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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO SUELY MARIA PIRES POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE: NARRATIVAS DE PROFESSORES DA ESCOLA DO CAMPO Rondonópolis 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SUELY MARIA PIRES

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE: NARRATIVAS DE

PROFESSORES DA ESCOLA DO CAMPO

Rondonópolis 2014

2

SUELY MARIA PIRES

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE: NARRATIVAS DE

PROFESSORES DA ESCOLA DO CAMPO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação no Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação, Linha de Pesquisa Formação de Professores e Políticas Públicas Educacionais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Simone Albuquerque da Rocha

Rondonópolis 2014

3

4

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Rod. Rondonópolis.-Guiratinga, km 06 MT-270 - Campus Universitário de Rondonópolis - Cep:

78735-901 -RONDONÓPOLIS/MT

Tel : (66) 3410-4035 - Email : [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

TÍTULO : "POLÍTICAS DE FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE: NARRATIVAS DE

PROFESSORES DA ESCOLA DO CAMPO “

AUTOR : Mestranda Suely Maria Pires

Dissertação defendida e aprovada em 30/09/2014.

Composição da Banca Examinadora:

_____________________________________________________________________________

____________

Presidente Banca / Orientador Doutor(a) Simone Albuquerque da Rocha Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Examinador Interno Doutor(a) Ozerina Victor de Oliveira Instituição : UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO Examinador Externo Doutor(a) Elizeu Clementino de Souza Instituição : UNEB Examinador Suplente Doutor(a) Lindalva Maria Novaes Garske Instituição : Universidade Federal de Mato Grosso

RONDONÓPOLIS, 30/09/2014.

5

Dedico esta pesquisa à Simone, minha orientadora,

que me ensinou a lutar pelos meus sonhos e com

quem aprendi a pesquisar.

“Se vi mais longe... é por que me apoiei nos ombros de gigante.” (Isaac Newton)

6

AGRADECIMENTOS

Difícil agradecer, em tão poucas linhas, a todas as pessoas que entraram em

minha vida e as que dela já faziam parte.

Começo por Nossa Senhora de Fátima, minha protetora, a quem eu recorria

nos momentos de angústias e que sempre me amparava. Sou do campo e tenho

orgulho em dizer isso, e uma das características do povo do campo é a sua

religiosidade e, não agradecer a minha Santa, seria como negar minha identidade.

À minha família, mãe, irmã e, principalmente, meu pai, homem simples,

trabalhador que, no cabo da enxada, proporcionou a mim oportunidades que ele não

teve.

Aos meus filhos: Ariel e Bruno, pela compreensão nos longos períodos que

precisei me ausentar.

Ao meu esposo Cícero, pelos momentos de ausência, pela força que me deu,

pelas várias vezes que deixou suas obrigações para me levar até a faculdade, pelo

chá de banco que tomou, em inúmeras oportunidades, no decorrer destes dois anos,

a minha espera.

Ao meu cunhado Sergio e sua esposa Irene que diversas vezes me

acolheram, juntamente com Sol, em sua casa, quando das viagens que fazíamos a

Cuiabá, para fazer cursos e seguir viagem por avião.

A minha adorada e, ainda temida, orientadora Simone, por tudo que me

ensinou.

Aos meus irmãos de coração: Sol, Eder, Rosana e Rosemeire. Aos amigos do

grupo InvestigAção.

Aos sujeitos da minha investigação: Gaia, Determinação e Sol, por seus

riquíssimos depoimentos e pela alegria em me atender sempre que solicitadas.

A todos os professores e funcionários da Escola “7” de Setembro e Wellington

Flaviano Coelho.

A todos os professores do Programa de Pós-graduação do Mestrado em

Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso – Campus de Rondonópolis.

À Anabel, pelo carinho e profissionalismo com que sempre tratou a todos nós,

mestrandos.

Ao OBEDUC/CAPES, pelo financiamento da pesquisa por meio de bolsa para

a investigação.

7

À SEDUC, pelo financiamento da pesquisa por meio de afastamento

remunerado para qualificação profissional.

À professora Lindalva Maria Novaes Garske, com quem eu aprendi muito

sobre Educação do Campo, principalmente, sobre a relação do MST com esta

modalidade educacional.

A professora Ozerina Victor de Oliveira, pelos riquíssimos apontamentos e

sugestões feita na qualificação que muito contribuiu para a evolução da pesquisa.

Ao professor Elizeu Clementino de Souza, o qual eu conheci em 2012 no

CIPA em Porto Alegre e que, ao ouvir uma fala sua sobre narrativas (auto)

biográficas e histórias de vida, cativou-me imediatamente por essa metodologia de

escrita. Agradeço, ainda, a esse professor pelos apontamentos e sugestões na

qualificação, bem como pela disponibilidade em participar de minha banca.

8

RESUMO

A presente pesquisa está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso – Campus de Rondonópolis e foi realizada com o apoio do Programa Observatório da Educação (OBEDUC). Nas últimas décadas, têm crescido as discussões sobre educação do campo no que tange às reivindicações de melhores condições de vida, de educação, de sobrevivência e de acesso aos bens culturais da população brasileira campesina. Esta pesquisa objetivou investigar as políticas que tivessem como centralidade a formação de professores do e para o campo, bem como sua atuação nesse ambiente de vida e de trabalho. Junto à formação, situam-se as práticas das professoras do campo que se evidenciam como produtivas, nos processos de ensinar e aprender nesse ambiente de vida e de trabalho docente. Incluem-se, na pesquisa, professoras experientes e docentes egressos do curso de Pedagogia, professores iniciantes que atuam na escola do campo, no sentido de melhor observar como são atendidas em seu trabalho e formação pelas políticas para a educação do campo. A questão que mobilizou esta pesquisa foi: como os professores iniciantes que atuam ou atuaram nas escolas do campo analisam as políticas de formação e carreira docente e seus impactos em sua prática cotidiana. Para desenvolver a investigação, apropriou-se da abordagem qualitativa com o método (auto) biográfico, adotando as narrativas como instrumentos de coleta de dados. A investigação se desenvolveu em duas escolas públicas do Estado de Mato Grosso com três sujeitos. Os resultados evidenciaram que as políticas existentes após a LDB 9394/96 têm se voltado para o campo, embora não se traduzam, ainda, em políticas afirmativas na análise dos sujeitos, professores que atuam nesse espaço. Palavras-chave: Políticas para a Educação do Campo. Formação e carreira docente no campo. Narrativa (auto) biográfica

9

ABSTRACT

This research is linked to the Graduate Program in Education at the Federal

University of Mato Grosso - Campus Rondonópolis and was accomplished with the

support of the Centre for Education Programme (Programa Observatório da

Educação/OBEDUC). In the last decades, have grown the discussions on field

education with respect to the claims of better living conditions, education, livelihood

and access to the cultural goods of the Brazilian peasant population. This research

aimed to investigate the policies that were centered on teachers training from and to

the field as well as their performance in this life type. Close to the training, there are

the teacher’s practices that are evidenced as productive, in the processes of teaching

and learning in this life atmosphere of educational work. Included in the survey

experienced teachers and novice teachers graduates who work in the country school,

in order to better observe how are assisted in their work by the policies and training

for rural education. The subject that mobilized this research is: how beginning

teachers who work or have worked in schools in the country analyze education

policies a and teaching career and its impact on their daily practice. To develop

research, we have appropriated the qualitative approach to the (self) biographical

method, adopting the narratives as instruments for data collection. The research was

developed in two public schools in the State of Mato Grosso with three subjects. The

results showed that existing policies after LDB 9394/96 have turned to the country,

although they do not perform yet into affirmative action policies in the analysis of the

subjects and teachers who work in this space.

Keywords: Policies for Rural Education. Training and teaching career in the field.

(Self) biographical narrative.

10

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Distribuição temporal das publicações. (2007 – 2011)

23

Gráfico 2 Natureza das IES (2007 – 2011)

24

Gráfico 3 Distribuição Regional das teses e dissertações (2007 – 2011)

25

Gráfico 4 Incidência de autores citados nas dissertações e teses (2007 – 2011)

27

Gráfico 5 Formação dos pesquisadores da Educação do Campo

28

Gráfico 6 Vínculos institucionais dos pesquisadores 28

Gráfico 7 A falta de acesso do povo do campo à escola: desigualdades evidenciadas

54

Gráfico 8 Infraestrutura das escolas do campo no Brasil (PRONACAMPO 2012)

56

Gráfico 9 Distribuição das instituições educacionais em MT

71

Gráfico 10 Distribuição de escolas do campo por dependências administrativas

72

Gráfico 11 Total de matrículas nas instituições escolares em MT

73

Gráfico 12 Evasão do PROFORMAÇÃO turma-1999 a 2000

88

Gráfico 13 Rede de formação de professores do campo no Brasil segundo dados do MEC

91

Gráfico 14 Distribuição temporal dos artigos, dissertações e teses

106

Gráfico 15 Incidência de pesquisas com o termo Integração das disciplinas

107

Gráfico 16 Incidência de produções sobre o tema Educação do

Campo/Interdisciplinaridade 109

11

LISTA DE SIGLAS

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEFAPRO – Centro de Atualização e Formação do Professor CNE – Conselho Nacional de Educação CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura EAD – Educação a Distância EMPAER – Empresa Mato-grossense de Pesquisa e Extensão Rural ENERA – Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INEP – Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC- Ministério da Educação e Cultura MMC – Movimento das Mulheres Camponesas MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra PARFOR – Plano Nacional de Formação de Professores PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PEE – Plano Estadual de Educação PNE – Plano Nacional de Educação PROCAMPO – O Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo

PROFORMAÇÃO – Programa de Formação de Professores em Exercício PRONACAMPO – Programa Nacional de Educação do Campo PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária SECADI – A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SEDUC – Secretaria de Educação e Cultura SEED – Secretaria de Educação a Distância UNEMAT – Universidade Estadual de Mato Grosso UNIVAG – Universidade de Várzea Grande SINTEP - Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público

12

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................. 13

2 EDUCAÇÃO DO CAMPO – UM TEMA POUCO EXPLORADO

TAMBÉM NAS PESQUISAS EDUCACIONAIS ................................... 19

3 OS CAMINHOS DA PESQUISA ....................................................... 30

4 O PROCESSO HISTÓRICO DE LUTA PARA A CONSTRUÇÃO

POLÍTICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL ........................ 35

5 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DO CAMPO: o direito à

diferença ............................................................................................. 52

6 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO EM

MATO GROSSO: UMA CAMINHADA LENTA .................................... 63

7 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA ESCOLA DO CAMPO .......... 75

7.1 Formação de professores do campo no estado de Mato Grosso

............................................................................................................. 82

8 POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO CAMPO ..... 91

8.1 A formação do professor do campo para a prática

interdisciplinar: algumas considerações ......................................... 97

8.2 Interdisciplinaridade ou Integração das disciplinas: um estudo

necessário ......................................................................................... 106

8.3 O professor do campo e a prática interdisciplinar ................... 110

9 HISTÓRIAS DE VIDA E FORMAÇÃO – espelho, espelho meu... . 122

9.1 Minha história, minha vida... ...................................................... 122

10 (IN) CONCLUSÃO ........................................................................ 157

REFERÊNCIAS .................................................................................. 163

13

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de Mato Grosso - Campus de Rondonópolis. Foi

realizada com o apoio do Programa Observatório da Educação (OBEDUC), em

projeto aprovado e publicado pelo edital 049/2012/CAPES/INEP/SECADI, intitulado

“Egressos da Licenciatura em Pedagogia e os desafios da prática em narrativas: a

universidade e a escola em um processo interdisciplinar de inserção do professor

iniciante na carreira docente”.

Trata-se de uma pesquisa que tem, como foco, o professor do campo, sua

formação e trabalho docente.

A educação do campo é compreendida na presente pesquisa como a

educação e formação dos sujeitos que vivem na zona rural. Portanto, homens,

mulheres, crianças e idosos. Muitos desses que somente agora, após anos de luta,

conseguiram um pedacinho de terra para viver e criar seus filhos e acreditam na

educação como uma maneira de livrá-los das privações das quais foram e

continuam sendo vítimas.

Trata-se de uma investigação que tem sua inserção nos movimentos sociais,

sendo a educação do campo, constitutiva destes. Insiro-me neste contexto, porque

atuo no campo há mais de trinta anos, sendo, no passado, estudante e, atualmente,

professora.

O tratamento dado à educação dos sujeitos do campo já me inquietava desde

a época de estudante na escola do campo, principalmente, no que dizia respeito à

formação de seus professores.

Minha convivência com esses profissionais permitiu-me, desde cedo, ouvir

suas narrativas. Consequentemente, por meios delas, compartilhar suas

inseguranças e fragilidades, mediante o distanciamento entre o real e o imaginário, o

legal e a realidade do cotidiano da escola, a vivência e a experiência do professor

que mora no campo.

Ressalto aqui, por exemplo, o cumprimento às normas dos contratos

docentes, ao trazer, para o campo, o professor da zona urbana aprovado no último

concurso e contratar, para a zona urbana, o professor do campo que não atingiu a

pontuação para aprovação.

14

Tal realidade cria uma situação caótica, ao colocar os professores em

ambientes de trabalho que não fazem parte de suas realidades. Convivo com isto

em minha docência no campo há muitos anos.

Assim sendo, as histórias de vida das professoras, sujeitos desta pesquisa,

assemelham-se à minha, pois, desde que no campo fui morar, minha formação foi

muito difícil e permeada de grandes dificuldades, como a de todos os moradores

campesinos. Entretanto, mesmo com dificuldades, concluí a licenciatura em História,

a especialização e o mestrado em educação que ora se finda.

Por conseguinte, o leitor irá encontrar, em vários momentos desta escrita, as

histórias de vida e de formação dos sujeitos cruzando com a minha. No decorrer de

minha profissão, tanto no cotidiano da escola onde atuo quanto nos vários encontros

de educadores, eventos relacionados ao campo promovidos pelo Estado e em

conversas com meus pares, percebi que as fragilidades das políticas públicas para

nosso meio são as mesmas em todas as partes de Mato Grosso.

Esses contatos me permitiram conhecer boa parte dos desafios que os

professores do campo enfrentam neste Estado, as incertezas, o descaso com o qual

somos tratados, a falta de incentivo, a ausência de políticas públicas afirmativas,

entre outras. Deste modo, toda essa vivência ao longo de meu processo formador

me habilita a fazer algumas afirmações no decorrer do texto, principalmente, quando

as manifestações dos sujeitos têm também a minha voz.

A ausência de políticas específicas para os professores, especialmente, os que

atuam no campo e, voltando o olhar para aqueles que estão iniciando a carreira

docente, tem provocado, entre os professores, o que André (2011, p. 6) chama de

“evasão do magistério”, ocorrida, segundo a autora, com maior frequência nos

primeiros anos da profissão.

Preocupados com o número dessa evasão, muitos autores como: Nóvoa (1995);

Huberman (1995); Vaillant (2003); García (1999; 2010); André (2011); Nono;

Mizukami (2006), entre outros, começaram a levantar discussões a esse respeito,

defendendo a criação de políticas de formação para esses docentes em início de

carreira.

São discussões recentes, tímidas, abordando um campo pouco pesquisado no

Brasil, mas bastante promissoras, na tentativa de amenizar as dificuldades do início

da docência.

15

Ante o exposto, na condição de mestranda-pesquisadora do projeto do

Observatório da Educação (OBEDUC), aprovado pelo MEC em 2012 e, no intuito de

responder às expectativas do projeto, fui progressivamente sendo direcionada a

pesquisar acerca do ambiente do campo com cujo cenário estou envolvida há quase

vinte anos, como sitiante, dona de casa e professora.

Assim, a cada nova leitura sobre a Educação do Campo busquei focar no

professor iniciante, instigada pela temática do OBEDUC, no sentido de compreender

como acontece o acompanhamento e formação a esse profissional que atuou e está

atuando nas escolas do campo, na região Sudoeste do Estado de Mato Grosso.

Igualmente, aproprio-me de termos que usamos no campo para descrever o

que sentia com as leituras sobre meu espaço de vida e de trabalho. Estas me

instigavam e, a cada novo dado apresentado, eu ficava “encharcada” de um

sentimento de comprometimento com a causa do campo.

Deste modo, tais leituras me “atiravam”, impulsionavam-me à busca de

maiores conhecimentos para ampliar minha visão sobre o ambiente em que vivo e a

profissão em que atuo, bem como para melhor compreender e, consequentemente,

melhor operar nele como uma profissional crítica. E isso se relacionava também a

minha formação na área da História, uma vez que era sempre levada a novos

questionamentos sobre a vida e formação dos professores que ensinam no campo.

O critério de escolha dos sujeitos desta investigação se deu pela exigência de

que os iniciantes estivessem, no momento da pesquisa, ou anteriormente a ele,

atuando em escolas do/no campo, e fossem egressos do curso de Pedagogia.

A escolha pelo curso de Pedagogia deu-se devido ao projeto do OBEDUC, o

qual prima em suas investigações pelos egressos desse curso.

Os sujeitos escolhidos para esta pesquisa foram três professoras que atuam

na docência em escolas do/no campo, as quais levam o codinome de Gaia,

Determinação e Sol, a fim de garantir-lhes o anonimato.

Ressalto que a fundamentação teórica para educadores iniciantes, os quais

são sujeitos desta pesquisa, foi definida conforme concepção de Huberman (1995),

isto é, professor que possui de zero a três anos de docência e a de Tardif (2002) que

considera o iniciante como o que atua de um a cinco anos na docência.

Segundo Marcelo Garcia (1999), as características do início da docência não

se relacionam tão somente dentro dos anos considerados pelos autores acima, mas

16

também podem manifestar-se quando os professores mudam de escola, de nível ou

de região, a qualquer tempo de sua carreira.

Ante o exposto, o objetivo da pesquisa foi investigar as políticas que tenham

como centralidade a formação de professores do e para o campo, bem como sua

atuação nesse ambiente de vida e de trabalho.

Diante de tal intenção de pesquisa, procuro responder à seguinte questão: de

que forma os professores iniciantes que atuam ou atuaram nas escolas do campo

analisam as políticas de formação e carreira docente e seus impactos em sua

prática cotidiana?

O desenvolvimento da presente pesquisa deu-se na abordagem qualitativa,

tendo como foco de análise as histórias de vida, em narrativas (auto) biográficas de

formação. Para Souza (2004, p. 15), as narrativas (auto) biográficas são

procedimentos potencializadores de formação, na medida em que possibilitam “a

organização das experiências vividas através da preparação e da construção que o

ator faz para seu relato.”

Ainda sobre as narrativas (auto) biográficas, continua o autor a afirmar que

elas se configuram também “[...] como uma prática reflexiva das experiências,

através da autoanálise empreendida enquanto dispositivo de investigação e

formação.”

Organizo o presente estudo em dez capítulos, sendo o primeiro, a introdução

que nesta ocasião se apresenta.

O segundo capítulo – Educação do campo – um tema pouco explorado

também nas pesquisas educacionais - exponho um panorama sobre as pesquisas

desenvolvidas no país, que têm, como foco de estudo, a educação do campo e a

formação de seus professores. Foi objetivo, ainda, evidenciar o volume das

produções científicas relacionadas à educação no campo, à formação dos

educadores e as práticas docentes dos que nele atuam.

Tais dados serão mostrados a partir da análise dos resumos das dissertações

e teses defendidas nos programas de pós-graduação do país, dos artigos publicados

em cinco periódicos e no Currículo Lattes de cada pesquisador citado na pesquisa,

no período de 2007 a 2011.

No terceiro capítulo - Os caminhos da pesquisa – verso sobre os

procedimentos metodológicos adotados no trabalho, cuja metodologia é de

abordagem qualitativa, tendo como foco de análise as histórias de vida, em

17

narrativas (auto) biográficas de formação. Nesse capítulo, ainda são apresentadas

as etapas metodológicas e os sujeitos da pesquisa.

No quarto capítulo - O processo histórico de luta para a construção

política da educação no campo no Brasil – apresento a trajetória histórica da

construção da educação do campo no Brasil, desde sua origem ainda no período de

colonização com as missões jesuíticas até as últimas resoluções acerca dessa nova

modalidade educacional.

O quinto capítulo - Políticas públicas de educação do campo: O direito à

diferença - visa discutir a educação do campo, dialogando com as políticas públicas

educacionais, enfatizando que as direcionadas para a educação dos sujeitos do

campo devem partir do princípio da igualdade e universalidade, como assegura a lei.

Mas, ao mesmo tempo, devem também ser diferenciadas para que todos os grupos

sociais possam ter acesso aos direitos previstos nos documentos oficiais.

No sexto capítulo - O processo de construção da educação do campo em

Mato Grosso: uma caminhada lenta – discuto a trajetória histórica de construção

da educação do campo no Estado de Mato Grosso até os dias atuais.

No sétimo capítulo - A formação do professor da escola do campo – um

pouco de história - procurei apresentar, de forma sucinta, o processo histórico

acerca da formação do professor no Brasil e no Estado de Mato Grosso. Neste caso,

com enfoque no processo de formação dos professores do campo por se tratar do

objeto de estudo desta pesquisa.

Analiso, ainda, o conjunto de políticas públicas educacionais voltadas à

formação de educadores do campo, observando que essas medidas devem se forjar

nas práticas coletivas, na mística da esperança de ocupação do campo e também

do campo educacional, como uma utopia a ser realizada.

No oitavo capítulo - Políticas de formação de professores do campo -

analiso o conjunto de políticas públicas educacionais voltadas para a educação do

campo no território nacional. Também foram investigadas, nesse capítulo, práticas

da interdisciplinaridade na educação do campo no qual abordo o tema à luz da

mesma temática, uma vez que as práticas, a serem desenvolvidas nas escolas do

campo, apresentam-se fortemente amparadas pela prática interdisciplinar.

Ante o exposto, investigo se as técnicas interdisciplinares estão presentes nas

escolas do campo, assim como se os professores dessas instituições as percebem

18

em suas práticas pedagógicas cotidianas e se tiveram formação interdisciplinar em

algum momento de sua formação, seja inicial ou continuada.

No nono capítulo - Histórias de vida e formação – Espelho, espelho

meu..., trago as histórias de vida e formação dos sujeitos investigados, assim como

as análises dos dados coletados junto a eles e, a cada recorte, vou me vendo nas

falas, nos gestos, nos choros e nas práticas; daí o título do capítulo: Espelho,

espelho meu. Tais recortes são analisados à luz dos teóricos da formação, da

educação do campo e das políticas de formação.

No último capítulo – (In)Conclusões – após esse período rico da

investigação, apresento meus apontamentos, minhas reflexões, meus achados

acerca da educação do campo e da formação de seus professores. Nesta parte final,

fui também acometida por um imenso sentimento de inacabamento, de curiosidade

aguçada e uma colossal vontade de continuar a investigar sobre o que me propus

neste estudo, pois, com esta pesquisa, algumas dúvidas foram-me esclarecidas,

mas outras surgiram, das quais algumas insiro ao final do capítulo.

Por isso, intitulo esse capítulo de (In)Conclusões, pois acredito que somos

seres inacabados (FREIRE) e complexos e, como tal, iremos morrer sem ter

condições de utilizar o termo: Considerações finais, seja em nossa vida pessoal

quanto na profissional.

19

2 EDUCAÇÃO DO CAMPO – UM TEMA POUCO EXPLORADO TAMBÉM NAS

PESQUISAS EDUCACIONAIS

Apresento, neste capítulo um panorama sobre as pesquisas desenvolvidas no

país, que têm, como foco de estudo, a Educação do Campo e a formação de seus

professores, evidenciando assim, o volume das produções científicas relacionadas à

educação do campo, à formação dos educadores e às práticas docentes dos que

nele atuam. Tais dados serão mostrados a partir da análise dos resumos das

dissertações e teses defendidas nos programas de Pós-Graduação do país, dos

artigos publicados em cinco periódicos e no Currículo Lattes de cada pesquisador,

citado na investigação no período de 2007 a 2011.

A educação oferecida aos sujeitos do campo no Brasil sempre foi

marginalizada pelas políticas públicas. Como moradora e docente do campo, posso

afirmar isto, assim como também percebo que essa marginalização se deu por muito

tempo no campo acadêmico, haja vista que, durante meu tempo de estudante, tanto

na graduação quanto na pós-graduação, pouco percebi que as produções tenham

gerado algum movimento e/ou debate com os educadores do campo.

Assim, concluo que até pouco tempo atrás eram raras as produções sobre

educação do campo ou educação rural nas academias do país. Isso demonstra que

o silenciamento e o esquecimento, em relação ao ensino oferecido nesse meio, não

se restringiram somente à esfera da gestão pública, mas também da acadêmica. A

fim de evidenciar tal negligência, senti-me instigada a realizar uma pesquisa do tipo

estado do conhecimento para investigar os números desse descuido.

O Estado do Conhecimento resulta em uma investigação sobre aquilo que já

se tem produzido sobre determinado tema, ou seja, é a busca pelo conhecimento já

existente, aquilo que já foi revelado por outros investigadores, em outros momentos,

em lugares diferentes.

As contribuições trazidas por André (2009) permitem concluir que pesquisas

como a do Estado do Conhecimento proporcionam, aos pesquisadores, dados que

lhes possibilitam conhecer e integrar a produção acadêmica na área do

conhecimento que é de seu interesse, em um período determinado de tempo, o que

pressupõe o aperfeiçoamento da produção científica.

20

A pesquisa desse tipo consiste no levantamento e mapeamento do trajeto de

trabalhos acadêmicos já percorridos sobre um determinado tema, incluindo,

também, uma análise crítica das produções encontradas (FERREIRA, 2002).

De acordo com autores anteriormente citados, todo pesquisador deve fazer

essa busca de informação sobre o tema por ele investigado, pois essa ausência de

informação sobre o que se quer pesquisar pode tornar sua pesquisa repetitiva e sem

contribuição social. Assim sendo, neste capítulo, trarei os resultados de minhas buscas sobre as

pesquisas no cenário brasileiro no tocante à Educação do Campo, os quais me

forneceram subsídios para inserir-me no contexto da produção científica, então,

desconhecido para mim como moradora do campo.

Esta inserção nos dados da CAPES e no SciELO trouxe-me um

conhecimento ímpar sobre o tema em estudo, ampliou meus olhares acerca da

variedade de informações produzidas sobre a Educação do Campo e, assim,

subsidiou-me os estudos para a escrita desta pesquisa.

Para tanto, investi inicialmente no banco de dados da CAPES a fim de fazer

o levantamento das teses e dissertações e, posteriormente, no SciELO, os artigos.

Foram adotados descritores utilizados de forma mais genérica1 como formação de

professores até chegar à formação do professor do campo.

As análises dos dados, além de levantarem o volume das pesquisas,

envolveram a leitura dos resumos e os currículos dos autores para, assim, identificar

a concentração das produções sobre o tema, bem como o que já foi escrito acerca

da educação do campo e a formação de seus professores.

Os resultados apontaram que, em cinco anos, o volume das produções sobre

a educação do campo e a formação do professor do campo contabilizou 246

pesquisas. Destas, 185 são dissertações, distribuídas em 64 programas de pós-

graduação.

Foram localizadas 55 teses, espalhadas em 21 programas de pós-

graduação. Os artigos apresentaram um número baixo se comparados aos dados

anteriores de produções na área de educação do campo/rural, somando somente

seis, difundidos em cinco periódicos diferentes.

1 Todos os demais descritores encontram-se no quadro 1 desta dissertação.

21

Os resultados mostraram, ainda, expressivo aumento no número de

dissertações e teses nos últimos anos, revelando o crescente interesse acadêmico

para com a educação voltada aos sujeitos que vivem e se formam no campo. No

entanto as produções em periódicos ainda são muito escassas, merecendo um olhar

mais atento dos pesquisadores da área de movimentos sociais.

O levantamento das produções de pesquisas acadêmicas no Brasil deu-

se, a partir de buscas realizadas na web, utilizando, para tal, o banco de dados da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio

do site http://www.capes.gov.br.

Com relação aos artigos, realizei pesquisa no banco de periódicos da

SciELO em todos os índices e em toda coleção, localizados em seis revistas

científicas: Cadernos Cedes, Educação e Pesquisa, Ensaio: Avaliação e Políticas

Públicas em Educação, Interação (Campo Grande) e o periódico Tempo. Já para

informações sobre a formação dos pesquisadores, bem como suas áreas de

atuação na atualidade, foi utilizada a Plataforma Lattes.

Ao proceder às primeiras buscas, deparei-me com duas concepções

diferentes sobre a educação destinada aos sujeitos do campo: ora chamada de

educação no campo, ora de educação rural. Por esse motivo e visando a uma busca

mais rica, optei por investigar as pesquisas, usando os dois termos: “rural” e

“campo.”

A concepção de educação rural advém da década de 1930, marcada pelo

início do êxodo rural. Essa população praticamente expulsa de suas terras pelo

latifúndio começa a inchar as cidades e a provocar “desordens de todos os tipos.”

Assim, preocupados com tais “desordens,” é pensada, pelo poder público, uma

forma de fixar o homem no campo, visto que alguns traziam como discurso o fato de

saírem do campo pela falta de políticas públicas, especialmente no que tange à área

educacional. Dessa forma, surgem as primeiras escolas públicas rurais.

O termo Educação do Campo é bem contemporâneo e foi estabelecido

durante a I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo. Ficou

estabelecida, nessa conferência, a substituição do termo “rural” por “campo.”

Desse momento em diante, passa, então, a ser chamada de Educação do

Campo aquela destinada aos sujeitos que ali vivem. Ao analisar as produções

acadêmicas sobre essa modalidade educacional nas últimas décadas no Brasil:

Correia (2012), Bezerra; Damasceno, (2004) e Souza, M., (2007) elucidaram, em

22

seus estudos, um panorama de como se encontravam essas produções em relação

aos temas, volume das produções, regiões em que eram produzidas, tipos de

pesquisa, entre outros destaques.

Os autores já denunciavam, na época, o esquecimento da academia em

relação aos trabalhos realizados com foco na Educação do Campo. Isso instigou

averiguar se os números de produção haviam crescido nos últimos cinco anos

(2007/2011). Logo, concluí ser importante realizar esse Estado do Conhecimento, a

fim de ter ciência de como estão se desenvolvendo, no cenário nacional, as

investigações acadêmicas sobre a Educação do Campo.

No Quadro 1, estão indicados os resultados obtidos nas buscas sobre

cada descritor/ano para teses e dissertações, sem exclusão dos trabalhos repetidos,

pois um mesmo trabalho pode aparecer em vários descritores. Lembrando que, para

a confecção dos gráficos, foram excluídas 91 produções, por estarem retratadas,

quando da busca, em outros descritores.

Quadro 1 – Resultado das buscas com respectivos descritores para teses, dissertações e artigos. Descritor 2007 2008 2009 2010 2011 *TG

T* D* A* T D A T D A T D A T D A

Educação do campo

04 24 02 05 19 01 13 26 - 06 36 01 07 44 01

Educação rural 03 09 - 05 09 - 01 18 - - 07 02 03 07 -

Formação de professores da educação do campo

- 01 - - - - 01 03 - - 04 - - 03 -

Formação de professores da educação rural

- 01 - - 01 - - 01 - - 02 - 01 02 -

Escola e comunidade do campo

01 04 - 03 04 - 04 03 - - 09 - - 03 -

Escola e comunidade rural

02 04 - 01 05 - 01 02 - 01 02 - - 02 -

Práticas da escola e práticas do campo

01 02 - - - - - 02 - - - - - 02 -

Práticas da escola na educação rural

- 01 - - 01 - - 02 - - - - - 02 -

Total 11 46 02 14 39 01 20 57 - 07 60 03 11 65 01 337

Fonte: Dados da pesquisa, 2014.

*T = Teses; * D = Dissertações; * A = Artigos; *TG = Total geral.

Analisando o quadro acima, nos descritores formação de professores

campo/rural e práticas da escola campo/rural, nota-se a ausência, em todo o período

23

citado, de pesquisas na área da formação do professor do campo/rural, bem como

em suas práticas.

Porém, ao proceder à leitura dos resumos, foi identificado um grande número

de pesquisas nos dois temas e, apesar de as palavras formação e práticas não

aparecerem com frequência nos títulos, mais de 20% das pesquisas com maior

incidência de temas tratados na investigação versaram sobre formação de

professores tanto nas dissertações quanto nas teses. Após a exclusão dos trabalhos

repetidos, chegou-se à conclusão apresentada no gráfico a seguir:

Gráfico 1 - Distribuição temporal das publicações. (2007 – 2011)

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados da pesquisa

O gráfico acima nos revela que as dissertações sobre a educação do

campo/rural atingiram o ápice em 2009, tendo uma considerável queda em 2010 e

caindo mais em 2011. As teses também alcançaram seu topo em 2009, contudo, no

ano seguinte, em 2010, houve queda brusca, voltando a crescer em 2011. Os

artigos tiveram maior número de produção em 2007, com duas publicações e nos

anos consecutivos somente uma produção.

Após a exclusão dos trabalhos repetidos, realizou-se a sistematização para

análise, com um total de 246 pesquisas. Destas, 75% são dissertações distribuídas

em 64 programas de pós-graduação. As teses representaram 22,5% das pesquisas,

24

difundidas em 21 programas de pós-graduação. Os outros 2,5%, são seis artigos

divulgados em cinco periódicos diferentes.

Ao proceder às buscas sobre a identificação das IES e sua respectiva

natureza entre pública ou particular, bem como agrupamento por quantidade de

dissertações e teses de cada IES, obtive o seguinte resultado: 85% das dissertações

foram realizadas nas instituições públicas, contra 15% na rede particular. Quanto às

teses, 94% delas foram encontradas nas instituições públicas e somente 3% nas

particulares.

Gráfico 2 – Natureza das IES (2007 – 2011)

Fonte: Elaborado pela autora para o presente estudo.

Os índices percentuais nos revelam que, tanto nas dissertações quanto nas

teses, há prepoderância das produções nas IES de origem pública. Isto não é

nenhuma surpresa, visto a natureza das pesquisas investigadas (educação do

campo/rural), cujos temas esses não são muito discutidos nas intituições superiores

de cunho particular.

Para visualizar a dispersão das pesquisas de acordo com as

universidades, estas foram agrupadas por número de investigações localizadas,

chegando-se ao seguinte resultado: A Universidade Federal da Paraíba foi a

instituição que mais produziu dissertações com o tema relacionado, ocupando o

primeiro lugar com 25% das produções, seguida pela Universidade Federal do

Paraná, com 8% e, em terceiro lugar, a Universidade Federal do Pará, com 6% das

produções.

25

As produções de doutoramento se concentraram, no período investigado,

na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, representando 17% das teses,

seguida pela Universidade Federal da Bahia com 15% das produções e, em terceiro

lugar, empatadas com 9%, ficaram a Unicamp e a UnB.

A busca pela origem das intituições revelou que, enquanto as instituições das

regiões Norte e Nordeste brasileiro concentram a maior parte das produções em

nível de mestrado, em relação às teses, há uma pequena inversão, pois estas se

congregam mais na região Sul, principalmente, nos Estados do Rio grande do Sul,

Santa Catarina e Paraná.

Este é um dado muito interessante, visto que essa região do país foi o berço

do MST e da Educação do Campo. Somadas juntas resultam num percentual de

34% das produções, enquanto os Estados da região Nordeste respondem por 31%

das instituições. A região Centro-Oeste foi a que menos produziu trabalhos dessa

natureza.

Já em relação às teses, observamos que, em nível de doutorado, as mesmas

regiões que lideram nas dissertações também se repetem nas teses, porém com

inversão em suas posições. A região que apresentou menor nível de produção foi a

Norte.

Gráfico 3 - Distribuição Regional das teses e dissertações (2007 – 2011)

Fonte: Elaborado pela autora para o presente estudo.

26

As análises por unidades federativas apontaram que, em relação às teses e

dissertações, os Estados de Minas Gerais, Paraná, Pará e Paraíba lideram as

produções de pesquisa na área da educação do campo/rural. No tocante às teses,

Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia respondem juntos por 51% das produções

em nível de doutorado.

Das 185 dissertações, 144 possuíam temas bem concentrados, ou seja, o

foco de investigação desenvolvido pelos investigadores que se propuseram a

investigar sobre a educação do campo no país. Os resultados evidenciaram que

20% das pesquisas tiveram, como foco, as políticas públicas para a educação do

campo/rural, 15% sobre as práticas pedagógicas, principalmente, a pedagogia da

alternância e o mesmo percentual sobre a formação do educador do campo/rural via

PRONERA, 13% a respeito de outras práticas educativas e outros tipos de formação

de professores das escolas do campo/rural, 12% das pesquisas analisaram as

propostas do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) nas escolas do

campo/rural, 4,5% pesquisaram sobre os saberes docentes dos professores, 3,5%

sobre práticas docentes e apenas 2% trataram sobre a formação do professor do

campo através da pesquisa autobiográfica, do tipo história de vida, objeto de estudo

desta pesquisa.

A análise dos resumos das teses trouxe as seguintes informações: 23% das

pesquisas investigaram sobre as políticas públicas para a educação do campo, 20%

trataram sobre a formação dos professores que atuam nas escolas do campo/rural,

18% sobre as práticas pedagógicas e as propostas de educação do MST, 13,5% das

pesquisas abordaram sobre outras práticas educacionais desenvolvidas nas escolas

do campo/rural. Saberes docentes, práticas docentes e histórias de vida, somou

cada uma: 2,2% das pesquisas analisadas.

Os dados acima demonstram que, apesar do tema formação de professores

e práticas educativas, referente à educação campo/rural, não ter sido localizado com

frequência quando da busca como descritores, a leitura dos resumos permitiu

identificá-lo como um dos temas mais investigados pelas pesquisas levantadas.

Para analisar se as produções estavam dialogando com os pesquisadores da

educação do campo/rural, optei por investigar, nos resumos, quais eram os autores

mais citados. De um total de 246 produções (dissertações e teses), 170 delas não

mencionaram no resumo seu referencial teórico e 76 o fizeram. Os autores com

maior índice de citação estão apresentados no Gráfico 4 abaixo.

27

Gráfico 4 – Incidência de autores citados nas dissertações e teses (2007 – 2011)

Fonte: Elaborado pela autora para o presente estudo.

Em se tratando de referenciais teóricos,observa-se uma base bem sólida nos

trabalhos investigados, pois as leituras dos pesquisadores, como demonstra o

gráfico acima, associam-se diretamente a grandes intelectuais da área de estudo

sobre educação no campo/rural no Brasil.

Ao realizar o estudo, senti-me estimulada a investigar sobre as pesquisas

que focam a formação do professor do campo – quais licenciaturas cursaram em

sua trajetória docente. Para isso, recorri à pesquisa no banco de currículos da

Plataforma Lattes, sendo que, em alguns casos, precisei abri-los, pois algumas

informações não estavam disponibilizadas na primeira página.

Como era de se esperar, os dados revelaram que a maior parte dos autores

citados possuíam graduação em Pedagogia, alcançando, nas dissertações, 56% e,

nas teses, 22%. Muitos deles foram localizados, tanto nas produções de mestrado

quanto de doutorado.

28

Gráfico 5 - Formação dos pesquisadores da Educação do Campo

Fonte: Elaborado pela autora para o presente estudo.

Ao terminar o levantamento das produções, suscitou em mim certa

inquetação a fim de saber por onde andam esses pesquisadores que se propuseram

a investigar sobre a educação do campo/rural. Realizei, então, uma pesquisa

eletrônica no portal da Plataforma Lattes, procurando cada um daqueles nomes

localizados na pesquisa.

Gráfico 6 – Vínculos institucionais dos pesquisadores

Fonte: Elaborado pela autora para o presente estudo.

29

Alguns pesquisadores não foram localizados, porém os demais estão ativos,

exercendo a profissão do Magistério Superior, principalmente, nas instituições

federais. Em relação ao vínculo empregatício dos pesquisadores investigados neste

estudo, os dados apontam que, dos que produziram suas dissertações entre os anos

de 2007 e 2011, 34% são professores universitários federais,15% trabalham na rede

municipal e 14% na rede estadual de seus respectivos Estados. As teses apontaram

que 44% de seus investigadores se encontram na docência superior federal, 22%

na rede estadual e 13% na docência superior da rede particular.

Vale, ainda, ressaltar que, em minhas buscas, foram excluídos os trabalhos

sobre: educação indígena, educação quilombola e educação ribeirinha, pois, embora

ambas sejam enquadradas como educação do campo, não se constituíam foco

desta pesquisa e, por isso, descartados.

Das pesquisas investigadas no período de 2007 a 2011, somente quatro são

investigações (auto) biográficas. Esta pesquisa demonstrou que houve, nos últimos

cinco anos, expressivo crescimento das produções sobre a educação do campo no

Brasil, porém ainda há um grande silenciamento acadêmico acerca de como os

profissionais do campo vão se constituindo professor por meio de suas histórias de

vida, ao se apropriarem das narrativas autobiográficas.

A partir do aprofundamento do estudo sobre as pesquisas em torno da

Educação do Campo, foi possível delinear com maior clareza o objeto de estudos e

os passos metodológicos da pesquisa, os quais seguem no próximo capítulo.

30

3 OS CAMINHOS DA PESQUISA

O estudo que me propus desenvolver é de abordagem qualitativa e tem como

método a (auto) biografia, ao trazer a história de vida em narrativas dos sujeitos da

pesquisa. A escolha pela investigação de cunho qualitativo se justifica pelo fato de

ser a que melhor contempla os estudos desenvolvidos na área educacional e,

conforme esclarecem Lüdke e André (1986, p. 13), esse tipo de pesquisa “vêm

ganhando crescente aceitação na área de educação, devido principalmente ao seu

potencial para estudar as questões relacionadas à escola.”

Quanto à adoção pelo método da (auto) biografia, Nóvoa (2010, p.166)

esclarece que esse método “são caminhos que permitem o repensar as questões da

formação, acentuando a ideia que ninguém forma ninguém e que a formação é

inevitavelmente um trabalho de reflexão sobre os percursos vividos.” Souza (2007)

elucida que, nos últimos anos, têm crescido muito as pesquisas que utilizam o

método da (auto) biografia:

O trabalho com história de vida, memória e autobiografia tem contribuído na pesquisa educacional e na formação para a construção de um campo de produção de conhecimento pedagógico, através da produção de relatos autobiográficos, os quais possibilitam desconstruir imagens e representações sobre a prática docente, o fundamento teórico da prática e desta forma contrapor-se à memória oficial disseminada pelas políticas de formação e pela literatura pedagógica que vem estruturando o trabalho docente. (SOUZA 2007 p. 08)

No intuito de empregar o método da (auto) biografia através das histórias de

vidas dos sujeitos desta pesquisa, valer-me-ei das entrevistas narrativas das

professoras. Outro instrumento adotado será a análise documental.

Ao tratar sobre histórias de vida, Pineau e Le Grand (2012, p. 103) enfatizam

que “nesse início de milênio, a vida que procura entrar na história não é mais

somente a dos notáveis, mas a de todo aquele que deseja ter domínio sobre a sua

própria vida e que se lança nesse exercício até então reservado à elite.”

A opção pela escolha da entrevista narrativa tem, como ideia básica,

“reconstruir acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes, tão

diretamente quanto possível” (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2003, p. 93). Os autores

salientam que “as narrativas são infinitas em sua variedade, e nós as encontramos

em todo lugar.” Assim, trago para discussão as narrativas que marcaram o percurso

31

de vida dos sujeitos investigados. Para tal finalidade, tomo como ponto de partida o

que elas destacam sobre a educação do campo para sua formação e atuação.

No intuito de construir ampla aprendizagem sobre a educação do campo e a

formação de seus professores, percorreu-se um longo caminho metodológico que

iniciou no ano de entrada no mestrado e permanece até os dias atuais. A

peregrinação em busca do conhecimento científico só acontece se o investigador

organizar procedimentos metodológicos que lhe possibilitem investigar a realidade,

de forma estruturada, ordenada e sistematizada. Para isso, no decorrer da escrita de

uma pesquisa científica, o pesquisador deve seguir etapas, normas e técnicas, por

meio de aplicações de métodos preestabelecidos, buscando, através desses

procedimentos, responder como e por que ocorreram os fatos e fenômenos

investigados.

Em consonância com o acima citado, a primeira etapa desta pesquisa contou

com intenso levantamento bibliográfico de autores que são referências nos debates

e pesquisas sobre formação de professores e educação do campo no sentido de

ampliar o conhecimento sobre a educação do campo no Brasil, utilizando as

informações adquiridas como modelos teóricos, dando sustentação no momento da

escrita.

Na medida em que as leituras eram feitas, foram criados documentos no

Word para futuras averiguações. Essa elaboração, de acordo com Zanella (2009,

41), é uma “técnica na arte de estudar e deve ser constante a vida do pesquisador.

É uma forma de registrar as informações e/ou conhecimentos construídos a partir da

leitura dos textos.”

O levantamento bibliográfico sobre a educação do campo levou-me a deparar

com uma série de documentos; por isso, concomitante à pesquisa bibliográfica,

desenvolveu-se a documental. Essa técnica de análise de dados, embora, segundo

Lüdke e André, seja pouco explorada ainda nas pesquisas sociais:

[...] podem se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, sejam complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema. São considerados documentos quaisquer material escrito que possa ser usado como fonte de informação sobre o comportamento humano. (LÜDKE; ANDRÉ 1986, p. 38).

32

A pesquisa documental acerca da educação do campo envolveu a

investigação em documentos internos (estatutos, regulamentos, relatórios, manuais

etc) e externos (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96,

Documentos do MST (Relatório da 1ª Conferência Nacional Por uma Educação

Básica do Campo ENERA, PRONERA), Plano Nacional de Educação (PNE),

Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso (OCs), pareceres, portarias,

editais entre outros).

Sendo assim, o início da escrita desta pesquisa deu-se, intercalando as

leituras de livros, artigos, revistas, entre outros, com os documentos encontrados

nessas leituras, referentes à educação do campo.

A terceira etapa da pesquisa consistiu em construir uma busca do tipo Estado

do Conhecimento sobre a educação do campo e a formação de seus professores

em todo terrítorio nacional. O objetivo desse levantamento foi fazer uma coleta sobre

o volume das produções científicas, relacionadas à educação do campo no Brasil, à

formação de seus educadores e suas práticas docentes, a partir da análise dos

resumos das dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação do

país, dos artigos publicados em cinco periódicos e no Currículo Lattes de cada

pesquisador citado na pesquisa, no período de 2007 a 2011.

O Estado do Conhecimento permitiu-me levantar um panorama sobre os

estudos relacionados ao tema estudado, no Brasil e guiou-me na minha

investigação, na medida em que me permitiu afunilar a investigação até chegar onde

minha pesquisa se enquadra, ou seja, o que tem sido produzido sobre a formação

do educador do campo narrada em sua história de vida.

Para tanto, trago como sujeitos três professoras iniciantes que possuem suas

histórias de vida ligadas à docência no campo. Todos os sujeitos são egressos do

curso de Pedagogia e adotaram nomes fictícios, visando à preservação de suas

identidades.

Os pseudônimos foram escolhidos pelos sujeitos em comum acordo com o

pesquisador, tendo, por base, as histórias de vida de cada um. Gaia, na mitologia

grega, significa Deusa da Terra. Ela é a protetora da fecundidade. A Teoria de Gaia

é um alerta contra a destruição do planeta e uma declaração de amor à vida. Esse

nome foi escolhido pelo próprio sujeito, uma mulher forte, que tem sua origem no

campo, militante do MST, possuidora de um imenso amor e respeito pela terra, de

onde colhe os frutos do seu trabalho.

33

Formada pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

(PRONERA), mora no campo e, por não conseguir vaga em seu ambiente de vida e

de luta na escola do assentamento onde mora, vai trabalhar na cidade, há dois anos.

É assentada do MST, formada pela Pedagogia da Terra e divide seu tempo entre

escola, família e a lida em sua pequena propriedade da qual possui um imenso

orgulho por se tratar do fruto das pressões dela e de seus pares dentro do

Movimento.

Determinação, pseudônimo também escolhido pelo sujeito, que quer situar-

se como mulher guerreira, determinada, que se fez de surda quando todos diziam,

até mesmo os médicos, que seu filho nunca iria aprender. Decidida a provar o

contrário, dedicou anos de sua vida à alfabetização do filho que, recentemente,

concluiu o Ensino Médio e é um excelente poeta.

Egressa do curso de Pedagogia de uma instituição particular, sempre viveu

no campo e está atuando há menos de um ano na docência nesse ambiente. Seu

despertar para a magistério adveio da determinação de alfabetizar o filho especial

quando todos já haviam desistido dele, por apresentar dificuldade de aprendizagem.

Sol, mulher delicada, mas não menos valente que as demais. Moradora da

zona urbana, por amor à profissão que escolheu - a docência-, arriscava-se em uma

rodovia perigosa para ir trabalhar em outro município até conseguir sua remoção

para uma escola próxima de sua casa, apesar de ainda não ser no município em

que mora. Formada pela Universidade Federal de Mato Grosso, ingressou no

quadro de professores do Estado por meio de concurso público realizado para uma

vaga em outro município, longe de sua residência (30 km) e, ao ser removida, optou

pela escola do campo pela proximidade com sua residência (12 km) visto que, em

sua cidade - zona urbana - não havia vaga. Enfrentou Sol, chuva, poeira, lama para

cumprir com sua função docente no campo. Seu pseudônimo foi escolhido para

representar sua preferência, quando esta afirmou, em seu depoimento, que o tempo

chuvoso era terrível para ela, por causa das péssimas condições da estrada de terra

que precisava enfrentar todos os dias para ir ao campo trabalhar; por isso, afirmou

que gostava mesmo era do tempo da seca em que o Sol predominava: “Prefiro a

poeira ao barro,” disse. Essa egressa mora e sempre morou na zona urbana e vai

trabalhar no campo diariamente.

Para a interpretação dos dados, apoiei-me em três eixos de análises que

buscam dados sobre as fases: história de vida e profissão dos sujeitos. No eixo um:

34

O INÍCIO: O percurso formativo dos sujeitos – procurei identificar, nas narrativas

(auto) biográficas dos sujeitos, dados sobre sua trajetória de vida e formação desde

a infância até a docência. Suas lembranças da primeira professora, o despertar para

a docência, seu processo de formação, a graduação, a Pós, os cursos de formação

continuada, são as escritas nesse eixo, assim como suas alegrias, angústias e

desafios nesse percurso, bem como no início de suas docências.

Nas análises do eixo dois - FORMAÇÃO PROFISSIONAL: As políticas

públicas de formação inicial e continuada – busquei, através das narrativas, refletir

sobre as políticas públicas para a educação do campo, com foco nas que se referem

à formação de seus educadores, procurando identificar quais percepções possuem

os sujeitos sobre as políticas de formação, se estas os amparam ou desamparam

em sua docência; qual a relação entre essas políticas e a qualidade da educação

oferecida aos sujeitos do campo; quais os impactos delas nas práticas pedagógicas

desenvolvidas pelos professores que atuam nas escolas do/no campo.

No eixo três: DOCÊNCIA NO CAMPO - As práticas pedagógicas dos

professores – Da cidade ao campo/do campo à cidade - trago as narrativas dos

sujeitos, investigando, em seus relatos, qual a percepção dos mesmos sobre a

possibilidade do trabalho interdisciplinar nas escolas do campo, bem como se estes

receberam formação para desenvolver tais práticas.

35

4 O PROCESSO HISTÓRICO DE LUTA PARA A CONSTRUÇÃO POLÍTICA DA

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL

A conquista do direito à educação da classe popular no Brasil é, ainda, muito

recente e data da promulgação da Constituição de 1988 que encerrou um período

de mais de quatro séculos de cerceamento aos diretos sociais e políticos desse

povo, entre estes, o direito à educação.

A história da educação no Brasil surge ainda durante o processo de

colonização. Os jesuítas, padres de uma ordem católica, vieram à América e aqui

organizaram missões em meio à selva junto aos indígenas. Um dos principais

objetivos dessas missões era escolarizar por meio da catequização.

Sobre o pretexto de salvar as almas desses selvagens, a Igreja Católica

estabeleceu, em diversas partes do novo continente, várias missões. Em uma

época de efervescência religiosa na Europa, ameaçada pela perda de fiéis para as

religiões protestantes, a Igreja Católica via no novo mundo recém-descoberto e

repleto de iminentes fiéis, uma excelente oportunidade de expandir seu rebanho e

aumentar seus lucros.

O primeiro passo no processo de escolarização dos indígenas consistia em

lhes ensinar a escrita e a leitura. Observa-se, então, no preâmbulo desse capítulo

que, apesar de uma série de intencionalidades, a educação no país possui, como

berço, as florestas e seus sujeitos. Foi no campo, em meio à selva, que ela se

originou.

Essa educação, no entanto, já nasce atrelada a um sistema urbano trazido

pelos jesuítas dos centros educacionais da Europa. Os indígenas foram, então, as

primeiras vítimas de uma educação alienada, imposta pelos jesuítas que a

utilizavam como pretexto de proteção e salvação, impondo-lhes a fé por meio da

educação.

Além da educação aos índios, os jesuítas fundam, no Brasil, vários colégios,

sendo o primeiro deles na Bahia, em 1534, para atender os filhos dos portugueses

que aqui viviam e, também, os órfãos. Essas escolas funcionavam só para meninos

e em regime de internato. As práticas nessas escolas eram também importadas dos

colégios europeus, por isso o ensino era muito tradicional e a disciplina era seguida

à risca, sob a pena de castigos físicos.

36

A pedagogia utilizada pelos professores jesuítas se baseava na memorização,

repetição e na obediência. Ao professor cabia o papel da simples reprodução das

lições e, aos alunos, copiar tudo o que o professor ensinava.

Os filhos da população pobre não tinham acesso a essas escolas que eram

somente para órfãos portugueses e filhos da elite colonial. Depois das primeiras

letras, os abastados seguiam para a Europa a fim de cursar a faculdade; aos órfãos,

restavam dois caminhos: tornarem-se padres professores ou aventurar-se pelo novo

mundo.

Os jesuítas foram, praticamente, os únicos responsáveis pela educação no

Brasil por mais de duzentos anos, só deixando esse ofício a partir de 1759, quando

foram expulsos pelo Marques de Pombal que via, na grandiosidade das missões,

uma ameaça a seu governo absolutista.

Com a expulsão dos jesuítas, o Estado português assume a educação no

país. Essa escola continua sendo para os filhos da elite. A grande maioria das

crianças não tinha acesso à educação. O objetivo dessa instrução era formar mão

de obra masculina especializada para trabalhar no país, como funcionários públicos,

militares, funcionários do clero, entre outros.

Em 1827, foi instituída a primeira Lei Geral de Ensino. Essa lei obrigou o

poder público a criar escolas nas vilas e cidades mais populosas do império e as

meninas puderam, pela primeira vez, frequentar a escola. Porém o método de

ensino ainda era o mesmo da época dos jesuítas.

Observa-se que, em um período em que mais de 80% da população vivia no

campo, a primeira política pública de educação foi criada para atender a população

urbana do Brasil.

Dez anos após a criação da citada lei, foi inaugurado, no Rio de Janeiro, o

Colégio Imperador II, para atender a elite nacional; tal instituição era controlada pelo

próprio Imperador que escolhia desde os professores até o método de ensino a ser

praticado nessa escola.

Em 1874, em meio à efervescência republicana, aparecem no país várias

escolas desvinculadas do Estado, entre estas: as particulares, as femininas e as

protestantes. Com a expansão cafeeira e os altos lucros advindos da venda do café,

muitos fazendeiros passaram a investir na industrialização. Tal fato ocasiona a

urbanização. Para suprir a total ausência de mão de obra especializada para

37

trabalhar nessas tímidas, mas promissoras indústrias, são criadas as Escolas

Técnicas.

A proclamação da República em 1889 provocou várias mudanças no país,

entre elas a insurgência de novas políticas públicas para a educação. O governo

republicano passou a promover uma reformulação no Ensino Primário e Normal,

criando uma rede de Escolas Normais e complementares. Um ano antes da

promulgação da primeira Constituição Republicana, a Igreja foi separada do Estado,

laiciza a sociedade e a educação. O novo texto constitucional elimina o voto por

renda e institui o voto do cidadão masculino, desde que este fosse alfabetizado.

O final da Primeira Guerra Mundial acelerou a industrialização em vários

países americanos, inclusive, no Brasil. A procura por mão de obra aumentou.

Nesse período, a educação foi discutida como sinônimo de desenvolvimento. Surgiu,

então, o movimento da Escola Nova.

Nessa época, a educação passou a ser a qualificadora, formadora dessa mão

de obra. O aluno nesse momento é visto como um consumidor do sistema

educacional. Não havia preocupação em formar para a vida, mas sim para a mão de

obra barata, alienada e necessária ao capital. As políticas públicas educacionais

começaram a primar por novos métodos e reformulou-se o currículo para atender a

essa nova realidade.

O movimento da Escola Nova fez surgir, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros

que defendia, entre outros, o direito à universalização da escola pública, laica e

gratuita.

Vimos até o presente momento, neste texto, que, apesar de a educação no

Brasil ter surgido em meio aos indígenas, portanto, no campo, esta não foi

contemplada, fosse ela chamada de rural ou do campo, nas primeiras constituições

do país, nem no Império e, muito menos, nos primórdios da República, como afirma

Leite:

[...] a sociedade brasileira somente despertou para a educação rural por ocasião do forte movimento migratório interno dos anos 1910 - 1920, quando um grande número de rurícolas deixou o campo em busca das áreas onde se iniciava um processo de industrialização mais amplo (LEITE, 1999, p. 28).

Surgiu, nesse período, o ruralismo pedagógico, um movimento visionário que

sugeria a propagação dos valores nacionalistas de crescimento econômico via

38

educação. Como nesse período a maior parte da população brasileira vivia no

campo, fez-se necessária e urgente a criação de várias escolas nas zonas rurais.

No que se refere ao histórico da educação do campo, não se pode negar a

grande influência desse movimento, na proposta de educação do MST, apresentada

vários anos mais tarde. Desse modo, ambos os movimentos entendiam que a

pedagogia poderia ser um mecanismo de fixação do trabalhador no campo (NETO,

2005).

Embora a educação rural fosse defendida desde 1910, foi somente a partir da

Revolução de 1930, no Governo de Getúlio Vargas, que o ensino rural ganhou

destaque.

A preocupação com a educação a ser oferecida no meio rural só ocorreu no

início da Nova República, quando ela entra, pela primeira vez, no ordenamento

jurídico brasileiro.

Entretanto, essa iniciativa veio das elites da época por vários motivos de

ordem social e econômica, entre estes se podem destacar dois que tiveram maior

propulsão e provocaram iniciativas quanto à legislação educacional para a zona

rural: o esvaziamento do campo, resultando em falta de mão de obra e o

“inchamento” das cidades que resultou em problemas sociais graves os quais

aterrorizavam as elites urbanas.

Assim, o governo se viu obrigado a criar as primeiras políticas públicas de

educação para as zonas rurais, a fim de conter a migração campo-cidade e

aumentar a produtividade no campo, com a volta desses sujeitos.

Nesse cenário, institucionalizam-se as “escolinhas rurais” com financiamento

advindo da União. Esse amparo legal não demorou muito tempo, pois com a

implantação do Estado Novo, em 1937, uma nova Carta Magna foi redigida e, nela,

a educação oferecida no campo voltou a ser financiada pelos patronatos, isto é, os

grandes fazendeiros.

Estes, por sua vez, criavam em suas propriedades escolas rurais onde as

professoras lecionavam sob suas “rédeas.” Muitas destas sendo suas proles e

ofereciam às crianças camponesas uma educação rural repleta de intencionalidades

capitalistas latifundiárias, como se observa no art. 132.

Art. 132 - O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis, tendo umas; e outras

39

por fim organizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim como promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-la ao cumprimento, dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação (BRASIL, Constituição Federal de 1937).

Nessa mesma Constituição, em seu art. 130, é instituído o Ensino Primário

gratuito e obrigatório, assim como a criação da “caixa escolar” sob o pretexto de

uma contribuição módica e mensal, em nome da solidariedade com os mais

necessitados.

Durante a década de 1940, foi criado no Brasil, sob a forte influência norte-

americana, a Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais.

Nesse período, foram instaladas, em várias regiões, as Missões Rurais, e, para dar

suporte a essas, foi criada a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural. As

políticas governamentais nesse período eram marcadas pelo entendimento do

camponês como carente, subnutrido, pobre e ignorante.

Com o fim da Segunda Guerra e do Estado Novo, foi redigida uma nova

Constituição (1946). Nesta, a educação na zona rural foi tratada como ensino

agrícola, inserida na Lei Orgânica criada pelo decreto-lei 9613, de 20 de agosto de

1946 que tinha, como meta, a formação dos sujeitos do campo para o trabalho na

agricultura.

A nova carta retomou o incremento ao ensino na zona rural, porém não mais

com financiamento público, como era na Constituição de 1934. Amparado

legalmente pela nova Carta Magna, o Estado transferiu, às empresas privadas,

principalmente, às agrícolas, a responsabilidade pelo financiamento dessa educação

oferecida na zona rural, como se observa em seu art. 168, cap.III:

Art. 168 – A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve-se inspirar nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. [...] III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos

destes (BRASIL, Constituição Federal de 1946).

O texto constitucional acima demonstra claramente o descaso do Estado com

a educação rural, pois a deixa, apesar de sua obrigatoriedade, subordinada aos

interesses econômicos das empresas agrícolas.

Esse descaso do poder público, em relação à educação popular no meio

rural, levou sua população a começar a se organizar e articular por conta própria a

40

criação de escolas. Contando, muitas vezes, com apoio de educadores, sindicatos,

partidos de esquerda, Igreja e, principalmente, dos movimentos sociais insurgentes

no cenário brasileiro que lutavam pela Reforma Agrária.

Dentre estes, destacam-se, como principais, as Ligas Camponesas, que

lutavam pela aprovação e legalização das Reformas de Bases, propostas pelo então

presidente João Goulart, que propunha, dentre outras mudanças na constituição, a

Reforma Agrária e a criação do estatuto do trabalhador rural, por meio do qual os

direitos trabalhistas seriam iguais para todos do país, fossem eles do campo ou da

cidade.

As Ligas Camponesas foram as grandes impulsionadoras do Movimento pela

Reforma Agrária no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, pois constituíram um dos

principais movimentos sociais e políticos que apoiaram as Reformas de Base de

João Goulart. Essas ligas angariavam apoio junto a pequenos produtores rurais e

famílias de trabalhadores sem-terra que viviam pagando arrendamento a grandes

latifundiários.

Parte desse fundo ia para a construção de escolas para os filhos dos

trabalhadores rurais. Em 1950, foi criada a Campanha Nacional de Educação Rural

e o Serviço Social Rural, cuja preocupação era voltada à formação de técnicos

responsáveis pelo desenvolvimento de projetos de educação de base e programas

de melhoria de vida, mas não discutia, efetivamente, a origem dos problemas vividos

no campo (LEITE, 1999).

No ano seguinte, foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n.

4024/61) que repassou, aos municípios, a reponsabilidade com a Educação

Fundamental rural no país.

Com o golpe militar, em 1964, toda ajuda educacional oriunda de qualquer

tipo de movimento ou sindicato foi proibida. A política educacional passou a sofrer

um processo de mudanças. Os movimentos sociais foram coibidos, os sindicatos

que representavam os movimentos populares foram fechados (LEITE, 1999).

Qualquer pessoa ou grupo que representasse, de alguma maneira, os direitos

do povo era perseguido, preso, ou desaparecia. Entre esses, estavam os líderes dos

movimentos sociais do campo e educadores que mantinham compromisso com

projetos de educação popular, fosse ele no campo ou na cidade.

41

Passados três anos do golpe, foi consolidada uma nova Constituição para o

país que repassava, às empresas agrícolas, a obrigação de oferecer na forma da Lei

o Ensino Primário gratuito a seus empregados e aos filhos destes.

No ano de 1969, foi aprovada uma emenda constitucional que mantinha

basicamente as mesmas normas para a educação no país. A novidade se restringia

ao aumento da oferta que se estendia dos sete aos quatorzes anos, além de deixar,

a critério das empresas, possibilitarem o ensino diretamente aos seus funcionários

ou de forma indireta, mediante a contribuição destas com o salário educação.

Tanto a Constituição de 1967 quanto a emenda de 1969 não obrigava as

empresas agrícolas a universalizar a educação no meio rural, menos ainda a

promover as mínimas condições de aprendizagem para os sujeitos do campo.

Enquanto nas cidades exigia-se das empresas comerciais e industriais que

preparassem mão de obra especializada, dando aos estudantes condições

estruturais para isso, nas zonas rurais bastava apenas que se ensinassem as

primeiras letras, pois, na visão da poder público da época, como afirma Arroyo:

Para mexer com a enxada não precisa de muitas letras. Para sobreviver com uns trocados, para não levar manta na feira, não precisa de muitas letras. Em nossa história domina a imagem de que a escola no campo tem que ser apenas a escolinha rural das primeiras letras. A escolinha cai não cai, onde uma professora que quase não sabe ler ensina alguém a não saber quase ler (ARROYO, 1999, p. 11).

Observa-se que a maior preocupação dos militares com a educação se dirigia

à formação rápida de mão de obra para trabalhar nas indústrias internacionais que

chegavam ao Brasil quase que diariamente. Essas empresas que aqui se instalavam

tinham, entre outros objetivos, a procura por mão de obra barata, porém

especializada, para atender a seus interesses capitalistas.

Ao campo, restava a produção em larga escala de matérias-primas para

essas indústrias. Era o início da Revolução Verde no país que, patrocinada por

grandes multinacionais, ancorava-se em dois princípios: que o campo brasileiro

oferecesse matérias-primas baratas e a expansão de seu mercado consumidor.

Dessa forma, fortaleciam a corporação com vendas de verdadeiros pacotes

de insumos agrícolas, principalmente para países em desenvolvimento como Brasil.

Para atender a tal intuito, não era necessário oferecer ao trabalhador do campo uma

42

educação especializada como se exigia nas cidades, pois, nesse período, o trabalho

na zona rural ainda era bem rústico e sem tecnologia.

Consequentemente, não se exigia, do trabalhador, uma educação mais

aprofundada; bastavam aos sujeitos do campo somente as primeiras letras. Assim,

as escolas rurais só permaneciam em cumprimento ao que estava subscrito na lei.

A partir de 1970, as insatisfações com o autoritarismo militar começaram a

tomar conta do país. Organizações sindicais e movimentos sociais voltaram ao

cenário brasileiro, ainda que na clandestinidade. A Revolução Verde aumentou

ainda mais o latifúndio no país. A modernização do campo expulsava milhares desse

ambiente diariamente. Os que permaneciam se submetiam a trabalhos escravos,

pois não havia uma legislação que os protegesse. A educação na zona rural era

oferecida com uma forte intencionalidade capitalista.

A industrialização via capital estrangeiro no país crescia ferozmente, e essas

indústrias necessitavam de mão de obra especializada para lidar com as tecnologias

das máquinas. Nesse cenário, surgiu a Lei 5.692/71 que regulamentou o Ensino de

Primeiro e Segundo Graus (LDB, 1971).

Entre outras determinações, ampliou-se a obrigatoriedade escolar de quatro

para oito anos, aglutina-se o antigo Primário com o Ginasial, suprimindo o Exame de

Admissão e criando a escola única profissionalizante.

Observa-se que a nova LDB centrou mudanças, exclusivamente, no ensino

urbano para atender à demanda por mão de obra; por isso, a lei criou, entre outros

artigos, o que estabelecia a criação do Segundo Grau (Ensino Médio).

Neste caso, sendo sua característica principal a formação de cunho

profissionalizante, um ensino tecnicista, com metodologia taylorista fordista, fazendo

com que a educação contribuísse para o desenvolvimento econômico do país, ou

seja, colocando a educação a serviço do mercado.

Como no campo não havia nem indústrias nem leis que protegessem os seus

trabalhadores, nenhuma mudança significativa foi proposta por essa lei e a

educação dos seus sujeitos permaneceu com os mesmos regulamentos da Lei

4024/61.

A década de 1970 foi o período mais repressivo e violento da ditadura militar.

Os movimentos contra a ditadura cresciam nas cidades e também no campo.

Expulsos da terra, milhares de camponeses marchavam para as cidades em busca

de emprego, dando início a um período de intenso êxodo rural no Brasil.

43

Apesar de toda repressão e violência, essa foi também uma década de

grandes manifestações no campo. Os camponeses começam a utilizar um método,

até então, desconhecido na luta pela Reforma Agrária no país – a ocupação de

terras; nascia, assim, o mais organizado movimento de trabalhadores sem terras na

nação: O Movimento Sem Terra (MST).

Surgidas no Rio Grande do Sul, no final dos anos de 1970, essas ocupações

realizadas nesse Estado vieram somar a outras nos Estados vizinhos de Santa

Catarina e aos conflitos de terras no Paraná. Tais ocupações, decorrentes da

desapropriação de famílias camponesas para a construção da usina de Itaipu, as

quais entraram em conflito com o governo militar para conseguir novas terras.

Sendo o Sul do país o berço do MST, o Paraná foi o primeiro Estado a sediar

a luta. Os expulsos da área de Itaipu se juntaram a outros sem terra e formaram,

inicialmente, o Movimento de Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paraná

(MASTES). Simultaneamente, várias frentes de luta foram sendo organizadas país

afora (GARSKE, 2006)

Esse movimento culminou no ano de 1982, no primeiro encontro entre as

lideranças dos cinco Estados do Brasil, envolvidos na luta pela Reforma Agrária,

sendo eles: Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso

do Sul.

O encontro foi realizado na cidade de Medianeira no Estado do Paraná.

Desse primeiro embate, vários outros foram organizados para articular a luta do

Movimento. Segundo Garske (2006), nesse e nos demais encontros, já se

demonstrava a preocupação por parte dos sujeitos envolvidos no Movimento em se

criarem escolas nos acampamentos e assentamentos:

A luta pela criação de escola se desencadeia desde o período de gestação do MST, mais precisamente, no período compreendido entre 1980 e 1984, momento em que as famílias Sem Terra começaram a expressar uma de suas principais preocupações em permanecer nos acampamentos e assentamentos: a possibilidade do acesso de seus filhos à educação escolar, tendo em vista que, pela precariedade da oferta de escola no meio rural, os filhos dos trabalhadores se viam e, na maioria das regiões do país, se vêem ainda, obrigados a optar entre abandonar os estudos ou sair do meio rural para o meio urbano, distanciando-se, assim da família. As famílias, por sua vez, tanto necessitam da presença e do trabalho de seus filhos, quanto não têm condições de mantê-los na cidade, o que acabou gerando a necessidade de luta pela implantação da escola

44

no meio em que se propõem construir sua própria vida, no caso, o meio rural. (GARSKE, 2006, p. 157).

Esses encontros tinham, entre outros, o objetivo de criar uma articulação

entre as diversas lutas que vinham ocorrendo no país, fato que veio a ocorrer dois

anos mais tarde em um encontro de representantes dos diversos movimentos na

cidade de Cascavel no Paraná.

Desse modo, surgiu em Cascavel no ano de 1984 o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. A consolidação do movimento reforçou as

lutas, aumentando, o número de ocupações e acampamentos (GARSKE, 2006)

As ocupações articuladas pelo Movimento forçaram ações do Estado em

favor dos sem-terra, e outros segmentos, até mesmo sindicais, como é caso da

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), também

começaram a se utilizar desta forma de luta (ocupação de terra).

Com o sucesso das apropriações, forçando o governo a assentar esses

trabalhadores, o Movimento passou a ser engrossado por muitos outros cidadãos

brasileiros: desempregados urbanos, boias-frias, agricultores falidos expulsos de

suas terras, favelados, dentre outros. O Movimento mudou de luta social pela

Reforma Agrária a movimento político e ideológico.

O MST passou a lutar não somente pela terra, mas por seus direitos enquanto

cidadãos. Observe, na narrativa de Gaia, um dos sujeitos desta pesquisa, o porquê

dessa mudança:

Quando fui assentada dei de cara com dezenas de pessoas ali que não sabia sequer assinar o nome. Pensei comigo: Meu Deus, não pode isso, essas pessoas não precisam só de terra, mas também de conhecimento para lidar com a burocracia em torno dela e só a educação pode lhes preparar para isso. Vou alfabetizá-los. (Gaia, entrevista narrativa, 2013).2

A discussão em torno da Reforma Agrária começou a incorporar novos

elementos, entre eles, a educação, criando, em 1983, segundo Garske (2006, p.

159), a “primeira escola de que se tem registro num assentamento situado no

município de Nova Ronda Alta, localizado no Estado do Rio Grande do Sul, e, em

1984, no Espírito Santo.”

Ainda segundo a autora:

2 O restante dessas narrativas e seus desdobramentos encontram-se no corpo deste trabalho no capítulo oito.

45

No ano de 1985, as famílias acampadas na Fazenda Anonni, situada no município de Pontão, no Rio Grande do Sul, entendendo a necessidade vital do trabalho educativo para as crianças do acampamento, tomaram para si a tarefa de educá-las, desencadeando-se daí a deflagração do que se pode compreender, efetivamente, como a primeira mobilização por educação escolar no MST (GARSKE, 2006, p. 159).

Essa deflagração tira a Educação do Campo da marginalização, no momento

em que passa a utilizá-la como meio para a politização de seus integrantes. Os

líderes do MST, amparados na Pedagogia do Oprimido, de Freire (1987),

começavam a pensar ser essa a melhor e mais viável pedagogia para libertar o povo

oprimido do campo por intermédio da educação.

Tem-se em vista que a educação rural, na época, oferecida aos sujeitos do

campo, estava fortemente amparada por um sistema alienador, servindo ao capital

como um canal de perpetuação da ideologia capitalista e nada tinha de libertadora.

Uma educação com forte intencionalidade capitalista perversa, cujo objetivo era

manter os sujeitos no campo, como mão-de-obra, controlando-os por meio da pouca

educação que recebiam.

As políticas públicas educacionais para essas escolas eram impiedosas,

compensatórias, assistencialistas, manipuladoras, coercivas que serviam para

reproduzir os ideais do capitalismo. Logo, desconsiderava a realidade dos sujeitos

do campo, alimentava a competitividade, o individualismo, ou seja, uma educação

puramente instrumental reprodutivista que, de acordo com Ghedin (2012, p. 11), “foi

resultado do cumprimento de um papel de reprodução e legitimação social.” E ainda,

segundo o autor, situa-se atualmente nessa lógica reprodutivista:

[...] a maioria dos sistemas educativos direcionados a uma formação fundamentalmente profissional, sob uma manifesta hierarquização universitária, instrumento para aprofundar uma sociedade estratificada sob parâmetros de divisão social do trabalho (GHEDIN, 2012, p. 11).

Assim, vimos nascerem, juntamente com o MST, novos atores

protagonizados pelos sujeitos do campo no cenário político e cultural do país. Esses

novos protagonistas se mostravam politizados e exigiam respeito a sua diversidade,

46

quebravam o silêncio e o esquecimento de séculos por parte dos órgãos

governamentais.

E, deste modo, passavam a lutar e exigir, como cidadãos de direitos, uma

escola do campo que não fosse apenas um arremedo da escola urbana e, sim, uma

escola que estivesse atenta aos seus sujeitos específicos.

Uma escola que, de acordo com Fernandes (1999, p. 34), defenda “os

interesses, a política, a cultura e a economia da agricultura camponesa, que

construa conhecimentos e tecnologias na direção do desenvolvimento social e

econômico dessa população.”

A promulgação da Constituição Federal de 1988 ofereceu, ao Movimento,

amparo legal para pensar uma educação que melhor representasse seus ideais,

quando, em seu artigo quinto, estabelece que todos são iguais perante a lei e, em

seu artigo 205, afirma que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da

família.”

Amparado pela lei, o MST passou a pressionar para ser discutida, no

Congresso Nacional, uma concepção de educação que levasse em conta suas

demandas, que respeitasse seus saberes, a sua cultura, os seus valores, as

especificidades e as particularidades do lugar onde eles vivem e sobrevivem. Uma

educação que não mais fosse pensada para os sujeitos do campo, mas sim, com,

pelos e dos sujeitos do campo, uma educação do e no campo.

Como afirma Caldart (2004, p. 149), “no: o povo tem direito a ser educado no

lugar onde vive; do: o povo tem direito a uma educação pensada no seu lugar e com

a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e

sociais.”

Partindo da concepção de que a educação é um direito de todos e um dever

do Estado, o movimento ganhou sua primeira conquista com a implementação da

nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - 9394/96) quando,

em seu artigo 28, estabeleceu as seguintes bases para a educação no meio rural:

Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino proverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I-conteúdos curriculares e metodologia apropriada às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II- organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;

47

III- adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, LDB, 1996, artº. 28, p. 25).

Apesar de não se referir ainda à Educação do Campo e, sim, rural, a nova

LDBN reservou, em seu artigo 28, o direito à igualdade e o respeito às diferenças do

campo, algo nunca observado nas leis anteriores.

Destacada a importância da educação enquanto instrumento de libertação

dentro do Movimento, somada a esta a vitória na legislação, vários encontros

informais foram organizados para a reflexão sobre qual pedagogia responderia

melhor aos anseios do povo do campo.

Desses encontros, nasceu em 1997, o primeiro Encontro Nacional de

educadoras e educadores da Reforma Agrária (ENERA), promovido pelo Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ao término do ENERA, uma comissão

foi organizada para discutir, juntamente com a sociedade civil e demais movimentos

sociais, a realização da I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do

Campo, que foi realizada em Luziânia no Estado de Goiás no ano de 1998.

Este processo preparatório envolveu a realização de 23 encontros estaduais, onde diversas pessoas, instituições e movimentos sociais que trabalham com educação no meio rural se reuniram para trocar experiências e analisar dificuldades comuns. Foram avaliadas as melhores experiências educacionais existentes na área rural, nas seguintes áreas de atuação: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e profissional e educação de jovens e adultos. Neste sentido, orientada pela preocupação de viabilizar a construção de um novo Projeto Nacional, é que as reflexões sobre a elaboração de uma proposta de educação do campo devem contribuir para colocar a importância do meio rural na agenda política do país. (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999, p. 2).

Essas discussões resultaram, entre outras propostas, na criação do Programa

Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Depois de um longo e

tenso processo de negociações, o Programa Nacional de Educação na Reforma

Agrária foi instituído em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria nº 10/98, do então

Ministério Extraordinário da Política Fundiária.

Entretanto, cabe dizer que a primeira política de educação dos sujeitos do

campo é originária de outro Ministério que não o da Educação, mas que representou

um extraordinário avanço para os movimentos sociais.

48

Após esse processo, foi definida a data para o evento, sendo promovido em

conjunto com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Movimento

dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), o Fundo das Nações Unidas para a

Infância (UNICEF), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e

Tecnologia (UNESCO) e Universidade de Brasília (UnB).

Ficou estabelecida nessa conferência a substituição do termo “rural” por

“campo.” Segundo Caldart (2004, p. 10), a conferência inaugurou uma “nova

referência para o debate e a mobilização popular: Educação do Campo e não mais

educação rural ou educação para o meio rural.”

Os resultados da conferência não tardaram a aparecer, pois, quatro anos

depois, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação a primeira política pública

para a Educação do Campo: as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas

Escolas do Campo, Resolução CNE/CEB, n. 1, de 03 de abril de 2002.

Esta, por sua vez, com bases legais, regulamentou os procedimentos que

visavam adequar, segundo seu artigo 2, o projeto institucional das escolas do campo

às Diretrizes Curriculares Nacionais em todas as modalidades de ensino e ainda

definiu, no mesmo artigo, a identidade das escolas do campo no Brasil ( 2002):

Art. 2 - Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva do País (BRASIL, 2002, p.37).

Dois anos depois, em fevereiro de 2004, foi incorporada a estrutura do

Ministério da Educação e Cultura (MEC) à Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade (SECAD), que conta com a Coordenação Geral da

Educação do Campo. De dois a seis de agosto desse mesmo ano, aconteceu

novamente, em Luziânia-GO, a II Conferência Nacional Por Uma Educação do

Campo, com a presença de 1.100 participantes, representando:

Movimentos Sociais, Movimento Sindical e Organizações Sociais de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo e da Educação; Universidades, ONGs e Centros Familiares de Formação por Alternância; secretarias estaduais e municipais de educação e outros órgãos de gestão pública com atuação vinculada à educação e ao

49

campo; trabalhadores e trabalhadoras do campo, educadoras e educadores, educandas e educandos de comunidades camponesas, ribeirinhas, pesqueiras e extrativistas, de assalariados, quilombolas e povos indígenas. (MST, 2004, p. 01).

Quatro anos mais tarde, foi criada a Resolução nº 2, de 28 de abril de 2008,

estabelecendo as diretrizes complementares, normas e princípios para o

atendimento de políticas públicas para a Educação Básica do Campo no país.

Art. 1º A Educação do Campo compreende a Educação Básica em suas etapas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio e destina-se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de produção da vida - agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros. (BRASIL, 2008, p.01).

Observa-se na resolução que a legislação continua acentuando o respeito à

diversidade cultural das populações que compõem o campo brasileiro. Porém, na

prática, a lei ainda não se efetivou, principalmente, no que se refere à formação de

educadores para trabalhar com essa diversidade, de forma a contemplar a educação

pensada pelos movimentos sociais, pois, como se observou nesta pesquisa, os

professores não estão ainda recebendo formação específica para trabalhar com

essa realidade diversa que compõe os povos do campo.

Entretanto, a resolução traz dois pontos positivos para e Educação do

Campo: o primeiro é que, pela primeira vez, um documento oficial se refere ao termo

“Educação do Campo” e não mais educação rural; e o segundo é que, neste

primeiro artigo, o documento prima por uma educação que seja oferecida em seu

local de origem. Coíbe, assim, o uso indiscriminado do transporte escolar do campo

para as cidades o que causava, entre outros danos, o desenraizamento dos sujeitos

do campo e a perda de sua identidade.

No ano de 2010, foi sancionado pelo governo federal o Decreto nº 7.352, de

04 de novembro de 2010, que dispõe sobre a política de Educação do Campo e o

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).

Art. 1º A política de educação do campo destina-se à ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, e será desenvolvida pela União em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de

50

acordo com as diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação e o disposto neste Decreto. (BRASIL, 2010, p.01)

As maiores novidades desse decreto dizem respeito às redefinições da

população, assim como da escola do campo descrita em seu primeiro artigo, nos

itens I e II:

I - populações do campo: os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural; II - escola do campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situada em área urbana, desde que atenda predominantemente a populações do campo (BRASIL, 2010, p. 01).

Observa-se que, pela nova definição de população do campo, são citados,

além dos que já existiam, os assentados e acampados. Além do mais, a escola do

campo passa, pela nova lei, a ser compreendida como aquela que atenda essa nova

população, independentemente de sua localização geográfica.

Fernandes (1999, p. 33) corrobora com tal definição, ao afirmar que, na

concepção da escola do campo, a sua “localização é secundária, o que importa são

suas proximidades política e espacial com a realidade camponesa,” esteja essa

escola localizada no campo ou na cidade. Para o autor, o que está em questão é um

projeto de escola dos sujeitos do campo e não a sua localização.

O decreto nº 7.352 ainda criou, em 2012, o Programa Nacional de Educação

do Campo (PRONACAMPO) o qual se resume em um conjunto de ações do governo

federal que, segundo a CONTAG, é resultado da mobilização dos movimentos

sociais e sindicais do campo, para construção de referências de política nacional de

educação do campo, com apoio do MEC.

O PRONACAMPO propõe oferecer apoio técnico e suporte financeiro para

Estados e municípios implementarem suas respectivas políticas de Educação do

Campo, por meio de um conjunto de ações articuladas, que atendem às escolas do

campo e quilombolas, estando essas ações divididas em quatro eixos: gestão e

práticas pedagógicas, formação de professores, educação de jovens e adultos e

educação profissional, tecnológica e infraestrutura.

51

O programa sugere, com essas ações, trabalhar a educação contextualizada,

ou seja, promovendo a interação entre conhecimento científico e os saberes das

comunidades.

Diante de todo histórico apresentado, chega-se à conclusão de que, nesse

capítulo, os problemas relacionados à educação, principalmente à pública, estão

presentes tanto na zona urbana quanto na zona rural do Brasil. Entretanto, embora

por meio de muitas pressões da sociedade e dos organismos internacionais, no

intuito de formação para o trabalho, a educação nas cidades tem conquistado, nos

últimos anos, um respaldo legal e a educação oferecida aos sujeitos do campo

continua ocupando a periferia nas políticas públicas do país.

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, (1997), por exemplo, nada é citado

sobre educação do campo, trabalha-se puramente com referências urbanas,

desconsiderando-se mais de 15% da população brasileira.

De acordo com Garske, o grande desafio dos que lutam pela implantação de

uma política afirmativa de educação para o campo brasileiro:

[...] é o de construção de uma escola que entenda que por trás da indicação geográfica e da frieza dos dados estatísticos está uma parte considerável da população brasileira, que tem sua vida construída na zona rural, uma população dotada de sonhos, desejos, aspirações, angústias, utopias e que tem como perspectiva a construção de um projeto de educação que os prepare para que se articulem e se organizem e assumam a condição de sujeitos da direção de seu próprio destino (GARSKE, 2006 p.165).

Como mulher e professora do campo, penso que o dia em que esse sonho se

realizar, poder-se-á dizer que vivemos em uma sociedade igualitária, justa, uma

sociedade de direitos e as mesmas oportunidades para todos.

Pois, até então, o direito à igualdade, apregoado por nossa Carta Magna

(1988), desconsidera as complexas diferenças de nosso imenso território, tais como:

diferenças culturais, religiosas, étnicas, de gênero, sociais, econômicas. Diferenças

essas legitimadas pelos direitos humanos, os quais foram criados justamente para

nos assegurar o acesso à igualdade o que de fato não aconteceu.

52

5 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DO CAMPO: o direito à diferença

Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Boaventura de Souza Santos

O que me proponho neste capítulo é discutir o lugar das diferenças na

formação dos educadores e educandos do campo, dialogando com as políticas

públicas educacionais. E estas, para os sujeitos do campo, precisam ser

redirecionadas, partindo do princípio da igualdade e universalidade como assegura a

lei. Mas, ao mesmo tempo, devem também ser diferenciadas, a fim de que todos os

grupos sociais possam ter acesso aos direitos previstos nos documentos oficiais Portanto, enfatizo, a discussão em prol de políticas públicas afirmativas e

específicas para a Educação do Campo sob a óptica do MST, amparando-me, para

tanto, em autores que escrevem em defesa de uma educação diferenciada para a

população da zona rural, que justificam, em seus discursos e escritos, porque a

criação de políticas educacionais para o campo precisa ser vista à luz das diferenças

ou especificidades.

Vale ressaltar que a Educação do Campo é uma modalidade recente na

história educacional brasileira, uma vez que data de quase duas décadas apenas as

discussões e as pesquisas nessa área. Ela se fortaleceu ao longo dos anos, dentro

das legislações brasileiras, devido a pressões históricas do MST enquanto

movimento de cidadãos de direito.

Sendo assim, foi a compreensão de que o povo tem direito a ter direitos que

fundamentou a ação dos movimentos sociais a encampar as reivindicações por uma

educação que fosse pensada pelos próprios sujeitos do campo e não mais para

esses sujeitos.

Os movimentos sociais foram os primeiros a compreenderem e a ouvirem,

atenta e fielmente, as leis e a proclamá-las sonora e claramente por toda parte, e

assim o fizeram a partir da promulgação da CF/88 quando o Brasil deixou de ser

governado por ditadores e passou a ser uma nação democrática, estabelecendo a

igualdade a todos os seus cidadãos.

53

A Constituição Federal de 1988 rejeitou qualquer forma de discriminação, ao

proclamar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

sendo inviolável, entre outros, o direito de igualdade. Dessa forma, dentre os

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, está a promoção do bem

de todos, sem qualquer tipo de preconceitos ou discriminação.

Não se pode esquecer de que a luta pela igualdade entre a humanidade é

antiga e a primeira vitória dessa batalha foi no período Pós-Guerra com a criação da

Carta da Organização das Nações Unidas, quando ficou declarada a igualdade de

direitos entre todos os homens, sendo um desses direitos, o respeito às diferenças.

Determinou, ainda, o documento, que todos devem ser tratados iguais e não

de forma desigual, podendo implicar prejuízos, como é o caso da população do

campo que há mais de 500 anos sofre as marcas das desigualdades, da

discriminação, construída no decorrer da história.

Tal desigualdade se constituiu, ao longo desse tempo, em um grande mal,

cuja cura só poderia ser atingida por meio de um tratamento diferenciado. Daí,

segundo Santos (1999, p. 63), “a necessidade de uma igualdade que reconheça as

diferenças e de uma diferença que não produza, e/ou reproduza as desigualdades.”

No entanto, de acordo Candau (2008), para alguns grupos ou pessoas:

Afirmar a igualdade entre pessoas e grupos, muitas vezes parece negar as diferenças ou silenciá-las. Por outro lado, reconhecer as diferenças, em muitas situações, é visto como legitimar desigualdades ou enfraquecer a luta por superá-las. Esta tensão está presente na sociedade como um todo e se revela de modo especialmente agudo no campo educacional. (CANDAU, 2008, p. 47).

Assim, durante muito tempo, o poder público utilizou o princípio da igualdade

para negar, ao povo do campo, seus direitos mínimos, entre eles, o de uma

educação de qualidade. Essa marginalização propiciou a esses sujeitos uma

profunda e perversa desigualdade socioeconômica causada pelo desrespeito as

suas diferenças culturais, convertendo, segundo Molina (2009 p. 6), “as diferenças

em desigualdades.”

Para Molina (2009):

É intensa a relação entre as desigualdades econômicas e sociais, historicamente sofridas pelos sujeitos do campo, e a ausência do direito à educação no território rural. [...] A ausência de políticas

54

específicas para o campo é umas das principais causas dessa desigualdade. Historicamente, o campo sempre foi deixado de lado [...] Ainda há no imaginário brasileiro a ideia de que o campo não demanda políticas públicas, de que não se deve gastar dinheiro porque vai acabar. Mas o que a realidade mostra é que, pelo contrário, há um processo de dinamização das áreas rurais (MOLINA, 2009, p. 6).

Observa-se, ainda hoje, que, mesmo diante da imensa pressão dos

movimentos sociais por uma educação de qualidade para os sujeitos do campo, a

herança das desigualdades ainda se faz muito presente nesse meio, conforme pode

ser observado no gráfico abaixo, elaborado a partir do cruzamento de dados do

PRONACAMPO 2012 e do Observatório da Equidade, do Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) - Relatório de Observação nº 02, cujo

documento teve, como foco central de reflexão, as persistentes desigualdades

existentes no âmbito da garantia do direito à educação escolar aos sujeitos que

vivem no território rural do país.

Gráfico 7 - A falta de acesso do povo do campo à escola: desigualdades evidenciadas

Fonte: Gráfico elaborado pela autora a partir dos dados do PRONACAMPO (2012) e Observatório da equidade (2011)

O gráfico acima demonstra o imenso abismo que foi sendo produzido

gradativamente, por décadas, entre a situação educacional da população do campo

e da cidade.

Como se observa, somente 6,40% de crianças de zero a três anos possuem

atendimento escolar no campo, sendo que, na cidade, esse percentual quase

55

alcança os 20%. Na faixa de quatro a seis anos, são atendidas no campo 66% das

crianças; em contrapartida, são mais de 80% na cidade. Portanto, as taxas de

atendimento escolar das crianças nas duas faixas etárias deixam evidentes as

desigualdades entre campo e cidade.

O nível de instrução da população, na faixa de 25 a 34 anos, entre quem vive

no campo e na cidade, confirma o atual quadro da desigualdade de escolarização

entre as duas populações. Enquanto para a urbana, na faixa etária de 25 a 34 anos,

52,5% têm instrução completa de nível médio ou superior, no meio rural essa

condição só existe para 17%, segundo os dados da PNAD 2007.

A escolaridade média da população de 15 anos ou mais que vive na zona

rural é de 4,5 anos, enquanto no meio urbano, na mesma faixa etária, encontra-se

em 7,8 anos.

A percentagem de analfabetismo da população de 15 anos ou mais é de

23,3% na área rural, isto é, mais de três vezes superior àquela da zona urbana, que

se encontra em 7,6%.

Outros dados que o gráfico não traz, mas que foram apresentados por Molina

(2009), revelam que as desigualdades entre a educação oferecida na cidade e do

campo são imensas. De acordo com a autora:

[...] persiste precário e insuficiente acesso à Educação Básica no campo. A relação de matrícula, entre os anos iniciais e finais do ensino fundamental estabelece que, para 2,3 vagas nos anos iniciais, existe uma nos anos finais. Esse mesmo raciocínio pode ser feito com relação ao ensino médio, quando a situação é mais grave, com seis vagas nos anos finais do ensino fundamental para uma vaga no ensino médio. [...] As taxas de escolarização líquida são muito baixas. No ensino médio (15 a 17 anos) a área rural apresenta um índice de 30,6% enquanto na área urbana a escolarização líquida é de 52,2%; no ensino superior (18 a 24 anos) a área rural apresenta uma taxa de 3,2% enquanto na área urbana esta taxa é de 14,9%. [...] Às baixas taxas de escolarização líquida correspondem altos índices de distorção idade-série no campo, que já se manifestam no ensino fundamental e se agravam intensamente no ensino médio, registrando uma distorção de 55,8%, ou seja, mais da metade destes alunos estão atrasados com relação à série que deveriam estar frequentando. (MOLINA, 2009, p. 4-5).

Os indicadores acima confirmam, de forma clara e precisa, o quadro de

desigualdade entre a escolarização das pessoas que vivem nas cidades e aquelas

que vivem no campo, ficando, este último, sempre em desvantagem em todos os

56

números. Consequentemente, observam-se tais disparidades, entre os direitos da

população do campo e da cidade, em todas as esferas (educação, saúde,

transporte, lazer etc.).

Contudo, mesmo dentro do campo educacional, as desigualdades não se

restringem somente ao acesso, permanência e escolaridade; elas se expandem

também para a formação de seus educadores, tema abordado na pesquisa, a fim de

enfatizar as diferenças físicas e estruturais das escolas situadas no campo, como

apresentado no gráfico abaixo.

Gráfico 8 - Infraestrutura das escolas do campo no Brasil (PRONACAMPO 2012)

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados do documento PRONACAMPO (2012) e do relatório do Observatório da equidade (2011).

A leitura dos gráficos deixa evidentes as perversas desigualdades, às quais a

população do campo vem sendo submetida, ao longo da história de nosso país. Sob

a bandeira da igualdade, existe um fosso entre os direitos daqueles que vivem na

cidade e aqueles que no campo sobrevivem.

Assim, conforme Molina:

[...] a partir de uma análise retrospectiva sobre a situação da educação no país, pode-se constatar uma histórica ausência do Estado na oferta deste direito no meio rural. Na história brasileira registra-se que a implantação da escola no território rural deu-se tardiamente, e não contou com o suporte necessário do poder público, no seu processo de consolidação, fator que até a atualidade em muito contribui para manutenção de suas fragilidades. Por décadas e décadas, este padrão de atuação se manteve, produzindo um abismo entre a situação educacional do campo e da cidade (MOLINA, 2009, p.3).

57

Observa-se diante de todo o exposto que, historicamente, o campo brasileiro

sempre foi marginalizado. Suas diferenças nunca foram levadas em consideração na

elaboração das políticas públicas.

Por conseguinte, não se pensou em políticas públicas específicas para a

população do campo e esse fato, segundo Molina (2009), tem se constituído em

uma das principais causas geradoras das desigualdades no campo, principalmente,

no setor educacional.

Essas distinções são tamanhas que, se fôssemos explorá-las, resultariam em

uma rica tese. Diante disso, ressalta-se que os movimentos sociais, juntamente com

vários estudiosos da educação do campo no Brasil, lutam por políticas públicas

específicas para essa população tão diversa, deixando explícito, no 2º relatório

produzido pelo Observatório da Equidade (2009), cuja ideia defendida é de:

[...] um tratamento específico da educação do campo com dois argumentos básicos: - a importância da inclusão da população do campo na política educacional brasileira, como condição de construção de um projeto de educação, vinculado a um projeto de desenvolvimento nacional, soberano e justo; na situação atual esta inclusão somente poderá ser garantida através de uma política pública específica de acesso e permanência e do projeto político pedagógico; - a diversidade dos processos produtivos e culturais que são formadores dos sujeitos humanos e sociais do campo que precisam ser compreendidos e considerados na construção do projeto de educação do campo. (Declaração final da II Conferência Nacional Por uma Educação do Campo: Por uma política pública de Educação do Campo. 2004, p.8).

´

Diante desse contexto e considerando os capítulos I, II e III do artigo 206 da

Constituição brasileira, Molina (2008) argumenta que:

A elaboração de políticas públicas educacionais não pode prescindir dos dispositivos consagrados também no artigo 206 da Constituição. O princípio da igualdade de condições de acesso e permanência na escola, informado por este ditame constitucional, constitui diretriz que deve informar o conjunto das políticas educacionais. Ele é tomado como base para proposição de políticas afirmativas para efetiva garantia do direito à educação (MOLINA, 2008, p. 19).

As políticas públicas educacionais devem partir do princípio da igualdade,

serem universais, como assegura a lei, mas, ao mesmo tempo, devem também ser

diferenciadas, para que todos os grupos sociais possam ter acesso aos direitos

58

previstos nos documentos oficiais, como defende Duarte (2008, p. 25), ao dizer que

“se um grupo social tem mais dificuldade de acesso a direitos educacionais”,

consequentemente, “o Estado tem a obrigação de assegurar políticas diferenciadas

para assegurar o direito a essas pessoas, como é o que ocorre com a educação no

campo.”

Portanto, os movimentos sociais defendem uma educação diferenciada aos

sujeitos do campo, nunca desigual; neste sentido, assegura Molina (2008) que:

[...] o direito à diferença, aqui trabalhado, indica a necessidade de garantia de igualdade e universalidade, sem desrespeitar a diversidade encontrada no trato das questões culturais, políticas e econômicas do campo. O respeito à diferença pressupõe, assim, a oferta de condições diferentes. O que, no limite, garante a igualdade de direitos (MOLINA, 2008, p. 19).

A Constituição de 1988, por meio da LDBN, postula que a educação é um

direito de todos e um dever do Estado e este, por sua vez, deve se posicionar

ativamente, intervindo de forma a considerar políticas específicas para os grupos

sociais em situação desfavorável, como é o caso da diversidade populacional do

campo brasileiro onde há muitos excluídos de seus direitos enquanto cidadãos.

Acerca disso, Molina (2008) afirma que:

Temos que defender o direito à educação como direito universal, mas como direito concreto, histórico, datado, situado num lugar, numa forma de produção, neste caso da produção familiar, da produção agrícola no campo; seus sujeitos têm trajetórias humanas, de classe, de gênero, de etnia, de raça, em que vão se construindo como mulheres, indígenas, negros e negras, como trabalhadores, produtores do campo (MOLINA, 2008, p. 19).

Diante do exposto, compreende-se que, criar políticas que atendam à

Educação do Campo, de forma diferenciada, não é um privilégio, nem fere o direito

de igualdade assegurado pela CB/88.

A Educação do Campo deve ser diferente porque o campo é diferente, como

nos afirma Arroyo (2005). Por isso se faz necessário pensar para a população do

campo uma política pública educacional também diferente.

Essas políticas se fazem imprescindíveis e podem ser justificadas frente à

atual situação de desigualdade em que se encontra o povo trabalhador do campo.

Não se está falando, neste caso, de acesso a uma universidade específica ou a um

59

curso determinado, como ressalta Duarte (2008, p. 27), mas a garantia maior de

uma educação, “que reproduza todo o seu pluralismo, da manutenção e transmissão

de seus valores, de seus modos de vida, que são importantes para esse povo tão

plural que forma o campo brasileiro.”

Esse pluralismo deve ser levado em conta na elaboração de políticas públicas

para a Educação do Campo, como observa Caldart (2008, p. 54), ao afirmar que “os

sujeitos do campo são diversos e essa diversidade precisa ser incorporada em

nossa reflexão político-pedagógica.”

O país tem uma dívida com o povo trabalhador do campo e esta só será paga

com a elaboração de políticas públicas afirmativas que, como aponta Molina (2008,

p. 120), “sejam capazes de acelerar o processo de supressão das intensas

desigualdades no tocante à garantia de direitos existentes no meio rural brasileiro.”

Diante do cenário descrito, enfatizamos, neste capítulo, a defesa de políticas

públicas específicas para a Educação do Campo no país. Estas, por sua vez, devem

estar alicerçadas nas diversas especificidades que compõem os povos do campo

espalhados pelo imenso território nacional.

Conforme Caldart (2008, p. 46), historicamente, nas raras vezes em que “as

políticas educacionais brasileiras pensaram a especificidade da população

trabalhadora do campo sempre o fizeram na perspectiva do "para;" nem "com" e

muito menos "dos" trabalhadores.” Assim sendo, faz-se urgente e necessária a

criação e aprovação de políticas educacionais para o coletivo do campo, alicerçadas

nas diversidades. Corrobora, com tal pensamento, Caldart (2008), ao salientar que:

A Educação do Campo trata de uma especificidade; assume-se como especificidade: na discussão de país, de política pública, de educação. O que nos parece fundamental entender para não nos desviarmos da discussão de origem é que a especificidade de que trata a Educação do Campo é do campo, dos seus sujeitos e dos processos formadores em que estão socialmente envolvidos (CALDART, 2008, p. 47).

Logo, pensar em políticas públicas para a Educação do Campo,

partindo das especificidades de cada coletivo, sugere a negação aos pacotes

educacionais generalistas propostos pelos organismos internacionais liderados pelo

Banco Mundial, pois tais pacotes, como enfatiza Oliveira (2007, p. 2): “alteram a

realidade escolar e, particularmente, a relação entre trabalhadores docentes e

60

escola, o que tem colocado em risco a capacidade destas políticas de promoverem

justiça social.”

Esse modelo de educação imposto aos países, em forma de financiamento,

condiciona-os a um retorno carregado de visão voltada para o foco de interesse

econômico e político a ser concretizado por esses órgãos, ou seja, visa colocar o

sistema educacional do país a serviço do capitalismo.

Um modelo universal de educação que, segundo Beech (2009, p.37), é

promovido pelas agências multilaterais e se baseia em uma estrutura

mercadológica, em que “as agências multilaterais se convertem em uma fonte

significativa de autoridade (os recursos financeiros no caso do Banco Mundial)

capaz de legitimar uma agenda de políticas.”

Diante de tal modelo, a educação perde seu papel social, o mercado impõe

uma educação voltada ao individualismo competitivo, isto é, o instrumentalismo.

Para Mészaros (2008, p. 55), “o sistema educacional desde sua implantação tem

estado a serviço do capital como instrumento de dominação da classe popular.”

Nessa perspectiva, a educação dos sujeitos do campo que pertence a essa

classe não tem passado de simples mercadoria, da qual o sistema capitalista vem se

utilizando para mantê-los cativos aos seus interesses comerciais. De acordo com

Mészaros (2008, p. 27), “é necessário romper com a lógica do capital, se quisermos

contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente,”

como é o caso da proposta de Educação do Campo, defendido pelo MST.

No atual sistema de educação dos países latino-americanos, a reflexão, o

diálogo, a interpretação, papéis sociais da educação, têm perdido espaço e

desaparecido. É o que Ball (2001) chama de educação a serviço do mercado.

Conforme Mészaros (2008, p.55), a principal função da educação formal hoje

é agir como um “cão de guarda ex-officio e autoritário para induzir um conformismo

generalizado em determinados modos de internalização, de forma a subordiná-los

às exigências da ordem estabelecida.”

Para “as políticas educacionais, no continente latino-americano, tiveram, nas

últimas décadas, o objetivo de expansão da escolarização básica.” Portanto,

segundo Oliveira (2007, p. 2) essas “políticas vieram por meio de reformas em um

contexto de reestruturação do capitalismo” E isso, segundo a autora:

61

Altera a configuração dos sistemas educativos nos seus aspectos físicos e organizacionais, sob critérios de produtividade e excelência, expressando uma regulação que, embora dirigida à instituição pública e estatal, encontra-se fortemente ancorada no mercado (OLIVEIRA, 2007, p. 3).

Esse padrão de política pública educacional com características fortemente

mercadológicas, que desconsideram todos os tipos de diversidade, será insuficiente

para enfrentar a gravidade do panorama educacional no campo e, mais, será

insuficiente para suprimir as históricas exclusões sofridas pelos sujeitos do campo

no Brasil. Outro aspecto dessa política, levantado por Oliveira, leva-a a acreditar

que:

As diversidades e desigualdades sociais, raciais, regionais e culturais, expressas em termos políticos e econômicos, mostram que a fisionomia da nação pouco ou nada reflete da cara do povo. E os sistemas escolares, como produto desta organização nacional, não ficaram imunes a esse processo. Organizados a partir de modelos externos à experiência latina americana, tais sistemas refletem em si a estrutura desigual ambivalente dessa sociedade, o que resulta em conflitos de várias ordens (OLIVEIRA, 2007, p. 5).

Ante o exposto, justifica-se a luta árdua dos movimentos sociais pela

Educação do Campo, realizada pelo MST. Neste caso, em prol de uma instrução

que seja dos e não para os sujeitos do campo, em que o educar signifique muito

mais que alargar o exército de reserva proposto pelo BM, e educar signifique, acima

de tudo, formar o sujeito humano em todas as suas dimensões.

Sobre isto, concordo com Arroyo (2005, p. 46) quando diz que “somente nos

formamos sujeitos humanos, culturais, cognitivos, éticos, de memória, de emoção e

de indignação, no lugar, na terra.”

Em vista disso, lutar por políticas públicas para a Educação do Campo, na

concepção de Molina (2008), significa:

[...] lutar pelo alargamento da esfera pública, lutar para que a educação não se transforme como querem muitos hoje, em mercadoria, em um serviço, que só tem acesso quem pode comprar quem pode pagar. Lutar por políticas públicas para Educação do Campo significa lutar para ampliar a esfera do Estado, para não colocar a educação na esfera do mercado. (MOLINA, 2008, p. 18).

62

As políticas públicas para o povo do campo, na maioria das vezes, serviram

mais para marginalizá-los do que para ampará-los, uma vez que os mesmos nunca

puderam protagonizar sua própria história. Este cenário só começou a mudar a partir

da promulgação da Constituição Brasileira de 1988 que igualou todos os brasileiros

como sujeitos de direitos.

A formulação de políticas universais, generalistas, para a Educação do

Campo, sem levar em conta as diferenças que neste ambiente existem, está fadada

ao fracasso. Mas, de certo modo, essa é a intenção do capital, ao não subsidiar,

com leis específicas, uma educação de qualidade para a população do campo.

O MST foi o primeiro a perceber que os rumos das políticas agrárias só

evoluiriam a partir do momento em que também desenvolvesse a consciência dos

direitos políticos e sociais dos milhões que compunham o campo brasileiro e um dos

principais caminhos para alcançar tal intento seria por meio da educação.

A incansável “peleja” do MST tem mostrado a importância da luta pelas

políticas públicas de educação, além da luta por uma educação dos e não para os

sujeitos do campo. Assim sendo, há uma alienação educacional proposta nos

pacotes fraudulentos dos organismos internacionais, os quais possuem como intento

ignorar e subordinar as pessoas campesinas aos seus propósitos educacionais

capitalistas.

63

6 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO EM MATO

GROSSO: UMA CAMINHADA LENTA

O processo histórico da construção da Educação do Campo no Estado de

Mato Grosso não difere muito do restante do país, visto que as propostas de ensino

estadual sempre estão atreladas ao que rege a Carta Magna Nacional. Igualmente,

todo processo de marginalização, esquecimento e silenciamento em relação ao

campo no Estado repetiu-se, como em todo o país.

Em Mato Grosso, assim como nos demais Estados, o berço da Educação do

Campo é o MST e, assim sendo, a luta por uma educação significante para os

sujeitos do campo está inegavelmente ligada à luta pela terra. Do mesmo modo

como no restante da nação, os “frutos colhidos” por longos anos de reivindicações

dos povos do campo por uma educação de qualidade só começam a ser colhidos a

partir da Constituição de 1988.

Nesse sentido, para que possamos compreender os caminhos percorridos por

esta modalidade de ensino até os dias de hoje, faz-se necessário relembrarmos os

principais fatos que ocorreram ao longo dos anos na história da educação no

Estado.

Estudos desta pesquisa já mostraram que a história da educação no Brasil

esteve, e ainda está, a serviço do capital, de uma minoria que vem detendo o poder

desde os primórdios da colonização e que, de acordo com Mészáros (2008, p. 15),

“em lugar de instrumento de emancipação humana, a educação agora é mecanismo

de perpetuação e reprodução do sistema capitalista.”

Contra esta lógica perversa que atribui à educação uma mercadoria para a

dominação é que os movimentos sociais, neste caso, os do campo, vêm lutando

durante séculos, pois, para o MST, o ensino não pode ser instrumento de

dominação, nem a escola pode se tornar espaço para tal intento.

O Movimento prima por uma escola que represente o oposto dos ideais

dominantes. Uma educação que venha do povo e não apenas para o povo do

campo.

Em Mato Grosso, assim como no restante do país, a construção por

educação surge, assim, com a retomada, na década de 1930, pelo governo Vargas,

do processo de colonização intitulado “Marcha para o Oeste” cujo objetivo era a

64

expansão da fronteira agrícola do país, ocupando os “espaços vazios” e seu slogan

era “Terra sem homens, para homens sem terra” como afirma Reck:

Em Mato Grosso, e em certo sentido ocorre com mais intensidade em outros estados do Brasil, existe um amplo consenso sobre a situação e os problemas da educação do campo, e que no caso do Mato Grosso, a oferta dessa modalidade educativa constitui-se uma das atribuições das empresas colonizadoras, como parte da estratégia de “povoamento dos vazios demográficos”, uma vez que a escolarização já aparecia como reivindicação das classes populares (RECK, 2007, p. 15).

Esses trabalhadores, para trabalhar em terras alheias, passaram, a partir da

década de 1990, a engrossar o MST, não só lutando pela terra, mas exigindo que a

nova legislação garantisse o acesso a seus direitos fundamentais, bem como a

formulação de políticas públicas construídas a partir da sua realidade e

necessidades.

Vemos novamente que a Educação do Campo advém da conquista pela terra.

Um direito depende do outro. Não há terra sem uma educação que valorize seus

sujeitos, não há educação sem o direito digno de acesso e permanência na terra.

A história da Educação do Campo em Mato Grosso percorre a mesma

trajetória nacional, sendo, por muito tempo, negligenciada pelas políticas públicas

educacionais conforme aponta Nascimento (2002, p. 04) que, ao se referir à história

da educação no meio rural, alega que esta “esteve fora da agenda política do país”,

ou seja, “ignorada e marginalizada, pois sempre esteve reduzida à escolinha rural

voltada a ensinar as primeiras letras (visão utilitarista da educação)”; neste caso, “a

professora desqualificado-leiga e a massas de analfabetos/as.”

Em consonância com os discursos do governo federal que, na década de

1920, apontava a educação como propulsora do desenvolvimento do país em todos

os Estados, incluindo Mato Grosso, esse era o mesmo discurso sobre uma

educação a serviço do capitalismo.

Entretanto todas essas preocupações com a educação eram quase que,

exclusivamente, dirigidas às escolas das cidades, sendo as das localidades rurais

completamente esquecidas e, de certa maneira, o governo fazia questão de

menosprezá-las e qualificá-las de ineficientes frente às propostas de educação do

país, isolando-as e as distanciando ainda mais das políticas públicas específicas

para seus sujeitos.

65

No ano de 1927, com a reformulação da instrução pública, foi decretado (Art.

4 do Decreto nº 759, de 22 de abril de 1927) que o Ensino Público Primário em Mato

Grosso seria ministrado em escolas das seguintes categorias: “Escolas Isoladas

Rurais; Escolas Isoladas Urbanas; Escolas Isoladas Noturnas Escolas Reunidas,

Grupos Escolares” (REGULAMENTO, 1927, p.163). De acordo com esse novo

decreto, as escolas rurais, antes denominadas de escolas isoladas, passam a ser

chamadas de “Escolas Isoladas Rurais.”

Art. 5 – São rurais as escolas isoladas localizadas a mais de 3 quilômetros da sede do município. Art. 6 – A escola rural tem por fim ministrar a instrução primária rudimentar; seu curso é de dois anos e o programa constará de leitura, escrita, as quatro operações sobre números inteiros, noções de História Pátria, Corografia do Brasil e especialmente de Mato Grosso e noções de Higiene (MATO GROSSO, 1927).

Apesar de o decreto regulamentar a criação das Escolas Rurais no Estado,

estas continuam formando verdadeiros “soldados da pátria” como se pode notar em

seu Art. Sexto. Com esse currículo e ainda sendo oferecida por professores sem

nenhuma formação, a educação no meio rural é fadada ao fracasso.

O descaso do poder público em relação a essas escolas atingia tanto sua

organização pedagógica quanto sua estrutura para o desenvolvimento da docência.

Vários eram os fatores que contribuíam para que a educação dessas escolas não

vingasse, dentre esses: baixos salários, falta de moradia, instabilidade profissional,

inexistência de apoio educacional e total ausência de formação para seus

professores.

Mas era justamente isso que pretendiam as políticas educacionais para as

escolas rurais da época, ou seja, não oferecer nenhum suporte de estrutura nem de

formação para seus professores a fim de que o ensino oferecido aos sujeitos do

campo contemplasse os objetivos do poder do capital.

Para tal intento, como acontece em várias repartições hoje do governo, era

preciso sucatear a escola rural para depois fechá-la sob o pretexto de não

proporcionar resultado, como apresenta o discurso do governador do Estado,

Annibal Toledo em 1930:

Estou finalmente convencido de que o que se aproveita de fato no nosso ensino primário é a parte ministrada pelos Grupos Escolares e

66

pelas escolas isoladas situadas nos centros urbanos das cidades e vilas principais. O das escolas rurais e ambulantes é quase todo ineficiente, e a despesa respectiva inútil. [...] Por isso, estou deliberado a não prover as escolas rurais e ambulantes que forem se vagando e a tratar de criar imediatamente grupos e escolas reunidas onde quer que se tornem necessários (TOLEDO, 1930, p.3).

Observa-se, no discurso do governador, a perversidade com que são tratadas

as escolas no meio rural no Estado a partir de 1930. Segundo o discurso do mesmo,

as escolas que estão apresentando “resultados” são as urbanas. Sob esse pretexto,

vários colégios foram fechados, obrigando as famílias que queriam estudar seus

filhos a migrarem para a cidade. Era o sistema, expulsando das terras aqueles que

tinham feito todo o serviço pesado para a expansão do latifúndio.

Segundo dados do censo educacional de 1933, existiam, em Mato Grosso,

nessa época, 130 escolas rurais. Três anos mais tarde, o censo apontava um

crescimento no número de escolas rurais no Estado, passando para 149 unidades;

entretanto, o número de alunos matriculados nas escolas urbanas era quase o triplo

das escolas rurais como aponta o quadro a seguir:

Quadro 2 – Resultado do censo escolar de 1936 LOCALIZAÇÃO Nº DE ESCOLAS Nº DE

DOCENTES

Nº MATRÍCULAS

Urbanas 123 420 14.034

Distritais 33 35 1.425

Rurais 149 167 5.429

Total 305 622 20.888

Fonte: censo de 1936

Observa-se que, mesmo o governo fazendo de tudo para fechar as escolas

rurais, elas aumentavam, visto que a população mato-grossense naquele momento

se concentrava na zona rural. Essa população, em seu grande número, constituía-se

de colonos que trabalhavam em terras alheias, abrindo fazendas, desmatando para

o plantio de roças, muitos dos quais sem salários, atuando com sua família como

meeiros, parceiros e arrendatários nas terras dos fazendeiros.

Uma hipótese para o baixo número de alunos matriculados nas escolas rurais

se deve ao fato de que, nesse momento, havia grande número de crianças fora da

escola, trabalhando com seus pais para o sustento da família. Os dados indicam

67

ainda que a escola rural em Mato Grosso se caracterizava como escola unidocente,

em que um profissional da educação ministrava aulas simultaneamente para

diversas séries, com condições extremamente precárias para o desempenho de seu

trabalho.

Tal dado pode ser observado no quadro acima onde o número de professores

para as escolas rurais atingia um percentual de quase um professor por escola,

enquanto que, na zona urbana, eram em média mais de três professores por

escolas, além de contar com apoio educacional, como diretor, inspetor e agentes de

limpeza o que não se encontrava nas escolas localizadas nas zonas rurais, onde o

professor desempenhava sozinho todas essas tarefas.

Este foi o cenário da Educação do Campo em Mato Grosso, permeado por

abandono, dificuldades e contrastes entre a educação ministrada nas cidades e

aquela ministrada no campo. Esse quadro só passou a mudar na década de 1990,

com a ascensão dos movimentos sociais de luta pela Reforma Agrária, que exigiam,

entre outros, o direito a uma educação contextualizada com sua realidade e com

suas concepções de educação.

Devido às pressões do MST, resultando em assentamentos e acampamentos,

o número de matrículas no campo não tardou a aparecer no cenário mato-

grossense. Nos dados retirados do caderno das Orientações curriculares das diversidades

educacionais: Educação do Campo do estado de Mato Grosso, (2012) pode-se

observar o crescimento da oferta de matrícula no Ensino Fundamental, de 1997 a

2005, em 80,7%. No Ensino Médio, houve aumento de 704,3% nesse mesmo

período.

Na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, de 2001 a 2005, o

crescimento foi de 94,1% (Plano Estadual de Educação, Estado de Mato Grosso).

No ano de 2007, havia, no Estado de Mato Grosso, 119 Projetos de Assentamentos

de Reforma Agrária, localizados em 69 municípios, com 13.656 famílias, num total

de 147.713 mil hectares de terra.

Diante dessa nova realidade em que se encontrava o campo no Estado e em

consonância com os documentos da I Conferência Nacional por uma Educação

Básica no Campo, o movimento iniciou, a partir do ano 2000, juntamente com a

sociedade civil, universidades e SEDUC, encontros, seminários e profunda

discussão, a fim de refletir e trocar experiências de propostas para a constituição de

políticas públicas de Educação do Campo em Mato Grosso.

68

Toda essa mobilização resultou, em novembro de 2002, na aprovação pelo

Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso, do Parecer nº 202-B sobre a

Educação do Campo e, em agosto de 2003, por meio da Resolução nº 126/03,

instituíram-se as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo no

Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso.

Em 2004, realizou-se, em Cuiabá, o I Seminário de Educação do Campo, com

o apoio do MEC. Durante esse evento, foi elaborada pelos participantes uma carta

de intenções a serem desenvolvidas pelo Estado, as quais, segundo Reck, por

vários motivos não foram acatadas pelo então Governo do Estado.

No ano de 2005, foi apresentado, por Reck, à Secretaria de Políticas

Educacionais, sob sua coordenação, seu compromisso em organizar, no Estado,

uma equipe de Educação do Campo para discutir as ações propostas na carta de

intenções sugeridas em 2004. No final do ano de 2005, foi criada, dentro da SEDUC,

a gerência de Educação do Campo, sob a coordenação do Doutor em Educação,

Jair Reck.

Em 2006, oficializou-se a Coordenadoria de Educação do Campo na SEDUC

e, em parceria com a UNEMAT, realizou-se o II Seminário de Educação do Campo

na cidade de Sinop - MT, onde foi criado o Fórum Estadual de Educação do Campo

e aprovada uma Carta de Intenções que apontava para a necessidade da

formulação de Políticas Públicas específicas para a Educação do Campo.

Ainda em 2006, aconteceu em Cuiabá o Seminário Nacional de Educação do

Campo em parceria com: CONSED, MEC e SEDUC/MT. Desse seminário realizado

em de Mato Grosso, novamente saiu, a partir de Cuiabá para o país inteiro, uma

carta de compromisso para todos os Secretários de Educação dos demais Estados

se guiarem na elaboração de políticas públicas para a Educação do Campo no país.

Um mês depois desse Seminário foi institucionalizado por meio de Portaria o

Comitê Interinstitucional de Educação do Campo no Estado de Mato Grosso, cujo

objetivo era: discutir, propor, acompanhar e avaliar as políticas públicas de

Educação do Campo no Estado. As entidades membros desse comitê foram:

SEDUC, UNDIME, SINTEP, MST, INCRA, SEDER/EMPAER, UFMT, UNEMAT,

MPA, MMC, CEE, FETAGRI, CEEI, CPT E AL. Dois meses depois disso, foi

realizada no Estado de Mato Grosso a primeira formação de Educadores do Campo,

coordenada principalmente por lideranças do MST.

69

Foi, segundo Reck (2007), a primeira capacitação voltada, exclusivamente,

para os professores do campo e, como não podia deixar de ser, em vista do baixo

investimento do governo para trazer esses profissionais para tal curso, só puderam

vir, no máximo, três professores de cada escola. Participei dessa formação e, para

minha escola, só foi disponibilizada uma vaga. Durante esse encontro, tive o

despertar para as questões relacionadas à formação dos professores do campo.

Em 2007, foi oficializada a Gerência de Educação do Campo na SEDUC,

vinculada à Coordenadoria de Modalidades Especiais, Superintendência de

Educação Básica, por meio do Decreto nº 09, de 10 de janeiro de 2007. No mesmo

ano se constituiu uma comissão interinstitucional (SEDUC, CEE, UNDIME, ALMT,

AME, UFMT, UNEMAT), com a finalidade de elaborar o Plano Estadual de

Educação, aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso cujo

capítulo 11 é dedicado às regulamentações de funcionamento da Educação do

Campo no Estado.

Para colocar a Educação do Campo na legislação educacional mato-

grossense, foi preciso fazer um diagnóstico de como se encontrava a atual situação

dessa modalidade no Estado e constatou-se, nesse dossiê, que:

Parte da população do campo era atendida em escolas da zona urbana, utilizando transporte escolar. Este fato era prejudicial ao processo de ensino-aprendizagem tendo em vista a dificuldade na oferta de efetivo transporte, transporte de qualidade e a grande distância percorrida pelo estudante ensejando seu desgaste físico e mental. Outro fator a ser considerado é que a existência de transporte escolar de alunos do campo para a cidade transcorre ao avesso das políticas de fomentação da cultura campesina do país. As ausências de Escola do Campo e de política educacional específica são também lembradas, pois, nesse contexto, percebe-se historicamente o fluxo migratório campo-campo, cidade-campo e campo-cidade, muitas vezes caracterizado pela falta de estrutura. Na grande maioria das vezes o movimento se deu por falta de uma escola no campo, e fundamentalmente, por falta de uma política educacional específica de educação voltada para a sua realidade. (SEDUC/MT, 2012, p. 81).

Diante desse contexto e com forte pressão do MST, foram instituídas, por

meio da Resolução nº 126/03 – CEE/MT, as diretrizes operacionais para a

Educação Básica do Campo, no Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso,

reconhecendo:

70

A diversidade sociocultural e econômica das populações do campo e a necessidade de garantir atendimento diferenciado ao que é diferente, sem ser desigual e tendo em vista o disposto na Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB, e na Lei 9424, de 24 de dezembro de 1996, e no Plano Nacional de Educação – PNE, e na Lei Complementar n. 49 de 1º de outubro de 1998 e mediante o Parecer n. 202-B-CEB/CEE/MT, aprovado em 12.11.02, e por decisão da Plenária de 22.07.03. (CEE/MT 2003, p. 1).

Com a aprovação das diretrizes e diante do diagnóstico feito pela comissão

interinstitucional, o Estado propõe dez objetivos a serem alcançados para sanar as

lacunas da Educação do Campo em Mato Grosso:

1. Universalizar a oferta da educação básica no campo. 2. Garantir infraestrutura adequada para o acesso e a permanência dos alunos no campo. 3. Construir com as comunidades escolares locais uma proposta pedagógica voltada à realidade, superando a fragmentação do currículo e respeitando as diferentes metodologias que consideram os sujeitos com suas histórias e vivências, e as legislações que regem os sistemas de ensino. 4. Diversificar a oferta de cursos nas escolas do campo. 5. Melhorar a gestão nas escolas do campo. 6. Proporcionar formação específica para os profissionais da educação do campo. 7. Melhorar as condições de trabalho e perspectivas das educadoras e educadores que atuam nas escolas do campo. 8. Garantir espaços de debate para o fortalecimento da política de educação no campo. 9. Oportunizar ações pedagógicas diretamente relacionadas à realidade cotidiana do campo, com resultados práticos de melhoria da qualidade de vida. 10. Promover a pesquisa como meio de fortalecimento da educação do campo (CEE/MT 2003).

Passados dez anos da proposta desses objetivos, posso assegurar, como

conhecedora da realidade do campo, que boa parte deles ainda não foi alcançada,

principalmente, no que se refere à formação de seus professores.

Em 2007, O Plano Estadual de Educação, em conformidade com as Diretrizes

Nacionais, criou o Comitê Interinstitucional de Educação do Campo, publicado no

Diário Oficial do Estado em 30\08\2007, com o objetivo de discutir, propor,

acompanhar e avaliar a Educação Pública no Estado de Mato Grosso.

A partir de 2010, inicia-se a aprovação das Orientações Curriculares para a

Educação Básica em Mato Grosso. Em 2012, é publicado o caderno que trata das

71

diversidades educacionais do Estado, entre elas a Educação do Campo, elaborado

segundo o documento:

[...] com a participação e contribuição dos educadores, formadores dos CEFAPROS, das comunidades, dos Movimentos Sociais e dos estudantes, os quais residem em diferentes lugares do Estado de Mato Grosso, na perspectiva de um olhar de esperança para o futuro, pautados na utopia como algo realizável, com a qual é possível modificar o presente, ressignificando cada momento do nosso cotidiano. (SEDUC, 2012, p.88).

Sua proposta, como ressalta o documento (2012, p.74), “prima pelo respeito e

pela visibilidade dos educadores/educandos, permitindo que a partir de suas

experiências, sejam tecidas práticas educacionais que contemplem e valorizem os

diferentes contextos cotidianos e educacionais” do Estado.

Os últimos dados sobre a Educação do Campo em Mato Grosso foram

encontrados no recente censo no ano de 2012. As informações desse documento

traz um panorama sobre a Educação do Campo. Atualmente, em Mato Grosso,

existem 893 escolas do campo, representando 33% das instituições do Estado como

aponta o gráfico abaixo:

Gráfico 9- Distribuição das instituições educacionais em MT

Fonte: Censo 2012/SEDUC/MT

O gráfico assinala um percentual significativo de escolas do campo no

Estado, sendo que os municípios com maior concentração se encontram no norte do

Estado, onde há expressivo número de assentamentos.

72

Dessas instituições localizadas no campo mato-grossense, 201 são

estaduais, quatro são federais (IFMT), 685 são municipais e três são particulares

(Liceu Pedagógico São Francisco de Assis em Poxoréo/Vila Jarudore, Associação

Educacional de Paranaíta Walt Disney em Paranaíta e o Lar São Domingos Savio

em Rondonópolis/ Vila Naboreiro).

Gráfico 10 – Distribuição de escolas do campo por dependências administrativas

Fonte: Censo 2012/SEDUC/MT

Observa-se, no gráfico acima, que o maior número de escolas do campo no

Estado está sob a administração dos municípios e as privadas sob a administração

de ordens religiosas.

Apesar dos grandes avanços da Educação do Campo no Estado, assim como

no país ainda há entraves à implementação de uma educação que seja do e no

campo, pois, apesar do número expressivo de escolas do campo, a quantidade de

alunos matriculados nessas escolas ultrapassa pouco mais de 12% do total de

matrículas, como demonstra o gráfico abaixo. Isso se deve ao fato de que muitos

alunos que moram no campo continuam optando por estudar nas cidades, onde

acreditam ser o ensino de melhor qualidade, reforçando o estereótipo de que as

escolas do campo oferecem um ensino fraco e sem valor.

73

Gráfico 11 - Total de matrículas nas instituições escolares em MT

Fonte: Censo 2012/SEDUC/MT

Isto se deve ao fato do dualismo entre as escolas urbanas e as escolas do

campo, implantado por políticas públicas de cunho dominante no passado.

Atualmente, muitos alunos são transportados do campo para as escolas urbanas por

dois motivos: o primeiro é a não politização desses sujeitos em prol da valorização

da identidade da escola do campo e o outro se deve ao fato de as escolas

localizadas no campo mato-grossense não oferecerem, a seus alunos, o Ensino

Médio.

No ano de 2013, foi aprovada pelo Conselho Estadual de Educação a

resolução normativa nº 003/2013 que dispõe sobre a oferta de Educação do Campo

no Estado de Mato Grosso, deliberando a oferta do Ensino Médio no campo, e o

transporte escolar intracampo só transportando alunos para a cidade quando a

instituição não possua condições (educandos). A resolução ainda redefine o

conceito de população e escola do campo:

Populações do campo: acampados, arrendatários, assalariados rurais, assentados, comunidades camponesas, comunidades negras rurais, meeiros, agricultores, extrativistas, pescadores, posseiros, povos das florestas, reassentados, atingidos por barragens, ribeirinhos e comunidades tradicionais, vilas rurais, agrovilas e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural; II. Escola do campo: unidade educativa situada em área rural, assim caracterizada por dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situada em área urbana, e

74

que atenda predominantemente populações do campo (CEE/MT, 2013, art.1º, p. 1).

Pela nova Resolução, passa a constituir escolas do campo aquelas

localizadas nas cidades, mas que atendam as populações definidas no item I do

presente documento. E também que o transporte desses só ocorra em último caso,

quando a escola não puder oferecer a esses alunos o ensino em sua comunidade.

Diante do histórico acima exposto, não se podem negar os importantes

avanços conseguidos pelo MST em Mato Grosso no que se refere à educação a ser

oferecida aos sujeitos do campo. Porém, ainda, existem muitas lacunas nas leis que

impossibilitam a efetivação da educação proposta por este Movimento.

Dentre essas, destaco que uma das principais é a falta de política de

formação para seus professores. Durante muitos anos, nada tem sido feito pelo

poder público para oferecer, a esses professores, uma formação específica para

desenvolverem a docência no campo. Tal fato se deve, segundo Rocha (2001):

[...] ao descaso das políticas educacionais desse país com a educação no/do campo e passa pela análise de que a manutenção dos leigos no seu status quo ainda na atualidade satisfaz aos gestores pela falta de clareza que possuem devido à desatualização, a desinformação além da ausência da possibilidade de aprofundamento de estudos, consistindo em corpos dóceis para serem manipulados à mercê da anatomia dos políticos (ROCHA, 2001, p.3).

São inegáveis os investimentos que os governos do Estado têm aplicado nos

últimos anos na educação, mas, para as escolas do campo, esses investimentos

demoram a chegar e, em alguns casos, nunca chegam. Exemplo disso é o grande

número de escolas do campo sem nenhuma estrutura física de qualidade, não

possuindo laboratórios de informática, Ciências, quadra de esporte, salas

climatizadas, biblioteca, tudo isso previsto para as escolas do campo, na Resolução

003/2013 recém-aprovada pelo Conselho Estadual de Educação. Quem sabe, um

dia, tais determinações, sejam de fato, efetivadas nessas escolas.

75

7 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA ESCOLA DO CAMPO

A redemocratização do país na década de 1980, a nova conjuntura da LDBN

de 1996, juntamente com as pressões do MST lutando não só pela terra, mas

também por uma educação específica, isto é, por aqueles que passaram a ter direito

a terra, tudo isso resultou, dentro do próprio Movimento, em vários encontros

informais, cuja finalidade era a reflexão e discussão sobre o papel da educação a

ser oferecida a esses novos sujeitos, diante da conjuntura de mudanças de todas as

ordens pelas quais passava o país.

O fervor emergente dessas discussões levou os educadores e educadoras do

movimento a organizar o ENERA, já discutido nesta pesquisa. Para tanto,

promoveram, no referido encontro, um amplo debate sobre qual educação melhor

atenderia aos anseios do povo trabalhador do campo.

O encontro contou com o apoio, a participação e a parceria de várias

entidades, dentre elas: o Grupo de Trabalho de Apoio à Reforma Agrária da

Universidade de Brasília (GT-RA/UnB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST), representado pelo seu Setor de Educação, além do Fundo das Nações

Unidas para a Infância (UNICEF), do Fundo das Nações Unidas para a Ciência e

Cultura (UNESCO) e da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Três meses mais tarde, ainda no mesmo ano, representantes das

universidades localizadas em áreas com elevado número de assentamentos se

reuniram na Universidade de Brasília, no Distrito Federal, para fomentar as

discussões levantadas no ENERA, assim como para debater a participação das

instituições de Ensino Superior ali reunidas3 no processo educacional nos

assentamentos.

Os educadores do MST expuseram aos participantes desse encontro que um

dos problemas educacionais mais graves dentro dos assentamentos era o alto

índice de analfabetismo e os baixos níveis de escolarização dos assentados, além

do jogo de “empurra” entre os dirigentes municipais e estaduais em considerar os

assentamentos como áreas federais e, portanto, fora do âmbito de sua atuação.

3 - Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp)

76

Diante dessa realidade apresentada, foi eleito um grupo, cuja função era

elaborar um projeto educacional das instituições de Ensino Superior nos

assentamentos. O plano produzido por essa equipe foi exposto no III Fórum do

Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, nos dias 6 e 7 de novembro de

1997.

Em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria Nº. 10/98, o Ministério

Extraordinário de Política Fundiária criou o Programa Nacional de Educação na

Reforma Agrária (PRONERA) que tinha, entre outros objetivos, garantir a

escolaridade e a formação inicial e continuada de educadores para atuar na

promoção da educação nas áreas de Reforma Agrária. No ano de 2001, o Programa

foi incorporado ao INCRA, por meio da Portaria/INCRA/nº 837, aprovando a edição

de um novo Manual de Operações.

Em 2004, frente à necessidade de adequar o PRONERA às diretrizes

políticas do atual governo, que prioriza a educação em todos os níveis como um

direito social, foi elaborado o Manual de Operações, aprovado pela

Portaria/INCRA/Nº 282 de 16/4/2004.

Cabe, ainda, ressaltar que o PRONERA foi a primeira política pública para a

Educação do Campo no Brasil, embora tenha sido criada por outro Ministério que

não o da Educação, isto é, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA).

No ano seguinte à implantação do PRONERA, várias universidades passaram

a oferecer cursos de Pedagogia aos educadores do campo, dentre elas: a

Universidade Federal do Espírito Santo, a Universidade do Estado de Mato Grosso,

a Universidade Federal do Pará, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Em 2004, já existiam 16 turmas de

Pedagogia da Terra, em parceria com várias universidades públicas pelo país.

Diante do exposto, fica evidente a participação dos educadores da Reforma

Agrária no processo de construção de uma política de formação para seus

professores.

Passados 15 anos da criação do PRONERA e diante do alto índice de

assentamentos ocorridos no país nesse percurso, o programa, apesar de ser o que

melhor representa a formação de educadores e educadoras, para atuarem nas

áreas de Reforma Agrária, não está conseguindo suprir a demanda. Tal fragilidade

resulta na falta de professores para atuarem nessas áreas.

77

O enquadramento de várias escolas como instituições do campo agrava ainda

mais essa carência de docentes para atuarem no campo, uma vez que muitas

dessas escolas não estão localizadas em área de Reforma Agrária4 e, por isso, seus

professores não podem ser beneficiados com o PRONERA.

Restaram, a esses professores, as formações alternativas propostas tanto

pelo MEC quanto por instituições particulares, pelas quais optaram, mesmo sabendo

que a formação recebida nesses cursos não os prepararia para trabalharem com

toda a diversidade do campo, mas apenas assegurariam sua formação e

permanência na docência. Portanto, os professores do campo, apesar de todas as

adversidades que encontraram para se formarem, foram os que menos desistiram

de fazê-la (ROCHA, 2001).

O PRONACAMPO, lançado pelo governo federal em 2012, sinaliza uma

mudança nas propostas de formação para os professores do campo, pois, nesse

programa, está prevista também a formação de docentes, com oferta de

aperfeiçoamento para os que atuam no campo e nas regiões quilombolas.

Além disso, o PRONACAMPO tem como proposta apoiar a oferta de

formação inicial, continuada e Pós-Graduação para professores, gestores e

coordenadores pedagógicos que atuam na Educação Básica do campo. Segundo

dados desse documento, há, atualmente no país, 342.845 professores atuando na

zona rural. Desses, 182.526 possuem Ensino Superior, 156.190 o Ensino Médio e

4.127 ainda estão atuando somente com o Ensino Fundamental.

Em relação à formação de professores do campo, o MST (2012) considera as

propostas do programa como mais uma política paliativa do governo, já que esses

cursos não seguiram as diretrizes de desenvolvimento educacional propostas pelo

Movimento, e também seu currículo não contemplará as especificidades da docência

no campo e nem os saberes do campo que esses professores devem adquirir.

Enquanto professora do campo há mais de quinze anos, posso assegurar

com propriedade que, apesar de ter recebido formação alternativa em uma

universidade pública, à qual ia e voltava todos os dias do campo para a cidade, não

ouvi falar, em nenhum momento, nesses quatro anos de faculdade, sobre Educação

do Campo, mas minha convivência com essa realidade, ora como estudante e

4 São escolas localizadas em vilas, distritos, aldeias, quilombos e também, de acordo com o Decreto

nº 7.352, escolas urbanas que atendam as populações do campo.

78

atualmente como professora, preparou-me para um saber fazer que fui adquirindo

na prática no meu dia a dia.

Assim, todo o conteúdo absorvido na licenciatura de História era transportado

à realidade do campo, adaptado e ressignificado à vivência do campo, na

perspectiva de situar a criança e o homem do campo no seu espaço, sua cultura e

sua história. O ambiente do campo, minhas vivências e convivências nesse meio

permitiram-me transformar o currículo universal adquirido na universidade ao

particular do meio onde atuo, demonstrando que é possível fazer essa adaptação,

valorizando mais os saberes do campo do que os urbanos. O conhecimento se faz

em todo lugar, basta sabermos adaptá-lo à realidade na qual vivemos.

Portanto, procuro, a partir dos conhecimentos teórico-metodológicos que

adquiri na graduação, planejar os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula

sempre os adequando ao contexto real de necessidade de aprendizagem dos alunos

do campo, relacionando o currículo universal, proposto pelo MEC, a questões que se

referem ao cotidiano da vivência no campo. Isso demanda planejamento, mas não é

impossível de fazer.

Diante das atuais políticas para a Educação do Campo no Brasil, há de se

pensar em uma formação específica para os professores que irão atuar no campo,

seja este camponês ou da cidade. Estudos têm demonstrado o despreparo de

professores oriundos das cidades que vão trabalhar no campo, pois estes, ao

chegarem a um ambiente tão diferente do seu, não se sentem pertencendo o meio,

e o não pertencimento faz com que se sinta deslocado, perdido, um “peixe fora

d’água” como se diz aqui no campo, refletindo, em suas práticas em sala de aula,

esse sentimento de isolamento.

Embora o MST (2012) defenda que o professor do campo tenha que

pertencer a esse espaço, esta ainda não é a realidade das escolas inseridas nesse

meio, pois não há uma política que assegure ao professor do/no campo permanecer

em seu círculo, que assegure a ele estabilidade, só pelo fato de pertencer ao campo.

Essa realidade será apresentada nesta pesquisa, ao mostrar que, mesmo o

professor tendo formação específica para atuar no campo, como é o caso de um dos

sujeitos, isso não lhe garante a docência no campo frente a um professor com mais

pontos ou, então, efetivo. A questão que se levanta aqui não é quem formar para

educar no campo, mas sim como formar todos aqueles que desejam e estão

trabalhando no campo como professores. É lógico, portanto, que se trata justamente

79

dos que nunca tiveram contato com a docência no campo e, assim, requerem mais

cuidado na formação.

A docência no campo exige intencionalidade de aprendizagem. Esse

professor precisa estar preparado para trabalhar a educação no/do campo de forma

a articular o ensino universal às especificidades cotidianas dos alunos do campo. O

processo ensino-aprendizagem no campo necessita, segundo Garske, desenvolver:

[...] em seus educadores e educandos o valor da apropriação e da produção de conhecimentos que façam das questões da realidade (no sentido mais amplo possível do termo) a base da produção destes conhecimentos, que usem como critério de escolha destas questões os seus significados no conjunto de aprendizagem de que necessitam os educandos, como seres humanos e como lutadores do povo em formação, e também o MST espera dos educadores que saibam construir, coletivamente, métodos de ensino que garantam o aprendizado não apenas dos conhecimentos em si mesmos, mas do modo de produzi-los, e um modo capaz de apreender a complexidade cada vez maior das questões da realidade (local, nacional, mundial, global) em que vivemos (GARSKE, 2006, p. 208).

O professor, nesse processo, não é apenas um transmissor de conhecimento,

mas um mediador entre os seus conhecimentos e de seus alunos. Professores que,

de acordo com Garske (2006, p. 195), sejam “mais gente e não apenas sabedores

de conteúdos ou meros dominadores de competências e habilidades técnicas.”

Para a autora, é preciso: “Que cultivem em si e ajudem a cultivar nos

educandos a sensibilidade humana, os valores humanos.” Ainda segundo Garske, o

que o MST espera de seus educadores é que eles, juntamente com seus

educandos,

[...] recuperem e cultivem valores humanos como a solidariedade, o companheirismo, o espírito do sacrifício pelo bem do coletivo, a liberdade, a sobriedade, a beleza, a disciplina, a indignação diante das injustiças sociais e das discriminações e preconceitos de todos os tipos, o compromisso com a vida, com a terra e com a identidade sem Terra [...] Tratar, numa situação de aprendizagem, as necessidades concretas dos educandos como ponto de partida e de chegada significa, para o MST, particularmente, facilitar não só apreensão do conhecimento já acumulado e organizado nas diferentes áreas das ciências, mas também de produção do conhecimento. A apreensão e a produção do conhecimento tornam-se muito mais fáceis se os conteúdos têm a ver com a vida prática do educando e, mais, é somente trabalhando essas necessidades que tanto a escola como os conhecimentos tornam-se muito mais

80

significativos e úteis para as crianças e a comunidade como um todo (GARSKE, 2006, p.199).

A fim de obter sucesso em tal intento, o professor, para atuar no campo,

necessita de uma formação que lhe permita compreender o processo de construção

da Educação do Campo.

Assim sendo, programas de formação de educadores do campo necessitam

contemplar, em seu currículo, o conhecimento construído no campo, o processo de

luta pela terra, as tensões no campo durante toda a história do país, o tratamento

dado pelas políticas para os trabalhadores do campo, a história da Educação do

Campo.

Conforme Arroyo (2007, p.168), esse professor, em seu processo de

formação, requer conhecer a “construção histórica das escolas do campo, do

sistema escolar, a especificidade de sua gestão no campo [...] os conhecimentos

das formas específicas de exercer o ofício de ensinar, educar no campo.”

Logo, para transformar o campo por meio da educação, esse docente

necessita ter formação política, militante, na busca por um novo ensino. Para Caldart

(2010, p. 68), isso significa “dar-se conta de que é preciso fazer mudanças e seus

sujeitos assumirem o comando da sua transformação.”

Se a educação está relacionada à formação/transformação, é preciso trazer

para dentro do processo educativo, principalmente na formação de seus docentes,

relações que, na sociedade, são a base dessa formação/transformação (MST,

2006). Para tanto, os cursos de formação inicial ou continuada precisam oferecer,

em seus currículos, atividades e conteúdos com a intencionalidade voltada à

formação político-ideológica desses professores:

Entre outras coisas isto quer dizer dar ênfase ao estudo da história e da economia política, fazer uma abordagem crítica e problematizadora da realidade, trabalhar a mística da organização e do conjunto das lutas dos trabalhadores, estimulando e proporcionando aos estudantes a participação em atos e manifestações dos trabalhadores em geral, e do MST em particular, vincular a escola com a construção da organicidade do assentamento, do movimento. (MST, 1996 p.17)

Somente uma formação pautada nesses princípios, no contexto real do

campo, será capaz de promover uma educação que se insira dentro de um projeto

81

de transformação ou de conservação social da luta dos trabalhadores por seus

direitos. Para o Movimento, suas escolas e seus cursos de formação precisam ser

espaços privilegiados para a vivência e a produção da cultura campesina e, através

desta, promover as mudanças necessárias no campo.

O objetivo maior de educação com essa intencionalidade, segundo os

princípios da educação no MST (1996), não é somente resgatar a cultura popular, o

orgulho de viver no campo, a identidade do homem e mulher da zona rural há muito

esquecida por um sistema que os marginalizou, mas, sim, por intermédio desse

resgate, produzir uma nova cultura. “Uma cultura que tem o passado como

referência, o presente como a vivência que ao mesmo tempo pode ser plena em si

mesma, é também antecipação do futuro, nosso projeto utópico, nosso horizonte”

(MST, 1996 p. 20).

Assim sendo, a formação do professor do campo exige ser diferenciada,

específica, porém sem desprezar o conhecimento universal. Para tanto, esse

docente necessita estar em um processo constante de formação, pois um dos

princípios fundamentais da Educação do Campo é que, quem educa, também

precisa se educar constantemente, como enfatiza Freire (1987).

Amparado por essas filosofias educacionais, o MST (1996) propõe um

processo pedagógico em que o ensinar do professor e o aprender do aluno seja feito

de forma coletiva, tendo sempre a pessoa como centro, não isolada, solitária,

individual, mas, sim, como sujeitos em constantes relações com outros sujeitos, com

o coletivo inserido em um determinado contexto histórico social, neste caso, o

campo. Observa-se, nesses princípios, a enorme influência do pensamento freireano

para a construção de uma proposta de Educação do Campo, pensando a partir do

MST.

Por isso, o movimento tem como proposta de ensino-aprendizagem um

processo que acontece em cada pessoa, mas apenas se esta estiver com outras e,

de preferência, seus iguais. O processo educativo dentro do Movimento (1996)

precisa acontecer em comunhão, na qual não é só a relação professor/estudante

que educa, mas também a relação entre estudante/professor.

Todos ensinando e aprendendo entre si, o coletivo educando o coletivo, em

que ninguém aprende por ninguém, ninguém se educa por alguém, mas também

ninguém se educa sozinho sem a ajuda do outro.

82

7.1 Formação de professores do campo no Estado de Mato Grosso

O livro: Formação de professores em Mato Grosso: trajetória de três décadas

(1977-2007), da autora Simone Albuquerque da Rocha, é uma das poucas

produções sobre o tema, que permite estudar, de forma detalhada, todo o processo

de formação dos professores no Estado por meio de vários programas aqui

implantados.

A obra aborda o processo de formação dos professores leigos, entre estes os

do campo que atuavam em sua maioria até a década de 1980. Nessa época,

iniciaram alternativas no Estado ainda que ineficazes para a profissionalização e

titulação desses docentes. A autora traz, com riqueza de detalhes, toda a trajetória

dos programas e projetos desenvolvidos na área de formação de professores no

Estado, nas três décadas investigadas.

Assim sendo, neste capítulo, traçarei um rápido panorama sobre os projetos

e programas de formação de professores em exercício no Estado, desenvolvidos a

partir da década de 1970 os quais tiveram, entre seus objetivos, a formação de

centenas de professores leigos que atuavam nas escolas do campo, muitos desses

sem mesmo ter concluindo as séries iniciais. Saliento, porém, que a maioria dos

projetos aqui apresentados, principalmente os quatro primeiros, enquadrava-se na

modalidade Suplência, em conformidade com o capítulo IV, artigo 24 e 25 da Lei

5.692/71, sendo formações aligeiradas, propostas pelos órgãos internacionais, frente

à grande carência de professores formados no país.

O primeiro programa de formação no Estado, a abranger a formação dos

professores leigos que atuavam na zona rural, foi o Logos II. Conforme estudos

realizados por Rocha:

O Programa LOGOS II, foi planejado em 1973 pelo DSU/MEC, para habilitar professores em atuação nas séries iniciais, seu grande desafio era capacitar professores em atuação nas séries iniciais do Ensino Fundamental, sem retirá-los da sala de aula. Esses professores possuíam níveis de escolaridade variados, sendo exigida a 4ª série do Ensino Fundamental, como escolaridade mínima. O programa pretendia atingir professores dispersos pelo país, muitos deles isolados em comunidades do campo, de difícil acesso, sem estradas e energia elétrica, com recursos de transporte e comunicação muito escassos não era uma tarefa fácil e exigiu estudos detalhados, de forma a desenvolver uma metodologia que atendesse a esses alunos (ROCHA, 2010, p. 31).

83

Esse programa de formação, ao longo de seus mais de quinze anos de

duração, habilitou, em nível de Magistério, mais de 60 mil professores. Estima-se,

segundo Rocha (2010), que passaram pelo projeto cerca de 200 mil professores

distribuídos em 19 unidades da Federação. O programa Logos II foi desativado na

década de 1990, cuja causa aconteceu, segundo Rocha:

[...] por não mais corresponder à formação necessária na década de 1990, e, também porque o material estava desatualizado. Algumas críticas foram tecidas a respeito do Logos II- a ver pelas que se seguem: - Não reconhecimento do contexto sócio-econômico-cultural dos professores, dificultando com isto o cumprimento do curso; - material de ensino que não respeitava as diversidades regionais e era extremamente fragmentada, a manipulação política que ocorria, principalmente nas prefeituras municipais que se utilizavam tanto do projeto, quanto dos professores com proveito eleitoral. (ROCHA 2010, p. 33).

O Projeto Logos II foi desenvolvido em todas as regiões do Estado de Mato

Grosso, não se concentrando em uma região ou em outra, como foi o caso dos

demais projetos, à frente citados. Lembro-me de, quando era aluna, presenciar,

várias vezes, os professores estudando, pois, naquela época, grande parte dos

professores da escola do campo onde eu estudava possuía apenas o Ensino

Fundamental. Até hoje, há na escola os fascículos desse programa.

Paralelo ao desenvolvimento do Logos II, no Estado, foi iniciado, em 1987, o

Projeto Inajá, destinado à formação de professores leigos em exercício na zona

rural, tendo a particularidade de serem todos de salas de aula multisseriadas ou

indígenas. O projeto atendia somente professores em exercício na zona rural, pois,

segundo levantamento realizado em 1987, a região possuía 163 professores nesse

espaço e todos sem habilitação.

O Projeto Inajá contou com a parceria da Unicamp, da Secretaria de Estado

de Educação e das Secretarias Municipais e se justificativa pela dificuldade de os

professores, em exercício na zona rural, participarem de cursos regulares e de

Suplência, como o Logos II, cujos encontros eram realizados na zona urbana, além

das dificuldades, relacionadas à falta de conhecimentos elementares por parte dos

cursistas, o que os levava a não “conseguirem ler e compreender sozinhos o estudo

que vinha proposto nos módulos” como consta no Projeto Inajá (MATO GROSSO,

84

1987, p. 2). O Projeto teve pouco mais de uma década de duração, sendo

desativado pela SEDUC após formatura da primeira turma em 1996.

Antes mesmo do fim do Projeto Inajá, no ano de 1990, foi implantado no

Estado o Projeto Homem-Natureza que tinha, segundo Rocha (2010, p.70), “como

proposta continuar a formação de professores em nível de magistério e trabalhar a

partir da pesquisa proposta no Inajá que se encontrava naquele momento suspenso

por falta de repasse de verba.” O projeto Homem-Natureza foi concebido,

inicialmente, para professores em exercício na zona rural, mas foi estendido a

professores da zona urbana, local onde se concentrava o maior número de

professores leigos, em sala de aula.

O projeto pretendia atender 300 professores leigos, que atuavam em escolas

rurais pertencentes à região Sudoeste do Estado. Tinha como propósito servir 15

municípios distribuídos em cinco polos; no entanto, apenas 216 professores leigos

em exercício foram habilitados para o Magistério.

Concomitante aos dois projetos acima, foi desenvolvido, também, o Projeto

GerAção, que tinha também como alvo a formação de professores leigos em

exercício na zona rural. Esse projeto beneficiou diretamente professores não

titulados, em exercício, nas escolas estaduais e municipais de Educação Infantil, 1ª

a 4ª séries do 1º Grau e Suplência de 1ª a 4ª séries, nas áreas de abrangência do

PRODEAGRO/ Banco Mundial, num total de 1019 Professores/Cursistas e,

indiretamente, 67 monitores, 13 Assessores Pedagógicos, 150 Docentes e 30.000

alunos.

O Projeto GerAção atendeu a 48 municípios, distribuídos em 13 polos. As

regiões envolvidas foram Norte, e Noroeste do Estado. Dos 1020

Professores/Cursistas previstos inicialmente, 1019 concluíram e obtiveram a

habilitação para o Magistério em nível de segundo grau. O GerAção estava

presumido para se desenvolver em três etapas, sendo todas estas interrompidas

pela ausência de repasse, ameaçando constantemente a formação dos professores

leigos matriculados.

A proposta pedagógica do projeto, segundo Rocha (2010, p. 72), “tinha como

estratégia unir a realidade, a ação pela qual a percepção e a representação estão

intimamente ligadas.” Devido a essa propositura, ainda segundo a autora, houve

nesse projeto registros de investigações interessantes na área do meio ambiente, de

extração de madeira e trabalhos sobre o cotidiano nas pequenas populações onde

85

esses professores cursistas estavam inseridos. Olhando mais profundamente para

esses trabalhos, podemos perceber indícios de uma educação feita pelos sujeitos do

campo, nesse caso, os professores leigos do GerAção.

O curso tinha a duração de seis semestres, tendo sofrido descontinuidade

pela falta do repasse de verbas, formando-se as últimas turmas no ano de 2000. O

GerAção desenvolveu-se com módulos presenciais e estudos a distância e foi, em

grande parte, inspirador do programa de Educação a Distância, embora não seja

considerado um curso dessa modalidade.

O primeiro curso de formação na modalidade EAD foi trazido para o Estado

juntamente com o Projeto Crescer. Seu objetivo era oferecer uma espécie de

complementação aos professores portadores de Certificado de Conclusão do Ensino

Médio, sem formação para o Magistério, interessados em lecionar na Educação

Infantil e em classes de 1º ao 5º anos do Ensino Fundamental e do Ensino Especial.

O projeto Crescer foi firmado entre o Centro Educacional de Niterói do Rio de

Janeiro e alguns municípios da região Norte do Estado de Mato Grosso em 1996 e

oferecia, na modalidade a Distância, disciplinas específicas para a formação

pedagógica do Magistério. Segundo Rocha:

[...] o projeto, no entanto, absorvia uma mínima fração da demanda, por exigir como condição de ingresso, a formação de segundo grau completa. Dessa forma, matriculavam-se professores que necessitavam realizar um curso direcionado prioritariamente ao bloco pedagógico para a formação de Magistério. O projeto CRESCER, na modalidade de EAD, se operacionalizava em 15 meses, e sua metodologia consistia em um encontro mensal de dois dias presenciais, estudos posteriores e, no próximo encontro, a realização da prova (ROCHA, 2010, p. 74).

Esse projeto via convênio, firmado diretamente entre os Municípios e o

Instituto de Niterói, começou suas atividades antes mesmo de ser encaminhado ao

Conselho Estadual de Educação, resultando, posteriormente, no impedimento a sua

regularização no Estado. Sobre este fato, confirma Rocha (2010, p. 74), “A aceitação

do Projeto Crescer no Estado foi dificultada pela forma de operacionalização e

começou a sofrer entraves quanto a sua oficialização e legislação, a ponto de se

esgotarem as tentativas de permanência do programa no Estado em 1999.”

Ainda segundo a autora, os diplomas dos professores que concluíram o

curso no Estado foram expedidos diretamente por Niterói, aumentando, ainda mais,

86

os constrangimentos com o Conselho Estadual de Educação. Não há, atualmente,

evidências do Projeto Crescer em Mato Grosso, sendo este substituído por outras

políticas de formação de leigos.

Apesar dos vários projetos focando a formação de professores leigos em

Mato Grosso, o Estado chegou, ao final dos anos de 1990, com um considerável

número de professores sem formação, principalmente, aqueles que atuavam nas

zonas rurais. Dados do MEC revelaram que, no final dessa década, havia 1.170

professores mato-grossenses leigos em exercício. Diante desse número, o Ministério

de Educação e Cultura criou, em 1999, o Programa de Formação de Professores em

Exercício – PROFORMAÇÃO, com uma proposta de formação a distância que

permitisse a frequência do professor leigo, pelo convênio firmado com o Estado e

municípios onde se desenvolveria o projeto.

Segundo Rocha (2010), que foi consultora do MEC nesse programa, o

PROFORMAÇÃO iniciou-se em 1998 e concluiu sua primeira turma, formando

professores do campo em nível Médio em Mato Grosso em 1999. Foi um curso de

Magistério a distância, com duração de dois anos letivos, desenvolvido no período

das férias, destinado aos professores do Estado em exercício e dos municípios em

Mato Grosso, principalmente, aqueles das localidades rurais.

Ainda segundo a consultora, o programa apresentava a proposta de 3.200

horas, entremeando períodos presenciais com encontros quinzenais e visitas dos

tutores aos locais onde os leigos efetivavam suas práticas educativas, assim como

estudos a distância. Os leigos eram acompanhados quinzenal e semanalmente com

o apoio de um tutor que os subsidiava. Foi realizado em regime de parceria

MEC/SEED/FUNDOESCOLA/SEF.

O Proformação se desenvolveu em quatro módulos, cada qual com 800 horas, cinco áreas temáticas, projetos de trabalho e prática pedagógica como o estágio supervisionado de 620 horas. A carga horária do curso compreendeu 3.200 horas. Iniciou em Mato Grosso no ano de 1999 com experiência piloto sendo expandida, segundo os princípios das politicas aligeiradas do Banco Mundial, para as regiões norte e nordeste em 2000. No Mato Grosso o Proformação permaneceu até 2004 (ROCHA, 2010, p. 123).

Ainda segundo a autora, o “PROFORMAÇÃO em Mato Grosso foi o programa

de formação de leigos que teve o menor índice de evasão nos quinze anos em que

se investiu nessa área, sendo desenvolvidas três turmas até 2005.”

87

O PROFORMAÇÃO foi um divisor de águas na história da formação de

professores de Mato Grosso. Ele foi o responsável pela expansão dos Centros de

Atualização e Formação do Professor (CEFAPRO) pelo Estado, na medida em que,

segundo Rocha (2010), com a extinção dos cursos de Magistério mediante a portaria

da SEDUC, nº 1.966/96 que suspendeu as matrículas do Curso de Habilitação em

Magistério do regime regular.

Logo, a alternativa foi a implantação do PROFORMAÇÃO, que era um curso

de Magistério e, caso fosse fornecido pelo CEFAPRO, criado no mesmo ano do

programa cuja finalidade era oferecer, aos professores da rede estadual de ensino,

formação continuada e inicial em decorrência do fim dos cursos de Magistério no

nível de Ensino Médio no Estado e, assim como o PROFORMAÇÃO, tinha como

proposta a formação em serviço. Dessa forma, os educadores dos CEFAPROs

foram os responsáveis pela formação dos professores leigos que participaram desse

programa, como relata a formadora Lemes:

Participei da formação do PROFORMAÇÃO no ano de 2000 na cidade de Matupá-MT, como professora formadora. Constituiu para mim uma experiência de tamanha grandeza, uma vez que o PROFORMAÇÃO possuía como objetivo principal a formação dos professores até então considerados leigos. Os encontros eram constituídos por momentos de estudos teóricos e trabalhos em grupos, bem como a roda da experienciação. Tivemos excelentes resultados tanto por parte dos professores em formação, quanto por parte dos professores formadores. (Entrevista, LEMES, 2013).

Assim sendo, observa-se que, apesar do PROFORMAÇÃO ter sido um curso

a distância, oferecido de forma aligeirada sob as prescrições do MEC/ Banco

Mundial para sanar as fragilidades de formação de professores no país, em Mato

Grosso, ele se tornou um marco histórico em relação à formação docente, pois foi

oferecido via centro de formação pioneiro na nação, que atualmente serve de

exemplo a outros Estados e, até mesmo, a outros países.

O programa foi, de acordo com Rocha (2010, 124), “a melhor e maior política

já instituída para a formação de professores leigos em Mato Grosso e no Brasil, que

deu condições para que os mesmos permanecessem e concluíssem sua formação,

qualificando-se, assim para o exercício do magistério.” Oportunizou, assim, segundo

a autora, continuidade de estudos em nível superior aos professores do campo.

Observe, no gráfico abaixo apresentado por Rocha (2001, p.141), o quanto foi baixo

88

o número de evasão dos leigos que, em sua maioria, atuava no campo, apesar de

todas as adversidades que encontraram para concluírem sua formação.

Gráfico 12 - Evasão do PROFORMAÇÃO turma-1999 a 2000

Fonte: Rocha 2001

Conforme Rocha (2011), o PROFORMAÇÃO atingiu resultados positivos,

uma vez que apresentou o menor índice de evasão entre os programas de

Formação de Professores em nível de Ensino Médio desenvolvido em Mato Grosso

nas últimas décadas.

O PROFORMAÇÃO foi o último curso de formação em nível de Ensino Médio,

pois, ao ser promulgada, em 1996, a nova LDBN, trouxe em seu artigo 62 o seguinte

disposto:

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, e oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (BRASIL,1996, p.22)

Pela nova lei, o ingresso na carreira docente dar-se-ia somente pela

habilitação em nível superior ou por treinamento em serviço. Pela mesma lei, em seu

artigo 87, instituiu a Década da Educação, determinando também que, até 2006,

fossem realizados programas de capacitação para todos os professores em

exercício (art. 87. §3º, III) em todo o país.

Total das AGFs

86%

1%8%

4%0%

1%

Transferidos

Desistentes

Aprovados noVestibular

Falecidos

Reprovados

Formandos

89

Assim sendo, assistimos, a partir do ano 2000, a uma série de cursos de

formação de professores em exercício. Esses cursos foram oferecidos, em sua

maioria, por instituições privadas, muitas delas utilizando os recursos da educação a

distância, como estabelecia o art. 87. §3º, III da LDBN/96.

A maioria dos professores que compõe o quadro docente das escolas do

campo na região Sudoeste do Estado teve sua formação superior dentro desse

contexto. Esses professores em exercício graduaram-se pela Universidade de

Várzea Grande (UNIVAG), em convênio firmado entre a instituição, Sindicado dos

Professores da Região Sul de Mato Grosso (SIPROS) e a prefeitura. Os cursos

tiveram a duração de quatro anos e aconteciam nos finais de semana (sexta à noite

e sábado o dia todo) em escolas municipais de Rondonópolis/MT. Além de atender

os professores em exercício no município de Rondonópolis, o curso também atendia

outros alunos advindos de toda essa região do Estado.

Enfim, a preocupação dos órgãos públicos, em relação à formação dos

professores de Mato Grosso, seguiu os mesmos preceitos nacionais. Essas

apreensões originaram-se devido às pressões do Banco Mundial frente ao elevado

número de professores leigos em todo território nacional, principalmente aqueles

que trabalhavam em regiões isoladas, de difícil acesso nas zonas rurais.

Salienta-se, entretanto, que, apesar de alguns desses cursos se

transformarem em marcos históricos da formação, não houve, como ainda não há,

no Estado, um curso de formação específico para os professores do campo. Nas

licenciaturas, a pesquisa de Correa (2012) constatou que nenhuma disciplina aborda

a temática da Educação do Campo.

Ainda segundo a autora, nem mesmo no primeiro curso de Pedagogia da

Terra (PRONERA), realizado em parceria com MST, UNEMAT, INCRA, SEDUC E

EMPAER, no campus de Cáceres/MT, teve, em sua grade curricular, disciplinas

direcionadas especificamente à Educação do Campo.

Conceber um curso de formação com disciplinas específicas para quem

pretende ou está atuando na Educação do Campo no Brasil está ficando cada vez

mais distante, segundo o coordenador do Comitê de Educação do Campo em Mato

Grosso, principalmente, com a implantação do PRONCAMPO 2012 que objetiva,

inclusive, a formação desse profissional via universidades ou centros de formações

estatais que possuem grade curricular generalizada, sem distinção de qualquer

modalidade. A formação via PRONACAMPO resultará no enfraquecimento do

90

PRONERA uma vez que esses cursos facilitarão a formação dos professores do

campo, mas não trarão a formação específica de que tanto necessita esse

professor, afirma o coordenador.( Dados extraídos da comunicação oral do

coordenador estadual do Comitê de Educação do Campo no curso - A conjuntura

atual da Educação do Campo no Estado de Mato Grosso - realizada na Escola do/no

campo, no assentamento Marcio Pereira em São José do Povo/MT.)

91

8 POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO CAMPO

A realidade sobre a docência nas escolas do campo, segundo os dados do

PRONACAMPO 2012, revela um grande número de professores sem formação no

Brasil, apesar de esses indicadores terem diminuído muito nos últimos anos. Esses

dados, segundo o documento, referem-se às regiões do país mais isoladas

geograficamente, sendo a região Centro-Oeste a menos beneficiada com programas

de formação para professores do campo, como se observa no gráfico abaixo.

Gráfico 13 – Rede de formação de professores do campo no Brasil segundo dados do MEC

Fonte: Ministério da Educação e Cultura – PRONACAMPO 2012.

A análise das principais políticas educacionais do Brasil demonstra ausência

de uma legalidade efetiva que assista os profissionais do campo em todas as áreas.

Apesar de várias conquistas do MST em relação à Educação do Campo, muito ainda

há para ser feito, principalmente, no que se refere às políticas públicas voltadas à

formação e à permanência dos educadores que vivem e trabalham nas escolas do

campo.

Quando se discute a Educação do Campo, tratamos da educação que se

volta aos trabalhadores e trabalhadoras do campo que, por sua vez, há muitíssimo

tempo são vítimas de processo de exclusão e empobrecimento no Brasil, por uma

educação que lhes foi oferecida ao longo do tempo sem corresponder a sua

realidade. Essa educação, segundo Caldart (2008, p. 50), deve ser pautada em

“uma tradição que oriente a pensar a educação colada à vida real, suas

contradições, sua historicidade”; portanto, o que se pretende é “educar os sujeitos

92

para um trabalho não alienado; para intervir nas circunstâncias objetivas que

produzem o humano.” Uma educação específica para quem no campo vive, com um

currículo que leve em consideração os inúmeros saberes desses povos,

intercalando, ao conhecimento dito universal, as especificidades, a realidade de

cada região onde estão situadas as escolas desse espaço. Um saber que parta da

realidade, da vida cotidiana dos sujeitos do campo, que sirva para amenizar ou

mesmo solucionar os problemas encontrados nesse meio.

Implantar uma educação com esse grau de complexidade passa,

necessariamente, pela urgente formação de professores reflexivos de suas práxis no

cotidiano escolar. Segundo Zeichner (2008):

A conexão da reflexão docente com a luta por justiça social que existe em todos os países hoje não significa focar somente nos aspectos políticos do ensino [...] A ligação da reflexão docente com a luta por justiça social significa que, além de certificar-se que os professores têm o conhecimento de conteúdo e o conhecimento pedagógico que eles precisam para ensinar, de uma maneira que desenvolva a compreensão dos estudantes, precisamos nos certificar que os professores sabem como tomar decisões, no dia-a-dia, que não limitem as chances de vida de seus alunos; que eles tomem decisões comuns a consciência maior das possíveis consequências políticas que as diferentes escolhas podem ter (ZEICHNER, 2008, p.12).

Inserir o professor do campo na realidade da qual ele já faz parte significa

implantar uma política de formação, visando à especificidade de ser profissional da

Educação do Campo. Uma formação que seja capaz, como esclarece Zeichner

(2008), de desenvolver nos professores:

[...] capacidade de tomar decisões sábias sobre o que fazer, baseados em objetivos educacionais cuidadosamente estabelecidos por eles, dentro do contexto em que trabalham e levando em consideração as necessidades de aprendizagem de seus alunos ( ZEICHNER, 2008, p. 2).

Um dos propósitos da Educação do Campo é a de diminuir o imenso abismo

educacional que existe entre a educação dos mais abastados e a educação popular

do campo. Assim, a formação de seus professores deve, de acordo com Zeichner

(2008), ser sempre pautada na reflexão, pois:

93

A formação docente reflexiva, que realmente fomenta o desenvolvimento profissional, deveria somente ser apoiada, em minha opinião, se ela estiver conectada a lutas mais amplas por justiça social e contribuir para a diminuição das lacunas na qualidade da educação disponível para estudantes de diferentes perfis, em todos os países do mundo (ZEICHNER, 2008, p. 11).

Uma das bandeiras da Educação do Campo defende, assim como o autor

acima, a diminuição das lacunas na qualidade da educação; neste caso, na

qualidade da educação oferecida aos sujeitos do campo. Para tanto, essa qualidade

deve também estar inserida na formação de seus professores.

Deste modo, os movimentos sociais, a partir da Primeira Conferência por uma

Educação Básica do Campo, passaram a reivindicar não mais programas, projetos,

adaptações à educação do campo brasileiro, mas políticas públicas efetivas.

Para tal intento, pressionaram por ocupar espaços nos debates de formulação

das políticas do Ministério da Educação e Cultura (MEC), exigindo políticas públicas

específicas para os povos do campo, assim como maior disponibilidade de recursos

para as escolas e para a formação desse profissional específico, visto que um dos

principais problemas relacionados ao campo no Brasil é a falta de atenção dada à

formação dos educadores do campo. Essa formação deve, sobretudo, ser pautada

em sua realidade e na dos seus educandos, para que ambos possam ter acesso à

educação de qualidade, que responda as suas necessidades enquanto sujeitos que

vivem e se formam no campo, que têm na terra a condição fundamental na

construção de sua cidadania.

Os movimentos sociais entendem que a formação do profissional para atuar

na área rural deve estar ajustada a um conjunto de práticas reflexivas e

questionadoras, sobre sua docência, sobre as práticas de sujeitos coletivos que

educam e são educados cotidianamente, num contexto complexo de relações

econômicas, sociais e políticas. Essas práticas reflexivas podem, como salienta

Zeichner (2008), contribuir para a construção de sociedades mais justas, igualitárias

e mais decentes.

Os programas de formação, oferecidos aos professores do campo, privam-

nos dessa formação reflexiva, como observa Rocha (2010), no que se refere à

formação:

94

[...] o descaso com a zona rural não é isento do caráter ideológico e tem se manifestado no sentido de fixar o homem no campo, desconsiderando, muitas vezes, os seus anseios e sonhos, pretendendo dessa forma, evitar o êxodo rural. Para atingir tal intento, uma formação precária para o professor tem contribuído para a falta de condições de análise e crítica por parte dos futuros trabalhadores rurais que se efetiva através da escola [...] A violência simbólica está presente na zona rural, inclusive com os professores, pois é ilusória a neutralidade da prática educacional, com os leigos os quais se veem constantemente ameaçados pela perda do trabalho além da oferta de salários aquém do mínimo estabelecido para os docentes da zona urbana (ROCHA, 2010, p.120).

Isso demonstra que o campo brasileiro e seus sujeitos nunca tiveram espaço

favorável nas políticas educacionais, pois os mesmos modelos de educação foram,

ao longo do tempo, implantados de cima para baixo, sem levar em conta as

especificidades dessa população que sempre viu seus filhos serem educados fora

da realidade de seu meio, uma educação urbana completamente desconexa de sua

cotidianidade.

As recomendações dos órgãos internacionais para a formulação de políticas

públicas abrangem, timidamente, os educadores que atuam na área campesina. As

políticas educacionais voltam-se, na sua quase totalidade, para a zona urbana,

desconsiderando as inúmeras diferenças geográficas, de etnia, raça, gênero, classe,

cultura, do país e de sua população. Segundo Hage (2005),

[...] as orientações e recomendações que subjazem as reformas educacionais vigentes têm seus fundamentos na pauta de mecanismos multilaterais de financiamento, que privilegiam perspectivas mercadológicas e desenvolvimentistas globalizantes, desconsiderando ou em outros casos denegrindo a importância e a eficácia dos saberes e experiências oriundas das práticas sociais locais e diversas presentes na sociedade contemporânea. De fato, os resultados de assumirmos essas políticas e propostas educacionais e curriculares generalizantes têm sido desastrosos para as populações menos favorecidas, principalmente quando focalizamos a realidade do campo, e nos deparamos com os indicadores educacionais que revelam o nível precário de qualidade de ensino da população no país (HAGE, 2005, p.68).

Quando existem políticas voltadas às especificidades de cada região, estas

são copiadas de outros lugares. Os órgãos internacionais, em consonância com os

nacionais, formulam políticas generalistas, normas generalistas, pretendendo formar

profissionais com saberes e competências universais, sem especificidades,

95

esperando que o direito de todo cidadão seja garantido, desconsiderando

completamente as diferenças específicas de cada país/região.

Assim, as políticas são pensadas e impostas de formas universais,

desconsiderando, perversamente, todas as diversidades culturais, geográficas e

sociais encontradas no campo. Impor educação urbana aos sujeitos do campo é

uma violência em seu processo de formação, pois, como afirma Caldart (2004, p.

15): “o campo precisa ser entendido como um espaço de vida digna, validada na luta

por políticas públicas específicas e por um projeto educativo próprio para os seus

sujeitos”, o que nunca foi proposto, no Brasil, nas políticas públicas para a educação

nas últimas décadas.

Essa desconsideração é resultado da importação de políticas públicas

educacionais, impostas, segundo Beech (2009, p. 33), pela influência dos

organismos internacionais, iniciadas com a fundação das primeiras “instituições de

educação formal no que atualmente se conhece como latino américa, fundadas

pelos jesuítas que baseavam a filosofia de sua educação nas ideias da contra

reforma trazida do sul da Europa.”

Observa-se que, assim como os indígenas foram educados pelos jesuítas,

atendendo aos pressupostos da Igreja Católica que visava à dominação e

conversão, os povos do campo também começaram a ser educados sobre os

pressupostos de uma oligarquia agrária, apregoando que, para lidar com a enxada,

a foice, o facão entre outros, o homem e a mulher do campo não precisavam de

estudo, ou seja, para viver no campo e dele tirar o sustento não havia necessidade

de amplos conhecimentos socializados pela escola; na verdade, a educação dos

sujeitos do campo não passava de uma pré-alfabetização, o suficiente para o

mesmo saber escrever seu nome a fim de assinar as cédulas de votação.

Diante dessa realidade, as poucas escolas criadas no campo eram,

geralmente, multisseriadas, isoladas e com pouca credibilidade. Assim sendo, por

muito tempo, nas propostas governamentais do país, não se faziam necessárias

políticas públicas específicas para os povos do campo, principalmente, no que tange

à formação de seus professores.

Segundo Arroyo (2007, p. 170), essa escassez de políticas de formação

para o professor do campo “tem por base a ausência de uma política pública

específica de educação ou o não reconhecimento do direito à educação básica da

infância, adolescência e juventude do campo.”

96

Os movimentos sociais não negam a existência de políticas públicas para os

sujeitos do campo, porém existem estilos de projetos e programas de formação

oferecidos a seus educadores, de forma aligeirada e descontextualizada,

impossibilitando-lhes, assim, uma formação, de fato, de qualidade e que atenda aos

princípios da proposta de Educação do Campo, idealizada pelos movimentos

sociais.

Esses movimentos defendem políticas de formação permanente, assumidas

pelo Estado, que afirmem uma visão positiva e não negativa do campo, isto é,

políticas de formação de professores do campo articuladas a políticas públicas que

garantam direitos a esses povos. Políticas que busquem assegurar as

especificidades do campo, bem como um projeto sintonizado com a dinâmica social

do campo, para que possam atuar em um contexto específico, que venham ao

encontro de suas expectativas e atendam a seus anseios.

Nessa perspectiva, várias discussões têm surgido nos últimos anos sobre

qual formação devem receber os educadores do campo e, nesses debates, há

sinalização para a formação interdisciplinar uma vez que as formações que estes

vêm recebendo, não estão atendendo às expectativas dos educandos do campo.

Diante disso e procurando atender ao projeto do Observatório já citado, o qual foca a

interdisciplinaridade, interessou-me investigar sobre as práticas pedagógicas dos

professores iniciantes que estão ou que atuaram no campo, no intuito de descobrir

se tais atividades apresentam algum indício de interdisciplinaridade e se a formação

desses docentes influencia no desenvolvimento das mesmas.

Ante o exposto, no capítulo seguinte, discuto um pouco sobre

interdisciplinaridade na perspectiva da Educação do Campo. Saliento, entretanto,

que articular e formular uma política de formação para os professores do campo, sob

o enfoque da interdisciplinaridade, não é tarefa fácil, pois, conforme Veiga Neto

(2010), a interdisciplinaridade não pode ser considerada uma panaceia para os

problemas educacionais, mas, sim, um grande desejo de se abrirem as diferenças,

as especificidades, a diversidade nas quais a Educação do Campo está inserida,

uma vez que, como salienta o autor, essas práticas “promovem o diálogo entre os

diferentes,” permitindo-nos conviver não só com o pluralismo disciplinar, porém,

sobretudo, com “o pluralismo das ideias, dos gêneros, das etnias, das religiões, das

idades, das aparências físicas” (VEIGA NETO, 2010, p. 13), tão comuns na

complexa diversidade que compõe a Educação do Campo no país.

97

Acredito que a interdisciplinaridade ou integração do conhecimento, como é

mais conhecida atualmente, trata-se de uma prática de formação que mais se

aproxima dos ideais de formação propostos pelos movimentos sociais do campo

para a formação de seus educadores.

8.1 A formação do professor do campo para a prática interdisciplinar: algumas

considerações

Para melhor captarmos o sentido do enfoque da interdisciplinaridade, é

preciso resgatar sua origem, conceito e sua concepção à luz dos teóricos que com

ela trabalham. A interdisciplinaridade surgiu na França na década de 1960 em meio

à efervescência dos movimentos estudantis que reivindicavam, entre outros, o direito

a uma nova educação, um novo modelo de escola que atendesse aos anseios dos

estudantes daquele país.

Essa nova escola deveria desenvolver práticas que rompessem com a

fragmentação do ensino proposto por uma educação neoliberal, voltada

exclusivamente para a preparação de mão de obra. Aparece como um processo

capaz de romper com a lógica puramente cartesiana, apontando para o

desenvolvimento de uma educação que fortalecesse os laços de solidariedade,

humildade entre os seres humanos.

Um conhecimento que libertasse o povo do processo opressor, imposto por

uma educação mercadológica, individualista, competitiva. Percebe-se o cenário fértil

em que nascem as discussões sobre a interdisciplinaridade. Um dos teóricos

fundamentais do movimento da interdisciplinaridade foi Georges Gusdorf, autor de

mais de 40 tratados sobre a Filosofia da História.

No Brasil, a interdisciplinaridade chega em plena ditadura militar,

caracterizando-se como mais um dos modismos, incorporados facilmente à Lei de

Diretrizes e Bases n.º 5672/71. Repleta de inúmeras distorções, tornou-se o pilar

principal das reformas educacionais desenvolvidas no período de 1968 a 1971. Em

1976, Hilton Japiassú, influenciado pelos estudos epistemológicos de Georges

Gusdorf (1961), foi o primeiro brasileiro a escrever um livro sobre

interdisciplinaridade, intitulado: Interdisciplinaridade e patologia do saber, publicado

nesse mesmo ano.

98

Ivani Fazenda, em 1979, publica seu primeiro livro sobre interdisciplinaridade:

“Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: afetividade ou ideologia,”

trazendo a interdisciplinaridade para o campo da pedagogia, buscando construir um

conceito apropriado. Enquanto Japiassú trata da interdisciplinaridade no campo da

epistemologia, a dissertação de mestrado de Fazenda, transformada em livro em

1979, versa sobre a interdisciplinaridade voltada para o campo educacional.

Segundo Veiga Neto (2010):

Pode-se creditar a Fazenda a emergência e o fortalecimento do movimento pedagógico pela interdisciplinaridade no País. Além disso, há de se considerar, também, que tais propostas pedagógicas foram semeadas no terreno extremamente fértil que era, então, o cenário social da abertura política, no Brasil. Não se deve esquecer que os discursos que, na época, falavam em integração, entrosamento, crítica, igualdade, práxis, relação teoria-prática, mudança, nova sociedade, nova pedagogia, esperança, diálogo etc. eram, a limine, bem vindos (VEIGA NETO, 2010, p. 9).

Na década de 1980, as discussões sobre interdisciplinaridade giram em torno

de sua explicação como método de ensino. No início dos anos de 1990, ainda

baseados no modismo sem fundamentação, surgiu um grande número de projetos

denominados, equivocadamente, de interdisciplinares. Ao estudar sobre

interdisciplinaridade nos Estados Unidos, Klein pondera:

[...] no Brasil, assim como nos Estados Unidos e na Europa, o

número de projetos educacionais com a palavra interdisciplinar em seus títulos tem crescido dramaticamente. No entanto, muitos surgem como intuição ou modismo, sem regras ou intenções claras (KLEIN, 1998, p. 119).

Na mesma década, iniciam-se, liderada por Fazenda, discussões acerca da

conscientização da abordagem interdisciplinar, vista como práticas pedagógicas

pautadas no diálogo e no respeito à diversidade de sujeitos que compõem o sistema

educacional do país.

O fim da ditadura no Brasil marca o advento de uma nova sociedade

brasileira. É a nova sociedade de direitos e, entre eles, o da educação. A

promulgação da Constituição de 1988, mais especificamente quando da

consolidação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)

9394/96 que concebeu a educação como direito de todos e dever do Estado, trouxe

99

para as escolas uma significativa parcela da população, entre esta o povo

trabalhador do campo, há muitos anos privado do direito à educação. O direito,

dentro do contexto da Educação do Campo, é definido como:

[...] poderes/deveres que refletem as necessidades de homens e mulheres dentro de uma sociedade determinada, que ora podem recair sobre bens materiais (direito de propriedade) ou sobre aspectos da personalidade (direito ao nome), podendo ainda referir-se a princípios humanos (dignidade da pessoa humana) (PONTES, 2012 p. 726).

A chegada, à escola, desses sujeitos de direitos, impulsionou um repensar no

sistema educacional no país, principalmente por aqueles que defendiam uma

educação de qualidade para esses recém-alforriados. Porém todas essas mudanças

fizeram com que o país mergulhasse em uma crise educacional, pois nem o sistema,

nem os professores estavam preparados para essa diversidade acolhida pela

escola.

O ensino disciplinar não estava sendo capaz de oferecer, a essa diversidade,

uma educação que fosse, de fato, de qualidade. Esses novos sujeitos de direito, que

à educação foram incorporados, não se interessam por uma educação bancária,

domesticadora, alienada. Segundo Ghedin (2012):

Uma vez estabelecidas algumas finalidades educativas relacionadas com a formação integral da pessoa para intervir na sociedade, as disciplinas nas quais convencionalmente o saber científico está estruturado, em especial as matérias com mais tradição escolar, são claramente insuficientes. (GHEDIN, 2012, p. 16).

Os sujeitos do campo, foco deste estudo, precisam de uma educação que os

liberte do sistema opressor que sempre lhes foi imposto, precisam ser ouvidos, que

suas histórias, seus conhecimentos sejam valorizados e precisam, principalmente,

de educação humanizadora, baseada no diálogo e na troca do conhecimento.

Educação esta que mostre aos educandos que sua história de vida, suas

experiências, seu trabalho, são partes da vida e do trabalho do país. Isso vem ao

encontro do que propôs Freire (1987, p. 58): “Investigar o pensar do povo, tendo o

povo como sujeito, já é educar o povo e educar-se com ele.” Embora o autor não se

remeta ao termo interdisciplinaridade, sua escrita aponta para uma diferente maneira

de ensinar, alicerçada em uma prática interdisciplinar, capaz de romper com os

100

conteúdos fragmentados, alienados, ideologizados e remete à aprendizagem dos

saberes significativos e à formação dos sujeitos.

O trabalho interdisciplinar permite uma prática de ensino que coloque

professores e alunos em um mesmo processo de busca, pesquisa, apropriação,

criação, construindo juntos novos conhecimentos, baseados no respeito à

diversidade do outro.

Para Frigoto (2008 p. 19), a formação fragmentária, positivista e metafísica do

docente, assim como a forma de organização do trabalho na escola e na vida social

em geral, constitui barreiras, por vezes, intransponíveis para o sucesso de um

trabalho interdisciplinar na atualidade, pois menospreza essa imensa diversidade de

alunos que, sob o respaldo da lei, alcançaram, enfim, o direito à educação no Brasil.

Repensar a estrutura educacional de formação de professores, enraizada no

sistema disciplinar, rompendo com uma educação que privilegia o individualismo, a

competição, a desumanização do indivíduo, surge como um grande anseio de todos

aqueles que sonham com educação de qualidade para o povo trabalhador do país,

seja ele do campo ou da cidade. Consequentemente, “enveredar” pelo caminho

interdisciplinar cujos princípios pedagógicos têm como centro a pessoa, como sujeito

de relações com outras, o diálogo entre as disciplinas, o respeito à diversidade do

outro, seja talvez a melhor forma de incorporarmos a tão sonhada

interdisciplinaridade nas escolas brasileiras.

Atualmente, as práticas interdisciplinares nas escolas brasileiras acontecem

quase em sua totalidade por meio de projetos, embora, para Pombo (2005), ao

contrário de Portugal, no Brasil há uma tradição ampla e já longa de trabalho

interdisciplinar, tanto na investigação como no ensino. Isso se deve ao fato de que,

pela sua juventude, flexibilidade e abertura ao novo, o Brasil tem condições

extraordinárias para escutar as transformações a que a interdisciplinaridade procura

responder e para saber adaptar-se a essas transformações e acompanhá-las.

Entretanto essa tradição restringe as discussões teóricas, levantadas no meio

acadêmico, como dissertações e teses. Pombo (2005) ao discutir sobre a

concretização do ensino da interdisciplinaridade, no campo da formação de

professores, ainda é algo muito ausente nos cursos de graduação, até porque esses

cursos ainda estão presos a grades curriculares positivistas cartesianas, fato este

percebido por mim, tanto durante meu processo de formação em andamento quanto

em meu estágio na docência, no curso de Pedagogia.

101

O fim da fragmentação disciplinar, almejada pela prática interdisciplinar, não

se faz presente na grande maioria das escolas, nos cursos de licenciatura, ou nos

cursos de formação continuada. Ou seja, não se faz presente nos cursos de

formação de professores em nenhum momento de seu processo formativo.

A prática docente com foco interdisciplinar requer do profissional uma

formação também interdisciplinar, o que de fato não existe. Os cursos de formação

inicial pouco ou nada fazem para preparar os futuros docentes para o trabalho

interdisciplinar, uma vez que a maioria dos professores das licenciaturas ainda não é

capaz de incorporar a interdisciplinaridade na sua prática docente, continua isolada

em suas ilhas disciplinares, aplicando uma visão cartesiana de ciência na educação.

Fazenda (2001), ao tecer discussão sobre a formação de professores sob a óptica

da interdisciplinaridade, considera que:

A formação na educação à, pela e para a interdisciplinaridade se impõe e precisa ser concebida sob bases específicas, apoiadas por trabalhos desenvolvidos na área, trabalhos esses referendados em diferentes ciências que pretendem contribuir desde as finalidades particulares da formação profissional até a atuação do professor (FAZENDA, 2001 p.14).

Portanto, pensar na formação do professor sob a luz da interdisciplinaridade,

demanda, primeiramente, pensar na construção da identidade interdisciplinar desse

sujeito, através de um processo de formação também interdisciplinar, pois o

professor é peça fundamental nesse procedimento de mudança. Segundo Ghedin

(2012, p. 29), “As políticas públicas vêm propondo um conjunto de mudanças na

escola sem levar em conta o papel do educador nesse processo.”

Por conseguinte, as práticas interdisciplinares nas escolas serão, de fato,

concretas se forem procedidas de mudanças de formação de seus professores, pois,

como afirma Ghedin (2012, p. 29), “nenhuma reforma seja ela qual for tem o poder

de mudar a realidade se não puder contar com os sujeitos que conduzem esse

processo.” Assim sendo, o professor e sua formação são o “carro chefe” nesse

processo de mudança metodológica, proposto pelas práticas interdisciplinares. Isso

significa, também, despertar nesse docente o desejo de mudança, pois ele precisa

estar convencido dos ganhos com a prática interdisciplinar para ele mesmo, para os

alunos e para a sociedade.

102

A formação de professores na interdisciplinaridade lhes permite a função de

construtores de “pontes” entre seus saberes, os saberes de seus alunos, ligando tais

saberes por meio do diálogo com o saberes de outras disciplinas do projeto

curricular da escola. Mas, para que isso ocorra, a formação do professor deve

contemplar nele o desenvolvimento da atitude interdisciplinar, a par de uma

excelente formação acadêmica.

Formar na interdisciplinaridade requer deslocar o professor em formação de

sua zona de conforto, pautado na formação fragmentada para uma zona

desconhecida, onde esse profissional, mais do que estar disposto a quebrar

paradigmas, esteja também disposto a se desnudar para o outro, em um processo

de autoconhecimento e de aceitação. Isso leva a crer que educar na

interdisciplinaridade é um ato de abnegação, de coragem, conforme nos faz refletir

Ghedin (2012, p. 37), ao afirmar que: “educar é ter coragem de romper consigo

mesmo, para poder instaurar uma nova compreensão da ação e dela imprimir uma

nova ação reflexiva.”

Coragem, esta é a palavra! Ter coragem de romper com o processo de

formação docente cartesiano exige refletir sobre a interdisciplinaridade como propõe

Pombo (2005, p. 08): “a interdisciplinaridade não é qualquer coisa que nós tenhamos

que fazer. É qualquer coisa que se está a fazer, quer nós queiramos ou não.”

Educar na interdisciplinaridade exige do professor, entre outras atitudes, a

coragem e ousadia, pois ambas, segundo Fazenda (2001), são uma das marcas do

professor interdisciplinar. Entretanto, tais posturas devem ser pensadas,

primeiramente, pela academia e pelos centros de formação, visto que ainda hoje os

professores estão saindo dos bancos escolares, dos cursos de licenciatura, sem ter

sido estabelecida qualquer discussão sobre ensinar na interdisciplinaridade. Embora

falar sobre isso já não seja um discurso novo, a proposta de uma formação

interdisciplinar ainda não faz parte da prática da maior parte dos professores, que

tiveram sua formação a partir de um currículo compartimentado, fragmentado,

cartesiano.

Embora a interdisciplinaridade esteja presente há mais de 40 anos nos

discursos educacionais do país, não há, ainda, uma definição clara sobre o termo.

O prefixo inter, dentre várias conotações que podemos lhe atribuir, tem o significado de troca, reciprocidade e disciplina, de ensino,

103

instrução, ciência. Logo a interdisciplinaridade pode ser compreendida como um ato de troca, de reciprocidade entre as disciplinas ou ciências - ou melhor, de áreas do conhecimento (JAPIASSÚ, 1976, p.23).

Para Fazenda:

A interdisciplinaridade se efetiva como uma forma de sentir e perceber o mundo e estimula o sujeito do conhecimento a aceitar o desafio de sair de uma zona de conforto protegida pela redoma do conteúdo das disciplinas e retomar o encanto da descoberta e da revelação do novo e complexo processo de construção do saber. Implica, portanto, em aprendizagem de nova atitude perante o processo de conhecimento. A interdisciplinaridade é compreendida como abertura ao diálogo com o próprio conhecimento e se caracteriza pela articulação entre teorias, conceitos e ideias, em constante diálogo entre si [...] que nos conduz a um exercício de conhecimento: o perguntar e o duvidar (FAZENDA, 1997, p. 28).

Conforme Ghedin:

A interdisciplinaridade não é somente um conceito que explica as relações entre diferentes disciplinas, mas esta finalidade transforma-se em um conteúdo de aprendizagem que facilita o estabelecimento dos nexos e das relações entre as disciplinas, propiciando uma melhor compreensão dos problemas do mundo que nos rodeia para facilitar a elaboração de um conhecimento mais holístico e complexo. Portanto, mais válido para a integração ao conhecimento de alguns cidadãos e algumas cidadãs comprometidas com a melhoria da sociedade. (GHEDIN, 2012, p. 17).

Como já foi dito, não há um conceito claro sobre a interdisciplinaridade. Até

mesmo os intelectuais que discursam sobre o tema evitam conceituá-la, pois se

trata, segundo Pombo (2005), de uma transformação epistemológica em curso,

dificultando, assim, uma definição do termo. A própria autora declara não saber

como se faz, como também não saber o que é a interdisciplinaridade. Para Pombo:

[...] a palavra interdisciplinaridade, logo do ponto de vista material, é

uma palavra agreste, desagradável, comprida demais. Além disso,

não há só uma. Há uma família de quatro elementos que se

apresentam como mais ou menos equivalentes: pluridisciplinaridade,

multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

Sentimo-nos um pouco perdidos no conjunto destas quatro palavras.

As suas fronteiras não estão estabelecidas, nem para aqueles que as

usam, nem para aqueles que as estudam, nem para aqueles que as

104

procuram definir. Há qualquer coisa estranha nesta família de

palavras. Umas vezes são usadas umas, outras vezes, outras. Há

pessoas que gostam mais de uma e a usam em todas as

circunstâncias, outras mais de outras. Como se fosse uma questão

de gostar ou não gostar. Mas é assim que as coisas funcionam

(POMBO, 2005, p. 4).

Ainda segundo a autora, a palavra interdisciplinaridade vem sendo, nas

quatro últimas décadas, banalizada. Virou modismo. O termo interdisciplinaridade

passou a ser utilizado de forma excessiva para qualquer atividade. De acordo com

Pombo (2005, p.5), essa palavra “ampla demais está a ser banalizada, aplicada a

um conjunto muito heterogéneo de situações e experiências. E esta utilização

excessiva gasta a palavra, esvazia-a, tira-lhe sentido.”

Essa perda de sentido tem sido alvo de diversas críticas de intelectuais de

vários países, devido a sua banalização. A própria Fazenda mostra-se decepcionada

com os rumos tomados pela interdisciplinaridade no campo educacional. Tal

decepção é sentida por ela em seus últimos escritos assim como em suas recentes

palestras, quando a autora passou a usar menos o termo interdisciplinaridade e mais

o termo integração. A precursora da interdisciplinaridade no campo da pedagogia no

Brasil, em suas últimas discussões, deixa de utilizar esse significante –

interdisciplinaridade - como importante na defesa de ensino e aprendizagem e passa

a defender o significante – integração - como fundamental. Não é só uma mudança

de termo, tem toda uma discussão sobre o significado, assim como o que vem

realmente acontecendo quando da empregabilidade da palavra interdisciplinaridade.

As críticas recentes ao movimento pedagógico pela interdisciplinaridade,

propostas por Fazenda, foram instigadas pelo posicionamento de Veiga Neto. Ele

fez uma apreciação contundente à interdisciplinaridade, ao afirmar que:

[...] estamos longe de chegar a acordos satisfatórios sobre o que é a interdisciplinaridade, sobre o que se quer dizer quando se fala em currículos interdisciplinares, pluridisciplinares, multidisciplinares ou transdisciplinares e como podem eles ser planejados, executados e avaliados. (VEIGA NETO, 2010, p. 1).

Essa falta de definição ou conceituação sobre o que de fato é a

interdisciplinaridade constitui-se a base para as recentes críticas ao que Veiga Neto

(2010) chama de movimento pedagógico pela interdisciplinaridade. A censura que o

105

autor tece à interdisciplinaridade recaiu justamente sobre esse movimento, ao

afirmar que “o movimento pedagógico pela interdisciplinaridade, na forma como se

desenvolveu no Brasil, fez, em boa medida, com que a disposição disciplinar dos

conhecimentos passasse a ser vista entre nós como uma das grandes vilãs da

educação escolar contemporânea” (VEIGA NETO, 2010, p. 2).

Para o autor, esse foi o principal equívoco do movimento pedagógico pela

interdisciplinaridade uma vez que tal alvoroço acarretou:

[...] o investimento de muito tempo, esforços e recursos financeiros em prol de novas experiências interdisciplinares, cujos resultados, certamente na maioria das vezes, ficaram muito aquém do que desejavam seus promotores. Além do que tudo isso significou em termos educacionais, lembro que, como costuma acontecer quando do insucesso de novidades pedagógicas, a culpa pelos resultados pífios foi de novo colocada nas costas das professoras e professores, acusados de incompetência ou falta de preparo para levar adiante tais novidades, quando não, de negligência e desinteresse. (VEIGA NETO, 2010, p. 11).

A esse respeito, Fazenda (2011) salienta que

Disciplinas são não só um meio cômodo de dividir os conhecimentos em partes; elas também constituem a base sobre a qual são organizadas experiências de ensino e pesquisa. Constituem a espinha dorsal do sistema escolar. Qualquer mudança hierárquica ou qualitativa das disciplinas implica a mudança das diretrizes centrais do sistema. O que se pretende, portanto, não é propor a superação de um ensino organizado por disciplinas, mas a criação de condições de ensinar em função das relações dinâmicas entre as diferentes disciplinas, aliando-se aos problemas da sociedade (FAZENDA, 2011, 88-89).

Ao findar as leituras para a escrita deste capítulo, fiquei pensativa sobre a

interdisciplinaridade no campo, principalmente se este tema é do interesse dos

pesquisadores e da comunidade científica, justamente para verificar se o descaso

com o campo é acompanhado, também, pela produção científica sobre o assunto.

Assim, decidi investigar sobre o que se tem produzido nos últimos cinco anos

acerca de Educação do Campo e interdisciplinaridade no Brasil. Essa investigação

revelou dados que serão apresentados a seguir.

106

8.2 Interdisciplinaridade ou Integração das disciplinas: um estudo necessário

No intuito de investigar sobre o destino das produções sobre Educação do

Campo e interdisciplinaridade e a evolução do tema e os estudos nos últimos cinco

anos no país, senti-me instigada a fazer uma busca online nos sites disponíveis,

acerca das produções no período de 2008 a 2012.

Investi, inicialmente, no banco de dados da Capes e do Domínio Público para

o levantamento das teses e dissertações e, posteriormente, artigos. As análises dos

dados, além de levantar o volume das pesquisas, envolveram a leitura dos resumos

para, assim, identificar a concentração das produções sobre o tema Educação do

Campo e interdisciplinaridade. No geral, foram localizadas 251 produções. Destas,

83 eram artigos, 118 dissertações e 50 teses, como demonstra o gráfico abaixo.

Gráfico 14 - Distribuição temporal dos artigos, dissertações e teses (2008-2012)

Fonte: Elaborado pela autora para a presente pesquisa

Observa-se, no gráfico acima, que as produções de artigos a tratarem sobre o

tema interdisciplinaridade mantiveram-se quase linear, sendo o ano de 2008, o de

maior produção. Em relação ao mestrado, o pico de crescimento em dissertações

foram os anos de 2009 e 2010, caindo bastante em 2011 e voltando a subir

novamente em 2012. Nos doutorados, as produções de teses oscilaram muito nos

últimos cinco anos, atingindo seu ápice em 2012 como exposto no gráfico.

107

Nas primeiras buscas, ao lançar a palavra Interdisciplinaridade, já me deparei

com algumas pesquisas que traziam no título a palavra Integração. Tal fato se deve

aos procedimentos que adotei para as buscas, uma vez que, ao digitar a palavra no

site, este alcançava os títulos e também as palavras-chave contidas no final de cada

resumo. O gráfico abaixo traz as porcentagens das pesquisas que utilizaram, em

seu título ou palavra-chave, o termo integração ao invés de interdisciplinaridade.

Gráfico 15 - Incidência de pesquisas com o termo Integração das disciplinas

Fonte: Elaborado pela autora para a presente pesquisa.

Como se observa, as teses concentraram maior número de produções que

utilizaram o termo integração das disciplinas em vez de interdisciplinaridade. Ao

proceder às leituras dos resumos, ficou evidente que as práticas tidas como

interdisciplinares relacionavam-se à integração de disciplinas.

Segundo Fazenda:

Existe uma profunda diferença entre integração e interdisciplinaridade, ou seja, a integração poderia acontecer em aspectos parciais, como: confronto de métodos, teorias-modelo ou conceitos-chave das diferentes disciplinas, ao passo que, delimitando mais rigorosamente o conceito de interdisciplinaridade, conclui-se que esta seria um passo além dessa integração, ou seja, para que haja interdisciplinaridade deve haver uma “sintonia” e uma adesão recíproca, uma mudança de atitude diante de um fato a ser conhecido; enfim, o nível interdisciplinar exigiria uma “transformação,” ao passo que o nível de integrar exigiria apenas uma “acomodação.” (FAZENDA, 2011, p. 87).

108

Fazenda demonstra seu descontentamento com a compreensão do termo

interdisciplinaridade associado à integração, embora reconheça que o que se

praticou na educação, nos últimos anos, seja mais integração de conteúdos do que

as práticas interdisciplinares propostas por ela. Para a autora:

Permanecer apenas na integração de conteúdos, em vez de caminhar para uma mudança ou transformação da própria realidade, pode resultar somente num novo jogo de palavras, numa nova rotulação para velhos problemas, enquanto as causas reais permanecem sem solução, ou mesmo sem questionamento. (FAZENDA, 2011, p.84).

De acordo com a autora, as práticas interdisciplinares foram mal interpretadas

no sistema educacional brasileiro, por isso afirma que:

A respeito, portanto, da integração em relação à interdisciplinaridade, conclui-se em favor da necessidade da integração como momento, como possibilidade de atingir uma “interação,” uma interdisciplinaridade com vistas a novos questionamentos, novas buscas, enfim, para uma mudança na atitude de compreender e entender (FAZENDA, 2011, p. 84).

Assim sendo, para Fazenda, as práticas interdisciplinares tornaram-se um

caminho para atingir a integração e, nesse sentido, compreende que:

O termo interdisciplinaridade é tomado apenas como meio para atingir essa integração. A integração seria então efetivamente o produto final e não etapa para a interdisciplinaridade, cuja tônica principal seria a interação e cujo objetivo final seria o estabelecimento de uma atitude dialógica tendo-se em vista a compreensão e a modificação da própria realidade (FAZENDA, 2011, p. 132).

Embora a discussão sobre interdisciplinaridade ou integração do conteúdo

seja interessante, não se constitui, neste capítulo, objetivo maior. O foco desse

levantamento nos bancos de dados investigados possui, como intencionalidade,

localizar dissertações, artigos e teses que discutissem sobre a Educação do Campo

e as práticas pedagógicas e formativas na perspectiva da interdisciplinaridade. O

resultado desse arrolamento apontou um número bem baixo de trabalhos que

traziam tais discussões, como aponta o gráfico abaixo.

109

Gráfico 16: Incidência de produções sobre o tema Educação do Campo/Interdisciplinaridade

Fonte: Elaborado pela autora para a presente pesquisa.

Como se nota no gráfico acima, pouco mais de 1,5% das produções

investigadas no período de 2008 a 2012 sobre interdisciplinaridade trata sobre a

Educação do Campo. Observei, ainda, que, no mesmo período, não foi produzido

nenhum artigo sobre esse tema na perspectiva interdisciplinar.

Das 118 dissertações, somente três trataram da Educação do Campo nessa

perspectiva, sendo a primeira intitulada: Caminhos da educação pela

transamazônica: ressignificando o saber cotidiano e as práticas educativas de

educadores (as) do campo. A segunda, sobre a formação do professor: E o rio, entra

na escola: cotidiano de uma escola ribeirinha no município de Benjamin Constant

(AM) e os desafios da formação de seus professores; e a terceira, sobre formação

inicial: A concepção de alternância na licenciatura em Educação do Campo na

universidade de Brasília.

Nas teses, foi encontrada somente uma produção que remetia à educação

técnica agrícola sobre a perspectiva interdisciplinar. Observa-se que nem Educação

do Campo era, trata-se de educação técnica no campo. Dos 83 artigos, nenhum

deles tratou do tema.

Enfim, o que se constatou nesse levantamento foi um bom número de

produções sobre interdisciplinaridade e integração de conteúdos nas instituições de

Ensino Superior no Brasil, porém ainda são escassas as produções sobre o tema na

110

educação, oferecida aos sujeitos do campo, pois, como apontou o estudo, nos

últimos cinco anos, foram localizadas somente três produções das mais de cem

levantadas nos ambientes investigados.

8.3 O professor do campo e a prática interdisciplinar

Marcado por movimentos de erradicação da forma positivista disciplinar de

governar o país, o MST reivindicava, além do fim do latifúndio por meio da Reforma

Agrária, condições mais dignas para a população campesina e, entre estas, o direito

à educação de qualidade, que educasse seus filhos na cidadania, direito este até

então lhes negado em todas as propostas educacionais. Tal reivindicação trazia

como proposta que os conteúdos na escola do campo fossem ensinados a partir da

realidade do campo e que a escola se constituísse no prolongamento da luta, em

forma de aprendizagem da leitura e da escrita, de forma contextualizada para,

assim, assegurar o fortalecimento político ao movimento por uma Educação do

Campo.

Diante da complexidade que compõe os diferentes sujeitos do campo, tendo o

diálogo e o respeito a essas diferenças como ponto de partida para uma educação

de qualidade, torna-se imprescindível a busca por outros caminhos metodológicos

de ensino que não sejam pautados, única e exclusivamente, na disciplinaridade,

pois, segundo Morin:

As disciplinas como estão estruturadas só servirão para isolar os objetos do seu meio e isolar partes de um todo. A educação deve romper com essas fragmentações para mostrar as correlações entre os saberes, a complexidade da vida e dos problemas que hoje existem (MORIN, 2000 p. 45).

Essa diversidade educacional que acaba de ter acesso aos bancos escolares

clama por uma educação que a liberte do processo opressor ao qual foi e ainda é

submetida. Uma educação diferenciada, contextualizada, que respeite o modo de

vida desses novos sujeitos cidadãos.

Uma educação que, segundo Caldart (2004, p.151), “seja dos e não para os

sujeitos do campo. Feita através de políticas públicas, mas construídas com os

próprios sujeitos dos direitos que a exigem.” Trilhar pelo caminho da

111

interdisciplinaridade, segundo Morin (2002, p. 24), é “reconhecer que o problema

não é bem abrir as fronteiras entre as disciplinas, mas transformar o que gera essas

fronteiras: os princípios organizadores do conhecimento.”

A fragmentação do conhecimento presente na matriz curricular por disciplina,

ainda muito forte nas escolas brasileiras, não responde às necessidades do

educando do campo, pois se pauta no ensino urbano, dificultando a apropriação do

conhecimento e a construção de uma visão contextualizada que lhe permita a

percepção crítica de sua realidade. Por isso, o MST propõe e defende:

Uma escola que educa partindo da realidade, onde o professor e o aluno são companheiros e aprendem e ensinam juntos; que organiza oportunidades para que as crianças se desenvolvam em todos os sentidos, incentivando e fortalecendo os valores do trabalho, da solidariedade, do companheirismo, da responsabilidade (Dossiê MST Escola, p.31).

A educação oferecida aos sujeitos do campo deve levar em conta um

ambiente rico em experiências e conhecimentos. Essa diversidade sociocultural

encontrada nas populações do campo deve servir como ponto de partida para a

educação proporcionada nesse meio.

Reconhecendo a complexa diversidade na qual o educando do campo está

imerso, trazer o debate da interdisciplinaridade, entrelaçada com a ideia de

educação no/do campo é mais do que urgente. Neste campo fértil, a

interdisciplinaridade pode se configurar como um instrumento de libertação, frente à

fragmentação do conhecimento. Sua aplicabilidade quebra as deficiências históricas

dos processos educativos vivenciados na escola do campo, pois a

interdisciplinaridade é uma prática pedagógica que se pauta no diálogo, na parceria

entre professor e aluno, em um processo em que o conhecimento acontece de forma

mútua, sempre se respaldando na realidade na qual determinado processo de

educação está inserido.

A educação dos sujeitos do campo requer múltiplos olhares para a

compreensão de sua diversidade e da heterogeneidade cultural de suas populações.

Essa complexa variedade que compõe o campo brasileiro não pode ser

compreendida e (re)apropriada a partir tão somente de olhares disciplinares,

especializados, rígidos. Assim, a interdisciplinaridade se apresenta como uma

inexaurível possibilidade e referência metodológica a ser desenvolvida em suas

112

escolas, com um ensino alicerçado na realidade da vida e na luta desses sujeitos.

Uma aprendizagem significativa, assegurada pelo direito à educação de qualidade.

É por esse tipo de ensino que prima o MST:

O ensino deve sempre partir da realidade vivida pela criança na escola, no assentamento, no mundo a fora. A teoria, os conteúdos já elaborados servem para ajudar a refletir sobre essa realidade. O resultado da reflexão deve ajudar a transformar a realidade e a nossa vida. Deve levar a uma prática concreta. (DOSSIÊ MST ESCOLA, 2005, p.35).

Observa-se, nesta proposta de ensino, a prática pedagógica se aproximar

mais de um método no qual o diálogo entre professor e aluno leve à aprendizagem

significativa, contextualizada, permitindo a ambos conhecer a si, ao outro e a

complexa realidade que os cerca é a adoção, nas escolas do campo, da prática

interdisciplinar. Isso não significa o abandono do conhecimento já elaborado,

advindo do ensino disciplinar, pois a interdisciplinaridade não elimina as disciplinas.

Aliás, a interdisciplinaridade não existe sem elas.

Mas, se pensarmos na dificuldade de se ensinar conteúdos em uma prática

interdisciplinar nas licenciaturas, o risco de isso não acontecer com relação aos

conteúdos do campo é altíssimo, tendo-se em vista que a maioria dos cursos de

Pedagogia não contempla disciplinas sobre a Educação do Campo e os cursos de

Pedagogia da Terra e/ou do Campo, em Mato Grosso, são quase inexistentes, uma

vez que se encontrou apenas um projeto desenvolvido (Cáceres), ao longo de meio

século de história da Educação do Campo, neste Estado.

No entanto pode-se afirmar que, não havendo formação, não há

interdisciplinaridade no campo. Questionando os sujeitos desta pesquisa,

observamos a confirmação destes de que não tiveram, em sua formação, nada que

mencionasse a interdisciplinaridade nesse sistema educacional.

Se pensarmos na Educação do Campo e em suas ações sociais no próprio

campo, é possível afirmar que a interdisciplinaridade permeia esse processo, pois

está presente. Os professores do campo trabalham com a prática interdisciplinar que

denominam de projetos, por meio dos quais desenvolvem suas aulas com os

conteúdos associados à vida no campo. Quando questionados se tinham noção de

que esses projetos estão assentados em práticas interdisciplinares, os sujeitos

afirmaram sempre terem trabalhado assim, mas que não tinham percebido nem

113

tiveram alguma formação para conceberem suas práticas como presença da

interdisciplinaridade.

Observemos as ilustrações abaixo que elucidam o trabalho da professora com

a primeira e segunda fase do primeiro ciclo, ensinando para sua turma: Matemática,

Português, Geografia e Ciências, ao preparar a terra para receber os compostos

orgânicos que se transformaram em adubo para a horta. Por meio de sua descrição,

é possível observar que seu projeto envolve postura e prática interdisciplinares. A

seguir, apresento ilustrações que contam com o consentimento dos sujeitos nela

envolvidos para sua socialização nesse trabalho.

Figura 1- Primeira e segunda fase do primeiro ciclo – sala multisseriada

Fonte: Acervo da autora/2012

Outros professores, também envolvidos no mesmo projeto, desenvolveram

posturas interdisciplinares, embora todos, quando questionados, afirmaram nunca

terem ouvido falar desse termo.

114

Figura 2- Aula teórica de Matemática – Ensino Médio

Fonte: Acervo da autora/2012

Figura 3 – Aula prática de Matemática – Oitavo ano

Fonte: Acervo da autora/2012

115

Na segunda figura, temos a foto do professor de Matemática ensinando

figuras geométricas para os alunos do Ensino Médio a fim de confeccionar

composteiras que irão receber a terra e as sobras preparadas por outras turmas.

A terceira figura traz os alunos do oitavo ano, adotando as medidas

oferecidas pelos alunos do Ensino Médio para a perfuração das composteiras, todas

em formato de figuras geométricas.

Figura 4 – Aula prática de Geografia – Solo fértil por composto

Fonte: Acervo da autora/2012

A quarta figura apresenta os alunos do sétimo ano com a professora de

Geografia e Ciências já com a composteira pronta para receber a terra preparada

pelos alunos do primeiro ciclo e os compostos orgânicos dispostos pelos alunos do

terceiro ciclo.

Junto à professora, também estão, alunos, gestão da escola, a cozinheira e

outros professores. O projeto também, além de integrar as disciplinas integrou toda

a comunidade escolar. Por meio desse projeto, vários alunos e pais, montaram em

suas casas suas próprias composteiras, das quais, retiram adubos, principalmente

para serem utilizados em suas hortas. Observe-se na figura cinco, os alunos do 3º

116

ano depositando na composteira, os compostos orgânicos, prontos para serem

transformados em adubo.

Figura 5 – Aula prática de Ciências – Preparando a compostagem Com alunos

do 3º ano.

Fonte: Acervo da autora/2012

Observa-se, ainda, que toda a escola foi envolvida nesse projeto de

compostagem, todas as turmas participaram de todos os estágios, não houve

separação de tarefas e até mesmo os pequenos fizeram os trabalhos.

A aprendizagem foi significativa para os educandos, na medida em que

estudavam algo de sua realidade. Muitos desses alunos construíram suas

composteiras em casa e ensinaram à mãe como cuidar. Isso demonstra que eles

realmente aprenderam. E essa aprendizagem não adveio de uma só disciplina, mas

da interação e do diálogo entre todas. Para tal intento, concordo com Ghedin (2012)

quando afirma que:

Neste sentido, faz-se necessário a interdisciplinaridade como conteúdo de aprendizagem. Estabelecer relações entre os diferentes conteúdos de aprendizagem não é uma tarefa fácil, principalmente quando os conteúdos que se deve aprender dependem de duas ou mais matérias [...]. É necessário construir uma visão capaz de captar a realidade em todas as suas dimensões; uma visão e alguns

117

instrumentos interpretativos que possibilitem compreendê-la em toda a sua globalidade.(GHEDIN, 2012, p. 17).

Apoio o autor quando aborda a necessidade de trabalhar de forma

interdisciplinar nas escolas brasileiras, embora não seja uma tarefa fácil, porém não

é impossível e, quando isso acontece, a aprendizagem que se adquire torna-se

significativa e para a vida toda.

Se perguntar aos alunos envolvidos nesse projeto: como acontece o processo

de decomposição dos orgânicos? Que tipo de terra é propícia para a compostagem?

Quantos quilos de sobras devem ser misturados em quantos de terra? Quais os

benefícios da compostagem?, eles saberão responder com facilidade, pois foram

autores de sua própria aprendizagem. Eles não aprenderam tudo isso na aula de

Ciência ou de Geografia, como aconteceria no ensino disciplinar, mas adquiriram

esse conhecimento quando todas as disciplinas dialogaram entre si, em um

processo interdisciplinar.

Esse projeto foi desenvolvido durante três meses na escola do campo,

localizada no distrito de Nova Galileia, município de Rondonópolis/MT, em 2010.

As figuras apresentadas nas páginas anteriores sugerem o que o ensino

interdisciplinar propõe: um diálogo entre as disciplinas e seus especialistas,

proporcionando, dessa forma, a interação entre ambos, na busca de objetivos

comuns, visando à mudança no modo de agir, compreender e interrogar o mundo

numa perspectiva educacional, em busca da metodologia inovadora. Essa maneira

de trabalhar dialogando com todas as disciplinas é uma característica da Educação

do Campo. O professor do campo, principalmente aquele que lá vive, possui imensa

facilidade em ensinar dessa forma, embora muitos até desconheçam que suas

práticas possuam caráter interdisciplinar.

A interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de significados e registro sistemático dos resultados. (PCNs,1999, p. 76).

A adoção dessa prática interdisciplinar nas escolas pressupõe um trabalho

pedagógico mais atento para o cotidiano escolar, para a realidade dos educandos,

118

para o favorecimento de trocas dialógicas entre professores e alunos, entre a teoria

e as formas de conhecimento, em sua totalidade.

A prática disciplinar não permite tal intuito, pois trabalha com conhecimento

de forma fragmentada, parcelada, mecanicista como enfatiza Morin (2000, p. 43): “a

inteligência parcelada, compartimentada, mecanicista, disjuntiva e reducionista

rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntos, fraciona os problemas,

separa o que está unido, torna unidimensional o multidimensional.” Tais práticas

caminham na contramão da interdisciplinaridade e da educação que deve ser

oferecida aos sujeitos do campo.

Temos visto, ao longo da História, que a educação oferecida nas escolas

brasileiras trabalha na direção da separação ou fragmentação dos conhecimentos.

Isso se deve ao fato de ela ser, ainda, orientada por uma tradição disciplinar na qual

também são formados os educadores. Estes, por sua vez, repassam essa tradição

aos seus alunos.

Pensar numa educação que atenda às necessidades da classe trabalhadora

do campo exige pensarmos para além dos campos disciplinares instituídos em suas

escolas. Para que o ensino interdisciplinar chegue às salas de aula das escolas

no/do campo, é imprescindível que seus educadores recebam essa formação na

academia a fim de que, de fato, esta venha ao encontro de um projeto de educação

a ser desenvolvido no campo sob a perspectiva definida pelo MST conforme

apresenta Caldart:

[...] significa compreender os processos através dos quais trabalhadoras/es que atuam em atividades educacionais nos assentamentos e acampamentos de agricultores sem terra passam a se constituir como sujeitos sociais da construção de uma proposta de educação vinculada com as necessidades e os desafios da luta pela reforma agrária e pelas transformações sociais mais amplas em nosso país. Significa também pensar sobre que práticas formativas podem levar a transformações da ação política e pedagógica destas pessoas, de modo que cheguem a esta condição de sujeitos. (CALDART 1997, p. 15).

A Educação do Campo exige uma pedagogia cujo foco principal seja o

desenvolvimento da formação do ser humano em sua plenitude, ou seja, um fazer

pedagógico, ao mesmo tempo formador e humanístico, pautado no diálogo e no

respeito a si e ao outro. Para tanto, afirma a autora:

119

Olhar a escola como um lugar de formação humana significa dar-se conta de que todos os detalhes que compõem o seu dia a dia, estão vinculados a um projeto de ser humano, estão ajudando a humanizar ou a desumanizar as pessoas. Quando os educadores se assumem como trabalhadores do humano, formadores de sujeitos, muito mais do que apenas professores de conteúdos de alguma disciplina, compreendem a importância de discutir sobre suas opções pedagógicas e sobre que ser humano estão ajudando a produzir e a cultivar. (CALDART, 2003, p. 72).

Visando resgatar uma educação cujos princípios básicos estejam centrados

na formação humana, o MST propôs para suas escolas cinco princípios filosóficos

sem os quais a educação almejada não seria possível. São eles: Educação para a

transformação social; Educação para o trabalho e a cooperação; Educação voltada

para as várias dimensões da pessoa humana; Educação com/para valores

humanistas e socialistas e Educação como um processo permanente de

formação/transformação humana. Observa-se nesses princípios que o projeto de

educação proposto pelo MST possui, como objetivo, a emancipação humana, tendo

a escola como instrumento para a apropriação dos conhecimentos necessários a tal

emancipação.

A educação para o MST tem como finalidade a formação de novos sujeitos e

isso só será possível quando as metodologias de ensino, em suas escolas,

promoverem uma formação que “rompa com os valores dominantes na sociedade

atual, centrada no lucro e no individualismo desenfreado. Precisamos nos contrapor

a isso, cultivando, intencionalmente, com nossos educandos novos valores” (MST

Cadernos de Educação nº 08 p. 9).

O caráter primordial da educação oferecida para os sujeitos do campo deve,

segundo o MST, quebrar a formação unilateral que se preocupa só com um lado ou

dimensão da pessoa. Para o Movimento, a Educação do Campo, precisa ser

omnilateral, alicerçada por uma práxis educativa revolucionária que reintegra as

diversas esferas da vida humana que o modo de produção capitalista prima por

separar.

Ou seja, o Movimento enfatiza que o “processo educativo é um processo que

acontece em cada pessoa de maneira onilateral, mas só acontece se esta pessoa

estiver com outras pessoas, e de preferência seus iguais.” Por esse motivo, o MST

defende uma metodologia pedagógica pela qual a educação assuma esse caráter de

omnilateralidade, de completude.

120

Estamos defendendo então que a educação no MST assuma esse caráter de onilateralidade, trabalhando, em cada uma de suas práticas, as várias dimensões da pessoa humana e de um modo unitário ou associativo em que cada dimensão tenha sintonia com a outra, tendo por base a realidade social em que a ação humana vai acontecer. (MST Cadernos de Educação nº 08 p. 9).

Os cinco princípios pedagógicos propostos pelo Movimento possuem, como

centro, a pessoa, só que não isolada, solitária, individualista, mas, sim, como sujeito

de relações com outras pessoas, com o coletivo inserido com um determinado

contexto histórico e social em um processo de formação omnilateral, pautada no

diálogo, na cumplicidade com o outro.

Isso me leva a refletir que a interdisciplinaridade, cujos pilares também são

alicerçados nesses mesmos princípios, inspirou o MST na construção da proposta

pedagógica para a Educação do Campo no Brasil. Nesse sentido, não se pode

esquecer de que a principal fonte teórica para a elaboração da proposta de

educação a ser oferecida aos sujeitos do campo foi o educador Paulo Freire,

alfabetizando, em 45 dias, um grupo de trabalhadores do campo, apropriando-se de

tais princípios. Igualmente, as leituras de suas obras levam-me a crer que este autor,

assim como Ivani Fazenda, tenha bebido na mina da interdisciplinaridade através da

obra de Japiassu e este, por sua vez, em Gusdorf (1961), o precursor da inserção da

interdisciplinaridade na educação, como prática pedagógica.

Oferecer aos sujeitos do campo uma educação, que lhes sirva como arma de

defesa contra o processo opressor imposto, desde sempre, na História do Brasil,

exige incondicionalmente o desenvolvimento de uma metodologia interdisciplinar nas

escolas do campo, assim como formação de seus professores também na

interdisciplinaridade, práticas essas ainda muito ausentes, tanto nas escolas do

campo quanto na formação de seus educadores.

Portanto, pensar em uma formação docente, seja ela para atuar no campo ou

na cidade, sob a perspectiva da interdisciplinaridade, requer, primeiramente,

repensar as licenciaturas, cursos de formação inicial dos professores e, também,

repensar o que as escolas e os seus profissionais estão compreendendo como

formação continuada, pautada em práticas formativas interdisciplinares.

Lenoir (1997, p.7), ao tecer discussões sobre a formação do professor

ancorada nos pilares da interdisciplinaridade, considera, entre outras condições,

121

duas de fundamental importância da passagem da formação docente tradicional

para a interdisciplinar, sendo uma delas: “as mudanças nas práticas de formação

dos formadores dos professores,” que não vêm ocorrendo, nem nas academias nem

nos centros de formação docente, visto o modelo disciplinar e desconectado de

formação presente nas universidades, centros de formação e escolas, e da forma

fragmentária como estão estruturados seus currículos.

Assim sendo, os educadores envolvidos em um trabalho interdisciplinar

precisam, antes de tudo, eliminar diversas barreiras, tanto entre as disciplinas

quanto entre as pessoas que pretendem participar do trabalho, pois isto implica um

trabalho coletivo, um planejamento conjunto e integrado na escola. Esses docentes,

segundo Caldart (2003, p. 74) devem ter consciência de que “o processo

pedagógico é um processo coletivo e por isto precisa ser conduzido de modo

coletivo, enraizando-se e ajudando a enraizar as pessoas em coletividades fortes.”

Um corpo de professores que trabalha sozinho não consegue pôr em ação os

princípios pedagógicos propostos pelo MST, pois estes já nasceram de forma

coletiva e só se efetivam nas escolas do campo pela cooperação entre professores,

alunos e comunidade. Todos aprendendo e ensinando entre si. O coletivo educando

o coletivo como propõe o Movimento. Ouvir as narrativas dos sujeitos desta

pesquisa soou para mim como eco de minha própria voz, como minhas próprias

imagens do que vivi, como se estivesse me vendo à frente do espelho. Os reflexos

daquilo que narravam, refletiam como um espelho em mim. Sorri com eles, chorei

com eles, arrepiei-me, indignei-me diante de suas histórias, pois essas também são

minhas. Vi a minha vida passando nas cenas de suas falas.

122

9 HISTÓRIAS DE VIDA E FORMAÇÃO – espelho, espelho meu...

As histórias de vida aqui apresentadas permitiram aos sujeitos desta pesquisa

dar uma volta ao passado, embora se tenha percebido em algumas entrevistas que

tal retorno ainda traz fortes emoções, tendo sido necessário, em muitos momentos,

suspendê-las, pois suas memórias os remeteram a um passado de luta e superação,

sendo impossível, momentaneamente, controlar as crises de choro. Foi perceptível,

durante as narrativas, como os sujeitos foram construindo seu processo formativo.

9.1 Minha história, minha vida...

As narrativas (auto) biográficas dos três sujeitos desta investigação

permitiram a eles uma volta ao passado, olhando a vida de forma retrospectiva,

facultando-lhes uma visão de seu conjunto, mostrando que o tempo presente torna

possível uma compreensão mais aprofundada do momento passado. Compreender

o processo formativo do professor através de suas histórias de vida é torná-lo

historiador de sua própria história.

Conhecer histórias de vida por meio de narrativas de si, bem como as

condições que permeiam o exercício da docência nas escolas do campo da região

Sudeste do Estado, foi fundamental para compreender o processo pelo qual passa a

educação do campo em Mato Grosso.

A maneira como os sujeitos das narrativas desta investigação passaram a

exercer a docência, no território denominado de campo, ofereceu-me uma

perspectiva a respeito do modo como a profissão docente tem sido tratada e

vivenciada por eles no Estado, evidenciando algumas das especificidades de ser

docente nesse ambiente de vida e trabalho.

No intuito de acompanhar e refletir sobre essas narrativas, apresento os

sujeitos, a partir de seus relatos. Reafirmo que os nomes são fictícios e foram

escolhidos por eles próprios.

Me chamo “Sol” embora tenha nascido no campo em uma fazenda no município de Cáceres sempre vivi na cidade. Sou a segunda de uma família de três irmãos. Tive uma infância bem tranquila sempre vivi na cidade embora tenha nascido na fazenda. Eu tive uma infância normal, brincava na rua, morava perto da escola onde estudava. Quando comecei a estudar eu amava ir pra escola, eu sempre gostei da escola, de estar na escola, nunca dei trabalho pra ficar na escola ou pra me acostumar lá. Esse período foi muito tranquilo. Não tive dificuldades pra aprender ler e escrever, com seis anos já sabia, eu era até bem esperta pra na época, já no prézinho já lia muitas

123

sílabas. Não tive dificuldades em minha alfabetização não. Minha professora dessa fase que na época era chamado de pré-escola me deixou boas lembranças embora não lembre o nome dela, mas me lembro da imagem dela, da voz dela do jeito dela andar do jeito de dar aula. Todo isso me marcou bastante. Acho que é por que ela brincava muito e naquela época quase não existia tanta brincadeira na escola ainda e ela brincava e cantava muito com a gente então acho que foi isso que me marcou. No ensino médio eu tive também um professor que me marcou muito, não por que ele

era legal comigo, pelo contrário, ele era até muito ríspido, mas ele me marcou por que

ele me despertou pra vida. Ele um dia ele me disse algo que nunca esqueci Ele dizia

você além de ser bonita tem um potencial muito grande, acorda, acorda ele dizia. Ele

pegava muito no meu pé. Anos mais tarde ele morreu em um acidente de carro

quando voltava de uma viagem do nordeste. Mas foi ele que me deu aquele banho de

água fria que me despertou pra vida, a partir do que ele dizia eu comecei a pensar: eu

posso ser melhor. Ele me marcou muito. Até hoje eu lembro dos ensinamentos dele.

Minha formação inicial em pedagogia foi muito difícil. Eu moro em outro município que

não tem faculdade. Fiz minha faculdade depois de casada já tinha uma filha de quatro

anos e foi quando decidi que não queria ser somente dona de casa. Tive o apoio de

meu esposo, em uma conversa ele disse que se eu quisesse fazer faculdade ele me

ajudaria. Então eu tirei um ano pra me preparar, pra estudar algumas coisas, pois já

fazia cinco ou seis anos que estava fora da escola fui me preparando e nesse período

decidi que queria fazer pedagogia por ser mãe eu acho, por estar perto de crianças

eu sempre fiquei perto de crianças. Engravidei no último ano de faculdade. Naquela

época não tinha internet tudo era feito na forma presencial. Terminei a faculdade em

2009, prestei concurso no ano seguinte e tomei posse no final de 2010. Prestei o

concurso pro munícipio de Rondonópolis onde fiz minha faculdade. De onde moro até

Rondonópolis são aproximadamente 25 km, trafegando por uma rodovia

extremamente perigosa devido ao grande fluxo de carretas. No final de 2012 pedi

remoção para uma escola do campo que ficava a apenas 12 km de minha casa. Além

de ser mais perto de minha residência, o trajeto era bem mais calmo apesar dos

percalços por ser uma estrada de chão. Estou nesta escola desde essa data e apesar

de todos os desafios em meu dia a dia nessa vida itinerante, gosto muito de trabalhar

aqui.

Me chamo “Determinação” nasci na fazenda São João da Serra município de Rondonópolis. Minha vida sempre foi em fazenda. Minha infância foi maravilhosa, não tinha as tecnologias que se tem hoje, mas minha mãe era muito criativa. Ela fazia boneca de pano para as meninas e bolas de meia para os meninos jogarem futebol. Iniciei minha vida escolar aos sete anos em uma escola rural chamada: Escola rural mista São João da Serra. Tenho boas lembranças dessa época. Para chegarmos a escola, andávamos uns cinco km a pé, não tinha transporte. Era uma farra só. Era uma turma grande e íamos brincando pelo caminho, comendo frutos da região. Estudei até o final do ensino fundamental. Casei-me muito nova, mas continuei a morar no campo no sítio de meu sogro. Mas como o sonho de meu marido era ter seu próprio pedaço de terra, nos unimos ao movimento o qual conseguiu desapropriar a fazenda que se transformou no assentamento onde hoje moro. Acompanhei todo o processo de mobilização para a construção da escola do campo onde atuo hoje como professora. Assim que a escola foi construída com recursos dos próprios moradores me matriculei no ensino médio depois de 24 anos sem estudar. Assim que terminei o

124

ensino médio fui convidada para trabalhar na biblioteca da escola, auxiliando as crianças nas leituras. Minha convivência nessa escola como aluna e como funcionária me despertou o desejo de continuar minha formação. Tal desejo de se tornar educadora do campo veio, antes de mais nada, da necessidade de alfabetizar meu filho especial, pois apesar de frequentar a escola há anos ele não sabia nem ler nem escrever. Foi uma luta diária. Criei meu próprio método de ensino baseado naquilo que nos cercava. Lembro-me que comecei pela escova de lavar roupa. Mostrei a ele contextualizei, expliquei cada letrinha. Pedia a ele para dizer outras palavras que começavam com a mesma letra. Tinha dia que ele ficava muito nervoso nem podia ver a escova (risos). Naquele dia eu parava, mas no próximo tudo novamente. Era uma questão de honra, ninguém mais acreditava que meu filho podia aprender, ninguém, menos eu. Eu dizia pra mim mesma “ele vai aprender.” Depois de meses de insistência meu filho finalmente conseguiu ler e escrever. Hoje ele já terminou o ensino médio, prestou o ENEM. Ele adora festa de peão de rodeio, por isso incentivei-o a escrever sobre isso. Ele faz vários versos e também narra festa de peão com os versos que ele próprio constrói. Eu venci (choro) e mostrei para todos que qualquer um é capaz de aprender basta ter alguém que acredite nela e o incentive e apoie. Diante do resultado com meu filho resolvi fazer pedagogia. Mas como fazer uma faculdade? O que ganhava na escola era pouco, e esse pouco ainda ajudava meu marido nas despesas da casa. Eu não tinha condição de frequentar uma universidade que eu tivesse que ir todos os dias. Então resolvi fazer uma faculdade a distancia, pois não queria e não podia perder meu emprego e ainda tinha que responder as expectativas de minha família como dona de casa. Foi uma época muito difícil. Saía de casa todas as terças e quintas feiras às 16 horas, pegava o ônibus para Rondonópolis e só chegava em casa depois da meia noite. No outro dia cinco horas tinha que estar de pé para fazer o serviço da casa e depois ir pra escola trabalhar. Terminei meu curso superior o ano passado e no final do mesmo inscrevi-me na contagem de ponto para esse ano. Consegui uma sala, parece que foi providencial, pois a sala que ficou pra mim foi justamente a de alfabetização de jovens e adultos. Estou há poucos meses na docência, mas já deu pra perceber que é isso mesmo quero pra minha vida: Ser professora.

Chamo-me Gaia nasci na cidade de Dom Aquino no Estado de MT, venho de uma família de seis irmãos meus pais eram provenientes do campo aquele campo bem ruralizado. Meu pai perdeu os pais dele muito cedo com a febre amarela quando ainda ele era bebê ele foi criado pelo avô nessa região na região de Dom Aquino. Ele foi muito judiado pelo avô e quando este morreu papai foi praticamente expulso pelos tios da terra de meu bisavô. Ele caiu no mundo, mas sempre trabalhando na terra. [...] Quando tinha 4 anos meu pai foi trabalhar com proprietário de terra onde tinha uma fonte de água mineral (Lebrinha). Meu pai trabalhou nesse local por onze anos. Ali eu passei boa parte de minha infância. Ele ia à igreja uma vez por mês, acho que lá ele pedia ajuda a alguém para ensinar a ele alguma coisa e quando ele chegava em casa ele reunia com a gente e ia nos ensinar. Me lembro até hoje era debaixo de três pés de manga Borbom. Tinha uma planta que tinha uma folha larga (chapéu de couro) então ele pegava um graveto furava aquela folha com o graveto na forma de uma letra e dizia: essa é a letra “a” essa é a letra “e” “i” e assim ia formando frases juntando as palavras.. Ele dizia sempre pra nós: Tudo aquilo que vocês forem fazer sejam justos. Mas se você tiver certa, não abaixe a cabeça, brigue por aquilo. Ele dizia pra mim: você tem que estudar. Então ele me mandou pra casa do patrão dele em Cuiabá pra que eu pudesse estudar. Eu não fiquei muito tempo lá não. Voltei pra casa [...] Depois de algum tempo meu pai não se conformava que eu ficasse fora da escola então ele me mandou pra São Lourenço de Fátima novamente pra que eu estudasse e trabalhasse. Eu tinha só nove anos. [...] Na frente de papai eles me

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tratavam como se fosse da família, mas quando papai virava as costas era outra coisa. Então essa família conseguiu uma vaga pra mim em um colégio de freiras em São Lourenço. Eu consegui estudar graças a Deus. Mas ali no colégio eu passei por momentos difíceis pois apesar da filosofia da inclusão da escola ela era excludente. Eu não tinha uniforme, não tinha calçados. O dia que ele vinha ele me levava pra igreja dele que era a Assembleia de Deus, mas quando papai ia embora eu voltava pra clausura. O que hoje é chamado bulling eu sofri inúmeras vezes, com apelidos, falavam que eu era da roça. Depois, papai arrumou uma casa para eu ficar e estudar. Papai não tinha como pagar pela minha estadia, mas sempre que vinha me visitar, trazia um monte de verduras, frutas, frango, carne de porco, banha. Na casa eu era a última a comer e sozinha. Papai saiu da fazenda e foi morar no sítio de minha avó e eu fui morar com ele. Foi um tempo difícil, minha avó era muito pobre, não tinha nada na casa dela, muitas vezes antes de sair pra escola ela fazia ali uma água com limão e farinha, nós tomava aquilo ali e ia pra marcha. [...] Nossa, lembro da professora, brava, sistemática, mas que me marcou muito pelos incentivos que me deu. Ela dizia: você consegue. Você é capaz. Vai vencer. Não esqueço até hoje dos parabéns, do continue assim escrito no caderno. Devido a vários fatores parei de estudar no ensino médio só voltando pra escola depois de casada e assentada. Foi durante essa época ainda como estudante e meu envolvimento com a pastoral da terra que caí na real. Naquele momento caiu a ficha. Pensava eu: eu também sou uma discriminada, eu também sou uma excluída. Eu tenho que lutar pra modificar essa vida. Foi então que resolvi entrar no movimento. Lembro-me como se fosse hoje, o padre Antonino me ligou e disse: Estamos saindo agora em um caminhão de gente que vai lá pro acampamento Madre Cristina, você que ir? Então eu pensei: Eu também sou uma excluída! Eu vou sim. Catei uma bolsa, coloquei uma panela, um litro de melado que eu tinha, um queijo, farinha, umas trocas de roupa deixei filhas e marido e fui pro caminhão. Naquele caminhão tinha tudo quanto é tipo de gente. Gente que bebia, gente que fumava, gente com problemas com justiça. Eu montei nesse caminhão de boi, era um caminhão de boi e fui. Chegamos lá já estava amanhecendo, quando eu visualizei aquele acampamento enorme quase duas mil pessoas naquele acampamento Madre Teresa na fazenda Santo Antônio do Jurigue, nossa! entrei em pânico. Pensei: vou voltar pra trás. Meu Deus o que é isso? Vou embora. Eram 800 barracas, localizadas numa grota, num despenhadeiro. Misericórdia... onde vim parar? Mas ai vem o pessoal da acolhida, já fizeram a mística ai eu fiquei mais tranquila. Tá ai foi a correria faz barraco pra cá, faz barraco pra lá e ai falaram que tinha reunião. Aí pensei: Uai, reunião pra que? Perguntei pra que e me explicaram que era assim que funcionava dentro do movimento, tinha reunião pra tudo e naquele caso era pra organizar a chegada dos novos e explicar como funcionava as coisas dentro do movimento. Então chegou nossa reunião e o povo começou a falar: quem vai para setor de educação, quem vai para setor de saúde setor disso, setor daquilo. Eu pensei: Ai, ai, ai que é isso? Eu sei que quem trabalha com setor de saúde, de educação é a prefeitura, é o governo. Essa era a minha concepção naquela época. Quando começou a reunião, a liderança começou a falar sobre a divisão das atividades falaram sobre o setor de educação. Então perguntei: O que é isso? Do que trata esse setor? Então eles falaram: dar aula, você vai trabalhar com as escolas itinerantes, você vai trabalhar com a alfabetização de jovens e adultos, você vai organizar a educação. Então perguntei: Organizar a educação como, meu Deus, se nem escola tem aqui. Claro que tem, responderam. Não tem escola prédio, mas as escolas funcionam nos barracos. O acampamento era dividido em núcleos de moradias. Meu barraco era no núcleo quatro no qual eu era a responsável pelo setor da educação. A organicidade dos acampamentos era assim: A gente acordava bem cedo, reunia-se com todo setor, havia uma mística a mística é uma encenação da vivência, do dia a dia no acampamento, mística é mistério. É um teatro do oprimido. Muitos problemas nos acampamentos eram resolvidos por meio da mística. Se tivesse alguém com problema essa pessoa não contava o que estava acontecendo

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ela teatralizava e os demais entendiam só pela encenação. Era as discussões da vivência de uma forma mais lúdica. Ali naquela reunião da manhã eram distribuídas as tarefas do dia. Todos ali tinham sua tarefa. Uns cuidavam dos assuntos relacionados à saúde, outras da educação, outros dos transportes, outro da escola, outros da alimentação. Tinha também a roça, que era coletiva, professor, não professor, doutor, não doutor, todo mundo tinha que passar pela roça. Tudo isso era organizado diariamente no assentamento. Essa convivência no movimento me despertou e fez descobrir-me como educadora. Uma ocupação que ficou marcada em minha memória foi a ocupação da fazenda Santo Antônio do Jurigue. Houve resistência e muitos tiros. Foi um desespero, muita correria. Mães procurando seus filhos, maridos procurando suas famílias. A gente pedia pra eles não atirarem, pois estávamos desarmados, que ali havia muitas crianças. A gente tinha que permanecer ali firme e forte pra mostrar as crianças que não podemos desistir. Participei dessas e de outras muitas mobilizações. Então houve o sorteio da fazenda Gera é assim que acontecem dentro do movimento os lotes são sorteados, pra não haver privilégio pra ninguém. Mas eu não pude vir nesse sorteio. Eu fiquei muito chateada. Mas um dos sorteados não queria terras nessa região então ele entrou em contato com a coordenação do movimento e disse-lhes que deseja terra em outra região, mas só cederia seu lote de terra se esta fosse dada a mim. Coitado, acho que ele fez isso porque viu minha tristeza em não conseguir lote perto de minha família. Eu era muito querida dentro do movimento. Devido a todo meu envolvimento com o movimento a coordenação aceitou e eu vim pra cá. Eu chorei tanto de alegria. Mas como eu tinha passado muito tempo envolvida com as questões educacionais dentro do movimento, assim que fui assentada comecei a organizar a educação no assentamento, pois ali havia muitas crianças e adultos fora da escola. Participei da construção de três escolas. Nada vinha de graça pra nós, cada escola ou sala de aula construída sempre foi resultado de muitas pressões e muita insistência. Em 2007 fui convidada pelo movimento a fazer pedagogia da terra na Universidade Federal de Goiás. Foram anos difíceis. O curso funcionava em período de férias. Durante o ano trabalhava na escola do assentamento e nas férias novamente deixava a família e íamos para Goiás fazer a faculdade. Terminei meu curso em 2010 mesmo ano que os concursados do último concurso do Estado começaram a tomar posse nas escolas. Como ainda não há uma lei que priorize a docência no campo para aqueles que de lá são, eu e a outra colega que tinha feito Pedagogia da Terra ficamos sem aula, pois vários professores tomaram posse na escola onde trabalhávamos. Aquele ano fiquei sem trabalhar, mas no ano seguinte contei ponto em uma escola na cidade de São José do Povo e consegui pegar uma substituição. Depois dessa, veio outra e outra e estou aqui até hoje. Mas assim que surgir uma vaga na escola do assentamento volto para lá, pois lá é o meu lugar. Vai ter concurso este ano vou fazer e se Deus quiser vou passar e voltar de vez para o meio de meu povo.

Como se observou nas histórias de vida acima, cada professor é único,

possui um processo de formação diferente do outro, embora, pela profissão que

exerce, acabe apresentando, em suas narrativas, situações similares e congruentes.

Assim, trago, para discussão, as narrativas que marcaram o percurso de vida

e formação desses sujeitos, uma vez que, segundo Souza (2007, p. 4): “a

organização e a construção da narrativa de si implicam colocar o sujeito em contato

com suas experiências formadoras, as quais são perspectivadas a partir daquilo que

cada um viveu e vive.” Para tal finalidade, tomo como ponto de partida o que eles

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destacam sobre a Educação do Campo para sua formação e atuação profissional.

Finalizo, então, a descrição dos sujeitos e passo para a análise dos dados.

Diante desse contexto, este capítulo foi dividido em três eixos de análise,

tornando-se o coração desta pesquisa na medida em que permitiu, por meio das

narrativas (auto) biográficas, responder às principais indagações de cada um desses

eixos, quais sejam: no primeiro eixo, busco trazer dados que respondem às

questões: O que narram os sujeitos desta pesquisa sobre seu percurso formativo

desde a infância até os dias atuais? No segundo eixo, procurei analisar as

indagações dos sujeitos sobre: o que narram a respeito das políticas de formação

inicial e continuada? Que percepções possuem os sujeitos sobre as políticas de

formação, estas os amparam ou desamparam em sua docência? Qual a relação

entre essas políticas e a qualidade da educação oferecida aos sujeitos do campo?

Quais os impactos delas nas práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores

que atuam nas escolas do/no campo? No terceiro eixo, foram consideradas as

seguintes questões: Que práticas desenvolvem esses sujeitos no ambiente onde

atuam? Qual a percepção dos mesmos sobre a possibilidade do trabalho

interdisciplinar nas escolas do campo? Que formação receberam para

desenvolverem tais práticas? Passamos, agora, a ouvir e a analisar o que dizem os

sujeitos desta pesquisa sobre sua formação, docência e práticas interdisciplinares

no campo.

O INÍCIO: O percurso formativo dos sujeitos – neste eixo, procurei extrair

das narrativas (auto) biográficas sua trajetória de vida e formação. As análises desta

linha centram, num primeiro momento, nas relações familiares por entender ser

nesse meio que os sujeitos iniciam sua formação para a vida. É dentro da família,

por intermédio das interações afetivas que permeiam as relações familiares, que

iniciamos nosso processo de aprendizagem, desenvolvendo sentidos e

potencialidades que nos irão acompanhar por toda a vida.

Embora fosse analfabeto, meu pai sempre se preocupou com a minha educação. Dizia sempre ele: A coisa que o ser humano tem que fazer é estudar pra não permanecer no cabo da enxada. Como morávamos em um lugar que não tinha escola, papai apesar de ser analfabeto começou a me alfabetizar quando eu completei seis anos de idade. E assim como Paulo Freire eu aprendi as primeiras letras debaixo de três mangueiras com um pai que era totalmente analfabeto. Como ele conseguia? Até hoje não sei. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

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Eu morava bem perto da escola e não via a hora de começar a estudar, até que esse dia enfim chegou. Eu amava ir pra escola, eu sempre gostei da escola, de estar na escola, nunca dei trabalho pra ficar na escola ou pra me acostumar lá. Esse período foi muito tranquilo. Não tive dificuldades pra aprender ler e escrever, com seis anos já sabia, eu era até bem esperta pra na época, já no prezinho já lia muitas sílabas. Não tive dificuldades em minha alfabetização não. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

Quando eu e meus irmãos fomos pra escola, já sabíamos escrever nosso nome completo, sabia todo o alfabeto e já sabia contar e fazer contas simples. Foi minha mãe que era alfabetizada que ensinou pra nós as primeiras letras. Como éramos muito pobres e não tinha condições de comprar cadernos, nossa mãe usava o chão como lousa e cadernos. Nossos lápis eram gravetos. Morávamos em uma casa com um grande terreiro e várias árvores. O terreno era arenoso e minha mãe mandava a gente jogar água, pro chão ficar mais firme e assim ela nos alfabetizou debaixo daquelas árvores. Pelo meu pai, que era analfabeto nós nunca teríamos ido pra escola. Mandar a gente pra escola foi decisão de minha mãe. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

As riquíssimas narrativas revelam o cuidado e a preocupação com a

educação dos filhos, principalmente, dos sujeitos que viviam no campo. Ao contrário

de Sol, que aprendeu as primeiras letras na escola, Gaia e Determinação foram

alfabetizadas em casa; uma, pelo pai analfabeto e a outra, pela mãe alfabetizada.

Mas o que narram os sujeitos quando estes saem de uma educação informal

proporcionada pela família para frequentarem as escolas? Quais suas lembranças

sobre esses momentos? Quais suas recordações sobre seus primeiros anos e

professores? É o que passam a narrar agora:

Tenho boas lembranças de quando entrei na escola. Foi na pré-escola minha primeira professora me deixou boas lembranças embora não lembre o nome dela, mas me lembro da imagem dela, da voz dela do jeito dela andar do jeito de dar aula. Todo isso me marcou bastante. Acho que é porque ela brincava muito e naquela época quase não existia tanta brincadeira na escola ainda e ela brincava e cantava muito com a gente então acho que foi isso que me marcou. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

[...] tenho péssimas recordações do início de minha escolarização. Tive uma professora muito ruim, rude. Ela batia na gente, colocava de joelhos no milho, batia em nossas mãos com palmatória. Nunca recebi um gesto de carinho daquela professora. A sala era multisseriada, atendia alunos da primeira a quarta série. Ainda bem

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que depois de anos ela foi embora e veio outra professora. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

Minha vida escolar foi bem nômade. Isso atrasou muito minha formação. As lembranças que tenho são de minha professora da segunda série. Era brava, sistemática, mas que me marcou muito pelos incentivos que me deu. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

Os excertos acima elencam os diferentes processos formativos dos sujeitos

no início de sua escolarização. As lembranças de suas primeiras professoras trazem

marcas profundas. Para Ribeiro; Souza (2011, p. 168), “[...] as marcas deixadas

pelos professores e pela escola nas primeiras experiências escolares são de

diferentes ordens: medo, desânimo, pavor, choro, nostalgia, alegria, entre outras.”

Tais marcas, ainda, segundos os autores, podem interferir de maneira positiva ou

negativa nas escolhas profissionais.

Outro ponto a ser observado nas narrativas é a presença da multisseriação no

campo. Para o MST, as salas multisseriadas não se constituíram em problemas para

a aprendizagem no campo; pelo contrário, se amparadas por boas condições de

funcionamento e formação de seus educadores, possuem elementos essenciais

para melhorar a qualidade do ensino oferecido aos alunos do campo.

É possível perceber a ausência de uma política pública educacional para a

educação infantil no campo, no período relatado. Observa-se Sol relatar que sua

inserção na escola se deu na pré-escola enquanto para Determinação e Gaia isso

só aconteceu na primeira série. Essa situação de descaso com a educação das

crianças não mudou muito nos últimos anos, visto que, na maioria das escolas do

campo, não há a pré-escola e as crianças ingressam direto na alfabetização.

FORMAÇÃO PROFISSIONAL: As políticas públicas de formação inicial e

Continuada. “Vamos brincar de escolinha?” “Eu sou a professora.”

Quantos de nós dissemos estas frases no decorrer de nossa infância. A lousa

era a parede das casas, uma tábua, um pedaço de papelão. O giz, carvão ou um

pedaço de tijolo. Os alunos, nossos primos e amigos mais novos. Na maioria das

vezes, éramos os professores, quase nunca os alunos. Embora inconscientemente

já demonstrávamos, com essas brincadeiras de crianças, nosso interesse pela

docência.

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Quando foram despertados para a docência os sujeitos desta pesquisa? Esse

despertar aconteceu de forma consciente ou inconsciente? Para responder a essas

e outras indagações, vamos aos relatos dos sujeitos.

Quando me casei fui morar com meu esposo na casa dos pais dele. Bem pertinho tinha uma escolinha rural mista. Ali ministrei aula como substituta algumas vezes. Mas o chamado para a docência se deu de fato, depois de conseguir alfabetizar meu filho especial. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014)

Não me lembro, mas acho que em minha infância não brinquei de escolinha. Porém quando morava com meu pai em Dom Aquino recordo que várias vezes substituí a professora na escolinha do bairro. Mas o estalo pra docência se deu, sem dúvida, quando de meu envolvimento no MST. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

Ah... eu sempre gostei de trabalhar com crianças. Eu fui criada dentro da igreja, lá eu sempre ajudei a cuidar das crianças, sempre gostei de lidar com crianças, daí isso talvez seja o motivo da escolha pelo curso de Pedagogia. Assim sem perceber que já se tratava de um indício da docência, eu desde muito cedo sempre gostei de trabalhar como educadora. Quando jovem na igreja eu já trabalhava na escola dominical que é uma escola dentro da igreja onde a gente ensina os conceitos bíblicos pra crianças, Mas meu despertar pra docência aconteceu só na especialização. Por que até então eu estudava pra ter um curso superior. Queria ter um trabalho melhor, queria ganhar mais. Aí então já no último ano da graduação já nos estágios, eu já comecei a me sentir professora, já comecei a me sentir uma educadora responsável, por ser uma educadora, uma professora. Mas foi na especialização que eu despertei de fato para a docência. Foi quando disse eu vou ser uma professora e quero ser das boas, não quero ser aquela professora que as pessoas dizem aquela professorinha. Não! Então foi no estágio que fui despertada, mas foi na especialização que tive certeza que queria ser professora mesmo. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

Ao revisitarem seu passado, os três sujeitos retomam sua trajetória de vida e

formação e encontram lá, em suas adolescências, indícios do exercício da docência,

embora ainda de forma inconsciente.

[...] Os professores aprendem certos traços da docência muito antes de frequentar os cursos de magistério ou de licenciatura, nas suas experiências familiares, na sua trajetória de escolarização, nas relações que estabelecem em seus vários processos de socialização, dos quais a imagem da profissão docente e do ser professor se propaga (RIBEIRO; SOUZA 2011, p. 167).

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Corroborando o que dizem os autores, as narrativas acima sinalizaram nesse

sentido na medida em que o despertar para a docência desses sujeitos aconteceu

muito antes de frequentarem os cursos, tanto em nível Médio quanto Superior.

Mesmo o despertar consciente para a docência sucedeu em territórios e tempos

distintos: para Gaia, foi dentro do Movimento; Determinação, em meio à família e

Sol, já na Pós-Graduação.

Quando indagados sobre a escolha pelo curso de Pedagogia e da instituição

formadora, assim responderam os sujeitos:

Quando resolvi fazer um curso superior, fiquei indecisa entre Letras e Pedagogia. Eu escolhi o curso de Pedagogia porque naquele momento eu achava mais fácil do que nas outras áreas como Matemática, Física, não gosto. Porém, como tenho mais afinidade com crianças e por ser mãe, optei pela Pedagogia. A escolha pela UFMT foi pelo peso do nome da faculdade. Todo mundo dizia que era a melhor. Isso com certeza pesaria em meu currículo. Não me decepcionei com a escolha. Se pudesse, só estudaria na UFMT. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

Minha opção pela Pedagogia veio de meu envolvimento enquanto coordenadora do setor da educação dentro dos acampamentos e assentamentos do MST. O movimento foi o primeiro a me educar, mas essa educação me preparava pra prática e eu sentia falta da teoria. Embora estudássemos vários autores dentro do movimento, eu sentia necessidade de mais. Então não pensei duas vezes quando fui convidada a fazer Pedagogia da Terra na Universidade Federal de Goiás, considerada naquela época a melhor faculdade de educação do Brasil.(Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

Observa-se, na narrativa de Gaia, que sua opção pela Pedagogia adveio do

desejo de mudar a realidade dos sujeitos do campo por meio da educação. Para

fazer essa transformação, ela necessitou ter uma formação política e teórica mais

consistente visto que a formação militante já possuía. Para Caldart (2004, p. 68), a

fim de que isto aconteça, é necessário “[...] dar-se conta de que é preciso fazer

mudanças e seus sujeitos assumirem o comando da sua transformação.” Segundo o

MST (1997), se a educação tem a ver com a formação/transformação, é preciso

trazer, para dentro do processo educativo, principalmente na formação de seus

docentes, relações que, na sociedade, são a base dessa formação/transformação.

Para tanto, os cursos de formação, sejam eles iniciais ou continuados, precisam

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oferecer, em seus currículos, atividades e conteúdos com intencionalidades voltadas

à formação político-ideológica desses professores.

Meu despertar para a docência se deu quando percebi que se eu não alfabetizasse meu filho, ninguém o faria. Todos diziam que ele não iria aprender, até mesmo alguns médicos. Na escola eu via que ele só regredia. Os professores não recebiam formação para lidar com alunos especiais nem na cidade, que dirá no campo. Então decidi eu mesma alfabetizá-lo. Então pensei comigo mesma: Se eu consegui fazer meu filho aos quatorzes anos aprender a ler e escrever, eu conseguirei com outros com as mesmas dificuldades. Vou ser professora. Como hoje só pode ser professor que tem um diploma universitário, resolvi fazer esse o curso de Pedagogia. Porém não tinha condição de frequentar uma faculdade todos os dias, então optei pela educação a distancia na Faculdade Anhanguera, localizada na cidade de Rondonópolis. Lá eu precisava ir só dois dias por semana na aula. Todo esse processo com meu filho me despertou para a docência, pois passei a desejar ajudar outras crianças com dificuldades. Então resolvi fazer uma faculdade de Pedagogia, pois esta representava, de forma concreta, meus objetivos. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

As análises das narrativas evidenciam não só experiências de formação

vivenciadas pelos sujeitos, mas também algumas das especificidades que marcam

as escolhas de formação deles, contribuindo, assim, para os estudos sobre o

processo de profissionalização no país. Os motivos de suas opções foram diversos,

mas todos com foco na formação para melhor exercício da docência.

Na busca de mais dados sobre a formação dos sujeitos, indaguei-os no

sentido de extrair de suas narrativas como aconteceram seus processos de

formação. Os desafios da formação inicial, a influência das políticas públicas em

seus processos formativos.

Os desafios da formação inicial:

Minha formação inicial em Pedagogia foi muito difícil. Eu moro em outro município que não tem faculdade; a UFMT a faculdade que eu me formei. Foi difícil, pois eu tinha que ir todos os dias pra outro município com criança pequena, chegava tarde em casa, no outro dia ia trabalhar, então, assim, não foi fácil não. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

Foi uma época muito difícil. Os sacrifícios foram grandes. Saía de casa às quatro da tarde, retornava só depois da meia noite. Meu filho, coitadinho, me levava e ficava me esperando. Na época da chuva era terrível. Não temos carro, só moto. Quantas vezes no

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tempo da chuva chegamos em casa duas, três horas da madrugada, pois a moto atolava, então nós a deixávamos na estrada e acabava de chegar pé, debaixo de chuva e frio. No outro dia, tinha que estar de pé às cinco, para arrumar o café de meu marido, pois ele tirava leite e acordava muito cedo. Apesar de todo sofrimento foi uma época de muita aprendizagem. Talvez se tivesse sido fácil demais, eu não daria o valor que dou hoje. Nós, povos do campo, já nos acostumamos com isso, pois pra nós nada vem de graça, só à custa de muitos sofrimentos. Terminei minha faculdade ano passado. Nossa, foi o segundo dia mais feliz da minha vida, o dia de minha colação de grau. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

Minha maior escola foi o Movimento. Meus mestres, o povo trabalhador do campo. Com eles aprendi os sentimentos mais nobres da humanidade. Tudo isso me formou. Mas eu sentia que precisava de mais. De um conhecimento mais formal, foi então quando o Movimento me procurou, devido a todo meu envolvimento com o movimento e com a educação, propondo-me que eu fizesse o curso de Pedagogia da Terra oferecido pelo PRONERA em Goiás e eu aceitei de primeira. Mas assim, a gente foi indicada pelo Movimento, mas tínhamos que fazer um vestibular pra entrar. A mídia caiu em cima. No dia de nossa prova, a imprensa entrou na sala onde estávamos fazendo a prova e ficava em cima da gente, filmando nossa prova. Imagina, um concurso seja ele qual for já dá certo mal-estar na gente, imagina fazer isso sendo filmado o tempo todo como fizeram com a gente. Foram 2500 pessoas do Brasil inteiro, só 80 conseguiu entrar. Mas nós mostramos que somos iguais a todos que temos a mesma capacidade, basta termos oportunidade. Não foi fácil, pois tinha que continuar trabalhando. A aula funciona no período de férias. Um mês no início do ano e dois no final. Não foi fácil deixar a família, a comunidade, o trabalho, o ir e vir. Mas vencemos. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

A formação continuada:

Minha formação continuada também não me preparou pra docência no campo. Aqui na escola todos sabem que existe essa educação do campo, mas eu assim ainda não consegui fazer essa diferença entre educação do campo e da cidade. Na formação continuada também não vemos nada. Algumas vezes o CEFAPRO levou algumas discussões sobre isso, mas tudo ainda muito solto, muito vago, não deu ainda pra assimilar a diferença. A formação que recebi na sala do educador ainda não deu conta de explicar isso. E eu sinto que não sou a única que tem essa dúvida, até mesmo professores que são daqui têm dúvida, bem menos que eu, mas elas existem. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

No excerto acima, Sol deixa transparecer sua angústia com a formação que

recebeu para exercer a docência no campo. Sua agonia aumenta na medida em que

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ela percebe que não é a única a viver esse dilema. Observa-se, em sua fala, o

quanto o Estado está ausente, pois o sujeito diz da pouca formação que recebeu

dos professores formadores do CEFAPRO. Como vivo essa realidade, posso

legitimar a fala da professora, pois os professores das escolas do campo são os

menos atendidos por essa política pública, não chegando com a eficiência que

deveria ao chão da escola do campo. Para o sujeito, nem mesmo a formação dada

pelo CEFAPRO e o projeto Sala do Educador foram suficientes até agora para fazê-

la compreender o que é Educação do Campo, embora relate que pouco participa da

Sala do Educador, por questões que ela mesma conta em sua narrativa:

Participar da formação da Sala do Educador foi também um desafio, pois o horário era sempre no final da tarde após a aula. Na época das chuvas era impossível ficar até mais tarde, pois a estrada é de chão, tem atoleiro, há trechos desertos, oferece muitos perigos principalmente pra mim que sou mulher. Eu sei que faz muita falta isso pra mim, mas o fato é que por não morar na comunidade, ficar pra Sala do Educador, principalmente em épocas de chuva, era até correr risco de vida na estrada. Então, embora com muito pesar, não participo. Até propus outro horário, mas devido a escola ser pequena, não havia condição de mudar o horário. (Sol- Entrevista narrativa, 2013).

Mesmo sem intencionalidade, ao não participar da sala do educador que é

uma política pública de formação, a professora está incorrendo em duas falhas:

pondo-se em risco de sofrer um processo administrativo, pois a participação na Sala

do Educador adentra a legislação educacional do Estado, prevendo punições para

aqueles que não a cumprem e a segunda, e talvez mais grave, negando aos

educandos do campo uma educação de qualidade e contextualizada com a

realidade em que eles vivem, o que acaba, de alguma ou de todas as maneiras,

interferindo em suas práticas em sala de aula e desestimulando a aprendizagem dos

educandos do campo, uma vez que, segundo Ghedin (2012):

[...] A qualidade da aprendizagem se dá pelo modo como cada sujeito (professor) desenvolve a atividade, pelo sentido de pertença ao grupo e pelo trabalho coletivo que realizam, pelo nível de cooperação e de ajuda que manifestam os sujeitos (alunos) que participam da aula [...].( GHEDIN, 2012, p. 7 – grifo nosso).

Diante disso, mesmo com as angústias da professora, reconhecendo a falta

que essa formação faz em sua vida profissional, Sol, por não morar no campo, diz

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não ter condições de participar da Sala do Educador. Isso prejudica a sua formação

e a aprendizagem dos alunos, pois esses encontros formativos podem se constituir

em espaço privilegiado, como enfatiza Caldart (2003, p.7): “para o aprendizado do

cultivo da memória coletiva, e do estudo da história mais ampla. Saber que isso

pode fazer diferença para que não se apague a memória das dívidas com o povo

[...]:”

Minha formação continuada foi em meio ao movimento. Participei do primeiro ENERA que aconteceu para a discussão da educação dentro do MST. Participei das discussões do PRONAFE em Brasília, das discussões do PRONERA. Fizemos várias mobilizações daqui pra Brasília, participei de várias reuniões de mobilização com lideranças políticas. Passamos por momentos de dificuldades em outras ocupações, pois tínhamos que participar daquela ocupação sem deixar de dar respaldo em outras. Eu como tinha mais experiência dava formação continuada para as professoras menos experientes. Para formar eu tinha que antes de tudo me formar. Então eu estudava muito. Foi assim, minha formação continuada, ela se dava na vivência dentro dos acampamentos, assentamentos, e nas mobilizações do movimento. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

A formação de Gaia, tanto a inicial quanto a continuada, foi, e ainda continua

sendo, realizada em meio aos seus, conforme tem narrado em sua história de vida.

Essa é uma das características da formação dos sujeitos que são formados

dentro do Movimento, pois, segundo este, a Educação do Campo precisa de

professores que estejam inseridos na realidade do campo, como afirma Silva (et. al.

2006): “Ser educador dos movimentos sociais do campo exige estar inserido em

alguma atividade no movimento” e Gaia estava o tempo todo nesse meio, o que

reforçava sua participação em diferentes momentos da luta. Para Pereira (2008, p.

153), faz parte da formação do professor dentro do Movimento a participação ativa e

constante nas várias ações do MST. “O movimento considera crucial o envolvimento

dos professores em manifestações políticas, passeatas, marchas, ocupações de

terra e prédios públicos.” Participar desses momentos faz parte, segundo o

movimento do programa de formação de professores que atuam nos acampamentos

e assentamentos. Ou seja, é a formação em e no Movimento.

Participo da Sala do Educador e faço alguns cursos. Mas acredito que isso não seja suficiente para me ajudar na docência no campo. Às vezes vêm os professores formadores do CEFAPRO para nos dar formação continuada, mas isso é muito raro devido ao grande número de escolas que esses professores têm que atender. Então

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procuro sempre que possível estar me atualizando com leituras sobre a área que atuo, assim como pesquisas que faço principalmente na internet. A convivência que tive com outros professores desta escola tanto na época que era estudante como na que trabalhava na biblioteca me ajuda bastante no desenrolar de minha docência. Acho que isso pode também ser considerado como formação continuada. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

O excerto acima demonstra que, apesar de a formação inicial e continuada de

Determinação não ter sido construída dentro do Movimento, o ambiente da escola

do campo onde terminou seu Ensino Médio e onde trabalhou muito tempo como

bibliotecária também constitui para ela um espaço extremamente formador.

Outro ponto a se destacar na narrativa desse sujeito são os aprendizados e a

ajuda advinda da convivência com outros professores da instituição escolar onde

estudou e trabalha. O apoio dos professores experientes nesse começo da docência

dos iniciantes é de fundamental importância para essa fase profissional, pois a

pesquisa realizada por Pires et al. (2014, p. 5) demonstrou que uma das principais

angústias vivenciadas por professores em início de carreira é a “indiferença dos

colegas de trabalho no período inicial de inserção na escola.” A respeito disso,

Nóvoa (2009, p.5) afirma que: “a formação de professores deve passar para dentro

da profissão”, isto é, deve basear-se na aquisição de uma cultura profissional,

concedendo aos professores mais experientes um papel central na formação dos

“mais jovens.”

Observa-se, ainda, nas narrativas de Determinação, assim como Sol, o

lamento pela falta de formação dada pelo CEFAPRO aos professores do campo. O

descaso com a formação continuada dos professores do campo se faz presente

nesse instituto de formação, pois o CEFAPRO de Rondonópolis é responsável pela

formação docente em treze escolas na região Sudoeste do Estado, porém conta

somente com um formador para essa área. A política da Seduc para o CEFAPRO é

que se faça uma divisão das escolas para que cada formador assuma e acompanhe

determinadas escolas. Como resultado disso, acabam sendo enviados, para as

escolas do campo, formadores que não são dessa área, como é o caso da escola

onde atuo.

Agora pergunto: Como um profissional que não conhece a realidade do

campo pode dar formação para os que lá atuam? Esta pesquisa enfatizou que os

docentes do campo necessitam de uma formação específica, de preferência, por

quem entende do assunto.

137

Esses profissionais podem até conhecer o assunto, e acredito que dominem

sua área de atuação, mas a realidade específica do campo, eles desconhecem.

Prova disso são as falas dos sujeitos, principalmente Sol, quando esta afirma que a

formação oferecida pelo CEFAPRO é “algo solto, vago.” Tal sujeito está há dois na

docência do campo e afirma nunca, nesse período, ter feito alguma leitura sobre a

Educação do Campo, sequer sabe quem são os autores que trabalham com este

tema no Brasil.

Na escola onde atuo, o formador do CEFAPRO aparece em média a cada 60

dias para dar formação. Porém há outro agravante nessa história, por ser na zona

rural, o formador tem que agendar o carro do CEFAPRO; por isso, só pode vir

quando o carro está disponível para trazê-lo. Nestes casos, o formador liga na

escola marcando um dia certo para sua visita.

Observe que os formadores são escolhidos por um processo seletivo para

atender às questões ligadas à formação dos professores da rede estadual de

ensino, mas, por falta de transportes para as escolas do campo, mudam toda a

rotina da escola, quando impõem o dia em que podem atender aquela instituição. O

que me parece é que as escolas existem para servir ao CEFAPRO, quando, na

verdade, é o CEFAPRO que existe para servir às escolas. Deduzo que a prioridade

para essa política pública é o atendimento às escolas localizadas na zona urbana.

No campo, vão quando é possível. Quando ninguém vai utilizar o carro.

Saliento, entretanto, que não estou aqui responsabilizando o professor

formador por isso, pois convivo com muitos desses e sei das angústias por que

passam diante do ocorrido e até fazem o impossível para cumprir com seus deveres.

A crítica que teço aqui se faz à política de formação que, no caso das escolas do

campo, são ineficientes, pois, até mesmo o professor que está lá, que mora nesse

ambiente, pouco sabe sobre a nova política de educação para os sujeitos do campo,

reproduzindo, conforme a pesquisa que fiz para a escrita de artigos, a educação

rural de caráter puramente capitalista.

Pode-se concluir deste eixo que há a ausência do Estado quando o assunto é

a formação de docentes para atuarem nas escolas do campo. A falta de incentivo

financeiro e de outras ordens, como licença remunerada para qualificação, ainda é

um sonho dos professores, principalmente, os contratados, como é o caso de Gaia e

Determinação.

138

DOCÊNCIA NO CAMPO - As práticas pedagógicas e de formação dos

professores – Da cidade ao campo/do campo à cidade. Neste último eixo, busco

extrair, nas narrativas dos sujeitos, as lembranças e experiências que passaram no

início de sua docência no campo. Quais foram as políticas que os ampararam

durante essa iniciação e, por fim, se a formação que receberam impacta nas práticas

pedagógicas que desenvolvem na docência no campo.

O motivo que me levou a atuar na “escola do campo” foi a localidade, pois moro em uma cidade próxima e passei para um concurso público em outra cidade, como esta faz parte do polo, optei por ela por ficar mais próxima da minha residência, até conseguir remoção para minha cidade. (Sol - Entrevista narrativa, 2013).

Esta professora não mora na comunidade, ela vai para o campo e volta para a

cidade todos os dias. Esse fato, segundo Arroyo (2007, p.169), prejudica a

aprendizagem dos alunos do campo visto que “A maioria das educadoras e

educadores vai, cada dia, da cidade à escola rural e de lá volta a seu lugar, a

cidade, a sua cultura urbana. Consequentemente, não tem suas raízes na cultura do

campo, nem cria raízes.”

Minha relação com a comunidade é muito boa, embora eu ache que a convivência com eles seja pouca, porque eu chego na escola e não saio da escola a não ser na hora de ir embora. Só tenho contato com os pais ou nas reuniões ou quando estes vêm me procurar na escola pra conversar. Participo de alguns eventos na comunidade, mas são bem poucos. Não conheço a realidade de meus alunos a fundo; o que sei sobre eles é o que me contam. Até porque a maioria de meus alunos mora nos sítios e bem pouco na vila. Eu não conheço os assentamentos ou sítios onde meus alunos moram, nunca fui lá, por isso eu não conheço a realidade a fundo só aquilo que eles trazem de casa mesmo. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

A Educação do Campo precisa de professores que estejam inseridos na

realidade do campo. Para Caldart (2005, p.141), o educador do campo deve possuir

um “vínculo direto com a cultura camponesa.” Só assim, segundo a autora, ”buscam

um compromisso de trabalho com os sujeitos do campo, tanto nas escolas como na

formação em diferentes espaços, criados e dinamizados pela organização.”

Conhecer a realidade, para Caldart (2003, p. 7), significa “entender o

conhecimento como compreensão da realidade para transformá-la; compreensão da

condição humana para torná-la mais plena” e isso faz parte da formação do

139

professor que pretende atuar no campo. Ghedin (2012, p. 48) alega ser preciso que

todo professor, para desenvolver sua docência com justiça e respeito, deve aprender

sobre seus estudantes, sobre a realidade em que estes vivem, sobre suas

aprendizagens. Para tal, é necessário que o professor aprenda, antes de qualquer

coisa, o conhecimento sobre si mesmo como pessoa humana e como profissional.

No decorrer destes dois anos de pesquisa, pude constatar nas escolas

investigadas que parte considerável dos professores das cidades que optaram pela

docência no campo, em época de concurso, utilizou as escolas do campo como

passarela de acesso às escolas da cidade onde reside. Embora não seja o caso de

Sol, muitos desses professores fizeram da docência no campo “um bico,” como

enfatiza Arroyo (2005):

Não é suficiente ter professores bem formados, é necessário ter um corpo profissional com identidade e compromisso com o campo, que não o entenda simplesmente como um bico, enquanto espera ser transferido para a cidade. É preciso que seja de tal maneira, identificado com a riqueza, com a cultura, com as identidades do campo. (ARROYO, 2005, p.46).

Saliento, entretanto, que, assim como Sol, outros professores utilizaram as

escolas do campo como via de acesso a seus lugares de origem, procurando, dentro

de suas possibilidades, desenvolverem a docência com aquilo que acreditavam ser

de qualidade.

Quando eu cheguei à escola foi um choque com a realidade que encontrei e com a recepção da gestão. Perguntou-me a coordenadora: Qual seu objetivo nessa escola? Passar uma chuva? Você sabe que esta escola é uma escola do campo? O que sabe sobre educação do campo? [...] senti certa rejeição de alguns profissionais da escola. Depois do susto da chegada e com o passar do tempo, fui aos poucos conquistando as pessoas. As pessoas do campo são muito acolhedores, humanos, sem falar em como cozinham bem, mataram minha fome muitas vezes. [...] O susto na chegada me angustia até hoje, pois fico me perguntando: será que estou fazendo certo já que educação ali naquela escola era diferente? Isso me angustia muito. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

Ao narrar sobre o início da docência na Educação do Campo, Sol sinaliza

para algo muito comum, quando da inserção da maioria dos professores no início da

140

profissionalização: o “choque com a realidade.” O começo da carreira docente

apresenta-se para os professores como um dos momentos mais difíceis da vida

profissional. É o que deixa transparecer o sujeito, e Huberman (1995, p. 39) “traduz

o que se chama vulgarmente de ‘choque do real.’ Para Souza; Oliveira (2013, p.

143), “O choque é produto do estranhamento que os sujeitos sociais têm com o

‘estranho’, com aquilo que não é vinculado a sua cultura.”

Mas, e os dois outros sujeitos, será que também passaram por esse choque

de realidade, por esse estranhamento? É o que veremos em suas narrativas:

A escolha pela docência no campo adveio do fato de vir do campo, ser do campo, estar inserida nessa realidade. Só nesse assentamento moro há mais de onze anos. Conheço cada aluno meu assim como suas histórias de vida. Participo das festividades, dos cursos aqui realizados, da Igreja. Sou bem envolvida com minha comunidade. Dou-me bem com todo mundo. As pessoas que moram no campo tem esse diferencial, conhecemos nossos vizinhos, conversamos com eles, damos e recebemos coisas deles principalmente produtos alimentícios de hortas, viveiro, roças ou pomares. Há pessoas nas cidades que moram há anos um do lado do outro e nem sequer sabem o nome de seu vizinho. Aqui não, todo mundo conhece todo mundo. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

A opção de Determinação pela docência no campo aconteceu por motivos

bem distintos dos de Sol. Enquanto a primeira optou por uma questão de

pertencimento ao meio, a outra o escolheu devido à localização geográfica; porém,

as distinções não param por aí.

[...] a docência nessa escola do campo não é algo seguro, pois não sou concursada. Não há uma política que assegure minha permanência aqui só pelo fato de ser moradora desta comunidade. Nesses anos aqui na escola como bibliotecária tenho visto vários colegas que exerciam a docência na mesma condição que me encontro hoje perderem seus empregos para professores concursados que, na maioria das vezes, não moram aqui, mas nas cidades circunvizinhas. Eu me sinto desamparada. Posso estar trabalhando hoje e amanhã não mais como já aconteceu comigo em 2012. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

É notável a decepção da professora com a falta de políticas públicas que

assegurem ao professor do campo uma instabilidade. Isso, segundo Arroyo (2007),

deve-se ao fato de que as políticas públicas de formação de professores no Brasil

141

desconsideram toda a diversidade educacional do país, formulando leis únicas,

gerais, como se todo território nacional fosse formado por uma única cultura.

Não são todos, mas a maioria dos professores da cidade que atuam nas escolas do campo não tem nada a ver com nossa realidade, não conhece o ambiente onde vivemos. [...] Muitos deles não sabem sequer diferenciar a educação do campo da educação urbana. As maiores vítimas são os alunos e também os professores do campo que perdem seus lugares na escola, tendo que ir embora. Poderia pelos menos se levar em conta na hora do concurso esses requisitos ou ter concursos diferenciados entre a educação na zona urbana e na zona rural. Do jeito que é feito é muito ruim. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

A criação de um concurso específico para as escolas do campo é hoje uma

das pautas principais defendidas pelo MST, como deixou muito claro o coordenador

estadual do Comitê Estadual de Educação do Campo em um Encontro com

professores do campo no interior de Mato Grosso. Isto também faz parte de uma

das propostas da 1ª Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo.

De acordo com Arroyo (2005, p. 46), “devemos reagir a determinadas

políticas que na hora de escolher professores do campo simplesmente fazem um

concurso para professor e depois mandam alguns para o campo. Por que não ter um

concurso específico para o campo?” Ou, no mínimo, oferecer aos professores

“forasteiros” uma formação que os prepare para atuar nesse ambiente tão diverso.

As Secretarias de Educação não se preocupam em propiciar aos professores

urbanos, que são enviados ao campo, formação específica para atuarem nesse

ambiente, sequer os questionam se têm noção do que é trabalhar em uma escola do

campo. Isso, segundo Arroyo (2007, p. 160), é uma das causas da precariedade à

qual a educação do campo está submetida. Para o autor, um dos fatores

determinantes, no que diz respeito à qualidade da educação nas escolas do campo,

é “a ausência de um corpo de profissionais que vivam junto às comunidades rurais,

que sejam oriundos dessas comunidades, que tenham como herança a cultura e os

saberes da diversidade de formas de vida no campo.”

Passamos, neste momento, a analisar as narrativas daquela que pode ser

considerada uma “cria” dos MST: Gaia. O que relata sobre sua docência no campo?

Como foram suas primeiras experiências na docência àqueles que ela considera

142

muito mais que alunos, na verdade, seus irmãos e companheiros de luta dentro do

Movimento?

Iniciei minha docência no campo, no acampamento Madre Cristina quando lá fui morar. O acampamento era dividido em núcleos de moradias. Meu barraco era no núcleo quatro no qual eu era a responsável pelo setor da educação. Passei a alfabetizar as crianças daquele núcleo trabalhando com a educação itinerante. Se íamos pra Cuiabá, Brasília ou qualquer outro lugar, levávamos as crianças junto, e lá debaixo de uma árvore ou da lona mesmo continuávamos com as aulas. Ninguém ganhava nada dentro dos acampamentos, todos trabalhavam voluntariamente. Ali a gente ensinava e aprendia ao mesmo tempo. Os acampamentos e ocupações em territórios em disputa, regiões de confronto, por isso só aceitava ser professor quem estava ali dentro. Nenhum professor da cidade queria ir pra lá. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

Observa-se que a inserção de Gaia na docência acontece bem antes de sua

formação inicial. Diferentemente de Sol e Determinação que iniciam a docência em

escola estruturada, instituída, Gaia começa em uma escola reconhecida pelos Sem

Terra como escola itinerante que funcionava tanto dentro dos acampamentos quanto

fora deles, nas várias mobilizações organizadas pelo Movimento.

[...] a Escola Itinerante foi dando novos passos no acompanhamento. A comunidade assumiu tarefas na escola, ajudando a puxar água, fazendo lanche, cuidando da limpeza das salas. [...] no acompanhamento do aprendizado da leitura e da escrita [...]. Muitas pessoas se sentiram valorizadas ao contribuir com a escola: limpando, organizando, construindo, opinando, voltando a estudar, enfim, conduzindo a escola juntamente com os educadores (MST, 2008, p. 64).

O sucesso das escolas itinerantes se devia ao fato de que todos dentro dos

acampamentos deveriam desenvolver ações para o bom funcionamento das

mesmas. O termo itinerante dentro do Movimento vem de uma ideia de movimento,

flexibilidade, que muda de lugar constantemente.

O nome itinerante vem da palavra itinerância, ou seja, aquela que caminha junto, por significar que essa escola acompanha o itinerário do acampamento até o momento em que as famílias acampadas cheguem à conquista da terra, ao assentamento. Significa ainda uma postura pedagógica de caminhar junto com o sem terra, no sentido da afinidade entre o processo formal de escolarização e as práticas

143

educativas de um movimento social organizado com o MST ( MST, 1999, p.4).

Isso significa dizer que a escola, assim como os sujeitos que dela participam,

faz parte do movimento, do caminho que eles percorrem. A escola existe para servir

às pessoas e não as pessoas para servirem à escola. A construção da escola vinha,

em alguns acampamentos, antes mesmo das construções dos barracos.

Quando fazíamos novas ocupações, uma das primeiras providências era transformar parte da sede das fazendas ocupadas em sala de aula. As dificuldades eram de todas as ordens. Não havia material nenhum, tínhamos que trabalhar com aquelas crianças sem praticamente nada. Cadernos, lápis, lousa, giz. Uns iam pra cidade traziam algum material, outros conseguiam folhas, outras conseguiam lápis e a gente ia se virando com o que tinha. Mas a educação não parava, continuávamos com o EJA e com a alfabetização das crianças. Esse desafio me impulsionava cada vez mais. Foi aí que peguei gosto pela questão da educação. Aí não era mais só a terra que eu queria, queria também uma educação de qualidade. É pra isso que devemos lutar. (Gaia - Entrevista narrativa, 2013).

Nota-se um dos primeiros atos após a ocupação da terra: era providenciar o

que Caldart (2008) chama de “ocupação da escola.” Segundo o MST, após cada

nova ocupação, cada educador escolhia o lugar que melhor lhe convinha para dar

aula. No caso de Gaia, parte da sede foi escolhida para esse intento.

Mesmo ante todas as dificuldades estruturais e pedagógicas de

escolarização, todas as vezes que o Movimento ocupava uma nova área, a escola

era sempre uma das primeiras providências a ser tomadas. Cada um dava um jeito

de ajudar de alguma maneira, como pode ser observado no depoimento de Gaia:

Fui assentada. Quando cheguei havia um monte de crianças tudo sem estudar. Um monte de adultos analfabetos. A terra já estava em corte. Pensei: Meu Deus, como é que esse povo vai mexer com crédito, como que vai assinar seus papéis se são analfabetos? Reunimos com o grupo, com a coordenação e montamos uma sala de EJA. Corremos em Guiratinga, encontrar com o prefeito me lembro como se fosse hoje. Saímos 8 da noite chegamos mais de meia noite eu e outro companheiro. Em cima de uma moto velha. Era chuva que Deus dava. Chegamos lá e falamos pro prefeito: Só saímos daqui com a aprovação de uma sala de aula pra crianças e pros adultos. Conversa vai conversa vem, ele viu que não íamos abrir mão, então falou: Então tá bom, vocês querem abrir uma sala, abre, eu não vou dar respaldo não, só posso ajudar vocês com um salário pra uma professora que tá lá. Mas merenda, material didático, móveis, vocês se viram. Pensamos... já está bom. Uma professora

144

pegou as crianças para alfabetizar, eu fiquei com a EJA. Ela recebia o salário, mas eu trabalhava voluntariamente. Mesmo assentada continuava no movimento, na mobilização. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

A convivência no Movimento transformou Gaia em uma professora militante.

Observe que, mesmo depois de assentada, continua lutando para que a população

do campo tenha acesso à educação.

Para os Movimentos Sociais, lutar pela Educação do Campo é passar a pensar na educação do conjunto da classe trabalhadora e é buscar pautar dessa forma, em uma perspectiva de classe, a questão da política educacional. E no específico de organizações como o MST, significa passar a compreender que a ocupação da escola pelo Movimento precisa ser feita/pensada como apropriação da escola pelos trabalhadores, pelo seu projeto histórico e não apenas pelos interesses imediatos da organização, por mais justos, politizados e amplos que eles possam ser (Caldart, 2008, p. 11).

Para Gaia, o novo assentado necessitava ser alfabetizado a fim de que

pudesse assinar seus papéis, sem correr o risco de ser trapaceado. Ela não media

esforços e enfrentava várias adversidades para conseguir levar educação aos

sujeitos do campo. A falta de dinheiro constante não era empecilho para que se

deslocasse de sua residência até a cidade para buscar o que a prefeitura oferecia,

como relata em suas narrativas.

Com o passar do tempo, a Secretaria de Guiratinga começou dar um maior respaldo pra nossa sala. Mas nunca ninguém foi lá. Eu é que tinha que ir até Guiratinga pra pegar as coisas. Era uma época difícil, não havia dinheiro. Eu ia a pé até Vale Rico lá quando tinha dinheiro o que era raro (risos) pegava um ônibus, quando não tinha pedia carona e era assim. Eles passaram a mandar alguma comida para lanche das crianças. Lá no assentamento tinha uma senhora que era minha aluna do EJA que fazia esse lanche e me ajudava a limpar a escola. Ela fazia o lanche na casa dela e levava todos os dias à escola, fizesse sol ou chuva. Colocava aquela panela quente na cabeça e andava mais de 3 km até chegar à escola. Eu fazia o maior gosto de dar aula pra ela. (choro) Era uma sala de EJA com dez alunos. Na maioria das vezes, os alimentos que a Secretaria mandava não davam nem pra metade do mês, mas ela nunca deixou as crianças sem comer. Ela improvisava misturava o pouco arroz que tinha com broto e casca de abóbora, mandioca cozida com leite, doce de abóbora, enfim as crianças nunca voltavam pra casa de barriga vazia. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

145

As péssimas condições de trabalho e o baixo salário fizeram com que a moça

que lecionava para os alunos abandonasse o campo e a docência. Gaia se viu

obrigada a continuar alfabetizando aquelas crianças para que as mesmas não

ficassem sem aula. É forte, em seu depoimento, o sentimento de pertença que Gaia

adquiriu dentro de sua militância no Movimento. Para Pereira:

As atividades mais importantes para a construção da identidade como Educador Sem Terra são aquelas que envolvem a participação direta nas lutas do MST, por meio, por exemplo, das ocupações de terra e o trabalho próximo as pessoas e as comunidades acampadas e assentadas. (PEREIRA, 2008, p. 163).

Posicionar-se de forma extremamente ativa frente aos desafios do cotidiano

nos acampamentos e assentamentos é uma das principais características dos

militantes do MST e Gaia se mostra assim o tempo todo, ao narrar sua história de

vida, apresentando-se sempre disposta a contribuir para a construção de uma

sociedade mais justa para ela e seus pares. Onde havia crianças e adultos fora da

escola, lá estava ela. Se não tinha escola, convocava a comunidade e construía; se

não tinha material, improvisava. Para Gaia, seus livros eram: a natureza, e seu

mestre: o movimento.

A escola era um barraco na beira do rio. Ali eu dava aulas todos os dias para as crianças e três vezes por semana para os adultos. Todos os dias eu ia de lote em lote pegava as crianças e íamos pra escola. Entre esses alunos estava minha filha que estudou comigo até o quinto ano. E hoje ela passou em duas faculdades e passou em sétimo lugar no concurso pra polícia militar no Estado. (choro) E todo base que ela teve foi ali, naquela escola que nem banco pra sentar tinha. Quantas vezes enfrentei animais que vinham em cima das crianças, quantas carreiras levamos de vaca brava. Eu nunca deixava as crianças vir ou voltar pra escola sozinha; eu buscava e levava cada uma em seus barracos todos os dias. Eram 15 crianças. Hoje eu trabalho no conforto aqui, com ar condicionado, material em sala e lá eu só tinha os alunos, a força de vontade e a natureza pra mim trabalhar. Lá, eu era tudo, professora, limpadora, merendeira, coordenadora, tudo. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

Embora muitos não quisessem admitir, o fato é que as ocupações

revitalizaram o campo brasileiro, principalmente na década de 1990, auge dessas

ocupações.

Com a vinda das famílias para o assentamento depois do corte da terra, o número de alunos aumentou. Parte desses alunos ia estudar em São José, parte estava fora da escola. Então começamos uma

146

mobilização pela construção de uma escola ali, pois a região reunia quatro assentamentos e possuía número de alunos suficiente pra abrir uma escola. Mobilizamo-nos, fomos pra Cuiabá, ficamos divididos em dois grupos, um acampou em frente ao INCRA e outro em frente à Assembleia Legislativa. Durante uma sessão em que se discutia a questão da criação da escola pro nosso assentamento, houve um tumulto, uma quebradeira, provocada a mando dos parlamentares, penso eu, pra jogar a culpa em nós e a mídia adora isso, mas conseguimos a escola pelo voto de uma aluna nossa assentada no Marcio Pereira. Os primeiros professores que lecionaram naquela escola, passaram oito meses sem receber (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

As condições de contratação dos professores interinos no Estado também

são evidenciadas, no relato de Gaia, como (des)estímulo e fator (des) mobilizador da

docência no campo. A política de contratação de professores para atuar nas escolas

do Estado é extremamente perversa. Estes são submetidos a um contrato

temporário que pode ser interrompido pelo Estado quando achar necessário, sem

nenhum bônus para os docentes. Esse contrato tem a duração de dez meses

(fevereiro a dezembro) e os professores não possuem quase nenhum direito

trabalhista. Não têm direito a férias, licenças para qualificação, licenças prêmio,

horas atividades, elevação de nível e classe, atingindo somente até a classe “B”,

como se observa no quadro.

Quadro 3 - Subsídios dos professores do Estado de Mato Grosso

TABELA DOS PROFESSORES – 30 HORAS SEMANAIS

Classe /Nível

Coeficiente

A B C D E

1 1,5 1,7 2,022 2,3

Ensino Médio

Graduado Habilitado

Habilitado com

Especialização

Habilitado com

Mestrado

Habilitado com

Doutorado

1 1,000 1.569,19 2.353,79 2.667,62 3.172,90 3.609,14

2 1,040 1.631,96 2.447,94 2.774,33 3.299,82 3.753,50

3 1,085 1.702,57 2.553,86 2.894,37 3.442,60 3.915,91

4 1,135 1.781,03 2.671,55 3.027,75 3.601,24 4.096,37

5 1,190 1.867,34 2.801,00 3.174,47 3.775,75 4.294,87

6 1,250 1.961,49 2.942,23 3.334,53 3.966,13 4.511,42

7 1,320 2.071,33 3.107,00 3.521,26 4.188,23 4.764,06

8 1,410 2.212,56 3.318,84 3.761,35 4.473,79 5.088,88

9 1,500 2.353,79 3.530,68 4.001,43 4.759,35 5.413,71

10 1,530 2.400,86 3.601,29 4.081,46 4.854,54 5.521,98

11 1,560 2.447,94 3.671,90 4.161,49 4.949,73 5.630,25

12 1,590 2.495,01 3.742,52 4.241,52 5.044,91 5.738,53

Fonte: SINTEP/ MT, 2013

147

No Estado de Mato Grosso, os professores efetivos possuem plano de

carreira. Observe que esses profissionais recebem por classe e nível. A classe “A”

representa os professores que possuem o Ensino Médio (Magistério); a classe “B”

são os professores graduados, a “C” os com especialização, “D” mestrado e “E”

doutorado. Além disso, os efetivos, a cada três anos, elevam seu nível, aumentando

seu subsídio. Para os contratados, essa política salarial não se aplica. Os

professores contratados só recebem até a classe “B” e mesmo se tiverem doutorado,

esse título serve somente para a contagem de pontos na atribuição de aulas no

começo do ano letivo. Como o contrato é interrompido todos os anos, os professores

continuam anos após anos no nível um. Seu décimo terceiro salário é parcial e

proporcional apenas aos dez meses trabalhados. Para se aposentarem, as mulheres

precisam ter 25 anos de serviço e 30 para os homens, excluindo-se finais de

semana, feriados e os meses que ficam sem contrato. Há casos em que o professor

(a) já possui mais de trinta anos de exercício no Magistério do Estado, porém ainda

não conseguiu se aposentar, pois não completou o prazo em dias trabalhados,

devido às regras estabelecidas e mencionadas acima. Essa perversidade para com

os contratados em Mato Grosso ainda é mais forte no campo, pois os mesmos,

diferentes de seus pares das cidades, não têm outra saída a não ser se submeterem

a essa política imposta.

Apresentei, no primeiro momento deste eixo, por meio das narrativas, como

foi o processo de iniciação à docência no campo pelos sujeitos investigados. Passo,

agora, às narrativas que relatam a formação que receberam para atuar nesse

ambiente.

Minha formação inicial nunca me preparou para a docência no campo. Durante a época da graduação nunca ouvi sequer mencionar sobre educação do campo, muito menos algumas disciplina que tratassem do tema. Ninguém nunca me falou que a docência na escola do campo exigia certa especificidade. Quando pedi a remoção, a SEDUC me deu e pronto. Ninguém da assessoria também me orientou que eu estava entrando em uma realidade completamente diferente da qual eu estava acostumada. Nada foi me dito ou explicado. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

O relato acima demonstra a aflição da professora frente à ausência de

políticas públicas que assegurem ao professor uma formação para atuar no campo,

148

principalmente, àqueles que pertencem a outro ambiente, que não o rural. Para

Ghedin (2004):

[...] a profissão docente é uma prática educativa que, como tantas outras, constitui uma forma de intervenção na realidade social. Entendemos que a atividade docente é uma das atividades de ensino e formação ligadas à prática educativa mais ampla que ocorre na sociedade (GHEDIN, 2004, p.7).

Sem essa formação para atuar em uma realidade tão diferente da sua, fica

muito difícil, ao professor, que vem de fora, oferecer aos sujeitos desse espaço uma

educação de qualidade, pois essas escolas convivem diariamente com uma intensa

rotatividade de professores urbanos que, em suas graduações, não receberam tal

formação.

Tudo que aprendi sobre a docência no campo nesses anos aqui veio da convivência com as crianças, elas me ensinam muito coisa que eu não sabia, como por exemplo: como plantar alguma coisa, como colher aquela coisa, como regar as plantas de maneira correta. É muito divertido, eles morrem de rir, por que é eles que me ensinam sobre o cotidiano da vida no campo. Eles me ensinam muito como andar na terra até o que vestir pra lidar na terra (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

Nota-se, na narrativa, algo muito comum nas escolas do campo: a

aprendizagem coletiva. Para o MST, o professor que atua no campo não é só

um mero transmissor de conhecimento, mas, sim, um sujeito que, como os

alunos, está ali naquele ambiente também para aprender; aliás, este é um dos

princípios educacionais do Movimento: a troca recíproca de conhecimentos, a

aprendizagem coletiva, pois o campo é um espaço muito rico em informações,

tornando-se, diante de tanta riqueza, extremamente formador.

Eu acho que mesmo hoje eu sei muito pouco sobre educação do campo, quase nada. Nunca tinha ouvido falar de educação do campo antes de chegar na escola. Essa situação não mudou muito, pois eu conheço só a expressão “educação do campo.” Nunca me explicaram nem na escola, nem na minha formação, nem na formação continuada o que de fato vem a ser educação do campo e qual a diferença entre ela e a da cidade. Ouvi falar que até diferença entre educação no campo e educação do campo, mas não faço ideia de que diferenças são estas. Eu até agora não recebi nenhuma

149

formação que desse conta de me explicar isso. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

O depoimento mais uma vez deixa clara a necessidade urgente de se pensar

políticas de formação para os professores do campo, especialmente, para aqueles

que são da cidade. O não pertencimento desses docentes, segundo Arroyo (2007,

p. 160), é uma das causas da precariedade à qual a Educação do Campo está

submetida. Para o autor, um dos fatores determinantes no que diz respeito à

qualidade da educação nas escolas do campo é “a ausência de um corpo de

profissionais que vivam junto às comunidades rurais, que sejam oriundos dessas

comunidades, que tenham como herança a cultura e os saberes da diversidade de

formas de vida no campo” e este não era o caso de Sol.

Se compararmos a formação que Sol recebeu e a de Gaia, observaremos o

abismo que existe entre a formação das duas, como pode ser observado na

narrativa abaixo:

Fui sendo preparada dentro do movimento para atuar no campo. O MST foi meu grande professor. Minha militância me formava a cada nova mobilização. Depois veio minha formação inicial que me moldou de vez como uma educadora do campo. Mas quem me formou mesmo foi o movimento. Como coloca Paulo Freire me formava a cada dia junto a meus alunos, cuja realidade era a mesma minha. Quanto mais formava meus alunos, mais me formava como educadora do campo. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

A história de vida de Gaia mostrou que a formação dos sujeitos para a

docência no campo não se restringe somente ao acesso a um curso de preparação

inicial ou continuada. Essa formação é importante, mas, para o Movimento,

participar desses cursos constitui-se apenas parte do processo da formação do

professor militante, sendo uma espécie de complementação. Como já foi dito nesta

pesquisa, a grande instituição formadora dos professores Sem Terra é a

participação ativa destes dentro do Movimento.

Já para Determinação, assim como Sol, sua formação inicial não a preparou

para a docência, como se pode deduzir:

A formação que recebi na faculdade não me preparou para a docência no campo. Não havia nenhuma disciplina que falasse sobre educação no campo. Nada. Mas como eu já trabalhava no campo

150

como bibliotecária sempre tendo contato com alunos e professores do campo, isso me deu base para exercer a docência nesse ambiente. Algo que ajudou bastante também foi o fato de meus professores me permitirem que eu fizesse todo o estágio aqui na escola do campo. Como eu disse antes, a faculdade me ajudou a juntar a prática com a teoria. É desta junção que estou aos poucos me constituindo como professora do campo. Sou uma mulher do campo, agora estou também me transformado em uma professora do campo e todos esses anos aqui dentro tem me ajudado muito nessa constituição. (Determinação - Entrevista narrativa, 2014).

Isso, segundo Arroyo (2007), deve-se ao fato de que as políticas públicas de

formação de professores no Brasil desconsideram toda a diversidade educacional do

país, formulando leis únicas, gerais, como se todo território nacional fosse formado

por uma única cultura.

Interessou-me, ainda, neste eixo, investigar se a formação dos sujeitos para

atuar na docência no campo, ou a ausência dela, tem interferido em suas práticas

em sala de aula. Procurei identificar, nas narrativas dos sujeitos, indícios de práticas

pedagógicas interdisciplinares e qual a relação dessas práticas com sua formação.

Eu lembro uma vez que fomos fazer uns problemas de Matemática então eu levei pro pomar de jabuticaba e lá desenvolvi a aula. Era uma sala multisseriada e eu tinha que dar conta de educar todos. Resolvemos problemas matemáticos tudo utilizando as jabuticabas. Passei então a falar sobre a importância das frutas na alimentação. No final da aula nos empanturramos de jabuticabas. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

Para atuar no campo, o professor precisa estar preparado para tecer um

processo educativo que vá amarrando o ensino universal às especificidades

cotidianas dos alunos do campo. Observa-se, no excerto acima, como Gaia faz isso

com naturalidade.

Na minha concepção a educação deve ser feita de dois momentos um de teoria dentro das salas e outro de práticas fora dela. Trabalhar com o lúdico ajuda no aprendizado da criança. Uma coisa é o professor falar da importância dos produtos naturais para a saúde dos seres humanos, outra coisa é fazer a criança passar por esse processo. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

Nesta narrativa, o sujeito enfatiza que nem só de práticas deve ser a docência

no campo. Tanto os alunos como os professores devem passar por esses dois

151

momentos. Muito acostumada com a mística dentro do Movimento, a professora não

descarta o trabalho com o lúdico para maior êxito na aprendizagem do aluno.

Nas mobilizações que fazíamos as famílias levavam seus filhos. A educação não parava, pois existiam no movimento as escolas itinerantes, onde não era o aluno que ia até a escola, mas a escola até o aluno estava, não importava onde. Os conteúdos eram os mesmos de uma escola normal, mas tudo era adaptado à realidade que os alunos estavam vivendo naquele momento. Para ensinar a contar não contávamos com o ábaco, mas com grãos de feijão. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

Nas narrativas de Gaia, é muito presente o termo “realidade” e isso se deve

ao fato de que, no Movimento, tudo gira em torno da realidade em que os sujeitos

estão inseridos e isso também pode ser percebido no modo de ensinar dentro das

escolas do campo.

As turmas de alunos nos acampamentos eram grandes, com 40, 50 e até mesmo mais de 100 alunos. Adultos, jovens, crianças. Nossas práticas pedagógicas nunca fugiam da realidade em que vivíamos. Trabalhávamos muito com tema gerador. (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

Outra metodologia ou prática de ensino bastante utilizada dentro das escolas

do Movimento é o trabalho com o tema gerador. Observe, abaixo, uma espécie de

plano de aula, elaborado por algum educador do MST.

O tema gerador [...] foi OCUPAÇÃO. Sentados no chão com o quadro de escrever firmado na cerca de arame do latifúndio, improvisou-se espaços de estudos. [...] Como todo acampamento, a escola também foi reconstruída com muitas dificuldades que iam desde a falta de material de construção, a escassez de água e até fortes vendavais (MST, 2008, p. 62-63).

Gaia afirma, em determinado momento de sua fala, que o termo “Ocupação,”

como demonstrado acima, é geralmente o tema discutido na primeira aula depois da

ocupação de uma fazenda, segundo orientação do MST. Para as pessoas do

Movimento, é um dia muito especial, por isso deve ser discutido no ensino para que

este fique guardado na memória dos estudantes a fim de que nunca se esqueçam

das motivações que levaram cada indivíduo ali a se engajar na luta pela terra.

152

O trabalho pedagógico tem como ponto de partida a realidade específica de cada acampamento, com uma metodologia aberta e participativa, através de reflexões e diálogos, para a definição dos temas geradores e dos conteúdos que são socialmente úteis para a vida dos educandos (MST, 2003, p.15)

Observe o quanto se faz presente, nos discursos e nas práticas pedagógicas

do MST, constante frequência das influências de Paulo Freire, visto que o

pensamento deste está intrinsecamente vigente nos princípios de educação,

defendidos pelo Movimento.

O trabalho com tema gerador nas escolas do campo não significa o abandono

aos conhecimentos universais, produzidos e acumulados historicamente pela

humanidade.

Assim sendo, o Movimento educa e educa para a vida, não a individual mais a

vida coletiva, na qual o educador, ao mesmo tempo em que ensina, também

aprende, como pode ser observado na narrativa a seguir:

[...] nossos formadores no movimento diziam: vamos trabalhar conforme nos ensinou Paulo Freire com a realidade de nossos alunos. Vamos trabalhar com a palavra mundo, vamos trabalhar com a realidade do sujeito, porque tudo que fazemos aqui é junto, é no coletivo, é visando o bem estar de todos. Para mim esse conceito de junto, de coletivo, de cooperação nada mais era do que uma proposta interdisciplinar de ensinar dentro do movimento. Hoje pra mim interdisciplinaridade vem daí desse conceito de colaboração. Há dez anos o movimento já trabalhava nessa linha em suas escolas (Gaia – Entrevista narrativa, 2013).

A narrativa da professora explicita uma ideia de currículo que se revela no

desejo de fazer diferente. Um currículo que respeite as características do lugar e dos

sujeitos que ali vivem e estudam, tendo por base sua realidade.

Além das histórias de vida dos três sujeitos, recolhi, junto a eles, seus

históricos escolares. Como já foi observado nas linhas acima, na grade curricular

dos cursos de Pedagogia de Sol e Determinação, não houve, durante suas

graduações, nenhuma disciplina que reportasse ao estudo da Educação do Campo.

Entretanto, ao analisar o histórico de Gaia, foram encontradas disciplinas bem

específicas, como: Agroecologia, Educação do Campo, Educação popular,

Educação comunicação e mídia, Estado cultura e educação no pensamento crítico,

Etnomatemática e documentário na formação do educador, Marxismo e Psicanálise,

153

Leitura Teórico-crítica da Indústria Cultural, Sociedade, cultura e infância e Tecendo

textos, registrando memórias.

Concomitante a sua formação inicial, também acontece a formação no seio do

Movimento. Observou-se que não há na grade curricular nenhuma disciplina sobre

interdisciplinaridade, mas as narrativas de Gaia sobre suas práticas pedagógicas

estão “encharcadas” delas. Passo, neste momento, a analisar as narrativas de

Determinação.

Procuro desenvolver minhas práticas pedagógicas em sala de aula com conteúdos sempre voltados à realidade do assentamento sem fugir da grade curricular, sempre conciliando com as outras. Procuro desenvolver uma docência em que o aluno desenvolva a aprendizagem de forma o mais plena possível. Minha docência é para formação humana no trabalho e não para o trabalho, então se conseguimos desenvolver uma docência nessa perspectiva, o aluno vai se dar bem em qualquer ambiente onde esteja, no campo ou na cidade. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

Mesmo não sendo formada pelo Movimento como Gaia, Determinação já

inicia sua narrativa, mostrando a importância em desenvolver práticas pedagógicas,

adaptando o currículo à realidade dos educandos do campo.

Minha formação inicial não me preparou para a docência no campo, muito menos em salas multisseriadas, porém estudamos sobre interdisciplinaridade durante o curso. Como fiz meu estágio nessa escola em salas multisseriadas, adquiri experiência de como trabalhar dessa maneira de forma interdisciplinar. (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

Neste excerto, ela fala da ausência de uma formação que a preparasse para

trabalhar de forma interdisciplinar, principalmente, no campo, pois a docência nesse

ambiente exige essa preparação de seus docentes, já que a maioria das salas é

multisseriada.

Não fujo do que vem proposto no livro didático, embora não tenhamos livros específicos para a educação do campo, mas sempre adapto o que está nos livros didáticos pra realidade do assentamento. Ainda não é possível trabalhar totalmente de acordo com a proposta da política de educação do campo em nossa escola. Muita coisa ainda há de ser feita principalmente na criação de políticas próprias para nós, povos do campo (Determinação – Entrevista narrativa, 2014).

154

Novamente, a preocupação do sujeito em relacionar o currículo à realidade

dos educandos do campo. Determinação não possui a desenvoltura de Gaia,

quando o assunto é o desenvolvimento de práticas interdisciplinares. Observe que

ela, apesar de não descartar o livro didático, readapta à realidade de seus alunos.

Isto também são práticas interdisciplinares, embora o sujeito não as perceba.

Foram identificados, nas narrativas de Gaia e Determinação, fortes indícios de

práticas interdisciplinares, embora só Gaia tenha recebido formação e percepção

para tal. Passo a investigar agora, nas narrativas de Sol, se tais práticas também

são perceptíveis em seu cotidiano na docência do campo.

Minhas práticas são disciplinares, pois não recebi nenhuma formação para trabalhar de forma interdisciplinar. Até minha formação inicial foi feita de forma disciplinar. Não estudamos sobre interdisciplinaridade na faculdade nem tínhamos alguma disciplina que tratasse sobre o tema. A gente tenta às vezes desenvolver algumas atividades interdisciplinaridade, mas isso não é uma constante. Eu já tentei, eu me escabelo tentando trabalhar assim de forma interdisciplinar principalmente aqui nessa realidade, mas eu não consigo. Eu escutei sobre interdisciplinaridade na televisão, nas revistas, principalmente na Nova Escola, mas nunca ninguém tentou com o professorado, com os pedagogos da escola e nos ensinou a trabalhar interdisciplinarmente, nem cursos temos nessa área. O pouco que aprendi sobre isso foi buscando por conta própria. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

Sol não esconde seu despreparado para a docência no campo, tanto no que

se refere à Educação do Campo quanto sobre as práticas interdisciplinares. Estas

são mais comuns em escolas do campo até porque são compostas, basicamente,

por salas multisseriadas e trabalhar com esses tipos de salas que, em alguns casos,

chegam a agrupar um ciclo inteiro, exige ação pedagógica interdisciplinar. Ela

desabafa quando argumenta que sua formação não a preparou para a

interdisciplinaridade. A ausência dessa formação faz com que Sol entre em

desespero no início de sua docência no campo, pois sua primeira experiência foi

com uma sala multisseriada, como pode ser observado em sua narrativa:

Minha formação não me preparou para trabalhar de forma interdisciplinar, muito menos com salas multisseriadas. No início de minha docência no campo, foi traumática, pois peguei de cara uma

155

sala multisseriada. Não soube como trabalhar com as duas turmas separadamente. Tive que fazer uma escolha de “Sofia”, ou seja, pra salvar a maioria, tive que sacrificar a minoria, isso me fez muito mal. Peço perdão aos alunos, mas tive que escolher entre a turma que tinha maior número de aluno. A outra fase sofreu. Ninguém me formou pra isso. Ninguém me avisou que nas escolas do campo a maioria das salas são multisseriadas, ninguém me ajudou, não tive formação nenhuma de nenhum lado. Fiz o que pude, sofri, me desesperei, me angustiei. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

O desespero de Sol é perceptível em seu relato. Salienta a solidão no início

da docência. Nenhuma ajuda. Um abandono total. Sentia-se jogada à própria sorte.

Estava em uma terra estranha, onde não era bem-vinda. Pedir ajuda era declarar

incompetência. Por isso, optou por uma turma e deixou a outra de lado.

Eu acredito que a realidade das crianças deve servir de pilar pra minhas práticas dentro da sala de aula. Não importa se eu trabalho num grande centro, na periferia ou no campo. Mas trabalhar só com a realidade dele não seja suficiente pra sua formação para o mercado de trabalho. Vejamos: se eu educar um aluno do campo só com sua realidade, ele não vai ter condições de ser dar bem em outro local que não seja no campo, e pode ser que, em um determinado momento da vida dela, seja preciso sair dali e aí. Mas isso eu digo por eu não conheço bem o que de fato é a educação do campo, a partir do momento que eu conhecer a fundo essa modalidade de educação, eu possa pensar diferente nesse aspecto. (Sol – Entrevista narrativa, 2013).

Tanto em sua história de vida quanto em suas narrativas, Sol não escondeu,

em momento nenhum, sua falta de conhecimento sobre o que de fato é a Educação

do Campo, assim como seu despreparo para trabalhar nesse ambiente, mas este

último excerto narrativo selou tudo o que vinha dizendo. Observe que os princípios

de educação que carrega diferem da Educação do Campo proposta pelo MST. De

fato, Sol não conseguiu ainda entender a educação que deve ser oferecida aos

sujeitos do campo. Infelizmente, ela não é a única. Estudos têm demonstrado o

despreparo de professores que atuam em escolas do campo, principalmente, os que

são oriundos das cidades. A docência no campo exige preparação didático-

metodológica para o trabalho pedagógico e o processo ensino-aprendizagem. Assim

sendo, torna-se urgente pensar numa formação específica para os professores que

irão atuar no campo, seja este camponês ou da cidade.

156

Foi perceptível, nas narrativas de Sol e Determinação, o esquecimento com a

Educação do Campo na formação inicial dos sujeitos. E isso se deve, segundo

Arroyo (2007, 167), ao fato de que “na maioria dos cursos de formação se

confundem a história e a estrutura e funcionamento do sistema escolar com a escola

urbana,” desconsiderando as especificidades que exige a formação para o professor

que irá trabalhar no campo.

Enfim, ao analisar as narrativas das professoras, sujeitos desta investigação,

pude observar as diferenças entre as concepções sobre Educação do Campo das

três docentes e, também, o quanto isso fez diferença em suas formações. Essas

diferenças também podem ser percebidas quando as mesmas narram sobre suas

práticas pedagógicas em sala de aula. Gaia, por ser formada pelo e dentro do

Movimento, é a que melhor corresponde às propostas de educação para os sujeitos

do campo. Determinação, embora não tenha sido uma militante, desenvolve suas

práticas também voltadas às propostas do Movimento, devido a seu envolvimento há

mais de onze anos no ambiente do campo. Sol, apesar de ter se esforçado para

compreender quais são as propostas da Educação do Campo na escola onde esta

inserida, até o momento ainda não conseguiu diferenciar a educação do campo da

urbana.

Diante desse contexto, convém, ao poder público, repensar sobre a formação

dos professores que estão atuando nas escolas do campo, principalmente, aqueles

que vêm das cidades e para lá voltam todos os dias.

157

10 (IN) CONCLUSÃO

Durante estes dois anos e meio de pesquisa, esperei muito por este

momento, ou seja, escrever as considerações finais de minha dissertação.

Entretanto, nos instantes derradeiros desta escrita, fui tomada por um sentimento

socrático de incompletude, de que nada sei. Minha vontade: rasgar tudo e começar

de novo.

Neste processo de conclusão, fiquei “possuída” por um sentimento de que

poderia ter feito melhor. Mas, enfim... Deixemos isso para o doutorado. Obtive as

respostas que buscava no início desta pesquisa? Sim. Entretanto outras surgiram.

Acredito que pesquisar seja isto: buscar algumas respostas e com elas surgirem

novas perguntas.

Inicio, retomando alguns pontos da pesquisa para efetivar minhas conclusões.

Começo pela metodologia, o porquê da escolha pelo trabalho com a (auto) biografia.

Durante muitos anos, as investigações sobre a formação dos professores deixavam

de fora seus principais autores.

Poucos docentes eram ouvidos, as pesquisas se centravam mais nas

observações sobre suas práticas e, sobre estas, os estudos eram tecidos. Mas tais

investigações sempre partiam do olhar e das análises do pesquisador, os sujeitos

raras vezes eram incluídos. A autobiografia trouxe, ao palco, o autor e ator principal,

permitindo-lhe, por meio de suas narrativas, expor como foi tecendo, no decorrer de

sua carreira, a atividade formativa.

A opção pelo método (auto) biográfico e o uso da entrevista narrativa se

devem ao fato de os relatos valorizarem as histórias de vida, episódios,

acontecimentos, sentimentos e sensações dos sujeitos. Assim sendo, diante do rico

contexto formativo-investigado, como a educação e formação dos professores do

campo, o uso das narrativas autobiográficas, as histórias de vida dos sujeitos, neste

estudo, tornou-se fundamental para esta pesquisa.

Mas, por que as histórias de vida? Por duas razões: por estar imbuída do

desejo de trabalhar com uma metodologia em que as vozes dos sujeitos do campo

fossem ouvidas, buscando a valorização deles como autores de sua própria história,

narradas a partir de suas experiências de vida e formação.

Ao proceder às buscas sobre as produções que discutissem sobre escolas do

campo e formação de professores para a construção do Estado do Conhecimento,

158

descobri que, das 246 pesquisas sobre Educação do Campo no Brasil, apenas

quatro adotaram a (auto) biografia com método de pesquisa.

Esta investigação permitiu-me fazer um breve diagnóstico sobre a atual

situação da Educação do Campo em uma parte da região Sudoeste do Estado de

Mato Grosso, sob a perspectiva de três professoras iniciantes desta modalidade. Os

dados consistiram em achados interessantes, pois revelaram que, nos últimos anos,

têm adentrado no interior das escolas do campo um expressivo número de

professores das cidades os quais nada sabem sobre a docência no campo. O mais

grave nessa situação é que, ao longo de sua permanência nessas escolas, esses

professores do campo são pouco amparados pelas políticas de formação, quando

estas existem. A pesquisa ainda revelou que as escolas do campo têm sido

utilizadas por alguns desses professores como “bico” ou meio de acesso (“um

trampolim”) para a remoção a outras instituições em suas cidades de origem.

Identifiquei, por meio das narrativas, os impactos que as políticas generalistas

do Estado têm causado nas escolas do campo, no que se refere à formação dos

docentes que nelas atuam, tendo em vista que as Secretarias de Educação não se

preocupam em propiciar, aos professores urbanos que são enviados ao campo,

formação específica para atuarem nessa área, sequer lhes questionam se possuem

noção do que seja trabalhar numa escola do campo, impossibilitando, assim, maior

identificação com sua nova realidade.

Foi possível observar, também, por meio dos relatos, que a ausência de

políticas de formação específica e diferenciada para os professores iniciantes no

campo, principalmente para quem não vive nesse ambiente, tem se tornado um

gargalo na efetivação de política de qualidade para a população do campo.

Também pude perceber as várias conquistas da Educação do Campo no país

e no Estado, tendo os movimentos sociais, principalmente o MST, como

protagonista principal dessas vitórias. Porém ainda são poucas e frágeis as políticas

públicas voltadas à formação e à permanência dos educadores que vivem e

trabalham nas escolas no/do campo. É por isso que o MST defende políticas de

formação específica para os professores do campo, assim como a permanência

deles ali. Tais políticas devem ser efetivas e assumidas pelo Estado, de modo que

afirmem uma visão positiva e não negativa do campo, isto é, políticas de formação

de professores do campo articuladas às políticas públicas que garantam direitos a

esse povo e que busquem assegurar as especificidades da vida campesina.

159

Outro ponto a ser ressaltado é o silenciamento nos cursos de formação inicial

sobre o tema Educação do Campo e isso se tornou mais grave ao analisar as

matrizes curriculares das universidades públicas e privadas nas quais não constam

disciplinas que, ao menos, mencionem discussão sobre o tema. Observei, enquanto

pesquisadora-mestranda do Observatório da Educação, que tratar sobre Educação

do Campo na UFMT parte da iniciativa de alguns professores compromissados com

uma educação mais ampla.

Se não houve formação para a docência no campo nos cursos de formação

inicial, isso também vem ocorrendo com os cursos de formação continuada, como

apontaram as narrativas dos sujeitos. A presença do Estado e dos sindicatos nessa

modalidade educacional é mínima; até o sindicato, que sempre representa a voz dos

professores, é menor ainda.

A pesquisa revelou, inclusive, a forte presença das salas multisseriadas nas

escolas do campo e os desafios de se trabalhar com elas. Essa modalidade exige

formação para a prática interdisciplinar o que também ficou evidenciado nas

narrativas dos sujeitos, recaindo sobre essas salas um discurso de deficiências e

carências na formação.

Outro elemento marcante foi a afetividade presente nas relações entre

professores, alunos e comunidade nas escolas do campo. A preocupação com o

outro, a solidariedade e o compromisso foram os principais sentimentos percebidos

nas narrativas (auto) biográficas, principalmente, dos professores militantes.

Enfim, o estudo bibliográfico, documental e as narrativas dos sujeitos,

principalmente estas, conseguiram responder à questão principal desta investigação:

de que forma os professores iniciantes que atuam ou atuaram nas escolas do campo

analisam as políticas de formação e carreira docente e seus impactos em sua

prática cotidiana? Ficou patente, nas análises das entrevistas, que os desafios

ainda são muitos quando se trata de uma formação específica para os educadores

do campo. As iniciativas também são poucas e não estão conseguindo atender a

essa demanda em expansão. Tal fato tem se tornado uma das principais fragilidades

para a efetivação da política de Educação do Campo no Brasil e impactado

diretamente nas salas de aula, pois, como demonstrou este estudo, dezenas de

professores têm chegado às escolas do campo sem saber, sequer, a diferença entre

educação do campo e educação no campo.

160

O choque de realidade desses professores tem sido um dos fatores a

provocar resultados danosos na aprendizagem dos sujeitos do campo. Percebi,

neste período de investigação, que infelizmente o que prevalece nas escolas do

campo hoje é a educação rural e isso tem ligação direta com a formação dos

profissionais que atuam nesse ambiente.

Outro ponto a ser ressaltado na pesquisa, por meio das narrativas dos

sujeitos, foi o quão rico são os saberes dos sujeitos do campo, o modo diferente,

específico de ensinar, utilizando o que o ambiente oferece. O pai analfabeto que

alfabetizou os filhos, utilizando uma folha de chapéu de couro, a mãe pré-

alfabetizada que ensinou os filhos no chão, usando como lápis gravetos de pau. A

mãe que ensinou o filho especial a ler e escrever com o auxílio de uma escova de

lavar roupa.

Apesar de toda essa riqueza, há certo esquecimento desses saberes nas

escolas do campo, como pude constatar no desenvolvimento da pesquisa. Não se

valorizam esses saberes, muito menos os constituem e os consideram como

pertencentes ao currículo na/da docência no campo, pois os profissionais que atuam

nessas escolas, quando vêm das cidades, não conhecem esse ambiente nem a

realidade na qual atuam. Por desconhecer esse ambiente, prendem-se a um

currículo pré-estabelecido, urbanizado, padronizado, que desconsidera os diversos

saberes dos sujeitos do campo. Tal prática curricular desestimula os educandos do

campo, desqualificando o ensino oferecido a eles.

Diante desta realidade, penso que a formação do educador do campo precisa

possuir um conjunto de práticas, a qual carece, sobretudo, ser pautada na realidade

dos profissionais do campo e na dos seus educandos, para que ambos possam ter

acesso a uma educação de qualidade, que corresponda às necessidades dos

sujeitos que vivem e se formam no campo. O professor que ali desempenha sua

função, principalmente o que vem da cidade, precisa se assumir como sujeito do

campo, sentir-se parte do ambiente onde atua, para poder, assim, interferir nessa

realidade. Para tanto, faz-se imprescindível uma formação que desenvolva, nesse

professor, um sentimento de pertença. E isso não vem ocorrendo.

Como moradora e militante no campo, esta pesquisa, ao mesmo tempo em

que evidencia o que vivi e vivo por meio das falas de meus sujeitos, escancarou uma

realidade que eu ainda não percebia em sua concretude e que, com as

investigações junto aos sujeitos e os locais onde trabalham, pude verificar. Eu, até

161

então, não havia me debruçado, com certa profundidade, sobre as políticas para a

Educação do Campo, assim como não tinha conhecimento da produção científica

sobre o tema. Constatei, portanto, que a Educação do Campo ainda é embrionária

no Brasil e pesquisas que permitam ouvir as vozes dos sujeitos, que lá estão como

docentes, são raras. Tornam-se ainda mais escassas com o uso de narrativas, pois,

das várias produções investigadas, somente duas traziam como metodologia as

narrativas de si, em relação ao total de produções sobre a formação de professores.

Posso concluir que saio compreendendo melhor a docência no campo, as

políticas, o compromisso dos intelectuais com a produção e socialização de

pesquisas que alertem sobre a situação dos professores do campo.

Assim, tentando ser mais uma pesquisadora inserida no ambiente do campo,

pretendo socializar os conhecimentos produzidos nos espaços que me forem

permitidos e, ainda, investir na produção em eventos e artigos, não só para pontuar

meu currículo, mas, principalmente, como um compromisso de divulgar o que passa

por dentro das políticas de Educação do Campo na região em que resido.

Espero que esta pesquisa seja socializada, também, nos órgãos de formação

de professores no Estado de Mato Grosso, para que os docentes a utilizem como

forma de repensar as políticas de formação para os professores do campo,

independente de o mesmo morar no campo ou na cidade, mas, se morar na cidade,

mais do que os outros, ele necessita de uma formação específica, especial,

diferente, para atuar junto aos educandos do campo, a fim de romper as perversas e

perpétuas negações da identidade do homem e da mulher do campo.

Mais uma vez afirmo: A pesquisa respondeu às minhas inquietações

preliminares, todavia não aquietou meu coração, não satisfez totalmente minha

curiosidade e também não sei se alguma pesquisa atenderia à totalidade das

expectativas que vão surgindo ao longo das investigações.

A interrogativa que deixo aqui implica discutir como formar essas mulheres e

homens que, por motivos distintos, escolhem a docência no campo, esse ambiente

de vida e trabalho composto por uma diversidade tão complexa.

As novas inquietações, que surgiram com a pesquisa e que suscitam outras

investigações, deixo aqui como algumas interrogações: Como pensar uma formação

docente que atenda às diversas ruralidades que compõem o território brasileiro?

Como desenvolver um currículo que valorize os saberes dos sujeitos do campo?

Que formação devem receber os educadores do campo para realizar, no Brasil, uma

162

verdadeira Educação do Campo? Como as políticas podem contribuir para a

valorização das práticas dos professores do campo?

163

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