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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA FERNANDA ROSA RODRIGUES O USO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DA MONICA’S GANG COMO RECURSO PARA A PRODUÇÃO DE DIÁLOGOS INTERCULTURAIS NO ENSINO DE INGLÊS COMO LE GOIÂNIA 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA

FERNANDA ROSA RODRIGUES

O USO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DA MONICA’S GANG COMO

RECURSO PARA A PRODUÇÃO DE DIÁLOGOS INTERCULTURAIS NO ENSINO

DE INGLÊS COMO LE

GOIÂNIA

2016

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TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E

DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG

Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de

Goiás (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e

Dissertações (BDTD/UFG), regulamentada pela Resolução CEPEC nº 832/2007, sem

ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98, o documento

conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download,

a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data.

1. Identificação do material bibliográfico: [ x] Dissertação [ ] Tese

2. Identificação da Tese ou Dissertação

Nome completo do autor: Fernanda Rosa Rodrigues

Título do trabalho: O uso das histórias em quadrinhos da Monica’s Gang como recurso

para a produção de diálogos interculturais no ensino de inglês como LE

3. Informações de acesso ao documento:

Concorda com a liberação total do documento [ x ] SIM [ ] NÃO

Havendo concordância com a disponibilização eletrônica, torna-se imprescindível o

envio do(s) arquivo(s) em formato digital PDF da tese ou dissertação.

________________________________________ Data: 20 / 09 / 2016

Assinatura do (a) autor (a)

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FERNANDA ROSA RODRIGUES

O USO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DA MONICA’S GANG COMO

RECURSO PARA A PRODUÇÃO DE DIÁLOGOS INTERCULTURAIS NO ENSINO

DE INGLÊS COMO LE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras e Linguística da

Universidade Federal de Goiás, como requisito

parcial à obtenção do título de Mestre em

Letras e Linguística.

Área de Concentração: Estudos Linguísticos.

Orientadora: Profa. Dra. Carla Janaina

Figueredo.

Goiânia

2016

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SOUSA, M. Monica’s Gang, n°57. São Paulo: Panini, 2014.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter colocado em meu caminho mestres e colegas generosos que me

ajudaram a construir a minha trajetória acadêmica;

Aos professores, colegas e funcionários do Programa de Pós-Graduação em Letras e

Linguística da Faculdade de Letras da UFG por terem contribuído, cada um a sua maneira,

para a realização de dois anos muito especiais na minha vida;

Aos professores e amigos que me acompanharam durante a graduação, por terem me

ajudado a assumir e desenvolver a minha identidade de professora-pesquisadora;

A minha orientadora, profa. Dra. Carla Janaína Figueredo, por ter sido o “outro” que,

com suas palavras de instrução, orientação, apoio e esperança, despertou em mim a

consciência da importância de me posicionar, sempre de cabeça erguida, no meu viver-agir.

Espero um dia poder agradecer-lhe à altura por tudo o que você significou para mim;

À profa. Dra. Dilys Karen Rees, pelas sugestões fornecidas durante a qualificação, as

quais me auxiliaram a aprimorar este texto, e por fazer parte da banca examinadora. É uma

honra ter como leitora do meu trabalho uma pessoa que tanto contribuiu para a minha

formação, e em quem eu sempre me espelhei como professora;

Ao prof. Dr. Sinval, pelos pertinentes comentários feitos durante o exame de

qualificação;

À profa. Dra. Maria Luisa Ortiz Álvarez, por ter aceitado o convite de fazer parte da

banca examinadora;

Aos alunos e funcionários da escola-campo, por terem acreditado no meu trabalho e

consentido em fazer parte da pesquisa;

Aos meus pais, pelo amor e pelo apoio incondicionais concedidos a mim em todos os

momentos;

Ao Jared, pela compreensão e paciência durante os inúmeros dias em que estive

ausente para poder me dedicar à escrita destas linhas;

Aos meus amigos do Sesc Educação Continuada, pelas palavras de amparo e pela

assistência dispensadas a mim durante o último ano. Meu agradecimento especial à Camilla

Santos, uma das pessoas mais benevolentes que já conheci, por ter me emprestado as

primeiras vinte e sete edições da revista da Monica’s Gang;

À Capes, pelo auxílio financeiro concedido durante parte do Mestrado;

A todos que de alguma maneira colaboraram para que eu chegasse até aqui.

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RESUMO

Neste estudo de caso de cunho etnográfico, almejou-se identificar de que forma as histórias

em quadrinhos da Turma da Mônica em inglês (Monica’s Gang) poderiam desencadear

diálogos interculturais nas aulas de língua inglesa, e como os significados culturais suscitados

a partir das histórias seriam interpretados pelos membros participantes da pesquisa. Os dados

foram gerados por meio de um curso de extensão oferecido no segundo semestre de 2014 em

uma escola da rede pública estadual, em Goiânia, Goiás, e contou com a participação de cinco

estudantes do ensino médio. Oito histórias foram lidas ao longo de onze encontros. A geração

de dados se deu com base nos seguintes instrumentos de investigação: gravações das aulas,

diário de campo da professora-pesquisadora (produzido a partir de suas observações)

questionário aplicado no quarto encontro e entrevista com as participantes ao fim do curso.

Este trabalho fundamenta-se principalmente nas teorias sobre interculturalidade na sala de

aula de língua estrangeira (CORBETT, 2003; KRAMSCH, 1993, 2001, 2009) e na

perspectiva dialógica de Bakhtin (1981, 1992, 2010). Os dados revelam que as discussões

promovidas a partir das histórias em quadrinhos (HQs) instigaram as participantes a

reconhecer outros universos culturais e a repensar a(s) sua(s) própria(s) cultura(s) nesse

processo, bem como promoveram momentos de reflexão sobre estereótipos culturais e pontos

de vista monolíticos. Além disso, é evidenciado ao longo da análise dos dados que a

incompatibilidade entre a microcultura de aprender das participantes e a microcultura de

ensinar da professora-pesquisadora exerceu uma influência significativa nos resultados desta

pesquisa. Essa evidência aponta para a necessidade de colocar em prática o ensino de língua

como discurso e a abordagem intercultural nas aulas de língua inglesa, de modo que haja

oportunidades para os aprendizes se posicionarem entre línguas e culturas distintas.

Palavras-chave: Interculturalidade. Dialogismo. Histórias em quadrinhos da Monica’s Gang.

Ensino-aprendizagem de língua inglesa.

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ABSTRACT

This ethnographic case study aimed at identifying ways in which the comic books (CBs) of

Monica’s Gang (Turma da Monica) in English triggered intercultural dialogues in English

classes, and how the cultural meanings arising from the stories were interpreted by

participants. Data were collected among five high school students in an extension course

offered in the second half of 2014 at a school in the network of public schools in Goiânia,

Goiás. Eight CB stories were read over the course of eleven classes. The data comprised audio

recordings of the classes, a field diary recording the observations of the teacher-researcher, a

survey completed during the fourth meeting, and interviews with the participants at the end of

the course. This work is based mainly on theories of interculturalism in foreign language

classrooms (Corbett, 2003; Kramsch, 1993, 2001, 2009), and on the dialogical perspective of

Bakhtin (1981, 1992, 1997, 2010). The data revealed that the discussions triggered by the CBs

led the participants to recognize other cultural contexts and to rethink their own culture(s),

and also encouraged moments of reflection about cultural stereotypes and monolithic points

of view. Moreover, analysis of the data revealed that the incompatibility of the micro-cultures

of the participants’ learning and the teacher’s teaching had a significant influence on the

findings. The present findings emphasize the necessity of teaching English with an

intercultural discourse approach in mainstream English education, allowing opportunities for

learners to position themselves in relation to different languages and cultures.

Keywords: Interculturality. Dialogism. Monica’s Gang comic books. Teaching and learning

of English.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Ilustração da tirinha ....................................................................................... 58

Figura 2 Ilustração da HQ “It wasn’t you Ditto, was it?” ............................................ 62

Figura 3 Exemplos de denominações dos personagens em inglês ............................... 63

Figura 4 Ilustração da HQ “Blu-in Intelligent” ............................................................. 66

Figura 5 Ilustração da HQ “A little pig to the rescue” .................................................. 75

Figura 6 Trecho do handout entregue às participantes ................................................ 76

Figura 7 Ilustração da HQ “The shadows of life” ........................................................ 79

Figura 8 Cena final da HQ “The shadows of life” ....................................................... 80

Figuras 9 e 10 Dependendo do ponto de atenção, o leitor verá, respectivamente: um sapo ou

um cavalo; uma mulher jovem ou idosa ........................................................ 82

Figura 11 Ilustração da HQ “Around the world with Maggy” ....................................... 90

Figura 12 Ilustração da HQ “A bit clumsy” .................................................................... 97

Figura 13 Ilustração da HQ “Spine tingling stories” .................................................... 106

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Perfil das participantes do estudo .......................................................................... 44

Quadro 2 Objetivos e materiais utilizados para cada um dos encontros ............................... 49

Quadro 3 Sinais usados na transcrição .................................................................................. 52

Quadro 4 Cronograma das Entrevistas .................................................................................. 54

Quadro 5 Atividade de reconhecimento dos personagens em inglês .................................... 57

Quadro 6 Termos vagos utilizados pelas estudantes e as indagações reverberadas na mente

da pesquisadora ...................................................................................................... 70

Quadro 7 Onomatopeias sugeridas pelas participantes ......................................................... 76

Quadro 8 Definições apresentadas para o termo “cultura” ................................................... 83

Quadro 9 Lista de características das culturas brasileiras e de língua inglesa elencadas pelas

participantes .......................................................................................................... 85

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LISTA DE ABREVIATURAS

HQs Histórias em quadrinhos

L1/C1 Língua-cultura dos membros da sala de aula

L2/C2 Língua-cultura alvo

LDB Lei de Diretrizes e Bases

LE Língua Estrangeira

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PROEC Pró-Reitoria de Extensão e Cultura

UFG Universidade Federal de Goiás

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS ......................................................... 16

JUSTIFICATIVA ..................................................................................................................... 18

OBJETIVOS E PERGUNTAS DE PESQUISA ...................................................................... 19

ORGANIZAÇÃO DESTE ESTUDO ....................................................................................... 19

1 FUNDAMENTAÇÃO TÉORICA ............................................................................. 21

1.1 LÍNGUA E CULTURA: DEFININDO TERMOS ....................................................... 22

1.2 A DIALÉTICA ENSINO-APRENDIZAGEM DE INGLÊS A PARTIR DE UMA

ABORDAGEM INTERCULTURAL .......................................................................... 25

1.3 O DIALOGISMO SEGUNDO BAKTHIN E O CÍRCULO ........................................ 28

1.3.1 Interdiscursividade e Intertextualidade ................................................................... 30

1.3.2 O sujeito ....................................................................................................................... 31

1.4 ENCONTROS INTERCULTURAIS NO PROCESSO DE LEITURA ....................... 33

1.5 HISTÓRIA EM QUADRINHOS: UM GÊNERO PERTINENTE À SALA DE AULA35

2 METODOLOGIA ....................................................................................................... 39

2.1 A PESQUISA QUALITATIVA ................................................................................... 39

2.1.1 O estudo de caso de cunho etnográfico ..................................................................... 40

2.2 O CONTEXTO ............................................................................................................. 42

2.2.1 O contexto de pesquisa e as participantes ................................................................ 42

2.2.2 A sexta participante.....................................................................................................45

2.3 AS HISTÓRIAS DA MONICA’S GANG ..................................................................... 46

2.3.1 As HQs selecionadas ................................................................................................... 49

2.4 INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO ................................................................. 51

2.4.1 O questionário ............................................................................................................ 52

2.4.2 O diário de campo ....................................................................................................... 53

2.4.3 A entrevista .................................................................................................................. 53

2.5 O PROCESSO DE ANÁLISE DOS DADOS .............................................................. 54

3 ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................ 56

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3.1 O INÍCIO: CONFLITOS E INCERTEZAS ................................................................. 56

3.1.1 Análise do primeiro encontro: participantes por um dia ........................................ 57

3.1.2 Análise do segundo encontro: conhecendo, de fato, as participantes do curso ..... 61

3.1.3 Análise do terceiro encontro: estabelecendo uma relação positiva com as

participantes ................................................................................................................ 67

3.1.4 Análise do quarto encontro: respondendo ao questionário ................................... 69

3.1.5 A HQ “A little pig to the rescue” .............................................................................. 75

3.1.5.1 Análise do quinto encontro: explorando as onomatopeias ........................................... 76

3.1.6 A HQ “The shadows of life” ...................................................................................... 80

3.1.6.1 Análise do sexto e sétimo encontros: percepção x realidade ........................................ 82

3.2 O PROCESSO: DESCOBRINDO O OUTRO E A SI MESMO ................................. 90

3.2.1 A HQ “Around the world with Maggy” ................................................................... 91

3.2.1.1 Análise do oitavo encontro: participantes como etnógrafas ......................................... 92

3.2.2 A HQ “A bit clumsy” .................................................................................................. 97

3.2.2.1 Análise do nono encontro: microculturas em foco ...................................................... 99

3.2.2.2 Análise do décimo encontro: reconhecendo microculturas ....................................... 101

3.2.3 A HQ “Spine tingling stories” ................................................................................. 107

3.2.3.1 Análise do décimo primeiro encontro: revendo estereótipos .................................... 108

3.3 O FIM: REFLEXOS DO CURSO NAS PARTICIPANTES ..................................... 112

3.3.1 O que as entrevistas revelaram ............................................................................... 112

3.3.1.1 Aprimoramento linguístico ......................................................................................... 113

3.3.1.2 A repercussão dos encontros na consciência intercultural das participantes .............. 115

3.3.1.3 O contraste entre o curso e as aulas de inglês da escola ............................................ 119

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 121

RESPONDENDO ÀS PERGUNTAS DE PESQUISA .......................................................... 121

REFLEXÕES PÓS-PESQUISA ............................................................................................. 124

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 129

APÊNDICES ......................................................................................................................... 135

Apêndice A Cartaz convidativo afixado nas paredes da escola ......................................... 136

Apêndice B Termo de Consentimento ............................................................................... 137

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Apêndice C Termo de Assentimento................................................................................... 139

Apêndice D Certificado de Participação no curso .............................................................. 141

Apêndice E Questionário..................................................................................................... 142

Apêndice F Handout com estratégias de leitura de HQs .................................................... 143

Apêndice G Anotações feitas no diário de campo sobre uma das aulas ............................ 144

Apêndice H Comic Strip: Plano de Aula ............................................................................ 145

Apêndice I Intelligent: Plano de Aula ................................................................................ 146

Apêndice J It wasn’t you, Ditto, was it?: Plano de Aula .................................................... 147

Apêndice K A little pig to the rescue: Plano de Aula ......................................................... 148

Apêndice L The shadows of life: Plano de Aula ................................................................ 149

Apêndice M Around the world with Maggy: Plano de Aula .............................................. 151

Apêndice N A bit clumsy: Plano de Aula ........................................................................... 153

Apêndice O A bit clumsy: Atividade para Casa ................................................................. 154

Apêndice P Spine tingling stories: Plano de Aula .............................................................. 155

ANEXOS ............................................................................................................................... 156

Anexo A História em quadrinhos: The shadows of life.......................................................157

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INTRODUÇÃO

All good people agree,

And all good people say,

All nice people, like Us, are We,

And everyone else is They:

But if you cross over the sea,

Instead of over the way,

You may end by (think of it!) looking on We

As only a sort of They!

(KIPLING, 1970, p. 375-376)

A abordagem intercultural aplicada ao ensino de línguas despertou minha atenção

desde a primeira vez que tive contato com textos relativos a essa temática, já nos últimos

períodos da graduação. Em um mundo marcado pela intolerância, onde formas de raciocínio

divergentes servem para justificar a origem de conflitos e até mesmo guerras, conhecer um

viés que prioriza o diálogo, a tolerância e o respeito mútuo foi uma descoberta extremamente

válida. Tendo em vista o meu papel de professora de inglês, vi naqueles textos uma alternativa

a ser aplicada nas minhas aulas de forma a contribuir para a formação de estudantes mais

preparados para interagir com membros de outras culturas e mais comprometidos com o

respeito às diferenças.

Lidar com valores culturais divergentes dos nossos é inevitavelmente um exercício

diário. Quando entramos em contato com uma língua estrangeira (LE), esse exercício se torna

ainda mais nítido, visto que aprender outras línguas é também conhecer novas formas de

categorizar a realidade e, por conseguinte, de reavaliar o modo como enxergamos o mundo, o

qual perpassa a nossa primeira língua (L1). Nesse sentido, um dos papéis do professor

praticante da abordagem intercultural deve ser o de mediar situações de encontro entre

culturas distintas, levando o aluno a ampliar seus horizontes culturais e repensar estereótipos,

isto é, formas convencionalizadas de falar e pensar sobre outros povos e culturas

(KRAMSCH, 2001, p.131).

A primeira oportunidade que tive de colocar a abordagem intercultural em prática foi

no último ano do curso de Letras. Durante o meu trabalho de conclusão de curso, conduzi um

estudo de caso em uma turma do ensino médio de uma escola pública localizada em Goiânia.

O objetivo do estudo, cujos dados foram coletados ao longo de três aulas, era levar os alunos

participantes a desenvolver uma competência intercultural por meio da leitura e discussão de

uma história em quadrinhos da turma da Mônica em inglês. Os resultados revelaram que

somente três aulas não foram suficientes para que eles desenvolvessem uma compreensão

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crítica das culturas emergidas a partir da história, isto é, não foi detectado o surgimento de

uma competência intercultural. Nas minhas reflexões pós-pesquisa, levantei as seguintes

indagações: e se houvesse a leitura de mais histórias e o contato dos aprendizes com as

revistas em quadrinhos fosse maior? E se as discussões pós-leitura fossem estendidas? Será

que os participantes tiveram insumo suficiente para se envolverem criticamente com os

assuntos interculturais apresentados, tendo em vista o tempo limitado das intervenções?

A presente pesquisa é, portanto, motivada em partes pela busca por respostas a essas

indagações. Como forma de contornar a limitação do tempo constatada no estudo de caso

conduzido ainda durante a graduação, foi criado um curso de leitura das revistas da turma da

Mônica em inglês (Monica’s Gang) para esta pesquisa, cadastrado como uma ação de

extensão da Universidade Federal de Goiás (UFG), para alunos do ensino médio da mesma

escola pública. O objetivo do curso era viabilizar àquela comunidade outras oportunidades de

contato com a língua inglesa e de reflexão sobre a dimensão cultural dessa língua, além da

conscientização sobre a(s) sua(s) cultura(s) perante as outras, mais especificamente as culturas

anglófonas.

A linguagem universalmente compreendida dos quadrinhos, em que há interação entre

dois códigos – verbal e imagético –, pode ser um agente facilitador do processo de leitura em

língua estrangeira (DROLET, 2010). Por esse motivo, foram escolhidas as histórias em

quadrinhos como veículo propulsor do curso. A notável fama dos gibis da Turma da Mônica

entre os brasileiros nos impulsionou a selecioná-las em meio a tantas outras publicações do

gênero. Supomos que a interação entre o leitor e um gibi escrito em outro idioma, mas já

conhecido e apreciado na língua materna, teria o potencial de facilitar ainda mais o processo

de leitura e torná-lo prazeroso. Assim, vimos neles uma chance de trabalhar língua e temas

interculturais com os estudantes da escola-campo.

É importante destacar que as revistas da Monica’s Gang são originalmente escritas em

português por roteiristas brasileiros e traduzidas – sem simplificações – para o idioma inglês.

Percebe-se que não há nenhum direcionamento para uma cultura específica, ou seja, os temas

são universais. É possível afirmar que não são visíveis ali elementos típicos das culturas

representativas da língua-alvo, tais como datas comemorativas ou outros eventos culturais

característicos dos países anglófonos. Esse fato abre espaço para o seguinte questionamento:

como evocar a língua/cultura-alvo (L2/C2) e o “outro” da língua-alvo por meio dessas revistas

tendo em vista que o contexto de produção delas é brasileiro?

Para responder tal pergunta, é necessário que, primeiro, esclareçamos o sentido de

“língua/cultura-alvo” e “outro” da língua-alvo. Sabe-se que, atualmente, linguistas preferem

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falar de “englishes” e de “culturas inglesas”, no plural, referindo-se ao grupo de variedades

linguísticas e culturais derivadas historicamente da Inglaterra (KACHRU; SMITH, 2008;

RAJAGOPALAN, 2004). Contudo, Wierzbicka (2006) defende que, da mesma maneira que

existem inúmeras variedades da língua inglesa ao redor do mundo, bem como uma

pluralidade de culturas dentro dos países anglófonos, também há o que ela denomina de

“inglês de base anglo-saxônica” e “cultura de base anglo-saxônica” (originalmente Anglo

English e Anglo culture). Estes termos dizem respeito a um núcleo linguístico e cultural

comum às variedades dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Irlanda, do Canadá, da

Austrália e da Nova Zelândia, que é visível em palavras, expressões e até mesmo em maneiras

de significar a vida. Em outras palavras, todos os países supramencionados compartilham uma

mesma herança cultural, a qual é por vezes expressa na língua.

As considerações de Wierzbicka (2006) e de outros linguistas como Kachru e Smith

(2008) e Rajagopalan (2004) fazem perceber a complexidade dos termos língua/cultura-alvo e

“outro” da língua-alvo. Neste trabalho, tais termos possuem uma conotação bastante ampla.

Ao mencionarmos “outro” da língua-alvo, não nos referimos especificamente ao americano

ou ao britânico, mas a todos aqueles que têm o inglês como língua oficial. Uma das metas do

curso era justamente desconstruir a visão uniformizada de “outro”, ou, nas palavras de

Kramsch (2001), a equação uma língua = uma cultura, ao mostrar que não há apenas uma

cultura de língua inglesa, mas várias.

Em geral, os enredos das histórias foram utilizados como ponto de partida para a

discussão de temas que pudessem levar os aprendizes a desconstruir estereótipos e

generalizações sobre países falantes de inglês e suas culturas, desconstruindo, nesse processo,

a noção de “outro” da língua-alvo. A título de exemplo, lemos em um dos encontros a história

em quadrinhos The shadows of life (Anexo B). Além de fazer remissão à “alegoria da

caverna”, estimada obra de Platão, essa HQ foi escolhida para integrar o curso por tratar da

dicotomia percepção versus realidade. Foi vista nessa temática a possibilidade de estimular as

participantes a refletir sobre o juízo que fazem do outro e de si mesmas, e até que ponto esse

juízo corresponde à realidade. Em outros termos, empregou-se o tema das histórias como

elemento desencadeador de discussões que pudessem trabalhar a consciência intercultural das

participantes.

Em outros momentos, foram iniciadas discussões acerca dos signos culturais presentes

nas histórias ou suscitados a partir delas. Após a leitura da história em quadrinhos (HQ) A

little pig to the rescue, por exemplo, levantou-se a questão de como as onomatopeias são

representadas de forma diferente em diversas línguas/culturas.

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Considerando que “qualquer tipo de interação entre grupos tem o potencial de ser

intercultural” (SPENCER-OATEY; FRANKLIN, 2009, p. 40), procurou-se também

contemplar durante as discussões pós-leitura momentos de reflexão sobre a heterogeneidade

que constitui a cultura nacional das participantes envolvidas na pesquisa. O objetivo era levá-

las a se autorreconhecerem como sujeitos culturalmente fragmentados, pertencentes a

diferentes grupos locais, cada qual com sua microcultura distintiva. Em outras palavras, foram

promovidas reflexões acerca da falsa visão monolítica por trás da denominação “cultura

brasileira”.

Em síntese, almejava-se que, por meio das discussões culturais levantadas a partir da

leitura das revistas em inglês, as participantes do curso fossem levadas a reconhecer suas

próprias atitudes e considerar o “outro” que se diferencia delas, desenvolvendo uma

concepção das demais culturas livre de julgamentos etnocêntricos (FIGUEREDO, 2007).

A ideia revelou-se totalmente viável desde o início: recebemos o apoio da direção e do

corpo docente do lócus de pesquisa, bem como da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura

(PROEC) da Universidade Federal de Goiás (UFG). O curso ocorreu no segundo semestre de

2014 e contou com a presença de cinco participantes.

A seguir, apresentamos a justificativa para realizar esta pesquisa, enfatizando as

possíveis contribuições para o contexto escolar em que ela foi desenvolvida, os pressupostos

teóricos e metodológicos que a embasaram, os objetivos e perguntas de pesquisa e, por fim, a

forma em que este trabalho foi organizado.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

Nossa análise segue os procedimentos da pesquisa qualitativa. Esta pesquisa é também

caracterizada como um estudo de caso, pois tem como foco a “descrição e explicação de um

fenômeno único isolado e pertencente a um determinado grupo ou classe” (TELLES, 2002, p.

108). Além de se concentrar em um contexto particular, o presente estudo também tem como

um de seus objetivos desvendar como o grupo observado atribui significados aos eventos

culturais que os cercam, objetivo este que se encaixa na perspectiva da pesquisa etnográfica.

Portanto, configura-se como um estudo de caso de cunho etnográfico.

A geração de dados se deu com base nos seguintes instrumentos de investigação:

gravações das aulas, diário de campo da pesquisadora, questionário aplicado no quarto

encontro e entrevista com as participantes ao fim do curso. O papel da pesquisadora e os

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objetivos do estudo foram desvelados desde o início, ou seja, atuei como observadora e

participante dos eventos.

Em Vergueiro (2006), vemos que as histórias em quadrinhos podem ser excelentes

aliadas dos educadores. Segundo ele, a incorporação dos quadrinhos na sala de aula resulta

em aulas mais dinâmicas, ampliação da motivação dos alunos e melhores resultados no

processo de ensino-aprendizagem.

Acrescentamos a essas vantagens listadas por Vergueiro (2006) a possibilidade de

trabalhar cultura no processo de ensino de uma língua estrangeira. Constata-se em Risager

(2006, 2010) que as línguas carregam cargas culturais em seus códigos (languaculture). Com

base nisso, é possível afirmar que as referidas histórias inevitavelmente possuem sentidos

linguístico-culturais que podem ser ressaltados durante as aulas com o intuito de promover

nos estudantes atitudes de reflexão sobre a(s) sua(s) cultura(s) em face às outras. Além disso,

o próprio Vergueiro (2006) sugere que os quadrinhos podem, da mesma forma, ser utilizados

para discutir assuntos diversos. Portanto, os temas presentes nos enredos dos gibis também

podem impulsionar diálogos interculturais na sala de aula.

Baseamo-nos em Spencer-Oatey e Franklin (2009) para definirmos cultura como um

conjunto de regularidades que diferencia um grupo de outro. Nas discussões sobre formas de

trabalhar cultura na sala de aula de língua estrangeira, utilizamos Kramsch (1993, 2001, 2009)

e Corbett (2003) como nossos principais alicerces teóricos. Escolhemos Kramsch, pois, assim

como essa autora, advogamos a favor de uma abordagem intercultural que não se restrinja a

simples apresentação de fatos, mas que vá além, ao levar o aprendiz a refletir tanto sobre a

língua/cultura estrangeira quanto acerca do seu próprio eu-cultural. Em Corbett (2003),

encontramos as respostas para as dúvidas acerca de como aplicar a abordagem intercultural na

sala de aula de línguas estrangeiras. Segundo ele, a prática desta consiste em prover os

aprendizes com técnicas de observação e investigação, estimulando-os a questionarem os

elementos culturais do “eu” e do “outro” da língua-alvo. As reflexões filosóficas tecidas por

Bakhtin e seu Círculo nos ajudam a minuciar o significado dos termos “eu” e “outro”. Antes

de elucidarmos esses termos, apresentamos uma breve discussão sobre outros construtos

pertinentes à discussão, a saber, o princípio dialógico, a língua-discurso, o enunciado,

intertextualidade, interdiscursividade, gênero discursivo e sujeito. Optamos por relacionar

nossos dados à obra desse grupo de intelectuais, também, por acreditarmos que somente

partindo da compreensão de língua como discurso, permeada por relações dialógicas, é que

podemos empregar uma abordagem intercultural genuína na sala de aula.

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Embora tenham enfoques diferentes, os escritos de Kramsch, Corbett e Bakhtin têm

em comum o fato de validarem a possibilidade de nos reconstruirmos a partir da interação. É

com base nisso que nos propusemos nesta pesquisa a tentar aproximar as alunas participantes

da L2/C2 por meio da leitura das HQs, com a expectativa de que esse encontro pudesse

suscitar novas perspectivas culturais.

JUSTIFICATIVA

Almeja-se, com este trabalho, contribuir com o processo ensino-aprendizagem do

inglês como língua/cultura estrangeira1 no contexto da escola-campo. Justamente pelo fato de

almejar ampliar os horizontes linguísticos e culturais dos membros do referido contexto

escolar é que este estudo se justifica.

Os componentes culturais são, inclusive, abordados nos Parâmetros Curriculares

Nacionais do Ensino Médio2 (BRASIL, 2000, p. 30), os quais registram que:

[c]onceber-se a aprendizagem de Línguas Estangeiras de uma forma articulada, em

termos dos diferentes componentes da competência linguística, implica,

necessariamente, outorgar importância às questões culturais. A aprendizagem passa

a ser vista, então, como fonte de ampliação dos horizontes culturais. Ao conhecer

outra(s) cultura(s), outra(s) forma(s) de encarar a realidade, os alunos passam a

refletir, também, muito mais sobre a sua própria cultura e ampliam a sua capacidade

de analisar o entorno social com mais profundidade, tendo melhores condições de

estabelecerem vínculos, semelhanças e contrastes entre a sua forma de ser, agir,

pensar e sentir e a de outros povos, enriquecendo a sua formação.

Com base nas diretrizes supramencionadas, percebe-se que, de acordo com os PCN’s,

as culturas envolvidas na sala de aula de LE devem ser incluídas no processo de ensino-

aprendizagem.

Um dos aspectos relevantes deste trabalho, portanto, é a possibilidade de fomentar

discussões que estendam as perspectivas culturais dos alunos, assim como proposto nos

1 Em linhas gerais, “a segunda língua (L2) é aquela que você aprende na infância ou mais tarde, e que é a

língua dominante no país onde você vive [...]. Ao passo que a língua estrangeira (LE) é aquela estudada

principalmente à distância, em outro país.” (RISAGER, 2005, p. 187, tradução nossa). Há outros pontos de

vista acerca da distinção entre L2 e LE; a própria Risager adverte que essa categorização prototípica não é tão

precisa. Contudo, adotamos a definição anterior por acreditarmos que ela é compatível com a realidade das

participantes deste estudo. Notamos que a sala de aula era o ambiente principal de contato delas com a língua

inglesa. Havia pouca, ou nenhuma, interação com a língua-alvo do lado de fora do ambiente formal escolar.

Com base nessa constatação, consideramos apropriado classificar o ensino de inglês como sendo de língua

estrangeira no contexto pesquisado. 2 Os Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino médio são referenciais de qualidade elaborados pelo

Governo Federal em 2000, e são voltados, sobretudo, para a estruturação e reestruturação dos currículos

escolares de todo o Brasil. Não possuem caráter de obrigatoriedade, mas apenas propiciam subsídios para as

escolas públicas e privadas do país.

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PCN’s, a fim de mostrar que é possível abrir as portas da escola para um contato mais

significativo com as culturas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem de língua

inglesa.

OBJETIVOS E PERGUNTAS DE PESQUISA

Este trabalho objetiva investigar de que forma as histórias em quadrinhos da Monica’s

Gang podem suscitar diálogos interculturais que aproximem o “eu” aprendiz de inglês do

“outro” desencadeado pelos encontros. Além disso, também pretende verificar como as

participantes da pesquisa interpretam os seus significados culturais, bem como os significados

culturais distintos dos seus. Lembramos que, por “outro”, referimo-nos a todos os falantes de

inglês como língua oficial. No decorrer do estudo, sentimos a necessidade de também buscar

uma resposta para a influência das microculturas de ensinar e aprender das participantes nos

resultados, bem como de registrar os reflexos do curso na atuação da professora-pesquisadora.

Tendo em vista tais objetivos, definimos as seguintes perguntas de pesquisa:

1. De que maneira o contato com as histórias em quadrinhos da Monica’s Gang pode gerar

diálogos interculturais no contexto de ensino-aprendizagem de inglês como língua/cultura

estrangeira?

2. Como as participantes da pesquisa interpretam os significados culturais presentes nas

discussões?

3. Quais microculturas podem ser identificadas no contexto investigado, e de que forma elas

influíram no decorrer do curso?

4. De que forma os diálogos interculturais ativados no decorrer dos encontros refletiram na

atuação da professora-pesquisadora?

ORGANIZAÇÃO DESTE ESTUDO

Além desta parte introdutória, este trabalho possui ainda outros quatro capítulos:

fundamentação teórica, metodologia, discussão dos dados e considerações finais.

Iniciamos o capítulo de fundamentação teórica definindo cultura e mostrando de que

forma ela está relacionada à língua, para, a partir disso, explicitarmos em que consiste a

abordagem intercultural no ensino de línguas. Além disso, apresentamos a perspectiva

dialógica bakthiniana, bem como discutimos como o encontro entre o leitor estudante de

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línguas e as revistas em quadrinhos, mais especificamente da Turma da Mônica em inglês,

pode propiciar diálogos interculturais.

O segundo capítulo apresenta a caracterização do estudo do ponto de vista

metodológico, traz o delineamento do perfil das participantes e discute em detalhes os

procedimentos de coleta e análise dos dados utilizados no decorrer da pesquisa.

Os dados gerados ao longo do curso são analisados no terceiro capítulo. Nele,

relacionamos a teoria apresentada no primeiro capítulo com as informações obtidas a partir do

questionário, do diário de campo, das entrevistas e das gravações dos encontros.

Finalmente, no quarto capítulo, as perguntas de pesquisa são retomadas e respondidas.

Além disso, discorremos sobre as limitações do estudo e tecemos nossas reflexões finais.

Com o intuito de permitir que os frutos deste estudo repercutam em outros contextos

escolares, dispomos na parte de apêndice todos os planos de aula utilizados no curso, assim

como de outros registros importantes que integraram a pesquisa.

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1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Cada pessoa que passa pela nossa vida, seja nos acompanhando por um tempo de

forma íntima, compartilhando emoções e vivências profundas, ou mesmo um

fortuito companheiro de ônibus, com o qual trocamos uma ideia durante a jornada e

com o qual nunca mais encontraremos, toda relação humana é a consagração do

que há de mais mágico na experiência humana: conhecer o mundo e a si mesmo de

uma forma nova e original. Não se trata de um discurso piegas de autoajuda, mas o

fruto mais prático de um conceito filosófico revolucionário, o dialogismo.

(DIAS, 2015).

Neste capítulo, apresentamos uma discussão teórica sobre a relação entre língua e

cultura, com o objetivo de analisar o que significa abordar interculturalidade na sala de aula

de língua estrangeira. Tomando como referência a obra de Bakthin e de seu Círculo, expomos

os conceitos de dialogismo, sujeito e gêneros discursivos, bem como de outros construtos

pertinentes para a compreensão destes. Por fim, dirigimos nosso foco para o processo de

leitura, mais especificamente das histórias em quadrinhos, e mostramos as vantagens do uso

desse gênero no ensino-aprendizagem de línguas.

1.1 LÍNGUA E CULTURA: DEFININDO TERMOS

Originalmente relacionada ao cultivo da terra, à flora e à fauna, o termo “cultura”

ganhou novas significações ao longo do tempo. Risager (2006) destaca três principais

conceitos de cultura que ganharam corpo no passado e ainda estão presentes nos dias de hoje:

os conceitos individual, coletivo e estético.

O mais antigo deles, o conceito individual de cultura, refere-se a um processo de

aperfeiçoamento mental ao qual o indivíduo se submete, tornando-se, assim, um ser “culto”.

Na atualidade, esse conceito é utilizado principalmente para aquelas pessoas que possuem um

alto nível de escolaridade e conhecimento.

O conceito coletivo de cultura, derivado da antropologia, originou-se no século XVII e

pode ser dividido em uma variante hierárquica e outra não hierárquica. Nesta, todos os grupos

sociais são considerados providos de cultura; naquela, certos grupos que gozam de mais

prestígio são identificados como cultos, ao passo que outros são intitulados selvagens.

Há também o conceito estético de cultura, que se refere às produções artísticas, tais

como literatura, arte, música, dança, etc. Aqui, são consideradas providas de cultura as

pessoas que apreciam essas produções.

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As definições anteriores nos mostram que é possível encontrar o termo “cultura” em

diferentes contextos. De fato, não há um significado preciso, e as acepções originárias do

passado ainda sobrevivem nos discursos populares. Decerto, o termo em questão não se

encerra em definições prontas, pois, conforme bem colocado por Laraia (2014, p. 63), “uma

compreensão exata do conceito de cultura significa a compreensão da própria natureza

humana, tema perene de incansável reflexão humana”. Pode-se dizer, então, que não existem

definições absolutas, mas sim diversas perspectivas sobre um mesmo objeto.

De acordo com Corbett (2003), os estudos mais recentes na área de ensino de línguas

têm se embasado na visão antropológica – mais especificamente não hierárquica – de cultura.

Conscientes disso, pretendemos, nesta seção, analisar os pontos de vista de diversos

estudiosos, especialmente antropólogos, como forma de arquitetar nossa perspectiva acerca do

conceito de cultura.

Risager (2006) relata que, como resultado da influência da linguística estruturalista, o

que predominava no campo da antropologia até a década de 1980 era uma visão de cultura

como um sistema de símbolos ou uma estrutura3. Desde então, seu conceito vem sendo cada

vez mais orientado para a prática, ou seja, a tendência no momento não é mais conceber

cultura como um sistema de símbolos empiricamente dado, mas como “símbolos que são

criados e recriados na “negociação” entre pessoas na interação” (RISAGER, 2006, p. 49,

tradução nossa4).

Spencer-Oatey e Franklin (2009) elencam quatro características que aparecem com

mais frequência em algumas dessas perspectivas propostas por antropólogos5: 1) a cultura se

manifesta por meio de diferentes tipos de regularidades; 2) está associada a grupos sociais; 3)

afeta o comportamento das pessoas e a forma como ele é interpretado; 4) é adquirida e/ou

construída por meio da interação com outros. Em síntese, pode-se dizer que, em menor ou

maior grau, as diversas perspectivas antropológicas consideradas convergem para a seguinte

análise: cada grupo humano possui um conjunto de regularidades que os diferencia de outros

grupos; tais regularidades são responsáveis pela constituição e interpretação dos modos de ser

3 É importante ressaltar que não houve apenas uma tendência na antropologia até os anos 1980, mas várias. A

título de exemplo, podemos citar a tendência cognitiva, que tem como um de seus expoentes W.

Goodenough; a corrente estruturalista, cujo precursor foi Lévi-Strauss; e a tendência simbólica, representada

principalmente por C. Geertz. Embora sejam tendências diferentes, Risager verifica que todas elas têm em

comum o fato de descreverem cultura como um sistema ou estrutura. 4 As citações deste trabalho que são originalmente escritas em inglês foram traduzidas por nós para que o texto

pudesse fluir melhor. 5 Spancer-Oatey e Franklin baseiam-se nas definições dos seguintes antropólogos: Kroeber e Kluckhohn

(1952); Triandis (1989); Geertz (1973); Schwartz (1992); Hannerz (1992) e Matsumoto (1996).

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partilhados por seus membros, bem como são incorporadas e (re)construídas por meio de suas

práticas interacionais. A esses diferentes tipos de regularidade dá-se o nome de cultura.

É importante frisar que Spencer-Oatey e Franklin (2009) caracterizam como grupos

culturais não só as nações, mas também as etnias, religiões, profissões, etc. Para eles,

qualquer interação entre grupos que partilham diferentes regularidades pode ser intercultural.

Essa visão é também compartilhada por Corbett (2003), que esclarece em seus escritos que o

conceito de cultura não está necessariamente relacionado a nacionalidades. Assim, diferentes

culturas coexistem em um mesmo território (cultura pop, juvenil, católica, acadêmica, digital,

negra, etc.), cada qual com suas regularidades específicas. Os autores não negam, com isso, a

existência de uma identidade nacional que diferencie um brasileiro de um colombiano, por

exemplo, mas reconhecem que cada sujeito é indiscutivelmente um ser fragmentado, que

carrega múltiplas identidades e participa de inúmeros grupos culturais. Portanto, o aspecto

nacional é apenas uma das facetas da cultura de uma pessoa (KRAMSCH, 1993).6 Com base

em todas essas considerações, definimos cultura como um conjunto de regularidades

compartilhado por um grupo - seja ele nacional, étnico, profissional ou de outra natureza –

que o distingue de outros grupos. Tais regularidades são (re)construídas e (re)distribuídas nas

práticas comunicativas em que nos engajamos.

A partir disso, fica claro que o termo “intercultural” pode tanto ser usado em

referência a um âmbito nacional, ao aludir ao encontro entre entes de países diferentes, como

também a âmbitos menores. A título de exemplo, Jin e Cortazzi (1998) demonstram que uma

aula é também um evento intercultural, mesmo quando alunos e professores vêm da mesma

comunidade. Eles explicam que, mesmo nessa situação, fatores como idade, ocupação ou

outras variantes influem nas expectativas e práticas de cada um dos membros da sala de aula.

Assim, uma das tarefas do professor é lidar com essas diferentes microculturas que surgem no

ambiente escolar. Uma delas é a “cultura de aprender”, em inglês, culture of learning, que

inclui “concepções, de base cultural, sobre ensino e aprendizagem e sobre maneiras

apropriadas de participar da aula e fazer perguntas” (JIN; CORTAZZI, 1998, p. 100). Na aula

de língua estrangeira, por exemplo, as crenças quanto à frequência de uso da língua-alvo e das

participações voluntárias dos alunos, ou até mesmo as estratégias para se aprender essa língua

(tradução instantânea, repetição, interação 100% na língua-alvo com os colegas e o professor

etc.) podem variar entre os membros daquele contexto. Os referidos autores comentam que

6 Um argumento que vem crescendo ultimamente é o de que as interconexões culturais ativadas por conta da

globalização têm apagado as regularidades locais. No entanto, como bem destacado por Corbett (2003), ao

invés de desaparecerem, as diferenças culturais se tornam mais visíveis no mundo globalizado, como um

símbolo de resistência do local ao global.

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esses diferentes tipos de comportamento e expectativas podem ser vistos em qualquer sala de

aula. No Brasil, o linguista Almeida Filho (1993) pontua a influência da cultura de aprender,

ou seja, da bagagem educacional trazida pelos membros da sala de aula, no processo de

ensino-aprendizagem de língua estrangeira.

Ao concebermos cultura como um fenômeno constituído nos atos de comunicação,

estamos necessariamente relacionando cultura à língua. Muitos são os linguistas que

defendem a indissociabilidade desses dois construtos, entre eles Kramsch (1998) e Harklau

(1999). Risager (2006, 2010), ao contrário, afirma que essa correlação pode ou não existir. De

acordo com a referida autora, a correlação somente ocorre de forma categórica quando

estamos falando de linguagem e cultura. Tratando-se de língua + cultura, não há

necessariamente uma indissociação, visto que determinados aspectos culturais estão ligados a

línguas específicas, outros não.

No contexto de sala de aula, concordamos com Byram e Fleming (1998) que não há

como separar o ensino de LE da aprendizagem de cultura se reconhecermos que aprender uma

língua é aprender os significados, valores e práticas compartilhados que estão encarnados

naquela língua. No caso da língua inglesa, pode haver uma cultura de base anglo-saxônica que

a influencia e que por ela é influenciada (WIERZBICKA, 2006). Evidentemente, a declaração

dos referidos autores é válida quando pensamos em língua como discurso, engendrada no

social e, portanto, aprendida a partir de uma metodologia com foco na comunicação, como,

por exemplo, na abordagem comunicativa. Nesse tipo de abordagem, o objetivo é preparar o

aluno para se comunicar em contextos reais, para tanto, estimulando-o a interagir com os

colegas e o professor na língua-alvo desde o início do processo de aprendizagem

(FIGUEIREDO, OLIVEIRA, 2012). A aprendizagem de cultura já não pode ser garantida no

ensino de línguas tradicional, em que as aulas são ministradas em português e o aluno aprende

estruturais frasais desvinculadas de seu contexto por meio da explicação de regras gramaticais

e de listas de vocabulário. A própria Kramsch (1993) declara que ao conceber língua como

prática social, e não como sistema, a cultura passa a estar no âmago do ensino de línguas.

Risager (2006, 2010) emprega o termo “languaculture” para referir-se aos casos em

que um significado está ligado a uma língua particular, ou seja, quando língua e cultura

caminham juntas. Segundo Risager, todas as línguas, bem como suas variedades, carregam

languaculture. A cultura confere sentidos à língua inglesa; da mesma forma, a variedade

linguística americana possui peculiaridades que não são compartilhadas pela variedade

australiana, por exemplo. Devido a essas tipicidades culturais, é comum encontrarmos

palavras que não possuem correspondentes em outro idioma, ou nos depararmos com

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representações diferentes de um mesmo som (onomatopeias)7 em países distintos. Esses

sentidos linguístico-culturais variantes são denominados linguaculture (ou languaculture8).

Risager (2010, p. 8) expõe que “aprender outras línguas é construir sobre a

linguaculture da sua primeira língua”. Assim, é normal que aprendizes de língua estrangeira

no Brasil utilizem como base a linguaculture da variedade brasileira durante o período de

aprendizagem, especialmente nos níveis iniciais, quando não há um conhecimento expressivo

das questões linguístico-culturais da língua-alvo. Ser um falante bilíngue é, portanto, transitar

por diferentes linguacultures.

1.2 A DIALÉTICA ENSINO-APRENDIZAGEM DE INGLÊS A PARTIR DE UMA

ABORDAGEM INTERCULTURAL

Ao invés de se equiparar a um falante nativo, o objetivo principal do aluno do ponto

de vista da abordagem intercultural deve ser o desenvolvimento das habilidades linguísticas

somado à competência em saber observar, explicar e mediar os padrões culturais que

subjazem às culturas do outro da língua-alvo em contraposição a sua própria cultura

(CORBETT, 2003).

Nas palavras de Corbett (2003, p. 18), nessa perspectiva “os alunos não estão mais

simplesmente aprendendo língua – eles estão aprendendo formas de ver os outros e rever eles

mesmos”. Essa reflexibilidade acerca do eu em face ao outro é denominada por Damen (1987)

de consciência intercultural. Em outras palavras, a consciência intercultural, inicialmente,

envolve o reconhecimento de que todos nós somos seres inerentemente culturais. Por

conseguinte, significamos os fenômenos que nos cercam de forma diferente de outros grupos

humanos, com base nas nossas experiências prévias e na maneira como fomos ensinados a

agir no mundo.

Damen (1987), citando Hanvey (1979), expõe que há níveis de consciência

intercultural, como uma espécie de continuum, que vão desde a estereotipação até uma

postura não relativista acerca dos fenômenos culturais observados. Conforme destacado por

7 Sobre as onomatopéias, isto é, as representações gráficas de um som, Kramsch (2001) argumenta que há uma

inevitável ligação do objeto com o som por parte de diferentes grupos culturais. A título de exemplo, os

falantes de inglês usam o som “ash” para se referir às ações violentas, ao passo que os franceses utilizam

outro som. Além da dimensão semântico-pragmática, ainda existem outras duas dimensões de languaculture:

identitária, ligada ao significado social das palavras, e poética, relacionada a aspectos fonológicos e silábicos.

Para mais detalhes, ler Risager (2006). 8 Em seu texto mais recente, de 2010, Risager faz uso dos termos linguaculture e languaculture de forma

indistinta. Embora cientes de que aquele foi cunhado por Friedrich (1989) e este foi desenvolvido por Agar

(1994), utilizamos, assim como Risager, os dois termos intercambiavelmente neste trabalho.

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Kramsch (1998), somos condicionados a ver as culturas e línguas estrangeiras a partir das

lentes da nossa L1/C1. Isso justifica a tendência em expressarmos apreciações negativas das

práticas culturais que se diferem das nossas, ou reproduzirmos estereótipos relacionados a

outros povos. Laraia (2014) comenta que essa tendência também é observada dentro de uma

mesma sociedade, nos encontros entre grupos que compartilham a mesma macrocultura

nacional, mas fazem parte de microculturas diferentes.

É possível então afirmar que um encontro intercultural, seja ele entre membros de uma

mesma nacionalidade ou não, tende a ser a princípio marcado por conflitos, os quais são

geralmente fundamentados no entendimento de que uma cultura é superior ou inferior à outra.

No entanto, conforme se avança os estágios de consciência intercultural, esse nível inicial

pode ser superado, de forma que o estranhamento, a rejeição e a estereotipação são

substituídos por uma postura mais consciente, respeitosa e tolerante frente à outra cultura.

Nesse estágio, nos abrimos para o dialogo com o outro, reconhecendo que a maneira como o

enxergamos é condicionada pelos nossos próprios princípios culturais. Assim, o que antes era

visto como “melhor” ou “pior” passa a ser visto apenas como o “diferente de nós”9.

Tendo em vista tais considerações, Kramsch (1993, p. 210) questiona como é possível

mover-se nesse continuum, saindo da posição de formulador de julgamentos erroneamente

pré-concebidos, ou de generalizações, e alcançando o lugar de observador crítico das práticas

culturais circundantes. A própria autora responde tal questionamento:

[a] única maneira de começar a construir uma compreensão mais completa e menos

parcial de ambos C1 e C2 é desenvolver uma terceira perspectiva, que permitem aos

alunos a tomar tanto uma visão privilegiada interna quanto externa da C1 e C2. É

precisamente esse o terceiro lugar que a educação intercultural deve procurar

estabelecer.

Em outros termos, o terceiro lugar10 é o espaço de encontro da língua/cultura do aluno

(L1/C1) com a língua/cultura do outro da língua estrangeira (L2/C2), onde estereótipos podem

ser desconstruídos e novas perspectivas culturais potencialmente surgem. É na intersecção

entre a L1/C1 e a L2/C2 que somos capazes de descentralizar nossas visões de mundo, isto é,

reajustar as lentes a que estamos habituados ao lançarmos nosso olhar sobre o diferente. Além

9 É importante salientar que há práticas culturais inaceitáveis, como aquelas que pregam o ódio ou são

antiéticas. Reconhecemos que uma postura não-relativista não deve ser aplicada frente a essas práticas. 10 Em um livro lançado em 2009, Kramsch ressignifica a metáfora do terceiro espaço e adota o termo

“competência simbólica” em seu lugar. Mesmo cientes dessa reconsideração, continuamos fazendo referência

aos termos tradicionais como “terceiro lugar” e “terceiro espaço” neste trabalho por estes já serem

amplamente difundidos na área de ensino-aprendizagem de línguas e refletirem satisfatoriamente a nossa

visão de espaço de encontro entre culturas.

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disso, esse reajuste de lentes implica, igualmente, direcionar um olhar de estranheza para o

familiar, como forma de questionar aquelas percepções já consolidadas nos discursos

constituintes dos grupos culturais a que pertencemos.

Figueredo (2010, p. 238) esclarece que o principal objetivo no ensino de inglês como

língua/cultura estrangeira é justamente encontrar o terceiro lugar “em que a voz do

sujeito/professor e a voz do sujeito/aprendiz sejam valorizadas e, ao mesmo tempo, se

mostrem sensíveis à escuta de outras múltiplas vozes”. Kramsch (1993) postula que cada

indivíduo encontrará esse terceiro lugar de uma forma e em um momento diferente, ou seja,

não há uma fórmula para tal. Não obstante, a autora defende que a prática pedagógica que

estimule reflexões que partam da L1/C1 em direção à L2/C2 pode estimular os aprendizes a

alcançar um estágio mais avançado de consciência intercultural. A esse respeito, Mantle-

Bromley (1997) compreende que, assim como o aprendizado de uma língua, o

desenvolvimento da consciência intercultural também é processual.

Para que o estudante alcance o nível de “falante interculturalmente competente”, isto

é, aquele que age como mediador entre culturas procurando superar as incompatibilidades que

surgem nesse entremeio, não é necessário subverter os objetivos do currículo comunicativo ou

deixar de apresentar fatos culturais sobre os países falantes da língua-alvo. No entanto,

Corbett (2003, p. 32) assevera que outras questões devem ser acrescentadas ao currículo:

[e]m um currículo intercultural, o aprendiz ainda deverá acumular fatos sobre a

cultura-alvo, bem como saber alguma coisa sobre como as pessoas da cultura-alvo

devem se comportar. A essas disposições são adicionadas uma perspectiva

etnográfica (na medida em que os alunos devem demonstrar habilidades de

“descoberta”), uma postura crítica (o conhecimento do comportamento da cultura-

alvo deve levar a comparação e reflexão, ao invés de imitação automática) e uma

moralidade liberal (os alunos devem demonstrar as habilidades de descentralização e

valorização, ou pelo menos de tolerância às outras culturas).

Constata-se nesse trecho que o mais importante não é trazer fatos culturais para a sala

de aula, mas estimular os aprendizes a observar e interpretar criticamente diferentes culturas,

incluindo a sua própria, tendo em vista que até mesmo as concepções que carregamos sobre

nossa cultura-fonte carecem de revisões (LADO, 1997). A postura crítica tem fundamental

importância também, pois o objetivo da perspectiva etnográfica não é observar para imitar,

mas observar para compreender o outro e a si mesmo e saber mediar choques culturais. Por

fim, espera-se que o aluno consiga alcançar um nível de valorização da pluralidade cultural

ou, ao menos, desenvolver uma visão das culturas observadas livre de julgamentos

etnocêntricos.

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Embora concordemos com Corbett (2003) quando o mesmo defende que o professor

não se limite a fatos culturais, compreendemos, assim como Lafayette (1997, p.122), que é

fundamental que o aluno parta de um repertório de conhecimentos sobre a história, geografia

e outras informações básicas para compreender fenômenos culturais mais complexos.

Em face do que foi discutido, é possível concluir que condiz como tarefa do professor

praticante da abordagem intercultural trabalhar a intersecção entre línguas e culturas. Para

tanto, é necessário engajar os alunos em atividades de cunho etnográfico, ou seja, criar

ferramentas para que eles se interessem em explorar e questionar as práticas que permeiam as

diversas culturas, inclusive a sua, bem como perceber a influência dessas práticas na língua

(linguaculture). Isso deve ser feito com cautela, de forma a evitar a imposição de maneiras de

pensar ou o reforço de estereótipos, e, a nosso ver, partindo do pressuposto de que os

aprendizes já possuam conhecimentos básicos sobre fatos relativos à L2/C2.

Muito do que discutimos nesta seção vai ao encontro das ideias de Bakhtin e seu

Círculo. Apresentamos, a seguir, alguns dos construtos relativos ao pensamento bakhtiniano11

e como eles se relacionam com o campo da interculturalidade.

1.3 O DIALOGISMO SEGUNDO BAKHTIN E O CÍRCULO

Ao mencionarmos a relação eu-outro, estamos, inevitavelmente, retomando um dos

eixos centrais do pensamento de Bakhtin e de seu Círculo. Curiosamente, “retomar” é uma

palavra que ilustra bem as reflexões provindas desse grupo de filósofos. Segundo eles, o

sujeito jamais enuncia sozinho, pois evoca diferentes vozes conforme ativa o seu enunciado.

Assim, nosso agir humano na interação é movido pelo princípio dialógico, termo utilizado

para se referir às relações de sentido estabelecidas entre enunciados. Para que a definição de

dialogismo seja efetivamente compreendida, é necessário definirmos os conceitos-chave da

teoria bakhtiniana: o enunciado e a língua como discurso.

Conforme destacado por Fiorin (2006, p. 20), “não são as unidades da língua que são

dialógicas, mas os enunciados”. Nas palavras do próprio Bakhtin (1992, p. 300-301),

[o] enunciado é pleno de tonalidades dialógicas [...] todo enunciado, além do seu

objeto, sempre responde (no sentido amplo da palavra) de uma forma ou de outra

aos enunciados do outro que o antecederam. O falante não é um Adão, e por isso o

11 Mencionamos em alguns trechos apenas o nome de Bakhtin, tendo em vista que as obras referidas neste

trabalho recebem a sua assinatura. Não obstante, reconhecemos que muitas das ideias discutidas eram

também partilhadas pelos outros seis membros do grupo de estudo do qual Bakhtin fazia parte (para mais

informações, ler FARACO, 2009).

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próprio objeto do seu discurso se torna inevitavelmente um palco de encontro com

opiniões de interlocutores imediatos [...] ou com pontos de vista, visões de mundo,

correntes, teorias,etc. [...] Entretanto, o enunciado não está ligado apenas aos elos

precedentes mas também aos subsequentes da comunicação discursiva.

Percebe-se nesse trecho que Bakhtin era um estudioso à frente do seu tempo. Em uma

época em que a Linguística, eminentemente influenciada pelas ideias de Saussure,

concentrava-se em estudar os signos e as suas regras de combinação, Bakhtin se preocupava

em refletir sobre o funcionamento real da linguagem; concebia a língua enquanto discurso, ou

seja, “em sua totalidade concreta e viva” (BAKHTIN, 1981, p. 158), engendrada no social.

Não negava, pois, a importância dos estudos estritamente gramaticais; apenas defendia que

eles eram insuficientes para entender a língua plenamente. Era o enunciado, e não a frase, o

seu objeto de estudo. Isso quer dizer que, em Bakhtin, a língua era investigada de dentro das

práticas sociais, e não por meio de estruturas frasais soltas, dissociadas de seu falante e de seu

contexto de produção.

Sobral (2009, p.101) esmiúça a diferença entre frase e enunciado: a frase está no nível

da materialidade linguística, ao passo que o enunciado faz parte do nível dos atos de

linguagem sociais e concretos. Aqueles não pertencem a ninguém e não possuem um autor;

estes, ao contrário, “vêm de alguém, dirigem-se a alguém, são “endereçados”, trazem em si

um tom avaliativo e remetem a uma compreensão responsiva ativa”. Em outras palavras, o

enunciado é um fragmento do discurso, produzido por um sujeito12 sócio-historicamente

situado que, para tanto, retoma outros enunciados, adquiridos por meio das interações prévias

com outros sujeitos, e os preenche com a sua expressão (seu posicionamento crítico, sua

intenção, sua ideologia13, etc.). O enunciado desse sujeito é endereçado a um interlocutor,

que, por sua vez, deve também apresentar uma postura responsiva ativa daquilo que foi

proferido a ele ao revestir a palavra alheia com a sua expressão. Em resumo, a enunciação

nunca tem fim no processo interacional, visto que todo enunciado responde a outros

enunciados e pressupõe novas respostas.

Assim, ao declarar que o enunciado é pleno de tonalidades dialógicas, Bakhtin (1981)

quer dizer que todo e qualquer enunciado possui ressonâncias de enunciados passados e é

12 A noção de sujeito bakhtiniano será exposta mais adiante. 13 O significado de “ideologia” não se restringe àquele considerado por Marx e Engels, a saber, “falsa

consciência”. Em Bakhtin, o termo se refere a uma projeção social, um elemento que materializa na palavra

“interesses e projeções de classes assim como suas contradições internas e externas” (PONZIO, 2008, p.

117). Em outras palavras, trata-se de um posicionamento crítico, assumido pelo sujeito, que se materializa na

palavra.

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elaborado em função de enunciados futuros, afinal, o que nós produzimos visa a resposta do

interlocutor.

Nosso enunciado é bivocal, isto é, ao enunciarmos, revestimos as palavras do outro

com algo novo, da nossa compreensão e da nossa avaliação (BAKHTIN, 1981, p. 169). Nesse

processo de interpenetração de vozes, as palavras do outro podem ou não ser reconhecidas no

enunciado do falante:

[a] palavra usada entre aspas, que é sentida e usada como alheia, e a mesma palavra

(ou outra) sem aspas. A gradação infinita nos graus de estranheza (ou apropriação)

entre palavras, os seus diferentes graus de distância em relação ao falante. Palavras

que se encontram em diferentes planos, a diferentes distâncias, em relação ao plano

das palavras do autor. Não apenas o discurso indireto-livre, as várias formas do

discurso alheio: oculto, semi-oculto, difuso. (BAKHTIN, 1930 apud

TODORODOV, 1998, p. 74).

Alguns autores dão o nome de intertextualidade para a referência explícita de um texto

em outro. Porém, lembramos que esse termo nunca foi mencionado nas obras de Bakhtin.

Discutimos essa questão adiante, problematizando também outro termo que é usualmente

relacionado aos seus textos, mas que em nenhum momento aparece ali: interdiscursividade.

1.3.1 Interdiscursividade e Intertextualidade

As palavras interdiscursividade e intertextualidade nunca foram mencionadas

diretamente por Bakhtin. Segundo Fiorin (2006), esses construtos foram equivocadamente

concatenados à teoria bakhtiniana devido a uma tradução para o francês da obra “Estética da

Criação Verbal”, na qual o termo intertextual aparece uma vez. No entanto, trata-se de um

problema de tradução, ocasionado pela influência dos escritos de Kristeva (1967), uma das

propagadoras das ideias de Bakhtin na França. O que encontramos no texto do autor russo é,

na verdade, o termo dialogismo, que, conforme já explicitado, refere-se ao encontro

semântico de dois ou mais enunciados.

No entanto, Fiorin (2006) explica que na obra O problema do texto, Bakhtin

estabelece uma distinção entre texto e enunciado. Ali, o texto é descrito como sendo a

materialidade do enunciado, o que quer dizer que este se manifesta no texto. Destarte,

[s]e há uma distinção entre discurso e texto, poderíamos dizer que há relações

dialógicas materializadas em textos. Assim, devem-se chamar intertextualidade

apenas as relações dialógicas materializadas em textos. Isso pressupõe que toda

intertextualidade implica a existência de uma interdiscursividade (relações entre

enunciados), mas nem toda interdiscursividade implica uma intertextualidade. Por

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exemplo, quando um texto não mostra, no seu fio, o discurso do outro, não há

intertextualidade, mas há interdiscursividade. (FIORIN, 2006, p. 52).

Seguindo essa linha, podemos dizer que todo texto é interdiscursivo, visto que “toda

palavra é cercada de outras palavras” (BAKHTIN, 1992, p. 319), mas nem todo texto é

intertextual: um texto somente pode ser caracterizado como tal quando aparece ali a presença

explícita do discurso alheio.

Os construtos “intertextualidade” e “interdiscursividade”, abarcados no termo

“dialogismo”, possuem enorme significância nesta pesquisa. Da mesma forma que Bakhtin,

acreditamos que o sujeito deve “considerar o enunciado, o texto, como vozes a compreender,

com as quais dialoga” (1997 apud MARCHEZAN, 2006, p. 129). Tendo isso em vista, as

participantes do curso de extensão foram convidadas a adentrar no entrecruzamento de vozes

ressoadas nas histórias em quadrinhos, tanto em um nível material – quando as palavras do

outro são reconhecidas no texto - quanto no nível discursivo. Almejava-se, com isso, que o

diálogo entre as leitoras e o texto, somado às discussões emergidas a partir desse encontro,

gerasse o terceiro lugar referido por Kramsch (2003).

No próximo tópico, discutimos a noção de sujeito outro ponto central nos escritos

bakhtinianos – e como podemos associá-la ao aprendiz de língua estrangeira.

1.3.2 O sujeito

Com base nas discussões apresentadas até o momento, sabemos que o sujeito

bakhtiniano jamais enuncia sozinho, pois ele evoca diferentes vozes conforme produz o seu

enunciado. Assim como esclarecido por Freitas (2013, p. 194) “primeiro, o sujeito incorpora a

palavra do outro que se transforma dialogicamente em “minhas alheias-palavras” com a ajuda

de outras “palavras-alheias” para depois se tornar de forma criativa minhas palavras”. Dessa

forma, nosso discurso está sempre povoado de palavras dos outros, que se tornam nossas

também a partir do momento em que imprimimos nelas a nossa expressão.

Além de estarem constantemente retomando e construindo novos enunciados, é ao

adentrar na corrente das múltiplas vozes sociais que os sujeitos são formados. Mais do que

isso, por meio da comunicação com outros sujeitos a sociedade também é [re]criada. Com

efeito, uma das características peculiares do sujeito descrito por Bakhtin é a necessidade do

outro para constituir-se como eu e, de modo consequente, dar seguimento ao exercício das

práticas sociais que compõem a sociedade. Ciente da importância dessa relação é que Bakhtin

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(1992) afirma que todos os momentos concretos do Ser são distribuídos e dispostos em dois

centros de valores: o eu e o outro (1992).

Freitas (2013) ressalta que o eu bakhtiniano se constitui não na fusão com o outro, mas

na interação com ele. Tal assertiva pode ser corroborada na leitura de Para uma filosofia do

ato responsável, no qual Bakhtin (2010, p. 96-98) descreve um eu singular e responsável:

Eu também sou participante no existir de modo singular e irrepetível, e eu ocupo no

existir singular um lugar único irrepetível, insubstituível e impenetrável da parte de

um outro [...]. Tudo o que pode ser feito por mim não poderá nunca ser feito por

ninguém mais, nunca [...]. Eu sou real, insubstituível e é por isso que preciso realizar

a minha singularidade peculiar. Em relação a toda unicidade real, emerge o meu

dever singular a partir do meu lugar singular no existir. Eu, como único, eu, não

posso nem sequer por um momento não ser participante da vida real, inevitável e

necessariamente [nuditel’no] singular; eu preciso ter um dever meu

[dolzhenstvovanie]; em relação ao todo, seja o que for e em que condição me seja

dada, eu preciso agir a partir do meu lugar único, mesmo que se trate de um agir

apenas interiormente.

Vemos nesse trecho que o sujeito é, ao mesmo tempo, autônomo e dependente; social

e individual. Isso porque ele é único, mas, para alcançar essa unicidade, faz-se necessário

primeiro dialogar com outras vozes. Para moldar a sua subjetividade, o sujeito se apropria de

palavras inúmeras vezes repetidas, mas que se tornam únicas a partir do momento em que são

enunciadas do alto da sua singularidade. Nesse sentido, Bakhtin destaca que o sujeito deve ser

responsável por exercer a sua singularidade no mundo, movimentando, assim, a sociedade por

meio das suas ações exclusivas e irrepetíveis.

Embora os escritos de Bakhtin não tenham sido desenvolvidos pensando no processo

de ensino-aprendizagem, é possível relacionar a teoria bakhtiniana à sala de aula de LE. Sob

esse prisma, a sala de aula é um contexto repleto de seres únicos e inacabados, que trazem

consigo enunciados alheios, adquiridos nas relações sociais estabelecidas além dos muros da

escola. Ali, na interação com os professores e colegas, ao mesmo tempo em que o aprendiz

expõe as vozes sociais que o constituem, vai também se apropriando de outras palavras. Ao

cruzar os portões da escola, ele supostamente faz uso em suas interações verbais das palavras

que outrora pertenceram aos outros membros da sala de aula, mas que agora são “suas

palavras alheias”. E, assim, devido a esse constante ir e vir de diálogos entre escola e

sociedade, que, conforme descrito por Pennycook (2001), o ambiente escolar deve ser visto

como um espaço que reproduz e reflete relações sociais.

A relação dialógica entre o eu e o outro discorrida por Bakhtin adquire ainda mais

significância quando pensamos especificamente no contexto de sala de aula de língua

estrangeira. Segundo Kramsch (1998), enunciar é um ato cultural, uma vez que o enunciado

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reflete as atitudes e crenças do grupo ao qual o sujeito que o ativou pertence. Diálogo e

interculturalidade estão, pois, intimamente conectados. Se a interação entre os membros do

contexto escolar já faz emergir um amálgama de vozes sociais distintas, tendo em vista a

diversidade de microculturas presentes ali, o encontro entre aprendizes e o outro

representativo da língua-alvo gera enunciados ainda mais difusos. Trata-se de um encontro

entre universos linguístico-culturais contrastantes, onde, de um lado, encontram-se as

subjetividades inacabadas de um grupo de aprendizes brasileiros falantes de português como

primeira língua e, do outro, uma língua estrangeira permeada por valores, crenças e visões de

mundo específicas. Nesse intercâmbio de enunciados, os aprendizes acrescem às suas

experiências prévias os conhecimentos adquiridos por meio da língua-alvo, criando novos

significados e novas perspectivas culturais. É exatamente esse contato que pode levar o

aprendiz a chegar ao terceiro lugar ao qual Kramsch (1993) se refere.

Quando falamos em interação com o “outro” da língua-alvo, não estamos nos

referindo necessariamente a um falante proficiente da língua estrangeira. Assim como

Bakhtin, compreendemos que o processo de interação entre o eu e o outro pode ser propiciado

também por meio do contato com textos, falados ou escritos. Assim, entendemos que um

encontro intercultural não se refere somente ao diálogo entre duas pessoas provindas de

grupos culturais distintos, mas também entre um falante/usuário de uma língua e o conteúdo

cultural de livros representativos de outras línguas/culturas. Abordamos esse assunto no

tópico seguinte.

1.4 ENCONTROS INTERCULTURAIS NO PROCESSO DE LEITURA

Em coadunação com a concepção de língua como discurso, consideramos o processo

de leitura como um constante interagir entre texto e leitor. Nessa perspectiva, o leitor é visto

como um sujeito ativo que ajuda a construir os sentidos do texto ao lançar mão de estratégias

leitoras como antecipação e inferências acerca do que será lido e fazer uso do seu

conhecimento prévio no ato da leitura. Isso quer dizer ir além da mera decodificação; a leitura

em um nível discursivo exige que o leitor forneça uma compreensão responsiva ativa das

palavras lidas, concordando ou discordando delas, completando-as, adaptando-as, etc., dando,

assim, sentido ao que é lido (BAKHTIN, 1997). Lembremos que, para Bakhtin (1997, p. 290),

“toda compreensão é prenhe de resposta”.

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Quando o leitor não compartilha da mesma bagagem linguística e enciclopédica14 do

escritor, o ato da leitura torna-se um diálogo intercultural, na medida em que o leitor deve

romper com a leitura embasada em seu horizonte cultural familiar e se envolver em uma

leitura que “considere as significâncias da comunidade produtora do texto” (REES, 2008, p.

27).

À primeira vista, essa mudança de horizontes culturais não parece se aplicar à relação

leitor/texto explorada nesta pesquisa. Ao considerarmos o contexto de produção e recepção

das histórias da Monica’s Gang, verificamos que elas são escritas originalmente em português

por roteiristas brasileiros e traduzidas para o idioma inglês. Mesmo assim, não deixam de ser

autênticas15, tendo em vista que a linguagem utilizada nelas não é simplificada.

Conforme já discutido anteriormente, há aspectos culturais intrínsecos a qualquer

língua (languaculture). Sendo assim, toda tradução envolve a adaptação do texto-fonte para a

língua/cultura de destino, ainda que o público-alvo permaneça o mesmo. Nosso ponto de vista

pode ser atestado por meio da comparação de um corpus composto por histórias em português

e outro com a tradução dessas mesmas histórias para o inglês. Embora o texto não verbal e o

conteúdo da história permaneçam intactos, algumas adaptações são necessárias no texto

verbal devido a fatores culturais. As diferenças mais marcantes se encontram nas:

1) Onomatopeias – A representação do som de ronco, por exemplo, será feita pelos

representantes da língua inglesa como snore, ao passo que o brasileiro representará o

mesmo som por ronc; As diferentes compreensões de um mesmo som são contempladas

durante o processo tradutório das HQs;

2) Palavras e expressões com cargas culturais particulares de uma língua – ditados e canções

populares, rimas, jogos de palavras, idiomatismos etc., em geral, não possuem equivalentes

de uma língua para outra. Isso exige a recriação do texto original por parte do tradutor;

3) Nomeações dos personagens – Todos os integrantes do universo da Turma da Mônica

foram re-batizados nas histórias em inglês;

14 O conhecimento linguístico equivale ao conhecimento da ortografia, da gramática e do léxico da língua, ao

passo que o conhecimento enciclopédico se refere às informações armazenadas em nossa memória sobre

coisas do mundo. Ambos são adquiridos “nas inúmeras práticas comunicativas de que participamos como

sujeitos eminentemente sociais que somos” (KOCH; ELIAS, 2010, p. 37). 15 Embora a noção de texto autêntico tenha sido revista (ler KRAMSCH, 1993), a descrição que prevalece no

ensino de línguas ainda parece ser a de textos escritos para uso no mundo “real”, não especialmente para

estudantes de inglês (HOLDEN, 2009, p. 74), ao passo que os textos não autênticos possuem uma linguagem

simplificada e são utilizados para fins pedagógicos. No tocante às HQs da Monica’s Gang, nota-se que,

mesmo sendo feitas para o público brasileiro mais especificamente para estudantes , elas ainda são

autênticas em termos de estrutura linguística.

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4) Falas do Cebolinha (Jimmy Five) – A letra “r” é substituída pela letra “w” ao invés da letra

“l” nos enunciados proferidos pelo Cebolinha, personagem da turma conhecido por ter um

distúrbio de fala denominado dislalia.

A consciência de que há significados culturais expressos em qualquer código

linguístico nos impele a defender a possibilidade de ser estabelecida uma relação dialógica

intercultural entre o leitor brasileiro e as histórias em quadrinhos da Monica’s Gang.

Outrossim, concordamos com Vergueiro (2006) quando afirma que as histórias em

quadrinhos podem ser aplicadas tendo em vista diversos fins: introduzir um tema que será

desenvolvido depois por outros meios; gerar uma discussão a respeito de um assunto ou até

mesmo tratar de um tema árido de forma lúdica. Com base nessas colocações, julgamos que,

além do código linguístico, os temas presentes nas HQs também têm o potencial de

impulsionar diálogos interculturais. Reiteramos a universalidade dos temas, isto é, não há

nenhum elemento marcante específico das culturas brasileiras ou das culturas inglesas nas

histórias selecionadas para compor o programa do curso, tais como personagens folclóricos ou

festividades locais. No entanto, o que propomos aqui não é somente partir do texto em si, mas

utilizar o tema da história como elemento desencadeador de discussões que possam guiar os

estudantes no caminho da interculturalidade. A meta é, pois, o desenvolvimento da

consciência intercultural por meio da interação em sala de aula, propulsionada a partir do

tema da HQ lida.

Considerando que o foco desta pesquisa é a leitura de histórias em quadrinhos na

língua inglesa, é fundamental voltarmos nossa atenção para as características desse gênero

discursivo e seu uso na sala de aula de LE, tema que será discutido na próxima seção.

1.5 HISTÓRIA EM QUADRINHOS: UM GÊNERO PERTINENTE À SALA DE AULA

Ao descrever o enunciado, Bakhtin (1997) o caracteriza como individual – porém,

permeado por vozes sociais – e afirma que a produção linguística ocorre por meio dele. No

entanto, ele também nota que cada esfera da atividade humana produz tipos relativamente

estáveis de enunciado, os quais denomina gêneros discursivos, e que cada sujeito molda a sua

produção linguística de acordo com a situação social em que se encontra. Determinadas

esferas da atividade humana, isto é, situações sociais que envolvem o uso da língua,

possibilitam a combinação de enunciados de forma mais criativa, já outras atuam

normativamente sob o falante, restringindo o seu leque de escolhas linguísticas. É por meio

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das inúmeras interações socioculturais das quais fazemos parte ao longo da vida que

aprendemos a reconhecer e diferenciar os gêneros na fala do outro, a detectar os enunciados

que são adequados ou inadequados em cada situação social e, igualmente, a presumir quais

situações permitem o uso mais livre dos enunciados.

É importante salientar que Bakhtin (1997) imprime um sentido histórico e dinâmico à

língua, portanto, os gêneros não devem ser visto como formas imutáveis. Ao contrário, eles

estão sempre entrando em contato com outros gêneros e se transformando. Porém, a sua

relativa estabilidade é que viabiliza as práticas discursivas, pois, conforme Bakhtin (1997, p.

132) esclarece, a total liberdade de combinação dos enunciados dificultaria a comunicação:

[a]prendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro,

sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero,

adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura

composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo

discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações. Se

não existissem os gêneros do discurso, e se não os dominássemos, se tivéssemos de

criá-los pela primeira vez no processo da fala [...] a comunicação verbal seria quase

impossível.

Embora se refira apenas aos enunciados orais neste trecho, os gêneros também podem

ser escritos. De fato, Bakhtin distingue dois tipos de gêneros discursivos: o primário e o

secundário. O primeiro é mais simples e se constitui na comunicação verbal espontânea; o

segundo, mais complexo, é composto, em sua maioria, por produções escritas. Contudo, os

dois estão inter-relacionados, já que o gênero secundário nada mais é do que um gênero

primário transformado que perdeu sua relação imediata com a realidade existente

(BAKTHIN, 1997).

O gênero história em quadrinhos se situa como um gênero secundário por se tratar de

um texto mais elaborado, destinado à publicação. No entanto, os temas encontrados nos

quadrinhos são, em geral, cotidianos. Portanto, embora seja um gênero secundário, em sua

produção perpassa o gênero primário. No caso específico das histórias em quadrinhos da

Monica’s Gang, podemos perceber que, em quase todos os enredos, os personagens estão

envolvidos em bate-papos informais, o que nos mostra a influência do gênero primário “bate-

papo” no gênero secundário “HQ”.

Neste estudo, trabalhamos com as histórias em quadrinhos como um gênero discursivo

sob o prisma bakhtiniano. Isso quer dizer compreendê-las como formas de enunciado com

características peculiares que se constituíram historicamente na interação. Seu todo discursivo

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o distingue de qualquer outro tipo de texto, de forma que, ao deparar-se com uma HQ, o leitor

já reconhece de imediato seus traços e sabe o que esperar daquela leitura.

McCloud (1993, p. 09) define os quadrinhos como “imagens pictóricas e outras

justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou produzir uma

resposta no espectador”. Nesse tipo de arte, os aspectos visuais são tão importantes quanto as

palavras para a compreensão da história, afinal “as imagens ilustram aspectos da cena que está

sendo descrita” (MCCLOUD, 2008, p. 130). Para que a produção de sentidos seja bem

sucedida no processo de leitura de histórias em quadrinhos, certos requisitos devem ser

cumpridos tanto por parte do autor quanto do leitor. Aquele deve levar em consideração as

experiências de vida do leitor e evocar imagens universais, como forma de evitar impasses

comunicativos. O leitor, por sua vez, deve ter um conhecimento dos principais elementos da

linguagem dos quadrinhos e ser capaz de exercer habilidades interpretativas visuais e verbais

(EISNER, 2000).

O gênero história em quadrinhos pode ter diversas formas composicionais. No

Ocidente, as sequências menores reproduzidas em jornais são denominadas de comic strips16,

traduzidas por “tirinhas” no Brasil. Já as histórias compiladas em livros, originalmente

chamadas de comic books, possuem diversas nomenclaturas no território brasileiro, sendo as

mais populares “gibis” ou “revistas em quadrinhos”. As HQs da Turma da Mônica – tanto em

português quanto em inglês – são distribuídas nos dois formatos. Nesta pesquisa, fizemos

mais uso das histórias maiores, veiculadas em gibis (revistas em quadrinhos), do que de

tirinhas.

Segundo Vergueiro (2006), apesar da popularidade dos quadrinhos junto à faixa etária

de jovens e adolescentes – principal público consumidor desse seguimento – a sua leitura foi

estigmatizada no início, visto que muitos acreditavam que elas diminuíam o rendimento

escolar de seus leitores. Com o apogeu dos estudos culturais, principalmente nas últimas

décadas do século XX, o potencial das HQs como fontes de entretenimento e de transmissão

de conhecimentos específicos foi redescoberto. Aos poucos, a veia educativa das histórias em

quadrinhos foi sendo atestada e, atualmente, até mesmo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e

os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) incentivam o seu emprego.

No livro Uso das HQs no ensino (RAMA; VERGUEIRO, 2006), são elencados alguns

motivos pelos quais as histórias em quadrinhos devem ser utilizadas na sala de aula.

Inicialmente, é lembrado que elas fazem parte do dia-a-dia de crianças e jovens. Portanto, seu

16 Mencionamos primeiro os termos em inglês porque foi nos Estados Unidos que o florescimento das HQs se

deu de forma mais substancial (VERGUEIRO, 2006).

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uso seria, em geral, bem visto pelos alunos. Além disso, a interação texto verbal/imagem cria

um novo nível de comunicação, sendo que os dois códigos juntos permitem uma melhor

compreensão da mensagem do que um código isoladamente. Na sequência, é apontado o fato

de oferecerem um leque infinito de temas a serem explorados na sala de aula, os quais podem

reforçar um conteúdo já trabalhado ou fornecer exemplos de conceitos teóricos. Outro motivo

relevante, também mencionado, é que podem ser usufruídas por leitores de todas as idades e

abordam temas que, em geral, são compreendidos por pessoas do mundo inteiro. Possibilitam,

igualmente, que o leitor amplie seu conhecimento acerca de outros tipos de comunicação e

aprenda novos itens lexicais. Além disso, destaca-se que elas abrem as portas para o

desenvolvimento do hábito da leitura e incentivam o exercício da criatividade ao exigirem do

leitor que complete os momentos que não foram expressos na narrativa.

Os motivos mencionados anteriormente podem ser aplicados da mesma forma quando

as HQs são escritas em outro idioma. Holden (2009, p. 58) argumenta que “os alunos que não

estão habituados a ler constantemente em sua língua nativa tendem a olhar para um texto em

língua estrangeira e apenas ver um grupo de palavras obscuras que eles não podem

compreender”. A leitura de quadrinhos pode ser uma forma de vencer tal barreira, tendo em

vista a geral aceitabilidade desse gênero entre o público jovem, a universalidade dos temas

tratados ali e o apoio encontrado nas ilustrações na compreensão das palavras desconhecidas.

As HQs da Monica’s Gang tendem a se encaixar ainda mais nessa proposição, visto que os

leitores brasileiros podem ativar seu conhecimento dos gibis em português durante a leitura na

língua-alvo.

Finalizada a discussão sobre os construtos teóricos utilizados na pesquisa, voltamo-nos

para os procedimentos metodológicos adotados durante nossa investigação no próximo

capítulo.

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2 METODOLOGIA

Os principais esforços do pesquisador acontecem na primeira linha da atividade

pesquisadora em meio de constantes decisões. É aí que as filosofias, teorias e metodologias

são aplicadas, testadas, aceitas, adaptadas ou rejeitadas.

(LECOMPTE; PREISSLE, 1993, p. 316)

O presente capítulo está estruturado da seguinte forma: primeiro, apresentamos os

princípios do paradigma e do método que caracterizam este estudo. Em seguida, descrevemos

o lócus de pesquisa e as participantes, bem como delineamos um breve panorama das revistas

da Turma da Mônica em inglês e expomos as histórias selecionadas para compor o programa

do curso. Por fim, detalhamos os instrumentos de investigação utilizados antes, durante e após

a geração dos dados e expomos as categorias identificadas no processo de análise destes.

2.1 A PESQUISA QUALITATIVA

Este estudo embasa-se nas concepções teóricas do paradigma qualitativo. É difícil

encontrar um consenso para a definição do que seja pesquisa qualitativa, pois o termo ganhou

diversas conceitualizações desde o seu surgimento. Bogdan e Biklen (1982 citado em

LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 13) consideram-na um tipo de pesquisa que “envolve a obtenção

de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada,

enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva das

participantes”.

Sandín Esteban (2010) traça algumas características que a identificam: 1) sua atenção

ao contexto; 2) seu caráter interpretativo; 3) a maneira holística17 de abordar a experiência das

pessoas; 4) o papel fundamental que o pesquisador exerce ao coletar dados sobre a realidade

por meio da interação com ela. Além dessas características, Esteban (2010) pontua que a

reflexibilidade, ou seja, a atenção à forma como diferentes elementos influem no

desenvolvimento da pesquisa, vem sendo cada vez mais reivindicada no cenário atual da

pesquisa qualitativa. Em outras palavras, uma pesquisa qualitativa e reflexiva significa que o

pesquisador deve sempre se preocupar em questionar a validade dos dados, refletir sobre as

ações das participantes nos contextos analisados e, outrossim, analisar sua própria atuação.

17 Abordar a experiência das pessoas de maneira holística significa que “qualquer aspecto da cultura ou do

comportamento deve ser descrito e explicado em relação à totalidade do sistema do qual faz parte”

(DIESING,1971; FIRTH, 1961 citado em WATSON-GEGEO, 1995, p. 520).

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Com base nas definições aqui evocadas, emerge o entendimento de que a principal

preocupação do pesquisador que segue a abordagem qualitativa está em adentrar no lócus de

investigação a fim de interagir com as pessoas que dali fazem parte e interpretar suas ações.

Da mesma forma, aquele que pesquisa deve sempre estar atento às relações entre o objeto de

estudo e os contextos que o circundam, bem como levar em consideração a voz dos

participantes e pensar a pesquisa reflexivamente.

Segundo Telles (2002, p. 102), o uso da metodologia qualitativa no campo da

educação vem se destacando ultimamente devido ao crescente interesse dos professores “pelas

qualidades dos fenômenos educacionais em detrimento de números que muitas vezes

escondem a dimensão humana, pluralidade e interdependência dos fenômenos educacionais

na escola”. Como integrantes desse grupo de professores mencionado por Telles (2002),

acreditamos que uma pesquisa interpretativa e empenhada em dar voz às participantes tem

maior potencial de contribuição aos membros do contexto escolar sob investigação do que

estudos meramente estatísticos. Igualmente, concordamos com Sandín Esteban (2010) quando

ela diz que a pesquisa qualitativa proporciona a compreensão dos fenômenos socioeducativos

e a transformação da realidade.18 Considerando, assim, que este trabalho trará benefícios para

as participantes do contexto a ser investigado, é que a escolha pela abordagem qualitativa se

justifica.

De acordo com Rees e Mello (2011), o paradigma qualitativo pode ser considerado um

termo guarda-chuva, na medida em que engloba em seu escopo outros métodos, abordagens e

técnicas de pesquisa, tais como a etnografia, o estudo de caso, a pesquisa-ação, entre outros.

Nosso trabalho é caracterizado como um estudo de caso de cunho etnográfico. Definimos esse

termo e justificamos a sua aplicação no próximo tópico.

2.1.1 O estudo de caso de cunho etnográfico

Telles (2002, p.108) sustenta que “os objetivos dos estudos de caso estão centrados na

descrição e explicação de um fenômeno único isolado e pertencente a um determinado grupo

ou classe”. Yin (2005) lista três características determinantes para que um estudo seja

classificado nessa modalidade: a pergunta de pesquisa deve ser do tipo “como” e “por que”,

há pouco controle sobre os acontecimentos e o foco se encontra em fenômenos

18 Não temos, de forma alguma, pretensão de resolver os problemas da escola. Contudo, acreditamos que são

pesquisas como esta aqui exposta que podem oferecer aos membros do contexto escolar, sejam eles

professores, diretores ou alunos, a possibilidade de vislumbrar outras práticas educativas.

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contemporâneos. Embora limitados a contextos particulares, muitos autores defendem que os

estudos de caso podem ser relevantes na resolução de problemas educacionais. André (2000),

por exemplo, afirma que as informações fornecidas por meio do estudo de uma instância

específica têm a capacidade de suscitar medidas de natureza prática e decisões políticas que

podem ajudar a solucionar problemas da prática educacional. Ainda segundo a autora, a

abordagem etnográfica pode ser aplicada ao estudo de um caso, desde que seja um estudo de

um sistema bem delimitado e que preencha os requisitos da etnografia.

Spradley (1979) postula que o propósito da etnografia é descrever o sistema de

significados culturais de um grupo específico. Watson-Gegeo (1995) assevera que o papel do

etnógrafo é fazer observações detalhadas e intensivas, durante um longo período de tempo, a

fim de analisar os valores culturais que subjazem ao comportamento das pessoas em um dado

contexto. Além disso, a etnografia é holística, isto é, busca obter uma visão global dos

fenômenos vivenciados pelo grupo investigado, e deve sempre levar em consideração a

perspectiva das participantes nas situações observadas.

Embora não envolva um trabalho prolongado de campo, este estudo não deixa de

possuir nuances etnográficas. Afirmamos isso com base em Johnson (1992), a qual argumenta

que o principal objetivo da investigação etnográfica é descobrir a perspectiva êmica19, ou seja,

desvendar como o grupo observado atribui significados aos eventos culturais que os cercam.

Neste estudo, também nos preocupamos em compreender como as alunas participantes

interpretam seus próprios significados culturais, bem como os significados culturais dos

representantes da língua inglesa.

Em vista do exposto, verifica-se que o presente estudo se caracteriza como um

estudo de caso de cunho etnográfico , já que explora como um único fenômeno (os

significados culturais que serão suscitados durante as aulas) se desenvolve dentro de um

contexto particular (um curso de extensão em uma escola pública localizada na periferia de

Goiânia), com ênfase na perspectiva das participantes.

19 “O termo êmico significa “interno” (insider) e sugere que a interpretação de um fato ou valor cultural, seja de

um indivíduo ou de um grupo, étnico ou fenomenológico, deve levar em conta a verdade como ela é

entendida pelas pessoas que vivenciam aquela determinada cultura. Essa perspectiva se alia à perspectiva

ética, “externa” (outsider) que tende a ser descritiva e que observa as estruturas comportamentais do grupo

cultural em foco” (REES; MELLO, 2011).

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2.2 O CONTEXTO

A seguir, são explicitados os detalhes do curso, ou seja, onde ele foi realizado, quem

foram as alunas-participantes, assim como os procedimentos que foram seguidos durante a

realização da pesquisa.

2.2.1 O contexto da pesquisa e as participantes

Os dados da pesquisa foram gerados em um curso de leitura de histórias em

quadrinhos da Monica’s Gang para estudantes de um colégio estadual, localizado na região

norte de Goiânia. As atividades do curso foram aplicadas no período vespertino e tiveram

como público-alvo os discentes do ensino médio do turno matutino. Primeiro, providenciamos

as autorizações necessárias para ter acesso ao local de pesquisa20. Em seguida, cadastramos o

curso na Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, órgão da Universidade Federal de Goiás (UFG)

que visa integrar a universidade aos demais setores da sociedade. Já qualificado como uma

ação de extensão da UFG, os discentes foram convidados a participar do curso por meio de

cartazes afixados na escola (Apêndice A) e divulgação oral nas salas de aula do ensino médio.

Conforme já adiantado no capítulo introdutório deste trabalho, conduzi o meu trabalho

de conclusão de curso no mesmo colégio e, portanto, eu já estava familiarizada com aquele

contexto.21 Outro fator que motivou a escolha do referido colégio foi o fato de nunca ter sido

realizado um curso de extensão na área de línguas estrangeiras dali. Assim, julgava-se que

essa seria uma oportunidade de aproximar a universidade da comunidade e das práticas

pedagógicas desse colégio, visando, acima de tudo, ampliar o conhecimento das alunas

participantes acerca da língua inglesa e de seus aspectos culturais a partir da leitura das HQs.

As inscrições para o curso foram abertas em agosto, tendo em vista que o curso seria

ministrado de 03 de setembro ao dia 03 de dezembro de 2014.22 Para se inscrever era

necessário possuir um nível pré-intermediário de competência de leitura em inglês23, pois,

20 Número do Parecer Consubstanciado do CEP: 821. 666 21 É importante mencionar que eu estudei durante todo o ensino médio no colégio em que a pesquisa foi

desenvolvida. Sendo assim, essa escolha se deu por questões afetivas também. 22 Devido aos imprevistos que surgiram no decorrer da pesquisa, o início do curso foi adiado do dia 03 de

setembro para 24 de setembro. Tinha-se o intuito de realizar um encontro por semana, mas, devido a feriados

e eventos que ocorreram na escola nos dias do curso, foi necessário ocasionalmente me encontrar duas vezes

por semana com as participantes para repor os encontros inicialmente previstos para esses dias não úteis. Por

fim, o curso foi ministrado de 24 de setembro a 3 de dezembro, todos nas dependências do colégio,

perfazendo 11 encontros de 1 hora e quarenta minutos cada. 23 Estabelecemos esse nível com base no Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas, o qual define

que ter um nível pré-intermediário (A2) significa ser capaz de entender frases e expressões usadas com

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assim, os diálogos presentes nas histórias poderiam ser compreendidos com facilidade.

Acreditava-se que esse pré-requisito não geraria problemas, já que as aulas de língua

estrangeira são ministradas na escola desde o primeiro ano do ensino fundamental. No

entanto, durante o curso, percebemos que o conhecimento linguístico de algumas participantes

não alcançava o nível requerido. Assim, as estratégias para a abordagem das histórias tiveram

de ser revistas, conforme descrevemos na parte de análise de dados deste trabalho.

Foram ofertadas quinze vagas. Ao todo, vinte e oito estudantes voluntariamente se

inscreveram, mas apenas oito compareceram, sendo que quatro deles somente participaram do

primeiro encontro. Por fim, o curso contou com a presença de cinco participantes. Todos os

estudantes faltosos foram contatados por e-mail após dois encontros, contudo, somente três

responderam explicando a causa do não comparecimento. Já no fim do curso, em dezembro de

2014, foi requerido à professora de inglês do colégio que pedisse uma justificativa por escrito

dos demais alunos faltosos, na qual fosse relatado o motivo da ausência. Trinta por cento

deles alegaram não ter recebido o primeiro e-mail, no qual era informado o início do curso, ao

passo que quarenta por cento responderam que não puderam participar porque conseguiram

um emprego ou começaram a desempenhar outra atividade no horário dos encontros,

incluindo as quatro estudantes que tiveram apenas uma presença. Os trinta por cento

remanescentes não foram localizados pela professora e, portanto, não se sabe o que impediu a

participação deles.

Deve-se destacar que foi obtida a permissão dos pais das cinco participantes para que

elas pudessem fazer parte da pesquisa. Isso se deu por meio de um termo de consentimento

(Apêndice B), no qual era assegurada a confidencialidade da identidade de suas filhas. Além

disso, as próprias participantes assinaram um termo de assentimento (Apêndice C),

concordando, assim, em cooperarem na pesquisa. Com o término do curso, todas as cinco

receberam seus certificados de participação (Apêndice D). No Quadro 1 é possível visualizar

o pseudônimo, idade e perfil de cada uma delas. Essas informações foram obtidas por meio do

questionário aplicado individualmente no quarto encontro (Apêndice E), quando os termos de

consentimento já haviam sido assinados pelos responsáveis e entregues à pesquisadora.

frequência, relacionadas com áreas de relevância imediata (como, por exemplo, informações pessoais e

familiares básicas, compras, geografia local e emprego) (disponível em:

http://www.coe.int/t/dg4/education/elp/elp-reg/Source/Key_reference/Overview_CEFRscales_EN.pdf).

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Quadro 1 Perfil das participantes do estudo

Pseudônimo da

participante Idade

Há quanto tempo

estuda inglês e onde

estudou Perfil

Daniella 16 Mais de cinco anos.

Estudou somente no

ensino regular.

Gosta da língua, têm interesse em dominá-la

para poder cantar músicas anglo-americanas –

algo considerado difícil por ela – por isso

decidiu participar do curso. Contudo, não tem

o hábito de ler em inglês.

Joaninha 15 Mais de cinco anos.

Estudou somente no

ensino regular.

Extremamente interessada e motivada em

aprender a língua. Possui o hábito de ler

livros, revistas e fanfiction em inglês nos

momentos de lazer. Considera-se

“autodidata”. Inscreveu-se no curso com o

intuito de aprimorar a habilidade de fala e o

conhecimento sobre a língua-alvo e os

costumes dos países falantes de inglês.

Luisa 15 Dois anos e seis meses

(ensino regular).

O fato de a pronúncia da língua inglesa ser

tão “diferente e estranha” chama a atenção

dela. Busca com o curso o aprimoramento da

habilidade oral. Tem o hábito de ler textos e

livros em inglês, mas apenas na sala de aula.

Megue 15 Mais de cinco anos.

Estudou somente no

ensino regular.

Pretende aprender inglês como uma forma de

se preparar melhor para o futuro. Não tem o

hábito de ler em inglês e sempre “passa para

frente a leitura” quando o texto é em língua

estrangeira.

Naty 16 Mais de cinco anos.

Estudou somente no

ensino regular.

Possui o sonho de viajar para fora do Brasil e

conseguir se comunicar bem na língua-alvo,

por isso se inscreveu no curso. No entanto,

descreve o inglês como uma língua difícil de

ser aprendida, por isso não costuma ler

materiais nesse idioma. Fonte: Questionário aplicado no quarto encontro.

Nota-se por meio dos perfis supracitados que apenas uma participante – Joaninha –

relatou possuir o hábito de (gostar de) ler em inglês fora da sala de aula e demonstrou

interesse em, além de aperfeiçoar a sua competência linguística, também aprimorar o seu

conhecimento sobre as culturas inglesas. As demais participantes mencionaram vislumbrar a

possibilidade de dominar a referida língua um dia, embora a vissem como algo “estranho”,

conforme descrito por Luisa, ou difícil, como evidenciado nos questionários respondidos por

Naty, Daniella e Megue.

É importante destacar que todas elas já haviam tido contato com as histórias da turma

da Mônica em português. Atestamos mais adiante que esse conhecimento prévio das revistas

em sua língua materna facilitou na compreensão das histórias em inglês, pois, assim como

postulam Rubin e Thompson (1994, p. 91), “a leitura é um processo ativo de busca de

informação no qual os leitores relacionam as informações do texto ao que eles já conhecem”.

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Portanto, mesmo as participantes com baixa proficiência linguística em inglês foram capazes

de fazer inferências sobre as HQs devido ao conhecimento adquirido por meio da leitura das

histórias em português.

2.2.2 A sexta participante

Sabe-se que a observação participante é uma das características principais da

investigação de cunho etnográfico (JOHNSON, 1992). Portanto, nesta pesquisa, recorremos a

essa técnica, na qual o pesquisador entra no mundo social dos participantes, faz anotações

acerca das situações presenciadas e classifica os padrões de eventos observados naquele

contexto (BIDDLE; ANDERSON, 1986 citado em MOREIRA; CALEFFE, 2008). Levando

isso em consideração, atuei no campo de pesquisa na posição de “observadora como

participante” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 29), isto é, o meu papel de pesquisadora e os

propósitos do estudo foram explicitados aos membros do contexto escolar desde o princípio.

Dessa forma, devo me considerar também uma integrante da pesquisa.

Conforme apontado anteriormente, a opção pela escola-campo se deveu

principalmente ao meu histórico de aluna e estagiária daquele contexto nos anos anteriores. A

familiaridade com o lócus da pesquisa me possibilitou relacionar os eventos do curso ao

panorama macro onde ele estava inserido, visto que eu conhecia o funcionamento da escola e,

mais especificamente, das aulas de inglês daquele contexto. Essa visão privilegiada dos fatos

era positiva e ao mesmo tempo perigosa, haja vista o risco de se desenvolver uma análise

tendenciosa dos eventos observados. Para evitar que isso ocorresse, tentei seguir as diretrizes

de Bodgan e Biklen (1994) no momento de imprimir no diário de campo as minhas

observações. Esses autores sugerem que, além de registrar suas próprias reflexões, o

pesquisador também inclua no diário uma parte descritiva na qual registre detalhadamente o

local em que se deu a observação, os eventos transcorridos ali e o comportamento do

pesquisador e dos agentes pesquisados. Além disso, o processo de triangulação foi utilizado

para certificar a validade dos dados pesquisados. Moreira e Caleffe (2008) descrevem tal

processo como o uso de mais de um método para coletar dados, de forma que o pesquisador

possa obter informações de várias fontes. Com isso, visa-se garantir o rigor científico que

deve figurar em todo e qualquer estudo de caso destinado à pesquisa (YIN, 2005).

Em consonância com Lüdke e André (1986), entendo que a introspecção e a reflexão

pessoal, que incluem o acesso às experiências e conhecimentos particulares do pesquisador,

são relevantes na pesquisa de caráter naturalista, tendo em vista a pertinência de se obter na

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pesquisa etnográfica uma perspectiva global dos fenômenos vivenciados pelo grupo

investigado.

2.3 AS HISTÓRIAS DA MONICA’S GANG

Criadas pelo cartunista Maurício de Sousa, pode-se dizer que as histórias em

quadrinhos da Turma da Mônica ganharam vida com a publicação da primeira tirinha

estrelada pelos personagens Franjinha e Bidu um garoto-cientista e o seu cachorro de

estimação respectivamente. Segundo o site da Turma da Mônica, isso ocorreu em 1959, no

Folha da Manhã, jornal em que Maurício de Sousa trabalhava como repórter policial na

época. Cebolinha, Cascão, Mônica e Magali também despontaram em jornais posteriormente.

No início, Mônica aparecia como uma personagem coadjuvante nas tirinhas do Cebolinha. No

entanto, devido ao seu sucesso com o público, ela assumiu o papel principal nos anos

seguintes (disponível em: turmadamonica.uol.com.br). Em 1970, a Editora Abril deu início ao

lançamento das histórias no formato de revistas, sob o título “Mônica e seus amigos”, adiante

modificado para “Turma da Mônica”. Desde então, vários outros personagens foram inseridos

no universo da turma e alguns deles ganharam sua própria série de histórias.

Quando pensamos nas revistas da Turma da Mônica, lembramo-nos, via de regra, dos

quatro amigos do bairro ficcional do Limoeiro: Mônica, Magali, Cebolinha e Cascão.

Contudo, as revistas que levam o nome dessa turma possuem outras tramas à parte,

protagonizadas por outros personagens. Sendo assim, é possível imergir no universo da turma

da Mônica, do Bidu, da Tina, do Penadinho, do Papa-Capim, do Piteco e de várias outras

criações de Maurício de Sousa ao ler um único gibi.

Em uma de suas crônicas divulgadas no site da turma da Mônica, Maurício de Sousa

explica que se inspirou em suas filhas e em pessoas com quem conviveu durante a infância,

transcorrida na cidade de Mogi das Cruzes (SP), para compor alguns de seus personagens:

É mais fácil você se basear em quem você conhece bem para “vestir” sua criatura

com alma, emoções e a personalidade da pessoa escolhida como modelo. E pronto:

está criada uma Mônica, forte e decidida como minha filha que a inspirou; uma

menina como a Magali, gentil, feminina e gulosa, tal e qual minha filha homônima;

um Cebolinha de cabelos espetados e dislalia, como o menino que o inspirou, anos

atrás, brincando nas ruas de terra do bairro do São João, em Mogi. Ou um Cascão,

baseado num amigo do Cebolinha e que realmente era muito sujinho. (SOUSA,

1996).

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Como resultado do sucesso alcançado no mercado editorial brasileiro, atualmente os

gibis da turma da Mônica respondem por 86% de venda de revistas em quadrinhos no Brasil e

estão presentes em mais de 30 países (site terra). No Brasil, as revistas são comercializadas

pela editora Panini Comics em português, espanhol e inglês. A versão em inglês foi intitulada

de Monica’s Gang. Em comunicação via email com a responsável pela Comunicação

Integrada da Maurício de Sousa Produções em 2014, Vivian Aguiar, fomos informados de

que as histórias da Monica’s Gang publicadas aqui são escritas por roteiristas brasileiros e

traduzidas mensalmente para o inglês por um tradutor de origem brasileira, alfabetizado nos

Estados Unidos. Segundo ela, o papel desse tradutor é fazer uma versão para o inglês, ou seja,

trata-se de uma adaptação ao invés de uma tradução literal. Ainda segundo ela, as histórias

seguem a variedade estadunidense e têm como público-alvo escolas de inglês e leitores

interessados em aprender a língua inglesa. Essas informações foram confirmadas via

Facebook por Marina Sousa, filha do cartunista Maurício de Sousa, e por Sidney Gusman,

responsável pelo Planejamento Editorial da Maurício de Sousa Produções naquele ano.

No processo de adaptação da história do português para o inglês, percebe-se que

algumas alterações no texto original são necessárias. O exemplo mais marcante disso está nos

nomes dos personagens. Mônica perdeu o acento circunflexo e se tornou Monica; Piteco

ganhou uma letra a mais: Pitheco; Bidu ficou Blu e Franjinha, Franklin; Cascão virou

Smudge, como uma referência à sujeira; Magali acabou por ser Maggy e Cebolinha foi

batizado de Jimmy Five por causa de seus cinco fios de cabelo e “para que cada vez que um

kid (garoto) cumprimentasse outro com aquela célebre batida de mãos abertas, falando give

me five lembrasse o personagem” (disponível em: turmadamonica.uol.com.br). Outras

adaptações inevitavelmente são feitas no código linguístico, conforme discutido no capítulo 1,

item 1.4, por conta da relação entre língua e cultura.

Conforme tentamos deixar claro no parágrafo anterior, a língua está ligada à cultura de

formas múltiplas e complexas (KRAMSCH, 2001), e essa ligação pode ser constatada

também nos itens lexicais das HQs da Monica’s Gang. O mesmo não pode ser afirmado com

relação aos assuntos presentes nas histórias e ao contexto em que elas estão inseridas.

Afirmamos isso com base nos resultados obtidos por Campos (2013) em sua dissertação de

mestrado. Ao discutir a tradução de A Turma da Mônica do português para o inglês no acervo

de histórias do site www.monicasgang.com, a referida autora verificou que as historinhas que

continham marcas culturais mais fortes24 foram pouco traduzidas. Na época em que foi

24 Entende-se por marcas culturais mais fortes aquelas histórias que contém elementos culturais não

necessariamente conectados ao código linguístico, ou seja, elementos próprios do imaginário de um povo em

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realizada essa pesquisa, ainda se encontrava disponível na internet um site em que era

possível ao usuário acessar uma variada quantidade de histórias dos personagens de Maurício

de Sousa. Ali, era possível acessar a mesma HQ em dois códigos: português e inglês.

Atualmente ele não está mais no ar, e as histórias em inglês somente são disponibilizadas na

versão impressa, encontradas principalmente nas bancas de revista. São estas que utilizamos

nesta pesquisa.

É certo que as revistas impressas não fizeram parte do corpus analisado por Campos

(2013). Contudo, a nosso ver, o apagamento dos componentes da cultura popular brasileira

também se aplica às revistas publicadas em papel. Durante o processo de seleção das histórias

para integrar o curso, foi notado que são bastante raras as HQs onde há referência a algo

tipicamente brasileiro. Poderia-se pensar, então, que há elementos culturais típicos das

culturas anglófonas, sendo que a língua presente ali é a inglesa. No entanto, não é isso que

acontece. Embora falem o referido idioma, os personagens da Monica’s Gang não estão

inseridos em eventos culturais típicos dos países falantes de língua inglesa. O máximo que

conseguimos encontrar nesse sentido foi uma história em quadrinhos em que Cascão

(doravante, Smudge), conta uma história de terror aos seus amigos no qual ele é o personagem

principal. Na sua narrativa, é possível encontrar referências aos elementos dos filmes de terror

produzidos nos Estados Unidos, como um velho casarão assombrado típico das obras

cinematográficas americanas, com uma escada, vários cômodos, um jardim na frente e um

porão. Além disso, são feitas ali várias alusões a outras narrativas de terror famosas, como o

conto “O Corvo” de Edgar Allan Poe, e a obra “O Exorcista”, dirigido por William Friedkin.

Mesmo no caso desse quadrinho, grande parte das marcas culturais apresentadas, apesar de

serem originalmente estrangeiras, não são novidades para o leitor brasileiro, visto que muitas

delas já são reconhecidas por conta dos veículos de comunicação.

Em suma, o que notamos em geral é a recorrência de enredos universais, capazes de

fazer sentido em qualquer cultura ocidental. Não há um engajamento para uma cultura

específica, e esse universalismo pode ter consequências. Podemos inferir que, se as histórias

se passassem em um país falante de língua inglesa, haveria um leque maior de temas

interculturais a serem trabalhados na sala de aula. Se a Turma da Mônica morasse nos Estados

Unidos, por exemplo, seria possível explorar questões do dia-a-dia de uma criança americana,

como a rotina escolar, relacionamento familiar, festividades, etc. e estabelecer uma

comparação com o dia-a-dia de uma criança brasileira. No entanto, não é esse o caso. Cientes

particular, como folclore, hábitos e costumes populares. Um exemplo é o personagem “Saci”, que não possui

nenhuma referência em outra cultura além da brasileira.

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disso é que esclarecemos mais uma vez que não procuramos trabalhar questões de um país

anglófono em particular no curso. Pelo contrário, nas situações em que o objetivo era

promover discussões a partir de um assunto presente na história, procuramos trazer à tona o

tema da HQ, de caráter universal, e promover reflexões de cunho intercultural acerca dele.

A seguir, apresentamos as histórias que foram trabalhadas no curso e descrevemos de

que forma os encontros foram conduzidos.

2.3.1 As HQs selecionadas

Cientes do pressuposto defendido por Eisner (2000) de que é esperado do leitor certos

conhecimentos e habilidades para que a produção de sentido da HQ seja bem-sucedida, foi

entregue logo no primeiro dia do curso um handout (Apêndice F) com dicas de estratégias

para serem aplicadas na leitura de histórias da Monica’s Gang. O objetivo era chamar a

atenção para as peculiaridades do gênero em questão e oferecer um passo-a-passo de como ler

os quadrinhos da turma da Mônica em inglês de forma mais fluida e eficaz. Apoiei-me, dessa

forma, nas considerações de Holden (2009, p. 58), a qual afirma que “é importante mostrar

aos alunos uma variedade de estratégias de leitura que irão ajudá-los a decifrar as palavras e a

reagir a elas”. Considerei também as palavras de Galloway (1997), autora que aponta para o

desenvolvimento da consciência intercultural dos aprendizes aliado ao fortalecimento de suas

habilidades de leitura por meio de textos autênticos.

A partir disso, avançamos para a leitura das histórias em si. Ao todo, oito HQs foram

lidas no decorrer do curso. Apresentamos a seguir um quadro contendo o nome da história

lida, o objetivo e os materiais utilizados para cada encontro:

Quadro 2 Objetivos e materiais utilizados para cada um dos encontros

Objetivo Material

1º encontro Conhecer os participantes;

Explicar o funcionamento do curso;

Apresentar as revistas da Turma da

Mônica em inglês;

Introduzir as estratégias de leitura.

- Cópias de uma HQ curta, disponível

no site

http://magazine.wiseup.com/aprenda-

ingles-turma-da-monica.html;

- Handout sobre estratégias de leitura;

- Frases e figuras relativas aos

personagens da Monica’s Gang.

2° encontro Revisar o que foi apresentado no

encontro anterior;

Praticar as estratégias de leitura;

- Cópias da HQ It wasn’t you Ditto, was

it” (2014);

(continua)

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(Continuação Quadro 2 Objetivos e materiais utilizados para cada um dos encontros)

3° encontro Revisar o que foi apresentado no

encontro anterior;

Aproximar-se das participantes;

Apresentar o modo imperativo e

destacar a recorrência da palavra

“please” nas interações em língua

inglesa;

- Cópia da HQ Intelligent (2014);

- Cópias da HQ Intelligent, sem os

balões preenchidos;

4° encontro Revisar tudo que foi apresentado nos

encontros anteriores;

Aplicar o questionário com o intuito

de identificar o perfil das

participantes.

- Questionário individual elaborado pela

pesquisadora;

5° encontro Mostrar como as onomatopeias são

representadas de maneira diferente em

diversas línguas.

- Cópias da HQ A little pig to the rescue

(2013);

- Handout com ilustrações expondo

várias onomatopeias expressas em

diferentes línguas.

6° e 7°

encontros Explorar as falsas concepções das

participantes sobre a C1 e a C2, bem

como aumentar a consciência delas

acerca dos estereótipos culturais.

- Cópias da HQ The Shadows of Life

(2009);

- Figuras de duplo sentido;

8° encontro Explorar o que as participantes sabem

sobre outros países e encorajá-las a

procurar mais informações fora da sala

de aula sobre os aspectos culturais de

um país escolhido por elas.

- Cópias da HQ Around the World with

Maggy (2013);

- Figuras de célebres pontos turísticos

ao redor do mundo.

9° encontro Praticar o vocabulário relacionado a

tarefas domésticas;

Aprender a usar uma folha de

observação com o intuito de investigar

quais membros da família de cada

participante são responsáveis por

diferentes tarefas domésticas.

- Cópias da HQ A bit clumsy (2013);

- Folha de observação atribuída para

casa – domestic responsibilities.

10° encontro Conferir os resultados obtidos pelas

participantes nas duas tarefas

atribuídas para casa (folha de

observação + pesquisa sobre a cultura

de um determinado país).

Despertar a consciência das diversas

microculturas dentro de uma

macrocultura maior.

- Folha de observação da aula anterior

preenchida;

11°

Encontro Descrever as parte da casa;

Desconstruir estereótipos sobre os

países falantes de língua inglesa.

- Cópia da HQ Spine Tingling Stories

(2013);

- Figuras de diversos tipos de

residências em diferentes partes do

mundo.

As três primeiras histórias foram exploradas nos três primeiros dias do curso com o

intuito de diagnosticar o nível linguístico das participantes e introduzir novos vocábulos.

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Mesmo assim, apresentamos mais adiante a análise dos dados provenientes desses três

primeiros encontros por acreditarmos que eles têm muito a revelar sobre as microculturas dos

membros do contexto escolar pesquisado. Em geral, os encontros em que essas HQs foram

lidas foram divididos em três partes: 1) pré-leitura – momento de preparação para a leitura da

história por meio de apresentação de novos vocábulos e do tema da HQ, além da aplicação de

estratégias de antecipação e inferência; 2) leitura – cada aluno lia individualmente a história,

primeiro apenas passando os olhos rapidamente pelas palavras e em seguida realizando uma

leitura atenta do texto; 3) pós-leitura – a pesquisadora conferia a compreensão dos alunos,

esclarecia o significado de palavras desconhecidas e, na maior parte das vezes, utilizava a

história como gancho para trabalhar atividades com fim intercultural. Nesse último momento,

fazia-se uso de fotos, handouts, e outros materiais extras. A história servia, então, apenas

como um recurso, um ponto de partida para iniciar discussões voltadas para o

desenvolvimento da consciência intercultural das participantes.

Devido à baixa proficiência linguística da maior parte das participantes, os encontros

foram ministrados tanto em português quanto em inglês. Durante a primeira parte da aula, na

qual novos vocábulos eram apresentados e a história era lida, a pesquisadora esforçava-se

para falar a maior parte do tempo em inglês e cobrava que as participantes tentassem utilizar a

língua-alvo. Veremos mais adiante, na análise dos dados, que também houve muitos

momentos de interação em português durante essa etapa da aula, apesar da intenção contrária

da pesquisadora. Na parte de discussão da história, na qual os diálogos interculturais com o

“outro” da língua-alvo eram estabelecidos, a primeira língua das alunas predominava nas

interações.

2.4 INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO

Rees e Mello (2011, p. 43) defendem que a construção de uma interpretação válida

somente é possível partindo das palavras exatas dos participantes, do contrário, “tudo fica no

âmbito das impressões do pesquisador”. Tendo isso em vista, optamos por fazer uso de um

gravador de voz ao invés das anotações de campo. Assim, todos os encontros foram gravados

em áudio e as verbalizações gravadas foram transcritas posteriormente para que os detalhes

dos encontros pudessem ser apreendidos e contemplados no processo de análise dos dados. O

quadro que segue apresenta os sinais utilizados nas transcrições, os quais foram adaptados de

Marchuschi (1986, p. 10-13):

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Quadro 3 Sinais usados na transcrição Itálico Fala das participantes e da pesquisadora

(( )) Comentários da pesquisadora.

(...) Indicação de transcrição parcial da fala de alguém.

[ Sobreposição de vozes

/ Assinalação de supressão de uma palavra na frase. Também utilizado quando o falante é

bruscamente cortado por outro falante.

+ ou

(2.5)

(+) utilizado para sinalizar pausas pequenas, ao passo que as pausas maiores recebem a

indicação exata do tempo entre parênteses.

( ) Quando não entendemos parte da fala, colocamos entre parênteses a palavra

“incompreensível” ou escrevemos o que supomos ter ouvido.

:: Sinal que indica alongamento da vogal.

Além da técnica de observação participante, a pesquisa contou com o uso de

questionários, entrevistas e um diário de campo. Apresentamos os pormenores de cada um

desses instrumentos na sequência.

2.4.1 O questionário

Como forma de coletar informações descritivas sobre as participantes, o primeiro

recurso utilizado foi um questionário, afinal, esse instrumento tem a vantagem de oferecer

altas taxas de retorno e de ser prático quanto ao uso eficiente do tempo (MOREIRA;

CALEFFE, 2008). As estudantes foram convidadas a preenchê-lo no quarto dia do curso,

quando os termos de consentimento já haviam sido assinados pelos responsáveis e entregues à

pesquisadora. O objetivo era conhecer o perfil das participantes e inteirar-se sobre o nível de

contato delas com as histórias da Turma da Mônica, tanto em português quanto em inglês. De

acordo com Moreira e Caleffe (2008), as questões elaboradas podem ser abertas (sem opções

de resposta) ou fechadas (com respostas pré-definidas). Tinha-se o intuito de colher respostas

mais detalhadas das participantes, por isso, houve mais questões abertas do que fechadas.

Mesmo os itens fechados, em geral, foram seguidos por um pedido de justificativa. A título de

exemplo, a pergunta “você tem o hábito de ler em inglês?”, que somente permite “sim” ou

“não como resposta, foi seguida pela locução “por quê?”. Dessa forma, foi possível levantar a

maior quantidade possível de informações sobre o perfil das participantes e conferir a opinião

delas acerca de questões pertinentes à pesquisa. O questionário aplicado se encontra no

apêndice E.

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2.4.2 O diário de campo

Um diário de campo25 também figurou na pesquisa. Nele, foram registradas as

reflexões da pesquisadora acerca dos eventos decorridos ao longo de cada encontro.

Amplamente utilizado nos estudos etnográficos, o diário de campo é um instrumento de

anotações no qual são registradas as observações dos acontecimentos ocorridos no campo,

experiências pessoais do investigador, seus sentimentos com relação ao estudo e comentários

(REES; MELLO, 2011). Segundo Lankshear e Knobel (2008, p. 41), os dados do diário são

escritos a partir da perspectiva do pesquisador, “criando entendimentos e posturas

explicitamente pessoais sobre um evento, questão ou pessoa”.

Falkembach (1987) aconselha que os fatos sejam registrados imediatamente depois de

observados para que, dessa forma, o pesquisador saiba separar os fatos concretos da sua

interpretação reflexiva. Considerando isso, foram dedicados cerca de vinte minutos à escrita

do diário após cada encontro. O diário contém tanto a descrição de eventos marcantes quanto

à reflexão da pesquisadora acerca deles.

2.4.3 A entrevista

Já no fim do estudo, foi utilizada a entrevista semiestruturada para coletar o retorno

das participantes em relação aos encontros, de forma que fossem recolhidos dados descritivos

na linguagem das próprias participantes (BOGDAN; BIKLEN, 1994) e desenvolvesse uma

ideia da maneira como elas interpretaram as ações do curso. Moreira e Caleffe (2008)

explicam que, na entrevista semiestruturada, o pesquisador parte de um protocolo que inclui

os principais assuntos a serem discutidos. No entanto, o respondente tem alguma liberdade

para desenvolver suas respostas, assim como o pesquisador pode pedir esclarecimentos

quando for necessário. Para Lüdke e André (1986), uma das vantagens da entrevista é o fato

dela permitir que pontos levantados por outras técnicas, tais como o questionário, sejam mais

aprofundados. Nessa perspectiva, as participantes foram entrevistadas individualmente,

utilizando um gravador de áudio, com o intuito de registrar suas percepções acerca do curso e

cruzar os dados da entrevista com outras fontes de informação. Faz-se necessário mencionar

que não foi possível entrevistar a participante Luisa, pois, dias após o final do curso, fomos

informadas de que ela havia se mudado para outra região. Sendo assim, apenas quatro

25 Por motivos de espaço, optou-se por incluir neste trabalho apenas as anotações do diário de campo referentes

ao encontro em que a história “Spine Tingling Stories” foi lida (Apêndice G).

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participantes foram entrevistadas. O cronograma das entrevistas encontra-se no seguinte

quadro:

Quadro 4 Cronograma das Entrevistas

Cronograma das Entrevistas

PARTICIPANTE DIA LOCAL DURAÇÃO

Daniella 16/12/2014 Escola 10’53’’

Joaninha 20/01/2015 Escola 10’35’’

Luisa - - -

Megue 11/12/2014 Escola 08’44’’

Naty 11/12/2014 Escola 09’48’’

2.5 O PROCESSO DE ANÁLISE DOS DADOS

Categorizar os dados não é tarefa fácil, especialmente quando eles são qualitativos

(LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Lankshear e Knobel (2008, p. 39) afirmam que analisar “envolve

buscar direções e tendências, padrões e regularidades” nos dados, indo além do que está na

superfície. Durante o processo de análise, procuramos essencialmente identificar de que forma

os dados mostravam as percepções das estudantes, durante e depois do curso, acerca dos

significados culturais desencadeados nos encontros.

Com esse objetivo em mente, revisitamos as teorias relacionadas ao estudo e

analisamos detalhadamente as informações geradas a partir do questionário, dos encontros,

das entrevistas e do diário de campo. Por fim, foram identificadas três categorias:

O início: os primeiros encontros evidenciam as incertezas da professora-pesquisadora

com relação à bagagem linguística e cultural das alunas, bem como revelam choques

entre as microculturas de ensinar e aprender dos membros envolvidos na pesquisa.

Essa categoria vigora do primeiro ao sétimo encontro.

O processo: a partir do oitavo encontro, nota-se a ativação de um processo gradativo

de reconhecimento do eu e do outro – o que incorre identificá-los como seres de

múltiplas identidades – por meio da leitura das HQs e das discussões levantadas;

Um novo começo: As entrevistas conduzidas já no fim da pesquisa apontam para o

desenvolvimento de uma sensibilização intercultural e/ou o aprimoramento linguístico

das participantes, implicações que podem abrir caminho para a concretização de novos

diálogos interculturais fora curso.

Discutimos cada uma das categorias no próximo capítulo.

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3 ANÁLISE DOS DADOS

Language is a complex tapestry of trade, conquest and culture to which we each add our

unique piece [...]. Language is about being able to converse with people, to see beyond

cultural boundaries and find a shared humanity. And that’s a lesson well worth learning.

(DONER, 2015)

Este capítulo traz a análise dos dados obtidos por meio dos instrumentos de

investigação descritos anteriormente. Com base nas categorias identificadas no processo de

análise, foram dispostas aqui três seções, a saber: “o início: conflitos e incertezas”, no qual

são evidenciadas as barreiras linguísticas e culturais que despontaram durante os primeiros

encontros; “o processo: descobrindo o outro”, seção em que é demonstrado como o desenrolar

do curso foi aproximando as participantes da língua-alvo de outros universos culturais; e “um

novo começo: reflexo do curso nas participantes”, no qual é exposta de que forma as ações

implementadas durante a pesquisa repercutiram na consciência intercultural das participantes.

Antes de iniciar a análise propriamente dita dos recortes obtidos nos quatro primeiros

encontros, será apresentado um registro narrativo dos eventos transcorridos ao longo de cada

encontro. Seguimos, assim, um dos pressupostos da pesquisa etnográfica: observar

detalhadamente o contexto investigado a fim de analisar os valores culturais que subjazem ao

comportamento dos participantes da pesquisa.

3.1 O INÍCIO: CONFLITOS E INCERTEZAS

Como evento social que é, uma aula nunca sai exatamente conforme planejamos.

Segundo Pennycook (2001), a sala de aula é um domínio social e cultural, e, como tal,

infuencia e é influenciada pelo mundo exterior. De fato, questões extraclasse inevitavelmente

atuaram no trajeto do curso. Esperava-se vinte e oito alunos, mas a maioria destes não pode

comparecer aos encontros por razões diversas, conforme apontado no capítulo de

metodologia. Quatro alunas deixaram de frequentar o curso após o primeiro encontro. Foi

necessário, a partir do sexto dia de curso, iniciar os encontros trinta minutos mais tarde do que

o previsto devido às aulas de teatro que passaram a ocorrer no colégio no mesmo horário que

o curso de leitura de histórias em quadrinhos. Além disso, eventos externos tais como chuva,

passeios escolares e contratempos pessoais impediram a presença de todas as participantes em

algumas reuniões.

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As situações vivenciadas na escola-campo evidenciaram o aspecto naturalista da

pesquisa qualitativa etnográfica que conduzimos e, portanto, também se tornaram parte dos

dados. Essa pesquisadora entrou disposta a promover encontros pautados na interação, nos

quais as participantes pudessem participar ativamente das discussões, mas encontrou alunas

que pouco externalizavam suas vozes. A cultura de ensinar, por vezes, chocou-se com a

cultura de aprender. E foi nesse rearranjar de expectativas que o curso deu seus primeiros

passos.

3.1.1 Análise do primeiro encontro: participantes por um dia

Diriji até a escola carregando o meu retroprojetor e os outros materiais necessários

para o primeiro encontro. Chegando lá, consegui entrar pelo portão principal, mas não pelo

portão que dá acesso às salas de aula. Esperava encontrar ali o coordenador pedagógico, com

quem eu já havia combinado todos os passos do curso, mas, em seu lugar, encontrava-se a

coordenadora do turno vespertino. Apresentei-me a ela e solicitei que autorizasse a minha

entrada, bem como a entrada dos participantes do curso que estavam prestes a chegar. Embora

não me conhecesse, ela estava ciente da ministração do curso naquele horário e, por isso,

atendeu o meu pedido solicitando que a sua auxiliar me acompanhasse até a última sala do

corredor esquerdo, único local vago naquele horário. Enquanto caminhávamos, a auxiliar

repreendeu alguns alunos que estavam indevidamente no corredor e me explicou que o portão

que separa as salas de aula da secretaria e coordenação se mantem fechado para evitar a

passagem dos alunos que queiram deixar a escola antes do término da aula. Ela destrancou a

porta daquela que seria a minha sala. Ali, haviam cerca de 40 carteiras, uma mesa para o

professor, um ventilador e um quadro-negro. Percebi que não seria possível utilizar o

retroprojetor devido à claridade do ambiente. Ciente da inviabilidade de projetar a história na

parede, parti para o plano B: dispus as cópias da HQ em cima da mesa para entregar aos

alunos posteriormente.

A primeira aluna chegou com dez minutos de atraso, a segunda com quinze e a

terceira, quarta e quinta aluna apareceram na porta vinte minutos depois do horário. Elas

cochichavam enquanto eu me preparava para iniciar as atividades. Dei início ao encontro

colocando um pacote com balinhas sortidas em cima da mesa e sugerindo que cada uma delas

pegasse a quantidade de balas que desejasse, sob a condição de não consumí-las nos

próximos minutos. Muito retraídas, as alunas se contiveram em pegar no máximo três itens.

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Após todas se servirem, peguei cinco balinhas e escrevi no quadro cinco informações sobre

mim:

I’m Fernanda I like chocolate

I’m 23 years old I don’t like coffee

I’m a student

Expressei oralmente o que estava escrito no quadro e informei que a quantidade de

balas que cada uma tinha em mãos deveria corresponder ao número de informações pessoais

que deveriam ser fornecidas ao grupo – todas em inglês. As alunas me olharam com olhar de

estranhamento, outras riram e balançaram a cabeça negativamente. Consciente de que, no

papel de pesquisadora comprometida com o trabalho etnográfico, uma das minhas funções era

interpretar o comportamento dos membros da comunidade sob observação (WATSON-

GEGEO, 1995), entendi que aquelas reações eram consequência da falta de familiaridade

delas com a língua estrangeira na sua forma oral. Tentei tranquilizá-las dizendo que daria o

suporte necessário para que elas conseguissem verbalizar as frases em inglês. E assim, uma

por uma, as frases foram sendo compostas, na maior parte das vezes com o meu auxílio.

Mais adiante, entreguei a um grupo de alunas imagens de personagens específicos da

turma e seus respectivos nomes em inglês e, para outro grupo, distribui frases descritivas de

cada figura. A tarefa delas era relacionar o texto ao devido personagem, conforme ilustrado a

seguir:

Quadro 5 Atividade de reconhecimento dos personagens em inglês

Monica Strong and decisive girl, she is the leader of the gang, has a little dog called

Ditto, and carries a blue plush rabbit called Samson.

Jimmy

Five

He is incapable of pronouncing the sound of the r letter, replacing it with the l letter

in the Portuguese comics, or with the w letter in the English version. He always wants

to steal Samson from Monica with his "infallible plans".

Smudge

Smudge is best known for his fear of water, and for never taking a shower. He is

Jimmy Five's best friend and is always convinced to participate on his "infallible

plans".

Maggy

She is Monica's best friend and has a voracious appetite. She eats almost everything

and is always hungry. Despite this, she never gets fat. Her favorite food is

watermelon.

Fonte: Adaptado de: http://www.statemaster.com/encyclopedia/Monica's-Gang. Acesso em: 09 ago. 2014.

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Essa foi a primeira atividade de leitura na língua-alvo proposta no curso. Notei que, a

primeira vista, as alunas pareciam olhar para os parágrafos e “verem um amontoado de

palavras incompreensíveis” (HOLDEN, 2009, p. 58). Por isso, foi necessário, mais uma vez,

que eu mediasse a atividade fornecendo o auxílio necessário para que as alunas inferissem o

significado das palavras pelo contexto e fizessem uso do conhecimento prévio delas.

A atividade proposta serviria de base para iniciarmos uma discussão acerca das

diferenças e semelhanças entre a versão em português e inglês da Turma da Mônica. Segundo

Kramsch (1993), a cultura – mais especificamente a linguaculture – emerge a partir dos

diálogos entre os membros da sala de aula. Partindo desse pressuposto, esforçei-me para

promover um ensino dialógico, pelo qual as vozes das alunas teriam tanto espaço quanto a

minha. No entanto, ao longo desse encontro, foram poucas as participações voluntárias do

grupo. Eu tentava preencher o silêncio ao realizar perguntas em português, visto que,

aparentemente, as alunas se sentiam mais à vontade ao se expressarem em sua primeira

língua. Mesmo assim, por vezes, não havia troca de turnos. A título de exemplo, em um

determinado instante tentei estimular a participação do grupo ao questionar o porquê da

mudança nos nomes dos personagens de uma língua para outra. No entanto, a contrapalavra

das alunas, elemento essencial para a formação do diálogo segundo Bakhtin (1981),

permaneceu oculta. Em vista disso, preferi adiar essa discussão para outro encontro. Essa foi

uma oportunidade que perdi de mostrar a relação entre língua e cultura, ou linguaculture

(RISAGER, 2006), ao expor a influência do horizonte cultural na tradução dos nomes dos

personagens.

Distribui, então, o handout sobre estratégias de leitura (Apêndice F), e lemos juntas os

tópicos contidos ali. Foi feita em seguida a leitura de uma história curta, com o intuito de

colocar em prática as estratégias apresentadas anteriormente.

Figura 1 Ilustração da tirinha

Fonte: http://magazine.wiseup.com/aprenda-ingles-turma-da-monica.html. Acesso em: 21ago 2014.

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Preferi entregar os termos de consentimento e assentimento em outro momento. Falei

brevemente sobre o curso, em português. Não houve nenhuma pergunta ou comentário.

Despedi-me das alunas sem saber se a forma como eu havia conduzido o encontro havia

agradado. Eu, inegavelmente, esperava ouví-las mais durante esse primeiro dia. Nas anotações

do diário de campo, expressei, entre outras situações, as minhas incertezas acerca da reação

das alunas:

Recorte 1

Não sei se as poucas alunas presentes hoje tiveram uma primeira impressão positiva do curso. Espero

que sim. Elas estavam muito tímidas. Espero que, conforme nos aproximamos ao longo das próximas

reuniões, elas se sintam mais confiantes para externar suas vozes e opiniões. (Diário de campo da

pesquisadora, 24 de setembro de 2014).

Embora eu ainda não percebesse naquele dia, ocorria ali o primeiro de uma série de

choques interculturais, em que, de um lado, encontravam-se as expectativas e práticas de

ensino da professora e, do outro, as expectativas e práticas de aprendizagem das alunas.

Palavras como “não sei” e “espero” revelam minhas incertezas com relação à minha forma de

ensinar estar de acordo com as expectativas das alunas. Ao esperar uma postura mais

responsiva ativa das participantes, demonstro que o comportamento exposto pelas alunas

naquele encontro não está em consonância com a minha expectativa de aprendiz ideal.

Segundo Jin e Cortazzi (1998), o funcionamento do discurso de sala de aula, seja ele

na primeira língua ou na língua-alvo, é afetado pela cultura trazida para a classe pelos

estudantes e pelo professor. O pensamento desses autores revela-se em consonância com o de

Damen (1987), a qual esclarece que as expectativas dos membros da sala de aula nascem de

orientações e padrões culturais específicos. A falta de uma resposta, por exemplo, não indica a

inabilidade de articular um pensamento, mas, ao contrário, pode refletir anos de uma

formação escolar que desencoraja a exposição de ideias por parte do aluno. De forma análoga,

o professor também traz para a sala de aula uma cultura de ensino-aprendizagem que é fruto

de suas experiências prévias como discente e docente.

Pensando no princípio dialógico bakhtiniano, pode-se dizer que assim como as alunas,

eu trazia para a sala de aula um conjunto de enunciados “alheios”, incorporados ao meu

discurso nas inúmeras relações sociais estabelecidas por mim no papel de aluna e professora

até aquele momento. Estudei inglês durante grande parte da minha vida escolar em salas de

aula mediadas pelos princípios do método de gramática e tradução. Contudo, somente aprendi

a me comunicar oralmente nessa língua quando entrei na universidade. Ali, vi a minha

identidade de aluna e, ao mesmo tempo, de professora de inglês sendo moldada consoante a

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abordagem comunicativa. Como reflexo da forma como se deu o meu processo de ensino-

aprendizagem de língua inglesa no curso de Letras, procurei me comunicar na língua-alvo a

maior parte do tempo e colocar as alunas no centro do processo de aprendizagem ao promover

atividades interativas em grupo e estimular a participação delas.

Diferentemente de mim, as alunas utilizavam a língua portuguesa como veículo de

comunicação – um efeito da baixa proficiência oral na língua-alvo – e demonstravam

dificuldade em se envolverem nas interações promovidas em classe, mesmo em português.

Considerando a influência da cultura de aprender no processo de ensino-parendizagem

(ALMEIDA FILHO, 1993), busquei analisar o contexto escolar do qual essas alunas

provinham. O entendimento desse contexto me levou a crer que o comportamento das alunas,

observado naquele primeiro encontro, era provavelmente fruto das aulas de inglês que elas

estavam acostumadas a assistir durante a semana. Sendo uma ex-aluna dessa escola e já tendo

estagiado ali, sei que a metodologia aplicada ao ensino de inglês daquele contexto, pelo

menos até então, seguia uma linha mais tradicional (FIGUEIREDO; OLIVEIRA, 2012),

caracterizada, em geral, pela exposição e explicação de um tópico gramatical ou lexical por

meio da L1, seguidas de exercícios no quadro para serem copiados no caderno pela turma.

Dessa forma, o professor era aquele que assumia o papel de regulador da interação. Os alunos,

por sua vez, estavam acostumados a assumir um papel menos ativo no processo de ensino-

aprendizagem de inglês, que se limitava na parte majoritária do tempo a ouvir e copiar. A

abstinência de participações, que eu interpretei em um primeiro momento como “timidez”,

era, na realidade, um comportamento cultural escolar característico dos alunos daquele

colégio, conforme foi possível confirmar na análise do segundo encontro, apresentado mais

adiante.

Considerando as diferentes culturas de aprender (JIN; CORTAZZI, 1998), percebi que

seria necessário adaptar as minhas expectativas quanto ao uso da língua-alvo e de atividades

comunicativas às particularidades do grupo. E os ajustes se extenderam para além deste. No

encontro subsequente, fui surpreendida pela presença de um novo grupo de estudantes. Em

seguida, apresento a vinheta desse encontro.

3.1.2 Análise do segundo encontro: conhecendo, de fato, as participantes do curso

Cheguei à escola às 15h30 com o intuito de preparar a sala de aula para o segundo

encontro. O dia estava ensolarado e alguns alunos circulavam pelos corredores enquanto eu

me encaminhava para a sala disponibilizada pela coordenadora para sediar o curso. Ao

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encontrá-la trancada, tive que retornar à coordenação e pedir que alguém a destrancasse para

mim. Finalmente dentro da sala, desfiz a disposição das carteiras em filas e reorganizei-as em

formato de semi-círculo. Fazendo isso, levei em consideração o ponto de vista de Scrivener

(2005) de que tal formato propicia a interação e permite que todos os alunos tenham a mesma

chance de participar da aula.

Acomodei os meus materiais em uma mesa próxima ao quadro. Após alguns minutos,

as participantes Joaninha e Luisa chegaram se apresentando e pedindo desculpas pela

ausência na semana anterior. Naty, Megue e Daniella chegaram mais tarde.

Era outro grupo que se apresentava diante de mim: haviam quatro alunas ausentes e,

curiosamente, quatro novas alunas presentes. Senti a necessidade de repetir as atividades

feitas no primeiro encontro, visto que, das cinco alunas que se encontravam naquele recinto,

quatro estavam ali pela primeira vez: Naty, Daniella, Joaninha e Luisa. Assim, apresentei-me

novamente e pedi que as alunas se apresentassem em inglês, seguindo o mesmo roteiro do

plano de aula do encontro anterior. Constatei que Joaninha e Luisa se sentiam mais a vontade

ao se expressarem em inglês. Naty e Daniella, ao contrário, demonstraram desconforto por

terem que falar acerca de si mesmas na língua estrangeira. A reação de Megue foi similar,

mesmo esta já tendo falado sobre si mesma no primeiro encontro. Fui auxiliando-as com

pronúncia e tradução de palavras desconhecidas, e contei com a ajuda de Joaninha e Luisa

para tal. Considerando a microcultura de aprender trazida para a sala de aula pelas estudantes

e a sua influência no processo de ensino-aprendizagem (ALMEIDA FILHO, 1993), no caso,

uma cultura caracterizada pelo uso frequente da L1 nas aulas de inglês, procurei me

aproximar de Naty, Megue e Daniella trocando o código de comunicação do inglês para o

português em nossas interações.

Expliquei como funcionaria o curso e, em seguida, os termos de consentimento e

assentimento foram discutidos e entregues para as alunas. Depois, distribui o handout sobre

estratégias de leitura, o mesmo que foi entregue no encontro anterior. Mais uma vez, os itens

contidos ali foram lidos, bemo como foi discutida a importância de se seguir aquele passo-a-

passo na leitura de cada história. Em seguida, falamos rapidamente sobre as diferenças e

semelhanças entre a versão em português e inglês da Turma da Mônica, como por exemplo,

os nomes e características dos principais personagens e as onomatopeias em ambas as

versões.

Com o intuito de praticarmos as estratégias, entreguei a cada uma delas uma cópia da

HQ It wasn’t you Ditto, was it?. Trata-se de uma história em quadrinhos na qual Monica

acusa injustamente o seu cachorro de estimação, Ditto, de bagunçar os utensílios da casa. A

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comicidade da história reside nas caras e bocas feitas pelo cãozinho cada vez que a sua dona o

repreende. Quando os verdadeiros autores da desordem são descobertos, a situação se inverte,

e é Ditto que se zanga com a dona.

Figura 2 Ilustração da HQ “It wasn’t you Ditto, was it?”

Fonte: SOUSA, M. de. It wasn’t you Ditto, was it? In: Monica’s Gang, n. 53. São Paulo: Panini Comics, 2014.

É bem provável que, se eu soubesse da alternância das participantes, teria levado uma

história menor, com menos diálogos. Contudo, aquela era a única história que eu havia

preparado para o dia. Temendo que as participantes se sentissem intimidadas com a extensa

quantidade de palavras em inglês contidas ali, esclareci que elas poderiam comentar no fim do

encontro se haviam gostado da HQ e da forma como as discussões foram conduzidas, pois, a

partir do feedback delas, eu prepararia as histórias subsequentes. Assim, entreguei uma cópia

da história para cada uma das participantes e, conforme recomendado nas estratégias de

leitura, pedi que elas apenas passassem os olhos pelas imagens e pelo título como forma de

antecipar o conteúdo do texto. Em seguida, foi solicitado que elas, em pares, fizessem uma

rápida visualização do texto verbal e sublinhassem as palavras conhecidas para, em seguida,

realizarem uma leitura atenta. Essas etapas serviram de ponto de partida para que eu

explicasse o que significavam palavras cognatas e falsas cognatas e comentasse sobre a

importância de inferir o sentido dos itens lexicais pelo contexto.

Assim como Rubin e Thompson (1994), concebemos o ato de ler como um processo

ativo, no qual o leitor relaciona o seu conhecimento prévio às informações do texto. Tendo

isso em vista, procurou-se nas etapas de pré-leitura, leitura e pós-leitura, incentivar as alunas

a ativar o que elas sabiam sobre o gênero histórias em quadrinhos e, mais especificamente,

sobre as revistas da Turma da Mônica em português, relacionando esse conhecimento à

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história It wasn’t you Ditto, was it?. Ao colocarem em prática suas habilidades visuais e

verbais (EISNER, 2000) e identificarem pontos de encontro entre a versão em português e

inglês da Turma da Mônica – conforme a perspectiva interacionista bakhtiniana na qual o

leitor retoma outros discursos conforme lê – as participantes conseguiram inferir os sentidos

do texto e o significado de várias palavras contidas ali. Isso foi atestado por meio de perguntas

feitas por mim ao longo do encontro com o intuito de checar a compreensão das participantes

sobre a história, as quais foram respondidas corretamente. A título de exemplo, elas

conseguiram recontar a história e souberam identificar durante a leitura que, na versão em

inglês, o cachorro da Mônica se chamava Ditto; Vanilla era o nome dado ao gato da Magali, e

que Cebolinha e Cascão eram denominados Jimmy Five e Smudge respectivamente.

Figura 3 Exemplos de denominações dos personagens em inglês

Fonte: SOUSA, M. de. It wasn’t you Ditto, was it? In: Monica’s Gang, n. 53. São Paulo: Panini Comics, 2014.

Ao fazer as perguntas de compreensão, procurei mesclar os dois idiomas; como as

alunas não possuíam vocabulário suficiente para recontar a história em inglês, pedi que elas

utilizassem a língua portuguesa para tal. No entanto, fui traduzindo cada frase enunciada pelas

participantes e pedindo que elas repetissem o que eu falava. Dessa forma, a narração foi feita

tanto em português quanto em inglês.

Logo percebi que Joaninha e Luisa eram as alunas mais linguisticamente proficientes

do grupo: sempre que possível, Joaninha se arriscava a falar em inglês comigo e procurava

auxiliar as colegas a entenderem o significado das palavras presentes na história. Embora não

tenha se comunicado na referida língua com a mesma frequência que Joaninha, Luisa

demonstrou ter uma boa compreensão leitora na língua-alvo e a utilizou positivamente

fazendo conexões entre as versões em português e inglês da Turma da Mônica e fornecendo

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respostas para as perguntas que feitas por mim ao longo do encontro. Megue, a única

participante que havia comparecido ao encontro anterior, pouco opinou durante o encontro,

assim como Daniella e Naty. No entanto, todas elas se envolveram nas atividades de leitura

propostas.

Diferentemente do encontro anterior, percebi um maior entrosamento da turma: todas

as participantes já se conheciam e tinham um relacionamento amistoso, por isso, não

hesitavam em trabalhar em pares ou pedir auxílio umas as outras quando necessário. Não raro,

Joaninha e Luisa assumiam o papel de professoras e sanavam dúvidas das demais colegas.

Seguindo a linha de pensamento bakhtiniana, é possível dizer que, quando a relação dialógica

estabelecida com as vozes presentes no texto não eram suficientes para dar sentido a ele,

havia também a palavra do outro, no caso, três outros, Joaninha, Luiza e a professora, para

guiá-las no processo de compreensão da história.

Temendo que as alunas não se sentissem à vontade naquele encontro, tentei me

aproximar ao máximo da microcultura de aprender delas. Assim, utilizei a língua portuguesa

com mais frequência do que gostaria. Acostumadas às aulas de inglês em que os itens lexicais

são traduzidos instantaneamente para o português, era comum que as alunas me perguntassem

a tradução de palavras específicas quando o contexto da história não era suficiente para

entendê-las.

Por fim, esse segundo encontro foi bastante descontraído, e todas as participantes

declararam ter gostado da forma como ele foi conduzido. Contudo, a alternância de

participantes era uma situação preocupante. Saí da escola determinada a entrar em contato

com as alunas ausentes e confirmar quem realmente integraria o curso dali em diante.

Segundo Sandín Esteban (2010), desenvolver uma pesquisa qualitativa envolve

compreender a realidade como ela é, e não como gostaria que se fosse. Dessa forma, é

necessário se manter flexível às mudanças que podem surgir ao longo da pesquisa. No caso

desta pesquisa, uma das mudanças foi ir na direção contrária da literatura intercultural, a qual

advoga a favor do ensino de cultura aliado à abordagem comunicativa. A título de exemplo,

Corbett (2003) defende a implementação de uma abordagem intercultural que complemente as

práticas comunicativas atuais e Risager (1998) sustenta que o objetivo da abordagem

intercultural é desenvolver uma competência comunicativa e intercultural que capacite o

aprendiz a funcionar como um mediador entre culturas e a fazer uso da língua-alvo em suas

interações. Naquele dia, finalizei o encontro satisfeita com o feedback das alunas, mas, ao

mesmo tempo, sentindo-me um tanto culpada por ter de me afastar de um pressuposto

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essencial da abordagem comunicativa, o uso da língua-alvo nas interações em sala de aula,

como forma de me aproximar da microcultura de aprender das alunas.

As participantes estavam acostumadas a um ensino da língua inglesa mediado pelo

português, no qual a tradução é um recurso recorrente. Isso pôde ser constatado nos

momentos em que, com excessão de Joaninha e, às vezes, de Luisa, as alunas não

compreendiam meus enunciados quando direcionados na língua-alvo ou se sentiam inibidas

ao tentar se comunicar em inglês, bem como nas vezes em que me era solicitado que eu

repetisse em português uma instrução fornecida em partes na língua estrangeira ou traduzisse

trechos da história. É importante lembrar que o mesmo ocorreu no encontro a

nterior, no qual estavam presentes outras alunas, fato que corrobora a constatação de

que os comportamentos supracitados eram fruto da cultura de aprender dos estudantes daquela

escola, o qual era pautado por uma metodologia mais tradicional. Eu, por outro lado, queria

colocar em prática um ensino mais comunicativo, embasado no uso constante da língua-alvo.

A minha metodologia de ensino poderia ser bem aceito por Joaninha e, talvez, por Luisa,

tendo em vista o nível linguístico delas, mas o mesmo não poderia ser garantido com relação

às outras participantes. Por estar o curso na sua fase inicial, preferi, naquele momento, deixar

o grupo mais à vontade utilizando e permitindo que as alunas empregassem a língua materna

quando desejassem, em detrimento de uma aula 100% na língua-alvo que pudesse minar a

motivação delas e, por conseguinte, afastá-las do curso.

Os acontecimentos dessa e da aula anterior comprovam a asserção de Corbett (2003) e

Spencer-Oatey e Franklin (2009) de que um encontro entre pessoas da mesma nacionalidade,

mas que compartilham algum tipo de regularidade distinta, também é intercultural. Mesmo

compartilhando a mesma nacionalidade e, portanto, sendo parte de uma mesma macro-

cultura, cada um dos membros participantes do curso carregava consigo outras inúmeras

microculturas que as diferenciavam umas das outras. Nesses dois primeiros encontros, ficou

nítido que havia ali mais de uma cultura de aprender, ou seja, as minhas “concepções, de base

cultural, sobre ensino e aprendizagem e sobre maneiras apropriadas de participar da aula e

fazer perguntas” (JIN; CORTAZI, 1998, p. 100) não eram iguais as das alunas. Houve, assim,

um choque entre a minha microcultura de ensinar/aprender e aquela dos demais membros do

curso. Ao contrário das alunas, minha microcultura era fruto de uma bagagem de

conhecimentos teóricos sobre ensino-aprendizagem de línguas, adquirida durante os quatro

anos em que cursei Letras. Mesmo assim, nesse choque intercultural, eu sabia que a melhor

saída não era impor o meu saber, mas tentar encontrar um terceiro lugar em que tanto a minha

voz quanto a voz das participantes fossem valorizadas (FIGUEREDO, 2010). E assim,

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tentando mesclar a minha microcultura de ensinar/aprender com a microcultura de aprender

das participantes, fui conduzindo os demais encontros.

3.1.3 Análise do terceiro encontro: estabelencendo uma relação positiva com as

participantes

Tendo em vista a oscilação de alunas do primeiro para o segundo encontro, cheguei à

escola no terceiro dia sem saber quem eu encontraria ali. Duas estudantes que estiveram

presentes no primeiro dia haviam me informado da impossibilidade de prosseguir no curso

por motivos pessoais. Mesmo tendo alegado outras razões, a hipótese de que essas alunas não

tenham se adaptado à minha forma de conduzir o primeiro encontro veio à minha mente como

sendo o real motivo da desistência. Portanto, procurei pensar a pesquisa reflexivamente

(SANDÍN ESTEBAN, 2010) ao avaliar a minha atuação e as ações das participantes no

campo de pesquisa até aquele momento no intuito de melhor preparar os encontros

subsequentes.

A partir dessa reflexão, busquei no terceiro encontro criar uma relação positiva com as

participantes de forma que elas se sentissem à vontade para se expressarem e, de modo

consequente, desejassem participar dos próximos encontros. Para tanto, planejei uma aula em

torno da HQ Intelligent, uma historinha de apenas uma página e com poucos diálogos, na qual

o personagem Franklin (Franjinha), ao ver todos os seus comandos serem colocados em

prática por seu cão Blu (Bidu), comenta que somente resta ao animal falar. Lisongeado, o cão

emite um “obrigado” no fim, causando o espanto do dono.

Figura 4 Ilustração da HQ “Intelligent”

Fonte: SOUSA, M. de. Intelligent. In: Monica’s Gang, n. 53. São Paulo: Panini Comics, 2014.

Naty, Megue, Joaninha e Luisa estavam presentes nesse dia. Como de costume, eu fui

a primeira a chegar na escola e me dirigir à sala de aula. Pouco a pouco, as alunas

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supracitadas foram chegando. Demos início ao encontro retomando a história da semana

anterior – It wasn’t you Ditto, was it? – relembrando os nomes e as características dos

personagens da Monica’s Gang, as estratégias de leitura, bem como as palavras aprendidas

por meio do contexto dessa HQ.

Como o meu objetivo naquele momento era proporcionar uma aula que contemplasse

a prática da língua/cultura-alvo de uma forma mais descontraída, utilizei uma didática

diferente daquela da semana anterior. Como de praxe, entreguei uma cópia da história para

cada aluna, com uma diferença: desta fez, os balões de texto encontravam-se vazios. A ideia

era que, tendo como base o título e as figuras, cada participante usasse a imaginação para criar

os textos verbais da história. A expressividade das figuras era tão clara que todas as

participantes desenvolveram histórias similares à original, isto é, a interpretação de que Blu

estava recebendo ordens do seu dono prevaleceu nas criações. Naquele momento, confirmei a

constatação de McCloud (2008) de que os textos icônico e verbal se complemetam e têm igual

peso na compreensão da história.

Era comum durante a construção do texto que as alunas solicitassem a tradução de

frases imperativas, as quais eram fornecidas por mim sempre que necessário. Aproveitei

aquele momento para (re)apresentar o modo imperativo à turma, utilizado para dar ordens e

instruções. Feito isso, distribui a história de Maurício de Sousa, desta vez com os balões

originais, e estabelecemos uma comparação entre aquela versão e as criações das alunas.

Conforme havia me comprometido a fazer, procurei dar espaço à microcultura de

aprender das alunas ao permitir que a língua portuguesa fosse utilizada, bem como ao fazer

uso da tradução como uma estratégia de comunicação. No entanto, não deixei de contemplar o

que estava de acordo com a minha microcultura de ensinar/aprender: todos os itens lexicais

presentes na história e evocados nas versões das alunas foram praticados por meio de uma

atividade em grupo na qual as alunas deveriam fornecer comandos umas às outras, no estilo

da brincadeira Simons says.26 Os comandos deveriam ser dados por uma participante na

língua-alvo e as outras alunas deveriam obedecê-la praticando tal comando. Essa brincadeira

exercitou as habilidades de fala e compreensão oral do grupo, bem como gerou muitas

risadas.

26 “Simon Says” é uma brincadeira jogada por dois ou mais jogadores na qual uma pessoa é escolhida para ser o

líder (Simon). Esse jogador deve ordenar ações ao restante do grupo, que deve, por sua vez, praticá-las. Por

exemplo: se o líder disser “sit down”, todos os outros jogadores devem se sentar. Mais usualmente utilizada

em turmas infantis, essa brincadeira trabalha, no caso da aula de língua estrangeira, a habilidade e

compreensão oral dos alunos.

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Após esse momento de descontração, apresentei a frase conversacional Can you...,

please?, expliquei a importância da polidez ao fazer pedidos ou dar instruções na língua

inglesa e pedi que as alunas criassem exemplos oralmente utilizando essa estrutura. Segundo

Wierzbicka (2006), há um valor cultural implícito na palavra please que justifica o seu uso

recorrente nas trocas interacionais entre desconhecidos, amigos e até mesmo familiares em

países anglófonos. Se na cultura de base anglo-saxônica um verbo no imperativo

desacompanhado de um “por favor” pode sinalizar falta de educação e indelicadeza da parte

de quem ativa o enunciado, em outras culturas, incluindo a própria macrocultura brasileira, o

uso desse termo é dispensável em certas situações – no ambiente familiar, por exemplo. Ao

chamar a atenção do grupo para um aspecto cultural intrínseco à lìngua-alvo (linguaculture) e

ter promovido a prática oral das estruturas e itens lexicais contemplados a partir da história,

acredito ter trabalhado a língua/cultura inglesa em um nível discursivo, visto que as unidades

da língua (orações) foram inseridas em um contexto e, portanto, transformadas em enunciados

plenos de sentido (BAKHTIN, 1997).

As anotações feitas no diário de campo mostram a minha avaliação positiva desse

encontro:

Recorte 2

Como foi a aula: animada, engraçada e produtiva.

[...] Fizemos uma atividade bem bacana após a leitura da história “Intelligent”.

As participantes se divertiram bastante e conseguiram participar da brincadeira fazendo uso de variados

comandos no imperativo. (Diário de campo da pesquisadora, 8 de outubro de 2014).

Os adjetivos expostos nesse trecho revelam que eu atingi o meu objetivo de conduzir

uma aula envolvente e que estimulasse a motivação e autoconfiança das alunas. Essa

observação foi confirmada, posteriormente, por Megue, que revelou na entrevista ter gostado

bastante das atividades propostas nesse dia, descrevendo-o como “um encontro engraçado”.

Além de apontar a descontração como um traço daquele encontro, utilizei o adjetivo

“produtivo” para caracterizá-lo por ter visto pela primeira vez todas as alunas se expressarem

com desenvoltura em inglês durante o curso. No meu ponto de vista, aquela já havia sido uma

grande conquista, por isso, saí da escola satisfeita naquela tarde de outubro e disposta a

mesclar elementos da abordagem tradicional e da abordagem comunicativa também nos

próximos encontros.

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3.1.4 Análise do quarto encontro: respondendo o questionário

Considero que o início do curso ocorreu, de fato, no quarto encontro, dia em que foi

possível conhecer mais a fundo os perfis das participantes por meio do preenchimento dos

questionários. Pouco mais de três semanas haviam se passado desde o início das minhas

intervenções na escola-campo. A intenção inicial era que esses questionários fossem aplicados

anteriormente. Contudo, preferi aplicá-los somente nesse ponto do curso, quando não havia

mais dúvida sobre quem seriam as reais participantes: Megue, Joaninha, Daniella, Naty e

Luisa.

Todas as cinco alunas estavam presentes nesse quarto encontro. Inicialmente, conduzi

uma atividade que tinha como objetivo revisar o que havia sido apresentado até então no

decorrer do curso.

Feito isso, passamos ao questionário. As questões sobre idade, pseudônimo e tempo de

estudo da língua inglesa foram respondidas com agilidade. No entanto, as perguntas abertas,

que exigiam das participantes respostas mais subjetivas, demoraram a ser discorridas. As

perguntas oito e nove exigiram um período mais extenso de reflexão, especialmente por parte

das alunas Daniella, Megue e Naty. Daniella inclusive questionou se realmente era necessário

preencher o campo com sua justificativa pois, em sua opinião, as perguntas estavam muito

difíceis. O período de análise da questão cinco, acerca de quais sentimentos elas tinham com

relação à língua inglesa, foi igualmente prolongado.

Após vários minutos de reflexão, foram obtidas as seguintes respostas para a questão

oito: qual a sua opinião sobre a discussão de aspectos culturais de povos falantes da língua

inglesa ao longo das aulas de inglês?

Recorte 3

Daniella: Acho interessante, porque saberemos melhor sobre as culturas de outros países, e porque

também pretendo um dia viajar em outros países.

Recorte 4

Luisa: É interessante a culture deles.

Recorte 5

Megue: Sim, porque algum dia eu posso ir a lugares e será necessário eu saber sobre o inglês e ter o

conhecimento para me comunicar.

Recorte 6

Naty: Eu acho legal porque é sempre bom aprender coisas novas ou outras línguas como o inglês.

Recorte 7

Joaninha: Ótima, é incrível saber que inglês é uma língua muito usada.

(Questionário, data de aplicação: 17 de outubro de 2014).

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É possível depreender dessas respostas que três alunas mostraram-se favoráveis à

discussão de aspectos culturais na aula de inglês por acharem interessante a língua inglesa em

si, como é o caso de Joaninha e Naty, ou por terem o desejo de conhecer outra cultura, como é

o caso de Luisa. Daniella e Megue também corroboraram o interesse, mas por motivos

diferentes: viam nisso a oportunidade de poderem se comunicar com mais facilidade na

língua-alvo em uma possível viagem para o exterior no futuro. As respostas fornecidas por

essas últimas participantes têm um caráter mais pragmático, e vão ao encontro das palavras de

Wierzbicka (2006). Segundo essa autora, a comunicação interpessoal e a interação social

bem-sucedida pressupõem tanto a competência linguística quando o conhecimento dos

valores de base anglo-saxônica reverberados em práticas discursivas específicas da

comunidade anglófona em que o imigrante se encontra. Em outras palavras, o conhecimento

das expressões culturais, veiculadas inclusive na língua inglesa, facilita as relações

comunicativas e a inserção social do indivíduo que se encontra em um país falante de inglês.

Entende-se que Megue e Daniella reconhecem a importância de se conhecer a cultura do outro

quando em contato dialógico com ele.

A análise desses excertos revela também a utilização de termos bastante evasivos.

Lembremos que as culturas estão associadas a grupos sociais (SPENCER-OATEY;

FRANKLIN, 2006), e que, assim como há inúmeras variedades da língua inglesa, também

existe uma pluralidade de culturas anglófonas (KACHRU; SMITH, 2008; RAJAGOPALAN,

2004). Apesar de todas as alunas apoiarem a discussão de aspectos culturais de povos falantes

de inglês, nenhuma delas deixa claro à qual povo ou país se refere. Na tabela a seguir, entre

parênteses, encontram-se as indagações reverberadas na mente desta pesquisadora a partir do

léxico impreciso utilizado pelas participantes. Como não foi solicitado que elas esclarecessem

suas respostas posteriormente em uma entrevista, essas indagações não foram compartilhadas

com o grupo:

Quadro 6 Termos vagos utilizados pelas estudantes e as indagações reverberadas na mente

da pesquisadora

Participante Termo vago utilizado pela

participante

Indagação reverberada na mente da

pesquisadora

Daniella outros países quais países?

Luisa Culture deles deles quem? Apenas uma cultura?

Megue Lugares quais lugares?

Naty Coisas novas sobre quem?

Joaninha Inglês é uma língua muito usada onde? por quem? Fonte: Diário de campo da pesquisadora.

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A demora na escrita das respostas somada à falta de clareza nos termos empregados na

questão oito revelam um aspecto particular da microcultura de aprender das participantes.

Infere-se que, embora estivessem estudando inglês há algum tempo no ensino regular, opinar

sobre a discussão de aspectos culturais dos países falantes de língua inglesa nas aulas era algo

inédito para elas. Essa ausência de momentos prévios de reflexão sobre o ensino-

aprendizagem de aspectos linguístico-culturais pode ter sido o motivo de as participantes

terem encontrado dificuldade para colocar no papel suas opiniões, bem como por não serem

específicas ao discorrerem sobre língua e cultura na sala de aula. Com base em um dos eixos

centrais do pensamemento bakhtiniano e de seus pares a relação eu/outro é possível dizer

que, em seus contatos dialógicos anteriores, as alunas podem não ter tido acesso a um outro

que as apresentasse às múltiplas realidades culturais relacionadas à língua inglesa e de forma

que elas se familizarizassem com maneiras de descobrir e analisar os usos socioculturais da

língua-alvo.

É importante mencionar que as estudantes nunca haviam feito parte de uma pesquisa

antes, portanto, essa foi a primeira vez que foi requerido a elas que discorressem sobre os

tópicos supracitados. Diante disso, é possível afirmar que a falta de familiaridade com o

gênero discursivo questionário de pesquisa também pode ter influenciado na execução da

tarefa.

As seguintes respostas foram fornecidas para a nona questão: em sua opinião, a leitura

de textos ou histórias em quadrinhos em inglês pode proporcionar um contato maior com a

língua e as culturas dos povos falantes de inglês?

Recorte 8

Daniella: Sim, porque eu acho que com os quadrinhos podemos entender melhor o que a história quer

falar e aprendemos melhor.

Recorte 9

Luisa: Sim, com as histórias em quadrinhos é mais fácil de aprender, e se praticando diariamente é

simples de entender e pronunciar.

Recorte 10

Megue: Sim, porque os personagens são de várias culturas.

Recorte 9

Naty: Sim. Porque assim a gente aprende mais sobre a língua inglesa e a sua cultura.

Recorte 11

Joaninha: Sim, tendo a percepção das onomatopeias, nomes e apelidos.

(Questionário, data de aplicação: 17 de outubro de 2014).

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Luisa e Daniella demonstram corroborar o ponto de vista de Vergueiro (2006) de que a

interação entre as linguagens verbal e icônica característica das HQs facilita a interpretação do

texto, e Luisa acrescenta que a repetição diária da história tem o potencial de aperfeiçoar a

pronúncia na língua-alvo. Contudo, as respostas delas se limitam ao aspecto linguístico, já que

o contato com culturas por meio das HQs não é mencionado.

Das cinco alunas, acreditamos que somente Joaninha foi capaz de efetivamente

expressar de que forma as histórias poderiam ser úteis na discussão de aspectos culturais.

Embora não tenha nos confirmado na entrevista, deduzimos que o segundo encontro já foi

suficiente para Joaninha detectar a adaptação dos nomes dos personagens da versão em

português para o inglês e também das onomatopeias. Nesse encontro, foram apresentados os

personagens em inglês e as participantes foram estimuladas a refletir sobre o porquê da

diferença nos nomes do português para o inglês. Depois disso, durante a leitura da história “It

wasn’t you Ditto, was it?”, chamei rapidamente a atenção da turma para algumas

onomatopeias presentes ali. Joaninha nada mais fez do que retomar as palavras do outro, no

caso, da pesquisadora, transformando-as em “minhas palavras alheias” (BAKTHIN, 1997;

FREITAS, 2013).

A princípio, Naty e Megue também parecem ter sido capazes de exibir em suas

respostas como seria possível discutir cultura por meio das HQs. No entanto, após responder

os questionários, pedimos que essas duas participantes explicassem melhor suas respostas.

Naty não soube articular uma justificativa e Megue, após certa hesitação, esclareceu que cada

personagem tinha uma cultura diferente, cada um tinha um jeito de ser, de falar, embora a

língua fosse a mesma. Considerando a dificuldade com que Megue e Naty responderam as

questões discursivas e, da mesma forma, justificaram suas opiniões, é possível deduzir que as

respostas para a nona pergunta foram fornecidas apenas para não deixar o espaço em branco.

Essa constatação corrobora o que foi apontado anteriormente sobre a microcultura de

aprender das alunas: o escasso conhecimento acerca do assunto “língua-cultura nas aulas de

inglês”.

Os entraves ocorridos durante o preenchimento do questionário chamaram a minha

atenção, conforme registrado no diário de campo:

Recorte 12

Eu elaborei as questões da forma mais simples possível, de forma que as participantes respondessem

com facilidade às perguntas. No entanto, três participantes demonstraram dificuldade para responder as

perguntas discursivas. Megue e Daniela não sabiam como descrever os sentimentos delas com relação à

língua inglesa, pois, pelo que percebi, nunca tinham pensado ou emitido opinião sobre isso. [...] Por fim,

elas preencheram todo o questionário, mas algumas não foram claras em suas respostas. Essa

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dificuldade em emitir opinião chamou a minha atenção. Não pensei que haveria tanta dificuldade assim.

(Diário de campo da pesquisadora, 17 de outubro de 2014).

Percebe-se, nesse trecho, que houve uma desconexão entre o meu anseio de ver os

questionários serem preenchidos com presteza e o que se desvelou na realidade. Considerando

o processo dialógico descrito por Bakthin, foi constatado que as participantes não estavam

acostumadas a ter uma postura responsiva ativa acerca do ensino-aprendizagem de uma

L2/C2, isto é, faltaram ocasiões prévias de reflexão sobre o que constitui ensinar/aprender

uma língua estrangeira, haja vista a dificuldade que algumas tiveram para emitir opiniões

sobre o assunto.

Talvez uma sugestão para uma próxima pesquisa seria entrevistar os participantes ao

invés de exigir a escrita das respostas, ou conduzir uma entrevista após aplicar o questionário,

já que uma das vantangens daquele instrumento é permitir que pontos levantados por outras

técnicas sejam aprofundados (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Dessa forma, a dificuldade

apresentada pela turma para registrar suas opiniões na folha poderia ser minimizada e seria

possível pedir esclarecimentos quando fornecidas respostas ambíguas.

Faz-se necessário destacar que, mesmo emitindo opiniões um tanto vagas, as

enunciações das participantes não podem ser consideradas de forma alguma nulas. Para

Bakhtin (1997, p. 308), “um enunciado absolutamente neutro é impossível”, ou seja, todo

enunciado emerge de um contexto específico e revela o posicionamento do falante dentro

dessse contexto. As respostas das participantes, suas incertezas e dificuldades revelaram

muito sobre o contato prévio delas com a língua/cultura inglesa. Pautados em Pennycook

(2001), acreditamos que os acontecimentos do curso refletem as relações discursivas

estabelecidas além das quatro paredes da sala de aula. Infere-se que, da mesma forma que as

aulas de inglês ministradas no colégio não estimulavam a comunicação na língua-alvo, pouca

ou nenhuma ênfase era dada ao ensino de cultura, fatos que influenciaram nas respostas das

participantes.

Até aquele momento, os encontros haviam sido planejados de forma a conhecer o

perfil do grupo e aproximar as alunas do universo da Turma da Mônica por meio da leitura

estratégica de algumas histórias, portanto, o ensino de cultura permaneceu em segundo plano

nesses primeiros encontros. Após a aplicação do questionário, já era possível colocar em

prática, além da leitura das HQs, momentos de discussão pautados na abordagem intercultural

foco deste trabalho. Dessa forma, nas próximas seções, descrevemos as práticas discursivas

advindas dos encontros subsequentes, cujos principais própositos eram identificar e ampliar

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os horizontes culturais das participantes. A partir daqui, antes da análise de cada encontro,

será apresentado inicialmente um breve resumo da HQ e o motivo pelo qual ela foi escolhida

para integrar o currículo do curso.

3.1.5 A HQ “A little pig to the rescue”

Smudge (Cascão) é um dos personagens centrais da Turma da Mônica, e sua marca

principal é o fato de nunca ter tomado banho devido ao seu medo de água. Não por acaso, seu

animal de estimação é um porco, cujo nome é Chauvy (Chovinista). Na história“A little pig to

the rescue”, Chauvy é acordado durante a noite pelo barulho de seu dono andando pelo

quintal da casa. O animal logo percebe que se trata de um caso de sonambulismo e constata

que Smudge está caminhando em direção à água. Ele então faz de tudo para impedir que seu

dono se molhe enquanto dorme, e a comicidade da história reside justamente nos apuros que o

porco passa para “salvar” o seu dono da água. Por fim, Smudge consegue escapar de tomar

um banho no chafariz, pegar chuva, pisar em uma poça d’água, entre outras situações, graças

a seu animal de estimação. Ao acordar pela manhã cheio de energia, Smudge nota que

Chauvy está limpo e que, por isso, não é digno de brincar com ele. Revoltado com a falta de

gratidão do menino, Chauvy joga seu dono na lama, deixando Smudge sem entender o motivo

do seu mau-humor matinal.

A historinha de Chauvy e Smudge foi escolhida por conter exemplos de onomatopeias

na língua inglesa para diversos sons: água, trovão, queda, ronco, etc. As onomatopeias são

figuras de linguagem muito utilizadas nas HQs para reproduzir os sons das ações presentes

nas histórias. Sarmiento (2013) nota que, por conta da grande circulação das histórias em

quadrinhos em língua inglesa no mundo todo, é cada vez mais comum que certas

onomatopeias sejam usadas em outros idiomas sem tradução. Esse é o caso, por exemplo, da

representação gráfica “splash”, que teve sua origem na língua inglesa e atualmente é

empregada com frequência nas HQs em língua portuguesa para expressar o barulho de algo

caindo na água. Nas HQs da Monica’s Gang, é possível encontrar várias onomatopeias já

reconhecidas pelo público brasileiro leitor de quadrinhos, tais como “splash”, e outras tantas

que não foram emprestadas para o português e que, por isso, são familiares apenas aos

usuários da língua inglesa. Concentramo-nos nesse último caso no encontro descrito a seguir.

Kramsch (2001) esclarece que as onomatopeias são, acima de tudo, signos culturais.

Isso quer dizer que, em geral, cada língua/cultura as expressa de uma forma diferente. Ela

exemplifica seu ponto de vista mencionando os sons finalizados em “sh”, tais como “bash” e

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“crash”. Os falantes de língua inglesa vêem nesses sons ícones para ações violentas, ao passo

que, para um falante de frânces, não há nenhuma relação semântica entre essa representação

gráfica e um movimento violento.

Em resumo, o objetivo desse encontro era levar os alunos a perceber que, em geral, as

onomatopeias variam em diferentes partes do globo e que essas distinções não são apenas no

código linguístico, mas também nos significados semânticos atribuídos a elas (KRAMSCH,

1998).

Figura 5 Ilustração da HQ “A little pig to the rescue”

Fonte: SOUSA, M. de. A little pig to the rescue. In: Monica’s Gang, n. 38. São Paulo: Panini Comics, 2013.

3.1.5.1 Análise do quinto encontro: explorando as onomatopeias

Naty, Joaninha e Luisa foram as primeiras a chegarem à escola, seguidas de Megue. O

encontro se inicia alguns minutos depois do horário combinado com uma revisão dos

imperativos apresentados na semana anterior. Passo então ao tema daquele dia questionando

em português o conceito de onomatopeia. A única resposta veio de Joaninha, que definiu o

termo como “um barulho pra representar o som de algo”. Complementei as palavras dela com

a definição fornecida por Kramsch (2001) de onomatopeias como representações gráficas que

ligam emoções, ações ou objetos à sons e, em seguida, solicitei ao grupo exemplos de

onomatopeias. Foram mencionados “toc-toc” e “muá”, termos utilizados para se referir ao

som de alguém batendo à porta e a sonoridade de um beijo, respectivamente. Perguntei, então,

qual seriam as onomatopeias para os sons do ronco, do grunhido de um porco, da queda de

um objeto ou pessoa na água e de um trovão. As seguintes proposições foram elencadas pelo

grupo e escritas no quadro:

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Quadro 7 Onomatopeias sugeridas pelas participantes

Ruídos Onomatopeias de acordo com as participantes

Grunhido de porco Ronc

Ronco Rooooonc

Queda na água Splash

Trovão Cabum Fonte: Gravação em áudio do encontro.

Como já era previsto, as participantes fizeram uso do seu conhecimentos prévio sobre

onomatopeias, adquirido por meio do contato com histórias em quadrinhos em língua

portuguesa. Essa referência ao que era comum ao universo linguístico-cultural das

participantes serviu de ponto de partida para que elas estabelecessem um paralelo com as

onomatopeias em língua inglesa, ou seja, buscou-se nesse dia, assim como sugerido por

Kramsch (1993), partir do familiar para o desconhecido na tentativa de criar uma esfera

intercultural que abarcasse tanto a LI/C1 quanto a L2/C2. Esse paralelo foi estabelecido na

segunda etapa do encontro, quando as cópias da HQ “A little pig to the rescue” foram

entregues, e as alunas foram incentivadas a conferir as onomatopeias presentes na história

enquanto a liam.

Por se tratar de uma história adaptada para a língua/cultura inglesa, as onomatopeias

contidas ali se diferem daquelas comumente presentes nas histórias da turma da Mônica em

português. As estudantes logo perceberam que, ao invés de “ronc”, o barulho do ronco foi

expresso na HQ pela palavra “snore”, da mesma forma que “roooonc” e “cabum” não foram

as onomatopeias empregadas para expressar o barulho do grunhido de um porco e do trovão,

mas, sim, “oinc” e “kaboom”, respectivamente.

Figura 6 Trecho do handout entregue às participantes

Fonte: Adaptado de: http://www.sunnyskyz.com/blog/503/How-Kissing-Snoring-And-Other-Common-Things-

Sound-In-Different-Languages. Acesso em: 05 jul. 2014.

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Aproveitando aquele momento, questionei o grupo se havia variações nas

onomatopeias de língua para língua, e, em seguida, entreguei um handout contendo diversas

ilustrações com as representações de algumas onomatopeias em mais de quatro idiomas.

O diário de campo descreve como se deram esssas etapas do encontro:

Recorte 13

Quando perguntei se eles achavam que a representação gráfica de um som era a mesma nas diversas

línguas, as participantes ficaram divididas: Joaninha e Naty disseram que sim, Naty votou pelo não e

Luisa não soube opinar. No entanto, todas se surpreenderam muito ao ver o quão diferente eram essas

representações de língua para língua no momento em que entreguei o handout “How do kissing,

barking and other things sound in different languages?”. A impressão que tive é que elas nunca haviam

pensado nisso, e que acreditavam não haver tanta diferença assim de um lugar para outro (talvez pela

falta de contato com outras línguas). O que mais as surpreendeu, e foi considerado mais engraçado

também, foram as onomatopeias no Oriente, justamente pela grande diferença. (Diário de campo da

pesquisadora, 22 de outubro de 2014).

A reação de surpresa das alunas perante o handout, identificada no diário de campo,

revela que as participantes julgavam haver pouca ou nenhuma variação nas onomatopeias ao

redor do mundo. Após conferirem o handout, elas foram capazes de reconhecer que, embora

os ruídos sejam universais, a forma com que eles são interpretados e reproduzidos altera de

idioma para idioma:

Recorte 14

1. Fernanda: e agora, o que vocês me dizem sobre as onomatopeias em diferentes línguas (+) são

iguais, diferentes...

2. Luisa: bem diferentes.

3. Joaninha: totalmente diferentes.

4. Naty: nossa, muito.

5. Fernanda: e por que é diferente?

6. Luisa: por que a pronúncia deles é diferente.

7. Joaninha: têm países que um som de “A” pode ser um som de “H”, “C” pode ser um som a mais, é

totalmente diferente. (Gravação em áudio do encontro, 22 de outubro de 2014).

Percebe-se nesse trecho que Luisa e Joaninha colocam a língua como o elemento

motivador das diferenças nas onomatopeias. A linha de raciocício dessas alunas não deixa de

estar correta. Dada a influência dos quadrinhos americanos no mundo inteiro (SARMIENTO,

2013), é possível encontrar onomatopeias proveninentes da língua inglesa, as quais são por

vezes adaptadas à grafia e pronúncia da língua portuguesa. “Kaboom”, torna-se “cabum” em

português, por exemplo.

No entanto, há também outra explicação. As onomatopeias, signos icônicos típicos do

gênero discursivo “quadrinhos”, são um exemplo claro da forma singular com que cada língua

reflete as experiências de seus usuários. Os falantes de inglês, por exemplo, identificam o

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latido do cachorro como “arf”, ao passo que os falantes de língua portuguesa decodificam esse

mesmo som como “au”. Essa diferença não se deve somente por questões linguísticas, mas,

conforme defendido por Kramsch (1998), por fatores culturais também. Em um determinado

momento, Joaninha visualizou a onomatopeia “splash” na HQ e tentou lhe dar um sentido

discursivo ao retomar esse termo em outro contexto: segundo ela, havia uma loção corporal

denominada “Body Splash”. Aproveitei essa ação dialógica empreendida por Joaninha para

mostrar às alunas a influência cultural das onomatopeias ao dizer que “splash” era um

substantivo e verbo da língua inglesa, da mesma forma que “snore”. Luisa se surpreendeu ao

descobrir que “snore” era uma palavra, e mencionou que, até aquele momento, o ronco

associado a essa palavra não fazia nenhum sentido para ela. Logo após a resposta de Luisa,

tomei o turno e disse que para nós brasileiros não fazia sentido, mas, para o público leitor

falante de inglês, a associação entre o som do ronco e a palavra “snore” era instantânea. Dessa

forma, acredito ter auxiliado as alunas a constatar a observação de Kramsch (1998) de que

cada língua compartilha um modo de ver e interpretar os eventos e que, por isso, os

significados subjacentes às palavras diferem de idioma para idioma.

Em síntese, os acontecimentos desse encontro confirmam que aquilo que percebemos

acerca da cultura e língua do outro é fruto do que fomos condicionados pela nossa própria

cultura a enxergar (KRAMSCH, 1993). Na primeira atividade, as participantes acreditavam

haver uma representação gráfica universal para cada som – aquela comumente expressa em

sua primeira língua e a única que conheciam – conforme exposto na tabela anterior. A leitura

da história permitiu que duas participantes questionassem essa asserção. Em seguida, em um

processo de construção sobre a linguaculture da sua primeira língua (RISAGER, 2010), a

leitura e discussão do handout abriu os horizontes culturais das alunas e permitiu que elas

constatassem a existência de diversas codificações para um mesmo som em diferentes

idiomas.

É importante destacar que, como nenhuma das participantes mencionou o termo

“cultura” durante o encontro, não se sabe até que ponto elas deixaram a escola naquele dia

cientes de que as onomatopeias são tanto linguisticamente quanto culturalmente

condicionadas. Contudo, foi possível atestar que as atividades desse encontro cumpriram o

seu dever intercultural, visto que as alunas foram incentivadas a notar a relação das palavras

com a realidade linguístico-cultural de seus falantes (KRAMSCH, 1998) em um processo de

reflexão sobre a L1/C1 em face à L2/C2, o qual culminou no desenvolvimento de uma nova

perspectiva acerca das onomatopeias.

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3.1.6 A HQ “The shadows of life”

Pithecanthropus Erectus da Silva, mais conhecido como Piteco, é um homem-de-

neandertal que precisa caçar, pescar e fugir de predadores para sobreviver na aldeia de Lem.

Embora não seja parte do núcleo principal da turma da Mônica, as histórias desse personagem

fazem sucesso por possuírem enredos com teor mais crítico, cujas temáticas giram em torno

das mazelas decorrentes do progresso.

Figura 7 Ilustração da HQ “The Shadows of Life”

Fonte: SOUSA, M. de.The shadows of life. In: Monica’s Gang, n. 1. São Paulo: Panini Comics, 2012.

A historinha de Piteco escolhida para fazer parte do curso consiste em uma adaptação

da Alegoria da Caverna, apresentado no livro “A República” pelo filósofo grego Platão (428-

348 a.C.). Em linhas gerais, Platão apresenta nesse livro uma alegoria à vida humana ao narrar

uma história fictícia sobre a situação de alguns homens que nasceram e cresceram

aprisionados dentro de uma caverna. Sem nunca terem saído dali, o único contato deles com o

mundo exterior se daria por meio da visualização de sombras projetadas na parede,

pertencentes às pessoas e animais que passariam do lado de fora da caverna. Assim, eles

teriam uma visão distorcida da realidade ao reconhecerem as sombras como sendo o objeto

real. Certo dia, um dos prisioneiros deixaria a caverna. A princípio, esse homem, agora

liberto, sentiria-se incomodado com a luz do sol e pensaria em regressar ao lugar sombrio a

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que estava habituado. Mais adiante, ao conseguir ver o mundo real com nitidez, perceberia

que aquilo que enxergava em seu confinamento não passava de imagens projetadas. Decidido

a mostrar a verdadeira realidade aos outros, ele voltaria à caverna para convencê-los a

libertarem-se também. No entanto, seu relato não seria recebido com agrado pelos demais,

que o tomariam como mentiroso. Insistindo em desobscurecer a visão dos prisioneiros, o ex-

cativo seria morto por eles.

Vários sentidos podem ser depreendidos da alegoria de Platão. Na análise da filósofa

Marilena Chauí (1999), a caverna representa o mundo de aparência em que vivemos, as

sombras simbolizam as coisas que percebemos e o encarceramento corresponde aos nossos

preconceitos e opiniões que julgamos ser a verdade.

Maurício de Sousa consegue traduzir muito bem o cerne da alegoria da caverna para a

linguagem dos quadrinhos. Na história The shadows of life, Piteco é o “iluminado” que

apresenta a verdadeira realidade aos prisioneiros da caverna. No entanto, essa adaptação tem

um final diferente do texto de Platão: o mesmo Piteco que libertou os presos do

encarceramento é, milênios mais tarde, um sujeito pós-moderno que se depara com três

homens “presos” às imagens da televisão. Assim, Maurício de Sousa adiciona em sua

adaptação uma crítica à forma como abordamos a realidade nos dias atuais: a parede da

caverna é a televisão da sociedade contemporânea, que deixa de contemplar o verdadeiro

“show da vida” para receber passivamente imagens de uma realidade distorcida pelos meios

de comunicação.

Figura 8 Cena final da HQ “The shadows of life”

Fonte: SOUSA, M. de. The shadows of life. In: Monica’s Gang, n. 1. São Paulo: Panini Comics, 2012.

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Seguindo a discussão sobre intertextualidade e interdiscursividade apresentada na

parte teórica deste trabalho, pode-se afirmar que a história “The shadows of life” é tanto

interdiscursiva quanto intertextual. Interdiscursiva porque toda palavra é cercada de outras

palavras (BAKHTIN, 1992, p. 319), e com essa HQ não é diferente; intertextual devido ao

fato de podermos perceber claramente dois textos distintos nela o do próprio Maurício de

Sousa e o de Platão. Antes do encontro em que essa história foi lida, pedimos, inclusive, que

as participantes pesquisassem sobre a alegoria da caverna. A nosso ver, esse conhecimento

prévio do texto de Platão era essencial para o total entendimento da adaptação de Maurício de

Sousa.

Além de fazer remissão à estimada obra de Platão, essa HQ foi escolhida para integrar

o curso por tratar da dicotomia percepção x realidade. Foi vista nessa temática a possibilidade

de estimular as participantes a refletir sobre o juízo que fazem do outro e de si mesmas, e até

que ponto esse juízo corresponde à realidade.

3.1.6.1 Análise do sexto e sétimo encontros: percepção x realidade

Pretendia-se trabalhar a história The shadows of life em apenas um encontro. Contudo,

devido a um imprevisto, as atividades em torno dessa HQ tiveram de ser desenvolvidas em

dois dias. Daniella esteve presente apenas no primeiro dia, ao passo que Megue compareceu

apenas ao segundo. As demais alunas participaram nas duas datas em que essa história foi

trabalhada. Sendo assim, ambos os encontros contaram com a participação de quatro

participantes.

No primeiro dia, cheguei à escola às 15h50, e Naty já me esperava em frente ao portão

que dá acesso às salas de aula. Daniella chegou alguns minutos mais tarde. Ao abrir a porta da

sala, Joaninha e Luisa me abordaram informando que ambas estavam participando naquele

horário de uma aula de teatro nas dependências da escola, mas que se juntariam ao nosso

grupo assim que o professor de teatro as liberasse.

Aquela notícia me surpreendeu, e minha reação inicial foi esperá-las por dez minutos.

Ao perceber que a aula de teatro não havia terminado nesse ínterim, improvisei uma

atividade: procurei ocupar Daniella e Naty com exercícios de revisão e prática oral dos itens

linguísticos apresentados nos encontros anteriores até o retorno das outras duas alunas. Esse

imprevisto me alertou para a necessidade de rever o plano de aula, já que o atraso de Joaninha

e Luisa me impossibilitaria de colocá-lo inteiramente em prática naquele dia.

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Trinta e cinco minutos após o horário que eu pretendia dar início ao encontro, as

participantes supracitadas se encaminharam para a sala de aula em que eu, Daniella e Naty

estávamos. A partir desse momento, passei a conduzir o meu plano de aula conforme havia

idealizado.

Como atividade de pré-leitura, foram colocadas duas figuras de duplo sentido no

quadro e, em seguida, as participantes descreveram oralmente o que viam em cada uma delas.

Figuras 9 e 10 Dependendo do ponto de atenção, o leitor verá, respectivamente: um sapo ou

um cavalo; uma mulher jovem ou idosa

Fonte: Disponível em: http://www.oqueeoquee.com/imagens-ambiguas/. Acesso em: 17 jan. 2015.

Conforme já era previsto, as descrições foram díspares. Algumas participantes foram

capazes de perceber a dualidade das imagens; outras somente conseguiram enxergar uma

possibilidade de sentido. Perguntei em inglês qual das descrições era verdadeira, isto é, se a

Figura 9 mostrava um sapo ou cavalo, e se a Figura 10 continha uma moça ou uma anciã.

Luisa respondeu que as figuras tinham duplo sentido, e Joaninha endossou a opinião da

colega dizendo que ambas as descrições eram verdadeiras. Daniella considerou como

respostas corretas apenas o que ela havia identificado a mulher jovem e o sapo. Naty

preferiu não opinar:

Recorte 15:

1. Fernanda: Tá, e qual que é a resposta certa?

2. Luisa: ah, tem duplo sentido isso aí

3. Joaninha: as duas

4. Fernanda: as duas?

5. Joaninha: é

6. Natty: eu não sei não, esse trem tá confundindo minha cabeça

7. Daniella: ah que eu vi melhor é a que eu acho que tá certa. A da mulher jovem e do sapo

(Gravação em áudio do encontro, 29 de outubro de 2014).

Essa atividade tinha em vista despertar a consciência de que o “real nunca nos é dado

de forma direta, crua, em si” (FARACO, 2009, p. 49). Ao contrário, conforme defendido por

Bakhtin (1997), cada sujeito significa de forma diferente as imagens, ações e eventos que o

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cercam, de forma que não existe uma verdade, mas várias verdades. As figuras serviram para

impulsionar uma discussão sobre as diferentes possibilidades de leitura a partir de um único

material, ou, usando o termo genuinamente bakhtiniano, os múltiplos juízos de valor, por

vezes contrários, atribuídos a um mesmo objeto. Para que essa discussão pudesse vir à tona,

questionei o motivo de haver mais de duas interpretações sendo que havia apenas um par de

figuras ali. Levando em consideração o silenciamento das participantes, preferi prosseguir

com as outras etapas da aula para depois retomar essa discussão.

Tendo em vista que a promoção de diálogos interculturais era um elemento-chave do

curso, primeiro, achou-se relevante saber como as participantes definiam o termo “cultura”,

até mesmo para saber se essas definições corresponderiam às da pesquisadora. Além disso, as

respostas evasivas fornecidas no questionário para as questões 8 e 9 nos mostraram que era

necessário trazer à tona a conceitualização desse termo. Foi solicitado, então, que elas

escrevessem em um papel o que entendiam por cultura. As seguintes respostas foram escritas:

Quadro 8 Definições apresentadas para o termo “cultura”

Participante Definição de cultura

Luisa Conhecimento

Daniella Uma ação que vem de geração. É a ação dos costumes, por exemplo: comemorar

aniversários e a origem de onde você vem.

Naty Música, arte, essas coisas...

Joaninha É o que crescemos aprendendo em nossos institutos sociais. What we grow learning

in our social institutes. Fonte: Registros por escrito da definição de cultura apresentados pelo grupo

Retomando os três principais conceitos históricos de cultura descritos por Risager

(2006), nota-se que as definições de Luisa e Naty se inserem nos conceitos individual e

estético de cultura, respectivamente. Conforme descrito na parte teórica deste trabalho, o

conceito individual se refere a um processo de aperfeiçoamento mental e aquisição de novos

conhecimentos vivenciado pelo homem até se tornar um ser culto, ao passo que o conceito

estético diz respeito às produções artísticas, tais como literatura, arte, música, dança, etc., de

forma que é considerado culto aquele que aprecia tais produções. Provavelmente, essas alunas

já foram expostas ao discurso antigo, mas ainda muito recorrente na atualidade, de cultura

como sinônimo de erudição.

As descrições de Daniella e Joaninha, ao contrário, seguem uma direção mais

antropológica. Ao conceberem cultura como “costumes que vem de geração” e são

“aprendidos” por meio das “instituições sociais”, elas apontam para duas facetas desse termo

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elencadas por Spencer-Oatey e Franklin (2009) como bastante frequentes em algumas das

perspectivas propostas por antropólogos: o fato de estar associada a grupos sociais e de ser

adquirida e/ou construída por meio da interação.

Depois de já terem escrito suas respostas, as alunas conferiram as definições umas das

outras e perceberam o quão diferente elas eram. Aproveitei esse momento para retomar as

figuras com duplo sentido ao dizer que, da mesma forma que as figuras permitiam mais de

uma interpretação, também era possível encontrar diversas definições para o termo cultura.

Portanto, não havia resposta certa ou errada, apenas percepções distintas acerca de um mesmo

objeto (FARACO, 2009). Também chamei a atenção do grupo para o sentido antropológico

não hierárquico do termo, isto é, cultura como regularidades características de um grupo

específico (crenças, hábitos, manifestações artísticas etc.), as quais são criadas e recriadas por

meio da interação (RISAGER, 2006).

Sendo que um dos objetivos da pesquisa era verificar como as participantes

interpretavam os seus significados culturais, bem como os significados culturais distintos dos

seus – mais especificamente aqueles de base anglo-saxônica – achamos apropriado identificar

o que as participantes entendiam por “cultura brasileira” e “cultura em língua inglesa”. Tendo

isso em vista, inicialmente as estimulei a listar em um papel elementos que elas acreditavam

ser próprios da cultura brasileira. Não foram concedidas exemplificações, por receio de elas

influenciarem na produção das estudantes. No entanto, ao perceber a dificuldade do grupo em

desenvolver a lista, chamei a atenção delas para a diversidade de culturas presentes no Brasil

e o fato de diferentes grupos sociais poderem coexistir dentro de um mesmo território

nacional (CORBETT, 2003; SPENCER-OATEY, FRANKLIN, 2009). Solicitei, então,

exemplos de características culturais próprias do estado onde as participantes nasceram. Luisa

mencionou o pão de queijo e o doce de leite mineiro, Daniella se lembrou do açaí do

Maranhão e as alunas Joaninha e Naty citaram o empadão goiano. Dessa forma, as alunas

listaram primeiro elementos da microcultura regional delas para, em seguida, refletirem sobre

características mais abrangentes, próprias da macrocultura brasileira.

Assim como sugerido por Kramsch (1993), parti do familiar para depois adentrar o

desconhecido, ou seja, pedi primeiro que as alunas pensassem na C1, tanto em um nível

regional quanto nacional, e, em um segundo momento, solicitei que elas elencassem

elementos próprios das culturas de língua inglesa. Nessa etapa, enfatizei o fato de uma mesma

língua identificar culturas distintas:

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Recorte 16:

1. Fernanda: Então, primeiro, quais países são falantes de inglês?

2. Joaninha: Inglaterra

3. Luisa: Estados Unidos

4. Fernanda: quais são os outros?

5. Joaninha: Espanha

6. Fernanda: Não como primeira língua. A língua mais utilizada entre os espanhóis é o espanhol.

((silêncio))

7. Fernanda: O que vem à mente de vocês quando eu falo “cultura de língua inglesa”?

8. Joaninha: Halloween

9. Luisa: Festa de Ação de Graças

10. Daniella: As línguas diferenciadas é (+) aqui em Goiânia a gente fala de um jeito, no Maranhão

fala de outro. Tem isso lá fora?

11. Joaninha: Sim, a linguagem do Tennessee é totalmente diferente da linguagem de Nova York.

12. Fernanda: Yes, dentro de um mesmo país como os Estados Unidos, por exemplo, é possível

encontrar variedades linguísticas diferentes, assim como no Brasil. Não somente a variedade

linguística é diferente, existem outras características culturais que são próprias de uma única

região do país. A cultura goiana não é diferente da cultura maranhense? Então, não existe apenas

uma cultura brasileira, mas várias, assim como podem existir várias culturas de língua inglesa,

inclusive dentro de um mesmo país. (Gravação em áudio do encontro, 29 de outubro de 2014).

A pergunta de Daniella acerca da existência de distintas variedades do inglês na linha

10 foi relevante, pois deu ensejo para que eu explanasse acerca da heterogeneidade da L2/C2.

Os enunciados de Joaninha e Luisa, nas linhas 2 e 3, mostram que elas relacionam a língua

inglesa apenas aos dois países centrais: Estados Unidos e Inglaterra, e que pouco sabiam sobre

a cultura desses países. Mesmo após conceber um tempo extra para que as alunas

desenvolvessem suas listas, compartilhassem suas ideias entre si e, se julgassem pertinente,

que incluíssem novos itens em suas anotações, poucas características foram acrescentadas ao

Halloween e ao dia de Ação de Graças, conforme podemos ver a seguir:

Quadro 9 Lista de características das culturas brasileiras e de língua inglesa elencadas pelas

participantes

Participante Elementos da(s) cultura(s) brasileira(s) Elementos da(s) cultura(s) de língua

inglesa

Naty música sertaneja, funk, capoeira, samba,

dança de rua, feijoada e empada.

Dia de Ação de Graças

Luisa Forró, samba, funk, feijoada, pão de queijo,

pequi, samba, rock, pagode e MPB.

Dia de Ação de Graças, blues e jazz.

Joaninha capoeira, funk, pagode, samba, português,

feijoada, canjica, empada e “take a shower

every day”.

Halloween day, pop, jazz, blues, street

dance and hip hop.

Daniella Tipos de alimento, jogos, esportes, música. Roupas, os estudos são mais avançados,

a segurança, comemoração do dia das

bruxas e Ação de graças. Fonte: Listas desenvolvidas em folhas de papel pelas participantes.

Bakhtin (1992) afirma que todos os momentos concretos do Ser são distribuídos e

dispostos em dois centros de valores: o eu e o outro. Nessa atividade, o objetivo era que as

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aprendizes se concentrassem nesses dois centros, de forma que refletissem sobre como elas

vêem a si mesmas e como enxergam o outro, da língua-alvo.

Mais uma vez, apenas Joaninha e Luisa conseguiram concluir a atividade com

desenvoltura, embora não tenham conseguido ir além de fatos sobre festividades, culinária e

música em suas descrições. Joaninha mencionou apenas um hábito cultural dos brasileiros:

tomar banho todos os dias. Nota-se também que Daniella utilizou termos bastante vagos em

sua lista. Segundo Lado (1990, p. 52), essa dificuldade para descrever ações que

desempenhamos no nosso cotidiano se deve ao fato de elas terem sido “adquiridas de forma

involuntária por meio de nossos antepassados e do meio cultural no qual crescemos”. Em

outras palavras, é possível cogitar que embora vivenciem essa cultura diariamente, até esse

ponto, as participantes nunca haviam se conscientizado e analisado criticamente os elementos

culturais que as definem como brasileiras e as distinguem de outras nacionalidades, por isso

pouco dissertaram sobre o assunto, especialmente Daniella.

De forma semelhante, mesmo estudando inglês há anos, o conhecimento das

participantes acerca do que é próprio da(s) cultura(s) de língua inglesa parece ser escasso,

tendo em vista o número ainda mais restrito de componentes elencados por elas. Em geral, são

feitas menções a elementos populares da cultura de base anglo-saxônica: duas datas

comemorativas e cinco estilos musicais, os quais foram herdados ou se tornar conhecidos no

Brasil por conta da expansão do inglês no mundo. É notável, mais uma vez, o emprego de

termos vagos por Daniella. Além de fazer uso da palavra “roupas” sem especificar a que

vestimentas se refere, ela lança mão de generalizações quando caracteriza todos os países que

compartilham essa cultura como seguros e avançados.

Se considerarmos os níveis de consciência intercultural descritos por Hanvey (1979), é

possível aferir que as participantes - especialmente Daniella - possuíam um nível incipiente de

consciência intercultural nesse estágio do curso, tendo em vista a aparente falta de percepção

sobre si mesmas e acerca do outro da língua-alvo. Esses dados me apontaram a relevância de

promover nos próximos encontros o avanço da consciência intercultural das alunas, levando-

as a enxergar de forma crítica os padrões culturais do “eu” e do “outro”.

No encontro seguinte, a história “The shadows of life” foi lida. Após relacioná-la à

alegoria de Platão e esclarecer os significados das palavras desconhecidas pelas participantes,

iniciei uma discussão acerca da distinção entre realidade e percepção. O objetivo era voltar

nas listas feitas no encontro anterior e discutir se as percepções contidas ali realmente

correspondiam à realidade, ou se tratavam de concepções erroneamente pré-concebidas.

Assim, pretendia-se trabalhar a intersecção entre a C1 e a C2, de forma a desconstruir

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estereótipos e abrir caminho para a formação de novas perspectivas (KRAMSCH, 1993).

Passemos a um trecho dessa discussão:

Recorte 17

1. Fernanda: qual é a diferença entre as duas? What is reality and what is perception?

2. Joaninha: realidade é o que exatamente é e percepção é o que você pensa que é.

(...)

3. Megue: percepção é o que você acha, realidade é o que é.

4. Fernanda: Ahan, okay.(4.5)

5. Fernanda: e por que esses homens aprisionados tanto na alegoria quanto na história do Mauricio de

Sousa pensavam que a sombra era o objeto real?

6. Joaninha: porque eles nunca tinham visto/ conhecido o mundo

7. Luisa: eles não conheciam o mundo real ((incompreensível))

8. Joaninha: é a percepção de mundo deles era aquilo, era uma só

9. Fernanda: No dia-a-dia de vocês quais critérios vocês utilizam, o que determina que algo é mentira

ou verdade, realidade ou percepção?

10. Luisa: buscar a fundo, a fonte/

11. Joaninha: é

12. Megue: lá::: no fundo

13. Naty: pesquisar

14. Fernanda: Dêem uma olhada nas palavras que vocês selecionaram ((referindo-se às listas feitas

anteriormente)) para a cultura brasileira e para a cultura dos países falantes de língua inglesa. (+)

Agora, eu quero que vocês reflitam sobre até que ponto essas coisas que vocês listaram são

percepções, e até que ponto são realidade. Perception or reality? É só a sua forma de olhar? Será

que é isso mesmo?

15. Joaninha: do Brasil é verdade, agora do inglês eu não sei não

16. Fernanda: Quais elementos você listou

17. Joaninha: é:::, eu coloquei capoeira e samba

18. Fernanda: então, se um estrangeiro te pedisse pra sambar, você sambaria?

19. Joaninha: eu tentaria, mas eu não sei sambar. Eu diria que eu não sei sambar, mas que tem samba no

Brasil. (Gravação em áudio do encontro, 5 de novembro de 2014).

Seguindo o raciocínio de Kramsch (1993), ser um falante interculturalmente

competente implica direcionar um olhar mais sensível sobre o diferente e, da mesma forma,

rever aquelas asserções que julgamos ser incontestáveis acerca de nós mesmos. Na linha 15, é

clara a tentativa de estimular as participantes a lançar esse olhar mais crítico sobre as listas

previamente feitas, questionando a validade delas. Chamamos a atenção para as palavras de

Joaninha. Na linha 15, ela afirma não saber se o que foi elencado na lista relativa às culturas

de língua inglesa é verdadeiro, mas, confirma a veracidade dos itens referentes ao Brasil. O

curioso é que Joaninha é a participante que mais se envolve com a língua/cultura inglesa no

seu dia-a-dia e que, portanto, deveria se sentir apta a identificar e atestar algumas de suas

características. No entanto, Joaninha prefere não dar o seu parecer, o que pode indicar que a

mesma não reconhece essa cultura como algo próximo a ela.

Apesar de ter inserido “samba” em sua lista, nota-se na linha 20 que essa mesma

participante inclui a ressalva de que essa dança não se aplica a todos os grupos que compõem

a cultura brasileira. Assim, Joaninha demonstra ter sido capaz de reavaliar uma interpretação

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cultural, ato fundamental no processo de desenvolvimento da consciência intercultural.

Segundo Damen (1987), a consciência intercultural abrange, além da percepção dos padrões

de outras culturas, o reconhecimento dos paradigmas da cultura nativa.

Nessa e nas demais interações oriundas desse encontro, é evidente o constante

silenciamento das participantes Megue e Naty. O diário traduz meus sentimentos referentes a

esse fato, bem como à quebra das minhas expectativas quanto ao conhecimento prévio das

alunas:

Recorte 18

Tudo levava a crer que seriam suscitadas discussões interessantíssimas sobre estereótipos, mas não foi

bem assim. (...) Novamente, parece ter sido a primeira vez que Megue e Naty foram convidadas a emitir

opiniões sobre assuntos relacionados à cultura. Com o grande número de programas de entretenimento

americanos que são veiculados nas TVs brasileiras, imaginei que essas alunas listariam pelo menos

aqueles itens culturais dos EUA mais visíveis em filmes e seriados, como o que é servido no café da

manhã, por exemplo. Tais alunas demonstraram dificuldade até mesmo para listar os elementos da sua

própria cultura, assim como aconteceu no preenchimento do questionário. As outras duas participantes

foram capazes de listar os itens com mais facilidade, no entanto, não conseguiram ir além de música,

comida e datas comemorativas. Nesta aula, vi que a turma carecia de pequenos saberes culturais, que eu

julguei que elas já tivessem adquirido por meio de filme, livros, e da escola. Como trabalhar

estereótipos sendo que elas não estão (tão) conscientes sobre o que faz parte da cultura brasileira e do

que é parte da cultura do outro? (Diário de campo da pesquisadora, 5 de novembro de 2014).

Conforme eu já havia notado no encontro anterior, essa “cultura em língua inglesa” era

algo muito próximo das alunas e ao mesmo tempo muito distante. Próximo devido à extensa

quantidade de produtos culturais próprios da língua inglesa, especialmente norte-americanos,

que são consumidos por elas todos os dias, especialmente por meio das mídias digitais.

Distante porque, mesmo acessando esses produtos diariamente, as participantes pareciam não

enxergar a carga cultural dos filmes, seriados, livros, entre outros artefatos em língua inglesa

com os quais elas tinham contato.

Esse não foi o primeiro encontro em que o silêncio de Megue e Naty chamou a minha

atenção. Reiteramos que o silêncio não significa ausência de produção de sentido, pois, a

partir da concepção bakhtiniana, não há dialogismo somente verbal. Apesar de não

produzirem em voz alta, o simples fato de refletirem sobre as palavras dos outros membros da

sala de aula e relacioná-las ao que já conhecem revela a existência de um diálogo. Com base

nisso, é possível afirmar que as vozes projetadas por mim e pelas alunas Luisa e Joaninha

podem ter gerado uma compreensão responsiva – mesmo que de ação retardada – nas demais.

Bakhtin (1997, p. 291) caracteriza como “compreensão responsiva de ação retardada” aquelas

respostas que demoram mais tempo para serem ativadas, mas que, cedo ou tarde, “encontram

um eco no discurso ou no comportamento subsequente do ouvinte”.

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Em consonância com Bakhtin (2010), afirmamos a responsabilidade de cada sujeito

com o lugar único e insubstituível que ocupa, bem como da importância desse ato responsável

na (re)construção do outro. Apesar de suas próprias incertezas e limitações, Joaninha e Luisa

exercem essa responsabilidade ao compartilharem seus pontos de vista com as outras duas

estudantes que demonstraram mais dificuldade em desenvolver as atividades e participar das

discussões. Apesar de não ser possível aferir até que ponto as vozes-outras ecoadas no

encontro foram internalizadas por Megue e Naty, sabemos que elas não saíram iguais dali,

uma vez que cada evento é único, irrepetível e transformador (BAKHTIN, 2010). Se antes

essas participantes aparentemente não reconheciam os padrões culturais que subjazem às

culturas do outro da língua-alvo e da sua própria cultura, inferimos que o contato dialógico

entre os sujeitos presentes nesse encontro representaram para Naty e Megue o início de um

processo de reconhecimento do eu, ser cultural que compartilha significados em comum com

outros membros, em face ao outro, que se distingue de mim.

Contudo, é inegável que não foi possível avançar na direção de discussões mais

profundas, as quais pudessem promover a ampliação da consciência intercultural das

participantes. Esse dado corrobora a visão de Lafayette (1997) de que é necessário partir de

um repertório de conhecimentos culturais básicos para poder compreender fenômenos

culturais mais complexos. Levando isso em conta, a aula subsequente foi planejada de forma

a tentar preencher essa carência de conhecimentos culturais básicos.

3.2 O PROCESSO: DESCOBRINDO O OUTRO E A SI MESMO

Os primeiros encontros revelaram a necessidade de instigar as participantes a

direcionarem o olhar para si mesmas, reconhecendo-se como sujeitos culturais, bem como a

urgência de se promover a identificação e a aproximação delas com a L2/C2. Em vista disso,

os próximos encontros foram desenvolvidos com o objetivo de conduzir as participantes ao

encontro do outro da língua-alvo que, até aquele momento, parecia ser apenas uma figura

distante e, nesse processo, perceber elementos da(s) sua(s) própria(s) cultura(s).

Para tanto, buscamos, em primeiro lugar, adicionar a perspectiva etnográfica descrita

por Corbett (2003) nos encontros seguintes. A partir de questionamentos feitos em sala de

aula e de pesquisas atríbuidas para casa, procurou-se trabalhar as habilidades de descoberta

das aprendizes. Caracterizamos esse período do curso como um processo, por se tratar de um

encadeamento de eventos que, em menor ou maior grau, culminou na descoberta do eu –

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sujeito participante do curso em face ao outro da língua-alvo. Detalhamos esse processo nas

próximas linhas deste trabalho.

3.2.1 A HQ “Around the world with Maggy”

Famosa por sua fome insaciável, a melhor amiga de Monica, Maggy (Magali), conduz

o leitor a uma viagem por diversas partes do mundo nessa história. Maggy lê um livro sobre

diferentes países quando decide preparar uma pizza. A cada passo dado na condução da

receita, a garota menciona um ponto turístico: ao cortar o queijo em formato de triângulo, ela

se recorda das pirâmides do Egito; a temperatura alta do forno evoca o deserto do Saara; a

queda do azeite sobre a pizza a remete às cataratas do Niágara, na América do Norte. Durante

toda a história, quatorze lugares ao redor do mundo são citados. No último quadrinho, Maggy

se delicia com a pizza cosmopolita por ela preparada.

Figura 11 Ilustração da HQ “Around the world with Maggy”

Fonte: SOUSA, M. de. Around the world with Maggy. In: Monica’s Gang, n. 38. São Paulo: Panini Comics,

2013.

A menção às múltiplas localidades serviu como ponto de partida para que

explorássemos o que as participantes sabiam sobre outros países. Além disso, o objetivo era

que, a partir das discussões, elas fossem encorajadas a confirmar a validade de suas opiniões

e a pesquisar mais informações culturais fora da sala de aula. Em suma, seria colocada em

prática a perspectiva etnográfica defendida por Corbett (2013), na qual é esperado do aprendiz

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que ele se engaje em observar e explorar suas práticas culturais, bem como aquelas do outro

da língua-alvo.

3.2.1.1 Análise do oitavo encontro: participantes como etnógrafas

Quatro participantes estavam presentes nessa data, a saber, Naty, Luisa, Joaninha e

Megue. Por conta das aulas de teatro concomitantes ao curso, decidimos modificar o horário

de início dos encontros para 16h30 como forma de evitar possíveis atrasos. Nesse dia, todas

as participantes supracitadas estavam na escola no horário combinado.

Antes de ler a história, pedi que as participantes fornecessem exemplos de países

falantes de inglês. Com isso, foi colocado em prática um dos objetivos da abordagem

intercultural: “levar os alunos a perceber a amplitude e variedade de países e regiões onde a

língua-alvo é falada” (VALETTE, 1997, p. 182). Somente os Estados Unidos e a Inglaterra

foram mencionados. Com o meu auxílio, os países Canadá, Nova Zelândia, Nigéria, Austrália

e Índia também foram nomeados. Além disso, foi esclarecido que o idioma principal da

Alemanha, do Chile, da Coréia do Sul e da Suiça não é o inglês, já que, durante a interação, as

participantes demonstraram não ter consciência disso. A reação do grupo durante esse

momento do encontro é descrita em um excerto do diário de campo:

Recorte 19

A aula de hoje foi uma tentativa de fazer as alunas pensarem sobre outros países, principalmente

aqueles falantes de inglês, visto que eu havia notado que faltava conhecimento prévio sobre isso da

parte delas. Assim como eu imaginava, elas não sabiam que há outros países que tem inglês como

primeira língua além da Inglaterra e dos Estados Unidos. Foi bom ver a surpresa no rosto delas ao saber

que na Índia e na África do Sul a língua inglesa é falada. Também foi bom notar a curiosidade que

tiveram em saber mais sobre esses lugares. (Diário da pesquisadora, 12 de novembro de 2014).

Dado o prestígio que a língua inglesa possui entre os brasileiros, é possível inferir que

as participantes relacionavam a língua inglesa somente aos países considerados

economicamente desenvolvidos. Seguindo esse raciocínio, nações como Índia e África do Sul,

por não se encaixarem no perfil supracitado, não deveriam ser declaradas anglófonas. A

desconstrução desse raciocínio gerou surpresa no grupo. Penso que esse foi um passo inicial

relevante no desenvolvimento da consciência intercultural das participantes, visto que a

percepção acerca do “outro da língua-alvo” antes tão simplificada pôde ser ampliada.

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Quando mencionei que a Índia também tem o inglês como uma língua oficial, Luisa e

Joaninha iniciaram um debate acerca da cultura indiana. Vejamos os diferentes

posicionamentos provenientes dessa interação:

Recorte 20

1. Luisa: a cultura deles ((indianos)) é estranha

2. Fernanda :estranho? Why?

3. Luisa: por que eles não comem alguns animais, assim, vaca. Isso é muito estranho/

4. Joaninha: é verdade professora.

5. Fernanda: é essa questão que a Luisa levantou da vaca, lá a vaca é sagrada em alguns lugares, pra

algumas pessoas. Então eles não comem carne de vaca. Mas e a gente? Vocês não acham que eles

também acham a gente estranho?

6. Luisa: eles devem achar ++ no Brasil a gente come qualquer coisa, mata qualquer animal

7. Fernanda: e quem está certa nessa história?

8. Joaninha: nenhum dos dois, é a cultura de cada um

9. Luisa: eu acho que ninguém deveria comer carne

10. Joaninha: eu acho que sim, porque Deus fez os animais pra serem comidos por nós

11. Luisa: nada a ver

12. Joaninha: ((risada)) mas é a cultura, é que nem na Coréia do Sul, na Coréia do Sul eles comem

barata, cabeça de cachorro

13. Luisa: o ser humano é um otário

14. Joaninha: acho que não é uma questão de certo ou errado, é uma questão de crença, cultura. Porque

+ você cresceu como ((apontando para Naty))? Tipo assim, seus pais ++ só um exemplo ++ seus

pais falaram pra você a vida inteira que homossexualismo é errado, aí outra pessoa chega em você e

fala “não você não pode acreditar nos seus pais”, aí você tende a acreditar no que vêm do seu berço,

né , porque foi o que você aprendeu desde pequeno.

Na linha 1, Luisa caracteriza como estranho o hábito dos indianos de se absterem da

carne de vaca justamente por visualizar a cultura indiana tendo como referência a sua própria

cultura. Tal ponto de vista corrobora a declaração de Kramsch (2001) de que somos seres

condicionados a ver as culturas e línguas estrangeiras a partir das lentes da nossa L1/C1. A

partir do meu questionamento, na linha 5, Luisa revisa o seu ponto de vista sobre o hábito de

comer carne de vaca dos brasileiros e entra em dissonância com Joaninha: para essa

participante, os animais foram criados para servirem ao homem, ao passo que, para aquela,

esse raciocínio não faz sentido. Há, portanto, um encontro de duas diferentes interpretações de

um mesmo evento cultural – o consumo de carne – que, por sua vez, gera um conflito. Mesmo

tratando-se de um tema desconfortável que, conforme colocado por Damen (1987), envolve

crenças que perpassam a subjetividade das estudantes, essa discussão possibilitou que

Joaninha criasse uma nova perspectiva cultural sobre o outro, livre de julgamentos

etnocêntricos. Ao declarar na linha 14 que não há certo ou errado, apenas diferentes culturas,

ela prova que consegue alcançar o terceiro lugar definido por Kramsch (1993).

O segundo passo da aula foi espalhar pela sala fotos de famosos pontos turísticos ao

redor do mundo e pedir que as alunas me dissessem onde estão localizados cada um dos

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pontos turísticos visualizados nas fotos. Essa foi uma oportunidade de trabalhar a escrita e a

pronúncia dos países e nacionalidades em inglês.

Mais a frente, a HQ Around the world with Maggy foi lida e as participantes puderam

reconhecer na história alguns dos pontos turísticos e países mencionados previamente e

acrescentar ao vocabulário delas novas palavras.

Quando perguntei o que as participantes sabiam sobre os países mencionados na

história, nenhuma resposta foi obtida. Questionei Naty o que ela sabia sobre os Estados

Unidos, visto que ela havia me dito em outro momento que visitaria no próximo ano uma tia

que mora em uma cidade americana. Da mesma forma, instiguei Luisa a expressar o que ela

sabia sobre a Inglaterra, tendo em vista que esse era o país que ela tinha interesse em visitar

futuramente. Considerando que todo enunciado é pleno de tonalidades dialógicas (BAKTHIN,

1981), percebemos como os enunciados das participantes ecoam discursos já consolidados no

imaginário da comunidade de fala da qual fazem parte. Um exemplo disso está no discurso

sobre a superioridade desses países em face ao Brasil, por vezes repetido em nosso território,

que é aderido por Luisa e Joaninha no seguinte excerto:

Recorte 21

1. Fernanda: you are going to the United States. O que você sabe sobre esse país?

2. Naty: quase nada

3. Fernanda: quase nada? Comida, cultura, a rotina deles (+) não te falam como é?

4. Naty: não, eu não sei

5. Fernanda: você tem interesse em conhecer?

6. Naty: tenho ((entonação demonstrando pouco interesse))

7. Fernanda: okay. Luísa, o que você sabe sobre England, além das bandas, das lojas legais ((a

participante já havia destacado essas características previamente)).

8. Joaninha: lá tem muito gatinho ((risos)). Meu primo que é feio foi pra lá e tá bonito professora

((risos))

9. Naty: vai pra lá, aí você fica bonita, aprende a falar inglês

10. Luisa: fica rica também e volta pra mostrar

11. Fernanda: interessante essa questão. Vai pra lá e fica rico? É fácil assim?

12. Luisa: ué, a pessoa pode se vender, pode jogar e ganhar , tem diversos modos

13. Naty: pode trabalhar ((risos))

14. Luisa: meu primo ficou rico tirando foto, só tirando foto

15. Fernanda: in England?

16. Luisa: é, ele viajava fazendo foto?

17. Fernanda: mas é assim mesmo, é mais fácil ser bem sucedido lá do que aqui?

18. Joaninha: ah professora, para os brasileiros até é, porque o que é valioso lá, o que é valioso aqui pra

gente é o que vem de lá, né. Agora lá até um mendigo veste Adidas, essas coisas

19. Fernanda: e porque a gente valoriza tanto as coisas de lá?

20. Joaninha: porque é diferente, a qualidade é diferente (+) pra eles lá é de segunda mão, do Brasil é de

3º mão (+) tô falando sério, professora, a minha tia falou que pra você ficar rico lá é difícil, ficar rico

pra você/

21. Luisa: mas o custo de vida lá é mais baixo do que no Brasil, é mais fácil de arrumar emprego, essas

coisas, e aqui não, é difícil pra caramba

22. Fernanda: que tipo de emprego se arruma lá?

23. Luisa: você pode trabalhar em bar

24. Joaninha: ahan

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25. Luisa: bar, principalmente bar, sei lá pode fazer um curso, alguma coisa que você aprendeu aqui

ensinar lá. Sei lá ((risos)). Eu só sei que meu primo foi tirando foto, eu quero ficar rica também

tirando foto.

(...)

26. Fernanda: tem choque cultural? Alguma coisa que é muito diferente da nossa cultura?

27. Joaninha: na verdade, essa questão de ser tratado bem ou mal, o Eduardo ((primo da Joaninha que

mora em Londres)) comentou uma vez comigo que ele tava na escola, aí chegou um amigo dele que

falava espanhol. Ai eles começaram a conversar. Aí ele falou que na hora que as pessoas

estrangeiras iam passando por eles, eles ficavam assim: what?what?what? tirando sarro, sabe da

língua deles.

28. Fernanda: agora, como seria essa mesma situação aqui no Brasil? Em Goiânia? Se virmos alguém

falando inglês, qual a nossa reação?

29. Joaninha: Ahhhh, nossa, dos Estados Unidos ((gritando)) Vamos tirar uma foto? É desse jeito,

professora.

30. Luisa: nossa, eu fico na minha, tipo assim, eu não conheço o cara

31. Joaninha: eu acho que é pelas coisas que a gente vê do país de lá, tipo a gente fica totalmente

emocionado (+) porque praticamente os Estados Unidos é o país das musicas né, dos atores, das

pessoas que cantam bem . A Miley Cyrus canta bem? ((falando baixo)) se as pessoas vem de lá, o

brasileiro fica “nossa senhora”. (Gravação em áudio do encontro, 12 de novembro de 2014).

No caso de Naty, a lacuna cultural demonstrada previamente aparentemente ainda

permanece. Afirmamos isso com base na pouca quantidade de enunciados proferidos por ela.

Diferentemente das outras duas participantes, Naty demonstra não estar receptiva ao contato

com o outro norte-americano, conforme exposto nas primeiras linhas. Tal fato pode ser um

impedimento para o avanço da consciência intercultural da participante, uma vez que o posto

de “falante interculturalmente competente” requer do aluno que ele conheça o comportamento

da cultura-alvo de forma a valorizá-la ou ao menos tolerá-la (CORBETT, 2003).

Se na discussão após a leitura da HQ “The shadows of life” Joaninha e Luisa pouco se

expressaram acerca das culturas de língua inglesa, neste encontro elas tentam construir uma

imagem mais palpável do outro inglês e norte-americano com base em discursos que

chegaram até elas por meio de conhecidos que vivem na Inglaterra e nos Estados Unidos. É

fato que elas ainda se encontram em um nível superficial de consciência intercultural –

lembremos que há níveis de consciência que partem do apagamento do outro, perpassando sua

estereotipação e progredindo até uma postura crítica e livre de julgamentos etnocêntricos

(HANVEY, 1979). Contudo, cremos que seus enunciados revelam um avanço de um degrau

no continuum intercultural do encontro anterior para este. Isso porque elas demonstram pela

primeira vez já serem capazes de reconhecer mais nitidamente uma faceta desse outro da

língua-alvo, mesmo que de forma um tanto enviesada e estereotipada.

Em suas práticas discursivas, é possível notar que as participantes revelam não

somente quem é o outro para “mim”, mas também quem é o “eu” para “mim”. Luisa defende

nas linhas 10 e 12 que é mais fácil ficar rica no exterior, referindo-se aqui à Inglaterra.

Segundo ela, a Inglaterra é o país das oportunidades, ao passo que o Brasil é o local onde o

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custo de vida é alto e a taxa de desemprego também. Na linha 16, ela mostra não saber

exatamente como ficar rica em terras estrangeiras, mas apresenta o exemplo de alguém

conhecido que conseguiu ascensão financeira quando se mudou para o exterior. De fato, Luisa

faz ecoar em sua voz o típico discurso do colonizado, em que há a idealização dos padrões de

vida do falante de língua inglesa. A fala dessa estudante exemplifica bem o princípio

dialógico exposto por Bakthin (1992). Como sujeito sócio-historicamente situado que é, Luisa

teve acesso a esse discurso por meio das interações prévias com outros sujeitos (incluindo seu

primo), adotou-o e passou a projetá-lo com sua voz. Dessa forma, as palavras que outrora

eram “palavras-alheias” se tornaram de forma criativa suas palavras (FREITAS, 2013).

Outro exemplo de reprodução de vozes sociais se encontra nas contribuições de

Joaninha. Quando perguntada sobre o motivo de os brasileiros valorizarem tanto o que vem de

fora, na linha 19, ela assevera que os produtos estrangeiros são de qualidade melhor, por isso,

o que chega para ser consumido no Brasil é o que já foi utilizado no exterior. Seguindo sua

linha de pensamento, o Brasil é, portanto, um país que importa produtos de qualidade. Além

disso, Joaninha revela um fascínio pelos produtos culturais dos Estados Unidos. Como

apreciadora da cultura pop e das bandas americanas, ela comenta na linha 33 que os

brasileiros ficam “emocionados” ao verem cidadãos americanos no Brasil devido ao fato de,

do país de origem deles, saírem as melhores músicas, bem como os melhores atores e

cantores. Nesse sentido, ela deixa transparecer em sua fala que o “outro” falante de inglês é

superior ao “eu” falante de português.

Dois dados chamam a nossa atenção nesse excerto. Primeiro, a fala de Joaninha revela

a quão exposta ela está aos elementos culturais norte-americanos. Sobre isso, Risager (2006)

defende que a disseminação de informações pelas mídias, somada à facilidade de

deslocamento das pessoas e dos bens entre os países, tiveram como consequência um mundo

mais integrado: as culturas antes tidas como ligadas a línguas e locais específicos passaram a

transcender as fronteiras territoriais e linguísticas. Por isso, embora nunca tenha viajado para

fora do Brasil, Joaninha tem acesso aos produtos de consumo norte-americanos.

Semelhantemente, Luisa nunca foi à Inglaterra, mesmo assim, é capaz de emitir opinião sobre

esse país por conta dos contatos dialógicos que teve com um primo que se mudou para lá.

Destacamos, além disso, a assimilação do discurso de depreciação do que vem do Brasil e

deificação do que é estrangeiro, revelada nas palavras de Joaninha e Luisa, bem como a forma

simplificada com que visualizam outros países, como se possuíssem uma identidade fixa e

homogênea. Em nenhum momento elas demonstraram ter consciência de que diferentes

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culturas coexistem em um mesmo território, cada qual com suas regularidades específicas,

conforme atestam Corbett (2003) e Spencer-Oatey e Franklin (2009).

Tendo em vista esses fatores, foi notado que, além de propiciar nos encontros

momentos de reflexão sobre quem é o “outro” da língua-alvo, seria necessário desconstruir

esse “outro”, de forma a conhecê-lo melhor e evitar a manutenção de estereótipos. Em suma,

esse encontro nos revelou que as diferenças na forma como cada cultura interpreta o mundo

deveriam ser apresentadas com mais ênfase no curso.

Para tanto, foi proposto um dever de casa para as alunas: elas deveriam realizar uma

pesquisa sobre a cultura de um país da sua preferência. Essa pesquisa poderia ocorrer por

meio de uma entrevista com alguém conhecido que morasse no país escolhido ou/e pelo uso

da internet. Os resultados deveriam ser expostos no encontro subsequente. Essa atividade foi

espelhada em uma sugestão fornecida nos escritos de Corbett (2003). Esse autor aponta que

uma das formas de trabalhar atividades que sirvam ao propósito da abordagem intercultural é

solicitar que cada aluno reúna e compartilhe informações sobre um determinado

comportamento cultural para depois avaliarem e discutirem seus achados e observações em

classe.

No entanto, os resultados dessa pesquisa não puderam ser expostos na aula seguinte

devido a um imprevisto, conforme descrevemos mais a frente.

3.2.2 A HQ “A bit clumsy”

A história A bit clumsy é estrelada por Monica, a protagonista da turma. Durante a

trama em questão, a mãe da personagem vai às compras e deixa a filha sozinha em casa.

Disposta a mostrar que sabe cuidar da casa na ausência da mãe, Monica resolve fazer uma

faxina no local. No entanto, a força e falta de jeito da garota geram resultados desastrosos:

roupas limpas derrubadas do varal, uma planta encharcada de água, excesso de espuma no

chão, móveis fora do lugar e o pássaro de estimação da família acidentalmente solto. Notando

a bagunça feita, Monica se convence de que precisa realizar os afazeres domésticos com mais

cuidado e atenção. Assim, ela inicia novamente a faxina, desta vez de forma cautelosa. Por

fim, ela finalmente atinge o seu objetivo de deixar a casa limpa. Ao finalizar o trabalho, sua

mãe chega em casa e involuntariamente derruba um vaso de planta no chão. Consciente do

imenso esforço empreendido na organização da casa, Monica se desespera e fica em prantos

ao ver a sujeira no chão. Sem entender, a mãe se questiona porque a filha está chorando

quando, na verdade, foi ela a responsável pela queda do objeto.

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Figura 12 Ilustração da HQ “A bit clumsy”

Fonte: SOUSA, M. de. A bit clumsy. In: Monica’s Gang, n. 46. São Paulo: Panini Comics, 2013.

Essa história foi escolhida para integrar o curso por expor um extenso vocabulário

relacionado aos afazeres do lar e, portanto, ser um material propulsor para a reflexão sobre um

evento que é interpretado diferentemente por cada cultura: o trabalho doméstico. Consciente

da importância de encorajar os aprendizes a analisar e interpretar culturas, “incluindo a sua

própria” (CORBETT, 2003, p. 34), o objetivo era que, após a leitura da HQ, fossem lançadas

questões para que as alunas pensassem mais especificamente nos papéis e responsabilidades

domésticas de homens e mulheres na macrocultura brasileira, e que elas desenvolvessem uma

pesquisa etnográfica dentro das suas próprias casas ao observarem por uma semana e

anotarem em uma folha quais e por quem as atividades domésticas eram executadas ali.

Se previamente as participantes foram estimuladas a pesquisar etnograficamente o

outro da língua-alvo, desta vez, elas tiveram de observar e anotar os comportamentos dos

membros de suas famílias para, no encontro seguinte, compararem suas observações com as

das colegas. Em suma, a perspectiva etnográfica, defendida por Corbett (2003), foi aplicada

nesse encontro, e as observações das alunas puderam propiciar a consciência sobre os

diversos tipos de famílias e responsabilidades dentro de uma mesma comunidade. Usando os

termos de Kramsch (2001), essa foi uma oportunidade de trazer à tona a questão das variadas

microculturas dentro da macrocultura das estudantes.

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3.2.2.1 Análise do nono encontro: microculturas em foco

Caminhávamos para o fim do curso e do ano letivo, e os reflexos desse final de

percurso já eram visíveis nas participantes. Como pesquisadora, eu já havia notado mudanças

no comportamento do grupo e uma certa queda no empenho empreendido nas atividades do

curso. A título de exemplo, houve um intervalo de mais de uma semana do oitavo para o nono

encontro justamente porque, no dia determinado no calendário para o nono encontro,

Joaninha, Daniella e Luisa manifestaram a necessidade de falta por questões pessoais. Com

efeito, esse encontro foi adiado. Além disso, os atrasos e as faltas de algumas participantes,

especialmente Megue, eram recorrentes.

Tratando-se de uma pesquisa qualitativa, uma das minhas responsabilidades como

pesquisadora era analisar essas eventualidades de forma holística (SANDÍN ESTEBAN,

2010). Assim, entrei em contato em particular com cada uma das participantes para me

informar sobre o motivo das faltas e atrasos e averiguar se essas ocorrências eram motivados

pela metodologia do curso ou por evento extraclasse. Todas as alunas alegaram estar gostando

da forma como o curso estava sendo conduzido, mas justificaram que as tarefas escolares ou

contratempos pessoais as impediam de cumprir regularmente com as obrigações do projeto.

Megue justificou a sua ausência dizendo que estava participando de um curso

profissionalizante no centro da cidade após o horário de almoço e que, por depender do

transporte público para se locomover do centro até a escola localizada na periferia de

Goiânia às vezes não era possível chegar ao curso de leitura de HQs a tempo.

Levando em consideração o ponto de vista bakhtiniano de que todo enunciado carrega

consigo uma avaliação, eu estava consciente de que as palavras das participantes traziam não

somente suas justificativas, mas também, implicitamente, seus posicionamentos frente ao

curso. Por se tratar de um projeto de extensão gratuito e não obrigatório, algumas das

aprendizes pareciam não considerar o curso como uma prioridade. Como consequência disso,

as faltas eram geradas sempre que outro compromisso mais relevante surgisse no horário dos

encontros. Essas adversidades me preocupavam, visto que as ausências poderiam interferir

nos resultados da pesquisa.

No nono encontro, pude notar com mais clareza a interferência de fatores externos na

produção das estudantes. Logo de início, fui recebida na sala de aula com uma recepção bem

menos calorosa por parte da turma. As integrantes presentes ali, a saber, Daniella, Joaninha,

Luisa e Naty, confidenciaram que estavam exaustas por conta dos inúmeros trabalhos e

provas determinados para aquela semana. Perguntei, então, se elas haviam tido tempo de fazer

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a pesquisa atribuída para casa no encontro anterior. Conforme eu já esperava, a resposta foi

negativa. Tendo isso em vista, acordamos que essa tarefa deveria ser desenvolvida até a

semana seguinte, isto é, o momento em que as alunas deveriam apresentar seus achados sobre

os países pesquisados foi adiado.

Considerei apropriado repassar os objetivos da pesquisa para garantir que não

restavam dúvidas quanto ao que deveria ser feito. Em seguida, incentivei as alunas a

verbalizar quais perguntas exatamente elas fariam à pessoa entrevistada ou quais aspectos

particulares da cultura do outro seriam investigadas. Conforme as perguntas eram

verbalizadas, eu as traduzia para o inglês no quadro, trabalhava a pronúncia das palavras e

solicitava ao grupo que as copiasse no caderno, tanto em português quanto em inglês. O

objetivo era que as aprendizes tentassem conduzir a entrevista ou a busca de informações na

internet fazendo uso da língua-alvo. Dessa forma, acredito ter cumprido meu papel de guia –

ou guide, nas palavras de Corbett (2003) – do processo de desenvolvimento da tarefa

intercultural proposta. Por fim, as seguintes questões foram expostas:

What do you/they eat there?

What do you/they like best about the place you live in?

What do you/they enjoy doing most there?

What are the people like there? How do they treat foreigners?

What is your/their routine like?

Por meio dessas perguntas, esperava-se que as estudantes obtivessem fatos culturais

sobre o país escolhido e desenvolvessem suas habilidades etnográficas e críticas, exatamente

como proposto por Corbett (2003). Para esse autor, ainda é esperado do aprendiz que ele

acumule fatos sobre a cultura-alvo em um currículo intercultural. Contudo, é adicionado a

essa expectativa a perspectiva etnográfica (o aprendiz deve demonstrar habilidades de

descoberta), uma postura crítica (comparação e reflexão ao invés de imitação automática do

comportamento do outro) e uma moralidade liberal (habilidade de valorizar ou ao menos

tolerar outras culturas).

Finalmente, demos início às atividades referentes à HQ A bit clumsy. Primeiro,

verifiquei se as alunas estavam cientes do significado de domestic duties e realizei juntamente

com elas um brainstorm a partir desse termo, similar ao apresentado no quadro abaixo:

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Em seguida, as cópias da referida história em quadrinhos foram distribuídas e as

alunas foram estimuladas a realizar a leitura da história e verificar quais das atividades

domésticas previamente listadas poderiam ser visualizadas nos quadrinhos.

Após trabalharmos a parte de compreensão e vocabulário da HQ, a folha de

observação foi entregue para cada uma das alunas (Apêndice O). Elas foram orientadas a

observar e registrar no papel quem na casa delas era responsável por cada uma das atividades

domésticas referidas, bem como a trazer a folha preenchida no encontro seguinte. Uma

semana depois, a abordagem intercultural pôde ser colocada em prática novamente, desta vez

por meio das observações feitas pelas alunas, conforme exposto na próxima seção.

3.2.2.2 Análise do décimo encontro: reconhecendo microculturas

O décimo encontro teve início vinte minutos após o horário previsto contando com a

presença de apenas duas participantes. Minutos mais tarde, outras duas alunas se juntaram ao

grupo. Assim, a ocorrência de atrasos e faltas voltou a me aterrorizar nesse dia, a ponto de me

fazer cogitar a possibilidade de cancelar o encontro. O excerto do diário de campo relata de

forma descritiva a forma como esse encontro foi iniciado e os meus sentimentos com relação

aos acontecimentos:

Recorte 22:

Novamente, cheguei à escola e nenhuma aluna estava lá. Pensei que eu teria que cancelar o encontro

mais uma vez por falta de público. Algum tempo depois chegaram duas alunas, Daniella e Naty,

seguidas por Megue e Joaninha minutos mais tarde. Por fim, tudo deu certo. Eu dei início ao encontro

revisando o vocabulário da história passada “A bit clumsy”, somente com Daniella e Naty. Elas se

lembraram do significado de várias das palavras que constavam na HQ, por isso, me senti feliz em ver

que essas duas participantes estão cada vez mais ampliando o vocabulário e melhorando a compreensão

leitora delas. Logo que terminei a revisão e estava para dar entrada na discussão da tarefa atribuída para

casa, Joaninha e Megue chegaram. Como Megue não estava na aula em que determinei a tarefa, tive de

explicar do que se tratava a folha de observação e pedir que ela a respondesse naquele momento. Em

seguida, pedi que todas elas comparassem os resultados obtidos nas suas folhas de observação. (Diário

de campo da pesquisadora, 26 de novembro de 2014).

do the washing-up water the plants

iron the clothes DOMESTIC DUTIES cook meals

clean the house take care of the pets

take out the garbage

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O questionário inicial revelou que Daniella e Naty encaravam textos em língua inglesa

como “um grupo de palavras obscuras que elas não podiam compreender” (HOLDEN, 2009,

p. 58). Contudo, verifica-se nesse excerto que as alunas se sentem cada vez mais à vontade

perante a referida língua graças ao gradual aprimoramento no vocabulário e na habilidade de

leitura delas, adquirido por meio do contato com as HQs. Isso atesta o ponto de vista de

Vergueiro (2006) de que as histórias em quadrinhos abrem as portas para o desenvolvimento

da leitura e ampliam o conhecimento lexical dos estudantes.

Antes de conferirmos a folha de observação atribuída como dever de casa, expliquei os

conceitos de extended family e nuclear family, bem como revisei o vocabulário referente à

família. Joaninha caracterizou a família brasileira como sendo constituída por pai, mãe e

filho(s). Essa aluna reforçou em seu discurso o padrão hegemônico de família,

desconsiderando outras configurações que se distanciam desse padrão. Na tentativa de

mostrar a ela a pluralidade de entidades familiares que podem ser identificadas na sociedade

brasileira contemporânea, incentivei as participantes a pensar nas suas próprias famílias. Das

quatro participantes, duas provinham de grupos familiares diferentes do padrão hegemônico,

incluindo a própria Joaninha. Esse momento de reflexão foi importante para que Joaninha se

reposicionasse discursivamente ao reconhecer que não existe um único tipo de família

brasileira, mas vários. Com isso, coloquei em prática as reflexões de Barro, Jordan e Roberts

(2002, p. 84). Segundo esses estudiosos, desde o início devemos “iniciar os alunos no

processo de olhar para seus próprios mundos como construtos sociais”, “tornando o familiar

estranho”. Levando em consideração essa perspectiva, acredito na importância de encorajar os

aprendizes a rever o que é considerado normal ou habitual, incluindo até mesmo construtos

nunca questionados antes, como a própria noção de família.

Da mesma forma, convidei o grupo a pensar na configuração familiar dos países

anglófonos. Ressaltei mais uma vez a existência de outros países falantes de inglês além dos

Estados Unidos e da Inglaterra. Desta vez, o grupo se mostrou dividido:

Recorte 23:

1. Joaninha: nuclear

2. Megue: nuclear

3. Daniella: eu acho que é extended também

4. Naty: é dividido

5. Fernanda: então não é algo uniforme

6. Daniella: é, eu acho que não é não. (Gravação em áudio do encontro, 26 de novembro de 2014).

Haja vista a discussão levantada no início do encontro anterior acerca da diversidade

de países falantes de inglês, presumi que as alunas pensariam duas vezes antes de considerar

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as configurações familiares desses países como entidades uniformes. No entanto, apenas Naty

e Daniella não recorrem a generalizações ao caracterizarem as famílias do outro da língua-

alvo nesse trecho. Mesmo assim, ao utilizar a palavra “acho”, Daniella aparenta não ter

certeza do que disse. Contudo, em Mantle-Bromley (1997) compreendi que assim como o

aprendizado de línguas, o aprendizado intercultural também é gradual. Dessa forma, o fato de

levarmos para a sala de aula recursos interculturalmente ricos em uma aula não garante que o

aluno deixará de formular generalizações ou perpetuar estereótipos na aula seguinte. As

palavras dessa autora me ajudaram a entender que as alunas ainda estavam em um processo de

reconhecimento do outro e de si mesmas como seres culturais, portanto não cabia a mim, e

nem seria possível, apressar esse processo.

Partimos, em seguida, para a folha de observação. Os diálogos interculturais se

materializaram no momento em que as alunas estabeleceram comparações entre o que haviam

observado e registrado acerca dos afazeres domésticos em seus lares:

Recorte 24:

1. Joaninha: a minha família é muito diferente da Megue. As mulheres na casa dela são bem +++ elas

sabem fazer as coisas, não espera homem, não, elas trocam lâmpada/

2. Daniella: vocês não sabem trocar lâmpada?

3. Joaninha: não ((risadas))

4. Naty: não

5. Daniellla: eu já até fiz casa

6. Joaninha: ãh? ((Joaninha e Naty demonstram espanto e riem nesse momento))

7. Daniella: verdade. A casa do meu pai na chácara foi eu que fiz, eu ele e o meu tio. Fazia a massa e

colocava tijolo.

8. Naty: nossa ((olhando para Daniella com espanto))

9. Daniella: lá em casa se as mulher não fazer, tá lascada

10. Fernanda: como é dividido o trabalho doméstico na casa de vocês, entre homens e mulheres?

11. Daniella: meu pai não faz nada. As minhas irmãs também não. É, só eu e minha mãe.

12. Megue: eu também, minha mãe e eu. Todos trabalham lá em casa, só eu que não.

13. Fernanda: aí você fica por conta da casa?

14. Megue: é. (Gravação em áudio do encontro, 26 de novembro de 2014).

Na linha 1, Joaninha caracteriza sua família como “diferente” daquela de Megue. Ao

mencionar que as mulheres da família da colega não “esperam homens”, Joaninha revela um

significado cultural da sua microcultura familiar: trocar lâmpada é uma atribuição

eminentemente masculina. As relações de gênero aparecem mais uma vez quando Daniella

revela saber construir uma casa, na linha 5, e as outras alunas reagem com espanto à

afirmação da colega. Para Naty e Joaninha, as atividades exercidas por homens se distinguem

daquelas exercidas por mulheres. No entendimento dessas alunas, as mulheres do núcleo

familiar de suas colegas estavam exercendo tarefas “próprias” da esfera masculina, por isso a

reação de estranhamento. Diante das ambivalências expostas nos discursos das estudantes,

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lancei a seguinte questão: com base nas comparações feitas por meio da folha de observação,

como vocês caracterizam a divisão de trabalho entre homens e mulheres na família brasileira?

Mais uma vez, o assunto dividiu opiniões:

Recorte 25:

1. Daniella: é mulher que faz mais ((trabalho doméstico)), eu acho. Os homens também são muito

machistas.

2. Joaninha: eu não acho não, os amigos que eu conheço, eu acho que o homem às vezes até trabalha

mais

3. Daniella: das famílias que eu conheço é só mulher

4. Fernanda: então, vejam só, dentro dessa sala de aula nós temos diferentes microculturas.Vocês

repararam nisso?

5. Naty: é

6. Fernanda: No caso da Joaninha, é o homem. As mulheres na casa da Daniella fazem de tudo, até

construir casa, na minha não.

7. Joaninha: é, os homens que eu conheço são bem prestativos. Eles fazem de tudo, cuidam de bebê, é

desse jeito

8. Fernanda: então são subcultures dentro da macrocultura brasileira.

9. Joaninha: ahan

10. Fernanda: e nos países falantes de inglês, como vocês acham que é? Você chegou a perguntar,

Joaninha ((mencionando a outra tarefa de casa, na qual as alunas deveriam entrevistar um conhecido

que morasse em outro país))?

11. Joaninha: eu fiz uma pergunta sobre qual é o horário de escola do meu primo, mas aí pela resposta

dele dá pra ter uma ideia. Ele falou que como na casa dele a mãe dele trabalha e o padrasto dele

também trabalha, quem cuida da casa é mais ele e os irmãos dele, quando eles voltam da escola ou

coisa assim, ai eles arrumam a casa. Agora amigos deles, assim, eu já não perguntei.

12. Fernanda: então não tem maid na casa deles?

13. Joaninha: não, na casa dele não. Mas ele falou que na casa em que a mãe dele trabalha tem

empregada, e elas ficam lá praticamente o dia inteiro arrumando tudo.

14. Fernanda: então, mais uma vez diferente subcultures dentro de um único país. No caso, a Inglaterra,

né.

15. Joaninha: é. (Gravação em áudio do encontro, 26 de novembro de 2014).

O objetivo dessa discussão era ajudar as alunas a reconhecer que dentro da

macrocultura brasileira existem diversas microculturas, cada qual com seus valores e atributos

particulares (DAMEN, 1987). Saliento aqui o fato de eu não ter cumprido o meu papel de

mediadora do processo intercultural a contento nesse instante. Quando Daniella menciona a

existência de uma cultura machista na linha 1, eu poderia ter problematizado a influência do

gênero na divisão do trabalho doméstico no Brasil. Da mesma forma, ao invés de mencionar

as diferentes microculturas, na linha 8, o ideal seria que eu estimulasse reflexões que

levassem as próprias alunas a chegarem à conclusão de que o serviço doméstico é uma prática

cultural, e que há variações na forma como essa prática é interpretada em diversas famílias,

mesmo dentro de uma mesma comunidade. Incidi no mesmo erro na linha 14, ao evidenciar

ao invés de problematizar os diferentes grupos culturais dentro da denominada cultura inglesa.

Assim, deixei de aprofundar um diálogo intercultural que tinha tudo para render muitas

reflexões críticas. Isso me fez lembrar de Damen (1987), e a necessidade defendida por ela de

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o professor estar preparado para conduzir aulas com foco na comunicação intercultural.

Naquele momento, acho que me faltou o preparo necessário para mediar a interação ao invés

de determinar à que conclusão as alunas deveriam chegar. Assim, perdi a chance de utilizar as

enunciações das alunas como um meio de engajá-las em reflexões culturais relevantes.

Aproveitei que Joaninha havia mencionado a entrevista conduzida com o primo dela

que mora em Londres para conferir os resultados da pesquisa etnográfica atribuída como

dever de casa no encontro anterior. Para a minha surpresa, apenas Joaninha havia feito a

atividade e, mesmo assim, a mesma foi realizada em português. Essa seria a oportunidade

perfeita para unir a prática comunicativa em um contexto autêntico (FIGUEIREDO;

OLIVEIRA, 2012) com a abordagem intercultural. Contudo, Joaninha confessou não ter

realizado as perguntas na língua-alvo. Segundo ela, a entrevista foi feita por telefone, e a

questão do tempo a impossibilitou de tentar se comunicar com o primo em inglês. Daniella e

Megue alegaram não ter tido tempo de pesquisar, e Naty disse não ter conseguido se

comunicar com um familiar que mora nos Estados Unidos. Mais uma vez, percebi que o curso

não estava sendo encarado como uma prioridade pelo grupo.

Uma maneira de contornar esse problema seria diminuir o nível de dificuldade da

tarefa ao permitir que Daniella, Megue e Naty escolhessem entre pesquisar sobre a cultura de

outro país ou sobre uma microcultura brasileira com a qual elas não fossem familiarizadas,

afinal, nos termos de Corbett (2003), essa também seria uma possibilidade de conduzir uma

pesquisa etnográfica intercultural. No entanto, não cogitei essa possibilidade antes.

O passo seguinte foi passar o turno para Joaninha e pedir que ela apresentasse para o

grupo as suas descobertas sobre os elementos culturais da Inglaterra segundo o olhar

estrangeiro do seu primo adolescente. Vejamos um trecho dessa parte do encontro que

exemplifica de que forma as palavras de Joaninha propiciaram momentos de reflexão sobre as

generalizações culturais:

Recorte 26:

1. Joaninha: eles comem muito fast food, não tem aquele negócio de ir no supermercado, e ter aquela

coisa do brasileiro de fazer a comida, lá todo mundo compra pronto, não tem esse negócio de fazer

comida. E a maior seção do supermercado é a seção de conserva. Eles comem frango enlatado, lá

eles não comem arroz.

2. Daniella: (incompreensível)

3. Joaninha: ah, é a cultura deles de lá, né. Ele fala que tem umas outras coisas também que é diferente.

4. Daniella: onde ele mora?

5. Joaninha: em Londres

6. Daniella: A minha tia foi pra Alemanha uma vez e disse que não gostou muito de lá não. Ela disse

que não gostou da pizza de lá não, porque disse que a massa é dessa finurinha e o recheio também

((Risos))

7. Daniella: ela disse que é horrível as coisas lá

8. Fernanda: A gente tem só que tomar cuidado com generalizations. What is it? Vocês se lembram?

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((silêncio))

9. Fernanda: Generalization é que quando você atribui uma característica a um grupo inteiro. Então,

por exemplo, as coisas na Alemanha são ruins. Mas e aí, será que essas coisas não são ruins só no

lugar em que ela ficou? Talvez em outro estado, outra cidade, ela teria gostado.

10. Joaninha: em tal lugar, a comida alemã é ruim.

11. Fernanda: Joaninha, até esse conceito de ruim é relativo. Para o alemão que vive ali pode não ser

ruim.

12. Daniella: é diferente do que estamos acostumados.

13. Fernanda: Exact! It’s different. E sobre o exemplo que a Joaninha deu ((anteriormente, a aluna

mencionou que os ingleses relacionavam o nosso país à samba e carnaval)), o Brasil é samba,

carnaval...Tem isso, mas não é só isso. Eu não sei sambar e sou brasileira.

14. Daniella: eu também não

15. Megue: também não

16. Daniella: eu nem gosto de carnaval

17. Fernanda: Be careful!Por exemplo, o seu primo descreveu o bairro onde ele mora. A gente não pode

generalizar e dizer que em toda England é assim. Pra saber como é nos outros lugares, seria

necessário fazer uma pesquisa mais profunda, pra saber se essas características se aplicam a toda a

Inglaterra. Talvez vocês possam fazer isso em outro momento. (Gravação em áudio do encontro, 26

de novembro de 2014).

Percebe-se nesse excerto que eu tento problematizar os enunciados proferidos pelas

alunas que revelam em seu fio uma visão essencializada de cultura. Tanto Joaninha, nas linhas

1 e 3, e Daniella, nas linhas 6 e 7, se referem à Inglaterra e Alemanha, respectivamente, por

meio do advérbio “lá”. A partir da linha 8, sigo a instrução fornecida por Mantle-Bromley

(1997, p. 449) de ressaltar o fato de que “fazer generalizações sobre uma cultura é arriscado,

já que tantas outras sub-culturas existem dentro dela”. Quando Daniella reverbera em sua fala

o discurso de uma tia que já esteve na Alemanha (linha 7), revela em seu discurso a

intolerância ao diferente. Convido essa aluna a repensar os conceitos de “ruim” e “bom”,

mostrando que ambos são relativos já que cada grupo cultural utiliza tais categorizações de

acordo com a sociedade em que está inserido. Em outras palavras, chamei a atenção para o

fato de que “uma grande parte do que chamamos de cultura é um construto social, o produto

das percepções do eu e do outro” (KRAMSCH, 1993, p. 205). Na linha 13, retomo uma fala

de Joaninha para mostrar à turma que o outro também pode construir generalizações acerca de

nós, as quais são igualmente perigosas.

Apesar das oportunidades de problematização pouco exploradas em alguns momentos,

acredito que este encontro possa ter auxiliado as alunas a se aproximarem da intersecção entre

o familiar e o diferente, visto que vivenciar essa intersecção significa descobrir que cada uma

das culturas em voga é muito menos monolítica do que parecia ser (KRAMSCH, 1993).

3.2.3 A HQ “Spine Tingling Stories”

Os quatro amigos do bairro do Limoeiro, isto é, Jimmy Five, Maggy, Smudge e

Monica, estão reunidos contando histórias de terror. De repente, Smudge chama a atenção da

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turma e adverte que contará uma história “arrepiante”. A partir de então, entra em cena uma

família feliz e inocente que se muda para uma mansão mal-assombrada. Barulhos estranhos e

uma porta semiaberta durante a noite, além de um gnomo que surge em espaços diferentes da

casa com frequência, são indícios que levam o mais jovem morador da casa representado

pelo próprio Smudge a desconfiar que há algo errado ali. Quando ele descobre que há uma

maldição em torno do local, já é tarde demais. No fim, seus pais enlouquecem e o garoto é

obrigado a assumir o posto de gnomo da mansão pelos próximos dez anos. O natural seria que

os ouvintes da história, a saber, Maggy, Monica e Jimmy Five, se assustassem, mas é o oposto

que acontecesse: ao terminar de contar a sua história de terror “arrepiante”, Smudge percebe

que todos os seus amigos estão dormindo. O garoto, ao contrário, vai embora para casa

temendo o gnomo da história que ele mesmo inventou.

Figura 13 Ilustração da HQ “Spine Tingling Stories”

Fonte: SOUSA, M. de. Spine tingling stories. In: Monica’s Gang, n. 42. São Paulo: Panini Comics, 2013.

No decorrer dos história, Smudge adentra vários cômodos da casa na tentativa de

desenvendar o mistério por trás dos eventos incomuns presenciados por ele. Aproveitamos

esse gancho para estabelecer uma comparação entre o lar de Smudge e aquele das alunas,

além de iniciar uma discussão pós-leitura sobre a variedade de habitações ao redor do mundo.

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Essa aula propiciou momentos de reflexão acerca de estereótipos culturais fortemente

impregnados nos discursos das participantes.

3.2.3.1 Análise do décimo primeiro encontro: revendo estereótipos

Cientes de que aquele seria o nosso último encontro, as alunas Joaninha, Daniella,

Megue e Naty chegaram todas no horário combinado. Nenhuma delas soube me informar o

motivo da ausência de Luísa. Sendo assim, quatro das cinco participantes estavam presentes

nessa data. Utilizei os primeiros minutos da aula para fazer uma revisão das histórias que

lemos, das discussões e dos itens lexicais aprendidos por meio de cada um dos encontros.

A partir de então, questionei o significado do título da história: Spine tingling stories.

As alunas colocaram as estratégias de leitura em prática e conseguiram decifrar o título com

base nas figuras da HQ e em algumas palavras específicas presentes no texto. Esse fato

comprova o ponto de vista de Galloway (1997) de que o trabalho com textos autênticos na

sala de aula pode tanto desenvolver a consciência intercultural dos aprendizes quanto

fortalecer suas habilidades de leitura.

Como forma de ativar o conhecimento prévio do grupo sobre o tema da HQ, foram

elencados pelo grupo vários exemplos de histórias de terror conhecidas e disseminadas no

Brasil, e, com a minha ajuda, as alunas lembraram-se de algumas histórias de terror

americanas vistas em filmes e seriados. Essa atividade foi uma ponte para a leitura da história

em si, a qual foi feita de acordo com as estratégias de leitura já trabalhadas anteriormente.

Conforme líamos a história, o vocabulário de partes da casa em inglês foi sendo apresentado.

No momento pós-leitura, escrevi a palavra home no quadro e expliquei o seu

significado. Em seguida, pedi que cada aluna fizesse em um papel um desenho representativo

dessa palavra. Foi explicado que elas poderiam desenhar qualquer residência que viesse à

mente delas, não necessariamente aquela onde elas moravam. Na sequência, cada aluna

deveria descrever os cômodos existentes no seu próprio desenho empregando, para tanto, as

estruturas there is e there are. Além de fazer uso da língua-alvo, o objetivo era conscientizar

as alunas de que a interpretação que damos às palavras e aos objetos que nos cercam expressa

a realidade cultural em que estamos inseridos (KRAMSCH, 1997). Vejamos um trecho do

momento em que as participantes relatam o que há em seus desenhos:

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Recorte 27

1. Joaninha: there are three bedrooms and one bathroom.

2. Fernanda: there are three bedrooms and one bathroom ((escrevendo essas palavras no quadro)). And

you Megue?

3. Megue: three bedrooms. One kitchen. One living room. One quintal grande.(...)

4. Fernanda: o que vocês acham que as influenciou a desenhar justamente essa “home”? Por que não

um lugar maior ou menor?

5. Daniella: a minha é porque a minha casa é grande mesmo, não tem quatro suítes, tem duas, e

vai fazer a cozinha americana também, aí tem a sala de jantar, a sala de visita.

6. Fernanda: And you Megue?

7. Megue: é a minha casa mesmo.

8. Fernanda: E se eu fizesse essa mesma pergunta para um americano, por exemplo, vocês acham que a

casa seria desenhada da mesma forma que vocês desenharam?

9. Megue: acho que sim.

10. Joaninha: diferente.

11. Fernanda: why?

12. Joaninha: porque, tipo/

13. [Megue: tem um porão lá

14. Joaninha: isso que eu ia falar

15. Fernanda: basement ((escrevendo a palavra basement no quadro))

16. Joaninha: uma sala só de jogos, pelo menos as pessoas mais ricas. (Gravação em áudio do encontro,

03 de dezembro de 2014).

Assim como previsto, as alunas recorreram ao seu próprio “horizonte cultural

familiar” (REES, 2008, p.27) no momento de representar por meio de uma imagem a palavra

home. Mesmo se tratando de uma palavra de origem inglesa, todas as participantes

descreveram casas similares ou iguais as que elas moravam, conforme atestado nas linhas 1,

3, 5 e 7. Considerando que há certos elementos culturais atrelados à língua (RISAGER, 2010),

era natural que as aprendizes recorressem à sua linguaculture ao criar uma representação para

a palavra supramencionada.

Ao perguntar se um americano faria um desenho similar ao delas, na linha 8, busquei

levar o grupo a refletir sobre a mesma palavra contemplada anteriormente, desta vez, partindo

de uma perspectiva externa. O objetivo era colocar em prática um dos pontos da abordagem

intercultural (CORBETT, 2003): estimular as participantes a observar um elemento que

subjaz a cultura do outro da língua-alvo. Megue e Joaninha são capazes de realizar essa

observação e chegarem à conclusão de que um americano partiria do seu universo cultural no

momento de ilustrar a palavra, conforme apontam as linhas 13 e 16. Ao se referir ao porão

(linha 13), cômodo pouco comum em casas brasileiras, mas corriqueiro em residências dos

Estados Unidos, Naty estabelece uma comparação entre a realidade dela e do outro

americano. O mesmo pode ser dito com relação à Joaninha (linha 16), participante que mesmo

reconhecendo que a sala de jogos não se aplica à residência de todos os americanos, também é

capaz de cogitar outras percepções acerca de um mesmo objeto (FARACO, 2009).

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Infelizmente, não foi possível dar continuidade a esse diálogo porque, naquele exato

momento, o coordenador da escola interrompeu o nosso encontro para realizar um

comunicado. Após esse incidente, dei início à outra atividade: mostrei várias fotos de

residências ao redor do mundo. Havia oito fotos ao todo, as quais foram retiradas da internet.

Cada foto exibia a parte externa de uma habitação nos seguintes países: Estados Unidos,

Brasil, Grécia, Inglaterra, Índia, África do Sul, Áustralia e China. No entanto, a origem delas

não foi revelada ao grupo.

Estimulei as alunas a descrever cada uma das habitações empregando as estruturas

there is e there are, seguidas pelas partes da casa. Dessa forma, seria possível colocar em

prática o vocabulário que havia sido apresentado previamente. Além disso, foi pedido que elas

dialogassem entre si e decidissem de modo conjunto em quais países cada um dos locais

exibidos nas fotos estavam localizados. Nesse último momento, ficou claro que as decisões

das alunas se baseavam em apenas um critério: se as casas fossem grandes e bonitas,

deveriam estar localizadas na Europa, nos Estados Unidos ou na Austrália. Do contrário,

provavelmente advinham de algum país menos desenvolvido socialmente. Em outras

palavras, as associações entre foto e país não eram aleatórias, pelo contrário, seguiam um

padrão bastante simplificado que evidenciava a forma como as estudantes caracterizavam

outras nações.

Após trabalhar o vocabulário relacionado a partes da casa e conferir a decisão das

participantes quanto à origem das residências, finalmente revelei onde cada uma delas estava

situada. A passagem seguinte mostra que essa interação abriu espaço para a reformulação de

julgamentos erroneamente pré-concebidos sobre outros países:

Recorte 28

1. Fernanda: aqui vocês disseram João Paulo ((referindo-se ao setor localizado na periferia de

Goiânia))

2. Fernanda: Na verdade está na África do Sul, South Africa.

3. Megue: nossa, eu pensei que lá nem tinha casa.

4. Daniella: nem parece.

5. Joaninha: essa casa é na África do Sul? Pra mim eles viviam na rua.

6. Fernanda: na África do Sul?

7. Megue: foi o que eu imaginei, dormir no chão, porque do tanto que o povo fala mal de lá.

8. Fernanda: mas será que é verdade, é tudo pobreza lá?

9. Megue: não.

10. Joaninha: não, acho que tem a parte rica também, eu acho não, tem.

11. Eu: aqui no Brasil também não é assim? Tem a parte bem pobre, mas também tem a classe média e a

classe alta.

12. Daniella: mas eles só mostram os pobres.

13. Fernanda: no Brasil também é dessa forma. É a generalização. Qual vocês acham que é a imagem

que os outros países tem de nós? É uma imagem positiva ou negativa?

14. Daniella: negativa, no Brasil é tudo negativo. ((risos))

15. Daniella: só o futebol que não. ((risos))

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16. Megue: futebol tá horrível também.

17. Joaninha: lá no exterior só sabem falar de Rio de Janeiro e São Paulo, só.

18. Fernanda: e o que falam desses lugares?

19. Joaninha: falam que é praia.

20. Daniella: favela, carnaval.

21. Joaninha: aham, eles falam assim, Rio de Janeiro carnaval, São Paulo é praia essas coisas.

22. Fernanda: É, a gente volta naquela questão, o que é perception e o que é reality. No Brasil tem

favela, sim, mas não é só isso. Pra conhecer mais a gente tem que ir mais fundo. Esse aqui vocês

pensaram que era a Índia. Surpreendeu quando vocês descobriram que era a Austrália?

23. Joaninha: surpreendeu demais, porque pra mim a Austrália era o país dos ricos.

24. Daniella: né? (Gravação em áudio do encontro, 03 de dezembro de 2014)

Percebe-se que, cada vez que as participantes se dispunham a participar dos diálogos

produzidos em sala de aula, estereótipos e generalizações que estavam submergidos eram

trazidos à baila e questionados. Isso prova que Mantle-Bromley (1997) tem razão ao defender

que o desenvolvimento da consciência intercultural é um processo contínuo.

No excerto anterior, Megue e Joaninha assumem um ponto de vista bastante

estereotipado sobre os sul-africanos ao sustentarem que eles não possuem moradia. As

afirmações de Megue e Joaninha não são contestadas verbalmente por Naty ou Daniella,

provavelmente porque essas duas participantes não discordavam das colegas. Destaca-se o

fato de Megue reverberar em seu enunciado um discurso comumente ouvido e reproduzido no

dia-a-dia de que na África somente existe pobreza, atestado na frase “porque do tanto que o

povo fala mal de lá” (linha 7). Na tentativa de desmistificar esse discurso, procuro mais uma

vez fazer com que as participantes lancem um olhar para si mesmas no intuito de contestar os

estereótipos direcionados aos brasileiros. Nesse processo dialógico de “ver os outros e rever

eles mesmos” (CORBETT, 2003, p.18), as aprendizes notam que a visão negativa que elas

apresentam perante os sul-africanos é similar a que outras pessoas que se baseiam em um

nível superficial de análise podem ter com relação ao Brasil. Agindo como mediadora

intercultural da discussão, retomo novamente na linha 22 a questão da realidade versus

percepção e a importância de se realizar uma reflexão mais profunda no encontro com outras

culturas.

Nota-se que, da mesma forma que as generalizações podem depreciar, como no caso

da África do Sul, também há momentos em que as participantes visualizam o outro país como

sendo omisso de problemas sociais. Esse pensamento se desvela na linha 23, quando Joaninha

caracteriza a Austrália como “o país dos ricos”. Nessa sucessão de pontos de vista

polarizados, as participantes demonstram possuir um conhecimento bastante superficial

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acerca de outras localidades e, por isso, reproduzem um discurso que sustenta uma

perspectiva deformada e preconceituosa do outro.

Esses estereótipos e generalizações que emergiram nesse encontro e em outros

diálogos presentes no curso nos chamam a atenção para a premência em levar para as aulas

discussões culturais que direcionem os aprendizes ao terceiro lugar. Analisando os dados sob

o ponto de vista dialógico de Bakhtin (1997), entendemos que aqueles velhos discursos

generalizadores que circulam pela sociedade, compreendidos passivamente e aderidos ao

repertório discursivo dos aprendizes, precisam ser questionados e ressignificados no contexto

escolar.

3.3 UM NOVO COMEÇO: REFLEXOS DO CURSO NAS PARTICIPANTES

Nas seções prévias, descrevemos como os diálogos promovidos no curso tiveram o

propósito de guiar as aprendizes ao encontro do “outro” da língua-alvo e incentivá-las a

direcionar um novo olhar sobre si mesmas.

Corroboramos a premissa bakhtiniana de que, como sujeitos inacabados que somos,

invariavelmente nos reconstruímos a cada nova interação da qual fazemos parte. Fundando-se

nisso, cremos que as participantes tiveram de alguma forma suas subjetividades modificadas

nos inúmeros contatos dialógicos dos quais fizeram parte ao longo do curso. Contudo, era

necessário atestar até que ponto os sentidos construídos na interlocução com o outro

colaboraram para o avanço na consciência intercultural delas. Somente ao ouvirmos a

contrapalavra de cada uma das aprendizes, adquirida por meio de uma entrevista final, é que

conseguimos essa resposta. Mais a frente, expomos o que essas entrevistas revelaram.27

3.3.1 O que as entrevistas revelaram

A categoria que mais sobressaiu nas entrevistas foi o aprimoramento da competência

linguística das participantes. Além disso, é possível notar em alguns trechos indícios de

sensibilização ao intercultural. Destaca-se também o fato de a contrapalavra das aprendizes

revelar em seu fio aspectos relativos à microcultura de ensinar e aprender dos estudantes do

contexto pesquisado. Todas essas categorias são detalhadas mais adiante.

27 Infelizmente, não foi possível ouvir a participante Luisa, visto que ela se mudou para outra cidade antes da

realização da entrevista final. Com isso, não obtivemos a contrapalavra dela acerca das ações desenvolvidas

no curso. Por não sabermos ao certo até que ponto o curso provocou a expansão de seus horizontes culturais,

o nome dela não é mencionado nas partes seguintes deste trabalho.

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3.3.1.1 Aprimoramento linguístico

Embora o aprimoramento linguístico não fosse o foco principal desta pesquisa, as

análises das participantes ao fim do curso foram mais de ordem linguística do que cultural.

É possível perceber na entrevista de Naty que o curso a aproximou da língua inglesa.

Se retomarmos as respostas dessa aluna ao questionário aplicado nos primeiros encontros,

veremos que ela considerava o inglês uma língua difícil, por isso pouco se interessava por

materiais expressos no referido idioma. Essa postura de desinteresse foi sendo alterada ao

longo do curso:

Recorte 29

1. Naty: ((o curso)) foi uma experiência boa, assim, porque eu tive a oportunidade de aprender mais

sobre o inglês, outras palavras que eu não sabia, né, ler as histórias, tem coisa que eu não tinha o

hábito de fazer e que eu tô fazendo.

2. Fernanda: O que, por exemplo?

3. Naty: Tipo, na internet eu fico mais tempo agora, mais eu fico mais em coisa de inglês, histórias em

inglês. Eu tô aprendendo mais do que antes. (...) Foi legal porque eu não sabia muita coisa, né, coisa

que eu via que era em inglês eu já deixava de lado, não tinha muito interesse. (Entrevista, 11 de

dezembro de 2014.)

Pennycook (2001) afirma que a escola reproduz e reflete relações sociais. O

depoimento de Naty confirma que as relações dialógicas estabelecidas com a professora-

pesquisadora e as demais colegas refletiram nas práticas sociais da aluna fora do ambiente

escolar. É importante mencionar que a linguagem peculiar do gênero história em quadrinhos

contribuiu significativamente para essa mudança de perspectiva, o que corrobora o ponto de

vista de Vergueiro (2006) sobre a eficiência das HQs no ensino.

Naty foi uma estudante que mais participou como ouvinte do que como locutora no

decorrer do curso. No entanto, toda compreensão é prenhe de resposta (BAKHTIN, 1997), e

com Naty não foi diferente: sua contrapalavra revela como as interações centradas em torno

das HQs ativaram nela uma atitude responsável (e responsiva) além dos muros da escola.

Mais uma vez, vemos como os demais membros da sala de aula, as revistas em quadrinhos e

os contatos interculturais evocados a partir delas foram importantes para que Naty mudasse

sua postura com relação à língua inglesa fora da escola. Atesta-se, com isso, a importância do

“outro” na constituição do “eu” e a preponderância do social como elemento propiciador do

individual.

O mesmo vale para Daniella, participante que, por meio do curso, foi capaz de ler pela

primeira vez uma história em quadrinhos em inglês e se expressar oralmente nessa língua:

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Recorte 30

1. Daniella: Foi bem legal, bem diferente, porque eu nunca imaginei poder ler uma história em

quadrinhos em inglês, então foi diferente, eu gostei.

2. Fernanda: Foi a primeira vez que você leu uma história em inglês?

3. Daniella: A primeira vez.

4. Fernanda: O curso conseguiu atender as suas expectativas? No seu questionário, você escreveu que

queria aprender melhor a falar inglês pra poder cantar músicas/

5. Daniella: Ahan, sim, porque eu fui tendo uma base de como falar em inglês, foi melhor pra mim, me

ajudou. (Entrevista, 16 de dezembro de 2014)

A declaraçao de Daniella confirma o que registrei no meu diário de campo no décimo

encontro (recorte 21). Nesse dia, percebi o quanto Daniella e Naty haviam expandido seu

vocabulário e aperfeiçoado suas habilidades de leitura na língua-alvo ao longo dos dias em

que nos reunimos. As próprias alunas também estavam conscientes desse progresso, de forma

que, nos últimos encontros, arriscavam-se mais do que antes a se expressar na língua-alvo e a

realizar a leitura das histórias em voz alta.

Megue poucas vezes projetou sua voz durante os encontros. Apesar disso, ela revelou

em sua entrevista ter conquistado a habilidade de ler em inglês devido ao curso:

Recorte 31

1. Megue: Foi uma experiência a mais pra mim, principalmente nas aulas de inglês da escola. Eu

aprendi muitas coisas, até coisas que eu já tinha aprendido nas séries anteriores da minha escola, eu

reaprendi de novo (+) porque já tinha esquecido algumas coisas. Foi muito bom.

2. Fernanda: Mais alguma coisa que você queira apontar?

3. Megue: Tá melhor até pra ler alguma coisa mais simples do inglês (+) gibis (+) ficou muito mais

fácil. Eu não sabia ler em inglês, e agora eu sei. Ficou até melhor agora pra eu estudar na escola, né,

vou entender mais. (Entrevista, 11 de dezembro de 2014)

Queremos destacar a mudança de postura com relação à leitura na língua-alvo

apresentada por Megue e Daniella. No questionário, Megue respondeu que sempre “passava

para a frente” a leitura quando o texto era em inglês, ao passo que Daniella comentou que

achava a língua inglesa muito difícil, por isso não tinha o hábito de ler na referida língua. Pela

primeira vez, essas alunas foram capazes de estabelecer um diálogo entre a L1/C1 e a L2/C2.

Esse é o primeiro passo em direção ao desenvolvimento da consciência intercultural, já que,

dentro da perspectiva de língua como discurso, apropriar-se de uma língua/cultura estrangeira

significa conhecer outros valores e, por conseguinte, ter acesso a uma nova forma de

compreender o mundo (BYRAM; FLEMING, 1998).

Joaninha, a participante autodidata, foi a única que informou no questionário já possuir

o hábito de ler em inglês fora da sala de aula antes do curso. Ela aproveitava cada encontro

para aprender novas palavras, esclarecer o significado de itens lexicais desconhecidos e se

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expressar oralmente na língua-alvo. Não raro, ela auxiliava as colegas que tinham mais

dificuldade durante a leitura e as discussões. A motivação e autonomia dessa aluna

acentuaram ainda mais o seu progresso linguístico no decorrer dos encontros. A própria

Joaninha aponta tal progresso durante a entrevista. Para ela, o curso foi responsável por

ampliar seu vocabulário na língua-alvo e refinar sua pronúncia:

Recorte 32

1. Joaninha: Pra mim foi (+) melhorou muito a minha pronúncia. É:: o meu campo de sabedoria, tipo

assim, tinha coisas que eu não sabia sobre inglês, por exemplo, você falou sobre gírias, essas coisas,

tinha palavras que tinham vários significados e eu não sabia também e aprendi lá. E ajudou bastante

porque tem coisa que eu faço que é só em inglês. Aí eu preciso saber, né. (Entrevista, 20 de janeiro

de 2015)

Em síntese, o curso ajudou Joaninha a expandir ainda mais o seu conhecimento da

língua inglesa. “Eu não sabia ler em inglês, e agora eu sei”, “eu nunca imaginei poder ler uma

história em quadrinhos em inglês” e “está melhor até para ler”, são enunciados encontradas

nas entrevistas das outras estudantes que apontam para uma perspectiva de língua que não é

mais tão difícil e distante da realidade delas como antes.

3.3.1.2 A repercussão dos encontros na consciência intercultural das participantes

Segundo Kramsch (1993), o terceiro lugar, isto é, o espaço simbólico onde é

construída uma compreensão menos parcial da C1 e da C2, deve ser o alvo da educação

intercultural. Cabe ressaltar que esse espaço de intersecção entre a C1 e C2 pode tanto gerar

conflitos quanto promover perspectivas culturais menos etnocêntricas (FIGUEREDO, 2007),

afinal, devemos visualizar a consciência intercultural como um continuum que vai desde a

estereotipação até uma visão não-relativista do outro e de si próprio (Hanvey, 1979 apud

Damen 1987).

Joaninha foi a única participante que, efetivamente, se moveu ao longo desse

continuum, abandonando uma postura fundada em julgamentos superficiais e avançando em

direção a um estado de observação crítica da C1 e C2. Ela revela em sua entrevista como foi

capaz de rever estereótipos e construir novas perspectivas sobre o “outro” da língua-alvo:

Recorte 33

1. Joaninha: A gente olha pro outro país como se ele fosse tipo o país né, lá não tem pobreza, ninguém

passa dificuldade, todo mundo é chique, né, como dizem, e realmente abriu o nosso olho, a nossa

visão né, porque todo mundo tem essa visão de que os Estados Unidos é um país rico, acho que é um

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país bom, só que tem pobreza, tem dificuldade. Essa atividade foi muito boa ((referindo-se à

atividade feita após a leitura da história “Spine Tingling Stories”)). (+) E na hora de julgar as

imagens, julgava o país de acordo com a imagem, né, se fosse um país chique, ah, esse aqui é os

Estados Unidos, é a Inglaterra, mas não era ((risos)).

2. Fernanda: você sentiu que teve alguma aprendizagem cultural?

3. Joaninha: Sim. É:: quando você falou (+) dessa mesma atividade, eu não sabia que tinha casa na

India daquele jeito. Eu nunca tinha parado pra pensar em como eram os países. Porque pra mim, só

os Estados Unidos. Estados Unidos, Inglaterra, pronto. Só pra lá que importava. Aí com essas

atividades, eu não tinha nem percebido, aí você foi mostrando os países, eu pensava, nossa é bem

mais bonita a estrutura desse país do que dos Estados Unidos. Vai ver nesse país a cultura é mais

interessante do que nos Estados Unidos. Foi bem engraçado!

4. Fernanda: E sobre a sua cultura?

5. Joaninha: Assim, em comparação com os outros países sim, porque (+) refleti só no modo de

comparação, porque a minha cultura é minha cultura, eu gosto, e não tem nada que eu queira mudar.

Agora, o que me levou a refletir é a diferença, né. Lá nos Estados Unidos, o arroz pra eles

praticamente nem existe, né, eles nem comem esse tipo de coisa. E na Índia também, eles não

comem esse tipo de comida, as roupas são diferentes. A única coisa que me levou a refletir foi isso.

Agora questão de melhor ou pior, não. Cada um tem a sua cultura e pronto. (Entrevista, 20 de

janeiro de 2015)

Na linha 1, Joaninha revela ter descoberto por meio do curso um lado do outro norte-

americano que lhe era desconhecido. Devido às tendências culturais lançadas pelos Estados

Unidos via filmes, música, seriados e outros produtos, Joaninha vislumbrava esse país como,

em suas próprias palavras, “rico”, “chique” e “bom”. Ao lançar um olhar mais atento, ela

notou que, assim como em qualquer outro local, também há desigualdade social ali. Somado a

isso, o curso possibilitou a ampliação de seus horizontes culturais conforme atestado na linha

3, em que a estudante afirma que passou a considerar outras culturas fora do âmbito Estados

Unidos-Inglaterra.

No que tange à C1, Joaninha demonstra ter se desvencilhado de julgamentos

etnocêntricos ao estabelecer comparações entre o familiar e o diferente, já que, na linha 5, ela

afirma não ver as culturas alheias como superiores ou inferiores à sua. Portanto,

consideramos que ao desenvolver uma “concepção do “outro” livre de julgamentos

etnocêntricos” (FIGUEREDO, 2007, p.57), reconhecendo suas próprias atitudes e

considerando aquele que se diferencia dela, Joaninha consegue se instaurar na intersecção

entre a C1 e C2, local onde novas perspectivas culturais são formadas, e desenvolver a sua

consciência intercultural.

Contudo, a linha 5 evidencia também que a aluna ainda vizualiza a cultura como um

bloco homogêneo: ela utiliza o termo “cultura” no singular e apresenta generalizações ao se

referir aos americanos dizendo que “o arroz para eles praticamente não existe” e aos

indianos, ao afirmar que “eles não comem” arroz. Considerando que o aprendizado cultural é

um processo lento e contínuo (MANTLE-BROMLEY, 1987), acreditamos que a aluna ainda

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precisará se envolver em mais discussões de cunho intercultural para que esses discursos

monolíticos sobre o “outro” possam ser repensados.

A entrevista com Daniella evidenciou que o curso lhe ajudou a conhecer novos fatos

sobre as culturas inglesas:

Recorte 34

1. Daniella: Eu achei ((o curso)) legal, porque eu pude aprender mais sobre as culturas inglesas, falar

um pouquinho inglês, é bom pra me ajudar no que eu precisar.

2. Fernanda: Você disse “culturas inglesas”. O que destacou pra você nessa parte?

3. Daniella: Assim, as comidas, os lugares, como eles falam em tal lugar, em um lugar, em outro lugar.

(Entrevista, 16 de dezembro de 2014)

É certo que ser um falante interculturalmente competente é bem mais do que acumular

fatos sobre outras culturas (CORBETT, 2003). No entanto, é necessário considerar a trajetória

de Daniella ao longo do curso. No sexto encontro, foi exposto que a participante possuía um

nível incipiente de consciência intercultural, tendo em vista a aparente falta de percepção

sobre si mesma e acerca do “outro” da língua-alvo. Aos poucos, a participante começou a

exercer o seu dever singular (BAKTHIN, 2010) ao se posicionar discursivamente nas

discussões, de forma que, nos últimos encontros, sua fala aparece com mais frequência nas

gravações. Acredito que, ao participar dos diálogos sobre estereótipos e generalizações acerca

do “outro” da língua-alvo, Daniella passou a reconhecer que existe mais de uma cultura

inglesa. Portanto, o termo “culturas inglesas”, utilizado nesse trecho da entrevista, indica que

a participante foi capaz de identificar o “outro” e as suas múltiplas faces nesses últimos

encontros.

Naty também se refere às culturas inglesas em sua entrevista:

Recorte 35

1. Fernanda: O curso correspondeu às suas expectativas?

2. Naty: Sim, porque eu pude aprender bastante coisa.

3. Fernanda: Que coisas?

4. Naty: sobre o inglês e as culturas deles.

5. Fernanda: Que culturas? Você pode descrever isso melhor?

6. Naty: Eu pesquisei mais sobre o Halloween mesmo, é uma coisa já que eu gosto e que eu já fazia

antes, e também tem o inglês, porque, comecei a ir atrás de histórias em inglês que tem ele (o

Halloween). (Entrevista, 11 de dezembro de 2014)

Apesar de aparentemente estar a par da existência de mais de uma cultura inglesa, é

possível inferir pela linha 6 que a participante ainda possui um nível limitado de

conhecimento sobre a L2/C2. Se no passado Naty já era uma apreciadora do Halloween, seu

interesse ainda continua após o curso, com a diferença que, agora, ela procura por materiais

relativos a essa celebração em inglês. Contudo, a participante não revela na entrevista ter ido

além ao interpretar criticamente outras culturas e revisar asserções sobre a sua cultura-fonte

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(LADO, 1997), atitudes essenciais para a formação de falantes interculturalmente

competentes. O curso, portanto, não propiciou um avanço significativo na consciência

intercultural de Naty, apenas sensibilizou a aluna para a diversidade constitutiva do “outro” da

língua-alvo.

Megue esteve ausente em três encontros e, consequentemente, não participou de

alguns dos diálogos interculturais mais cruciais do curso. Além disso, foram poucas as vezes

em que ela projetou sua voz nos dias em que esteve presente, de modo que não sabíamos ao

certo como as interações conduzidas nos encontros estavam sendo processadas por ela. Por

meio da entrevista final, foi possível deduzir que ela aparentemente obteve progresso apenas

no campo linguístico, visto que em nenhum momento foi mencionada a questão cultural em

sua entrevista. Quando questionei o motivo de ela pouco projetar a sua voz nas discussões

culturais que surgiram ao longo do curso, ela alegou que, “por não conhecer os outros países e

por não conhecer o lugar onde a gente fica”, houve dificuldade em participar das interações

em que eu solicitava que ela falasse sobre a sua cultura e a cultura do “outro” da língua-alvo.

Essa fala vai ao encontro do que expressei no diário de campo. Nas minhas anotações nele

(recorte 17), relato ter a impressão de que essa participante nunca tivesse emitido opinião

sobre os aspectos culturais do Brasil e dos países anglófonos previamente. De qualquer forma,

acredito que as reflexões tecidas nos dias em que ela esteve presente tenham pelo menos

levado a aluna a reconhecer elementos da C1 e da C2 que passavam despercebidos antes.

Tendo o seu repertório de conhecimentos sobre informações culturais básicas sido ampliado,

há uma maior chance de ela compreender fenômenos culturais mais complexos futuramente

(LAFAYETTE, 1997). É importante mencionar também a hipótese de que caso tivesse

participado de todos os encontros, o avanço na consciência intercultural dela poderia ter sido

mais visível ao fim do curso.

Assim como Kramsch (1993), defendemos que cada um encontra o terceiro lugar em

um momento diferente. Portanto, acreditamos que os encontros dialógicos estabelecidos no

curso tenham aberto caminho para que Naty, Daniella e Megue, as participantes que pouco

avançaram no continuum intercultural (DAMEN, 1987), construam novas perspectivas

culturais no futuro.

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3.3.1.3 O contraste entre o curso e as aulas de inglês da escola

Nas primeiras aulas, a microcultura de aprender das alunas foi um fator que se

destacou a ponto de gerar certas adaptações na minha forma de conduzir os encontros. Ao

longo da análise dos dados, minhas reflexões me levaram a concluir que a forma com que eu

ensinava e a maneira com que as alunas estudavam inglês na escola eram distintas. Alguns

trechos das entrevistas corroboram a minha constatação de que a formação escolar em língua

inglesa das participantes não as encorajava a se comunicarem no idioma ensinado ou a

“construírem uma compreensão mais completa e menos parcial de ambos C1 e C2”

(KRAMSCH, 1993, p.210). A título de exemplo, três alunas admitiram durante a entrevista

ter tido dificuldade em colocar no papel suas impressões sobre as culturas brasileiras e as

culturas em língua inglesa no sexto encontro, dado que revela a falta de conhecimento prévio

delas sobre o assunto:

Recorte 36

1. Natty: Eu fiquei pensando, mas eu não sabia nem o que escrever, e fiquei em dúvida do que fazer

na hora.

2. Fernanda: E porque você acha que ocorreu isso?

3. Natty Porque eu não conhecia as culturas muito bem, aí não sabia o que escrever. (Entrevista, 11 de

dezembro de 2014)

Recorte 37

1. Megue: Ahan (foi difícil). Eu pedi ajuda pras meninas.

2. Fernanda: Por que você acha que teve essa dificuldade?

3. Megue: Por eu não conhecer mesmo os outros países. Por não conhecer o lugar onde a gente fica.

(Entrevista, 11 de dezembro de 2014)

Recorte 38

1. Daniella: Eu achei tenso porque as culturas brasileiras são várias, né. Mas eu não soube descrever

todas. Mas eu tentei. Agora as culturas inglesas, eu não sabia nada, aí foi tenso. Eu não sabia o que

falar. (Entrevista, 16 de dezembro de 2014)

Na data em que esse encontro ocorreu, relatei no meu diário de campo ter a impressão

de que, em seus contatos dialógicos anteriores tanto na escola quanto fora dela, as

participantes não tivessem sido estimuladas a perceber e analisar criticamente os elementos

culturais que as definem como brasileiras e as distinguem do “outro” da língua-alvo.

Enunciados como “eu não conhecia as culturas muito bem”, “não conhecer os outros países”,

“não conhecer o lugar onde a gente fica” e “não sabia nada”, expostas nos excertos elencados

anteriormente, confirmam que a minha análise estava correta, isto é, a reflexão sobre as

múltiplas realidades culturais relacionadas aos países falantes de inglês e ao Brasil não fazia

parte do currículo escolar das aprendizes.

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Além de constatar que pouca ou nenhuma ênfase era dada à cultura nas aulas do

ensino regular, apontei também ao longo da minha análise dos encontros que a metodologia

aplicada ao ensino de inglês daquele contexto seguia uma linha mais tradicional

(FIGUEIREDO; OLIVEIRA, 2012), ao passo que o curso se pautava nos pressupostos da

abordagem comunicativa. Por meio da entrevista de Joaninha, é possível detectar que a

microcultura de aprendizagem dos estudantes da escola-campo em que o curso ocorreu, de

fato, distanciava-se da minha microcultura de aprender e ensinar. Essa participante comenta

durante a sua fala que o curso rompeu com as suas expectativas ao apresentar a língua inglesa

de uma forma diferente da qual ela estava acostumada:

Recorte 39

2. Fernanda: O curso atendeu as suas expectativas?

3. Joaninha: Atendeu. Atendeu até demais. Eu achei que ia ser aquela coisa tipo de copiar algumas

coisas, ver alguns slides, mas não foi nada disso, foi mil vezes melhor. Teve mais interação. (...)

Foi a primeira vez que li a Turma da Mônica em inglês. Não sabia que tinha em inglês, nunca tinha

ouvido falar, aí na hora que você falou que ia trabalhar com historia em inglês, a primeira

expectativa foi tipo assim: ah, a gente vai trabalhar com gibi em português pra depois tentar, sei lá,

estudar inglês, só que não, era tudo em inglês mesmo.

(...)

4. Joaninha: Eu achei muito bacana, bem divertido, eu queria que tivesse mais. Só isso. Ah, e o mais

engraçado que eu achei desse curso foi que nos meus quatro ou cinco anos que eu estudo inglês na

escola, eu aprendi mais no seu curso do que na escola. Eu nunca tipo peguei algo na escola. Ou eu

estudava em casa, ou com música ou aprendia em outros lugares. Aí o meu inglês era bastante

limitado na área de julgar os verbos. E na escola a gente sempre aprende isso. Julgar o verbo to be

sempre. Todo ano é verbo to be. E eu nunca peguei. Agora na sua aula, como tinha poucos alunos,

sua atenção era mais voltada pra gente. Aí melhorou bastante.

(Entrevista, 20 de janeiro de 2015)

Joaninha revela nesse trecho que esperava encontrar no curso aulas tradicionais em

que houvesse a tradução das histórias, a cópia no caderno e a apresentação de slides. Ela

expõe na linha 4 que houve uma progressão no seu aprendizado a partir do momento em que

ela se engajou nas atividades do curso. Em outros termos, o ensino da língua enquanto

discurso, engendrado no social (BAKTHIN, 1981), mostrou-se mais eficaz do que o ensino

estritamente gramatical em que o aluno aprende estruturas frasais soltas e dissociadas de seus

falantes. Isso pode ser atestado quando Joaninha comenta que, mesmo estudando verbo to be

repetidas vezes, ela nunca de fato aprendeu esse ponto gramatical.

A declaração de Joaninha me fez lembrar das aprendizes que frequentaram apenas o

primeiro dia do curso. Supõe-se que elas também não esperavam encontrar uma professora-

pesquisadora disposta a estimulá-las a ler e interagir na língua-alvo desde o princípio. No

entanto, diferentemente de Joaninha, a quebra de expectativa pode ter levado as alunas a

desistirem do curso ao invés de se interessarem por ele.

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É importante destacar que a própria Joaninha relaciona na linha 4 o número de alunos

à qualidade de sua aprendizagem. Assim como ela, reconheço que a forma como o sistema

público de ensino está estruturado não favorece a aprendizagem da L2/C2. Além disso,

acredito que esse seja um dos grandes empecilhos para a efetivação da prática de língua

enquanto discurso e da abordagem intercultural. Na escola-campo, há uma aula de inglês com

duração de cinquenta minutos por semana, e os professores devem ser capazes de ensinar

cerca de quarenta alunos em cada turma. Diante dessa realidade, o monitoramento do avanço

intercultural e linguístico dos estudantes por parte do docente pode acabar muitas vezes

ficando em um segundo plano ou simplesmente não sendo implementado. Em suma, há todo

um sistema que, a nosso ver, colabora para que os alunos permaneçam calados e fechados em

seus mundos. Em face disso, é necessário olhar para a microcultura de ensinar e aprender dos

membros da escola-campo considerando essas adversidades que se encontram na realidade

macro que eles vivenciam.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

We ought to think that we are one of the leaves of a tree, and the tree is all humanity. We

cannot live without the others, without the tree. (CASALS, 1876-1973)

Já analisados os dados, passamos à última parte do trabalho. Nas próximas linhas,

retomamos e respondemos as três perguntas apresentadas na introdução. Por fim, serão

tecidas algumas considerações finais.

RESPONDENDO ÀS PERGUNTAS DE PESQUISA

A primeira pergunta de pesquisa buscava averiguar de que maneira o contato com as

histórias em quadrinhos da Monica’s Gang poderia gerar diálogos interculturais no contexto

de ensino-aprendizagem de inglês como língua/cultura estrangeira. Os dados mostram que é

possível desencadear diálogos interculturais por meio das discussões promovidas a partir do

conteúdo presente nas histórias. Lembremos que, sob o prisma bakhtiniano, um diálogo

intercultural nada mais é do que o espaço de encontro estabelecido na esfera do discurso entre

a voz cultural do “eu” e do “outro”. Esse encontro ocorreu de formas diferentes em cada

encontro. Em outros termos, empregou-se o tema das histórias como elemento desencadeador

de discussões que pudessem trabalhar a consciência intercultural das participantes.

A história A little pig to the rescue permitiu que as participantes estabelecessem

comparações entre as onomatopeias da L1/C1 em face àquelas da L2/C2 e, a partir disso,

descobrissem as diferentes identificações desse recurso semântico em variadas

línguas/culturas.

O tema percepção versus realidade, encontrado na HQ The Shadows of life, deu ensejo

para que as participantes ativassem sua memória discursiva na tentativa de resgatar ali

características da cultura do eu, brasileiro, e do outro, falante de língua inglesa, bem como que

questionassem a validade de suas percepções.

As discussões conduzidas após a leitura Around the world with Maggy possibilitaram

que elas se posicionassem como sujeitos culturais frente às culturas de expressão em língua

inglesa. Deduz-se que, se todas as participantes tivessem realizado a pesquisa etnográfica

sobre outros países, atividade atribuída para casa, provavelmente a quantidade de diálogos

interculturais instaurados a partir desse encontro poderia ser ainda mais significativa.

A proposta de pesquisa etnográfica empreendida a partir da leitura da história A bit

clumsy envolveu as participantes em um processo de reflexão sobre as diversas microculturas

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que cada uma delas carrega. Aqui, os diálogos interculturais ocorreram entre as microculuras

distintivas dentro da própria sala de aula, e foram um convite para que as garotas lançassem

um olhar de etnógrafas sobre suas práticas culturais cotidianas e percebessem-nas como

construto sociais que são significados de forma distinta por membros de uma mesma

comunidade.

Por fim, a história Spine Tingling Stories serviu de ponto de partida para que as alunas

desmantelassem clichês e estereótipos arraigados em seus discursos sobre outros países.

Deve-se pontuar que a falta de conhecimento prévio das participantes no que tange a

informações culturais básicas foi um fator que à vezes comprometeu a produtividade desses

diálogos, isto é, as inferências sobre as culturas estrangeiras e as culturas nativas poderiam ter

sido melhor exploradas em certos momentos. No entanto isso não anula a visibilidade dos

diálogos interculturais, notados nos momentos em que as participantes reconheceram

universos culturais distintos dos seus e questionaram suas asserções acerca da L1/C1 e da

L2/C2. Sem dúvida, Joaninha e Luísa foram as participantes que mais dialogaram ao longo

dos encontros. No caso das demais aprendizes, consideramos que o curso foi um despertar

para a existência do “outro” da língua-alvo e para a percepção de si mesmas como seres de

múltiplas culturas.

A segunda pergunta de pesquisa teve como propósito descobrir como as participantes

interpretam os significados culturais presentes nas discussões.

No início, esses significados não eram nítidos para o grupo. Dizemos isso com base

nos primeiro encontros, haja vista a dificuldade das participantes em enxergar os elementos

próprios da L1/C1 e da L2/C2. As respostas vagas fornecidas no questionário aplicado no

quarto encontro revelaram que as aprendizes eram pouco familiarizadas com os significados

culturais da língua inglesa. No quinto encontro, as alunas descobriram que há diversas

codificações para um mesmo som em variados idiomas, algo que elas desconheciam. Além

disso, conforme atestado nas entrevistas, as estudantes tiveram dificuldade em externar suas

opiniões sobre o que era parte das suas culturas e quais elementos integravam as culturas do

“outro” da língua-alvo, ou seja, no início, elas reconheciam e interpretavam de maneira

bastante limitada os significados culturais emergidos nos encontros.

Do oitavo encontro em diante, estereótipos e generalizações despontaram com mais

frequência. Cada vez que surgiam, estes eram questionados e problematizados pela

professora-pesquisadora. Dessa forma, pode-se dizer que alguns significados culturais foram

sendo reinterpretados pelo grupo. A título de exemplo, as participantes foram estimuladas a

questionar a forma essencialista e estereotipada com que significavam as culturas dos Estados

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Unidos e da Inglaterra. Da mesma forma, foi desmistificada a concepção de que as culturas

em língua inglesa se resumiam a esses dois países, tendo em vista a existência de outros

países falantes de inglês. Além disso, as participantes foram levadas a reconhecer os

diferentes grupos culturais dentro do Brasil e de outras localidades por meio das discussões

feitas após a leitura das HQs A bit clumsy, Around the world with Maggy e Spine tingling

stories. Em outras palavras, a homogeneidade das culturas foi colocada em cheque, e alguns

significados culturais pouco visíveis ou previamente interpretados de maneira simplista foram

reconhecidos e reavaliados pelas participantes por meio do curso.

Infere-se que a ausência de momentos prévios de reflexão sobre os aspectos

linguístico-culturais do “eu” e do “outro” da língua-alvo pode ter sido o motivo de as

participantes terem encontrado dificuldade em participar com mais veemência dos diálogos

interculturais promovidos no curso. Isso nos leva à terceira pergunta de pesquisa: quais

microculturas podem ser identificadas no contexto investigado e de que forma elas influíram

no decorrer do curso? Além das microculturas trazidas à tona por meio das discussões pós-

leitura, destacamos aqui outras duas microculturas que se revelaram desde o primeiro

encontro e atuaram no percurso da pesquisa: a microcultura de aprender das alunas e a

microcultura de aprender/ensinar da professora-pesquisadora. Nos primeiros encontros, houve

um choque entre as minhas práticas e crenças com relação ao processo de ensino-

aprendizagem e aquelas das alunas. Entrei no curso disposta a me comunicar na língua-alvo a

maior parte do tempo e colocar as alunas no centro do processo de aprendizagem ao promover

atividades interativas em grupo e estimular a participação delas. Por sua vez, as participantes,

com excessão de Joaninha, sentiam-se desconfortáveis ao terem que se expressar na língua-

alvo, recorriam à tradução das palavras desconhecidas nas HQs com frequência e pouco

opinavam nas discussões, mesmo em português. Outro fator que influiu na ausência

expressiva de participações foi a aparente falta de reflexões prévias sobre temas culturais.

Assim, pode-se dizer que a professora-pesquisadora almejava aplicar a abordagem

comunicativa e intercultural, ao passo que as alunas estavam acostumadas às aulas pautadas

no método de gramática e tradução e reproduziam no curso o comportamento que elas tinham

durante as aulas do ensino regular.

Houve, então, um processo de adaptação à microcultura do outro, tanto da minha parte

quanto da parte das alunas. Foi possível notar que as trocas interacionais na língua-alvo foram

drasticamente reduzidas e substituídas por discussões na língua portuguesa. Outrossim, o

pouco conhecimento expressivo das alunas sobre as questões linguístico-culturais de inglês

fez com que os encontros objetivassem mais levá-las a descobrir informações culturais e rever

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estereótipos do que trazer à baila discussões sobre a carga cultural das palavras presentes nas

HQs (languaculture). Igualmente, é possível detectar que, aos poucos, as alunas passaram a

projetar as suas vozes nas discussões e se arriscaram a empregar a língua-alvo com mais

frequência do que no início do curso.

As observações feitas ao longo destas linhas revelam que o objetivo que tínhamos de

contribuir com o processo de ensino-aprendizagem das participantes ao ampliar seus

horizontes linguísticos e culturais foi alcançado. No entanto, o ideal seria que um currículo

intercultural e comunicativo também fosse implementado nas aulas de inglês da escola-

campo. Assim, os diálogos interculturais poderiam continuar a se fazer presentes naquele

contexto, de preferência na própria língua-alvo. Essa medida implicaria na prática de ensino

de inglês como língua-discurso (BAKTHIN, 1997), já que as unidades da língua seriam

aprendidas de forma contextualizada e os estudantes seriam estimulados a associar o idioma

aos seus falantes e suas culturas.

Por fim, registramos a resposta para a quarta pergunta de pesquisa: de que forma os

diálogos interculturais ativados no decorrer dos encontros refletiram na prática da professora-

pesquisadora. Ratificando a premissa dialógica bakhtiniana de que o eu se (re)constrói na

medida em que interage com múltiplos outros evocados em suas práticas discursivas, já era

esperado que os diálogos promovidos no decorrer do curso gerassem algum tipo de

transformação nos membros envolvidos na pesquisa, incluindo a própria pesquisadora.

Encontrei-me repetidas vezes tendo que exercitar a minha consciência intercultural. De início,

adentrei a escola com a mente repleta de expectativas, idealizando os alunos e os encontros a

partir da minha perspectiva de docente. Ao entrar em contato com as microculturas das

participantes, tive que mediar choques culturais, confrontar minhas conjecturas sobre o grupo

e rever meus posicionamentos acerca de como ensinar e aprender uma língua estrangeira -

além de como conduzir o curso. Portanto, nesse processo de reconhecimento, reavaliação e

adaptação à realidade sócio-cultural em que me encontrava, considero que eu também tenha

iniciado uma jornada intercultural.

REFLEXÕES PÓS-PESQUISA

Iniciei este trabalho revelando a minha admiração pela abordagem intercultural e

defendendo a importância da sua aplicação no combate ao etnocentrismo e aos estereótipos

culturais legitimados e perpetuados nos discursos cotidianos. Propus-me, então, a encorajar os

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estudantes de uma escola pública a exercitar um posicionamento mais reflexivo em relação à

língua e cultura-alvo em interface com a sua própria língua/cultura (ilusoriamente

homogênea) por meio da leitura das histórias em quadrinhos da Turma da Mônica em inglês.

Parti da premissa de que as histórias em quadrinhos poderiam ser um instrumento

mobilizador tanto do desenvolvimento da competência intercultural quanto da competência

linguística das participantes. No entanto, acabei destacando mais o conteúdo cultural e dando

menos ênfase aos aspectos linguísticos das histórias no curto período em que o curso ocorreu.

Considerando que a abordagem intercultural deve ser parte integrante do currículo

comunicativo (CORBETT, 2003; KRAMSCH, 1993), o ideal seria que as discussões pós-

leitura fossem conduzidas em inglês. No entanto, a baixa proficiência linguística das

participantes e o meu receio em bater de frente com a microcultura de aprender das alunas,

somada a minha ânsia em prover debates interculturalmente relevantes, incorreram em uma

quantidade demasiada de interações em português. Portanto, embora as alunas tenham

apontado o aprimoramento da competência na língua-alvo como um fator positivo do curso, a

opinião desta pesquisadora é que as atividades com enfoque comunicativo poderiam ter sido

mais bem exploradas. No entanto, isso não foi possível devido às peculiaridades da

microcultura de aprender das alunas, as quais tive que considerar ao longo do planejamento

dos encontros.

Tratando-se de uma pesquisa qualitativa de caráter naturalista, era de se esperar que os

eventos não transcorressem exatamente conforme o previsto ou que algo não tenha sido feito

da maneira “ideal”. Daí a relevância de se aplicar a reflexibilidade defendida por Esteban

(2010) não somente no decorrer da investigação, mas ao fim também. Da minha parte, isso

implicou em rememorar os acontecimentos do curso, avaliando a minha própria atuação como

pesquisadora e questionando quais fatores podem ter influenciado nos resultados obtidos e,

até mesmo, o que poderia ter sido feito de forma diferente. Eis os principais pontos

provenientes dessa reflexão:

1. Muitos alunos se inscreveram no curso, mas poucos efetivamente o frequentaram. Houve

também o grupo de garotas que compareceu apenas no primeiro encontro. Se fosse para

repetir a experiência, teria começado a divulgação do projeto de extensão com um mês de

antecedência, bem como ofereceria uma espécie de “encontro-piloto” antes do início do

curso em si. As inscrições somente seriam abertas depois desse processo introdutório, pois,

assim, os alunos já se inscreveriam cientes do que esperar do projeto. Isso poderia ter

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evitado as minhas frustações com relação ao número de participantes inscritos que não

compareceram e às mudanças no grupo do primeiro para o segundo encontro;

2. O fato de o curso ser gratuito e não ser parte da grade curricular da escola fez com que ele

fosse visto como algo secundário por algumas participantes. Dessa forma, se chovesse ou

ocorresse algum evento extra-escolar no horário do curso, era comum que mais de uma

participante entrasse em contato comigo informando que não compareceria ao encontro

naquele dia. Dependendo do número de ligações, era necessário cancelar o encontro. Uma

forma de evitar esses imprevistos seria fazer do curso de leitura de histórias em quadrinhos

uma extensão da aula de inglês ministrada na escola, de forma que o aproveitamento no

curso fosse considerado na avaliação final da disciplina escolar;

3. Encontros tiveram de ser cancelados com mais frequência do que se esperava, não somente

por conta das participantes, mas também por causa de choques com eventos previstos no

calendário escolar. Para evitar que os cancelamentos interferissem no cronograma do

curso, o ideal seria que houvesse um número maior de encontros pré-estabelecidos desde o

início. Além disso, um curso com mais horas permitiria que as funções linguísticas fossem

mais satisfatoriamente contempladas no curso e as participantes tivessem mais

oportunidades de se envolverem em reflexões de cunho intercultural;

4. É necessário problematizar também as próprias limitações das HQs da Monica’s Gang no

que tange às marcas culturais representativas dos países anglófonos. Se as histórias fossem

situadas no cotidiano dos Estados Unidos, da Austrália ou de outro país falante de língua

inglesa, seria permitido ao leitor entrar em contato com a voz cultural de uma comunidade

anglófona específica. Por conseguinte, talvez as histórias contivessem mais insumo cultural

para ser trabalhado nas aulas, e os choques etnocêntricos, tão importantes para se chegar ao

terceiro lugar, seriam mais frequentes. Isso não quer dizer que a forma menos óbvia com

que procuramos abordar assuntos interculturais na sala de aula não tenha sido válida.

Apenas levanta-se aqui a hipótese de que, se as histórias fossem vinculadas a uma cultura

inglesa específica, o avanço na consciência intercultural das participantes poderia ser mais

visível no fim do curso;

5. O fato de as participantes serem todas estudantes do sexo feminino foi um dado curioso.

Não se sabe ao certo o motivo de o curso ter chamado mais a atenção das mulheres.

Especula-se que, se o carro-chefe do curso fossem histórias em quadrinhos de super-heróis

– Batman, X-Men, Spider-Man etc. – a chance de o público masculino se sentir atraído em

participar seria maior.

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A pertinência dessas reflexões não anula, contudo, os resultados positivos desta

pesquisa. Trabalhar com histórias em quadrinhos foi uma escolha acertada. No decorrer do

curso, todos os pontos positivos desse gênero discursivo na educação, apontados por Rama e

Vergueiro (2006), foram ratificados. As participantes se divertiram durante a leitura das HQs

e o pouco conhecimento na língua-alvo não as impediu de compreender as histórias

justamente pela interação texto verbal/imagem típica desse gênero – o interesse pela Turma da

Mônica e o conhecimento prévio acerca das personagens também atuaram favoravelmente.

Todas as participantes elogiaram o curso e afirmaram ter se beneficiado dos momentos de

aprendizagem possibilitados por intermédio dele.

Em Bakhtin (2003, p. 291), aprendi que “cedo ou tarde, o que foi ouvido e

compreendido de modo ativo encontrará um eco no discurso ou no comportamento

subsequente do ouvinte” e é exatamente assim que eu visualizo a repercussão das ações

transcorridas no curso na vida de Naty, Megue, Daniella, Joaninha e até mesmo Luisa. É certo

que nem tudo que foi ouvido foi ativamente compreendido, o que é natural, tendo em vista

que a ação de se reconhecerem como sujeitos culturais e se posicionarem criticamente frente a

outras culturas era parte de situações inéditas para as participantes. No entanto, acredito que a

ideia principal do curso tenha sido captada pelo grupo, mesmo que isso não tenha sido

verbalizado diretamente nas entrevistas. Ao discutir que a leitura que fazemos do outro, seja

ele alguém próximo ou não, é sempre parcial e, portanto, carente de revisões, acredito ter

plantado as sementes do diálogo e da alteridade. Tendo em vista que as participantes tiveram

o interesse pela língua-alvo aguçado por meio das HQs, torço para que elas consigam

desenvolver cada dia mais seus conhecimentos linguísticos a ponto de, futuramente, fazerem

uso da língua inglesa em seus diálogos interculturais.

Espero que as ações desse curso possam igualmente repercutir na escola-campo.

Conforme apontado na justificativa deste trabalho, os Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Médio (BRASIL, 2000, p. 30) outorgam importância às questões culturais e, dessa

forma, elevam a abordagem intercultural ao centro do currículo escolar de línguas

estrangeiras. É certo que existem muitas funções linguísticas a ser trabalhadas ao longo do

ano, e o tempo dedicado às aulas de inglês é restrito. Além disso, conforme a própria Joaninha

destacou na sua entrevista, há um grande número de alunos por turma, o que torna o trabalho

do professor ainda mais árduo. No entanto, conforme sinalizado neste estudo, suprimir

discussões que estendam as perspectivas culturais dos aprendizes nas aulas de língua

estrangeira é deixar de contribuir para a formação de cidadãos mais críticos, capazes de lidar

satisfatoriamente com modos de pensar, agir e sentir diferentes dos seus. Nesse sentido, esta

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pesquisa abre a possibilidade para que os planos de aula descritos aqui possam ser usados

esporadicamente durante as aulas de inglês e que as ideias propagadas por meio deste trabalho

inspirem os membros do contexto escolar a incluir objetivos culturais no planejamento das

aulas associados ao ensino da língua-discurso.

Foi possível confirmar ao longo da pesquisa que dialogar com outras culturas e

repensar pressupostos não deve ser um trabalho somente dos aprendizes, mas também do

professor, conforme postula Damen (1987). Aceitar o desafio de mediar aulas interculturais

com foco no uso das HQs da Monica’s Gang exigiu da minha parte estar disposta a encarar

uma jornada divertida e instigante, mas, ao mesmo tempo, repleta de incertezas e

imprevisibilidades. Embora por vezes desestabilizadores, considero os impasses que surgiram

ao longo desse caminho essenciais para o meu amadurecimento enquanto professora e

mediadora de diálogos interculturais. Por certo, eles voltarão a cruzar o meu percurso, visto

que a minha prática pedagógica ao longo do âmbito da perspectiva intercultural não se encerra

aqui.

Apesar das limitações, entraves e desafios encontrados no decorrer da pesquisa, é

inegável que a consciência intercultural dos membros diretamente envolvidos neste estudo,

incluindo a própria pesquisadora, tenha sido exercitada por meio das discussões trazidas à

baila nos encontros. Diante disso, acredito que a proposta de aliar o ensino intercultural à

leitura das HQs da Monica’s Gang possa ser aperfeiçoada e adaptada para outros contextos

em que a abordagem intercultural faz-se necessária.

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APÊNDICES

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Apêndice A Cartaz convidativo afixado nas paredes da escola

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Apêndice B: Termo de Consentimento

Seu filho(a) está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), em uma

pesquisa intitulada “O uso das histórias em quadrinhos da Monica’s Gang como

ferramenta para a produção de diálogos interculturais na sala de aula de língua

inglesa”, sob a responsabilidade da pesquisadora Fernanda Rosa Rodrigues.

Após receber os esclarecimentos a seguir, se você aceitar que seu(sua) filho(a) faça

parte do estudo, assine ao final deste documento, que está impresso em duas vias. Uma delas é

sua e a outra pertence às pesquisadoras responsáveis.

Esclareço que em caso de recusa na participação, seu(sua) filho(a) não será

penalizado(a) de forma alguma. Mas, se aceitar participar, as dúvidas sobre a pesquisa

poderão ser esclarecidas pela pesquisadora responsável através do e-mail:

____________________ e, inclusive, sob forma de ligação a cobrar, através dos seguintes

contatos telefônicos: ___________________________.

Esta pesquisa tem por objetivo utilizar as histórias em quadrinhos da Turma da

Mônica, na versão em inglês, como forma de propiciar o contato dos alunos com a língua

inglesa e seus aspectos culturais. As histórias em quadrinhos representam um poderoso

método de incentivo à leitura e discussão de aspectos culturais em língua estrangeira. Assim,

essa será uma oportunidade para aqueles alunos que desejam aprimorar os seus

conhecimentos em língua inglesa. Eu, Fernanda Rosa Rodrigues, professora regente de

Língua Inglesa, conduzirei as aulas.

O curso de leitura de história em quadrinhos em inglês ocorrerá no Colégio

_______________, todas as quartas-feiras, das 16h10m às 17h45m. Será solicitado do(a) seu

(sua) filho(a) que ele(a) responda, durante uma das aulas, um questionário que levará de 10 a

15 minutos para ser preenchido. O objetivo do uso desse questionário é conhecer o perfil dos

participantes do curso (idade, há quanto tempo estudam inglês, com que frequência lêem, etc.)

para que, assim, eu possa planejar as aulas de acordo com as características da turma. Além

disso, todos as interações produzidas em sala de aula serão gravadas em áudio, e o (a)

seu(sua) filho(a) será entrevistado(a) no último encontro do curso, dentro do próprio colégio,

a fim de que eu possa saber quais foram os pontos positivos e negativos das minhas

atividades na opinião dele(a) . A entrevista durará em torno de 15 minutos e será gravada em

áudio. Enfatizo que todos participantes têm o direito de recusarem-se a responder às perguntas

que ocasionem constrangimentos e mal-estar de qualquer natureza. É importante dizer

também que, mesmo após o final deste estudo, os questionários e as gravações continuarão

guardados sob os meus cuidados, em sigilo.

Você não terá nenhum gasto ou ganho financeiro por permitir que seu(sua) filho(a)

participe da pesquisa, já que a pesquisadora também a desenvolverá voluntariamente. Como

benefício da pesquisa, seu(sua) filho(a) terá a oportunidade de praticar inglês gratuitamente.

Em nenhum momento seu (sua) filho(a) será identificado(a). Não haverá risco aos

participantes, e suas identidades não serão reveladas – eles(as) poderão escolher nomes

fictícios. Em caso de danos decorrentes da participação na pesquisa, os participantes têm o

direito de pleitear indenização. Os dados gerados na pesquisa – provenientes da gravação das

aulas e entrevistas, bem como do questionário - serão utilizados na minha dissertação de

mestrado a ser defendida até março de 2016.

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A análise de dados será enviada aos pais ou responsáveis para avaliação/conferência

antes da defesa da dissertação. Mesmo assinando este termo, você tem a liberdade de retirar

seu consentimento em qualquer fase da pesquisa sem penalidade alguma e sem prejuízo ao

seu cuidado.

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO DA

PESQUISA

Eu,______________________________________________________________, inscrito(a)

sob o RG/CPF/ nº _________________________________, abaixo assinado, responsável por

____________________________________________ concordo que meu(minha) filho(a)

participe do estudo intitulado “O uso das histórias em quadrinhos da Monica’s Gang como

ferramenta para a produção de diálogos interculturais na sala de aula de língua

inglesa”. Fui, ainda, devidamente informado(a) e esclarecido(a), pela pesquisadora

responsável Fernanda Rosa Rodrigues, sobre a pesquisa, os procedimentos e métodos nela

envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes da participação do(a)

meu(minha) filho(a) no estudo. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a

qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade. Declaro, portanto, que concordo

com a participação do(a) meu(minha) filho(a) no projeto de pesquisa acima descrito.

Goiânia, ........ de ............................................ de ...............

___________________________________________________________________

Assinatura por extenso do(a) responsável pelo(a) participante

___________________________________________________________________

Assinatura por extenso do(a) participante

__________________________________________________________________

Assinatura por extenso do(a) pesquisador(a) responsável

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Apêndice C – Termo de Assentimento

Você está sendo convidado(a) para participar da pesquisa chamada “O uso das

histórias em quadrinhos da Monica’s Gang como ferramenta para a produção de

diálogos interculturais na sala de aula de língua inglesa”, sob a responsabilidade da

pesquisadora Fernanda Rosa Rodrigues.

Depois das informações a seguir, se você aceitar fazer parte deste estudo, assine ao

final deste documento, que está impresso em duas vias. Uma delas é sua e a outra ficará com a

pesquisadora responsável.

Caso não aceite participar, você não será penalizado(a) de forma alguma. Mas, caso

queira fazer parte desse estudo, as dúvidas sobre a pesquisa poderão ser esclarecidas pela

pesquisadora responsável através do e-mail ______________________ e, inclusive, sob

forma de ligação a cobrar, através dos seguintes contatos telefônicos:

_____________________________.

Esta pesquisa tem por objetivo utilizar as histórias em quadrinhos da Turma da

Mônica, na versão em inglês, como forma de propiciar o seu contato com a língua inglesa e

seus aspectos culturais. Eu, Fernanda Rosa Rodrigues, professora regente de Língua Inglesa,

ministrarei o curso.

Você irá responder um questionário no início das atividades que levará de 10 a 15

minutos para ser preenchido. O objetivo do uso desse questionário é conhecer o seu perfil

(idade, há quanto tempo estuda inglês, com que freqüência você lê, etc.) para que, assim, eu

possa planejar as aulas da melhor forma possível. Serão utilizadas também gravações em

áudio das aulas. Além disso, você também será entrevistado no último encontro do curso,

dentro do próprio colégio, a fim de que eu possa saber quais foram os pontos positivos e

negativos do curso sua opinião. A entrevista durará em torno de 15 minutos e será gravada em

áudio. É importante dizer que, mesmo após o final deste estudo, os questionários e as

gravações continuarão guardados sob os meus cuidados, em sigilo.

Sua identidade não será revelada, pois você poderá escolher um nome fictício. Não vai

haver nenhum gasto ou ganho financeiro pela participação neste estudo.

A pesquisa não oferece riscos; quanto aos benefícios, você poderá praticar inglês

gratuitamente. Você é livre para deixar de participar da pesquisa a qualquer momento sem

nenhum prejuízo ou penalidade.

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Eu, ______________________________________________________________, matrícula

escolar nº _________________________________, aceito participar do estudo chamado“O

uso das histórias em quadrinhos da Monica’s Gang como ferramenta para a produção

de diálogos interculturais na sala de aula de língua inglesa”. Fui informado(a) e

esclarecido(a), pela pesquisadora responsável Fernanda Rosa Rodrigues, sobre a pesquisa, os

procedimentos e métodos que serão utilizados, assim como os possíveis riscos e benefícios da

minha participação no estudo. Sei que posso deixar de participar da pesquisa a qualquer

momento, sem que isto me cause problemas. Declaro, portanto, que participarei do estudo

descrito.

Goiânia, ........ de ............................................ de ...............

_______________________________________________________________

Assinatura por extenso do(a) participante

______________________________________________________________

Fernanda Rosa Rodrigues

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Apêndice D – Certificado de Participação no curso

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Apêndice E - Questionário

1.Nome:_______________________________________________________________

2.Idade: _______

3.Há quanto tempo você estuda inglês?

( ) seis meses

( ) mais de um ano

( ) mais de dois anos

( ) mais de três anos

( ) mais de cinco anos

4. Onde você estudou inglês (colégio, curso de idiomas, etc.)

_____________________________________________________________________

5. Quais os seus sentimentos com relação ao estudo da língua inglesa?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

6. Você tem o hábito de ler em inglês? Sim ( ) Não ( ) Por que?

___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________

7. Caso positivo, o que você lê em inglês?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

8. Qual a sua opinião sobre a discussão de aspectos culturais de povos falantes da língua

inglesa ao longo das aulas de inglês?

___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________

9. Em sua opinião, a leitura de textos ou histórias em quadrinhos em inglês pode proporcionar

um contato maior com a língua e a cultura dos povos que falam inglês? Sim ( ) Não ( )

Justifique sua resposta:

______________________________________________________________________

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10. Descreva o motivo pelo qual você se inscreveu no curso de leitura de história em

quadrinhos em inglês.

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Apêndice F – Handout com estratégias de leitura de HQs

Reading Strategies

When reading a comic book, try to follow these steps:

1.Use your prior knowledge - Você sabe que, na versão em português, a Magali come muito

e o Cascão não toma banho. Na versão em inglês, essas características também aparecem.

Esse conhecimento prévio da Turma da Mônica deverá ser ativado durante a leitura em língua

inglesa.

2.Pay attention to the context – Qual é o objetivo do gênero história em quadrinhos? Ter em

mente o propósito do texto é importante para que você faça predições antes de iniciar a

leitura. Geralmente, o título também diz muito sobre o tema principal da história.

3.Look over the images: Antes de iniciar a leitura do texto-verbal, tente depreender o

conteúdo da história apenas interpretando as imagens. A vantagem da história em quadrinhos

sobre os outros gêneros é o fato de a linguagem não-verbal ser tão importante quanto a

linguagem verbal para a compreensão do texto. Make the best out of it!

4.Skim through the words: A maioria dos alunos quer entender toda e qualquer palavra de

um texto e esse é o maior problema. Um bom leitor não para em cada palavra que encontra.

Pelo contrário, um bom leitor lê o texto em partes, lendo várias palavras ao mesmo tempo. Se

você não entendeu alguma palavra, continue a leitura. O objetivo, neste momento, é que você

consiga ter um entendimento geral da história. Procure verificar se o autor fez uso de

organizadores no texto, como: números, letras, passos ou as palavras primeiro, segundo,

próximas. Procure por palavras em negrito, itálico, tamanhos de fontes ou cores diferentes.

5.Read carefully through the entire story: Houve alguma palavra importante para a

compreensão da história que você não foi capaz de entender? Faça agora uma leitura

cuidadosa do texto. Primeiro, preste atenção nas palavras cognatas, ou seja, aquelas palavras

que tem a ortografia muito parecida com a do nosso idioma, cujo significado continua sendo o

mesmo. Na seguinte frase, por exemplo, as palavras “incapable” e “pronouncing” são

semelhantes a outras duas palavras da língua portuguesa. Você consegue dizer quais são?

Jimmy Five is incapable of pronouncing the sound of the letter “r”.

Vale ainda ressaltar a importância de tentar entender o significado das palavras pelo contexto. Ainda

no exemplo acima, sabemos que “r” é uma letra. Logo, fica mais fácil inferir que “letter” significa

“letra”. O dicionário deve ser utilizado somente quando a falta de conhecimento do significado da

palavra comprometer o entendimento da história. Do contrário, continue lendo. Após a leitura do

texto, volte na palavra desconhecida e procure seu significado para que, assim, o seu vocabulário seja

ampliado.

Enjoy your reading! Adaptado de: http://www.inglescurso.net.br/component/content/article/184-leitura-reading/1551-como-ler-em-

ingles. Acesso em: 20 de junho de 2014.

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Apêndice G – Anotações feitas no diário de campo sobre uma das aulas

SPINE TINGLING STORIES – 03/12/2014

Adjetivos que descrevem a aula: provocativa (causou admiração, curiosidade, espanto,

rentável).

Hoje foi uma das melhores aulas no que concerne à discussão e reflexão sobre estereótipos.

Primeiro, foi discutido o que é spine tingling stories e quais exemplos de histórias desse tipo

existem no nosso país. As participantes citaram vários exemplos, alguns até desconhecidos

pelos colegas pelo fato de fazerem parte das culturas do nordeste e norte do Brasil. Elas

também foram incentivadas a mencionar histórias de terror das culturas inglesas, mas quase

não houve retorno. Mais uma vez, o falta de conhecimento sobre as culturas dos países

falantes de língua inglesa não permitiu que pudesse haver uma comparação entre a C1 e a C2.

No entanto, a atividade que fizemos sobre os tipos de residência nas diversas partes do mundo

suscitou discussões bastante interessantes. As alunas se surpreenderam ao ver que na África

também existem casas bonitas, e que na Austrália e na Inglaterra também há pobreza. Nesse

sentido, houve um repensar com relação a essa visão dicotômica. Além do mais, as incentivei

a pensar sobre as percepções que os outros tinham sobre nós, brasileiros, e se elas eram

verdadeiras. Nessa aula, elas puderam perceber que, assim, como os estrangeiros carregam

estereótipos sobre o Brasil, nós também carregamos estereótipos sobre os outros países.

Apêndice H – Comic Strip: Plano de Aula

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Aim: To get to know the students;

To explain how the course works;

To introduce Monica’s Gang magazines and the reading strategies.

Warmer: Pour candies into a large bowl and tell each student to take as many candies as they

want. After all the students have taken candies, explain that the number of candies they chose

equals the number of facts they will share about themselves with the rest of the group.

Introducing Monica’s Gang: Check the students’ prior knowledge of the Portuguese and

English versions of Monica’s Gang. Give half of the group pictures of Monica, Smudge,

Jimmy Five and Maggy, and distribute sentences describing those characters to the other half.

Their task is to match the pictures with the right description. From that activity, start a

discussion on the differences and similarities between the two versions, asking students the

reasons for the changes.

Introducing and putting into practice the reading strategies: Distribute the handout on

reading strategies and go through it with the group. Then, ask students to read the comic strip

by following the strategies. Ask comprehension questions in order to check their

understanding of the story.

Apêndice I – Intelligent: Plano de Aula

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Aim: To get to know the students; to explain how the course works;

To introduce Monica’s Gang magazines and the reading strategies.

Warmer: Pour candies into a large bowl and tell each student to take as many candies as they

want. After all the students have taken candies, explain that the number of candies they chose

equals the number of facts they will share about themselves with the rest of the group.

Introducing Monica’s Gang: Check the students’ prior knowledge of the Portuguese and

English versions of Monica’s Gang. Give half of the group pictures of Monica, Smudge,

Jimmy Five and Maggy, and distribute sentences describing those characters to the other half.

Their task is to match the pictures with the right description. From that activity, start a

discussion on the differences and similarities between the two versions, asking students the

reasons for the changes.

Introducing and putting into practice the reading strategies: Distribute the handout on

reading strategies and go through it with the group. Then, ask students to read the comic strip

by following the strategies. Ask comprehension questions in order to check their

understanding of the story.

Apêndice J – It wasn’t you, Ditto, was it?: Plano de Aula

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Aim: To put into practice the reading strategies introduced previously.

Warmer: Ask students some questions related to the content presented in the previous lesson.

The student who answers more questions correctly wins a prize.

Pre-Reading: Elicit reading strategies from the group. Distribute copies of the story and get

the students to: 1) predict what the story is going to be about by the title; 2) look over the

images; 3) skim through the words and underline the ones they know the meaning of; 3)

compare their words in pairs. Elicit the words underlined and write them on the board. Talk

about true and false cognates and the importance of using context to infer meaning.

Reading: Ask students to read carefully through the entire story.

After Reading: Divide the group into pairs and ask some comprehension questions. Give

them a few minutes to discuss their answers and then open the discussion. Clarify the

meaning of the most important words of the story. After that, take the stories back and ask

students to make a circle. In the middle of the circle, place the panels of the story, all

separated. Their task is to put the story in order again (as they organize it, make sure they try

to use some English). Check if they liked reading the story.

Apêndice K - A little pig to the rescue: Plano de Aula

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Aim: To demonstrate how onomatopoeia is depicted differently across languages;

To introduce culture-specific onomatopoeia words that imitate what they represent.

Warmer: Show the students some images related to the title of the story and its key words.

Lead-in: Ask the class if they know anything about onomatopoeia. If necessary, explain what

it is and elicit examples of onomatopoeia in their first language. Ask specifically about the

words used in Portuguese to imitate the following sounds: snore, the grunt of pigs, water

splashing and thunder. Record their answers on the board. Get students to reflect about the

following question: Is onomatopoeia the same across all languages?

Reading: Get students to read the story individually following the reading strategies

discussed at the first meeting. Give them the task of finding out if the onomatopoeia presented

in the story is the same as they brainstormed previously.

After Reading: Check students’ understanding of the story and clarify any word they

couldn’t understand. Start a discussion on how sounds are depicted differently in different

languages in terms of writing. In order to further the discussion, give each student the

following handout.

Adaptado de: http://www.sunnyskyz.com/blog/503/How-Kissing-Snoring-And-Other-Common-Things-Sound-

In-Different-Languages. Acesso em: 05 jul. 2014.

Apêndice L - “The Shadows of Life”: Plano de Aula

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Aim –To explore students’ misconceptions about their cultures and Anglophone cultures;

To increase awareness of cultural stereotypes.

Warmer – Get students to describe the following pictures. Then, ask the whole group:

If the image is the same, why are your descriptions different?

Disponível em: http://www.oqueeoquee.com/imagens-ambiguas/. Acesso em: 17 de janeiro de 2015.

The students work individually making a list of Brazilian cultural traits. After that, the

students must make another list, this time about Anglophone cultures. Tell them the lists are

going to be used again later.

Pre-reading – Get students to guess what the story is going to be about based on the

following excerpts. If they do not answer correctly, give a tip: say that this story alludes to a

very ancient myth (students will probably know, as they were asked to look for information

about “The Mith of the Cave” previously).

The shadows of life

What’re you doing?

We’re looking at life!

Life? That’s just a wall there!

You should admire the original!

If you hadn’t come along, we’d have spent our lives looking at the shadows of life!

Reading - Get students to read the story individually following the reading strategies

discussed at the first meeting.

After Reading: Check students understanding of the story as well as the difference between

Maurício de Sousa’s version and Plato’s myth. Clarify the meaning of the words they

couldn’t understand.

In groups of three, students discuss the following questions:

What is the myth of the cave about? What is your opinion about it?

What are some of the perceptions you hold about your culture? What do you think has

influenced the formulation of these perceptions?

What are some of the perceptions you hold about English cultures? What has

influenced the formulation of these perceptions?

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Do you think your perceptions really depict Brazil and English speaking countries?

Open the discussion. Ask students to go through their lists again and think if the

characteristics mentioned there really depict Brazil and English speaking countries or they are

just “shadows” (stereotypes and misconceptions).

Apêndice M – Around the World with Maggy28: Plano de Aula

28 Adaptado de: HAHN, S. Strategies for Increasing Cross-Cultural Awareness. In: HEUSINKVELD, P. R.

Pathways to culture. Yarmouth, ME: Intercultural Press, 1997.

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Aim - To explore what students know about other countries;

To encourage students to seek cultural information (ethnographic perspective).

Warmer: Ask students to name the countries they know in English (translate if necessary).

Write their contributions on the board and get students to tell you what they know about those

countries (language, cultural aspects, landmarks, etc.) Elicit the names of countries which

have English as a first or second language.

Pre-Reading: Display some pictures of famous international landmarks around the classroom

and give students a few minutes to discuss in pairs where they think those landmarks are

located. After checking their answers, tell them they are going to go “around the world with

Maggy”. Get students to read the story in order to answer the following questions:

- What is Maggy doing?

- Which countries are mentioned by Maggy in the story? Which landmarks are

mentioned? (Explain what a landmark is).

Reading - Get students to read the story individually following the reading strategies

discussed at the first meeting.

After Reading: Check students understanding of the story and clarify the meaning of the

words they couldn’t understand. Model the patterns to be used: “I would like to travel to

England”, then ask various students “Which country would you like to travel to? Why?”

Allow the students to express their preferences spontaneously. Try to elicit from students

what they know about the chosen country. Explore how they characterize it, whether these

characterizations hold true, and how they have originated. If necessary, initiate again a

discussion on the topic of stereotypes (we’ve already discussed it last class when we talked

about reality versus perception, right after reading the story “ the shadows of life”).

Homework : what really characterizes the country you would like to visit? - Students have to

do research on the country they have chosen in order to find out if the things they told in class

hold true. They can also get more information about it. They are supposed to present their

finding next class.

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Apêndice N – A bit clumsy: Plano de Aula29

Aim: To practice the vocabulary related to domestic duties;

To use an observation sheet in order to investigate who in their family is responsible for

different everyday domestic duties;

29 Adaptado de: CORBETT, J. Intercultural Language Activities. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

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To raise awareness of the different types of family as well as of the different roles and

responsibilities of family members within their community.

Warm-up: Ask students to brainstorm on “domestic duties”. Elicit as many domestic duties

as possible and translate into English if necessary. Write their suggestions on the board. Tell

students they are going to read a story in which Monica does some household chores, and that

you are going to check afterwards if they were able to notice them. Before reading, get

students to predict by the title what the story is going to be about (a little bit clumsy).

Reading: Students read the story individually following the reading strategies discussed in

the first and second lessons.

After Reading: Ask students the following questions:

Where does Monica’s mother go?

What does Monica decide to do while her mother is out? (check with students what

household chores Monica does in the story and if some of them had been mentioned

during the brainstorm.)

What happens in the end?

Get students to picture Jimmy Five or Smudge in the same situation. Would their actions be

different? Would they be keen to clean the house too? Why? Start a debate on the number of

hours men and women commit to housework in their culture and in other cultures. Explain to

learners that in and across cultures, people live in different kinds of family. Some people live

in nuclear families (i.e. father, mother and children) while others live in extended families (i.e.

with grandparents, aunts and uncles, etc.). In many countries, servants, such as maid, live with

the family, or visit the family on a daily or weekly basis.

Homework: Give students the observation sheet and explain that they will have to observe

who in their family is responsible for everyday domestic duties. With the class, discuss any

changes they might want to make in the sheet before observing their family, e.g. the family

members in the column headings and the duties. Next class: Students work in pairs in order to

find patterns in their observation sheet, e.g. is the washing or ironing done by males or

females? Are their results alike? The groups then present and discuss their findings with the

class. From this, start a discussion on how patterns of behavior differ from family to family

within the same community in Brazil, the United States or any other country.

Apêndice O – A bit clumsy: Atividade para Casa

Name: _______________________________________________ Curso “Praticando Inglês com as Histórias da Turma da Mônica: Uma abordagem intercultural

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SURVEY

Who is responsible for the household chores in your house?

Apêndice P - “Spine Tingling Stories”: Plano de Aula

Overall Aim: To examine stereotypes held about types of housing around the world;

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Pre-Reading: Elicit from students examples of “spine tingling stories” in their cultures as

well as in Anglophone cultures. Give them some time to skim through the story in order to

know what kind of horror story is being told.

Reading: Students read the story individually following the reading strategies discussed in

the first and second lessons.

After reading: Ask some comprehension questions about the story. Ask students:

What do Brazilian residences look like? Are they similar to Smudge’s new home? (Explore

the presence of the gnome garden and the basement.)

Get students to describe a house (size, rooms, furniture, etc.). Based on their answers, draw a

floor plan on the board.

Have ready a variety of pictures of different kinds of housing (from the target culture and

from several other cultures). Divide the class into two groups and distribute a set of pictures

for each group. In their groups, students have to look at the pictures and think about possible

answers for these questions:

Where is this place?

How many people live there?

What rooms and pieces of furniture are there?

Is this place similar to the house you have just described?

Learners analyze their pictures and verbalize their impressions. Next, tell the class where

those places are located and conduct a whole-class discussion on the following questions:

- What differences were there between what you answered before and the “real” facts?

- Where did your ideas about the different countries come from?

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ANEXOS

Anexo A – História em quadrinhos: The shadows of life

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