1.370 Oiie, bom, recebi dois comentários e estou feliz

com isso. Obrigada pelo carinho! ;D

3. Aceita?

04 comentários

2.003 Oiie, eu espero que gostem desse capítulo mais

longo!

4. Como ficaremos?

03 comentários

1.300 Oiie, aviso no final ;D Boa leitura!

5. Com carinho H.G.

04 comentários

1.307 Queria contar que achei que levaria um Crucio

ou Avada Kedavra nos comentários! Obrigado a

fofa da Violets In The Garden pelo comentário

super querido ;)

6. Enlouquecendo?

02 comentários

1.370 Awn, estou tendo ataques de fofuras com todos

esses comentários!! Obrigada por todos os

comentários, e leitora nova seja em-vinda!

7. Corujas de mais!

04 comentários

1.387 Desculpe-me pelo atraso, mas realmente estou

cheia de trabalhos escolares! Estou cada vez

mais feliz com os comentários ;D

8. Reencontro

04 comentários

1.575 Lá, espero que gostem desse reencontro.

9. Sensível??

01 comentário

1.356 Um capítulo meio confuso para vocês ;D

10. Azul Turquesa?

02 comentários

1.848 Oiie, desculpe-me pelo atraso! Gente, peço

novamente que comentem o que estão achando.

No capítulo anterior recebi 1 comentário que

desanimou um pouco. Mas aí está ;D

11. Natal

03 comentários

1.853 Oiie pessoas, espero que gostem desse mais

longo ;D

12. Quer namorar comigo?

04 comentários

1.573 Oiie, espero que gostem ;)

13. Mãos dadas? Explique-se!

04 comentários

1.159 Oiie, espero que gostem!

14. Tempo passa...

02 comentários

1.093 Oiie, espero que gostem!

- Lumos

15. Fim de Dumbledore

01 comentário

1.233

16. Os sete Potter

04 comentários

2.215 Oiie, espero que gostem! E eu estou super

ansiosa para postar, então estou adiantando os

capítulos, mas sinto informar que já estamos

terminando a história.

17. Não pode terminar assim!

04 comentários

1.242 Oiie, esse é triste!

18. Chalé das Conchas

04 comentários

1.230 Oiie, esse é um pouco mais alegrinho ;D

19. O que faz aqui?

02 comentários

1.099 Oiie

20. Vulnerável com você

02 comentários

1.108 Oiie, atrasei um pouquinho, mas aí está! ;)

21. Por favor! Diga!

03 comentários

1.246 Oiiie, esse é mais tristinho! :‟(

22. Fim de Voldemort

04 comentários

1.593 Oiiie

23. Todas as cartas

03 comentários

1.033 Olá, depois de ser ameaçada de morte, acho que

vou postar um capítulo mais tranquilinho! Sério

que algumas de vocês choraram??

24. Hermi? 1.022 Oiie, demorei, mas apenas porque essa semana

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02 comentários foi corrida na escola!

25. Bochechas escarlate

02 comentários

1.091 Esse é meu capítulo preferido de todos!

26. Soco e tapa?

02 comentários

1.032 Oiie, novidades: a fanfic estava chegando em

reta final, mas um sonho me deu uma ótima

ideia, então teremos mais capítulos do que o

esperado!

27. Grávida?

02 comentários

1.018 Oiie, estava ansiosa para postar, mas o Nyah!

entrou em manutenção. Enfim, espero que

gostem! ;D

28. Rose

03 comentários

1.392 Oiie, recadinho lá em baixo!

29. Isso explica!

02 comentários

1.078 Olá, obrigado pelos comentário dando a opinião

de vocês sobre o George e Hermione!

30. F.a.l.e.

02 comentários

1.106 Olá, boa leitura!

31. Hogwarts Obliviate

04 comentários

1.005 Boa Leitura!

32. Quarto apenas para Rose

04 comentários

1.013 Olá, adorei os comentários ansiosos!! Boa

leitura!

33. Eu te amo!

03 comentários

1.057 Oiie, demorei, e eu realmente não gostei desse

capítulo, mas aí vai!

34. Quadribol Através dos Séculos

02 comentários

1.150 Olá pessoas, espero que gostem!

35. Revelação

02 comentários

1.120 Olá, espero que gostem!

36. Trasgo!

03 comentários

1.036 Espero que gostem ;)

37. Legilimens

02 comentários

1.147 Hey, obrigada pelos 101 comentários!

38. Relembrando...

03 comentários

1.022 Olá, espero que gostem!

39. Transfigurador...

04 comentários

1.042 Olá, espero que gostem!

40. Um ano

03 comentários

998 Obrigada a Recomendação em formato de

comentário da Marcy W.

41. Natal!

03 comentários

1.173 Olá, espero que gostem!

42. Presentes

03 comentários

1.026 Estou muito feliz com a recomendação fofa da

Anna! Obrigada :3

43. Ano novo!

03 comentários

1.003 Olá, gente eu estava revisando o texto e vi que

troquei o George pelo Fred, arrumei, mas se

tiver mais alguma troca me avisem!!

44. Ciúme? Nunca!

03 comentários

1.099 Olá, obrigada pelos comentários no capítulo

anterior! Recadinho lá em baixo ;)

45. Primeiro beijo

03 comentários

1.002 Olá, espero que gostem!

46. Mais lembranças

03 comentários

1.097 Olá, queria dizer que adoro vocês, minhas

leitoras assíduas! Adoro esse contato pelos

teclados, obrigada por levarem a história

adiante! :3

47. Penas enfeitiçadas...

04 comentários

1.001 Olá, espero que gostem!

48. Acordou!

04 comentários

1.066 Olá, espero que gostem!

49. Draco?

03 comentários

1.013 Olá, boa leitura!!

50. Casar?

03 comentários

1.052 Olá, penúltimo capítulo! Espero que gostem!

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51. Casamento

03 comentários

1.028 Olá, descobri que esse não será o ultimo

capítulo! E agradeçam a Anna que me

convenceu a descrever esse capítulo!

52. Epílogo

05 comentários

816 Ultimo capítulo minha gente, FELIZ NATAL!

Organização dos capítulos de “Corujas para você”, de Amanda Gomes. www.fanfiction.com.br Nyah! Fanfiction > Acesso

em 14-7-2014, elaborado por ALVES, W.L.C.

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ANEXO 2 – 1. Prólogo - Corujas Para Você escrita por Amanda Gomes

O silêncio foi quebrado por um som alto e logo passos invadiram a sala da Toca.

–Onde ela está? –Gritava Harry enquanto adentrava a casa, seguido por Ron.

Logo os garotos se deparam com uma Hermione desfalecida no sofá, cercada por várias cabeças

ruivas.

–Saiam da frente! –Fred passava com um tecido branco e um vidro entre os dedos nervosos. Ajoelhou-

se ao lado da garota, molhou o tecido e colocou perto do delicado nariz de Hermione que logo

acordou, tossiu algumas vezes para expelir o odor do liquido.

–Você está bem? –Ron perguntou chamando atenção da garota que tentava se sentar com dificuldade.

–Como poderia? Foi atacado por comensais. –Fred responde ríspido.

–Acho melhor Hermione subir, e deitar-se. –Molly diz apaziguando a situação. –Gina prepare um chá.

Fred querido, ajude Hermione a subir.

O ruivo assente.

Hermione, porém tenta se levantar a cambaleia para o lado, Fred a segura em seu colo, com o rosto da

garota em seu peito sobe as escadas tranquilamente. Adentra o quarto de Gina, coloca Hermione na

cama e se dirige para a porta.

–Fred... –A voz fraca da garota chega a seus ouvidos. –Obrigada!

O ruivo apenas sorri e assente. Assim que chegou ao ultimo degrau escutou a conversa baixa.

–Mas o que aconteceu? Hermione disse que precisava ir à Floreios e Borrões e... –O ruivo ouviu Harry

falar pacientemente.

–Não sabemos muito mais que vocês! –Molly dizia enquanto os rapazes inclinados para frente

tentavam absorver.

–Um comensal a encurralou em um beco. Estava molestando Hermione. Se não fosse por Fred e eu,

não sei o que poderia ter acontecido. –George explicava para todos.

Fred viu a irmã segurando uma xícara que fumegava.

–Hermione dormiu, Gina. –E de repente todos da sala pareceram perceber Fred escorado na parede. A

ruiva deu de ombros e voltou para a cozinha.

–Ela deve estar cansada, deixamos o chá para outro momento. E por favor queridos, evitem tocar no

assunto, Hermione deve estar frágil. –Molly sorri para todos e vai até a cozinha.

–O que faremos? Eles estão cada vez mais perto. Hoje foi Hermione, amanhã pode ser Gina. –Ron fala

chamando a atenção de Harry que corou ao ver que os gêmeos o encararam animados.

–Precisamos evitar tocar no assunto, mesmo com Hermione sendo “forte”. Teremos que... –George

inicia um argumento.

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–Teremos que cuidar dela. –Fred completa a frase do irmão.

Harry e Ron assentem.

–Hermione sabe se cuidar, vocês não precisam cuidar de garota 24h. –Gina diz chamando atenção dos

rapazes ali presentes.

–Sabe se cuidar tanto que quase foi estuprada por comensais à algumas horas. –George diz sério para a

irmã.

–Se Ron não tivesse iniciado outra briga, ela estaria mais atenta. –Gina solta e todos olham para o

ruivo que já tinha a orelha escarlate.

–Desculpe. –O garoto diz.

–Não importa a briga Gina, só não queremos que o mesmo aconteça com você ou outra pessoa! –

Harry diz impaciente, com medo só de pensar se o ocorrido fosse com sua ruiva.

.....

Hermione resolveu levantar, desceu as escadas e não viu ninguém, saiu então e sentou-se debaixo de

uma árvore, abriu seu livro e começou sua leitura. Era um livro trouxa, de um de seus autores

preferidos, Stephen King. Não estava “frágil” como todos achavam, para ser sincera, não pensava no

ocorrido de horas atrás, era mais forte do que poderia imaginar.

Ao longe pôde ouvir a amiga ruiva gritando e dizendo que Hermione havia sumido. Levantou-se então

fechando seu livro, e andou lentamente até a casa, assim que entrou todos a olharam.

–Eu disse que Hermione havia ido tomar um ar. –Molly diz à ruiva desesperada que cruzou os braços

emburrada.

–Desculpe, não queria preocupar ninguém. –A morena diz calmamente.

–Gina é que é escandalosa! –Ron diz chamando a atenção da garota que o encara severamente.

Assente e então sobe sem dirigir a palavra a Ronald.

Continuou sua breve leitura no quarto de Gina, mas logo foi chamada para o jantar. Sentou-se entre

Harry e George, todos comiam calmamente, exceto Ronald que parecia que não via comida há meses.

–Então crianças, disse para Molly, que acho bom comprarem seus materiais amanhã, todos vão juntos.

–O senhor Weasley diz enquanto aprecia seu jantar. Molly concorda com a cabeça.

–Eu já comprei meu material! –Hermione responde calmamente. –Se não tiver problema, posso ficar

aqui?

–Claro querida! –Molly diz. O jantar termina tranquilo com algumas piadas dos gêmeos e uma

cusparada de Ron que molhou por completo o rosto de Harry que apenas conseguiu rir ainda mais da

situação.

Logo todos se sentaram na sala para conversar, combinaram que sairiam cedo de casa para comprar os

materiais e logo voltariam, Hermione foi se deitar enquanto discutiam quem ficaria com ela pela

manhã, mesmo sobre protestos acharam melhor que não ficasse sozinha.

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119

.....

Hermione não foi acordada, mas ouviu perfeitamente quando Gina se levantou e se vestiu para

comprar os materiais, resolveu que não levantaria e aproveitaria mais o conforto de sua cama.

Conseguia escutar as vozes animadas e de repente o silêncio. Aparentemente estava sozinha. Colocou

as pernas para fora do cobertor e se esticou.

–Bom dia Hermione! –Um ruivo alto entra no quarto com uma bandeja e é acertado por uma

almofada, equilibra a bandeja e olha sério para Hermione. –Qual é?

–Desculpe, mas você me assustou. –Diz a garota se recuperando do susto. Percebe o olhar do ruivo

para suas pernas que pela curta bermuda mostravam mais que o necessário. Corou violentamente e as

cobriu novamente. O ruivo percebe e sorri deixando a bandeja sobre a bagunçada cama de Gina.

–Bem. Escolheram-me para ficar com você! –O ruivo diz sentando-se perto da garota. –O que faremos

nessa manhã?

–Você eu não sei, mas eu vou ficar deitada! –A garota diz sorridente. –Agora se não se importa...

–Claro que não! –O rapaz empurra Hermione para o canto, levanta o cobertor e se deita ao lado da

garota.

–O que pensa que está fazendo Fred? –Pergunta em tom sério.

–Ah você sabe me diferenciar da minha cópia. –Fred diz em tom de deboche. –Agora se puder ficar

quieta, quero dormir.

Hermione produz um som um tanto como desprezo.

–Fred Weasley saia agora da minha cama. –Hermione diz e o rapaz apenas coloca as mão na boca da

garota que com o susto cai deitada a seu lado.

O ruivo aproxima seus lábios do ouvida da garota e sussurra.

–Vamos apenas dormir! –A proximidade fez a garota se arrepiar e se odiar por isso. Aconchegou-se

então perto de Fred que pelo pouco espaço estava tentado a não abraça-la. –Você bem que poderia

apoiar sua cabeça no meu peito, teríamos mais espaço.

–Não conte com isso! –Mesmo de olhos fechados, Hermione podia sentir Fred sorrindo

maliciosamente. Aconchegou-se no travesseiro que agora dividia com o ruivo e caiu em sono

profundo. Seu corpo relaxado, sua respiração serena. O som dos pássaros abafava qualquer ruído que

poderia soar naquele quarto.

A criatura ofídica se aproximava de Harry e Ron que não conseguiam se levantar, a dor dos ferimentos eram

fortes e assim não conseguiam se movimentar com velocidade. O suor em sua testa pingava, o medo já havia

tomado conta de todo seu corpo. Por um momento pensou que tudo havia terminado, era o fim do mundo bruxo.

Mas logo, sua respiração cessou e então correu em direção à criatura que era seguida por uma enorme

serpente. Porém a criatura ofídica pareceu não perceber, mas a serpente, em um movimento gracioso virou-se

com maestria e com seus dentes pontiagudos apertou sua mandíbula contra o pescoço da garota que por

impulso tentou gritar, mas a voz sumiu de sua garganta. Pressionou os longos dedos sobre o ferimento, olhou

para o sangue que escorri por sua delicada mão, encarou os amigos perplexos e então caiu de joelhos. A única

coisa que passava por sua cabeça era que não havia conseguido salvar seus amigos. Então seu corpo delicado

caiu contra o chão frio, causando um som alto. Seu corpo agora sem vida, jogado em uma pequena poça de

sangue que saia de seu pescoço.

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE ...ri.ufmt.br/bitstream/1/198/1/DISS_2015_Waldinéia Lemes da Cruz Alves.pdfiv Este trabalho é dedicado às tecelãs que me apresentaram

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A garota sentou-se na cama bruscamente, acordando o rapaz ao seu lado. Lágrimas invadiam seu rosto

e as imagens passavam por sua cabeça com velocidade, causando-lhe tontura.

–Hermione? –Fred agora olhava curiosamente para a garota ao seu lado. –Tudo bem?

Hermione, porém apenas balançou a cabeça negativamente, escondia seu rosto entre as mãos

delicadas. O ruivo apenas puxou a garota para um abraço, tentava reconforta-la. Aproveitou o

momento e usou legilimância para descobrir o ocorrido, viu-se então no meio de todo o pesadelo da

garota. Engoliu em seco, ainda abraçado em Hermione, deitou-se lentamente e por alguns minutos

ficou ali com a garota, acariciando seu cabelo já não tão mais rebelde como no primeiro ano. Suspirou

aliviado quando percebeu que a garota havia dormido novamente, e foi apenas nesse momento que

retomou sua respiração tranquila.

.....

Quando acordou, Hermione sentia-se muito melhor, sentiu um peso em sua cintura e o travesseiro um

tanto “duro”, abriu os olhos e então se viu deitada sobre o peito de Fred que abraçava sua cintura.

Tentou levantar-se, mas realmente não conseguiu, o peso do braço de Fred era maior do que podia

aguentar. Pigarreou furiosa.

Ouviu ao fundo uma tosse falsa e por dentro torcia para não ser quem achava.

–Precisa de ajuda? –A voz era inconfundível, naquele momento queria poder aparatar para o mais

longe dali.

–Seria ótimo! –Diz tentando manter a calma em sua voz. Aquele momento com certeza era um dos

mais constrangedores de sua vida. George se aproximou e tirou o braço de Fred da cintura de

Hermione que se levantou em um pulo.

–Posso saber por que estavam assim... Desse jeito. –George provoca. –E por que você ficou tão

vermelha de repente?

–E-Eu tive um pesadelo e Fred me... –Tentou achar a palavra perfeita. –Consolou? –Seu tom parecia

como uma pergunta e então por segundos odiou-se por ter gaguejado no inicio da explicação. George

riu e saiu. –Não vai contar para ninguém não é?

Infelizmente não obteve resposta e aquela situação só a deixou mais receosa, não saberia explicar

porque não foi para a cama de Gina em vez de aceitar Fred ali. Na verdade, também não sabia por que

não pulou para a cama ao lado. Só tinha certeza de que seria uma longa semana.

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