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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO VINICIUS BORGES ALVES EDUCAÇÃO INTEGRAL E ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL NO BRASIL: UMA ANÁLISE DO “PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO” GOIÂNIA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VINICIUS BORGES ALVES

EDUCAÇÃO INTEGRAL E ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL NO

BRASIL: UMA ANÁLISE DO “PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO”

GOIÂNIA

2013

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VINICIUS BORGES ALVES

EDUCAÇÃO INTEGRAL E ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL NO

BRASIL: UMA ANÁLISE DO “PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Maria do Rosário Silva Resende

GOIÂNIA

2013

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Para a minha esposa Marcia Cristina Silva, que,

assim como eu, vivencia de perto os problemas

que afligem a escola pública, e ainda para a

Isabela, nossa primeira filha, que

nasceu durante o processo de

conclusão deste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

À Maria do Rosário Silva Resende, professora, orientadora, psicóloga...

À família da minha esposa, que já não viam mais a hora “disso terminar”.

Aos amigos, colegas de trabalho, vizinhos, moradores do Caiçara que sempre perguntavam, ai

esse mestrado....

Aos colegas, mestrandos e doutorandos, que tive a oportunidade de estudar juntos, em

especial aos companheiros da 24ª Turma, que turma!!!!!

Às secretárias do programa: Adenilde, Ana Paula e Rosangela.

A todos os professores com que pude aprender um pouquinho....

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LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Quadro 1: Educação Integral segundo a Portaria Normativa Interministerial nº17/2007 e o Decreto nº 7.083/2010 .......................................................................................................... 82 Quadro 2: Sociabilidade segundo a Portaria Normativa Interministerial nº17/2007 e Decreto nº 7.083/2010 ....................................................................................................................... 91 Quadro 3: Tempo, espaço e jornada escolar segundo a Portaria Normativa Interministerial nº17/2007 e o Decreto nº 7.083/2010 ................................................................................... 97 Figura 1: Unidades de Ensino que aderiram ao PME em 2011 .............................................. 88 Figura 2: Unidades de Ensino que não aderiram ao PME em 2011 ....................................... 89

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LISTA DE SIGLAS

AIB Ação Integralista Brasileira

AIT Associação Internacional dos Trabalhadores

ANEB Avaliação Nacional da Educação Básica

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

CD Conselho Deliberativo

CF Constituição Federal

CIAC Centro Integrado de Atendimento à Criança

CIEP Centro Integrado de Educação Pública

CONAE Conferência Nacional de Educação

EI Educação Integral

ETI Escola de tempo Integral

FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação e de Valorização dos

profissionais da Educação

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IFET Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

LDB Lei de Diretrizes e Bases

LDO Lei de Diretrizes Orçamentária

LOA Lei Orçamentária Anual

MCT Ministério da Ciência e Tecnologia

MDS Ministério Social e Combate à Fome

ME Ministério dos Esportes

MEC Ministério da Educação

MinC Ministério da Cultura

MMA Ministério do Meio Ambiente

MP Manifesto dos Pioneiros

ONU Organização das Nações Unidas

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PCB Partido Comunista do Brasil

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

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PL Projeto de Lei

PME Programa Mais Educação

PNAIC Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa

PNE Plano Nacional de Educação

PPA Plano Plurianual

PR Presidência da República

PROUNI Programa Universidade para Todos

REUNI Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

SEB Secretaria da Educação Básica

SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e Inclusão

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem

SUAS Sistema Único de Assistência Social

UAB Universidade Aberta do Brasil

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

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RESUMO

O presente estudo, dentro da linha de pesquisa Fundamentos dos Processos Educativos, tem como objetivo compreender os princípios, as características e a concepção de educação integral do Programa Mais Educação (PME). Esse Programa é uma iniciativa do Governo Federal em funcionamento na rede pública de ensino desde 2008. Regulamentado pela Portaria Interministerial nº 17 de 24 de abril de 2007, o PME integra o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), sendo uma das principais medidas adotadas pelo Ministério da Educação (MEC) para as escolas de ensino fundamental. Na metodologia do estudo, adotou-se a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Com a pesquisa bibliográfica, procedeu-se a uma seleção, leitura e análise de diversas obras pertinentes à temática. Já em relação à pesquisa documental, buscou-se levantar, na legislação educacional, os principais materiais que regulamentam o PME, como é o caso da Portaria Interministerial nº 17/2007 e do Decreto 7.083 de 27 de janeiro de 2010. No aporte teórico, procurou-se enfatizar os postulados da Pedagogia Histórico-Crítica, propostos por Saviani (2009, 2012), e também a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, de Libâneo (2009). Com as proposições de ambos os autores, foi possível apresentar uma discussão acerca da concepção liberal de educação escolanovista. Para a análise do PME, propôs-se uma discussão a partir da seguinte indagação: a concepção educacional e os princípios políticos contidos na legislação que regulamenta o Programa Mais Educação apontam para uma Educação Integral? Para discutir essa questão, considerou-se necessário compreender alguns conceitos inerentes à temática, dentre eles: escola de tempo integral, educação integral e ampliação da jornada escolar. Na análise dos documentos do PME, identificou-se que a concepção de educação integral não se apresenta claramente definida. Seus princípios norteadores remetem à questão da educação integral como sinônimo de jornada escolar. No entanto, pode-se observar que algumas questões permitem pensá-la como projeto social: é o caso, por exemplo, dos critérios de adesão ao PME, da extensão da escola aos diferentes espaços da comunidade e das atividades propostas (as oficinas). De modo geral, o estudo permite dizer que a sistematização do Programa revela muitas fragilidades, como por exemplo, a valorização do magistério. Pode-se afirmar, também, que o Programa possui muitos elementos, os quais permitem entendê-lo como escola do acolhimento; um projeto de natureza assistencial; uma escola da socialidade em lugar de uma escola do conhecimento. Palavras-chave: Escola de Tempo Integral. Educação Integral. Programa Mais Educação. Política Educacional.

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ABSTRACT

This study, within the search Fundamentals of Educational Processes line, aims to understand the principles, characteristics and design of integral education of More Education Program (PME). This program is a Federal Government initiative operating in public schools since 2008. Regulated by Act nº 17 of april 24, 2007, the PME is part of the Education Development Plan (PDE), one of the main measures adopted by the Ministry of Education (MEC) for elementary schools. In the methodology of the study adopted the literature and documentary research. With the literature, proceeded to a selection, reading and analysis of various relevant to the theme. Regarding the documentary research sought to raise in educational legislation, the main materials that regulate the PME, such as the Ministerial Decree nº 17/2007 and Decree 7083 of January 27/2010. In the theoretical approach to emphasize the postulates of Pedagogy Historical- Critical proposed by Saviani (2009, 2012), and also the Critical Social Pedagogy of the Contents of Libâneo (2009). With the propositions of both authors, it was possible to present a discussion of the liberal conception of New School education. For the analysis of PME, proposed a discussion from the following question: educational design and policy principles contained in legislation governing More Education program show an Integral Education? To discuss this issue, it was considered necessary to understand some concepts inherent to the subject, including: school full-time, comprehensive education and expanding the school day. In the analysis of the documents of PME, found that the concept of integral education has not clearly defined. Its guiding principles refer to the question of integral education as synonymous with school day. However, it can be observed that some questions allow think of it as social project: is the case, for example, the criteria for accession to the PME, the extension of the school to different areas of the community and the proposed activities (workshops). Overall, the study allows us to say that the systematization of the program reveals many weaknesses, such as the appreciation of teachers. It can be stated, too, that the program has many elements, which allow to understand it as the host school, a project of assistance nature, a school of sociality rather than a school of knowledge.

Keywords: Full Time School. Integral Education. More Education Program. Educational Policy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12

CAPÍTULO I - EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO INTEGRAL: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL .................................................................. 17

1.1 Considerações sobre educação, política e sociedade no contexto do século XX ..... 17

1.2 Educação integral na história: considerações sobre diferentes concepções filosóficas e educacionais nas políticas de educação no Brasil ...................................... 22

1.2.1 Educação integral na corrente socialista: o anarquismo ....................................... 22

1.2.2 A concepção conservadora de educação integral: o integralismo ........................ 25

1.2.3 Educação liberal: a concepção escolanovista ...................................................... 28

1.3 Dos anos 1930 aos dias atuais: os desdobramentos da educação brasileira .................. 33

CAPÍTULO II - EDUCAÇÃO INTEGRAL E ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO MOVIMENTO DA ESCOLA NOVA ........................................ 41

2.1 A concepção de educação escolanovista segundo o Manifesto dos Pioneiros ........ 41

2.2 Educação Integral segundo o Manifesto dos Pioneiros ........................................... 52

2.2.1 A educação integral de Anísio Teixeira: a experiência da Escola Parque ............ 63

2.3 Escola de Tempo Integral: conceitos e definições ................................................... 64

CAPÍTULO III - EDUCAÇÃO INTEGRAL E ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL: QUESTÕES E DILEMAS DO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO ..................................... 68

3.1 Implementação do Programa Mais Educação ........................................................ 68

3.2 O Programa Mais Educação e seus desdobramentos na educação básica: análise a partir da legislação ......................................................................................................... 78

3.2.1 A concepção de educação integral por meio da análise de conteúdo da Portaria Interministerial nº 17/2007 e do Decreto nº 7.083/2010 ............................................... 79

3.3 Programa Mais Educação: escola de tempo integral ou educação integral? ....... 107

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 110

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 114

ANEXOS ........................................................................................................................... 119

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INTRODUÇÃO

Com este estudo propõe-se a discussão sobre a concepção de educação e educação

integral da proposta de ampliação da jornada escolar do Programa Mais Educação (PME) do

Governo Federal, tendo como objeto de estudo a relação entre escola de tempo integral e

educação integral.

Pela análise dos materiais selecionados pode-se perceber uma “retomada” por parte do

poder público (municipal, estadual e federal) das propostas de escola de tempo integral. Fato

que vem ocorrendo desde a última década do século XX. Com isso, as pesquisas sobre os

temas Escola de Tempo Integral e Educação Integral vêm sendo ampliadas. As principais

produções em circulação são de domínio público. Trata-se de coletâneas escritas em parceria

com os órgãos públicos (MEC, INEP1), além de teses e dissertações disponíveis no portal

Capes, e também de artigos e trabalhos resultantes de pesquisas ligadas às instituições de

ensino.

Vale destacar nessa crescente produção em torno da temática escola de tempo integral

o Núcleo de Pesquisa UNIRIO. De acordo com Maurício (2001), “análises brasileiras sobre o

tema escola de horário integral estão presentes em vários artigos publicados em diversas

revistas de indiscutível prestígio acadêmico (RBE, Cadernos de Pesquisa, Educação &

Sociedade)” (p. 16).

O tema escola de tempo integral quase sempre está relacionado à noção de educação

integral. É possível reconhecer o termo educação integral desde o método pedagógico dos

jesuítas. O documento, Ratio studiorun, elaborada pela Companhia de Jesus, já apresentava

essa sistematização. De acordo com Leonel Franca (1952), “a educação dos jesuítas era

integral. Ao lado da instrução que desenvolvia e opulentava a inteligência, a formação das

outras aptidões e faculdades que aparelhavam o homem para a vida” (p. 32). No entanto,

optou-se pelo recorte histórico relacionado ao século XX, pois se trata de um período

histórico no qual a educação pública se constitui como direito fundamental.

Em relação à história da educação brasileira, é no século XX que ocorrem as primeiras

iniciativas de escola de tempo integral em nível nacional. Portanto, esse recorte histórico

revela também uma intermitência de programas com objetivo de promover uma educação

1 Ressalte-se, entre as publicações dos órgãos públicos o periódico Em Aberto, publicação monotemática do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) destinada à veiculação de questões atuais da educação brasileira. (BRASIL/INEP, 2009)

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integral por meio da ampliação da jornada escolar. Diversos fatores contribuíram para que

essas propostas se tornassem efêmeras, particularmente a falta de uma política pública que

materializasse essas propostas.

O levantamento bibliográfico realizado para sustentar as argumentações do presente

estudo revela uma intermitência de programas de Escola de Tempo Integral ao longo do

século XX. As principais experiências foram: o Centro Educacional Carneiro Ribeiro,

conhecido como Escola Parque, nos anos 1950, no Estado da Bahia, e nos anos 1960, no

Distrito Federal; os Centros Integrados de Educação Pública (CIEP) no Rio de Janeiro, nos

anos 1980, sob o governo de Leonel Brizola; nos anos 1990, foram implantados os Centros

Integrados de Atendimento à Criança (CIAC) pelo Governo Federal, durante a gestão do

presidente Fernando Collor de Mello e rebatizado como Centros de Atenção Integral à

Criança (CAIC), pelo seu sucessor Itamar Franco.

Desde então, os programas de escola de tempo integral ficaram restritos aos sistemas

estaduais e municipais de ensino. Assim, não se efetivou uma política nacional de escola de

tempo integral, de acordo com a historiografia brasileira, a intermitência desses programas, se

deu principalmente por questões políticas eleitoreiras. O pano de fundo dessas disputas

ideológicas revela que no Brasil não existe uma concepção homogênea referente à questão da

ampliação da jornada escolar. Em muitos casos, essa ampliação do tempo de estudo, está

diretamente relacionada à possibilidade de se obter uma educação integral.

O interesse em pesquisar essa temática e a relação entre Educação Integral e Escola de

Tempo Integral surgiu na ocasião em que trabalhava como docente na Escola Estadual Maria

Ribeiro Carneiro, na cidade de Rio Verde/GO. As condições físicas da escola bem como a

dificuldade de atendimento em horário integral causavam certa incerteza quanto à

implantação de Escolas de Tempo Integral do Estado de Goiás. Em minhas reflexões, emergiu

um questionamento: a educação integral pode estar relacionada à ampliação da permanência

do aluno na escola ou ela é uma questão mais complexa?

Dessa forma, ao ingressar no Programa de mestrado da Faculdade de Educação da

Universidade Federal de Goiás, o interesse por essa discussão se tornou presente. Assim, no

processo de seleção, propôs um projeto de pesquisa com o título “Escola de Tempo Integral:

um estudo de caso na Escola de Tempo Integral Maria Ribeiro Carneiro”. Durante o curso, o

projeto foi sendo reestruturado. Com os estudos e análises, a investigação tomou novo foco

para a discussão sobre a relação entre Educação Integral e Escola de Tempo Integral a partir

da história da Educação no Brasil, na intenção de um novo olhar sobre o caminhar das

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políticas educacionais. Assim, optou-se em focalizar a análise do Programa Mais Educação

devido à dimensão que esse programa vem ocupando no meio educacional brasileiro.

O PME, nos últimos anos, tem ganhado espaço na discussão sobre a educação básica,

principalmente pelo fato de em sua proposta prever a efetivação da Educação Integral por

meio da ampliação da jornada escolar para sete horas. Essa relação pode ser encontrada

principalmente em documentos oficiais, nas publicações do Ministério da Educação (MEC) e,

sobretudo, nas conferências2 realizadas pelo PME sob a coordenação de Jaqueline Moll.

Assim, para o desenvolvimento deste estudo, propõe-se a seguinte indagação: a

concepção educacional e os princípios políticos contidos na legislação que regulamentam o

Programa Mais Educação apontam para a possibilidade de uma educação integral?

Entende-se que a concepção de educação integral do PME encontra-se em construção.

Entretanto, com base em alguns aspectos observados, o referido programa apresenta indícios

de uma proposta assistencialista, com objetivos de sociabilidade. Pode-se perceber que a

proposta converge muito mais para a noção de ampliação de tempo e espaço como medida

social do que uma proposta pedagógica consistente.

Com base nesses pressupostos, o presente estudo, desenvolvido a partir de uma

pesquisa bibliográfica e documental pode contribuir para a compreensão dos princípios e da

concepção de educação integral do PME. O estudo procurou analisar a legislação pertinente

como é o caso da Portaria Interministerial 17 de 24 de abril de 2007, do Decreto 7.083 de 27

de janeiro de 2010, do Manual Operacional de Educação integral de 2012, do Texto

Referência para o Debate 2008, e das demais produções que integram a “Série Mais

Educação”, da Secretaria da Educação Básica, além das principais legislações educacionais

(LDB, Fundeb, PDE, PNE, Projeto de Lei 8.035/2010) que, de uma forma ou de outra,

fundamentam o “Programa Mais Educação”. Também foram analisados dados disponíveis no

portal do MEC e do Inep.

Instituído pela Portaria Interministerial 17/2007, o PME aparece nas propostas

educacionais como possibilidade de promover uma educação integral. No entanto, percebe-se

que a promessa de educação integral é recorrente no sistema público de ensino. Por essa

razão, o referido programa foi escolhido como objeto de estudo com a perspectiva de se

compreender a relação entre educação integral e escola de tempo integral.

Convém ressaltar que o PME foi elaborado como proposta de formação Integral, de

2 Durante os últimos anos, foram realizadas dezenas de conferências mediadas por tecnologias, pela SEB. Os esforços empreendidos tem com objetivo de esclarecer e ajustar o programa em território Nacional. Todas essas conferências estão disponíveis no Portal do MEC.

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acordo com o disposto no art. 1° que aponta como objetivo “contribuir para a formação

integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, de projetos”.

(BRASIL, 2010).

De acordo com dados da Secretaria da Educação Básica (SEB), do Ministério da

Educação (MEC, 2012), as atividades do PME tiveram início em 2008, com a participação de

1.380 escolas, em 55 municípios nos 26 estados e no Distrito Federal, atendendo a 386 mil

estudantes. O objetivo, segundo a Portaria 17/2007 é contribuir para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, projetos e programas do Governo Federal e suas contribuições às propostas, visões e práticas curriculares das redes públicas de ensino e das escolas, alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos e conteúdos educativos. (BRASIL, 2007; Grifo nosso)

Verificamos que muitas ações, dentre elas, o “Compromisso Todos Pela Educação”

têm sido articuladas para a consolidação do programa como política pública. Com o objetivo

de assegurar essa modalidade de ensino, a meta seis (6) sugere a ampliação em 50% das

escolas de ensino fundamental em tempo integral. Com isso, percebe-se que a proposta de

ampliação da jornada escolar em três horas se apresenta desde o Plano Nacional de Educação

(PNE 2001-2010).

Com a análise teórica, percebe-se que o programa recupera alguns princípios da

Escola Nova, sobretudo, “a valorização dos processos de convivência entre as crianças, do

relacionamento entre elas e com os adultos, de sua adaptação à sociedade, no contexto atual é

ressignificado”. (SAVIANI, 2008, p. 432).

Na conjuntura atual, várias experiências de Escola de Tempo Integral têm sido

implantadas por todo o Brasil, sendo as mais conhecidas: a proposta implementada pelas

prefeituras de Nova Iguaçu/RJ, Palmas/TO, Apucarana/PR, Belo Horizonte/MG ( esta última

desde 2006, com o Programa Escola Integrada). No entanto, não foram abordadas as

experiências dessas redes de ensino. A opção pelo programa se deu em razão de ser a única

proposta nacional de educação. (BRASIL, 2009).

Conforme mencionado anteriormente, a defesa da escola de tempo integral surge ainda

na primeira metade do século XX com Anísio Teixeira. Esses programas e/ou projetos, de

uma maneira ou de outra, serviram, e ainda servem, como referência quando o assunto está

relacionado ao atendimento escolar às crianças e adolescentes por meio da ampliação da

jornada escolar. Buscando-se compreender a concepção de educação integral, bem como os

princípios políticos do PME, procurou-se analisar o programa tendo como objetivo geral:

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discutir os princípios, as características e a concepção de educação integral do PME.

Ainda para a compreensão sobre a relação entre escola de tempo integral e educação

integral no PME, propôs-se os seguintes objetivos específicos:

Compreender a trajetória da educação integral na história da educação

brasileira;

Analisar a concepção de educação e educação integral na Escola Nova;

Identificar e discutir quais os princípios da Escola Nova que o PME possui.

Visando uma melhor apresentação das discussões obtidas com a pesquisa, julgou-se

necessário organizar esta dissertação em três capítulos. O primeiro capítulo apresenta algumas

considerações sobre a educação brasileira, procurando evidenciar as principais correntes

político-filosóficas de educação integral. Apresenta-se, ainda, os resultados da análise

bibliográfica, procurando destacar as evidências históricas de que nas primeiras décadas do

século XX houve uma disputa ideológica, política e educacional, período no qual coexistiram

três vertentes de pensamento: escolanovismo, integralismo e o anarquismo.

O segundo capítulo apresenta a origem e o desenvolvimento da Escola Nova, bem

como a influência dessa abordagem na educação brasileira e sua relação com o PME. A

discussão procura apontar que o debate em torno da Escola Nova se faz necessário em virtude

de duas razões: primeira, forte presença do tema Educação Integral no Manifesto dos

Pioneiros de 1932 (documento que reivindicava a mudança na educação brasileira); segunda,

recorrente utilização dos pressupostos escolanovistas para fundamentação de projetos de

Escola de Tempo Integral/Educação Integral, inclusive no PME.

O terceiro capítulo traz uma análise sobre o PME com base nos diversos documentos

que compõem o programa. Apresenta os resultados da análise sobre o escopo dos documentos

(Portaria Interministerial 17/2007 e Decreto 7.083/2010), na tentativa de mostrar que a

finalidade do programa nem sempre é clara, uma vez que os termos formação integral,

educação integral, educação em tempo integral, ampliação de tempos e espaços se convergem,

dando a entender uma relação análoga. Toda discussão desse capítulo foi fundamentada na

Pedagogia Histórico-Crítica, de Dermeval Saviani e na Pedagogia Crítico-Social dos

Conteúdos, de Libâneo.

Por último, são apresentadas as considerações finais do estudo.

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CAPÍTULO I

EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO INTEGRAL: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

Tendo em vista a reflexão sobre a relação entre Escola de Tempo Integral (ETI) e

Educação Integral (EI), considera-se relevante compreender como a educação se apresenta no

transcurso da história da educação no Brasil, no intuito de verificar como essa relação aparece

nas políticas educacionais atuais.

Nesse sentido, será apresentado um breve histórico da educação brasileira,

preconizadas pelos aspectos políticos, econômicos e sociais da nossa sociedade,

possibilitando maior compreensão do processo educacional como um todo, podendo

conjeturar como a discussão sobre educação integral se faz presente no transcorrer da história.

Para compreender a trajetória da educação brasileira é preciso entender as

transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas dentro e fora do Brasil. É no

contexto do “breve século XX”3, que se institui o sistema republicano de governo e, ainda, a

consolidação do modo de produção capitalista.

1.1 Considerações sobre educação, política e sociedade no contexto do século XX

A partir da segunda metade do século XIX, o Brasil apresentava indícios para uma

nova organização em torno do trabalho e de sua manutenção. A estrutura social, econômica e

cultural, que sustentava o escravismo dentro do território brasileiro sofreu, gradativamente,

influência das Revoluções Burguesas e, consequentemente, da Revolução Industrial em

marcha na Europa. Para Fausto (2000), o crescimento industrial paulista data do período posterior à abolição. Da escravatura, embora, se esboçasse desde a década de 1870. Originou-se de pelo menos duas fontes inter-relacionadas: o setor cafeeiro e os imigrantes. Os negócios do café lançaram as bases para o primeiro surto da indústria por várias razões: em primeiro lugar, ao promover a imigração e os empregos urbanos vinculados ao complexo cafeeiro, criaram um mercado para produtos manufaturados; em segundo, ao promover o investimento em estradas de ferro, ampliaram e integraram esse

3 Expressão cunhada pelo historiador Eric Hobsbawn (2009), referindo-se às transformações ocorridas a partir da Primeira Grande Guerra (1914-1918).

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mercado; em terceiro, ao desenvolver o comércio de exportação e importação, contribuíram para a criação de um sistema de distribuição de manufaturados. Por último, lembremos que as máquinas industriais eram importadas e a exportação do café fornecia os recursos em moeda estrangeira para pagá-las. (p. 287).

Nesse sentido, entende-se que o contexto sócio-econômico do final do século XIX

reuniu as condições favoráveis à Proclamação da República. As relações com outros países,

principalmente os Estados Unidos e com os da Europa Ocidental, levaram o país

gradativamente ao desenvolvimento econômico. A colisão entre o modo de produção

escravista e o modo de produção capitalista, emergente na época, forçou uma reestruturação

nos aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais no Brasil. O trabalho assalariado em

ascendência passou a determinar as relações sociais, caracterizando a sociedade de classes do

mundo contemporâneo (capitalismo).

A transição do regime imperial para o governo republicano marcou em certa medida a

política brasileira, o sistema econômico e a organização social. Saviani (2008) avalia que Na fase propriamente imperial, que se iniciou no final da década de 1860, as discussões desenrolara-se sobre um pano de fundo comum: o problema da substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre, atribuindo-se à educação a tarefa de formar o novo tipo de trabalhador para assegurar que a passagem se desse de forma gradual e segura, evitando-se eventuais prejuízos aos proprietários de terras e de escravos que dominavam a economia do país. (SAVIANI, 2008, p. 159)

Desse modo, se vislumbra uma educação atrelada ao sistema de produção, tendo como

finalidade formar o trabalhador na nova reorganização social. O período demandava

necessidades de instrução para a população, já que, “no caso brasileiro, a exigência de

alfabetização, introduzida em 1891, era barreira suficiente para impedir a expansão do

eleitorado” (CARVALHO 2000, p. 44). A primeira constituição republicana alterou alguns

quesitos para a condição de eleitor; e a alfabetização passou a ser considerada condição ao

direito de voto, e não mais à condição social. Ainda assim, o critério da alfabetização para

participação na eleição dos dirigentes impedia que a maioria da população exercesse esse

direito, pois a maioria era analfabeta. Isso leva a afirmar que não se levava em conta as

necessidades da população, prevalecendo os interesses da classe dominante. Segundo

Carvalho (2000, p. 43) “com a República houve aumento pouco significativo para 2 % da

população”. Assim sendo, a exigência de alfabetização passa a ser empecilho para o aumento

da participação popular nas eleições. O percentual de 2% ficou ainda circunscrito às classes

privilegiadas.

Nesse contexto, a relação entre o Estado e a sociedade civil ainda era de subordinação,

vez que “o Brasil foi, pelo menos até os anos 1930, uma formação político-social de tipo

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oriental, na qual o Estado é tudo e a sociedade civil é primitiva e gelatinosa” (COUTINHO,

2007, p. 173).

Romanelli (2002) afirma que no Brasil, até o final da década de 1920, as camadas dominantes, com o objetivo de servir e alimentar seus próprios interesses e valores, conseguiram organizar o ensino de forma fragmentária, tomado o país como um todo, e ideal, considerado o modelo proposto de educação. Isso se deu mesmo quando essas camadas deixaram de ser as únicas a procurar a educação escolar. (ROMANELLI, 2002, p. 31)

De acordo com a autora, pode-se dizer que o favoritismo social foi mantido em função

da subordinação do Estado aos interesses da classe dominante. Nessa perspectiva, a

democratização do ensino mais uma vez era postergada. As discrepâncias eram complexas

mesmo com as mudanças na forma de organizar (instituir) o ensino. Assim, o ensino

permanece destinado às classes dominante, mas com uma conotação diferente: legitimado

pelo sistema político republicano.

Referindo-se a esse contexto, Severino (2007, p. 229) avalia que “os segmentos

populares alcançaram objetivamente poucas conquistas econômicas, sociais e culturais, aí

incluída a educação, que sequer se universalizou em seus níveis iniciais”. A chamada

democracia do ponto de vista educacional não aconteceu.

A transição dos sistemas políticos4, ainda no século XIX, não rompeu o caráter elitista

no que se refere à educação. A “ruptura” dessa tendência só começaria a se desenvolver após

a Revolução de 1930 (COUTINHO, 2007). A organização em torno da instrução pública,

devido às transformações sociais, passa ser constituída como direito, vez que a educação

permaneceu à margem das classes populares durante a República Oligárquica.

A organização da sociedade brasileira foi marcada por um distanciamento entre Estado

e sociedade civil. Para Coutinho (2007), “o Brasil se caracterizou até recentemente pela

presença de um Estado extremamente forte, autoritário, em contraposição de uma sociedade

civil débil, primitiva, amorfa” (p. 173). É essa sociedade das primeiras décadas do século XX,

basicamente gerida pelas forças dominantes, que se encarregava de ocupar os cargos políticos

e administrativos do Estado brasileiro. Em decorrência disso, afirma-se que não só a estrutura

social e intelectual permaneceu a mesma, como a própria consolidação da República não se

efetivou inteiramente, correspondendo desse modo ao que José Murilo de Carvalho nomeou

4 De acordo com a historiografia brasileira, o período da 1ª República (1889-1930) não rompeu com a estrutura econômica e política brasileira. Segundo Coutinho (2009, p. 176) “depois da Abolição e da Proclamação da República, o Brasil já era uma sociedade capitalista, com um Estado burguês; mas é depois de 1930 que se dá efetivamente a consolidação e a generalização das relações capitalistas em nosso país”.

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de a república que não foi (CARVALHO, 2000).

Os fatores que impediram que o projeto republicano se efetivasse imediatamente

podem ser descritos como: a sociedade em transição, uma sociedade civil incipiente, a

inexistência de uma cultura escolar. “O Estado moderno brasileiro foi quase sempre uma

‘ditadura sem hegemonia’” (COUTINHO, 2012, p. 176).

Referindo-se ao Brasil, Florestan Fernandes elabora o conceito de “autocracia

burguesa” (FERNANDES, 1981, p. 279). Desta forma, pode-se dizer que as reformas

constitucionais foram realizadas sob o domínio da classe burguesa. Para Fernandes (1981, p.

300) “as classes burguesas procuraram compatibilizar revolução nacional com capitalismo

dependente e subdesenvolvimento relativo”. Essa relação entre Estado e burguesia foi

decisiva para a conservação social.

A crise econômica de 19295, a estrutura social em mudança (industrialização de seus

setores produtivos e reprodutivos), incluindo ainda o êxodo rural, reuniram as condições

necessárias para a Revolução 1930. Os acontecimentos, antes, durante e após a revolução de

1930 alteraram a economia, a organização social das cidades industriais e, sobretudo, a

política. “O desenvolvimento do capitalismo implicou o deslocamento do eixo da vida

societária do campo para a cidade e da agricultura para a indústria, ocorrendo, inclusive, um

progressivo processo de urbanização do campo e industrialização da agricultura” (SAVIANI,

2008, p.191). Assim, as mudanças no setor produtivo não contribuem para a distribuição de

renda, a realidade é que o setor produtivo permaneceu sob domínio da classe dominante.

Coutinho (2007) considera a Revolução de 1930

a forma mais emblemática de manifestação de via prussiana, de revolução passiva, de modernização conservadora em nossa história. Na revolução de 1930, setores das oligarquias agrárias, aqueles não ligados diretamente ao mercado externo, deslocam do papel de fração hegemônica no bloco no poder a oligarquia cafeeira, cooptam alguns segmentos da oposição da classe média. (p.177)

O período que se estendeu desde a proclamação da república até a revolução de 1930

caracterizou-se, em linhas gerais, por uma sociedade heterônoma. No que se refere à

educação, o país estava em estágio de formação. Nesse sentido, as condições sociais,

econômicas e culturais “fizeram com que a intenção do sistema escolar brasileiro de prover as

necessidades educativas de cada classe, sem lhe alterar a estrutura social confirmando a

5 A Grande Depressão, também chamada por vezes de Crise de 1929, foi uma grande depressão econômica que teve início nos anos 1920 e que trouxe implicações diretas para o Brasil. Segundo Hobsbawm (1995, p.111), “provavelmente nada demonstra mais a globalidade da Grande Depressão e a severidade de seu impacto do que essa rápida visão panorâmica dos levantes políticos praticamente universais que ela produziu [...]”.

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distribuição da educação às estreitas necessidades de cada classe não lograsse êxito”

(ROMANELLI, 2012, p.46).

Enquanto a elite se beneficiava da educação escolar, mantendo seus privilégios, o

sistema escolar destinado as classes populares estava condicionada à reprodução da

sociedade. O resultado dessa relação foi a consolidação de uma sociedade desigual no que se

refere às diferentes finalidades da educação; de um lado, a educação da elite e, de outro, a

educação para as massas. “A educação, quando apreendida no plano das determinações e

relações sociais e, portanto, ela mesma constituída e constituinte destas relações, apresenta-se

historicamente como um campo de disputa hegemônica” (FRIGOTTO, 2010, p. 27).

Nessas condições, os ‘supostos beneficiados’ (as classes populares) foram solapados

na transição para a república democrática, um sistema que prioriza, entre outras coisas, o

mercado e uma rede de circulação sofisticada, de organização do capital. De fato, uma ruptura

não poderia ser a melhor definição para os anos 1930, mas uma ressignificação de ordem

econômica e política que provocou a crise do referido período.

Ademais, as correntes de ideias e os movimentos político-sociais delimitam outra esfera de indagações, definições e opções diante desse quadro em mudança – quando determinamos correntes ou movimentos se comprometem com a conservação das condições existentes, ou quando se contrapõem com o modo com que se configura a ordem social estabelecida, ou ainda, quando se definem contraditoriamente, que é o caso mais comum, isto é, quando apresentam, ao mesmo tempo, elementos de preservação e de alteração das condições dominantes. (NAGLE, 1976, p. 98)

Diante do exposto, pode-se afirmar que as primeiras décadas do século XX

testemunharam a disputa ideológica entre os grupos oligárquicos e a emergente classe urbano-

industrial. Nesse contexto, surgiu “o entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico6”

que formam o ideal de educação, o qual dá uma especial importância à instrução popular. A

escolarização passou ser elemento nevrálgico para a sociedade do século XX. Nos discursos

dos educadores começou a aparecer a defesa da universalização da educação/escola, e a

sugerir que esta fosse uma educação integral.

Assim, mesmo com as mudanças sociais, econômicas e políticas em curso nas

primeiras décadas do século XX, o que se verificou foi o predomínio da classe dominante à

frente do sistema educacional brasileiro. A hegemonia foi constituída sob diferentes embates

político-ideológicos, o que demonstra que o período foi marcado por intensas disputas em

6 Expressão cunhada por Jorge Nagle, “o entusiasmo pela educação significa, também, uma tendência para reestruturar os padrões de educação e cultura existentes; portanto, não significava simplesmente difusão do modelo predominante (NAGLE, 1976, p.111).

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torno da concepção de educação.

Nesse período identificamos forte presença de ideários antagônicos com a promessa de

educação integral que serão apresentados a seguir. Os embates eram frutos dos fatores sociais

e econômicos que a sociedade vivenciava.

1.2 Educação integral na história: considerações sobre diferentes concepções filosóficas e educacionais nas políticas de educação no Brasil

O campo da educação foi, entre outros fatores, o aspecto de maior embate político-

ideológico no início do século XX. As concepções pedagógicas foram pautadas por várias

correntes historiográficas.

Em estudos sobre Educação Integral, Coelho (2009) afirma que no Brasil da primeira metade do século 20, por exemplo, coexistiam movimentos, tendências e correntes políticas dos mais variados matizes, discutindo educação; mais precisamente defendendo a educação integral, mas com propostas político-sociais e teórico-metodológicos diversas. (COELHO, 2009, p. 88)

Neste período, constatou-se um embate em torno do ideal de educação, apesar de

todos defenderem a educação integral. Coelho (2002) enfatiza que a discussão sobre

Educação Integral perpassava a corrente conservadora, a liberal e a socialista. De acordo com

essa constatação, será discutido alguns princípios dessas três concepções de educação integral.

1.2.1 Educação integral na corrente socialista: o anarquismo

O início do século XX foi intenso, os embates ideológicos devido a transformações

sociais oriundas do capitalismo. No campo educacional, a repercussão foi imediata. De acordo

com Lourenço Filho (1976, p. 35), “do início da República até 1920, a penetração no meio

brasileiro das ideias socialistas e anarquistas apresenta-se mais sob forma de luta

reivindicatória do que de pensamento estruturado”. A influência que o autor assinala refere-se

a consolidação de partidos políticos enquanto resistência ao modo de produção capitalista. No

entanto, pode-se encontrar nesse período, junto às reivindicações às condições de vida e de

trabalho da classe operária, a defesa da educação.

Uma das manifestações sobre Educação Integral que surgiu nesse período vem das

ideias revolucionárias anarquistas. Para Saviani (2008), “no aspecto propositivo os

anarquistas no Brasil estudaram os autores libertários extraindo deles os principais conceitos

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educacionais como o de educação integral, oriundo da concepção de Robin7”. (p.183, grifo

do autor.

Assim também Moriyón, (1989), na obra intitulada “Educação Libertária”, apresenta

vários pensadores libertários que reivindicavam a necessidade de uma Educação Integral. De

acordo com Moriyón (1989), Paul Robin talvez tenha sido o que melhor soube expressar o que se queria dizer ao falar do pleno desenvolvimento da criança. A educação integral nada tem a ver com uma espécie de acumulação ingente de conhecimento sobre um amontoado de coisas; refere-se antes à consecução de um desenvolvimento harmônico de todas as faculdades da criança, de sua inteligência, mas também de sua saúde, de seu vigor físico, de sua bondade. [...] Um ensino ativo, os passeios ao campo, a educação física, e outras dimensões anteriormente esquecidas pelos estabelecimentos educativos. (p. 21)

Assim, a defesa da Educação Integral, nessa visão revolucionária, apareceu como

possibilidade de uma formação para além da educação tradicional, uma tentativa de superação

da educação proveniente das revoluções burguesas. Isso ocorreu em decorrência do processo

de consolidação do sistema capitalista, no qual as frentes revolucionárias atribuíam ao

capitalismo a exploração do trabalho e as condições miseráveis da população. É nesse

contexto que surgiram e foram se intensificando os movimentos operários, reivindicando

melhores condições de trabalho. Foi com objetivo de conscientização popular contra o sistema

capitalista que o movimento anarquista propunha uma educação integral. Assim, para alterar o

quadro social, os anarquistas combatiam não só o modo de produção, mas responsabilizava o

Estado pelas mudanças que estavam ocorrendo. Para o movimento anarquista, o meio para

conscientizar as massas era colocar em prática uma educação integral.

O caráter contestatório oriundo dos movimentos operários anarquistas era de natureza

revolucionária. De acordo com o pensamento anarquista, “a educação burguesa existe para

adaptar os indivíduos à sociedade, educando-os para que sejam como devem ser socialmente,

espalhando e concretizando a mesmice” (GALLO, 2002, p. 20; grifos do autor).

Numa perspectiva de total militância, Bakunin (apud Gallo, 1995a) conclama: E nós, democratas socialistas, exigimos para o povo a instrução integral, toda a instrução, tão complexa quanto o permita a capacidade intelectual do século, a fim de que acima das massas, não possa existir nenhuma classe que saiba mais do que eles, e que os possa dominar e explorar. (p. 117)

7 Trabalhou como professor no início da década de 1860, participando ativamente da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), nos congressos de Bruxelas , Genebra , Paris e Londres , apoiando Mikhail Bakunin contra Marx. Seus princípios educacionais influenciando Francisco Ferrer Guardia, o criador da Escola Moderna.

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Essa reação contra hegemônica foi disseminada no Brasil, ora enquanto protesto

contra o Estado, ora como concepção pedagógica, fazendo-se presente principalmente

enquanto luta política enviesada por partidos políticos e sindicatos. O movimento anarquista,

nas primeiras décadas do século XX, foi importante na divulgação do papel da educação para

a formação do cidadão. “Enquanto algumas correntes do socialismo tentavam pressionar o

governo no sentido de aumentar o número e melhorar a qualidade das escolas, os anarquistas

denunciavam, através de livros, jornais, revistas, conferências, os males de ensino oferecido

pelo Estado” (COELHO, 2002, p. 19). É nesse sentido que os ideais anarquistas se distanciam

das demais correntes socialistas, e é importante ressaltar que a presença das ideias socialistas

no Brasil foi marcada por diferentes correntes de pensamento político-ideológico e que, nesse

trabalho, se procurou evidenciar apenas o ideário anarquista, entendendo que este teve maior

expressão no que se refere à educação.

A doutrina anarquista no Brasil foi muito mais uma reação categórica contra o Estado

e tudo que vinha dele do que um movimento articulado de renovação pedagógica. O

movimento se enfraqueceu diante da forte perseguição por parte do Estado Novo de Vargas e,

desse modo, a influência da corrente libertária restringiu-se a atos de protestos e

reivindicação.

Assim, tendo por base os fundamentos de Paul Robin, Gallo (1995b) afirma que, para

os anarquistas, a educação integral pode ser dividida em duas fases distintas [...] uma primeira fase, a do primeiro período da infância, deve tratar a criança como um ser mais isolado, trabalhando o seu conhecimento específico e individualizado, para só depois passar a percebê-la e fazê-la perceber-se como ser social ligado a uma comunidade, começando a trabalhar os conhecimentos que fazem uma série de inter-relações e complementam e aprofundam os conhecimentos básicos adquiridos na fase anterior. (GALLO, 1995b, p. 98)

A concepção anarquista de Paul Robin pretendia uma formação direcionada desde a

infância, um processo no qual a criança aos poucos vai se tornando ativa. Essa formação

processual era a condição indispensável para alcançar uma formação integral na idade adulta,

que deveria ser promovida com o mínimo de interferência do meio social. Desse modo, pode-

se dizer que a concepção de educação centrava na formação inicial da criança, já que as

gerações adultas em muito já estava impregnado pelas transformações do mundo

contemporâneo. As duas fases que descreve Paul Robin corresponderiam, segundo Coelho

(2009, p. 87) “aos nossos anos iniciais do ensino fundamental e a segunda, aos anos finais”.

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De acordo com Gallo (1995b, 101), “nesta primeira fase, trata-se de suscitar práticas

nas crianças que, além de estimular sua curiosidade pelo conhecimento prático/teórico, já

formem uma base sobre a qual possa depois ser trabalhada uma educação moral, ou prática de

uma convivência libertária e solidária”. Essa concepção de educação e a relação entre teoria e

prática eram estimuladas desde a infância. Essa característica do movimento anarquista em

valorizar a educação infantil revela uma posição contra a ideologia predominantemente

arraigada na sociedade.

Um dos princípios sobre educação que compõem a corrente anarquista, “é que a

educação integral é um processo que acompanha o desempenho físico, psicológico e

intelectual da criança” (GALLO, 1995b, p. 76). Para Bakunin (1979, p. 50), para que os homens sejam morais, isto é, homens completos no sentido mais lato do termo, são necessários três coisas: um nascimento higiênico, uma instrução racional e integral, acompanhada de uma educação baseada no respeito pelo trabalho, pela razão, pela igualdade e pela liberdade, e um meio social em que cada indivíduo, gozando de plena liberdade, seja, realmente, de direito e de fato, igual a todos os outros. (p.32)

Nessa perspectiva, a Educação Integral para os anarquistas está relacionada a uma

diversidade de aspectos inerentes ao homem. Em síntese, a concepção de educação integral

pelo pensamento anarquista está fundamentada em três princípios básicos: “a educação

intelectual, a educação física (que se subdivide em esportiva, manual e profissional) e a

educação moral” (GALLO, 2002, p.33). Esses aspectos devem ser adquiridos

processualmente da infância à fase adulta.

As considerações apresentadas sobre a concepção de educação na corrente anarquista

teve o objetivo de demonstrar a presença desse ideário no Brasil. Sua influência marcante

restringiu-se em um curto período de tempo, mas foi suficiente para o fortalecimento da

oposição no país. É nesse mesmo cenário, dos anos 1930, que o movimento de direita surge

no país. Para Trindade (1974, p. 17) “as greves do pós-guerra e a fundação do PCB, em 1922,

a criação da (ANL) e a revolta comunista, em 1935, inspirada no anarquismo e mais tarde, no

marxismo, influenciará a formação ideológica de Salgado e o desenvolvimento da Ação

Integralista”. Movimento que será discutido a seguir.

1.2.2 A concepção conservadora de educação integral: o integralismo

Outra discussão que ocorreu nas primeiras décadas do século XX sobre a Educação

Integral surgiu do movimento denominado ‘Integralismo’. Sua disseminação se materializou

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como protesto político e educacional.

Nessa perspectiva, o movimento integralista foi mais uma tentativa de se buscar a

hegemonia política em um período de efervescência ideológica, pois o contexto das primeiras

décadas foi marcado por subversões no que se refere à política nacional. Essa agitação se deu

em parte pelos acontecimentos no mundo europeu. Segundo Trindade (1974, p.289), “a

influência do fascismo europeu foi, sem dúvida, crucial na configuração da AIB enquanto

movimento político”. O contexto era propício para a abertura de novos grupos em disputa

pelo poder político.

Também chamado de nacionalismo integral, o ideário integralista foi considerado uma

corrente conservadora, buscando reintegrar a ideologia católica no período de grande embate

político.

Nós que pugnamos por uma sociedade Integral; devemos, fazer uma reflexão ativa sobre as complexas realidades que envolvem o Homem de nosso tempo; e buscar conceder-lhes os meios basilares para que lhe seja possível seu aperfeiçoamento, sobretudo espiritual, como diz o Ilustre Jurista, pois concebemos o Homem em sua inteireza, assim como o definiu Boécio “uma dualidade consubstancial exprimindo-se numa unidade substancial”, ou seja, corpo e alma.8 (RODRIGUES, 2003, s/p; itálicos do autor).

A partir dessa concepção conservadora de educação, a educação integral é

compreendida como um processo no qual a relação do indivíduo não pode se distanciar dos

ensinamentos e da fé cristã. Os ideais oriundos das correntes socialistas ameaçavam o poder

da Igreja Católica, por isso era importante fortalecer o ideal de homem civilizado, ordeiro e

fiel aos princípios nacionais. Para manter o princípio nacionalista, era preciso refutar todo tipo

de manifestação que colocasse em risco a ordem e a paz nacional.

O movimento integralista foi marcante no que se refere ao aspecto educacional. Para

Loyola (1937, p. 2 apud CAVALARI, 1999), o integralismo empresta uma importância capital à educação encarada sob o tríplice aspecto de moral, cívico, e físico. Isto constitui um dos traços mais expressivos de sua identificação com a época em que vivemos caracterizada pelo progresso acelerado da civilização hodierna. (p.45)

Essa concepção revela um período de elevado conservadorismo. Os princípios

nacionalistas eram a principal característica do movimento integralista, pois a década de 1930

representava risco social devido às revoltas e crises. Nesse sentido pode-se dizer que os

8 Artigo originalmente publicado no periódico Integralista Quarta Humanidade, n.5, abril de 2003. Disponível em <http://www.integralismo.org.br/?cont=907&tx=13> .

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integralistas buscavam certo apaziguamento social.

A proposta educacional integralista buscava ‘formar’ o indivíduo em todas suas

capacidades. Para Aires (1959, p. 75 apud CAVALARI, 1999, p. 26), “o verdadeiro ideal

educativo é o que se propõe a educar o homem todo. E o homem todo é o conjunto do homem

físico, do homem intelectual, do homem cívico e do homem espiritual”. De fato, era uma

concepção com forte influência do mundo moderno, uma conciliação da ideologia liberal aos

objetivos da Igreja Católica.

A presença marcante dos princípios católicos nos ideais integralistas demonstra que a

Igreja Católica não estava disposta a perder a hegemonia que detinha na civilização brasileira

desde o período colonial. O homem, segundo o integralismo deveria ser

um ser racional, criado à imagem e semelhança de Deus, seu criador, com direitos e deveres inerentes e decorrentes da sua racionalidade e da sua finalidade. O objetivo principal do homem, é, portanto, a realização plena da sua personalidade segundo sua natureza e seu destino. O papel, por conseguinte, da Educação, é dar ao homem os meios para que essa realização se efetive. (SALGADO, apud CAVALARI, 1999, p. 46).

Tais evidências revelam a forte presença do ideário católico e, por conseguinte, o meio

para tal proposta: a educação. Nesse contexto, a educação, pelo bem ou pelo mal, é o

elemento de disputa pelos grupos político-ideológicos. O embate em torno da educação

explica as pequenas reformas9 conquistadas na primeira metade do século XX. De uma forma

ou de outra, a educação nacional sofre os efeitos dos debates das diferentes correntes político-

ideológicas, e o integralismo expressou-se como uma espécie de contra reforma da Igreja

Católica no campo educacional.

A relação que se pode estabelecer entre a doutrina integralista e a concepção de

educação integral do homem é muito mais uma concepção com propósito de dominação do

que de emancipação, pois, “ é importante lembrar que o integralismo exigia de seus membros

um juramento de fidelidade e obediência à sua doutrina e ao Chefe Nacional (CAVALARI,

1999, p. 52). Cabe perguntar como uma educação que se julga integral pode coexistir com os

mandamentos fundamentados na subserviência do homem pelo homem. A doutrina

integralista possuía estatutos e cartilhas adotadas para a formação dos camisas-verdes10 que

revelou um nacionalismo exacerbado de influência fascista. A forma de conduta dos

9 O termo reforma refere-se às mudanças que ocorreram nas primeiras décadas do século XX no campo educacional como a expansão da escola primária. 10 Denominação utilizada pelos integrantes do movimento integralista devido à vestimenta como símbolo nacional: o verde oliva.

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integralistas, sobretudo a disciplina militar reverberou o tom fascista. A ação integralista

buscava afastar o povo da influência comunista e, nesse sentido, “coerentes e justos só os

educadores integralistas que ultrapassando as vacilações criminosas dos mestres burgueses,

não iremos aos excessos dos mestres russos” (SALGADO apud CAVALARI, 1999, p. 45).

O integralismo desejava implantar um sistema educacional, no qual o povo pudesse ter

acesso ao conhecimento e elevar o nível cultural das massas. No entanto, Cavalari (1999, p.

65) considera que “através da alfabetização rápida buscava-se ensinar os brasileiros a ler e

escrever, não para elevar o seu nível cultural ou promover a sua realização plena enquanto

homem integral, conforme preconizado, mas para que ele pudesse obter seu título de eleitor”.

Diante do que foi discutido é importante destacar que, segundo Trindade (1974, p.

288), “a ideologia integralista se elaborou num período de transição da evolução político-

econômica e cultural da sociedade brasileira” [...]. Sob o impacto de uma nova situação

internacional, marcada pela revolução soviética e a contra-revolução fascista. Nesse contexto

das primeiras décadas do século XX que se dá o movimento da Escola Nova. Esse movimento

teve grande influência no Brasil, seus ideais, continuaram exercendo forte influência na

educação brasileira, e que será apresentado a seguir.

1.2.3 Educação liberal: a concepção escolanovista

O embate em torno da educação nas primeiras décadas do século XX foi intenso,

como já foi apresentado com a presença dos ideais socialistas e do movimento integralista.

Nesse mesmo contexto, outro grupo disputava o controle da educação e reivindicava uma

reforma no sistema educacional. Ao propor uma reforma total do ensino, o movimento da

Escola Nova tomou maior dimensão depois de lançado o Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova11.

No Brasil, o movimento da Escola Nova foi acompanhado por disputas políticas,

entendendo que o Estado deveria assegurar o direito de aprendizagem a todos. Este estaria

aliado a disputa ideológica, declarada entre esccolanovistas e conservadores de procedência

religiosa, caracterizando o embate acerca da escola pública na primeira metade do século XX.

Os princípios presentes no Manifesto dos Pioneiros (1932) revelam uma inclinação

para uma educação pública, gratuita e de caráter universalista. A proposta dos pioneiros prevê

11 O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi redigido por 26 intelectuais em 1932 com objetivos políticos e educacionais. Segundo Webere (1993), “embora todos os signatários do documento fossem defensores da escola pública, gratuita, obrigatória, assim como a laicidade do ensino e da coeducação dos sexos nas escolas, suas opiniões políticas não eram todas convergentes, se bem que todos fossem liberais”. (p. 50)

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uma educação baseada na concepção liberal e democrática. Para os esconalovistas, a educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar "a hierarquia democrática" pela "hierarquia das capacidades", recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de "dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento", de acordo com uma certa concepção do mundo. (p. 4).

Nessa perspectiva, a concepção presente no documento pode ser descrita como uma

espécie de ‘sincretismo educacional’, ou seja, uma concepção que busca unir tanto as

exigências provenientes da sociedade industrial quanto a formação do indivíduo em âmbito

integral.

Para Romanelli (2012), O movimento renovador reivindicava a institucionalização da escola pública e sua expansão, assim, como a igualdade de direitos dos dois sexos à educação. Esses três aspectos – laicidade, obrigatoriedade do Estado de assumir a função educadora e a coeducação – constituíram o pomo da discórdia entre os educadores que, pela Associação Brasileira de Educação, ocorriam às conferências Nacionais de Educação. Logo, dois grupos se definiram: o dos que promoviam e lideravam as reformas e movimento renovador, e o dos que, em sua maioria católicos, combatiam sobretudo os três aspectos acima descritos. (p. 143)

A partir desses princípios defendidos pelos escolanovistas, afirma-se que a Escola

Nova possuía um projeto renovador em relação à escola tradicional: (i) escola comum para

todas as crianças, independente do sexo; (ii) o embate em torno da concepção cristã de

educação; (iii) escola como direito público a ser ofertado pelo Estado, uma articulação entre a

concepção liberal de educação com as transformações econômicas e sociais que estavam

ocorrendo. Para isso, era necessário retirar da Igreja Católica o controle dos valores

conservadores, sobretudo a Educação. No entanto, Saviani (2009) contrapõe a finalidade da

educação de acordo com os princípios liberais.

E hoje nós sabemos, com certa tranqüilidade, já, a quem serviu essa democracia e quem se beneficiou dela, quem vivenciou esses procedimentos democráticos no interior das escolas novas. Não foi o povo, não foram os operários, não foi o proletariado. Essas experiências ficaram restritas a pequenos grupos, e nesse sentido elas constituíram-se, em geral, em privilégios para os já privilegiados, legitimando as diferenças. (SAVIANI, 2009, p. 44)

Nessa perspectiva, a concepção liberal de Educação predominou sobre as demais. Essa

doutrina político-filosófica permitiu que uma maior parte da população tivesse acesso à

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escola, no entanto, esse acesso não alterou as relações de classe. De acordo com Libâneo

(2009), a pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais. Para isso, os indivíduos precisam aprender a adaptar-se aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes, através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes pois, embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições. (p. 21)

O período em que foi desencadeado o Manifesto dos Pioneiros é sem dúvida um

exemplo de que as reformas educacionais foram em grande medida ensejadas pelo

desenvolvimento, e, que por essa razão, carregam os princípios ideológicos e as concepções

sócio-históricas. Para os reformadores pioneiros, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. (p. 1)

Romanelli (2012) acrescenta que o Manifesto “situa, portanto, a educação no processo

de desenvolvimento do país. Para a autora, “o Manifesto demonstra que a compreensão da

realidade educacional, por parte dos pioneiros, estava ainda muito próxima da concepção

liberal e idealista dos educadores românticos do século XIX” (ROMANELLI, 2012, p. 148).

A revolução burguesa no Brasil funcionou como manutenção da classe dominante.

Pode-se verificar, na breve discussão das três concepções de educação integral, que

apesar de terem propostas epistemologicamente diferentes, os movimentos anarquista,

integralista e escolanovista traziam a concepção de educação integral e, de certa forma, pela

chamada democratização do ensino. Então, diversas correntes coexistiam no Brasil, inclusive

com alguns propósitos até mesmo análogos.

Tentativa de aproximação entre as três concepções anteriores...

Neste momento, apresenta-se uma tentativa de aproximação entre as três concepções

anteriormente discutidas: anarquista, integralista, e a concepção liberal, inclusive destacando

as possíveis divergências entre elas.

O ideal integralista, como foi mencionado, desejava implantar uma forma de governo,

na qual o povo pudesse ter acesso ao conhecimento. Assim também era a reivindicação dos

escolanovistas, ou seja, defendia a escola pública a todos. Essas duas propostas divergem

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enquanto a questão da laicidade do ensino: de um lado, o integralismo conserva os

ensinamentos cristãos e, de outro, os escolanovistas propõem o ensino laico. O resultado

desse embate foi a mediação de ambas propostas, pois até os dias atuais persiste a presença da

Igreja nas diretrizes da educação nacional, mas mantendo certo grau de neutralidade. De

acordo com o art. 34 da LDB/96, o ensino religioso permanece como disciplina; a matrícula é

facultativa e ainda respeita-se a opção religiosa do aluno.

O contexto da década de 1930 foi oportuno para o surgimento de contestações em

torno dos ideais educacionais e políticos. Houve similaridade até na forma de organização dos

movimentos, ou seja, o fundamento político-filosófico do integralismo se constituiu em forma

de manifesto, semelhante à concepção da Escola Nova. Em outubro de 1932, foi lançado um

Manifesto12 com o intuito de “formar a consciência popular no trato dos problemas

brasileiros” (CAVALARI, 1999, p. 14).

Em relação a concepção de educação integral (os ideais anarquistas), esta não é tão

discrepante da que se apresenta naquele contexto, intitulada de Escola Nova, no sentido de

respeitar as fases da criança. De acordo com Gallo (1995, p. 99), “a preocupação de Robin é

entender como a criança aprende e fixa as primeiras impressões, os primeiros

conhecimentos”. Deste modo, a ênfase é para o indivíduo ainda sem interferência do meio

social. A defesa dos escolanovistas também acontecia através do reconhecimento das fases

iniciais da criança, pois, “a Escola Nova está baseada na atividade pessoal da criança”

(LOURENÇO FILHO, 1963, p. 163). Nesse sentido, o reconhecimento da criança enquanto

sujeito de direito à aprendizagem é enfatizado pelas duas propostas. Na verdade, o contexto

do século XIX e XX, com os estudos da biologia já discutido anteriormente é que modifica as

relações sociais da criança. O que difere completamente os dois princípios é a relação do

homem com a sociedade, ou seja, sociedade capitalista, na qual o modo de produção é o

responsável pelo agravamento das desigualdades sociais; enquanto que a pedagogia liberal

(Escola Nova) “não vê o papel condicionante da sociedade, das condições concretas de vida e

trabalho, de classe social e que determinam uma natureza humana social e, assim, um aluno

concreto, síntese de múltiplas determinações” (LIBÂNEO, 2009, p. 66).

Enquanto pensamento político, os ideários do movimento anarquista e da Escola Nova

se divergem, mas como proposta pedagógica, possui alguns pontos em comum: uma formação

que contemple o conhecimento intelectual, indissociado ao trabalho manual, o cuidado com o

12 “Oficialmente, a Ação Integralista Brasileira (AIB) foi criada em São Paulo por Plínio Salgado, através de um manifesto lido em reunião solene no Teatro Municipal de São Paulo. Esse Manifesto tornou-se conhecido posteriormente, em todo o país com o nome de Manifesto de Outubro”. (CAVALARI, 1999, p. 13)

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corpo por meio de atividades físicas13 e a educação moral. “A educação integral no contexto

da educação integral anarquista organiza-se em torno da vivência cotidiana da comunidade

escolar através da solidariedade e da liberdade, como forma de organizar uma nova prática

social” (GALLO, 2002, p. 37).

O trabalho é um elemento essencial no desenvolvimento de uma Educação Integral

presente na concepção anarquista e também na Escola Nova. Na perspectiva de Anísio

Teixeira, “o ensino se tem de fazer pelo trabalho e pela ação, e não somente pela palavra e

pela exposição” (TEIXEIRA, 1957, p. 20). Para o autor, o trabalho é um elemento

indispensável para uma formação integral. Assim sendo, não difere muito do pensamento

anarquista, pois “a educação integral e libertadora de Bakunin visa ainda a uma integração do

trabalho manual e do trabalho intelectual, superando essa histórica dicotomia” (GALLO,

2002, p. 31).

A educação, portanto, era apresentada pelos anarquistas, integralistas e escolanovistas

com finalidades bem definidas. Cada concepção procurou obter a hegemonia política e, por

conseguinte, a educação escolar. Nesse embate político-filosófico, a pedagogia liberal

triunfou. Portanto, discutir-se-ão com mais profundidade no próximo capítulo as implicações

da concepção liberal de educação, haja vista que a promessa de escola de tempo integral e de

educação integral ressurgiu nas políticas educacionais. Por hora, cabe destacar que a promessa

de educação integral é recorrente na história da educação brasileira. Muda-se o contexto

histórico-social, mas a defesa de educação integral nos discursos políticos se mantém. Em

decorrência disso, discutir-se-ão a seguir os desdobramentos das Políticas Educacionais em

nosso país. Pelos estudos realizados, há certa reincidência na proposta do Programa Mais

Educação dos discursos sobre educação integral inspirados nos princípios escolanovistas.

Dessa forma o próximo capítulo está destinado a discutir essa abordagem liberal de educação.

Após refletir-se sobre esses movimentos que influenciaram a educação brasileira, é

importante também focalizarmos o papel da escola, principalmente na primeira metade do

século XX. Este teve um caráter informacional, de instrução e, considerado útil à estrutura

que a sociedade estava se convertendo (sociedade industrial), não permitiu a apropriação da

educação em seu sentido amplo.

Nessa perspectiva, Frigotto (2010) assinala que na perspectiva das classes dominantes, historicamente, a educação dos diferentes grupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los técnica, social e

13 “No contexto da Educação libertária, a educação física compreenderia três aspectos: uma educação recreativa e esportiva, uma educação manual e uma educação profissional.” (GALLO, 2002, p. 35).

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ideologicamente para o trabalho. Trata-se de subordinar a função social da educação de forma controlada para responder às demandas do capital. (p. 28)

A educação para o proletariado, nessa visão, além de atender a classe econômica em

seus interesses mercantis, é pautada em um aparelho ideológico, no qual os trabalhadores

desconhecem a realidade dos fatos. Nesse sentido, podemos resumir em duas bases

ideológicas a defesa da educação: (i) para a formação do homem moderno, civilizado, urbano,

‘culto’; (ii) para a nova organização do trabalho.

1.3 Dos anos 1930 aos dias atuais: os desdobramentos da educação brasileira

A Constituição Federal (CF) de 1937, em consonância ao momento histórico,

promoveu mudanças no campo educacional. No capítulo que trata da educação, prevê-se no

art. 129 que: O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.

Para Romanelli (2012), a ênfase no ensino profissional, assegurada na constituição de

1937, revela a intencionalidade do Governo no que se refere à educação para os grupos ainda

em desvantagem econômica e social, pois oficializando o ensino profissional, como ensino destinado aos pobres, estava o Estado cometendo um ato lesivo aos princípios democráticos; estava o Estado instituindo oficialmente a discriminação social, através da escola. E fazendo isso, estava orientando a escolha da demanda social de educação. (ROMANELLI, 2012, p. 156)

A educação não apresentava elementos concretos sobre o tema da educação integral.

No documento, a única menção ao tema da educação ou formação integral aparece no texto da

Família. O art. 125 dispõe que “a educação integral da prole é o primeiro dever e o direito

natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal

ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação

particular”. O que de fato se pode afirmar é que, por via revolucionária14, o Estado é chamado

a promover a chamada democratização do ensino público.

14 “A pedagogia por mim denominada ao longo deste texto, na falta de uma expressão mais adequada, de ‘pedagogia revolucionária’, não é outra coisa senão aquela pedagogia empenhada decididamente em colocar a educação a serviço da referida transformação das relações de produção.” (SAVIANI, 2009, p. 68)

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A educação pública no período republicano atendeu a diversos propósitos. No campo

político-ideológico, a defesa da escola pública de cunho liberal foi utilizada como discurso em

favor da manutenção da classe hegemônica. Para Saviani (2012, p. 16), “de agência destinada

a atender o interesse da população pelo acesso ao saber sistematizado, a escola passa a ser

uma agência a serviço de interesses corporativistas ou clientelistas. E Neutraliza-se, mais uma

vez, agora por outro caminho, o seu papel no processo de democratização”. Desse modo, a

chamada democratização do ensino se fez à medida dos interesses da classe dominante.

No século XX, houve várias tentativas de reforma política. Devido à instabilidade

política, ocorreram várias mudanças constitucionais. Com relação à educação integral, a

constituição, embora mencione o dever do estado em garantir a educação integral da família,

não descreve em que concepção está centrada e como deve ser oferecida. Nesse contexto,

Fausto (2000) descreve que, em função dos incentivos à industrialização no país pelo

governo, as reformas no campo educacional concentraram-se no ensino industrial, fato

marcado pela criação da Lei Orgânica do Ensino Industrial e criação do Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (SENAI) na década de 1940. Já Romanelli (2012) considera que

“com o estabelecimento do Estado Novo, em 1937, as lutas ideológicas em torno dos

problemas educacionais entravam numa espécie de hibernação” (p. 157).

As reformas mais significativas aconteceram em forma de leis orgânicas do ensino.

Regulamentadas por decretos, as reformas que foram realizadas nos anos 1940, de uma forma

geral, compreendiam várias modalidades do ensino. No que se refere ao ensino secundário, o

Decreto-Lei 4.244 de 09 de janeiro de 1942, descreve as finalidades da educação. O art. 1º

refere-se ao termo ‘integral’ para caracterizar a formação do indivíduo. De acordo com o

art. 1º, § 1º, “formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a

personalidade integral dos adolescentes” é uma das finalidades do ensino secundário.

Observa-se que o termo educação integral é caracterizado de vários significados, mas de

acordo com as condições impostas pelo sistema de classes.

O percurso educacional no século XX foi marcado por disputas no campo político, e a

questão da educação nacional aos poucos foi incorporada na política de governo. Em 1946,

com a saída do presidente Getúlio Vargas do poder, vários decretos sobre as modalidades de

ensino foram aprovados. O Decreto 8.529, de 02 de janeiro de 1946, sobre as finalidades do

ensino primário, concentra ideais morais e cívicos, diferentemente do decreto de 1942,

mencionado anteriormente, ainda que de forma sintética, que menciona a formação integral

do indivíduo. Esses decretos, específicos da educação profissional, sinalavam os interesses

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econômicos e políticas, culminando na criação do SENAI, em 1942, e nada constava sobre a

Educação Integral no texto da Constituição Federal de 1946.

Isso reafirma que as propostas – políticas em que a Educação Integral é pelo menos

apontada – ocorreram nos anos 1930, de forma mais contundente, sendo o Manifesto dos

Pioneiros um documento importante nessa discussão sobre a Educação Integral com relação

às políticas públicas.

Acredita-se que até hoje princípios contidos nesse manifesto se apresenta nas políticas

educacionais, as quais se propõem a oferecer uma educação integral e ou uma escola de

tempo integral. Os princípios que subsidiam esse documento são os liberais presentes no

movimento da Escola Nova. Em decorrência disso, é importante discutir, no próximo

capítulo, a Escola Nova como subsídio para se analisar o Programa Mais Educação. O

objetivo é compreender melhor como se apresenta, na política educacional recente, o objeto

dessa investigação, ou seja, a relação entre Educação de Tempo Integral e a Escola de Tempo

Integral.

Os anos que antecederam o golpe militar foram importantes para a educação nacional

no que se refere ao projeto das diretrizes e bases. Os debates ideológicos e o período de

‘hibernação’ caracterizaram os últimos anos da educação nacional antes do período de

recessão (ROMANELLI, 2012). A LDB, lei 4.024 de 1961, introduziu elementos

significativos na legislação educacional, porém incipientes para a educação popular.

No referido documento, o termo educação integral ressurgiu com sentido já presente

na legislação educacional, discutido anteriormente. Acompanhado de outros seis princípios do

art. 1º, a alínea “d” descrevia a seguinte finalidade: “o desenvolvimento integral da

personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum”. Considerada como

avanço para alguns, a LDB de 1961, após vários anos de discussão e debates ideológicos, foi

inspirada na ‘liberdade de ensino’ (ROMANELLI, 2012).

Com o curto governo de Jânio Quadros, João Goulart assumiu a presidência também

por pouco tempo, devido principalmente à pressão dos militares. Nesse período, o Brasil

entrou em um período de crise no que se refere a democracia, com o Golpe Militar. João

Goulart teve ainda o mérito de, antes de renunciar, ser o presidente que promulgou a lei n.

4.024 de 20 de dezembro de 1961 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

O capítulo que trata do ensino de 2º Grau, na Lei de Diretrizes e Bases n º. 5.692 de

1971, apresentava em três artigos a finalidade dessa fase, considerando em seu art. 21, que “o

ensino de 2º grau destina-se à formação integral do adolescente”. Na reforma, não está

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elucidado o que se entendia por formação geral. É difícil verificar qual a concepção de

formação integral está presente a LDB.

O período em que se convencionou chamar de regime militar, em razão do regime

político autoritário e grande repressão, ao ameaçar aniquilar os princípios democráticos,

promoveu, no campo educacional, algumas transformações. As principais iniciativas foram

empreendidas por meio do convênio entre o governo brasileiro e os Estados Unidos. Não se

aprofundará a respeito dos efeitos do acordo MEC/Usaid, mas apenas alguns pontos serão

levados em consideração. De acordo com Romanelli (2012, p.202), o governo brasileiro

“percebeu, daí para frente, entre outros motivos, por influência da assistência técnica dada

pela Usaid, a necessidade de se adotarem, em definitivo, as medidas para adequar o sistema

educacional ao modelo do desenvolvimento econômico que então se intensificava no Brasil”.

Nesse sentido, os primeiros passos para a aspiração da cultura estadunidense no campo

educacional estavam dados.

Dessa maneira, a reestruturação educacional, planejada a partir do convênio, visava,

sobretudo, alinhar o sistema educacional aos desdobramentos econômicos que o país buscava

implementar desde a Era Vargas. Assumindo um papel intrínseco ao modo de produção que

aos poucos se consolidava, a educação escolar foi orientada por esses princípios de formação

para o trabalho das mais variadas profissões. A concepção de uma educação para atender o

mercado de trabalho estava tão explícita que em momento algum é mencionada a questão da

educação integral ou a relação desta com o trabalho.

No final do “breve século XX”, a Constituição de 1988 recebe importantes

modificações no que se refere a educação brasileira. Questões de dimensão nacional foram

(re)pensadas, entre estas, os direitos dos cidadãos, sendo um destes, o direito à Educação. Para

Fausto (2000), “com todos os seus defeitos, a Constituição refletiu o avanço ocorrido no país

especialmente na área da extensão de direitos sociais e políticos aos cidadãos em geral e às

chamadas minorias” (p. 525). Motivo de disputa, a constituição acomodou anseios dos mais

variados setores da sociedade. De acordo com a Constituição Federal de 1988, Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. (BRASIL, 1988).

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Na forma da lei, a educação é compreendida como um direito incondicional e irrestrito

a qualquer pessoa. A concepção de educação, bastante ampla, revela, além dos direitos, o

momento que a sociedade se encontrava, ou seja, a necessidade de uma lei inspirada nos

princípios de igualdade e liberdade de expressão, tendo como objetivo uma política nacional

de educação, respeitando as diferenças15.

Nos anos seguintes à constituição foram realizadas várias convenções a nível mundial

com objetivo de diminuir as desigualdades sociais provocadas pelo modo de produção

capitalista. Destacar-se-ão, a seguir, algumas dessas conferências e o resultado destas.

No ano de 1990, o Brasil participou da Conferência de Educação Para Todos,

realizada em Jomtien (Tailândia). O resultado dessa conferência foi a elaboração do Plano

Decenal de Educação em 1993, apontando, nesse momento, objetivos, como a jornada

ampliada na Educação Básica, com o intuito de garantir a qualidade da educação. Na mesma

década, promulgou-se a LDB/96, fruto de uma agenda internacional, que trouxe implicações

para algumas das modalidades da Educação Escolar16.

Em 2001 entrou em vigor o Plano Nacional de Educação. De acordo com o Plano,

entre os trinta (30) objetivos do Ensino Fundamental, encontrou-se o seguinte objetivo:

“ampliar, progressivamente a jornada escolar visando expandir a escola de tempo integral,

que abranja um período de pelo menos sete horas diárias, com previsão de professores e

funcionários em número suficiente” (UNESCO, 2001, p. 62).

Em 2007, entrou em vigor o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que

compreende

a execução de todos os programas como uma face do processo dialético que se estabelece entre socialização e individuação da pessoa, que tem como objetivo a construção da autonomia, isto é, a formação de indivíduos capazes de assumir uma postura crítica e criativa frente ao mundo. (BRASIL, 2007, p.4)

No PDE, encontram-se discussões que permeiam as modalidades da educação escolar,

articuladas com a LDB e o PNE. Questões polêmicas, como o caso do Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), compõem o documento. Espera-se que esse

indicador de qualidade (Ideb) possa revelar o quadro da educação pelo desempenho dos

estudantes, que será discutido no terceiro capítulo deste trabalho. O PDE está sustentado em

seis pilares, a saber:

15 A Constituição Federal de 1988 incorporou por exemplo o Capítulo VIII – Dos Índios (art 231 e 232). 16 De acordo com a LDB 9.394/96, compõe a Educação Escolar: (i) educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; (ii) educação superior.

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i) visão sistêmica da educação, ii) territorialidade, iii) desenvolvimento, iv) regime de colaboração, v) responsabilização e vi) mobilização social – que são desdobramentos consequentes de princípios e objetivos constitucionais, com a finalidade de expressar o enlace necessário entre educação, território e desenvolvimento, de um lado, e o enlace entre qualidade, equidade e potencialidade, de outro. (BRASIL, 2007, p. 11)

Trata-se de pensar a educação como uma questão estrutural, ou seja, que os programas

a serem executados devem ser articulados aos outros setores da sociedade, buscando alcançar

uma dimensão intersetorial como principal objetivo de consolidar-se como política pública de

educação, significando, em termos históricos, um avanço para a educação pública do Brasil.

Para finalizar esse levantamento histórico das questões, que de um modo ou de outro

trouxe implicações para a educação no Brasil, será destacado, em linhas gerais, o projeto de

lei em tramitação no Congresso Nacional. A Conferência Nacional de Educação (CONAE),

realizada em 2010, resultou na elaboração do Projeto de Lei 8.035, que foi enviado ao

congresso nacional para apreciação e aprovação das 20 metas que compõem o documento. De

acordo com o projeto de lei, o Plano Nacional de Educação (2011-2020) tende a ser regido a

fim de diminuir os graves problemas da educação brasileira. O plano possui metas e

estratégias que devem contemplar todas as modalidades de ensino, garantindo, assim a

educação escolar que compreende a Educação Básica (educação infantil, ensino fundamental

e ensino médio) e a Educação Superior.

As ações a serem desenvolvidas pelos estabelecimentos de ensino devem ser

realizadas com base nas seguintes diretrizes do art. 2º, do Plano Nacional de Educação (PNE): I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - superação das desigualdades educacionais; IV - melhoria da qualidade do ensino; V - formação para o trabalho; VI - promoção da sustentabilidade sócio-ambiental; VII - promoção humanística, científica e tecnológica do País; VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto; IX - valorização dos profissionais da educação; e X - difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a gestão democrática da educação. (BRASIL, 2010)

De acordo com essas diretrizes, todas as modalidades, direta ou indiretamente, devem

ser contempladas com programas educacionais e com recursos financeiros. Articulada à Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 e amparada pela Constituição

Nacional no que se refere à educação do Brasil, o plano prevê oito metas com implicações

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diretas para a Educação Básica e outras nove metas que de modo geral afetarão a educação

básica, como por exemplos, a formação de professores (meta 16) e os recursos financeiros

(meta 20). A modalidade de educação em tempo integral é mencionada na meta 6: “oferecer

educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica” (PL, 2010, p.

8). Com base nesta meta, pode-se dizer que o poder público deve programar ações imediatas

para atingir o plano idealizado.

Nessa pesquisa, será analisado o Programa Mais Educação, a política atual, para

pensar como a questão da educação integral se apresenta e sua relação com a escola de tempo

integral.

De acordo com a reflexão desenvolvida neste capítulo, a educação brasileira sempre

esteve vinculada às transformações econômicas e políticas, e estas influenciam a concepção

de escola na sociedade brasileira. Neste processo, o movimento da Escola Nova, materializada

pelo Manifesto dos Pioneiros, é o que apresenta, de forma mais contínua, princípios que ainda

hoje se fazem presentes nas políticas públicas, como indicativos de uma proposta de escola

integral. De certa forma, pode-se dizer que houve certo triunfo da concepção liberal na

educação brasileira. No entanto, os princípios educativos da Escola nova não respondem aos

problemas educacionais, de acordo com Libâneo (2009),

a concepção dialética da educação, da mesma forma que a pedagogia liberal, concebe a prática educativa como uma atividade humana assentada na interação social tendo em vista a transformação do homem em homem. Entretanto, homem socialmente definido, para inserir-se no projeto coletivo de transformação da sociedade. (p. 121)

Essa perspectiva de educação, diferentemente das concepções anunciadas nesse

capítulo, é a que mais de aproxima de uma Educação Integral.

Em decorrência disso, no próximo capítulo discutir-se-ão o Movimento da Escola

Nova e sua relação com o tema da educação integral e a escola de tempo Integral, à luz da

Pedagogia Histórico-crítica, de Dermeval Saviani, e da Pedagogia Crítico-social dos

Conteúdos, de José Carlos Libâneo. Entende-se ser necessário aprofundar essa discussão por

acreditar-se que a concepção liberal de educação continua exercendo influência nas políticas

educacionais brasileiras. Os programas relacionados à ampliação do tempo (escola de tempo

integral, educação integral) recuperam princípios da Escola Nova. Discutir-se-á, ainda, se os

princípios educativos e pedagógicos da Escola Nova respondem aos problemas educacionais

da atualidade.

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A discussão em torno do tema, educação integral, permite pensar como essa aparece

nas políticas atuais, pois o Programa Mais Educação veicula a ideia de que, por meio da

ampliação do tempo escolar (escola de tempo integral), possa promover uma Educação

Integral. Assim sendo, será abordado, nos próximos capítulos, o que torna o tema recorrente

nos dias atuais e ainda a relação do ideário escolanovista com a proposta do Programa Mais

Educação.

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CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO INTEGRAL E ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO MOVIMENTO DA ESCOLA NOVA

Nesse capítulo, analisa-se a Escola Nova por meio principalmente do Manifesto dos

Pioneiros17, na busca por compreender os princípios dessa proposta de educação no que se

refere à educação integral e ainda o nexo dessa concepção com o Programa Mais Educação. A

discussão a ser desenvolvida se deve à defesa contida no Manifesto dos Pioneiros da educação

integral e à contribuição dos escolanovistas, especialmente de Anísio Teixeira, para o estudo

do tema. Problematizar-se-á ainda a relação entre escola de tempo integral e educação

integral, com o intuito de compreender de que lado desse dualismo se encontra o Programa

Mais Educação.

De acordo com a história da educação brasileira, pode-se dizer que a promessa de

educação integral se fez presente em diferentes correntes teóricas. O sistema educacional

brasileiro foi constituído mediante conflitos de interesses, no entanto, percebe-se que o ideal

republicano inspirado nos princípios liberais se sobressaiu.

Para compreender os nexos entre educação integral com o Programa Mais Educação, é

necessário discutir melhor o ideário da Escola Nova. É importante entender por que os

documentos oficiais que regulamentam o Programa Mais Educação recorreram ao movimento

Escola Nova para fundamentar a proposta de escola de tempo integral.

2.1 A concepção de educação escolanovista segundo o Manifesto dos Pioneiros

A fim de entender a relação entre escola de tempo integral e educação integral,

recorreu-se a diversos autores da historiografia brasileira, mormente aqueles à frente do

Manifesto dos Pioneiros de 1932.

Na primeira metade do século XX, testemunhou-se o embate em torno da concepção

de educação e ainda o triunfo dos princípios escolanovistas. O contexto do século XX

possibilitou a consolidação dos princípios da revolução burguesa. Assim sendo, a educação

17 Movimento articulado por educadores brasileiros em defesa da educação pública, ocorrido na primeira metade do século XX. “O ‘Manifesto’, elaborado por Fernando de Azevedo e assinado por 26 educadores, líderes do movimento de ‘renovação educacional’, inicia-se estabelecendo a relação dialética que deve existir entre a educação e o desenvolvimento, colocando aquela, porém, numa situação de primazia no que diz respeito aos problemas nacionais.” (ROMANELLI, 2012, p. 147)

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brasileira foi influenciada pela concepção liberal de educação. Para Azevedo (1932), um dos

inspiradores da Escola Nova no Brasil, Toda a educação varia sempre em função de uma "concepção da vida", refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade. É evidente que as diferentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada terão respectivamente opiniões diferentes sobre a "concepção do mundo", que convém fazer adotar ao educando e sobre o que é necessário considerar como "qualidade socialmente útil". (p. 4)

Nesse sentido, ao expor a finalidade da educação, o referido autor assinala a tensão

existente em torno do papel da educação, ou seja, os interesses de classes são sustentados na

concepção de educação. Desta maneira, a educação tem servido, exclusivamente, à elite

brasileira, devido ao fato de o Brasil não possuir, até muito recentemente (início do século

XX), um sistema educacional público, gratuito, destinado a todos, independentemente do

status social que ocupa.

A concepção de educação defendida no Manifesto dos Pioneiros desvela, inicialmente,

um período de divergências em torno dos benefícios da educação. A defesa da educação

pública, pelos pioneiros, foi realizada em um período turbulento no Brasil. Os anos de 1930

foram marcados por intensa agitação política e transformação econômica. Os sinais de

mudança da sociedade foram visíveis nas relações de trabalho, nas relações sociais e na

cultura. A sociedade aristocrática, escravocrata e senhorial, característica dos períodos que

antecederam a Proclamação da República, aos poucos cedeu lugar à sociedade industrial. A

respeito dessas transformações e ainda da relação com a educação, percebe-se as ponderações

de Fernando de Azevedo (1932): Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. (p. 4)

Pode-se dizer, portanto, que o movimento escolanovista foi, em certa medida, uma

resposta às necessidades do início do século XX, um movimento que buscava romper com os

paradigmas da época – a Escola Tradicional. O ideal de progresso e desenvolvimento

científico ocorreu devido à consolidação do modo de produção capitalista. Essas mudanças

refletiram nos aspectos sociais, políticos e culturais. A concepção dos escolanovistas

significava, politicamente, uma disputa pelo poder. Em termos educacionais, o manifesto

representava uma resposta ao ensino tradicional e, sobre este aspecto, é possível perceber que

a educação está intimamente relacionada com os desdobramentos da sociedade. Assim, as

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mudanças relacionadas à educação são efetivadas em função das transformações econômicas,

sociais e políticas, desvelando intenções, ora opostas, ora em conformidade. O contexto da

Escola Nova no Brasil revela tanto os ideais de educação quanto as implicações nas relações

sociais. De acordo com Lourenço Filho (1963), Em cada época, a consciência social dos problemas educacionais revela-se na escola por sua organização, formas de trabalho, e transformações que a ajustem a novas situações e novos fins sentidos como desejáveis. O movimento de renovação de nosso tempo não tem representado senão um grande esforço no sentido desse reajustamento, segundo novas bases e ensaio de instrumentalização mais eficaz para a consecução de tais objetivos. (p.18).

A partir desse pensamento, ressalta-se o entendimento de que o movimento da Escola

Nova revela, em sua gênese, não só novas necessidades educativas, mas também indícios de

mudanças da sociedade em função do contexto da época, uma proposta burguesa de educação,

inspirada nos princípios liberais. Ainda sobre as bases do movimento, Lourenço Filho (1963)

considera que Na origem e evolução do movimento da escola nova há, sem dúvida, alguma coisa correspondente a esse sentimento, determinado pela complexidade social decorrente da industrialização, e pelas formas de opressão resultantes dos dois grandes conflitos armados deste século, e, enfim, da guerra-fria, em que temos vivido e ainda agora vivemos. (p. 23; itálico do autor)

Consoante a essa proposição, é possível dizer que o movimento da Escola Nova não se

esgota em um único fator, mas em um conjunto de fatores que, segundo o autor, influenciou o

movimento renovador. Nesse sentido, as primeiras décadas do século XX reuniram as

condições sociais, econômicas e políticas para o surgimento do movimento que, no Brasil, se

organizou, primeiramente, em forma de documento elaborado e ratificado por alguns dos

principais intelectuais da época. Ribeiro (2007, p. 82) destaca que

a preocupação com a escolarização está diretamente relacionada com o alto índice de analfabetismo da população, algo que, na visão republicana, prejudicaria o desenvolvimento econômico e social do país dessa forma, se fez necessário pensar um modelo de ensino que solucione esse déficit educacional. (p. 82)

Contrapondo-se também aos postulados da Escola Nova, Saviani (2008) considera que

o método intuitivo foi utilizado como tentativa de amenizar esse quadro educacional, pois, ao mesmo tempo, daria uma escolarização mínima à população e contribuiria para a formação de mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho, incorporando novos elementos e materiais pedagógicos oriundos do processo industrial. (p. 138).

Essas críticas à Escola Nova acompanharam toda a trajetória do movimento que, no

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Brasil, teve maior expansão após a publicação do “Manifesto dos Pioneiros”.

Retomando a questão da origem e do desenvolvimento da Escola Nova, Lourenço

Filho (1963, p. 21) considera que vários fatores contribuíram para o surgimento da Escola

Nova, sobretudo, “a pedologia que aos aspectos biológicos, psicológicos e educativos

procurava considerar em todo o conjunto”, resultando mais tarde nos seguintes campos: “o da

chamada antropologia pedagógica mais tarde biologia educacional, e o da psicopedagogia,

psicologia da educação ou psicologia educacional” (LOURENÇO FILHO, 1963, p.22; itálicos

do autor). Ao considerar esses novos conhecimentos na compreensão dos processos

educativos, o autor revela uma concepção de educação preocupada com os estágios de

desenvolvimento da criança. Na base dessa concepção educativa inovadora estavam não só as descobertas da psicologia, que vinham afirmando a radical “diversidade” da psique infantil em relação à adulta (à qual em geral era sempre assimilada), como também o movimento de emancipação de amplas massas populares nas sociedades ocidentais, que vinha inovar profundamente o papel da escola e o seu perfil educativo, rejeitando decisivamente seu aspecto exclusivamente elitista. (CAMBI, 1999, p. 514)

Nesse sentido, pode-se dizer que são vários os elementos que caracterizam o

surgimento e a expansão do movimento reformista, ou seja, as contribuições da psicologia e a

universalização dos direitos fundamentais, sobretudo a educação. Aliado a esse fato, há o

contexto político, uma tentativa de consolidação dos regimes republicanos que, no Brasil,

ocorreu ainda no século XIX. Desta forma, não se pode negar que o movimento teve grande

participação no processo de democratização do ensino no Brasil, visto que o acesso à

instrução era restrito às classes economicamente privilegiadas.

O ideário da Escola Nova pauta-se pela concepção da escola ativa18. Base do

pensamento escolanovista, essa concepção foi importante ao reconhecer a natureza das

crianças no processo de ensino e aprendizagem, levando em consideração “os aspectos

ligados aos ideais formativos e aos objetivos culturais” (CAMBI, 1999, p. 514). Essa

concepção, de uma forma direta ou indireta, está presente na proposta de Educação Integral

18 “O movimento ativista ligava estreitamente a pedagogia às ciências humanas (a psicologia – em especial a psicologia ‘genética’- e a sociologia, sobretudo) e, simultaneamente, indicava também suas implicações políticas (caracterizadas por uma forte orientação democrática) e antropológicas (destinadas a formar um homem mais livre e mais feliz, mais inteligente e criativo)”. (CAMBI, 1999, p. 526)

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do Programa Mais Educação. Recorrendo ora aos pressupostos da Escola Nova, ora nos

princípios freireanos, Moll19 (2009) considera que a escola desempenha um papel fundamental no processo de construção e de difusão do conhecimento e está situada como local do diálogo entre os diferentes saberes, as experiências comunitárias e os saberes sistematizados historicamente pela sociedade em campos de conhecimento e, nessa posição, pode elaborar novas abordagens e selecionar conteúdos. (p. 33)

Nessa perspectiva, a proposta de educação integral do Programa Mais Educação é

levar em consideração as práticas educativas com as questões que envolvem a comunidade. O

diálogo entre a escola e a comunidade, segundo a autora, é o caminho para uma educação

integral. Embora a autora recorra a diferentes autores para fundamentar os textos referências20

que norteiam o programa, suas colocações recuperam as experiências de escola de tempo

integral da década de 1950 e da década de 1980. Desse modo, a presente discussão desse

capítulo permitirá perceber o que de fato existe da Escola Nova no Programa Mais Educação.

Os fundamentos científicos (biologia e psicologia), segundo Lourenço Filho,

caracterizaram o movimento da Escola Nova. No que se refere à formação do educando

(necessidades, capacidades, aprendizagem, diferenças individuais), esta passou a ser

considerada e reconhecida no campo educacional. Isso influenciou as instituições

educacionais na organização do ensino, ou seja, do processo educativo. De acordo com

Lourenço Filho (1963), Na V Conferencia Mundial da Escola Nova, reunida em Elseneur, na Dinamarca, em 1929, assim se assinalavam as conquistas gerais do movimento: renovação didática com múltiplos ensaios de ensino ativo; melhor formulação teórica de princípios e normas para avaliação dos resultados do trabalho escolar; extensão do movimento no ensino público; criação de grandes associações de educadores com caráter nacional e internacional; confronto de várias concepções filosóficas com os princípios e resultados do movimento; conceituação geral da educação como ajustamento da personalidade em face da vida social modificada pela industrialização; e enfim, proposição de todas as formas educativas no sentido da paz, dando-se especial atenção a esse ponto também na formação da personalidade dos educadores, sem dúvida princípio e fim de toda e qualquer reforma bem concebida. (p. 26)

Desse ponto de vista, em tese, as práticas escolares passaram a ser pautadas por novos

elementos essenciais ao processo de ensino e aprendizagem. A afirmação supracitada revela

19 Diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica do MEC. Entrevista recentemente publicada no sítio do governo federal. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=18294>. Acesso em: 18 ago. 2013. 20 Trilogia com propósito de contribuir para a conceituação, a operacionalização e a implementação do Programa Mais Educação. São eles: Gestão Intersetorial no Território; Educação Integral, apresentando o texto referência sobre Educação Integral para o debate nacional, e Rede de Saberes Mais Educação.

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uma educação processual e conjuntural, na qual são verificadas e valorizadas as fases do

processo de aprendizagem e sua relação com o contexto social, reforçando que o movimento

possuía uma intencionalidade voltada ao estudante. “O espírito de sociabilidade e de ativa

colaboração é largamente incentivado também pela participação dos próprios rapazes.”

(CAMBI, 1999, p. 516).

Com relação à abordagem pedagógica, a Escola Nova teve maior difusão pelos

sistemas: Montessori21 e Decroly22. Apesar da importância dos dois sistemas para

compreensão do movimento renovador, não se aprofundará sobre tais métodos. Vale destacar,

entretanto, que os dois métodos, como a maioria dos métodos implementados em todo o

mundo, se baseavam nos princípios: liberdade, atividade, individualidade e centro de

interesses com fases específicas (observação, associação, expressão) (LOURENÇO FILHO,

1963). Essas mudanças, ainda restritas aos países da Europa, como descreve Lourenço Filho,

aos poucos ganharam repercussão mundial, disseminando os princípios oriundos da revolução

burguesa.

No Brasil23, os primeiros ensaios da Escola Nova surgiram ainda no século XIX e

início do XX, com a implantação dos métodos Montessori e Decroly. De acordo com o

método Decroly,

toda atividade educativa deve partir do concreto para o abstrato, do simples para o composto, do conhecido para o desconhecido, e portanto todo o processo de simbolização deve ser aprendido através de um contato prolongado com a realidade e com seus dados empíricos. (CAMBI, 1999, p. 428)

Enquanto isso, “na base do ‘método Montessori’ está um estudo experimental da

natureza da criança que dá ênfase, em particular, às atividades senso-motoras da criança, que

devem ser desenvolvidas seja por meio de exercícios de vida prática’ seja por meio de um

material didático cientificamente organizado.” (CAMBI, 1999, p. 531).

21 Ovide Decroly (1871-1932), médico belga, chegou aos problemas educativos partindo da pedagogia diferencial (ou dos deficientes) da qual se tinha ocupado desde 1901 (CAMBI, 1999). 22 Maria Montessori (1870-1952), nascida em Chiaravalle (Ancona), formou-se em Roma, onde se diplomou em medicina, dedicando-se depois ao tratamento de crianças excepcionais (CAMBI, 1999). 23 Já em 1882, no parecer que redigiu sobre o ensino primário, Rui Barbosa refere-se a novos procedimentos experimentados no Colégio Progresso, do Rio de Janeiro. Mais tarde, ensaios similares se desenvolveram na escola Americana, criada na Capital de São Paulo, e no colégio “O Piracicabano”, na cidade de Piracicaba. Tentativas de mais ampla renovação que incluíssem a revisão dos fins sociais da escola, somente na década dos anos de 1920 vieram, no entanto, a desenvolver-se. Assim, no Ceará, em 1922; no Distrito Federal, a partir do ano seguinte e, mais vigorosamente, em 1927; na Bahia e em Pernambuco, desde 1925; em Minas Gerais, alguns anos depois, com o estabelecimento da Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico. No ensino particular, destaca-se a Escola Regional de Meriti, o ensino primários Caxias e o Instituto Cruzeiro, ensino secundário, em São Paulo (LOURENÇO FILHO, 1963).

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Levando em consideração que a influência da Escola Nova no Brasil se deu ainda no

século XIX, deve-se perguntar por que o movimento da Escola Nova se tornou mais

expressivo na década de 1930 com o manifesto dos pioneiros. Acredita-se que as mudanças

que estavam ocorrendo nos aspectos políticos e econômicos reuniram as condições

necessárias para o surgimento de diferentes correntes político-ideológicas. Segundo Trindade

(1979), “a importância da mudança econômica na década de 1920 decorre do fato de que ela

representa a transição de uma economia baseada na exportação dos produtos primários, para

uma economia que se industrializa” (p.16). Aliada à questão econômica, há a questão política.

Para Trindade (1974), “o primeiro fator da luta política são as divergências oligárquicas [...], o

segundo fator importante na evolução política do pós-guerra é a tomada de consciência

política das classes médias urbanas oriundas da burocracia, do comércio, das pequenas

empresas e do exército” (p. 24). Nesse sentido, pode-se dizer que as primeiras décadas do

século XX foram propícias para o embate em torno do ideário político. Isso explica o

surgimento do movimento integralista, do movimento da Escola Nova e da penetração das

ideias socialistas na sociedade brasileira.

O movimento da Escola Nova, com suas várias interpretações, expandiu-se em vários

países da Europa. No Brasil, a concepção se configurou enquanto movimento pedagógico e

também como manifestação de caráter político. Pelo período que foi constituído no Brasil,

pode-se dizer que o “Manifesto dos Pioneiros” de 1932 foi uma iniciativa tardia de introduzir

a concepção da Escola Nova, já que o movimento já estava em curso por diversos países da

Europa, desde o início da segunda metade no século XIX.

O movimento renovador, ao mesmo tempo em que se constituía como método de

aprendizagem, se estabelecia, do mesmo modo, como luta política, com o objetivo de

universalizar o ensino nos novos ‘modos pedagógicos’. O país carecia não só de uma

mudança no fazer escolar, como também da garantia do direito de aprender, visto que, até a

primeira metade do século XX, sobretudo as duas primeiras décadas, as escolas eram

destinadas quase que exclusivamente à elite. As próprias instituições mencionadas

anteriormente como lócus dos sistemas Montessori e Decroly eram instituições restritas a um

número pequeno de estudantes. Com relação ao ‘Manifesto dos Pioneiros’, Saviani (2008, p.

253) destaca que “como documento de política educacional, mais do que a defesa da Escola

Nova, está em causa no ‘manifesto’ a defesa da escola pública”. O autor argumenta ainda que,

“em termos políticos o ‘Manifesto’ expressa a posição de uma corrente de educadores que

busca se firmar pela coesão interna e pela conquista da hegemonia educacional” (SAVIANI,

2008, p. 253).

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A escola pública, laica e gratuita, defendida pelos pioneiros da Escola Nova, deveria

atender às necessidades da população como um todo, em oposição ao favorecimento à elite.

Como instituição encarregada de formar o sujeito em todos os seus atributos, a escola, espaço

formativo privilegiado, deveria ser direito de todos.

De acordo com Azevedo (1932), Compreende-se, à luz desses estudos, que a escola, campo específico de educação, não é um elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas ‘uma instituição social’, um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a adolescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas de sua natureza. (p. 14)

Nessa perspectiva, entende-se que a escola é considerada um dos principais espaços

educativos, com o propósito de oferecer as necessidades do homem na era moderna. Essa

conotação revela a influência positivista de educação no Brasil. Inerente à sociedade, a escola

é um espaço de luta, de contradições, mas também é o lugar propício ao convívio humano,

onde as questões pertinentes ao trabalho, à solidariedade e à cultura e o acesso ao

conhecimento produzido e acumulado ao longo da história coexistem. Em oposição ao

contexto da escola tradicional onde a escola era privilégio de poucos, os escolanovistas

defendiam que a escola deveria ser assegurada a todos, pois dela depende não só o sujeito,

mas toda a sociedade, enquanto um organismo em constante transformação. Romanelli (2012)

observa que “a reivindicação de escola pública, gratuita, obrigatória e leiga é consequência da

nova situação criada com a ascensão de novas classes sociais e a complexificação crescente

de todo o organismo social.” (p. 153). Nesse sentido, podemos dizer, em parte, que o

movimento da Escola Nova era inevitável, ou seja, fruto das transformações em decorrência

da complexificação do trabalho e das relações econômicas e sociais.

A circunstância em que foi constituído o Manifesto foi determinante para sua

materialização, enfim, a transição política marcada pela Revolução de 1930. A transformação

dos modos de produção (modernização) e, consequentemente, das relações de trabalho

(racionalidade técnica)24, exigia cada vez mais aperfeiçoamento. Diante deste contexto, a

escola passou a assumir grande influência no cotidiano. A defesa da escola pública pelos

reformadores é pautada pelas necessidades do mundo moderno. Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada, na sua ação educativa, pela pluralidade e diversidade das forças que concorrem ao movimento das sociedades, resulta a necessidade de reorganizá-la, como um

24 Trata-se da influência dos modelos de administração e produção desenvolvidos respectivamente por Frederick Taylor (taylorismo) e Henry Ford (fordismo).

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organismo maleável e vivo, aparelhado de um sistema de instituições susceptíveis de lhe alargar os limites e o raio de ação. (AZEVEDO, 1932, p. 14)

Diante dessas colocações, pode se dizer que os escolanovistas legitimaram seus

propósitos, atribuindo à escola uma função social. Esse ideal em defesa dos benefícios da

escolaridade indica que, por meio do acesso ao conhecimento, a escola pode superar os

antagonismos de classe. Quanto maiores forem os limites de seu atendimento, menores serão

as chances de uma educação fundada na diferença, ou seja, uma escola heterogênea que

contemple a diversidade de pensamento e, consequentemente, a redução das forças

dominantes da sociedade. “Vê-se, que se trata de uma tomada de posição ideológica em face

do problema educacional. Reivindicando uma ação firme e objetiva do Estado, no sentido de

assegurar escola para todos, contestando a educação como privilégio de classe [...]”

(ROMANELLI, 2012, p. 150). Essas ponderações indicam a defesa da escola pública e

gratuita a todos no Manifesto.

Os princípios do Manifesto dos Pioneiros se opunham ao modelo tradicional e

buscavam reconhecer a escola como espaço de equalização social, pois o saber era necessário

para tirar o indivíduo da ignorância. Neste sentido, o papel da escola, no viés da escola nova,

era o meio para combater os antagonismos de classe. Para Azevedo (1932), [...] certamente pragmática, se propõe ao fim de servir não aos interesses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social, tem o seu ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação. (p. 4)

Atribuindo à escola um caráter eminentemente social, os pensadores do Manifesto de

1932 introduziriam uma concepção relativamente nova de conceber a escola. Isso ocorreu

devido principalmente às características do início do século XX, pois o país se consolidava

enquanto uma nação democrática em termos legais. No entanto, acerca da concepção da

Escola Nova, Saviani (2009) afirma que,

Com efeito, ao enfatizar a ‘qualidade do ensino’, ela deslocou o eixo de preocupação do âmbito político (relativo ao interior da escola), cumprindo ao mesmo tempo uma dupla função: manter a expansão da escola em limites suportáveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses. (p. 9)

Com essa compreensão, pode-se dizer que a Escola Nova, enquanto movimento

político e educacional, serviu mais para conservar as diferenças de classe do que uma

transformação social. A influência da concepção liberal dos pioneiros da educação ocorreu em

um contexto de intenso embate político-ideológico. As diferentes correntes de ideais presentes

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no Brasil não foram suficientes para conter os princípios da revolução burguesa. Nesta mesma

perspectiva, Libâneo (2009) destaca que

a pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papeis sociais, de acordo com as aptidões individuais. Para isso, os indivíduos precisam aprender a adaptar-se aos valores e às normas vigentes na sociedade de classes, através do desenvolvimento da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças de classes, pois embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de condições. (p. 21)

O resultado da consolidação do modelo liberal de educação foi, de um lado, o

conformismo da população quanto a seu papel na sociedade e, de outro, o poder hegemônico

da classe dominante.

O ideário da Escola Nova utilizava-se de elementos que, aos poucos, serviram de

convencimento de suas propostas. O contexto no qual alguns fatores surgiram foram decisivos

para que seus princípios imperassem. De acordo com Lourenço Filho (1963), a Escola Nova

reunia um conjunto de princípios de renovação pedagógica. São eles: O primeiro princípio, porque constante em todos os sistemas renovados, é o respeito à personalidade do educando ou o reconhecimento de que deverá ele dispor de liberdade [...]. O segundo resulta da compreensão funcional do processo educativo, quer sob o aspecto individual, quer social [...]. O terceiro princípio abrange a compreensão da aprendizagem simbólica em situações da vida social [...]. Temos, assim, um princípio final, qual seja o de que as características de cada indivíduo serão variáveis, segundo a cultura da família, seus grupos de vizinhança, de trabalho, recreação, vida cívica e religiosa. (LOURENÇO FILHO, 1963, p. 246-248)

A partir dessas considerações, é possível dizer que os princípios da Escola Nova

reuniam os conhecimentos da psicologia e das ciências sociais para compreender melhor os

processos educativos. É neste sentido que a concepção de Escola Nova não deve ser entendida

como um manual ou um método de aprendizagem compartimentado, pois uma série de fatores

deve ser assegurada para o bom desenvolvimento do educando. É de acordo com esses

princípios que o Programa Mais Educação tem sido fundamentado, ou seja, o reconhecimento

do direito de aprender da criança. Os documentos orientadores do programa recuperaram os

ideais da Escola Nova no que se refere à concepção de Educação Integral, sobretudo de

Anísio Teixeira, os quais serão discutidos no próximo tópico.

Para Romanelli (2012), O movimento renovador reivindicava a institucionalização da escola pública e sua expansão, assim, como a igualdade de direitos dos dois sexos à educação. Esses três aspectos – laicidade, obrigatoriedade do Estado de assumir a função educadora e a coeducação – constituíram o pomo da discórdia entre os educadores que, pela Associação Brasileira de Educação, ocorriam às conferências Nacionais de

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Educação. Logo, dois grupos se definiram: o dos que promoviam e lideravam as reformas e movimento renovador, e o dos que, em sua maioria católicos, combatiam sobretudo os três aspectos acima descritos. (p. 143)

De acordo com essas afirmações, pode-se dizer que o movimento da escola nova não

se consolidou enquanto movimento homogêneo e centralizador, mas permite afirmar que foi

um movimento contra a aristocracia25 e que propunha reformas no sistema educacional nos

moldes do que já vinha ocorrendo em diversos países. Como já foi demonstrado

anteriormente, o movimento escolanovista no Brasil iniciou-se bem antes da publicação do

Manifesto dos Pioneiros, mas foi com ele que o movimento atingiu proporções nacionais. O

processo de tentativa de se manter no embate em torno da concepção de educação ocorreu

com a publicação, em 1959, do manifesto intitulado ‘Mais Uma Vez Convocados: manifesto

ao povo e ao governo’26, movimento em torno da democratização do ensino nos ideais

liberais. Buscando legitimar a necessidade da educação às transformações do período,

Azevedo (1932) indaga: Porque a escola havia de permanecer, entre nós, isolada do ambiente, como uma instituição enquistada no meio social, sem meios de influir sobre ele, quando, por toda a parte, rompendo a barreira das tradições, a ação educativa já desbordava a escola, articulando-se com as outras instituições sociais, para estender o seu raio de influência e de ação? (p. 2)

O questionamento apresentado no documento reforça o compromisso da educação

com as questões inerentes à sociedade. Em outras palavras, para os escolanovistas, a escola

não podia se manter omissa às necessidade do homem, pois a sobrevivência não dependia

exclusivamente da relação do homem com a natureza, mas do homem social. Isso ocorreu

com o advento da sociedade urbana-industrial. Nesta perspectiva, a educação enquanto direito

universal deveria ser uma reação contra os privilégios da elite, característica predominante na

história do Brasil.

No ‘Manifesto’, existe constantemente a defesa de uma reconstrução educacional

inspirada nos ideais democráticos, em consequência do contexto em que o país aos poucos se

inseria. As questões do mundo moderno passaram a ser pensadas e vivenciadas na/pela escola.

Na concepção de Azevedo (1932), [...] se a escola deve ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a comunidade

25 O sistema arcaico de ensino, seletivo e aristocrático, torna-se então obstáculo ao sistema econômico. Este passa, pois, a pressionar o sistema educacional no sentido de renovar-se. (ROMANELLI, 2012, p. 25) 26 Manifesto redigido por Fernando de Azevedo e publicado em vários órgãos da imprensa no dia 1º de Julho de 1959 e também em revistas de educação (Revista HISTEDBR on-line, Campinas, n. especial, p. 205–220, ag. 2006).

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as atividades manuais, motoras ou construtoras "constituem as funções predominantes da vida", é natural que ela inicie os alunos nessas atividades, pondo-os em contato com o ambiente e com a vida ativa que os rodeia, para que eles possam, desta forma, possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com as aptidões e possibilidades. (p. 9).

Nesse âmbito, caberia à escola o papel de iniciação às atividades humanas, sobretudo

as relacionadas ao trabalho e às demais atividades presentes no cotidiano, pois, no

desenvolvimento do modo de produção, havia a necessidade de ocupar o homem com as

atividades imprescindíveis ao progresso – o trabalho assalariado. Libâneo (2009) reforça que

a luta pela escola pública cumpria, assim, o papel de assegurar o atendimento das exigências do capitalismo industrial, visando à ampliação da classe média e ao melhor ajustamento da classe trabalhadora ao desenvolvimento econômico, para o que a escola tradicional constituía um obstáculo. (p. 59)

No entanto, apesar desses propósitos, a concepção de Educação presente no manifesto

é descrita por outras correntes teóricas como um movimento de ajustamento às consequências

oriundas da consolidação do capitalismo, da propriedade privada e dos meios de produção. É

uma discussão importante, mas não será desenvolvida nesse trabalho. Interessa, nesse estudo,

a influência do movimento da Escola Nova no Brasil e, por conseguinte, as reformas

implementadas no sistema educacional brasileiro para que se possa estabelecer de algum

modo a compreensão que os escolanovistas possuíam do termo ‘Educação Integral’.

2.2 Educação Integral segundo o Manifesto dos Pioneiros

O conceito de educação integral é recorrente na história. Como foram demonstradas

no primeiro capítulo, diferentes abordagens político-ideológicas se pronunciaram em defesa

da educação integral. No entanto, outras correntes de pensamento buscaram introduzir, de

diferentes formas, o conceito de educação integral. Segundo Gadotti (2009), “Aristóteles já

falava em educação integral. Marx preferia chamá-la de educação ‘omnilateral’” (p. 21). De

acordo com Manacorda (2000), “a omnilateralidade é, portanto, a chegada histórica do

homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de

capacidades de consumo e prazeres [...]” (p. 81). Essa forma de referir-se ao homem está

presente em diversas obras de Karl Marx e suas afirmações não apontam para um conceito

definido, estático. Cabe aqui apenas citá-lo, no intuito de apresentar que existem diferentes

concepções de educação integral. Assim, cabe perguntar qual o sentido de se falar em

educação integral na atualidade? Por que é recorrente na história da educação brasileira a

promessa de reformas inspirada no ideal de educação integral? Enfim, que concepção de

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educação integral está fundamentada a proposta de educação integral no Programa Mais

Educação? Que princípios da Escola Nova estão presentes no programa?

O tema da educação integral, como foi apresentado no capítulo anterior, ganhou forma

nos discursos dos reformadores da educação brasileira (os pioneiros da Escola Nova).

Examinando a legislação no que se refere ao objeto dessa pesquisa, percebe-se, por algum

motivo, a tentativa de se estabelecer relações entre a concepção de educação integral proposta

pelos escolanovistas e o Programa Mais Educação. Essa relação deve-se ainda pelo modelo

bastante conhecido de escola de tempo integral, colocado em prática no Brasil por Anísio

Teixeira e que será discutido no próximo tópico.

A defesa da escola pública gratuita e de qualidade, na década de 1930, pelos

pensadores e intelectuais brasileiros27, alterou em alguns aspectos o sistema educacional

brasileiro. Inspirados pelo ideário liberal28, buscaram promover uma educação ancorada às

novas mudanças que o país passava. Fernando Azevedo contestava a ação do Estado e

revelava qual deveria ser o papel da educação a ser mantida pelo poder público. De acordo

com o Manifesto dos Pioneiros (1932), A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar ‘a hierarquia democrática’ pela ‘hierarquia das capacidades’, recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de ‘dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento’, de acordo com uma certa concepção do mundo. (AZEVEDO, 1932, p. 4)

Desse ponto de vista, a concepção de educação integral presente no manifesto

reverbera o contexto do início do século XX. De um lado, a contribuição dos estudos da

biologia e da psicologia já mencionados anteriormente e, de outro, as transformações das

relações de trabalho e das circunstâncias sociais nas quais o indivíduo estava inserido. Assim,

pode-se dizer que se levava em conta o desenvolvimento das capacidades do indivíduo,

27 Além de Fernando de Azevedo, redator do manifesto, destaca-se ainda Afrânio Peixoto A. de Sampaio Doria, Anisio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Lourenço Filho, Paschoal Lemme, Cecilia Meirelles. Revista HISTEDBR On-line, (2006). 28 Na ausência de um conceito único, pois não há, pelo menos o que mostrou José Guilherme Merquior na obra O Liberalismo: antigo e Moderno, entende-se o sentido liberal nesse trabalho como os pressupostos defendidos na Revolução Francesa: igualdade, liberdade, fraternidade. “O liberalismo é uma convicção, que encontrou sua expressão prática mais concreta com a formação da democracia americana, cujos patriarcas combinaram, na formação da república, as lições de Locke sobre os direitos humanos, de Montesquieu sobre a divisão de poderes e de Rousseau sobre o contrato democrático” (MERQUIOR, 1991, p. 9). Em síntese, “por ‘liberalismo’ entende-se uma determinada concepção de Estado, na qual o Estado tem poderes e funções limitadas, e como tal se contrapõe tanto ao Estado absoluto quanto ao Estado que hoje chamamos de social”. (BOBBIO, 2013)

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compreensão funcional do processo educativo com o meio que o indivíduo vive. (Lourenço

Filho, 1963).

No entanto, Libâneo (2009, 64) considera que “inspirando-se na psicologia e na

biologia, a escola nova prega a educação como tendo uma função de adaptação à vida, pela

correspondência entre necessidades e interesses individuais com as exigências da sociedade”.

Pode-se resumir o pensamento escolanovista no que se refere à concepção de

educação integral no seguinte fragmento: Ora, assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação ou processos de que necessita o indivíduo para o seu desenvolvimento integral, ficam fixados os princípios científicos sobre os quais se pode apoiar solidamente um sistema de educação. A aplicação desses princípios importa, como se vê, numa radical transformação da educação pública em todos os seus graus, tanto à luz do novo conceito de educação, como à vista das necessidades nacionais. (AZEVEDO, 1932, p. 9; grifo nosso)

Diante desses pressupostos, fica claro que a concepção presente no manifesto não nega

a necessidade de uma educação que atenda às exigências do contexto em que está inserida.

Por outro lado, não se pode negar que as considerações, em tese, pretendiam uma educação

integral em diversos aspectos. Segundo Gadotti (2009), “a educação integral, na visão dos

pioneiros da Escola Nova, não era apenas uma concepção da educação. Ela era concebida

como um direito de todos” (p. 22). Portanto, os ideais presentes no ‘Manifesto dos Pioneiros’

iam desde a preocupação com o processo ensino-aprendizagem até a garantia de sua oferta da

educação como responsabilidade do Estado.

Os argumentos em defesa da escola para todos, bem como sua finalidade à população,

ocorreram em um contexto profícuo. As transformações que estavam acontecendo eram um

campo fértil para a proliferação dos ideais da escola nova.

Com efeito, como questionar ideias como: desenvolvimento das potencialidades, natureza inata, respeito humano, integração social, auto-realização [sic], cooperação solidariedade, respeito às decisões pessoais, valorização de capacidades e aptidões individuais, senso crítico etc? Entretanto, para os que procuram assumir uma postura crítica face aos pressupostos da pedagogia liberal, tais valores podem conter armadilhas se não forem pensados criticamente. (LIBÂNEO, 2009, p. 66)

Isso porque,

a concepção individualista da pedagogia – a pedagogia liberal – não vê o papel condicionante da sociedade, das condições concretas de vida e de trabalho, de classe social e que determinam uma natureza social e, assim, um aluno concreto, síntese de múltiplas determinações. (LIBÂNEO, 2009, p. 66)

Contrapondo-se à concepção liberal de educação, a acepção do autor permite pensar a

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intenção da pedagogia liberal e desvenda qual o verdadeiro objetivo da ‘renovação

pedagógica’.

O movimento renovador se fortaleceu. As transformações que estavam ocorrendo

permitiram que a concepção de educação da escola nova prevalecesse. Neste mesmo contexto,

vivenciando a disseminação liberal dentro e fora do país e influenciado pela filosofia de Jonh

Dewey, Anísio Teixeira impulsionou a concepção liberal de educação no Brasil, e seus ideais

serviram para questionar a soberania da educação pública pela elite brasileira. Como um dos

representantes do ‘Manifesto dos Pioneiros’, Anísio Spinola Teixeira talvez tenha sido o

intelectual que mais contribuições apresentou a essa discussão, do ponto de vista da Escola

Nova: a de compreender os princípios da Educação Integral. Para Teixeira (1957),

em face da aspiração de educação para todos e dessa profunda alteração da natureza do conhecimento e do saber, (que deixou de ser a atividade de alguns para, em suas aplicações, se fazer a necessidade de todos), a escola não mais poderia ser a instituição segregada e especializada de preparo de intelectuais ou ‘escolásticos’, e deveria transformar-se na agência de educação dos trabalhadores comuns, dos trabalhadores qualificados, dos trabalhadores especializados, em técnicas de toda ordem, e dos trabalhadores da ciência nos seus aspectos de pesquisa, teoria e tecnologia. (p. 19)

Nessa perspectiva, a educação, no contexto em que foi inserida, deve ser ajustada às

necessidades do homem, evitando ser um amontoado de conhecimentos específicos, porém

‘inúteis’ às transformações do mundo urbano em consequência do desenvolvimento do modo

de sistema capitalista. Essa concepção ampliou os objetivos da educação para as necessidades

que surgiram com o modo de produção capitalista, como o trabalho especializado e o

progresso científico. Cada vez mais industrializadas, as cidades passaram a exigir

conhecimentos inéditos, provocando uma reviravolta principalmente no que se refere ao

trabalho. A educação, do ponto de vista liberal, corresponde às necessidades da sociedade

industrial.

Deixando para trás as características de uma organização escravocrata, a sociedade

brasileira aos poucos se tornou uma nação produtora e consumidora, fazendo a escola assumir

cada vez mais a função na vida da população. Sendo assim, a escola torna-se a principal

instituição formal a oferecer os conhecimentos e as habilidades para serem desempenhados

dentro e fora das fábricas, nas mais diversas relações de trabalho.

Criticada por assumir esse papel, a escola não foi outra senão a única solução para a

população destituída de prestígio social. A educação, antes somente destinada à elite, passou

ser reivindicada pela classe média, provocando, neste caso, a ampliação da oferta do ensino

público, a chamada democratização do ensino. Inspirados por ideais em consolidação na

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Europa e nos Estados Unidos, intelectuais de diversas áreas do conhecimento decidiram

pressionar as governanças políticas para garantirem o direito imprescritível de educação para

todos. Já Libâneo (2009) compreende que

a contribuição da escola para a democratização está no cumprimento da função que lhe é própria: a transmissão/assimilação ativa do saber elaborado. Assume-se, assim, a importância da difusão da escolarização para todos e do desenvolvimento do ser humano total, cujo ponto de partida está em colocar à disposição das camadas populares os conteúdos culturais mais representativos do que de melhor se acumulou, historicamente, do saber universal, requisito necessário para tomarem partido no projeto histórico-social de sua emancipação política. (p. 75)

Com base nessa acepção, o papel da educação é fornecer os elementos substanciais à

formação do indivíduo. Daí surge à seguinte questão: o que diferencia essa concepção da

visão liberal de educação? Neste caso, é importante ressaltar que a Escola Nova atendeu aos

interesses de classe e contribuiu para preservação social e o despertar das aptidões

individuais. Já a concepção histórico-crítica pressupõe o saber objetivo como primordial. De

acordo com Saviani (2012), “para a escola cumprir sua função política é preciso que ela

exerça bem sua contribuição específica” (p. 63), ou seja, permitir que o aluno domine a

leitura, a escrita, os cálculos matemáticos.

A Escola Nova, porém, tem seus argumentos. Anísio Teixeira, ao criticar a escola

como “formação do privilegiado”, apontou que a educação precisava estar em conexão com

as necessidades do homem, a sociedade e seus aspectos socializantes. Essa concepção buscou

afirmação ao combater escola tradicional. De acordo com Saviani (2009), “a pedagogia nova

começa, pois, por efetuar a crítica da pedagogia tradicional, esboçando uma nova maneira de

interpretar a educação” (p. 7).

Para Teixeira (1957),

Em todas as modalidades, em face do caráter novo do conhecimento científico, o ensino se tem de fazer pelo trabalho e pela ação, e não somente pela palavra e pela exposição, como autora, quando o conhecimento racional era de natureza especulativa e destinado à pura contemplação do mundo. (p. 20)

Nessa perspectiva, a educação precisava abandonar o caráter contemplativo para fazer

sentido ao homem. Ao trazer significado ao sujeito, a educação precisava compreender

relações outras, sobretudo a do trabalho. Teixeira (1957), ao questionar o que a escola se

tornou, revelou que a realidade, porém, é que a ideia da ‘escola comum ou pública’, nascida com a revolução francesa – a maior invenção social de todos os tempos, no dizer de Horace Mann – importa exatamente em sobrepor-se ao conceito de classe e prover uma

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educação destinada a todos os indivíduos, sem a intenção ou o propósito de prepará-los para quaisquer das classes existentes. (p. 36; itálicos do autor)

Essa crítica indicava a necessidade de se rever o papel da escola, pois, no Brasil, até

muito recentemente, a educação era privilégio das classes que detinham o poder econômico. É

neste sentido que o autor defende uma educação que transcenda os aspectos sociais e

econômicos como condições únicas para dela desfrutar, ou seja, um sistema no qual as

diferenças sociais não venham a ser a condição à educação. Ao contrário de uma educação

aparente, a proposta de Anísio Teixeira não era outra, senão de cunho democrática, baseada

nos princípios liberais. Com finalidades definidas, deveria oferecer maior mobilidade social às

classes desprivilegiadas.

De acordo com Teixeira (1957), As escolas refletiram, assim, de acordo com o velho estilo, o dualismo brasileiro entre os ‘favorecidos’ e os ‘desfavorecidos’. Por isto mesmo, a escola comum, a escola para todos, nunca chegou, entre nós, a se caracterizar, ou a ser de fato para todos. A escola era para a chamada elite. (p. 38)

O autor insistentemente defendia a democratização da educação e revelava

principalmente as consequências de um sistema educacional, no qual o poder econômico e a

condição social eram os únicos requisitos para dela desfrutar. O pensamento de Anísio

Teixeira se manteve aberto ao debate, apresentando como principal princípio o direito

fundamental das chamadas sociedades democráticas. Seus postulados fornecem bases,

principalmente compreendendo o sujeito em suas múltiplas dimensões e como ser de direitos.

É nesse raciocínio que se busca identificar no Programa Mais Educação, no capítulo 3, a

correspondência ou não à concepção da Escola Nova. Ressurgindo ao debate constantemente,

a contribuição dos pensadores da Escola Nova é imprescindível quando o assunto é educação

para todos.

Além do direito à educação, os pressupostos da Escola Nova remetem à questão do

trabalho. A proposta de Educação para o trabalho e pelo trabalho é inegavelmente uma

discussão polêmica, colocando em lados quase opostos os debates sobre o tema. Para Teixeira

(1957, p. 39), “fora as ‘escolas profissionais’, nenhuma outra escola brasileira escapou ao

espírito da educação da ‘elite’, profundamente arraigado em nossa sociedade e agravado ainda

pelo preconceito contra o trabalho manual, que nos deixou a escravidão”. Essa concepção

interferiu nas propostas de educação pelo trabalho em funcionamento no Brasil. O caso mais

real foi o ousado e polêmico projeto da Escola Parque, idealizado por Anísio Teixeira, ainda

na primeira metade do século XX, sob o governo de Otávio Mangabeira. Inaugurado em

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1950, o modelo de escola encontrou na esfera política o maior entrave para sua consolidação,

pois representava ônus aos cofres públicos. A experiência – Escola Parque – sintetizava o

ideário de educação integral do pensador baiano.

Para Teixeira (1957), O dever do governo – dever democrático, dever constitucional, dever imprescritível – é o de oferecer ao brasileiro uma escola primária capaz de lhe dar a formação fundamental indispensável ao seu trabalho comum, uma escola média capaz de atender à variedade de suas aptidões e das ocupações diversificadas de nível médio e uma escola superior capaz de lhe dar a mais alta cultura e, ao mesmo tempo, a mais delicada especialização. (p. 45)

A partir desse modelo, atribuiu-se à escola um papel fundamental na formação do

sujeito, tendo como função a transformação da sociedade, o que não ocorreu. Contrapondo

aos discursos oficiais, os quais afirmavam que a escola nos moldes da “Escola Parque” seria

onerosa para os cofres públicos, Teixeira (1957) considera que não se pode ser uma escola de tempo parcial, nem uma escola somente de letras, nem uma escola de iniciação intelectual, mas uma escola sobretudo prática, de iniciação ao trabalho, de formação de hábitos de pensar, hábitos de fazer, hábitos de trabalhar e hábitos de conviver e participar e uma sociedade democrática, cujo soberano é o próprio cidadão. Não se pode conseguir, essa formação em uma escola por sessões, como os curtos períodos letivos que hoje tem a escola brasileira. Precisamos restituir-lhe o dia integral, enriquecer-lhe o programa com atividades de formação de hábitos de vida real, organizando a escola como miniatura da comunidade, como toda a gana de suas atividades de trabalho, de estudo, de recreação e de arte. (p. 50)

Essa concepção traduz boa parte do ideal educacional proposto por Anísio Teixeira,

que influenciou e continua influenciando programas que visam ao atendimento integral do

indivíduo. A escola de tempo integral, inaugurada primeiramente no Estado da Bahia e depois

implantada em Brasília, apontava para essa característica: a de uma escola que oferecesse os

conhecimentos necessários à sociedade moderna (o letramento, a matemática, os

conhecimentos das várias áreas do conhecimento) e que atendesse à população esquecida

pelas autoridades políticas com habilidades e competências imprescindíveis, iniciação

científica e uma educação para o trabalho − uma educação em conexão ao homem do novo

tempo.

Esse princípio é importante para a análise do programa “Mais Educação”. Os

documentos regulatórios do programa alegam que a escola de tempo integral deve reunir

condições favoráveis à aprendizagem dos conhecimentos específicos, à qualificação para o

trabalho e ao respeito às diferenças culturais (arte, música, manifestações de toda ordem). É

nesse sentido que cresce atualmente a defesa do binômio: tempo e espaço. Esse modelo de

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escola Anísio Teixeira tentou concretizar com a criação da Escola Parque na Bahia.

Para Anísio Teixeira (1957, p. 50), “o programa da escola será a própria vida da

comunidade, com o seu trabalho, as suas tradições, as suas características, devidamente

selecionadas e harmonizadas”. O autor complementa que Tal escola, com horários amplos, integrada no seu meio e com ele identificada, regida por professores provindos das suas mais verdadeiras camadas populares, percebendo os salários desse meio, será uma escola reconciliada com a comunidade e já sem o caráter ora dominante de escola propedêutica aos estudos ulteriores ao primário. (TEIXEIRA, 1957, p. 51)

Nessa perspectiva, a escola deve ser articulada à realidade da comunidade e

principalmente oferecer uma educação que realmente respeite as necessidades e

individualidades dos sujeitos, sobrepondo a educação elementar de caráter propedêutica.

Desta forma, a concepção de Teixeira (1957) sinaliza que “a educação para o

desenvolvimento, a educação para o trabalho, a educação para produzir, substituirá a

educação transplantada e obsoleta, a educação para a ilustração, para o ornamento e, no

melhor dos casos, para o lazer.” (p. 68). O projeto, que não se concretizou enquanto política

nacional de educação, pretendia dar uma formação integral, articulando o saber escolar com

as atividades artísticas e culturais, assegurando ainda o pleno desenvolvimento do educando e

o exercício da cidadania. No entanto, Libâneo (2009) defende que “a difusão dos conteúdos é

a tarefa primordial. Não conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociáveis

das realidades sociais. A valorização da escola como instrumento de apropriação do saber é o

melhor serviço que se presta aos interesses populares” (p. 38). É nesse sentido que a

concepção crítico-social dos conteúdos se diferencia da concepção liberal de educação.

Ao se questionar o sistema educacional vigente, a escola tradicional e a concepção

liberal dos escolanovistas tiveram muita aceitação. Reivindicando a expansão da oferta da

escola primária, Teixeira (1957) argumenta:

A verdade é que já se faz difícil ocultar a descaracterização do nosso movimento educacional. Pode-se expandir, pelo simples aumento de participantes, um espetáculo, um ato recreativo, em rigor, algo de consumatório, mas, não se pode expandir, somente pelo aumento de participantes um processo, temporal e espacial, longo e complexo de preparo individual, como é o educativo. E o que vimos fazendo é, em grande parte, a expansão do corpo de participantes, com o congestionamento da matrícula, a redução de horários, a improvisação de escolas de toda ordem, sem as condições necessárias de funcionamento. (p. 83)

Dessa forma, pode-se afirmar que o sistema educacional no contexto da primeira

metade do século XX falseava o sentido democrático da educação. A extensão das unidades

escolares em benefícios de todos não foi concretizada. Além disso, condições insuficientes de

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atendimento e um modelo de organização das atividades escolares descritas pelo autor são

exemplos de descompromissos por parte do poder público. Independente de qualquer

concepção para um bom funcionamento das atividades escolares é preciso haver ambientes

favoráveis à aprendizagem. O autor, na primeira metade do século passado, elucidava

questões atuais do sistema educacional, sobretudo no que se refere ao dever do Estado. Em

relação ao atendimento integral em estabelecimentos de ensino, pode-se apontar que não há

correspondência de educação integral com uma organização nos moldes acima citados pelo

autor, tampouco há garantia de educação integral com melhores condições nos processos

educativos. Isso pode assinalar que espaços propícios ao fazer escolar requerem instalações

adequadas e corpo docente com habilidades para melhor contribuir com o ensino e a

aprendizagem.

A concepção de Anísio Teixeira sobre a escola como direito público e gratuito

descreve boa parte do pensamento liberal, amplamente difundido pelo mundo ocidental. Seus

postulados foram produzidos no calor de regimes políticos de caráter republicano, decorrentes

do movimento da Revolução Francesa. Na América Latina, a disseminação dos ideais

revolucionários (liberdade, igualdade e fraternidade) contribuiu para a consolidação do

capitalismo.

O sistema político republicano, fruto da revolução burguesa, aos poucos vai se

consolidando nos países americanos. No Brasil, as transformações no campo político

influenciaram a questão da educação nacional. Teixeira (1957) salienta que, As democracias, porém, sendo regimes de igualdade social e povos unificados, isto é, com igualdade de direitos individuais e sistema de governo de sufrágio universal, não podem prescindir de uma sólida educação comum, a ser dada na escola primária, de currículo completo e dia letivo integral, destinada a preparar o cidadão nacional e o trabalhador ainda não qualificado e, além disto, estabelecer a base igualitária de oportunidades, de onde irão partir todos, sem limitações hereditárias ou quaisquer outras, para os múltiplos e diversos tipos de educação semi-especializada [sic] e especializada, ulteriores à educação primária. (p. 124)

Nas palavras desse educador, pode-se dizer que o principal ideal republicano é a

educação. Assim sendo, a escola deveria possibilitar a equalização social, e uma educação

integral requer ambiente e condições adequadas para que possa assegurar o desenvolvimento

pleno do estudante. Os atributos indispensáveis à convivência humana devem ser reunidos, a

saber: os conhecimentos das áreas do conhecimento, o preparo para exercício da cidadania e

os meios pelos quais se possa desenvolver o trabalho. Essa sustentação traduz o ideal de

educação integral, pois,

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a educação comum, para todos, já não pode ficar circunscrita à alfabetização ou à transmissão mecânica das três técnicas básicas da vida civilizada – ler, escrever e contar. Já precisa formar, tão solidamente quanto possível, embora sem nível elementar, nos seus alunos, hábitos de competência executiva, ou seja, eficiência de ação; hábitos de sociabilidade, ou seja, interesse na companhia de outros, para o trabalho ou o recreio; hábitos de gosto, ou seja, de apreciação de excelência de certas realizações humanas (arte); hábitos de pensamento e reflexão (método intelectual) e sensibilidade de consciência para os direitos e reclamos seus e de outrem. (TEIXEIRA, 1957, p. 125)

Em geral, ao reconhecer os vários aspectos da vida humana como elementos essenciais

nos processos educativos, Anísio Teixeira introduz uma concepção que valoriza o educando

em suas múltiplas aptidões. É nesse sentido que os estudos da Escola Nova se mostravam

renovadores, defendendo uma formação integral, reconhecendo as questões naturais do

indivíduo, o compartilhamento de espaços para promover a sociabilidade e a solidariedade, a

apreciação das artes, a produção destas e, ainda, a oportunidade de aprimoramento técnico e

científico por parte da população, enfim, uma educação indispensável às classes

desfavorecidas.

Ainda sobre a concepção da Escola Nova, é preciso ressaltar que a escola primária, visando, acima de tudo, a formação de hábitos de trabalho, de convivência social, de reflexão intelectual, de gosto e de consciência não pode limitar as suas atividades a menos que o dia completo. Devem e precisam ser de tempo integral para os alunos e servidas por professores de tempo integral. (TEIXEIRA, 1957, p. 126)

Segundo o autor, para uma educação integral, há que se oferecer tempos de estudos

diferenciados aos alunos, acompanhamento pedagógico e dedicação exclusiva. O tempo

parcial que se convencionou adotar no sistema de ensino no Brasil, dificilmente, conseguir-se-

ia promover uma educação integral. Pode-se dizer que foi em função dessa sustentação que os

ideias de Anísio Teixeira continuam influenciando as propostas de jornada escolar em tempo

integral. É necessário diferenciar escola de tempo integral e educação integral. Em outra

perspectiva em relação a essa questão, Gadotti (2009) entende que, “como nos educamos o

tempo, falar em educação de tempo integral é uma redundância. A educação se dá em tempo

integral, na escola, na família, em todos os turnos, de manhã, de tarde de noite, no cotidiano

de todas as nossas experiências e vivências” (p. 22). Com base nessa observação, a educação

integral é parte inerente ao homem e está relacionada com a capacidade de fazer e realizar

determinadas atividades, do constante preparo para as tarefas a que deseja desempenhar.

Nesse sentido, compreende-se que a educação integral é direito de todos e, embora não

seja possível sua garantia por meios determinados, cabe ao Estado assegurar estabelecimentos

de ensino que propiciem excelentes condições de trabalho e estrutura que correspondam às

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necessidades dos educandos, atendimentos especializados e incentivos ao corpo docente. A

função social da escola é primordialmente oportunizar tempos e espaços convenientes à

aprendizagem, entretanto, numa perspectiva que supere o “dualismo perverso da escola

pública Brasileira” (LIBÂNEO, 2012). Assim,

Um dos grandes perigos dos tempos atuais é uma escola a ‘duas velocidades’: por um lado, uma escola concebida essencialmente como um centro de acolhimento social, para os pobres, com uma forte retórica da cidadania e da participação. Por outro lado, uma escola claramente centrada na aprendizagem e nas tecnologias, destinada a formar os filhos dos ricos. (NÓVOA, 2009, p. 64 apud LIBÂNEO, 2012, 16)

De acordo com o autor, esses dois pólos antagônicos têm marcado a educação

brasileira e se intensificaram depois da influência dos organismos internacionais29.

É sobre essas circunstâncias que crescem os debates sobre a organização da escola em

tempo integral. Atualmente, é constante a promessa de reforma na educação. Pode-se dizer

então que as experiências de escola de tempo integral no Brasil não se efetivaram. Na visão da

Escola Nova, a escola de tempo integral é a mediação para uma educação integral. Assim

sendo, um dos objetivos dessa pesquisa é demonstrar qual a relação do Programa Mais

Educação com a concepção de educação integral da escola nova, vez que Entendemos por isso, que a educação deve ser universal, isto é, tem de ser organizada e ampliada de maneira que seja possível ministrá-la a todos sem distinções de qualquer ordem; obrigatória e gratuita em todos os graus; integral, no sentido de que, destinando-se a contribuir para a formação da personalidade da criança, do adolescente e do jovem, deve assegurar a todos o maior desenvolvimento de suas capacidades físicas, morais, intelectuais e artísticas. (AZEVEDO, 1959, p. 18; grifo nosso)

Nessa perspectiva, a concepção de educação integral da Escola Nova contempla

elementos interessantes no processo educativo. Nessa visão, a jornada ampliada contribuiria

para a formação em todos os aspectos, e a diferença pode estar na relação entre teoria e

prática. Para Libâneo (2009)

A tendência da pedagogia crítico-social dos conteúdos propõe uma síntese superadora das pedagogia tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática social concreta. Entende a escola como mediação entre o indivíduo e o social, exercendo aí a articulação entre a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte de um aluno concreto (inserido num contexto de relações sociais); dessa articulação resulta o saber criticamente reelaborado. (p. 32)

Essa concepção ajuda a pensar o nexo entre a educação e as relações sociais, em uma

perspectiva histórico-crítica, sem destoar da totalidade histórica.

29 O autor refere-se à Conferência de Educação Para Todos realizado em Jomtien ,Tailândia (LIBÂNEO, 2012).

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Uma tentativa de se concretizar a ideia de uma educação integral foi a experiência da

Escola Parque, que será apresentada de forma sucinta a seguir.

2.2.1 A educação integral de Anísio Teixeira: a experiência da Escola Parque

A discussão sobre educação integral tem envolvido, nos últimos anos, a questão do

tempo reservado aos estudos de uma pessoa em idade escolar. Assim, pode-se afirmar que

existe relação entre tempo escolar e educação integral?

O debate em torno do tempo de estudo gera polêmica e até confusões conceituais. De

uma maneira ou de outra, os programas educacionais no Brasil recorrem à ideia de educação

integral por meio da ampliação da jornada escolar, principalmente por conta do projeto Escola

Parque.

Desde as principais experiências no século XX de Escola de Tempo Integral até os

dias atuais, as produções que se referem à educação integral e à Escola de Tempo Integral

recorrem, de alguma maneira, aos postulados dos pioneiros da Escola Nova, sobretudo de

Anísio Teixeira. Decidido a implantar um modelo de escola que assegurasse os princípios

defendidos pelos intelectuais escolanovistas, Anísio Teixeira materializou o projeto de escola

que deveria proporcionar uma educação integral: a Escola Parque.

Inaugurado na década de 1950 no governo de Otávio Mangabeira, o centro

Educacional Carneiro Ribeiro foi a instituição de tempo integral pioneira no Brasil, destinado

à população carente da Bahia. A proposta do centro educacional era proporcionar educação

profissionalizante e a educação básica com jornada ampliada em um espaço construído

especialmente para a demanda. Defendendo o centro popular de educação, Teixeira (1959

apud SERPA, 2000) reitera que

É contra essa tendência à simplificação destrutiva que se levanta este Centro Popular de Educação. Desejamos dar, de novo, à escola primária, o seu dia letivo completo. Desejamos dar-lhe os seus cinco anos de curso. E desejamos dar-lhe seu programa completo de leitura, aritmética e escrita, e mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música, dança e educação física. Além disso, desejamos, que a escola, eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à criança, visto que não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vive. (p. 143)

A convicção de Anísio Teixeira no discurso de inauguração do Centro Educacional

Carneiro Ribeiro (Escola Parque) revelou a confiança em um modelo de escola distinto dos

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modelos distribuídos por todo o país. Acreditava que a reforma no sistema educacional

brasileiro deveria iniciar com o ensino primário e a jornada ampliada em espaços propícios ao

desenvolvimento do estudante, uma organização com atendimento ao currículo comum e

tempos e espaços compartilhados que proporcionassem a fruição da cultura e da arte, e ainda

da iniciação ao trabalho.

De acordo com Teixeira (1959 apud SERPA, 2000), “trata-se de escola destinada não

somente a reproduzir a comunidade humana, mas de erguê-la a nível superior ao existente no

país” (p. 150). A experiência tradicional da escola é manter a sociedade existente. Aliada a

esse aspecto, A organização da escola, pela forma desejada, daria ao aluno a oportunidade de participar, como membro da comunidade escolar, de um conjunto rico e diversificado de experiências, em que se sentiria, o estudante na escola-classe, o trabalhador, nas oficinas de atividades industriais, o cidadão, nas atividades sociais, o esportista, no ginásio, o artista no teatro e nas demais atividades de arte, pois todas essas atividades podiam e deviam ser desenvolvidas partindo da experiência atual das crianças, para os planejamentos elaborados com sua plena participação e depois executados por elas próprias. (TEIXEIRA, 1957, s/p)

Nessa perspectiva, o projeto implantado na Bahia e, mais tarde, em Brasília, revela

que a educação escolar deve ser articulada com um conjunto de atividades indispensáveis ao

sujeito, independentemente do contexto histórico; como função social, ela deve oportunizar o

contato e o desenvolvimento das aptidões, fazendo com que os benefícios do conhecimento

científico, do trabalho e das práticas culturais e esportivas sejam vivenciados por todos.

Com o que foi discutido, conclui-se que pode ou não existir relação entre a Escola de

Tempo Integral com a educação integral. Deste modo, é indispensável refletir sobre a relação

entre Escola de Tempo Integral e sua possível relação com Educação Integral.

2.3 Escola de Tempo Integral: conceitos e definições

O conceito de escola de tempo integral tem variado muito de acordo com a concepção

filosófica. A relação entre escola de tempo integral e educação muitas vezes é adotada como

sinônimo ou como relação muito tênue. Em outros casos, a ideia de educação é suficiente para

pensar a formação do indivíduo. De acordo com Gadotti (2009), falar em educação integral é

redundante, pois esta já deveria compreender a formação integral do indivíduo.

O embate é muito rico no que se refere à convergência e/ou a divergências conceituais

de educação integral/escola de tempo integral. Para Moll (2010),

educação integral pressupõe escola pública, de qualidade e para todas em

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articulação com espaços/políticas/atores que possibilitem a construção de novos territórios físicos e simbólicos de educação pública. Desconsiderando-se tal perspectiva corre-se o risco de pensar na escola como instituição total, na política de educação integral como a nova panacéia para resolução dos clássicos problemas da educação pública e na ‘hiperescolarização’ como resposta ao não aprender. (p. 854; grifo da autora)

A autora defende que,

se o território da educação escolar, no contexto da educação integral, pode ser a cidade em suas múltiplas possibilidades e se a forma pode ser definida pela ampliação da jornada na perspectiva do tempo integral, é desejável que seus conteúdos dialoguem organicamente com temas que falem do que é estrutural para a vida em uma sociedade que se pretende afirmar como republicana e democrática. (p. 857; grifo da autora)

Essa forma de mediação é a base de sustentação do Programa Mais Educação.

Segundo essa perspectiva, a cidade, com suas várias formas de manifestação cultural, educa.

Mol (2010) sintetiza as duas principais experiências30 de escola de tempo do século

XX da seguinte forma:

o que se caracteriza como uma educação integral, mediante o legado desses pensadores e as mudanças dos contextos históricos, é o reconhecimento da necessidade de ampliar e qualificar o tempo escolar, superando o caráter parcial e limitado que as poucas horas diárias proporcionam, em estreita associação com o reconhecimento das múltiplas dimensões que caracterizam os seres humanos. (p. 860)

Nessa perspectiva, está clara a ideia de que por meio da ampliação da jornada escolar

pode se chegar à educação integral. Sendo assim, a questão ‘tempo’ é o fator principal nessa

nova reestruturação educacional. Deste modo, percebe-se que a concepção da autora

contempla a proposta de escola de tempo integral via Programa Mais Educação (ou vice

versa), que será discutida no capítulo 3. Assim, quer-se demonstrar que não são raras as vezes

que o tema da educação integral é associado à ampliação da jornada escolar (Escola de tempo

integral). Neste sentido, o Decreto nº. 6.253/07 (PNE 2011-2010) define “educação básica em

tempo integral a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante

todo o período letivo, compreendendo o tempo total que um mesmo aluno permanece na

escola ou em atividades escolares.” (art. 4º).

É de acordo com essa trajetória das políticas educacionais que se defende a tese de que

o Programa Mais Educação surge como proposta de educação no limite das sete horas. É bom

lembrar ainda que o programa poderá ser utilizado para legitimar a meta 6 do Projeto de Lei

30 As experiências ressaltadas pela autora tratam-se da Escola Parque (Anísio Teixeira); CIEP (Darcy Ribeiro).

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8.035, ou seja, ampliar em 50% a Escola de Tempo Integral. Se assim for, pode-se afirmar

que a proposta do Programa Mais Educação não possibilita uma educação integral. Nesta

perspectiva, o Programa, se comparado com outras experiências anteriormente citadas, não

contempla nem mesmo a ampliação da rede física, como ocorreu com os CIEP no Rio de

Janeiro (cerca de 500 unidades educacionais). A proposta do programa é ampliar a jornada

escolar, aproveitando os mesmos estabelecimentos de ensino e ainda os espaços da

comunidade. Essa discussão será retomada no terceiro capítulo.

Outra questão presente nos pressupostos do PME é o destoamento em suas finalidades,

ora apresentado como ação indutora para contribuir para a melhoria da aprendizagem, ora

associado à ideia de educação integral. Por conseguinte, pode-se afirmar que educação

integral está necessariamente relacionada com a aprendizagem escolar. Nesta perspectiva, há

que discutir a questão da educação escolar, principalmente as várias funções que ela vem

ocupando, pois,

certas funções clássicas da escola que não podem ser perdidas de vista porque, do contrário, acabamos invertendo o sentido da escola e considerando questões secundárias e acidentais como principais, passando para o plano secundário aspectos principais da escola. Exemplo disso são as comemorações nas escolas, que se espalhavam por todo o ano letivo, às quais agora se associam, ou a elas são acrescidos, os denominados temas transversais, como educação ambiental, educação sexual, educação para o trânsito, etc. Ao final do ano letivo, após todas essas atividades, fica a questão: as crianças foram alfabetizadas? Aprenderam português? Aprenderam matemática, ciências naturais, história, geografia? (SAVIANI, 2012, p. 87)

De acordo com essas ponderações do autor, a defesa das funções clássicas da escola

não se refere ao que tem sido adotado como indicador de qualidade31, uma vez que,

Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles não podem fazer valer os seus interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores, que servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação. [...] o dominado não se liberta se ele não vier dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação. (SAVIANI, 2009, p. 50)

Foi apresentado neste capítulo, que a Escola Nova e seus princípios são relevantes na

discussão sobre a questão da educação integral, pois estes no transcorrer da história da

educação brasileira, são recorrentes nas propostas das políticas educacionais. No capítulo

31 Tem sido divulgado que as escolas que aderiram ao Programa Mais Educação deram um salto de qualidade. A referência para tal afirmação são os indicadores do Ideb, que serão discutidos ainda nesse trabalho.

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seguinte será analisada a relação entre educação integral, discutido até esta etapa do trabalho,

e as propostas defendidas pelo programa do Governo Federal: o Programa Mais Educação.

Desta maneira, pretende-se responder os seguintes questionamentos: educação integral é

somente uma ampliação do tempo de permanência na escola ou é algo mais complexo?

Assim, tendo visto, a discussão sobre educação integral presente na Escola Nova, far-se-á a

análise do Programa Mais Educação, com o objetivo de compreender como essa questão

aparece formulada na atual política educacional.

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CAPÍTULO III

EDUCAÇÃO INTEGRAL E ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL: QUESTÕES E DILEMAS DO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO

Esse capítulo tem como objetivo analisar o Programa Mais Educação instituído pela

Portaria Interministerial nº 17, de 24 de abril de 2007. O PME é a principal proposta vigente

no país na perspectiva de escola de tempo integral. Desde 2008, quando o programa se

adentrou nas escolas, o Ministério da Educação tem procurado estendê-lo a todas as redes de

ensino (municipal e estadual e ao Distrito Federal). A expectativa é que o programa se

universalize enquanto política pública de educação integral. A atenção especial à ampliação

da jornada escolar vem sendo tratada com maior vigor sob a liderança do Partido dos

Trabalhadores. No entanto, muitas outras iniciativas vêm sendo experimentadas pelos

sistemas de ensino, principalmente as redes municipais. O próprio projeto de Lei nº 8.03532

pode ser considerado como o reflexo dessa tendência. O objetivo de se compreender o PME

foi a relevância que o programa vem ocupando na educação básica.

O texto pretende apontar algumas considerações a respeito da relação entre escola de

tempo integral e educação integral presente no PME, buscando responder a seguinte pergunta:

qual a concepção de educação integral o programa concebe?

Primeiramente, serão apresentadas algumas considerações das reformas educacionais

que desde a década de 1990. Na segunda seção, será discutida a legislação do programa,

sobretudo, a Portaria nº 17/2007 e o Decreto nº 7.083/2010. Na última parte do capítulo, será

abordada a relação entre escola de tempo integral e educação integral do referido programa.

3.1 Implementação do Programa Mais Educação

O Programa Mais Educação é uma iniciativa do Ministério da Educação, juntamente

com outros ministérios, com o objetivo de ampliar a jornada escolar de escolas de ensino

fundamental (estados, municípios, Distrito Federal) por meio de atividades complementares a

serem realizadas no contraturno. A ampliação de mais três horas de atividades é realizada por

32 Trata-se da meta 6 do Projeto de Lei nº 8.035 de abril de 2010. O projeto de lei determina o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020. “Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica” (BRASIL, 2010).

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monitores sob a coordenação por um professor da unidade escolar chamado de professor

comunitário. As atividades estão distribuídas por macrocampos33.

O processo de implantação do PME deve ser compreendido em um contexto amplo,

reconhecendo-se a influência das convenções internacionais na reformulação das políticas

educacionais brasileiras. Esse movimento vem ocorrendo, principalmente, desde a década de

1990. Nesse cenário de reforma política, a ideia de educação integral voltou a ocupar um

lugar de destaque nas propostas para a Educação Básica.

A Portaria Normativa Interministerial nº 17/2007 e o Decreto n° 7.083, de 27 de

janeiro de 2010, consideram “educação básica de tempo integral a jornada escolar com

duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o

tempo total que um mesmo estudante permanece na escola ou em atividades escolares”

(BRASIL, 2007).

O Programa Mais Educação conta com a parceria de 1.309 secretarias de educação,

sendo 1.282 municipais e 26 estaduais, além da secretaria de educação do Distrito Federal.

Em 2011, aderiram ao programa 14.995 escolas com 3.067.644 estudantes, a partir dos

seguintes critérios: escolas estaduais ou municipais de baixo Ideb (Índice de Desenvolvimento

da Educação Básica), que foram contempladas com o Plano de Desenvolvimento da Escola

(PDE-Escola 2009), além das escolas localizadas em territórios de vulnerabilidade social e as

escolas situadas em cidades com população igual ou superior a 18.844 habitantes.

Em 2008, o PME passou a funcionar nas escolas, articulado ao Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado em 24 de abril de 2007 que, por sua vez, está

interligado aos mais diferenciados programas de governo, a saber: Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC), que se desdobrou em diversos outros programas: Programa Luz Para

Todos, Caminho da Escola e Brasil Carinhoso que, indiretamente, visam contribuir para o

acesso e a permanência da população à escola. O PME prevê uma organização interssetorial

de ações, entendendo que a educação depende do desenvolvimento de outros setores públicos.

De acordo com o art. 1º do Decreto nº 7.083, de 27 de janeiro de 2010, “o Programa

Mais Educação tem por finalidade contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da

ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens matriculados em

33 Compreende-se por macrocampo um campo de ação pedagógico-curricular, no qual se desenvolvem atividades interativas, integradas e integradoras dos conhecimentos e saberes, dos tempos, dos espaços e dos sujeitos envolvidos com a ação educacional. Os macrocampos se constituem, assim, como um eixo a partir do qual se possibilita a integração curricular com vistas ao enfrentamento e à superação da fragmentação e hierarquização dos saberes. Permite, portanto, a articulação entre formas disciplinares e não disciplinares de organização do conhecimento e favorece a diversificação de arranjos curriculares (BRASIL, 2013).

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escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo integral” (BRASIL, 2010). A

legislação sinaliza que a ampliação do tempo de estudo pode contribuir para a melhoria do

ensino. Os documentos que se referem à escola de tempo integral estão pautados nos

seguintes princípios: oferta da modalidade a crianças e adolescentes em risco de

vulnerabilidade social; com atraso (idade/série) e evasão escolar, a fim de promover e

melhorar a aprendizagem com mais tempo de estudo por meio de ações socioeducativas.

O PME, fruto das políticas educacionais das últimas décadas, tende a ser

universalizado nas escolas de Ensino Fundamental. Vale ressaltar que, no Brasil, a

movimentação no campo das políticas educacionais e, de modo geral, em toda a América

Latina, está diretamente relacionada aos acordos internacionais, principalmente a partir da

Conferência Internacional de Educação Para Todos, realizada em Jomtien (Tailândia), em

1990, que avigorou a necessidade de universalização ao acesso à educação.

Nessa perspectiva, convém destacar que o Plano Decenal de Educação de 1993 trouxe

implicações para a educação nacional, tanto que é compreendido como política de

reestruturação educacional no Brasil. Com efeito, diversas propostas começaram a ser

implantadas na educação nacional, e outras foram organizadas e pensadas ao longo da década

de 1990. O referido plano aponta para a necessidade de se ampliar o tempo na escola e,

consequentemente, mais tempo de estudo (currículo interdisciplinar), possibilitando melhoria

na aprendizagem. No respectivo documento, a alínea ‘g’ prevê a “ampliação da jornada

escolar e o ano letivo” (BRASIL, 1993, p. 39). Entende-se ser necessário que o poder público

adote medidas para garantir que as reformas sejam colocadas em prática. Vale ressaltar que a

história da educação brasileira foi marcada por certa inconstância no que tange às reformas

educacionais.

De acordo com Dourado (2010),

na tradição histórica brasileira, as análises indicam que as políticas educacionais têm sido marcadas hegemonicamente pela lógica da descontinuidade/continuidade, por carência de planejamento de longo prazo e por políticas de governo, em detrimento da construção coletiva, pela sociedade brasileira, de políticas de Estado. (p.681)

Diante dessas considerações, pode-se dizer que, em detrimento da falta de uma política

pública de educação, explica-se a intermitência de programas de escola de tempo integral no

Brasil durante o século XX. Em razão disso, fazem-se necessárias políticas públicas para o

sistema nacional de educação. Caso contrário, o Programa Mais Educação pode ser tornar um

programa efêmero e de caráter imediatista.

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Inspiradas nas mudanças político-econômicas, as reformas que estão ocorrendo desde

a década de 1990 contribuem para a instauração da “pedagogia da exclusão.” (SAVIANI,

2008, p. 441). Segundo o autor, “as ideias pedagógicas no Brasil da última década do século

XX expressam-se no neoprodutivismo, nova versão da teoria do capital humano34 que surge

em consequência das transformações materiais que marcaram a passagem do fordismo ao

toyotismo35”. (p. 441). Entender as mudanças no setor produtivo é imprescindível para

compreensão das reformas educacionais, no entanto, não será aprofundada essa questão. Cabe

ressaltar que a teoria em pauta relaciona os impactos da educação inerentes ao

desenvolvimento econômico. Segundo Freitas (2005), “nota-se que, à medida que o nível

socioeconômico aumenta, diminui o nível de reprovação na rede, revelando, portanto, que

áreas de pobreza continuam sendo alvo de reprovação, contrariando o objetivo das políticas”

(p. 915). Nesse sentido, pode-se dizer que as políticas têm atacado os sintomas, e não a

doença, ou seja, as desigualdades sociais.

A ampliação da jornada escolar em tempo integral foi descrita com maior vigor no

Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001. Este plano apresenta como um de seus objetivos

“ampliar, progressivamente a jornada escolar visando expandir a escola de tempo integral,

que abranja um período de pelo menos sete horas diárias, com previsão de professores e

funcionários em número suficiente” (BRASIL, 2001, p. 62).

Nessa perspectiva, o PME está ancorado, inicialmente, no PNE, revelando a

articulação entre a legislação educacional brasileira. Isso porque o Decreto nº 7.083, de 2010,

§ 1º, considera educação básica em tempo integral a jornada escolar com duração igual ou

superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total em

que o aluno permanece na escola ou em atividades escolares em outros espaços educacionais

(BRASIL, 2010). Entretanto, pelo que está estabelecido na legislação, nota-se que o PME

permanece sem alteração quanto à jornada escolar de tempo integral, ou seja, o PME se

mantém no limite das sete horas de atividades. Desta maneira, pressupõe-se que o PME tem

sido implantado como proposta de escola de tempo integral, o que pode ser demonstrado em

34 “Dois aspectos básicos abordados ocupam a literatura que inclui a educação como capital humano. O primeiro é a tentativa do ponto de vista macro e microeconômico de se mensurar o impacto da educação sobre o desenvolvimento [sic]. O segundo aspecto básico centra-se no debate sobre o pressuposto básico e mais amplo da ‘teoria’, que é da educação ser produtora de capacidade de trabalho” (FRIGOTTO, 2010, p. 45). 35 “O modelo fordista apoiava-se na instalação de grandes fábricas, operando com tecnologia pesada de base fixa, incorporando os métodos tayloristas de racionalização do trabalho [sic]. O modelo toyotista apoia-se em tecnologia leve, de base da microeletrônica flexível, e opera trabalhadores polivalentes, visando à produção de objetos, em pequena escala, para atender à demanda de nichos específicos do mercado” (SAVIANI, 2008, p. 429).

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sua estratégia 6.1 do Projeto de Lei nº 8.035, de 2010:

Estender progressivamente o alcance do programa nacional de ampliação da jornada escolar, mediante oferta de educação básica pública em tempo integral, por meio de atividades de acompanhamento pedagógico e interdisciplinares, de forma que o tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens na escola ou sob sua responsabilidade passe a ser igual ou superior a sete horas diárias durante todo o ano letivo, buscando atender a pelo menos metade dos alunos matriculados nas escolas contempladas pelo programa. (BRASIL, 2010; grifo nosso)

De acordo com a diretriz supracitada, pode se dizer que a concepção de escola de

tempo integral compreende a ampliação da jornada escolar em mais três horas ao turno

regular (quatro horas). A justificativa é que escola de tempo integral com jornada escolar de

dez horas (o dia todo, incluindo o almoço) é cansativo, tendo se tornado muitas vezes em uma

escola compulsória. Neste caso, a proposta não recupera as experiências do século XX, sendo

necessário analisar esse programa, tendo em vista a política educacional brasileira a partir de

alguns aspectos que serão discutidos ao longo deste capítulo.

Em ambos os documentos (PNE 2001-2010 e PL 8.035), percebe-se que a ampliação

da jornada escolar, mesmo no parâmetro das sete horas, constitui a concepção de escola

integral. O objetivo ainda se sustenta no discurso de que o PME seja adotado para melhorar a

aprendizagem de crianças e adolescentes das escolas públicas. A pretensão é oferecer uma

rede de atendimento que vai da merenda escolar ao atendimento à saúde, com

acompanhamento pedagógico. Nesta perspectiva, convém o seguinte questionamento: em qual

base de sustentação o Estado associa a ideia de ampliação da jornada escolar à qualidade de

ensino e de educação integral, presentes nos pronunciamentos oficiais do Ministério da

Educação.

O Brasil, nas últimas décadas do século XX, foi representado em várias reuniões e

conferências internacionais. A Conferência Educação Para Todos (1990), por exemplo,

descreve a incumbência da escola de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem: [...] Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo. (UNESCO, 1990, p.72)

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Diante dessas necessidades apontadas na Conferência para a educação básica, entende-

se que a Unesco preconiza, de modo geral, a importância de se viver e conviver em um

mundo globalizado e em constante transformação; um mundo moderno que exige das pessoas,

principalmente nos centros urbanos, letramento e conhecimento em cálculo, de modo a

garantir a sobrevivência na sociedade do conhecimento. Este conhecimento passa a ser cada

vez mais requisito primordial para entrada no mercado de trabalho, possibilitando, nessa

lógica, maior mobilidade social. Desta forma, a escola é chamada a desenvolver as

habilidades e os conhecimentos imprescindíveis aos indivíduos.

A LDBEN/96, influenciada por essa Conferência, proclama que a Educação Básica

contemplaria os conhecimentos indispensáveis ao estudante, como é o caso do art. 22, que

estabelece: “a educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a

formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para

progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1996). De acordo com a LDB/96,

espera-se que a educação básica possa oferecer os conhecimentos fundamentais

(principalmente escrita, leitura, cálculo) e, consequentemente, a possibilidade de continuar os

estudos nas modalidades subsequentes.

Os desdobramentos no que se refere às reformas educacionais revelam, de modo geral,

avanços na educação nacional, pois o Brasil, até muito recentemente, não dispunha de uma

legislação educacional. Entretanto, é imprescindível uma retomada nas discussões que

precederam e influenciaram tais mudanças. Neste sentido, serão apresentadas algumas

considerações sobre a agenda latino-americana da qual o Brasil se aproxima com muita

simetria.

Em estudos sobre os estados nacionais latinoamericanos, Gustavo Iaies e Andrés

Delich (2009) apresentam um pouco a trajetória de alguns países da América Latina na busca

por colocar em prática (ou reformular o que já existia) um sistema educacional eficiente.

Consideradas como políticas sociais, essas reformas buscam atender às necessidades do

mundo globalizado, buscando efetivar um sistema coeso e democrático, uma espécie de ajuste

social. Sobre essa questão, tentar-se-á retomar os principais postulados dos autores,

principalmente sobre a função da escola e sua relação com a coesão social, conceito

amplamente discutido pelos autores.

A partir daqui, serão abordadas as reformas e, por conseguinte, o contexto

socioeconômico em que foram elaboradas, buscando apreender o que se espera da escola

como um processo educativo. Embora os autores façam referência aos países latino-

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americanos como um todo, suas análises nos permite pensar o caso brasileiro como situação

equivalente. De acordo com Iaies e Delich (2009), na América Latina, o processo de construção da sociedade civil centrou-se particularmente no conjunto Estado-sistema educacional-escola, de maneira que o sentido desta última ficou fortemente associado àquele momento da fundação. Compreender essa ligação entre a escola e a formação das nações é fundamental para se ter a dimensão das mudanças a que assistimos. (p. 173)

A ideia de construção da sociedade civil pensada para a escola, tal como os autores se

referem, contribui para a subordinação dos estabelecimentos de ensino a uma forma

burocrática necessária, porém insuficiente para assegurar a função da escola. Nesta lógica, as

reformas empreendidas pelo Estado Regulador36 passam a encarar a escola como um meio de

resolver os problemas sociais, principalmente os de caráter fundamentais e básicos que uma

sociedade deve receber da esfera pública. Algumas mudanças que têm acontecido em outros

países parecem refletir no sistema educacional brasileiro, como por exemplo, a “jornada

integral” no Chile (IAIES; DELICH, 2009, p. 211).

As reformas educacionais empreendidas pelos países latino-americanos se deram no

intuito de oferecer uma educação de acordo com certo nível de coesão social, cujo conceito

foi elaborado a partir da sociologia clássica, sendo retomado por Iaies e Delich (2009)37.

Tentar-se-á reportar esse conceito, a fim de contribuir para o entendimento sobre as reformas,

especialmente sobre a influência das organizações internacionais, que propõem e ratificam

acordos entre diversos países, dentre eles, o Brasil.

Embora seja difícil expor com exatidão os princípios e objetivos da escola na

sociedade atual, pode-se entendê-los como práticas sociais e, principalmente, como elementos

essenciais à conquista dos direitos fundamentais do homem. No entanto, para Saviani (2008),

“a ordem econômica atual, denominada pós-fordista e pós-keynesiana, pressupõe, ou melhor,

assenta-se na exclusão” (p. 430). Ao que parece, a agenda latino-americana em prol da

educação, desde a década de 1990, esteve preocupada em analisar “os modos como o tecido

social se produz e reproduz, tanto em sua dimensão objetiva, pelas relações materiais entre

indivíduos, como em sua dimensão subjetiva, por relações simbólicas” (IAIES; DELICH,

2009, p. 175). O desafio maior é compreender a relação entre as conferências signatárias e a

36 A atual difusão no domínio educativo do termo ‘regulação’ está associada, em geral, ao objetivo de consagrar, simbolicamente, um outro estatuto à intervenção do Estado na condução das políticas públicas (BARROSO, 2005, p. 727). 37 Por coesão social compreende-se “a capacidade de uma sociedade de assegurar o bem-estar de todos os seus membros, ao minimizar as disparidades e evitar a polarização” (BID, 2006 apud IAIES; DELICH, 2009, p. 177).

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educação nacional em todos seus níveis, principalmente na educação básica, e o reflexo na

escola propriamente dita.

De acordo com Schwartzman e Cox (2009), uma boa educação deve proporcionar às pessoas os instrumentos fundamentais para a participação no mundo trabalho e da vida social organizada, que são o conhecimento e uso da língua escrita e falada e a capacidade de entender e fazer uso do raciocínio matemático científico. Sem o domínio da língua, não é possível avançar no entendimento da cultura, da história, das questões sociais e dos dilemas éticos das sociedades contemporâneas (p. 2).

Ao pensar a escola, independente da modalidade e de como ela é materializada, deve-

se partir do pressuposto de que, para que os estudantes se desenvolvam na direção da

racionalidade científica – embora não sejam poucas as críticas ao modo como o homem

conduziu e administrou a especulação científica –, devem se apropriar de elementos

imprescindíveis que, no caso brasileiro, são esboçados no art. 32 da LDB/96, que trata do

Ensino Fundamental: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (BRASIL, 1996)

Os princípios supracitados devem constituir a base da escolaridade de crianças e

adolescentes, pois a ausência total ou parcial desses elementos não garante uma boa educação,

muito menos uma educação integral.

A questão dos países latino-americanos está relacionada a um modelo pensado a partir

de uma “nova agenda de mudanças em que a política educacional se introduz em temas das

reformas estruturais dos sistemas” (IAIES; DELICH, 2009, p. 181), pretendendo-se a coesão

social.

Para Iaies e Delich (2009), uma sociedade coesa é uma comunidade de indivíduos livres que se apoiam mutuamente e perseguem certos objetivos comuns através de meios democráticos. [...] a coesão social corresponde mais a um processo contínuo das sociedades que a um estado acabado. Assim como não há sociedade que possa se sustentar diante de um fenômeno de fragmentação plena, divisões e desagregação, tampouco existe uma sociedade estável e plenamente coesa. Por outro lado, a coesão social é um processo de rearticulação recorrente da totalidade social, assimilando a diversidade e condensando em cada etapa uma série de objetivos comuns à maioria dos indivíduos. (p. 177)

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Isso significa que uma sociedade mantida no princípio de coesão social é aquela que,

permanentemente, busca resolver os problemas sociais agravados pelo modelo de

desenvolvimento econômico. Uma sociedade coesa pode-se dizer que corresponde a uma

sociedade democrática. No entanto, a polarização está inclinada para outra direção.

Para Saviani (2008),

a ‘inclusão excludente’, por sua vez, manifesta-se no terreno educativo como a face pedagógica da exclusão includente. Aqui a estratégia consiste em incluir estudantes no sistema escolar em cursos de diferentes níveis e modalidades sem os padrões de qualidade exigidos para ingresso no mercado de trabalho. Essa forma de inclusão melhora as estatísticas educacionais porque permite apresentar números que indicam a ampliação do atendimento escolar se aproximando da realização de metas como a universalização do ensino. (p. 442)

Nessa perspectiva, o acesso à educação não é suficiente. A história da educação

brasileira mostra que o ensino público no Brasil tem atendido ao interesse da classe

dominante e, assim, como conservação social. As reformas que estão acontecendo

representam essa contradição. De acordo com Frigotto (2009), isso ocorre “pela hipertrofia de

um desenvolvimento desigual e combinado, que concentra riqueza e miséria [...]” (p. 67).

Com efeito, muitos programas implantados no Brasil decorrem de decisões tomadas

em acordos internacionais, sendo o Brasil, em muitos deles, signatário, como é o caso do

‘Brasil sem miséria’, acompanhando por uma rede de atendimento especializado em vários

setores públicos. Especificamente na área da educação, o país conta com os seguintes

programas e/ou planos: Programa Brasil Alfabetizado; Programa Universidade para Todos

(Prouni); Universidade Aberta do Brasil (UAB); Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação e de Valorização dos profissionais da Educação (Fundeb); Piso Salarial Nacional do

Magistério; Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb); Reuni; IFET e o

Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) (BRASIL, 2007).

Percebe-se que as diversas ações do governo brasileiro nas últimas décadas seguem a

agenda latino-americana, de modo que tais ações têm consequências diretas na área da

educação. As políticas educacionais implantadas no Brasil em todos os níveis e modalidades

prevêem a melhoria na qualidade da educação, tendo como eixo norteador a articulação entre

educação e política pública, na tentativa de minimizar as desigualdades sociais e,

consequentemente, proporcionar ascensão social.

A legislação, em linhas gerais, aponta para a necessidade de se garantir melhoria na

aprendizagem dos alunos, e é nesse aspecto que o PME está pautado. Pelo levantamento

bibliográfico e documental realizado, observam-se, além de atribuir à escola o papel de

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promover a coesão social, as ações governamentais, que reconhecem também a ampliação da

jornada de estudo como via para essa conquista. É o que se pode perceber no posicionamento

da diretora Jaqueline Moll (2012) 38: “trouxemos as experiências das escolas que conseguiram

os melhores resultados, aquelas que estão conseguindo de fato ter esta formação integral.”

(MEC, 2012). Moll (2012) destaca um estudo realizado pela Diretoria de Currículos e

Educação Integral, indicando que as escolas que têm o “Mais Educação” deram um salto de

qualidade nos últimos anos. Neste sentido, a diretora atribui o desempenho no Ideb às escolas

que aderiram ao PME.

A proposta de ampliação da jornada escolar vem sendo tema de debate dentro e fora

do Brasil. De acordo com o parecer técnico do Projeto de Lei nº 8.035,

a implantação e implementação de uma política de Educação Integral na educação básica, considerando a ampliação da jornada escolar aliada a constituição de territórios educativos e a perspectiva de expansão de oportunidades formativas, com contribuições intersetoriais e de organizações da sociedade civil estão inseridas na melhoria das condições necessárias para garantir a qualidade da educação pública para as pessoas em situação de pobreza. (BRASIL/MEC, p. 30)

Com base no parecer técnico do PL nº 8.035, escola de tempo integral torna-se

sinônimo de educação integral. O programa, que ainda será melhor discutido nos próximos

tópicos, revela limites e até mesmo retrocessos. Até aqui cabe ressaltar que a ampliação em

três horas de atividade nem mesmo contempla a concepção de escola de tempo integral. O

percurso teórico feito até aqui demonstra que os pronunciamentos oficiais e a documentação

referente ao Programa tendem a relacionar: ampliação da jornada escolar – qualidade da

educação – escola de tempo integral e educação integral.

É necessário alargar a compreensão sobre cada modalidade e apontar as devidas

distinções. Segundo Paro et al. (1988),

a escola pública de tempo integral surge, assim, como uma das ‘soluções novas’ para os problemas gerados pela crise econômica no âmbito educacional e na esfera da segurança pública uma vez que tal crise, ao potencializar o problema da violência, em cujo interior ganha relevo a questão do impropriamente clamado ‘menor’, recoloca, por outra via, a discussão sobre a função da escola e sobre a qualidade do ensino que a rede pública oferece. (p. 205)

Suas ponderações referem-se aos programas em curso até a década de 1980, no

entanto, tais colocações parecem possuir sintonia no contexto atual. Para a adesão ao

38 Diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica do MEC. Entrevista recentemente publicada no sítio do governo federal. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=18294>.Acesso em: 14 abr. 2013.

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Programa Mais Educação, um dos critérios é: “escolas com índices igual ou superior a 50%

de estudantes participantes do Programa Bolsa Família” (BRASIL/MEC, 2012). Essas

medidas, em busca da solução para os problemas educacionais no Brasil, são recorrentes.

Muitos programas foram criados e/ou ressignificados na história da educação brasileira. De

acordo com Paro (1988), “os projetos de escola de tempo integral parecem constituir

tentativas de sanar deficiências profundas em duas áreas específicas de políticas sociais – a da

educação e a da promoção social” (p. 205). Essa importante consideração do autor permite

dizer que o Programa Mais Educação é um ‘novo’ projeto com essa finalidade. Muda-se o

contexto histórico, mas permanece a promessa de educação em tempo integral. A iniciativa

camuflada do Governo Federal atrai adesão devido ao aporte financeiro. As unidades de

ensino vêem no programa a possibilidade de angariar recursos para sua manutenção.

A trajetória feita até aqui possibilitou situar o contexto e as questões que estão

diretamente relacionados à educação no que se refere às políticas educacionais. Como se

observou, as reformas educacionais desde os anos de 1990 não asseguraram a democratização

do ensino público. Neste sentido, pode-se dizer que o Programa Mais Educação é fruto dessas

reformas arquitetadas sob a influência de organismos multilaterais.

No próximo tópico, será realizada uma análise do programa do ponto de vista da

legislação educacional.

3.2 O Programa Mais Educação e seus desdobramentos na educação básica: análise a partir da legislação

A discussão sobre o tema escola de tempo integral e/ou educação integral tem sido

bastante amplo. Como já foram demonstradas no primeiro capítulo, as discussões surgiram na

década de 1930 em detrimento do contexto histórico. Com a influência da Escola Nova, a

primeira experiência de escola de tempo integral surgiu inspirada nos princípios liberais de

educação de Anísio Teixeira.

Dos anos de 1930 até a atualidade, diversos programas foram implantados a nível

federal, estadual ou municipal. As discussões teóricas tanto no meio acadêmico quanto nas

políticas educacionais acompanharam o percurso dessas experiências de escola de tempo

integral. Os discursos políticos quase não sofreram alterações, pois aparecem quase sempre

como promessa de reforma educacional. Já no meio acadêmico, as opiniões se divergem. De

acordo com Ribetto e Maurício (2009), a produção escrita sobre o tema

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no seu conjunto, podia ser vista como configurações de dois blocos por argumentação contrária ou favorável ao horário integral ou como dois ciclos que podiam ser delimitados no tempo. [...] Os críticos publicaram em revistas ou editoras de maior circulação que os defensores da escola de horário integral, cujas teses ou dissertações permaneceram, praticamente, restritas às universidades. (RIBETTO; MAURÍCIO, 2009, p. 137)

A pesquisa de doutorado da autora mostrou que a produção no que se refere ao tema

esteve ligada a dois tipos de circulação. Revela também que o tema da escola de tempo

integral, educação integral, jornada ampliada, atrai a atenção de pesquisadores. Isto se deve ao

fato que é recorrente a promessa pelo poder público no intuito de implantar programas dessa

natureza. Desde a implantação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, houve certo

(des)interesse pela modalidade. Um recuo histórico nas políticas educacionais comprova os

avanços e retrocessos das ações governamentais nessa modalidade. Os objetivos quase sempre

eleitoreiros não permitiram que nenhum projeto se efetivasse enquanto política pública.

Tomando por base a proposta atual do governo federal, o Programa Mais Educação,

serão apresentados os objetivos, bem como a concepção por meio do corpo do texto dos

documentos oficiais. Primeiro, uma breve análise de conteúdo da Portaria Interministerial nº

17 com o Decreto nº 7.083/2010.

A finalidade de atendimento pelo programa e seus critérios de seleção estão

articuladas com outros programas governamentais elaborados pelos seguintes órgãos:

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Ciência e

Tecnologia, Ministério do Esporte, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Cultura,

Ministério da Defesa e a Controladoria Geral da União.

3.2.1 A concepção de educação integral por meio da análise de conteúdo da Portaria Interministerial nº 17/2007 e do Decreto nº 7.083/2010

A influência dos organismos multilaterais nos sistemas educacionais tem sido objeto

de estudo de vários pesquisadores, dentre eles, Mainardes e Ball (2011), que apresentam o

vasto campo de pesquisas em políticas educacionais, sobretudo aspectos teórico-

metodológicos. Com relação às políticas públicas de educação, Barroso (2005) discute a

intervenção do estado na educação, e Lima (2008) apresenta a influência da Conferência

Educação Para Todos na reforma educacional brasileira. No que se refere à avaliação

educacional, as considerações de Oliveira (2009) permitem estabelecer relações significativas

para a compreensão de alguns aspectos identificados no Programa Mais Educação. É

importante ressaltar que as questões levantadas nesse trabalho serviram mais para situar o

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Programa Mais Educação na educação brasileira e levantar novos questionamentos do que

para desfavorecê-lo.

Além dos dois documentos supracitados, serão utilizadas ainda outras fontes

documentais que regulamentam o programa. Esse conjunto de documento é composto pelo:

Manual Operacional de Educação Integral (BRASIL/MEC, 2012); ‘Passo a Passo’ (Guia de

orientação); texto intitulado ‘Caminhos para elaborar uma proposta de Educação Integral em

Jornada Ampliada’, dentre outros.

À medida que forem feitas as considerações sobre a legislação, questões como:

aspectos relacionados à adesão ao programa, sistema de pagamento de salário previsto no

programa, macrocampo das atividades, financiamento do programa e avaliação de

desempenho (Ideb) irão sendo incorporadas na discussão, pois possuem relação intrínseca

com o programa.

Em pesquisa sobre a concepção de educação integral disposta no Programa Mais

Educação, Pinheiro (2009) analisou a Portaria Interministerial nº 17, de 24 de abril de 2007.

As categorias de análise constituídas por Pinheiro (2009) trazem questões relevantes

que permitem melhor compreensão acerca da concepção de educação integral disposta na

Portaria nº 17. Assim sendo, destacar-se-ão seus estudos e ainda serão complementados com a

análise do Decreto nº 7.083, haja vista que o estudo da referida autora não abordou esse

decreto.

O Programa Mais Educação foi instituído em 2007 por meio da Portaria

Interministerial nº 17, porém, a base legal do programa pode se dizer que é fruto das políticas

educacionais da década de 1990. Como já foi demonstrado no capítulo 1, o Plano Decenal de

Educação, fruto da conferencia mundial para todos, já mencionava a necessidade de ampliar a

jornada escolar. Nos anos seguintes, tanto a LDB nº 9394/96, art. 34º, quanto o ECA, art. 3º,

trazem preceitos fundamentais que vão incidir no Programa Mais Educação. Na primeira

década deste século, tem-se o PNE (2001-2010), o Plano de Desenvolvimento da Educação

(2007) e outras leis e ações que direta e indiretamente convergem para assegurar processos

educativos que garantam a educação básica de qualidade, como a Lei do FUNDEB. Na

presente década, a discussão centra-se no PNE (2011-2020). A aprovação do Projeto de Lei nº

8.035 é esperada com muita expectativa por entidades ligadas à educação. No referido projeto

de lei, ainda em tramitação no congresso, a meta 6 prevê oferecer educação em tempo integral

em 50% das escolas públicas de educação básica.

O percurso da legislação feito anteriormente e ressaltado neste capítulo permite dizer

que vem sendo construído o ideal de educação de tempo integral. Cabe perguntar se os

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princípios contidos nos documentos e na legislação apontam para uma concepção de educação

integral. Que concepção de educação integral é expressa no programa?

Para responder a essa questão, há que perscrutar todo o arcabouço de informações. O

programa que entrou em vigor com a Portaria nº 17, regulamentado posteriormente pelo

Decreto 8.083 de 2010, hoje dispõe de manuais, textos (cartilhas) e outros documentos que

permitem melhor compreensão de seus objetivos e finalidades. Inferir nesse material tendo

por base, análise de conteúdo, pode revelar qual a relação existente entre escola de tempo

integral e educação integral.

Entende-se que submeter todo o material que se refere ao programa requer mais do

que as discussões que serão aqui apresentadas. No entanto, como já foi mencionado

anteriormente, o objetivo aqui não é esgotar esse tema e sim apontar alguns questionamentos

e abrir caminhos para novas discussões.

Tendo como base os dois documentos (portaria e decreto), três principais categorias

foram elaboradas: educação integral; sociabilidade; tempo, espaço e jornada escolar.

Embora outros aspectos são abordados pelos referidos documentos, foi definido as categorias

supracitadas por possuírem maior relevância para o problema desta pesquisa.

A primeira categoria de análise, educação integral, emerge dos objetivos dos dois

textos, e está representada no Quadro 1 a seguir. Essa categoria auxilia na compreensão dos

objetivos do programa e ainda permite analisar a relação existente entre o Programa Mais

Educação e a escola de tempo integral.

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Quadro 1: Educação Integral segundo a Portaria Normativa Interministerial nº 17/2007 e o Decreto nº 7.083/2010

Categoria Portaria Decreto

Educação Integral

Art. 1° Instituir o Programa Mais Educação, com o objetivo de contribuir para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, de projetos e de programas do Governo Federal e suas contribuições às propostas, visões e práticas curriculares das redes públicas de ensino e das escolas, alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos e conteúdos educativos.

Art. 3o São objetivos do Programa Mais Educação:

I - formular política nacional de educação básica em tempo integral;

II - promover diálogo entre os conteúdos escolares e os saberes locais;

III - favorecer a convivência entre professores, alunos e suas comunidades;

IV - disseminar as experiências das escolas que desenvolvem atividades de educação integral;

V - convergir políticas e programas de saúde, cultura, esporte, direitos humanos, educação ambiental, divulgação científica, enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, integração entre escola e comunidade, para o desenvolvimento do projeto político-pedagógico de educação integral.

Nota: Grifos nosso

A categoria educação integral, apresentada no Quadro 1, foi elaborada a partir de

elementos localizados nos objetivos do programa. A palavra formação integral e

principalmente educação integral é recorrente em diversas passagens dos dois textos em

estudo. No entanto, foi enfatizado apenas dois artigos, pois ambos tratam dos objetivos do

programa.

Refletir sobre a questão dos objetivos do programa requer uma compreensão acerca do

entendimento de educação integral. De acordo com a legislação, existe uma relação entre

educação integral e melhoria da aprendizagem com a escola de tempo integral. Esta relação

muitas vezes aparece como sendo o meio para se assegurar a educação integral. Nesse

sentido, o tempo de estudo é o diferencial, ou seja, a ampliação da jornada escolar aparece

como a possibilidade de promover uma educação integral.

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Em análise do tempo escolar, Pinheiro (2009) apresenta que

O termo contraturno fornece subsídios para a compreensão de que a ampliação do tempo preconizada pelo Programa Mais Educação tem como forma de implementação a combinação do turno regular com um segundo turno de atividades, complementar o primeiro. Dessa forma, constatamos um primeiro apontamento quanto à concepção de educação integral ao Programa: a de que o tempo é compreendido como a ampliação da jornada escolar, organizada na forma de turno e contraturno. (p.79; grifo da autora)

Diante dessa constatação, pode-se dizer que o tempo de estudo é o caminho para a

melhoria da qualidade da educação. Isso deve ser feito por meio da articulação entre o horário

regular e o horário complementar. Pinheiro (2009, p.80) acrescenta que “as experiências

desenvolvidas do século XX apresentam semelhanças com a proposta de ampliação da

jornada presente no Programa Mais Educação”. Estabelecida esta relação, pode-se dizer que a

proposta do programa inspira-se nas principais experiências do século XX, Centro

Educacional Carneiro Ribeiro (Escola Parque) e Centros Integrados de Educação Pública

(CIEP). No entanto, entende-se que a proposta do PME, embora recupere princípios desses

modelos, não os contempla, devido principalmente às condições físicas da escola, haja vista

que as escolas que aderirem ao programa recebem recursos apenas para a manutenção e o

desenvolvimento das atividades e não passam por uma reestruturação do espaço físico (quadra

de esporte, refeitório, salas de aulas). Destarte, uma proposta de escola de tempo integral

enquanto política de Estado deve “superar o dualismo entre os dois turnos” (ARROYO, 2012,

p. 45). Na visão do autor, a maneira de conceber a articulação entre o turno regular e o turno

extra é uma prática antipedagógica. Para Gadotti (2009), “a educação integral é uma

concepção da educação que não se confunde com o horário integral, o tempo integral ou a

jornada integral” (p. 29).

Essa relação permeia o programa de ponta a ponta. Na legislação, ora o tempo escolar

é compreendido como o fator decisivo para uma educação integral, ora é apresentado como o

responsável por fornecer uma educação de qualidade. Se esta relação existe, deve-se

perguntar a qual qualidade se refere. De acordo com Arroyo (2012, p. 34), “encontramos

escolas e redes de ensino que orientam esse mais tempo, mais educação para reforçar o

treinamento dos estudantes para sair-se bem nas ameaçadoras provinhas, provas e provões,

para elevar a média e passar na frente das outras redes de ensino”. Essa questão é bastante

preocupante, tendo em vista a ampla divulgação por parte da secretaria do MEC da relação

das escolas públicas que aderiram ao Programa Mais Educação com a melhoria no Ideb. Desta

maneira, é imprescindível a discussão em torno das avaliações externas realizadas pelo Inep.

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A avaliação de desempenho tem assumido um papel preponderante nos diversos programas

do governo federal. De acordo com o art. 3º do Plano de Metas Compromisso todos pela

Educação,

a qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no IDEB, calculado e divulgado periodicamente pelo INEP, a partir dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica – ANEB e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil). (BRASIL, 2007)

Dentre as várias ações que compõem o Plano de Desenvolvimento da Educação, a

qualidade da educação básica é o tema que tem gerado polêmica. Neste caso, as avaliações

externas são entendidas como instrumento de regulação da educação.

Tendo por base os estudos de Oliveira (2011) sobre avaliação em larga escala, pode-se

esclarecer a relação entre o indicador de qualidade (Ideb) e o Programa Mais Educação. Sobre

esse fato, Oliveira (2011) explica em sua pesquisa

que para além de um elemento técnico, operacional e neutro, os instrumentos de ação pública carregam valores e significados da relação social. Tal dado nos indica que, ao escolher determinados instrumentos o Estado pretende gerar efeitos específicos, com o intuito de manter o seu equilíbrio político, econômico e social. Diante disso, depreendemos que a criação da Prova Brasil refletiu o interesse do ‘Estado avaliador brasileiro’, de contar com um instrumento de regulação compatível com seus propósitos. (p. 76)

Diante desta importante consideração, pode-se dizer que os efeitos da reforma política

educacional dos últimos anos, sobretudo aquelas firmadas sob o olhar dos organismos

internacionais, são visíveis. Saviani (2007), em sua análise sobre o PDE, avalia como positiva

a iniciativa do MEC no que se refere ao tratamento da qualidade da educação. De acordo com

o autor,

O que confere caráter diferenciado ao IDEB é a tentativa de agir sobre o problema da qualidade do ensino ministrado nas escolas de educação básica, buscando resolvê-lo. E isso veio ao encontro dos clamores da sociedade diante do fraco desempenho das escolas à luz dos indicadores nacionais e internacionais do rendimento dos alunos. (SAVIANI, 2007, p. 1242)

Para o autor, muitas ações do PDE já estavam previstas no PNE (2001-2010), por isso

a medida criada pelo MEC em adotar o indicador como forma de avaliar o rendimento dos

alunos. Ainda assim, para Saviani (2007),

a lógica que embasa a proposta do ‘Compromisso Todos pela Educação’ pode ser traduzida como uma espécie de ‘pedagogia de resultados’: o governo se equipa com

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instrumentos de avaliação dos produtos, forçando, com isso, que o processo se ajuste às exigências postas pela demanda das empresas.(p. 1.252)

Nessa perspectiva, as ‘reformas’ educacionais que constam na proposta do PDE são

orientadas pela política neoliberal de educação, as quais têm objetivos de assegurar a

estabilidade do sistema político-econômico. Nesse contexto de ressignificação das políticas

educacionais, Saviani (2008) destaca que

a ‘pedagogia das competências’ apresenta-se como outra face da ‘pedagogia do aprender a aprender’, cujo objetivo é dotar os indivíduos de comportamentos flexíveis que lhes permitam ajustar-se às condições de uma sociedade em que próprias necessidades de sobrevivência não estão garantidas. (p. 437)

De acordo com essa concepção, o indivíduo é responsável pelo seu próprio fracasso ou

sucesso. O sujeito é livre para assumir uma posição social, dependendo do seu nível de

capacidade de adaptar-se às transformações da sociedade.

O Estado, nesse contexto, assume o papel de regulador. De acordo com Oliveira

(2011), “o termo ‘regulação’ foi incorporado ao debate das políticas públicas educacionais, na

emergência do neoliberalismo com suas propostas de reforma estatal” (p. 76).

Os mecanismos adotados para avaliar a qualidade da educação parecem possuir

estreita relação com o Programa Mais Educação. Vale destacar que os princípios dispostos na

legislação permitem afirmar que o programa se utiliza do discurso da educação integral para

atingir objetivos outros, nesse caso, a regulação do sistema nacional de ensino, buscando

atender aos acordos firmados em organizações mundiais.

Consideramos que o processo regulatório característico do ‘Estado avaliador’ ganha forma, quando as políticas descentralizadoras passam a ser conjugadas com as avaliativas. Tais políticas, defendidas pelos neoliberais e os organismos internacionais, tinham como objetivo a qualidade de excelência para a educação e, consequentemente, para o crescimento econômico estatal. De um lado, a descentralização legitima o Estado e confere autonomia e responsabilidade às instituições escolares. Do outro, as avaliações exigem que as escolas tenham resultados de desempenho e indicadores dentro dos padrões estabelecidos. (OLIVEIRA, 2011, p. 79).

Desse ponto de vista, pode-se perceber que o sistema educacional brasileiro possui

uma relação de subserviência ao desenvolvimento econômico do país.

As considerações apontadas sobre a categoria (educação integral) não são suficientes

para determinar qual a concepção de educação integral o programa propõe, mas fornecem

elementos importantes para pensar os princípios do PME.

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Antes de passar à segunda categoria, será apresentado alguns dados relativizando a

questão do Ideb com o PME na rede estadual de ensino de Goiás. As informações a seguir

têm objetivo de localizar a rede de ensino tem por base a adesão ao programa.

Algumas considerações sobre o Programa Mais Educação e o Ideb na Rede Estadual de Ensino de Goiás...

Criado para avaliar a aprendizagem de todos os estabelecimentos de ensino público no

Brasil, o Ideb, é uma das ações que consta no PDE. Realizado pelo Inep, o índice revelou,

principalmente, as discrepâncias entre as unidades escolas das diversas regiões do país.

O Ideb, a partir de critérios objetivos, permite identificar as redes e as escolas públicas

mais frágeis. Constatada as deficiências a “União é chamada a dar respostas imediatas aos

problemas apresentados a partir dos resultados” (BRASIL, 2007).

Segundo consta no PDE, o Ideb pode contribuir no sentido de identificar as escolas

com maior disparidade, que revela as condições e causas dessa realidade. Se por um lado o

Ideb revela os casos mais dramáticos no que se refere à qualidade do ensino, por outro não

podemos afirmar que o contrário exista de fato; que estabelecimentos que possuem altos

índices na avaliação sejam realmente considerados uma educação de qualidade, uma educação

integral. O indicador é insuficiente para revelar a qualidade da educação de uma escola. Ainda

assim é visto como um indicador importante de qualidade, pois por meio do Ideb foi possível

fixar metas de desenvolvimento educacional a médio e longo prazo (BRASIL, 2007).

Nessa perspectiva, pode-se dizer que a intenção com o Ideb é resolver um problema

quantitativo e qualitativo, entretanto o PDE está alicerçado em uma política de maior

dimensão e que prevê: O desafio consiste em alcançarmos o nível médio de desenvolvimento da educação básica dos países integrantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), no ano em que o Brasil completará 200 anos de sua independência, meta que pode ser considerada ousada. (BRASIL, 2007, p. 22)

Perante dessa importante declaração, pressupõe duas afirmações: (i) que o Ideb é uma

ferramenta que busca avaliar, quantificar os padrões da educação brasileira à um modelo de

educação internacional; (ii) que essa constatação, revela a concepção de educação na

legislação nacional. No último caso, se comprovado essa intencionalidade, a questão em torno

do Ideb remete, de alguma forma, ao problema inicial dessa pesquisa, ou seja, a relação da

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educação integral e Escola de Tempo Integral, que será discutido no ultimo tópico desse

capítulo.

Um estudo detalhado dos exames que os estudantes realizam nas unidades escolares e

por conseguinte, do Ideb, revelaria, com maior exatidão, os resultados dos percentuais

atingidos pelas escolas com a adesão ao PME. Contudo, será apresentado sinteticamente

alguns dados para pensarmos a relação entre o Programa e o desempenho das escolas (Ideb).

De acordo com a legislação específica do programa39, em 2010 “o número de escolas

beneficiadas pelo Programa atingiram 10 mil escolas, em capitais e regiões metropolitanas e

em cidades com mais de 163 mil habitantes.” (p. 7). A rede estadual de ensino de Goiás, nesse

período, contava com 5 cidades que apresentava esse número de habitantes além da Goiânia.

Tomando por base a avaliação de 2011, e tendo como amostra as respectivas cidades, é

possível avaliar, as escolas após a implantação do Programa. Interessar-se-á, pois neste

estudo, os resultados das escolas que aderiram ao PME, e todas as escolas da Rede Pública

estadual40 no período de 2011.

Os dados a seguir se referem às escolas participantes e não participantes do PME e

suas respectivas medias no Ideb. Na análise, opta-se pelas seis cidades mais populosas, ou

seja, com mais de 160 mil habitantes. Duas dessas cidades encontram-se localizadas no

entorno do Distrito Federal, outras duas na região metropolitana, Goiânia e Rio Verde,

localizada na região sudoeste goiano.

Os dados são referentes ao 8º ano/7ª Série, com exceção de quatro escolas de 5º ano

em Goiânia.

39 Dados extraídos do seguinte documento: “Caminhos para elaborar uma proposta de Educação Integral em Jornada Ampliada” (BRASIL, SEB/MEC, 2011). 40 Foi adotado apenas os estabelecimentos de ensino da rede estadual, pois não houve escolas da rede municipal cadastrado no programa.

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Figura 1: Unidades de Ensino que aderiram ao PME em 2011 Fonte: dados obtidos a partir de análise junto ao Inep41. * Duas escolas aderiram ao programa, mas não houve nota Ideb (Prova Brasil), portanto não foi contabilizado no Gráfico.

No caso especificamente de Goiânia, constata-se que, das 44 unidades que aderidas ao

programa e que atingiram a meta de 2011, apenas 14 não possuíam a media em 2009, ou seja,

68,18 % das unidades comparadas já possuíam o índice projetado. No entanto, não se pode

afirmar que os 31,82% que atingiram a meta em 2011 foram em detrimento ao Programa. O

Gráfico 2 permite afirmar que, no geral, as escolas estão alcançando as metas. Falta saber, se

a qualidade do ensino acompanha esses rendimentos percentuais. Esse comparativo comprova

o índice do estado de Goiás (8º ano) que, em 2011, ficou em sétimo lugar, juntamente com o

estado do Espírito Santo.

Esses dados apontam para duas questões a serem discutidas mais detalhadamente: (i)

as escolas estão se organizando um ensino para alcançar esses resultados? De acordo com

Arroyo (2009) “encontramos escolas e redes de ensino que orientam esse mais tempo, mais

educação para reforçar o treinamento dos estudantes para sair-se bem nas ameaçadoras

provinhas, provas e provões, para elevar a média e passar na frente das outras escolas e das

41 A busca pelo resultado do Ideb é de livre acesso. Para consultar um resultado, basta acessar o site do Inep e escolher pelas seguintes opções: Brasil, Estado, Município, Escola. Definida a opção, outros filtros abrirão automaticamente. Disponível em: <http://Ideb.inep.gov.br/resultado/>. O índice é registrado bianual, sendo escolhido os anos ímpares para a realização da Prova Brasil.

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outras redes de ensino” (p. 34). A postura das escolas em alcançarem metas demonstra que o

quantitativo tem prevalecido sobre o qualitativo, reforçando a concepção do Ideb como um

indicador para posicionar o Brasil em patamares internacionais. (ii) a relação entre o PME

com a Educação Integral, binômio que acompanha toda a legislação do programa e que será

discutido no tópico seguinte.

Figura 2: Unidades de Ensino que não aderiram ao PME em 2011 Fonte: dados obtidos a partir de análise junto ao Inep.

Nota: - Águas Lindas de Goiás: uma escola não possui percentual do Ideb. - Anápolis: quatro escolas não possui percentual do Ideb, sendo que uma delas não faz parte da lista das que aderiram ao Programa. - Aparecida de Goiânia: duas escolas não possui o percentual do Ideb. Sendo uma escola não participante do programa. E uma escola, participante do programa, sem percentual do Ideb em 2011. Nesse caso, trata-se de uma escola criada para atendimento em tempo integral (CAIC). - Goiânia: não possui a media do Ideb (11 escolas), sendo que 09 delas não aderiram o programa, portanto, não comprometa a análise, visto que o objetivo principal é com as escolas participantes do programa. - Luziânia: duas escolas sem percentual do Ideb em 2011 (uma participante do Programa, outra não). - Rio Verde: duas escolas não possuem o índice, visto que não realizaram a prova Brasil.

Os dados apresentados na Figura 2 indicam que no caso de Rio Verde e Águas Lindas

de Goiás, as escolas desses municípios, que não aderiram ao programa, tiveram os mesmos

índices. O resultado do Ideb42 não se resume ao desempenho na Prova Brasil, há ainda o fator

rendimentos escolar (aprovação/reprovação). Entretanto, a informação obtida por meio do

gráfico 1 indica que as unidades de ensino que não aderiram ao programa se apresenta em

42 O Ideb é um indicador de qualidade educacional que combina informações de desempenho em exames padronizados (Prova Brasil ou Saeb) – obtido pelos estudantes ao final das etapas de ensino (4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio) – com informações sobre rendimento escolar (aprovação). (Nota Informativa/INEP, 2012). Disponível em < http://Ideb.inep.gov.br/resultado/>.

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condições semelhantes de ensino. Vale destacar que as ações do PDE, sobretudo o Ideb

podem não coincidir com os dados alcançados pelas redes de ensino. Existe a possibilidade,

segundo Saviani (2005), de que “as administrações municipais manipulem os dados de modo

a garantir o recebimento dos recursos, apresentando estatísticas que mascarem o desempenho

efetivo, em detrimento, portanto, da melhoria da qualidade” (p. 2).

No caso de Goiânia, a relação entre os dois resultados se aproxima dos mesmos

percentuais das unidades que aderiram ao Programa (Figura 1). Vê-se, com base nos gráficos,

que as escolas que aderiram ao PME e atingiram a meta (68,18%) é próximo das escolas que

não aderiram ao PME (58%), Assim, torna difícil dizer se o programa influenciou

decisivamente ou não nos desempenhos dos alunos.

A questão dos exames em larga escala é motivo de controvérsias, para Young (2007),

“um deles pode ser chamado de Educação como resultado. Nessa abordagem, à política

educacional, o ensino e o aprendizado são dominados pela definição, avaliação e aquisição de

metas e a preparação dos alunos para provas e exames” (p. 1.293).

São dúbios, os objetivos do programa. De acordo com o que foi apresentado, a

características do programa se curvam mais para a questão dos resultados, da avaliação em

larga escala. Nesse sentido a ampliação da jornada escolar é meio para atingir os resultados

nos exames.

Partindo dessas considerações e buscando melhor compreender o programa, dos dois

textos (portaria e decreto) foi extraída a segunda categoria. Assim sendo, a segunda categoria

de análise advém da finalidade e dos princípios do programa.

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Quadro 2: Sociabilidade segundo a Portaria Normativa Interministerial nº 17/2007 e Decreto nº 7.083/2010

Categoria Portaria Decreto

Sociabilidade

Art. 2º O Programa tem por finalidade:

I - apoiar a ampliação do tempo e do espaço educativo e a extensão do ambiente escolar nas redes públicas de educação básica de Estados, Distrito Federal e municípios, mediante a realização de atividades no contraturno escolar

II - contribuir para a redução da evasão, da reprovação, da distorção idade/série, mediante a implementação de ações pedagógicas para melhoria de condições para o rendimento e o aproveitamento escolar;

IV - prevenir e combater o trabalho infantil, a exploração sexual e outras formas de violência contra crianças, adolescentes e jovens, mediante sua maior integração comunitária, ampliando sua participação na vida escolar e social e a promoção do acesso aos serviços sócio-assistenciais do Sistema Único de Assistência social - SUAS.

VII - promover a aproximação entre a escola, as famílias e as comunidades, mediante atividades que visem a responsabilização e a interação com o processo educacional, integrando os equipamentos sociais e comunitários entre si e à vida escolar.

Art. 1o O Programa Mais Educação tem por finalidade contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens matriculados em escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo integral.

Art. 2o São princípios da educação integral, no âmbito do Programa Mais Educação:

I - a articulação das disciplinas curriculares com diferentes campos de conhecimento e práticas socioculturais citadas no § 2o do art. 1o;

II - a constituição de territórios educativos para o desenvolvimento de atividades de educação integral, por meio da integração dos espaços escolares com equipamentos públicos como centros comunitários, bibliotecas públicas, praças, parques, museus e cinemas.

Nota: Grifos nosso

A reflexão a respeito dos princípios do Programa Mais Educação deve ser analisada

em um contexto amplo. No entanto, dos fragmentos apresentados no Quadro 1, emerge-se a

seguinte categoria: sociabilidade43.

As discussões dos capítulos anteriores ajudam a pensar a intencionalidade do

43 O termo sociabilidade foi utilizado na tentativa de representar o conjunto de fatores ligado ao programa. Outros termos como assistencialismo, ações sócio-educativas, revelam significados análogos.

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programa, mas principalmente aquilo que não está explícito. Tanto na portaria quanto no

decreto, o programa visa atender a vários fins. Aponta para direções até mesmo distintas: de

um lado, a proposta do programa tem o objetivo de assegurar a ampliação da jornada escolar,

no intuito de contribuir para o rendimento e desempenho dos alunos (diminuir a evasão e

reprovação) e, ainda, para combater o trabalho infantil; por outro lado, o decreto apresenta

questões que incidam na melhoria da aprendizagem, mas, ao mesmo tempo, relaciona a

ampliação dos espaços e das oportunidades educativas como meio para promover uma

educação integral. Nos dois casos, há de se ir além da objetividade da legislação. As

descrições dispostas no Quadro 1 permitem elencar várias unidades de estudo, as quais se

deterão na categoria: sociabilidade.

A primeira constatação é que: estaria o programa mais interessado em atender a

índices e ranking entre sistemas de ensino? O programa possui natureza educacional ou

assistencial? Que relevância social possui o programa?

A primeira seção desse capítulo apresentou resumidamente a agenda latino-americana,

da qual o Brasil faz parte. É importante complementar que as conferências e os acordos

internacionais que o Brasil têm se firmado são movimentos de natureza globalizante, e os

efeitos atingem tanto os países desenvolvidos quanto os países periféricos. Esses organismos

multilaterais44 tiveram como objetivo, principalmente na década de 1990, reformular os

sistemas de ensino. Buscando entender o papel dos sistemas educacionais latino-americanos

na produção de coesão social, Iaies e Delich (2009, p. 217) revelam que “as reformas da

década de 1990 não puseram entre seus objetivos o problema da construção de coesão social,

nem sequer avaliaram os custos da mudança de modelo, em função da perda de capacidades

nacionais para a construção de identidades e hegemonias”. Essa acepção traz implicações

importantes, pois revela qual tem sido o papel das reformas educacionais e o resultado destas.

Nesse sentido, algumas constatações sobre as reformas educacionais das últimas

décadas permitem pensar as iniciativas do governo brasileiro. Os programas implantados na

educação nacional têm atendido a que propósito?

A relação entre escola e comunidade tem sido destacada como meio para diminuir os

problemas na aprendizagem dos alunos, uma vez que a participação dos pais na vida escolar é

apontada como um dos aspectos a ser articulado ao processo pedagógico. Além do aspecto

44 Segundo Dourado (2002), “o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e agências da Organização das Nações Unidas (ONU) configuram-se como importantes interlocutores multilaterais da agenda brasileira. No campo educacional, esses interlocutores, particularmente o Banco Mundial, revigoram a sua atuação no país a partir da década de 1980” (p. 238).

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educacional, pressupõe-se que essa interação contribui para se superar os problemas de

evasão, reprovação e outros problemas sociais. Nesta perspectiva, a família e a comunidade,

juntamente com seus espaços educativos, são a esperança para a educação básica.

A discussão sobre a participação da família, da organização do trabalho pedagógico e

seus aspectos socializantes e educativos é ampla e não será esgotada neste trabalho. Tentar-se-

á apontar pontos que, de uma maneira ou de outra, influenciam o fazer escolar. Neste sentido,

recai-se a necessidade de se problematizar o papel da gestão escolar, o sentido democrático

que a escola possui e ainda a participação do Estado nesse processo.

A documentação que compõe o programa coerentemente recorre à própria legislação

educacional para fundamentar a proposta. Na Constituição de 1988, por exemplo, está

disposto que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade” (art. 205). No texto da LDB nº 9394/96, no seu

art. 2º, a família antecede o Estado no dever de promover a educação: “a educação, dever da

família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente complementa colocando que “é dever da família, da

comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a

efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação (art. 4º)”. Dessa

forma, a proposta do programa atende absolutamente aos preceitos dos textos mais

importantes relacionados à educação. Isso ocorre sem mencionar o Plano Nacional de

Educação e o Plano de Metas Compromisso todos pela Educação, sendo que este último traz

em seu artigo 1º a atuação da família e da comunidade em proveito da melhoria da qualidade

da educação básica. Essa legislação apresenta importantes considerações acerca da ampliação

da jornada escolar, assunto que ainda será explorado nessa seção. Feito esse levantamento

legal, pode-se afirmar que o programa está ancorado em uma sólida legislação.

No entanto, quando o tema é analisado por outro viés, podem-se verificar algumas

contradições. Tendo como pressuposto a escola como um direito público, é preciso voltar à

questão inicial: o entendimento do programa pela questão da sociabilidade.

De acordo com Pessoa e Cruz (2008), “a partir da década de 1990 a Gestão

Democrática é tema muito presente na educação, margeando principalmente os campos

ligados às políticas educacionais e à legislação educacional” (p. 222). Para os autores, esse

fenômeno invadiu as escolas no que se refere à atuação dos gestores, professores alunos e

pais. Assim, “no campo educacional a ideia de Gestão Democrática representa um veio

privilegiado para a discussão de um dos maiores impasses enfrentados pelos educadores,

materializado na repetência e evasão escolar: a participação e a qualidade social da escola”

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(p. 229). Nesse sentido, a organização escolar tem passado por ressignificações. Essas

mudanças são decorrentes do modelo gerencial adotado desde o final do século XX, sendo

que desde as decisões tomadas pelos organismos multilaterais até o fazer pedagógico

sofreram algum tipo de alteração. Aliado às transformações econômicas e políticas, o aspecto

social contribuiu para o agravamento das relações dentro e fora da escola. A escola, segundo

Paiva (2011), “localizada nas proximidades dos lares de seus clientes ela não poderia escapar

a mudanças importantes ocorridas em seu entorno e na sociedade em geral” (p. 45). Para a

autora, esse fenômeno explica a instabilidade da instituição escolar dos últimos anos.

É nesse sentido que se pode relacionar as mudanças no campo educacional com o

Programa Mais Educação. A categoria sociabilidade revela essa tentativa de mediação entre o

fazer escolar e as questões “de fora” dos muros das escolas. A escola tradicional não resistiu

às mudanças e absorveu demasiadamente a cultura popular. De acordo com Paiva (2011),

tornou-se natural que todos se comportem na escola como o fazem na rua ou em casa – a escola deixou de ser um lugar especial com códigos específicos e um objetivo central, a aprendizagem de técnicas (de leitura e de escrita, de cálculo, de química, de física) e de conteúdos. [sic] Este é o terreno de decisão de adultos educados e lúcidos. Isto em nada fere a ‘cultura popular’, nem os ‘saberes locais’, transmitidos no dia a dia, na convivência familiar ou comunitária. Eles podem ser perfeitamente integrados na discussão escolar, mas a tarefa da escola é lhe dar os instrumentos com os quais ele vai viver e lutar na sociedade mais ampla (p. 48).

Destarte, reincide-se a preocupação em torno dos princípios do Programa Mais

Educação e pergunta-se: a articulação entre a comunidade e a escola por meio do programa

pode contribuir para reduzir os problemas que a escola enfrenta hoje? Como já foi

apresentado no segundo capítulo, a escola vem perdendo sua função clássica (SAVIANI,

2012). Além disso,

é a ausência da comunidade na escola, como extensão da sua vida cultural, e assistimos, em contrapartida, a uma participação induzida e coorporativa, cujo sentido de intervenção das famílias, das associações de moradores, dos grêmios e até de emissora de televisão, pauta-se por uma concepção apolítica do sentido da educação e da participação política da sociedade. ( PESSOA; CRUZ, 2008, p. 222)

Nessa perspectiva, o sentido democrático que vem sendo plasmado nas escolas não

superou a concepção política, pois “pouco vale a criação de conselhos, conferências e eleições

se não existe o comprometimento dos profissionais que atuam na escola ou no sistema, ou dos

estudantes e seus familiares ou mesmo da sociedade em geral” (PESSOA; CRUZ, 2008, p.

230). Nesse ponto, pode se dizer que a escola pública não exerce o sentido democrático que a

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ela foi delegada. Logo, pode-se dizer que a ausência da cultura política45 não permitiu

significativas mudanças no processo educativo formal: a escola.

Nesse contexto de mudanças no ambiente escolar e de ‘instabilidade da instituição

escola’ (PAIVA, 2011), há que se compreender a participação do Estado no sistema

educacional brasileiro. De acordo com Frigotto (2009),

as políticas e a gestão educacional tendem, especialmente em países de capitalismo dependente, a se pautar pelas determinações dos organismos internacionais – legítimos representantes do capital mundial. Esses organismos têm forçado políticas focais fragmentadas e a gestão educacional centrada na perspectiva da mercantilização. As noções de qualidade total, empreendedorismo, MBA (Master in Busines Administration) e a centralidade que assumem os processos de avaliação, constituem a base do fetiche que passa a ideia de que os problemas educacionais de devem à má gestão. (p. 69, grifo do autor)

O contexto atual revela a acepção do autor. Alguns aspectos no ambiente escolar têm

sido alterados, como investimentos em programas e projetos educacionais por parte do

governo federal, uma tendência que advém das transformações político-econômicas da década

de 1990. O gestor escolar vem assumido cada vez mais a função de gestor público. Essa

iniciativa deve-se ao fato de que a escola precisa ser democrática enquanto direito público e,

para tanto,

a democracia para ser eixo para ser eixo de organização da vida social necessita ser experimentada, como processo e meio, isto é, as pessoas as pessoas precisam ter acesso a oportunidades e condições de experimentá-las e assim entender o que significa essa forma de vida em sociedade. A democracia como processo e meio configura o conjunto de critérios políticos e sociais – cidadania, direitos, eleições, partidos, associações, circulação de informações, diversidade de reivindicação etc. – que se manifesta não só nos períodos eleitorais, mas que deve costurar permanentemente o tecido social. (PESSOA; CRUZ, 2008, p. 231)

No entanto,

ao mesmo tempo que o Brasil passa a ter políticas, especialmente a partir da década de 1990, que universalizam o acesso ao ensino fundamental, vão sendo solicitados da escola das classes populares papéis que não são específicos de uma escola capaz de garantir formação ampla e de qualidade, papéis que não se pede às escolas destinadas aos filhos da burguesia e da classe média. (FRIGOTTO, 2009, p. 74)

Nessas condições, a escola está encarregada de funcionar como mecanismo de

legitimação das mudanças que vêm ocorrendo tanto a nível nacional quanto internacional. Um

45 Segundo Pessoa e Cruz (2008), “Cultura política diz respeito a modos de orientação e conduta pública, remetendo a dimensão cultural à dimensão da política, como práticas e experiências sociais. Nesses termos, nossa reflexão sobre a cultura política busca captar a dimensão cultural da civilidade que, por sua vez, traduz-se nos modos específicos de orientação de conduta das experiências sociais que oferecem conteúdos significativos à cidadania e à democracia” (p. 224).

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exemplo desta pseudogestão democrática nas escolas é a participação compulsória da família

e da comunidade. O estreitamento do fazer escolar e da cultura popular não tem surtido efeito

no sentido de diminuir os problemas de reprovação e evasão. Portanto, um dos objetivos do

programa (art. 2, inciso II) é diminuir a reprovação e a evasão e, embora o direito à educação

comece pelo acesso e pela permanência do sujeito nas unidades escolares, esse problema vem

sendo recorrente na história da educação. Projetos como o MOBRAL já possuíam essa

característica nas décadas de 1960 e 1970, e muito recentemente projetos como o Projeto Se

Liga e Programa Acelera reapresentam o problema do analfabetismo funcional.

Esses projetos e programas recorrentes na história da educação brasileira revelam, de

um lado, que a escola, por algum motivo, não cumpriu sua função clássica e, de outro, que as

soluções para esses problemas não se restringe a investimentos financeiros. Para Libâneo

(2011), “muitas medidas adotadas pelas políticas oficiais para a educação e o ensino têm o

aspecto de soluções evasivas para os problemas educacionais” (p.16).

A discussão referente a categoria sociabilidade como se pode observar, conduziu o

debate a questões que aparentemente não estava prevista. Questões como a participação de

organismos internacionais na formulação das políticas educacionais brasileira, o papel do

Estado na concepção neoliberal (Estado regulador), envolvimento da sociedade civil, são

aspectos que possui de alguma forma relação com as mudanças no sistema educacional

brasileiro. Nesse sentido, pode se dizer que os programas educacionais implantados no Brasil,

sobretudo o PME, é orientado pelas mudanças que vêem ocorrendo no campo econômico e

político.

A breve análise da categoria sociabilidade induz paralelamente à discussão em torno

da questão da jornada escolar. Esse elemento envolve, por conseguinte, a relação tempo e

espaço escolar. Embora o corpo do texto dos dois documentos permita a elaboração de várias

outras unidades de registro, o presente estudo limita a compreensão a cerca de três categorias.

Outros elementos considerados importantes serão discutidos ainda nessa seção tendo com

base os demais documentos que compõe o PME. Por hora, cabe ressaltar que as características

do programa no que se refere o processo educativo, possui natureza assistencialista.

A concepção de educação integral, discutida na primeira categoria, mostrou que no

programa a ideia de educação em tempo integral, ampliação da jornada escolar, escola de

tempos integral muitas vezes se combinam. Diante disso, a terceira categoria a seguir envolve

a questão da jornada escolar. Essa discussão permitirá a diferenciação dessas denominações,

abordada no último tópico deste capítulo.

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Quadro 3: Tempo, espaço e jornada escolar segundo a Portaria Normativa Interministerial nº17/2007 e o Decreto nº 7.083/2010

Categoria Portaria Decreto

Tempo, espaço e jornada escolar

Considerando que o artigo 34 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, determina a progressiva ampliação do período de permanência na escola;

Considerando o reconhecimento, por parte do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, do papel das atividades pedagógicas e sócio-educativas no contraturno escolar à prevenção de ruptura de vínculos familiares de crianças e adolescentes;

[...] alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos e conteúdos educativos. (art. 1°).

O programa será implementado por meio do apoio à realização, em escolas e outros espaços sócio-culturais, de ações sócio-educativas no contraturno escolar. Art. 1° Parágrafo único).

Art. 2º, inciso II – apoiar a ampliação do tempo e do espaço educativo e a extensão do ambiente escolar nas redes públicas de educação básica.

Art. 6°, inciso I – contemplar a ampliação do tempo e do espaço educativo de suas redes e escolas, pautada pela noção de formação integral e emancipadora.

Art. 1º O Programa Mais Educação tem por finalidade contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens matriculados em escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo integral.

Considera-se educação básica em tempo integral a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total em que o aluno permanece na escola ou em atividades escolares em outros espaços educacionais. (art. 1º, § 1º).

[...] o desenvolvimento de atividades de educação integral, por meio da integração dos espaços escolares com equipamentos públicos como centros comunitários, bibliotecas públicas, praças, parques, museus e cinemas (art. 2, inciso II).

Nota: Grifos nosso

Dos fragmentos apresentado no quadro 3 foi retirado a terceira categoria: tempo,

espaço e jornada escolar. O termo progressiva ampliação indica que o programa ainda não

possui uma definição quanto ao tempo de permanência do estudante, demonstra que a

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modalidade está em construção. Pressupõe que no decorrer dos anos pode sofrer alguma

alteração.

Já o termo contraturno escolar, reafirma a posição de uma “ampliação” garantida

pelo retorno do estudante ao ambiente escolar em outro horário de aula. Essa medida está de

acordo com a legislação educacional desde o Plano Decenal de Educação. O art. 5, inciso III,

da Portaria 17 reafirma o compromisso do PME, ou seja, “implementação de atividades

sócio-educativas no contraturno escolar, com vistas a formação integral de crianças”.

(BRASIL, 2007). Nesse sentido, pode se dizer que o programa é de natureza social. Assim, o

fato da permanência do estudante no contraturno escolar o levará a formação integral.

Outro aspecto relevante inerente à presente discussão é o conceito de “ampliação da

jornada escolar”. Ao que parece, essa definição está elaborada desde o PNE (2001-2010). O

referido PNE, preconiza a “ampliação da jornada escolar igual ou superior a sete horas.”

(UNESCO, 2001, p. 62). Isso reforça o ideal de escola de tempo integral. Percebe-se um nexo

entre as leis educacionais, no entanto, embora o texto refere-se igual ou superior, o programa

se limita ao mínimo.

O conjunto de termos extraídos dos documentos, remete, direta ou indiretamente, à

questão da organização escolar do Programa. Pode-se observar que um dos pilares do

Programa refere-se à ampliação do tempo e espaço escolar como medida para assegurar a

educação em tempo integral. Nesse sentido, a categoria Tempo, espaço e jornada escolar é

inerente à primeira categoria apresentada anteriormente: educação integral. No entanto,

pretende-se com essa unidade apresentar algumas indagações referentes ao desenvolvimento

do Programa e sua relação com a concepção de educação integral: que implicação pode ter a

questão da ampliação do tempo e do espaço para a educação básica (Ensino Fundamental)?

Mais tempo, e em diferentes espaços educativos, é sinônimo de educação integral?

O PME é apresentado como uma política educacional-social como um caminho à

formação integral para jovens e crianças destituídos de melhores oportunidades de

escolarização. Com essa medida, espera-se reduzir as discrepâncias educacionais e, por

conseguinte, as desigualdades sociais por meio de uma rede de atendimento ao estudante que

vai além do espaço escolar. O Guia de orientação, denominado Passo a Passo (s/d), é um dos

textos que norteia o PME. De acordo com esse guia, os indicadores recomendados para

adesão ao PME são:

estudantes que estão em situação de risco de vulnerabilidade social e sem assistência;

estudantes que congregam seus colegas – incentivadores e líderes políticos

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(âncoras); estudantes em defasagem série/idade; estudantes das séries finais da 1ª fase do ensino fundamental (4º e 5º anos), nas

quais há uma maior evasão na transição para a 2º fase; estudantes das séries finais da 2ª fase do ensino fundamental (8º e/ou 9º anos),

nas quais há um alto índice de abandono; estudantes de séries onde são detectados índices de evasão e/ou repetência.

(BRASIL, 2012, p.7).

A finalidade do programa nessa perspectiva reforça o que vem sendo exposto neste

trabalho. Nesse sentido, seguindo esses princípios o PME se torna relevante do ponto de vista

social. Porém, para esse trabalho, esses critérios não corresponde à uma educação integral. Na

realidade, esses elementos adotados como condição para participar do programa revelam uma

visão estereotipada de educação. A função pedagógica da escola é propiciar uma educação de

qualidade. Para Libâneo (2012), “a concepção de uma escola para a integração social,

segundo nos parece, tem sua origem na mencionada Declaração Mundial sobre Educação Para

Todos, em 1990” (p. 17). Sendo reduzida em sua função clássica e alargando para novas

necessidades, a escola por meio de vários programas educacionais, permanece na

superficialidade. Ainda segundo o autor, a “visão ampliada de educação converteu-se em

uma visão encolhida, ou seja: a) de educação para todos, para educação dos mais pobres; de

necessidades mínimas; da atenção à aprendizagem, para a melhoria e a avaliação dos

resultados do rendimento escolar”. (LIBÂNEO, 2012, p. 18).

A escola pública tem passado por reformulações com objetivo de corrigir problemas

cruciais da educação brasileira. A exclusão e os fatores relacionados com o ensino-

aprendizagem cada vez mais são alvos dos projetos “inovadores”.

Para Arroyo (2012), Uma visão persistente na escola e na gestão do sistema escolar tem sido pensar essas infâncias-adolescências populares como atrasados mentais com problemas de aprendizagem, lentos desacelerados, consequentemente, classificados no percurso seletivo escolar como reprovados, repetentes, defasados, incapazes de seguir com êxito o percurso normal de aprendizagem, logo, fracassados escolares e sociais (p. 37).

Assim, entende-se que os programas e/ou projetos de tempo integral devem ter o

cuidado de não reduzir as potencialidades dos estudantes; de encará-los como atendimento

especial, pois não deve ser tratada apenas como uma educação compensatória, mas uma

educação que realmente possa garantir o acesso a novas oportunidades.

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Com efeito, segundo o entendimento de Arroyo (2012), Quando essas visões das infâncias-adolescências populares invadem esses programas e políticas socioeducativos, esses serão reduzidos a mais educação das condutas e há mais tempo na escola para tirar os alunos do risco da contaminação com a violência, as drogas, o roubo. Lamentavelmente, essas políticas e programas, se assim pensados, reduzirão os educandos a ações moralizantes dos filhos(as) do povo. Nem sequer serão pensados como políticas e ações distributivas, compensatórias, supletivas de carências intelectuais, mas de carências morais (p. 37).

As atividades que compõem o PME podem contribuir para o ensino e aprendizagem,

desde que não se limite a aspectos estruturais e pedagógicos. No entanto, o que pode perceber

é uma indefinição da contribuição do respectivo programa para a educação integral. Acerca

desses pressupostos, Arroyo (2012) apresenta suas indagações: Será essa a visão mais adequada de programas como Programa Mais Educação, Escola de Tempo Integral, Escola Integrada, de turnos-extras e mais tempo escolar? Podem ser reduzidos a mecanismos de moralização ou de reforço, recuperação, suplência, compensação, elevação de médias em provas de resultados quantificáveis? Se assim forem, estarão cumprindo um papel histórico funesto: reforçar históricas visões negativas, preconceituosas, segregadoras e inferiorizantes dos coletivos populares e de suas infâncias e adolescências que com tanto custo chegam às escolas (p. 37).

Com essas reflexões, é possível expor que não basta apenas ampliar a jornada escolar.

É preciso rever questões como dificuldades de aprendizagem, evasão escolar, reprovação e

outros que já fazem parte do âmbito da escola regular. De fato, é importante analisar os

princípios sobre os quais o PME está alicerçado, pois um programa que se compromete a

promover uma educação integral não pode permitir que o estudante seja submetido duas vezes

aos problemas que aflige o processo educativo.

Uma proposta democrática, baseada em uma concepção crítica, que visa oferecer uma

educação integral, deve centrar-se no processo formativo e pedagógico. Portanto, testes,

exames e indicadores não devem ser objetivos principais a serem alcançados. Mas como

evitar a cultura escolar baseada em padrões? Uma educação integral não é medida por meio

de escalas. A educação integral é processual, permite a apropriação mediada pela condições

da própria realidade.

Arroyo (2012) destaca duas ênfases nas formas de pensar os programas de escola

integral: (i) “partir de uma visão realista e aprofundada da vulnerabilidade social a que essas infâncias-adolescências são condenadas, reconhecer a precariedade do viver de que são vítimas”; (ii) “reconhecidas essas infâncias-adolescências destinatárias dos

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programas como vítimas históricas de vidas precarizadas (focar) no objeto dos programas Mais Educação, Escola de Tempo Integral, Escola Integrada (p. 40).

De modo geral, é necessário rever como esses tempos-espaços são empregados no

cotidiano escolar, pois a ampliação da jornada escolar é o ponto central desses programas.

Como afirma Miranda (2005), “a escola constituída sob o princípio do conhecimento estaria

dando lugar a uma escola orientada pelo princípio da socialidade” (p. 3; itálicos da autora).

Refutando as atuais reformas políticas Libâneo (2012) revela que os estudantes são vítimas de

uma educação baseada na dualidade perversa. Para Libâneo (2012) “o que lhes foi oferecido

foi uma escola sem conteúdo e com um arremedo de acolhimento social e socialização,

inclusive na escola de tempo integral” (p. 24). Essa escola deve ser substituída por “uma

escola que articule a formação cultural e científica com as práticas socioculturais em que se

manifestam diferenças, valores e formas de conhecimento local e cotidiano” (p. 24).

De acordo com Arroyo (2012), o sentido mais radical das políticas na forma do PME e

outros programas consiste em: Trazer para a reflexão e a prática pedagógica, didática, docente, curricular, gestora a centralidade esquecida do viver, do corpo, dos tempos-espaços nos processos de formação humana, inclusive de educação-aprendizagem-socialização na escola; obriga-nos a perguntar que sentido pode ter ensinar-aprender para infâncias-adolescências perdidas, submetidas há tempos-espaços tão hostis (p. 42).

Ainda segundo Arroyo (2012), existe dualismo na forma de organizar o tempo escolar

e que necessitam ser superados, como explicado a seguir: No turno normal a escola e seus profissionais cumprem a função clássica: ensinar-aprender os conteúdos disciplinares na exclusividade dos tempos de aula, na relação tradicional do trabalho docente-discente, nos tratamentos tradicionais da transmissão de lições, deveres de casa, avaliações, aprovações-reprovações [...]. Para o turno extra, deixam-se as outras dimensões da formação integral tidas como optativas, lúdicas, culturais, corpóreas menos profissionais mais soltas e mais atraentes. Dualismos a serem superados (p. 45).

Assim, ressalta-se o entendimento de que o PME já se iniciou com essa dualidade,

visto como um espaço reservado para a prática de atividades complementares, com pouca ou

nenhuma articulação com o período regular. É bom lembrar que o projeto de Educação

Integral, proposto por Anísio Teixeira, por exemplo, que criticava essa separação, defendia a

importante integração dos turnos. Ainda assim não possibilitou a superação da concepção

assistencialista de educação.

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Gadotti (2009) considera que, além do conhecimento simbólico – linguístico, matemático – e do conhecimento sensível, da arte, da dança, da música, que nos ajuda a melhor conviver, a melhor sentir, existe o conhecimento técnico-tecnológico, que deve nos ajudar a melhor fazer, a sermos mais curiosos e criativos. Não se trata, portanto, de ocupar o tempo de uma jornada ampliada com atividades não escolares. Trata-se de estender, no tempo e no espaço, a sala de aula, articulando o saber científico com o saber técnico, artístico, filosófico, cultural, etc. (p. 99)

A questão que envolve a organização escolar é indispensável para a compreensão da

proposta do PME. A relação tempo e espaço, já mencionado anteriormente, é o principal pilar

de sustentação do programa. Na concepção disposta nos documentos são apresentados como

articuladores das várias áreas do conhecimento. De inspiração liberal, o programa visa

promover uma educação integral às escolas que aderiram ou que venham aderir o programa.

No entanto, a proposta do PME nem mesmo contempla experiências de escola de tempo

integral. Enquanto política pública o programa precisa avançar. Caso contrário, pode correr o

risco de se tornar um programa efêmero e intermitente, tal como ocorreu no século XX, com

as experiências de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro.

As questões anteriormente discutidas, procuraram situar o PME no que se refere aos

princípios políticos e pedagógicos. A análise de conteúdo identificou questões importantes,

até mesmo camufladas, da legislação. Para melhor compreensão sobre o funcionamento46 do

programa, é importante destacar outras questões inerentes à proposta de ampliação da jornada

escolar. A discussão a seguir basear-se-á em outras publicações do MEC, principalmente no

Manual Operacional de Educação Integral.

As atividades realizadas no contraturno pelos monitores são supervisionadas pelo

Professor Comunitário (coordenador da unidade escolar). O trabalho docente dos oficineiros,

como são chamados os monitores comunitários é recompensado com recurso do FNDE

fundamentado na lei de trabalho voluntário.

A destinação dos recursos para o pagamento dos monitores demonstra pouco coerente

até mesmo com as principais reformas educacionais. Esse aspecto envolve uma série de

elementos, pois implica necessariamente a valorização do magistério, formação inicial e

continuada de professores, e que, de uma maneira ou de outra, estão presentes no, PDE47,

46 Não foi realizado pesquisa de campo, no entanto, o material que compõe o PME permite apontar algumas questões que podem trazer implicações no desenvolvimento do programa. 47 O referido Plano, lançado em 2007, possui uma rede de ações e programas. A principal delas é o Compromisso Todos Pela Educação.

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Compromissos Todos Pela Educação, Fundeb e no PNE (2011-2020), este último ainda como

Projeto de Lei.

O PME é desempenhado nas escolas por monitores, cuja atividade deverá ser

considerada de natureza voluntária, na forma definida pela Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro, de

1998. O ressarcimento das despesas deverá ser calculado de acordo com o número de turmas

monitoradas (BRASIL, 2012). Para cada turma (que deve ter 30 estudantes), o monitor

percebe um valor de R$60,00 (sessenta reais). Desse modo, um monitor que tiver 5 turmas

distribuídas segundo as possibilidades da escola e da disponibilidade do monitor, perceberá

R$300,00 (trezentos reais). Essa forma de remunerar o profissional não só pode ser

considerada de desresponsabilidade por parte do governo como também fere a própria

legislação que nos últimos anos tem inclinado a melhorar os rendimentos dos profissionais da

educação (Fundeb e PNE).

Essa forma de ressarcimento da atividade do monitor sem vínculo empregatício

compromete o desenvolvimento do programa, pois por outras oportunidades, o monitor pode

abandonar a atividade. Se isso acontecer, ou seja, se essa situação passar a ser recorrente na

escola, o programa enfrentará o problema da intermitência de profissionais e de atividades,

pois quando um monitor chega a deixar a(s) turma(s), a escola necessitará de outro monitor

com conhecimentos e habilidades compatíveis com as oficinas de atividades.

De acordo com o Manual Operacional de Educação Integral (2012), o trabalho de monitoria deverá ser desempenhado, preferencialmente, por estudantes universitários de formação específica nas áreas de desenvolvimento das atividades ou pessoas da comunidade com habilidades apropriadas, como, por exemplo, instrutor de judô, mestre de capoeira, contador de histórias, agricultor para horta escolar, etc. Além disso, poderão desempenhar a função de monitoria, de acordo com suas competências, saberes e habilidades, estudantes da EJA e estudantes do ensino médio. (p.10)

A legislação prevê que as atividades sejam desempenhadas por estudantes de

graduação. Dependendo da cidade (que não conta com instituições de Ensino Superior), a

escola pode ficar o atendimento prejudicado. A atividade não sendo oferecida causa outras

prováveis situações: a perda de credibilidade por parte dos alunos em participar das

atividades, a depreciação do material (kits a serem adquiridos) pedagógico, e até o abandono

por completo do programa por parte da escola.

Vale dizer, entretanto, que ao reconhecer as habilidades e conhecimentos dos sujeitos

da comunidade escolar, o PME pode possibilitar a complementação da renda familiar com o

salário-bolsa do programa, além de que, por ser de caráter voluntário, dificilmente propiciará

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ao monitor a autonomia necessária para agir tal como professor.

A preocupação central no que se refere ao sistema de monitoria é de que a adesão ao

programa não torne uma opção de emprego temporário. Por qualquer impedimento

(incompatibilidade de horário, oferta de emprego formal, mudança do monitor para bairro

mais distante), o monitor (voluntário) deixará o vínculo com a escola. Embora não seja

possível precisar o comprometimento desse sujeito nessa atividade que não gera vínculo

empregatício, por razão de doença ou qualquer motivo que o faça ausentar-se de sua

atividade, os alunos não terão um profissional que o substituirá.

No que se refere ao atendimento pedagógico, de formação específica e geral, pode-se

dizer que o macrocampo das atividades mostra-se bem completo. A legislação prevê

atividades que vai da prática de esporte aos conhecimentos inerentes às atividades

econômicas. As ações que as Unidades Executoras (UEx) podem oferecer, devem estar de

acordo com os seguintes campos: Acompanhamento Pedagógico; Educação Ambiental e

Desenvolvimento Sustentável; Esporte e Lazer; Educação em Direitos Humanos; Cultura,

Artes, e Educação Ambiental; Cultura Digital; Promoção da Saúde; Comunicação e uso de

Mídias; Investigação no campo das Ciências da Natureza; Educação Econômica/Economia

Criativa. Essa iniciativa recupera princípios importantes de experiências anteriores de Escola

de Tempo Integral. É o caso da Escola Parque, idealizada por Anísio Teixeira quando exerceu

o cargo de Secretário de Educação da Bahia, no governo de Otávio Mangabeira. No entanto

não contempla a proposta liberal de Anísio Teixeira. Mas a principal deficiência é o retorno

do leigo à docência. Nesse caso, o PME contraria a própria LDB com relação à formação. De

acordo com o art. 62 da LDB/96

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (BRASIL, 1996)

Nesse aspecto, o PME pode ser considerado um retrocesso. Nessa perspectiva o PME

também contraria a lei do Fundeb. Para resolver esse “equívoco”, recentemente, o MEC

divulgou por meio do SIMEC (Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle)

critérios para os estabelecimentos de ensino na contratação de monitores. Para o ano de

2013/201448, pretende-se articular o PME com os estudantes vinculados ao PIBID.

48 “O PME traz as atividades olímpicas de: badminton, luta olímpica e vôlei de praia, além disso o PST transformou-se na atividade “Esporte na Escola/Atletismo e Múltiplas Vivências Esportivas”( basquete, futebol, futsal, handebol, voleibol e xadrez), que objetiva qualificar a ação pedagógica, por meio de uma proposta

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Essa rede de atendimento (PME), se desenvolvida criteriosamente nos

estabelecimentos de ensino, com acompanhamento pedagógico adequado pode contribuir de

maneira substancial para a formação geral de crianças e adolescentes, o que estaria de acordo

com a LDB/96 (e com os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN), pois o Art. 22 estabelece

que “a educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação

comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no

trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1996). É importante ressaltar as condições que a

escola se encontra para que essas atividades sejam desenvolvidas com êxito.

A preocupação é que, dadas as condições estruturais e de investimento, ocorra adesão

em campos mais possíveis de serem implantados por parte das escolas, ou seja, uma tendência

causando uma concentração de atividades por um lado, e por outro, o esquecimento

ocasionado por dificuldades de manter as atividades que requerem espaço adequado (tênis de

campo), infraestrutura onerosa, profissionais dispostos a trabalharem como monitores. Cada

macrocampo possui sem dúvida importantes contribuições para o processo educativo, cada

área a ser trabalhada deve fornecer conhecimentos e práticas que complementam a formação

específica do currículo regular (comum). O Macrocampo “Esporte e Laser” não devem ser

reduzidos a atividades esportivas, pois, se as práticas centrarem nas modalidades

convencionais (voleibol, futsal, futebol, basquete, handebol) os alunos estarão estendendo a

disciplina de educação Física Escolar ministrada no tempo regular de ensino. Estas atividades

devem transcender a simples prática de exercício.

Outro aspecto que observado é a especificidade de algumas atividades. Assim, por

questões de infraestrutura inadequada ou por falta de profissionais (baixa remuneração e áreas

peculiares) não possa ser oferecida. Como é o caso de Tênis de Campo, Ginástica Rítmica,

Natação, as atividades de lutas (Judô, Karatê, Natação, Taekwondo), Yoga. Tais atividades

necessitam de espaços específicos, profissionais capacitados, cuidados especiais que implicam

em orientação, supervisão. A escola, por questões estruturais, acabaria centrando suas ações

em atividades mais acessíveis e mais possíveis de serem desenvolvida – os esportes

convencionais. Mas de acordo com a proposta, o atendimento pode ocorrer em regime de

colaboração por integrantes da própria comunidade, universitários, alunos e ex-alunos

planejada, inclusiva, participativa, que possibilita o desenvolvimento de diversas modalidades, tendo o atletismo como base, e valoriza o prazer e o lúdico, fundamentada nos pressupostos do Esporte Educacional e articulada com o projeto pedagógico da Escola. Essa atividade deverá ser realizada 2 vezes por semana e cada encontro com duração mínima de uma hora, sendo mediada por um monitor, que seja preferencialmente um estudante de graduação da área da Educação Física ou Esporte, vinculado ao PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), ou a outro estágio supervisionado”. (BRASIL, 2013)

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pertencentes a comunidade, o que o torna exequível nas limitações de cada profissional. Caso

uma atividade específicas (tênis de campo, natação, yoga,), o monitor trabalhará em

condições inapropriadas. Desse modo, seu vínculo com a escola durará enquanto durará o

entusiasmo dos estudantes e dele próprio. A garantia de que seu vínculo não gerará

possibilidade de contratação, ou de vinculação.

Embora, não se trata de uma análise empírica, podendo não aplicar a todas as unidades

da federação, o objetivo aqui é apresentar indicadores que podem ou estão ocorrendo.

Concernente ao financiamento do PME, o apoio financeiro é destinado às escolas

que possuem estudantes matriculados no Ensino Fundamental (BRASIL, 2012, p. 11). Os

recursos serão repassados às escolas por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola

(PPDE/Educação Integral). Essa forma de gestão vem ocorrendo com as escolas (municipais,

estaduais, e do Distrito Federal) por todo o Brasil, uma conquista que permiti não só a

autonomia da gestão mas melhor utilização do dinheiro público. Embora não seja a intenção

deste trabalho, o de aprofundar a questão da administração escolar realizado pelos gestores,

enunciaremos em que política está sustentando o Programa Mais Educação.

As atividades de que trata a Resolução 50 correrão por conta de dotação orçamentária

consignada anualmente ao orçamento do (FNDE) e ficam limitadas aos valores autorizados

nas ações específicas, observando-se limites de movimentação, empenho e pagamento da

programação orçamentária e financeira anual do Governo Federal, e condicionada aos

regramentos estabelecidos na Lei Orçamentária Anual (LOA), na Lei de Diretrizes

Orçamentárias (LDO) e no Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal e à viabilidade técnica

e operacional49. O custeio para aquisição de equipamentos e manutenção que necessitam as

atividades serão mantidos por uma articulação orçamentária prevista no PDE.

Com a criação do Fundeb, tanto a rede regular de ensino quanto o PME passam a

receber mais recursos provenientes da arrecadação pública. Está previsto no Fundeb, por

exemplo, destinação específica para as escolas de tempo integral. De acordo com o art. 10 “A

distribuição proporcional de recursos dos Fundos levará em conta as seguintes diferenças

entre etapas, modalidades e tipos de estabelecimento de ensino da educação básica: I - creche

em tempo integral; II - pré-escola em tempo integral; IX- ensino fundamental em tempo

integral; X - ensino médio urbano; XII - ensino médio em tempo integral” (BRASIL, 2007, p.

7). Nessa perspectiva, os programas de escola de tempo integral implantados e outros a serem

implantados devem receber recursos específicos para o desenvolvimento do programa. Resta

49 Resolução/CD/FNDE nº 50, de 25 de outubro de 2012

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saber, se os recursos serão suficientes para melhorar as instalações das escolas e de

fornecerem alimentação e materiais para desenvolvimento das atividades. Entendemos que,

para desempenhar bem seu papel, uma escola precisa de apoio financeiro e de

acompanhamento pedagógico constante. Repasses que terão implicações mais substanciais se

forem aprovados 10% do PIB para a Educação e os acordos econômicos em discussão no

congresso que envolve os royalties do petróleo.

Assim, para que o programa possa, de fato, contribuir para a qualidade do ensino

público – Educação Básica, o poder público deve assegurar o que Art. 2º determina:

“formação continuada visa qualificar profissionais no campo da Educação Integral da rede

pública de educação básica, os atuantes do Programa Mais Educação, por meio dos cursos de

Pós-Graduação Lato sensu, Aperfeiçoamento e Extensão (Resolução/CD/FNDE nº 50, de 25

de outubro de 2012). (BRASIL, 2012)

Neste tópico procurou-se discutir o programa mais educação a partir da legislação

(decretos, leis, portarias) e outros documentos relevantes. Por meio da análise de conteúdo

demonstrou-se que os princípios contidos nos documentos nem sempre revelam a concepção

de educação Integral. A proposta do programa alterna constantemente entre educação integral

a ser realizada por meio da ampliação da jornada escolar e por medidas que estão mais

relacionadas à atender os interesses da nova agenda internacional de educação (índices). Foi

apontado ainda que a modalidade fundamenta-se mais na escola da socialidade do que a

escola do conhecimento.

3.3 Programa Mais Educação: escola de tempo integral ou educação integral?

O PME, coordenado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC) está inserido em uma rede de atendimento que

reconhece que, o desenvolvimento da Educação depende da articulação de políticas públicas.

Por questões territoriais e por desigualdade regionais o programa pode ter diferentes

aceitações.

Pressupõe-se que a articulação com outras ações do PDE possam contribuir para a

consolidação do programa. A lógica é que programas como: “Luz Para Todos”, “Caminho da

Escola”, “Saúde na Escola” possam contribuir direta e indiretamente com o acesso,

permanência e qualidade do ensino. É nesse sentido que a principal ação do PDE tem como

objetivo contribuir para a formação integral dos alunos da Educação Básica. O PME congrega

ações conjuntas dos ministérios: da Educação (MEC), da Cultura (MinC), Desenvolvimento

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Social e Combate à Fome (MDS), Esporte (ME), Ciência e Tecnologia (MCT), Meio

Ambiente (MMA) e a Presidência da República (PR).

No que tange à oferta de tempo integral, é possível encontrar basicamente em toda a

legislação, sobretudo no PME a finalidade do programa ora como um programa pautado pela

concepção de formação integral, ora como possibilidade de emancipação. Em algumas

passagens dos principais documentos, ambas se coadunam de forma integrada. No entanto

como foi mostrado na seção anterior, a proposta se aproxima mais de uma “escola

acolhedora” (LIBÂNEO, 2012, p. 23).

A discussão em torno dos ideais educacionais do programa, recupera de algum modo

os postulados da Escola Nova, uma vez que, a base pedagógica das reformas educacionais

tem sido orientada pela influência das transformações nos processos produtivos. Para Saviani

(2008), “o lema aprender a aprender, tão difundido na atualidade, remete ao núcleo das ideias

pedagógicas escolanovistas” (p. 431).

A relação entre essa organização do processo educativo (diferentes tempos, espaço e

oportunidades educativas) é resignificada pela concepção liberal de educação, recebendo o

nome de tendência “neo-escolanovista” (SAVIANI, 2008, p. 431). De acordo com o autor

Por inspiração do neoescolanovismo, delinearam-se bases pedagógicas das novas ideias que vêm orientando tanto as reformas educacionais acionadas em diferentes países e especificamente no Brasil, como as práticas educativas que vêm sendo desenvolvidas desde a década de 1990. Tais práticas se manifestam com características light, espraiando-se por diferentes espaços, desde as escolas propriamente dita (SAVIANI, 2008, p. 432)

Nessa perspectiva, a relação tempo e espaço do programa encontra sintonia na

concepção supracitada. O discurso de ampliar oportunidades educativas por meio de tempos e

espaços da comunidade além de revelar uma desresponsabilidade por parte do Estado em

manter espaços adequados às atividades escolares, indica uma tendência de transposição dos

conteúdos considerados clássicos para as atividades de lazer e recreação.

Dentre os documentos de fundamentação do PME, é importante ressaltar o texto

“Caminhos para Elaborar uma proposta de Educação Integral em Jornada Ampliada”. O

documento expressa a concepção de educação integral logo de início com a capa. A imagem

revela que a construção da concepção de educação integral permeia a trajetória das reformas

educacionais brasileira. Na imagem, em anexo C, está explícito que, progressivamente, desde

a constituição até o Fundeb, o ideal de educação integral vem sendo construída. Diversamente

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do que está exposto, esse trabalho indicou que as reformas educacionais empreendidas no

Brasil contribui para a conservação social.

A imagem mostra dezenas de pessoas correndo, subindo em direção ao grande ideal:

educação integral. Embora seja possível perceber a ajuda mútua dos indivíduos, a imagem

está muito mais para uma disputa, com linha de chegada, do que a emancipação do homem.

Além disso, muitos parecem não conseguir realizar a escalada rumo à educação integral,

ficando, portanto, excluídos do processo.

A proposta do PME recupera alguns princípios das experiências de escola de tempo

integral do século XX. De acordo com o “Texto Referência para o Debate Nacional” “essas

experiências e concepções permitem afirmar que a Educação Integral se caracteriza pela ideia

de uma formação “mais completa possível” para o ser humano, embora não haja consenso

sobre o que se convenciona chamar de “formação completa” e, muito menos, sobre quais

pressupostos e metodologias a constituiriam. Apesar dessa ausência de consenso, é possível

afirmar que as concepções de educação integral, circulantes até o momento, fundamentam-se

em princípios político-ideológicos diversos. No entanto, mantêm naturezas semelhantes, em

termos de atividades educativas” (BRASIL, 2009, p.16).

A concepção do PME, ainda em construção, não revela toda sua tonalidade, pois

recupera vários princípios e experiências na história da educação brasileira. De acordo com o

Texto referência, o PME destaca algumas experiências exitosas na atualidade. [...] Bairro-Escola é um projeto da Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu, iniciado em março de 2006 e sustenta-se em dois conceitos básicos: ‘Cidade Educadora’ – que parte da ideia de que a educação não ocorre apenas nos limites da escola, mas em todos os espaços da comunidade – e ‘Educação Integral’ – uma educação que promove o desenvolvimento da criança e do adolescente em suas múltiplas dimensões, considerando o corpo, a mente e a vida social, no sentido da construção da cidadania, do sujeito autônomo, crítico e participativo. (BRASIL/MEC, 2009, p. 19)

Ao tentar articular os espaços que a comunidade possui (praça, museu, ginásio, teatro),

e também disponibilizando as dependência da escola à comunidade em geral, cria uma relação

de reciprocidade que, de alguma forma, estiveram presente na experiência de Anísio Teixeira.

Pela análise documental, podemos dizer que não existe ainda uma política de educação

integral definida, a legislação além de iniciar o debate sobre a modalidade, ajuda na

construção dessa política, pois aponta indicadores que programas de Educação integral deve

percorrer.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão sobre a relação entre Educação Integral e Escola de Tempo Integral no

Programa Mais Educação (PME), resultante da pesquisa bibliográfica e documental,

possibilita a apresentação de algumas considerações significativas sobre o tema. A primeira

delas, que merece destaque, é que a concepção de educação integral do referido programa

encontra-se em construção. Entende-se que os princípios e as características do Programa

revelam dados importantes para se pensar suas implicações na educação básica.

Pode-se compreender que o PME tem sido divulgado como um programa que, a partir

da ampliação da jornada escolar, promoverá aos estudantes da escola pública uma educação

integral. A despeito desse fato, considerou-se importante indagar sobre a relação entre a

ampliação de tempo e espaço escolar com a concepção de educação integral, tendo em vista a

necessidade de se compreender tal concepção no Programa Mais Educação.

Assim, com base nessa inquietação, e com o objetivo de se discutir os princípios legais

do PME, foi possível a priori afirmar que o referido programa é resultante das reformas

educacionais em curso no Brasil, principalmente na década de 1990 e década de 2000. Com

efeito, pode-se entender que o PME está inserido em um conjunto de ações desenvolvidas

para resolver os principais problemas que afligem a escola pública. Dentre eles, destaca-se a

reprovação e a evasão escolar.

Por ser entendida como uma das principais propostas que se constitui como política

pública de educação é possível dizer que o PME ainda não apresenta elementos que possam

ser considerados meio de promoção de educação integral. De certa forma, entende-se que, no

limite, o Programa pode contribuir para o acesso daqueles estudantes que não têm

oportunidade para participarem de atividades além do horário regular da escola.

Tendo em vista o fato de que, no percurso deste estudo, buscou-se situar os períodos

nos quais o ideal de educação integral esteve ligado a correntes político-ideológicas, detendo-

se na análise das três concepções de educação integral (anarquista, integralista, liberal), pode-

se perceber que o contexto em que elas ocorrem é caracterizado por uma busca de ideal de

educação não homogênea. Vale destacar que os ideais anarquistas se definiam como

movimento contra-hegemônico. No entanto, as condições sociais e políticas não permitiram

que seus ideais lograssem êxito.

No que tange à concepção integralista, é importante ressaltar o entendimento de que,

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além do ideal de educação integral, inspirado na disciplina e obediência, o movimento

integralista procurava promover, com apoio dos ensinamentos católicos, a revolução do

espírito (TRINDADE, 1974). Não se pode deixar de enfatizar que a Ação Integralista

Brasileira (AIB) representou a influência dos movimentos contra-revolucionários em pauta na

Europa, portanto, um movimento de inspiração fascista. No que se refere ao ideal de educação

integral, proposto pelo movimento integralista, pode-se dizer que uma educação integral não

possui correlação com uma proposta autoritária e antidemocrática. Ao contrário, uma

Educação Integral se propõe a ser humanizadora.

No presente estudo, pode-se verificar que as transformações político-econômicas das

duas primeiras décadas do século XX alteraram as relações sociais, sobretudo o trabalho, de

modo que, sob essas condições, o ideário da Escola Nova, preconizado no Manifesto dos

Pioneiros, se consolidou no Brasil. De fato, pode-se compreender, a partir do referencial

teórico e documental, que os princípios escolanovistas, contrapondo-se à escola tradicional,

propunham uma educação integral. E, na concepção liberal de educação, que defende a escola

pública, gratuita e laica, a função da escola é proporcionar aos indivíduos as condições

necessárias para a ascensão social. Vale lembrar, segundo Saviani (2012), que essa

concepção, ao contrário de diminuir os problemas sociais, agravou-os. É preciso dizer que a

concepção liberal atende aos interesses da classe dominante, e que a escola, sendo alicerçada

nessa concepção, não poderia propiciar de fato uma formação integral.

A partir dos postulados da Pedagogia Histórico-Crítica, de Dermeval Saviani, e da

Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, de José Carlos Libâneo, abordados neste estudo,

entende-se que a concepção liberal de educação escolanovista consolidou-se na transição para

o modo de produção capitalista, pressupondo, naturalmente, que sua influência permanece,

ora se mostrando mais explícita, ora ressignificada.

No que se refere à relação entre escola de tempo integral e educação integral, pode-se

compreender que a concepção expressa nos documentos indica a noção de ampliação da

jornada escolar como educação integral. Entretanto, com base nas discussões apresentadas

neste estudo, a proposta pauta-se nos princípios da “escola do acolhimento” (LIBÂNEO,

2012). Tal influência está presente nas reformas educacionais brasileiras. Com efeito, no viés

liberal de educação, a escola tem a função de estimular as aptidões individuais e buscar o

fortalecimento da crença no progresso e no desenvolvimento. E a escola, nessa concepção

liberal, fornece o conjunto de competências (pedagogia das competências) e habilidades para

que cada indivíduo seja “incluído” socialmente.

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Um aspecto importante observado no desenvolvimento deste estudo diz respeito à

presença marcante do ideário de educação integral segundo os pressupostos da Escola Nova,

sobretudo com a influência de Anísio Teixeira. De fato, pois, em função do modelo idealizado

por Anísio Teixeira de escola em horário integral (Escola Parque), convencionou-se

relacionar educação integral com escola em tempo integral. Sobre essa questão, tentou-se

expor que educação integral não se confunde com escola de tempo integral. Evidentemente, se

as condições forem predispostas, tanto pode ocorrer educação integral, sem ser de tempo

integral, quanto o contrário: educação integral em jornada escolar parcial (regular). Na

realidade, entende-se que o que pode determinar se se trata de educação integral ou não são as

condições sócio-históricas, pois a mudança no interior da escola não se efetiva enquanto as

condições sociais não estiverem perfeitamente reunidas.

Levando-se em consideração o fato de que na concepção da Escola Nova, a educação

é um direito de todos, certamente esse foi o motivo que contribuiu para sua consolidação

como ideário nacional. E a Escola Tradicional, desgastada pelos métodos de ensino, foi alvo

fácil para a crítica do movimento “renovador”. Diante desses pressupostos, e com base nas

análises apresentadas neste estudo, pode-se afirmar, ainda, que o movimento da “Escola

Nova”, pensada para todos, conservou os mesmos elementos excludentes da tradicional escola

destinada aos ricos, o que é uma dualidade perversa.

Uma questão importante obtida com a análise documental no que se refere

especificamente à meta seis do Projeto de Lei n 8.035/2010 (PNE 2011-2020), em tramitação

no Congresso Nacional, é que o Programa Mais Educação pode ser utilizado para legitimar a

meta seis, qual seja: ampliar em 50% das escolas de ensino fundamental em tempo integral,

podendo ser reduzida para 30%. Nesse caso, entende-se que a proposta de educação não

avança no sentido de aprimorar os processos educativos para uma formação integral dos

sujeitos, pois o Programa, conforme apresentado no texto, limita-se às atividades de

sociabilidade em contraturno escolar. O interesse por parte do aluno é outro elemento

preponderante para se pensar o PME, já que lhe é facultada a participação no Programa.

Ressalte-se ainda que não foi elaborada uma estratégia por parte do PME para assegurar a

frequência dos alunos.

Com base no que foi exposto ao longo desta dissertação, e no entendimento acerca do

tema, pode-se compreender que a ampliação da jornada escolar vem se tornando cada vez

mais recorrente na legislação educacional devido às mudanças sociais. E que a ideia de escola

de tempo integral parece ser a solução para escola pública.

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Assim, a discussão apresentada neste estudo permite inferir duas questões: (i) cresce

os problemas que afligem o processo educativo nas escolas e, por conseguinte, a promessa por

parte do poder público de resolvê-los por meio de reformas políticas, muitas delas com o ideal

de educação integral; (ii) quanto mais recorrente é a promessa de educação integral por meio

das práticas educativas escolares, mais distante parece estar a escola desse ideal.

No tocante à análise dos dados e informações obtidas junto ao Inep, pode-se dizer que

há indícios de que o PME tem sido utilizado para potencializar a aprendizagem dos estudantes

com o propósito de atingir metas em exames de larga escala. A leitura e o confrontamento

desses dados e informações possibilitam afirmar que o processo de elaboração e

implementação do programa decorre da agenda internacional instituída pelos organismos

multilaterais. Com efeito, acredita-se de fato que as reformas educacionais brasileiras,

sobretudo do Programa Mais Educação, sofrem influência da concepção liberal da pedagogia

escolanovista, concepção liberal de educação que tem servido aos interesses da classe

dominante.

Finalmente, convém ressaltar a importância de uma pesquisa empírica com utilização

de instrumentos de coleta de dados e informações bem elaborados, a fim de se verificar na

realidade escolar o funcionamento do Programa, o que poderia revelar elementos preciosos

para o conhecimento sobre a temática. O fato é que algumas questões abordadas nesta

pesquisa requerem aprofundamento, como é o caso da questão do Ideb e da avaliação, além de

outros aspectos que merecem e precisam ser estudados, como é o caso da ampliação da

jornada escolar nas escolas do campo.

Pelo fato de o PNE (2011-2020) prever a necessidade de se “atender as escolas do

campo na oferta de educação em tempo integral considerando as peculiaridades locais”

(BRASIL, 2010, p. 8), acredita-se que uma pesquisa que pudesse analisar a implementação do

PME em escola do/no campo contribuiria relevantemente para o debate sobre a educação

brasileira. Ainda assim, acredita-se que os resultados aqui apresentados tenham contribuído

sistematicamente para a compreensão da temática, e que também possa estimular a elaboração

de novos questionamentos em estudos e pesquisas.

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ANEXOS

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ANEXO A

PORTARIA NORMATIVA INTERMINISTERIAL Nº- 17, DE 24 DE ABRIL DE 2007

Institui o Programa Mais Educação, que visa fomentar a educação integral de crianças,

adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar.

O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, O MINISTRO DE ESTADO DO

DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, O MINISTRO DE ESTADO DO

ESPORTE E O MINISTRO DE ESTADO DA CULTURA, no uso das atribuições conferidas

pelo inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal e

CONSIDERANDO que o artigo 34 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n°

9.394, de 20 de dezembro de 1996, determina a progressiva ampliação do período de

permanência na escola;

CONSIDERANDO que o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069, de 13 de julho

de 1990, garante às crianças e aos adolescentes a proteção integral e todos os direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhes oportunidades a fim de lhes

facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de

liberdade e de dignidade;

CONSIDERANDO que a família, a comunidade, a sociedade e o poder público devem

assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, nos termos do art. 227 da

Constituição Federal;

CONSIDERANDO que, segundo a Política Nacional de Assistência Social, o Estado deve

prover proteção social à criança, ao adolescente e ao jovem, bem como a suas famílias, nas

situações de vulnerabilidade, risco ou exclusão social, potencializando recursos individuais e

coletivos capazes de contribuir para a superação de tais situações, resgate de seus direitos e

alcance da autonomia;

CONSIDERANDO a situação de vulnerabilidade e risco a que estão submetidas parcelas

consideráveis de crianças, adolescentes e jovens e suas famílias, relacionadas à pobreza,

discriminação étnico- racial, baixa escolaridade, fragilização de vínculos, trabalho infantil,

exploração sexual e outras formas de violação de direitos;

CONSIDERANDO a importância da articulação entre as políticas sociais para a inclusão de

crianças, adolescentes, jovens e suas famílias, bem como o papel fundamental que a educação

exerce nesse contexto;

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CONSIDERANDO que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na

vida familiar, na convivência comunitária, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,

nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais, de

acordo com o art. 1° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional;

CONSIDERANDO que o artigo 217 da Constituição Federal, define o esporte como dever do

Estado e direito de cada um, reforçando o compromisso de democratizar o acesso às

atividades esportivas como parte da formação integral de crianças, adolescentes e jovens;

CONSIDERANDO o caráter intersetorial das políticas de inclusão social e formação para a

cidadania, bem como a co-responsabilidade de todos os entes federados em sua

implementação e a necessidade de planejamento territorial das ações intersetoriais, de modo a

promover sua articulação no âmbito local;

CONSIDERANDO o reconhecimento, por parte do Plano Nacional de Promoção, Proteção e

Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, do

papel das atividades pedagógicas e sócio-educativas no contraturno escolar à prevenção de

ruptura de vínculos familiares de crianças e adolescentes; e CONSIDERANDO a necessidade

de ampliação da vivência escolar de crianças, adolescentes e jovens, de modo a promover,

além do aumento da jornada, a oferta de novas atividades formativas e de espaços favoráveis

ao seu desenvolvimento; resolvem:

Capítulo I

Dos objetivos

Art. 1° Instituir o Programa Mais Educação, com o objetivo de contribuir para a formação

integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, de projetos e de

programas do Governo Federal e suas contribuições às propostas, visões e práticas

curriculares das redes públicas de ensino e das escolas, alterando o ambiente escolar e

ampliando a oferta de saberes, métodos, processos e conteúdos educativos.

Parágrafo único. O programa será implementado por meio do apoio à realização, em escolas e

outros espaços sócio-culturais, de ações sócio-educativas no contraturno escolar, incluindo os

campos da educação, artes, cultura, esporte, lazer, mobilizando-os para a melhoria do

desempenho educacional, ao cultivo de relações entre professores, alunos e suas

comunidades, à garantia da proteção social da assistência social e à formação para a

cidadania, incluindo perspectivas temáticas dos direitos humanos, consciência ambiental,

novas tecnologias, comunicação social, saúde e consciência corporal, segurança alimentar e

nutricional, convivência e democracia, compartilhamento comunitário e dinâmicas de redes.

Art. 2º O Programa tem por finalidade:

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I - apoiar a ampliação do tempo e do espaço educativo e a extensão do ambiente escolar nas

redes públicas de educação básica de Estados, Distrito Federal e municípios, mediante a

realização de atividades no contraturno escolar, articulando ações desenvolvidas pelos

Ministérios integrantes do Programa;

II - contribuir para a redução da evasão, da reprovação, da distorção idade/série, mediante a

implementação de ações pedagógicas para melhoria de condições para o rendimento e o

aproveitamento escolar;

III - oferecer atendimento educacional especializado às crianças, adolescentes e jovens com

necessidades educacionais especiais, integrado à proposta curricular das escolas de ensino

regular o convívio com a diversidade de expressões e linguagens corporais, inclusive

mediante ações de acessibilidade voltadas àqueles com deficiência ou com mobilidade

reduzida;

IV - prevenir e combater o trabalho infantil, a exploração sexual e outras formas de violência

contra crianças, adolescentes e jovens, mediante sua maior integração comunitária, ampliando

sua participação na vida escolar e social e a promoção do acesso aos serviços sócio-

assistenciais do Sistema Único de Assistência Social -SUAS;

V - promover a formação da sensibilidade, da percepção e da expressão de crianças,

adolescentes e jovens nas linguagens artísticas, literárias e estéticas, aproximando o ambiente

educacional da diversidade cultural brasileira, estimulando a sensorialidade, a leitura e a

criatividade em torno das atividades escolares;

VI - estimular crianças, adolescentes e jovens a manter uma interação efetiva em torno de

práticas esportivas educacionais e de lazer, direcionadas ao processo de desenvolvimento

humano, da cidadania e da solidariedade;

VII - promover a aproximação entre a escola, as famílias e as comunidades, mediante

atividades que visem a responsabilização e a interação com o processo educacional,

integrando os equipamentos sociais e comunitários entre si e à vida escolar; e

VIII - prestar assistência técnica e conceitual aos entes federados de modo a estimular novas

tecnologias e capacidades para o desenvolvimento de projetos com vistas ao que trata o artigo

1º desta Portaria.

Capítulo II

Da execução

Art. 3° O Programa Mais Educação promoverá a articulação de ações do Governo Federal que

tenham como beneficiários crianças, adolescentes e jovens.

Art. 4° Integram o Programa Mais Educação ações dos seguintes Ministérios:

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I - Ministério da Educação;

II - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;

III - Ministério da Cultura; e

IV - Ministério do Esporte.

§ 1° Ações de outros Ministérios ou Secretarias Federais poderão integrar o Programa.

§ 2º O Programa Mais Educação poderá contar com a participação de ações promovidas pelos

Estados, Distrito Federal, Municípios e por outras instituições públicas e privadas, desde que

as atividades sejam oferecidas gratuitamente a crianças, adolescentes e jovens e que estejam

integradas ao projeto político-pedagógico das redes e escolas participantes.

§ 3º A participação no Programa Mais Educação não exime o ente federado das obrigações

estabelecidas em cada uma das ações dos Ministérios integrantes do Programa.

Art. 5º O Programa Mais Educação será implementado por meio de:

I - articulação institucional e cooperação técnica entre Ministérios, Secretarias Federais e

entes federados, visando a criação de um ambiente de interlocução e o estabelecimento de

padrões de referência para o cumprimento das finalidades previstas no art. 2º desta Portaria.

II - assistência técnica e conceitual, por parte dos Ministérios e Secretarias Federais

integrantes do Programa, com ênfase na sensibilização e capacitação de gestores e fomento à

articulação intersetorial local;

III - incentivo e apoio a projetos que visem à articulação de políticas sociais para a

implementação de atividades sócio-educativas no contraturno escolar, com vistas a formação

integral de crianças, adolescentes e jovens.

Capítulo III

Das diretrizes para o apoio a projetos e ações

Art. 6° O Programa Mais Educação visa fomentar, por meio de sensibilização, incentivo e

apoio, projetos ou ações de articulação de políticas sociais e implementação de ações sócio-

educativas oferecidas gratuitamente a crianças, adolescentes e jovens e que considerem as

seguintes orientações:

I - contemplar a ampliação do tempo e do espaço educativo de suas redes e escolas, pautada

pela noção de formação integral e emancipadora;

II - promover a articulação, em âmbito local, entre as diversas políticas públicas que

compõem o Programa e outras que atendam às mesmas finalidades;

III - integrar as atividades ao projeto político-pedagógico das redes de ensino e escolas

participantes;

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IV - promover, em parceria com os Ministérios e Secretarias Federais participantes, a

capacitação de gestores locais;

V - contribuir para a formação, a expressão e o protagonismo de crianças, adolescentes e

jovens;

VI - fomentar a participação das famílias e comunidades nas atividades desenvolvidas, bem

como da sociedade civil, de organizações não-governamentais e esfera privada;

VII - fomentar a geração de conhecimentos e tecnologias sociais, inclusive por meio de

parceria com universidades, centros de estudos e pesquisas, dentre outros;

VIII - desenvolver metodologias de planejamento das ações, que permitam a focalização da

ação do Poder Público em regiões mais vulneráveis; e

IX - estimular a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Capítulo IV

Das atribuições dos integrantes do Programa

Art. 7º Compete aos Ministérios e Secretarias Federais integrantes do Programa Mais

Educação na esfera federal:

I - promover a articulação institucional e a cooperação técnica entre Ministérios e Secretarias

Federais, governos estaduais e municipais, visando o alcance dos objetivos do Programa;

II - prestar assistência técnica e conceitual na gestão e implementação dos projetos;

III - capacitar gestores e profissionais que atuarão no Programa;

IV - estimular parcerias nos setores público e privado visando à ampliação e ao

aprimoramento do Programa; e

V - sensibilizar e orientar outros parceiros visando à integração de suas ações em curso ao

Programa Mais Educação.

Art. 8º Cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios que aderirem ao Programa Mais

Educação observar o seguinte:

I - articular as ações de programas do Governo Federal, em curso em seus territórios e

populações, com vistas a ampliar o tempo e os espaços educativos, de acordo com os projetos

político-pedagógicos de suas redes de ensino e escolas;

II - articular, em seu âmbito de atuação, ações de outros programas de atendimento a crianças,

adolescentes e jovens, com vistas às finalidades estabelecidas no artigo 2º desta Portaria;

III - mobilizar e estimular a comunidade local para a oferta de espaços, buscando sua

participação complementar em atividades e outras formas de apoio que contribuam para o

alcance das finalidades do Programa; e

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IV - colaborar com a qualificação e a capacitação de docentes, técnicos, gestores e outros

profissionais, em parceria com os Ministérios e Secretarias Federais integrantes do Programa.

Art. 9º Fica instituído o Fórum Mais Educação, com a atribuição de coordenar a

implementação do Programa.

§ 1º O Fórum será composto por representantes dos Ministérios ou Secretarias Federais que

integrem ou venham a integrar o Programa Mais Educação.

§ 2º Cada Ministério ou Secretaria deverá indicar um representante para compor o Fórum.

§ 3º O Fórum será coordenado pelo MEC e terá caráter consultivo.

§ 4º O Fórum poderá convidar representantes das ações desenvolvidas pelos Ministérios

participantes e de outros órgãos e instituições que possam contribuir na implementação,

monitoramento e avaliação do Programa.

Art. 10 Constituem atribuições do Fórum Mais Educação:

I - propor aos Ministérios, Secretarias Federais e outros órgãos, mecanismos para o

aperfeiçoamento da contribuição de suas ações ao Programa;

II - fornecer subsídios para o planejamento territorial e populacional das ações do Programa,

com o objetivo de ampliar sua escala, capilaridade, cobertura e efetividade; e

III - acompanhar a implementação do Programa gerando sua constante reavaliação,

elaborando relatórios, pareceres e recomendações para seu aperfeiçoamento.

Art. 11 Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

FERNANDO HADDAD

Ministro de Estado da Educação

PATRUS ANANIAS

Ministro de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

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ANEXO B

Decreto no 7.083, de janeiro de 2010, dispõe sobre o Programa Mais Educação

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso de atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV,

da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 34 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de

1996, na Lei no 10.172, de 9 de janeiro de 2001, e na Lei no 11.947, de 16 de junho de 2009,

Art. 1o O Programa Mais Educação tem por finalidade contribuir para a melhoria da

aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e

jovens matriculados em escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo

integral.

§ 1o Para os fins deste Decreto, considera-se educação básica em tempo integral a jornada

escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo,

compreendendo o tempo total em que o aluno permanece na escola ou em atividades escolares

em outros espaços educacionais.

§ 2o A jornada escolar diária será ampliada com o desenvolvimento das atividades de

acompanhamento pedagógico, experimentação e investigação científica, cultura e artes,

esporte e lazer, cultura digital, educação econômica, comunicação e uso de mídias, meio

ambiente, direitos humanos, práticas de prevenção aos agravos à saúde, promoção da saúde e

da alimentação saudável, entre outras atividades.

§ 3o As atividades poderão ser desenvolvidas dentro do espaço escolar, de acordo com a

disponibilidade da escola, ou fora dele sob orientação pedagógica da escola, mediante o uso

dos equipamentos públicos e do estabelecimento de parcerias com órgãos ou instituições

locais.

Art. 2o São princípios da educação integral, no âmbito do Programa Mais Educação:

I - a articulação das disciplinas curriculares com diferentes campos de conhecimento e

práticas socioculturais citadas no § 2o do art. 1o;

II - a constituição de territórios educativos para o desenvolvimento de atividades de educação

integral, por meio da integração dos espaços escolares com equipamentos públicos como

centros comunitários, bibliotecas públicas, praças, parques, museus e cinemas;

III - a integração entre as políticas educacionais e sociais, em interlocução com as

comunidades escolares;

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IV - a valorização das experiências históricas das escolas de tempo integral como inspiradoras

da educação integral na contemporaneidade;

V - o incentivo à criação de espaços educadores sustentáveis com a readequação dos prédios

escolares, incluindo a acessibilidade, e à gestão, à formação de professores e à inserção das

temáticas de sustentabilidade ambiental nos currículos e no desenvolvimento de materiais

didáticos;

VI - a afirmação da cultura dos direitos humanos, estruturada na diversidade, na promoção da

equidade étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, geracional, de gênero, de orientação

sexual, de opção política e de nacionalidade, por meio da inserção da temática dos direitos

humanos na formação de professores, nos currículos e no desenvolvimento de materiais

didáticos; e

VII - a articulação entre sistemas de ensino, universidades e escolas para assegurar a produção

de conhecimento, a sustentação teórico-metodológica e a formação inicial e continuada dos

profissionais no campo da educação integral.

Art. 3o São objetivos do Programa Mais Educação:

I - formular política nacional de educação básica em tempo integral;

II - promover diálogo entre os conteúdos escolares e os saberes locais;

III - favorecer a convivência entre professores, alunos e suas comunidades;

IV - disseminar as experiências das escolas que desenvolvem atividades de educação integral;

V - convergir políticas e programas de saúde, cultura, esporte, direitos humanos, educação

ambiental, divulgação científica, enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes,

integração entre escola e comunidade, para o desenvolvimento do projeto político-pedagógico

de educação integral.

Art. 4o O Programa Mais Educação terá suas finalidades e objetivos desenvolvidos em

regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, mediante

prestação de assistência técnica e financeira aos programas de ampliação da jornada escolar

diária nas escolas públicas de educação básica.

§ 1o No âmbito federal, o Programa Mais Educação será executado e gerido pelo Ministério

da Educação, que editará as suas diretrizes gerais.

§ 2o Para consecução dos objetivos do Programa Mais Educação, poderão ser realizadas

parcerias com outros Ministérios, órgãos ou entidades do Poder Executivo Federal para o

estabelecimento de ações conjuntas, definindo-se as atribuições e os compromissos de cada

partícipe em ato próprio.

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§ 3o No âmbito local, a execução e a gestão do Programa Mais Educação serão coordenadas

pelas Secretarias de Educação, que conjugarão suas ações com os órgãos públicos das áreas

de esporte, cultura, ciência e tecnologia, meio ambiente e de juventude, sem prejuízo de

outros órgãos e entidades do Poder Executivo estadual e municipal, do Poder Legislativo e da

sociedade civil.

Art. 5o O Ministério da Educação definirá a cada ano os critérios de priorização de

atendimento do Programa Mais Educação, utilizando, entre outros, dados referentes à

realidade da escola, ao índice de desenvolvimento da educação básica de que trata o Decreto

no 6.094, de 24 de abril de 2007, e às situações de vulnerabilidade social dos estudantes.

Art. 6o Correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas ao Ministério da Educação

as despesas para a execução dos encargos no Programa Mais Educação.

Parágrafo único. Na hipótese do § 2o do art. 4o, as despesas do Programa Mais Educação

correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas a cada um dos Ministérios, órgãos

ou entidades parceiros na medida dos encargos assumidos, ou conforme pactuado no ato que

formalizar a parceria.

Art. 7o O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE prestará a assistência

financeira para implantação dos programas de ampliação do tempo escolar das escolas

públicas de educação básica, mediante adesão, por meio do Programa Dinheiro Direto na

Escola - PDDE e do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, instituído pela Lei

no 11.947, de 16 de junho de 2009.

Art. 8o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 27 de janeiro de 2010; 189 da Independência e 122 da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Fernando Haddad

Este texto não substitui o publicado no DOU de 27.1.2010 - Edição extra

Orlando Silva

Ministro de Estado dos Esportes

Gilberto Gil

Ministro de Estado da Cultura

Este texto não substitui o publicado no DOU de 26.4.2007

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ANEXO C