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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SUELY MARIA PIRES
POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE: NARRATIVAS DE
PROFESSORES DA ESCOLA DO CAMPO
Rondonópolis 2014
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SUELY MARIA PIRES
POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE: NARRATIVAS DE
PROFESSORES DA ESCOLA DO CAMPO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação no Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação, Linha de Pesquisa Formação de Professores e Políticas Públicas Educacionais.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Simone Albuquerque da Rocha
Rondonópolis 2014
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Rod. Rondonópolis.-Guiratinga, km 06 MT-270 - Campus Universitário de Rondonópolis - Cep:
78735-901 -RONDONÓPOLIS/MT
Tel : (66) 3410-4035 - Email : [email protected]
FOLHA DE APROVAÇÃO
TÍTULO : "POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE: NARRATIVAS DE
PROFESSORES DA ESCOLA DO CAMPO “
AUTOR : Mestranda Suely Maria Pires
Dissertação defendida e aprovada em 30/09/2014.
Composição da Banca Examinadora:
_____________________________________________________________________________
____________
Presidente Banca / Orientador Doutor(a) Simone Albuquerque da Rocha Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Examinador Interno Doutor(a) Ozerina Victor de Oliveira Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Examinador Externo Doutor(a) Elizeu Clementino de Souza Instituição : UNEB Examinador Suplente Doutor(a) Lindalva Maria Novaes Garske Instituição : Universidade Federal de Mato Grosso
RONDONÓPOLIS, 30/09/2014.
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Dedico esta pesquisa à Simone, minha orientadora,
que me ensinou a lutar pelos meus sonhos e com
quem aprendi a pesquisar.
“Se vi mais longe... é por que me apoiei nos ombros de gigante.” (Isaac Newton)
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AGRADECIMENTOS
Difícil agradecer, em tão poucas linhas, a todas as pessoas que entraram em
minha vida e as que dela já faziam parte.
Começo por Nossa Senhora de Fátima, minha protetora, a quem eu recorria
nos momentos de angústias e que sempre me amparava. Sou do campo e tenho
orgulho em dizer isso, e uma das características do povo do campo é a sua
religiosidade e, não agradecer a minha Santa, seria como negar minha identidade.
À minha família, mãe, irmã e, principalmente, meu pai, homem simples,
trabalhador que, no cabo da enxada, proporcionou a mim oportunidades que ele não
teve.
Aos meus filhos: Ariel e Bruno, pela compreensão nos longos períodos que
precisei me ausentar.
Ao meu esposo Cícero, pelos momentos de ausência, pela força que me deu,
pelas várias vezes que deixou suas obrigações para me levar até a faculdade, pelo
chá de banco que tomou, em inúmeras oportunidades, no decorrer destes dois anos,
a minha espera.
Ao meu cunhado Sergio e sua esposa Irene que diversas vezes me
acolheram, juntamente com Sol, em sua casa, quando das viagens que fazíamos a
Cuiabá, para fazer cursos e seguir viagem por avião.
A minha adorada e, ainda temida, orientadora Simone, por tudo que me
ensinou.
Aos meus irmãos de coração: Sol, Eder, Rosana e Rosemeire. Aos amigos do
grupo InvestigAção.
Aos sujeitos da minha investigação: Gaia, Determinação e Sol, por seus
riquíssimos depoimentos e pela alegria em me atender sempre que solicitadas.
A todos os professores e funcionários da Escola “7” de Setembro e Wellington
Flaviano Coelho.
A todos os professores do Programa de Pós-graduação do Mestrado em
Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso – Campus de Rondonópolis.
À Anabel, pelo carinho e profissionalismo com que sempre tratou a todos nós,
mestrandos.
Ao OBEDUC/CAPES, pelo financiamento da pesquisa por meio de bolsa para
a investigação.
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À SEDUC, pelo financiamento da pesquisa por meio de afastamento
remunerado para qualificação profissional.
À professora Lindalva Maria Novaes Garske, com quem eu aprendi muito
sobre Educação do Campo, principalmente, sobre a relação do MST com esta
modalidade educacional.
A professora Ozerina Victor de Oliveira, pelos riquíssimos apontamentos e
sugestões feita na qualificação que muito contribuiu para a evolução da pesquisa.
Ao professor Elizeu Clementino de Souza, o qual eu conheci em 2012 no
CIPA em Porto Alegre e que, ao ouvir uma fala sua sobre narrativas (auto)
biográficas e histórias de vida, cativou-me imediatamente por essa metodologia de
escrita. Agradeço, ainda, a esse professor pelos apontamentos e sugestões na
qualificação, bem como pela disponibilidade em participar de minha banca.
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RESUMO
A presente pesquisa está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso – Campus de Rondonópolis e foi realizada com o apoio do Programa Observatório da Educação (OBEDUC). Nas últimas décadas, têm crescido as discussões sobre educação do campo no que tange às reivindicações de melhores condições de vida, de educação, de sobrevivência e de acesso aos bens culturais da população brasileira campesina. Esta pesquisa objetivou investigar as políticas que tivessem como centralidade a formação de professores do e para o campo, bem como sua atuação nesse ambiente de vida e de trabalho. Junto à formação, situam-se as práticas das professoras do campo que se evidenciam como produtivas, nos processos de ensinar e aprender nesse ambiente de vida e de trabalho docente. Incluem-se, na pesquisa, professoras experientes e docentes egressos do curso de Pedagogia, professores iniciantes que atuam na escola do campo, no sentido de melhor observar como são atendidas em seu trabalho e formação pelas políticas para a educação do campo. A questão que mobilizou esta pesquisa foi: como os professores iniciantes que atuam ou atuaram nas escolas do campo analisam as políticas de formação e carreira docente e seus impactos em sua prática cotidiana. Para desenvolver a investigação, apropriou-se da abordagem qualitativa com o método (auto) biográfico, adotando as narrativas como instrumentos de coleta de dados. A investigação se desenvolveu em duas escolas públicas do Estado de Mato Grosso com três sujeitos. Os resultados evidenciaram que as políticas existentes após a LDB 9394/96 têm se voltado para o campo, embora não se traduzam, ainda, em políticas afirmativas na análise dos sujeitos, professores que atuam nesse espaço. Palavras-chave: Políticas para a Educação do Campo. Formação e carreira docente no campo. Narrativa (auto) biográfica
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ABSTRACT
This research is linked to the Graduate Program in Education at the Federal
University of Mato Grosso - Campus Rondonópolis and was accomplished with the
support of the Centre for Education Programme (Programa Observatório da
Educação/OBEDUC). In the last decades, have grown the discussions on field
education with respect to the claims of better living conditions, education, livelihood
and access to the cultural goods of the Brazilian peasant population. This research
aimed to investigate the policies that were centered on teachers training from and to
the field as well as their performance in this life type. Close to the training, there are
the teacher’s practices that are evidenced as productive, in the processes of teaching
and learning in this life atmosphere of educational work. Included in the survey
experienced teachers and novice teachers graduates who work in the country school,
in order to better observe how are assisted in their work by the policies and training
for rural education. The subject that mobilized this research is: how beginning
teachers who work or have worked in schools in the country analyze education
policies a and teaching career and its impact on their daily practice. To develop
research, we have appropriated the qualitative approach to the (self) biographical
method, adopting the narratives as instruments for data collection. The research was
developed in two public schools in the State of Mato Grosso with three subjects. The
results showed that existing policies after LDB 9394/96 have turned to the country,
although they do not perform yet into affirmative action policies in the analysis of the
subjects and teachers who work in this space.
Keywords: Policies for Rural Education. Training and teaching career in the field.
(Self) biographical narrative.
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Distribuição temporal das publicações. (2007 – 2011)
23
Gráfico 2 Natureza das IES (2007 – 2011)
24
Gráfico 3 Distribuição Regional das teses e dissertações (2007 – 2011)
25
Gráfico 4 Incidência de autores citados nas dissertações e teses (2007 – 2011)
27
Gráfico 5 Formação dos pesquisadores da Educação do Campo
28
Gráfico 6 Vínculos institucionais dos pesquisadores 28
Gráfico 7 A falta de acesso do povo do campo à escola: desigualdades evidenciadas
54
Gráfico 8 Infraestrutura das escolas do campo no Brasil (PRONACAMPO 2012)
56
Gráfico 9 Distribuição das instituições educacionais em MT
71
Gráfico 10 Distribuição de escolas do campo por dependências administrativas
72
Gráfico 11 Total de matrículas nas instituições escolares em MT
73
Gráfico 12 Evasão do PROFORMAÇÃO turma-1999 a 2000
88
Gráfico 13 Rede de formação de professores do campo no Brasil segundo dados do MEC
91
Gráfico 14 Distribuição temporal dos artigos, dissertações e teses
106
Gráfico 15 Incidência de pesquisas com o termo Integração das disciplinas
107
Gráfico 16 Incidência de produções sobre o tema Educação do
Campo/Interdisciplinaridade 109
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LISTA DE SIGLAS
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEFAPRO – Centro de Atualização e Formação do Professor CNE – Conselho Nacional de Educação CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura EAD – Educação a Distância EMPAER – Empresa Mato-grossense de Pesquisa e Extensão Rural ENERA – Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INEP – Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC- Ministério da Educação e Cultura MMC – Movimento das Mulheres Camponesas MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra PARFOR – Plano Nacional de Formação de Professores PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PEE – Plano Estadual de Educação PNE – Plano Nacional de Educação PROCAMPO – O Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo
PROFORMAÇÃO – Programa de Formação de Professores em Exercício PRONACAMPO – Programa Nacional de Educação do Campo PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária SECADI – A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SEDUC – Secretaria de Educação e Cultura SEED – Secretaria de Educação a Distância UNEMAT – Universidade Estadual de Mato Grosso UNIVAG – Universidade de Várzea Grande SINTEP - Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................. 13
2 EDUCAÇÃO DO CAMPO – UM TEMA POUCO EXPLORADO
TAMBÉM NAS PESQUISAS EDUCACIONAIS ................................... 19
3 OS CAMINHOS DA PESQUISA ....................................................... 30
4 O PROCESSO HISTÓRICO DE LUTA PARA A CONSTRUÇÃO
POLÍTICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL ........................ 35
5 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DO CAMPO: o direito à
diferença ............................................................................................. 52
6 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO EM
MATO GROSSO: UMA CAMINHADA LENTA .................................... 63
7 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA ESCOLA DO CAMPO .......... 75
7.1 Formação de professores do campo no estado de Mato Grosso
............................................................................................................. 82
8 POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO CAMPO ..... 91
8.1 A formação do professor do campo para a prática
interdisciplinar: algumas considerações ......................................... 97
8.2 Interdisciplinaridade ou Integração das disciplinas: um estudo
necessário ......................................................................................... 106
8.3 O professor do campo e a prática interdisciplinar ................... 110
9 HISTÓRIAS DE VIDA E FORMAÇÃO – espelho, espelho meu... . 122
9.1 Minha história, minha vida... ...................................................... 122
10 (IN) CONCLUSÃO ........................................................................ 157
REFERÊNCIAS .................................................................................. 163
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1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Mato Grosso - Campus de Rondonópolis. Foi
realizada com o apoio do Programa Observatório da Educação (OBEDUC), em
projeto aprovado e publicado pelo edital 049/2012/CAPES/INEP/SECADI, intitulado
“Egressos da Licenciatura em Pedagogia e os desafios da prática em narrativas: a
universidade e a escola em um processo interdisciplinar de inserção do professor
iniciante na carreira docente”.
Trata-se de uma pesquisa que tem, como foco, o professor do campo, sua
formação e trabalho docente.
A educação do campo é compreendida na presente pesquisa como a
educação e formação dos sujeitos que vivem na zona rural. Portanto, homens,
mulheres, crianças e idosos. Muitos desses que somente agora, após anos de luta,
conseguiram um pedacinho de terra para viver e criar seus filhos e acreditam na
educação como uma maneira de livrá-los das privações das quais foram e
continuam sendo vítimas.
Trata-se de uma investigação que tem sua inserção nos movimentos sociais,
sendo a educação do campo, constitutiva destes. Insiro-me neste contexto, porque
atuo no campo há mais de trinta anos, sendo, no passado, estudante e, atualmente,
professora.
O tratamento dado à educação dos sujeitos do campo já me inquietava desde
a época de estudante na escola do campo, principalmente, no que dizia respeito à
formação de seus professores.
Minha convivência com esses profissionais permitiu-me, desde cedo, ouvir
suas narrativas. Consequentemente, por meios delas, compartilhar suas
inseguranças e fragilidades, mediante o distanciamento entre o real e o imaginário, o
legal e a realidade do cotidiano da escola, a vivência e a experiência do professor
que mora no campo.
Ressalto aqui, por exemplo, o cumprimento às normas dos contratos
docentes, ao trazer, para o campo, o professor da zona urbana aprovado no último
concurso e contratar, para a zona urbana, o professor do campo que não atingiu a
pontuação para aprovação.
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Tal realidade cria uma situação caótica, ao colocar os professores em
ambientes de trabalho que não fazem parte de suas realidades. Convivo com isto
em minha docência no campo há muitos anos.
Assim sendo, as histórias de vida das professoras, sujeitos desta pesquisa,
assemelham-se à minha, pois, desde que no campo fui morar, minha formação foi
muito difícil e permeada de grandes dificuldades, como a de todos os moradores
campesinos. Entretanto, mesmo com dificuldades, concluí a licenciatura em História,
a especialização e o mestrado em educação que ora se finda.
Por conseguinte, o leitor irá encontrar, em vários momentos desta escrita, as
histórias de vida e de formação dos sujeitos cruzando com a minha. No decorrer de
minha profissão, tanto no cotidiano da escola onde atuo quanto nos vários encontros
de educadores, eventos relacionados ao campo promovidos pelo Estado e em
conversas com meus pares, percebi que as fragilidades das políticas públicas para
nosso meio são as mesmas em todas as partes de Mato Grosso.
Esses contatos me permitiram conhecer boa parte dos desafios que os
professores do campo enfrentam neste Estado, as incertezas, o descaso com o qual
somos tratados, a falta de incentivo, a ausência de políticas públicas afirmativas,
entre outras. Deste modo, toda essa vivência ao longo de meu processo formador
me habilita a fazer algumas afirmações no decorrer do texto, principalmente, quando
as manifestações dos sujeitos têm também a minha voz.
A ausência de políticas específicas para os professores, especialmente, os que
atuam no campo e, voltando o olhar para aqueles que estão iniciando a carreira
docente, tem provocado, entre os professores, o que André (2011, p. 6) chama de
“evasão do magistério”, ocorrida, segundo a autora, com maior frequência nos
primeiros anos da profissão.
Preocupados com o número dessa evasão, muitos autores como: Nóvoa (1995);
Huberman (1995); Vaillant (2003); García (1999; 2010); André (2011); Nono;
Mizukami (2006), entre outros, começaram a levantar discussões a esse respeito,
defendendo a criação de políticas de formação para esses docentes em início de
carreira.
São discussões recentes, tímidas, abordando um campo pouco pesquisado no
Brasil, mas bastante promissoras, na tentativa de amenizar as dificuldades do início
da docência.
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Ante o exposto, na condição de mestranda-pesquisadora do projeto do
Observatório da Educação (OBEDUC), aprovado pelo MEC em 2012 e, no intuito de
responder às expectativas do projeto, fui progressivamente sendo direcionada a
pesquisar acerca do ambiente do campo com cujo cenário estou envolvida há quase
vinte anos, como sitiante, dona de casa e professora.
Assim, a cada nova leitura sobre a Educação do Campo busquei focar no
professor iniciante, instigada pela temática do OBEDUC, no sentido de compreender
como acontece o acompanhamento e formação a esse profissional que atuou e está
atuando nas escolas do campo, na região Sudoeste do Estado de Mato Grosso.
Igualmente, aproprio-me de termos que usamos no campo para descrever o
que sentia com as leituras sobre meu espaço de vida e de trabalho. Estas me
instigavam e, a cada novo dado apresentado, eu ficava “encharcada” de um
sentimento de comprometimento com a causa do campo.
Deste modo, tais leituras me “atiravam”, impulsionavam-me à busca de
maiores conhecimentos para ampliar minha visão sobre o ambiente em que vivo e a
profissão em que atuo, bem como para melhor compreender e, consequentemente,
melhor operar nele como uma profissional crítica. E isso se relacionava também a
minha formação na área da História, uma vez que era sempre levada a novos
questionamentos sobre a vida e formação dos professores que ensinam no campo.
O critério de escolha dos sujeitos desta investigação se deu pela exigência de
que os iniciantes estivessem, no momento da pesquisa, ou anteriormente a ele,
atuando em escolas do/no campo, e fossem egressos do curso de Pedagogia.
A escolha pelo curso de Pedagogia deu-se devido ao projeto do OBEDUC, o
qual prima em suas investigações pelos egressos desse curso.
Os sujeitos escolhidos para esta pesquisa foram três professoras que atuam
na docência em escolas do/no campo, as quais levam o codinome de Gaia,
Determinação e Sol, a fim de garantir-lhes o anonimato.
Ressalto que a fundamentação teórica para educadores iniciantes, os quais
são sujeitos desta pesquisa, foi definida conforme concepção de Huberman (1995),
isto é, professor que possui de zero a três anos de docência e a de Tardif (2002) que
considera o iniciante como o que atua de um a cinco anos na docência.
Segundo Marcelo Garcia (1999), as características do início da docência não
se relacionam tão somente dentro dos anos considerados pelos autores acima, mas
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também podem manifestar-se quando os professores mudam de escola, de nível ou
de região, a qualquer tempo de sua carreira.
Ante o exposto, o objetivo da pesquisa foi investigar as políticas que tenham
como centralidade a formação de professores do e para o campo, bem como sua
atuação nesse ambiente de vida e de trabalho.
Diante de tal intenção de pesquisa, procuro responder à seguinte questão: de
que forma os professores iniciantes que atuam ou atuaram nas escolas do campo
analisam as políticas de formação e carreira docente e seus impactos em sua
prática cotidiana?
O desenvolvimento da presente pesquisa deu-se na abordagem qualitativa,
tendo como foco de análise as histórias de vida, em narrativas (auto) biográficas de
formação. Para Souza (2004, p. 15), as narrativas (auto) biográficas são
procedimentos potencializadores de formação, na medida em que possibilitam “a
organização das experiências vividas através da preparação e da construção que o
ator faz para seu relato.”
Ainda sobre as narrativas (auto) biográficas, continua o autor a afirmar que
elas se configuram também “[...] como uma prática reflexiva das experiências,
através da autoanálise empreendida enquanto dispositivo de investigação e
formação.”
Organizo o presente estudo em dez capítulos, sendo o primeiro, a introdução
que nesta ocasião se apresenta.
O segundo capítulo – Educação do campo – um tema pouco explorado
também nas pesquisas educacionais - exponho um panorama sobre as pesquisas
desenvolvidas no país, que têm, como foco de estudo, a educação do campo e a
formação de seus professores. Foi objetivo, ainda, evidenciar o volume das
produções científicas relacionadas à educação no campo, à formação dos
educadores e as práticas docentes dos que nele atuam.
Tais dados serão mostrados a partir da análise dos resumos das dissertações
e teses defendidas nos programas de pós-graduação do país, dos artigos publicados
em cinco periódicos e no Currículo Lattes de cada pesquisador citado na pesquisa,
no período de 2007 a 2011.
No terceiro capítulo - Os caminhos da pesquisa – verso sobre os
procedimentos metodológicos adotados no trabalho, cuja metodologia é de
abordagem qualitativa, tendo como foco de análise as histórias de vida, em
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narrativas (auto) biográficas de formação. Nesse capítulo, ainda são apresentadas
as etapas metodológicas e os sujeitos da pesquisa.
No quarto capítulo - O processo histórico de luta para a construção
política da educação no campo no Brasil – apresento a trajetória histórica da
construção da educação do campo no Brasil, desde sua origem ainda no período de
colonização com as missões jesuíticas até as últimas resoluções acerca dessa nova
modalidade educacional.
O quinto capítulo - Políticas públicas de educação do campo: O direito à
diferença - visa discutir a educação do campo, dialogando com as políticas públicas
educacionais, enfatizando que as direcionadas para a educação dos sujeitos do
campo devem partir do princípio da igualdade e universalidade, como assegura a lei.
Mas, ao mesmo tempo, devem também ser diferenciadas para que todos os grupos
sociais possam ter acesso aos direitos previstos nos documentos oficiais.
No sexto capítulo - O processo de construção da educação do campo em
Mato Grosso: uma caminhada lenta – discuto a trajetória histórica de construção
da educação do campo no Estado de Mato Grosso até os dias atuais.
No sétimo capítulo - A formação do professor da escola do campo – um
pouco de história - procurei apresentar, de forma sucinta, o processo histórico
acerca da formação do professor no Brasil e no Estado de Mato Grosso. Neste caso,
com enfoque no processo de formação dos professores do campo por se tratar do
objeto de estudo desta pesquisa.
Analiso, ainda, o conjunto de políticas públicas educacionais voltadas à
formação de educadores do campo, observando que essas medidas devem se forjar
nas práticas coletivas, na mística da esperança de ocupação do campo e também
do campo educacional, como uma utopia a ser realizada.
No oitavo capítulo - Políticas de formação de professores do campo -
analiso o conjunto de políticas públicas educacionais voltadas para a educação do
campo no território nacional. Também foram investigadas, nesse capítulo, práticas
da interdisciplinaridade na educação do campo no qual abordo o tema à luz da
mesma temática, uma vez que as práticas, a serem desenvolvidas nas escolas do
campo, apresentam-se fortemente amparadas pela prática interdisciplinar.
Ante o exposto, investigo se as técnicas interdisciplinares estão presentes nas
escolas do campo, assim como se os professores dessas instituições as percebem
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em suas práticas pedagógicas cotidianas e se tiveram formação interdisciplinar em
algum momento de sua formação, seja inicial ou continuada.
No nono capítulo - Histórias de vida e formação – Espelho, espelho
meu..., trago as histórias de vida e formação dos sujeitos investigados, assim como
as análises dos dados coletados junto a eles e, a cada recorte, vou me vendo nas
falas, nos gestos, nos choros e nas práticas; daí o título do capítulo: Espelho,
espelho meu. Tais recortes são analisados à luz dos teóricos da formação, da
educação do campo e das políticas de formação.
No último capítulo – (In)Conclusões – após esse período rico da
investigação, apresento meus apontamentos, minhas reflexões, meus achados
acerca da educação do campo e da formação de seus professores. Nesta parte final,
fui também acometida por um imenso sentimento de inacabamento, de curiosidade
aguçada e uma colossal vontade de continuar a investigar sobre o que me propus
neste estudo, pois, com esta pesquisa, algumas dúvidas foram-me esclarecidas,
mas outras surgiram, das quais algumas insiro ao final do capítulo.
Por isso, intitulo esse capítulo de (In)Conclusões, pois acredito que somos
seres inacabados (FREIRE) e complexos e, como tal, iremos morrer sem ter
condições de utilizar o termo: Considerações finais, seja em nossa vida pessoal
quanto na profissional.
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2 EDUCAÇÃO DO CAMPO – UM TEMA POUCO EXPLORADO TAMBÉM NAS
PESQUISAS EDUCACIONAIS
Apresento, neste capítulo um panorama sobre as pesquisas desenvolvidas no
país, que têm, como foco de estudo, a Educação do Campo e a formação de seus
professores, evidenciando assim, o volume das produções científicas relacionadas à
educação do campo, à formação dos educadores e às práticas docentes dos que
nele atuam. Tais dados serão mostrados a partir da análise dos resumos das
dissertações e teses defendidas nos programas de Pós-Graduação do país, dos
artigos publicados em cinco periódicos e no Currículo Lattes de cada pesquisador,
citado na investigação no período de 2007 a 2011.
A educação oferecida aos sujeitos do campo no Brasil sempre foi
marginalizada pelas políticas públicas. Como moradora e docente do campo, posso
afirmar isto, assim como também percebo que essa marginalização se deu por muito
tempo no campo acadêmico, haja vista que, durante meu tempo de estudante, tanto
na graduação quanto na pós-graduação, pouco percebi que as produções tenham
gerado algum movimento e/ou debate com os educadores do campo.
Assim, concluo que até pouco tempo atrás eram raras as produções sobre
educação do campo ou educação rural nas academias do país. Isso demonstra que
o silenciamento e o esquecimento, em relação ao ensino oferecido nesse meio, não
se restringiram somente à esfera da gestão pública, mas também da acadêmica. A
fim de evidenciar tal negligência, senti-me instigada a realizar uma pesquisa do tipo
estado do conhecimento para investigar os números desse descuido.
O Estado do Conhecimento resulta em uma investigação sobre aquilo que já
se tem produzido sobre determinado tema, ou seja, é a busca pelo conhecimento já
existente, aquilo que já foi revelado por outros investigadores, em outros momentos,
em lugares diferentes.
As contribuições trazidas por André (2009) permitem concluir que pesquisas
como a do Estado do Conhecimento proporcionam, aos pesquisadores, dados que
lhes possibilitam conhecer e integrar a produção acadêmica na área do
conhecimento que é de seu interesse, em um período determinado de tempo, o que
pressupõe o aperfeiçoamento da produção científica.
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A pesquisa desse tipo consiste no levantamento e mapeamento do trajeto de
trabalhos acadêmicos já percorridos sobre um determinado tema, incluindo,
também, uma análise crítica das produções encontradas (FERREIRA, 2002).
De acordo com autores anteriormente citados, todo pesquisador deve fazer
essa busca de informação sobre o tema por ele investigado, pois essa ausência de
informação sobre o que se quer pesquisar pode tornar sua pesquisa repetitiva e sem
contribuição social. Assim sendo, neste capítulo, trarei os resultados de minhas buscas sobre as
pesquisas no cenário brasileiro no tocante à Educação do Campo, os quais me
forneceram subsídios para inserir-me no contexto da produção científica, então,
desconhecido para mim como moradora do campo.
Esta inserção nos dados da CAPES e no SciELO trouxe-me um
conhecimento ímpar sobre o tema em estudo, ampliou meus olhares acerca da
variedade de informações produzidas sobre a Educação do Campo e, assim,
subsidiou-me os estudos para a escrita desta pesquisa.
Para tanto, investi inicialmente no banco de dados da CAPES a fim de fazer
o levantamento das teses e dissertações e, posteriormente, no SciELO, os artigos.
Foram adotados descritores utilizados de forma mais genérica1 como formação de
professores até chegar à formação do professor do campo.
As análises dos dados, além de levantarem o volume das pesquisas,
envolveram a leitura dos resumos e os currículos dos autores para, assim, identificar
a concentração das produções sobre o tema, bem como o que já foi escrito acerca
da educação do campo e a formação de seus professores.
Os resultados apontaram que, em cinco anos, o volume das produções sobre
a educação do campo e a formação do professor do campo contabilizou 246
pesquisas. Destas, 185 são dissertações, distribuídas em 64 programas de pós-
graduação.
Foram localizadas 55 teses, espalhadas em 21 programas de pós-
graduação. Os artigos apresentaram um número baixo se comparados aos dados
anteriores de produções na área de educação do campo/rural, somando somente
seis, difundidos em cinco periódicos diferentes.
1 Todos os demais descritores encontram-se no quadro 1 desta dissertação.
21
Os resultados mostraram, ainda, expressivo aumento no número de
dissertações e teses nos últimos anos, revelando o crescente interesse acadêmico
para com a educação voltada aos sujeitos que vivem e se formam no campo. No
entanto as produções em periódicos ainda são muito escassas, merecendo um olhar
mais atento dos pesquisadores da área de movimentos sociais.
O levantamento das produções de pesquisas acadêmicas no Brasil deu-
se, a partir de buscas realizadas na web, utilizando, para tal, o banco de dados da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio
do site http://www.capes.gov.br.
Com relação aos artigos, realizei pesquisa no banco de periódicos da
SciELO em todos os índices e em toda coleção, localizados em seis revistas
científicas: Cadernos Cedes, Educação e Pesquisa, Ensaio: Avaliação e Políticas
Públicas em Educação, Interação (Campo Grande) e o periódico Tempo. Já para
informações sobre a formação dos pesquisadores, bem como suas áreas de
atuação na atualidade, foi utilizada a Plataforma Lattes.
Ao proceder às primeiras buscas, deparei-me com duas concepções
diferentes sobre a educação destinada aos sujeitos do campo: ora chamada de
educação no campo, ora de educação rural. Por esse motivo e visando a uma busca
mais rica, optei por investigar as pesquisas, usando os dois termos: “rural” e
“campo.”
A concepção de educação rural advém da década de 1930, marcada pelo
início do êxodo rural. Essa população praticamente expulsa de suas terras pelo
latifúndio começa a inchar as cidades e a provocar “desordens de todos os tipos.”
Assim, preocupados com tais “desordens,” é pensada, pelo poder público, uma
forma de fixar o homem no campo, visto que alguns traziam como discurso o fato de
saírem do campo pela falta de políticas públicas, especialmente no que tange à área
educacional. Dessa forma, surgem as primeiras escolas públicas rurais.
O termo Educação do Campo é bem contemporâneo e foi estabelecido
durante a I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo. Ficou
estabelecida, nessa conferência, a substituição do termo “rural” por “campo.”
Desse momento em diante, passa, então, a ser chamada de Educação do
Campo aquela destinada aos sujeitos que ali vivem. Ao analisar as produções
acadêmicas sobre essa modalidade educacional nas últimas décadas no Brasil:
Correia (2012), Bezerra; Damasceno, (2004) e Souza, M., (2007) elucidaram, em
22
seus estudos, um panorama de como se encontravam essas produções em relação
aos temas, volume das produções, regiões em que eram produzidas, tipos de
pesquisa, entre outros destaques.
Os autores já denunciavam, na época, o esquecimento da academia em
relação aos trabalhos realizados com foco na Educação do Campo. Isso instigou
averiguar se os números de produção haviam crescido nos últimos cinco anos
(2007/2011). Logo, concluí ser importante realizar esse Estado do Conhecimento, a
fim de ter ciência de como estão se desenvolvendo, no cenário nacional, as
investigações acadêmicas sobre a Educação do Campo.
No Quadro 1, estão indicados os resultados obtidos nas buscas sobre
cada descritor/ano para teses e dissertações, sem exclusão dos trabalhos repetidos,
pois um mesmo trabalho pode aparecer em vários descritores. Lembrando que, para
a confecção dos gráficos, foram excluídas 91 produções, por estarem retratadas,
quando da busca, em outros descritores.
Quadro 1 – Resultado das buscas com respectivos descritores para teses, dissertações e artigos. Descritor 2007 2008 2009 2010 2011 *TG
T* D* A* T D A T D A T D A T D A
Educação do campo
04 24 02 05 19 01 13 26 - 06 36 01 07 44 01
Educação rural 03 09 - 05 09 - 01 18 - - 07 02 03 07 -
Formação de professores da educação do campo
- 01 - - - - 01 03 - - 04 - - 03 -
Formação de professores da educação rural
- 01 - - 01 - - 01 - - 02 - 01 02 -
Escola e comunidade do campo
01 04 - 03 04 - 04 03 - - 09 - - 03 -
Escola e comunidade rural
02 04 - 01 05 - 01 02 - 01 02 - - 02 -
Práticas da escola e práticas do campo
01 02 - - - - - 02 - - - - - 02 -
Práticas da escola na educação rural
- 01 - - 01 - - 02 - - - - - 02 -
Total 11 46 02 14 39 01 20 57 - 07 60 03 11 65 01 337
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
*T = Teses; * D = Dissertações; * A = Artigos; *TG = Total geral.
Analisando o quadro acima, nos descritores formação de professores
campo/rural e práticas da escola campo/rural, nota-se a ausência, em todo o período
23
citado, de pesquisas na área da formação do professor do campo/rural, bem como
em suas práticas.
Porém, ao proceder à leitura dos resumos, foi identificado um grande número
de pesquisas nos dois temas e, apesar de as palavras formação e práticas não
aparecerem com frequência nos títulos, mais de 20% das pesquisas com maior
incidência de temas tratados na investigação versaram sobre formação de
professores tanto nas dissertações quanto nas teses. Após a exclusão dos trabalhos
repetidos, chegou-se à conclusão apresentada no gráfico a seguir:
Gráfico 1 - Distribuição temporal das publicações. (2007 – 2011)
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados da pesquisa
O gráfico acima nos revela que as dissertações sobre a educação do
campo/rural atingiram o ápice em 2009, tendo uma considerável queda em 2010 e
caindo mais em 2011. As teses também alcançaram seu topo em 2009, contudo, no
ano seguinte, em 2010, houve queda brusca, voltando a crescer em 2011. Os
artigos tiveram maior número de produção em 2007, com duas publicações e nos
anos consecutivos somente uma produção.
Após a exclusão dos trabalhos repetidos, realizou-se a sistematização para
análise, com um total de 246 pesquisas. Destas, 75% são dissertações distribuídas
em 64 programas de pós-graduação. As teses representaram 22,5% das pesquisas,
24
difundidas em 21 programas de pós-graduação. Os outros 2,5%, são seis artigos
divulgados em cinco periódicos diferentes.
Ao proceder às buscas sobre a identificação das IES e sua respectiva
natureza entre pública ou particular, bem como agrupamento por quantidade de
dissertações e teses de cada IES, obtive o seguinte resultado: 85% das dissertações
foram realizadas nas instituições públicas, contra 15% na rede particular. Quanto às
teses, 94% delas foram encontradas nas instituições públicas e somente 3% nas
particulares.
Gráfico 2 – Natureza das IES (2007 – 2011)
Fonte: Elaborado pela autora para o presente estudo.
Os índices percentuais nos revelam que, tanto nas dissertações quanto nas
teses, há prepoderância das produções nas IES de origem pública. Isto não é
nenhuma surpresa, visto a natureza das pesquisas investigadas (educação do
campo/rural), cujos temas esses não são muito discutidos nas intituições superiores
de cunho particular.
Para visualizar a dispersão das pesquisas de acordo com as
universidades, estas foram agrupadas por número de investigações localizadas,
chegando-se ao seguinte resultado: A Universidade Federal da Paraíba foi a
instituição que mais produziu dissertações com o tema relacionado, ocupando o
primeiro lugar com 25% das produções, seguida pela Universidade Federal do
Paraná, com 8% e, em terceiro lugar, a Universidade Federal do Pará, com 6% das
produções.
25
As produções de doutoramento se concentraram, no período investigado,
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, representando 17% das teses,
seguida pela Universidade Federal da Bahia com 15% das produções e, em terceiro
lugar, empatadas com 9%, ficaram a Unicamp e a UnB.
A busca pela origem das intituições revelou que, enquanto as instituições das
regiões Norte e Nordeste brasileiro concentram a maior parte das produções em
nível de mestrado, em relação às teses, há uma pequena inversão, pois estas se
congregam mais na região Sul, principalmente, nos Estados do Rio grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná.
Este é um dado muito interessante, visto que essa região do país foi o berço
do MST e da Educação do Campo. Somadas juntas resultam num percentual de
34% das produções, enquanto os Estados da região Nordeste respondem por 31%
das instituições. A região Centro-Oeste foi a que menos produziu trabalhos dessa
natureza.
Já em relação às teses, observamos que, em nível de doutorado, as mesmas
regiões que lideram nas dissertações também se repetem nas teses, porém com
inversão em suas posições. A região que apresentou menor nível de produção foi a
Norte.
Gráfico 3 - Distribuição Regional das teses e dissertações (2007 – 2011)
Fonte: Elaborado pela autora para o presente estudo.
26
As análises por unidades federativas apontaram que, em relação às teses e
dissertações, os Estados de Minas Gerais, Paraná, Pará e Paraíba lideram as
produções de pesquisa na área da educação do campo/rural. No tocante às teses,
Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia respondem juntos por 51% das produções
em nível de doutorado.
Das 185 dissertações, 144 possuíam temas bem concentrados, ou seja, o
foco de investigação desenvolvido pelos investigadores que se propuseram a
investigar sobre a educação do campo no país. Os resultados evidenciaram que
20% das pesquisas tiveram, como foco, as políticas públicas para a educação do
campo/rural, 15% sobre as práticas pedagógicas, principalmente, a pedagogia da
alternância e o mesmo percentual sobre a formação do educador do campo/rural via
PRONERA, 13% a respeito de outras práticas educativas e outros tipos de formação
de professores das escolas do campo/rural, 12% das pesquisas analisaram as
propostas do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) nas escolas do
campo/rural, 4,5% pesquisaram sobre os saberes docentes dos professores, 3,5%
sobre práticas docentes e apenas 2% trataram sobre a formação do professor do
campo através da pesquisa autobiográfica, do tipo história de vida, objeto de estudo
desta pesquisa.
A análise dos resumos das teses trouxe as seguintes informações: 23% das
pesquisas investigaram sobre as políticas públicas para a educação do campo, 20%
trataram sobre a formação dos professores que atuam nas escolas do campo/rural,
18% sobre as práticas pedagógicas e as propostas de educação do MST, 13,5% das
pesquisas abordaram sobre outras práticas educacionais desenvolvidas nas escolas
do campo/rural. Saberes docentes, práticas docentes e histórias de vida, somou
cada uma: 2,2% das pesquisas analisadas.
Os dados acima demonstram que, apesar do tema formação de professores
e práticas educativas, referente à educação campo/rural, não ter sido localizado com
frequência quando da busca como descritores, a leitura dos resumos permitiu
identificá-lo como um dos temas mais investigados pelas pesquisas levantadas.
Para analisar se as produções estavam dialogando com os pesquisadores da
educação do campo/rural, optei por investigar, nos resumos, quais eram os autores
mais citados. De um total de 246 produções (dissertações e teses), 170 delas não
mencionaram no resumo seu referencial teórico e 76 o fizeram. Os autores com
maior índice de citação estão apresentados no Gráfico 4 abaixo.
27
Gráfico 4 – Incidência de autores citados nas dissertações e teses (2007 – 2011)
Fonte: Elaborado pela autora para o presente estudo.
Em se tratando de referenciais teóricos,observa-se uma base bem sólida nos
trabalhos investigados, pois as leituras dos pesquisadores, como demonstra o
gráfico acima, associam-se diretamente a grandes intelectuais da área de estudo
sobre educação no campo/rural no Brasil.
Ao realizar o estudo, senti-me estimulada a investigar sobre as pesquisas
que focam a formação do professor do campo – quais licenciaturas cursaram em
sua trajetória docente. Para isso, recorri à pesquisa no banco de currículos da
Plataforma Lattes, sendo que, em alguns casos, precisei abri-los, pois algumas
informações não estavam disponibilizadas na primeira página.
Como era de se esperar, os dados revelaram que a maior parte dos autores
citados possuíam graduação em Pedagogia, alcançando, nas dissertações, 56% e,
nas teses, 22%. Muitos deles foram localizados, tanto nas produções de mestrado
quanto de doutorado.
28
Gráfico 5 - Formação dos pesquisadores da Educação do Campo
Fonte: Elaborado pela autora para o presente estudo.
Ao terminar o levantamento das produções, suscitou em mim certa
inquetação a fim de saber por onde andam esses pesquisadores que se propuseram
a investigar sobre a educação do campo/rural. Realizei, então, uma pesquisa
eletrônica no portal da Plataforma Lattes, procurando cada um daqueles nomes
localizados na pesquisa.
Gráfico 6 – Vínculos institucionais dos pesquisadores
Fonte: Elaborado pela autora para o presente estudo.
29
Alguns pesquisadores não foram localizados, porém os demais estão ativos,
exercendo a profissão do Magistério Superior, principalmente, nas instituições
federais. Em relação ao vínculo empregatício dos pesquisadores investigados neste
estudo, os dados apontam que, dos que produziram suas dissertações entre os anos
de 2007 e 2011, 34% são professores universitários federais,15% trabalham na rede
municipal e 14% na rede estadual de seus respectivos Estados. As teses apontaram
que 44% de seus investigadores se encontram na docência superior federal, 22%
na rede estadual e 13% na docência superior da rede particular.
Vale, ainda, ressaltar que, em minhas buscas, foram excluídos os trabalhos
sobre: educação indígena, educação quilombola e educação ribeirinha, pois, embora
ambas sejam enquadradas como educação do campo, não se constituíam foco
desta pesquisa e, por isso, descartados.
Das pesquisas investigadas no período de 2007 a 2011, somente quatro são
investigações (auto) biográficas. Esta pesquisa demonstrou que houve, nos últimos
cinco anos, expressivo crescimento das produções sobre a educação do campo no
Brasil, porém ainda há um grande silenciamento acadêmico acerca de como os
profissionais do campo vão se constituindo professor por meio de suas histórias de
vida, ao se apropriarem das narrativas autobiográficas.
A partir do aprofundamento do estudo sobre as pesquisas em torno da
Educação do Campo, foi possível delinear com maior clareza o objeto de estudos e
os passos metodológicos da pesquisa, os quais seguem no próximo capítulo.
30
3 OS CAMINHOS DA PESQUISA
O estudo que me propus desenvolver é de abordagem qualitativa e tem como
método a (auto) biografia, ao trazer a história de vida em narrativas dos sujeitos da
pesquisa. A escolha pela investigação de cunho qualitativo se justifica pelo fato de
ser a que melhor contempla os estudos desenvolvidos na área educacional e,
conforme esclarecem Lüdke e André (1986, p. 13), esse tipo de pesquisa “vêm
ganhando crescente aceitação na área de educação, devido principalmente ao seu
potencial para estudar as questões relacionadas à escola.”
Quanto à adoção pelo método da (auto) biografia, Nóvoa (2010, p.166)
esclarece que esse método “são caminhos que permitem o repensar as questões da
formação, acentuando a ideia que ninguém forma ninguém e que a formação é
inevitavelmente um trabalho de reflexão sobre os percursos vividos.” Souza (2007)
elucida que, nos últimos anos, têm crescido muito as pesquisas que utilizam o
método da (auto) biografia:
O trabalho com história de vida, memória e autobiografia tem contribuído na pesquisa educacional e na formação para a construção de um campo de produção de conhecimento pedagógico, através da produção de relatos autobiográficos, os quais possibilitam desconstruir imagens e representações sobre a prática docente, o fundamento teórico da prática e desta forma contrapor-se à memória oficial disseminada pelas políticas de formação e pela literatura pedagógica que vem estruturando o trabalho docente. (SOUZA 2007 p. 08)
No intuito de empregar o método da (auto) biografia através das histórias de
vidas dos sujeitos desta pesquisa, valer-me-ei das entrevistas narrativas das
professoras. Outro instrumento adotado será a análise documental.
Ao tratar sobre histórias de vida, Pineau e Le Grand (2012, p. 103) enfatizam
que “nesse início de milênio, a vida que procura entrar na história não é mais
somente a dos notáveis, mas a de todo aquele que deseja ter domínio sobre a sua
própria vida e que se lança nesse exercício até então reservado à elite.”
A opção pela escolha da entrevista narrativa tem, como ideia básica,
“reconstruir acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes, tão
diretamente quanto possível” (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2003, p. 93). Os autores
salientam que “as narrativas são infinitas em sua variedade, e nós as encontramos
em todo lugar.” Assim, trago para discussão as narrativas que marcaram o percurso
31
de vida dos sujeitos investigados. Para tal finalidade, tomo como ponto de partida o
que elas destacam sobre a educação do campo para sua formação e atuação.
No intuito de construir ampla aprendizagem sobre a educação do campo e a
formação de seus professores, percorreu-se um longo caminho metodológico que
iniciou no ano de entrada no mestrado e permanece até os dias atuais. A
peregrinação em busca do conhecimento científico só acontece se o investigador
organizar procedimentos metodológicos que lhe possibilitem investigar a realidade,
de forma estruturada, ordenada e sistematizada. Para isso, no decorrer da escrita de
uma pesquisa científica, o pesquisador deve seguir etapas, normas e técnicas, por
meio de aplicações de métodos preestabelecidos, buscando, através desses
procedimentos, responder como e por que ocorreram os fatos e fenômenos
investigados.
Em consonância com o acima citado, a primeira etapa desta pesquisa contou
com intenso levantamento bibliográfico de autores que são referências nos debates
e pesquisas sobre formação de professores e educação do campo no sentido de
ampliar o conhecimento sobre a educação do campo no Brasil, utilizando as
informações adquiridas como modelos teóricos, dando sustentação no momento da
escrita.
Na medida em que as leituras eram feitas, foram criados documentos no
Word para futuras averiguações. Essa elaboração, de acordo com Zanella (2009,
41), é uma “técnica na arte de estudar e deve ser constante a vida do pesquisador.
É uma forma de registrar as informações e/ou conhecimentos construídos a partir da
leitura dos textos.”
O levantamento bibliográfico sobre a educação do campo levou-me a deparar
com uma série de documentos; por isso, concomitante à pesquisa bibliográfica,
desenvolveu-se a documental. Essa técnica de análise de dados, embora, segundo
Lüdke e André, seja pouco explorada ainda nas pesquisas sociais:
[...] podem se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, sejam complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema. São considerados documentos quaisquer material escrito que possa ser usado como fonte de informação sobre o comportamento humano. (LÜDKE; ANDRÉ 1986, p. 38).
32
A pesquisa documental acerca da educação do campo envolveu a
investigação em documentos internos (estatutos, regulamentos, relatórios, manuais
etc) e externos (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96,
Documentos do MST (Relatório da 1ª Conferência Nacional Por uma Educação
Básica do Campo ENERA, PRONERA), Plano Nacional de Educação (PNE),
Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso (OCs), pareceres, portarias,
editais entre outros).
Sendo assim, o início da escrita desta pesquisa deu-se, intercalando as
leituras de livros, artigos, revistas, entre outros, com os documentos encontrados
nessas leituras, referentes à educação do campo.
A terceira etapa da pesquisa consistiu em construir uma busca do tipo Estado
do Conhecimento sobre a educação do campo e a formação de seus professores
em todo terrítorio nacional. O objetivo desse levantamento foi fazer uma coleta sobre
o volume das produções científicas, relacionadas à educação do campo no Brasil, à
formação de seus educadores e suas práticas docentes, a partir da análise dos
resumos das dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação do
país, dos artigos publicados em cinco periódicos e no Currículo Lattes de cada
pesquisador citado na pesquisa, no período de 2007 a 2011.
O Estado do Conhecimento permitiu-me levantar um panorama sobre os
estudos relacionados ao tema estudado, no Brasil e guiou-me na minha
investigação, na medida em que me permitiu afunilar a investigação até chegar onde
minha pesquisa se enquadra, ou seja, o que tem sido produzido sobre a formação
do educador do campo narrada em sua história de vida.
Para tanto, trago como sujeitos três professoras iniciantes que possuem suas
histórias de vida ligadas à docência no campo. Todos os sujeitos são egressos do
curso de Pedagogia e adotaram nomes fictícios, visando à preservação de suas
identidades.
Os pseudônimos foram escolhidos pelos sujeitos em comum acordo com o
pesquisador, tendo, por base, as histórias de vida de cada um. Gaia, na mitologia
grega, significa Deusa da Terra. Ela é a protetora da fecundidade. A Teoria de Gaia
é um alerta contra a destruição do planeta e uma declaração de amor à vida. Esse
nome foi escolhido pelo próprio sujeito, uma mulher forte, que tem sua origem no
campo, militante do MST, possuidora de um imenso amor e respeito pela terra, de
onde colhe os frutos do seu trabalho.
33
Formada pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA), mora no campo e, por não conseguir vaga em seu ambiente de vida e
de luta na escola do assentamento onde mora, vai trabalhar na cidade, há dois anos.
É assentada do MST, formada pela Pedagogia da Terra e divide seu tempo entre
escola, família e a lida em sua pequena propriedade da qual possui um imenso
orgulho por se tratar do fruto das pressões dela e de seus pares dentro do
Movimento.
Determinação, pseudônimo também escolhido pelo sujeito, que quer situar-
se como mulher guerreira, determinada, que se fez de surda quando todos diziam,
até mesmo os médicos, que seu filho nunca iria aprender. Decidida a provar o
contrário, dedicou anos de sua vida à alfabetização do filho que, recentemente,
concluiu o Ensino Médio e é um excelente poeta.
Egressa do curso de Pedagogia de uma instituição particular, sempre viveu
no campo e está atuando há menos de um ano na docência nesse ambiente. Seu
despertar para a magistério adveio da determinação de alfabetizar o filho especial
quando todos já haviam desistido dele, por apresentar dificuldade de aprendizagem.
Sol, mulher delicada, mas não menos valente que as demais. Moradora da
zona urbana, por amor à profissão que escolheu - a docência-, arriscava-se em uma
rodovia perigosa para ir trabalhar em outro município até conseguir sua remoção
para uma escola próxima de sua casa, apesar de ainda não ser no município em
que mora. Formada pela Universidade Federal de Mato Grosso, ingressou no
quadro de professores do Estado por meio de concurso público realizado para uma
vaga em outro município, longe de sua residência (30 km) e, ao ser removida, optou
pela escola do campo pela proximidade com sua residência (12 km) visto que, em
sua cidade - zona urbana - não havia vaga. Enfrentou Sol, chuva, poeira, lama para
cumprir com sua função docente no campo. Seu pseudônimo foi escolhido para
representar sua preferência, quando esta afirmou, em seu depoimento, que o tempo
chuvoso era terrível para ela, por causa das péssimas condições da estrada de terra
que precisava enfrentar todos os dias para ir ao campo trabalhar; por isso, afirmou
que gostava mesmo era do tempo da seca em que o Sol predominava: “Prefiro a
poeira ao barro,” disse. Essa egressa mora e sempre morou na zona urbana e vai
trabalhar no campo diariamente.
Para a interpretação dos dados, apoiei-me em três eixos de análises que
buscam dados sobre as fases: história de vida e profissão dos sujeitos. No eixo um:
34
O INÍCIO: O percurso formativo dos sujeitos – procurei identificar, nas narrativas
(auto) biográficas dos sujeitos, dados sobre sua trajetória de vida e formação desde
a infância até a docência. Suas lembranças da primeira professora, o despertar para
a docência, seu processo de formação, a graduação, a Pós, os cursos de formação
continuada, são as escritas nesse eixo, assim como suas alegrias, angústias e
desafios nesse percurso, bem como no início de suas docências.
Nas análises do eixo dois - FORMAÇÃO PROFISSIONAL: As políticas
públicas de formação inicial e continuada – busquei, através das narrativas, refletir
sobre as políticas públicas para a educação do campo, com foco nas que se referem
à formação de seus educadores, procurando identificar quais percepções possuem
os sujeitos sobre as políticas de formação, se estas os amparam ou desamparam
em sua docência; qual a relação entre essas políticas e a qualidade da educação
oferecida aos sujeitos do campo; quais os impactos delas nas práticas pedagógicas
desenvolvidas pelos professores que atuam nas escolas do/no campo.
No eixo três: DOCÊNCIA NO CAMPO - As práticas pedagógicas dos
professores – Da cidade ao campo/do campo à cidade - trago as narrativas dos
sujeitos, investigando, em seus relatos, qual a percepção dos mesmos sobre a
possibilidade do trabalho interdisciplinar nas escolas do campo, bem como se estes
receberam formação para desenvolver tais práticas.
35
4 O PROCESSO HISTÓRICO DE LUTA PARA A CONSTRUÇÃO POLÍTICA DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL
A conquista do direito à educação da classe popular no Brasil é, ainda, muito
recente e data da promulgação da Constituição de 1988 que encerrou um período
de mais de quatro séculos de cerceamento aos diretos sociais e políticos desse
povo, entre estes, o direito à educação.
A história da educação no Brasil surge ainda durante o processo de
colonização. Os jesuítas, padres de uma ordem católica, vieram à América e aqui
organizaram missões em meio à selva junto aos indígenas. Um dos principais
objetivos dessas missões era escolarizar por meio da catequização.
Sobre o pretexto de salvar as almas desses selvagens, a Igreja Católica
estabeleceu, em diversas partes do novo continente, várias missões. Em uma
época de efervescência religiosa na Europa, ameaçada pela perda de fiéis para as
religiões protestantes, a Igreja Católica via no novo mundo recém-descoberto e
repleto de iminentes fiéis, uma excelente oportunidade de expandir seu rebanho e
aumentar seus lucros.
O primeiro passo no processo de escolarização dos indígenas consistia em
lhes ensinar a escrita e a leitura. Observa-se, então, no preâmbulo desse capítulo
que, apesar de uma série de intencionalidades, a educação no país possui, como
berço, as florestas e seus sujeitos. Foi no campo, em meio à selva, que ela se
originou.
Essa educação, no entanto, já nasce atrelada a um sistema urbano trazido
pelos jesuítas dos centros educacionais da Europa. Os indígenas foram, então, as
primeiras vítimas de uma educação alienada, imposta pelos jesuítas que a
utilizavam como pretexto de proteção e salvação, impondo-lhes a fé por meio da
educação.
Além da educação aos índios, os jesuítas fundam, no Brasil, vários colégios,
sendo o primeiro deles na Bahia, em 1534, para atender os filhos dos portugueses
que aqui viviam e, também, os órfãos. Essas escolas funcionavam só para meninos
e em regime de internato. As práticas nessas escolas eram também importadas dos
colégios europeus, por isso o ensino era muito tradicional e a disciplina era seguida
à risca, sob a pena de castigos físicos.
36
A pedagogia utilizada pelos professores jesuítas se baseava na memorização,
repetição e na obediência. Ao professor cabia o papel da simples reprodução das
lições e, aos alunos, copiar tudo o que o professor ensinava.
Os filhos da população pobre não tinham acesso a essas escolas que eram
somente para órfãos portugueses e filhos da elite colonial. Depois das primeiras
letras, os abastados seguiam para a Europa a fim de cursar a faculdade; aos órfãos,
restavam dois caminhos: tornarem-se padres professores ou aventurar-se pelo novo
mundo.
Os jesuítas foram, praticamente, os únicos responsáveis pela educação no
Brasil por mais de duzentos anos, só deixando esse ofício a partir de 1759, quando
foram expulsos pelo Marques de Pombal que via, na grandiosidade das missões,
uma ameaça a seu governo absolutista.
Com a expulsão dos jesuítas, o Estado português assume a educação no
país. Essa escola continua sendo para os filhos da elite. A grande maioria das
crianças não tinha acesso à educação. O objetivo dessa instrução era formar mão
de obra masculina especializada para trabalhar no país, como funcionários públicos,
militares, funcionários do clero, entre outros.
Em 1827, foi instituída a primeira Lei Geral de Ensino. Essa lei obrigou o
poder público a criar escolas nas vilas e cidades mais populosas do império e as
meninas puderam, pela primeira vez, frequentar a escola. Porém o método de
ensino ainda era o mesmo da época dos jesuítas.
Observa-se que, em um período em que mais de 80% da população vivia no
campo, a primeira política pública de educação foi criada para atender a população
urbana do Brasil.
Dez anos após a criação da citada lei, foi inaugurado, no Rio de Janeiro, o
Colégio Imperador II, para atender a elite nacional; tal instituição era controlada pelo
próprio Imperador que escolhia desde os professores até o método de ensino a ser
praticado nessa escola.
Em 1874, em meio à efervescência republicana, aparecem no país várias
escolas desvinculadas do Estado, entre estas: as particulares, as femininas e as
protestantes. Com a expansão cafeeira e os altos lucros advindos da venda do café,
muitos fazendeiros passaram a investir na industrialização. Tal fato ocasiona a
urbanização. Para suprir a total ausência de mão de obra especializada para
37
trabalhar nessas tímidas, mas promissoras indústrias, são criadas as Escolas
Técnicas.
A proclamação da República em 1889 provocou várias mudanças no país,
entre elas a insurgência de novas políticas públicas para a educação. O governo
republicano passou a promover uma reformulação no Ensino Primário e Normal,
criando uma rede de Escolas Normais e complementares. Um ano antes da
promulgação da primeira Constituição Republicana, a Igreja foi separada do Estado,
laiciza a sociedade e a educação. O novo texto constitucional elimina o voto por
renda e institui o voto do cidadão masculino, desde que este fosse alfabetizado.
O final da Primeira Guerra Mundial acelerou a industrialização em vários
países americanos, inclusive, no Brasil. A procura por mão de obra aumentou.
Nesse período, a educação foi discutida como sinônimo de desenvolvimento. Surgiu,
então, o movimento da Escola Nova.
Nessa época, a educação passou a ser a qualificadora, formadora dessa mão
de obra. O aluno nesse momento é visto como um consumidor do sistema
educacional. Não havia preocupação em formar para a vida, mas sim para a mão de
obra barata, alienada e necessária ao capital. As políticas públicas educacionais
começaram a primar por novos métodos e reformulou-se o currículo para atender a
essa nova realidade.
O movimento da Escola Nova fez surgir, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros
que defendia, entre outros, o direito à universalização da escola pública, laica e
gratuita.
Vimos até o presente momento, neste texto, que, apesar de a educação no
Brasil ter surgido em meio aos indígenas, portanto, no campo, esta não foi
contemplada, fosse ela chamada de rural ou do campo, nas primeiras constituições
do país, nem no Império e, muito menos, nos primórdios da República, como afirma
Leite:
[...] a sociedade brasileira somente despertou para a educação rural por ocasião do forte movimento migratório interno dos anos 1910 - 1920, quando um grande número de rurícolas deixou o campo em busca das áreas onde se iniciava um processo de industrialização mais amplo (LEITE, 1999, p. 28).
Surgiu, nesse período, o ruralismo pedagógico, um movimento visionário que
sugeria a propagação dos valores nacionalistas de crescimento econômico via
38
educação. Como nesse período a maior parte da população brasileira vivia no
campo, fez-se necessária e urgente a criação de várias escolas nas zonas rurais.
No que se refere ao histórico da educação do campo, não se pode negar a
grande influência desse movimento, na proposta de educação do MST, apresentada
vários anos mais tarde. Desse modo, ambos os movimentos entendiam que a
pedagogia poderia ser um mecanismo de fixação do trabalhador no campo (NETO,
2005).
Embora a educação rural fosse defendida desde 1910, foi somente a partir da
Revolução de 1930, no Governo de Getúlio Vargas, que o ensino rural ganhou
destaque.
A preocupação com a educação a ser oferecida no meio rural só ocorreu no
início da Nova República, quando ela entra, pela primeira vez, no ordenamento
jurídico brasileiro.
Entretanto, essa iniciativa veio das elites da época por vários motivos de
ordem social e econômica, entre estes se podem destacar dois que tiveram maior
propulsão e provocaram iniciativas quanto à legislação educacional para a zona
rural: o esvaziamento do campo, resultando em falta de mão de obra e o
“inchamento” das cidades que resultou em problemas sociais graves os quais
aterrorizavam as elites urbanas.
Assim, o governo se viu obrigado a criar as primeiras políticas públicas de
educação para as zonas rurais, a fim de conter a migração campo-cidade e
aumentar a produtividade no campo, com a volta desses sujeitos.
Nesse cenário, institucionalizam-se as “escolinhas rurais” com financiamento
advindo da União. Esse amparo legal não demorou muito tempo, pois com a
implantação do Estado Novo, em 1937, uma nova Carta Magna foi redigida e, nela,
a educação oferecida no campo voltou a ser financiada pelos patronatos, isto é, os
grandes fazendeiros.
Estes, por sua vez, criavam em suas propriedades escolas rurais onde as
professoras lecionavam sob suas “rédeas.” Muitas destas sendo suas proles e
ofereciam às crianças camponesas uma educação rural repleta de intencionalidades
capitalistas latifundiárias, como se observa no art. 132.
Art. 132 - O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis, tendo umas; e outras
39
por fim organizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim como promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-la ao cumprimento, dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação (BRASIL, Constituição Federal de 1937).
Nessa mesma Constituição, em seu art. 130, é instituído o Ensino Primário
gratuito e obrigatório, assim como a criação da “caixa escolar” sob o pretexto de
uma contribuição módica e mensal, em nome da solidariedade com os mais
necessitados.
Durante a década de 1940, foi criado no Brasil, sob a forte influência norte-
americana, a Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais.
Nesse período, foram instaladas, em várias regiões, as Missões Rurais, e, para dar
suporte a essas, foi criada a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural. As
políticas governamentais nesse período eram marcadas pelo entendimento do
camponês como carente, subnutrido, pobre e ignorante.
Com o fim da Segunda Guerra e do Estado Novo, foi redigida uma nova
Constituição (1946). Nesta, a educação na zona rural foi tratada como ensino
agrícola, inserida na Lei Orgânica criada pelo decreto-lei 9613, de 20 de agosto de
1946 que tinha, como meta, a formação dos sujeitos do campo para o trabalho na
agricultura.
A nova carta retomou o incremento ao ensino na zona rural, porém não mais
com financiamento público, como era na Constituição de 1934. Amparado
legalmente pela nova Carta Magna, o Estado transferiu, às empresas privadas,
principalmente, às agrícolas, a responsabilidade pelo financiamento dessa educação
oferecida na zona rural, como se observa em seu art. 168, cap.III:
Art. 168 – A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve-se inspirar nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. [...] III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos
destes (BRASIL, Constituição Federal de 1946).
O texto constitucional acima demonstra claramente o descaso do Estado com
a educação rural, pois a deixa, apesar de sua obrigatoriedade, subordinada aos
interesses econômicos das empresas agrícolas.
Esse descaso do poder público, em relação à educação popular no meio
rural, levou sua população a começar a se organizar e articular por conta própria a
40
criação de escolas. Contando, muitas vezes, com apoio de educadores, sindicatos,
partidos de esquerda, Igreja e, principalmente, dos movimentos sociais insurgentes
no cenário brasileiro que lutavam pela Reforma Agrária.
Dentre estes, destacam-se, como principais, as Ligas Camponesas, que
lutavam pela aprovação e legalização das Reformas de Bases, propostas pelo então
presidente João Goulart, que propunha, dentre outras mudanças na constituição, a
Reforma Agrária e a criação do estatuto do trabalhador rural, por meio do qual os
direitos trabalhistas seriam iguais para todos do país, fossem eles do campo ou da
cidade.
As Ligas Camponesas foram as grandes impulsionadoras do Movimento pela
Reforma Agrária no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, pois constituíram um dos
principais movimentos sociais e políticos que apoiaram as Reformas de Base de
João Goulart. Essas ligas angariavam apoio junto a pequenos produtores rurais e
famílias de trabalhadores sem-terra que viviam pagando arrendamento a grandes
latifundiários.
Parte desse fundo ia para a construção de escolas para os filhos dos
trabalhadores rurais. Em 1950, foi criada a Campanha Nacional de Educação Rural
e o Serviço Social Rural, cuja preocupação era voltada à formação de técnicos
responsáveis pelo desenvolvimento de projetos de educação de base e programas
de melhoria de vida, mas não discutia, efetivamente, a origem dos problemas vividos
no campo (LEITE, 1999).
No ano seguinte, foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n.
4024/61) que repassou, aos municípios, a reponsabilidade com a Educação
Fundamental rural no país.
Com o golpe militar, em 1964, toda ajuda educacional oriunda de qualquer
tipo de movimento ou sindicato foi proibida. A política educacional passou a sofrer
um processo de mudanças. Os movimentos sociais foram coibidos, os sindicatos
que representavam os movimentos populares foram fechados (LEITE, 1999).
Qualquer pessoa ou grupo que representasse, de alguma maneira, os direitos
do povo era perseguido, preso, ou desaparecia. Entre esses, estavam os líderes dos
movimentos sociais do campo e educadores que mantinham compromisso com
projetos de educação popular, fosse ele no campo ou na cidade.
41
Passados três anos do golpe, foi consolidada uma nova Constituição para o
país que repassava, às empresas agrícolas, a obrigação de oferecer na forma da Lei
o Ensino Primário gratuito a seus empregados e aos filhos destes.
No ano de 1969, foi aprovada uma emenda constitucional que mantinha
basicamente as mesmas normas para a educação no país. A novidade se restringia
ao aumento da oferta que se estendia dos sete aos quatorzes anos, além de deixar,
a critério das empresas, possibilitarem o ensino diretamente aos seus funcionários
ou de forma indireta, mediante a contribuição destas com o salário educação.
Tanto a Constituição de 1967 quanto a emenda de 1969 não obrigava as
empresas agrícolas a universalizar a educação no meio rural, menos ainda a
promover as mínimas condições de aprendizagem para os sujeitos do campo.
Enquanto nas cidades exigia-se das empresas comerciais e industriais que
preparassem mão de obra especializada, dando aos estudantes condições
estruturais para isso, nas zonas rurais bastava apenas que se ensinassem as
primeiras letras, pois, na visão da poder público da época, como afirma Arroyo:
Para mexer com a enxada não precisa de muitas letras. Para sobreviver com uns trocados, para não levar manta na feira, não precisa de muitas letras. Em nossa história domina a imagem de que a escola no campo tem que ser apenas a escolinha rural das primeiras letras. A escolinha cai não cai, onde uma professora que quase não sabe ler ensina alguém a não saber quase ler (ARROYO, 1999, p. 11).
Observa-se que a maior preocupação dos militares com a educação se dirigia
à formação rápida de mão de obra para trabalhar nas indústrias internacionais que
chegavam ao Brasil quase que diariamente. Essas empresas que aqui se instalavam
tinham, entre outros objetivos, a procura por mão de obra barata, porém
especializada, para atender a seus interesses capitalistas.
Ao campo, restava a produção em larga escala de matérias-primas para
essas indústrias. Era o início da Revolução Verde no país que, patrocinada por
grandes multinacionais, ancorava-se em dois princípios: que o campo brasileiro
oferecesse matérias-primas baratas e a expansão de seu mercado consumidor.
Dessa forma, fortaleciam a corporação com vendas de verdadeiros pacotes
de insumos agrícolas, principalmente para países em desenvolvimento como Brasil.
Para atender a tal intuito, não era necessário oferecer ao trabalhador do campo uma
42
educação especializada como se exigia nas cidades, pois, nesse período, o trabalho
na zona rural ainda era bem rústico e sem tecnologia.
Consequentemente, não se exigia, do trabalhador, uma educação mais
aprofundada; bastavam aos sujeitos do campo somente as primeiras letras. Assim,
as escolas rurais só permaneciam em cumprimento ao que estava subscrito na lei.
A partir de 1970, as insatisfações com o autoritarismo militar começaram a
tomar conta do país. Organizações sindicais e movimentos sociais voltaram ao
cenário brasileiro, ainda que na clandestinidade. A Revolução Verde aumentou
ainda mais o latifúndio no país. A modernização do campo expulsava milhares desse
ambiente diariamente. Os que permaneciam se submetiam a trabalhos escravos,
pois não havia uma legislação que os protegesse. A educação na zona rural era
oferecida com uma forte intencionalidade capitalista.
A industrialização via capital estrangeiro no país crescia ferozmente, e essas
indústrias necessitavam de mão de obra especializada para lidar com as tecnologias
das máquinas. Nesse cenário, surgiu a Lei 5.692/71 que regulamentou o Ensino de
Primeiro e Segundo Graus (LDB, 1971).
Entre outras determinações, ampliou-se a obrigatoriedade escolar de quatro
para oito anos, aglutina-se o antigo Primário com o Ginasial, suprimindo o Exame de
Admissão e criando a escola única profissionalizante.
Observa-se que a nova LDB centrou mudanças, exclusivamente, no ensino
urbano para atender à demanda por mão de obra; por isso, a lei criou, entre outros
artigos, o que estabelecia a criação do Segundo Grau (Ensino Médio).
Neste caso, sendo sua característica principal a formação de cunho
profissionalizante, um ensino tecnicista, com metodologia taylorista fordista, fazendo
com que a educação contribuísse para o desenvolvimento econômico do país, ou
seja, colocando a educação a serviço do mercado.
Como no campo não havia nem indústrias nem leis que protegessem os seus
trabalhadores, nenhuma mudança significativa foi proposta por essa lei e a
educação dos seus sujeitos permaneceu com os mesmos regulamentos da Lei
4024/61.
A década de 1970 foi o período mais repressivo e violento da ditadura militar.
Os movimentos contra a ditadura cresciam nas cidades e também no campo.
Expulsos da terra, milhares de camponeses marchavam para as cidades em busca
de emprego, dando início a um período de intenso êxodo rural no Brasil.
43
Apesar de toda repressão e violência, essa foi também uma década de
grandes manifestações no campo. Os camponeses começam a utilizar um método,
até então, desconhecido na luta pela Reforma Agrária no país – a ocupação de
terras; nascia, assim, o mais organizado movimento de trabalhadores sem terras na
nação: O Movimento Sem Terra (MST).
Surgidas no Rio Grande do Sul, no final dos anos de 1970, essas ocupações
realizadas nesse Estado vieram somar a outras nos Estados vizinhos de Santa
Catarina e aos conflitos de terras no Paraná. Tais ocupações, decorrentes da
desapropriação de famílias camponesas para a construção da usina de Itaipu, as
quais entraram em conflito com o governo militar para conseguir novas terras.
Sendo o Sul do país o berço do MST, o Paraná foi o primeiro Estado a sediar
a luta. Os expulsos da área de Itaipu se juntaram a outros sem terra e formaram,
inicialmente, o Movimento de Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paraná
(MASTES). Simultaneamente, várias frentes de luta foram sendo organizadas país
afora (GARSKE, 2006)
Esse movimento culminou no ano de 1982, no primeiro encontro entre as
lideranças dos cinco Estados do Brasil, envolvidos na luta pela Reforma Agrária,
sendo eles: Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso
do Sul.
O encontro foi realizado na cidade de Medianeira no Estado do Paraná.
Desse primeiro embate, vários outros foram organizados para articular a luta do
Movimento. Segundo Garske (2006), nesse e nos demais encontros, já se
demonstrava a preocupação por parte dos sujeitos envolvidos no Movimento em se
criarem escolas nos acampamentos e assentamentos:
A luta pela criação de escola se desencadeia desde o período de gestação do MST, mais precisamente, no período compreendido entre 1980 e 1984, momento em que as famílias Sem Terra começaram a expressar uma de suas principais preocupações em permanecer nos acampamentos e assentamentos: a possibilidade do acesso de seus filhos à educação escolar, tendo em vista que, pela precariedade da oferta de escola no meio rural, os filhos dos trabalhadores se viam e, na maioria das regiões do país, se vêem ainda, obrigados a optar entre abandonar os estudos ou sair do meio rural para o meio urbano, distanciando-se, assim da família. As famílias, por sua vez, tanto necessitam da presença e do trabalho de seus filhos, quanto não têm condições de mantê-los na cidade, o que acabou gerando a necessidade de luta pela implantação da escola
44
no meio em que se propõem construir sua própria vida, no caso, o meio rural. (GARSKE, 2006, p. 157).
Esses encontros tinham, entre outros, o objetivo de criar uma articulação
entre as diversas lutas que vinham ocorrendo no país, fato que veio a ocorrer dois
anos mais tarde em um encontro de representantes dos diversos movimentos na
cidade de Cascavel no Paraná.
Desse modo, surgiu em Cascavel no ano de 1984 o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. A consolidação do movimento reforçou as
lutas, aumentando, o número de ocupações e acampamentos (GARSKE, 2006)
As ocupações articuladas pelo Movimento forçaram ações do Estado em
favor dos sem-terra, e outros segmentos, até mesmo sindicais, como é caso da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), também
começaram a se utilizar desta forma de luta (ocupação de terra).
Com o sucesso das apropriações, forçando o governo a assentar esses
trabalhadores, o Movimento passou a ser engrossado por muitos outros cidadãos
brasileiros: desempregados urbanos, boias-frias, agricultores falidos expulsos de
suas terras, favelados, dentre outros. O Movimento mudou de luta social pela
Reforma Agrária a movimento político e ideológico.
O MST passou a lutar não somente pela terra, mas por seus direitos enquanto
cidadãos. Observe, na narrativa de Gaia, um dos sujeitos desta pesquisa, o porquê
dessa mudança:
Quando fui assentada dei de cara com dezenas de pessoas ali que não sabia sequer assinar o nome. Pensei comigo: Meu Deus, não pode isso, essas pessoas não precisam só de terra, mas também de conhecimento para lidar com a burocracia em torno dela e só a educação pode lhes preparar para isso. Vou alfabetizá-los. (Gaia, entrevista narrativa, 2013).2
A discussão em torno da Reforma Agrária começou a incorporar novos
elementos, entre eles, a educação, criando, em 1983, segundo Garske (2006, p.
159), a “primeira escola de que se tem registro num assentamento situado no
município de Nova Ronda Alta, localizado no Estado do Rio Grande do Sul, e, em
1984, no Espírito Santo.”
Ainda segundo a autora:
2 O restante dessas narrativas e seus desdobramentos encontram-se no corpo deste trabalho no capítulo oito.
45
No ano de 1985, as famílias acampadas na Fazenda Anonni, situada no município de Pontão, no Rio Grande do Sul, entendendo a necessidade vital do trabalho educativo para as crianças do acampamento, tomaram para si a tarefa de educá-las, desencadeando-se daí a deflagração do que se pode compreender, efetivamente, como a primeira mobilização por educação escolar no MST (GARSKE, 2006, p. 159).
Essa deflagração tira a Educação do Campo da marginalização, no momento
em que passa a utilizá-la como meio para a politização de seus integrantes. Os
líderes do MST, amparados na Pedagogia do Oprimido, de Freire (1987),
começavam a pensar ser essa a melhor e mais viável pedagogia para libertar o povo
oprimido do campo por intermédio da educação.
Tem-se em vista que a educação rural, na época, oferecida aos sujeitos do
campo, estava fortemente amparada por um sistema alienador, servindo ao capital
como um canal de perpetuação da ideologia capitalista e nada tinha de libertadora.
Uma educação com forte intencionalidade capitalista perversa, cujo objetivo era
manter os sujeitos no campo, como mão-de-obra, controlando-os por meio da pouca
educação que recebiam.
As políticas públicas educacionais para essas escolas eram impiedosas,
compensatórias, assistencialistas, manipuladoras, coercivas que serviam para
reproduzir os ideais do capitalismo. Logo, desconsiderava a realidade dos sujeitos
do campo, alimentava a competitividade, o individualismo, ou seja, uma educação
puramente instrumental reprodutivista que, de acordo com Ghedin (2012, p. 11), “foi
resultado do cumprimento de um papel de reprodução e legitimação social.” E ainda,
segundo o autor, situa-se atualmente nessa lógica reprodutivista:
[...] a maioria dos sistemas educativos direcionados a uma formação fundamentalmente profissional, sob uma manifesta hierarquização universitária, instrumento para aprofundar uma sociedade estratificada sob parâmetros de divisão social do trabalho (GHEDIN, 2012, p. 11).
Assim, vimos nascerem, juntamente com o MST, novos atores
protagonizados pelos sujeitos do campo no cenário político e cultural do país. Esses
novos protagonistas se mostravam politizados e exigiam respeito a sua diversidade,
46
quebravam o silêncio e o esquecimento de séculos por parte dos órgãos
governamentais.
E, deste modo, passavam a lutar e exigir, como cidadãos de direitos, uma
escola do campo que não fosse apenas um arremedo da escola urbana e, sim, uma
escola que estivesse atenta aos seus sujeitos específicos.
Uma escola que, de acordo com Fernandes (1999, p. 34), defenda “os
interesses, a política, a cultura e a economia da agricultura camponesa, que
construa conhecimentos e tecnologias na direção do desenvolvimento social e
econômico dessa população.”
A promulgação da Constituição Federal de 1988 ofereceu, ao Movimento,
amparo legal para pensar uma educação que melhor representasse seus ideais,
quando, em seu artigo quinto, estabelece que todos são iguais perante a lei e, em
seu artigo 205, afirma que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da
família.”
Amparado pela lei, o MST passou a pressionar para ser discutida, no
Congresso Nacional, uma concepção de educação que levasse em conta suas
demandas, que respeitasse seus saberes, a sua cultura, os seus valores, as
especificidades e as particularidades do lugar onde eles vivem e sobrevivem. Uma
educação que não mais fosse pensada para os sujeitos do campo, mas sim, com,
pelos e dos sujeitos do campo, uma educação do e no campo.
Como afirma Caldart (2004, p. 149), “no: o povo tem direito a ser educado no
lugar onde vive; do: o povo tem direito a uma educação pensada no seu lugar e com
a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e
sociais.”
Partindo da concepção de que a educação é um direito de todos e um dever
do Estado, o movimento ganhou sua primeira conquista com a implementação da
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - 9394/96) quando,
em seu artigo 28, estabeleceu as seguintes bases para a educação no meio rural:
Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino proverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I-conteúdos curriculares e metodologia apropriada às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II- organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
47
III- adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, LDB, 1996, artº. 28, p. 25).
Apesar de não se referir ainda à Educação do Campo e, sim, rural, a nova
LDBN reservou, em seu artigo 28, o direito à igualdade e o respeito às diferenças do
campo, algo nunca observado nas leis anteriores.
Destacada a importância da educação enquanto instrumento de libertação
dentro do Movimento, somada a esta a vitória na legislação, vários encontros
informais foram organizados para a reflexão sobre qual pedagogia responderia
melhor aos anseios do povo do campo.
Desses encontros, nasceu em 1997, o primeiro Encontro Nacional de
educadoras e educadores da Reforma Agrária (ENERA), promovido pelo Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ao término do ENERA, uma comissão
foi organizada para discutir, juntamente com a sociedade civil e demais movimentos
sociais, a realização da I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do
Campo, que foi realizada em Luziânia no Estado de Goiás no ano de 1998.
Este processo preparatório envolveu a realização de 23 encontros estaduais, onde diversas pessoas, instituições e movimentos sociais que trabalham com educação no meio rural se reuniram para trocar experiências e analisar dificuldades comuns. Foram avaliadas as melhores experiências educacionais existentes na área rural, nas seguintes áreas de atuação: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e profissional e educação de jovens e adultos. Neste sentido, orientada pela preocupação de viabilizar a construção de um novo Projeto Nacional, é que as reflexões sobre a elaboração de uma proposta de educação do campo devem contribuir para colocar a importância do meio rural na agenda política do país. (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999, p. 2).
Essas discussões resultaram, entre outras propostas, na criação do Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Depois de um longo e
tenso processo de negociações, o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária foi instituído em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria nº 10/98, do então
Ministério Extraordinário da Política Fundiária.
Entretanto, cabe dizer que a primeira política de educação dos sujeitos do
campo é originária de outro Ministério que não o da Educação, mas que representou
um extraordinário avanço para os movimentos sociais.
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Após esse processo, foi definida a data para o evento, sendo promovido em
conjunto com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Tecnologia (UNESCO) e Universidade de Brasília (UnB).
Ficou estabelecida nessa conferência a substituição do termo “rural” por
“campo.” Segundo Caldart (2004, p. 10), a conferência inaugurou uma “nova
referência para o debate e a mobilização popular: Educação do Campo e não mais
educação rural ou educação para o meio rural.”
Os resultados da conferência não tardaram a aparecer, pois, quatro anos
depois, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação a primeira política pública
para a Educação do Campo: as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo, Resolução CNE/CEB, n. 1, de 03 de abril de 2002.
Esta, por sua vez, com bases legais, regulamentou os procedimentos que
visavam adequar, segundo seu artigo 2, o projeto institucional das escolas do campo
às Diretrizes Curriculares Nacionais em todas as modalidades de ensino e ainda
definiu, no mesmo artigo, a identidade das escolas do campo no Brasil ( 2002):
Art. 2 - Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva do País (BRASIL, 2002, p.37).
Dois anos depois, em fevereiro de 2004, foi incorporada a estrutura do
Ministério da Educação e Cultura (MEC) à Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD), que conta com a Coordenação Geral da
Educação do Campo. De dois a seis de agosto desse mesmo ano, aconteceu
novamente, em Luziânia-GO, a II Conferência Nacional Por Uma Educação do
Campo, com a presença de 1.100 participantes, representando:
Movimentos Sociais, Movimento Sindical e Organizações Sociais de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo e da Educação; Universidades, ONGs e Centros Familiares de Formação por Alternância; secretarias estaduais e municipais de educação e outros órgãos de gestão pública com atuação vinculada à educação e ao
49
campo; trabalhadores e trabalhadoras do campo, educadoras e educadores, educandas e educandos de comunidades camponesas, ribeirinhas, pesqueiras e extrativistas, de assalariados, quilombolas e povos indígenas. (MST, 2004, p. 01).
Quatro anos mais tarde, foi criada a Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008,
estabelecendo as diretrizes complementares, normas e princípios para o
atendimento de políticas públicas para a Educação Básica do Campo no país.
Art. 1º A Educação do Campo compreende a Educação Básica em suas etapas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio e destina-se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de produção da vida - agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros. (BRASIL, 2008, p.01).
Observa-se na resolução que a legislação continua acentuando o respeito à
diversidade cultural das populações que compõem o campo brasileiro. Porém, na
prática, a lei ainda não se efetivou, principalmente, no que se refere à formação de
educadores para trabalhar com essa diversidade, de forma a contemplar a educação
pensada pelos movimentos sociais, pois, como se observou nesta pesquisa, os
professores não estão ainda recebendo formação específica para trabalhar com
essa realidade diversa que compõe os povos do campo.
Entretanto, a resolução traz dois pontos positivos para e Educação do
Campo: o primeiro é que, pela primeira vez, um documento oficial se refere ao termo
“Educação do Campo” e não mais educação rural; e o segundo é que, neste
primeiro artigo, o documento prima por uma educação que seja oferecida em seu
local de origem. Coíbe, assim, o uso indiscriminado do transporte escolar do campo
para as cidades o que causava, entre outros danos, o desenraizamento dos sujeitos
do campo e a perda de sua identidade.
No ano de 2010, foi sancionado pelo governo federal o Decreto nº 7.352, de
04 de novembro de 2010, que dispõe sobre a política de Educação do Campo e o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).
Art. 1º A política de educação do campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de
50
acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação e o disposto neste Decreto. (BRASIL, 2010, p.01)
As maiores novidades desse decreto dizem respeito às redefinições da
população, assim como da escola do campo descrita em seu primeiro artigo, nos
itens I e II:
I - populações do campo: os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural; II - escola do campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situada em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações do campo (BRASIL, 2010, p. 01).
Observa-se que, pela nova definição de população do campo, são citados,
além dos que já existiam, os assentados e acampados. Além do mais, a escola do
campo passa, pela nova lei, a ser compreendida como aquela que atenda essa nova
população, independentemente de sua localização geográfica.
Fernandes (1999, p. 33) corrobora com tal definição, ao afirmar que, na
concepção da escola do campo, a sua “localização é secundária, o que importa são
suas proximidades política e espacial com a realidade camponesa,” esteja essa
escola localizada no campo ou na cidade. Para o autor, o que está em questão é um
projeto de escola dos sujeitos do campo e não a sua localização.
O decreto nº 7.352 ainda criou, em 2012, o Programa Nacional de Educação
do Campo (PRONACAMPO) o qual se resume em um conjunto de ações do governo
federal que, segundo a CONTAG, é resultado da mobilização dos movimentos
sociais e sindicais do campo, para construção de referências de política nacional de
educação do campo, com apoio do MEC.
O PRONACAMPO propõe oferecer apoio técnico e suporte financeiro para
Estados e municípios implementarem suas respectivas políticas de Educação do
Campo, por meio de um conjunto de ações articuladas, que atendem às escolas do
campo e quilombolas, estando essas ações divididas em quatro eixos: gestão e
práticas pedagógicas, formação de professores, educação de jovens e adultos e
educação profissional, tecnológica e infraestrutura.
51
O programa sugere, com essas ações, trabalhar a educação contextualizada,
ou seja, promovendo a interação entre conhecimento científico e os saberes das
comunidades.
Diante de todo histórico apresentado, chega-se à conclusão de que, nesse
capítulo, os problemas relacionados à educação, principalmente à pública, estão
presentes tanto na zona urbana quanto na zona rural do Brasil. Entretanto, embora
por meio de muitas pressões da sociedade e dos organismos internacionais, no
intuito de formação para o trabalho, a educação nas cidades tem conquistado, nos
últimos anos, um respaldo legal e a educação oferecida aos sujeitos do campo
continua ocupando a periferia nas políticas públicas do país.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, (1997), por exemplo, nada é citado
sobre educação do campo, trabalha-se puramente com referências urbanas,
desconsiderando-se mais de 15% da população brasileira.
De acordo com Garske, o grande desafio dos que lutam pela implantação de
uma política afirmativa de educação para o campo brasileiro:
[...] é o de construção de uma escola que entenda que por trás da indicação geográfica e da frieza dos dados estatísticos está uma parte considerável da população brasileira, que tem sua vida construída na zona rural, uma população dotada de sonhos, desejos, aspirações, angústias, utopias e que tem como perspectiva a construção de um projeto de educação que os prepare para que se articulem e se organizem e assumam a condição de sujeitos da direção de seu próprio destino (GARSKE, 2006 p.165).
Como mulher e professora do campo, penso que o dia em que esse sonho se
realizar, poder-se-á dizer que vivemos em uma sociedade igualitária, justa, uma
sociedade de direitos e as mesmas oportunidades para todos.
Pois, até então, o direito à igualdade, apregoado por nossa Carta Magna
(1988), desconsidera as complexas diferenças de nosso imenso território, tais como:
diferenças culturais, religiosas, étnicas, de gênero, sociais, econômicas. Diferenças
essas legitimadas pelos direitos humanos, os quais foram criados justamente para
nos assegurar o acesso à igualdade o que de fato não aconteceu.
52
5 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DO CAMPO: o direito à diferença
Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Boaventura de Souza Santos
O que me proponho neste capítulo é discutir o lugar das diferenças na
formação dos educadores e educandos do campo, dialogando com as políticas
públicas educacionais. E estas, para os sujeitos do campo, precisam ser
redirecionadas, partindo do princípio da igualdade e universalidade como assegura a
lei. Mas, ao mesmo tempo, devem também ser diferenciadas, a fim de que todos os
grupos sociais possam ter acesso aos direitos previstos nos documentos oficiais Portanto, enfatizo, a discussão em prol de políticas públicas afirmativas e
específicas para a Educação do Campo sob a óptica do MST, amparando-me, para
tanto, em autores que escrevem em defesa de uma educação diferenciada para a
população da zona rural, que justificam, em seus discursos e escritos, porque a
criação de políticas educacionais para o campo precisa ser vista à luz das diferenças
ou especificidades.
Vale ressaltar que a Educação do Campo é uma modalidade recente na
história educacional brasileira, uma vez que data de quase duas décadas apenas as
discussões e as pesquisas nessa área. Ela se fortaleceu ao longo dos anos, dentro
das legislações brasileiras, devido a pressões históricas do MST enquanto
movimento de cidadãos de direito.
Sendo assim, foi a compreensão de que o povo tem direito a ter direitos que
fundamentou a ação dos movimentos sociais a encampar as reivindicações por uma
educação que fosse pensada pelos próprios sujeitos do campo e não mais para
esses sujeitos.
Os movimentos sociais foram os primeiros a compreenderem e a ouvirem,
atenta e fielmente, as leis e a proclamá-las sonora e claramente por toda parte, e
assim o fizeram a partir da promulgação da CF/88 quando o Brasil deixou de ser
governado por ditadores e passou a ser uma nação democrática, estabelecendo a
igualdade a todos os seus cidadãos.
53
A Constituição Federal de 1988 rejeitou qualquer forma de discriminação, ao
proclamar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
sendo inviolável, entre outros, o direito de igualdade. Dessa forma, dentre os
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, está a promoção do bem
de todos, sem qualquer tipo de preconceitos ou discriminação.
Não se pode esquecer de que a luta pela igualdade entre a humanidade é
antiga e a primeira vitória dessa batalha foi no período Pós-Guerra com a criação da
Carta da Organização das Nações Unidas, quando ficou declarada a igualdade de
direitos entre todos os homens, sendo um desses direitos, o respeito às diferenças.
Determinou, ainda, o documento, que todos devem ser tratados iguais e não
de forma desigual, podendo implicar prejuízos, como é o caso da população do
campo que há mais de 500 anos sofre as marcas das desigualdades, da
discriminação, construída no decorrer da história.
Tal desigualdade se constituiu, ao longo desse tempo, em um grande mal,
cuja cura só poderia ser atingida por meio de um tratamento diferenciado. Daí,
segundo Santos (1999, p. 63), “a necessidade de uma igualdade que reconheça as
diferenças e de uma diferença que não produza, e/ou reproduza as desigualdades.”
No entanto, de acordo Candau (2008), para alguns grupos ou pessoas:
Afirmar a igualdade entre pessoas e grupos, muitas vezes parece negar as diferenças ou silenciá-las. Por outro lado, reconhecer as diferenças, em muitas situações, é visto como legitimar desigualdades ou enfraquecer a luta por superá-las. Esta tensão está presente na sociedade como um todo e se revela de modo especialmente agudo no campo educacional. (CANDAU, 2008, p. 47).
Assim, durante muito tempo, o poder público utilizou o princípio da igualdade
para negar, ao povo do campo, seus direitos mínimos, entre eles, o de uma
educação de qualidade. Essa marginalização propiciou a esses sujeitos uma
profunda e perversa desigualdade socioeconômica causada pelo desrespeito as
suas diferenças culturais, convertendo, segundo Molina (2009 p. 6), “as diferenças
em desigualdades.”
Para Molina (2009):
É intensa a relação entre as desigualdades econômicas e sociais, historicamente sofridas pelos sujeitos do campo, e a ausência do direito à educação no território rural. [...] A ausência de políticas
54
específicas para o campo é umas das principais causas dessa desigualdade. Historicamente, o campo sempre foi deixado de lado [...] Ainda há no imaginário brasileiro a ideia de que o campo não demanda políticas públicas, de que não se deve gastar dinheiro porque vai acabar. Mas o que a realidade mostra é que, pelo contrário, há um processo de dinamização das áreas rurais (MOLINA, 2009, p. 6).
Observa-se, ainda hoje, que, mesmo diante da imensa pressão dos
movimentos sociais por uma educação de qualidade para os sujeitos do campo, a
herança das desigualdades ainda se faz muito presente nesse meio, conforme pode
ser observado no gráfico abaixo, elaborado a partir do cruzamento de dados do
PRONACAMPO 2012 e do Observatório da Equidade, do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) - Relatório de Observação nº 02, cujo
documento teve, como foco central de reflexão, as persistentes desigualdades
existentes no âmbito da garantia do direito à educação escolar aos sujeitos que
vivem no território rural do país.
Gráfico 7 - A falta de acesso do povo do campo à escola: desigualdades evidenciadas
Fonte: Gráfico elaborado pela autora a partir dos dados do PRONACAMPO (2012) e Observatório da equidade (2011)
O gráfico acima demonstra o imenso abismo que foi sendo produzido
gradativamente, por décadas, entre a situação educacional da população do campo
e da cidade.
Como se observa, somente 6,40% de crianças de zero a três anos possuem
atendimento escolar no campo, sendo que, na cidade, esse percentual quase
55
alcança os 20%. Na faixa de quatro a seis anos, são atendidas no campo 66% das
crianças; em contrapartida, são mais de 80% na cidade. Portanto, as taxas de
atendimento escolar das crianças nas duas faixas etárias deixam evidentes as
desigualdades entre campo e cidade.
O nível de instrução da população, na faixa de 25 a 34 anos, entre quem vive
no campo e na cidade, confirma o atual quadro da desigualdade de escolarização
entre as duas populações. Enquanto para a urbana, na faixa etária de 25 a 34 anos,
52,5% têm instrução completa de nível médio ou superior, no meio rural essa
condição só existe para 17%, segundo os dados da PNAD 2007.
A escolaridade média da população de 15 anos ou mais que vive na zona
rural é de 4,5 anos, enquanto no meio urbano, na mesma faixa etária, encontra-se
em 7,8 anos.
A percentagem de analfabetismo da população de 15 anos ou mais é de
23,3% na área rural, isto é, mais de três vezes superior àquela da zona urbana, que
se encontra em 7,6%.
Outros dados que o gráfico não traz, mas que foram apresentados por Molina
(2009), revelam que as desigualdades entre a educação oferecida na cidade e do
campo são imensas. De acordo com a autora:
[...] persiste precário e insuficiente acesso à Educação Básica no campo. A relação de matrícula, entre os anos iniciais e finais do ensino fundamental estabelece que, para 2,3 vagas nos anos iniciais, existe uma nos anos finais. Esse mesmo raciocínio pode ser feito com relação ao ensino médio, quando a situação é mais grave, com seis vagas nos anos finais do ensino fundamental para uma vaga no ensino médio. [...] As taxas de escolarização líquida são muito baixas. No ensino médio (15 a 17 anos) a área rural apresenta um índice de 30,6% enquanto na área urbana a escolarização líquida é de 52,2%; no ensino superior (18 a 24 anos) a área rural apresenta uma taxa de 3,2% enquanto na área urbana esta taxa é de 14,9%. [...] Às baixas taxas de escolarização líquida correspondem altos índices de distorção idade-série no campo, que já se manifestam no ensino fundamental e se agravam intensamente no ensino médio, registrando uma distorção de 55,8%, ou seja, mais da metade destes alunos estão atrasados com relação à série que deveriam estar frequentando. (MOLINA, 2009, p. 4-5).
Os indicadores acima confirmam, de forma clara e precisa, o quadro de
desigualdade entre a escolarização das pessoas que vivem nas cidades e aquelas
que vivem no campo, ficando, este último, sempre em desvantagem em todos os
56
números. Consequentemente, observam-se tais disparidades, entre os direitos da
população do campo e da cidade, em todas as esferas (educação, saúde,
transporte, lazer etc.).
Contudo, mesmo dentro do campo educacional, as desigualdades não se
restringem somente ao acesso, permanência e escolaridade; elas se expandem
também para a formação de seus educadores, tema abordado na pesquisa, a fim de
enfatizar as diferenças físicas e estruturais das escolas situadas no campo, como
apresentado no gráfico abaixo.
Gráfico 8 - Infraestrutura das escolas do campo no Brasil (PRONACAMPO 2012)
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados do documento PRONACAMPO (2012) e do relatório do Observatório da equidade (2011).
A leitura dos gráficos deixa evidentes as perversas desigualdades, às quais a
população do campo vem sendo submetida, ao longo da história de nosso país. Sob
a bandeira da igualdade, existe um fosso entre os direitos daqueles que vivem na
cidade e aqueles que no campo sobrevivem.
Assim, conforme Molina:
[...] a partir de uma análise retrospectiva sobre a situação da educação no país, pode-se constatar uma histórica ausência do Estado na oferta deste direito no meio rural. Na história brasileira registra-se que a implantação da escola no território rural deu-se tardiamente, e não contou com o suporte necessário do poder público, no seu processo de consolidação, fator que até a atualidade em muito contribui para manutenção de suas fragilidades. Por décadas e décadas, este padrão de atuação se manteve, produzindo um abismo entre a situação educacional do campo e da cidade (MOLINA, 2009, p.3).
57
Observa-se diante de todo o exposto que, historicamente, o campo brasileiro
sempre foi marginalizado. Suas diferenças nunca foram levadas em consideração na
elaboração das políticas públicas.
Por conseguinte, não se pensou em políticas públicas específicas para a
população do campo e esse fato, segundo Molina (2009), tem se constituído em
uma das principais causas geradoras das desigualdades no campo, principalmente,
no setor educacional.
Essas distinções são tamanhas que, se fôssemos explorá-las, resultariam em
uma rica tese. Diante disso, ressalta-se que os movimentos sociais, juntamente com
vários estudiosos da educação do campo no Brasil, lutam por políticas públicas
específicas para essa população tão diversa, deixando explícito, no 2º relatório
produzido pelo Observatório da Equidade (2009), cuja ideia defendida é de:
[...] um tratamento específico da educação do campo com dois argumentos básicos: - a importância da inclusão da população do campo na política educacional brasileira, como condição de construção de um projeto de educação, vinculado a um projeto de desenvolvimento nacional, soberano e justo; na situação atual esta inclusão somente poderá ser garantida através de uma política pública específica de acesso e permanência e do projeto político pedagógico; - a diversidade dos processos produtivos e culturais que são formadores dos sujeitos humanos e sociais do campo que precisam ser compreendidos e considerados na construção do projeto de educação do campo. (Declaração final da II Conferência Nacional Por uma Educação do Campo: Por uma política pública de Educação do Campo. 2004, p.8).
´
Diante desse contexto e considerando os capítulos I, II e III do artigo 206 da
Constituição brasileira, Molina (2008) argumenta que:
A elaboração de políticas públicas educacionais não pode prescindir dos dispositivos consagrados também no artigo 206 da Constituição. O princípio da igualdade de condições de acesso e permanência na escola, informado por este ditame constitucional, constitui diretriz que deve informar o conjunto das políticas educacionais. Ele é tomado como base para proposição de políticas afirmativas para efetiva garantia do direito à educação (MOLINA, 2008, p. 19).
As políticas públicas educacionais devem partir do princípio da igualdade,
serem universais, como assegura a lei, mas, ao mesmo tempo, devem também ser
diferenciadas, para que todos os grupos sociais possam ter acesso aos direitos
58
previstos nos documentos oficiais, como defende Duarte (2008, p. 25), ao dizer que
“se um grupo social tem mais dificuldade de acesso a direitos educacionais”,
consequentemente, “o Estado tem a obrigação de assegurar políticas diferenciadas
para assegurar o direito a essas pessoas, como é o que ocorre com a educação no
campo.”
Portanto, os movimentos sociais defendem uma educação diferenciada aos
sujeitos do campo, nunca desigual; neste sentido, assegura Molina (2008) que:
[...] o direito à diferença, aqui trabalhado, indica a necessidade de garantia de igualdade e universalidade, sem desrespeitar a diversidade encontrada no trato das questões culturais, políticas e econômicas do campo. O respeito à diferença pressupõe, assim, a oferta de condições diferentes. O que, no limite, garante a igualdade de direitos (MOLINA, 2008, p. 19).
A Constituição de 1988, por meio da LDBN, postula que a educação é um
direito de todos e um dever do Estado e este, por sua vez, deve se posicionar
ativamente, intervindo de forma a considerar políticas específicas para os grupos
sociais em situação desfavorável, como é o caso da diversidade populacional do
campo brasileiro onde há muitos excluídos de seus direitos enquanto cidadãos.
Acerca disso, Molina (2008) afirma que:
Temos que defender o direito à educação como direito universal, mas como direito concreto, histórico, datado, situado num lugar, numa forma de produção, neste caso da produção familiar, da produção agrícola no campo; seus sujeitos têm trajetórias humanas, de classe, de gênero, de etnia, de raça, em que vão se construindo como mulheres, indígenas, negros e negras, como trabalhadores, produtores do campo (MOLINA, 2008, p. 19).
Diante do exposto, compreende-se que, criar políticas que atendam à
Educação do Campo, de forma diferenciada, não é um privilégio, nem fere o direito
de igualdade assegurado pela CB/88.
A Educação do Campo deve ser diferente porque o campo é diferente, como
nos afirma Arroyo (2005). Por isso se faz necessário pensar para a população do
campo uma política pública educacional também diferente.
Essas políticas se fazem imprescindíveis e podem ser justificadas frente à
atual situação de desigualdade em que se encontra o povo trabalhador do campo.
Não se está falando, neste caso, de acesso a uma universidade específica ou a um
59
curso determinado, como ressalta Duarte (2008, p. 27), mas a garantia maior de
uma educação, “que reproduza todo o seu pluralismo, da manutenção e transmissão
de seus valores, de seus modos de vida, que são importantes para esse povo tão
plural que forma o campo brasileiro.”
Esse pluralismo deve ser levado em conta na elaboração de políticas públicas
para a Educação do Campo, como observa Caldart (2008, p. 54), ao afirmar que “os
sujeitos do campo são diversos e essa diversidade precisa ser incorporada em
nossa reflexão político-pedagógica.”
O país tem uma dívida com o povo trabalhador do campo e esta só será paga
com a elaboração de políticas públicas afirmativas que, como aponta Molina (2008,
p. 120), “sejam capazes de acelerar o processo de supressão das intensas
desigualdades no tocante à garantia de direitos existentes no meio rural brasileiro.”
Diante do cenário descrito, enfatizamos, neste capítulo, a defesa de políticas
públicas específicas para a Educação do Campo no país. Estas, por sua vez, devem
estar alicerçadas nas diversas especificidades que compõem os povos do campo
espalhados pelo imenso território nacional.
Conforme Caldart (2008, p. 46), historicamente, nas raras vezes em que “as
políticas educacionais brasileiras pensaram a especificidade da população
trabalhadora do campo sempre o fizeram na perspectiva do "para;" nem "com" e
muito menos "dos" trabalhadores.” Assim sendo, faz-se urgente e necessária a
criação e aprovação de políticas educacionais para o coletivo do campo, alicerçadas
nas diversidades. Corrobora, com tal pensamento, Caldart (2008), ao salientar que:
A Educação do Campo trata de uma especificidade; assume-se como especificidade: na discussão de país, de política pública, de educação. O que nos parece fundamental entender para não nos desviarmos da discussão de origem é que a especificidade de que trata a Educação do Campo é do campo, dos seus sujeitos e dos processos formadores em que estão socialmente envolvidos (CALDART, 2008, p. 47).
Logo, pensar em políticas públicas para a Educação do Campo,
partindo das especificidades de cada coletivo, sugere a negação aos pacotes
educacionais generalistas propostos pelos organismos internacionais liderados pelo
Banco Mundial, pois tais pacotes, como enfatiza Oliveira (2007, p. 2): “alteram a
realidade escolar e, particularmente, a relação entre trabalhadores docentes e
60
escola, o que tem colocado em risco a capacidade destas políticas de promoverem
justiça social.”
Esse modelo de educação imposto aos países, em forma de financiamento,
condiciona-os a um retorno carregado de visão voltada para o foco de interesse
econômico e político a ser concretizado por esses órgãos, ou seja, visa colocar o
sistema educacional do país a serviço do capitalismo.
Um modelo universal de educação que, segundo Beech (2009, p.37), é
promovido pelas agências multilaterais e se baseia em uma estrutura
mercadológica, em que “as agências multilaterais se convertem em uma fonte
significativa de autoridade (os recursos financeiros no caso do Banco Mundial)
capaz de legitimar uma agenda de políticas.”
Diante de tal modelo, a educação perde seu papel social, o mercado impõe
uma educação voltada ao individualismo competitivo, isto é, o instrumentalismo.
Para Mészaros (2008, p. 55), “o sistema educacional desde sua implantação tem
estado a serviço do capital como instrumento de dominação da classe popular.”
Nessa perspectiva, a educação dos sujeitos do campo que pertence a essa
classe não tem passado de simples mercadoria, da qual o sistema capitalista vem se
utilizando para mantê-los cativos aos seus interesses comerciais. De acordo com
Mészaros (2008, p. 27), “é necessário romper com a lógica do capital, se quisermos
contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente,”
como é o caso da proposta de Educação do Campo, defendido pelo MST.
No atual sistema de educação dos países latino-americanos, a reflexão, o
diálogo, a interpretação, papéis sociais da educação, têm perdido espaço e
desaparecido. É o que Ball (2001) chama de educação a serviço do mercado.
Conforme Mészaros (2008, p.55), a principal função da educação formal hoje
é agir como um “cão de guarda ex-officio e autoritário para induzir um conformismo
generalizado em determinados modos de internalização, de forma a subordiná-los
às exigências da ordem estabelecida.”
Para “as políticas educacionais, no continente latino-americano, tiveram, nas
últimas décadas, o objetivo de expansão da escolarização básica.” Portanto,
segundo Oliveira (2007, p. 2) essas “políticas vieram por meio de reformas em um
contexto de reestruturação do capitalismo” E isso, segundo a autora:
61
Altera a configuração dos sistemas educativos nos seus aspectos físicos e organizacionais, sob critérios de produtividade e excelência, expressando uma regulação que, embora dirigida à instituição pública e estatal, encontra-se fortemente ancorada no mercado (OLIVEIRA, 2007, p. 3).
Esse padrão de política pública educacional com características fortemente
mercadológicas, que desconsideram todos os tipos de diversidade, será insuficiente
para enfrentar a gravidade do panorama educacional no campo e, mais, será
insuficiente para suprimir as históricas exclusões sofridas pelos sujeitos do campo
no Brasil. Outro aspecto dessa política, levantado por Oliveira, leva-a a acreditar
que:
As diversidades e desigualdades sociais, raciais, regionais e culturais, expressas em termos políticos e econômicos, mostram que a fisionomia da nação pouco ou nada reflete da cara do povo. E os sistemas escolares, como produto desta organização nacional, não ficaram imunes a esse processo. Organizados a partir de modelos externos à experiência latina americana, tais sistemas refletem em si a estrutura desigual ambivalente dessa sociedade, o que resulta em conflitos de várias ordens (OLIVEIRA, 2007, p. 5).
Ante o exposto, justifica-se a luta árdua dos movimentos sociais pela
Educação do Campo, realizada pelo MST. Neste caso, em prol de uma instrução
que seja dos e não para os sujeitos do campo, em que o educar signifique muito
mais que alargar o exército de reserva proposto pelo BM, e educar signifique, acima
de tudo, formar o sujeito humano em todas as suas dimensões.
Sobre isto, concordo com Arroyo (2005, p. 46) quando diz que “somente nos
formamos sujeitos humanos, culturais, cognitivos, éticos, de memória, de emoção e
de indignação, no lugar, na terra.”
Em vista disso, lutar por políticas públicas para a Educação do Campo, na
concepção de Molina (2008), significa:
[...] lutar pelo alargamento da esfera pública, lutar para que a educação não se transforme como querem muitos hoje, em mercadoria, em um serviço, que só tem acesso quem pode comprar quem pode pagar. Lutar por políticas públicas para Educação do Campo significa lutar para ampliar a esfera do Estado, para não colocar a educação na esfera do mercado. (MOLINA, 2008, p. 18).
62
As políticas públicas para o povo do campo, na maioria das vezes, serviram
mais para marginalizá-los do que para ampará-los, uma vez que os mesmos nunca
puderam protagonizar sua própria história. Este cenário só começou a mudar a partir
da promulgação da Constituição Brasileira de 1988 que igualou todos os brasileiros
como sujeitos de direitos.
A formulação de políticas universais, generalistas, para a Educação do
Campo, sem levar em conta as diferenças que neste ambiente existem, está fadada
ao fracasso. Mas, de certo modo, essa é a intenção do capital, ao não subsidiar,
com leis específicas, uma educação de qualidade para a população do campo.
O MST foi o primeiro a perceber que os rumos das políticas agrárias só
evoluiriam a partir do momento em que também desenvolvesse a consciência dos
direitos políticos e sociais dos milhões que compunham o campo brasileiro e um dos
principais caminhos para alcançar tal intento seria por meio da educação.
A incansável “peleja” do MST tem mostrado a importância da luta pelas
políticas públicas de educação, além da luta por uma educação dos e não para os
sujeitos do campo. Assim sendo, há uma alienação educacional proposta nos
pacotes fraudulentos dos organismos internacionais, os quais possuem como intento
ignorar e subordinar as pessoas campesinas aos seus propósitos educacionais
capitalistas.
63
6 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO EM MATO
GROSSO: UMA CAMINHADA LENTA
O processo histórico da construção da Educação do Campo no Estado de
Mato Grosso não difere muito do restante do país, visto que as propostas de ensino
estadual sempre estão atreladas ao que rege a Carta Magna Nacional. Igualmente,
todo processo de marginalização, esquecimento e silenciamento em relação ao
campo no Estado repetiu-se, como em todo o país.
Em Mato Grosso, assim como nos demais Estados, o berço da Educação do
Campo é o MST e, assim sendo, a luta por uma educação significante para os
sujeitos do campo está inegavelmente ligada à luta pela terra. Do mesmo modo
como no restante da nação, os “frutos colhidos” por longos anos de reivindicações
dos povos do campo por uma educação de qualidade só começam a ser colhidos a
partir da Constituição de 1988.
Nesse sentido, para que possamos compreender os caminhos percorridos por
esta modalidade de ensino até os dias de hoje, faz-se necessário relembrarmos os
principais fatos que ocorreram ao longo dos anos na história da educação no
Estado.
Estudos desta pesquisa já mostraram que a história da educação no Brasil
esteve, e ainda está, a serviço do capital, de uma minoria que vem detendo o poder
desde os primórdios da colonização e que, de acordo com Mészáros (2008, p. 15),
“em lugar de instrumento de emancipação humana, a educação agora é mecanismo
de perpetuação e reprodução do sistema capitalista.”
Contra esta lógica perversa que atribui à educação uma mercadoria para a
dominação é que os movimentos sociais, neste caso, os do campo, vêm lutando
durante séculos, pois, para o MST, o ensino não pode ser instrumento de
dominação, nem a escola pode se tornar espaço para tal intento.
O Movimento prima por uma escola que represente o oposto dos ideais
dominantes. Uma educação que venha do povo e não apenas para o povo do
campo.
Em Mato Grosso, assim como no restante do país, a construção por
educação surge, assim, com a retomada, na década de 1930, pelo governo Vargas,
do processo de colonização intitulado “Marcha para o Oeste” cujo objetivo era a
64
expansão da fronteira agrícola do país, ocupando os “espaços vazios” e seu slogan
era “Terra sem homens, para homens sem terra” como afirma Reck:
Em Mato Grosso, e em certo sentido ocorre com mais intensidade em outros estados do Brasil, existe um amplo consenso sobre a situação e os problemas da educação do campo, e que no caso do Mato Grosso, a oferta dessa modalidade educativa constitui-se uma das atribuições das empresas colonizadoras, como parte da estratégia de “povoamento dos vazios demográficos”, uma vez que a escolarização já aparecia como reivindicação das classes populares (RECK, 2007, p. 15).
Esses trabalhadores, para trabalhar em terras alheias, passaram, a partir da
década de 1990, a engrossar o MST, não só lutando pela terra, mas exigindo que a
nova legislação garantisse o acesso a seus direitos fundamentais, bem como a
formulação de políticas públicas construídas a partir da sua realidade e
necessidades.
Vemos novamente que a Educação do Campo advém da conquista pela terra.
Um direito depende do outro. Não há terra sem uma educação que valorize seus
sujeitos, não há educação sem o direito digno de acesso e permanência na terra.
A história da Educação do Campo em Mato Grosso percorre a mesma
trajetória nacional, sendo, por muito tempo, negligenciada pelas políticas públicas
educacionais conforme aponta Nascimento (2002, p. 04) que, ao se referir à história
da educação no meio rural, alega que esta “esteve fora da agenda política do país”,
ou seja, “ignorada e marginalizada, pois sempre esteve reduzida à escolinha rural
voltada a ensinar as primeiras letras (visão utilitarista da educação)”; neste caso, “a
professora desqualificado-leiga e a massas de analfabetos/as.”
Em consonância com os discursos do governo federal que, na década de
1920, apontava a educação como propulsora do desenvolvimento do país em todos
os Estados, incluindo Mato Grosso, esse era o mesmo discurso sobre uma
educação a serviço do capitalismo.
Entretanto todas essas preocupações com a educação eram quase que,
exclusivamente, dirigidas às escolas das cidades, sendo as das localidades rurais
completamente esquecidas e, de certa maneira, o governo fazia questão de
menosprezá-las e qualificá-las de ineficientes frente às propostas de educação do
país, isolando-as e as distanciando ainda mais das políticas públicas específicas
para seus sujeitos.
65
No ano de 1927, com a reformulação da instrução pública, foi decretado (Art.
4 do Decreto nº 759, de 22 de abril de 1927) que o Ensino Público Primário em Mato
Grosso seria ministrado em escolas das seguintes categorias: “Escolas Isoladas
Rurais; Escolas Isoladas Urbanas; Escolas Isoladas Noturnas Escolas Reunidas,
Grupos Escolares” (REGULAMENTO, 1927, p.163). De acordo com esse novo
decreto, as escolas rurais, antes denominadas de escolas isoladas, passam a ser
chamadas de “Escolas Isoladas Rurais.”
Art. 5 – São rurais as escolas isoladas localizadas a mais de 3 quilômetros da sede do município. Art. 6 – A escola rural tem por fim ministrar a instrução primária rudimentar; seu curso é de dois anos e o programa constará de leitura, escrita, as quatro operações sobre números inteiros, noções de História Pátria, Corografia do Brasil e especialmente de Mato Grosso e noções de Higiene (MATO GROSSO, 1927).
Apesar de o decreto regulamentar a criação das Escolas Rurais no Estado,
estas continuam formando verdadeiros “soldados da pátria” como se pode notar em
seu Art. Sexto. Com esse currículo e ainda sendo oferecida por professores sem
nenhuma formação, a educação no meio rural é fadada ao fracasso.
O descaso do poder público em relação a essas escolas atingia tanto sua
organização pedagógica quanto sua estrutura para o desenvolvimento da docência.
Vários eram os fatores que contribuíam para que a educação dessas escolas não
vingasse, dentre esses: baixos salários, falta de moradia, instabilidade profissional,
inexistência de apoio educacional e total ausência de formação para seus
professores.
Mas era justamente isso que pretendiam as políticas educacionais para as
escolas rurais da época, ou seja, não oferecer nenhum suporte de estrutura nem de
formação para seus professores a fim de que o ensino oferecido aos sujeitos do
campo contemplasse os objetivos do poder do capital.
Para tal intento, como acontece em várias repartições hoje do governo, era
preciso sucatear a escola rural para depois fechá-la sob o pretexto de não
proporcionar resultado, como apresenta o discurso do governador do Estado,
Annibal Toledo em 1930:
Estou finalmente convencido de que o que se aproveita de fato no nosso ensino primário é a parte ministrada pelos Grupos Escolares e
66
pelas escolas isoladas situadas nos centros urbanos das cidades e vilas principais. O das escolas rurais e ambulantes é quase todo ineficiente, e a despesa respectiva inútil. [...] Por isso, estou deliberado a não prover as escolas rurais e ambulantes que forem se vagando e a tratar de criar imediatamente grupos e escolas reunidas onde quer que se tornem necessários (TOLEDO, 1930, p.3).
Observa-se, no discurso do governador, a perversidade com que são tratadas
as escolas no meio rural no Estado a partir de 1930. Segundo o discurso do mesmo,
as escolas que estão apresentando “resultados” são as urbanas. Sob esse pretexto,
vários colégios foram fechados, obrigando as famílias que queriam estudar seus
filhos a migrarem para a cidade. Era o sistema, expulsando das terras aqueles que
tinham feito todo o serviço pesado para a expansão do latifúndio.
Segundo dados do censo educacional de 1933, existiam, em Mato Grosso,
nessa época, 130 escolas rurais. Três anos mais tarde, o censo apontava um
crescimento no número de escolas rurais no Estado, passando para 149 unidades;
entretanto, o número de alunos matriculados nas escolas urbanas era quase o triplo
das escolas rurais como aponta o quadro a seguir:
Quadro 2 – Resultado do censo escolar de 1936 LOCALIZAÇÃO Nº DE ESCOLAS Nº DE
DOCENTES
Nº MATRÍCULAS
Urbanas 123 420 14.034
Distritais 33 35 1.425
Rurais 149 167 5.429
Total 305 622 20.888
Fonte: censo de 1936
Observa-se que, mesmo o governo fazendo de tudo para fechar as escolas
rurais, elas aumentavam, visto que a população mato-grossense naquele momento
se concentrava na zona rural. Essa população, em seu grande número, constituía-se
de colonos que trabalhavam em terras alheias, abrindo fazendas, desmatando para
o plantio de roças, muitos dos quais sem salários, atuando com sua família como
meeiros, parceiros e arrendatários nas terras dos fazendeiros.
Uma hipótese para o baixo número de alunos matriculados nas escolas rurais
se deve ao fato de que, nesse momento, havia grande número de crianças fora da
escola, trabalhando com seus pais para o sustento da família. Os dados indicam
67
ainda que a escola rural em Mato Grosso se caracterizava como escola unidocente,
em que um profissional da educação ministrava aulas simultaneamente para
diversas séries, com condições extremamente precárias para o desempenho de seu
trabalho.
Tal dado pode ser observado no quadro acima onde o número de professores
para as escolas rurais atingia um percentual de quase um professor por escola,
enquanto que, na zona urbana, eram em média mais de três professores por
escolas, além de contar com apoio educacional, como diretor, inspetor e agentes de
limpeza o que não se encontrava nas escolas localizadas nas zonas rurais, onde o
professor desempenhava sozinho todas essas tarefas.
Este foi o cenário da Educação do Campo em Mato Grosso, permeado por
abandono, dificuldades e contrastes entre a educação ministrada nas cidades e
aquela ministrada no campo. Esse quadro só passou a mudar na década de 1990,
com a ascensão dos movimentos sociais de luta pela Reforma Agrária, que exigiam,
entre outros, o direito a uma educação contextualizada com sua realidade e com
suas concepções de educação.
Devido às pressões do MST, resultando em assentamentos e acampamentos,
o número de matrículas no campo não tardou a aparecer no cenário mato-
grossense. Nos dados retirados do caderno das Orientações curriculares das diversidades
educacionais: Educação do Campo do estado de Mato Grosso, (2012) pode-se
observar o crescimento da oferta de matrícula no Ensino Fundamental, de 1997 a
2005, em 80,7%. No Ensino Médio, houve aumento de 704,3% nesse mesmo
período.
Na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, de 2001 a 2005, o
crescimento foi de 94,1% (Plano Estadual de Educação, Estado de Mato Grosso).
No ano de 2007, havia, no Estado de Mato Grosso, 119 Projetos de Assentamentos
de Reforma Agrária, localizados em 69 municípios, com 13.656 famílias, num total
de 147.713 mil hectares de terra.
Diante dessa nova realidade em que se encontrava o campo no Estado e em
consonância com os documentos da I Conferência Nacional por uma Educação
Básica no Campo, o movimento iniciou, a partir do ano 2000, juntamente com a
sociedade civil, universidades e SEDUC, encontros, seminários e profunda
discussão, a fim de refletir e trocar experiências de propostas para a constituição de
políticas públicas de Educação do Campo em Mato Grosso.
68
Toda essa mobilização resultou, em novembro de 2002, na aprovação pelo
Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso, do Parecer nº 202-B sobre a
Educação do Campo e, em agosto de 2003, por meio da Resolução nº 126/03,
instituíram-se as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo no
Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso.
Em 2004, realizou-se, em Cuiabá, o I Seminário de Educação do Campo, com
o apoio do MEC. Durante esse evento, foi elaborada pelos participantes uma carta
de intenções a serem desenvolvidas pelo Estado, as quais, segundo Reck, por
vários motivos não foram acatadas pelo então Governo do Estado.
No ano de 2005, foi apresentado, por Reck, à Secretaria de Políticas
Educacionais, sob sua coordenação, seu compromisso em organizar, no Estado,
uma equipe de Educação do Campo para discutir as ações propostas na carta de
intenções sugeridas em 2004. No final do ano de 2005, foi criada, dentro da SEDUC,
a gerência de Educação do Campo, sob a coordenação do Doutor em Educação,
Jair Reck.
Em 2006, oficializou-se a Coordenadoria de Educação do Campo na SEDUC
e, em parceria com a UNEMAT, realizou-se o II Seminário de Educação do Campo
na cidade de Sinop - MT, onde foi criado o Fórum Estadual de Educação do Campo
e aprovada uma Carta de Intenções que apontava para a necessidade da
formulação de Políticas Públicas específicas para a Educação do Campo.
Ainda em 2006, aconteceu em Cuiabá o Seminário Nacional de Educação do
Campo em parceria com: CONSED, MEC e SEDUC/MT. Desse seminário realizado
em de Mato Grosso, novamente saiu, a partir de Cuiabá para o país inteiro, uma
carta de compromisso para todos os Secretários de Educação dos demais Estados
se guiarem na elaboração de políticas públicas para a Educação do Campo no país.
Um mês depois desse Seminário foi institucionalizado por meio de Portaria o
Comitê Interinstitucional de Educação do Campo no Estado de Mato Grosso, cujo
objetivo era: discutir, propor, acompanhar e avaliar as políticas públicas de
Educação do Campo no Estado. As entidades membros desse comitê foram:
SEDUC, UNDIME, SINTEP, MST, INCRA, SEDER/EMPAER, UFMT, UNEMAT,
MPA, MMC, CEE, FETAGRI, CEEI, CPT E AL. Dois meses depois disso, foi
realizada no Estado de Mato Grosso a primeira formação de Educadores do Campo,
coordenada principalmente por lideranças do MST.
69
Foi, segundo Reck (2007), a primeira capacitação voltada, exclusivamente,
para os professores do campo e, como não podia deixar de ser, em vista do baixo
investimento do governo para trazer esses profissionais para tal curso, só puderam
vir, no máximo, três professores de cada escola. Participei dessa formação e, para
minha escola, só foi disponibilizada uma vaga. Durante esse encontro, tive o
despertar para as questões relacionadas à formação dos professores do campo.
Em 2007, foi oficializada a Gerência de Educação do Campo na SEDUC,
vinculada à Coordenadoria de Modalidades Especiais, Superintendência de
Educação Básica, por meio do Decreto nº 09, de 10 de janeiro de 2007. No mesmo
ano se constituiu uma comissão interinstitucional (SEDUC, CEE, UNDIME, ALMT,
AME, UFMT, UNEMAT), com a finalidade de elaborar o Plano Estadual de
Educação, aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso cujo
capítulo 11 é dedicado às regulamentações de funcionamento da Educação do
Campo no Estado.
Para colocar a Educação do Campo na legislação educacional mato-
grossense, foi preciso fazer um diagnóstico de como se encontrava a atual situação
dessa modalidade no Estado e constatou-se, nesse dossiê, que:
Parte da população do campo era atendida em escolas da zona urbana, utilizando transporte escolar. Este fato era prejudicial ao processo de ensino-aprendizagem tendo em vista a dificuldade na oferta de efetivo transporte, transporte de qualidade e a grande distância percorrida pelo estudante ensejando seu desgaste físico e mental. Outro fator a ser considerado é que a existência de transporte escolar de alunos do campo para a cidade transcorre ao avesso das políticas de fomentação da cultura campesina do país. As ausências de Escola do Campo e de política educacional específica são também lembradas, pois, nesse contexto, percebe-se historicamente o fluxo migratório campo-campo, cidade-campo e campo-cidade, muitas vezes caracterizado pela falta de estrutura. Na grande maioria das vezes o movimento se deu por falta de uma escola no campo, e fundamentalmente, por falta de uma política educacional específica de educação voltada para a sua realidade. (SEDUC/MT, 2012, p. 81).
Diante desse contexto e com forte pressão do MST, foram instituídas, por
meio da Resolução nº 126/03 – CEE/MT, as diretrizes operacionais para a
Educação Básica do Campo, no Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso,
reconhecendo:
70
A diversidade sociocultural e econômica das populações do campo e a necessidade de garantir atendimento diferenciado ao que é diferente, sem ser desigual e tendo em vista o disposto na Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB, e na Lei 9424, de 24 de dezembro de 1996, e no Plano Nacional de Educação – PNE, e na Lei Complementar n. 49 de 1º de outubro de 1998 e mediante o Parecer n. 202-B-CEB/CEE/MT, aprovado em 12.11.02, e por decisão da Plenária de 22.07.03. (CEE/MT 2003, p. 1).
Com a aprovação das diretrizes e diante do diagnóstico feito pela comissão
interinstitucional, o Estado propõe dez objetivos a serem alcançados para sanar as
lacunas da Educação do Campo em Mato Grosso:
1. Universalizar a oferta da educação básica no campo. 2. Garantir infraestrutura adequada para o acesso e a permanência dos alunos no campo. 3. Construir com as comunidades escolares locais uma proposta pedagógica voltada à realidade, superando a fragmentação do currículo e respeitando as diferentes metodologias que consideram os sujeitos com suas histórias e vivências, e as legislações que regem os sistemas de ensino. 4. Diversificar a oferta de cursos nas escolas do campo. 5. Melhorar a gestão nas escolas do campo. 6. Proporcionar formação específica para os profissionais da educação do campo. 7. Melhorar as condições de trabalho e perspectivas das educadoras e educadores que atuam nas escolas do campo. 8. Garantir espaços de debate para o fortalecimento da política de educação no campo. 9. Oportunizar ações pedagógicas diretamente relacionadas à realidade cotidiana do campo, com resultados práticos de melhoria da qualidade de vida. 10. Promover a pesquisa como meio de fortalecimento da educação do campo (CEE/MT 2003).
Passados dez anos da proposta desses objetivos, posso assegurar, como
conhecedora da realidade do campo, que boa parte deles ainda não foi alcançada,
principalmente, no que se refere à formação de seus professores.
Em 2007, O Plano Estadual de Educação, em conformidade com as Diretrizes
Nacionais, criou o Comitê Interinstitucional de Educação do Campo, publicado no
Diário Oficial do Estado em 30\08\2007, com o objetivo de discutir, propor,
acompanhar e avaliar a Educação Pública no Estado de Mato Grosso.
A partir de 2010, inicia-se a aprovação das Orientações Curriculares para a
Educação Básica em Mato Grosso. Em 2012, é publicado o caderno que trata das
71
diversidades educacionais do Estado, entre elas a Educação do Campo, elaborado
segundo o documento:
[...] com a participação e contribuição dos educadores, formadores dos CEFAPROS, das comunidades, dos Movimentos Sociais e dos estudantes, os quais residem em diferentes lugares do Estado de Mato Grosso, na perspectiva de um olhar de esperança para o futuro, pautados na utopia como algo realizável, com a qual é possível modificar o presente, ressignificando cada momento do nosso cotidiano. (SEDUC, 2012, p.88).
Sua proposta, como ressalta o documento (2012, p.74), “prima pelo respeito e
pela visibilidade dos educadores/educandos, permitindo que a partir de suas
experiências, sejam tecidas práticas educacionais que contemplem e valorizem os
diferentes contextos cotidianos e educacionais” do Estado.
Os últimos dados sobre a Educação do Campo em Mato Grosso foram
encontrados no recente censo no ano de 2012. As informações desse documento
traz um panorama sobre a Educação do Campo. Atualmente, em Mato Grosso,
existem 893 escolas do campo, representando 33% das instituições do Estado como
aponta o gráfico abaixo:
Gráfico 9- Distribuição das instituições educacionais em MT
Fonte: Censo 2012/SEDUC/MT
O gráfico assinala um percentual significativo de escolas do campo no
Estado, sendo que os municípios com maior concentração se encontram no norte do
Estado, onde há expressivo número de assentamentos.
72
Dessas instituições localizadas no campo mato-grossense, 201 são
estaduais, quatro são federais (IFMT), 685 são municipais e três são particulares
(Liceu Pedagógico São Francisco de Assis em Poxoréo/Vila Jarudore, Associação
Educacional de Paranaíta Walt Disney em Paranaíta e o Lar São Domingos Savio
em Rondonópolis/ Vila Naboreiro).
Gráfico 10 – Distribuição de escolas do campo por dependências administrativas
Fonte: Censo 2012/SEDUC/MT
Observa-se, no gráfico acima, que o maior número de escolas do campo no
Estado está sob a administração dos municípios e as privadas sob a administração
de ordens religiosas.
Apesar dos grandes avanços da Educação do Campo no Estado, assim como
no país ainda há entraves à implementação de uma educação que seja do e no
campo, pois, apesar do número expressivo de escolas do campo, a quantidade de
alunos matriculados nessas escolas ultrapassa pouco mais de 12% do total de
matrículas, como demonstra o gráfico abaixo. Isso se deve ao fato de que muitos
alunos que moram no campo continuam optando por estudar nas cidades, onde
acreditam ser o ensino de melhor qualidade, reforçando o estereótipo de que as
escolas do campo oferecem um ensino fraco e sem valor.
73
Gráfico 11 - Total de matrículas nas instituições escolares em MT
Fonte: Censo 2012/SEDUC/MT
Isto se deve ao fato do dualismo entre as escolas urbanas e as escolas do
campo, implantado por políticas públicas de cunho dominante no passado.
Atualmente, muitos alunos são transportados do campo para as escolas urbanas por
dois motivos: o primeiro é a não politização desses sujeitos em prol da valorização
da identidade da escola do campo e o outro se deve ao fato de as escolas
localizadas no campo mato-grossense não oferecerem, a seus alunos, o Ensino
Médio.
No ano de 2013, foi aprovada pelo Conselho Estadual de Educação a
resolução normativa nº 003/2013 que dispõe sobre a oferta de Educação do Campo
no Estado de Mato Grosso, deliberando a oferta do Ensino Médio no campo, e o
transporte escolar intracampo só transportando alunos para a cidade quando a
instituição não possua condições (educandos). A resolução ainda redefine o
conceito de população e escola do campo:
Populações do campo: acampados, arrendatários, assalariados rurais, assentados, comunidades camponesas, comunidades negras rurais, meeiros, agricultores, extrativistas, pescadores, posseiros, povos das florestas, reassentados, atingidos por barragens, ribeirinhos e comunidades tradicionais, vilas rurais, agrovilas e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural; II. Escola do campo: unidade educativa situada em área rural, assim caracterizada por dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situada em área urbana, e
74
que atenda predominantemente populações do campo (CEE/MT, 2013, art.1º, p. 1).
Pela nova Resolução, passa a constituir escolas do campo aquelas
localizadas nas cidades, mas que atendam as populações definidas no item I do
presente documento. E também que o transporte desses só ocorra em último caso,
quando a escola não puder oferecer a esses alunos o ensino em sua comunidade.
Diante do histórico acima exposto, não se podem negar os importantes
avanços conseguidos pelo MST em Mato Grosso no que se refere à educação a ser
oferecida aos sujeitos do campo. Porém, ainda, existem muitas lacunas nas leis que
impossibilitam a efetivação da educação proposta por este Movimento.
Dentre essas, destaco que uma das principais é a falta de política de
formação para seus professores. Durante muitos anos, nada tem sido feito pelo
poder público para oferecer, a esses professores, uma formação específica para
desenvolverem a docência no campo. Tal fato se deve, segundo Rocha (2001):
[...] ao descaso das políticas educacionais desse país com a educação no/do campo e passa pela análise de que a manutenção dos leigos no seu status quo ainda na atualidade satisfaz aos gestores pela falta de clareza que possuem devido à desatualização, a desinformação além da ausência da possibilidade de aprofundamento de estudos, consistindo em corpos dóceis para serem manipulados à mercê da anatomia dos políticos (ROCHA, 2001, p.3).
São inegáveis os investimentos que os governos do Estado têm aplicado nos
últimos anos na educação, mas, para as escolas do campo, esses investimentos
demoram a chegar e, em alguns casos, nunca chegam. Exemplo disso é o grande
número de escolas do campo sem nenhuma estrutura física de qualidade, não
possuindo laboratórios de informática, Ciências, quadra de esporte, salas
climatizadas, biblioteca, tudo isso previsto para as escolas do campo, na Resolução
003/2013 recém-aprovada pelo Conselho Estadual de Educação. Quem sabe, um
dia, tais determinações, sejam de fato, efetivadas nessas escolas.
75
7 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA ESCOLA DO CAMPO
A redemocratização do país na década de 1980, a nova conjuntura da LDBN
de 1996, juntamente com as pressões do MST lutando não só pela terra, mas
também por uma educação específica, isto é, por aqueles que passaram a ter direito
a terra, tudo isso resultou, dentro do próprio Movimento, em vários encontros
informais, cuja finalidade era a reflexão e discussão sobre o papel da educação a
ser oferecida a esses novos sujeitos, diante da conjuntura de mudanças de todas as
ordens pelas quais passava o país.
O fervor emergente dessas discussões levou os educadores e educadoras do
movimento a organizar o ENERA, já discutido nesta pesquisa. Para tanto,
promoveram, no referido encontro, um amplo debate sobre qual educação melhor
atenderia aos anseios do povo trabalhador do campo.
O encontro contou com o apoio, a participação e a parceria de várias
entidades, dentre elas: o Grupo de Trabalho de Apoio à Reforma Agrária da
Universidade de Brasília (GT-RA/UnB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), representado pelo seu Setor de Educação, além do Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF), do Fundo das Nações Unidas para a Ciência e
Cultura (UNESCO) e da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Três meses mais tarde, ainda no mesmo ano, representantes das
universidades localizadas em áreas com elevado número de assentamentos se
reuniram na Universidade de Brasília, no Distrito Federal, para fomentar as
discussões levantadas no ENERA, assim como para debater a participação das
instituições de Ensino Superior ali reunidas3 no processo educacional nos
assentamentos.
Os educadores do MST expuseram aos participantes desse encontro que um
dos problemas educacionais mais graves dentro dos assentamentos era o alto
índice de analfabetismo e os baixos níveis de escolarização dos assentados, além
do jogo de “empurra” entre os dirigentes municipais e estaduais em considerar os
assentamentos como áreas federais e, portanto, fora do âmbito de sua atuação.
3 - Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp)
76
Diante dessa realidade apresentada, foi eleito um grupo, cuja função era
elaborar um projeto educacional das instituições de Ensino Superior nos
assentamentos. O plano produzido por essa equipe foi exposto no III Fórum do
Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, nos dias 6 e 7 de novembro de
1997.
Em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria Nº. 10/98, o Ministério
Extraordinário de Política Fundiária criou o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA) que tinha, entre outros objetivos, garantir a
escolaridade e a formação inicial e continuada de educadores para atuar na
promoção da educação nas áreas de Reforma Agrária. No ano de 2001, o Programa
foi incorporado ao INCRA, por meio da Portaria/INCRA/nº 837, aprovando a edição
de um novo Manual de Operações.
Em 2004, frente à necessidade de adequar o PRONERA às diretrizes
políticas do atual governo, que prioriza a educação em todos os níveis como um
direito social, foi elaborado o Manual de Operações, aprovado pela
Portaria/INCRA/Nº 282 de 16/4/2004.
Cabe, ainda, ressaltar que o PRONERA foi a primeira política pública para a
Educação do Campo no Brasil, embora tenha sido criada por outro Ministério que
não o da Educação, isto é, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA).
No ano seguinte à implantação do PRONERA, várias universidades passaram
a oferecer cursos de Pedagogia aos educadores do campo, dentre elas: a
Universidade Federal do Espírito Santo, a Universidade do Estado de Mato Grosso,
a Universidade Federal do Pará, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Em 2004, já existiam 16 turmas de
Pedagogia da Terra, em parceria com várias universidades públicas pelo país.
Diante do exposto, fica evidente a participação dos educadores da Reforma
Agrária no processo de construção de uma política de formação para seus
professores.
Passados 15 anos da criação do PRONERA e diante do alto índice de
assentamentos ocorridos no país nesse percurso, o programa, apesar de ser o que
melhor representa a formação de educadores e educadoras, para atuarem nas
áreas de Reforma Agrária, não está conseguindo suprir a demanda. Tal fragilidade
resulta na falta de professores para atuarem nessas áreas.
77
O enquadramento de várias escolas como instituições do campo agrava ainda
mais essa carência de docentes para atuarem no campo, uma vez que muitas
dessas escolas não estão localizadas em área de Reforma Agrária4 e, por isso, seus
professores não podem ser beneficiados com o PRONERA.
Restaram, a esses professores, as formações alternativas propostas tanto
pelo MEC quanto por instituições particulares, pelas quais optaram, mesmo sabendo
que a formação recebida nesses cursos não os prepararia para trabalharem com
toda a diversidade do campo, mas apenas assegurariam sua formação e
permanência na docência. Portanto, os professores do campo, apesar de todas as
adversidades que encontraram para se formarem, foram os que menos desistiram
de fazê-la (ROCHA, 2001).
O PRONACAMPO, lançado pelo governo federal em 2012, sinaliza uma
mudança nas propostas de formação para os professores do campo, pois, nesse
programa, está prevista também a formação de docentes, com oferta de
aperfeiçoamento para os que atuam no campo e nas regiões quilombolas.
Além disso, o PRONACAMPO tem como proposta apoiar a oferta de
formação inicial, continuada e Pós-Graduação para professores, gestores e
coordenadores pedagógicos que atuam na Educação Básica do campo. Segundo
dados desse documento, há, atualmente no país, 342.845 professores atuando na
zona rural. Desses, 182.526 possuem Ensino Superior, 156.190 o Ensino Médio e
4.127 ainda estão atuando somente com o Ensino Fundamental.
Em relação à formação de professores do campo, o MST (2012) considera as
propostas do programa como mais uma política paliativa do governo, já que esses
cursos não seguiram as diretrizes de desenvolvimento educacional propostas pelo
Movimento, e também seu currículo não contemplará as especificidades da docência
no campo e nem os saberes do campo que esses professores devem adquirir.
Enquanto professora do campo há mais de quinze anos, posso assegurar
com propriedade que, apesar de ter recebido formação alternativa em uma
universidade pública, à qual ia e voltava todos os dias do campo para a cidade, não
ouvi falar, em nenhum momento, nesses quatro anos de faculdade, sobre Educação
do Campo, mas minha convivência com essa realidade, ora como estudante e
4 São escolas localizadas em vilas, distritos, aldeias, quilombos e também, de acordo com o Decreto
nº 7.352, escolas urbanas que atendam as populações do campo.
78
atualmente como professora, preparou-me para um saber fazer que fui adquirindo
na prática no meu dia a dia.
Assim, todo o conteúdo absorvido na licenciatura de História era transportado
à realidade do campo, adaptado e ressignificado à vivência do campo, na
perspectiva de situar a criança e o homem do campo no seu espaço, sua cultura e
sua história. O ambiente do campo, minhas vivências e convivências nesse meio
permitiram-me transformar o currículo universal adquirido na universidade ao
particular do meio onde atuo, demonstrando que é possível fazer essa adaptação,
valorizando mais os saberes do campo do que os urbanos. O conhecimento se faz
em todo lugar, basta sabermos adaptá-lo à realidade na qual vivemos.
Portanto, procuro, a partir dos conhecimentos teórico-metodológicos que
adquiri na graduação, planejar os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula
sempre os adequando ao contexto real de necessidade de aprendizagem dos alunos
do campo, relacionando o currículo universal, proposto pelo MEC, a questões que se
referem ao cotidiano da vivência no campo. Isso demanda planejamento, mas não é
impossível de fazer.
Diante das atuais políticas para a Educação do Campo no Brasil, há de se
pensar em uma formação específica para os professores que irão atuar no campo,
seja este camponês ou da cidade. Estudos têm demonstrado o despreparo de
professores oriundos das cidades que vão trabalhar no campo, pois estes, ao
chegarem a um ambiente tão diferente do seu, não se sentem pertencendo o meio,
e o não pertencimento faz com que se sinta deslocado, perdido, um “peixe fora
d’água” como se diz aqui no campo, refletindo, em suas práticas em sala de aula,
esse sentimento de isolamento.
Embora o MST (2012) defenda que o professor do campo tenha que
pertencer a esse espaço, esta ainda não é a realidade das escolas inseridas nesse
meio, pois não há uma política que assegure ao professor do/no campo permanecer
em seu círculo, que assegure a ele estabilidade, só pelo fato de pertencer ao campo.
Essa realidade será apresentada nesta pesquisa, ao mostrar que, mesmo o
professor tendo formação específica para atuar no campo, como é o caso de um dos
sujeitos, isso não lhe garante a docência no campo frente a um professor com mais
pontos ou, então, efetivo. A questão que se levanta aqui não é quem formar para
educar no campo, mas sim como formar todos aqueles que desejam e estão
trabalhando no campo como professores. É lógico, portanto, que se trata justamente
79
dos que nunca tiveram contato com a docência no campo e, assim, requerem mais
cuidado na formação.
A docência no campo exige intencionalidade de aprendizagem. Esse
professor precisa estar preparado para trabalhar a educação no/do campo de forma
a articular o ensino universal às especificidades cotidianas dos alunos do campo. O
processo ensino-aprendizagem no campo necessita, segundo Garske, desenvolver:
[...] em seus educadores e educandos o valor da apropriação e da produção de conhecimentos que façam das questões da realidade (no sentido mais amplo possível do termo) a base da produção destes conhecimentos, que usem como critério de escolha destas questões os seus significados no conjunto de aprendizagem de que necessitam os educandos, como seres humanos e como lutadores do povo em formação, e também o MST espera dos educadores que saibam construir, coletivamente, métodos de ensino que garantam o aprendizado não apenas dos conhecimentos em si mesmos, mas do modo de produzi-los, e um modo capaz de apreender a complexidade cada vez maior das questões da realidade (local, nacional, mundial, global) em que vivemos (GARSKE, 2006, p. 208).
O professor, nesse processo, não é apenas um transmissor de conhecimento,
mas um mediador entre os seus conhecimentos e de seus alunos. Professores que,
de acordo com Garske (2006, p. 195), sejam “mais gente e não apenas sabedores
de conteúdos ou meros dominadores de competências e habilidades técnicas.”
Para a autora, é preciso: “Que cultivem em si e ajudem a cultivar nos
educandos a sensibilidade humana, os valores humanos.” Ainda segundo Garske, o
que o MST espera de seus educadores é que eles, juntamente com seus
educandos,
[...] recuperem e cultivem valores humanos como a solidariedade, o companheirismo, o espírito do sacrifício pelo bem do coletivo, a liberdade, a sobriedade, a beleza, a disciplina, a indignação diante das injustiças sociais e das discriminações e preconceitos de todos os tipos, o compromisso com a vida, com a terra e com a identidade sem Terra [...] Tratar, numa situação de aprendizagem, as necessidades concretas dos educandos como ponto de partida e de chegada significa, para o MST, particularmente, facilitar não só apreensão do conhecimento já acumulado e organizado nas diferentes áreas das ciências, mas também de produção do conhecimento. A apreensão e a produção do conhecimento tornam-se muito mais fáceis se os conteúdos têm a ver com a vida prática do educando e, mais, é somente trabalhando essas necessidades que tanto a escola como os conhecimentos tornam-se muito mais
80
significativos e úteis para as crianças e a comunidade como um todo (GARSKE, 2006, p.199).
A fim de obter sucesso em tal intento, o professor, para atuar no campo,
necessita de uma formação que lhe permita compreender o processo de construção
da Educação do Campo.
Assim sendo, programas de formação de educadores do campo necessitam
contemplar, em seu currículo, o conhecimento construído no campo, o processo de
luta pela terra, as tensões no campo durante toda a história do país, o tratamento
dado pelas políticas para os trabalhadores do campo, a história da Educação do
Campo.
Conforme Arroyo (2007, p.168), esse professor, em seu processo de
formação, requer conhecer a “construção histórica das escolas do campo, do
sistema escolar, a especificidade de sua gestão no campo [...] os conhecimentos
das formas específicas de exercer o ofício de ensinar, educar no campo.”
Logo, para transformar o campo por meio da educação, esse docente
necessita ter formação política, militante, na busca por um novo ensino. Para Caldart
(2010, p. 68), isso significa “dar-se conta de que é preciso fazer mudanças e seus
sujeitos assumirem o comando da sua transformação.”
Se a educação está relacionada à formação/transformação, é preciso trazer
para dentro do processo educativo, principalmente na formação de seus docentes,
relações que, na sociedade, são a base dessa formação/transformação (MST,
2006). Para tanto, os cursos de formação inicial ou continuada precisam oferecer,
em seus currículos, atividades e conteúdos com a intencionalidade voltada à
formação político-ideológica desses professores:
Entre outras coisas isto quer dizer dar ênfase ao estudo da história e da economia política, fazer uma abordagem crítica e problematizadora da realidade, trabalhar a mística da organização e do conjunto das lutas dos trabalhadores, estimulando e proporcionando aos estudantes a participação em atos e manifestações dos trabalhadores em geral, e do MST em particular, vincular a escola com a construção da organicidade do assentamento, do movimento. (MST, 1996 p.17)
Somente uma formação pautada nesses princípios, no contexto real do
campo, será capaz de promover uma educação que se insira dentro de um projeto
81
de transformação ou de conservação social da luta dos trabalhadores por seus
direitos. Para o Movimento, suas escolas e seus cursos de formação precisam ser
espaços privilegiados para a vivência e a produção da cultura campesina e, através
desta, promover as mudanças necessárias no campo.
O objetivo maior de educação com essa intencionalidade, segundo os
princípios da educação no MST (1996), não é somente resgatar a cultura popular, o
orgulho de viver no campo, a identidade do homem e mulher da zona rural há muito
esquecida por um sistema que os marginalizou, mas, sim, por intermédio desse
resgate, produzir uma nova cultura. “Uma cultura que tem o passado como
referência, o presente como a vivência que ao mesmo tempo pode ser plena em si
mesma, é também antecipação do futuro, nosso projeto utópico, nosso horizonte”
(MST, 1996 p. 20).
Assim sendo, a formação do professor do campo exige ser diferenciada,
específica, porém sem desprezar o conhecimento universal. Para tanto, esse
docente necessita estar em um processo constante de formação, pois um dos
princípios fundamentais da Educação do Campo é que, quem educa, também
precisa se educar constantemente, como enfatiza Freire (1987).
Amparado por essas filosofias educacionais, o MST (1996) propõe um
processo pedagógico em que o ensinar do professor e o aprender do aluno seja feito
de forma coletiva, tendo sempre a pessoa como centro, não isolada, solitária,
individual, mas, sim, como sujeitos em constantes relações com outros sujeitos, com
o coletivo inserido em um determinado contexto histórico social, neste caso, o
campo. Observa-se, nesses princípios, a enorme influência do pensamento freireano
para a construção de uma proposta de Educação do Campo, pensando a partir do
MST.
Por isso, o movimento tem como proposta de ensino-aprendizagem um
processo que acontece em cada pessoa, mas apenas se esta estiver com outras e,
de preferência, seus iguais. O processo educativo dentro do Movimento (1996)
precisa acontecer em comunhão, na qual não é só a relação professor/estudante
que educa, mas também a relação entre estudante/professor.
Todos ensinando e aprendendo entre si, o coletivo educando o coletivo, em
que ninguém aprende por ninguém, ninguém se educa por alguém, mas também
ninguém se educa sozinho sem a ajuda do outro.
82
7.1 Formação de professores do campo no Estado de Mato Grosso
O livro: Formação de professores em Mato Grosso: trajetória de três décadas
(1977-2007), da autora Simone Albuquerque da Rocha, é uma das poucas
produções sobre o tema, que permite estudar, de forma detalhada, todo o processo
de formação dos professores no Estado por meio de vários programas aqui
implantados.
A obra aborda o processo de formação dos professores leigos, entre estes os
do campo que atuavam em sua maioria até a década de 1980. Nessa época,
iniciaram alternativas no Estado ainda que ineficazes para a profissionalização e
titulação desses docentes. A autora traz, com riqueza de detalhes, toda a trajetória
dos programas e projetos desenvolvidos na área de formação de professores no
Estado, nas três décadas investigadas.
Assim sendo, neste capítulo, traçarei um rápido panorama sobre os projetos
e programas de formação de professores em exercício no Estado, desenvolvidos a
partir da década de 1970 os quais tiveram, entre seus objetivos, a formação de
centenas de professores leigos que atuavam nas escolas do campo, muitos desses
sem mesmo ter concluindo as séries iniciais. Saliento, porém, que a maioria dos
projetos aqui apresentados, principalmente os quatro primeiros, enquadrava-se na
modalidade Suplência, em conformidade com o capítulo IV, artigo 24 e 25 da Lei
5.692/71, sendo formações aligeiradas, propostas pelos órgãos internacionais, frente
à grande carência de professores formados no país.
O primeiro programa de formação no Estado, a abranger a formação dos
professores leigos que atuavam na zona rural, foi o Logos II. Conforme estudos
realizados por Rocha:
O Programa LOGOS II, foi planejado em 1973 pelo DSU/MEC, para habilitar professores em atuação nas séries iniciais, seu grande desafio era capacitar professores em atuação nas séries iniciais do Ensino Fundamental, sem retirá-los da sala de aula. Esses professores possuíam níveis de escolaridade variados, sendo exigida a 4ª série do Ensino Fundamental, como escolaridade mínima. O programa pretendia atingir professores dispersos pelo país, muitos deles isolados em comunidades do campo, de difícil acesso, sem estradas e energia elétrica, com recursos de transporte e comunicação muito escassos não era uma tarefa fácil e exigiu estudos detalhados, de forma a desenvolver uma metodologia que atendesse a esses alunos (ROCHA, 2010, p. 31).
83
Esse programa de formação, ao longo de seus mais de quinze anos de
duração, habilitou, em nível de Magistério, mais de 60 mil professores. Estima-se,
segundo Rocha (2010), que passaram pelo projeto cerca de 200 mil professores
distribuídos em 19 unidades da Federação. O programa Logos II foi desativado na
década de 1990, cuja causa aconteceu, segundo Rocha:
[...] por não mais corresponder à formação necessária na década de 1990, e, também porque o material estava desatualizado. Algumas críticas foram tecidas a respeito do Logos II- a ver pelas que se seguem: - Não reconhecimento do contexto sócio-econômico-cultural dos professores, dificultando com isto o cumprimento do curso; - material de ensino que não respeitava as diversidades regionais e era extremamente fragmentada, a manipulação política que ocorria, principalmente nas prefeituras municipais que se utilizavam tanto do projeto, quanto dos professores com proveito eleitoral. (ROCHA 2010, p. 33).
O Projeto Logos II foi desenvolvido em todas as regiões do Estado de Mato
Grosso, não se concentrando em uma região ou em outra, como foi o caso dos
demais projetos, à frente citados. Lembro-me de, quando era aluna, presenciar,
várias vezes, os professores estudando, pois, naquela época, grande parte dos
professores da escola do campo onde eu estudava possuía apenas o Ensino
Fundamental. Até hoje, há na escola os fascículos desse programa.
Paralelo ao desenvolvimento do Logos II, no Estado, foi iniciado, em 1987, o
Projeto Inajá, destinado à formação de professores leigos em exercício na zona
rural, tendo a particularidade de serem todos de salas de aula multisseriadas ou
indígenas. O projeto atendia somente professores em exercício na zona rural, pois,
segundo levantamento realizado em 1987, a região possuía 163 professores nesse
espaço e todos sem habilitação.
O Projeto Inajá contou com a parceria da Unicamp, da Secretaria de Estado
de Educação e das Secretarias Municipais e se justificativa pela dificuldade de os
professores, em exercício na zona rural, participarem de cursos regulares e de
Suplência, como o Logos II, cujos encontros eram realizados na zona urbana, além
das dificuldades, relacionadas à falta de conhecimentos elementares por parte dos
cursistas, o que os levava a não “conseguirem ler e compreender sozinhos o estudo
que vinha proposto nos módulos” como consta no Projeto Inajá (MATO GROSSO,
84
1987, p. 2). O Projeto teve pouco mais de uma década de duração, sendo
desativado pela SEDUC após formatura da primeira turma em 1996.
Antes mesmo do fim do Projeto Inajá, no ano de 1990, foi implantado no
Estado o Projeto Homem-Natureza que tinha, segundo Rocha (2010, p.70), “como
proposta continuar a formação de professores em nível de magistério e trabalhar a
partir da pesquisa proposta no Inajá que se encontrava naquele momento suspenso
por falta de repasse de verba.” O projeto Homem-Natureza foi concebido,
inicialmente, para professores em exercício na zona rural, mas foi estendido a
professores da zona urbana, local onde se concentrava o maior número de
professores leigos, em sala de aula.
O projeto pretendia atender 300 professores leigos, que atuavam em escolas
rurais pertencentes à região Sudoeste do Estado. Tinha como propósito servir 15
municípios distribuídos em cinco polos; no entanto, apenas 216 professores leigos
em exercício foram habilitados para o Magistério.
Concomitante aos dois projetos acima, foi desenvolvido, também, o Projeto
GerAção, que tinha também como alvo a formação de professores leigos em
exercício na zona rural. Esse projeto beneficiou diretamente professores não
titulados, em exercício, nas escolas estaduais e municipais de Educação Infantil, 1ª
a 4ª séries do 1º Grau e Suplência de 1ª a 4ª séries, nas áreas de abrangência do
PRODEAGRO/ Banco Mundial, num total de 1019 Professores/Cursistas e,
indiretamente, 67 monitores, 13 Assessores Pedagógicos, 150 Docentes e 30.000
alunos.
O Projeto GerAção atendeu a 48 municípios, distribuídos em 13 polos. As
regiões envolvidas foram Norte, e Noroeste do Estado. Dos 1020
Professores/Cursistas previstos inicialmente, 1019 concluíram e obtiveram a
habilitação para o Magistério em nível de segundo grau. O GerAção estava
presumido para se desenvolver em três etapas, sendo todas estas interrompidas
pela ausência de repasse, ameaçando constantemente a formação dos professores
leigos matriculados.
A proposta pedagógica do projeto, segundo Rocha (2010, p. 72), “tinha como
estratégia unir a realidade, a ação pela qual a percepção e a representação estão
intimamente ligadas.” Devido a essa propositura, ainda segundo a autora, houve
nesse projeto registros de investigações interessantes na área do meio ambiente, de
extração de madeira e trabalhos sobre o cotidiano nas pequenas populações onde
85
esses professores cursistas estavam inseridos. Olhando mais profundamente para
esses trabalhos, podemos perceber indícios de uma educação feita pelos sujeitos do
campo, nesse caso, os professores leigos do GerAção.
O curso tinha a duração de seis semestres, tendo sofrido descontinuidade
pela falta do repasse de verbas, formando-se as últimas turmas no ano de 2000. O
GerAção desenvolveu-se com módulos presenciais e estudos a distância e foi, em
grande parte, inspirador do programa de Educação a Distância, embora não seja
considerado um curso dessa modalidade.
O primeiro curso de formação na modalidade EAD foi trazido para o Estado
juntamente com o Projeto Crescer. Seu objetivo era oferecer uma espécie de
complementação aos professores portadores de Certificado de Conclusão do Ensino
Médio, sem formação para o Magistério, interessados em lecionar na Educação
Infantil e em classes de 1º ao 5º anos do Ensino Fundamental e do Ensino Especial.
O projeto Crescer foi firmado entre o Centro Educacional de Niterói do Rio de
Janeiro e alguns municípios da região Norte do Estado de Mato Grosso em 1996 e
oferecia, na modalidade a Distância, disciplinas específicas para a formação
pedagógica do Magistério. Segundo Rocha:
[...] o projeto, no entanto, absorvia uma mínima fração da demanda, por exigir como condição de ingresso, a formação de segundo grau completa. Dessa forma, matriculavam-se professores que necessitavam realizar um curso direcionado prioritariamente ao bloco pedagógico para a formação de Magistério. O projeto CRESCER, na modalidade de EAD, se operacionalizava em 15 meses, e sua metodologia consistia em um encontro mensal de dois dias presenciais, estudos posteriores e, no próximo encontro, a realização da prova (ROCHA, 2010, p. 74).
Esse projeto via convênio, firmado diretamente entre os Municípios e o
Instituto de Niterói, começou suas atividades antes mesmo de ser encaminhado ao
Conselho Estadual de Educação, resultando, posteriormente, no impedimento a sua
regularização no Estado. Sobre este fato, confirma Rocha (2010, p. 74), “A aceitação
do Projeto Crescer no Estado foi dificultada pela forma de operacionalização e
começou a sofrer entraves quanto a sua oficialização e legislação, a ponto de se
esgotarem as tentativas de permanência do programa no Estado em 1999.”
Ainda segundo a autora, os diplomas dos professores que concluíram o
curso no Estado foram expedidos diretamente por Niterói, aumentando, ainda mais,
86
os constrangimentos com o Conselho Estadual de Educação. Não há, atualmente,
evidências do Projeto Crescer em Mato Grosso, sendo este substituído por outras
políticas de formação de leigos.
Apesar dos vários projetos focando a formação de professores leigos em
Mato Grosso, o Estado chegou, ao final dos anos de 1990, com um considerável
número de professores sem formação, principalmente, aqueles que atuavam nas
zonas rurais. Dados do MEC revelaram que, no final dessa década, havia 1.170
professores mato-grossenses leigos em exercício. Diante desse número, o Ministério
de Educação e Cultura criou, em 1999, o Programa de Formação de Professores em
Exercício – PROFORMAÇÃO, com uma proposta de formação a distância que
permitisse a frequência do professor leigo, pelo convênio firmado com o Estado e
municípios onde se desenvolveria o projeto.
Segundo Rocha (2010), que foi consultora do MEC nesse programa, o
PROFORMAÇÃO iniciou-se em 1998 e concluiu sua primeira turma, formando
professores do campo em nível Médio em Mato Grosso em 1999. Foi um curso de
Magistério a distância, com duração de dois anos letivos, desenvolvido no período
das férias, destinado aos professores do Estado em exercício e dos municípios em
Mato Grosso, principalmente, aqueles das localidades rurais.
Ainda segundo a consultora, o programa apresentava a proposta de 3.200
horas, entremeando períodos presenciais com encontros quinzenais e visitas dos
tutores aos locais onde os leigos efetivavam suas práticas educativas, assim como
estudos a distância. Os leigos eram acompanhados quinzenal e semanalmente com
o apoio de um tutor que os subsidiava. Foi realizado em regime de parceria
MEC/SEED/FUNDOESCOLA/SEF.
O Proformação se desenvolveu em quatro módulos, cada qual com 800 horas, cinco áreas temáticas, projetos de trabalho e prática pedagógica como o estágio supervisionado de 620 horas. A carga horária do curso compreendeu 3.200 horas. Iniciou em Mato Grosso no ano de 1999 com experiência piloto sendo expandida, segundo os princípios das politicas aligeiradas do Banco Mundial, para as regiões norte e nordeste em 2000. No Mato Grosso o Proformação permaneceu até 2004 (ROCHA, 2010, p. 123).
Ainda segundo a autora, o “PROFORMAÇÃO em Mato Grosso foi o programa
de formação de leigos que teve o menor índice de evasão nos quinze anos em que
se investiu nessa área, sendo desenvolvidas três turmas até 2005.”
87
O PROFORMAÇÃO foi um divisor de águas na história da formação de
professores de Mato Grosso. Ele foi o responsável pela expansão dos Centros de
Atualização e Formação do Professor (CEFAPRO) pelo Estado, na medida em que,
segundo Rocha (2010), com a extinção dos cursos de Magistério mediante a portaria
da SEDUC, nº 1.966/96 que suspendeu as matrículas do Curso de Habilitação em
Magistério do regime regular.
Logo, a alternativa foi a implantação do PROFORMAÇÃO, que era um curso
de Magistério e, caso fosse fornecido pelo CEFAPRO, criado no mesmo ano do
programa cuja finalidade era oferecer, aos professores da rede estadual de ensino,
formação continuada e inicial em decorrência do fim dos cursos de Magistério no
nível de Ensino Médio no Estado e, assim como o PROFORMAÇÃO, tinha como
proposta a formação em serviço. Dessa forma, os educadores dos CEFAPROs
foram os responsáveis pela formação dos professores leigos que participaram desse
programa, como relata a formadora Lemes:
Participei da formação do PROFORMAÇÃO no ano de 2000 na cidade de Matupá-MT, como professora formadora. Constituiu para mim uma experiência de tamanha grandeza, uma vez que o PROFORMAÇÃO possuía como objetivo principal a formação dos professores até então considerados leigos. Os encontros eram constituídos por momentos de estudos teóricos e trabalhos em grupos, bem como a roda da experienciação. Tivemos excelentes resultados tanto por parte dos professores em formação, quanto por parte dos professores formadores. (Entrevista, LEMES, 2013).
Assim sendo, observa-se que, apesar do PROFORMAÇÃO ter sido um curso
a distância, oferecido de forma aligeirada sob as prescrições do MEC/ Banco
Mundial para sanar as fragilidades de formação de professores no país, em Mato
Grosso, ele se tornou um marco histórico em relação à formação docente, pois foi
oferecido via centro de formação pioneiro na nação, que atualmente serve de
exemplo a outros Estados e, até mesmo, a outros países.
O programa foi, de acordo com Rocha (2010, 124), “a melhor e maior política
já instituída para a formação de professores leigos em Mato Grosso e no Brasil, que
deu condições para que os mesmos permanecessem e concluíssem sua formação,
qualificando-se, assim para o exercício do magistério.” Oportunizou, assim, segundo
a autora, continuidade de estudos em nível superior aos professores do campo.
Observe, no gráfico abaixo apresentado por Rocha (2001, p.141), o quanto foi baixo
88
o número de evasão dos leigos que, em sua maioria, atuava no campo, apesar de
todas as adversidades que encontraram para concluírem sua formação.
Gráfico 12 - Evasão do PROFORMAÇÃO turma-1999 a 2000
Fonte: Rocha 2001
Conforme Rocha (2011), o PROFORMAÇÃO atingiu resultados positivos,
uma vez que apresentou o menor índice de evasão entre os programas de
Formação de Professores em nível de Ensino Médio desenvolvido em Mato Grosso
nas últimas décadas.
O PROFORMAÇÃO foi o último curso de formação em nível de Ensino Médio,
pois, ao ser promulgada, em 1996, a nova LDBN, trouxe em seu artigo 62 o seguinte
disposto:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, e oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (BRASIL,1996, p.22)
Pela nova lei, o ingresso na carreira docente dar-se-ia somente pela
habilitação em nível superior ou por treinamento em serviço. Pela mesma lei, em seu
artigo 87, instituiu a Década da Educação, determinando também que, até 2006,
fossem realizados programas de capacitação para todos os professores em
exercício (art. 87. §3º, III) em todo o país.
Total das AGFs
86%
1%8%
4%0%
1%
Transferidos
Desistentes
Aprovados noVestibular
Falecidos
Reprovados
Formandos
89
Assim sendo, assistimos, a partir do ano 2000, a uma série de cursos de
formação de professores em exercício. Esses cursos foram oferecidos, em sua
maioria, por instituições privadas, muitas delas utilizando os recursos da educação a
distância, como estabelecia o art. 87. §3º, III da LDBN/96.
A maioria dos professores que compõe o quadro docente das escolas do
campo na região Sudoeste do Estado teve sua formação superior dentro desse
contexto. Esses professores em exercício graduaram-se pela Universidade de
Várzea Grande (UNIVAG), em convênio firmado entre a instituição, Sindicado dos
Professores da Região Sul de Mato Grosso (SIPROS) e a prefeitura. Os cursos
tiveram a duração de quatro anos e aconteciam nos finais de semana (sexta à noite
e sábado o dia todo) em escolas municipais de Rondonópolis/MT. Além de atender
os professores em exercício no município de Rondonópolis, o curso também atendia
outros alunos advindos de toda essa região do Estado.
Enfim, a preocupação dos órgãos públicos, em relação à formação dos
professores de Mato Grosso, seguiu os mesmos preceitos nacionais. Essas
apreensões originaram-se devido às pressões do Banco Mundial frente ao elevado
número de professores leigos em todo território nacional, principalmente aqueles
que trabalhavam em regiões isoladas, de difícil acesso nas zonas rurais.
Salienta-se, entretanto, que, apesar de alguns desses cursos se
transformarem em marcos históricos da formação, não houve, como ainda não há,
no Estado, um curso de formação específico para os professores do campo. Nas
licenciaturas, a pesquisa de Correa (2012) constatou que nenhuma disciplina aborda
a temática da Educação do Campo.
Ainda segundo a autora, nem mesmo no primeiro curso de Pedagogia da
Terra (PRONERA), realizado em parceria com MST, UNEMAT, INCRA, SEDUC E
EMPAER, no campus de Cáceres/MT, teve, em sua grade curricular, disciplinas
direcionadas especificamente à Educação do Campo.
Conceber um curso de formação com disciplinas específicas para quem
pretende ou está atuando na Educação do Campo no Brasil está ficando cada vez
mais distante, segundo o coordenador do Comitê de Educação do Campo em Mato
Grosso, principalmente, com a implantação do PRONCAMPO 2012 que objetiva,
inclusive, a formação desse profissional via universidades ou centros de formações
estatais que possuem grade curricular generalizada, sem distinção de qualquer
modalidade. A formação via PRONACAMPO resultará no enfraquecimento do
90
PRONERA uma vez que esses cursos facilitarão a formação dos professores do
campo, mas não trarão a formação específica de que tanto necessita esse
professor, afirma o coordenador.( Dados extraídos da comunicação oral do
coordenador estadual do Comitê de Educação do Campo no curso - A conjuntura
atual da Educação do Campo no Estado de Mato Grosso - realizada na Escola do/no
campo, no assentamento Marcio Pereira em São José do Povo/MT.)
91
8 POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO CAMPO
A realidade sobre a docência nas escolas do campo, segundo os dados do
PRONACAMPO 2012, revela um grande número de professores sem formação no
Brasil, apesar de esses indicadores terem diminuído muito nos últimos anos. Esses
dados, segundo o documento, referem-se às regiões do país mais isoladas
geograficamente, sendo a região Centro-Oeste a menos beneficiada com programas
de formação para professores do campo, como se observa no gráfico abaixo.
Gráfico 13 – Rede de formação de professores do campo no Brasil segundo dados do MEC
Fonte: Ministério da Educação e Cultura – PRONACAMPO 2012.
A análise das principais políticas educacionais do Brasil demonstra ausência
de uma legalidade efetiva que assista os profissionais do campo em todas as áreas.
Apesar de várias conquistas do MST em relação à Educação do Campo, muito ainda
há para ser feito, principalmente, no que se refere às políticas públicas voltadas à
formação e à permanência dos educadores que vivem e trabalham nas escolas do
campo.
Quando se discute a Educação do Campo, tratamos da educação que se
volta aos trabalhadores e trabalhadoras do campo que, por sua vez, há muitíssimo
tempo são vítimas de processo de exclusão e empobrecimento no Brasil, por uma
educação que lhes foi oferecida ao longo do tempo sem corresponder a sua
realidade. Essa educação, segundo Caldart (2008, p. 50), deve ser pautada em
“uma tradição que oriente a pensar a educação colada à vida real, suas
contradições, sua historicidade”; portanto, o que se pretende é “educar os sujeitos
92
para um trabalho não alienado; para intervir nas circunstâncias objetivas que
produzem o humano.” Uma educação específica para quem no campo vive, com um
currículo que leve em consideração os inúmeros saberes desses povos,
intercalando, ao conhecimento dito universal, as especificidades, a realidade de
cada região onde estão situadas as escolas desse espaço. Um saber que parta da
realidade, da vida cotidiana dos sujeitos do campo, que sirva para amenizar ou
mesmo solucionar os problemas encontrados nesse meio.
Implantar uma educação com esse grau de complexidade passa,
necessariamente, pela urgente formação de professores reflexivos de suas práxis no
cotidiano escolar. Segundo Zeichner (2008):
A conexão da reflexão docente com a luta por justiça social que existe em todos os países hoje não significa focar somente nos aspectos políticos do ensino [...] A ligação da reflexão docente com a luta por justiça social significa que, além de certificar-se que os professores têm o conhecimento de conteúdo e o conhecimento pedagógico que eles precisam para ensinar, de uma maneira que desenvolva a compreensão dos estudantes, precisamos nos certificar que os professores sabem como tomar decisões, no dia-a-dia, que não limitem as chances de vida de seus alunos; que eles tomem decisões comuns a consciência maior das possíveis consequências políticas que as diferentes escolhas podem ter (ZEICHNER, 2008, p.12).
Inserir o professor do campo na realidade da qual ele já faz parte significa
implantar uma política de formação, visando à especificidade de ser profissional da
Educação do Campo. Uma formação que seja capaz, como esclarece Zeichner
(2008), de desenvolver nos professores:
[...] capacidade de tomar decisões sábias sobre o que fazer, baseados em objetivos educacionais cuidadosamente estabelecidos por eles, dentro do contexto em que trabalham e levando em consideração as necessidades de aprendizagem de seus alunos ( ZEICHNER, 2008, p. 2).
Um dos propósitos da Educação do Campo é a de diminuir o imenso abismo
educacional que existe entre a educação dos mais abastados e a educação popular
do campo. Assim, a formação de seus professores deve, de acordo com Zeichner
(2008), ser sempre pautada na reflexão, pois:
93
A formação docente reflexiva, que realmente fomenta o desenvolvimento profissional, deveria somente ser apoiada, em minha opinião, se ela estiver conectada a lutas mais amplas por justiça social e contribuir para a diminuição das lacunas na qualidade da educação disponível para estudantes de diferentes perfis, em todos os países do mundo (ZEICHNER, 2008, p. 11).
Uma das bandeiras da Educação do Campo defende, assim como o autor
acima, a diminuição das lacunas na qualidade da educação; neste caso, na
qualidade da educação oferecida aos sujeitos do campo. Para tanto, essa qualidade
deve também estar inserida na formação de seus professores.
Deste modo, os movimentos sociais, a partir da Primeira Conferência por uma
Educação Básica do Campo, passaram a reivindicar não mais programas, projetos,
adaptações à educação do campo brasileiro, mas políticas públicas efetivas.
Para tal intento, pressionaram por ocupar espaços nos debates de formulação
das políticas do Ministério da Educação e Cultura (MEC), exigindo políticas públicas
específicas para os povos do campo, assim como maior disponibilidade de recursos
para as escolas e para a formação desse profissional específico, visto que um dos
principais problemas relacionados ao campo no Brasil é a falta de atenção dada à
formação dos educadores do campo. Essa formação deve, sobretudo, ser pautada
em sua realidade e na dos seus educandos, para que ambos possam ter acesso à
educação de qualidade, que responda as suas necessidades enquanto sujeitos que
vivem e se formam no campo, que têm na terra a condição fundamental na
construção de sua cidadania.
Os movimentos sociais entendem que a formação do profissional para atuar
na área rural deve estar ajustada a um conjunto de práticas reflexivas e
questionadoras, sobre sua docência, sobre as práticas de sujeitos coletivos que
educam e são educados cotidianamente, num contexto complexo de relações
econômicas, sociais e políticas. Essas práticas reflexivas podem, como salienta
Zeichner (2008), contribuir para a construção de sociedades mais justas, igualitárias
e mais decentes.
Os programas de formação, oferecidos aos professores do campo, privam-
nos dessa formação reflexiva, como observa Rocha (2010), no que se refere à
formação:
94
[...] o descaso com a zona rural não é isento do caráter ideológico e tem se manifestado no sentido de fixar o homem no campo, desconsiderando, muitas vezes, os seus anseios e sonhos, pretendendo dessa forma, evitar o êxodo rural. Para atingir tal intento, uma formação precária para o professor tem contribuído para a falta de condições de análise e crítica por parte dos futuros trabalhadores rurais que se efetiva através da escola [...] A violência simbólica está presente na zona rural, inclusive com os professores, pois é ilusória a neutralidade da prática educacional, com os leigos os quais se veem constantemente ameaçados pela perda do trabalho além da oferta de salários aquém do mínimo estabelecido para os docentes da zona urbana (ROCHA, 2010, p.120).
Isso demonstra que o campo brasileiro e seus sujeitos nunca tiveram espaço
favorável nas políticas educacionais, pois os mesmos modelos de educação foram,
ao longo do tempo, implantados de cima para baixo, sem levar em conta as
especificidades dessa população que sempre viu seus filhos serem educados fora
da realidade de seu meio, uma educação urbana completamente desconexa de sua
cotidianidade.
As recomendações dos órgãos internacionais para a formulação de políticas
públicas abrangem, timidamente, os educadores que atuam na área campesina. As
políticas educacionais voltam-se, na sua quase totalidade, para a zona urbana,
desconsiderando as inúmeras diferenças geográficas, de etnia, raça, gênero, classe,
cultura, do país e de sua população. Segundo Hage (2005),
[...] as orientações e recomendações que subjazem as reformas educacionais vigentes têm seus fundamentos na pauta de mecanismos multilaterais de financiamento, que privilegiam perspectivas mercadológicas e desenvolvimentistas globalizantes, desconsiderando ou em outros casos denegrindo a importância e a eficácia dos saberes e experiências oriundas das práticas sociais locais e diversas presentes na sociedade contemporânea. De fato, os resultados de assumirmos essas políticas e propostas educacionais e curriculares generalizantes têm sido desastrosos para as populações menos favorecidas, principalmente quando focalizamos a realidade do campo, e nos deparamos com os indicadores educacionais que revelam o nível precário de qualidade de ensino da população no país (HAGE, 2005, p.68).
Quando existem políticas voltadas às especificidades de cada região, estas
são copiadas de outros lugares. Os órgãos internacionais, em consonância com os
nacionais, formulam políticas generalistas, normas generalistas, pretendendo formar
profissionais com saberes e competências universais, sem especificidades,
95
esperando que o direito de todo cidadão seja garantido, desconsiderando
completamente as diferenças específicas de cada país/região.
Assim, as políticas são pensadas e impostas de formas universais,
desconsiderando, perversamente, todas as diversidades culturais, geográficas e
sociais encontradas no campo. Impor educação urbana aos sujeitos do campo é
uma violência em seu processo de formação, pois, como afirma Caldart (2004, p.
15): “o campo precisa ser entendido como um espaço de vida digna, validada na luta
por políticas públicas específicas e por um projeto educativo próprio para os seus
sujeitos”, o que nunca foi proposto, no Brasil, nas políticas públicas para a educação
nas últimas décadas.
Essa desconsideração é resultado da importação de políticas públicas
educacionais, impostas, segundo Beech (2009, p. 33), pela influência dos
organismos internacionais, iniciadas com a fundação das primeiras “instituições de
educação formal no que atualmente se conhece como latino américa, fundadas
pelos jesuítas que baseavam a filosofia de sua educação nas ideias da contra
reforma trazida do sul da Europa.”
Observa-se que, assim como os indígenas foram educados pelos jesuítas,
atendendo aos pressupostos da Igreja Católica que visava à dominação e
conversão, os povos do campo também começaram a ser educados sobre os
pressupostos de uma oligarquia agrária, apregoando que, para lidar com a enxada,
a foice, o facão entre outros, o homem e a mulher do campo não precisavam de
estudo, ou seja, para viver no campo e dele tirar o sustento não havia necessidade
de amplos conhecimentos socializados pela escola; na verdade, a educação dos
sujeitos do campo não passava de uma pré-alfabetização, o suficiente para o
mesmo saber escrever seu nome a fim de assinar as cédulas de votação.
Diante dessa realidade, as poucas escolas criadas no campo eram,
geralmente, multisseriadas, isoladas e com pouca credibilidade. Assim sendo, por
muito tempo, nas propostas governamentais do país, não se faziam necessárias
políticas públicas específicas para os povos do campo, principalmente, no que tange
à formação de seus professores.
Segundo Arroyo (2007, p. 170), essa escassez de políticas de formação
para o professor do campo “tem por base a ausência de uma política pública
específica de educação ou o não reconhecimento do direito à educação básica da
infância, adolescência e juventude do campo.”
96
Os movimentos sociais não negam a existência de políticas públicas para os
sujeitos do campo, porém existem estilos de projetos e programas de formação
oferecidos a seus educadores, de forma aligeirada e descontextualizada,
impossibilitando-lhes, assim, uma formação, de fato, de qualidade e que atenda aos
princípios da proposta de Educação do Campo, idealizada pelos movimentos
sociais.
Esses movimentos defendem políticas de formação permanente, assumidas
pelo Estado, que afirmem uma visão positiva e não negativa do campo, isto é,
políticas de formação de professores do campo articuladas a políticas públicas que
garantam direitos a esses povos. Políticas que busquem assegurar as
especificidades do campo, bem como um projeto sintonizado com a dinâmica social
do campo, para que possam atuar em um contexto específico, que venham ao
encontro de suas expectativas e atendam a seus anseios.
Nessa perspectiva, várias discussões têm surgido nos últimos anos sobre
qual formação devem receber os educadores do campo e, nesses debates, há
sinalização para a formação interdisciplinar uma vez que as formações que estes
vêm recebendo, não estão atendendo às expectativas dos educandos do campo.
Diante disso e procurando atender ao projeto do Observatório já citado, o qual foca a
interdisciplinaridade, interessou-me investigar sobre as práticas pedagógicas dos
professores iniciantes que estão ou que atuaram no campo, no intuito de descobrir
se tais atividades apresentam algum indício de interdisciplinaridade e se a formação
desses docentes influencia no desenvolvimento das mesmas.
Ante o exposto, no capítulo seguinte, discuto um pouco sobre
interdisciplinaridade na perspectiva da Educação do Campo. Saliento, entretanto,
que articular e formular uma política de formação para os professores do campo, sob
o enfoque da interdisciplinaridade, não é tarefa fácil, pois, conforme Veiga Neto
(2010), a interdisciplinaridade não pode ser considerada uma panaceia para os
problemas educacionais, mas, sim, um grande desejo de se abrirem as diferenças,
as especificidades, a diversidade nas quais a Educação do Campo está inserida,
uma vez que, como salienta o autor, essas práticas “promovem o diálogo entre os
diferentes,” permitindo-nos conviver não só com o pluralismo disciplinar, porém,
sobretudo, com “o pluralismo das ideias, dos gêneros, das etnias, das religiões, das
idades, das aparências físicas” (VEIGA NETO, 2010, p. 13), tão comuns na
complexa diversidade que compõe a Educação do Campo no país.
97
Acredito que a interdisciplinaridade ou integração do conhecimento, como é
mais conhecida atualmente, trata-se de uma prática de formação que mais se
aproxima dos ideais de formação propostos pelos movimentos sociais do campo
para a formação de seus educadores.
8.1 A formação do professor do campo para a prática interdisciplinar: algumas
considerações
Para melhor captarmos o sentido do enfoque da interdisciplinaridade, é
preciso resgatar sua origem, conceito e sua concepção à luz dos teóricos que com
ela trabalham. A interdisciplinaridade surgiu na França na década de 1960 em meio
à efervescência dos movimentos estudantis que reivindicavam, entre outros, o direito
a uma nova educação, um novo modelo de escola que atendesse aos anseios dos
estudantes daquele país.
Essa nova escola deveria desenvolver práticas que rompessem com a
fragmentação do ensino proposto por uma educação neoliberal, voltada
exclusivamente para a preparação de mão de obra. Aparece como um processo
capaz de romper com a lógica puramente cartesiana, apontando para o
desenvolvimento de uma educação que fortalecesse os laços de solidariedade,
humildade entre os seres humanos.
Um conhecimento que libertasse o povo do processo opressor, imposto por
uma educação mercadológica, individualista, competitiva. Percebe-se o cenário fértil
em que nascem as discussões sobre a interdisciplinaridade. Um dos teóricos
fundamentais do movimento da interdisciplinaridade foi Georges Gusdorf, autor de
mais de 40 tratados sobre a Filosofia da História.
No Brasil, a interdisciplinaridade chega em plena ditadura militar,
caracterizando-se como mais um dos modismos, incorporados facilmente à Lei de
Diretrizes e Bases n.º 5672/71. Repleta de inúmeras distorções, tornou-se o pilar
principal das reformas educacionais desenvolvidas no período de 1968 a 1971. Em
1976, Hilton Japiassú, influenciado pelos estudos epistemológicos de Georges
Gusdorf (1961), foi o primeiro brasileiro a escrever um livro sobre
interdisciplinaridade, intitulado: Interdisciplinaridade e patologia do saber, publicado
nesse mesmo ano.
98
Ivani Fazenda, em 1979, publica seu primeiro livro sobre interdisciplinaridade:
“Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: afetividade ou ideologia,”
trazendo a interdisciplinaridade para o campo da pedagogia, buscando construir um
conceito apropriado. Enquanto Japiassú trata da interdisciplinaridade no campo da
epistemologia, a dissertação de mestrado de Fazenda, transformada em livro em
1979, versa sobre a interdisciplinaridade voltada para o campo educacional.
Segundo Veiga Neto (2010):
Pode-se creditar a Fazenda a emergência e o fortalecimento do movimento pedagógico pela interdisciplinaridade no País. Além disso, há de se considerar, também, que tais propostas pedagógicas foram semeadas no terreno extremamente fértil que era, então, o cenário social da abertura política, no Brasil. Não se deve esquecer que os discursos que, na época, falavam em integração, entrosamento, crítica, igualdade, práxis, relação teoria-prática, mudança, nova sociedade, nova pedagogia, esperança, diálogo etc. eram, a limine, bem vindos (VEIGA NETO, 2010, p. 9).
Na década de 1980, as discussões sobre interdisciplinaridade giram em torno
de sua explicação como método de ensino. No início dos anos de 1990, ainda
baseados no modismo sem fundamentação, surgiu um grande número de projetos
denominados, equivocadamente, de interdisciplinares. Ao estudar sobre
interdisciplinaridade nos Estados Unidos, Klein pondera:
[...] no Brasil, assim como nos Estados Unidos e na Europa, o
número de projetos educacionais com a palavra interdisciplinar em seus títulos tem crescido dramaticamente. No entanto, muitos surgem como intuição ou modismo, sem regras ou intenções claras (KLEIN, 1998, p. 119).
Na mesma década, iniciam-se, liderada por Fazenda, discussões acerca da
conscientização da abordagem interdisciplinar, vista como práticas pedagógicas
pautadas no diálogo e no respeito à diversidade de sujeitos que compõem o sistema
educacional do país.
O fim da ditadura no Brasil marca o advento de uma nova sociedade
brasileira. É a nova sociedade de direitos e, entre eles, o da educação. A
promulgação da Constituição de 1988, mais especificamente quando da
consolidação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)
9394/96 que concebeu a educação como direito de todos e dever do Estado, trouxe
99
para as escolas uma significativa parcela da população, entre esta o povo
trabalhador do campo, há muitos anos privado do direito à educação. O direito,
dentro do contexto da Educação do Campo, é definido como:
[...] poderes/deveres que refletem as necessidades de homens e mulheres dentro de uma sociedade determinada, que ora podem recair sobre bens materiais (direito de propriedade) ou sobre aspectos da personalidade (direito ao nome), podendo ainda referir-se a princípios humanos (dignidade da pessoa humana) (PONTES, 2012 p. 726).
A chegada, à escola, desses sujeitos de direitos, impulsionou um repensar no
sistema educacional no país, principalmente por aqueles que defendiam uma
educação de qualidade para esses recém-alforriados. Porém todas essas mudanças
fizeram com que o país mergulhasse em uma crise educacional, pois nem o sistema,
nem os professores estavam preparados para essa diversidade acolhida pela
escola.
O ensino disciplinar não estava sendo capaz de oferecer, a essa diversidade,
uma educação que fosse, de fato, de qualidade. Esses novos sujeitos de direito, que
à educação foram incorporados, não se interessam por uma educação bancária,
domesticadora, alienada. Segundo Ghedin (2012):
Uma vez estabelecidas algumas finalidades educativas relacionadas com a formação integral da pessoa para intervir na sociedade, as disciplinas nas quais convencionalmente o saber científico está estruturado, em especial as matérias com mais tradição escolar, são claramente insuficientes. (GHEDIN, 2012, p. 16).
Os sujeitos do campo, foco deste estudo, precisam de uma educação que os
liberte do sistema opressor que sempre lhes foi imposto, precisam ser ouvidos, que
suas histórias, seus conhecimentos sejam valorizados e precisam, principalmente,
de educação humanizadora, baseada no diálogo e na troca do conhecimento.
Educação esta que mostre aos educandos que sua história de vida, suas
experiências, seu trabalho, são partes da vida e do trabalho do país. Isso vem ao
encontro do que propôs Freire (1987, p. 58): “Investigar o pensar do povo, tendo o
povo como sujeito, já é educar o povo e educar-se com ele.” Embora o autor não se
remeta ao termo interdisciplinaridade, sua escrita aponta para uma diferente maneira
de ensinar, alicerçada em uma prática interdisciplinar, capaz de romper com os
100
conteúdos fragmentados, alienados, ideologizados e remete à aprendizagem dos
saberes significativos e à formação dos sujeitos.
O trabalho interdisciplinar permite uma prática de ensino que coloque
professores e alunos em um mesmo processo de busca, pesquisa, apropriação,
criação, construindo juntos novos conhecimentos, baseados no respeito à
diversidade do outro.
Para Frigoto (2008 p. 19), a formação fragmentária, positivista e metafísica do
docente, assim como a forma de organização do trabalho na escola e na vida social
em geral, constitui barreiras, por vezes, intransponíveis para o sucesso de um
trabalho interdisciplinar na atualidade, pois menospreza essa imensa diversidade de
alunos que, sob o respaldo da lei, alcançaram, enfim, o direito à educação no Brasil.
Repensar a estrutura educacional de formação de professores, enraizada no
sistema disciplinar, rompendo com uma educação que privilegia o individualismo, a
competição, a desumanização do indivíduo, surge como um grande anseio de todos
aqueles que sonham com educação de qualidade para o povo trabalhador do país,
seja ele do campo ou da cidade. Consequentemente, “enveredar” pelo caminho
interdisciplinar cujos princípios pedagógicos têm como centro a pessoa, como sujeito
de relações com outras, o diálogo entre as disciplinas, o respeito à diversidade do
outro, seja talvez a melhor forma de incorporarmos a tão sonhada
interdisciplinaridade nas escolas brasileiras.
Atualmente, as práticas interdisciplinares nas escolas brasileiras acontecem
quase em sua totalidade por meio de projetos, embora, para Pombo (2005), ao
contrário de Portugal, no Brasil há uma tradição ampla e já longa de trabalho
interdisciplinar, tanto na investigação como no ensino. Isso se deve ao fato de que,
pela sua juventude, flexibilidade e abertura ao novo, o Brasil tem condições
extraordinárias para escutar as transformações a que a interdisciplinaridade procura
responder e para saber adaptar-se a essas transformações e acompanhá-las.
Entretanto essa tradição restringe as discussões teóricas, levantadas no meio
acadêmico, como dissertações e teses. Pombo (2005) ao discutir sobre a
concretização do ensino da interdisciplinaridade, no campo da formação de
professores, ainda é algo muito ausente nos cursos de graduação, até porque esses
cursos ainda estão presos a grades curriculares positivistas cartesianas, fato este
percebido por mim, tanto durante meu processo de formação em andamento quanto
em meu estágio na docência, no curso de Pedagogia.
101
O fim da fragmentação disciplinar, almejada pela prática interdisciplinar, não
se faz presente na grande maioria das escolas, nos cursos de licenciatura, ou nos
cursos de formação continuada. Ou seja, não se faz presente nos cursos de
formação de professores em nenhum momento de seu processo formativo.
A prática docente com foco interdisciplinar requer do profissional uma
formação também interdisciplinar, o que de fato não existe. Os cursos de formação
inicial pouco ou nada fazem para preparar os futuros docentes para o trabalho
interdisciplinar, uma vez que a maioria dos professores das licenciaturas ainda não é
capaz de incorporar a interdisciplinaridade na sua prática docente, continua isolada
em suas ilhas disciplinares, aplicando uma visão cartesiana de ciência na educação.
Fazenda (2001), ao tecer discussão sobre a formação de professores sob a óptica
da interdisciplinaridade, considera que:
A formação na educação à, pela e para a interdisciplinaridade se impõe e precisa ser concebida sob bases específicas, apoiadas por trabalhos desenvolvidos na área, trabalhos esses referendados em diferentes ciências que pretendem contribuir desde as finalidades particulares da formação profissional até a atuação do professor (FAZENDA, 2001 p.14).
Portanto, pensar na formação do professor sob a luz da interdisciplinaridade,
demanda, primeiramente, pensar na construção da identidade interdisciplinar desse
sujeito, através de um processo de formação também interdisciplinar, pois o
professor é peça fundamental nesse procedimento de mudança. Segundo Ghedin
(2012, p. 29), “As políticas públicas vêm propondo um conjunto de mudanças na
escola sem levar em conta o papel do educador nesse processo.”
Por conseguinte, as práticas interdisciplinares nas escolas serão, de fato,
concretas se forem procedidas de mudanças de formação de seus professores, pois,
como afirma Ghedin (2012, p. 29), “nenhuma reforma seja ela qual for tem o poder
de mudar a realidade se não puder contar com os sujeitos que conduzem esse
processo.” Assim sendo, o professor e sua formação são o “carro chefe” nesse
processo de mudança metodológica, proposto pelas práticas interdisciplinares. Isso
significa, também, despertar nesse docente o desejo de mudança, pois ele precisa
estar convencido dos ganhos com a prática interdisciplinar para ele mesmo, para os
alunos e para a sociedade.
102
A formação de professores na interdisciplinaridade lhes permite a função de
construtores de “pontes” entre seus saberes, os saberes de seus alunos, ligando tais
saberes por meio do diálogo com o saberes de outras disciplinas do projeto
curricular da escola. Mas, para que isso ocorra, a formação do professor deve
contemplar nele o desenvolvimento da atitude interdisciplinar, a par de uma
excelente formação acadêmica.
Formar na interdisciplinaridade requer deslocar o professor em formação de
sua zona de conforto, pautado na formação fragmentada para uma zona
desconhecida, onde esse profissional, mais do que estar disposto a quebrar
paradigmas, esteja também disposto a se desnudar para o outro, em um processo
de autoconhecimento e de aceitação. Isso leva a crer que educar na
interdisciplinaridade é um ato de abnegação, de coragem, conforme nos faz refletir
Ghedin (2012, p. 37), ao afirmar que: “educar é ter coragem de romper consigo
mesmo, para poder instaurar uma nova compreensão da ação e dela imprimir uma
nova ação reflexiva.”
Coragem, esta é a palavra! Ter coragem de romper com o processo de
formação docente cartesiano exige refletir sobre a interdisciplinaridade como propõe
Pombo (2005, p. 08): “a interdisciplinaridade não é qualquer coisa que nós tenhamos
que fazer. É qualquer coisa que se está a fazer, quer nós queiramos ou não.”
Educar na interdisciplinaridade exige do professor, entre outras atitudes, a
coragem e ousadia, pois ambas, segundo Fazenda (2001), são uma das marcas do
professor interdisciplinar. Entretanto, tais posturas devem ser pensadas,
primeiramente, pela academia e pelos centros de formação, visto que ainda hoje os
professores estão saindo dos bancos escolares, dos cursos de licenciatura, sem ter
sido estabelecida qualquer discussão sobre ensinar na interdisciplinaridade. Embora
falar sobre isso já não seja um discurso novo, a proposta de uma formação
interdisciplinar ainda não faz parte da prática da maior parte dos professores, que
tiveram sua formação a partir de um currículo compartimentado, fragmentado,
cartesiano.
Embora a interdisciplinaridade esteja presente há mais de 40 anos nos
discursos educacionais do país, não há, ainda, uma definição clara sobre o termo.
O prefixo inter, dentre várias conotações que podemos lhe atribuir, tem o significado de troca, reciprocidade e disciplina, de ensino,
103
instrução, ciência. Logo a interdisciplinaridade pode ser compreendida como um ato de troca, de reciprocidade entre as disciplinas ou ciências - ou melhor, de áreas do conhecimento (JAPIASSÚ, 1976, p.23).
Para Fazenda:
A interdisciplinaridade se efetiva como uma forma de sentir e perceber o mundo e estimula o sujeito do conhecimento a aceitar o desafio de sair de uma zona de conforto protegida pela redoma do conteúdo das disciplinas e retomar o encanto da descoberta e da revelação do novo e complexo processo de construção do saber. Implica, portanto, em aprendizagem de nova atitude perante o processo de conhecimento. A interdisciplinaridade é compreendida como abertura ao diálogo com o próprio conhecimento e se caracteriza pela articulação entre teorias, conceitos e ideias, em constante diálogo entre si [...] que nos conduz a um exercício de conhecimento: o perguntar e o duvidar (FAZENDA, 1997, p. 28).
Conforme Ghedin:
A interdisciplinaridade não é somente um conceito que explica as relações entre diferentes disciplinas, mas esta finalidade transforma-se em um conteúdo de aprendizagem que facilita o estabelecimento dos nexos e das relações entre as disciplinas, propiciando uma melhor compreensão dos problemas do mundo que nos rodeia para facilitar a elaboração de um conhecimento mais holístico e complexo. Portanto, mais válido para a integração ao conhecimento de alguns cidadãos e algumas cidadãs comprometidas com a melhoria da sociedade. (GHEDIN, 2012, p. 17).
Como já foi dito, não há um conceito claro sobre a interdisciplinaridade. Até
mesmo os intelectuais que discursam sobre o tema evitam conceituá-la, pois se
trata, segundo Pombo (2005), de uma transformação epistemológica em curso,
dificultando, assim, uma definição do termo. A própria autora declara não saber
como se faz, como também não saber o que é a interdisciplinaridade. Para Pombo:
[...] a palavra interdisciplinaridade, logo do ponto de vista material, é
uma palavra agreste, desagradável, comprida demais. Além disso,
não há só uma. Há uma família de quatro elementos que se
apresentam como mais ou menos equivalentes: pluridisciplinaridade,
multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
Sentimo-nos um pouco perdidos no conjunto destas quatro palavras.
As suas fronteiras não estão estabelecidas, nem para aqueles que as
usam, nem para aqueles que as estudam, nem para aqueles que as
104
procuram definir. Há qualquer coisa estranha nesta família de
palavras. Umas vezes são usadas umas, outras vezes, outras. Há
pessoas que gostam mais de uma e a usam em todas as
circunstâncias, outras mais de outras. Como se fosse uma questão
de gostar ou não gostar. Mas é assim que as coisas funcionam
(POMBO, 2005, p. 4).
Ainda segundo a autora, a palavra interdisciplinaridade vem sendo, nas
quatro últimas décadas, banalizada. Virou modismo. O termo interdisciplinaridade
passou a ser utilizado de forma excessiva para qualquer atividade. De acordo com
Pombo (2005, p.5), essa palavra “ampla demais está a ser banalizada, aplicada a
um conjunto muito heterogéneo de situações e experiências. E esta utilização
excessiva gasta a palavra, esvazia-a, tira-lhe sentido.”
Essa perda de sentido tem sido alvo de diversas críticas de intelectuais de
vários países, devido a sua banalização. A própria Fazenda mostra-se decepcionada
com os rumos tomados pela interdisciplinaridade no campo educacional. Tal
decepção é sentida por ela em seus últimos escritos assim como em suas recentes
palestras, quando a autora passou a usar menos o termo interdisciplinaridade e mais
o termo integração. A precursora da interdisciplinaridade no campo da pedagogia no
Brasil, em suas últimas discussões, deixa de utilizar esse significante –
interdisciplinaridade - como importante na defesa de ensino e aprendizagem e passa
a defender o significante – integração - como fundamental. Não é só uma mudança
de termo, tem toda uma discussão sobre o significado, assim como o que vem
realmente acontecendo quando da empregabilidade da palavra interdisciplinaridade.
As críticas recentes ao movimento pedagógico pela interdisciplinaridade,
propostas por Fazenda, foram instigadas pelo posicionamento de Veiga Neto. Ele
fez uma apreciação contundente à interdisciplinaridade, ao afirmar que:
[...] estamos longe de chegar a acordos satisfatórios sobre o que é a interdisciplinaridade, sobre o que se quer dizer quando se fala em currículos interdisciplinares, pluridisciplinares, multidisciplinares ou transdisciplinares e como podem eles ser planejados, executados e avaliados. (VEIGA NETO, 2010, p. 1).
Essa falta de definição ou conceituação sobre o que de fato é a
interdisciplinaridade constitui-se a base para as recentes críticas ao que Veiga Neto
(2010) chama de movimento pedagógico pela interdisciplinaridade. A censura que o
105
autor tece à interdisciplinaridade recaiu justamente sobre esse movimento, ao
afirmar que “o movimento pedagógico pela interdisciplinaridade, na forma como se
desenvolveu no Brasil, fez, em boa medida, com que a disposição disciplinar dos
conhecimentos passasse a ser vista entre nós como uma das grandes vilãs da
educação escolar contemporânea” (VEIGA NETO, 2010, p. 2).
Para o autor, esse foi o principal equívoco do movimento pedagógico pela
interdisciplinaridade uma vez que tal alvoroço acarretou:
[...] o investimento de muito tempo, esforços e recursos financeiros em prol de novas experiências interdisciplinares, cujos resultados, certamente na maioria das vezes, ficaram muito aquém do que desejavam seus promotores. Além do que tudo isso significou em termos educacionais, lembro que, como costuma acontecer quando do insucesso de novidades pedagógicas, a culpa pelos resultados pífios foi de novo colocada nas costas das professoras e professores, acusados de incompetência ou falta de preparo para levar adiante tais novidades, quando não, de negligência e desinteresse. (VEIGA NETO, 2010, p. 11).
A esse respeito, Fazenda (2011) salienta que
Disciplinas são não só um meio cômodo de dividir os conhecimentos em partes; elas também constituem a base sobre a qual são organizadas experiências de ensino e pesquisa. Constituem a espinha dorsal do sistema escolar. Qualquer mudança hierárquica ou qualitativa das disciplinas implica a mudança das diretrizes centrais do sistema. O que se pretende, portanto, não é propor a superação de um ensino organizado por disciplinas, mas a criação de condições de ensinar em função das relações dinâmicas entre as diferentes disciplinas, aliando-se aos problemas da sociedade (FAZENDA, 2011, 88-89).
Ao findar as leituras para a escrita deste capítulo, fiquei pensativa sobre a
interdisciplinaridade no campo, principalmente se este tema é do interesse dos
pesquisadores e da comunidade científica, justamente para verificar se o descaso
com o campo é acompanhado, também, pela produção científica sobre o assunto.
Assim, decidi investigar sobre o que se tem produzido nos últimos cinco anos
acerca de Educação do Campo e interdisciplinaridade no Brasil. Essa investigação
revelou dados que serão apresentados a seguir.
106
8.2 Interdisciplinaridade ou Integração das disciplinas: um estudo necessário
No intuito de investigar sobre o destino das produções sobre Educação do
Campo e interdisciplinaridade e a evolução do tema e os estudos nos últimos cinco
anos no país, senti-me instigada a fazer uma busca online nos sites disponíveis,
acerca das produções no período de 2008 a 2012.
Investi, inicialmente, no banco de dados da Capes e do Domínio Público para
o levantamento das teses e dissertações e, posteriormente, artigos. As análises dos
dados, além de levantar o volume das pesquisas, envolveram a leitura dos resumos
para, assim, identificar a concentração das produções sobre o tema Educação do
Campo e interdisciplinaridade. No geral, foram localizadas 251 produções. Destas,
83 eram artigos, 118 dissertações e 50 teses, como demonstra o gráfico abaixo.
Gráfico 14 - Distribuição temporal dos artigos, dissertações e teses (2008-2012)
Fonte: Elaborado pela autora para a presente pesquisa
Observa-se, no gráfico acima, que as produções de artigos a tratarem sobre o
tema interdisciplinaridade mantiveram-se quase linear, sendo o ano de 2008, o de
maior produção. Em relação ao mestrado, o pico de crescimento em dissertações
foram os anos de 2009 e 2010, caindo bastante em 2011 e voltando a subir
novamente em 2012. Nos doutorados, as produções de teses oscilaram muito nos
últimos cinco anos, atingindo seu ápice em 2012 como exposto no gráfico.
107
Nas primeiras buscas, ao lançar a palavra Interdisciplinaridade, já me deparei
com algumas pesquisas que traziam no título a palavra Integração. Tal fato se deve
aos procedimentos que adotei para as buscas, uma vez que, ao digitar a palavra no
site, este alcançava os títulos e também as palavras-chave contidas no final de cada
resumo. O gráfico abaixo traz as porcentagens das pesquisas que utilizaram, em
seu título ou palavra-chave, o termo integração ao invés de interdisciplinaridade.
Gráfico 15 - Incidência de pesquisas com o termo Integração das disciplinas
Fonte: Elaborado pela autora para a presente pesquisa.
Como se observa, as teses concentraram maior número de produções que
utilizaram o termo integração das disciplinas em vez de interdisciplinaridade. Ao
proceder às leituras dos resumos, ficou evidente que as práticas tidas como
interdisciplinares relacionavam-se à integração de disciplinas.
Segundo Fazenda:
Existe uma profunda diferença entre integração e interdisciplinaridade, ou seja, a integração poderia acontecer em aspectos parciais, como: confronto de métodos, teorias-modelo ou conceitos-chave das diferentes disciplinas, ao passo que, delimitando mais rigorosamente o conceito de interdisciplinaridade, conclui-se que esta seria um passo além dessa integração, ou seja, para que haja interdisciplinaridade deve haver uma “sintonia” e uma adesão recíproca, uma mudança de atitude diante de um fato a ser conhecido; enfim, o nível interdisciplinar exigiria uma “transformação,” ao passo que o nível de integrar exigiria apenas uma “acomodação.” (FAZENDA, 2011, p. 87).
108
Fazenda demonstra seu descontentamento com a compreensão do termo
interdisciplinaridade associado à integração, embora reconheça que o que se
praticou na educação, nos últimos anos, seja mais integração de conteúdos do que
as práticas interdisciplinares propostas por ela. Para a autora:
Permanecer apenas na integração de conteúdos, em vez de caminhar para uma mudança ou transformação da própria realidade, pode resultar somente num novo jogo de palavras, numa nova rotulação para velhos problemas, enquanto as causas reais permanecem sem solução, ou mesmo sem questionamento. (FAZENDA, 2011, p.84).
De acordo com a autora, as práticas interdisciplinares foram mal interpretadas
no sistema educacional brasileiro, por isso afirma que:
A respeito, portanto, da integração em relação à interdisciplinaridade, conclui-se em favor da necessidade da integração como momento, como possibilidade de atingir uma “interação,” uma interdisciplinaridade com vistas a novos questionamentos, novas buscas, enfim, para uma mudança na atitude de compreender e entender (FAZENDA, 2011, p. 84).
Assim sendo, para Fazenda, as práticas interdisciplinares tornaram-se um
caminho para atingir a integração e, nesse sentido, compreende que:
O termo interdisciplinaridade é tomado apenas como meio para atingir essa integração. A integração seria então efetivamente o produto final e não etapa para a interdisciplinaridade, cuja tônica principal seria a interação e cujo objetivo final seria o estabelecimento de uma atitude dialógica tendo-se em vista a compreensão e a modificação da própria realidade (FAZENDA, 2011, p. 132).
Embora a discussão sobre interdisciplinaridade ou integração do conteúdo
seja interessante, não se constitui, neste capítulo, objetivo maior. O foco desse
levantamento nos bancos de dados investigados possui, como intencionalidade,
localizar dissertações, artigos e teses que discutissem sobre a Educação do Campo
e as práticas pedagógicas e formativas na perspectiva da interdisciplinaridade. O
resultado desse arrolamento apontou um número bem baixo de trabalhos que
traziam tais discussões, como aponta o gráfico abaixo.
109
Gráfico 16: Incidência de produções sobre o tema Educação do Campo/Interdisciplinaridade
Fonte: Elaborado pela autora para a presente pesquisa.
Como se nota no gráfico acima, pouco mais de 1,5% das produções
investigadas no período de 2008 a 2012 sobre interdisciplinaridade trata sobre a
Educação do Campo. Observei, ainda, que, no mesmo período, não foi produzido
nenhum artigo sobre esse tema na perspectiva interdisciplinar.
Das 118 dissertações, somente três trataram da Educação do Campo nessa
perspectiva, sendo a primeira intitulada: Caminhos da educação pela
transamazônica: ressignificando o saber cotidiano e as práticas educativas de
educadores (as) do campo. A segunda, sobre a formação do professor: E o rio, entra
na escola: cotidiano de uma escola ribeirinha no município de Benjamin Constant
(AM) e os desafios da formação de seus professores; e a terceira, sobre formação
inicial: A concepção de alternância na licenciatura em Educação do Campo na
universidade de Brasília.
Nas teses, foi encontrada somente uma produção que remetia à educação
técnica agrícola sobre a perspectiva interdisciplinar. Observa-se que nem Educação
do Campo era, trata-se de educação técnica no campo. Dos 83 artigos, nenhum
deles tratou do tema.
Enfim, o que se constatou nesse levantamento foi um bom número de
produções sobre interdisciplinaridade e integração de conteúdos nas instituições de
Ensino Superior no Brasil, porém ainda são escassas as produções sobre o tema na
110
educação, oferecida aos sujeitos do campo, pois, como apontou o estudo, nos
últimos cinco anos, foram localizadas somente três produções das mais de cem
levantadas nos ambientes investigados.
8.3 O professor do campo e a prática interdisciplinar
Marcado por movimentos de erradicação da forma positivista disciplinar de
governar o país, o MST reivindicava, além do fim do latifúndio por meio da Reforma
Agrária, condições mais dignas para a população campesina e, entre estas, o direito
à educação de qualidade, que educasse seus filhos na cidadania, direito este até
então lhes negado em todas as propostas educacionais. Tal reivindicação trazia
como proposta que os conteúdos na escola do campo fossem ensinados a partir da
realidade do campo e que a escola se constituísse no prolongamento da luta, em
forma de aprendizagem da leitura e da escrita, de forma contextualizada para,
assim, assegurar o fortalecimento político ao movimento por uma Educação do
Campo.
Diante da complexidade que compõe os diferentes sujeitos do campo, tendo o
diálogo e o respeito a essas diferenças como ponto de partida para uma educação
de qualidade, torna-se imprescindível a busca por outros caminhos metodológicos
de ensino que não sejam pautados, única e exclusivamente, na disciplinaridade,
pois, segundo Morin:
As disciplinas como estão estruturadas só servirão para isolar os objetos do seu meio e isolar partes de um todo. A educação deve romper com essas fragmentações para mostrar as correlações entre os saberes, a complexidade da vida e dos problemas que hoje existem (MORIN, 2000 p. 45).
Essa diversidade educacional que acaba de ter acesso aos bancos escolares
clama por uma educação que a liberte do processo opressor ao qual foi e ainda é
submetida. Uma educação diferenciada, contextualizada, que respeite o modo de
vida desses novos sujeitos cidadãos.
Uma educação que, segundo Caldart (2004, p.151), “seja dos e não para os
sujeitos do campo. Feita através de políticas públicas, mas construídas com os
próprios sujeitos dos direitos que a exigem.” Trilhar pelo caminho da
111
interdisciplinaridade, segundo Morin (2002, p. 24), é “reconhecer que o problema
não é bem abrir as fronteiras entre as disciplinas, mas transformar o que gera essas
fronteiras: os princípios organizadores do conhecimento.”
A fragmentação do conhecimento presente na matriz curricular por disciplina,
ainda muito forte nas escolas brasileiras, não responde às necessidades do
educando do campo, pois se pauta no ensino urbano, dificultando a apropriação do
conhecimento e a construção de uma visão contextualizada que lhe permita a
percepção crítica de sua realidade. Por isso, o MST propõe e defende:
Uma escola que educa partindo da realidade, onde o professor e o aluno são companheiros e aprendem e ensinam juntos; que organiza oportunidades para que as crianças se desenvolvam em todos os sentidos, incentivando e fortalecendo os valores do trabalho, da solidariedade, do companheirismo, da responsabilidade (Dossiê MST Escola, p.31).
A educação oferecida aos sujeitos do campo deve levar em conta um
ambiente rico em experiências e conhecimentos. Essa diversidade sociocultural
encontrada nas populações do campo deve servir como ponto de partida para a
educação proporcionada nesse meio.
Reconhecendo a complexa diversidade na qual o educando do campo está
imerso, trazer o debate da interdisciplinaridade, entrelaçada com a ideia de
educação no/do campo é mais do que urgente. Neste campo fértil, a
interdisciplinaridade pode se configurar como um instrumento de libertação, frente à
fragmentação do conhecimento. Sua aplicabilidade quebra as deficiências históricas
dos processos educativos vivenciados na escola do campo, pois a
interdisciplinaridade é uma prática pedagógica que se pauta no diálogo, na parceria
entre professor e aluno, em um processo em que o conhecimento acontece de forma
mútua, sempre se respaldando na realidade na qual determinado processo de
educação está inserido.
A educação dos sujeitos do campo requer múltiplos olhares para a
compreensão de sua diversidade e da heterogeneidade cultural de suas populações.
Essa complexa variedade que compõe o campo brasileiro não pode ser
compreendida e (re)apropriada a partir tão somente de olhares disciplinares,
especializados, rígidos. Assim, a interdisciplinaridade se apresenta como uma
inexaurível possibilidade e referência metodológica a ser desenvolvida em suas
112
escolas, com um ensino alicerçado na realidade da vida e na luta desses sujeitos.
Uma aprendizagem significativa, assegurada pelo direito à educação de qualidade.
É por esse tipo de ensino que prima o MST:
O ensino deve sempre partir da realidade vivida pela criança na escola, no assentamento, no mundo a fora. A teoria, os conteúdos já elaborados servem para ajudar a refletir sobre essa realidade. O resultado da reflexão deve ajudar a transformar a realidade e a nossa vida. Deve levar a uma prática concreta. (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.35).
Observa-se, nesta proposta de ensino, a prática pedagógica se aproximar
mais de um método no qual o diálogo entre professor e aluno leve à aprendizagem
significativa, contextualizada, permitindo a ambos conhecer a si, ao outro e a
complexa realidade que os cerca é a adoção, nas escolas do campo, da prática
interdisciplinar. Isso não significa o abandono do conhecimento já elaborado,
advindo do ensino disciplinar, pois a interdisciplinaridade não elimina as disciplinas.
Aliás, a interdisciplinaridade não existe sem elas.
Mas, se pensarmos na dificuldade de se ensinar conteúdos em uma prática
interdisciplinar nas licenciaturas, o risco de isso não acontecer com relação aos
conteúdos do campo é altíssimo, tendo-se em vista que a maioria dos cursos de
Pedagogia não contempla disciplinas sobre a Educação do Campo e os cursos de
Pedagogia da Terra e/ou do Campo, em Mato Grosso, são quase inexistentes, uma
vez que se encontrou apenas um projeto desenvolvido (Cáceres), ao longo de meio
século de história da Educação do Campo, neste Estado.
No entanto pode-se afirmar que, não havendo formação, não há
interdisciplinaridade no campo. Questionando os sujeitos desta pesquisa,
observamos a confirmação destes de que não tiveram, em sua formação, nada que
mencionasse a interdisciplinaridade nesse sistema educacional.
Se pensarmos na Educação do Campo e em suas ações sociais no próprio
campo, é possível afirmar que a interdisciplinaridade permeia esse processo, pois
está presente. Os professores do campo trabalham com a prática interdisciplinar que
denominam de projetos, por meio dos quais desenvolvem suas aulas com os
conteúdos associados à vida no campo. Quando questionados se tinham noção de
que esses projetos estão assentados em práticas interdisciplinares, os sujeitos
afirmaram sempre terem trabalhado assim, mas que não tinham percebido nem
113
tiveram alguma formação para conceberem suas práticas como presença da
interdisciplinaridade.
Observemos as ilustrações abaixo que elucidam o trabalho da professora com
a primeira e segunda fase do primeiro ciclo, ensinando para sua turma: Matemática,
Português, Geografia e Ciências, ao preparar a terra para receber os compostos
orgânicos que se transformaram em adubo para a horta. Por meio de sua descrição,
é possível observar que seu projeto envolve postura e prática interdisciplinares. A
seguir, apresento ilustrações que contam com o consentimento dos sujeitos nela
envolvidos para sua socialização nesse trabalho.
Figura 1- Primeira e segunda fase do primeiro ciclo – sala multisseriada
Fonte: Acervo da autora/2012
Outros professores, também envolvidos no mesmo projeto, desenvolveram
posturas interdisciplinares, embora todos, quando questionados, afirmaram nunca
terem ouvido falar desse termo.
114
Figura 2- Aula teórica de Matemática – Ensino Médio
Fonte: Acervo da autora/2012
Figura 3 – Aula prática de Matemática – Oitavo ano
Fonte: Acervo da autora/2012
115
Na segunda figura, temos a foto do professor de Matemática ensinando
figuras geométricas para os alunos do Ensino Médio a fim de confeccionar
composteiras que irão receber a terra e as sobras preparadas por outras turmas.
A terceira figura traz os alunos do oitavo ano, adotando as medidas
oferecidas pelos alunos do Ensino Médio para a perfuração das composteiras, todas
em formato de figuras geométricas.
Figura 4 – Aula prática de Geografia – Solo fértil por composto
Fonte: Acervo da autora/2012
A quarta figura apresenta os alunos do sétimo ano com a professora de
Geografia e Ciências já com a composteira pronta para receber a terra preparada
pelos alunos do primeiro ciclo e os compostos orgânicos dispostos pelos alunos do
terceiro ciclo.
Junto à professora, também estão, alunos, gestão da escola, a cozinheira e
outros professores. O projeto também, além de integrar as disciplinas integrou toda
a comunidade escolar. Por meio desse projeto, vários alunos e pais, montaram em
suas casas suas próprias composteiras, das quais, retiram adubos, principalmente
para serem utilizados em suas hortas. Observe-se na figura cinco, os alunos do 3º
116
ano depositando na composteira, os compostos orgânicos, prontos para serem
transformados em adubo.
Figura 5 – Aula prática de Ciências – Preparando a compostagem Com alunos
do 3º ano.
Fonte: Acervo da autora/2012
Observa-se, ainda, que toda a escola foi envolvida nesse projeto de
compostagem, todas as turmas participaram de todos os estágios, não houve
separação de tarefas e até mesmo os pequenos fizeram os trabalhos.
A aprendizagem foi significativa para os educandos, na medida em que
estudavam algo de sua realidade. Muitos desses alunos construíram suas
composteiras em casa e ensinaram à mãe como cuidar. Isso demonstra que eles
realmente aprenderam. E essa aprendizagem não adveio de uma só disciplina, mas
da interação e do diálogo entre todas. Para tal intento, concordo com Ghedin (2012)
quando afirma que:
Neste sentido, faz-se necessário a interdisciplinaridade como conteúdo de aprendizagem. Estabelecer relações entre os diferentes conteúdos de aprendizagem não é uma tarefa fácil, principalmente quando os conteúdos que se deve aprender dependem de duas ou mais matérias [...]. É necessário construir uma visão capaz de captar a realidade em todas as suas dimensões; uma visão e alguns
117
instrumentos interpretativos que possibilitem compreendê-la em toda a sua globalidade.(GHEDIN, 2012, p. 17).
Apoio o autor quando aborda a necessidade de trabalhar de forma
interdisciplinar nas escolas brasileiras, embora não seja uma tarefa fácil, porém não
é impossível e, quando isso acontece, a aprendizagem que se adquire torna-se
significativa e para a vida toda.
Se perguntar aos alunos envolvidos nesse projeto: como acontece o processo
de decomposição dos orgânicos? Que tipo de terra é propícia para a compostagem?
Quantos quilos de sobras devem ser misturados em quantos de terra? Quais os
benefícios da compostagem?, eles saberão responder com facilidade, pois foram
autores de sua própria aprendizagem. Eles não aprenderam tudo isso na aula de
Ciência ou de Geografia, como aconteceria no ensino disciplinar, mas adquiriram
esse conhecimento quando todas as disciplinas dialogaram entre si, em um
processo interdisciplinar.
Esse projeto foi desenvolvido durante três meses na escola do campo,
localizada no distrito de Nova Galileia, município de Rondonópolis/MT, em 2010.
As figuras apresentadas nas páginas anteriores sugerem o que o ensino
interdisciplinar propõe: um diálogo entre as disciplinas e seus especialistas,
proporcionando, dessa forma, a interação entre ambos, na busca de objetivos
comuns, visando à mudança no modo de agir, compreender e interrogar o mundo
numa perspectiva educacional, em busca da metodologia inovadora. Essa maneira
de trabalhar dialogando com todas as disciplinas é uma característica da Educação
do Campo. O professor do campo, principalmente aquele que lá vive, possui imensa
facilidade em ensinar dessa forma, embora muitos até desconheçam que suas
práticas possuam caráter interdisciplinar.
A interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de significados e registro sistemático dos resultados. (PCNs,1999, p. 76).
A adoção dessa prática interdisciplinar nas escolas pressupõe um trabalho
pedagógico mais atento para o cotidiano escolar, para a realidade dos educandos,
118
para o favorecimento de trocas dialógicas entre professores e alunos, entre a teoria
e as formas de conhecimento, em sua totalidade.
A prática disciplinar não permite tal intuito, pois trabalha com conhecimento
de forma fragmentada, parcelada, mecanicista como enfatiza Morin (2000, p. 43): “a
inteligência parcelada, compartimentada, mecanicista, disjuntiva e reducionista
rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntos, fraciona os problemas,
separa o que está unido, torna unidimensional o multidimensional.” Tais práticas
caminham na contramão da interdisciplinaridade e da educação que deve ser
oferecida aos sujeitos do campo.
Temos visto, ao longo da História, que a educação oferecida nas escolas
brasileiras trabalha na direção da separação ou fragmentação dos conhecimentos.
Isso se deve ao fato de ela ser, ainda, orientada por uma tradição disciplinar na qual
também são formados os educadores. Estes, por sua vez, repassam essa tradição
aos seus alunos.
Pensar numa educação que atenda às necessidades da classe trabalhadora
do campo exige pensarmos para além dos campos disciplinares instituídos em suas
escolas. Para que o ensino interdisciplinar chegue às salas de aula das escolas
no/do campo, é imprescindível que seus educadores recebam essa formação na
academia a fim de que, de fato, esta venha ao encontro de um projeto de educação
a ser desenvolvido no campo sob a perspectiva definida pelo MST conforme
apresenta Caldart:
[...] significa compreender os processos através dos quais trabalhadoras/es que atuam em atividades educacionais nos assentamentos e acampamentos de agricultores sem terra passam a se constituir como sujeitos sociais da construção de uma proposta de educação vinculada com as necessidades e os desafios da luta pela reforma agrária e pelas transformações sociais mais amplas em nosso país. Significa também pensar sobre que práticas formativas podem levar a transformações da ação política e pedagógica destas pessoas, de modo que cheguem a esta condição de sujeitos. (CALDART 1997, p. 15).
A Educação do Campo exige uma pedagogia cujo foco principal seja o
desenvolvimento da formação do ser humano em sua plenitude, ou seja, um fazer
pedagógico, ao mesmo tempo formador e humanístico, pautado no diálogo e no
respeito a si e ao outro. Para tanto, afirma a autora:
119
Olhar a escola como um lugar de formação humana significa dar-se conta de que todos os detalhes que compõem o seu dia a dia, estão vinculados a um projeto de ser humano, estão ajudando a humanizar ou a desumanizar as pessoas. Quando os educadores se assumem como trabalhadores do humano, formadores de sujeitos, muito mais do que apenas professores de conteúdos de alguma disciplina, compreendem a importância de discutir sobre suas opções pedagógicas e sobre que ser humano estão ajudando a produzir e a cultivar. (CALDART, 2003, p. 72).
Visando resgatar uma educação cujos princípios básicos estejam centrados
na formação humana, o MST propôs para suas escolas cinco princípios filosóficos
sem os quais a educação almejada não seria possível. São eles: Educação para a
transformação social; Educação para o trabalho e a cooperação; Educação voltada
para as várias dimensões da pessoa humana; Educação com/para valores
humanistas e socialistas e Educação como um processo permanente de
formação/transformação humana. Observa-se nesses princípios que o projeto de
educação proposto pelo MST possui, como objetivo, a emancipação humana, tendo
a escola como instrumento para a apropriação dos conhecimentos necessários a tal
emancipação.
A educação para o MST tem como finalidade a formação de novos sujeitos e
isso só será possível quando as metodologias de ensino, em suas escolas,
promoverem uma formação que “rompa com os valores dominantes na sociedade
atual, centrada no lucro e no individualismo desenfreado. Precisamos nos contrapor
a isso, cultivando, intencionalmente, com nossos educandos novos valores” (MST
Cadernos de Educação nº 08 p. 9).
O caráter primordial da educação oferecida para os sujeitos do campo deve,
segundo o MST, quebrar a formação unilateral que se preocupa só com um lado ou
dimensão da pessoa. Para o Movimento, a Educação do Campo, precisa ser
omnilateral, alicerçada por uma práxis educativa revolucionária que reintegra as
diversas esferas da vida humana que o modo de produção capitalista prima por
separar.
Ou seja, o Movimento enfatiza que o “processo educativo é um processo que
acontece em cada pessoa de maneira onilateral, mas só acontece se esta pessoa
estiver com outras pessoas, e de preferência seus iguais.” Por esse motivo, o MST
defende uma metodologia pedagógica pela qual a educação assuma esse caráter de
omnilateralidade, de completude.
120
Estamos defendendo então que a educação no MST assuma esse caráter de onilateralidade, trabalhando, em cada uma de suas práticas, as várias dimensões da pessoa humana e de um modo unitário ou associativo em que cada dimensão tenha sintonia com a outra, tendo por base a realidade social em que a ação humana vai acontecer. (MST Cadernos de Educação nº 08 p. 9).
Os cinco princípios pedagógicos propostos pelo Movimento possuem, como
centro, a pessoa, só que não isolada, solitária, individualista, mas, sim, como sujeito
de relações com outras pessoas, com o coletivo inserido com um determinado
contexto histórico e social em um processo de formação omnilateral, pautada no
diálogo, na cumplicidade com o outro.
Isso me leva a refletir que a interdisciplinaridade, cujos pilares também são
alicerçados nesses mesmos princípios, inspirou o MST na construção da proposta
pedagógica para a Educação do Campo no Brasil. Nesse sentido, não se pode
esquecer de que a principal fonte teórica para a elaboração da proposta de
educação a ser oferecida aos sujeitos do campo foi o educador Paulo Freire,
alfabetizando, em 45 dias, um grupo de trabalhadores do campo, apropriando-se de
tais princípios. Igualmente, as leituras de suas obras levam-me a crer que este autor,
assim como Ivani Fazenda, tenha bebido na mina da interdisciplinaridade através da
obra de Japiassu e este, por sua vez, em Gusdorf (1961), o precursor da inserção da
interdisciplinaridade na educação, como prática pedagógica.
Oferecer aos sujeitos do campo uma educação, que lhes sirva como arma de
defesa contra o processo opressor imposto, desde sempre, na História do Brasil,
exige incondicionalmente o desenvolvimento de uma metodologia interdisciplinar nas
escolas do campo, assim como formação de seus professores também na
interdisciplinaridade, práticas essas ainda muito ausentes, tanto nas escolas do
campo quanto na formação de seus educadores.
Portanto, pensar em uma formação docente, seja ela para atuar no campo ou
na cidade, sob a perspectiva da interdisciplinaridade, requer, primeiramente,
repensar as licenciaturas, cursos de formação inicial dos professores e, também,
repensar o que as escolas e os seus profissionais estão compreendendo como
formação continuada, pautada em práticas formativas interdisciplinares.
Lenoir (1997, p.7), ao tecer discussões sobre a formação do professor
ancorada nos pilares da interdisciplinaridade, considera, entre outras condições,
121
duas de fundamental importância da passagem da formação docente tradicional
para a interdisciplinar, sendo uma delas: “as mudanças nas práticas de formação
dos formadores dos professores,” que não vêm ocorrendo, nem nas academias nem
nos centros de formação docente, visto o modelo disciplinar e desconectado de
formação presente nas universidades, centros de formação e escolas, e da forma
fragmentária como estão estruturados seus currículos.
Assim sendo, os educadores envolvidos em um trabalho interdisciplinar
precisam, antes de tudo, eliminar diversas barreiras, tanto entre as disciplinas
quanto entre as pessoas que pretendem participar do trabalho, pois isto implica um
trabalho coletivo, um planejamento conjunto e integrado na escola. Esses docentes,
segundo Caldart (2003, p. 74) devem ter consciência de que “o processo
pedagógico é um processo coletivo e por isto precisa ser conduzido de modo
coletivo, enraizando-se e ajudando a enraizar as pessoas em coletividades fortes.”
Um corpo de professores que trabalha sozinho não consegue pôr em ação os
princípios pedagógicos propostos pelo MST, pois estes já nasceram de forma
coletiva e só se efetivam nas escolas do campo pela cooperação entre professores,
alunos e comunidade. Todos aprendendo e ensinando entre si. O coletivo educando
o coletivo como propõe o Movimento. Ouvir as narrativas dos sujeitos desta
pesquisa soou para mim como eco de minha própria voz, como minhas próprias
imagens do que vivi, como se estivesse me vendo à frente do espelho. Os reflexos
daquilo que narravam, refletiam como um espelho em mim. Sorri com eles, chorei
com eles, arrepiei-me, indignei-me diante de suas histórias, pois essas também são
minhas. Vi a minha vida passando nas cenas de suas falas.
122
9 HISTÓRIAS DE VIDA E FORMAÇÃO – espelho, espelho meu...
As histórias de vida aqui apresentadas permitiram aos sujeitos desta pesquisa
dar uma volta ao passado, embora se tenha percebido em algumas entrevistas que
tal retorno ainda traz fortes emoções, tendo sido necessário, em muitos momentos,
suspendê-las, pois suas memórias os remeteram a um passado de luta e superação,
sendo impossível, momentaneamente, controlar as crises de choro. Foi perceptível,
durante as narrativas, como os sujeitos foram construindo seu processo formativo.
9.1 Minha história, minha vida...
As narrativas (auto) biográficas dos três sujeitos desta investigação
permitiram a eles uma volta ao passado, olhando a vida de forma retrospectiva,
facultando-lhes uma visão de seu conjunto, mostrando que o tempo presente torna
possível uma compreensão mais aprofundada do momento passado. Compreender
o processo formativo do professor através de suas histórias de vida é torná-lo
historiador de sua própria história.
Conhecer histórias de vida por meio de narrativas de si, bem como as
condições que permeiam o exercício da docência nas escolas do campo da região
Sudeste do Estado, foi fundamental para compreender o processo pelo qual passa a
educação do campo em Mato Grosso.
A maneira como os sujeitos das narrativas desta investigação passaram a
exercer a docência, no território denominado de campo, ofereceu-me uma
perspectiva a respeito do modo como a profissão docente tem sido tratada e
vivenciada por eles no Estado, evidenciando algumas das especificidades de ser
docente nesse ambiente de vida e trabalho.
No intuito de acompanhar e refletir sobre essas narrativas, apresento os
sujeitos, a partir de seus relatos. Reafirmo que os nomes são fictícios e foram
escolhidos por eles próprios.
Me chamo “Sol” embora tenha nascido no campo em uma fazenda no município de Cáceres sempre vivi na cidade. Sou a segunda de uma família de três irmãos. Tive uma infância bem tranquila sempre vivi na cidade embora tenha nascido na fazenda. Eu tive uma infância normal, brincava na rua, morava perto da escola onde estudava. Quando comecei a estudar eu amava ir pra escola, eu sempre gostei da escola, de estar na escola, nunca dei trabalho pra ficar na escola ou pra me acostumar lá. Esse período foi muito tranquilo. Não tive dificuldades pra aprender ler e escrever, com seis anos já sabia, eu era até bem esperta pra na época, já no prézinho já lia muitas
123
sílabas. Não tive dificuldades em minha alfabetização não. Minha professora dessa fase que na época era chamado de pré-escola me deixou boas lembranças embora não lembre o nome dela, mas me lembro da imagem dela, da voz dela do jeito dela andar do jeito de dar aula. Todo isso me marcou bastante. Acho que é por que ela brincava muito e naquela época quase não existia tanta brincadeira na escola ainda e ela brincava e cantava muito com a gente então acho que foi isso que me marcou. No ensino médio eu tive também um professor que me marcou muito, não por que ele
era legal comigo, pelo contrário, ele era até muito ríspido, mas ele me marcou por que
ele me despertou pra vida. Ele um dia ele me disse algo que nunca esqueci Ele dizia
você além de ser bonita tem um potencial muito grande, acorda, acorda ele dizia. Ele
pegava muito no meu pé. Anos mais tarde ele morreu em um acidente de carro
quando voltava de uma viagem do nordeste. Mas foi ele que me deu aquele banho de
água fria que me despertou pra vida, a partir do que ele dizia eu comecei a pensar: eu
posso ser melhor. Ele me marcou muito. Até hoje eu lembro dos ensinamentos dele.
Minha formação inicial em pedagogia foi muito difícil. Eu moro em outro município que
não tem faculdade. Fiz minha faculdade depois de casada já tinha uma filha de quatro
anos e foi quando decidi que não queria ser somente dona de casa. Tive o apoio de
meu esposo, em uma conversa ele disse que se eu quisesse fazer faculdade ele me
ajudaria. Então eu tirei um ano pra me preparar, pra estudar algumas coisas, pois já
fazia cinco ou seis anos que estava fora da escola fui me preparando e nesse período
decidi que queria fazer pedagogia por ser mãe eu acho, por estar perto de crianças
eu sempre fiquei perto de crianças. Engravidei no último ano de faculdade. Naquela
época não tinha internet tudo era feito na forma presencial. Terminei a faculdade em
2009, prestei concurso no ano seguinte e tomei posse no final de 2010. Prestei o
concurso pro munícipio de Rondonópolis onde fiz minha faculdade. De onde moro até
Rondonópolis são aproximadamente 25 km, trafegando por uma rodovia
extremamente perigosa devido ao grande fluxo de carretas. No final de 2012 pedi
remoção para uma escola do campo que ficava a apenas 12 km de minha casa. Além
de ser mais perto de minha residência, o trajeto era bem mais calmo apesar dos
percalços por ser uma estrada de chão. Estou nesta escola desde essa data e apesar
de todos os desafios em meu dia a dia nessa vida itinerante, gosto muito de trabalhar
aqui.
Me chamo “Determinação” nasci na fazenda São João da Serra município de Rondonópolis. Minha vida sempre foi em fazenda. Minha infância foi maravilhosa, não tinha as tecnologias que se tem hoje, mas minha mãe era muito criativa. Ela fazia boneca de pano para as meninas e bolas de meia para os meninos jogarem futebol. Iniciei minha vida escolar aos sete anos em uma escola rural chamada: Escola rural mista São João da Serra. Tenho boas lembranças dessa época. Para chegarmos a escola, andávamos uns cinco km a pé, não tinha transporte. Era uma farra só. Era uma turma grande e íamos brincando pelo caminho, comendo frutos da região. Estudei até o final do ensino fundamental. Casei-me muito nova, mas continuei a morar no campo no sítio de meu sogro. Mas como o sonho de meu marido era ter seu próprio pedaço de terra, nos unimos ao movimento o qual conseguiu desapropriar a fazenda que se transformou no assentamento onde hoje moro. Acompanhei todo o processo de mobilização para a construção da escola do campo onde atuo hoje como professora. Assim que a escola foi construída com recursos dos próprios moradores me matriculei no ensino médio depois de 24 anos sem estudar. Assim que terminei o
124
ensino médio fui convidada para trabalhar na biblioteca da escola, auxiliando as crianças nas leituras. Minha convivência nessa escola como aluna e como funcionária me despertou o desejo de continuar minha formação. Tal desejo de se tornar educadora do campo veio, antes de mais nada, da necessidade de alfabetizar meu filho especial, pois apesar de frequentar a escola há anos ele não sabia nem ler nem escrever. Foi uma luta diária. Criei meu próprio método de ensino baseado naquilo que nos cercava. Lembro-me que comecei pela escova de lavar roupa. Mostrei a ele contextualizei, expliquei cada letrinha. Pedia a ele para dizer outras palavras que começavam com a mesma letra. Tinha dia que ele ficava muito nervoso nem podia ver a escova (risos). Naquele dia eu parava, mas no próximo tudo novamente. Era uma questão de honra, ninguém mais acreditava que meu filho podia aprender, ninguém, menos eu. Eu dizia pra mim mesma “ele vai aprender.” Depois de meses de insistência meu filho finalmente conseguiu ler e escrever. Hoje ele já terminou o ensino médio, prestou o ENEM. Ele adora festa de peão de rodeio, por isso incentivei-o a escrever sobre isso. Ele faz vários versos e também narra festa de peão com os versos que ele próprio constrói. Eu venci (choro) e mostrei para todos que qualquer um é capaz de aprender basta ter alguém que acredite nela e o incentive e apoie. Diante do resultado com meu filho resolvi fazer pedagogia. Mas como fazer uma faculdade? O que ganhava na escola era pouco, e esse pouco ainda ajudava meu marido nas despesas da casa. Eu não tinha condição de frequentar uma universidade que eu tivesse que ir todos os dias. Então resolvi fazer uma faculdade a distancia, pois não queria e não podia perder meu emprego e ainda tinha que responder as expectativas de minha família como dona de casa. Foi uma época muito difícil. Saía de casa todas as terças e quintas feiras às 16 horas, pegava o ônibus para Rondonópolis e só chegava em casa depois da meia noite. No outro dia cinco horas tinha que estar de pé para fazer o serviço da casa e depois ir pra escola trabalhar. Terminei meu curso superior o ano passado e no final do mesmo inscrevi-me na contagem de ponto para esse ano. Consegui uma sala, parece que foi providencial, pois a sala que ficou pra mim foi justamente a de alfabetização de jovens e adultos. Estou há poucos meses na docência, mas já deu pra perceber que é isso mesmo quero pra minha vida: Ser professora.
Chamo-me Gaia nasci na cidade de Dom Aquino no Estado de MT, venho de uma família de seis irmãos meus pais eram provenientes do campo aquele campo bem ruralizado. Meu pai perdeu os pais dele muito cedo com a febre amarela quando ainda ele era bebê ele foi criado pelo avô nessa região na região de Dom Aquino. Ele foi muito judiado pelo avô e quando este morreu papai foi praticamente expulso pelos tios da terra de meu bisavô. Ele caiu no mundo, mas sempre trabalhando na terra. [...] Quando tinha 4 anos meu pai foi trabalhar com proprietário de terra onde tinha uma fonte de água mineral (Lebrinha). Meu pai trabalhou nesse local por onze anos. Ali eu passei boa parte de minha infância. Ele ia à igreja uma vez por mês, acho que lá ele pedia ajuda a alguém para ensinar a ele alguma coisa e quando ele chegava em casa ele reunia com a gente e ia nos ensinar. Me lembro até hoje era debaixo de três pés de manga Borbom. Tinha uma planta que tinha uma folha larga (chapéu de couro) então ele pegava um graveto furava aquela folha com o graveto na forma de uma letra e dizia: essa é a letra “a” essa é a letra “e” “i” e assim ia formando frases juntando as palavras.. Ele dizia sempre pra nós: Tudo aquilo que vocês forem fazer sejam justos. Mas se você tiver certa, não abaixe a cabeça, brigue por aquilo. Ele dizia pra mim: você tem que estudar. Então ele me mandou pra casa do patrão dele em Cuiabá pra que eu pudesse estudar. Eu não fiquei muito tempo lá não. Voltei pra casa [...] Depois de algum tempo meu pai não se conformava que eu ficasse fora da escola então ele me mandou pra São Lourenço de Fátima novamente pra que eu estudasse e trabalhasse. Eu tinha só nove anos. [...] Na frente de papai eles me
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tratavam como se fosse da família, mas quando papai virava as costas era outra coisa. Então essa família conseguiu uma vaga pra mim em um colégio de freiras em São Lourenço. Eu consegui estudar graças a Deus. Mas ali no colégio eu passei por momentos difíceis pois apesar da filosofia da inclusão da escola ela era excludente. Eu não tinha uniforme, não tinha calçados. O dia que ele vinha ele me levava pra igreja dele que era a Assembleia de Deus, mas quando papai ia embora eu voltava pra clausura. O que hoje é chamado bulling eu sofri inúmeras vezes, com apelidos, falavam que eu era da roça. Depois, papai arrumou uma casa para eu ficar e estudar. Papai não tinha como pagar pela minha estadia, mas sempre que vinha me visitar, trazia um monte de verduras, frutas, frango, carne de porco, banha. Na casa eu era a última a comer e sozinha. Papai saiu da fazenda e foi morar no sítio de minha avó e eu fui morar com ele. Foi um tempo difícil, minha avó era muito pobre, não tinha nada na casa dela, muitas vezes antes de sair pra escola ela fazia ali uma água com limão e farinha, nós tomava aquilo ali e ia pra marcha. [...] Nossa, lembro da professora, brava, sistemática, mas que me marcou muito pelos incentivos que me deu. Ela dizia: você consegue. Você é capaz. Vai vencer. Não esqueço até hoje dos parabéns, do continue assim escrito no caderno. Devido a vários fatores parei de estudar no ensino médio só voltando pra escola depois de casada e assentada. Foi durante essa época ainda como estudante e meu envolvimento com a pastoral da terra que caí na real. Naquele momento caiu a ficha. Pensava eu: eu também sou uma discriminada, eu também sou uma excluída. Eu tenho que lutar pra modificar essa vida. Foi então que resolvi entrar no movimento. Lembro-me como se fosse hoje, o padre Antonino me ligou e disse: Estamos saindo agora em um caminhão de gente que vai lá pro acampamento Madre Cristina, você que ir? Então eu pensei: Eu também sou uma excluída! Eu vou sim. Catei uma bolsa, coloquei uma panela, um litro de melado que eu tinha, um queijo, farinha, umas trocas de roupa deixei filhas e marido e fui pro caminhão. Naquele caminhão tinha tudo quanto é tipo de gente. Gente que bebia, gente que fumava, gente com problemas com justiça. Eu montei nesse caminhão de boi, era um caminhão de boi e fui. Chegamos lá já estava amanhecendo, quando eu visualizei aquele acampamento enorme quase duas mil pessoas naquele acampamento Madre Teresa na fazenda Santo Antônio do Jurigue, nossa! entrei em pânico. Pensei: vou voltar pra trás. Meu Deus o que é isso? Vou embora. Eram 800 barracas, localizadas numa grota, num despenhadeiro. Misericórdia... onde vim parar? Mas ai vem o pessoal da acolhida, já fizeram a mística ai eu fiquei mais tranquila. Tá ai foi a correria faz barraco pra cá, faz barraco pra lá e ai falaram que tinha reunião. Aí pensei: Uai, reunião pra que? Perguntei pra que e me explicaram que era assim que funcionava dentro do movimento, tinha reunião pra tudo e naquele caso era pra organizar a chegada dos novos e explicar como funcionava as coisas dentro do movimento. Então chegou nossa reunião e o povo começou a falar: quem vai para setor de educação, quem vai para setor de saúde setor disso, setor daquilo. Eu pensei: Ai, ai, ai que é isso? Eu sei que quem trabalha com setor de saúde, de educação é a prefeitura, é o governo. Essa era a minha concepção naquela época. Quando começou a reunião, a liderança começou a falar sobre a divisão das atividades falaram sobre o setor de educação. Então perguntei: O que é isso? Do que trata esse setor? Então eles falaram: dar aula, você vai trabalhar com as escolas itinerantes, você vai trabalhar com a alfabetização de jovens e adultos, você vai organizar a educação. Então perguntei: Organizar a educação como, meu Deus, se nem escola tem aqui. Claro que tem, responderam. Não tem escola prédio, mas as escolas funcionam nos barracos. O acampamento era dividido em núcleos de moradias. Meu barraco era no núcleo quatro no qual eu era a responsável pelo setor da educação. A organicidade dos acampamentos era assim: A gente acordava bem cedo, reunia-se com todo setor, havia uma mística a mística é uma encenação da vivência, do dia a dia no acampamento, mística é mistério. É um teatro do oprimido. Muitos problemas nos acampamentos eram resolvidos por meio da mística. Se tivesse alguém com problema essa pessoa não contava o que estava acontecendo
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ela teatralizava e os demais entendiam só pela encenação. Era as discussões da vivência de uma forma mais lúdica. Ali naquela reunião da manhã eram distribuídas as tarefas do dia. Todos ali tinham sua tarefa. Uns cuidavam dos assuntos relacionados à saúde, outras da educação, outros dos transportes, outro da escola, outros da alimentação. Tinha também a roça, que era coletiva, professor, não professor, doutor, não doutor, todo mundo tinha que passar pela roça. Tudo isso era organizado diariamente no assentamento. Essa convivência no movimento me despertou e fez descobrir-me como educadora. Uma ocupação que ficou marcada em minha memória foi a ocupação da fazenda Santo Antônio do Jurigue. Houve resistência e muitos tiros. Foi um desespero, muita correria. Mães procurando seus filhos, maridos procurando suas famílias. A gente pedia pra eles não atirarem, pois estávamos desarmados, que ali havia muitas crianças. A gente tinha que permanecer ali firme e forte pra mostrar as crianças que não podemos desistir. Participei dessas e de outras muitas mobilizações. Então houve o sorteio da fazenda Gera é assim que acontecem dentro do movimento os lotes são sorteados, pra não haver privilégio pra ninguém. Mas eu não pude vir nesse sorteio. Eu fiquei muito chateada. Mas um dos sorteados não queria terras nessa região então ele entrou em contato com a coordenação do movimento e disse-lhes que deseja terra em outra região, mas só cederia seu lote de terra se esta fosse dada a mim. Coitado, acho que ele fez isso porque viu minha tristeza em não conseguir lote perto de minha família. Eu era muito querida dentro do movimento. Devido a todo meu envolvimento com o movimento a coordenação aceitou e eu vim pra cá. Eu chorei tanto de alegria. Mas como eu tinha passado muito tempo envolvida com as questões educacionais dentro do movimento, assim que fui assentada comecei a organizar a educação no assentamento, pois ali havia muitas crianças e adultos fora da escola. Participei da construção de três escolas. Nada vinha de graça pra nós, cada escola ou sala de aula construída sempre foi resultado de muitas pressões e muita insistência. Em 2007 fui convidada pelo movimento a fazer pedagogia da terra na Universidade Federal de Goiás. Foram anos difíceis. O curso funcionava em período de férias. Durante o ano trabalhava na escola do assentamento e nas férias novamente deixava a família e íamos para Goiás fazer a faculdade. Terminei meu curso em 2010 mesmo ano que os concursados do último concurso do Estado começaram a tomar posse nas escolas. Como ainda não há uma lei que priorize a docência no campo para aqueles que de lá são, eu e a outra colega que tinha feito Pedagogia da Terra ficamos sem aula, pois vários professores tomaram posse na escola onde trabalhávamos. Aquele ano fiquei sem trabalhar, mas no ano seguinte contei ponto em uma escola na cidade de São José do Povo e consegui pegar uma substituição. Depois dessa, veio outra e outra e estou aqui até hoje. Mas assim que surgir uma vaga na escola do assentamento volto para lá, pois lá é o meu lugar. Vai ter concurso este ano vou fazer e se Deus quiser vou passar e voltar de vez para o meio de meu povo.
Como se observou nas histórias de vida acima, cada professor é único,
possui um processo de formação diferente do outro, embora, pela profissão que
exerce, acabe apresentando, em suas narrativas, situações similares e congruentes.
Assim, trago, para discussão, as narrativas que marcaram o percurso de vida
e formação desses sujeitos, uma vez que, segundo Souza (2007, p. 4): “a
organização e a construção da narrativa de si implicam colocar o sujeito em contato
com suas experiências formadoras, as quais são perspectivadas a partir daquilo que
cada um viveu e vive.” Para tal finalidade, tomo como ponto de partida o que eles
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destacam sobre a Educação do Campo para sua formação e atuação profissional.
Finalizo, então, a descrição dos sujeitos e passo para a análise dos dados.
Diante desse contexto, este capítulo foi dividido em três eixos de análise,
tornando-se o coração desta pesquisa na medida em que permitiu, por meio das
narrativas (auto) biográficas, responder às principais indagações de cada um desses
eixos, quais sejam: no primeiro eixo, busco trazer dados que respondem às
questões: O que narram os sujeitos desta pesquisa sobre seu percurso formativo
desde a infância até os dias atuais? No segundo eixo, procurei analisar as
indagações dos sujeitos sobre: o que narram a respeito das políticas de formação
inicial e continuada? Que percepções possuem os sujeitos sobre as políticas de
formação, estas os amparam ou desamparam em sua docência? Qual a relação
entre essas políticas e a qualidade da educação oferecida aos sujeitos do campo?
Quais os impactos delas nas práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores
que atuam nas escolas do/no campo? No terceiro eixo, foram consideradas as
seguintes questões: Que práticas desenvolvem esses sujeitos no ambiente onde
atuam? Qual a percepção dos mesmos sobre a possibilidade do trabalho
interdisciplinar nas escolas do campo? Que formação receberam para
desenvolverem tais práticas? Passamos, agora, a ouvir e a analisar o que dizem os
sujeitos desta pesquisa sobre sua formação, docência e práticas interdisciplinares
no campo.
O INÍCIO: O percurso formativo dos sujeitos – neste eixo, procurei extrair
das narrativas (auto) biográficas sua trajetória de vida e formação. As análises desta
linha centram, num primeiro momento, nas relações familiares por entender ser
nesse meio que os sujeitos iniciam sua formação para a vida. É dentro da família,
por intermédio das interações afetivas que permeiam as relações familiares, que
iniciamos nosso processo de aprendizagem, desenvolvendo sentidos e
potencialidades que nos irão acompanhar por toda a vida.
Embora fosse analfabeto, meu pai sempre se preocupou com a minha educação. Dizia sempre ele: A coisa que o ser humano tem que fazer é estudar pra não permanecer no cabo da enxada. Como morávamos em um lugar que não tinha escola, papai apesar de ser analfabeto começou a me alfabetizar quando eu completei seis anos de idade. E assim como Paulo Freire eu aprendi as primeiras letras debaixo de três mangueiras com um pai que era totalmente analfabeto. Como ele conseguia? Até hoje não sei. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
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Eu morava bem perto da escola e não via a hora de começar a estudar, até que esse dia enfim chegou. Eu amava ir pra escola, eu sempre gostei da escola, de estar na escola, nunca dei trabalho pra ficar na escola ou pra me acostumar lá. Esse período foi muito tranquilo. Não tive dificuldades pra aprender ler e escrever, com seis anos já sabia, eu era até bem esperta pra na época, já no prezinho já lia muitas sílabas. Não tive dificuldades em minha alfabetização não. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
Quando eu e meus irmãos fomos pra escola, já sabíamos escrever nosso nome completo, sabia todo o alfabeto e já sabia contar e fazer contas simples. Foi minha mãe que era alfabetizada que ensinou pra nós as primeiras letras. Como éramos muito pobres e não tinha condições de comprar cadernos, nossa mãe usava o chão como lousa e cadernos. Nossos lápis eram gravetos. Morávamos em uma casa com um grande terreiro e várias árvores. O terreno era arenoso e minha mãe mandava a gente jogar água, pro chão ficar mais firme e assim ela nos alfabetizou debaixo daquelas árvores. Pelo meu pai, que era analfabeto nós nunca teríamos ido pra escola. Mandar a gente pra escola foi decisão de minha mãe. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
As riquíssimas narrativas revelam o cuidado e a preocupação com a
educação dos filhos, principalmente, dos sujeitos que viviam no campo. Ao contrário
de Sol, que aprendeu as primeiras letras na escola, Gaia e Determinação foram
alfabetizadas em casa; uma, pelo pai analfabeto e a outra, pela mãe alfabetizada.
Mas o que narram os sujeitos quando estes saem de uma educação informal
proporcionada pela família para frequentarem as escolas? Quais suas lembranças
sobre esses momentos? Quais suas recordações sobre seus primeiros anos e
professores? É o que passam a narrar agora:
Tenho boas lembranças de quando entrei na escola. Foi na pré-escola minha primeira professora me deixou boas lembranças embora não lembre o nome dela, mas me lembro da imagem dela, da voz dela do jeito dela andar do jeito de dar aula. Todo isso me marcou bastante. Acho que é porque ela brincava muito e naquela época quase não existia tanta brincadeira na escola ainda e ela brincava e cantava muito com a gente então acho que foi isso que me marcou. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
[...] tenho péssimas recordações do início de minha escolarização. Tive uma professora muito ruim, rude. Ela batia na gente, colocava de joelhos no milho, batia em nossas mãos com palmatória. Nunca recebi um gesto de carinho daquela professora. A sala era multisseriada, atendia alunos da primeira a quarta série. Ainda bem
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que depois de anos ela foi embora e veio outra professora. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
Minha vida escolar foi bem nômade. Isso atrasou muito minha formação. As lembranças que tenho são de minha professora da segunda série. Era brava, sistemática, mas que me marcou muito pelos incentivos que me deu. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
Os excertos acima elencam os diferentes processos formativos dos sujeitos
no início de sua escolarização. As lembranças de suas primeiras professoras trazem
marcas profundas. Para Ribeiro; Souza (2011, p. 168), “[...] as marcas deixadas
pelos professores e pela escola nas primeiras experiências escolares são de
diferentes ordens: medo, desânimo, pavor, choro, nostalgia, alegria, entre outras.”
Tais marcas, ainda, segundos os autores, podem interferir de maneira positiva ou
negativa nas escolhas profissionais.
Outro ponto a ser observado nas narrativas é a presença da multisseriação no
campo. Para o MST, as salas multisseriadas não se constituíram em problemas para
a aprendizagem no campo; pelo contrário, se amparadas por boas condições de
funcionamento e formação de seus educadores, possuem elementos essenciais
para melhorar a qualidade do ensino oferecido aos alunos do campo.
É possível perceber a ausência de uma política pública educacional para a
educação infantil no campo, no período relatado. Observa-se Sol relatar que sua
inserção na escola se deu na pré-escola enquanto para Determinação e Gaia isso
só aconteceu na primeira série. Essa situação de descaso com a educação das
crianças não mudou muito nos últimos anos, visto que, na maioria das escolas do
campo, não há a pré-escola e as crianças ingressam direto na alfabetização.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL: As políticas públicas de formação inicial e
Continuada. “Vamos brincar de escolinha?” “Eu sou a professora.”
Quantos de nós dissemos estas frases no decorrer de nossa infância. A lousa
era a parede das casas, uma tábua, um pedaço de papelão. O giz, carvão ou um
pedaço de tijolo. Os alunos, nossos primos e amigos mais novos. Na maioria das
vezes, éramos os professores, quase nunca os alunos. Embora inconscientemente
já demonstrávamos, com essas brincadeiras de crianças, nosso interesse pela
docência.
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Quando foram despertados para a docência os sujeitos desta pesquisa? Esse
despertar aconteceu de forma consciente ou inconsciente? Para responder a essas
e outras indagações, vamos aos relatos dos sujeitos.
Quando me casei fui morar com meu esposo na casa dos pais dele. Bem pertinho tinha uma escolinha rural mista. Ali ministrei aula como substituta algumas vezes. Mas o chamado para a docência se deu de fato, depois de conseguir alfabetizar meu filho especial. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014)
Não me lembro, mas acho que em minha infância não brinquei de escolinha. Porém quando morava com meu pai em Dom Aquino recordo que várias vezes substituí a professora na escolinha do bairro. Mas o estalo pra docência se deu, sem dúvida, quando de meu envolvimento no MST. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
Ah... eu sempre gostei de trabalhar com crianças. Eu fui criada dentro da igreja, lá eu sempre ajudei a cuidar das crianças, sempre gostei de lidar com crianças, daí isso talvez seja o motivo da escolha pelo curso de Pedagogia. Assim sem perceber que já se tratava de um indício da docência, eu desde muito cedo sempre gostei de trabalhar como educadora. Quando jovem na igreja eu já trabalhava na escola dominical que é uma escola dentro da igreja onde a gente ensina os conceitos bíblicos pra crianças, Mas meu despertar pra docência aconteceu só na especialização. Por que até então eu estudava pra ter um curso superior. Queria ter um trabalho melhor, queria ganhar mais. Aí então já no último ano da graduação já nos estágios, eu já comecei a me sentir professora, já comecei a me sentir uma educadora responsável, por ser uma educadora, uma professora. Mas foi na especialização que eu despertei de fato para a docência. Foi quando disse eu vou ser uma professora e quero ser das boas, não quero ser aquela professora que as pessoas dizem aquela professorinha. Não! Então foi no estágio que fui despertada, mas foi na especialização que tive certeza que queria ser professora mesmo. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
Ao revisitarem seu passado, os três sujeitos retomam sua trajetória de vida e
formação e encontram lá, em suas adolescências, indícios do exercício da docência,
embora ainda de forma inconsciente.
[...] Os professores aprendem certos traços da docência muito antes de frequentar os cursos de magistério ou de licenciatura, nas suas experiências familiares, na sua trajetória de escolarização, nas relações que estabelecem em seus vários processos de socialização, dos quais a imagem da profissão docente e do ser professor se propaga (RIBEIRO; SOUZA 2011, p. 167).
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Corroborando o que dizem os autores, as narrativas acima sinalizaram nesse
sentido na medida em que o despertar para a docência desses sujeitos aconteceu
muito antes de frequentarem os cursos, tanto em nível Médio quanto Superior.
Mesmo o despertar consciente para a docência sucedeu em territórios e tempos
distintos: para Gaia, foi dentro do Movimento; Determinação, em meio à família e
Sol, já na Pós-Graduação.
Quando indagados sobre a escolha pelo curso de Pedagogia e da instituição
formadora, assim responderam os sujeitos:
Quando resolvi fazer um curso superior, fiquei indecisa entre Letras e Pedagogia. Eu escolhi o curso de Pedagogia porque naquele momento eu achava mais fácil do que nas outras áreas como Matemática, Física, não gosto. Porém, como tenho mais afinidade com crianças e por ser mãe, optei pela Pedagogia. A escolha pela UFMT foi pelo peso do nome da faculdade. Todo mundo dizia que era a melhor. Isso com certeza pesaria em meu currículo. Não me decepcionei com a escolha. Se pudesse, só estudaria na UFMT. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
Minha opção pela Pedagogia veio de meu envolvimento enquanto coordenadora do setor da educação dentro dos acampamentos e assentamentos do MST. O movimento foi o primeiro a me educar, mas essa educação me preparava pra prática e eu sentia falta da teoria. Embora estudássemos vários autores dentro do movimento, eu sentia necessidade de mais. Então não pensei duas vezes quando fui convidada a fazer Pedagogia da Terra na Universidade Federal de Goiás, considerada naquela época a melhor faculdade de educação do Brasil.(Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
Observa-se, na narrativa de Gaia, que sua opção pela Pedagogia adveio do
desejo de mudar a realidade dos sujeitos do campo por meio da educação. Para
fazer essa transformação, ela necessitou ter uma formação política e teórica mais
consistente visto que a formação militante já possuía. Para Caldart (2004, p. 68), a
fim de que isto aconteça, é necessário “[...] dar-se conta de que é preciso fazer
mudanças e seus sujeitos assumirem o comando da sua transformação.” Segundo o
MST (1997), se a educação tem a ver com a formação/transformação, é preciso
trazer, para dentro do processo educativo, principalmente na formação de seus
docentes, relações que, na sociedade, são a base dessa formação/transformação.
Para tanto, os cursos de formação, sejam eles iniciais ou continuados, precisam
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oferecer, em seus currículos, atividades e conteúdos com intencionalidades voltadas
à formação político-ideológica desses professores.
Meu despertar para a docência se deu quando percebi que se eu não alfabetizasse meu filho, ninguém o faria. Todos diziam que ele não iria aprender, até mesmo alguns médicos. Na escola eu via que ele só regredia. Os professores não recebiam formação para lidar com alunos especiais nem na cidade, que dirá no campo. Então decidi eu mesma alfabetizá-lo. Então pensei comigo mesma: Se eu consegui fazer meu filho aos quatorzes anos aprender a ler e escrever, eu conseguirei com outros com as mesmas dificuldades. Vou ser professora. Como hoje só pode ser professor que tem um diploma universitário, resolvi fazer esse o curso de Pedagogia. Porém não tinha condição de frequentar uma faculdade todos os dias, então optei pela educação a distancia na Faculdade Anhanguera, localizada na cidade de Rondonópolis. Lá eu precisava ir só dois dias por semana na aula. Todo esse processo com meu filho me despertou para a docência, pois passei a desejar ajudar outras crianças com dificuldades. Então resolvi fazer uma faculdade de Pedagogia, pois esta representava, de forma concreta, meus objetivos. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
As análises das narrativas evidenciam não só experiências de formação
vivenciadas pelos sujeitos, mas também algumas das especificidades que marcam
as escolhas de formação deles, contribuindo, assim, para os estudos sobre o
processo de profissionalização no país. Os motivos de suas opções foram diversos,
mas todos com foco na formação para melhor exercício da docência.
Na busca de mais dados sobre a formação dos sujeitos, indaguei-os no
sentido de extrair de suas narrativas como aconteceram seus processos de
formação. Os desafios da formação inicial, a influência das políticas públicas em
seus processos formativos.
Os desafios da formação inicial:
Minha formação inicial em Pedagogia foi muito difícil. Eu moro em outro município que não tem faculdade; a UFMT a faculdade que eu me formei. Foi difícil, pois eu tinha que ir todos os dias pra outro município com criança pequena, chegava tarde em casa, no outro dia ia trabalhar, então, assim, não foi fácil não. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
Foi uma época muito difícil. Os sacrifícios foram grandes. Saía de casa às quatro da tarde, retornava só depois da meia noite. Meu filho, coitadinho, me levava e ficava me esperando. Na época da chuva era terrível. Não temos carro, só moto. Quantas vezes no
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tempo da chuva chegamos em casa duas, três horas da madrugada, pois a moto atolava, então nós a deixávamos na estrada e acabava de chegar pé, debaixo de chuva e frio. No outro dia, tinha que estar de pé às cinco, para arrumar o café de meu marido, pois ele tirava leite e acordava muito cedo. Apesar de todo sofrimento foi uma época de muita aprendizagem. Talvez se tivesse sido fácil demais, eu não daria o valor que dou hoje. Nós, povos do campo, já nos acostumamos com isso, pois pra nós nada vem de graça, só à custa de muitos sofrimentos. Terminei minha faculdade ano passado. Nossa, foi o segundo dia mais feliz da minha vida, o dia de minha colação de grau. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
Minha maior escola foi o Movimento. Meus mestres, o povo trabalhador do campo. Com eles aprendi os sentimentos mais nobres da humanidade. Tudo isso me formou. Mas eu sentia que precisava de mais. De um conhecimento mais formal, foi então quando o Movimento me procurou, devido a todo meu envolvimento com o movimento e com a educação, propondo-me que eu fizesse o curso de Pedagogia da Terra oferecido pelo PRONERA em Goiás e eu aceitei de primeira. Mas assim, a gente foi indicada pelo Movimento, mas tínhamos que fazer um vestibular pra entrar. A mídia caiu em cima. No dia de nossa prova, a imprensa entrou na sala onde estávamos fazendo a prova e ficava em cima da gente, filmando nossa prova. Imagina, um concurso seja ele qual for já dá certo mal-estar na gente, imagina fazer isso sendo filmado o tempo todo como fizeram com a gente. Foram 2500 pessoas do Brasil inteiro, só 80 conseguiu entrar. Mas nós mostramos que somos iguais a todos que temos a mesma capacidade, basta termos oportunidade. Não foi fácil, pois tinha que continuar trabalhando. A aula funciona no período de férias. Um mês no início do ano e dois no final. Não foi fácil deixar a família, a comunidade, o trabalho, o ir e vir. Mas vencemos. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
A formação continuada:
Minha formação continuada também não me preparou pra docência no campo. Aqui na escola todos sabem que existe essa educação do campo, mas eu assim ainda não consegui fazer essa diferença entre educação do campo e da cidade. Na formação continuada também não vemos nada. Algumas vezes o CEFAPRO levou algumas discussões sobre isso, mas tudo ainda muito solto, muito vago, não deu ainda pra assimilar a diferença. A formação que recebi na sala do educador ainda não deu conta de explicar isso. E eu sinto que não sou a única que tem essa dúvida, até mesmo professores que são daqui têm dúvida, bem menos que eu, mas elas existem. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
No excerto acima, Sol deixa transparecer sua angústia com a formação que
recebeu para exercer a docência no campo. Sua agonia aumenta na medida em que
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ela percebe que não é a única a viver esse dilema. Observa-se, em sua fala, o
quanto o Estado está ausente, pois o sujeito diz da pouca formação que recebeu
dos professores formadores do CEFAPRO. Como vivo essa realidade, posso
legitimar a fala da professora, pois os professores das escolas do campo são os
menos atendidos por essa política pública, não chegando com a eficiência que
deveria ao chão da escola do campo. Para o sujeito, nem mesmo a formação dada
pelo CEFAPRO e o projeto Sala do Educador foram suficientes até agora para fazê-
la compreender o que é Educação do Campo, embora relate que pouco participa da
Sala do Educador, por questões que ela mesma conta em sua narrativa:
Participar da formação da Sala do Educador foi também um desafio, pois o horário era sempre no final da tarde após a aula. Na época das chuvas era impossível ficar até mais tarde, pois a estrada é de chão, tem atoleiro, há trechos desertos, oferece muitos perigos principalmente pra mim que sou mulher. Eu sei que faz muita falta isso pra mim, mas o fato é que por não morar na comunidade, ficar pra Sala do Educador, principalmente em épocas de chuva, era até correr risco de vida na estrada. Então, embora com muito pesar, não participo. Até propus outro horário, mas devido a escola ser pequena, não havia condição de mudar o horário. (Sol- Entrevista narrativa, 2013).
Mesmo sem intencionalidade, ao não participar da sala do educador que é
uma política pública de formação, a professora está incorrendo em duas falhas:
pondo-se em risco de sofrer um processo administrativo, pois a participação na Sala
do Educador adentra a legislação educacional do Estado, prevendo punições para
aqueles que não a cumprem e a segunda, e talvez mais grave, negando aos
educandos do campo uma educação de qualidade e contextualizada com a
realidade em que eles vivem, o que acaba, de alguma ou de todas as maneiras,
interferindo em suas práticas em sala de aula e desestimulando a aprendizagem dos
educandos do campo, uma vez que, segundo Ghedin (2012):
[...] A qualidade da aprendizagem se dá pelo modo como cada sujeito (professor) desenvolve a atividade, pelo sentido de pertença ao grupo e pelo trabalho coletivo que realizam, pelo nível de cooperação e de ajuda que manifestam os sujeitos (alunos) que participam da aula [...].( GHEDIN, 2012, p. 7 – grifo nosso).
Diante disso, mesmo com as angústias da professora, reconhecendo a falta
que essa formação faz em sua vida profissional, Sol, por não morar no campo, diz
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não ter condições de participar da Sala do Educador. Isso prejudica a sua formação
e a aprendizagem dos alunos, pois esses encontros formativos podem se constituir
em espaço privilegiado, como enfatiza Caldart (2003, p.7): “para o aprendizado do
cultivo da memória coletiva, e do estudo da história mais ampla. Saber que isso
pode fazer diferença para que não se apague a memória das dívidas com o povo
[...]:”
Minha formação continuada foi em meio ao movimento. Participei do primeiro ENERA que aconteceu para a discussão da educação dentro do MST. Participei das discussões do PRONAFE em Brasília, das discussões do PRONERA. Fizemos várias mobilizações daqui pra Brasília, participei de várias reuniões de mobilização com lideranças políticas. Passamos por momentos de dificuldades em outras ocupações, pois tínhamos que participar daquela ocupação sem deixar de dar respaldo em outras. Eu como tinha mais experiência dava formação continuada para as professoras menos experientes. Para formar eu tinha que antes de tudo me formar. Então eu estudava muito. Foi assim, minha formação continuada, ela se dava na vivência dentro dos acampamentos, assentamentos, e nas mobilizações do movimento. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
A formação de Gaia, tanto a inicial quanto a continuada, foi, e ainda continua
sendo, realizada em meio aos seus, conforme tem narrado em sua história de vida.
Essa é uma das características da formação dos sujeitos que são formados
dentro do Movimento, pois, segundo este, a Educação do Campo precisa de
professores que estejam inseridos na realidade do campo, como afirma Silva (et. al.
2006): “Ser educador dos movimentos sociais do campo exige estar inserido em
alguma atividade no movimento” e Gaia estava o tempo todo nesse meio, o que
reforçava sua participação em diferentes momentos da luta. Para Pereira (2008, p.
153), faz parte da formação do professor dentro do Movimento a participação ativa e
constante nas várias ações do MST. “O movimento considera crucial o envolvimento
dos professores em manifestações políticas, passeatas, marchas, ocupações de
terra e prédios públicos.” Participar desses momentos faz parte, segundo o
movimento do programa de formação de professores que atuam nos acampamentos
e assentamentos. Ou seja, é a formação em e no Movimento.
Participo da Sala do Educador e faço alguns cursos. Mas acredito que isso não seja suficiente para me ajudar na docência no campo. Às vezes vêm os professores formadores do CEFAPRO para nos dar formação continuada, mas isso é muito raro devido ao grande número de escolas que esses professores têm que atender. Então
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procuro sempre que possível estar me atualizando com leituras sobre a área que atuo, assim como pesquisas que faço principalmente na internet. A convivência que tive com outros professores desta escola tanto na época que era estudante como na que trabalhava na biblioteca me ajuda bastante no desenrolar de minha docência. Acho que isso pode também ser considerado como formação continuada. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
O excerto acima demonstra que, apesar de a formação inicial e continuada de
Determinação não ter sido construída dentro do Movimento, o ambiente da escola
do campo onde terminou seu Ensino Médio e onde trabalhou muito tempo como
bibliotecária também constitui para ela um espaço extremamente formador.
Outro ponto a se destacar na narrativa desse sujeito são os aprendizados e a
ajuda advinda da convivência com outros professores da instituição escolar onde
estudou e trabalha. O apoio dos professores experientes nesse começo da docência
dos iniciantes é de fundamental importância para essa fase profissional, pois a
pesquisa realizada por Pires et al. (2014, p. 5) demonstrou que uma das principais
angústias vivenciadas por professores em início de carreira é a “indiferença dos
colegas de trabalho no período inicial de inserção na escola.” A respeito disso,
Nóvoa (2009, p.5) afirma que: “a formação de professores deve passar para dentro
da profissão”, isto é, deve basear-se na aquisição de uma cultura profissional,
concedendo aos professores mais experientes um papel central na formação dos
“mais jovens.”
Observa-se, ainda, nas narrativas de Determinação, assim como Sol, o
lamento pela falta de formação dada pelo CEFAPRO aos professores do campo. O
descaso com a formação continuada dos professores do campo se faz presente
nesse instituto de formação, pois o CEFAPRO de Rondonópolis é responsável pela
formação docente em treze escolas na região Sudoeste do Estado, porém conta
somente com um formador para essa área. A política da Seduc para o CEFAPRO é
que se faça uma divisão das escolas para que cada formador assuma e acompanhe
determinadas escolas. Como resultado disso, acabam sendo enviados, para as
escolas do campo, formadores que não são dessa área, como é o caso da escola
onde atuo.
Agora pergunto: Como um profissional que não conhece a realidade do
campo pode dar formação para os que lá atuam? Esta pesquisa enfatizou que os
docentes do campo necessitam de uma formação específica, de preferência, por
quem entende do assunto.
137
Esses profissionais podem até conhecer o assunto, e acredito que dominem
sua área de atuação, mas a realidade específica do campo, eles desconhecem.
Prova disso são as falas dos sujeitos, principalmente Sol, quando esta afirma que a
formação oferecida pelo CEFAPRO é “algo solto, vago.” Tal sujeito está há dois na
docência do campo e afirma nunca, nesse período, ter feito alguma leitura sobre a
Educação do Campo, sequer sabe quem são os autores que trabalham com este
tema no Brasil.
Na escola onde atuo, o formador do CEFAPRO aparece em média a cada 60
dias para dar formação. Porém há outro agravante nessa história, por ser na zona
rural, o formador tem que agendar o carro do CEFAPRO; por isso, só pode vir
quando o carro está disponível para trazê-lo. Nestes casos, o formador liga na
escola marcando um dia certo para sua visita.
Observe que os formadores são escolhidos por um processo seletivo para
atender às questões ligadas à formação dos professores da rede estadual de
ensino, mas, por falta de transportes para as escolas do campo, mudam toda a
rotina da escola, quando impõem o dia em que podem atender aquela instituição. O
que me parece é que as escolas existem para servir ao CEFAPRO, quando, na
verdade, é o CEFAPRO que existe para servir às escolas. Deduzo que a prioridade
para essa política pública é o atendimento às escolas localizadas na zona urbana.
No campo, vão quando é possível. Quando ninguém vai utilizar o carro.
Saliento, entretanto, que não estou aqui responsabilizando o professor
formador por isso, pois convivo com muitos desses e sei das angústias por que
passam diante do ocorrido e até fazem o impossível para cumprir com seus deveres.
A crítica que teço aqui se faz à política de formação que, no caso das escolas do
campo, são ineficientes, pois, até mesmo o professor que está lá, que mora nesse
ambiente, pouco sabe sobre a nova política de educação para os sujeitos do campo,
reproduzindo, conforme a pesquisa que fiz para a escrita de artigos, a educação
rural de caráter puramente capitalista.
Pode-se concluir deste eixo que há a ausência do Estado quando o assunto é
a formação de docentes para atuarem nas escolas do campo. A falta de incentivo
financeiro e de outras ordens, como licença remunerada para qualificação, ainda é
um sonho dos professores, principalmente, os contratados, como é o caso de Gaia e
Determinação.
138
DOCÊNCIA NO CAMPO - As práticas pedagógicas e de formação dos
professores – Da cidade ao campo/do campo à cidade. Neste último eixo, busco
extrair, nas narrativas dos sujeitos, as lembranças e experiências que passaram no
início de sua docência no campo. Quais foram as políticas que os ampararam
durante essa iniciação e, por fim, se a formação que receberam impacta nas práticas
pedagógicas que desenvolvem na docência no campo.
O motivo que me levou a atuar na “escola do campo” foi a localidade, pois moro em uma cidade próxima e passei para um concurso público em outra cidade, como esta faz parte do polo, optei por ela por ficar mais próxima da minha residência, até conseguir remoção para minha cidade. (Sol - Entrevista narrativa, 2013).
Esta professora não mora na comunidade, ela vai para o campo e volta para a
cidade todos os dias. Esse fato, segundo Arroyo (2007, p.169), prejudica a
aprendizagem dos alunos do campo visto que “A maioria das educadoras e
educadores vai, cada dia, da cidade à escola rural e de lá volta a seu lugar, a
cidade, a sua cultura urbana. Consequentemente, não tem suas raízes na cultura do
campo, nem cria raízes.”
Minha relação com a comunidade é muito boa, embora eu ache que a convivência com eles seja pouca, porque eu chego na escola e não saio da escola a não ser na hora de ir embora. Só tenho contato com os pais ou nas reuniões ou quando estes vêm me procurar na escola pra conversar. Participo de alguns eventos na comunidade, mas são bem poucos. Não conheço a realidade de meus alunos a fundo; o que sei sobre eles é o que me contam. Até porque a maioria de meus alunos mora nos sítios e bem pouco na vila. Eu não conheço os assentamentos ou sítios onde meus alunos moram, nunca fui lá, por isso eu não conheço a realidade a fundo só aquilo que eles trazem de casa mesmo. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
A Educação do Campo precisa de professores que estejam inseridos na
realidade do campo. Para Caldart (2005, p.141), o educador do campo deve possuir
um “vínculo direto com a cultura camponesa.” Só assim, segundo a autora, ”buscam
um compromisso de trabalho com os sujeitos do campo, tanto nas escolas como na
formação em diferentes espaços, criados e dinamizados pela organização.”
Conhecer a realidade, para Caldart (2003, p. 7), significa “entender o
conhecimento como compreensão da realidade para transformá-la; compreensão da
condição humana para torná-la mais plena” e isso faz parte da formação do
139
professor que pretende atuar no campo. Ghedin (2012, p. 48) alega ser preciso que
todo professor, para desenvolver sua docência com justiça e respeito, deve aprender
sobre seus estudantes, sobre a realidade em que estes vivem, sobre suas
aprendizagens. Para tal, é necessário que o professor aprenda, antes de qualquer
coisa, o conhecimento sobre si mesmo como pessoa humana e como profissional.
No decorrer destes dois anos de pesquisa, pude constatar nas escolas
investigadas que parte considerável dos professores das cidades que optaram pela
docência no campo, em época de concurso, utilizou as escolas do campo como
passarela de acesso às escolas da cidade onde reside. Embora não seja o caso de
Sol, muitos desses professores fizeram da docência no campo “um bico,” como
enfatiza Arroyo (2005):
Não é suficiente ter professores bem formados, é necessário ter um corpo profissional com identidade e compromisso com o campo, que não o entenda simplesmente como um bico, enquanto espera ser transferido para a cidade. É preciso que seja de tal maneira, identificado com a riqueza, com a cultura, com as identidades do campo. (ARROYO, 2005, p.46).
Saliento, entretanto, que, assim como Sol, outros professores utilizaram as
escolas do campo como via de acesso a seus lugares de origem, procurando, dentro
de suas possibilidades, desenvolverem a docência com aquilo que acreditavam ser
de qualidade.
Quando eu cheguei à escola foi um choque com a realidade que encontrei e com a recepção da gestão. Perguntou-me a coordenadora: Qual seu objetivo nessa escola? Passar uma chuva? Você sabe que esta escola é uma escola do campo? O que sabe sobre educação do campo? [...] senti certa rejeição de alguns profissionais da escola. Depois do susto da chegada e com o passar do tempo, fui aos poucos conquistando as pessoas. As pessoas do campo são muito acolhedores, humanos, sem falar em como cozinham bem, mataram minha fome muitas vezes. [...] O susto na chegada me angustia até hoje, pois fico me perguntando: será que estou fazendo certo já que educação ali naquela escola era diferente? Isso me angustia muito. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
Ao narrar sobre o início da docência na Educação do Campo, Sol sinaliza
para algo muito comum, quando da inserção da maioria dos professores no início da
140
profissionalização: o “choque com a realidade.” O começo da carreira docente
apresenta-se para os professores como um dos momentos mais difíceis da vida
profissional. É o que deixa transparecer o sujeito, e Huberman (1995, p. 39) “traduz
o que se chama vulgarmente de ‘choque do real.’ Para Souza; Oliveira (2013, p.
143), “O choque é produto do estranhamento que os sujeitos sociais têm com o
‘estranho’, com aquilo que não é vinculado a sua cultura.”
Mas, e os dois outros sujeitos, será que também passaram por esse choque
de realidade, por esse estranhamento? É o que veremos em suas narrativas:
A escolha pela docência no campo adveio do fato de vir do campo, ser do campo, estar inserida nessa realidade. Só nesse assentamento moro há mais de onze anos. Conheço cada aluno meu assim como suas histórias de vida. Participo das festividades, dos cursos aqui realizados, da Igreja. Sou bem envolvida com minha comunidade. Dou-me bem com todo mundo. As pessoas que moram no campo tem esse diferencial, conhecemos nossos vizinhos, conversamos com eles, damos e recebemos coisas deles principalmente produtos alimentícios de hortas, viveiro, roças ou pomares. Há pessoas nas cidades que moram há anos um do lado do outro e nem sequer sabem o nome de seu vizinho. Aqui não, todo mundo conhece todo mundo. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
A opção de Determinação pela docência no campo aconteceu por motivos
bem distintos dos de Sol. Enquanto a primeira optou por uma questão de
pertencimento ao meio, a outra o escolheu devido à localização geográfica; porém,
as distinções não param por aí.
[...] a docência nessa escola do campo não é algo seguro, pois não sou concursada. Não há uma política que assegure minha permanência aqui só pelo fato de ser moradora desta comunidade. Nesses anos aqui na escola como bibliotecária tenho visto vários colegas que exerciam a docência na mesma condição que me encontro hoje perderem seus empregos para professores concursados que, na maioria das vezes, não moram aqui, mas nas cidades circunvizinhas. Eu me sinto desamparada. Posso estar trabalhando hoje e amanhã não mais como já aconteceu comigo em 2012. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
É notável a decepção da professora com a falta de políticas públicas que
assegurem ao professor do campo uma instabilidade. Isso, segundo Arroyo (2007),
deve-se ao fato de que as políticas públicas de formação de professores no Brasil
141
desconsideram toda a diversidade educacional do país, formulando leis únicas,
gerais, como se todo território nacional fosse formado por uma única cultura.
Não são todos, mas a maioria dos professores da cidade que atuam nas escolas do campo não tem nada a ver com nossa realidade, não conhece o ambiente onde vivemos. [...] Muitos deles não sabem sequer diferenciar a educação do campo da educação urbana. As maiores vítimas são os alunos e também os professores do campo que perdem seus lugares na escola, tendo que ir embora. Poderia pelos menos se levar em conta na hora do concurso esses requisitos ou ter concursos diferenciados entre a educação na zona urbana e na zona rural. Do jeito que é feito é muito ruim. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
A criação de um concurso específico para as escolas do campo é hoje uma
das pautas principais defendidas pelo MST, como deixou muito claro o coordenador
estadual do Comitê Estadual de Educação do Campo em um Encontro com
professores do campo no interior de Mato Grosso. Isto também faz parte de uma
das propostas da 1ª Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo.
De acordo com Arroyo (2005, p. 46), “devemos reagir a determinadas
políticas que na hora de escolher professores do campo simplesmente fazem um
concurso para professor e depois mandam alguns para o campo. Por que não ter um
concurso específico para o campo?” Ou, no mínimo, oferecer aos professores
“forasteiros” uma formação que os prepare para atuar nesse ambiente tão diverso.
As Secretarias de Educação não se preocupam em propiciar aos professores
urbanos, que são enviados ao campo, formação específica para atuarem nesse
ambiente, sequer os questionam se têm noção do que é trabalhar em uma escola do
campo. Isso, segundo Arroyo (2007, p. 160), é uma das causas da precariedade à
qual a educação do campo está submetida. Para o autor, um dos fatores
determinantes, no que diz respeito à qualidade da educação nas escolas do campo,
é “a ausência de um corpo de profissionais que vivam junto às comunidades rurais,
que sejam oriundos dessas comunidades, que tenham como herança a cultura e os
saberes da diversidade de formas de vida no campo.”
Passamos, neste momento, a analisar as narrativas daquela que pode ser
considerada uma “cria” dos MST: Gaia. O que relata sobre sua docência no campo?
Como foram suas primeiras experiências na docência àqueles que ela considera
142
muito mais que alunos, na verdade, seus irmãos e companheiros de luta dentro do
Movimento?
Iniciei minha docência no campo, no acampamento Madre Cristina quando lá fui morar. O acampamento era dividido em núcleos de moradias. Meu barraco era no núcleo quatro no qual eu era a responsável pelo setor da educação. Passei a alfabetizar as crianças daquele núcleo trabalhando com a educação itinerante. Se íamos pra Cuiabá, Brasília ou qualquer outro lugar, levávamos as crianças junto, e lá debaixo de uma árvore ou da lona mesmo continuávamos com as aulas. Ninguém ganhava nada dentro dos acampamentos, todos trabalhavam voluntariamente. Ali a gente ensinava e aprendia ao mesmo tempo. Os acampamentos e ocupações em territórios em disputa, regiões de confronto, por isso só aceitava ser professor quem estava ali dentro. Nenhum professor da cidade queria ir pra lá. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
Observa-se que a inserção de Gaia na docência acontece bem antes de sua
formação inicial. Diferentemente de Sol e Determinação que iniciam a docência em
escola estruturada, instituída, Gaia começa em uma escola reconhecida pelos Sem
Terra como escola itinerante que funcionava tanto dentro dos acampamentos quanto
fora deles, nas várias mobilizações organizadas pelo Movimento.
[...] a Escola Itinerante foi dando novos passos no acompanhamento. A comunidade assumiu tarefas na escola, ajudando a puxar água, fazendo lanche, cuidando da limpeza das salas. [...] no acompanhamento do aprendizado da leitura e da escrita [...]. Muitas pessoas se sentiram valorizadas ao contribuir com a escola: limpando, organizando, construindo, opinando, voltando a estudar, enfim, conduzindo a escola juntamente com os educadores (MST, 2008, p. 64).
O sucesso das escolas itinerantes se devia ao fato de que todos dentro dos
acampamentos deveriam desenvolver ações para o bom funcionamento das
mesmas. O termo itinerante dentro do Movimento vem de uma ideia de movimento,
flexibilidade, que muda de lugar constantemente.
O nome itinerante vem da palavra itinerância, ou seja, aquela que caminha junto, por significar que essa escola acompanha o itinerário do acampamento até o momento em que as famílias acampadas cheguem à conquista da terra, ao assentamento. Significa ainda uma postura pedagógica de caminhar junto com o sem terra, no sentido da afinidade entre o processo formal de escolarização e as práticas
143
educativas de um movimento social organizado com o MST ( MST, 1999, p.4).
Isso significa dizer que a escola, assim como os sujeitos que dela participam,
faz parte do movimento, do caminho que eles percorrem. A escola existe para servir
às pessoas e não as pessoas para servirem à escola. A construção da escola vinha,
em alguns acampamentos, antes mesmo das construções dos barracos.
Quando fazíamos novas ocupações, uma das primeiras providências era transformar parte da sede das fazendas ocupadas em sala de aula. As dificuldades eram de todas as ordens. Não havia material nenhum, tínhamos que trabalhar com aquelas crianças sem praticamente nada. Cadernos, lápis, lousa, giz. Uns iam pra cidade traziam algum material, outros conseguiam folhas, outras conseguiam lápis e a gente ia se virando com o que tinha. Mas a educação não parava, continuávamos com o EJA e com a alfabetização das crianças. Esse desafio me impulsionava cada vez mais. Foi aí que peguei gosto pela questão da educação. Aí não era mais só a terra que eu queria, queria também uma educação de qualidade. É pra isso que devemos lutar. (Gaia - Entrevista narrativa, 2013).
Nota-se um dos primeiros atos após a ocupação da terra: era providenciar o
que Caldart (2008) chama de “ocupação da escola.” Segundo o MST, após cada
nova ocupação, cada educador escolhia o lugar que melhor lhe convinha para dar
aula. No caso de Gaia, parte da sede foi escolhida para esse intento.
Mesmo ante todas as dificuldades estruturais e pedagógicas de
escolarização, todas as vezes que o Movimento ocupava uma nova área, a escola
era sempre uma das primeiras providências a ser tomadas. Cada um dava um jeito
de ajudar de alguma maneira, como pode ser observado no depoimento de Gaia:
Fui assentada. Quando cheguei havia um monte de crianças tudo sem estudar. Um monte de adultos analfabetos. A terra já estava em corte. Pensei: Meu Deus, como é que esse povo vai mexer com crédito, como que vai assinar seus papéis se são analfabetos? Reunimos com o grupo, com a coordenação e montamos uma sala de EJA. Corremos em Guiratinga, encontrar com o prefeito me lembro como se fosse hoje. Saímos 8 da noite chegamos mais de meia noite eu e outro companheiro. Em cima de uma moto velha. Era chuva que Deus dava. Chegamos lá e falamos pro prefeito: Só saímos daqui com a aprovação de uma sala de aula pra crianças e pros adultos. Conversa vai conversa vem, ele viu que não íamos abrir mão, então falou: Então tá bom, vocês querem abrir uma sala, abre, eu não vou dar respaldo não, só posso ajudar vocês com um salário pra uma professora que tá lá. Mas merenda, material didático, móveis, vocês se viram. Pensamos... já está bom. Uma professora
144
pegou as crianças para alfabetizar, eu fiquei com a EJA. Ela recebia o salário, mas eu trabalhava voluntariamente. Mesmo assentada continuava no movimento, na mobilização. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
A convivência no Movimento transformou Gaia em uma professora militante.
Observe que, mesmo depois de assentada, continua lutando para que a população
do campo tenha acesso à educação.
Para os Movimentos Sociais, lutar pela Educação do Campo é passar a pensar na educação do conjunto da classe trabalhadora e é buscar pautar dessa forma, em uma perspectiva de classe, a questão da política educacional. E no específico de organizações como o MST, significa passar a compreender que a ocupação da escola pelo Movimento precisa ser feita/pensada como apropriação da escola pelos trabalhadores, pelo seu projeto histórico e não apenas pelos interesses imediatos da organização, por mais justos, politizados e amplos que eles possam ser (Caldart, 2008, p. 11).
Para Gaia, o novo assentado necessitava ser alfabetizado a fim de que
pudesse assinar seus papéis, sem correr o risco de ser trapaceado. Ela não media
esforços e enfrentava várias adversidades para conseguir levar educação aos
sujeitos do campo. A falta de dinheiro constante não era empecilho para que se
deslocasse de sua residência até a cidade para buscar o que a prefeitura oferecia,
como relata em suas narrativas.
Com o passar do tempo, a Secretaria de Guiratinga começou dar um maior respaldo pra nossa sala. Mas nunca ninguém foi lá. Eu é que tinha que ir até Guiratinga pra pegar as coisas. Era uma época difícil, não havia dinheiro. Eu ia a pé até Vale Rico lá quando tinha dinheiro o que era raro (risos) pegava um ônibus, quando não tinha pedia carona e era assim. Eles passaram a mandar alguma comida para lanche das crianças. Lá no assentamento tinha uma senhora que era minha aluna do EJA que fazia esse lanche e me ajudava a limpar a escola. Ela fazia o lanche na casa dela e levava todos os dias à escola, fizesse sol ou chuva. Colocava aquela panela quente na cabeça e andava mais de 3 km até chegar à escola. Eu fazia o maior gosto de dar aula pra ela. (choro) Era uma sala de EJA com dez alunos. Na maioria das vezes, os alimentos que a Secretaria mandava não davam nem pra metade do mês, mas ela nunca deixou as crianças sem comer. Ela improvisava misturava o pouco arroz que tinha com broto e casca de abóbora, mandioca cozida com leite, doce de abóbora, enfim as crianças nunca voltavam pra casa de barriga vazia. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
145
As péssimas condições de trabalho e o baixo salário fizeram com que a moça
que lecionava para os alunos abandonasse o campo e a docência. Gaia se viu
obrigada a continuar alfabetizando aquelas crianças para que as mesmas não
ficassem sem aula. É forte, em seu depoimento, o sentimento de pertença que Gaia
adquiriu dentro de sua militância no Movimento. Para Pereira:
As atividades mais importantes para a construção da identidade como Educador Sem Terra são aquelas que envolvem a participação direta nas lutas do MST, por meio, por exemplo, das ocupações de terra e o trabalho próximo as pessoas e as comunidades acampadas e assentadas. (PEREIRA, 2008, p. 163).
Posicionar-se de forma extremamente ativa frente aos desafios do cotidiano
nos acampamentos e assentamentos é uma das principais características dos
militantes do MST e Gaia se mostra assim o tempo todo, ao narrar sua história de
vida, apresentando-se sempre disposta a contribuir para a construção de uma
sociedade mais justa para ela e seus pares. Onde havia crianças e adultos fora da
escola, lá estava ela. Se não tinha escola, convocava a comunidade e construía; se
não tinha material, improvisava. Para Gaia, seus livros eram: a natureza, e seu
mestre: o movimento.
A escola era um barraco na beira do rio. Ali eu dava aulas todos os dias para as crianças e três vezes por semana para os adultos. Todos os dias eu ia de lote em lote pegava as crianças e íamos pra escola. Entre esses alunos estava minha filha que estudou comigo até o quinto ano. E hoje ela passou em duas faculdades e passou em sétimo lugar no concurso pra polícia militar no Estado. (choro) E todo base que ela teve foi ali, naquela escola que nem banco pra sentar tinha. Quantas vezes enfrentei animais que vinham em cima das crianças, quantas carreiras levamos de vaca brava. Eu nunca deixava as crianças vir ou voltar pra escola sozinha; eu buscava e levava cada uma em seus barracos todos os dias. Eram 15 crianças. Hoje eu trabalho no conforto aqui, com ar condicionado, material em sala e lá eu só tinha os alunos, a força de vontade e a natureza pra mim trabalhar. Lá, eu era tudo, professora, limpadora, merendeira, coordenadora, tudo. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
Embora muitos não quisessem admitir, o fato é que as ocupações
revitalizaram o campo brasileiro, principalmente na década de 1990, auge dessas
ocupações.
Com a vinda das famílias para o assentamento depois do corte da terra, o número de alunos aumentou. Parte desses alunos ia estudar em São José, parte estava fora da escola. Então começamos uma
146
mobilização pela construção de uma escola ali, pois a região reunia quatro assentamentos e possuía número de alunos suficiente pra abrir uma escola. Mobilizamo-nos, fomos pra Cuiabá, ficamos divididos em dois grupos, um acampou em frente ao INCRA e outro em frente à Assembleia Legislativa. Durante uma sessão em que se discutia a questão da criação da escola pro nosso assentamento, houve um tumulto, uma quebradeira, provocada a mando dos parlamentares, penso eu, pra jogar a culpa em nós e a mídia adora isso, mas conseguimos a escola pelo voto de uma aluna nossa assentada no Marcio Pereira. Os primeiros professores que lecionaram naquela escola, passaram oito meses sem receber (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
As condições de contratação dos professores interinos no Estado também
são evidenciadas, no relato de Gaia, como (des)estímulo e fator (des) mobilizador da
docência no campo. A política de contratação de professores para atuar nas escolas
do Estado é extremamente perversa. Estes são submetidos a um contrato
temporário que pode ser interrompido pelo Estado quando achar necessário, sem
nenhum bônus para os docentes. Esse contrato tem a duração de dez meses
(fevereiro a dezembro) e os professores não possuem quase nenhum direito
trabalhista. Não têm direito a férias, licenças para qualificação, licenças prêmio,
horas atividades, elevação de nível e classe, atingindo somente até a classe “B”,
como se observa no quadro.
Quadro 3 - Subsídios dos professores do Estado de Mato Grosso
TABELA DOS PROFESSORES – 30 HORAS SEMANAIS
Classe /Nível
Coeficiente
A B C D E
1 1,5 1,7 2,022 2,3
Ensino Médio
Graduado Habilitado
Habilitado com
Especialização
Habilitado com
Mestrado
Habilitado com
Doutorado
1 1,000 1.569,19 2.353,79 2.667,62 3.172,90 3.609,14
2 1,040 1.631,96 2.447,94 2.774,33 3.299,82 3.753,50
3 1,085 1.702,57 2.553,86 2.894,37 3.442,60 3.915,91
4 1,135 1.781,03 2.671,55 3.027,75 3.601,24 4.096,37
5 1,190 1.867,34 2.801,00 3.174,47 3.775,75 4.294,87
6 1,250 1.961,49 2.942,23 3.334,53 3.966,13 4.511,42
7 1,320 2.071,33 3.107,00 3.521,26 4.188,23 4.764,06
8 1,410 2.212,56 3.318,84 3.761,35 4.473,79 5.088,88
9 1,500 2.353,79 3.530,68 4.001,43 4.759,35 5.413,71
10 1,530 2.400,86 3.601,29 4.081,46 4.854,54 5.521,98
11 1,560 2.447,94 3.671,90 4.161,49 4.949,73 5.630,25
12 1,590 2.495,01 3.742,52 4.241,52 5.044,91 5.738,53
Fonte: SINTEP/ MT, 2013
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No Estado de Mato Grosso, os professores efetivos possuem plano de
carreira. Observe que esses profissionais recebem por classe e nível. A classe “A”
representa os professores que possuem o Ensino Médio (Magistério); a classe “B”
são os professores graduados, a “C” os com especialização, “D” mestrado e “E”
doutorado. Além disso, os efetivos, a cada três anos, elevam seu nível, aumentando
seu subsídio. Para os contratados, essa política salarial não se aplica. Os
professores contratados só recebem até a classe “B” e mesmo se tiverem doutorado,
esse título serve somente para a contagem de pontos na atribuição de aulas no
começo do ano letivo. Como o contrato é interrompido todos os anos, os professores
continuam anos após anos no nível um. Seu décimo terceiro salário é parcial e
proporcional apenas aos dez meses trabalhados. Para se aposentarem, as mulheres
precisam ter 25 anos de serviço e 30 para os homens, excluindo-se finais de
semana, feriados e os meses que ficam sem contrato. Há casos em que o professor
(a) já possui mais de trinta anos de exercício no Magistério do Estado, porém ainda
não conseguiu se aposentar, pois não completou o prazo em dias trabalhados,
devido às regras estabelecidas e mencionadas acima. Essa perversidade para com
os contratados em Mato Grosso ainda é mais forte no campo, pois os mesmos,
diferentes de seus pares das cidades, não têm outra saída a não ser se submeterem
a essa política imposta.
Apresentei, no primeiro momento deste eixo, por meio das narrativas, como
foi o processo de iniciação à docência no campo pelos sujeitos investigados. Passo,
agora, às narrativas que relatam a formação que receberam para atuar nesse
ambiente.
Minha formação inicial nunca me preparou para a docência no campo. Durante a época da graduação nunca ouvi sequer mencionar sobre educação do campo, muito menos algumas disciplina que tratassem do tema. Ninguém nunca me falou que a docência na escola do campo exigia certa especificidade. Quando pedi a remoção, a SEDUC me deu e pronto. Ninguém da assessoria também me orientou que eu estava entrando em uma realidade completamente diferente da qual eu estava acostumada. Nada foi me dito ou explicado. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
O relato acima demonstra a aflição da professora frente à ausência de
políticas públicas que assegurem ao professor uma formação para atuar no campo,
148
principalmente, àqueles que pertencem a outro ambiente, que não o rural. Para
Ghedin (2004):
[...] a profissão docente é uma prática educativa que, como tantas outras, constitui uma forma de intervenção na realidade social. Entendemos que a atividade docente é uma das atividades de ensino e formação ligadas à prática educativa mais ampla que ocorre na sociedade (GHEDIN, 2004, p.7).
Sem essa formação para atuar em uma realidade tão diferente da sua, fica
muito difícil, ao professor, que vem de fora, oferecer aos sujeitos desse espaço uma
educação de qualidade, pois essas escolas convivem diariamente com uma intensa
rotatividade de professores urbanos que, em suas graduações, não receberam tal
formação.
Tudo que aprendi sobre a docência no campo nesses anos aqui veio da convivência com as crianças, elas me ensinam muito coisa que eu não sabia, como por exemplo: como plantar alguma coisa, como colher aquela coisa, como regar as plantas de maneira correta. É muito divertido, eles morrem de rir, por que é eles que me ensinam sobre o cotidiano da vida no campo. Eles me ensinam muito como andar na terra até o que vestir pra lidar na terra (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
Nota-se, na narrativa, algo muito comum nas escolas do campo: a
aprendizagem coletiva. Para o MST, o professor que atua no campo não é só
um mero transmissor de conhecimento, mas, sim, um sujeito que, como os
alunos, está ali naquele ambiente também para aprender; aliás, este é um dos
princípios educacionais do Movimento: a troca recíproca de conhecimentos, a
aprendizagem coletiva, pois o campo é um espaço muito rico em informações,
tornando-se, diante de tanta riqueza, extremamente formador.
Eu acho que mesmo hoje eu sei muito pouco sobre educação do campo, quase nada. Nunca tinha ouvido falar de educação do campo antes de chegar na escola. Essa situação não mudou muito, pois eu conheço só a expressão “educação do campo.” Nunca me explicaram nem na escola, nem na minha formação, nem na formação continuada o que de fato vem a ser educação do campo e qual a diferença entre ela e a da cidade. Ouvi falar que até diferença entre educação no campo e educação do campo, mas não faço ideia de que diferenças são estas. Eu até agora não recebi nenhuma
149
formação que desse conta de me explicar isso. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
O depoimento mais uma vez deixa clara a necessidade urgente de se pensar
políticas de formação para os professores do campo, especialmente, para aqueles
que são da cidade. O não pertencimento desses docentes, segundo Arroyo (2007,
p. 160), é uma das causas da precariedade à qual a Educação do Campo está
submetida. Para o autor, um dos fatores determinantes no que diz respeito à
qualidade da educação nas escolas do campo é “a ausência de um corpo de
profissionais que vivam junto às comunidades rurais, que sejam oriundos dessas
comunidades, que tenham como herança a cultura e os saberes da diversidade de
formas de vida no campo” e este não era o caso de Sol.
Se compararmos a formação que Sol recebeu e a de Gaia, observaremos o
abismo que existe entre a formação das duas, como pode ser observado na
narrativa abaixo:
Fui sendo preparada dentro do movimento para atuar no campo. O MST foi meu grande professor. Minha militância me formava a cada nova mobilização. Depois veio minha formação inicial que me moldou de vez como uma educadora do campo. Mas quem me formou mesmo foi o movimento. Como coloca Paulo Freire me formava a cada dia junto a meus alunos, cuja realidade era a mesma minha. Quanto mais formava meus alunos, mais me formava como educadora do campo. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
A história de vida de Gaia mostrou que a formação dos sujeitos para a
docência no campo não se restringe somente ao acesso a um curso de preparação
inicial ou continuada. Essa formação é importante, mas, para o Movimento,
participar desses cursos constitui-se apenas parte do processo da formação do
professor militante, sendo uma espécie de complementação. Como já foi dito nesta
pesquisa, a grande instituição formadora dos professores Sem Terra é a
participação ativa destes dentro do Movimento.
Já para Determinação, assim como Sol, sua formação inicial não a preparou
para a docência, como se pode deduzir:
A formação que recebi na faculdade não me preparou para a docência no campo. Não havia nenhuma disciplina que falasse sobre educação no campo. Nada. Mas como eu já trabalhava no campo
150
como bibliotecária sempre tendo contato com alunos e professores do campo, isso me deu base para exercer a docência nesse ambiente. Algo que ajudou bastante também foi o fato de meus professores me permitirem que eu fizesse todo o estágio aqui na escola do campo. Como eu disse antes, a faculdade me ajudou a juntar a prática com a teoria. É desta junção que estou aos poucos me constituindo como professora do campo. Sou uma mulher do campo, agora estou também me transformado em uma professora do campo e todos esses anos aqui dentro tem me ajudado muito nessa constituição. (Determinação - Entrevista narrativa, 2014).
Isso, segundo Arroyo (2007), deve-se ao fato de que as políticas públicas de
formação de professores no Brasil desconsideram toda a diversidade educacional do
país, formulando leis únicas, gerais, como se todo território nacional fosse formado
por uma única cultura.
Interessou-me, ainda, neste eixo, investigar se a formação dos sujeitos para
atuar na docência no campo, ou a ausência dela, tem interferido em suas práticas
em sala de aula. Procurei identificar, nas narrativas dos sujeitos, indícios de práticas
pedagógicas interdisciplinares e qual a relação dessas práticas com sua formação.
Eu lembro uma vez que fomos fazer uns problemas de Matemática então eu levei pro pomar de jabuticaba e lá desenvolvi a aula. Era uma sala multisseriada e eu tinha que dar conta de educar todos. Resolvemos problemas matemáticos tudo utilizando as jabuticabas. Passei então a falar sobre a importância das frutas na alimentação. No final da aula nos empanturramos de jabuticabas. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
Para atuar no campo, o professor precisa estar preparado para tecer um
processo educativo que vá amarrando o ensino universal às especificidades
cotidianas dos alunos do campo. Observa-se, no excerto acima, como Gaia faz isso
com naturalidade.
Na minha concepção a educação deve ser feita de dois momentos um de teoria dentro das salas e outro de práticas fora dela. Trabalhar com o lúdico ajuda no aprendizado da criança. Uma coisa é o professor falar da importância dos produtos naturais para a saúde dos seres humanos, outra coisa é fazer a criança passar por esse processo. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
Nesta narrativa, o sujeito enfatiza que nem só de práticas deve ser a docência
no campo. Tanto os alunos como os professores devem passar por esses dois
151
momentos. Muito acostumada com a mística dentro do Movimento, a professora não
descarta o trabalho com o lúdico para maior êxito na aprendizagem do aluno.
Nas mobilizações que fazíamos as famílias levavam seus filhos. A educação não parava, pois existiam no movimento as escolas itinerantes, onde não era o aluno que ia até a escola, mas a escola até o aluno estava, não importava onde. Os conteúdos eram os mesmos de uma escola normal, mas tudo era adaptado à realidade que os alunos estavam vivendo naquele momento. Para ensinar a contar não contávamos com o ábaco, mas com grãos de feijão. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
Nas narrativas de Gaia, é muito presente o termo “realidade” e isso se deve
ao fato de que, no Movimento, tudo gira em torno da realidade em que os sujeitos
estão inseridos e isso também pode ser percebido no modo de ensinar dentro das
escolas do campo.
As turmas de alunos nos acampamentos eram grandes, com 40, 50 e até mesmo mais de 100 alunos. Adultos, jovens, crianças. Nossas práticas pedagógicas nunca fugiam da realidade em que vivíamos. Trabalhávamos muito com tema gerador. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
Outra metodologia ou prática de ensino bastante utilizada dentro das escolas
do Movimento é o trabalho com o tema gerador. Observe, abaixo, uma espécie de
plano de aula, elaborado por algum educador do MST.
O tema gerador [...] foi OCUPAÇÃO. Sentados no chão com o quadro de escrever firmado na cerca de arame do latifúndio, improvisou-se espaços de estudos. [...] Como todo acampamento, a escola também foi reconstruída com muitas dificuldades que iam desde a falta de material de construção, a escassez de água e até fortes vendavais (MST, 2008, p. 62-63).
Gaia afirma, em determinado momento de sua fala, que o termo “Ocupação,”
como demonstrado acima, é geralmente o tema discutido na primeira aula depois da
ocupação de uma fazenda, segundo orientação do MST. Para as pessoas do
Movimento, é um dia muito especial, por isso deve ser discutido no ensino para que
este fique guardado na memória dos estudantes a fim de que nunca se esqueçam
das motivações que levaram cada indivíduo ali a se engajar na luta pela terra.
152
O trabalho pedagógico tem como ponto de partida a realidade específica de cada acampamento, com uma metodologia aberta e participativa, através de reflexões e diálogos, para a definição dos temas geradores e dos conteúdos que são socialmente úteis para a vida dos educandos (MST, 2003, p.15)
Observe o quanto se faz presente, nos discursos e nas práticas pedagógicas
do MST, constante frequência das influências de Paulo Freire, visto que o
pensamento deste está intrinsecamente vigente nos princípios de educação,
defendidos pelo Movimento.
O trabalho com tema gerador nas escolas do campo não significa o abandono
aos conhecimentos universais, produzidos e acumulados historicamente pela
humanidade.
Assim sendo, o Movimento educa e educa para a vida, não a individual mais a
vida coletiva, na qual o educador, ao mesmo tempo em que ensina, também
aprende, como pode ser observado na narrativa a seguir:
[...] nossos formadores no movimento diziam: vamos trabalhar conforme nos ensinou Paulo Freire com a realidade de nossos alunos. Vamos trabalhar com a palavra mundo, vamos trabalhar com a realidade do sujeito, porque tudo que fazemos aqui é junto, é no coletivo, é visando o bem estar de todos. Para mim esse conceito de junto, de coletivo, de cooperação nada mais era do que uma proposta interdisciplinar de ensinar dentro do movimento. Hoje pra mim interdisciplinaridade vem daí desse conceito de colaboração. Há dez anos o movimento já trabalhava nessa linha em suas escolas (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).
A narrativa da professora explicita uma ideia de currículo que se revela no
desejo de fazer diferente. Um currículo que respeite as características do lugar e dos
sujeitos que ali vivem e estudam, tendo por base sua realidade.
Além das histórias de vida dos três sujeitos, recolhi, junto a eles, seus
históricos escolares. Como já foi observado nas linhas acima, na grade curricular
dos cursos de Pedagogia de Sol e Determinação, não houve, durante suas
graduações, nenhuma disciplina que reportasse ao estudo da Educação do Campo.
Entretanto, ao analisar o histórico de Gaia, foram encontradas disciplinas bem
específicas, como: Agroecologia, Educação do Campo, Educação popular,
Educação comunicação e mídia, Estado cultura e educação no pensamento crítico,
Etnomatemática e documentário na formação do educador, Marxismo e Psicanálise,
153
Leitura Teórico-crítica da Indústria Cultural, Sociedade, cultura e infância e Tecendo
textos, registrando memórias.
Concomitante a sua formação inicial, também acontece a formação no seio do
Movimento. Observou-se que não há na grade curricular nenhuma disciplina sobre
interdisciplinaridade, mas as narrativas de Gaia sobre suas práticas pedagógicas
estão “encharcadas” delas. Passo, neste momento, a analisar as narrativas de
Determinação.
Procuro desenvolver minhas práticas pedagógicas em sala de aula com conteúdos sempre voltados à realidade do assentamento sem fugir da grade curricular, sempre conciliando com as outras. Procuro desenvolver uma docência em que o aluno desenvolva a aprendizagem de forma o mais plena possível. Minha docência é para formação humana no trabalho e não para o trabalho, então se conseguimos desenvolver uma docência nessa perspectiva, o aluno vai se dar bem em qualquer ambiente onde esteja, no campo ou na cidade. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
Mesmo não sendo formada pelo Movimento como Gaia, Determinação já
inicia sua narrativa, mostrando a importância em desenvolver práticas pedagógicas,
adaptando o currículo à realidade dos educandos do campo.
Minha formação inicial não me preparou para a docência no campo, muito menos em salas multisseriadas, porém estudamos sobre interdisciplinaridade durante o curso. Como fiz meu estágio nessa escola em salas multisseriadas, adquiri experiência de como trabalhar dessa maneira de forma interdisciplinar. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
Neste excerto, ela fala da ausência de uma formação que a preparasse para
trabalhar de forma interdisciplinar, principalmente, no campo, pois a docência nesse
ambiente exige essa preparação de seus docentes, já que a maioria das salas é
multisseriada.
Não fujo do que vem proposto no livro didático, embora não tenhamos livros específicos para a educação do campo, mas sempre adapto o que está nos livros didáticos pra realidade do assentamento. Ainda não é possível trabalhar totalmente de acordo com a proposta da política de educação do campo em nossa escola. Muita coisa ainda há de ser feita principalmente na criação de políticas próprias para nós, povos do campo (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).
154
Novamente, a preocupação do sujeito em relacionar o currículo à realidade
dos educandos do campo. Determinação não possui a desenvoltura de Gaia,
quando o assunto é o desenvolvimento de práticas interdisciplinares. Observe que
ela, apesar de não descartar o livro didático, readapta à realidade de seus alunos.
Isto também são práticas interdisciplinares, embora o sujeito não as perceba.
Foram identificados, nas narrativas de Gaia e Determinação, fortes indícios de
práticas interdisciplinares, embora só Gaia tenha recebido formação e percepção
para tal. Passo a investigar agora, nas narrativas de Sol, se tais práticas também
são perceptíveis em seu cotidiano na docência do campo.
Minhas práticas são disciplinares, pois não recebi nenhuma formação para trabalhar de forma interdisciplinar. Até minha formação inicial foi feita de forma disciplinar. Não estudamos sobre interdisciplinaridade na faculdade nem tínhamos alguma disciplina que tratasse sobre o tema. A gente tenta às vezes desenvolver algumas atividades interdisciplinaridade, mas isso não é uma constante. Eu já tentei, eu me escabelo tentando trabalhar assim de forma interdisciplinar principalmente aqui nessa realidade, mas eu não consigo. Eu escutei sobre interdisciplinaridade na televisão, nas revistas, principalmente na Nova Escola, mas nunca ninguém tentou com o professorado, com os pedagogos da escola e nos ensinou a trabalhar interdisciplinarmente, nem cursos temos nessa área. O pouco que aprendi sobre isso foi buscando por conta própria. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
Sol não esconde seu despreparado para a docência no campo, tanto no que
se refere à Educação do Campo quanto sobre as práticas interdisciplinares. Estas
são mais comuns em escolas do campo até porque são compostas, basicamente,
por salas multisseriadas e trabalhar com esses tipos de salas que, em alguns casos,
chegam a agrupar um ciclo inteiro, exige ação pedagógica interdisciplinar. Ela
desabafa quando argumenta que sua formação não a preparou para a
interdisciplinaridade. A ausência dessa formação faz com que Sol entre em
desespero no início de sua docência no campo, pois sua primeira experiência foi
com uma sala multisseriada, como pode ser observado em sua narrativa:
Minha formação não me preparou para trabalhar de forma interdisciplinar, muito menos com salas multisseriadas. No início de minha docência no campo, foi traumática, pois peguei de cara uma
155
sala multisseriada. Não soube como trabalhar com as duas turmas separadamente. Tive que fazer uma escolha de “Sofia”, ou seja, pra salvar a maioria, tive que sacrificar a minoria, isso me fez muito mal. Peço perdão aos alunos, mas tive que escolher entre a turma que tinha maior número de aluno. A outra fase sofreu. Ninguém me formou pra isso. Ninguém me avisou que nas escolas do campo a maioria das salas são multisseriadas, ninguém me ajudou, não tive formação nenhuma de nenhum lado. Fiz o que pude, sofri, me desesperei, me angustiei. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
O desespero de Sol é perceptível em seu relato. Salienta a solidão no início
da docência. Nenhuma ajuda. Um abandono total. Sentia-se jogada à própria sorte.
Estava em uma terra estranha, onde não era bem-vinda. Pedir ajuda era declarar
incompetência. Por isso, optou por uma turma e deixou a outra de lado.
Eu acredito que a realidade das crianças deve servir de pilar pra minhas práticas dentro da sala de aula. Não importa se eu trabalho num grande centro, na periferia ou no campo. Mas trabalhar só com a realidade dele não seja suficiente pra sua formação para o mercado de trabalho. Vejamos: se eu educar um aluno do campo só com sua realidade, ele não vai ter condições de ser dar bem em outro local que não seja no campo, e pode ser que, em um determinado momento da vida dela, seja preciso sair dali e aí. Mas isso eu digo por eu não conheço bem o que de fato é a educação do campo, a partir do momento que eu conhecer a fundo essa modalidade de educação, eu possa pensar diferente nesse aspecto. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).
Tanto em sua história de vida quanto em suas narrativas, Sol não escondeu,
em momento nenhum, sua falta de conhecimento sobre o que de fato é a Educação
do Campo, assim como seu despreparo para trabalhar nesse ambiente, mas este
último excerto narrativo selou tudo o que vinha dizendo. Observe que os princípios
de educação que carrega diferem da Educação do Campo proposta pelo MST. De
fato, Sol não conseguiu ainda entender a educação que deve ser oferecida aos
sujeitos do campo. Infelizmente, ela não é a única. Estudos têm demonstrado o
despreparo de professores que atuam em escolas do campo, principalmente, os que
são oriundos das cidades. A docência no campo exige preparação didático-
metodológica para o trabalho pedagógico e o processo ensino-aprendizagem. Assim
sendo, torna-se urgente pensar numa formação específica para os professores que
irão atuar no campo, seja este camponês ou da cidade.
156
Foi perceptível, nas narrativas de Sol e Determinação, o esquecimento com a
Educação do Campo na formação inicial dos sujeitos. E isso se deve, segundo
Arroyo (2007, 167), ao fato de que “na maioria dos cursos de formação se
confundem a história e a estrutura e funcionamento do sistema escolar com a escola
urbana,” desconsiderando as especificidades que exige a formação para o professor
que irá trabalhar no campo.
Enfim, ao analisar as narrativas das professoras, sujeitos desta investigação,
pude observar as diferenças entre as concepções sobre Educação do Campo das
três docentes e, também, o quanto isso fez diferença em suas formações. Essas
diferenças também podem ser percebidas quando as mesmas narram sobre suas
práticas pedagógicas em sala de aula. Gaia, por ser formada pelo e dentro do
Movimento, é a que melhor corresponde às propostas de educação para os sujeitos
do campo. Determinação, embora não tenha sido uma militante, desenvolve suas
práticas também voltadas às propostas do Movimento, devido a seu envolvimento há
mais de onze anos no ambiente do campo. Sol, apesar de ter se esforçado para
compreender quais são as propostas da Educação do Campo na escola onde esta
inserida, até o momento ainda não conseguiu diferenciar a educação do campo da
urbana.
Diante desse contexto, convém, ao poder público, repensar sobre a formação
dos professores que estão atuando nas escolas do campo, principalmente, aqueles
que vêm das cidades e para lá voltam todos os dias.
157
10 (IN) CONCLUSÃO
Durante estes dois anos e meio de pesquisa, esperei muito por este
momento, ou seja, escrever as considerações finais de minha dissertação.
Entretanto, nos instantes derradeiros desta escrita, fui tomada por um sentimento
socrático de incompletude, de que nada sei. Minha vontade: rasgar tudo e começar
de novo.
Neste processo de conclusão, fiquei “possuída” por um sentimento de que
poderia ter feito melhor. Mas, enfim... Deixemos isso para o doutorado. Obtive as
respostas que buscava no início desta pesquisa? Sim. Entretanto outras surgiram.
Acredito que pesquisar seja isto: buscar algumas respostas e com elas surgirem
novas perguntas.
Inicio, retomando alguns pontos da pesquisa para efetivar minhas conclusões.
Começo pela metodologia, o porquê da escolha pelo trabalho com a (auto) biografia.
Durante muitos anos, as investigações sobre a formação dos professores deixavam
de fora seus principais autores.
Poucos docentes eram ouvidos, as pesquisas se centravam mais nas
observações sobre suas práticas e, sobre estas, os estudos eram tecidos. Mas tais
investigações sempre partiam do olhar e das análises do pesquisador, os sujeitos
raras vezes eram incluídos. A autobiografia trouxe, ao palco, o autor e ator principal,
permitindo-lhe, por meio de suas narrativas, expor como foi tecendo, no decorrer de
sua carreira, a atividade formativa.
A opção pelo método (auto) biográfico e o uso da entrevista narrativa se
devem ao fato de os relatos valorizarem as histórias de vida, episódios,
acontecimentos, sentimentos e sensações dos sujeitos. Assim sendo, diante do rico
contexto formativo-investigado, como a educação e formação dos professores do
campo, o uso das narrativas autobiográficas, as histórias de vida dos sujeitos, neste
estudo, tornou-se fundamental para esta pesquisa.
Mas, por que as histórias de vida? Por duas razões: por estar imbuída do
desejo de trabalhar com uma metodologia em que as vozes dos sujeitos do campo
fossem ouvidas, buscando a valorização deles como autores de sua própria história,
narradas a partir de suas experiências de vida e formação.
Ao proceder às buscas sobre as produções que discutissem sobre escolas do
campo e formação de professores para a construção do Estado do Conhecimento,
158
descobri que, das 246 pesquisas sobre Educação do Campo no Brasil, apenas
quatro adotaram a (auto) biografia com método de pesquisa.
Esta investigação permitiu-me fazer um breve diagnóstico sobre a atual
situação da Educação do Campo em uma parte da região Sudoeste do Estado de
Mato Grosso, sob a perspectiva de três professoras iniciantes desta modalidade. Os
dados consistiram em achados interessantes, pois revelaram que, nos últimos anos,
têm adentrado no interior das escolas do campo um expressivo número de
professores das cidades os quais nada sabem sobre a docência no campo. O mais
grave nessa situação é que, ao longo de sua permanência nessas escolas, esses
professores do campo são pouco amparados pelas políticas de formação, quando
estas existem. A pesquisa ainda revelou que as escolas do campo têm sido
utilizadas por alguns desses professores como “bico” ou meio de acesso (“um
trampolim”) para a remoção a outras instituições em suas cidades de origem.
Identifiquei, por meio das narrativas, os impactos que as políticas generalistas
do Estado têm causado nas escolas do campo, no que se refere à formação dos
docentes que nelas atuam, tendo em vista que as Secretarias de Educação não se
preocupam em propiciar, aos professores urbanos que são enviados ao campo,
formação específica para atuarem nessa área, sequer lhes questionam se possuem
noção do que seja trabalhar numa escola do campo, impossibilitando, assim, maior
identificação com sua nova realidade.
Foi possível observar, também, por meio dos relatos, que a ausência de
políticas de formação específica e diferenciada para os professores iniciantes no
campo, principalmente para quem não vive nesse ambiente, tem se tornado um
gargalo na efetivação de política de qualidade para a população do campo.
Também pude perceber as várias conquistas da Educação do Campo no país
e no Estado, tendo os movimentos sociais, principalmente o MST, como
protagonista principal dessas vitórias. Porém ainda são poucas e frágeis as políticas
públicas voltadas à formação e à permanência dos educadores que vivem e
trabalham nas escolas no/do campo. É por isso que o MST defende políticas de
formação específica para os professores do campo, assim como a permanência
deles ali. Tais políticas devem ser efetivas e assumidas pelo Estado, de modo que
afirmem uma visão positiva e não negativa do campo, isto é, políticas de formação
de professores do campo articuladas às políticas públicas que garantam direitos a
esse povo e que busquem assegurar as especificidades da vida campesina.
159
Outro ponto a ser ressaltado é o silenciamento nos cursos de formação inicial
sobre o tema Educação do Campo e isso se tornou mais grave ao analisar as
matrizes curriculares das universidades públicas e privadas nas quais não constam
disciplinas que, ao menos, mencionem discussão sobre o tema. Observei, enquanto
pesquisadora-mestranda do Observatório da Educação, que tratar sobre Educação
do Campo na UFMT parte da iniciativa de alguns professores compromissados com
uma educação mais ampla.
Se não houve formação para a docência no campo nos cursos de formação
inicial, isso também vem ocorrendo com os cursos de formação continuada, como
apontaram as narrativas dos sujeitos. A presença do Estado e dos sindicatos nessa
modalidade educacional é mínima; até o sindicato, que sempre representa a voz dos
professores, é menor ainda.
A pesquisa revelou, inclusive, a forte presença das salas multisseriadas nas
escolas do campo e os desafios de se trabalhar com elas. Essa modalidade exige
formação para a prática interdisciplinar o que também ficou evidenciado nas
narrativas dos sujeitos, recaindo sobre essas salas um discurso de deficiências e
carências na formação.
Outro elemento marcante foi a afetividade presente nas relações entre
professores, alunos e comunidade nas escolas do campo. A preocupação com o
outro, a solidariedade e o compromisso foram os principais sentimentos percebidos
nas narrativas (auto) biográficas, principalmente, dos professores militantes.
Enfim, o estudo bibliográfico, documental e as narrativas dos sujeitos,
principalmente estas, conseguiram responder à questão principal desta investigação:
de que forma os professores iniciantes que atuam ou atuaram nas escolas do campo
analisam as políticas de formação e carreira docente e seus impactos em sua
prática cotidiana? Ficou patente, nas análises das entrevistas, que os desafios
ainda são muitos quando se trata de uma formação específica para os educadores
do campo. As iniciativas também são poucas e não estão conseguindo atender a
essa demanda em expansão. Tal fato tem se tornado uma das principais fragilidades
para a efetivação da política de Educação do Campo no Brasil e impactado
diretamente nas salas de aula, pois, como demonstrou este estudo, dezenas de
professores têm chegado às escolas do campo sem saber, sequer, a diferença entre
educação do campo e educação no campo.
160
O choque de realidade desses professores tem sido um dos fatores a
provocar resultados danosos na aprendizagem dos sujeitos do campo. Percebi,
neste período de investigação, que infelizmente o que prevalece nas escolas do
campo hoje é a educação rural e isso tem ligação direta com a formação dos
profissionais que atuam nesse ambiente.
Outro ponto a ser ressaltado na pesquisa, por meio das narrativas dos
sujeitos, foi o quão rico são os saberes dos sujeitos do campo, o modo diferente,
específico de ensinar, utilizando o que o ambiente oferece. O pai analfabeto que
alfabetizou os filhos, utilizando uma folha de chapéu de couro, a mãe pré-
alfabetizada que ensinou os filhos no chão, usando como lápis gravetos de pau. A
mãe que ensinou o filho especial a ler e escrever com o auxílio de uma escova de
lavar roupa.
Apesar de toda essa riqueza, há certo esquecimento desses saberes nas
escolas do campo, como pude constatar no desenvolvimento da pesquisa. Não se
valorizam esses saberes, muito menos os constituem e os consideram como
pertencentes ao currículo na/da docência no campo, pois os profissionais que atuam
nessas escolas, quando vêm das cidades, não conhecem esse ambiente nem a
realidade na qual atuam. Por desconhecer esse ambiente, prendem-se a um
currículo pré-estabelecido, urbanizado, padronizado, que desconsidera os diversos
saberes dos sujeitos do campo. Tal prática curricular desestimula os educandos do
campo, desqualificando o ensino oferecido a eles.
Diante desta realidade, penso que a formação do educador do campo precisa
possuir um conjunto de práticas, a qual carece, sobretudo, ser pautada na realidade
dos profissionais do campo e na dos seus educandos, para que ambos possam ter
acesso a uma educação de qualidade, que corresponda às necessidades dos
sujeitos que vivem e se formam no campo. O professor que ali desempenha sua
função, principalmente o que vem da cidade, precisa se assumir como sujeito do
campo, sentir-se parte do ambiente onde atua, para poder, assim, interferir nessa
realidade. Para tanto, faz-se imprescindível uma formação que desenvolva, nesse
professor, um sentimento de pertença. E isso não vem ocorrendo.
Como moradora e militante no campo, esta pesquisa, ao mesmo tempo em
que evidencia o que vivi e vivo por meio das falas de meus sujeitos, escancarou uma
realidade que eu ainda não percebia em sua concretude e que, com as
investigações junto aos sujeitos e os locais onde trabalham, pude verificar. Eu, até
161
então, não havia me debruçado, com certa profundidade, sobre as políticas para a
Educação do Campo, assim como não tinha conhecimento da produção científica
sobre o tema. Constatei, portanto, que a Educação do Campo ainda é embrionária
no Brasil e pesquisas que permitam ouvir as vozes dos sujeitos, que lá estão como
docentes, são raras. Tornam-se ainda mais escassas com o uso de narrativas, pois,
das várias produções investigadas, somente duas traziam como metodologia as
narrativas de si, em relação ao total de produções sobre a formação de professores.
Posso concluir que saio compreendendo melhor a docência no campo, as
políticas, o compromisso dos intelectuais com a produção e socialização de
pesquisas que alertem sobre a situação dos professores do campo.
Assim, tentando ser mais uma pesquisadora inserida no ambiente do campo,
pretendo socializar os conhecimentos produzidos nos espaços que me forem
permitidos e, ainda, investir na produção em eventos e artigos, não só para pontuar
meu currículo, mas, principalmente, como um compromisso de divulgar o que passa
por dentro das políticas de Educação do Campo na região em que resido.
Espero que esta pesquisa seja socializada, também, nos órgãos de formação
de professores no Estado de Mato Grosso, para que os docentes a utilizem como
forma de repensar as políticas de formação para os professores do campo,
independente de o mesmo morar no campo ou na cidade, mas, se morar na cidade,
mais do que os outros, ele necessita de uma formação específica, especial,
diferente, para atuar junto aos educandos do campo, a fim de romper as perversas e
perpétuas negações da identidade do homem e da mulher do campo.
Mais uma vez afirmo: A pesquisa respondeu às minhas inquietações
preliminares, todavia não aquietou meu coração, não satisfez totalmente minha
curiosidade e também não sei se alguma pesquisa atenderia à totalidade das
expectativas que vão surgindo ao longo das investigações.
A interrogativa que deixo aqui implica discutir como formar essas mulheres e
homens que, por motivos distintos, escolhem a docência no campo, esse ambiente
de vida e trabalho composto por uma diversidade tão complexa.
As novas inquietações, que surgiram com a pesquisa e que suscitam outras
investigações, deixo aqui como algumas interrogações: Como pensar uma formação
docente que atenda às diversas ruralidades que compõem o território brasileiro?
Como desenvolver um currículo que valorize os saberes dos sujeitos do campo?
Que formação devem receber os educadores do campo para realizar, no Brasil, uma
162
verdadeira Educação do Campo? Como as políticas podem contribuir para a
valorização das práticas dos professores do campo?
163
REFERÊNCIAS
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