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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA RODRIGO SALLES DE CARVALHO ÉTICA AMBIENTAL COMO CAMINHO PARA A TOMADA DE DECISÃO RELACIONADA A ESPÉCIES INVASORAS JUIZ DE FORA MINAS GERAIS – BRASIL ABRIL – 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA

RODRIGO SALLES DE CARVALHO

ÉTICA AMBIENTAL COMO CAMINHO PARA A TOMADA DE DECISÃO RELACIONADA A ESPÉCIES INVASORAS

JUIZ DE FORA MINAS GERAIS – BRASIL

ABRIL – 2010

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RODRIGO SALLES DE CARVALHO

ÉTICA AMBIENTAL COMO CAMINHO PARA A TOMADA DE DECISÃO RELACIONADA A ESPÉCIES INVASORAS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de mestre em Ecologia (área de concentração: ecologia manejo e conservação da biodiversidade).

Orientador: Prof. Dr. Artur Andriolo

JUIZ DE FORA MINAS GERAIS – BRASIL

ABRIL – 2010

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Dedico este trabalho às minhas deliciosas e

adoradas filhas Claudia e Isabel, à minha amada

esposa Laura, ao meu pai, à minha tia Sônia, à

minha mãe (que é a origem de tudo), e a todos os

que questionam.

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AGRADECIMENTOS

Esta dissertação, como todas as coisas produzidas pelos seres humanos, é um trabalho

que tem muitas e muitas assinaturas, incontáveis historias vividas por gerações que resultam

nas historias vividas no presente. Certamente, porém, varias destas pessoas são nomeáveis e

merecem sê-lo, sobretudo pela ação de atenção e carinho que ativamente promoveram e que

sem as quais, este estudo seria improvável.

Ao professor Artur Andriolo, pelo seu acolhimento desde que nos conhecemos até

agora, pelo seu firme apoio profissional e pelos belos horizontes que abriu. Sua orientação foi

plena como todas deveriam ser, mostrando que o saber acadêmico também é um saber ser.

Sua presença foi inspiradora, tanto nas palavras que aqui estão, como para uma visão de

mundo mais cintilante.

Ao professor Calos Ruiz-Miranda, por suas preocupações éticas, que foram o estopim

deste estudo. Também por seu atencioso acolhimento e introdução dentro de sua área de

estudo, pela disponibilização de material, como nos demais eventos relacionados à

primatologia.

À professora Devra Kleiman por sua atenciosa colaboração.

Aos professores Roberto da Gama, Rita Leal e Sônia Felipe pelo interesse e ajuda.

À Denise Rambaldi, Andréia Martins, Adriano Paglia, James Dietz, Rodrigo Bacellar,

e Luiz Fernando Duarte cuja dedicada colaboração foi essencial para realização deste

trabalho.

À Úrsula Tavieira e a sua família, por me receberem com todo carinho em sua casa

durante as pesquisas de campo, também por sua alegria e disposição.

Ao professor Fábio Roland por tornar a pós-graduação em um ambiente profissional

atraente, rico e agradável, qualidades fundamentais para o desenvolvimento acadêmico, assim

como por sua presença profissional marcante e eficiente.

À todos os professores que ajudaram, com seu brilho intelectual e pessoal, o

conhecimento se tornar instigante e vivo.

Ao José Carlos por sua ajuda administrativa.

Aos amigos de curso Alba, Camille, Eduardo, Fernanda, Felipe, Gabriel, Guilherme,

Lúcia, Luciana, Marcela, Márcio, Mariana, Michele, Munike, Narjara, Natália, Natan,

Ricardo, Simone, e Virgínia, pela ajuda eventual e também por fazerem da pós-graduação um

lugar alegre.

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À AMLD, IBAMA, ICMBio, Prefeituras de Silva Jardim e Casimiro de Abreu pela

atenção;

Ao meus familiares – André, Eduardo, Sandro, Roberto, Sônia, Vitória, Dayse, Pedro,

Ricardo, Jacob, Magali, Maíra, Rodrigo, Jean, Diego, Beatriz, Aninha, Carol e Chantal – que

me apoiaram com interesse, apoio, opiniões e alegrias; em particular à Maria Luiza por seu

apoio maternal, à Raquel pelas leituras e ao Leonardo por seu apoio filosófico;

Em especial à minha avó pelos seus 98 anos de presença ativa, inteligente e amorosa

neste mundo.

Ao Pedro Ribeiro e à Tereza Sartório, pelo acolhimento afetuoso e sensibilidade

discreta com que me ajudaram a caminhar durante este período.

Ao meu pai, por sua imensurável ajuda, em sua inteligente e afiada revisão, por seu

apoio e por todos os anos de convivência formadora e crítica.

À minha esposa e filhas, pela enorme paciência e apoio, e por fazerem tudo valer a

pena.

Ao povo brasileiro e à FAPEMIG pela bolsa de mestrado.

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Quem tem a força para ter coragem; Quem tem consciência para saber que existe; No centro da própria engrenagem Inventa a contra-mola que resiste.

(Secos e Molhados, 1973)

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO GERAL .................................................................................................................................. 11 1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...............................................................................................................................11 1.2. HISTÓRICO .............................................................................................................................................................12 1.3. DECISÕES VALORATIVAS.................................................................................................................................14

2. DELIMITAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES, FUNDAMENTAÇÃO E LINHAS ATUAIS DA ÉTICA AMBIENTAL ............................................................................................................................................................. 16

2.1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................................................16 2.2. DELIMITAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA E SEU CONTRAPONTO COM A CIÊNCIA ......17 2.3. ÉTICA .......................................................................................................................................................................21

2.3.1. ÉTICA CLÁSSICA – uma breve demarcação histórica. ...........................................................................22 2.3.2. O PARADIGMA MODERNO DA ÉTICA – PESSOALIDADE.............................................................26 2.3.3. A ÉTICA DEFINIDA POR AUTORES RECENTES ...............................................................................28 2.3.4. HISTÓRIA DA ÉTICA MODERNA E A TEORIA DOS VALORES....................................................31 2.3.5. ÉTICA A PARTIR DO OLHAR BIOLÓGICO-EVOLUTIVO................................................................35

2.4. ÉTICA AMBIENTAL .............................................................................................................................................40 2.4.1. O ANTROPOCENTRISMO........................................................................................................................43 2.4.2. ÉTICA ANIMAL – SENCIENTISMO.......................................................................................................45 2.4.3. O BIOCENTRISMO ....................................................................................................................................47

2.4.3.1. O BIOCENTRISMO HIERÁRQUICO DE GARY E. VARNER............................................47 2.4.3.2. BIOCENTRISMO DE AGAR ....................................................................................................56 2.4.3.3. BIOCENTRISMO IGUALITARIO DE TAYLOR ...................................................................62

2.4.4. ECOCENTRISMO .......................................................................................................................................67 2.4.5. CONVERGÊNCIA.......................................................................................................................................70 2.4.6. PÓS-MODERNISMO de CALLICOTT e PELIZZOLI ............................................................................71

2.5. DISCUSSÃO ............................................................................................................................................................77

3. ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA....................................................................................... 88 3.1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................................................88 3.1. OBJETIVOS .............................................................................................................................................................91 3.2. MATERIAIS E MÉTODOS....................................................................................................................................91 3.2.1. O QUESTIONÁRIO..........................................................................................................................................92 3.3. RESULTADOS ........................................................................................................................................................93 3.4. DISCUSSÃO ..........................................................................................................................................................101

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................................... 111 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................................... 113 APÊNDICES ............................................................................................................................................................. 124 ANEXOS.................................................................................................................................................................... 132

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RESUMO

A presente Dissertação de Mestrado em Ecologia Aplicada ao Manejo e Conservação

de Recursos Naturais tem por objetivo principal discutir as bases teóricas da ética ambiental

relacionando-a à situação prática de conflito referente à presença de calitriquídeos (sagüis)

introduzidos na área de Mata Atlântica do Estado do Rio de Janeiro reservada ao programa de

conservação do mico-leão-dourado (outro calitriquídeo). Foi realizado um estudo extenso

abordando o pressupostos dos princípios éticos e das correntes atuais da ética ambiental –

antropocentrismo, sencientismo, biocentrismo e ecocentrismo – onde foram levantados seus

aspectos característico e seus pontos convergentes e discrepantes. Os resultados deste estudo

foram relacionados com uma pesquisa etnológica feita com os principais tomadores de

decisão referente às opções de manejo dos sagüis, no sentido de revelar os possíveis pontos

discordantes e facilitar um encaminhamento ético de questões valorativas originadas dentro

do contexto da pesquisa científica. O contraste entre os valores morais encontrado nas

respostas iluminados à luz das teorias abordadas mostra a importância de uma discussão

aprofundada neste sentido e a relevância deste tipo de pesquisa dentro do contexto científico.

Palavras-chave: Ética ambiental. Espécies invasoras. Mico-leão-dourado.

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ABSTRACT

This study has as its main goal to explore the theoretical fundaments of the

environmental ethics connecting it with the actual concern about two species of marmosets

(Callithrix spp.) introduced in the Atlantic Rain Forest, a Golden lion tamarin’s

(Leotopithecus rosalia) conservation area. A comprehensive research was made on the ethical

principles of the main environmental ethics theories – anthropocentrism, sencientism,

biocentrism and ecocentrism – highlighting their distinctive attributes as well as their

convergent and divergent aspects. The results of this research were used as comparative

ground to an ethnological research, made with the main stakeholders who are to decide which

management attitude to take directed to the marmosets populations, and the major concern

was to revel existing gaps, divergences and convergences in a way to increment this scientific

research with an ethical support to its emerging value issues. Some discrepancies between the

stakeholders’ moral considerations reveled through the light of the related ethical theories

showed the necessity of a deeper discussion over this subject and the relevance of this kind of

approach as a complement to technical issues on empirical science.

Keywords: Environmental ethics. Invasive species. Golden lion tamarin.

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1. INTRODUÇÃO GERAL

1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com alguma freqüência cientistas são abalroados por questões filosóficas que os tiram

do seu universo objetivo projetando-os para um mundo de considerações de uma essência

muito distinta das que se ocupavam em suas pesquisas. O filósofo estruturalista francês Louis

Althusser (1974) comenta algumas crises científicas famosas, como a crise dos irracionais nas

matemáticas gregas, a crise da física moderna do fim do século XIX, a crise das matemáticas

modernas e da lógica deflagrada pela primeira teoria dos conjuntos Seu livro tem

contribuições importantes no que concerne a um melhor entendimento dos limites

epistemológicos que definem ciência, filosofia e ética, e que serão considerados mais adiante.

Estas palavras introdutórias se justificam na necessidade de explicitar, não só o fato

comum que é a falta de clareza dos limites entre a ciência e a filosofia, como objetivam

ressaltar a importância da interface entre ambas, onde ocorrem os maiores embates. Entre

eles, o embate sobre a validade do discurso ético dentro de questões científicas e vice-versa.

Nesta fronteira, justamente onde se confrontam valores sociais e prática científica, é

que se encontra a questão específica sobre a qual este trabalho se sustenta – o problema da

validação ética das ações científicas vislumbradas para o caso da presença de uma espécie de

primatas “invadindo” a área reservada à recuperação populacional de outra espécie de

primata.

Desta feita, o que importa inicialmente dizer é que a discussão das ditas ‘questões

éticas’ pertencem ao terreno específico da filosofia – uma distinção que só surgiu, no

contexto deste trabalho, no decorrer das leituras sobre os conceitos de ciência e de filosofia.

A maior parte dos autores citados a seguir, senão todos, compartilham uma mesma visão

sobre os limites entre estas duas disciplinas do saber.

Althusser (1974) trabalha a perturbadora proposição da amoralidade da ciência

contrapondo-a ao seu uso para fins ideológicos, um tema filosófico extenso e que não

pretende ser aprofundado neste estudo mas, que – em forma de proposição – serve como

inicio, cumprindo com o objetivo de estabelecer um impacto inicial e fundamental, e

ajudando a estabelecer uma ruptura epistemológica entre os campos da filosofia e da ciência.

Estes terrenos só se destacaram, como disse, no decorrer da pesquisa literária; essa

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demarcação de fronteiras é, contudo, fundamental para discriminar estes dois campos, que

devem ser vistos separadamente, de forma a mapear por onde andam a análise e a discussão

presentes.

1.2. HISTÓRICO

Durante a década de 60 os primatologistas Adelmar F. Coimbra Filho e Alceu

Magnanini deram início ao esforço de conservação da espécie do mico-leão-dourado

(Leontopithecus rosalia, Linnaeus 1766) existente na região, reconhecida por estes autores

como em grande ameaça (Coimbra Filho, 1969; Coimbra Filho e Mittermeier, 1977) . Em

1970 algumas instituições internacionais, em cooperação com instituições brasileiras,

reconheceram a necessidade de proteger essa espécie de sua extinção iminente e realizaram o

Programa de Conservação do Mico-Leão-Dourado (PCMLD). Em 1974 o IBDF criou a

Reserva Biológica do Poço das Antas - RJ, (Rebio), primeira Unidade de Conservação, no

Brasil, voltada para a preservação de uma espécie ameaçada. Em 1992 a Associação Mico-

leão-dourado (AMLD) é criada e assume a coordenação do PCMLD (AMLD, (2007).

O processo de devastação da Mata Atlântica figura como a causa geral principal da

diminuição das populações de MLDs. A fragmentação das florestas em pequenas áreas

restringe o tamanho das populações e as isola em locais cada vez mais pobres em recursos

alimentares. Somado a isso, a caça, o tráfico ilegal e a ameaça de espécies invasoras

completam o quadro de risco onde se vêem inseridos estes vistosos primatas.

Os micos-leões-dourados, também tratados pelo nome de sauí-piranga por Coimbra-

Filho (1969), apresentam uma coloração dourada e algo avermelhada, vivem em grupos

sociais cooperativos e territoriais (Hoage, 1977; Kleiman, 1977; Kleiman et al., 1988),

alimentam-se de frutos, insetos, flores, goma e pequenos invertebrados (Coimbra Filho, 1981;

Dietz et al., 1997); e estão entre os maiores das espécies de calitriquídeos. Um fato sobre o

qual se deve chamar a atenção, devido ao esforço realizado pelo PCMLD, é o de que esta

espécie é a única do mundo, entre os primatas, a ter evoluído da categoria de ‘criticamente

ameaçado’ para a de ‘ameaçado’ de extinção, de acordo com a IUCN (2004).

A conservação do Mico-leão-dourado depende de um conjunto de fatores, entre eles o

controle de ameaças de espécies competidoras. Sagüis (Callithrix spp., Linnaeus 1758),

primatas da mesma família dos micos leões (Callitrichidae), foram amplamente disseminados

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no sudeste brasileiro, sendo que as espécies C. jacchus e C. penicillata são consideradas

invasoras ou alóctones (Cerqueira et al., 1998; Ruiz-Miranda et al., 2000).

Os sagüis foram primeiramente registrados no entorno da referida ReBio em 1985, e

estudos feitos mostraram que os dois grupos (sagüis e MLDs) interagem em graus variados

(Ruiz-Miranda et al., 2006) evidenciando a interseção ecológica das duas espécies. Esta

sobreposição de nicho ecológico sugere uma possibilidade de impacto nas populações de

MLDs causada pela competição por recursos e outros efeitos como a transmissão de novos

parasitas, através das populações de sagüis introduzidas.

A possibilidade iminente de que a presença dos sagüis no entorno da reserva possa

colocar em risco a viabilidade do projeto de conservação dos micos leões suscitou a

necessidade de decisões das entidades envolvidas relacionadas aos sagüis.

Os problemas causados pelas “espécies invasoras” – na maioria das vezes espécies que

rompem suas barreiras naturais em conseqüência de ações humanas – chegaram a tamanhas

proporções de impacto, tanto para os interesses sociais como ambientais, que, hoje, ocupam

grandes espaços em organismos e discussões internacionais. Uma quantidade expressiva de

trabalhos científicos já foram publicados direta e indiretamente relacionados a este assunto.

Espécies invasoras são habitualmente consideradas responsáveis pela maior perda de

biodiversidade depois da redução de habitat (IUCN, 2004). As invasões bióticas hoje alteram

as comunidades naturais do mundo e as suas características ecológicas a um ritmo sem

precedentes. Caso não se implemente estratégias eficazes para reduzir os impactos

prejudiciais de espécies invasoras, maior o risco de empobrecer e homogeneizar notavelmente

os ecossistemas (Mack et al., 2000). Pimentel et al.(1999) estimam que cerca de 42% das

espécies classificadas como ‘ameaçadas’ ou ‘em perigo’ de extinção, estão em risco por causa

de espécies introduzidas.

Trabalhos realizados por autores como Simberloff et al. (2003) e Genovesi (Genovesi

e Bertolino, 2001) demonstram que quanto mais demorada a decisão para eliminar a espécie

invasora maior a dificuldade em tornar esta ação efetiva, devido à evolução do processo de

invasão, sugerindo que atitudes neste sentido devem ser avaliadas rapidamente, para evitar o

agravamento e diversas dificuldades posteriores.

Veitch e Clout (2002) consideram que a opção de erradicar uma espécie invasora,

quando isso é viável, é bem mais aceitável do ponto de vista de uma ética ambiental do que

um controle a longo prazo, onde toxinas, armadilhas e caça com armas podem causar muito

mais mortes além de representar um risco maior para o meio ambiente. Estes autores lembram

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que os mamíferos, quando espécies invasoras, estão entre os mais devastadores e também os

mais fáceis de erradicar.

O foco de interesse estabelecido neste estudo está localizado na Reserva Biológica

Poço das Antas que apresenta aproximadamente 6.800 ha. e está situada na Rodovia BR101,

km 214 - Silva Jardim, RJ. No seu entorno encontram-se várias florestas particulares e a

Reserva Biológica União que participam do Programa de re-introdução do mico-leão-dourado

(ANEXOS 1 e 2). Nesse entorno ocorrem as espécies do gênero Callithrix (jacchus,

penicillata e híbridos de ambos) introduzidas e tidas como “invasoras”.

1.3. DECISÕES VALORATIVAS

Os programas de conservação biológica (entre os quais o dos MLDs) envolvem

conhecimento biológico e decisões valorativas (Groom et al., 2006). Isto significa que, além

de ter como base todo conhecimento científico acumulado sobre as questões biológicas e

ecológicas referentes a estes dois grupos de primatas, é necessário que haja uma compreensão

dos argumentos éticos envolvidos nas possíveis decisões que deverão intervir, relativas ao

programa de conservação do MLD.

As apreciações éticas têm sido cada vez mais entendidas como pertinentes dentro da

biologia da conservação (Van Dyke, 2003; Groom et al., 2006; Primack, 2006).

Neste contexto geral, assim como no específico relacionado à conservação dos MLDs,

onde a questão é a tomada de decisão, algumas perguntas foram propostas por Haider e Jax

(2007): Quais as pré-condições para se aplicar teorias éticas sobre questões especificas da

conservação? O quanto variam as diferentes perspectivas bioéticas em relação ao que

preconizam para um problema específico? O quanto diferem em sua aplicabilidade e na

necessidade de informações que demandam?

Neste sentido é importante frisar que, os argumentos éticos não são definitivos,

dividem grupos e criam um campo delicado de conflito teórico-prático. Do ponto de vista

filosófico existem conflitos sérios entre correntes da ética ambiental que divergem, tanto em

seu objetos valorizáveis, quanto nas premissas destas valorizações.

Do ponto de vista do pensamento biológico conservacionista existem princípios

valorativos claros, havendo um consenso entre a maioria das instituições de peso, como IUCN

(International Union for Conservation of Nature) e CBD (Convenção sobre Diversidade

Ecológica), que defendem a diversidade biológica como valor cardinal.

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Esta abordagem dos grupos conservacionistas costuma entrar em grave atrito com

outros grupos que entendem que o valor encontrado no indivíduo é supremo e não pode ser

violado a partir de uma premissa quantitativa, onde muitos valem mais do que um.

A principal preocupação dos conservacionistas é a sobrevivência dos ecossistemas; as

pesquisas teóricas e práticas em biologia da conservação são feitas, entretanto, através do

estudo de populações (Dietz, 1997).

Conservacionismo, para o caso específico deste trabalho significa que, para que se

efetue o crescimento e viabilidade das populações de MLD, é necessário conhecer os aspectos

ecológicos dos sagüis que vivem na mesma região e controlar ou suprimir suas populações,

seja por eutanásia, confinamento, repatriação, ou programas de esterilização.

Somando-se a este cenário o fato de que a reconhecida crise ambiental tem colocado

em xeque séculos de uma ética tradicional (por sua incapacidade de incluir no seu escopo a

independência moral de outros seres vivos que não os humanos), fica estruturado o caráter

ético do problema relativo à conservação dos MLD: de um lado se apresenta a ética

tradicional antropocêntrica que, por séculos, habituou os seres humanos a tratarem os demais

seres vivos sem considerar seus interesses, e do outro encontram-se dois ramos da ética

ambiental – biocentrismo e ecocentrismo – que incluem os interesses de outros seres vivos,

em si ou dentro dos ecossistemas, respectivamente, mas que disputam sobre as bases

valorativas que devem alicerçar as ações direcionadas à proteção destes seres.

Sendo esta pesquisa instituída dentro do meio científico, postulo que a maior

dificuldade deva aparecer dentro da linguagem do outro campo, isto é, o filosófico. Desta

forma dedico a parte inicial do Capítulo I a expor, ainda, algo sobre a diferença entre ciência e

filosofia e, a seguir, a delinear um sub-tema desta, específico ao presente trabalho, isto é,

ética ou filosofia moral.

A partir deste panorama, este trabalho se divide em dois capítulos estruturais,

considerações finais e conclusão. O primeiro capítulo desenvolverá, de maneira teórica, as estratégias interpretativas do

problema ético-ambiental relacionado com a possível presença de espécies do gênero Callitrix

(sagüis) na Reserva Biológica do Poço das Antas – RJ.

O segundo capítulo examina um questionário respondido por alguns agentes

envolvidos neste campo, onde é feita uma análise quantitativa e qualitativa das respostas,

buscando evidenciar de que modo os argumentos teóricos, levantados no primeiro capítulo, se

articulam na prática desses agentes.

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2. DELIMITAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES, FUNDAMENTAÇÃO E

LINHAS ATUAIS DA ÉTICA AMBIENTAL

2.1. INTRODUÇÃO

Como observado anteriormente por autores como Bachelard (1967), Monod (1970),

Althusser (1974), Beck (1987), Mack et al (2000), Rosa (2004) e Beckert (2004) existe uma

importante interface entre ciência e filosofia, interface esta com freqüência pouco clara e sítio

de complicados problemas metodológicos e interpretativos.

A presença das espécies introduzidas de sagüis (Callithrix jacchus e C. penicillata) no

entorno da Reserva destinada à preservação de uma espécie em vias de extinção, a do mico-

leão-dourado (Leontopithecus rosalia) e, sobretudo, as ações vislumbradas para evitar a

supressão dos MLDs pelos sagüis suscita uma questão delicada e valorizada dentro da

sociedade como um todo: o problema moral.

Este trabalho irá discutir o quanto um problema científico, como o citado acima, deve

dividir suas soluções com uma problemática que concerne ao terreno da filosofia moral.

Esta, a pergunta central deste trabalho.

Para que tal contenda seja realizada a distinção entre ciência e filosofia, já colocada

acima, deve ser definida, bem como os critérios usados para tal. Este esforço é uma

preparação importante para pavimentar a discussão ética propriamente dita. Neste mesmo

sentido, outro esforço orientador é o de localizar historicamente os significados que hoje

definem o que é ético. Este capítulo apresentará, inicialmente, uma definição e separação

entre filosofia e ciência, com o objetivo de bem demarcar estes domínios; em seguida serão

trabalhados os significados e a relevância da ética relacionada à ciência, tendo como suporte

um conteúdo histórico, para que sejam reconhecidas as bases estruturais das discussões éticas

feitas adiante, na ética ambiental. Seguindo esta seqüência, este capítulo exporá os

argumentos defendidos por alguns filósofos atuais expoentes da ética ambiental, argumentos

centrais referentes a este trabalho.

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Os principais objetivos relacionados a este capítulo foram executados através do

levantamento da literatura filosófica, das linhas da ética ambiental (holismo, sencientismo,

biocentrismo e antropocentrismo), e de artigos relacionados à conservação e às espécies

invasoras. Neste sentido destacam-se:

Delimitação das atribuições da filosofia, da ciência e da ética.

Identificação das principais linhas, convergentes e conflitantes da ética ambiental,

relacionadas na contextualização empírica do possível conflito entre sagüis e micos

leões.

Articulação e confronto dos argumentos estabelecidos pelas diferentes correntes

filosóficas.

Identificação dos estrangulamentos teóricos e das coerências para validação junto aos

resultados esperados das principais ações vislumbradas até o presente momento.

2.2. DELIMITAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA E SEU CONTRAPONTO COM A CIÊNCIA

Em seu dicionário filosófico, Ferrater Mora (1979) discorre longamente sobre os

variados significados atribuíveis ao termo ‘filosofia’, chegando a afirmar uma impossibilidade

de acordo em relação a uma definição estrita deste termo. Johannes Hessen (1991), contudo,

arrisca-se em uma definição que, apesar de sucinta e genérica, é bem embasada e contribui

para localizar a filosofia, e esta em relação à ciência.

Hessen (1991) assinala um movimento histórico oscilatório entre uma filosofia

voltada para reflexões direcionadas ao interior do indivíduo, isto é, auto-reflexiva,

representada em Sócrates e Platão, e uma outra filosofia voltada para o exterior do sujeito,

para a essência do objeto, inaugurada por Aristóteles. Hessen aponta ainda um outro caráter

predominante da filosofia, que é seu foco para a totalidade das coisas.

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Para compreender melhor suas palavras, é importante expor três características

históricas fundamentais da filosofia marcadas por este autor:

a) Um movimento cíclico histórico entre as tendências, iniciadas por Platão e Aristóteles,

de ora olhar para o mundo com uma perspectiva subjetivista e ora com uma ótica

objetivista.

b) A busca por obter, através destas tendências, uma visão da totalidade dos objetos

(concretos ou abstratos).

c) O caráter cognoscível desta busca.

Através de um processo indutivo o autor afirma que a filosofia “é a tentativa do

espírito humano de atingir uma visão de mundo, mediante a auto-reflexão sobre suas funções

valorativas teóricas e práticas1”. Nesta frase Hessen (1991) pretende sintetizar os itens

levantados acima, isto é, a filosofia é uma auto-reflexão do espírito sobre seu comportamento

valorativo; é também uma busca de um entendimento racional da conexão entre as coisas, de

forma a atingir uma compreensão global dessas relações (uma visão de mundo), ora com uma

perspectiva subjetivista, ora objetivista. O autor lembra ainda que existe uma relação de meio

e fim, onde a auto-reflexão é um meio (racional) para se atingir a visão de mundo.

Deste fragmento deve-se ainda se destacar o final: “funções valorativas teóricas e

práticas”, pois mais adiante faremos uma discussão sobre a importante questão dos valores,

evidenciada aqui, em sua essencialidade, por Hessen (1991).

Este autor, contudo, busca ainda uma definição dedutiva da filosofia, isto é, vai olhar

para os conceitos históricos clássicos da cultura –artes, ciência, religião e moral – e tratar de

posicionar a filosofia diante deles. A partir desta comparação o autor estabelece semelhanças

e distinções: com a religião e as artes, a filosofia partilha a busca de uma visão do todo; com a

ciência partilha o caráter teórico racional. Hessen (1991) diz ainda que é da religião que a

filosofia mais se aproxima, à medida em que “também a religião dirige-se à totalidade do ser

e tenta interpretar essa totalidade”

Vale ressaltar que, diferentemente da religião, a filosofia reclama a validade universal

através da demonstrabilidade racional e não da fé.

Em relação à distinção entre filosofia e ciência o autor argumenta que, apesar de

dividirem o caráter teórico de sua abordagem – o pensamento racional – filosofia e ciência se

distinguem na escolha de seu objeto: enquanto a filosofia “dirige-se a totalidade do real”, a 1 Ênfase adicionada.

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ciência tem por constituição a análise das partes. Dessa forma poderíamos dizer que, sendo

filosofia, de fato, uma ciência do todo, não mais existiria filosofia, e sim, a ciência do

universal (contrapondo-se à ciência do particular). Hessen (1991) levanta este argumento

para negá-lo em seguida, afirmando que a totalidade se difere de uma simples união das

partes, e cria um objeto novo que demanda uma “nova função por parte do sujeito”. Desta

forma a filosofia volta a afirmar-se, não só na distinção em relação ao objeto, como também

quanto ao seu aspecto subjetivo.

Vale enfatizar a consideração feita pelo autor sobre a diferença entre o estudo das

partes e do todo e a similaridade desta colocação com o conceito ecológico de propriedades

emergentes (Odum, 1983) e, ainda, que também a ecologia é uma disciplina montada sobre

este mesmo paradigma. Vale também dizer, a partir da experiência da ecologia, que o todo

varia de acordo com a distância que se estipula em relação ao objeto; da mesma forma, é

possível que a filosofia possa também trabalhar em diferentes escalas do objeto, lembrando

que ecologia e filosofia não devem se confundir com outras ciências das partes pois,

metodologicamente, tratam o todo.

De uma forma relativamente simples Hessen (1991) define filosofia buscando-lhe, por

dentro, seu significado e comparando-a com outros sistemas gerais da cultura.

Outro autor que contribui de forma fundamental para estabelecer fronteiras claras da

filosofia e entre filosofia e outras disciplinas é o citado estruturalista francês Louis Althusser.

Althusser (1974), na melhor linha do pensamento de Gaston Bachelard (1938) defende

enfaticamente como um atributo identificador da filosofia, o seu serviço de analisar,

reconhecer e separar (discriminar) os campos onde atua o pensamento humano. Divide

com Ludwig Wittgenstein (1965) uma definição de filosofia como sendo reveladora de

“pseudos problemas” que, uma vez reconhecidos, são reorientados ou reformulados em sua

disciplina específica. Desta forma seu trabalho tem grande parte de seu conteúdo dedicado a

esclarecer os limites entre filosofia, ciência e ideologia.

Esta maneira de filosofar tem como primeiro resultado algo que deve ser evidenciado

por sua utilidade e abrangência, que é a delimitação que este pensamento faz da ciência como

uma realização de ações empíricas e teóricas sobre objetos formais abstratos ou concretos,

limitados e definidos por uma estrutura metodologia especifica que dependente da evidência

e da prova. Seja, portanto, a anatomia com seu objeto palpável, a matemática com seu objeto

abstrato ou a história com ambos, todas se agrupam nas “Ciências”, na medida em que

participam do mesmo modelo metodológico, cujos resultados têm o respaldo da prova.

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A filosofia, por sua vez, não trata do empírico à maneira científica medido-lhe a

largura, a temperatura, ou a relação entre elas. A filosofia analisa conceitos e sistemas,

questiona a relação da validade entre idéias, e estabelece fronteiras epistemológicas.

Althusser (1974) adiciona à divisão feita acima por Hessen (1991), a dependência, da

ciência, de argumentos demonstráveis; e, da filosofia, de argumentos justos (não de

justiça, mas de justeza, coerência, adequação e consistência).

Aonde levam estas afirmações de Hessen, Althusser e Bachelard? Qual sua função

dentro deste trabalho?

Estas referências têm o propósito de estabelecer (filosoficamente) uma separação

entre filosofia e ciência, fundamental para demarcar os terrenos que dividem os problemas

científicos dos filosóficos, que, além de terem uma significação prática geral, também se

encontram diretamente relacionados ao caso de estudo deste trabalho (a presença dos sagüis

no área destinada à expansão do programa de conservação do mico-leão-dourado), uma vez

que, como disse anteriormente, existe uma interface onde os dados científicos avançam sobre

questões para além da ciência – a ética, em suas diversas e conflitantes versões.

A prática científica levanta, pois, questões que podem pertencer ao escrutínio

filosófico. Resta examinar, no entanto, como a filosofia opera diante das ciências.

Adotando esses postulados assumimos como função específica da filosofia, o ato de

intervir “no ‘espaço’ onde o ideológico e o científico se confundem”, demarcando a estrutura

e o objeto de cada qual, separando-os de forma a que se tornem reconhecíveis e distinguíveis

(Althusser, 1974).

O intuito dirige-se, desta forma, no sentido de identificar sobretudo o que separa a

ciência das ideologias (moral, credos, política, ética, preservacionismos – valores axiológicos)

através da intervenção filosófica (o que por sua vez a identifica). Esta, a sua (da filosofia)

ação auto-demarcadora e auto-definidora.

Esta sugestão, de que a filosofia contribui para desobstruir o caminho dos cientistas do

‘domínio’ e do ‘entrave’ que valores (não estritamente científicos: políticos, morais,

econômicos, etc.) podem causar ao curso da pesquisa e a seus resultados, pode cair no agrado

direto dos pesquisadores que esbarram em questões morais. Uma suspeita distinta, e menos

otimista, deve ser, entretanto, mencionada. Em alguns casos, a filosofia não desobstrui

necessariamente o caminho do cientista quando demarca limites. Se por um lado pode ajudar

a deslocar uma questão equivocadamente colocada sobre os ombros dos cientistas, por outro

põe de manifesto um universo de questões outras que, ao contrario de desaparecerem da cena

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onde atua a ciência, ganham corpo e se evidenciam enquanto problemas a serem resolvidos

(ideológicos ou não).

Esta contribuição me parece essencial, pois mesmo que haja argumentos que

defendam traçados diferentes das linhas que separam filosofia e ciência, esta acepção do papel

demarcador da filosofia nos obriga, ao menos, a questionar se as decisões morais, entre

outras, são de fato uma atribuição que deve pesar sobre os ombros dos cientistas, e em que

medida deve pesar. Isto posto no contexto da Reserva Biológica do Poço das Antas significa

marcar o caráter essencialmente filosófico relativo às questões morais que envolvem o

controle das populações de sagüis (uma exigência derivada de pesquisas científicas).

2.3. ÉTICA

Uma vez demarcado o terreno geral da filosofia e da ciência, torna-se necessário tratar

da ‘ética’, de seu lugar na filosofia e do porque ela é chamada para interferir no campo da

ciência. Um passo a mais deve ser dado na direção do objetivo mais amplo deste trabalho: a

ética ambiental e suas aplicações práticas.

A afirmação provocativa de que a ciência é amoral surgiu como reflexo de uma

referência onde se discutia o caráter essencialmente curioso dos cientistas e também seu

caráter predominantemente empírico e amoral em sua curiosidade. Uma amoralidade que,

mais tarde, foi muitas vezes justificada como escolha consciente para buscar a máxima

imparcialidade necessária para resultados científicos objetivos, isto é, não subjetivos. Esta

isenção dos valores pessoais se tornou condição necessária para identificar estes resultados

com uma ciência apurada e, portanto, confiável.

Talvez os resultados da ciência dependam, de fato, de um afastamento dos

pesquisadores dos seus valores e impressões pessoais, para tanto mais aproximar seus

resultados de verdades empíricas e não subjetivas. É importante, contudo, perceber que estes

resultados científicos produzidos “amoralmente”, uma vez expostos à sociedade se tornam a

matéria prima da produção de diversos tipos de valores (econômicos, estéticos, religiosos e

morais), na maioria das vezes interligados uns aos outros e muitas vezes responsáveis por

alterações internas profundas da nossa sociedade.

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Os efeitos das pesquisas científicas sobre a sociedade são suficientes para trazer a

ciência para dentro da ética, sem que se caia na complexa discussão sobre o quanto a ciência

é, de fato, feita isenta de valores pré-estabelecidos.

Uma vez que os resultados da ciência são vetores poderosos de mudança é inevitável

que isto projete e enganche a ciência à sociedade e, desta forma, à sua ética, tanto como

agente quanto como paciente; isto também indica que a ciência não paira imune sobre a

existência social, e que, ao menos seus resultados, senão seus motivos, devem ser avaliados

eticamente antes de lançados no seio da comunidade.

Mas por que avaliar eticamente e não só economicamente ou esteticamente? Em

última instância, como afirma Humberto Rosa (2004b) é a ética que mais se aproxima do

homem e de seu bem como um todo, e de forma mais universal, diferentemente do que faz a

economia ou estética.

Rosa (2004b) defende que, “na realidade, é a ética aplicada, com seus argumentos

validados, consolidados e levados à prática, que detém o verdadeiro poder para influenciar e

determinar o rumo das opções humanas”.

Os quatro últimos parágrafos, contudo, já definem uma posição crítica (ideológica

como dirá Althusser (1974)) em relação ao papel da ciência e da ética dentro da comunidade

biótica em que vivemos.

A ética pode ser compreendida de um modo bastante simples quando lidamos com a

idéia geral de certo e errado, de bom e mau; entretanto, quando buscamos uma compreensão

das complexas discussões éticas, a ética torna-se múltipla e controversa exigindo um

conhecimento mais apurado dos seus fundamentos básicos, onde se ancoraram os conceitos

atuais.

2.3.1. ÉTICA CLÁSSICA – uma breve demarcação histórica.

Segundo Singer (1990), as atitudes ocidentais atuais, direcionadas aos seres vivos, têm

suas raízes em duas tradições: a judaica e a antiguidade grega (clássica).

Conceitos essenciais ao universo da ética, como aghaton (bem), arete (virtude) e

eudaimonia (felicidade), foram introduzidos a partir dos filósofos gregos.

Estes conceitos se perpetuaram na historia da filosofia moral e ainda fazem parte

integrante das discussões éticas e bioéticas atuais (nas noções de valor intrínseco, bem

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próprio, felicidade, qualidades individuais, etc.). Estes conceitos precisam ser compreendidos

em sua historicidade, pois deve-se ter em conta, como lembra (Marcondes, 2007), que estes

conceitos ganham significados distintos, relacionados aos diferentes períodos históricos em

que se (re)formulam.

Com os pré-socráticos a filosofia grega surge, inicialmente, voltada à questão da

physis, isto é, da matéria e da constituição do Universo. A partir do século V, com o fim das

guerras médicas e a vitória da democracia, o pensamento dos gregos, com os sofistas, se volta

para as questões especificamente humanas, como política e ética. É deste período a famosa

frase atribuída a Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas”, e que representa o

redirecionamento da filosofia antiga em direção ao homem (Marías, 1943).

Uma personalidade marcante desta época aparece na figura de Sócrates (470 – 399

a.C.), que teve sua vida voltada para uma filosofia marcadamente ética. Ele, porém, não

deixou escritos e seu pensamento é visto a partir dos registros de seus discípulos, entre eles,

os de Platão.

A ética de Platão, em “A República”, está estreitamente vinculada à sua preocupação

com a vida política e a decadência da democracia.

A maioria de seus textos são apresentados como diálogos entre Sócrates e outras

figuras onde, com freqüência, discute-se os conceitos éticos de amizade (Lisis), coragem

(Laques) e virtude (Mênon).

Algo importante de notar, na postura revelada em Sócrates, é a sua diligência

metódica em desvendar de que modo estes conceitos são entendidos ou interpretados, assim

como seu rigor quanto aos critérios de aplicação destes conceitos em situações concretas e a

análise minuciosa das razões e justificativas dos argumentos utilizados. Uma atitude

substancialmente identificável na teoria ética atual.

Os resultados dos diálogos socráticos são, em geral, inconclusivos e não estabelecem

soluções definitivas, ou definições categóricas para os conceitos éticos. Isto parece

demonstrar uma maior preocupação do autor com o desenvolvimento de uma consciência

moral, através de uma atitude reflexiva-inquisitiva, em vez de uma busca por respostas

definitivas. “A vida sem exame não vale a pena ser vivida” – frase atribuída a Sócrates por

Platão (2008)

Platão não se restringe ao sofismo e recupera um olhar voltado para physis,

fundamental para sua teoria das formas. Na Republica, livros VI e VII, Platão caracteriza o

Bem (agathós) como a “suprema forma”. Conhecer o Bem, através da ascensão da alma, é

conhecer a Verdade, a Justiça e a Beleza, o que implica na ação justa. A forma do Bem é o

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fundamento da ética de Platão; sua teoria das formas ou das idéias (entendidas como a

verdadeira realidade) determina que o indivíduo mais feliz é aquele em que a razão

(conhecimento do Bem) predomina sobre os desejos mundanos (Marcondes, 2007).

Este é um ponto crucial pois aqui vemos nascer o modo racionalista e idealista de

olhar para mundo e para o homem. Platão concebe um bem exterior ao homem, ideal e

perfeito. Esta formulação vai reverberar em vários filósofos até a atualidade, está presente na

dualidade da ética do que está estabelecido, com a ética perfeccionista do “como deveria ser”,

está presente na teoria dos valores, e está presente nas éticas ambientais (tratadas mais

adiante) como no conceito de estabilidade saudável dos ecossistemas.

Outro filosofo grego fundamental como formador do pensamento ocidental foi

Aristóteles e, especificamente em relação a ética, seu legado é determinante.

Aristóteles divide o saber em três grandes áreas: o saber teórico, ou o campo do

conhecimento; o saber prático, ou o campo da ação; o saber criativo ou produtivo. Neste

sistema a ética se encontra no campo da ação.

Aristóteles estabelece que é a felicidade (eudaimonia), ou a realização pessoal, o

objetivo principal do homem.

Aristóteles é notavelmente prático, e por isso critica a idéia platônica da forma, ou

idéia do Bem, por sua formulação excessivamente abstrata e distante da experiência empírica

do ser humano.

Em Ética a Nicômaco (livro III) Aristóteles afirma que “o que é livre é causa em si

mesmo”. (Aristotle, 1987)

A felicidade é um elemento central da ética aristotélica e deve ser entendida como a

realização empírica, com sucesso, dos objetivos dos homens o que, em geral, depende das

virtudes que podem tornar possível esta realização. A felicidade é um fim em si mesmo, para

Aristóteles. Outra característica marcante de Aristóteles é sua definição da justa medida em

cada caso, da moderação, ou temperança, como virtude do indivíduo ético. Estes aspectos da

filosofia aristotélica estão acentuados nos textos de Marcondes (2007) e Marías (1943).

Através da filosofia de Aristóteles, novamente desvenda-se uma fonte de um conceito

que atravessa a historia da filosofia, que se vê na filosofia de Hume (1978 [1939]) e Nietzsche

(2000), entre outros, e que integra o pensamento de filósofos como Peter Singer em seu

utilitarismo voltado para o bem-estar animal, onde o que conta é o maior número de

satisfação possível.

Aristóteles ainda se vê discutido na interface entre filosofia e ciência por causa de sua

definição de vida, onde o que está vivo são as entidades capazes de produzir um movimento

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auto-originado. Segundo Agar (2001), a relação estabelecida por Aristóteles deste fenômeno

com a psyche, e a tradução inglesa desta como alma, conduziu a conclusões inapropriadas,

relativas a apropriação cristã da alma como atributo exclusivo humano: “Embora a psyche de

uma planta possa ser diferente da de um animal, não seria, por isso, menos genuína”.

Conclusões estas, marcantes para a história da formação de moral que excluiu os demais seres

vivos do círculo moral. Outro fato importante que Agar trabalha é o valor intuitivo deste

conceito aristotélico de vida que perdura nos dias atuais, que pode, e deve, ser usado como

um apoio para uma ética ambiental não antropocêntrica.

De qualquer forma, aí vemos representado o animismo2 que volta a cena da discussão

filosófico-científica como resposta ao cientificismo do período moderno.

O conceito aristotélico de movimento próprio pode ser relacionado, ainda, com a

discussão ambiental atual sobre a valoração da natureza quando consideradas suas

capacidades de auto-renovação, auto-reprodução e auto-organização. (Varner, 1998; Agar,

2001)

O Bem ideal de Platão, que deve ser conhecido através do pensamento e da razão, e

seu contraponto aristotélico, que estabelece como fim último do ser humano a realização

empírica de sua felicidade, são proposições originais que serão vistas e revistas através dos

séculos, reproduzindo-se e influenciando as bases de grande parte da filosofia que se seguiu,

até serem plenamente reconhecíveis (em sua influência) nas éticas dos filósofos que discutem

as questões ambientais.

O que pode ser antecipado, a propósito do contexto em questão, é o fato de que, entre

outras coisas, uma discussão fundamental, que está levantada de fato, é justamente acerca do

bem e da ‘felicidade’ pertinente (ou não) aos sagüis, micos leões-dourados, espécies, genes,

ecossistemas e seres humanos

No período clássico grego havia apenas a família e a polis; eles tinham leis, mas não

tinham deveres; deles herdamos o conceito de universalidade. Os epicuristas iniciaram a

conceituação da subjetividade (para Epicuro a busca do bem interior é algo pessoal e

intransferível). Os romanos e seu epicurista Lucrécio firmaram o conceito de propriedade

individual e de direito.

O mundo antigo e medieval tinha uma visão orgânica de mundo; a vivência destes

períodos pressupunha uma interdependência entre os fatores espirituais e materiais, com

prioridade da comunidade sobre o indivíduo (Pelizzoli, 2002): a agricultura movida por

animais, os medicamentos retirados das plantas, as casas feitas com madeira ou barro, etc.. 2 Visão personificada da natureza, no sentido de considerar todas as coisas com algum tipo de “alma”.

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Segundo Callicott (2004)

“O gênio científico de Aristóteles exprimiu-se na biologia e o paradigma da

ciência aristotélica medieval representava a natureza mais como um vasto organismo do que como um grande mecanismo. Da mesma forma, a tecnologia pré-moderna era decididamente orgânica”.

2.3.2. O PARADIGMA MODERNO DA ÉTICA – PESSOALIDADE

O paradigma de valor erigido a partir de um modelo de pessoa humana adulta e

saudável é o padrão valorativo fundamental sobre o qual se baseia a ética moderna. Este

modelo marcou por quatro séculos (XVII, XVIII, XIX e XX) um tipo de atitude dos seres

humanos em relação à natureza onde à esta coube um papel de objeto, e que, hoje, é exigido

de ser revisto. Para discutirmos os diversos aspectos referentes aos dilemas relacionados às

demandas da conservação do mico-leão-dourado, é essencial compreender a história

responsável pelo padrão atual de valoração do homem e da natureza. Para isso será necessário

aprofundar, em alguma medida, este conhecimento que serve de base para as discussões

atuais.

A valoração do sujeito, isto é, do indivíduo, pelo menos na história ocidental, não

aparece imediatamente com o contínuo físico-biológico-social de Mora (Ferrater Mora e

Cohn, 1981); a história da pessoalidade começa a ser vista de forma mais representativa a

partir dos escritos de Santo Agostinho.

A maneira como Aristóteles dividia o mundo vivo do não-vivo, como visto

anteriormente, era através da capacidade de um ser em produzir movimento, o que ele

relacionava à psyche, muitas vezes entendida como alma (Agar, 2001), o que originou a visão

animista de perceber a realidade.

O mundo ocidental moderno rompe a ligação espiritual anímica com a multiplicidade

das formas de vida e com a organização do todo, originada a partir da grandeza e da força da

Natureza (Pelizzoli, 2002).

É a partir de Descartes, contudo, que se inaugura o grande espaço dado à

subjetividade. Descartes olha primeiro para o sujeito para, a partir dele, estruturar o mundo;

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mantém, contudo, Deus como a garantia metafísica da verdade. Deus ainda ocupa o centro de

toda fundamentação.

A cisão que marcará a história da humanidade e da natureza se origina em Descartes: a

separação entre sujeito e objeto, alma e matéria, e a conseqüente coisificação dos seres sem

alma (todos os não-humanos). O sujeito, para Descartes, é um sujeito definido, real e

independente.

O reducionismo, o universo relógio, o homem como medida de todas as coisas, o

rigor científico dependente da evidência, a revolução industrial, o progressismo, a “autonomia

da razão em processo de conquista do mundo como objeto”, a Natureza objetivada e

instrumentalizada, a legitimação da verdade pelo método científico; todos estes conceitos tem

sua gênese e/ou maior vigor durante os quatro séculos do período moderno (séculos XVII,

XVIII, XIX e XX) e representam alguma forma da supremacia da pessoalidade (humana)

sobre a natureza e a coletividade.

Kant, baseado no sujeito, radicaliza a filosofia quando propõe que perceber a Natureza

significa ordená-la ativamente (e subjetivamente); Deus não é mais o ordenador, embora lhe

seja reconhecida a existência.

É compreensível que Kant busque por um imperativo, uma vez que sua filosofia

inaugura uma visão onde o espaço e o tempo estão dentro do ser humano, não sendo mais

uma propriedade das coisas. Isto implica em um mundo ordenado pelo sujeito.

Até o século XIX Deus ainda é o objeto da filosofia porque é infinito e perfeito. O

século XIX coloca definitivamente o homem no lugar central da filosofia.

A Natureza passa a ser um espaço plenamente ordenado pelo homem – os sujeitos,

senhores do espaço natural.

Também no século XIX se inicia o discurso da alteridade, a dependência do outro para

se definir o eu. A filosofia de Hegel é marcada pelo postulado da luta pelo reconhecimento do

indivíduo, como sujeito, enquanto é visto pelo outro como objeto.

O idealismo alemão recupera a unidade entre deus e o ser, um deus expresso na

finitude e na diferença. Para Hegel (1770 - 1831) o que institui o sujeito não é a razão, como

para Descartes (1596 – 1650), mas o desejo. Schelling (1775 – 1854) reconhece a Natureza no

interior do sujeito e vice-versa, mas com o fim do idealismo alemão a filosofia volta seu foco

para o sujeito finito e autônomo.

O reconhecimento, enfim, da ilusão do El dorado prometido pela modernidade

acontece à medida em que aumenta a percepção de que os paradigmas deste período, como o

valor individual (extensamente trabalhado pelo Biocentrismo) e a verdade científica, não

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serão capazes de cumprir com suas promessas de inclusão, riqueza e felicidade para todos. As

diferenças sociais e a crise ambiental tornam-se uma marca da atualidade que impõem um

caráter de urgência na revisão das corrompidas formas de relacionamento estabelecidas pelos

seres humanos entre si e com os demais seres vivos, a partir da super-valoração da

pessoalidade (Pelizzoli, 2002).

Esta intensa impressão do valor, depositado no ser humano de forma individual (feita

através destes séculos que funcionaram como o berçário da atualidade) está organicamente

entranhado na percepção humana do ambiente que a envolve e, é um valor que está sendo

amplamente criticado e questionado pelos defensores de uma ética ambiental capaz de cuidar

da vida para além do ser humano. Esta crítica se vê como um tema central na defesa da

senciência feita por Singer (1975) e Regan (1983), na defesa do biocentrismo igualitário de

Taylor (1986), no biocentrismo hierárquico de Goodpaster, Varner e Agar e em diversas

defesas do ecocentrismo.

2.3.3. A ÉTICA DEFINIDA POR AUTORES RECENTES

Não se deve esperar uma definição do conceito de ética à forma de um conceito

científico como o de número atômico de um elemento; sobre este e o que ele representa há

pouco com o que polemizar depois de compreendido, o que não acontece com a ética, antes

comparável ao conceito de vida, complexo quando visto em suas nuances. Assim sendo, para

que se possa garantir uma discussão não superficial da questão ética vinculada a um problema

científico é preciso ver algo do percurso conceitual deste termo feito por autores recentes.

Danilo Marcondes (2007) em seu livro “ Textos Básicos de Ética” retrata um conceito

geral que vem desde a antiguidade e que inúmeros autores ajudaram a solidificar, dizendo

que: “A problemática da ética, portanto, em um sentido amplo, diz respeito à

determinação do que é certo ou errado, bom ou mau, permitido ou proibido, de acordo com um conjunto de normas ou valores adotados historicamente por uma sociedade”.

Este autor sugere uma divisão da ética em três sentidos: o sentido básico, mais

próximo da acepção de ethos e que designaria o conjunto de costumes, hábitos e práticas de

um povo; o sentido prescritivo ou normativo, isto é, um conjunto de preceitos que

estabelecem e justificam valores e deveres, desde mais genéricos como as éticas cristãs e

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estóica, até mais específicos como os códigos de éticas profissionais; e o terceiro ao qual

denomina sentido reflexivo ou filosófico o qual também sugere que seja uma metaética, que

visa examinar e discutir a natureza e os fundamentos dos sistemas e das práticas, analisando

conceitos e valores que lhes pretendam dar fundamento (Marcondes 2007)

A ética, nas palavras de Cristina Beckert (2004), é “uma disciplina filosófica que

analisa o processo racional conducente à tomada de decisão acerca do que é o bom e o mau”

Abbagnano (1999) relembra, em seu dicionário filosófico, da ambigüidade em relação

ao entendimento do que se refere à ética, por um lado compreendida como algo definido

sócio-temporalmente capaz de guardar e definir um Bem, e por outro a ética entendida como

algo a ser almejado (reflexo de um Bem “divino” ou transcendente), como um futuro

desejável que deve ser norteador a partir do hoje. Abbagnano atribui à falta de compreensão

desta divisão, vários equívocos teóricos perpetrados por filósofos ou outros autores. O que

deveria ser é por definição um confronto ativo com o que é e portanto, não sendo o que

deveria ser.

O dilema ético clássico: O que é bom para o lobo não é bom para o cordeiro e vice-

versa, considera sobre o que é, mas ainda há um vasto campo ideal imaginativo sobre o que

poderia ser. É nesta interseção paradoxal entre um e outro que costumam morar os maiores

complicadores.

Este tipo de orientação se vê no clamor dos ambientalistas por renovação dos

preceitos éticos, como marcado pelo texto da IUCN (1980): Em última instância, o comportamento de sociedades inteiras para com a

biosfera deve ser transformado, se a realização de objetivos de conservação deve ser assegurada. Uma nova ética, abraçando vegetais e animais assim como povos, é exigida para que as sociedades humanas vivam em harmonia com o mundo natural de que dependem para sua sobrevivência e bem estar. A tarefa a longo prazo da educação ambiental é promover ou reforçar as atitudes e os comportamentos compatíveis com esta nova ética3.

É interessante notar o movimento dinâmico dentro da ética onde o conceito de

correto é, tanto indefinido e almejado como condição de um futuro mais adequado, como é

revolvido em suas definições passadas em busca de solidez e de significado.

Bachelard (1974), Althusser (1974) e Wittgenstein (1965) estipulam a moral

estritamente como uma ideologia, isto é, “algo que tem relação com a prática e a sociedade”

(Althusser, 1974) e, portanto, pretensamente alheia à sua filosofia cuja atribuição fundamental

é de traçar linhas demarcatórias. Hessen (1991) parece concordar com estes autores, pois

3 Ênfase adicionada.

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afirma que a filosofia parece se distanciar mais da moral do que da arte, ciência ou religião,

devido ao caráter volitivo e prático da moral.

Wittgenstein (1965) inicia uma de suas conferências expondo conceitos semelhantes e

se junta ao coro sobre a relação da ética com o saber, afirmando que a ética não tem como

adicionar nada ao nosso conhecimento, ou mesmo dar algum sentido à ele; uma vez que a

ética é uma apresentação de uma “tendência do espírito humano” que surge do desejo de

descobrir um sentido último para vida, e ainda um sentido de um bem ou valor absoluto que

possam servir de base para o primeiro. Sobre seu significado, o autor se refere à ética como

sendo uma investigação sobre o que é bom, ou valioso, ou o que realmente importa, ou sobre

aquilo que faz com que a vida, em última instância , mereça ser vivida.

Ao pedir que imaginemos uma pessoa onisciente, Wittgenstein (1965) então advoga

que, diante de tal pessoa não há nenhuma possibilidade de algo ser ético. Qualquer fato que

para nós possa parecer imoral, como um assassinato, diante de tal indivíduo, tudo se resumiria

a uma infinidade de descrições de fatos. Este autor afirma que todas os fatos ou proposições

se nivelam diante do absoluto, não fazendo sentido denominá-las importantes, sublimes ou

triviais.

Esta argumentação significa dizer que a ética só pode existir condicionada a uma

temporalidade suficientemente estreita para que admita uma visão valorativa. E que, esta, por

sua vez, depende do sujeito atribuidor de valor.

A proposição de Wittgenstein (1965) de imaginarmos os dilemas temporais diante de

um ser onisciente se assemelha à posição assumida por geólogos cujo hábito de seu trabalho

molda sua percepção em escala de tempo geológico, o que de fato “desvaloriza” (desbota,

esgarça) os problemas que percebemos em escala de tempo ‘humana’. Os geólogos estão

acostumados a acompanhar as diversas extinções e supressões da biodiversidade que

ocorreram através dos tempos e não se impressionam com facilidade diante das extinções que

ocorrem na atualidade. Esses pontos de vistas se aproximam de um niilismo valorativo, o que

pode muito bem funcionar como um contraponto ao discurso ético, relembrando o caráter

dependente e relativo deste.

Wittgenstein (1965), em um exemplo concreto, continua seu esforço em afirmar a

ética como uma função factual e temporal, portanto relativa e dependente de tendências. O

autor busca contra-argumentar a possibilidade da existência de um valor independente do

sujeito e sugere a idéia de uma estrada que por definição seja a absolutamente correta,

implicando que alguém deveria seguir sobre ela por obrigação lógica, ou se envergonhar por

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não fazê-lo4. Isto serviria de paralelo à idéia de um bem absoluto que todos deveriam realizar,

independente de seus gostos pessoais; ou sentirem-se culpados, caso contrário. Segundo o

autor, esta proposição é uma quimera: “Nenhum estado de coisas tem, em si, o que eu

gostaria de denominar de poder coativo de um juiz absoluto”.

As postulações de Althusser (1974), Wittgenstein (1965) e Bachelard (1938) são

instigantes na possibilidade que eles oferecem de dividir claramente ciência, filosofia e ética

e, ainda, a atribuição de ideologia que estabelecem para esta.

Tratar a ética como ideologia nos permite questionar sobre sua natureza

essencialmente subjetiva e o compromisso que ela pode ter com um tipo de pensamento

(mentalidade), servindo de ferramenta de dominação; ou, ao menos, vinculá-la diretamente à

questão de onde são formulados, e por quem são formulados os “valores”.

Estas distinções feitas por estes autores e a expatriação da moral para fora do campo

da filosofia trazem uma reflexão importante sobre a solidez do terreno onde se erige a moral

e, portanto, qual seu poder e a natureza de sua influência nas ações da ciência, uma vez que,

enquanto ideologia, está condenada à subjetividade e à historicidade.

Este posicionamento conduz a argumentação no sentido de entender que o manejo das

populações de sagüis não deve ser levado por questões valorativas morais subjetivas e

ideologizadas, abrindo um espaço onde a questão deve ser resolvida pela objetividade

científica.

2.3.4. HISTÓRIA DA ÉTICA MODERNA E A TEORIA DOS VALORES

Em relação à conceituação histórica da ética vale ressaltar a perspectiva que Ferrater

Mora (1979) , em seu dicionário filosófico, indica como caminho didático sobre a questão da

ética, estipulando quatro questões gerais fundamentais que, ademais, se relacionam entre si. A

primeira se refere à essência da ética, a segunda a sua origem, a terceira a seu objeto e

finalidade, e a quarta a sua linguagem. Tratar da essência, e algo da origem, será suficiente

para tocar no que concerne este trabalho. A noção sobre a origem e a essência da ética

importa em seu apoio referencial nas questões que virão recorrentemente a seguir.

Sobre a origem, Ferrater Mora (1979) enuncia a possibilidade da ética ser autônoma,

como pensada por Kant, que significa uma ética independente de uma origem externa; ou

heterônoma, sendo neste caso vinda de deus ou da sociedade.

4 Notadamente ao modo kantiano do imperativo categórico.

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Esta demarcação da existência de apenas duas possibilidades de origem da ética,

apesar de breve, é de fato um embate primordial que perdura nas discussões éticas como

busca de lastro argumentativo.

Em relação à essência, a ética pode ser formal ou material.

A filosofia de Kant é um marco do pensamento ocidental, estende-se proficuamente

no terreno da ética e é uma referência inicial do pensamento contemporâneo e do formalismo

moral.

Ferrater Mora (1979) afirma em seu dicionário filosófico que ao recusar a ética dos

bens, prevalente até então, Kant realiza uma mudança radical quando procura fundamentar,

em seu lugar, uma ética formal e autônoma. Para isso Kant procura imperativos que

desvinculem a moral de sua condicionalidade, isto é, busca o motivo incondicional de uma

ação dentro do ser racional que somos (um dever que é encontrado dentro de si, e não fora). O

imperativo categórico está para Kant, portanto, na liberdade interna do ser plenamente

racional, que encontra nesta racionalidade a origem correta da sua ação.

A ética formal, com o imperativo categórico kantiano, representa e ressalta uma idéia

que permeia o pensamente ético social atual, de que é possível orientar a conduta dos seres

humanos por um conceito absoluto do que é correto, que pode ser encontrado dentro de si, se

buscado efetivamente.

O que veio a seguir é, em grande medida uma resposta ao formalismo kantiano.

Ferrater Mora coloca que, em resposta a ética formal de Kant, vieram as éticas

materiais sendo que, dentro destas, se distinguem a ética dos bens e a ética dos valores. (Este

ponto é crítico, pois a partir daqui pode-se perceber, com mais nitidez, as bases das

fundamentações éticas atuais).

A ética dos bens engloba, segundo Mora, as que estão “fundadas no hedonismo ou

consecução da felicidade” e desta forma têm uma finalidade. Além disso, “de acordo com esta

finalidade podem ser chamadas de utilitarista, evolucionista, perfeccionista, religiosa,

individual, social, etc.”.

Vejamos a definição de duas linhas da ética material dos bens que ajudam a

compreender como parâmetros atuais podem ser derivações, ou mesmo repetições, de

filosofias antigas. Segundo os dicionários filosóficos de Ferrater Mora (1979), Marcondes &

Japiassú (2001), e o de Abbagnano (1999 [1971]) podemos definir:

Utilitarismo – O utilitarismo, apesar de remontar a Epicuro em sua união do

bom com o útil, tornou-se de fato uma proeminete corrente de pensamento nos séculos XVIII

e XIX. Esta corrente ética se apóia fortemente no hedonismo pois entende como fim de

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qualquer atividade humana "a maior felicidade possível, compartilhada pelo maior número

possível de pessoas" fórmula enunciada primeiramente por Cesare Beccaria {Dei diritti e

delle pene, \1(A, § 3) e aceita por Bentham e por todos os utilitaristas ingleses.

Evolucionismo – O evolucionismo é definido por estes autores como sendo

um conceito amplamente utilizado em diversas metafísicas, mas que coincidem na idéia de

que a existência acontece obrigatoriamente por um caminho direcionado pelo progresso. Esta

visão filosófica, que foi desenvolvida de forma semelhante por diversos outros autores, é vista

tendo em Spencer um dos primeiros a teorizar sobre o tema em seu ensaio de 1857, intitulado

Progresso. Segundo Spencer (1864) apud Abbagnano (1999 [1971]):

"Quer se trate do desenvolvimento da Terra, quer se trate do

desenvolvimento da vida sobre sua superfície, do desenvolvimento da sociedade, do governo, da indústria, do comércio, da língua, da literatura, da ciência, da arte, no fundo de todo progresso está sempre a mesma evolução que vai do simples ao complexo, através de diferenciações sucessivas."

Um fato interessante relativo ao evolucionismo foi seu caráter renovador do

naturalismo ético, conferindo-lhe um caráter dinâmico e muitas vezes otimista.

A ética dos valores, por sua vez, é referida por Mora como capaz de realizar uma

síntese do formalismo com o materialismo, e uma conciliação entre empirismo e apriorismo

moral. Max Scheler (1973) e Nicolai Hartmann (1967) são considerados os principais

sistematizadores da teoria dos valores, que por sua vez serviu como fundamento de varias

éticas contemporâneas.

A teoria dos valores, ainda segundo Mora, tem como um atributo fundamental o fato

de que, além de instituir o uso deste conceito, trata de abrir uma reflexão voltada para a

“natureza e caráter do valor e dos “juízos de valor’”. Esta reflexão determina uma condição

importante que é a diferença entre a teoria dos valores e os sistemas de juízos de valor

comuns de uma sociedade.

Esta teoria busca analisar os valores em si, como tais, como entidades objetivas. A

partir disso, pode-se reconhecer, à semelhança da ética, uma questão de origem e uma de

essência.

Em relação à origem existem dois pressupostos, o primeiro “que poderia ser chamado

de teoria platônica do valor”, defende o caráter absolutamente independente do valor, que

seriam vistos como entidades perfeitas, ideais e existentes, reconhecíveis pela sensibilidade. O

segundo, chamado de nominalismo dos valores postula o inverso, isto é, o caráter relativo e

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subjetivo do valor em sua dependência de um sujeito, de seu agrado ou desagrado, desejo ou

repugnância. A partir destes extremos surge uma mediação quando se supõe que o valor não

pode depender da arbitrariedade da subjetividade, assim como carecem de sentido se não

estiverem referidos a um objeto (e a um sujeito que o aprecie). A partir disto diversos autores

atribuíram aos valores algumas características que colaboram para firmá-los entre a

subjetividade e a objetividade.

Antes de entrar nas características especificas (essência) dos valores, contudo, vale

mencionar o exemplo que Julián Marías (1943) expõe em sua Historia da Filosofia. Marías

compara o valor com o conceito de igualdade, que embora imaterial é real, a igualdade entre

duas moedas não é um atributo da moeda, uma moeda sozinha não é igual, a igualdade se

percebe intelectualmente na relação que se estabelece, sendo perfeitamente objetiva. Assim

ocorre com o valor que tem características próprias.

Marías (1943) cita apenas três destas características: (1) Polaridade – bom e mau, belo

e feio; (2) Hierarquia – elegância é inferior à beleza que é inferior à bondade que é inferior à

santidade; (3) Matéria (conteúdo específico) – a elegância se aprecia e a santidade se venera;

não podem ser reduzidas uma à outra.

Em seqüência à sua citação anterior Ferrater Mora (1979) estabelece 6 características

para os valores: (1) O valer – a forma da realidade do valor não é ser real nem ideal, é ser

valioso; (2) Objetividade – semelhante ao caso da igualdade; (3) Não independência – no

sentido ontológico da aderência do valor às coisas; (4) Polaridade; (5) Qualidade – totalmente

independentes da quantidade: (6) Hierarquia.

Deve-se ressaltar um detalhe marcado por ambos autores, sobre o que chamaram de

“cegueira para o valor”. Esta, originada pela perspectiva mais objetivista do valor, admite que

cada época tem uma determinada percepção do valor, podendo desta forma, não ver vários

valores que estariam fora do seu foco temporal.

Esta ressalva é importante, pois se soma, mesmo que contrariadamente, ao relativismo

do valor, o que cria um equilíbrio no sentido inverso da objetivação do valor (uma

argumentação que se repete em vários autores que discutem o tema ambiental).

Ferrater Mora (1979) termina sua seção sobre o valor com as seguintes palavras: A investigação do valor fica determinada neste caso pelas mesmas marcas

aparentemente contraditórias que caracterizam a filosofia. Por um lado, todo saber acerca do valor depende da perspectiva desde a qual o valor é visto em um momento determinado da historia. Por outro, este saber aspira para sua mesma natureza e condição em conseguir uma visão absoluta, para transformar sua dependência em autonomia. A coexistência destes dois caracteres é dificilmente eliminável em toda analise sobre o nosso problema.

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Se, por um lado, o grande peso subjetivo atribuído por Bachelard (1938), Althusser

(1974) e Wittgeinstein (1965) à ética ameaça sua entrada sólida no terreno da argumentação

científica, por outro a teoria dos valores trata de recuperar um tanto a objetividade dos valores

morais e, por isso, salvaguardar a credibilidade da discussão ética.

Uma situação semelhante, colocada por Hessen (1991) em relação ao conceito de

verdade, descreve como este já se viu extremado entre objetivistas e subjetivistas. Hoje a

verdade, assim como pretende o valor, é vista no espaço entre o sujeito e o objeto, mais

especificamente na adequação da imagem que se forma entre eles.

Estas referências contribuem significativamente quando estabelecem uma discussão

mais apurada sobre o valor para além de um subjetivismo ou objetivismo maniqueísta,

abrindo a possibilidade de uma existência autônoma, ou real, do valor. Admitir esta

possibilidade significa criar um terreno de discussão que satisfaça, pelo menos em parte,

ambos os argumentos, permitindo avançar em termos teórico-práticos onde é necessário lidar

com dilemas morais.

2.3.5. ÉTICA A PARTIR DO OLHAR BIOLÓGICO-EVOLUTIVO

Mora e Cohn (1981), voltam à questão da origem da ética para analisar como ela pode

ter encaminhado a construção de sua essência. Essa abordagem, assumida também por Monod

(1970), abre um novo caminho de reflexão sobre a origem da ética ainda não discutido, o

caminho biológico.

Este autor explora a idéia de uma origem autônoma para o surgimento da moral em

um sentido físico-biológico, que em seguida se encaminha para um contexto evolutivo e

social; para isso cita uma frase famosa do sócio-biólogo Edward O. Wilson (1975) que

professa a necessidade de se tirar a ética das mãos dos filósofos e “biologizá-la”: “[...] os

filósofos éticos intuem os cânones deontológicos da moralidade consultando os centros

emotivos de seus próprios sistemas hipotálamo-límbicos”.

Ferrater Mora (1981) se ocupa em colocar, de forma interessante, a origem da ética em

uma seqüência lógica, onde ocorre uma série de fatos antes de chegarem a ser uma produção

cultural, isto é, como tendemos a vê-la inicialmente. Mora lembra que existe um contexto

material, físico onde se estrutura o contexto biológico de um ser vivo, e serão estes seres

marcados por suas condições físicas e biológicas que formarão um contexto social, que por

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sua vez será o berço das ditas produções culturais. Desta forma, afirma o autor, que quando

tratarmos da ética devemos ter em vista a influência do que ele chama de: um continuo físico-

biológico-social, e ainda que todo este percurso é determinado pelo contexto evolucionário

(evolutivo).

O que este autor pretende ao sugerir a origem biológica da ética, que não está em deus

e é anterior a uma sociedade madura? Seu intuito principal está em sustentar uma

argumentação que invalide a visão antropocêntrica da ética, (onde só o ser humano merece

consideração moral direta).

Este efeito acontece a partir da percepção de que existem vetores iniciais que indicam

um direcionamento da ética, impulsionada por contingentes que hoje podem ser revistos à luz

de uma carga de informações muito distinta da que havia na origem; ou ainda, reinterpretados

através da evolução da linguagem desenvolvida, seja pela cultura, seja pela ciência.

Esta percepção pode (ou deve) remodelar em grande medida as formas assumidas,

orientadas pelos ditos vetores iniciais. Em outras palavras, o caráter físico-biológico-social-

evolutivo da ética seria suficiente para destronar o ser humano do centro do universo moral

por colocá-lo junto a todos os demais seres que se formaram da mesma forma.

Este tema virá mais adiante de forma mais detalhada, mas há algo mais a destacar

deste do discurso de Ferrater Mora (1981).

A idéia de uma ética contextualizada dentro do processo evolutivo serve como base

para defendê-la, pelo menos em parte, das acusações de Althusser (1974) e Wittgenstein

(1965) que estipulam a ética como ideologia. A inserção da ética dentro de uma visão

científico-evolutiva também serve de ponte para propor que ela se molde e atualize de acordo

com o avanço das proposições científicas, embora isto não seja o suficiente para subjugar a

ética à verdade científica.

Provar que os valores morais foram uma conquista evolutiva não significa dizer que a

ética está subordinada à ciência. Como ficamos se a moral, elevada a uma qualidade

adaptativa vital para sobrevivência da espécie, dita que o conhecimento científico é capaz de

destruí-la? Explicar a origem não significa determinar suas funções.

De fato há quem afirme que as descobertas científicas são capazes de desbaratar os

conceitos morais.

O biólogo e bioquímico francês Jacques Monod, em seu famoso livro “O acaso e a

necessidade” (Monod, 1970), se dedica a fazer uma crítica rigorosa e amplamente

argumentada sobre a relação da sociedade moderna com sua ética e sua ciência; este autor

efetua um ataque pujante aos alicerces que sustentam a ambigüidade moral da nossa época,

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sendo ao mesmo tempo denunciador da mesma, isto é, do descompasso em que o

conhecimento científico nos projeta quando pretende assumir a determinação do que é

verdadeiro (e portanto correto e almejável) no lugar da cultura (seja religiosa, mítica ou

empírica).

Em um texto anterior ao de Mora (1981), Monod (1970) trata de forma semelhante a

questão evolutiva da moral, afirmando que a coesão do grupo deve ter sido um caráter

evolutivo fundamental, selecionado positivamente, e que, desta forma, a aceitação de leis que

mantém a união de grupo pode ter uma característica marcadamente evolutiva. Mais adiante,

com a evolução da linguagem (o contínuo físico-biológico-social para Mora) haveria a

necessidade de afirmar estas leis através de histórias ou mitos. Em termos atuais, Monod

(1970) remonta todas ontologias míticas, religiosas ou filosóficas a esta exigência inicial de

afirmação de uma estrutura grupal vital, sem a qual, o indivíduo solitário cai em angústia.

Monod (1970) argumenta que a sociedade moderna inaugura um conflito sem

precedentes na história. Até a modernidade “as fontes de conhecimento e as dos valores eram

confundidas pela tradição animista”; a civilização moderna marcada pelo método científico

rompe com esta fusão, mas não consegue se livrar de uma ética tradicional que, apesar de

ameaçada pelo novo conhecimento científico, permanece atávica na sociedade moderna.

O conflito fundamental acontece quando a ciência gera uma serie de conhecimentos

que negam ou desmistificam os conhecimentos e crenças tradicionais sobre os quais se

edificou a moral tradicional. Monod (1970) afirma que a sociedade moderna, não só não

consegue fazer uma revisão de sua ética à luz da ciência, como se mantém voluntariamente

atada a uma forma animista de ver o mundo, isto é, respondendo eticamente a partir da crença

na existência de um sentido vital que une todas as coisas, espirituais e materiais.

O ataque que a ciência faz, segundo o autor, não atenta diretamente contra os valores,

mas “destrói todas as ontogenias míticas ou filosóficas”, onde os valores nasceram e ainda se

sustentam. Em outras palavras, o conhecimento científico tem como peculiaridade o poder de

desmontar séculos de elaboração cultural, como o fez quando tirou a terra do centro do

universo. Este deslocamento específico, sabemos, não aconteceu sem protestos, nem em

pouco tempo, e tampouco deslocou somente a terra do centro do universo; deslocou,

significativamente, a forma de ser das sociedades que o absorveram. Se ser significa

estarmos, sujeitos e coisas, juntos na ação e no presente, como sugere Ortega y Gasset apud

Marías (1943) cada informação que se funde nesta maneira de ser a refaz dinamicamente (não

de forma progressista), e a existência volta a ser dinâmica e não mais estática.

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Monod (1970) se expressa de forma pungente afirmando que:

As sociedades ‘liberais’ do Ocidente ainda ensinam, da boca para fora,

como base de sua moral, uma repugnante mistura de religiosidade judaico-cristã, de progressismo científico, de crença em direitos ‘naturais’ do homem e de pragmatismo utilitarista.

Estas palavras de Monod (1970) sugerem, justamente, esta falta de obrigatoriedade

progressista dos acontecimentos, isto é, a presença de um conhecimento científico não

significa necessariamente um avanço moral e espiritual na mesma direção (como ele próprio

parece desejar apesar de sua crítica a este).

Para Monod (1970), análogo à transposição feita pela física moderna, que inaugurou o

modelo mecanicista cartesiano (um modelo novo na historia ocidental), é o que as descobertas

científicas relacionadas à biologia deveriam produzir em relação ao antropocentrismo quando

a teoria da evolução somada à genética anuncia sonoramente o acaso como condição

constituinte e definidora da própria evolução. Seguindo o mesmo pensamento, Michael R.

Rose (1998) afirma que apesar de toda sua revolução, a física moderna não interfere de forma

estrutural na visão animista ou vitalista da criação, a física moderna destrona deus de sua

pessoalidade mas não o mata, transforma-o em um regente do universo. Será a Darwin a

quem Rose confere a façanha do assassínio do ‘Todo Poderoso’: enfim deus podia morrer,

uma vez que a “gênese da ordem dos seres vivos devia ser explicada em termos de uma causa

material cega”; ou nas palavras de Monod (1970): “O acaso puro, o só acaso, liberdade

absoluta, mas cega, na raiz mesma do prodigioso edifício da evolução”.

O encaminhamento da ética pela via biológica dado por Ferrater Mora e Cohn (1981)

e E. O. Wilson (1975), somado aos resultados objetivos da biologia, explorados por Monod

(1970) e outros que demonstram o acaso como origem da evolução, pretendem ser o golpe

fatal em uma visão de mundo que ainda admite uma ética não cientificada, seja uma ética de

viés material (hedonista e finalista), seja uma ética formal kantiana. A ética dos valores pode

se habilitar, se assumir as ciências e, sobretudo a verdade biológica do acaso como lugar do

valor.

A crítica é uma primeira parte. Monod (1970) não se resume à ela e propõe uma nova

ética onde os valores não mais se imponham ao ser humano, dominando-os; na nova ética os

valores pertencem ao ser humano e, sobretudo, são fundados a partir do conhecimento e da

objetividade

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Existe, contudo, um terreno de conflito situado justamente no hiato entre a teoria dos

valores, com seu caráter dependente, e a objetividade do conhecimento científico, onde

aparece um problema relacional central da discussão da ingerência da ética sobre a ciência ou

o do seu inverso.

Com muita clareza, Monod (1970) declara que é um equívoco manter separados os

“domínios da verdade objetiva e da teoria dos valores”, e demarca a relação entre ética e

conhecimento como uma relação obrigatória – ciência-valor – (o que não aparece nos

discursos de Althusser (1974) ou Wittgeinstein (1965) , que parecem sugerir uma supressão

dos valores em prol da verdade nua e crua advinda do conhecimento científico) expondo dois

argumentos complementares e decisivos na determinação desta relação:

– primeiro, porque os valores e o conhecimento sempre e necessariamente

estão associados na ação como no discurso; – em seguida e sobretudo, porque a definição mesma do conhecimento

‘verdadeiro’ repousa, em última análise, em um postulado de ordem ética.

A primeira afirmação se baseia na idéia de que não é possível nenhuma ação sem que,

ao mesmo tempo, ela seja determinada por valores, que sirva a algum valor ou que crie algum

valor. O autor explora, ainda, a noção de que, igualmente, algum conhecimento é necessário

para que haja alguma ação, sendo que esta, por sua vez, é uma fonte de conhecimento dentre

duas.

A segunda afirmação é algo mais complexa, pois coloca na mesma cena o

conhecimento verdadeiro que ignora os valores e os próprios valores como origem necessária

para se fundar o caráter imprescindível da objetividade do conhecimento: “o postulado da

objetividade como condição de conhecimento verdadeiro constitui uma escolha ética e não

um juízo de conhecimento”. Em outras palavras, erigir uma sociedade estruturada pelo

conhecimento científico, tanto para formação empírica desta sociedade como para a formação

de seu pensamento teórico, implica em estabelecer um postulado valorativo a priori que

define como sendo a verdade objetiva derivada da ciência o postulado inicial (sobre o qual se

deverá montar a ética). Assim sendo, o conhecimento válido é o conhecimento objetivo. É

importante perceber que esta não é uma norma que se impõe por mandamentos externos ao

homem, como a natureza ou deus, ao contrário, segundo Monod (1970), é uma regra

postulada pelo homem que se faz senhor dela, fazendo-a “axiomaticamente a condição de

autenticidade de todo discurso ou de toda ação”.

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“Aceitar o postulado de objetividade é, portanto, enunciar a proposição de base de

uma ética: a ética do conhecimento”

Monod (1970) não termina seu livro sem deixar de comentar que dentro desta ética

cabem as paixões, pulsões e limitações do ser biológico que é o ser humano. Pelo contrário,

afirma que a ética do conhecimento é a que de fato o compreende, de forma a guiá-lo em sua

evolução, sem que ele se sinta excluído diante do dilacerante conflito entre seu eu biológico e

seu eu racional.

2.4. ÉTICA AMBIENTAL

A noção dos impactos ambientais como conseqüência direta das ações humanas é mais

antiga do que se costuma imaginar. Entre os séculos oitavo e décimo terceiro o mundo

islâmico testemunhou grandes mudanças no seu modo de produção industrial, o que ficou

conhecido como Era de Ouro Arábica. Deste período Gari (2002) descreve registros de

escritores como Avicenna e Ibn Al-Jazzar, entre outros, já preocupados com a degradação

ambiental. Na Europa em 1272, o rei Edward I da Inglaterra proibiu por decreto a queima de

carvão, por causa de problemas criados pela fumaça em Londres.

A recente década de noventa, contudo, foi marcante pelo crescimento do movimento

ambientalista e da ética holística inspirada na “Ética da Terra” de Aldo Leopold (1949). A

discussão sobre os problemas ambientais começaram a se sistematizar com trabalhos

publicados, sobretudo na década de 70, com algumas obras marcantes como a Ecologia

Profunda de Arne Naess.

Em 1962 Rachel Carson publica seu livro “Silent Spring” denunciando os efeitos do

DDT. (Carson et al., 1962). Em 1963 foi assinado o Tratado de Proibição Parcial de Testes

nucleares. Em 1972 foi realizada em Estocolmo a Primeira Conferência Mundial sobre o

Meio Ambiente e Desenvolvimento, organizada pela ONU.

Em 1980, a crise ambiental já era percebida de modo suficientemente intenso para que

se proclamasse a insuficiência da ética tradicional, resultando em uma demanda de uma nova

ética. Como visto na declaração da IUCN (International Union for Conservation of Nature)

colocada anteriormente. Neste mesmo ano esta organização realiza a publicação do “World

Conservation Strategy”, e em 1987 se inicia a fundação da Convenção sobre a Diversidade

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Biológica (CDB), com apoio da UNEP (United Nations Environment Program). De acordo

com a IUCN (1980): Em última instância, o comportamento de sociedades inteiras para com a

biosfera deve ser transformado, se a realização de objetivos de conservação deve ser assegurada. Uma nova ética, abraçando vegetais e animais assim como povos, é exigida para que as sociedades humanas vivam em harmonia com o mundo natural de que dependem para sua sobrevivência e bem estar. A tarefa a longo prazo da educação ambiental é promover ou reforçar as atitudes e os comportamentos compatíveis com esta nova ética.

A crítica à ética tradicional e a demanda de uma nova ética tornam-se um discurso

recorrente dos diversos e heterogêneos grupos do movimento ambientalista que se avultam

diante da crescente crise criada pelo modelo cartesiano progressista, que difundiu rapidamente

um modo de relação utilitarista do ser humano com o meio do qual este se separou.

A exigência de uma nova ética significa denunciar a insuficiência da ética tradicional

perante a crise, devido, sobretudo, à sua falha em deixar de fora da moralidade todo o

universo de seres vivos (que estão para além do ser humano e dos quais estes dependem); e à

frustração do modelo mecanicista em originar riquezas e bem estar. Segundo Lutzenberger

apud Andriolo (Andriolo, 2006) “Uma sociedade que precisa definir regras de conservação

tem um sistema incompleto, falido por natureza, pois não possui implícito em seu mecanismo

de funcionamento a própria manutenção de seus recursos”.

Não é certo, entretanto, afirmar que toda ética não humanocêntrica tenha derivado da

crise ambiental, a história da ética animal, apesar de heterogênea, pode ser remontada ao

século XVII quando, na Inglaterra, alguns cidadãos e parlamentares começaram a lutar de

forma mais organizada e sistemática em defesa do bem estar animal. A ética animal não

surgiu com pretensões ambientalistas, tinha seu objetivo claro e acabou tornando-se um

movimento forte e pioneiro na busca pelo rompimento da exclusividade moral humana.

Agar (2001) faz uma pergunta importante que merece ser exposta, porque sintetiza a

razão de ser deste e de todos os trabalhos que buscam ir além dos resultados técnicos obtidos

em suas pesquisas sobre o meio ambiente.

A idéia de que a natureza é valorizável moralmente deveria parecer, a esta

altura, bastante familiar. O movimento ambientalista, depois tudo, tem estado em plena atividade por mais de trinta anos – tempo suficiente para muitas pessoas aceitarem, sem pensar, os clamores de que as espécies devem ser preservadas e de que um mundo com ecossistemas prósperos é melhor de um mundo sem eles. Vale a pena fazer a defesa de tal consenso ou este esforço não reflete nada além do que a obsessão de filósofos em justificar o obvio5?

5 Ênfase adicionada.

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E responde

Há muito mais em jogo do que simplesmente escrúpulos filosóficos. Uma dedicação detalhada à importância moral das espécies e ecossistemas requer mais do que somente algumas belas palavras sobre eles. Isto, com freqüência, exigirá que os seres humanos façam sacrifícios. O que é embaraçoso, em particular, para os eticistas, uma vez que progresso moral, até agora, tem aparecido como sinônimo de um aumento de reconhecimento e proteção dos interesses humanos. Nós precisaremos de um nível argumentativo muito alto antes de giramos ao contrário o relógio do progresso moral, colocando as necessidades de insetos de interiores de cavernas ou de ecossistemas à frente de, ou emparelhado com, a educação infantil ou a alimentação dos trabalhadores do campo.

As correntes atuais da ética ambiental podem ser nomeadas de forma didática como:

Antropocentrismo, Ecocentrismo (ou Holismo ambiental), Biocentrismo, e Ética animal (ou

Sencientismo).

Antes de seguir com a caracterização destas principais correntes, existem algumas

considerações feitas por Pelizzoli (2002) que devem ser vistas. Este autor pergunta sobre qual

princípio deve se erguer a ética ambiental: a partir do conhecimento ecológico – que trata de

uma maneira objetiva as relações entre os componentes de um ecossistema – ou da

admiração inesgotável dos seres humanos diante “da maravilha e magnificência do que

chamamos de natureza?”.

Para este autor existe um desafio que deve ser tratado como principal e que consiste

em que a ética ambiental seja antes compreendida como ecoética, isto é, que não deve ser

vista como um grupo de regras morais que precisam ser determinadas para garantir um futuro

melhor. Pelizzoli se expressa em relação à ética ambiental de forma próxima a Monod (1970),

dizendo que: “falar em ambiente é falar em ‘pessoas’ e suas relações, ou seja, falar em

‘ética’” (algo muito além de normas morais). Isto implica em articular formas de

conhecimento que, por sua vez, derivam em uma visão de mundo.

Os saberes da ecologia e da filosofia, neste ponto tratam de um tema comum quando

postulam sobre o futuro do homem no planeta e do próprio planeta no universo. No entanto, é

fundamental levar em consideração as diferenças, levantadas anteriormente, sobre as

metodologias e resultados próprios destas disciplinas, de forma que não se misturem razões

argumentativas.

Falar em visão de mundo significa falar de paradigmas fundamentais e fundantes; para

Pelizzoli, portanto, o caminho para uma ética ambiental, isto é, ecoética é, antes de tudo, uma

busca ativa por uma nova visão de mundo, surgida pela mudança destes paradigmas

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estruturais. Estas mudanças por sua vez se originam através de uma mudança interna da

percepção humana, que deve resgatar uma compreensão de si-ligada-ao-todo. O autor

considera esta condição integrada como definidora do próprio homem em seu meio, mas que

foi acobertado pelo paradigma mecanicista cartesiano-baconiano e que deve, portanto, ser

naturalmente revalidada. Neste sentido, o discurso deste autor se assemelha à visão holística

proposta por Leopold (1966) em sua Ética da Terra.

A relação de semelhança entre Pelizzoli e Monod (1970) aparece na transposição que

fazem do valor para as relações, negando o privilégio destas relações entre seres humanos.

Monod (1970), contudo, prende-se ao valor atingido através do conhecimento objetivo

derivado das ciências (no plural, para lembrar que ele não valoriza uma ciência sobre as

outras).

2.4.1. O ANTROPOCENTRISMO

A ética tradicional, também conhecida como antropocêntrica, é por definição uma

ética votada para o benéfico e os interesses dos seres humanos, tendo estes como seu fim. A

historia da ética é a historia da ética antropocêntrica; toda discussão e sistematização feita

desde os gregos até pouco antes do século XXI é fundante de uma ética feita para os seres

humanos. O imperativo categórico de Kant não foi pensado para além da sociedade humana,

embora se possa refletir para além dela, assim como a ética dos bens trata dos bens referentes

aos humanos (sua capacidade de sentir prazer ou dor).

Isto não quer dizer que os animais estiveram absolutamente fora da historia das

considerações morais; Ferrater Mora (Ferrater Mora e Cohn, 1981) relembra que há

comentários bíblicos que sugerem cuidados e respeito com os animais. Estes escritos seriam,

contudo de expressão secundária, não suficientes para conceber estes grupos, de fato, dentro

da moralidade.

Em relação ao meio ambiente, Agar (2001) faz uma divisão didática inicial da ética

em duas grandes vertentes: o Antropocentrismo e o Não Antropocentrismo, onde o

antropocentrismo é aquele que admite preservar qualquer porção da natureza desde que isto

sirva aos interesses humanos, enquanto a ética não antropocêntrica é a que admite que exista

valor na natureza de forma independente da existência do ser humano. Nas palavras de Varner

(2004) “O antropocentrismo é a perspectiva que considera que, no que respeita à tomada de

decisão sobre o meio ambiente, só os interesses dos seres humanos contam.”

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O que o movimento ambientalista pleiteou amplamente a partir da década de noventa

foi a incapacidade desta ética, cujos fins são voltados exclusivamente para o beneficio da

espécie humana, em resolver a magnitude da crise ambiental, deflagrada justamente por um

padrão de ação humana institucionalizadamente voltada para o auto beneficio e uso utilitarista

da natureza.

A filósofa Sônia T. Felipe conceitua e critica o antropocentrismo afirmando que, se

por um lado existe uma tradição milenar das propostas éticas que orientaram as ações

humanas, por outro, esta mesma tradição tem fracassado consecutivamente, quando se

procura uma orientação capaz de guiar ações que considerem efetivamente os interesses dos

seres vivos não-humanos. Sônia Felipe reafirma o argumento de que para os seres humanos,

todas as espécies vivas estão dispostas com o sentido de lhes servir, não existindo nenhuma

restrição que se interponha nesta relação, onde se coroa os humanos com o privilégio de

apropriação das demais espécies. A evidência assumida por esta condição nas últimas três

décadas demarca o ponto justo onde fracassa a moral tradicional como apta para ser guia

moral da atualidade (Felipe, 2006).

Humberto D. Rosa (Rosa, 2004a) trabalha, em um de seus textos, o limite das éticas

ambientais, e especificamente em relação ao antropocentrismo, ele usa o exemplo de uma

mosca para demonstrar como os interesses dela, quando confrontados com os interesses dos

humanos, “cai na mais absoluta irrelevância moral”6, isto é, a mosca é eticamente invisível

como indivíduo, embora não necessariamente como espécie. Contudo, mesmo se considerada

a espécie, a ética tradicional só atribuirá relevância moral à espécie da mosca, na medida em

que sua ausência possa causar desequilíbrios que tragam prejuízo aos humanos.

A ética ambiental antropocêntrica, conforme Rosa (2004a), tem potencial para

fundamentar eticamente a conservação da biodiversidade, pois é a via que mais possui

relevância em nossas sociedades e, ao considerar o valor utilitário para fins humanos, isto a

torna a mais palpável para valorizar a biodiversidade. O autor reconhece entretanto, que há

limitações e dificuldades em argumentos puramente instrumentais como, por exemplo, a

conservação da biodiversidade poderia perder em importância para outros objetivos humanos

de valia instrumental superior.

6 Ênfase adicionada.

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2.4.2. ÉTICA ANIMAL – SENCIENTISMO

Peter Singer (1990), uma das vozes expoentes atuais da ética animal, relembra, em seu

reverenciado livro Libertação Animal, um pouco da história deste movimento. Singer remonta

à Inglaterra do século XVIII os primórdios das ações políticas que intentaram tornar-se lei,

tendo-o conseguido no ano de 1821, pela primeira vez, ver aprovada pelo parlamento

britânico uma lei que proíbe maus tratos aos animais, ainda que para isso tenha sido

necessário atribuir à escrita um caráter de danos à propriedade e não propriamente por

consideração aos animais.

Singer (1990) cita ainda que, em 1780, enquanto Kant afirmava a seus alunos que os

animais, por não possuírem autoconsciência, não eram merecedores de direitos ou deveres por

parte dos humanos, devendo ser vistos como meros meios para satisfazer os fins deste último,

o famoso utilitarista Jeremy Bentham (1823), neste mesmo ano, “fornecia uma resposta

definitiva a Kant: ‘A questão não é: Podem eles raciocinar? nem: Podem eles falar? mas:

Podem eles sofrer?’"7

O termo senciência, hoje muito usado, remete exatamente à questão posta por

Bentham, e apesar de, segundo Varner (2004) etimologicamente o termo referir-se “à

consciência de algo ou de outrem”, seu uso tem assumido, mais comumente, o significado de

consciência do prazer e/ou dor. Fica patente que o termo também funciona, através de sua

semelhança com consciência, para induzir uma aproximação “semântica” entre os animais

humanos e algumas espécies de animais não humanos que conseguem ser vistos com

capacidades sensoriais e cognitivas mais próximas da nossa.

Este termo serve justamente para fazer uma ponte para dentro do paradigma

antropocêntrico de valor e, ao mesmo tempo, ajudar a romper com ele.

Este paradigma da ética tradicional que tem como referência um ser humano adulto

saudável – usando uma palavra mais sintetizante: é na pessoalidade que se encontra o valor –

permite, entretanto, buscar algo ainda mais atrás, na busca de estabelecer limites claros entre

conceitos: O que pode ser, então, tirado mais a fundo do conceito de pessoalidade (encorpado

a partir da modernidade)? Dois elementos são principais: a referida capacidade “consciente”

(senciência) de sentir dor e/ou prazer, e as capacidades intelectuais-racionais ou consciência,

‘latu senso’.

Além da questão da dor e do prazer, relacionada à ética dos bens comentada

anteriormente, um outro viés, o cognitivo, foi visto por vários autores, que buscaram tratar a 7 Ênfase adicionada.

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questão animal através desta condição essencial (por trás da pessoalidade). Portanto, além do

hedonismo como definidor da pessoalidade, é a capacidade de formular interesses atribuível

a um ser vivo, que define a sua pessoalidade (palavra ‘formular’ não está posta

desconsideradamente: formular significa ter capacidades mentais suficientes, direcionadas em

um sentido específico).

Este último parágrafo contém temas centrais e recorrentes nas diferentes proposições

de reformulação ética, a saber: a questão dos interesses, a questão da intensionalidade e a

questão do valor de projetos teleológicos. Estes temas serão ainda amplamente discutidos

como candidatos ao paradigma de valor ético.

Para os fins da ética animal, contudo, a ampliação da exclusividade da pessoalidade,

pela senciência, para além do ser humano é o centro das argumentações. Esses argumentos

são os que buscam demonstrar a similaridade entre humanos e um vasto grupo de outras

espécies, tanto através das capacidades sensoriais, isto é, suas marcantes e reconhecidas

similaridades nas sensações de dor e prazer, como através das semelhanças intelectuais, que

aparecem na habilidade para produzir e perseguir interesses como fazem os humanos.

Fundamental para selar a possibilidade de uma ética que abarque animais sencientes,

mencionado acima mas não esclarecido, é o importante conceito de igualdade. Este conceito

é requerido pelos filósofos éticos como condição de inclusão moral (Felipe, 2006).

A ética animal não aspira por uma “nova ética” propriamente dita; basta-lhe a

ampliação do “padrão psicológico”, (Rosa, 2004a), isto é, a valoração das características

expressas na mente (consciências sensoriais e habilidades intelectuais), de forma a englobar

todos os animais que tiveram essas características categoricamente demonstradas pela ciência.

Para Singer (1975) isto seria uma forma mais realista e eficaz, capaz de mudar

expressivamente a postura do homem diante da natureza como um todo. Segundo Singer é

mais fácil mudar os costumes da humanidade de forma gradual, aumentando um passo por

vez o movimento histórico de ampliação do círculo moral (que se alargou passo a passo), de

modo a incluir, pelo principio de semelhança, cada grupo que esteve fora do círculo, escravos,

mulheres, crianças, velhos, negros. Quem sabe, agora os animais sencientes?

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2.4.3. O BIOCENTRISMO

O biocentrismo é um termo com significações diversas na literatura, contudo, no

escopo deste trabalho este termo se manterá dentro dos limites estabelecidos, sobretudo por

Gary Varner e Nicholas Agar, que definem o termo como uma forma geral de abordagem

ética onde o paradigma de valor está no indivíduo. Sendo que, como indivíduo entende-se

todo e qualquer ser vivo tomado como um ser único identificável em sua unidade.

O que conta para o biocentrismo não é o fato de se ser humano, racional ou senciente;

o que realmente conta é o fato de se estar vivo, para se atribuir significado moral direto para

qualquer organismo (Rosa, 2004b).

2.4.3.1. O BIOCENTRISMO HIERÁRQUICO DE GARY E. VARNER

Gary Varner8 dedica um livro à defesa do biocentrismo e ainda soma ao termo, de

forma algo redundante, o adjetivo “individualista” cunhando assim, o “biocentrismo

individualista”. Intitulado “In Nature's Interests? Interests, Animal Rights, and

Environmental Ethics” (Varner, 1998), este livro é inteiramente voltado para reabilitar o valor

paradigmático da ética ambiental sobre cada indivíduo e não nos coletivos (ecossistemas),

como aconteceu, sobretudo a partir da década de 90 e dos escritos de Aldo Leopold (1949).

O problema principal visto por este autor reside na dificuldade de atribuir valor de

maneira consistente às ‘entidades’ que não conseguem se definir com a mesma clareza que os

seres individualizáveis que reconhecemos na natureza. Para Varner e outros, a tentativa de

defender uma coletividade acaba necessariamente enfraquecida por um processo inevitável de

diluição do valor do todo pelos indivíduos que compõem o grupo. Em outras palavras, uma

análise utilitarista feita sobre os benefícios que um ecossistema pode trazer para si mesmo ou

para uma comunidade humana, acabará revelando, em última instância, sua origem em cada

ser vivo (quem de fato efetua um trabalho, que somado aos demais, resulta no serviço final).

Varner e Agar ainda argumentam que a maneira mais eficaz de realizar uma defesa ambiental,

é pela defesa de seus indivíduos; para eles, uma afirmação do tipo: – A Amazônia clama por

sua vida – se reduz ao absurdo com uma simples pergunta: a – Quem é de fato a Amazônia?

A Amazônia é na verdade seus indivíduos: o peixe, a ave, a minhoca, a formiga e a bactéria

que vivem na Amazônia, estes sim são identificáveis como indivíduos e, portanto, atribuíveis

de valor moral

8 Dept. of Philosophy, Texas A M University, EUA

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Uma vez feito o retorno à justeza do indivíduo como receptáculo ou origem do valor,

o trabalho necessário se volta para encontrar de que forma o valor se conecta ao indivíduo.

Todos os indivíduos têm valor? Todos tem a mesma quantidade de valor? Por que ou onde

reside o valor em um indivíduo? Varner percorre um longo e detalhado caminho para tentar

demonstrar a ampliação da moral para além do ser humano e por que se deve tirar o valor

moral atribuído aos coletivos e alocá-lo exclusivamente nos indivíduos. Seu esforço se

concentra em trabalhar um conceito que, segundo ele, é o mais primário e comum como

depositário do valor moral – o desejo – para gradualmente transferir este mesmo valor a

conceitos próximos como o de dor, interesses, e interesses biológicos.

Desejo

Sua primeira discussão gira em torno do reincidente conceito de desejo, e o que o

motiva a iniciar com este tema é o fato de que, em grande medida, nos diversos meios da

sociedade, a consideração moral está fortemente vinculada à idéia de desejo, isto é,

comumente se atribui valor a entidades que expressam vontades, objetivos, necessidades ou

intenções. Varner ilustra este fato com o uso habitual das pessoas dizerem que seus animais

de estimação desejam carinho, comer, sair, etc., e ainda que, muitas vezes mesmo nos estudos

de comportamento, esta palavra pode ajudar a visualização de uma larga seqüência descritiva

de um comportamento.

O conceito de desejo trabalhado por Varner (1998) pode ser visto como sinônimo do

termo senciência abordado acima, isto é, algum nível de consciência e objetivo, nas palavras

do autor: “O exemplo paradigmático de um ser com interesses é o de uma criatura

desejante”

Varner (1998) estabelece a base de sua tese na elucidação do significado de “desejo”.

Uma vez que uma entidade é capaz de produzir e, sobretudo expressar, um comportamento

interpretado como um desejo (desta entidade), ela imediatamente se habilita ao mundo dos

seres que tem interesses, sendo passiveis, portanto, de consideração moral. O que de fato

executa esta transposição de atribuição é a compreensão antropomorfizada da referida

terminologia que aproxima o ente desejante ao valor paradigmático e auto-referido dos seres

humanos.

Para que se possa realizar uma mudança sólida dos limites da consideração moral ou,

ao menos sua ampliação, é necessário empreender um caminho metódico e detalhado no

sentido de estabelecer novos conceitos ou, atualizar os velhos. É com este objetivo que Varner

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se aprofunda na questão do desejo, que servirá como preparação para a discussão sobre os

interesses, sugerindo uma definição da seguinte forma:

A deseja X se e somente se A está disposto a buscar X (condição 1); A busca X porque

de alguma forma prática previamente elaborada implica que X é um meio para se alcançar Y

(condição 2); esta elaboração prática é ao menos potencialmente consciente (condição 3).

(Varner, 1998)

Estas condições tem um efeito prático imediato, pois entre outras situações,

estabelecem a incapacidade de espécies (coletivo) em formularem desejos pois uma espécie

não tem um desejo orientado de forma específica (condição 1), ainda, uma espécie não tem

um sistema nervoso individualizado que produza o desejo (condição 3).

Se o paradigma de valor se mantém conectado ao que se entende por desejo, isto

implica na impossibilidade de inclusão de coletivos, ou idéias semelhantes, dentro da

consideração moral. Isto significa em um enfraquecimento da defesa da biodiversidade como

um valor supremo que justifique a supressão de indivíduos, estes sim capazes de desejar.

Outra divisão importante que deriva desta simples definição de desejo é a exclusão de

todos os seres vivos que não se enquadram nesta definição.

Esta demarcação tem um efeito importante na distinção, por exemplo, entre “desejo” e

“instinto”, o que será um ponto chave na hierarquização da atribuição moral direcionada à

árvore evolutiva, defendida por este autor.

Varner (1998) declara que a diferença entre estes conceitos está no tipo especial de

aprendizagem que envolve ‘formação de hipótese e teste’ para o caso dos animais capazes de

formular desejos. “Em algum ponto entre meu gato e um rabanete, o conceito de ‘desejo’ se

torna inaplicável”.

A importância do trabalho de Varner está em sua determinação em identificar uma

hierarquia de aplicabilidade do valor moral. Para isso este autor se apóia em dados

encontrados em Martin Bitterman (Bitterman, 1965; 1988) e Alloway (1972) que revelam

características marcantes, em fisiologia, anatomia e comportamento animal, e que sustentam

uma serie de argumentos no sentido de estipular um limite na escala evolutiva onde fixar a

linha de corte entre animais que possuem desejos e os que não o possuem.

Apesar do valor destes trabalhos, creio que para os fins deste estudo seja mais

apropriado sumarizar os resultados levantados por Varner a partir de Bitterman. De forma

resumida Varner (1998) expõe que: peixes não mostraram nenhum aprendizado em testes de

memória em situações revertidas; répteis (anfíbios incluídos) mostraram adequação

progressiva neste mesmo aprendizado, uma capacidade presente pela primeira vez neste

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grupo; pássaros somam à capacidade anterior um aprimoramento no aprendizado

probabilístico, sendo esta capacidade presente pela primeira vez neste grupo; mamíferos

somam às anteriores a capacidade de acertos sistemáticos em testes de aprendizado

probabilístico, esta habilidade também aparece pela primeira vez neste grupo.9

Como visto, Varner (1998) estabelece sua linha hierárquica demarcatória entre peixes

e répteis, peixes já não pertencentes aos grupos que apresentam algum tipo de resposta aos

testes que lhes foi apresentado.

Uma exceção digna de menção é o caso dos cefalópodes, usado pelo autor como uma

importante ressalva sobre o cuidado que se deve ter com generalizações. Os cefalópodes têm

o sistema nervoso central mais complexo entre os invertebrados e estão posicionados abaixo

de sua linha demarcatória (peixes), contudo, demonstram uma capacidade de aprendizado

surpreendente.

Dor

Uma vez estabelecida esta primeira fronteira demarcatória entre animais “capazes de

desejar”, Varner realiza o segundo passo fundamental da sua minuciosa aproximação de seres

não humanos aos mesmos valores responsáveis pela ética antropocêntrica – nomeadamente

desejos, interesses, dor e prazer, e consciência – agora tratando a questão sensorial da dor,

uma vez que esta questão move poderosos argumentos éticos em favor do direito de não

sofrer dos animais, respaldado em seu equivalente para os seres humanos.

Novamente Varner traz uma compilação de estudos que indicam, desta vez, uma linha

demarcatória entre vertebrados e invertebrados (mais uma vez com exceção dos cefalópodes).

Essa separação se baseia fundamentalmente na distinção entre “dor” e “nocicepção”, onde a

segunda é definida pela presença de órgãos neurais superficiais especializados em perceber

dano ou dano potencial ao tecido. Contudo “dor” é definida pela presença de um sistema

nervoso central capaz de receber e ter “consciência” do estímulo gerado e transmitido pelos

órgão periféricos, o que Varner chama de “nocicepção consciente”.

Para ilustrar esta divisão o autor relata o exemplo de insetos que continuam se

alimentando normalmente enquanto por sua vez são devorados por um outro animal.10

A presença dos peixes no grupo dos que têm consciência da dor não é negada pelo

autor apesar do conflito que gera ao sugerir a possibilidade de uma “consciência” por parte

9 Para maiores detalhes ver obras citadas. 10 Este exemplo é ilustrativo e não pretende resumir a extensa cadeia de estudos analisados pelo autor.

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destes, contrastando com a ausência de desejos atribuída aos mesmos pelos estudos

anteriores. Neste sentido Varner relata casos onde pacientes pararam de reclamar de dor após

danos no lobo pré-frontal, e o fato de que bebês neonatais provavelmente sentem dor mesmo

sem serem capazes de desejar um fim para ela.11

A soma destes dois resultados advindos de uma série de pesquisas científicas parece

fundar uma primeira linha divisória separando dois grandes grupos de seres vivos, onde os

vertebrados (peixes ainda sem muita firmeza) estão acima da linha e são os candidatos que, de

fato, concorrem para serem incluídos em uma ética estabelecida nas premissas definidas

acima. Os invertebrados, e tudo o que vem abaixo como plantas e bactérias (com a exceção

honrosa dos cefalópodes) estão fora do páreo, incapazes de desejo e dor legítima, estão

condenados à irrelevância moral.

A argumentação feita até aqui é suficiente para romper a barreira antropocêntrica que

sustenta o limite moral até a espécie humana, sem a necessidade de voltas de raciocínio mais

complexas, e usando os próprios argumentos da ética antropocêntrica, agora iluminados com

a luz analítica e objetiva das pesquisas científicas (que se tornaram possíveis pelo avanço de

suas técnicas). Até aqui também se vê realizado e satisfeito o objetivo da ética animal, cujos

limites dos seus postulados não pretendem ir além. Fica também estabelecida a inclusão dos

dois grupos de calitriquídeos nos patamares mais altos da relevância moral, logo abaixo dos

grandes símios e seres humanos, consecutivamente.

O tema seguinte, no entanto, trata dos interesses de forma a subtraí-los e, ao mesmo

tempo, diferenciá-los dos desejos e exige um esforço mais concentrado para execução e

compreensão da lógica que surge de seu jogo semântico. O que vem a seguir se assemelha ao

almejado por Ferrater Mora e Cohn (1981) e Monod (1970) no intuito de ‘biologizar a ética’;

da mesma maneira pretende romper de forma mais substancial com o modo de formulação

valorativa encontrada na ética tradicional, isto é, o arcabouço “psicológico” sobre o qual está

montada a ‘pessoalidade’. O resultado que se verá é a possibilidade de uma ética capaz de

incluir todos os seres vivos, não de uma maneira coletivizada, mas ao contrário, em seu valor

individual.

11 Um comentário nada casual, em se tratando do tema, uma vez que coloca nas mesmas atribuições, os bebês recém nascidos paralelamente aos peixes. (n.a.)

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Interesses

O trabalho fundamental que deve ser feito é a separação do que se entende por

“interesses”, sobretudo quando, e porque, se condiciona a esta palavra a possibilidade de

atribuição moral direta.

Varner esclarece que, apesar de uma entidade possuidora de um desejo consciente se

aproximar muito do que relacionamos ao paradigma moral, isto não se encaixa plenamente na

lógica de atribuição moral. Como argumento, um dos exemplos citados pelo autor, é o fato de

que muitas vezes um adulto consciente deseja algo contraditório com o princípio de não

maleficência (promoção de um bem), como fumar e, ainda pessoas normais podem não

desejar algo que lhes é essencial à vida como vitamina C, como no caso dos marinheiros do

século XIX.

Esta discussão possibilita a distinção entre dois argumentos: a) interesses conscientes

que, embora possam caracterizar uma maior abrangência de escolhas das entidades

conscientes, não são necessariamente racionais, no sentido de indicar uma escolha essencial

para a realização dos interesses vitais; b) os interesses biológicos (conscientes ou não) que

representam o caminho necessário a ser percorrido por um organismo para preservar e

desenvolver sua estrutura e autonomia através do tempo, nem sempre são um desejo

consciente. Aqui, o tabagismo e a carência de vitamina C são boas ilustrações da contradição

que pode ocorrer entre estes dois critérios. Desta forma pode-se dizer que o desejo de fumar é

contra os interesses do indivíduo assim como, que o interesse biológico é fundamental para

seu bem.

De acordo com Rosa (Rosa, 2004a), o primeiro autor a tentar substanciar teoricamente

o critério de “estar vivo” como princípio de consideração moral pode ter sido Goodpaster

(Goodpaster, 2005 [1978]) Em um artigo este autor argumenta que “todos os animais e

plantas têm interesses, e estes interesses devem os fazer cair na esfera da consideração

moral direta”.

Neste sentido, de buscar uma moral estendida, Tom Regan (Regan e Singer, 1976;

Regan, 1982; 1983) inicia uma discussão sobre a existência de interesses independentes de

consciência em resposta a Joel Feinberg (1974) que havia negado esta possibilidade: “Não se

pode contrariar entes que não têm desejos”

Varner reconhece e comenta os trabalhos de Goodpaster (1978) e Regan (1983). E,

embora a noção de que o valor deva estar nos interesses não lhe seja original, Varner fortalece

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marcadamente a importância desta distinção, contribuindo para solidificar um novo

paradigma moral na atribuição do valor: os interesses biológicos.

Se, por um lado, a percepção de que um humano normal é capaz de desejar algo

maléfico à sua saúde enfraquece a noção estabelecida sobre onde reside o valor moral, por

outro lado, a percepção de que este mesmo ser humano tem interesses vitais a serem

cumpridos (igualmente a todos os outros seres vivos) fortalece uma transferência do valor

posto no interesse dos desejos para o interesse biológico.

Esta transferência é também fortalecida pela defesa feita por Ferrater Mora (Ferrater

Mora e Cohn, 1981), do desejo como uma característica selecionada evolutivamente, marcada

por um contínuo físico, biológico e social, cujo desenvolvimento em complexidade está

relacionado à função de preservação, através da formação e manutenção dos grupos. Em

outras palavras, demarca um significado por trás da palavra ‘desejo’ que deve ser entendido

como uma evolução, ou re-interpretação de interesses biológicos. O estabelecimento da

‘irmandade’ entre o significado de desejo e de interesses biológicos confere a este último a

mesma possibilidade de valor moral atribuído ao primeiro. Esta transferência funciona como a

ponte por onde atravessa o valor moral, antes confinado aos seres possuidores dos padrões

psicológicos “desejantes”, para todo o resto do mundo vivo.

Interesses biológicos

Note-se o caminho já delineado acima onde Varner estabelece dois tipos de interesses:

interesses conscientes (desejos) e interesses biológicos. Por que este autor se dedica com tanto

afinco a este pontos? Para ele, esta é a chave para transpor a barreira da moral tradicional

antropocêntrica que, justamente, tem na sua base valorativa fundante ‘os interesses de um

indivíduo consciente’. A “mágica” acontece quando o autor mantém a mesma palavra central

fundamental da moral tradicional, “interesses”, destitui dela a exclusividade da “consciência”,

inserindo uma nova atribuição biológica ao termo e, finalmente, solidificando isto através de

sua “importância vital”. Desta forma a ponte está feita e daí em diante não é difícil mostrar a

existência de interesses biológicos em seres sem estados mentais, como plantas ou bactérias

que, portanto, serão merecedores de atribuição moral.

Este ponto é marcante como um divisor de águas dentro do próprio biocentrismo,

também visto em Goodpaster (2005 [1978]), que diferenciou “consideração moral” de

“relevância moral”. Para estes autores, demonstrar validade moral para além do ser humano

não significa demonstrar “o mesmo” valor moral para todos, isto os torna biocêntricos

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hierárquicos frente aos biocêntricos igualitários como Paul Taylor. O que Varner (1998)

postula a seguir se refere a este novo problema. A satisfação de interesses constitui um valor moral fundamental, porque

dizer que um ser tem interesses é dizer que ele tem uma bem-estar, um bem próprio, importante do ponto de vista moral. Desta forma, se uma ação pode satisfazer um interesse, isto é uma razão ‘prima facie’ para que seja realizada. Por outro lado, a frustração de um interesse constitui um ‘desvalor’ moral fundamental. Assim, se o que eu faço frustra o interesse de outro ser, isto é uma razão ‘prima facie’ para que eu não a faça.

Isto instaura um problema a meu ver, porque nos capítulos 2 e 3 uma variedade enorme de interesses é identificada: os desejos de ao menos todos mamíferos e aves adultas (e talvez também os dos répteis, anfíbios, e alguns invertebrados) e o interesse biológico de todos os seres vivos. Mas, se todo organismo vivo tem interesses, torna-se impossível desvirtuar inumeráveis interesses de outros organismos.

Como solução para este problema prático de definir prioridade entre interesses, o autor

se respalda no utilitarismo e no Princípio de Inclusão de Ralph Barton Perry, exposto em sua

Teoria Geral do Valor (Perry, 1926).

O princípio de Perry, basicamente, estipula que dentro de uma mesma categoria (e

somente assim), um valor positivo somado a outro vale mais que ele sozinho, ou em outras

palavras, dentro de uma mesma categoria o todo é mais que a parte. Se um interesse M

confere valor sobre seu objeto A e se um segundo interesse N confere valor ao mesmo objeto,

sem anular a presença de M, então o valor de A é aumentado por este fato. Ou se A é um

objeto beneficiado por M e N, e se algum destes for retirado deixando o outro, então ocorrerá

uma perda de valor, embora se mantenha o valor do que restou.

Varner vai se apoiar neste argumento para defender seus seguintes pressupostos (A) e

postulados (P) fundamentais:

(A1) A satisfação de qualquer interesse é, considerado em si mesmo, uma

coisa boa (e insatisfação de qualquer interesse é, em si, uma coisa ruim), e (A2) Apenas a satisfação ou insatisfação dos interesses importam do ponto

de vista moral. (A3) De um modo geral, assegurar a satisfação de interesses de diferentes

indivíduos dentro dos níveis semelhantes nas hierarquias semelhantes cria quantidades similares de valor, e frustrar os interesses de indivíduos diferentes dos níveis similares em hierarquias semelhantes cria níveis semelhantes de desvalor.

(P1) De um modo geral, a morte de uma entidade que tem desejos (interesses definidos por um desejo) é uma coisa pior que a morte de uma entidade que não os tem.

(P2) A satisfação dos desejos dos seres humanos é mais importante do que a satisfação dos desejos dos animais.

(P2’) De forma geral, a satisfação dos projetos estruturantes é mais importante do que a satisfação dos desejos não categóricos.

(P3) As outras coisas sendo iguais, é melhor satisfazer projetos estruturantes que exijam, como condição de sua satisfação, a frustração do menor número de interesses de outros.

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(P3’) Outras coisas sendo iguais, de dois desejos igualmente situados na hierarquia de interesses de um indivíduo, é melhor satisfazer o desejo que exige, como condição de sua satisfação, a menor frustração de interesses de outros (sejam estes interesses definidos como desejos ou interesses biológicos).

O caminho teórico seguido por esse autor usa o princípio lógico e simples de Perry por

sua praticidade e clareza no uso de comparar coisas da mesma categoria. Assim sendo, isto é,

aceitando o princípio utilitarista e o princípio de Perry, o trabalho se volta para verificar o que

podemos catalogar dentro de uma mesma categoria. Varner faz um novo e interessante arranjo

quando demarca as fronteiras divisórias entre conjuntos de características, organiza os seres

vivos entre estes grandes conjuntos e finalmente estabelece uma hierarquia de valores

comparáveis dentro de uma grande e mesma categoria.

O que ainda falta realizar, portando, é a comparação valorativa entre conceitos dentro

de uma mesma categoria (para estar de acordo com Perry). Varner cita dois autores, Passmore

(1974) e Callicott (1986) que, diante da enorme variedade de tipos, intensidades e durações de

interesses alegaram a impossibilidade de estabelecer comparações viáveis, e concorda que

realmente há um grande e complexo universo onde ficaria difícil estabelecer uma escala de

valores, sobretudo quando os seres em questão não estão claramente em grupos distintos.

Varner, contudo, acredita que é possível hierarquizar os seres vivos em uma escala onde a

dificuldade está em, justamente, colocar estes grupos diferentes dentro de uma grande

categoria para que possam cair no principio de Perry.

De forma resumida, o autor defende que diante dos princípios de benefício e de não

malefício, quanto mais interesses de um mesmo tipo são frustrados maior o dano em valor

moral e, que – seu argumento chave – dentro do quadro estabelecido acima (dividindo

mamíferos, pássaros, répteis, peixes e invertebrados) quanto mais complexo na escala

evolutiva, mais interesses podem ser frustrados. Fixando o ser humano no ápice da pirâmide,

Varner cunha o termo “projetos estruturantes”12 para representar interesses complexos

estruturados conscientemente (“algo pelo qual a vida vale ser vivida”) e que para serem

realizados dependem da realização de vários outros interesses (biológicos e não biológicos).

Frustrar, portanto, um desejo estruturante causa maior “desvalor” moral na hierarquia de

Varner.

Entre outros exemplos, Varner expõe um, proposto por Mary Midgley (1983), que

sugere a situação onde um ser humano adulto deseja colocar fogo em uma floresta pelo prazer

12 Projetos estruturantes (Ground projects) – Termo usado por Varner para nomear as capacidades mentais estruturadas de forma complexa relacionada a projetos conscientes de futuro.

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estético de vê-la queimar. Esta situação apresenta o confronto de um desejo de um ser

humano capaz de formular um projeto estruturado de forma complexa, versus milhares de

seres que não apresentam tal capacidade e, considerando apenas as árvores, estas apresentam,

tão somente, seus interesses biológicos. De acordo com a proposta do autor, de que um

projeto estruturante vale mais que meros interesses biológicos (P1, P2, P2’), o dito indivíduo

não teria nenhum empecilho de ordem moral que o impeça de queimar um bosque. Isto

causaria uma boa quantidade de consternação em leigos e especialistas, Varner resolve o

problema de forma lógica com seus princípios seguintes (P3 e P3’), que demarcam uma

exigência formal, onde se deve analisar a existência de alternativas que satisfaçam o interesse

mais elevado da hierarquia, e dar preferência à alternativa que viole o menor número possível

dos demais interesses que possam estar envolvidos. Desta forma o piro-maníaco talvez se

satisfaça assistindo “inferno na torre”, evitando extinguir com interesses biológicos de

diversos seres vivos.

Usando as palavras do autor:

[…] com muito poucas exceções prováveis, só os seres humanos têm

projetos estruturantes. Cães e gatos, por exemplo, é quase certo terem desejos que transcendem o presente. [...] quando a minha gata vem do quarto dos fundos de volta para onde eu estou sentado e, depois de ter chamado a minha atenção ao pular no meu colo, leva-me à porta traseira para ser solta, ela tem, sem dúvida, um desejo de algo no futuro. Mas os cães e gatos estão preocupados com um futuro muito próximo. O desejo de capturar uma presa aqui agora, ou o desejo de obter um ser humano desde a outra sala para vir lhe abrir a porta para o exterior, não está a par com aspirar por uma vida mais longa ou por um modo de vida. Nós não observamos mamíferos não-humanos programando o seu futuro distante de uma forma organizada, exceto quando o comportamento é mais plausivelmente atribuído ao instinto do que ao desejo (como acontece com esquilos guardando sementes ou um pássaro construindo um ninho). Formular e perseguir um projeto estruturante exige um nível de sofisticação conceitual que quase nenhum animal não-humano tem. Talvez alguns dos grandes símios (gorilas, chimpanzés e orangotangos) ou alguns cetáceos possuam projetos solo, mas não para nenhum dos animais que uma pessoa comum entra em contato de forma regular (Muitos africanos já tiveram em contato regular com os grandes símios, mas antes de seus habitats se tornarem extremamente limitados).

2.4.3.2. BIOCENTRISMO DE AGAR

Nicholas Agar é um outro autor importante que se dedica à defesa do biocentrismo

(individualismo, como critério).

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Em seu livro – “O valor intrínseco da vida; ciência, ética e natureza” – lançado em

2001 (3 anos após o de Varner) este autor repassa e analisa, revitalizando ou criticando,

muitos dos argumentos do próprio Varner e de outros autores chaves da ética ambiental como

J. Baird Callicott, Holmes Rolston III e Arne Naess. Agar formula uma engenhosa mistura, da

ciência contemporânea empírica com a ética tradicional (padrões psicológicos), propondo

uma nova forma padrão para a valoração moral hierárquica dos seres vivos (para além do ser

humano). Este resultado, principal de seu trabalho, sugere um modo intermediário entre a

valoração dos interesses biológicos (de Goodpaster e Varner), e o valor estabelecido nos

padrões psicológicos (consagrado pela ética tradicional), para que seja possível atribuir

consideração moral direta aos seres vivos.

Assim como Varner, Agar está convencido de que a melhor defesa que se pode fazer

de uma ética efetiva que proteja o meio ambiente, deve ser feita através do valor que se pode

atribuir ao indivíduo. Este autor repete o argumento sobre a dificuldade de conceber a idéia de

um coletivo de forma palpável de maneira que um valor não se dilua no tecido virtual das

relações entre os indivíduos que o compõe.

O trabalho de Agar (2001), na defesa de uma ética capaz de abranger todos os seres

vivos, percorre um caminho argumentativo diferente do feito por Varner. Este pretende a

inclusão dos demais seres viventes pela consideração moral direta realizando uma

transferência de valor, partindo dos padrões psicológicos, para o desejo, para o interesse e

finalmente para os interesses vitais (biológicos). Este método é identificado por Agar como

sendo uma “analise conceitual”.

Agar, por sua vez, evita se distanciar do modelo tradicional que, segundo ele, está

profundamente incorporado pela sociedade. O que este autor realiza é uma ligação direta entre

este modo tradicional, de perceber e atribuir valor, e os demais seres vivos. Parece estranho,

mas o caminho exposto por este autor possibilita, de fato, uma forma inusitada (em termos de

teoria) e viável de valorização para um grande número de seres vivos, chegando a ter um

alcance maior que a teoria de Varner, abrindo, inclusive, uma janela para a valorização de

entidades coletivas.

Agar (2001) estabelece sua primeira sustentação na determinação do valor intrínseco

que deve ser conferido aos seres vivos,

Demonstrar que agregados ambientais ou coletivos têm valor intrínseco

parece o caminho mais direto no sentido de mostrar que ele importam moralmente.

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Valor intrínseco não é um conceito isento de problemas de definição, Agar menciona a

definição feita por Christine Korsgaard (1996) que contrapõe valor intrínseco com valor

extrínseco, e não ao valor instrumental: para ela, valor intrínseco é possuir um valor próprio e

independente, não se opõe ao valor que advém de ser útil, mas ao valor que surge a partir de

uma fonte externa, isto é, não é ‘para’ algo, mas ‘por’ algo. De qualquer forma, o uso

corrente de opor valor intrínseco ao valor utilitário sustenta-se menos pelo caráter de oposição

do que, principalmente, pelo caráter prático do uso cotidiano onde, compreensivelmente, se

contrapõe algo valorizável por seus próprios atributos a algo valorizável pelos serviços que

presta.

Para que seja possível justificar uma extensão do valor, para outros indivíduos (não

humanos), é preciso identificar onde está alocado o paradigma de valor vigente. Neste

sentido, assim como todos os demais, Agar parte da pessoalidade humana como o paradigma

de valor intrínseco da ética antropocêntrica.

Em relação à insuficiência da visão antropocêntrica como uma visão de mundo viável

para a modernidade, Agar se une ao coro de todos os que demandam uma revisão da ética

tradicional, sem adicionar maiores críticas às já estabelecidas.

Na citação anterior já estão presentes dois pontos centrais do trabalho deste autor: o

primeiro se refere ao fato de que ele postula o valor intrínseco como um atributo, senão real,

ao menos prático de entidades naturais; e o segundo se refere à transposição deste valor para

além dos seres humanos. Cada qual destes dois reúne uma infinidade de elaborações teóricas

sobre si, porém, em relação ao segundo ponto, isto é, o problema da mudança de um

paradigma solidamente estabelecido, Agar assume, quando propõe manter o padrão de

valoração psicológica das entidades, um caminho ousado frente à maioria do discurso

ambientalista que reivindica uma “nova ética”. O que de fato é sua diferença.

A forma de atribuição valorativa deste autor é portando: absolutista na sua admissão

do valor intrínseco; transformadora no que se refere a ampliar este valor a outros seres vivos

usando argumentação científica; e conservadora quando mantém o padrão psicológico de

atribuição de valor.

Como visto, um dos pontos chave para a teoria de Agar reside no conceito de valor

intrínseco. Este autor chega a denunciar que a busca da ética ambiental sobre o conceito de

valor intrínseco tem sido considerada, por alguns acadêmicos, como o “ouro dos tolos”. A

acusação levantada por Agar reside no fato de que uma ética feita sobre este alicerce corre o

risco de permanecer atada aos “valores morais tácitos” e, portanto, não se desligar das noções

de valor antropogênicas, o que inviabiliza uma ética real dos outros seres viventes. Além de

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preza a um referencial valorativo antropocêntrico, Agar ainda critica a revisão ética a partir do

valor intrínseco da pessoalidade, acusando-a de ter um “curto alcance de seus resultados”. De

acordo com o próprio Varner (que realizou exatamente um trabalho como o acusado por

Agar) apesar de sua revisão atingir uma enorme gama de novos seres merecedores de

consideração moral direta, ainda deixa de fora a grande maioria dos seres vivos (contados de

qualquer forma: número de indivíduos, biomassa, espécies, etc.). Apesar dos interesses

biológicos serem um passo na valorização de todos os seres que se encontram abaixo da linha

demarcatória de Varner, isto é, abaixo de peixes; na prática, em termos de resultado objetivo

nas ações depredatórias direcionada a estes grupos, qualquer objetivo que esteja alicerçado

em necessidades dos seres que estão acima da linha, será suficiente para que sejam realizadas

as ditas ações, sem que se possa considerar, de fato, os interesses dos que são danificados pela

ação.

A alternativa explorada por Agar (2001) vai de encontro, não a uma busca de

redefinição (analise conceitual) e transposição do paradigma tradicional, mas sim ao modo

como este paradigma é gerado. Neste sentido, este autor se aproxima de Ferrater Mora e Cohn

(1981), O. Wilson (1975), e Monod (1970), quando buscam o viés biológico da moral. O

intuito de Agar é mostrar que o caminho que formou o valor paradigmático sobre a

pessoalidade, pode facilmente formar novos conceitos onde reconhecer o valor.

O argumento fundamental deste autor é de que uma revisão ética como a feita por

Varner tem menos chances de realizar-se de forma efetiva dentro do agente moral (ser

humano), do que uma ética que leve em consideração o modo como este agente produz e

projeta valores. Encontrar valor, um valor intrínseco, que não se conecte com o modo

valorativo dos agentes morais tem poucas chances de ser efetivo

O meu parecer sobre o favoritismo da moralidade humana aponta para uma

forte conexão entre moral e linguagem psicológica. Nós pensamos que ter relevância moral está grandemente relacionado com ter algum tipo de mente. Eu não desafiarei esta conexão.

Para atingir seu objetivo, Agar (2001) usa a via da linguagem, como o fez Varner, e

conecta o valor intrínseco ao que ele definiu como tipos naturais. Como exemplo, o autor

cita“o elemento que tem como 79 o seu número atômico”, afirmando que esta forma de

referência ao ouro tem pouca chance de criar uma noção de valor intrínseco. Em comparação,

uma descrição menos moderna do ouro, como a que se fez durante anos antes da tabela

periódica, notando-lhe suas características de brilho, consistência, maleabilidade, etc., tem

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maiores chances de definir um “tipo natural”. Interessante notar que esta articulação leva em

conta um caráter mencionado acima sobre a teoria dos valores, isto é, os “tipos naturais” estão

em um terreno intermediário e sintético entre a subjetividade dos seres humanos e as

características concretas do objeto.

O componente descritivo de um elemento, contudo, não confere obrigatoriamente um

componente normativo, isto é, descrever o que é ouro não significa imbuí-lo automaticamente

de valor (para o caso de valor moral: normas de respeito ou preservação), mas é o primeiro

passo necessário para que, através dele, seja carreado o valor normativo.

Agar (2001) afirma que a busca de tipos naturais empíricos da natureza, usando a

linguagem e o conhecimento científico, não só ajuda a entender os melhores mecanismos para

que se cuide da natureza, como relaciona-se diretamente como o porquê se deve cuidar dela.

Em uma frase elucidativa, Agar afirma que as noções psicológicas populares

conviveram com as noções morais por tanto tempo que podem ser compreendidas como

“quasi-normativas”. E coloca como inimaginável uma ética que pretenda ser elaborada sem

vestígios das noções psicológicas (racionalismo e hedonismo), e de sua relação com o valor

intrínseco.

O problema da associação das noções psicológicas com o pluralismo cultural, é uma

barreira que deve ser re-elaborada de forma a que o conhecimento científico seja a ponte entre

a forma de valoração popular e o valor intrínseco que devem ser conectados aos tipos

naturais. Nas palavras de Agar (2001): “ [...] a ciência redesenha as fronteiras da categoria

do valor intrínseco quando nos oferece uma nova e melhor teoria psicológica”.

Esta forma de colocar a construção, ou melhor, a re-elaboração da ética renovando o

conhecimento popular pela linguagem científica é semelhante à proposta de Monod (1970),

embora este não tenha se adentrado nos pormenores metodológicos de Agar.

Outra coisa que não foi vista em Monod (1970), mas trabalhada por Agar, é o

reconhecimento da ciência como um perigo epistemológico, quando vista como normativa.

Este ponto, por sua vez, se aproxima da apreensão de Althusser (1974) e Wittgenstein, em sua

denúncia do uso freqüente da ciência como ideologia, isto é, como norma, (independente da

boa ou má fé envolvida). Agar reaviva a acusação de Monod (1970) e Mora e Cohn (1981) da

ciência como destruidora das ontologias, citando outro autor, Appleyard (1992), que afirma

que, uma vez abraçada a linguagem científica findam-se as bases tradicionais da ética.

Para manter os padrões psicológicos como base valorativa, mas de forma a incluir as

novidades científicas, Agar usa um método semelhante ao de Varner na sua busca de

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possibilitar comparações, isto é, busca uma identidade suficientemente forte entre elementos

não idênticos que possibilite agrupá-los classificatoriamente.

O objetivo de Agar (2001), contudo, não é identificar para separar, mas sim para

incluir. Na medida em que for possível demonstrar um padrão semelhante, dentro das

capacidades racionais e hedonistas, entre seres vivos de espécies distintas, isto impele a

incorporação destas espécies dentro da mesma visão e valores padrão.

Os tipos naturais têm um papel fundamental neste sentido, uma vez que eles serão a

“unidade de semelhança” e porque podem (por definição) extrapolar o rigor comparativo

científico. Se um ser com características fisiológicas muito distintas conseguir entrar em um

conceito de um tipo natural por sua semelhança externa, isto lhe possibilita participar do

mesmo valor atribuído ao resto do grupo. A questão fica sendo, portanto, como estabelecer as

semelhanças entre os seres e os tipos naturais. Para resolver este problema, Agar sugere o

conhecimento científico.

A linguagem serve como exemplo de um tipo natural valorizado, portanto, na medida

em que a ciência demonstra e torna público que outros seres são capazes de um tipo de

linguagem, isto os projeta para dentro de um tipo natural de alta conta. Os cetáceos, que têm

tipos físicos muito diferentes do humano, se comparado aos grandes símios, ganharam um

lugar no imaginário coletivo, e por isso proteção, muito em razão da veiculação da

informação sobre sua ‘sofisticada’ linguagem.

O animismo é uma forma de representar grandes tipos naturais ao reconhecer em um

rio ou em uma floresta estados psicológicos. Esta visão pré-científica pode ser em parte

recuperada pelos valores relacionais advindos da ecologia. Ao atribuir à Terra uma imagem

com analogias fisiológicas e teorias ecológicas de autopoiése, algo que se busca é a sua

inclusão em um tipo natural valorizado, “O Grande Organismo Vivo”.

Há ainda um problema a ser enfrentado: Agar ainda está muito limitado às fronteiras

delineadas pelos defensores do bem estar animal. A grande maioria dos incluídos nos tipos

naturais, até agora, ainda são aqueles agraciados com algum tipo de linguagem, consciência e

sentimentos semelhantes aos humanos, e isto não é suficiente para fazer uma ética ambiental

latu senso.

A chave da mudança que Agar (2001) estabelece está na ampliação do componente

descritivo dos tipos naturais “ [...] impelindo-nos a abraçar as coisas que a ciência

demonstra serem relevantemente similares às coisas que já estamos fortemente dispostos a

valorizar”.

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A justificativa posta por Agar compara uma situação onde um ser humano deve

escolher entre um extraterrestre inteligente, porém não feito de carbono, e ser terrestre feito de

carbono mas sem inteligência, mostrando que a significativa preferência do ser humano pelo

ser inteligente marca a importância deste tipo natural. Assim sendo o esforço que deve ser

feito é no sentido de estender este tipo de valor trazendo comparações que consigam

aproximar a maioria dos seres vivos para os tipos naturais mais valorizados, antigos,

renovados ou criados pela ciência.

Neste sentido acorre um paralelo com a proposta de Varner, pois Agar propõe a

inclusão dos demais grupos com o uso de palavras, como interesses e objetivos, por sua

capacidade de relacionar interesses biológicos com desejos humanos.

O que pode parecer um pulo para localizar o valor de uma espécie em seu “desejo de

sobreviver”, ou de sua inteligência estratégica, é revisto por Agar como uma naturalização

plausível com um complicador. A dificuldade de relacionar sentimentos como dor ou prazer à

um coletivo, desprivilegia esta naturalização se comparada às que os levam em conta. Isto,

para Agar, distancia as entidades coletivas de uma possibilidade mais consistente de

consideração moral direta.

2.4.3.3. BIOCENTRISMO IGUALITARIO DE TAYLOR

Paul Taylor (1986) faz uma crítica à visão hierárquica. Embora também biocêntrico,

Taylor afirma ser incoerente privilegiar um determinado processo evolutivo de uma

determinada espécie em detrimento de todos os demais processo evolutivos que renderam a

sobrevivência das mais variadas espécies frente as barreiras seletivas que lhes coube.

Este argumento já está presente em Goodpaster (Goodpaster e Sayre, 1979), quando

este autor coloca as capacidades relativas à senciência, como “características adaptativas de

organismos vivos responsáveis por lhes prover uma capacidade melhor de antecipar, e

portanto evitar, ameaças à vida”. Isto permite se perguntar o que tem no fato, do surgimento

adaptativo da consciência da dor e prazer, que lhe preencha de considerabilidade moral.

Goodpaster, contudo, não era um igualitarista, ao contrário, defende a diferença entre

consideração moral e relevância moral, abrindo para a possibilidade de admitir que uma

bactéria tenha consideração moral, entretanto que seja vista de forma irrelevante.

Taylor usa o exemplo da velocidade de um guepardo como um sinal inequívoco de

superioridade deste em relação aos humanos, do ponto de vista do bem de sua própria espécie.

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Este argumento delata ainda, uma outra crítica lógica, mas não biológica, que consiste no fato

de que quem está julgando a superioridade do ser humano é o próprio.

Em um ensaio mais antigo Taylor (2005 [1981]) defende quatro pontos centrais de sua

teoria afirmando que: Os humanos devem ser encarados como membros da comunidade da vida,

detendo essa qualidade nos mesmos termos que se aplicam a todos os membros não humanos;

A totalidade dos ecossistemas naturais da Terra deve ser encarada como uma teia complexa de elementos interligados, em que o bom funcionamento biológico de cada ser depende do bom funcionamento dos demais;

Cada organismo vivo deve ser encarado como um centro teleológico de vida, perseguindo seu próprio bem ao seu próprio modo;

Que à luz de critérios de mérito ou do conceito de valor inerente, a pretensão de que os seres humanos são, por natureza, superiores às outras espécies não tem substancia, e deve ser rejeitada como nada mais que um preconceito irracional em nosso próprio favor.

Benson (2000) sintetiza o pensamento de Taylor (em seu livro de 1986) da seguinte

forma:

Todos os seres vivos têm um ‘bem próprio’ que emana das suas

necessidades e capacidades biológicas, ou seja, podem ser prejudicados ou beneficiados, quer o possam sentir ou não;

Os seres vivos são dotados de um ‘valor inerente’, o qual emana do fato de terem um bem próprio, e que constitui um pressuposto básico da atitude de respeito pela natureza;

Os agentes morais (i.e. as pessoas) devem consideração moral direta às entidades que têm um valor inerente (i.e. os seres vivos), e têm o dever básico de promover e preservar o bem próprio destas entidades como fins em si mesmas.

O princípio da autodefesa é estipulado por este autor para contornar a contradição de

que toda vida, além dos produtores, está necessariamente de alguma forma ligada à morte de

outros seres. O sistema imunológico em si seria uma impossibilidade para a ética de Taylor.

Desta forma este autor admite toda ação mínima, de dano à outra vida, como justificada pela

necessidade de sobrevivência. Na mesma direção, mas em sentido oposto, estipula o

princípio de não interferência que defende uma isenção de julgamento em casos que se

distanciem do sujeito, que deve abster-se de ajudar um desconhecido que esteja, por exemplo,

sendo atacado por um predador.

Uma vez desfeito o vínculo entre o valor moral e seu suporte direto do valor nos

padrões psicológico, torna-se necessário restabelecer uma fundamentação teórica para o novo

padrão valorativo. Uma coisa é denunciar o auto-protecionismo antropocêntrico, e outra coisa

é distribuir um valor efetivo entre todos os seres vivos. Taylor rompe com o princípio ao qual

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Varner e Agar retornam, os estados mentais, mas, em relação a Varner, sua defesa não é tão

distante. Varner atinge como último grau de sua analise, os interesses biológicos, ainda

ligados, a uma certa distância, aos desejos conscientes, o próprio Varner, contudo, discute um

valor paralelo que dá conteúdo à sua defesa e que reside na realização dos projetos

teleológicos (orientados). Desejos, interesses, projetos conscientes e interesses biológicos são

todos conceitos que compartilham a necessidade de uma realização que depende do tempo e

precisam de um futuro para consagrarem-se. Taylor condena o que antecede no raciocínio de

Varner, mas neste ponto coincidem e, somente, sobre a possibilidade de um valor, no sentido

comum do realizar-se da vida de todos os seres vivos, que Taylor pretende estabelecer seu

princípio base: Toda vida pode ser entendida como projetos criados evolutivamente que

devem realizar-se.

Princípio de não maleficência

Em um de seus artigos Sônia Felipe (Felipe, 2006) adverte que na ética há, pelo

menos, quatro deveres: negativos (não-privação); positivos (beneficência); diretos (argumento

do valor direto); indiretos (argumento do valor indireto do sujeito afetado pela ação). A partir

disto a autora critica a defesa de Goodpaster (2005 [1978]) em adotar a vida como critério

ético universal, uma vez que isto implica em obrigações positivas e negativas, de proteção e

não malefício, a todos os seres vivos existentes. Uma tarefa monumental. Este ponto contrasta

com o princípio de não interferência do biocentrismo igualitário de Taylor, que também

pretende uma consideração moral global.

Neste mesmo artigo Felipe menciona três exigências formais e uma substancial para

que seja validado um princípio ético. Universalidade, generalidade e imparcialidade, são as

formais; e benefício aos afetados é a exigência substancial. A autora cita os princípios da

igualdade, não-maleficência e o da preservação da vida como bons exemplos; são

universalmente reconhecíveis, funcionam em situações diferentes, não são discriminadores e

tendem a beneficiar a quem são direcionados.

Sônia Felipe também relaciona cinco características apontadas por filósofos como

necessários ao conceito de bem inerente ou valor intrínseco: (1) independência ou autonomia

(não é uma concessão e não depende de um sujeito consciente que o observe); (2)

peculiaridade; (3) invariabilidade – é propriedade da entidade e não muda em diferentes

situações; (4) evoca respeito; (5) evoca a necessidade de preservação.

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Se comparadas às características do valor mencionadas anteriormente por Mora sobre

a Teoria dos Valores, pode-se notar semelhanças entre os conceitos de independência e

invariabilidade, de um lado, e valer e não independência do outro (que têm o mesmo sentido

no que se refere ao valor pertencer ao seu possuidor independente das circunstâncias e

observadores).

Felipe ressalta neste artigo que tanto Goodpaster e Singer quanto Taylor e Regan

concordam com a necessidade urgente em “se impor limites à liberdade humana de tirar

vidas sencientes”. Contudo, Taylor e Regan acreditam que, mesmo sem a capacidade de

sofrer (como exigida inicialmente por Bentham), todos os seres podem ser afetados, tanto

positivamente quanto negativamente, pelas ações humanas, merecendo por isso serem

incluídas no círculo moral como pacientes morais. O critério usado por estes autores, para

sustentar suas teorias, é o da vulnerabilidade. E, embora Regan tenha ido além da senciência

de Singer, estendendo a moral para seres não assemelhados à espécie humana, através da

noção diferenciada de malefício ou dano, ele não é, como Taylor, um biocêntrico igualitário.

Para Regan um ser humano adulto pode sofrer um dano maior devido à sua maior capacidade

de gerar desejos e interesses.

Varner (1998) comenta sobre a busca de Regan em negar-se como um utilitarista

como Singer. Neste sentido cita um de seus exemplos onde um trem descontrolado ameaça

atropelar 50 pessoas em uma linha, ou uma só pessoa em um desvio. Varner aponta a solução

de Regan cuja solução correta seria optar pela segunda opção. A diferença entre utilitarismo e

a ética da vulnerabilidade, dentro deste exemplo, estaria no fato de que, para um utilitarista

(como Singer) o que conta é a quantidade de benefício, onde o sacrifício de poucos ‘serve’

para aumentar a satisfação de muitos; enquanto a ética do não malefício resulta em ações

semelhantes, mas sem promover uma situação a partir do ponto de vista dos beneficiados. Isto

é, em uma situação inevitável de malefício se escolhe o mesmo: o menor dano; isto não quer

dizer que se devam buscar situações onde causando o malefício de poucos, muitos sejam

beneficiados.

Embora não seja um igualitário Regan (1981) realiza um passo importante ao salientar

que, uma ética não será ambiental de fato enquanto não romper com o que ele chama de

teorias do parentesco (kinship theories) e incluir os “sujeitos de uma vida” como membros

da comunidade moral. Para tal, apesar da dificuldade, há que se postular o valor inerente para

os demais seres e, é no conceito da peculiaridade de manterem-se vivos que este autor busca

fundar este valor (Felipe 2006). Esse contexto é amplamente explorado por Varner (como

visto).

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Em relação ao princípio de não maleficência Felipe ainda ressalta o trabalho de

Goodpaster (2005 [1978]) em cima do conceito de considerabilidade moral de Warnock

(1971). Para Warnock não maltratamos crianças ou incapacitados, não por sua potencial

racionalidade. Se a moral é uma forma de preservar o valor e, a atitude citada é por excelência

uma atitude moral, o valor não está na consciência e sim em uma ação que evita o dano. Desta

forma a transposição da relação moral com a ação de não malefício implica na proposição de

que todos os que podem ser aliviados desta ação são pacientes morais, portanto (a moral) não

sendo restrita aos seres racionais ou sencientes. Desta forma a compreensão da relação moral como ação de não malefício implica na

proposição de que todos os que podem ser aliviados deste são ‘pacientes morais’, não sendo,

portanto, um privilégio subscrito apenas aos seres racionais ou sencientes.

Esta proposição usa um argumento lógico (filosófico) de forma semelhante a de

Varner em deslocar, filosoficamente através de argumentos científicos, o valor para os

interesses biológicos no primeiro caso, e para a pacientes morais no segundo. Vale notar a

proximidade entre estes dois conceitos, onde o que acaba por definir um paciente moral é seu

interesse biológico (no mínimo) passível de ser afetado.

A crítica mais comum à defesa de Taylor reside no argumento de sua inviabilidade

prática, que a leva às vias do absurdo. Agar (2001) sustenta que atribuir igual consideração

moral a todos os seres vivos corre o grande risco de cair em uma irrelevância prática por falta

de distinções. Além disso, Agar supõe absurdas as situações em que a ética de Taylor coloca a

sociedade, que deve viver em um limite implausível de rigor. Para isso cita um exemplo onde

uma pessoa pode cuidar, em legitima defesa de uma infecção por uma bactéria, mas não pode

ajudar outra pessoa, distante, pelo mesmo problema, ou pesquisar pelo fim de uma patogenia.

Rosa (2004a) alega que este tipo de situações gerado pela teoria de Taylor “impõe conclusões

morais verdadeiramente contra-intuitivas”.

Rosa (2004a) adjetiva a teoria de Taylor como ousada e radical. Ressalta também sua

marcada orientação na filosofia não conseqüencialista de Kant, onde cada ser humano é um

fim em si mesmo, nunca passível de ser instrumentalizado. Para Kant isto se resume ao seres

autônomos e racionais (humanos, exclusivamente), o que Taylor trata por expandir a todos os

seres vivos.

Outro ponto importante marcado por Rosa, em relação a Taylor, é que embora não

seja difícil mostrar e aceitar que a especificidade de cada ser vivo o dota de um bem, isto não

implica em dizer que este bem gera pertinência moral. E, mesmo que gerasse, porque seria

isso comparável à consolidada pertinência moral dos seres possuidores de mentes?

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2.4.4. ECOCENTRISMO

Aldo Leopold, com seus escritos publicados em 1949 é considerado como patrono de

uma ética que admite a natureza como detentora de consideração moral direta, reconhecendo

como paradigma de valor, a interdependência de sistemas responsáveis pela vida saudável do

planeta como um todo.

Isto representa uma mudança do paradigma clássico de valor (propriedades

cognoscentes e sensíveis de um ser humano normal adulto). Aldo Leopold se tornou o nome

de referência da visão sistêmica do meio ambiente, ou em outras palavras, da perspectiva

holística da ética ambiental.

Para Leopold uma ação moralmente correta é aquela que “tende a preservar a

integridade, estabilidade e a beleza da comunidade biótica.” E que a “Terra ética (...)

implica respeito pelos seus membros assim como respeito à comunidade como tal”, e ainda,

que a terra ética é “uma possibilidade evolucionaria e uma necessidade ecológica” (Leopold,

1949).

A ética ecocêntrica pretende atribuir valor intrínseco aos ecossistemas ou

comunidades bióticas em si, mas para isso, é preciso encontrar uma base teórica ainda mais

distante dos padrões psicológicos da ética tradicional, da ética animal e da ética biocêntrica

(exceto a de Taylor).

Rosa (2004b) observa que, o valor que se tem atribuído aos serviços da natureza

(como limpar as águas e polinizar as plantações), apesar de proporcionar uma visão da

grandeza econômica astronômica destes serviços, não significa atribuir um dimensão moral

direta a este valor, por excelência instrumental.

Para ele, buscar o valor de um ecossistema através do valor individual de todos os

seus organismos tampouco atende a aspiração de uma ética genuinamente ambiental.

Reconhecer todos os indivíduos dentro de um grupo não é suficiente para perceber o próprio

grupo como uma entidade individualizável; sendo esta capaz de pleitear para si a posse de

valor intrínseco necessária para uma consideração moral direta.

Rosa (2004b) comenta, em um texto que discute o valor da biodiversidade, sobre a

enorme dificuldade em vincular o valor intrínseco às entidades holísticas, e, apesar de

reconhecer uma falta de fundamentação sólida, sugere que as características de raridade,

fragilidade e sobretudo complexidade, formam um caminho intuitivo possível para chegar ao

valor intrínseco almejado pela ética ambiental. Rosa observa ainda que, todos os resultados

anteriores (os interesses, os desejos, a senciência, a consciência e a racionalidade) são

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critérios que têm como pré-requisito uma alto grau de complexidade. Em defesa deste

argumento Rosa cita outro ambientalista, que descreve a vida como “uma contracorrente à

entropia, uma luta enérgica ascendente em um mundo que se move termodinamicamente em

sentido descendente” (Rolston, 1994) e, ainda a pirâmide de complexidade de Reeves

(Reeves, 1986; 1998) onde, na base estão quarks e elétrons e, em ordem ascendente: núcleos,

átomos, moléculas, biomoléculas, células e organismos; o que viria mais abaixo ou mais

acima ainda estão fora do conhecimento atual.

Rosa reconhece a distância entre o componente descritivo da característica de

complexidade e o componente normativo que representa a inserção de valor à ela mas, como

Agar, destaca a importância deste primeiro passo.

O pressuposto essencial da perspectiva holística é o de que o todo é mais do que uma

mera congregação das partes, mesmo que ‘articuladas’ (nunca de forma clara) e inclui o

mesmo conceito ecológico das “propriedades emergentes”, comentada em Odum (Odum e

Barrett, 2005). Reconhecer que a soma de vários indivíduos pode fazer surgir propriedades

novas diferentes das isoladas em cada indivíduo é um passo fundamental para postular uma

autonomia de uma coletividade, tornando-a mais corpórea para que se lhe atribua valor moral.

Michael P. Nelson (2004) faz uma analogia para demonstrar a insuficiência dos

argumentos que declaram serem satisfatórias as éticas antropocêntrica e/ou biocêntrica de

caráter abrangente, para defesa do meio ambiente. Assim como uma ditadura, por mais

esclarecida e abrangente que seja, mantém uma contradição com o conceito de direitos

humanos sendo incapaz de englobar plenamente estes direitos em si, o mesmo ocorreria para

as éticas: os holistas entendem as éticas anteriores como incapazes de compreender uma

entidade coletiva em sua essência. Cada ética tem um princípio básico distinto que

impossibilitará, em algum momento, a harmonia entre elas.

Nelson adverte, ainda, sobre oposição do termo holismo frente ao reducionismo, tendo

sido este último, a base estrutural de toda ciência feita nos quatro séculos da modernidade.

Usando uma frase de Michael Polanyi, o autor substancia o valor não reducionista das

propriedades emergentes frente a outros conceitos candidatos ao valor intrínseco:

Se a vida é uma propriedade emergente da matéria, então não poderá ser

explicada em termos físicos e químicos; se a mente é uma propriedade emergente do processo neuronal, então não poderá ser explicada apenas em termos da fisiologia do cérebro.

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Esta mesma discussão também é vista por Ferrater Mora (Ferrater Mora e Cohn, 1981)

no contraponto que faz entre o pensamento de Mary Midgley e Edward O. Wilson, onde

Midgley (1978) afirma ser uma “fantasia romântica” achar que se pode explicar um

comportamento “escavando o corpo”.

Um outro aspecto essencial do ecocentrismo que ainda não foi colocado mais

extensamente é a proposição holística sobre a dependência ontológica, dos seres e dos grupos,

das relações em que estão envolvidos. Em outras palavras o ser se define através e dentro das

relações do seu contexto.

Nelson (2004) ressalta um embaraço lógico desta proposição, que advém da

necessidade de se demarcar qual é o todo, e a conseqüência imediata da criação de algo que

engloba o todo. Um paradoxo que pode criar problemas práticos, pois como lidar com uma

determinada população, se o que existe é a comunidade, isto é, o ecossistema... o planeta... o

universo. O autor se pergunta como devolver um urso polar que está em um cativeiro em

programa de readaptação, se fora do Ártico ele não é sequer um urso polar. Este tipo de

holismo é denominado por Nelson como Holismo Lógico ou Radical.

A Ética da Terra de Leopold é posta por este autor como sendo um Holismo do Bem-

Estar ou do Interesse, onde o bem-estar do indivíduo ou coletivo depende do bem-estar da

sua matiz ecológica, isto é, os interesses de uns dependem do interesse do grupo ou do

ecossistema. Se por um lado esta visão não admite a supressão do indivíduo pelo todo, por

outro, defende que ele não pode ser removido de seu contexto. O problema posto aqui está no

equilíbrio dos interesses que, em muitas situações, pode ser conflitante.

É a Tom Regan que se atribui a famosa acusação de que o holismo ético pressupõe um

fascismo ambiental, onde os direitos dos indivíduos de um ecossistema são desconsiderados

diante do “bem-estar” do todo (Regan, 1983). Nelson afirma, contudo, que esta acusação

somente se encaixa ao Holismo Radical, e que, a ética de Leopold é capaz de evitar esta

incriminação, justamente por seu caráter contraditório relativo ao equilíbrio destes interesses.

Varner (2004) denomina o holismo que admite tanto o valor do todo como o das partes que o

compõe, como holismo pluralista e faz uma consideração final afirmando que tratar dos

problemas ambientais de forma holista e sistêmica não implica na necessária deposição de

valor intrínseco nas coletividades, fazendo com que tais sistemas tenham um valor não

instrumental: Um gestor de negócios pode acreditar que, em última análise, é apenas a

prosperidade individual que importa – que o negócio só vale a pena como um meio para produzir riqueza individual - e mesmo assim reconhecer a necessidade de gerir os negócios de forma holística ou como um sistema.

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2.4.5. CONVERGÊNCIA

Varner dedica os últimos capítulos de seu livro (1998) ao trabalho de investigar as

situações de convergência entre as posturas assumidas por cada corrente da ética ambiental,

de certa forma, respondendo a autores como Callicott (1980), Sargoff (1984) e Katz (1990)

que remarcam a incompatibilidade entre estas correntes.

Segundo Varner (2004) foi Brian Nortom (1991) quem denomina este novo ângulo de

percepção como “hipótese da convergência”. O argumento central desta hipótese se sustenta

na constatação de que, se considerarmos diversas situações reais e prementes, podemos ver

nas soluções uma satisfação de interesses de correntes opostas, apesar da sua incongruência

teórica.

O exemplo exposto pelo autor traz à cena uma situação em que uma determinada

espécie animal está com um crescimento populacional acima da capacidade de sustentação de

uma reserva biológica. A alternativa de não interferir com um controle populacional ativo

desta espécie sugere que em pouco tempo um grande número de indivíduos da dita espécies

começará a emagrecer e adoecer por falta de alimento e, por outro lado, terão devastado os

recursos da reserva que também são utilizados, de uma forma ou outra, por diversos outros

organismos, podendo comprometer o ecossistema até um pondo de não recuperação.

Varner postula que caso se opte por realizar uma “caça terapêutica”, selecionando os

indivíduos idosos e doentes, tanto os interesses ambientalistas como os bem-estaristas

utilitários seriam satisfeitos, garantindo o equilíbrio do ecossistema, no caso dos primeiros, e

evitando o sofrimento de um número maior de indivíduos no caso dos segundos. Neste último

caso, o autor faz a ressalva de que não deve haver diferença entre matar e deixar morrer.

Outras ressalvas são consideradas de forma a evitar conclusões simplistas, como a

necessidade de se reconhecer os padrões ecológicos que diferentes espécies comportam. Neste

sentido Varner cita uma divisão feita por Ron Howard13 entre espécies de manejo necessário

e espécies de manejo opcional, a primeira englobando espécies que tem um padrão de

crescimento populacional cuja superpopulação não declina em tempo hábil de regeneração do

ecossistema e, a segunda em que acontece tal declínio sem a obrigatoriedade de controle

externo. Esta diferenciação obviamente relativiza a “normatização” da caça terapêutica de

acordo com cada caso em seu determinado momento ecológico.

13 Ron Howard é citado, apenas no texto, como membro do Serviço de Extensão Agricultural do Texas.

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Em relação à convergência entre lados opostos, outro discernimento digno de nota

feito por Varner, trata do antagonismo entre conservacionismo e preservacionismo. O

primeiro costuma ser entendido como um modelo onde se faz um “uso inteligente” dos

recursos naturais, enquanto o segundo é visto como um método de não interferência para o

próprio bem da natureza. A idéia de convergência que o autor explora reside no fato de que:

tanto garantir áreas naturais (com características de uma natureza pré-colombiana) seria difícil

sem ingerência humana; quanto fazer um uso inteligente dos recursos naturais implica manter

ecossistemas (equilibrados) sem interferência. Usando as palavras de Norton: “As pessoas

podem concordar em termos de políticas ambientais; isto é, elas podem concordar em

relação ao que deve ser feito mesmo quando não concordam com o porquê”.

Este exemplo está bastante próximo da realidade encontrada na ReBio Poço das Antas

onde existem diferentes situações de bem estar dos sagüis nos diversos fragmentos florestais.

Isto certamente confere um suporte para discutir aspectos como os levantados anteriormente.

Este tipo de modelo é usado por Varner para defender a hipótese da convergência

onde, ambientalistas sistêmicos, biocêntricos e antropocêntricos esclarecidos14 encontram um

consenso dentro de uma situação prática detalhadamente analisada.

Singer, todavia, observa que concordar com algo tão contraditório como a caça

terapêuticas de animais sencientes – o que significa, além da provável ocorrência de dor, a

aniquilação de projetos de futuro de animais como os grandes símios – somente pode ser

aceito depois de se esgotarem as buscas por alternativas menos impactantes (Singer faz

referência à esterilização).

Algo não esclarecido dentro da possibilidade de uma convergência, como descrita

acima, é a premissa utilitarista de maior benefício e menor dano sobre a qual esta se apóia. O

que se vê neste caso é que, mesmo que haja valores inerentes, eles estão subordinados ao

modelo (reconhecido como utilitário) que privilegia as quantidades.

2.4.6. PÓS-MODERNISMO de CALLICOTT e PELIZZOLI

Há um ponto relevante que abrange a ética ecocêntrica, de forma particular, e todas as

éticas de forma geral que merece ser tratado de modo um pouco mais direto. Trata-se da

possibilidade de um salto epistemológico histórico de uma velha concepção de mundo para

14 Termo usado em referência aos defensores do meio ambiente como um bem para os seres humanos atuais e futuros.

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uma nova como ocorreu na passagem do mundo feudal para o moderno. Segundo Callicott

(2004): Em apenas quatro ou cinco centenas de anos o mundo ocidental abandonou

a crença em um universo orgânico e geocêntrico, deixando para trás uma economia de rural, agrária e um sistema social feudal. Em seu lugar emergiu a crença em um universo relógio, bem como em economias de mercado e democracias industriais.

Callicott alega que a ciência é “apenas uma forma mais refinada e unificada daquilo

que os antigos conheciam como filosofia natural”, e como filosofia natural se entende um

modo de pensar que mantém as mesmas questões iniciadas pelos pré-socráticos e, que hoje se

encontra unificado pelo paradigma cartesiano da modernidade. Subordinados a este modelo se

encontram todos os ramos da filosofia, entre elas a filosofia moral. Este arranjo de idéias

serve como base para Callicott discutir como se estruturou, solidamente, o paradigma

moderno de forma global a partir do século XVII até o XX e, como os novos conhecimentos

científicos surgidos a partir deste último século, como as teorias da relatividade especial e

geral de Einstein e a revolução quântica anunciam o fim da visão mecanicista de mundo.

Como ilustração o autor compara Einstein a Copérnico, pois este teria sido o arauto da

desestruturação do mundo feudal quando colocou os planetas a girar em torno do sol,

iniciando a revolução científica moderna; da mesma forma o faz Einstein anunciando o fim do

padrão cartesiano da modernidade. Callicott descreve como as novas ciências começam a

mostrar um novo paradigma, o ‘paradigma pós-moderno’ não atomista e não reducionista.

Além da nova física, a Ecologia é a outra ciência que instituir esse novo paradigma, por seu

método voltado a uma compreensão holística dos fenômenos, que trata das entidades de uma

forma relacional. Desta forma, segundo o autor, a teoria quântica e a teoria da relatividade

formariam a base estrutural da mudança, enquanto a evolução e a ecologia seriam o vértice,

todas com uma característica ontológica comum.

É muito possível que uma teoria pragmática e evolucionista, não da

verdade, mas da defensabilidade, substitua o paradigma moderno da teoria da verdade como correspondência, no paradigma reconstrutivista pós-moderno.

Pelizzoli (2002) se dedica a defender esta mesma argumentação fazendo um

contraponto de alguns pensadores importantes do paradigma holista pós-moderno, Fritjof

Capra (1982) e Arne Naess (1989), com a crítica de Luc Ferry (1994).

Sua argumentação é a mesma defesa do ecocentrismo, contudo, o que é trabalhado

aqui não é uma defesa ontológica dos coletivos a partir de suas características analisadas

internamente, é, ao contrario, um olhar ampliado que realça as evidências históricas da

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existência de uma crise de global (criada pelo modelo reducionista moderno), iguais a outras

que ocorreram no passado e, que demarcam a ruptura do paradigma vigente para uma

remodelação geral do modelo de compreensão do todo e suas partes, isto é, uma nova visão de

mundo.

O novo paradigma defendido por estes autores é o relacional, onde as novas ciências

não ditam a verdade como o paradigma cartesiano, mas indicam a maior plausibilidade

(Varner, 2004), assim como indicam que a realidade não existe isolada nas partes, e sim que

ela é intrinsecamente uma teia de relações.

A análise histórica feita sobre o paradigma holista realiza um passo diferente e

importante na solidificação deste conceito, não tratado na defesa ecocêntrica feita pela

discussão moral dos valores; essa análise permite uma percepção da conexão de diversos

fatores que orientam na mesma direção, tornando bastante palpável a possibilidade de

estarmos vivenciando um salto histórico. Por outro lado, esta percepção distanciada colabora

no sentido de compreender o novo paradigma, não como uma grande verdade absoluta, como

ainda são sentidas as verdades modernas (como a lei da gravidade) mas, como um novo ciclo

que deverá, em algum momento, ser igualmente rompido.

Em outras palavras, se a análise histórica aumenta consideravelmente a aceitação do

paradigma pós-moderno como uma verdade inevitável, por um lado, por outro ela enfraquece

o aspecto absolutista do novo paradigma.

De qualquer forma, a mudança de ser do indivíduo cartesiano para o indivíduo-

integrado-no-todo, respeitoso pela natureza - seu eu expandido, não garante uma gestão

ambiental para o caso dos sagüis, como a “visão sistêmica” assumida em geral pelas entidades

conservacionistas. O extermínio de indivíduos não reflete exatamente uma postura de respeito

e de compreensão integrada.

Considerando uma perspectiva mais próxima de situações práticas, como os

problemas efetivos de conservação, e da realidade dinâmica e relacional inerente dos valores

Andriolo (2006) remarca que não basta uma “ética do conhecimento” (como postulada por

Monod) incapaz de penetrar na vivência social:

A aplicabilidade e o sucesso da ciência dependem de estratégias políticas e

da permeabilidade da sociedade para as ações. A conservação do meio ambiente acontece nesse cenário e somente através do conhecimento dos valores éticos de uma sociedade as estratégias de conservação poderão ser aplicadas com sucesso.

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A ressalva de Andriolo (2006) marca este vínculo necessário entre novas idéias e

impregnação cultural para que, de fato, ocorra um novo paradigma; enquanto o novo

pensamento não estiver penetrado no corpo social, a resposta conservacionista estará dividida

entre o conceito moderno e ‘pós-moderno’, isto é, reducionista e holista.

Se trouxermos para este cenário as argumentações anteriores, a visão denominada por

Callicott (2004) de pós-moderna (onde um novo paradigma de valor se estabelece, não no

indivíduo, mas nas na teia de relações entre todos, que garante uma configuração favorável à

vida), permite uma análise que determina o valor estando na ‘melhor realização dos projetos

teleológicos dos seres vivos’, semelhante à postulada por Varner (1998) com seu “projetos

biológicos”.

Essa formulação, feita de forma diferente, poderia ser colocada assim: Para que

valeriam as relações que garantem a diversidade da vida neste planeta, se não fossem os

projetos teleológicos biológicos que devem ser nele realizados?

Essa proposição parece uma proposição “ovo-galinha”: É a realização dos projetos

teleológicos biológicos que garantem a teia viva (portanto o que vale é a teia viva) ou é a teia

das relações que garantem os projetos teológicos biológicos (deslocando o valor para os

indivíduos)?

Talvez não haja uma solução categórica para esse dilema, mesmo porque os conceitos

que aparecem separados são na verdade uma parte integrada – seres-relações – contudo,

valorizar a vida de forma afastada dos indivíduos que nela se realizam aumenta a dificuldade

de um olhar crítico para os dilemas que se concentram em determinados períodos históricos.

Por outro lado, localizar e delimitar as partes deste todo, onde o todo se manifesta através de

suas partes, parece ser mais palatável e plausível diante da realidade, efetivamente de curto

prazo em que nos encontramos, tornando possível aceitar interferências dentro de uma esfera

de tempo compatível com uma interpretação deste tipo. O que evita uma abordagem

generalista demais dos problemas ambientais, que a longo prazo perdem significado.

Em resumo, a valoração da teia das relações acaba por valorizar os projetos

teleológicos biológicos e, se aproxima da postura de Aldo Leopold (1949) denominada por

Nelson (2004) como ecocentrismo do bem estar.

De forma didática (à maneira de Varner):

Postulado inicial – Os projetos teleológicos dos seres vivos têm valor.

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Implicação 1:

Os projetos teleológicos dos seres vivos estão intimamente relacionados com os

mecanismos evolutivos. Os mecanismos evolutivos criam diversidade. A

diversidade aumenta a quantidade de relações entre os seres entre si e seu meio,

gerando novas propriedades emergentes e resiliência (homeorese15 – Odum, 2007)

dos sistemas. A homeorese aumenta a probabilidade de que se realizem os projetos

teleológicos dos seres vivos pois garante uma menor variação entrópica.

Os mecanismos evolutivos, a diversidade, as relações, a homeorese favorecem a

realização dos projetos teleológicos dos seres vivos, portanto, “são bons”, isto é,

devem ser conservados.

Implicação 2:

O que define projetos teleológicos? Um projeto teleológico é a realização de um

conjunto de fatores que permitem um organismo autoreprodutor, autoregenerador

e autoregulador cumprir com seus comandos internos moldados evolutivamente.

Projeto teleológico (dos seres vivos) não é sinônimo de indivíduo, é, antes, um par

dialético entre a idéia de uma individualidade independente e, seu inverso, e sua

negação – a idéia de que inexistem indivíduos, mas tão somente as relações. Os

projetos teleológicos existem através de ambos, o indivíduo e as relações que o

definem ou, como diriam os existencialistas, não existe o ser-em-si, mas o ser-

para-si, onde o par indivíduo-relações torna-se uma unidade..

Implicação 3:

Os projetos teleológicos dos seres vivos são um modo reducionista de percepção

sobre o processo evolutivo dos mecanismos auto-geradores, auto-reguladores, e

auto-regeneradores que definem o termo vida.

Valorizar a vida ou a evolução antes dos projetos teleológicos dos seres vivos

implica em um olhar distanciado (macro) das realidades de curto e médio prazos,

onde eles se realizam, estabelecendo valor em todos os eventos aleatórios ou não,

que fazem parte do processo de estabelecimento e sucessão das espécies a longo

15 Termo usado para diferenciar a auto-regulação produzida por organismos vivos, da “auto-regulação” que ocorre em ecossistemas complexos.

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prazo. Valorizar a vida evolutivamente se aproxima de uma valoração que soa, de

certo modo, ‘niilista’.

Inversamente, valorizar a vida a curto prazo significa voltar o olhar para um

determinado contexto e verificar o que, neste contexto, favorece a vida que está ai

estabelecida. Isto significa voltar a valoração para os projetos teleológicos dos

seres vivos e as relações que os favorecem (em si definidos por individualidade-

relacionamento)

Implicação 4:

Tudo que interfere de forma negativa, diminuindo as realizações do conjunto de

projetos teleológicos causa efeito negativo sobre o valor estabelecido, assim como

tudo que os garante e favorece é incorporado com valor utilitário.

Desta forma, manter a biodiversidade em um determinado período histórico tem

valor pelo favorecimento que garante a todos os projetos teleológicos ali vigentes.

Implicação 5:

Fica estabelecido um caráter qualitativo reducionista no valor do projeto

teleológico individual e um quantitativo por parte do total de projetos teleológicos

que garantem os individuais.

Implicação 6:

Todos os projetos teleológicos têm valor, o que implica valorizar todos os seres

que os têm.

A questão sobre se alguns projetos teleológicos podem valer mais do que outros é

respondida de forma que, dentro deste contexto, os seres-relações que causem

uma entropopia negativa (dissociação do sistema) perdem valor pelas relações

improdutivas que seus projetos "individuais" acabam por impulsionar.

Desta forma as espécies invasoras caem neste patamar de seres-relações indesejáveis

dentro de um determinado contexto. Os sagüis (na área do mico-leão-dourado) ficam, assim,

desprovidos de proteção valorativa, a partir da premissa proposta, apesar de terem um valor

em seus projetos teleológicos individuais, assim como os seres humanos, na maioria dos

ambientes que habita. Admitir uma relevância moral maior para os seres humanos de forma a

justificar alternativas distintas para este grupo significa admitir a visão psicológica da ética.

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Uma solução plausível dentro desse cenário é a de retornar os sagüis para dentro de

um contexto onde eles garantam as relações “positivas” do local.

Uma terceira via, que busque defender os sagüis por sua individualidade e seu direito

de cumprir com seus projetos biológicos, independente de hierarquia e de suas relações com o

contexto, percorre caminhos que se aproximam do dogmatismo religioso (sacralidade da

vida), e do formalismo kantiano de não fazer ao outro o que não se quer ver feito a si mesmo.

Este, implica em definir quem está incluído ou excluído do que se entende por ‘outro’, como

bem exposto por Agar (2001), o que gera o problema lógico de coerência (uma vez recusado a

hierarquização) para definir os critérios de inclusão ou exclusão do ‘outro’, muito mais

facilmente admitido quanto maior sua semelhança com quem domina o poder desta

“legislação”.

A defesa do indivíduo desarmônico com seu contexto é marcada por esta falha, haja

visto os esforços do biocentrismo hierárquico em evitar os danos aos grupos inferiores na

hierarquia.

2.5. DISCUSSÃO

Entre os primeiro autores abordados, Althusser (1974) aparece como arauto da

primeira contribuição, relacionada à presença dos sagüis no entorno da Reserva Biológica do

Poço das Antas e a ameaça destes ao programa de conservação dos MLDs. A compreensão da

demarcação feita por este autor, onde as questões valorativas não são o objeto direto da

ciência, permite um afastamento crítico eficaz no sentido de separar os resultados científicos

das questões valorativas que podem suscitar.

O que se vê, como função destas delimitações, é a formulação do papel da ciência

como reservado em atuar sobre o que se refere aos problemas relacionados à conservação do

MLD. A proposta de Althusser (1974) e Bachelard (1974), corroborada por Wittgenstein

(1965) aparece como uma útil delimitação da atuação científica, dos cientistas, aos dados

técnicos levantados pela pesquisa (neste caso, as pesquisas científicas relacionadas à

conservação dos micos-leões), e às teorias derivadas, ou de apoio, destes dados. E que as

questões morais vinculadas ao trabalho científico e seus resultados são objetos de delimitação

da filosofia, pelo menos em termos metodológicos. A questão da validade moral relacionada

às possíveis ações de manejo de sagüis e MLDs é, portanto, em seu formato, uma discussão

filosófica, que não deve ser menosprezada.

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O hiato deixado por estes três autores aparece quando confrontamos seu discurso

denunciador da ética (como um conceito à deriva das subjetividades), com a necessidade

prática de assumir uma postura definida. À semelhança da atitude socrática, a principal

contribuição derivada destes autores estruturalistas está na importância do escrutínio analítico,

mais no sentido de clarear o jogo do que encontrar uma resposta categórica. Este passo é,

contudo, um primeiro passo fundamental, que colabora para dar maior solidez na estruturação

dos argumentos relacionados ao conflito.

Um passo seguinte é dado por Ferrater Mora (1979 e 1981), que atua em duas frentes

essenciais concernentes ao caso específico deste trabalho. A primeira trata historicamente da

questão do valor e a segunda trata analiticamente da origem biológico-evolutiva do

comportamento moral.

A questão do valor (a partir do momento em que sobrepassa a ética dos bens e das

virtudes) é o eixo que sustenta toda discussão ética – e negar o valor significa cair em um

niilismo paralisante. A análise histórica do valor feita por Mora (1979) e Marías (1943),

sobretudo referente à Teoria dos Valores de Scheler e Hartmann, colabora significativamente

no sentido de afastar a percepção polarizada entre o subjetivismo e objetivismo do valor e, a

partir daí, conceber uma, funcional, autonomia do valor.

Não é sem motivos que se busca através da teoria do valor uma comparação com o

exercício teórico para a validação do conceito de verdade discutido por Hessen (1991), pois

uma vez aceito o VALOR como um critério real e objetivo, garante-se um fundamento sólido

para uma das características mais recorrentes da espécie humana: a valoração. O inverso, isto

é, a falha em arquitetar teoricamente a legitimidade do conceito de VALOR pode estabelecer

a ruína da própria estrutura da representação da sociedade humana como um método válido.

A comparação aqui feita entre a fundamentação teórica de verdade e valor não deixa,

entretanto, que se estabeleça uma semelhança conclusiva.

Uma inconsistência formal do critério de valor não implica, necessariamente, em

negá-lo, sobretudo em se tratando do valor moral (uma vez que não podemos evitar formular

os conceitos de bom e mau, certo e errado), mas implica em realizar um enorme esforço em

aproximá-lo de um critério universal. Toda discussão sobre a evolução histórica dos conceitos

morais somada ao esforço em buscar o respaldo biológico e evolutivo destes conceitos fazem

parte da tentativa de minimizar a volubilidade das verdades morais, e passos importantes

foram dados neste sentido.

Assumir, mesmo que de forma algo categórica, a realidade do valor significa

legitimar a discussão ética, ao aproximá-la da objetividade científica, que, por sua vez, é o

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padrão aceito como detentor do critério de verdade (definido pela modernidade). Aceitar a

realidade do valor, por outro lado, cria o problema gigantesco de situá-lo de forma consensual

(cientificamente como sugere Monod (1970)) na infinitude de objetos reais concretos ou

abstratos. Isto, transposto para o caso dos primatas, significa reconhecer e adotar um critério

valorativo, assumindo as dificuldades que dele derivam. Este esforço é feito nas defesas dos

autores da ética ambiental (mencionados neste trabalho).

O segundo assunto tratado por Mora, desta vez com a colaboração de Wilson (1975),

Midgley (1983) e Monod (1970), referente à origem biológica da moral, vai ao encontro (por

uma via biologizada), da mesma realidade do valor levantada acima. Ao dizer que a atitude

moral surgiu através do processo evolutivo, por mutações aleatórias e adaptações do sistema

sensorial, até atingir uma forma complexa de interpretação da realidade buscando a melhor

resposta, estes autores distanciam a moral de uma atribuição meramente social e ideológica,

mais uma vez aproximando-a da objetividade científica, buscando dar credibilidade à ética.

Note-se que esta credibilidade não é dada a uma ou outra ética. Ao contrário, é dada

ao mecanismo biológico adaptado em buscar respostas positivas que contribuem para o

sucesso do indivíduo, e evolutivo da espécie. Isto significa entender certas respostas como

detentoras de valor.

Para estes autores este padrão de interpretação valorativa subjetiva (ou cultural) da

realidade, embora válido, foi ultrapassado pelo advento do método científico capaz, como um

novo modelo, de identificar o correto (criado por seres biológico e, portanto, caracterizado

como um processo adaptativo) muito menos suscetível a equívocos relacionados à

subjetividade, na determinação da verdade. Faltou em seus trabalhos, no entanto, mostrar o

vínculo obrigatório entre a verdade científica e o que é bom, e ainda, bom em que

sentido e por quanto tempo.

Outro problema surge com as verdades cientificas (entronadas pela ética biologizada):

é que, geradas a partir de um modelo reducionista, acabam multi-direcionais e, com

freqüência, contraditórias.

Monod (1970) avança quando admite a obrigatoriedade de um postulado moral

primordial para eleger a ciência, e sua verdade científica, como a bússola das ações corretas.

Entretanto, aparentemente falta-lhe uma percepção histórica capaz de relativizar sua crença no

modelo cartesiano cientificista da modernidade.

Do ponto de vista dos calitriquídeos da referida Rebio, em relação ao discurso da

“ética evolutiva”, o fato de eles estarem entre os grupos de primatas coloca-os como

antecessores evolutivos diretos do processo originador da ética humana, o que, tudo faz crer,

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os insufla do mesmo valor adaptativo. Isto não quer necessariamente dizer que um valor

moral recai sobre estes indivíduos. Como visto anteriormente, a relação entre o componente

descritivo e o normativo (atribuir valor moral) não é direta e, como posto por Mora (1984),

Agar (2001) e Monod (1974), depende do próprio mecanismo. Em outras palavras, o

mecanismo que surgiu evolutivamente para reconhecer coisas boas e ruins (do ponto de vista

da sobrevivência), se auto define como valioso. Um silogismo inevitável: reconhecer o

melhor caminho é bom; a ética é o processo que reconhece o melhor caminho; logo a ética é

boa.

Para relacionar esta grande diversidade de informações ao caso específico e

substancialmente prático da presença dos sagüis em um território originalmente habitado por

micos-leões-dourados, e da possível ameaça que isto representa ao programa de conservação

dos MLDs, é necessário ir por partes para ter uma visão didática da análise de algumas

premissas distintivas presentes já de início dentro do contexto.

Uma maneira operacional desta analise pode ser vista da seguinte forma: Quais são os

postulados de valor evidenciados? O valor reside em:

Antropocentrismo – O valor reside unicamente na pessoalidade de um ser humano,

conferido por seus estados mentais (consciência, linguagem, projetos complexos).

Admitir isto é negar os resultados das pesquisas científicas expostas por Varner

(1998), já consideravelmente difundidas e aceitas, que demonstram os graus de semelhanças

fisiológicas, anatômicas e comportamentais entre grupos taxonômicos diferentes.O que cria o

contra-senso de não se poder estabelecer o privilégio da exclusividade humana sobre

argumentos racionais lógicos.

Ou, como alternativa, negar o princípio da igualdade e estremecer a própria estrutura

moral atual cujo caminho é o da inclusão pelas semelhanças. Esta opção indica uma revisão

para uma ética segregacionista.

Se esta for a escolha, apesar de tudo, não há conflito moral, uma vez que estes

primatas ficam fora do que é considerado pela ética antropocêntrica exclusivista.

Neste caso mantém-se o padrão moderno cartesiano de ação, restando somente a visão

utilitarista das conseqüências diretas para os seres humanos – mal-estar, desconforto, repulsa,

satisfação, realização, etc., advindas das efetivação das ações envolvidas; depois da avaliação

das conseqüências indiretas – sobrevivência e bem-estar das gerações futuras – que

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orientaram a ação. Assim, pode ser entendido que ações violentas voltadas contra esses

animais podem gerar dano ou desconforto nos agentes morais, devendo ser evitadas.

Esta opção não gera um conflito direto com o programa de conservação do MLD, ao

contrário, parece se adequar bem, na medida em que admite como viáveis e desejáveis ações

que evitem a perda de biodiversidade, em benefício da qualidade de vida dos seres humanos.

Esta defesa, contudo, perde consistência em ser respaldada por argumentos científicos, uma

vez que eles foram negados anteriormente (na relação de semelhanças entre humanos e

primatas). Isto é, não deve ser a ciência a dizer que a biodiversidade deve ser preservada,

talvez a religião, a economia ou a estética.

Aqui (na visão antropocêntrica) não cabe nenhuma valoração não utilitarista de

qualquer outra categoria, como a biodiversidade, a vida, os ecossistemas, etc.

Entende-se, portanto, que o principal valor atribuível aos MLDs é um valor por sua

utilidade em fazer parte de um mecanismo funcional responsável por manter um certo grau de

qualidade de vida para os seres humanos. Porém, para que isto seja correto, há que se ter

certeza de que os sagüis não contribuem, de formas distintas, para manter uma biodiversidade,

semelhante em número, à dos MLDs.

Em um caso discutido por Sylvia Haider e Kurt Jax (2007) uma espécie invasora de

castores, apesar de danificar a flora local, era capaz de produzir uma série de novos habitats

que, no final, aumentava o número de espécies da região. Neste caso, o valor instrumental

posto sobre o argumento da preservação da biodiversidade funcionaria a favor da espécie

invasora.

Senciência – valor definido pela consciência da dor, do prazer e da capacidade de

estruturar projetos de curto a médio prazo.

Esta opção talvez seja a mais aceita entre as pessoas que lidam com estes animais,

contudo, gera problemas morais potencialmente graves, e dilemas complicados.

Neste caso tanto MLDs quanto sagüis são legitimados com um grau de valor muito

semelhante ao dos seres humanos, dotados de valor intrínseco de forma não

instrumentalizável. Esta abordagem eleva este valor dado a estes animais acima de todos os

demais ( como econômicos ou estéticos), pelo menos teoricamente.

Sob o ângulo de visão da senciência o que deve ser considerado como pressuposto

principal para ações humanas voltadas para outros seres é o bem estar individual de cada ser,

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e com ênfase hierárquica de acordo com o grau de equivalência dos estados mentais (racionais

e hedonistas) comparados aos dos seres humanos.

Transportando estes conceitos para a situação de conflito entre os referidos primatas,

surge, de início, o postulado de um bem individual de todo e cada membro de ambos os

grupos que não deve ser violado. E que pressupõe os deveres negativos de não-maleficência e

os positivos de promoção e beneficência para todos os indivíduos de forma equivalente, como

ressaltado por Felipe (2006).

Ambas as espécies envolvidas são de primatas, isto é, pertencem ao mesmo grupo dos

seres humanos. Uma vez aceita a extensão dos padrões psicológicos e hedonistas para os seres

semelhantes, recai sobre estes micos um valor moral, senão idêntico, muito próximo do

atribuído aos seres humanos. Isto implica em assumir uma responsabilidade por cada

indivíduo de forma similar ao que se faria em situações que lidam com pessoas, adultas ou

não.

O problema se complica a partir do momento em que se deve cuidar de dois grupos

capazes de causar danos uns aos outros. A partir dai figuram-se duas posturas: (1) a utilitarista

de Singer, que privilegia o maior número de bem estar sobre o menor, e que pode resultar em

uma conclusão inaceitável para os conservacionistas, caso o número de sagüis se sobrepuser

ao de MLDs. Caso se queira argumentar incluindo o bem estar de outras espécies sencientes e

humanas, torna-se necessário provar a ligação direta entre estes primatas e o bem estar destes

outros seres. (2) a ética da vulnerabilidade de Regan, que em termos práticos pode resultar no

mesmo que a utilitarista, mas com sua justificativa de “evitar o dano maior” em vez de

“promover o maior bem”.

As ações que gerem danos aos indivíduos demandarão um alto grau de provas de sua

necessidade e recaem sobre as questões centrais da ética humana, como a discussão da

legitimidade de causar um malefício para um número menor de indivíduos em benefício de

um número maior.

Esta perspectiva, que leva em conta o bem estar de outros grupos, não se encaixa com

a postura assumida por Regan (1976, 1982 e 1982); para este autor, o malefício causados para

outros, como pela possível extinção dos MLDs, é indireto, incerto e difícil de mensurar. A

comparação que se ajusta mais adequadamente à teoria deste filósofo é da relação direta das

conseqüências que uma população pode causar à outra, sendo que a preferência recai na

escolha que causar menos malefício para um número menor de indivíduos.

Caso a número de sagüis seja maior que o de MLDs, a situação pode ser comparada a

uma pequena reserva indígena frente a um grande grupo de camponeses que pleiteiam as

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mesmas terras para sua sobrevivência. Esta comparação pode relativizar uma possível

percepção tendenciosa e pejorativa em relação aos sagüis, assim como, pode revelar uma

visão modificada por um valor oculto, o atribuído à raridade. Defender uma população

especificamente por sua raridade desvia o foco e cai no problema relativo à relevância moral

deste tipo de questão.

Caso se deixe Regan (1976, 1982 e 1982) de lado, a decisão se aproxima de uma

atitude utilitarista, defendida por Singer (1990), que legitima o sacrifício de poucos pelo

aumento do bem estar de muitos; também se enfraquece a noção do vínculo moral ligado à

ação de danificar (como no exemplo de Warnock onde se evita maus tratos à um deficiente,

não por sua consciência ou falta dela, mas pelo malefício da ação). Mas, ainda assim, o alto

peso moral atribuído aos primatas exige que se realize uma vasta análise do rol de alternativas

para que se escolha a estritamente necessária e a menos danosa possível.

Deve-se observar que nesta situação assume-se o caráter invasor das espécies de

sagüis, cuja introdução advém de causas antropogênicas. O que serve para alargar a

responsabilidade humana pelos malefícios causados a estes primatas desde a origem.

Uma característica importante que deve ser lembrada é a de não atribuição de valor

direto, como no caso anterior, aos coletivos. A biodiversidade, portanto, só pode ser entendida

como um meio de satisfazer as necessidades dos seres sencientes.

Biocentrismo Hierárquico – valor definido hierarquicamente, decaindo das

capacidades mentais complexas, até os interesses meramente biológicos.

Esta linha de pensamento não difere muito da ética animal, sua diferença está em

esforçar-se para incluir os interesses dos demais seres, isto é, seus interesses biológicos, sob a

égide do valor teleológico-biológico.

Uma vez ampliado o espectro de alcance da consideração moral direta para todos os

seres que possuem algum tipo de interesse, igualmente se amplia a complexidade da análise.

Esta alternativa seria útil em uma situação de evidente distância hierárquica, caso estivessem

sendo comparados os interesses de primatas com o de répteis, onde são privilegiados aqueles

capazes de formular interesses mais elaborados. No caso dos sagüis versus MLDs, a

igualdade fisiológica, comportamental e anatômica inviabiliza uma escolha.

O que esta perspectiva adiciona no contexto é a soma dos interesses de toda

comunidade biótica envolvida na questão de forma hierárquica, desta forma deve-se colocar

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na conta de uns ou outros (sagüis e MLDs), o impacto sobre os pássaros (como às vezes se

atribui aos sagüis), o impacto sobre as plântulas, invertebrados, anuros, répteis, etc..)

O problema se complica quando tentamos definir que tipos de outros seres estão tendo

seus interesses violados pela presença de um ou outro grupo. Em uma situação em que

extensas pesquisas indiquem que uma das espécies, e não a outra, é capaz de suprimir

populações de aves ou de plantas, isto causaria um desempate contra a dita espécie.

Apesar da enorme carga de conhecimentos ecológicos exigida, esta perspectiva tem a

qualidade de ampliar a discussão contribuindo para uma incorporação mais global do

problema, mas sem deixar de manter uma enorme carga de responsabilidade sobre todas

possíveis ações direcionadas aos primatas, devido ao valor intrínseco dos seus indivíduos

(posto ao lado do que se atribui aos humanos).

De acordo com seus defensores, esta perspectiva é a que melhor defende o meio

ambiente, pois evita os problemas lógicos relacionados ao ecocentrismo, e é plenamente

capaz de garantir o bom funcionamento dos ecossistemas, uma vez que legitima a defesa dos

interesses individuais dos membros afetados das comunidades bióticas que tendem a ser

maiores e/ou mais importantes (vitais) do que os interesses dos que causam interferências

danosas.

Embora essa defesa biocêntrica evite uma estruturação por via relacional, as

considerações colocadas por Varner (1998) no sentido de realizar os interesses mais

complexos evitando ao máximo a frustração dos interesses abaixo na hierarquia, compõe com

a visão relacional ecocêntrica da necessidade de haver um relacionamento total que não

perturbe os limites de recuperação do todo.

Aqui a pergunta é feita intencionalmente: No fim de contas que valor teriam as

relações entre os seres de um ecossistema se isso não garantisse a realização dos projetos

teleológicos dos seres que o compõe?

Em que medida, contudo, os biocênticos individualistas fecham os olhos negando o

caráter relacional intrínseco e definidor dos indivíduos?

Tipos Naturais (ainda dentro do Biocentrismo Hierárquico)

A arguta percepção de Agar (2001) sobre o fato de que, quanto mais próximo do

padrão humano tradicional de valoração mais eficaz a tentativa de atribuição de valor a algo

novo, pode ser vista inicialmente na adjetivação dos sagüis como invasores, o que

prontamente vincula os sagüis a uma imagem pejorativa. Uma outra adjetivação pode dar um

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sentido bem diferente a este grupo se tratados como despatriados, abandonados ou sem-terra

o que direciona para uma motivação moral em um sentido oposto ao compreendido pela

termo invasor. Esta mudança de percepção é trabalhada por Ruiz-Miranda (2007).

Este tipo de abordagem recupera um fator de peso quando retorna para os difamados,

porém prêt à porter, valores antropocêntricos de valoração, mas a ajuda efetiva em relação ao

conflito, agora semântico, talvez só se resolva incluído valor a outros tipos naturais, uma vez

que mantém as contradições do biocentrismo, talvez: o “bem da Mata Atlântica” dependa do

controle de uma série de espécies “invasoras”.

Biocentrismo igualitário – valor depositado igualmente em todos os seres.

Esta parece ser a mais fácil em termos do problema prático, uma vez que atribui igual

considerabilidade a todos os seres “donos de uma vida” (Taylor 1985), somando-se a isso o

princípio de não interferência, não resta problemas éticos sobre quais ações tomar, já que não

se deve tomar ação nenhuma.

O que não pode ser deixado de notar, é que a perspectiva biocêntrica igualitária não

foi feita para resolver problemas dentro de um contexto definido por outra postura ética, e sim

para substituir esta postura. A não interferência serve, para começar, para não introduzir uma

espécie no espaço de outra espécie.

A perspectiva ecocêntrica – valor posto nos coletivos, na rede

Esta perspectiva entende que o valor mais elevado está nas relações estabelecidas

entre todos os seres que garantem o bem estar dos sistemas biológicos. Sendo estas relações

as intrinsecamente definidoras dos indivíduos e do todo. Isto cria um problema considerável

inicial que é de definir os limites palpáveis desta atribuição valorativa.

Como levantado anteriormente, valorar a biodiversidade se conecta com a valoração

da complexidade, contudo, definir este valor como um valor moral assume uma característica

de postulado arbitrário.

Está posição exige também provar que os sagüis diminuem a biodiversidade, o que

pode se tornar um trabalho de longos anos. Haja visto o exemplo dos castores americanos

(Haider e Jax, 2007).

Se considerarmos as defesas das instituições conservacionistas (onde de fato se

estabelece este caso) onde o valor recai no conceito de biodiversidade, devemos buscar

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entender se este valor, atribuído à biodiversidade, é entendido de forma não instrumental,

possuidora de um bem em si (intrínseco); ou se o valor da biodiversidade é um veículo para

garantir a vida como um todo, ou a do ser humano, ou a de todos indivíduos. No segundo

caso, o que se descobre é um recuo ao biocentrismo ou ao antropocentrismo, devendo-se

admitir as lógicas contidas dentro de cada qual, dependendo do caso. Por outro lado, se for

aceito que a biodiversidade tem valor em si, cria-se o problema de falta de corporeidade para

atribuir-lhe um dano, note-se que o dano está nos indivíduos que perdem suas vidas. Outra

questão que se coloca é que, mesmo sendo aceito o valor intrínseco da biodiversidade, porque

ele seria comparável ao dano causado aos indivíduos? Uma resposta que diga que o problema

das extinções afeta todos os indivíduos só reafirma o valor individual.

Desta forma a defesa dos MLDs pelo argumento conservacionista do valor da

biodiversidade tem um primeiro problema que é garantir a caracterização da ameaça da

população de sagüis sobre os MLDs; e, em seguida, o de garantir que os sagüis, apesar de

suprimirem os MLDs, não compensam a biodiversidade total de outras formas; e por fim o de

tornar palpável o conceito de biodiversidade para que ele não se dilua diante do um conceito

solidamente estabelecido como do valor dos estados mentais racionais e hedonistas.

A proposta levantada pela hipótese da convergência pode parecer atraente mas, se

olhada com cuidado, nota-se uma “carga de prova” (burden of proof) considerável quando

prevê a necessidade de provar efetivamente o caráter maléfico de uma dita espécie (neste caso

a dos sagüis) somada às provas da ausência de alternativas menos danosas para os indivíduos.

Sendo que, tampouco esta, abrange uma convergência plena, as éticas não utilitaristas chocam

com essência da questão, lembrando que, no caso de outros primatas – os humanos –, esta

segunda é que costuma prevalecer, pelo menos de forma teórica.

Conclusão

Para o cientista a filosofia (especificamente a epistemologia) serve como ferramenta

de uso permanente no contínuo trabalho de discriminação entre seu ‘objeto formal’ e todos os

demais objetos interferentes, como costumam ser as convicções pessoais, os patrocínios

institucionais, os princípios éticos, crenças religiosas, etc. (como expressamente reconheceu

Jacques Monod, reformando sua tese de 1967 sobre a estrutura do cromossoma, depurando-a

de várias afirmações valorativas e, até, religiosas, em consonância com a crítica que a

epistemologia francesa lhe dirigira).

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Esta ferramenta usada no contexto dos problemas ecológicos e ambientais desvenda

uma grande quantidade de situações onde se misturam dados empíricos científicos com

valores sociais (éticos, estéticos, psicológicos, religiosos, etc.) permitindo o justo

depuramento das questões valorativas infiltradas no domínio do discurso científico e seu

deslocamento para o âmbito filosófico.

A identificação da ação correta está, por definição, no equilíbrio entre conhecimentos

empíricos levantados por pesquisas cientificas e as teorias que geram, com o significado que

assumem dentro do contexto social, uma vez que a “ação correta” é tanto feita de

conhecimento como de valoração. Isto implica em analisar quais a forças (políticas,

econômicas, sociais, religiosas, científicas e filosóficas) que determinam, ou impõem,

determinados valores, em determinadas épocas, para que se permita, mais uma vez, o

ajustamento do olhar crítico necessário na busca de uma teoria, e prática, não dogmáticas (ou

menos dogmáticas).

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3. ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA

3.1. INTRODUÇÃO

As práticas voltadas para beneficio humano, como a agropecuária e extrativismo

vegetal, têm modificado gravemente a fisionomia da Mata Atlântica reduzindo o habitat do

mico-leão-dourado (Leotopithecus rosalia) a pequenos fragmentos de vegetação secundária

(Coimbra Filho, 1969; Mittermeier et al., 1982), sendo que poucos destes fragmentos

excedem 1000 ha. (Kleiman et al., 1990; Kierulff, 1993; Kierulff e Procopio-De-Oliveira,

1996) fato que agrava consideravelmente a situação destas populações. Os micos leões são,

entre os calitriquídeos, os que necessitam de maiores áreas de uso (Rylands, 1993) e sua dieta

consiste de frutos, néctar, goma, invertebrados e pequenos vertebrados (Coimbra Filho, 1969;

1981; Rylands, 1982; Valadares-Padua, 1993; Dietz et al., 1997; Passos, 1997; Prado, 1999;

Kierulff, 2000; Miller, 2001; Procopio-De-Oliveira, 2002), estas características definem a

vulnerabilidade destes primatas às mudanças das características da floresta, cuja fragmentação

reduz a disponibilidade de alimento, reduz a área de uso, modifica a fito-fisionomia e reduz a

biodiversidade local. Outro fator de grande impacto nas populações de micos-leões-dourados

é a prática da caça destes animais (Coimbra Filho e Mittermeier, 1977). Em 1996 o mico-

leão-dourado foi incluído na Lista Vermelha de Animais Ameaçados da IUCN, listado como

criticamente ameaçada (IUCN, 1996)

A presença dos sagüis (Callithrix ssp.) na região que circunda a ReBio Poço das Antas

(Cerqueira et al., 1998), iniciou um movimento por parte do pesquisadores envolvidos com o

programa de conservação do MLD, no sentido de avaliar os tamanhos das populações de

sagüis (Kierulff e Procopio-De-Oliveira, 1994; Kierulff et al., 1997; Ruiz-Miranda et al.,

2000), e o possível grau de impacto (Morais-Júnior et al., 2008) destas populações nas

populações de MLD’s. A hipótese de dispersão natural foi considerada improvável (Cerqueira

et al., 1998), das duas espécies presentes na área – Callithrix jacchus e C. penicillata – sendo

a primeira oriunda da Mata Atlântica do nordeste, tornando muito incerta a possibilidade de

dispersão por vias naturais até o sudeste e, a segunda, apesar de ser oriunda das matas de

Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Bahia, regiões bem mais próximas, teriam que atravessar

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grandes áreas descontínuas que funcionaram historicamente como uma barreira de dispersão

(Morais-Júnior et al., 2008).

Segundo Rylands (1993) e Rosenberger (1992), é comum encontrar sobreposição de

nichos entre os calitriquídeos, o que, entre outros fatores, facilita a transmissão de parasitas.

Algumas pesquisas indicam um risco elevado do contato entre sagüis e micos-leões devido ao

maior grau de infestações destes últimos (Verona, 2001; Lisboa, 2003). Também, segundo

Morais Jr. (2008), existe competição direta (ou interferência) entre sagüis e micos-leões-

dourados relacionada com a densidade de calitriquídeos e os tamanhos dos fragmentos. Ruiz-

Miranda (2006) divulgou dados que revelaram um grau de interação entre estes calitriquídeos

(em uma fazenda particular) cuja média foi de 52% de tempo onde ocorreu algum tipo de

contato.

Ruiz-Miranda (2007) iniciou um questionamento sobre os problemas de ordem ética

inerentes às ações destinadas a evitar que os sagüis se tornem uma ameaça ao dito programa

de conservação. Veitch e Clout (2002) postulam que quanto mais rápida e efetiva for a

erradicação de uma espécie invasora, menores ficam os efeitos relacionados, como o

sofrimento animal, que podem ser maiores em medidas de controle de longo prazo. Morais Jr.

et al. (2008) afirmam que, para o caso do conflito entre os referidos calitriquídeos, “somente

resta determinar qual é o melhor curso de ação para um plano de intervenção considerando

(1) recursos financeiros e humanos, (2) questões éticas e de bem estar animal e (3) metas e

necessidades de conservação”. Neste mesmo artigo esses autores apontam para a

possibilidade de extinção natural dos sagüis nos fragmentos pequenos e isolados, por falta de

recursos e de fluxo gênico.

Autores como Bekoff (2002), Gromm (2006), Meffe (1997) e Primack (2006)

reafirmam que as questões éticas têm que ser consideradas cada vez com mais urgência frente

aos problemas técnicos, e científicos para garantir maior apoio e legitimidade, e de forma

mais ampla, dentro da sociedade. Nesta interface alguns trabalhos marcantes já foram

realizados, Haider e Jax (2007) analisam, do ponto de vista da ética ambiental, a situação do

castor norte-americano (Castor canadensis) introduzido no sul do Chile, mostrando que

admitir a discussão a partir de uma perspectiva ética não reduz a necessidade de informações

científicas, ao contrário, e que as ações variam de acordo com a teoria ética assumida. Este

estudo tem a peculiaridade de mostrar o caso de uma espécie invasora que não fez diminuir a

biodiversidade local, mas sim aumentar através de sua ação modificadora de uma natureza

originalmente homogênea. Outro trabalho semelhante é o realizado por Albrecht (2009) onde

se faz uma análise da presença do búfalo (Bubalus bubalis), uma espécie introduzida no norte

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da Austrália, que mudou consideravelmente tanto a fisionomia natural como as relações

sociais e econômicas da região, lugar onde convivem imigrantes e aborígines. Este trabalho

aponta para uma possibilidade de convergência entre interesses variados como os dos

aborígines que incorporaram o búfalo em sua cultura, os fazendeiros que exploram os búfalos

de forma mercantil e, os ambientalistas que desejam controlar as populações de búfalos. Esta

convergência é possível sob a premissa da consideração hedonista onde todos concordam em

que é necessário controlar a população destes animais com o mínimo de sofrimento. Ficam de

fora outros eventos como a caça tradicional com armas inadequadas, a caça esportiva e a

exportação de animais vivos, por motivo de sofrimento.

Segundo Larson (2007) o trabalho de cientistas com espécies invasoras é uma

oportunidade para que examinem suas opiniões e conceitos sobre seus valores e os valores

científicos.

O assunto específico aqui trabalhado recai dentro deste contexto onde se demanda

uma intervenção de uma área específica da filosofia – a filosofia moral. São vários os

problemas ecológicos e técnicos enfrentados pelos agentes envolvidos no PCMLD. Alguns

destes, como os relacionados à demanda de controlar as populações de sagüis (que habitam o

entorno da reserva), estão, forçosamente, ligados a dilemas morais que, por sua vez, têm sido

profundamente trabalhados dentro da, relativamente recente, disciplina chamada Ética

Ambiental.

Duas questões importantes podem ser definidas a partir deste contexto: a) em que

medida a interface filosófica relacionada ao manejo dos sagüis interfere, ou deve interferir na

prática dos cientistas envolvidos com o problema; b) qual é o nível de conhecimento e

atuação ética já presente nestes agentes influenciando as diretrizes retiradas dos argumentos

científicos?

Com o objetivo de clarear os aspectos relacionados a segunda questão, buscou-se uma

metodologia comum aos estudos de etnobiologia. Um questionário foi elaborado no sentido

de levantar as possíveis considerações éticas dentro das preferências de ações relacionadas ao

manejo dos sagüis, tornando possível apontar aparentes coerências e incoerências, tanto

dentro do discurso de um único agente, como as que aparecem entre eles. O levantamento

teórico realizado no primeiro capítulo funciona como contraponto da análise quantitativa e

qualitativa do questionário, funcionando como organizador e identificador dos aspectos éticos

encontrados no discurso dos agentes.

Como resultado se vê um alargamento da discussão tanto em complexidade como em

clareza.

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3.1. OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL

Realizar um levantamento das opiniões e prioridades dos agentes envolvidos com a

conservação dos MLD’s, na tomada de decisões suscitadas pela presença dos sagüis na região

reservada ao Programa de à conservação dos mico-leão-dourado.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1- Identificar as bases teórico-conceituais que suportam as respostas destes

agentes.

2- Confrontar os pressupostos (éticos, científicos e técnicos) presentes nas

respostas do questionário;

3- Analisar de que modo a especificidade dessas respostas convergem e/ou

redirecionam a questão propriamente ética desenvolvida no capítulo I;

4- Identificar as alternativas emergentes desta análise, para o caso empírico

objeto deste trabalho (PCMLD).

3.2. MATERIAIS E MÉTODOS

A primeira ação feita foi definir quais os campos teóricos gerais que acolhessem a

maior probabilidade respostas, isto é, onde ocorrem os dilemas éticos mais recorrentes. Estes

campos são os mesmos discutidos no capítulo anterior. A partir disso foi elaborado um

questionário, com um quadro e 15 questões (e sub-questões), para ser respondido apenas

pelos responsáveis mais próximos pelas decisões referentes à presença dos sagüis no entorna

da Reserva Biológica do Poço das Antas – RJ, nomeadamente: Associação do Mico Leão

Dourado (AMLD); IBAMA e Instituto Chico Mendes (ICMBio); Prefeituras de Silva Jardim e

Casimiro de Abreu; Associação de Moradores de Silva Jardim e Casimiro de Abreu;

Pesquisadores (diferentes instituições).

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3.2.1. O QUESTIONÁRIO

O questionário foi elaborado no sentido de verificar, primeiramente, a formulação de

considerações morais nos entrevistados, individualmente; e, a partir disso, observar as linhas

éticas presentes, e o grau de congruência entre as respostas. (Apêndices 1 e 2)

Ele foi dividido em três partes: um quadro valorativo mostrando as preferências

individuais de forma numérica; uma solicitação de respostas discursivas relacionadas

diretamente à atribuição de valores; e, por fim, uma enquete acerca do nível desejável de

envolvimento de entidades sociais, técnicas e leigas, com a formulação das decisões a serem

implementadas.

QUADRO PARA ANÁLISE DA CONCORDÂNCIA GERAL:

Dos nove questionários enviados seis foram respondidos, sendo que entre estes, a

questão referente ao quadro de alternativas estava utilizável apenas qualitativamente.

Os cinco quadros valorativos (“Quadro 1” do apêndice 1 – um para cada respondente,

sendo que um quadro foi descartado por falha no preenchimento) foram seccionados em suas

colunas, uma de cada entrevistado, para serem montadas tabelas referentes a somente uma das

possibilidades de impacto por vez (alto, médio, baixo, baixo+, nulo, positivo). Desta forma

permitindo a comparação entre as respostas dos 5 entrevistados sobre uma mesma situação

pressuposta de impacto referente à interação entre os primatas.

Cinco quadros, cada qual com seis colunas (referentes aos diferentes graus de

impactos possíveis, definidos pelo autor, – alto, médio, baixo, baixo+, nulo, positivo –

causados pela presença dos sagüis nas populações de MLDs) e seis linhas (ações mais

recorrentes referentes a casos semelhantes: nenhuma atitude, monitorar, translocar, confinar,

esterilizar e eutanasiar), geraram seis tabelas, cada qual com seis colunas (ações) e cinco

linhas (entrevistados).

O software usado para a análise de concordância foi o StatPlus 2009, e o teste

realizado foi o teste de concordância de Kendal (W). O coeficiente de concordância de

Kendal (W) revela o grau de convergência entre as repostas de diversos envolvidos sobre em

mais que duas situações possíveis (como, por exemplo, a avaliação de alguns professores

sobre alguns ou diversos alunos). A variação é de 0 a 1, onde 1 representa concordância total

e 0, não o nulo, mas o ‘grau mínimo’ de concordância (uma vez que, havendo mais que dois

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respondentes a um mesmo critério, sempre se evidenciará alguma superposição entre as

avaliações).

QUESTÕES DISCURSIVAS

As duas seqüências de respostas cursivas, uma referente às alternativas éticas e outra

cogitando o envolvimento de entidades da sociedade civil foram analisadas qualitativamente,

segundo critérios ali mesmo identificáveis.

3.3. RESULTADOS

ANÁLISE DA CONCORDÂNCIA GERAL

Na (Tabela 1) os resultados revelam que houve concordância em todas as situações,

expostas pelo quadro, exceto na opção de médio impacto (W = 0,55; p = 0,051). Em três

outras alternativas (alto, baixo e sem impacto) o nível de concordância se manteve muito

próximo de 50%, o que demonstra uma dispersão significativa (apesar de haver concordância)

das preferências entre os entrevistados. Os valores subiram para a casa dos 70% somente em

duas alternativas (Baixo impacto (+) e Interação positiva).

Tabela 1. Grau de concordância (índice de Kendal) dos agentes envolvidos sobre a natureza e/ou intensidade das diferentes suposições de ameaça para os MLDs provocadas pela presença dos sagüis – análise do “Quadro 1”.

Impacto suposto no crescimento

dos MLDs causado pela presença

dos sagüis.

Grau de concordância

(Índice de Kendal - W)

p – coeficiente de

significância

Alto impacto 0,56 0,046

Médio impacto 0,55 0,051

Baixo impacto 0,57 0,041

Baixo impacto (+) 0,75 0,010

Sem impacto 0,56 0,041

Interação positiva 0,69 0,016

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As tabelas 2 e 3 mostram respectivamente a ordenação, feita pelos seis entrevistados,

de suas ações preferenciais diante das hipóteses onde os sagüis causam um impacto alto no

crescimento das populações de MLDs, e onde os sagüis e MLDs interagem de forma positiva.

As somas vistas na última linha se dividem em valores maiores do lado esquerdo e menores

do lado direito, mostrando a concentração das preferências nas ações confinar, eutanasiar e

esterilizar, para a situação de alto impacto. No caso da tabela dois a divisão não fica clara,

entretanto, sobressai a redução do valor da soma referente às opções monitorar e não tomar

nenhuma atitude (“nada”).

Tabela 2. Hierarquização de 1 a 6 das opções preferenciais dos entrevistados (linhas), onde a primeira opção ao número um e a última ao número 6, para a situação em que os sagüis representam um alto impacto nas populações de MLDs.

Alto impacto Entrevistados AÇÕES Nada monitorar translocar confinar esterilizar eutanasiar 1 6 3 5 4 2 1 21 2 6 1 3 2 4 5 21 3 6 4 5 3 2 1 21 4 6 5 4 1 3 2 21 5 6 5 2 1 3 4 21 6 6 6 2 3 6 1

SOMA 30 18 19 11 14 13 105

Tabela 3. Hierarquização de 1 a 6 das opções preferenciais dos entrevistados (linhas), onde a primeira opção ao número um e a última ao número 6, para a situação em que os sagüis representam uma interação positiva com as populações de MLDs.

Interação positiva Entrevistados AÇÕES

Nada monitorar translocar confinar esterilizar eutanasiar 1 2 1 4 5 3 6 21 2 6 1 3 2 4 5 21 3 4 1 6 2 3 5 21 4 2 1 5 4 3 6 21 5 2 1 5 4 3 6 21 6 6 6 2 3 6 1

SOMA 16 5 23 17 16 28 105

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ANÁLISE DAS RESPOSTAS REFERENTES AO MANEJO DOS SAGÜIS

Uma vez aceito o caráter invasor dos sagüis e diante das alternativas de ação

(eutanásia, esterilização, confinamento, translocação) os entrevistados responderam da

seguinte forma:

Diante da hipótese sugerindo que a presença dos sagüis fosse por causas naturais e não

antropogênicas, todos os entrevistados foram a favor de que houvesse algum tipo de

intervenção a favor dos MLDs (Figura 1).

Figura 1: Total de entrevistados que foram a favor de algum tipo de intervenção humana em prol dos MLDs.

Em relação a opção de eutanásia (Figura 2) três entrevistados afirmaram não ter

restrição; outros dois mostram restrições de caráter moral; e um não especificou sua restrição

afirmando apenas que concordaria se “não houvesse alternativas”.

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Figura 2: Total de entrevistados que tiveram restrições morais à opção de eutanásia da espécie invasora (sagüis).

Em relação à opção de esterilização (Figura 3) quatro entrevistados afirmaram ser

contra, destes, três evidenciaram apenas restrições técnicas (custos altos, ineficácia e tempo

prolongado), enquanto um mostrou preocupações morais; os outros dois entrevistados se

mostraram favoráveis a esterilização, um sem qualquer restrição e o outro condicionando a

ação à ausência de sofrimento (uma restrição moral).

Figura 3: Total de entrevistados que tiveram restrições morais à opção de esterilização da espécie invasora

(sagüis).

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Em relação à opção de translocação (Figura 4) quatro entrevistados afirmaram ser a

favor desta alternativa, destes, dois evidenciaram preocupações técnicas somente, enquanto

dois mostraram uma preocupação com o bem estar dos animais; os outros dois entrevistados

se mostraram contra a translocação por motivos técnicos.

Figura 4: Total de entrevistados que tiveram restrições morais à opção de repatriação da espécie invasora

(sagüis).

Em relação à opção de confinamento (Figura 5) quatro entrevistados se mostraram

favoráveis à alternativa, destes, um não teve qualquer restrição e três evidenciaram

preocupações técnicas e com o bem estar dos animais; um entrevistado não se definiu a favor

ou contra mas mostrou preocupações técnicas; e o entrevistado restante foi contra

expressando motivos técnicos.

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Figura 5: Total de entrevistados que tiveram restrições morais à opção de

confinamento da espécie invasora (sagüis).

Os entrevistados, quando colocados diante de uma situação hipotética onde os MLDs

são definidos como ameaçadores para uma população de seres humanos (por transmissão de

doenças) e mantendo as ações propostas no caso dos sagüis, apenas um respondente optou

pela eutanásia dos MLDs, os demais 5 coincidiram na opção de repatriação. Em algumas

respostas foi mencionado o caráter de risco em que se apresenta a espécie do MLD.

Esta situação é mostrada comparada com as respostas dadas no “Quadro 1” na

situação onde os sagüis representam um alto impacto (Figura 6).

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Figura 6: Comparação das respostas onde os sagüis representam um alto impacto aos MLDs versus os MLDs como ameaça aos humanos.

Quando perguntado sobre a possibilidade de atribuir direitos individuais a outros

primatas não-humanos, houve 2 respostas favoráveis, 1 indefinida, e 3 negativas.

Quando perguntado se a defesa da biodiversidade vale o sacrifício de indivíduos todos

os entrevistados responderam positivamente. E diante da questão sobre a existência de uma

hierarquia de valor da biodiversidade cinco concordaram em que não há hierarquia de valor

entre as diferentes espécies; um respondente não foi suficientemente claro (Figura 7).

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Figura 7: Total de entrevistados que foram a favor do sacrifício de indivíduos em defesa da biodiversidade e dos

que crêem que a biodiversidade é hierarquizada.

Em relação se a importância turística dos MLDs aumenta a necessidade de proteção a

esta espécie apenas um concordou enquanto cinco descordaram.

ANÁLISE DAS RESPOSTAS SOBRE O ENVOLVIMENTO SOCIAL

Diante da questão sobre qual instituição deveria tomar a decisão em relação ao manejo

dos sagüis cinco entrevistados afirmaram ser responsabilidade do IBAMA/ ICMBio, destes,

três realçaram a necessidade da participação de todos; um entrevistado respondeu apenas que

todos deveriam participar.

Sobre quem deveria iniciar a discussão cinco responderam IBAMA/ ICM, destes, um

incluiu a AMLD; um afirmou que qualquer um deveria iniciar a discussão desde que todos

estivessem envolvidos.

Em relação à necessidade de informar a sociedade da decisão quatro concordaram; um

respondeu que talvez sim; um respondeu que talvez não: “algumas decisões são difíceis de

serem compreendidas pelo público”.

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Quando perguntado se a sociedade deveria ser informada da posição de cada setor

quatro concordaram; um respondeu que talvez sim; e um não respondeu.

E diante da pergunta se a sociedade deveria participar da decisão dois responderam

afirmativamente; um respondeu que talvez não; e três responderam que não.

3.4. DISCUSSÃO

A Reserva Biológica do Poço das Antas, criada com o objetivo de recuperar as

ameaçadas populações de micos-leões-dourados está no centro de uma preocupação

internacional com problemas relacionados às espécies introduzidas em ambientes onde sua

ocorrência natural dificilmente ocorreria sem ajuda humana, tornando-se, em muitos casos,

espécies caracterizadas como invasoras. As ações relativas ao conflito ecológico causado pela

presença dos sagüis no entorno da reserva já foram “desenhadas” e dependem de

relativamente poucos responsáveis pela tomada de decisão. A partir disso seria desejável o

maior grau de concordância entre estes agentes, tanto mais, quanto maior pode vir a ser o

dano potencial das conseqüências tanto de caráter ecológico como ético, como já remarcaram

alguns autores vistos anteriormente (Van Dyke, 2003; Groom et al., 2006; Primack, 2006).

Houve concordância no ordenamento de estratégias de manejo entre os entrevistados,

exceto para a situação de Médio Impacto. Esta concordância, contudo, só se mostrou acima da

média nas situações de Baixo Impacto (+) e Interação Positiva , nestas duas situações vê-se

um menor grau de dispersão das opiniões.

Esta análise, no entanto, revela uma considerável falta de homogeneidade, por causa

de seus valores próximos da media nas demais situações de interação para os impactos alto,

baixo e nulo. Isto significa que existe uma variação de opiniões entre os envolvidos

diretamente no assunto, referente ao que deve ser feito com os sagüis. O teste aplicado não

destaca particularidades; é, ao contrário, uma visão sobre a concordância geral relativa a

todos os itens inseridos na planilha. Quanto mais opções e mais entrevistados, mais difícil se

torna visualizar os detalhes relativos ao conjunto de resultados obtidos. No caso específico

aqui posto, as opções são relativamente poucas, o que possibilita uma discussão com

referências diretas às particularidades reconhecíveis no quadro de respostas obtidas. Os

valores de W próximos da média refletem a variação das preferências entre os entrevistados,

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que é vista nos resultados seguintes, onde se pode notar um padrão polarizado como

presença/ausência de restrições morais, indicando o provável motivo da variação.

Quando dividimos as situações em dois grupos – um onde a população de MLDs

decresce e outro onde ela está crescente – pode-se notar um contraponto entre a preferências

de ações mais impactantes para o primeiro caso (eutanasiar, esterilizar e confinar) e das

menos impactantes para o segundo caso (translocar, monitorar e não tomar nenhuma atitude).

Esse contraste pode ser compreendido como uma deposição mais acentuada de valor

nas relações do que nas entidades individuais ou coletivas, uma vez que, por um lado há a

preferência de intervenção em populações inteiras de sagüis e, por outro, se aceita a presença

da espécie caso ela não danifique, ou interaja positivamente (mesmo sendo uma espécie

exótica), lembrando que não apareceram nas respostas preocupações anteriores, de valoração

biocêntrica-individual, entre os entrevistados responsáveis por essa mudança de escolha.

A falta de homogeneidade presente na análise, para os tipos de ação, não se repete

diante da questão mais genérica sobre se deve ou não haver ingerência humana (qualquer que

seja) em defesa dos MLDs, considerando a presença dos sagüis como uma ameaça causada

por dispersão natural. Diante desta questão todos concordam com a necessidade de algum tipo

de ingerência, embora possam discordar quanto ao tipo da mesma. O que, aparentemente,

também se revela neste caso é a percepção bem difundida dos sagüis como ameaça. Dois

entrevistados parecem ter aceitado a hipótese mantendo a opinião de intervenção; dois outros

não a aceitaram, ratificando o “caráter invasor” dos sagüis, sendo igualmente a favor de uma

intervenção; e dois entrevistados não foram claros quanto a aceitação da hipótese, afirmando,

contudo, que ações de controle devem ser feitas quando ocorrer um desequilíbrio

populacional comprometedor para o ecossistema, independente da origem espontânea ou

provocada da invasão:

“Micos-leões-dourados são uma espécie endêmica ameaçada nesta região.

Callithrix spp. não são nativos desta região e foram introduzidos por humanos que os soltaram como animais de estimação. Se há evidencia (de) que o Callithrix spp. compete com/ou ameaça os MLDs, sou favorável ao controle de população.”

(entrevistado 6)

“Não conheço o grau de risco de extinção do C. penicillata, mas se não existir risco de extinção para esta espécie, sou favorável à intervenção humana em prol

dos MLDs, visto a situação de risco dos MLDs. Se o C. penicillata estiver em risco de extinção, entendo que deveria haver uma interferência humana em prol

das duas espécies.” (entrevistado 4)

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“Primeiramente, não me parece óbvio que a simples presença dos C. penicillata não caracterize a espécie como invasora; se ela ocorrer em desequilíbrio e

prejudicar o estabelecimento e o crescimento de outras espécies sim. Estudos ecológicos envolvendo a influência dos sagüis sobre outras espécies, e não

somente sobre os MLD, devem indicar se a espécie se comporta como invasora. A interferência humana deve ser recomendada a partir de um estudo de impacto

sobre o ambiente (outras espécies animais, como aves; na dispersão ou predação de sementes etc.), e não somente a partir da interação sagüi x MLD.”

(entrevistado 5)

Esta questão reflete o quão solidamente está interiorizada a percepção negativa em

relação as espécies “invasoras” como, também, se vê reiterado o valor atribuído à visão

sistêmica (como na anterior), representada pelos 100% de concordância em proteger as

espécies ameaçadas. Outros valores poderão estar presentes, como o atribuído à raridade de

algo; considerando, contudo, o envolvimento destes agentes com a conservação dos MLDs, o

valor principal, aqui, parece estar estabelecido na biodiversidade.

Diante do cenário de alto impacto (causado pelos sagüis no crescimento das

populações de MLDs) a opção eutanásia sobressaiu da seqüência – eutanásia, esterilização,

repatriação e confinamento – pelo aparecimento de respostas textuais com considerações

morais (não técnicas) por parte de dois agentes que, nas demais opções, voltam a responder

sem que se percebam referências de cunho moral (mas com ressalvas sobre as dificuldades

técnicas). Este fato – o aparecimento de preocupações morais nesta opção – deve-se,

possivelmente, ao peso ‘quase universal’ que recai sobre o gesto de assumir o ‘cancelamento

de uma vida’, mesmo que não humana (dilema vivido freqüentemente pelos veterinários e

bem-estaristas).

Interessante notar como o valor moral aparece em uma situação que prevê a morte de

indivíduos e se vê reduzido nas situações em que as ações não são letais; isto salienta o

desnível entre o ato de valorizar a vida e certa complacência em relação a algum sofrimento

não-letal imposto a estes indivíduos.

Ainda assim, a preocupação moral com a eutanásia não deixa de indicar uma abertura

para um olhar valorativo direcionado ao indivíduo, o que, em termos gerais, compete com a

ótica sistêmica. Vale lembrar aqui que, como salientado por Varner (1998), existe a

possibilidade de convergência entre estas visões, em situações bem determinadas como citado

anteriormente.

No caso do esquilo cinza americano introduzido no continente Europeu (Genovesi e

Bertolino, 2001), houve um esforço rápido para tentar evitar as fases seguintes do processo de

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invasão erradicando os primeiros grupos de invasores. Este caso mostrou tanto a valoração

sistêmca por parte da equipe de cientistas (como visto nas primeiras respostas dos

entrevistados), como a valoração biocêntrica (valor da vida individual) por parte do grupo de

proteção animal cuja rejeição ao programa de erradicação da espécie invasora transformou o

assunto em um caso jurídico. Este caso foi paradigmático como exemplo de um conflito que

redefiniu um determinado cenário, pois depois de meses de embate jurídico, o avanço no

processo de invasão tornou inviável uma erradicação efetiva, restando alternativas mais

custosas, e de médio e longo prazo. Esta situação real reforça a necessidade da discussão

sobre urgências e conseqüências. Um argumento em defesa do programa de erradicação

poderia ter sido montado previamente usando a idéia de Singer (1994), onde mais indivíduos

sofrerão pelos programas de controle depois de estabelecida a espécie invasora, do que no

caso de uma ação rápida e eficaz (Mack et al., 2000; Simberloff, 2003).

Um trabalho feito dento da própria ReBio (Morais-Júnior et al., 2008) discute o

dilema entre as ações rápidas de erradicação dos sagüis na Rebio, como sugerida por (Mack et

al., 2000; Genovesi e Bertolino, 2001; Allendorf e Lundquist, 2003; Simberloff, 2003), e o

controle a longo prazo, considerando as diferentes situações dos diferentes fragmentos. Um

ponto interessante levantado por estes autores é o principio de precaução que, somado ao

universo de exemplos de danos ambientais causados por espécies invasoras, seria suficiente

para contrariar os argumentos da necessidade de pesquisas comprobatórias do caráter invasor

e agir de forma preventiva ou imediata, corroborando com Simberloff (2003). Eles sugerem a

inversão do ônus da prova para os sagüis.

Também aqui, vale considerar a opção utilitarista da convergência trabalhada por

Varner (1998), caso se possa alegar que a supressão das vidas dos sagüis de forma rápida e

efetiva evitaria sofrimentos de um número maior de indivíduos (para novos nascimentos de

sagüis) a médio e longo prazo (o que incluiria a ética do não malefício de Regan (1983)),

assim como para as demais espécies.

Por outro lado, se pensarmos na hipótese de que um fragmento de floresta (dentre

vários que existem no local, que fosse isolado, suficientemente extenso em área, e em uma

área vista como não prioritária para os MLDs) poderia ser disponibilizado para translocar

algumas populações de sagüis parece que caímos na ressalva feita pelo próprio Singer (apud

Varner 1998) que condiciona as soluções letais (como a caça terapêutica) ao esgotamento de

alternativas menos danosas.

Uma situação assim ainda satisfaria a maior aprovação desta ação (translocação) entre

os entrevistados. A oposição entre a declarada preferência pelo valor da biodiversidade e a

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possível valoração individual, que aparece na aceitação da opção de translocação, talvez seja

a expressão de um padrão como o da ética de estilo formal kantiano, onde o sacrifício de

animais sencientes pode ser considerado, intimamente, como uma ação incorreta em si. O

holismo do bem-estar (Nelson 2004) seria uma alternativa capaz de acolher estes dois valores,

apesar das contradições inerentes.

A preferência dada à opção de translocação sugere uma valoração atribuível à vida

destes primatas (biocentrismo) e contrasta com as respostas textuais que lhes negaram um

direito individual, ou com as que demonstraram uma valoração prioritária dos ecossistemas

(ecocentrismo, quando tomado em sua forma “radical”). Ainda considerando os valores

atribuídos às opções menos agressivas, parece aceitável dizer que haveria um consenso entre

os entrevistados se houvesse a alternativa de repatriar estes animais de volta ao seu habitat

natural, onde estivesse garantido as verbas necessárias e florestas para recebê-los. Se isto

estiver correto, mesmo entre os mais convictos da defesa ambiental, significa dizer que existe

um valor não completamente assumido (entre alguns entrevistados) em nível individual.

A opção de esterilização teve um alto grau de rejeição, uma vez que a técnica já foi

testada no local e se mostrou pouco eficaz (dados não publicados), evidenciando a distância

entre suposição teórica e realidade. O mesmo não aconteceu com a opção de repatriação, que

teve boa aceitação, com apenas um entrevistado se mostrando contra por motivos técnicos. A

aceitação da opção translocação parece refletir uma expectativa de ação ideal onde se

devolve a uma população expatriada o seu direito de viver em um habitat original; contudo,

cinco (entre seis) respostas, mostraram preocupações técnicas acerca da viabilidade desta

opção, o que também denota o reconhecimento das dificuldade reais envolvidas em um

contexto deste tipo, como descritas por Beck (1987), Mack (2000) e Simberloff (2003).

A opção referente ao confinamento dos sagüis como alternativa de destino para estas

populações também não teve a mesma aceitação da opção de translocação, questão (se haveria

restrições ao confinamento dos sagüis), também, visivelmente marcada por preocupações

técnicas e de bem-estar animal;

“Como a população fora da distribuição é muito grande, é pouco provável que haja instituições suficientes para receber estes animais. E também por

questões de bem-estar animal.” (entrevistado 1)

“Sim, acho que poderia ser uma das opções para diminuir o número de indivíduos nas áreas do MLD.” (entrevistado 2)

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“Tenho sérias restrições. Não dispomos de locais adequados, pessoal qualificado, e recursos disponíveis para um programa em cativeiro em larga

escala.” (entrevistado 3)

“Não, se houver espaço suficiente nas instituições de pesquisa e os animais não forem utilizados para pesquisas que impliquem em sofrimento dos

animais.” (entrevistado 4)

“Em princípio não, mas há questões fundamentais a considerar: a) que organização manteria esses animais? b) com que recursos? c) há mão de obra

especializada para manter esses animais? d) com que finalidade eles permaneceriam em cativeiro, e – o mais importante! – e) qual a destinação

final desses animais?” (entrevistado 5)

“Não é uma opção ruim, mas os grupos de direitos animais podem protestar” (entrevistado 6)

Uma questão chave deste questionário é: A defesa da biodiversidade vale o sacrifício

de indivíduos? Esta questão obteve resposta positiva de todos os respondentes (n=6),

evidenciando concordância total relativa à prevalência da biodiversidade em relação aos

indivíduos. Igualmente, entre os entrevistados que responderam à segunda parte da questão

(n=5), relativa à existência de uma hierarquia de valor aplicável à diversidade ecológica,

houve unanimidade na discordância com essa possibilidade (existência de uma hierarquia).

Um respondente não deixou clara sua opinião sobre este aspecto.

Este resultado merece atenção, pois ressalta a ressonância dos valores das instituições

conservacionistas (que em maior ou menor medida assumem uma postura de valores que

privilegiam os ecossistemas em relação ao indivíduos que o compõe) com os revelados nas

entrevistas. Outro aspecto evidenciado, através desta questão, é o fato de que o consenso de

proteção, dada em primeiro lugar aos ecossistemas, não se repete em relação ao modo de

realizar esta proteção, tanto por desacordos de ordem técnica como ética.

Interessante notar a composição da aceitação da postura igualitária quando relativa à

valoração não hierarquizada entre as espécies (como a defendida por Taylor (1985)), com a

consonância da supremacia da biodiversidade. De fato, o igualitarismo de Taylor parece fazer

uma interface com a visão sistêmica, uma vez que, quando todos os indivíduos têm o mesmo

valor cria-se uma totalidade.

Um tipo de pergunta, discutida no capítulo 1, pode realçar um contraste ainda não

trabalhado sobre a hierarquização valorativa das espécies: Simberloff (2003) faz referência a

um caso bem sucedido de erradicação de uma espécie invasora, sendo, neste caso, o de uma

espécie de invertebrado marinho (poliqueta) que parasita as conchas de gastrópodes (Culver e

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Kuris, 2000), o que abre espaço para a pergunta: – O quanto nos sentiríamos realmente

compelidos a evitar o extermínio destes invertebrados?

Existe uma relevância para o caso dos sagüis que está isenta para os poliquetas?

Quando perguntado se haveria uma hierarquização de valores entre os táxons da árvore

evolutiva, todos os entrevistados (menos um – indefinido) concordaram que não há

hierarquia. Caso assumamos, intimamente, que um questionamento, como o feito até aqui

(impulsionado pelo caso específico dos sagüis versus MLDs como primatas), padeceria de

motivação se o caso fosse o dos invertebrados mencionados, seria necessário concordar com

Agar (2001) em sua afirmação sobre a estável aderência da valoração aos padrões

psicológicos, uma vez que foi negada a possibilidade de uma valoração hierarquizada, como

proposta por Varner (1998).

Quando tomados individualmente, os entrevistados se mostraram, de modo geral,

bastante coerentes em suas respostas quando testadas pelas ‘nuances’ das perguntas. Houve

dois entrevistados cujas respostas todas se ativeram exclusivamente aos aspectos técnicos das

hipóteses, exceto por uma momentânea observação, em um deles, concernente ao bem-estar

dos sagüis na opção de confinamento. Afora isso, os dois mencionados não se distanciaram da

defesa da biodiversidade. A postura aparente neste caso aparece mais de acordo com o

cientificismo – e com a defesa feita por Monod (1970), onde se postula o valor ditado pelas

informações cientificas – do que com uma visão ecossistêmica como a de Leopold (1949),

onde o valor individual não é ignorado; vale ainda dizer que o trabalho de Varner (1998)

defende o valor individual com argumentos bastante sólidos, do ponto de vista científico

(ausentes nas respostas dos entrevistados).

Outros dois entrevistados, que apresentaram preocupação relativa ao bem individual

dos animais, a mantiveram-na com poucas contradições, sendo um destes mais estável e claro

em sua preocupação expressa com o bem-estar animal. Ainda assim admite, na situação de

alto impacto, como primeira e segunda opções, confinar e eutanasiar os sagüis, afirmando que

o valor individual não deve se sobrepor ao valor do coletivo. Neste caso pode haver uma

coerência com a postura do holismo do bem-estar, embora não fique claro se o valor do

coletivo se dá por uma questão quantitativa ou pelo valor das relações que se estabelecem; o

segundo, entre esses últimos, afirma ter preocupações éticas no que concerne à eutanásia; no

resto das respostas, contudo, sua preocupação com os indivíduos mostrou-se muito diluída.

Diante da possibilidade de atribuir direitos individuais aos micos sua resposta foi negativa:

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“Não acho possível, pois os direitos individuais representam uma questão cultural; as decisões envolvendo sagüis e MLD devem ser tomadas a partir de estudos ecológicos”.

Dos entrevistados restantes, um manteve uma postura científica sem menções a

questões éticas, até as perguntas tratarem este tema de forma explicita. A partir deste ponto

aparece em suas respostas alguma consideração de ordem individual em relação aos micos; o

outro entrevistado marcou preocupação constante com alternativas melhores que as

apresentadas, aparentemente por motivos de bem-estar; isto, contudo, não foi textualizado de

forma explicita em nenhum momento.

Assumindo uma postura antropocêntrica pode-se argumentar, como visto no Capitulo

1, que retirar os sagüis (independente do método) do território reservado ao programa de

conservação dos MLDs é uma ação em defesa da manutenção da biodiversidade geral do

planeta que, por sua vez, garante as condições de uma vida saudável e agradável para as

gerações presentes e futuras. Há três problemas gerados a partir desta atitude: (1) não se pode

deixar de definir o bem dos seres humanos pelo qual se realiza a ação de conservação da

biodiversidade – capacidades cognicentes, projetos estruturantes, capacidade de sentir dor e

prazer – que lhes atribui valor moral; (2) explicar a exclusividade destes atributos aos seres

humanos, portanto completamente ausentes nos demais seres vivos; (3) negar o postulado de

Warnock (1971) de que a ação incorreta não depende das qualidades do paciente, mas da

capacidade do agente de lhe causar dano.

Assumir uma postura biocêntrica hierárquica utilitarista, aceitando a argumentação de

Varner (1998) e Agar (2001), não permite uma conclusão imediata, devido à igualdade entre

os sagüis e MLDs; isto implica em defender o manejo dos primeiros por motivos indiretos

relativos ao “bem maior total de outros grupos”. Os problemas relacionados nesta empresa

são: (1) explicar por que as qualidades referentes aos humanos merecem consideração maior

que as dos outros seres igualmente adaptados a atualidade, e resolver o problema de que este

postulado é determinado pelos próprios beneficiários; (2) os callitriquideos ganham uma

grande quantidade de relevância moral pelo seu alto posto na hierarquia tornando obrigatório

buscar as alternativas que lhes causem benefício ou o menor impacto; (3) satisfeita a condição

anterior e, lembrando que os interesses dos primatas devem ser privilegiados em relação aos

grupos inferiores na hierarquia (o que permitiria que eles ocupassem um fragmento de floresta

apesar do impacto a estes grupos), deve-se buscar as alternativas que causem menores danos

aos interesses dos grupos inferiores; (4) a grande quantidade de pesquisa necessária;

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A posição ecocêntrica se divide em ecocentrismo lógico e ecocentrismo do bem-estar

(Nelson 2004). Assumir o primeiro permite manejar as populações de sagüis, sem maiores

contradições, em defesa da biodiversidade, como um bem relacionado ao todo onde esse bem

depende do estabelecimento de relações saudáveis entre as partes. As dificuldades

relacionadas a esta postura são: (1) delimitar o “todo” e lidar com o paradoxo relativo ao que

está fora do todo; (2) se os indivíduos se definem em suas relações, um ser vivo deslocado de

seu contexto perde identidade individual; (3) a subordinação individual ao coletivo cria a

situação denominada por Regan (1983) como “fascismo ambiental”, além do fato de quem

define o “bem do todo” são alguns poucos indivíduos (esta postura se assemelha à que

apareceu nas respostas especialmente de 3 entrevistados)

Assumir o ecocentrismo do bem-estar mantém as premissas de valoração das relações

do anterior, mas cria uma abertura para a valoração individual. Se esta abertura, por um lado,

relativiza os entraves 1 e 2 anteriores, por outro, ela cria um jogo ambivalente de valores

conflitantes.

A posição biocêntrica igualitária não é compatível com os problemas imediatos de

conservação ambiental.

Conclusão

A presença do sagüis no entorno da Reserva Biológica do Poço das Antas suscita

divergências de ordem valorativa, definindo um terreno com grande potencial de escrutínio do

ponto de vista filosófico.

As diferentes posturas éticas surgidas diante do conflito entre sagüis e MLDs

apresentam argumentações que lhes fortalecem, assim como pontos de visível fragilidade.

Contudo, a análise mais detalhada destas argumentações é capaz de evidenciar conteúdos

suficientemente sólidos para elevar a discussão a patamares bastante mais sustentáveis, tanto

do ponto de vista científico quanto do ético, permitindo, no mínimo, garantir um respaldo

teórico mais elaborado e coeso para as ações que deverão ser tomadas.

Todos os conflitos e contradições observados entre os autores mencionados no

trabalho, assim como todas suas convergências e confluências de opiniões, premissas e

conclusões assinalam:

1. A inexistência de um só objeto formal em estudo – biologia animal, ecologia, ética,

geografia social, humana, etc..

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2. A sucessiva ocorrência de coincidências não conclusivas assinala um conjunto

grande de cortes epistemológicos que sempre antecedem a emergência de um domínio

científico novo, original numa ruptura epistemológica propriamente dita. (como as

observações e hipóteses astronômicas seculares que antecederam as rupturas de Kepler e

Galileu, fundantes da astronomia científica moderna; a fundação da química moderna pela

ruptura emergente entre as estruturas atômicas de Dalton e de Rutherford);

3. A possível emergência, em um futuro próximo, de um ou mais domínios científicos

novos, diferenciados, caracterizados por um novo objeto formal abstrato, que receberá um

novo nome como, “Teoria do Valor Vital”, ou “Teoria do Valor Biológico Diferencial”, ou

qualquer outra denominação que, neste momento pré-fundante, não passa, ainda, de

especulação prospectiva.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O embate entre ética e o conhecimento científico não é recente e muito já se escreveu

sobre este assunto; velhos dilemas, contudo, são sempre renovados pelas apreensões e

urgências do presente e as expectativas para o futuro. Cada vez mais surgem publicações no

meio acadêmico que mesclam o saber científico com alguma discussão filosófica, relacionada

muitas vezes ao caráter ético envolvido em uma determinada pesquisa. Já não é fácil manter

um discurso isolado dentro de apenas uma área do saber, todavia, a “verdade cintífica” ainda

é, com freqüência, defendida de forma dogmática nos diversos centros do conhecimento; e

não é diferente no universo das ciências biológicas. Essencialmente, a discussão feita no

Capítulo 1 busca reconhecer as bases da estruturação do questionamento ético, justamente

para dar uma sustentação minimamente aprofundada de toda discussão feita sobre os dilemas

ambientais atuais, em particular das questões envolvendo espécies invasoras e,

especificamente, da questão ética envolvida no contexto da Reserva Biológica do Poço das

Antas – RJ.

Fato interessante, que demonstra o alastramento da mediação filosófica para dentro

das ciências ambientais, é o surgimento da questionamento ético dentro do Programa de

Conservação do Mico Leão Dourado, questionamento endógeno e, portanto, legítimo. O

aporte teórico filosófico necessário para permitir o desenvolvimento de questões éticas

relacionadas a um problema científico implica, obviamente, em buscar uma fundamentação

fora do modelo empirista das ciências positivas, o que implica em dominar minimamente uma

outra linguagem, não menos complexa, a da filosofia.

Tanto o vasto e intrincado universo teórico-argumentativo trabalhado no primeiro

capítulo, quanto a diversidade interpretativa sobre o conflito entre sagüis e MLDs que aparece

no segundo indicam a necessidade de se acolher a contribuição inevitável da análise filosófica

(sobre o objeto, o método, os resultados e as projeções da ciência); indicam, em

conseqüência, a necessidade de dominar um conhecimento filosófico-histórico que permita,

ao menos, o diálogo com a crítica que surge a partir dele – diálogo feito, forçosamente, de

forma filosófica.

O embate teórico aqui desenvolvido se aplica a todas as situações onde a introdução

de espécies exóticas possibilitam o desenvolvimento do seu caráter invasor, fazendo emergir

uma questão moral. Fica claro, porém, que vistos de perto cada caso gera nuances que podem

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ser decisivas na estruturação das estratégias de ação, tanto do ponto de vista técnico teórico,

quanto do ponto de vista ético.

Se, por um lado, o contexto deste trabalho é apenas mais um dentre inúmeros onde

aparecem dilemas morais, por outro, devemos reconhecer o vasto campo de argumentações

específicas que se abrem aqui, de forma exclusiva, para as particularidades do caso.

Algumas ações já foram tomadas no sentido de manejas as populações de sagüis,

contudo haverá ainda novas investidas neste sentido.

Acredito que este trabalho possa colaborar de forma efetiva diretamente dentro da

situação real e prática levantada pelo presença dos sagüis na território destinado à recuperação

das populações de MLDs, fornecendo um arcabouço teórico acessível para os agentes

decisórios e adicionando uma elaboração mais aprofundada das questões éticas atávicas ao

contexto.

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124

APÊNDICES

APÊNDICE 1 – Questionário.

QUESTIONÁRIO – SAGÜIS & MICOS LEÕES DOURADOS

INTRODUÇÃO:

A Reserva Biológica do Poço das Antas foi criada no ano de 1974 com um objetivo de

ajudar a salvar o Mico-Leão-Dourado (MLD) da extinção. Desde então constata-se resultados

de aumento da população desta espécie.

Nesta mesma região coexistem com os MLDs outras espécies de primatas não originais da

área, conhecidas como Micos-Estrelas ou Sagüis. Desde 1985 estes animais têm sido

registrados no entorno Reserva. Os sagüis têm-se mostrado uma espécie adaptável em habitats

diversos e pode representar uma ameaça à manutenção das populações dos MLDs.

Este questionário é parte de uma pesquisa de mestrado que visa colaborar com o manejo

dos problemas e soluções referentes a um possível conflito entre estas duas espécies. Por

favor, informe:

Nome:______________________________________________________________

Instituição:__________________________________________________________

Cargo:______________________________________________________________

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125

Considerando as seguintes possibilidades do impacto dos Sagüis e as ações sugeridas, o Sr.(a)

defenderia que tipo de atitude em relação a estes primatas presentes no entorno da Reserva

Biológica do Poço das Antas.

Por favor, enumere de 1 (primeira opção) a 6 (ultima opção) cada coluna, de acordo com

sua preferência de ação. (Em caso de dúvida veja o exemplo na última página)

Quadro 1:

IMPACTO

(dos sagüis)

AÇÃO

Alto

impacto

Diminuição

rápida da

pop. MLD

Médio

impacto

Diminuição

lenta da

pop. MLD

Baixo

impacto

Não há

crescimento

da pop.

MLD

Baixo

impacto

Crescimento

lento do

MLD

Sem

impacto

Crescimento

da pop.

MLD

independente

Interação

positiva

Colabora

com a

preservação

do MLD

Monitorar

Esterilizar

Não tomar

nenhuma

atitude

Confinar

Eutanasiar

Translocar

Monitorar – Dar continuidade às pesquisas relacionadas às duas espécies, sem interferir com controle de

população.

Eutanásia – Captura e sacrifício dos animais de acordo com os padrões técnicos referentes ao sacrifício de

mamíferos.

Translocação (repatriar) – Captura e soltura nos habitats originais do sagüi. Importante considerar custos

financeiros e físicos.

Confinamento – Captura e confinamento em cativeiros de instituições de pesquisa.

Esterilização – Captura e procedimentos cirúrgicos (vasectomia) nos machos ou esterilização química nas

fêmeas..

Não tomar nenhuma atitude – ignorar a presença dos sagüis e manter o programa dos MLDs.

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126

Considere as seguintes possibilidades:

1. Não é obvio que os sagüis possam ser considerados como espécie invasora, uma vez que

a espécie C. penicillata (sagüi) tem seu habitat muito próximo ao do MLD. O senhor(a)

mudaria de opinião em relação aos sagüis nesta situação? Ou acha que, apesar da possível

“naturalidade” deste encontro e conflito, deve ocorrer uma interferência humana em prol dos

MLDs? Por favor explique.

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

2. Caso considerarmos os sagüis como invasores e prejudiciais aos Micos Leões, o Sr.(a)

teria alguma restrição, e qual se afirmativo:

* A um programa de eutanásia dos sagüis?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

* A um programa de esterilização dos sagüis?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

* A um programa de translocação e repatriação dos sagüis?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

* A um programa de confinamento em cativeiros dos sagüis?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

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127

3. Se estudos indicassem que um grupo de Micos Leões estivesse ameaçando uma

comunidade humana por algum motivo como transmissão de doenças graves, qual ação o

Sr.(a) teria como preferencial em relação estes micos? Eutanásia, esterilização, confinamento,

translocação, monitoramento e controle?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

4. Se a pergunta feita fosse relativa a dois grupos humanos isso envolveria instantaneamente

a questão dos direitos individuais, o que de fato complicaria muito as ações entre humanos. O

Sr.(a) acha que seria possível atribuir direitos individuais a outros primatas como aos Sagüis e

Micos Leões? Por quê?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

5. Para o Sr.(a) a defesa da biodiversidade vale o sacrifício de indivíduos? Caso afirmativo,

haveria uma hierarquia de valor entre as espécies “mais evoluídas e menos evoluídas” (ex.:

mamíferos valendo mais que moluscos)

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

6. O Sr.(a) acha que o fato dos MLDs serem uma atração turística e potencialmente trazerem

benefícios econômicos para a região aumenta necessidade de proteção à esta espécie?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

7. Em relação aos setores envolvidos:

* Associação do Mico Leão Dourado (AMLD)

* IBAMA e Instituto Chico Mendes

* Prefeituras de Silva Jardim e Casimiro de Abreu

* Associação de Moradores de Silva Jardim e Casimiro de Abreu

* Pesquisadores (varias instituições)

* Sociedade Protetora dos Animais

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128

1. Quem deveria tomar a decisão?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

2. Caso você tenha respondido todos os setores juntos quem deveria iniciar a discussão?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

3. A sociedade deveria ser informada sobre a decisão?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

4. A sociedade deveria ser informada sobre a posição de cada setor quanto a essa decisão?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

5. A sociedade deveria ser consultada abertamente sobre uma possível solução?

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

Muito obrigado pela sua colaboração.

PS - Este questionário tem como objetivo apurar o posicionamento das pessoas e

entidades envolvidas neste caso, levantando possíveis concordâncias e discrepâncias

teóricas entre eles, com o intuito de clarear este possível conflito sob o foco das correntes

atuais da ética ambiental, e no sentido de colaborar com uma discussão ética relativa às

possíveis ações atribuíveis ao caso.

É importante salientar que este questionário não pretende direcionar ou fazer

prevalecer nenhuma determinada defesa teórico – prática, e sim dar espaço para que

seja feita uma ampla discussão para que qualquer ação que venha a ser tomada esteja

amparada em conhecimentos éticos e suas responsabilidades.

Rodrigo Salles de Carvalho

Aluno de mestrado do Programa de Pós Graduação em Ecologia da UFJF – MG

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129

Quadro de exemplo:

IMPACTO

(dos sagüis)

AÇÃO

Alto

impacto

Diminuição

rápida da

pop. MLD

Médio

impacto

Diminuição

lenta da

pop. MLD

Baixo

impacto

Não há

crescimento

da pop.

MLD

Baixo

impacto

Crescimento

lento do

MLD

Sem

impacto

Crescimento

da pop.

MLD

independente

Interação

positiva

Colabora

com a

preservação

do MLD

Monitorar 1 3 1 4 5 1

Esterilizar 6 4 2 5 4 4

Não tomar

nenhuma

atitude

3 1 3 6 6 6

Confinar 2 2 6 1 3 2

Eutanasiar 4 5 5 2 2 4

Translocar 5 6 4 3 1 3

(a numeração escolhida neste exemplo foi arbitrária)

(lembrando que as seqüência deve ser feita por coluna e não por linha)

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APÊNDICE 2 – Tabelas feitas a partir das seis situações (colunas) que aparecem no “Quadro 1” , mostrando a ordem de preferência de cada um dos 6 entrevistados em cada situação.

“Quadro 1” Alto

impacto

Entrevistados AÇÕES

Nada monitorar translocar confinar esterilizar eutanaziar 1 6 3 5 4 2 1 21 2 6 1 3 2 4 5 21 3 6 4 5 3 2 1 21 4 6 5 4 1 3 2 21 5 6 5 2 1 3 4 21 6

SOMA 30 18 19 11 14 13 105

“Quadro 1” Médio

impacto Entrevistados AÇÕES Nada monitorar translocar confinar esterilizar eutanaziar 1 6 3 5 4 2 1 21 2 6 1 4 3 2 5 21 3 6 4 5 3 2 1 21 4 6 5 2 1 3 4 21 5 6 5 2 1 3 4 21 6 SOMA 30 18 18 12 12 15 105

“Quadro 1” Baixo

impacto Entrevistados AÇÕES Nada monitorar translocar confinar esterilizar eutanaziar 1 6 3 5 4 2 1 21 2 6 1 2 4 3 5 21 3 6 3 5 4 1 2 21 4 6 4 2 1 3 5 21 5 6 4 3 2 1 5 21 6 SOMA 30 15 17 15 10 18 105

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“Quadro 1” Baixo imp.+

Entrevistados AÇÕES Nada monitorar translocar confinar esterilizar eutanaziar 1 5 2 4 3 1 6 21 2 6 1 2 3 4 5 21 3 6 2 5 4 1 3 21 4 6 1 3 2 4 5 21 5 6 1 4 3 2 5 21 6 SOMA 29 7 18 15 12 24 105

“Quadro 1” sem

impacto Entrevistados AÇÕES Nada monitorar translocar confinar esterilizar eutanaziar 1 2 1 4 5 3 6 21 2 6 1 3 2 4 5 21 3 6 1 5 2 3 4 21 4 2 1 3 5 4 6 21 5 2 1 5 4 3 6 21 6

SOMA 18 5 20 18 17 27 105

“Quadro 1” Interação positiva

Entrevistados AÇÕES Nada monitorar translocar confinar esterilizar eutanaziar

1 2 1 4 5 3 6 21 2 6 1 3 2 4 5 21 3 4 1 6 2 3 5 21 4 2 1 5 4 3 6 21 5 2 1 5 4 3 6 21 6

SOMA 16 5 23 17 16 28 105

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ANEXOS

ANEXO 1: Mapeamento das RPPNs no entorno da Reserva Biológica do Poco das Antas e da Reserva Biológica da Uniao

APA do entorno da Reserva Biológica do Poço das Antas, RJ

(fonte AMLD)

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ANEXO 2: Presença dos sagüis nas áreas reservadas ao programa de conservação do

mico-leão-dourado, no entorno da Reserva Biológica Poço das Antas – RJ.

Mapa da região Norte -Fluminense do Estado do Rio de Janeiro

Fonte: AMLD

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