universidade federal da paraÍba ufpb centro de … · 2014-02-04 · na escola municipal de ensino...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA CCEN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA PPGG YGOR YURI DE LUNA CAVALCANTE O ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO QUILOMBOLA: EXPERIÊNCIAS NA ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL PROFESSORA ANTÔNIA SOCORRO DA SILVA MACHADO - COMUNIDADE NEGRA DE PARATIBE, PB JOÃO PESSOA 2013

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA UFPB

    CENTRO DE CINCIAS EXATAS E DA NATUREZA CCEN

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA PPGG

    YGOR YURI DE LUNA CAVALCANTE

    O ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAO QUILOMBOLA: EXPERINCIAS NA

    ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL PROFESSORA ANTNIA

    SOCORRO DA SILVA MACHADO - COMUNIDADE NEGRA DE PARATIBE, PB

    JOO PESSOA

    2013

  • YGOR YURI DE LUNA CAVALCANTE

    O ENSINO DE GEOGRAFIA NA EDUCAO QUILOMBOLA: EXPERINCIA NA

    ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL PROFESSORA ANTNIA

    SOCORRO DA SILVA MACHADO - COMUNIDADE NEGRA DE PARATIBE, PB

    Dissertao de Mestrado apresentada em

    cumprimento s exigncias do Programa

    de Ps-Graduao em Geografia

    (PPGG), do Centro de Cincias Exatas e

    da Natureza (CCEN) da Universidade

    Federal da Paraba (UFPB), como

    requisito parcial para obteno do ttulo

    de Mestre em Geografia.

    LINHA DE PESQUISA: Educao

    Geogrfica

    ORIENTADORA: Maria de Ftima

    Rodrigues Ferreira

    COORIENTADORA: Maria Adailza

    Martins de Albuquerque

    JOO PESSOA

    2013

  • C376e Cavalcante, Ygor Yuri de Luna.

    O ensino de geografia na educao quilombola: experincia na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Antnia Socorro da Silva Machado - Comunidade Negra Paratibe,PB / Ygor Yuri de Luna Cavalcante.-- Joo Pessoa, 2013. 197f. : il.

    Orientadora: Maria de Ftima Rodrigues Ferreira Coorientadora: Maria Adailza Martins de Albuquerque Dissertao (Mestrado) UFPB/CCEN

    1. Geografia - ensino. 2. Educao geogrfica. 3. Educao quilombola. 4. Currculo escolar quilombola.

    UFPB/BC CDU: 911:37(043)

  • quela que me guarda e me protege todos os dias e

    noites de minha vida, Maria do Carmo Luna (IN

    MEMORIAN) e quela que me aquece nos

    momentos de frio e me acalma nos momentos de

    calor, quando falo com a senhora, me esperando

    para me ver. Minha Tia Laura. queles que nunca

    tiveram oportunidade de saber ler e escrever, de

    contar suas histrias, de seus valores, mas que me

    alfabetizam a cada instante nestas pginas com suas

    presenas de vida. queles que no fiz mais para

    estar mais prximo, me deixa eternas saudades (in

    memorian), Seu Antnio Albino (Antnio Chico) e

    sua esposa, Dona Maria Nazar (N), grandes

    amigo(a)s quilombolas. quele(a)s que construram

    comigo este trabalho, lideranas quilombolas,

    direo escolar, educadores e educandos da escola, e

    familiares de Dona Antnia Socorro.

    Dedico!

  • AGRADECIMENTOS

    Tenho eternas saudades (in memorian) de Seu Antnio Albino (Antnio Chico) e sua

    esposa, Dona Maria Nazar (N). Nossas conversas descontradas, nossos desabafos.

    Nunca vou esquecer o carinho que sempre me receberam em sua casa, sempre me

    trataram como um amigo fiel. Fica em minhas lembranas a ltima vez que conversei

    com Dona Maria Nazar (N), apertou minha mo e riu para mim, assim como a ltima

    conversa com Seu Antnio Albino (Antnio Chico), conversamos muito sobre sua

    esposa, ele estava com saudades dela, no demorou, ele a encontrou, continua sempre

    juntos, isso amor, no mundo material e imaterial!!! So esses dois amigo(a)s que me

    liga aos quilombolas de Paratibe, a cada momento me completa cada vez mais!

    Tambm no conseguiria sem o carinho, afeto e amor de minha Kalol, quando nos

    momentos de desespero e frustrao, sempre esteve do meu lado, me d paz e fora para

    seguir em frente.

    Sei que Maria de Ftima Ferreira Rodrigues e a Maria Adailza Martins de Albuquerque,

    alm de grandes amigas e provocadoras, me apresentaram nortes, horizontes

    desafiadores para conquistar/explicar o que parecia inexplicvel. Suas crticas sinceras e

    corretas fizeram perceber os erros e construir a partir deles, uma constante busca pela

    essncia dessa investigao. Sempre tiveram tempo e pacincia para comigo, sempre me

    deram fora para superar os desafios encontrados pelo caminho.

    Direciono-me agora aos membros examinadores, pois a pesquisa feita tambm com

    suas contribuies, sugestes e observaes em todo o percurso investigativo, so nesses

    momentos que a pesquisa ganha mais corpo, vai mais alm, mostrando os melhores

    caminhos para chegar ao objetivo nessa estrada sinuosa que nunca tem fim.

    Quanto s lideranas quilombolas da Comunidade Negra Paratibe, Joseane, Monica e

    tantas outras, me sinto eternamente grato por conhecer essas mulheres guerreiras que

    lutam pela memria de Paratibe.

    A todos aqueles que trabalham na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora

    Antnia Socorro da Silva Machado que sempre me atenderam quando precisei de sua

    ajuda em especial a Estela, Rosrio, Jandira, Marcos, Joelma, a(o)s educadora(e)s

    Ivaneide Rosa, Sandra, Penha, Antnio, Ndja, Rivaldo, Rosane Fausto, Alcebiades, aos

    familiares de Dona Antnia Socorro Genildo (Ded), Ivanildo (Ninil), Ivone (V),

    Ivanilda (Mocinha), Roberto (Pel) e a todos aqueles que me ensinam muito de suas

    experincias de vida.

    Aos meus amigos e amigas que mostrar serem partes de minha famlia. Daquelas que

    tenho como tias: Dona Alice e Dona Ins; aos meus irmos e irms: Paulo Henrique

    Marques, Carol Queiroz, Anna Carla Queiroz, Yuriallis (Yuri de Xequer), Anbia de

    Castro (Nubinha), Ivanilda Coriolano (Acar), Regis (Morcego), Gutemberg Silva

    (Mazinho) e Wanessa Portella.

    Ao GESTAR que me ajudou nos momentos que mais necessitei neste trabalho, com

    franqueza e gentilidade, nos bons momentos em que pude estar com vocs e pela

    companhia as idas Paratibe e ao Grilo: Jussara Santana, Diego Silvestre, Salom

    Maracaj e Manoel Jnior.

  • As antroplogas do INCRA que sempre se dispuseram e colaboraram com a pesquisa,

    sempre gentis em suas contribuies aos quilombolas: Maria Ester e Fernanda.

    A todos os membros do NEABI pelo dilogo e oportunidades ao me proporcionar uma

    nova viso de mundo a partir do continente africano e de uma educao antirracista com

    educadores do Ensino Bsico.

    Aos meus bravos colegas de trabalho do 5 Batalho do Corpo de Bombeiros Militar do

    Estado da Paraba - 5 BBM que, em nossas conversas calorosas sempre confiaram em

    mim.

    Por fim, no posso esquecer-me daquelas pessoas annimas que me ajudaram

    diretamente e/ou indiretamente nesta pesquisa, trabalhadores, estudantes, pessoas que

    encontravam nas esquinas da vida, sempre dispostos a me ajudar de alguma maneira.

    Agradeo!

  • Maracangalha

    Eu vou pr Maracangalha

    Eu vou!

    Eu vou de liforme branco

    Eu vou!

    Eu vou de chapeu de palha

    Eu vou!

    Eu vou convidar Anlia

    Eu vou!

    Se Anlia no quiser ir

    Eu vou s!

    Eu vou s!

    Eu vou s!

    Se Anlia no quiser ir

    Eu vou s!

    Eu vou s!

    Eu vou s sem Anlia

    Mas eu vou!...

    Dorival Caymmi

  • Resumo

    Esta dissertao trata das contribuies da disciplina Geografia para uma educao

    tnico-racial na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Antnia Socorro

    da Silva Machado (EMEFPASSM), que atende educandos do Ensino Fundamental II

    oriundos do territrio quilombola da Comunidade Negra Paratibe (CNP), localizado na

    zona sul da cidade de Joo Pessoa-PB. Nosso objetivo foi investigar as contribuies da

    Geografia escolar para uma educao quilombola mediante investigao de campo

    sobre as prticas educativas que foram trabalhadas em sala de aula pela educadora de

    Geografia e seus educandos. O ensino de Geografia inserido em um contexto tnico-

    cultural e poltico-ideolgico presente na escola, com educadores, educandos, direo

    escolar e poder pblico municipal e na comunidade quilombola, com lideranas

    quilombolas, apresenta-se como um dos elementos do currculo escolar formador de

    cidados que possibilita uma leitura socioespacial de suas realidades vividas. Em busca

    de uma melhor compreenso sobre o tema estudado, dividimos esta pesquisa em quatro

    captulos, em cada uma delas so abordadas diferentes fundamentaes tericas,

    dilogos e interpretaes que foram estabelecidas ou realizadas. No primeiro captulo

    foi realizado uma discusso sobre o mtodo e os procedimentos metodolgicos a fim de

    compreender a realidade vivenciada em uma perspectiva qualitativa. J o segundo

    captulo trata do processo de construo territorial da referida comunidade quilombola,

    relacionando sua realidade com outras comunidades quilombolas a partir de um resgate

    histrico sucinto da educao para afrodescendentes e quilombolas como uma das

    bandeiras de luta destes, e, como a Geografia escolar pode contribuir nessa modalidade

    de educao. O terceiro captulo realiza uma investigao sobre a educadora fundadora

    da escola em foco, enfatiza a relao do currculo escolar quilombola com a Lei

    10.639/03 e suas influncias na identidade territorial quilombola e na luta contra o

    racismo na escola, finalizando a partir de uma anlise sobre a formao dos educadores

    de Geografia para uma educao quilombola. O quarto captulo procura mostrar a

    pesquisa de campo realizada mediante uma investigao que, no primeiro momento se

    torna descritiva, enquanto, no segundo momento, se faz uma anlise das prticas

    escolares vivenciadas em sala de aula.

    Palavras-chave: Ensino de Geografia; Educao Quilombola; Currculo Escolar Quilombola.

  • Abstract:

    This dissertation deals with the contributions of the geography subject for an ethno-

    racial education at the Municipal School of Basic Education Professor Antonia Socorro

    da Silva Machado ( EMEFPASSM ) , which serves students of the Elementary School

    II, coming from the quilombola lands of Paratibes Black Community ( CNP ) , located

    in the south region of Joo Pessoa city . Our goal was to investigate the contributions of

    a scholar Geography to a quilombolas education through a field research about

    educational practices that were studied by the geography teacher and her students in the

    classroom. Geography teaching inserted in a context ethno-cultural and political-

    ideological present in the school with educators, students , school board and municipal

    and quilombola community with quilombola leaders , shows itself as one of the

    elements of the school curriculum, training citizens which allows an understanding of

    their socio-space living realities . In a pursuit of a better understanding of the studied

    subject, this research is divided into four chapters , each one of them are addressed

    different theoretical bases, dialogues and interpretations that have been established or

    accomplished . In the first chapter was held a discussion about the method and the

    methodological procedures in order to understand the reality experienced in a

    qualitative perspective . The second chapter deals with the process of construction of

    this territorial quilombola community , relating their reality with other quilombola

    communities from a historical rescue summary of the education for African descent and

    Quilombolas the political demands of them , and how the Geography subject can

    contribute to this type of education . The third chapter conducts an investigation into the

    founder and teacher of this school, emphasizes the relationship of the school curriculum

    quilombola with Law 10.639/03 and its influences in quilombola territorial identity and

    the struggle against racism in school , finishing from an analysis on the training of the

    geography teachers for an quilombola education. The fourth chapter attempts to show

    the field research conducted by an investigation that , at first becomes descriptive ,

    while in the second phase, an analysis is made of the school practices experienced in the

    classroom .

    Keywords: Teaching Geography; Quilombola Education; Quilombo School

    Curriculum.

  • LISTA DE MAPAS / IMAGENS

    MAPA 01 Localizao do Bairro de Paratibe na cidade de Joo

    Pessoa.................................................................................

    46

    MAPA 02 Uso e ocupao do Solo reivindicado pela Comunidade Negra

    Paratibe em 1998...............................................................................

    50

    IMAGEM 01 Localizao territorial aproximada das cinco famlias da CNP

    que povoaram o ento Stio Paratibe no atual Bairro

    Paratibe...............................................................................................

    49

    IMAGENS 02 E 03 Limites territoriais da CNP e as faixas de terras no includas no

    RTID.....................................................................................................

    52

    IMAGEM 04 Localizao da EMEFPASSM em reforma no ano de

    2009.....................................................................................................

    54

    IMAGEM 05 Localizao da EMEFPASSM depois da reforma no ano de

    2011......................................................................................................

    52

    IMAGEM 06 Localizao aproximada das trs casas de Dona Antnia

    Socorro e da EMEFPASSM.............................................................

    103

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 01 Foto de casas para serem vendidas pelo Programa Minha Casa,

    Minha Vida...........................................................................................

    51

    FIGURA 02 Foto da placa informando terreno para ser vendido, ao fundo da

    foto um prdio j em fase de acabamento.........................................

    51

    FIGURA 03 Foto da Escola Arlindo Bento de Morais de Ensino Fundamental

    e Mdio (EJA) na Comunidade de Talhado Urbano em Santa

    Luzia........................................................................................................

    77

    FIGURA 04 Foto da Escola Municipal Firmo Santino da Silva na

    Comunidade Caiana dos Crioulos em Alagoa Grande......

    77

    FIGURA 05 Foto da frente da Escola Municipal Professora Antnia Socorro da

    Silva Machado...............................................................

    78

    FIGURA 06 Foto do busto de Dona Antnia Socorro erguido em frente a

    escola em sua homenagem..............................................................

    78

    FIGURA 07 E 08 Fotos das maquetes feitas pelos 9 A e B, respectivamente:

    Paratibe antes e depois da urbanizao ............................

    79

    FIGURA 09 Foto do jardim da EMEFPASSM....................................................... 80

    FIGURA 10 Foto do espao para guardar bicicletas, estudantes no ptio de

    alimentao e ao funda da imagem, a cozinha...................................

    80

    FIGURA 11 Foto da sala da rdio da escola com o equipamento de

    radiodifuso............................................................................................

    80

    FIGURA 12 Foto da rea de cultivo de horta pelos estudantes.............................. 80

    FIGURAS 13 E 14 Fotos de cartazes apresentados no Projeto Comunidade

    Quilombola Paratibe 2012: Beleza Negra, valorizando o resgate e

    a histria de luta da CNP pela preservao de sua memria.........

    91

    FIGURA 15 Foto do rosto de Dona Antnia Socorro posto na Secretaria da

    EMEFPASSM em sua homenagem...................................................

    99

    FIGURA 16 Foto do sobrinho-filho Roberto da Silva Santos (Pel) que mostra

    o local da antiga Escola Dona Antnia...............................................

    100

    FIGURA 17 Foto do sobrinho-filho Roberto da Silva Santos (Pel) que mostra

    o local da antiga casa de Dona Antnia Socorro...............................

    100

    FIGURA 18 Foto da educadora de Geografia, Senhora Ivaneide Rosa,

    ministrando aula sobre o continente africano no 9 ano A e ao seu

    lado uma estudante quilombola segurando o mapa do continente

    africano....................................................................................................

    143

    FIGURA 19 Foto da apresentao de cartazes com o nome do projeto................ 145

    FIGURA 20 Foto da vista parcial do ginsio poliesportivo com o secretrio de

    educao discursando a respeito da valorizao dos

    afrodescendentes e das comunidades quilombolas,

    respectivamente......................................................................................

    145

    FIGURA 21 Foto dos produtos ecolgicos do Projeto Horta na Escola,

    respectivamente.......................................................................................

    146

    FIGURA 22 Foto da atual presidente da Associao CNP, Monica Ferreira da

    Silva em discurso, atrs um grupo de capoeira e ao fundo da

    imagem educandos assistindo seu discurso.........................................

    146

    FIGURA 23 Foto da vista parcial de robs do Projeto Robtica na Escola........... 146

    FIGURA 24 Foto do ptio interno mostrando alunos no momento da refeio, ao

  • fundo, exposio de fotos de pessoas quilombolas organizado pela

    AACADE e maquetes sobre a CNP.........................................................

    146

    FIGURA 25 Foto dos estudantes danando o Canto das trs raas........................ 147

    FIGURA 26 Foto do momento de dilogo entre educadores e lideranas

    quilombolas. Da esquerda para a direita: educadora de matemtica

    Maria Leonice ao lado de um educando quilombola. No meio a

    educadora de Geografia Ivaneide Rosa. A direita da imagem, uma

    das lideranas da CNP, Joseane Perreira (Ana) com seu filho e

    sobrinha.........................................................................................................

    147

    FIGURA 27 Foto do momento em que os educadores homenageavam a

    educadora falecida de Cincias, Maria do Socorro da Silva,

    em comemorao ao Dia da Mulher realizado no dia 15 de

    maro.....................................................................................

    152

    FIGURA 28 Foto do cartaz sobre o evento que ocorreu na escola sobre o

    Seminrio de Meio-Ambiente e o quilombo de Paratibe no

    ms de abril de 2013..............................................................

    154

  • LISTA DE TABELAS E GRFICOS

    TABELA 1 Estudantes quilombolas por idade (2012) 138

    TABELA 2 Reconhecimento da construo predial/residencial pelos estudantes

    quilombolas (2012)

    140

    GRFICO 1 Estudantes quilombolas e no quilombolas do turno da tarde

    (2012)

    138

    GRFICO 2 Entrevistas semiestruturadas realizadas por ano escolar

    (2012).

    139

    GRFICO 3 Grupos tnico-raciais entre os estudantes (2012) 139

    GRFICO 4 Estudantes quilombolas que foram vtimas de preconceito racial

    (2012)

    140

    GRFICO 5 Grupos tnico-raciais entre os educadores (2012) 142

  • LISTA DE SIGLAS

    AACADE Associao de Apoio s Comunidades Afrodescendentes

    ADCT Atos de Disposies Constitucionais Transitrios

    AJA Alfabetizao de Jovens e Adultos

    ASQ Agenda Social Quilombola

    CETEB Centro de Ensino Tcnico de Braslia

    CF Constituio Federal

    CNE-CP Conselho Nacional de Educao da Cmara Plena

    CNP Comunidade Negra Paratibe

    CNNB Congresso Nacional do Negro Brasileiro

    CONAQ Coordenao de Articulao das Comunidades Negras Rurais Quilombolas

    DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

    DCNEEQEB Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Escolar Quilombola

    na Educao Bsica

    DF Distrito Federal

    DOU Dirio Oficial da Unio

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    EMEFPASSM Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Antnia do

    Socorro da Silva Machado

    FCP Fundao Cultural Palmares

    FNB Frente Negra Brasileira

    GESTAR Grupo de Pesquisa: Territrio, Trabalho e Cidadania.

    IES Instituies de Ensino Superior

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    LDBEN Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional

    MEC Ministrio da Educao

    MNB Movimento Negro Brasileiro

    MNU Movimento Negro Unificado

    NEABIS Ncleo de Estudos Afro-brasileiros e Indgenas

    OIT Organizao Internacional do Trabalho

    ONGs Organizaes No Governamentais

    PBQ Programa Brasil Quilombola

    PCNs Parmetros Currculos Nacionais

    PMJP Prefeitura Municipal de Joo Pessoa

    PNPIR Poltica Nacional de Promoo da Igualdade Racial

    PVM Programa de Valorizao do Magistrio

    RTID Relatrio Tcnico de Identificao e Delimitao

    SECADI Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso.

    SEPMJP Secretaria de Educao da Prefeitura Municipal de Joo Pessoa

    SEPPIR Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial

    TEN Teatro Experimental Negro

  • SUMRIO

    CAPTULO 1 ............................................................................................................ 16

    Do cho da pesquisa s dinmicas do conhecimento: mtodo e referencial

    terico-metodolgico ................................................................................................. 16

    1.1 Palavras para iniciar .......................................................................................... 16

    1.2 A caminhada metodolgica na escola ................................................................ 24

    1.3 A pesquisa documental: fontes tericas pesquisadas .......................................... 37

    1.4 A pesquisa de campo: vivncias no cotidiano .................................................... 40

    CAPTULO 2 ............................................................................................................ 45

    A Comunidade Negra Paratibe, uma histria da educao sobre os negros e a

    Geografia escolar na educao quilombola .............................................................. 45

    2.1 O processo de construo do territrio da Comunidade Negra Paratibe .............. 45

    2.2 As relaes raciais na educao: uma reviso histrica sobre uma educao

    diferenciada para comunidades quilombolas ............................................................ 55

    2.3 As contribuies do ensino de Geografia no contexto da pedagogia quilombola:

    construo da cidadania e da identidade territorial quilombola ................................ 73

    CAPTULO 3 ............................................................................................................ 94

    A relao do currculo quilombola com a Lei 10.639/03 e a formao do educador

    de Geografia em questo. .......................................................................................... 94

    3.1 Da Escola de Dona Antnia Escola Municipal Professora Antnia Socorro da

    Silva Machado: ....................................................................................................... 95

    3.2 O currculo escolar quilombola em debate: desafios e conquistas na construo de

    uma identidade territorial quilombola e na superao do racismo .......................... 106

    3.3 Formao do educador de Geografia: prticas / metodologias educativas em sala

    de aula .................................................................................................................. 123

    CAPTULO 4 .......................................................................................................... 130

    Uma anlise da prtica escolar do ensino de Geografia para o fortalecimento da

    identidade territorial quilombola e da luta antirracista ........................................ 130

    4.1 O acompanhamento em sala de aula: anlise da realidade encontrada .............. 130

    4.2 As prticas do ensino de Geografia no Ensino Fundamental II: em busca de uma

    identidade territorial quilombola e de uma luta antirracista .................................... 131

    4.3 A pesquisa de campo em sala de aula: reflexes sobre o ensino de Geografia e

    contradies da realidade social ............................................................................ 157

    Outras palavras sem finalizao ............................................................................. 168

    REFERNCIAS ...................................................................................................... 172

    Apndice 01 .............................................................................................................. 184

    Apndice 02 .............................................................................................................. 189

    Apndice 03 .............................................................................................................. 192

    Apndice 04 .............................................................................................................. 193

  • Anexo 01: Quadro atual da poltica de regularizao de territrios quilombolas no

    INCRA ..................................................................................................................... 194

    Anexo 02: Certido de Autorreconhecimento ............................................................ 195

    Anexo 03: Delimitadas e demarcadas do RTID realizada pelo INCRA sobre o Territrio

    Quilombola de Paratibe ............................................................................................. 196

    Anexo 04: Normas Internas da EMEFPASSM .......................................................... 197

  • 16

    CAPTULO 1

    Do cho da pesquisa s dinmicas do conhecimento: mtodo e referencial

    terico-metodolgico

    1.1 Palavras para iniciar

    Este estudo sobre as contribuies da Geografia Escolar para uma educao

    quilombola trata da relao Escola e Comunidade Quilombola que envolve duas

    realidades, tanto o contexto das tenses curriculares do ensino-aprendizagem, quanto os

    conflitos e contradies resultantes das questes tnico-raciais em um territrio

    quilombola urbanizado.

    Para construir essa narrativa, consideramos necessrio realizar breves

    comentrios sobre a Comunidade Negra Paratibe (CNP) e a Escola de Ensino

    Fundamental Professora Antnia do Socorro da Silva Machado (EMEFPASSM)1,

    mesmo que esses itens sejam tratados de modo mais contundente em outro momento da

    pesquisa. Ao discorrer sobre as inquietaes encontradas na pesquisa, se torna

    necessria uma ateno aos adjetivos presentes no texto, para no empobrecer a

    realidade e sentenci-la, mas sim para atingir o mago da palavra correta.

    A Comunidade Quilombola estudada, segundo Cavalcante (2007), atualmente

    conta com 130 famlias cadastradas na Fundao Cultural Palmares (FCP) e tem o

    Certificado de Auto-Reconhecimento emitido por esse rgo governamental, em julho

    de 2006. A CNP vem sofrendo com um rpido e agressivo avano da especulao

    imobiliria, perdendo grande parte de seu territrio, com a expanso da malha urbana de

    bairros e loteamentos populares adentrando seu territrio na dcada de 1980; com a

    construo da Rodovia Estadual PB-008 (Joo Pessoa Jacum) na dcada de 1990; o

    desmatamento da Mata da Portela2 (reserva de mata Atlntica com mangue) em 1990; e

    1 A partir desse momento faremos uso da sigla CNP para nos referirmos a Comunidade Negra Paratibe e

    da sigla EMEFPASSM, para nos referirmos a Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora

    Antnia do Socorro da Silva Machado. 2 A Mata da Portela conforme depoimentos dos moradores citados, inclusive, no Laudo Antropolgico

    considerado o maior bem da comunidade. Cf: PERALTA, Rosa Lima. Desenvolvimento e

    Sustentabilidade: Novas Interfaces para a luta Quilombola. Disssertao de Mestrado, UFPB PRODEMA,

    2012 p. 63 h ttp://bdtd.biblioteca.ufpb.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2287

    http://bdtd.biblioteca.ufpb.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2287

  • 17

    o surto de pragas em plantas frutferas que ocorreu tambm na dcada de 1990, (que

    garantiam o sustento das famlias). Todas essas aes transformaram radicalmente as

    relaes espaciais e raciais.

    Quanto escola pesquisada, est atualmente inserida fora do territrio da CNP

    de acordo com Relatrio Tcnico de Identificao e Delimitao (RTID)3, elaborado

    pelo Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), sobre o territrio

    quilombola da Comunidade Negra Paratibe (CNP). Sabe-se que o terreno da escola

    estudada, localizado entre a Rua Jacarand e/ou Rodovia Estadual PB-008, foi doado

    pela Diretora Fundadora da referida escola, a educadora Antnia Socorro da Silva

    Machado4, natural de Paratibe, Prefeitura Municipal de Joo Pessoa-PB, em 1972,

    para a construo de uma escola.

    Antes dessa doao desse terreno Prefeitura Municipal de Joo Pessoa,

    segundo estudos realizados anteriormente sobre Dona Antnia Socorro, ela comeou a

    ensinar sozinha em uma pequena escola ao lado de sua casa dentro de seu terreno,

    dedicando-se apenas s pessoas da prpria comunidade (LIMA, 2010, p. 50), assunto

    esse que iremos discutir melhor mais adiante.

    primeira vista, a EMEFPASSM se apresenta como as outras escolas da Rede

    Municipal de Ensino de Joo Pessoa. A escola tem como idade prioritria a faixa etria que varia

    de 5 a 16 anos e a quantidade de educandos significativa, em especial no turno da tarde, quando

    funciona o Ensino Fundamental II, com o 6 ano (turmas A, B e C); 7 ano (turmas A e B); 8 ano

    (turmas A e B) e 9 no (turmas A e B) e parte do Ensino Fundamental I (4 e 5 anos).

    Atualmente, a EMEFPASSM alm de oferecer vagas para o Fundamental I e II

    durante a manh e tarde, respectivamente, tambm oferece vagas para o Ensino de

    Jovens e Adultos (EJA) e Alfabetizao de Jovens e Adultos (AJA) noite. Assim,

    atende crianas, jovens e adultos no s da CNP, mas tambm de bairros

    3 O Relatrio Tcnico de Identificao e Delimitao (RTID) realizado por uma equipe de antroplogos

    liderando por Maria Ester Fortes, do Servio de Regularizao de Territrios Quilombolas do Instituto

    Nacional de Colonizao e Reforma Agrria INCRA - Superintendncia Regional 18 Paraba referente

    ao territrio da Comunidade Negra Paratibe foi finalizado em novembro de 2012 e publicado no Dirio Oficial da Unio (D.O.U) no dia 26 de dezembro de 2012, tornando-o um documento pblico. Ele contm

    a delimitao e a demarcao do territrio do quilombo pesquisado, que deixou de englobar grandes reas

    que lhes pertenciam at ento, como resultado do avano agressivo e descontrolado da invaso da malha

    urbana, causado pela forte especulao imobiliria. Em toda a rea ao redor da EMEFPASSM atualmente

    h condomnios particulares e o prprio terreno em que est localizada a escola pertence Prefeitura

    Municipal de Joo Pessoa PMJP, tornando, dessa forma, invivel incluir partes de reas, como essas

    apresentadas, como pertencentes ao territrio quilombola de Paratibe. 4 Doravante denominada Dona Antnia ou Dona Antnia Socorro, nome pelo que a comunidade se refere

    professora e que passamos a adotar neste trabalho.

  • 18

    circunvizinhos, contando com pouco mais de 1000 educandos matriculados at o

    perodo pesquisado (maio de 2013). Tambm chama a ateno a quantidade de

    educandos, quilombolas ou no, quanto s desistncias e transferncias ocorridas no ano

    de 2012. A soma de 148 educandos, com ocorrncias dessa natureza referente ao

    tempo investigado no ano de 2012 e nenhuma ocorrncia referente at o ms de maio de

    2013, segundo as funcionrias da secretaria da escola. Atualmente a escola vem

    desenvolvendo trabalhos educacionais em prol de uma educao antirracista e

    procurando criar uma sintonia, mesmo que delicada e problemtica, de interesses em

    comum com a comunidade quilombola.

    A preocupao de fazer com que os Parmetros Currculos Nacionais (PCNs)

    (BRASIL, 1998a) atendam a aos diversos segmentos educacionais no Brasil,

    contemplando todas as temticas, levando em considerao a realidade vivida dos

    lugares e nas instituies de ensino bsico, torna-se componente de ateno estudar as

    expresses afrodescendentes.

    A presente pesquisa tem como foco central, investigar contribuies da

    Geografia escolar para uma educao quilombola a partir das prticas escolares

    vivenciadas em sala de aula numa escola, nesse caso a EMEFPASSM5, que como j

    foi ressaltado atende educandos oriundos do territrio quilombola da CNP.

    No entanto, a pesquisa tambm envolvida em trs focos especficos que so,

    compreender como o ensino de Geografia pode construir prticas escolares na Educao

    Quilombola a partir da formao territorial da Comunidade Negra Paratibe, refletir

    sobre o currculo quilombola e o papel do educador de Geografia e interpretar as

    prticas de ensino de Geografia, considerando os limites e possibilidades da educadora

    de Geografia.

    Foi investigado do ponto de vista terico-metodolgico autores que formam

    a base de argumentao deste trabalho a exemplo de Brando (1985a, 1985b, 1986),

    Freire (1976, 2011a, 2011b), Apple (1986, 2008), Renato Santos (2009a, 2009b, 2010),

    Anjos (2001, 2005a, 2005b), Serrano (2010), Carril (2006a, 2006b), DAdesky (2005),

    Nascimento (1978, 1983), entre outros autores, a fim de tentar responder s inquietaes

    desta pesquisa.

    5Deixamos transparente nossa participao para com a educadora da disciplina de Geografia, contribuindo

    no levantamento de referncias bibliogrficas e prticas pedaggicas com o intuito de enriquecer seus

    referenciais tericos, metodolgicos e epistemolgicos, assim como analisar suas aulas.

  • 19

    A proposta de investigao e o referencial terico utilizado buscam desvendar os

    contedos e as estratgias de ensino utilizadas na escola mencionada, que se diferencia

    das demais escolas por atender educandos quilombolas; buscamos, portanto, investigar

    uma educao que promova uma identidade territorial e tnico-cultural e a superao do

    racismo por intermdio de uma pedagogia diferenciada para um pblico diferenciado.

    Ou como afirma Muniz, trata-se de um:

    [...] estudo, que se prope a refletir sobre as experincias e o processo educativo que o

    quilombola promove percebendo se o currculo escolar aborda nos conhecimentos sistematizados desenvolvidos, somente a cultura dominante ou as questes raciais

    reforando a cultura a que pertencem. E nesse ambiente de educao que se pretende

    penetrar para pesquisar sobre a sua ao pedaggica (2011, p. 1).

    Para tanto, a concretizao dessas experincias e desse processo educativo na

    pedagogia quilombola parte de um percurso histrico de estudos sobre a frica e a

    influncia desse continente nos desdobramentos temporais e espaciais no Brasil, destacando seu

    papel histrico no processo de construo do territrio brasileiro e a formao plural do povo e de

    sua cultura.

    Iniciamos o primeiro captulo desta dissertao, apresentando uma discusso do

    mtodo e dos procedimentos metodolgicos, utilizados na construo de toda a

    discusso investigativa, mostrando as razes de nossos posicionamentos polticos e

    ideolgicos, mas tambm reconhecendo os limites e as possibilidades investigativas

    para tentar interpretar uma parte da totalidade social, uma vez que reconhecemos a

    inexaurvel busca para compreender toda a realidade presenciada na escola pesquisada e

    na CNP e, finalmente, apresentaremos uma anlise do que vem a ser o conceito de

    territrio tnico ou territrio afrodescendente.

    Dividimos a apresentao dos procedimentos metodolgicos em dois momentos:

    o primeiro se refere s observaes tericas, com apresentaes de autores e

    documentos que acreditamos ser relevantes para a pesquisa; e o segundo se refere s

    estratgias da pesquisa de campo, tanto para descobrir sobre a fundao da escola em

    foco, quanto para conhecer as contribuies da Geografia escolar na experincia inicial,

    que a escola vem construindo em prol de uma educao quilombola.

    No segundo captulo abordaremos a construo do processo territorial da CNP

    at os dias de hoje, para tanto, recorremos as poucas pesquisas sobre quilombos urbanos

    e ao auxlio de imagens de satlite e mapas; apresentaremos um recorte histrico sobre a

    insero dos negros na educao, desde a colonizao at no incio do sculo XXI,

    assim como as lutas e tenses para serem implementadas polticas pblicas de aes

  • 20

    afirmativas em educao nos territrios quilombolas; como ltimo tpico trazemos uma

    discusso sobre o que vem a ser a educao quilombola e o papel da Geografia escolar

    nessa modalidade de educao diferenciada.

    Os dilogos entre a EMEFPASSM e a CNP sero investigados no/com o

    trabalho de campo, a partir de uma pesquisa que procura participar da realidade escolar

    no referido territrio quilombola.

    A ausncia de trabalhos sobre o campo da Geografia escolar na pedagogia

    quilombola dificulta um entendimento em comum e, dessa maneira, reconhecemos a

    necessidade de convidar autores de diversas reas do conhecimento, que dialogam como

    essa pesquisa, alm de outros que debatem a temtica, aproximando teorias de reas

    afins. Portanto, a educao e a Geografia dialogaro em toda a pesquisa, tambm no

    deixando de mencionar outras temticas no menos importantes para o debate.

    Quanto ao terceiro captulo, traremos como pauta a EMEFPASSM com seus

    elementos constituintes, como o currculo, com os seus dilemas e alternativas; os

    educadores, com seus posicionamentos polticos e ideolgicos favorveis ou no, na

    construo de uma educao diferenciada; a direo escolar e suas tentativas de criar

    um dilogo, mesmo que atropelado, com as lideranas quilombolas e o livro didtico,

    com seus contedos insuficientes para construir uma mentalidade crtica e poltica nos

    educandos.

    Dividimos o terceiro captulo em trs momentos, o primeiro se refere histria

    sucinta da escola pesquisada e de sua fundadora, Dona Antnia Socorro; o segundo

    momento se refere ao discurso sobre o que vem a ser um currculo, sua relao com a

    Lei 10.639/03, e como utilizado na realidade escolar em Paratibe, e, o terceiro

    momento, que se refere formao dos educadores, em especial os de Geografia com as

    divergncias e convergncias polticas, assim como sua relao com os educandos, uma

    vez sabendo da realidade problemtica estudantil enfrentada pela escola tratada.

    No quarto captulo, nos lanamos nas experincias das aulas de Geografia

    visando contribuir para uma educao quilombola na escola em foco, mediante a

    formao da educadora de Geografia sobre a temtica em questo. Ressaltamos que

    esta, mesmo com seus limites tericos, metodolgicos e epistemolgicos, buscou

    superar as dificuldades e encontrou prticas que visa possibilitar o fortalecimento da

    identidade territorial quilombola e da superao do racismo, assim como posssibilitou

    um dilogo com educandos que no so quilombolas, promovendo assim uma educao

    inclusiva, na qual esses educandos possam conhecer um ao outro e desmistificar valores

  • 21

    preconceituosos, de no privilegiar um em detrimento de outrem, que as identidades

    juvenis dialoguem e percebam as expressividades de suas diferenas.

    Este ltimo captulo est organizado em dois tpicos: o primeiro, descrevendo o

    convvio entre ns e os sujeitos da escola e do quilombo que foi percebido em sala de

    aula e no Quilombo Paratibe, destacando em cadernos de campo e em gravadores os

    momentos mais significativos, ao observarmos, participarmos e articularmos em

    conjunto com educadores, educandos, lideranas quilombolas e direo, os rumos da

    construo de uma educao quilombola; No segundo momento, realizamos uma

    anlise do que foi observado durante o convvio, por intermdio de autores que

    discutem a importncia do trabalho de campo e a relevncia do continente africano

    nessa escola. A anlise tem por finalidade tentar desvendar o que foi presenciado.

    A compreenso da totalidade detalhada desta temtica quilombola,

    evidentemente, no ser esgotada com esta pesquisa; ao contrrio, o trabalho possibilita

    gerar novas inquietaes, novos olhares capazes de atentar e despertar para as relaes

    racistas presentes nas escolas em geral e, em especial naquelas localizadas em territrios

    quilombolas, ou que recebam alunos oriundos de quilombos. necessrio que surjam

    debates acadmicos, com condies de desmistificar as falsas ideias de neutralidades

    acadmicas e escolares e que apresentem possibilidades de militncia participativa ps-

    pesquisa, que intelectuais militantes aprofundem suas teoria e prticas polticas, mesmo

    apresentando algumas contribuies e elementos de autores que discutem a temtica da

    pesquisa participante.

    Fazemos meno tanto a Reis e Gomes (1996), quando estes comentam a

    representao histrica das comunidades quilombolas para a sociedade brasileira atual

    como [...] uma histria cheia de ciladas e surpresas, de avanos e recuos, de conflitos e

    compromissos, sem um sentido linear, uma histria que amplia e torna mais complexa a

    perspectiva que temos de nosso passado (p. 23); quanto a Gomes (2005), com suas

    hidras e pntanos, ao reforar nossa preocupao de conhecer as lutas estratgicas de

    sobrevivncia dessas comunidades quilombolas e o impacto que causaram e que ainda

    causam sociedade brasileira. Neste sentido:

    [...] metfora que assemelhava o quilombo Hidra de Lerna. Lembremos: a

    Hidra no podia ser destruda, posto que de cada uma de suas cabeas

    cortadas pelos oponentes renasciam outras duas. [...] Nosso ponto de partida

    neste estudo foram justamente os pntanos onde moravam as hidras. [...]

    Nossa preocupao foram tanto as hidras/quilombos como os

    pntanos/cenrios socioeconmicos e demogrficos em que se constituram

    suas experincias histricas (p. 35).

  • 22

    Outra questo importante se deve a constante mudana que estas comunidades

    sofrem ao decorrer da transformao do sistema poltico brasileiro, assim nos referimos

    ao uso comum e a diviso do territrio. Ao longo da histria do Brasil, essas comunidades

    quilombolas, que se comportavam como hidras e pntanos, agora assumem uma nova forma de

    resistncia aos novos interesses do capitalismo.

    Esses descendentes quilombolas que antes utilizavam seus territrios a partir de uso

    comum de terras, continha reas que tinnha significados particulares, como os terreiros das casas

    ou alguma plantao particular, entretanto, no existiam cercas, eram independentes da lgica de

    mercado. Atualmente se torna difcil manter essas caractersticas, tanto por uma questo de defesa

    de seus territrios, quanto dos laudos antropolgicos sobre seus territoriais, elaborados pelo

    Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) que, dessa maneira, terminam por

    limitar o territrio.

    Ao longo deste trabalho, destacamos a contribuio de alguns autores, a exemplo

    de Callai (2011), que nos faz acreditar serem interessantes algumas provocaes que se

    traduzem em indagaes iniciadas com os seguintes termos: como, para quem, para qu

    e por qu? Ao realizar uma anlise geogrfica necessrio envolver todos os elementos

    a fim de guiar uma leitura atenta dos desafios encontrados para uma educao

    diferenciada de consolidao quilombola e antirracista, para no deixar a discusso

    aleatria. Essa anlise geogrfica realizada a partir da Geografia Escolar, de uma

    anlise social e espacial e de um dilogo interdisciplinar na/da escola.

    Tambm nos interessa refletir sobre: quem so as personagens (educadores e

    educandos) envolvidas nessa trama? Que escola essa? Que se apresenta como um

    espao em que existem problemas e solues? Em que contexto essas personagens e

    espaos se configuram?

    So com essas inquietaes que a empreitada da relao ensino-aprendizagem

    tomada pela grande tarefa do sujeito que pensa certo no transferir, depositar,

    oferecer, doar ao outro (FREIRE, 2011a, p. 38-39), no entanto, de unir, de estimular

    ao educando a produzir, a criar, a transformar a compreensao do que est sendo

    comunicado. Com isso podemos perceber que, quem melhor que os educadores e

    educandos quilmbolas em escolas quilombolas, ou mesmo educadores que lecionam em

    escolas que atendem a educandos oriundos de territrios quilombolas, para sentir e

    compreender a necessidade de construir uma identidade territorial quilombola,

  • 23

    combater/superar o racismo6 escolar e incentivar uma permanente incluso

    escolar/social?

    Pretendemos mostrar justamente o inverso de qualquer reducionismo, revelando

    as constantes mutaes e as limitaes dos resultados, ao mesmo tempo em que

    buscamos aproximar de uma verdade, de uma parcela da totalidade e aberto

    diversidade terica e prtica que nunca se esgota, que procura mais ensaios e perguntas

    do que respostas.

    Como se do as reais estratgias de execuo de um estudo de Geografia que

    atente para questes espaciais ao envolver uma educao quilombola na escola? Qual o

    papel da escola e do poder pblico municipal que exerce sobre a realidade dos

    educadores e dos educandos? Qual o papel dos educadores e da formao acerca dos

    temas relacionados aos quilombolas e do ensino de Geografia com suas teorias e

    prticas em sala de aula e em campo para os jovens educandos quilombolas? Existe

    alguma interao entre a escola e a comunidade quilombola? Qual o papel de uma

    educao diferenciada para a construo de sua cidadania e de sua identidade? Mais do

    que isso, como a Geografia escolar, por meio de uma educao diferenciada para

    quilombolas, exerce seu papel na formao cidad, no combate ao racismo e na

    construo e fortalecimento de uma identidade territorial quilombola? Afinal, como esse

    papel idealizado e como ele realmente exercido?

    Diante desses questionamentos podemos, de forma geral, indagar por que as

    realidades vivenciadas pelas comunidades quilombolas so desencontradas das polticas

    pblicas de aes afirmativas em educao para seus descendentes? Ser pelo fato de

    que muitas vezes essas polticas ignoram outros contextos sociais que esto mascarados

    nessa relao como a violncia, ou at mesmo essas polticas pblicas serem construdas

    sem primeiro compreender o que so e quem so essas comunidades quilombolas e seus

    habitantes, entre outros? Por que ser que alguns segmentos da elite brasileira, muitas

    vezes racistas, se incomodam com o que escolas em territrios quilombolas podem

    construir no pensar desses jovens quilombolas, uma vez sabendo que a pedagogia

    quilombola norteia um olhar antirracista e de fortalecimento de sua identidade,

    6 De acordo com o Dicionrio Bsico de Filosofia (JAPIASS; MARCONDES, 2006, p. 234) a

    etimologia da palavra Racismo significa: "(in. Racialism; fr. Racisme; al. Rassismus; it. Razzism).

    Doutrina ou crena preconceituosa admitindo e afirmando a desigualdade das raas humanas

    (consideradas independentemente dos cruzamentos, pois as identifica com etnia ou comunidade de

    cultura) e que, na prtica, no s defende a existncia de raas superiores puras, mas se manifesta por

    atitudes ou comportamentos estereotipados de xenofobia individual e coletiva. Ao pregar a inferioridade

    racial, constitui uma perversidade moral. No sculo XIX, as ideias racistas buscaram uma fundamentao

    cientfica (Gobineau).

  • 24

    resistindo aos interesses de dominao sobre os territrios quilombolas? A escola est

    conseguindo atingir seus objetivos de formao de cidados crticos, que assumam uma

    posio crtica no/do mundo? Que resultados sero apresentados, encontrados? Esses

    resultados iro possibilitar uma condio melhor para se trabalhar uma educao

    quilombola?

    Deixamos aqui essas indagaes ao mesmo tempo que acreditamos nas

    discusses realizadas nesta pesquisa, pois possibilita uma leitura e com interpretaes

    sobre os territrios quilombolas e suas dinmicas, sobretudo no campo educacional.

    1.2 A caminhada metodolgica na escola

    Embora esta investigao seja conduzida por um pesquisador e, muitos

    resultados conseguidos sejam frutos do seu trabalho de investigao, existe uma gama

    de sujeitos envolvidos, sobretudo aqueles que compem a CNP e a EMEFPASSM,

    sujeitos com os quais interatuamos ao longo da inquirio. A partir dessa assero e, em

    decorrncia da trajetria empreendida, concordamos com Giocomelli (2001) sobre a

    importncia da utilizao do ns, porque esta pesquisa envolve os mais variados

    sujeitos:

    Com efeito, houve, e h, momentos em que o eu seria pretensioso, at

    arrogante, no apresentar ideias, umas consideraes, teorias, quase como se

    elas tivessem nascido de mim mesmo: h ideias que so de todos, que vm

    pela contribuio de muitos, e um ns narrador expressa melhor essa alma

    coletiva. Mas h narraes, reflexes, perguntas, das quais o eu que tem

    que assumir responsabilidade, e se oferecer, expondo-se, acolhida, crtica,

    avaliao, e ao dilogo com os demais (p. 6).

    Reafirmamos, portanto, que o processo de construo deste trabalho deu-se a

    partir de interrelaes sociais, de uma prxis coletiva que se deu num contexto plural e

    complexo. Procuramos nos colocar em todo o percurso da investigao, em contato com

    os sujeitos sociais transformadores (educadores, direo escolar, educandoss, servidores

    da escola, lideranas quilombolas, idosos, familiares, entre outros), por conseguinte

    acreditamos que esses sujeitos investigados, no dinamismo da inquirio enriquecem a

    anlise com seus conhecimentos. Com esta postura, negamos o positivismo da

    neutralidade escolar. Buscamos manter um posicionamento aberto s crticas, de

    maneira que possibilite expandir novos caminhos de inquirio nas pesquisas

    bibliogrficas e nos trabalhos de campo.

  • 25

    Procuramos desse modo, ao investigar os tensionamentos existentes entre os

    sujeitos estudados na escola pesquisada e na CNP, expor nossa opo terico-

    metodolgica, quando nos somamos aos autores que nos trazem preocupaes com as

    tenses histricas e dialticas. Como nos advertem Marx e Engels:

    A histria nada mais do que a sucesso de diferentes geraes, cada uma

    das quais explora os materiais, os capitais e as foras de produo a ela

    transmitidas pelas geraes anteriores; ou seja, de um lado, prossegue em

    condies completamente diferentes a atividade precedente, enquanto, de

    outro lado, modifica as circunstancias anteriores atravs de uma atividade

    totalmente diversa (1986, p. 71).

    Nas argumentaes citadas, os sujeitos sociais mantm uma ligao com a

    natureza enquanto componente primordial para a sua existncia. Essas [...] relaes

    humanas com o mundo, [...] so no seu comportamento objetivo ou no seu

    comportamento perante o objeto a apropriao do referido objeto, a apropriao da

    realidade humana (MARX, 2006, p. 141), que em condies e circunstncias diferentes

    esto presentes nas tenses histricas e dialticas.

    Sobre as tenses histricas e dialticas, Demo (1995, p. 91) lembra que o

    pressuposto fundamental para compreend-las como parte de uma contradio histrica,

    mas tambm da formao social enquanto uma realidade decorrente do processo

    histrico com alguma organizao, em que ocorrem fenmenos sociais em diferentes

    escalas geogrficas.

    Existe nessa realidade contraditria uma diversidade de elementos geogrficos e

    histricos que se manifestam na escala local, regional e internacional, cujas

    contradies exigem uma fora organizativa para ser superada. Lembramos agora da

    complicada discusso sobre identidade tnico-cultural quilombola e a necessidade de

    superao do racismo em escolas quilombolas, ou em escolas que atendem um pblico

    quilombola.

    Ao trazermos esse tema para o debate, queremos destacar que [...] no h

    histria sem conflitos, mesmo porque histrico por causa dos conflitos, na vestimenta

    tpica de certa fase e que se supera com ela [...] (DEMO, 1995, p. 91), logo, o contexto

    conturbado demonstra uma constante luta de grupos sociais que buscam superar as

    contradies histricas, mesmo reconhecendo que [...] a dialtica deve reconhecer sua

    necessria modstia metodolgica. No explica tudo (DEMO, 1995, p. 93), assim,

    reconhecemos que mesmo a dialtica marxista, apresentado aqui como mtodo basilar

    nesta anlise, no pode dar conta de todas as respostas ou explicar toda a realidade,

  • 26

    porm acreditamos que a escola e a comunidade quilombola pesquisadas sejam um

    terreno ubrrimo de contradies e conflitos sociais, polticos, educacionais, tnicos e

    culturais.

    O materialismo histrico dialtico fornece ferramentas para se pensar essas

    contradies, embora reconheamos a necessidade de recorrer a autores que partilham

    outras vises de mundo, que no seja necessariamente materialista-dialtico, dialogando

    tambm com outros entendimentos a fim de encorpar meios de compreender, ou at

    mesmo desvendar, a realidade encontrada.

    Dando continuidade a reflexo na perspectiva do materialismo histrico dialtica

    e destacando a relevncia de posicionamentos dos pesquisadores frente ao seu tempo e

    aos temas investigados, apresentamos algumas observaes de Gramsci (1982) sobre a

    importncia do intelectual na sociedade e na histria, quando esse autor reflete sobre a

    especificidade do papel do intelectual, e sobre esse tema afirma que:

    [...] nascendo no terreno originrio de uma funo essencial no mundo da

    produo econmica, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgnico,

    uma ou mais camadas de intelectuais que lhe do homogeneidade e

    conscincia da prpria funo, no apenas no campo econmico, mas

    tambm no social e no poltico (p. 03).

    Com isso, Gramsci (1982) aponta a distino entre as diferentes escalas e

    especificidades do trabalho intelectual ao argumentar que [...] todos os homens so

    intelectuais, poder-se-ia dizer ento: mas nem todos os homens desempenham na

    sociedade a funo de intelectuais [...], desse modo afirma a no existencia de no-

    intelectuais, mas existe uma relao desigual no [...] esforo de elaborao intelectual-

    cerebral e o esforo muscular-nervoso (p. 07). preciso que o intelectual reflita sobre

    as relaes dos grupos pesquisados para compreender suas relaes socioespaciais

    desiguais. Esses intelectuais orgnicos ou sujeitos investigados da CNP e da

    EMEFPASSM que se interligam com o trabalho, com os valores culturais e com a

    organizao poltica do grupo pesquisado, fazem parte dessa trama que engendra o

    saber popular e cria possibilidades de emancipao desses grupos subalternos. Na

    tessitura da educao quilombola, isso se faz fundamental.

    Em acatamento s escolhas e procedimentos terico-metodolgicos adotados na

    pesquisa, selecionamos autores que cimentam a discusso terica a respeito do tema

    pesquisado, ao mesmo tempo em que buscamos realizar um tratamento do tema

    exausto, levando em conta a ideia da totalidade social.

  • 27

    De acordo com esse entendimento, utilizamos autores que discutem mecanismos

    investigativos pedaggicos e curriculares, como Freire (2011a, 2011b), Brando (1985a,

    1985b) Apple (1986, 2008) Silva e Silva; Moreira (1999, 1995); autores que tratam do

    entendimento de uma educao quilombola, como Moura (2011), Par; Oliveira;

    Velloso (2010), Miranda (2012) e Cunha (2011); autores que trazem contribuies ao

    ensino de Geografia nas comunidades quilombolas, tais como Santos (2009a, 2009b,

    2010), Anjos (2001, 2005a, 2005b), Serrano (2010) e Ratts (2010); autores que

    discutem territrios tnicos, como Santos (2009a, 2009b, 2010), Carril (2006a, 2006b),

    Campos (2001) e Anjos (2009a) e autores que discutem cultura como Laraia (2008),

    DAdesky (2005); autores que discutem raa, identidade e etnia, como Ferreira (2009),

    Poutignat (2011), Santos, (1984, 1999), Munanga (2005), Nascimento (1978, 1983),

    Moura (1983), Schwarcz (1993, 1996) e DAdesk (2005).

    Esses mecanismos investigativos de estudos centrais desta pesquisa, demonstram

    a tentativa de responder inquietaes sobre a complexidade do tema, assim, envolve

    reas que dialogam entre si e que precisam de uma ampliao a fim de tornar possvel

    um estudo que contribua para os interesses dos sujeitos investigados.

    Encaramos essa investigao ao mesmo tempo com confiana, mas tambm com

    autocrtica, quando sabemos que no podemos nos curvar a verdades absolutas, a vises

    reducionistas, no pretendemos enterrar novas possibilidades de estudos que podero

    nascer com esta pesquisa, nem restringir nossa autonomia.

    Cultivamos a observao para [...] aprimorar a percepo, refinar a

    sensibilidade, ampliar horizontes de compreenso, comover-se diante de prticas,

    pequeninas na sua forma, calorosas e desprendidas no seu ntimo (OLIVEIRA, 1998,

    p. 19). Isso nos faz saber que no exerccio da anlise estamos constantemente

    aprendendo a pesquisar e que a prtica nos aproxima de uma verdade, da perfeio, da

    totalidade.

    Quando o pesquisador, gegrafo, analisa espaos geogrficos, deve estar

    consciente das informaes que pode fornecer ao poder do Estado de modo a permitir

    aes subsequentes sobre as pessoas investigadas.

    O modo de produo capitalista, ao se apropriar do espao geogrfico, procura assegurar

    de forma cada vez mais eficiente, como instrumento de acumulao e de poder da (re)produo

    infinita de mercadorias para circulao e consumo no espao global de forma que corresponda s

    suas necessidades concretas. No entanto, importante realar que, mesmo no modo de produo

    capitalista, a Geografia pode promover uma transformao social por parte daqueles que

  • 28

    pretendem transform-la para as necessidades reais de nossa sociedade e de nossa poca, desse

    modo, fazer com que o espao geogrfico seja fruto tambm das reivindicaes de grupos

    subalternos, como reflexo das contradies e dos conflitos existentes na lgica capitalista de

    (re)produo. Essa observao nos faz compreender que [...] o capital descobriu o espao

    geogrfico. Resta saber quando o descobriro os que se ope sua ditadura (MOREIRA, 1982,

    p. 34).

    Na mesma direo de apreciao, Lacoste (1988) preconiza que:

    Uma vez que a pesquisa do gegrafo leva produo de um saber

    estratgico, uma vez que pode a haver contradio entre os interesses da

    populao que foi objeto das pesquisas e os de uma minoria que est em

    condies de utilizar, em proveito prprio os resultados dessas pesquisas,

    preciso encontrar o meio para que essa populao disponha, tambm, desse saber estratgico, a fim de que possa melhor se organizar e se defender (p.

    173-174).

    Nessa apreciao de Lacoste (1988), entendemos a necessidade de perceber que

    somos agentes de informao e que temos um papel fundamental na compreenso das

    relaes do poder; desse modo, compreendemos que preciso que os sujeitos

    pesquisados sejam informados sobre o caminhar da investigao. Cabe a eles autorizar

    ao pesquisador o acesso a informaes sobre sua vida e sobre a comunidade a que se

    vinculam, da mesma forma que lhes compete autorizar a publicao de depoimentos e o

    uso de imagens. A restituio de resultados s pessoas e s instiuies, parciais ou

    completos, tambm instiga que o grupo pesquisado participe e colabore com a

    investigao durante os estudos.

    Cicourel (1980), ao estudar um grupo social, afirma que nos tornamos

    estrangeiros aos olhos deles e, com isso, iniciamos um meio para entender as condies

    do observador em dar um significado ao perceber e interpretar o outro e o outro, ao

    observador. Chamamos a ateno para a relao pesquisador (observador) e pesquisado

    (observado), que se configura em uma participao (observao) entre o estrangeiro e o

    nativo, quando o pesquisador observa e tambm observado, transformando e sendo

    transformado nessa realidade.

    Adotamos nesta pesquisa o papel do participante como observador, condizente

    com os estudos em comunidades, como norteia Cicourel (1980): [...] nos estudos de

    comunidades, nos quais o observador constri relaes com os informantes lentamente

    e onde pode usar mais tempo e energia na participao do que na observao (p. 11).

    A aproximao desse tempo e dessa energia, tambm pode se dar na relao

    ensino-aprendizagem, quando Freire (2011a), ao mencionar que:

  • 29

    [...] quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. [...]

    A capacidade de apreender, no apenas para nos adaptar, mas, sobretudo para

    transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a... [...] alm do

    conhecimento dos contedos bem ou mal ensinados e/ou apreendidos,

    implica tanto o esforo de reproduo da ideologia dominante quanto o seu

    desmascaramento (p. 25; 67; 96).

    a partir de uma educao ajustada com a realidade, de um olhar crtico que

    requer uma participao ativa, uma interveno temporal e espacial no mundo que a

    construo do conhecimento possa ocorrer numa relao interdependente. O ensino s

    existe se houver pesquisa e s existe pesquisa se houver ensino. pesquisando que

    aprendemos, que nos tornamos conscientes de nossa inconcluso e nos lanamos na

    educabilidade, assim como nessa inconcluso que nos tornamos conscientes de nossa

    realidade.

    Essa inconcluso, continua Freire (2011b), faz parte do indivduo que continua

    buscando uma concluso de uma realidade histrica que tambm no est pronta,

    acabada. A educao nasceu aqui com uma constante busca de concluir sua inconcluso

    na relao ser humano-mundo.

    Alm de Freire (2011b), Brando (1985a) demonstra nfase sobre o ofcio do

    educador nas relaes educativas entre dominadores e subalternos numa perspectiva

    desigual de poder que existem ao cuidar do sentido de [...] educar, conscientizar,

    organizar, participar, pesquisar, comprometer-se na verdade defronta-se com diferentes

    modalidades de poder que existem tanto sobre, quanto nas prticas de ao (p. 86).

    Outra questo apontada por esse autor diz respeito educao popular,

    advertindo que ela aparece em meio a:

    [...] um repertrio amorfo de tradies de indgenas, negros, camponeses e

    desempregados, em meios de reivindicao da lgica e dos significados da

    cultura, surgiram a partir da crtica do sentido poltico da educao e, antes

    mesmo, da prpria cultura, logo, do domnio do saber (BRANDO, 1985a,

    p.88).

    Compreendemos que o homem, aquele que produz cultura, torna-se um ser

    histrico, algum que a constri, resultado de um trabalho e dos significados

    empregados que so definidos pela conscincia de afirmao.

    Portanto, a cultura histrica, visto que a ao humana que constri histria a

    mesma que faz cultura. Essa ao se deve ao trabalho e ao dilogo de transformar e

    simbolizar o sujeito no mundo, em uma relao contraditria e desigual nas relaes de

    poder, a cultura observada como:

    [...] o produto do trabalho do homem sobre a natureza e leva mais em conta o

    produto feito do que o trabalho inclusive o trabalho poltico do fazer que

  • 30

    cria e reproduz a cultura, agora se concebe uma ideia de cultura

    subordinando-a s de: trabalho, como modo humano de ao consciente

    sobre o mundo; histrico, como campo de realizao e produto do trabalho

    do homem; dialtica, como a qualidade constitutiva das relaes entre

    homem e a natureza e dos homens entre si, atravs de cujo movimento o ser

    humano cria a cultura e faz a histria (BRANDO, 1985b, p. 21).

    Essa capacidade de produzir cultura, como afirma Brando (1985b), permite-nos

    fomentar um conhecimento coletivo, que comea a mostrar a verdadeira face dessas

    pessoas, as formas concretas desse grupo tnico em ter a oportunidade de participar do

    uso de seu saber sobre si mesmo e sobre o espao em que vivem. Por conseguinte, esse

    grupo tnico no fica apenas na condio de sujeitos sociais pesquisados, mas tambm

    assume uma postura de observador, de sujeito ativo, ao tomar noo de sua prpria

    realidade que ensina e transforma outrem sobre seu mundo, reescrevendo sua histria,

    retransformando seu espao e seu sentido.

    Retomando a apreciao, Freire (1976) procura tratar o conceito de cultura como

    uma ao do ser humano de transformao e criao que se faz sobre o mundo, uma vez

    que a natureza no decorrer do tempo no fez e no far tal transformao e criao,

    alm do seu contexto natural.

    O ser humano, como ser criador e recriador, se relaciona com a natureza,

    necessitando trabalh-la para produzir cultura, ou seja, o ser humano interliga a natureza

    e a cultura; essa intermediao se d pelo desenvolvimento tecnolgico do seu trabalho;

    alm disso, interessa-nos o comportamento como manuteno cultural de permanencias

    e mudanas.

    Laraia (2008) permite-nos perceber que o conceito de cultura possibilita a

    interpretao da cultura dos descendentes quilombolas. Nessa reflexo apresentado o

    ser humano como [...] resultado do meio cultural em que foi socializado (p. 45),

    herdando desse modo um processo acumulativo de conhecimento que passa de gerao

    a gerao, do esforo da comunidade e no apenas de um nico membro, entretanto,

    para que isso tenha efeito, preciso contar com a participao de toda comunidade, com

    o mesmo acesso s condies necessrias, que permitem sua criatividade na

    transformao da natureza e na construo do conhecimento.

    Essa condio de herana cultural sempre foi condicionada a grupos que vivem

    sob comportamentos e valores que esto de acordo com os padres normativos da

    comunidade, caso algum membro no corresponda e/ou desvie desses padres culturais

    normativos, torna-se alvo de discriminao do grupo. Tambm essa mesma condio,

    determina o modo como a comunidade deve ver e estar no mundo.

  • 31

    Desta forma, o modo de ver e estar no mundo de uma comunidade influencia

    diretamente o modo de ver e estar de outras comunidades, ou seja, as culturas

    hegemnicas promovem uma forma de impor o seu modo de vida como a nica correta

    e/ou superior, afirmando que as outras culturas so erradas e/ou inferiores, assumindo

    assim, um aspecto etnocntrico.

    Outro aspecto para a discusso se apresenta quanto influencia da cultura sobre

    as necessidades biolgicas na vida e na morte de membros da prpria comunidade,

    como exemplo, a cura de doenas reais ou imaginrias.

    Alm disso Laraia (2008), traz como reao contrria, a apatia, reao

    comumente mal interpretada na cultura branca. Segundo esse autor:

    [...] africanos removidos violentamente de seu continente (ou seja, de seu

    ecossistema e de seu contexto cultural) e transportados como escravos para uma terra estranha habitada por pessoas de fentipo, costumes e lnguas

    diferentes, perdiam toda a motivao de continuar vivos. Muitos foram os

    suicdios praticados, e outros acabavam sendo mortos pelo mal que foi

    denominado de banzo. Traduzido como saudade, o banzo de fato uma

    forma de morte decorrente da apatia (p. 75).

    Tambm resaltamos um terceiro aspecto, quanto mutabilidade da cultura na

    histria e no espao: a cultura portanto dinmica. Essa mudana se deve aos choques

    culturais entre geraes e entre culturas diferentes histrica e geograficamente, mas

    tambm uma diversidade dentro do mesmo sistema cultural, no qual nem todos seguem

    rigorosamente as condies culturais onipresentes.

    O Relatrio Tcnico de Identificao e Delimitao do Territrio da CNP - Joo Pessoa

    Paraba (BRASIL, 2012a) relata que os mais velhos lembram de Paratibe em tempos de outrora

    como um [...] lugar de paz e tranquilidade (p. 78), viviam a partir de um calendrio natural do

    meio-ambiente, com as safras influenciadas pelas estaes do ano, com as mars com as fases da

    lua. Tambm exerciam outro calendrio por meio das festas religiosas para os santos So Pedro,

    Santo Antnio, So Joo, SantaAna, Imaculada Conceio, das festas do coco-de-roda, da

    ciranda, dos bailes de sanfona, dos banhos de rio, da lapinha, das romarias/excurses. Atualmente,

    essas prticas culturais esto praticamente extintas, na maioria das vezes, s os mais velhos sabem

    o valor que representam para a memria da comunidade. Tambm se soma a essa realidade o fato

    de outras atividades culturais como a pesca, a destrapao7, a feira no Mercado Central ou no

    Mercado de Oitizeiro8, o artesanato, a criaes de animais, os pequenos comrcios e os produtos

    7 Processo de desfiar fios de algodo para transformar em bucha de pano, tambm chamado de trapo com

    o objetivo de realizar limpeza domstica, muito utilizado na Comunidade Negra Paratibe. 8 O Mercado Central se refere ao Mercado Pblico no bairro Centro de Joo Pessoa, j o Mercado de

    Oitizeiro se refere ao Mercado Pblico no bairro de Oitizeiro.

  • 32

    alimentcios, ainda resistem no dia-a-dia dos mais antigos, passando aos poucos seus significados

    simblicos e territoriais para os mais jovens.

    Devemos salientar que o nosso olhar sobre o tema proposto, tanto nas leituras

    de livros e documentos, quanto nos trabalhos de campo, objetiva a busca de explorar as

    fontes necessrias para nos permitir analisar o contexto do ensino de Geografia como

    disciplina escolar, que recorre ferramenta pedaggica, compreenso do territrio na

    comunidade quilombola estudada.

    Para compreender a importncia do territrio nas comunidades quilombolas, em

    especial o quilombo urbano de Paratibe, procuramos abordar esse conceito por meio de

    autores que discutem especialmente o conceito de territrio e, posteriormente,

    discutiremos o conceito de territrios tnicos e/ou territrios quilombolas urbanos.

    Alm disso, ampliaremos o debate e traremos autores que apresentam propostas de

    como este pode ser trabalhado em sala de aula, alm disso, recorremos a fontes

    documentais que tratam sobre a configurao territorial da CNP.

    O territrio, considerado como o meio existencial de apropriao da constante

    materializao histrica das relaes espaciais de poder, utilizado de maneira

    contraditria e desigual em um trabalho projetado e conduzido pelo status quo. A partir

    do momento em que existe uma relao espacial de poder, entre um indivduo e ou

    grupo social com demais indivduos ou grupos sociais, surge a necessidade de construir

    uma interao de identidades, conhecida como territorialidade, que significa um

    sentimento coletivo relacionado ao territrio.

    A relao entre espao e territrio interpretada por Raffestin, ao argumentar que o

    primeiro anterior ao segundo, este ltimo se forma e se apoia a partir da apropriao concreta ou

    abstrata do primeiro. O espao , portanto anterior, preexistente a qualquer ao. O espao , de

    certa forma, dado como se fosse uma matria-prima (1993, p. 144). O territrio interpretado

    como um espao produzido e utilizado, que foi investido trabalho de energia e de informao no

    qual perpassam por relaes de poder. J a territorializao, interpretada enquanto construo do

    territrio ou processo territorial, no qual se coloca uma funo para determinado espao. E a

    territorialidade, interpretada como relao multidimensional entre o coletivo vivido no territrio,

    manifestada em todas as aspectos espaciais e histricos (p. 144).

    O processo de formao territorial compreendido por Moraes (2002), como

    resultado de um processo histrico, d-se pela acumulao de formas sociais e pelas

    intervenes e materialidades construdas em tempos anteriores como uma conquista

  • 33

    espacial, um poder soberano, uma atividade produtiva de mercado, uma legitimao

    nacional e internacional e uma identidade social com base espacial.

    Pensando nesse contexto, Souza nos traz um o entendimento crucial sobre o

    territrio, sua interpretao baseada como instrumento de exerccio de poder que o

    territrio fundamentalmente um espao definido e delimitado por e a partir de relaes

    de poder (2008, p.78). Com esta afirmativa, procura mostrar que essa relao de

    importncia cabal para compreender sua gnese. desta forma que agora poderemos

    compreender o espao definido e delimitado, onde quem domina ou influencia e como

    domina ou influencia esse espao (p. 79); alinhado a esse argumento, traz-nos de forma

    inseparvel dos conflitos e contradies sociais, a observao de quem domina ou

    influencia quem nesse espao, e como (p. 79). Essa articulao se d de forma cada vez

    mais complexa e em escalas diferentes.

    Em sintonia com Souza (2008), Santos nos traz um ensaio sobre o territrio a

    partir do uso, que o homem faz de forma desigual e contraditria, percebida como

    categoria de anlise em que se revela o:

    [...] conjunto de coisas naturais e de sistemas de coisas superpostas; o

    territrio tem que ser entendido como o territrio usado, no o territrio em

    si. O territrio usado o cho mais a identidade. A identidade o sentido de

    pertencer quilo que nos pertence. O territrio o fundamento do trabalho; o ligar da residncia, das trocas materiais e espirituais e do exerccio da vida. O

    territrio em si no uma categoria de anlise em disciplinas histricas,

    como a geografia. o territrio usado que uma categoria de anlise (2007a,

    p. 14).

    O que importa no o territrio em si, mas o uso do territrio que objeto de

    anlise social, uma vez que o territrio usado formado por objetos e aes,

    caractersticas bsicas do espao habitado dotado de funcionalidades simultneas

    (SANTOS, 1994).

    O uso do territrio contm a identidade e o cho, expressa os fatores basilares da

    existncia de uma comunidade quilombola, onde est contida toda sua histria de

    resistncia frente s aes de dominao/apropriao daqueles que detm o poder do

    espao habitado que envolvido segundo Santos por:

    [...] sua heterogeneidade, seja em termos da distribuio numrica entre

    continentes e pases (e tambm dentro destes), seja em termos de sua

    evoluo. Alis, essas duas dimenses escondem e incluem outra: a enorme

    diversidade qualitativa sobre a superfcie da terra, quanto a raas, culturas,

    credos, nveis de vida etc (1988, p. 15).

    Santos (2007b), ao discutir territrios urbanos, percebe que nas redes urbanas, os

    cidados vivenciam dois modos de pobreza. O primeiro modo gerado pelo fator

  • 34

    econmico, desemprego, subemprego, trabalho precrio, que superpe ao segundo

    modo gerado pelo fator territorial e habitacional. A partir do momento que relacionamos

    essas redes sociais realidade de Paratibe, percebemos que essa associao expressa de

    alguma maneira a realidade presenciada.

    Nesse processo de urbanizao, Leferbvre (2001) lembra que a relao urbano-cidade no

    pode ser dissociada das instituies de classe e de propriedade, com ideologias dominantes do

    Estado, com o objetivo promover, de um lado, uma prtica social integrante, e por outro lado,

    prticas de espaos segregados, perifricos da lgica da urbanizao da cidade.

    Tal segregao leva a critrios importantes como os: [...] ecolgico (favelas, pardieiros,

    apodrecimento do corao da cidade), formais (deteriorao dos signos e significaes da cidade,

    degradao do urbano) [...], sociolgicos (nveis de vida e modo de vida, etnia, culturas e sub-

    culturas etc) (LEFERBVRE, 2001, p. 98).

    A abordagem realizada sobre o conceito de territrio, apoiada nos autores

    apresentados, nos permite que possamos avanar no sentido de tentar compreender os

    estudos sobre territrios tnicos e/ou afrodescendentes, em especial os territrios

    quilombolas e suas territorialidades com seus sentimentos de pertencimento simblico e

    cultural, mas tambm de precariedade socioespacial. Tambm nos permite discutir sobre

    as prticas escolares para analisar o conceito de territrio tnico e/ou afrodescendente

    em escolas quilombolas, ou escolas que atendem a estudantes quilombolas. Apoiamo-

    nos em alguns autores que podem trazer respostas para nossas inquietaes, mas

    tambm incitar novos questionamentos, de modo que possamos olhar os territrios

    quilombolas a fim de compreender melhor seus aspectos sociais, histricos, espaciais,

    polticos, tnicos e culturais.

    Recorremos tambm s contribuies de Carril (2006a) sobre comunidades

    descendentes de quilombos urbanos, ao compreender esse territrio tnico e/ou

    afrodescendente, com base histrica na formao territorial que se consolida com

    elementos identidrios, tnicos e culturais na relao sociedade/meio, no qual a lgica

    capitalista determina a organizao dessa relao.

    pensando dessa maneira que chama a ateno para os quilombos urbanos

    enquanto espao de produo de [...] mo-de-obra barata, exrcito de reserva e no

    conta com o mecanismo regulador cultural da defesa do meio-ambiente que

    encontramos tradicionalmente (CARRIL, 2006a, p. 60).

    Esse componente ambiental encontrado, normalmente, em comunidades

    quilombolas rurais, em que se produz excedentes de seu plantio para o mercado

  • 35

    consumidor e tem um passado comum de luta pelo acesso e usufruto da terra, apoiada

    em uma identidade reconstruda. Para os quilombos urbanos frutos das relaes

    capitalistas configuradas no espao da cidade, esse meio constitudo de hostilidade,

    solidarizam-se na tentativa de conquistar uma autoimagem, uma autoestima positiva

    frente realidade perversa da marginalizao social.

    Carril (2006b) tambm observa que o territrio quilombola constitudo de

    desigualdades socioespaciais e tnico-culturais que levam indivduos desse grupo,

    composto em sua maioria por afrodescendentes em um espao excludo, a desenvolver

    mecanismos de defesa sua autoidentificao enquanto descendentes quilombolas, isso

    significa pensar a identidade como fator chave, para a condio de ser e de viver em seu

    territrio. Ao longo do tempo, essa identidade vem sendo construda na luta ideolgica e

    na escassez de recursos materiais.

    Diante dessa realidade, em contraste com diferentes maneiras de uso da terra e

    dos recursos do territrio, demonstra assim que o acesso terra representa uma histria

    construda de trabalho e estratgias de sobrevivncia.

    Campos se preocupa em realizar [...] um pequeno perfil das territorializaes e

    territorialidades quilombolas (2011, p. 35). Podemos, a partir de algumas observaes desse

    autor acerca do conceito de territrio em comunidades quilombolas urbanas no Brasil, traar um

    perfil da realidade espacial da CNP e como a contextualizao pode ser tratada em sala de aula.

    Essa territorialidade coberta de uma ao politizada do indivduo componente de seu

    grupo, se pautava nos princpios de uma identidade espacial no qual o grupo se apropriava e

    exercia uma ligao sensvel entre sua populao e outras. Por isso, a identidade espacial

    construda no cerne do grupo.

    Sobre o discurso de territrio e de territrio tnico, Anjos nos traz uma compreenso. O

    territrio compreendido enquanto um espao dimensionado pelos fatores fsico e poltico que

    contm gravado, em sua populao, as referncias culturais e simblicas e em que o Estado se faz

    presente geralmente. J o territrio tnico se comporta enquanto um desdobramento do conceito

    de territrio, de forma que:

    [...] seria o espao construdo, materializado a partir das referncias de

    identidade e pertencimento territorial, e, geralmente, a sua populao tem um

    trao de origem comum. As demandas histricas e os conflitos com o sistema

    dominante tm imprimido a esse tipo de estrutura espacial exigncias de

    organizao e a instituio de uma autoafirmao poltica, social, econmica

    territorial (2009, p. 115-116).

    Contudo, a construo do territrio quilombola muitas vezes subordinada aos

    interesses estatais e privados que objetivam sua dependncia territorial, para assim

  • 36

    serem excludos desses interesses ou serem includos em um projeto que no condiz

    com suas necessidades quilombolas.

    Estabelecendo essas relaes de poder entre grupos de interesses antagnicos

    (especulao imobiliria e os sujeitos quilombolas) para sua permanncia sobre o

    territrio e sua territorialidade, vemos que seria melhor traar alguma discusso sobre o

    perfil desse conceito, que pode ser utilizado na educao Geogrfica, no contexto da

    pedagogia quilombola.

    O ensino de Geografia nas escolas quilombolas, ou em escolas que atendem

    educandos oriundos de territrios quilombolas, exerce importantes contribuies para os

    educandos quilombolas, estimulando-os a perceberem a configurao espacial de seus

    territrios na sociedade brasileira para, a partir disso, comearem a construir um

    posicionamento poltico-ideolgico do/no mundo. Assim como tambm importante

    para os educandos no-quilombolas, para que estes tenham conscincia do outro, da

    diversidade cultural que se apresenta na escola e para que se possa construir, juntamente

    com os demais sujeitos da escola, uma poltica multicultural de respeito s diferenas.

    Para tanto, importante despertar nos educandos o interesse em construir conceitos como

    territrio a partir de suas prprias experincias enquanto sujeitos sociais. Muito embora, para que

    seja concretizada essa construo de conceitos, os educandoss devero [...] recorrer aos

    conhecimentos desenvolvidos na escola e/ou fora dela e, com esse novo olhar, agora agraciado

    pelos saberes escolares, possam analisar o espao geogrfico partindo de um saber sistemtico

    (ALBUQUERQUE, 2010, p. 13).

    Para tanto, a pesquisa foi realizada a partir de dois momentos distintos,

    correspondentes e articulados, tanto na pesquisa documental quanto nos trabalhos de

    campo. Esses momentos articulados na pesquisa se do mediante uma abordagem

    qualitativa e, tratando algumas vezes da sua constituio basilar com os dados

    quantitativos, apresentados a partir de dados coletados nas fontes j mencionadas em

    forma de grficos, que traam um perfil tnico-racial referente aos sujeitos envolvidos

    nessa investigao.

    Essa abordagem qualitativa consolida-se numa diversidade de informaes que

    do suporte ao termo qualitativo, muito embora esteja presente uma variada concepo

    de direes de mtodos de pesquisa, que em nosso estudo de caso, implicaria em uma

    compreenso dos acontecimentos no lugar em que essas pessoas constroem sua histria.

    O pesquisador interpreta e tenta explicar em sua pesquisa, de modo cuidadoso, os

  • 37

    resultados antes irrelevantes desses significados e trazer tona revelaes que eram

    ocultadas.

    De acordo com Chizzoti (2003), os pesquisadores que tratam a pesquisa de

    modo qualitativo, entendem isso como uma contestao :

    [...] neutralidade cientfica do discurso positivista e afirma a vinculao da

    investigao com os problemas tico-polticos e sociais, declaram-se

    comprometidos com a prtica, com a emancipao humana e a transformao

    social, adensam-se as crticas aos postulados e exigncias das pesquisas

    unicamente mensurativas (p. 09).

    No entanto com relao dicotomia quantitativa/qualitativa, Bauer e Gaskell

    (2008) amplia as discusses sobre as abordagens metodolgicas quando comentam que:

    A mensurao dos fatos sociais depende da categorizao do mundo social.

    As atividades sociais devem ser distinguidas antes que qualquer distino.

    necessrio ter uma noo das distines qualitativas entre categorias sociais,

    antes que se possa medir quantas pessoas pertencem a uma ou outra categoria

    (p. 24).

    Nesta pesquisa, mesmo que tratemos de dados quantitativos, como mencionado

    anteriormente, eles so somados como um todo e analisados qualitativamente.

    1.3 A pesquisa documental: fontes tericas pesquisadas

    Direcionamos a pesquisa a partir de cinco eixos tericos, considerados para a

    anlise investigativa dos dados colhidos mediantes fontes bibliogrficas, os quais sero

    apresentados a seguir. Para esse momento, utilizamos instrumentos de compreenso

    terico-metodolgica por intermdio de diversas fontes obtidas a partir da pesquisa

    bibliogrfica, que ampara a construo terico-metodolgica da dissertao.

    Como fontes documentais escritas recorremos a monografias, dissertaes, teses,

    artigos e livros disponveis no Grupo de Pesquisa GESTAR: Territrio, Trabalho e

    Cidadania, do qual participamos. Destacamos de modo especial os estudos que tm

    como tema as comunidades quilombolas. Tambm consultamos o acervo das bibliotecas

    (Central e Setorial) da UFPB; de outras Instituies de Ensino Superior (IES) e do

    Portal da Capes. Alm dessas fontes, consultamos sites ligados s entidades

    governamentais que esto relacionadas ao tema, como a Biblioteca Virtual Domnio

    Pblico do Ministrio da Educao (MEC), o Portal da Fundao Cultural Palmares

    (FCP), os documentos divulgados pelo Programa Brasil Quilombola (PBQ), entre

    outros. Tambm acessamos sites independentes, onde observamos artigos cientficos e

    documentos referentes ao tema.

  • 38

    A pesquisa bibliogrfica e documental entrecruzam constantemente ao longo

    deste estudo, suas fontes tericas estruturadas permitem desmistificar a realidade de um

    cotidiano.

    O primeiro eixo corresponde a matriz terica que sustenta a pesquisa, o mtodo,

    que no trabalho se apresenta mediante o materialismo histrico dialtico. Existe um

    dilogo com uma realidade dinmica e complexa que contextualiza as diferenas

    (conflitos e contradies espaciais) que tanto a EMEFPASSM,