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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CAMPUS CIDADE DE GOIÁS CURSO DE DIREITO ALDINEI SEBASTIÃO DIAS LEÃO OS GERAIZEIROS E O DIREITO: UMA ANÁLISE DA LUTA PELA RETOMADA DO TERRÍTORIO NA COMUNIDADE DE VEREDA FUNDA NO MUNICÍPIO DE RIO PARDO DE MINAS À LUZ DA TEORIA DO DIREITO ACHADO NA RUA CIDADE DE GOIÁS GO 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

CAMPUS CIDADE DE GOIÁS

CURSO DE DIREITO

ALDINEI SEBASTIÃO DIAS LEÃO

OS GERAIZEIROS E O DIREITO: UMA ANÁLISE DA LUTA PELA RETOMADA

DO TERRÍTORIO NA COMUNIDADE DE VEREDA FUNDA NO MUNICÍPIO DE

RIO PARDO DE MINAS À LUZ DA TEORIA DO DIREITO ACHADO NA RUA

CIDADE DE GOIÁS – GO

2012

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ALDINEI SEBASTIÃO DIAS LEÃO

OS GERAIZEIROS E O DIREITO: UMA ANÁLISE DA LUTA PELA RETOMADA

DO TERRÍTORIO NA COMUNIDADE DE VEREDA FUNDA NO MUNICÍPIO DE

RIO PARDO DE MINAS À LUZ DA TEORIA DO DIREITO ACHADO NA RUA

Monografia apresentada como requisito parcial

para conclusão do curso de bacharelado em Direito

da Universidade Federal de Goiás, Campus Cidade

de Goiás, sob a orientação do prof. Me. Cleuton

César Ripol de Freitas.

CIDADE DE GOIÁS – GO

2012

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ALDINEI SEBASTIÃO DIAS LEÃO

OS GERAIZEIROS E O DIREITO: UMA ANÁLISE DA LUTA PELA RETOMADA

DO TERRÍTORIO NA COMUNIDADE DE VEREDA FUNDA NO MUNICÍPIO DE

RIO PARDO DE MINAS À LUZ DA TEORIA DO DIREITO ACHADO NA RUA

Monografia apresentada como pré-requisito

para obtenção do título de Bacharel em Direito

da Universidade Federal de Goiás/Campus da

Cidade de Goiás, submetida à aprovação da

banca examinadora composta pelos seguintes

membros:

Goiás-GO, ____de ____________ de 2012.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Nota: _________

Orientador Me. Cleuton Cesar Ripol de Freitas – UFG /UnB

___________________________________ Nota: _________

Me. Érika Macedo Moreira – UFG/ UnB

___________________________________ Nota: _________

Ranielle Caroline de Sousa – UnB

Média:_________

5

DEDICO esse trabalho

Às três grandes mulheres da minha vida:

Elizana, meu amor eterno, mulher que Deus

colocou em minha vida. Amor, obrigado por

tudo, sobretudo por me aturar há mais de uma

década e por me proporcionar momentos tão

felizes. Só você me completa: “Si no te

hubiera conocido no sé que hubiera sido de

mi. Sin tu mirada enamorada no sé si yo

podría vivir. Sin el latido de tu corazón El

mundo es más frío” (Christina Aguilera);

Ana , mãe, amiga, exemplo: mulher guerreira,

lutadora, que teve que chorar a morte de tantos

entes queridos (sete filhos, esposo, pai...), mas

que, como ninguém, encontrou forças para

continuar lutando pela vida, sua e de tantos

outros. A fundadora da Pastoral da Criança, a

catequista, a sindicalista, a animadora, a

missionária... a geraizeira;

E Cida, irmã, que ainda pequena, quando da

morte do nosso pai, teve que assumir o posto

de mãe da família. Obrigado por tantos

cuidados. A Mãe de Camila, de Carla, de

Carine e de Luiz Augusto, a esposa de Hélio,

aos quais também dedico esse trabalho. Cida,

você é minha fonte de inspiração!

Dedico também

Ao meu irmão, Ernildo, que, desde criança

sempre tentei imitar, por sua coragem, força,

astúcia e determinação. Quis o destino que

trilhássemos caminhos diferentes, mesmo

assim, continua sendo um exemplo para mim.

Apesar de ser corintiano e cruzeirense, te

admiro muito, irmão!

À minha queridíssima Vó Maria, sem

palavras, apenas um pedido: que viva

eternamente.

Por fim, ao meu pai (in memoriam), de quem,

embora tenha convivido pouco, herdei não só

o nome, Sebastião, mas o meu jeito de ser, a

calma, a paciência e, principalmente, a

vontade de buscar sempre ser alguém melhor.

6

AGRADEÇO

Primeiramente ao Deus Libertador, presente em todos os momentos da minha vida, luz

do meu caminho e força que me impulsiona sempre a acreditar e construir um mundo mais

justo e fraterno;

A minha família: pai (sempre presente), mãe, irmão e irmã, sobrinhos e sobrinhas,

primos e primas, tios e tias, vó... Desculpem por não citar os nomes, mas é que são tantos, e

cada um com uma contribuição incomensurável em todo esse processo, que não poderia

correr o risco de esquecer alguém. Muito obrigado a todos, por tudo;

A minha nova família: minha esposa, meus estimados sogros (pais), Avelino e

Geralda, e meus cunhados (irmãos), Nil, Gil, Nilson, Nêga e Junior, Jó e Lane, Elza e Cido,

pelo carinho que me acolheram. Obrigado por me permitirem fazer parte de suas vidas e por,

a cada, dia fazerem da minha vida melhor.

As famílias que me acolheram em suas casas, quando, ainda com dez anos de idade,

tive que deixar o seio da minha família para continuar estudando. Serei eternamente grato.

A família que construí em Goiás, pessoas que aprendi a chamar de irmãos: Marco e

Ludi, Ivo e Suágna, Dema e Raquel, Darliane, Pollyana, Camila, Ednaldo, e tantos outros.

Levarei para sempre o convívio e o aprendizado que tive com vocês. Não poderia deixar de

citar nessa família, claro, certas “pessoinhas”, que aprenderam a me chamar (ou não) de tio, e

que eu tanto amo: Maria Clara, Ana Júlia, Miguel, Pedro e Vitória, o “titio” ama vocês.

A minha primeira professora, Cleonice (Brinco): Obrigado pelo aprendizado, pelo

incentivo, e por se alegrar com as minhas conquistas.

Os companheiros e as companheiras do Movimento Sindical – Sistema CONTAG,

sobretudo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas, pelo incentivo e

colaboração, tanto material, quanto politicamente; A FETAEMG, na pessoa do Diretor de

Política Agrícola e Cooperativismo, Armindo Augusto; e a FETAEG, pelo acolhimento e pelo

apoio.

O CAA, por meio de seus técnicos, intelectuais e agricultores, pela valiosa

contribuição no meu processo de formação e de tantos outros agricultores e agricultoras.

7

Os geraizeiros da Vereda Funda, nas pessoas de Arcilo e Elmy, pelas valiosíssimas

lições de vida.

Os companheiros, Zezão, Moisés e Ancelmo, que cuidaram para que eu e mais 22

jovens de Rio Pardo de Minas pudessem ter acesso ás informações, inscrição e realização do

vestibular. Também a esses 22 companheiros, o meu muito obrigado.

A ONG O Girassol, na pessoa da companheira e presidente, Lurdinha, pelo apoio e

incentivo.

O SIND-RIO – Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Rio Pardo de Minas,

pelas valiosas contribuições no meu aprendizado.

A Pastoral da Juventude – minha amada PJ, e os meus amigos e amigas pejoteiros,

com os quais tanto aprendi: Júlio Cezar, Messias, Eduardo, Dimas, madrinha Rona, Andréia,

e tantos outros. PJ aqui, PJ lá, PJ em todo lugar.

O querido Dom José Mauro (in memoriam), eterno Bispo da Juventude, a quem tive o

privilégio de conviver durante minha jornada junto à coordenação diocesana da PJ. Homem

que, com palavras e, principalmente, exemplos, ensinou-me a acreditar na força e no

protagonismo da juventude. Um exemplo da existência de Deus. Saudades eternas.

A todos os movimentos sociais que, nas lutas, garantiram o direito de acesso ao

conhecimento aos povos do campo, e permanência nas Universidades Federais, rompendo as

cercas do latifúndio do saber.

A todos/as professores/as com os quais tive contato durante esses cinco anos de

faculdade.

O meu orientador, Cleuton, pelas trocas de experiências e pelo incentivo.

Os amigos e futuros colegas de trabalho, Marcos, André e Vanderlúcio, pelo apoio,

pelos ensinamentos e pela confiança em mim depositada.

Por fim, de maneira bem especial, agradeço todos geraizeiros, pela confiança, pelas

lições, enfim, por me fazer a cada dia mais orgulhoso do que sou: apenas mais um geraizeiro.

8

Eu nunca ei de esquecer o que vivi ali:

o velho carro de boi ao lado do curral,

os meus irmãos tocando gado na beira do rio,

a minha mãe ralando milho, fazendo curau.

A noite quando a lua vinha, fazendo um clarão,

meu pai pegava uma sonfona, eu um violão.

Aquele pedaço de chão era só alegria,

veio o maldito destino e estragou nossa família.

Ao despedir de mamãe, chorei na porteira,

meu pai, já todo sem jeito, tenta não chorar.

Vai com Deus, filhinho amado

capricha, vai estudar,

pra ser um homem respeitado,

e, quando tiver formado,

a gente poder ajudar.

Eu sei que a vida aqui é dura,

mas, o que comer a terra dá.

Se um dia o sol castiga o chão,

no outro dia a terra vem molhar.

Se não der tudo certo, meu filho,

não precisa se preocupar:

te esperamos de braços abertos

pra viver de novo em nosso lar

Ziguileu, cantor e Compositor riopardense –

Música: Pedaço de Chão

9

Quando a Firma apareceu,

e o seu trabalho continuou;

O povo bem informado:

Isso é nosso! Assim gritou.

E com muita coragem

até carvoeira destruiu e interditou.

Essa gente quer a terra,

não por ignorância ou ambição.

Querem trabalhar nela,

tirar dela o seu pão,

também poder manter vivos

seus costumes e tradição.

Luiza Faustina Pereira

10

RESUMO

O presente estudo buscou analisar o geraizeiro na luta pela retomada do seu território – os

gerais – expropriado pelo Estado, por meio das políticas desenvolvimentistas do Governo

Militar (décadas de 1970 e 1980) e repassados, em comodato, para empresas plantarem

Eucalipto. No primeiro momento, buscou-se conceituar o geraizeiro: povo tradicional do

cerrado norte-mineiro – os gerais. Sujeitos, individuais e coletivos, de direitos e de vontades.

Comunidades tradicionais que historicamente foram se formando, durante o chamado “ciclo

do ouro” e, principalmente, com o seu declínio: Uma mistura de índios (que já habitavam o

cerrado), negros, brancos, escravos e livres, que, em decorrência do declínio da atividade nas

minas de ouro, passaram a ocupar os campos gerais, em busca de um pedaço de chão para

viver e trabalhar. A principal característica dessas comunidades consistia no uso comunal das

chapadas (gerais), enquanto nas glebas (veredas) se instalavam as moradas e o cultivo

agrícola. No segundo momento – tendo como foco o caso Vereda Funda – buscou-se analisar

a expropriação dos gerais (entendido pelo Estado como terras devolutas), a instalação das

empresas reflorestadoras, seu impacto no mundus geraizeiro e a reação dessas comunidades

face á violência sofrida. Por último, buscou-se analisar as relações da luta dos geraizeiros com

o Direito: O Direito e a Luta e o direito à luta pela retomada do território. Para tanto, usou-se

como base teórica a teoria do Direito Achado na Rua, que busca entender o Direito como “vir

a ser”, a partir do que Lyra Filho chama de dialética social.

Palavras Chaves: povos tradicionais, geraizeiros, território, luta, direitos, Direito achado na

rua.

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RESUMEN

El presente estudio buscó analizar el geraizeiro en la lucha por la recuperación de su territorio

– los gerais (localizados en la provincia de Minas Gerais, Brasil) – expropiado por el Estado

por medio de las políticas desarrollistas del Gobierno Militar (décadas de 1970 a 1980) y

repasados, en comodato, a empresas para que plantasen eucaliptos. En un primer momento,

se buscó conceptuar el “geraizero”: pueblo tradicional del cerrado norte-minero – los

“gerais”: personas, individuales o colectivos, de derechos y voluntades. Comunidades

tradicionales que históricamente se fueron formando durante el llamado “ciclo del oro” y,

principalmente, su declino: Una mezcla de indios (que ya vivían en el Cerrado), negros,

blancos, esclavos y libres, que, como resultado del declino de las actividades de las minas de

oro, pasaron a ocupar los campos gerais, en busca de un pedazo de tierra para vivir y trabajar.

La principal característica de esas comunidades era el uso comunal de las chapadas (gerais),

en cuanto en las glebas (veredas) se instalaban las residencias y el cultivo agrícola. En un

segundo momento – teniendo como foco el caso de Vereda Funda – se buscó analizar la

expropiación de las tierras gerais (entendidas por el Estado como tierras devueltas), la

instalación de empresas reforestarles, su impacto en el mundus geraizero y la reacción de esas

comunidades contra la violencia sufrida al ser expulsos de sus tierras. Por último, se buscó

analizar las relaciones de lucha de los geraizeros con el Derecho: el Derecho y la Lucha y el

Derecho a la lucha por retomar su territorio. Para esto, se usó como base teórica el Derecho

Encontrado en la Calle, que busca entender el Derecho como “será”, a partir de lo que Lyra

Filho llama de dialéctica social.

Palabras clave: los pueblos tradicionales, geraizeiros, territorio, derechos, Derecho

encontrado en la calle.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CAA-NM Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas

CAO-CA Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Conflitos Agrários

CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviço

CF/88 Constituição Federal de 1988

CPC Código de Processo Civil

CPT Comissão Pastoral da Terra

DFP Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição Família e Propriedade

FASE Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

FETAEMG Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de Minas Geais

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

ITER/MG Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais

LOC Liga Operária e Camponesa

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDP Movimento de Defesa da Propriedade

MLST Movimento de Libertação dos Sem Terra

MPEMG Ministério Público do Estado de Minas Gerais

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

PM-MG Polícia Militar de Minas Gerais

RURALMINAS Fundação Rural Mineira

STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais

STTR-RPM Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Rio Pardo de

Minas

SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

UDPR União de Defesa da Propriedade Rural

UDR União Democrática Ruralista

VA-MG Vara dos Conflitos Agrários do Estado de Minas Gerais

13

SUMÁRIO

LINHAS PROLEGOMINAIS 15

CAPÍTULO 1 – OS GERAIS: TERRITÓRIO DOS GERAIZEIROS 18

1.1. CONCEITUANDO GERAIS E GERAIZEIROS 18

1.2. A APROPRIAÇÃO DA CATEGORIA E A CONSTRUÇÃO DE SUA

IDENTIDADE

23

1.3. CONCEITUANDO POVOS E TERRITÓRIOS TRADICIONAIS 26

1.3.1. Povos Tradicionais 26

1.3.2. Território – espaço de exercício de poder e de relações socioculturais 27

1.3.3. O Decreto Presidencial 6.040/07 28

1.4. Os geraizeiros: povos tradicionais do Cerrado 31

1.4.1. A comunidade de Vereda Funda 32

CAPÍTULO 2 – O IMPACTO DA EXPROPRIAÇÃO DAS TERRAS

COMUNAIS NO MUNICÍPIO DE RIO PARDO DE MINAS E A LUTA PELA

RETOMADA DO TERRITÓRIO: O CASO VEREDA FUNDA

35

2.1. ANOS SETENTA: AS POLÍTICAS DESENVOLVIMENTISTAS DO

GOVERNO MILITAR MUDAM O CENÁRIO DOS GERAIS

35

2.1.1. Terras comunais e terras devolutas 37

2.2. ANOS OITENTA: O SURGIMENTO DE ORGANIZAÇÕES DE DEFESA

DOS EXPLORADOS, EXPROPRIADOS E EXPULSOS PELA MONOCULTURA

DO EUCALIPTO

39

2.2.1. 1983: A criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas

como instrumento de defesa dos “explorados” pelas firmas

40

2.2.2. 1985: Camponeses, lideranças sociais e técnicos criam uma alternativa ao

processo desenvolvimentista no Norte de Minas: o Centro de Agricultura Alternativa

41

2.3. VEREDA FUNDA: DOS TEMPOS DE ENCURRALAMENTO À LUTA PELA

RETOMADA DO TERRITÓRIO

42

2.3.1. O encurralamento 42

2.3.2. “Animados pela fé”: o início da resistência 45

2.3.3. Década de 90: com apoios externos e internos, o movimento pela retomada

começa a pautar as discussões da comunidade

47

2.3.4. 2003: A demarcação e a (re) ocupação do território 49

14

CAPÍTULO 3 – O DIREITO E A LUTA E O DIREITO À LUTA PELA

RETOMADA DO TERRITÓRIO

51

3.1. O DIREITO À LUTA: O DIREITO ACHADO NA RUA 52

3.1.1. A Lei, o Direito e a Justiça (social) 52

3.2. O DIREITO E A LUTA: ANÁLISE DOS PROCESSOS DE

REINTEGRAÇÃO E MANUTENÇÃO DE POSSE E ATENTADO, MOVIDOS

PELA EMPRESA CONTRA A COMUNIDADE DE VEREDA FUNDA E ATORES

SOCIAIS DO MOVIMENTO DE RETOMADA DO TERRITÓRIO

57

3.2.1. Da Petição Inicial 58

3.2.2. Da contestação 59

3.2.3. Das ações incidentais de Reintegração de Posse e Atentado 62

3.2.4. A intervenção da Comissão de Direitos Humanos 63

3.2.4.1. Do acordo extrajudicial 65

3.2.5. A Vara de Conflitos Agrários de Minas Gerais 66

3.2.6. Da homologação do acordo, termos e extinção do processo: vitória

comemorada pelos geraizeiros

68

4. CONCLUSÃO 71

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 75

6. ANEXOS 78

6.1. FOTOS E MAPAS 78

6.2. AUTOS DO PROCESSO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: PETIÇÃO INICIAL 84

6.3. AUTOS DO PROCESSO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: CONCESSÃO DE

LIMINAR

95

6.4. AUTOS DO PROCESSO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: CONTESTAÇÃO 99

6.5. AUTOS DO PROCESSO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: ENVIO DOS

AUTOS À VARA DE CONFLITOS AGRÁRIOS DE MINAS GERAIS

114

6.6. AUTOS DO PROCESSO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: TERMO DE

AUDIÊNCIA – VARA AGRÁRIA

116

6.7. CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE TERRAS DEVOLUTAS –

RURALMINAS/FLORESTAMINAS

121

15

LINHAS PROLEGOMINAIS

A escolha do tema, que ora é objeto de estudo, foi surgindo a partir das inquietações

que se afloraram durante o Curso de Direito, acerca da relação das classes populares,

sobretudo das comunidades de agricultores familiares, com o Direito Positivo e a Justiça. Ao

longo dessa caminhada, diversas indagações foram surgindo, tais como: o que é esse tal

Direito e a quem ele serve? Qual o olhar que as classes populares têm para esse Direito? Por

outro lado, de que forma esse Direito, positivado em normas coercitivas, vê e trata os

pequenos agricultores, seja individual ou coletivamente? Foi buscando respostas para essas

perguntas que começou a surgir o interesse pela pesquisa.

Tinha-se então uma linha de pesquisa, ainda que bastante genérica: Estudar a relação

entre o Direito e as comunidades de pequenos agricultores/agricultoras familiares. Faltava

ainda, porém, delimitar a qual espécie de agricultores familiares focaria o estudo.

Responder a essa questão, todavia, não foi difícil. Isso porque pertenço a uma dessas

espécies: os geraizeiros, comunidades de agricultores familiares tradicionais que vivem na

porção do cerrado norte-mineiro – os gerais, com características peculiares, costumes,

tradições, cultura, forma de se organizarem e produzirem próprias, a partir de uma relação

harmoniosa com o ambiente em que moram.

Ocorre que essa espécie de comunidade tradicional vem sofrendo um verdadeiro

atentado à sua cultura e, em última análise, à sua sobrevivência. Essa violência teve início na

década de 1970, quando, por meio das políticas desenvolvimentistas do Governo Militar, a

paisagem dos “gerais” teve grande parte de sua extensão – as chapadas – convertida em

monocultura de eucalipto. O plantio empresarial de eucalipto implicou na expropriação de

terras de uso comum dos geraizeiros e, consequentemente, na redução da oferta de água,

frutos nativos, ervas medicinais e madeira – recursos estratégicos para reprodução física e

social daquelas comunidades.

Com o advento de tais políticas diversas famílias foram forçadas ou induzidas a

migrarem definitivamente para as cidades, com falsas promessas de empregos e melhoria na

qualidade de vida. Outras, que permaneceram na roça, passaram a sofrer com migração

sazonal: pais de famílias e filhos jovens, em sua maioria, que se veem obrigados a migrarem

para regiões como Sul de Minas Gerais e Norte de São Paulo, por ocasião das colheitas de

16

cana de açúcar e café, por exemplo, deixando para traz, ainda que temporariamente, a casa, a

família, a escola e a comunidade, em busca de uma complementação na renda familiar.

Um dos frutos dessa desestruturação no jeito de viver dessas famílias camponesas:

manifestações culturais como os reizados (folias de reis), catiras, e outras danças e festas

regionais, também minguaram muito na região nas últimas décadas.

Devido a essa violência, diversas comunidades começaram a se organizar para

denunciar os malefícios socioambientais causados pela monocultura do eucalipto e reivindicar

o reconhecimento de seus direitos territoriais. Teve-se início a luta pela retomada dos

territórios, com o apoio de diversas entidades, como Sindicatos dos Trabalhadores Rurais,

ONGs, Igrejas e Movimentos Sociais do Campo.

Um dos casos mais emblemáticos é o da Comunidade de Vereda Funda, no município

de Rio Pardo de Minas, onde os geraizeiros construíram um processo de luta e de resistência

que durou mais de uma década. Essa luta originou um processo judicial, que cominou na

devolução das terras demarcadas pela comunidade como sendo seu território.

Desta feita, este trabalho buscou analisar o geraizeiro, na luta pela retomada do seu

território, bem como a relação dessa luta com o Direito e com a Justiça. Para tanto, tomou-se

como base teórica o Direito achado na rua – expressão criada por Roberto Lyra Filho para

pensar o Direito derivado da ação dos movimentos sociais – direito à luta.

O primeiro capítulo – Gerais, território dos geraizeiros – busca fazer uma apresentação

desses sujeitos e do lugar onde vivem: quem são, onde e como vivem, como se formaram

essas comunidades/territórios, como se deu a apropriação da categoria e a construção da

identidade geraizeira; e, por fim, conceituá-los enquanto comunidades tradicionais do cerrado.

O segundo capítulo – o impacto da expropriação das terras comunais no município de

Rio Pardo de minas: o Caso Vereda Funda – tem como objetivo, como já indica o seu título,

analisar como se deu a chegada dos “forasteiros” (as empresas), o impacto causado e a reação

dos geraizeiros a essa invasão ao seu território. A partir da situação de encurralados, tem-se o

início da organização para a resistência.

No terceiro e último capítulo chega-se à análise da luta e da relação dela com o

Direito. O Direito e luta e o direito à luta pela retomada do território, com a análise do

17

Processo Vereda Funda x Empresa Florestaminas (Ação possessória), à luz da teoria do

Direito achado na rua.

Este estudo foi realizado por meio de diversos aspectos metodológicos, quais sejam:

pesquisas bibliográficas (livros, teses, dissertações, artigos e documentário), pesquisa

empírica e estudo de autos (documentos oficiais).

No que se refere à pesquisa empírica, foram realizadas pesquisas de campo e

entrevistas com geraizeiros da Comunidade de Vereda Funda, bem como com lideranças do

Movimento Sindical que participaram do Processo de organização e luta dos Trabalhadores

Rurais no Município de Rio Pardo de Minas.

No tocante à pesquisa bibliográfica, ressalta-se a pretensão de se fazer um diálogo

interdisciplinar. Isso porque, embora esta seja uma monografia jurídica, em se tratando de um

trabalho sobre povos e comunidades tradicionais, é impossível não “beber de outras fontes”,

que não somente a do Direito, vez que este ainda não consegue responder todas as perguntas a

respeito do tema. O que dizer, por exemplo, das terras de uso comum por essas comunidades

e povos, tendo em vista que o ordenamento jurídico pátrio apenas prevê duas modalidades de

propriedade desses bens (terras), quais sejam particulares ou públicas? Essa, entre outras

questões, fez com que o presente trabalho buscasse fazer um diálogo, a partir do Direito, com

outras ciências, tais como a antropologia e a sociologia, sobretudo para conceituar e

contextualizar esses povos tradicionais: os geraizeiros.

Por fim, vale mencionar que o presente estudo não ambiciona esgotar o tema. Ao

contrário, pretende-se iniciar um debate no mundo jurídico-acadêmico, acerca dos direitos e

do Direito das comunidades tradicionais geraizeiras. A pretensão, em suma, é buscar respostas

às indagações que, como dito, deram origem à pesquisa, e, ao final, trazerem questões que

propiciem a continuação do debate.

18

CAPÍTULO 1 – OS GERAIS, TERRITÓRIO DOS GERAIZEIROS

1.1. CONCEITUANDO GERAIS E GERAIZEIRO:

Gerais é uma denominação utilizada, sobretudo na região norte do Estado de Minas

Gerais1 para definir as áreas de cerrado

2, como os planaltos, topos de serra, encostas e vales. É

também, como afirma Nogueira (2009: 23):

o território reivindicado e um dos mais importantes vetores no processo de

afirmação identitária dos Geraizeiros, oferecendo elementos discursivos e

perfomativos de justificação para as demandas desse grupo, numa ampla arena de

articulação política.

O cerrado (ou gerais), portanto, é o que diferencia o geraizeiro, enquanto população

tradicional. A dinâmica da relação das comunidades geraizeiras com o meio em que vivem

traz importante simbolismo, sobretudo nos últimos tempos, no processo de afirmação da sua

identidade. Trata-se de um bioma que, ao contrário do que ordinariamente afirma a sociedade

nacional3, é, além de belo, extremamente importante para a manutenção da vida, devido a sua

imensa riqueza biológica.

Em sua tese de doutorado, Silva (2006) fala sobre essa riqueza do Cerrado,

questionando a definição de baixa fertilidade e alta acidez dos solos de Cerrado, visto que tal

definição é oriunda da agronomia moderna, devotada à produção massificada de grãos.

Certamente, esta definição tem a ver com as exigências das principais culturas

alimentares do mundo que não são iguais, por exemplo, às das plantas frutíferas do

cerrado como pequi, buriti, araticum, mangaba, cagaita, cajuzinho, bacuri etc., que

são ricas em nutrientes e sempre fizeram parte da dieta dos povos do cerrado. Estas

plantas nascem, crescem e produzem, com um nível razoável de fartura, em

condições chamadas por essa agronomia de baixa fertilidade e alta acidez dos solos,

inclusive com níveis de alumínio considerados tóxicos. Isso demonstra um processo

histórico de adaptação (inclusive ao fogo) que relativiza esses conceitos um tanto

reducionista do que seja riqueza ou pobreza. Esses solos, teoricamente pobres,

sustentam uma das maiores e mais ricas biodiversidades do planeta. (Op. cit.: 50,

grifos do original). (SILVA, 2006 apud NOGUEIRA, 2009: 31)

1 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a mesorregião do Norte de Minas

Gerais integra 89 municípios, agrupados em 07 microrregiões, totalizando 128.454,108 km2 (NOGUEIRA, 2009:

17) ) 2 Categoria presente também no Leste dos Estados de Goiás e Tocantins, Oeste da Bahia, Sul do Maranhão,

Norte do Piauí e Noroeste de Minas Gerais.

3 O Cerrado é um bioma visto ordinariamente pela sociedade nacional como pobre, feio e menor em relação a

outros, especialmente a Amazônia (NOGUEIRA, 2009).

19

Essas áreas, menos propícias à agricultura – as chapadas – são partes importantes para

a subsistência dos Geraizeiros – reconhecidos como “povos do cerrado”, a que se refere Silva

(2006) – dada a sua rica e vasta biodiversidade nativa. O camponês dos Gerais utiliza, quer

seja individual, quer seja coletivamente, das plantas medicinais e espécies de madeiras nativas

do cerrado e dos frutos nativos, como o pequi, o panan, o coquinho azedo, o araticum, o rufão,

dentre outros, que são vendidos nas feiras livres, para complementar a renda familiar. OS

gerais também é um local onde o gado é criado solto – ou “na solta”, como dizem os

geraizeiros.

A agricultura é desenvolvida nas veredas, brejos e vazantes, terras mais úmidas e

férteis. Lavouras diversificadas, como milho, feijão, mandioca, cana de açúcar, frutas e

verduras. Os cultivos guardam uma rica diversidade de espécies e variedades e os cerrados,

com suas transições com a caatinga, fazem parte da estratégia produtiva e de subsistência do

geraizeiro, fornecendo, de forma extrativista, alimentação para o gado, caça, madeira, lenha,

frutos, folhas e medicamentos.

Trata-se um modo de vida peculiar e ecologicamente mais adaptado ao cerrado, o que

contribuiu para que os Geraizeiros fossem contemporaneamente reconhecidos como povo

tradicional do Cerrado, conforme se verá adiante.

No entanto, resumir o conceito de gerais como sendo apenas um sinônimo de cerrado

seria pouco. Em sua tese de doutorado, Nogueira (2009) delimita gerais como entidade

histórica e geográfica, a partir da leitura e combinação de várias fontes e elementos. “Trata-se

de um amplo repertório de narrativas, representações e valores associados aos Gerais,

presentes na historiografia regional, na literatura e no imaginário social brasileiro”

(NOGUEIRA: 2009: 24)

A autora faz um relato histórico, desde a colonização portuguesa – período colonial.

Nesse período o termo campos gerais era comumente utilizado para denominar as vastas

paisagens do interior do Brasil – campos extensos, desaproveitados e desabitados. Essa

denominação é também utilizada em Roraima, Santa Catarina e Paraná, coincidindo muitas

vezes com áreas de Cerrado, em algum desses estados.

Paulo Bertran (2005) afirma que

Campos Gerais é a taxonomia verdadeira do Cerrado, apoiada por diversas fontes

documentais dos séculos XVI, XVII e XVIII, ao contrário da concepção Warming,

20

que reduziu os Campos Gerais do Brasil à variedade do que tinha à volta de casa e

que se chamava Cerrado. Trocou o geral pelo particular e assim perpetuou-se o erro

na ciência (BERTRAN: 2005, apud NOGUEIRA: 2009, 44).

Essa categoria “Campos Gerais” manteve-se operativa até o século XIX. Euclides da

Cunha, em Os Sertões, descreve o caminho para o Nordeste, referindo-se precisamente ao

interior dos estados de Minas Gerais e Goiás, como “paragem formosíssima dos campos

gerais, expandida em chapadões ondulantes – grandes tablados onde campeia a sociedade

rude dos vaqueiros” (CUNHA, 1995: 105, apud NOGUEIRA, 2009: 45).

A porção de campos gerais, que se estendem pelo Alto Médio São Francisco, na região

Norte de Minas Gerais, foi também denominada Currais da Bahia, como menciona Nogueira

(2009). Isso porque o gado foi um dos fatores mais importantes da ocupação norte-mineira,

dada à mobilidade da carga (trata-se de uma mercadoria que se transporta por si só).

Outros tipos de atividades também foram sendo desenvolvidos na região, como a

criação de animais de transporte e tração, animais de pequeno porte, como porco e galinha,

além da instalação de engenhos para a produção de cachaça e rapadura. A combinação da

criação de gado, ao trabalho nos engenhos, ao cultivo e preparo da mandioca, do milho, da

abóbora e às técnicas indígenas de caça e pesca provinha a subsistência dos núcleos coloniais

que aí se estabeleceram (RIBEIRO, 2005), bem como permitiu, mais tarde a produção de

excedentes para a comercialização nas zonas auríferas. “A ocupação colonial da região no

período representou, portanto, a interpenetração de saberes e fazeres das populações nativas e

colonizadoras, que ainda hoje ecoam na cultura geraizeira” (NOGUEIRA, 2009: 48).

O que se extrai dessa breve síntese histórica é que o Estado de Minas Gerais se divide

em dois polos: de um lado o fausto do ouro, do outro a rudeza dos currais, como menciona

Nogueira (2009). Guarda entre as fronteiras de sua imensa base territorial uma histórica

antinomia entre as Minas e os Gerais: a primeira diz respeito à região, cuja ocupação se deu

com a exploração do ouro, pelos colonizadores (invasores) portugueses, e que é conhecida por

suas cidades e casarões históricos, erguidos entre as montanhas; a segunda, que é o objeto do

presente estudo, a imensa região do gado, das chapadas sanfranciscanas, dos currais da Bahia,

que produzia alimentos para a zona aurífera. Tem, portanto, no ciclo do ouro o

estabelecimento do vínculo entre essas duas sociedades, a dos geraizeiros e a dos

mineradores.

21

Há outro conceito, o de Terras Gerais, ou terras sem senhores, que está ligado ao

período do pós-ciclo do ouro. Com a decadência da atividade mineraria, e com o

enfraquecimento da economia, boa parte da população, atraída anteriormente pelos núcleos

auríferos se dispersou por fazendas isoladas e autárquicas - “o povo desce das montanhas e

espalha-se pelos campos, trocando as minas pelas gerais” (VASCONCELLOS, 1968: 193).

Segundo Nogueira (2006), é possível afirmar que parte desse povo que se assentou em

terras gerais – os desclassificados do ouro4 – eram camponeses pobres, isso porque, com o

declínio da economia, o monopólio perdera temporariamente o sentido.

Além dos homens brancos e pardos, negros forros também compunham as fileiras de

homens livres pobres que se dispersaram pelos Gerais. Isso porque, muitos senhores

de escravos, com o escasseamento do ouro, se viram impossibilitados de arcar com

as despesas de seus escravos e lançaram mão das alforrias, para se isentarem de

responsabilidades. (...) uma camada da sociedade pouco considerada pela

historiografia oficial até recentemente. Essa relativa invisibilidade histórica implicou

em graves lacunas em termos de informações mais precisas a respeito dos segmentos

que compunham essa camada de “desclassificados sociais” no Brasil do século

XVIII. (NOGUEIRA, 2006: 58)

Com o declínio da atividade minerária, houve uma ruralização5 da população da

Capitania Minas Gerais e, especificamente na região norte-mineira, uma fragmentação da

estrutura fundiária, devido à desvalorização do gado pela concorrência e superprodução

(MATA-MACHADO, 1991 apud NOGUEIRA, 2009: 60). Esse processo de ruralização, no

entanto, não se deu pela aquisição jurídica das propriedades, por parte dos que se dispersaram

nos Gerais, já que o princípio que vigorava era o da ocupação, pelo trabalho, das terras livres

(NOGUEIRA, 2009: 60). Tem-se então a figura do posseiro6 - sitiantes e agregados das

fazendas remanescentes, num sistema autárquico de produção, baseado em cultivos

diversificados e no extrativismo de espécies nativas.

Trata-se de uma posse coletiva, ou, como descreve Almeida (1988: 43, apud

NOGUEIRA, 2009: 84), um sistema de posse comum: uma modalidade de apropriação da

4 Laura Mello e Souza (1982) denominou os homens livres pobres de “desclassificados do ouro” – uma categoria

genérica para designar uma ampla, fluida e heterogênea camada de excluídos sociais, abrangendo garimpeiros,

agricultores pobres, escravos fugidos e forros, bandidos e prostitutas - nas palavras da autora “a gente livre pobre

que descambou com freqüência para a desclassificação social”

5 Ruralização é um termo usado por Nogueira (2009) para definir o fenômeno acontecido no período pós-ciclo-

do-ouro em Minas Gerais, e consiste na dispersão dos antigos trabalhadores dos minérios pelas terras rurais

ainda não ocupadas do Estado.

6 Posseiro é a pessoa que detém de fato a posse de uma gleba de terra, mas não é o dono de direito, não

possuindo assim documentação e registro em cartório, como por exemplo, quem ocupa terras devolutas sem

registro e titulação em cartório. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Posseiro)

22

terra, em que o controle deste recurso básico “não é exercido livre e individualmente por um

grupo doméstico determinado, mas sim através de normas específicas instituídas e acatadas,

de maneira consensual, nos meandros das relações sociais estabelecidas entre vários grupos

familiares de pequenos produtores diretos”.

Desde então, Gerais, além de freqüentemente referir-se a uma paisagem natural

específica, indica um modo de uso, de apropriação comum, geral das terras, indica

que elas não são particulares, mas gerais. Por isso, há indícios de que os geralistas

(ou Geraizeiros) também correspondiam aos homens livres, na época do Brasil

Colônia, que deixavam as já esgotadas regiões auríferas da Capitania de Minas

Gerais e de Goiás, em busca de terras férteis para se estabelecerem como

agricultores. Tornados posseiros, sitiantes, foreiros e agregados, essa população se

estabeleceu em terras devolutas, mas também em áreas não aproveitadas no interior

das próprias fazendas de criação de gado. (NOGUEIRA, 2009: 60)

Sendo assim, relata Nogueira (2009), não obstante as variações nos sentidos atribuídos

aos termos gerais e geraizeiros no Norte de Minas, eles correspondem respectivamente às

áreas de Cerrado e aos seus moradores históricos. E conclui a autora, citando os ensinamentos

de Luiz Tarley Aragão:

É certo também que os outros sentidos não contradizem essa definição, mas a

complementam, visto que os Geraizeiros nortemineiros são também os camponeses

pobres que freqüentam as páginas da literatura histórica sobre a região, como

homens livres e mestiços que se dispersaram pelos sertões, ocupando terras gerais,

“os grandes campos, as ‘largas’ (...) deixados para uso comum, indiscriminado, sem

cercas e sem marco de propriedade, já que eram cobertos juridicamente pelo

costume” (ARAGÃO, 1993: 181 apud NOGUEIRA, 2006: 60).

No tocante ao acesso a terra, podia-se dividir os geraizeiros em três categorias bastante

comuns no meio rural brasileiro: herdeiros, posseiros e agregados. Nogueira caracteriza essas

categorias na forma com se apresentam no norte de Minas, considerando a experiência

particular do Geraizeiro:

Os herdeiros, como o nome já indica, referem-se àqueles que receberam a terra por

herança; terras tituladas, originárias de antigas sesmarias, que no século XIX foram

divididas em sítios e grandes fazendas e postos à venda ou ao arrendamento. Alguns

desses sítios ou fazendas, além de integrarem famílias extensas, em regime de

próindiviso (ou seja, em comum), foram muitas vezes partilhados entre herdeiros.

(...) O que se destaca no caso de herdeiros, é o quanto é mais evidente o vínculo

entre terra e família. Afinal, a terra constitui-se patrimônio familiar, cuja transmissão

e partilha aos descendentes é legalmente garantida.

(...)

Diferentemente, os posseiros eram, conforme a ética camponesa, os que

genericamente se apropriaram da terra, por meio do trabalho, sendo esse

apossamento documentado ou não. A propósito, regionalmente, faz-se distinção

entre posseiros e sitiantes, sendo, os primeiros, aqueles que posseavam glebas de

terra cuja propriedade era atribuída a algum fazendeiro, enquanto os sitiantes (ou

situantes) ignoravam a situação legal da terra ocupada. (...) O posseiro,

23

diferentemente do sitiante, ocupava a terra em acordo com o proprietário da fazenda

em questão (ou em tempos mais distantes, por sesmeiros), que impunha algumas

restrições de uso aos recursos aí disponíveis, bem como o pagamento em serviços

eventuais. (...) A instituição do Estatuto da Terra na década de 1960, que realizou a

“legitimação” de algumas posses na região, revelou que a porção declarada pelos

posseiros era sempre menor que a terra ocupada ou utilizada por eles.

Freqüentemente, referiam-se apenas ao chão de morada e às roças ativas - excluídas

áreas de pousio e, sobretudo, as áreas de uso coletivo dos gerais. Essa situação,

naturalmente, contribuiu para o processo de expropriação territorial sofrida pelos

Geraizeiros nas décadas seguintes, mas é também coerente com a percepção que

tinham sobre o sentido da posse e sua fonte de legitimidade: o trabalho, cujos

índices eram justamente a casa e a roça.

(...)

Entre os Geraizeiros, muitos também foram agregados de antigas fazendas, que

diferiam dos posseiros, por assentarem moradia mais próxima à sede da fazenda e

estabelecerem relações mais estreitas e definidas de prestação de serviços, como

paga pelo uso dos recursos naturais. Isso porque, a rigor, ao fazendeiro interessava

antes exercer controle sobre o acesso aos recursos naturais, do que sobre a terra, já

que a mesma, como base física de produção, valia pouco à época. (NOGUEIRA,

2006: 94, 95 e 96)

1.2. A APROPRIAÇÃO DA CATEGORIA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

GERAIZEIRA

Geraizeiro “cacunda di librina”: assim ficaram conhecidos os feirantes dos gerais nas

feiras livres em cidades das caatingas (bioma vizinho), como a feira de Porteirinha e outras.

Isso por conta das relações climáticas da região, já que nos Gerais, diferente da caatinga,

costuma neblinar muito e, por consequência disso, os geraizeiros costumavam chegar às feiras

com as costas molhadas de neblina.

Essa experiência de alteridade vivida com relação aos caatigueiros – oriundos de

porções da Caatinga que adentra a região nortemineira – é um importante vetor no processo

de identificação e de auto-reconhecimento das comunidades geraizeiras.

A verdadeira identidade geraizeira é farinha, goma, pequi... Dizia assim: - “olha,

aqui ontem encheu de farinha e goma. O caminhão que chegou dos Gerais”. (...)

“cacunda de librina”, isso foi os catingueiros que pôs nós Geraizeiros. Às vezes até

ignorava ser chamada de “cacunda de librina”. Muitas pessoas tinham vergonha de

dizer que era geraizeiro por causa disso. (Arcilio dos Santos, Geraizeiro da

Comunidade de Vereda Funda – Rio Pardo de Minas, apud NOGUEIRA, 2009: 99)

Agente sempre ouviu falar isso. Mas eu ficava por entender, por que gerais? Ai o

pessoal dizia: “-não, é porque o gerais é um lugar mais fresco, tem muita agua, essas

coisas. Produz melhor, a cana desenvolve mais, não sei o quê. É um lugar fresco,

librina muito na seca e tal”. Não sei se era isso a identificação. (...) Os gerais ele é

mais composto, por diversos frutos, mais água. (...) Quando eu morei na Caatinga, o

pessoal comentava dos remédios caseiros, a maioria dos remédios que eles falam,

24

agente escutava dizer “-olha, você vai encontrar isso nos gerais”. (Custódio do

Carmo, Assentamento de Tapera, Riacho dos Machados, apud NOGUEIRA, 2009:

99).

Não é difícil notar, quando se conversa com esses agricultores tradicionais, sobretudo

os mais idosos, o orgulho de se autodenominarem geraizeiros. O que, para alguns, era tomado

como algo pejorativo e vergonhoso, acabou sendo apropriado e se tornando a principal

referência identitária dessas comunidades tradicionais.

Eu sou um Geraizeiro porque nasci e me criei no Gerais e convivo até hoje no

Gerais. Então, a história dos Geraizeiros tem muito a ver com o lugar onde vivemos.

O povo fala assim: de uma farinha boa, fala que é do Gerais; se tiver uma rapadura

boa, fala que é do Gerais. A diferença entre Gerais e Caatinga é porque o gerais tem

a diversidade das plantas, de espécies de árvores e bichos que é diferente da

Caatinga. Além da vegetação, tem a questão da água, porque no Gerais é mais fácil

– o pessoal fala que água boa é água dos Gerais. Os Geraizeiros têm tradição de

plantar mandioca, cana, o arroz, o milho e o feijão. Uma tradição de plantio mais

consorciado. A história dos Geraizeiros tem muito a ver com a feira de Porteirinha,

porque, na verdade, se diz assim, que a maior parte das coisas dos Gerais vão para o

mercado de Porteirinha, de Riacho dos Machados, Rio Pardo, Fruta de Leite... (João

Altino Neto, do Assentamento Americana, apud NOGUEIRA, 2009: 99).

Para os mais vividos principalmente, o termo geraizeiro remete às boas lembranças de

um passado de liberdade e abundância de recursos naturais. Tempo em que se tinham poucas

cercas e poucos papéis (documentos de terras), mas sobrava solidariedade e união. Tempo que

se criavam o gado “na solta” – bastava abrir o colchete ou a porteira para o gado ir pastar nos

gerais, e no tempo certo, abria novamente para retornarem. Tempo em que se sabia, ao certo,

quando começavam as duas estações do calendário o sertanejo: “seca e zágua” – o tempo da

seca e o tempo das águas.

Essas lembranças são retratadas de diversas formas, quer seja nas conversas de

botecos, nas prosas em família, ou nas composições de artistas locais.

Até hoje inda me lembro como si fossi agora, /aqui tudo era sertão, /mais tudo era

muito bom, /tem algumas coiza na minha memória./ Aqui tinha muitas lagoas, /mais

não tinha nenhuma repreza, /as águas corriam livremente, /em meio a natureza.

/Animais corria nas vargen, /que às vezes ficavam atolado, /porque tinha muita água

os brejos era incharcado. /Precizava muitas valas /pra que fossi cultivado,/ agente

plantava pouco, /mais tinha bons rezultado. /Agente andava pelos campo /porque

tudo era incumum, /tinha cagaiteira, jatobá, rufão, articum, /tinha coquinho, araçar,

gabiroba, muricir /e de janeiro a mezes de março /a tão sonhada coleta do pequi. (...)

(Trecho da Poesia de Idalino, geraizeiro de Vargem Grande do Rio Pardo, Minas

Gerais, apud NOGUEIRA 2009: 04).

Eu nunca ei de esquecer o que vivi ali,/ o velho carro de boi, ao lado do curral./ os

meus irmãos tocando gado na beira do Rio,/ a minha mãe ralando o milho, fazendo o

cural./ a noite, quando lua vinha, fazendo um clarão,/ meu pai pegava um sanfona,

25

eu um violão. Naquele pedaço de chão era só alegria./ veio o maldito destino/

estragou nossa família (...) (ZIGUILEU, 20047).

Povo de fé – em sua maioria cristã – os geraizeiros têm na religião a principal forma

de se reunirem, se organizarem e manterem vivas suas tradições e culturas. São diversas as

manifestações religiosas e culturais geraizeiras, como as folias de reis e os catiras8, as festas

de padroeiros, as festas juninas e as “roubadas de bandeira9”, as danças e comidas típicas,

dentre outras.

A religião e os costumes sempre foram muito presentes na vida desses povos e

nortearam os fazeres geraizeiros, muitas vezes inclusive face ao Direito. Conhece-se muito

mais a “lei de Deus” do que a “lei dos homens”, a “justiça divina” – os ensinamentos bíblicos

– do que a “justiça terrena”. Dificilmente se encontraria um sertanejo dos gerais que

conseguisse definir crime (fato típico, ilícito e culpável), por exemplo, mas certamente saberia

definir pecado (matar, roubar, praticar falso testemunho, etc.).

No entanto, o que se percebe é que, nas últimas décadas, essas comunidades foram

encontrando outras formas de se reunirem e se organizarem, sem, contudo, lançar mão da

religião e dos costumes. Os geraizeiros contemporâneos também se organizam por meio de

Sindicatos, Associações Comunitárias, Cooperativas, dentre outros. Com o surgimento de

novos desafios e demandas – a maior parte trazida pelas chamadas “políticas

desenvolvimentistas”, como o incentivo Estatal ao cultivo em larga escala de eucalipto e

pinho na década de setenta – essas comunidades foram se apropriando de novas “ferramentas

de luta” pela (re) afirmação da sua identidade. O Direito, em suas diversas esferas, quais

7 Trecho da música Pedaço de chão, do Álbum (mídia independente) “Flor de Limoeiro”, gravado pelo

compositor Ziguileu, natural de Rio Pardo de Minas.

8 Folia de Reis é um festejo de origem portuguesa ligado às comemorações do culto católico do Natal, trazido

para o Brasil ainda nos primórdios da formação da identidade cultural brasileira, e que ainda hoje mantém-se

vivo nas manifestações folclóricas de muitas regiões do país. Na cultura geraizeria a folia de reis se dá da

seguinte forma: Passado o Natal, os foliões saem pelas casas da região (onde forem recebidos), cantando o

reisado à beira dos presépios – fazendo uma alusão à passagem bíblica, onde os Reis Magos: Gaspar, Belchior e

Baltazar visitam o Menino Jesus, que acabara de nascer em uma manjedoura – e colhendo as oferendas

(esmolas) para a grande festa de encerramento no dia seis de janeiro – dia dos Santos Reis. Ao final de cada

reisado, os foliões e os convidados dançam o catira – dança folclórica brasileira onde o ritmo musical é marcado

pelas batidas dos pés e mãos dos dançarinos.

9 A roubada da bandeira é um folguedo popular bastante difundido no meio rural brasileiro. Na tradição

geraizeira, a brincadeira consiste no hasteamento de uma bandeira, em mastro forte e altaneiro, em frente à casa

do festeiro, nas festas juninas, quais sejam de Santo Antônio (dia treze), São João (dia vinte e quatro), e São

Pedro (dia vinte e nove). A bandeira é, então, roubada, furtivamente, para que o ladrão permaneça incógnito, e

depois devolvida no ano seguinte na mesma data, com uma grande festa, ocasião em que a bandeira é hasteada

novamente, ficando à disposição de um novo “ladrão”.

26

sejam agrário, civil, ambiental, penal ou previdenciário, tem ocupado cada vez mais espaço na

vida desses povos tradicionais do cerrado.

1.3. CONCEITUANDO COMUNIDADES, POVOS E TERRITÓRIOS TRADICIONAIS

1.3.1. Povos Tradicionais

Trata-se de um conceito amplo, ou, como descrevem Carneiro e Almeida10

, um termo

“propositalmente abrangente”, o que não se deve ser confundido com confusão conceitual.

Definir as populações tradicionais pela adesão à tradição seria contraditório com os

conhecimentos antropológicos atuais. Defini-las como populações que têm baixo

impacto sobre o ambiente, para depois afirmar que são ecologicamente sustentáveis,

seria mera tautologia. Se as definirmos como populações que estão fora da esfera do

mercado, será difícil encontrá-las hoje em dia. Nos textos acadêmicos e jurídicos

descrevem-se em geral as categorias por meio das propriedades ou características

dos elementos que as constituem. Mas as categorias sociais também podem ser

descritas "em extensão" – isto é, pela simples numeração dos elementos que as

compõem. Por enquanto, achamos melhor definir as "populações tradicionais" de

maneira "extensional", isto é, enumerando seus "membros" atuais, ou os candidatos

a "membros".

Ao dar tal definição, os autores dão ênfase ao que denomina de “apropriação de

categoria” e à “formação de sujeitos por meio de novas práticas”. Por exemplo: termos como

"índio", "indígena", "tribal", "nativo", "aborígine" e "negro", criados, genericamente pela

metrópole, foram aos poucos sendo apropriados, habitados por “gente de carne e osso”, que

converteram esses termos, carregados de preconceito em bandeiras mobilizadoras.

Segundo Paul Litlle:

O uso do Conceito de povos tradicionais procura oferecer um mecanismo analítico

capaz de juntar fatores como a existência de regimes de propriedade comum, o

sentimento de pertencimento ao lugar, à procura de autonomia cultural e práticas

adaptativas sustentáveis (LITLLE, apud BRITO, 2006: 87).

Um estudo do antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida11

, da Universidade

Federal do Amazonas, faz uma estimativa que os segmentos sociais tradicionais reúnem

10

Texto: Quem são as Populações Tradicionais? – Autores: Manuela Carneiro da Cunha (Antropóloga,

Professora da Universidade de Chicago) & Mauro W. B. Almeida (Antropólogo, Professor da Universidade

Estadual de Campinas) Publicado em Unidades de Conservação (http://uc.socioambiental.org) e acessado em

24/01/2012)

11 Fonte: Ministério do desenvolvimento Agrário – MDA, http://www.mds.gov.br/noticias/plano-para-povos-e-

comunidades-tradicionais-e-discutido-em-brasilia/, acesso em 08/02/2012.

27

aproximadamente cinco milhões de pessoas, entre indígenas, quilombolas, seringueiros,

quebradeiras de coco-de-babaçu, em fundo de pastos, de faxinais, de comunidade de terreiro,

pescadores artesanais, ribeirinhos, caiçaras, pantaneiros, geraizeiros, agroextrativistas,

ciganos, dentre outros segmentos sociais tradicionais. O mesmo estudo mostra que as

comunidades tradicionais ocupam aproximadamente um quarto do território nacional.

1.3.2. Território – espaço de exercício de poder e de relações socioculturais

Espaço, trabalho, política, economia, cultura, e (relação de) poder: são palavras que

saltam aos olhos, quando se busca definir território, conforme se verá nas definições

elencadas a seguir, por diversos autores.

Para Claude Raffestin (1993), “É essencial compreender bem que o espaço é anterior

ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por

um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível”. Dessa forma, para o

autor, a territorialização do espaço se dá na medida em que o ator se apropria dele,

entendendo assim, o território como sendo:

(...) um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por

conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (...) o território se apóia no

espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção,

por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder (...)

(RAFFESTIN, 1993: 144).

Florestan Fernandes diferencia e relaciona espaço e território. Este “formado por um

conjunto indissociável, solitário e também contraditório de sistemas de objetos e sistemas de

ações, não considerados isoladamente, mas como quadro único no qual a historia se dá”

(SANTOS, 1996: 50 apud FERNANDES, 2006: 32), enquanto aquele “é o espaço apropriado

por uma determinada relação social que o produz e o matem a partir de uma forma de poder”

(FERNANDES, 2006: 33).

Os territórios se movimentam e se fixam no espaço geográfico (...) são as relações

sociais que transformam o espaço em território e vice versa, sendo o espaço um, a

priori e o território um, a posteriori. O espaço é perene e o território é intermitente.

(...) o território como espaço geográfico contem os elementos da natureza e os

espaços produzidos pelas relações sociais. (...) o território é o espaço de liberdade e

dominação, de expropriação e resistência. (FERNANDES, 2006: 34, apud

OLIVEIRA 2010: 54)

Na concepção de Marcos Aurelio Saquet

28

O território significa natureza e sociedade; economia, política e cultura; idéia e

matéria; identidades e representações; apropriação, dominação e controle; des-

continuidades; conexão e redes; domínio e subordinação; degradação e proteção

ambiental; terra, formas espaciais e relações de poder; diversidade e unidade. Isso

significa a existência de interações no e do processo de territorialização, que

envolvem e são envolvidas por processos sociais semelhantes e diferentes, nos

mesmos ou em distintos momentos e lugares, centradas na conjugação, paradoxal,

de des-continuidades, de desigualdades, diferenças e traços comuns. Cada

combinação específica de cada relação espaço-tempo é produto, acompanha e

condiciona os fenômenos e processos territoriais. (SAQUET, 2010: 24)

A respeito das relações de poder, presente em todas as definições elencadas, SOUZA

(2001) salienta que não se restringe ao Estado e não se confunde com violência e dominação.

Dessa forma, o conceito de território deve abarcar mais que o território do Estado-Nação.

Assim, o autor diz que “todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder é

um território, do quarteirão aterrorizado por uma gangue de jovens até o bloco constituído

pelos países membros da OTAN” (SOUZA, 2001: 11).

Território é, portanto, em suma, o espaço de exercício de poder, onde se desenvolvem

relações sociais e culturais. Esse espaço, apropriado por essas relações sócio-culturais, não

estão necessariamente vinculados a um lugar específico (espaço geográfico), podendo, estar

em constante migração, a exemplo do Ciganos

1.3.3. O decreto presidencial 6.040/0

Datada de sete de fevereiro de 2007, o decreto presidencial 6.040 Institui a Política

Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. No seu

art. 1º, I, o normativo define as populações e territórios tradicionais:

I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se

reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que

ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução

cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos,

inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e

econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma

permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e

quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações (...)

29

O normativo trouxe um novo conceito para o tema: a autodenominação e o

pronunciado objetivo de se respeitarem as diversidades presentes nesses grupos.

MarceloRibeiro de Oliveira12

, citando os ensinamentos de Michele Carducci, afirma que:

Esse conceito, naturalmente indeterminado, ao lançar mão do auto reconhecimento,

assegura, em larga medida a alteridade na medida em que contempla o “outro” como

sujeito ativo do processo hermenêutico.

Outro fator importante é a reafirmação de que tais coletividades são detentoras de

territórios – espaços necessários para sua reprodução cultural, social e econômica, sejam eles

utilizados de forma permanente ou temporária.

O objetivo da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais – instituída pelo mencionado decreto, como afirmou Jorge

Zimmermann, então diretor de Agroextrativismo do Ministério do Meio Ambiente (2007) é o

de:

Promover o desenvolvimento sustentável, com ênfase no reconhecimento,

fortalecimento e garantia dos direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e

culturais, além de respeito à valorização de identidade daquelas populações, às suas

formas de organização e às suas instituições.

Buscou-se então garantir direitos fundamentais das comunidades tradicionais e a

dignidade dessas populações. Cabe anotar que essa dignidade, além de ser, como demonstra

HÄBERLE (2006, apud OLIVEIRA, 2008: 4), evidente opção do dever jurídico-estatal de

respeito por parte do Estado, é também situada no contexto cultural. Faz-se necessário, como

ensina Boaventura de Souza Santos, o emprego da hermenêutica diatópica13

com vistas a

promover a necessária visualização dos anseios dessas comunidades e a melhor forma de

atender às suas pretensões.

HÄBERLE (2006, apud OLIVEIRA, 2008: 4) fala sobre a dupla direção protetiva da

cláusula da dignidade da pessoa humana, quais sejam “contra o Estado” e “para o Estado”. Ou

seja, ao vislumbrar os direitos dessas comunidades à efetiva dignidade de seus integrantes, 12

Texto: O Conceito Jurídico da Expressão “Povos e Comunidades Tradicionais” e as inovações do Decreto

6.040/2007 disponível em http://ocarete.org.br/wp-content/uploads/2009/02/conceitojuridico-pect.pdf acesso em

24/01/2012

13 “A hermenêutica diatópica baseia-se na idéia de que os topoi (teoria apresentada como um modelo alternativo

a uma semântica) de uma dada cultura por mais fortes que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a

que pertencem. Tal incompletude não é visível a partir do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à

totalidade induz a que se tome a parte pelo todo. O objetivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a

completude – um objetivo inatingível – mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude

mútua por intermédio de um diálogo que se desenrola, por assim, dizer, com um pé em uma cultura e outro em

outra. Nisto reside o seu caráter diatópico” (OLIVEIRA, 2008: 4).

30

exige-se tanto a abstenção, por parte do Estado, no sentido de garantir a sua autonomia, bem

como a ação positiva no sentido de se obrigar o Estado a implementar políticas públicas

voltadas para a preservação do modus vivendi dos povos tradicionais.

Anterior ao decreto havia o veto presidencial à conceituação trazida pela Lei

9985/2005 – Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação que, no seu art. 2º, inciso

V (vetado), assim definia povos e comunidade tradicionais:

Grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo há, no mínimo, três gerações

em um determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu modo de vida, em

estreita dependência do meio natural para sua subsistência e utilizando os recursos

naturais de forma sustentável.

A respeito do veto, SANTILLI (2005) ressalta que:

(...) foi defendido não apenas por preservacionistas, que consideravam a definição

excessivamente ampla, e, portanto, suscetível de utilização indevida, como também

pelo movimento dos seringueiros da Amazônia, que considerava a delimitação

excessivamente restritiva, pela exigência da permanência na área ‘há três gerações’,

pois, quando se cria uma reserva extrativista ou uma reserva de desenvolvimento

sustentável, o que se pretende é assegurar os meios de vida e a cultura das

populações extrativistas, independentemente do tempo e da permanência na área.

Já a Constituição Federal de 1988 (CF/88), tratou de forma objetiva apenas da questão

das comunidades remanescentes dos quilombos e territórios indígenas, como se vê no artigo

68 da ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, e nos art. 231 e 232 da

Constituição:

ADCT – Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam

ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado

emitir-lhes os títulos respectivos.

CF/88 – Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,

línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que

tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer

respeitar todos os seus bens.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para

ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério

Público em todos os atos do processo.

No entanto, o art. 116 da Constituição Cidadã diz que o patrimônio cultural brasileiro

é constituído pelos “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em

conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira”. Dentre eles se incluem: (III) “as formas de expressão e

os modos de criar, fazer e viver”. Esses bens, conforme assegura a referida Constituição,

31

devem ser protegidos pelo Estado e os danos e ameaças a eles devem ser punidos na forma da

lei.

Por seu turno, o decreto presidencial 6.040 de 2007, conforme afirmou Ruben Junior14

“estende um reconhecimento feito parcialmente, na Constituição de 1988, apenas aos

indígenas e aos quilombolas”. Com a implementação da Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT, buscou-se

beneficiar oficialmente “o conjunto das populações tradicionais, incluindo ainda faxinenses

(que plantam mate e criam porcos), comunidade de "fundo de pasto", geraizeiros (habitantes

do sertão), pantaneiros, caiçaras (pescadores do mar), ribeirinhos, seringueiros, castanheiros,

quebradeiras de coco de babaçu, ciganos, dentre outras” – afirmou o então assessor do

Ministério do Meio Ambiente (2007).

1.4. OS GERAIZEIROS: POVOS TRADICIONAIS DO CERRADO

Enfocando no Geraizeiro, ao dar esse conceito englobante e genérico às comunidades,

povos e territórios tradicionais, ‘o referido decreto – que é fruto de uma longa discussão dos

agentes políticos e sociais – é, portanto o marco normativo/legal no reconhecimento do povo

geraizeiro como população tradicional do cerrado. O reconhecimento formal de prerrogativas

desses grupos com relação ao Cerrado, “aonde historicamente têm estabelecido seus

territórios, bem como de uma provável coevolução resultante da interação entre sociedades e

natureza” (NOGUEIRA, 2006: 14).

O geraizeiro, mais do que nunca, como sujeito de direitos. Trata-se de um processo de

afirmação e, ao mesmo tempo, construção de direitos, e de reafirmação da cultura e identidade

geraizeira, agora enquanto população tradicional do Cerrado, face à violência sofrida pela

ação desrespeitosa das chamadas “políticas desenvolvimentistas”, como o avanço da

monocultura de eucalipto, o pasto e o carvoejamento (CARRARA, 2007: 6). Essa ação, tanto

por parte do Estado, quanto das empresas que se instalaram na região – ignorando as

populações que ali viviam – deixaram as famílias que ali viviam “encurraladas” nas grotas e

veredas.

14

Texto: POPULAÇÕES TRADICIONAIS – Decreto reconhece a existência formal, disponível em

http://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2007/02/09/29432-decreto-presidencial-reconhece-existencia-

formal-das-populacoes-tradicionais.html

32

1.4.1. A comunidade de Vereda Funda

Na comunidade de Vereda Funda, a quarenta quilômetros da sede do município de Rio

Pardo de Minas, próxima às divisas com os municípios de Fruta de Leite e Novo Horizonte, o

povo geraizeiro construiu uma importante história de luta pela retomada do território. Dessa

luta, originou um processo judicial (vara agrária), que resultou na devolução da área (terras

públicas) ao Estado de Minas e, posteriormente, na devolução do território, à comunidade,

que implementou um projeto de reconversão do cerrado.

Porquanto, esta história de luta e resistência, suas consequências – quais sejam

políticas, sociais, ambientais e jurídicas – será objeto de estudo para os próximos capítulos,

cabendo a este apresentar a história da comunidade, sobretudo o acesso daqueles povos à terra

e a construção do seu território social.

O nome Vereda Funda, como relata Brito (2006: 73), é originário de uma

característica geográfica da espacialidade local. Atualmente existem três acessos para chegar

à comunidade. Em um deles existe uma bela vereda em um nível abruptamente abaixo, daí o

nome Vereda Funda.

Vereda Funda é a referência de um território formado por diversas localidades

específicas da comunidade, como descreve Carlos Eduardo Mazzeto Silva: Barra, Boa Vista,

Cabeceira da Boa Vista, Cabeceirão, Cambaúba, Castainha, Gangorra, Ilha, Malhadinha,

Matos dos Cavalos, Olhos D’Agua, Padre Alegre, Pedra Branca, Porcos, Vereda Funda, Ponte

Grande e Cabeceira (SILVA, 2009: 99). A região tem uma feição típica de área do Cerrado

(Matas de galeria e brejos nos vales), onde vivem mais de 400 pessoas, abrigadas em 114

domicílios (SILVA, 2009: 91).

Conforme Litlle (2002 apud BRITO, 2006: 76), de forma geral, existem pelo regime

de propriedade vigente no Brasil duas categorias oficiais de apropriação da terra: terras

públicas e terras privadas, sendo estas consideradas mercadorias na lógica capitalista,

enquanto aquelas são controladas pelo Estado e pertencem formalmente aos cidadãos do país.

O autor destaca, no entanto que existem diferentes formas de apropriação do território, que

vão além da dicotomia entre o privado e o público. Segundo Brito, é o caso da Vereda, já que

ali existia um regime diferenciado de propriedade, que se assemelhava ao que McKean e

Ostrom denominam de regime de propriedade comum, onde:

33

um grupo particular de indivíduos divide os direitos de acesso aos recursos, assim

caracterizando uma forma de propriedade – ao invés de sua ausência. Em outras

palavras existem direitos, e estes são comuns a um determinado grupo de usuários e

não a todos. Dessa maneira, a propriedade comum não se caracteriza por acesso livre

a todos, mas como acesso limitado a um grupo específico de usuários que possuem

direitos comuns (McKean e Ostrom, 1995: 81, apud, BRITO, 2006: 76)

Conforme mencionado no inicio deste capítulo, a apropriação das terras no Norte de

Minas se deu pelo princípio da ocupação pelo trabalho, das terras livres – posseiros sitiantes e

pequenos fazendeiros que, com a decadência da atividade minerária, foram em busca de

pequenas glebas para viverem. Ao estudar o tema, Pozzo fala do uso comunal das “terras de

solta”, enormes extensões de terras que não foram apropriadas privadamente, são os campos

gerais, gerais, e chapadas (POZO, 2002: 84, apud BRITO, 2006: 77)

Esse modelo descrito por Pozzo se assemelha à descrição dos moradores da Vereda

Funda, conforme aponta Brito:

A partir das informações coletadas podemos inferir que de forma geral o regime de

propriedade da comunidade de Vereda Funda tinha três principais elementos

geradores da lógica subjacente, a forma de apropriação que seria o gado, coleta e a

roça, visto que a água existia em abundância. A cerca existia quando era necessário

proteger a roça do gado (BRITO, 2006: 77).

Dessa feita, Brito classifica como Misto o sistema de ocupação do território da Vereda

Funda. Isso porque existiam proprietários15

de “pedaços” particulares de terra, alguns com

documentos, outros sem. Porém, existia o terreno que era usufruído por todos para o

extrativismo e a criação de gado – os gerais.

O trabalho era desenvolvido pelos núcleos familiares, que, segundo Brito, se

relacionava dinamicamente entre si. O principal objetivo era a satisfação das necessidades

vitais da família e o excedente era comercializado nas feiras de Serranópolis, Porteirinha,

Monte Azul e Montes Claros. Essa forma de produção foi configurada de acordo com a

potencialidade natural, a partir da apropriação da natureza, utilizando a sua diversidade e as

diferenças da paisagem (BRITO, 2006: 78).

As relações sociais entre famílias se dava de diversas formas. Brito relata que eram

comuns as visitas entre vizinhos para cantar e conversar nos fins de semana, passear pelo

cerrado, pescar, caçar e banhar-se nos córregos. A autora também destaca algumas

15

No censo apresentado de 1920 aparecem alguns proprietários

34

brincadeiras e manifestações culturais e religiosas, como a folia de reis, as “domingueiras”16

,

o “pisquim”17

, as cirandas e as trocas de versos, os cultos dominicais, dentre outras.

Outro dado importante, conforme menciona Brito (2006: 79), é que “os casamentos

em sua maioria eram endógenos à comunidade”, o que demonstra os quão fortes e explícitos

eram os laços familiares, bem como os laços de solidariedade e parentesco entre as famílias.

Em relação a essa característica na sociedade camponesa, Woortmann diz que:

o casamento é uma prática que assegura a sucessão. Se ele responde à proibição do

incesto e institui a aliança, ele se relaciona intimamente com a descendência. Juntos,

casamento e descendência não só reproduzem o patrimônio, mas produzem o “nós”,

que se opões aos “estranhos” (WOORTMANN, 1995: 92)

Dessa forma, foi se construindo o que Brito (2006) denomina de território social: a

noção de pertencimento, considerando os vínculos sociais, simbólicos e rituais, que, para

Litlle (2002 Apud BRITO, 2006: 83), “não requer uma relação necessária com etnicidade ou

com raça, que tendem a ser avaliadas em termos de pureza, mas sim uma relação com um

espaço físico determinado”.

E conclui a autora:

O território social de Vereda Funda se consolidou com a aglutinação das pessoas por

motivos religiosos e laços familiares, mas também pela necessidade de contato e

convívio inerente ao ser humano. Desse viver no e do Cerrado/Sertão, por várias

gerações, emergiram e fortaleceram-se laços afetivos, culturais e materiais,

determinantes para a existência do forte sentimento de pertencimento que é

característico da comunidade e assegurou sua sobrevivência. (BRITO, 2006: 83)

16

Espécie de confraternização aos domingos que geralmente tinha alguma dança e um leilão para arrecadar

fundos para alguma atividade da comunidade.

17 Seria o relato de algum episódio acontecido que era versado e contado em reuniões ou de boca em boca,

geralmente relatando alguma aventura ou episódio engraçado como, por exemplo, uma caçada que não teve

sucesso.

35

CAPITULO 2 – O IMPACTO DA EXPROPRIAÇÃO DAS TERRAS COMUNAIS NO

MUNICÍPIO DE RIO PARDO DE MINAS E A LUTA PELA RETOMADA DO

TERRITÓRIO: O CASO VEREDA FUNDA

2.1. ANOS SETENTA: AS POLÍTICAS DESENVOLVIMENTISTAS MUDAM O

CENÁRIO DOS GERAIS

(...) mais depois dos anos 70, /apareceu empresário e fazendeiro /comprando os

direito de posses,/ por micharia de dinheiro,/ tomando todo serrado,/ mandando tira

o gado, /daí pra cá foi dizispeiro.

Vei uma tal de Ruralminas, /fazendo umas medição,/ tomando toda fronteira,/ um tal

de trator de esteira /arrastando um correntão,/ não ficou nen siquer um pau enpé,/

jogaram tudo no chão. (Idalino, geraizeiro de Vargem Grande do Rio Pardo, Minas

Gerais, apud NOGUEIRA 2009: 04)

Nas décadas de setenta e oitenta as comunidades geraizeiras, sobretudo na

microrregião do Alto Rio Pardo18

, sofreram um verdadeiro atentado à sua cultura e à sua

sobrevivência. Foi quando a paisagem dos gerais teve grande parte de sua extensão

convertida em maciços de eucalipto, o que implicou na expropriação de terras comunais e em

um grande impacto socioambiental: redução da água, dos frutos nativos, das ervas medicinais

e madeira - recursos estratégicos para reprodução física e social dessas comunidades.

Os rumores já chegavam àquele cafundó de entremorro: homens do governo que

andavam por ali a assuntar sobre as terras de cada um. Para lá da Serra, já tinha

comparecido um moço do governo. Logo, a coisa chegou ali também. Era o pessoal

da Ruralminas19

para a marcação das posses – mas, no mais das vezes, foi para o

papel somente o chão de morada, a grota onde se vivia e morava o Geraizeiro, e a

roça. Os gerais, as chapadas, ficaram à mercê das firmas. Mesmo para quem tinha

título de terra nas chapadas, as empresas de eucalipo depois propuseram trocas, a

fim de liberar essas áreas para o plantio. Tinha gente local que fazia esse serviço

para as empresas: compravam terras na chapada, de quem tinha título. Gente das

redondezas, que “por uns caramingüados se sujeitava a fazer esse papel” –

lembrança que indigna aos Geraizeiros. Ficava mais fácil propor o negócio, causava

menos estranheza se era gente do lugar. Até porque o costume ali era vender direito

18

A microrregião do Alto Rio Pardo - MG abrange uma área de 16.502,30 Km² e é composto por 15

municípios no extremo norte de Minas Gerais (divisa com a Bahia): Berizal, Montezuma, Ninheira, Novorizonte,

Rubelita, Salinas, São João do Paraíso, Taiobeiras, Vargem Grande do Rio Pardo, Curral de Dentro, Fruta de

Leite, Indaiabira, Rio Pardo de Minas, Santa Cruz de Salinas e Santo Antônio do Retiro. A população total do

território é de 190.272 habitantes, dos quais 89.286 vivem na área rural, o que corresponde a 46,93% do total.

Possui 16.097 agricultores familiares, 30 famílias assentadas e 1 comunidade quilombola. Seu IDH médio é

0,65. Fonte: Sistema de Informações Territoriais (http://sit.mda.gov.br).

19 Ruralminas – Fundação Rural Mineira – Colonização e Desenvolvimento Agrário, órgão do governo de

Minas Gerais responsável à época pelas terras do Estado, foi criado em 1966, sendo, hoje, substituído nessa

função pelo Instituto de Terras de Minas Gerais – ITER.

36

de uso – o que não era bem venda para os Geraizeiros. Mas aí a compra já era em

favor das empresas. Teve quem vendesse seus pedaços de chapada por bolas de

arame e sacas de arroz. “- Visto que não era bem venda, moço!” (...) Dos que não

tinham papel as empresas tomavam a terra, mesmo se resistissem. Também teve

quem tivesse a terra cercada por empresa e não reagisse. Às vezes um vendia um

pedacinho de terra, 05 hectares, mas as máquinas vinham e derrubavam mais,

ajuntando um pedaço maior. Quem era agregado de fazenda ou sitiante não ficou a

salvo, porque não faltou fazendeiro que também visse vantagem em vender as terras

nessa época. (NOGUEIRA, 2009: 144)

Percebe-se então o seguinte cenário: de um lado os geraizeiros, pessoas simples, sem

muita (alguns nenhuma) instrução sobre direitos e leis e, ainda desorganizados (não há

registros de existência de Associações, Cooperativas ou Sindicatos dessa categoria à época no

município); do outro as empresas (Florestaminas, Cosigua, Usita, Replasa, Embaúba, dentre

outras), detentoras de capital financeiro e de poder de convencimento e amparados por um

forte plano de incentivo fiscal e pelas políticas desenvolvimentistas de concessão e

arrendamento de terras devolutas do Governo Militar.

Não bastasse tamanha disparidade nessa correlação de forças, há outro fator

preponderante: o coronelismo político local. O cenário político no município era dominado

por uma família tradicional, e considerada da elite financeira do município à época: a família

Costa. Conforme relata alguns moradores históricos, essa família teve importante participação

nesse processo de dominação e implantação desse novo modelo a ser implantado à custa da

expropriação do território geraizeiro: o desenvolvimentismo20

.

As empresas de reflorestamento vinham pra casa desse povo. E esse povo tinha a

missão de ir pro meio rural fazer reunião nas comunidades, dizendo que as empresas

iam usar as terras, que as terras não iam valer nada, mas que a partir daquele

momento que se instalasse o reflorestamento, que ia gerar emprego pro filho, pra

mulher e pro pai de família, e que a coisa ia ficar muito bom, que ia transformar isso

aqui num lugar muito rico, e que não tinha nada a perder. E com isso, já vinham as

máquinas, passavam na cabeceira das águas do camarada, nas terras que não tinham

cerca. (...) Quem brigou pra chegar um pouco para cima a picada até que conseguiu

chegar, mas os outros foram todos nessa onda: “não, vocês deixa plantar, depois nós

vamos pagar pra vocês”, e muitos: “não, isso aqui vocês estão contribuindo para

transformar Rio Pardo numa dos maiores municípios dos Brasil”. (Armindo Augusto

dos Santos21

)

As políticas desenvolvimentistas, orquestradas com forte apoio estatal em favor da

expansão do capital, sob a égide do progresso (CARRARA, 2006: 6), causaram um grande

impacto nas comunidades geraizeiras, gerando uma desestruturação nos seus modos de vida,

20

Usualmente o termo “desenvolvimentismo” remete de imediato às teorias cepalinas e, como fenômeno

histórico, em geral é associado no Brasil aos governos a partir da década de 1950, como de Vargas e JK. Numa

análise mais abrangente, demonstra-se que mesmo os militares, com o rompimento político havido em 1964,

continuaram implementando políticas desenvolvimentistas. (FONSECA, 2004)

21 Entrevista realizada pelo autor em 01/04/2012

37

bem como no seu sistema de produção. Nessa visão desenvolvimentista modernizante dos

anos 1970(de matriz europeia), os saberes tradicionais foram destituídos de atributos positivos

e associados ao atraso (SILVA, 2006: 134). É neste contexto de contradição com as matrizes

de racionalidade do campesinato sertanejo que viria a intervenção modernizante da SUDENE

(Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), na região nortemineira22

.

Sobre esse período (pós-SUDENE), Cardoso destaca algumas características:

Implantação de diversos empreendimentos em vários setores produtivos regionais;

intensificação do processo de expropriação e/ou expulsão da população rural;

intensificação das atividades de carvoejamento e de reflorestamentos; emergência de

projetos agroindustriais e de fruticultura como uma alternativa econômica para o

Norte de Minas; expansão das atividades de transformação, com o respectivo

aumento da representatividade econômica das áreas mais industrializadas; relativa

expansão e desconcentração das atividades terciárias; aumento do grau de

urbanização e intensificação dos problemas econômicos e sociais das localidades

que assumiram características de pólos e/ou micro-pólos regionais (CARDOSO,

1996: 238 e 239, apud SILVA, 2006: 141).

2.1.1. Terras comunais e terras devolutas

A lei de terras (lei nº 601 de 18 de setembro de 1850), que dispunha sobre a estrutura

fundiária brasileira, provocou mudanças significativas nas formas de acesso à terra. Esta lei

aboliu, em definitivo, o regime sesmarial, e tranformou a terra em mercadoria – estabelecendo

como forma de ocupação o regime de compra e venda, ou a autorização do Rei. Essas

mudanças contribuiram sobremaneira para a modernização e adequação da estrutura agrária

nacional à expansão dos mercados e mesmo ao desenvolvimento do capitalismo internacional

(SILVA, 2000, apud NOGUEIRA, 2009).

Aos que ja estavam na terra, sem propriedade legalmente definida – situação comum

para grande parte do campesinato brasileiro – a referida lei versava sobre a emissão do título

de proprietário, contudo, esta titulação estava condicionada à moradia e ao trabalho. Aquelas

terras ainda não ocupadas passavam a ser propriedade do Estado e só poderiam ser adquiridas

através da compra nos leilões mediante pagamento à vista, e não mais através de posse. A Lei

de Terras permitia ainda a apropriação pelo apossamento puro e simples, com o compromisso

22

A partir de 1963, o Norte de Minas, que já fazia parte do Polígono das Secas desde o final da década de 1940,

foi incorporada à área da SUDENE, tornando-se conhecida como Região Mineira do Nordeste (RMNE) (SILVA,

2006: 116).

38

do posterior resgate (pela compra) ou, do contrário, a incorporação automática das terras ao

patrimônio da União, sob o enquadramento de terras devolutas.

No tocante ao instituto das terras devolutas, este ganhou reforço com o Estatuto da

Terra, promulgado em 1964 - lei que criou os instrumentos conceituais e institucionais

necessários para que o Estado efetivasse a incorporação dessas terras devolutas ao seu

patrimônio.

A respeito das terras de uso comum, Nogueira ressalta que, embora a lei de terras

tenha feito menção explícita, as condições estabelecidas para sua regularização, de tão irreais,

tornaram a letra morta. Isso porque caberia ao governo as despesas com a medição e a

demarcação dos campos de uso comum, mas seria sobre os posseiros que recairiam os custos

relativos à titulação dessas terras.

Desse modo, as chamadas terras soltas dos gerais – de onde os Geraizeiros por

gerações extraíam a lenha, coletavam frutos nativos, plantas medicinais e punham

seu rebanho para pastar no comum - logo passaram a corresponder a terras

devolutas. Ainda que os gerais fossem campos de uso comum, os valores para a

regularização de sua posse excediam as condições financeiras da maioria das

famílias que deles faziam uso (NOGUEIRA, 2009: 150).

Foi assim – como terras devolutas – que nas décadas de setenta e oitenta as grandes

extensões de chapadas – os gerais – foram repassadas às empresas para o plantio de eucalipto

na região, enquanto as posses de pequenas glebas rurais, nas veredas, as terras de cultura e

moradia dos Geraizeiros, foram tituladas, numa ação coordenada pela Ruralminas.

Ao se referir à entrada do Eucalipto em Rio Pardo de Minas, Pozzo diz que

apesar da existência de formas de uso comunal da terra e seus recursos só foram

consideradas as formas de usos e posse da terra que se enquadravam nos moldes do

direito napoleônico, dando assim continuidade às interpretações do extinto instituto

sesmarial o qual foi entendido através dos conceitos do direito iluminista. Com estas

interpretações se desconsiderou uma vastíssima riqueza de condições e apropriações

específicas, entre outras, o direito histórico da população que usava em regime

comunal as áreas de chapadas para a extração e solta do gado (POZO, 2002, apud

BRITO 2006: 85).

Dessa forma, ao considerar tais áreas como devolutas – e não como de uso comum

daquelas comunidades – o Estado ignora a existência do direito dos seus ocupantes ancestrais

e seu regime específico de propriedade e ocupação e que já mantinham uma dinâmica

centenária de relação e usufruto social e econômico daquele território (BRITO, 2006: 84).

39

2.2. Anos oitenta: O surgimento de organizações de defesas dos explorados, expropriados

e expulsos pela monocultura de eucalipto

No início da década de 1980, tendo em vista o cenário de exploração da mão de obra

barata ou mesmo escrava pelas firmas23

– seja no desmate, seja na juntada da lenha (cata

toco), nos viveiros ou nas áreas de plantio – e a expulsão de camponeses de suas terras,

algumas organizações de defesa dos Trabalhadores começam a atuar na região do Alto Rio

Pardo. É o caso da Comissão Pastoral da Terra (CTP) e da Federação dos Trabalhadores na

Agricultura no Estado de Minas Gerais (FETAEMG). Um desses municípios é São João do

Paraiso, cuja extensão territorial teve, já no início, 64.139,5 hectares convertidas em maciços

de Eucalipto, o que correspondia a 18,60 % da superfície do município24

.

Esse processo de mobilização pela defesa dos geraizeiros atingidos pela monocultura

do eucalipto e dos trabalhadores explorados pelas empresas nas etapas iniciais desse projeto

desenvolvimentista teve uma grande influência do Movimento das Comunidades Eclesiais de

Base (CEBs). Criado e sustentado pela da teologia da Libertação25

, esse Movimento católico,

cujo lema é “fé e Vida”26

, teve grande participação na criação de Associações e Sindicatos na

região. É o que afirma Nogueira:

As CEBs foram também nascedouros de muitas associações de base comunitária e,

desde meados da década de 80, articuladas à Comissão Pastoral da Terra (CPT),

foram fonte de estímulo para a crescente sindicalização dos Geraizeiros, sobretudo,

após a redemocratização do país, quando os sindicatos se fortaleceram como canais

legítimos de continuidade da luta por transformações. (NOGUEIRA, 2009: 177)

23

Nome usado pelos geraizeiros para se referir às empresas reflorestadoras.

24 Fonte: FANZERES, 2005, a partir de dados do IGA, 1985 (apud SILVA, 2006).

25 Após o Concílio Vaticano II, ocorrido entre os anos de 1962 e 1965, “setores progressistas” da Igreja Católica

na América Latina consagraram uma nova perspectiva sobre a relação entre a Igreja e o mundo dessacralizado,

conjugando a uma nova teologia: a Teologia da Libertação, catalisadora da mobilização e organização das

classes populares. A Teologia da Libertação surge assim, como um movimento de renovação da Igreja que a

partir da utopia intra-histórica de uma nova sociedade, mais justa e igualitária, pretende conscientizar e formar os

fiéis para a reestruturação global da sociedade. Para tanto amalgama num modelo de religiosidade próprio: Fé,

Consciência e Ação Política (NOGUEIRA, 2009: 167).

26 Uma interpretação da fé cristã através do sofrimento dos pobres, sua luta e esperança, e uma crítica da

sociedade e da fé católica e do cristianismo através dos olhos dos pobres.

40

2.2.1. 1983: A criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas como

instrumento de defesa dos explorados pelas firmas

Armindo Augusto dos Santos, hoje diretor de Política Agrícola e Cooperativismo na

FETAEMG, conta que era assalariado na firma Vale do Embaúba e foi um dos fundadores do

Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Rio Pardo de Minas (STTR/RPM).

Ele conta como foi que aconteceu:

No ano de 1983 foi um grupo daqui trabalhar em São João do Paraiso na

Florestaminas: eram 20 pessoas. (...) e lá eles foram explorados, eles

começaram a fazer trabalho escravo. Quando eles começaram a fazer trabalho

escravo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Joao do Paraiso – era

um Sindicato recém-criado – descobriu esses companheiros lá junto com

outros companheiros, e ai fez intervenção junto à empresa. A Federação dos

Trabalhadores, a FETAEMG já tinha um assessor lá, tentando corrigir os

erros dessa empresa com esses trabalhadores. Tinha um padre lá, chamado

Padre Josimo, ligado à Pastoral da Terra tinha uma moça que era assessora da

Fetaemg, que hoje é da Comissão Pastoral da Terra, que se chama Maria

Zilar de Matos que já estava lá em São João, fazendo a Mobilização dos

Trabalhadores assalariados. (Armindo Augusto dos Santos27

)

Esses trabalhadores que foram submetidos ao trabalho escravo em São João do Paraiso

foram “remetidos” a Rio Pardo de Minas, e com eles a notícia de que o Sindicato de lá teria

lhes dado um grande apoio e que “tinha uma coisa chamada Federação”. Foi quando um

grupo de Trabalhadores “cismou de conhecer melhor o que era Sindicato” e foram conhecer a

realidade do município vizinho e “deparou com uma greve com muitos trabalhadores”.

Conforme conta Armindo, a situação de Rio Pardo era a mesma ou até pior: “nós trabalhava

no reflorestamento e tinha cinco meses que agente não recebia nada. Era uma exploração

terrível”.

É neste contexto de exploração e maus tratos que os trabalhadores, após visita da

FETAEMG ao município e com o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), decidiram

criar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas. A Assembleia ocorreu no

dia 18 de março de 1983, tendo assinado o livro de fundação 86 trabalhadores rurais, em sua

grande maioria assalariados. A partir dai, o Sindicato passou a organizar as ações dos

Trabalhadores junto à firmas: negociações, greves, denunciar os mãos tratos, etc. “Chegamos

a ter quatro mil trabalhadores parados aqui (...) e agente conseguiu na época ter os mesmos

27

Entrevista realizada pelo autor em 01/04/2012

41

êxitos que teve em São João do Paraiso. As empresas puseram os pagamentos em dia”,

conclui Armindo.

O Diretor da FETAEMG lembra ainda que, embora tenha sido criado com o firme

propósito de defender os assalariados rurais no plantio de eucalipto, posteriormente, o

Sindicato incorporou “outra bandeira”: a agricultura familiar. Por esse motivo, é denominado

hoje como: Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Assalariados e Agricultores Familiares de

Rio pardo de Minas.

2.2.2. 1985: Camponeses, lideranças sociais e técnicos criam uma alternativa ao processo

desenvolvimentista no Norte de Minas: o Centro de Agricultura Alternativa28

Nessa esteira de conflitos provocados pelo processo desenvolvimentista, que

desestruturou as economias locais, ecossistemas e uma diversidade de sistemas culturais de

produção associados aos cerrados, caatingas, mata seca e vazantes do São Francisco, surge o

Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM). Além da violência explícita

da expulsão de milhares de camponeses de suas terras, uma outra silenciosa, mas não menos

violenta, quase invisível, ocorria quando estes, encurralados pelo latifúndio, pelas

reflorestadoras, endividados, com os terrenos desgastados, ou contaminados por um sem

número de agrotóxicos, deixavam o seu lugar e migravam em busca das luzes das cidades à

procura de dias melhores, acesso à saúde ou aos estudos para os seus filhos.

Camponeses, organizações sociais, lideranças locais e técnicos se unem em torno desta

preocupação. Laços ligam o Norte de Minas com pessoas e organizações de outros Estados da

Federação que também tinham esta mesma preocupação. De um seminário realizado em

Montes Claros no ano de 1985, organizado pela Casa de Pastoral Comunitária e Rede

PTA/Fase, surge a primeira proposta do que viria a ser o CAA-NM: uma organização da

sociedade civil sem fins lucrativos que segue ao lado das organizações e comunidades de

agricultores e agricultoras familiares da região, apoiando e acompanhando-os em seus espaços

de participação e ação.

28

Fonte: http://www.caa.org.br/site.php?pagina=histria, acesso em 30/03/12.

42

Desde então, o CAA-NM vem se constituindo como uma organização que tem seus

pés fincados na diversidade dos camponeses do Norte de Minas – geraizeiros, catingueiros,

quilombolas, indígenas, posseiros; acampados e assentados - desenvolvendo ações em torno

da sustentabilidade e da agroecologia, discutindo novos conceitos, apresentando soluções,

desenvolvendo estratégias de ação colaborativas no intuito de promover, com transparência, o

crescimento e o fortalecimento dessas comunidades. Aplicar idéias na prática, retirar do papel

o pensar e se tornar referência de estudos e de formação capaz de politizar e organizar pessoas

fez com que o CAA-NM ganhasse credibilidade, para ser reconhecido e valorizado pelos

trabalhadores da região.

2.3. VEREDA FUNDA: DOS TEMPOS DE ENCURRALAMENTO À LUTA PELA

RETOMADA DO TERRITÓRIO

2.3.1. Os tempos de encurralamento

Eu tenho refletido pra muitas pessoas que agente pode ver que as pessoas mais

velhas que ninguém conhecia eucalipo na criação de Deus aqui no nosso Brasil. Nós

conheceu as árvores nativas, com toda criação que Deus criou. E hoje são poucas

que tão tendo. Tenho lembrança quando as firmas chegaram. Eu era criança, mas eu

lembro quando as firmas estavam quebrano, me lembro quando nós tinha agua

abundante, que nós pescava traíra qualquer hora do dia. (...) O povo foi encurralado,

e o povo acha ate hoje que era isso mesmo que deveria acontecer, mas na verdade

não é isso. Agente já descobriu, nóis qué que os outro discobre também. Viva o

Geraizeiro, Viva esse encontro, é que nesse encontro nós vai conhecer mais

geraizeiro e mais geraizeiro ai de sentir a vontade de ser geraizeiro de verdade.

(Davi, geraizeiro – Assentamento Vale do Guará, Município de Montezuma-MG)

O texto acima é uma fala de uma liderança comunitária geraizeira, transcrita de um

documentário intitulado “Cacunda di librina” (2007), produzido pelo CAA-NM por ocasião

da II Conferência Geraizeira, realizada no Projeto de Assentamento Vale do Guará –

Município de Vargem Grande do Rio Pardo. O evento teve como objetivo, como relata Eliseu

José de Oliveira29

, discutir os problemas desses povos tradicionais do cerrado, “o que eles

estão sofrendo no momento, os desafios que eles têm que enfrentar pra poder manter a sua

cultura, o seu jeito de ser dos geraizeiro”.

29

Elizeu é um geraizeiro da comunidade de Pindaíba e, na ocasião da Conferência (2007), era Diretor de

Reforma Agrária e Agricultura Familiar do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas.

43

O termo encurralados – usado para definir a situação dos geraizeiros no período pós-

eucalipto – está relacionado às transformações operadas no seu território, com a expropriação

das “terras de solta”, a derrubada da mata, o escasseamento da água e a consequente

redução da base física necessária à reprodução do grupo nos moldes tradicionais, que lhe

garantiam autonomia relativa, fonte última da honra e liberdade, como concebida pelos

Geraizeiros (NOGUEIRA, 2009: 158). O encurralamento refere-se ainda, segundo Nogueira,

“à perda dos gerais enquanto espaço de fruição da liberdade, fosse pela largueza de horizontes

nessa paisagem alta e plana de campos, fosse por ser também espaço para a solta do gado e a

cata de frutos silvestres”.

Seu Nerim (Nerim Rodrigues da Costa, 70 anos) é um geraizeiro da Vereda Funda e

conta que nasceu e se criou naquela comunidade e que nunca teve vontade de sair. A vida

dele e de sua família, era muito boa, tinha fartura de água e plantavam de tudo um pouco:

arroz, mandioca, cana, café, hortas, banana, feijão e outros. Os frutos nativos do cerrado

também sempre foram muito importantes, como o pequi, por exemplo. Mas com a chegada

das firmas a área onde as famílias viviam há várias gerações com o seu modo de produzir,

alimentar e conviver passou a ser invadida e destruída.

Depois disso, a situação da comunidade ficou muito difícil. Seu Nerim lembra que a

empresa que invadiu as terras montou um acampamento. Ela puxava a água com motor,

lavava as máquinas e com isso, sujava a água do rio. Era como se a empresa não os

considerasse como gente, desabafa seu Nerim (apud NOGUEIRA, 2009): “o eucalipto

desmantelou o mundo geraizeiro”.

Segundo Brito:

O plantio de eucaliptos aconteceu na comunidade na década de 1980, mais

especificamente em 1982, quando o Estado expropriou a terra e entregou para as

empresas sobre a forma de arrendamento “terras comuns” ou “terras de solta” e as

áreas não registradas pelos moradores e consideradas devolutas. As empresas que

arrendaram as terras na comunidade foram: FLORESTAMINAS – Florestamento de

Minas Gerais S.A e COSIGUA – Companhia Siderúrgica da Guanabara. O contrato

da FLORESTAMINAS teve seu prazo de inicio em 13/10/1980 e período de 23

anos, ou seja, com data prevista para término em outubro de 2003 sendo a área

arrendada de 5.238 hectares. (BRITO, 2006: 82)

O território da Vereda Funda, que antes correspondia a 11.000 hectares de uso pelas

populações locais, foi reduzido a 17%, conforme demonstra Carrara (2006: 71), ficando as

famílias encurraladas nas grotas.

44

As consequências desse encurralamento foram diversas. Em sua Monografia,

apresentada ao Curso de Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG), Rita Conegundes Soares aponta algumas das consequências oriundas

da implantação da monocultura do Eucalipto na região, tais como “perda da biodiversidade,

secamento das nascentes, contaminação das águas por agrotóxicos da firma, perda da tradição,

perda das manifestações culturais e assoreamento dos rios”. (SOARES, 2011: 34).

Outra consequência, muito em decorrência das citadas acima, foi o êxodo rural:

diversas famílias foram forçadas ou induzidas a migrarem definitivamente para as cidades,

com falsas promessas de empregos e melhoria na qualidade de vida. Outras, que teimaram em

permanecer na roça, passaram a sofrer com a migração sazonal. Pais de famílias e filhos

rapazes principalmente30

, que, por conta da redução drástica do território e dos recursos

naturais, se viram obrigados a migrarem para regiões como Sul de Minas Gerais e Norte de

São Paulo, por ocasião das colheitas de cana de açúcar e café, por exemplo, deixando para

traz, ainda que temporariamente, a casa, a família, a escola e a comunidade, em busca de uma

complementação na renda familiar.

Essas migrações, tanto as definitivas quanto as sazonais, causaram grande impacto no

calendário de atividades coletivas dos geraizeiros, como a cata de frutos, as trocas de visitas

aos vizinhos e parentes, a descida para as feiras (NOGUEIRA, 2009: 149), bem como as

atividades religiosas e culturais, como as folias de reis, as batucadas, as fogueiras e levantadas

de bandeira. “A arribação começa em abril, maio e até agosto, setembro as taperas dos Gerais

estão sem o vozerio dos mais jovens”, ressalta Nogueira ao falar da migração sazonal.

Aos geraizeiros que ali permanecia, ficava a saudade dos que haviam partido e, não

obstante, também a sensação de medo causada pela presença dos forasteiros31

naquele que,

até então era o território livre da comunidade. As chapadas, que antes eram um símbolo de

liberdade, com a chegada das firmas passam a ser um território estranho e perigoso para as

famílias geraizeiras, como relata Mônica:

O eucalipo tirou a liberdade da gente do lugar de diversas formas. Até roubos às

casas passou a ocorrer com a chegada das firmas – perigo antes não conhecido em

taperas que, quando fechadas, o eram por simplórias tramelas de madeira. É que se

achegou gente de fora, incrementando o clima de medo e a perda de liberdade dos

30

A migração sazonal, que no inicio do encurralamento atingia apenas os rapazes, na medida em que os recursos

naturais e o território iam minguando, passou fazer parte da rotina de moças e criança também.

31 Nome dado pelos geraizeiros aos homens que vinham de fora para trabalhar nas áreas de eucalipto.

45

Geraizeiros - ainda que no começo houvesse também alguma camaradagem com os

trabalhadores das firmas, afinal, muitos Geraizeiros trabalharam ombro-a-ombro

com os de fora, no plantio da primeira leva de eucalipo. As festas também

minguaram, não dava sequer de fazer um leilão, porque os de fora davam de fazer

arruaça. Mas, sobretudo, mulheres e crianças se viram, nessa época, reféns nas

veredas, acuadas, evitavam atravessar a chapada à luz do dia, temendo dar de cara

com um trator. (NOGUEIRA, 2009, p. 147).

2.3.2. “Animados pela fé”: o início da resistência

(...) Mas se nós tivesse sentido bem, se num tivesse cabado a água, se num tivesse

causado problema ca liberdade nossa. Se as impresa tivesse oferecido boas

qualidade de vida, se tivesse melhorado a vida das pessoa, o acesso à escola, saúde,

a estrada, talvez isso num passava pela cabeça nossa. Que as pessoas só explode na

hora que tiver apertado. A mema coisa que ocê pegar um gato e fechar aqui dentro,

fecha essas porta tudo, as janela e começa a insultar ele pcê vê, ele não passa a ser

gato, a partir dai ele passar a ser... ele pega a gente. Desse modo aconteceu com

nós. (Arcilo Elias dos Santos32

)

O não cumprimento das promessas de desenvolvimento e de melhoria de vida, feitas

pelas empresas e pelos agentes políticos locais por ocasião das expropriações, aliado à perda

da liberdade e dos recursos naturais, fez brotar nos geraizeiros um sentimento de revolta. E é

nesse cenário de revolta pelo desmantelamento do mundus geraizeiro33

, que, já nos finais da

década de oitenta, a comunidade de Vereda Funda começa a se organizar, para buscar

soluções, face à violência sofrida.

O geraizeiro Arcilo conta que no ano de 1986 eles criaram a Associação da

comunidade, que tinha como objetivo “melhorar a vida da comunidade”, e que ele foi o

primeiro presidente.

A minha visão na época era de melhorar a vida, assim, principalmente financeira,

por causa que agente via que não tinha conhecimento nenhum e agente era lesado

atoa. E a partir dessa inclinação de lutar pra melhoria da vida, financeira, lutar pelos

direito, agente foi descobrindo varias outras coisa, vários outros direito que ate ai

agente inda não conhecia. Um dos primeiro direito que nós tem nessa vida de

comunidade, que nós descobriu, que foi o direito principal, que nós tinha perdido foi

o direito da terra, o acesso à terra, o acesso à agua, acesso à liberdade, nós tinha

perdido nessa época. (Arcilo Elias dos Santos)

Segundo Arcilo, o povo da comunidade começou a sentir os problemas da falta de

água e do cerceamento da liberdade, e, começou a descobrir “o que tinha causado esse

32

Entrevista realizada pelo autor em 01/04/2012.

33 Termo usado por Mônica Nogueira para definir as atitudes e valores dos geraizeiros do Norte de Minas em

relação a esse ambiente biofísico que reconhecem como sendo o seu território, como se apropriaram (material e

simbolicamente) desse espaço, tornando-o lugar, ao longo do tempo. (NOGUEIRA, 2009: 67).

46

problema”: a monocultura de eucalipto. “No passado, tinha seca e não tinha falta de água.

Hoje, pode ter chuva e não tem água (...) foi devorada a caixa d’água do Cerrado” emenda

Arcílio. De fato, segundo Silva (2006, apud NOGUEIRA, 2009), não há indícios de redução

propriamente das chuvas, na região norte-mineira, nos últimos 30 anos, mas, sim, uma

redução significativa na infiltração das águas de chuva nas chapadas tomadas pelos plantios

homogêneos de eucalipto.

(...) Cê já viu falar no causo da Cidade de Latinha? Então, a comunidade de Vereda

Funda começou mais ou menos como a história de latinha... lá tinha... La tinha um

grande córrego d’água, que tocava o engenho, o engenho moía as canas, e o mesmo

rodão tocava o molinete e mesmo rodão tocava a gangorra, que limpava o café, e o

mesmo rodão tocava um gerador que gerava energia. La tinha esse grande córrego

d’água que era um galho tirado do rio. E também na Boa Vista tinha um córrego que

molhava as chácaras de seu João da Boa Vista (...) e a partir de 85 essas águas

começou a desaparecer. A água minguou tanto nessa década de 85 a 90 e uns

quebrado que essas coisas começou parar de funcionar (Arcilo Elias dos Santos).

A partir dai a comunidade começou a discutir os problemas e buscar respostas para

tantos problemas. Segundo Arcilo, com o tempo, e “debaixo de muitos ensinamentos” a

comunidade foi se organizando para buscar soluções. Essas discussões se davam, tanto nas

reuniões da Associação, quanto nas reuniões religiosas, quais sejam: os cultos dominicais, as

missas, as novenas, as romarias, dentre outras.

A respeito das reuniões religiosas, destaca-se naquele período o Movimento das CEBs

como um dos fatores determinantes para a reorganização do tecido social abalado pela

chegada do eucalipto (NOGUEIRA, 2009: 170). Esse movimento foi fundamental no

desenvolvimento do senso crítico dos geraizeiros da Vereda Funda, animando-os para a luta, a

partir da mística e da metodologia de Jesus Cristo: “ver, julgar (analisar) e agir”, tendo como

lema “Fé e Vida”.

“Animados pela fé", o povo começar a se organizar para “fazer a sua história”, como

diz uma das músicas de autoria do Padre Zezinho, muito cantada pelas CEBs:

O teu povo Senhor está sofrendo, /caminhando de um lado para outro./ Uma vida

mais justa esta querendo, /pois se não vai migrar até estar morto.

(Refrão) Animados pela fé e bem certos da vitória, /vamos fincar nosso pé e fazer a

nossa história, /e fazer a nossa história animados pela fé!

Desse jeito que a coisa está andando, /o sistema escraviza e nos domina. /Ele é o mal

que está nos desviando, /da verdade que Cristo hoje ensina.

A estrutura da nossa sociedade, /força o povo para a migração. /Os da roça vão pra

cidade, /sempre em busca de melhor situação.

47

É verdade que nós neste mundo,/ somos sempre um povo a caminho,/ E Deus nunca

se afasta um segundo,/ acompanha e ajuda com carinho.

Mas quem lucra com esse vai e vem, /são os grandes enquanto sofre o Povo. /Já é

hora do povo se unir bem, /para juntos construir um mundo novo. (Pe. Zezinho,

SJC.)

Sobre essa relação entre esse Movimento de CEBs e a Comunidade de Vereda Funda,

Nogueira diz que:

O caso da Vereda Funda é exemplar da dinâmica de reagrupamentos promovido

pelas CEBs, que ainda hoje produz ecos na re-organização territorial geraizeira. Se a

distribuição das cabeceiras dos rios pelo território foi, frequentemente, um fator

ordenador da ocupação geraizeira, as CEBs foram um fator articulador das

comunidades, após a chegada dos maciços de eucalipto. As CEBs tiveram como

ponto de partida laços anteriores de parentesco e vizinhança, mas, desempenharam,

por sua vez, o papel de renovar esses laços, animando e re-significando-os.

(NOGUEIRA, 2009, p. 173)

2.3.3. Década de 90: com apoios externos e internos, o movimento pela retomada começa a

pautar as discussões da comunidade

Essa luta – já aquecida pela indignação por conta da perda da liberdade e da escassez

(cada vez maior) dos recursos naturais e animada pela fé em um “Deus presente na vida do

povo oprimido” – ganha um apoio decisivo no ano de 1994. Foi quando a comunidade ficou

sabendo, por um Padre que visitava a comunidade, de um Curso sobre Agroecologia que

aconteceria na Cidade de Montes Claros, promovido pelo CAA-NM.

Elmy Pereira Soares, com 17 anos à época, foi o escolhido para participar do curso,

por se destacar como um das lideranças no processo de organização política e religiosa da

comunidade (SOARES, 2011: 42). O curso foi dividido em módulos, e ao término de cada um

deles, Elmy tinha o compromisso de fazer o repasse para o restante da comunidade, que, por

seu turno, custeava as despesas dele, com passagens e alimentação. Assim, afirma Soares,

todos se formavam.

Esses cursos, chamados de “Cursos de Formação de Monitores em Agroecologia”

ocorreram entre os anos de 1993 e 1997 e, segundo Nogueira, os participantes, em sua maioria,

eram indicados por irmãs ou padres atuantes nas CEBs ou pelos Sindicatos dos Trabalhadores e

Trabalhadoras Rurais (STTRs), e os cursos acabavam também funcionando como uma formação

de lideranças.

48

Esse foi o caso de: José Leles Nogueira, Caatingueiro de Porteirinha e, hoje, também

um dos diretores da Cooperativa Grande Sertão, de Elmyr Soares, Geraizeiro da

Vereda Funda e Diretor-Presidente do STR de Rio Pardo de Minas, de João Altino

Neto, originalmente da Comunidade de Córregos e, hoje, liderança do Assentamento

Americana. Muitos outros exemplos poderiam ser apontados, não só entre

Catingueiros e Geraizeiros, mas também entre Vazanteiros e índios Xakriabá como

relatou-me Braulino Caetano dos Santos (NOGUEIRA, 2009, p. 181)

A partir desse processo, o CAA-NM passou a ser um grande parceiro da comunidade

na luta pela retomada do seu território, contribuindo nas articulações políticas, na formação de

lideranças e na implementação de práticas agrícolas sustentáveis. “O trabalho do CAA

entrelaçou-se com o das CEBs e fez uma parceria muito boa, porque o povo se politizava e se

organizava enquanto comunidade e o CAA vinha e trabalhava com esse mesmo povo na

formação para a prática da agricultura sustentável” (Alvimar Ribeiro, assessor da CPT, apud

NOGUEIRA, 2009: 182).

Em um dos módulos do Curso de Agroecologia, Elmy tinha como tarefa fazer uma

pesquisa junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas. Realizada a

tarefa, a comunidade ganha mais um importante parceiro na demanda de reinvindicações de

seus direitos. Foi a partir daí que a comunidade começou a perceber a “importância do

Sindicato” e para quer ele servia. “Até ai, Sindicato aqui era desconhecido pela maioria.

Sindicato não tinha muito sentido pra mim e pra nós na época não. Se reconhecia o Sindicato

como uma organização de trabaiador rural, mas num tinha conhecimento como era”, ressalta

Arcilo.

Segundo Arcilo, foi a partir do final do ano de 1994, com a formação dessa rede –

Comunidade, CAA e Sindicado – que a pauta da retomada do território começou a fazer mais

sentido para a comunidade. Ele ressalta que, antes disso, embora a comunidade já discutisse

muito a questão, ainda “não tinha um plano”. “Por que território? E por que retomar o

território? E como fazer?” Essas perguntas, segundo ele, passaram a nortear as conversas,

planejamentos e ações da comunidade nesse estágio da luta.

Essa parceria com o CAA e o Sindicado também ajudou a dar visibilidade à luta da

comunidade, o que possibilitou o recebimento de diversos outros apoios, quer seja financeiro,

quer seja no sentido de fazer a luta juntos. “Teve várias outras organizações que ajudou,

como o caso: a FASE34

, A CESE35

, a Rede de Alerta do deserto Verde (...) e vários outros: a

34

A FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - foi fundada em 1961. É uma

organização não governamental, sem fins lucrativos, que atua em seis estados brasileiros e tem sua sede nacional

49

CPT, a Via Campesina, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras), a

Caritas36

” – destaca Arcilo.

A partir desse momento, começa um processo de “amadurecimento” da luta, que

durou, segundo Arcilo, cerca de 10 anos.

(...) Foi uma capacitação de dez anos (...) começaram a discubri, porque que agua

faltou, porque que os carriadô é tudo ligado um no outro, porque que foi tantas terra

pras nascente, porque que quebrou em roda tudo... Ai nessa época começou a surgir

as demanda tudo, o pessoal foi se amadureceno (tem pessoa que nunca amadureceu).

Não foi uma coisa plantada, dum dia pra outro não. Você já comeu pupunha? Pois é,

sabe quantos ano que uma muda de pupunha leva pra produzir? Se ocê planta uma

muda de pupunha hoje, normalmente ocê vai ter pupunha daqui uns dez ano. Então,

essa comunidade nossa amadureceu pela luta, pela terra. (...) Foi um caso muito bem

planejado, bem discutido. Deu tempo que quem tinha oito anos virar moça.

2.3.4. A demarcação e a (re) ocupação do território

A partir de 2003, com o vencimento do contrato de arrendamento das terras pelo

Estado de Minas à Empresa Florestaminas, a comunidade, já tendo percorrido um longo

processo de amadurecimento e de formação, decide que é hora de dar um passo definitivo na

luta pela retomada do seu território.

Nas palavras de Arcilo:

Foi a partir dai que agente viu a possibilidade da retomada: que gente discubriu

realmente certeza que as terras não tinha sido vendida – era contrato – e ai que gente

marcou pusição, assim, pra querer retomar. Porque capacitação, já tinha capacitado,

conhecimento já tinha, sentir que já tinha sido lesado, que já tinha sido oprimido, já

tinha conhecimento de mais: isso já tava acontecendo a muito tempo.

Começa então uma nova etapa na luta: o processo de embate e negociação entre

comunidade, empresa e Estado de Minas Gerais – representado pelo Instituto de Terras de

no Rio de Janeiro, tendo como Missão: Contribuir para a construção de uma sociedade democrática através de

uma alternativa de desenvolvimento sustentável. (http://www.fase.org.br/v2/pagina.php?id=1)

35 A CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço) é uma entidade filantrópica, composta institucionalmente por

igrejas cristãs que se unem no compromisso ecumênico de afirmar a vida. Sua missão é fortalecer grupos

populares empenhados nas lutas por transformações políticas, econômicas e sociais, que conduzam a estruturas

em que prevaleça democracia com justiça, intermediando recursos financeiros e compartindo espaços de diálogo

e articulação. (fonte: http://www.abong.org.br/associada.php?id=103)

36 A Cáritas é uma entidade, vinculada à Igreja Católica, de promoção e atuação social que trabalha na defesa

dos direitos humanos, da segurança alimentar e do desenvolvimento sustentável solidário. Sua atuação é junto

aos excluídos e excluídas em defesa da vida e na participação da construção solidária de uma sociedade justa,

igualitária e plural. (fonte: http://caritas.org.br/novo/sobre/ )

50

Minas Gerais (ITER/MG). Segundo Carrara (2006: 73), “a expectativa da comunidade pela

recomposição do cerrado e melhoria das condições dos recursos hídricos locais foi o ponto

forte da luta pela reapropriação do território que teve início com a delimitação da área

reivindicada”.

Com o apoio do Sindicato e do CAA, um grupo de agricultores percorreu toda a área,

realizando o reconhecimento e estabelecendo o perímetro do terreno a ser reivindicado pela

comunidade. Definido o perímetro, começaram-se então as negociações com o ITER/MG.

Nesse processo, o referido órgão solicitou da comunidade um Projeto de uso da referida área,

que foi elaborado com a assessoria do CAA e entregue no final de 2004, intitulado: “Projeto

de Reconversão Agroestrativista da Monocultura de Eucalipto da Comunidade de Vereda

Funda”. Quando da entrega, a comunidade deu um prazo de quinze dias para que aquele órgão

emitisse o seu parecer (CARRARA, 2006: 74).

Passado o prazo estipulado, e não obtendo resposta por parte do ITER/MG (após

várias solicitações), a comunidade resolve criar uma nova estratégia. Na madrugada do dia 22

de novembro de 2004 ocupou uma parte da área reivindicada (CARRARA, 2006: 74),

montando ali um “acampamento”.

Essa ação acirrou o conflito e “as famílias passaram a sofrer pressões e perseguições

por parte da empresa e dos empreiteiros” – é o que afirma Carrara (2006). Quanto a essa

perseguição, Arcilo lembra que ela se dava com o apoio, muitas vezes, da polícia militar: “Os

policial que mais perseguia era os policial de Fruta de Leite e Novo Horizonte” – afirma o

geraizeiro. Ele lembra ainda que os policiais sempre iam ao acampamento, acompanhando ou

por solicitação dos representantes da empresa, o que incomodava muito os acampados. Isso

era interpretado por eles como uma forma de intimidação, uma forma de a empresa mostrar

que a “lei” estava “ao lado dela”.

Mesmo com as frequentes intimidações e ameaças, as famílias permaneceram

acampados. Além do acampamento, a comunidade, construiu em outra parte da área, um

“rancho” de pindoba, que passou a servir como um local de reuniões, e, mais do que isso,

como um símbolo da resistência da comunidade, face às violências sofridas. Esse rancho

chegou a ser incendiado por pessoas ligadas à empresa, mas, foi imediatamente reconstruído

pelos geraizeiros, o que, fortaleceu ainda mais o movimento.

51

CAPÍTULO 3 - O DIREITO E A LUTA E O DIREITO À LUTA PELA RETOMADA

DO TERRITÓRIO

Até aqui, este estudo buscou conceituar os geraizeiros enquanto povos tradicionais dos

gerais e contextualizar esses sujeitos, o que se divide em três importantes momentos: (1) A

construção histórica de sua identidade coletiva, tendo os gerais (ainda sem o eucalipto) como

espaço de exercício de poder, de liberdade e de suas relações socioculturais (território); (2) Os

tempos de encurralamento nas grotas – produto da expropriação de grande parte do seu

território (as chapadas) para o plantio de eucalipto; e (3), por último, a reelaboração e a

reafirmação da sua identidade, a partir da resistência e da luta pela retomada do território

geraizeiro.

Feito isso, este capítulo buscará analisar o geraizeiro enquanto sujeito de direitos na

luta pela retomada do território e a relação desse movimento de resistência com o Direito. Em

outras palavras, pretende-se entender o direito dessas populações à luta pela reconstrução do

mundus geraizeiro, desmantelado pela inserção das políticas desenvolvimentistas estatais de

incentivo à monocultura do eucalipto, bem como o Direito (com “D” maiúsculo) que surge

nessa luta.

Para tanto, será feita a análise dos processos: nº 0556 04 005309-3/ 0024 04.534.892-

8/ 0024 04.534.895-0, cujas naturezas, respectivamente, são Reintegração de Posse,

Manutenção de Posse e Atentado. Tendo como autora a empresa Florestaminas; enquanto

figura no polo passivo: A FETAEMG, o CAA, a Mitra diocesana de Montes Claros (CPT),

lideranças do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas e diversos

geraizeiros, que se encontravam acampados, no já mencionado acampamento montado pela

comunidade ou no rancho onde eram realizadas as reuniões da comunidade, conforme

também já mencionado.

Será apresentado como base teórica o Direito Achado na Rua, usando como principais

fontes de pesquisa os autores Roberto Lyra Filho (O que é Direito); e José Geraldo Sousa

52

Júnior, (“Direito como Liberdade: o Direito achado na Rua – Experiências Populares

emancipatórias de Criação do Direito37

”).

3.1. O DIREITO À LUTA: O DIREITO ACHADO NA RUA

Direito Achado na Rua foi uma expressão criada por Roberto Lyra Filho para pensar

o Direito derivado da ação dos movimentos sociais, ou seja, como modelo do que seu autor

considerava "organização social da liberdade". Seria o encontro dos Novos Movimentos

Sociais e o Direito, indo além do legalismo, procurando encontrar o Direito na "rua", nas

reivindicações da população, sem, por certas vezes, seguir o Direito Constitucional, ou seja,

a Lei em si38

.

O termo “rua”, usado por Lyra Filho, refere-se a todo espaço público, lugar do

acontecimento, do protesto, da formação de novas sociabilidades e do estabelecimento de

reconhecimentos recíprocos na ação autônoma da cidadania. Por seu turno, o Direito para o

autor, “em resumo, se apresenta como positivação da liberdade conscientizada e conquistada

nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda”

(LYRA FILHO: 1986, 124).

3.1.1. A Lei, o Direito e a Justiça (social)

Decerto que não é o objetivo do presente estudo se delongar na discussão acerca dos

conceitos e história do Direito, tão pouco suas ramificações, o que por si só ensejaria um

estudo bastante amplo. Deste modo, basta aqui, para início deste tópico, conceituá-lo como

algo inerente à existência das sociedades, lembrando o brocardo latim “ubi societas, ibi jus”

(onde está a sociedade, ali está o Direito). Ele é, portanto, em linhas gerais, um conjunto de

normas de conduta, escrito ou costumeiro, imposto por um conjunto de instituições para

regular as relações sociais.

37

Tese de doutorado apresentada à banca examinadora como requisito parcial para obtenção do grau de doutor

em Direito pela Faculdade de Direito da UnB – orientador Professor Doutor Luiz Alberto Warat – aprovada em

16 de junho de 2008.

38 http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_Achado_na_Rua, acesso em 04/08/2011)

53

Contudo, para Roberto Lyra Filho, o conceito de Direito muitas vezes se confunde,

erroneamente, com o de lei, o que leva a uma imagem distorcida, mas que muitos aceitam

como “retrato fiel do Direito”. Sendo que são coisas distintas, tanto que os autores ingleses e

americanos falam em Right para Direito e law para lei.

A palavra "direito" vem do latim directus, a, um, "que segue regras pré-determinadas

ou um dado preceito", do particípio passado do verbo dirigere. Na lingua portuguesa, o termo

evoluiu da forma "directo" (1277) a "dereyto" (1292) até chegar à grafia atual39

.

A lei, segundo Lyra, sempre emana do Estado, que por seu turno é controlado pela

classe dominante, por aqueles que comandam o processo econômico, ou seja, os proprietários

dos meios de produção. “A legislação abrange, sempre, em maior ou menor grau, Direito e

Antidireito: isto é, Direito propriamente dito, reto e correto e a negação do Direito, entornado

pelos interesses classísticos e caprichos continuístas do poder estabelecido.” (LYRA FILHO:

1982, 8).

O autor traz também que existem ideologias40

jurídicas, no qual destaca as principais –

“dois modelos básicos, em torno dos quais se polarizam os diferentes subgrupos ideológicos”:

o Positivismo (o Direito como ordem estabelecida) e o Jusnaturalismo (ideologia do Direito

Natural: o Direito como ordem justa). Ressalta-se que existem três formas de Direito Natural:

o cosmológico, ligado ao cosmo, o teológico, voltado a Deus e o natural antropológico, ligado

ao homem. Essas duas teorias – naturalismo e positivismo – todavia, não estão totalmente

separadas, ao contrário, estão sempre em comunicação. Segundo o autor:

O grande equívoco dos jusnaturalistas é, precisamente, oscilar entre a rendição ao

“Direito Positivo” (a título de “particularização” dos preceitos naturais) e a oposição

irresolúvel entre “direito natural” e “direito positivo”, como se fosse duas coisas

separadas. (LYRA FILHO: 1982, 74)

O Direito Positivo, por seu turno, é aquele objetivado em normas (im) postas, com a

finalidade da manutenção da ordem e do controle social. Esse modelo é adotado pela classe

dominante, já que, enquanto no poder, basta a ela a ordem estabelecida, a manutenção do

status quo.

39

Dicionário Houaiss, verbete "direito".

40 Lyra Filho define ideologia como o conjunto de ideias de uma pessoa ou grupo, o fundamento de suas

opiniões. E dividem se em três categorias: ideologia como crença; ideologia como falsa consciência e ideologia

como instituição.

54

Lyra Filho defende que o Direito não pode ser reduzido a um texto legal positivado.

Assim sendo os tribunais não precisariam de júri e até mesmo de advogados, bastaria que,

provado o crime ou delito, por exemplo, se apertasse um botão do computador para ver a pena

a ser imposta. O Direito Positivo, segundo ele, não é algo perfeito, ao contrário do que tenta

mostrar o Estado: uma ideia de que não há nada acima do que está nos códigos, que não há

contradições e todo o poder atende o povo. Em outras palavras, diferente do que tenta

imprimir a classe dominante, existem diversas contradições nessa ideologia positivista. E

essas contradições do Direito Positivo Estatal devem ser exploradas, de maneira a favorecer

os menos favorecidos. Possibilita o “uso alternativo do Direito”. Destaca ou autor:

É preciso notar, inclusive, que as contradições não se são se dão entre blocos de

normas, porém dentro desses blocos. Assim, por exemplo, o direito estatal, as leis

que exprimem, em linhas gerais, o domínio de classe e grupos privilegiados tem

elementos que podem ser utilizados pelas classes e grupos libertadores. (...) As

classes e grupos dominadores muitas vezes se contradizem, deixam buracos nas suas

leis e costumes, por onde os mais hábeis juristas de vanguarda podem enfiar a

alavanca do progresso, explorando as contradições. (LYRA FILHO: 1982, 83)

Por outro lado, deve-se ressaltar que essa imposição do Direito Estatal, pela elite

dominante – detentora do monopólio coercitivo do Direito –, faz brotar o que o sociólogo

português Boaventura de Souza Santos intitulou de Direito dos oprimidos41

. Nas palavras do

autor:

Uma vez que a coesão ideológica de uma sociedade de classe superpõe-se a

inconciliáveis conflitos classistas, criados pelas relações de produção, as classes

dominadas, ou grupos específicos dentro delas, tendem a desenvolver subculturas

legais, que, em ceras circunstâncias, podem estar ligadas a uma práxis institucional

mais ou menos autônoma, de variável meta e nível de organização. (SANTOS, 1957

apud LYRA FILHO, 1982: 76)

Por óbvio, o reconhecimento deste “Direito alternativo”, conceber essa práxis como

jurídica (pluralismo jurídico), implica na negativa do monopólio radical de produção e

circulação do Direito pelo Estado, na concepção de Estado moderno. Com base em

Boaventura de Souza Santos, Sanches Filho afirma “que o Estado contemporâneo não tem o

monopólio da produção e distribuição do Direito” e que “apesar do direito estatal ser

dominante, ele coexiste na sociedade com outras formas de resolução de conflitos”.

(SANCHES FILHO, 2001: 241-71, apud SOUZA JUNIOR, 2008: 155)

41

Título da Tese desenvolvida por Boaventura de Souza Santos, tendo como material de pesquisa de campo,

Realizada nas favelas brasileiras.

55

Afinal, nesse sentido, o que seria o Direito? Para o autor, não existe uma resposta

“perfeita e acabada” para a pergunta, já que o Direito sempre se transforma, de acordo com os

anseios e necessidade dos povos. Não há um modelo físico, um “cabide metafísico em que

penduram a realidade dos fenômenos naturais e sociais” (LYRA FILHO, 1982: 12).

Outro fator importante também são as lutas de classes e grupos – as oposições de

espoliados e espoliadores, oprimidos e opressores. Segundo Lyra Filho, a vertente jurídica é

incompreensível e inexplicável fora desse contexto, que ele denomina de “dialética social”.

Mesmo numa legislação socialista a transformação social não está completa, pois carecem de

“autenticidade e adequação” jurídica.

Neste contexto de luta de classes, José Geraldo de Souza Junior afirma que o Direito

“não terá a função de integração social ou a redução da complexidade e nem mesmo de

mediar conflitos, no sentido de apaziguamento”, ao contrário, ele aparece como “um forte

instrumento de emancipação, individual e coletiva, que necessariamente irá acirrar os

conflitos”. (SOUZA JUNIOR, 2008: 156). Isso porque os avanços sociais pressupõem tirar de

uma classe econômica (rica) e dar para outra (pobre) e, como afirma Boaventura, “o

capitalismo é totalmente hostil às redistribuições” (SANTOS, 2001, apud SOUZA JUNIOR,

2008: 157).

Esse processo dialético se dá, tanto no plano do Direito interno (de cada país), quanto

no Direito internacional. Existe uma Sociedade internacional e, também nela uma dialética,

“cindida nas dominações imperialistas e nas lutas de libertação nacional dos povos

colonizados e semicolonizados”. (LYRA FILHO, 1982: 67) Destaca-se também que isso se dá

em uma sociedade globalizada, onde o Direito interno (de cada País) sofre uma influência,

uma interferência frequente do Direito internacional.

E é nesse processo dialético social e globalizado, portanto, que nasce o Direito. A

oposição entre Direito e Antidireito (tese versus antítese), a negação daquele, objetivado em

normas, “abrem campo à síntese, à superação, no itinerário progressivo” (LYRA FILHO,

1982: 74). A “essência” do jurídico deve abranger todo esse conjunto de dados, em

movimento sem amputar nenhum aspecto.

O Direito, portanto, não nem é algo natural, como defendem os jusnaturalistas, nem

fixo (que se resume tão somente à norma positivada). Para Lyra Filho, “O Direito não é, ele

vem a ser”.

56

"o Direito se faz no processo histórico de libertação enquanto desvenda

precisamente os impedimentos da liberdade não-lesiva aos demais. Nasce na rua, no

clamor dos espoliados e oprimidos e sua filtragem nas normas costumeiras e legais

tanto pode gerar produtos autênticos (isto é, atendendo ao ponto atual mais avançado

de conscientização dos melhores padrões de liberdade em convivência) quanto

produtos falsificados (isto é, a negação do direito do próprio veículo de sua

efetivação, que assim se torna um organismo canceroso, como as leis que ainda por

aí representam a chancela da iniquidade, a pretexto da consagração do direito)"

(LYRA FILHO: 1982, 212).

Esse processo de mutação do Direito é tratado pelos autores Pedrozo, Trincão e Dias,

segundo os quais, o acesso ao Direito e à Justiça é um direito humano consagrado nas

principais cartas internacionais de Direitos Humanos.

O direito, o sistema jurídico e o sistema judicial encontram-se num processo

acelerado de transformação, que varia em cada sociedade em função do seu

desenvolvimento económico e social, da cultura jurídica, das transformações

políticas e do consequente padrão de litigação, decorrente do tipo de utilizadores dos

tribunais judiciais e da relação entre a procura potencial e efectiva da resolução de

um litígio no sistema judicial (PEDROZO, TRINCÃO E DIAS, 2003, 415, apud

SOUZA JUNIOR, 2008: 155).

Chega-se então à relação entre Direito e Justiça. Se, por um lado, o Direito –

construído nesse processo dialético-social – não se confunde com lei, “se divorciam

frequentemente”, por outro, ele caminha, nesse processo histórico, “entrelaçado” com a

Justiça. Segundo Lyra Filho, uma justiça real, aquela que está no processo histórico de que é

resultante:

Onde está a Justiça no mundo? – pergunta-se. Que justiça é essa, proclamada por um

bando de filósofos idealistas, que depois a entregam a um grupo de “juristas”,

deixando que estes “devorem” o povo? A Justiça não é, evidente, essa coisa

degradada. Isso é negação da Justiça (...). Justiça é Justiça Social, antes de tudo: é

atualização dos princípios condutores, emergindo nas lutas sociais, para levar à

criação duma sociedade em que cessem a exploração do homem pelo homem; e o

Direito não é, mais nem menos, do que a expressão daqueles princípios supremos,

enquanto modelo avançado de legítima organização social da liberdade (LYRA

FILHO, 1982: 86 e 87)

Deduz-se, portanto, na concepção do autor, uma crítica ao conceito “hobbesiano” de

Justiça. Isso porque, para Thomas Hobbes, ela nada mais é do que “um valor presente na

razão humana, que após a criação do Estado, exerce um papel mantenedor e decisivo em sua

filosofia política na medida em que permite a estabilidade dos pactos entre os homens”

(SANTOS, 2007: 7). Em outras palavras, e de forma bem sintética, Hobbes, em o Leviatã,

relacionou a concepção de Justiça à conformidade com a legislação, a restringindo à

manutenção dos pactos (estar de acordo com uma regra pactuada).

57

Em Reale, tem-se a concepção de Direito e Justiça atrelada à busca da felicidade,

entendida esta como fruto da igualdade social. Nas palavras do autor:

Se os homens fossem iguais como igual é a natural inclinação que nos leva à

felicidade, não haveria Direito Positivo e nem mesmo necessidade de Justiça. A

Justiça é um valor que só se revela na vida social. (REALE, 1998: 309)

Para Lyra Filho, a exemplo do que acontece com o Direito, que convive e se

aperfeiçoa na oposição ao o Andidireito (isto é, a constituição de normas ilegítimas e sua

imposição em sociedades mal organizadas), a injustiça também faz parte do processo

dialético. Segundo ele, tanto a justiça, quanto o Direito, “brotam nas oposições, no conflito,

no caminho penoso do progresso, com avanços e recuos, momentos solares e terríveis

eclipses”. (LYRA FILHO, 1982: 87)

Finalizando esse tópico, nas palavras de Lyra Filho:

O Direito, em resumo, se apresenta como positivação da liberdade conscientizada e

conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que

nelas se desvenda. Por isso é importante não confundi-lo com as normas em que

venha a ser vazado, com nenhuma das séries contraditórias de normas que aparecem

na dialética social. Essa últimas pretendem concretizar o Direito, realizar a justiça,

mas nela pode estar a oposição entre a Justiça mesma, a Justiça social atualizada na

História, e a “justiça” de classes e grupos dominadores, cuja legitimidade então

desvirtua o “direito” que invoca. (LYRA FILHO, 1982: 88)

3.2. O DIREITO E LUTA: ANÁLISE DOS PROCESSOS DE REINTEGRAÇÃO E

MANUTENÇÃO DE POSSE E ATENTADO, MOVIDOS PELA EMPRESA CONTRA A

COMUNIDADE DE VEREDA FUNDA E OS ATORES SOCIAIS DO MOVIMENTO DE

RETOMADA DO TERRITÓRIO

Conforme já descrito no Capítulo 3, devido à crescente escassez dos seus recursos

naturais e à perda da sua liberdade – questões essenciais para a manutenção da vida e da

cultura geraizeira –, a comunidade de Vereda Funda decide intensificar a luta pela retomada

do seu território, (re) ocupando e montando acampamento na área que, outrora, fora

expropriada para o plantio do eucalipto.

Com a persistência dos geraizeiros, que permaneciam acampados e determinados em

impedir a continuação das atividades da empresa no território demarcado, no dia 26/03/2004 a

58

Florestaminas, sustentando ser a possuidora do imóvel (art. 1196 – CC42

), entrou com uma

Ação de Manutenção de Posse na Comarca de Rio Pardo de Minas (Processo nº 0556 04

005309-3), contra diversos membros da comunidade e lideranças sociais e sindicais, por

turbação, com fulcro no art. 1.210 do Código Civil43

.

3.2.1. Da Petição inicial

Em sede de preliminares, a autora faz um resgate histórico da relação com o imóvel,

citando de início o contrato de arrendamento celebrado entre ela e a RURALMINAS:

Em 1980, a autora celebrou com a Fundação Rural Mineira de Colonização e

Desenvolvimento Agrário-RURALMINAS, um contrato de arrendamento de uma

área de 5.238,00 (cinco mil duzentos e trinta e oito hectares), com os seguintes

limites: ao norte, com Francisco Rodrigues (...); ao sul com a estrada Rio Pardo-

entroncamento de Salinas; a leste com a própria Florestaminas; e ao sul com a

empresa COSIGUA (...).

Relata que a empresa Mineira reconheceu a posse e uso do imóvel pela autora,

inclusive anterior à celebração do contrato – “posse mansa e pacífica”. Fala também da

importância da cultura do eucalipto para o Estado de Minas Gerais, vez que este tem a

exploração minerária como um dos principais sustentáculos da sua economia, e tal atividade

depende da queima do carvão vegetal.

No mérito, a empresa acusa as entidades envolvidas (CAA, Mitra Diocesana de

Montes Claros – CPT, STR/Rio Pardo de Minas e FETAEMG), bem como suas lideranças, de

“induzirem trabalhadores rurais, acostumados aos bons costumes, que sempre se adequaram

ao estado de direito, a praticar atos antijurídicos”, pretendendo, portanto responsabilizá-las

pelo conflito que se instalara.

Contudo, o juiz, ao ter acesso à petição, determina (despacho judicial) pela emenda à

inicial, já que a autora não teria qualificado os trabalhadores rurais, a quem acusava de

cometer atos de turbação. Por seu turno, a autora emenda, qualificando (nome e endereço)

vinte trabalhadores, com base em informações contidas em boletins de ocorrências lavrados

pela Polícia Militar de Minas Gerais.

42

Art. 1.196 - Código Civil: Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de

algum dos poderes inerentes à propriedade.

43 Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e

segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

59

As acusações contidas na inicial também foram feitas com base em Boletins de

Ocorrência feitos pela Polícia Militar de Minas Gerais (PM-MG), que, conforme já

mencionado, comparecia na área ocupada, sempre acompanhada, ou a pedido da autora.

Tamanha é a parcialidade da conduta policial que, em um dos boletins chega a tratar os

manifestantes como delituosos, antecipando que a autora seria a legítima possuidora do

imóvel:

Foi montada uma guarnição (...) que deslocou até a citada Fazenda com o dever de

avaliar e buscar subsídios para elementos essenciais de informação buscando

melhores formas e oportunidades para atuar fazendo cumprir a lei, com o

objetivo de coibir o delito e até o momento não prendemos os autores. (...)

Verificando os documentos da vítima, percebe-se claramente que a atividade está

sendo desenvolvida dentro da maior legalidade, pois passaram para a polícia

cópia do documento que lhes dar o direito de trabalhar na ação do desmate.

(Relatório de conflito agrário, Processo nº 0556 04 005309-3, fls: 70). (grifo do

autor)

Cominado com o pedido de manutenção, a autora pede também a condenação dos réus

a pagar indenização por perdas e danos e a desfazerem o “Caramanchão” – rancho de pindoba

construído na área ocupada para reuniões.

Da Ação, a empresa obteve, inaldita altera parte44

, pedido de liminar de manutenção

de posse concedido, no dia 09/06/2004, pelo juiz da Comarca de Rio Pardo de Minas, que

determinou a expedição do Mandado de Manutenção de Posse. Para tanto, o magistrado

considerou que os boletins de ocorrências juntados ao processo serviram “como indícios

relevantes” de que os réus, ainda que numa “análise preliminar” estariam cometendo atos de

turbação à posse da autora.

3.2.2. Da contestação

Em 14/10/2004, após as devidas citações dos envolvido, a advogada do polo passivo

da ação juntou aos autos a contestação que, preliminarmente, alegou a incompetência do juízo

– Comarca de Rio Pardo de Minas – sob a afirmação de ser a Vara de Conflitos Agrários de

44

A liminar inaudita altera parte é uma forma de antecipação da tutela concedida no início do processo, sem

que a parte contrária seja ouvida. Ela apenas é concedida desta maneira (antes da justificação prévia), se a

citação do réu puder tornar sem eficácia a medida antecipatória ou se o caso for de tamanha urgência que não

possa esperar a citação e a resposta do réu. (fonte: http://www.jurisway.org.br/v2/pergunta.asp?idmodelo=8076)

60

Minas Gerais a competente para julgar a demanda. Em função disso, a advogada da parte “ré”

peticiona pelo encaminhamento dos autos a Belo Horizonte, e pela suspensão da Liminar de

Manutenção de Posse.

Além da alegação de incompetência do Juízo da Comarca de Rio Pardo de Minas, a

contestação traz ainda outros elementos preliminares que merecem ser analisados. São eles:

inépcia da inicial, falta de interesse processual, ilegitimidade da parte passiva, ausência de

manifestação do Ministério Público (conflito coletivo de posse da terra), denunciação à lide, e

falta de delimitação da área esbulhada.

Segundo a defesa, a petição inicial seria inepta (art. 301, III45

), por lhe faltar causa de

pedir. Isso porque o imóvel em questão, diferente da narrativa dos fatos, não pertencia à

autora e sim ao Estado de Minas Gerais, tendo este, por meio da RURALMINAS, celebrado

com aquela um contrato de arrendamento46

no ano de 1980, conforme relata a autora na

inicial (idem p. 56).

O contrato tinha duração de 23 anos, portanto vencido em outubro de 2003. Desta

feita, faltaria à autora interesse processual, na forma do art. 295, III do Código de Processo

Civil (CPC), o que enseja o indeferimento da inicial. A Saber:

Art. 295. A petição inicial será indeferida:

I - quando for inepta

II - quando a parte for manifestamente ilegítima;

III - quando o autor carecer de interesse processual; (...)

Além disso, alega também que a autora não informa claramente o que os requeridos:

Igreja Católica (Mitra Diocesana de Montes Claros) e Organizações Não Governamentais

(CAA, Mitra diocesana de Montes Claros – CPT, FETAEMG e Sindicato dos Trabalhadores

Rurais de Rio Pardo de Minas) haviam praticado, quando afirmam na inicial que estas

“estariam incitando agricultores familiares, que são moradores no mesmo imóvel”.

Alega também ilegitimidade da parte passiva, de acordo com o art. 295, II, do CPC, já

que as referidas entidades e lideranças – “todos com endereço em cidades/localidades

distintas do imóvel, sem nenhum interesse jurídico do imóvel” e que estaria no local, seja para

cumprir as prerrogativas estatutárias e constitucionais de organização e defesa dos interesses

da categoria trabalhador rural (STTR/RPM e FETAEMG), seja para “prestar assessoria

45

Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar: (...) III - inépcia da petição inicial

46 Contrato nº 061/80-E – informações do ITER

61

técnica aos agricultores familiares residentes naquele imóvel” (CAA), ou simplesmente

participando de reunião no local (Igreja Católica/CPT). Tais condutas, por si só, não

caracterizaria turbação ou esbulho.

A defesa anexou também cópia de notificação judicial, demonstrando o interesse do

ITER-MG em retomar o imóvel objeto do contrato. Seguinte à notificação judicial, o Estado

propôs Ação Rescisória do Contrato c/c Despejo47

requerendo a retirada da autora do imóvel.

Por conseguinte, a defesa denuncia à lide o Estado de Minas, por meio do ITER/MG,

proprietário do imóvel, porquanto este seja um bem público dominical, portanto, não sujeito a

usucapião, na forma dos art. 99, III e 102 do Código Civil, respectivamente:

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou

estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal,

inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito

público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião (grifo do autor)

Nas palavras da advogada da defesa:

Como o contrato da autora com o Estado já venceu, não se vislumbra a disputa desta

com os requeridos sobre o imóvel. O Estado, através do seu representante legal, o

INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO – ITER - deverá ser citado para se

intender de direito integrar a lide, e informar sobre a titularidade da propriedade

referida, e de seu interesse jurídico. (grifo do original)

A respeito da falta de intervenção do Ministério Público, ressalta-se que a lei nº

9.415/96 deu nova redação ao inciso III do art. 82 do Código de Processo Civil, tornando

obrigatória essa intervenção “nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra

rural, e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou

qualidade da parte”, sob pena de anulação do feito. O que não aconteceu no caso em questão,

conforme relata a defesa.

Falta de delimitação da área supostamente esbulhada: segundo a defesa, a autora não

delimitou a área que teria sofrido esbulho possessório, “limitando-se apenas e tão somente a

juntar documentos, comentar sobre a construção de um barraco, e a presença dos requeridos

no imóvel”. A esse respeito, é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que nas

ações de interdito possessório, especialmente se tratando de manutenção de posse é

47

Processo 0024 04 445632-5, em trâmite à ocasião pela 5ª vara da Fazenda Pública Estadual de Minas Gerais

62

extremamente necessária a individualização da coisa esbulhada ou turbada, como já decidiu o

Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“Nas ações possessórias não basta apenas descrever o que se chama de

confrontações, indicação dos proprietários de terrenos confinantes, mas é evidente a

necessidade de individuar precisamente a coisa de modo a tornar possível a

verificação da sua invasão pelo turbador” (Jurisprudência Mineira, vol. IV, pág.

303).

Quanto ao mérito, a defesa traz a questão ao debate a questão dos direitos do

geraizeiros da Vereda Funda, enquanto povo tradicional.

3.2.3. Das ações incidentais de Reintegração de Posse e Atentado

No dia 09/12/2004 a autora protocolizou no fórum da Comarca de Rio Pardo de Minas

duas ações incidentais ao processo: Ação de reintegração de posse (autos nº. 0024

04.534.892) e Ação de Atentado (autos nº. 0024 04.534.895-0).

As ações foram decorrentes de um ato praticado pelos manifestantes, que ocuparam

uma das carvoeiras da autora – localizada a cerca de mil metros do acampamento, de maneira

a impedir as atividades de produção de carvão. Segundo a polícia militar (BO 1761/2004), no

dia 24 de novembro daquele ano, eram “cerca de 600 pessoas, entre mulheres e crianças”.

Trata-se de uma das ações promovidas pelos geraizeiros, que contou com o apoio de

Movimentos Ligado à Via Campesina, quais sejam o MST e a CPT, dai o grande número de

manifestantes.

A autora acusou os manifestantes de praticar atos de vandalismos e destruição na

“propriedade da empresa”, anexando um laudo técnico que valora os danos em R$ 81.630,00.

Como na inicial da Ação de Manutenção de Posse, a autora acusa a Igreja Católica, na

pessoa de uma liderança da CPT de “comandar”, “incitar” e “transportar” os manifestantes no

cometimento dos atos de atentado. A saber:

O atentado é medida cabível em qualquer ação, mesmo na manutenção de posse,

ainda que não tenha sido concedido medida liminar, bastando para sua propositura

que, no curso da demanda, uma das partes pratique atos ilegal que implique

inovação do estado de fato inicial e cause prejuízo ao outro litigante. (Ac. 3ª Câmara

Cível, em 09/09/86, na ap. 25.424-RJ – TAMG vol. 28/93)

O Código Civil de 2002, nos seus artigos 879 e 880, diz que:

63

Art. 879. Comete atentado a parte que no curso do processo:

I - viola penhora, arresto, sequestro ou imissão na posse;

II - prossegue em obra embargada;

III - pratica outra qualquer inovação ilegal no estado de fato. (grifo do autor)

Por seu turno, a ação de reintegração de Posse se deu em face de um morador do

Povoado de Entroncamento de Novorizonte (localizado próximo à comunidade), acusado,

pela autora, de “liderar” e “alimentar” os acusados. Na versão dos manifestantes, no entanto,

o acusado é um açougueiro, que apenas estava no local entregando carne que eles haviam

comprado.

Ao conhecer das incidentais, todavia, já tendo analisado a contestação da Ação

principal, o juiz declinou-se da competência para julgá-la para a Vara de Conflitos Agrária de

Minas Gerais, conforme se verá adiante. Cabe mencionar aqui também, que o envio dos autos

à Vara Agrária se deu logo após Audiência Pública realizada pela Comissão de Direitos

Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, conforme se verá adiante.

3.2.4. Da intervenção da Comissão de Direitos Humanos

A alegação de incompetência do juízo da Comarca de Rio Pardo de Minas, bem como

a suspenção da liminar, feitas nos Autos do Processo, foram reforçadas pela Comissão de

Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Isso quando, devido

às pressões e ameaças sofridas pelos moradores da Vereda Funda, tanto pela empresa quanto

pela Polícia Militar, a referida comissão realizou no dia 21/12/2004 uma Audiência Pública

no Município de Rio Pardo de Minas.

A respeito dessa Audiência – realizada na Câmara de Vereadores da Cidade de Rio

Pardo de Minas – Arcilo lembra que “foi um dos momentos mais marcantes da luta”. Segundo

ele, “porque o pessoal desabafou, falou o que eles bem achavam que eles deviam falar”,

depois de vários meses de perseguição. “Nós estávamos sendo perseguido pela polícia e

perseguido de todas as formas” – completa ele48

.

48

Entrevista realizada pelo autor em 01/04/2012

64

Esse “desabafo”, a que se refere Arcilo, se vê na nota taquigráfica da Audiência

pública49

. Além da comunidade de Vereda Funda, participaram também diversos outras

comunidades geraizeiras que, na ocasião, também se encontravam em luta contra o plantio de

eucalipto e pela retomada de território.

Nota-se que os geraizeiros viram naquela audiência uma oportunidade de denunciar os

diversos maus tratos que estavam sendo vítimas, seja pela polícia, seja por parte da sociedade

que não entendia a luta, ou mesmo pela “justiça local”, que segundo eles agia de maneira a

beneficiar “os grandes”. Além, claro, de denunciar os malefícios da monocultura do eucalipto,

sobretudo as práticas de degradação ambiental pelas empresas reflorestadoras. É o que se vê

em todas as falas, como as que seguem, a título de exemplo:

(...) Resolvemos lutar para termos uma vida boa, digna, de filhos de Deus. Nós

sempre lutamos, sacrificamo-nos, e chegou o momento maior de nossa luta. Já

sofremos muito. Estamos acampados e recebemos muitas ameaças policiais. Eles

vão lá com os empresários para nos conhecer. A situação está difícil, mas a nossa

luta continua, não desanimaremos. A terra é nossa e não abriremos mão dela (Maria

Elise de Oliveira, Vereda Funda, vide fls. 383)

A justiça local intimou falsamente o meu esposo e o ameaçou por diversas vezes.

Instauraram um inquérito contra a empresa e, até agora, nada foi resolvido. É muito

triste pensar que lutamos por uma causa valiosa, pela água, pela terra, pelos frutos

do cerrado, mas, muitas vezes perdemos as forças diante da justiça, da sociedade e

do poder executivo. (Ivanete, Buracão – Rio Pardo de Minas, vide fls. 384)

(...) Quem sai do acampamento de bicicleta é barrado pelos policiais, que o revistam

como se fosse bandido. Somos trabalhadores e não bandidos. (...) Muitas famílias

não acamparam por medo, devido a pressão policial (Isael Conegundes dos Santos,

Vereda Funda, vide fls. 389)

(...) É obrigação do Estado, legalizar essas terras, passando-as aos agricultores. Até

quando a natureza aguentará isso? (...) Aos poucos, agricultores estão sendo mortos,

rios estão secando e animais morrendo. Os agricultores estão morrendo aos poucos

debaixo de barracos de lona, e ficamos ate emocionados com isso. (Elmy Pereira

Soares, Vereda Funda, vide fls. 400)

Arcilo destaca ainda um momento da reunião que ficou marcado como uma

demonstração de união e coragem da comunidade. Foi quando o advogado da empresa, na sua

fala, imputou a um dos moradores algo que, segundo os geraizeiros, era mentira, provocando

a reação imediata e indignada de todos os presentes. Segundo Nas palavras dele:

(...) e eu pensei que fosse eu que tinha puxado o grito de mentiroso, mas, ali parece

coisa que foi combinado, foi um grito só, foi uma hora esquisita, (...) por que um

advogado aguentar um nome de mentiroso por uma plateia muito grande, tudo junto,

é uma coisa inédita. Se fosse combinado num saia tão encaminhado como foi, que

49

Anexada aos autos do Processo de Manutenção de Posse folhas, folhas 377 -454.

65

ali num saiu vários grito, saiu um grito só, de muita gente. (Arcilo Elias dos

Santos) (grifo do autor)

A falsa imputação, a que refere Arcilo, diz respeito à acusação, pela empresa de que o

açougueiro do Povoado de Entroncamento – réu na Ação incidental de Reintegração de Posse

- “estava matando gado para alimentar os acampados” (Autos do Processo, fls. 439).

3.2.4.1. Do acordo extrajudicial

Na fala do advogado da empresa, que se deu ao final da audiência, além do incidente

acima citado, destaca-se uma surpreendente proposta de acordo para por fim ao litígio. Ele

afirmou que a empresa não tinha mais interesse em continuar na posse da área e que iria

devolvê-la ao Estado. Por outro lado, a empresa exigiria o aproveitamento do material lenhoso

– eucalipto que ainda havia na área. Nas palavras do advogado: “A diretoria da Firma me

autorizou a informar a V. Exa. que ela não tem interesse de continuar no local após a retirada

deste material lenhoso”.

Noutro trecho, a empresa, por seu procurador, reconhece o Direito dos geraizeiros,

contudo, deixa claro, por óbvio, que a responsabilidade de garanti-los é do Estado. que teria

agido de má fé, tanto com as empresas quanto com os geraizeiros, quando, sabendo da

existência daquelas famílias nas terras, firmou contrato de arrendamento com as empresas,

penando apenas na questão financeira.

A Florestaminas entende que essas terras deverão voltar para os seus verdadeiros

donos, mas não entrará no expediente, que é foro íntimo do Estado. Devolverá as

terras ao Estado, que fará a devida recondução aos seus proprietários. (...)

É importante noticiar, que o contrato de arrendamento que instrui a presente ação,

não foi o primeiro que a autora celebrou com a RURALMINAS. Todas as empresas

que celebraram contratos de arrendamentos com ela, tiveram, posteriormente,

conhecimento de que a mesma agia de má fé na época em que celebrou os contratos,

pois sabia não ser detentora da posse, nem do domínio dos imóveis que dizia

possuidora. A qual procedia por interesse no dinheiro recebido com a celebração dos

contratos de arrendamentos. As empresas quando iniciaram as implantações dos

projetos, encontraram os imóveis, como ocorreu no presente caso, já titulados em

nome de terceiros e outros com posses mansas, pacíficas e ininterruptas, há mais de

duzentos anos, passando de geração em geração com transmissão de ascendentes e

descendentes. Nos primórdios da civilização os primeiros possuidores, instalaram

nos imóveis, verificando-se tratar de prescrição imemorial, isto é, aquela que se

funda em posse antiga, deste começo não há lembrança entre vivos.

Durval Ângelo, deputado que presidiu a audiência, ponderou sobre a proposta da

retirada do material:

66

Gostaria de reforçar que, mesmo nos casos em que temos vitórias da reintegração de

posse do Estado, baseado no Estatuto da Terra, as empresas estão ganhando o direito

de retirar o material lenhoso. Isso é líquido e certo. É evidente que devem fazê-lo de

forma a preservar o meio ambiente e retirando apenas o material que produziram.

Por fim, a empresa aceitou discutir as condições da retirada do material lenhoso em

audiência a ser marcada na Vara agrária, tendo em vista as denúncias feitas pelos

trabalhadores que essa retirada estaria provocando uma série de danos ambientais à área,

como derrubada de pequizeiros, a destruição do Cerrado já em regeneração. Dessa forma, ao

final, encaminhou-se por marcar uma audiência na Vara Agrária com todas as partes

envolvidas – Florestaminas, STTR/RPM (representando os geraizeiros da Vereda Funda),

CAA, CPT, ITER/MG (Estado de Minas), bem como o Ministério Público, com a finalidade

de discutir os termos e homologar o acordo.

Nessa mesma data, e por conta das questões levantadas pela defesa por ocasião da

contestação e a intervenção da Comissão de Direitos humanos50

, e, sobretudo, em

cumprimento ao decreto 398/2002 do Tribunal de justiça de Minas Gerais, os autos do

processo foram encaminhados pelo Juiz da Comarca de Rio Pardo de Minas, ao juízo

competente: a Vara de Conflitos agrários de Minas Gerais.

Contudo, antes de analisar os atos processuais ocorridos posteriormente ao envio dos

autos à Vara Agrária de Minas Gerais, faz-se necessário dizer do que se trata essa Vara, o que

será feito a seguir.

3.2.5. A Vara de Conflitos Agrários de Minas Gerais

No dia 06 de junho de 2002, a Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais, no uso de suas atribuições legais, autorizou a criação da Vara de Conflitos

Agrários do Estado de Minas Gerais (VA-MG). No dia 20 de setembro de 2002, mediante

publicação no Diário oficial de Minas Gerais, foi instalada a referida Vara, com sede em Belo

Horizonte, tendo competência sobre o Estado de Minas Gerais, pela Resolução nº 398/2002.

No tocante ao caso em Estudo, o art. 1º da supramencionada resolução diz que:

50

Logo após a Audiência Pública, a Comissão de Direito Humanos participou de reunião/audiência no Fórum da

Comarca de Rio Pardo de Minas com o Juiz

67

O Juiz de Direito da Vara de Conflitos Agrários tem competência para processar e

julgar as ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural,

mencionadas no art. 82, inciso III, do Código de Processo Civil, com a redação que

lhe foi dada pela Lei nº 9.415, de 23.12.96.

Os art. 2º e 3º versam sobre o local para a propositura da ação, e do consequente envio

dessa para Vara de Conflitos agrários:

Art. 2º - A ação deverá ser proposta na Comarca onde se localizar o conflito agrário.

Art. 3º - Proposta a ação, após a distribuição, registro e autuação, caberá ao Juiz de

Direito, para o qual a mesma tenha sido distribuída, comunicar imediatamente o fato

ao Juiz da Vara de Conflitos Agrários.

A respeito dos processos em andamento, trata o art. 7º:

Art. 7º - Os processos em andamento, cuja instrução ainda não se encerrou, deverão

ser remetidos pelos Juízes de Direito das Comarcas de origem ao Juízo da Vara de

Conflitos Agrários, cessando a competência daqueles.

Parágrafo único - Caso já encerrada a instrução, o Juízo da Comarca de origem

conservará sua competência até o julgamento da respectiva ação.

Segundo Rita Araújo Cosenza51

(2010), a VA-MG foi criada “a partir da intervenção

do INCRA-MG e do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Conflitos

Agrários (CAO-CA), órgão ligado ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais

(MPEMG), criado um ano antes, em 2001”. Para a Promotora do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Dra. Ana Célia de Moura Camargos (apud

CONSENZA, 2010), a criação da VA-MG se deu em um contexto marcado por muitos

conflitos agrários e considerando as possibilidades garantidas pela CF de 1988:

“Minas Gerais naquela época estava enfrentando conflitos agrários de natureza

assim bem séria, nós então pleiteamos ao Tribunal de... O Tribunal de Justiça na

época foi sensível e autorizou a criação da Vara, fez os procedimentos internos lá

para a criação” (Entrevista de outubro de 2009, apud CONZENZA, 2010).

O Juiz Dr. Cássio de Souza Salomé52

destaca uma atividade que marcou a implantação

da VA-MG: uma pesquisa realizada “junto às 394 Varas Cíveis das 284 Comarcas do Poder

Judiciário do Estado de Minas Gerais; ao ITER, INCRA e PMMG”.

O objetivo da pesquisa era familiarizar o juízo dos conflitos agrários existentes, para

traçar estratégias de atuação. 71 comarcas responderam positivamente à pesquisa de

Salomé, sinalizando a existência de conflitos e Processos Judiciais. Alguns deles,

existentes há muitos anos. A partir das primeiras intervenções da VA-MG em

alguns conflitos, foi se aproximando a Justiça dos movimentos sociais rurais de

51

Artigo: A Vara de Conflitos Agrário de Minas Gerais (disponível em

http://www.sociologia.ufsc.br/npms/mspd/a022.pdf - acesso em 23/04/2012)

52 juiz da 2ª Vara de Falências e Concordatas da Comarca de Belo Horizonte em 2002 designado para responder,

cumulativamente, à VA-MG, quando esta funcionava, em caráter provisório, junto àquela.

68

Minas Gerais, grupo social que, a partir de então, passou a ser, cada vez mais,

socializado no universo jurídico, a partir da relação entre a luta por terra e a prática

cotidiana da VA-MG. (CONSENZA, 2010) (grifo do autor)

Uma das principais características da atuação da Vara Agrária é o fato de as

Audiências Judiciais contarem com a presença das partes, seus representantes legais

(jurídicos) e de representantes de instituições envolvidas com as questões agrárias e

fundiárias. Segundo Salomé:

Nos primeiros dias nos dedicamos à aproximação com os seguimentos

representativos voltados para as questões sociais fundiárias. Provocamos várias

reuniões e encontros com Instituições como o INCRA... a Secretaria de Estado do

Planejamento e Coordenação Geral, através do ITER – Instituto de Terras do Estado

de Minas Gerais; o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através do Centro

de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos,

de Apoio Comunitário e de Conflitos Agrários; o Ministério do Desenvolvimento

Agrário, através da Ouvidoria Agrária Nacional; o Serviço de Inteligência do Alto

Comando da Policia Militar do Estado de Minas Gerais; a Secretaria de Segurança

Pública do Estado de Minas Gerais; a Procuradoria Geral do Estado de Minas

Gerais; os movimentos organizados pela terra, como o MDP – Movimento de

Defesa da Propriedade; UDPR – União de Defesa da Propriedade Rural; UDR –

União Democrática Ruralista; DFP – Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição

Família e Propriedade; a FETAEMG – Federação dos Trabalhadores na Agricultura

do Estado de Minas Gerais; o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra; a LOC – Liga Operária e Camponesa; Associações, Sindicatos e ramificações

dos Movimentos Sociais como: ACTPJ; CLST; CPT; LCPNM; MLST; MLSTL;

MLT; MNLM; STR; e STRRPM (SALOMÉ: s/d, apud CONSENZA, 2010).

Em 21 de junho de 2004, foi aprovada a resolução 438, que alterou a de nº. 398/2002,

visando “adequar alguns procedimentos para atender as necessidades de seu melhor

funcionamento, mormente pelo fato de ter atuação em todo o Estado de Minas Gerais”. Uma

das alterações da nova resolução à anterior foi na redação do art. 6º, que trata da realização de

audiências:

Art. 6º - As audiências e demais atos públicos poderão ser realizados nas

dependências do Fórum da Comarca onde se localizar o conflito agrário, com o

apoio material e de pessoal necessários, podendo o Juiz da Vara de Conflitos

Agrários, se lhe parecer conveniente, requisitar as instalações do Tribunal do Júri ou

solicitar dependências de outros órgãos públicos.

3.2.6. Da homologação do acordo, termos e extinção do processo: vitória comemorada pelos

geraizeiros

69

Encaminhados os autos à Vara de Conflito agrário, após tendo analisado o Processo, o

Juiz designou audiência para o dia 11 de fevereiro de 2005. Nela se fizeram presentes e/ou

representados, conforme termo de audiência: O Ministério público, a Empresa Florestaminas

e seus advogados, os requeridos – FETAEMG, CPT, CAA, bem como o acusado de atentado

– acompanhados da Advogada.

Ainda estiveram presentes, como convidados para intermediação da conciliação, a

procuradora do Incra, Dra. Daniela Torres de Moura Costa, o Diretor geral do Iter,

Luiz Antônio Chaves, o diretor de cidadania do Iter, Aldenir Viana Pereira, assim

como o Deputado Estadual Durval Ângelo Andrade, o chefe de Gabinete da

Secretaria de Estado Extraordinária para Assuntos de Reforma Agrária. (vide Ata de

Audiência, autos do Processo, fls. 462)

A proposta de conciliação, com o objetivo de encerrar as ações, feita na audiência

pública, foi aceita nos seguintes termos:

Devolução das terras ao Estado de Minas Gerais: acertou-se que a Empresa iria

devolver a posse das terras da área objeto do litígio, com prazos diversos, de maneira a

possibilitar a retirada do Eucalipto que ainda havia, sendo o prazo máximo de dois anos e

meio, a contar da data da audiência.

Quanto aos acampados, ali representados pela FETAEMG e pelo Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas, esses comprometeram, “em razão do acordo, a

não mais turbarem ou esbulharem as demais áreas ocupadas pela Florestaminas, na área

objeto do litígio”.

Honorários e custas processuais: acordou-se que as custas processuais ficariam a cargo

da Empresa Florestaminas, enquanto os honorários advocatícios pagos pelos seus respectivos

outorgantes/partes.

Tendo, por fim, o Ministério Público opinado favoravelmente, o Juiz “homologou o

acordo firmado entre as partes, julgando extintos com conhecimento do mérito os processos

0556 04 005309-3/ 0024 04.534.892-8/ 0024 04.534.895-0, na forma do art. 269. III do CPC”.

Como não poderia ser diferente, essa notícia – da vitória dos geraizeiros no processo –

foi muito comemorada na comunidade, que, conforme informou Arcilo, permanecia ocupando

a carvoeira até o dia da audiência. Ele conta que foi um momento marcante, mas, que ainda

70

estavam incrédulos, se isso de fato seria a paralização definitiva das atividades da empresa em

seu território. Como não poderia ser diferente, nas palavras conclui-se o presente capítulo:

(...) O dia que o capitão chegou lá na carvoeira, que nós esperamos o dia todo, eu até

falei assim: “ô capitão, eles param, mas eles voltam, eles voltam de novo a

trabalhar”. O capitão falou: “Não, agora quem tá parando é a justiça, quem tá

parando as carvoeiras é a justiça”. E de noite nós fomos fazer churrasco. (Arcilo

Elias) (grifo do autor)

71

4. CONCLUSÃO

A extinção da relação processual, com o arquivamento dos autos da ação possessória,

significou, sobretudo, o reconhecimento de que a luta dos geraizeiros é tão justa quanto

necessária. Uma grande vitória após mais de uma década de uma luta, que, como ressalta

Arcilo, nada mais era do que pela vida: “Se eu estou falando de água, de meio ambiente, de

terra, de sindicato, de comunidade, tudo tem um vínculo com a vida, vida boa e digna”,

conclui ele.

O desfecho do Processo vem confirmar a tese de Roberto Lyra Filho, segundo a qual

“o Direito não é, ele vem a ser”. Não é algo fixo ou imutável, tampouco é como uma receita

de bolo, que deve ser seguida à risca o que está escrito. Ao contrário, o Direito se transforma,

e se molda à realidade, através da luta (dialética social do Direito). Senão, veja-se:

Em se fazendo uma análise do pedido da autora, pura e simplesmente à luz da

literalidade da lei, chegar-se-ia à conclusão de que esta deveria ser mantida (ou reintegrada)

na posse do bem, já que dele era detentora, ainda que injustamente. É o que garante a

legislação civil, seja quanto ao direito material (Código Civil, art. 1.210), quanto ao direito

processual (Código de Processo Civil, 926 e 227).

Dai a decisão favorável ao pedido de liminar pelo juiz da Comarca de Rio Pardo de

Minas, segundo o qual havia “indícios relevantes” de que os réus, ainda que numa “análise

preliminar” estariam cometendo atos de turbação.

Contudo, essa decisão nem chegou a surtir efeito na prática. Tamanha era a

organização dos geraizeiros da Vereda Funda, que não houve clima para realizar o mandado

de manutenção de posse, embora as visitas da polícia militar ao acampamento fossem muito

frequentes.

Conclui-se assim que o processo de organização e luta do povo geraizeiro mudou os

rumos do processo judicial, fazendo com que a própria autora, que no início se mostrava

irredutível, ao final reconhecesse o direito daquela comunidade. Em outras palavras, vê-se que

o movimento popular alterou a forma de se aplicar o Direito, para fazer valer o seu direito,

enquanto comunidade tradicional.

72

Trata-se de um processo de amadurecimento, como bem lembra Arcilo, não foi algo

que aconteceu de um dia para o outro. Durante todo esse processo, a povo geraizeiro foi

tomando conhecimento de seus direitos, e se organizando para alcançá-los.

A partir do que se escreveu até agora é possível, à luz da tese do Direito achado na rua,

fazer a seguinte síntese conclusiva, tendo como foco a relação do geraizeiro com a justiça e o

Direito:

Tese inicial: No primeiro momento – anterior à expropriação dos gerais, percebe-se a

existência de um Direito costumeiro dos geraizeiros, ou, mesmo um Direito Natural

Teológico, já que ali não se percebe ainda, uma relação entre essas populações e o Direito

Positivo, ou, como eles costumam dizer, com a “Justiça dos Homens”. Por outro lado,

percebe-se uma relação intensa com a “Justiça Divina”.

Tem-se a terra, como “presente de Deus” para que seja usada por todos, sem muitas

cercas nem papeis, daí o uso comum dos gerais. Por seu turno, as glebas, também conhecidas

com terras de cultivo e chão de morada, eram repassadas tradicionalmente de ascendentes

para seus descendentes, ou, quando muito, existia a venda, entre pessoas da mesma

comunidade, do “direito do uso”, já que em sua grande maioria eram posseiros.

Antítese: No segundo momento, tem-se o que Lyra Filho denominaria de Antidireito;

Quando o Estado ignora a existência do direito tradicional daquelas populações, expropriando

as terras que eram usadas em comum pelos geraizeiros, sob o entendimento de serem terras

devolutas. Importante ressaltar que o Estado brasileiro à época tinha como forma de governo a

ditadura militar, que trazia como principal “bandeira” o desenvolvimentismo – uma política

que pregava o desenvolvimento econômico a qualquer custo.

Uma vez expropriadas, essas terras foram repassadas às empresas, sob a forma de

contratos de comodato, para a atividade de reflorestamento (plantio de eucalipto e pinho);

Essa expropriação alterou substancialmente o modo de vida das famílias geraizeiras, seja

culturalmente, seja economicamente ou socialmente; Tem aí o que se acostumou a chamar de

encurralamento, já que restaram às famílias apenas as grotas, para morarem e produzirem.

Tese x antítese (Direito x Antidireito): Com a redução drástica de seu território, as

comunidades gerazeiras começaram a “sentir na pele” os seus efeitos, sobretudo a perda da

liberdade e dos recursos naturais (água, madeiras, frutos do cerrado, etc.) – produtos

73

essenciais ao modo de vida geraizeiro; a partir daí, muitas delas começam a se organizarem

para buscar soluções face ao problema que se apresentava.

Animados pela teologia da libertação e pela espiritualidade das CEBs, essas

comunidades começam a perceber que, além de ser um “presente de Deus”, a terra, que lhes

foram tomadas, também é um direito delas. Contudo, para ter acesso a esse direito, seria

necessário construir um processo de luta, já que o Direito (Positivo), conforme afirma Lyra,

serve à classe dominante, detentora do poder. Começa-se então um processo de auto

reconhecimento e de autodeterminação. Noutras palavras, o geraizeiro começa a se perceber

como tal, e como sujeitos de direitos e de vontades, capazes de transformar a realidade pela

luta. Começa-se assim a luta dos geraizeiros pela retomada do seu território tradicional.

Vale mencionar aqui que durante esse tempo ocorreram mudanças significativas no

cenário brasileiro, a começar pela queda do regime ditatorial e a inauguração de outro regime:

o Estado Democrático de Direito, consagrado na Constituição Federal de 1988. Esta que

ficou conhecida como Constituição Cidadã, devido a grande mobilização social a que ela

resultou, e pela consequente garantia dos direitos fundamentais e sociais.

A partir da Constituição, houve uma sistemática mudança nas legislações

infraconstitucionais, quais sejam textuais ou interpretativas, a partir dos princípios

constitucionais. Inverte-se, portanto a lógica antes estabelecida, passando a ter a garantia

direitos fundamentais, e não a organização do Estado como prioridade, passando esta a existir

em função daquela. No tocante aos direitos dos povos tradicionais, destaca-se a o Decreto

Presidencial 6.040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável

desses Povos e Comunidades. O referido decreto trouxe um novo conceito ao tema, lançando

mão do auto-reconhecimento, estendendo-o à diversidade de povos tradicionais, inclusive os

geraizeiros. Não obstante, esse decreto foi fruto da luta e da discussão dos atores sociais,

militantes da área, incluindo a luta que hora é objeto de estudo, daí aparecer os geraizeiros nos

diversos exemplos que falam da ampliação do conceito de povos e comunidades tradicionais.

Síntese (o Direito que nasce na luta): a vitória dos geraizeiros na ação possessória,

bem como as diversas mudanças no mundo jurídico que ocorreram durante todo esse

processo, demonstram que, de fato, o Direito, conforme afirmou Lyra Filho, não é algo fixo,

imutável, ao contrário, ele, nada mais é do que fruto da dialética social. Em outras palavras,

resta demonstrado que, embora, em dados momentos históricos, predomina-se o Antidireito

74

(normas/leis injustas, em sociedades desorganizadas), a partir da luta organizada, amadurecida

das classes populares nasce um novo Direito, ou, ao menos, uma nova forma de aplicá-lo.

Contudo, vale ressaltar que o desfecho do processo judicial implicou na devolução

das terras, que ora encontrava sob a posse da Empresa, para o Estado de Minas Gerais. Este,

por seu turno, com o compromisso de incorporá-las aos bens da União, para que esta, através

do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma-Agrária – devolva à comunidade

sob a forma de Assentamento da Reforma Agrária. Esse processo, que não cabe aqui analisar,

ainda está em curso, o que leva as outras questões:

O desfecho, ao final, de fato foi satisfatório? Será que essa forma de devolução (lotes

de reforma-agrária) de fato atende às necessidades dessas comunidades, que sempre tiveram

no uso comunal dos gerais sua principal característica? E quanto aos diversos danos, muitos

irreparáveis, que essas comunidades sofreram durante todo esse tempo?

São questões que não encontrarão respostas nesse estudo, mas servem para concluir

que, mesmo com toda essa luta, o seu produto nunca é algo pronto e acabado. O Antidireito é

inerente ao Direito, tal qual a injustiça à Justiça. Dai conclui-se que a dialética social não se

finda. Contudo, quanto mais organizada for a sociedade, mais “direito e justo” será o seu

resultado: O Direito e a Justiça.

Assim, a luta dos Geraizeiros da Comunidade de Vereda Funda continua.

75

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VASCONCELOS, Diogo L. A. P. de. 1974a. História Antiga de Minas Gerais. 2º

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78

6. ANEXOS

6.1. FOTOS E MAPAS

Figura 1: Os Tropeiros dos Gerais – Mercado Municipal de Taiobeiras-MG (década de 1970):

Retrata a forma como os geraizeiros comercializavam seus produtos nas Feiras Livres (foto:

autor desconhecido).

79

Figura 2: Relação do Geraizeiro com o Cerrado: Coleta do Pequi (foto: arquivo STTR - Rio

Pardo de Minas).

Figura 3: Cultura Geraizeira: Folia de Reis - Festa de São Sebastião na Comunidade

Geraizeira de Bem Posta no Município de Rio Pardo de Minas-MG, em 20/01/2012. (foto:

Adriana de Mel dos Santos)

80

Figura 4: Monocultura de Eucalipto no Território de Vereda Funda (foto: arquivo STTR

/RPM)

Figura 5: Situação de encurralamento: Morada de uma família geraizeira, com monocultura de

Eucalipto ao redor (foto: arquivo STTR/RPM).

81

Figura 6: Consequências da Monocultura de Eucalipto – degradação ambiental,

escasseamento da água e a migração forçada dos geraizeiros (fotos arquivo STTR/RPM)

Figura 7: Geraizeiros organizando o acampamento (foto: arquivo do STTR - Rio Pardo de

Minas)

82

Figura 8: Construção, incêndio pela firma, e reunião no rancho reconstruído (Fotos: arquivo

do STTR - Rio Pardo de Minas)

Figura 9: Mapa Mesorregião do Norte de Minas Gerais (Fonte: NOGUEIRA, 2009: 17)

83

Figura 10: Mesorregiões do Estado de Minas Gerais (Fonte: IBGE e Fundação João Pinheiro,

apud, NOGUEIRA, 2009: 138)

Figura 11: Área Nuclear do Cerrado - destaque do mapa de biomas do Brasil (Fonte IBGE,

2004 apud NOGUEIRA, 2009: 27)

84

6.2. AUTOS DO PROCESSO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: PETIÇÃO INICIAL

85

86

87

88

89

90

91

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6.3. AUTOS DO PROCESSO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: CONCESSÃO DE

LIMINAR

96

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98

99

6.4. AUTOS DO PROCESSO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: CONTESTAÇÃO

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE RIO PARDO

DE MINAS/MG.

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais – FETAEMG,

entidade Sindical de segundo grau, CNPJ 17.388.388.158/0001-83, com endereço á Rua

Álvares Maciel, 154, bairro Santa Efigênia, Belo Horizonte/MG., Cep. 30.150-250, aqui

representada por seu presidente Vilson Luiz da Silva, mesmo endereço acima; Centro de

Agricultura Alternativa do Norte de Minas, CGC Nº 25.206.285/0001-42, com sede a

Rodovia Haroldo Tourinho nº 4.095, Montes Claros, aqui representada por seu Diretor Geral

Sr. Braulino Caetano dos Santos, endereço acima; Mitra Diocesana de Montes Claros, já

qualificada na inicial; ELMY PEREIRA SOARES, brasileiro, casado, trabalhador rural,

JOSE MARIA FERREIRA SANTOS; ELIZEU JOSE DE OLIVEIRA, os três últimos

diretores do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas; Moisés Dias de

Oliveira, técnico Agrícola, funcionário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo

de Minas; ARCÍLIO ELIAS DOS SANTOS; PROCILIO RODRIGUES SILVA; GERCI

CONEGUNDES DOS SANTOS; GERALDO CONEGUNDES DOS SANTOS; JOÃO

ALMEIDA SANTOS; LEONARDO ALMEIDA SANTOS; ANTONIO APARECIDO DOS

SANTOS; ARGELINO RODRIGUES DOS SANTOS;; ODAIR CONEGUNDES DOS

SANTOS; ADELINO RODRIGUES COSTA; NERIM RODRIGUES DA COSTA; VALDIR

BANDEIRA OLIVEIRA; ELZIMAR ALVES OLIVEIRA; IZAEL CONEGUNDES DOS

SANTOS; JOSE CONEGUNDES NETO; ADÃO IZIDORO DE LIVEIRA; MARCOLINO

DE OLIVEIRA CERICO; os últimos brasileiros, casados, trabalhadores rurais, residentes e

domiciliados, no imóvel demandado, denominado comunidade Vereda Funda, Fazenda Ilha,

Gangorra, município de Rio Pardo de Minas/MG., vem respeitosamente á presença de Vossa

Excelência através da advogada abaixo assinada CONTESTAR a presente AÇÃO DE

MANUTENÇÃO DE POSSE, proposta pela FLORESTAMINAS-FLORESTAMENTOS

MINAS GERAIS S/A, já devidamente qualificada, no processo nº 0556 04 005309-3, em

trâmite pela secretaria Cível, expor e requerer o que se segue:

Preliminarmente,

1 - Incompetência deste Juízo

Que no dia 06 de junho de 2002, a Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas

Gerais, no uso de suas atribuições legais, autorizou a criação da Vara de Conflitos Agrários do

100

Estado de Minas Gerais. Foi instalada a referida Vara com a competência sobre o Estado de

Minas Gerais, na RESOLUÇÃO nº 398, publicado no Minas Gerais em 20 de setembro de

2002.

Nesse sentido, em cumprimento ao prescrito no Parágrafo Único, artigo 7º da Resolução

398/2002, Vossa Excelência deverá determinar a remessa dos presentes Autos ao MM. Juiz da

Vara de Conflitos Agrários – Forum Lafayette, OP 456, Fone 3330 2250 – Dr. Renato Luis

Dresch – Juiz de Direito.

Não resta dúvida sobre a competência da Vara de Conflitos Agrários, e a incompetência deste

Juízo de Rio Pardo de Minas.

Em função da criação da Vara de Conflitos Agrários, e a incompetência deste Juízo, a

presente Ação deverá ser encaminhada a Belo Horizonte, e a Liminar de Manutenção de

Posse Suspensa.

2 – Inépcia da inicial

Neste caso a petição deverá ser considerada inepta, por lhe faltar a causa de pedir, além do

que, da narração dos fatos, não decorrer logicamente a conclusão, a inicial, a autora tenta

dizer que o imóvel que pede Manutenção de Posse não é do Estado, mas que esta formalizou

com o ESTADO – através da RURALMINAS, um contrato de arrendamento no ano de 1980,

ainda, dá conta de que entidades sindicais, Igreja Católica, e Organizações não

governamentais, estariam incitando agricultores familiares que são moradores no mesmo

imóvel. No entanto, não deixa bem claro, o que estariam os requeridos praticando. Além

disso, das informações do autor, ou narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão.

O que pretende a autora.

Portanto, o presente processo deverá ser julgado extinto, sem julgamento do mérito com

fundamento no art. 301., III, por inépcia.

3 – Falta Interesse Processual

O MM. Juiz deverá indeferir a petição inicial, pois falta ao autor interesse Processual, de

acordo com o art. 295, III do CPC. É preciso, portanto, que haja, realmente, uma violação ou

ameaça a um direito, para que se caracterize o interesse de agir que venha justificar o ingresso

em juízo. Pois o autor ao propor a presente ação, age em desconformidade com o que

prescreve a lei para o caso, pois o imóvel objeto do presente pedido Possessório trata-se de

Terras Públicas do Estado, arrendadas anteriormente para a autora, sendo que o contrato teve

seu vencimento em Outubro de 2003(contrato nº 061/80-E – informações do ITER).

E que, o Estado de Minas Gerais, através do ITER- Instituto de Terras do Estado, entrou com

Notificação judicial, manifestando sua intenção de retomar o imóvel objeto do contrato(anexo

cópia da Notificação judicial).

Sendo que, em seguida, o Estado propôs Ação Rescisória do Contrato c/c DESPEJO

requerendo a retirada da autora do imóvel( proc. 0024 04 445632-5, em trâmite pela 5ª vara

da Fazenda Pública Estadual).

101

Expõe o C.C no seu art. 66:

“ Os bens público são:

I ......................................

III – Os dominicais, isto é, os que constituem o patrimônio da União, dos Estados, ou dos

Municípios, como objeto de direito pessoal ou real, de cada uma dessas entidades.

Art. 67 do CC:

“ Os bens de que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade, que lhes é

peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever.”

Ilegitimidade do Autor considerando assim, conforme comentários sobre a lei 601, de 1850,

vem a ser o comentário da teoria de posse de IHERING:

“a disposição legislativa que impede em certas relações possessorias que a posse exista”.

Além do Decreto n° 22.785 de 21 de maio de 1933, que em seu art. 2° estabelece:

“ Os bens públicos seja qual for a sua natureza não são sujeitos a Usucapião.”

De qualquer forma, falta interesse de agir do autor, uma vez que as terras públicas do Estado,

tem sua destinação legal exposta na nossa Constituição Estadual, mas, que de qualquer forma,

nunca poderia ser entregue ao autor, por uma questão de falta de amparo legal.

Lei 11.020/93 – que trata da Política de destinação de terras Públicas – art. 17:

“ O título de concessão gratuita de domínio será outorgado a quem, não sendo

proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua por 5 (cinco) anos

ininterruptos, sem oposição, área de terra devoluta rural não superior a 50 há.

(cinquenta hectares), tenha nela sua moradia e a tenha tornado produtiva”.

Portanto Inepta a petição inicial, por falta de interesse jurídico do autor, uma vez que sem

qualquer possibilidade que o imóvel rural seja destinado a estes, pois está comprometido com

o plano de Reforma Agrária do Estado, e subordinada a esta legislação.

4 – Ilegitimidade da parte passiva

Também é uma das condições da ação, a legitimidade da parte deve estar presente desde

início do processo, e deverá ser analisado, pois acarreta o indeferimento da petição inicial, de

acordo com art. 295, II, do CPC; A Ilegitimidade refere-se á entidade Sindical

FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE

MINAS GERAIS; MITRA DIOCESANA DE MONTES CLAROS; CENTRO DE

AGRICULTURA ALTERNATIVA DO NORTE DE MINAS GERAIS; bem como os

dirigentes Sindicais ELMY PEREIRA SOARES; MOISES DIAS DE OLIVEIRA; JOSE

MARIA FERREIRA SANTOS; ELIZEU JOSE DE OLIVEIRA; todos com endereço em

102

cidades distantes do imóvel, sem nenhum interesse jurídico naquela propriedade, sendo que os

dirigentes sindicais, representante sindical, com Sede na cidade de Rio Pardo de Minas e Belo

Horizonte, representando grupo de trabalhadores rurais, tendo apenas como prerrogativas o

exposto em seu Estatuto, que é associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus

interesses econômicos ou profissionais. Com personalidade jurídica e em gozo das

prerrogativas legais. Não lidera ou participa de ocupações de terras, situando-se em posição

diferente, visando apenas o bem de toda a categoria profissional que representa, de acordo

com a Constituição. E o Centro de Agricultura Alternativa – que apenas presta assessoria

técnica aos agricultores familiares residentes naquele imóvel (Estatuto com finalidade em

anexo), além de representantes da Igreja católica, não tem qualquer interesse naquela

propriedade, estiveram no local apenas e tão somente para participar de uma reunião.

5 - INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO SOB PENA DE NULIDADE -

AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, conflito coletivo pela

posse da terra.

O Código de Processo Civil estabeleceu que o Ministério Público é competente para intervir

em praticamente todas as causas. Atualmente o Ministério Público intervém,

obrigatoriamente, em qualquer instância antes de cada decisão manifestada no processo.

Apesar de que, essa interferência só é obrigatória quando já está instaurado o processo. No

entanto, deverá nesse caso, o Ministério Público desempenhar também suas atribuições

elencadas na Constituição Federal, que é, dentre outras compatíveis com a sua finalidade,

defender a ordem jurídica, os interesses sociais e individuais indisponíveis. Quando o

Ministério Público atuará direta e especificamente resguardando d ireitos de menores, direitos

da coletividade e do exercício da cidadania.

A Lei nº 9.415 de 23 de dezembro de 1996 - Dá nova redação ao inciso III do art. 82 da Lei nº

5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

Tornando obrigatório a intervenção do Ministério Público nas ações que envolvam litígios

coletivos pela posse da terra rural, e nas demais causas em que há interesse público.

Portanto, sem isso, anula-se o processo.

“Ar. 82 do CPC.......

III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais

causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da

parte”.

Portanto, a ausência da interferência do Ministério Público na ação Reintegratoria torna nula

qualquer decisão nela constante.

6 – Denunciação a Lide

Considerando que o imóvel é de propriedade do Estado de Minas Gerais, administrado pelo

Instituto de Terras do Estado – ITER, e os bens Públicos seja qual for a sua natureza não estão

sujeitos a Usucapião. Os bens que constituem o patrimônio do Estado, são os bens

103

dominicais. E portanto são indisponíveis. Portanto, a disposição legal que estabelece normas

para a precariedade e diferenças de seu uso e posse.

Como o contrato da autora com o Estado já venceu, não se vislumbra a disputa desta com os

requeridos sobre o imóvel. O Estado, através do seu representante legal, o INSTITUTO DE

TERRAS DO ESTADO – ITER, deverá ser citado para se intender de direito integrar a lide,

e informar sobre a titularidade da propriedade referida, e de seu interesse jurídico(cópia Ação

de Despejo promovido pelo ITER em desfavor da autora, em anexo).

7 – Falta de Delimitação da área que afirma Ter sido esbulhada

Ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular, visto que a

autora não delimitou, não caracterizou ou descreveu a área que supostamente teria sido

esbulhada para obter a proteção possessoria. Limitando-se apenas e tão somente a juntar

documentos, comentar sobre a construção de um barraco, e a presença dos requeridos no

imóvel, o que não poderá causar estranheza uma vez que com exceção dos primeiros cinco

requeridos, todos os restantes são moradores e possuidores, com título ou posse datado de

mais de sessenta anos, a maioria nasceu e cresceu naquela propriedade.

Evidentemente, sem a descrição ou individualização da área que alega a autora que foi

esbulhada, não poderá ser mantida na posse, como é o caso em tela. Como o imóvel está

ocupado pelos requeridos acima citados, todos espalhados pelo imóvel, em comunidades

denominadas: Cabeceira dos Porcos; Ponte Grande; Malhadinha; Boa Vista; Vereda Funda;

Matos dos Cavalos; Castainha, em várias localidades, não se sabendo exatamente de qual área

a que se refere a decisão liminar;

A inicial refere-se a construção de um barracão, não foram os requeridos que construíram o

barracão, na data em que a Polícia Militar esteve presente naquele local, estavam alí

realizando uma reunião, e não promoviam qualquer construção.

É pacífico o entendimento que nas Ações de interditos possessorios especialmente na

manutenção de posse, é extremamente necessário a individualização da coisa esbulhada ou

turbada, como já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“ Nas ações possessorias não basta apenas descrever apenas o que se chama de

confrontações, indicação dos proprietários de terrenos confinantes, mas é evidente a

necessidade de individuar precisamente a coisa de modo a tornar possível a verificação

da sua invasão pelo turbador ” (Jurisprudência Mineira, vol. IV, pág. 303).

Caso, porém, V.Exa. não acolha as preliminares suscitadas ou, se as der por sanadas, os

requeridos acima qualificados, passam a contestar especificamente todos os itens da inicial.

Não houve esbulho ou turbação praticado pelos requeridos

Não havendo qualquer interesse e determinação em esbulhar a posse da autora. Tendo a

primeira requerida, entidade Sindical de segundo grau apenas o objetivo de representação

sindical, numa perspectiva classista.

104

E, a administração da Entidade Sindical, é exercida por uma diretoria, eleita.

Não havendo qualquer interesse ou determinação dessa Diretoria em esbulhar a posse da

autora.

Em muitos casos até, ao contrário do que afirma a autora na inicial, a requerida poderá ser

compreendida como órgão de cooperação do Estado, pondo a serviço da respectiva classe, e

servindo-se como colaborador coletivo.

O Centro de Agricultura Alternativa(CAA), Mitra Diocesana de Montes Claros, prestam

serviços de assistência técnica, e assessoria a agricultores familiares, contando o imóvel com

mais de cento e vinte (120) famílias, que participam da construção de vários projetos

alternativos de trabalho na terra;

Sendo que a primeira requerida (FETAEMG); O representante da Mitra Diocesana de Montes

Claros, o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas; e os Dirigentes do Sindicato

dos Trabalhadores Rurais da cidade de Rio Pardo de Minas: Elmy Pereira Soares; José Maria

Ferreira Santos e Elizeu José de Oliveira, estiveram no local na data indicada apenas para uma

reunião, com os agricultores familiares moradores no imóvel, e apenas a convite daqueles.

Nunca ajudaram, determinaram, orientaram, não edificaram qualquer construção, turbaram ou

praticaram qualquer esbulho a possível posse da autora. Não tem qualquer interesse na

propriedade.

O Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, apenas presta serviços de assessoria

ou assistência técnica, nunca tiveram intenção em praticar qualquer turbação, orientaram, ou

induziram alguém a faze-lo;

Portanto, os requeridos contestam a presente ação, pois nunca tiveram qualquer intenção de

praticar esbulho ou turbação nem o liderou. No entanto, conhecem a realidade e o sofrimento

dos agricultores que residem naquela propriedade, uma vez que aqueles é que informam

estarem sendo prejudicados pela autora, e encaminharam aos primeiros requeridos, pedido de

intermediação e solicitação de reuniões junto ao Instituto de Terras do Estado – ITER, para

discutir a situação em que se encontram o imóvel.

Os últimos requeridos, agricultores familiares, residentes no mesmo imóvel, é que tem justo

interesse na propriedade, passando a relatar os fatos que realmente vem ocorrendo, pois

vejamos:

Posse mansa e pacífica dos últimos requeridos no mesmo imóvel

Os últimos requeridos, e outros, aproximadamente cento e vinte (120) famílias de agricultores

familiares, proprietários e posseiros, que nasceram, vivem e trabalham dentro do mesmo

imóvel referido pela autora, posse mansa e pacífica a mais de duzentos (200) anos, portanto,

anterior aos trabalhos da autora na área, bem como a assinatura do referido contrato de

arrendamento com o Estado.

Os últimos requeridos mantém posse dentro da mesma área a que se refere autora, com suas

moradias próximo as cabeceiras de diversas nascentes, que vão formar os cursos d` água, que

105

deságuam no Rio Santana, importante afluente do Rio Pardo, território denominado de “

Gerais ” .

Os últimos requeridos, nominados na inicial, bem como outros posseiros e proprietários

residentes dentro do imóvel demandado, são honestos trabalhadores rurais, que vivem da

labuta da terra, não estão sendo induzidos a praticar qualquer atos antijurídicos, não desejam

ou estão gerando atritos no campo, estão lutando pelo direito de permanecer nessas terras com

dignidade, preocupados com a preservação do meio ambiente. E, a construção de um barracão

para servir de reuniões dentro de terras públicas do Estado não fere qualquer legislação, uma

vez que costumam transitar no imóvel, pois alí residem e trabalham.

Nenhum sentido ainda, a insistência da autora em afirmar que as terras demandadas, não se

trata de propriedade do Estado, prova em contrário o contrato de arrendamento assinado com

a RURALMINAS (junto aos autos). Além da Ação de RESCISÃO DE CONTRATO c/c

AÇÃO DE DESPEJO, proposto pelo Instituto de Terras contra a autora(anexo cópia) .

O imóvel é Público – de propriedade do Estado – contrato vencido

Inicialmente, claro está que: o imóvel não pertence a autora, mas sim ao Estado de Minas

Gerais, conforme certifica o próprio contrato da autora com a RURALMINAS, a vinte e três

(23) anos atrás. Contrato este já vencido em final de outubro de 2003;

Sendo que, o ITER – Instituto de Terras do Estado, já NOTIFICOU judicialmente a autora

sobre seu desinteresse na continuidade do contrato de arrendamento (cópia da Notificação em

anexo); Propôs Ação de Despejo e Rescisão de Contrato também contra a autora (cópia em

anexo).

Contrato, que não deverá ser renovado, considerando que os objetivos do Estado, é cumprir

sua Constituição, que por sua vez determina:

De acordo com a nossa Constituição Estadual no seu art. 2° - VI:

“São objetivos prioritários do Estado:

....................................................

VI – promover as condições necessárias para a fixação do homem no campo;

.......................................................................

IX – preservar os interesses gerais e coletivos;

O imóvel demandado, não poderia Ter outro destino, senão para assentamento de

trabalhadores rurais sem terra. Por isso, os últimos requeridos tem a autorização do Estado,

para que permaneçam no imóvel.

E o art. 10, ainda da Constituição Estadual expõe:

106

“compete ao Estado:

...................................

XI - Instituir plano de aproveitamento e destinação de terra pública e devoluta,

compatibilizando-o com a política agrícola e com o plano Nacional de Reforma

Agrária.”

Considerando as atribuições do Estado em assentar trabalhadores sem terra, e levando em

consideração que a autora deverá desocupar o imóvel demandado, pois é de domínio do

Estado. Considerando ainda, que os últimos requeridos, e outras famílias são possuidores e

posseiros no imóvel, e , perante o Estado poderão ser assentados, ao contrário da autora, que

por força legal não poderá legitimar o em seu nome a referida propriedade pois a legislação

proíbe. A ação deverá ser julgada improcedente.

Da Política de Destinação de Terras Públicas – determinação legal

Conforme política e determinação da nossa Constituição, o Instituto de Terras deste Estado –

ITER, deverá ter intenção de promover o assentamento destes requeridos nestes imóveis de

propriedade do Estado.

Conforme determina o art. 5° da Lei 11.020/93:

“ O Estado promoverá medidas que permitam a preservação do seu patrimônio natural

e cultural das terras públicas de seu domínio, com o objetivo de fomentar a produção

agropecuária, de organizar o abastecimento alimentar, de promover o bem-estar do

homem que vive do trabalho da terra e fixá-lo no campo, bem como de colaborar para o

pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem estar de sus habitante.

§ 1° - A destinação de terras públicas será compatibilizada com a política agrícola e com o

plano nacional de Reforma Agrária, nos termos do inciso XI do art. 10 da Constituição do

Estado, e com o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, os Planos diretores e o

objetivo de preservação e proteção do patrimônio natural e cultural do Estado”.

Fica claro a este juízo, o compromisso do Estado de Minas Gerais em utilizar o imóvel

público do Estado, para promover assentamento de trabalhadores Rurais, conforme determina

a Constituição Estadual.

Além do exposto no art. 188 da Constituição Federal:

“ A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política

agrícola e com o plano nacional de reforma Agrária”.

Terras do Domínio do Estado

Sem ainda, qualquer possibilidade do autor adquirir a propriedade, uma vez que o disposto na

SÚMULA 340 DO STF dispõe:

107

“ Desde a vigência do Código Civil os bens dominicais, como os demais bens públicos,

não podem ser adquiridos por usucapião”.

Diz o art. 183, § 3° da Constituição Federal :

Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”

E o art. 191, parágrafo único, que agora também comentamos:

“ Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.

Por esse motivo, considerando que a autora nunca poderá adquirir o imóvel em questão, haja

visto tem várias outras propriedades, nunca poderia adquirir em regra e de modo genérico, os

imóveis públicos em geral, portanto, sem qualquer sentido legal, a presente ação, ou o

deferimento de qualquer liminar. Considerando que o Estado de Minas Gerais, promoverá

assentamento de trabalhadores rurais e outros, no imóvel demandado, a presente ação deverá

ser indeferida.

E, este é o primeiro requisito para propor a ação possessória.

Conforme exposto no artigo 485 do C.C:

“Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum

dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade”.

Portanto é o Estado de Minas Gerais, e os requeridos(agricultores nominados na inicial)

são os legítimos possuidores e posseiros do imóvel demandado.

A luta dos agricultores familiares, moradores e posseiros no imóvel

As famílias de geraizeiros que viviam secularmente ao longo das veredas, riachos e ribeirões

produziam suas lavouras nos terrenos mais férteis próximos aos cursos d´ água e coletavam

frutas, lenha, plantas medicinais e criavam seus animais solto nas áreas de cerrado, e em todo

imóvel, de forma coletiva. Com este modo de vida esta população (os últimos requeridos e

outros agricultores) produzia muita farinha, mandioca, café(chácaras sombreadas), rapadura,

arroz e feijão de Santana, além do gado e pequenos animais que eram comercializados nos

mercados de Rio Pardo de Minas, Taiobeiras, Salinas, Serranópolis e Porteirinha;

A forma de ocupação do território permitia manter há décadas a vitalidade dos recursos

hídricos, sendo abundante a água durante todo ano.

Apesar disso, ao contrário do que afirma a autora em sua inicial, esta propriedade, durante os

anos de 1970 e 1980, foi alvo de um processo de expropriação, arrecadação de terras que

afetou diretamente centenas de famílias de “geraizeiros”, que viviam da produção agrícola,

pecuária e extrativista no imóvel, dominado pelos cerrados. O Governo deste Estado firmou

contrato de Arrendamento destas terras com a autora através da instituição de um programa

denominado Polos Florestais.

108

Muitos desses posseiros foram expulsos, saíram sem condições de trabalhar, ou tiveram suas

áreas de trabalho reduzidas. A maioria não possuíam documentos ou título dos terrenos, mas

mesmo os que eram titulados, foram expropriados das terras onde viviam.

A implantação da monocultura de eucaliptos pela autora foi precedida de um processo

violento de apropriação das terras das famílias que viviam nas localidades conhecidas como :

Olhos d` água, boa vista, Pedra Branca, Cabeceira dos Porcos, Ilha, Vereda Funda, Campo.

A autora promoveu um desmatamento generalizado das chapadas carrascos para o plantio da

monocultura de eucaliptos exatamente nos locais que serviam de aqüíferos que sustentavam

as fontes d´ águas das cabeceiras e córregos dessa região de Rio Pardo de Minas. Deixando as

famílias recuadas nas cabeceiras e grotas limitando o seu modo de vida e produção, situação

que vem se agravando com o secamento de quase totalidade das nascentes.

Naquele período, a empresa reflorestadora desmata impiedosamente a vegetação exuberante

dos cerrados, afetando drasticamente a flora a fauna e provocando um processo de

assoreamento e secamento da maioria dos pequenos rios, córregos e ribeirões onde viviam as

populações tradicionais das comunidades, conhecidas como geraizeiros, geralistas,

chapadeiros, vacarinos, museleiros etc.

Os documentos de transferência de posse, que a autora junta a inicial, fica aqui contestada,

vez que, naquele período que antecede a Constituição de 1988, trabalhadores rurais,

reprimidos, sem informações, orientações, assinavam documentos sem assistência de

advogados, sem discutir realmente seus direitos.

As informações dos agricultores que residem no imóvel, dá conta de que, muitos posseiros

assinaram documentos no cartório e continuaram na propriedade(nas mesmas posses), outros

receberam valores financeiros irrisórios, pois, sabiam que as terras eram “ Públicas do

Estado”. Portanto, sem qualquer valor, haja visto a intenção do Estado de expulsar os

agricultores daqueles imóveis para formalizar com as Empresas de Reflorestamentos os

contratos de Arrendamento Rural.

De qualquer forma, o próprio Estado retirou um grande número de agricultores de várias áreas

no município de Rio Pardo de Minas.

Passadas quase três décadas, em parte do imóvel onde não foi replantado o eucalipto, o

cerrado inicia uma processo de regeneração natural, com o surgimento de uma diversidade

espécies fonecedoras de frutos, lenha, plantas medicinais e forragem nativa, que começa a

contribuir com a subsistência das famílias que teimaram em resistir vivendo encurralado “ nas

grotas”.

Portanto, com o término do contrato da autora com o Estado, os últimos requeridos e outras

famílias que vivem no imóvel passam a antever um período de melhoria das condições de

vida, pois o eucalipto já estava na sua terceira rebrota e com um grande extensão da área em

um intenso processo de regeneração do cerrado, com isso os cursos d´ água estavam ficando

correndo por mais tempo no período da seca, as famílias estavam voltavam voltando a coletar

frutos, plantas medicinais e a soltar o gado.

109

A fauna nativa começa a reocupar estes espaços, e, e o que é considerado o mais importante

para as populações locais, á água começa a “minar” nos pequenos riachos anteriormente

ressequidos, com a morte do eucalipto.

Mas, este momento coincide com o retorno do incentivo da monocultura de eucalipto. As

empresas reflorestadoras reiniciam o plantio nas áreas antigas, tratores de esteiram também

iniciam a retirada de tocos ou no preparo dos terrenos, e, novamente, as nascentes e cursos d`

água estão recebendo nova carga de terra e areia que descem das chapadas, o que contribuirá

para cobrir os pequenos córregos remanescentes.

Por todos esses motivos, por uma questão de sobrevivência, os últimos requeridos e todos os

demais posseiros, moradores da propriedade em suas comunidades estão tentando resistir, e,

nesse sentido requerendo as autoridades a suspensão de toda atividade de desmatamento da

vegetação nativa em regeneração ou a retirada de tocos e preparo de terras para o plantio de

eucalipto que está provocando assoreamento e seca dos escassos recurso hídricos na

propriedade.

Art.225 da Constituição Federal:

“ Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

do povo e essencial á sadia qualidade de vida, impondo-se ao pode público e á

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

E a respeito deste imóvel rural, aqui demandado:

Art. 225, § 5°, da Constituição Federal:

“ São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações

discriminatórias, necessárias á proteção dos ecossistemas naturais”;

Sem querer gerar qualquer polêmica, mas como a autora refere-se na inicial, que o plantio de

eucaliptos, seria grandes vantagens das “ florestas das espécies exóticas”. Entendemos a

importância da madeira, no entanto podemos descrever os grandes prejuízos que esse plantio

e contratos causaram aos agricultores familiares de várias regiões do Estado com o plantio de

eucalipto.

A Repercussão da Sociedade contra o arrendamento de terras do Estado (cópias de

matérias de jornais em anexo)

Importante ressaltar a grande polêmica que causou a sociedade em geral, as Concessões das

Terras do Estado a autora e a outras grandes Empresas de Reflorestamento.

Indagações, críticas, polemicas, e até denúncias junto a RURALMINAS(matéria do jornal

Estado de Minas, publicado em 07.12.1997 – título “UM ESCÂNDALO EM VÃO”), além de

centenas de outras matérias de jornais, que passamos a juntar a esta defesa, apenas para

demonstrar a este juízo que, além da indignação dos agricultores familiares residentes no

imóvel, a opinião da sociedade em geral é contrária a continuidade das Empresas de

Reflorestadoras em imóveis do Estado.

110

Essa questão de Terras cedidas através de contratos de arrendamentos a Empresas de

Reflorestamentos, também foi objeto de discussão pela ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA deste

Estado.

A matéria no Estado de Minas, veiculada em 27/10/2000, com o título “ Assembléia

também cobra explicações”:

“ A Assembléia Legislativa de Minas quer que a Ruralminas e o ITER expliquem

porque o Estado não requereu a reintegração de Posse das áreas de terra cujos contratos

de arrendamento estão vencidos. Requerimento nesse sentido do deputado Márcio

Kangussu(PPS) foi aprovado pela Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial.

“Fiquei surpreso em saber que havia contratos vencidos”, diz o deputado, que tem o

Jequitinhonha, onde está boa parte das áreas arrendadas, como principal base

eleitoral.” Foi um cochilo de todos nós – prefeitos, vereadores, deputados, mas,

principalmente do Estado”, diz o deputado, que questiona o retorno social dos

arrendamentos.

Em outro requerimento, o deputado Adelmo Carneiro Leão(PT)pede que o governo do

Estado envie cópia de todos os contratos de arrendamento e informe as medidas

adotadas em relação aos contratos vencidos. Para o deputado, a existência de contratos

vencidos sem que o Estado tenha pedido a reintegração das áreas gera uma situação de

“insegurança patrimonial” para o poder Público”.

Em anexo, várias outras matérias de jornais, dando conta de eventos, seminários, reuniões

onde se discutiam a retomada destes imóveis, e a destinação para assentamento de

trabalhadores rurais sem terra, ou com pouca terra para o trabalho;

De acordo com Constituição do Estado – Prioridade das Terras Públicas para

assentamentos

Voltamos a ressaltar a obrigatoriedade do Estado de Minas Gerais em promover

assentamentos de trabalhadores Rurais, como prioridade, de acordo com a Constituição

Estadual.

Art. 10, da Constituição Estadual:

“ Compete ao Estado:

................................................

XI – Instituir plano de aproveitamento e destinação de terras pública e devoluta,

compatibilizando-o com a política agrícola e com o Plano Nacional de Reforma

Agrária”.

Ao contrário do que afirma a autora, essa não tem qualquer direito a legitimação dessas terras,

ou possibilidade jurídica.

111

Ademais, a luta dos últimos requeridos, e de todos agricultores familiares, é para que no

imóvel seja promovido o Reassentamento de trabalhadores rurais do município, aqueles

agricultores que se encontram dentro de pequenas grotas, área insuficiente para o plantio,

tudo, conforme determina a Constituição Estadual.

Portanto, adequação do imóvel ao Plano Nacional de Reforma Agrária

O próprio judiciário deverá decidir, determinando o cumprimento da Constituição Estadual, a

utilização e o acesso à terra pelos trabalhadores rurais sem terra, e no caso com pouca terra,

acuado nos grotões, como é o caso dos últimos requeridos, reconhecendo o magistrado que o

processo usado, é um meio de expressar às lutas populares.

Meio justo, dado à necessidade de uma urgente Reforma Agrária, e, principalmente porque a

questão econômica deve se sobrepor a qualquer outra fundamentação.

Direitos assegurados pela nossa atual Constituição Federal, no seu art. 3º, conforme exposto:

“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - Construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - ...........

III - erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - ............

Direitos ainda fundamentos no Art. 5º da também Constituição Federal:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguinte:” (..............)

O que os requeridos esperam é uma sociedade que tenha a democracia como alvo, e

igualmente a distribuição de riqueza, e que todos os trabalhadores tenham a capacidade de

exercerem sua cidadania, tendo acesso à terra

Os requeridos não podem ser tratados como esbulhadores, e deverá o imóvel servir ao

interesse social em adaptação e conformidade com a realidade do presente.

Expõem o art. 170 da nossa Constituição:

“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

tem como por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social, observados os seguintes princípios:

I - ........

112

II - .......

III - função social da propriedade”

Art. 186:

“A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,

segundo critérios e graus de exigências estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio

ambiente.

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores”.

O imóvel rural cumpre sua função social quando preenche os requisitos constitucionais

referidos no art. 186, I a IV, o que não é o caso em questão, pois ao contrario do exposto na

inicial, mantém a autora no imóvel plantio de eucalipto, em terras devolutas do Estado, isso

não entende o cumprimento da função social da propriedade.

A propriedade tem um sentido social, e a sua destinação deve ser a social.

A legislação impõe que interesse social deve prevalecer sobre interesse individual, e aquela

deverá ser observada pelo MM. Juiz.

Sem nenhum sentido o deferimento da Liminar de Manutenção de Posse, e improcedente

deverá ser julgada a presente Ação, uma vez que neste conflito social, o MM. Juiz deverá

entender que a autora não cumpriu com seus deveres de devolver ao Estado o imóvel que não

lhe pertence.

Expõem Pontes de Miranda, “Comentários à Constituição - pág. 46:

Sendo o imóvel de propriedade do Estado de Minas Gerais (doc. Anexo), este deverá atender

a demanda de assentar trabalhadores sem terra, e o reassentamento dos trabalhadores que tem

apenas a casa onde moram, para nela produzirem.

“Negando o direito subjetivo”, escreve Alfredo Buzaid, a “propriedade é considerada

em sua função social, devendo o Poder Público regulá-la de modo que produza o melhor

rendimento em benefício de todos” (Da Ação Renovatória, 1958, p. XXII, cf. 2ª ed., 1981,

vol. I, ps. 16-17).

“Já não estamos naquele tempo de individualização absorvente. O direito da comunhão,

que é o direito do Estado, sobreleva o direito do indivíduo”(Cunha Vasconcelos, em

Diário da Justiça, voto de 10.12.1951, p.4. 742).

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“Elucidando a respeito da passagem das constituições que falam do tema, bem como

sobre a ordem econômica” Brandão Cavalcanti salienta que:

“a propriedade é condição social, estando sempre subordinada a sua finalidade, a sua

aplicação ao interesse coletivo” (A ordem econômica nas Constituições, em Revista

Forense.

O presente imóvel, em questão, é de propriedade do Estado de Minas Gerais, que o está

reivindicando para assentar trabalhadores rurais, e não poderá merecer qualquer proteção

possessória, portanto o magistrado não poderia deferir a Liminar de Reintegração. Que requer

seja suspensa, até que o ESTADO DE MINAS GERAIS o arrecade definitivamente.

E, nesse caso, deverá cassar a liminar possessória, e julgar a Ação improcedente, por falta de

proteção possessória à propriedade Pública do Estado.

Assim, fica a ação inicial aqui contestada em todos os seus itens e argumentos, os documentos

impugnados. Uma vez que, conforme acima exposto, a propriedade pertence ao Estado.

Requer finalmente que este Juízo determine ao INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO –

ITER, que promova o levantamento da cadeia dominial do imóvel demandado, com a

finalidade de estudar a procedência dos documentos juntos a inicial pela autora. Pois os

últimos requeridos não tem notícia de qualquer agricultor constante naqueles documentos, que

fosse proprietário naquele imóvel, para que pudesse transferi-los.

Ante o exposto, após análise das preliminares por este juízo, prossiga a ação requerendo o

depoimento do representante da autora, oitiva de testemunhas para provarem o alegado,

juntada de documentos e perícia.

Julgando-se improcedente a ação em todos os seus termos, que aqui fica contestada por todos

os requeridos. O autor deverá arcar com pagamento de custas e honorários.

Os requeridos requerem os benefícios da justiça gratuita pois são pobres no sentido legal, não

podendo arcar com as despesas judiciais. Requerem ainda prazo para juntada de procurações.

Belo Horizonte, 04 de outubro de 2004.

SÔNIA MARA DE SOUZA PRATA

OAB/MG/Nº 37.410

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6.5. AUTOS DO PROCESSO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: ENVIO DOS AUTOS À

VARA DE CONFLITOS AGRÁRIO DE MINAS GERAIS

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6.6. AUTOS DO PROCESSO DE MANUTENÇÃO DE POSSE: TERMO DE

AUDIÊNCIA – VARA AGRÁRIA

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6.7. CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE TERRAS DEVOLUTAS –

RURALMINAS/FLORESTAMINAS

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