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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA
AMANDA YASMIM CEZARINO
FOTOGRAFIA COMO PRÁTICA DE ENUNCIAÇÃO: EXPERIÊNCIAS
VIVENCIADAS NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA SURDOS, NO
CONTEXTO DO PROJETO NOVOS TALENTOS/UFMT/CAPES
CUIABÁ-MT
2017
AMANDA YASMIM CEZARINO
FOTOGRAFIA COMO PRÁTICA DE ENUNCIAÇÃO: EXPERIÊNCIAS
VIVENCIADAS NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS PARA SURDOS, NO
CONTEXTO DO PROJETO NOVOS TALENTOS/UFMT/CAPES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso como requisito para obtenção do título de Mestre
em Educação na Área de Concentração Educação, na Linha de
Pesquisa Educação em Ciências e Educação Matemática.
Orientadora: Prof.ª. Dr.ª. Tânia Maria de Lima
CUIABÁ-MT
2017
Agradecimentos
A energia que move o universo e que envolve meu caminhar sempre em direções
sensíveis ao Outro.
À minha querida orientadora que me conduziu com altruísmo durante esse
processo. Por confiar na minha capacidade, pela amizade, cuidado e, sobretudo pela
paciência, meus eternos agradecimentos.
À banca examinadora, Profº Drª Antonio Carlos Rodrigues de Amorim, Profª
Drª Nilce Maria da Silva, Profª Drª Maria Liete Alves Silva, Profª Ozerina Victor de
Oliveira pelo aceite de participação e pelas valiosas contribuições.
As amizades que construí na Linha de Pesquisa Educação em Ciências e
Educação Matemática e que me motivaram a escrever com alegria.
Aos meus colegas do grupo de estudos e pesquisa Educin/UFMT, que
contribuíram com as discussões e construção desse caminho.
Aos profissionais do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) e aos
Professores do programa, pelas partilhas e contribuições.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela
bolsa de estudos concedida.
À equipe administrativa e pedagógica do CEAADA, às intérpretes pela presteza
todas as vezes que foram solicitadas, e aos alunos que prontamente se dispuseram a
participar da pesquisa.
Aos alunos da graduação que atuaram como monitores no Projeto Novos
Talentos auxiliando no trabalho com a fotografia e que carinhosamente aceitaram
participar desta pesquisa.
Aos principais responsáveis pelos trabalhos com a fotografia no Projeto Novos
Talentos que contribuíram significativamente com este estudo.
À minha família, sempre doce e sensível que me apoiou e motivou nos
momentos difíceis do processo de escrita.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Pesquisas que trazem contribuições à Fotografia e Educação de
Surdos; Fotografia e Educação em Ciências Naturais
60
LISTA DE FIGURAS
Fotografia 1 Balneário da Sebastiana................................................................ 81
Fotografia 2 Caverna......................................................................................... 81
Fotografia 3 Roda d‟água.................................................................................. 81
Fotografia 4 Casa na árvore.............................................................................. 81
Fotografia 5 Pequenos caminhos....................................................................... 83
Fotografia 6 Caminho infinito........................................................................... 83
Fotografia 7 Caminho perigoso......................................................................... 84
Fotografia 8 Caminho do cupim........................................................................ 84
Fotografia 9 Muro casa cuiabana I.................................................................... 87
Fotografia 10 Muro casa cuiabana II.................................................................. 87
Fotografia 11 Mangueira..................................................................................... 87
Fotografia 12 Muro casa cuiabana III................................................................. 87
Fotografia 13 Detalhes do pátio da casa cuiabana............................................ 88
Fotografia 14 Aluno CEAADA........................................................................... 88
Fotografia 15 Dois alunos CEAADA.................................................................. 88
Fotografia 16 Chegada ao local da obra Orla Cuiabana.................................... 90
Fotografia 17 Características gerais do Rio Cuiabá........................................... 90
Fotografia 18 Rio Cuiabá.................................................................................... 91
Fotografia 19 Margem Rio Cuiabá...................................................................... 91
Fotografia 20 Poluição Rio Cuiabá..................................................................... 92
Fotografia 21 Lixo Rio Cuiabá............................................................................ 92
Fotografia 22 Utilização do Rio Cuiabá pela população local............................ 93
Fotografia 23 Projeto Orla Cuiabana.................................................................. 93
Fotografia 24 Estudantes do CEAADA no APMT............................................. 94
Fotografia 25 Estudantes do CEAADA no APMT II......................................... 94
Fotografia 26 Aluno CEAADA fotografando especiaria cuiabana..................... 95
Fotografia 27 Detalhes aluno CEAADA fotografando na feira do Porto........... 95
Fotografia 28 Grupo de alunos fotografando bairro do Porto............................. 96
Fotografia 29 Detalhes de aluna fotografando bairro do Porto .......................... 96
RESUMO
Na contemporaneidade, os recursos tecnológicos permitem produzir e por em circulação
uma profusão de informações e de imagens em tempo quase que real. No universo de
imagens produzidas em nossos dias, a fotografia ocupa lugar de destaque, pois ela pode
ser considerada com uma forma que as pessoas encontram para falar de si e do mundo a
qualquer momento. Esse entendimento motivou a realização deste estudo cujo propósito
é analisar experiências vivenciadas no Projeto Novos Talentos/UFMT/Capes,
notadamente no que se refere ao uso de fotografia na educação em ciências naturais para
estudantes surdos. O campo do estudo foi o Projeto Novos Talentos (PNT),
desenvolvido pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) com apoio financeiro
da Capes. Este projeto de extensão universitária – configurado como uma rede de
conversação entre estudantes e docentes vinculados a diversos cursos de graduação e de
pós-graduação da UFMT e estudantes e professores de cinco escolas públicas de
educação básica de Mato Grosso – apostou na produção de fotografias como uma forma
de registro visual que favorece o protagonismo de estudantes no processo educativo.
Neste estudo damos destaque à participação de uma escola especializada na educação de
surdos, denominada Centro Educacional de Apoio ao Deficiente Auditivo (CEAADA),
participante do PNT. O referencial teórico aqui adotado foi fundamentado nos estudos
culturais, mais especificamente nos estudos surdos. A metodologia seguiu os postulados
da abordagem qualitativa do tipo estudo de caso. Os dados foram extraídos de
documentos (relatórios do projeto), de observações e de entrevistas semiestruturadas
com sujeitos praticantes do PNT. As análises indicam que a fotografia pode ser
considerada uma linguagem que possibilita expressar não só aprendizados no campo das
ciências naturais, como também de outras ciências que integram o currículo escolar. Os
resultados remetem ao reconhecimento de que a fotografia potencializa a interação
surdo-ouvinte, pois é uma prática de enunciação. Em se tratando da educação de surdos
a fotografia reitera o que disse o poeta pantaneiro Manoel de Barros: Imagens são
palavras que nos faltaram.
Palavras-Chave: Fotografia; Educação em Ciências Naturais; Educação de Surdos;
Projeto Novos Talentos.
ABSTRACT
In contemporary times, the technological resources allow us to produce and broadcast a
profusion of informations and images in real time. Regarding the large amounts of
images produced nowadays, the photography is highlighted because it can be
considered as a way of people talking about themselves to the world at anytime. This
understanding motivated the accomplishment of this study, whose purpose was to
analyze the experiences lived in the Project Novos Talentos/UFMT/Capes, particularly
regarding the use of photography in the education of natural sciences for deaf students.
The field of study was the Project Novos Talentos (PNT), developed by Federal
University of Mato Grosso (UFMT) and sponsored by Capes. This university‟s
extension project – configured as a network of conversation between students and
faculties linked to several undergraduate and postgraduate courses at UFMT, and
students and teachers from five elementary public schools in Mato Grosso – focused on
the production of images as a way of visual registration that favors the protagonism of
students in the educational process. In this study, we highlighted the participation of a
specialized school in the education of deaf, called the Educational Center to Support the
Hearing Impaired, which is a participant of the PNT. The theoerical framework adopted
here was based on cultural studies, more specifically on deaf studies. The methodology
followed the postulates of the qualitative approach of the case study type. The data were
extracted from documents (project reports), observations, and semi-structured
interviews with PNT practitioners. The analysis indicated that photography can be
considered as a language that can improve learning in the field of natural sciences as
well as other sciences that integrate the curriculum of the school. The results of this
study refers to the recognition that photography enhances the deaf-hearer interaction
because it is a practice of enunciation. When it comes to the education of the deaf,
photography reiterates what the poet Manoel de Barros said: Images are words that we
lacked.
Key Words: Photography; Education in natural sciences; Education for the Deaf;
Novos Talentos Project.
Ensaios fotográficos
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se via ou ouvia um barulho,
Ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com
maiakoviski – seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria
uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
Manoel de Barros
Do livro: Ensaios fotográficos.
Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.
SUMÁRIO
MOTIVAÇÃO E PROPÓSITOS DESTE ESTUDO.......................................... 12
1. EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NATURAIS: UM DIREITO DOS
SURDOS..................................................................................................................
19
1.1 Ciência moderna: entre avanços, promessas de libertação e
práticas de exclusão.............................................................................
20
1.2 A Ciência na condição pós-moderna.................................................. 23
1.3 A cultura no plural: um olhar sobre cultura surda.......................... 25
1.4 Desafios da educação em ciências naturais para surdos.................. 34
1.5 Pedagogia dos surdos........................................................................... 44
2. A FOTOGRAFIA COMO UM ARTEFATO CULTURAL E UMA
PRÁTICA DE EUNUNCIAÇÃO DO POVO SURDO.......................................
50
2.1 Fotografia como um artefato cultural................................................ 51
2.2 Usos da fotografia na educação ......................................................... 55
2.3 O que diz a literatura sobre a fotografia na educação de surdos e
na educação em ciências naturais......................................................
59
2.4 Fotografia como prática de enunciação pelo surdo.......................... 63
3. EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO REDE DE CONVERSAÇÃO.....
68
3.1 Extensão Universitária numa via de mão dupla............................... 68
3.2 Quando a extensão se configura como uma rede: quem são os
incluídos?..............................................................................................
73
3.3 Projeto Novos Talentos/UFMT/CAPES uma rede de conversação. 75
3.4 Fotografando a Natureza .................................................................... 78
3.4.1 Oficina fotografando a Natureza I......................................................... 79
3.4.2 Oficina fotografando a Natureza II........................................................ 82
3.4.3 Oficina fotografando a Natureza III: Pinhole........................................ 85
3.4.4 Projeto Rio Cuiabá: história, memórias, retratos e perspectivas............ 89
4. EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS NO USO DE FOTOGRAFIA NA
EDUCAÇÃO DE SURDOS...................................................................................
98
4.1 O caminho trilhado na coleta de dados.............................................. 99
4.2 Narrativas de mediadores das atividades.......................................... 100
4.3 Narrativas de monitores do PNT........................................................ 108
4.4 Narrativas de estudantes surdos......................................................... 114
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 120
REFERÊNCIAS.....................................................................................................
124
APÊNDICE A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 130
APENDICE B TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PARA CRIANÇAS
132
APENDICE C TERMO DE AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL 133
12
Motivação e propósitos deste estudo
Para entender nós temos dois caminhos: O da sensibilidade que é entendimento do corpo;
e o da inteligência que é entendimento do espírito. Eu escrevo com o corpo
Manoel de Barros
Ao iniciar esta dissertação com uma imagem da Série Caminhos que foi
fotografada por estudantes surdos, em uma das atividades do Projeto Novos Talentos,
intento1 convidar o leitor a percorrer os caminhos que foram trilhados no
desenvolvimento do estudo aqui apresentado. Quero começar explicitando que o
interesse por esta pesquisa surgiu das experiências vivenciadas no meu percurso
estudantil, notadamente no âmbito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Por essa razão, inicio este trabalho descrevendo algumas atividades que fizeram parte
dessa trajetória e que convergiram para a realização desta pesquisa.
As palavras que tecem essa rede de sentidos expressos nesta dissertação falam,
portanto, de mim e de outras pessoas que partilharam essa história. Assim como o poeta
pantaneiro, busco escrever com o entendimento do corpo para chegar ao entendimento
do espírito requerido pela produção acadêmica. Sei que “as palavras [...] recebem nossas
torpezas, nossas demências, nossas vaidades e demais escorralhas. As palavras se sujam
de nós na viagem” e que, portanto, elas nos “escondem sem cuidado”, pois, “escrever é
cheio de cascas e de pérolas” (BARROS, 2010, p. 382).
Essa história começa no final do meu primeiro ano na graduação quando
comecei a participar do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC) vinculando-me ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação em Ciências
Naturais - Educin. As pesquisas realizadas no PIBIC resultaram na publicação de um
artigo2 que buscou analisar sentidos atribuídos à coruja e à flor de Liz, adotados como
1 Nesta apresentação da dissertação o verbo será conjugado na primeira pessoa do singular por tratar de
experiências pessoais que motivaram a realização deste estudo. Nos demais capítulos, o verbo será
conjugado na primeira pessoa do plural. 2 LIMA, Tânia Maria de; MIRANDA, Amanda Carolina das Neves; CEZARINO, Amanda Yasmim. A
pedagogia e seus símbolos. Revista Pedagogia UFMT, novembro de 2014.
13
símbolos da Pedagogia. Naquela ocasião, participei de estudos e discussões em torno da
ciência, dos cientistas e da educação em ciências naturais. Eu pude, então, compreender
o papel da ciência na modernidade e as relações de poder que se fazem presentes na
produção e difusão da tecnociência. Durante todo o curso de graduação, continuei
participando do Educin e, por conseguinte, estudando e acompanhando pesquisas
relacionadas à educação em ciências naturais.
No terceiro ano da graduação integrei também um projeto de extensão
universitária3 fundamentado no uso da equoterapia em atividades pedagógicas
destinadas à educação de crianças e jovens com deficiências físicas e/ou intelectuais.
Essa experiência possibilitou-me o contato com profissionais das áreas de fisioterapia,
fonoaudiologia, psicologia e zootecnia que atuavam no projeto. Os praticantes4 eram
atendidos com o objetivo de trabalhar suas necessidades educacionais especiais, tendo
em vista que a equoterapia por meio das técnicas de equitação com o cavalo busca
superar danos sensoriais, cognitivos e comportamentais. Observei avanços, ainda que
pequenos, na relação do praticante com o cavalo como equilíbrio, atenção e outros. Esta
experiência5 despertou em mim maior sensibilidade para reconhecer as diferenças e as
potencialidades de cada sujeito. Concluí que alguns diagnosticados com a mesma
deficiência física ou cognitiva se desenvolviam de maneiras diferentes em função dos
relacionamentos com as pessoas e também com os animais.
No quarto ano do curso de graduação, cursei a disciplina Língua Brasileira de
Sinais (Libras) que foi ministrada por uma professora surda. Nesta disciplina não
enfrentei grandes dificuldades porque já dispunha de experiências anteriores com a
língua de sinais. Na educação básica, eu tive a oportunidade de participar de um grupo
que fazia apresentações de músicas em Libras pela cidade, dessa forma, aprendi alguns
sinais e pude conviver com pessoas surdas. Essa experiência me possibilitou estar em
contato com outra realidade, a qual não conhecia. Acredito que ter contato com outra
língua ainda quando criança potencializou minha proximidade com a cultura surda, com
as causas do povo surdo. Desde a minha adolescência pude compreender que as pessoas
surdas não são mudas, como alguns se referem a elas. Enquanto estudante da graduação,
3 Projeto de Extensão da UFMT Equoterapia: estimulando a memória e a concentração em portadores do
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, coordenado pela profª Lisiane Pereira de Jesus. 4 Termo designado para tratar dos sujeitos que participam das atividades equoterápicas.
5A experiência é utilizada aqui na acepção defendida por Larrosa (2016). Essa concepção de experiência
será discutida no capítulo 2.
14
eu já havia participado de um curso de extensão em Libras. Em tal curso pude relembrar
alguns sinais e aprender outros, ampliando assim, meus conhecimentos nessa língua.
Ao entrar no Mestrado na linha de Pesquisa: Educação em Ciências e Educação
Matemática, passei a integrar a equipe do projeto “Rede de estudos e colaboração para
inclusão social e desenvolvimento da cultura científica” – também denominado Projeto
Novos Talentos (PNT). Este projeto, fomentado pela Capes, foi caracterizado como uma
atividade de extensão universitária. Sua configuração foi orientada pela
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A articulação entre esses três
pilares que caracterizam a universidade foi favorecida pela rede que se estabeleceu entre
estudantes e docentes vinculados a diversos cursos6 de graduação e de pós-graduação da
UFMT, estudantes e professores vinculados às escolas de educação básica que são
parceiras no projeto e representantes da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC).
Considero necessário destacar que, dentre as escolas parceiras, uma delas atua
especialmente na educação de pessoas surdas.
O PNT constituiu-se em uma experiência muito significativa para os sujeitos
praticantes7, fato que explica o interesse de estudantes da graduação e da pós-graduação
em pesquisar algumas atividades desenvolvidas em seu contexto. No meu caso, o
interesse se dirigiu especialmente às atividades que fazem uso da fotografia na educação
de surdos. Minha pesquisa foi orientada pelo propósito (Objetivo geral) de analisar
experiências vivenciadas no Projeto Novos Talentos/UFMT/Capes, notadamente no que
se refere ao uso de fotografia na educação em ciências naturais para estudantes
surdos.
Para alcançar este escopo, organizei a pesquisa com base nas seguintes ações
(Objetivos específicos):
Desenvolver estudos teóricos sobre relações entre ciência, cultura, cultura surda
e educação em ciências naturais, dando destaque à educação de surdos;
Compreender a concepção de extensão universitária expressa no PNT;
Descrever as proposições do PNT para uso de fotografia na educação;
Analisar experiências vivenciadas no PNT, notadamente no que se refere ao uso
de fotografia na educação em ciências naturais para estudantes surdos.
6 Destaco aqui os seguintes cursos: História, Pedagogia, Biologia, Química, Física, Geologia, Geografia.
7Termo utilizado por Certeau (1994) para designar sujeitos que praticam a produção da cultura no
cotidiano.
15
A metodologia seguiu os postulados da abordagem qualitativa do tipo estudo de
caso, a partir das contribuições de Yin (2015). Os dados foram extraídos de documentos
(relatórios do projeto) e de entrevistas semiestruturadas realizadas com sujeitos
praticantes que integraram o PNT. A descrição mais detalhada do percurso
metodológico realizado nesta pesquisa será apresentada ao longo do trabalho.
Considero que esta pesquisa tem relevância acadêmica porque, ao realizar o
levantamento de teses, dissertações e artigos que tratam desse assunto, observei que são
parcos os estudos na área, sobremaneira os que buscam interfaces entre fotografia,
educação em ciências naturais e educação de surdos.
Nessa perspectiva, o referencial teórico foi ancorado em autores que se situam
no campo dos Estudos Culturais (CERTEAU, 1994, 2012; LARROSA, 2016; HALL,
1997a, 1997b; SANTOS; MACEDO, 2004; LOPES, 2013; AMORIM, 2008; SILVA,
1999), com destaque para os que se dedicam aos Estudos Surdos (LULKIN, 2015;
LUNARDI, 2015; PERLIN e STROBEL, 2009; PERLIN e MIRANDA, 2011, PERLIN,
2015; SÁ, 2010; SKLIAR, 2015; STROBEL, 2016). Entendo que os Estudos Culturais
nos fazem questionar padrões estabelecidos no modo de pensar a cultura. Além disso,
motivam também a busca pela construção de novos sentidos nas relações com o Outro.
Essa perspectiva teórica tem valor político, pois permite "a articulação de resistências
variadas às formas instituídas pelos aparatos de poder" (MACEDO, 2004 p.122).
Os Estudos Surdos são considerados aqui como um campo de conhecimento
articulado aos estudos culturais. Por essa razão, “as identidades, as línguas, os projetos
educacionais, a história, a arte, as comunidades e as culturas surdas são focalizadas e
entendidas a partir da diferença, a partir de seu reconhecimento político” (SKLIAR,
1998, p. 5).
Por conseguinte, o surdo é concebido neste estudo como uma pessoa que integra
um grupo social organizado que faz uso de uma língua específica (de sinais) e produz
uma cultura própria. “Os surdos, ou Surdos com letra maiúscula, como proposto por
alguns autores, são pessoas que não se consideram deficientes, utilizam uma língua de
sinais, valorizam sua história, arte e literatura e propõem uma pedagogia própria para a
educação das crianças surdas.” (BISOL & VALENTINI, 2011, p. 1).
Por assim entender, considero o surdo como diferente e não deficiente. “Os
deficientes auditivos seriam as pessoas que não se identificam com a cultura e a
16
comunidade surda” (BISOL & VALENTINI, 2011, p. 1). Prefiro o termo “diferença”
porque “é nela que se baseia a essência psicossocial da surdez: ele (o surdo) não é
diferente unicamente porque não ouve, mas porque desenvolve potencialidades
psicoculturais diferentes das dos ouvintes” (BEHARES, apud SÁ, 2006, p.65).
Parto do pressuposto de que a fotografia potencializa a educação de surdos, pois
eles são pessoas notadamente constituídas de experiências visuais8. Entendo que as
imagens produzidas por meio de fotografias têm alcances inimagináveis, pois motivam
a produção de experiências/sentidos pelos observadores. Na sociedade contemporânea,
marcada pelo vertiginoso avanço da ciência e da tecnologia, a popularização da
fotografia ocorre em larga escala, por pessoas de diferentes idades e posicionadas em
diferentes contextos. Os usos das tecnologias digitais não são mais exclusividade de
uma minoria pertencente à classe mais abastada. Elas são utilizadas também por
diferentes grupos sociais, em diversas dimensões da vida.
Neste trabalho, a fotografia é concebida na acepção defendida por AMORIM
(2008, p.114), ou seja, como “representações fora dos discursos oficiais, naquilo que os
excede e deles escapa”. Reitero, assim, o entendimento do autor de que “as
apresentações do cotidiano, encontradas em diferentes textos, ganham intensidades de
presente com o uso de imagens, especialmente reproduções de fotografias” (p.115).
Este estudo está organizado em quatro capítulos. Inicialmente apresento as
“lentes teóricas” adotadas na produção do olhar sobre as demandas da educação em
ciências naturais para estudantes surdos a partir de análises sobre relações de poder
expressas na ciência, na cultura e na educação. Nesse sentido, aponta-se alguns
paradoxos tais como os expressivos avanços científicos e tecnológicos que caracterizam
a sociedade contemporânea e as marcas de “injustiças cognitivas” (SANTOS et al 2016)
a exemplo da exclusão de surdos dos processos educativos. Com base em estudos
realizados por pesquisadores surdos (PERLIN E STROBEL, 2009; PERLIN E
MIRANDA, 2011), chamamos a atenção para o necessário reconhecimento de que a
educação em ciências naturais para surdos requer reconhecimento de que esse grupo
social faz uso de uma língua e de uma cultura diferentes daquelas que são utilizadas na
produção e divulgação da ciência.
8O termo experiências visuais é concebido aqui como a utilização da visão, (em substituição total à
audição), como meio de comunicação. Dessa experiência visual surge a cultura surda. (PERLIN E
MIRANDA, 2003).
17
No segundo capítulo, abordo a cultura visual, o histórico da fotografia
considerando-a como um artefato cultural que pode ser utilizado na educação como uma
prática de enunciação. Apresento também um breve panorama da literatura relativa à
fotografia na educação de surdos para, então, situar as possíveis contribuições desse
estudo.
A potencialidade da extensão universitária nos processos de inclusão de surdos
na cultura universitária e de professores e estudantes universitários na cultura surda
(inclusão em uma via de mão dupla) é objeto de discussão do terceiro capítulo desta
dissertação. Os argumentos em defesa desse posicionamento são fundamentados em
experiências vivenciadas no Projeto Novos Talentos/UFMT/Capes, notadamente no que
se refere ao uso da fotografia como uma prática de enunciação pelo estudante surdo.
O quarto capítulo apresenta os resultados de análises sobre a fotografia como
prática de enunciação, a partir de experiências vivenciadas na educação em ciências
naturais para surdos, no contexto do Projeto Novos Talentos/UFMT/Capes. As análises
foram fundamentadas em relatos de experiências de participantes do referido projeto,
incluindo estudantes surdos.
19
CAPÍTULO 1
Educação em ciências naturais:
um direito dos surdos
Eu preciso ser outros. Manoel de Barros
Este estudo põe em pauta a educação em ciências naturais para estudantes
surdos, tendo como eixo o uso de fotografia como uma prática de enunciação. Antes de
desenvolver as análises sobre essa questão, nós julgamos necessário apresentar as
“lentes teóricas” que auxiliaram na produção do nosso olhar sobre o objeto de estudo
aqui apresentado. Referimo-nos às contribuições de autores que se situam no campo dos
estudos culturais-estudos surdos, os quais permitem compreender as demandas da
educação de surdos a partir de análises sobre relações de poder expressas na ciência, na
cultura e na educação (CERTEAU, 1994, 2012; LOPES e MACEDO, 2012; LULKIN,
2015; LUNARDI, 2015; MACEDO, 2004; PERLIN E STROBEL, 2009; PERLIN E
MIRANDA, 2011, PERLIN, 2015; SÁ, 2010; SANTOS et al, 2006; SILVA, 1999;
SKLIAR, 2015; STROBEL, 2016). Fez-se necessário considerar que, do ponto de vista
histórico, tais significantes sempre estiveram relacionados com atividades de pessoas
ouvintes mantendo os surdos e outros grupos sociais à margem do processo.
Iniciamos este capítulo tecendo algumas considerações sobre a ciência moderna,
observando avanços decorrentes dessa forma de conhecimento, bem como alguns de
seus paradoxos, tais como as promessas de libertação humana e os processos de
colonização, negação e exclusão. Em seguida, situamos a ciência na “condição pós-
moderna” (LYOTARD, 2013) reconhecendo que ela passa por uma crise de
legitimidade de dimensões epistêmicas e político-sociais, pois são fortes as evidências
de suas relações com o poder econômico engendrado no mundo globalizado.
(LYOTARD, 2013; SANTOS et al (2006).
Levando em conta que a ciência faz parte da cultura, deslocamos a discussão
para esse campo observando que nele também ocorrem relações de poder e práticas de
20
exclusão. Além disso, recorremos às contribuições de CERTEAU (2012) para realçar
que a cultura precisa ser concebida no plural. Ilustramos a pluralidade da cultura dando
destaque à cultura surda na acepção defendida por pesquisadores surdos da área
(PERLIN, 2015; PERLIN e STROBEL, 2009; STROBEL, 2016). E também chamamos
atenção para o necessário reconhecimento de que os surdos produzem língua, identidade
e cultura própria, fato que precisa ser considerado por quem está interessado na inclusão
de surdos nas muitas dimensões da vida humana, notadamente na educação. Nesse
sentido, reiteramos o posicionamento de pesquisadores que argumentam em defesa da
pedagogia para os surdos (PERLIN e STROBEL, 2009; PERLIN e MIRANDA, 2011).
1.1. Ciência moderna: entre avanços, promessas de libertação e práticas de
exclusão
No ocidente, a ciência está relacionada ao conjunto de transformações que
marcaram o final da Idade Média e o começo de um novo tempo caracterizado como
modernidade. Tais transformações foram resultado de uma trama de acontecimentos
distintos, porém, enredados uns nos outros. Referimo-nos especialmente ao
enfraquecimento do poder da Igreja Católica; à reforma protestante; à ascensão da
burguesia, ao surgimento do capitalismo; à criação dos estados nacionais; à descoberta
da imprensa, à revolução científica e à escolarização institucionalizada.
A modernidade foi associada à saída do ser humano do longo período de
escuridão epistêmica (controle do corpo e do pensamento pelos postulados teocráticos)
para o que foi denominado de “Iluminismo” (liberdade do corpo e do pensamento pelo
exercício da razão). A ciência moderna foi apresentada, então, como uma nova forma
de produção, circulação e de utilização de conhecimento. Diferente da filosofia natural
(de caráter mais especulativo), a ciência moderna interessou-se pelos problemas da vida
prática e pelo progresso do ser humano e da humanidade como um todo. Em uma
sociedade que almejava mudanças estruturais, a ciência serviu para fazer emergir outros
centros de poder, orientados mais pela busca de conhecimentos e pela tradução dos
conhecimentos em tecnologias e em serviços.
A valorização da natureza gnosiológica da ciência explica porque ela ganhou
estatuto de legitimidade e de hegemonia em relação a outras formas de conhecimento
21
tornando-se, assim, um paradigma dominante. Por conseguinte, formas de
conhecimento não referenciadas na racionalidade técnica (filosofia, artes, saberes
narrativos, mitos, crenças) foram expurgadas do campo de produção e de divulgação da
ciência. O progresso foi associado à busca da verdade pelo exercício da razão
fundamentada na objetividade, neutralidade e universalidade dos conhecimentos
científicos. Ser moderno significava, portanto, ser capaz de compreender a linguagem
da ciência e de reconhecer o seu poder de transformação pessoal e social. O cientista
(macho, branco de origem européia) foi apresentado como um “herói do saber”, ou seja,
como um sujeito racional que “trabalha por um bom fim ético-político, a paz universal”
(LYOTARD, 2013, p. xv).
Os muitos benefícios derivados do desenvolvimento científico e tecnológico
estão presentes no nosso cotidiano a ponto de não ser possível pensar na dinâmica do
mundo contemporâneo sem contar com a tecnociência. Entretanto, é preciso considerar
que, se por um lado a ciência e a tecnologia promoveram muitos avanços nos vários
campos da atividade humana, por outro, o uso inadequado e desequilibrado da
tecnociência resultou também em uma série de problemas, tais como a acentuação das
desigualdades sociais, a centralidade do poder político-econômico nas mãos de poucos e
graves alterações no ambiente.
Na cartografia do mundo de hoje são muitas as evidências dos paradoxos da
modernidade e da ciência moderna. Enquanto em algumas partes do mundo há
abundância dos benefícios da tecnociência (notadamente em países ricos do hemisfério
norte), em outros (sobremaneira em países pobres do hemisfério sul), a miséria mantém
boa parte da população em condições subumanas, a exemplo do que ocorre na Somália
e em regiões mais pobres do Brasil. Dessa forma, as promessas de emancipação humana
pela via da ciência, da busca denodada da verdade, não se efetivaram. A exclusão de um
grande contingente da população dos espaços de produção e circulação da ciência
explica porque a “injustiça cognitiva” é tema de estudos de pesquisadores que se situam
no campo dos estudos culturais (SANTOS, et al, 2006).
A injustiça cognitiva está relacionada ao fato de que o sujeito da modernidade
relacionado à capacidade de participar do processo de transformação política,
econômica, social, cultural e de usufruir dos benefícios da ciência. Ele deveria, portanto,
compreender a linguagem da ciência reconhecendo que ela é regulada por regras
22
estabelecidas no jogo da produção científica (LYOTARD, 2013). Desse jogo participam
apenas os que são reconhecidos como cientistas ou iniciantes na área.
O padrão estabelecido para o sujeito da modernidade explica porque a ciência
foi utilizada para justificar processos de colonização e negação de povos considerados
como raças inferiores, os quais seriam naturalmente relegados à condição de
colonizados, escravizados, eliminados. Explica também a negação de identidades
diferentes do padrão estabelecido e o esforço para forjá-las nesse formato. Isso ocorreu,
por exemplo, com os surdos que foram considerados como um corpo com defeitos que
poderiam ser corrigidos pela ciência, ou seja, por meio de procedimentos clínicos e/ou
pelo uso de tecnologias capazes de reabilitar a audição e a fala.
Essa perspectiva deu base ao ouvintismo9 difundido por médicos,
fonoaudiólogos e educadores. Trata-se de um pensamento voltado para a normalização
de comportamentos sociais com base no modelo de pessoa ouvinte. O consentimento do
chamado ouvintismo alcançou alguns próprios surdos que têm os ideais do progresso,
da ciência e da tecnologia como representação.
[...] poderíamos dizer que a teoria moderna tinha um objetivo bastante
claro inventar um sujeito modelo para todos. A partir deste objetivo
foi fixada a idéia da normalidade. Assim em educação do surdo, o
sujeito normal era o sujeito ouvinte, falante. A partir daí se
estabeleciam metanarrativas que afirmavam não existir nada fora da
idéia desse sujeito normal (PERLIN, e STROBEL, 2009, p. 14).
Ao se constituir em um campo de conhecimento restrito a uma minoria de
privilegiados, a ciência distanciou-se do seu propósito de emancipação humana
(universalidade) e manteve-se articulada aos centros do poder político-econômico
acentuando ainda mais as desigualdades sociais. Essa constatação, somada aos
problemas de ordem epistemológica que ocorrem na atualidade, dentro da própria
ciência, gera uma crise de legitimidade que exige pensá-las sobre outros parâmetros,
apontados por SANTOS (1998) como o paradigma emergente.
Para MIGNOLO (2004), o paradigma emergente, tratado por Santos, propõe
conectores de diferentes perspectivas, experiências e histórias do conhecimento, da
compreensão e das organizações sociais. Os conectores rompem com os termos
totalitários de ciência que tem como inferior quem pensa e age em uma perspectiva
9 O ouvintismo é conceituado por SKLIAR (1998b, p.15) como “um conjunto de representações dos
ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”.
23
diferente de seus pressupostos. Nesse sentido, um conhecimento não totalitário “admite
diferentes princípios e práticas de conhecer ou de batalhar por uma sociedade cujo
objetivo final seja uma vida decente para todos os seus membros” (MIGNOLO, 2004,
p.683).
1.2. A ciência na condição pós-moderna
Vivemos em um tempo bastante complexo em decorrência das vertiginosas
transformações produzidas pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC).
Tais tecnologias potencializam o processo de globalização que rompe barreiras,
afetando conceitos que antes pareciam estáveis, tais como a ideia de nação, identidade,
cultura, ciência, escola, educação etc.
A complexidade desse cenário de transformações de múltiplas dimensões se
revela no entendimento de que protagonizamos a história da sociedade pós-moderna.
Esse termo relaciona-se com “o estado da cultura após as transformações que afetaram
as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX”
[...] Refere-se à “crise dos metarrelatos”, conforme observou LYOTARD (2013, p. xv).
Esse autor defende que vivemos na condição pós-moderna. O termo condição
relaciona-se à ideia do estado de cultura da sociedade pós-moderna. Reiteramos a
pertinência do uso do termo condição por entender que ele se refere a um estado, uma
situação, uma circunstância do conhecimento.
A condição pós-moderna é marcada pelos abalos nas certezas que
caracterizaram a modernidade. Ela exige revisão (outras visões) dos pressupostos que
utilizamos para explicar os fatos do mundo (incluindo a ciência), para relacionar com o
Outro (o diferente), para agir enquanto pessoa no singular e no plural.
A necessária revisão nos postulados da ciência moderna resulta do
entendimento de que ela está em crise, pois “o saber muda de estatuto ao mesmo tempo
em que as sociedades entram na idade dita, pós-industrial e as culturas na idade dita,
pós-moderna” (LYOTARD, 2013, p. 3). Assim, no jogo da linguagem da ciência
moderna as posições e regras estavam bem estabelecidas e davam destaque à atuação
dos cientistas, concebidos como pessoas que tinham autonomia para definir os objetos
de estudo, os enunciados e a linguagem destinada ao público consumidor da ciência,
mas, na condição pós-moderna esta estabilidade foi afetada. Na lógica da sociedade pós-
24
industrial os jogos de linguagem são reconfigurados. A ciência se tornou uma
“tecnologia intelectual” a serviço do mundo competitivo. Trata-se de um conjunto de
mensagens possível de ser traduzido em quantidade de informação (bits) e configurado
como uma mercadoria informacional fomentada pelo capital e pelo Estado. Os cientistas
já não podem ser considerados autônomos e interessados apenas na verdade, pois, a
descoberta do erro pode dar mais eficácia e potência ao sistema de informação do que a
descoberta da verdade (LYOTARD, 2013).
Ainda que a sociedade pós-industrial possa acentuar os processos de controle
sobre a ciência, é preciso considerar que ela é produzida em meio a tensões e
negociações. Há, portanto, possibilidade de estabelecimento de relações mais
horizontalizadas entre a ciência e outras formas de saber. LYOTARD (2013) considera
que novas relações podem ser estabelecidas entre a ciência e os saberes narrativos,
desde que haja disposição para isso. Ao situar a problemática da produção científica no
âmbito da universidade, o autor chama a atenção para a necessidade de se reconhecer
que, na idade da informática, o governo do saber é um grande problema que afeta a
pesquisa. Se a universidade deseja manter seus compromissos político-sociais, ela
precisa abrir suas portas e caminhar na perspectiva de estabelecer outros jogos de
linguagem reconhecendo a potencialidade de outras formas de conhecimento (saberes
narrativos) que foram por ela incorporados, porém, negados e/ou subjugados.
Boaventura Sousa Santos (1998, 2010), assim como seus colaboradores
(SANTOS et al, 2006), também tem chamado a atenção para a crise da ciência
moderna, observando que há conflitos epistemológicos internos (no modo de produção
da ciência). Tais conflitos, que ocorrem notadamente no campo da Física e da Biologia,
somados aos problemas de ordem político-social-cultural põem a ciência em crise.
Ao realçar o colapso do reducionismo mecanicista dentro da própria ciência, o
autor considera que não existem razões para justificar a “guerra da ciência” entre os
defensores da legitimidade da racionalidade tecnicocientífica e os que apontam
problemas no estatuto epistemológico, político, social e cultural da ciência moderna.
Diante da acusação de defensor da anticiência, SANTOS et al (2006) propôs “trocar
ideias em vez de insultos” (p.24). Nessa perspectiva, argumenta que o debate epistêmico
sobre crise da ciência moderna pode ser um caminho para “descobrir áreas de consenso
sobre a legitimidade e a autoridade da ciência enquanto um modo de compreender o
mundo” (2006, p. 24).
25
Análises desenvolvidas por esses e outros autores que tratam da ciência na
contemporaneidade remetem ao entendimento de que a ciência é uma parte da cultura
humana. Ela “é um dos jogos de linguagem com os quais significamos o mundo”
(LOPES E MACEDO, 2012, p.153). Dito de outra forma, a ciência é uma das formas de
saber adotadas pela humanidade para a produção da existência. Ademais, “não há razões
científicas para que a explicação científica deva ser considerada como melhor do que
explicações alternativas. Trata-se de um juízo de valor” (STENGERS, 2001, p.131). Por
essa razão, a hegemonia da ciência em relação aos saberes narrativos precisa ser mais
bem analisada, sobretudo, pelos educadores.
1.3. A cultura no plural: um olhar sobre a cultura surda
CERTEAU (2012) é um teórico que permite compreender as relações de poder
travadas no campo da cultura e, por conseguinte, no campo da ciência. Ele questiona a
ideia de cultura como uma produção dos letrados e dos poderosos. Ao invés de conceber
a cultura no singular ele a apresenta no plural.
Não há um setor particular na sociedade onde se possa fornecer a
todos os outros aquilo que os proverá de significação. Seria restaurar o
modelo unitário: uma religião imposta a todos, uma ideologia do
Estado, ou “o humanismo” de uma classe colonizadora. Que grupo
tem o direito de definir, em lugar dos outros, aquilo que deve ser
significativo para eles? É verdade que a cultura está, mais do que
nunca, nas mãos do poder, o meio de instalar, hoje como no passado,
oculto sob um “sentido do homem”, uma razão de Estado. Mas a
cultura no singular tornou-se uma mistificação política. Mais do que
isso, ela é mortífera. Ameaça a própria criatividade. Sem dúvida, é
atualmente um problema novo encontrar-se diante da hipótese de uma
pluralidade de culturas, isto é, de sistemas de referência e de
significados heterogêneos entre si (CERTEAU, 2012, p. 142).
Estudos que tratam de processos de colonização (HALL, 1997; SANTOS et al
2006) realçam que o controle sobre a cultura foi adotado como uma prática de
dominação. Isso se deu pela imposição da cultura do colonizador (monolítica) como
forma de cercear a atividade criadora e de limitar as possibilidades dos grupos sociais
colonizados de darem significado à própria existência. Todavia, como mostram os
estudos culturais, as práticas de colonização e/ou de colonialismo não operam num
vazio. As culturas subalternizadas lutaram/lutam pelo reconhecimento de suas
respectivas identidades e pela autonomia cultural, social ou étnica, sempre se
26
manifestando e dizendo “não” pelas vias possíveis, na perspectiva de conquistar espaço
político-cultural.
No mundo globalizado, as fronteiras políticas e econômicas tornam-se mais
tênues afetando diretamente as culturas. Os hibridismos tornam-se inevitáveis, fato que
explica movimentos de resistências tais como o fundamentalismo islâmico em regiões
do Oriente Médio e o fundamentalismo hindu na Índia. “Por bem ou por mal, a cultura é
agora um dos elementos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da mudança histórica
do novo milênio” (HALL, 1997, p.20).
As tensões e conflitos no mundo globalizado parecem indicar que a
“homogeneização das estruturas econômicas deve corresponder à diversificação das
expressões e das instituições culturais. Quanto mais a economia unifica, mais a cultura
deve diferenciar” (CERTEAU, 2012, p. 142-143).
É na cultura que se dá a luta pela significação, na qual os grupos
subordinados tentam resistir à imposição de significados que
sustentam os interesses dos grupos dominantes. Nesse sentido, os
textos culturais são muito importantes, pois eles são um produto
social, o local onde o significado é negociado e fixado, em que a
diferença e a identidade são produzidas e fixadas, em que a
desigualdade é gestada (COSTA, 2005, p.138).
As discussões em torno da cultura dos grupos minoritários têm ganhado
centralidade na sociedade pós-moderna. Isso explica o lugar de destaque dado aos
Estudos Culturais. Nesse campo teórico, há entendimento de que as relações de classe
são dimensões importantes, mas não suficientes para o desenvolvimento de análises dos
muitos problemas do nosso tempo. O foco é deslocado para a cultura, pois ela é um
campo de luta em torno da significação social (SILVA, 1999). O cotidiano é
responsável pelas influências advindas de cada espaço circulado. Diariamente o sujeito
pós-moderno é confrontado por imagens, pessoas, cenas e cenários que estão em
constante produção de sentidos. A cultura pode ser concebida, portanto, como um jogo
de poder estabelecido pelas relações com a identidade (SILVA, 1999).
Para HALL (1997a), tem ocorrido um processo, cada vez mais aprimorado, de
vigilância e regulação das identidades face ao entendimento de que os seres humanos
são interpretativos, instituidores de sentidos e, portanto, praticantes da cultura. Isso
significa que as identidades não são fixas. Elas estão em movimento e mudam de acordo
27
com os caminhos percorridos por cada sujeito enquanto pessoa e enquanto parte do
grupo social.
À medida que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade
desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma
das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente
(HALL, 1997b, p.13).
No cenário de pluralidade de cultura, os movimentos minoritários buscam
autonomia cultural pela marcação da sua identidade. Considerando os objetivos deste
trabalho, destacamos aqui o movimento em defesa do reconhecimento de que os surdos
têm uma cultura própria. Buscamos amparo em autores surdos que desenvolvem
estudos sobre identidade e cultura surda. (PERLIN e STROBEL, 2009; STROBEL
2016). O intuito é o de compreender como é que o surdo entende essas questões na
condição de habitante de um mundo marcado pela hegemonia da cultura ouvinte.
Compreender a cultura surda requer entendimento de como o surdo se identifica.
Nessa perspectiva fazemos uso das palavras de Wilson Miranda, pesquisador surdo que
assim se apresenta:
Sou surdo! Meu jeito de ser já marca a diferença! [...] Ser surdo, viver
nas diferentes comunidades dos surdos, conhecer a cultura, a língua, a
história e a representação que atua simbolicamente distinguindo a nós
surdos e à comunidade surda é uma marcação para sustentar o tema
em questão (MIRANDA apud STROBEL, 2016, p. 29).
STROBEL (2016) – em seu estudo “As imagens do outro sobre a cultura surda”
– entende que tais imagens são permeadas por representações imaginárias moduladas a
partir de um padrão ouvintista. A maneira de pensar dentro de uma representação
ouvintista é modulada a fim de estabelecer padrões que regulem as diferenças. A autora
narra uma série de experiências pessoais que revelam problemas enfrentados
cotidianamente pelo surdo em decorrência da hegemonia da cultura ouvinte. Com base
nas experiências vividas, ela define cultura surda como:
O jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de
torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções
visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das
“almas” das comunidades surdas. Isso significa que abrange a língua,
as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo (p.29).
A Cultura surda é produzida a partir do envolvimento de surdos nas
comunidades surdas. O processo de transmissão da cultura surda não é fácil, porque ela
28
pode ser negada e/ou interrompida durante a formação social do surdo. Surdos, filhos de
pais ouvintes, geralmente têm pouco ou nenhum contato com a comunidade surda e
convivem em um ambiente predominantemente ouvinte. Nesse caso, eles têm restrições
no acesso à língua de sinais, a outros artefatos que compõem a cultura surda e não
participam a luta do movimento dos surdos.
STROBEL (2016) chama atenção para o fato de que as comunidades surdas não
são homogêneas. Mesmo que sendo organizadas por surdos existem diferenças. Há
grupos de surdos organizados a partir de interesses compartilhados entre seus membros,
mas distintos dos interesses dos demais grupos. Os interesses podem estar relacionados
com: raça, religião, profissão, direitos sociais – tais como o acesso à educação – etc.
Outro aspecto destacado pela autora é a distinção entre “comunidade surda” e
“povo surdo”. Uma comunidade se organiza a partir de uma formação grupal que
compartilha dos mesmos interesses. Nesse aspecto, esse grupo pode ser formado por
surdos, familiares, amigos e outros profissionais que se coadunam devido ao objetivo
em comum. Já a definição de “povo” está relacionada aos mesmos costumes, história,
tradições, língua. Dessa forma, povo surdo engloba os “sujeitos surdos que podem não
habitar no mesmo local, mas que estão ligados por um código de formação visual
independente do nível linguístico” (STROBEL, 2016, p.42).
Para melhor caracterizar a cultura surda STROBEL (2016) explicita o que
entende por artefato cultural e destaca os artefatos culturais mais importantes, de seu
ponto de vista, para ilustrar a cultura do povo surdo. São eles: experiência visual;
desenvolvimento linguístico; família; literatura surda; vida social e esportiva; artes
visuais; política; materiais.
O que seriam artefatos culturais? A maioria dos sujeitos está habituada
a apelidar de “artefatos” os objetos ou materiais produzidos pelos
grupos culturais; de fato, não só formas individuais de cultura
materiais, ou produtos definidos da mão de obra humana; também se
pode incluir tudo o que se vê e sente quando se está em contato com a
cultura de uma comunidade, como materiais, vestuário, maneira pela
qual um sujeito se dirige a outro, tradições, valores e normas, etc.
(p.43).
As experiências visuais estão relacionadas diretamente à subjetividade dos
surdos. Elas estão imbricadas nas múltiplas dimensões da vida dos surdos.
29
Os sujeitos surdos, com a sua ausência de audição e do som, percebem
o mundo através de seus olhos e de tudo o que ocorre ao redor deles:
desde os latidos de um cachorro – que são demonstrados por meio dos
movimentos de sua boca e da expressão corpóreo-facial bruta – até de
uma bomba estourando, que é óbvia aos olhos de um sujeito surdo
pelas alterações ocorridas no ambiente, como os objetos que caem
abruptamente e a fumaça que surge (p.45).
Para elucidar o que significa a experiência visual como um artefato cultural,
Strobel narra uma situação vivenciada por ela.
Uma vez meu namorado ouvinte me disse que iria fazer uma surpresa
para mim pelo meu aniversário; falou que iria me levar a um
restaurante bem romântico. Fomos a um restaurante escolhido por ele.
Era um ambiente escuro, com velas e flores no meio da mesa. Fiquei
meio constrangida porque não conseguia acompanhar a leitura labial
do que ele me falava, por causa da falta de iluminação e pela fumaça
de vela que desfocava a imagem do rosto dele, que era negro; e para
piorar, havia um homem no canto do restaurante tocando música que,
sem que eu pudesse escutar, me irritava e me fazia perder a
concentração por causa dos movimentos dos dedos repetidos de vai e
vem com seu violino. O meu namorado percebeu o equívoco e
resolvemos ir a uma pizzaria! (p. 44).
A experiência visual de criança surda é potencializada quando ela tem contato
com surdos mais velhos. Estes podem sanar dúvidas e instigar as curiosidades
propiciadas pela experiência visual. Podem também ajudar a lidar com dificuldades
provocadas por fatores como: campo de visão, iluminação, informações visuais.
O desenvolvimento linguístico acontece de diversas formas com os surdos.
Mesmo aqueles que vivem isolados ou em uma comunidade rural e que não têm acesso
à língua de sinais desenvolvem mecanismos de comunicação, tais como: sinais
emergentes ou sinais caseiros. Contudo, o acesso do surdo à língua de sinais se dá
especialmente pela participação na comunidade surda. Esta propicia maior segurança,
autoestima e identidade sadia. As singularidades das comunidades surdas explicam
porque a língua de sinais pode apresentar variações de acordo com as regiões e com o
país. As variações podem promover alterações com o passar do tempo. A autora é
categórica ao afirmar que, de forma alguma a língua de sinais pode ser ensinada tendo
embasamento na língua oralizada do país em questão “porque ela tem gramática
diferenciada” (STROBEL, 2016, p.55). Também o sistema de escrita da língua de sinais
30
é totalmente diferente. No Brasil, o sistema é conhecido como Escrita em Língua de
Sinais (ELS)10
.
Outro artefato cultural do povo surdo é a família. De acordo com a referida
autora, pais ouvintes, que não têm contato com a cultura surda, ao descobrirem que o
filho é surdo, buscam amparo em especialistas (profissionais ouvintes da saúde) para
aprender a lidar com essa situação inusitada. Ocorre que o anseio de tornar seus filhos
surdos normais perante a sociedade fala mais alto. Mesmo pais ouvintes que procuram a
comunidade surda têm dificuldade em compreender a importância do convívio com a
cultura surda, pois, sentem-se estrangeiros em uma cultura diferente daquela a que estão
acostumados. Para a criança surda, o convívio em um lar ouvinte é desafiador, pois ela
pode ser excluída das conversas em família. Por predominar a linguagem oralizada, o
surdo fica de fora da maioria dos assuntos, perdendo a chance de enriquecer o
vocabulário. A criança surda que nasce em uma família surda tem o contato com a
língua de sinais desde a mais tenra idade. A comunicação em língua de sinais ocorre de
maneira natural e enriquecida em termos da cultura surda.
A literatura surda compreende uma multiplicidade de gêneros, dentre os eles:
piadas, literatura infantil, histórias de surdos, romances, poesias, contos, fábulas etc.
A literatura surda se refere às várias experiências pessoais do
povo surdo que, muitas vezes, expõe as dificuldades e/ou
vitórias das opressões ouvintes, de como se saem em diversas
situações inesperadas, testemunhando as ações de grandes
líderes e militantes surdos, e sobre a valorização de suas
identidades surdas (p.68).
As produções advindas deste artefato cultural têm ganhado cada vez mais espaço
e se tornado objetos de investigação em pesquisas realizadas por surdos e ouvintes.
Além disso, essas obras têm contribuído para a luta em torno da identidade e diferença
surda. Grande parte dessas narrativas tem sido gravada em CD-ROM, vídeos, DVDs
através da língua de sinais.
A vida social e as práticas esportivas dos surdos também constituem
importantes artefatos culturais. A autora deixa claro que para o surdo é mais natural
10
A pesquisa desse sistema SignWrinting (SW) no Brasil foi desenvolvida pela doutora surda Marianne
Stumpf, junto com outros pesquisadores. O primeiro contato que ela teve com esse sistema foi no ano de
1996 e em 2005 defendeu a sua tese com esse tema.
31
conviver entre os pares. Mas, nem por isso podem ficar isolados. Os surdos encontram
mecanismos para participar do convívio social, de atividades de lazer, de esportes etc.
As criações artísticas também são importantes artefatos culturais dos surdos.
Assim como os ouvintes o povo surdo busca expressar sua subjetividade, sua
criatividade, suas emoções, suas histórias, enfim, sua cultura, por meio de pinturas,
esculturas, fotografias, teatro e etc. A potencialidade das criações artísticas pode ser
observada, por exemplo, no teatro (marcado pela expressão facial, do corpo e pela
língua de sinais), na poesia, nas narrativas e contação de histórias, na produção de
filmes, documentários, nas performances, etc. (STROBEL, 2016).
No que diz respeito à política é preciso considerar que as comunidades surdas
têm atuação efetiva. “O espaço cultural mais conhecido de todos são as associações de
surdos” (STROBEL, 2016, p.88). Os surdos utilizam tais espaços para discutir acerca
dos direitos, das lutas e dos interesses comuns. Os espaços mais conhecidos de
militância política da comunidade surda são a Federação Nacional de Educação e
Integração dos surdos (FENEIS) e a Confederação Brasileira de Desportos dos Surdos
(CBDS). A força da militância do movimento surdo se expressa na publicação da Lei nº
10.436, de 24 de abril de 2002 que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e na
instituição do Dia do Surdo. Esse dia é comemorado em 26 de setembro, mesma data
em que foi fundada a primeira escola de surdos no Brasil11
. A atuação política do povo
surdo é considerada fundamental para as mudanças positivas que englobam os
interesses da comunidade surda.
A acessibilidade surda é permeada por materiais que visam incluir o surdo no
cotidiano. Como um artefato cultural, os materiais são planejados, elaborados e
utilizados de acordo com a necessidade de cada época. Atualmente os smartphones e
tablets têm contribuído para a comunicação entre surdos e ouvintes. Os recursos
oferecidos pelos dispositivos permitem que a comunicação ocorra por meio de
chamadas de vídeo em que surdos possam trocar informações em Libras. Contudo,
ainda é grande a necessidade de materiais adequados ao uso dos surdos, uma vez que os
materiais são produzidos com base nas demandas dos ouvintes.
11
Atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), foi fundado no Rio de Janeiro, em 1857, pelo
professor Francês surdo Eduard Huet.
32
PERLIN (2015) também afirma a necessidade de reconhecimento de que a
maneira de pensar e de se expressar do surdo é diferente do modo de ser do ouvinte. Ela
considera que a compreensão dessa diferença é fundamental no estabelecimento de
relações entre as diferentes culturas.
A cultura ouvinte, no momento, existe como constituída de signos
essencialmente auditivos. No que tem de visual, como a escrita,
igualmente é constituída de signos audíveis. Um surdo não vai
conseguir utilizar-se de signos ouvintes como, por exemplo, a
epistemologia de uma palavra. Ele somente pode entendê-la até certo
ponto, pois a entende dentro de signos visuais. O mesmo acontece
com a pronúncia do som de palavras. Não adianta insistir nesse ponto.
Se dissermos que a escrita é do ouvinte e o surdo aprende a escrita,
estaríamos cometendo equívocos. O pensamento visual da escrita é
um dos aspectos de que o surdo se serve constantemente, muito
embora, hoje, os surdos evidenciem esforços demasiados em ler e
escrever. A escrita do surdo não vai se aproximar da escrita do ouvinte
(PERLIN, 2015, p.57).
É comum entre ouvintes leigos a crença de que o surdo deve ser fluente na
língua portuguesa escrita, de forma que, a comunicação entre essas duas culturas deva
ocorrer exclusivamente por meio da língua portuguesa. Entretanto, conforme observou
PERLIN (2015), o surdo não pode compreender a língua portuguesa da mesma forma
que o ouvinte que a concebe naturalmente, pois este está imerso em uma cultura
constituída de signos audíveis. Por essa razão, a autora argumenta que não se pode
exigir do surdo a escrita da língua portuguesa exatamente como se exige de um ouvinte.
“A identidade surda se constrói dentro de uma cultura visual” (PERLIN, 2015, p.58).
Ela chama atenção para o fato de que a crença de que a cultura surda ainda é tida como
inferior à cultura ouvinte se faz presente em nossos dias, fato que pode ser ilustrado
pelas tentativas de submeter os surdos ao desenvolvimento do oralismo por meio de
tratamentos fonoaudiólogos e de implantes de aparelhos, tendo como justificativa o
acesso do surdo à cultura ouvinte.
Outro aspecto de grande relevância destacado por PERLIN (2015) é a
necessidade de reconhecimento de que as identidades surdas são múltiplas. A autora
identifica cinco categorias: identidades surdas, identidades surdas híbridas, identidades
surdas de transição, identidades surdas incompletas, identidades surdas flutuantes.
As “identidades surdas” englobam os surdos que reconhecem o uso de
comunicação visual, bem como, a interação em espaços com outros surdos, a identidade
política surda. As “identidades surdas híbridas” referem-se aos surdos que nasceram
33
ouvintes. Esses surdos possuem duas línguas, porém, ao se tornarem surdos, sua
identidade estará voltada mais para as identidades surdas. As “identidades surdas de
transição” referem-se aos surdos que foram criados totalmente em uma cultura ouvinte,
e ao ter contato com a cultura surda passam a reconhecer a experiência visual em seu
cotidiano, porém, ainda possuindo características do “ouvintismo”. A “identidade surda
incompleta” é compreendida por surdos que vivem apenas em uma cultura ouvinte.
Nessa condição o surdo não se reconhece dentro de uma cultura surda e muito menos
dentro da cultura ouvinte. Ele vive imerso na cultura ouvinte na qual ele não se
reconhece. Na categoria “identidades surdas flutuantes” estão presentes surdos que
querem viver em uma cultura ouvinte, chegando até mesmo a desprezar a cultura surda.
Ao tecer essas considerações sobre identidade e cultura surda, intentamos deixar
claro nosso entendimento de que os surdos têm o direito de viver a sua diferença. Nesse
sentido, reafirmamos a relevância do movimento surdo considerando que:
A formulação comum de uma série de objetivos e estratégias de ação,
na perspectiva surda, focaliza a perspectiva de uma sociedade na qual
os surdos são cidadãos normais e em que a justiça social se concretiza
na resistência a todas as formas de discriminação e exclusões sociais.
Esse fator fundamental na existência do movimento que, lutando pelo
surdo, resiste à complexidade da cultura vigente, mas no sentido de
abrir o acesso a ela de uma forma em que se sobressaia a diferença
(PERLIN, 2015. p.71).
Entendemos também que a luta dos movimentos e das comunidades surdas não
ocorre de forma isolada. Ouvintes também participam da luta pelo empoderamento dos
surdos e pelos seus direitos sociais e políticos. Para o surdo, o ouvinte que luta junto
dele, que frequenta comunidades surdas, que convive com surdos em situações formais
e não formais, que realiza leituras produzidas por surdos, que respeita e valoriza o povo
surdo e suas conquistas, contribui para o fortalecimento das imagens surdas no contexto
social.
Na condição de educadoras, colocamo-nos especialmente na luta dos surdos pelo
direito à educação que favoreça o acesso à cultura concebida no plural. Nessa
perspectiva, reiteramos a defesa da educação que leva em conta os pressupostos da
pedagogia dos surdos, conforme acepção defendida por PERLIN e STROBEL (2009) e
PERLIN e MIRANDA (2011).
34
1.4. Desafios da educação em ciências naturais para surdos
Temos o entendimento de que o currículo permite-nos compreender as relações
de poder entre os conhecimentos que estão presentes nos mais diversos espaços
educativos. “O currículo existente está baseado em uma separação rígida entre “alta”
cultura e “baixa” cultura, entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano”
(SILVA, 1999, p.115).
Para LOPES & MACEDO (2013), a linguagem e seus sistemas de significação são
centrais nas discussões em torno de cultura e currículo. Os sentidos são frutos da
linguagem que, por sua vez, se confunde com a própria noção de cultura. “É a
linguagem que institui a diferença e é, assim, cúmplice das relações de poder” (LOPES
& MACEDO, 2013, p.203).
Ao buscar o entendimento acerca das hibridizações que percorrem o campo do
currículo, compreendemos que os discursos realizados por diversos grupos de estudos
da área, contribuem significativamente para que não nos voltemos para uma definição
exclusiva. Qualquer axioma, principalmente se tratando de currículo, limita a
compreensão das identidades e das culturas que se fazem presentes no social. “A
elaboração curricular passa a ser pensada como um processo social, preso a
determinações de uma sociedade estratificada em classes, uma diferenciação social
reproduzida por intermédio do currículo” (LOPES e MACEDO, 2011, p.29).
Dessa forma, compreendemos que o currículo além de pensar a formação dos
estudantes, está configurado numa forma de conhecimento que se quer formar na
sociedade por intermédio da escola. Portanto, todo o conhecimento é então interpretado
como discurso e conectado ao poder (LOPES, 2013, p.13).
Nesse sentido, é imprescindível que observemos os discursos produzidos no campo
do currículo, a fim de identificar quais sentidos estão surgindo acerca de conhecimento
e cultura, por exemplo.
Assim como as tradições que definem o que é currículo, o currículo é,
ele mesmo, uma prática discursiva. Isso significa que ele é uma
prática de poder, mas também uma prática de significação, de
atribuição de sentidos. Ele constrói a realidade, nos governa,
constrange nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso
produzindo sentidos (LOPES & MACEDO, 2011, p.41).
35
O conhecimento é um dos principais pontos responsáveis pela compreensão do que
se entende por currículo. Compreendemos que a noção de currículo que mais se
aproxima de nosso estudo é a perspectiva que visa reconhecer as mais diversas
identidades e culturas. Para MACEDO (2006), os currículos escolares são “como um
espaço-tempo em que estão mesclados os discursos da ciência, da nação, do mercado, os
“saberes comuns”, as religiosidades e tantos outros, todos também híbridos em suas
próprias constituições” (p.289).
O currículo como um espaço-tempo cultural de fronteira, tratado por MACEDO
(2006), envolve “pensar o espaço-tempo da política como um cruzamento entre
características globais do capitalismo e especificidades locais em um processo que
envolve hibridismos” (p.286). Ainda segundo a autora, a diferença cultural precisa ser
negociada, pois somente pode ser captada num espaço-tempo conflituoso.
É imperativo destacar que as relações de poder exercem influência direta na
concepção de currículo e educação de surdos. Entretanto, vislumbramos importantes
delineamentos para a compreensão das diferenças no currículo. Para Amorim (2008),
dizer que as identidades estão cada vez mais sujeitas ao jogo da
história, da política, das estratégias discursivas, da “tradução”, é dizer
que elas estão cada vez mais trabalhadas pela diferença, sujeitas ao
jogo da diferença e, por conseguinte, funcionando cada vez menos na
órbita do idêntico, do mesmo, da permanência (p.125).
MACEDO (2004) propõe um novo conceito de currículo de ciências que visa
retomar “seu caráter de espaço/tempo ambivalente que se vai construindo na relação
entre os muitos mundos culturais que o constituem” (p.122). O currículo é entendido
então como prática cultural. Partilhamos do pensamento de MACEDO (2004) no
entendimento de que os currículos são textos culturais, ainda que não falem de cultura,
pois discutem saberes legitimados em algum momento histórico. Atualmente, muitos
pesquisadores da área de currículo passaram a adotar os estudos culturais, por se tratar
de uma “base epistemológica mais híbrida e de tendência pós-marxista” (MACEDO,
2004, p.124).
O currículo do ponto de vista dos estudos culturais continua se pautando discussões
que têm relação direta com o campo político. Os aspectos econômicos são diretamente
influenciados pela cultura que, por sua vez, é reproduzida por atores sociais em espaços
de confronto/negociação mobilizados pelo currículo. Dessa forma, o desafio parece
36
residir em pensar um currículo que respeite a singularidade das diferenças, sem
transformá-las em desigualdade (MACEDO, 2004, p.127).
As experiências ocorridas durante o Iluminismo ainda deixam marca no currículo de
ciências. No seu movimento de expansão colonial, pôde conhecer e usurpar saberes das
mais variadas culturas locais, até mesmo no oriente. Contudo, sem o reconhecimento
devido, os sistemas de referência de outras culturas eram marginalizados perante o
legítimo conhecimento científico. Para MACEDO (2004), tais procedimentos ocorriam
de forma premeditada, com objetivo de garantir a universalidade do avanço de uma
ciência ocidental. No que se refere à biodiversidade, MACEDO (2004) faz destaque
como sendo um dos maiores exemplos de exploração colonial. Pois,
Os grandes conglomerados transnacionais se apropriam das tradições
de conhecimento, constituídas pelas populações locais em sua relação
com a natureza, e tornam-se oficialmente e mundialmente os
detentores desse saber. Embora a Amazônia surja, nos últimos anos,
como um dos espaços privilegiados dessa apropriação, nos currículos
de ciências, a opção por uma abordagem internalista tem ajudado a
criar invisibilidade sobre o tema favorável à colonização (p.139).
Podemos afirmar, então, que a busca pela universalidade de um conhecimento
científico ocidental disseminou uma ideologia prejudicial para as relações sociais.
Muitas atrocidades e preconceitos cometidos foram justificados se utilizando de bases
cientÍficas. Em nosso modelo de educação em ciências naturais, por exemplo,
desconsideramos outras fontes de conhecimento que não sejam baseadas em uma
ciência ocidental. As tecnologias, por sua vez, são instrumentos da ciência que a
legitimam como conceito de desenvolvimento da sociedade. MACEDO (2004) busca
enfatizar que há uma necessidade de se produzir pesquisas que busquem analisar os
efeitos da tecnologia sobre as populações, entendendo que a distribuição e os custos do
desenvolvimento tecnológico são desiguais, tanto na África e Ásia como no Brasil.
“Embora as desigualdades sociais sejam vistas com preocupação, não são tratadas como
associadas ao desenvolvimento tecnológico, mas como algo que existe apesar dele”
(MACEDO, 2004, p. 143).
As maiores prejudicadas com as políticas de desenvolvimento são comunidades
rurais de países do hemisfério sul que se vem obrigadas a abandonar sua relação com a
terra e adentrar a uma cultura urbana exclusivamente consumista.
Os efeitos negativos desse conceito de desenvolvimento em países
periféricos, como os da América Latina, agravam-se na medida em
37
que a destruição ambiental rompe com padrões culturais ligados à
terra, especialmente fortes nesses países (MACEDO, 2004, p.145).
Além disso, a tecnologia aliada à economia contribui para a desvalorização e
exclusão social de qualquer grupo que não se caracterize no padrão eurocêntrico. Ainda
segundo MACEDO (2004), as políticas são definidas pelo desenvolvimento, “assim os
custos das políticas de desenvolvimento propiciam uma acentuada exclusão das
populações em pior situação social” (p.146). É o caso das mulheres que ganham menos
que os homens e da exclusão de outros grupos sociais.
Atualmente já existem modelos alternativos de desenvolvimento sustentável que
articulam ambiente e interesses econômicos e sociais. Contudo, segundo MACEDO
(2004) esses modelos são pouco trabalhados nos currículos de ciências. Torna-se
evidente que o currículo de ciências é um importante instrumento social que deve ser
questionado a partir de considerações culturais locais. A universalidade de uma cultura
científica vem marginalizando as minorias e potencializando as desigualdades. Para
MACEDO (2004) os alunos e seus saberes questionam a legitimidade da dominação da
cultura hegemônica, contribuindo para questionamentos na prática cultural. “Entendido
como entrelugar cultural, o currículo torna-se um espaço/tempo de formação identitária
que ajuda a produzir/transmitir saberes discriminatórios, mas os mescla a outros saberes
nativos” (MACEDO, 2004, p.150).
A organização curricular pautada nas disciplinas é criticada por AMORIM (2004).
O autor entende que a aprendizagem deve ter caráter ativo. Nesse viés, não só a
relevância de cada conhecimento propostos deve ser problematizada e discutida, como
também as convicções que propõem certa linearidade dos conhecimentos mais simples
em direção aos mais complexos. Pois o campo da educação em ciências é carregado de
influências teórico-metodológicas advindas de trajetórias de ensino formalistas,
conteudistas e marxistas (AMORIM, 2004).
Tendo seu entendimento pautado nos estudos de Deleuze e Guattari acerca do
rizoma12
, AMORIM (2004) compreende que os conhecimentos científicos ganham
novas identidades por meio da forma com que são trabalhados no cotidiano escolar.
12
O rizoma está, na Obra de Deleuze e Guattari, inscrevendo-se no vasto conjunto de seus pensamentos sobre a vida, colocando “sob rasura” compreensões, dentre muitas outras, de história, de ações do capitalismo, de transcendência e, destaco, de aspectos relativos à gênese da forma. (AMORIM, 2004, p.156)
38
Para o autor, as práticas de ação escolares cotidianas sistematicamente apresentam os
objetos de ensino que, rizomaticamente, podem nos indicar maneiras de
olhar/pensar/inventar as relações entre forma e conteúdo e suas interações na
configuração dos conhecimentos escolares (AMORIM, 2004, p.159).
É necessário pensar a educação em ciências naturais do ponto de vista do contexto
escolar. Para AMORIM (2004), a escola é reprodutora de conhecimentos produzidos em
outros campos culturais. Esse entendimento implica dizer que é mais fácil enxergar
empecilhos impostos diante de uma estrutura já consolidada, assim, as práticas escolares
acontecem pelo entendimento de territorialização e desterritorialização, sendo que os
significantes são sempre passíveis de rupturas e de serem retomados. Para o autor, esses
movimentos de retorno quebram a perspectiva da linearidade que é abarcada pelos
métodos modernistas.
Compreendemos que a educação em ciências naturais em uma perspectiva inclusiva,
pressupõe a construção conjunta dos saberes. Faz-se necessário levar em consideração
as experiências identitárias, ou seja, a diferença. STROBEL (2016) destaca que:
O povo surdo luta pela pedagogia surda que parte de um “olhar”
diferente, direcionado em uma filosofia para educação cultural, na
qual a educação dá-se no momento em que o surdo é colocado em
contato com sua diferença, para que aconteça a subjetivação e as
trocas culturais (p. 90).
A contemporaneidade tem sido tomada por lutas, legislações, discussões teóricas
etc. em torno da temática surda. Esse cenário tem contribuído para que avancemos nas
questões relativas aos interesses dos surdos. Dessa forma, “o currículo também está em
processo de transformação” (STROBEL, 2016, p.92). A autora cita exemplos de
currículos que já englobam temáticas surdas em espaços escolares inclusivos. Esse
avanço contribui para a constituição do que a autora chama de “identidades culturais
positivas de sujeitos surdos”.
No campo da educação, autores como LUNARDI (2015) se prestam a produzir
estudos que tratam das discussões, dos discursos e das práticas que envolvem a
educação de surdos. Para a autora, os Estudos Surdos têm propiciado novos padrões
teóricos de educação e de escola de surdos, aproximando-se dos Estudos Culturais.
Dessa forma, a comunidade surda e a língua de sinais são fundamentais na proposta de
39
reestruturação curricular que se pauta em alternativas teórico-pedagógicas advindas de
um modelo sócio antropológico de educação.
Para SKLIAR (2015), os mecanismos de colonização do currículo do ouvintismo
sobre o planejamento do currículo na educação de surdos ainda é um fenômeno pouco
explorado. O autor buscou em seu estudo abordar variadas representações
desenvolvidas a partir de formas de colonização ouvintista do currículo. Dentre elas: o
currículo para deficientes mentais; o currículo para os ouvintes; o currículo para
deficientes da linguagem; o currículo da beneficência laboral; e o currículo salva-vidas
como último recurso para os surdos que não se encaixam nos anteriores. Todas essas
formas de currículo têm como princípios práticas pedagógicas de subordinação de todo
currículo ao oralismo, exclusão de adultos surdos, desatenção a processos significativos
de aprendizagem do surdo, desprofissionalização etc.
Os modelos de educação estabelecidos que marginalizam a participação do
surdo na sociedade e contribuem para o que SKLIAR (2015) chama de justificações
impróprias sobre o fracasso na educação de surdos. Dessa forma, são culpabilizados, os
próprios surdos, os professores e as limitações dos métodos de ensino, o que pode torna-
los, até mesmo, mais rigorosos. Entretanto, esquece-se a responsabilidade do Estado e
das políticas educacionais.
Do nosso ponto de vista, o não reconhecimento da língua de sinais ao longo da
história dos surdos é um dos principais fatores que contribuiu para a marginalização
desses sujeitos no espaço escolar, principal lócus de acesso à cultura científica. Diversos
autores como SÁ (2012) evidenciam em seus estudos a falta de sinais para traduzir as
palavras advindas das ciências naturais.
Para começar a pensar em uma educação de surdos que possibilite uma
reestruturação nos processos significativos de aprendizagem, SKLIAR (2015) chama a
atenção para: as teorias de aprendizagem que reconheçam os direitos linguísticos e de
cidadania dos sujeitos surdos, as epistemologias dos professores ouvintes na
aproximação com os estudantes surdos, os mecanismos de participação das
comunidades surdas etc.
Os conteúdos impostos no currículo das escolas estão diretamente relacionados
com o que se pretende produzir socialmente. Para LUNARDI (2015) a ideologia oralista
40
é dominante no currículo e na educação de surdos, fazendo com que as práticas
pedagógicas estejam atreladas a conceitos de recuperação e reabilitação. Os textos e as
narrativas curriculares são produzidos, de forma interessada, por grupos dominantes da
sociedade. Assim, para um currículo que tem o oralismo como ideologia, os surdos
continuam sendo vistos como doentes e anormais. Ainda para LUNARDI (2015), essas
ideias foram justificadas e legitimadas por médicos, especialistas, professores ouvintes,
pais e familiares de surdos.
Faz-se necessário retomar o entendimento de que esses padrões foram
estabelecidos pelos ideais do homem moderno. Entretanto o surdo “é um individuo
multifacetado, parcial, plural e nunca homogêneo” (LUNARDI, 2015, p.161). Portanto,
as práticas educativas precisam ser revistas, assim como os processos metodológicos e o
currículo. Dessa forma, para a autora, o multiculturalismo comporta o reconhecimento
da diferença e das diversas identidades e culturas existentes no currículo. A educação
numa perspectiva multicultual permite que os surdos sejam agentes de sua própria
educação.
“A concepção do multiculturalismo trabalha com a ideia de
convivência das diferenças, das diversas culturas nacionais e de sua
representação na educação e no currículo. Portanto, estamos falando
da convivência de grupos de surdos e grupos de ouvintes num
determinado espaço escolar e curricular. Nesse contexto, observa-se
um processo de incorporação cultural, por meio da escola e do
currículo, ou seja, há uma socialização forçada de uma cultura
particular – dos ouvintes – baseada na exclusão dos valores e práticas
culturais do grupo de surdos” (LUNARDI, 2015, p.163).
Dessa forma, possibilita que tanto surdos como ouvintes tenham suas
identidades e culturas reconhecidas por ambos os grupos. As diferenças se tornarão
visíveis e, portanto, consideradas. Inspirada em McLaren, a autora supracitada
compreende que um multiculturalismo crítico deve considerar as relações de poder, que
se dão na correlação de forças estabelecidas no jogo social. A proposta consiste em dar
visibilidade aos surdos e questionar as imposições curriculares e educacionais
produzidas por práticas discursivas de um grupo dominante.
O estudo de SÁ (2015) trata do discurso surdo. A autora constrói uma
interessante reflexão acerca da linguagem na modernidade e na pós-modernidade com o
objetivo de visualizar representações de uma suposta realidade do surdo. Além disso,
trata a argumentação e o discurso surdo como importantes instrumentos de lutas com e
41
sobre a linguagem. “O texto surdo é um texto argumentativo. Se considerarmos que
argumentar é agir, podemos dizer que é um texto de ação.” (SÁ, 2015, p.173). Os
surdos não constroem seus argumentos de maneira igual. Somos seres sociais que
constroem a visão da realidade com base em nossas respectivas experiências de vida.
Dessa forma, até aqui já está claro que os surdos foram por muito tempo,
marginalizados, “sofreram até mesmo violência institucional contra sua língua e cultura,
cabe aos profissionais da educação contribuírem para propiciar momentos de discussão,
em que os argumentos dos surdos tenham também peso e poder” (SÁ, 2015, p.173).
A Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, para SÁ (2015) é uma língua
visuogestual. Como o português falado ou escrito pode ser utilizada pelos surdos para
construção de momentos de discussão e argumentação em relação aos respectivos
interesses de cada um. Esse “agir retórico” denominado por SÁ (2015) visa ultrapassar
os obstáculos de aceitação de sua tese. Entretanto, historicamente, o discurso surdo não
é reconhecido pelos ouvintes. SÁ (2015) aponta alguns dos possíveis motivos para que
esse discurso ainda seja questionado e deslegitimado. O primeiro motivo consiste no
preconceito ainda muito presente na cultura ouvinte de caracterizar o surdo como
indivíduo possuidor de uma deficiência que compromete além da audição. Ou seja, o
seu discurso é visto como ineficiente ou defeituoso. O segundo, a maioria da população
não compreende a Libras, visto que esta foi reconhecida apenas recentemente. Além
disso, a população surda é composta por um grupo minoritário, com pouco espaço
dentro de uma sociedade predominantemente ouvinte.
A discussão em torno da deficiência surda é tão ampla dentro do entendimento
do discurso que propõe novas possibilidades de compreender o sujeito surdo. Para SÁ
(2015) existe uma luta em torno da palavra deficiente. Esta palavra está impregnada de
sentidos que foram produzidos por um discurso de poder. Ser surdo não significa
compreender que este sujeito está com sua capacidade de aprender comprometida. A
Libras e outros mecanismos de ler o mundo propiciam que essa capacidade não
impossibilite o aprender. Para SÁ (2015) a luta dos surdos é maior que termos
materiais, pois se desenvolve também em torno de bens simbólicos.
Nesse sentido, o estudo de LULKIN (2015) resgata eventos da história, dando
destaque para algumas investigações legitimadas pela ciência moderna em que esta
42
busca descapacitar o sujeito surdo e subordinar a sua língua e cultura. Há registros
datados do século XVIII de uma instituição pública de e para pessoas surdas, na França.
A partir do movimento europeu, a língua de sinais passa a ser
reconhecida como forma de comunicação apropriada para a educação
de pessoas surdas. Em pouco tempo, os resultados positivos da
metodologia utilizada pelo Abade de L‟Epée, fundados da escola de
Paris, chamam a atenção de religiosos e educadores e fundam-se
inúmeras escolas para surdos na Europa e nos Estados Unidos, com
profissionais surdos e ouvintes (LULKIN, 2015, p.34).
Observamos que os surdos naquela época, conseguiram certo tipo de
reconhecimento de sua Língua em instituições públicas. No entanto, nesse mesmo
período, o autor descreve estudos que minaram essas conquistas. A filosofia sensualista,
por exemplo, defensora de um processo de evolução em que o corpo está na base e a
mente no topo, defendia a linguagem oral como superior à língua de sinais. Ou seja, o
surdo como inferior ao ouvinte em sua língua, mas também na inteligência e no
pensamento. Nesse mesmo viés, a ciência biomédica foi uma das principais
responsáveis por inferiorizar o sujeito surdo, buscando legitimar um padrão ideal de
corpo. O corpo curado de moléstias deveria ser reabilitado, dessa forma não sendo mais
possível estimular o uso da língua de sinais, pois esta deveria ser superada.
De acordo com LULKIN (2015), diversas estratégias foram utilizadas a fim de
acabar de vez com o uso da Língua de Sinais. Temos o entendimento de que a Língua
de Sinais é o principal meio de reconhecimento da cultura surda, dessa forma, podemos
compreender que o controle de uma das principais componentes da cultura surda fez
parte de um movimento de institucionalização de uma forma de cultura dominante.
O movimento de normalização da cultura ouvintista é tão forte que nem nos
damos conta de algumas proposições que desvalorizam os saberes dos sujeitos surdos.
Baseado em autores como Giroux e McLaren, LULKIN (2015) aponta práticas
institucionalizadas na educação por áreas como da fonoaudiologia, psicologia,
medicina, pedagogia que são legitimadas por instâncias maiores. As Leis, o currículo
das escolas, projetos pedagógicos etc., são produzidos em conformidade com os ideais
da modernidade. “Dessa maneira, se funda uma identidade pela oposição surdo-mudo
versus ouvinte-falante, fruto de uma ciência interessada na correção do desvio, na
humanização do selvagem, na reabilitação do deficiente” (LULKIN, 2015, p.41). Até
mesmo as formas pedagógicas, segundo o autor, submetem o aluno surdo a processos
43
avaliativos, institucionalizados historicamente, que consideram a fala e a escrita como
única e verdadeira metodologia adequada ao processo de ensino e aprendizagem. Faz-se
necessário direcionar o olhar para as práticas no contexto escolar, político e cultural,
uma vez que os discursos hegemônicos constituem a manutenção de uma cultura
dominante.
Nesse sentido, SKLIAR (2015), pautando-se nos estudos de McLaren, faz
destaque às oposições binárias: normalidade/anormalidade, ouvinte/surdo, maioria
ouvinte/maioria surda, língua oral/língua de sinais etc., como um dos fatores mais
nocivos à análise da realidade educacional. Para o autor, tais oposições privilegiam o
primeiro termo, pois estabelecem uma norma hierárquica, dessa forma, caracterizando
uma “metanarrativa que define o significado da norma cultural” (SKLIAR, 2015, p.20).
Ainda segundo o autor, a norma hierárquica estabelece que o segundo termo não existe
sem o primeiro, mas dentro dele.
Nosso estudo compreende a necessidade de considerar o discurso como
mecanismo de compreensão da sociedade. Dessa forma, faz-se necessário que o surdo
tenha esse espaço garantido, a fim de se fazer presente no social. A partir desse
entendimento, consideramos que o estudo de SÁ (2015) vem colaborar com a nossa
compreensão de educação de surdo. Pois, “o surdo, no uso de sua língua visuogestual,
faz uso do poder da linguagem, constituindo a si próprio de uma certa forma e
interagindo na sociedade” (p.175).
Apesar de reconhecimentos legais de uma política que está se propondo a tornar
a sociedade inclusiva, os espaços políticos não são compostos por sujeitos surdos,
mesmo quando os seus respectivos interesses estão em jogo. Para SÁ (2015), as
abordagens educacionais não atendem aos interesses dos surdos. Isto fica claro se
compreendermos que os principais sujeitos não foram convidados a argumentar acerca
de suas necessidades. É imprescindível que, além de buscarmos compreensões em torno
da temática da surdez, estejamos sempre em contato e realizando momentos de diálogo
com o próprio surdo. Assim como SÁ (2015), acreditamos que temos condições de lutar
juntos denunciando o autoritarismo.
SÁ (2015) deixa claro, em seu estudo, diversas estratégias argumentativas
utilizadas por surdos na construção de um texto. Seus respectivos discursos são
fundamentados em estratégias de valor do irreparável, figuras de repetição,
44
amplificação, figuras de linguagem etc. Dessa forma, a autora defende o bilinguismo na
educação de surdos, entendendo que a Libras é a principal Língua de comunicação do
surdo e, por esse motivo, deve ter seu uso incentivado nos mais diversos espaços de
interação social. Além disso, é nessa língua que o estudante surdo deve ter contato com
os conteúdos culturais de sua comunidade dentro do processo educacional.
1.5. Pedagogia dos surdos
Pesquisadores que se dedicam ao estudo da educação dos surdos (LULKIN,
2015; PERLIN e STROBEL, 2009; SÁ, 2010), dão evidências de que essa história é
marcada por processos de exclusão, de negação, de segregação, mas também pela luta
do movimento dos surdos para garantir direitos à cidadania. LULKIN (2015) resgata
eventos da história para estabelecer relações entre a lógica da modernidade e as
tentativas de subordinar o surdo à cultura dominante, ou seja, ao modo de ser e de viver
do ouvinte.
A história revela que a luta pelo direito do surdo de usar a língua é antiga. Na
França, no século XVIII, ocorreram experiências de educação de surdos com base na
língua de sinais. Em pouco tempo os resultados positivos dessa metodologia de ensino
se espalharam na Europa e nos Estados Unidos. Contudo, foram utilizadas diversas
estratégias a fim de acabar com o uso da Língua de Sinais, sob argumento de que o
surdo deveria ser educado com base na língua dos ouvintes.
A negação da identidade do surdo é “fruto de uma ciência interessada na
correção do desvio, na humanização do selvagem, na reabilitação do deficiente”
(LULKIN, 2015, p.41). Assim, os surdos foram submetidos às formas pedagógicas que
consideram a fala e a escrita dos ouvintes como única e verdadeira metodologia
adequada ao processo de ensino e aprendizagem. Valorizou-se então o oralismo,
legitimado por médicos, especialistas, professores ouvintes, pais e familiares de surdos,
com base na ideia de que os surdos eram doentes que poderiam ser curados (LUNARDI,
2015).
Os modelos de educação que marginalizaram a participação do surdo no
processo educativo ainda vigoram em nossos dias. Na opinião de SKLIAR (2015) o
45
ouvintismo ignora as limitações dos métodos de ensino e das políticas educacionais,
atribuindo ao surdo a culpa pelo próprio fracasso.
Faz-se necessário considerar que, nas últimas décadas, foram feitas conquistas
significativas no campo da educação de surdos. Tais conquistas foram asseguradas na
Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) nos Planos Nacionais de Educação (PNE), na Lei de Libras (Lei 10.436/2002),
no Decreto da Libras (5.626/2005) e na Política Nacional de Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva. A incorporação de temáticas surdas em espaços
escolares pode ser apontada também como uma conquista educacional, pois contribui
para a constituição de “identidades culturais positivas de sujeitos surdos” (STROBEL,
2016, p.92).
Para que o direito de todos à educação se torne efetivo é preciso repensar o
modelo de escola e os métodos de ensino.
Sim, a escola é um direito de todos, mas não a mesma escola, não a
mesma proposta, pois a mesma escola não atende às necessidades e
especificidades de todos. O “direito de estar” deve ser preservado, mas
ele não resolve. O que resolve é deslocar o foco do ambiente e colocar
o foco no estudante, na pessoa. O que resolve é envidar todos os
esforços para maximizar o aprendizado, é tornar a escola significativa
para todos, é atender ao que sinalizam os especialistas das áreas (que
têm sido tão desprestigiados) e os achados científicos. A inclusão
escolar não é o objetivo final! (SÁ, 2011, p. 17).
Essa autora questiona a inclusão que vem sendo promovida na atualidade por
entender que “escola para todos não é sinônimo de mesma escola” (p. 17). Quando a
hegemonia da língua, da cultura e da pedagogia dos ouvintes é mantida, os surdos
continuam segregados e à margem da educação.
O que estamos assistindo no Brasil é a uma ineficácia em atender ao
direito que tem cada pessoa de ser atendido em sua singularidade. Em
nosso país, a chamada “Inclusão” tem sido entendida meramente
como socialização na escola regular. Mas o que seria “garantir o
direito à Educação para Todos”? Seria oportunizar a quebra de
preconceitos e enriquecer o ambiente com as diferenças, mas não se
este “enriquecimento” favorece apenas aqueles que serão beneficiados
com a convivência com o diferente, em detrimento do direito do
“diferente” em ser atendido em suas demandas – linguísticas,
culturais, arquitetônicas etc. (SÁ, 2011, p. 17).
Não podemos deixar de considerar que a escola foi e continua sendo o principal
lócus de acesso à cultura científica. No entanto, é preciso considerar que essa cultura é
46
veiculada apenas na linguagem escrita e oral, marginalizando aqueles que fazem uso de
outras formas de linguagem, como é o caso dos surdos. Estes utilizam a Libras, uma
linguagem visuogestual que tem uma estrutura gramatical diferente do Português.
Ademais, faltam sinais em Libras para traduzir as palavras que compõem o léxico do
currículo escolar, sobretudo, quando se trata das ciências naturais (SÁ, 2012).
A inclusão de pessoas: surdas, cegas, cadeirantes ou com outras diferenças, na
escola exige considerá-la como uma pluralidade. Por conseguinte, é precisa conceber e
produzir o “currículo como espaço-tempo de fronteira cultural” (MACEDO, 2006).
Nessa acepção, os currículos escolares são “como um espaço-tempo em que estão
mesclados os discursos da ciência, da nação, do mercado, os “saberes comuns”, as
religiosidades e tantos outros, todos também híbridos em suas próprias constituições”
(p.289). Neles “sujeitos diferentes interagem, tendo por referência seus diversos
pertencimentos” (p. 288). Dessa forma, a diferença cultural não é vista como um
problema atribuído à escola, mas sim, como algo que faz parte da dinâmica social.
Produzir o currículo que leva em conta a diferença implica em fazer dele um espaço-
tempo.
[...] em que os bens simbólicos são “descolecionados”,
“desterritorializados”, “impurificados”, num processo que explicita a
fluidez das fronteiras entre as culturas do eu e do outro e torna menos
óbvias e estáticas as relações de poder [...] nesse híbrido que é o
currículo, tramas oblíquas de poder tanto fortalecem certos grupos
como potencializam resistências (MACEDO, 2006, pp 289 – 290).
Pensar e produzir o currículo com base na identidade e na diferença exige
reconhecer o outro não apenas como o diverso, o multicultural. O outro é político, “que
não vive somente para contestar o malefício, que não se alinha facilmente a uma cultura
que pode ser ordenada como múltipla, que não pode ser reduzido [...] a uma ação apenas
relacional e comunicativa” (SKLIAR, 2002 p. 202).
AMORIM (2008, p. 123) também se situa no campo teórico que concebe o
currículo como espaço de encontros das identidades, “das diferenças, de
desdobramentos em um comum-múltiplo, divergente, desfigurante”.
Dizer que as identidades estão cada vez mais sujeitas ao jogo da
história, da política, das estratégias discursivas, da “tradução”, é dizer
que elas estão cada vez mais trabalhadas pela diferença, sujeitas ao
jogo da diferença e, por conseguinte, funcionando cada vez menos na
órbita do idêntico, do mesmo, da permanência (AMORIM, 2008,
p.125).
47
Nesta concepção de currículo, os conhecimentos científicos não gozam de
hegemonia em relação às outras formas de conhecimento, pois há entendimento de que
a ciência é uma das linguagens que usamos para compreender e dar sentido aos fatos do
mundo. Ela é uma parte da cultura que, conforme observou CERTEAU (2012), precisa
ser concebida no plural. Lidar com a pluralidade de identidades, de culturas, de
múltiplas demandas num contexto de diferenças, exige da escola disposição para se
reinventar cotidianamente. As práticas de ação escolares ganham potência quando se
apresentam os objetos de ensino rizomaticamente, indicando muitas maneiras de
olhar/pensar/inventar as relações entre forma e conteúdo e suas interações na
configuração dos conhecimentos escolares (AMORIM, 2004, p.159).
Em se tratando da educação em ciências naturais interessada na inclusão de
estudantes surdos, julgamos ser necessário considerar que os desafios são muitos.
Destacamos aqui alguns deles a partir das leituras e experiências que vivenciamos
durante a elaboração desta dissertação: o modelo de ensino vigente nas escolas valoriza
os postulados da ciência moderna sublimando outras manifestações culturais; os
artefatos culturais (quadro de giz, livros, cadernos, recursos audiovisuais, etc.) adotados
pelas escolas são referenciados na cultura ouvinte; a formação de professores (inicial e
continuada) continua sendo promovida tendo como referência o estudante idealizado
que anda, vê, ouve, fala e se comporta dentro dos padrões estabelecido como
normalidade; boa parte dos estudantes surdos chega à escola sem compreender a língua
de sinais; faltam sinais em libras para muitos termos que compõem o léxico do currículo
escolar.
Concordamos com SÁ (2010, 2011, 2015) quando considera que a inclusão
escolar de surdos demanda modelos de educação voltados para o enfrentamento das
práticas de marginalização e de violência institucional contra a língua e a cultura dos
surdos. Cabe aos profissionais da educação propiciar momentos de discussão que
permitam a participação de estudantes surdos nas aulas para que os argumentos por eles
utilizados tenham também peso e poder. Nessa perspectiva é preciso considerar o que
foi expresso no documento “A educação que nós, surdos, queremos” produzido pelo
movimento de surdos, por meio da Federação Nacional de Educação e Integração de
Surdos (FENEIS, 1999). Com base neste documento, pesquisadores surdos do campo da
educação (PERLIN e STROBEL, 2009, PERLIN e MIRANDA, 2011, STROBEL,
2016) defendem uma pedagogia diferenciada.
48
O povo surdo luta pela pedagogia surda que parte de um “olhar”
diferente, direcionado em uma filosofia para educação cultural, na
qual a educação dá-se no momento em que o surdo é colocado em
contato com sua diferença, para que aconteça a subjetivação e as
trocas culturais (STROBEL, 2016, p. 90).
Na perspectiva “a escola de surdos é o lugar que se presta para essa construção
de identidades. A pedagogia nela constante deve ser a pedagogia para surdos” PERLIN
e MIRANDA, (2011, p. 110). Esses autores contribuem para a compreensão dos
pressupostos dessa pedagogia citando alguns dos seus tópicos importantes:
a. A língua desta pedagogia: Utiliza a língua em que o surdo tem
facilidade de aprender. Entende a língua portuguesa como segunda
língua. b. As informações necessárias no processo curricular: Trata
de como se transmite o conteúdo do currículo para os surdos, como se
faz para que ele registre a informação, acolha a informação, e como
fazer para que passe a fazer parte de seus arquivos de conhecimentos.
Como se processa a introdução ao conhecimento? Como se processa o
registro do conhecimento? c. O lugar da 2.ª língua: [...] A produção
textual em língua portuguesa pelo surdo não é tão rica devido à
compreensão do vocabulário e seu uso. d. O espaço da cultura: Como
preparar o ambiente da diferença? Que práticas, que teorias, que
aspectos entram nesta diferença? e. A comunidade escolar: [...] A
comunidade escolar não é somente de alunos e professores, é também
de funcionários, direção, que deve se constituir na comunidade de
utentes de língua de sinais. Funcionários surdos sempre serão modelos
na escola de surdos. f. O auxílio tecnológico: [...] a pedagogia do
surdo utiliza recursos de visão. Tudo que facilita o desenvolvimento
visual ou a aprendizagem por meio da visão vai estar nesse modelo.
No uso da prática pedagógica, os sentidos da visão devem ser
ressaltados com o uso de tecnologias que favorecem a aprendizagem,
por exemplo: utilizar o Jornal Nacional com legenda para trabalho em
aula; passar um filme de desenho animado sem legendas e pedir para a
criança surda sinalizar a história que viu, ou ainda pedir para o aluno
fazer algumas frases. A capacidade do surdo interpretar a partir da
imagem e da legenda é marcante (PERLIN e MIRANDA, 2011, pp
110-111).
Entendemos que embora e pedagogia do surdo seja direcionada mais
especificamente para a escola e/ou classe de surdos, ela apresenta alguns elementos que
podem ser utilizados em outros espaços escolares e não-escolares interessados em
prática de inclusão. Neste estudo, voltamos nossa atenção para o uso de fotografia na
educação de surdos, no contexto de um projeto de extensão universitária. Partimos do
entendimento de que, se os surdos são também imagéticos e a fotografia pode se
constituir em um artefato cultural que pode ser utilizado como uma prática de
enunciação pelo surdo. Essa perspectiva é apresentada no capítulo que segue.
50
CAPÍTULO 2
A fotografia como um artefato cultural e uma
prática de enunciação do povo surdo.
Imagens são palavras que nos faltaram.
Manoel de Barros
Ao deslizar nosso olhar sobre as imagens que abrem este capítulo (página
anterior), vemos alguns estudantes compenetrados, como quem quer ajustar os recursos
de uma câmera digital para produzir fotografias. Podemos fazer diversas leituras sobre
cada uma das fotografias apresentadas: composição, enquadramento, iluminação, foco,
sentidos que ela suscita etc. No entanto, não podemos compreender a experiência visual
vivenciada pelo autor desta foto, no momento do clique e muito menos a experiência
visual dos estudantes que, na fotografia, aparecem posicionados em outras direções.
Considerando que os jovens retratados na foto são estudantes surdos
desenvolvendo uma atividade extracurricular (de extensão universitária), a ideia de
experiência visual torna-se ainda mais singular. Para o surdo, a experiência visual
significa a utilização da visão, como meio de relacionamento com o mundo já que ele
não pode contar com a audição (PERLIN e MIRANDA, 2003). É com base na
experiência visual que “os sujeitos surdos percebem o mundo de maneira diferente, a
qual provoca as reflexões de suas subjetividades” (STROBEL, 2016, p. 44).
Ao apresentar esse breve prólogo intentamos suscitar as temáticas que serão
abordadas neste capítulo: Fotografia como um artefato cultural; Usos da fotografia na
educação; O que diz a literatura sobre a fotografia na educação de surdos e na educação
em ciências naturais e Fotografia como prática de enunciação do povo surdo. Partimos
do pressuposto de que a explicitação do entendimento que nós temos dessas questões é
requisito fundamental para o desenvolvimento das análises propostas neste estudo.
51
2.1. Fotografia como um artefato cultural
Nós seres humanos, quando dispomos da visão, comportamo-nos como seres
imagéticos. Cotidianamente somos afetados por imagens que instigam nossas
lembranças, pensamentos, ações e reações. A forma como vemos, falamos e reagimos
diante das imagens depende das nossas experiências. São as nossas experiências que
permitem estabelecer conexão com os elementos da imagem e até mesmo fazer parte
dela. A singularidade da experiência não está relacionada diretamente à consciência,
pois, cada imagem articula-se aos sentidos que produzimos com base nas relações
sociais. Imagens são, portanto, artefatos culturais.
Elas formam o material imagético das técnicas publicitárias, do
cinema e de todas as artes; que, a cada instante, nas relações
entre seres humanos, são os milhares de imagens-nuas que constituem
a percepção do rosto e do corpo do outro que transportam
significações mudas e informações muito mais ricas que as
mensagens verbais (GIL, 2005, p.15).
O mundo globalizado produz continuamente cenários imagéticos que demandam
a produção de sentidos a todo instante. Os modelos atuais de produção de imagens
acontecem de maneira desterritorializadas, sobretudo em decorrência do uso de recursos
tecnológicos. Se por um lado existem tentativas de padronizações por imagens, por
outro existem muitas possibilidades de produção de múltiplos sentidos, uma vez que “a
imagem está carregada de todas as qualidades e potencialidades que definem o humano”
(BENTES, 2013, s.p.).
As imagens estão diretamente ligadas às expressões de poder que conduzem as
relações humanas. Em muitas situações o valor de um produto, de uma pessoa, de uma
instituição é definido pelas imagens que são veiculadas, ou seja, à adequação a um
determinado padrão sócio-econômico, estético, ético e lingüístico. O reconhecimento da
importância das imagens na nossa sociedade explica porque ela se tornou um campo de
estudo caracterizado como “cultura visual”.
A cultura visual busca compreender o visual presente cotidianamente, discutindo
os significados que estão sendo criados culturalmente. É um campo de estudo recente
que tem como foco as imagens nas relações de poder (novas e velhas) como produtoras
de novas sociabilidades. “Esse entendimento fundamenta-se na abordagem
sócioantropológica, o que significa focalizar o conhecimento tanto nos produtores
52
dessas experiências quanto no contexto sociocultural em que são produzidas”
(SADERLICH, 2006, p.212).
Os estudos da cultura visual ganham relevância no nosso tempo, denominado
“era digital”. Hoje, talvez sejamos mais afetados pelas imagens virtuais que pelas
imagens reais. Um internauta pode optar pelo isolamento social a fim de fazer parte do
mundo virtual. Redes sociais, a exemplo do Instagram, permitem acesso a outras redes
sociais, como Facebook, Twitter e Tumblr para compartilhamento de fotos, vídeos,
textos escritos, etc. Assim, o internauta pode acompanhar e/ou difundir ideias, valores,
tendências da moda, assumir posicionamentos e motivar comportamentos. Esse
processo é favorecido pelas tecnologias dos smartphones que, a cada dia, tornam-se
mais sofisticados mantendo a facilidade de manuseio. Tais equipamentos dispõem de
câmeras fotográficas de alta resolução com aplicativos de ajustes automático do foco, da
iluminação, do enquadramento, de efeitos que podem ser aplicados em vários tipos de
fotografias, incluindo auto-retratos (selfie). Assim, fotos de boa qualidade podem ser
feitas de forma amadora por qualquer pessoa, até mesmo pelas crianças pequenas. O
sistema operacional dos smartphones (equivalente aos computadores) e a conexão na
internet facilitam divulgação de imagens, textos escritos, áudios e vídeos pelo mundo,
em tempo quase que real.
Na era digital a produção e difusão de fotografias se tornaram uma prática
corriqueira, quase que banalizada porque fotos digitais podem ser produzidas e
apagadas em fração de segundos. Todavia, a história desse artefato cultural revela que a
produção e difusão constituíram um processo complexo e marcado por relações de
poder.
É preciso considerar que a fotografia não é uma tecnologia recente. Existem
descrições do uso dessa técnica no século IV a.C feita por Aristóteles. No entanto,
apenas no início do século XIX houve um avanço na técnica permitindo a captura e a
fixação da imagem por um longo período de tempo. Surgiu, então, a fotografia que
significa “grafia pela luz” numa superfície revestida quimicamente.
A técnica de fixação da imagem foi desenvolvida primeiramente por Joseph
Nicéphore Niépce em 1826 e continuada por Louis Jacques Mandé Daguerre com a
técnica denominada daguerreótipo em 1839. Essa técnica consistia em fixar a imagem
em uma placa de metal após um longo período de tempo, cerca de 30 minutos. Anos
mais tarde, William Henry Fox Talbot desenvolveu o calótipo proporcionando o
53
negativo da imagem e a fixação do positivo após o contato com o papel sensibilizado
quimicamente. (CORRÊA, 2013).
Em 1888 houve uma considerável difusão do uso da fotografia após a invenção
da câmara de filme por George Eastman com a Kodak Nº1, principalmente nos Estados
Unidos. A fotografia instantânea, por sua vez, foi inventada em 1948 por Edwin Land,
de forma que, as imagens eram visualizadas sem a necessidade de que fossem levadas
para um laboratório de revelação.
Estes três momentos da fotografia (daguerreótipo, fotografia de filme
e fotografia instantânea) têm como base a câmara escura e a
fotoquímica acontecendo devido à presença de sais de prata. Durante
muitos anos gravar imagens teve estas características, até o
lançamento da fotografia digital (CORRÊA, 2013, p.12).
Durante o processo de instrumentalização da fotografia no século XIX, houve
duas vertentes que buscaram se apropriar dessa tecnologia. A primeira consistiu em
atribuí-la a uma forma de manifestação artística, pelo fato de que as pinturas feitas
naquele período buscavam retratar pessoas e realidade. Comparando-se com a pintura, a
fotografia era mais prática e possuía maior realismo. A segunda buscou estabelecê-la
como um instrumento técnico cientifico.
A fotografia representou um sopro na atividade científica, que passava
a incorporar, em suas estratégias especulativas, um novo princípio
heurístico, apresentando-se como um novo padrão de rigor – quando,
de fato, a imagem fotográfica, a um só tempo, desviava a atenção do
texto para si e conferia poder persuasivo ao conjunto do discurso
científico (SILVA, 2014, p.347).
O campo das ciências adotou a fotografia como instrumento indispensável.
Fundamentado em Gunthert (2000), Silva (2014) aponta que “a relação que se
estabelecera entre fotografia e ciência não foi, portanto, natural, mas resultado de uma
vontade e de um discurso” (p.347). Utilizada primeiramente no campo da astronomia,
em seguida em outros, a fotografia recebeu maior evidência no campo da medicina que
a utilizava para difundir imagens que retratavam doenças. Essa atividade recebeu um
grande destaque de forma que incentivou o surgimento, em 1869, da Revue
Photographique dês Hôpitaux de Paris. “Tratava-se da primeira iniciativa regular de
emprego e divulgação sistemáticos, no campo da medicina, de fotografias para
representar doenças” (SILVA, 2014, p.351).
No século XIX, o rigor técnico e os altos custos de manipulação da fotografia
restringiram a apropriação dessa tecnologia à ciência e a uma parcela seleta da
54
população. Em outras palavras, a fotografia era empregada pelos que detinham poder
servindo, portanto, para legitimar diferenças.
Na medicina, assim como na antropologia, era a delimitação do que
representa o outro que estava em questão, mais do que o
conhecimento com fins preventivos dos males que afetam a saúde
humana, pois as representações não se prestam a dar a conhecer, mas,
tão somente, a representar. Se, para aquele antropólogo, o outro era o
diferente, para a medicina o outro era o corpo doente (e nisto
aproximam-se, não se afastam), que, em nome da “fortuna pública”,
da “riqueza nacional”, dava sua contribuição à ciência, prestando-se à
demarcação do bizarro e do indesejável (SILVA 2014, p. 359).
A popularização da fotografia ocorreu de maneira efetiva somente com o modelo
digital utilizado nos últimos anos. As primeiras câmeras digitais surgiram após a Guerra
Fria em 1965. Porém, apenas em 1981 os primeiros modelos foram comercializados
pela Sony. A partir de então, o uso da fotografia estabeleceu novas representações das
imagens capturadas.
Machado (1998) faz referência à polêmica que se instalou entre pesquisadores e
fotógrafos sobre o significado de fotografia na atualidade. Por um lado, há quem diga
que o conceito de fotografia não condiz com o processo eletrônico e ou digital de
produção de imagem. Esse processo caracteriza-se numa “metamorfose de conversão
dos grãos fotoquímicos em unidades de cor e brilho, matematicamente controláveis, às
quais damos o nome de pixels” (p. 318). Por outro lado, há quem defesa a ideia de que
as mudanças ocorridas no processo de capturar e fixar imagens não são tão diferentes de
outros processos vividos no universo do cinema, da televisão e da música, por exemplo.
a informática está cada vez mais imbricada na elaboração dos filmes cinematográficos.
A música gravada está tomada por edições geradas eletronicamente. Dessa forma, o que
ocorre com a fotografia não é um processo particular de conversão em informação
eletrônica.
Apesar das polêmicas sobre os processos de produção da fotografia há consenso
quanto ao entendimento de que ela é um artefato cultural. Não se configura apenas
como uma imagem de algo e/ou de alguém, mas, também uma forma de conhecimento,
um modo de produzir narrativas imagéticas, de se manifestar diante dos fatos do mundo
e de participar dos processos de interação social.
O ato de fotografar instiga a autonomia e a sensibilidade estética do fotógrafo,
pois ele busca produzir sentidos aos cenários imagéticos que retrata. Estimula tanto a
55
criticidade e a sensibilidade do indivíduo que fotografa como também de quem faz a
leitura da fotografia.
Na pós-modernidade a fotografia demanda novas experiências visuais que
reconfiguram padrões estabelecidos na modernidade.
A centralidade adquirida pela visualidade está provocando uma
alteração significativa no predomínio que a cultura ocidental estava
acostumada a atribuir ao verbal. A crença na palavra como a forma
mais elevada da prática intelectual, cuja consequência principal foi a
de relegar a representação visual ao âmbito de um conhecimento de
segundo grau, está sendo colocada em xeque a todo o momento
(FABRIS, 2007, p.32).
A pós-modernidade nos impele a pensar sobre o lugar que as imagens ocupam
na nossa vida. Nesse sentido, as instituições educativas são desafiadas a produzir outras
referências pedagógicas, especialmente nesse tempo em que se reconhece o direito de
todas as pessoas à educação. Em se tratando da educação de surdos, o uso de imagens
na educação torna-se ainda mais imperativo, uma vez que são pessoas que aprendem
e/ou ensinam com base em suas experiências visuais.
2.2. Usos da fotografia na educação
Na sociedade contemporânea estamos imersos num mundo de imagens que
dificultam o entendimento do que é real e o que é virtual. Os ciberespaços criam
cenários e temporalidades que exigem novas performances, sobretudo no que se refere
ao uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). Tudo ocorre num ritmo
alucinante que demanda imediatismo ainda que em contextos de incertezas.
Cotidianamente somos afetados por imagens que podem interferir no nosso modo de
ver, de pensar e de agir como protagonistas da história do nosso tempo.
Assim como Fischer, (2011, p.81) consideramos que “para haver protagonismos,
de qualquer espécie, talvez seja preciso mesmo viver no imprevisível, aceitar o incerto –
desde que nessa incerteza tenhamos a companhia de bons textos, bons filmes, boas
imagens”. Exercer papel de protagonista da história implica em fugir do lugar comum,
das interpretações padronizadas e das meras reproduções de modelos de
comportamento. Implica em questionar as “palavras bichadas de costumes” assim como
fez o poeta pantaneiro Manoel de Barros. Só assim é possível “inventar, transcender,
56
desorbitar pela imaginação”, pois o olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê, é
preciso transver o mundo, tirar da natureza as suas naturalidades (BARROS, 2010).
Padrões, modelos, clichês causam sérios danos à vida humana porque negam as
potencialidades do indivíduo falar, pensar e manifestar por si. Por assim entender
colocamo-nos ao lado de pesquisadores que defendem o uso de imagens na educação
como forma de contribuir para que docentes e estudantes possam assumir a autoria do
processo educativo que vivenciam (ALVES, 2001; ALVES e OLIVEIRA, 2004;
AMORIM, 2007; FISCHER, 2011; CALADO, 1994; SONTAG, 2004; WUNDER,
2006, 2008).
Nilda Alves (2001) é uma das vozes que assumem a defesa do uso de imagens
na educação. Nesse sentido, ela entende o currículo como espaçotempo13
composto de
“relações múltiplas entre múltiplos sujeitos com saberes múltiplos, que
aprendem/ensinam, o tempo todo, múltiplos conteúdos de múltiplas maneiras” (p.3).
Entende também que as imagens necessitam ser compreendidas tanto do ponto de vista
dos sentidos de quem as produziu quanto de quem faz sua leitura. Quanto mais fomentar
produtores/leitores de imagens, mais sentidos poderão ser produzidos.
Ao analisarem imagens e narrativas de professoras acerca de fragmentos do
cotidiano escolar Alves e Oliveira (2004) nos levam a pensar que “narrativas e imagens
se entrelaçam em nossas vidas e como tudo o que conseguimos ver se articula sempre
com o que sabemos antes, por narrativas ou imagens anteriores” (p.19). As articulações
entre imagens e narrativas exigem experiências individuais e em coletividade de
relações com o Outro, com o meio, com as tecnologias, ou seja, “num espaçotempo em
uma trajetória pessoal e coletiva” (p.20).
Calado (1994) também considera a imagem como uma linguagem visual que
pode contribuir para o sucesso da comunicação pedagógica. Na opinião dessa autora
para que esta comunicação ocorra de maneira efetiva é preciso possibilitar o acesso aos
diferentes sistemas de representação, às diferentes mídias a fim de ajudar o aluno a
entender a mensagem ou seu sentido levando em conta a compreensão de códigos,
contextos e tecnologias. A utilização da imagem de maneira pedagógica e como
13
Nilda Alves juntou esses dois termos em uma única palavra para mostrar a única possibilidade
de existência desses termos − um tem relação com o outro e só existe nesta relação. (ALVES,
2001, p.2)
57
diversificação das linguagens escolares, estimula o desenvolvimento das formas de
expressão verbal (CALADO, 1994).
Neste estudo partimos do entendimento de que a fotografia é um potente artefato
cultural para a educação, pois ela se constitui numa linguagem, num discurso escrito por
meio de imagens. Essa linguagem é capaz de produzir, desenvolver e compreender a
Língua.
Wunder (2008) faz uso do termo “foto quase grafia”, pois, considera que cada
imagem revelada é apenas “um corte”, “um instante efêmero”, um “fragmento
suspenso”, uma “cicatriz” de “um acontecimento” que se torna eternizado.
A justaposição entre foto/luz e grafia/escrita deixa um pensar. Escrita
da luz: uma escrita que se faz pela passagem da luz, e também uma
forma de escrevermos com a luz. Uma linguagem atravessada pela
fissura entre a emanação luminosa das coisas e seres fotografados e o
desejo de dizer sobre estas coisas e seres. Neste estiramento de forças
de pensamentos, nestes sentidos paradoxais que moram dentro da
própria palavra, um quase. Foto quase grafias. Na suspensão entre a
quase-magia da luz e a quase-matéria da escrita, a impossibilidade de
um sentido último, o acontecimento por fotografias (WUNDER, 2008,
p. 1).
Nessa acepção a fotografia é “uma linguagem atravessada pela fissura entre
emanação luminosa das coisas e seres fotografados e o desejo de dizer sobre estas coisas
e seres” (p, 01).
Mora nas fotografias produzidas cotidianamente a possibilidade do
acontecimento que se dá nelas, por elas, quase que descolado do
tempo passado e fotografado. Nesta fissura, há algo que não
conseguimos apreender e representar em palavras conhecidas. Outros
tempos, outros sentidos fazem-se no silêncio inapreensível das
imagens. Nesta justa ruptura, as possibilidades de a fotografia
multiplicar os sentidos daquilo que vemos (WUNDER, 2008, p. 2).
Nas palavras dessa pesquisadora as fotografias são “marcas de vivências”, uma
forma de “abrir janelas para o tempo passado”. Elas nos permitem “colecionar as coisas
e seres na forma de imagem” (COSTI, 2005 apud WUNDER, 2008, p. 10), “contar uma
história” (MARTINS, 1993, apud WUNDER, 2008, p. 10), “traduzir uma ideia em
imagem” (OPPIDO, 1993, apud WUNDER, 2008, p. 10). Constituem-se, portanto, em:
Histórias, idéias, verdades, mundos, sonhos que desejam ver-se
materializados na superfície de um papel e também que se liquefazem
quando o olhar mergulha nas encostas da luz e da sombra, penetra e
desorganiza as reentrâncias da forma [...] uma maneira fluida de
encontrar outra realidade [...]. Um olhar intencionado e sensível, uma
58
forma de pensar e sentir que afeta e se deixa afetar pelo que vê, um
gesto de por na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração [...]
(WUNDER, 2008, p. 11).
A leitura que fazemos de cada fotografia depende das nossas experiências, dos
sentidos que atribuímos ao que vemos, ou seja, depende da nossa visão de mundo. É
também um discurso, pois o fotógrafo é alguém que fala sobre um determinado assunto
(um ser, um fato, um contexto, uma condição, etc.) para um público que pode ou não
conhecê-lo. Comporta-se como um “falante” movido por uma intencionalidade
comunicativa. Conforme análises realizadas por Wunder (2008), a fotografia é
permeada por duas potências: expressar e produzir. “Por essas duas forças a fotografia
efetua-se como um discurso centrado naqueles que a produz, numa relação de causa e
efeito entre fotógrafo e imagem” (p.15).
A potencialidade do uso da fotografia na educação é inegável, pois ela permite
produzir imagens que expressam modos de ver, de falar, de representar e dar sentido
para acontecimentos da vida. Na perspectiva adotada por Mendes (2005) a fotografia
pode potencializar também a inclusão social. Em sua opinião existe uma consciência
tardia em torno da temática que ganhou mais visibilidade na década de 1980.
Entretanto, foi somente a partir dos anos noventa que começaram a surgir propostas
voltadas para a “educação visual” como ferramenta de inclusão social.
Dentre as propostas apresentadas nos estudos de Mendes (2005) as mobilizações
com uso de fotografia na “educação do olhar” abrangem participantes e temáticas como,
condição feminina e do negro, jovens privados de liberdade, crianças de rua e etc. Esse
tipo de iniciativa busca fazer da linguagem fotográfica é uma possibilidade de dar voz
ao social. Entende-se que quando as minorias têm acesso à fotografia elas podem usar
este artefato cultural como linguagem para abordar questões sociais e de interesse
popular possibilitando o reconhecimento de culturas ao longo do tempo deixadas a
margem em nossa sociedade (MENDES, 2005).
Neste estudo reiteramos essa perspectiva do uso da fotografia como uma
possibilidade de produção de discursos pelas minorias, como é o caso dos surdos.
Consideramos que, por meio de fotografias os surdos podem “falar”, contestar,
enunciar, posicionar-se politicamente, pois como disse o poeta pantaneiro “imagens são
palavras que nos faltaram” (BARROS, 2010). Por assim entender, buscamos fazer um
levantamento de pesquisas sobre essa temática conforme é apresentado a seguir.
59
2.3. O que diz a literatura sobre a fotografia na educação de surdos e na
educação em ciências naturais
No levantamento das pesquisas sobre o uso de fotografia na educação de surdos
consideramos as produções relativas ao período compreendido entre 2004 a 2015
utilizando os seguintes descritores: “fotografia”, “educação de surdos” e “ensino em
ciências”. As produções foram buscadas no Banco de Teses do Portal da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), nas Atas do Encontro
Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC) e no periódico da Revista
Brasileira de Educação Especial (RBEE)14
. Selecionamos esses três bancos
bibliográficos por entender que são espaços de referência para publicação de resultados
de pesquisa sobre a temática que constitui nosso objeto de estudo.
Para selecionar os trabalhos analisamos os títulos, os resumos as palavras-chave.
Não identificamos produções que tratassem especificamente do uso de fotografia na
educação em ciências para surdos. Optamos por continuar a investigação
desmembrando os descritores de forma a alcançar trabalhos que relacionasse pelo
menos duas das três discussões expressas nos descritores utilizados. Procedemos a uma
nova busca utilizando como descritores “fotografia” e “educação de surdos” e em
seguida “fotografia” e “ensino de ciências”.
No que diz respeito à fotografia e surdos encontramos apenas uma dissertação.
Quanto à fotografia na educação em ciências localizamos três dissertações e três artigos,
conforme descrito a seguir.
Levantamento das produções acadêmicas relativas ao uso de fotografia na
educação de surdos e na educação em ciências.
Quadro 1: Pesquisas que trazem contribuições à Fotografia e Educação de Surdos;
Fotografia e Educação em Ciências Naturais
Título Autoria Tipo Ano
História do Povo Surdo em Porto
Alegre: Imagens e Sinais de uma
trajetória cultural
RANGEL, Gisele Maciel
Monteiro
Dissertação
UFRGS
2004
14
Em 2012 esta revista foi avaliada pela Capes e classificada como Qualis A2.
60
Luz e Cores: Uma proposta
interdisciplinar no ensino
fundamental
ANDRADE, Claudia
Terezinha Fraigede
Dissertação
2005
Cenas e cenários das questões
socioambientais: mediações pela
fotografia
Autora: SANTOS, Manuella
Teixeira Santos
Dissertação
2013
Educação e fotografia: uma
análise quantitativa do projeto
“olhar socioambiental”
Autores: PERINOTTO,
André Riani Costa.
COÊLHO, Hemílio
Fernandes Campos
Artigo
2012
O uso de fotografias para
avaliação da aprendizagem dos
conceitos de fenômenos físicos e
reações químicas
SILVA, Margarete Virgínia
Gonçalves Silva e HUSSEIN,
Fabiana Roberta Gonçalves e
Silva.
Artigo
2013
As fotografias dizem por si só?
Uma reflexão semiológica dos
livros didáticos de ciências por
meio das fotografias no contexto
da zoologia no ensino médio
ALMEIDA, Eduardo Franco
de & ALMEIDA, Sheila
Alves
Artigo
2013
Fonte: Elaboração da autora
A dissertação de Gisele Maciel Monteiro foi intitulada História do Povo Surdo em
Porto Alegre: Imagens e Sinais de uma trajetória cultural15
. A autora partiu do entendimento de
que a fotografia é uma forma de narrativa. Nessa perspectiva seu estudo foi
fundamentado no desenvolvimento de análises sobre narrativas produzidas a partir de
fotografias de diversos momentos importantes da trajetória política e social do povo
surdo no Rio Grande do Sul. Vale ressaltar que tanto a pesquisadora e como os sujeitos
da pesquisa são surdos. A autora considera a fotografia como um texto e que produz
sentidos e significações de histórias vividas pelos surdos. O objetivo geral do trabalho
foi compreender e definir alguns mecanismos e estratégias de articulação e organização
de formações discursivas implicados na invenção de narrativas produzidas em torno dos
povos surdos. A metodologia de pesquisa adotada foi a abordagem qualitativa com foco
em narrativas surdas, registro de histórias e sentidos e história visual. O amparo teórico
metodológico foi baseado nos estudos culturais de Stuart Hall, nos estudos surdos de
Carlos Skliar e na Fotografia de Maura Lopes. Os resultados de sua pesquisa indicam
15
Dissertação defendida na UFRGS, em 2004.
61
que a imagem fotográfica é uma importante fonte documental compatível com a
percepção visual das pessoas surdas. Essa pesquisa entende que a fotografia possibilita
narrativas de surdos. A fotografia atuou como estímulo à memória diante de fatos
ocorridos e vivenciado pelos surdos do Rio Grande do Sul. Além de narrativa, o
trabalho compreende a fotografia como texto e também como linguagem.
Andrade (2005) utilizou a fotografia em seus aspectos conceituais envolvidos no
estudo do comportamento da luz. Este estudo fez uma abordagem interdisciplinar a
partir do projeto “Luz e Cores” nos conteúdos de física, química, educação artística e
biologia, de uma turma de oitava série do ensino fundamental. A pesquisa teve por
objetivo compreender o estudo sobre luz e cores. Para desenvolver essas análises os
estudantes vivenciaram diversas oficinas, dentre elas, o processo de formação da
imagem em uma câmera escura trabalhando uma técnica de fotográfica antiga
denominada pinhole ou buraco de agulha em que se utiliza uma lata para capturar
imagens fotográficas com intuito de explorar e vivenciar o processo de formação da
imagem em uma câmara escura, associando-o à formação da imagem no olho humano.
As análises dos dados apresentaram a fotografia como atrativa para o interesse dos
alunos na realização de atividades interdisciplinares e contribuiu para o entendimento de
conceitos que envolveram o ensino de ciências.
Santos (2012) utilizou a fotografia como instrumento facilitador da apreensão
dos aspectos sociais, econômicos, ambientes, políticos, educacionais, entre outros, que
favorece leituras multidimensionais do contexto socioambiental vivido. O trabalho foi
desenvolvido a partir de uma oficina intitulada “A fotografia no ensino de ciências”
ministrada para dez alunos da graduação dos cursos de Licenciatura Plena em Ciências
Biológicas e Licenciatura em Física da UFPA. A metodologia do trabalho fez uso da
abordagem qualitativa com estratégia de pesquisa-ação. Os participantes foram
orientados pela pesquisadora nos seguintes aspectos: produção de registros fotográficos
de questões socioambientais locais, produção de um texto sobre as imagens capturadas,
apresentação e avaliação em grupo. Os dados desse estudo evidenciam que a ação de
fotografar proporciona um olhar profundo, que a autora chamar de “ver”, sobre as
transformações do contexto ambiental local. Além disso, para a autora a fotografia deve
ser trabalhada em sala de aula no ensino de ciências possibilitando a autonomia dos
estudantes em captar as imagens e construir um pensamento crítico.
62
Perinotto e Coêlho (2012) utilizaram a fotografia como ferramenta de educação.
O estudo foi realizado a partir do projeto de extensão denominado “Olhar
socioambiental” que adotou a fotografia como uma ferramenta para educação ambiental
propiciando aos participantes, alunos de escolas públicas, oportunidades de
aprendizagem ao fotografar imagens de seu cotidiano. No projeto foram realizadas
oficinas de fotografia e cursos de educação socioambiental voltados para a
sensibilização e percepção do ambiente por meio da cultura fotográfica na região do
Delta do Parnaíba. Os dados do trabalho indicam que a fotografia pode ser usada como
recurso pedagógico, pois, é responsável por uma simultaneidade na relatividade do
olhar, de forma que os alunos atuam hora como fotógrafos, hora como leitores das
imagens captadas. Observou-se que uma mesma realidade pode ser vista de diferentes
ângulos, dependendo da perspectiva do observador/fotógrafo. A fotografia trabalhada
no projeto proporcionou aos estudantes se afirmarem como sujeito nas imagens, como
autores e personagens das fotografias, além de promover o desenvolvimento de críticas
às questões ambientais e ecológicas possibilitando uma mudança de comportamentos e
atitudes em relação à fauna, à flora, à cultura do Delta do Parnaíba e aos problemas
decorrentes da degradação ambiental.
Silva e Hussein (2013) utilizaram a fotografia como um recurso tecnológico no
processo de ensino. O estudo ocorreu a partir de uma atividade proposta, a alunos do 2º
ano do ensino médio. Tal atividade consistiu em fotografar fenômenos físicos e reações
químicas observadas no dia-a-dia. Os resultados dessa pesquisa indicaram que os alunos
resgataram conhecimentos estudados anteriormente e registraram a partir da fotografia
os fatos mais corriqueiros que são visualizados constantemente no dia-a-dia envolvendo
a física e a química, como: formação do gelo e da evaporação da água para fenômenos
físicos e a combustão do GLP e da parafina como exemplos de reações químicas. Além
disso, esta atividade segundo os pesquisadores proporcionou uma aprendizagem
significativa.
Almeida e Almeida (2013) analisaram fotografias de animais vertebrados
presentes em três livros didáticos de Biologia referente ao 1º, 2º e 3º anos do Ensino
Médio da rede estadual de ensino de Minas Gerais. Os autores partiram do
entendimento de que as fotografias dos livros didáticos de ciências são ferramentas
pedagógicas importantes para a compreensão do assunto trabalhado em sala de aula.
Para análise das fotografias, definiram critérios como: fotografias especificas sobre o
63
assunto, legendas, autoria, legibilidade e escala para verificar a relação entre a
proporção das imagens do animal no livro e do animal real. Os resultados da pesquisa
indicaram que apesar de haver uma regulamentação para o uso de fotografias em livros
didáticos, ainda encontra-se problemas quanto à impressão de baixa qualidade das
imagens, falta de escala de proporção e ausência de legenda.
Ainda que não tenhamos localizado pesquisas que tratam especificamente da
fotografia na educação em ciências para surdos, consideramos que os estudos permitem
visualizar tal possibilidade. Conforme foi dito anteriormente, um dos problemas da
educação em ciências para surdos é a falta de sinais em Libras para muitos conceitos
que compõem o léxico desse componente curricular. Dessa forma, a fotografia pode
ajudar o surdo a visualizar algumas questões relativas às ciências bem como possibilitar
forma de enunciação diante de problemas do mundo físico e social, incluindo a própria
luta do movimento dos surdos.
2.4. Fotografia como prática de enunciação pelo surdo
A hegemonia do ovintismo é criticada por pesquisadores do campo dos estudos
surdos (QUADROS, 2004; PERLIN, 2015, PERLIN E STROBEL, 2009; PERLIN E
MIRANDA, 2011, STROBEL, 2016). Ainda hoje buscam-se meios pedagógicos para
fazer com que o surdo leia, escreva e, se possível, fale em Português. Assim, a Língua
dos surdos é vista como instrumental para o aprendizado da língua escrita que permite o
acesso aos conteúdos do currículo escolar. A escrita é apresentada, portanto, como o
único caminho para alcançar a cultura erudita. O processo de interação do estudante
surdo com a cultura passa, necessariamente, pela mediação do intérprete.
A preocupação exacerbada com o desenvolvimento da leitura e da escrita em
Português restringe as possibilidades de desenvolvimento integral do estudante surdo.
Os artefatos culturais do povo surdo são ignorados negando-lhes as possibilidades de
uso de outras formas de expressão e de enunciação. Por essa razão o movimento dos
surdos defende a Pedagogia dos surdos. Essa pedagogia é caracterizada pela valorização
da língua de sinais, pelo reconhecimento de que a educação de surdos demanda práticas
pedagógicas que leve em conta a identidade cultural dos surdos, pela preparação dos
espaços educativos para a diferença, pelo incentivo ao desenvolvimento da experiência
64
visual, por meio de recursos tecnológicos que valorizam a interpretação a partir de
imagens (PERLIN e MIRANDA, 2011).
Pensar em diferentes formas de ensinar e aprender considerando
diferentes formas de pensar, de expressar, de ver o outro, nos
redimensiona e nos provoca no sentido de busca e de encontro. Os
efeitos de modalidade provocam novos olhares sobre a pedagogia. As
línguas de sinais nos contextos em que são usadas pelas pessoas
surdas apresentam diferentes vieses de uma possível pedagogia, a
pedagogia visual. Podemos brincar, podemos ler, podemos sentir,
podemos perceber o mundo, podemos aprender, podemos ensinar
através do visual que organiza todos os olhares de forma não auditiva
(QUADROS, 2004, p. 12).
Do nosso ponto de vista, a fotografia é artefato cultural que potencializa
educação de surdos porque instiga a curiosidade, a criatividade, a capacidade de
interpretação e o desejo de se manifestar por meio de imagens. Em outras palavras,
defendemos a fotografia como uma prática de enunciação dos surdos. Para tanto,
buscamos amparo em Certeau (1994, 2012) por considerar que esse teórico relativizou a
noção de verdade, suspeitou da objetividade, criticou a hierarquias nas instituições do
saber, defendeu a entrada das minorias linguísticas nas universidades, evidenciou a
cultura no plural e colocou em dúvida os modelos padronizados de ensino. Ele
interessou-se não pela cultura erudita, mas especialmente pela invenção do cotidiano, ou
seja, pelas criações anônimas dos praticantes da cultura.
Para ressaltar a importância da obra de Certeau neste estudo reiteramos aqui as
palavras usadas por Luce Giard utilizou na apresentação do livro “A invenção do
cotidiano: artes de fazer”.
Em Michel de Certeau são sempre perceptíveis um elã otimista, uma
generosidade da inteligência e uma confiança depositada no outro, de
sorte que nenhuma situação lhe parece a priori fixa ou desesperadora.
Dir-se-ia que, sob a realidade maciça dos poderes e das instituições e
sem alimentar ilusões quanto a seu funcionamento, Certeau sempre
discerne um movimento browniano de micro-resistências, as quais
fundam por sua vez microliberdades, mobilizam recursos insuspeitos,
e assim, deslocam as fronteiras verdadeiras da dominação dos poderes
sobre a multidão anônima. Certeau fala muitas vezes desta inversão e
subversão pelos mais fracos, por exemplo, a propósito dos indígenas
da América do Sul, submetidos à cristianização forçada pelo
colonizador hispânico. Parecendo por fora submeter-se totalmente e
conformar-se com as expectativas do colonizador, de fato
“metaforizavam a ordem dominante” fazendo funcionar as suas leis e
suas representações “num outro registro”, no quadro de sua própria
tradição (p. 18).
65
Assim como Certeau, consideramos que as práticas culturais, tais como as da
cultura dos surdos, são “artes de fazer” que, ao mesmo tempo, são exercidas e burladas
pelas micro-resistências e micro-liberdades. Nesses processos as minorias podem
defender suas manifestações linguísticas posicionando-se contra a hegemonia da língua
e da cultura dos grupos dominantes. Isso implica em fazer uso de várias formas de
enunciação.
Na perspectiva da enunciação [...] privilegia-se o ato de falar: este
opera no campo de um sistema linguístico; coloca em jogo uma
apropriação, ou uma reapropriação, da língua dos locutores; instaura
um presente relativo a um momento e a um lugar; estabelece um
contrato com o outro (o interlocutor) numa rede de lugares e de
relações. Estas quatro características do ato enunciativo poderão
encontrar-se em muitas outras práticas (Caminhar, cozinhar, etc.)
(CERTEAU, 1994, p 40. Destaques do autor).
Consideramos que a fotografia pode ser uma prática de enunciação pelo surdo
porque ela é uma linguagem, um modo diferente de escrever (pela luz), de falar, de
comunicar, de produzir discursos e conhecimentos. Ela possibilita um encontro com
imagens que instigam a produção de sentidos, ideias, palavras, posicionamentos e de
histórias, sem as amarras da lógica da racionalidade técnico-científica.
A linguagem fotográfica pode ser apropriada e reapropriada por ouvintes e
surdos, pois ela opera no campo de uma manifestação simbólica. Ela permite falar do
passado e do presente, de acontecimentos/contextos comuns e também dos inusitados,
obliterados, negados. Ela estabelece contrato direto entre o autor da imagem e o
interlocutor, pois a sua produção é mediada pela câmera fotográfica. Assim, a
produção/interpretação da fotografia pelo surdo se dá de forma autônoma, não demanda
mediação do intérprete de libras. O surdo pode participar livremente de redes de
relações sem limites espaço-temporais e sem barreiras linguísticas.
Acreditamos que a fotografia potencializa a pedagogia dos surdos, pois, abre
novas outras possibilidades para o olhar, para a leitura, interpretação, para a escrita
ampliando os sentidos daquilo que é vivenciado pela experiência visual dos surdos. Ela
pode se constituir em um “discurso visual” (MACHADO, 1998) elaborado com apoio
da tecnologia e com base na subjetividade do fotógrafo. Reiteramos, portanto, a
proposta de Wunder (2006):
Pensemos nas fotografias como um discurso visual mediado pelas
subjetividades daqueles que fotografam e daqueles que observam
fotografias, que foquemos nossa atenção para os contradisparos das
fotografias [...] que nos desloquemos da idéia da fotografia como arte
66
de captar para a idéia de arte de soltar, como se a cada disparo da
máquina fosse o fotógrafo que se esvaísse em disparada, como se
através do obturador aberto, ele se permitisse um vôo cego, mergulho
de se expor (p. 4 – 5).
Ao fazermos a defesa do uso da fotografia na educação em ciências naturais
estamos argumentando que ela possa ser utilizada como um instrumental metodológico
que permite revelar a verdade dos fatos do mundo físico e social em substituição aos
conceitos veiculados pela escrita. Entendemos que uma imagem não pode ser explicada,
dessecada até que ganhe conformidade com os padrões de conhecimento instituídos pela
escola. O exercício da leitura do olhar do outro e da leitura do próprio olhar mobiliza
experiências e sentidos pessoais e coletivos. Cada registro fotográfico é um olhar único
e é interpretado sob o olhar único de cada observador. No entanto, pensamos
[...] na fotografia como aquilo que se cria como resto, como objetos
simbólicos que dão certa materialidade há o que insiste em esvair,
como restos do que foi, do que não foi, do que poderia ter sido, do que
se deseja que seja. Talvez, poderíamos pensar na fotografia como
aquilo que deseja ser realidade, que busca dar materialidade às luzes
fugazes que continuam no espaço em destino infinito. Buscam criar
um outro mundo... uma aspiração (WUNDER, 2006, p. 13).
Em suma, pensamos que a fotografia pode ser usada pelos surdos para produzir
outras formas e olhar, de escrever e de enunciar textos imagéticos em vários campos do
conhecimento sem submetê-las à análise e interpretação, assumida como possível e
verdadeira nas apresentações do cotidiano (AMORIM, apud WUNDER, 2006, p. 11).
Apostamos, portanto, na relação entre subjetividade e objetividade, entre informação e a
imaginação que caracterizam o ato de fotografar. Assim, os surdos podem fazer das
imagens sinais que lhes faltam.
68
CAPÍTULO 3
Extensão universitária como rede de conversação
Nosso conhecimento não era de estudar em livros. Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos.
Seria um saber primordial?
Manoel de Barros
Caminhos... Este é o nome da série de fotografias que abrem este capítulo. O
conjunto que compõem esse mosaico de fotografias foi produzido por estudantes
surdos, em uma das atividades do projeto de extensão universitária que foi denominado
“Rede de estudos e colaboração para inclusão social e desenvolvimento da cultura
científica”. Conforme consta na apresentação desta dissertação, esse projeto foi
desenvolvido pela UFMT, com financiamento do Programa Novos Talentos da Capes.
Daí o cognome Projeto Novos Talentos (PNT).
Levando em conta que esta dissertação versa sobre o uso de fotografia na
educação em ciências naturais para estudantes surdos, no contexto do PNT, nós
julgamos ser necessário dedicar este capítulo a descrição e análise de atividades e
experiências desenvolvidas no referido projeto em relação à temática. Os dados aqui
apresentados foram extraídos de documentos do PNT (Projeto e relatórios) e de
relatórios de atividades da escola CEAADA relativos ao citado projeto. Antes de
apresentar a descrição e análise dos dados tecemos algumas considerações sobre o
entendimento que temos de extensão universitária e de inclusão.
3.1. Extensão universitária numa via de mão dupla
No ocidente, a universidade surgiu na Idade Média como um espaço de cultivo
da cultura erudita. A partir do Iluminismo a universidade abarcou também um viés mais
pragmático voltado à aplicação de conhecimentos científicos no processo de
69
modernização da sociedade e à preparação de mão de obra para o mercado. Poderes
políticos, financeiros, industriais passaram a exercer influências sobre ela afetando a sua
autonomia. Dessa forma, o saber criou relações mais fortes com o poder político-
econômico que manteve o controle sobre os processos de produção e de socialização da
cultura científica. Para garantir os privilégios dos grupos dominantes a universidade
manteve rígido controle dos processos de seleção e de formação dos estudantes
universitários.
A modernidade trouxe consigo mudanças na estrutura social como, por exemplo,
a expansão do acesso à escola, assumida como uma política do Estado. A gratuidade do
ensino básico desencadeou um processo de entrada maciça das classes médias na
educação superior. A universidade se viu forçada a enfrentar um problema: conciliar seu
projeto de instituição interessada na produção e difusão da cultura científica com as
demandas das massas que nela adentravam. Ela deveria, portanto, se transformar.
Para se tronar outra, deveria satisfazer uma condição prévia: produzir
essa cultura em uma língua que não seja estranha à grande maioria,
algo impensável em um meio em que a menor veleidade de simplificar
a ortografia provoca uma avalanche de protestos vindos de todas as
partes (CERTEAU, 2012, p. 11).
O rompimento com a ortodoxia significava modificar a relação do ensino com a
cultura. Se a tradição primava pela valorização de conhecimentos considerados nobres e
bem estabelecidos, as mudanças exigidas pela dinâmica social impeliam a universidade
a adotar procedimentos do ensino voltados à cultura de massas.
Ao analisar o processo de modernização da universidade Certeau (2012)
identificou duas correntes que delinearam o funcionamento dessa instituição: a realista e
a cultural. A realista viu “nos produtos escolares um valor de troca, e não um valor de
uso. Ela faz da universidade um meio de obter vantagens sociais. Sob essa perspectiva
os estudantes aceitam a guilhotina do exame ou o formalismo do ensino” (p. 131). A
cultural buscou criar um espaço mais democrático adequando o ensino universitário aos
interesses e necessidade de estudantes trabalhadores e de mulheres casadas. O intento
era promover um desvio político por meio de relações mais livres e mais complexas
com a sociedade, “sob a forma de demandas e de ofertas cada vez mais desordenadas”
(CERTEAU, 2012, p. 132).
70
O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa (especialmente a
televisão) foi visto por Certeau como um fator que afetou a escola, enquanto espaço do
poder cultural.
A escola não tem mais a mesma relação com o poder. Ela atua, a partir
de então, em dois quadros. Permanece uma instituição do Estado,
delegada pelo governo, para difundir um modelo cultural definido
pelo centro. Por outro lado, está em uma posição ao mesmo tempo
ameaçada e crítica com relação à cultura que difundem os meios de
comunicação de massa etc. Essa ambivalência pode constituir um pólo
de resistência (que não é necessariamente contestador). De fato, entre
os professores, desenvolve-se um espírito crítico. Este diz respeito, em
primeiro lugar, à sua posição sociológica: é o resultado ideológico da
sua situação de marginalizados. Os docentes não estão mais no centro
da cultura, mas nas suas bordas. Embora ainda dependam da função
de uma estrutura estática, podem encontrar assim o meio de tomar
distância com relação ao imperialismo doravante vulgarizado pela
publicidade ou pela televisão etc. Uma pluralidade de pontos culturais
de referência pode, desse modo, ser garantida (CERTEAU, 2012, p.
139).
Outro aspecto da educação do nosso tempo destacado pelo referido teórico é a
multilocação da cultura. A cultura se mantém vinculada ao poder, mas não é possível
indicar um setor particular na sociedade capaz de fornecer a todos as referências
culturais demandadas (CERTEAU, 2012, p. 142). No mundo globalizado,
a homogeneização das estruturas econômicas deve corresponder a
diversificação das expressões e das instituições culturais. Quanto mais
a economia unifica, mais a cultura deve diferenciar. Não é certo que
cheguemos a isso, nem mesmo que caminhemos efetivamente nesta
direção. Mas será possível pretender de outro modo que, em última
análise, o significado da existência seja idêntico às formas múltiplas
que o homem corre o risco de ser? É uma prática significativa. Ela
consiste não em receber, mas em exercer a ação pela qual cada um
marca aquilo que outros lhe dão para viver e pensar (CERTEAU,
2012, 143).
Reconhecer não existe um centro de produção da cultura significa que ela [a
cultura] precisa ser compreendida no plural. Da mesma forma, a língua também precisa
ser pensada no plural. “Esse presente deve fazer parte do ensino, se quisermos fazer
uma análise adequada à experiência lingüística da comunicação” (CERTEAU, 2012).
Concordamos com esse teórico quanto ao entendimento de que ainda que cada
instituição educativa seja um lugar de intercâmbios linguísticos o ensino rejeita as
diferenças reconhecendo apenas um modo de falar e de escrever: aquele que é
reconhecido como padrão, ou seja, aquele é adotado pelos ouvintes letrados. “Os outros
71
são apenas bastardos, sem posição social e sem legalidade científica” (CERTEAU,
2012, p. 125).
Na perspectiva de Santos (2005) o modelo de universidade referenciado na
lógica da modernidade que valorizou a cultura dos grupos dominantes está em crise. A
própria ciência moderna está em crise em função dos abalos internos na racionalidade
técnico-científica e das evidências de relações entre ciência e poder político econômico.
O conjunto de problemas enfrentados pela ciência põe em suspeição a ideia de
legitimidade da ciência afetando, por conseguinte, a universidade enquanto espaço de
produção, de ensino e de socialização de conhecimentos. Diante da crise instaurada, o
autor chama atenção para a necessidade de a universidade promover mudanças
demandadas pela sociedade pós-moderna. Coadunamos com o autor quanto ao
entendimento de que há necessidade de revisão da concepção de universidade,
sobretudo no que diz respeito aos seus pressupostos e à democratização do acesso a
educação superior.
A universidade não só participou na exclusão social das raças e etnias
ditas inferiores, como teorizou a sua inferioridade, uma inferioridade
que estendeu aos conhecimentos produzidos pelos grupos excluídos
em nome da prioridade epistemológica concedida à ciência. As tarefas
da democratização do acesso são, assim, particularmente exigentes
porque questionam a universidade no seu todo, não só quem a
frequenta, como os conhecimentos que são transmitidos a quem a
frequenta (SANTOS, 2005, p.53).
O grande desafio da universidade no século XXI é fortalecer seu compromisso
ético-político com a sociedade. Isso exige reconhecer que:
o profissional a ser formado é antes de tudo um ser humano, que
precisa tornar-se sensível à dignidade humana bem como um cidadão
que precisa se comprometer com a democratização das relações
sociais, dotando-se de uma nova consciência social. E pouco importa
qual seja sua área de profissionalização (SEVERINO, 2009, p.262).
Na opinião de Santos (2005), o compromisso social da universidade pode ser
potencializado pela extensão universitária, desde que o objetivo prioritário seja “o apoio
solidário na resolução de problemas da exclusão e da discriminação sociais e de tal
modo que nele se dê voz aos grupos excluídos e discriminados” (p. 54).
Essa perspectiva foi expressa no Plano Nacional de Extensão Universitária
produzido, em 1999, pelo Fórum de Pro-Reitores de Extensão das Universidades
Públicas Brasileiras (FORPROEX). Trata-se de uma proposição política que dá outros
72
sentidos à extensão. Apesar de não haver uma única definição para esse termo busca-se
superar a ideia de extensão como prestação de serviços e difusão de conhecimentos
considerados úteis à comunidade. Argumenta-se em favor do reconhecimento de que:
A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico
que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a
relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é
uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade
acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de
elaboração da praxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à
Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que,
submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento.
Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados,
acadêmico e popular, terá como conseqüências a produção do
conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e
regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a
participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além
de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a
Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada
do social (FORPROEX, 1999, p. 2).
O Plano define um conjunto de conhecimentos e referências para qualquer ação
de extensão: Relação social de impacto, Bilateralidade, Interdisciplinaridade,
Indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão. Essas referências se expressam em
alguns dos objetivos apontados no documento:
1) Reafirmar a extensão universitária como processo acadêmico
definido e efetivado em função das exigências da realidade,
indispensável na formação do aluno, na qualificação do professor e no
intercâmbio com a sociedade; 2) Assegurar a relação bidirecional
entre a universidade e a sociedade, de tal modo que os problemas
sociais urgentes recebam atenção produtiva por parte da universidade;
3) Dar prioridade às práticas voltadas para o atendimento de
necessidades sociais emergentes, como as relacionadas com as áreas
de educação, saúde, habitação, produção de alimentos, geração de
emprego e ampliação de renda; 4) Estimular atividades cujo
desenvolvimento implique relações multi,inter e/ou transdisciplinares
e interprofissionais de setores da universidade e da sociedade
(BRASIL, s/d p. 3).
A acepção de que a extensão universitária é uma via de mão dupla entre a universidade
e a sociedade difere significativamente da ideia de extensão como expansão unidirecional de
ações da universidade para fora do seu entorno. Não se trata de distribuir à sociedade migalhas
da cultura acadêmica por meio de cursos rápidos e/ou de serviços prestados. É um
posicionamento político que reconhece o valor de outros saberes e a existência de outros
espaços de poder. Fundamenta-se no diálogo e imiscui na luta pela justiça, pela solidariedade
e pela democracia.
73
Esta conceituação inicia por colocar a Extensão no campo acadêmico.
A Extensão é processo educativo e científico, ao fazer extensão
estamos produzindo conhecimento, mas não qualquer conhecimento,
um conhecimento que viabiliza a relação transformadora entre a
Universidade e a Sociedade e vice-versa. Uma extensão que é
experiência na sociedade, uma práxis de um conhecimento acadêmico,
mas que não se basta em si mesmo, pois está alicerçada numa troca de
saberes, popular e acadêmico, e que produzirá o conhecimento no
confronto do acadêmico com a realidade da comunidade (SERRANO,
s/a, p. 11).
Neste estudo reiteramos o entendimento de que a extensão é uma via de mão
dupla, um lugar de passagem, de troca, de experiência. Um entre lugar onde o saber e o
poder não pertencem a ninguém. Por essa razão nós adotamos a ideia de extensão como
rede de conversação.
O conceito de rede se relaciona com a topologia que, ao contrário da
geometria, focaliza apenas, no objeto estudado, suas propriedades
mais simples, e por isso mais dramáticas, desconsiderando uma série
de fatores, como medidas de largura, altura ou profundidade. Por isso
seus objetos são ditos de geometria variável. Sendo a rede um desses
objetos, não importam suas dimensões. Pode-se aumentá-la ou
diminuí-la sem que perca suas características de rede, pois ela não é
definida por sua forma, por seus limites externos, mas por suas
conexões, por seus pontos de convergência de bifurcação. Por isso a
rede deve ser entendida com base numa lógica das conexões, e não
numa lógica das superfécies (FERRAÇO e CARVALHO, 2013, p.
143 - 144).
Ao adotarmos essa perspectiva teórica seguimos os ensinamentos do poeta
pantaneiro Manoel de Barros. Consideramos que o conhecimento não está somente nos
livros. Ele esta na disposição para tocar, pegar, apalpar, ouvir e dar outros sentidos.
Seria um saber primordial? (BARROS, 2010).
3.2. Quando a extensão se configura como uma rede, quem são os incluídos?
Conforme explicam Ferraço e Carvalho (2013), uma rede não é definida por sua
forma, por seus limites externos, mas por suas conexões, por seus pontos de
convergência e de bifurcação. É o primado da linha sobre a forma. Portanto, numa rede
não há como situar o saber e o poder. Não há possibilidade de indicar acima ou baixo,
dentro e fora, incluído e excluído. Ser incluído é “ser respeitado nas suas diferenças e
não ter de se submeter a uma cultura, a uma forma de aprender, a uma língua que não é
a sua” (GÁRDIA VARGAS, apud STROBEL, 2016, p. 119). A inclusão é, portanto,
74
um movimento político que reconhece o direito de ser diferente em qualquer espaço ou
tempo.
Em se tratando da educação de surdos a inclusão implica no reconhecimento de
que o povo surdo adota língua, identidade e cultura que diferem das referências dos
ouvintes. Strobel (2016), com base em suas experiências enquanto estudante surda
apresenta uma série de relatos que indicam problemas na inclusão quando a identidade
dos surdos é obliterada. Citamos aqui uma das narrativas dessa autora:
Uma vez entrei na sala de aula e todos entregaram trabalho para o
professor; eu fiquei surpresa e perguntei: “que trabalho”? Os colegas
disseram que o professor avisou verbalmente na última aula, só que
ninguém se lembrou de me avisar. Isso também aconteceu com as
provas marcadas e depois, na hora, me dava mal por não ter estudado.
[...] quando me cobravam a leitura labial, eu arrumava todas as
“desculpas” possíveis para escapar daquela situação, inclusive, disse
uma vez que o professor tinha bigode enorme e por isso eu não
entendia. A direção obrigou-o a tirar o bigode, o que ele fez, e fiquei
muito sem graça porque continuei não entendendo e, para piorar, ele
ficou horrível com os lábios muito finos. Então, a partir daí, desde a
infância até a faculdade, comecei a fingir que entendia tudo
(STROBEL, 2016, p. 127).
O reconhecimento do direito de ser diferente explica porque o movimento dos
surdos defende a adoção de uma pedagogia que leve em conta a identidade e a cultura
do povo surdo. Essa proposição expressa no documento “A educação que nós, surdos,
queremos” produzido pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos –
FENEIS. Os pressupostos dessa proposição do movimento dos surdos fundamentam a
proposta de Pedagogia dos surdos defendida por pesquisadores surdos da área da
educação (PERLIN e STROBEL, 2009; PERLIN e MIRANDA, 2011).
Esses autores consideram que a política de inclusão escolar de surdos não afetou
a hegemonia da cultura ouvintista na escola. Mesmo em tempos de reconhecimento de
que existe uma língua brasileira de sinais as relações de desigualdade lingüística se
mantêm no campo da comunicação pedagógica.
Isso quer dizer que a reivindicação cultural não é um fenômeno
simples. O caminho tomado é seguido normalmente por um
movimento que resgata sua autonomia e exumar, sob a manifestação
cultural que corresponde a um primeiro momento de tomada de
consciência, as implicações políticas e sociais que aí se acham
envolvidas. Isso não significa, no entanto, eliminar a referência
cultural, pois a capacidade de simbolizar uma autonomia no nível
cultural permanece necessária para que surja uma força política
75
própria. Porém é uma força política que vai conferir à declaração
cultural o poder de realmente se afirmar (CERTEAU, 2012, p. 148 –
149).
Consideramos, portanto, que a inclusão exige reconhecimento de que “a língua
é um meio, não é o fim em função do qual se deve definir tudo. A verdadeira língua é a
política” (2012). Em outras palavras, o respeito ao direito do surdo de ser diferente é um
posicionamento político fundamental para que a inclusão ocorra.
Esses pressupostos serviram como referência para o desenvolvimento das nossas
análises sobre o uso de fotografias na educação na educação em ciências naturais para
estudantes surdos, no contexto do projeto de extensão universitária que foi campo deste
estudo. Para desenvolver tais análises foi necessário tecer algumas considerações sobre
tal projeto dando destaque às atividades relativas ao uso de fotografias na educação.
3.3. Projeto Novos Talentos/UFMT/CAPES: uma rede de conversação
O Projeto Rede de estudos e colaboração para Inclusão Social e
desenvolvimento da cultura científica foi aprovado no Programa Novos Talentos da
Capes, Edital 055/2012, como Projeto nº: 67049. Sua vigência foi prevista para o
período compreendido entre setembro de 2013 e setembro de 2015. Diante da avaliação
positiva do projeto a equipe proponente solicitou a prorrogação para mais um ano,
sendo aprovada pela Capes.
Conforme foi expresso no título do Projeto Novos Talentos, seu objetivo geral
foi criar uma rede estudos e colaboração a fim de desenvolver ações extracurriculares
que favorecessem a inclusão social e desenvolvimento da cultura científica. Nessa
perspectiva foram definidos os seguintes objetivos específicos:
- Promover situações de estudos e debates sobre cientificidade,
produção e socialização da cultura científica na sociedade
contemporânea articulando universidade e escola de educação básica
com reflexos positivos para os dois níveis de ensino;
- Fomentar o uso das tecnologias da informação e da comunicação no
estudo de questões relativas aos vários campos do conhecimento que
integram currículos da educação básica e da educação superior;
- Promover atividades que potencializem o desenvolvimento de
estudos, debates e produção e socialização de conhecimentos sobre o
tema “Aguas em Mato Grosso” reconhecendo o protagonismo de
professores e estudantes da educação básica e da educação superior
nesses processos;
76
- Organizar visitas de estudantes e docentes da educação básica a
espaços inovadores existentes na UFMT, especialmente a laboratórios,
museus, herbário e centros avançados na perspectiva de fomentar o
surgimento de novos talentos no campo da produção e socialização da
cultura científica;
- Promover seminários com a finalidade de possibilitar debates,
apresentação de trabalhos e avaliação sobre as atividades
desenvolvidas em cada um dos subprojetos abrindo espaço para o
pronunciamento e atuação de estudantes e professores da educação
básica;
- Fomentar a Produção de metodologias, estratégias e materiais
didáticos inovadores, visando à melhoria da qualidade da educação;
- Criar estratégias que permitam a inclusão de estudantes surdos neste
projeto;
- Possibilitar a mobilidade de professores da educação básica (viagens
orientadas) a centros de referência em ciência e tecnologia existentes
no Brasil (UFMT, 2012).
No âmbito da UFMT a rede assumiu um caráter interdisciplinar sendo
constituída por 15 docentes, 10 estudantes da pós-graduação e 12 estudantes da
graduação de diversos campos do conhecimento (Pedagogia, História, Geografia,
Química, Biologia, Geologia, Engenharia Sanitária, Comunicação Social). No âmbito
da educação básica, o projeto envolve 25 professores, 125 estudantes contemplando
cinco escolas parceiras: E.E. Nilo Povoas, E.E. Professor Fernando Leite de Campos,
E.E. Pascoal Ramos, E.E. Marechal Candido Rondon (situada na Gleba Coqueiral, em
Nobres) e Centro Estadual de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo Profª. Arlete
P. Miguelette (CEAADA). Envolveu ainda cinco profissionais da coordenadoria do
ensino médio da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC). A participação de
estudantes surdos no projeto foi assumida como uma política de inclusão.
Em 2016, ano que correspondeu a pesquisa de campo deste estudo, o CEAADA
atuava na educação de estudantes surdos da educação básica, bem como da educação
infantil. Além disso, a escola também oferecia também cursos de Libras destinados
especialmente à capacitação de professores que atuavam com crianças surdas e à
comunidade escolar. Para desenvolver suas atividades o CEAADA contava com uma
equipe multidisciplinar constituída por profissionais das seguintes áreas:
fonoaudiologia, psicologia, serviço social e psicopedagogia.
O PNT expressou entendimento de que a configuração da extensão universitária
como uma rede de conversação potencializa tanto a educação básica como a educação
superior, pois abre espaço para o diálogo sobre questões educativas, para a troca de
experiências e para a busca conjunta de alternativas para os desafios enfrentados na
77
educação. Nesse sentido, o projeto foi organizado em três subprojetos: 1. Cibercultura:
a produção e circulação da cultura científica; 2. Tecnologias da informação e da
comunicação: potenciando novos talentos para uma nova cultura científica; 3.
Diálogos entre pesquisa e ensino: em pauta as águas em Mato Grosso. Cada um desses
subprojetos foi coordenado por um docente vinculado a um programa de pós-graduação.
O coordenador de cada subprojeto assumiu a tarefa de articular o trabalho dos
docentes e dos estudantes (monitores) para o desenvolvimento de seminários, oficinas,
minicursos que trataram da ciência e da educação em ciências (no plural), em interfaces
com a cultura.
Para manter coerência com a configuração em rede as atividades do PNT foram
realizadas em diversos espaços da UFMT (laboratórios, museus, salas de aulas de
diversos institutos/faculdades), nas escolas parceiras, em áreas públicas (bairros, ruas,
áreas de preservação ambiental) e também em outros espaços alocados. Cada espaço foi
definido de acordo com os objetivos e as características das atividades. Cada escola
parceira foi motivada a elaborar projetos educativos que mantivessem relações entre
suas proposições curriculares e as do PNT. (O conjunto das atividades desenvolvidas foi
sumariado no Anexo 1 desta dissertação).
As atividades que envolvem estudantes e professores da educação básica
ocorreram de acordo com o cronograma elaborado em consonância com o calendário
letivo das escolas parceiras e com a disponibilidade da equipe proponente
(coordenadores, monitores e palestrantes). Na organização das atividades foi levada em
conta também a disponibilidade de espaços e de transportes de estudantes da educação
básica.
A articulação entre o conjunto das atividades desenvolvidas nos três subprojetos
e no contexto de cada escola parceira foi buscada pela adoção do mesmo eixo temático:
“Águas em Mato Grosso”. Partiu-se do entendimento de que o tema “água” permitiria
abordagem de aspectos históricos, geográficos, biológicos, físicos, químicos,
pedagógicos, artísticos, culturais, etc., favorecendo o diálogo entre os integrantes dos
subprojetos e entre a UFMT e as escolas parceiras. Cada escola parceira foi motivada a
elaborar e desenvolver um projeto de pesquisa sobre o citado tema, mantendo
articulações entre suas atividades curriculares e as atividades propostas pelo PNT. O
78
CEAADA fez opção pelo estudo do Rio Cuiabá, focalizando aspectos históricos e
ambientais.
Na condição de membros da equipe executora do PNT participamos de várias
atividades desenvolvidas relativas aos três subprojetos. De todas as atividades a que
mais despertou nosso interesse foi o uso de fotografia na educação de surdos. Por essa
razão, adotamos essa questão como objeto do nosso estudo no curso de mestrado em
educação. O objetivo precípuo da nossa pesquisa foi analisar experiências vivenciadas
no Projeto Novos Talentos/UFMT/Capes, notadamente no que se refere ao uso de
fotografia na educação em ciências naturais para estudantes surdos. Orientadas por
esse propósito realizamos uma análise de documentos (planos de trabalho e relatórios)
relativos às oficinas Fotografando a Natureza I, II e III (Pinhole) elaborados pela
equipe executora do projeto. Analisamos também os relatórios do Projeto Rio Cuiabá:
Histórias, Memórias, Retratos e Perspectivas que foi elaborado por professores do
CEAADA como uma atividade curricular articulada ao PNT. Tais relatórios referem-se
a duas atividades: “Fotografando o Rio Cuiabá” e “Fotografando o Porto”.
O desenvolvimento dessas atividades foram fundamentadas nos seguintes
princípios:
a educação de surdos exige o protagonismo de estudantes no
desenvolvimento de atividades pedagógicas; o estudante surdo tem o
direito de ter acesso à cultura dos ouvintes; a pesquisa científica
favorece a aquisição de conhecimentos; a fotografia e a produção de
vídeos são recursos que favorecem o aprendizado pelos surdos porque
revelam imagens que podem ser tratadas como textos; o trabalho
interdisciplinar favorece o aprendizado pelo surdo porque estabelece
relações entre diferentes áreas do conhecimento (UFMT-PNT, 2015,
p. 3).
3.4. Fotografando a natureza
Conforme foi apresentado anteriormente, um dos objetivos do PNT foi fomentar
o uso das tecnologias da informação e da comunicação no estudo de questões relativas
aos vários campos do conhecimento que integram currículos da educação básica e da
educação superior. Nesse sentido, o celular foi visto como uma potencialidade para o
processo educativo e não como um problema. A potencialidade refere-se especialmente
ao uso de fotografia como uma linguagem que pode ser utilizada por ouvintes e surdos
79
como uma prática de enunciação: Daí o nome dado à oficina: Fotografando a natureza
numa referência à “grafia pela luz (foto)”.
A concepção de fotografia explicitada nos planos de trabalho e nos relatórios do
PNT coaduna com o entendimento de que “a linguagem fotográfica gera em nós a
sensação de estar à frente de algo que, ao mesmo tempo, está e não está ligado ao que
chamamos de realidade” (WUNDER, 2006, p. 2). Ela fornece dados sobre os lugares, as
pessoas, as épocas e os acontecimentos potencializando interpretações e produção de
sentidos sobre o que é visualizado e retratado por meio de imagens. Todavia, “esse
artefato cultural não pode ser considerado como uma expressão da verdade, porque há
sempre muitas possibilidades de „grafia‟ (pela foto) como também de leitura das
imagens produzidas por meio de fotografia” (UFMT-PNT, 2014b).
3.4.1. Oficina Fotografando a natureza I
Conforme consta no relatório dessa oficina (UFMT-PNT, 2014a) essa atividade
marcou o início das atividades do PNT e teve como propósito integrar membros da
equipe executora do projeto com os 25 professores da educação básica das escolas
parceiras e com os 25 estudantes da escola do campo. Entre os participantes estava
Laura, uma professora surda vinculada ao CEAADA e única pessoa surda da oficina.
A atividade foi realizada na Escola Estadual Cândido Rondon (escola do campo)
situada na Comunidade Coqueiral, em Nobres – MT, de 31 de janeiro a 01 de fevereiro
de 2014. A carga horária dessa oficina foi 16 horas. O transporte dos professores das
escolas urbanas (Fernando Leite, Nilo Póvoas, CEAADA e Pascoal Ramos) foi feito por
um ônibus fretado pela SEDUC. A hospedagem e alimentação do grupo na Comunidade
Coqueiral foram pagas pelo PNT, fato que revela que a parceria envolveu também
questões financeiras.
A coordenadora do PNT abriu os trabalhos explicitando as finalidades e a
dinâmica do PNT. Logo em seguida passou a palavra para o mediador da atividade
(graduado em Comunicação Social), aqui identificado pelo nome fictício de Adelson.
Este apresentou sua equipe e explicitou o Plano de Trabalho.
Partindo do título da oficina “Fotografando a natureza” Adelson explicou que no
PNT a fotografia foi concebida como uma linguagem que pode ser utilizada como uma
forma de comunicação entre o autor da foto e o observador. Daí a importância de zelar
80
pela autoria de cada foto. Em seguida o mediador fez algumas considerações sobre as
seguintes temáticas: história da fotografia; partes de uma máquina fotográfica;
elementos que compõe a linguagem visual da fotografia, como: luz, ângulo, perspectiva,
composição, planos, textura, foco e movimento; leituras de imagens, etc. Valorizou-se a
importância da criatividade para fazer da fotografia uma forma de linguagem e de
expressão.
Após a abordagem de tais questões os participantes foram organizados em
grupos de acordo com as temáticas que foram definidas coletivamente, de acordo com a
orientação de professores da escola Cândido Rondon: nascentes, cavernas, pontos
turísticos, lixo, interações água e solo. Cada grupo produziu um conjunto de fotografias
sobre o tema estabelecido, em espaços fora da escola. O transporte das pessoas de cada
grupo até os pontos escolhidos como espaços para produção das fotografias foi feito por
ônibus escolar e da UFMT. As fotografias foram feitas com celulares e câmeras
fotográficas de acordo com a disponibilidade desses recursos pelos componentes dos
grupos. Vale ressaltar que os estudantes da escola do campo dispunham de celulares
com bons recursos para produção de fotografias, fato que facilitou a realização do
trabalho.
Após os registros fotográficos cada grupo procedeu à seleção de cinco fotos que
deveriam ser apresentadas com indicação do autor e do título. A apresentação das fotos
selecionadas se deu no dia 01/02 como resultado da oficina. O critério de escolha das
fotografias pelo grupo foi as que melhor expressassem a temática trabalhada pelo grupo.
O trabalho envolveu conhecimentos de Tecnologias da Informação e da Comunicação,
sobretudo no que se refere ao manuseio das fotografias digitais e à organização do
material em PowerPoint. Exigiu, portanto, disposição para o trabalho coletivo e para a
conversação sobre “imagens que falam” sobre o tema em pauta.
Apresentamos a seguir algumas fotografias selecionadas na referida oficina
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Fotografia 1: Balneário da Sebastiana Fotografia 2: Caverna
Autora: Laura Autora: Rosangela
Fotografia 3: Roda d‟água Fotografia 4: Casa na árvore
Autora: Stheffanny Autora: Mariana
No final da oficina os participantes foram motivados a avaliar os trabalhos
realizados. A relevância do uso da fotografia na educação foi realçada por todos os
participantes. Um aspecto que chamou nossa atenção foi a crítica feita pela professora
Laura sobre a indiferença dos participantes ouvintes em relação a ela. A avaliação da
professora foi traduzida por uma professora ouvinte (intérprete de Libras). A professora
Laura explicou que suas tentativas de comunicação com os colegas ouvintes foram
ignoradas pela maior parte deles. Isso lhe causou preocupação, pois, se projeto intentava
incluir estudantes surdos o que estava acontecendo naquela oficina era uma prática de
segregação. Numa fala emocionada e emocionante que arrancou lágrimas dos olhos dos
participantes, a professora surda indagou sobre qual era a concepção de inclusão
adotada no projeto. Os questionamentos feitos pela professora Laura fez com que o
grupo refletisse sobre o sentido de inclusão: “Não significa apenas deixar que o surdo
fique entre os ouvintes. Significa antes de tudo, respeito pelo surdo que não é menos
inteligente, é diferente”. Esse depoimento gerou uma série de indagações: Se o projeto
era uma rede de conversação, quem seria incluído? Onde? Quando?.
82
Os diálogos sobre as questões levantadas pela professora Laura motivaram os
participantes o interesse em aprender sinais básicos que pudessem favorecer a
comunicação entre surdos e ouvintes participantes do PNT. Como encaminhamento,
ficou definido que todos os participantes do PNT deveriam participar de oficinas de
Libras ministradas pelo CEAADA em data a ser definida posteriormente.
Vale ressaltar que durante a vigência do projeto foram realizadas duas oficinas
de Libras no CEAADA, ambas ministradas por professores surdos, com apoio de
estudantes também surdos. Dessa forma, a inclusão foi assumida numa via de mão
dupla: Em algumas atividades os surdos foram incluídos na cultura ouvintes e em outras
os ouvintes foram incluídos na cultura surda.
3.4.2. Oficina Fotografando a Natureza II
A segunda oficina de fotos foi realizada na Associação dos Servidores do Banco
do Estado de Mato Grosso (ASBEMAT), no dia 12 de setembro de 2014, com carga
horária de oito horas. Nessa oficina estiveram presentes cerca de 100 estudantes
(ouvintes e surdos) acompanhados por professores das escolas parceiras urbanas:
CEAADA, Fernando Leite de Campos, Nilo Póvoas e Pascoal Ramos. A dinâmica dos
trabalhos foi a mesma utilizada na oficina ministrada para estudantes da escola do
campo (descrita anteriormente). Os trabalhos foram coordenados pelos mesmos
profissionais da área de comunicação, apoiado por monitores (estudantes da graduação
de diversos cursos). A comunicação com surdos (todos da escola CEAADA) foi
mediada por intérprete de Libras do CEAADA.
Os trabalhos foram iniciados com uma música em Libras que havia sido
ensinada para participantes do PNT, na Oficina de Libras ministrada em 26 de abril de
2014, no CEAADA. Tal oficina foi ministrada pela professora Laura com apoio de
intérprete e de estudantes surdos que atuaram como monitores.
Após a acolhida o monitor da oficina procedeu à apresentação da proposta de
trabalho chamando atenção para o sentido que foi dado à fotografia no PNT, conforme
foi expresso no próprio título da oficina: uma forma de “grafia” da realidade observada.
Foram apresentadas, então, algumas técnicas de fotografia bem como alguns recursos
disponibilizados pelas câmeras de celulares. Posteriormente os estudantes foram
83
organizados em grupos conforme temáticas (Rio Coxipó, Caminhos, Coisas Miúdas,
Lixo). Cada grupo produziu fotografias sobre o tema estabelecido e selecionou 5 fotos
para apresentação em Power Point. Dessa forma, efetivou-se o princípio da conversação
(negociação) e do protagonismo dos estudantes, sobretudo no que se refere à leitura do
ambiente e à enunciação por meio de imagens.
Os grupos foram organizados por escolas em função da necessidade de manter
os estudantes surdos em um mesmo grupo onde havia interpretes de Libras. Partindo da
ideia de que fotografias são formas de “grafar” aspectos da realidade observada foi
proposto que estudantes e professores caminhassem livremente pelo local observando e
fotografassem aspectos relacionados com o tema, fazendo uso de celulares e/ou de
câmeras fotográficas. Foi recomendado que as fotos fossem identificadas pelo
respectivo autor, considerando que se tratava de uma “grafia” pessoal, ou seja, de uma
forma de olhar de comunicar o observado. Foi previsto também que as fotos poderiam
ter autoria coletiva.
Após a produção das fotografias os grupos se reuniram e selecionaram cinco
fotografias que representou o tema trabalhado pelo grupo. Foi solicitado que as fotos
selecionadas fossem apresentadas com indicação do autor, do título, data e com a
logomarca do PNT. No final do dia, cada grupo apresentou as fotos selecionadas que
foram relacionadas com conceitos das ciências naturais, observando a relação/interações
que se processam no ambiente.
Apresentamos a seguir as fotos que foram selecionadas pelo grupo de estudantes
do CEAADA na série que foi denominada “Caminhos”.
Fotografia 5: Pequenos caminhos Fotografia 6: Caminho infinito
Autor: Andryelle Autor: não identificado
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Fotografia 7: Caminho perigoso Fotografia 8: Caminho do cupim
Autor: não identificado Autor: não identificado
De todas as fotos apresentadas a que mais chamou atenção dos estudantes surdos
foi a de um macaco que morreu eletrocutado na fiação elétrica. Daí o nome da foto:
Caminho perigoso. A partir da observação notamos que os estudantes se mostraram
entusiasmados com o empoderamento que as atividades demandaram. A manipulação
do aparato fotográfico permitiu que estes pudessem estabelecer critérios que nortearam
o olhar para questões de interesses individuais.
Na avaliação dos trabalhos feita pelos participantes foram realçadas as
potencialidades da fotografia na educação em ciência naturais, concebendo-a como uma
forma de linguagem não submetida às normas gramaticais, porém, geradora de sentidos
sobre os aspectos fotografados. Um aspecto que merece destaque foi um relato de um
estudante surdo que, fazendo uso da linguagem de sinais assim enunciou: “de hoje em
diante não vou usar o celular [câmera] só para fazer selfies”. Essa enunciação causou
um sentimento de contentamento na equipe responsável pela realização da oficina
porque deu evidência de que os estudantes deram outro sentido para a fotografia.
Do nosso ponto de vista os relatos apresentados no relatório aproximam em
muitos aspectos do sentido dado à fotografia defendida por Wunder (2008, p. 15):
“como linguagem comunicadora de certas perspectivas, como superfície indiciária que
dá sinais de visão e de apagamentos” do observado. “A fotografia não é só um discurso
que comunica, uma expressão de visões e representações da escola, mas também
contém potencia produtora” (p. 15).
85
As fotos produzidas pelos estudantes foram expostas no Dia do Surdo (26 de
Setembro de 2014) em um shopping Center de Cuiabá, como atividade parte da
comemoração da semana do surdo.
3.4.3. Oficina fotografando a Natureza III: Pinhole
No PNT houve entendimento de que, “em se tratando da educação de surdos a
fotografia amplia a experiência visual, um dos artefatos culturais do povo surdo. Por
essa razão entendemos que ela potencializa a educação do surdo, sendo um recurso
relevante para o aprendizado de ciências naturais” (UFMT-PNT, 2015). Por essa razão,
a escola solicitou uma oficina exclusiva para os estudantes surdos. A oficina foi
realizada no dia 03 de setembro de 2015, em período integral, nas dependências do
CEAADA.
O Plano Pedagógico da Oficina Fotografando a Natureza III foi intitulado
“Protagonismo investigativo: (re)leituras socioambientais por meio de lentes
fotográficas em seus múltiplos sentidos”. A oficina deu destaque à técnica do pinhole.
Por essa razão os trabalhos foram iniciados com diálogos sobre as potencialidades da
linguagem visual no processo pedagógico. Em seguida, foram trabalhadas noções sobre
a história da fotografia estabelecendo relações com a técnica do pinhole. Foram
apresentadas as partes de uma máquina fotografia para explicar o processo de produção
da fotografia. Foram abordados também alguns elementos que compõem essa
linguagem visual, tais como: luz, ângulo, perspectiva, composição, planos, textura, foco
e movimento. Os monitores da oficina deram destaque para a importância da
observação, da criatividade e da intencionalidade do uso da fotografia, lembrando que
elas podem falar por nós. Como disse o poeta pantaneiro, “imagens são palavras que
nos faltaram” (BARROS, 2010).
O objetivo geral foi “desenvolver estudos práticos que proporcionem o
conhecimento acerca do registro de imagens fotográficas como recurso pedagógico na
educação de surdos” (UFMT-PNT, 2015). Para alcançar esse escopo foram definidos os
seguintes objetivos específicos:
Conhecer os princípios básicos de composição visual e aplicá-los à
fotografia; Promover releituras socioambientais; Explorar recursos da
máquina fotográfica digital e a técnica do pinhole; Reconhecer a
86
importância dos fundamentos da linguagem visual para a realização de
obras visuais. Salvar e gerenciar arquivos no Windows Explorer;
Reconhecer e valorizar a importância da fotografia como linguagem
documental e artística. Realizar registro fotográfico a partir da
realidade contextualizada do ambiente socioambiental (UFMT-PNT,
2015, p. 4).
O cenário para a produção de fotografias foi a Casa Cuiabana, espaço cultural
localizado ao lado da escola de surdos. Conforme informações apresentadas por um
funcionário da Casa Cuiabana a arquitetura do prédio remete à Cuiabá do século XVIII,
no antigo caminho dos pescadores. O espaço atual contempla as ruínas de uma chácara
denominada Deidâmia. Os estudantes puderam ver detalhes das paredes da antiga
construção colonial em taipa e adobe, sobre alicerces em pedra canga. O aspecto que
mais chamou atenção dos estudantes surdos foi o local onde os escravos eram
amarrados e colocados sob tortura.
Os estudantes foram motivados também a observar a arquitetura do casarão
colonial que é chamado na atualidade de Casa Cuiabana. A fachada principal apresenta
uma porta e cinco janelas de madeira. A lateral (Travessa Frei Ambrósio) também tem
outras cinco janelas. Foram motivados também a observarem detalhes dessa edificação,
sobretudo, no que diz respeito à manutenção da ambiência de um quintal cuiabano
tradicional. Trata-se de um espaço cultural de uso múltiplo onde foi instalado um teatro
de arena propiciando mais uma alternativa para os grupos artísticos regionais. A Casa
Cuiabana ou "Chácara de Deidâmia", como era conhecida, constitui um dos mais
expressivos exemplares arquitetônicos da Cuiabá do séc XVIII. A partir de 1° de Junho
de 1983, ela passou a fazer parte do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado de Mato
Grosso.
Antes da visita à Casa Cuiabana os estudantes surdos confeccionaram uma
câmera artesanal denominada Pin hole. Os estudantes da graduação que atuaram como
monitores da oficina explicaram (com ajuda de intérpretes), os processos físico-
químicos da produção e revelação da imagem abordando aspectos históricos da
fotografia.
Apresentamos a seguir algumas das fotografias produzidas por estudantes surdos
na referida atividade:
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Fotografia 9: Muro casa cuiabana Fotografia 10: Muro casa cuiabana 2
Autor: Bruno Autor: Bruno
Fotografia: 11: mangueira Fotografia: 12: muro casa cuiabana 3
Autor: Jenifer, Autor: Jonei,
Notamos que a maior parte das fotos selecionadas deu centralidade às ruínas da
construção antiga. Dados deste estudo apresentados no capítulo quatro indicam que os
estudantes surdos ficaram impressionados com os vestígios da escravidão num local tão
próximo da escola. Nesse sentido, podemos considerar que as fotos das ruínas são
discursos que falam da condição dos escravos na Cuiabá antiga.
Observamos que um dos problemas dessa e de outras oficinas foi a dificuldade
de indicar o autor de cada foto. Isso pode estar relacionado com o fato de que, nem
todos os estudantes dispunham de aparelhos celulares ou câmeras fotográficas. Dessa
forma, os celulares foram compartilhados por vários integrantes dos grupos dificultando
os registros dos respectivos autores das fotos.
As fotografias apresentadas a seguir foram produzidas por câmeras artesanais
denominada pinhole que em inglês significa buraco de agulha. Esse objeto é
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basicamente uma câmara escura que tem um pequeno orifício em um lado da câmara. O
material sensível à luz (filme ou papel fotográfico) é colocado dentro da lata do lado
oposto ao furinho (que fica tampado até a produção da fotografia).
Fotografia 13: detalhe do pátio da casa cuiabana
Autor: não identificado
Fotografia 14: aluno CEAADA
Autor: não identificado
Fotografia 15: dois alunos do CEAADA
Autor: não identificado
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A identificação das fotos produzidas com o pinhole também ficou prejudicada
porque não houve cuidado na identificação das latas. Compreendemos que é de suma
importância dar autoria as fotografias que são produzidas, pois, cada autor imprime em
sua fotografia um discurso (enunciação) próprio. Com base em Machado (1997)
consideramos que cada estudante buscou exprimir seus enunciados na forma de textos
imagéticos intencionais, interpretativos e subjetivos, como um tipo de texto como
qualquer outro.
3.4.4. Projeto Rio Cuiabá: Histórias, Memórias, Retratos e Perspectivas
No PNT foi solicitado que cada escola parceira elaborasse um conjunto de
atividades curriculares relativas ao tema “Águas em Mato Grosso”. No caso do
CEAADA, as atividades foram organizadas em torno do projeto Projeto Rio Cuiabá:
Histórias, Memórias, Retratos e Perspectivas. Este projeto que valorizou a fotografia
foi organizado em duas etapas: “Fotografando o Rio Cuiabá” e “Fotografando o Porto”.
A descrição das atividades que seguem foi feita com base no relatório elaborado pela
referida escola.
Na primeira etapa os estudantes surdos foram motivados a desenvolver estudos
sobre o Rio Cuiabá, nas proximidades da Orla Cuiabana, nome dado ao projeto de
revitalização de um pequeno trecho de uma das margens do rio. As obras incluíram a
construção de um calçadão com cerca de 1300 metros, pista de caminhada, áreas de
contemplação do Rio Cuiabá, Mirante, academias ao ar livre e bares ou restaurantes. No total, o
investimento foi de cerca de R$28 milhões.
Na aula de campo nas margens do Rio Cuiabá os estudantes surdos realizaram
observações e registros fotográficos sobre as condições do rio, estabelecendo relações
com os investimentos feitos no projeto orla cuiabana. A produção das fotografias se deu
no dia 06/08/14 nas proximidades do Museu do Rio. Essa atividade foi realizada com a
presença de professores da escola, intérprete de Libras e monitores do PNT.
As fotografias apresentadas a seguir foram consideradas como textos, ou seja,
como uma forma de enunciação pelo surdo sobre as questões observadas.
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Fotografia 16: Chegada ao local da obra Orla Cuiabana
Autor: não identificado
Para a produção das fotos os estudantes foram organizados em pequenos grupos
encarregados de discutir aspectos que mais chamavam atenção. As questões observadas
foram analisadas com a ajuda dos professores e monitores e posteriormente organizadas
conforme os tópicos destacados a seguir.
Fotografia 17: Características gerais do Rio Cuiabá
Autor: não identificado
O assoreamento do Rio Cuiabá foi um dos aspectos observados. No local foram
visualizados bancos que areia que revelam impactos sobre a profundidade da água e as
dimensões do rio. Foi observado também, pelos estudantes, que a água tem aparência
escura e um cheiro desagradável. Essas questões foram posteriormente discutidas em
sala de aula.
91
Mata ciliar
Quanto a mata ciliar foi observado pelos estudantes surdos, de acordo com o
relatório da escola, que a vegetação que protege o rio é pouca e, em alguns trechos foi
totalmente arrancada.
Fotografia 18: Rio Cuiabá
Autor: não identificado
Presença de poluente (esgoto, lixo, produtos químicos)
Fotografia 19: Margem Rio Cuiabá
Autor: não identificado
92
Fotografia 20: Poluição Rio Cuiabá
Autor: não identificado
No local foi observado acúmulo de lixo revelando descaso pelo rio e pela
qualidade da água.
Fotografia 21: Lixo no Rio Cuiabá
Autor: não identificado
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Fotografia 22: Utilização do Rio Cuiabá pela população local.
Autor: não identificado
Os estudantes surdos se inquietaram ao saber que a água consumida pela
população de Cuiabá é captada bem próxima ao local onde o esgoto é lançado.
Inquietaram-se também ao observar pessoas pescando no local onde o rio é bastante
poluído. Uma das evidencias dos pontos de pescaria são os caixotes que servem de
suportes para os pescadores.
Um aspecto que motivou muita indagação nos estudantes e professores que
realizaram o estudo foi a constatação de que os investimentos em urbanização e a
paisagismo do projeto Orla Cuiabana incluíam a canalização de um córrego que lança
esgoto in natura diretamente no rio.
Fotografia 23: Projeto Orla Cuiabana
.
Autor: não identificado
94
Em suma, as fotografias produzidas pelos estudantes nos estudos sobre o Rio
Cuiabá podem ser consideradas textos que abordam temáticas ambientais e políticas
públicas que valorizam paisagismo enquanto o Rio Cuiabá está agonizando.
Fotografando o Porto
Após a observação das condições do Rio Cuiabá no contexto do projeto Orla
Cuiabana professores e estudantes do CEAADA foram motivados a buscar informações
sobre a história desse importante rio que deságua no Pantanal de Mato Grosso e que
permite a vida de muitos animais e sobretudo, das populações ribeirinhas. Nesse
sentido, foram realizadas visitas ao Museu histórico de Mato Grosso para saber como
era o Rio Cuiabá no passado.
Fotografia 24: estudantes do CEAADA no APMT
Autor: não identificado
Fotografia 25: estudantes do CEAADA no APMT II
Autor: não identificado
Na visita ao citado museu os estudantes surdos puderam observar fotos antigas
da cidade e aprender sobre a importância do Rio Cuiabá no transporte de pessoas, no
comércio, na alimentação, no abastecimento de água potável, no lazer, etc.
95
Para melhor compreender questões relativas ao Rio Cuiabá no passado e no
presente os estudantes realizaram entrevistas com feirante que trabalham no Centro de
Abastecimento de Alimentos de Cuiabá (Feira do Porto). As entrevistas, gravadas em
vídeo, foram realizadas com a ajuda de intérpretes de Libras.
Fotografia 26: aluno fotografando especiarias cuiabanas
Autor: não identificado
Fotografia 27: detalhe aluno fotografando na feira do porto
Autor: não identificado
Finalizando os trabalhos os estudantes produziram fotografias sobre o bairro do
Porto de hoje, para estabelecer relações com o passado.
96
Fotografia 28: grupo de alunos fotografando bairro Porto
Autor: não identificado
Fotografia 29: detalhes de aluno fotografando bairro Porto
Autor: não identificado
Do nosso ponto de vista essas duas atividades curriculares realizadas pela escola
CEAADA revelam que a fotografia potencializa a educação de surdos porque, conforme
observou Strobel (2016), a experiência visual é um importante elemento na relação do
surdo com a sociedade e com o conhecimento.
Consideramos que na Pedagogia dos surdos a fotografia é um fator
potencializador da enunciação e, portanto, do protagonismo de estudantes e professores
surdos porque lhes dá autonomia na comunicação. A mediação é feita diretamente entre
o surdo e o observador e/ou o autor da foto com o auxílio da máquina, sem demandar o
apoio do intérprete de Libras. Ademais, a fotografia pode ser um poderoso artefato
cultural para produção de fotografias que falam quando faltam palavras.
Em síntese, consideramos que as atividades aqui apresentadas evidenciam que a
fotografia fomenta a criatividade, a curiosidade, a imaginação, a comunicação do surdo
permitindo a compreensão do que disse o poeta pantaneiro: Nosso conhecimento não
era de estudar em livros. Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos. Seria
um saber primordial?
98
CAPÍTULO 4
Revelações desta pesquisa
A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Manoel de Barros
Assim como a imagem da página anterior revela um momento da oficina de pin
hole, pretendemos mostrar neste último capítulo experiências vivenciadas no uso de
fotografia na educação de surdos, a partir de narrativas de sujeitos praticantes desse
projeto. Tais narrativas revelam partes de uma história muito mais complexa e completa
do que foi experimentado ao longo dos três anos de vigência do PNT.
Consideramos que as narrativas dos sujeitos entrevistados nesse estudo foram
produzidas a partir de experiências pessoais. Não expressam, portanto, o ponto de vista
de todas as pessoas que participaram do projeto. No entanto, com base nos relatos aqui
apresentados e relatórios produzidos pela escola de surdos podemos considerar que as
experiências foram vivenciadas na acepção defendida por Jorge Larrosa (2016, p. 10).
A experiência é algo que (nos) acontece e que às vezes treme, ou
vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo
que luta pela expressão, e que às vezes, quando cai em mão de alguém
capaz de dar forma a esse tremor, então, somente então, se converte
em canto. E esse canto atravessa o tempo e o espaço. E ressoa em
outras experiências e em outros tremores e em outros cantos.
O sentido dados à experiência é algo subjetivo. Portanto, a vivência de uma
mesma experiência não produz o mesmo sentido para todos que a vivenciam. Para
alguns a experiência pode ser insignificante. Outros são afetados por ela resultando em
mudanças provisórias. Outros a vivenciam de forma intensa como algo que produz
encantamentos, que provoca tremores e vibrações que alteram o curso da vida
resultando em profundas transformações.
Se a experiência é de natureza pessoal ela não pode ser pedagogizada, nem
didatizada como uma atividade técnica. Dessa forma, os aprendizados ganham mais
99
potência quando as experiências são partilhadas, discutidas e analisadas como “algo que
pertence aos próprios fundamentos da vida” (LARROSA, 2016, p. 13).
É verdade que pensar a educação a partir da experiência a converte em
algo mais parecido com uma arte do que com uma técnica ou uma
prática. E é verdade que, a partir daí, a partir da experiência, tanto a
educação como as artes podem compartilhar algumas categorias
comuns (LARROSA, 2016, p.12).
Foi com base no entendimento de experiência como algo que nos passa, o que
nos acontece, o que nos toca, que nos afeta que realizamos a análise dos relatos dos
sujeitos desta pesquisa. Em outras palavras, consideramos que as narrativas aqui
apresentadas são lembranças de uma experiência vivida de forma marcante. Elas
correspondem a fotografias da memória. São como cortes, pequenos retalhos de tudo
que foi vivido.
4.1. O caminho trilhado na coleta de dados
As narrativas que constituem o material empírico deste trabalho foram
produzidas a partir de entrevistas semiestruturadas com sujeitos praticantes que
integraram o PNT. Foram realizadas 11 entrevistas conforme é descrito a seguir: 2
mediadores da oficina de fotografia (1 professora da UFMT e 1 profissional da área de
comunicação contratado pelo PNT), 5 monitores (estudantes de curso de graduação da
UFMT), e 4 estudantes surdos(da escola CEAADA). Os sujeitos foram identificados
com nomes fictícios.
O foco de atenção foi centrado nas experiências/sentidos que permitem relações
com a educação em ciências naturais para estudantes surdos. Durante as entrevistas não
tivemos a preocupação de fixar os mesmos aspectos para todos os sujeitos da pesquisa.
Foram definidos pontos de discussão que compeliram os entrevistados a discorrer com
liberdade acerca das questões que mais lhes chamaram à atenção. Dessa forma, os dados
não foram apresentados como categorias gerais, os aspectos destacados em cada
entrevista emergiram das singularidades de cada narrativa.
Nossas análises sobre o uso de fotografia na educação de surdos foram
orientadas pela concepção de fotografia como artefato cultural, como uma linguagem e
uma prática de enunciação que potencializa momentos de experiência/sentidos na
100
educação em ciências naturais reconhecendo e valorizando a identidade e cultura dos
estudantes surdos.
4.2. Narrativa de mediadores das atvidades
Neste estudo nós julgamos necessário entrevistar os sujeitos mediadores das
oficinas “Fotografando a Natureza” no intuito de analisar os sentidos que foram dados à
fotografia e a experiência que eles vivenciaram nas interações com estudantes surdos.
Após a leitura das transcrições de tais narrativas organizamos a análise dos dados
considerando os aspectos mais destacados: extensão universitária; inclusão; fotografia
como prática de enunciação do surdo; celular como recurso para a produção de
fotografias e aprendizados da experiência vivenciada.
Extensão Universitária
Para desenvolver a análise sobre o uso de fotografia na educação em ciências
naturais para surdos, no contexto do PNT fez-se necessário compreender a concepção
de extensão universitária que foi assumida pelos sujeitos praticantes, no caso, pelos
mediadores das oficinas fotografando a natureza.
O Projeto Novos Talentos assumiu uma perspectiva dialógica,
interacionista, de escuta. Não saiupronto da universidade. Ele foi
organizado a partir de um diagnóstico, de uma fala com a coordenação
das escolas, com a Seduc a fim de pensar no que poderia ser. Quais
seriam as alianças e parcerias. [...] Foi uma perspectiva diferenciada
de extensão.Eu vou dar centralidade a um ponto que na minha história
enquanto professora da universidade pouco vivenciei em outros
projetos de extensão:a relação estabelecida entre as instituições
envolvidas. [...] A relação de rede, de tramas que se entrelaçaram
numa dimensão de coparticipe de um processo. Essa rede se fortaleceu
nos próprios processos de formação [...] potencializando o
protagonismo dos alunos em diferentes ações pedagógicas. [...] A
Seduc não ficou apenas na passividade da ação, pois, ajudou no
planejamento, na discussão do tempo, da quantidade de pessoas,
especialmente de onde seriam as exposições de fotografia no final.
[...]Houve também a relação de rede e de trama entre professores,
monitores, alunos. Para você ter uma ideia o curso Pinhole(na escola
de surdos) foi uma sugestão dos monitores, eles foram os
protagonistas desse processo. Então a relação hierarquizada saiu de
cena e entrou a trama em rede. Os fios se
entrelaçaramconfigurando um processo bastante coeso, sobretudo, de
diálogo de todos os envolvidos.Foi uma relação dialógica,
horizontalizada, a relação interinstitucional, interdepartamental,
interdisciplinar, foi um inter nesse entre-lugar. [...] A gente teve
alunos surdos que passaram a acreditarna possibilidade de
101
ingressar na UFMT, que não se viram marginalizados, que não se
viram alheios ao processo.(Gleice)
A meu ver, o Projeto foi bastante significativo e queira Deus que essa
experiência possa servir de exemplo e ganhar força para que os
projetos de extensão continuem dessa forma. Nem no outro projeto
de extensão que eu participei [...] teve uma dimensão que nem essa
do PNT.[...] O Projeto proporcionou diversos cenários de ambientes
naturais nas cidades de Chapada-MT, Nobres-MT, Cuiabá-MT, nos
Rios e nascentes. Então os estudantes foram buscar registros
significativos. O PNT potencializou essa busca, sair do ambiente
escolar e ter como desafio algo que o projeto desencadeou.
Aprender em loco, apresentar e expor os registros. [...] Os alunos
trabalharam coletivamente, pois, tiveram que lidar com um universo
de 50, 60 e às vezes 100 fotos para eleger apenas 5 ou 10 fotos que
seriam apresentadas pelo grupo. Imagina o processo de negociação,
que não foi fácil. Mas o sentido era esse, eles deveriam escolher
coletivamente fotos que expressassem um novo olhar acerca de fatos
do mundo. (Adelson)
Ao fazer referência às diferenças entre projetos de extensão universitária os
mediadores parecem indicar duas tendências dentro da universidade as quais foram
observadas por Certeau (2012): uma mais rígida, conservadora dos valores da ciência e
da cultura de elite e outra mais flexível, aberta a cultura de massa que engloba o
conhecimento de todos os envolvidos nas relações pedagógicas.
A tendência mais rígida mantem resquícios da primazia pela tradição de uma
cultura de elite, estável e homogênea. Nesse modelo de extensão a Universidade se
comporta como uma instituição que presta serviços e doa conhecimentos numa via de
mão única. A tendência mais flexível valoriza a cultura das minorias.
Um aspecto que mais chama atenção na concepção de extensão, explicitada
pelos mediadores, foi a configuração do projeto como uma rede de conversação. Esta
perspectiva implica “pensar o conhecimento e a aprendizagem a partir de
agenciamentos coletivos que se produzem em meio à multiplicidade e a processos de
relações não hierárquicas” (FERRAÇO & CARVALHO, 2013, p.145).
As atividades foram realizadas em diversos ambientes extrapolando a ideia de
extensão para além dos muros da universidade. Ela foi situada no espaço do inter, num
entre-lugar que não pertence a ninguém. O trabalho coletivo não pressupôs centralidade
do poder de decisão. Essa concepção aproxima-se da perspectiva de extensão defendida
por Santos (2005). Para esse autor a extensão universitária necessita ganhar uma nova
centralidade na participação ativa na construção da coesão social, se direcionando ao
102
aprofundamento da democracia, defendendo a diversidade cultural, lutando contra a
exclusão social e degradação ambiental.
Inclusão
Partindo do pressuposto de que o projeto foi proposto como uma rede de
conversação, buscamos compreender nas narrativas de mediadores os processos que
demonstraram como ocorreu a inclusão nas oficinas de fotografia.
Uma coisa marcante no projeto é que eu me senti incluída porque eu
estava alheia à língua de sinais. Saio desse processo formativo [...]
com uma necessidade, uma vontade de compreender, de falar a Libras
e mais que tudo isso, reconhecer a importância que ela tem no dia-a-
dia em nossas vidas e na vida do outro. Não consigo ver meus filhos
sem ter o conhecimento da Libras. E hoje é meta para o ano de 2017
toda a minha família fazer o curso. Os surdos estão em nosso dia-a-
dia, nos hospitais, escolas, mercados e etc., e você pode fazer mais
amigos, conversar mais, ajudar mais, ser mais ajudado. Então acho
que esse foi o maior ganho. (Gleice)
O Projeto teve que pensar na perspectiva da inclusão[...] não fez a
opção pela linguagem predominante que é a oralidade. Foi pensada a
perspectiva da inclusão, de todos os envolvidos saberem pelo menos o
nível de comunicação elementar (em Libras), de como aplaudir, de
como cumprimentar, de como receber os surdos. [...] No primeiro
momento, em fevereiro de 2014, nós fomos para o município de
Nobres. [...] Como foi a dinâmica da oficina? O que foi proposto? Que
as escolas envolvidas, professores e alunos da escola Marechal
Rondon de Nobres, e professores surdos e ouvintes da escola Ceaada,
pudessem se envolver naquele trabalho e de um modo geral eles
apresentassem ao final da oficina a seleção de algumas fotos acerca da
temática central “Águas em Mato Grosso” e ao final destacaram quais
foram os sentidos que eles tiveram nessa oficina. [...] Nas
apresentações a gente descobriu pelo testemunho de uma professora
surdaa necessidade de maior interação entre surdos e ouvintes.
Havia a necessidade de inclusão de todos. [...] O segundo cenário da
oficina foi na AABB, esse cenário tinha a margem do Rio Coxipó e
mais as edificações de um clube. Ali eles tinham que sair a campo e
fazer a pesquisa deles. Lá estavam presentes os alunos das escolas
Fernando Leite, CEAADA, Pascoal Ramos e Nilo Póvoas. Tentamos
fazer uma mescla nos grupos com alunos do CEAADA e de outras
escolas, mas em função do interprete não deu. Pois só havia um.
Então para poder ter facilidade no sentido de interação os grupos
foram montados de acordo com os alunos de cada escola. (Adelson)
A realização da oficina de Libras no intento de facilitar a comunicação entre
surdos e ouvintes indica reconhecimento da importância da Língua de Sinais no
contexto das atividades de extensão. A difusão da Libras é defendida pelos Estudos
Surdos, pois, uma das principais críticas realizadas por pesquisadores desse campo
103
(SKLIAR, 2015; PERLIN, 2015; SÁ, 2010; STROBEL, 2016) é o ouvintismo. As
narrativas expressam entendimento de que a aproximação da universidade com a
comunidade surda fortalece o reconhecimento da identidade cultural do Outro.
O número reduzido de intérpretes exigiu a criação de grupos/classes
específicas para surdos. Porém, essa dinâmica não foi considerada uma prática de
segregação, pois é reconhecida como uma necessidade da pedagogia do surdo defendida
por Perlin e Miranda (2011).
Fotografia como prática de enunciação do surdo
Nos relatórios das atividades do PNT observamos que a fotografia ocupou
lugar de destaque. Por essa razão buscamos compreender como ela foi concebida por
sujeitos praticantes, notadamente pelos mediadores das oficinas fotografando.
[...] Eu ajudei a pensar a fotografia no projeto em seu âmbito
pedagógico, não tinha o domínio técnico da fotografia. Então desses
locais que nós realizamos as oficinas de fotografia, foi muito
interessante, houve um aprendizado muito grande. E quando a gente
entendeu que a fotografia tem um potencial pedagógico, colocamos
ela numa perspectiva da fotografia, objetivando grafar esse momento.
Então, que momento é esse? Que tempo é esse? Desse aluno surdo,
desse estudante surdo, não é o tempo nosso. Que olhar ele tem? Então
a gente entendeu que a fotografia poderia captar esse momento.
Pedagogicamente não ficou a fotografia pela fotografia, além da
técnica de iluminação, enquadramento e tudo mais... Eles tiveram que
pensar quais as fotografias que faziam uma organização temática. [...]
A proposição didática tinha a ideia de fazer os registros explorando o
espaço das oficinas. Todos fotografavam no grupo. Então o próprio
grupo tinha que selecionar as fotografias mais significativas para
eles e dizerem o porquê. [...] Antes de apresentarem era uma guerra,
uma negociação, no sentido de quais fotos ficariam. Então quem tinha
os argumentos para falar que aquela era interessante, e aí ele tinha que
convencer os demais. [...] Os resultados das fotografias mostraram que
eles se dedicaram com afinco, pois, as atividades foram realizadas
num curto espaço de tempo. A fotografia demonstrou um potencial
muito grande porque a partir dali os professores das escolas
trabalharam as ciências naturais, matemática, história... Até uma casa
cuiabana que tem valor cultural, histórico, e pode revelar muita coisa.
Então por exemplo, lá no bairro do Porto, o tempo histórico, como é
que esse tempo foi sendo revelado pelos registros fotográficos. Eles
foram sendo motivados a buscar outros registros... Eu lembro de um
aluno surdo que veio me perguntar onde ele encontrava fotografias da
antiga Cuiabá. (Gleice)
[...] Foram propostos alguns temas para que os estudantes fossem a
campo realizar os registros e o que mais me surpreendeu foi que os
alunos do CEAADA foram buscar sentidos que os demais alunos
não tiveram na realização dos registros fotográficos. Como assim?
Na fotografia você pode ir lá e fazer um registro observando o plano
104
geral, tirar uma foto bem ampla daquele ambiente, mas os alunos
surdos foram na foto macro, ou seja, buscaram o efeito mais focado,
de buscar detalhes que talvez passem despercebidos por todos nós.
Então eles foram buscar o caminho do cupim, o caminho até o
formigueiro. O título da apresentação deles foi “caminhos”. Então eles
fizeram um registro, por exemplo, denominado “caminhos perigosos”,
registraram fotos de uma fiação desencapada no prédio onde
estávamos, em outra foto foi registrado um animal que tinha sofrido
choque elétrico e morrido. Os ouvintes retrataram questões mais
amplas... o rio Coxipó, as construções, de modo geral, no nível macro.
Já os alunos surdos foram buscar minúcias, detalhes. [...] O que foi
mais bacana nisso foi ver que os surdos podem se comunicar com
autonomia fazendo uso da máquina fotográfica. A fotografia pode ser
produzida, apreciada, analisada por surdos e ouvintes [...] Na
avaliação da oficina nós ouvimos relatos de alunos que disseram: “eu
aprendi com a fotografia que eu poderia fotografar outras coisas,
como problemas sociais, colocar isso em uma rede social e dizer
para outras pessoas. Isso a gente conseguiu ter de alunos surdos. [...]
E o que foi mais relevante nesse processo do PNT foi depois eles
gostarem de ver as mostras fotográficas em locais públicos. Nós
fizemos exposição de fotografias no Ceaada, num Shopping, na
Assembléia Legislativa de Mato Grosso, na escola do Sesc na cidade
de Poconé-MT e até para o estado de Santa Catarina (numa
apresentação de trabalho pela professora Gleice). Foram mostras
itinerantes. Os alunos se viram como produtores de fotografias
que falam por eles... foi uma coisa mágica. [...] Eles se sentiam
invisibilizados. Nas exposições de fotografias eles puderam mostrar
um pouco da sua obra, da forma que eles olham o mundo. Isso é muito
bacana. Que sentidos a fotografia pode oportunizar para os surdos?
Essa é uma forma de ver e de representar o mundo? Penso que sim. A
fotografia tem esse poder de materializar e eternizar momentos. [...]
A ideia do fotografando é entender que o que você registrou você
pudesse grafar e marcar a vida das pessoas. Podemos fazer isso por
meio da escrita, de uma obra de arte ou de fotografias.... escrever por
fotografia... [...] Dissemos: vocês não vão tirar fotos, vocês farão
registros de momentos e situações. Então a ideia era a de utilizar a
fotografia em seu sentido mais profundo: como linguagem, como um
texto. A fotografia possibilitou a interação e rompeu as barreiras e
limitações em todos os sentidos, sobretudo a questão da
linguagem. Eles tinham uma linguagem universal por meio da
interação com as fotos uns dos outros. O sentido de grafar foi
crescendo no PNT. Tanto como no sentido de possibilitar o
aprendizado, como de dar visibilidade para pessoas que são
invisibilizadas socialmente, oportunizar momentos de inclusão,
entrelaçamento das pessoas. Havia uma linguagem única ali,
universal, a foto. Dali saíram muitas narrativas e depoimentos de
como poderiam utilizar a fotografia como forma até de ativismo. A
fotografia permitiu a interdisciplinaridade, discutir a temática social,
natural, cultural.
Essas narrativas evidenciam diversas potencialidades da fotografia no
processo educativo, em especial dos surdos. Um aspecto que chamou atenção dos
mediadores foi o olhar mais atento dos surdos para detalhes que podem passar
105
despercebidos pelos ouvintes. Há razões para crer que o olhar do surdo é permeado por
suas diferenças pessoais e coletivas. Com base nesse entendimento consideramos que a
fotografia pode ser um importante artefato cultural do povo surdo, pois, potencializa a
experiência visual.
Conforme foi destacado por Strobel (2016) é a experiência visual do surdo
que fundamenta a sua compreensão e atuação no mundo e permite a acessibilidade ao
conhecimento, em suas múltiplas dimensões. Por assim entender, consideramos a
fotografia como uma linguagem, um modo de falar, de comunicar, de produzir discursos
e conhecimentos por meio da “grafia pela foto”. Enquanto imagem, a fotografia permite
contar/recuperar histórias, assumir posicionamentos e instigar a produção de sentidos e
ideias sobre o que nela é retratado.
A fotografia é, portanto, uma prática de enunciação uma vez que: configura
uma ação comunicativa operada por uma linguagem visual; demanda apropriação e/ou
reapropriação da língua dos locutores; refere-se a um momento e lugar determinado;
estabelece contrato com o outro (o interlocutor) numa rede de lugares e de relações
(CERTEAU, 1994).
Na perspectiva dos mediadores, a linguagem fotográfica potencializa a
comunicação entre surdos e ouvintes, uma vez que, ela estabelece contato direto entre o
autor da imagem e o interlocutor, mediado pela câmera fotográfica. Dessa forma, a
produção/interpretação da fotografia pelo surdo se dá de forma autônoma, sem as
barreiras linguísticas e sem o controle de normas gramaticais da leitura e da escrita.
Ademais, o emprego das imagens fotográficas como uso pedagógico proporciona uma
diversificação das linguagens escolares que buscam estimular o desenvolvimento das
formas de expressão (CALADO, 1994).
Celular como recurso para produção de fotografias
Na perspectiva dos mediadores os smartphones não representam problemas para
a educação desde que sejam incorporados ao trabalho pedagógico. Isso pode ser feito,
por exemplo, pela utilização pedagógica da fotografia.
Em muitas escolas os celulares são vistos como um problema, pois
atrapalham as aulas. No PNT eles foram vistos como uma
potencialidade da prática educativa. [...] Lembro-me de um estudante
surdo dizer que sairia do projeto com uma nova visão de fotografia.
Na avaliação da atividade ele disse: “de hoje em diante não vou usar o
106
celular apenas para fazer selfies”. Então... a fotografia assumiu outros
papeis na vida deles, né? Para além das selfies. (Gleice)
Olha o que foi interessante: No PNT, quando nós montamos e
pensamos pedagogicamente nas oficinas de fotografia, percebemos
que os alunos dispunham de celulares com câmeras. Então nós
aproveitamos os celulares para motivar a produção de fotos, ou seja, o
protagonismo dos estudantes. Pensamos na perspectiva de não só criar
um produto de comunicação, mas, também, de motivar os estudantes a
manusear os próprios registros e escrever suas próprias narrativas por
meio de fotografias, de forma espontânea. Fomos à busca dos cenários
e tínhamos como tema a natureza, especialmente a água que era o
tema central do PNT. [...] Então a presença da tecnologia dos
smartphones propiciou e fomentou esse trabalho com a fotografia.
Poucas fotos foram tiradas com câmeras digitais, pois, elas eram
poucas e quase todos os estudantes tinham smartphones. [...] Hoje o
celular vem com uma configuração mínima que pode transformar um
fotógrafo amador num fotografo semiprofissional. Hoje você tem
recursos dentro do aparelho que regulam automaticamente a
iluminação, o foco, o enquadramento, a profundidade. O próprio
celular corrige as distorções. Então a tecnologia estava à disposição
desses alunos, tentamos buscar esses recursos que estavam à mão do
estudante oferecendo ao menos as mínimas noções técnicas como
regra dos terços, composição, iluminação, ângulo, recursos de
perspectiva, os tipos de enquadramento trazendo a fotografia um
espaço e tempo bacana. Tentamos passar isso num curto espaço de
tempo. Ao andar entre os grupos percebia que eles mesmos se
avaliavam quanto as fotografia. Acredito que todos saíram das
oficinas com aquela preocupação de utilizar as técnicas para melhorar
e potencializar os registros fotográficos. Engraçado que nas oficinas
não havia diferenças entre professores e alunos, eles se igualaram nas
aprendizagens das oficinas. Os professores também fizeram relatos
dizendo que se encantaram pela questão da fotografia. (Adelson)
Essa perspectiva dos mediadores aproxima em muitos aspectos da pedagogia dos
surdos defendida especialmente por educadores surdos.
Se o modelo de educação baseado na normalização utiliza-se de
recursos de som, de treinamento da audição, a pedagogia do surdo
utiliza recursos de visão. Tudo que facilita o desenvolvimento visual
ou a aprendizagem por meio da visão vai estar nesse modelo. No uso
da prática pedagógica, os sentidos da visão devem ser ressaltados com
o uso de tecnologias que favorecem a aprendizagem [...] A capacidade
de o surdo interpretar a partir da imagem e da legenda é marcante
(PERLIN e MIRANDA, 2011, p. 111).
A fotografia representa, portanto, uma tecnologia que pode ser utilizada a favor
da pedagogia dos surdos. Enquanto uma forma de comunicação a fotografia não faz
diferença entre surdo e ouvinte. Por meio dela o surdo pode propor e/ou fazer leitura de
textos imagéticos de natureza diversa (artísticos, político-sociais, científicos, educativos,
etc.). Ela permite que os estudantes surdos atuem como produtores de cultura.
107
Aprendizados da experiência
No desenvolvimento da pesquisa consideramos que cada um dos sujeitos
praticantes (participantes do PNT) atribuiu sentidos diferenciados às experiências
vivenciadas. Por assim entender buscamos compreender, por meio de narrativas, os
sentidos atribuídos à fotografia na educação de surdos. Apresentamos a seguir a
perspectiva dos mediadores.
Ocorreu um fato importante na AABB. Quando a gente estava
selecionando as fotos eu estava em uma outra dimensão de
organização.[...] Eu achei muito interessante a forma como os
estudantes surdos retrataram os caminhos. Eles observaram caminhos
feitos por formigas, cupins, fios elétricos, seres humanos. [...] o
caminho da formiga é insignificante num ambiente natural que é
enorme, que é imenso. Porém, para eles que tem a escuta
comprometida, o que é micro, que é singular ganha lugar de destaque
[...]. Eu tenho capacidade para utilizar todos os sentidos, mas o
caminho do cupim, da formiga, caminho do macaco eletrocutado nos
fios da rede elétrica passou despercebido. Nós aprendemos muito
com os surdos, com a sensibilidade estética que eles têm. [...] Foi
muito interessante ver o resultado do trabalho com a fotografia na
educação de surdos na exposição de fotografias realizada na
Assembléia Legislativa e nas escolas. Ver os estudantes surdos
observando suas produções foi emocionante, meu corpo chegou
até a arrepiar porque eu não tinha a dimensão do significado
desse trabalho para esses alunos. Porque esse estudante passou a
olhar o mundo de outra forma. (Gleice)
Foi uma experiência que rendeu aprendizado para todos nós. Foi
muito marcante, emocionante. Tanto que eu mantenho um acervo das
fotografias produzidas que criei um site para disponibilizá-las16
. A
gente está construindo esse site ainda. E lá cada um poderá tirar sua
impressão do que foi cada trabalho. Quando a gente escreve uma
proposta de trabalho a gente pensa que tem uma competência técnica
de ir lá e executá-la com tranqüilidade. Mas você é surpreendido na
execução desse trabalho. Quando eu fui vivenciar aqueles momentos
das oficinas eu vi as potencialidades que a fotografia tem para a
educação. O aprendizado que eu tive foi maior do que eu pude
possibilitar aos alunos, sobretudo no que se refere à educação de
surdos. Percebi que eles têm um olhar mais sensível do que o meu. É
visível a diferença na foto que um aluno surdo faz de uma foto que um
aluno ouvinte faz. Eu passei a fazer essa leitura. Então para mim esse
foi um grande aprendizado. Outro grande aprendizado foi a
oportunidade de conhecer alguns sinais em Libras. Então quando eu
fui para essa oficina de fotografia, que nós escrevemos a proposta e
16 . Repositório de aprendizagem que pode ser visualizado no seguinte endereço: http://ademarta0.wixsite.com/novostalentosufmt.
108
fizemos discussões, já na prática vimos que os alunos surdos
conseguiam ir além das propostas. Eu pensava que o fato de o aluno
ser surdo talvez pudesse ser uma limitação na execução do
trabalho e não, foi um ganho. Na hora de construir as apresentações
em powerpoint os alunos tinham essa preocupação com o detalhe,
com as melhores fotos e etc. Esse projeto foi muito além do que eu
esperava, foi marcante. Tanto que vou começar o Mestrado agora
com um projeto que envolve a fotografia e surdos. (Adelson)
Essas narrativas indicam que a experiência de uso de fotografia na prática
educativa foi marcante para os mediadores porque permitiram outro olhar em relação ao
surdo e à educação do surdo. Ficou evidente a compreensão de que a aprendizagem do
surdo é fundamentada nas experiências visuais (PERLIN e MIRANDA, 2003). Os
sujeitos surdos interpretam visualmente, enquanto os sujeitos ouvintes estão mais
voltados para a audição (STROBEL, 2016). Os dois mediadores referem-se à
experiência como algo marcante. Algo que lhes afetou, que provocou tremores, que
promoveu mudanças no modo de conceber a surdez e de interagir com os surdos. Isso
significa que os mediadores foram raiados pela “experiência como aquilo que nos passa,
ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma.
Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação”
(LARROSA, 2016, p.26).
4.3. Narrativas de monitores do PNT
Consideramos que os estudantes da graduação que atuaram como monitores
exerceram papel preponderante no contexto do PNT. Os monitores que foram sujeitos
dessa pesquisa tinham idade entre 19 e 24 anos. Eles participaram de atividades nas
cinco escolas parceira. Nas entrevistas solicitamos que eles narrassem livremente
experiências vivenciadas no PNT. Observamos que eles deram destaque para as
experiências na escola do campo e na escola de surdos. Considerando os propósitos
deste estudo demos destaque para as questões relativas à educação de surdos.
Julgamos necessário destacar que entre os seis monitores incluem 02 estudantes
dos cursos de licenciatura em Física, 03 Licenciatura em Biologia e 01 de Comunicação
Social da UFMT. A análise das narrativas remeteu aos seguintes aspectos: Extensão
universitária como espaço de formação; Educação de surdos e Fotografia na educação
de surdos.
Extensão universitária como espaço de formação
109
Conforme foi apresentado no terceiro capítulo dessa dissertação, a extensão
universitária foi concebida como uma rede de conversação que permite articulação com
o ensino e a pesquisa. Os relatos que se seguem, apontam como o PNT atuou na
formação acadêmica/profissional destes estudantes.
Foram experiências incríveis que eu irei levar para o resto da
minha vida pessoal e na minha formação. [...] Na minha formação
acadêmica não estudei sobre surdos. Eu tenho que aproveitar e
aperfeiçoar o que aprendi na convivência com eles. Tenho que
continuar mantendo esse contato, aprendendo com eles, e levar esse
conhecimento não só na minha formação, mas na minha vida também.
(Luli)
No PNT nós vamos além dos muros da Universidade. Acho que a
gente tem uma dificuldade muito grande dentro da academia de poder
lidar com a sociedade. Nós nos fechamos muito dentro dos muros
da Universidade e acabamos produzindo conhecimento para nós
mesmos. Foi uma experiência muito importante. Acredito que sem a
experiência prática a gente nunca vai conseguir ser um profissional
atuante na nossa área. A gente precisa conhecer os espaços nos quais a
gente vai atuar. [...] Essa experiência prática, essa relação que
aconteceu no PNT foi muito boa, foi de vivenciar na pele o que é o
ensino público. O que é a vida desses jovens que precisam trabalhar
desde crianças? O que é a cultura dos estudantes surdos? [...] Essa
experiência foi fundamental para nossa formação como sujeito crítico,
enquanto profissional, professores, comunicadores (Glória)
O Projeto Novos Talentos se fez importante na minha formação
acadêmica por dois motivos. [...] primeiramente ao fato de eu, assim
como a maioria dos alunos de graduação envolvidos no projeto
estamos cursando licenciaturas, mas tivemos pouco contato com
as escolas no curso. [...] Em um segundo momento pela relevante
importância da vivência escolar, de organização e funcionamento da
escola de educação especial de surdos na minha formação. (Mari)
O PNT foi importante na minha formação acadêmica por motivos de
vivência profissional bem como de formação pessoal. Assim como eu,
os alunos (monitores) envolvidos no PNT são alunos de licenciaturas.
O grande desafio de se tornar um bom profissional está na dificuldade
de fazer do curso de licenciatura um trampolim para o sucesso
profissional. A dificuldade de ser um bom professor esbarra
principalmente na dificuldade de unir teoria e prática e o PNT me
possibilitou vivências de teoria unidas à prática fundamentais para o
decorrer da minha formação acadêmica assim como da minha futura
atuação profissional. Com as experiências vivenciadas no decorrer
das atividades do PNT, pude compreender uma realidade pouco
abordada na graduação: O ensino de Física para surdos. Devido à
falta de profissionais formados e o desinteresse na área, pude
vislumbrar um mercado de trabalho muito amplo na educação de
ciências para alunos surdos. Assim, passei a cogitar uma
110
especialização nesta área e o interesse em trabalhar com essa
modalidade de ensino. Acredito que os alunos surdos, assim como eu,
têm o interesse e o desejo de compreender os princípios e as leis que
regem a natureza. Dito isto, não se pode privá-los deste conhecimento
pelo simples fato de poucos se interessarem em especializar nesta área
da educação. (Cris)
Em minha categoria de graduando em Ciências Biológicas,
licenciatura, considero que o aprendizado no Projeto Novos Talentos
foi muito relevante, sobretudo pelo contato com a comunidade surda.
Foi essencial, para assim nos desenvolvermos propostas de ensino
adequadas à realidade dessas pessoas. (Rick)
As experiências vivenciadas com o PNT são de grande
importância para a educação de surdos, pois são momentos onde
há a troca de saberes e a interação de alunos surdos e alunos
ouvintes. As palestras, oficinas e aulas de campo e os momentos
de vivencia, possivelmente expandiu o conhecimento científico
dos alunos surdos e ouvintes por meio do contato direto com os
fenômenos culturais, históricos e científicos, que foram
trabalhados no PNT. [...] As experiências que me foram
oportunizadas por meio do PNT foram de grande significância para
minha formação docente. (Tati)
A importância do PNT na formação acadêmica esteve presente nos relatos de
todos os monitores. Os estudantes consideraram as experiências no referido projeto de
extensão universitária foram relevantes porque os cursos de formação, mesmo quando
se trata de licenciatura, não possibilitam a necessária aproximação com as escolas e
outras instituições onde eles poderão atuar.
Submetidos a grades intelectuais que não lhes parecem organizadas
nem em função de suas questões, nem em função de seu futuro, não
percebem mais, no ensino que lhe é “dado”, seu valor de
instrumentalidade cultura e social [...] Sob um aspecto individual, esse
problema pode ser colocado sob o signo daquilo a que os movimentos
estudantis norte-americanos chamam relevance (ou “pertinência”) do
ensino. “Esse termo designa o fato de os estudos estarem ligados
àquele que estuda, não por uma relação de utilidade, mas de
significação. Estudos „relevantes‟ são aqueles que apresentam um
interesse, um significado, que estão ligados, relacionados com aqueles
que os fazem, e isso de modo aparente, manifesto, evidente. Diante de
seus estudos, os estudantes se perguntam: Qual é o sentido disso? O
que eles significam? O que dizem?” (CERTAEAU, 2012 p. 104 – 105)
Para esses estudantes as experiências vivenciadas nas atividades de extensão
universitária deram sentido não apenas para a formação profissional como também para
a vida pessoal. Elas permitiram conhecer o cotidiano escolar e atuar em situações de
ensino. Assim, foi possível transpor os muros da universidade e superar visões
111
centralizadas de conhecimento. No dizer de Glória, a experiência foi “de vivenciar na
pele”, numa aproximação ao sentido de experiência adotado por Larrosa (2016).
Esses relatos entendimento de que a extensão pode ter papel relevante no
processo integral do estudante universitário, sobretudo quando ela possibilita o
“entendimento do papel de todo saber na instauração do social” (SEVERINO, 2009, p.
262).
Educação de surdos
As narrativas deram destaque à importância da experiência vivenciada no
projeto de extensão universitária em questão, sobretudo porque ela possibilitou
aproximações com a educação de surdos.
Foi uma experiência muito interessante que permitiu o contato com os
surdos, nos mostra como coisas simples para nós pode se tornar um
desafio para eles. [...]precisamos estender nosso conhecimento em
relação às formas, meios e alternativas para ajudar os surdos a
vivenciar novas experiências. [...] O contato com eles me mostrou que
preciso melhorar comunicação e expandir meus conhecimentos. (Luli)
O projeto foi bem valoroso pelo fato de estar em contato com essa
população da educação básica que não tem acesso a uma educação de
qualidade, saúde de qualidade e transporte público de qualidade. Foi
muito importante o contato com a realidade social dessas populações e
que são excluídas de varias políticas públicas e também com a cultura
dos surdos. [...]essa juventude tem que ser protagonista da construção
de uma nova sociedade, para construção de um novo futuro. [...] Eles
falam outra língua e muitas vezes fingimos que eles não existem em
nosso cotidiano. (Glória)
A respeito da experiência que o PNT proporcionou posso dizer que
foram muito relevantes para minha formação, sobretudo no que se
refere à educação de surdos. [...]. Em minha opinião o PNT trouxe
para os alunos surdos envolvidos maiores possibilidades de descoberta
pessoais e consequentemente de descobertas profissionais, cumprindo
assim um papel de formação de pessoas mais atentas ao meio em que
vivem. (Mari)
Foi algo inovador e uma experiência marcante na nossa vida e na vida
deles [...] No decorrer das atividades eles se mostraram muito
interessados em compreender os conceitos que estavam sendo
trabalhados. E isto é perfeitamente compreensível, pois alguns
assuntos dificilmente são abordados em sala de aula. O diferencial nas
atividades do PNT foi colocar os alunos surdos como protagonistas
nos trabalhos desenvolvidos. Fazendo-os construírem suas próprias
máquinas fotográficas, confeccionando maquetes das bacias
hidrográficas de Mato Grosso e ainda, proporcionando aulas de campo
e a troca de experiências com os alunos de outras escolas participantes
112
do projeto. (Cris)
O PNT buscou incluir a escola de surdos, pois a educação inclusiva
desse público em atividades de extensão ainda é pouco explorada
pelos educadores. Em vista disso, concluo que as experiências
realizadas tiveram êxito educacional e cultural dentro do planejamento
do projeto para alunos de deficiência auditiva e para nós. Nos
realizamos uma diversidade de oficinas e atividades que mobilizaram
e iniciaram uma nova forma de se educar por inclusão. [...] O mundo
contemporâneo é cada vez mais interligado e a comunidade surda cada
vez mais se expressa em nossos cotidianos. [...] A educação é direito
de todos. Os surdos não podem ser mais vistos como incapazes. Eles
são sujeitos de grande potencialidade de transformação social. (Rick)
Através destra interação com os surdos, pude formular e aprender
sobre as limitações e também as abrangências acerca da visão de
mundo deles. As experiências vividas nesse projeto de extensão
contribuíram para mudar minha visão em relação aos surdos. Vi que
eles são sujeitos ativos e em alguns casos mais perceptivos que alunos
ouvintes. Através dessas contribuições, novos instrumentos me foram
apresentados para a educação dos surdos. (Tati)
Os relatos indicam que o PNT possibilitou um tipo de educação inclusiva
onde todos interagiram e trocaram saberes independente das diferenças culturais. A
inclusão foi entendida, portanto, como uma via de mão dupla e como uma prática que
requer respeito às diferenças. Isso pode ser observado no reconhecimento de que, a
educação de surdos demanda práticas pedagógicas adequadas às singularidades de
pessoas que falam outra língua e produzem uma cultura singular.
Fotografia na educação de surdos
Dentre todas as atividades desenvolvidas no PNT a fotografia ocupou lugar de
destaque conforme fica evidenciado na fala dos monitores entrevistados.
O uso de fotografias na educação especializada para surdos é muito
importante. Acompanhei algumas oficinas de fotografia no qual os
alunos do CEAADA participaram, e vi que eles visualizaram um outro
“mundo”, no qual a lente da câmera proporcionou para eles. (Luli)
A fotografia por si só já diz muito. Através de uma fotografia você
pode enxergar várias relações que se estabelecem na vida das
pessoas. Às vezes uma fotografia reflete muitas coisas que nossos
olhos não são capazes de enxergar porque em um enquadramento
talvez você possa reunir vários elementos de uma vida, da
natureza, de um recorte social. A fotografia representa um momento
em que a pessoa está inserida dentro de um determinado local, lugar
da sociedade. A fotografia é muito importante para registro da
história para compreender como o sujeito se transformou ao
113
longo da história. A fotografia é uma forma de a gente mostrar
como vemos o mundo. Então, quando a gente tem os estudantes
surdos ali contando a sua história é enriquecedor. Porque na maioria
das vezes a história é contada por aqueles que detêm os meios de
produção, seja rede globo, pensamento dominante na formação da
educação tradicionalista, tecnicista. (Glória)
O uso de instrumentos e recursos para o ensino de ciências é bastante
importante para tornar o conhecimento significativo. O uso de
fotografias como recurso didático é bastante válido na educação de
surdos, pois, possibilita que eles se tornem protagonistas do próprio
aprendizado. (Mari)
O uso de fotografia na educação em ciências para alunos surdos é de
suma importância, pois facilita a compreensão de determinado
fenômeno, a visualização de determinado animal ou determinada
situação. Porque alguns momentos se torna difícil expressar uma ideia
através do uso da Libras, seja por falta de classificadores ou pela
própria complexidade do assunto em si. E é nesses momentos que a
fotografia se mostra uma poderosa ferramenta, ajudando a situar os
alunos no contexto desejado. (Cris)
A fotografia mostrou-se uma ferramenta muito eficiente ao se
tratar de educação para surdos, pois estes possuem muita afinidade
com as categorias visuais. Dessa forma, as fotografias além de
estimulantes por conceber valores da realidade surda, também por
finalidade tornou o ensino muito mais significativo em seus
resultados. (Rick)
Os alunos normalmente só pensam em algum assunto ou conteúdo
quando o mesmo parece ser interessante, quando o assunto/ conteúdo
é interessante o aluno é estimulado a conhecer e explorar. A fotografia
é um instrumento pedagógico de suma importância na educação dos
surdos voltado para o ensino de ciências, visto que tirar fotos, selfies,
se tornou comum entre os estudantes. É um elemento facilitador do
processo de ensino e aprendizagem, pois é uma maneira de se
expressar. É uma linguagem. (Tati)
Observamos que os monitores que são estudantes de cursos de licenciatura
apresentam uma visão mais instrumental da fotografia (como recurso didático,
ferramenta para ajudar o aluno no aprendizado, instrumento pedagógico). A licencianda
Tati considerou que além de ser um instrumento pedagógico, a fotografia é também uma
“maneira de se expressar, uma linguagem”. A monitora Glória, graduanda em Ciências
Sociais, deu outros sentidos à fotografia. Ela considera que a fotografia pode ajudar a
enxergar relações que se estabelecem na vida social. Pode também ser utilizada como
registro da história e para compreender como o sujeito se transformou ao longo da
história. Além disso, ela manifestou entendimento de que a fotografia é uma forma de
expressão, pois por meio dela o estudante surdo pode contar a sua história.
114
4.4. Narrativas de estudantes surdos
Para melhor compreensão das experiências vivenciadas no Projeto Novos
Talentos, notadamente no que se refere ao uso de fotografias na educação em ciências
naturais para surdos, julgamos ser necessário compreender o sentido dado pelos
principais protagonistas desse processo. Referimo-nos aos estudantes surdos. Para tanto,
realizamos entrevistas com 04 estudantes surdos que participaram efetivamente das
atividades do PNT.
As entrevistas ocorreram entre os meses de março e abril de 2016 na escola Ceaada.
Foram realizadas individualmente com auxilio de interprete de Libras e filmadas tendo em vista
a comunicação ocorrer de forma visual. Os estudantes cursavam a 7ª série do ensino
fundamental e tinham idade variando entre 14 a 21 anos. As análises das narrativas realçaram os
seguintes aspectos: Experiências vivenciadas no PNT; A fotografia na aprendizagem;
Aprendizagens no PNT ou sobre a relevância das atividades de extensão.
Experiências vivenciadas no PNT
Na entrevista com estudantes surdos solicitamos que eles narrassem livremente
sobre suas experiências no PNT.
A primeira atividade que eu lembro foi numa chácara [ASBEMAT].
Nós fomos também na UFMT, depois fomos para a Chapada dos
Guimarães e Nobres. [...] foi muito bom participar. Também fomos no
Rio Cuiabá e também no bairro do Porto. Tiramos fotos. Eu lembro da
atividade na Casa de Cultura Cuiabana, foi a tarde. Eu gostei muito de
tirar foto. Aprendi muita coisa tirando muitas fotos. Cada coisa na
UFMT eu fiquei impressionado e emocionado. Quando fomos a
tarde na casa de cultura tiramos muitas fotos, aí comecei a ver as
coisas sobre o ouro, sobre os negros. Ficamos 4 horas na Casa da
Cultura, tinha muita coisa. (Junior)
Das atividades eu me lembro de tirar fotos, fazer recortes de
imagens para poder ter conhecimento. Lá nós aprendemos como
tirar as fotos, para depois arrumar no papel [revelação de fotos pela
técnica do pinhole]. gostei muito de lá. Eu quero num futuro me
esforçar e fazer faculdade e ensinar os alunos, matemática,
português e etc. As aulas de campo foram boas para minha
formação por causa das imagens que fotografei sobre os animais,
cobras, observei para aprender e depois passar para a professora.
(Breno)
115
Eu lembro das Fotografias. Tirava foto das coisas, de todos que
estavam participando, tinha flash. Acho bom a minha participação
porque eu vou estudar e aprender a tirar as fotos. Quero ser
professora e ensinar. (Julia)
Lembro que eu viajei para aula de campo. Vi muitos pássaros e tirava
muitas fotos. Tirei fotos do bico do pássaro, percebi que alguns
tinham a asa quebrada, então também tirei foto. Visitando as nascentes
observei os peixes e também tirei muitas fotos. Gostei de observar e
tirar foto da cachoeira. Também tiramos fotos em Chapada, na UFMT
e na nossa escola. (Paulo)
Todos os relatos surdos deram destaque às atividades que envolveram a
fotografia o que mostra que essa experiência foi significativa e potencializadora de
aprendizagem em várias áreas do conhecimento, especialmente nas ciências naturais.
Junior destacou que ficou “impressionado e emocionado” o que denota que foi afetado
pela experiência, que pode estar relacionada à acepção apresentada por Larossa (2016).
Isso pode ser entendido pelo fato de que, a experiência visual é um dos principais
artefatos culturais do povo surdo, conforme observou Strobel (2016). A relação da
identidade cultural do surdo e o aspecto visual também foi explicitada por Perlin (2015,
p. 56). Para essa pesquisadora “ser surdo é pertencer a um mundo de experiência visual
e não auditiva”.
Outro aspecto que chama atenção em dois dos relatos dos estudantes surdos é a
associação entre a participação no PNT e o interesse futuro na formação acadêmica e
atuação profissional como professor. Podemos entender que o contato com a UFMT
propiciado pelo projeto de extensão numa via de mão dupla, tornou a universidade mais
próxima da escola e fomentou o desejo de ingressar na educação superior.
A fotografia na aprendizagem
No que diz respeito às aprendizagens relativas à fotografia e suas contribuições
para a educação em ciências naturais os estudantes expressaram os seguintes
entendimentos:
Aprendi muita coisa, aprendi a tirar foto. Por exemplo, quando
está sol fazer um planejamento direitinho do sol, dos reflexos,
essas coisas. Coisa que combina ou que não combina na foto, tirar
foto de tudo. Fui no arquivo público de MT mas eu nunca tinha ido lá,
foi a primeira vez foi esse dia com os alunos. Eu não tirei foto lá, só a
professora que tirou foto. Mas vi muitas fotos antigas parecia que
não era Cuiabá, muito diferente. Antigamente o porto era feio,
horrível, agora está mais bonito. Acho que a fotografia é boa para
116
ajudar o surdo a parar com a bagunça, ter ordem, organização.
(Junior)
Cada imagem você tem que observar para depois tirar as fotos
para que você aprenda, porque precisamos gravar aquelas imagens
na mente e depois vamos copiar sempre aquelas imagens. Vou gravar
na minha mente as imagens que tirei foto. Eu gostei de tirar foto. A
fotografia contribui na educação de surdos porque o surdo
também não tinha esse entendimento de tirar as fotos. Então os
alunos surdos também precisam ter esses conhecimentos e têm que ser
apoiados e ajudados nessa tarefa. (Breno)
Ajudou no meu conhecimento em ciências porque aí tive a
experiência, tive as atividades que fizemos, tive melhor
entendimento de fora da sala de aula, consegui gravar as imagens.
Acho bom. Aprendi sobre o Rio, o curso do Rio, sobre o lixo,
vimos coisas sujas jogadas na água e depois apresentava para sala.
Acho que tirar foto ajuda o surdo que aprende um pouco mais.
(Julia)
Eu lembro do uso da fotografia. A parte de ampliar, diminuir. Na
hora da revelação das fotos não podia ascender a luz senão as
fotos ficavam vermelhas e queimavam. Eu fiquei impressionado
com os detalhes da revelação das fotos e o passo a passo. Uma das
atividades que mais me marcaram foram as fotografias que tiramos na
casa de cultura e em Nobres. As fotos que tirei na aula de campo em
Nobres só ficaram na câmera. Não vi as fotos novamente. Antes do
PNT eu só tinha tirado foto no celular. Mas com o PNT eu aprendi a
como fazer uma composição, enquadramento, observar a luz e o
foco e etc.(Paulo)
As narrativas indicam que todos os estudantes surdos entrevistados relacionam a
fotografia com a aprendizagem concebida em duas vertentes: 1. Compreensão das
técnicas de fotografia. 2. Compreensão de conceitos de vários campos do conhecimento,
especialmente da história (por meio de fotos antigas e atuais) e de ciências naturais (por
meio de fotografias do rio, das plantas e animais). Esses entendimentos reiteram o que
disse a pesquisadora surda Rangel (2004): “A fotografia é o próprio texto lido pelos
surdos”.
Ao relacionar a fotografia com a possibilidade de “parar com a bagunça, ter
ordem, organização” o estudante surdo demonstra entendimento de que esse recurso
desperta o interesse pelo estudo de aspectos do ambiente, motiva a capacidade de
observar detalhes, de escolha de melhores ângulos e de agir com atenção, de
compartilhar o uso dos equipamentos num trabalho coletivo (em grupo) que exige a
espera da vez.
No relato da aluna Julia, os aspectos observados nas atividades “Fotografando o
Rio Cuiabá” e “Fotografando o Porto”. Os aspectos observados e fotografados foram
117
discutidos em sala de aula após aula de campo, potencializando novos aprendizados
relativos às ciências naturais.
Relevância das atividades de extensão
Finalizando as entrevistas solicitamos que os estudantes comentassem sobre a
relação entre as atividades do projeto e as aprendizagens realizadas por eles.
Em Nobres aprendi sobre a água limpa [nascentes], sobre os
peixes, de cuidar e preservar. Mergulhei também lá, foi muito
bom e divertido. Lá aprendemos sobre pedra, terra, bicho,
poluição. Passear foi bom, me diverti bastante, conheci lugares que eu
não conhecia, foi muito bom. Gostei de fazer foto e filmagem, foi
uma modalidade nova para mim. (Junior)
Teve aquela troca de experiência, aí eles pediram para gente
ensinar os professores da UFMT. Porque cada coisa tinha um
sinal, eles não sabiam a gente explicava para eles, o que eles
sabiam eles explicavam para nós. (Breno)
Aprendi lá no Rio Cuiabá sobre a água cheia de lixo. Lá em Chapada
dos Guimarães quando chegamos nos mostraram a igreja e toda
cidade, fomos ver varias coisas dentro da cidade. Lá em Nobres nós
mergulhamos para ver o rio, as nascentes, a água que é limpa e
transparente, eu achei legal. (Julia)
Eu achei o PNT muito bom. Aprendi sobre fotografia, os
animais, as plantas, a água. As atividades do PNT me
ajudaram em ciências, mas também nas aulas de
matemática, de história. Os professores nos lembravam das
aulas de campo para explicar novos conteúdos. (Paulo)
Percebemos que as atividades curriculares que foram articuladas com o projeto
de extensão universitária foram apontadas como potencializadoras de aprendizagens.
Por meio das aulas de campo na margem do Rio Cuiabá, no parque nacional de
Chapada dos Guimarães e em Nobres (Comunidade Coqueiral) os estudantes puderam
estabelecer comparações entre um rio poluído e nascentes e rios com águas
transparentes e limpas. Puderam também realizar estudos sobre plantas, animais, rochas
e características de outros espaços populacionais (cidade e campo).
Conforme relatos de Paulo, “os professores lembravam das aulas de campo para
explicar novos conteúdos” estabelecendo relações entre as ciências naturais e outras
disciplinas.
118
Um depoimento que chamou nossa atenção foi o de Breno que deu destaque à
troca de experiência entre professores e estudantes da UFMT e o CEAADA. Em alguns
momentos os estudantes surdos aprenderam e em outros ensinaram. Isso significa que o
PNT se configurou na prática como uma rede de conversação que não permite
identificar quem foram os incluídos, pois todos comportaram como ensinantes e
aprendizes. Uma rede de conversação fundamentada no respeito e reconhecimento das
diferenças configura-se como um lugar de encontro, de festa, conforme observou
Certeau (2012, p. 54).
Não parece haver felicidade senão onde o outro é a condição do ser,
onde se faz a festa, onde a conservação dos bens é alterada por um
dispêndio feito em nome de outrem, de um outro lugar ou do Outro,
onde se interpõe a festa de uma generosidade comunicativa, de uma
aventura científica, de uma fundação política ou de uma fé.
120
Considerações finais
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
Manoel de Barros
As discussões apresentadas nesse estudo remetem ao entendimento de que os
surdos são sujeitos que historicamente permaneceram à margem da cultura ouvinte.
Tiveram a sua identidade e cultura negadas, principalmente pelo não reconhecimento de
seus artefatos culturais. Na antiguidade a surdez era considerada como castigo dos
deuses e por essa razão pais tinham autorização para sacrificar filhos surdos pelo
entendimento de que não eram merecedores da vida.
A Ciência moderna foi apresentada no contexto do Iluminismo como a redentora
da humanidade pela sua suposta capacidade de revelar a verdade dos fatos. Nesse
sentido, a surdez foi associada com um problema físico que poderia ser corrigido por
meio de conhecimentos, técnicas e tecnologias adotadas pela ciência. Assim, o
pensamento social em torno do povo surdo foi difundido pelos padrões científicos que
buscaram estabelecer procedimentos clínicos capazes de reabilitar a audição e a fala. O
ouvintismo foi defendido, principalmente, por médicos e fonoaudiólogos, mas também,
por professores, a fim de, garantir arquétipos da hegemonia ouvinte, fato que teve
implicações na educação escolar.
A comunidade surda, por sua vez, tem desempenhado papel primordial na luta
pelo reconhecimento e valorização da identidade, da língua e da cultura surda. Essa
perspectiva é defendida sobremaneira por autores que se situam no campo dos Estudos
Culturais por compreender a cultura como um campo de luta e de tensões diante da
hegemonia ouvinte.
Consideramos que na atualidade foram promovidas importantes conquistas no
campo da educação de surdos. Contudo, o povo surdo ainda necessita de melhores
condições de acesso e de permanência na escola e em outros espaços da sociedade.
O principal lócus de acesso à cultura científica é a escola, e como tal, ainda
carece de muitos avanços para que se tenha um currículo que reconheça as diferenças. A
121
predominância do Português, a falta de sinais em Libras, e de outros elementos da
pedagogia dos surdos indicam que ainda existem muitos desafios a serem enfrentados e
superados na educação de surdos. Faz-se necessário a produção do currículo como
espaço-tempo de fronteira cultural, “num processo que explicita a fluidez das fronteiras
entre as culturas do eu e do outro e tornam menos óbvias e estáticas as relações de
poder” (MACEDO, 2006, p.189). Nessa acepção o currículo proporciona o encontro
“das diferenças, de desdobramentos em um comum-múltiplo, divergente, desfigurante”
(AMORIM, 2008, p.123).
Pesquisadores surdos (STROBEL, 2016; PERLIN, 2015; PERLIN &
MIRANDA, 2011) defendem a pedagogia dos surdos. Esta permite as trocas culturais
pautadas no reconhecimento das diferenças do povo surdo. Considera-se, portanto, a
língua, o processo curricular, o Português como a segunda língua, a cultura, o auxílio
tecnológico e etc. Nesse sentido, a experiência visual, como elemento do artefato
cultural é apontada como uma das principais formas de abstração cognitiva do povo
surdo.
A experiência visual ganha força principalmente pelos estudos que reconhecem
a importância do uso de imagens na educação (ALVES, 2001; ALVES e OLIVEIRA,
2004; AMORIM, 2007; FISCHER, 2011; CALADO, 1994; SONTAG, 2004;
WUNDER, 2006, 2008). Por essa razão, neste estudo a fotografia é considerada como
um tipo de imagem que potencializa o processo educativo. Ela é entendida como um
artefato cultural que instiga a curiosidade, criatividade, atribuição e produção de
sentidos.
A utilização da fotografia pelas minorias possibilita, principalmente, enunciar
suas demandas. A linguagem fotográfica é produzida e lida a partir da riqueza de visão
de mundo de cada sujeito. Ela pode ser considerada como uma prática de enunciação
pelo surdo pela possibilidade de produzir discursos, textos, conhecimentos e sentidos
por meio de imagens. Seu uso na educação em ciências naturais consente em
expressar/produzir (WUNDER, 2008) eventos do mundo físico e social em substituição
as apreciações veiculadas pela escrita.
O Entendimento de que o uso da fotografia na educação em ciências naturais foi
um elemento potencializador das atividades de extensão do Projeto Novos Talentos
motivou a realização deste estudo que deu centralidade à educação de surdos.
122
Orientadas por esse propósito realizamos entrevistas com sujeitos praticantes desse
projeto.
Uma das características marcantes nas narrativas dos sujeitos praticantes
(entrevistados) foi a configuração do PNT como uma rede de conversação que integrou
estudantes e professores de diversos cursos de graduação do campus central da UFMT e
estudantes e professores de 05 escolas da rede estadual de educação básica. Uma das
escolas dedica-se à educação de surdos.
O princípio de organização da extensão universitária em rede de conversação
foi valorizado em função do entendimento de que essa forma de organização não
permite falar em inclusão. Não é possível definir quem está dentro e quem está fora.
Todos estão incluídos. Não é possível também definir um lugar para o saber e para o
poder. Estes não pertencem a ninguém porque são operacionalizados de forma coletiva.
Por assim entender, o PNT buscou fazer da extensão uma via de mão dupla por onde
fluíram experiências e conhecimentos potencializadores de aprendizagens coletivas.
A fotografia foi assumida no PNT como uma linguagem, uma forma de
“escrita” (pela luz) e como uma prática de enunciação que pode ser utilizada por surdos
e ouvintes sem amarras gramaticais, pela mediação da câmera. Assim, a fotografia dá
autonomia a quem a produz porque estabelece uma relação direta com o observador.
Ademais, permite fazer uso de tecnologias da informação e da comunicação que estão
presentes na escola e que, em geral, são apontadas como problemas para o ensino.
Referimo-nos aos smartphones que cada vez mais incorporam recursos mais avançados
para a produção de fotografias. No PNT o celular não foi considerado um problema para
a educação e sim uma potencialidade para o protagonismo do estudante enquanto
produtor de “imagens quando faltam palavras” (BARROS, 2010).
Para os monitores entrevistados neste estudo a experiência nesse projeto de
extensão foi marcante do ponto de vista pessoal e profissional porque permitiu a
aproximação com as escolas e o reconhecimento das diferenças entre surdos e ouvintes.
Essas diferenças apontam singularidades do que foi denominado de Pedagogia dos
surdos. No entanto, para os licenciandos da área das ciências naturais a fotografia foi
considerada uma ferramenta, um instrumental para o ensino. Perspectiva diferente foi
apresentada pela monitora que é estudante do curso de ciências sociais. Ela considera
que a fotografia pode assumir um caráter político e social desde que se configure como
um texto que estabeleça relações com a vida social.
123
Na perspectiva dos estudantes surdos entrevistados as experiências
vivenciadas no PNT foram significativas porque aproximaram a escola da universidade
despertando o interesse pela continuidade dos estudos até a educação superior. A
fotografia foi valorizada por todos os estudantes surdos em face do entendimento de que
ela favorece o aprendizado de conteúdos curriculares. Isso pode ser explicado pelo fato
de que a fotografia potencializa a experiência visual, que é um dos artefatos culturais
mais importantes do povo surdo.
As narrativas indicam que são muitas as potencialidades da fotografia:
inclusão, experiências, aprendizados formativos, trabalho coletivo, registro de aspectos
da realidade observada, protagonismo e enunciação do estudante surdo, conhecimentos
técnicos da câmera fotográfica e etc. Em suma a fotografia pode ser considerada uma
linguagem, um discurso e uma prática de enunciação que favorece não apenas o
aprendizado de ciências naturais como também de outras ciências que integra o
currículo escolar.
Com base na experiência que vivenciamos como participantes e como
pesquisadoras do PNT podemos dizer que a valorização do projeto pelos sujeitos
praticantes está relacionada com a sua configuração em rede que motiva o
reconhecimento de que somos todos diferentes, incompletos e insuficientes.
Como disse o poeta pantaneiro “para ter mais certezas tenho que me saber de
imperfeições” (Manoel de Barros).
124
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YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 5ª Ed. 2015.
130
APÊNDICE:
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA OS
RESPONSÁVEIS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa Fotografia como
princípio educativo: vozes sociais de estudantes surdos17
. Após ser esclarecido(a) sobre as
informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento,
que está em duas vias, uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de
recusa você não terá nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição
que recebe assistência. Se sentir necessidade, você poderá, a qualquer momento, encerrar a sua
participação. Em caso de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos da Área das Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso –
CEP Humanas/UFMT, coordenado por Rosangela Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, ou através
do telefone (65) 3615-8935. O objetivo deste estudo é analisar as potencialidades do uso da
fotografia na educação em ciências para estudantes surdos. Sua participação neste estudo
consistirá em: autorizar que os estudantes sob sua responsabilidade participe das entrevistas
atividade seja filmada. Os riscos relacionados com a participação dos estudantes na pesquisa são
mínimos e, por este motivo, os procedimentos deste estudo serão adotados de forma a provocar
o menor nível de desconforto possível. Os benefícios para a participação dos estudantes nesse
estudo é de, divulgar o protagonismo de estudantes surdos fotografando a natureza e dar voz aos
mesmos, considerando suas opiniões, sobre os espaços envolvendo a natureza. Ao participar
desse estudo você estará nos auxiliando a ter maiores esclarecimentos acerca das
potencialidades do uso da fotografia na educação de surdos. O conteúdo das informações
colhidas por esta pesquisa será mantido em sigilo, de modo que estas informações não serão
divulgadas de forma a possibilitar a identificação do estudante. Os dados referentes aos
estudantes serão confidenciais e garantimos o sigilo de sua participação durante toda a pesquisa,
inclusive na divulgação da mesma. Eles servirão como base para a reflexão, elaboração de
relatórios e confecção de publicações. Você receberá uma cópia desse termo onde tem o nome,
telefone e endereço da pesquisadora responsável, para que você possa localizá-la a qualquer
momento. Seu nome é Amanda Yasmim Cezarino ([email protected]), mestranda no
Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso campus
Cuiabá e telefone de contato (65) 9600-9907. Em caso de dúvida você pode procurar o Grupo
de Pesquisa Educação em Ciências da Natureza – UFMT, com a Prof. Tania Maria de Lima
(coordenadora do grupo e orientadora da pesquisa). Considerando os dados acima, CONFIRMO
estar sendo informado por escrito e verbalmente dos objetivos destes estudos e em caso de
divulgação AUTORIZO a publicação.
Eu (nome do participante ou responsável): ...............................................................................
......................................................................................................................................................
17
Esse título foi alterado no desenvolvimento do projeto.
131
Idade:....................................... Sexo:........................... Naturalidade: ...........................................
RG Nº: ............................................ declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de
minha participação na pesquisa e concordo em participar. Concordo com a participação do
estudante........................................................................................................................................
no estudo.
Assinatura do participante (ou do responsável, se menor):
........................................................................................................................................................
Assinatura do pesquisador responsável:........................................................................................
Cuiabá, ........... de ........................... de 2015.
132
TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA ESTUDANTES SURDOS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA CRIANÇAS
Meu nome é Amanda Yasmim Cezarino faço parte do Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Estou estudando para ser pesquisadora e
no meu estudo quero compreender o que estudantes surdos pensam sobre a fotografia como
princípio educativo 18 na formação dos mesmos. Durante a pesquisa solicitarei que participem
de entrevistas para que as questões envolvendo a fotografia sejam respondidas. O estudante
participará apenas se houver consentimento do mesmo. As entrevistas serão filmadas, pois, as
questões serão respondidas na primeira língua dos estudantes a LIBRAS e podem ser
interrompidas quando o estudante achar necessário. A autorização do estudante é necessária
para a realização das entrevistas filmadas.
Eu (nome do participante) ........................................................................................................,
Idade: ........................., declaro que entendi minha participação na pesquisa e concordo em
participar. Assinatura do participante: ......................................................................................
Assinatura do pesquisador responsável: ...................................................................................
Cuiabá, ........ de .................................. de 2015.
18
Esse objetivo foi alterado no desenvolvimento do projeto.
133
TERMO DE AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL
Cuiabá, ___ de _____ de 2015.
Ilustríssima Senhora,
Eu, Amanda Yasmim Cezarino, responsável principal pelo projeto de pesquisa
em nível de mestrado com o título “Fotografia como princípio educativo: vozes sociais
de estudantes surdos19”, venho pelo presente, solicitar vossa autorização para realizar
esta pesquisa no Centro Estadual de Atendimento e Apoio ao Deficiente Auditivo -
CEAADA, orientado pelo Professora Drª Tânia Maria de Lima.
Este projeto de pesquisa atendendo o disposto na Resolução CNS 466/2012,
tem como objetivo analisar as potencialidades do uso da fotografia na educação em
ciências para estudantes surdos. Os procedimentos adotados serão entrevistas com os
estudantes que serão filmadas. Esta atividade apresenta riscos e desconfortos mínimos
aos participantes, que caso ocorram a pesquisadora fará o possível para saná-los. A
coleta de dados ocorrerá de março a julho de 2016.
Ao autorizar esta pesquisa a instituição não terá nenhum benefício direto.
Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre as
potencialidades do uso de fotografia na educação de surdos, além de divulgar o
protagonismo de estudantes surdos fotografando a natureza e considerando suas
opiniões. Ao participar desse estudo você estará nos auxiliando a ter maiores
esclarecimentos acerca do tema onde a pesquisadora se compromete a divulgar os
resultados obtidos.
Qualquer informação adicional poderá ser obtida através do Comitê de Ética
em Pesquisa: Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Área das Ciências
Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso – CEP Humanas/UFMT,
coordenado por Rosangela Kátia Sanches Mazzorana Ribeiro, ou através do telefone
(65) 3615-8935.
19
Esse título foi alterado no desenvolvimento do projeto.
134
A qualquer momento vossa senhoria poderá solicitar esclarecimento sobre o
desenvolvimento do projeto de pesquisa que está sendo realizado e, sem qualquer
tipo de cobrança, poderá retirar sua autorização. Os pesquisadores aptos a esclarecer
estes pontos e, em caso de necessidade, dar indicações para solucionar ou contornar
qualquer mal estar que possa surgir em decorrência da pesquisa.
Os dados obtidos nesta pesquisa serão utilizados na publicação de artigos
científicos e que, assumimos a total responsabilidade de não publicar qualquer dado
que comprometa o sigilo da participação dos integrantes de vossa instituição como
nome, endereço e outras informações pessoais não serão em hipótese alguma
publicados. Na eventualidade da participação nesta pesquisa, causar qualquer tipo de
dano aos participantes, nós pesquisadores nos comprometemos em reparar este dano,
e ou ainda prover meios para a reparação. A participação será voluntária, não
fornecemos por ela qualquer tipo de pagamento.
Autorização Institucional
Eu,______________________________________________________________
responsável pela instituição _________________________________________ declaro
que fui informado dos objetivos da pesquisa acima, e concordo em autorizar a
execução da mesma nesta instituição. Caso necessário, a qualquer momento como
instituição CO-PARTICIPNATE desta pesquisa poderemos revogar esta autorização, se
comprovada atividades que causem algum prejuízo à esta instituição ou ainda, a
qualquer dado que comprometa o sigilo da participação dos integrantes desta
instituição. Declaro também, que não recebemos qualquer pagamento por esta
autorização bem como os participantes também não receberão qualquer tipo de
pagamento.
135
Conforme Resolução CNS 466/2012 a pesquisa só terá início nesta instituição
após apresentação do Parecer de Aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa em
Seres Humanos.
Pesquisadora:
Responsável pela Instituição:
______________________________________________________________________
Orientadora:
______________________________________________________________________
Documento em duas vias:
1ª via instituição
2ª via pesquisadores