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Universidade Federal de Juiz de Fora Pós-Graduação em Educação Mestrado em Educação Marina Furtado Terra ESPAÇO E EDUCAÇÃO: CARTOGRAFIA DE SINGULARIDADES EM UM BAIRRO DE JUIZ DE FORA/ MG Juiz de Fora 2012

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Universidade Federal de Juiz de Fora Pós-Graduação em Educação

Mestrado em Educação

Marina Furtado Terra

ESPAÇO E EDUCAÇÃO: CARTOGRAFIA DE SINGULARIDADES EM UM BAIRRO DE JUIZ DE FORA/ MG

Juiz de Fora 2012

1

MARINA FURTADO TERRA

ESPAÇO E EDUCAÇÃO: CARTOGRAFIA DE SINGULARIDADES EM UM BAIRRO DE JUIZ DE FORA/ MG

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação: área de concentração em Educação Brasileira: Gestão e Práticas Pedagógicas da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Sônia Maria Clareto.

JUIZ DE FORA 2012

2

MARINA FURTADO TERRA

ESPAÇO E EDUCAÇÃO: ENCONTROS COM AS SINGULARIDADES DE UM BAIRRO DE JUIZ DE FORA/ MG

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação: área de concentração em Educação Brasileira: Gestão e Práticas Pedagógicas da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Educação.

_______________________________________________ Profª. Drª. Sônia Maria Clareto (Orientadora)

Programa de Pós-graduação em Educação - UFJF

_______________________________________________ Prof. Dr. Vicente Paulo dos Santos Pinto

Programa de Pós-graduação em Educação - UFJF

_______________________________________________ Profª. Drª. Margareth Aparecida Sacramento Rotondo

Programa de Pós-graduação em Educação - UFJF

_______________________________________________ Prof. Dr. Silvio Donizetti de Oliveira Gallo

Programa de Pós-graduação em Educação - UNICAMP

JUIZ DE FORA 2012

3

Friedrich Nietzsche. O Anticristo. 1894.

4

RESUMO

O presente trabalho se propõe a investigar pistas para problematizar a noção de espaço na Educação. Para isso são realizados, fundamentalmente, três exercícios: o de problematizar o conceito de espaço; o de cartografar um bairro da cidade mineira de Juiz de Fora se produzindo como espaço educativo, junto a um projeto em ação neste bairro; e, ainda, o exercício de construção da escrita da dissertação. A noção de espaço hegemônica na modernidade exclui elementos do sensível e suas singularidades, vivenciados no cotidiano. Investir na noção de devir-criança do espaço proporcionou visibilidade aos acontecimentos. Este exercício cartográfico se mostrou um campo fecundo de investigação e buscou ampliar encontros para um exercício de pensamento que impulsionasse a produção de conhecimento. Vai-se à esteira do pensamento da diferença com o francês Gilles Deleuze, que a partir da abertura do alemão Friedrich Nietzsche, propõe o conhecimento não como fruto da relação de sujeito/objeto, e sim, como efeito de relações de forças, que por sua vez configuram modos de existir. Que modos outros de existir estão se configurando? Investe-se numa configuração de forças que se distancia de uma certa noção moderna de espaço e, com isto, propõe-se compor uma reflexão sobre os desafios da educação da e na atualidade. Palavras-chave: Espaço. Educação. Filosofias da Diferença.

5

ABSTRACT

The present study aims to investigate clues to problematize the notion of space in education. To this are made, essentially, three exercises: to problematize the concept of space, the mapping of a mining district in the city of Juiz de Fora is producing as educational space, along with a project at work in this neighborhood, and also the building exercise of writing the dissertation. The notion of space in modern hegemonic rule of the sensitive elements and their singularities, experienced in everyday life. Investing in the notion of becoming-child of the space provided visibility to events. This mapping exercise has proved a fertile field for research and sought to expand to meet a thinking exercise that boosts the production of knowledge. Go to the mat with the thought of the difference Frenchman Gilles Deleuze, who from the opening of the German Friedrich Nietzsche proposes knowledge not as a result of the relationship of subject / object, but rather as an effect of power relations, which turn shape modes to exist. What other ways are there setting? Invests in a setting that forces a certain distance of the modern notion of space and, thus, intends to write a reflection on the challenges of education and at present. Key-words: Space. Education. Philosophies of Difference.

6

SUMÁRIO

Arial......................................................... 7, 8, 9, 10, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 48, 49, 50, 52, 55, 56, 57, 59, 60, 61, 62, 64, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 77, 78, 79, 80,81, 82

Lucida Handwriting……............... 8, 17, 18, 20, 22, 25, 27, 30, 31, 32, 37, 38, 48, 52, 53, 58, 59, 62, 63, 64, 70, 74, 76, 79, 80

French Script…………………...........… 8, 11,12, 13, 14, 15, 28, 29, 30, 36, 41, 42, 45, 46, 47, 48, 51, 54, 57, 58, 74, 75, 76

Forte…………...........……………………. 31, 32, 34, 55, 75, 76, 78, 79

Times New Roman……………............... 8, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 26, 27, 56, 57, 64, 65, 66, 77

Calibri ..................................................... 9, 36, 37, 41, 42, 53, 54, 55, 57, 58

Itálico....................................................... 7, 8, 10, 22, 27, 30, 31, 32, 38, 39, 40, 43, 44, 50, 52, 64, 68, 70, 73, 77, 78, 80, 81, 82

Negrito.................................................... 9, 10, 15, 28, 31, 33, 39, 42, 43, 44, 60

11, 18, 23, 24, 35, 41, 49, 62, 63, 69, 82

Referências.............................................

83, 84, 85, 86, 87, 88.

7

O presente texto pretende problematizar a noção de espaço na Educação.

Busca assim construir um campo investigativo em torno do conceito de espaço. Para

isso são realizados três grandes exercícios. O primeiro deles, o exercício de

problematizar o conceito de espaço, se desdobra em dois movimentos: a discussão

em torno dos pressupostos que produzem o espaço compreendido como continente

e como relacional. Nossa ocupação está em torno dos pressupostos que produzem

o conceito de espaço e como esses constituem possibilidades de existência. Há,

ainda, uma aposta em uma noção que se mostrou potente para este trabalho: o

devir-criança do espaço. A intenção é construir uma teia conceitual capaz, não de

espelhar a realidade, mas de nomear a realidade que se constitui no momento em

que nos colocamos como designador naquele espaço. Buscamos mais provocar o

movimento que definir uma categoria.

Outro exercício é o de cartografar um bairro da cidade mineira de Juiz de Fora

se produzindo como espaço educativo, junto a um projeto, em ação neste bairro.

Procura-se focar a questão do espaço a partir da visada do campo empírico de

investigação, na imanência do que está sendo vivido ali. É a descrição dos

acontecimentos, uma descrição no sentido de ficar colado ao que acontece. A

cartografia do campo invade os outros dois exercícios e por ela são invadidos.

Há, ainda, o exercício de construção da escrita desta dissertação. Como a

escrita vai compondo o formato e dialogando o campo empírico com as discussões

teóricas acerca do espaço? Fala-se de como a pesquisa vai sendo composta, e

como conceitualmente o campo vai operando na escrita. A tentativa de construção

do texto é a de narrar um movimento de pesquisa que constitui o pesquisador.

Escreve-se para se tornar alguma coisa. Um perigo. Lê-se para se tornar alguma

coisa. Outro perigo. De uma escrita como registro para a escrita como expressão,

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intensidade. Uma escrita inesperada, fluida, solta, aberta ao diálogo com/à livre

interpretação do leitor. A escrita e como produzir uma metodologia para fazê-la já é

um processo investigativo. Um texto que se quer em movimento: como formatos e

conteúdo se com-fundem1?

Os exercícios não são apresentados em sequência, nem como pré-requisito

um ao outro. O texto vai se compondo por fragmentos diversos. Letras, formas e

imagens vão se intercalando num exercício de pensar o espaço e num exercício de

habitar a escrita. A leitura é, então, um outro exercício com/no/através do exercício

de escrita.

O texto possui formatações diferenciadas para cada momento que compõe a

pesquisa. Para a escrita mais ―formal‖ é usada a fonte Arial. Para a escrita de

impressões pessoais e questões que se colocam sem a pretensão de serem

respondidas é usada a fonte Lucida Handwriting. Uma escrita de um corpo

tensionado. Há conflito, abalos das verdades e certezas, desmanchamento de um

ser-Marina. Escrita que escapa às impressões pessoais, e produzem uma escrita

com um corpo tensionado, produzem tensão, movimento, entre. Para as notas de

campo é usada a fonte French Script. Para as citações longas de trechos dos

trabalhos que compuseram a escolha do tema desta dissertação, como relatórios de

pesquisa, monografias de graduação e pós-graduação e artigos científicos, é

utilizada a fonte Times New Roman em uma caixa com as bordas aparentes . A fonte

1 O recurso de separar algumas palavras com hífen, mesmo sabendo que há um erro ortográfico presente, foi utilizado para dar ênfase a palavras que, do nosso ponto de vista, merecem destaque na composição do texto.

9

Calibri é usada nas transcrições de gravações em vídeo sobre o projeto no bairro

pesquisado e também estão inseridas em uma caixa .

Os asteriscos *** são utlizados para separar articular as discussões que se

complementam, mas não são apresentadas linearmente, em sequência. O itálico é

utilizado como recurso para marcar frases e expressões de autores que fizeram

parte da escrita desse texto, tais como: conversas informais, reuniões de

orientações, discussões no Grupo Travessia2, na defesa do projeto de qualificação3,

nas visitas ao bairro pesquisado etc. O recurso de riscar algumas palavras foi

utilizado ao invés de apenas retirá-las na intenção de mostrar a processualidade do

texto. O negrito dá destaque a trechos marcantes para a dissertação. Outro recurso

foi o de aumentar ou dimimuir o tamanho da fonte em algumas citações.

São ainda utilizadas imagens escaneadas de cadernos, agendas e blocos de

anotações que acompanharam os dois anos de desenvolvimento da pesquisa. Um

recurso que busca trazer os momentos que marcaram e definiram os rumos para a

escrita final desta dissertação.

***

2 O grupo Travessia é composto pelos orientandos de graduação e pós-graduação da Profª. Drª Sônia Maria Clareto e da Profª. Drª Margareth Aparecida Sacramento Rotondo, assim como ex-orientandos e, eventualmente professores de escola básica. Está abrigado no Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia da Faculdade de Educação da UFJF e está em atividade desde agosto de 2007.

3 A banca para a defesa do projeto de qualificação foi composta pelos professores Dr. Silvio Donizetti de Oliveira Gallo (UNICAMP), Drª. Sônia Maria Clareto (orientadora) e Drª. Margareth Aparecida Sacramento Rotondo (UFJF).

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Que outros espaços e tempos estão se produzindo na

contemporaneidade? Que modo de existir outro está se configurando? Essas

foram as questões de investigação apresentadas no anteprojeto de pesquisa quando

da minha candidatura ao ingresso no Programa de Pós-graduação em Educação da

Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGE – UFJF). Durante dois anos me

debrucei sobre elas. Um campo empírico de investigação foi constituído, junto a uma

cartografia, e outras questões modificaram e compuseram a proposta de pesquisa

inicial.

Num primeiro momento, a intenção era, ao problematizar algumas das

perspectivas teóricas na filosofia ocidental acerca das noções de espaço e tempo,

numa pesquisa de caráter bibliográfico, pensar a Educação na contemporaneidade.

Agregamos uma pesquisa de campo, a essa intenção inicial, na tentativa de

abri-la a outros encontros e não em busca de dados que comprovem, ou não,

teorias, mas num exercício de pensamento que nos impulsiona a produzir

conhecimento. As grandes provocações que impactaram o trabalho não foram

encontradas na bibliografia, mas no campo empírico de pesquisa.

[...] trata-se de não de partir de pontos de apoios para explicar os acontecimentos, mas partir, sim, dos acontecimentos para explicar como se inventaram esses pontos de apoio (VEIGA-NETO, 2007, p. 58).

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Primeiro dia no bairro: onde é, como faz para chegar? No Google maps não aparece o bairro. Ligo para coordenadora, não está. Nem o esposo. Ligo

para Érica. Primeira frase: Mas você vai sozinha? Não acha melhor esperar

e ir com alguém para te apresentar? Por que, lá é perigoso? Não, mas às

vezes é melhor esperar. Não, quero ir hoje mesmo sozinho e ver o que “rola”,

tenho que decidir se esse vai ser o campo. Então tá, desce na Avenida Rio

Branco e pega o ônibus... Mas e de carro? Ah, aí é mais difícil, liga para

Luzia ou para Rita e elas podem te explicar melhor. Não ligo. Mais

algumas pesquisas na web para achar alguma indicação. Pronto, pode imprimir

o mapa e vamos. Ah, mas agora vou ter que ir de ônibus mesmo. Liga para

Érica novamente. Qual o número do ônibus? Número não sei, mas pode ser o

“Vale Verde” ou o “Sagrado Coração”, neste último pede ao cobrador para te

indicar qual é o ponto que tem que descer para ir pro bairro. Não era um

12

cobrador, mas uma cobradora. Perguntei e desci. Ao descer começo a seguir em

frente e um jovem negro, que havia escutado minha conversa com a cobradora

pergunta: vai para o bairro? Vou. Então está na direção errada, é para lá.

Você mora lá? Pode me mostrar? Quanto tempo mora aqui? Desde que nasci,

dezoito anos. Conhece a professora da Oficina de Leitura? Já ouvi falar, mas

quem pode te mostrar melhor é a Dona Margarida, do mercado ali na frente.

Vou subir aqui tá, tchau. Oi, dona Margarida está? A tia não. Talvez você

possa me ajudar. Sou aluna da professora da oficina de leitura, você conhece?

Conheço, já participei por um tempo, era ali em cima, mas não sei se ela está aí

hoje. Era uma sexta-feira, feriado, por volta de 15h30. Não tem problema, vou

dar uma volta para conhecer o bairro, obrigada. Ando uns 50 metros em frente.

Tem uma rua em linha reta bem extensa com casas de um lado e uma enorme

área plana e gramada, sem construções do outro. Uma parte dela serve de

campinho para algumas crianças. Algumas pessoas estão sentadas nas calçadas

e outras nas janelas de suas casas. Fico meio sem jeito de continuar, parece que

estão olhando... Viro para retornar na direção do supermercado e opa, uma

“Casa da Cidadania”, uma construção nova, com a fachada verde abacate, duas

janelas e uma porta no meio. Uma senhora branca está parada em frente e três

pessoas estão dentro da casa: uma mulher negra com mais ou menos trinta anos,

um homem também negro com idade semelhante e um bebê em um carrinho.

Achei que a mulher estava sendo atendida pelo homem e fiquei esperando em

frente à porta para entrar, meio sem saber o que dizer. A mulher então me

pergunta: você está precisando de alguma coisa? Vim para conhecer o bairro.

Ah, pode entrar, fica a vontade. Ela então se levanta e começa a abrir as portas

dos cômodos e falar o que cada um era para ser. Aqui é a sala de computadores,

aqui é a copa, quer um suco? Aqui é o banheiro e aqui atrás vai ser uma outra

sala, mas ainda não terminou. Uma grande sala ainda sem telhado. Agora não

dá para fazer muita coisa aqui, só quando não chove, né? Estavam em fase de

acabamento e mudança ainda. Ah, então não foi sempre aqui? Não, antes era

13

em outra casa, quer ir lá? Ah, não sei, pode ser outro dia, você não está

ocupada? Não, é perto. Pergunto sobre quem construiu aquela sede e ela olha

para uma placa na parede e diz que foi o governo que construiu essa nova sede,

um vereador conseguiu os recursos, não foi a prefeitura não. E antes de terminar

a frase já está com a criança no colo e saindo da casa. Vai me guiando e

falando: mas agora a gente não sabe como vai ficar porque ele não foi eleito,

nem ninguém do partido. Aí vai depender só do governador. A antiga sede ficava

em cima do mercado no qual eu havia pedido informações. Subimos um lance de

escadas e entramos em uma sala pequena e escura com um corredor também

pequeno e estreito que levava para outros quatro cômodos. Aqui era a sala que

a gente fazia as coisas, aqui um escritório, aqui a copa, aqui o banheiro, aqui a

sala de computadores. Na sala principal as paredes da metade para cima

estavam cobertas de fotos preto e branco impressas em folhas de ofício. Ela vai

me mostrando quase uma por uma. Em muitas delas o vereador que conseguiu a

verba para a construção da nova sede e sua esposa. Fico preocupada com o

ônibus para voltar, estava quase na hora dele passar. Mas eu estou te falando

o que eu sei de cabeça né, você pode ligar para minha chefe que ela vai te falar

melhor. Quer o telefone dela? E me dá também um encarte com orientações

sobre a lei Maria da Penha de quando uma advogada foi até a Casa da

Cidadania proferir uma palestra sobre o assunto. Falo com ela que estou

preocupada com o horário do ônibus e voltamos para a nova sede. Ela pede ao

homem que estava lá dentro para colocar uma cadeira na calçada para me sentar

e diz que dali daria para ver o ônibus chegando. Agora mais três crianças

estavam na recepção. Ela começa a conversar com as crianças, uma delas com

um short bem curtinho. Não vou deixar mais entrar de short curto e sainha no

cineminha não. Olha para mim e diz que na última semana tinha quase setenta

crianças, e por não ter cadeiras ficavam todos sentados no chão em cima de um

tapete. Alguém chega e interrompe a conversa. O homem continua sentado na

mesa de recepção e fala alto, espontâneo, com brincadeiras com as crianças e com

14

a mulher. Ela então olha para mim e diz: ele tá abusado assim porque a chefe

não tá aqui hoje. Pobre é uma desgraça, não pode dar confiança que abusa. E

entre risos fala com ele: vai assustar a moça. Ela cumprimenta todos que vão

passando em frente à casa, do outro lado da rua principal e diz: se eu fizer

alguma coisa errada não tem nem onde eu me esconder da polícia, aqui todo

mundo me conhece, vou ser presa rapidinho. Sentadas à porta conversamos: vou

fazer um trabalho e queria conhecer um pouco do bairro. Ah tá, mas esse

trabalho é para quando? Só para o ano que vem. Ah tá, porque semana

passada veio uma menina aqui desesperada, eu até ajudei no que pude, até

escrevi o que eu sabia, porque tem quatro anos que estou aqui né, então tem

muita coisa que sei, mas era assim, urgente né, acho que era para o médio. E o

seu? É para faculdade. Ela diz que sua mãe mora ali “desde que começou” e

ela desde os dezoito, há dezesseis anos. Tem quatro filhos e uma enteada que o

atual marido “ganhou a guarda” há pouco tempo. E entre „ois‟ e tudo bem, a

conversa vai seguindo. Ela então pega a filha no colo e começa a amamentá-la.

Em seguida coloca-a no carrinho. Levanta e tira um papel do bolso: se você

puder, estou recolhendo brinquedos para levar para creche das minhas crianças,

porque esse prefeito agora manda só o grosso, arroz, feijão e macarrão. Outro

dia, parece até mentira, mas a funcionária é que comprou um pacote de açúcar

para levar. E eu não posso reclamar de lá, tratam meus meninos com o maior

carinho. Machucar eles de vez enquanto machucam, mas isso é normal de

criança né, não é culpa delas. O tempo vai passando e o ônibus não chega. São

cinco horas da tarde. Ela começa a varrer o lado de fora e a fechar a casa.

Não precisa sair daí não, só vou fazer isso porque tá dando a minha hora.

Vou fechar mais cedo porque estou tomando remédio para garganta mas não tá

adiantando não. Ontem até abri o remédio para tomar o pozinho e fazer efeito

mais rápido, mas não adiantou nada. Guardamos as cadeiras, ela tranca a casa

e vamos andando em direção ao outro ponto que passam mais ônibus. A cada

pessoa que encontra algumas palavras. Uma delas ela me apresenta e diz –

15

essa aqui é uma das mais antigas aqui, vai poder te ajudar. Cumprimento e elas

começam a conversar entre si sem se incomodar com a minha presença, e

voltamos a caminhar lentamente. Ih, olha o ônibus aí, tá atrasado! Voltamos

em direção ao ponto e elas continuam conversando. Me despeço e agradeço a

atenção, digo que voltarei outro dia. Ela me diz novamente para ligar para sua

chefe que ela vai saber mais coisa. E me diz que se eu precisar ela me leva a

casa dos moradores mais antigos. O campo estava decidido.

***

Sou graduada em Geografia, a ciência do espaço para alguns. Há os que

elegem outras categorias: a paisagem, a região, o território, o lugar. Ao estudar

essas categorias, noções, conceitos durante o curso, problematizá-las não era uma

preocupação. Via-as como definições já existentes e amplamente estudadas pelos

teóricos da minha ciência. Meu papel seria o de escolher uma delas para priorizá-la

em meus trabalhos: já existiam as definições e cabia a mim encaixá-las em minhas

pesquisas de campo. O sujeito e seu objeto de pesquisa. A prática encaixando na

teoria. ―Na tradição filosófica, teoria e prática têm sido trabalhadas no contexto de

uma filosofia da representação, em que a teoria representa o real‖ (GALLO, 2010, p.

49).

No quinto período do curso de Geografia, após cursar cinco disciplinas na

Faculdade de Economia e Administração e achar que essa seria uma área de

estudos interessante – Geografia Econômica, me candidatei a uma vaga na

Faculdade de Educação. Fui selecionada para o projeto de pesquisa de Iniciação

Científica com o título: ―Galerias, passagens, entre-espaços: um estudo de

16

espacialidades em regiões centrais de Juiz de Fora‖4. O título me remetia ao

planejamento urbano e a oportunidade de investir nessa área me interessou. O fato

de ser na Faculdade de Educação e sob orientação de uma professora doutora em

Educação Matemática, o que definiria outras direções para a pesquisa, foi abstraído,

por mim, num primeiro momento.

A partir desta investigação, lançamos olhares para a cidade e a produção de

seu espaço urbano de uma maneira diferente da que imaginava. Com o estudo das

noções que envolviam a temática em questão – espacialidades, vivências

socioespaciais, educabilidades – foi possível observar que o planejamento urbano

não era a prioridade, e muito menos questões ligadas estritamente à Geografia. A

discussão acerca das noções de conhecimento, ciência, verdade, espaço e

educação deslocou essa compreensão inicial sobre os conceitos. A educação, tema

até então negado durante a graduação, entra em questão.

O primeiro autor estudado foi o filósofo e matemático francês René Descartes

e sua obra ―O Discurso do Método‖, de 1637. A criação de um método rigoroso e

livre de qualquer falha asseguraria o acesso à verdade do conhecimento. A

orientadora da pesquisa problematizava: que verdade é essa a que se quer chegar?

O que este método exclui para ser ―preciso‖? E se lermos esse autor

problematizando algumas de suas afirmações?

4 O referido projeto de pesquisa foi orientado pela Profª. Drª. Sônia Maria Clareto, no Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia – NEC/ Faculdade de Educação/ UFJF. Participei durante dois anos desse projeto, de agosto de 2004 a agosto de 2006. A equipe de bolsistas era composta, além de mim, por Manoela A. Zaninetti graduanda do curso de Matemática-UFJF; e João Paulo Souza Vieira, graduando do curso de História-UFJF.

17

Com efeito, a busca do filósofo francês pela verdade – sendo a noção de verdade aqui

como adequação a uma realidade extramental, própria da concepção cartesiana de

conhecimento e incorporada aos conhecimentos modernos e, em especial, à matemática – e

sua crença na matemática como “chave do conhecimento” levam-no a investir na direção de

propor uma redução de todas as qualidades do mundo físico, ou mundo da natureza,

unicamente a qualidades geométricas.

Conhecimento e verdade encontram-se, portanto, unidos fundamentalmente. Conhecer

é criar capturar uma “representação verdadeira” da realidade. A verdade, neste caso, é

una, absoluta e imutável. A investigação científica estaria, pois, à busca desta verdade.

Descartes desenvolve um método de investigação que pretende ser o caminho – igualmente

único – para se alcançar a verdade. Para ele, “existindo somente uma verdade de cada coisa,

aquele que a encontrar conhece a seu respeito tanto quanto se pode conhecer” (DESCARTES,

1999 [original de 1637], p. 51). Ou seja, diferenciando-se o verdadeiro do falso, estar-se-ia

conhecendo a totalidade. Dedicou-se, pois, a desenvolver um método único, capaz de unificar

as diferentes ciências. Este método se baseia no procedimento matemático para se atingir

verdades matemáticas: as demonstrações no estilo dos geômetras, ou seja, através das

intuições intelectuais e das deduções matemáticas. Portanto, conhecimento e verdade são da

ordem da racionalidade, não se envolvendo com as sensações, os sentimentos, as emoções ou

os juízos de valores. Para Descartes, os sentidos sempre nos enganam, somente a razão pode

nos assegurar da verdade. “... a nossa imaginação ou os nossos sentidos jamais poderiam

garantir-nos coisa alguma, se nosso juízo não interviesse” (DESCARTES, 1999 [original de

1637], p. 66).

As concepções de conhecimento e de verdade, abordadas em Descartes, são bastante

distintas daquelas apontadas pela investigação interpretativa. Como destacado por Clareto

(2003), quando adotamos Nietzsche, encontramo-nos em uma esfera bastante diferenciada

para pensarmos a questão do conhecimento e da verdade. Ele considera que a verdade e o

conhecimento são produções humanas e, como tais, têm uma história, um processo. A crítica

que ele faz ao conhecimento e à verdade, no sentido moderno, é que esquecemo-nos de todo o

18

processo de sua constituição e acabamos por nos fixar unicamente em seu produto final, ou

seja, o que acabou se estabelecendo como verdade5.

“[...] esquecemo-nos de todo o processo de sua constituição e

acabamos por nos fixar unicamente em seu produto final, ou seja,

o que acabou se estabelecendo como” ESPAÇO.

O estudo das vivências socioespaciais nas galerias da região central de Juiz

de Fora trouxe questões relativas ao espaço planejado por especialistas e aos

espaços produzidos cotidianamente pelos transeuntes de uma cidade. Espaço,

aquele que tanto falavam na Geografia que não era palco, agora era alvo das

minhas problematizações. Com o ingresso no grupo de pesquisa (inicialmente

formado por uma estudante de Matemática e por mim, da Geografia) de um

estudante de graduação em História, questões temporais se acrescentaram às

5 Os três parágrafos apresentados pertencem ao relatório final da pesquisa ―Galerias, passagens, entre-espaços: um estudo de espacialidades em regiões centrais de Juiz de Fora‖, apresentado à PROPESQ/ UFJF em agosto de 2006 (CLARETO; TERRA, 2006).

19

espaciais na nossa investigação. A História linear, cronológica e oficial não dava

conta de abarcar o que investigávamos sobre a construção das galerias. Foi preciso

encarnar outros tempos e espaços.

A pesquisa desenvolvida é de abordagem qualitativa. Trata-se de uma pesquisa

interpretativa, de cunho etnográfico (GEERTZ, 2000; CLIFFORD, 1998). A intenção

primeira da investigação de campo é o estudo das teias das relações sócio-culturais nas quais

se dá a experiência da vida (MONTEIRO, 1998).

Nossos instrumentos de investigação partiram, principalmente, de entrevistas em

profundidade com pessoas envolvidas direta ou indiretamente na construção das galerias,

tentando constituir uma história oral da cidade, bem como buscamos compreender a

organização social da cidade de Juiz de Fora, no espaço, a partir da imagem produzida para

ela pelos participantes da investigação. Os sujeitos de investigação são transeuntes em geral,

moradores das galerias, pessoas que nelas trabalham formal ou informalmente, que tomam

esses espaços ocasionalmente como morada, consumidores dos “shoppings à céu aberto”,

apreciadores de vitrines etc. A partir daí, propõe-se o estudo das representações destas

relações, através de cartografias simbólicas6. As estratégias adotadas foram: observações e

vivências de situações cotidianas que envolviam a questão em investigação e entrevistas

abertas com a produção de cartografias simbólicas.

[...]

Nesse sentido, buscou-se compreender o sentido que pessoas que vivem e convivem

em regiões centrais da cidade de Juiz de Fora atribuem a uma característica, do ponto de vista

do grupo, marcante na constituição da sua urbanidade: as galerias da região central da cidade.

Esta cidade mineira concentra, em sua região central, um grande número de galerias que,

praticamente, cortam todo o centro comercial. Elas funcionam como passagens entre, a

maioria das vezes, ruas paralelas e têm, também, a função de serem centros comerciais.

Assim, o centro urbano da cidade tem sido considerado como um “shopping a céu aberto”.

6 Segundo Silva, é “uma expressão de concepções sociais e simbólicas de grupos sociais e/ou de indivíduos a

respeito de um território, não admitindo, portanto, cortes precisos, é caracterizada pela linha interrompida:

graficamente tem a forma de croqui” (apud NIEMEYER, 1998, p. 12).

20

Esta marca urbana vai para além de um traço físico, constituindo-se e sendo constituída por e

através de relações sócio-culturais, pois como destacado por Corrêa, “Cultura e urbano são

termos profundamente relacionados. A cidade, a rede urbana e o processo de urbanização

constituem-se em expressões e condições culturais” (2003, p. 175).

Nossa investigação foi organizada em três fases, fundamentalmente: na primeira delas,

buscamos realizar um histórico da constituição da região central da cidade de Juiz de Fora

para melhor entender o surgimento das primeiras galerias bem como o de sua difusão pelo

centro comercial desta.

Como essa História se diferenciou da “linear, tradicional” e como

isso abriu a possibilidade para encarnar espaços outros? Espessura

temporal: Bergson: tempo não é uma linha que só tem duas

dimensões, ele tem espessura, e isso modifica completamente a

disposição espacial (DELEUZE, 2004).

Na segunda fase procuramos compreender como moradores, trabalhadores e

transeuntes, em geral, compreendem o espaço urbano do centro da cidade, a partir das

vivências propiciadas pelas galerias. Trabalhamos a partir da elaboração da imagem

produzida para a cidade (LYNCH, 1999) através de cartografias simbólicas elaboradas por

pessoas que freqüentam ou simplesmente transitam por esses espaços. Por fim, discutimos as

noções de conhecimento, verdade e ciência que orientaram toda a investigação com base nas

obras de René Descartes e Friedrich Nietzsche e tecemos as primeiras reflexões acerca da

“educabilidade” das galerias, ou seja, o potencial educador de um espaço urbano rico em

histórias e vivências sócio-espaciais.

Como esse espaço foi se distanciando do matemático e como isso

foi motivando outras pesquisas? Como pensar o potencial

educador de um espaço urbano motivou pesquisas posteriores?

Buscamos, ainda, iniciar um estudo de questões espaciais na escola com vista a uma

discussão acerca do currículo escolar7.

7 Os quatro parágrafos apresentados pertencem à ―Apresentação da Pesquisa‖ no relatório final da pesquisa ―Galerias, passagens, entre-espaços: um estudo de espacialidades em regiões centrais de Juiz de Fora‖, apresentado à PROPESQ/ UFJF em agosto de 2006 (CLARETO; TERRA, 2006).

21

Durante a pesquisa nas galerias de Juiz de Fora, questionamos as noções de

educação, conhecimento e verdade com o pensamento do filósofo alemão Friedrich

Nietzsche. Na nossa compreensão, noções essas que têm sofrido abalos

sistemáticos na contemporaneidade. Pensar o contemporâneo talvez seja, então,

problematizar os pressupostos de uma filosofia que vem hegemonicamente nos

constituindo no mundo ocidental.

Epistemologicamente, buscamos referências no filósofo alemão Nietzsche. Apesar de

não podermos dizer que ele tenha constituído uma epistemologia, em suas duras críticas à

epistemologia da ciência moderna, tecendo uma “anti-epistemologia”, oferece-nos pistas para

repensarmos e reorganizarmos nossas noções de saberes e, portanto, de pesquisa. Ele nos

remete a um conhecimento não-neutro, não-objetivo, a um conhecimento “demasiadamente

humano”:

Existe apenas visão perspectiva, apenas um “conhecer” perspectivo; e

quanto mais afetos permitimos falar sobre uma coisa, quanto mais olhos,

diferentes olhos soubermos utilizar para essa coisa, tanto mais completo

será nosso “conceito” dela, nossa “objetividade”. Mas eliminar a vontade

inteiramente, suspender os afetos todos sem exceção, supondo que

conseguíssemos: como? – não seria castrar o intelecto? (NIETZSCHE,

2001 [original 1887], p. 109).

A partir deste ponto de vista é que faz sentido, para nós, pensar em pesquisa

interpretativa; o conhecimento como interpretação, como perspectival, como possibilidade

humana, não como algo isolado do mundo, preso em uma esfera puramente intelectual ou

racional, portanto neutro, imparcial. O conhecimento como produção humana é impregnado

do humano, perspectival, portanto, interpretativo. Esta concepção é absolutamente distinta da

noção de conhecimento da ciência moderna, que se baseia, fundamentalmente em Descartes,

para quem o conhecimento é uma adequação à realidade, ou seja, o conhecimento é uma

representação da realidade, um seu correlato. Assim, conhecimento e verdade encontram-se

unidos fundamentalmente. Conhecer é criar uma “representação verdadeira” da realidade. A

22

verdade, neste caso, é una, absoluta e imutável. A investigação científica estaria, pois, à

busca desta verdade8.

***

No projeto sobre as galerias a fala de um dos entrevistados

(“Pra mim aquilo era um labirinto aquelas galerias”) abriu

portas para pensar o mito de Ariadne. E para além de vencer o

labirinto, viver o mistério, e não vencer o mistério, se tornou

nossa ocupação. Ser o Minotauro, e não vencê-lo, é o que sustenta

a problematização da pesquisa.

A experiência no labirinto não é criar saídas. A experiência no labirinto evoca o caminhar pelo labirinto, sentindo seus odores, suas brisas, sentido o impacto do corpo contra as paredes, perdendo-se e achando-se e perdendo-se e... Movimento. Caminhar no labirinto. Viver o labirinto: conhecer os odores da putrefação de corpos no labirinto... Conhecer também a brisa mansa que sopra naquela curva... Conhecer, ainda, o impacto daquele muro. A experiência no labirinto é invenção de um modo outro de ser labirinto, de estar no labirinto. Invenção de labirintos. Invenção de si e do mundo. Caminhar no labirinto com Teseu-sem-o-fio-de-Ariadne. Sem o traço. Não é Teseu. Nem flutuar sobre o labirinto, vendo de longe seus caminhos. Não é Ícaro. Sem Ícaro, sem Galileu. Caminhar no labirinto com Ariadne-Teseu-Ícaro-Galileu. Com abrigo-sem-abrigo. Sem-abrigo-com-abrigo. Pensamento labiríntico rima com vida labiríntica: sustentar a problematização, sustentar o labiríntico do labirinto (CLARETO; ROTONDO, 2010, p. 594-614)9.

O labirinto era bem colorido, não tinha armadilhas. Um labirinto que fez

parar, tomar água, pensar, ouvir música.

8 Os dois parágrafos apresentados pertencem ao artigo ―Nos caminhos da constituição das Galerias: um estudo de espacialidades urbanas em Juiz de Fora (MG)‖, publicado nos Anais do IV Fórum de Investigação Qualitativa e III Painel Brasileiro/ Alemão de Pesquisa, (CLARETO et al., 2005).

9 A ordem das frases nesta citação foi modificada em relação ao texto original.

23

10

As cert

eza

s vã

o se d

e f

s d

a ze n

o.

10

Trecho do parecer do Prof. Dr. Silvio Gallo para a sessão de defesa desta dissertação.

24

***

Com a participação em outra pesquisa, no mesmo núcleo de pesquisa e sob a

mesma orientação, ―Noções de Espaço e Educação Escolar: múltiplos olhares‖11

(CLARETO et al., 2006), entrei em contato com textos de diferentes áreas sobre a

noção de espaço: filosofia, arquitetura, pedagogia, matemática. Acrescer áreas

completamente distintas ao espaço, categoria até o momento da Geografia e da

Matemática, agregou diversas outras perspectivas. O espaço foi ficando. A

educação também.

As investigações não só contribuíram para modificar o interesse inicial do

bacharelado para a licenciatura em Geografia, como mudaram ―um mundo‖ e o

modo de construí-lo. Não foi uma simples mudança: quero ser ―pesquisadora-

bacharel‖ para ser ―pesquisadora-professora‖, nem uma simples mudança de

metodologia de pesquisa: de um método matemático, ―exatista‖, para um método

mais ―aberto ao sensível‖, etnográfico, pluralista... Foi uma mudança ―geral‖ de

padrões, valores e ―objetivos‖ que vêm sendo desconstruídos desde então. A busca

11

O referido projeto de pesquisa foi orientado pela Profª. Drª. Sônia Maria Clareto, no Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia – NEC/ Faculdade de Educação/ UFJF.

25

por certezas e verdades sobre as coisas – que uma certa visão de ciência oferecia –

vai se modificando e constituindo certezas e verdades sempre provisórias e

perspectivadas. Desde então me sinto instigada a continuar pesquisando esses

temas.

O que antes era negado durante a graduação: lecionar, dar

aulas, foi realizado durante dois anos em um colégio de

aplicação. A recusa como aluna, num momento anterior, agora

se transferia para a recusa como professora que dava conteúdos

sem muito sentido e sem ligação com as outras disciplinas. Após

esse período, para expandir outras oportunidades e, novamente,

tentar “fugir da sala de aula” - monotonia da rotina escolar,

indisciplina dos alunos, baixa remuneração, baixo status

profissional – me matriculei em um curso de especialização na

área ambiental. Não adiantou, a educação, novamente, foi o que

ficou de mais forte. Por que então não investir nisso?

O trabalho de campo, no ano de 2006, em um assentamento rural e a

monografia de conclusão de um curso de especialização em Educação e Gestão

Ambiental (TERRA, 2009), trouxeram à tona, novamente, questões espaciais. Antes

de terminar o bacharelado em Geografia fui convidada por um professor da

Faculdade de Educação da UFJF, a realizar um trabalho de campo em um

assentamento rural no interior de Minas Gerais. Sempre me interessei por

movimentos de luta pela terra, e durante o curso de Geografia essas sempre foram

questões recorrentes: desigualdades socioeconômicas, relações políticas

partidárias, ―uma visão mais crítica do mundo‖. A intenção era desenvolver um

trabalho com crianças moradoras desses assentamentos a partir de uma

metodologia estudada por esse professor em seu pós-doutorado na Alemanha: os

26

mapas narrativos12 (BEHNKEN; ZINNECKER; MONTEIRO, 2005). Através desses

mapas investigaríamos os espaços de vivências dessas crianças. Tive acesso aos

trabalhos de alunos que visitaram o assentamento no ano de 2003, no mesmo curso

de especialização. Esses trabalhos, junto aos depoimentos e mapas narrativos, me

ajudaram a compor o espaço daquele assentamento, quase como uma introdução

ao que venho ensaiando para compor as problematizações do espaço nesta

pesquisa.

Esta monografia está organizada em cinco seções. Na primeira seção, apresento o

município para que se possa compreender em que contexto esses assentamentos estão

inseridos, e consequentemente, as crianças e adolescentes – sujeitos desta investigação. Uma

breve descrição das características urbanas do município é abordada. [SETE PÁGINAS]

Na segunda seção exponho o projeto de assentamento previsto pela Prefeitura

Municipal de Pedra Dourada com sua caracterização através da descrição de sua atual

configuração: os lotes, as moradias, as plantações, as famílias envolvidas. [DEZESSEIS

PÁGINAS]

Na terceira seção, apresento a metodologia empregada pela pesquisa, bem como uma

discussão sobre os mapas narrativos produzidos - o que de mais marcante ficou desses

testemunhos e como essas crianças e adolescentes vivenciam e projetam esse novo espaço de

moradia e as novas relações ali constituídas. [OITO PÁGINAS]

Na seção seguinte delineio uma discussão acerca da educação ambiental em interface

com as vivências das crianças e adolescentes. [CINCO PÁGINAS]

12

―Trata-se de um procedimento visual das pesquisas sociais (etnografia) que visa reconstruir espaços pessoais da vida dos entrevistados e a relevância subjetiva desses espaços. Para isso são usados o desenho, a cartografia e – como complementação paralela – a biografia narrativa como formas de representação‖ (BEHNKEN; ZINNECKER; MONTEIRO, 2005, p. 65).

27

Finalmente, as considerações finais são tecidas com vistas a pensar como potencializar

os desafios impostos pelas novas relações sócio-espaciais advindas com o projeto de

assentamento implantado no município de Pedra Dourada13

.

A intenção era desenvolver mapas narrativos com as

crianças, mas o que de fato fiz foi conviver intensamente durante

quinze dias com uma família em uma das casas do

assentamento. O que mais me interessou foi ouvir as muitas

histórias dos moradores, suas vivências antes de irem para o

assentamento, em que trabalhavam, como foi a constituição

daquele assentamento, quem eram as pessoas envolvidas, como

era a dinâmica da cooperativa criada etc. Ah, e realizei os

mapas narrativos com as crianças também, mas isso acabou

ficando em segundo plano. O que mais me instigou foi olhar para

o que 'acontecia' naquele assentamento, a partir dos depoimentos

de moradores e crianças.

Fui para um espaço rural com uma pré-visão do que iria encontrar e com um

objeto de pesquisa bem delineado. Um espaço que achei que seria fácil re-

presentar. Por que outras coisas atravessaram e deixaram mais forte o que não se

previu? Um espaço que eu, sujeito, habitava e reconhecia outros sujeitos e outros

objetos. Isso não deu conta. Como seria pensar o espaço se distanciando da

representação? Se para as filosofias representativas, o espaço está fora do sujeito e

do objeto constituídos, como seria o espaço pensando sujeito e objeto como efeito

de relações de forças?

A influência do curso de Geografia e dos trabalhos posteriores (Iniciação

Científica, grupos de estudos, trabalho de campo num assentamento rural e curso

13

Os cinco parágrafos apresentados pertencem à introdução da monografia defendida no curso de especialização em Educação e Gestão Ambiental da UFJF (TERRA, 2009). Os colchetes foram introduzidos no presente texto, para indicar o número de páginas que compõem cada capítulo desta monografia, mas que são aqui omitidos. Também foi introduzido o itálico na palavra ―breve‖.

28

de especialização) foi trazendo, cada vez mais forte, o ―espaço‖ e fui me sentindo

cada vez mais instigada a pensar: que espaço pode ser produzido à esteira do

pensamento da diferença?

O espaço que ganhava existência nas pesquisas era um espaço que não era

possível pré-ver o que aconteceria ou não. Um espaço que não bastava representar,

mas era preciso ser inventado. Um espaço que o movimento o constituía.

***

No meu primeiro dia no Mutirão da Meninada do Vale Verde fui de

ônibus e cheguei atrasada uns vinte e cinco minutos. Já sabia onde era e fui

entrando e subindo as escadas que dão acesso ao terraço da casa em que

acontecem os encontros semanais. Cheguei e estavam todos em pé ao lado de

mesas grandes e redondas. A coordenadora estava de costas mexendo em alguns

objetos sobre uma das mesas. Fiquei aguardado ela se virar, mas não virou.

Reparei que havia mais uma senhora junto à coordenadora, e o restante eram

crianças e adolescentes. Não sabia muita coisa sobre o que acontecia lá, sabia

apenas o que algumas pessoas comentavam nos encontros do NEC, núcleo de

pesquisas da Faculdade de Educação da UFJF ao qual pertenço. Sabia que

aconteciam oficinas de leitura e eventos, como o que contou com a participação

dos Cavaleiros da Cultura, que distribuíram kits com livros infantis. Sabia

também que o bairro tinha um movimento de ocupação muito interessante: havia

sido uma invasão. Algumas das crianças notaram a minha presença e

cochicharam alguma coisa. Uma delas então chamou a coordenadora e apontou

na minha direção. Ela então me cumprimentou e me apresentou rapidamente,

falando em seguida o que estavam fazendo: separando algumas prendas que

foram doadas para o Mutirão e que seriam sorteadas entre os participantes.

29

Nesse momento as crianças olhavam e mexiam nos objetos com muita

curiosidade. Eram brinquedos usados diversos, jogos, bonecas, porta-retratos,

lápis e canetas entre outras “miudezas”. As oficineiras haviam lavado e

consertado alguns deles. A coordenadora então pediu que eu recortasse alguns

pedaços de papel e escrevesse números neles. Deveriam ser dois números: um

para colocar na “prenda” e outro para ser sorteado. Na primeira gaveta tem

papel para você recortar. Aí do lado tem caneta. Peguei uma canetinha e

comecei a escrever os números, logo a caneta começou a falhar e recorri

novamente à caixa e peguei um pedaço de giz de cera da mesma cor e continuei

escrevendo. Com os números prontos fui colocando um em cada objeto em cima

das mesas. A coordenadora foi me orientando e algumas crianças começaram a se

aproximar e me ajudar. A coordenadora busca então em outra sacola mais

“prendas” para completar o número total de integrantes, quarenta e oito, entre

elas miniaturas de xampus, condicionadores, escova de dentes e sabonete de

hotéis. Começamos a conversar sobre aquelas prendas: O que você quer ganhar?

Ah, eu quero esses lápis aqui, não quero porta-retratos não, é de menina. E se

eu não gostar ou ganhar coisa de menina, pode trocar? A coordenadora

responde: Não pode não, porque têm outras três turmas depois de vocês e se

vocês puderem ficar escolhendo as prendas pode não sobrar para as outras

turmas. Se você tirar alguma coisa que não gostar pode dar para sua irmã, sua

mãe... tentar trocar com alguém que tenha tirado alguma coisa que você queria.

Infelizmente é assim, é um sorteio. É a primeira vez que a gente faz isso, deles

não poderem escolher. Nas outras vezes, juntamos todos e fizemos um bingo. Aí

quem ia ganhando escolhia o que queria. Terminada a organização para o

sorteio que seria realizado ao final do encontro, a coordenadora chama para

sentarmos e realizarmos as outras atividades programadas para aquele dia.

Pergunta à turma se havia alguma novidade naquele dia. Uma das crianças

responde: sim, os brinquedos. E outro aponta para mim e fala: ela também! Ah,

isso também, quem quer saber alguma coisa dela pode perguntar. Como é seu

30

nome, onde você mora, o que está fazendo aqui? Quero ver um pouco do que

vocês fazem aqui, o que “rola” nesse Mutirão. “Uma pesquisadora que quer

pesquisar como é que essa meninada cresce, cria, inventa moda, inventa poesia,

inventa um jeito outro de viver.” Quer fazer pergunta para eles, Marina?

Queria que vocês falassem o nome de vocês e se sempre moraram aqui no bairro.

Olha, fulano, não sabia que você tinha nascido em outra cidade. Oh, você

morava em outro bairro? Interessante, nem a gente sabia isso. O que já

aconteceu no Mutirão que vocês mais gostaram? O PASSEIO! É, mas

aconteceram mais coisas também né, os cavaleiros que distribuíram os livros e

tocaram berrante, a capoeira e o hip-hop... Alguém quer perguntar mais alguma

coisa? Muitos olham entre si envergonhados. Passada essa apresentação

inicial, a coordenadora entregou meia folha A4 com um calendário das

atividades programadas para os meses seguintes.

Primeiro dia no Mutirão: faz-se a chamada. Só pode ir ao

evento quem decorar sua poesia. Após a declamação de cada

poesia faz-se uma avaliação. Todos sentados e ouvindo a

coordenadora. Situações que remeteram a sala de aula. Tem

chamada? Tem. Tem que decorar? Tem. Tem que avaliar? Tem. O

que então é tão diferente que as pessoas falam desse projeto? Por

que a referência de que várias coisas acontecem aqui de maneira

diferenciada e com grande qualidade? Que espaço é esse?

Um movimento quando ia a campo e outro movimento ao falar do campo nas

reuniões semanais de orientação. Em uma dessas reuniões, descrevi uma situação

que havia ocorrido no bairro pesquisado para a orientadora e ela perguntou:

―Poderia ser uma sala de aula?‖ Respondi, me dando conta que a recusa inicial de ir

para a escola como campo investigativo, em detrimeto do que acontecia

exclusivamente lá por causa de sua estrutura que julgava viciada, poderia também

31

ser re-conhecida em outros espaços. E num exercício do pensar-existir, um

acontecimento: a transformação deveria ser, pois, no re-conhecer e não na alteração

física do espaço. ―Sim, poderia‖. A fonte usada foi a Forte. Essa formatação produz

na escrita um movimento do tornar-se pesquisador, o estranhamento, a produção do

novo, a possibilidade de pensar o impensável. Uma escrita que traz uma

pesquisadora inventando-se e inventando um pesquisar, produzindo-se e

produzindo um corpo outro para habitar aquele espaço. Um salto.

***

A partir do que está posto nas discussões sobre espaço escolar, a ideia é

problematizar a noção de espaço e a educação contemporânea. O desafio que se

impõe: como constituir um campo problemático do espaço? O que tem escapado à

racionalidade do espaço constituído? Que outros sentidos aparecem? Como essas

compreensões potencializam o exercício de problematizar o processo educacional a

educação atual?

Que espaços têm sido constituídos na educação na atualidade? Como

pensar um espaço que potencialize a educação? Educação, na nossa

compreensão, que se desloca do espaço exclusivo da escola. Educação como

processo formativo que se compõe nos mais diversos espaços.

Não quero trabalhar com educação. Tenho trauma daquela

rotina escolar de acordar muito cedo e mesmo antes de dar bom

dia, já ter conteúdos que me enchiam o caderno e a cabeça. Sino

toca. Muda o caderno. Outra matéria diferente entra. Mas agora

que comecei a entender o que aquele professor disse... Não

32

importa, hora de estudar e aprender outros conteúdos

importantes e imprescindíveis para a sua vida profissional.

Importante por quê? Em que situação vou usar o fato de saber o

nome do órgão reprodutor de uma planta, o quadrado da

hipotenusa do triângulo retângulo, a classificação de relevo

segundo Jurandir Ross... Uma hora você vai precisar, o vestibular

está aí... Educação sinônimo de escola, de sala de aula, de

conteúdos e mais conteúdos, de currículo obrigatório,

cumprimento de tarefas, mas também de formação do cidadão...

Como fui vou modificando a noção de educação como sendo

apenas a escolar para uma noção “mais potente”?

Poderia ser uma sala de aula tradicional? Sim, poderia.

Que tipo de racionalidade, e não de razão ou de sensibilidade, se desdobra

na contemporaneidade e produz o espaço? Pensar o espaço como plano de

imanência – o espaço provocando o pensamento. O espaço e o pensamento se

constituindo. O pensamento sendo ―povoado‖ pela geografia, pelo espaço. Pensar a

questão do espaço no processo educativo a partir do campo. Um bairro em que todo

ele possa ser uma instância educativa. Que tipo de educação se processa ali, que

tipo de trabalho se articula? Sociabilidade que se vive num determinado espaço, o

espaço mobilizando o pensamento. Esse espaço de sociabilidade que é o bairro

naquilo que ele possibilita como ação de pensamento, como ação de educação.

Como o espaço impacta o pensamento? Como a geografia impacta o pensamento?

Compreende-se mal então a imprevisível criação dos conceitos. A filosofia é uma geo-filosofia, exatamente como a história é uma geo-história, do ponto de vista de Braudel. Por que a filosofia na Grécia em tal

momento? Ocorre o mesmo que para o capitalismo, segundo Braudel: por que o capitalismo em tais lugares e em tais momentos, por que não na China em tal outro

momento, já que tantos componentes já estavam presentes lá? A geografia não

33

se contenta em fornecer uma matéria e lugares variáveis para a forma histórica. Ela não é somente física e humana, mas mental, como a paisagem. Ela arranca a história do culto da necessidade, para fazer valer a irredutibilidade da contingência. Ela a arranca do culto das origens, para afirmar a potência de um "meio" (o que a filosofia

encontra entre os gregos, dizia Nietzsche, não é uma origem, mas um meio, um

ambiente, uma atmosfera ambiente: o filósofo deixa de ser um cometa...). Ela a arranca das estruturas, para traçar as linhas de fuga que passam pelo

mundo grego, através do Mediterrâneo. Enfim, ela arranca a história de si mesma, para descobrir os devires, que não são a história, mesmo quando nela recaem: a história da filosofia, na Grécia, não deve esconder

que os gregos sempre tiveram primeiro que se tornar filósofos, do mesmo modo que

os filósofos tiveram que se tornar gregos. O "devir" não é história; hoje ainda a história designa somente o conjunto das condições, por mais recentes que sejam, das quais nos desviamos para um devir, isto é, para criarmos algo de novo. Os gregos o fizeram, mas não há desvio que

valha de uma vez por todas. Não se pode reduzir a filosofia a sua própria história, porque a filosofia não cessa de se arrancar dessa história para criar novos conceitos, que recaem na história, mas não provêm dela. Como algo viria da história? Sem a história, o devir permaneceria indeterminado, incondicionado, mas o devir não é histórico. [...] Se a filosofia aparece na Grécia, é em função de uma contingência mais do que de uma necessidade, de um ambiente ou de um meio mais do que de uma origem, de um devir mais do que de uma história, de uma geografia mais do que de uma historiografia, de uma graça mais do que de uma natureza (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 125-6).

A esta proposta de investigação interessa pensar uma geografia que dialogue

com a filosofia e que componha uma reflexão de que o real não é algo pré-existente,

apenas representável, nem o espaço; mas sim, algo configurado, assim como o

espaço e, desta maneira, abre possibilidades de outras realidades, portanto, de

outras configurações. Abrimos possibilidades para sermos sempre outros, para

atualizarmos outras educabilidades.

Por isso o imaginário e o real devem ser antes como que duas partes, que se pode justapor ou superpor, de uma mesma trajetória, duas faces que não param de intercambiar-se, espelho móvel. [...] ―um entremeado de percursos‖, ―num imenso recorte do espaço e do tempo que é preciso ler como um mapa‖ (DELEUZE, 1997, p. 74-5).

34

Para a Geografia, enquanto disciplina escolar, a dualidade natureza/

sociedade é evidente. Os livros didáticos geralmente separam os conteúdos

geográficos em naturais e sociais. O papel do professor, então, seria o de conseguir

fazer a ligação entre o que pertence ao homem e o que é específico da natureza,

numa visada holística e crítica. Talvez a noção de espaço que aqui se problematiza

possa contribuir para a superação dessa dicotomização. Uma noção de espaço em

que não interessa representá-lo para abarcá-lo em sua totalidade e, assim, dominá-

lo. Conhecê-lo exaustivamente para poder pré-ver futuros problemas e suas

possíveis soluções.

Poderia ser uma sala de aula tradicional? Sim, poderia.

―'Espaço' é uma daquelas coisas mais óbvias, mobilizada como termo em mil

contextos diferentes, mas cujos significados potenciais são todos muito raramente

explicados ou focalizados‖ (MASSEY; KEYNES, 2004, p. 7).

O que vou fazer é, simplesmente, explorar algumas palavras e tratar

de compartilhá-las. E isto a partir da convicção de que as palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam

como potentes mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente ―raciocinar‖ ou ―calcular‖ ou ―argumentar‖, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece (LARROSA, 2002, p. 20-1).

35

Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Espaço. Acessado em 12 abril 2011.

Ao problematizar a noção de espaço, construída arraigada a uma noção de

conhecimento, estamos nos colocando como alguém ―[...] que não chega a saber o

que todo mundo sabe e que nega modestamente o que se julga ser reconhecido por

todo mundo. Alguém que não se deixa representar e que também não quer

representar quem quer que seja‖ (DELEUZE, 2000, p. 128).

É que, no momento em que alguém dá um passo fora do que já foi pensado, quando se aventura para fora do reconhecível e do tranqüilizador, quando precisa inventar novos conceitos para terras desconhecidas, caem os métodos e as morais, e pensar torna-se, como diz Foucault, um ―ato arriscado‖, uma violência que se exerce primeiro sobre si mesmo (DELEUZE, 1992, p. 128).

Problematizar, assim, não é discutir a eficácia de um conceito, mas perguntar

por seus pressupostos. Uma questão se coloca como central: não é criar uma outra

maneira de olhar para o espaço, mas de existir com/no espaço. Não se pretende

criar um conceito de espaço mais completo, atual, que possa ser capturado e usado

para ―melhor explicar a realidade‖.

36

***

O espaço como limitado ao físico, que contém os objetos e sujeitos é

produzido e produz uma maneira de estar no mundo, de conceber o conhecimento e

a verdade. O espaço é constituído pelo que é palpável, objetivo, concreto. Essa é a

verdade produzida e aceita para o espaço. Essa materialidade do espaço produz e

define as relações que se estabelecem. Certas relações só são possíveis porque

existem certas condições de materialidade no espaço.

O que escapa ao espaço forma, continente, superfície, euclidiano, métrico,

delimitado, físico? Habitar um espaço continente é se colocar diante de um espaço

que já possui sujeitos e objetos pré-viamente definidos, constituídos. Aquelas

crianças são carentes de recursos financeiros e atividades culturais. Habita-se

aquele espaço para suprir o que falta a essas crianças para que sejam adultos bem

sucedidos, com uma vida melhor que a de seus pais. O bairro é carente de

infraestrutura, de oportunidades. Habita-se o bairro para suprir o que falta para um

bairro com qualidade de vida, pessoas com suas casas, seus eletrodomésticos, seus

carros – o ideal de vida e os padrões de consumo e conforto da modernidade.

Reportagem sobre o bairro em um programa de uma emissora local de televisão da cidade

de Juiz de Fora em 2010.

Repórter: Aqui no bairro encontramos a ONG Casa da Cidadania, e pra saber um pouco mais

sobre esse projeto eu conversei com a coordenadora. Como é que surgiu essa ideia de criar a

ONG aqui no bairro?

As duas conversam na antiga sede da casa da Cidadania, em pé.

37

Coordenadora: A gente queria ter um trabalho em algum bairro de Juiz de Fora e um amigo

nosso nos apresentou o bairro e a gente gostou muito do bairro, a gente viu que era um

bairro carente de área de lazer e estamos aqui há cinco anos trabalhando com as crianças.

Repórter: E que atividades vocês realizam com as crianças aqui?

Coordenadora: Aqui nós oferecemos aula de informática, teatro, artesanato, música,

recreação com videogame, temos atendimento psicológico e jurídico também.

Repórter: E as crianças passam a tarde toda aqui?

Coordenadora: Sim, a tarde toda, e na quarta-feira nós temos uma atividade à noite que eles

também participam bastante. É o cineminha, a gente passa um filminho. Nós temos duas

turminhas, uma de seis às sete e a outra de sete às oito. Nesta quarta-feira nós atendemos

cerca de cem crianças.

Repórter: Além das atividades com as crianças existem outras atividades aqui?

Coordenadora: É, nós temos um... nós tivemos um curso de compotas que foram oferecidos

para os adultos e um curso de manicure também. E quem faz o curso geralmente já sai daqui

com um encaminhamento para um emprego.

Repórter: Como é que é trabalhar com as crianças?

Coordenadora: Ah, pra mim é um trabalho muito gratificante porque a criança ela é muito

sincera né, e aqui no bairro, essas crianças são muito carentes né, então pra mim é uma

gratificação muito grande eu estar podendo ajudar, contribuindo na educação delas. Pra

mim não existe coisa melhor no mundo.

Começo então a problematizar o espaço: espaço não somente

como o espaço físico, mas o espaço que é produto das e produz as

relações. O espaço se insinua de maneira diferenciada para mim.

Eu vivia outro espaço, o das relações entre, espaço era constituído

pelas relações, mas ao mesmo tempo, também as constituía.

Alguns textos inquietam: o tempo não apenas em sua

linearidade, cronológico, mas um tempo outro, o da duração.

Como seria uma noção de espaço que estivesse em consonância

com esta maneira outra de pensar o tempo e a educação? Porque,

se o tempo não é linear, algumas práticas e teorias educacionais

38

precisam ser repensadas. “[...] a cognição da criança é

assombrada pela idéia do déficit. Pergunta-se então o que falta à

cognição da criança para chegar à cognição do

adulto”(KASTRUP, 2000, p. 373). Se a produção do conhecimento

não se faz apenas da acumulação e evolução, o que fica então?

A variação no tempo cronológico e no espaço físico é o das

formas. Propõe-se pensar a variação no tempo duração. Que

espaço se constitui então?

***

O espaço visto apenas como continente é superado pela maioria das ciências

ditas sociais, e passa a se constituir pelas relações entre homens e coisas que nele

se estabelecem e por ele são estabelecidas.

Um encontro: o texto de Doreen Massey e Milton Keynes (2004) e suas três

proposições sobre o espaço:

1. Espaço é produto das inter-relações, constituído através das interações.

Pareceu-nos que o foco de Massey e Keynes (2004) está nas relações e por isso

lançamos mão da noção de relação encontrada no pensamento de Nietzsche: a

relação é prévia à constituição do espaço. Isso quer dizer: não existem as coisas, as

pessoas, o espaço e eles entram em relação, mas o que constitui as coisas, as

pessoas, o espaço são as relações. Não existe um sujeito e um objeto que se

relacionam e se constituem como novos sujeitos e objetos na relação. Eles só

existem na relação. Não há o anterior à relação. A noção de “relação prévia” exige

uma radicalidade do pensamento. O espaço não mais constituído por relações entre

sujeitos e objetos, mas por formas e forças, linhas, partículas em movimento.

39

Forças e vontade de potência. Um mundo em que as formas são, já elas mesmas, efeito das relações das forças: a relação precede as formas, uma vez que são por ela constituídas. A topologia do interior-exterior não faz sentido uma vez que o interior é uma dobra do exterior, o dentro, uma dobra do fora. Nessa topologia não há um sujeito pura interioridade, nem um objeto que é exterioridade: sujeito e objeto são efeitos das relações de força. Efeitos sem causa. (CLARETO; NASCIMENTO, 2010, p. 9).

2. Espaço é a esfera da possibilidade da existência da multiplicidade, da

pluralidade, distintas trajetórias coexistem. A multiplicidade garante a existência de

vários discursos sobre a realidade.

3. Espaço está sempre em devir, ―[...] nunca está finalizado, nunca se

encontra fechado. [...] implica que existem sempre – em algum momento ‗no tempo‘ -

conexões ainda por serem realizadas‖ (MASSEY; KEYNES, 2004, p. 8). O devir do

espaço garante a abertura para o futuro, a sua não previsibilidade. Devir e espaço:

ligação que potencializa as problematizações.

Todo devir é um bloco de coexistência

(DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 78).

A noção de devir nas obras de Deleuze e Guattari nos pareceu potente para

construir a problematização dessa pesquisa.

Uma lista de afectos ou constelação, um mapa intensivo, é um devir [...] A imagem não é só trajeto, mas devir. O devir é o que subtende o trajeto, como as forças intensivas subtendem as forças motrizes. [...]

É o devir que faz, do mínimo trajeto ou mesmo de uma imobilidade no mesmo lugar, uma viagem; e é o trajeto

que faz do imaginário um devir. Os dois mapas, dos trajetos e dos afectos, remetem um ao outro (DELEUZE, 1997, p. 77 [grifo nosso]).

Devir não é a passagem de uma forma a outra do espaço. O devir é um modo

de existência. Se é devir do espaço, a existência é uma qualidade do espaço, então

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o espaço é existencial. No caso, produzir possibilidades de pensar o espaço numa

perspectiva ―[...] do vir-a-ser-contemporâneo‖ da possibilidade de pensar uma

―Existência espacializada, [uma] espacialidade existencial‖ (CLARETO, 2007, p. 45).

O devir do espaço para Deleuze e Guattari talvez possa ser o espaço sempre

em explosão daquilo que é, um constante movimento de desterritorialização e

reterritorialização (DELEUZE; GUATTARI, 1992). Um espaço aberto ao movimento.

Um imprevisível dentro de certas condições materiais. A casa como meio, a rua

como meio, os pais como meio (DELEUZE, 1997).

[...] um meio é feito de qualidades, substâncias, potências e acontecimentos: [...] O trajeto se confunde não só com a subjetividade dos que percorrem urn meio mas com a subjetividade do próprio meio, uma vez que este se reflete naqueles que o percorrem. O mapa exprime a identidade entre o percurso e o percorrido. Confunde-se com seu objeto quando o próprio objeto é movimento (p. 73).

Devir, entretanto, não é produzir. Ao devir segue-se a produção. O devir não é

por si só produtivo. Devir é sempre devir-alguma coisa.

Um ponto é sempre de origem. Mas uma linha de devir não tem nem começo nem fim, nem saída nem chegada, nem origem nem destino; e falar de ausência de origem, erigir a ausência de origem em

origem, é um mau jogo de palavras. Uma linha de devir só tem um meio. O meio não é uma média, é um acelerado, é a velocidade absoluta do movimento. Um devir está sempre no meio, só se pode pegá-lo no meio. Um devir não é um nem dois,

nem relação de dois, mas entre-dois, fronteira ou linha de fuga, de queda, perpendicular aos dois. Se o devir é um bloco (bloco-linha), é porque ele constitui uma zona de vizinhança e de indiscernibilidade, um no man's land, uma relação não localizável arrastando os dois pontos distantes ou contíguos, levando um para a vizinhança do outro, — e a vizinhança-fronteira é tão indiferente à contigüidade quanto à distância (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 80).

Conseguir tomar o lugar representativo sem atacar, conversar com ele. Negar

o espaço continente e o espaço relacional e apostar no espaço existencial. Não é

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isso: criar outro conceito de espaço. Apostar no devir do espaço não é inventar um

conceito melhor, mais adequado, mais atual. ―Os conceitos são acontecimentos do

pensar: eles permitem criar novas constelações, novas configurações, novas

ordenações de idéias‖ (p. 231). ―Mudar de plano sem sair da imanência‖ (KOHAN,

2003, p. 227).

(DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 119).

Reportagem sobre um evento no bairro em um noticiário de uma emissora local de

televisão da cidade de Juiz de Fora em 2010.

Repórter: Crianças do Vale Verde, região sul de Juiz de Fora, receberam livros de presente

neste sábado. A entrega foi feita por quem gosta de andar à cavalo e distribuir cultura.

Imagem dos cavaleiros chegando à praça na rua principal do bairro. Os oito

cavaleiros chegam imponentes e trazem na garupa uma missão: espalhar cultura entre

crianças. Eles vão distribuir livros. São quase dois mil exemplares com histórias de Fernando

Pessoa, contos e ilustrações que levam a uma viagem. O passeio vai até o mundo do saber.

Aparecem imagens dos livros recebidos.

Uma criança de mais ou menos nove anos que mora no bairro diz: Ler é uma coisa

de aprender e eu gosto muito.

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Repórter: Os cavaleiros da cultura distribuem livros desde dois mil e sete. Já foram

entregues cento e oitenta mil exemplares. As crianças fazem parte do projeto desenvolvido

no “bairro”, zona sul da cidade. Pela empolgação, se engana quem acha que a leitura não

instiga, só ela é capaz de modificar o aprendizado.

Coordenadora do projeto: Os meninos do projeto estão lançando hoje um livro deles. Um

livro de poesias em que eles escreveram as poesias. Isso é uma coisa maravilhosa. São

crianças inteligentíssimas, curiosas e estão aí, produzindo, criando coisas.

Não aparece a imagem do livro escrito pelas crianças, mas de uma maquete

com cavalos de feltro enfeitados.

Repórter: Por causa da distribuição de livros, outras manifestações culturais aconteceram no

bairro. Houve hip-hop e roda de capoeira.

Aparecem cenas de crianças dançando hip-hop e jogando capoeira.

Aparecem cenas de rodas de leitura e contação de histórias que não são narradas

pelo repórter.

Repórter: (com a sua imagem na tela) O livro “Da janela do ônibus” é o segundo trabalho

lançado pelas crianças do projeto.

Termina a reportagem e passa-se a outra chamada.

Do nosso ponto de vista, todo espaço educa, mas como educa? A nossa

ocupação então é: como o bairro Vale Verde se produz como espaço educativo

junto ao projeto Mutirão da Meninada?

Acompanhar processos (BARROS; KASTRUP, 2009). Acompanhar o que

acontece no bairro a partir da participação em atividades da Casa da Cidadania, do

Mutirão da Meninada e outros eventos que acontecem no bairro, e também de

vídeos, reportagens, relatos, artigos etc. O campo é habitado não para re-conhecer.

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Reconhecer o espaço que contém os sujeitos e objetos e o espaço que contém as

relações entre sujeitos e objetos. Reconhecer o que falta, o que não dá certo, quem

não aprende, o que dá certo, o que pode copiar e aplicar, mas para acompanhar

processos, o que escapa, o tempo presente.

Outra atitude é reconhecer que se a pesquisa se propõe ao acompanhamento de processos em curso, a perda momentânea de rumo não é necessariamente indício de inconsistência do problema ou de despreparo do pesquisador. Adotando esta atitude, esse ethos de pesquisa, reconhecemos que a atividade de investigação envolve sempre, em certa medida, o redesenho do campo problemático. [...] No entanto, o corpo a corpo com o campo da pesquisa comporta sempre uma dose de imprevisibilidade e mesmo de aventura. Habitar um território de pesquisa não é apenas buscar soluções para problemas prévios, mas envolve disponibilidade e abertura para o encontro com o inesperado, o que significa alterar prioridades e eventualmente redesenhar o próprio problema (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009, p. 204).

Para realizar tal empreendimento, a cartografia – inspirada nos trabalhos de

Félix Guattari e de Gilles Deleuze – emerge como propícia para a constituição da

investigação, uma vez que a pesquisa é compreendida, nesta perspectiva, como

processo de produção de dados, ou seja, pesquisar é produzir dados e não apenas

coletá-los. A cartografia ganha centralidade na dissertação para falar do espaço.

Cartografa-se o campo ―[...] não para assinalar-lhes a origem [dos acontecimentos],

mas para fazer de seu deslocamento algo visível‖ (DELEUZE, 1997, p. 79).

Uma concepção cartográfica é muito distinta da concepção arqueológica da psicanálise. Esta última vincula profundamente o inconsciente à memória; é uma concepção memorial, comemorativa ou monumental, que incide sobre pessoas e objetos, sendo os meios apenas terrenos capazes de conservá-los, identificá-los, autentificá-los. Desse ponto de vista, a superposição das camadas é necessariamente atravessada por uma flecha que vai de cima para baixo, e trata-se sempre de afundar-se. Os mapas, ao contrário, se superpõem de tal maneira que cada um encontra no seguinte um

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remanejamento, em vez de encontrar nos precedentes uma origem: de um mapa a outro, não se trata da busca de uma origem, mas de

uma avaliação dos deslocamentos. [...] Não é só uma inversão de sentido, mas uma diferença de natureza: o inconsciente já não lida com pessoas e objetos, mas com trajetos e devires; já não é

um inconsciente de comemoração, porém de mobilização, cujos objetos, mais do que permanecerem afundados na terra, levantam vôo (DELEUZE, 1997, p. 75).

[...] pode ser cultivada a atenção cartográfica que, através da criação de um território de observação, faz emergir um mundo que já existia como virtualidade e que, enfim, ganha existência ao se atualizar (KASTRUP, 2009, p. 50).

Essa concepção de cartografia se distancia da cartografia compreendida em

sua função estritamente científica, definida como técnica de representação do

espaço mais próximo possível do real. A cartografia que produz mapas científicos,

que alfabetiza crianças e adolescentes na escola para uma leitura geográfica do

mundo. Esta cartografia ocupa uma centralidade importante no trabalho do geógrafo.

A partir dos mapas é possível compreender o espaço para analisá-lo nas suas mais

variadas dimensões. Assim, as cartografias científica e escolar, na perspectiva

tradicional, são abordadas prioritriamente em suas dimensões informativa e

comunicativa. No ensino de Geografia essas concepções são muito recorrentes.

Existem as definições, colocamos em “caixas” e operamos com um determinado

grupo de autores para trabalhá-las. Propomos uma cartografia que permita ao

espaço, que se habita hoje, abrir-se à possibilidade de criação de si e do mundo,

como potência de contagiar, gerando uma espécie de contágio do processo de

criação. A cartografia ampliada em suas múltiplas potencialidades.

Hoje sabemos que os mapas, qualquer mapa, é uma versão do real, por mais pautado em regras e rigores científicos ele esteja, uma vez que a própria ciência cartográfica se faz a partir de imaginações e concepções que se alteram no tempo e nos diversos locais onde é

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praticada. Ao levar a linguagem cartográfica a assumir um caráter eminentemente expressivo, o professor estará sobretudo tensionando o lugar social onde a cartografia se colocou, o qual tem levado suas obras a nos chegarem como se fossem a manifestação do próprio real espacializado, fazendo com que as pessoas se submetam muito facilmente àquilo que chega até elas como sendo verdades mapeadas (OLIVEIRA JR., 2012, p.44-5).

Vocês estão lembrados do que vai acontecer no sábado próximo? Sim,

muitos respondem, o lançamento do livro de poesias no Mezcla. Os livros já

estão prontos, vocês já viram né? Deixa eu ver? Deixa eu ver? Esse vocês têm

que tomar cuidado porque já é um dos que serão vendidos. O título do livro era

“Da janela do ônibus”. Cada página continha a foto de uma das crianças,

tirada por uma das oficineiras durante o passeio a um hotel fazenda, uma

autobiografia e a poesia composta durante uma Oficina de Poesias. Um poeta

e amigo do Mutirão realizou essa oficina e sugeriu que cada um imaginasse

que estava andando de ônibus pelo bairro e descrevesse o que via pela janela. O

livro foi correndo a roda e cada um olhando sua poesia e sua foto. Ao ver sua

foto no livro um dos meninos disse: Eu odiei essa foto, eu não queria ela, não.

Ah fulano, mas ficou tão bonita! Outro diz: eu também não, fiquei parecendo

um marginal! Ele na foto: negro, alto, de camisa de moletom com capuz e um

boné, de braços cruzados, fazendo pose. Sua autobiografia: “Meu nome é

Arthur. Eu gosto do meu nome. Moro no Vale Verde na cidade de Juiz de

Fora. Gosto do meu bairro. Sou um negro sonhador e feliz. Desejo estudar

engenharia e ter uma boa casa”. A oficina segue sem estender o assunto. O

livro vai correndo as mãos das crianças. Uns dobram, folheiam rápido, e as

duas oficineiras sempre lembrando: cuidado com esse livro, não dobra, cuidado

para não amassar, passa a página devagar. Vamos ler aqui o que vai acontecer

no sábado? Quem quer ler? Ninguém se manifesta, a coordenadora então

pergunta para algumas crianças e elas se recusam. Vamos lá gente, quem pode

começar? Nós temos um compromisso com a leitura, vocês lembram? Todos

têm que ler. Ela então começa a ler e depois pede para uma criança continuar.

46

Elas leem. Lançamento do livro de poesias no Mezcla às dezesseis horas e

trinta minutos. Saída do bairro às quinze horas com os que já sabem sua

poesia de cor e vão declamá-la no Mezcla. Quem já decorou a sua poesia para

declamá-la lá na frente no dia? Só vai quem tiver decorado. Muitos reclamam.

Eu não quero falar lá na frente não. Mas tem que falar, só poderão ir os que

decorarem, foi o que combinamos. Quem ainda não decorou pode ficar aqui e nós

vamos ajudar. As pessoas que convidamos estão comprando o convite no valor

simbólico de vinte e cinco reais. VINTE E CINCO reais? É, isso mesmo, essas

pessoas estão indo lá para ver uma apresentação, uma declamação de poesias e

os astros são vocês. Tem que falar bonito, alto, claro e devagar a poesia de

vocês. Nesse ingresso elas têm direito além de ver vocês declamando as poesias,

um cachorro-quente e um refrigerante, e mais o livro de poesias. Esse ingresso

ainda paga dois cachorros-quentes, dois refrigerantes e uma pipoca para cada um

de vocês. Marina, você também pode ajudar quem ainda não decorou, no final.

Agora vamos ver mais o que tem nesse calendário. Na próxima terça vamos ter

uma Oficina de música com um amigo do mutirão lá de… Quem vai querer

fazer essa oficina? É um músico e essa apresentação que ele vai fazer aqui com

vocês ele foi convidado a apresentar na Europa. São vários instrumentos, é bem

interessante. É uma oficina como aquela de poesias que vocês fizeram e vão

lançar o livro no Mezcla. Na primeira turma, composta em sua maioria por

adolescentes de 12 anos, poucos levantam a mão e deixam seus nomes. Na

segunda turma, com muitas crianças menores de doze anos, quase todos deixam

seus nomes. No domingo, teremos o lançamento do projeto, que projeto? Cada

um vai completando a descrição do projeto: “VaLendo o livro no Vale”,

aprovado pela Funalfa, da Prefeitura de Juiz de Fora, que tem quatro

atividades principais que são: O livro vai e volta, o Livro na Praça, Ouvindo

Griot e Rodas de leitura. Nesse dia nós teremos uma grande festa que vai

acontecer no campinho aqui em frente. Vocês lembram da oficina que tiveram

para a formação dos dinamizadores? Quem são os dinamizadores dessa turma?

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Ah, essa turma tem dois, vocês deverão estar aqui no dia, vocês serão os

responsáveis por coordenar as atividades nesse dia. Repassado o calendário,

começam um a um a ir para o canto oposto da roda para lerem alto, devagar e

claro a sua poesia de cor. Ah eu não quero ir não. Ah vai fulano, não é difícil

não, vai lá. E isso se repetiu com a maioria dos participantes. Ao final de cada

declamação, cada um dá uma nota, A, B, C ou D, para a leitura do colega e diz

o que tem que melhorar ou faz elogios. Ao final do encontro realizou-se o sorteio

das prendas. Alguns gostavam, outros ficavam decepcionados. Alguns brinquedos

viraram objetos de desejo: um sapo de pelúcia que era também um cofre foi o

mais cobiçado entre todas as turmas e acabou não sendo sorteado, canetas e

lápis também eram alvo da conquista. Uma adolescente queria um quadro

pequeno de casinha com decoração em miniatura dos móveis, não ganhou,

emburrou e nada a consolava. Olha gente, hoje foi assim, não pode escolher,

mas vai ter mais e aí a gente faz de outro jeito! Após o sorteio, cada oficineira,

inclusive eu, ajudou quem estava com dificuldades para decorar a poesia. Você

treina com ele, pode ser Marina? Cada um fica num canto para ajudar a

decorar a poesia. Aqui em cima tá cheio. Descemos as escadas e ficamos na

área de serviço da casa. Vamos começar? Leia sua poesia para mim. “Da

janela do ônibus, vi uma pessoa muito triste, vi um pato afogar e uma galinha

nadar. Vi uma rua mexer, um poste falar, um cachorro gritar, um gato latir,

um cachorro miar. Vi um galo chocar, uma galinha cantar. Vi a casa cair e

um cavalo rir”. Agora tenta repetir sem olhar. Engasga-se, fica envergonhado.

Leia de novo então. Lê mais uma, duas, três vezes. É difícil, não consigo. Tá,

então vamos pensar em coisas que lembram. E começo a gesticular e fazer

caretas: uma pessoa „muuuito‟ triste, um pato afogando, uma galinha nadando e

cantando, um poste falando, um cachorro miando, um gato latindo... e a

decoreba vira uma divertida brincadeira de imitar animais em situações possíveis

na imaginação daquela criança. Outro menino se aproxima e começa a brincar

48

também. Entre risos e brincadeiras acaba o tempo e a poesia seguiu sem ser

decorada.

***

Pensava e acreditava que só era possível mudar o que estava

errado na escola, se mudasse primeiro seu espaço físico e suas

relações. Construía um ideal romântico de escola em que as salas

de aula se revezariam em espaços fechados mas também ao ar

livre. Os professores se capacitariam para mudar velhos hábitos, as

relações deveriam ser menos subordinadas, mais respeitosas e isso

só seria possível se mudassem várias coisas. Cheguei a pensar que

para mudar a escola ela teria que acabar.

Só seria possível então investigar um espaço educativo que

não fosse na escola, com suas estruturas viciadas e inoperantes.

Teria que ir para algum projeto inovador para mostrar que

naquele espaço a educação acontecia.

***

A escola O processo educacional A educação, contemporaneamente, tem

tomado para si a formação do cidadão, do civilizado, como meta, ou seja, a

formação para a vida na cidade, para a vida em sociedade, em espaços comuns.

Entretanto, essa mesma escola educação tem sido questionada sobre seu papel e

sofre ataques diários em sua função e sua estrutura. Isso aparece mais claramente

no aumento da violência nas escolas cidades, registrado diariamente na mídia.

Quando nossas certezas são abaladas e uma ideia de progresso e evolução

constantes começa a ficar cada vez mais desacreditada, maneiras outras de pensar

e problematizar o que estamos vivendo ganham voz e destoam de um discurso há

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muito cristalizado. Os desafios impostos às sociedades atuais têm forçado o

pensamento a ensaiar possibilidades outras de compreender o mundo.

(NIETZSCHE, 2006, p. 40).

***

Que terá levado o homem, a partir de determinado momento de sua história, a fazer ciência teórica e filosofia? Por que surge no

Ocidente, mais precisamente na Grécia do século VI a.C., uma nova mentalidade, que passa a substituir as antigas construções mitológicas pela aventura intelectual, expressa através de investigações científicas e especulações filosóficas? [...] o principal aspecto da questão

da origem histórica da filosofia reside na compreensão de como se processa a passagem entre a mentalidade mito-poética (―fazedora de mitos‖) e a mentalidade teorizante. [...] a grande maioria dos historiadores tende hoje a admitir que somente com os gregos começa a audácia e a aventura expressas numa teoria. Às conquistas esparsas e assistemáticas da ciência empírica e pragmática dos orientais, os gregos do século VI a.C. contrapõem a

busca de uma unidade de compreensão racional, que organiza, integra e dinamiza os conhecimentos. Essa

mentalidade, porém, resulta de longo processo de racionalização da cultura, acelerado a partir da demolição da antiga civilização micênica. A partir daí, a convergência de vários fatores – econômicos, sociais, políticos, geográficos – permite a eclosão do ―milagre grego‖, que teve na ciência teórica e na filosofia sua mais grandiosa e impressionante manifestação. [...] A racionalização do divino conduz a uma religiosidade ―exterior‖, que mais convém ao público a que se dirigem as epopéias: à polis aristocrática. Essa religiosidade ―apolínea‖ permanecerá como uma das linhas fundamentais da religião grega: a de sentido político, que servirá para justificar as tradições e instituições da cidade-Estado. [...] em Homero, a noção de virtude (areté), ainda não atenuada por seu posterior uso puramente moral, significava o mais alto ideal cavalheiresco aliado a uma conduta cortesã e ao heroísmo guerreiro.

50

[...] Em geral, significa força e destreza dos guerreiros ou dos lutadores, valor heróico intimamente vinculado à força física. [...] um atributo que o indivíduo possui desde seu nascimento, a manifestar que descende de ilustres antepassados. Séculos mais tarde, o pensamento ético e pedagógico de Platão e Aristóteles estará fundamentado, em grande parte, na ética aristocrática dessa Grécia arcaica expressa nas epopéias homéricas. Só que – sinal de outros tempos – naqueles pensadores a aristocracia de sangue será

substituída pela ―aristocracia de espírito‖, baseada no cultivo da investigação científica e filosófica (SOUZA,

1996, p. 5-10).

Como uma maneira de estar no mundo ―ocidental‖ vai sendo criada e cria um

―ideal educacional, civilizacional‖? Que espaços se criam para atingir esse ―ideal‖?

Educar, então, é cultivar a investigação científica e filosófica. Educar é

civilizar, é domar os instintos para se viver em ―espaços comuns‖.

Educação como cultivo para uma vida civilizada: como mãe, professora,

adulta dou o que a criança precisa para sobre-viver em sociedade: comida, abrigo,

uma certa noção de proteção, modos civilizados, conteúdos universalmente aceitos

etc. Educação como cultivo para uma vida ativa, afirmativa: a valorização da

negritude é trabalhada em algumas atividades do Mutirão não como um exemplo de

como inseri-la nas discussões escolares sobre os ―menos favorecidos‖, mas na

tentativa de constituir subjetividades outras, em que seja possível ser diferente um

do outro mas com o mesmo respeito e a mesma dignidade. O espaço da educação,

então, é o tempo presente, imprevisível, ―[...] sem programa, explorando e deixando-

se contagiar pelo movimento de criação que [o] habita‖ (KASTRUP, 2000, p. 381).

***

51

Durante o evento de lançamento do livro de poesias do Mutirão da

Meninada a coordenadora começou a falar em meio a conversas, nenhum pedido

de silêncio foi feito e aos poucos o ambiente foi ficando em silêncio. “O que é

esse negócio de mutirão da meninada do Vale Verde? É um projeto que aposta

na dignidade de viver, na alegria de existir. Acredita nisso e aposta isso, e quer

se colocar a favor disso: a favor da dignidade e da alegria de existir. E estamos

aqui hoje para isso, para celebrar a alegria de juntos estarmos apostando na

possibilidade da gente se relacionar de um modo diferente do que é o modo

habitual das pessoas se relacionarem na nossa sociedade. Porque na nossa

sociedade é mais ou menos assim, vê se vocês concordam: uns são os que sabem,

os outros não sabem; uns são os que mandam, os outros obedecem; uns são os

bonitos, os outros são os feios; é um pouco assim, uns estão em cima outros

estão embaixo. E nós estamos apostando que é possível a gente ir construindo

um jeito de conviver em que a gente seja diferente um do outro mas com o mesmo

respeito e a mesma dignidade. Vocês sabem que vocês ensinam para gente?

Não? “Eu sei.” Às vezes vocês nem pensam isso né, que vocês estão ajudando

a gente a aprender um jeito outro de viver, de se relacionar com as pessoas.[...]

Essa casa que está nos recebendo aqui hoje tem uma preocupação, a de fazer

uma certa união dos países da América Latina, Brasil, Uruguai, Paraguai,

Argentina, Equador, Chile, que são nosso irmãos ...uma voz interrompe: a

Bolívia... É, a Bolívia também, o que mais que vocês lembram? A África! A

África não é na América Latina. Risos. Não, mas veja Sabrina, foi bom você

lembrar da África, porque a África tá logo ali, é do outro lado do oceano e

muitos africanos, o sangue de muitos africanos corre nas nossas veias. A gente

nem sabe mas corre nas nossas veias, muitos de nós que tem a pele branquinha

nem sabem que tem um pouquinho de sangue africano aí pelo meio também.

Então a África é uma grande parceira.

***

52

Crise da educação em nossa sociedade atual. Não precisa ser

nenhum especialista para “constatar” isso. A grande mídia

noticia diariamente casos de violência e mortes, em sua maioria

por “motivos banais”. Noticia também o aumento da

criminalidade, da violência civil, policial, do número de mortes

no trânsito etc.: relações sociais em crise. Crise de autoridade no

interior das famílias, das escolas, da polícia, da política, cada

vez mais diversificadas em sua constituição. A educação tem que

dar conta de educar para se ter um bom emprego, uma boa

família, uma boa casa, um bom padrão de vida, ser a favor da

preservação ambiental, e ser contra qualquer tipo de preconceito:

homofobia, racismo, deficiência física etc.

***

Cartografar um bairro da cidade mineira de Juiz de Fora se produzindo como

espaço educativo, junto a um projeto em ação neste bairro. Cartografar o bairro mas

percebê-lo como rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Pensar a cartografia no

sentido deleuziano para além do método.

Perceber as situações, os escapes, os modos existenciais de ser do espaço

que se apresentam nas falas das pessoas, no modo como as pessoas veem, no

modo como as pessoas reagem, os modos como se constituiu aquele próprio

espaço enquanto espaço vivenciado.

***

Por que discutir a produção de configurações outras em um

bairro da cidade de Juiz de Fora, junto a um projeto ali em ação?

Não sei. Talvez porque a orientadora sugeriu e insistiu

53

delicadamente para a realização de um trabalho de campo, já

que a orientanda tem muita resistência ao contato com o campo

empírico. E também porque ao encontrar com o campo ele

também a encontrou. Começaram a dialogar conversar, a

pensar, problematizar. O campo vem dando visibilidade e

ajudando a construir a problemática do espaço. Ajuda também

na composição de uma escrita, na configuração de um texto,

numa política de narratividade. Estou querendo inventar o

conceito a partir do que o campo leva a pensar.

Como dar voz a isso que acontece no campo sem falar sobre,

mas falar com?

***

Um vídeo de dezembro de 1996 sobre o bairro Vale Verde.

Uma moradora: Nós precisamos de terra pra morar.

Uma moradora: E hoje eu posso dizer pra todo mundo que eu tenho uma casa.

Um narrador: A história da comunidade do loteamento reflete um grave problema social do

país e que está longe de uma solução definitiva: a luta pela moradia. O loteamento está

situado nas proximidades do bairro Sagrado Coração e São Geraldo. Ele surgiu da luta de

pessoas que se uniram para conquistar um ideal. Uma população carente, um lote vazio e

sem produção possibilitou a realização do sonho da casa própria para cerca de duzentas e

cinquenta famílias carentes. O terreno doado pela prefeitura depois de muita luta não

contava com infraestrutura básica. Os moradores já conseguiram a água e o esgoto. Muitos

já possuem luz instalada de forma precária. Ainda não foram instalados postes.

Uma moradora: A história do loteamento começou na Vila da Conquista. Primeiro trabalho

do bairro, da comunidade, foi na Vila da Conquista. A gente ocupou o terreno da prefeitura e

a prefeitura veio e nos desapropriou. Aí quando ela nos desapropriou eu resolvi caminhar

até na prefeitura pra conversar com o prefeito. Quando eu conversei com o prefeito sobre

respeito de moradia, que nós era muito moradores, não tinha onde morar, ele concordou de

fazer os loteamento. Aí fez o loteamento da Vila da Conquista né, que é oitenta famílias e

deu oportunidade de fazer esse loteamento.

54

Um narrador: Muitas construções são feitas em mutirão envolvendo até famílias inteiras. No

meio dessa comunidade são inúmeras as histórias de luta.

Um morador: Eu peguei esse terreno aqui quando aqui não tinha nada, certo. Era um

terreno muito morrado, muita gente achou que nem tinha condições da gente fazer porque

era um terreno muito morrado. Aí eu comecei aqui sozinho e deus né, num tive ajuda de

nada. Eu tinha só setecentos e poucos reais e consegui fazer essa casinha aqui e deixa até

nesse ponto que tá aí.

Uma moradora: [...] pra mim esse Vale Verde é um lugar sagrado. Por quê? Porque é onde

eu consegui fazer o meu espaço e ter a minha liberdade de vida. É onde eu vivo com

tranquilidade porque eu sei que na hora que eu abrir aquele portão e entrar eu tô entrando

pra dentro da minha casa e do meu espaço aonde ninguém vai vim me cobrar nada.

Um narrador: O projeto conta ainda com a participação de alunos da UFJF e comunidade

coordenados pela professora. Imagens da professora falando com um microfone na

praça, alternando imagens das crianças nas atividades narradas. O trabalho visa

desenvolver atividades educativas com crianças e adultos criando mentalidade crítica,

noções de organização, concentração e inserção dentro da comunidade. As crianças

participam de grupos de teatro, estória, desenho e pintura, bandinha, capoeira e escolinha

de futebol. Os adultos participam da rádio comunitária implantada em uma casa do

loteamento, além disso, são realizados eventos como a inauguração da rádio comunitária e o

bingo de natal.

Uma aluna da UFJF: A receptividade da comunidade é essa aqui. A aluna está abraçada

a três crianças. Todo mundo aqui gosta muito de participar, às vezes tem um problema de

organização, não é não, pessoal? Às vezes tem um problema de organização, mas eu acho

que é nessa articulação, nessa busca do encontro é que tá o legal do projeto, não é, ter que

um combinar com o outro. Então a receptividade é muito boa e eu me sinto realizada,

sinceramente. Eu sinto que eu estou fazendo uma coisa muito legal aqui, porque não sou eu

que estou fazendo, somos nós que estamos fazendo.

Uma narradora: Experiências como a desse loteamento contribuem na construção de uma

sociedade nova capaz de se articular e se organizar, em que as camadas populares tenham

voz ativa.

55

Uma moradora: Para que todos saibam que nós, todos e todas, temos direito a essa

moradia. O Vale Verde valeu!

Uma narradora: Vinha a manhã no vento e de repente aconteceu. Melhor é não contar

quem foi, nem como foi, porque outra história vem e vai ficar.

Uma professora: O mutirão da Meninada é um projeto de atividades artístico-culturais

desenvolvido por bolsistas da Universidade Federal de Juiz de Fora junto ao loteamento. É

um projeto de atividades culturais que inclui teatro, bandinha, capoeira, escolinha de

futebol, artes plásticas e também o funcionamento de uma rádio comunitária que inclui em

sua equipe adultos da comunidade. O título mutirão mostra como o projeto está inserido no

contexto sociocultural da comunidade. Trata-se de uma área de ocupação urbana em que a

conquista dos lotes foi num intenso processo de mutirão com muita luta e também a

construção das casas, que é desenvolvido nesse processo de mutirão normalmente. O

caráter marcadamente estético do projeto passa pelas atividades que são desenvolvidas,

pelo tipo de atividades artísticas, mas passa prioritariamente pelo processo como elas são

desenvolvidas. Trata-se de um processo de intensa inventividade, na liberdade da

participação e na alegria da decisão coletiva. Tudo isso vivido com uma experiência de

cidadania no prazer de criar.

Um menino de cerca de oito anos: A gente aprende amizade, muitas coisas.

Uma menina de maios ou menos cinco anos: É bom pintar porque tem muitas cores.

Poderia ser uma sala de aula tradicional? Sim, poderia.

O bairro Vale Verde possui alguns projetos que são desenvolvidos junto à

comunidade. Acompanhei as atividades do Mutirão da Meninada, coordenado pela

professora Maria Helena Falcão Vasconcellos. O Mutirão, na ocasião da pesquisa,

era composto por quatro turmas dividas em duas pela manhã, e duas à tarde. Cada

turma com cerca de dez a quinze participantes. Eram quatro oficineiras, cada uma

56

responsável pela coordenação das atividades de uma turma, mas todas participando

de todas as oficinas. Há uma divisão de tarefas: cada semana uma oficineira chega

mais cedo para lavar o banheiro e outra para organizar as carteiras, cadernos e

livros. Toda semana as carteiras são arrumadas em círculo e tira-se a poeira de

cada uma com um pano úmido com detergente. Lava-se o banheiro, coloca-se uma

toalha limpa e sabonete. Na pia ao lado do banheiro, ficam os copos de vidro e de

plástico lavados para beber água de um filtro acoplado à torneira.

“O bairro Vale Verde, em Juiz de Fora, Minas Gerais, é resultado de luta pela moradia

ocorrida no ano de 1993. Atualmente conta com calçamento, rede de água, luz, esgoto e linha

de ônibus.

[...]

De fevereiro de 2006 a início de 2008 aí se realizaram oficinas literárias com

crianças/adolescentes. Elas aconteceram semanalmente no terraço de uma das casas do então

loteamento, cedido pela família proprietária e sua duração variou de vinte minutos a uma hora

e meia, dependendo do desenrolar-se da atividade de leitura e envolvimento dos participantes.

No terraço fica um pequeno armário, onde é guardado o material utilizado na oficina. O

acesso a esse terraço se faz pelo exterior da casa e as oficineiras mantêm consigo chave do

portão de entrada da moradia.

[...]

Foram realizadas 60 oficinas de leitura. Mas efetivamente o projeto se iniciou em

agosto de 2005, com ciclos de estudo e debates, entre as oficineiras. Durante esses ciclos, de

frequência quinzenal, discutimos a própria formulação do projeto e os principais textos que o

embasam. Com maior cuidado nos debruçamos sobre o livro de Virgínia Kastrup: A invenção

de si e do mundo (1999).

[...]

Em 1994 a UFJF desenvolveu um projeto de extensão na então ocupação urbana Vale

Verde. O projeto Mutirão da Meninada do Vale Verde oferecia algumas oficinas como teatro,

capoeira, futebol, jornal de bairro. O projeto contou com a participação de estagiários-

bolsistas de vários cursos. As oficinas se desenvolviam no atual bairro Vale Verde em

varandas ou outros cômodos de casas em construção. A luta pela moradia conseguira que a

prefeitura fizesse o arruamento da área e entregasse os lotes às famílias cadastradas pela

comissão de moradores. Por isso era grande a movimentação de construção de casas.

57

[...]

Formalmente, o projeto de extensão da UFJF durou apenas um ano. Porém devido à

decisão de algumas pessoas envolvidas, várias atividades continuaram. Assim é que o Mutirão

da Meninada do Vale Verde, ainda hoje (2010), se faz presença no bairro. Mantém atividades

com 50 crianças/adolescentes14

.

Uma reportagem sobre um bairro em um programa de uma emissora local de televisão de

uma cidade em 2010.

Uma repórter: O programa de hoje visita um bairro que apesar de estar localizado na zona

sul de Juiz de Fora não tem a urbanização como principal característica. Criado em mil

novecentos e noventa e quatro, é composto por duzentos e oitenta lotes distribuídos em

nove ruas. O bairro é cercado por mata virgem e por ser muito arborizado percebe-se que os

seus moradores têm o compromisso de cuidar da natureza.

Uma das principais características do bairro é a união entre os moradores. Foi a partir dela

que o bairro foi fundado.

[...]

Uma repórter: Outra iniciativa importante que existe no bairro é o Mutirão da Meninada. Eu

estou aqui na casa da Beth e do Grilo perto da Praça do Cruzeiro onde sempre acontece a

reunião do projeto. E eu vou conversar com a coordenadora desse projeto. Como funciona o

projeto?

A repórter está sentada no terraço da casa, as cadeiras estão dispostas no

formato de um círculo e é composta pelas oficineiras e crianças que participam

do projeto.

Uma coordenadora: O projeto ele é muito antigo. Ele começou em 1995, então eu vou te

falar como ele funciona no estágio atual porque ele já passou por vários estágios diferentes.

Atualmente, a atividade assim habitual é das terças-feiras. A equipe de oficineiras vem e

passa o dia inteiro aqui. Funciona das oito da manhã às quatro e meia da tarde em quatro

turmas, duas pela manhã e duas à tarde. São cinquenta participantes e nós temos uma lista

de quase cinquenta que tá na espera de ter uma vaga, porque a gente não tem condição de

14

Os cinco parágrafos apresentados pertencem ao artigo intitulado ―Oficinas literárias: um espaço de invenção? Relato de uma experiência de educação popular científico sobre o Projeto Mutirão da Meninada‖ de Maria Helena Falcão Vasconcellos e Tiago Adão Lara, de 2010.

58

atender a todos. E além das atividades rotineiras, que são essas de toda terça-feira, a gente

tem outras atividades, por exemplo, um passeio anual numa granja em que a gente passa

um dia inteiro, a idas, idas ao teatro. Uma oficina de poesias que houve aqui, quase todos

escreveram suas poesias e nós temos parceiros em muitos lugares, uma gráfica do Rio

imprimiu esse livro. Aparece a imagem da capa e do interior do livro de poesias escrito pelas

crianças.

Uma repórter: Por que você resolveu implantar esse projeto aqui no bairro?

Uma coordenadora: É, eu propriamente não resolvi assim. Em noventa e cinco, noventa e

quatro, eu era professora da universidade. Eu trabalhava com filosofia da educação no curso

de Pedagogia. Então foi um projeto de extensão que foi feito e aí oficina de teatro, oficina de

futebol, oficina de capoeira, oficina de contação de história. Quando eu saí da universidade,

houve um pesar de deixar esse projeto que caminhava bem, aí a gente foi dando um jeito,

dando um jeito e hoje nós somos quatro oficineiras. As atividades rotineiras são esses quatro

grupos de estudo, que nós chamamos, um nome que foi discutido e votado aqui que é “Hora

de Aprender”. Eles estão em quatro turmas de acordo com o horário escolar deles. Quem

estuda de manhã vem à tarde, quem estuda à tarde vem de manhã. E ali nós temos

atividades de português, de matemática, priorizando o quê? O contato com a língua, a

escrita, a compreensão. E na matemática, as operações. Mas eles trazem também, alguns

trazem tarefas que querem fazer. Então funciona como uma hora de estudo, né, e o início da

hora de aprender é sempre nesta roda com leituras. Todos leem, é um compromisso de

todos lerem alto. Depois a gente passa pro segundo momento que cada um tá numa mesa,

numa carteira, trabalhando.

As crianças leem a autobiografia que antecede as suas poesias no livro.

“Meu nome é Dandara, tenho doze anos. Foi meu pai que escolheu meu nome, gosto muito

do meu nome e o meu nome é africano. Moro no bairro Vale Verde na cidade de Juiz de

Fora, Minas Gerais. Gosto de morar no Vale Verde.”

***

Por que falar de espaço? O que tenho aprendido, apreendido

com o pensamento da diferença? Que noções outras de espaço

ajudam a pensar (no senso comum, “resolver os problemas”) da

educação contemporânea? Como o espaço me ajuda a compor

59

com esse modo de pensar a que me proponho: a favor de uma vida

ativa, potência afirmativa da vida?

A ideia é constituir uma ciência que se abra ao movimento e não quer

reconhecer para pré-ver o que irá acontecer: uma vontade de verdade que comanda

a ciência moderna. Existe um discurso hegemônico que produz o que é ou não

ciência. Já naturalizamos o que é o científico: é necessário que haja um método

rigoroso que possa ser confiável, consistente e assim divulgado e passível de

engajar novas previsões. ―A ciência provou que‖; ―os dados mostram que‖, ―está

comprovado cientificamente que‖. Tem que sobressair às refutações, tem que ser

consistente, tem que ter dados que o comprovam: ―é preciso ter embasamento

teórico‖. A credibilidade da ciência está diretamente associada à sua capacidade à

exatidão. Quanto mais exato, mais científico. É científico o que é mensurável, e tudo,

desse ponto de vista, é possível medir, basta encontrar o método mais correto e os

resultados serão confiáveis.

Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também

um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas. É esta a sua

característica fundamental e a que melhor simboliza a ruptura do novo paradigma científico com os que o precedem. Está consubstanciada, com crescente definição, na teoria heliocêntrica do movimento dos planetas de Copérnico, nas leis de Kepler sobre as órbitas dos planetas, nas leis de Galileu sobre a queda dos corpos, na grande síntese da ordem cósmica de Newton e finalmente na consciência filosófica que lhe conferem Bacon e sobretudo Descartes (SANTOS, 1988, p. 48).

Conhecer, numa perspectiva moderna, é do nível do sujeito, que re-apresenta

o objeto. Conhecer, assim, não é pensar, mas re-conhecer o conteúdo no (físico) e

60

do (relações) espaço. Se abandonarmos o pré-suposto de sujeito e objeto como

categorias que se relacionam no espaço para considerá-los estabilizações sempre

provisórias, que espaço surge então?

Buscamos a constituição de um pensar filosófico, de uma filosofia que escapa

ao hegemônico, isso porque não tem nos ajudado compreender filosofia como

sinônimo de história da filosofia, onde fazer filosofia é retomar toda uma história

explicativa do pensamento filosófico ocidental, fazendo uma filosofia do mesmo,

pensando o sempre. Mas filosofia como criação de conceitos e abertura de

possibilidades para pensar o novo (DELEUZE; GUATTARI, 1992). O novo não como

novidade, o novo como sempre novo, mesmo na repetição, como potência de

criação. O espaço é o mesmo: a sala de aula, a escola, o bairro, o projeto, mas

investe-se sempre na potência de criação do novo, mesmo na repetição.

Para Deleuze, a tradição filosófica ocidental, desde Platão, salvo a exceção de alguns filósofos que ficaram marginalizados, tem sido uma recognição, um pensamento do mesmo, no qual as diferenças são apenas aparentes. Assim, é necessário um investimento no pensamento que torne o pensamento de novo possível, um pensamento da diferença, um pensamento sem imagem (GALLO, 2010, p. 52-3).

O conhecimento, nesta perspectiva, não nasce da relação sujeito e objeto

constituídos previamente, o que seria um re-conhecimento, uma adequação à

realidade, sendo o pensamento apenas representativo. Por isso problematizar a

própria noção de conhecimento arraigada à constituição do pensamento

ocidental tem se mostrado potente na composição da investigação.

O século XX viu nascer, porém, o investimento em uma noção de filosofia que procurou se constituir de forma distinta do platonismo,

61

tornado hegemônico no ocidente, operando com uma concepção de pensamento não tomado como representação e sujeito a critérios de semelhança ou verossimilhança, mas que invista na produção de diferença (GALLO, 2010, p. 51).

Filosofias da diferença, na nossa perspectiva, estão preocupadas em pensar

a diferença em si, fugindo das dicotomias postas por uma filosofia que vai se

tornando hegemônica. Nesta filosofia, ao real só se tem acesso pela via da

representação e o ideal está fora do nosso alcance (GALLO, 2010. MACHADO,

2009).

A tentativa de pensar o espaço numa perspectiva das filosofias da diferença

não busca respostas nem totalizações, busca abrir possibilidades para que cada um

se torne à sua própria altura (NIETZSCHE apud LARROSA, 2004), potencializar

modos de existir outros, distintos dos já cristalizados.

Ao pensamento de Nietzsche, agregar autores como Gilles Deleuze e Félix

Guattari tem ajudado a problematizar os pressupostos de uma filosofia, que vem

constituindo-se e tornando-se hegemônica desde Platão a antiguidade grega, na

tentativa de questionar e reorientar as formas dominantes de pensar o mundo. O

fato de não buscar a verdade não significa que não possamos problematizar as

condições a partir das quais se apreende os fenômenos. O cuidado é de não

confundir aquilo que se considera como problematização como sendo a realidade

propriamente. Não existe uma realidade e as interpretações que dão somente

acesso a uma de suas facetas, mas a realidade é sempre construção perspectivada.

―[...] deixa que os outros construam suas imagens de pensamento. Deixa-os colocar

seus problemas. Deixa-se colocar seus problemas‖ (KOHAN, 2003, p. 235).

Todos sabem o que é espaço. Desnaturalizar o espaço que sempre

habitamos, a superfície, como homens, mulheres, pais, professores, profissionais

62

etc. estar atento, à espreita, perguntando sempre o que acontece quando nada

parece acontecer. A pesquisa proposta quer pensar, então, uma noção de espaço

numa perspectiva de conhecimento outra, que não a de re-conhecimento. Ao olhar

para espaços como o da escola e re-ver formas prontas, estagnadas, imutáveis não

há possibilidade de criação. A família enfrenta problemas, os alunos não tem o

mesmo interesse de antigamente, o Governo não dá a assistência, é preciso mudar

o sistema capitalista, o bairro não tem infraestrutura, a população é carente...

O espaço não é prévio, não é uma forma que pode ser representada. O

espaço se inventa no entre. Suas singularidades são afirmadas nesse processo.

***

Acho que posso definir pensar a grande questão dessa

proposta de pesquisa como: que noção de espaço se produz

abandonando uma perspectiva de filosofia da representação? Ou

ainda, que noção de espaço se produz junto à filosofia, ao

pensamento da/na diferença?

(JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 65)

***

63

Nomear ou omitir o nome do projeto, do bairro, da

coordenadora, das pessoas envolvidas... Um desafio. Ora

nomeava, ora omitia. Não convenceu a banca. Ou nomeia ou

omite. Porque a recusa tão insistente em ora um ora outro? Talvez

porque esse foi o movimento da pesquisa: pensava-se por sujeitos e

objetos e isso foi se dissolvendo ao longo da pesquisa. Não importa

64

mais quem. “Melhor é não contar quem foi, nem como foi, porque outra história

vem e vai ficar”15

.

Não chegar ao ponto em que não se diz mais EU, mas ao ponto em que já não tem qualquer importância dizer ou não dizer EU. Não somos mais nós mesmos. Cada um reconhecerá os seus. Fomos

ajudados, aspirados, multiplicados (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.

10).

A produção do espaço não é individual, é impessoal. A ideia de singularidade

para pensar o espaço: uma produção singular do espaço.

***

Documento-base de um Mutirão da Meninada16

O que queremos com um trabalho de um Mutirão da Meninada?

Queremos que as crianças/adolescentes tenham oportunidade de fazer experiências

artísticas, culturais, que normalmente elas não tem: ir ao teatro, ver uma exposição de arte,

conhecer uma gráfica e nela a edição de um jornal, andar no centro da cidade que é delas,

apreciar arquiteturas bonitas da cidade, visitar um museu... Desejamos sobretudo que tenham

experiência de criar: fazer um desenho, confeccionar um brinquedo, fazer uma pintura, cuidar

do espaço onde estão, cuidar de uma biblioteca, fazer teatro, fazer gestos harmoniosos com o

corpo, ler histórias, inventar uma estória, confeccionar um livro etc. etc.

Com essas práticas pretendemos que tenham experiência de uma ação coletiva, de

decisões coletivas. E o principal, que tudo isso seja vivenciado junto com as animadoras e

animadores populares, numa convivência, que rompa um esquema de relações vivenciado

majoritariamente na sociedade em que nos situamos. Clima, portanto, de respeito, igualdade,

chance de criação, liberdade, confiança.

Na verdade queremos que as crianças e os adultos mais próximos tenham a

possibilidade de vivenciar situações diversas daquelas que normalmente experimentam no dia

15

Fala do narrador no vídeo sobre a criação do bairro pesquisado.

16 Documento transcrito em sua íntegra como disponibilizado, exceto o que está sublinhado.

65

a dia e resgatem a dignidade e a percepção do valor que tem.

E o que normalmente experimentam? Que são de segunda categoria, que valem menos

que outras pessoas que têm mais posses, que têm que obedecer, “reconhecer seu lugar”, que

não são bonitos, nem inteligentes e são incapazes de fazer coisas bonitas. As crianças

aprenderam, na carne, que criança obedece e adulto manda; que rico pode e que pobre não

tem vez. Com frequência, presenciam atos de violência e são tratadas com violência, agindo

entre si, muita vez, também com agressividade e brutalidade. Principalmente vivenciam que

sempre foi desse jeito e vai continuar sendo fatalmente assim.

Queremos criar situações em que nossa prática possibilite às crianças perceberem que

elas podem produzir (desenhos, brinquedos, estórias escritas e orais, passos de dança, artigos

de jornal, apresentações de fantoches etc.) Que sintam que nós as respeitamos em sua

dignidade, em seus desejos e em suas decisões, mas que também queremos ser respeitados em

nossa dignidade. Não interessa dizer isso com discursos nem pregações pedagógicas.

Temos que multiplicar as situações que provoquem essas experiências: nossa pontualidade,

nossa preparação das atividades, o cumprimento do que combinamos, o pedido de desculpa

em falhas nossas, o jeito de tratá-las como iguais: nem o autoritarismo/maternalismo de quem

se sente por cima; nem a pena ou o medo de quem se sente por baixo. Exigir que cumpram o

que foi combinado. Nossa presença respeitosa, nossa atenção cuidadosa, uma escuta de

qualidade, uma sensibilidade acurada é tudo isso que pode colocar nosso trabalho a favor da

dignidade e da vida. O compromisso de um trabalho voluntário não pode diferir em nada do

compromisso num trabalho altamente remunerado.

Estejamos atentas ao que for promovido na cidade e que possa trazer benefícios

culturais e recreativos para elas, como apresentações teatrais, corais, exposições. Para que

tenham oportunidade de fruir o belo, despertar e acentuar a sensibilidade que o corpo vivo

inevitavelmente traz em si.

Tudo isso traça nas crianças/adolescentes, marcas de desejos, de pensamento, isto é, de

movimentação, que lhes acentua o sabor de viver mesmo se neste sabor se mistura algo

amargo. Essa é a experiência de cada um de nós humanos. Nós, animadores populares,

queremos ser facilitadores de fecundas experiências de existir, para a meninada e para nós

próprias.

Mais uma vez: não é a saliva, mas a prática cotidiana das relações - entre nós, com elas,

com as famílias, com o bairro em que elas moram, com a cultura que trazem do lugar social

que ocupam, com o saber formal, com o mundo enfim - que vai inventando outro tipo de

66

convivência, que não a habitual nos laços, que regem a socialidade vigente. Mais uma vez

percebemos, que envolver-se numa prática educativa é engajar-se num processo em que nos

educamos também. Por isso temos que nos ajudar mutuamente, nos criticar, nos rever,

reconhecer nossos acertos e nossos erros.

Portanto, nosso fazer visa armar dispositivos que possibilitem:

1. experiências de prazer/criação no fazer

2. experiência de fruição e descobertas que ampliem o modo de perceber, de sentir, de

pensar, isto é, ampliem o campo da produção de saberes.

3. experiências de convivência de relações horizontais (fratria).

Nosso fazer aponta horizontes de produção de si, gerando:

1. sensação de dignidade e sensação da possibilidade de organizar-se coletivamente.

2. sensação de potência, de ser capaz de: produzir coisas, produzir o grupo, produzir-se.

Essas duas sensações se compõem e constituem a experiência de um modo de existir,

que autoriza a pensar por si, situando-nos no mundo, percebendo que a existência é

enigmática e mistura prazer e dor.

A percepção de que há um movimento de construção desprograma a crença

experimentada de fatalismo, de que nada pode mudar, de que nada vai mudar. E lentamente

pode fazer os participantes se situarem no mundo como capazes de criar e não apenas

consumir coisas, ideias, modo de existir.

É imprescindível que um Mutirão da meninada do Vale Verde se fundamente na

crença de que é possível uma outra socialidade, um outro modo de existir, abrindo-se à

potência do vivo, que nos atravessa. Isso exige de nós, agentes sociais, abertura a uma

aprendizagem continuada.

Não estamos condenados ao que está dado na sociedade. Cada atividade nossa quer ser

uma experimentação de produzir a alegria de existir. Um Vale Verde pode ser para cada um de

nós, um laboratório em que vamos inventando/criando/construindo um novo modo de existir

e ao mesmo tempo, um novo modo de produzir pensamento.

Redigido após reunião 03/2003, reformulado 05/09 e novamente reformulado em junho

de 2010.

Juiz de Fora, 06/07/2010.

***

67

Quando se habita um espaço apenas em sua extensão, o campo é usado

para reconhecer o que dá certo e o que é errado, o que é bom e o que é ruim. O que

é igual ou diferente a outros bairros. O que é igual ou diferente à escola. Busca-se

encontrar os motivos pelos quais aquela iniciativa tem resultados positivos e como

outros bairros e outras escolas podem se espelhar nesses exemplos para obter

sucesso de inserção social, de aprendizagem.

Compor com o espaço das relações é se colocar como sujeito em relação

com outros sujeitos e objetos. Essa relação que modifica para o bem ou para o mal.

É devido à carência de infraestrutura que as relações são precárias. É devido à falta

de acesso à cultura e à educação escolar que os índices de pobreza e de violência

são altos.

Em todos os dois casos: causa e efeito. Faz-se isso para objetivar-se aquilo.

É possível prever o que uma ação pode gerar como reação? Ou seria o caso de

pensar que ao invés de reações, as ações provoquem outras inúmeras e

imprevisíveis ações? Daquilo que é transformado para aquilo que é o próprio

movimento de transformação (KASTRUP, 2000).

Ainda que distintas, essas duas noções – espaço continente e espaço

relacional – configuram um mundo pré-existente e um modo de estar no mundo

identitário. Quando há co-engendramento entre materialidade e relação, quando

ambos são produzidos e se produzem um pelo outro, o espaço precisa agregar

olhares outros. Não é o espaço continente, relacional apenas, é o existencial. Mas

não o existencial agarrado ao sujeito, da existência humana, individual e pessoal.

Existência é forma e força, nunca é só força, nunca é só forma.

68

Eis o princípio geral de Foucault: toda forma é um composto de relações de forças. Estando dadas forças, perguntar-se-à então primeiramente com que forças do fora elas entram em relação e, em seguida, qual a forma resultante. [...] É evidente que toda forma é precária, pois depende das relações de força e de suas mutações (DELEUZE, 1988, p. 132-9).

Espaço físico e relacional são os mesmos, mas sempre outros, abertos à

invenção, criação. Um exercício de produção do conceito espaço atravessando o

que se mostra como representação, verdade, forma pronta, sem, no entanto, negá-

los. Interessa-nos olhar para a possibilidade de invenção que é retirada do

pensamento por uma filosofia que se constitui desde a antiguidade grega, por um de

seus maiores expoentes: Platão.

[...]

(PLATÃO, 2001, p. 51-5)17.

17

SO = Sócrates, ME = Ménon, ESC = Escravo.

69

***

A heterogeneidade das áreas de conhecimento dos pesquisadores que

compõem o NEC promovem encontros com autores das mais diversas áreas do

conhecimento. Um desses encontros foi com o texto, ―O devir-criança e a cognição

contemporânea‖, da psicóloga Virgínia Kastrup, pesquisadora da UFRJ. Ao

problematizar a cognição contemporânea, a autora nos dá pistas para produzir

noção outra de conhecimento como invenção, processualidade de si e do mundo.

Não coloca em relação sujeitos e objetos, formas cognitivas e objetos conhecidos, mas é a cognição operando fora das regras, fora das formas. O devir cognitivo não se define por um regime específico, não é apenas um outro regime, mas uma outra dimensão, um outro plano de funcionamento, onde as categorias da representação – sujeito, objeto, leis, formas, estruturas – revelam-se inoperantes (KASTRUP, 2000, p. 377).

A invenção abre para a potência do acontecimento. Produz subjetividades e

maneiras outras de existir. Investir nisso. Uma noção de conhecimento inventivo que

nos ajuda a pensar o espaço. Parafraseando Kastrup, somente uma mudança na

formulação do problema do espaço, o que depende de uma problematização de

seus pressupostos filosóficos, abre a possibilidade para um estudo do espaço na

ordem da existência18 (2007, p. 22). Com esse texto comecei a pensar com Kastrup

e Deleuze que no espaço como o das relações já existem formas pré-existentes.

18

―[...].somente uma mudança na formulação do problema da cognição, o que depende de uma problematização de seus pressupostos filosóficos e epistemológicos, abre a possibilidade para um estudo da invenção‖ (KASTRUP, 2007, p. 22).

70

Um dos recursos utilizados foi parafrasear alguns textos

trocando algumas palavras por “espaço”. Isso abriu

possibilidades.

Devir-criança do espaço. A questão é: por que devir-criança do espaço? Por

que não só devir ou devir-mulher, ou animal do espaço? Por que devir-criança do

espaço ou como devir-criança do espaço? O que caracteriza o devir-criança e o

devir-criança do espaço? Essa pergunta é central. Pista: “algo que pode ser

expresso como uma relação de experimentação mais direta com o meio molecular”

(KASTRUP, 2000, p. 378).

Devir-criança do espaço porque enquanto devir, o espaço vai se produzindo,

fugindo das formas já constituídas e imutáveis, enquanto ―[...] a criança quer

procurar e inventar, sempre à espreita de novidade, impaciente com a regra‖

(BERGSON apud KASTRUP, 2000, p. 379).

Numa possibilidade do devir-criança do espaço, o espaço é sempre

experimental, lança-se ao presente imediato. A espacialidade do devir-criança é a

existência. Habita a espacialidade do acontecimento, da experiência, da interrupção

da espacialidade matematizada, presa às relações entre sujeito e objeto prontos,

acabados.

De maneira tal que a infância afaste-se das crianças. G. Deleuze, por exemplo, propus [propôs] uma noção impessoal, a-subjetiva, que chamou, dentre outros nomes, de devir-criança e também de bloco

de infância. O devir-criança [...] opera como um espaço de transformação, revolucionário. [...] São as linhas de fuga,

os quebres, as perturbações ao estado de coisas por parte daquilo que não pode se acomodar e ser engolido pelo sistema; movimentos dissímiles, mudanças de ritmo, segmentos que interrompem a lógica de um mundo sem espaço para a infância, e que traçam rotas e trajetos num plano de imanência. O devir-criança é [...] um espaço e um tempo de resistência, revolucionário: circula numa outra

71

temporalidade que a habita pela infância cronológica. O devir-

criança não sabe de modelos, totalizações, normativas. É uma força de encontro que abre espaço a um mundo novo, ainda inabitado. [...] a temporalidade do devir-criança é a

aiónica. [...] habita a temporalidade do acontecimento, da experiência, da interrupção da linearidade histórica em busca de um novo começo (KOHAN, 2010, p. 200-1).

O devir-criança do espaço que se constitui não se faz fora nem descolado do

espaço em sua dimensão física e relacional, mas a relação não sendo entre objetos

e sujeitos, sendo prévia, configura outra materialidade para o espaço. O devir-

criança do espaço não nega o espaço físico, mas opera em seu interior por meio de

um movimento de diferenciação e que produz formas que não podem ser

antecipadas, pré-vistas.

Toda forma atualizada [...] é um misto de matéria e tempo, guardando uma abertura e encontrando-se sujeito à instabilização.

[...] Ora, a criança cartógrafa acessa um meio que transborda o mundo dos objetos. Este é feito de qualidades, substâncias,

potências e acontecimentos, que configuram uma multiplicidade movente, instável, sempre longe do equilíbrio, uma espécie de matéria fluida. O mapa que a criança traça, e que configura seu método ou ―programa‖ de ação, confunde-se então com este meio em movimento que ela explora. O mapa do movimento é por isto

mapa em movimento. Suas regras são locais e temporárias e seu meio de ação composto de variações materiais invisíveis, inapreensíveis pelas estruturas históricas e pela representação.

Estão no meio do mundo, constituindo o fluxo que corre entre as formas, que transborda dos objetos e das formas conhecidas

(KASTRUP, 2000, p. 375-9).

Um espaço que é presente ao presente, é abertura ao desconhecido, ao

imprevisível, e nem por isso impossibilitado de ações coordenadas com ―objetivos

pedagógicos‖. Talvez por isso não faça muito sentido investir apenas na oposição

espaço continente, espaço relacional e espaço existência. Não é interesse criar uma

72

nomenclatura mais completa nem uma outra maneira de conceituar o espaço, mas,

principalmente, problematizar a noção de espaço.

[...] um conceito é um todo fragmentado, uma totalidade fragmentária. Isto significa que, em vez de ser algo simples, o conceito é uma multiplicidade, uma articulação de elementos, de componentes, eles mesmos conceituais, distintos, heterogêneos, mas inseparáveis, intrinsecamente relacionados, agrupados em zonas de vizinhanças ou de indiscernibilidade (MACHADO, 2009, p. 16).

Não é pretensão deste trabalho superar o espaço entendido como físico,

continente dos sujeitos e objetos, ou do espaço produzido pelas relações, mas ao

propormos falar em devir-criança do espaço, não os descartamos, mas inserimos a

possibilidade do movimento (KASTRUP, 2000).

E agora a criança, ou melhor, o espírito metamorfoseado em criança,

pode afirmar-se sim, dizer um sagrado dizer-sim. Não é,

pois, retornar à infância, tornar-se um ser-ente-criança, mas a transmutação do espírito numa condição que opera um saber(-se) de uma certa maneira, e não de uma maneira certa. A potência dessa condição de pôr-se inocente, mas não como ignorante, abre-se tranqüila e serenamente ao contágio das forças que são movimentos e movimentos que são forças, associa-se à condição de um sempre novo começo... (CLARETO; NASCIMENTO, 2010, p. 10).

Um sagrado dizer “sim”. Sim, o novo. Sim, a criança. Sim, a invenção. Sim,

um limite. Sim, um intervalo. Sim, um mistério. Sim, uma fissura. Sim, um salto. Sim,

pode!

Espaço como sempre prenhe de problematizações. De produção do novo. Eis

o que pode o devir-criança do espaço. Não é criar outra conceituação para o

espaço: devir-criança do espaço, mas ao falar de espaço, a sua materialidade, as

73

relações sendo sempre prévias à sua constituição e ele sempre aberto para

instaurar o novo, aberto à possibilidade de invenção.

O devir-criança do espaço supõe que sua materialidade é sempre com o fora

e que as suas relações são sempre prévias, a potência de inserir a possibilidade da

invenção. O devir-criança do espaço começa quando se acessa algo que não estava

apenas nos objetos e na sua disposição, nos sujeitos e suas relações, mas nas suas

entrelinhas, naquilo que vinha clandestino, invisível aos olhos que veem antigas

formas, que são presas de automatismos recognitivos. Esta dimensão do espaço,

que ―[...] escorrega por entre as formas e, experimentalmente, acessa as

intensidades, potências e acontecimentos (KASTRUP, 2000, p. 380).‖ é o devir-

criança do espaço.

***

Vou fazer a chamada. Chamada? Por quê? Não seria melhor

se eles pudessem ir só quando quisessem? Não, porque existe uma

“fila de espera” de crianças interessadas e queremos que eles

tenham compromisso com o trabalho que nós todos realizamos

aqui.

Só vai no evento quem tiver decorado a poesia. Mas por quê?

Decorar? Isso é coisa de ensino tradicional... Decorar sim, as

pessoas estão comprando o ingresso para vê-los declamarem suas

poesias. É como num teatro, os atores decoram suas falas. Vocês

serão os astros, as pessoas irão lá para ouvi-los, ver o espetáculo de

vocês e também comprarão o livro escrito por vocês.

Agora vamos dar uma nota pra apresentação do colega

(eles tinham que declamar a poesia escrita por eles). Nota? Ah

não, agora foi demais, esperava tudo, menos nota, como assim,

avaliar o que o colega falou? Nota sim, cada um vai falar para o

colega o que achou de sua apresentação. Se deve falar mais alto,

baixo, devagar. Se acha que melhorou ou piorou da última vez

74

que leu... Tem que dar um conceito e justificar para que o colega

possa melhorar sua apresentação.

É quase tudo igual a uma sala de aula: chamada, decorar,

avaliar... Se é quase tudo igual à sala de aula, por que as

crianças fazem fila para participar do projeto mas não têm o

mesmo interesse em participar das atividades diárias na escola?

Algo compõe esse espaço que o diferencia qualitativamente de

outros. Mas o quê? Singularidades...

***

Lançamento do projeto aprovado no bairro. Os cavaleiros convidados pela

coordenadora do projeto, do Clube do Cavalo, chegam de maneira diferente do

combinado. Eles desceriam uma das ruas do bairro tocando um berrante e seriam

vistos do campinho onde estariam as crianças e os convidados para o lançamento.

Essa cena fora imaginada por um menino durante uma oficina de leitura

posterior a ida dos Cavaleiros da Cultura, quando houve a distribuição livros de

literatura infantil. Ele imaginou “que seria bem mais bonito se eles tivessem

descido aquele morro tocando o berrante”. Esse era o combinado. Mas não foi

assim que aconteceu. Eles chegaram pela rua principal. A maioria das crianças

correu atrás dos cavalos. Eles pararam afastados da tenda central e da maior

aglomeração de pessoas. Os moradores do bairro continuavam nas varandas e

próximos às suas casas. Passada uma hora após essa chegada, uma moradora,

sem combinar nada ou pedir “permissão” pega o megafone e diz que vai

organizar uma apresentação dos cavaleiros. Ela começa então a organizá-los e

uma bela apresentação dos cavaleiros e seus cavalos se inicia. A praça vai

enchendo. As crianças ficam eufóricas. Todos querem a filmadora e a máquina

fotográfica. Os moradores saem de suas casas e ficam no local onde a moradora

havia indicado para assistirem a apresentação. A moradora com o megafone dá

as ordens para os cavaleiros e conduz a festa sem planejamento anterior nem

orientações da corrdenadora e das oficineiras.

75

Sim, pode.

Quarto e último grupo do dia no Mutirão: a “mesma” introdução, a

“mesma” sequência dos eventos. Isso sempre me incomodou bastante na sala de

aula. Tinha dia que dava três aulas seguidas para a mesma série, 8A, 8B e

8C. A primeira era ruim porque não tinha muito controle, ia lembrando aos

poucos e ia fazendo a aula, a segunda era mais previsível, eu conseguia

antecipar alguns eventos e me colocar à frente deles. Na terceira já estava

completamente entediada de repetir a mesma coisa... a mesma coisa... a coisa

mesma... a mesma coisa...

Enfim, quarto e último grupo. Algumas decisões ainda a serem tomadas,

alguns cargos a serem ocupados para o evento de domingo próximo. Hudson

chega. Já conheço Hudson de outros encontros e desde o primeiro dia ele não

parou um minuto. Uma agitação que não é muito espontânea, é um pouco

forçada, ele quer aparecer, se destacar naquele grupo. Talvez pelo fato de ter

uma jovem nova e bonita no grupo. E ele adolescente vaidoso. Sempre com o

cabelo arrumado com gel e roupas que o caracterizam como um adolescente

vaidoso. Hudson não participa da oficina. Ele não para de conversar e se

mexer, ele vira para um lado, para o outro. Começa conversa com os que estão

sentados ao seu lado e faz piadas. A coordenadora adverte. Ele levanta, vai para

um dos cantos do terraço e fica olhando para baixo e mexendo com quem estava

passando na rua. A coordenadora chama-o: Hudson, talvez você queira ir lá

embaixo conversar com seus amigos, pode ir lá. Não, não quero não. E senta-

se. A roda continua e de repente Hudson fala: e a limpeza do campinho, a

gente não vai fazer não? É mesmo, a gente não tinha pensado nisso. Boa

lembrança, em nenhum dos outros grupos lembramos disso. A gente fez isso

quando os cavaleiros da cultura vieram aqui. Quem pode participar dessa

76

equipe? Hudson é o primeiro a levantar a mão. Todos são contagiados. Forma-

se uma equipe de limpeza que na véspera do evento, na parte da manhã, irá

realizar a atividade proposta pelo inquieto Hudson.

Reconheço que esse menino não quer nada, só atrapalha,

não tem interesse. Reconheço que tenho que usar da minha

autoridade como adulta, professora. E se ao invés de “Talvez você

queira ir lá para baixo” fosse “Não quero você aqui, vá lá para

baixo, você está atrapalhando”.

Sim, pode.

Impossível avaliar as aprendizagens suscitadas pelas rodas de samba. Um dos

adolescentes manifestara em gestos, expressões fisionômicas e, sobretudo, em um silêncio

desconfortável, sinais de mal estar. Tempos depois, porém pareceu-nos vislumbrar um signo

de possível desdobramento da aprendizagem de “outro jeito” de lidar com a negritude. Numa

outra atividade desenvolvida pelo Mutirão da Meninada, o mesmo adolescente, terminou

pequeno texto descrevendo-se: “Sou um negro sonhador e feliz.” Tomamos essa apresentação

do adolescente, como signo. Mais do que comunicação descritiva de si, poderia sinalizar

deslocamento do mal estar da negritude. Talvez pequena torção do si no mundo. Não é isto o

signo, uma matéria qualquer em que uma face visível recobre na face oculta, a potência

escondida? (LARA; VASCONCELLOS, 2010, p. 14).

***

77

Tem que falar com a chefe, ela vai saber mais coisa. Porque na nossa sociedade é mais ou menos assim, vê se vocês concordam, há os que sabem e os que não sabem, os que mandam e os que obedecem. A gente estava procurando um bairro carente e aqui é muito carente. Às vezes vocês nem pensam isso né, que vocês estão ajudando a gente a aprender um jeito outro de viver, de se relacionar com as pessoas. Colocamos em contato semanal com a leitura para que eles possam melhorar na escola, ter uma possibilidade maior de ingressar no mercado de trabalho com melhores salários, melhorar de vida. Causa e efeito. O contato com a arte, a leitura busca “disparar” possibilidades, quaisquer que sejam: falar melhor e conseguir um bom emprego, relacionar-se melhor com os outros, abrir o leque de assuntos conhecidos, descobrir gostos por coisas desconhecidas etc. Dispositivo. Mas agora a gente não sabe como vai ficar porque ele não foi eleito deputado, nem ninguém do partido. Aí vai depender só do governador. Eu propriamente não escolhi assim, foi uma decisão coletiva. Os oito cavaleiros chegam imponentes e trazem na garupa uma missão: espalhar cultura entre crianças. Os meninos do projeto estão lançando hoje um livro deles. Um livro de poesias em que eles escreveram as poesias. Fiquei parecendo um marginal nessa foto. Sou um negro sonhador e feliz. Essas crianças são muito carentes né, então pra mim é uma gratificação muito grande eu estar podendo ajudar, contribuindo na educação delas. Eu sinto que eu estou fazendo uma coisa muito legal aqui, porque não sou eu que estou fazendo, somos nós que estamos fazendo.

***

A fórmula mais universal, que se encontra na base de toda e qualquer religião, assim como de toda e qualquer moral, é: “Faze

78

isso e isso, deixa isso e isso! Assim, tu te tornarás feliz!”

(NIETZSCHE, 2000, p. 42).

A intenção não é ―enaltecer‖ certas iniciativas em detrimento de outras. Fazer

uma análise do tipo: ―olha, isso dá certo, vamos copiar, ou, isso é errado, vamos

abandonar‖. Não é criar uma metodologia para aplicá-la em projetos de outros

bairros e quem sabe, se bem aplicada, obter o ―mesmo sucesso‖: outros também

podem escrever seus próprios livros, melhorar o rendimento escolar, conseguir bons

empregos...

Sim, pode.

Volto para a sala de aula. Agora um estágio obrigatório de

Iniciação à Docência. Disciplina de Saberes Geográficos Escolares

para o quarto período do curso de Geografia. Primeira semana:

eles não leem os textos. Segunda, terceira, quarta semanas: eles

continuam sem ler os textos. Assim não dá, isso é um curso de

nível superior, eles têm que ler! Têm? Por quê?

Na escola eles não leem e por que no Mutirão leem? Que

espaço se constitui nesse projeto que não se constitui naquela sala

de aula? Será que não seria interessante partir de outra coisa que

não a leitura obrigatória de um texto? O que acontece quando

eles não leem os textos pedidos?

Sim, pode.

A tentativa de construção desse texto é a de narrar um movimento que vem

79

me constituindo pesquisadora. Escreve-se para se tornar alguma coisa. De uma

escrita como registro para a escrita como expressão, intensidade.

Colocar o exercício da pesquisa no texto. Investir nisso na

produção do texto, um espaço que se abre para a potência do

acontecimento.

Outra questão importante é a escolha do ―formato‖ da Proposta. Caso se esteja trabalhando, metodologicamente, com conceitos de autor/autores que sejam propícios, que forneçam elementos/ linhas/cores que um novo desenho – tais como a cartografia de Deleuze e Guattari, a desconstrução de Derrida, a arqueologia de Foucault, os aforismos de Nietzsche - por que usar nossos formatos clássicos e tão repetitivos? Por que usar o ―esqueleto‖ deste Manual infame... mas útil..., por exemplo? Deve-se aproveitar o que os autores inventaram para inventar também, para ousar (CORAZZA, 2002, p. 364).

A tentativa de compor essa escrita se faz como ―A criança [que] não pára de

dizer o que faz ou tenta fazer: explorar os meios, por trajetos dinâmicos, e traçar o

mapa correspondente‖ (DELEUZE, 1997, p. 73). À criança não interessa as

respostas, mas as perguntas. Ela quer perguntar, e antes mesmo de ouvir a

resposta ela já está perguntando novamente. O texto vai se compondo nessa

―perguntação‖ insistente.

Escrever nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 11-2).

Questões que me vieram não por Deleuze ser o teórico

escolhido para “embasar” essa pesquisa. Não é só uma questão de

“já escolhi esse e tudo tem que ser com ele”, mas porque a

problemática sobre o conhecimento que a obra de Deleuze

encarna tem me dado o que pensar, por isso abrir a sua filosofia

tem sido pensado como uma possibilidade de construir uma

80

problemática sobre o espaço. Porque Deleuze dá o que pensar?

Movimenta tudo, tira do lugar, violenta.

Um movimento foi se constituindo com a pesquisa de campo. O foco não é

um estudo de uma análise do projeto que se desenvolve no bairro. Procurou-se

focar mais diretamente a questão do espaço a partir da visada do campo. Um

desafio que acompanhou todo o desenrolar da escrita: como amarrar o campo e a

discussão sobre o espaço e a educação? Buscou-se problematizar as inquietações

do campo e dar visibilidade ao que escapava.

Um texto-rizoma, que não se quer linear, um texto que não começa e não

termina, mas se movimenta no entre. Movimenta porque incomoda, tira do lugar

habitual da escrita acadêmica comumente aceita e re-feita.

Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. [...] partir do meio, pelo meio, entrar e sair, não começar nem terminar. [...] É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 36).

Um espaço-escrita continente: uma folha em branco recebe o texto que diz

algo sobre alguma coisa. Um espaço-escrita relacional: palavras que interpretam e

refletem sobre algo. Um espaço-escrita devir-criança vai se compondo, vai

encontrando brechas e maneiras outras de se fazer 'fazendo'. Se só dá conta de

escrever assim, então escreve. Isso também faz parte do 'formar-se' pesquisador:

encontrar um jeito de falar, escrever, viver. É uma dinâmica da escrita, movimento

que abre possibilidades, que não engessa, que não é o já dito, pensado, vivido,

estabelecido. Coloca isso no seu texto: seu caderno, suas anotações diversas.

Formatos diferenciados são criados na tentativa de registrar o que vai perpassando

81

a escrita do texto mais acadêmico, coerente. Escaneia páginas do caderno, agenda,

bloco de anotações, tudo que contém registros de falas, aulas, momentos que fazem

pensar.

Uma escrita efeito Dolly e uma escrita efeito Frankenstein. Uma acalma, diz

sobre o mesmo, responde ao avanço da ciência, já se espera alguma solução. A

outra assusta, não é de fácil nem acessível compreensão. Precisa ser acessada de

várias formas. Várias entradas. Possibilidades.

19

A Marina pesquisadora, geógrafa, orientanda, professora, irmã, companheira,

amiga, neta, madrasta, vizinha... como vou me tornando, me constituindo o que sou

e o modo como crio um mundo. Pesquisa como experiência, pesquisa para ex-por-

se e com-por-se.

[...] o sujeito da experiência é sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos. Em qualquer caso, seja como território de passagem, seja como lugar de chegada ou como espaço do acontecer, o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma

19

Trecho do parecer do Prof. Dr. Silvio Gallo para a sessão de defesa desta dissertação.

82

disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial. O sujeito da experiência é um sujeito ―ex-posto‖. Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a ―o-posição‖ (nossa maneira de opormos), nem a ―imposição‖ (nossa maneira de impormos), nem a ―proposição‖ (nossa maneira de propormos), mas a ―exposição‖, nossa maneira de ―ex-pormos‖, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se ―ex-põe‖ (LARROSA, 2002, p. 24-5).

A história é essa, muito bonita, né?

Moradora do Vale Verde em entrevista sobre a constituição do bairro.

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