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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL GRAZIELLE UCHÔA PINHEIRO DA CUNHA DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO, IDENTIDADE E INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA: uma análise do TELESUR notícias JOÃO PESSOA-PB 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

GRAZIELLE UCHÔA PINHEIRO DA CUNHA

DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO, IDENTIDADE E INTEGRAÇÃO

LATINO-AMERICANA: uma análise do TELESUR notícias

JOÃO PESSOA-PB

2013

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GRAZIELLE UCHÔA PINHEIRO DA CUNHA

DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO, IDENTIDADE E INTEGRAÇÃO

LATINO-AMERICANA: uma análise do TELESUR notícias

Trabalho apresentado à Universidade

Federal da Paraíba, em cumprimento às

exigências para obtenção do título de

Bacharel em Comunicação Social,

habilitação em Jornalismo.

Orientador: Prof. Dr. Wilfredo Maldonado

JOÃO PESSOA-PB

2013

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GRAZIELLE UCHÔA PINHEIRO DA CUNHA

DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO, IDENTIDADE E INTEGRAÇÃO

LATINO-AMERICANA: uma análise do TELESUR notícias

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do Curso de

Comunicação, da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para

obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo.

Banca Examinadora:

______________________________________________

Prof. Dr. Wilfredo Maldonado - Orientador Universidade Federal da Paraíba

_________________________________________________

Prof. Dra. Joana Belarmino

Universidade Federal da Paraíba

_________________________________________________

Prof. Dra. Zulmira Nóbrega

Universidade Federal da Paraíba

Média: __________

Aprovado em: ______ de ________________ de 2013

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AGRADECIMENTOS

A Deus, autor e consumador da minha fé.

Aos meus pais, pelo amor e suporte incondicional. Ao meu pai, Edmilson Cunha, por ter

sonhado este sonho junto comigo (ou até mais), pelo exemplo de caráter e trabalho, e por

sempre acreditar no meu potencial. A minha mãe, Giselle Cunha, pela compreensão nos

momentos de tribulação, por sempre acompanhar de perto minhas vitórias e derrotas e pelo

acalento de mãe que nunca me faltou.

À minha irmã, Gabrielle Cunha, pela cumplicidade, cuidado e pelo amor pleno que

compartilhamos. Ao meu irmão, Gabriel Cunha, por ter sido sempre prestativo e por me

socorrer nos momentos de dificuldade.

Ao meu namorado, Júlio Lima, pelo apoio sempre presente, desde a fase pré-vestibular até

hoje, por me trazer sorrisos em meio às adversidades do dia a dia e por me incentivar a

buscar meus sonhos. Obrigada por acreditar em mim!

À minha bisa “Vovó Nilda” (in memorian), a pessoa mais incrível que já conheci, da qual,

com sorte, herdei o amor pelas palavras. Sua memória jamais se apagará, te amo!

A meu professor orientador, Wilfredo Maldonado, pela compreensão, apoio e segurança

que me transmitiu, sem os quais este trabalho não seria possível.

A todos os funcionários da UFPB, especialmente a Poliana, da coordenação do curso de

Comunicação Social, pela sensibilidade e pelo atendimento sempre prestativo às minhas

demandas.

Às minhas amigas, que tive a satisfação de conhecer e conviver ao longo do curso, em

especial, Juliana Freire, Umberlândia Cabral e Isa Monguillot, pelos tantos momentos de

desespero, regados ainda de boas risadas, por escutarem minhas lamúrias diariamente e me

darem muito apoio e injeções de ânimo para seguir em frente na caminhada acadêmica.

Jamais poderei agradecer o suficiente.

Aos amigos do curso de Relações Internacionais, especialmente aos queridos François

Pietro, Rafael Cassavia, Janaynna Marrocos, Mariana Davi, Felipe Torres e Emilayne

Souto. Foi um prazer expandir meus horizontes junto com vocês. Muito obrigada pelo

apoio que me deram nesta jornada acadêmica dupla.

Às minhas amigas Lorena Meireles, Vanessa Formiga, Tamara Aureliano e Thaís Cortês,

por compartilharem minhas alegrias e tristezas e me ensinarem o valor da amizade

verdadeira.

Ao meu eterno amigo, Ricardo Lima (in memorian), pelas lições que me ensinou em vida e

mesmo após a morte. Gostaria que você soubesse que eu consegui...

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“O trabalho vem muito antes, no despertar

das sensibilidades para o diferente, para o

outro, para a alteridade que, sendo

estranha, pode nos trazer, de fato, novos

olhares, novas percepções, uma nova

maneira de encarar o mundo e os outros.

Isso tem um nome: comunicação.”

(Ciro Marcondes Filho)

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CUNHA, Grazielle Uchôa Pinheiro. Democratização da comunicação, identidade e

integração latino-americana: uma análise do TELESUR notícias. Monografia de

Conclusão do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba,

habilitação em Jornalismo. João Pessoa, 2013.

RESUMO

A TELESUR é a primeira televisão pública multi-estatal da América Latina. Financiada

por vários governos da região, a TELESUR nasce sob a proposta de irradiar um contra-

linguagem em relação aos padrões e discursos norte-americanos, hegemônicos nos meios

de comunicação da América Latina. Neste sentido, se coloca como um instrumento em

favor da democratização da comunicação, que tem por objetivo fomentar a integração

latino-americana a partir do fortalecimento de sua identidade. O presente Trabalho de

Conclusão de Curso aborda a relação entre as premissas sobre as quais a TELESUR se

funda e a atuação em si da emissora, a partir da análise do principal telejornal da rede, o

TELESUR Notícias. Para tanto, nos utilizamos dos aportes metodológicos que se voltam

para o estudo dos modos de endereçamento, com o intuito de compreender quais são os

formatos e as práticas de recepção construídas pelo telejornal. Desta forma, analisamos as

escolhas envolvidas no processo de construção do produto jornalístico e de que forma estes

coadunam com os objetivos da TELESUR. Em seguida, buscamos confrontar as análises

das críticas com textos de autores diversos que versam sobre essas mesmas questões e

agregamos à pesquisa.

Palavras-chave: Identidade; Integração; América Latina; Modo de endereçamento;

TELESUR.

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CUNHA, Grazielle Uchôa Pinheiro. Democratization of communication, identity and

integration: an analysis of TELESUR news. Monograph Completion of Social

Communication Course at the Federal University of Paraíba, major in Journalism. João

Pessoa, 2013.

ABSTRACT

TELESUR is the first public multi-state television in Latin America. Funded by several

governments in the region, TELESUR was born under the propose to radiate a counter

language, that contrasts the north american standards and speeches, hegemonic in the

media of Latin America. In this sense, stands as an instrument in favor of the

democratization of communication, which aims to promote Latin American integration

from the strengthening of their identity. This monographic work adresses the relationship

between the premises upon which TELESUR is founded and the performance of the issuer

itself, from the analysis of the main television news network, TELESUR News. To

perform this analysis, we use the methodological contributions that turn to the study of

modes of address, in order to understand what are the formats and reception practices built

by newscast. Thus, we analyze the choices involved in the construction of the journalistic

product and how these fit in with the objectives of TELESUR. Then we seek to confront

the critical analysis of texts by various authors that deal with these same issues and

aggregate research.

Keywords: Identity; Integration; Latin America; addressing mode; TELESUR.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Banner de apresentação do programa Realidades ............................................49

Figura 2 - Âncora do TELESUR Notícias ........................................................................52

Figura3- Apresentação do Telesur Notícias......................................................................53

Figura 4 - Vinheta de abertura do TELESUR Notícias.....................................................54

Figura 5 -Correspondente da TELESUR na Síria ............................................................54

Figura 6 -TELESUR Notícias transmite trechos da entrevista de Porta-voz da

ONU....................................................................................................................................55

SUMÁRIO

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1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 10

2 CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS.......................................... 13

2.1 AMÉRICA LATINA COMO CONCEITO...................................................... 13

2.2 POR UMA IDENTIDADE LATINO-AMERICANA..................................... 17

2.3 A INTEGRAÇÃO REGIONAL E O IDEAL BOLIVARIANO...................... 20

2.4 MÍDIA E HEGEMONIA NA AMÉRICA LATINA....................................... 23

2.5 TELEVISÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO.................... 27

2.6 A TV PÚBLICA................................................................................................ 31

2.7 A TELESUR....................................................................................................... 37

3 CAPÍTULO II – PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS......................... 38

3.1 MODO DE ENDEREÇAMENTO................................................................... 38

3.2 OS OPERADORES DE ANÁLISE DOS MODOS DE

ENDEREÇAMENTO......................................................................................... 41

3.2.1 O Mediador....................................................................................................... 41

3.2.2 O contexto comunicativo.................................................................................. 42

3.2.3 O pacto sobre o papel do jornalismo.............................................................. 43

3.2.4 Organização temática....................................................................................... 44

4 CAPÍTULO III – ANÁLISE DO TELESUR NOTÍCIAS NA GRADE

DE PROGRAMAÇÃO DA TELESUR......................................................... 45

4.1 O TELESUR NOTÍCIAS.................................................................................. 49

5 CONCLUSÕES................................................................................................ 55

6 REFERÊNCIAS.............................................................................................. 58

1 INTRODUÇÃO

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10

A história da constituição dos países da América Latina se confunde com uma

história de processos emancipatórios. Se o continente foi, em um primeiro momento,

dominado pelas potências europeias, logo em seguida, se viu sob o cabresto do

imperialismo estadunidense. Para Rizotto e Cattalina (2011) a dominação econômica é a

mais evidente, já que os Estados Unidos mantêm um intercâmbio econômico com a

América Latina sublinhado por grandes desigualdades. A dominação política também não

perde espaço e ainda se configura como indispensável para a manutenção dessas relações

econômicas desiguais, nas quais a América Latina é fonte de matérias-primas a preços

baixos e mercado para os produtos manufaturados norte-americanos.

Com muito poucas exceções, os Estados Unidos têm-se colocado

tradicionalmente ao lado de governos conservadores e autoritários,

militares ou civis, da América Latina, que asseguram a continuidade de

sua dominação. Invariavelmente, os Estados Unidos têm-se oposto a

todas as tentativas de mudança social, econômica ou política, formuladas

em nosso continente com vistas à sua emancipação. (BELTRÁN e

CARDONA, 1982. p.27).

Este cenário de dominação extrapola os setores formais e se reproduz, dentre

outros, no setor de comunicação. Os meios de comunicação na América Latina tornaram-se

mais um instrumento – dos mais potentes – para ratificar a presença estrangeira no

continente. Governos conservadores abriram as portas dos seus países para os

conglomerados midiáticos, que aqui se instalaram e passaram a reproduzir as premissas do

sistema capitalista global em escalas cada vez maiores, até que foi possível vislumbrar uma

hegemonia midiática das grandes redes de comunicação, em especial, estadunidenses,

cujos valores, símbolos e discursos apontavam para um sentido homogêneo, caracterizado

pelo impulso comercial.

A preocupação de Estados e grandes empresas com o chamado “quarto poder”

reflete o papel essencial que os meios de comunicação de massa têm desempenhado no

mundo contemporâneo, ocupando uma posição de destaque no jogo político. De acordo

com Nogueira (2007), devido ao fato de parte dos diálogos entre os países ocorrer pela

imprensa, tendo em vista a formação da opinião pública, o jogo político acabou se

confundindo com o jogo midiático, o que desembocou em disputas por legitimidade dos

diversos discursos veiculados. Portanto, embora não seja capaz de, por si só, estabelecer o

poder de um ator (seja ele estatal ou não), os meios de comunicação logram, como nenhum

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outro instrumento contemporâneo, fortalecer os discursos com eficiência incontestável,

contribuindo para o fomento de um poder que transcende os espaços físicos e corrobora

para a construção de identidades, o fortalecimento de idéias e a propagação de valores.

Desde o final da década de 1990 até os dias de hoje, ascenderam ao poder na

América Latina vários governos que se aproximavam mais da esquerda política e se

distanciavam das premissas conservadoras neoliberais, os quais passaram a questionar com

maior vigor a inserção da América Latina na nova ordem mundial. A Venezuela e o

presidente Hugo Cháves foram um expoente neste sentido.

Segundo Ávila (2008), antes mesmo da ascensão desses governos, a comunicação

e, em especial a televisão, como um dos maiores meios difusores da indústria cultural na

América Latina, já era repensada em sua forma e produção no continente. Para o

autor, a chegada desses novos líderes ao poder reacendeu os debates e as propostas do

fortalecimento de uma comunicação pública como instrumento de emancipação em relação

aos monopólios midiáticos comerciais.

A questão que se coloca frente aos governos que seguem orientação

antineoliberal na América Latina na atualidade diz respeito ao papel que

podem desempenhar na articulação de redes públicas que construam

um espaço público de comunicação necessário às expressões de

nossas identidades e que contribua para a integração continental

disputando a hegemonia na formação do nosso imaginário social.

(DAMASCENO, 2011, p.6)

É sob estes pressupostos que a TELESUR se funda. Criada em 24 de julho de 2005,

com o apoio de 6 países (Argentina, Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua e Venezuela),com

o lema “Nuestro norte es el sur” , a TELESUR nasce com a proposta de ser uma iniciativa

audiovisual televisiva que se contrapõe às grandes empresas midiáticas de comunicação,

buscando enfoques particulares sobre temas e sujeitos que são excluídos ou tratados de

maneira homogênea pelo “mainstream”, além de intentar valorizar a história comum dos

latinos, nossas realidades, conflitos e riquezas, abordando a região sob uma perspectiva

própria.

O canal não possui fins comerciais e tem como princípio transmitir uma

programação com conteúdos, além de informativos, contextualizados, programas

educativos, de debate, de entretenimento, produzidos em diversos países da América latina

e que abarcam um panorama plural da região, retratando as realidades, os desafios e

valorizando as raízes latino-americanas. Neste sentido, a TELESUR pretende firmar-se

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como um instrumento em favor da democratização da comunicação, viabilizando o

fortalecimento da identidade latino-americana e, a partir dela, sua integração.

Neste trabalho monográfico, abordaremos a relação entre as premissas sobre as

quais a TELESUR se funda e a atuação em si da emissora, a partir da análise do principal

telejornal da rede, o TELESUR Notícias. Para realizar esta análise, nos utilizaremos dos

aportes metodológicos que se voltam para o estudo dos modos de endereçamento, com o

intuito de compreender quais são os formatos e as práticas de recepção construídas pelo

telejornal. Desta forma, intentamos analisar as escolhas envolvidas no processo de

construção do produto jornalístico e de que forma estes coadunam com os objetivos da

TELESUR.

O primeiro capítulo traça do embasamento teórico desta pesquisa, que contextualiza

a TELESUR em um plano maior, de construção histórica e de batalha ideológica. São

debatidos, portanto, vários aspectos que norteiam a existência da emissora enquanto

referencial transformador na história da mídia da América Latina. A construção da

América Latina enquanto conceito (ou seja, a origem do porquê somos “América Latina”)

é o primeiro passo para a discussão do que consiste uma identidade latino-americana e

porque esta deve ser preservada. Neste capítulo, discutimos ainda a dominação das grandes

redes de comunicação internacional no território latino-americano e abordamos os sistemas

públicos de comunicação como instrumentos em favor da democratização dos meios.

O capítulo seguinte conta com os pressupostos metodológicos deste trabalho,

sublinhados pelos estudos dos modos de endereçamento. Utilizamo-nos do Método de

Análise de Telejornalismo, desenvolvido pela pesquisadora baiana Itânia Gomes,

trabalhado a partir dos Operadores de Análise dos Modos de Endereçamento: O mediador,

o Contexto Comunicativo, o Pacto sobre a função do jornalismo e a Organização temática.

O terceiro e último capítulo, por sua vez, é reservado à análise do telejornal

TELESUR Notícias inserido na grade de programação da rede TELESUR. Assim, o

Método de Análise de Telejornalismo, em especial, os Operadores de Análise dos Modos

de Endereçamento nos auxiliam na forma de compreender como a TELESUR, através do

seu principal telejornal, se endereça a sua audiência – os latino-americanos - e dialoga

com os valores sob os quais está fundamentada.

CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

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2.1 A AMÉRICA LATINA COMO CONCEITO

Os conceitos surgem a partir de contextos sociais e políticos específicos e trazem

consigo uma carga de usos, valores e significados, que têm influência prática nas

interpretações da realidade e nas visões de mundo reproduzidas em seu contexto. Com

relação a esse tema Quental (2012, p.46) afirma que:

Recuperar a história dos significados e usos políticos de um conceito

constitui uma maneira de reconhecer não simplesmente as coisas e fatos

que estes buscam representar, mas a própria forma como moldam nosso

pensar e agir na realidade.

Embora pensado e utilizado comumente como um conceito geopolítico dado,

especialmente nos contextos acadêmico e jornalístico, o termo “América Latina” traz

consigo um aspecto valorativo que transcende a sua utilização como expressão técnica

(com objetivo único de delimitar um espaço geográfico). Por isso, os debates em torno da

construção do conceito de “América Latina” e a legitimidade de uma identidade latino-

americana tornam-se, segundo Souza (2011), relevantes para o pensar crítico

contemporâneo.

Atualmente, a região definida como América Latina corresponde a um espaço que

abarca, mais de 700 milhões de habitantes, distribuídos em doze países da América do Sul,

sete da América Central e quatorze do Caribe. Com superfície total de 21 mil quilômetros

quadrados. Estes países têm como idioma o português, espanhol, inglês e diversas línguas

indígenas. de acordo com (ARAÚJO, 2006 apud SOUZA , 2011).

Diniz (2007) problematiza o conceito de América Latina ao considerar que este não

se trata de um conceito cultural, nem somente geográfico, mas carrega limites e

ambiguidades, dentre os quais, a constatação de que América Latina existe, mas somente

por oposição à América Anglo-Saxônica.

[...] Porque “latina”? De onde vem essa etiqueta, amplamente aceita na

atualidade? Diante de certos fatos sociais e culturais, tem-se dificuldade

em reconhecer esta propagada latinidade. Seriam latinas as Américas

negras descritas por Roger Bastide? Seria latina a Guatemala, cuja

metade da população descende dos maias e fala línguas indígenas? Ou o

povo equatoriano, falante do quéchua? Latino, o Paraguai guarani, o

estado de Santa Catarina, no Brasil, povoado por alemães, bem como o

sul do Chile? De fato, essa denominação, relativa a formações sociais

múltiplas e diversificadas, refere-se diretamente à cultura dos

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conquistadores e colonizadores espanhóis e portugueses. (DINIZ, 2007,

p. 131)

Quanto à origem do termo, não há um consenso na literatura a respeito, no

entanto, grande parte dos estudiosos atribui o conceito a uma origem francesa, derivado da

terminologia “Amérique Lattine”. De acordo com BETHEL (2009), este teria sido

utilizado primeiramente por intelectuais franceses em meados do século XIX para justificar

o imperialismo francês no México sob domínio de Napoleão III. Ademais, vários nomes

são citados como responsáveis por introduzir na literatura o conceito.

Não obstante, Bruit (2000) assevera que o termo foi invenção de dois sul-

americanos: o argentino Carlos Calvo e o colombiano José Maria Torres Caicedo. Segundo

o autor, por volta de 1864, o jurista argentino utilizou a expressão pela primeira vez em um

trabalho acadêmico, quando publicou em Paris a obra Recueil complet dês traités,

conventions, capitulations, armistices et outres actes diplomatiques de tous lês Etats de

l’Amérique latine compris entre lê golfe du Mexique et lê Cap Horn depuis l’année 1493

jusqu’à nos jours. Na dedicatória, Calvo afirma a Napoleão III que a obra é fruto do

reconhecimento e gratidão da raça latina à inteligência superior do Imperador.

O colombiano Caicedo, por sua vez, que também residia na capital francesa,

publicou em 1865 um livro denominado Unión latinoamericana, que tinha por objetivo

lançar a idéia de criação de uma liga latino-americana, que representasse um movimento

contrário à política pan-americana dos Estados Unidos. Apesar de ter havido uma expansão

subseqüente do conceito no âmbito das publicações francesas, este só se popularizou no

período da Segunda Guerra, especialmente devido aos estudos de historiadores e

economistas norte-americanos (BRUIT, 2000).

Feres jr. (2005, p.21) corrobora com essa afirmação quando assegura que “a

expressão “América latina” é uma invenção de meados do século XIX que foi traduzida e

incorporada pela língua inglesa ainda mais recentemente”. Contudo, este autor aborda o

significado geográfico mais imediatamente disponível na expressão “Latin America” como

superficial, afirmando ser seu campo semântico muito mais espesso e complexo.

Segundo Feres Jr. (2005, p.20):

[...] apesar de seu significado geográfico descritivo mais aparente, o

conceito Latin America também carrega uma carga pesada de

significados pejorativos. Ademais, o conjunto desses significados

pejorativos parece indicar que Latin Americana é definida em oposição a

uma percepção idealizada de America [Estados Unidos].

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O pressuposto de Feres Jr. parte dos contraconceitos assimétricos, analisados e

definidos por Reinhart Koselleck. Contraconceitos assimétricos são “termos criados por

agrupamentos sociais para designar pejorativamente aqueles que não pertencem à sua

comunidade” (FERES JR., 2005, p. 19). Em sua análise, o principal intuito do autor é

demonstrar que na comunidade de falantes de inglês dos Estados Unidos, o termo Latin

America foi construído historicamente como um contraconceito assimátrico de America,

assim como este foi apropriado pela linguagem e discursos das ciências sociais.

Para comprovar sua tese, FERES JR. (2005) apresenta definições de Latin

America encontradas em dicionários de língua inglesa e ilustradas por citações jornalísticas

e literárias, as quais apresentam passagens carregadas de referências negativas, contrárias à

autoimagem que os estadunidenses cultivam de si mesmos. Neste diapasão, enquanto a

America se vê protestante, democrática, desenvolvida, moderna e branca, a Latin America

é definida como católica, primitiva, subdesenvolvida, mestiça, etc.

Segundo FERES JR. (2005, p. 26):

[...] essas formações conceituais ocorrem em pares [gregos/helenos,

cristãos/pagãos, arianos/não-arianos] e são usadas por grupos humanos

para nomear pessoas e coletivos humanos percebidos como externos ao

grupo. Os contraconceitos assimétricos comumente apresentam uma

estrutura estável, onde o elemento positivo do par é reconhecido pelo

grupo como sua identidade, enquanto conteúdos semânticos que

correspondem ao oposto das qualidades que o grupo se atribui são

projetadas sobre um (contra) conceito, que é usado para identificar

aqueles que não pertencem ao grupo.

Bruit (2000) aponta que, na década de quarenta, alguns próprios pensadores latino-

americanos questionaram a latinidade, ao passo em que esta, europeia, nascida na Roma

antiga e estreitamente ligada à Igreja Católica e ao autoritarismo monárquico, era

frequentemente associada à ideia do antiliberal, antirrepublicano e do conservadorismo. A

exemplo do peruano Luiz Alberto Sánchez e o seu livro “Existe América Latina?”, de

1945. Além disso, o autor afirma que têm sido intelectuais peruanos os que mais se

preocuparam com a latinidade do continente.

A razão disto talvez seja o fato de que a sociedade peruana, e em geral,

toda a sociedade andina, é de forte tradição indígena e mestiça,

populações estas que têm conservado, de todas as formas imaginadas, as

seculares tradições e práticas pré-hispânicas. (BRUIT, 2000, p. 10)

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Ainda sobre a obra de Sánchez, Bruit (2000) aborda um artigo crítico do historiador

Fernand Braudel, o qual não discute explicitamente se o continente deva ser denominado

de latino, mas traz a reflexão a respeito da existência de várias “Américas Latinas”,

pautadas não apenas por contrastes geográficos, mas políticos econômicos e culturais, e

refutando o pressuposto de Sánchez de que a latinidade denotaria uma homogeneidade

incômoda.

Como supra mencionado, o termo América Latina se consolida ao final da década

de quarenta, no pós Segunda Guerra Mundial. É quando se funda a CEPAL (Comissão

Econômica para América Latina), em 1948, órgão vinculado à Organização das Nações

Unidas que tem por objetivo contribuir com o desenvolvimento econômico latino-

americano.

Desta forma, Bruit (2000) conclui que a denominação “América Latina” não se

trata apenas de uma atribuição nominativa, puramente semântica, mas está imbricada por

realidades históricas concretas e específicas, e se difunde vinculada ao conceito de

subdesenvolvimento.

Então, América Latina passa a ser sinônimo de instabilidade política

crônica; estrutura produtiva atrasada e em certos casos arcaica;

dependência total ao capital norte-americano; estrutura fundiária

reorganizada pelo capital monopólico; acentuado crescimento

demográfico. São estes processos concretos, próprios do século XX, que

deram conteúdo histórico à idéia de América Latina. (BRUIT, 2000,

p.11)

Esta perspectiva negativa da terminologia, própria dos países colonizadores e, em

especial, dos Estados Unidos se funda, portanto, a partir dos problemas enfrentados pela

região em diferentes aspectos, dentre os quais os supra citados, relacionados ao seu

subdesenvolvimento. Todavia, este contexto começa a se transformar, como afirma

Oliveira (2005), na década de cinqüenta, período no qual há uma aceleração no processo

de desenvolvimento econômico e social dos países da região. E, em conseqüência, uma

reação regionalista à literatura dominante até então. Souza (2012) cita estudiosos como o

brasileiro Manuel Bonfim e o uruguaio José Henrique Rodó como precursores nos estudos

que contrariam a matriz colonizadora da literatura sobre a região.

Diante da hierarquização das regiões no sistema internacional, ao longo do século

XX, foi possível identificar maiores esforços dos países da região em estabelecerem uma

maior integração com seus vizinhos, a exemplo dos processos de integração regional

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sedimentados por blocos econômicos, como o MERCOSUL. Embora, segundo Diniz

(2007, p. 147), não seja possível “datar exatamente os primeiros indícios de uma tomada

de consciência ativa dos interesses comuns dos países latino-americanos”.

Fato é que o conceito de América Latina e a própria identidade latino-americana

foram vetores de fortes debates e divergências, apontando para a rica história da região.

Dussel (1992) apud Souza (2012) aponta que a América Ibérica se mostra heterogênea e

invertebrada, na medida em que passou por sucessivas influências estrangeiras.

[...] Assim, a cultura em sua essência não se torna fruto de uma

evolução homogênea própria, mas de uma evolução que se forma

segundo as irradiações que vêm de fora. Portanto, conforme observa,

Dussel as ideologias estrangeiras são nocivas a América Latina,

especialmente no que tange a sua identidade. Característica que

contribuiu para o não reconhecimento da região como conceito e nação.

(DUSSEL apud SOUZA, 2012, p.38)

Neste contexto, Dussel (1992) apud Souza (2012, p. 38) destaca a necessidade de se

descobrir o lugar que cabe à América Latina na sua história, buscando a projeção universal

da região como unidade, como “nós mesmos”. Para o autor, o despertar do homem latino

para sua riqueza enquanto povo, cultura e língua, requer a aceitação das diferenças e

problemas comuns da região e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de suas

potencialidades e sua identidade na história mundial.

2.2 POR UMA IDENTIDADE LATINO-AMERICANA

A preocupação em delimitar conceitualmente ou definir uma terminologia

específica que congregue as característica destes países que compõem a chamada “América

Latina” enseja, outrossim, uma discussão a respeito da própria constituição da identidade

latino-americana, que vem sendo ressignificada ao longo do tempo. Farret e Pinto (2011)

sublinham que a busca desta identidade (ou destas) tem sido objeto de preocupação de seus

intelectuais ao longo de quase dois séculos. Para os autores, esta busca parece infinita, pois

se constrói e reconstrói mediante variados interesses de diferentes grupos, em contextos

históricos distintos. Ainda assim, eles afirmam que continuaremos a definir as nossas e as

outras identidades.

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O filósofo uruguaio ARDAO (apud FARRET e PINTO, 2011) define a

importância da busca por um nome que nos identifique ao analisar a tentativa de revitalizar

a idéia de “Magna Colômbia”, em meados do século XIX:

[...] não se tratou de um ato de romantismo histórico, embora se estivesse

na época romântica. Foi, pelo contrário, um episódio a mais no longo

empenho de nossa América, como gostava de dizer Martí (...), em definir

sua identidade através da determinação de seu nome. Esse empenho é

carregado de drama. As sucessivas gerações, desde fins do século XVIII

até os nossos dias, o vêm sentindo, cada uma a seu modo, mas sempre

sob a necessidade de se dar resposta aos desafios à autonomia de sua

personalidade comum. Ou seja, à sua própria existência. Não saber como

se chamar é algo maior do que não saber como se é; é não saber quem se

é. (ARDAO, 1980 apud FARRET e PINTO, 2011, p. 39)

Neste sentido, além de estar longe de possuir um caráter cristalizado e a - histórico,

a “identidade” encontra sua fragilidade e condição eternamente provisória, segundo

BAUMAN (2005), ainda mais aparente na era moderna, ao passo em que esta é gestada na

experiência humana e se configura como um dever e ímpeto à ação.

[...] a identidade só nos é revelada como algo a ser inventado, e não

descoberto; como alvo de um esforço, “um objetivo”; como uma coisa

que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre

alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais – mesmo

que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária

e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida

e laboriosamente oculta. (BAUMAN, 2005, p. 22)

A formação de uma identidade cultural está atrelada à idéia de alteridade, na

medida em que exige o reconhecimento do outro, o qual se constrói mediante a

diferenciação deste com o eu. Assim, embora não exista uma só identidade cultural para

um indivíduo ou grupo social (já que esta é composta por variados graus e dimensões

possíveis), quanto mais universalizantes os elementos de identidade cultural e os

significados a eles atribuídos , maior será a quantidade de indivíduos e coletividades que

compartilharão a mesma identidade cultural. Esta premissa se faz relevante para

refletirmos a respeito da identidade latino-americana. Os vários grupos sociais que a

compõem adotam elementos culturais particulares, únicos, que formam suas respectivas

identidades culturais locais e, assim, afirmam suas diferenças diante de outros conjuntos

sociais. Concomitantemente, estes grupos se relacionam entre si em uma pluralidade de

dimensões, por isso, podem assimilar outros elementos de identificação cultural geral.

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Desta forma, os processos de formação, transformação e afirmação das identidades são

perpassadas pela relação dialética entre a universalização crescente e a preservação das

identidades locais. (SEIXAS, 2008)

A identidade cultural latino-americana está inserida nesses processos. O

movimento universalizante conduz à formação de identidades regionais,

nacionais, civilizacionais, globais. Nessas circunstâncias, os elementos

gerais de identificação da cultura ocidental dominante ou hegemônica

coexistem com os de identidade cultural local da América Latina. Por

outro lado, as identidades culturais locais latino-americanas também se

expressam e reafirmam no ambiente global, continental, nacional e

regional. Para esse fim, cada cultura local rejeita e exclui de seu universo

cultural certos elementos culturais alienígenas, preservando seu

sentimento de alteridade e de distinção em relação a outros grupos ou

culturas. (SEIXAS, 2008, p. 117)

Ao longo dos séculos, especialmente no período colonial, a dominação européia

no “Novo Mundo” objetivou transmitir e consolidar costumes, valores, construções,

línguas e culturas díspares das cultivadas pelos nativos do continente considerado por eles

como primitivo. Em contraposição a esta dominação até então vigente, ascende a busca

por valores próprios e pelo reconhecimento da pluralidade latino-americana, com o

impulso à exaltação da diferença e preservação das identidades próprias. (ALVAREZ, s/d).

Surge, assim, um novo nacionalismo, baseado na idéia de uma cultura

nacional, que seria a síntese da particularidade cultural e da generalidade

política, da qual as diferentes culturas étnicas ou regionais seriam

expressão. (BARBERO, 1997, p. 217).

Os discursos e os novos movimentos sociais que surgem na segunda metade do

século XX indicavam, ainda, uma apologia da sociedade multicultural, sublinhada pela

justaposição e convivência entre grupos e etnias em determinados espaços urbanos

(CANCLINI, 2004).

Desde então, a identidade é tema emergente. Antes ligada à concepção de um

sujeito unificado, o deslocamento dos seus elementos constituintes agregou-lhe caracteres

de polissemia, mobilidade e fluidez. Esses processos de identificação, portanto,

redefiniram o sujeito contemporâneo e, consequentemente, as identidades nacionais

(ALVAREZ, s/d).

Assim, o sistema de produção global requer um esforço da coletividade no sentido

de construção da identidade. A globalização enseja a emergência de novas formas de

identificação coletiva, definidas pela necessidade de questões econômicas de relevância

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global. A identidade coletiva que ascende, então, é uma forma de exteriorizar uma nova

subjetividade (CANCLINI, 1995).

A pluralidade de culturas da América Latina faz com que ela se torne um

laboratório de experiências sociais, que por sua vez a coloca do lado

oposto ao idêntico, embora seja uma identidade enraizada em aspectos

históricos e geográficos comuns. É bom lembrar que o conceito de

identidade pressupõe que se identifique por algum critério ou propriedade

intrínseca que se mantenha ao longo do tempo. Assim, uma possível

identidade latino-americana, produto da diferença e da pluralidade,

oposta a todo e qualquer modelo, deve ser pensada, na atualidade, no

âmbito de um projeto que dissolva a fragmentação e assegure, portanto, a

integração e a permanência dessa totalidade. Somente nesse contexto o

uso de tal conceito ainda poderá se justificar. (ALVAREZ, s/d, p.8)

Se o conceito de identidade é, por si só, passível de ser problematizado, as

transformações de espaço/tempo advindas da modernidade, considerada por Giddens

(1991) como inerentemente globalizante, apontam para a dificuldade (e necessidade) ainda

maior no processo de identificação coletiva e busca por uma integração regional. Por isso,

para a consecução deste objetivo MIX (apud MELO, 1990) afirma que: “a identidade é um

projeto de integração na qual, como pensava Allende: tem que ir se dando forma jurídica e

assentá-la historicamente. Ë por isso, que as raízes da identidade não estão no passado,

estão no futuro”.

2.3 A INTEGRAÇÃO REGIONAL E O IDEAL BOLIVARIANO

Embora a idéia de integração resida em um campo abstrato e, por isso, não seja

universalmente aceita, Azevedo (1991, p.73) a define em um sentido amplo como: “acordo

de vontades entre unidades nacionais, para chegar a uma solução uniforme em

determinados campos onde a atividade estatal isolada torna-se inoperante ou ineficiente”.

A integração requer a criação de centros de decisões comunitários, cujas

competências são atribuídas pelos Estados-membros e deles subtraídas. A integração se

difere da cooperação internacional, na medida em que a primeira é voltada para a

satisfação dos interesses comunitários, enquanto a segunda permite que cada Estado possa

alcançar a satisfação dos seus interesses individuais (SANTOS, 2008).

Quando se pensa na integração latino-americana, remete-se geralmente às

organizações multilaterais regionais, como o MERCOSUL, a ALBA e o Mercado Comum

Centro-Americano. Todavia, os ideais integracionistas dos Estados latino-americanos

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compõem a história da própria constituição destes países, seja em forma de integração

política, econômica, militar ou cultural, social,etc. A análise histórica da integração latino-

americana no século XIX diz respeito à busca pelo estabelecimento de laços políticos

como forma de assegurar a sobrevivência e manutenção dos Estados enquanto nações

independentes das metrópoles portuguesa e espanhola e autônomas em relação aos Estados

Unidos da América e sua Doutrina Monroe. No século seguinte, as ameaças externas não

estavam mais relacionadas à questão política, mas ao surgimento de novas ameaças de

ordem econômica, tais quais o subdesenvolvimento, a imposição de políticas econômicas e

o controle do mercado pelos países ricos. (SANTOS, 2008)

Mediante estas ameaças externas e internas os países latino-americanas retomaram

a busca por novos processos de integração regional. A esse respeito SANTOS (2008,

p.193) afirma que: “abandonando a conduta tímida e individualista da cooperação para

buscar uma nova inserção no cenário internacional globalizado por meio dos blocos

econômicos”.

O início do século XXI foi palco de transformações políticas relevantes na

América Latina. Antes, a região era tida como “laboratório das receitas neoliberais”, mas

com a ascensão ao poder de governos progressistas de caráter popular, as premissas

importadas de Washington, como a defesa do Estado mínimo, a abertura das economias,

concentração de renda, etc., perderam espaço (ROSENMAN, 2006).

A crescente revolta com as conseqüências advindas da instalação da cartilha

neoliberal nos Estados latino-americanos, como o bloqueio à expansão econômica dos

países, a concentração de riquezas e a exploração da miséria, desembocou em um ciclo

inédito de vitórias eleitorais de candidatos anti-neoliberais na Venezuela, Argentina,

Brasil, Bolívia, Equador, Uruguai, Chile, El Salvador, Paraguai, entre outros

(DAMASCENO, 2011 ).

Para SANTOS (2006), estas transformações foram fruto do fortalecimento e da

visibilidade de movimentos reivindicatórios que no fim dos anos 90 e início do século XXI

lutaram pela terra, água, fim da dívida externa e das discriminações raciais e sexuais, por

uma identidade cultural e por uma sociedade mais justa.

Neste contexto, Hugo Chávez, expoente do antineoliberalismo na região, é eleito

na Venezuela em 1998. Carismático, especialmente entre a população mais pobre, Chávez

encontra no seu compatriota Símon Bolívar um símbolo capaz de sedimentar seu

movimento político antineoliberal (CUNHA FILHO,s/d). As transformações políticas,

econômicas e sociais subseqüentes impetradas dentro do Estado venezuelano e galgadas a

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nível regional pelo governo de Chávez passam a ser denominadas, então, pela alcunha de

“revolução bolivariana”.

A Carta da Jamaica, também conhecida como Carta Profética, foi escrita em 6 de

setembro de 1815 por Bolívar e é um dos primeiros manuscritos a delinear o pensamento

da integração das colônias latino-americanas (SANTOS, 2008).

A Carta de Jamaica não pregava a necessidade do estabelecimento de

uma única unidade político-institucional da América Latina, mas indicava

que a agregação dos diversos Estados independentes, por meio de

processos integrativos, seria o único caminho para obter e sustentar a

liberdade advinda da independência. (SANTOS,2008, p.180)

“El libertador” defendia no século XIX a educação, a integração regional e alertava

para os riscos da dominação estadunidense no continente. E integração, justiça social e

anti-imperialismo são temas de esquerda que conseguiram resistir ao “furacão neoliberal”

(CUNHA FILHO, s/d).

[...] são bandeiras bastante abstratas, que de fato poderiam ter sido

apropriadas por qualquer um, mas são simbolicamente muito fortes por

apelar aos sentimentos de orgulho e desejos de independência e soberania

de uma região subdesenvolvida e periférica na geopolítica mundial. E

foram bastante eficazes na galvanização do apoio popular venezuelano

num primeiro momento, regional num segundo e com potenciais de

alcance ainda mais amplo num terceiro, à medida que as políticas

públicas desenvolvidas empírica e intuitivamente pelo governo Chávez

vão sendo bem-sucedidas e dando corpo e estrutura ao

Bolivarianismo como uma teoria concreta para a esquerda latino-

americana para além de meros slogans e palavras de ordem, e na medida

em que vão ao encontro de muitas das principais demandas dos

movimentos sociais ao redor do mundo nos últimos anos. (CUNHA

FILHO, s/d, p.1)

O Bolivarianismo penetrou os espaços políticos para além dos Andes e

demonstrou ser uma alternativa de condução política e ideológica que acentua ainda mais a

idéia de soberania, desenvolvimento e união do povo latino-americano.

[...] E com o fracasso das receitas políticas prontas ditadas pelos manuais

soviéticos ou chineses e a constatação da perversidade do

neoliberalismo, nada como testar novos caminhos desenvolvidos

dentro da própria região, segundo suas idiossincrasias e particularidades.

E é aí que reside a genialidade do Bolivarianismo atual: na sua

criatividade política e no resgate da auto-estima dos povos da região

através da memória de seus mártires e heróis, como Bolívar, Sucre,

San Martin, Artigas, Sandino, Abreu de Lima e muitos outros

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frequentemente por nós esquecidos, e da valorização e difusão das

culturas regionais.(CUNHA FILHO, s/d, p.2)

Além do resgate simbólico que alavanca o ideal de unidade e integração latino-

americana, o bolivarianismo ou a “revolução bolivariana” compõe um cenário maior, no

qual estes ideais estão circunscritos. A independência (real e simbólica) e a união dos

povos do Sul passou a ser cada vez mais tema central na agenda dos Estados e estes

ensejaram políticas que refutassem o domínio estrangeiro na região e abrissem margem

para a consecução dos seus objetivos integracionistas e anti-imperialistas. Neste contexto,

a luta contra a hegemonia midiática vigente na América Latina ganhou lugar de destaque.

2.4 MÍDIA E HEGEMONIA NA AMÉRICA LATINA

O autor Valente (2007, p.21) afirma que a “Era da Informação” modificou

profundamente manifestações sociais e psicológicas, e comportamentos coletivos e

individuais, cuja rapidez e profundidade nunca foram vistas antes na História. Para o autor,

“o Estado não perdeu poder por conta das transformações na comunicação, não deixou de

se basear no econômico, no político e no militar para a conquista do poder. Mas

redimensionou e modificou sua atuação para o alcance deste objetivo”.

A preocupação de Estados e grandes empresas com o chamado “quarto poder”,

além da interação e inter-relação dos dispositivos midiáticos com os processos sociais e

processos de comunicação (FERREIRA, 2007), reflete o papel essencial que os meios de

comunicação de massa têm desempenhado no mundo contemporâneo. Portanto, embora

não seja capaz de, por si só, estabelecer o poder de um ator (seja ele estatal ou não), os

meios de comunicação logram, como nenhum outro instrumento contemporâneo, fortalecer

os discursos com eficiência incontestável, contribuindo para o fomento de um poder que

transcende os espaços físicos e corrobora para a construção de identidades, o

fortalecimento de ideias e a propagação de valores.

[...] Todo o processo de comunicação, seja a leitura de um jornal, a

assistência de um filme ou de uma telenovela, quer se esteja só ou

acompanhado, será sempre um fenômeno social, não “micro-social”.

Social em toda sua grandeza, pois incorpora, tanto no ato de ver, ouvir ou

ler, quanto no ato de emitir, toda a história de um povo, de um país, de

uma cultura. No momento da comunicação há uma síntese de todo

universo de sentido. (MARCONDES FILHO, 2008, p.77)

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No campo dos media, o que Martín-Barbero conceitua como “mediação cultural”

envolve a relação entre política e cultura, analisando sua força narrativa, discursos e

contextos. Para o autor, pela mediação pode-se recolocar o problema da cultura, ou seja, “o

modo como trabalha a hegemonia e as resistências que mobiliza”. “Vê-se, assim, que a

comunicação é apenas um álibi dentro de um discurso que, em sua intencionalidade, é de

natureza genuinamente política” (MARCONDES FILHO, 2008, p.71)

A inversão no processo comunicacional para passar a vê-lo a partir dos

usos sociais e da articulação entre práticas de comunicação e movimentos

sociais atende àqueles estudiosos que vem a comunicação como meio

para se chegar à mudança política. Ela é apenas um instrumento, uma

arma, um componente de um processo maior, de uma estratégia, implícito

do discurso de Martín-Barbero. (MARCONDES FILHO, 2008, p.71)

Quinteros (2010) afirma que a ideia de mediação está aliada à especialização

midiática do mercado, que decorre do fenômeno da hegemonia comunicacional, produtora

de bens simbólicos e promotora do “desencaixe das práticas culturais de seus ambientes

tradicionais”, acarretando a configuração de novos modelos sociais. Para a autora, é neste

estágio, marcado pelas mediações, que se inserem na trama discursiva e na ação política,

que a comunicação configura-se como campo privilegiado da batalha política. No

contexto atual, o exemplo desta afirmação seria a globalização.

Além de ser pautada pela competitividade entre empresas e sua crescente busca por

mais tecnologia, ciência e organização, a globalização significa um conjunto extraordinário

de possibilidades, segundo Quinteros (2010, p.27), graças a fatos radicalmente novos,

como por exemplo “a enorme e densa miscigenação de povos, raças, culturas e gostos

produzidos atualmente (embora com muitas diferenças e assimetrias) em todos os

países latino-americanos e demais”. Mas para o pesquisador PIERNES (1990 apud

QUINTEROS, 2010), “os latino-americanos têm poucas ocasiões de replicar a

informação a seu respeito. Neste sentido, mantêm-se na época da invenção da imprensa.

Antes era “o jornal publicou que”. Agora: “saiu na televisão”. E ponto.”

Na América Latina, o que se pôde vislumbrar foi o estabelecimento de redes

hegemônicas, detentoras quase absolutas das concessões públicas - na medida em que se

constituíram um grande poder financeiro e globalizado, capaz de intimidar governos e

controlar a maior parte dos sistemas de comunicação nacionais. A lógica neoliberal

alcançou e penetrou os vários eixos das sociedades e, de forma quase unânime, a mídia.

Assim, o neoliberalismo se converteu “en una religión monoteísta y excluyente”

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(CARMONA, 2004 apud DAMASCENO, 2011). E, aos meios de comunicação dominados

pelo modelo neoconservador, não eram admitidas críticas nem questionamentos.

En cada país de la región existe un poder mediático unilateral, con una

visión monoteísta de la sociedad, que rinde culto a la ideología

neoconservadora que, a su vez, sustenta el modelo económico

neoliberal y es enemigo acérrimo del pluralismo. Es un poder

totalitario, impuesto por la fuerza del dinero, en el que también

participa la Iglesia, presente en la propiedad de los medios en varios

países, con diarios, radios y televisión. (CARMONA ULLOA, 2004, p.

236 apud DAMASCENO, 2011, p.2)

Esta realidade não abarca, contudo, um fato novo na história dos países da região. É

o que explicita Damasceno (2011) ao afirmar que:

Na América Latina a história dos favorecimentos políticos e da

constituição de oligarquias locais e regionais, que em muitas vezes se

confunde com a história da formação dos Estados nacionais, é a

história dos meios de comunicação que, na maioria dos casos,

também se constituiu como braço político desses grupos

oligárquicos. (DAMASCENO, 2011, p.4)

O setor de comunicações passou por um processo acentuado de privatizações,

concentração e desnacionalização que envolveu grandes conglomerados empresariais. Para

MORAES (2009) o vasto potencial de consumo, o espanhol como segundo idioma da

globalização, a carência de tecnologias avançadas e a ausência de leis antimonopólicas

foram fatores que motivaram grandes corporações, especialmente estadunidenses, a

incrementar seus negócios na América Latina.

A penetração destas através de um poderoso sistema de comunicações seria uma

forma de assegurar “não uma submissão rancorosa mas sim uma lealdade de braços

abertos, identificando a presença americana com a liberdade – liberdade de comércio,

liberdade de palavra e liberdade de empresa” (SCHILLER, 1976, p. 13 e 14).

No entanto é necessário salientar que o peso norte-americano nas

comunicações latino-americanas é algo mais antigo e remete à venda

de equipamentos eletrônicos, assistência técnica e administrativa e, o

mais importante, ao fornecimento de programas “enlatados” para todo o

continente. Nos anos de “guerra-fria”, o desenvolvimento de

pesquisas em comunicação aliou o setor militar e o industrial na tarefa de

propagar o ideário americano de culto à liberdade de empresa.

(DAMASCENO,2011,p.4)

A América Latina se vê, dessa forma, sob o cabresto do Imperialismo midiático

vigente. ÁVILA (2008) assevera que as ditaduras militares e civis que se consolidaram em

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vários países da América Latina ao longo do século XX fizeram com que grande parte dos

sistemas de comunicação nacionais consolidada, na medida em que os governos militares

distribuíram direitos de posse de emissoras de rádio e televisão, concederam incentivos

fiscais e permissão para importação de novas tecnologias. “Ainda que tenha havido

encampação de alguns periódicos, perseguição de outros tantos, houve mais proximidades,

acordos e relações conjuntos entre os homens de governo e os homens de imprensa do que

divergências” (BARBOSA, 2006, p.3). Contudo, segundo ÁVILA (2008), mesmo com o

fim das ditaduras, a mídia latino-americana ainda se verga sob o julgo do poder político e

econômico.

No Brasil, os canais de televisão e jornais nacionais são controlados por apenas 15

grupos familiares. Em um país com dimensões continentais, esse número é ínfimo. E a

contradição não termina aí: Mais de 1,5 bilhão de reais são gastos pelo governo federal

com a administração direta e indireta na mídia comercial (BAVA, 2009). Ou seja, as

empresas privadas ainda são financiadas pelos recursos públicos. Ainda de acordo com o

Projeto Donos da Mídia, 271 políticos são sócios ou diretores de 324 veículos de

comunicação. Isto fere artigo 54 da Constituição Federal de 1988 que proíbe que

Deputados e Senadores sejam proprietários ou diretores de canais de TV e rádio.

Esta realidade não se restringe ao caso brasileiro. Cada vez mais insurgem

situações nas quais fica clara a relação entre a hegemonia midiática e o poder político. A

Venezuela viu em 2002, por exemplo, o golpe ao presidente Hugo Chávez ter imagens e

informações manipuladas de modo a denegrir o governo e os manifestantes pró-chavez.

Isto porque Chávez enfrentou forte oposição de diversos setores, incluindo a poderosa elite

econômica que controla os meios de comunicação privados do país, que se alinhou

abertamente aos seus opositores (ROMERO; LUGO, 2003).

Uma das primeiras medidas tomadas por Pedro Carmona, que presidiu o governo

de fato durante as 48 horas do golpe, foi se reunir com alguns proprietários e executivos

dos principais meios de comunicação privados para coordenar uma estratégia de apoio.

“Esta consistía en fomentar la auto-censura acerca de todos los movimientos y

manifestaciones públicas que estaban ocurriendo en el país para restablecer a Chávez en el

poder y el apuntalamiento de Carmona, como legítimo gobernante” (CANIZALEZ, 2007,

p.54).

Ao final de 2002, os principais meios de comunicação da Venezuela,

especialmente estações de rádio e televisão, disponibilizaram espaços de propaganda

gratuitos para os opositores do governo Chavista. Deste modo, os meios privados se

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constituíram enquanto elemento fundamental na articulação da oposição. Este é um dos

aspectos que explica a tendência do governo comandado por Chávez em apoiar os meios

comunitários e alternativos (ROMERO; LUGO, 2003).

Para se contrapor à hegemonia midiática na Venezuela e garantir a autonomia

informativa do governo, Chávez investiu recursos na área da Comunicação, especialmente

nos meios comunitários, e em iniciativas como a recriação do jornal “El correo Del

Orinoco” (criada em 1818 por Bolívar), a criação do programa semanal de rádio e televisão

“Aló, Presidente!” e foi o principal interlocutor na criação e manutenção do nosso objeto

empírico – a TELESUR.

2.5 TELEVISÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

A discussão em torno da hegemonia midiática, lograda por grandes corporações

norte-americanas na América Latina – seja pela instalação direta das redes de

comunicação, seja pela injeção de dólares nas redes locais - suscita o debate sobre a

democratização da comunicação na região, ao passo em que a homogeneização dos

padrões visuais, conteúdo, discursos e linguagem veiculados, e importados, pelos meios de

comunicação confrontam a democratização, ou seja, a pluralidade dos sujeitos e da própria

informação (e toda a complexidade que a compõe), bem como a lógica mercantilista como

norteadora da existência destes meios.

A concentração monopólica instaurada pelas redes midiáticas de tipo comercial na

região impulsionou a falta de concorrência na produção, distribuição e difusão de

conteúdos, caracterizando-as pela baixa competitividade de bens e serviços culturais

produzidos na América Latina (DAMASCENO, 2011, p.5). Ao mesmo tempo em que a

falta de investimentos dos governos latino-americanos, em tecnologia e em produção

simbólica, incrementaram as vantagens dos grupos estrangeiros, favorecidos por

legislações deficitárias e ganhos em escala, “o que se evidencia nas mais de 150 mil horas

de programação “made in USA” veiculadas mensalmente nas TV’s latino-americanas”

(MORAES, 2009, p.115).

A democratização da comunicação está relacionada a uma menor concentração do

poder de comunicar nas mãos de poucos, cuja conduta se pauta pela lógica do mercado,

respondendo antes aos interesses de seus controladores e anunciantes. Enquanto a

democracia de um país é medida geralmente pela independência das instituições,

liberdades civis, eleições livres e periódicas, a democracia midiática, de acordo com a

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Cartilha nº 1 do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, se relaciona ao

número de grupos que controlam as fontes de informação e os meios de comunicação e o

papel que estes veículos e pessoas exercem sobre a política, a economia e a cultura de um

país. A Cartilha aponta ser necessária a oxigenação das estruturas do setor da

comunicação, de modo que este assuma uma relação político-institucional efetiva e

transparente com a sociedade, cedendo espaço às demandas de cidadãos organizados na

formação e informação de um indivíduo que seja mais cidadão e menos consumidor.

Pense nessas mídias como se fossem as praças ou os parques do seu

bairro. Em geral, uma praça qualquer um pode entrar, sentar e falar o que

pensa desde que não incomode o vizinho. Mas e se existirem poucas

praças? Ou se o parque estiver cercado por um muro alto e for cobrado

ingresso para usá-lo? E se neste lugar, só puderem falar os amigos do

zelador do parque? (...) como se fosse uma espécie de “clube”, ao qual só

um time de seletos convidados tem acesso. (...) Começar a desvendar

este labirinto de interesses e poderes pouco revelados, mas muito

exercidos, e exigir regras que o discipline é uma das primeiras formas de

se democratizar a comunicação. Colocar de pé iniciativas de produção

de comunicação e informação que promovam a inclusão das pessoas

que estão fora do “clube” é outra. (Cartilha democratização da

comunicação: como domar essa tal de mídia?, Fórum Nacional pela

Democratização da Comunicação, s/d, p.4)

Mediante esta perspectiva, alguns países tomaram medidas para modernizar seu

arcabouço legal, com o intuito de assegurar uma maior regulamentação no setor de

comunicação. A legislação mais abrangente e detalhada nos anos recentes, segundo

Maringoni e Glass (2012), foi a promulgada na Argentina, em 2009, denominada, Ley de

Medios. “A Ley propõe mecanismos destinados à promoção, descentralização,

desconcentração e incentivo à competição, com objetivo de barateamento, democratização

e universalização de novas tecnologias de informação e comunicação”. Os autores

destacam alguns pontos da lei, como:

– Democratização e universalização dos serviços;

– Criação da Autoridade Federal dos Serviços de Comunicação

Audiovisual, órgão autárquico e descentralizado, que tem a função de

aplicar, interpretar e fiscalizar o cumprimento da lei;

– Criação do Conselho Federal de Comunicação Audiovisual da

defensoria pública de serviços de comunicação audiovisual, para atender

reclamações e demandas populares diante dos meios de comunicação;

– Combate à monopolização – nenhum operador prestará serviços a mais

de 35% da população do país. Quem possuir um canal de televisão aberta

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não poderá ser dono de uma empresa de TV a cabo na mesma localidade;

– Concessões de dez anos, prorrogáveis por mais dez;

– Reserva de 33% dos sinais radioelétricos, em todas as faixas de

radiodifusão e de televisão terrestres em todas as áreas de cobertura para

as organizações sem fins lucrativos;

– Os povos originários terão direito a dispor de faixas de AM, FM e de

televisão aberta, assim como as universidades públicas. (MARINGONI;

GLASS, 2012).

Na Venezuela, a Lei Orgânica de Telecomunicações foi aprovada em outubro de

2000 e, além de reservar a exploração dos serviços de telecomunicações aos domiciliados

no país,“estabelece um marco legal de regulação geral das telecomunicações, a fim de

garantir o direito humano das pessoas à comunicação e à realização das atividades

econômicas de telecomunicações necessárias para consegui-lo, sem mais limitações que a

Constituição e as leis”. Na Bolívia, em 2011, Evo Morales promulgou a Ley general de

telecomunicaciones, tecnologias de información y comunicación, que estabelece um marco

regulatório para a propriedade privada de rádio e televisão e garante vários direitos aos

chamados povos originários.

Dessa forma, há de se pensar a comunicação como um serviço, mais do que como

um negócio - cujas benesses vão parar nas mãos de poucos. Para que a comunicação seja

conduzida como uma política pública, é preciso não só se ter a liberdade para comunicar,

mas garantir os meios para que isso ocorra, e de forma democrática. É o Estado o detentor

desta competência, ou seja, o sujeito a garantir a regulamentação dos meios. Embora

recorrentemente o ato de regular dos Estados seja colocado pelas empresas midiáticas

como um ato de cerceamento da liberdade de comunicação e expressão, o direito de

comunicar trata-se de uma concessão pública e assim o sendo, deve submeter-se ao

controle público.

As discussões e ações práticas relacionadas à busca pela democratização da

comunicação dizem respeito a todos os meios de comunicação, no entanto é a televisão que

se encontra no epicentro das mesmas, ao passo em que sua importância na construção

simbólica da realidade e em como impacta o cotidiano dos indivíduos tem atraído cada vez

mais atenção dos estudiosos, já que esta se encontra no centro da mídia global emergente.

Marcondes Filho (1993) apud Vizeu (2000) afirma que até a última década do século XX,

a televisão não era apenas um meio de comunicação a mais, mas o único meio que

envolvia diretamente a sociedade com um novo modo de ver o mundo, tendo “uma

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participação decisiva na formação de identidades e no crescimento econômico dos países”

(VIZEU, 2000, p. 32).

A televisão chegou na América Latina na década de 1950 e sua implantação

deveu-se, em geral, à iniciativa privada. Na década seguinte, representantes de redes de

televisão norte-americanas passaram a oferecer parcerias, produtos e capital estrangeiro às

televisões locais, as quais receberam estas parcerias como forma de superar seu baixo

desenvolvimento, proveniente da falta de recursos, e alavancar a então enxuta programação

televisiva (ÁVILA, 2008).

O fluxo de capitais internacionais nestas redes de televisão

aumentou consideravelmente a qualidade das produções, mas

desequilibrou o mercado televisivo, estabelecendo uma disputa desigual

no setor. Por meio dos telejornais e dos programas de entretenimento,

um padrão de vida urbana e de classe média, com hábitos e

consumos inacessíveis para a maioria, difundiu-se por todas as

sociedades latino-americanas. Nas décadas de 1970 e 1980, o

barateamento dos aparelhos televisivos e o aumento da cobertura das

redes em praticamente toda a América Latina fizeram com que a

televisão se tornasse a maior referência em meio de comunicação,

com enorme poder político e balizamento dos rumos da indústria

cultural no continente. (ÁVILA,2008, p.36)

Segundo Vizeu (2000), a difusão televisiva (com exceção dos sistemas de cabos e

satélites) não possui um caráter internacional, mas a existência de um mercado

transnacional e globalizado faz com que vários programas e produtos se constituam em

ofertas de vendas internacionais. Muitos deles, inclusive do telejornalismo, acabam

reproduzindo praticamente os mesmos padrões de produção, apuração e técnica. “A forma

de internacionalização dominante é a do mercado de programas que se reflete nas

programações das televisões de todo o mundo, tanto no seu formato, quanto na sua

composição” (VIZEU, 2000, p. 41).

A inovação tecnológica, de acordo com Martín-Barbero (1997) parece importar

mais aos produtores e programadores das “tecnológicas de vídeo”, enquanto o uso social

dessas potencialidades técnicas encontra-se fora do seu interesse. Para ele, o sistema dos

media está perdendo em parte sua especificidade para converter-se em elemento integrante

de outros sistemas, como o econômico, cultural e político. Ao invés de partir da análise das

lógicas de recepção e produção.

Martín-Barbero (1997) propõe partir das mediações, ou seja, dos lugares dos quais

provêm os constrangimentos que delimitam a materialidade social e a expressividade

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cultural da televisão. Desta forma, ele aborda três lugares de mediação: O cotidiano

familiar,(já que a televisão na América Latina tem a família como unidade básica de

audiência, é porque ela representa para a maioria lugar de reconhecimento), a

temporalidade social (não só a quantidade de tempo dedicado, mas o tipo de tempo, o

significado social com que este tempo é utilizado pelas diferentes classes para com a

televisão) e a competência cultural (dos diversos grupos, atravessa as classes, e configura

sobretudo as etnias, as culturas regionais,etc.).

Já Orozco, segundo Marcondes Filho (2008), remete-se às apropriações dos

indivíduos e, como parte mais significativa das interações meio-audiência, os seus usos

coletivos sociais. O autor acredita ser possível emancipar os telespectadores, não os

fazendo desligar o aparelho, mas ensinando o telespectador a desvendar os seus truques,

perceber as exclusões, as manipulações e os estereótipos. Desta forma, os telespectadores

seriam “educados” a assistir televisão de maneira crítica, sem se deixar levar pelas

manipulações dos telejornais, das telenovelas, etc. Sob esta perspectiva pragmática,

Guillermo Orozco pressupõe a existência de uma verdade objetiva a ser revelada, o que

pode ser facilmente questionável.

2.6 A TV PÚBLICA

O domínio do modelo comercial de radiodifusão na América Latina fez com que

fosse impossível para a maioria da população imaginar a existência de um outro modelo,

como os que já se consolidaram em outros continentes. As políticas públicas de

comunicação se configuram no sentido de que o Estado possa assumir seu papel como

regulador e harmonizador dos interesses coletivos aos quais as questões

comunicacionais estão relacionadas (DASMACENO, 2011). Algumas soluções são

passíveis de serem postas no sentido de abalar as estruturas de poder que controlam a

produção da informação. Sobre isso, Sílvio Caccia Bava afirma:

Em alguns países, fortalecer a TV pública foi o caminho para a

democratização da mídia. Em outros, uma fiscalização mais rígida das

normas que disciplinam as concessões, que são renovadas de tempos em

tempos, ajudou a garantir uma perspectiva republicana e democrática. A

mídia cumpre um papel fundamental na formação cultural de um povo,

nos padrões de sociabilidade que estabelecem como se relacionar com os

demais e na afirmação de valores que sustentam regimes políticos. (...)

Um novo marco regulatório é indispensável para garantir o sentido

republicano e democrático da atuação dos meios de comunicação; novos

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mecanismos de gestão democrática e participativa desses meios,

mecanismos efetivos de controle social, além de uma maior presença de

canais públicos e educativos e a liberação das rádios comunitárias.

(BAVA, 2009, p.3)

Segundo Ávila (2008), as raízes da comunicação pública na América Latina foram

firmadas nos anos de 1960 até 1980. Neste momento histórico, mesmo com os regimes

ditatoriais em ascensão, muitos foram os movimentos sociais, entidades, profissionais e

estudiosos da comunicação que se organizaram para formular propostas de novas políticas

de comunicação.

Os inúmeros debates acadêmicos sobre desenvolvimento e

subdesenvolvimento que dominaram o cenário latino-americano nos

anos de 1950 e 1960, além da influência dos debates acerca de

uma comunicação libertadora, como conseqüência de uma visão

humanística da sociedade, fizeram com que se pensasse a

comunicação pública não mais como comunicação estatal, própria do

Estado. (ÁVILA, 2008, p.45)

Os sistemas públicos de comunicação ainda enfrentam uma certa desconfiança, ao

passo em que os paradigmas do modelo liberal apontam para a necessidade de os meios se

afastarem do Estado, com o intuito de aparentarem uma isenção política e ideológica – a

famosa, mas questionável, neutralidade dos meios de comunicação - , além de

independência da comunicação social em relação ao poder público que o financia.

Lassance (2011), todavia, se contrapõe a este paradigma ao afirmar que esta é uma forma

de maquiar a informação e os interesses por trás da mesma. Para o autor, quem recebe a

mensagem deve conhecer seu emissor sem subterfúgios.

Em reportagem do Le Monde Diplomatique, o INTERVOZES elencou seis

medidas para uma guinada no campo da comunicação, voltada para reflexão deste como

serviço público. As propostas se referiam ao contexto brasileiro, mas podem ser facilmente

transportadas para a realidade latino-americana. Dentre elas:

1 Mudanças nos processos de concessão de rádio e TV

Hoje os critérios para novas concessões privilegiam os aspectos

econômicos, e o processo de renovação de concessões é praticamente

automático. É preciso definir critérios transparentes e democráticos para

concessões e renovações, com o objetivo de garantir diversidade e

pluralidade de conteúdo. Também é necessário estabelecer mecanismos

de participação da sociedade no processo.

(...)

3. Fortalecimento do sistema público de comunicação e fomento a

rádios e TVs comunitárias

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O sistema público de comunicação é uma realidade ainda incipiente; da

mesma forma, rádios e TVs comunitárias são mantidas como marginais

no sistema de comunicação no Brasil. É preciso estabelecer uma política

de fomento aos meios públicos e comunitários, com espaço para essas

emissoras no espectro analógico e digital, instrumentos de gestão

democrática e mecanismos que viabilizem sua sustentabilidade.

4. Estabelecimento de mecanismos de controle social da

comunicação

Hoje o cidadão não tem se defender de violações a direitos humanos

praticadas nos conteúdos veiculados por meios de comunicação, nem tem

direito a participar na definição de políticas de comunicação. Depois da

revogação da Lei da Imprensa, perdeu-se até a regulamentação do direito

de resposta, garantido pela Constituição Federal. É preciso construir

instrumentos que permitam a todos os cidadãos a incidência sobre essas

questões. (INTERVOZES,2009, p.35)

Com base na hegemonia dos meios de comunicação comerciais na América Latina,

várias abordagens afirmam a mídia pública enquanto negação do modelo comercial. Neste

sentido, “o predicado público circunscreve tudo o que não faz parte do seu oposto, ou seja,

o público seria outro termo para designar tudo que não é comercial”.

A distinção entre um campo e outro tem por fundamento a relação que

cada um deles estabelece com seus receptores. Enquanto os meios com

fins lucrativos tratam a audiência como massa e, portanto, buscam o

gosto médio para que seus conteúdos possam atingir a atenção do maior

número possível de pessoas, a televisão pública como alternativa deveria

mirar na multiplicidade de públicos e dialogar com as demandas

informativas e culturais de cada um deles. Assim, a diversidade aparece

como um dos pilares dessa concepção. (INTERVOZES, 2009, p. 33)

Ao vislumbrar o público, ou seja, a sociedade, enquanto um corpo composto por

vários grupos sociais, a mídia pública deveria, então, abarcar em seu conteúdo a

diversidade e heterogeneidade dos mesmos, de modo a enfocar suas realidades. Realidades,

em sua maioria, excluídas dos circuitos de comunicação comercial. Para Bucci apud

INTERVOZES (2009), as emissoras públicas deveriam “diferenciar-se, recusando-se a

competir no mercado e buscando dar visibilidade às expressões francamente minoritárias

da cultura e do debate público, que não têm aptidão para se tornar “campeãs de audiência”

e não têm vez nas comerciais”.

A valorização cultural como fundamento da TV pública também constitui uma

abordagem bastante aclamada por estudiosos latino-americanos da comunicação, como

Canclini, Orozco, Beltran e Martín-Barbero. A perspectiva culturalista se afasta dos

modelos público-estatais e comerciais e romper com a superficialida destes últimos,

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trazendo à luz o caráter multifacetado dos grupos sociais que compõem a América Latina,

dando voz aos povos do Sul e criando laços de identidade sócio-cultural, que irão

fortalecer a consciência do cidadão inserido no espaço em que conhece e se reconhece.

É cultural a televisão que não se limita à transmissão de cultura produzida

por outros meios, mas a que trabalha na criação cultural a partir de suas

próprias potencialidades expressivas. O que envolve não se limitar a ter

uma faixa de programação com conteúdo cultural, mas sim ter a cultura

como projeto que atravessa qualquer um dos conteúdos e dos gêneros.

(MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 71-72 apud INTERVOZES, 2009)

A despeito das várias conceituações e abordagens da comunicação pública - dentre

elas, as que primam pela comunicação estatal, pela alternativa ao modelo comercial, pela

diversidade cultural, entre outras – buscamos trazer um apanhado geral que nos abalizará a

compreender os princípios sob os quais a criação da TELESUR, nosso objeto empírico,

está fundamentado.

2.7 A TELESUR

Diante de todo o contexto hegemônico comercial vigente no sistema

comunicacional da América Latina, com o intuito de apresentar uma via distinta de

produção de informação, capaz de promover uma integração sócio-cultural na região e ser

um vetor positivo no avanço da democratização da comunicação, o presidente venezuelano

,Hugo Chávez, apresentou o projeto para a criação da TELESUR. Trata-se de uma rede de

televisão multi-estatal, inaugurada em 24 julho de 2005 (não por acaso, data do aniversário

de Símon Bolívar), com o apoio de 6 países: Argentina, Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua

e Venezuela (esta última com maior participação). A TELESUR possui correspondentes

em todo o continente americano, Europa, África e parte da Ásia. É bilíngüe (português e

espanhol) e possui mais de 30 parcerias com emissoras distintas, como a Al-Jazeera, do

Qatar. Ademais, possui um Conselho Consultor, composto por intelectuais latino-

americanos e internacionais prestigiados.

A rede possui convênios com canais brasileiros, como a Tv Paraná Educativa

(canal público-estatal do governo do Paraná), Tv Floripa (da rede de Tv a cabo Net

Florianópolis) e a TV Cidade Livre (canal comunitário de Brasília).Elas transmitem parte

da programação do canal. O objetivo assim é estar conveniado ao máximo de tevês

comunitárias, públicas, universitárias, não só no Brasil, mas por todo o mundo. Para

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receber o sinal gratuito da TELESUR é necessária uma antena parabólica de 2,4m de

diâmetro e um IRD compatível com DVB. No entanto, o sinal é transmitido 24 horas por

dia através da internet.

Com o lema “Nuestro norte es el sur” (Nosso norte é o sul), a TELESUR nasce

como uma iniciativa audiovisual televisiva que se contrapõe às grandes empresas

midiáticas de comunicação. O canal não possui fins comerciais e tem como princípio

transmitir uma programação com conteúdos, além de informativos contextualizados e

balanceados, programas educativos, de debate, de entretenimento, produzidos em diversos

países da América latina, de modo a abarcar um panorama plural na região, retratando as

realidades, os desafios e valorizando as raízes latino-americanas. Além disso, também

estão presentes na programação co-produções e documentários independentes. De acordo

com a própria rede, sua missão consiste em:

a todos los habitantes de esta vasta región, difundir sus propios valores,

divulgar su propia imagen, debatir sus propias ideas y transmitir sus

propios contenidos, libre y quitativamente. Frente al discurso único

sostenido por las grandes corporaciones, que eliberadamente niegan,

coartan o ignoran el derecho a la información, se hace imprescindible

uma alternativa capaz de representar los principios fundamentales de un

auténtico medio de comunicación: veracidad, justicia, respeto y

solidaridad.1

Mediante este ideal, Castillo (s/d) destaca alguns dos meios pelos quais a

TELESUR trabalha para a consecução dos seus objetivos.

Busca además que el espectador tenga Ia oportunidad de tener acceso a

distintas opiniones sobre un mismo tema para que se pueda formar su

propia opinión, ai ofrecer toda esa gama de matices que aparecen en torno

a un tema. Se retoman y renuevan los géneros dei periodismo que parecen

olvidados por Ia televisión globalizada, signada por la inmediatez, como

el reportaje, Ias crónicas, Ia investigación, el análisis, el debate de ideas,

en un proceso de recuperación de Ia memoria de nuestros pueblos, de

recuperación de la pai abra, para dársela también a aquellos que durante

513 anos no han tenido posibilidad de expresarse. (CASTILLO, s/d, p. 5)

Tem-se, desta forma, a tentativa de construção de uma identidade autônoma latino-

americana, que se encontra em oposição à identidade norte-americana. Ao mesmo tempo,

1 http://www.telesurtv.net

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esta oposição se dá entre a TELESUR e os conglomerados midiáticos ou as redes

imperialistas, como seus defensores se referem.

Nesse sentido, mas sob outro ângulo, seguindo o princípio contrastivo

mais elementar dos processos de formação de identidade, a integração

latino-americana desejada pretende representar-se como uma resposta

contrária ao “imperialismo americano”, para que, em um jogo de relações

em que forças são medidas constantemente, as chances de disputa

econômica, política e cultural sejam maiores. (NOGUEIRA, 2009, p. 3)

Antes mesmo da inauguração da TELESUR já se iniciaram medidas por parte do

Congresso estadunidense para inteferir no sinal da rede TELESUR nos Estados Unidos,

sob a alegação de que tratava-se de uma “televisão terrorista”. O deputado republicano do

estado da Flórida, Connie Mack, apresentou projeto de lei com o intuito de criar “imagens

e sons especiais” que irão interferir no sinal transmitido pela TELESUR nos Estados

Unidos. O projeto de lei foi ratificado em Washington tendo como justificativa evitar a

disseminação do “anti-americanismo” (WEISSHEIMER, 2005)2.

Mas resistências surgem a partir da própria região, em especial, do Brasil, que não

aceitou participar como sócio da TELESUR, oferecendo apenas apoio logístico ao canal e,

aparentemente, se esquivando de um maior compromisso (político e financeiro) com a

mesma. Um paradoxo, já que, segundo FAXINA (2009), a principal TV privada brasileira

pôde “montar uma malha de distribuição de sinal que a possibilita estar há tempos nos

mais longínquos grotões do país. (...) Não à toa, passa de 1,5 bilhão o investimento anual

do governo federal, envolvendo a administração direta e indireta, na mídia comercial. O

autor levanta duas possibilidades para a não adesão do Brasil à TELESUR: a primeira diz

respeito á falta de estratégia política do governo brasileiro e a segunda é pelo fato de a

imagem da TELESUR estar relacionada ao governo venezuelano, contexto no qual entraria

em cena a suposta disputa pela liderança latino-americana entre os ex-presidentes Hugo

Chávez e Luiz Inácio “Lula” da Silva.

De todo modo, de acordo com Nogueira (2009), há uma clara tentativa de

afirmação da TELESUR como uma alternativa comunicacional da região, historicamente

2 WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Estados Unidos aprovam medida para interferir no sinal da TV Sul. Adital –

Notícias da América Latina e Caribe. 01/08/2005

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submetida à hegemonia dos conglomerados midiáticos. A autora relaciona esta tentativa

aos princípios estabelecidos pela Unesco, em 1978.

Cabe, ainda, relacionar a análise dos conteúdos com os seguintes

princípios de comportamentos estabelecidos pela Unesco -

baseados nos “quatro Ds” - para a mídia internacional relativos aos

países de “Terceiro Mundo” (CARLSSON apud SALÖ &

TERENIUS 2008): 1) democratização dos fluxos de informações

entre países; 2) descolonização (identidade cultural, independência

e auto-determinação); 3) desmonopolização (restrições das

atividades de companhias de comunicação transnacional); 4)

desenvolvimento (cooperação regional, educação e infraestrutura).

(NOGUEIRA, 2009, p.7)

Desta forma, a abordagem diferenciada dos conteúdos na rede TELESUR aponta

para a busca de um lugar próprio no sistema de comunicação internacional, marcado por

pressões políticas e comerciais. Distante de buscar a neutralidade, a TELESUR se propõe a

propagar enfoques particulares a respeito de temas geralmente excluídos ou abordados de

maneira homogênea pelas grandes cadeias de comunicação. Neste sentido, a pluralidade

encontrada na América Latina - que teria como pressuposto inicial a fragmentação, torna-

se o motor de um projeto que busca fomentar a identidade e a integração. (NOGUEIRA,

2009)

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CAPÍTULO II – PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

3.1 MODO DE ENDEREÇAMENTO

Especialmente vinculado à Screen Theory, o conceito de Modo de Endereçamento

surge na análise fílmica e tem sido, desde os anos 1980, adaptado para interpretação do

modo como os programas televisivos constroem sua relação com os telespectadores, ou

seja, o modo de endereçar deve nos possibilitar compreender quais são os formatos e as

práticas de recepção solicitadas e construídas pelos telejornais. (GOMES, 2007). O Modo

de Endereçamento está relacionado, assim, ao modo como um programa específico tenta

estabelecer uma forma particular de relação com sua audiência (MORLEY; BRUNSDON,

1978 apud GOMES, 2007).

O conceito de modo de endereçamento, quando aplicado aos estudos de

jornalismo, nos leva a tomar como pressuposto que quem quer que

produza uma notícia deverá ter em conta não apenas uma orientação em

relação ao acontecimento, mas também uma orientação em relação ao

receptor. (GOMES, 2007, p.3)

Assim, pensar quem é a audiência define não só esta audiência, mas também o

próprio produto, já que isto interfere nas escolhas envolvidas no processo de construção do

mesmo (ROCHA, s/d). Para Hartley (1982), a televisão lida com necessidades que

competem entre si: a de se dirigir a uma ampla diversidade de audiências e, ao mesmo

tempo, controlá-las de modo que estas sejam atingidas por uma mercadoria cultural

industrialmente produzida. O autor então sugere que a multiplicidade de modos de

endereçamento demonstra o reconhecimento da multiplicidade das audiências.

Longe de buscar fixar apenas uma posição de sujeito, a televisão tem

desenvolvido uma diversidade de modos de endereçamento, de pontos de

vista, de gêneros de programas, de estilos de apresentação. Ela é

caracterizada, em resumo, pelo excesso, tanto de posições que podem ser

facilmente reconhecidas quanto de prazeres que podem ser disciplinados

dentro do que já é familiar, de formas previsíveis. (HARTLEY, 1982, p.

16)

Desta forma, Rocha (s/d) afirma que os produtores devem desenvolver um modo de

endereçamento prático, que expressa não só o conteúdo dos eventos que relatam, mas

também sua orientação em relação ao leitor/espectador. Todavia, esta não pode ser

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“apenas uma velha orientação qualquer, por isto o modo de endereçamento é o ‘tom’ de

um jornal ou de um programa, aquilo que o distingue dos demais que com ele competem e

que nos dirige muito de seu apelo enquanto espectadores e leitores” (ROCHA, s/d, p.15).

Gomes (2011) afirma que, apesar da importância que a televisão assume no Brasil,

o programa televisivo em si, como produto cultural com certas especificidades, ainda é

deixado de lado, em detrimento de abordagens mais gerais. De acordo com a autora, no

caso do telejornalismo, esta realidade tende a se agravar, na medida em que, embora vários

estudos reconheçam a televisão como objeto de interesse científico - e produzam

conhecimento sobre a mesma, em especial sobre seu caráter econômico, histórico e social -

, poucos se debruçam sobre os produtos televisivos, tomados eles mesmos como objetos

empíricos. O que resultaria em uma fragilidade teórico-metodológica “quando se trata de

descrever, analisar, interpretar os modos de funcionamento, as especificidades, as

características do programa televisivo” (GOMES, 2011, p. 17)

Partindo deste pressuposto, Gomes (2011) constrói um método de análise que busca

consolidar a análise e interpretação de programas jornalísticos televisivos a partir da

perspectiva teórico-metodológica dos cultural studies, em associação com os estudos de

linguagem. Segundo a autora, essa abordagem possibilita articular três elementos

fundamentais para a análise do telejornalismo, quais sejam, o jornalismo, a televisão e a

recepção televisiva. Neste sentido, o telejornalismo é tido como uma construção social, ao

passo em que se desenvolve numa formação econômica, social e cultural particular, e

cumpre funções fundamentais nessa formação. A pesquisadora explica:

Do nosso ponto de vista, isso significa acompanhar Raymond Williams

(1997, p. 22), para quem a televisão é, ao mesmo tempo, uma tecnologia

e uma forma cultural, e o jornalismo, uma instituição social. (...) A

concepção de que o jornalismo tem como função institucional tornar a

informação publicamente disponível e de que o faz através das várias

organizações jornalísticas é uma construção: é da ordem da cultura o

jornalismo ter se desenvolvido deste modo em sociedades específicas.

(GOMES, 2011, p. 19).

De acordo com Jesus (2011), a Metodologia de Análise de Telejornalismo nos

permite ter uma noção da forma como os produtos telejornalísticos de cada país se

apropriam dos valores e premissas do jornalismo. O autor assevera:

A Metodologia de Análise de Telejornalismo permite a observação de

programas nacionais e internacionais, uma vez que nos ajuda a perceber

de que maneira cada programa se endereça e dialoga com os valores da

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sociedade onde é constituído, como por exemplo, as suas matrizes

culturais. (JESUS, 2011, p. 3)

Para compreender o Modo de Endereçamento e a Metodologia de Análise de

Telejornalismo, se faz necessário apreender dois conceitos trabalhados por Gomes (2007;

2011), são eles: Estrutura de sentimento e gênero televisivo. Jesus (2011) afirma que o

conceito de Estrutura do sentimento, proposto primeiramente por Raymond Williams, nos

permite estudar sobre os diversos elementos que compõem nosso modo de vida, além dos

hábitos simples do dia a dia, mas nas nossas “formas de conceber a natureza da relação

social”

[...]acreditamos que estrutura de sentimento poderá ser útil à

compreensão à abordagem do jornalismo como instituição social: permite

olhar para o que é socialmente instituído como normas, valores,

convenções do campo e o que é vivido, o que é prática cotidiana e o que

ela contém de características e qualidades que ainda não se cristalizaram

em ideologias e convenções. (GOMES, 2007, p.15-16)

Já o conceito de gênero televisivo, desenvolvido a partir dos trabalhos de Jesús

Martín-Barbero, é entendido como uma categoria cultural, a qual demanda uma análise

macro do contexto sócio-político-econômico para compreender os meios de comunicação.

Nesta perspectiva, o gênero televisivo pode ser entendido como uma estratégia para a

comunicação (JESUS, 2011).

O conceito de gênero televisivo permite compreender as regularidades e

as especificidades em produtos que se configuram historicamente – ele

permite dizer tanto do jornalismo como ideologia, valores, normas quanto

das formas culturais historicamente dadas e, sobretudo, vincular nosso

objeto de análise ao processo comunicacional – gênero televisivo é uma

estratégia de comunicabilidade. (GOMES, 2011, p. 18)

Neste sentido, a autora coaduna com a afirmação de Martín-Barbero (1995) quando este

afirma:

Colocar a atenção nos gêneros televisivos implicar reconhecer que o

receptor orienta sua interação com o programa e com o meio de

comunicação de acordo com as expectativas geradas pelo próprio

reconhecimento do gênero. O gênero não é algo que passa ao texto, mas

algo que passa pelo texto. (...) O gênero é uma estratégia de comunicação,

ligada profundamente aos vários universos culturais. (...) O gênero não é

só uma estratégia de produção, de escritura, é tanto ou mais uma

estratégia de leitura. (MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 64)

Assim, a articulação entre estrutura de sentimento, gênero televisivo e modo de

endereçamento para a construção de uma metodologia de análise do telejornalismo,

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segundo Gomes (2011, p.36-37), pode se mostrar uma boa base conceitual e metodológica

para análise e crítica do telejornalismo, porque nos permite considerar o telejornalismo, a

um só tempo, como uma instituição social e uma forma cultural e, deste modo, “proceder a

uma análise que faculte a consideração de um produto midiático a partir da sua vinculação

com a história e com o contexto, sem abrir mão da análise concreta dos programas”.

3.2 OS OPERADORES DE ANÁLISE DOS MODOS DE ENDEREÇAMENTO

A análise dos programas jornalísticos televisivos deve considerar os elementos que

compõem os dispositivos propriamente semióticos da TV – filmagem, edição, montagem,

som – e os elementos verbais. O conjunto desses recursos, além de credibilidade, dão

agilidade e corroboram na construção da identidade dos programas e das emissoras,

enquanto a análise do texto verbal deve revelar as estratégias dos mediadores para

construir as notícias e interpelar a audiência. A descrição dos elementos semióticos,

contudo, torna-se insuficiente quando se trata de analisar a configuração do modo de

endereçamento. Coloca-se então a necessidade de construção de operadores de análise que

favoreçam a articulação dos elementos semióticos aos elementos discursivos, sociais,

ideológicos, culturais e comunicacionais em si (GOMES, 2011).

Ressaltamos, no entanto, que não se trata de categorias de análise, na

medida mesmo em que não são excludentes e não são exaustivos, e nem

se organizam a partir de quaisquer regras externas ao programa

telejornalístico objeto de análise. (...) Os operadores se articulam entre si,

não devem ser observados nem interpretados isoladamente. Ao mesmo

tempo, é importante tomar em conta que o objetivo de análise não deve

ser descrever ou interpretar cada um dos operadores isoladamente, mas,

através dos operadores, acessar o modo de endereçamento de um

programa específico: os operadores são os “lugares” para onde o analista

deve olhar, não o fim último do esforço analítico. (GOMES, 2011, p. 38)

São quatro os operadores de análise abarcados pela pesquisadora Gomes

(2007;2011): o Mediador, o Contexto comunicativo, o Pacto sobre o papel do jornalismo e

a Organização temática.

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3.2.1 O Mediador

O Mediador diz respeito ao vínculo que os mediadores – apresentadores, repórteres,

comentaristas, etc. – estabelecem com a audiência, estabelecendo um papel de

credibilidade que legitima o seu discurso.

Sem dúvida, em qualquer formato de programa jornalístico na televisão,

o apresentador é a figura central, aquele que representa a “cara” do

programa e que constrói a ligação entre o telespectador, os outros

jornalistas que fazem o programa e as fontes. (GOMES, 2007, p. 24)

Gomes (2011) ressalta que a performance dos mediadores é um aspecto

fundamental para se entender os modos de endereçamento dos programas telejornalísticos.

A atuação performática, segundo a autora, se torna mais evidente em programas policiais

ou de entrevistas, mas não deixa de estar presente nos mais discretos telejornais, como é o

caso do “Telesur Notícias”, no qual os âncoras buscam anular a gestualidade e transmitir

neutralidade nas expressões.

O mediador é o responsável pela predominância do verbal na televisão, por isso, se

faz relevante adotar as estratégias narrativas e argumentativas desenvolvidas, considerando

os recursos retóricos e persuasivos empregados, como instrumento para observação do

texto verbal dos mediadores. (GOMES, 2011)

3.2.2 O contexto comunicativo

Sob a égide de que a comunicação está circunscrita em um ambiente físico, social e

mental partilhado, o contexto comunicativo envolve as circunstâncias de espaço e tempo

em que o processo comunicativo se dá (JESUS, 2011). E compreende, além disso, tanto

emissor quanto receptor.

Isso pode ser melhor explicado pelo recurso à noção de instruções de uso

de um texto, ou seja, aqueles princípios reguladores da comunicação –os

modos como os emissores se apresentam, como representam seus

receptores e como situam uns e outros em uma situação comunicativa

concreta. (GOMES, 2011, p.24)

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Neste sentido Gomes (2011) traz como referência o fato de que todo programa

televisivo jornalístico apresenta definições dos seus participantes, dos objetivos e dos

modos de comunicar explicitamente (“Agilidade, dinamismo e credibilidade é o que

queremos trazer para você, amigo telespectador”, “esse é o seu jornal, comprometido com

você”) ou implicitamente, por meio de escolhas técnicas, como luz, cenários e mesmo a

postura do apresentador.

No caso do “Telesur Notícias”, a construção de toda linguagem televisiva segue a

linha editorial que diz respeito a um olhar diferenciado para o mundo e para a América

Latina. Nesta perspectiva, o discurso de contra-linguagem e anti-imperialismo como

instrumentos de emancipação e de fortalecimento da identidade regional são

predominantes. “A voz que vem do Sul”, “Nosso Norte é o Sul” remetem o telespectador

no sentido da auto-determinação latino-americana, face á hegemonia estadunidense e

européia na região.

3.2.3 O pacto sobre o papel do jornalismo

O pacto sobre o papel do jornalismo se insere na relação entre a audiência e o

programa, sublinhada por um pacto sobre o papel do jornalismo na sociedade. A partir

desse pacto, assevera Jesus (2011), é que os telespectadores saberão o que esperar do

programa e poderemos observar de que maneira o produto televisivo atualiza as premissas,

normas e convenções que constituem o jornalismo enquanto instituição social.

[...]em outras palavras, como lida com as noções de objetividade,

imparcialidade, factualidade, interesse público, responsabilidade social,

liberdade de expressão e de opinião, atualidade, quarto poder, como lida

com as ideias de verdade, pertinência e relevância da notícia, com quais

valores-notícia de referência opera. (GOMES, 2011, p. 39)

Os recursos técnicos a serviço do jornalismo (as tecnologias de imagem e som

utilizadas, a forma como exibem o trabalho para o telespectador da produção da notícia),

os formatos de apresentação da notícia e a relação com as fontes de informação são

aspectos que dizem respeito às escolhas jornalísticas, as quais têm por objetivo construir

sua credibilidade junto ao telespectador, legitimando seu discurso. Gomes (2011) cita

como maior exemplo do modo como os programas buscam reconhecimento da

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autenticidade da sua cobertura as transmissões ao vivo. A exibição das redações como

pano de fundo para a bancada dos apresentadores nos telejornais também exemplifica uma

dessas estratégias de construção de credibilidade e de aproximação do telespectador.

Observando a partir do Pacto sobre o papel do jornalismo no “Telesur Notícias”, é

possível vislumbrar a exploração dos recursos técnicos do telejornalismo. O telejornal se

utiliza freqüentemente de passagens ao vivo, com a participação de seus correspondentes

internacionais e cobertura de fatos atuais e com edição rápida (25 a 30 minutos em média).

Os recursos utilizados, portanto, corroboram com os das grandes redes de TV, com notícias

24 horas, como a BBC e a CNN.

3.2.4 Organização temática

A arquitetura dessa organização demanda, por parte do programa, a aposta em

certos interesses e competências do telespectador. No caso dos telejornais, a organização

temática exige maior atenção, na medida em que muitas vezes ela só pode ser apreendida

quando analisados o modo específico de organizar e apresentar as diversas editorias

(JESUS, 2011).

Já no caso dos programas temáticos – esportivos, culturais, ecológicos, etc. -, se faz

evidente que a temática é o operador de maior importância para a análise do modo de

endereçamento, portanto, cabe analisar como esta é abordada e como dialoga com os

outros operadores de análise (GOMES, 2011).

Quanto ao “Telesur Notícias”, a proposta de ser um telejornal voltado para o olhar

latino-americano está presente no discurso, no enquadramento das notícias e na

organização temática, ao passo em que a maior parte das notícias veiculadas abordam

temáticas e eventos concernentes à América Latina.

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CAPÍTULO III – ANÁLISE DO TELESUR NOTÍCIAS NA GRADE

DE PROGRAMAÇÃO DA TELESUR

Primeira emissora pública multi-estatal da América Latina, a TELESUR já nasce

sob um caráter diferenciado. Buscando romper com o padrão midiático de lógica mercantil

consolidado na América Latina, a TELESUR intenta constituir-se como instrumento em

favor da democratização da comunicação – do acesso e da produção – em um contexto de

fortalecimento da identidade latino-americana, com o objetivo explícito de corroborar com

um processo de integração regional que vá além dos processos formais - como os políticos

e econômicos já em andamento, e abarque transformações efetivas no seio das

comunidades, ou seja, contribuindo para a integração sócio-cultural da região.

Diante da evidência destes objetivos, a TELESUR quer ensejar uma contra-

linguagem, mediante um discurso que transponha os limites dos interesses mercadológicos

que se interpõem entre a informação e a audiência. Neste sentido, pretende abalizar um

discurso que se distancia dos meios de comunicação tradicionais para promover uma

perspectiva não mais importada, “enlatada” sob um modelo pronto e traduzida pela ótica

hegemônica, mas por um ponto de vista próprio, dando voz aos povos do Sul. Kozloff

(2007) relata entrevista de Aram Aharonian, jornalista criador do projeto TELESUR e

então Diretor da emissora:

Este é o sonho de muitas pessoas”, diz Aharonian. A mídia dos Estados

Unidos, ele diz, provê um visão superficial da América Latina e foca

somente em desastres. “Por que nós temos que continuar vendo a nós

mesmos através dos olhos de outros?”ele pergunta. “A razão de a Telesur

existir”, fala Aharonian, “é pela necessidade de se ver a América Latina

através dos olhos latino-americanos”. Está em tempo, ele acredita, de

travar uma “batalha ideológica. (KOZLOFF,2007, p.125, 2007).

De acordo com Gentilli e Rocha (2008), a TELESUR defende uma postura política

consciente e, desde sua origem, propõe a comunicação (e a democratização desta)

enquanto instrumento de disputa e contraposição política em relação à dominação

estrangeira na América Latina (que teve o colonialismo europeu substituído pelo

imperialismo estadunidense). “Em nenhum momento desse texto, a Telesul se apresenta

como um veículo imparcial. (...) Em lugar do discurso da imparcialidade, assume

claramente a postura de buscar dar voz ao discurso de integração dos povos” (GENTILLI;

ROCHA, 2008, p.58). Desta forma, é possível vislumbrar que há uma compreensão por

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parte de seus criadores e mantenedores de que, ao invés de utilizar-se da prática (ou

melhor, do discurso) de imparcialidade no jornalismo, o projeto político no qual está

inserido deve preocupar-se, sobretudo, com o reforço á união estendida às nações latino-

americanas.

Para assegurar a consecução dos seus objetivos, a TELESUR toma por

diferenciação a sua programação, baseada na premissa de ser um canal de comunicação a

serviço do pluralismo da América Latina. Ou seja, respaldados pelo desejo de dar voz aos

atores que sempre foram excluídos da mídia internacional ou retratados de maneira parcial

e desfavorável sob vários aspectos (NOGUEIRA, 2009).

A intenção na abordagem dos diversos conteúdos na rede parece passar

pela possibilidade de construção de um lugar de veiculação de discursos

geralmente excluídos, no sistema internacional hierarquizado, que seja

simétrico aos espaços de poder ocupados pelas grandes cadeias de

comunicação e de agentes que delas se utilizam para fazerem valer seus

discursos. É justamente nesse nível – o do lugar de onde se fala, no caso,

do “Sul” – que aquilo (a diversidade regional) que em princípio serviria à

fragmentação entra como componente principal do que reúne a todos: a

“identidade latino-americana. (NOGUEIRA, 2009, p.7)

Conforme está expresso no site da TELESUR, através de sua programação, seus

objetivos são informar (“porque la información es un derecho inalienable”), formar

(“porque la educación es um deber inexcusable”) e recrear (“porque el entretenimiento es

un patrimonio común de los latinoamericanos”).

O canal possui uma rede de colaboradores em vários países, formada por

produtores independentes e representantes de organizações sociais, canais nacionais,

regionais, universitários e comunitários provenientes de diversos países, com o auxílio das

quais é possível produzir e veicular conteúdos que possibilitam a manifestação dos povos

latino-americanos.

Ao propor como missão o estímulo à produção de conteúdos locais no

objetivo de fomentar o reconhecimento do imaginário latino-americano,

fica claro a compreensão do papel da televisão como um veículo

contemporâneo de socialização, de importância fundamental no

reconhecimento da identidade cultural. (...) A Telesul se diferenciadas

redes privadas do continente que ao tratar de assuntos da região que, em

seu jornalismo, usam conteúdos comprados de agências de notícias

estadunidenses ou européias. Pode-se compreender também como

compromisso da rede fomentar a criação local que libere a América

Latina à difusão de uma estética e simbologia próprias. (GENTILLI;

ROCHA, 2008, p.56)

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Mediante a proposta da TELESUR em investir no discurso plural em relação à

América Latina, rompendo com o fluxo de informação imperialista, Salö; Terenius (2008)

apud Nogueira (2009) realizaram uma pesquisa, com base na análise da grade de

programação e conteúdo de internet da TELESUR durante o período de 10 a 16 de

dezembro de 2007 e, ao todo, foram analisados 130 programas. Para os autores, se a rede

segue, por um lado, as tendências de mídias mais tradicionais no que se refere às notícias

veiculadas (pauta predominante sobre política e esportes, com exceção da pouca atenção

dada ao tema economia), por outro, cumpre com o propósito de romper com a dependência

de material estrangeiro e dos “fluxos informativos unidirecionais”.

A pesquisa chegou às seguintes conclusões:

1) em relação aos gêneros de programas a Telesur cumpre

claramente com seu caráter educativo (e não veicula nem soap

opera nem telenovela);

2) quanto à representação geográfica dos programas produzidos, a

Telesur (Venezuela) realizou 168 programas; a Argentina 21;

Colômbia 12; Uruguai 12; México 6; Cuba 6; Equador 2; Chile 1;

Europa 1; Brasil 1. A principal produtora de material veiculado é,

portanto, a própria Telesur;

3) quanto ao conteúdo dos segmentos de notícias, política

doméstica foi o tema mais apresentado, seguido por esporte,

política internacional, outros, tragédias/desastres,

militarismo/guerrilha/terrorismo, crime/legal, cultura, meio-

ambiente;

4) quanto aos conteúdos, do ponto de vista regional, 52% são sobre

a América Latina, sendo que destes, 63% provêm da Telesur.

Quanto às notícias internacionais, a Telesur produz apenas 23%

delas, utilizando-se da produção das agências internacionais APTN

(46%), Reuters (22%), Al-Jazeera (7%) e VTV (2%). (SALÖ &

TERENIUS, 2008 apud NOGUEIRA, 2009, p. 6)

A TELESUR conta em sua grade de programação com 23 programas, entre

noticiários, programas culturais, de entrevistas, entretenimento, esportes e economia,

ademais, há ainda a exibição de filmes e documentários produzidos localmente. Os

informes publicitários se dividem em chamadas da programação, spots publicitários de

empresas estatais e pequenos programas educativos.

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Para exemplificar a preocupação da emissora em veicular conteúdos que sublinhem

o contexto latino-americano e suas particularidades, podemos citar o programa Realidades,

transmitido todas as quintas-feiras, o qual aborda exclusivamente acontecimentos

regionais. A sinopse do programa apresentado no site da rede diz:

América Latina vista desde las experiencias individuales y colectivas de

sus verdaderos protagonistas. Más allá de los titulares y las informaciones

de último momento. Realidades, aborda el acontecer social, cultural,

político y económico de nuestra región, con el compromiso de elevar la

voz de los olvidados por la historia. (www.telesurtv.net, 2013).

Figura 1. Banner de apresentação do programa Realidades.

Para Faxina (2009), a cobertura da primeira libertação de reféns pelas FARC

(Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), no início de 2008, já havia introduzido a

TELESUR, até então com dois anos de atividades, no sistema informativo mundial.

Segundo o autor, as imagens cruzaram o mundo com um tom próprio e postura diversa da

que se costumava ver até então em um grande veículo de comunicação. Elson Faxina

(2009) também se refere à cobertura do golpe de Estado em Honduras, em 2009, como

responsável por consolidar a TELESUR na história da informação na América Latina.

Foi uma cobertura singular, de uma TV que assume a postura de não se

esconder no hipócrita e lúgubre escudo da imparcialidade. Havia uma

equipe da TELESUR no avião do presidente deposto, Manuel Zelaya, que

não pôde pousar devido à violência dos golpistas, afirma Beto Almeida,

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diretor da TELESUR no Brasil. “E essa é uma das páginas da história da

América Latina que a TELESUR está ajudando a escrever, com o risco

que seus profissionais correm. Onde estava a CNN? Na casa de Roberto

Micheletti? Onde estavam a Globo a até mesmo a TV Brasil? Dizendo

que Zelaya não foi vítima de golpe, que ele é que queria eternizar-se no

poder”, ressalta o jornalista brasileiro. (FAXINA, 2009, p.32)

A maior parte da grade da TELESUR é voltada para a informação, pela qual estão

responsáveis quatro noticiários principais: Edición Central, El mundo hoy, Conexión

Global e Telesur Notícias.

Mendes (2009) afirma que o telejornalismo da TELESUR possui um diferencial

importante, mesmo em relação aos grandes veículos que possuem repórteres espalhados

pela região, como a CNN em espanhol, qual seja, a diversidade linguística. A TELESUR

refuta a padronização promovida por redes como a CNN, na busca de uma linguagem

neutra, na medida em que permite à manifestação dos diferentes sotaques atribuídos a

língua espanhola na região – e as transmissões em português contam com legendas em

espanhol. A utilização desinibida dos sotaques de âncoras, repórteres e apresentadores

parece ter por intuito que o público os identifique, enquanto portadores do discurso

jornalístico, representando cada um dos povos que compõem o continente.

4.1 O TELESUR NOTÍCIAS

Transmitido todos os dias, durante a semana (13 edições por dia) e finais de semana

(14 edições por dia), com duração de 25 a 30 minutos, o TELESUR Notícias é o principal

telejornal da emissora. O site da TELESUR o descreve da seguinte maneira:

Noticias al momento desde los diversos escenarios de América Latina y

el resto del mundo, integrados en una sola voz informativa. Con las

corresponsalías y colaboradores especializados, extendidos a lo largo y

ancho del continente. teleSUR Noticias, emite minuto a minuto una

perspectiva global de los procesos que inciden en la historia de los

pueblos de América Latina. (www.telesurtv.net,2013)

O TELESUR Notícias é dividido em três blocos. Geralmente, no primeiro estão as

notícias da região. Em seguida, o segundo bloco vem com as notícias internacionais, cujas

reportagens são precedidas por uma vinheta “Vuelta al mundo”. Quando as notícias

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regionais não aparecem já no primeiro bloco, também podem ser inseridas neste segundo

com a vinheta “Vista al Sur”. O terceiro e último bloco, por sua vez, é pautado geralmente

por notícias mais descontraídas, relacionadas a esportes e cultura. Esta ordem pode se

inverter, dependendo da importância dada às notícias do dia. Na última semana de agosto

de 2013, por exemplo, o primeiro bloco da maioria dos programas foi ocupado pelas

notícias internacionais relacionadas à Síria e a iminência de uma invasão estrangeira

(estadunidense, em especial) em seu território. Tamanha foi a relevância atribuída a esta

temática que a rede TELESUR a incorporou em vários programas de sua grade, veiculando

ainda spots publicitários com uma vinheta específica, criada sobre uma série de

reportagens especiais sobre o tema, denominada “Ataque a Siria”.

Apresentado por um âncora em cada edição, o TELESUR Notícias conta com

vários aspectos visuais que nos remetem ao padrão dos meios de comunicação

convencionais. O enquadramento do apresentador geralmente está sempre em plano médio,

mesmo quando há mudança de câmeras. O âncora é o mediador entre o veículo e a

audiência, e o principal responsável pela transmissão do texto verbal do telejornal, por isso,

sua performance é um dos mais fortes indícios de qual o modo de endereçamento proposto

pelo veículo. No TELESUR Notícias, a postura do mediador é rígida e suas expressões

pouco mudam, caracterizando o âncora como “ponto de passagem”, como mero

transmissor da informação, solidificando, portanto, uma postura neutra diante da notícia.

Ele se encaixa, então, no modelo de apresentador ventríquolo descrito por Eliseo Verón:

O corpo do apresentador está ali, o eixo Y-Y também, porém a dimensão

do contato se vê reduzida ao olhar. A gestualidade está anulada, a postura

do corpo é relativamente rígida (com muita freqüência não se vêem as

mãos do apresentador), a expressão do rosto parece fixada em uma

espécie de ‘grau zero’. A palavra está desprovida de todo operador de

modalização: o texto dito (ou lido) é absolutamente descritivo (’factual’,

como se diz). O espaço que rodeia o apresentador fica também reduzido

ao mínimo. Assim, o condutor é um suporte neutro, um ponto de

passagem do discurso informativo que, em certo modo, fala por sua boca.

(VÉRON, 1983, pg.111)

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Figura 2. Âncora do TELESUR Notícias.

O contexto comunicativo sobre o qual Gomes (2011) trata se refere ao ambiente, ao

contexto no qual o programa televisivo está inserido, expresso hora de forma explícita

através, por exemplo, da forma como o apresentador se dirige ao telespectador e se refere

ao próprio programa, hora de maneira implícita, sublinhada pelas escolhas técnicas, como

a escolha do cenário. O âncora da edição TELESUR Notícias se dirige ao telespectador

apenas em dois momentos do telejornal: No início do programa, cumprimenta o

telespectador, ratificando sempre o ideal do telejornal como frases do tipo: “como siempre,

estamos unidos para mostrar nuestra voz desde el sur”. Ao final dos blocos, o apresentador

também se dirige ao telespectador, quando o convida a acessar hora o site da TELESUR,

hora o twitter da emissora e mesmo o twitter pessoal do apresentador. Neste momento, o

apresentador se refere ao telespectador como “amigo”, afirma ser “sempre um prazer servi-

los” e o convida: “sigue com nosotros”.

Retomando os caracteres de meios de comunicação tradicionais, é possível perceber

que o cenário também não se distingue dos mesmos. O apresentador fica disposto no vídeo

em uma bancada, com um computador em sua frente. Nos monitores situados atrás do

âncora, as clássicas imagens do globo (que representam o alcance da produção jornalística)

não são apresentados sob sua configuração tradicional (eurocêntrica), mas tem o continente

americano como centro e destaque. A América Latina está evidenciada em quaisquer

imagens do globo que aparecem ao longo do telejornal, seja em vinhetas ou gráficos de

passagens de bloco.

Em algumas edições do dia, todo o telejornal é apresentado em linguagem de sinais

(libras). Desta forma, o lado esquerdo do vídeo conta com as imagens do programa,

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enquanto em seu lado direito está a tradutora, em plano americano (Ver Figura 2). Tanto a

tradução em linguagem de sinais, como a disposição da tradutora no vídeo (ocupando

quase metade do mesmo) reforçam a busca pela integração e democratização da

comunicação, expressa pelo investimento na acessibilidade da informação.

Figura 3. Apresentação do Telesur Notícias.

Figura 4. Vinheta de abertura do TELESUR Notícias.

O cenário, importante recurso televisivo em que se produzirá o contexto

comunicativo entre veículo e audiência, também não inova em relação às emissoras

comerciais, já que mantêm um aspecto híbrido, a partir de uma escolha cromática neutra,

que não desvia a atenção do telespectador para aspectos externos à notícia.

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Os aspectos visuais e os recursos de som e imagem sinalizam uma qualidade que

não se distingue das grandes redes de televisão. Os recursos técnicos a serviço do

TELESUR Notícias nos remetem ao pacto sobre o papel do jornalismo, levado a cabo pelo

veículo para construção de sua credibilidade a partir da afirmação de valores como

objetividade, responsabilidade social, etc. O investimento da qualidade técnica do produto

jornalístico, segundo GOMES (2007) engendra a atribuição de valores considerados

positivos e vitais para o telejornalismo, como a credibilidade e a autenticidade da notícia.

Os recursos técnicos a serviço do jornalismo, ou seja, o modo

como as emissoras lidam com as tecnologias de imagem e som colocadas

a serviço do jornalismo, o modo como exibem para o telespectador o

trabalho necessário para fazer a notícia são fortes componentes da

credibilidade do programa e também da emissora e importante dispositivo

de atribuição de autenticidade. (GOMES, 2007, p. 26).

Por possuir um tempo curto de exibição, o TELESUR Notícias veicula a maioria

das notícias como notas cobertas, ou seja, notas cuja cabeça é lida pelo apresentador e o

texto seguinte é coberto com imagens. De maneira semelhante às principais redes de

notícias 24 horas, são exibidas durante todo o telejornal informações curtas, que correm em

uma barra azul clara na base inferior da tela. Acima desta barra também são exibidas

pequenas frases que resumem a notícia exibida. O telejornal incorpora, ademais, recursos

técnicos do telejornalismo, como a passagem ao vivo (Ver figura 5), a edição rápida e a

cobertura de fatos atuais.

Figura 5. Correspondente da TELESUR na Síria.

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Na maioria das pautas políticas, utiliza-se no TELESUR Notícias as vozes oficiais,

ou seja, é dedicado um espaço considerável a fala de presidentes e representantes oficiais

de países e organizações (ver figura 6). Concomitantemente, dá-se, contudo, à fala de

movimentos sociais um espaço de tempo maior do que em relação às TV’s comerciais.

Figura 6. TELESUR Notícias transmite trechos da entrevista de Porta-voz da ONU

A proposta do TELESUR Notícias em ser um telejornal voltado para a América

Latina, partindo dela e em sua própria direção, está presente no discurso, no

enquadramento da notícia e em sua organização temática. Embora os assuntos

internacionais ocupem espaço relevante, as notícias da América Latina não passam

despercebidas no espelho do telejornal. Na última semana de agosto (25 a 31 de agosto de

2013), por exemplo, as principais matérias noticiaram os acontecimentos internacionais,

como a crise na Síria, o estado de saúde de Mandela, ex-presidente da África do Sul, mas

foram abordados também acontecimentos na Venezuela, Guiana, Brasil, Colômbia,

México. Dentre as notícias, poderíamos destacar as notícias veiculadas sobre

manifestações populares, como a Marcha das Mulheres, no Brasil e uma manifestação

contra a reforma energética no México.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história da América Latina está circunscrita por uma história de emancipação, de

tentativa de desvencilhar-se de todas as formas de dominação impetradas pelos países

hegemônicos no cenário internacional. No século XX, a comunicação foi o grande

instrumento utilizado por estas nações para penetrar no hemisfério sul do continente

americano, estabelecendo um padrão comercial e globalizado, e ao mesmo tempo re-

significando discursos, símbolos e valores.

As grandes redes de comunicação, em especial estadunidenses, encontraram na

América Latina um terreno no qual poderiam conseguir muito lucro e portas abertas, já que

a maioria dos governos latino-americanos recebeu estas empresas de braços abertos,

oferecendo a estrutura, recursos técnicos, isenção tributária e tantas outras benesses que

fizeram com que estas grandes redes se firmassem de forma efetiva no interior dos países,

se desdobrassem em várias emissoras (com nomes diferentes, mas proprietários, padrões e

objetivos idênticos), se transformassem em impérios do sistema capitalista global e, desta

forma, ocupassem uma posição de destaque nos sistemas de poder político destes países.

Este cenário passou a incitar debates em torno da democratização da comunicação

na América Latina e da ruptura com a interferência midiática na condução dos destinos

políticos dos países. Os marcos regulatórios se tornaram ainda mais relevantes, ao passo

em que os meios de comunicação de massa, como rádio e televisão, se transformaram no

principal espaço público de circulação de idéias e valores na sociedade.

Investir em canais de comunicação paralelos aos do sistema de mercados passou a

se constituir o meio pelo qual as comunidades latino-americanas podem romper com um

circuito importado de informações, que reproduz modelos prontos e engessa os debates

públicos. O investimento nas TV’s e rádios públicas e comunitárias é um dos aspectos que

pode contribuir, desta forma, para a democratização – da produção e acesso - da

comunicação e, no caso específico da América Latina, fomentar uma ruptura com os

discursos dominantes e uma valorização do pensar crítico (para além dos discursos

uníssonos veiculados por estes meios) e de um “lugar de fala” próprio.

São estes os objetivos que norteiam a existência da TELESUR. Travar uma

“batalha ideológica”, promover uma contra-linguagem, dar voz aos povos do Sul e exaltar

sua riqueza e diversidade, moldando assim uma identidade latino-americana integrada,

contudo, jamais homogênea. Na perspectiva daqueles que propuseram a TELESUR, não só

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as similitudes, mas também as diferenças devem ser, no mínimo, consideradas, na medida

em que são parte essencial da realidade latino-americana. A busca pelo fortalecimento

desta identidade leva a TELESUR a reforçar a união entre as nações do Sul, estabelecendo

não só um contra-ponto político-ideológico com o “Imperialismo”, mas abalizando o

desenvolvimento social, cultural, político, econômico, não de um país, mas de toda a

América no hemisfério Sul.

Alguns desafios se interpõem, não resta dúvida. Sustentar-se como um projeto que,

apesar de financiado pelos próprios países, seja dissociado de governos é um deles. Ou

seja, é importante que esta não esteja limitada pela política governamental de um ou outro

país, já que deixar de estar sujeita às garras da publicidade e de empresas privadas para

submeter-se às mãos de governos e entidades públicas a tornaria obsoleta de imediato. É

evidente que não há como requerer uma postura neutra, isenta. O jornalismo não se pauta

por neutralidade, seu compromisso não é com a notícia, mas com o cidadão. E é para o

cidadão latino que a TELESUR volta seus olhos e ouvidos. A imparcialidade não é mais

importante que a parcialidade, nem mesmo a objetividade mais importante que a

subjetividade. O compromisso e a ideologia da TELESUR está na independência, na

autonomia do pensar e do criticar.

A análise do telejornal TELESUR Notícias fez-se relevante para compreendermos

de que modo os objetivos da emissora são operacionalizados na sua grade de programação,

em especial, em seu mais importante telejornal. O TELESUR Notícias deve ser analisado

de maneira contextualizada, a partir dos vários elementos que o compõem, vislumbrados

neste trabalho a partir da Metodologia de Análise de Telejornalismo da pesquisadora

baiana Itânia Gomes, a qual afirma que considerar o telejornalismo na perspectiva dos

estudos culturais “deve implicar articular suas dimensões técnica, social e cultural”

(GOMES, 2007, p.4).

Foi possível perceber que há um esforço da emissora no sentido de levar à

audiência notícias diversificadas e contextualizadas relacionadas a América Latina e ainda

notícias internacionais veiculadas sob uma perspectiva própria e, ao mesmo tempo, contra-

hegemônica. Articulado ao discurso de autonomia, integração dos povos, anti-

imperialismo, está o modo de endereçamento do telejornal, sublinhado por elementos

textuais e não-textuais que corroboram com os objetivos da TELESUR e reproduzem os

recursos do telejornalismo para garantir sua autenticidade e credibilidade frente a

audiência. O investimento nos recursos de imagem e som do produto jornalístico, por

exemplo, revelam o cuidado da TELESUR neste sentido.

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Desta forma, assim como os países latino-americanos desenvolveram uma política

integracionista consolidada nos setores político e econômico, também é possível fortalecer

o setor sociocultural e de comunicação. Essa integração, todavia, só se consolida mediante

o fortalecimento da comunicação através de paradigmas democráticos que exaltem o valor

do ser latino-americano, cuja identidade é fortalecida por sua diversidade. Para que isso

seja possível, é imperativo que cada Estado estabeleça, além dos marcos regulatórios -

como o comprometimentos com os processos de concessões de rádio e TV e os

mecanismos de controle social da comunicação -, as condições necessárias para a

instalação de televisões e rádios públicas, regionais, comunitárias, etc. A TELESUR hoje é

o mais forte investimento neste quesito e o modelo mais próximo do ideal: programação

diversificada, incentivo às produções que dão vozes às minorias oprimidas, conteúdos

contextualizados, programação enfatizada na cultura regional, etc. Sua relevância é

irrefutável, mas certamente ainda há muito que avançar para ao menos competir com os

domínios da rede privada.

Muitos são os desafios comuns e as semelhanças na construção histórica das

sociedades latino-americanas. Mas o acesso à informação, o contato com a sua história, a

valorização de sua cultura, o fortalecimento do pensar crítico, tudo isso corrobora para que

novos cidadãos sejam formados, seja em comunidades de pequenos municípios ou na

América Latina como um todo. Neste sentido, a TELESUR tem o potencial de colaborar

não só com a democratização da comunicação na América Latina, mas atuar também no

sentido de fortalecer a democracia em todos os seus aspectos. Com o objetivo de

possibilitar que os latino-americanos tenham a autonomia de analisar o mundo e o seu

mundo segundo um olhar que ele identifica como próprio e ainda de promover a

identificação e união dos povos do SUL, a TELESUR pode chegar mais longe. Para isso, é

preciso romper com os bloqueios das grandes redes de comunicação e galgar um maior

apoio de mais governos na região. Não se trata de uma tarefa fácil, contudo, os primeiros -

e mais árduos - passos já foram dados.

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