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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO SONIA APARECIDA DA SILVA DE LARA PIRES
UM OLHAR FENOMENOLÓGICO NO EXERCÍCIO DO PODER DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NAS INSTITUIÇÕES
ESCOLARES: O GOSTO AMARGO DO MEL
CUIABÁ-MT 2011
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SONIA APARECIDA SILVA DE LARA PIRES
UM OLHAR FENOMENOLÓGICO NO EXERCÍCIO DO PODER DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES: O GOSTO
AMARGO DO MEL
Dissertação de Mestrado em Movimentos Sociais, Política e Educação Popular, apresentada a Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito final para obtenção do título de Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso, no Programa de Pós-Graduação em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos
CUIABÁ-MT 2011
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P667o
Pires, Sonia Aparecida da Silva de Lara.
Um olhar fenomenológico no exercício do poder das relações
interpessoais nas instituições escolares: o gosto amargo do mel. / Sonia
Aparecida da Silva de Lara Pires. -- Cuiabá (MT): Instituto de
Educação/IE, 2011.
120 f.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação).
Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto
de Educação. Programa de Pós - Graduação em
Educação. Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Passos.
Inclui bibliografia.
1. Gestão escolar. 2. Profissional docente. 3. Relações interpessoais -
Profissional docente – Gestor escolar. I. Título.
CDU: 37.014.63
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DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT
SONIA APARECIDA DA SILVA DE LARA PIRES
UM OLHAR FENOMENOLÓGICO NO EXERCÍCIO DO PODER DAS
RELAÇÕES INTERPESSOAIS NAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES: O GOSTO AMARGO DO MEL
Banca Examinadora: ________________________________________________________________ Dr Eunice Aparecida de Jesus Prudente ( Avaliadora Externa USP) ________________________________________________________________ Dr Celso Luiz Prudente (Avaliador Interno UFMT) ________________________________________________________________ Dr Luiz Augusto Passos (Orientador UFMT) ________________________________________________________________ Dr Maria da Anunciação P. B. Neta (Suplente UFMT)
Aprovada em 19/12/2011
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Ao meu amado Jesus que durante toda minha vida esteve sempre presente, nos momentos difíceis, alegres e angustiantes e que nestes dois anos de Mestrado ficou ao meu lado me ajudando a escrever o que não considero como uma dissertação de mestrado, mas sim de uma superação e uma prova evidente do poder de Deus em minha vida.
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Agradecimentos
Por que Dele por Ele, para Ele são todas as coisas.......Deus; Ao meu amigo e irmão em Cristo Abrelino Carlos Tenedini que me mostrou
o caminho das pedras e acreditou mesmo sem ver;
Ao professor Dr. Vitale Joanoni Neto que sem me conhecer mais usado
por Deus leu meu primeiro esboço e o encaminhou aquele que seria um
divisor de águas em minha vida;
Ao Dr. Luiz A. Passos meu amigo, meu orientador e meu eterno referencial
de ser humano, que nos caminhos da vida acadêmica nunca deixou para
trás os sonhos, nunca deixou de dizer uma palavra amiga, um... Pois não...
Ao senhor Dr. Passos que jamais deixarei de chamar de Dr. Agradeço por
ter me adotado, por ter sido tão importante na minha vida durante esses
quase dois anos de convivência, pelos almoços em sua adorável casa,
pelo uso da sala, pelos puxões de orelha na reta final, por entender as
minhas angústias nos momentos finais da construção do texto para
defesa, pela sensibilidade, pela cumplicidade e acima de tudo pelo amor
fraterno que dedicou a mim. Dr. Passos sem dúvida... um legítimo
Personalista;
A Dr. Maria de Anunciação P.B. Neta, que de forma magistral, leu e
corrigiu a versão da qualificação, sugerindo modificações
importantíssimas, obrigada de coração;
Ao Dr. Celso Prudente, mais novo membro da UFMT, sociólogo,
antropólogo, cineasta... Enfim são tantos adjetivos mais que nenhum é
maior do que a graça e a leveza que usa para com todos os irmãos.
Obrigada Dr. Celso pela humanidade com que avaliou meu trabalho, com
um olhar de artista e de ser humano apaixonado pela arte do viver a vida;
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A Dra. Eunice Aparecida de Jesus Prudente, minha avaliadora externa,
que em sua agenda tão lotada reservou um espaço para ler meu trabalho
e contribuir de maneira grandiosa. Partindo de uma profissional com seu
currículum não poderia ser diferente, sua vasta experiência na área dos
direitos humanos, lhe outorga a prerrogativa de um ser humano com
compromisso com nosso povo. Obrigada Dra. Eunice pela sua disposição
e suas contribuições. Que o nosso Deus possa lhe fazer cada vez mais
forte na luta pelo povo que Ele tanto ama;
A Sonia Marisa Eugênio que não é só minha diretora financeira, é uma
amiga que soube chorar junto quando foi preciso e se alegrar quando
possível. Sonia minha gratidão, respeito e admiração pela mulher de fibra
que você é;
As amigas Leide e Vera pela atenção, estímulo e incentivo;
Aos amigos Artur, Sandra, Carvalho e Leninha que nunca deixaram de
acreditar que um dia eu pudesse chegar lá. Amigos... Cheguei!!!!!!;
A Luiza e Delma, funcionárias do PPGE, que me suportaram em amor.
Meninas muito obrigadas por tudo;
A família Tomaz da Silva, que mesmo sem me conhecer mais através
desta pessoa maravilhosa, bela e amiga chamada Josiane Tomaz me
acolheu em sua casa durante todo o primeiro ano do mestrado. Sem eles
minha estadia em Cuiabá no ano de 2010 seria muito difícil;
A família Araújo na pessoa desta mulher guerreira e serva de Deus, Zilma,
obrigada por vocês me acolherem em momento tão solitário da
construção do texto;
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Ao meu amigo Admilson que mesmo preocupado com sua defesa, não
deixou de se preocupar comigo. Amigo é coisa pra se guardar debaixo de
sete chaves, dentro do coração............;
A minha mãe Zilda que por muitas vezes não teve noticias da filha que
nem tempo para telefonar tinha. Essa vitória é nossa minha querida
mãezinha;
A minha irmã Solange que sempre disse ter orgulho de mim e acreditar no
meu potencial. Muito obrigada pela força;
Aos meus filhos João Olavo, Amandla e Monzano que agora podem dizer:
Minha mãe é mestre! Filhos se não os tivesse pediria a Deus para tê-los;
Aos meus pastores, Agnaldo e Enilda, que em 2009 começaram comigo
uma campanha de oração para que Deus me abençoasse e restaurasse os
meus sonhos. O sonho do mestrado foi restaurado e devolvido, foram 70
dias de muita intimidade com Deus. Obrigada de coração pelas orações e
clamores ao Deus dos exércitos;
Ao mais novo membro da família que ocupa um lugar de destaque em meu
coração. Meu amado marido Elias Ozéias de Lara Pires, que não tem nível
superior mais tem uma sabedoria que ultrapassa o conhecimento
acadêmico e que de forma espetacular e sobrenatural conquistou meu
coração.
As pessoas que o mestrado me proporcionou a conhecer: Dr. Edson e
Camila, Janaina, Raquel, Edson Evangelista, Dr. Tânia, seu Geraldo e
dona Tânia... Enfim pessoas que durante um tempo estiveram juntos
comigo, brincando, aconselhando, servindo e me ensinando a servir.
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A amiga e irmã em Cristo Eliana, que fez a primeira revisão do texto para
que o mesmo ficasse mais apresentável no contexto gramatical.
Ao Seminário Teológico Batista que me acolheu como hóspede em suas
dependências nos momentos finais da escrita do trabalho.
Faltam quatro dias para o natal!!! Vamos nos alegrar!!! Deus é conosco, amém?
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No princípio era a relação
Martin Buber
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RESUMO
A presente pesquisa de cunho qualitativo fenomenológico tem como objetivo examinar, e procurar compreender a conflitividade das relações interpessoais na dinâmica eu/outro(a) sob o foco das relações de trabalho em instituições educacionais. A pesquisa toma como referência central a obra síntese da maturidade de Emmanuel Mounier, O Personalismo; de inspiração filosófica husserliana, quando Husserl já fora enriquecido pela leitura de Merleau-Ponty XX. No Brasil, o educador Paulo Freire desenha sua matriz teórico-metodológica inspirado, em grandes linhas, na tradição dialético-fenomenológica destes três autores. Em fidelidade a esta esteira filosófica, trilharemos o mundo da vida dos educadores avaliando a dimensão política relacional, laboral, através de questionários e histórias de vidas com gestores e docentes, no contraforte da cultura da institucionalidade vigente nas escolas públicas estaduais do munícipio de Diamantino - Mato Grosso/Brasil. Cotejaremos os conflitos relendo-os e ressignificando-os à luz das anotações, de Mounier e Freire, que ganham teor político e ensejam possibilidades de ampliação de sentidos e eventuais caminhos de superação. Não existem relações neutras na forte cultura hierarquizada inculcada pelo Estado nas teorias de gestão e direção de controle, bem como através da formação acadêmica instituída que configura uma normalização de padrões de condutas desejáveis, distinguindo funções, hierarquizando pessoas, organizando relações de trabalho consolidando os interesses do capital. Neste contraforte, a despersonalização, a concepção instrumental dos seres humanos adquire uma racionalidade exterior e imposta, que fere, essencialmente, a pessoa. Conceito caríssimo a Mounier, que denuncia a implosão do escopo educacional pela violência de um Estado bonapartista, através do qual, o público, o sujeito de direitos, a dimensão de natureza política dos seres humanos são feridas de morte porque pessoa é o suporte mesmo da relação, que a plenifica, a política. Esta nossa denúncia, respaldados por Mounier e Paulo Freire.
Palavras-Chaves: Relações interpessoais. Política. Poder. Autonomia.
Emmanuel Mounier
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ABSTRACT
This phenomenological qualitative research aims to examine the conflicts and
seeking to understand the dynamics of interpersonal relationships between the
other and me, under the focus of labor relations in educational institutions. The
research takes as its central reference a summary of Emmanuel Mounier mature
work - Personalism; a reference work which has a Husserlian philosophical
inspiration, when Husserl had already been enriched by his readings about
Merleau-Ponty XX. In Brazil, the educator Paulo Freire draws his theoretical-
methodological matrix inspired, broadly speaking, in the tradition of those
dialectical-phenomenological three authors. In loyalty to this philosophical track,
we‘ll follow the world of educators life evaluating its the political and relational
dimension, their work, through questionnaires and life histories with managers
and teachers, in the foothills of the institutionalized culture present in state public
schools of the city of Diamantino- Mato Grosso / Brazil. We are going to collate
such conflicts and rereading them, providing new meanings to them in light of the
notes of Mounier and Freire, which gain political content and open possibilities of
expanding the senses and possible ways to overcome. There are no impersonal
relationships in the strong hierarchical culture inculcated by the State in the
theories of management control and direction, as well as through established
academic standards that sets desirable patterns of behavior, distinguishing
functions, ranking people, organizing labor relations consolidating the interests of
capital. In these foothills, this depersonalization, the instrumental conception of
human beings acquired an imposed and exterior rationality, wounding,
essentially, the person. Concept expensive to Mounier, who denounces the
implosion of the educational scope by the violence of a Bonaparte‘s state,
whereby, the public, the subject of rights, the political dimension of human beings
are bleeding to death because that person is the holder of relationship, which
makes it complete, politics. This is our complaint, supported by Mounier and
Paulo Freire.
Key Words: Interpersonal relations. Policy. Power. Autonomy.
Emmanuel Mounier.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1- Gráfico: Qual a sua formação?.................................................................
Figura 2-Gráfico: Quais as características básicas que você pensa ser
imprescindível para o exercício do cargo de gestor?..............................................
Figura 3-Gráfico de respostas à questão: Qual o nível de relacionamento que
tinha com o gestor?.................................................................................................
Figura 4-Gráfico de respostas à questão: Como você via o último gestor da
escola?....................................................................................................................
Figura 5-Gráfico de respostas à questão: O que foi feito para resolver o
problema quando o gestor era considerado inflexível?...........................................
Figura 6-Gráfico de respostas à questão: Como o gestor reagia ao ouvir suas
sugestões em relação a organização e administração da unidade escolar?
Figura 7-Gráfico de respostas à questão: A seu ver, qual o nível de
acompanhamento que o último gestor tinha das coisas que aconteciam na
escola?.....................................................................................................................
Figura 7 A- Gráfico de respostas à questão: O que impedia o acompanhamento
do gestor nas coisas que aconteciam na escola?
Figura 8- Gráfico de respostas à questão: Qual a sua opinião sobre o processo
eleitoral para escolha de gestores em Diamantino?
Figura 9- Gráfico de respostas à questão: Você incentivaria um colega a ser
gestor?
Figura 9 A-Gráfico de justificativas do Sim a questão número 9
Figura 9 B-Gráfico de justificativas do Não a questão 9
Figura 10-Gráfico de respostas: Você candidataria ao cargo de gestor?
Figura 10 A-Gráfico de justificativas
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS UBES= União Brasileira de Estudantes Secundaristas. UNE= União Nacional dos Estudantes. SEDUC= Secretaria de Estado de Educação. MT= Mato Grosso. SINTEP/MT= Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso. PCCS= Plano de cargos, carreira e salários. PM-MT= Plano de Metas de Mato Grosso. FCD= Frente Cidadania e Desenvolvimento. PM-FCD= Plano de Metas da Frente Cidadania e Desenvolvimento. PEC= Proposta de Emenda Constitucional. CDCEs= Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar. LDB= Lei de Diretrizes e Bases. ECFPH= Escola de Ciclo de Formação da Pessoa Humana. CFE= Conselho Federal de Educação.
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LISTA DE ANEXOS ANEXO A – História de vida do profissional João ANEXO B – História de vida do profissional Raimundo ANEXO C – História de vida do profissional Sérgio ANEXO D – História de vida da profissional Elena ANEXO E - História de vida da profissional Eliane
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LISTA DE APÊNDICES
APÊNDICE A – Questionário para os docentes
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Sumário
Introdução ........................................................................................................... 18
Capítulo I ........................................................................................................... 24
Da administração a gestão escolar ................................................................. 24
1.1. Da administração e gestão. ......................................................................... 26 1.2. Os profissionais da educação e a luta pela gestão democrática da educação escolar no Brasil ................................................................................................. 35
1.3. Os profissionais da educação e a luta pela gestão democrática em Mato Grosso. ............................................................................................................... 38
1.4. A estruturação de poder nas relações interpessoais ocorridas no ambiente escolar ................................................................................................................ 43 1.5. Foucault e a questão do poder .................................................................... 47
CAPÍTULO II ....................................................................................................... 53
A Metodologia e Interpretação dos resultados .................................................... 53
2.1- O Percurso Metodológico ............................................................................ 54 2.2- Os docentes e suas avaliações sobre as relações com os gestores nas instituições escolares .......................................................................................... 56 2.2. As narrativas dos gestores sobre o universo da gestão ............................... 69
Capítulo III ......................................................................................................... 77
Discussão dos Resultados .............................................................................. 77
Personalismo, Pedagogia da Dialogicidade e Relações Interpessoais. ...... 77
3.1. As relações interpessoais em um contexto fenomenológico ........................ 78 3.2. Pedagogia da Dialogicidade: As contribuições de Paulo Freire ................... 82
3.3. Personalismo: Pessoa e Existência ............................................................. 86 3.4. Uma avaliação das relações interpessoais entre gestores e docentes a partir do Personalismo de Mounier .............................................................................. 98
Considerações Finais ....................................................................................... 102
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 105
ANEXO A .......................................................................................................... 111 Apêndice A ........................................................................................................ 122
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Introdução
Em minha caminhada de 24 anos de profissional da educação básica e
ensino superior, na qual onde ora estou como docente ou gestora, ora como
docente e gestora tenho defrontado várias vezes com questionamentos sobre
determinadas situações de conflitos no contexto escolar.
Neste espaço o foco não é uma discordância de ideias, divergências de
pensamentos e/ou posicionamentos opostos e sim, de acordo com o prefácio do
livro Pedagogia do Oprimido de Paulo Freie, escrito por Fiori (1983) uma
condução à dominação de consciências.
Depois de ouvir vários relatos de gestores descontentes com docentes
que ―não ajudam a escola... não concordam com nada... não vestem a camisa...‖
ou docentes que afirmam: ―não adianta opinar, pois o que sempre permanece é
a visão do gestor e não a nossa... agora que é gestor o discurso muda... Quando
o diretor era nomeado isso não acontecia...‖ resolvi estudar de forma mais
aprofundada sobre o que acontece no contexto escolar.
Tratava-se também de buscar o que desencadeia no meu entendimento
uma situação de correlação de forças, de lutas de poder, por vezes nem sempre
legitimado nas unidades escolares, configurando desta forma uma situação em
sua maioria de dificuldade de ouvir e se fazer ouvir, de se aceitar e aceitar o
outro com as divergências constantes e os consensos viáveis e, sobretudo,
compreender como seres humanos que convivem em um mesmo espaço
educativo.
Em suma, a leitura de um espaço considerado cenário- apesar de
conturbado, propício a participação de todos, à possibilidade de cada pessoa,
individualmente e a todos coletivamente, ao crescimento da pessoa humana em
todos os aspectos: dignidade, atuação, criticidade, capacidade de decisão e
ação, devendo ser respeitada a individualidade e a sociabilidade.
A preocupação também envolve a dimensão político- organizacional, pois
a mudança de designação de administração para gestão implica em uma
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mudança de paradigma nas características de diversos níveis e segmentos. De
acordo com Santos ( 2008) em seu livro A Gestão Educacional e Escolar para a
Modernidade, desde que os administradores escolares passaram a serem vistos
como gestores, a escola demandou uma mudança na formação destes gestores,
na resolução dos problemas administrativos ou técnicos nas formas de gerir,
pois, essa ―nova escola‖ necessita de ―gestores mais dinâmicos, criativos e
capazes de interpretar as exigências de cada momento e de instaurar condições
mais adequadas de trabalho.‖ (SANTOS,2008,p.2)
A primeira característica desta mudança está em a escola passar a ser
vista como um espaço de mobilização e articulação do talento humano e
sinergia coletiva. Em linhas gerais, é caracterizada pelo reconhecimento da
importância da participação consciente, efetiva e esclarecida das pessoas nas
decisões sobre os rumos da ação educativa. É o fortalecimento da desejada
democratização dos processos pedagógicos, técnicos, administrativos e
relacionais. Diferentemente da política administrativa institucional que
estabelecia uma relação verticalizada e possuía uma forte influência dos
modelos de administração técnica-burocrática.
A segunda característica é a inclusão agora legitimada dos movimentos
sociais organizados. A partir da sintetização da frase de Tilman Evers (1984) em
seu livro Identidade: a face oculta dos movimentos sociais ―nós somos os novos
movimentos sociais‖ os teóricos envolvidos com os grupos de movimentos
sociais organizados Conforme Lopes (2007) passam a reconhecer essa
definição e se apropriam dela para efetivarem a participação dos movimentos
sociais em espaços que até o momento lhe eram negados. A escola. Muitos
desses movimentos em alguns casos estão diretamente ligados ao segmento
dos profissionais da educação e desta forma em constante reflexão-ação no que
concerne a gestão da escola e a contribuição de outros setores mobilizadores e
defensores de uma educação autônoma, livre, feita por homens e mulheres
felizes que conseguem em meio a tantas diversidades e situações-limites
desenvolver um projeto pessoal e coletivo.
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Já a terceira característica está relacionada com a autonomia constituinte
nos princípios da gestão. Barroso (1996) nos aponta para a mudança de
entendimento do espaço escolar. ―as escolas passam a ser vistas como espaço
de construção social. Valoriza-se o papel dos sujeitos e o contexto social e
histórico da sua ação.‖ (BARROSO, 1996, apud SCHNECKNBERG, 2007,p.15)
A designação gestão/gestor redireciona, partilha, comunga e socializa a
posição de poder nas unidades educativas. O poder na gestão é visto como algo
pertencente a todos, algo que se torna público e não privado/pessoal como ora
se apresentava no contexto da administração escolar.
Por fim a quarta característica desta mudança paradigmática, que por
sinal é o motivo desta pesquisa é que tendo em vista as inúmeras ações, os
inúmeros enfrentamentos que os movimentos dos profissionais da educação e
movimentos simpatizantes tiveram para consolidar esta mudança que não
aconteceu de forma rápida e pacífica, mas sim através de muitas lutas e de um
tempo longínquo que muitas vezes causou desânimo, desesperança, medo,
coação, perseguição, desrespeito e desgentificação1, fez surgir nas relações
interpessoais um mecanismo obstaculizante e heterônimo que impede a
construção de um projeto educativo sonhado e gestado por todos. Não
queremos dizer que antes do paradigma da gestão não havia problemas em
relação ao conviver humano nas instituições. Contudo precisamos entender que
as relações que antes se estabeleciam eram verticalizadas e a preocupação
com as relações das pessoas se dava no campo da austeridade e
predominância do poder personificado e opressor.
Com o advento da gestão a utopia transforma-se em realidade e a
possibilidade das pessoas serem autônomas, das decisões sobre o destino da
escola e suas implicações serem resolvidas por seus pares e segmentos em
relações não mais verticalizadas mais sim horizontais, aqueceu o coração e
impulsionou a todos a acreditarem no sonho.
1 Freire menciona a “desgentificação” ocasionada nos adolescentes que queimaram o índio Pataxó,
Galdino, no Distrito Federal, como um processo invertido à educação.
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Entretanto, cremos que envolvidos por demais nas caminhadas de lutas
deste movimento político-libertador, esquecemo-nos de preparar para aprender
a conviver com a nova realidade. Não nos preparamos para enfim... Para o
exercício do poder. O poder apresentado por Foucault (2008) que nas
instituições tem uma relação com a produção da verdade e as resistências que
suscita. Nada mudará a sociedade se os mecanismos de poder que funcionam
fora, abaixo e ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar,
cotidiano, não forem modificados.
Precisamos agora desvincular a pessoa do eu totalitário e conviver com o
eu solidário, o eu no outro e o nós em todos. É algo inquietante e
fenomenologicamente desafiador, a história da educação tem na mudança
paradigmática de administração para gestão a oportunidade de viver uma
fenomenologia do ser humano, de entender o ser –para- si e o ser-no-mundo
(PONTY, 2006). É uma tarefa árdua, conflituosa e marcante, mas, sobretudo
necessária, pois servirá de instrumento de reflexão para aqueles que estão
envolvidos em instituições escolares, pois, as relações que se estabelecem
entre as pessoas não precisam e nem devem ser amorfas, desprovidas de
interesses e conflitos, mas acima de tudo devem se dar no campo do respeito,
da dignidade, da percepção e do percebido, da experiência e do experenciado,
da amizade e da fraternidade do ser ontologicamente relacional e principalmente
de uma relação que privilegie a vida e contraponha-se a qualquer ação de
violência que venha ferir os princípios dos direitos humanos. Contudo
percebemos que apesar de todo esse terreno fértil ainda há que se apropriar do
sonho, da utopia do respeito mútuo, do desejo da fraternidade consensual e da
convivência humana de diferentes pessoas com experiências diferentes.
Conforme Passos2 o que constitui a minha humanidade é o meu compromisso,
meu suor de tornar ético o que faço porque estou diante do desafio de escolher
um caminho não para mim individualmente.
2 Texto extraído da palestra proferida pelo Dr. Passos no Seminário de Jornalismo e Direito, promovido
pela Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam), juntamente com o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) e o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor/MT), no período de 18 a 20/10/2005.
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O trabalho investigativo qualitativo de cunho fenomenológico apresenta-
se dividido em três capítulos distintos.
O primeiro capítulo apresenta um breve percurso pela história das teorias
administrativas e suas influências na administração e gestão escolar. Este
capítulo aborda três questões problematizadoras da pesquisa. Qual a diferença
existente entre os termos gestão e administração? O que levou os trabalhadores
da educação básica a lutar por uma gestão democrática nas escolas? E como
se estruturam as relações de poder no ambiente escolar? É um texto por
deveras político no sentido de elucidar a luta dos profissionais da educação
tanto a nível nacional como estadual pela gestão democrática da educação.
Nesse capítulo inicia-se a discussão da estruturação do poder nas relações
interpessoais e se reporta a Foucault para entender os domínios entre o ser-
poder e o poder-saber, apresentados nas instituições.
Compreende-se serem esses tópicos importantes e necessários para que
haja o entendimento sobre as fases pelas quais perpassam a discussão sobre
as relações interpessoais dos gestores e docentes no contexto escolar.
No segundo capítulo o método utilizado para o percurso metodológico é a
Fenomenologia que se baseou primeiramente nos estudos de Edmund Husserl.
Husserl após convívio com a Psicologia de Franz Bretano, apresenta a
sociedade da época uma fenomenologia com conceitos mais ampla preocupada
agora com o ser e os atos do ser, não mais através de investigações
simplesmente empíricas e modificações factuais estudadas pela Psicologia
(BELLO, 2004).
A fenomenologia husseriana pretende a partir desta mudança de visão
estudar a essência das coisas, como exemplo definir a essência da percepção,
da consciência e etc.
No segundo momento a interpretação metodológica continua neste fio
condutor da Fenomenologia, tendo relevantes, contribuições da Fenomenologia
merleaupontiana, através da obra Fenomenologia da Percepção (2006) em
contexto restrito do que Ponty explica como O ser-para-si e o ser-no-mundo se
faz presente através das avaliações dos docentes sobre as relações
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interpessoais com os gestores, as narrativas dos gestores sobre a práxis gestora
e todas as suas dimensões.
Este capítulo aborda a quarta problemática da pesquisa: Como a
comunidade escolar, gestores e docentes se reconhecem nas relações
interpessoais ocorridas no ambiente escolar?
O terceiro capítulo apresenta O personalismo de Emmanuel Mounier
como o principal marco de reflexão sobre a temática das relações interpessoais.
As contribuições de Freire com a pedagogia da Dialogicidade são de grande
importância nessa reflexão, pois nos alerta para os rumos que são traçados
quando há ausência do diálogo nas relações interpessoais.
Há um retorno também à discussão fenomenológica agora não como
método, mas como teoria, por entender que a fenomenologia nos apresenta
perspectivas de reflexão muito oportunas enquanto um estudo das essências, de
acordo com Ponty a fenomenologia é:
o estudo das essências e todos os problemas segundo ela
resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a
essência da consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é
também uma fenomenologia que repõe as essências na
existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o
mundo senão a partir de sua ―facticidade‖ (PONTY, 2006, p.1)
Freire e Mounier dialogam entre si neste capítulo com suas obras
clássicas, como: Pedagogia do Oprimido, da Esperança e da Autonomia
(FREIRE); o clássico Personalismo de Emmanuel Mounier e as leituras sobre a
obra de Mounier através de Peixoto e Severino com as obras Pessoa, Existência
e Educação e, Pessoa e Existência. Enfim, propõem-se concluir o capítulo com
uma avaliação das relações interpessoais através do Personalismo, tendo a
preocupação em identificar e possibilitar aos gestores e docentes das unidades
escolares um caminho para nos conhecer enquanto prósopon.
Ao final do trabalho como toda pesquisa fenomenológica não há como
finalizar ou concluir, pois para a fenomenologia as pesquisas não terminam em
24
si e, portanto nos propomos a desobedecer às regras da gramática normativa e
não utilizar um ponto final no texto, tendo em vista de que não termina aqui,
sendo na verdade um texto sem fim... Parafraseando Freire um quefazer
constante.
Capítulo I
Da administração a gestão escolar
As transformações que vêm ocorrendo no mundo contemporâneo, em
consequência dos processos de globalização, que em se tratando de sistema
educacional conduzem à opressão do homem a uma educação da perversão,
afetando a sociedade e as relações que nela se estabelecem, exigem o exame
das condições objetivas destes impactos na educação brasileira, a fim de se
poderem perceber os desafios que elas nos apontam e os possíveis
encaminhamentos ou respostas para as políticas públicas, a administração da
educação, as políticas de formação de profissionais da educação e os
movimentos que subjazem os valores, comportamentos e atitudes construídos
historicamente.
As mudanças no mundo globalizado, em se tratando de sistema
educacional, conduzem à opressão do homem, como também a uma educação
da perversão, afetando a sociedade e as relações que nela se estabelecem.
As relações entre a administração da educação, as políticas de educação
e a formação de profissionais da área são de primeira grandeza.
A formação de profissionais para o exercício de uma prática competente
e reflexiva é uma exigência inquestionável, considerando- se a administração
como uma prática social de apoio à prática educativa, a política como uma
fixação de valores constituindo declarações operacionais e intencionais.
A historicização destas transformações aponta e destaca a importância da
capacidade de criação e ação humana coletiva na construção e reconstrução de
perspectivas intelectuais.
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Neste contexto que viabilizem a adoção de soluções políticas que
respondam efetivamente às necessidades sociais, objetivando a formação de
homens e mulheres íntegros, solidários, competentes, felizes, livres, humanos e
capazes de autogerir-se e compartilhar solidariamente da gestão dos destinos
da educação e da sociedade.
Desta forma, pretende-se tratar das relações interpessoais entre gestores e
docentes, expondo um pouco da história da organização institucional nas
unidades escolares e as influências das teorias administrativas, oriundas de um
contexto administrativo não educacional.
Apresenta-se também a importante organização do movimento sindical e social
dos profissionais da educação, no objetivo de romper com o modelo clássico de
administração capitalista e implantar um modelo democrático de gerir as
questões educacionais no seio da ação educativa. E por fim, observam-se as
manifestações de poder que se estruturaram nestas relações no ambiente
escolar após o advento da gestão democrática.
Já neste viés introdutório, contaremos com as contribuições de Freire e
Foucault servem de base para visualizar através de suas obras: Pedagogia da
Autonomia, Pedagogia do Oprimido e Microfísica do Poder, algumas
particularidades relativas à tentativa de uma prática autônoma que luta contra o
poder hegemônico de uma sociedade organizacional mecanicista, materialista,
individual, liberal e a questão do poder nas sociedades capitalistas.
Percorrer o caminho que norteia e configura a cidadania de seus atores,
conduz o individuo (o sujeito?) a analisar, refletir, questionar e compreender o
histórico em que se envolvem os profissionais da educação e principalmente a
maneira como reagem uns com os outros e como se reconhecem quando se
deparam em posições diferenciadas de poder.
É, no âmbito da gestão democrática, que se apresenta tensiva em uma
sociedade cuja democracia é de ―baixa intensidade‖ que se podem compreender
as grandes dificuldades e conflitos de estabelecer relações interpessoais,
circunscritas às relações de ordem profissional, no âmbito deste sistema.
26
1.1. Da administração e gestão.
A Administração Escolar tem sido mais administração do que
escolar (no sentido em que se centrou mais na administração do
sistema do que no estudo da escola e mais nas teorias gerais da
administração), tal como a organização escolar se revelou mais
sinônimo de macro organização, isto é, de organização do
sistema escolar, do que de escola como organização (LIMA, 1996,
p.26)
Há uma diferença significativa entre o termo Administrador e Gestor?
Teríamos neste momento de reflexão semântica um caso de sinônimos, ou
palavras totalmente diferentes?
Para refletir sobre o conceito de gestão e entender a sua aplicabilidade,
necessariamente tornar-se necessário entender historicamente o conceito de
administração. Este conceito passa pelo entendimento das teorias de
administração geral.
A partir da análise do conceito de administração, percebe-se que a teoria
administrativa do século XX desenvolveu-se através de três escolas: a clássica,
a psicossocial e a contemporânea.
A escola clássica teve seu ápice na consolidação da Revolução Industrial
no início do século XX. Alguns historiadores, entre eles Hora (1994, p 36-38)
apresentam esta escola em três movimentos distintos, a saber: a administração
cientifica de Taylor, a administração geral de Fayol e a administração burocrática
de Weber. Esses movimentos mantêm seus princípios e valores, que se
difundem nas práticas e discursos, até os dias atuais.
A Administração cientifica evidencia claramente as intenções capitalistas
da administração quando têm em seu bojo a preocupação da maximização do
controle e a racionalização do trabalho (TAYLOR, 1911 apud HORA, 1994, p.36).
Em sua teoria administrativa Taylor procurou dar ênfase, racionalidade e
eficiência ao controle do trabalho. Taylor fez da eficiência o modus operandi da
indústria americana e a virtude central da cultura desse país. Ele teve
provavelmente mais influência que qualquer outro indivíduo sobre a vida pública
27
e privada de homens e mulheres no século XX. As ideias de Taylor partiram da
fábrica, mas acabaram por penetrar obsessivamente em todos os aspectos do
século.
Como passo primordial propôs a criação de uma ―ciência da
administração‖. Observando o que ocorria na fábrica do início do século- aquele
ambiente chapliniano expresso no filme ―Tempos Modernos‖ -, e, ele teve o
discernimento decisivo: é possível aplicar o conhecimento ao trabalho. É
possível aperfeiçoar a produção descobrindo e prescrevendo a maneira certa de
fazer as coisas, para atingir o máximo em eficiência. Pode parecer banal, mas
revelou-se explosivamente inovador. Naquela época não havia nenhum
pensamento por detrás do ato de trabalhar. Trabalho era ação pura. Não havia
metodologia, só ―o quê‖, não ―como‖.
O Taylorismo é o germe de todas as propostas posteriores para formatar
racionalmente o ato de se produzir qualquer coisa. Gerar resultados por
intermédio de pessoas, gerir.
Desta forma criou-se um modelo diferente de organização, pois no seu
entender havia a necessidade da existência de um trabalhador que fosse
responsável pelo planejamento e controle de todas as atividades: (alguém que
pensasse) surge a figura do administrador, que sem dúvida alguma aparece
para garantir a hegemonia econômica ao capitalista e consequentemente maior
poder sobre a classe trabalhadora que não possuía conhecimento de
planejamento, controle e administração.
Taylor era ambivalente em relação ao papel das pessoas, e parte do fascínio
e da polêmica das suas ideias vem daí. Ele via a função do administrador como
claramente separada da função do trabalhador. O trabalhador faz, o
administrador pensa e planeja. O administrador descobre e especifica; o
trabalhador executa, e só. O executor, sendo passivo no processo, tinha de se
submeter ao sistema. O importante era o sistema e não o homem. Paro (1990,
p.65) tenta explicar esta análise afirmando:
Embora com matizes variadas, que servem para encobrir suas reais dimensões e visam a tender as necessidades de
28
justificação ideológica do momento, a gerência enquanto controle do trabalho alheio, através da apropriação do saber e do cerceamento da vontade do trabalhador, encontra-se permanentemente presente na teoria e na prática da administração em nossa sociedade, perpassando as diferentes, ―escolas‖ e ―correntes‖ da administração neste século.
Historicamente, tanto o Taylorismo quanto a Administração Científica foram
muito criticados. Vários teóricos acusam Taylor de tentar imprimir às pessoas a
mesma precisão e regularidade das máquinas (visão mecanicista).
Para muitos Taylor analisou o homem apenas em sua individualidade,
desconsiderando o papel importante que as relações humanas desempenham
na melhoria dos processos produtivos (visão atomizada do homem). Sua Teoria
de Administração Científica para nós hoje nos parece absurda, acostumados ao
discurso ―participativo/não hierárquico/sem camadas‖ predominante na gestão
atual.
Apesar das críticas a ideia taylorista revelou outras dimensões que
acabaram por se complementar numa prática concreta. A sua principal
característica ocorre de um fato simples: ela funciona. Da concepção de
operação do Mc Donald‘s ao advogado que contabiliza cada centavo do tempo
que dedica a cada cliente, da universidade ao estádio de futebol, do hospital ao
partido político, das igrejas às organizações não governamentais, o taylorismo é
algo profundamente cristalizado e engessado na nossa maneira não só de gerir,
mas de viver.
Em suma podemos destacar que apesar das críticas ao Taylorismo e à
Administração Científica as ideias de Taylor não podem ser desconsideradas.
Taylor insistia que os administradores deviam analisar planejar e controlar ―a
melhor forma de operar‖, a ênfase na organização racional do trabalho, a
apelação aos planos de incentivos salariais e de premiações de produção para
os trabalhadores conforme tempo-padrão3
3 “A Gestão de A a Z” de Robert Heller, citado por Revista Exame de 24 de Setembro de 1997, editora
Abril, no artigo: Os princípios da gestão científica.
29
Em um segundo movimento tem sua contribuição na teoria de Henry Fayol
(1994 apud HORA) o qual também teve como seu companheiro Taylor a
preocupação maior em criar uma Ciência da Administração.
Fayol ainda tendo como cenário a administração pensada a partir da
realidade interna da empresa (concebida esta até os anos 40 enquanto sistema
fechado e verticalizado onde a primazia era dada à hierarquia, à imposição de
regras e disciplinas rígidas), procura identificar os princípios básicos para a
divisão do trabalho:
...autoridade, disciplina, unidade de comando, unidade de direção, subordinação de interesses individuais aos interesses gerais, remuneração, centralização, hierarquia, ordem, equidade, estabilidade no quadro de pessoal, iniciativa, espírito de solidariedade e lealdade que constituem um dos modelos da estrutura capitalista. (HORA, 1994, p.37)
Percebe-se, assim, que Fayol define em seu estudo as funções essenciais
da administração: prever, organizar, comandar, coordenar e controlar.
No terceiro movimento surge a ideia de uma administração burocrática
originada de uma disfunção da racionalidade Weberiana: este movimento
intensifica o discurso da racionalidade tendo como foco a relação dicotômica
entre planejamento e execução, trabalho manual e intelectual.
Desta forma há a intensificação e dominação do capital sobre o trabalho.
Termos como eficiência surgem para elucidar a escravização dos serviços
realizados pela classe trabalhadora, a qual não se enquadrava nos níveis
intelectuais da época.
Sander (1982, p.11) explica que: ―... é eficiente aquele que produz o
máximo com o mínimo de desperdício de custo e de esforço, ou seja, aquele
que na sua atuação apresenta uma elevada relação produto/insumo.‖
Em síntese, para a Escola Clássica de Administração, o conceito de
organização remete para o estudo das atividades que são realizados para se
conseguir objetivos estabelecidos, ou seja, a existência de uma administração
eficiente. ―Nessa perspectiva a organização é caracterizada como um sistema
fechado, mecânico e racional, no qual a mediação administrativa se apoia
primordialmente no conceito de eficiência‖. (SANDER, op.cit.)
30
Percebe-se que os estudos realizados durante esse período, detinham a
preocupação com o ―chão interno‖ da empresa, ou seja, os questionamentos e
abordagens restringiam-se a aspectos quantitativos, gerenciais, burocráticos e
normativos. Todavia, os conflitos começam a surgir de forma externa, com a
expansão do mercado, o acúmulo de mercadorias (excedente de produção) e
escassez da procura. Internamente, surgem os conflitos no bojo da própria
classe detentora do mercado (a burguesia) e, consequentemente, as lutas de
classes entre empregadores, empregados/as e sindicatos.
As décadas de 50 e 60 foram marcadas pelo processo de mudança na
economia, o surgimento do mercado internacional, ou seja, da
internacionalização, com o advento das empresas transnacionais e, ao mesmo
tempo, a inter-relação das organizações de todos os tipos, exigindo cada vez
mais uma atividade diferenciada e especifica de todas as estruturas
organizacionais existentes.
Não há mais espaço no mercado para uma visão estreita de
administração; há de se pensar em algo mais abrangente, olhar para o alto,
analisar comportamentos, há de se manter acesa a chama da solidariedade e
comprometimento, propiciando uma relação mais humana. Afinal, os conceitos
de eficiência e eficácia não se mantêm firmes sem um processo de
harmonização administrativa e coletiva.
Conforme Hora (1994), para contrapor esse período da ―eficiência‖ e
―controle‖ na economia implantada pela escola clássica, surge à escola
psicossocial tendo como contribuição a Teoria das Relações Humanas com
Belloto em 1999. Destacam-se nesta escola os teóricos Elton Mayo (1880-1949)
e Kurt Lewin (1890-1947).
Essa teoria das Relações Humanas acrescenta à Teoria Administrativa o
aspecto da integração social, a preocupação com o individuo no seu setor de
trabalho, o envolvimento e o compromisso dos empregados com a empresa, o
fator psicológico e social. Nela ao contrário da prática Taylorista não há a
pretensão de recompensar os trabalhadores com premiações materiais
31
conforme a sua produtividade e sim inclui práticas de ―recompensas‖ com
aspectos altruístas.
A partir da observação da teoria administrativa da Escola Clássica percebe-
se que os estudos realizados durante este período, detinham a preocupação
com o ―chão interno‖ da empresa.
Talvez seja prudente afirmar que a Escola Psicossocial esteve embasada
numa teoria que se constituía pelo estudo da motivação das pessoas,
compreendendo que o seu comportamento é deduzido de normas. (idem).
Historicamente, acredita-se que independente da instituição os conflitos
existem e são em sua maioria necessários. Alguém disse um dia que é nos
momentos de crise que se cresce. A questão é como os conflitos são
administrados nas organizações?
Neste sentido, temos certo avanço com essa escola, pois a mesma vê o
conflito como uma possibilidade de negociação e alianças entre grupos. Este
avanço ainda é mínimo, pois continua insistindo na manutenção da ordem e do
status quo, no equilíbrio, na integração, enfim a se preocupar com uma política
administrativa em função dos objetivos e da economia eficiente e eficaz
intrínsecas na sociedade vigente.
Para a terceira escola defendida por Hora (1994) como Escola
Contemporânea, o objetivo central era desenvolver uma política administrativa
voltada para à resolução de problemas, o que, na verdade supõe um
compromisso político e social com as necessidades pertinentes à comunidade.
Nesta escola efetivamente pretende-se romper com os limites impostos
pela politica da administração eficiente e eficaz, comprometida e associada ao
conceito de produtividade, ―se refere a objetivos mais amplos de equidade e
desenvolvimento econômico social‖. (HORA, 1994, p. 42).
Sander denomina esta escola como a administração efetiva e assim a
concebe:
...a administração efetiva é uma derivação conceitual de um conjunto de teorias contemporâneas de administração e uma indução analítica de distintas experiências pratica na administração publica e na gestão da educação durante as décadas posteriores a Segunda Guerra Mundial. Suas principais
32
contribuições vêm da administração para o desenvolvimento, da ecologia administrativa, da teoria da contingência, do desenvolvimento institucional e de outras perspectivas alternativas. (SANDER,1982, p.10)
Os teóricos da Escola Contemporânea têm como critério de desempenho a
efetividade, o mesmo é usado para solucionar os problemas encontrando a
resposta certa e almejada pelos membros da comunidade. Esta escola está
preocupada primordialmente com o desenvolvimento socioeconômico e a
melhoria das relações humanas em seus ambientes externos e internos.
As décadas de 70 e 80 denominadas por alguns como; ―Os Anos
Dourados‖ na música, arte, cultura, não foi diferente na política. No Brasil o
movimento estudantil representado pelas suas entidades legalmente
constituídas como, UBES, UNE e outros; o Tropicalismo, as reivindicações
trabalhistas através dos sindicatos e associações exigiam dos governos uma
transparência administrativa, maior participação popular e abertura de mercado,
estabilidade econômica e uma política menos segregacionista.
Estes movimentos sem duvida alguma foram um estopim no mundo
inteiro, interferindo nas relações econômicas e políticas a nível internacional,
começam a surgir questionamentos que promulgaram novas perspectivas
teóricas no âmbito da administração. Com base na Filosofia e Antropologia
surgem teorias administrativas criticas que revisitam o conceito de administração
questionando os critérios de eficiência, eficácia e efetividade.
Com este cunho filosófico e antropológico a administração passa a
preocupar-se com a qualidade de vida dos participantes e de suas concepções.
A preocupação com o fator humano é extremamente importante neste momento,
pois é com a valorização das pessoas que as teorias críticas de administração
perdem substancialmente seu teor técnico, burocrático, funcional e rígido e, que
apresentam características da Gestão da Qualidade Total que tem uma
obsessão pela avaliação e qualidade dos serviços.
Percebe-se a partir deste pequeno esboço sobre as escolas
administrativas e seus precursores que o contexto administrativo de nossas
33
unidades escolares seguiu e ainda em sua maioria seguem a risca seus
ensinamentos.
Até agora vimos fatos importantes que marcaram a história da
administração, seu conceito, seus principais ícones, porem tentamos descobrir
nesta mesma historia onde começa a Gestão e o porquê deste novo elemento
conceitual.
O termo ou tema gestão escolar têm sido cada vez mais objeto de olhares
teóricos. É preciso entender antes de tudo que como que faz o objeto é o olhar,
delimitando-se de onde se fala e, sobretudo que viés se define o(s) conceito e
sentidos construídos estarão evidentemente apresentando visões que
respaldam a preocupação em diferenciar gestão de administração em seus
aspectos teórico-práticos.
No estudo sobre Gestão, algumas literaturas são conflitantes no sentido da
explicação de uma definição conceitual, pois os próprios teóricos e estudiosos
da Administração Escolar entendem que não há a necessidade ou ate mesmo a
importância em conceituar ou definir o que venha ser o termo gestão, haja vista
que o mesmo está intrínseco na discussão teórico-conceitual no campo da
administração educacional.
Para elucidar esta discussão Machado e Ferreira, apud Barroso 1995
concluem que a distinção entre gestão e direção/administração estaria dada pela
predominância do sentido político da segunda, ―selecionando valores e
orientações‖, e pela predominância técnica da primeira, ―exigindo, sobretudo
capacidade de organização e de implementação‖.
Percebe-se um contexto sócio histórico que se caracteriza por um
processo evolutivo de mudanças e transformações cada vez mais velozes.
Nossa sociedade é marcada por rótulos que ao entender converge para a
mesma ideia. Souza (2005) resume esta convergência em três termos: Scaff
(1990) denomina a sociedade contemporânea de sociedade Informática. Lévy
(1996-1999) criou a chamada ―cybercultura‖ e Lyotard (1998) após estudos
afirmar perceber a realidade atual como, ―pós-modernidade‖.
34
Entende-se que independente do rótulo é incontestável a afirmação de
que os tempos são outros e, portanto, são momentos de surgimento de novos
conceitos e práticas. Toda prática administrativa escolar exercida durante anos
foi sem dúvida, produto da sociedade industrial. Contudo esta já está em
desuso. Já há algumas décadas estamos vivendo a transição para a sociedade
da informação, uma realidade pós-moderna, composta por atividades
administrativas horizontais, numa rede de relações, segundo (CASTELLS, apud
SOUZA, 2005). É a sociedade dita pós-industrial segundo Touraine (1970).
Nesta nova fase da história não há mais espaço para o diretor-administrador,
este cede lugar ao diretor-gestor.
Quando o discurso evolutivo é utilizado para explicar esses novos
conceitos e práticas, saímos de um mundo onde as grandes verdades eram
absolutistas e entramos em uma sociedade onde nada acontece mais a médio e
longo prazo.
Nóvoa (1999) afirma que o tempo da pós-modernidade é o atual, o aqui e
o agora. Sendo assim não há mais prática administrativa inquestionável,
baseada em verdade absoluta, numa linha verticalizada, há sim inúmeras
incertezas contextuais, o que perfaz o surgimento de um profissional pós-
moderno, aberto, reflexivo, crítico (e aí surge o diretor-gestor) que pensa, age e
executa coletivamente em um dinâmico processo em curto prazo.
Este tempo novo é o tempo da troca do saber e fazer individual para o
saber e fazer juntos. Não é mais possível administrar com verdades eternizadas.
É preciso gestar uma escola onde as decisões e a s atitudes passem a ser
tomadas de forma horizontal.
Na gestão os princípios Fayolistas de divisão de trabalho, de necessidade
da autoridade e da responsabilidade (ordens dadas/ordens/executadas),
unidades de comando e presença da centralização são postos em cheque. A
prática gestora sofre uma mudança radical ao jogar por terra este princípios da
sociedade industrial. As implicações para o exercício da gestão são claras em se
apresentarem como:
35
-O trabalho dos gestores e docentes deve ser feitos em atividades
coletivas para que não se perca a noção do todo;
-Tanto gestores quanto docentes devem compartilhar a autoridade e a
responsabilidade, pois desta forma aumenta o compromisso coletivo
desmistificando a supremacia do poder individual.
A descentralização do poder faz com que o comando não parta do cume
da pirâmide mais sim do conjunto dos seres que se relacionam de maneira
criativa e organizativa, de papéis e funções que se configuram conforme as
necessidades.
Finalmente na descentralização de poder há a dessacralização da
hierarquia e do comando (hierarquia do grego hierós ‗sagrado‘ e ‗comando e
autoridade‘ do grego arkhê), compreendendo a ordem antes tão dura, fria e
rígida nos modelos industriais sendo complementada pela desordem, não sendo
entendido como uma total ausência da ordem, mas como outra possibilidade de
ordenamento nunca antes aceito pela burocracia tecnocrática da administração.
1.2. Os profissionais da educação e a luta pela gestão democrática da educação escolar no Brasil
Tudo o que a gente puder fazer no sentido de convocar os que vivem em
torno da escola, e dentro da escola, no sentido de participarem, de
tomarem um pouco do destino da escola na mão, também. Tudo o que a
gente puder fazer nesse sentido é pouco ainda, considerando o trabalho
imenso que se põe diante de nós que é o de assumir esse país
democraticamente. Paulo Freire
O subtítulo acima não tem a pretensão de aprofundar-se na história da
Gestão Democrática da educação em nível nacional. Até porque não é o foco
deste trabalho discutir de maneira pontual o sistema de organizacional de
ensino. Sendo assim o texto tem o objetivo somente de situar o assunto no
universo do cotidiano escolar.
36
De acordo com (BORDIGNON, 2005, p.3) ―a partir dos anos 20, através
de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, entre outros
educadores inspiraram o movimento dos Pioneiros da Educação Nova.‖ Esse
manifesto possibilitou que alguns educadores progressistas viessem a
participar da comissão constituinte de 34.
Esse acontecimento originou a semente que deu início a gestão
democrática na Constituição de 34, onde pela primeira vez a educação é
organizada concebendo-se como um projeto de cidadania, através de sistemas
de ensino, administrados por representantes de docentes.
Muito tempo se passou exatamente cinquenta e quatro anos depois essa
semente veio a brotar e frutificar de fato.
em um movimento organizado por educadores, no fórum de
Defesa da Educação Pública, que garantiu, na Constituição de
1988, a afirmação do princípio da ‗gestão democrática‘ do ensino
público, na forma da lei (art.206,incisoVI). (BORDIGNON, 2005,
p.4)
Tendo em vista que a gestão democrática possui princípio precípuo da
participação da sociedade, a constituição estendeu aos municípios o direito de
organizar, também seus sistemas de ensino, com autonomia (grifo nosso) e em
regime de colaboração entre si, com os estados e com a União (art.211).
Para os educadores brasileiros isso representou um avanço significativo,
pois, se podemos assim dizer a legislação brasileira a partir da Constituição de
88 passa a promulgar através de dispositivos constitucionais que a educação
escolar no Brasil é (BORDIGNON, 2005,p.4) emancipatória, com fundamento no
exercício da cidadania.
Situar a educação emancipatória como marco teórico da gestão
democrática da educação é a confirmação da presença de um dos anseios dos
profissionais da educação em relação ao efetivo exercício da cidadania. Muitos
profissionais da educação anônimos participaram dessa luta iniciada na década
37
de 20, com a certeza de que a educação precisava ter presente o ser sujeito no
coletivo e a ação social que se realiza entre esses sujeitos, essa práxis nos
remete aos conceitos freireanos de autonomia e alienação.
Educadores como Anísio Teixeira, Paulo Freire e outros proclamavam em
suas obras e em suas vidas acadêmicas que o grande desafio da educação
emancipadora é o exercício efetivo da cidadania, ação essa que pressupõe
autonomia não somente aos sujeitos, mas as instituições e combate de forma
radical a alienação.
Para esses educadores, educação emancipadora e gestão democrática
são indissociáveis. É através dela que todos os sujeitos envolvidos direta e
indiretamente, podem participar, organizar, propor, se envolverem no coletivo e
propiciarem assim uma relação dialógica. De acordo com Bordignon:
O princípio da ―gestão democrática do ensino público‖ ganhou
status de norma constitucional (art206, inciso VI) graças a uma
paciente e persistente luta dos educadores para tornar efetivo o
fundamento, também constitucional, da educação como exercício
da cidadania o que, por sua vez, fundamenta nosso projeto de
sociedade democrática. Ou seja: a gestão democrática das
instituições educacionais é colocada como fundamento, condição
essencial, da qualidade social da educação, da formação da
cidadania como (e pelo) exercício de poder social. (2005, p.31).
Esse grande desafio que teve e ainda tem nos profissionais da educação,
um grande percurso a seguir no sentido de estabelecer definitivamente a quebra
do paradigma que se fundamenta até hoje nos colégios jesuíticos que tinham
uma prática de exclusão e seleção, onde só havia espaço para os ‗obedientes‘.
Ainda bem que contra essa tendência secular existem homens e
mulheres firmes no propósito de juntos rebelarem-se e juntas conquistarem a
participação de todos nas decisões e avaliações das políticas educacionais, de
romperem com as práticas autoritárias, hierárquicas e clientelistas, de
resguardarem a representação legítima de todos os segmentos e de
38
democratizar a administração do sistema de ensino. Só assim alcançaremos os
princípios fins da democracia escolar: autonomia, desalienação e maioridade
política.
1.3. Os profissionais da educação e a luta pela gestão democrática em Mato Grosso.
É preciso e até urgente que a escola vá se tornando em espaço
escolar acolhedor e multiplicador de certos gostos democráticos
como o de ouvir os outros, não por puro favor, mas por dever, o de
respeitá-los, o da tolerância, o do acatamento às decisões tomadas
pela maioria a que não falte, contudo o direito de quem diverge de
exprimir sua contrariedade. Paulo Freire 1995
À medida que se aproxima o terceiro milênio, acelera-se o processo de
globalização da sociedade e integração das economias. O mundo moderno da
sociedade da informação, cada vez mais competitiva, tem nas condições de
cidadania e na qualidade de vida as principais diferenças entre as nações. A
educação, prioridade estratégica no contexto do Plano de Metas, reveste-se do
mesmo caráter histórico, dinâmico e situacional que caracteriza a vida. A
formação do homem e o desenvolvimento da sociedade são, portanto, tarefa
fundamental da educação (Plano de Metas da Frente Cidadania e
Desenvolvimento, 1995, p.3)
Os dados aqui apresentados pertencem ao período de 1995 à 2003, em
que o Estado de MT, fora governado pelo Ex-Senador da República, Dante
Martins de Oliveira.
O governo antecessor a Dante é marcado por muitas lutas entre
movimentos civis organizados e os interesses governistas. O governo era
presidido por Jaime Campos, político conhecido nos cenários federal e estadual
e membro da família que comandou o Estado de MT por mais de duas décadas.
39
Em seu governo, Jaime destituiu a Lei da Gestão Democrática e passou
a nomear os diretores das escolas públicas conforme interesses e acordos
políticos implantou uma política de arrocho salarial, chegando a fazer com que
os salários dos profissionais da educação chegassem a uma perda de até 70%
do seu valor de compra.
Com a possibilidade de uma candidatura popular formada por um grupo
de partidos políticos, denominada ―Frente Cidadania e Desenvolvimento‖,
surgem à esperança que o processo de democratização da escola pública fosse
retomado e consolidado.
No início do mandato de Dante de Oliveira os órgãos públicos, e dentre
eles a educação, sofreram um grande golpe que foi a demissão de mais de
5.000 (cinco mil) funcionários não estáveis, com a justificativa de se adaptar e
enquadrar na Lei de Responsabilidade Fiscal, também conhecida como Lei Rita
Camata.
Em sua redação a Lei é clara em exigir a punição dos governantes que
gastarem acima de 60% dos recursos com a folha de pagamento de pessoal.
Como se isso não bastasse, o governo que antes era conhecido como
democrático popular; devido a sua participação em um dos maiores movimentos
popular comandado pela elite intelectual brasileira intitulada ―Direta, Já!‖, se
apresentava, efetivamente, como mais um governo que não seria diferente dos
demais, a não ser pelo discurso menos ofensivo a categoria.
Em contrapartida toda essa decepção influenciou a união da força sindical
representada até hoje pelo SINTEP, ao qual pertencia como militante naquele
período. Graças à participação efetiva dos trabalhadores da educação através
do sindicato, as discussões sobre a Gestão Democrática foram retomadas.
Foram momentos difíceis, como são todos aqueles em que a luta contra
opressão faz ressurgir no oprimido o desejo de libertação. Freire em seus
inúmeros inscritos reconhece que ao fazer parte destes momentos difíceis, o
povo, o trabalhador, o oprimido se reconhecem como sujeito de conhecimento.
Atrevemo-nos a dizer aqui que a participação nos fóruns de debates
acirrados com o governo, nas passeatas, nos movimentos grevistas, nos gritos
40
dos excluídos, os trabalhadores em sua maioria esmagadora fizeram aquilo que
Fiori (1995) através da pedagogia da libertação intitulou de Aprender a dizer a
sua palavra.
Freire também utiliza em sua obra Pedagogia do Oprimido (1983) a
necessidade do trabalhador em aprender a dizer a sua palavra, para que com
ela, ele se constitua em uma pessoa construtora, livre das amarras do sistema
opressor, que supõe um compromisso dinâmico que não pode parar na
interpretação da história, mas que impulsiona à ação transformadora desta
mesma história. (FIORI, 1995).
Após vários enfrentamentos dos movimentos organizados com o governo
ao longo de um período de tentativas de sabotagem e concomitante a isso por
vários momentos de deliberações coletivas e organizadas, chega-se a uma
proposta única de Gestão Democrática que tinha a pretensão de ser o desejo de
toda a população mato-grossense, pois ―O ensino ainda é considerado em
nosso país como privilégio social (FERNANDES, 1989)
Em face das lutas ocorridas neste cenário de embate ideológico, a
democratização do ensino implantada em MT, através do Decreto Lei nº 740 de
29/12/1995, que instituiu a Gestão Democrática Escolar no âmbito do poder
executivo do Estado. Está longe de ser a gestão sonhada, idealizada e
reivindicada pela categoria, contudo já possui alguns substanciais avanços. Na
utopia, espera-se que a
...educação prepare os indivíduos para o exercício da cidadania plena, ajudando-os a exercer seus direitos associados as responsabilidade e deveres de todo o cidadão consciente e crítico, portanto, socializando na realização da ação comum, e ao mesmo tempo oferecendo a todos a oportunidade de realizar seu potencial. ( D‘AMBRÓSIO, 1999, p.22 )
As propostas dos elaboradores do Plano de Metas-MT (PM-MT)
1995/2006, basearam-se na reformulação dos conteúdos educacionais, na
reestruturação das ideias pedagógicas e na valorização dos profissionais da
educação.
É importante que os currículos escolares superem a arrogância e
a prepotência do conhecimento pronto, terminado, sobre a
41
inteligência e a criatividade, característica de nossa espécie como
um todo e em permanente aprimoramento e agudez. (SEDUC-
MT, apud, UBIRATAN D´AMBRÓSIO, 1999, p.45)
Com essa abordagem o PM-MT 1995/2006 tenta apresentar à sociedade
a educação enquanto que um dos principais pilares que sustentam o conjunto
das políticas delineadas pelo governo e que exige de nós novas formas de
comportamento não conhecidas, senão em teoria: criatividade, ousadia,
desprendimento, rebeldia e paixão de acordo com Maldonado4 (1994).
Para a educação o Plano de Metas da Frente Cidadania (PM—FCD) tinha
como compromisso traçar um perfil de como estava à educação de Mato Grosso
e propor possíveis soluções. Após esta avaliação, constatou-se que não havia
surpresas para os profissionais da Educação e sindicalistas, que há longas
datas denunciavam as condições que se apresentavam péssimas na educação
mato-grossense.
Entretanto, até por questões óbvias ao governo coube todos os méritos
em apresentar de forma sensacionalista e demagógica para a sociedade os
entraves que obstaculizavam a mudança de um modelo de educação
discriminadora e excludente para um modelo de educação igualitária,
transformadora, inclusiva, participativa e dinâmica, quando efetivamente esta
condição de crise derivava da própria violência do Estado.
Aparentemente o governo desnuda para sociedade civil e organizada
todas as mazelas existentes e assume publicamente a vontade e o compromisso
em romper com as aparências e resgatar de uma vez por todas o valor da
palavra, o compromisso do discurso, o comprometimento com as massas,
conforme Freire (1996), a ação não pode esgotar-se no ativismo, nem na
reflexão desvinculada da atividade humana, que se apresenta, como síntese, na
práxis.
4 Carlos Alberto Reys Maldonado, na época secretário de Estado de Mato Grosso em uma entrevista cedida
à Tv Centro América.
42
Reorganizar o Sistema de Educação do estado de Mato Grosso, colocando como foco referencial de suas ações a unidade escolar [...] Promover política de profissionalização docente que estabeleça uma relação madura de responsabilidade e direitos. [...] Instituir um programa de avaliação institucional, interna e externa, que subsidie as necessidades de intervenção e eventuais redirecionamentos de Gestão, o acompanhamento permanente da execução da política educacional e instrumentalize a prestação de contas sistemática à sociedade. (PM-MT, 1995, p.17)
Sob olhares e opiniões divergentes em relação a este governo ―tão
democrático, participativo e envolvido com as reivindicações dos movimentos
sócio educacionais‖, a sociedade educacional resolve dar crédito, afinal este
governo surgiu em um momento de convivência com seus pares, concordando
ou não, com sua forma de apresentar à sociedade a estrutura governamental do
Estado e seus pilares, admite-se que as propostas são boas, pois refletiam as
demandas da população e dos trabalhadores da educação, e o quadro
apresentando era verdadeiro.
A educação encontrava-se sucateada devido a total ausência do poder
público, com seus discursos vazios, práticas arcaicas e medíocres e medidas
simplistas e apolíticas, e os desvio de recursos que sempre foram e continuam
sendo realizados em nome da Educação.
Toda essa situação que por anos vinha se arrastando – e continua! -
contribuiu para ―desprofissionalização‖ dos profissionais da educação, para o
descontentamento dos docentes com as propostas pedagógicas que divergiam
de suas necessidades e especificidades e com o desrespeito com nossas
crianças, jovens e adultos, proporcionando um ambiente de competição e
dominação.
Deixar para trás o autoritarismo, as regras sem sentido, a burocracia, a
forma engessada de organização curricular e os modos de avaliação excludente
era o principal objetivo dos movimentos sociais e educacionais naquele
momento, e os desejos e demandas dos profissionais dos trabalhadores se
manteriam, por justiça, e muitas vezes, apesar do governo.
43
1.4. A estruturação de poder nas relações interpessoais ocorridas no ambiente escolar
“Os membros de equipes eficientes reconhecem as dificuldades e apoiam uns aos outros‖. Todos compartilham qualquer reconhecimento que a equipe recebe de fontes externas. Todos têm um senso de auto-realização ―(WEISS, 1994, p.34)
Segundo Débora Dias Gomes (1994), a riqueza de uma boa gestão está
na promoção de trabalhos em equipe baseados na confiança, respeito mútuo,
cooperação, co-criação e comunicação. Atualmente, é ampla a compreensão de
que o trabalho de um indivíduo será humanizador, quando integrado nas
atividades cooperativas de um grupo. Resultado de certo equilíbrio entre
autoafirmação e a o sentido de corpo, que promove a integração de todos com
todos.
Este conceito promove o esforço da máxima interação de membros e
ações convergindo para busca de soluções plausíveis. É a integração e a co-
criação na cultura da participação, proporcionando um clima de confiança e
respeito mútuo, nos trabalhos colaborativos e solidários.
Entende-se, portanto, que a força do trabalho, em uma gestão
participativa está no trabalho de todos os membros que interagem no processo,
logo deve tecer consensos na empatia e afetividade. Para tanto é necessário
que haja, no caso da instituição escolar, a busca conjunta da unidade na
diversidade no interior da escola, mediante organização técnico-pedagógica, na
qual os gestores, coordenação pedagógica e principalmente trabalhadores da
educação, operem juntos nas mais variadas áreas ou funções do projeto
educativo.
Ao se fazer uma análise na estrutura escolar atual. Dalmás (1994)
constata a existência de três tipos de gestores: o tradicional, o burocrático, o
participativo entre outros. Segundo Dalmás, o gestor tradicional entende a
escola como se fosse um feudo e os profissionais como se fossem os vassalos.
Algo muito parecido com o que é denunciado no livro Pedagogia do Oprimido
(1983) de Paulo Freire quando aponta a opressão existente entre a classe
44
burguesa dominante (opressores) e a classe dos trabalhadores/dominados
(oprimidos) que se enfrentam em todos os espaços da sociedade, e de modo
particular, nas redes públicas de educação.
Um gestor tradicional e/ou burocrático que possui este tipo de concepção
acaba por coibir na escola toda e qualquer iniciativa de parceria, união, trabalho
em grupo, afetividade e respeito mútuo. Este tipo de atitude favorece o
surgimento nas escolas de... Pessoas, então dependentes e determinadas por
pensamentos, normas de conduta, ideais, projetos que não são seus,
normalmente ―impostos‖ pelos meios de comunicação ou pelo senso comum
vigente. (ZATTI, 2007.)
Uma gestão que se configura com base na dependência de muitos em
uma única figura, no caso do gestor, torna o espaço escolar uma verdadeira
batalha para aquisição do poder e/ou manutenção do poder o ―empoderamento‖.
Foucault alerta:
... E na medida em que o poder não está localizado exclusivamente no aparelho de Estado [...] nada mudará a sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo e a o lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar, cotidiano, não forem modificados. (FOUCAULT, 2008, p.298)
Este modelo de gestão torna a escola sem alma e sem motivação.
O gestor participativo, terminologia que surge com a Lei 9394/96 de 20 de
dezembro, tem sido um dos grandes desafios dos tempos pós-lei, pois o
entendimento de gestor participativo ou gestão participativa na atual legislação
compreende, conforme Demo (1993)
...a construção da cidadania que inclui autonomia, participação, construção compartilhada, pensamento crítico em oposição à ideia de subalternidade, mas envolve, também, a de responsabilidade, prestação de contas [..].com o bem comum que é o espaço público. (DEMO, 1993, p.25)
No entendimento de Demo a escola que possui um gestor democrático e
participativo é aquela em que há uma formação política clara e definida,
45
ultrapassando as práticas excludentes, pois percebem a existência e a
necessidade da dimensão humana na construção das relações interpessoais.
É como se neste tipo de organização o ―pensar certo‖, conceito que Paulo
Freire utiliza muito, principalmente em Pedagogia da Autonomia, fosse
exercitado em sua completude. Conforme Freire (1996): pensar certo é o pensar
dialógico e demanda respeito aos princípios éticos. Pensar certo é fazer certo, é
uma exigência enquanto organização e estruturação de poder nas unidades
escolares em que precisamos entender a existência e necessidade dos conflitos,
pois, nenhum de nós pensa igual.
Todos pensamos muito e em muitas coisas ao mesmo tempo, uma
caraterística fundamentalmente humana e por isso discutimos muito, e no
confrontamos muito para defender nosso posicionamento, contudo é neste
espaço de disputas, lutas, alegrias, contentamentos e descontentamentos é que
crescemos e fazemos com que os outros cresçam.
Não há necessidade de lutar pelo poder/domínio de uma situação ou cargo.
Será que se deve dominar as pessoas para conseguir fazer valer nossas ideias?
Se seguirmos alguns princípios cristãos, encontraremos em Gn 1.28...‖Dominem
sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se
movem pela terra.‖ Não vejo neste versículo as palavras pessoa, homem/mulher
ou qualquer outra que justifique a atitude de domínio da pessoa humana sobre a
outra.
Não foi dada a ordenança de dominar outros homens/mulheres e
tampouco o poder de controlar seus pensamentos. Na leitura bíblica
perceberemos que a todo o momento da vida do cristão convertido ao
cristianismo havia um servidor não um opressor. Em Marcos 10-45 Jesus disse:
Pois também o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e
para dar a sua vida em resgate de muitos. Em suma Jesus de alguma forma
exemplifica e estabelece com eficiência a condição radical da fraternidade onde
impere o respeito e a dignidade humana.
Entende-se que não estamos mais nos tempos da Idade Antiga e
precisamos então compreender e analisar as estruturas de relações de poder
46
nas unidades escolares. O poder possui uma trajetória histórica na vida dos
seres humanos e sempre apontou que o direito de comandar consiste em que
cada sujeito transfira sua força e poder àquele cidadão, mas, considerando que
ninguém pode transferir seu poder de forma natural, trata-se de abrir mão de seu
direito de resistência.
Defina-se, então, que o poder e suas divergências são resultados de
conflitos subjacentes entre interesses humanos e, que essas divergências são
inevitáveis pela natureza hierárquica do sistema social. O poder é visível nas
estruturas de ideologia, autoridade e organização, sendo que para resolver esta
questão da luta pelo poder, imposta pelo próprio poder não adianta ficar
discutindo quem oprime e quem é oprimido, nem em quem o exerce e quem
pode exercê-lo, mas em transformar os conflitos em oportunidades de
crescimento. A escola apresenta-se nesse contexto, como cúmplice na criação e
na perpetuação do poder.
Nesta concepção, o poder não é uma relação que é escolhida ou evitada,
mas uma relação necessária pelas situações sob as quais os sujeitos convivem.
Assim percebemos o quanto o poder torna-se questão fascinante para o sujeito,
no sentido de usá-lo, desfrutá-lo ou admirá-lo e frequentemente contra o outro,
pois nesse caso poder não é mediação é o fim em si mesmo.
Cabe analisar que nem todas as relações de poder são consensuais, pois o
consentimento exige que se tenha um comportamento aprovador quando há
situações de obediência relutante, coerção e hábito que não incluem tal atitude.
A aceitação, nesse sentido, é um ideal nas relações entre os sujeitos na
escola, pois envolve uma situação na qual não existe um conflito subjacente de
interesses e os sujeitos se reúnem no curso de uma ação ou aceitam um estado
de coisas.
Contudo, Foucault (2007) desenvolve a ideia de que as relações de poder
não se passam nem no âmbito do direito, nem da violência, nem se apresentam
de forma contratual ou repressiva unicamente, ou seja, o poder não é algo que
nega que impõe limites ou que castiga. O poder estaria vinculado ao exercício
de gerir a vida dos homens, orientá-los em suas ações para que seja possível
47
desenvolvê-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades em um sistema
de construção coletiva de suas capacidades.
Desta maneira, entende-se que é na organização e estruturação das
unidades, como espaço garantido do exercício do poder, que se buscam as
especificações destas relações, pois nestes locais privilegiados é que os
interesses dos diferentes grupos sociais são interpretados.
Surgem assim, do embate experimentado pelos sujeitos que compõem a
gestão das escolas, diferentes modos do exercício do poder junto aos seus
pares, decorrente, de sua trajetória histórica, da cultura organizacional, da
realidade social e das constantes influências do mundo social e política.
1.5. Foucault e a questão do poder
Não é tarefa fácil abordar, de modo simples, claro, preciso e rigoroso, o
pensamento de um autor de textos tão densos e complexos como Michel
Foucault, nos quais ideias, categorias e métodos se elaboram, apresentam,
transformam, aprofundam e enriquecem ao longo do tempo e da obra.
O objetivo pretendido aqui é tentar entender de maneira mais
transparente possível o exercício do poder nas relações interpessoais a respeito
do contexto educacional tendo a educação como produtora de Sujeito na
história, isto é, pensar a educação a partir da dimensão: ser e poder e os
indivíduos que por ela são afetados.
Para tal, utilizarei a obra Foucault e a Educação do autor Neto (2003). O
autor é considerado por muitos teóricos da atualidade, o pesquisador brasileiro
no campo da educação que mais e melhor tem trabalhado, com o pensamento
do filósofo francês. Neto (2003), explica de maneira acessível e didática a
filosofia de Foucault, o que ele escreveu sobre o sujeito, os saberes, os poderes,
as instituições e as contribuições que esse filósofo nos oferece para a partir dele
discutir questões educacionais.
48
Algumas obras de Foucault também serão utilizadas como Vigiar e Punir
e Microfisica do Poder, no sentido de não só usar Foucault através de, mas de
visitar Foucault enquanto fonte original.
A obra de Neto (2003) nos alerta logo em sua introdução que não
devemos utilizar de termos como método foucaultiano ou teoria foucaultiana,
pois os entendimentos tradicionais que temos de teoria e de método não se
assemelham a obra de Foucault.
De acordo com Neto (2003), Foucault nunca quis ser um modelo, nem
fundador de uma escola, mas quis, sim , que suas contribuições fossem
tomadas como ferramentas, ―como um instrumento, uma tática, com coquetel
molotov, fogos de artifício a serem carbonizados depois do uso‖5
Neto (2003) afirma que só podemos nomear o pensamento de Foucault
como método foucaultiano e teoria foucaltiana se utilizar uma definição diferente
do que o pensamento moderno nos apresenta. Sendo assim o autor sugere
em vez de falarmos em uma teoria foucaultiana, é mais adequado
falarmos em teorizações foucaultianas [...] sendo assim se
quisermos adotar uma perspectiva foucaultiana, não devemos nos
preocupar em chegar a conceitos estáveis e seguros em nossas
pesquisas, já que acreditar que eles tenham tais propriedades é
acreditar que a própria linguagem possa ser estável e segura-
uma suposição que não faz o mínimo de sentido nessa
perspectiva [...] (NETO,2003,pp.21-22)
O pensamento de Foucault é tão as avessas com o pensamento moderno
que há quem o classifique com as seguintes palavras: ―Foucault desconcerta‖ e
ou ―Foucault é um enigma‖ (TAYLOR & BALL apud NETO,2003,p.25)
Neto nomeia as fases ou etapas de obras de Foucault, como ―domínios
foucaultiano‖, sendo um desses domínios o ―ser-poder‖ este será o fio condutor
5 -Declaração de Foucault, de 1975, citada por Simons, 1995, p.93, citada por neto, 2003, p.19
49
que refletiremos a questão do exercício do poder.Em Vigiar e Punir, obra
considerada por Foucault o seu primeiro livro:
Foucault coloca toda ênfase na busca do entendimento acerca
dos processos pelos quais os indivíduos se tornam sujeitos como
resultado de um intricado processo de objetivação que se dá no
interior de redes de poderes, que os capturam, divide e classifica.
(NETO, 2003, p.65)
É possível perceber a educação nesse contexto, pois, hoje como é a
política educacional, praticada pelo Estado no que tange ao cotidiano escolar,
nota-se claramente uma falsa democracia e uma falsa autonomia, pois, a todo
instante tanto gestor como docente, ou seja, os profissionais da educação se
vêm engendrados em um emaranhado de regras, normas, decretos, portarias,
medidas, campanhas e outros mecanismos que nos fazem reféns do sistema,
perfazendo assim um vulgo ditado popular: ‗se não podes com eles junte-se a
eles‘.
Esse comentário incita a muitos profissionais da educação a se
individualizarem e buscarem por meios mais rápidos e caminhos mais curtos
defenderem seu posicionamento ou o posicionamento que lhe é vantajoso.
Foucault conduz o sujeito a partir dessa busca a ―ontologia histórica de
nós mesmos nas relações de poder que nos constituem como sujeitos atuando
sobre os demais‖ (MOREY apud NETO, 2003, p.66)
Os comentários apresentados sobre Foucault servem para elucidar o
compromisso nesse texto em somente discutir as contribuições do autor para a
educação, especificamente na questão do exercício do poder. Isto porque Neto
(NETO) nos adverte a não querer ser mais um a ‗usar‘ Foucault para qualquer
problema de investigação já posto, antes mesmo de assumir uma perspectiva
foucaultiana para constituir aquilo que se pensa ser um problema de
investigação.
Para o autor existem alguns equívocos que precisam ser resolvidos
mediante a uma conduta intelectual adequada.
50
O primeiro equívoco é não compreender que as teorizações
foucaultiana não são ―pau para toda obra‖.No pensamento de
Foucault não há lugar para metanarrativas e para expressões do
tipo ― a natureza humana‖ e ― a história da Humanidade‖, nem
para certas palavras como ―todos‖ e ―sempre‖. Nas raras vezes
que tais palavras aparecem, elas se referem a períodos históricos
e espaços geográficos bem delimitados. ( NETO,2003,p.22)
Para esse momento da pesquisa em relação a Foucault, tem-se a
preocupação em perguntar e examinar como funciona o exercício do poder nas
relações interpessoais entre gestores e docentes na ótica foucaultiana.
Não desconsideramos os demais sujeitos envolvidos no processo
educativo, como, alunos, demais profissionais da educação, pais, comunidade
externa e Estado. Contudo a curiosidade, a preocupação e desejo encontram-
se no seio das relações desses dois sujeitos: gestor e docente. Como esse
exercício do poder funciona e acontece?
Foucault é um autor importante nesse questionamento por possuir várias
obras em que apresenta como tema a questão do poder nas sociedades
capitalistas, a sua natureza e seu exercício em instituições.
O segundo equívoco que Neto (2003) alerta está relacionado a uma
concepção errônea de alguns pesquisadores em entender que os problemas a
serem pesquisados existem e estão desvinculados com o mundo a mercê de
uma teoria para resolvê-los. Confesso ter permanecido nessa categoria de
pesquisadores por alguns anos de minha vida, por sorte compreendi que o fato
de possuir uma visão de mundo sobre o assunto, experiências e experimentos,
de certa forma já possuo uma teorização sobre o fenômeno que proponho a
pesquisar.
Realmente não há como separar teoria e prática e no segundo equívoco o
autor adverte que esse entendimento dicotômico não se restringe somente ao
pensamento de Foucault, na verdade temos em alguns momentos de nossas
pesquisas, afirma Neto, uma conduta intelectual inadequada, em usar um autor
51
por que ele está na moda e aí tentar de todas as formas ―enformar e engessar‖
as discussões através de... Ou rejeitarmos porque achamos que está em desuso
―fora de moda‖.
Seja lá como for ao caso desta pesquisa tanto Foucault, como Freire,
Mounier e Ponty são usados pela justificativa de que são autores que cada um
em seu tempo, seu espaço e sua vida contribuíram e contribuem sobremaneira
nas percepções que envolvem o ser, o ser-poder, o eu, o ser-no-mundo o ser
consigo.
Cada qual de uma maneira nos faz perceber o quão é importante estudar
a incompletude do ser e suas relações.
No caso de Foucault em seu livro Vigiar e Punir, o autor passa conforme
Neto (2003, p.66) a se interessar especificamente pelo ―poder enquanto
elemento capaz de explicar como se produzem os saberes e como nos
constituímos na articulação entre ambos‖. Foucault irá nessa fase de sua obra
tratar de poder e do ser-poder através do método genealógico que se baseia em
valorizar a história, em sua materialidade.
Mas, mesmo estudando minuciosamente o funcionamento do
poder, a rigor esse não é o objeto de Foucault; o poder entra em
pauta como um operador capaz de explicar como nos subjetivou
imerso em suas redes. (NETO, 2003, p.74)
Para isso o autor define que há sempre algo por trás das coisas e esse
algo nem sempre é aquilo que imaginamos ou o que é mostrado a nós. Isso
acontece frequentemente nas escolas quando alguém tenta ―discutir a relação‖,
muitos se esquivam dizendo que não há nada para discutir ou ao discutirem são
evasivos e superficiais. Às vezes o medo, a cumplicidade acaba por impedirem
que haja nas escolas uma reflexão sobre nossos discursos e práticas de
convivência. O método genealógico estuda esses aspectos do poder tendo
como pressuposição um único a priori, a história.
52
A genealogia pode funcionar como uma insurreição dos saberes.
Não tanto contra os conteúdos, os métodos e os conceitos de
uma ciência, mas de uma insurreição, sobretudo e acima de tudo
contra os efeitos centralizadores de poder que são vinculados à
instituição e ao funcionamento de um discurso científico
organizado no interior de uma sociedade como a nossa. E se essa
instituicionalização do discurso científico toma corpo numa
universidade ou, de um modo geral, num aparelho pedagógico,
[...]? no fundo pouco importa. É exatamente contra os efeitos de
poder próprios de um discurso considerado científico que a
genealogia deve travar o combate. (FOUCAULT, 1999, p.14)
No viés do processo histórico Foucault, estuda as transformações e
práticas institucionais com relatos sobre poder, punição e disciplina. De uma
maneira pormenorizada e a nível institucional, ele coloca em um mesmo nível, a
prisão, a escola, o hospital, o quartel e o asilo, identificando essas instituições
como instituições de sequestro, pois no centro dessas instituições -passam-se
suplícios, castigos e violências corporais, para o que Foucault denomina de
disciplinamento de corpos dóceis.
Em nossa pesquisa com docentes conseguimos perceber algo parecido
com essa comparação que Foucault apresenta. Muitos docentes não
responderam perguntas que possuíam certo sentido de denúncia, de revelação
do que de fato acontece no chão da escola, quando estamos falando de
relações interpessoais.
53
CAPÍTULO II
A Metodologia e Interpretação dos resultados
Em alguns momentos deste trabalho, mais precisamente desde a
introdução tenho tentado justificar a escolha da temática. Lembrei-me de um fato
interessante ocorrido em setembro na II Semana Acadêmica promovida pela
UFMT este ano, quando na oportunidade apresentei um pôster intitulado ―As
Relações Interpessoais: O gosto amargo do mel‖. Na verdade, fiz um recorte
sobre o que estava pesquisando para a dissertação.
No momento em que tive a presença de minha avaliadora, uma
professora do curso de Geografia, ela me fez várias perguntas, elogiou o
trabalho, mas percebi em seu olhar uma pergunta que não queria calar. Antes de
ir embora ela perguntou:
- Mas com tantas coisas para pesquisar na educação, por que você
escolheu as relações interpessoais?
Respondi imediatamente:
- Porque creio que sejam as relações interpessoais o maior problema que
nós educadores estamos vivenciando há algum tempo.
Senti um pouco de decepção em seu rosto ao ouvir minha resposta e me
perguntou se eu acreditava ser as relações interpessoais mais importantes do
que a violência nas escolas, a má remuneração, a desvalorização dos
profissionais da educação e etc...
Percebi ser este o momento ideal para justificar e problematizar mais
ainda meu objeto de estudo. Quando me proponho a pesquisar as relações
interpessoais com um cunho qualitativo fenomenológico, tenho em mente o que
Fini, nos explica em relação a pesquisa qualitativa
Nesta maneira de pesquisar, não se admite dicotomizar o mundo
interior X mundo exterior. O fenômeno é aquilo que surge para a
consciência e se manifesta para esta consciência. Isto significa
54
que só existiria um fenômeno se existir um sujeito. Nesta
perspectiva, não existe interrogar, por exemplo, o ensino ou a
aprendizagem, mas sim o sujeito que está ensinando e o sujeito
que está aprendendo. Na pesquisa fenomenológica educacional
sempre haverá um sujeito, numa situação, vivenciando o
fenômeno, educacional. (FINI apud BICUDO, 1994, p.25)
Embora seja inseparável o sujeito de suas circunstâncias, nos ensina
Ortega Y Gasset, todo ato educativo é uma relação social estabelecida entre
pessoas, e o que esta relação expressa, ainda que tacitamente, repercute nos
processos de ensino-aprendizagem, e na interatividade possibilitada ou
aniquilada. Pessoas- insiste Mounier- não são neutras e de suas posições e
relações é tecida a cultura, o éter que envolve autoritarismo, afinidade, rejeição
ou estigma.
Fini ajudou-me responder a pergunta de minha avaliadora.
Quando estamos convivendo em uma unidade escolar, sei que há vários
problemas de ordem administrativa, burocrática e pedagógica. Contudo entendo
que se as relações que se configuram nesse espaço forem de respeito para
comigo e para com o outro, de valorização do eu e do outro, de humanização
dos espaços por nós utilizados, não será difícil resolver qualquer outro problema
ou conflito que possa surgir. É uma constatação empírica. Se experimentarmos
a sinergia em nossas relações interpessoais no ambiente escolar, estaremos em
conjunto resistindo a qualquer acontecimento que venha nos impossibilitar de
consolidarmos uma educação dialógica, humanizadora e adversa a qualquer tipo
de violência, seja ela velada ou revelada.
2.1- O Percurso Metodológico
Quando finalmente consegui definir o objeto a ser pesquisado, percebi
que não seria uma tarefa fácil, afinal os docentes e os gestores teriam que
responder um questionário que estaria avaliando não o seu trabalho pedagógico,
55
mas sua maneira de conviver com o outro nesse espaço pedagógico,
identificando em alguns momentos posições ou situações de empoderamento e
desgentificação nas relações interpessoais ocorridas entre os sujeitos
pesquisados.
No momento da aplicação dos questionários com os docentes, muitos
perguntaram se podiam deixar algumas questões em branco, pois poderiam se
comprometer (um detalhe, não havia necessidade de se identificar para
responder), logo notei que se insistisse eles não iriam responder nenhuma
pergunta.
Deixe-os a vontade, resolvi apostar no bom senso e não perder a
oportunidade de ter entre os quase 200 professores da rede pública estadual de
Diamantino, pelo menos 30% de questionários respondidos.
Quando sai a campo, procurei visitar todas as 05 escolas públicas da
zona urbana do município e as 03 escolas da zona rural, contudo 01 escola não
foi possível, tendo em vista inúmeros contratempos ocorridos nesse percurso. O
fato de não ter conseguido investigar 100% das escolas da zona urbana não
invalida a pesquisa. O resultado foi satisfatório, pois, no universo populacional
de + ou – 200 docentes obteve um retorno de 64 questionários respondidos, ou
seja, 34% dos docentes representam a amostra elegida da pesquisa no
segmento dos docentes.
Em relação aos gestores os 07 que foram procurados, 05 aceitaram
responder em forma de memorial descritivo a seguinte pergunta: Como foi para
você a mudança de docente para gestor? (anexos A, B, C, D e E) O objetivo
dessa única pergunta foi desenvolver através do instrumento de pesquisa-
história de vida a oportunidade dos entrevistados em relatar de maneira livre e
autônoma seu percurso profissional, emocional e particular no espaço
educacional. Não percebi nenhuma objeção nos gestores para elaborarem seu
memorial, a não ser a velha desculpa de falta de tempo, pois sempre estão
sobre carregados de tarefas, na verdade encontrei muito mais resistência nos
docentes, tendo em vista que o instrumento de coleta de dados foi o
questionário com perguntas estruturadas e semiestruturadas (apêndice A).
56
A escolha da pesquisa de cunho qualitativo fenomenológico se deu por
entender que o objetivo dessa pesquisa é o de descrever um fenômeno: as
relações interpessoais entre os sujeitos gestores e docentes. Não pretendo
buscar nessas relações a explicação de causa e efeito, na verdade espero é
chegar à essência do exercício do poder nas relações interpessoais entre
gestores e docentes, se isso é possível. De acordo com Fini (idem p.24) a
pesquisa de cunho qualitativo fenomenológico pretende chegar à essência do
fenômeno.
Como toda pesquisa fenomenológica, várias questões me perseguiram
por todo o percurso investigativo e gerou durante todo tempo da pesquisa uma
incomodação que ao mesmo tempo em que provocava um clima de tensão, me
impulsionava a buscar a essência do fenômeno. O momento mais difícil para
mim na pesquisa foi viver o que a Fenomenologia chama de époche, ou seja, a
redução, suspensão ou retirada de toda e qualquer crença, teorias
ou explicação sobre o fenômeno. Abandonar, ou deixar de lado,
por enquanto, os pressupostos ou pré-conceitos estabelecidos a
priori a fim de permitir o encontro do pesquisador com o
fenômeno. (idem, p.27)
Manter este distanciamento para alguém que viveu 10 anos como gestora
e ao mesmo tempo como docentes não foi fácil, por diversas vezes me vi
utilizando inferências pré-concebidas sobre o fenômeno e tive que com muita
dificuldade ―esvaziar-me‖ para receber e interpretar as informações que adquiria
com a pesquisa.
2.2- Os docentes e suas avaliações sobre as relações com os gestores nas instituições escolares
Como disse anteriormente na pesquisa com os docentes foi utilizado o
instrumento de coleta de dados- o questionário. Propõem-se a uma análise
57
compreensiva e interpretativa desses questionários por meio de blocos de
gráficos com as perguntas e respostas quantificadas, sendo assim nesse
momento apresenta o resultado quantitativo das questões de 1 a 5.
Figura nº 1= Gráfico nº 01- Qual a sua formação?
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Figura nº 2= Gráfico nº 02- Quais as características básicas que você pensa ser
imprescindíveis para o exercício do cargo de gestor?
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Con
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nça
Em
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Exp
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17
1
1411
1 1 1
18
14 3 3 4 3
5 4
8
1
6
1
1112
1
64 4
1
74 4 5 5
3
58
Figura nº 3= Gráfico nº 03- Qual o nível de relacionamento que tinha com o gestor?
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Gráfico nº 04- Como você via o último gestor da escola?
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Gráfico 5- O que foi feito para resolver o problema, quando o gestor era
considerado inflexível?
53%47%
Flexível Inflexível
59
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Após inúmeras tentativas de interpretar de forma compreensiva os dados
obtidos com a pesquisa, percebi que por ser uma pesquisa qualitativa
fenomenológica com base nas percepções merleaupontiana, jamais poderia
analisar as respostas dos docentes sem considerar o que Merleau-Ponty nos
apresenta em seu livro Fenomenologia da Percepção (2006), o autor defende
que o sentido das experiências fenomenológicas não é ordenado pelas
capacidades cognitivo-conceituais dos sujeitos, mas pelas habilidades
perceptivo-motoras do corpo próprio.
Percebi ser importante ―comparar as respostas‖ dos docentes, colocando-
me no lugar deles, na verdade oportunizar a mim enquanto pesquisadora um
momento de juntos com meus colegas sermos, conforme Ponty (2006): sujeitos
em perfeita correlação com o mundo. O mundo de que fala a fenomenologia é,
sobretudo o mundo humano. Um mundo em que nos é percebido.
Não nos importa que o local deste mundo seja a escola. Ela é um mundo.
Um mundo que ao ser gestado possuía através de seus gestores (no caso do
Brasil- os Jesuítas) o propósito de propagar a fé cristã através da colonização e
civilização dos indígenas. Não meu objetivo aqui enveredar pela história da
40%
57%
3%
Tentava conversar Não fazia nada Convocava uma reunião com o CDCE
60
educação em nosso país, quero somente chamar atenção para a constatação de
que a escola enquanto ―mundo‖ vem ao longo do tempo de sua criação sendo
palco de uma estrutura que se mantém em sua historicidade em sistemas de
governo que instauraram no ambiente escolar a máxima da concorrência
desleal, da dominação, do comando, da subserviência através ―do poder
hierárquico que impõe suas ideias e até camuflam a descentralização, a
autonomia e a participação.‖ (MAMEDES, 2005, p.43)
A escola deve ser a meu ver um mundo de utopia. O termo utopia na
Obra Conscientização: teoria e prática-uma introdução ao pensamento de Paulo
Freire, é compreendido no sentido de que ―o utópico não é o irrealizável; a
utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar, o ato de
denunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a
estrutura humanizante.‖ (FREIRE, 1979, p.27).
Porque apesar da história da formação e criação da escola, é possível
através da iniciativa de pessoas que lutam num contexto de racismo,
discriminação cultural, atentado contra os direitos da pessoa humana e de jogo
do poder, vir a transformar esta história, pois conforme a utopia freiriana a cerca
da compreensão da realidade não ―é‖, mas ―está sendo‖ e que, portanto, pode
vir a ser mudada. (STRECK, 2008, p.418)
Como é possível perceber, a totalidade dos entrevistados é formada em
Licenciatura Plena em Pedagogia, assim evoquei as aulas de didática no curso
de Pedagogia que iniciei no final da década de 80 e conclui no final da década
de 90, naquela época ouvia dos professores que nós estávamos sendo
formados para sermos cientistas da educação, pois, a Pedagogia é a ciência
reflexiva sobre as demais ciências. Cabe a Pedagogia, diziam formar
profissionais reflexivos na práxis da ação educativa.
Um dado importante é que as escolas em que os docentes foram
entrevistados são de educação básica, ou seja, não se restringem aos anos
iniciais, contexto em que os docentes são todos formados em Pedagogia. Nessa
situação deveria haver mais docentes em áreas específicas.
61
Não é possível saber se o que houve foi à rejeição desses profissionais
em responder o questionário ou a disposição mais acessível dos pedagogos em
responder e devolver os questionários. Nesse momento de análise
compreensiva e interpretativa parece-me conveniente perceber tanto o que está
explícito quanto o implícito nos discursos dos docentes e gestores. Foucault
(1992) nos revela:
Em vez de acreditar na metafísica, o genealogista deve escutar a
história, em seu próprio funcionamento, em sua própria
materialidade. Assim procedendo, ele aprende que ―atrás das
coisas há ‗algo inteiramente diferente‘: não seu segredo essencial
sem data, mas o segredo que elas são sem essência, ou que sua
essência foi construída peça por peça a partir de figuras que lhe
eram estranhas‖ (FOUCAULT, 1992, p.18)
A partir do viés da cientificidade reflexiva do curso de pedagogia, em vigor
naquele momento como referência teórica, citado pelos professores no curso
superior das décadas de 80 e 90 começo a pensar em que essa formação
reflexiva poderia influenciar nas relações que se estabelecem nas unidades
escolares? Cabe realmente a Pedagogia e somente ao pedagogo essa postura
reflexiva? Essa postura reflexiva interfere nas relações do exercício do poder
estabelecido nas unidades escolares?
São dimensões interessantes e merecedoras de uma ‗boa roda de
conversa‘, tendo em vista que as totalidades dos questionários devolvidos de
minha pesquisa são de docentes habilitados em pedagogia. Torna-se por isso
evidente que todas as demais questões respondidas poderão fornecer as
considerações finais da pesquisa o que Foucault (sd, p.17) explica com o
método genealógico: a genealogia seria a tática que, a partir das discursividades
locais assim descritas, colocam os saberes em jogo, liberados da sujeição, que
surgem delas.
Neto (2003) acrescenta: a genealogia referindo-se ao conceito
foucaultiano nos oferece uma perspectiva processual da teia discursiva. Talvez
62
através das dimensões que forem surgindo através ‗das discursividades locais‘
melhor se possa entender as heteronomias6 que favorecem uma relação de
―estranheza‖7
Quando perguntado aos docentes sobre as características
imprescindíveis ao gestor, os termos flexibilidade e liderança foram os mais
citados pelos entrevistados, em um universo extremamente diversificado de
características. É interessante o aparecimento do termo flexibilidade, entendo-o
partindo do local que se apresenta como uma característica de alguém que está
aberto às discussões, que a se ver em um cargo ou posição de destaque, tem
um comportamento de socialização das ideias e decisões.
Aparentemente quem é flexível não é individualista e sempre procura
desenvolver seus atos e ações de maneira participativa. Talvez seja por isso que
logo em seguida a característica elegida pelos docentes tenha sido a liderança,
ou seja, alguém capaz de se colocar a frente, resolver e defender os interesses,
anseios, projetos e decisões de um determinado grupo.
Tenho visto muito em instituições não educativas a insistência até um
tanto apelativa no que concerne ao espírito de liderança necessário nas
organizações. A escola, como mostra o resultado deste questionário não tem
sido diferente, esta característica não é somente um desejo ou uma necessidade
dos órgãos normativos, mas a comunidade interna entende ser a liderança uma
das características indispensáveis ao gestor do século XXI.
O gestor que se preocupa em ouvir a opinião dos colegas antes de decidir
algo e, mesmo que já possua sua opinião formada sobre o assunto, não a
apresente como algo pronto e acabado, que esteja livre para debates,
enfrentamentos e questionamentos. É o que a comunidade educacional espera
e que deve ser uma prática constante daquele que não lidera sozinho mais com
todos.
6 Em Pedagogia do Oprimido (1983) Freire explica que heteronomia é a condição de um indivíduo ou
grupo social que se encontra em situação de opressão, de alienação, situação em que se é “ser para
outro”. 7 -O termo estranheza Sartreano é usado para explicitar quando Sartre afirma em sua obra “O Ser e o nada”
que o outro é o meu inferno. “o inferno são os outros”
63
Essas características elencadas pelos docentes me deixaram ansiosa
para saber o nível de relacionamento estabelecido nas escolas com aquele que
os colegas traçaram o perfil do que seria ideal.
Em primeiro momento percebe-se que a maioria dos entrevistados,
apesar de considerarem imprescindível características que a meu ver
preconizam um relacionamento menos formal, quando se deparam com a
necessidade de nomear o tipo de relacionamento com os gestores, se divide
categoricamente entre algo profissional (talvez técnico, burocrático e funcional) e
uma predominante tentativa em superficializar o relacionamento.
O gestor flexível é a tônica dos docentes e ao serem perguntados
especificamente sobre essa característica no ato de gestar encontramos um
nível muito alto de inflexibilidade na opinião dos mesmos. O gestor que para eles
precisa estar aberto às discussões, opiniões e apto a fazer concessões,
aparentemente possui dificuldades em atender a essa característica,
contribuindo desta forma para certo distanciamento da participação ativa dos
docentes enquanto vozes que se fazem presentes no processo de construção
de nossa humanidade.
Mais uma vez retorno a máquina administrativa que inculca na cabeça da
maioria daqueles que assumem a gestão da escola que ele é quem determina,
que por mais democrática que seja a gestão, se algo der ―errado‖ a
responsabilidade será do gestor.
Quando nos deparamos com esse discurso sistêmico e organizacional
normativo, efetivamente nos reportamos ao questionamento sobre quais são as
reais intenções contidas na política de gestão? Porque em muitos momentos os
gestores não podem atender aquilo que realmente seria o ideal para a escola?
Muitos entrevistados tinham até medo de responder as perguntas. Que
sistema é esse, que aprisiona as pessoas a ponto de deixa-las reféns de suas
angústias? De inviabilizar não só o diálogo, mas o resultado deste diálogo?
64
Gráfico nº 6- Como o gestor reagia ao ouvir suas sugestões em relação à
organização e administração da unidade escolar?
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Gráfico nº 7- A seu ver, qual o nível de acompanhamento que o último gestor
tinha das coisas que aconteciam na escola?
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Gráfico nº 7 A- O que impedia o acompanhamento do gestor nas coisas
que aconteciam na escola?
65
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Na rotina da escola muitas vezes há vozes que ora se calam, ora fazem
outros calar e pela maioria das vezes são obrigadas a se calarem
conjuntamente. Arrisquei-me no trocadilho de palavras para registrar minha
compreensão à angústia dos dois segmentos: docentes e gestores.
Para que os profissionais possam ser ouvidos e se fazerem ouvir, para
que possam ter condições de acompanhar o que de fato acontece em todo o
espaço escolar, necessariamente precisaríamos ser atendidos em várias
reivindicações, principalmente no que se refere à autonomia gestora.
O conceito de autonomia enquanto direito pessoal na construção de uma
sociedade democrática que a todos respeita e dignifica. (STRECK, 2008, p.56).
Uma autonomia que não se apresentasse enquanto expressão de governo
legitimada por instrumentos legais, mas a autonomia que de acordo com Freire
(1996) propõe a discussão sistêmica deste conceito, uma vez que para ele
autonomia está no cerne da tão questionada modernidade.
Freire não propõe essa discussão somente no campo do debate sobre
concepções da modernidade, mas, sobretudo pelo paradoxo do mundo escolar
de autonomia/dependência.
É necessário entender que somos seres humanos dependentes.
Dependentes de nossa cultura e de nosso ser. A escola é um ―mundo‖ feito por
homens e mulheres, que necessariamente são dependentes. Para Freire esse é
o X da questão, precisamos nos conscientizar que:
66
ser autônomo é ter capacidade de assumir essa dependência
radical derivada de nossa finitude, estando livres para deixar cair
às barreiras que não permitem que os outros sejam outros e não
um espelho de nós mesmos (FREIRE apud STRECK,2008,p.56)
Streck, (2008) completa dizendo que ―É a autoridade do eu, o do tu, que
me faz assumir a radicalidade de meu eu.‖ Assim, entendo e analiso o
comportamento tanto dos docentes como dos gestores. São vozes que se calam
e outras que nem deixam falar, pois convivem num ―mundo‖ onde o solo que
pisam é irrigado com o determinismo neoliberal, que contribui para o desrespeito
da pessoa em sua dignidade humana e profissional.
Gráfico nº 8 – Qual a sua opinião sobre o processo eleitoral para escolha de
gestores em Diamantino?
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Gráfico nº 9- Você incentivaria um colega a ser gestor?
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
67
Gráfico 9 A- Justificativa do sim
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Gráfico 9 B- Justificativa do não
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Gráfico 10- Você candidataria ao cargo de gestor?
68
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
Gráfico 10 A- Justificativas
Fonte: Questionário desenvolvido pela pesquisadora nos anos de 2010 e 2011
No início desta pesquisa, logo no 1º capítulo houve uma tentativa
modesta em demonstrar as implicações político-ideológicas que a luta pela
Gestão Democrática teve no seio do movimento dos profissionais da educação e
a própria estrutura de poder que se configurou durante a luta e após ela.
Apesar de muitos profissionais atuantes no processo na época considerar
que a proposta finalizadora ainda estava aquém dos interesses pelos quais os
profissionais saíram as ruas para manifestar, há de se considerar que avanços
ocorreram, fato este visível na maioria dos entrevistados que reconhecem em
uma das categorias que envolvem a democracia nas escolas, a eleição de
diretores um processo justo e democrático.
69
Os docentes (neste caso em específico) confiam no processo eleitoral e
concordam que todos devem ter a oportunidade de se candidatar, principalmente
aqueles que são considerados pela comunidade interna como profissionais
competentes e preenchem os requisitos para o cargo e, sobretudo, para
adquirirem experiência na área da gestão.
Um fato interessante demonstrado na pesquisa com os docentes, no
momento em que alguns declaram que não incentivariam o colega a assumir o
cargo.
As justificativas deixam uma lacuna para interpretação. O número
considerado de abstenções em responder parece ter uma relação quando estes
mesmos docentes respondem que nada fizeram quando o gestor era
considerado inflexível. A impressão que se tem é que para justificar esse não os
docentes teriam que elencar motivos que necessariamente estariam
relacionados com o nível de relacionamento que tinha com o gestor.
2.2. As narrativas dos gestores sobre o universo da gestão
Para compreender como os gestores se percebem no universo da gestão,
como percebem sua função/funções, como se comportam em relação a este
universo com dimensões técnicas-pedagógicas e burocráticas, optei por utilizar
do instrumento de história de vida ou como também é conhecido por alguns de
memorial descritivo, no intuito de obter o máximo de informações relacionadas a
seguinte questão: o que significou para sua vida profissional a mudança de
professor para diretor?
Das 05 escolas existentes na zona urbana e 03 da zona rural, tive a
devolução de 05 textos. Onde há diretores que estão em seu primeiro mandato,
diretores que já possuem uma vasta experiência em cargos administrativos, com
sucessivos mandatos tanto eletivos quanto nomeados por governo estadual ou
municipal e diretores que exerceram muito pouco a atividade de docente.
70
Estarei interpretando os textos dos gestores através de algumas
dimensões ou categorias encontradas no decorrer da leitura, apresentarei esta
interpretação com alguns parágrafos retirados dos textos e copilados neste
espaço para que aja uma coerência textual e uma identificação de onde falo e
porque suponho tal conjectura.
A 1ª dimensão analisada foi gestores e a gestão democrática e, quanto a
isso nos reportamos a alguns relatos,como:
Logo que assumi, tive que desenvolver algumas capacidades
gerenciais, no sentido de fazer gestão de pessoas, reunir com a
diretoria da associação de moradores e construir um projeto de
gestão articulado com os anseios dos moradores[...] Avalio como
um dos períodos mais importantes da minha vida, pois, foi um
período de crescimento como cidadão, como ser humano e
principalmente como Profissional da Educação Básica. Nesse
sentido recomendo a experiência de gestão escolar a todos os
colegas profissionais da educação básica como uma forma de
fortalecimento dos processos de democratização do ensino no
Brasil. (Anexo A);
O desafio da mudança de função de professor para diretor não é o
pior, ou a que mais causa impacto. Para quem partcipa
ativamente de todos os momentos dentro de uma escola como
professor com responsabilidade e cooperando com a equipe da
Gestão facilmente supera o impacto da mudança. O que
realmente causa impressão e para isto o profissional deve estar
atento é que ele deixa de ser aquele que aponta erros, e, ―atira
pedras‖ e passa a ser aquele que as recebe, ou seja, passa a ser
―vidraça‖ e aí que fica dificil se manter no equilíbrio. É preciso ter
frieza em muitos momentos, saber analisar com cautela os atos e
fatos. (Anexo B);
71
Passei por momentos muito difícieis, inclusive na campanha,
muita desonestidade por parte das pessoas, sendo que a única
coisa que sempre quis e quero é uma gestão séria,comprometida
e o melhoramento em todos os aspectos da escola que sempre
me acolheu. (Anexo C);
Foi mais uma nova experiência de muitos desafios e lutas pela
frente. Me vi cercada por diferentes grupos...[...]Em poucas
palavras a promotora disse: ―pelo visto a diretora tem muita
afinidade com os pais‖[...]Aprendi que conquistar a confiança dos
pais e o trbalho em equipe se consegue ir longe.[...]Aprendi muito
nesta minha trajetória e que o segredo de uma gestão bem
sucedida é o trabalho em equipe.[...] A mudança de professora
para diretora significou para eu exercer uma liderança com muita
garra, perseverança e, apesar dos problemas,saber esperar com
paciência, otimismo e determinação. Também aprendi que a
responsabilidade de um ―gestor‖ é grande. O professor preocupa-
se em cuidar de sua turma, o gestor precisa olhar de todos os
ângulos, pois está direcionando de modo global,vê e administra a
unidade escolar como um todo.(Anexo D)
Ser diretora é estar no topo de uma pequena mas significativa
pirâmide, onde a base é sua responsabilidade. As experiências
que vivenciei com certeza engrandeceram minha vida profissional.
(Anexo E).
É quase unanimidade nos relatos de que o dia-a-dia da gestão não é
tarefa fácil,devido a responsabilidade que o cargo trás consigo, a expectativa
que a comunidade escolar possui em relação ao gestor e a cobrança que exite
tanto da comunidade interna quanto externa. A importância do trabalho em
equipe é citado de maneira tímida nos relatos, fato que confirma quando
Ferreira(2000) cita:
A gestão democrática da educação é, hoje, um valor já
consagrado no Brasil e no mundo, embora ainda não totalmente
72
compreendido e incorporado à prática social global e a prática
educacional brasileira e mundial. É indubitável sua importância
como um recurso de participação humana e de formação para a
cidadania.É indubitável sua necessidade para a construção de
uma sociedade mais justa, humana e igualitária. É indubitável sua
importância como fonte de humanização. Todavia, ainda muito se
tem por fazer.(FERREIRA,2000,p.167)
Realmente pelo que posso perceber com estes relatos carregados de
siginificação, que há uma vontade de fazer, mas, por problemas adversos a
nossa vontade não conseguimos, é, preciso que a sociedade e aí falo não só da
comunidade interna,como externa, as políticas públicas e a gestão da
educaçãoos compartilhem com os mesmos ideias. Sei que é complicado
equacionar vontade política com anseios políticos, principalmente quando
partimos do pressuposto de que a gestão se faz inserida em um sistema
capitalista desigual que favorece uma anarquia econômica, política, social que a
cada dia acirra mais o individualismo em âmbito pessoal e institucional.
As autores mais citados nesta pesquisa fenomenológica que tem como
sustentação princípios que convergem na direção de uma nova perspectiva
relacional, tanto no nível coletivo,institucional e individual, se espelha em:
Mounier,Ponty e Freire, que em relação a essa categoria analisada defenderam
a si e os outros contra toda tentativa de sacrificar os seres humanos em sua
condição de sujeitos e de fazê-los sucumbir as ideologias subjacentes ao
mercado.
A 2ª categoria a qual nos preocupamos em identificar é a questão das
relações interpessoais entre os gestores e docentes tendo em vista as vozes
dos gestores.
Mesmo sem receber recursos regulares, conseguimos em dois
anos, adquirir uniformes para todas as crianças e adultos,
construímos um muro em regime de mutirão para garantir a
73
segurança, iluminamos o acesso até a escola, construímos a tão
sonhada quadra de esportes e posterior a iluminação.(Anexo A)
Como diretor por mais de 5 anos administrava uma escola com
pouquíssimos recursos. A cooperação dos professores e a
cantina sustentava financeiramente a escola.[...] Buscar
mudanças não só para mim como profissional, mas para o grupo
com que trabalho e com os alunos que sempre foram a razão do
meu trabalho.[...]Nunca tive dificuldades de relacionamento com
alunos e colegas.(Anexo B)
Em todo trabalho que nos propomos a fazer têm que haver
dedicação, obstáculos sempre encontramos em todas as
funções, mas temos que saber contornar, levantar a cabeça e
seguir em frente, na certeza de que está fazendo a sua parte.
Nunca me abalei ou deixei de fazer o que propus,
reconhecimento nem sempre temos, mas o que vale é a certeza
do dever cumprido. Em todos os lugares que passei
independente da função sempre cumpri com seriedade a minha
função.[...] Diante de tudo nunca desanimei e nem me intimidei
perante as ofensas e dificuldades colocadas, os desafios foram e
estão sendo a cada dia um diferente, mas considero estar
vencendo e lutando por cada um deles.(Anexo C)
No mês de agosto de 2008,iniciou a reforma geral da escola. Só
que eu não sabia que por trás dessa reforma, o pior estava por
vir. No início de 2009 foi preciso alugar um salão de uma igreja
para iniciar o ano letivo. Ali começou a verdadeira batalha, não
sei ao certo se foi uma ―mãe‖ de aluno ou se foi um ―colega‖ de
trabalho que fez uma denuncia ao ministério público, dizendo
que o local não oferecia qualidade no ensino. A promotora levou
isso a sério, além da denúncia, a mesma reuniu fofocas tiradas
74
do ―caldo de piranha‖8 e montou muitos questionários para mim
responder e para Seduc, e para melhorar mais a situação
acabou em sessão pública, onde me deixou muito angustiada,
pois, temia pelo fechamento da escola. (Anexo D)
Pensei que com a reforma concluída, tudo seria mais fácil, porém,
mais lutas pela frente, constantes denúncias desta vez na
ouvidoria e merenda escolar, todas inventadas, querendo ―puxar o
tapete‖ da direção e CDCE. Como toda denuncia planejada não
tinha sucesso, a vitória ficou ao meu lado junto com minha equipe.
Grifo nosso(Anexo D)
Tive que aprender a lidar com questões burocráticas até então
desconhecidas, além do equilíbrio emocional e a ponderação em
situações diversas.( Anexo E)
Num primerio momento de interpretação das histórias de vida, narradas
pelos gestores,percebi claramente indícios de uma relação calcada no trabalho
em equipe com a procupação com o aspecto físico da escola, com o patrimônio
público e com o desenvolvimento das questões pedagógicas através de
projetos. Conheço esta realidade de perto, pois em muitos momentos fiz parte
de multirões para construir salas de aula,aquisição de materiais pedagógicos e
outros que no momento faziam-se necessários à escola.
Não considero estas iniciativas erradas, contudo gostaria imensamente
que elas acontecem em um clima diferente do que presencie por diversas vezes
e que reaparece em alguns discursos dos gestores.
Infelizmente muitas vezes no ambiente escolar nos vemos obrigados a
fazer aquilo que é de responsabilidade aos órgão públicos, e o que é pior que
acabamos por reconher essa atitude como uma demonstração de equipe coesa,
de grupo de trabalho unido e de bom relacionamento entre gestores e docentes.
8 Nome dado a uma coluna social de um jornal da cidade
75
O fragmento do anexo C demonstra que o gestor está satisfeito pois os
docentes ajudam na cantina e ficam a espera das mudanças que ele enquanto
gestor irá trazer para a escola. Até o anexo C, percebe-se que não há de forma
clara nenhum indício de que haja na escola, na visão do gestor algum problema
ou conflito de relacionamento,afinal, se os docentes auxiliam na cantina,se
reunem-se em prol da construção de quadra,providenciam iluminação, então
está tudo ótimo, não há problemas.
A partir do anexo D e E temos um testemunho de gestores que
evidenciam claramente os conflitos nas relações interpessoais, a ponto de estes
conflitos atingirem a comunidade como um todo e trazer o um outro poder
institucionalizado para a escola. Confesso que considero uma expressão forte
quando leio: ―querendo puxar o tapete da direção e do CDCE, mas a vitória ficou
ao meu lado, junto com a minha equipe‖.
É um discurso claro de adversidade,agressividade,luta de poder e divisão
de grupos em um ambiente que pretende pelo menos em um contexto
contemporâneo oferecer um mundo mais justo e mais humano, onde
equidade,solidariedade e felicidade exista não para uns mais para todos.
Estes discursos que demonstram uma luta por poder na escola,
aparentemente nos leva a pensar que apesar de controvérsias, Vallin(2004,p.1)
estaria certo quando afirma: ― em diversas coisas que fazemos na vida,nosso
prazer,nosso gosto,o que nos leva a fazer ou procurar alguma coisa é o poder. A
sensação de poder nos fascina.‖
Mais será que em relação a escola é viável lutar por poder desta
maneira? Será que vale a pena sacrificar momentos que poderiam ser de
entendimento e de construção de ideias? Entendo que o enfrentamento é
necessário, que não há como exigir das pessoas que sejam consensuais o
tempo inteiro, mas os conflitos nas relações interpessoais mediante uma certa
disputa de poder não pode chegar a ação do desrespeito, independente se este
é relacionado a uma pessoa,um grupo, ou mesmo a natureza.
Partindo de um princípio que
76
o homem é um ser natural,mas é um ser natural humano. E,
exatamente, o homem singulariza-se por uma dupla capacidade
de romper com a natureza. Só ele conhece esse universo que o
absorve e só ele o pode transformar, ele, o menos armado e o
mesnos poderoso dos grandes animais. E, o que é infinitamente
mais, é capaz de amar (MOUNIER, 2004,p.32)
Essa capacidade de criar, de transformar e de amar, faz parte da história
humana e por mais que exstam estruturas que favoreçam a uma cultura, por ora
desumana, não podemos deixar que elas se insiram em nossos espaços
escolares a ponto de nos fazer coisas e ainad o que é pior auxiliar nosso
processo de coisificação do ser humano.
Somente boa vontade, capacidade de amar e qualquer outra atitude de
bom senso e discernimento não é suficiente para que possamos ter nas escolas
relações fraternas que possibilitem a ausência de práticas negativas.
A luta não é e nem deve ser contra o colega, o gestor ou o docente. A
luta não é contra o ser humano, é contra um sistema capitalista, contra a
exploração do trabalho humano, contra uma cultura de opressão, de relações de
força, prestígio e poder. A luta é cultural, não humana e pessoal.
Devemos olhar para a pesoa e a comunidade,local ou global,fica mais
fácil encontrar nosso papel. Há mais de dois mil anos Jesus já dizia em Mateus
20,26-27
Voces sabem: os governadores das nações tem poder sobre
elas, e os grandes tem autoridade sobre elas. Entre voces não
deverá ser assim:quem de vocês quiser ser grande,deve tornar-
se o servidor de vocês; e quem de vocês quiser ser o primeiro
deve tornar-se o servo de vocês.
No universo da gestão, particularmente no seio das relações
interpessoais, o gestor e os docentes devem se colocar a serviço do coletivo. Os
governantes que legislam sobre as questões legais também devem entender
que estão em seus cargos para servir a coletividade. Ao optarem por este
77
princípio de servidão, o mesmo fará diferença entre gerar conflitos,mal-estar e
comportamentos maldosos, em ter amor pelo que faz e proporcionar um
ambiente de respeito e bem-estar, pois o contrário disso não há prazer, não há
vida plausível, há morte...
Capítulo III
Discussão dos Resultados
Personalismo, Pedagogia da Dialogicidade e Relações Interpessoais.
Do pensar clássico de gregos e romanos ao pensamento da atualidade, o
assunto teoria sempre teve no centro de seu objetivo maior acerca do sentido e
natureza do conhecimento e a eventual compreensão, interpretação ou
explicação sobre tudo e todos.
Se nos valermos da filosofia clássica e enciclopédica, encontraremos a
teoria9 no ―[..] seu significado original grego:[...]com contemplação, ato
contemplativo ou mesmo beatitude‖ segundo Pereira (1995). Ela, contudo, entra
no pensamento clássico moderno, como compreensão, visão de mundo,
conceito elaborado da ação reflexiva sobre o mundo.
Grandes filósofos antigos como Aristóteles compreendiam a teoria na
perspectiva estética, como deleite, repouso, harmonia e fruição. Desta forma a
promulgavam em suas obras como é o caso da obra Ética a Nicômano.
9 “Segundo José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua
Portuguesa (Livros Horizonte, Lisboa),teoria vem do grego 'theoría' e do latim
homónimo. No primeiro caso: «"Acto de ver, observar, de examinar; acto de ver
um espectáculo, de assistir a uma festa". Daí a própria festa, festa solene, pompa,
procissão, espectáculo, teoria; deputação (das cidades da Grécia às festas solenes
de Olímpia, de Delpos e de Corinto ou aos templos de Zeus Nemeu, de Apolo
Délio); função de teoro [teoro, do grego 'theorós', espectador, que viaja para ver
o mundo; espectador dos jogos públicos, deputado enviado pelos estados gregos;
magistrado]; contemplação do espírito, meditação, espírito; especulação teórica;
teoria (em oposição à prática)». Já na raiz latina, 'theoría' significa, apenas, «a
especulação, a investigação especulativa». Foi nesta acepção que, segundo o
dicionário Morais, teoria entrou no séc. XVI pela primeira vez na língua
portuguesa”. Consultado 27?10/2011: http://migre.me/60vPh.
78
Contudo, na ciência moderna ou porque não dizer na filosofia da
contemporaneidade a discussão sobre a importância da teoria-teorização não se
resume apenas enquanto ato contemplativo, contrário à prática ou reduzida a
círculos intelectuais... (PEREIRA, 1995) A teoria é na atualidade a busca pela
natureza, sentido, explicação ou interpretação do eu, do ser, do ser-no-mundo
sem aquela característica de frieza e dicotomização da prática.
Neste capítulo demonstra-se o calor que há na discussão e análise
teóricas do fenômeno Relações interpessoais, buscando através de Mounier e
Freire um debate de ideias profundas, semelhantes, humanizantes e
humanizadoras.
Contemplam-se pensamentos que escapam a todas as sistematizações,
porque se assentam na pessoa, a qual por ser livre imprescindível e humana
não se admite um esgotamento reducionista e/ou positivista. De acordo com
(PEREIRA, 1995) ―... da teoria não se podem excluir o desejo, a paixão e todas
as ações do homem, um ser que busca eternamente o sentido de sua
existência. E por isso mesmo teoriza.‖
Este homem apaixonado, pessoa absoluta, única, transcendental,
transcendente e comunitário é analisado pelo Personalismo no cenário do
coração da ação educativa- o ambiente escolar.
3.1. As relações interpessoais em um contexto fenomenológico
Propor-se a discutir as relações interpessoais em um contexto
fenomenológico é ter a oportunidade de utilizar da multiplicidade de olhares que
a Fenomenologia pode proporcionar e da abertura de locais de aplicação desses
olhares. Ainda mais apontar para a solidificação do espaço da reflexão
fenomenológica, bem como o resgate do pensamento de Husserl de forma direta
e através de seus diversos interlocutores como, Rezende, Martins, Meleau-
Ponty, Teles, Bello, e outros.
79
O homem é um ser transcendental, sendo assim as relações que se
estabelecem em nosso cotidiano com os outros e comigo mesmo, fazem parte
de uma transcendentalidade fenomenológica.
Para que possamos entender o termo transcendental no contexto
fenomenológico, primeiramente é necessário compreender porque essa
expressão transcendental e a partir de que local ela se configura. Bello nos
explica da seguinte forma:
Para entender o termo transcendental, partimos da consideração
do ato da percepção: este não deriva do objeto externo, mas
depende das potencialidades do sujeito humano. A percepção
serve para conhecer a realidade externa, ou seja, é relacionada
intencionalmente ao objeto enquanto percebido. Uma folha
percebida é ligada intencionalmente à percepção. Essa estrutura
percepção/percebido é inerente à estrutura transcendental do ser
humano, pois todas as vivências estão ligadas/relacionadas à
estrutura do ser humano. A percepção que se define por estrutura
transcendental tem o sentido de que o ser humano já possui estas
estruturas e, portanto, elas transcendem o objeto físico. Diferente
é o significado do termo transcendente: aquilo que está além.
(2004, p.49)
Neste contexto o conceito de transcendental está ligado à subjetividade,
algo que sabemos ser próprio do ser humano, não é algo que está fora ou que
não nos pertence e não nos importa. Em contraste, as relações interpessoais
configuram-se em algo que está além desta nossa transcendentalidade, elas
estão além do sujeito, além de nossa subjetividade, mas isso não quer dizer que
ela não nos importa, a questão é: o comportamento que temos as formas com
as quais nos relacionamos conosco e com os outros estão intimamente ligadas
ao nosso passado, presente e futuro.
Assim considera-se pertinente aqui lembrar um fato corriqueiro muito
usado no contexto escolar. A autoavaliação. Por diversas solicitei de alguém que
80
se autoavaliasse ou estive eu em uma situação na qual me era solicitado avaliar
meu trabalho.
O interessante desta prática é que quando nos colocamos para refletir
sobre nossa pessoa, nossos atos, conceitos e atitudes em um primeiro momento
temos uma enorme dificuldade e na maioria dos casos optamos por nos avaliar
de forma negativa Isto porque, talvez se espere que o outro diga que não é bem
assim e nos massageie o ego com elogios. Colocando em destaque nossos
pontos positivos. Outras vezes, não nos poupamos de modéstia e nos avaliamos
de forma tão positiva, que não há chances de comentários, observações ou
contribuições para o nosso crescimento pessoal.
Esse fato se manifesta de maneira interessante na escola. Um dia estava
participando de uma daquelas ‗maravilhosas‘ reuniões pedagógicas onde de
tudo acontece, quando um gestor no término de sua fala disse: - Ok pessoal,
algum comentário sobre o que ficou decidido? Coitada da docente que resolveu
responder a pergunta. Ela foi sincera e disse que não havia concordado com
praticamente nada tendo em vista que o gestor já havia determinado e não
consultado os docentes....Naquele momento um silêncio pairou sobre a sala e
todos ficaram olhando para ela, uns com ar de reprovação, pois, queriam que
‗aquilo‘ terminasse logo e outros balançavam a cabeça concordando, mas,
ninguém falava nada (para ser mais clara havia uns burburinhos). Percebi
naquele momento que deveria observar com atenção tudo o que estava
acontecendo, estava claro que aquele fato seria oportuno em minha pesquisa. O
gestor teve um comportamento aparentemente democrático e pediu para que a
docente então se pronunciasse, fizesse suas observações, pois estávamos ali
para discutir... Os comentários foram feitos e junto com eles algumas
observações sobre a insatisfação de alguns com a postura do gestor (a partir do
encorajamento de um, adesão de outros). Após o término das conversas a
reunião terminou com o gestor não mudando uma vírgula do que já havia
determinado e ainda deixando claro que se não estivessem satisfeitos podiam
pedir seu distratos (a escola naquela época tinha 70% de interinos).
81
Percebi de um lado frustrações, raiva, revolta e imobilidade de outro um
ser humano incapaz de permitir ser questionado ou ter sua postura avaliada.
Imaginei como será que ele se autoavalia?
A fenomenologia husseriana não se dedicou ao estudo das relações
interpessoais, mas ao entender a transcendentalidade do ser humano como tudo
aquilo que é vivido/experienciado. Comecei então a me perguntar o que é
transcendente e o que é transcendental nas relações interpessoais?
De forma empírica, na verdade o termo relações interpessoais se for
explicado de forma fenomenológica ele deve ser entendido como algo
transcendente, pois, as relações interpessoais são na verdade atos e
comportamentos que estão fora de uma sistematização, de uma lógica, de um
padrão, de uma normalidade.
Vejamos a história contada acima. Ela pode ser para uns, algo absurdo e
talvez até a quem diga que não é bem assim... Mas a questão é que isso
aconteceu e acontece de fato em várias escolas, como também temos situações
totalmente diferentes nas quais há um respeito, uma comunhão mesmo que
cheia de divergências durante a formalização de um consenso.
Entendo agora porque falar sobre ―o conceito husseriano de estrutura
transcendental é o ponto fundamentalmente novo da fenomenologia‖ (BELLO,
2004, p.50). Quando discutimos a estrutura transcendental no dizer de Husserl
temos que nos preocupar com o que o EU vive e experiência, pois, para o
filósofo todo o percurso de viver, experenciar e perceber repercute em termos
fenomenológicos na intencionalidade dos fatos.
Na dimensão das relações interpessoais, reforçamos nosso entendimento
no seu ser transcendente coberto de intencionalidade, seja ela boa para mim,
para o outro, para nós, ou para o espaço que ocupamos.
Parece que para entender fenomenologicamente isso precisamos buscar
em Ponty (2006) algo que venha nos esclarecer de forma mais direta. Por isso a
leitura de alguns pontos importantes da obra A Fenomenologia da Percepção
que já era preconizada por Husserl e tem em Ponty um detalhamento
fenomenológico.
82
3.2. Pedagogia da Dialogicidade: As contribuições de Paulo
Freire
Um sonho quando se sonha junto é apenas um sonho, mas um sonho
sonhado por todos Cria uma realidade: O DIÁLOGO.
Com todo respeito a Paulo Réglus Freire, nosso eterno educador e
personalista, pois com ousadia atrevi a recriar uma frase usada por ele.
Contudo creio fortemente que Freire se estivesse vivo não me condenaria, pois
em seu livro Medo e Ousadia escrito conjuntamente com o educador norte-
americano Ira Shor o mesmo clama a seus leitores que tenham a ousadia de re
(criá-lo) e não copiá-lo.
Freire teve um modo de ver e fazer educação totalmente diferente do que
a sociedade está acostumada não é a toa que seus livros foram traduzidos para
os mais diversos idiomas afirmando desta forma que sua leitura e seus
ensinamentos não são aplicáveis somente no chamado ― Terceiro mundo‖ de
acordo com Gadotti:
As teorias de Paulo Freire cruzaram as fronteiras das disciplinas,
das ciências, para além da América Latina. Ao mesmo tempo em
que as suas reflexões foram aprofundando o tema que ele
perseguiu por toda a vida- a educação como prática da
liberdade- suas abordagens transbordaram-se para outros
campos do conhecimento, criando raízes nos mais variados
solos- desde mocambos do Recife às comunidades burakunins
do Japão- fortalecendo teorias e práticas educacionais, bem
como auxiliando reflexões não só de educadores, mas também
de médicos, terapeutas, cientistas sociais, filósofos, antropólogos
e outros profissionais. Seu pensamento é considerado um
modelo de transdiciplinaridade. (GADOTTI, 2001, p.1)
83
Freire contribuiu não somente com a educação de jovens e adultos, mas
também para todos e todas aquelas que lutam por uma educação libertadora,
para uma práxis dialógica do respeito e da valorização da pessoa. Freire sempre
lutou contra a coisificação seja ela cometida onde quer que seja. O ser liberto,
responsável, comprometido e engajado era para Freire a principal característica
de um ser inconcluso, inacabado.
Ele procurava empoderar às pessoas mais necessitadas para que elas
mesmas pudessem tomar suas próprias decisões, autonomamente. Seu método
pedagógico aumentava a participação ativa e consciente. (GADOTTI, 2001, p.2)
Para entendermos Freire, precisamos antes de tudo não tentar enquadrá-lo
e tampouco aprisioná-lo em uma teoria/filosofia/metodologia específica. Penso
que o melhor seria dizer que o Brasil teve a sorte de ―parir de suas entranhas‖
um homem chamado Paulo Freire. Dentre os diversos feitos de Freire, este
subtítulo de capítulo irá se reportar à Pedagogia da Dialogicidade. Tentar em
poucas e resumidas linhas entender, de acordo com a concepção freiriana:
1º O que é diálogo?
2º O que é relação dialógica?
3º Diálogo, dialógica e Dialogicidade são as mesmas coisas?
4º Em que a Pedagogia da Dialogicidade contribuiu nas discussões sobre as
relações interpessoais?
5º Qual a relação entre Freire e Mounier?
Ao procurarmos no dicionário Aurélio, encontramos a seguinte definição
para a palavra diálogo:
―Fala entre duas pessoas ou mais pessoas, conversação, colóquio. Troca ou
discussão de ideias, de opiniões, de conceitos, com vistas à solução de
problemas, ao entendimento ou à harmonia. Comunicação.‖(FERREIRA,2004).
Esta definição apresenta duas premissas básicas:
1ª só existe diálogo, quando há divergências de ideias, opiniões, caso contrário
o que há é um consenso;
2ª o diálogo só existe quando há problemas, se não há problemas para serem
resolvidos então não há necessidade de diálogo.
84
O livro Pedagogia do Oprimido (1983) de Paulo Freire começa a nos inserir
ao que o autor entende enquanto diálogo:
A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem
tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras
verdadeiras com que os homens transformam o mundo. Existir
humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo
pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos
pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. Não é no silêncio
que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação e
reflexão (FREIRE, 1983, p.90)
Ou seja, com esta afirmação Freire já nos esclarece o que não é diálogo.
Diálogo não é um amontoado de ideias que um sujeito deposita no outro.
Diálogo não é uma simples roda de conversa onde trocamos ideias a serem
consumidas pelos sujeitos. Diálogo não é sinônimo de polêmica, não é uma
imposição da sua verdade. Não é doação. Não é um instrumento de conquista
do outro para se fazer detentor do saber. Diálogo é: ―encontro amoroso dos
homens que, mediatizados pelo mundo, o ‗pronunciam‘, isto é, o transformam, e,
transformando-o, o humanizam para humanização de todos‖ (FREIRE, 1980,
p.43).
Como é impactante ler este conceito de diálogo que Freire nos revela.
Observar em todas as suas obras e em toda sua vida pela América Latina,
Europa, África e tantos outros locais que tiveram a oportunidade de sentir e viver
esta relação dialógica, relação que não se esgota na práxis momentânea ou
temporária, relação que se estende na permanência da vivência e da
experiência dos seres humanos. Uma relação de fazeres e (des) fazeres, de
encontros e (des) encontros, de muitos conflitos de ideias e opiniões, de
embates e enfrentamentos que por vezes nos causam mais que uma dor moral
ou física, uma dor na alma.
Quantos de nós em nossa caminhada sozinhos ou no coletivo não tivemos
a amarga experiência de sentir o gosto de ‗perder o poder‘, de ser ridicularizado,
85
de ter que em plena relação dialógica sentir que não havia mais espaço para o
nós e que o eu prevalecia a todo custo. Quantas vezes pelo caminho perdemos
a palavra, a voz e até mesmo o sonho?
Apesar de tudo isso Freire nos mostra que a palavra, o diálogo e a relação
que ora se estabelece através do diálogo nos proporciona algo muito mais
importante: a humanização dos homens.
Acredito e creio que era essa a certeza que movia a vida de nosso
educador humanista/personalista. Entender que os homens se fazem na relação
dialógica, na Pedagogia da Dialogicidade, em que o que deve prevalecer não é
o poder heterônimo, não é o status quo, o mandonismo, autoritarismo, mas o
cerne da existência humana. O amor entre os homens. O amor que resulta em
respeito a ouvir, a aceitar, a dividir, a tolerar, a suportar, a se alegrar com os
que se alegram e a chorar com os que choram.
Freire em toda a sua trajetória literária sofreu grandes influências e
inspiração de pensadores franceses, sobretudo Bernanos, Maritain e Mounier.
A influência de Mounier para o autor brasileiro foi muito direta em dois
contextos distintos: no Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife, fundado
por Germano Coelho, e nos grupos dos católicos de esquerda, sobretudo a Ação
Católica e a Ação Popular. (ANDREOLA, 2007, p.1)
Citamos a influência mais específica de Mounier no pensamento de
Freire, no objetivo de demonstrar as dimensões pedagógicas do Personalismo
de Mounier na pedagogia da Dialogicidade.
Mounier concebia a educação como um espaço de promoção da pessoa
na totalidade do seu ser, enfatizando prioritariamente a comunicação, a
autonomia e a liberdade, vista pelo autor como condição essencial do existir
humano.
Segundo Mounier, o fim da educação não consiste em fazer, mas em
despertar pessoas... Educação é aprendizagem da liberdade, sempre num
contexto de comunidade, não individualismo (MOUNIER, 2004)
Mounier era contra as posições alienantes e deformadoras do
racionalismo e da supervalorização do intelectualismo na modernidade.
86
Reconciliar a inteligência e o amor era o desejo supremo de Mounier
(ANDREOLA, 2007, p.2 )
Trazer para os espaços acadêmicos e científicos a reflexão sobre o amor,
identificando esse sentimento como uma direção na luta por um projeto
socialista de uma nova civilização é, o mesmo que falar de algo que não só
desejamos mais sonhamos.
Uso essas palavras, pois entendo que Freire foi um dos educadores
brasileiros que mais falou de sonho.
O sonho do operário que muitas vezes não pode entrar naquele edifício que
ajudou a construir;
O sonho do camponês que no meio de tanta terra, não tem a sua própria terra;
O sonho do sindicalista que vê nos movimentos sociais organizados uma
oportunidade de fazer valer a voz do trabalhador;
O sonho do educador que percebe que para construir o futuro é preciso sonhá-
lo.
A Pedagogia da Dialogicidade é uma pedagogia, parafraseando Gadotti,
2001. Uma pedagogia dialógico-dialética, que não é mecânica. Uma dialética
continua que não exclui a subjetividade, que é idealista e idealizadora da
realidade.
Desta forma não há como não identificar as relações existentes entre
Mounier e Freire, ambos apresentaram a sociedade um projeto-político-
pedagógico que converge em uma iniciativa emancipatória de construção de
uma nova civilização, de uma quebra de paradigmas onde para sermos felizes e
fazer felizes os outros, basta que sejamos mais humanos e solidários.
3.3. Personalismo: Pessoa e Existência
Optei por teorizar o tema relações interpessoais no contexto escolar entre
gestores/docentes, tendo como aporte teórico o Manifesto de Emmanuel
87
Mounier ― O Personalismo‖ que representa a obra mais madura do autor, que
morreu poucas semanas depois do seu término.
Emmanuel Mounier nasceu em Grenoble, em 1º de abril de 1905. Filho de
família simples, após cursar, de forma breve a faculdade de Ciências, dedicou-
se à filosofia, em 1924, tendo como mestre Jacques Chevalier em Grenoble.
Terminando seus estudos em Chevalier, parte para Paris, onde começa o
magistério, em 1928 e ganha bolsa de doutorando de três anos. Nessa época
conhece Maritain, Jean Guilton e o padre Pouget. Em outubro de 1932 Mounier
inaugura a revista ―Esprit”, pela qual renunciou à vida acadêmica. ―Esprit” foi o
meio pelo qual o pensamento personalista teve sua divulgação e efervescência.
Em 22 de março de 1950, faleceu por um colapso cardíaco (SEVERINO, 1974,
p.1).
O personalismo apresentado por Mounier surge em período de crise
política e espiritual, isto é, em meio aos genocídios que assombraram o séc. XX
nasce o que consideramos uma filosofia a serviço do prósopon10. Mounier não
pretendeu em sua curta passagem por este mundo formar um sistema filosófico,
mas trazer à ascensão o prósopon em sua integridade. Diante disso Mounier
afirma:
a História da pessoa será paralela à história do personalismo não
se desenvolverá somente no plano da consciência, mas em toda a
sua grandeza, no plano do esforço humano para humanizar a
humanidade.(MOUNIER,2004,p.17)
Essa preocupação em humanizar a humanidade é um dos fins da filosofia
personalista
[...] que tem o cuidado de permanecer sendo uma aventura
aberta. Está voltado mais para o futuro que para o passado. Quer
desembaraçar os valores de todos os mal-entendidos que os
retém prisioneiros. A rigidez do sistema, o personalismo opõe a
10
O termo grego será utilizado em todo o decorrer da pesquisa quando este referenciar-se a pessoa
enquanto afrontamento, tendo em vista que Mounier a utiliza para demonstrar que por ser um ser que
afronta, “mas que por vez num mundo hostil: a atitude de oposição e proteção pertence, pois, a sua
própria condição.” (MOUNIER, 2004, p.67)
88
dupla exigência do rigor e da flexibilidade da permanência e da
atenção a tudo que nasce [...] (MOIX, 1968, p.181)
Ou seja, mais que uma convicção, postura ou atitude, o personalismo é
uma filosofia. Mas não é um sistema. Assim percebe-se uma das características
marcantes da filosofia proposta por Mounier, a sua forma assistemática; porém o
próprio Mounier diz que o personalismo:
Não foge a sistematização. Porquanto o pensamento necessita de
ordem: conceitos, lógica, esquemas unificantes, não servem
apenas para fixar e comunicar um pensamento que sem eles se
diluiria em intuições opacas e solitárias; servem também para
perscrutar essas intuições em toda a sua profundidade; são
simultaneamente instrumentos de descoberta e de exposição.
Porque define estruturas, o personalismo é uma filosofia, e não
apenas uma atitude. (MOUNIER, 2004, p.14).
Desta forma Mounier define estruturas e introduz nessas estruturas o
princípio de imprevisibilidade que impede que se busque qualquer tipo de
sistematização. Isto permite ao personalismo uma abordagem da existência das
pessoas como existências livres e criadoras.
O pensamento mounierista é uma filosofia do engajamento, a qual
Mounier atribui grande importância pelo fato de que o engajar-se ―é uma
exigência essencial da vida pessoal‖ (MOIX, 1968, p.176). Pode-se dizer que,
por meio da ação, a pessoa humana transforma a natureza e a si mesmo, pois
permite a manifestação de si em sua totalidade, de maneira criativa e livre.
A vinculação do seu pensamento com a ação é extremamente importante
para o desenvolvimento da pessoa e, simultaneamente, da doutrina
personalista, tendo em vista que esta é a finalidade da sua filosofia, isto é,
promover de forma integral todas as dimensões que compõem o universo
pessoal. Apesar de seu primeiro impulso ter sido à ação civilizadora, Mounier
sentiu necessidade da Reflexão filosófica para fundamentar e fecundar a ação.
Assim o pensador parte da pessoa e elabora a sua doutrina, o personalismo:
89
―Se quisermos ter uma noção da humanidade, precisamos captar no seu vivo
exercício e na sua atividade global‖ (MOUNIER, 2004,p.31)
A exigência da ação, do engajar-se é ― que modifique a realidade exterior,
que nos forme, que nos aproxime dos homens, que enriqueça de valores nosso
universo‖ (MOUNIER,2004,p.103). Aqui, encontra-se levemente a importância do
engajamento para a existência humana, pois favorece a formação daquele que
executa a ação e a recebe, as suas potencialidades, as suas virtudes, enfim a
sua unidade pessoal:
Ora, nunca relações entre pessoas se podem estabelecer em um
plano puramente técnico. Desde que o homem é presente todos
são por ele contaminados. Agem até pela qualidade de sua
presença. Os próprios meios materiais tornam-se meios humanos,
vivem nos homens, por eles modificados e modificando-os a eles,
ao mesmo tempo em que integram essa interação num processo
total (MOUNIER, 2004, p.105)
Encontra-se, aqui, uma perspectiva relacional à qual Mounier atribui
grande significado, pois está implicado no engajamento. É no contato com o
outro, que cada pessoa faz a experiência de si. A partir do outro, tem-se a
possibilidade de um desvelar-se do próprio ser; porém isso se torna factível,
desde que a acessibilidade, a disponibilidade estejam presentes. Este tema será
melhor discutido quando avaliarmos as relações interpessoais entre gestores e
docentes a partir do Personalismo.
Dialogo ainda com outros dois trabalhos de Filósofos brasileiros que
tomam Mounier como referência, Antônio Joaquim Severino com sua obra
profunda e documentada, Pessoa e Existência (1983), tese doutoral
apresentada na PUC/SP e Adão José Peixoto cuja tese intitulada: Pessoa,
Existência e Educação (2009) que por se tratar não somente por isso, mas por
consequência de um tempo mais atual, apresenta-nos a filosofia/teoria
mounierista, personalista com a obra Pessoa, Existência e Educação, buscando
90
a incidência desta mesma teoria e projeto político como contribuições para a
educação contemporânea.
Tanto Severino (1983), quanto Peixoto (2009) possuem muitos
momentos de coincidências no que tange às concepções evocadas acerca de
Emmanuel Mounier, com óbvias particularidades em cada um. Defendem o
personalismo como filosofia que teve e continua a ter um importante papel a
desempenhar na luta pelo desenvolvimento em que se envolvem as nações na
forma como elas se constituem no panorama contemporâneo, pois a filosofia de
acordo com esses autores auxilia no esclarecimento dos rumos do
desenvolvimento humano na sociedade, mediante um projeto político
educacional voltado às relações de diálogo e corresponsabilidade no projeto de
humanização, que passaria pela construção de ser pessoa, numa sociedade
conflitiva, individualista e concorrencial, que se abre para a guerra, exclusão, e
injustiças.
Os dois autores são uníssonos e fiéis em suas obras na afirmação de que
o Personalismo possui uma ruptura com os modelos clássicos da lógica
filosófica, afinal o objeto de investigação do seu pensamento é de natureza
diferente. (PEIXOTO, 2009). O objeto de estudo do Personalismo conforme
descreve a obra O Personalismo escrita por Mounier e traduzida para o
português por Alves (2004) tem por centralidade a pessoa, que se realiza nas
coordenadas do fato, no pensamento que se compromete na existência que
radica e a personaliza, separando-a no ‗afrontamento‘ com todos os outros seres
humanos num projeto aberto a ser buscado através das escolhas, da autonomia
e da liberdade, que a define no seu projeto de ação e existência.
O conceito etimológico de ―afrontar‖ apresentado por Mounier é para nós
estudiosos da Fenomenologia e para essa pesquisa em particular que aborda as
relações interpessoais uma contribuição ímpar. Ao utilizar a palavra ‖ afrontar‖
entendemos que o autor nos chama atenção para a constituição de pessoa
através do ―confronto‖ com o outro. Nas relações que se estabelecem entre
gestores e docentes no contexto escolar este ―afrontamento‖ acontece
constantemente.
91
Quando Mounier nos chama a atenção para esse olhar humano já no
século XX, percebemos que não é de hoje que a sociedade e consequente as
relações interpessoais que nela se configuram apresentava-se como uma
sociedade marcada pelos niilismos – ausência do sentido e de significação na
existência, inclusive durante o período europeu entre guerras - e ceticismos e
descrença num projeto transformador dos tempos e culturas naquele tempo em
lutas, durante a guerra e após aquele período, durante a guerra fria. Mounier em
toda a sua trajetória de vida, um tanto curta, pois morreu jovem, com 45 anos
em 22 de março de 1950 com parada cardíaca, de acordo com Peixoto (2009),
lutou por um diálogo aberto, hoje falaríamos intercultural que possibilitasse uma
sociedade aberta, democrática e esperançosa que soldasse coletivamente os
seres humanos para a Vida.
Uma morte muito prematura! Mounier estava apenas iniciando os
seus projetos. Apesar do breve período que teve para se dedicar
à organização das linhas mestras do movimento personalista,
deixou-nos um raro testemunho de crença na pessoa e na
possibilidade da construção de uma sociedade justa e fraterna.
(PEIXOTO, 2009, p.23)
Apesar de nos deixar muito cedo sem dúvida alguma, deixou-nos um
legado atual para que possamos compreender a atitude do filósofo e até mesmo
da própria filosofia no sentido do engajamento político na história da
humanidade.
Para muitos Mounier não passou de:
... um pensador cristão que tenta renovar a igreja em declínio,
mas prefiro aqui coloca-lo como o cristão, o filósofo, o educador,
o homem de ação e contemplação, o polemista e,
principalmente, um homem voltado para a ação política.
(NASCIMENTO, 2007, p.117).
Em sua obra célebre O Personalismo destacou em um primeiro momento
as circunstancias em que foi escrita, num período de pós-guerra e apenas três
92
meses antes de vir a falecer de forma repentina. ―Em seu pensamento não há
doutrinas, pois se existissem estariam repletas de sistematizações.‖ (MOUNIER,
1978 apud PEIXOTO, 2009).
Para alguns pensadores da atualidade; falta ao personalismo um
embasamento teórico-metodológico, um rigor filosófico e doutrinário. Muitos não
o consideraram filosofia tendo em vistas essas argumentações. Para contradizer
esses argumentos ―Mounier afirma que o seu pensamento não é apenas uma
atitude ou um sistema fechado de ideias; é uma filosofia. ―O Personalismo é uma
filosofia, não é um sistema.‖ Não tinha por isso, o compromisso de produzir uma
integração de todas as dimensões que incluíssem uma forma de intervenção
claramente definida, com metodologias comprovadas, posto que ele tinha mais
de um anúncio profético libertador, do que uma doutrina acabada e definida.
(MOUNIER,1964,p.16 apud PEIXOTO,2009,p.26). Desta forma podemos
perceber a tese que permeou toda a vida de Mounier que foi discutir as
estruturas existentes na época, dominadas pelo
capitalismo/racionalismo/positivismo, baseado em uma herança iluminista
modernizante que, de um lado, supervalorizava os conceitos e a razão e, de
outro, anula a preocupação com a existência pessoal, tornando a pessoa uma
ilha ou uma peça de máquina de um sistema de produção. (PEIXOTO,2009).
Mounier reafirma que:
O pensamento necessita de ordem: conceitos, lógica, esquemas
unificantes não servem apenas para fixar e comunicar um
pensamento que sem eles se diluiria em intuições opacas e
solitárias; servem também para perscrutar essas intuições, em
toda a sua profundidade; são simultaneamente instrumentos de
descoberta e de exposição. Porque define estruturas, o
Personalismo é uma filosofia, e não apenas uma atitude
(MOUNIER, 2004, p.16)
É uma postura de engajamento político, que traz à centralidade dos
debates a pessoa como centro da discussão, em certo sentido, contrariando
tanto os marxistas que sustavam a afirmação de que as crises ocorridas na
93
humanidade, são decorrentes da crise econômica e que ela, como determinação
da cultura, teria que ser resolvida no âmbito da economia, à qual o sujeito era
apenas ―força de trabalho‖ ou ―proprietário dos meios de produção‖, em ambos
os casos, sem rosto, sem identidade, desumanizado. Fruto isolado e coisificado
―da crise de enfraquecimento do modo de produção capitalista.‖ (PEIXOTO,
2009).
Conforme Chaigne:
para os marxistas em época de crise é simples ―operem a
economia e o doente se recuperará.‖ Como também os
espiritualistas que defendem, ―a crise é uma crise de valores‖, é
uma crise não da economia, mas do homem. ―mudem os
homens e as sociedades se curam.‖ (CHAIGNE, 1969, p.59 apud
PEIXOTO, 2009, p.24)
Mounier acredita não ser nem marxismo nem espiritualismo que trará a
resposta para a resolução das crises, no seu entender estas são visões estreitas
e possuem um entendimento periférico do que realmente está, no seu entender,
enunciado e explícito. Para que essas visões possam servir como ferramentas
na resolução da crise na humanidade, elas precisam estar juntas, pois, há
necessidade de ocorrerem mudanças na sociedade tanto na esfera das
estruturas-econômicas como, na quebra de paradigma dos valores sociais
agregados, através da superestrutura jurídica, políticas e simbólicas. Mounier
descreve:
...nós não estávamos satisfeitos om nenhum deles. Parecia-nos
que espiritualistas e marxistas participavam do mesmo erro. Erro
que consistia em separar o corpo e a alma, o pensamento e a
ação, o homo faber e o homo sapiens. Nós afirmávamos, por
outro lado, por outro lado: a crise era ao mesmo tempo
econômica e espiritual, crise de estruturas, crise do homem. Não
retomávamos somente a palavra de Péguy: A revolução será
moral ou não será revolução. Afirmávamos: A revolução moral
será econômica, ou não será revolução. A revolução econômica
94
será moral ou não será nada. (MOUNIER 1990, p.199 apud
PEIXOTO, 2009, p.24)
Através do lançamento da revista Sprit em 1932, na França, Mounier tem
a oportunidade de apresentar ao mundo uma filosofia inovadora, filosofia do eu
em relação ao outro, ―... ou seja, do espírito na forma pessoal que lhe é
conatural e necessária. Contudo a pessoa não está centrada em si mesma, mas
ligada, através da consciência, a um mundo de pessoas que são os outros e a
comunidade.‖ (NASCIMENTO, 2007, p.117)
É interessante abordar que Mounier não foi mais um filosofo do século XX
que se preocupou em dialogar criticamente com todos os outros filósofos e suas
concepções. Mounier em sua trajetória filosófica abordou pensamentos
polêmicos como o Marxismo, Cristianismo, Capitalismo e Existencialismo. Como
representante de uma filosofia que defende a pessoa como ser único e absoluto,
o filósofo da ―persona‖ não esconde a forte influência que teve pelas ideias
marxistas, existencialistas e cristãs.
Ele estabeleceu um diálogo franco e crítico com essas correntes de
pensamento sem, no entanto, deixar de reconhecer as suas contribuições para a
compreensão da realidade e para a origem do próprio personalismo. (PEIXOTO,
2009, p.51)
Com base nessas influências Mounier desenvolve em sua postura
personalista um repúdio ao capitalismo, que para o filósofo é o principal culpado
pelo processo de ―desgentificação‖ da pessoa e da exploração e opressão do
homem pelo homem. Peixoto afirma que
...que o capitalismo transformou a propriedade num instrumento
de privação e negação do outro. A propriedade que deveria ter
uma função social assumiu um caráter eminentemente privado. A
posse se transformou em‗posse-conquista‘ e ‗posse-conforto‘,
em exclusão do trabalhador. (PEIXOTO, 2009, p.52)
Tem–se na afirmação do autor uma visão que acontece em algumas
unidades escolares quando se tem a apropriação da escola enquanto bem
95
privado e consequentemente a possibilidade de posse de tudo o que nela há
inclusive os direitos individuais, as recusas e toda tentativa de enfrentamento.
Para Mounier o marxismo foi como para muitos segmentos também a
oportunidade de enfrentamento ao capitalismo que reduzia a pessoa a um objeto
a ser possuído. Apesar de ser totalmente contrário ―a concepção eminentemente
economicista e coletivista do marxismo‖ Peixoto, 2009. Mounier soube encontrar
nas ideias de Marx características admiráveis, como, a questão do engajamento,
de presença e de profunda necessidade de uma transformação da sociedade.
Para Mounier isso caracterizou verdadeiramente o surgimento da práxis.
Poderíamos dizer, penso eu que se fosse não o marxismo mais
um pensamento que em nome de uma coletividade elimina a
pessoa, Mounier teria trilhado os caminhos marxistas. O fato
exclusivo de o marxismo, em sua reação polêmica, não ter
sabido distinguir entre materialismo e realismo, e se opor a um
espiritualismo desencarnado e a um realismo espiritual integral,
do qual a filosofia clássica anterior ao seu desvio idealista
oferecia-lhe as linhas mestras, demonstra até que ponto era
estreita a imagem que se fazia da realidade do homem.
(MOUNIER, 1992, p.617 apud PEIXOTO, 2009, p.55)
Realmente apesar de todo o reconhecimento, generosidade e respeito,
não há como um personalista, defensor assumido da pessoa e sua
transcendência humana, comungar com os mesmos pensamentos.
Sendo Mounier, um filósofo cristão defensor da existência humana, o
Personalismo pode ser entendido como uma vertente de pensamento
pertencente ao Existencialismo que tem seu ícone em Sartre. Contudo já nas
primeiras leituras sobre o Existencialismo sartreano, percebe-se que os
princípios e verdades defendidas são de um Existencialismo ateísta que fornece
ao homem uma liberdade sem limites, onde o outro não é considerado como
pessoa, não há uma possibilidade de comunhão, mas sim de uma completa
adversidade.
96
O outro na concepção sartreano, é um obstáculo, uma ameaça à
minha liberdade: [...] o outro é aquele que me vê, que me
objetifica com seu olhar, que me rouba o mundo, me arrebata a
liberdade. (MOIX, 1968, p.2006 )
Partindo desta constatação identificamos claramente que o Personalismo
jamais pode ser comparado ao existencialismo sartreano. O que o Personalismo
defende enquanto vertente da filosofia Existencialista é uma ― perspectiva cristã,
que deseja recuperar a prática do existencialismo autêntico não como
concepção do ser condenado a solidão, mas como concepção do ser solitário.‖
(COUSS,1969,p.86,PEIXOTO,2009,p.56).
Em muitos momentos de minha caminhada como gestora percebi como é
forte este sentimento de isolamento que muitas vezes acomete os gestores e
demais docentes. Infelizmente presenciei também cenas em que o
existencialismo sartreano teve seu auge de maneira explícita.
Moix retrata de forma clara o que separa o existencialismo do
personalismo é a confusão frequente Que faz do primeiro entre o
trágico e o desespero; o fracasso total da comunicação e a
impossibilidade de fundar a comunidade: a interioridade mal
compreendida que assinalam uma volta ao individualismo; a
negação da natureza humana; a negação da história; a idéia de
uma liberdade sem limites e por vezes, sem finalidade;
dissolução da verdade na subjetividade; desconfiança excessiva
da razão; o niilismo filosófico; e, sobretudo a recusa sistemática
da objetividade, que termina nas recusas das mediações, da
ciência, da técnica, da organização e marca ao idealismo.
(MOIX, 1968, p.222 )
Para Mounier nada está perdido e a realidade não pode ser vista com
este olhar tão frio e cético, pois para o personalismo a humanidade deve ser
vista com um olhar esperançoso, confiante, vencedor, humanizante e
humanizador. Ao homem cabe no entender do personalismo mounierista
97
transcender todos os obstáculos crendo que o ser humano é uma criação de
Deus e que tem o dever de ser feliz e fazer os outros felizes, ou seja: [...] Mesmo
encontrando a cada passo o mistério, mesmo marchando muitas vezes na noite,
o cristão crê que todo existente é um sinal da superabundância do amor de
Deus. Moix (1968 apud PEIXOTO, 2009, p.56)
O conceito de transcendência e a possibilidade do homem transcender os
obstáculos que a convivência humana nos propicia, é confirmada quando
observamos a influência direta e constante do cristianismo na vida e obra do
personalismo mounierista. Mounier defendia um cristianismo diferente do que
era apresentado pela igreja católica ocidental, para ele os cristãos haviam
chegado a uma posição de conformismo e a igreja havia sido invadida pelas
concepções materialistas e econômicas, deixando de pregar o evangelho
autêntico. Em carta escrita a sua irmã Mounier desabafa: ― um dia ou outro
temos que aceitar ou querer a conversão que precisamos operar em nós.
Mounier ( apud MOIX,1968,p.335) É um desabafo de um filósofo mas antes de
tudo um cristão apaixonado pelos princípios cristão que reconhecem no homem,
na pessoa um ser único e absoluto, um ser especial e por isso tão amado por
Deus, um ser que na sua absolutez precisa reencontrar a sua totalidade
humana. É a presença de um humanismo integral. Mounier afirma que:
O homem que não está mais entre as mãos de Deus é aquele que não
tem mais sua vida nas mãos, e cujo ser se fragmenta em uma multiplicidade de
forças divergentes. Mounier (apud GUISSARD, 1969, p.48)
As influências dos princípios cristãos são tão fortes no Personalismo
mounierista que o filósofo chega a declarar: ―o meu evangelho, além disso, é o
evangelho dos pobres.‖ Mounier (apud GUISSARD, 1969, p.49)
Mounier em todo seu tempo insistiu e influenciou a igreja católica da época
para que houvesse uma renovação e certo retorno a igreja cristã primitiva que
era voltada para o compromisso e o comprometimento com a pessoa humana.
98
3.4. Uma avaliação das relações interpessoais entre gestores e
docentes a partir do Personalismo de Mounier
Ao propormos estudar as relações interpessoais a luz do personalismo de
Mounier, precisamos declarar que essa pesquisa não terá o objetivo de se
aprofundar na historicidade do termo, contudo tentarei de maneira modesta
pontuar alguns momentos que, no meu entendimento, fundamentam a
compreensão, a importância e a atualidade do pensamento político de Mounier
para a sociedade mundial em todos os seus aspectos reais e contraditórios.
Quando penso desta forma estou me baseando não só na leitura da
única obra de Mounier que tive acesso: O Personalismo, trad. por Alves (2004),
mas, sobretudo nas palavras de Severino11 que assim escreve: ―As ideias de
Mounier ajudariam a traçar perspectivas para crises políticas de qualquer
sociedade onde o ser humano é manipulado, explorado, oprimido, como é bem o
caso da sociedade brasileira‖.
Mounier nasceu em Grenoble na França, no dia 1º de abril de 1905. Fez
mestrado em Filosofia, com a dissertação ―O conflito do Antropocentrismo e do
Teocentrismo na filosofia de Descartes‖. Enquanto esteve em Paris, teve um
vasto círculo de amigos, dentre eles Jean Paul Sartre, Gabriel Marcel e Raïssa
Maritain. Este circulo de amigos era o que havia de melhor na vida intelectual de
Paris. Com a convivência com estes pensadores Mounier, resolve publicar em
1932 a revista “Sprit‖, ferramenta através da qual o filósofo rompe com a
desordem estabelecida pelo caos que as tragédias do século XX deixaram na
Europa e no mundo.
O programa do movimento liderado por Mounier e da revista criada por
ele era sintetizado no slogan ―Refazer o renascimento‖, ou seja, promover uma
―revolução personalista e comunitária‖. Com Mounier nasce o que podemos
chamar de uma filosofia da pessoa.
11
Entrevista de Joaquim Severino, cedida a IHU on-line, ano V edição número 155. ISSN 1981-8769 no
ano de 2005. pp 18-20, intitulada. “Herdamos uma filosofia da práxis”
99
A Europa dos tempos de Mounier vivia um contexto de crise política e
espiritual, tragédias, guerras que verdadeiramente assombraram e nos
assombram até hoje. Devido ao contexto da época instaurou-se um pessimismo
coletivo nos intelectuais, a ponto de apresentarem julgamentos pessimistas
quanto ao futuro.
Na França um poeta francês chamado Paul Valéry, escreve:
Há a ilusão perdida de uma cultura europeia e a demonstração
de impotência do conhecimento para salvar o que quer que seja.
Há a ciência atingida em suas ambições morais, e como que
desonrada pela crueldade de suas aplicações. (VALÉRY apud
LORENZ, 2008, p. 12)
A crise da racionalidade e o desespero que se instaura desde o simples
trabalhador até a grande elite intelectual europeia, na verdade é consenso em
toda humanidade que se vê fragilizada perante a tanta tragédia. (LORENZ,
2008) Será que o racionalismo teria morrido nos campos de batalha? O
distanciamento no qual homens e mulheres passam a ter em relação a
esperança, fé e amor, será o prenúncio da morte?
Este desespero que percebemos, pela ausência de um local seguro, algo
concreto, palpável e firme para se sustentar, submete o ser humano ao
―niilismo‖12.
É no convívio com as sombras do passado, com o medo do futuro e com
a angústia do presente que o personalismo de Mounier irá se contrapor.
Mounier não nos vai dar o esclarecimento ou o resumo de uma
doutrina que dele não era passível, mas, muito antes, vai tentar,
a partir de seus temas e dados fundamentais, apresentar-nos em
plena elaboração e em plena vida uma filosofia que escapa a
12
Segundo Gérard Durozoi, em seu Dicionário da Filosofia (1996) o conceito de niilismo em Nietzsche, o
designa em primeiro lugar a ausência de fins determináveis “faltam fins”- que permitiriam a priori dar
um sentido à vida humana: “o futuro não tem objetivo”, ainda mais porque “Deus está morto.”
100
todas as sistematizações, exatamente porque assente na
pessoa, que é livre e sempre imprevisível. É assim que o que
aqui encontramos é, sobretudo o acento doutrinário, sem corpo
de doutrina, a sistematização sem sistema, o encontro com
temas que merecem e justificam existências, essa dimensão de
testemunho e de mensagem, para que o seu pensamento mais
normalmente é compelido e que, tanto sua vida como sua obra,
sempre quiseram assumir. (COSTA apud ALVEZ, 2004, p.10)
Partindo desta constatação, o personalismo de Mounier é por excelência
o personalismo existencial, de um homem que teve como uma das suas
principais missões neste mundo, o engajamento nas questões políticas, sociais,
ideológicas e espirituais. Mounier desafiou os intelectuais da época a se
tornarem pessoas engajadas. Para o pensador ― engajar-se é uma exigência
essencial da vida pessoal‖ (MOIX,1968,p.176).
O que se propõe com esse engajamento é uma nova civilização. Esta
civilização para o pensador é o que já nos referimos anteriormente uma filosofia
a serviço da pessoa. Pessoa que se envolva e se comprometa pessoalmente
com a realidade imposta, tomando posse de seus direitos fundamentais, como,
viver, amar e ser amado, respeitar e ser respeitado, lutar por uma vida digna
sem em momento algum se esquecer de sua humanidade e de sua condição
existencial de ser humano.
A exigência deste engajamento e desta luta, perpassa necessariamente
pelo que (MOUNIER, 2004, p.103)) nos demostra: ― que nos modifique a
realidade exterior, que nos forme, que nos aproxime dos homens, que enriqueça
de valores nosso universo‖.
Mounier será ainda mais claro em se tratando de relações entre as
pessoas.
Ora nunca relações entre pessoas podem estabelecer-se
em um plano técnico. Desde que o homem é presente
todos são por ele contaminados. Agem até pela qualidade
da sua presença. Os próprios meios materiais tornam-se
humanos, vivem nos homens, por eles modificados e
101
modificando-os a eles, ao mesmo tempo se integram essa
interação num processo total (MOUNIER, 2004, p.105)
Entendemos que aqui se encontra uma perspectiva relacional à qual
Mounier abordará em toda sua práxis filosófica, pois ai está o cerne do
engajamento. É nas relações que acontecem o encontro do eu com o outro, que
a pessoa faz a experiência de si. É a partir do contato pessoal com o outro que
há a possibilidade de um desvelar-se do próprio ser, conforme Lorenz (2008),
porém isso se torna factível, desde que a acessibilidade, a disponibilidade
estejam presentes.
O personalismo mounierista contribui de maneira didático-pedagógica,
humanizadora e transformadora com a temática das relações interpessoais,
pois, estamos diante de uma filosofia que tem em seu seio não sistematizações
de ideias e suposições de alguém distante com a práxis, não é um olhar vertical,
não é um discurso denso e complexo é, na verdade um testemunho de vida de
alguém que amou o ser humano independente das circunstâncias, que não
deixou que as armadilhas do sistema capitalista individualista maculassem esse
amor. Que durante toda sua curta existência lutou pela permanência da
condição humana em sua integralidade e dignidade.
Creio que por pior situação que a política educacional brasileira esteja
passando nada se justifica na violência revelada ou velada, no desrespeito, na
tentativa de coisificação do ser humano.
Talvez se Mounier ainda estivesse vivo ele diria o que o apóstolo Paulo
disse na carta de I Coríntios 13.13 ―Assim, permanecem agora estes três: a fé, a
esperança e o amor. O maior deles, porém é o amor‖
102
Considerações Finais
Enfim é chegado o momento de olhar para trás, para os papéis
espalhados pala sala do meu orientador, em uma das dependências da
Universidade Federal de Mato Grosso e dialogar novamente com alguns
autores, mas necessariamente dialogar comigo mesma, se isso é possível.
Percebo ao ver o trabalho em sua fase ―final‖ que o universo do pesquisador é
algo que a fenomenologia merleaupontiana diria: um pensamento encarnado no
corpo.
Corpo que Ponty, Foucault, Mounier, Freire e tantos outros citam em
enfoques diferenciados de maneira direta ou indireta no caso de Freire, mas que
em si é o corpo.
Em entrevista a IHU Online, Rocha (2011,11) diz que Ponty ―trás o corpo
como um ponto fundamental de apreensão do mundo, ponto que muitas vezes
descuidamos na filosofia, ou mesmo na educação‖. Esse corpo sente dor,
angústia, alegria, é oprimido, oprime, é meu, é do outro e se manifesta na
interação e constituição do outro.
Evocar a corporeidade sem tê-la usado como uma dimensão do trabalho
nesse momento pode aparentar sem sentido, mas justifico a permanência e
utilização, no sentido de chamar atenção para a constituição do espaço onde
esses corpos se situam e se constituem com os significados de suas ações.
Conforme Ponty (2006) o corpo dotado de intencionalidade encarnada.
Para Mounier (2004) será existência incorporada, Foucault(1997) em Vigiar e
103
Punir, corpos dóceis e em Freire (1996) corpo existencial que interage com o
outro.
Refletindo sobre estes conceitos e lembrando que tenho como pano de
fundo a compreensão fenomenológica, percebo que estamos diante talvez de
um dos maiores desafios do século XXI, em meio a tantos progressos
tecnológicos, a ascensão da robótica, o cinema 6 D, os avanços da medicina e
tantos outros feitos, precisamos relembrar fatos do passado e perceber como
acontecimentos como o maquinismo, o fascismo, a civilização burguesa
individualista, a insegurança da racionalidade contribuíram para a
despersonalização do ser humano.
Mounier não resolve sair em defesa de uma filosofia do prósopon á toa,
isto só acontece porque os valores que dignificam a pessoa humana estavam
desaparecendo e a sociedade caminhava a passos largos para uma crise da
existência.
Será que há alguma coincidência com o que vivemos na atualidade?
Em nome de um sistema capitalista liberal desigual e fomentador de
exclusão, terminamos por não nos reconhecer enquanto seres incompletos e
inacabados.
Buber(1979) irá dizer que na relação do EU e o TU, essa incompletude
irá gerar reciprocidade que, em consequência gerará amor, a responsabilidade,
unidade, diálogo, ou seja, não é só EU e nem só o Tu, mas sim EU e TU, que
por sua vez respeito e amor.
O amor é uma força cósmica. Aquele que habita e contempla no
amor, os homens se desligam do seu emaranhado confuso
próprio das coisas; bons e maus, sábios e tolos, belos e feios,
uns após outros, tornam-se para ele atuais, tornam-se TU, isto é,
seres desprendidos, livres, únicos, ele os encontra cada um
face-a-face. [...] O amor é responsabilidade de um EU para com
um TU: nisto consiste a igualdade daqueles que amam
igualdade que vai do que não pode consistir em um sentimento
qualquer igualdade que vai do menor, ao maior do mais feliz e
104
seguro, daquele cuja vida está encerrada na vida de um ser
amado, até aquele crucificado durante sua vida na cruz do
mundo por ter podido e ousado algo inacreditável: amar os
homens. (BUBER, 1979, p.17)
Não estou me referindo aqui ao amor enquanto sentimento, por entender
que este todos nós já o temos em nosso íntimo, mas o amor que surge nas
relações dialógicas, estabelecidas entre as pessoas, o amor que emerge de um
momento de diálogo frente a uma situação que aparentemente era impossível
de se resolver, o amor necessário a relação dos homens e das mulheres.
Quando nos relacionamos com nosso próprio com amor não há lugar para
violência, não há lugar para nenhum sentimento que nos torne menos humano.
É no diálogo que esse amor tem que surgir, para que em diálogo mediante a
palavra possamo-nos ―confrontar‖ e nos ―suportar‖ em amor.
Gostaria que nas relações interpessoais, estabelecidas no convívio da
escola fossem envolvidas deste amor e que ele fosse a opção para a
humanização das relações.
105
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111
ANEXO A
112
113
ANEXO B
114
115
ANEXO C
116
117
118
ANEXO D
119
120
121
ANEXO E
122
Apêndice A
Prezados colegas, tendo em vista a pesquisa em curso sobre
as relações interpessoais no contexto escolar no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Federal de Mato Grosso, solicito se possível, responderem a este questionário. Não há necessidade de identificação
1) Qual a sua formação?___________________________________
2) Quais as características que você pensa ser imprescindíveis para o
exercício do cargo de gestor?( no mínimo
três)___________________,_____________________e_________
_____________________
3) Qual o nível de relacionamento que tinha com o gestor?
( ) profissional ( ) amigável ( )superficial ( ) difícil
4) Como você via o último gestor da escola?
( ) Flexível ( ) Inflexível
5) Se a resposta for inflexível, o que você fez para resolver os
problemas e os conflitos que
ocorreram?_____________________________________________
______________________________________________________
6) Como o gestor reagia ao ouvir suas sugestões em relação a
organização e administração da unidade escolar?
( ) Ouvia atentamente ( ) Ouvia sem dar muita importância ( ) Nem sempre ouvia minhas sugestões ( ) Nunca ouvia minhas sugestões
7) Ao seu ver qual o nível de acompanhamento que o último gestor
tinha das coisas que aconteciam na unidade escolar?
( ) alto ( ) médio ( )baixo ( ) nunca sabia o que de fato estava acontecendo na escola
123
7 A) se a resposta não for alto, o que lhe impedia de realizar este acompanhamento___________________________________________________________________________________________________________
8) Qual a sua opinião sobre o processo eleitoral para escolha de
gestores em Diamantino- MT?
( ) polêmico ( ) justo e democrático ( )político ( ) outros
9) Você incentivaria um colega a ser gestor?
( ) sim ( ) não
Justifique:____________________________________________________
10) Você se candidataria ao cargo?
( ) sim ( )Não
Justifique_____________________________________________________ Obrigada por responder este questionário ______________________ Profª Mtda Sonia Apª da S. de L. Pires