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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICA E EDUCAÇÃO POPULAR GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL, COMUNICAÇÃO E ARTE (GPEA) HERMAN HUDSON DE OLIVEIRA Dança do Congo: educação, expressão, identidade e territorialidade Cuiabá 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICA E EDUCAÇÃO POPULAR

GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL, COMUNICAÇÃO E ARTE

(GPEA)

HERMAN HUDSON DE OLIVEIRA

Dança do Congo:

educação, expressão, identidade e territorialidade

Cuiabá

2011

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HERMAN HUDSON DE OLIVEIRA

DANÇA DO CONGO: EDUCAÇÃO, EXPRESSÃO, IDENTIDADE E

TERRITORIALIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal

de Mato Grosso como requisito para a obtenção do

título de Mestre em Educação na Área de

Concentração Educação, Cultura e Sociedade,

Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e

Educação Popular.

Orientadora: Michèle Sato

Cuiabá

2011

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Jordan Antonio de Souza - CRB1/2099

Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte

O48d Oliveira, Herman Hudson de.

Dança do Congo : educação, expressão, identidade e

territorialidade / Herman Hudson de Oliveira. -- 2011.

146 f. : il. (algumas color.) ; 30 cm.

Orientadora: Michèle Sato.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso,

Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,

Cuiabá, 2011.

Inclui bibliografia.

1. Dança do Congo - Educação. 2. Educação ambiental. 3.

Justiça ambiental. 4. Teatro ritual. I. Título.

CDU 37.013.43:291.36(817.2)

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HERMAN HUDSON DE OLIVEIRA

Profa. Dra. Regina Aparecida da Silva Examinador Externo (UFMT)

Prof. Dr. Luiz Augusto Passos

Examinadora Interna (UFMT)

Prof. Dr. Dielcio Benedito Moreira Examinadora Interna (UFMT)

Profa. Dra. Michèle Tomoko Sato

Orientadora (UFMT)

Aprovado em 7 de dezembro de 2011.

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT

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Dedicatória

Dedico este trabalho primeira e postumamente à minha irmã Jane Maria de Oliveira, falecida

no início deste ano com sonhos de terminar o segundo grau, assim como tantas Janes por este

mundo afora.

Dedico também às minhas filhas, Tai, Irene e Constantine que tiveram suas vidas modificadas

por meu ingresso na academia e na pós-graduação.

Finalmente e de maneira muito sincera e humilde a todos os dançantes de Congo dedico como

forma de agradecimento pela oportunidade de entrar em contato com expressão artística tão

fascinante.

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Agradecimentos

Agradeço de maneira muito especial à minha orientadora e amiga Michèle Sato que em todos

esses anos tem acolhido e respeitado este velho e teimoso orientando, além de confiar em

minha capacidade e autonomia.

Agradeço ao GPEA nas pessoas de Samuka, Regina, Michelle, Rona, Adri, Lu-Shi, Denize,

Sonia, Glau, Ivan, Aitana, Rosana (em especial na ajuda bibliográfica), Joruto, Kelly e

Fernanda com quem tenho o prazer confetivo de compartilhar minha vida acadêmica nesse

período de cinco anos de intenso convívio, uns mais, outros menos.

Agradecimento especial à Dona Nenê, pois, sem sua ajuda, não imagino como seria possível

chegar até aqui.

Agradeço aos amigos queridos que, distantes de mim, não puderam estar presentes.

À minha família pela compreensão e ajuda.

Aos dançantes do Congo pela paciência e generosidade em compartilhar informações e

conhecimentos, mas também pela confiança depositada em mim.

Às agências financiadoras, de maneira especial à Capes, sem a qual seria impossível realizar

este trabalho.

De maneira muito grata devo citar Dona Nata e Seo Aloísio que têm durante os últimos dois

ou três anos sido companheiros e amigos, muito além do que poderia ser a relação entre

pesquisador e sujeitos de pesquisa.

A São Benedito/Ogum e todos os deuses na bênção diária que fortalece o espírito.

Aos membros da banca, professor Passos, Dielcio, Regina e Tania em acolher esta modesta

dissertação.

Agradeço imensamente a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização

deste trabalho.

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Resumo

No município de Nossa Senhora do Livramento também conhecido como Livramento,

localizado na rodovia MT-060, em direção ao Pantanal mato-grossense e que dista cerca de 40

quilômetros da capital do estado, Cuiabá, ocorre a Dança do Congo, manifestação artística

característica de comunidades negras rurais. Este teatro-ritual representa a guerra entre dois

reinos (provavelmente Congo e Angola) e tem como centro da disputa uma questão territorial.

A base desta expressão artística que reúne cenografia, coreografia, drama e música, é a

devoção a São Benedito e acontece nos meses de abril e julho, respectivamente em

Livramento e Mutuca. Nasce na Mutuca que fica dentro do complexo quilombola Sesmaria

Boa Vida – Mata Cavalo, dividida, portanto, numa de suas seis associações. As bases

históricas e etnográficas foram investigadas na intenção de compreender se a musicalidade do

Congo tem relação ambiental e de que maneira este conhecimento se desdobra em reinvenção

pedagógica. Tanto pelos seus dançantes e pela história que narram, a Dança do Congo

também passa por um processo diaspório e identitário na medida em que as possíveis

pedagogias ambientais e noções territoriais jogam na ressignificação e atualização de sentidos

históricos e etnográficos pertencentes ao quilombo. Todavia componentes de caráter

socioeconômico e socioambiental interagem e interferem nas dinâmicas temporais e

territoriais desta teia de significados e relações tomando como principal elemento as relações

de poder. Sinergicamente à racionalidade moderna, o capitalismo pressiona as comunidades e

suas expressões para entre lugares da cultura e do sentido dos sujeitos em relação a seus

territórios de origem, requerendo outras formas de pensar a si e a sua arte. No entanto, um

elemento iconográfico, São Benedito, se instala como fio condutor dos elementos identitários,

territoriais e artísticos justamente no ponto em que as comunidades negras se reinventaram, na

religiosidade.

Palavras-chave: educação ambiental; Dança do Congo; justiça ambiental

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Abstract

In the city Nossa Senhora do Livramento, also known as Livramento, located on highway

MT-060, towards the Pantanal of Mato Grosso and which is about 40 km from the state

capital, Cuiabá, there is the Dance of the Congo, artistic expression characteristic of rural

black communities. This “ritual-theater” represents the war between two kingdoms (probably

Congo and Angola) and has the center of the matter, the dispute of a territorial issue. The

base of this artiste’s expression that combines scenery, choreography, drama and music, is the

devotion to St. Benedict and happens in the months of April and July, respectively in

Livramento and Mutuca. It rises in Mutuca within the complex which is Sesmaria Boa Vida,

which is a slave descendant’s community (quilombo), divided, therefore, into six

associations. The ethnographic and historical bases were investigated in an attempt to

understand whether the musicality of the Congo is related with environmental and how this

knowledge approaches to an inventive pedagogy. Either their dancers and the story they tell,

the Dance of the Congo also undergoes into an identity and diaspora’s process since it extent

to the environmental pedagogies while the territorial notions play in reframing and updating

historical and ethnographic senses belonging to the Quilombo. However components of socio-

economic and socio-environment interact and interfere with the temporal and spatial

dynamics of this web of meanings and relationships by taking as the main element of power

relations. Synergistically to modern rationality, capitalism presses the communities and their

expressions for “between places” of culture and meaning of the subjects in relation to their

places of origin, requiring other ways of thinking about themselves and their art. However

an iconographic element, St. Benedict, installs itself as central role of elements of identity,

territories and artistic; precisely at the point where the black communities to reinvent

themselves in religiosity.

Keywords: environmental education - Congo Dance - environmental justice

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Lista de figuras

Figura 1 - Mapa do complexo quilombola 12

Figura 2 - Interior da Casa São Benedito 17

Figura 3 - Fachada da Casa São Benedito, vista parcial 18

Figura 4 - Cesário Sarate no interior da Casa São Benedito 20

Figura 5 - À direita Seo Aloísio 49

Figura 6 - Toti com capa (Rei de Congo)... 61

Figura 7 - Dançantes durante a missa 66

Figura 7 – Baqueta 67

Figura 8 – Ganzá 68

Figura 10 - Fileira de dançantes em frente à Casa São Benedito 70

Figura 11 - Mucaxo, no centro da imagem, dançante de óculos escuros 72

Figura 12 - Interior da Casa São Benedito, enfeitada para a festa 74

Figura 13 - Dançante tocando a marimba 76

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Lista de abreviaturas

Capes - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Fapemat – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso

GPEA – Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte

PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação

ZSEE – Zoneamento Socioeconômico Ecológico

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Sumário

1. INTRODUÇÃO 11

1.1 PRELÚDIO 27

1.1.1 Pequena consideração sobre tempo e espaço 28

1.1.2 Considerações sobre o sistema troca-dádiva 32

1.1.3 O teatro ritual de Antonin Artaud 36

1.1.4 Algumas palavras sobre a diáspora 38

1.2 CAMINHOS DA PESQUISA 42

2. METODOLOGIA 46

3. A DANÇA DO CONGO 54

3.1 CONTEXTO 56

3.1.1 Relação entre escravismo e religiosidade 57

3.2 O TEATRO RITUAL 63

3.2.1 Antes da missa e da procissão 64

3.2.2 Na missa 65

3.2.3 As personagens 69

3.2.4 O início da Dança: em frente à Casa São Benedito 73

3.3. O TERRITÓRIO 85

3.4. ENTRE LUGARES E NÃO LUGARES 89

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 95

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 105

APÊNDICES 111

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1. INTRODUÇÃO

“Vamos na Luanda inguê Vamos na Luanda inguê

Chora Congo na calunga da calunga maringuê Chora Congo na calunga maringuê”

(trecho de uma das cantigas da Dança do Congo. Copiado do caderno de Seo Aloísio)

Dados os fatores envolvendo políticas de ocupação e uso do solo e que concorreram tanto

para os processos conflituosos (ARESI; MEDEIROS, 2007; AZEVEDO; PASQUIS, 2007;

BARROZO, 2008; SILVA, 2011) quanto para a riqueza cultural de Mato Grosso (ANJOS

FILHO, 2002; OLIVEIRA, 2006 e 2007), este estado apresenta e representa diversidades

identitárias tão vastas e ricas (seringueiros, castanheiros, quilombolas, indígenas, apenas para

ficar em alguns poucos exemplos de comunidades, fora do espaço urbano ou não) quanto às

circunscrições de ambientes naturais, haja vista a institucionalização de um estado justamente na

confluência de bacias hidrográficas e biomas.

É neste espaço geográfico que o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental

Comunicação e Arte (GPEA), do qual faço parte, tem se esmerado no estudo de suas

comunidades e, nelas, identificado seus conflitos (JABER, 2011), suas identidades (SILVA,

2011), observado relações de gênero (MANFRINATE, 2011), pesquisado a pedagogia (SENRA,

2009), aspectos envolvendo etnoconhecimento (OLIVEIRA JR et al, 2009), mas também suas

expressões artísticas (OLIVEIRA; SATO, 2010).

Particularmente as artes e as expressões artísticas no seio desta e de outras comunidades

revelam facetas identitárias, trazendo em seus sons e textos (estéticas e poéticas) aspectos

territoriais reveladores da sensibilidade de seus anônimos protagonistas. As impressões dessas

manifestações têm sido objeto de diversos trabalhos acadêmicos de caráter etnográfico e

etnomusicológico (CONDE; NEVES, 1984/85; ARROYO, 1999; PRASS, 2004; QUEIROZ,

2005), onde o caráter pedagógico mais se evidencia, porém sem que esteja situada a educação

ambiental.

Dentre as comunidades estudadas, pelo GPEA está o Complexo Quilombola Sesmaria

Boa Vida – Mata Cavalo, mais conhecido na região como Quilombo Mata Cavalo ou Sesmaria

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Boa Vida, como alguns dos antigos moradores preferem chamar, autodenominada quilombola ou

enquadrada juridicamente como território de remanescente1 de quilombo.

Em termos geográficos esta comunidade localiza-se numa bela região de Cerrado no

município de Nossa Senhora do Livramento, ou simplesmente Livramento, seu território abarca

uma área de 11.722 hectares, próximo à rodovia MT-060 (figura 1) que faz a ligação com o

município de Poconé, uma das entradas para o Pantanal mato-grossense. O complexo está

dividido em seis associações distintas, matriculadas em cartório: Mata Cavalo de Cima; Ponte da

Estiva (Fazenda Ourinhos); Ventura; Capim Verde; Mutuca; e Mata Cavalo de Baixo (BARROS,

2007).

Figura 1 - Mapa do complexo quilombola

(Fonte: SATO et al, 2010).

1 Algumas lideranças da comunidade aceitam a ideia de descendência, mas rejeitam a ideia de remanescentes, pois percebem na palavra (aquilo que resta) uma imagem que destoa de sua condição identitária: “Somos quilombolas! Não somos sobra de quilombo” declaração de Gonçalina durante uma visita do GPEA em sinal de solidariedade a uma ordem de despejo. Em resumo: aceitam ser ‘descendentes’ de escravos, mas rejeitam a identidade de ‘remanescentes’.

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Conforme relatório pericial de Barros (2007) sobre o que denomina “Comunidade Rural

Negra de Mata Cavalo” (p.4), a Sesmaria Boa Vida e a Sesmaria Mata Cavalo eram duas

propriedades distintas, sendo que Mata Cavalo foi incorporada no século XIX por Ricardo José

Alves Bastos, marido de Anna Silva Tavares, doadora dessas terras aos 34 escravos negros da

fazenda, dando origem ao quilombo.

Pelas narrativas dos membros da comunidade, Mata Cavalo também recebe este nome em

função do córrego que, primitivamente, era o marco territorial na divisão das sesmarias Boa Vida

e Rondon que, posteriormente, veio a chamar-se Mata Cavalo. Há, porém, outras versões acerca

da origem do nome, como a existência de um capim tipicamente do Cerrado com o nome popular

de “mata cavalo”; ou ainda porque num dia de chuva torrencial a enchente matou alguns cavalos

que atravessavam o rio, de sorte que aspectos biorregionais sugerem relações estreitas com o

lugar em diálogos que ajudam a construir sua identidade.

Desta forma compreende-se o motivo pelo qual se denomina Complexo Quilombola Boa

Vida – Mata Cavalo, porém a preponderante e recorrente utilização do nome Mata Cavalo ao

invés de Boa Vida se deve à utilização do córrego que dividia as sesmarias como principal marco

e, consequentemente, referencial territorial. Por outro lado, isso também se deve à proeminência

das ações políticas da comunidade de Mata Cavalo, em especial pela atuação da líder Dona

Tereza, falecida em 2011, no mês de março, em que Rosana Manfrinate (2011), membro do

GPEA, defendeu sua dissertação sobre a história de vida cuja personagem central foi justamente

esta líder.

Em virtude das pressões feitas pelos fazendeiros locais, que se organizaram em torno de

um conjunto de ações intentando a dominação das terras do quilombo, houve um período de

abandono do quilombo por parte de dezenas de famílias. Esses moradores começaram a fugir dos

atos de violência, das condições sociais precárias, mas também partiram visando oportunidades

de trabalho nos centros urbanos – principalmente Cuiabá/Várzea Grande.

Este processo diaspório2, ou seja, de divisão e separação de pessoas, aqui, dos

quilombolas, contra sua vontade, iniciado na década de 1940, teve como principais consequências

para o quilombo a desapropriação pretendida pelos fazendeiros locais que utilizaram as terras

para pastagem. Entendendo que as questões ambientais e sociais estão entrelaçadas, os

2 O sentido original de diáspora teve relação com a dispersão dos judeus pelo mundo. Esta é uma derivação por extensão de sentido e que tem relação com a história. Assim se atribui a mesma conotação à qualquer dispersão de um povo em consequência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica (HOUAISS, 2001).

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quilombolas relatam que, entre os resultados socioambientalmente desastrosos, houve a

destruição de centenas de hectares de babaçus, o afastamento de famílias e grupos dentro do

quilombo com o término dos muxiruns e do mineiro-pau enquanto atividades socializantes,

socializadoras e solidárias (OLIVEIRA JR et al, 2009).

O muxirum era a reunião entre famílias para realizar uma tarefa agrícola de grande

extensão, eliminando as relações trabalhistas de caráter assalariado ou qualquer tipo de

remuneração entre eles. Consistia o muxirum em relação de troca entre trabalhadores rurais para

além da mera compensação financeira, pois após a realização da tarefa se reuniam no terreiro

para fazer música, brinquedos e jogos.

O mineiro-pau era uma das manifestações que agregava música, brinquedo e jogo. Os

homens se organizavam em círculo e durante a música iam derrubando uns aos outros até que

restasse apenas um elemento, por causa das derrubadas devido ao contato corporal exigia-se

muita destreza por parte dos participantes.

Observe-se que muxiruns e mineiro-pau, de acordo com Seo Antonio Mulato, o mais

antigo morador do quilombo, foram elementos culturais perdidos pela comunidade no mesmo

período em que se iniciou a diáspora (OLIVEIRA JR et al, 2009).

Assim, entre as relações possíveis com a literatura, vinculam-se as questões ambientais,

sociais aos sistemas complexos relacionados às sociedades cuja lógica não está vinculada ao

sistema capitalista, mas ainda representa o sistema de troca-dádiva estudada por Marcel Mauss

(2001). O grupo também é atingido pela diáspora, no rompimento do convívio entre os membros

do grupo e isso tem gerado situações de conflitos na medida em que os quilombolas criam

categorias entre si na diferenciação entre aqueles que ficaram e aqueles que partiram. Ainda que

os quilombolas da Sesmaria Boa Vida – Mata Cavalo não componham um grupo homogêneo, a

percepção de uma identidade relacionada com a terra e seu uso, a criação de outras relações do

sujeito que parte e retorna dão margem a fraturas sociais e conflitos.

Atualmente esta comunidade ainda é palco dos mais diversos problemas que envolvem as

comunidades quilombolas em nosso país, onde não foi realizada a titulação e, portanto, a posse

da terra figura como tema principal. Nesse aspecto a ausência ou problemas na implementação de

políticas públicas e serviços públicos básicos aliam-se às questões econômicas de caráter

financeiro e isso se traduz em problemas de escoamento de produção; do fomento para a

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viabilidade da produção agrícola no quilombo; falta de infraestrutura; com reflexos na melhoria

da qualidade de vida dos moradores.

Do ponto de vista socioambiental o problema na qualidade de vida se vincula diretamente

ao bem-estar subjetivo cuja fonte direta é o ecossistema, então, se esta comunidade rural não tem

possibilidade de extrair de seu local os produtos necessários para sua sobrevivência3 percebe-se

outra questão relacionada à injustiça ambiental.

Ora, uma comunidade rural necessita que sua produção agregue valor em quantidade e em

suficiência para sustento e, portanto, permanência no local para manutenção do grupo com

qualidade de vida. Portanto, é imprescindível que se resolvam os sérios problemas com acesso à

água (poluição dos ribeirões e falta de água potável). Enfim, seria necessário que o modelo

econômico e de infraestrutura favorecesse e permitisse que os habitantes do local tivessem a

mesma possibilidade de lançar mão dos serviços do ecossistema, tal e qual os fazendeiros locais,

para manutenção de seu modo de vida, entendendo que estas seriam as condições básicas de

justiça ambiental (ACSERALD, 2005).

Portanto, a discussão sobre justiça ambiental não está localizada no campo jurídico ou

normativo, mas tem relação com as sociedades e a maneira como elas “estão” no ambiente, se

numa perspectiva de apropriação ou dominação - o que nos remete aos processos de

territorialização -, mas que, numa perspectiva educativa ambiental e das relações de poder

observam a forma como modelos hegemônicos “abafam qualquer pretensão de fazer valer

direitos e proteger sociabilidades menos predatórias” (ACSERALD, 2005, p. 219).

Nesse aspecto as questões relativas à justiça ambiental remetem menos à sua conotação

jurídica do que à possibilidade de que qualquer pessoa, independente de sua condição social ou

cultural possa desfrutar de maneira igualitária dos ecossistemas e das relações que membros de

uma comunidade ou grupo estabelecem entre si e com o ambiente. De sorte que território,

identidade, processos pedagógicos e expressões se constroem em consonância com os

ecossistemas. Por outro lado, a impossibilidade de construir e se constituir sociocultural e

ambientalmente ou mesmo ver-se obrigado a uma situação de privação de usufruir do ambiente

pode ser considerada uma situação de injustiça ambiental.

3 De acordo com as declarações de Seo Aloísio e Dona Nata mesmo os projetos que tentaram viabilizar no quilombo, como o caso da farinheira e da plantação de abacaxi, não tiveram apoio local de ordem financeira nem técnica e, então, tiveram que abandonar os projetos.

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Vale dizer ou adiantar que as discussões sobre a relação sociedade – natureza constitui o

cerne deste trabalho e é no campo das discussões políticas e suas arenas que as formas de

ocupação implicam em formas de educação, ou seja, a percepção de que re-existam (PORTO-

GONÇALVES, 2004) sociedades sustentáveis e de que estas, no campo ecológico, merecem

destaque no “modo como estes atores associam seus ambientes a valores” (ACSERALD, 2005, p.

219).

Embora o objeto deste trabalho não seja a observação do aspecto financeiro, a

problemática econômica afeta os quilombolas de Mata Cavalo em sua relação com o ambiente, já

que, dentre eles, principalmente as gerações mais jovens não querem morar no quilombo,

principalmente entre aqueles que nasceram ou que retornaram das cidades próximas, conforme

palavras de Seo Aloísio referindo-se a seus próprios filhos, por exemplo. Os reflexos deste

fenômeno socioambiental podem ser observados nas práticas artísticas fortemente identificadas

com o local enquanto espaços e tempos de produção de reprodução da vida e de maneiras

diferenciadas de ver o mundo.

Podemos citar o Cururu enquanto prática inserida no sistema de troca-dádiva estudada por

Mauss (2001) em que o ambiente é recorrente no texto das toadas e nos instrumentos musicais;

movimentos emancipatórios como o Mangue-beat de Pernambuco que se apropriou do mangue e

de toda a problemática socioambiental envolvida e construiu uma poética própria cuja identidade

é facilmente reconhecível, religando instrumentação contemporânea (guitarras e samplers) com

instrumental tradicional dos maracatus (alfaias) misturando ritmos e sonoridades; entre outros

exemplos em que poéticas e estéticas estão associadas a tempo, espaço e identidade.

Este trabalho focaliza de maneira específica a Dança do Congo, ou apenas Congo, com

origem numa dessas comunidades ou associação: Mutuca, assim nominada por sua proximidade

com o Ribeirão do Mutuca, posteriormente o Congo teve ocorrência concomitantemente em

Livramento com sede na Casa São Benedito.

A Casa São Benedito (figura 2 e 3) tem sua importância como referência interna e externa

aos participantes da Festa de São Benedito e também à Dança do Congo especificamente; atribuí

importância à comunidade da Mutuca por ter sido o local de origem do Congo e foco principal da

Festa de São Benedito em toda a região durante longos anos e, por fim, mas de igual valor é o

Capão de Negro, em Várzea Grande, mais conhecido como Bairro da Manga.

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Figura 2 - Interior da Casa São Benedito.

(Foto: Herman de Oliveira).

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Figura 3 - Fachada da Casa São Benedito, vista parcial

(Foto: Cássia Virgínia de Souza).

No presente trabalho, Capão de Negro, reconhecido como um reduto quilombola4 e pra

onde se dirigiram diversos dançantes5 antes, durante e após os eventos envolvendo a trajetória

espacial e temporal do Congo, foi foco parcial de pesquisa, por sua importância na história do

Congo do ponto de vista da territorialidade e, assim, dos processos de ocupação e denominação

espaciais, mas onde não pude me fixar devido à dificuldade de acessar informantes.

Assim como outras manifestações artísticas nas diferentes comunidades, este teatro ritual

guarda forte relação com o catolicismo popular e com a Umbanda, se não com as práticas

religiosas ou com as instituições, pelo menos com uma de suas representações iconográficas mais

fortes: São Benedito ou, se considerarmos o caráter vital na perspectiva sincrética, Ogum.

4 Consta como Comunidade Capão de Negro Cristo Rei, localizada no município de Várzea Grande/MT, código IBGE 5108402, publicado em 28/11/2007, mas já reconhecida como quilombo urbano pela Fundação Palmares. 5 Dançante é a forma como as pessoas vinculadas ao Congo se referem àqueles que participam do teatro ritual. A ideia e a concepção de teatro ritual será explanada posteriormente.

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O teatro ritual e o vitalismo em Ogum estão intimamente relacionados na perspectiva do

teatro artaudiano pela relação indissociável, para o teatrólogo e poeta francês e neste trabalho,

entre a arte e a vida (ARTAUD, 1993, 1995; COPELOVITCH, 2007; LIMONGI, 2008; LIMA,

2010). Nesse ambiente o teatro não deve ocupar e se preocupar com relações artísticas

dicotomizadas das forças vitais, que regem a vida, mas celebrá-las.

Assim, o vínculo entre a Dança do Congo (como teatro ritual e vital) e a educação

ambiental estará, no decorrer deste trabalho, relacionado à arte e à natureza. Muito embora a

Dança do Congo se assemelhe ao teatro de rua e ao teatro ritual de Artaud (que deve ocupar a rua

como, aliás, ocupa), sempre possuiu um referencial espacial, principalmente para realização dos

ensaios. Primeiramente na associação Mutuca e, posteriormente, na Casa São Benedito.

A existência da Casa São Benedito no centro de Livramento tem forte significado, seja do

ponto de vista material seja simbólico (CARVALHO, 2003; SOUZA, 2009). Material ou

fisicamente na reconstituição e reconstrução do Congo a partir de uma sede, visto que a Casa São

Benedito figura como referência fortemente ligada à figura de Cesário Sarate (figura 4) o

responsável pelo retorno do Congo à Livramento. Em relação ao simbólico, veja-se a ligação com

a religiosidade e a maneira como fazem convergir nesse espaço todas as práticas que sustentam o

Congo e que referem e representam as estruturas sociais e culturais que ainda o sustentam, como

veremos adiante.

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Figura 4 - Cesário Sarate no interior da Casa São Benedito.

(Fonte: acervo da Casa São Benedito).

Contudo, mesmo tendo origem no quilombo, melhor dizendo, numa das associações

(Mutuca); com a existência da Casa São Benedito como espaço reconhecidamente vinculado ao

Congo; e com o “apoio” da prefeitura de Nossa Senhora do Livramento para trazer os dançantes

para a festa de São Benedito, esta manifestação artística tem perdido o prestígio ano após ano.

Esta perda de prestígio se percebe ao notarmos que o número de pessoas, de alguma forma

interessadas ou com algum vínculo com a manifestação, tem diminuído sensivelmente e, mesmo

durante a manifestação, nota-se algum desinteresse pelo acontecimento e que se manifesta na

passagem de pessoas no meio da cena ou por conversas durante as falas dos dançantes.

Então, tanto os dançantes que ainda atuam no Congo, quanto os antigos dançantes que se

afastaram por motivos diversos percebem e afirmam que o Congo não está mais sendo

prestigiado como era antes, na medida em que comportamentos se inserem no território da Dança

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do Congo de maneira inapropriada, pois representam afrontas à forma como concebem o teatro

ritual e que adiante discorreremos com mais vigor.

Assim, a pesquisa e o pesquisador circularam pelos principais locais sem que a memória

do Congo estivesse relacionada a um evento recente, vívido na experiência das pessoas com

relação direta ou indireta ao evento como um todo. E circulou sem que encontrasse um porto

seguro no qual aportar e fixar as bases de investigação e essa trajetória errática reflete-se também

como parte da história da pesquisa, do pesquisador, do objeto e de seus sujeitos.

Ao iniciar a investigação no quilombo, antes: cerca de três anos atrás, tinha entre as

hipóteses o fato de que o Congo possuía um caráter educativo de forte conotação ambiental, ao

atualizar sentidos históricos, sociais, culturais e engendrar a resistência mediada pela arte e

realizada na apropriação do território.

Entre os trabalhos desenvolvidos durante os primeiros anos de pesquisa em iniciação

científica primeiramente com o auxílio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq). Depois, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de

Mato Grosso (Fapemat) havia o interesse em processos pedagógicos musicais na Casa São

Benedito com crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos que faziam ensaios visando o que

chamaram de Congo Mirim, mas que teve uma única apresentação em 2008 e terminou

principalmente devido a problemas políticos e falta de apoio do poder público.

Posteriormente foquei na relação entre identidade e resistência especialmente na questão

do espaço vital da prática do Congo centrada nos ensaios, entendendo-os como tática de

continuidade e relação com o santo, mas então já se insinuava o problema espacial só que, em seu

desdobramento, a discussão seria o território.

O fato é que o Congo não possui uma sede e seus componentes não se reúnem com

frequência e não compartilham espaços de convívio a não ser para realizar a apresentação do

Congo. Ele acontece em dois lugares (Livramento em abril; e Mutuca em Julho), mas seus

dançantes são moradores e habitantes de diversos locais. Portanto, resta a questão ou questões: de

que maneira o evento regula a vida pelo caráter devocional a São Benedito se sua ocorrência é

eventual e perde cada vez mais a força e o prestígio?

Pelas pesquisas bibliográficas aliadas às entrevistas sobre religiosidade, aspectos

envolvendo a força da manifestação para o quilombo, significação e mitologia deduzi que esta

expressão artística possuía um caráter regulador e de forte comunicação entre os quilombolas e os

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moradores do entorno em torno do signo São Benedito. De fato, pelas narrativas esta hipótese se

confirmou, principalmente pelo sentido territorial, ancestral e devocional que a Festa de São

Benedito e, nela, a Dança do Congo, seria capaz de ressignificar e atualizar.

Todavia, conforme fui adentrando o universo do teatro ritual percebi que outras relações

davam o tom e apontavam outros rumos nas relações entre dançantes e demais apoiadores do

evento. O compartilhamento de um sistema ou sistemas que constrói ou constroem a Festa de São

Benedito não pode ser considerado como um fenômeno social de um grupo. Na verdade os

sujeitos que atuam no evento se vinculam por interesses diversos. De fato o Congo não tem os

mesmos significados ou ressignificações da mesma forma entre seus diversos atores e este é um

fator que prepondera em sua condução.

Por outro lado, é bom que se diga que essas incertezas que gravitam em torno do objeto,

mas também o desalojam e empurram para outros campos e debates, resultam de resquícios de

minhas experiências em arte-educação e de uma visão um tanto quanto purista das manifestações

artísticas onde os desejos de manutenção de modos de vida se fazem presentes. Neste jogo

dialógico da pesquisa, as incertezas me permitiram superar uma visão até certo ponto

preconceituosa e (que coisa incrível!) APRENDER (!) e aprender num momento em que talvez

devesse estar de posse de algumas incertas certezas...

Ao declarar abertamente que a trajetória da pesquisa não seguiu linearmente, expondo

questões subjetivas num campo objetivo, propositadamente percebo tanto a semelhança do

pesquisado e do pesquisador quanto afirmo que, no meu caso (e passível de suceder com outras

pessoas), a pesquisa se construiu repleta de altos e baixos.

Digo estas palavras para situar a forma de pesquisar e o interesse neste campo onde se

entrelaçam academia, militância e história de vida, pois mesmo adotando outras metodologias no

campo investigativo, percebo meu comportamento no universo acadêmico repleto de

posicionamentos políticos e opções táticas para sobreviver num espaço, convenhamos, pequeno

burguês.

Provavelmente o interesse que direciona o olhar e a escuta para grupos em situação de

vulnerabilidade social advenha de minha caminhada pelo universo da aprendizagem escolar

interrompido bruscamente algumas vezes. Na sexta série, precisamente em 1978, parei de estudar

para trabalhar, retornando no período noturno no ano seguinte. Depois, abandonei o primeiro

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colegial em 1981, 1982 e 1983 por não entender qual a relação entre aquilo que estava

aprendendo e meu cotidiano.

Primordialmente não entendia a ligação existente entre o ensino escolar e a arte (no meu

caso, teatro e música) na qual ingressara desde 1980 através de um grupo de jovens de igreja

católica. Tampouco era possível entrever a possibilidade de superar uma condição social precária

através do espaço escolar, visto que meus amigos terminavam o colegial apenas para

conseguirem manter-se no emprego. A ironia é que, mesmo saindo da escola, eu nunca deixei de

estudar.

Desde o momento em que fiz esta opção, minhas alternativas profissionais, minhas

leituras e foco se deram em função de outras buscas, alheias às escolhas da maioria das pessoas

do meu contexto social e, mais gravemente, naquele período e naquela conservadora sociedade

paulistana, para quem, sem ter um emprego decente, que dê condição financeira para escalada

profissional e social, você não existe, simplesmente não é. Claro que, passados cerca de trinta

anos, muita coisa mudou, pois a falácia do desenvolvimento sustentável foi “vendida e

comprada” por diversas outras cidades, metropolitanas ou não, ou seja, o cenário local foi

globalizado.

Essas condições todas terão reflexos positivos e negativos em minha vida mais de duas

décadas depois, quando me mudei para uma região extrativista em Minas Gerais, no final da

década de 1980. Nessa época abandonei minha carreira artística, porém, por questões inesperadas

acabei retomando a arte (ou ela me retomou) e comecei a realizar pesquisas musicais de gêneros

musicais “de raiz”, músicas ligadas ao que eu considerava na época como folclore e regionalismo

de maneira geral, sem compreender plenamente os embates ambientais que fazíamos tendo como

base a cultura local.

O retorno para São Paulo, em 1992, fez perceber que havia cometido um grave erro, pois

precisaria recompor minha carreira, não possuía nenhuma formação para o mundo do trabalho, já

que minha experiência anterior não tinha validade, visto que havia passado muito tempo longe de

um emprego com carteira assinada.

Devido a essas circunstâncias inusitadas numa série de engenhocas cotidianas e com o

acúmulo de conhecimento musical dos anos em Minas Gerais, acabei dando aulas de música na

Igreja Católica perto de minha casa e, tempos depois, comecei a dar aulas de música em projetos

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sociais na Grande São Paulo e este foi o prosseguimento de meu trabalho como pesquisador,

agora com mais recursos bibliográficos e financeiros.

No entanto, ainda não possuía nenhum instrumental metodológico e minha relação com

aquilo que estava aprendendo, de certa forma, guardava um olhar de folclorista. Em outras

palavras, considerava as ocorrências artísticas como cultura popular, como uma parte do saber

popular até certo ponto cristalizado e que precisava constantemente ser resgatado em sua pureza e

dentro de uma tradição.

O desdobramento dessa visão me levou a me relacionar com pessoas com formação

acadêmica, dentro de projetos sociais, principalmente com arte-educação, mas abriu uma ferida

antiga em relação à graduação, já que frequentemente me perguntavam sobre formação e com

triste surpresa recebiam como resposta “Não tenho nem o ensino médio”.

Nesse ínterim me envolvi com candomblé com o intuito de pesquisar células rítmicas6

geradoras de gêneros como o samba, o choro, o partido-alto, lundu, maracatu entre outros, mas

não consegui apenas me envolver como pesquisador (falta de metodologia e distanciamento do

objeto?) e acabei fazendo uma pesquisa participante que começou a me fazer relacionar

manipulação de ervas, alimentação, música e religiosidade.

Anos mais tarde (1997), de volta a Minas Gerais, reiniciei o trabalho com música, mas

agora definitivamente envolvendo arte e ambiente, buscando a reutilização para construção de

instrumentos musicais. Até que, entre os anos de 1999 e 2000, trabalhamos com um projeto

financiado pela Abrinq junto às escolas da zona rural do município de São Tomé das Letras/MG.

Este projeto aliava pesquisa, arte-educação, educação ambiental (embora não tivéssemos

nominado assim) e música, viajamos por todo o município circulando dentro de seus quase 370

km² durante um ano realizando idas a campo onde fazíamos catação de lixo; coleta de cabaças e

bambus para construção de instrumentos; pesquisando mitologias locais, sempre através do olhar e do

universo infantil das classes multisseriadas com crianças da faixa etária entre 6 e 12 anos.

Após o término do projeto fui para o Ceará, onde morei durante dois anos e também onde

terminei o ensino médio e, então, resolvi ingressar no ensino superior, embora a opção inicial não

fosse exatamente a Música, mas trabalhar com plantas medicinais, por isso pensava em ingressar num

curso de Farmácia. Foi assim que cheguei a Mato Grosso, à Universidade Federal de Mato Grosso

6 Células rítmicas é um conjunto de figuras musicais que, quando agrupadas e repetidas, caracterizam um gênero musical. A ideia de célula é emprestada da Biologia para representar a menor unidade significante na música, mas esta visão pode ser questionada e, então, ampliada para relações socioculturais.

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(UFMT), no Departamento de Artes do Instituto de Linguagens e, então, no terceiro semestre

ingressei no Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA).

Nesse sentido ser fruto do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e

Arte e, mais precisamente, de algumas obras que fazem parte do pensamento de Michèle Sato

sempre foi navegar pelo mar da filosofia e ser fustigado a todo instante por ondas da mitologia.

Essa navegação, de maneira indireta pelo uso que se faça dela, sugere e aponta críticas à

modernidade, ainda mais quando o barco deste navegante, apenas para continuar no mesmo

campo metafórico, é uma área de conhecimento não considerada como um ramo científico: a

Música. Vale lembrar que esta metáfora representa exatamente isso, um trajeto não linear, repleto

de altos e baixos, acertos e erros, mergulhos, afogamentos e algumas perdas, mas que pretende,

sem a pretensão de uma descoberta, gritar “Terra à vista!” se estiver falando sobre espaço, mas e

se fosse falar de tempo?

É aqui onde se encontram as duas narrativas biográficas que entrelaçam a dimensão da

arte e, agora, da religião num viés político e de militância onde as discussões sobre nossa

condição no mundo encontram ressonância na nossa condição acadêmica e, então, de certa forma

estes são os mesmos sentimentos, que também se busca fortalecer epistemologicamente na

esperança de que é possível um mundo melhor para todos e todas.

Esta pesquisa está pensada em quatro eixos que pretendo que dialoguem. Educação, dada

a natureza do Programa de Pós-Graduação em Educação a qual pertence, PPGE, mas que

encontra na pedagogia do Congo um referencial de aprendizagem popular. Música, que nesta

pesquisa ocorre em função de minha área de formação, anterior e posteriormente a meu ingresso

no mundo acadêmico, conforme explanado anteriormente, nela se entrelaça o Ambiente,

representado pela educação ambiental de caráter eminentemente político onde, durante anos

tenho militado e que encontra num grupo pesquisador a atuação de seus sujeitos. No âmbito da

Cultura, amarrando os eixos a discussão sobre identidade no viés de uma manifestação pré-

moderna e que, numa abordagem em educação ambiental crítica, sugere sustentabilidade em

função da resistência.

Durante a pesquisa as falas dos sujeitos de pesquisa aparecerá em itálico, fonte 12, entre

aspas e com recuo de 2 cm devido à falta de indicações precisas por parte da ABNT que, diga-se

de passagem, raramente traz o imperativo DEVE, mas na maior parte das vezes sugere através do

verbo PODE os formatos adequados aos trabalhos científicos (FURASTÉ, 2011). Por este mesmo

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motivo optei pela transcrição de trechos do Congo no corpo do texto em itálico, fonte 12, recuado

4 cm no entendimento de que servem apoio ao trabalho assim como as citações da literatura.

A disposição dos quatro capítulos segue a seguinte ordem: esta introdução onde apresentei

o cenário da pesquisa, as motivações, justificativas e um panorama dos capítulos seguintes. Ainda

nesse capítulo (no subcapítulo a seguir) trago considerações sobre os objetivos e hipóteses e

introduzo de maneira bastante incipiente, admito, uma discussão sobre tempo e espaço, na visão

de Giddens (1991), em virtude da influência que exercem sobre o objeto deste trabalho. Ainda

baseando-me em Giddens (1991) trago uma sucinta explicação à recorrente crítica que se tece à

modernidade a fim de que não haja um conflito de base entre o discurso e a tessitura, mas para

que sejam entendidas as limitações e contradições deste pesquisador na medida em que devo

admitir possíveis e comprováveis refugos e arestas discursivas e de escritura.

Julguei importante adentrar um pouco mais nas questões centrais: teatro ritual, ideia

extraída do Teatro da Crueldade de Antonin Artaud e diáspora, na visão de Stuart Hall,

entendendo que essas palavras iniciais podem criar um ambiente de melhor entendimento e

delineamento da expressão artística e do problema territorial e identitário respectivamente.

No segundo capítulo apresento um diálogo sobre a metodologia adotada, mas buscando

justificar e explicar a forma como ela foi construída e porque foi modificada no transcorrer dos

passos finais da dissertação.

No terceiro capítulo considero os entrelaçamentos entre a literatura no campo

investigativo e o objeto, mediados por um apanhado histórico, a descrição da Dança do Congo,

discussões conceituais sobre território e modalismo.

Finalmente, nas Considerações Finais busco tecer algumas reflexões sobre todo o

processo em que, justamente pelo caráter educativo da pesquisa, evidenciou mais pontos incertos

do que propriamente esclarecimentos ou, quando esses surgiram em profusão, contra-argumento

com questionamentos na indicação de que sempre haverá lacunas e perguntas por responder.

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1.1 PRELÚDIO

“- Olha nosso rei mandou dizer que ceca mesmo esse romor. - Vai dizer para o céu rei que eu não ceco mesmo”

(trecho do texto da Dança do Congo copiado do caderno de Seo Aloísio. Diálogo entre o Secretário e o Rei de Congo no momento em que este chega à porta do

palácio do Rei Monarco7 fazendo festa)8

O diálogo acima encerra uma discussão sobre a problemática territorial concomitante à

identidade ao marcar o momento em que o Rei de Congo liderando diferentes nações, conforme a

descrição no capítulo três, chega à porta do palácio do Rei Monarco tocando música ou “fazendo

algazarra” como na frase proferida por este último. Aqui se torna evidente o conflito e a disputa

entre formas de pensar que se chocam na negação do outro e daquilo que o outro produz, neste

caso particular, da música. Esse confronto é também significativo, pois enseja uma discussão, a

partir do Congo, sobre as diferentes temporalidades e territorialidades que vêm de encontro umas

às outras.

Essas diferenças se tornam mais agudas no contexto da modernidade, dada a ruptura que

ela inaugura de maneira inédita nos âmbitos tempo-natureza e espaço-natureza, pois culturas que

se ancorem em tempos relacionados com fenômenos da natureza e seus movimentos, sofrerão as

pressões de grupos que se apoiem na lógica moderna.

Todavia, e de maneira sui generis, o processo diaspório - representado tanto pelo

escravismo no período colonial quanto pela saída de diversas famílias do complexo quilombola -,

provoca outro tipo de ruptura que se crava na expressão artística e na história da Sesmaria Boa

Vida – Mata Cavalo rompendo com o elo ambiental do ponto de vista do território e da

identidade, portanto com consequências para esta comunidade biorregional.

Há comunidades cujo conhecimento se constrói em íntima ligação com a região que

ocupam e, portanto, aspectos topográficos, bióticos, climáticos, ecológicos, enfim, são de

extrema importância para a visão de lugar que essas comunidades constroem. Por outro lado, as

relações sociais e culturais também se constituem numa relação com este ambiente e a esta

relação com o substrato espacial denomina-se biorregional (GRÜN, 2002).

7 Os envolvidos com o Congo se referem ao monarca fazendo a transposição para o gênero masculino. 8 Esse trecho foi copiado, porém, como eu assisti às apresentações de Congo, me sinto em condições de substituir as palavras “ceca/ceco” e “romor” por “cessa/cesso” e “rumor”, respectivamente, para que as frases adquiram sentido. Daqui por diante todos os trechos copiados não terão nenhuma correção na redação ou na ortografia. Fiz esta opção por entender que se trata de um documento e, portanto, não poderia ter seu conteúdo ou forma alterados numa transcrição, mesmo que sofram um tratamento interpretativo posteriormente.

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A Sesmaria Boa Vida – Mata Cavalo pode ser considerada uma comunidade biorregional

por diversos fatores, ainda que essa forma de nomear não signifique engessá-la numa categoria

fixa, mas é nesta e em outras pesquisas do GPEA percebemos que pela forma de ocupação e

organização do trabalho, mas também pelos conhecimentos desenvolvidos e pelas relações que

estabeleceram com a região que ocupam.

No instante em que escrevo essas palavras me ocorre ressalvar que mesmo a afirmação da

modernidade como um modelo confere a ela uma univocidade de difícil sustentação visto que o

conceito é controverso. Seria muito pretensioso abraçar a tarefa de realizar esta discussão com

tamanha propriedade e originalidade, mas também seria impossível tecer considerações sobre

biorregionalismo, questões fundiárias, economia e expressão artística passando ao largo de alguns

aspectos da modernidade, mas também nem poderia me escusar de críticas à forma moderna de

minha escrita; o máximo que posso fazer é assumir possíveis contradições.

1.1.1. Pequena consideração sobre tempo e espaço

Em relação a esta crítica à modernidade que recorrentemente aparecerá neste trabalho, é

preciso tecer algumas considerações, pois me encontro, assim como tantos outros estudantes

(como nos traímos!), numa área de intersecção em que não houve completa superação. Porém, ao

contrário de desejar a solução de problemas, a determinação e a conclusão como bases do sucesso

(pilar do neoliberalismo), em diversos momentos apresento a fragilidade da busca, da incerteza e

da aprendizagem na tentativa, no erro e no acerto.

Neste caminho algumas discussões e desejos que constam na escrita, tais como

democracia, justiça, direitos universais, entre outros, são valores engendrados no seio da

modernidade (PASSOS, 1998), não existentes nas sociedades naturais. Ao mesmo tempo há

acréscimos e desejos de visões pós-modernas representadas pela importância dada à

religiosidade, à mitologia e a sistemas pré-modernos como valores que vão entremeando o

discurso desta dissertação.

O fato é que as rupturas, que marcam a história humana, na modernidade têm sido tão

extensas quanto intensas e não têm precedentes em rupturas anteriores principalmente naquela

que marca a descontinuidade em relação ao modelo de vida tradicional (GIDDENS, 1991). Nesse

sentido talvez seja importante aludir à forma como o valor de troca e de uso apresentados por

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Lefebvre (1969) e que serão objeto de discussão mais adiante, representam esta descontinuidade

que, considerando o valor de uso, concebera outro tipo de relação ruralidade – urbanidade. Ainda

que as tensões já existissem, mesmo num período pré-moderno, elas seriam de outra ordem e não

teriam relação direta com o desencantamento do mundo, outra marca da modernidade.

De fato, aqueles aspectos que são objeto de crítica à modernidade, especialmente nos

trabalhos que tenho desenvolvido, têm relação com tempo e território. Território quando e onde

as pressões ocasionam ou deflagram eventos violentos e degradantes; e tempo naquilo que

Giddens (1991) aponta, entre outras coisas, como o ritmo da mudança e não exatamente à

mudança em si.

Por outro lado este autor afirma que, mesmo na descontinuidade, a ruptura não é tanta que

não permita a existência de resíduos entre tradicional e moderno versus contemporâneo e pós-

moderno e esses resíduos se manifestam de diversas formas e em diferentes lugares. Os resíduos

são percebidos nos espaços e tempos onde, quando e como aspectos modernos e aspectos que não

se enquadram em paradigmas da modernidade convivem. Assim, vale dizer que a organização e a

forma de redigir este trabalho, além da forma de sua escritura, também o inserem numa lógica

moderna, apesar de trazer autores de pensamentos discrepantes.

Penso que a tensão ou a coexistência de autores tão distintos nesse trabalho seja resultado

da busca de autores que tenham se debruçado sobre os limites e as fronteiras do alcance da

modernidade do ponto de vista territorial e temporal e que gera tensões quando se depara com

sociedades que não se enquadram em modelos hegemônicos de pensamento, como é o caso das

sociedades pré-modernas.

Nas sociedades pré-modernas a relação tempo-espaço tem relação com a natureza e seus

fenômenos, ao contrário ou diferentemente da relação moderna com o tempo onde a divisão

simétrica impera. Esta mesma concepção é encontrada na música, visto que na música pré-

moderna (modal) as assimetrias rítmicas e melódicas têm relação com a identidade, com a

temporalidade e territorialidade na base dessas relações.

No pré-moderno a instrumentação e organização musicais, por exemplo, têm mais

relações com o local e o temporal na expressão de “modos próprios” - donde a expressão modal,

em grego nomos -, entre outras coisas, devido às técnicas de fabricação de instrumentos, às

formas de coleta e armazenagem de materiais, à lógica de fabricação artística, respeitando

condições temporais de maturação dos materiais.

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Esta mesma lógica permeia o discurso musical, onde a rítmica e a melodia obedecem a

sistema assimétricos; onde o texto encontra sentidos diferenciados e, muitas vezes, ausência de

um sentido semântico, pois nessas manifestações sobrevive o sagrado e respeitasse a fonética e a

sonoridade para além de um sentido de uma linguagem linear e discursiva.

Na atualidade tanto a expressão musical quanto a expressão identitária estão relacionadas

com esses tempos e espaços que diferem das formas de organizar tempo e espaço na sociedade

moderna, daí as diferentes racionalidades (SANTOS, 2004), e nessa perspectiva é que a educação

ambiental crítica se afirma e se alinha politicamente na defesa da pluralidade das sociedades

sustentáveis contrariamente à hegemonia do modelo tempo-espaço moderno (GIDDENS, 1991;

PASSOS, 1998).

Com isso há um esvaziamento do tempo onde a temporalidade não tem relação com as

forças da vida, senão com o trabalho assalariado como mercadoria; com a ficha simbólica

(GIDDENS, 1991) para aquisição de bens, segurança e “bem-estar”; com o avanço industrial,

servindo a uma racionalidade vinculada ao capitalismo, cuja funcionalidade estaria acoplada à

organização social mais do que unicamente às relações econômicas, conforme síntese encontrada

em Giddens (1991).

Alia-se ao que este autor denomina de esvaziamento do tempo, a desocupação do espaço,

ou seja, não é mais necessário que o espaço, enquanto substrato do território, esteja humanamente

ocupado já que, por esta lógica, importa a dominação mais do que a apropriação (HAESBAERT,

2009). Portanto é espaço de ausências e esse pensamento dominou as formas de mapeamento,

afinal dominar um espaço significa conhecê-lo numa perspectiva de força, de poder, mas não

exatamente com a presença.

Finalmente, mas não definitivamente, o deslocamento do lugar em relação ao espaço e do

fenômeno temporal em relação ao tempo permitiram ou foram substituídos por representações

como o mapa e o relógio como objetos referenciais para indicar espaço e tempo respectivamente.

Isso representa uma forma de ordenação, mas também e marcadamente uma padronização.

Esta base de racionalidade rompe, então, tempo e espaço de seus correspondentes

naturais, mas também atingem sistemas sociais, na medida em que novos valores e seus

respectivos sistemas igualam as diferentes formas de interação entre humanos, não humanos e o

mundo, veja-se, por exemplo, a dificuldade de comunidades biorregionais em se adequarem a

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sistemas financeiros, na medida em que sua lógica na relação de trabalho subjaz ao sistema de

troca-dádiva (MAUSS, 2001).

Segundo Giddens (1991), isso ocorre porque o dinheiro ou ficha simbólica não se presta à

mesma função do sistema de troca-dádiva que as sociedades pré-modernas empregam, pois, ao

permitir a homogeneidade e padronização das coisas “permite a troca de qualquer coisa por

qualquer coisa a despeito dos bens envolvidos partilharem quaisquer qualidades substantivas em

comum” (GIDDENS, 1991, p. 30). Além disso, baseia-se num princípio econômico de crédito e

débito, não mais baseados no espaço, mas projetados no tempo na medida em que o local de troca

é sacado por prescindir da presença do indivíduo que produz.

O dinheiro substitui a mercadoria, é controlado pelo Estado e relacionado a uma

infinidade de transações que permitem a criação de uma projeção para o futuro, ou seja, negociar

com coisas que ainda não existem, que ainda não possuem materialidade. Em resumo, isso cria

uma situação de desencaixe, segundo Giddens (1991), ou melhor, fortalece o desencaixe e a

ruptura tempo-espaço, que a modernidade implica.

A manutenção das expressões, das visões de mundo das comunidades, mesmo que não

acessem a tradição diretamente (BHABHA, 1998), principalmente nas tradições orais, se

ancoram no passado no sentido da importância dos saberes necessários e imprescindíveis à

perpetuação da cultura local como tal, observando-se a construção de conhecimento das

comunidades biorregionais, por exemplo.

Visto que “nas culturas tradicionais, o passado é honrado e os símbolos valorizados

porque contêm e perpetuam a experiência de gerações” (GIDDENS, p. 44) não se trata de uma

manutenção no sentido de uma tradição que mantenha status, mas da tradição enquanto memória

e uma relação temporal e territorial, ou seja, que recupere um diálogo com o ambiente e com os

outros membros da comunidade.

A importância do passado enquanto acúmulo de experiências e conhecimentos

relacionados ao lugar se manifesta em suas expressões artísticas como “necessidade

antropológica” (BERGER, 1985), relacionando identidade a lugar e à história e recriando

ambientes sociais e outros vínculos entre seus membros. Em geral essas manifestações possuem

um caráter sagrado e se inserem em estruturas sociais pré-modernas cuja lógica pode ter relação

com um sistema de troca-dádiva (MAUSS, 2001).

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1.1.2. Considerações sobre o sistema troca-dádiva

Se, em conformidade com Mauss (2001) as festividades representam também momentos

de encontros com as divindades e, nelas, o tempo e o espaço onde se sucedem as trocas, o caráter

devocional do Congo não tem a mesma conotação ou relação com São Benedito católico, mas

com Ogum. A questão é que essa divindade é possuidora ou, nas palavras de Mauss, “os

verdadeiros possuidores das coisas e dos bens do mundo” (2001, p. 73) e isso explica ou justifica

a imprescindibilidade da ação de troca antes, durante e após a festa de São Benedito.

Ogum, o senhor do ferro, da calunga, da terra (MATTOS, 2009), com seu caráter

intempestivo se crava na festividade também e muito precisamente de maneira sacrificial durante

a representação da festa do Congo, veja-se que o Rei de Congo reconhece a derrota no final da

Dança do Congo (ver final da secção 3.2.4). Portanto, tirar esmolas, ser devoto, doar-se à festa e

dançar teria, segundo valores diferenciados em relação à ordem hegemônica, valor de uso

(LEFEVBRE, 1969) numa relação de troca simbólica (MAUSS, 2001) e não de troca mercantil.

A participação de pequenos dançantes (crianças de idades diversas) cria uma relação

invisível, pelo menos da exterioridade, mas que se encobre pela forma indolente como se

comportam durante o teatro ritual, sem apresentar preocupações com o desempenho, mas

cumprindo a contraparte do contrato, muitas vezes devido a alguma graça alcançada. Portanto, o

Congo se estabelece como uma instituição em que se realiza, ou melhor, em que é celebrada a

“conclusão” do contrato. Esta “conclusão” nunca se completa totalmente, pois sempre se

apresenta de maneira provisória em relação ao sistema de troca-dádiva até que outra relação se

estabeleça e, assim, não se esgote o sistema, já que a exaustão se dará de outra forma.

A esse respeito Mauss tece um comentário ao expor uma teoria do sacrifício implícito no

contrato na medida em que a troca-dádiva não se reduz à troca, mas “implica instituições do

gênero daquelas que descrevemos e, inversamente, realiza-as no mais elevado grau, porque esses

deuses que dão e retribuem estão lá para dar uma coisa grande em vez de uma coisa pequena”

(2001, p. 92).

Talvez signifique que não basta dar qualquer coisa, de qualquer jeito, porém, pela

importância do ato e do contrato é preciso dar o melhor e, no sistema que Marcel Mauss

descreve, percebemos que a exaustão está constantemente presente o que nos remete também ao

caráter ritual do Congo no sentido artaudiano de crueldade, de limite e isso se expressa nas

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palavras de Tóti quando afirma que já dançou machucado, mas que não sente as dores, nem

mesmo quando passa horas dançando o Congo.

Noto que é importante a presença de outra noção de relação entre São Benedito/Ogum

que, então, dá mostras de sua força proveniente desta temporalidade e territorialidade vinculadas

a um substrato espacial que se reapresenta na esmola e se materializa na comida da festa, em seu

ato e em seu tempo.

Ainda nesse aspecto percebo o quanto o cuidado com o vestuário (farda completa, nas

palavras de Seo Aloísio: chapéu, camisa, calça e sapato) também depende de outros cuidados, da

esmola e da devoção de outras pessoas relacionadas à festa, mas que não aparecem no ato da

Dança do Congo.

Noto que os elementos que poderiam dar sustentabilidade à prática e, portanto, acenar

com um horizonte de possibilidades dependem da tática pedagógica focada no espaço e num

espaço territorializado e compor-se de tal forma que promova o convívio irrestrito, conforme

outras práticas musicais existentes em diversas comunidades (CONDE; NEVES, 1984[5];

PRASS, 1996).

Nesse caso os ensaios figurariam como o cerne dessa tática e esse momento dentro do

evento, porém ao se iniciar a diáspora e, também, com a morte ou afastamento das lideranças

(Macário e Hermógenes) perde-se a capacidade e o local do encontro na medida em que os anos

vão passando e que os dançantes não possuem mais a disponibilidade para realizar os ensaios,

visto que já não são pessoas ligadas à ruralidade e, sim, à urbanidade e seus sistemas próprios.

Com o passar do tempo e com a ascensão dos mais jovens e afastamento geográfico entre

os dançantes, o ensaio deixa de acontecer e o aprendizado do Congo se reduz à observação dos

acontecimentos artísticos e de seus elementos unicamente durante a apresentação, pois perde seu

principal elemento de tática pedagógica.

Dada a natureza complexa do Congo aliada à falta da criação de um “momento de

aprender”, compromete-se não somente a apresentação do ponto de vista coreográfico, dramático

e musical, ou seja, aspectos técnicos e estéticos inerentes ao espetáculo. Os elementos

constitutivos de sua espiritualidade requereriam proximidade, o convívio com os mestres do

Congo, por serem eles os portadores de conhecimentos acerca do sentido de cada um dos

elementos tanto alegóricos quanto espirituais.

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As explicações e explanações, inclusive históricas, sobre a trajetória e demais

conhecimentos ligados ao Congo se configuram, a meu ver, como componentes essenciais, diria

até, imprescindíveis à compreensão dos significados de cada ato e ação, dos gestos artísticos, dos

movimentos e das falas, com relação à história dos quilombolas e de São Benedito.

O sistema de dádiva no Congo consegue garantir bastante coesão em torno do ícone, na

medida em que a devoção permanece e recorre ao santo para alcançar graças voltadas a curas e

resolução de problemas, porém, numa proporção menor apenas tem criado condições menos

violentas, embora não seja capaz de eliminar os conflitos, talvez por dois motivos.

De um lado percebo o caráter guerreiro de Ogum sincretizado em São Benedito e, então,

ao mesmo tempo em que há um componente de enfrentamento, há também um elemento

tensionador, o que nos leva ao segundo motivo.

O sistema de dádivas descrito por Mauss (2001) não objetiva o apaziguamento ou a

conclusão de situações - o que poderia levar à exaustão do sistema e seu próprio aniquilamento,

como já foi aventado anteriormente -, mas sincronicamente criam uma forma de relação entre os

membros que trabalham em torno da festa ou dos dançantes em relação ao santo, mas nunca são

exatamente concludentes, embora sejam completos. Se assim fosse bastaria dançar ou esmolar

uma única vez, compartilhar a comida uma única vez e estaria cumprida toda a trajetória do

sistema de troca-dádiva.

Portanto, durante o evento, desde as primeiras saídas para esmolar, até o término do

almoço no domingo9, o que está em jogo é primordialmente a relação com o santo do ponto de

vista devocional, dentro de um sistema de dádivas. Nele, as partes (devotos e santo) celebram um

contrato em que os primeiros dão sua contrapartida em forma de esmola, ou auxílio direto na

organização ou, então, ao enviarem seus filhos ou afilhados para dançar o Congo. Nesse sentido,

importaria mais a presença do que o desempenho do teatro ritual em termos de proficiência

técnica dos elementos artísticos.

Entretanto, esses elementos e suas respectivas estéticas têm relação com a devoção e o

respeito ao santo, ou seja, dançar perfeitamente significa apresentar uma estética impecável, por

tratar-se de uma encenação viva que requer de seus atores toda a crueldade de um teatro ritual, a

9 A festa sempre tem início numa sexta-feira, em geral na segunda semana de abril, e termina no domingo com a Dança do Congo, o almoço servido pela rainha perpétua, o festeiro, a assistência de maneira geral e, depois vêm o baile que termina apenas à noite, marcando, então, o encerramento.

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entrega e a exaustão da entrega (ARTAUD, 1993, 1995; COPELIOVITCH, 2007; LIMONGI,

2008; LIMA, 2010).

Outro detalhe tem a ver com aquilo que é trocado por seu valor intrínseco, pois a dádiva

não se media meramente por objetos, fenômenos ou circunstâncias ordinárias, mas a dádiva

recebida ou o fenômeno da graça (que é algo incomum) recebe de volta a dança do Congo e não

basta qualquer dança, mas uma condição de dançante na dança. Afinal, o objeto é o próprio

sujeito que o detém, está filiado a ele, vinculado como um símbolo e é por isso, por exemplo, que

a farda do dançante é tão importante, tem que estar impecavelmente branca, bem passada,

enfeitada e de acordo com a exigência do momento.

Afinal, convém repetir, trata-se de um teatro ritual que deve possuir vitalismo

representado pela entrega dos dançantes e nisso reside a crítica dos antigos dançantes ao

perceberem a falta desta entrega por parte da maioria dos atuais dançantes durante o evento. Ao

afirmarem que há falta de respeito nas brigas entre os reis perpétuos por causa de dinheiro tanto

quanto os problemas com a musicalidade dos dançantes durante a dança, isso significa que a

contraparte do sistema de dádivas não condiz com o próprio sistema, não pertence a ele, ou seja,

não está, em termos valorativos, em relação de igualdade ou de semelhança.

Ao considerar as trocas dentro do sistema de dádivas como o princípio que rege este

sistema, Mauss (2001) observa aspectos relacionados à moral e ao direito e que, segundo ele,

sobrevivem em sociedades e grupos cuja lógica pertence a outra temporalidade, anterior à

modernidade, anterior ao valor em moeda pesada e titulada, mas também observamos a

contraposição entre essas sociedades:

Vivemos em sociedades que distinguem nitidamente (a oposição agora é criticada pelos próprios juristas) os direitos reais e os direitos pessoais, as pessoas e as coisas. Esta separação é fundamental: constitui a própria condição do nosso sistema de propriedade de alienação e de troca (MAUSS, 2001, p. 143).

Equivale dizer que a crítica tecida em torno das relações com o dinheiro dentro do Congo

lhe são estranhas, pois não pertence a este ambiente e a permuta entre dançantes – Dança do

Congo –pode manter o vigor e o vitalismo da manifestação sem contaminação com a lógica do

capital, ou seja, a partir de relações vinculadas às forças da vida, em que o objeto, mais do que

representar, apresenta.

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A dádiva assenta as relações em outros termos, aliviando a condição e a situação dos

dançantes e assistentes em relação àqueles que detém o poder financeiro e este alívio não é de

caráter moral, mas ético, ao aproximar os sujeitos.

Mauss (2001) observa que as formas de organização de sociedades pré-modernas se

diferenciam das sociedades de consumo, capitalistas e, se isso vale para a educação ambiental

que olha para a realidade de maneira crítica, é possível concordar quando afirma que “Felizmente

nem tudo está ainda classificado exclusivamente em termos de compra e venda” (2001, p. 175).

Desta forma conclui demonstrando uma inclinação avessa ao avanço da lógica capitalista

sobre as sociedades sustentáveis como é o caso de diversas comunidades biorregionais em cujos

territórios se constroem manifestações ricas de significados e de vida.

1.1.3. O teatro ritual de Antonin Artaud

Artaud (ARTAUD, 1993; COPELIOVITCH, 2007; LIMA, 2008), considera que o

espetáculo teatral, aspecto mais visível do teatro é uma decadência devido à perda do caráter

ritual e mágico ligado às forças da natureza donde extrairia seu vitalismo e, portanto, sem esta

relação, esta arte se projetaria como algo estéril. Entretanto, não considera menor o espetáculo

teatral do ponto de vista de sua realização, ou seja, da materialização da cena no momento da

encenação, mas despreza a dicotomização que se cria no caráter meramente espetacular, sem que

o ritual esteja presente. Lembrando que este ritual estará sempre relacionado ao divino cheio

deste vitalismo, das forças da natureza onde e quando a música e a dança realizarem esta

conexão:

Protesto contra a ideia separada que se faz da cultura, como se de um lado estivesse a cultura e do outro a vida; e como se a verdadeira cultura não fosse um meio refinado de compreender e de exercer a vida (ARTAUD, 1993, p. 18).

Esta relação entre ator, o teatro e a plateia incita a uma encenação de tal forma viva e ativa

que, assim como os ditirambos gregos, arrastará as massas realizando o Teatro da Crueldade de

Artaud (1995) e aqui a crueldade não se relaciona com uma atitude moralmente cruel de uns

contra os outros, mas se realiza no que há de mais cru e despojado numa relação indissociável

com a carne crua.

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É nesse teatro que o que há de mais forte e importante se concretiza, visto que não se

restringe a um entreato da vida, um entretenimento. Pelo contrário, é neste momento que

espectador e espetáculo se religam de maneira visceral na medida em que a realidade e a vivência

desta realidade estejam presentes.

Essa necessidade de recriar o teatro a partir de elementos vitais se vincula ao caráter

ritual e mágico da encenação, ideia que Artaud percebe no teatro balinês e que se relaciona com a

vida. A partir de então, se torna tema central na relação de refazer a cultura do ocidente tomando

como base os de elementos possuidores e transmissores de vida, transformando valores, não do

ponto de vista moral, mas de outra ética.

Esta ética teria como ponto principal o resgate do "homem com a sua natureza" [sic]

(LIMA, 2010, p. 54) para que se pudesse percebê-lo e concebê-lo ritualístico e mágico e, a partir

de então, com outra visão do teatro, agora possuidor de vitalismo e não meramente como objeto

de entretenimento, deslocando o espetáculo da cena e a cena das salas de espetáculos,

aproximando o teatro da rua, do público, da realidade.

Daí nasce o que Artaud denomina Teatro da Crueldade, fundado no corpo e na inspiração,

também desvinculado da ditadura do texto e, assim, como um teatro total, propõe a renovação da

vida através do teatro, no entendimento daquilo que é cru, na ideia de sangue, de carne sangrenta

no tocante ao sentido primitivo do termo e não em sua acepção moral. Não é possível deixar de

pensar nos ditirambos praticados nos primórdios do teatro grego e enraizado no deus estrangeiro

Dionísio.

De acordo com Cassiano Quilici (2004, p. 37):

Em Artaud, observamos um movimento de afirmação do sentido sagrado do ritual, que deverá, por sua vez, contaminar o fazer teatral. Ele se referirá diversas vezes à necessidade de reaproximação entre o teatro e os rituais primitivos, enfatizando o caráter mágico e religioso que deveria ser recriado pelas artes cênicas.

O que ainda há de mais vivo no Congo é justamente este poder de atualização, esse

sentido vital, não um texto, mas um contexto de forte caráter religioso, não apenas uma caricatura

do real, mas onde os elementos do real são o próprio substrato cênico e é por isso que é possível

criar relações entre o Congo e a vida, conforme Seo Aloísio demonstrou diversas vezes, apesar de

não haver um compartilhamento desta visão.

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O caráter visceral e vital do teatro ritual se dá por via da relação com as religiões de

matriz africana, aqui diretamente ligados ao tronco banto em que se recria uma relação território

– divindade – arte, demarcando o caráter ritual relacionado a um lugar e um tempo em que o

simbólico, mais do que representar, apresenta aspectos da vida num plano terreno (guerra, terra,

parentesco, alimento, música entre outros) em que o sistema de trocas media a relação entre o

humano e os poderes atemporais e se realiza na celebração artística personificada na Dança do

Congo.

Nisso reside o caráter vital do teatro ritual que recria uma relação da arte com a vida, ou

melhor, nesse teatro não há separação entre elas, mas a arte é toda ela vital, visceral, viva e

mágica tanto quanto a busca de uma relação indissociável entre cultura e natureza como condição

básica da educação ambiental, pois

O teatro é antes de tudo ritual e mágico, isto é, ligado a forças, baseado em uma religião, crenças efetivas, e cuja eficácia se traduz em gestos, está ligada diretamente aos ritos do teatro que são o próprio exercício e a expressão de uma necessidade mágica espiritual (ARTAUD, 1995, p. 75).

O que a Dança do Congo finalmente nos apresenta é uma grande celebração da vida em

que o sacrifício figura de maneira central em um teatro ritual que, por sua condição cruel, está

intimamente relacionado com as forças primordiais, vitais. E não é apenas uma coincidência que

o senhor da calunga, senhor da terra, senhor do ferro, Rei da Umbanda, o Santo Negro, convirja

num único Deus do Ferro, Ogum em São Benedito. Penso que seja nisso que resulte sua força,

nas relações que tem com as energias vitais, com os elementos primordiais da vida e na

capacidade de, mesmo com alguns atores, estabelecer esta relação dadivosa.

1.1.4 Algumas palavras sobre a diáspora

Entre as dificuldades que assemelham os processos diaspórios em questão, do complexo

quilombola Sesmaria Boa Vida - Mata Cavalo e a discussão em Hall (2011), se encontra a

problemática do retorno tanto em relação à forma como os conflitos se tornarão mais acirrados a

partir de outras situações engendradas no seio da comunidade a partir de comportamentos e

formas de pensamento diferenciadas que já não serão apenas ameaças, mas lógicas aí instaladas.

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Por outro lado, não resta dúvida de que o sagrado novamente se instaura como força

motriz através de seus agentes e, na resistência, restaurando ou fortalecendo o sistema de troca-

dádiva por seu principal agente: Cesário Sarate. Ao incorporar a diáspora, misturando símbolo e

o mundo simbolizado, a Dança do Congo reinventa sua condição de expressão identitária para se

tornar ela própria uma vivência de abandono do lugar contra a vontade e iniciando uma situação

de contraste de seus elementos que permanentemente criticam a sociedade, condições sociais e

ambientais.

Finalmente, mas não conclusivamente, o deslocamento, o entre-lugar, o não-lugar

(BHABHA, 1998) propicia uma situação de busca e fortalecimento da territorialidade mais do

que a relação com o território, visto que a perda do território e a condição de trânsito do Congo e

dos dançantes sobrevivem como elo identitário mediados pelo sagrado, mas sem relação direta

com o quilombo enquanto ambiente.

A maneira como entendo diáspora neste trabalho se apoia na discussão de Stuart Hall

(2011) seja pelas semelhanças nas discussões sobre o híbrido no contexto eScravista,

proporcionados pela colonialidade. De um lado grupos inteiros retirados de seus locais de origem,

deslocados contra sua vontade, de maneira violenta. De outro o processo de colonização de terras

estrangeiras que não estavam desocupadas, como diria Hall "não vazia, mas esvaziada" (2011, p.

30) e, então, os trabalhos se assemelham na medida em que a colonização de Mato Grosso

também se estabelece nos mesmos termos da colonização portuguesa, porém é preciso observar

que no caminho para o pantanal mato-grossense, precisamente na Sesmaria Boa Vida - Mata

Cavalo, a diáspora ocorreu duas vezes.

A relação do sujeito com o local, com as relações parentais e de trocas, relações de

trabalho e afetivas que, como discutido anteriormente, afetam todo o sistema de troca-dádiva de

Mauss (2001) serão todas desfeitas mercê da retirada dos quilombolas para outros locais, mas de

alguma forma o retorno permanece como promessa e, coincidentemente ou não, assim como para

o povo caribenho,. tem relação com a religiosidade e com a história (HALL, 2011).

Hall discute a diáspora do ponto de vista das relações em rede e familiares que exercitam

as formas de compor ou recompor as identidades sem exatamente estarem relacionadas ao lugar,

pelo menos no que tange à proximidade física. Ora, a trajetória dos quilombolas concomitante à

trajetória do Congo (figurativa e literalmente) também se desvinculam do lugar, mas se

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reencontram na Festa de São Benedito e se recompõe no sagrado mercê do teatro-ritual intitulado

Dança do Congo.

Todavia percebemos que a perda do referencial de quem saiu e retornou e, portanto, foi

atingido pelas outras e novas formas de se relacionar com o espaço em outros locais, cria um

sentimento de estranhamento que de alguma forma, é percebido na relação dos mais jovens com

suas origens e seus locais de origem.

Quando a diáspora acontece, não é ela um fenômeno que tenha início no sujeito, por um

ato voluntário deste, mas ocorre por fatores externos ao sujeito e encontra na identidade cultural

um ponto de diálogo intenso ou intensificado porque “presume-se que a identidade cultural seja

fixada no nascimento (HALL, 2011, p. 28), porém esta forma de entender a identidade não

encontra exatamente um ponto de apoio no entendimento do humano dada sua incompletude

(BERGER, 1985).

Na discussão diaspória a maneira como se interpenetram outras forças que, empurrando o

sujeito para longe ou para fora de seu local de origem, ocasionam novas reflexões sobre as

identidades. No caso das colônias e, nelas, o quilombo note-se que “A pobreza, o

subdesenvolvimento, a falta de oportunidades – os legados do Império em toda parte – podem

forçar as pessoas a migrar, o que causa o espalhamento, a dispersão” (HALL, 2011, p. 28).

Porém, ao mesmo tempo em que a diáspora rompe com a ideia de nação, insinuando-se como

movimento contracultural em oposição às ideias pré-estabelecidas, modeladoras e instaladas na

tradição, se insere na discussão da disjuntura e do rompimento da cultura com o lugar. Nesse

movimento, a desterritorialização é sua consequência mais eloquente, ainda que a

multiterritorialização seja uma possibilidade (HAESBAERT, 2005).

Talvez a questão a ser apontada seja a observação de como outras redes territoriais

poderiam taticamente sobreviver e se recriar, principalmente na forma como valores globalizados

se engendram de maneira vertiginosa no seio de sociedades sustentáveis biorregionais, aqui,

exemplarmente na pesquisa sobre os quilombolas do complexo Sesmaria Boa Vida – Mata

Cavalo.

É de suma importância destacar que o caráter sincrético, diaspório e de transplante das

formas culturais na disjuntura, se reinventam constantemente como e quando a comunidade cria

um conjunto de condições sociais que permitem a manutenção dessa dinâmica cultural que

podem ser mais evidentes na vida e ritmos cosmopolitas onde notamos a criação de gêneros e

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formas musicais diversas. Essas invenções e reinvenções se dão na medida da apropriação e,

então, é onde e como as territorialidades se manifestam, ou seja, nas manifestações artísticas as

fronteiras se rompem, guardadas as condições de manutenção de condições essenciais.

Nesse caldeirão efervescente a tensão urbanidade-ruralidade não está presente, pois os

gêneros se reinventam dialogicamente: samba, choro, batuque, siriri, cururu, maracatus entre

tantos outros. Contudo, é preciso perceber que o contexto em que essas reinvenções acontecem

requerem relações com as discussões feitas até aqui: a tensão sobre seus espaços e tempos; a

maior ou menor conservação do sistema; a força do teatro-ritual; e o caráter do território e das

territorialidades.

Esta ressalva é importante no entendimento do quanto as diferenças de contexto criam

essas ou aquelas situações decorrentes da diáspora, ou seja, no caso do Complexo Quilombola a

diáspora não resultou em novas formas musicais devido à forma extremada de exclusão num

contexto territorial de tensões entre ruralidade e urbanidade.

Em outras palavras, o universo rural não foi absorvido pelo universo urbano do ponto de

vista estético em que a arte produzida pelo quilombo não cria agendas culturais, não cria espaços

de cultura. Ao contrário do que é narrado por Hall (2011), que descreve a modificação de setores

da vida cosmopolita inglesa, quando afirma que “É a história da produção da cultura, de músicas

novas e inteiramente modernas das diáspora – é claro, aproveitando-se dos materiais e formas de

muitas tradições musicais fragmentadas (p. 37)”.

Porém, não é só de contrastes e semelhanças que a abordagem e interpretação do

fenômeno diaspórico pode encontrar ressonância nesta pesquisa, pois a coincidência dessa dupla

diáspora encontra dois pontos de contato bastante interessantes.

O primeiro, quase uma obviedade, que é/foi a diáspora africana pela via do escravismo

dentro do sistema colonial e não é de se estranhar que esses dois sistemas (escravista e colonial)

tenham gerado em si outro processo diaspório. O segundo é/foi a diáspora caribenha que, entre

outros fatores, é descrito como saída, permanência e retorno como um movimento complexo

perceptível também no Complexo Quilombola Sesmaria Boa Vida – Mata Cavalo, embora por

motivos diferentes, pois a saída do quilombo se deve às disputas pela posse da terra onde o

processo de usurpação do direito à terra utilizou tanto por vias legais com registro dos imóveis

em nome de fazendeiros locais, quanto pressão econômica, conflito armado e violência

simbólica, conforme denúncia de quilombolas.

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Assim, as disputas onde esta os aspectos políticos e jurídicos todos cercados por

violência, obrigaram à saída em busca de outras terras, embora, com isso, outras formas de estar

no lugar começaram a se engendrar dadas as diferenças: originalmente uma condição rural e,

depois, uma situação periurbana que, então gera uma permanência.

Enfim, o retorno difícil e, em alguns casos, impossível, ocorre pela via do sagrado, da

religiosidade e, por que não dizer do Congo, já que Cesário Sarate, pai de santo, Rei Perpétuo,

inicia o retorno dos quilombolas a seus locais de origem. Assim, a impossibilidade mesma do

retorno se evidencia nos próximos conflitos entre quilombolas, na cisão criada entre os que

ficaram e os que se foram.

Hall (2011) chama a atenção para a forma como a “África” se insere e se reconstrói na

recomposição identitária sem que, com isso, essas identidades se configurem como traços ou

resíduos, mas adquirem ou se constituem de maneira una, num campo de traduções de

significados em que outra forma-conteúdo, resultante de complexas reinterpretações ou traduções

tenha início.

Em resumo, o processo diaspório, cujo cerne é a terra, penetra o quilombo como se já

fosse um prenúncio, visto que no Congo essa história já é visível e, então, se projeta com tal força

que a representação se inverte e é a própria manifestação que vaga pelo vale do rio Cuiabá em

busca de referenciais territoriais até retornar a Livramento por via da religiosidade o que, afinal

de contas, talvez não seja meramente uma coincidência, mas o fio do sagrado resistindo ao

avanço e à pressão dos fatores externos.

1.2 CAMINHOS DA PESQUISA

“Dancemo bailemo olha o pé do rei Senhor aqui ta nosso cequetario

Nosso rei embachadou” (trecho do texto da Dança do Congo copiado do caderno de Seo Aloísio)

Percebi que os processos pedagógicos diferem entre os antigos dançantes e os atuais e,

então, foi necessário um levantamento histórico da Dança do Congo a fim de perceber em sua

trajetória aspectos da resistência e da formação identitária que permitiram, até onde foi possível,

contextualizar as ações atuais.

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Naturalmente as relações existentes entre as religiões, os lugares envolvidos, principais

sujeitos da Dança do Congo, devido ao caráter devocional, a diáspora e a apropriação ou não dos

envolvidos com a manifestação artística enquanto valor simbólico de uma territorialidade, foram

evidenciados durante a descrição.

Enfim, pretendi compreender se a musicalidade do Congo tem relação ambiental e de que

maneira este conhecimento desdobra-se em reinvenção pedagógica, isto é, de que maneira cultura

e natureza se aliam na Dança do Congo, servindo como substrato à educação ambiental.

Este trabalho é a tentativa de evidenciar as tensões entre diferentes temporalidades e que

transparecem no Congo, ou seja, este drama coreográfico, por sua característica peculiar de, entre

outras coisas, ser um ponto de convergência de fenômenos sociais e também referencial

pedagógico de valor mitológico e identitário, pelo menos para alguns de suas personagens.

A Dança do Congo é uma manifestação artística no sentido estrito, mas que, não apenas

pela prática musical em concomitância com coreografia e drama, assume significados bem mais

abrangentes onde a posse da terra, as relações interpessoais, conservação do ambiente, identidade

e resistência estão contidos e contêm estas manifestações.

É importante reconhecer na produção musical brasileira uma estética alicerçada na música

que foi produzida originalmente por escravos - principalmente nos gêneros como samba, jongo,

maracatu, bumba-boi, entre outros - e que é na dinâmica de reinterpretação, entre outros fatores,

que se deu a construção destes e de outros gêneros musicais em todo o país, salvo raras exceções.

Nesse ponto, como podemos perceber a inserção do Congo na cultura local? Ou, de

maneira inversa, de que forma outras expressões tem se inserido no fazer do Congo na medida

em que “negociam”, em seu interior, outras formas de perceber e re-expressar (BHABHA,

1998)? Será a música um elemento constituinte para estabelecer os pactos, para que o Congo seja

uma celebração da alma que também evidencie a esperança do corpo identitário?

Há um componente socioeconômico que nem sempre é trazido à tona: as comunidades

onde estes gêneros musicais foram e são criados, por sua gênese e trajetória, eram e ainda são

financeiramente pobres, vinculando outros aspectos da realidade local à arte, criando mais espaço

de disputa além daqueles tradicionalmente existentes (BHABHA, 1998; CARVALHO, 2003;

HAESBAERT, 2005).

A exemplo disso, cito a briga entre os reis perpétuos (Odália e Quirino) na disputa pela

Casa de São Benedito. Esta briga que presenciei não pode ser vista meramente como uma disputa

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entre irmãos se considerarmos os sistemas urbanos de valores, a lógica de dominação sobre a

apropriação, o abandono do sistema de troca-dádiva, enfim, diversos ou todos os elementos que

estão em discussão neste trabalho.

Detalhe relevante é a valoração do fazer musical, pois é a partir daí que vai se dar a

apropriação ou não deste fazer, se podemos apor que o ponto de vista estético tem sido orientado

por valores eminentemente ocidentais ou dos países ricos para os países pobres e, nestes, das

classes dominantes para as classes subalternas. No ponto mais frágil deste tecido, estão as

comunidades biorregionais sobre as quais incide a pressão socioeconômica, midiática com claros

e óbvios reflexos sobre sua produção artística e cultural.

No período recente de nossa história há exemplos das pressões que o capitalismo,

mediante diferentes mecanismos, exerce sobre a produção artística de uma comunidade, com

projeções sobre a vida das pessoas. Os reflexos podem ser nefastos para a significação dada pelos

indivíduos da comunidade àquilo que produzem quando lhes é tomado o sentido e trasladado para

o contexto mercadológico de orientação capitalista.

Entre os exemplos, podemos citar Carvalho (2003) que revela em sua pesquisa o quanto o

movimento Olodum foi abalado em seu caráter político com a presença de Paul Simon na

produção artística do grupo. Localmente, para ser mais preciso, em São Pedro de Joselândia,

percebemos a falta de fôlego do cururu nas festas de santos na maneira como os cururueiros

tiveram seu papel subdimensionado na celebração da festa. Diferentemente do tempo em que

eram os principais atores, tempo em que o tratamento recebido era mais adequado à sua posição

e, então, gozavam de prestígio perante os festeiros e membros da comunidade.

Pesquisar comunidades biorregionais e, neste caso particular, quilombola, revela uma

dimensão importante destas comunidades: a resistência à ordem hegemônica apontada por Chauí

(1989) e que se expressa em sua produção artístico-cultural enquanto traço10 essencial e

reafirmação de sua identidade evidenciando táticas do fraco em oposição à estratégias do forte

(CERTEAU, 2005).

As teorias biorregionais e sobre territorialidade afirmam que, para além da ocupação

territorial em que o espaço se define pelo uso fundiário (HAESBERT, 2005; SATO, 2005), há

componentes simbólicos que independem desses espaços, mas são ressignificados em

10 Estou tomando o termo no sentido pictórico, ou seja, de traço enquanto linha que delimita o objeto no expressionismo, por exemplo. Portanto, em sentido contrário à ideia de traço como elemento geométrico descontínuo; tomo o termo em oposição à identidade quilombola enquanto remanescente.

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festividades onde a religiosidade e as relações interpessoais figuram como base. Entretanto, é no

próprio território e a partir dele que a história, os símbolos e as cosmologias se inter-relacionam,

ou seja, ainda que a cultura seja forçosamente dinâmica, sua ligação com o território e, nele, a

construção de uma territorialidade, são muito próximas.

As características peculiares de grande parte dos quilombos os identificam fortemente

com resistência e, formando um tecido socioambiental, podem também ser identidades

biorregionais em que a cultura é fundamental e, nela, a música como condição sine qua non.

De acordo com pesquisas anteriores (OLIVEIRA; SATO, 2008) a diáspora da

comunidade por diferentes espaços do Vale do Rio Cuiabá revela que a Dança do Congo

representa um tipo de elo identitário, revelador da territorialidade quilombola, considerando

primordialmente as relações de poder.

Território e ambiente natural ou substrato material diferem, porém se não existe território

sem substrato o que dizer dos espaços imaginários que segregam e/ou separam? O que dizer da

separação do território mínimo (que é o corpo) separado pelo tempo?

Nesses entre-lugares da cultura (BHABHA, 1998), ocupados por sujeitos cuja identidade

pode ser emprestada ou eventual, ou seja, dentro de uma manifestação artística de origem negra,

representativa de situação de conflito, como se comportam sujeitos/dançantes que tomam parte

no teatro ritual? Qual sua relação com o Congo para além de sua relação com o santo?

Será que o sujeito adota uma eventualidade como força motriz que o lança e se lança

identitariamente, conforme a afirmação de Seo Aloísio “Sou soldado de São Benedito”?

Se meu questionamento, minha hipótese (A música é capaz de inserir-se num processo

resiliente de maneira tal que seja um reduto identitário?) é preciso saber de que maneira o

dançante se relaciona com a Dança, se é capaz de criar uma relação ou relações perenes.

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2 METODOLOGIA

“vamos fazer um encontro com a bela porcição honde vem são Benedito cobrindo nos de benção”

(trecho do texto da Dança do Congo copiado do caderno de Seo Aloísio)

Ainda que as gravações e registros fonográficos sejam imprescindíveis como forma de dar

veracidade às afirmações aqui contidas, é preciso apor meu parcial mergulho metodológico na

Dança do Congo entre historiográfico e etnográfico. Exigiu-se primeiramente trazer a etnografia

como metodologia par excellence havia também a necessidade de um mergulho e uma espécie de

“mistura com a paisagem”, mas onde?

Cito esta pergunta e este mergulho no pretérito, já que ele não ocorreu justamente porque

não havia paisagem na qual misturar-me, pois o Congo já não pertence a nenhum lugar, seus

dançantes estão dispersos por todo o vale do rio Cuiabá, não há local para ensaios, não há

substrato espacial no qual aportar para fazer as observações e acompanhar o cotidiano conforme

preconiza a etnografia.

As visitas e viagens a campo foram realizadas de maneira esparsa, num tempo longo e

concomitante aos eventos religiosos (Festa de São Benedito e Umbanda) que ocorreram em

Livramento e Capão de Negro (Várzea Grande) e para os quais fui convidado diversas vezes e

nessas oportunidades pude explorar de maneira mais íntima aspectos históricos de meus

entrevistados e nisso também consiste a justificativa do primeiro parágrafo deste capítulo.

Todavia, a primeira escrita supôs um campo puramente etnográfico, mas mesmo

buscando dar um tom antropológico, não foi de todo perdida, mas conseguiu historiar o Congo no

imbricamento que oferece a História Nova ao dignificar e buscar evidenciar as táticas

(CERTEAU, 2005) contidas e externadas nas falas, gestos, dança, canções e devoção como os

principais elementos que trago nesta dissertação.

A forma de tecer essa escrita não respeitou a linearidade e não perseguiu meramente os

eventos, mas buscou personagens principais e secundárias, insistentemente recorreu a

personagens não atuantes na cena do Congo pela necessidade de inventariar o novo e o velho,

presente e passado. O ato de historiografar, então, buscou também observar a criação do cenário

músico-coregráfico e teatro-ritualística onde e quando o Congo acontece e que, numa lógica de

circularidade (WISNIK, 2006) ele faz existir, pois é nesse evento que incorpora vestígios,

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ressignificando territórios, atualizando sentidos. Dito de outro modo, por mais obviamente

absurdo que possa parecer: o Congo faz o Congo.

O contraste constante entre os elementos materiais e imateriais, dançantes e não

dançantes, de maneira não intencional findou por tecer-se historicamente ou, pelo menos, muito

mais do que etnograficamente, ainda que as aproximações com o campo da etnografia

interpretativa (GEERTZ, 1989) tenha revelado conexões com a História Nova adotada como um

dos referenciais teóricos na construção da pesquisa.

Se a História Clássica e, nela, a historiografia oficial nega peremptoriamente o Lado B11

da história e os sujeitos que a realizam, servi-me parcialmente da História Nova ao evidenciar as

construções onde o relativismo e a maleabilidade emprestam formas de narrar e descrever. Esta

forma de historiar compreende o sujeito como parte indissociável da história, parte que, na

História Clássica esta invisível, sem nenhuma corporeidade, a não ser como herói, como vulto

histórico.

Nesta nova maneira de encarar o tempo e o espaço, a história oral ocupa um lugar

importante como um meio de evidenciar a cultura popular no que tange às tramas quase

microscópicas que compõe a realidade social e que se insinuam nos movimentos maiores ainda

que, num âmbito macro, invisivelmente e como especificidade (MONTENEGRO, 2003).

Entretanto, é preciso abandonar o campo estrutural e adentrar espaços e tempos singulares

sempre em busca da importante observação de movimentos táticos (CERTEAU, 2005).

Aqui há um rompimento com o sentido histórico tradicional que foca os grandes feitos e

vultos e a ideia de uma história como retrato de uma realidade fixa, imutável e fixada num tempo

e num espaço modernos. De certa forma esta é a busca de outras narrativas e outras formas de

contar a história e evidenciar as questões ambientais a partir de baixo e tornar visível o invisível

(SHARPE, 1992; LE GOFF, 1995; SILVA, 2011).

O fato é que, ao me deparar com o objeto, objetivos e metodologia havia a convicção de

que a etnografia interpretativa de Geertz (1989) seria um caminho seguro, uma escolha acertada

no cumprimento dos objetivos em relação ao objeto, seu lócus e o foco do trabalho.

11 Durante as décadas em que os discos eram feitos de vinil os produtores musicais tinham por costume, método largamente adotada pela indústria fonográfica, colocar as “músicas de trabalho” (em geral de apelo popular mais forte) no Lado A, considerado a face principal. À face secundária, obviamente o Lado B, eram destinadas as demais obras.

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A opção pela antropologia interpretativa foi uma aposta tensa na direção que, embora não

exatamente contrária aos universais, inseriria esta pesquisa no ponto de interesse da preservação

da singularidade do evento como afirmação identitária no bojo da diferença, de um fenômeno em

que os sujeitos ocupam territórios incertos (GEERTZ, 1989; BHABHA, 1998). A ocupação dos

territórios incertos e a observação da diferença em oposição a um perfil identitário mais ou menos

homogêneo ainda permanece, mas a abordagem forçosamente se modificou.

Trata-se aqui de uma manifestação que funciona em território-rede (HAESBAERT,

2005), mas que possui tanto do ponto de vista simbólico quanto material todas as características

de território e onde seus integrantes não possuem um elo identitário senão a relação com o caráter

devocional da manifestação, mas com conflitos de diversas ordens. O território-rede implica

transporte de informação, portanto, a comunicação deve se estabelecer como ponto principal

deste tipo de território e que deve considerar as relações (políticas, sociais, interpessoais) num

campo de mobilidade ao contrário da fixidez do território.

Essa manifestação universalmente nasce nos territórios de negros e tem sede nesses

territórios, no entanto, neste caso o processo diásporo que a manifestação simboliza é tão

profundo que se apodera do Congo, o simbolizado se envolve no símbolo. Esta singularidade

desaloja o Congo de uma linha etnomusicológica mais conservadora que afirma que toda

manifestação artístico-cultural aqui possui uma brasilidade pela presença nela das influências de

brancos, negros e índios, que possuiria determinadas características provenientes da confluência

de culturas (DIEGUES, 1980; DAMATTA, 1987).

Pelo contrário, mas sem a presunção de um achado antropológico, esta pesquisa tem o

tratamento de uma educação ambiental que não dissocia cultura e natureza, ao considerar a

multiplicidade artística tão vasta quanto a biodiversidade. Assim, é preciso considerar também

que para esta mesma educação ambiental a harmonia, assim como o consensus gentium

(GEERTZ, 1989) retira da discussão seu caráter político em tensões e relações de poder como

conditio sine qua da formação dos territórios e, por sua vez, das territorialidades (LEFEBVRE,

1969; HAESBAERT, 2009; SOUZA, 2009).

A aproximação com os sujeitos de pesquisa se deram ainda durante os anos da graduação

em música que geraram grande parte das observações e inquietações acerca dos pontos centrais

dos diversos trabalhos em educação ambiental e arte.

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Os registros fonográficos e iconográficos enriqueceram-se nos dias em que visitei os

locais eleitos ou disponíveis para as entrevistas e, neles, construí diálogos informais na relação

que fui estabelecendo com meus principais informantes Seo Aloísio (antigo dançante de Congo) e

Dona Nata, mãe de santo, afilhada de Cesário Sarate, principal Rei Perpétuo nos últimos 70 anos

(figura 5), mas também, de maneira mais pontual, com Tóti (atual Rei de Congo); os antigos

dançantes da Mutuca e os atuais dançantes, entrevistados durante as festas de São Benedito e,

finalmente, Odália e Quirino, filhos de Cesário Sarate e, respectivamente, Rainha e Rei

Perpétuos.

Figura 5 - À direita Seo Aloísio.

(Foto: Sonia Palma).

Oficialmente, para efeito de registro fonográfico e iconográfico realizei uma viagem a

Aguassu (local próximo de Mata Cavalo de Baixo); uma viagem próximo ao antigo Córrego

Rondon (também próximo a Mata Cavalo de Baixo); duas viagens à Mutuca (uma primeira

sondagem e depois uma entrevista em grupo devido à disponibilidade dos habitantes do local);

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três viagens a Ourinhos (onde moram Dona Nata e Seo Aloísio); três viagens a Livramento (em

uma delas registrei a Dança do Congo); uma viagem ao Jardim Passaredo (bairro de Cuiabá

localizado na saída para Rondonópolis/MT onde entrevistei o atual Rei de Congo) e uma viagem

a Capão de Negro em Várzea Grande/MT.

Durante estas viagens realizei entrevistas semiestruturadas para minha monografia,

porém, para a dissertação as entrevistas realizadas foram abertas focando o aspecto histórico e as

principais personagens do Congo, além de investigar sobre o tipo de formação, peculiaridades do

evento, questões envolvendo a religiosidade e detalhes sobre a percepção dos dançantes acerca do

evento na atualidade.

Essas entrevistas possibilitaram a percepção do não-lugar da manifestação, de sua

condição de território-rede (HAESBASERT, 2005), mas que também não funciona exatamente

como a descrição teórica, ou seja, não há mobilidade e trocas de dentro para fora com circulação

de pessoas e informações, mas se comprometem aspectos identitários e são fortalecidos os

conflitos internos em cuja negociação depende sobretudo da capacidade de seus atores de

reterritorializá-lo (HAESBAERT, 2005; 2009).

Entre outros fatores, a junção entre os campos educação ambiental e arte abriu diversas

possibilidades e assuntos em janelas conceituais que ainda se abrem durante a confecção desta

escrita, mas é preciso optar e atentar às questões do tempo cronológico.

A opção por Bhabha (1998) se justifica também na observação de ações auto predatórias,

enquanto fruto das relações de poder nascidas no bojo da diferença em que as negociações,

buscando emancipação, diálogo e colaboratividade, se apresentam pontualmente, mas não

colocam em perspectiva de longo prazo ações de preservação da cultura em seus manejos e

remanejamentos com a terra e com a dança.

Assim, a busca pelo significado do que ocorre na Dança do Congo, redesenhando um

sentido etnográfico de cunho histórico como um híbrido etnohistórico, ainda repousou sobre uma

descrição densa desta manifestação por via de sua ligação com alguns dos dançantes (ativos ou

não), a vitalidade do santo em suas vidas e a forma como entendem os processos de transição

pelos quais o teatro ritual passa atualmente.

Essas relações entre a teia de significados do próprio Congo e sua relação com a teia de

significados da vida das pessoas a ele ligadas direta ou transversalmente é parte vital deste

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trabalho e busca evidenciar as relações históricas de perdas socioambientais, ainda que não

estejam evidentes nos detalhamentos cotidianos.

Se, ao descrever meu objeto, durante a encenação, como drama coreográfico-musical ou

teatro ritual, me atenho aos aspectos externos, à forma da dança, ao ritmo musical e seu

instrumental, ao texto dos versos, ao cênico, à cenografia, vestuário, à festa que precede e sucede,

estarei me atendo aos fatos comezinhos e essa forma de descrição não me dará mais do que

elementos de superfície.

Dito de outra forma, na realidade para que não haja nenhum mal entendido, afirmo que

uma parte importante deste trabalho (teatro ritual) é a descrição da manifestação em estilo

etnográfico, porém, os diálogos com os sujeitos de pesquisa trouxeram à tona um sem-número de

perspectivas mitológicas, religiosas e identitárias. Em alguns momentos as histórias compuseram

um tecido heterogêneo, apresentando discursos conflitantes e mesmo dialéticos nas narrações do

Congo como referência.

Se a abordagem historiográfica pode fornecer uma base de discussão que permite amarrar

a narração aos aspectos e características particulares de um grupo, demonstra também, e entre

outras coisas, a forma como os elementos históricos compõe o tecido social da comunidade a

partir da história oral (MONTENEGRO, 2003).

Entretanto, historiar sob o foco da educação ambiental num viés crítico foi manifestar

aspectos políticos, educativos, ecológicos, identitários e, claro, ambientais, presentes no Congo,

na fala dos dançantes, dos monarcas, da fidalguia, dos soldados e da comunidade que, porventura,

ainda assista ou participe. Entretanto, a manifestação se dá de diferentes formas, em diversos

âmbitos e a interpretação do dito, do dançado, cantado, tocado, vestido, no caso do Congo, se

entrelaça com outras dimensões sociais naquilo que traz de simbólico, histórico, político em teias

que perfazem o tecido cultural vivo e dinâmico.

Testemunhar e registrar, trazendo do universo da oralidade para o da escrita, a série de

aventuras do Congo através das palavras dos entrevistados é, ao mesmo tempo, escutar a

construção de sua história numa teia cultural diferente da acepção puramente historiográfica e

interpretar a cultura, inventariando este

conjunto disperso de práticas, representações e formas de consciência que possuem lógica própria (o jogo interno do conformismo, do inconformismo e da

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resistência) distinguindo-se da cultura dominante exatamente por essa lógica de práticas, representações e forma de consciência (CHAUÍ, 1989, p. 25).

Em se tratando desse inventário cultural penso que haja um componente etnográfico que

não poderia ser desprezado pelas contribuições de Geertz na compreensão e na medida em que as

“formulações dos sistemas simbólicos de outros povos devem ser orientadas pelos atos” (1989, p.

11). Também é necessário esclarecer que este “conjunto disperso” pode ser interpretado desta

forma por não fazerem parte de um todo homogêneo e, talvez, nem devam, se considerarmos que

a cultura narrada será composta por esta dispersão, como uma tessitura urdida no bojo da

resistência como tática. No entanto, se esta dispersão significar um processo evolutivo, é

imperativo recusar tal preconceito.

Isso se deve ao fato de que a descrição que faço do Congo e das narrativas de meus

sujeitos de pesquisa a partir de uma história oral ancorada em autores como Montenegro (2003),

Le Goff (1995, 1996) e Geertz (1989) perfazem um desenho histórico a partir de um campo

etnográfico cujo objeto é uma manifestação artística de forte conotação identitária.

A opção pela antropologia histórica foi descartada devido a considerar que “a história da

vida cotidiana não se torna antropológica [...] Ela desemboca simplesmente na história econômica

e social” (BURGUIÈRE, 1995, PP.130-1) focando a história dos costumes como folclore.

Portanto, diminui a importância do sentido identitário e das diferenças por incorporar, ou melhor,

considerar um aspecto local, construído num microuniverso deva pertencer a um contexto mais

amplo, universal.

Nesse sentido é importante trazer a visão de Homi Bhabha (1998) para quem certas

particularidades incluem a cultura numa zona intersticial, principalmente no tocante ao Congo -

na realidade e de maneira mais específica, aos dançantes do Congo, na medida em que a condição

territorial e territorializante do Congo nem sempre coaduna com a atuação no evento e sua

relação com o aspecto devocional.

A forma e a configuração própria da pesquisa são dadas pelos pesquisadores e mediadas

pela escuta que se transforma em texto descritivo com uma conotação própria, neste caso em

formas simbólicas cuja propriedade volta-se para o vivido de maneira densa, mas sempre,

sempre, considerando a escrita como uma representação, não o vivido (MONTENEGRO, 2003);

o mapa, não o território.

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A densidade descritiva tem a ver com o fato de que as formas simbólicas, enquanto

profundamente relacionadas com a vida dos sujeitos descritos, são, se não o retrato fiel da

realidade, pelo menos a tentativa mais honesta de fazê-lo. É assim que descrevo, por exemplo, a

forma como seu comportamento (do Congo) perde e ganha no tenso jogo entre a pressão

econômica como representante da cultura dissociada e, neste caso particular, a educação

ambiental vem tecer críticas a esta pressão que desaloja o sujeito.

Não é mera coincidência que o Congo passe por modificações: está inserido numa

tradição oral e, então, não seria inverossímil utilizar justamente a história oral como metodologia

adequada para estudar esta manifestação. Claro que a incidência desta metodologia não a vincula

ao objeto, se assim fosse toda tradição oral teria que ser estudada a partir da história oral, porém é

interessante notar o quanto o Congo é pressionado pelo universo da escrita e se insinua como

foco de resistência no mundo dos documentos escritos porque a “tradição oral torna-se cada vez

menos pronunciada, à medida que a cultura se move para a alfabetização maciça, embora alguma

tradição oral possa persistir em um ambiente predominantemente alfabetizado” (PRINS, 1992, p.

172).

Neste trabalho estou me utilizando da reminiscência pessoal enquanto “evidência oral

específica das experiências de vida do informante” (PRINS, 1992, p. 172), pois, segundo este

autor esta evidência não passa de geração para geração, ainda que os conhecimentos revelados

por Seo Aloísio tenham sido adquiridos no universo da oralidade, mas não lhe foram transmitidos

diretamente por outro sujeito no mesmo contexto, mas compreendem aprendizagens em

ambientes acústicos abertos, cito durante os ensaios e conversas de caráter informal.

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3. A DANÇA DO CONGO

“Cerei, cerei, cerei guia Rei e Rainha mandou me chamar Eu tenho uma coisa para nos dar

Rei e Rainha mandou me chamar” (trecho do texto da Dança do Congo copiado do caderno de Seo Aloísio)

O capítulo que se desdobrará daqui por diante discorrerá extensiva, minuciosa e

demoradamente sobre os aspectos externos da Dança do Congo como forma de registro

etnográfico e histórico, mas alguns trechos que o sucedem poderiam parecer um corpo estranho

em relação à descrição, porém e por isso mesmo, antes de adentrar na narrativa de como acontece

o Congo, julguei importante contextualizar alguns aspectos do contexto mais amplo e de caráter

socioeconômico que insere dançantes e dança.

O território onde a Dança do Congo acontece, uma região de Cerrado na entrada do

Pantanal mato-grossense onde se instalaram fazendeiros e onde o quilombo foi criado, é o palco

onde se desenrola o teatro ritual, mas também está inserido num contexto maior em que os

habitantes locais buscam criar condições de manutenção de suas ideologias e formas de ocupação

e uso fundiário.

De certa forma a pressão que esta comunidade quilombola tem sofrido - com processos de

degradação ambiental e pressão sobre seu modo de vida com crescente perda de identidade

biorregional - ocorre em todo o estado de Mato Grosso e tem sido uma luta de diversos grupos

sociais.

Atualmente observamos essas pressões crescentes sobre as comunidades, povos

tradicionais e grupos sociais onde o apelo é similar e acena aos jovens com a possibilidade de

“superar” uma condição socioeconômica à luz de necessidades e desejos criados

(HORKHEIMER; ADORNO, 2002), inclusive “com a anexação de favelas lá onde a

industrialização não consegue ocupar e fixar a mão de obra disponível” (LEFEBVRE, 1969, p.

14), ainda que o sociólogo francês não tenha se ocupado de uma discussão especificamente sobre

processos diaspóricos, de alguma forma há muita semelhança entre o desalojamento ou

desenraizamento de comunidades rurais. A diferença tem relação com a fonte e o motivo da

pressão.

Em Mato Grosso o processo de deslocamento e posterior ocupação por grupos sociais ou

famílias inteiras provenientes das regiões Sul e Nordeste do Brasil representa, em grande medida,

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o desaparecimento de manejos e a ruptura de valores ligados a um lugar e orientados por

sentimentos de pertença. Dialeticamente esses movimentos em multiterritorialidades

(HAESBAERT, 2005) em que o novo ambiente representa o desafio de transformação em algo

familiar, tem componentes perversos:

a) A desmobilização de movimentos sociais das zonas de origem;

b) O alto impacto sobre o ambiente local, por razões diversas;

Tanto no primeiro quanto no segundo caso tratou-se de um planejamento estratégico por

parte do Governo Vargas com vistas a resolver conflitos fundiários e desarticular movimentos

sociais que vinham num processo de fortalecimento político e ideológico (ANDRADE, 1986;

DIAS, 1995; PIGNATTI, 2005; PICOLI, 2006; BARROZO, 2008).

Todavia, houve outras variantes não exatamente contempladas pelo objetivos da Marcha

para o Oeste ou, mais recentemente, pelo Plano Amazônia, tais como a falta de preparo técnico

para atender os colonos assentados ou em vias de; sementes inadequadas ao solo e clima mato-

grossenses; pressão política e jurídica sobre as famílias forçando-as ao desmatamento, entre

outros crimes socioambientais institucionalizados ou não (ARESI; MEDEIROS, 2007;

AZEVEDO; PASQUIS, 2007; BARROZO, 2008).

Assim, o abandono de manejos não previstos ou quistos pela industrialização tanto por

parte dos novos colonos quanto dos antigos habitantes (comunidades e povos tradicionais) vai de

encontro ao processo de industrialização por uma espécie de incompatibilidade natural, ou seja, a

ideia da ocupação e uso do território mato-grossense tinha, como ainda tem, um objetivo bem

simples: alimentar mercado e indústrias nacionais e internacionais, mas ambas, obviamente, fora

da região Centro-Oeste com clara destinação ao mercado global.

O anseio de inserir o estado na lógica mercantil internacional se reflete fortemente na

anexação de territórios dentro de Mato Grosso que sirvam a esses propósitos sem nenhuma

preocupação com as particularidades socioculturais e históricas dos grupos sociais que, então, se

encontram em franca desvantagem.

A história dessas lutas é um pouco da história que a Dança do Congo narra a partir de um

universo mais particularizado e focado em relações devocionais, educativas, fundiárias e

artísticas. O valor e peso simbólico, que o Congo narra alegoricamente dentro do teatro ritual,

traz uma força mitológica tão intensa que é muito comum recorrer ao texto para exemplificar

acontecimentos atuais e, então, a condição pedagógica do Congo numa perspectiva de oralidade

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se torna expressamente importante, diria vital para re-existência (PORTO-GONÇALVES, 2004)

num cenário tão adverso.

3.1 CONTEXTO

“Senhor pretinho que vem de Luanda São Benedito nos vimo festeja”

(trecho do texto da Dança do Congo copiado do caderno de Seo Aloísio)

À época da chegada de Diogo Cão em território africano em 1492, o maior reino africano,

embora decadente, era o reino do Congo e é provável que, dada sua grandiosidade e constantes

oposições à Coroa Portuguesa, será o motivo à posterior prática da Dança do Congo nos séculos

seguintes (LOPES, 2008; MATTOS, 2009).

O sistema escravista na África baseava-se em relações sociais e não em relações

econômicas, principal fator do expansionismo europeu e, portanto, através do reino de Portugal,

principal fomentador ao aprisionamento de etnias rivais para fornecimento de escravos para as

colônias, particularmente, ao Brasil.

Entre outras diferenças, não havia necessidade de esgotamento do escravo, de uso de sua

força de trabalho até a exaustão, já que esta força não estaria vinculada à exploração visando

acúmulo de capital, pois se ligava diretamente à sujeição ou subordinação em virtude das guerras

entre os Estados africanos (LOPES, 2008; MATTOS, 2009). Contudo, outros fatores podem ser

apontados dentro da lógica escravista africana, entre elas, disputas políticas, sequestros de

mulheres de linhagem nobre e a auto oferta de um indivíduo devido à escassez de alimentos, pois

numa condição de escravo, pelo menos sua alimentação estaria garantida.

Enfim, com a chegada de portugueses, holandeses, espanhóis, franceses e ingleses, esta

modalidade de mão de obra passou a entrar na lógica comercial e se intensificou de tal forma que

passou a ser um produto dentro da África para a obtenção de ajuda militar, aquisição de

territórios e produtos comercializados na Europa (MATTOS, 2009).

Assim, as constantes guerras e confrontos entre os reinos africanos na confluência do

escravismo teve como resultado o aprofundamento de disputas internas e externas aos processos

de territorialização das regiões africanas entre nações e grupos étnicos com prováveis

desdobramentos nos tempos atuais.

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Claro que essa situação se tornou mais aguda pela invasão dos portugueses que, a

princípio vinham em busca de metais preciosos (cobre e prata principalmente), mas que

começaram a se estabelecer em território africano ao construir fortificações e conversões

religiosas (LOPES, 2008; MATTOS, 2009).

Dadas as condições econômicas do século XVII, período em que tem início o emprego de

mão de obra escrava no Brasil, essas pessoas estariam destinadas, entre outras atividades, ao

garimpo e trabalho na zona canavieira, fato que corrobora o uso de escravos na Sesmaria Boa

Vida e que encontra correspondência na absorção da Sesmaria Rondon (posteriormente Mata

Cavalo) e que era chamada de Usina.

No entanto fica a questão controversa acerca das situações diferenciadas entre os

trabalhadores das sesmarias unificadas já que nem todos os habitantes eram libertos, mesmo após

as leis que deram origem à libertação dos escravos e filhos de escravos, ou seja, toda sorte de

condições sociais que anunciam uma possível situação de desagregação entre os moradores do

futuro complexo quilombola.

Na sesmaria a relação dos escravos e forros com Anna Tavares pode ter sido tanto

amistosa quanto animosa, visto que os senhores de engenho utilizavam a doação ou a alforria

como forma de controle e contenção da escravaria a fim de que não fossem assassinados, fato

muito comum durante o período colonial (MATTOS, 2009), embora não haja relatos de

insubordinação ou revoltas relacionados à Boa Vida.

3.1.1 Relação entre escravismo e religiosidade

Um dos problemas na tensão entre senhores e escravos e que seria causa de temor pelos

primeiros, sempre teve relação com a manipulação de ervas, poções, magias e encantamentos por

parte dos escravos e, então, essas afirmações adquirem corroboração histórica e na literatura

quando dos processos sincréticos que têm relação com o vitalismo dos orixás de maneira mais

forte do que com a visão de temeridade por alguma punição por parte dos escravos (FERRETTI,

1995; LOPES, 2008, MATTOS, 2009).

Ora, esse vitalismo é uma herança forte e que, ao contrário das religiões da tradição

judaico-cristã, não sublimam sua espiritualidade projetando-a para um plano abstrato, mas apoia-

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se nos poderes da natureza, retira características e traços elementares da terra, já que os deuses

africanos estão ligados diretamente às forças ctônicas e que viaja com os escravos pois

[...] para os nativos da África, trazidos para cá pelo tráfico escravo, toda a essência

sagrada se concentra na natureza, manifestada pela força viridente e numinosa da

floresta. Ao contrário das crenças de seus algozes brancos, para eles a substância divina

irradia a partir da terra e não dos céus, ela é direta e não transcendente e etérea

(SEVCENKO, 2000, p. 16).

O teatro ritual, entre outras coisas, traz como elemento identitário a atualização e

revitalização da religiosidade expressa na devoção dos dançantes na medida em que o Congo

também atualiza o sentido de reverência aos antepassados como um traço essencial da cultura

banta, mas também elemento fundamental das religiões afro-brasileiras como aspecto sincrético

ressignificado em São Benedito (FERRETTI, 1995; LOPES, 2008; MATTOS, 2009).

Este teatro ritual artaudiano se insere num tempo e num espaço físico criando, mercê do

vitalismo e da atualização, elementos não espaciais e atemporais justamente no estabelecimento

de um não-tempo e de um não-lugar, na incorporação de elementos ancestrais num momento

simbólico, mas também cruamente vital. Esta crueldade e esse vitalismo são percebidos na

atuação de alguns atores que se entregam e dão continuidade ao Congo.

Enfim, o sincretismo presente no Congo também têm relação com a fusão de nações

africanas jeje, nagô, muçulmana, banta e que se metamorfoseiam e se fundem com manifestações

espirituais contemporâneas (mais fortemente espírita e católica). Essa dinâmica traz o

entendimento de que não foram apenas as contribuições africanas originalmente que tornaram a

Umbanda e o Congo o que são hoje, mas a construção de uma religiosidade muito brasileira e que

transparecem no conteúdo linguístico observando-se o texto do teatro ritual. Nele, palavras que

aparecem frequentemente, tais como calunga, mogango e inguê (PETTER; FIORIN, 2008) para

indicar respectivamente senhor ou morte, trejeito e sufixo, aparecem também ao lado de

indicações de lugares como Massangana, Maringuê, Luanda, Moçambique e Congo e, claro, com

palavras em língua portuguesa.

De acordo com Mattos (2009) a palavra banta calunga, que aparece frequentemente nos

cultos da umbanda e também nos versos da Dança do Congo, se refere tanto a lugar dos mortos

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quanto ao chefe de um grupo que se organiza em torno do solo, mas também significa o “senhor

da terra” com o ofício de ferreiro e que era sua designação original.

No reino do Congo, por volta do século XV, a regulação era feita pelo calunga, mas

também por meio de um líder espiritual, sendo que os espíritos tinham (como ainda têm) uma

ligação com a natureza e era através deles que se controlava a fertilidade da terra.

O fato é que a referência que Seo Aloísio e Tóti fazem ao Rei de Congo é sua

sincretização com São Benedito (Rei da Umbanda) que no culto aos orixás traz como energia

vital do santo católico o orixá Ogum, ferreiro.

Alguns trabalhos afirmam que o sincretismo na religião ou religiões de matriz africana no

Brasil estão intimamente relacionados com a estrutura escravista na forma como transportavam e

“depositavam” os milhares de membros de diferentes nações na Costa da Mina, em Benin, São

Thomé e Príncipe, Cabo Verde e mesmo em solo brasileiro (FERRETTI, 1995; SEGATO, 2005;

LOPES, 2008; MATTOS, 2009).

Segato (2005) chama a atenção para um processo sincrético inclusivo em que várias etnias

ousaram a abertura – e não esqueçamos que ali embarcaram lideranças de diferentes níveis e

nações – durante e após o trajeto transcontinental. De fato o elo identitário desses sujeitos se

manifestou no sagrado e se fortaleceu a partir das diversas manifestações que, inclusive ou talvez

principalmente, deram origem a diversos gêneros musicais e manifestações artísticas, como o

samba, o jongo, maracatu, capoeira e Dança do Congo, Congada e Terno de Congo.

Nesse contexto há uma forte corrente religiosa e de curandeirismo ligada à matriz afro,

mas diretamente relacionada ao Congo nas diversas personagens que ocuparam posição de

destaque dentro do teatro ritual e como lideranças dentro do complexo quilombola.

Seo Macário, último líder do Congo em Mutuca, dominava o gericongo12, objeto

considerado por Tóti e Seo Aloísio como instrumento mágico onde também se servia a bebida

(garrafada) que “animava” os dançantes antes, durante e após a Dança do Congo. Segundo Seo

Aloísio esta bebida era revigorante, mas ninguém sabia ao certo como era manipulada e mesmo o

instrumento não foi reproduzido ou registrado.

12 Instrumento mágico utilizado musicalmente, mas também como utensílio para a bebida oferecida aos dançantes durante a realização do Congo. Infelizmente não há imagens ou representações de seu formato, tamanho, sonoridade, mas tão somente histórias sobre sua existência.

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Hermógenes, Mogenho ou Homogenho, avô de Seo Aloísio e mucaxo no Congo, ainda

hoje é chamado de feiticeiro ou catimbozeiro13 por aqueles que o conheceram ou que têm notícias

sobre seus feitos, como a capacidade de paralisar pessoas e animais sem tocar nelas, apenas pela

palavra; benzer e curar com galhos ervas ou pela palavra.

Nas palavras de Dona Nata e Tóti, Cesário Sarate pode ser considerado um dos maiores

babalorixás de Mato Grosso, foi Rei Perpétuo durante quarenta anos aproximadamente e

responsável pelo retorno de dezenas de famílias de quilombolas expulsos desde a década de 1940.

Atualmente a principal personagem do Congo é Tóti, babalorixá da linha de Umbanda e,

nela, afilhado de Dona Nata, responsável pela continuidade do Congo, pelas apresentações e

acertos com o poder público na organização e logística para o transporte dos dançantes.

No entanto, mesmo com a forte relação entre religião afro-brasileira e o Congo, as

respostas acerca desta ligação são primeiramente e sempre:

“Congo não é congá!”

E veja-se que foram respostas de Tóti, Seo Aloísio e Clarindo (General de Congo) dadas a

uma abordagem direta feita durante a apresentação da Dança do Congo, portanto declarações de

pessoas que têm fortes ligações com a religiosidade no Congo, mas são declarações que, no

mínimo, sugerem o preconceito ou receio em relação a afirmar e determinar uma possível ligação

entre o Congo e a Umbanda.

Para os dois primeiros dançantes a palavra teria conotação pejorativa e significaria o

caráter negativo da Umbanda relacionado aos feitiços; para Clarindo, o termo significaria pura e

simplesmente a própria Umbanda e, segundo ele, a única religião à qual o Congo teria pertença

seria a Católica.

Por outro lado, em entrevista Seo Aloísio afirma categoricamente:

“Eu fui criado com a raiz, eu fui criado com a raiz. O próprio... Hoje o próprio povo

da raiz tem preconceito de mostrar sua descendência, sua cultura, sua origem. Eu

não tenho, você está entendendo? Eu não tenho de mostrar. Do que eu aprendi eu

13 Esta é forma como as pessoas que conheceram o velho Hemogenho fazem referência a ele, mas preferi me abster de uma discussão conceitual sobre bruxaria, feitiçaria e catimbó.

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não tenho vergonha. E aprendi não foi copiado, aprendi vivendo. Diferente daqueles

que aprendem copiado, lá na frente ele muda o trajeto.”

Figura 6 - Tóti com capa (Rei de Congo) e na sequência Seo Aloísio (general), ambos com baquetas na mão à esquerda.

(Fonte: acervo Casa São Benedito).

Outra forma de entender esta afirmação, complementarmente à primeira, seria o fato de

que o Congo sempre foi visto como ritual de catimbó fosse pela relação de alguns dançantes com

feitiços e com a Umbanda, fosse por sua forte relação com o vitalismo herdado do orixá Ogum

sincretizado em São Benedito.

Segundo Seo Aloísio a força mitológica do Congo impregna os envolvidos como um

daimon impregna a alma (SEGATO, 2005) e, então, por esse motivo não se pode dele fugir nem,

portanto, contra ele lutar. O sentido mitológico está para além de uma suposta invalidação pela

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tradição judaico-cristã se não pelo respeito às diferenças, pelo menos pela anterioridade

cronológica de sua existência que, entre outras coisas e talvez principalmente, traz uma vitalidade

que o catolicismo não tem.

Grosso modo, é desta forma que a Igreja Católica incorpora, por exemplo, as festas pagãs

atribuindo dias específicos aos santos de maneira sincrética aos deuses europeus (LE GOFF,

1996). Na confluência entre o catolicismo popular e a religiosidade africana, durante o período

colonial brasileiro e, nele, o escravismo, surge outro processo de sincretismo com o surgimento

da Umbanda, por exemplo, e a correlação entre santos católicos e orixás.

No Brasil esse catolicismo popular se fortalece como incorporação do paganismo europeu

que, como já foi dito, se traduz, entre outras coisas, nas festas de santos (LE GOFF, 1996) e, por

outro, em processos sincréticos como a Umbanda. Mesmo no Candomblé, onde a força mítica se

manifesta na vida e no cotidiano (SEGATO, 2005), a mistura de orixás sob uma mesma

conformação religiosa, ainda que separada em diferentes nações, também é um processo

sincrético (FERRETTI, 1995).

Na Dança do Congo a manifestação artística fortemente representada como teatro ritual se

afirma como expressão da devoção a São Benedito que representa esse sincretismo dentro e fora

do Congo e isso não se dá de forma gratuita senão pelo vitalismo de Ogum representado pelo

santo, mas que tem sua representação mais forte no Rei de Congo que agrega o curandeiro, o

guerreiro e o monarca, como ponto de convergência da religiosidade, da expressão artística e

demarcando o território negro.

Todavia alguns detalhes relativos ao espalhamento dos dançantes e do próprio Congo pelo

vale do rio Cuiabá, entre outras regiões, redefine sentidos e participação dos novos dançantes e

das apresentações do Congo que resiste mercê de seu caráter devocional, mas que também passa,

assim como outras manifestações por todo o território nacional por mudar seu sentido e objetivos

na medida em que se desliga e se desvincula do ambiente para vincular-se aos processos de

folclorização da cultura (CARVALHO, 2003).

A espetacularização do Congo não é apenas a transformação de sua manifestação em

mercadoria senão que, consideradas outras variantes, vem no mesmo pacote do desencantamento

do mundo que também é causa das mazelas ambientais. Aqui observamos a retirada cirúrgica dos

valores que dão sustentação à expressão artística, pois não são objeto de interesse da

modernidade e do iluminismo (GEERTZ, 1989; GRÜN, 1996; HORKHEIMER, ADORNO,

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2002; GUIMARÃES, 2003). Então, nesse processo de assepsia, há uma desvalorização da

devoção, porém a destituição da espiritualidade (OLIVEIRA, 2011), tanto da base mítica quanto

religiosa, deixa apenas um discurso vazio, monolítico e tão monocultural quanto uma plantação

de cana.

Este desencantamento do mundo e sua assepsia são violências cometidas contra a cultura,

a natureza e uma cultura que esteja muito próxima da natureza (ACSERALD, 2005). Na medida

em que os sistemas urbanos se inserem nos ambientes rurais, na medida em que o capitalismo

menospreza religiosidade e mito, destituindo as manifestações daquilo que lhes dá vitalidade, à

manifestação artística restaria ser folclorizada. Seria uma espécie de pressão da urbanidade e,

nela ou por ela, tudo o que poderia obstruir seu caminho é modificado para atender às novas

necessidades da sociedade moderna que, ao “incluir” outras sociedades com outras

racionalidades, formam um mundo unívoco.

Entretanto, a lógica da comunidade não funciona em segmentos separados

profissionalmente, pois o coletor de babaçu é também um antigo dançante de Congo que mora no

cerrado donde se tirou a baqueta onde as pessoas ainda guardam resquícios do iorubá e

incorporaram um acontecimento fatal de tal forma que modificou o nome de um córrego (de

Rondon para Mata Cavalo), mas também a associação da Mutuca no ribeirão de mesmo nome

(será que lá tem mutuca?). De maneira um tanto quanto simplista e direta ou, talvez, de forma

resumida: ao destruir um ecossistema destrói-se também o sagrado e, inversa, mas não

contraditoriamente, destruindo o sagrado, perde-se a cultura local, forjando uma cultura global

homogeneizada e hegemônica que pasteuriza as diferenças.

3.2 O TEATRO RITUAL

“Vamos fazer o encontro Com a bela procissão

onde vem São Benedito Cobrindo- nos de benção”

(Pé-de-verso de uma das cantigas do Congo) Esta é a descrição dos acontecimentos, execução musical, coreografia e drama, que

acontece na Festa de São Benedito, desde a alvorada até a hora do almoço que, em tese, encerra

as atividades envolvendo a Dança do Congo. Embora não tenha observado na íntegra, conforme

ressalva que faço no final do item que segue, busquei o máximo de informações quanto à

estrutura do Congo em seus detalhes.

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Tornar-se-á notório que esta descrição apresentará um tom diferente do restante do

trabalho, mas a narrativa é proposital numa tentativa de situar a Dança do Congo

etnograficamente, ao entender que em todos os outros capítulos, subcapítulos e secções já

existem diálogos com a literatura, muito embora eu não possa me furtar a fazer comentários

durante a descrição e, claro, isso suscitará relações com a bibliografia.

A relação entre a Dança do Congo e o teatro ritual de Antonin Artaud deve-se pelos

aspectos ligados à religiosidade e aos aspectos vitais ainda presentes nesta manifestação através

de seus principais atores, Tóti e Seo Aloísio, na relação que percebem entre o Congo e as forças

da vida, com o respeito a São Benedito e, de maneira direta, por pertencerem à Umbanda.

3.2.1 Antes da missa e da procissão

“Banbarará para nosso Rei, o Rei de São Benedito Banbarará para nossa Rainha, Rainha de São Benedito

Banbarará para nosso Juiz, Juiz de São Benedito Banbarará para nossa Juíza, Juiza de São Benedito.”

(Pé-de-verso de uma das cantigas extraído do caderno de Seo Aloísio)

É alvorada e um grupo de dançantes de Congo se prepara para mais uma Festa de São

Benedito, santo negro católico reverenciado em todo o território nacional, mas que, nesta região

da Baixada Cuiabana, tem um lugar e um significado especial. Isto porque assume poder

sincrético, sintetizando o santo negro, o preto velho e o rei africano lendário envolto em histórias

confusas, com diversas versões e conflitos, como é o caso da Casa São Benedito, dos

quilombolas e da Dança do Congo.

Eles, os dançantes, vêm de longe, de outras cidades, ainda que próximas, mas já formam

um grupo bastante diminuído em relação ao que foi o número de dançantes nos tempos áureos do

Congo, desde o século XIX até início do século XXI, conforme relato de Seo Aloísio, Germano e

Tóti. Misturam-se dançantes antigos e novos na mesma fé, na mesma devoção, mas sem a mesma

segurança em relação ao que vai acontecer durante as próximas horas. Nesse momento são

tirados14 os quatro cantos iniciais em frente ao altar de São Benedito dentro da Casa São

Benedito.

Depois de saírem da Casa, fazem a marcha em busca da Rainha e Rei Perpétuos, os

irmãos Odália e Quirino, herdeiros da tradição do velho líder espiritual Cesário, o Rei Perpétuo

14 Tirados quer dizer cantados, na forma como os dançantes costumam se referir às toadas ou rezas.

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anterior. Em seguida vão buscar o festeiro, juiz e juíza, além dos eventuais convidados de honra

para assistirem à missa na Igreja Nossa Senhora do Livramento, antigamente conhecida como

Nossa Senhora do Rosário na qual, estranhamente, puderam entrar apenas após a intervenção

forte de Cesário na década de 1980.

Os eventos narrados da alvorada até aqui foram descritos como formas tradicionais por

Seo Aloísio e por um dos principais líderes na atualidade, mais conhecido como Tóti. Portanto

não presenciados por mim, mas, a partir daqui, segue a narração da Dança do Congo que assisti

in loco no dia 19 de abril do ano de 2009.

3.2.2. Na missa

“Um sorriso negro, um abraço negro Traz felicidade

Negro sem emprego fica sem sossego Negro é a raiz da liberdade”

(Nei Lopes)

No altar atrás da pedra cerimonial (figura 7) encontrava-se o corpo de dança separado em

dois grupos distintos pelas cores: azul e vermelho. Após a liturgia o canto foi acompanhado por

um atabaque ou timba que deu um toque especial e diferente ao cerimonial católico: um ijexá,

ritmo largamente utilizado nos cultos afro-brasileiros e em algumas canções da MPB,

significativamente religando, demonstrando musicalmente todo o sincretismo do acontecimento

cultural daquele domingo, dezenove de abril do ano da graça de dois mil e nove.

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Figura 7 - Dançantes durante a missa.

(Foto: Cássia Virgínia de Souza).

Antes que a missa tivesse fim houve uma mostra de um processo de ressignificação e

inserção de uma canção popular, um samba de terreiro de Nei Lopes durante a Paz de Cristo, mas

ainda tocado como ijexá, gênero bastante utilizado na música popular brasileira e nos rituais de

candomblé das nações nagô e ketu.

Após a missa o grupo saiu da igreja, misturado aos fiéis e, na medida em que o canto

católico miscigenado foi ficando pra trás, mesmo não havendo uma ruptura, a primeira cantiga

anunciou o abandono pelo grupo do mundo católico em direção ao drama que envolve a Dança

do Congo. Sincronicamente foi ganhando força o primeiro toque da “baqueta” (figura 8)

acompanhada por outras “baquetas”, um “pandeiro” substituindo o original e tradicional “adufo”

e um “ganzá” (figura 9).

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A pequena caminhada da procissão em que foram “tiradas três cantigas” 15 seguiu rumo à

Casa São Benedito onde o Congo prosseguiu na encenação das cenas, coreografias e músicas que

descreveram a guerra entre dois reinos.

Figura 8 - Baqueta em destaque ao centro, tocada pelo Rei Monarco.

15 Tirar, no linguajar dos dançantes, significa executar. Na entrevista com Tóti fui informado que era comum a dança do Fogo-seco durante a procissão, mas que não é mais executada, visto que esta coreografia é de difícil execução tanto por sua complexidade quanto por exigir condicionamento físico dos dançantes.

(Foto: Cássia Virgínia Coelho de Souza).

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Figura 9 - Ganzá em destaque ao centro.

(Foto: Cássia Virgínia Coelho de Souza).

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3.2.3. As personagens

“Saiu do Sacrário, saiu do sacrário O Deus infinito, O Deus infinito

Virgem do Rosário Viva São Benedito, Viva São Benedito!”

(primeiro pé-de-verso, cantado no início da procissão).

Eram duas fileiras de dançantes: aqueles vestindo azul representando o Rei Monarco

(forma com concordância de gênero utilizada pelos dançantes) e os que trajavam vermelho, o Rei

de Congo. Não há concordância em relação ao significado das cores e quanto aos reinos que

representam, apesar de uma cartilha (assim chamada pelos dançantes), publicação do Instituto

Usina (2006) em formato de caderno com o título “Dança do Congo de Nossa Senhora do

Livramento” trazer uma leitura da procedência das cores.

De acordo com esta cartilha, como os dançantes costumam se referir, o vermelho faria

referência ao local de origem do Congo, Minas Gerais e aos negros vindos de lá, enquanto que o

azul seria “em homenagem aos povos africanos de Massangana e Luanda” (USINA, 2006, p.12).

À frente do cortejo estava o festeiro carregando a bandeira de São Benedito juntamente

com a juíza e o juiz do Congo que ladeiam o andor de São Benedito carregado pela Rainha e Rei

Perpétuos16 até a Casa São Benedito.

As duas fileiras dividiam e divisavam dois reinos (figura 10). Azuis e vermelhos com seus

respectivos Reis, Príncipes e Generais, Fidalgos e Caranguejis, os Pés-de-fila, Mucacho e

Secretário e Embaixador. Cada um deles com um papel definido hierárquica e estruturalmente no

Congo, embora tenha havido uma mudança profunda no desempenho desses papéis.

16 Durante a procissão esta é a forma de realizar a saída da igreja na condução do santo até a Casa São Benedito e que me foi relatada pelos dançantes, porém notei que o andor era carregado pelo Rei Perpétuo, mas não pela Rainha que foi substituída pela Juíza. Os motivos para a quebra da forma não foram discutidos, mas talvez tenham relação com a disputa em torno da festa.

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Figura 10 - Fileira de dançantes em frente à Casa São Benedito.

(Foto: Cássia Virgínia de Souza).

Ao Rei Monarco, vestido de azul, caberia primitivamente o papel de condutor das falas e

das cantigas, devendo-se a ele o primeiro toque da baqueta desde a alvorada até as últimas visitas

às casas, o que tradicionalmente marcaria o final da Dança do Congo e início do baile. A tradição

foi quebrada após a morte de Macário (na Mutuca era o Rei Monarco) e Manoel Lino (que em

Livramento também foi Rei Monarco). Todavia, esta condução tem sido realizada pelo Rei de

Congo, sendo bastante comum a esta personagem interferir nas atribuições dos Generais, cuja

função consiste em organizar as filas, plateia e transeuntes de maneira geral.

Esta relação de mando e a forma de organizar o Congo deve-se à sua estrutura

hierarquizada, visto que nem todos os dançantes sabem o que têm que fazer durante o teatro ritual

e isso se deve ao fato de que não possuem mais o ensaio como prática pedagógica. O fato de que

é Tóti, o Rei de Congo o responsável pela organização geral dos dançantes está ligado à forma

como ele se introduziu no Congo como personagem central, a partir de um processo de escrita.

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Os Pés-de-fila devem garantir a resposta do coro e fazer a “segunda voz”, cantada

geralmente em intervalos de terça maior descendente em relação à voz principal, mas neste caso

também, nem sempre fazem com proficiência. Eles têm papel fundamental na condução das

baquetas que sucedem o primeiro toque. De acordo com Tóti e Seo Aloísio com um bom Pé-de-

fila a função do Rei (seja o Monarco ou de Congo) fica bastante aliviada, já que o tempo de

duração do Congo é bastante longo e o desgaste físico é grande.

Durante as entrevistas relataram (Tóti, Aloísio, Zé Pedro, Germano, entre outros) que, não

raro, o Congo durava até cinco horas. Embora acontecesse em outro ambiente e tivesse início

antes do alvorecer, submetendo os dançantes a menor exposição ao sol e ao calor, havia a noção

de que o teatro ritual era desgastante, também por esse motivo havia idade e tamanho mínimos

para ingresso no Congo.

Outra tática utilizada para driblar o cansaço era a utilização de pequenas pausas onde os

dançantes bebiam um preparado de ervas e cachaça ou vinho, chamado de “garrafada” e que, em

geral, era preparada pelo líder do Congo (Macário na Mutuca, Cesário em Livramento).

Os Príncipes têm falas e papéis de destaque no drama, mas ocupam estas posições de

acordo com promessas feitas por seus pais São Benedito, por isso é comum que haja mudanças

das pessoas que ocupam este lugar e isso significa também que o príncipe não sucederá o rei.

Notei que num determinado momento os meninos já estavam cansados e tinham que ser

instruídos quanto ao que deveriam dizer, onde e como deveriam se colocar.

O Mucuaxe, Mucuache ou Mucaxo (figura 11), personagem que existe apenas no grupo

de vermelho, seria uma espécie de Bobo-da-corte ou Palhaço, muito próximo daquelas

debochadas personagens medievais, segundo Seo Aloísio. É a personagem que desencadeia a

guerra, faz a espionagem e, mesmo após a reconciliação entre os reinos, faz algum gracejo no ato

final. É o único que usa roupas diferentes e tem um capacete de penacho, a ele também seria

atribuída a responsabilidade pela condução do “adufo” ou, nesta oportunidade específica, do

“pandeiro”.

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Figura 11 - Mucaxo, no centro da imagem, dançante de óculos escuros.

(Foto: Cássia Virgínia de Souza).

O Secretário, do lado do Rei Monarco, transmite e realiza as ordens deste rei, além de

prender o Mucaxo durante a trama, assim como os Generais, não toca nenhum instrumento,

talvez por ter que realizar ações dramáticas durante o desenrolar das cenas. Notei que todos os

atos desta personagem foram acompanhados pela “marimba”, sendo que parte desses atos é

realizada coreograficamente.

Os Generais têm como funções organizar a fila, a assistência, acompanhar o secretário em

uma das cenas, anunciar e iniciar a cena da guerra. São eles que cruzam espadas no momento

dramático que antecede a guerra.

Enfim, completando a composição hierárquica da fila, os Caranguejis, um de cada lado,

são os aprendizes, os menores participantes em termos de idade, mas ainda pertencentes à

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fidalguia, já que o restante da fila representa os soldados. A estes caranguejis, na atualidade,

permite-se que tenham, no mínimo, 12 anos de idade.

3.2.4. O início da Dança: em frente à Casa São Benedito

“O giramundá, o giramundá Olê, olá, cangiracá

O giramundá, o nosso rei O giramundá, o nosso rei.”

(Pé-de-verso chamado Giramundá que marca o início do drama propriamente dito)

Embora tenha realizado a transcrição das cantigas e das principais células rítmicas dos

instrumentos musicais, não foi possível trazer para este trabalho todas as letras das cantigas

devido ao fato de serem ininteligíveis e, muitas vezes, como será visto, suscitarem outro

entendimento. Trechos das cantigas só puderam ser escritos aqui graças ao caderno que Seo

Aloísio me emprestou, contendo parte de letras de cantigas e falas dos dançantes.

A Casa São Benedito (figura 12) é uma construção antiga de apenas uma peça com uma

porta larga de folhas duplas que dá para a calçada no interior da qual estão bandeirolas de papel

de seda enfeitando teto e paredes. Ao fundo, nesta sala de pequenas dimensões (um pequeno

salão com cerca de 3,50 m x 3,50 m) está um altar baixo com a figura de São Benedito ao centro,

algumas velas e enfeites. Embaixo do altar se encontra a “marimba”.

Na rua em frente à Casa, onde se desenrolou toda a cena da Dança do Congo, foi montada

uma tenda; na calçada de mais ou menos um metro de largura colocou-se um banco de madeira

que, em geral, serve de assento aos visitantes da Casa ou para aqueles que visitam o Rei Perpétuo

que mora numa casa contígua e pertencente ao conjunto da Casa de São Benedito e também é

alvo de disputas entre os irmãos Quirino e Odália.

O som do “ganzá”, do “pandeiro” (em substituição ao “adufo”) e das baquetas, que não

eram tão altos a ponto de afrontarem o canto, fizeram o acompanhamento de vozes que

realizaram um jogo musical em terças17, de ritmos fortemente marcados pelas “baquetas” e que,

17 Distância entre duas notas musicais conhecido como intervalo melódico musical.

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às vezes, se revelavam como pergunta e resposta, numa espécie de canto responsorial18 muito

comum nas manifestações artísticas de caráter coletivo.

Figura 12 - Interior da Casa São Benedito, enfeitada para a festa.

(Foto: Cássia Virginia de Souza).

Os dançantes chegaram à porta da Casa São Benedito onde o andor foi depositado, entre a

porta e o comprido banco que serviu de espaço da corte do Rei Monarco, Príncipe, General e

Secretário. Com isso completou-se o cenário onde se desenrolou toda a trama do Congo. Ao lado

do andor colocaram a “marimba”, um pequeno idiofone de madeira que acompanhou todas as

cantigas a partir daí.

As duas filas se moveram em cruz seguindo os pontos cardeais, embora este movimento

apenas obedecesse a uma contingência espacial, ou seja, não havia originalmente esta coreografia

18 A forma mais antiga de canto litúrgico em que a assembleia responde após o canto do solista ou de um coro. Na tradição oral africana é muito comum o canto responsorial e que dá origem, no Brasil, a diversos gêneros musicais: partido alto, samba de roda, coco praieiro e, inclusive, o Congo.

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em cruz, foi uma tática19 (CERTEAU, 2005) a fim de contornar o problema da largura da rua. A

questão é que os dançantes realizam a coreografia no sentido longitudinal, ou seja, de frente para

o altar de São Benedito, colocado em frente porque a largura da rua não comporta este tipo de

coreografia e, então, se viram na necessidade de dançar desta forma.

Tudo começou com a dança dos reis chamada de Giramundá, no qual os dois dançam

frente a frente no interior das filas e ao longo delas, saindo da frente dos pés-de-fila, generais,

príncipes e caranguejis, ou seja, do local onde se fazem as falas até os últimos dançantes, os mais

novos.

Note-se que Giramundá é referido no gênero masculino e Seo Aloísio considera-o como o

início da guerra e não da dramatização, principalmente na importância do episódio que demarca o

início do conflito propriamente: a declaração de guerra que acontecerá adiante.

A coreografia foi perdendo a exatidão dos mugangos20 e os dançantes foram cantando

frouxamente conforme suas posições no final da fila, ou seja, houve um decréscimo de

proficiência e concentração desde o Rei até o último soldado. No entanto é perceptível que o

canto e as células rítmicas não convergem, tornando sua execução e entendimento ainda mais

difíceis. Ao final nem todos os dançantes alcançam as notas graves, principalmente os mais

jovens.

O Giramundá, mantendo a mesma figura rítmica mudou para duas outras cantigas

consideradas por Seo Aloísio como pertencentes a ele e, assim, a coreografia tornou-se uma

dança cadenciada em que cada uma das filas foi serpenteando no meio da outra.

Em seguida a corte se instalou com o Rei (Monarco), O General, Secretário e Príncipe

sentados de costas para a Casa São Benedito, de frente para a rua, enquanto os dançantes (azuis e

vermelhos) dançavam em frente ao edifício, aproximando-se aos poucos como se fossem

invadindo o território do Rei Monarco, trazendo a música mais para perto, o que, de alguma

forma foi percebido pelo Monarco como algazarra.

19 Táticas se opõem às estratégias, pois não visam fortalecimento, mas a sobrevivência no cotidiano. Segundo Michel de Certeau, as táticas se inserem em campos de poder onde se desenrolam ações estratégicas que buscam adquirir mais poder. Grosso modo, este autor considera que as táticas são formas de atuação do “fraco” que se move nas brechas das “estratégias” do forte. 20 Mogango é todo e qualquer passo de dança no Congo. Na cartilha do Congo (USINA, 2006) mugangos são os movimentos das filas e dos dançantes, porém alguns dançantes (Tóti, Germano e Seo Aloísio) afirmam que aprender os passos é aprender os mugangos, ou seja, o movimento dos pés. Lembrando que o significado na língua banto (trejeito) não difere da atribuição no Congo, mas lhe dá mais significado (PETTER; FIORIN, 2008).

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Quando os dançantes estavam próximos à corte, cerca de três passos, o Rei Monarco

solicitou ao Secretário que fosse ver quem estava fazendo “algazarra” em seu território (texto

falado durante o Congo) e, em seguida o secretário saiu de costas, ao som da “marimba”, para

conversar com o Rei de Congo, como dito anteriormente. A saída do Secretário foi acompanhada

ou orientada pelo toque da marimba.

Esta foi a primeira intervenção musical da “marimba” (figura 13) juntamente com o

“ganzá”, protagonizando os vários atos coreográficos do Secretário em suas idas e vindas para

falar com o Rei de Congo. A marimba, ao não seguir o sistema de afinação tonal ocidental,

tornou um tanto quanto difícil o entendimento, inclusive pela maneira como o dançante executou

o ritmo.

Figura 13 - Dançante tocando a marimba, em destaque abaixo.

(Foto: Herman de Oliveira).

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Percebi que o dançante que desempenhou este papel parecia cumpri-lo sem possuir

exatamente um domínio da cena e das falas, embora fosse um dançante antigo, conforme fui

informado posteriormente por Tóti, Seo Aloísio e outro entrevistado que também participou da

Festa, Clarindo.

Em seguida o Rei Monarco chamou pelo General da Guarda para que este fosse averiguar

quem eram os invasores, este fez uma saída coreográfica de costas juntamente com um dos

fidalgos e o Pé-de-fila ao som da “marimba”. O General ficou de frente para o Rei de Congo e,

por cima de sua cabeça, cruzou espadas com o General de vermelho e fez uma fala interpretando

o que via. Novamente os problemas de memória e tropeços na execução do texto, sendo ajudado

frequentemente pelo Rei de Congo.

Basicamente afirmou que os inimigos eram possuidores de instrumentos musicais

“tocando ‘ganzá’, ‘marimba’ e ‘gericongo’ no terreiro de nosso mandado”21 (fala do General de

Guerra, vestido de azul) e, em seu retorno, sempre ao som da “marimba”, reportou ao rei sobre

sua excursão afirmando que o reino corria perigo por estar cercado de inimigos. Pelo menos duas

questões se impõem: “ganzá” e “gericongo” não são o mesmo instrumento com nomes

diferentes22.

Mais uma vez o Secretário saiu para tomar satisfações com o Rei de Congo para saber de

quem se tratava, mas, em resposta obtém um sonoro:

Vai dizer ao seu Monarco que eu sou aquele mesmo embaixador de honra que vem de Luanda com duas classes de gente, uma que vem de Mina, outra que vem de Massangana23, pedindo guerra e mais guerra eu abro esta terra e corro sangue por ela! (fala do Rei de Congo).

Novamente a coreografia do Secretário foi acompanhada pela “marimba”, mas logo

depois se realizou um instrumental anunciando outro ato e a entrada de uma importante

personagem no desenrolar dos acontecimentos: o Mucaxo.

21 Me pergunto se historicamente existiria uma proibição em relação à festividades naquele reino ou a música era uma marca do Reino do Congo? 22 Na cartilha do Congo aparece a foto do ganzá e girecongo ou gericongo entre parênteses como se fossem os mesmos instrumentos, mas tanto no texto falado, quanto escrito ou narrado (por Seo Aloísio) apontam para uma interpretação diferente. Adotei aqui o termo gericongo utilizado por Seo Aloísio. 23 Durante a pesquisa foi me emprestado um material por Seo Aloísio, um caderno contendo as letras do Congo e alguns textos das falas e, nele, nesse trecho, ao invés de Massangana, está escrito Guiné.

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Aqui foram acrescentados instrumentos musicais, como se a marimba não pudesse

acompanhar um dançante do Rei de Congo, talvez significando que este seja um instrumento

musical do Rei Monarco.

Todos os movimentos do Rei de Congo e do Mucaxo daqui por diante foram

acompanhados de instrumental, fosse pelo “pandeiro” ou por uma parte do grupo instrumental

(“baqueta”, “ganzá”, “pandeiro” e, num segundo momento, a “marimba”).

Percebi que o dançante que tocava “pandeiro” e que fazia o papel de Mucaxo, não

importando as células rítmicas que estavam sendo tocadas pela “baqueta”, executava sempre a

mesma célula e suas falas também eram entrecortadas por problemas de esquecimento, embora

demonstrasse domínio do instrumento, principalmente por conseguir manter sua célula em meio a

ritmos tão diferentes, criando uma polirritmia interessante. Neste momento as duas filas se

afastaram e tiveram início os atos envolvendo os reis e o Mucaxo.

Mais uma vez me reporto aos dançantes entrevistados (participantes diretos ou não) que

observam como problema essa falta de segurança nas falas, ou nas cantigas, sinalizando rupturas

com o aspecto da devoção, do respeito ao santo, falta de preparação advinda da falta de ensaios.

Esta perda de concentração poderia ser acompanhada de um improviso não fosse o fato de

seguirem à risca o texto, mas então é preciso observar um detalhe do teatro ritual artaudiano

(ARTAUD, 1993; LIMA, 2010) pelo fato de descartar a primazia do texto em função da

importância da carne. Todavia, o respeito ao texto não exclui completamente a entrega ao ritual,

notadamente nas palavras de Tóti:

...pra falar a verdade eu não vejo o Congo. Eu sei que eu tô ali fazendo o Congo, mas eu não vejo o Congo em si. É, é ... Depois que termina eu pergunto “Como que eu sou no Congo?”. Porque... é... é... eu, eu não vejo o Congo... quando eu tô a... a fila tá formada.

A centralidade das ações em junção com a organização e a apropriação do texto fazem do

Rei de Congo a personagem principal em função da forma como adentrou a fidalguia e, então, de

alguma forma apagando o Rei Monarco.

O Rei de Congo ordenou ao Mucaxo que fosse até o Rei Monarco e lhe entregasse um

ofício dizendo que provinha de Dom Cândido, mas, ao invés disso, o Mucaxo ficou passando e

passeando pelo reino. Essas ações foram indicadas tanto por declarações dos dançantes, quanto

pelas firulas que o Mucaxo fez em frente à corte, chacoalhando o “pandeiro”, se esgueirando

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como se estivesse espionando temeroso. Este ato se repetiu por quatro vezes até que ele foi preso

pelo Secretário que já havia se retirado da corte para esta finalidade.

No entanto sua prisão não foi aceita passivamente, pois a todo instante, o Mucaxo fugia e

era recapturado. Somou-se a isso a chegada do Rei de Congo, com o intuito de libertar o Mucaxo

e que, aos gritos, pediu licença, sendo atendido apenas após muita insistência.

Vale lembrar que essas são ações cênicas e que o único objeto de cena é um banco de

madeira com cerca de dois metros de comprimento que é colocado na calçada em frente à Casa

São Benedito. Este banco representa o trono do Rei Monarco, mas também demarca os limites da

corte. Como será visto adiante há, a todo instante, o entrelaçamento do real com o imaginário, o

que dá um tom cômico à encenação, ou seja, mesmo que haja a alusão à história (como é o caso

da ausência de ouro em território congolês) o fato é que o banco/trono seja de madeira e não de

ouro traz, num momento de tensão entre os reis, um ar de comédia.

Apesar do tom cômico os antigos dançantes afirmam que existia um respeito e uma

seriedade, ainda que os trechos cômicos estejam escritos no caderno de Seo Aloísio o que

significa a fixação de uma forma de fazer. Assim, no final do Congo, perguntei a Seo Lídio, um

dos mais antigos dançantes ainda atuantes, como ele via a intromissão das pessoas durante o

Congo e a forma como as pessoas se comportavam de maneira geral já que o banco demarcava

um território e um território na cena do teatro ritual.

Hoje tá tudo bagunçado... muita conversa, o pessoal passando no meio... antigamente ninguém passava no meio do Congo... Tava lá tirando umas turminha que tava sentado lá... ninguém pode sentar no banco, só quem senta no banco é o rei, o príncipe...

Juntamente com o príncipe e o Pé-de-fila, o Rei de Congo, tomou assento no trono do

Monarco e, neste momento, houve um pequeno entrevero na corte entre os reis em relação ao

trono ser de madeira ou de ouro. Não pude deixar de notar que o Reino do Congo, como já

apontado por Lopes (2008), não possuía ouro e, talvez, decorra daí o espanto do Rei de Congo

em relação ao assento.

Os reis negociaram a soltura do Mucaxo e, nesse momento, o diálogo entre os dois

adquiriu, mais uma vez, um tom de comicidade que eu, a princípio, imaginava que fossem apenas

improvisos, mas após ter contato com o caderno de Seo Aloísio pude averiguar que se tratava de

textos decorados com poucas variações em relação à apresentação.

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Finalmente o Mucaxo foi solto, mas mercê de uma desfeita, simbolizada pela batida do

“pandeiro” em frente ao rosto do Rei Monarco, fez com que todo o séquito de Dom Cândido

fosse expulso da corte desencadeando os eventos que desembocaram na guerra.

As duas fileiras se aproximaram e cruzaram as espadas apontando-as para baixo, enquanto

o Rei Monarco, o General e o Príncipe de pé em frente ao trono, caminhavam lentamente de um

lado para outro das filas. No outro extremo, fazendo o movimento contrário, também

acompanhado por seu General e Príncipe, estava o Rei de Congo fazendo as falas em relação ao

conflito iminente no fim das quais correu entre as fileiras rompendo as espadas cruzadas com sua

própria. Depois disso foi a vez do Rei Monarco agir tal e qual, como resposta ao primeiro, porém

quem fez o movimento de romper as espadas ainda foi o Rei de Congo.

Afinal quem realizou o encerramento deste tipo de hostilidades para dar início à

coreografia representativa da guerra propriamente dita, foram os dois generais, cabendo ao

General do Rei de Congo o papel de romper as espadas cruzadas, cruzar espadas com o General

do Rei Monarco e, enfim, dar início à guerra.

A representação coreográfica e musical da guerra pôde ser vista na formação de dois

grupos bem próximos e que, em alguns momentos, conseguiam se aprumar como filas. Na parte

externa das filas os generais cruzaram espadas por cima das cabeças dos dançantes, enquanto a

música evoluía numa espécie de suíte24 em que três cantigas foram tiradas em sequência, mas

sem que os dançantes mudassem os mugangos que eram realizados num gingado em compasso

binário25, sendo dois para um lado e depois para o outro, marcando-se com os pés.

Nesta cantiga as espadas se cruzaram marcando o ritmo nos tempos forte e fraco dos

compassos, mas também seguindo as mudanças do canto e do instrumental.

Explicitando o contraponto da devoção versus guerra, em oposição e/ou

complementaridade, tiraram mais uma cantiga após a expressão “Esperança, Paz e caridade!”

que foi respondida pelo Rei Monarco com “Nem de paz, nem de esperança, nem de caridade...”

fazendo alusão ao momento que estão vivenciando. Todavia, no momento seguinte, a expressão

surgiu novamente, houve uma nova cantiga onde Reis, Príncipes e Generais saíram cruzando

espadas em torno das duas filas de dançantes que executaram as cantigas.

24 Conjunto de peças musicais organizados numa sequência ou série. 25 Forma de agrupamento rítmico demarcado por um tempo forte inicial e um tempo fraco final.

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Seo Aloísio observa detalhes em relação à Dança do Congo e ao material utilizado para

fazer as espadas, assim como a limitação de idade e tamanho para dançar o Congo. Um deles diz

respeito ao fato de que as espadas eram feitas com a madeira extraída de uma árvore da região

(em extinção, segundo ele) chamada Coração de Negro, bastante resistente e com propriedades

regeneradoras e alimentares, ou seja, por seu caráter simbólico e material. A questão é que o

momento da guerra era feroz (Teatro da Crueldade) e os dois grupos, de vermelho e azul,

encarnavam um momento de batalha, daí se explica a necessidade de uma madeira resistente e de

um tamanho e idade mínimas para fazer parte do teatro ritual.

Nesse aspecto se entrelaçam de maneira bastante nítida a relação entre cultura e natureza

no viés pedagógico de um entrelaçamento de diferentes dimensões da vida, pois se há um

respeito pela prática do Congo, deve haver, ao mesmo tempo, um cuidado com a integridade

física daqueles que são mais frágeis. Nesse ponto é importante notar que não se diminui a

intensidade do vivido num teatro ritual (cru) para adequação à cronologia, pelo contrário, se a

criança quer participar é preciso esperar seu tempo e sua maturidade, por outro lado observa-se

uma relação ecológica com a cultura e que, no âmbito educativo, busca a sustentabilidade.

Foi perceptível o quanto as vozes do Rei de Congo e do Rei Monarco sustentavam as

afinações e as letras da maioria das cantigas, visto que nestas cantigas, das quais eles não

tomaram parte, o conjunto dos dançantes apresentou problemas na execução instrumental e na

sustentação do texto.

O Rei de Congo, após a guerra e num momento próximo à sua captura, realizou uma série

de declamações, versos com rimas, falando sobre aquela guerra e sua derrota e, então, no final

entregou a espada e afirmou que nunca mais tocaria nela, ao que o coro respondeu em seguida

numa das raras demonstrações de coesão do grupo na condução das “baquetas” e das vozes.

A cena seguinte retratou a prisão do rei, após o que, os dançantes já demonstravam claros

sinais de cansaço, pois a maior parte deles sentou-se no chão aguardando o desfecho próximo. Já

se passavam mais de duas horas desde a saída da igreja e o encerramento estava se aproximando.

O Mucaxo e, depois, o Príncipe de Congo foram pedir pela vida do Rei de Congo que, ao

que tudo indicou, seria executado e, afinal, o Rei Monarco atendeu ao pedido do Príncipe

emitindo uma ordem de soltura através de uma carta que foi entregue ao Duque.

A comemoração pela soltura aconteceu de maneira discreta com confraternização entre o

Rei de Congo e a corte, mas a cantiga que veio em seguida, em forma de pergunta e reposta,

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trouxe elementos textuais de difícil entendimento, parecendo mais um reconhecimento do poder

do outro, numa espécie de rendição, de vassalagem, do que alegria pela liberdade: “Pedi perdão

pra meu rei, gavamos, gavamos. Ajoelho no pé do meu rei, gavamos, gavamos. Perdão no pé do

meu rei, gavamos, gavamos...”

Detalhe importante é que, aos meus ouvidos a palavra “gavamos26” soou como “chora

Congo” e, a meu ouvir, esta expressão faria mais sentido, porém, como não compreendi a cantiga

no momento, recorri ao caderno de Seo Aloísio a fim de tentar entender o que estava sendo

cantado e foi dele que retirei o verbo citado.

A próxima cantiga foi tirada principalmente pela fila de vermelho que se aproximou da

corte e, sem interromper a cantiga anterior, ajoelhou-se ao pé do Rei Monarco, ao que todos

dançantes, vermelhos e azuis, obedeceram de formas diferentes: uns apenas se inclinaram,

enquanto outros se ajoelharam totalmente. Nesse instante a cantiga, concomitante à inclinação,

mudou de andamento e tonalidade e os instrumentos fizeram um fundo para as vozes num tutti

crescente e decrescente.

Mais uma vez a presença ativa do Rei de Congo na condução instrumental e das cantigas

se fez sentir na entonação da voz mais aguda chamando o coro e a segunda voz.

A encenação da guerra se aproximava do fim com a rendição e prostração do Rei de

Congo, enquanto o coro passava a responder musicalmente às frases que o Rei Monarco falava.

Enfim, ambos os reis intercalaram frases em formato de jogral, falando algo sobre um período

próximo à primeira República e Dom Pedro II. Finalmente, dando vivas a São Benedito, ao que

todos aplaudiram, saudaram o santo e encaminharam o Congo para as louvações ‘improvisadas’

do final.

Acredito que falar de assuntos tão recentes de nossa história, numa manifestação até certo

ponto restrita a um grupo, sinaliza que seu texto foi se enriquecendo, ao ser construído e

atualizado, porém esse processo composicional foi perdendo a força ou a importância ou, talvez,

requeresse para a composição, domínio sobre seus elementos constitutivos. Observando que

sempre houve uma centralização do poder em forma de conhecimento dentro do Congo torna-se

compreensível que os processos composicionais, para os quais o domínio estético e das poéticas

26 No linguajar local, seguindo o sentido lexical da palavra, “gavar” significa gabar-se, vangloriar-se. No meu entendimento e observando o contexto do Congo, apenas os dançantes de azul deveriam responder, visto que foram eles os vencedores da guerra.

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inerentes ao gênero são imprescindíveis, não estariam a cargo de qualquer dançante, mas

pertenceriam a um grupo ou pessoa.

Este pode ser um indício das questões relativas à aprendizagem da Dança do Congo, já

que percebi nesta modalidade de conhecimento a falta de pessoas plenamente habilitadas a

exercer liderança. Isso me levou a perguntar a Seo Aloísio porque os antigos líderes não fizeram

discípulos, justamente pela percepção de que aspectos nucleares do Congo não encontram

explicações, tendo perdido seu significado. A exemplo disso: o uso do “gericongo” como

instrumento mágico dentro da Dança do Congo, além de palavras e gestos cujos significados

foram perdidos.

Em reposta a minha pergunta, este antigo dançante afirmou que falta união aos negros do

quilombo, que sempre houve muitas disputas, mas não disse isso de maneira direta, novamente

utilizou o próprio texto do Congo para justificar suas afirmações

Nesta última parte da encenação foi realizado o Fogo-seco, uma coreografia em três

partes, de difícil execução que exigiu coordenação, senso rítmico bastante apurado e preparo

físico para fazer este mogango.

Aos pares os dançantes se apresentaram em frente à corte, neste momento, composta

pelos dois reis e príncipes, dançando o Fogo-seco ao final do qual recitaram um verso (a maioria

em forma de quadra) falando sobre a festa e, em geral, louvando o santo e os dançantes; saíram

de costas realizando outro mogango cadenciado ao som da mesma música.

Este foi o ponto que melhor demonstrou os problemas relativos à carência de ensaios

como tempo e espaço da etnopedagogia relativa à Dança do Congo, justamente porque expôs os

dançantes quase que individualmente a uma situação em que era preciso demonstrar domínio de

saberes específicos à manifestação artística, musical e coreográfica, enfim, ao teatro ritual.

De um número aproximado de 20 vinte dançantes em cada fila apenas 4 conseguiram

realizar o Fogo-seco com perfeição respeitando os movimentos em sincronia com a rítmica, os

demais, ora perdiam o compasso, ora erravam detalhes do mogango e paravam de dançar às vezes

no meio da coreografia.

Após o último verso, recitado pelos generais, a corte se levanta e tem início a perseguição

dos caranguejis (fidalgos mais novos do Congo), o vermelho corre atrás do azul enquanto os reis

cantam “Não mata o carangueji que custou muito a criar” e o restante do grupo responde “Êêê,

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que custou muito a criar”. As “baquetas” são levantadas para o alto e as duas filas ficam de

frente e bem juntas.

Pelo que pude perceber repetiram a cantiga até que os caranguejis se tocassem e, então,

teve início outra cantiga com uma marcação forte na cabeça do compasso e, em seguida com

brusca mudança de andamento, mas ainda em compasso binário, teve início a nova cantiga. Notei

que o Rei de Congo realizou alguns sinais para os dançantes no sentido de avisar quando haveria

a mudança de cantiga, sendo que esta cena se repetiu em todas essas situações, no mais, os

instrumentos foram cessando aos poucos, desordenadamente.

As filas desenharam uma coreografia cadenciada pelo jogo de pés acompanhando as

“baquetas”, os reis penetraram por dentro das filas sendo acompanhados pelos demais; saíram

pelo outro lado e, fazendo a curva no sentido inverso, ou seja, para fora, retornaram ao ponto de

origem. Este desenho foi realizado por duas vezes até pararem no local onde estava a corte e a

“marimba”, que já tinha sido retirada por um dançante de vermelho e outro de azul.

Aqui também foi perceptível a perda da consistência dos dançantes conforme iam

descendo na hierarquia, embora tenha visto que alguns componentes do grupo, provavelmente

pela embriaguez, ainda que pertencentes à fidalguia, apresentassem desempenho inferior,

tecnicamente falando, em relação a outros mais jovens.

Sem interromper as cantigas, mas acenando com a baqueta ou fazendo sinais com o corpo

em direção aos instrumentistas, o Rei de Congo ao lado ou de frente para o Rei Monarco,

dependendo da coreografia, encaminhou a Dança do Congo para seu final.

Pararam em frente à Casa São Benedito e, depois de levado o andor com o santo para seu

interior, os dançantes em fila também entraram e, realizando lá dentro a última coreografia em

formato circular, novamente obedecendo a uma contingência espacial, fecharam o círculo no

mesmo local onde começaram, conforme afirmação de Seo Aloísio na

“Escola de todos os dançantes”.

Ainda deveriam cumprir mais uma obrigação que seria visitar todos aqueles que pediram

alguma graça ou que solicitaram a visita do Congo, mas tão logo foi tirada a última cantiga o

grupo se dispersou. Embora o Rei de Congo ainda tentasse reunir alguns dançantes do lado de

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fora, isso não foi possível porque o grupo de siriri já havia tomado o espaço embaixo da tenda e

iniciava sua apresentação.

Enfim o caráter artístico da apresentação do Congo estaria desvinculado das forças que

lhe dão vitalidade e sentido dadivoso não fosse a ação de pessoas cujo sentimento está voltado à

devoção a São Benedito, ao Congo e, portanto, durante o teatro ritual se manifesta como um ato

de entrega, de sentido e expressão e afirmação identitária, mas que não se estende a todos os

dançantes. No entanto, as relações de poder no território da Dança do Congo também implicam

em territorializações, disputas e processos entre apropriação e dominação e, portanto, formas de

relacionamento com o Congo como teatro ritual ou meramente como um espetáculo exótico

dentro de um evento organizado por alguns dançantes e o poder público.

3.3. O TERRITÓRIO

Pergunto-me durante as leituras em confronto ou ao encontro dos dados no caminho

interpretativo que dá corpo investigativo à pesquisa: Como arte e artista dominam a cena ou são

apropriadas e se apropriam?

A pergunta se apoia no questionamento sobre o valor da dominação, se está mais ligado

ao uso do espaço em termos funcionais e, por isso, menos apropriado no sentido de criação de

laços com o ambiente social. Daí, imagino, decorre a riqueza, a diversidade multiterritorial

dialeticamente derivante/derivada das condições em que os artistas/atores se estabelecem, nas

quais e pelas quais produzem e são produzidos.

Portanto, se no contexto atual a dominação cada vez mais se sobrepõe à apropriação

teremos cada vez menos produções múltiplas, justo porque, segundo Haesbasert (2005, p. 6775)

“as relações de dominação e/ou de apropriação sociedade-espaço” proporcionam, por suas

lógicas ou vetores, funcionalidades ou cultura simbólica em relação ao ambiente. Pois o território

incorpora em maior ou menor grau tanto valores de apropriação e identidade em cujo solo o

pertencimento se dá dialogicamente, como valores de dominação e exploração fazendo do espaço

um local de extração de recursos.

Isso ocorrerá se puder entender que as dinâmicas formativas desses territórios ocorrem em

função do conhecimento ou reconhecimento por parte dos sujeitos que atuam sobre os territórios,

pois “A territorialidade, além de incorporar uma dimensão estritamente política, diz respeito

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também às relações econômicas e culturais” (HAESBAERT, 2005, p. 6776). Então, se não são

excludentes podem haver alternâncias e sobreposições espaço-temporais e, em algumas situações,

há combinações entre significação e utilização, entre ser e estar no território, em resumo se

misturam aspectos do funcional e do simbólico.

Um multiculturalismo associado aos processos do capitalismo onde a cultura está

vinculada às leis de mercado (orientação proveniente da porção Norte do globo) reduz processos

criativos dentro da cultura na medida em que orienta estéticas e poéticas, mas também confina e

restringe os espaços que seriam primitivamente emancipatórios para o fazer cultural

(CARVALHO, 2003).

Na complexidade que se estabelece no território e na criação da territorialidade se

imbricam identidade e conflito, símbolos, afetividades, relações de influência e assim por diante.

Entretanto, o tecido não é homogêneo, não obstante a discussão sobre identidade, nem o

quilombo o é, porém e por isso mesmo, o conflito se estabelece como parte da dinâmica de

formatividade desses territórios e que Saquet (2009) chama de multidimensionalidade como base

do território e da territorialidade.

Para Sack (apud SAQUET, 2009) a territorialidade corresponde às ações humanas quanto

à “tentativa de um indivíduo ou grupo de controlar, influenciar ou afetar objetos, pessoas e

relações numa área delimitada” (p. 86). Portanto, território e territorialidade são ambos efetuados

em diferentes níveis (indivíduo, casa, bairro, escola) dependendo do contexto social em que se

encontram, mas mobilizam-se em termos de comunicação, controle e classificação, ainda

dependentes das relações de poder a fim de efetuar e efetivar sua territorialidade.

É na relação dialética e dialógica entre o ser humano e a natureza que se perfaz o território

e quando o ambiente natural exerce influência sobre o humano afeta sua territorialidade (ao

menos num primeiro momento). Por outro lado, no momento em que a territorialidade afeta o

espaço faz-se o território.

No Congo se entrevê o processo de multiterritorialidade a partir da crítica de Haesbaert

(2009) sobre aquilo que denomina o mito da desterritorialização e reterritorialização, já que a

territorialidade, estando dentro e não exterior ao sujeito, não poderia simplesmente ser aniquilada

e reconstituída, mas estaria existindo onde quer que o sujeito se localizasse. Claro que essas

territorialidades seriam mais ou menos evidentes pois, subjacentes às relações de poder, é assim

que se constituem os territórios.

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Se o estabelecimento de territórios se faz por via das relações e relações de poder não

importando o substrato material, esse substrato (e tudo nele) estaria condenado à condição de

recursos a serviço do humano e, portanto, justificando todo o processo de degradação. A partir de

então devo considerar as várias origens e não uma origem, do contrário a invasão do Brasil seria

descoberta e, então, seguindo o mesmo raciocínio, Mato Grosso não sofreria processos de

ocupação mediados pela violência; a Sesmaria Boa Vida – Mata Cavalo não teria conflitos

internos advindos da incorporação da primeira pela segunda; e o Congo seria uma manifestação

totalitária e não reflexo do complexo quilombola como nação que permitiriam múltiplas

narrativas (BHABHA, 1998).

Desta feita a dominação territorial sem impressão de uma marca, sem demarcação,

equivaleria a dizer que o documento, a palavra ou apenas o poder determinaria a condição ou

situação espacial do território. Noutro sentido, imprimir, marcar, demarcar, equivale a demonstrar

que o território tem dono, portanto a ocupação e a aniquilação da paisagem ou sobreposição de

uma nova paisagem é a materialização necessária do território, ou seja, a territorialização.

A construção desse território pela territorialidade se dá no câmbio paisagístico quando da

sobreposição territorial, melhor dizendo, quando se opõe ou sobrepõe um território sobre outro,

pois então é preciso considerar que tudo é território para alguém ou algo, seja um grupo social,

uma formação geológica, um ecossistema (SOUZA, 2009).

O território Congo vem sendo formado e conformado por seus sujeitos mercê das relações

de poder em diferentes níveis e locais, seja entre os reis perpétuos disputando a primazia do

território, seja entre antigos e novos dançantes, notadamente (de acordo com as pesquisas

apresentadas aqui) quando, de maneira velada, se deixa entrever em momentos de desabafo.

Concomitante a este pensamento e a essa situação, penso nestas palavras de Seo Aloísio

“Terra de negro é terra de sofrimento, se quiser alegria, você tem que fazer” e imagino que esta

alegria, no mais questionada pelo Rei Monarco, seja a “algazarra” do Rei de Congo chegando

com toda sorte de gente “tocando ‘ganzá’, ‘marimba’ e ‘gericongo’ no terreiro de nosso

mandado” conforme a fala do General do Rei Monarco.

É possível que, no plano simbólico, esta seja uma tentativa de territorialização? Creio que

sim e, para apoiar minha afirmação, ofereço a situação de conflito como base da criação do

território conforme o pensamento de Lefebvre (1969). Porém, é preciso pensar também na

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atualização histórica que a expressão artística oferece, ou seja, a própria criação e manutenção do

Reino do Congo em confronto com a Coroa Portuguesa.

Nada mais natural nas relações de poder, que são a base ou aquilo que melhor

caracterizaria um território e, por extensão, as diferentes territorialidades. Contudo, nesse caso,

um problema pode ser colocado entre as discussões possíveis sobre poder e dominação. Os

conflitos e a violência são historicamente marcas da territorialidade congolesa e que, por via do

teatro ritual, se atualiza mesmo nos interstícios, mesmo nos vãos onde se movem e onde se

negociam as diferenças e os diferentes (BHABHA, 1998).

Resta observar o quão profundamente diferentes são, dentro do território Congo, o poder e

a violência, a disputa e a aquiescência, a apropriação e a dominação, embora este não seja o

objetivo deste trabalho, mas uma possibilidade futura na percepção da desterritorialização como

condição humana, seja pelos processos diaspórios, seja pelos migratórios.

É importante notar que os sistemas de objetos e de valores de origem urbana, quando

pressionam ou pressionados para dentro da comunidade, podem levar a crer que do outro lado

nada há. Nesse caso, o movimento dos sistemas ocuparia espaços vazios ou substituiriam

sistemas “originais” e, portanto, prenhes de possibilidades de absorção desses novos sistemas, o

que corrobora uma lógica linear e evolucionista.

Penso que é como se a comunidade e sua própria lógica estivessem à espera do

desenvolvimento que esses sistemas representam. Assim, nos dois casos, teríamos que admitir a

completa falta de inventividade e leitura de mundo pela comunidade alocando-a a uma situação

subalterna ou impondo-lhe uma condição de inferioridade com a qual, se dialogo com a dimensão

ambiental e seu caráter educacional numa perspectiva emancipatória, não posso concordar.

Além disso (!), significa dizer que a admissão dos objetos e valores tendo um caráter

meramente funcionalista e utilitário (e nunca ideológico ou político!) destitui os sujeitos de

capacidade alegórica, ao mesmo tempo em que os insere numa precariedade técnica onde o

espaço não lida já com objetos que o compõe porque é tão vazio quanto os sujeitos que ali vivem.

No entanto, se assim o fosse, impossível seria a própria existência do Congo! Ora, sua

plástica capacidade de agregar o simbólico, numa materialidade instrumental e sonora onde o

ecossistema é fundamental, dá provas do contrário, pois é justamente isso o que faz: agrega

cultura e natureza num todo cênico e cheio de vitalidade.

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A propósito da forma como se criam os territórios, do ponto de vista das técnicas, Milton

Santos (2009) preconiza que essas diferenças são responsáveis pelas rugosidades que espelham as

realidades concretas existentes em espaços onde as técnicas existam. Dito de outra forma, a

expansão objetal ou performática que, no caso do Congo, absorve e agrega em si as duas formas,

reclama um espaço ou lugar, pois a ele [lugar] faz referência AINDA e não APESAR DO

componente simbólico dessas manifestações.

3.4. ENTRE-LUGARES E NÃO-LUGARES

As negociações de identidade e de conflito narradas a partir de outros lugares ou de não-

lugares, conforme Bhabha (1998), requerem uma leitura e, por extensão, uma escrita

pormenorizada de seus significados e abrangências dentro das manifestações culturais, em

particular o Congo, visto que este é entendido, ouvido e quisto como baluarte identitário,

atualizado, sim, mas que sugere reinvenções em virtude dos processos diaspóricos interior e

exteriormente a ele.

O “direito” de se expressar a partir da periferia do poder e do privilégio autorizados não depende da persistência da tradição; ele é alimentado pelo poder da tradição de se reinscrever através das condições de contingência e contraditoriedade que presidem sobre as vidas dos que estão “na minoria”. O reconhecimento que a tradição outorga é uma forma parcial de identificação. Ao reencenar o passado, este introduz outras temporalidades culturais incomensuráveis na invenção da tradição. Esse processo afasta qualquer acesso imediato a uma identidade original ou a uma tradição “recebida” (BHABHA, 1998, p. 21).

Assim é que se apresentam carregados de tensão entre um passado recente e cheio de

feridas expostas, latentes; um presente trôpego como uma fratura entre ele mesmo e o passado

que lhe é origem, mas também negação; e um futuro incerto cujo desenlace não o insere nas

lógicas capitais ou de políticas culturais cambiantes.

Uma vez que aquilo que o Congo representa não representa uma política folclórica

regional, pois não está incluído em políticas públicas de cultura; nem nos interesses midiáticos;

tampouco da indústria turística, pergunto: como podem, na perspectiva da gestão pública, atentar

para a Dança do Congo como chamariz?

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Se, por um lado, isso poderia ser positivo no apoio às necessidades dos dançantes (farda,

tênis, instrumentos, transporte, ajuda de custo para ensaios, entre outras necessidades), do ponto

de vista de sua espetacularização, de outro, poderia levar a um processo de folclorização

incluindo a manifestação artística como elemento cultural dentro de um programa mercantil.

A opção por Bhabha (1998) se justifica também na observação de ações auto predatórias,

fruto das relações de poder nascidas no bojo da diferença em que as negociações que buscassem

emancipação, diálogo e colaboratividade se apresentam pontualmente, mas não colocam em

perspectiva de longo prazo ações de preservação da cultura em seus manejos e remanejamentos

com a terra e com a dança.

Olhando para a estrutura e organização da Dança do Congo percebo que, apenas os

ensaios não seriam capazes de formar os dançantes como condutores da manifestação, pois a

centralidade das ações na figura de um líder (Rei Perpétuo, Rei de Congo ou Rei Monarco) foi o

ponto de convergência que nutriu e agregou os dançantes em torno do evento sem, até onde a

pesquisa alcançou, uma preocupação com a continuidade ou com as heranças e os herdeiros, com

a formação intencional.

Em um dos trabalhos anteriores afirmei que os ensaios eram a tática pedagógica por

excelência, porém o alcance desta pedagogia se restringiu ao aspecto musical e de proficiência

técnica para a apresentação do Congo (OLIVEIRA, 2011). A estrutura hierárquica desta

manifestação garantiu a fortaleza das lideranças, mas ainda apresenta sérios problemas para sua

continuidade, mesmo que, na reinvenção os dançantes ainda possam resolvê-los por outras vias,

mesmo que afinal tendam para um processo de folclorização da manifestação ou para a fusão

com outros instrumentais e gêneros.

Imagino que outras formas de fazer o Congo possam começar a surgir a partir de outros

referenciais, talvez cada vez mais afastados do caráter diaspório que tem feito da Dança do

Congo do complexo quilombola uma manifestação diferenciada em relação a outras

manifestações de comunidades rurais negras.

Dada a natureza das relações entre os dançantes e os Reis (Perpétuo e de Congo)

marcados fortemente pela hierarquia, sou levado a crer que no bojo da oralidade não houve

precaução no tocante à continuidade. Há aspectos importantes acerca do instrumento gericongo,

por exemplo, que caíram no esquecimento.

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O registro mnemônico é praticamente contingente ao acontecimento na comunidade ou

em qualquer contexto oral de aprendizagem, principalmente no que tange a eventos que

envolvem a música (CONDE, NEVES, 1984[5]; IAZZETTA, 2001; BRANDÃO, 2002), mesmo

considerando que as dinâmicas culturais produzem modificações e que, portanto, todo acesso a

um sentido originário seja impossível, uma mudança ocorre dentro de um processo e não por

degradação como é o caso do Congo.

A naturalização da aprendizagem por parte dos portadores desse conhecimento aliada ao

caráter hierarquicamente fechado da manifestação resultaram numa quase incapacidade por parte

dos dançantes de darem continuidade sem um suporte por parte das principais lideranças do

Congo (Cesário, Macário, Homogenho, entre outros atores não historiografados aqui).

A narração dos dançantes em relação ao Congo não faz nenhuma referência à antiguidade

dele, ignoram completamente acontecimentos e protagonistas anteriores aos três personagens

citados. Acreditam que a manifestação foi trazida de Minas Gerais pelos antigos escravos da

Sesmaria, mas não têm certeza em relação a isso e nem a quem foram as personagens, é quase

como se a história começasse com Macário e Homogenho.

Ainda que vivam numa situação intersticial de alta complexidade, isso não os coloca

numa situação de interrogar sua identidade em relação ao Congo, senão por uma situação de

entre-lugar como possível portador de uma qualidade dentro da dança (dançante antigo, por

exemplo), mas que se encontra numa eventualidade (convidado) e não em permanência e em

choque com outras identidades ou não identidades que os coloque (sujeitos dançantes) numa

categoria monolítica (negro, quilombola, dançante, pai-de-santo).

No entanto é preciso considerar que, do ponto de vista da arte, naquilo que ela traz de

novo, ao incorporar outros atores (de maneira contingente ou necessária), consideremos a nação

contida ou continente da Dança do Congo como fruto e semente de um território que, muito

aquém da homogeneidade, se apresenta heterogêneo e com diversos elementos que apontam para

um forte dinamismo da prática.

Pensemos no contexto atual de Mato Grosso em que as comunidades lutam de maneira

desigual pelo reconhecimento de suas diferenças27 (SANTOS; NUNES, 1999), e também pela

27 Os autores consideram que os embates políticos entre grupos diferenciados e onde se geram conflitos algumas discussões são necessárias ao estabelecimento de critérios em relação à justiça social. Aspectos identitários estariam assim relacionados num campo democrático e cita a experiência de Timor Leste entre outros grupos vulneráveis

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obtenção de audiência. Contrariamente, no que tange grupos sociais, povos e comunidades

tradicionais, há muita dificuldade e também negação no reconhecimento de territórios, haja vista

a aprovação do Zoneamento Socioeconômico Ecológico de Mato Grosso (ZSEE) e da provável

mudança no Código Florestal, embora a lei, como está, já signifique uma afronta aos direitos

desses grupos no tocante às temporalidades e territorialidades.

O fortalecimento das matrizes econômicas baseadas no monocultivo e pecuária extensiva

num antigo e arcaico modelo latifundiário que não promove justiça social, pelo contrário,

pressiona e incorpora pequenos agricultores à lógica do capital e da urbanidade.

Enfim, neste cenário extremamente adverso as manifestações artísticas, se vistas num

ângulo macroscópico, despontam como resistência por sua ligação com comunidades e

temporalidades que as sustentam e onde se entrecruzam sustentabilidade ambiental, religiosidade,

inter-relações pessoais que se opõe à racionalidade moderna (SANTOS, 2004).

No questionamento de como se realizam as manutenções dessas práticas encontramos

dançantes subjugados a condições diferenciadas daquelas às quais os quilombolas se

encontravam.

Explicitamente: moram nas zonas periféricas de Cuiabá/Várzea Grande e, muitos deles,

são empregados assalariados que devem cumprir uma jornada de trabalho rígida e fixamente e,

portanto, não podem sair para fazer os ensaios necessários ao aspecto político, artístico e

pedagógico inerentes à prática e continuidade do Congo, além de não habitarem a mesma região

o que facilitaria a comunicação entre eles. Justamente o contrário da condição e da situação dos

antigos dançantes do quilombo que deveriam atender ao chamado meses antes do início das

festividades em louvor a São Benedito. Em outros termos, estão desenraizados da comunidade

(BAUMAN, 2003), falta-lhes a autonomia espacial e domínio temporal (GIDDENS, 1991),

vivem em relativa multiterritorialidade (HAESBAERT, 2009) e num entre-lugar da cultura

(BHABHA, 1998).

No Congo cabe a pergunta de Homi Bhabha para quem as relações de poder estão no

interior da comunidade (nesse caso, da expressão que a representaria):

De que modo chegam a ser formuladas estratégias de representação ou aquisição de poder [empowerment] no interior das pretensões concorrentes de

quando do estabelecimento e necessidade de alianças. Nesse sentido observa a necessidade de uma Teoria das traduções para entender as diferentes experiências e as formas de compreender igualdade e diferença.

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comunidades em que, apesar de histórias comuns de privação e discriminação, intercâmbio de valores, significados e prioridades pode nem sempre ser colaborativo e dialógico, podendo ser profundamente antagônico, conflituoso e até incomensurável? (BHABHA, 1998, p. 20).

Todavia a transição na qual a Dança do Congo se encontra também é significativa dessas

estratégias e de suas respectivas táticas, visto que há uma espécie de transferência de

responsabilidade que se expressa na resposta de Seo Aloísio ao fato de que alguns dançantes mais

velhos não lembram as falas, se perdem nos mugangos e não executam as batidas no tempo.

Além disso, atribui à falta de interesse a falta de união e apresenta no próprio Congo as

respostas necessárias aos acontecimentos dentro do quilombo e, portanto, representados pelo

teatro ritual:

“Aí que foi que ele entrou no palácio, lá, do rei desembargador e quis saber por que prenderam o mucaxo? O que que é o mucaxo? O mucaxo lá na língua deles significa mensageiro [...] Então soltou o mucaxo e ele [Rei de Congo] disse assim: ‘Vai lá e diz pr’o Rei Monarco que isso aqui é Dom Cândido - espia bem que começou do próprio sangue -, é um tio dele, que criou ele, comemos na mesma gamela, no mesmo cocho, juntos e ele deve de lembrar...’ Lá do outro lado, no retorno, mandou o troco: ‘Tomara que bate uma tempestade, uma ventania e que morra toda essa gente com essa batalha por lá, que é mentira dele, eu não conheço ninguém. Eu não tenho parente com essa descendência!’ Lá no lugar do negro tem união? [respostas dos entrevistadores concordando] Lá tem união? Não tem união. Por quê?”

Esse longo trecho da entrevista revela várias facetas dos conflitos internos que até certo

ponto são atribuídos à origem e a uma origem que o Congo atualiza e que o Rei de Congo, a todo

instante, busca recuperar numa relação de união e solidariedade. Todavia, conforme se vê no

desfecho do Congo, esta promessa ou desejo não se realiza, por este motivo ele abandona a

espada (e isso tem um significado profundo) e é obrigado a se render.

Talvez seja outro campo de tensão que se manifesta na relação entre a representação de

uma questão sociocultural (desunião entre os membros de um grupo), mas onde esse traço não

permanece na reinvenção da identidade pela dificuldade ou obstáculo que a tradição oferece

dadas as condições de acesso à ela pelos sujeitos e, nesse caso, as limitações estão contidas pelas

relações temporais e territoriais na medida em que as pressões da modernidade aumentam pela

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ação dos sistemas urbanos (LEFEVBRE, 1969), pelas rupturas ocasionadas pela modernidade na

dissociação do tempo e do espaço de seu substrato material (GIDDENS, 1991) e pelos processos

de reinvenção da cultura no âmbito intersticial (BHABHA, 1998).

A reinvenção do Congo numa perspectiva multicultural plural no seio de uma expressão

assume uma condição intersticial na medida em que migra de um ambiente comunitário mais ou

menos homogêneo para ambientes urbanos e periurbanos.

Talvez a condição de nação inerente ao Congo se evidencie ao agregar diversidades de

maneira mais ou menos organizada a partir da compreensão da relação intrínseca entre teatro

ritual em seu caráter devocional. Porém, as particularidades pedagógico-ambientais circunscritas

a um território com sua temporalidade e territorialidade próprias foi, aos poucos, incorporando

novos atores, já não limitados a uma identidade quilombola, mas ampliando, melhor dizendo,

reforçando o alcance do signo São Benedito como condição básica para uma situação unívoca.

Veja-se que, para as perguntas “Por que você veio dançar o Congo? Como você chegou

aqui? Pediu? Fez promessa?” a resposta à primeira pergunta está vinculada à devoção e,

supostamente, o desdobramento em relação às demais perguntas teria outras interpretações, como

neste trecho que André, afilhado de Tóti:

“Ah, eu vim pra dançar pra São Benedito... Eu já tinha vontade, então, meu padrinho me chamou e eu vim.”

Entretanto creio que uma interpretação possível filia-se primeiramente à questão religiosa,

posteriormente à falta de dançantes (um problema na Dança do Congo), mas sabedor de que o

referido padrinho é o próprio Rei de Congo e que ele é também pai-de-santo de uma casa de

Umbanda no Jardim Passaredo-Cuiabá, torna-se bastante plausível supor ou entender que ele é

afilhado de santo na Umbanda de Tóti.

Possivelmente o elo, aliás o elo muito forte que liga os dançantes seja o próprio santo,

mote da festa e da Dança do Congo, então, a costura do território-rede, a história que se narra e se

renova ou se reinventa através dos anos é a história do Rei de Congo, São Benedito, Rei da

Umbanda.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Congo da maneira como se apresenta é resultado das formas como se instalou como

expressão identitária e devocional, ao agregar tantos e tão diversificados elementos engendrados

anterior e posteriormente a seu surgimento como centro da festa devocional a São Benedito.

Tempo e espaço, condição e situação na resistência às pressões urbanas, econômicas e,

mesmo, culturais que não percebem o Congo como manifestação autônoma buscam, mesmo com

ressalvas, fortalecer a manifestação artística como folclore e como espetáculo e esta também é

uma forma de lhe dar um corpo inteligível a partir da racionalidade moderna.

Uma das dicotomias ‘clássicas’ da ciência moderna, especialmente nas ciências sociais, estabelece uma oposição constante entre as sociedades ‘tradicionais’ – consideradas estáticas – e a ‘modernização’ – fonte imediata de progresso – introduzida pela administração colonial (SANTOS, 2004, p. 723).

Equivale dizer que mesmo a busca por conhecimento de saberes outros se legitima no

reconhecimento destes mediante sua sistematização pela academia, revistos pelas lentes da

epistemologia dominante e filtrados através de literatura pertinente. No entanto, e coincidindo,

tanto a dominação religiosa quanto a exploração econômica introduzem comunidades ditas

tradicionais em lógicas temporais e territoriais exóticas que resultam em perdas de práticas

ancestrais que apoiam outros aspectos destas comunidades.

Ao trasladar os sentidos de uma manifestação artística retirando-lhe o valor cultural e

focando em seu caráter espetacular que, então, figura como produto, a lógica capitalista moderna

emprega outra racionalidade (MENESES, 2004) e seduz/reduz os sujeitos dessas manifestações

justamente no ponto mais frágil das comunidades a que pertencem: a economia.

Esta forma de degradação, ou seja, de saltar etapas/graus, contraria o princípio básico da

educação ambiental como valor primordial de uma comunidade, como parte indissociável de seu

modo de vida (ACSERALD, 2005). Qual seria? O processo. É no processo que acontece a

educação e é nele que se dá a construção da cultura e seu movimento ou ritmo atinente à

temporalidade (BRANDÃO, 2002).

Finalmente, considerar as manifestações do ponto de vista do produto, mas sem percebê-

lo como resultado de todo o contexto que o sustenta, equivale a degradar (retirar os graus) sua

arte (estéticas e poéticas) fixando-a num formato de consumo. A lógica que percola a utilização

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da arte como produto é a mesma que orienta o uso da natureza como recurso natural para a oferta

do apanágio do desenvolvimento sustentável como solução e sinônimo de sustentabilidade. Nesse

sentido é que fazemos a crítica aos pacotes de educação ambiental com reciclagem de resíduos.

Ao considerar reflexivamente a qual educação ambiental estão vinculados os grupos

sociais estudados, particularmente o complexo quilombola Sesmaria Boa Vida - Mata Cavalo

percebo o quanto aspectos da sustentabilidade estão mais próximos de estruturas sociais em que a

educação ambiental crítica, ainda que de maneira incipiente, se manifesta. Penso que é num

ambiente em que as relações são mediadas por esta educação ambiental que se favorece uma

formação ética de caráter biorregional. Aí é que se tornam claras as ações comunitárias quando

indivíduo e coletividade, salvo as exceções obviamente, compatibilizam interesses com um

processo pedagógico freireanamente emancipatório e dialógico (FREIRE, 1996), mas movidos

por relações primordiais com o ambiente (SATO, 2005).

Uma visão sistêmica de ambiente deve agregar também os seres humanos na consideração

de que relações de uso e apropriação compreendem situações indissociáveis de justiça ambiental

no viés do território e discussões sobre território em que ocorrem questões tangentes à justiça

ambiental.

Assim, oferecer cidadania na perspectiva diferenciada da modernidade não significaria

estender uma miríade de possibilidades trabalhistas e seguridade social ou mesmo acesso à

educação e saúde, mas oferecer condições e liberdade em suficiência para que o então “cidadão”

pudesse, inclusive, fazer uma crítica à sociedade em que vive. No que diz respeito à educação

ambiental, equivale a questionar o modelo de sociedade e seu modelo desenvolvimentista social e

economicamente.

Do ponto de vista socioambiental perceber o vetor, a direção e a força que a ocupação

humana seguiu permite também entender as oclusões, para bem ou para mal, que o humano

andou ocasionando no ambiente a seu redor.

Marcuse (1973) aponta para defesa e, dentro dela, outras defesas entre humanos, quer

dizer, se o processo de urbanização baniu a “selvageria e a barbárie” em toda sua extensão e

entendimento para longe da cidade e da sociedade ali estabelecida ou se estabelecendo, também

dentro da sociedade houve o banimento da parcela menos poderosa ou não tão bem articulada por

parte da parcela dominante para obtenção de mais poder (MARCUSE, 1973; CERTEAU, 2005),

considerando que eu possa aliar a um sentido certeauniano de relações de poder.

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Afinal, no campo das disputas, das lutas por afirmação de territorialidades (LEFEBVRE,

1969; SAQUET, 2009, HAESBAERT, 2009) os sujeitos envolvidos também já não se dão conta

do quanto a reatividade de suas lutas e formas de lutas se dão, ou melhor, também são orientados

pelo poder econômico. No entanto, se:

a) os espaços, de tão viciados, se esvaziam (e talvez o Congo seja um exemplo deste

esvaziamento, visto que não há atuação total da parte de quem é um dançante de direito e de

fato);

b) os sujeitos ora estão oprimidos, ora usufruindo de um bem-estar social por via de

programas assistencialistas ou com a geração de emprego e renda, mas todos envoltos numa ideia

desenvolvimentista, ou ainda, pela ilusão do enriquecimento pelo trabalho.

Neste ponto a articulação política da educação ambiental, ainda que reativa (há espaço

para emancipação na reatividade?), enquanto ataca o sistema capitalista em seu caráter perverso

(ou por sua falta de caráter do ponto de vista moral) se alia a grupos fragilizados

socioambientalmente.

Essas alianças, em que eventualmente se entrelaçam as pesquisas, encontram as

comunidades muitas vezes usufruindo ou caminhando para um falso estado de bem-estar social,

talvez porque se encontram em tal condição de opressão e exclusão que, inclusive, clamam por

soluções temáticas e pontuais. Todavia não terão nas pautas e agendas governamentais e

instituídas, contempladas suas demandas e necessidades coletivas e restritas ao grupo e território

ou, no âmbito que a educação ambiental alcança, através de bem comum (comunidade) do

ambiente natural (biorregionalidade).

Na relação entre a Dança do Congo e a realidade dos dançantes, no tenso campo da justiça

ambiental, articulando conceito e realidade, o uso da terra (e aquilo que se pode extrair dela) se

compatibiliza com a construção histórica e identitária. A perda da manifestação que, até certo

ponto, era aglutinadora dos devotos em torno de São Benedito ainda poderia ser uma salvaguarda

em relação a conflitos mais acirrados que pudessem decair para a violência, como aconteceu

recorrentemente na década de 1970. Portanto as categorias analíticas aventadas por Milton Santos

(2009) concorrem na construção deste espaço (leia-se espaço como a noção mais atual de

território):

a partir da noção de espaço como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações [...] a paisagem, a configuração territorial, a divisão

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territorial do trabalho, o espaço produzido ou produtivo, as rugosidades e as formas-conteúdo (p. 22).

Ocorre que essas categorias analíticas nos servem também para observar a forma como os

conflitos se dão, ou seja, são operacionais na junção com as narrativas da comunidade, mas

também na observância de que as técnicas definem ou apontam para as formas de ocupação.

Mais do que isso, na percepção da degradação ambiental em função da aplicabilidade

dessas técnicas em confronto com um ambiente resultante delas. Significa dizer que processos

erosivos e a perda da possibilidade de dar continuidade à manutenção dos telhados e paredes de

suas casas resultam da derrubada dos babaçuais após a invasão das terras pelos fazendeiros.

Este é o resultado de construções históricas, temporais e políticas diferenciadas que

interferem diretamente na cultura e na natureza, pois como não dizer que território-ambiente-

cultura não se imbricam tristemente nas relações de poder, base do território, como produto de

injustiça ambiental?

Afinal, a ideologia que orienta este trabalho sustenta-se numa educação ambiental crítica

a partir da qual se discute formas de ocupação do espaço que, então, dão origem ao território,

aliada às comunidades cujos manejos inspiram sociedades sustentáveis e, portanto, esta é uma

opção política, entendendo política como o público exercício da vontade.

Em algum momento da pesquisa me deparei com a problemática relação entre cidade e

campo ou, nas palavras de Lefebvre (1969), urbanidade versus ruralidade, no tocante às tensões

entre os diferentes modos de vida e a emanação penetrante dos imperativos da cidade ou, ainda

segundo o autor, dos sistemas urbanos de objetos e de valores que, paulatinamente, vão

impregnar-se na teia social e cultural das comunidades rurais e, em nosso caso específico, da

comunidade quilombola.

O fato é que, em dado momento, a comunidade se viu privada de sua principal

manifestação: a Dança do Congo. Porém como afirmar de maneira tão categórica que essa era a

principal manifestação? Por dois motivos básicos:

a) por seu caráter devocional ao único santo negro católico, São Benedito; e

b) por representar diretamente a ancestralidade como elo identitário de uma

africanidade e tudo o que o tema envolve anterior (história, origem, religiosidade, pertencimento)

e posteriormente a ela (diáspora, resistência, território).

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Com a penetração de uma urbanidade, no entendimento de Lefebvre (1969), que irá aos

poucos substituindo objetos e usuários de objetos, valores e portadores de valores, o câmbio da

expressividade pode significar também o câmbio da espiritualidade e da religiosidade que lhe dão

base, nesse sentido o valor de uso do Congo tornar-se-á valor de troca, mas preocupa o poder de

troca dos novos dançantes.

A mudança de status da cidade como obra (valor de uso) para cidade como produto (valor

de troca) não teria, a princípio, um valor de venda pela própria natureza da mudança, mas a

natureza das cidades medievais não objetivaria a produção de algo, mas ainda assim era um ponto

de convergência.

Como o crescimento das cidades não se dá de forma ordenada e racional no tocante à

divisão do trabalho, ocorre que elas não atingiram nem estabilidade nem o termo de suas

rivalidades e concorrências e então, segundo Lefebvre “o que se levanta sobre essa base é o

Estado, o poder centralizado. Causa e efeito dessa centralização particular, a centralização do

poder, uma cidade predomina sobre as outras: a capital” (1969, p. 11).

Não apenas na cidade, sobretudo na comunidade como organização remanescente da

temporalidade medieval e de sua lógica, o valor de troca se sobrepõe ao valor de uso28 e, no jogo

de poder entre as duas racionalidades, prevalecem, via de regra, o poder econômico, ou seja, a

lógica do produto e da produção como fator preponderante. Nesse caso a fórmula a que chegamos

por inferência, é que a comunidade tem mais valor de uso do que valor de troca e atração pelo

poder por outra ou nova territorialidade e temporalidade. Essas, por sua vez, mais ajustadas ao

status quo que arrasta os jovens de dentro da comunidade para esta nova cidade onde prevalece o

poder do capital.

A singularidade do processo se reflete também numa nova e outra relação com o ambiente

e a educação ambiental (assim como qualquer outra forma de educação comunitária recebida nos

tempos do refúgio) pode dar lugar a outro tipo de relação que, agora, já não se sustenta, seja

porque nem é o mesmo ambiente, seja pelas novas relações que este sujeito terá com o novo

ambiente. Enfim, a lógica contida no valor de troca finda por destruir a comunidade da mesma

maneira que destruiu as cidades enquanto valor de uso.

28 O valor de troca de Lefevbre (1969) não se refere ao sistema de troca-dádiva de Mauss (2001). Lefebvre observa que alguns valores em relação com a modificação/transição das cidades medievais para as cidades modernas. Nestas a troca equivaleria à troca pura e simples entre objetos sem compromisso. Nas cidades medievais, opostamente, o valor uso estaria relacionado ao caráter estético.

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É na tensão, na dialética das relações que se cria o pertencimento e, portanto, o sentido da

territorialidade ou do território enquanto parte da identidade que não se forma por via da

homogeneidade social, senão por meio da diversidade e, nela, o ruído, a aspereza e, portanto, o

atrito.

Talvez seja danoso à riqueza sociocultural, mas também socioambiental um pensamento

ou comportamento monolítico, visto que, inclusive na comunidade, como no caso do complexo

quilombola Sesmaria Boa Vida - Mata Cavalo, existe o conflito, em outras palavras, não há um

paraíso onde o “mito edêmico”29 (SMANIOTTO, 2008) se realize, nem antropologicamente, nem

ideologicamente. Então, num primeiro momento, mais do que o capitalismo atual, o processo de

industrialização, desestrutura a organicidade e o corporativismo como estruturas formativas da

cidade e, mais tarde, das comunidades (LEFEVBRE, 1969; BAUMAN, 2003).

Nas instituições corporativas que organizam o espaço-território e o tempo - ainda ou já

dimensionado em função das festas -, é que o capitalismo focará sua força desestruturante a fim

de que possa penetrar na cidade (LEFEBVRE, 1969). Por outro lado a estabilidade ou

cristalização dessas estruturas corporativas em um sistema urbano também é onde “houve atraso

do capitalismo e da industrialização” (LEFEBVRE, 1969, p. 12).

No complexo quilombola a desestruturação ocorreu em torno do Mineiro-pau, dos

muxiruns, do Congo, todos eles instituições agregadoras da comunidade e, particularmente no

caso dos fazendeiros do entorno, na relação com o Congo por seu caráter devocional. Será que

esta manifestação nascida do âmbito do escravismo, resultado do sincretismo religioso e que vem

caminhando a passos largos rumo à cidade e a seu sistema urbano, aponta para a direção e a

finalidade de ser incorporada como instituição estabilizada?

Corrobora o pensamento de Bauman (2003) a afirmação de Lefebvre (1969) a respeito da

forma como a indústria assola a cidade, lembrando que o processo de industrialização necessita

que a rede e complexidade estável da comunidade sejam desmanteladas a fim de que possa

utilizar o aglomerado humano que começará a surgir a partir daí.

Este desmantelamento ocorre também ou fundamentalmente a partir das rupturas

comunicacionais, ou seja, a comunidade se mantém através de uma rede de comunicação, entre

outras coisas, e romper essa rede tem sido uma das formas de atuação do capitalismo por via dos

29 Relativo ao Jardim do Éden.

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sistemas urbanos que escoam produtos da industrialização, seja através do sistema de valores

urbanos, seja pelo sistema de objetos.

A crítica a ser feita se funda no questionamento sobre como percebermos os processos

cada vez mais grosseiros de atração de empresas para a construção ou ampliação de parques

industriais que aumentam a arrecadação local e regional (sem que isso se traduza em capital

social ou cultural). Com a oferta de emprego há a ilusão burguesa de que, e isso nos recorda de

Weber (1967), apenas pelo trabalho remunerado e por relações empregatícias se resolveriam

todos os problemas sociais, mas isso é questionável na proporção e nos locais em que as relações

trabalhistas são injustas e desleais.

Se a cada nova investida industrial e capital o tecido comunicacional se torna mais frágil -

até seu rompimento, a resultante do processo de urbanização e substituição à vida medieval é

ao mesmo tempo o despovoamento e a ‘descamponização’ das aldeias que permanecem rurais perdendo aquilo que constituía a antiga vida camponesa: artesanato, pequeno comércio local. Os antigos ‘gêneros de vida’ caem no folclore. Se se analisar o fenômeno a partir das cidades, observa-se a ampliação não apenas das periferias fortemente povoadas como também das redes (bancárias, comerciais, industriais) e da habitação (residências secundárias, espaços e locais de lazer, etc...) (LEFEBVRE, 1969, p. 16).

Ainda de acordo com esse autor é através do tecido urbano e de sua dinâmica de

circulação e ampliação que ela vai penetrar nos campos mediante o sistema urbano de objetos

(água, eletricidade, gás butano, utensílios de plástico e metal, mobiliário, entre outros) e seus

respectivos e atinentes serviços, de sorte que não é apenas a penetração dos objetos em suas

limitações materiais e morfológicas, mas é a aproximação e consequente intromissão do modo de

vida urbano e suas necessidades.

Se, de um lado, havia um modo de vida peculiar e “artesanalmente” arranjado, numa teia

de relações em que elementos de diversas ordens estariam presentes e sustentados

ambientalmente por um imperativo ecossistêmico, de outro, a comunidade se utilizará deste

sistema (de objetos) que, por sua vez, já utilizaram pelo menos serviços ecossistêmicos de

suporte, regulação e provisão, mas provavelmente provenientes de um ecossistema distante do

local onde os objetos serão utilizados.

O sistema urbano de valores, que também penetrará com força na comunidade, agrega em

seu interior o vestuário enquanto modo de vestir, as canções e danças, enfim, um pacote de

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costumes conjuntamente às questões referentes à “segurança, as exigências de uma previsão

referente ao futuro, em suma uma racionalidade divulgada pela cidade” (LEFEBVRE, 1969, p.

17).

Por conseguinte, o conflito campo-cidade poderia ser representado, ou melhor, projeta-se

na tensão entre diferentes ambientes e, nelas (projeção e tensão), os processos de degradação

constituem-se como evidência, testemunham a forma como a racionalidade urbana se impregna

ambientalmente.

Não apenas na cidade (LEFEBVRE, 1969), mas também na comunidade e no Congo,

ressurgem e se evidenciam as características da cidade medieval na medida em que possuem as

categorias de Lefebvre pertencentes ao tecido urbano. Analogamente, o núcleo urbano - que, nas

atuais concepções são os centros de poder e de tomada de decisão – é o lugar pour excellance

onde prepondera o valor de troca acima do valor de uso e do próprio uso. Nesse aspecto, tanto

quanto o conjunto arquitetônico na zona urbana, esse núcleo é representado pela fidalguia no

Congo e nas sedes das associações dentro do quilombo, mas principalmente onde se encontra a

escola.

Então, participando ou incorporando a mesma lógica é que, a fim de não acabar, o “núcleo

do Congo” se reafirma como centro de poder (dentro dele a hierarquia da fidalguia é o exemplo

mais evidente), porém penso que devem ser consideradas mais perguntas: como os sujeitos do e

no Congo negociam essas relações? Como se movem no território-rede a fim de recomporem o

território-Congo essencialmente simbólico e representativo das tensões e do aniquilamento a que

está sujeito enquanto portador de uma temporalidade e territorialidade sempre em oposição à

racionalidade urbana?

Considerando que o Congo não possui mais a materialidade do território que dava suporte

à prática principalmente por e para a sua continuidade (OLIVEIRA; SATO, 2008; OLIVEIRA;

SATO, 2010; OLIVEIRA, 2010), percebi que esse substrato material, mais do que localizá-lo

geograficamente, lhe dava uma identidade ligada ao local. Oferecia um ponto de encontro e

referência de sujeitos e território. Esses sujeitos, possuidores de conhecimento em suficiência

para dar-lhe um sul, eram os líderes do Congo que ou não estão vivos ou sequer atuam como

conselheiros. Portanto, pergunto de que maneira o Congo se projetaria em continuidade numa

perspectiva tão complexa e em processo de liquidação e desenraizamento (BAUMAN, 2003)?

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Quais as táticas (CERTEAU, 2005) das quais o Congo poderia ou deveria lançar mão a

fim de reaver sua condição territorial e agora não mais como imago (GINZBURG, 2001), mas

como expressão identitária e re-existente (PORTO-GONÇALVES, 2004)?

Quando essas questões são lançadas, a perspectiva é de que houve, como ainda há, um

franco processo em transição que parte de uma forma agregadora da comunidade Mutuca e de

toda a população devota do entorno desta comunidade e que, agora, refere uma manifestação

artística de caráter devocional sem qualquer relação entre os dançantes que também não

correlacionam os elementos vitais do Congo (coreografia, música, dramaturgia e literatura) com

seu comparecimento ao evento e significados mais políticos e transcendentes ao ato de cantar e

dançar. Aqui penso que seja importante abrir um parênteses e retomar uma discussão sobre dança

e canto que remeto a Oliveira; Sato (2008, 2010) e Oliveira (2010).

No entanto, qualquer que seja o caminho que o Congo irá tomar se: rumo ao passado,

recuperando seu sentido original e originário; ou ao futuro, apresentando ou criando novas

formas de organização e pedagogia; e até mesmo mantendo o formato atual de encontros pontuais

e dispersão imediata tendo como única e principal referência a devoção; esta manifestação se

insere de maneira híbrida tanto, quando incorpora novos atores, quanto em eventuais processos

de transmissão e conservação de conhecimento (BRANDÃO, 2002).

Nesse processo algumas analogias foram feitas resguardando proporções e contextos, mas

na percepção de muitas semelhanças entre a cidade retratada por Lefebvre e a pesquisa sobre a

Dança do Congo. Assim é que “O núcleo urbano não cedeu lugar a uma ‘realidade’ nova e bem

definida, tal como a aldeia deixou a cidade nascer. E, no entanto, seu reinado parece acabar, a

menos que se afirme mais fortemente ainda como centro de poder” (LEFEBVRE, 1969, p. 18).

Nesta afirmação inferi que algo no núcleo urbano resistiu à estética que se orientou por

valores de troca em consonância com certo utilitarismo de cunho financeiro. O certo é que esta

mudança de foco e situação foi estratégica na dinâmica social da cidade na tensão entre o novo e

o velho. Consegue o Congo realizar este jogo entre seus atores, não numa perspectiva

estruturalista, mas na manutenção da própria manifestação?

Se a cada nova investida industrial e capital o tecido comunicacional se torna mais frágil -

até seu rompimento – os aspectos ambientais com e através dos quais se obtinha bem-estar

também serão tecidos já a partir de um processo de ruptura (LEFEBVRE, 1969), mais e mais

intersticial (BHABHA, 1998) talvez sem vínculo com tempo e espaço (GIDDENS, 1991) talvez

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incorporando novas racionalidades, porém e de maneira bastante otimista é possível que resista,

como tem resistido, se reinventando e criando outras formas de fazer e saber, mesmo com perdas

de significados que deverão, a partir de novas formas de apropriação deste território-Congo, ser

recriados se o ícone for tão forte e capaz de conter tantas influências.

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APÊNDICE – Transcrições Musicais

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Dança do Congo - Serei'Complexo Quilombola Sesmaria Boa Vida-Mata Cavalo

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Dança do Congo - Entrada do mucuaxeComplexo Quilombola Sesmaria Boa Vida - Mata Cavalo

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Dança do Congo - GuerraComplexo Quilombola Sesmaria Boa Vida - Mara Cavalo

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Dança do Congo - "esperança, paz e caridade..."Complexo Quilombolsa Sesmaria Boa Vida - Mata Cavalo

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Dança do Congo - declamações do Rei do CongoComplexo Quilombola Sesmaria Boa Vida - Mata Cavalo

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Dança do Congo - Rei de Congo ficou vencidoQuilombo Boa Vida - Mata Cavalo

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Dança do Congo - Rei de Congo ficou vencido

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Dança do Congo - Perdão ao ReiComplexoQuilombola Sesmaria Boa Vida - Mata Cavalo

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Dança do Congo - Perdão ao Rei

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Dança do Congo - Perdão ao Rei

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Dança do Congo - Fogo-seco (final)

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Dança do Congo - Perseguição CaranguejiComplexo Quilombola Sesmaria Boa Vida-Mata Cavalo

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Dança do Congo - Carangueji - morteComplexo Quilombola Sesmaria Boa Vida-Mata Cavalo

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Dança do Congo - Adeus...

Complexo Quilombola Sesmaria Boa Vida-Mata Cavalo

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Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE … · GRUPO PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL, COMUNICAÇÃO E ARTE (GPEA) HERMAN HUDSON DE OLIVEIRA Dança do Congo: educação,

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Dança do Congo - Boa Vida - Mata Cavalo

...que vem de Luanda...

Complexo Quilombola Sesmaria Boa Vida-Mata Cavalo

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Marimba

Ganzá

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Dança do Congo - "entre atos"Complexo Quilombola Sesmaria Boa Vida - Mata Cavalo

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