universidade federal da grande...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM GEOGRAFIA
A PAISAGEM PANTANEIRA PELA ÓTICA DO CINEMA
BRASILEIRO
Dourados
2010
ALEXANDRE ALDO NEVES
A PAISAGEM PANTANEIRA PELA ÓTICA DO CINEMA
BRASILEIRO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal da Grande Dourados –
UFGD, para obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Cláudio Benito Oliveira
Ferraz.
Dourados - 2010
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD
302.22
N513p
Neves, Alexandre Aldo
A paisagem pantaneira pela ótica do cinema brasileiro. /
Alexandre Aldo Neves. – Dourados, MS: UFGD, 2010.
137f.
Orientador: Prof. Dr. Cláudio Benito Oliveira Ferraz
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade
Federal da Grande Dourados.
1. Identidade social – Brasil – Cinema nacional. 2.
Análise do discurso narrativo. 3. Cinema brasileiro – Análise
e interpretação. 4. Pantanal de sangue, 1971 (Filme). 5.
Desejo selvagem: massacre no Pantanal, 1979 (Filme). I.
Título.
4
CLÁUDIO BENITO OLIVEIRA FERRAZ
A PAISAGEM PANTANEIRA
PELA ÓTICA DO CINEMA BRASILEIRO
COMISSÃO JULGADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
Presidente e orientador______________________________________________________
2º Examinador_____________________________________________________________
3º Examinador_____________________________________________________________
Dourados, ______ de ______________ de ____.
5
RESUMO
Guardada as devidas proporções e tomando consciência dos limites existentes, o cinema
contribui na definição dos sujeitos sociais e de seus papéis na sociedade e de sua ação
histórica. Nesse processo de construção coletiva do indivíduo, o filme pode ser interpretado
e encarado como uma experiência crítica, como um momento concreto-particular de
reflexão, discussão e debate, que propicia o acesso a outras e novas informações no processo
de totalização e coletivização desse sujeito em curso. Desta forma, destacou-se para a
Geografia a necessidade de melhor compreender o papel da imagem na configuração e
leitura das relações sócio-espaciais estabelecidas. A Ciência Geográfica é uma área do
conhecimento científico que potencialmente pode fazer uso de outras linguagens que não se
restrinjam ao universo da palavra, ou seja, é um saber também herdeiro do universo das
linguagens pautadas em imagens, como o estudo das paisagens o comprova. Acreditamos
que o conhecimento do mundo a partir do estudo da Paisagem, necessariamente, precisa
intensificar os diálogos entre as diversas esferas do conhecimento, promovendo a interação
entre a lógica verbal (palavra) com a não-verbal (imagens) como forma de enriquecer suas
análises. O uso das palavras e dos conceitos geográficos serve para dar sentido paisagístico
às imagens então observadas, visando ir além delas, estabelecendo sentido lógico de leitura e
entendimento das imagens enquanto paisagens que expressam a ordem espacial do mundo.
Na tentativa de aproximação da pesquisa com a existência humana e sua cotidianidade,
especificamente no que se refere à construção da identidade territorial e paisagística do
Pantanal sul-mato-grossense, procuramos estabelecer as relações entre o Cinema e a
Geografia, destacando alguns filmes de longa-metragem ficcional produzidos na década de
1970 (“Pantanal de Sangue”, 1971, Direção: Reynaldo Paes e Barros e “Desejo Selvagem –
Massacre no Pantanal”, 1979, Direção: David Cardoso), que utilizaram o Pantanal como
elemento principal para o desenvolvimento de suas tramas, tendo para isso, seus habitantes e
costumes como elementos de identificação cultural.
6
RÉSUMÉ
Grossièrement parlant, et de devenir conscient des limites existantes, le film contribue à la
définition des sujets sociaux et leurs rôles dans la société et son action historique. Dans le
processus de construction collective de l'individu, le film peut être interprété et considéré
comme une expérience critique en temps réel, en particulier pour la réflexion, de discussion
et de débat, qui donne accès à de plus amples renseignements et des nouvelles dans le
processus d'agrégation et de collectivisation de ce sujet en cours. Ainsi, ils ont souligné la
nécessité pour la géographie pour mieux comprendre le rôle de l'image dans la configuration
et les relations socio-spatiale établies. La science géographique est un domaine de
connaissances scientifiques qui peuvent potentiellement faire usage d'autres langues qui ne
sont pas limitées à l'univers du mot, ou un héritier est une connaissance des langues de
l'univers guidée en images, comme le montre l'étude des paysages. Nous croyons que la
connaissance du monde de l'étude du paysage nécessairement besoin d'intensifier le dialogue
entre les différentes sphères de la connaissance, promouvoir l'interaction entre la logique
verbale (mot) avec les non-verbal (images) comme un moyen d'enrichir leur analyse .
L'utilisation des mots et des concepts spatiaux sert à donner du sens aux images du paysage
a ensuite observé de manière à aller au-delà, établissant le sens logique de la lecture et la
compréhension des images des paysages qui expriment l'ordre spatial du monde. Dans une
tentative d'approche de la recherche avec l'existence humaine et sa vie quotidienne, en
particulier en ce qui concerne la construction de l'identité locale et le paysage du Pantanal du
Mato Grosso do nous tentons d'établir la relation entre le cinéma et la géographie, en faisant
ressortir quelques longs métrages, film de fiction produit dans les années 1970 (“Pantanal de
Sangue”, 1971, Réalisé par: Reynaldo Paes e Barros e “Desejo Selvagem – Massacre no
Pantanal”, 1979, Réalisateur: David Cardoso), qui ont utilisé le Pantanal comme un élément
essentiel pour le développement leurs parcelles, et pour cela, son peuple et les coutumes
comme des éléments d'identification culturelle.
7
AGRADECIMENTOS
À Deus por ter me guiado pelos caminhos certos, pela força nos momentos
difíceis, mas necessários e pela ajuda na superação dos obstáculos.
Aos meus pais Hélio Aldo Neves e Marilda Roziris Sônego Neves, que
estiveram ao meu lado em todos os momentos, sempre me incentivando e ajudando. E ao
meu irmão Ricardo Sônego Neves que mesmo morando tão longe incentivou e acompanhou
o meu trabalho.
Á minha namorada Luciane Terumi Matsuoka pelo amor, compreensão e
incentivo em todas as etapas do meu trabalho, jamais me esquecerei!
Ao CAPES e ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFGD que
viabilizaram a realização deste trabalho. Gostaria de agradecer também, aos funcionários da
Biblioteca da Cinemateca Brasileira de São Paulo pelo atendimento exemplar.
Ao meu orientador, o Prof. Dr Cláudio Benito Oliveira Ferraz pela
confiança depositada, e por ser meu amigo e não apenas meu professor. Aprendi muito com
o senhor durante a construção desse trabalho e com os seus conselhos, terás sempre minha
gratidão.
Aos grandes amigos, Robinson Santos Pinheiro, Thiago Rodrigues
Carvalho e Jean Menezes pela ajuda e pelo companheirismo incondicional.
Enfim, a todos aqueles que sempre procuraram me incentivar, e que direta
ou indiretamente acompanharam todo o processo de elaboração deste trabalho.
“Experiência não é o que aconteceu com você, mas
o que você fez com o que lhe aconteceu”.
Aldous Huxley
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
1 - CAPÍTULO 1 – A PAISAGEM, O CINEMA E O PANTANAL 15
1.1 - Paisagem: a Gênese de um Conceito 17
1.2 - A Paisagem e a Geografia – o que pretendemos apontar a partir desse conceito 20
1.3 - Novas Linguagens para Ler e Interpretar a “Realidade”: a paisagem, o
pantanal e o cinema 27
2 - CAPÍTULO 2 – A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA E A ARTE DO
ESPAÇO 35
2.1 - A Invenção da Imagem em Movimento: Cinema, Imagem e Memória 36
2.2 - O Cinema e suas Geografias 37
2.3 - A Hermenêutica na Análise Fílmica 52
3 - CAPÍTULO 3 - A PAISAGEM PANTANEIRA PELA ÓTICA DO CINEMA 57
3.1 - O Pantanal, o Cinema e suas Paisagens 58
3.2 - Modus Vivendis: Retratos de uma Paisagem insólita nas “veredas” do sertão
pantaneiro em “Pantanal de Sangue” e “Desejo Selvagem – Massacre no
Pantanal”
61
CONSIDERAÇÕES FINAIS 115
BIBLIOGRAFIA 120
REFERENCIAL FILMOGRÁFICO 125
ANEXOS 125
10
LISTA DE IMAGENS
01 – Cartaz do Filme “Selva Trágica” 127
02 – Cartaz do Filme “Caingangue – A Pontaria do Diabo” 128
03 – Cartaz do Filme “19 Mulheres e Um Homem” 129
04 – Rubens e seu “co-piloto” 41
05 – Aeroporto de Cumbica/SP 42
06 – Centro de São Paulo/SP 42
07 – Garagem da Viação Motta/Pres. Prudente/SP 43
08 – Cartaz do Filme “Caçada Sangrenta” 130
09 – Avenidas de São Paulo 44
10 – Campo Grande 45
11 – A Universidade 46
12 – Dourados 47
13 – Centro de Aquidauana 47
14 – Cartaz do Filme “Pantanal de Sangue” 51
15 – O vaqueiro e o Pantanal 59
16 – Abatendo uma presa 59
17 – Abertura do filme “Pantanal de Sangue” 62
18 – Cartaz do Filme “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal 64
19 – Zezinho e a volta do pai 69
20 – O reencontro com a esposa 69
21 – Ana e Cali ordenhando as vacas 72
22 - Zezinho e Cali cuidando das galinhas. 73
23 – Ana alimentando os porcos 73
24 – Cães brincando na sede da fazenda de Malamud 74
25 – O Gavião no topo da árvore avistado por Zezinho 75
11
26 – José abatendo o pássaro 75
27 – Restos da novilha abatida pela onça 76
28 – A Zagaia 77
29 – Abrindo passagem 78
30 – O encontro! 79
31 – O abate! 79
32 – Mascote morto 84
33 – Retorno de José das Neves 84
34 – Churrasco e música guarania 86
35 – “Churrasco de fogo de chão” 87
36 – Vista aérea de fazenda de Malamud 89
37 – Peões na sede da fazenda de Chico Ribeiro 89
38 – A boiada de Malamud 91
39 – A Marcação 92
40 – A Castração 93
41 – A Comitiva 93
42 – Boiada reunida no curral do Sr. Reis 94
43 – Boi no brete 95
44 – José e Sr. Reis na apartação 95
45 – Banana de dinamites 99
46 – Explosão da cabana 99
47 – Repórter com arma na cabeça 100
48 – A vingança da bugra 102
49 – A chegada do exército 103
50 – Confronto na fazenda de Chico Ribeiro 107
51 – Desfecho da trama 107
52 – Momento de lazer 110
12
53 – Chovendo no Pantanal 110
54 – Localização do Pantanal apresentada no documentário 112
55 – Apresentando os Diques e os Leques Aluviais 112
56 – Sobrevoando o Pantanal 113
57 – Pescaria no Rio Paraguai 113
13
INTRODUÇÃO
Fruto de uma série de pesquisas, trabalhos de campo, análises
fílmicas, elucubrações e discussões, este trabalho acabou por embrenhar-se em
temáticas até então pouco exploradas pela Geografia.
Ao intentar um trabalho científico que enfocasse um melhor diálogo
entre a ciência geográfica à sétima arte (cinema), tendo por mediador o conceito
geográfico de Paisagem, acabamos por suscitar diversas questões que ensejaram outros
“olhares” para o que seria a geograficidade de uma obra fílmica, e quais Geografias essa
obra permitiria existir.
No 1° Capítulo, intitulado “A Paisagem, o Cinema e o Pantanal”, de
modo claro e sucinto para que não nos desviemos de nossos objetivos, inicialmente
abordamos o conceito de Paisagem, ressaltando os aspectos importantes de sua
trajetória histórica e suas características gerais.
A seguir, correlacionamos o conceito à construção interpretativa da
paisagem no cinema, atentando para o fato de que a Geografia pautou-se durante um
longo período, especialmente ao longo de sua sistematização e oficialização ocorrida no
Século XIX, na lógica léxico gramatical, relegando as imagens a um papel secundário e
exemplificativo. Nesse contexto, torna-se pertinente observarmos o caráter inovador
desempenhado pelo presente trabalho, uma vez que pressupõe a articulação num mesmo
patamar desses elementos (linguagem escrita e imagética), o que propicia o processo de
contextualização das imagens fílmicas e sua conseqüente transfiguração em
representações paisagísticas.
Ao final, elucidamos nossa opção por trabalhar com filmes de longa
metragem realizados nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, principalmente
na região pantaneira, que são: “Pantanal de Sangue” (Brasil, 1971, Direção: Reynaldo
Paes de Barros) e “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal” (Brasil, 1979, Direção:
David Cardoso). A utilização dessas obras fílmicas permitiu ampliar o diálogo entre
diferentes áreas do conhecimento científico e destes com o artístico, a partir da análise
de filmes populares, visando destacar temas, conceitos, e idéias que podem contribuir
para um melhor entendimento da questão da diversidade e da identidade cultural no
território do Mato Grosso do Sul. Ou seja, a partir de um possível diálogo entre o
discurso científico da geografia com a linguagem artística expressa em um filme de
caráter popular, pretende-se levantar alguns elementos para melhor entender como é
14
possível discutir a produção de identidade numa região como a do Mato Grosso do Sul,
caracterizada exatamente por uma diversidade de manifestações culturais.
No segundo capítulo, intitulado “A Linguagem Cinematográfica e a
Arte do Espaço”, num primeiro momento descrevemos a primeira exibição pública de
cinema, ocorrida em 1895 em Paris, e como aquele extraordinário espetáculo acabou
por iniciar algo que repercutiria de forma profunda no imaginário e na vida da sociedade
contemporânea. Com isso, o cinema teria, portanto, permitido o surgimento de uma
nova forma de ver e perceber a “realidade”, exercitando maneiras subjetivas e objetivas,
dinâmicas e fracionadas de ler o espaço.
Nesse momento, introduz-se uma breve definição do significado de
cinema, e o modo como essa forma de expressão cultural pode ser utilizada tanto como
instrumento de manipulação de idéias, quanto como objeto a ser interpretado e visto
como uma experiência crítica individual e única.
Após isso, passamos a analisar intrinsecamente as ligações concretas
existentes entre cinema e Geografia, atentando para o modo como se estabelecem e
enfatizando o principal objetivo de nosso trabalho, que é propiciar o enriquecimento do
diálogo entre essas duas formas de produção. É pertinente destacarmos que, todo filme
possui uma espacialidade própria constituída de lugares, não-lugares e territórios que
uma obra fílmica possui, atribuindo ao cinema o poder de recriar e constituir novas
formas de perceber e visualizar os espaços concretamente vivenciados, explorando-os e
atribuindo sentido à narrativa fílmica.
Em decorrência de tais aspectos, portanto, desse contexto e objetivo é
que se delineou a abordagem, entretanto, torna-se necessário clarear alguns detalhes da
metodologia de trabalho.
Primeiro, para melhor retirar elementos possibilitadores de uma
análise da questão, que se coloca como necessária aos estudos geográficos do mundo
atual. foi fundamental contextualizar o seu autor e o momento em que as obras fílmicas
analisadas foram produzidas. Quais as concepções estéticas e referenciais para o diretor,
afim de possibilitar o surgimento de possíveis leituras e interpretações dos sentidos
propostos pela seqüência de cenas e as formas de elaboração das mesmas, assim como
entender as condições em que foi estruturada a obra e como ela foi possível de ser feita
e interpretada, já que se trata de filmes realizados ao longo da década de 1970 e lido
com os olhos de quem se encontra em 2010.
15
Para responder essa questão, levou-se em consideração o fato que toda
imagem está repleta de signos e representações e, que cabe ao homem dar sentido à eles,
utilizando para isso, estratégias para interpretar a imagem-signo. Portanto, a imagem
não seria apenas algo que reproduz a “realidade”, mas trata-se de um outro modo de vê-
la, num processo contínuo e dialógico.
Desta forma, para analisarmos as obras cinematográficas adotamos
como procedimento de análise e interpretação, os pressupostos teóricos desenvolvidos
pela Hermenêutica Filosófica. Os processos de análise dos filmes permitiram
apreendermos uma série de elementos particulares, inerentes à obra que se tornam
objeto de interpretação hermenêutica. Esses detalhes (partes) que compõe o todo da
estrutura narrativa são possuidores de um sistema complexo de sugestões temáticas. São
detalhes relacionados às situações particulares do cotidiano das personagens dos filme.
Já no terceiro e último capítulo – “A Paisagem Pantaneira pela Ótica
do Cinema”, nos debruçamos sobre os pequenos fragmentos/fotogramas dos filmes em
questão, com o intuito de estabelecermos uma possível leitura paisagística do que vem a
ser o Pantanal, a partir do espaço fílmico e dos elementos constituintes da narrativa
fílmica, procurando evidenciar como estas imagens/fragmentos podem se qualificadas
como paisagens para o momento atual, frente ao que se oculta em suas narrativas
oficiais e científicas hegemônicas.
17
CAPÍTULO 1 – A PAISAGEM, O CINEMA E O PANTANAL
“As paisagens trazem a marca das culturas
e, ao mesmo tempo, as influenciam”.
Augustin Berque
1.1 Paisagem: a Gênese de um Conceito
A noção de paisagem está presente na memória do ser humano antes
mesmo da elaboração do próprio conceito, que só veio a ocorrer por volta do século
XV. A capacidade de lançar o olhar sobre o outro, caracterizado pelo distanciamento,
permitiu aos seres inseridos em suas territorialidades específicas, construir
representações de uma determinada paisagem geográfica, que fossem amplamente
interpretadas e compreendidas pelos condicionantes culturais em que estas sociedades
se encontravam.
O termo paisagem foi elaborado no século XV na Holanda sob a
forma de landskip ou pays, referindo-se a uma parcela de um determinado país ou um
lugar, uma pequena porção do espaço delimitado e circunscrito pelas molduras de uma
janela, a “janela pictural” (ROGER, 2000), ou seja, as telas em que se pintavam as
referidas paisagens, tornando-as acessíveis aos homens em seu processo de observação
e contemplação (CLAVAL, 2004).
Inicialmente, os pintores holandeses pareciam não possuir nenhuma
base teórica ou técnica para a realização dos seus trabalhos, porém o faziam com
precisão e realismo memorável. Podiam ser considerados apenas como atentos e
detalhistas observadores que tentavam recriar a aparência ótica de profundidade,
movimento e precisão na distribuição das figuras no espaço da tela (janela), procurando
estabelecer uma atmosfera harmônica entre o Homem e a Natureza. Os pintores
obtiveram sucesso, a coordenação existente entre seus olhos e a paisagem a ser
reproduzida e recriada tornara-se referência nas artes pictóricas por toda a Europa
(SZAMOSI, 1998).
Com isso, a paisagem representada numa pintura passou a ser
entendida como uma das formas existentes de se expressar uma visão/olhar do mundo
produzida a partir das condições históricas, políticas, sociais, técnicas, estéticas e
culturais que o pintor/observador está inserido. Assim, como as áreas do conhecimento
18
científico não expressam a totalidade das informações e conhecimentos existentes, as
artes também não o fazem, mas permite-nos apreender noções pertinentes à
territorialidade cotidianamente vivenciada por esses seres.
Essa nova “maneira de ver” o mundo, e representar seus elementos,
foi impulsionada por uma série de fatores ocorridos no período da Renascença, como a
retomada dos estudos matemáticos, que resultou séculos mais tarde na consolidação das
bases do discurso científico, o aprofundamento dos estudos referentes à complexidade
da linguagem escrita e, sobretudo, a criação dos princípios da perspectiva1, pensado
objetivamente como um aparato técnico e intelectual de aprisionamento do “real”.
Essas características técnicas e as condições sócio-culturais e
políticas, tornaram-se presentes em diversas partes do continente europeu, o que acabou
proporcionando a efetivação de uma autêntica “sociedade paisagística”. Paralelamente
ao que ocorreu na Holanda, o termo paisagem passou a ganhar novos referenciais e
denominações em outros países da Europa2.
Todo esse contexto está inserido dentro do processo racionalizante de
busca por uma “verdade”, o que favoreceu o rápido desenvolvimento do conhecimento,
emoldurado por preceitos científicos e tecnológicos, tanto que a industrialização, a
urbanização e o aprimoramento dos meios de comunicação e circulação, além da
criação de inúmeras especializações do saber, só ocorreram devido à elaboração dessas
novas maneiras de “ver o mundo”. Veremos mais adiante que a própria geografia
moderna (científica) é fruto dessa forma de se ver e pensar.
A sede de riqueza e a intensificação das relações comerciais entre o
Ocidente e o Oriente, proporcionaram o desenvolvimento cultural e a difusão não só de
mercadorias, mas também de instrumentos e trabalhos artísticos. Esse intercâmbio
1 Mesmo após o processo de sistematização do arcabouço teórico da Ciência Geográfica ocorrida,
sobretudo, no século XIX, a seleção de características presentes na paisagem a serem estudadas,
continuou calcada no juízo do geógrafo. O processo de escolha é sem dúvida conduzida com inteligência,
mas não como uma mera aplicação de conceitos e métodos. “Uma objeção semelhante às vezes se faz
necessária contra a competência científica da geografia, pois ela é incapaz de estabelecer controle,
rígido e lógico e forçosamente se apóia na opção do pesquisador. O geógrafo esta de fato exercendo
continuamente a liberdade de escolha no que diz respeito aos materiais que ele inclui nas suas
observações, mas ele esta também continuamente tirando conclusões assim como estabelecendo suas
relações; ele lida com seqüências, embora ele possa não considerá-las como simples relações causais”
(SAUER, 1998, p. 26). 2 É importante destacar que independente da denominação empregada em cada país (por exemplo:
Landschaft na Alemanha; Landscape na Inglaterra; Paisaje na Espanha ou; Paesaggio na Itália), existem
elementos comuns referentes aos processos de representação espacial e elaboração estética de imagens e
parcelas do território que foram observadas, lidas e interpretadas. Para maiores esclarecimentos vide
Moraes 1989.
19
cultural incentivou muitos artistas europeus a reproduzirem essa prática em seus
quadros.
Os séculos XV e XVI presenciaram a intensificação da expansão
ultramarina, com o “descobrimento” do caminho para as Índias, o “descobrimento” e a
conquista da América, e o início das explorações no longínquo (da perspectiva
eurocêntrica) Oceano Pacífico, que viria a ser pretensamente explorado no século
XVIII. Foi muito importante a existência deste ciclo, quer do ponto de vista econômico,
revolucionando a vida e as relações comerciais na Europa, quer do cultural. Os
navegadores eram acompanhados por estudiosos (viajantes e naturalistas), que
levantavam informações sobre as características costeiras, com as quais elaboravam
mapas e cartas, além de escrever livros e fazer gravuras descrevendo paisagens naturais
(de forma exuberante), povos e os novos costumes que passaram a conhecer3.
Certamente, a incorporação e a elaboração de sentidos e significados,
renderam à Geografia inúmeros debates e discussões em torno desse conceito4.
Entretanto, não cabe aqui tentar apresentar toda a linha histórica da elaboração do
conceito de Paisagem, antes e ao longo do processo de institucionalização do saber e do
discurso científico desta área do conhecimento humano, uma vez que, esse se traduz em
um processo extremamente complexo e multifacetado que acabaria desviando o nosso
objetivo principal, e sim apontar em linhas gerais, alguns elementos e aspectos
importantes ocorridos neste período que contribuíram teoricamente na edificação da
discussão que estamos propondo, ou seja, entender como o conceito de paisagem passou
a ser estruturado dentro do pensamento geográfico racionalizante e como esse conceito
hoje, relacionando com as novas formas de comunicação e expressão (como o Cinema),
assume novas perspectivas nos processos de identificação dos seres com sua
teritorialidade cotidianamente vivenciada. A partir daí, é possível compreender qual
papel a palavra e a imagem assumem nos processos de construção da paisagem.
3 É importante destacar que o extraordinário acúmulo de informações e conhecimentos, empíricos ou não,
até o século XVIII não é fruto somente das grandes expedições científicas da época, ou até mesmo das
viagens de exploração que não tinham esse caráter, mas também dos trabalhos de organização e
sistematização de conteúdos realizados na academia. Nesse sentido, é correto afirmar que a Geografia se
beneficiou amplamente com as reflexões realizadas por Emmanuel Kant (1724-1804), apesar de
segmentar o conhecimento geográfico em duas frentes: Humana e Física; e de encará-la como uma
ciência descritiva. 4 Para obter maiores informações e mais detalhes do processo histórico de elaboração e consolidação do
pensamento geográfico, enquanto discurso científico institucionalizado, e a evolução do conceito de
paisagem no interior desse discurso, indicamos CAPEL (1981), GOMES (1996), CORRÊA (1995),
CORRÊA & ROSENDHAL (1998), FERRAZ (2001), LOURENÇO (2002), MORAES (1989), SANTOS
(2002). Vide bibliografia.
20
Desde os princípios da estruturação da moderna ciência geográfica, os
geógrafos se interessaram pelas paisagens, e foi através dela que os viajantes
apreendiam a natureza das regiões pelas quais percorriam. Os geógrafos do século XIX
estavam atentos à diversidade das paisagens. Era preciso ampliar a divulgação e o
acesso às informações, assim como tornava-se necessário oficializar o saber geográfico
enquanto área do conhecimento científico. Nesse sentido, as contribuições de Kant,
Ritter, Humboldt, dos Fosters (que procuravam evidenciar em suas descrições
paisagísticas as relações existentes do homem com seu meio), Ratzel (ancorado nos
preceitos positivistas do início do século XX, introduziu os estudos políticos e
ideológicos no temário da ciência geográfica propondo, pioneiramente, a criação de
uma Geografia do Homem) Vidal de La Blache (e sua Geografia Regional), ajudaram a
construir as bases da moderna Ciência Geográfica.
1.2 – A Paisagem e a Geografia: o que pretendemos com esse Conceito
Como toda a ciência, a Geografia também possui alguns conceitos
norteadores, capazes de sistematizar e sintetizar os ângulos de análise sobre o seu objeto
de estudo, notadamente a sociedade. São cinco os seus conceitos-chave que apresentam
forte grau de interdependência: Espaço; Território; Região; Lugar e; Paisagem
(CORRÊA, 1995). Certamente, cada um desses conceitos indicados apresenta distintas
definições elaboradas pelas mais diversas áreas do conhecimento, bem como pelas
diversas correntes do pensamento geográfico (Possibilismo, Determinismo, Geografia
Crítica, Geografia Teorética, Geografia Cultural, entre outras), que, segundo Corrêa
(1995), contribuem para o enriquecimento da consolidação do arcabouço teórico da
Ciência Geográfica. Mas devemos estar atentos, como nos adverte Santos (1982, p. 15),
“[...] sendo histórico, todo conceito se esgota no tempo”.
Uma das mais correntes e permanentes definições da Geografia é a de
ser a ciência da paisagem. Entretanto, o conceito de paisagem não é exclusivo do
quadro conceitual da Ciência Geográfica, sendo amplamente utilizado por outras áreas
do conhecimento, como por exemplo, na Arquitetura e nos projetos de urbanização, na
pintura, no paisagismo etc. Na Geografia, em particular, tem sido destacada sua
utilização, principalmente pelo fato dessa ciência procurar delimitar seu campo de
atuação sobre os aspectos e fenômenos que corroboram com a modelação, organização
e modificação material/concreta do espaço. Portanto, podemos classificar como
21
geográfico, nesse sentido, aquilo que tem influência sobre a paisagem enquanto
expressão e forma desse espaço.
Tradicionalmente, os geógrafos diferenciam a paisagem em natural e
cultural. A paisagem natural refere-se aos elementos morfoclimáticos combinados de
terreno, vegetação, solo, rios e lagos, enquanto que a paisagem cultural, humanizada,
inclui todas as modificações feitas pelo homem, como nos espaços urbanos e rurais. De
modo geral, o estudo da paisagem exige um enfoque, do qual se pretende fazer uma
avaliação, definindo o conjunto dos elementos envolvidos, a escala a ser considerada e a
temporalidade na paisagem. Enfim, trata-se da apresentação do objeto em seu contexto
geográfico e histórico, levando em conta a configuração social e os processos naturais e
humanos.
Uma das formas de se tentar classificar a paisagem atende a
especificidade do elemento observado, mas um discurso que visa discutir o saber
geográfico enquanto linguagem, que articule e viabilize a interpretação do real para o
homem melhor se localizar no mundo a partir do lugar em que se encontra, não pode
insistir num discurso duplo, em que há de um lado, aquele que usa ferramentas e
explicações para entender a lógica da física natural e outro para a lógica da física social.
Toda e qualquer paisagem é criação humana, não existe paisagem natural ou cultural
como entidades em si distintas.
Dentro da diversidade conceitual acreditamos ser fundamental
apresentar e destacar algumas de suas definições, a forma como esse conceito foi sendo
construído hegemonicamente ao longo da história, sua implicação no ensino e, por fim,
apresentar qual seria no nosso entendimento, a melhor forma de caracterizá-la em seus
limites e possibilidades para o momento em que vivemos, mesmo porque, como
veremos mais à frente, assumimos aqui, como forma de melhor delimitar nosso objeto
de pesquisa, a análise da paisagem a partir das condições que o emprego deste torna-se
possível em determinas culturas.
De acordo com Bolós y Capdevila (1992, p. 6), foi no período da
sistematização da Geografia enquanto ciência oficial (sobretudo no século XIX) que o
termo paisagem passou a ser freqüentemente utilizado na Ciência Geográfica e, em
geral, era concebido como “el conjunto de formas que caracterizan um sector
determinado de la superfície terrestre”, ou seja, como o conjunto de formas que
caracterizariam uma determinada Região da superfície terrestre.
22
A partir desta concepção que considera somente as formas, o que se
distingue é a heterogeneidade da homogeneidade, o que permite analisar os elementos
em função de sua forma e magnitude, para assim obter uma classificação das
paisagens: morfológicas, de vegetação, agrárias, entre outras. Este conceito de
paisagem foi introduzido na Geografia por A. Hommeyerem mediante a concepção
alemã Landschaft, com o sentido de estabelecer um conjunto de elementos
passíveis de serem observados de um ponto alto. Trata-se, neste caso, de assinalar
na paisagem o âmbito tangível das formas resultantes da associação do homem com
os demais elementos da superfície terrestre.
Assim, a dita geografia humana não deve se opor a uma geografia
da qual o ser humano encontra-se excluído. Desta forma, o conteúdo da paisagem
se constitui de elementos importantes para os homens e nas formas como estes se
relacionam com a sua área. Por esses motivos, a paisagem tornou-se “un objeto
esencial de la investigación geográfica” (CAPEL, 1981, p. 345).
Certamente, poderíamos ficar arrolando as inúmeras diferenças e
semelhanças quanto aos princípios teóricos e metodológicos que permeiam a produção
intelectual de vários pensadores e correntes do pensamento geográfico, que visaram
constituir e estabelecer conceituações acerca dos fenômenos sob a ótica geográfica, no
entanto, cada qual à sua maneira, se apropriou da paisagem a partir das definições
elaboradas por Humboldt, ou seja, a paisagem enquanto um quadro físico, um recorte da
superfície da terra passível de ser observado/lido/interpretado sob a ótica geográfica, por
meio de conceitos e com rigor nomenclatural.
Para exemplificarmos, apresentaremos algumas definições de
paisagem. O geógrafo francês Jean Jacques Élisée Reclus, defini a paisagem como
sendo
[...] a emoção que se tem ao contemplar todas as paisagens do planeta,
na sua variedade sem fim e na harmonia que lhes dá a ação das forças
étnicas, sempre em movimento, essa própria suavidade das coisas, nós
a sentimos ao ver a procissão dos homens sob suas vestes de
opulência, ou de infortúnio, mas todos em estado de vibração e
harmonia com a Terra, que os carrega e os sustenta, o céu que os
ilumina e os associa às energias do cosmo (1985, p. 39).
Sobre a importância do valor científico da paisagem, o autor
alemão Carl Troll afirma que:
Hoy dia el concepto de "paisaje" está presente en Ia ciência y
en el arte. Sin embargo, solo Ia geografia ha dado a su uso un
valor científico y lê ha hecho eje de toda una teoria de
23
investigación (...) Todo paisaje se lê presenta ai geógrafo
dotado de una cíerta fisionomia. Sus distintos aspectos os
elementos, tanto visibles como no visibles, se encuentran en una
determinada relación funcional, mientras que no varie uno de
ellos y, como consecuencia, todo el paisaje. (TROLL, 1994, p.
324)
De acordo com o autor, pode-se, portanto, distinguir um conceito
fisionômico ou formal de um conceito funcional (fisiológico ou ecológico) da
paisagem. O enfoque funcional é resultado, sobretudo, da apreciação de que todos os
fatores, incluídos a economia e as formas de expressão cultural humanas, se
encontram em interação sobre um determinado espaço. De acordo com a
importância e a intensidade da intervenção do homem, se distinguem paisagens
naturais e paisagens culturais. Estas últimas incluem, além dos fenômenos
naturais, os que estão associados aos fatores econômicos, como a agricultura, as
cidades, as populações com sua língua, sua tradição e sua nacionalidade, a
estrutura social, a cultura artística e a religião.
Seguindo essa linha de raciocínio, nos deparamos com a teoria
de Santos, no qual todas essas relações dão conformidade à paisagem, “o seu
traço comum é ser a combinação de objetos naturais e objetos fabricados, isto
é, objetos sociais e ser o resultado da acumulação das atividades de muitas
gerações” (1982, p. 37). Assim, o autor não desconsidera os “objetos naturais”,
mas os coloca em relação de igualdade com os “objetos sociais” e define a
paisagem como resultado de um processo histórico. Ou seja, “resultado de uma
acumulação de tempos [...] representando diferentes momentos do
desenvolvimento da sociedade” (idem, p. 38).
Atualmente, outras formas paisagísticas estão sendo utilizadas:
paisagem econômica, paisagens agrárias, paisagens urbanas, entre outras, como
a corrente liderada por Cal Sauer5: A Geografia Cultural, que acaba por
supervalorizar o conceito de cultura, tomando a este como uma “entidade acima
do homem”, o que pode levar a não se perceber outros aspectos que se
interrelacionam na formação das áreas e Regiões – aspectos não
necessariamente culturais.
5 Para Sauer (1998) a paisagem representa “uma forma da Terra na qual o processo de modelagem não é
de modo algum imaginado como simplesmente físico. Ela pode ser, portanto, definida como uma área
composta por uma associação distinta de formas, ao mesmo tempo físicas e culturais” (p. 23).
24
Essa linha culturalista encontra na obra de Oscar Schmieder um
vasto conjunto de discussões, que abordam a paisagem a partir do elemento
cultural e da ação e influência do homem no seu ambiente (CAPEL, 1981).
Segundo Corrêa & Rosendahl (1998), as abordagens acerca da
Paisagem que ganharam maior destaque, sobretudo, após os anos de 1970,
trouxeram novas acepções fundadas em outras matrizes epistemológicas. A
paisagem geográfica apresenta várias dimensões que cada matriz epistemológica
privilegia. Ela tem uma dimensão morfológica, ou seja, um conjunto de formas
criadas pela natureza e pela ação humana, e uma dimensão funcional, isto é,
apresentam relações entre as diversas partes. Produto da ação humana ao longo
do tempo, a paisagem apresenta uma dimensão histórica, e por ocorrer em certa
área da superfície terrestre, apresenta uma dimensão espacial.
Sendo portadora de significados, expressando valores, crenças,
mitos e utopias, a paisagem acaba possuindo também uma dimensão simbólica.
Toda essa multiplicidade de teorizações acerca do conceito de paisagem, nos
oferece de antemão, a noção da impossibilidade da Ciência Geográfica
conseguir identificar, analisar e redimensionar todos os elementos (concretos e
simbólicos) presentes em uma dada paisagem, entretanto, todas essas tentativas
de capturar a paisagem apresentam uma característica em comum: todas visam,
por meio única e exclusivamente do discurso científico, superar essas barreiras
reduzindo o “real” aos padrões lógicos pertinentes à coerência conceitual do
discurso.
A Ciência deve ser apreendida e interpretada como uma parte da
tentativa da humanidade de compreender o mundo em seus diversos aspectos, suas
facetas, experiências, e, sobretudo, suas múltiplas “realidades”. Em toda a sua trajetória,
o homem esforça-se por descobrir e tentar entender uma ordem no fluxo das
experiências (observáveis ou teorizadas). Essa busca, necessariamente, deveria unir
Ciência às outras áreas do saber, sejam elas científicas (ciências naturais, matemática,
biologia, entre outras), ou artísticas (literatura, cinema, música, fotografia, pintura, entre
outras). Entretanto, a partir dos fatores sociais, políticos e ideológicos que se
entrecruzaram na organização da moderna sociedade urbana, tecnocientífica e pautada
na lógica da mercadoria, a busca pela “verdade” trilhada pela prática científica tendeu a
optar por uma única perspectiva, o que acabou por provocar um distanciamento e
isolamento no diálogo entre as diversas áreas do conhecimento.
25
Embora pareça ser evidente que todo e qualquer conhecimento
científico seja humano, por ser o resultado das elucubrações e atividades de pesquisa e
investigação realizadas por seres humanos, a denominação ciências humanas se refere
tão somente àquelas áreas do conhecimento que estão voltadas exclusivamente ao
próprio ser humano, tendo este como objeto central. Essa diferenciação ocorreu, como
aponta Chauí (2001), primeiramente pelo fato do objeto das ciências humanas ser
recente6 e, em segundo lugar, porque estas surgiram depois que as ciências exatas e
naturais já haviam consolidado e edificado seus arcabouços teóricos, definindo assim a
idéia do que era ou não científico a partir dos métodos e metodologias de análises.
Esses discursos extremamente rigorosos, precisos, lógicos e coerentes,
expressavam o sentido e o caráter de exatidão, objetividade e neutralidade das verdades
reveladas e analisadas pelas ciências humanas, em que as diversas teorias e métodos
utilizados deveriam ter como elemento comum o emprego deste rigor discursivo
(pautado na lógica formal da linguagem escrita), de forma exclusiva e única. Com isso,
o discurso científico deixa de ser um parâmetro para se ter acesso ao mundo (uso da
linguagem como instrumento mediador entre o observador e a “realidade observada”), e
passa a ser tomado como um modelo que se impõe ao mundo, imaginando ser algo
totalmente à parte da “realidade” e extremamente neutro.
Desta forma, às imagens coube apenas o papel de exemplificação e
ilustração da precisão das palavras (diametralmente oposto àquilo que Humboldt havia
realizado em seus trabalhos). Com isso, a Paisagem Geográfica, especialmente neste
contexto, passou a ser estudada apenas por meio de recursos verbais, raramente havendo
interpretações a partir de seu fundamento imagético. Nos dizeres de Ruy Moreira
(1987), a paisagem tornou-se um quadro empobrecido, onde não havia mais a
dinamicidade das várias perspectivas do olhar capaz de captar todos os detalhes e
estabelecer a unidade destes.
A Geografia é uma área do conhecimento científico que
potencialmente pode fazer uso de outras linguagens, que não se restringem ao universo
da palavra, ou seja, é um saber também herdeiro do universo das linguagens pautadas
em imagens, como o estudo das paisagens o comprova. Acreditamos que o
6 O Ser Humano, enquanto objeto científico de análise é uma idéia surgida apenas no século XIX. Até
esse momento, tudo que se referia ao humano era estudado pela Filosofia, notadamente em seus
referenciais teológico-bíblicos. Para maiores esclarecimentos indicamos o livro de Marilena Chauí:
Convite à Filosofia.
26
conhecimento do mundo a partir do estudo da Paisagem, necessariamente, precisa
resgatar o diálogo entre a palavra e a imagem como forma de enriquecer suas análises.
Assim, as abordagens mais recentes, sobretudo àquelas ligadas à
geografia cultural e fenomenológica, tentam redimensionar, como já destacamos nesse
tópico, o enfoque geográfico com a introdução de novas perspectivas analíticas, que
visam superar os limites impostos pelo discurso geográfico com a incorporação dos
elementos simbólicos, e, ao admitirem a existência de fronteiras que precisam ser
superadas via adoção da multidisciplinaridade7. Entretanto, apesar de proporem
inovações, essas novas abordagens incorrem do mesmo “erro” cometido pelos
geógrafos positivistas do final do século XIX, priorizam a lógica do discurso
coerentemente elaborado como “verdade” final e absoluta, “impondo esta verdade sobre
o próprio real. Só nessas condições é que se entende produzir ciência Geográfica”
(FERRAZ, 2001, p. 100).
Esse modelo de produção de conhecimento que é hegemônico, mas
não homogêneo, elaborado no interior das instâncias oficiais de ensino e pesquisa,
acabaram provocando um distanciamento entre o conjunto teórico conceitual
apreendido, e as condições concretas em que uma sociedade vive cotidianamente sua
espacialidade e produz uma dada representação paisagística.
Desta forma, ler e interpretar o mundo de hoje para buscar elementos
que nos oriente e localize espacialmente, passa necessariamente pela análise do papel da
imagem na contribuição das nossas leituras e percepções do “real”. Nesse sentido, a
utilização e a observação de alguns filmes (mesmo aqueles produzidos ou que
representem tempos pretéritos), possibilitam uma compreensão da sua narrativa na
direção de um melhor entendimento da ordem geográfica, do contexto social e político e
da organização territorial, de determinado arranjo sócio-espacial, tanto na escala local,
quanto regional e nacional. Essa compreensão contribui para o entendimento geográfico
das relações estabelecidas, redimensionadas e materializadas no Espaço Geográfico
atual.
Por estes motivos, optamos por fazer uso do cinema que, enquanto
obra de arte por excelência da modernidade, aponta caminhos para melhor entender
7 Como as apresentadas por Oliver Dollfus (1973), que visando redimensionar o sentido de paisagem,
propõe a idéia de que cabe ao geógrafo “olhar para além das aparências a fim de alcançar a raiz das
coisas”, ou seja, Dollfus entende que a paisagem aparente representa apenas a aparência e que a sua
“verdadeira” essência só será alcançada por meio de uma análise rigorosa calcada exclusivamente em
elaborações conceituais e teóricas.
27
como o nosso olhar pode superar os limites da imagem, a partir de sua contextualização,
e transformando-as em representações paisagísticas.
Diante desses impasses e necessidades, acreditamos que a
incorporação de outros padrões lógicos pode auxiliar na ampliação da capacidade de
entendimento da realidade atual. Não no sentido de negar a ciência, mas reconhecer sua
importância e seus limites.
1.3 Novas Linguagens para Ler e Interpretar a “Realidade”: a paisagem, o
pantanal e o cinema
A sociedade atual vive o “boom” da linguagem visual, na qual a
percepção se volta cada vez mais para as propriedades retinianas. O mercado e a
indústria cultural rapidamente se apropriaram desta tendência, influenciando nas formas
como as mercadorias passaram a ser apresentadas visualmente, visto que, atualmente as
imagens assumem um papel fundamental na vida do Homem moderno e na forma
como este percebe o Mundo. “Basta olharmos à nossa volta que nos veremos
banhados por discursos imagéticos” (ROS; LENZI; SOUZA; GONÇALVES, 2004, p.
101).
Guardada as devidas proporções e tomando consciência dos limites
existentes, o cinema contribui na definição dos sujeitos sociais, os papéis na sociedade e
de ação histórica. Nesse processo de construção coletiva do indivíduo, o filme pode ser
interpretado tanto em seus aspectos de entretenimento e acomodação do indivíduo a
determinados valores éticos e estéticos, quanto pode ser encarado como uma
experiência crítica, um momento concreto-particular de reflexão, discussão e debate,
que propicia o acesso a outras e novas informações no processo de totalização e
coletivização desse sujeito em curso. Desta forma, destacou-se para a Geografia a
necessidade de melhor compreender o papel da imagem na configuração e leitura das
relações sócio-espaciais estabelecidas.
A realidade social em que nós estamos inseridos, apresenta-se de
forma extremamente complexa e multifacetada. Nesse sentido, como destaca Demo
(apud GRONDIN, 1999, p. 10), as formas de expressão e de comunicação utilizadas
pelos humanos também possuem dimensões tão diversas, misteriosas, repletas de
meandros e nuances, exigindo daqueles que embarcam na aventura da investigação
28
científica atenção redobrada, não só para o que se diz e para o que está à mostra, mas
também para o que não está aparente. Faz-se necessário ater-se ao contexto histórico e
social do objeto, obra ou fenômeno que se está analisando, em alguns casos onde esses
elementos investigados sejam pertencentes de um período histórico longíncuo, essa
reconstituição não será perfeita, mas poderá ser plausível.
Nesse sentido, é possível utilizarmos um filme ou qualquer outra obra
de arte ou literária, como um objeto de reflexão que nos permite apreender uma das
instâncias do ser social e do seu contexto sócio-reprodutivo. Uma obra de arte traz
consigo elementos essenciais característicos do complexo sócio-espacial a qual estão
inseridas, e que se tornam passíveis de serem compreendidas através de uma pespectiva
que valorize o “reflexo estético8”.
As grandes matrizes que permitem o caminhar nesse diálogo entre
ciência e arte, no caso, geografia e cinema, apontam para Kant e Deleuze. A questão é
evitar ver um sentido de paisagem presente no Pantanal cinematográfico, mas quais
outras leituras podem ser interpretadas, daí a hermenêutica, desse olhar geográfico
dialogando com o olhar cinematográfico a partir do conceito de paisagem (palavra) com
a imagem do Pantanal (ou imagens).
Partindo dessa perpespectiva, tornou-se possível estabelecer um
diálogo entre as nossas reflexões acerca dos sentidos do conceito de paisagem
trabalhado pelos geógrafos, com as imagens registradas e organizadas de um conjunto
específico de filmes de longa-metragem realizados nos Estados de Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul, particularmente na região pantaneira que, ao captarem diversas imagens
das formas mais perceptíveis do arranjo espacial e morfológico desse meio, bem como,
registrarem determinados aspectos das vidas das pessoas que aí habitam, ou seja, o
pantaneiro e o seu convívio diário com o ambiente, possibilitam, à luz dos
conhecimentos geográficos, apontar determinadas leituras e interpretações do arranjo
paisagístico do pantanal. Nesse sentido, é preciso pensar a Paisagem não apenas como
um conceito ou como uma entidade natural a ser contemplada pelo observador, mas
como referência paisagística que expressem os sentidos da vida e suas contradições,
8 Em seu texto Imagens em Diálogo: filmes que marcam nossas vidas, o autor Carlos André Passarelli
destaca que “assistir um filme será sempre um diálogo, na medida em que essa ação pressupõe a
capacidade do espectador/analista em deixar-se transportar para a tela, suportar ver sua imagem refletida,
viver aquela outra realidade e depois sair da sala escura, e poder falar, nem que seja para si mesmo, sobre
o que passou” (1999).
29
inseridas dentro de uma dada espacialidade passível de ser lida e interpretada pelo outro,
a partir de seus referenciais de existência
Nesse sentido, falar sobre a produção cinematográfica no pantanal
exige alguns esclarecimentos sobre o que compreendemos quanto a este corte
geográfico, o Pantanal, uma extensão territorial caracterizada por uma determinada
configuração sócio-espacial e identitária e, dentro das possibilidades, relacionar com o
fazer cinematográfico arquitetado nessa espacialidade, além de destacar a opção por
determinada concepção de cinema que possa viabilizar nossa argumentação rumo ao
diálogo Geografia-arte cinematográfica.
Apesar de não ter ocorrido em Mato Grosso do Sul o que os
estudiosos da historiografia da sétima arte chamam de “Ciclos Regionais” (RAMOS,
1987), com um pólo e um ciclo de produção audiovisual consolidado e freqüente, como
aconteceu em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, as iniciativas realizadas em
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul merecem destaque e reconhecimento. Desde as
primeiras décadas do século XX, foram produzidos na região inúmeros cine-jornais e
reportagens cinematográficas sobre os elementos constitutivos da paisagem local, bem
como notícias sobre fatos políticos e da vida cotidiana do matogrossense e filmes de
curta e longa-metragem (como o pioneiro “Alma do Brasil9”, de Alexandre Wulfes e
Líbero Luxardo, produzido em 1930 pela primeira produtora campo-grandense, a “Fan
Filmes”), apesar das dificuldades técnicas, financeiras e estruturais.
Dentro deste contexto produtivo, as décadas de 1960 e 70, se
apresentam como um momento importante da produção cinematográfica da região
pantaneira, momento este, no qual foram produzidas importantes obras para a
historiografia do Estado que, entre outros fatores, serviam de veículo para a promoção
das potencialidades culturais e naturais da região.
É importante destacar que boa parte dos filmes realizados na região
foi produzida por produtoras cinematográficas sediadas nos grandes centros produtores
do país: São Paulo (como é o caso da DaCar Produções Cinematográficas, de
propriedade do ator-diretor-produtor sul-mato-grossense David Cardoso, que produziu 5
filmes de longa-metragem na região, além de curtas e alguns documentários) e no Rio
de Janeiro (como é o caso da R. F. Farias dos irmãos Roberto e Reginaldo Farias, que
9 Um pequeno trecho desse filme encontra-se disponível para ser visualizado pelo público na página da
internet da Cinemateca Brasileira. www.cinemateca.com.br Acessado em: 01/04/2009.
30
produziram em 1964 o longa “Selva Trágica” (imagem 1 – em anexo) e “Caingangue –
a pontaria do diabo” (imagem 2 – em anexo).
Diante dessa vasta e diversificada produção, foi necessário delimitar o
rol de filmes que foram utilizados em nossas análises10. Como existem inúmeros
registros fílmicos e tentativas informais realizadas por muitos amantes do cinema, que
procuraram captar e registrar com suas lentes as mais diferentes facetas sociais,
históricas e culturais da região pantaneira, tornou-se necessário estabelecer um corte
para que não nos perdêssemos frente a um volume, em grande parte redundante, de
imagens e obras que não chegaram a se formalizar como cinema, ou seja, filmes
experimentais que não desenvolveram amplamente os elementos da linguagem
cinematográfica (como os princípios da montagem, angulação e enquadramento) e que
oficialmente não existem por não possuírem o Certificado de Produto Brasileiro
conferido pelo Conselho Nacional do Cinema (CONCINE), bem como, quanto a sua
acessibilidade. A grande maioria dos filmes produzidos e/ou ambientados em estúdios
de cinema, mas que fazem alusão à região pantaneira, atualmente não se encontram
disponíveis nos formatos e mídias domésticas de reprodução de imagem (como os
aparelhos reprodutores de VHS ou DVD).
Muitos desses registros ainda não passaram pelo processo de
telecinagem, ou seja, ainda se encontram no formato original em que foram produzidos
(geralmente em películas de celulóide de 8, 16 ou 35mm), o que dificulta o acesso, visto
que, para podermos acessar essas imagens precisaríamos ter um projetor de cinema
específico. Há também os filmes que se perderam e que a Cinemateca Brasileira,
sediada na capital paulista, possui apenas os registros e certificados, como é o caso do
longa ficcional “Além do Rio das Mortes” (1955) do produtor, diretor e roteirista Duílio
Mastroianni.
Com isso, chegamos a um conjunto específico de filmes de longa-
metragem produzidos em sua totalidade na década de 1970 e, que na época dos seus
respectivos lançamentos, foram classificados como filmes de aventura e de grande apelo
popular, bem longe dos olhares academicistas e das grandes escolas de cinema, o que os
tornam mais interessantes para as nossas análises, no sentido de tentar destacar em suas
imagens as características espaciais e paisagísticas referentes à Região Pantaneira e sul-
mato-grossense de uma forma geral, tendo em vista que estes aspectos não foram
10 Em anexo consta uma lista com um conjunto de filmes que elegemos ser oriundos da região pantaneira,
mesmo que muitos deles não venham a ser aqui trabalhados diretamente.
31
previamente arquitetados por seus idealizadores, uma vez que estes filmes foram feitos
por cineastas e não por geógrafos com inclinações à sétima arte.
Mais precisamente, escolhemos analisar os seguintes filmes:
“Pantanal de Sangue” (Brasil, 1971, Direção: Reynaldo Paes de Barros) e “Desejo
Selvagem – Massacre no Pantanal” (Brasil, 1979, Direção: David Cardoso), que além
de estarem disponíveis para o nosso total acesso, são obras que melhor apresentam, cada
qual à sua maneira, os elementos característicos para uma possível leitura da paisagem
pantaneira.
De um modo geral, essas obras fílmicas trazem para discussão, entre
outros elementos, os conflitos e tensões acerca da estrutura fundiária da região, como
acontece, por exemplo, em “Pantanal de Sangue” e “Desejo Selvagem – Massacre no
Pantanal”. Essas obras procuram evidenciar a formação de um imaginário sobre a
região pantaneira, permeada por elementos ideológicos, culturais e políticos que
contribuem no entendimento da complexa teia que envolveu os processos de construção
das identidades territoriais, que atualmente parametrizam a diversidade cultural do
Estado de Mato Grosso do Sul.
Abre-se para os estudos geográficos um novo olhar quanto a dinâmica
territorial pantaneira, ou seja, não mais tendo a priori um espaço enquanto palco, mas o
percebendo na própria interação entre as diversas escalas que os objetos, fenômenos e
corpos se relacionam na produção do mundo a partir do lugar em que se encontram.
Assim, reforçamos a constatação de que todo e qualquer
acontecimento da vida “implica um espaço”, portanto, todo espectador sempre
relaciona o que imageticamente está sendo narrado no filme com “um espaço
narrativo” da vida real que perdura no imaginário através dos recortes paisagísticos
com que a memória tenta interpretar; isso faz com que todos os acontecimentos e
fenômenos experimentados por qualquer ser humano só foram possíveis de ocorrerem
em algum lugar e em um determinado momento, o qual se apresenta com dada
organização imagética, como uma paisagem a indicar a lógica espacial dos processos e
fenômenos que os produziu (BETTON, 1986).
Certamente há uma questão fundamental e pertinente. Como é
possível fazer uma leitura paisagística nos dias de hoje, de filmes que foram produzidos
há mais de 30 anos?
Nesse sentido, é preciso entender que toda e qualquer imagem está
repleta de signos que se constituem como algo que se coloca no lugar de alguma
32
“coisa”, ou então, adquirindo status de linguagem, atividade esta produzida pelos
homens, pois é ele o responsável por atribuir aos sinais a condição de signos ou
linguagem (SATAELLA, 1986). Essas linguagens que produzem ou que são produzidas
pelos homens em suas reflexões e teorizações, possibilitam o encontro dos sujeitos
(contemporâneos) com o que já havia sido pensado/teorizado/sentido por seres
pertencentes a outro momento histórico. Esse contato possibilita a criação e o
surgimento de novos construtos, interpretações e teorias, mediadas agora pela
perspectiva/ótica contemporânea. E para que esse processo ocorra, os sujeitos
necessitam de estratégias para interpretar a imagem-signo. A imagem não é apenas algo
que reproduz a “realidade”, mas um outro modo de vê-la num processo contínuo e
dialógico (AUMONT, 2004).
Tal possibilidade interpretativa pressupõe, portanto, que a linguagem
cinematográfica, pautada na lógica das imagens organizadas num determinado contexto
de movimento e seqüência, pode contribuir para que o discurso científico da geografia,
fundamentado num determinando arranjo lógico de palavras, venha a enriquecer sua
abordagem de leitura paisagística do mundo a partir da forma com que a arte
cinematográfica trabalha aquele conjunto registrado e organizado de imagens.
Partir das imagens fílmicas em si para um sentido paisagístico, à luz
dos conhecimentos e conceitos geográficos, a partir da interação dos elementos
constitutivos da linguagem geográfica e cinematográfica e os elementos presentes na
estrutura narrativa dos filmes em questão, é que estão assentadas nossas discussões e
desafios a serem superados, objetivando sempre, explorar esse conjunto de imagens e
apreender as formas e o foco com que a arte cinematográfica procurou realizar suas
tramas, ficcionais ou documentais, na região pantaneira.
Entretanto, é importante salientar que ao falarmos em Pantanal,
acreditamos estar significando de forma ampla, transparente e neutra, por meio
de conceitos e termos, o elemento fenomênico que é o Pantanal, contudo,
negligenciamos que as diversas formas de discurso elaborados para referendar
determinados aspectos do “real”, são apenas formas ideologicamente
construídas de representá-lo.
Assim, quando iniciamos uma tarefa de sistematização e ordenação
dos elementos constitutivos de uma dada paisagem, captados pela nossa percepção, uma
parte do trabalho já encontra-se contemplada, uma vez que já existe uma certa
organização espacial e temporal dos elementos que estão sendo analisados,
33
interpretados e descritos. Com isso, a Geografia ficaria responsável também por
sistematizar as experiências e os fenômenos no plano espacial.
Nesse sentido, a busca pela ordem e pelo sentido que regem um
determinado fenômeno na natureza, será obtida a partir da análise da própria fisionomia
do fenômeno. O olhar é um instrumento de trabalho essencial para o cientista que o
utiliza na busca pelas especificidades e nas generalidades. Entretanto, como a identidade
essencial de um fenômeno encontra-se nele mesmo, as interpretações últimas das leis e
das ordens que regem esse fenômeno, não podem ficar a cargo somente da ciência (que
por vezes procede de forma abstrata), mas também das expressões artísticas (o cinema,
no caso).
O homem, ao classificar a paisagem pantaneira, a partir de
diversas áreas do conhecimento humano e, cada qual, instrumentalizada e
articulada com o seu arsenal teórico metodológico, produzirá múltiplas leituras
e sentidos sobre o mundo e, especificadamente, sobre o que é o Pantanal.
Entretanto, é importante ressaltar que essas interpretações não representam o real
acabado, não será a reprodução definitiva e acabada do sentido de ser Pantanal, mas um
exercício conceitual que enriquece as formas de leitura do mesmo.
Tendo em vista esses aspectos, é que assumimos também a postura de
não procurar destacar, a partir do diálogo com as obras fílmicas realizadas na região
pantaneira, qual o sentido “real” do que vem a ser o Pantanal para a ciência geográfica,
mas sim, fazer uso do arcabouço lógico-gramatical da geografia, para interpretar uma
dada representação paisagística materializada nos filmes em questão. O material teórico
produzido a partir dessa inferência pode ser definido como uma forma de interpretação
geográfica da paisagem, que possibilita os significados simbólicos do seu conteúdo
imagético ser identificado e analisado11.
A inter-relação entre diferentes níveis de comunicação e expressão
promove um enriquecimento mútuo das abordagens.
De acordo com Mello (1999), só poderíamos afirmar que,
[...] a percepção da paisagem atingirá o limite de nossa capacidade
biológica quando usarmos, ao mesmo tempo, todos os nossos sentidos
[...] Em outras palavras, desde que nascemos passamos a perceber e
experimentar o mundo, identificando os limites de nosso corpo nos
11 Em palestra proferida no 1° Colóquio Nacional do NEER (Núcleo de Estudos em Espaços e
Representações), realizado nos dias 16 e 17 de Novembro de 2006 na UFPR (Universidade Federal do
Paraná) em Curitiba - PR, o Prof. Dr. Wolf-Dietrich Sahr, chamou a atenção para o fato de que a
Geografia Científica é, sobretudo, uma Geografia Semiótica, por refletir sobre uma imagem e seus signos.
34
limites do nosso entorno, e a associação entre cada nova experiência e
a memória que temos de tudo o que já vivemos é, efetivamente, o que
constrói a geografia que somos capazes de conceber em cada época de
nossa vida [...] Por mais carregadas de elementos que sejam as
paisagens, uma boa parte deles apresenta-se de forma oculta. Só
conseguimos observar detalhadamente aquilo que possui um
significado para nós [...] Assim, o conhecimento é um processo que se
realiza como uma via de mão dupla: na medida em que buscamos
aprofundar o significado do que já conhecemos, novos elementos se
apresentam [...] Não importa o recurso utilizado – filme, mapas, texto,
jornal, músicas, poesia – todos eles possibilitam codificar e
decodificar o discurso geográfico (p. 32 a 36).
Negar esses elementos simbólicos (humanos) “ocultos” na paisagem
significa reduzir o seu sentido a uma impressão impessoal de forças demográficas e
econômicas.
Portanto, pensar o sentido de paisagem na geografia, significa tentar
entender como a existência humana e seus conflitos produzidos historicamente no
cotidiano, podem se tornar importantes referenciais paisagísticos no processo de
elaboração e construção do discurso científico da geografia. Resgatar os elementos
míticos, místicos, simbólicos, artísticos, culturais e as suas representações imagéticas,
permite pensar a paisagem a partir da vida humana e não apenas restrita a um modelo
intelectual e acadêmico.
Diante destas considerações, entendemos que o estudo e a utilização
dos recursos audiovisual-imagéticos (obras fílmicas) pela Geografia deve ir além da
postura de tentar identificar a temática abordada por determinado filme ou qual
conteúdo geográfico que essa representação artística ilustra, mas sim, encarar o cinema
como uma prática social e obra de uma cultura, que cria suas próprias geografias, como
veremos de maneira mais abrangente em capítulo específico.
Passemos, portanto para o próximo capítulo, caminhando na direção
de se tentar melhor fundamentar um diálogo entre a ciência e a arte, entre o Cinema e a
Geografia via Paisagem.
35
CAPÍTULO 2_______________________
Fonte: www.cinemateca.com.br
A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA
E A ARTE DO ESPAÇO
36
CAPÍTULO 2 – A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA E A ARTE DO
ESPAÇO
"O cinema não tem fronteiras nem limites. É
um fluxo constante de sonho".
Orson Welles
2.1 – A Invenção da Imagem em Movimento: Cinema, Imagem e Memória
A primeira exibição pública de Cinema ocorreu em 28 de dezembro
de 1895, no salão indiano do “Grand Café”, o charmoso bulevar dos capuchinos em
Paris. Os poucos espectadores presentes, convidados pelos irmãos Lumière12, assistiram
a um extraordinário espetáculo. Sobre uma pequena tela, uma fotografia recém-
projetada, de repente ganha vida. Carros, cavalos, pedestres começam a andar; toda a
vida cotidiana salta aos olhos daqueles espectadores que, perplexos e maravilhados com
o invento, presenciavam o nascimento de uma nova arte e indústria (MARCHAND,
1994). As imagens na tela eram em preto e branco e não produziam ruídos, mas
encantavam assim mesmo e apontavam para novas formas de percepção e leitura do
espaço, que repercutiriam profundamente no imaginário e na vida da sociedade
contemporânea13.
O Cinema é uma forma de expressão que trabalha com a imagem
construída, regra geral, por um conjunto de fotografias que foram tomadas de forma
seqüencial e impressas sobre uma película de celulóide (o fotograma). Esses
fotogramas, ao serem transportados da fita para uma tela, através de um projetor, criam
uma imagem virtual que parece animada de movimento. Assim, o projetor, transforma-
se em uma máquina capaz de criar sonhos, de transformar em realidade visível e
partilhável entre os demais espectadores presentes na sala de exibição, as mais
mirabolantes fantasias da mente humana.
É justamente este o legado deixado: a ilusão. Parecia verdadeiro, mas
não era. Essa ilusão de realidade, que se chama “impressão de realidade” é a força
motriz que impulsionou e consubstanciou o sucesso e a consolidação dessa arte-
indústria chamada Cinema. “[...] Diante desse espetáculo, ficamos boquiabertos”
12 Louis Lumière (1864-1948) e Auguste Lumière (1862-1954) inventores e pioneiros do Cinema. 13 Certamente, a historiografia da arte/indústria cinematográfica é bem mais complexa do que acabamos
de esboçar, nesse sentido, para aprofundamento dessas questões indicamos: Ramos, 1987 e Xavier, 1991.
Vide bibliografia.
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declarou o célebre “prestigitador” Georges Méliès14. Era a realização do sonho do
movimento, da reprodução da vida.
A nova invenção em pouquíssimo tempo atraiu o interesse de enormes
multidões e partiu para dar a volta ao mundo. Em 29 de junho de 1896, o público
estadunidense recebe com enorme euforia a chegada da “máquina” francesa. Essa
grande e eloqüente aventura estava apenas começando.
O cinema, pelos seus aspectos de produção e distribuição, assim como
pela sua própria estética de elaboração (uso de lentes, enquadramentos, simultaneidade
de imagens, edição e montagem etc.), permitiu o surgimento de uma nova forma de ver
e perceber, exercitando maneiras subjetivas e objetivas, dinâmicas e fracionadas de se
ler o espaço, o que gerou pressões sobre as diversas áreas do saber científico, com o
objetivo de buscar melhor compreender o papel e a lógica de elaboração e divulgação
das imagens. Desta forma, destacou-se para a Geografia a necessidade de melhor
compreender o papel da imagem na configuração e leitura das relações sócio-espaciais
estabelecidas.
Mas quais as ligações concretas existentes entre o cinema e a
Geografia? Como elas se estabelecem? E o que seriam as geografias de um filme?
Essas questões, de certo modo, tentarão contribuir com o
enriquecimento do diálogo entre essas duas formas de produção, a Geografia e o
Cinema. Neste sentido, a questão que se apresenta não está em como devemos olhar e
mostrar o que há de geográfico em uma obra cinematográfica, mas sim, estabelecer qual
a geograficidade existente e a qual(is) geografia(s) esta obra permite existir.
2.2 O Cinema e suas Geografias15
Assim como as áreas do conhecimento científico, a arte
cinematográfica desenvolveu um conjunto de elementos que fundamentam e estruturam
a sua linguagem (lentes, angulações, planos, montagem, decupagem, sonorização,
efeitos gráficos, entre outros). No início, os filmes eram constituídos por uma mera
sucessão de “quadros”, entrecortados por letreiros (vide os filmes de Chaplin) que
14 Georges Méliès (1861-1938) foi um dos primeiros a se lançar na aventura da realização
cinematográfica. 15 Acrescentamos que não cabe aqui apresentar as inúmeras teorias e definições existentes sobre o que
venha ser o cinema e o seu papel na sociedade atual. Nesse sentido, apresentamos aos interessados em
aprofundar essas discussões, algumas obras que, de um modo geral, tentam sistematizar essa diversidade
de informações: MARTIN (2003); AUMONT (2004). Vide bibliografia.
38
apresentavam diálogos e davam outras informações que a incipiente linguagem
cinematográfica não conseguiu fornecer.
Com o desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias foi havendo
um aprimoramento da linguagem. E, os passos fundamentais para a elaboração e
estruturação dessa linguagem recaem, sobretudo, sobre a criação das estruturas
narrativas da trama e a sua intrínseca relação com o espaço (BERNARDET, 1991).
A sociedade contemporânea é caracterizada, dentre outras coisas, pela
simultaneidade e sobreposição das relações espaços-temporais. Entretanto, para os
primeiros filmes, representar a caoticidade do mundo atual era uma tarefa quase
impossível de ser realizada. Nesse período (primeiras décadas do século XX), o cinema
conseguia dizer apenas: agora acontece este fato (primeiro quadro), e logo em seguida:
acontece aquilo (segundo quadro), e assim sucessivamente (BERNADET, 1980).
Uma importante conquista para o desenvolvimento da linguagem
cinematográfica se deu quando o cinema deixou de apenas relatar o conjunto de cenas
que se sucediam no tempo e passou a dizer: “enquanto isso”. Ou seja, algo próximo do
formato que temos hoje. Há a alternância dos espaços e dos fatos de forma não linear,
por exemplo, nas seqüências de suspense dos filmes de Alfred Hitchcock, em uma
perseguição vemos alternadamente o perseguidor e o perseguido, o perseguidor que não
vemos continua a correr e vice-versa. Algo simples, porém, no momento de sua
descoberta, genial!
Outro elemento que propiciou à linguagem cinematográfica alçar vôos
mais longos em suas empreitadas cinematográficas, foi o deslocamento da câmera que
abandona sua imobilidade (naquele período as câmeras eram enormes, pesadas e de
difícil manuseio) e passa a explorar o espaço com a utilização dos travellings, ou
carrinhos, das panorâmicas e com o uso das lentes chamadas “zoom”. Para filmar uma
cena de perseguição de automóvel, Griffith16 fixou sua câmera na dianteira de um
veículo. Esse foi o primeiro travelling (da palavra inglesa travel, que significa viagem)
da história do cinema.
Bernadet destaca ainda que “filmar então pode ser visto como um ato
de recortar o espaço, de determinado ângulo, em imagens, com uma finalidade
expressiva. Por isso, diz-se que filmar é uma atividade de análise” (1991, p. 36).
16 David W. Griffith, cineasta Estadunidense (1875-1948).
39
A partir de então, a câmera não só passou a se deslocar pelo espaço,
mas recortá-lo. Todo filme possui uma espacialidade própria constituída de lugares,
não-lugares e territórios. Em uma obra fílmica o espaço “real” é recortado, decomposto,
recriado, sonhado, lembrado e por fim, “vivido como parte de uma experiência que une
as histórias cotidianas, as memórias de vida e as histórias de seus personagens”
(BARBOSA, 2004, p.64). Assim, a espacialidade constituída em uma obra fílmica,
também denominada de “espaço fílmico”, não é apenas um quadro, da mesma forma
que as imagens não são apenas representações bidimensionais da ação, mas sim, um
espaço vivido, dotado de uma geograficidade própria e estritamente atrelada ao
conteúdo e às personagens que nele se desenvolvem.
Nesse sentido, Oliveira Jr. (2006)17 aponta que, “a geografia de
cinema seriam os estudos e os encontros com a dimensão espacial na qual as
personagens de um filme agem”. Essa espacialidade é constituída pelos “locais
narrativos”, ou seja, os lugares (cenários e estúdios) por onde a trama do filme vai se
desenvolvendo, por onde os personagens vão passando e se deslocando, conferindo ao
filme uma geograficidade, arquitetada pela continuidade da narrativa cinematográfica
que dá sentido à história. Entretanto, é importante destacar que essa geografia produzida
e arquitetada em um filme “construída pelos passos e olhares dos personagens”
(OLIVEIRA JR., 2006, não paginado), não precisa necessariamente estar relacionada ou
ser correspondente à geografia da superfície planetária. Ao contrário do que muitos
imaginam o cinema não se opõem à narrativa. Segundo André Parente – “Narrativa e
Modernidade” – a narrativa e a imagem são uma única e mesma coisa. O autor aponta
que,
o cinema, qualquer que seja ele, não tem natureza lingüística, mas
propriamente imagética. As imagens cinematográficas não se opõem à
narração, mas a uma concepção da narração, ou seja, àquela que a
reduz a processos lingüísticos [...] a narrativa não é um enunciado que
representa um estado de coisas [...] mas o próprio acontecimento
(PARENTE, 2000, p. 13).
Mas esse ato de recortar e qualificar o espaço só ganha sentido, no
processo de montagem do filme, a qual se caracteriza por uma atividade de síntese. A
montagem irá definir o ritmo do filme. Sentados à mesa, o montador e o diretor
visualizam as cenas do filme. Elas foram, em sua maioria, rodadas fora de ordem. Com
a utilização de alguns efeitos (fade in e fade out, ou seja, a utilização de um
17 OLIVEIRA Jr. Wencesláo Machado de. O que seriam as geografias de cinema? Ensaio publicado na
pagina da Revista Eletrônica TXT (Não-paginado).
40
“suavizador” para passar de uma seqüência à outra sem proporcionar um corte seco da
imagem, o que chamaria a nossa atenção em função das passagens bruscas de uma cena
à outra), todas as cenas que se desenrolaram num mesmo lugar, do início ou do final de
um filme, são montadas em seqüência. É importante destacar que a idéia de que a
articulação entre dois instantes permite reconstruir, graças à montagem, um espaço de
maneira verossímil, é um fundamento narrativo introduzido pelo cinema (ARAÙJO,
1995).
Daí a importância do cineasta e dos técnicos que estão à sua volta,
dominarem a linguagem dessa “máquina artística”, uma vez que, a montagem, a
organização cronológica dos fotogramas é fundamentalmente essencial para que as
imagens projetadas atinjam o sentido de compreensão do arranjo espacial apresentado
pela trama narrada, o que possibilita ao observador dessas imagens, apreendê-las como
possíveis representações paisagísticas.
Assim, partindo dos elementos que estão impressos e que compõem a
paisagem geográfica, o cinema, os recria à sua maneira, constituindo novas formas de
perceber e visualizar os espaços concretamente vivenciados e os explora com o intuito
de atribuir sentido à narrativa fílmica. É justamente neste ponto que se dá a interface
entre o Cinema e a Geografia.
Ou seja, essa constatação contribui para confirmar que todo e qualquer
acontecimento da vida “implica um espaço”, portanto, todo espectador sempre
relaciona o que imageticamente está sendo narrado no filme com “um espaço
narrativo” da vida real que perdura no imaginário através dos recortes paisagísticos
com que a memória tenta interpretar; isso faz com que todos os acontecimentos e
fenômenos experimentados por qualquer ser humano só foram possíveis de ocorrerem
em algum lugar e em um determinado momento, o qual se apresenta com dada
organização imagética, como uma paisagem a indicar a lógica espacial dos processos e
fenômenos que os produziu.
Em 1977 o produtor e ator de cinema David Cardoso estreou na
direção com o filme “Dezenove Mulheres e um Homem” (imagem 3 - em anexo), com
roteiro de Ody Fraga e ambientado em locações do seu estado natal, Mato Grosso do
Sul, com o objetivo de explorar as belezas naturais do Pantanal. Como diretor, David
Cardoso realizou um filme de aventura, “oferecendo um espetáculo de muita ação”
(ABREU, 2006, p. 92) e interpretado por ele mesmo.
41
A trama do filme gira em torno de dezoito universitárias paulistas e
uma professora que resolvem fazer uma excursão ao Paraguai alugando um ônibus
numa empresa, cujo diretor, Rubens, decide servir de motorista e gozar assim suas
férias, junto com as moças. A viagem é interrompida por cinco criminosos, fugidos da
cadeia, que confinam o grupo numa fazenda do pantanal sul-mato-grossense, após matar
os empregados.
Nos minutos iniciais, antes de serem apresentados os créditos
contendo o título do filme, os atores e toda a produção técnica, há um conjunto de
seqüências e planos que tentam familiarizar e localizar o espectador na trama. Rubens
(David Cardoso), acompanhado por uma bela atriz, aterrissa com seu mono motor
(skyplane) no Aeroporto de Cumbica (que nos é apresentado por meio de uma longa
panorâmica), localizado na cidade de Guarulhos (SP) (seqüência de imagens 4 e 5).
Após essa seqüência inicial, Rubens desloca-se em direção ao seu
local de trabalho, uma empresa de ônibus (a garagem da Viação Motta).
Ao longo do trajeto podemos identificar alguns pontos importantes da
cidade de São Paulo (que fazem parte da memória coletiva dos indivíduos), como o
elevado Costa e Silva (o famoso Minhocão), a Avenida São João e suas intermediações,
até chegar à garagem da Viação Motta que, cartograficamente, está localizada na cidade
de Presidente Prudente (SP) – localizada no Oeste do estado de São Paulo - e não na
cidade de São Paulo como mostra o filme (seqüência de imagens 6 e 7).
Imagem 4. Rubens e o seu “co-piloto” em 19 Mulheres...
Tempo: 0’17’’
42
Imagem 5. Aeroporto de Cumbica/SP (19 Mulheres...).
Tempo: 0’45’’
Imagem 6. Centro de São Paulo/SP (19 Mulheres...).
Tempo: 1’05’’
Há então uma relação entre a dimensão espacial, na qual os
personagens de um filme agem (os locais por onde transcorre a narrativa), com os
lugares geográficos “além filme” (lugares cartograficamente existentes e localizáveis,
mas que não são apresentados na tela do cinema). Para atribuir uma narrativa coerente
ao filme, o diretor optou por subverter a ordem da localização “real” (geográfica) desses
dois pontos (lugares), apresentando-os como espaços contíguos do território. Nesse
sentido, o sentido geográfico é justamente o que surge desse espaço fílmico sintético,
que subverte a ordem físico-cartogáfica em prol das relações e desejos humanos a
produzirem outros sentidos espaciais a partir dos lugares, suas imagens e memórias.
43
Imagem 7. Garagem da Viação Motta/ Pres. Prudente/SP (19 Mulheres...).
Tempo: 1’45’’
Assim, OLIVEIRA JR destaca que:
Ao cinema, o espaço é imposto como condição de existência. As
cenas se desenrolam em lugares fílmicos que muitas vezes se cruzam
com lugares para além dos filmes, contaminando esses lugares com
seus sentidos, seus ângulos, seus enquadramentos, redefinindo-os
perante os espectadores. Esse processo de contaminação é mútuo: no
cinema proliferam alusões a lugares criados pela Natureza e pelos
discursos e práticas sociais, da mesma maneira, nestes lugares naturais
e sociais proliferam alusões a lugares criados no cinema (2001, p. 02).
Nesse sentido, o filme ao se relacionar com o espaço físico e
(re)significá-lo, empenharia em promover uma “geografia criadora” de novas
espacialidades e suas paisagens. O filme “Caçada Sangrenta” (imagem 8 - em anexo),
produzido pelo ator sul-mato-grossesnse David Cardoso e dirigido por Ozualdo
Candeias em 1974, ajuda a reforçar essa concepção. Dotado de uma estrutura complexa
que, com o pretexto de relatar uma ocorrência criminal, oferece um verdadeiro estudo
psicológico do homem da fronteira e do interior, estruturado por uma linguagem e uma
narrativa obtusa e filosófica, permeada pela descontinuidade das imagens e pela
absoluta liberdade antinarrativa, algo um tanto incompatível com o público alvo que o
produtor almejava atingir, mas em contrapartida, dentro das concepções utilizadas pelo
diretor em seus trabalhos. Por esses motivos, “Caçada Sangrenta” não teve o resultado
financeiro esperado18, além de ter sido incompreendido pela crítica, que na época teciam
18 De acordo com os dados informados pela Agência Nacional de Cinema (ANCINE), o filme “Caçada
Sangrenta” obteve 520.940 espectadores.
44
apenas comentários depreciativos às produções nacionais (“Caçada Sangrenta, um
produto esquisito do cinema brasileiro” texto de W. N., publicado no Jornal do bairro,
n° 342, sem data definida; “Uma fita equivocada de Candeias”, texto de Pola Vartuck,
publicado no Jornal estado de São Paulo em 09/08/1974). Talvez por isso, uma cortina
de silêncio e negação tenha encoberto grandes feitos cinematográficos, como o filme em
questão.
A trama inicia-se na cidade de São Paulo (imagem 9), com o roubo
dos dólares do cofre de Mecenas (artesã interpretada por Marlene França) e com o seu
assassinato. Apesar dos delitos terem sido cometidos por Phidias (Walter Portela),
Nequinho (interpretado por David Cardoso), torna-se para a polícia, para a polícia, o
principal suspeito da morte da artesã. Desesperado, empenha uma grande fuga pelo
interior do Mato Grosso, sendo perseguido pelos policiais. Da grande metrópole a trama
desloca-se para a franja do território nacional, caracterizada pelo estigma de ser um
lugar distante, marginalizado, um “espaço vazio” a ser ocupado.
Imagem 9. Avenidas de São Paulo (Caçada Sangrenta).
Tempo: 9’55”
O filme teve cenas rodadas em diferentes localidades do então estado
de Mato Grosso, conferindo à trama velocidade e dinamicidade das ações, objetivando
exaltar assim, diferentemente do que ocorreu na maioria dos filmes produzidos na
região, que optaram por representar o lado selvagem, idílico e paradisíaco dos sertões de
Mato Grosso e da planície pantaneira (essa argumentação é esclarecida no capitulo 3),
os ícones paisagísticos urbanos e a caoticidade das cidades mato-grossenses, estão mais
presentes na trama e na construção do perfil das personagens centrais do filme “Caçada
Sangrenta”.
45
De São Paulo, Nequinho (interpretado por David Cardoso), decola
para Campo Grande, um dos principais centros econômicos e urbanos de Mato Grosso.
Em franco processo de modernização urbana, ícones paisagísticas da cidade, como o
Hotel Campo Grande, as largas e movimentadas avenidas da frenética cidade também
são contempladas, integrando o cenário urbano-desenvolvimentista de campo Grande
(imagem 10). Com símbolo de modernidade e desenvolvimento intelectual, o campus
da Universidade Estadual de Mato Grosso (atual Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul), também se transforma em espaço fílmico para o desenrolar da trama. Há nesta
localidade um vasto conjunto de planos e panorâmicos, procurando evidenciar a
grandiosidade da obra (imagem 11).
Imagem 10. Campo Grande (Caçada Sangrenta).
Tempo: 13’50”
Subvertendo a lógico tempo-espacial, Nequinho, perseguido pela
polícia e por marginais interessados no dinheiro de Mecenas, realiza amplos saltos no
território mato-grossense, a começar por Dourados, que apesar de estar à cerca de 230
km de Campo Grande, parece ser limítrofe a esse município.
46
Imagem 11. A Universidade (Caçada Sangrenta).
Tempo: 18’40”
Em Dourados, a perseguição percorre as ruas principais do centro,
destacando seus habitantes, figurantes nas cenas, e alguns edifícios reconhecíveis, como
a igreja matriz na Avenida Marcelino Pires e a atual Biblioteca Municipal (imagem 12).
Como num lampejo, Nequinho deixa Dourados e parte para ouro ambiente, a cidade de
Aquidauana, com seus moradores locais e alguns indígenas (imagem 13). Dalí segue
para Corumbá – estremo oeste do Estado -, em seguida, para Ponta Porã – localizada no
estremo sul – e Cuiabá, então capital do Estado. Se a intenção era mostrar o crescimento
urbano em Mato Grosso, Candeias o fez, mas subvertendo a lógica espacial, no que
tange a localização geográfica desses centros urbanos, notadamente distantes uns dos
outros, não limítrofes e concatenados da forma como aparecem no filme e,
conseqüentemente, temporal.
Essas fugas são realizadas com uma rapidez vertiginosa, assim, a
paisagem estereotipada dos sertões de Mato Grosso e do Pantanal, só é passível de ser
identificada e analisada a partir de um olhar atento do espectador. Os elementos
comumente atribuídos ao Pantanal, como a visão de paraíso, valorizando a fauna e a
flora, consubstanciadas por uma perspectiva auto-sustentável de ecologia, não são o
ponto alto da trama, apesar do filme ter usufruído dessa espacialidade “real” e
cartografável para construir a sua própria.
47
Imagem 12. Dourados (Caçada Sangrenta).
Tempo: 28’43”
Imagem 13. Centro de Aquidauana (Caçada Sangrenta).
Tempo: 29’50”
Acrescentando a essa perspectiva, alguns autores defendem a idéia de
que não faz diferença se as filmagens foram realizadas em locações naturais (nos
lugares geográficos correspondentes), ou se foram feitas em grandes estúdios, como os
que existem em Hollywood e sim,
[...] o que importa é o sentido que fica. Isso, em grande medida,
se deve ao fato de que o cinema, ainda que localiza suas
narrativas em lugares específicos – Sul da Itália, cidade de Lás
Vegas, caatinga nordestina – tem um caráter, via de regra,
universalizante, uma vez que ele está sempre a nos falar da
existência humana, ainda que seja ambientalizada num único
[...] (OLIVEIRA JR. 2006, p. 01).
48
O cinema não deve se alimentar dessa espacialidade “real” com o
intuito de garantir o seu funcionamento e verossimilhança, mas usufruir e submeter essa
espacialidade à suas recriações e subverter suas dinâmicas e contigüidades, tornando-as
novas e múltiplas.
Essa habilidade para “recortar” os lugares e objetos e destacá-los,
acaba por revelar novas dimensões, possibilidades e facetas que passariam
despercebidas pela grande maioria se estivessem inseridas nUM contexto amplo,
dinâmico e complexo.
Como já dissemos neste tópico, a utilização dos elementos da
linguagem cinematográfica: cortes, planos, ângulos, enquadramentos, aparato técnico e
possibilidades, além dos efeitos efeitos na montagem, nos proporciona ver detalhes com
diferentes nuances que normalmente não veríamos caso estivéssemos presentes no local
da filmagem, ou mesmo não estando no local e no momento da realização do filme, é
como se já o conhecêssemos.
O cinema trabalha muito com detalhes (close-up), em que o micro
acaba se revelando na tela maior do que o macro, em função da exploração dos detalhes
(micro-escala). Ao se institucionalizar, a Ciência Geográfica pautou-se pela eliminação
da dinâmica escalar, priorizando o macro e tendo o micro apenas como a parte separável
e somável de um todo, diferentemente do cinema. As análises feitas das cidades,
campos de cultivo, montanhas ou até mesmo países inteiros, optam por classificar essas
extensões como “entidades”, sem se preocupar com os seus interiores. Para que as
relações humanas voltem ao centro do pensamento geográfico é necessário que se
invista no conceito de lugar (como uma escala valorizada), ampliando o diálogo entre as
diferentes escalas de análise. Assim, a questão é de onde se fala e com que se dialoga –
esse é o aspecto fundamental da perspectiva espacial pela linguagem cinematográfica.
O processo de análise de um filme permite apreender uma série de
elementos particulares, inerentes à obra que se tornam objeto de interpretação
hermenêutica. Esses detalhes (partes) compõem o todo da estrutura narrativa e contém
um sistema complexo de sugestões temáticas. São detalhes relacionados às situações
particulares do cotidiano dos personagens do filme. Pode-se observar, nesse caso, uma
relação circular e dialógica entre o todo e as partes, ou o “círculo hermenêutico”. Ou
seja, de acordo com Gadamer (1998, apud ALVES, 2006, p. 296), é a partir das partes
que conseguiremos compreender o todo, mas é o todo quem atribui significado às
49
partes, procurando não negar ou restringir a interação escalar, ao condicionar o
movimento do real aos limites interpretativos da palavra possível.
Nesse sentido, como ficaria representado o espaço geográfico que
conhecemos a partir dessa outra geograficidade que o cinema constrói?
A Região Pantaneira desde os primórdios, vem servindo como
ambiente ou referência para a realização de inúmeras tramas cinematográficas,
documentários e cine-jornais. Em sua grande maioria, filmes como “Alma do Brasil”
(1932) e “Caçando Feras” (1936) de Alexandre Wulfes e Líbero Luxardo; “Selva
Trágica” (1964) de Roberto Farias; “Paralelos Trágicos” (1966) de Abboud e Bernardo
Elias Ladho; “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal” (1979) de David Cardoso e;
os mais recentes “Os Matadores” (1997) de Beto Brant e “Brava Gente Brasileira”
(2000) de Lúcia Murat; os pontos turísticos (a cidade de Corumbá/MS e Poconé/MT e
os Rios Aquidauana e Miranda), as passagens e acontecimentos históricos (como a
Guerra do Paraguai), os aspectos sociais (como os conflitos de terras e a questão
Indígena), naturais e paisagísticos da planície pantaneira, destacadas e ampliadas no
celulóide, não são meras imagens ou ícones de uma cultura ou região, mas sim, como
aponta BARBOSA,
São lugares cujas imagens carregam uma força simbólica relacionada
visceralmente com o imaginário corrente [...] As razões estão na
história que esses lugares protagonizam e na forma como as pessoas
se apropriam dela e dos lugares, recriando-os e rememorando-os
(2004, p. 64).
Ou seja, há um adensamento, uma aglutinação desses pontos que, nos
dizeres de Carlos (2004), contribuem na formação da identidade e da memória
individual e coletiva dos indivíduos que a habitam, uma vez que esses elementos
conhecidos e reconhecidos estão impressos na paisagem pantaneira rural e, por vezes
em menor destaque, urbana. Nesse sentido, estaríamos falando em “ícones
paisagísticos”, ou paisagens adensadas/aglutinadas em que: não é o todo que contém a
parte, mas a parte que contém o todo, num sentido mais denso por ter que representar as
partes obscurecidas. Essas idéias estão melhor esclarecidas no fragmento abaixo.
No cinema, as imagens montadas/mostradas são apenas aquelas partes
iluminadas. Elas é que, colocadas uma após as outras, constituiríam
um filme. O restante, o obscuro, se encontraria entre elas. Neste
processo de escurecer/esconder para melhor iluminar é que ocorre o
adensamento de tudo o que foi escondido e obscurecido no pedaço
que ficou claro. Nele estará presente tudo o que foi excluído a
principio, gerando uma densidade maior na parte clara da imagem,
50
uma vez que dela é que partiremos em direção/em retorno àquilo que
ficou sem luz (OLIVEIRA JR. 2001, p. 4).
Esses adensamentos paisagísticos que revela os ícones dos lugares e
regiões que estão presentes na memória das pessoas, são fundamentais para construção
da paisagem que podem ser evidenciados no cartaz do filme “Pantanal de Sangue”
(imagem 14), qual foi dirigido pelo campo-grandense Reynaldo Paes de Barros, em
1971.
Aparentemente, “Pantanal de Sangue” possui um roteiro e uma trama
bem simples, que gira em torno da história do protagonista José Neves (o lendário
Francisco de Franco que aparece no cartaz vestindo uma camisa branca e com uma
espingarda em punhos), sua esposa Ana (interpretada pela atriz Elsa de Castro, a sua
face está representada no cartaz) e o filho Zezinho (Jean Stefan), que tem por oponente
o fazendeiro, grileiro de terras, Chico Ribeiro (interpretado pelo ator Milton Ribeiro e
aparece no cartaz do filme vestindo uma camisa azul) que pretende ampliar suas terras,
ainda que para isso tenha que saquear as terras de seu vizinho Felipe (Jorge Karan), ou
mesmo dizimar a família de José Neves, criando em torno dessa chacina, o ponto crucial
de toda a trama do filme.
A presença desses elementos identitários e das relações homem-
ambiente, também podem ser evidenciados a partir da observação e interpretação do
cartaz do filme, que foi idealizado pelo mestre das pin-ups, Luiz Benicio. Com suas
cores vibrantes e esmeradas, um total equilíbrio na distribuição dos elementos visuais e
dinamicidade nas imagens, o cartaz de “Pantanal de Sangue”, consegue refletir de forma
atraente para o espectador transeunte, o objetivo a que se propõe.
A coragem de José das Neves, a ganância de Chico Ribeiro e o galope
rápido e decisivo das tropas de Chico Ribeiro rumo à batalha, são harmonicamente
elencados e integrados à paisagem local pela presença de uma face feminina - bela e
virginal – representando a mãe natureza e o sentido de complementaridade íntima
existente entre as manifestações culturais específicas de cada região com o seu
substrato, seu solo, seu lugar.
Independente do objetivo do filme, a construção de determinados
parâmetros sígnicos dos lugares são consolidadores de imaginários pré-estabelecidos, ao
mesmo tempo em que subverte a percepção dos mesmos.
51
IMAGEM 14. - Cartaz do filme “Pantanal de Sangue”.
Fonte: Cinemateca Brasileira.
O Cinema rompe com os limites da realidade, proporcionando uma
nova forma de rearticular e recriar os elementos que permeiam o nosso cotidiano. Na
tela, são projetados os sonhos, as ilusões, os devaneios, a vida dentro de um plano,
possibilitando um amplo jogo de escalas de espaço e tempo, destacando pequenos
detalhes do cotidiano e minimizando fatos consagrados.
Desta forma, para analisarmos as obras cinematográficas, adotaremos
como metodologia de procedimento a Hermenêutica Filosófica19. Levando em
consideração que “[...] como arte, de âmbito universal e universalizante, de interpretar
o sentido das palavras, das leis, dos textos e de outras formas de interação humana”
(DISCHINGER apud GRONDIN,1999, p.09).
19 Para maiores informações consultar o livro “Introdução à Hermenêutica Filosófica” de Jean Grondin.
52
Entretanto, Alves (2006) destaca que a interpretação
hermenêutica de uma obra fílmica, não deve ser considerada uma mera “aplicação” de
conteúdos analítico-categoriais antecipadamente concebidos (arcabouço teórico) em um
filme. Neste caso, a interpretação hermenêutica deve partir, necessariamente, da
estrutura fílmica para o arcabouço teórico.
Essa análise ajudará a compor uma leitura paisagística das obras
em questão, para tanto, será necessário focar essas partes. Nesse sentido, faremos uso do
software (Programa: Intervídeo da Microsoft for Windows), que nos permitirá essa
seleção e edição de algumas imagens (Still) significativas, permitindo assim, que as
mesmas sejam pontuadas sob uma ótica geográfica, que possibilitará uma leitura
paisagística das referidas imagens.
Esse conjunto de procedimentos propiciará um maior respaldo
teórico e prático para a delimitação e aprofundamento do objeto de estudo.
2.3 - A Hermenêutica na Análise Fílmica
Nos últimos anos, tem-se observado a publicação de inúmeros
trabalhos que procuram atribuir à Hermenêutica um aspecto mais universalizante e
globalizador na forma de interpretar o sentido das mais variadas formas e modalidades
de expresão humana (as palavras, leis, os textos e as imagens), chamando a atenção para
a valorização desses processos.
Segundo Grondin, a hermenêutica, em sua atual definição, abarca um
amplo conjunto de ações e atitudes nas mais vastas áreas: explanação; explicação;
tradução; exegese ou interpretação. Desta forma, convém adotarmos uma delimitação
terminológica mais precisa que atribua à hermenêutica a “idéia de uma teoria da
interpretação” (1989, p. 10). Uma teoria composta por uma linguagem própria, ainda
que esta linguagem já seja resultado de uma interpretação, como nos adverte o referido
autor, mas comprometida com uma forma de “traduzir” ou tornar compreensível algo
obscuro ou ambíguo. É por isso que para Ernildo Stein (apud GRONDIN, 1999, p. 11)
“se precisamos do sentido e do significado para conhecer, isto significa que precisamos
da linguagem para podermos conhecer”.
A realidade social em que nós indivíduos estamos inseridos,
apresenta-se de forma extremamente complexa e multifacetada, nesse sentido, como
destaca Demo (apud GRONDIN, 1999, p. 10), as formas de expressão e de
53
comunicação utilizadas pelos humanos também possuem dimensões tão diversas,
misteriosas, repletas de meandros e nuances, exigindo daqueles que embarcam na
aventura da investigação científica atenção redrobada, não só para o que se diz e para o
que está à mostra, mas também para o que não está aparente. Faz-se necessário ater-se
ao contexto histórico e social do objeto, obra ou fenômeno que se está analisando
evidentemente, em alguns casos onde esses elementos investigados sejam pertencentes
de um período histórico longíncuo, essa reconstituição não será perfeita, mas poderá ser
plausível.
Levando em consideração a perspectiva do senso comum, que vê na
vida cotidiana, nas nossas vivências mais ordinárias, a fonte dos movimentos internos
que lemos como transformações, tal qualidade ou característica pode ser reconhecida na
relação de semelhança com o mundo, ou com a “realidade”, que o cinema oferece ao
seu espectador.
Seria, assim, na capacidade que o cinema tem como nenhuma outra
arte de mimetizar a realidade e de nos convocar para “viver”, “experienciar” dentro
daquele mundo, que estaria a sua força e seu motor de transformação. É no caso do
cinema, da forma mais radical, que “plasmando âmbitos de realidade, instaurando
mundos possíveis, a obra de arte restitui aquela unidade originária do existir, aquela
contínua intimidade com o múltiplo que caracteriza a experiência de estar vivo”
(VALVERDE, 1997, p. 06).
Nesse sentido, como aponta Alves (2006, p. 285), “procuramos
apreender o filme não apenas como um texto, mas como um pré-texto capaz de nos
conduzir a autocosciência reflexiva do nosso tempo”, corraborando na configuração de
um espectro paisagístico da nossa sociedade e de suas relações. É importante ressaltar
que a hermenêutica filosófica se apropria dessa “realidade” e dessa paisagem por meio
da interpretação destas, por isso, ela não deve ser encarada apenas como um simples
conjunto de técnicas e artifícios a serem utilizados nestas atividades de investigação.
Assim, “cabe à hermenêutica filosófica, determinar o verdadeiro sentido das ciências
do espirito e a verdadeira amplitude e significado da linguagem humana” (GRONDIN,
1999, p. 15).
Sendo assim, a utilização dos pressupostos teóricos e metodológicos
da hermenêutica na análise fílmica, não se traduz em uma mera aplicação e utilização
dos seus conteúdos analíticos e categorias na obra em questão e sim,
54
[...] a análise do filme deve buscar “compreender” a obra fílmica a
partir do eixo temático, que possui um sentido imanente na própria
estrutura narrativa do filme, o que significa que se deve evitar a mera
aplicação de uma generalidade dada antecipadamente (ALVES, 2006,
p. 299).
Procuramos encarar uma obra cinematográfica não apenas como um
texto, mas sim encará-la como um pré-texto, possuidor da capacidade de nos conduzir à
autoconsciência crítica da “realidade” que estamos inseridos. ALVES (2006) afirma que
é possível utilizarmos um filme ou qualquer outra obra de arte ou literária como um
objeto de reflexão que nos permite apreender um conhecimento “verdadeiro” acerca do
ser social e do seu contexto sócio-reprodutivo. Uma obra de arte traz consigo elementos
essenciais característicos do complexo sócio-espacial a qual estão inseridas, e que se
tornam passíveis de serem compreendidas através de uma pespectiva que valorize o
reflexo estético.
A arte verdadeira é um tipo de reflexo da realidade material. Só que o
reflexo estético se diferencia do reflexo científico na medida em que,
enquanto o reflexo científico desantropomorfiza o real através da
contrução de conceitos e categorias abstratos, o reflexo estético o
antropomorfiza, construindo situações típicas capazes de propiciar
uma autoconsciência do mundo sócio-histórico (LUKÁCS, 1968).
Toda obra cinematográfica ou qualquer outro tipo de expresão
artístico-comunicativa pode ser considerada como uma instância da “realidade social”,
que viabiliza o processo de totalização e o surgimento de campos de reflexão para o
sujeito-receptor, que proporciona um momento concreto-particular na sua formação.
Essa formação dos sujeitos é extremamente complexa, formada por momentos de práxis
individuais e de relações sociais coletivas. Entretanto, o momento em que ocorre essa
recepção estético-visual é parte fundamental para a sua formação, mas não é exclusiva,
pois a virtualização das experiências contribuem (dentro dos seus limites) no
direcionamento e no posicionamento da ação histórica desses sujeitos.
Neste contexto, a interpretação hermenêutica de um filme atribui
maior ênfase ao conjunto de elementos particulares, detalhes da composição dos
personagens, detalhes pormonorizados das situações cotidianas significativas dos seus
personagens, que em sua totalidade ajudam a edificar a estrutura narrativa do filme e
que colaboram na definição do seu eixo temático (totalidade da obra). “É o eixo
temático que dá a diretriz e o sentido global previamente dado da compreensão
fílmica” (ALVES, 2006, p. 296).
55
Uma questão merece destaque: além da capacidade que uma obra
fílmica tem de ser um reflexo de uma dada “realidade”, esta obra permite a
consolidação da sua própria realidade concreta. ALVES (2006, p. 286) acrescenta que,
[...] através dele podemos não apenas apreender categorias e conceitos
constituídos a partir da reflexão científica prévia (o que significa
aplicar o que já sabemos), mas desenvolver e desvelar, através de
sugestões ou pistas postas (e pressupostas) no artefato artístico, um
novo conhecimento do ser social. O que significa que o filme não é
apenas um texto, mas um pré-texto capaz de nos conduzir à
autoconsciência reflexiva do mundo social, e, numa perspectiva
hermenêutica, uma forma de conversação com nós mesmos e com
nosso mundo sócio existencial.
De um modo geral, as expressões artísticas quando vão representar o
“mundo real” dos homens, o fazem de forma mistificada20. A arte, enquanto um reflexo
antropormofizado (ALVES, 2006) da vida social dos indivíduos, incorpora essa
“realidade” a seu modo à sua estrutura narrativa.
Dentro do processo de análise hermenêutica há sempre o risco de
deixar-se influenciar pelo arcabouço teórico previamente absorvido, por conceitos e
conclusões que não correspondem ao que está sendo apresentado, por isso, é preciso
substituir esses pressupostos por outros mais adequados. Para facilitar a “compreensão”
de um filme, deve-se procurar evidenciar e destacar o seu eixo temático (permeado de
sentidos e significados presentes na própria estrutura narrativa do filme) e evitar a mera
“aplicação” de uma generalidade dada antecipadamente. Para tanto, é necessário manter
uma distância temporal que, de certa forma, irá contribuir na “filtragem” do que há de
verdadeiro e autêntico nas obras de arte.
[...] É graças ao fenômeno da “distância temporal” e ao
esclarecimento de seu conceito que se pode cumprir a tarefa
propriamente crítica da hermenêutica, isto é, distinguir os preconceitos
que chegam daqueles preconceitos que esclarecem, os preconceitos
falsos dos preconceitos verdadeiros. Deve-se livrar a compreensão dos
preconceitos que a dirigem, permitindo assim que as “perspectivas
outras” da tradição se manifestem (GADAMER, 1998, apud ALVES,
2006, p. 301).
Dentro desse processo de análise, o sujeito-receptor não deve assumir
o papel de um “espectador passivo”, mas o contrário, cabe ao sujeito-receptor arquitetar
os processos de significação e estabelecer relações, realizar comparações a partir de
seus conhecimentos prévios frutos de suas experiências. “Nessa perspectiva, a obra
20 Utilizando-se de personagens ou situações alegóricas, um bom exemplo seria os filmes do cineasta
baiano Glauber Rocha que faz uso corrente desse artifício em suas obras.
56
fílmica é um conjunto de ‘dicas’ ou ‘sugestões’ para o espectador, convites para que
ele atribua sentido a um trecho (ou cena significativa) do filme” (ALVES, 2006, p.
302-303).
Nesse ponto, o melhor entendimento da lógica imagética que permeia
a linguagem cinematográfica, pode permitir um diálogo mais enriquecedor com o
discurso científico da Geografia, na direção aqui apresentada por BENJAMIN (1993),
de interação entre arte e ciência, de maneira que o estudo geográfico da “realidade”
parta do melhor entendimento de como os referenciais espaciais são retratados pelo
cinema, contribuindo assim para uma alfabetização geográfica do estudante a partir das
experiências cotidianas e concretamente vivenciadas pelos indivíduos em sociedade.
Por isso, é fundamental que o professor ou o pesquisador esteja
munido de um conhecimento prévio e geral dos elementos que fundamentam e
estruturam a Linguagem Cinematográfica, possibilitando assim, a apreensão de um
conjunto maior de informações que serão abstraídos dos “códigos” existentes na
composição de um filme.
No próximo capítulo, inicialmente apresentamos um breve histórico
da produção cinematográfica em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, destacando alguns
filmes e a sua relação com os aspectos naturais, sociais e culturais da região, em
seguida, apresentamos um conjunto específico de filmes previamente selecionados,
visando, a partir de seus elementos imagéticos compor uma leitura paisagística dessas
obras via paisagem pantaneira.
57
CAPÍTULO 3_______________________
Fonte: www.cinemateca.com.br
A PAISAGEM PANTANEIRA PELA
ÓTICA DO CINEMA
58
CAPÍTULO 3 – A PAISAGEM PANTANEIRA PELA ÓTICA DO CINEMA
"O cinema nos faz viajar para lugares paradisíacos do outro lado do
mundo, ou às profundezas dos oceanos, que nunca teríamos chance de
conhecer, e lugares fictícios que nunca saberemos se existirão um dia"
Ivan Teorilang
3.1 - O Pantanal, o Cinema e suas Paisagens
Montado em seu cavalo, passos lentos e olhar atento, o vaqueiro
atravessa cuidadosamente a vasta planície inundada. A água chega a atingir o ventre do
animal; mas este, sem objeções, prossegue a sua marcha cadenciada, em meio à
vegetação rasteira e os alagados.
O olhar atento do cavaleiro se divide entre a necessidade de encontrar
alimento, um pássaro ou um mamífero, com a possibilidade de encontrar algumas reses
desgarradas, e que podem estar escondidas em alguma depressão ou atrás de alguma
árvore.
O dia está terminando, o peão tem que voltar, mas ele conhece o
sistema: tudo o que conseguir apanhar ou abater até o cair da noite, é seu.
Durante séculos, esta forma de criação e sobrevivência, um tanto
quanto primitiva, vigorou em todo o Pantanal, naquele tempo não haviam cercas, muito
menos os currais, rico em pastagens naturais, com gramíneas e leguminosas e ainda,
como existência das salinas naturais, o pantanal sempre foi um ambiente que
naturalmente garantiu a alimentação suficiente e necessária para o gado e para o
pantaneiro. Curioso lembrar, que muitos animais desgarrados, viviam e se reproduziam
sem a intervenção antrópica (seqüência de imagens 15 e 16, extraídas do filme
“Pantanal de Sangue”).
Naquele tempo, as propriedades eram tão vastas e incertas suas
demarcações, que a tentativa de aglutinar o gado em pastos e currais, se traduziria em
uma atividade demasiadamente cara, por isso, optava-se por abandonar os animais
foragidos, que se tornavam presas fáceis para a onça pintada. Esse era o tempo em que o
vaqueiro não sabia ao certo qual o montante de sua boiada. Quando tinha que vender, o
dono da boiada fazia uma estimativa do número de cabeças.
Com o passar dos anos, este método de criação e de invernadas na
busca por animais nos mais longínquos rincões ultra-extensivo, demonstrou-se
deficiente. Era difícil implementar as técnicas de rodízio de pastos, cruzamentos e a
59
vacinação. E, ao ritmo das águas, a imensa e contínua planície, foi sendo atravessada
por barreiras, não naturais como era até então costumeiramente definido, mas
construídas pelo homem, barreiras feitas de arame liso (para não arranhar o couro do
animal), edificava-se uma nova territorialidade nas terras pantaneiras. Dentro dessas
novas territorialidades, novas práticas sociais relativas ao manejo do gado foram
surgindo. As fazendas melhor preparadas possuíam, além dos pastos cercados e dos
currais, os chamados currais de aparte, utilizados para marcar, castrar, vacinar e separar
as reses magras, que deveria voltar para a engorda, do “boi de boiada”, que seria
vendido e conduzido por trens até os centros consumidores (geralmente São Paulo).
Imagem 15. O vaqueiro e o Pantanal em Pantanal de Sangue.
Tempo: 2’30”
Imagem 16. Abatendo uma presa (Pantanal de Sangue).
Tempo: 1’20”
60
Essas mudanças trouxeram em seu bojo um conjunto complexo de
conflitos e ebulições sociais. A “(de)marcação” gerou disputas e acirramentos
sanguinolentos entre os vizinhos pantaneiros. Assim como o ciclo das cheias que se
renovam a cada ano, provocando mudanças na paisagem, mudanças de ordem
econômica, social e cultural também estavam se renovando.
Essa pequena descrição, uma representação singela de alguns
elementos do cotidiano pantaneiro, e que também poderia ter sido retirada de algum
romance regionalista, é o mote central no qual se assenta a trama dos filmes “Pantanal
de Sangue” (1971) e “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal” (1979). Ambos
focalizando as disputas por terras e o cotidiano do vaqueiro na sua dura atividade com o
gado e na sua luta pela sobrevivência, um modo de vida, o que chamamos hoje de
“cultura pantaneira”.
Lançar um olhar sobre uma obra cinematográfica que, entre outras
definições, pode ser considerada como uma forma de representação artística dos
elementos constituintes de uma dada sociedade, por meio do diálogo com os elementos
da linguagem geográfica, é sempre um grande desafio. Não com o intuito de se criar
uma análise inquestionável, acabada e definitiva, mas criar um exercício intelectual que
possibilite surgir novas formas interpretativas a partir da aproximação dos nossos
referenciais teóricos, enquanto linguagem científica, com um conjunto de elementos e
contextos que destacamos nos “filmes pantaneiros” que foram analisados.
Certamente, toda e qualquer obra fílmica está repleta de
geograficidade. A película em movimento, a ação das personagens, trazem por si só, a
dinâmica do tempo e do espaço, que são as condições basilares para o entendimento da
Geografia.
É partindo desses parâmetros que nos capacitamos para tentar
interpretar e traduzir as obras fílmicas em questão, encarando-as como parte de uma
construção artística, imagética, simbólica e ideológica, que almeja, talvez, ilustrar um
conjunto de relações políticas, culturais, sociais e econômicas recorrentes na região
pantaneira para o campo de análise e estudo da Geografia, ou seja, partir de suas tramas,
estruturas narrativas e do contexto histórico em que foram produzidos (como indicam os
61
pressupostos metodológicos da hermenêutica) para os aspectos geográficos e
paisagísticos a serem destacados21.
3.2 – Um Modus Vivendis: Retratos de uma Paisagem Insólita nas “Veredas” do
Sertão pantaneiro em “Pantanal de Sangue” e “Desejo Selvagem – Massacre no
Pantanal”
Os anos setenta no Brasil foram marcados por contrastes sociais,
políticos e econômicos. Foram anos de massiva propaganda, anos de ditadura, falta de
liberdade, censura e perseguições. Mas foram anos de resistência, formada pelos
intelectuais, estudantes, operários, artistas. Muitos foram presos, torturados e banidos
para fora do país. Foram também, anos de muita propaganda oficial, anos dos slogans
do “Brasil! Ame-o ou Deixe-o” e o da dupla Tom e Ravel, cantores que em suas músicas
exaltavam o Brasil contribuindo para divulgar o regime, tais como “este é um país que
vai pra frente e ninguém segura a juventude do Brasil”. Foi também a década em que o
futebol esteve em pauta contribuindo para a alienação do povo, salientado pelo título de
tri-campeão mundial, bem no começo da década... "noventa milhões em ação". Houve
ainda neste período, a construção das chamadas obras faraônicas, como a construção da
rodovia trans-amazônica e a ponte Rio-Niterói. Os anos setenta podem ser vistos como
anos de chumbo brasileiro, mas também vivenciou o fim deste regime no final da
década, com a derrocada do regime militar (FAUSTO, 2004).
No então Estado de Mato Grosso, um conjunto de transformações
também estavam em andamento. As desigualdades sociais e econômicas entre a porção
sul, mais “desenvolvida”, e a porção norte de Mato Grosso, identificadas desde fins do
século XIX, impulsionaram o surgimento dos movimentos separatistas que, ao longo do
século XX, principalmente na década de 1930, encorajados e influenciados pelos
reflexos da Constituição Constitucionalista de 32 em São Paulo e na década de 40 com
um pequeno período de redemocratização do país, culminaram com a divisão do Estado
e a criação de Mato Grosso do Sul em 11 de outubro de 1977 (ABREU, 2003).
É dentro deste momento de mudanças que foram produzidos os filmes
“Pantanal de Sangue” (direção: Reynaldo Paes de Barros/1971) e “Desejo Selvagem –
Massacre no Pantanal” (direção: David Cardoso/1979). De um modo geral, esse
21 O sentido de Pantanal enquanto paisagem a partir dos filmes analisados irá na direção da paisagem
como algo que está além do físico imediato, pois no Pantanal existem cidades, o Pantanal é urbano hoje,
está no mundo em suas múltiplas escalas.
62
contexto transitório que se acentuava na planície pantaneira, também pode ser
identificado na trama dessas duas obras cinematográficas, entretanto, com enfoques e
temáticas diferentes. A luta pela terra, a dizimação dos grupos étnicos, a incorporação
de novos costumes à “cultura pantaneira”, e de novas tecnologias, estão no bojo da
discussão.
“Pantanal de Sangue” (imagem 17) foi realizado nas intermediações
da cidade de Miranda – no hoje pantanal sul-mato-grossense - trata-se de um importante
documento histórico. Detalhes da vida cotidiana, a lida com o gado, a busca por
alimentos, as comitivas e a disputa por terras e todo o conjunto de características sociais
e culturais que auxiliam na edificação de uma leitura paisagística dessas relações,
permeada pela estética cinematográfica, estão de certa forma representadas na tela.
Para a elaboração do roteiro, Reynaldo Paes de Barros baseou-se em
fatos que havia presenciado, e casos, contos e “causos” (o lúdico e o mítico tem uma
forte presença na região) que lhe contaram em sua infância, quando costumava passar as
férias na propriedade de seus pais no Pantanal. A partir dessas experiências, do seu
conhecimento acerca dos costumes e das manifestações folclóricas da região, e da
frondosa beleza natural do Pantanal, Barros conseguiu realizar uma importante obra
para a nossa cinematografia.
Imagem 17. Abertura do filme “Pantanal de Sangue”.
Tempo: 0’45”
Apesar dos recursos escassos, “Pantanal de Sangue” foi produzido
por sua empresa, a RPB Filmes (fundada em 1966) e contou com a participação de
atores consagrados do nosso cinema (Francisco de Franco e Elza de Castro) e com uma
63
equipe técnica especializada. A direção de fotografia e câmera ficou a cargo do próprio
Reynaldo, que contou com a significativa colaboração do iniciante Antônio Meliande.
Remo Usai foi o responsável pela música incidental do filme, a montagem para o
grande Mauro Alice (que vinha de importantes trabalhos na Vera Cruz) e a sua
distribuição ficou a cargo da CINEDISTRI (a mais importante produtora do cinema
paulista da época).
O cineasta campo-grandense Reynaldo Paes de Barros, formado em
cinema pela Universidade da Califórnia (Los Angeles), onde realizou seus primeiros
curtas-metragens: “The Rebel” e “Campus Queen”, consolidou a sua carreira no cinema
paulista nas décadas de 1960 e 70. Sua filmografia é composta dos seguintes filmes:
1966/67 – Férias no Sul (RPB Filmes); 1968 – Agnaldo Perigo à Vista (Fama Filmes);
1971 – Pantanal de Sangue (RPB Filmes); 1978 – A Noite dos Imorais (Mis Filmes).
Participou também, como assistente de direção de várias produções estrangeiras rodadas
no Brasil.
A trama do filme gira em torno da história do protagonista José das
Neves (Francisco de Franco), que inconformado com as ameaças de um novo e
autoritário fazendeiro da região, Chico Ribeiro (Milton Ribeiro), que quer se apossar
das terras de seu vizinho Miguel (Vicente Raveduti), José das Neves, intercede em favor
deste último. Chico repele as pretensões dos dois fazendeiros e ameaça invadir suas
propriedades. Estes denunciam a irregularidade à Delegacia de Terras do Estado, que
lhes dá ganho de causa. Segue-se um curto período de trégua. Mas, na primeira
oportunidade em que se defrontam, no local da venda anual dos bois da região, José
vence em duelo um dos capangas de Chico e humilha este último perante seus homens.
A resposta de Chico é arrasadora. A violência eclode, então, em ritmo crescente, e os
dois rivais (Chico e José) se confrontam até a morte, num desfecho trágico e sangrento.
Ao desdobrar da trama, podemos observar um conjunto de questões
importantes, como a formação da estrutura fundiária brasileira, pontuada por grilagens,
ausência do Estado e derrames de sangue, impulsionados pelas ambições dos
fazendeiros e criadores de gado local e a luta pela sobrevivência, ajudam a configurar
um cenário rústico, constituído por lugares abertos, paisagens exuberantes e,
concomitantemente, insólitas, formadoras de um sentimento de vacuidade e
marginalização. Certamente esses elementos existem, mas o foco da discussão deve
recair-se sobre como a linguagem cinematográfica monta sua narrativa e aponta para
outras questões mais fundamentais. Uma delas é a questão da natureza, no conflito entre
64
paraíso e selvageria. Daí se desdobra outro conflito, a questão entre civilização e
barbárie. O que acaba se destacando desses conflitos, travestidos de lutas, tiros e mortes,
é a problemática fronteira enquanto limite entre uma forma de vida e outra, entre
contato e separação, entre romper e continuar com a herança do poder.
A outra obra que serviu de referência para as nossas análises, foi o
longa-metragem “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal” (imagem 18), dirigido,
produzido e estrelado pelo sul-mato-grossense David Cardoso.
Figura 18. Cartaz do filme “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal”.
Fonte: Cinemateca Brasileira.
Trata-se de uma produção, ambientada em cidades e fazendas do Mato
Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, em Portugal e no Peru. No elenco estão
presentes a atriz internacional Ira de Furstenberg (princesa italiana e ex-mulher do
65
falecido playboy brasileiro Baby Pignatari), Hélio Souto, Alberto Ruschel, Yara Stein, a
atriz inglesa Gay Lucy, Sônia Saeg e centenas de figurantes para as cenas de batalha.
Repetindo a parceria, Ody Fraga ficou responsável em escrever o
roteiro e o argumento do filme, e David Cardoso com a direção, produção e o papel
principal (a personagem Tigre). O competente Cláudio Portioli ficou responsável pela
fotografia e câmera, e a trilha sonora foi composta pelo maestro Ronaldo Lark.
Mais uma história de muita emoção e aventura. A trama é ambientada
na região pantaneira, próxima ao rio Paraguai. O lugar ideal para homens
inescrupulosos em busca de fortuna, aventura e anonimato. Para quem chega, não se
pergunta quem é, nem de onde veio. Lá, Malamud (Alberto Ruschel) sonha construir
um império onde sua vontade seja lei, empregando um grupo de homens aventureiros e
violentos. As terras que ambiciona estão ocupadas legalmente e são administradas por
Martino (Nelson Morrisson), irmão do proprietário, que se encontra em viagem ao Peru.
Malamud e seu grupo assassinam o irmão, mas se defrontam com Mônica (Ira de
Furstenberg), viúva do proprietário, que chega da cidade disposta a se instalar nas terras,
agora suas por herança. Homem independente e aventureiro, Tigre (interpretado por
David Cardoso), um piloto que presta serviços a uns e outros sem se ligar a ninguém,
acompanha a escalada de violência de Malamud, que a cada dia amplia seu poder sobre
a região. Tigre toma partido do conflito e alia-se a Mônica, comandando a resistência
contra as desmedidas ambições de Malamud.
Apesar da produção requintada e dos altos investimentos, inúmeros
problemas ocorridos ao longo das filmagens comprometeram o resultado final do filme.
De acordo com David Cardoso, muitos desses problemas foram ocasionados pela
irresponsabilidade da princesa Ira de Furstenberg:
Mas ela era mesmo uma socialite que depois de dez dias de filmagens
no pantanal, disse que queria ir para Roma por causa de um desfile do
Valentino. Queria se ausentar por cinco dias. Disse que não, mas foi
inútil. O Ody Fraga começou então a mutilar o roteiro, e eu dei folga
antecipada para a equipe, mas no sexto dia nada dela voltar. No
décimo, a mesma coisa. Fui mudando, mudando e a Ira só retornou 20
dias depois e fez apenas a seqüência final. Então, o filme acabou
ficando sem sentido por causa dela (STERNHEIM, 2004, p. 95).
David queria realizar uma espécie de “Rambo Ecológico”, mas as
modificações no roteiro não agradaram o público e a crítica. Foi lançado
66
comercialmente na principal sala exibidora de São Paulo, o Cine Marabá, onde ficou
três semanas em cartaz22.
Após essa rápida apresentação/contextualização das duas obras
analisadas, é importante ressaltar algo que já fora explicitado no primeiro item deste
capítulo: ambos os filmes, apesar de serem totalmente ambientados na região pantaneira
ou áreas próximas, a quase totalidade dos técnicos, atores, diretores, os recursos
financeiros disponibilizados para a produção e as produtoras envolvidas no projeto são
“estrangeiros” a essa espacialidade. Apesar dos dois diretores serem nativos, nascidos e
criados aqui no Estado, muito cedo partiram para o grande centro, São Paulo e, no caso
de Reynaldo, Los Angeles, e consolidaram sua carreira e montaram suas respectivas
produtoras, a DaCar Produções Cinematográficas e a R.P.B. Filmes em São Paulo, mais
precisamente, na chamada “Boca do Lixo”. Trata-se, portanto, de um “cinema no
pantanal” e não, um cinema do pantanal.
Situada no centro velho da cidade de São Paulo, a “Boca do Lixo”
(assim batizada pela crônica policial da década de 50 em decorrência da forte presença
da marginália boêmia e das zonas de prostituição do baixo meretrício), abrangia as
intermediações das ruas Timbiras e Protestantes e as avenidas Rio Branco e Duque de
Caxias (Bairro da Luz e Santa Efigênia), onde estavam localizadas as estações
ferroviárias da Luz e Júlio Prestes, e a antiga rodoviária. As estradas de ferro eram as
vias tradicionais de acesso dos filmes às cidades do interior. Nesse sentido, a região
acabou se tornando o grande foco da distribuição cinematográfica no Brasil. Já nas
décadas de 1920 e 30, distribuidoras importantes como a Paramount a Fox e a Metro
(MGM), utilizavam desse canal.
A primeira produtora a se instalar na região foi a CINEDISTRI, de
Osvaldo Massaini em 1951 na gloriosa Rua do Triunfo. Após a realização (ainda que
precária) de um conjunto de obras ligadas ao “Cinema Marginal” nos anos 60, a “Boca”
se firma na década seguinte como um importante núcleo de produção cinematográfico
impulsionado, entre outros fatores, pela criação do INC Instituto Nacional do Cinema
em 66, e pelo surgimento das leis de obrigatoriedade e reserva de mercado.
A parir de 1972 inúmeras produtoras passam a se instalar nas ruas do
Triunfo e Vitória, surge ali uma vasta e diversificada produção calcada nos ciclos dos
filmes de cangaço, nos “westerns”, nas comédias eróticas e pornochanchadas (que
22 De acordo com dados da Agência Nacional de Cinema, o público estimado do filme “Desejo Selvagem
– Massacre no Pantanal” foi de 575.473 espectadores.
67
marcou os maiores êxitos de público em toda a história do cinema nacional) e, já na
década de 80, com os filmes de sexo explícito. Algo muito próximo do que poderíamos
chamar de uma indústria cinematográfica (mesmo que pulverizada em diversas
produtoras independentes).
A estética da “Boca do Lixo” foi desenvolvida por diversos diretores e
técnicos, muitos dos quais, ajudaram a enriquecer a produção cinematográfica em Mato
Grosso, com a realização de inúmeras obras de longa-metragem ambientadas aqui na
região, atraídos pela paisagem inóspita, pela beleza exótica da paisagem e por
receberem apoio logístico, técnico e financeiro oferecidos por várias prefeituras e do
Governo do Estado. Ozualdo Candeias, David Cardoso, Reynaldo Paes de Barros,
Virgílio Rôveda, são alguns dos nomes que permeiam esse contato cinematográfico
entre a “boca” e as diversas regiões do Mato Grosso nesse período.
Há, nesse sentido, um jogo de escalas de diferentes culturas que se
relacionam dentro da mesma espacialidade, e que se integram na unidade de suas
experiências individuais e que ajudam a criar o que os antropólogos chamam de
“culturas pantaneiras”, como veremos de forma mais aprofundada no decorrer das
discussões. Nada é estaque em si. Diante destas constatações, partimos então das
imagens desse filmes que foram filmados no pantanal para uma leitura geográfica
paisagística dessas obras.
Ancorados em uma estrutura narrativa bem linear, ambos os filmes
procuram abordar questões relativas à violência e às injustiças sociais cometidas na
fronteira, nos confins geográficos do território, fora dos centros urbanos, os quais
sofriam violenta repressão política e cultural, notadamente durante a Ditadura Militar,
principalmente questões referentes ao conflito fundiário, a luta pela terra e uma dada
concepção, ancorada em valores estéticos, do que vem a ser o Pantanal. Entretanto, é
sabido, que ao realizarem essas obras cinematográficas, a manifestação desses aspectos
geográficos, principalmente, científicos e acadêmicos, portanto, a paisagem e o lugar
onde ambas as tramas se desenvolvem, não era a preocupação maior de seus criadores, o
pantanal, que em princípio, aparece apenas como pano de fundo para o desenvolvimento
das narrativas, durante a análise proposta ganham um sentido e um significado mais
evidenciado, mais destacado e importante. Ao selecionarmos passagens, trechos e falas,
num processo de desconstrução das tramas, e relacioná-los com elementos da ciência
geográfica, pequenos detalhes saltam aos olhos e ajudam a compor a leitura paisagística
da região.
68
Os diferenciados processos de ocupação do território brasileiro
proporcionaram a criação de uma divisão regional interna, detentora de características
próprias, definidas por ritmos e níveis de crescimento econômico e desenvolvimento
social diferenciados. Nesse sentido, a Região Centro-Oeste e, principalmente, o Mato
Grosso, traduz-se num importante exemplo dessa condição, haja vista, que durante um
longo período, essas espacialidades eram pensadas e imaginadas como verdadeiros
“vazios” demográficos, ou na melhor das hipóteses, como um vasto quintal ou pasto
propício para o desenvolvimento das atividades pecuárias. Algo que predominou no
interior da divisão territorial do trabalho até o início dos anos 70.
Nesse sentido, Queiroz (2003, p. 20) acrescenta que
Algumas das principais características dessa região, que emergem e
são reiteradas ao longo dos séculos, poderiam ser assim resumidas:
vastidão territorial; situação fronteiriça; grande distância dos centros
dirigentes brasileiros (situados no litoral atlântico); precariedade das
vias de comunicação existentes no interior da própria região e entre
elas os ditos centro; população não-indígena diminuta e dispersa;
estrutura fundiária marcada pela grande propriedade.
Além da vastidão das planícies, havia ainda e desassistência do Estado
que favorecia a consolidação de uma sociedade marginal, marcada pelas intensas
disputas de terras, pela violência e pela larga exploração agropastoril. É desse ambiente
rústico, vasto e longínquo, que o vaqueiro José das Neves (de o “Pantanal de Sangue”),
retorna para o conforto de sua morada e para o seio da família, após dias de invernada
na busca por reses desgarradas e por alimento. Em toda essa seqüência inicial, a música
incidental composta por Remo Usai, é tensa, rude e transmite uma sensação de vazio, e
de estarmos inseridos em um ambiente selvagem.
Fazendo alusão à canção “O Menino da Porteira” (composta em 1955
por Teddy Vieira e Luizinho, e levada aos cinemas em um filme homônimo no ano de
1977, pelo diretor Jeremias Moreira Filho, tendo o cantor Sergio Reis como
protagonista da trama), ao chegar a sua propriedade, José das Neves avista seu filho
Zezinho (Jean Stefan) que o aguardava ansioso em cima da porteira. O garoto sai em
sua direção gritando para a mãe (seqüência de imagens 19 e 20):
- é o pai, mãe!
Sua esposa (a atriz Elsa de Castro), encarregada de cuidar da criança,
dos afazeres domésticos e da criação, sintetiza, apesar de visivelmente contente com o
regresso do marido, o infortúnio:
- você demorou tanto dessa vez, tá tão barbudo.
69
De um modo geral, essa passagem inicial possibilita estruturar um
leque diversificado de discussões ancoradas na vasta complexidade do ambiente
pantaneiro, no seu âmago e nas condições sociais do meio em que o homem pantaneiro
vive. É a vida humana materializada nas duras condições da planície pantaneira.
Imagem 19. Zezinho e a volta do pai (Pantanal de Sangue).
Tempo: 2’52”
Imagem 20. O reencontro com a esposa (Pantanal de Sangue).
Tempo: 3’40”
70
Estes são elementos constituidores de um modus vivendis23, o que
hoje, à luz dos nossos conhecimentos e ancorados em teorizações, denominamos por
“cultura pantaneira”, que é a essência da constituição de uma dada identidade regional.
Essa identidade regional existente no Pantanal, foi construída a partir
da interação e da assimilação de hábitos e costumes dos imigrantes vindos de diversas
partes do país e de países vizinhos (principalmente o Paraguai e a Bolívia), e que foram
condicionados a uma dada forma, muito peculiar, de organização do espaço (vide, entre
outros, BANDUCCI JR, 2003).
Ocorre aí, portanto, a consolidação de um espaço extremamente
diversificado, devido a interação dos diversos ecossistemas existentes, por isso se pode
dizer que o Pantanal são vários pantanais, todos constituídos por uma densa rede
hidrográfica, que condicionam tanto a vegetação, a fauna, o solo e a vida do homem,
quanto a diversidade cultural24.
É nesse sentido que afirmamos que o Pantanal não seria o que é, sem
o homem que habita suas pastagens e as barrancas de seus rios.
Sabemos hoje que o homem é um sujeito ativo em suas ações na
modificação, transformação, destruição ou na preservação do espaço e do ambiente que
habita. No Pantanal essa relação Homem X Ambiente se confundem e se acentuam num
convívio em constante regime de trocas, mantendo vivo um elo de solidariedade. Assim,
pantanal e Homem pantaneiro, acabam perpetrando a existência de uma única realidade
antropogeográfica Essa afirmação só se justifica se entendermos como único, o físico
perceptível das extensões naturais, pois os termos diversos, assim como a hegemonia do
modo urbano e os conflitos frente às várias formas de sobrevivência marginal nas
23 Entendido como um arranjo temporário que possibilita a interação e a coexistência de grupos
antagônicos em uma dada espacialidade num período, mesmo que determinado. A cultura e a identidade
pantaneira são elementos em constante elaboração, instantes ou fotogramas de uma paisagem instável e
inacabável, permeada por conflitos e equilíbrios dentro desse espacialidade caracterizada por elementos
específicos e inerentes a ela (SANTOS, 2003). 24 O Pantanal, essa imensa planície de inundação e não um pântano ou lamaçal, como muitos o
classificam, estende-se por mais 140.000 km2, só em território brasileiro (ocupando uma significativa
porção da parte oeste do Estado de Mato Grosso do Sul e, em menores proporções, o sudoeste de mato
Grosso), caracterizando-se como um bioma extremamente diversificado. Em função dessa diversidade,
convencionou-se dizer que o Pantanal não apenas um, mas vários pantanais. De acordo com as
interpretações dos próprios pantaneiros tem-se, por exemplo, de acordo com os tipos de solo, os pantanais
da areia, do barro, do minhocal. Ou ainda, os Pantanais do Itiquira, de Paiaguás, que mantém grande parte
de sua área alagada ao longo do ano, formado por muitas baías e lagoas, o Pantanal de Poconé, do Rio
Negro, da Nhecolândia, com seus campos repletos de salinas, baías e capões-de-mato, do Miranda-
Aquidauana e muitos outros. A literatura especializada classificou a co-existência de oito pantanais, mas
dependendo dos fatores utilizados para a classificação, esse número pode ser bem maior. Para maiores
informações consultar NOGUEIRA (1990); NOGUEIRA (2002), PORTELA& NETO (1998), MENDES
(1997), vide bibliografia.
71
periferias, apontam para uma complexidade e diversidade espacial do que se denomina
Pantanal, essa diversidade que fundamenta sua unidade geográfica em constantes
conflitos e tensões.
Assim como acontece em qualquer outra localidade do planeta, o
homem pantaneiro para sobreviver em seu meio sócio-cultural, também adotou e passou
a elaborar referenciais geográficos de localização e orientação dentro de sua
espacialidade, ou seja, o sujeito passa a compreender melhor o seu espaço de vida a
partir do momento em que os valores éticos e estéticos passam a ser adotados no
processo de inter-relação com o seu lugar.
Vivendo em um ambiente onde homem e natureza, instâncias
indissociáveis segundo nossos referenciais, este ser pantaneiro aprendeu a interpretar os
sinais e os fenômenos existentes em seu ambiente. Ao longo dos séculos, o pantaneiro
aprendeu a observar a dinâmica da natureza, em especial, o regime das águas, algo tão
marcante e presente na vida deste homem.
Nesse sentido, Nogueira (2002), aponta que
Embora usando métodos diferentes, pode-se dizer que o pantaneiro é,
ao mesmo tempo, um botânico, um zoólogo, um astrônomo, um
geógrafo acostumado à leitura semiótica da natureza, com a qual
aprendeu a conviver, no dia-adia.
Ao colocar em prática suas experiências testadas secularmente pela
relativa margem de acertos, em situações similares, acabou
estabelecendo algumas leis empíricas que são arroladas por eles
mesmos como experiência de vida (p. 31).
É nesse ato de, primeiro observar o comportamento dos animais
(domésticos e selvagens), da flora e os aspectos fisiográficos e morfológicos da
paisagem, para em seguida, elaborar formas de ação, manejo e apropriação, por vezes
consciente, dos recursos oferecidos (como as plantas medicinais, frutos e alimentos),
que o pantaneiro, não em sua totalidade, embasa o seu modo de vida.
Contudo, os filmes em questão, sobretudo “Pantanal de Sangue”, não
explicitam o conjunto das dinâmicas naturais do Pantanal e sua estética como a
conhecemos hoje, como o ciclo das cheias e o ritmo da natureza que estão intimamente
ligados a espacialização das relações sociais do homem pantaneiro no seu habitat. Por
meio de teorias científicas sabemos que esse ciclo das águas contribui com a
manutenção do equilíbrio do sistema ecológico da região. São as cheias que fazem
brotar o verde nas pastagens naturais e que garantem a sobrevivência dos corixos
(cursos de água ou braços de rios) que nem sempre conseguem resistir frente às longas
72
estiagens. Tanto em “Pantanal de Sangue” quanto em “Desejo Selvagem...”, essa
alternância entre período de cheias e de estio, que caracterizam as condições de vida
locais, está presente na vida do homem pantaneiro. Ela se manifesta não de forma
explícita, mas embrenhada na trama e na experiência cotidianamente vivenciada por
cada personagem. Como expressado na fala de José das Neves: “O Pantanal tá
enchendo, e o gado compadre?, responde seu peão Felipe: “Tá subindo”.
Desde cedo o homem pantaneiro convive cercado de animais
domésticos, como aves, porcos, ovelhas, cavalos e gado que são criados com finalidade
bem definida de servir o homem, seja enquanto alimento, ou como auxiliares no
trabalho diário. Ana, esposa de José das Neves, com a ajuda de Cali (Dina Flores),
ordenha as vacas, cuida das galinhas e dos porcos, enquanto o marido esta alongado no
campo. (seqüência de imagens 21, 22 e 23), ou como os cachorros de Malamud
(Alberto Ruschel).
Imagem 21. Ana e Cali ordenhando as vacas (Pantanal de Sangue).
Tempo: 3’01”
73
Imagem 22. Zezinho e Cali cuidando das galinhas (Pantanal de Sangue).
Tempo: 5’31”
Imagem 23. Ana alimentando os porcos (Pantanal de Sangue).
Tempo: 5’42”
De fato, há uma perspectiva utilitarista nessa relação, haja vista, que
estes animais que suprem as necessidades da família, entretanto, a partir do convívio
diário, principalmente com os cães, que auxiliam os vaqueiros na lida com o gado e nas
“batidas” em busca de caças (como os cães da fazenda de Mônica – personagem vivida
por Ira de Furstemberg em “Desejo Selvagem...” – imagem 24), há a edificação de
outros parâmetros e valores que permeiam as relações entre os homens e seus animais.
74
Imagem 24. Cães brincando na sede da fazenda de Mônica (Desejo Selvagem...).
Tempo: 46’22”
O convívio diário, o contato íntimo, acabam por despertar entre eles
fortes sentimentos de amizade, fidelidade e simpatia, interferindo
diretamente em seu relacionamento. É comum os moradores das
fazendas, principalmente mulheres, criarem papagaios, periquitos e
aras como animais de estimação (BANDUCCI JR. 2007, p. 103).
Entretanto, essa relação nem sempre é amigável. Quando algum
animal apresenta algum comportamento inconveniente, apresentando alguma ameaça
aos outros animais, são duramente castigados. Em suas brincadeiras infantis nos
campos ao redor de sua casa, Zezinho (filho de José das Neves), acompanhado de sua
espingardinha de madeira e do seu fiel escudeiro, o Mascote, provavelmente seu único
amigo, avistam um gavião que está tentando comer os pintinhos do galinheiro. Numa
atitude desesperada e instintiva, Zezinho corre até seu pai, que está dormindo, e o
chama para abater o gavião com seu comportamento reprovável diante das concepções
pantaneiras (seqüência de imagens 25 e 26).
Sorrateiramente Zezinho diz:
- Pai, ô pai, o gavião tá querendo pegar os pintinhos!... E a minha
espingardinha não dá tiros.
José das Neves, que repousava atende ao pedido do filho:
- Tá bom, vamos lá!
Com um único e certeiro tiro, José das Neves liquida o pobre pássaro.
Mas o gavião não é o único “bicho”, nos dizeres pantaneiros, a “perturbar” a ordem na
fazenda.
75
Partilhando das mesmas opiniões, os peões da fazenda de Malamud
(de “Desejo Selvagem...”) e o peão Felipe (personagem de Jorge Karan em “Pantanal de
Sangue”), a onça, ou pintada, como a chamam, se apresenta como um tormento, ou
melhor, como um fantasma que, ao rondar a propriedade e o local onde as criações
ficam durante a noite, deixa apenas seu rastro e suas marcas. A caça desses animais é
qualificada pelos biólogos como “retaliativa”; ou seja: é uma reação ao ataque desses
animais ao gado. Assim, a questão básica colocada pelos biólogos, tendo em vista a
preservação das onças, é: “como resolver o conflito?”
Imagem 25. O Gavião no topo da árvore avistado por Zezinho (Pantanal de Sangue).
Tempo: 7’05”
Imagem 26. José abatendo o pássaro (Pantanal de Sangue).
Tempo: 7’52”
76
O animal permeia o imaginário dos moradores locais. Há inúmeros
“causos” de ataques de pintadas não só as criações, mas também a seres humanos, há
também “causos” quanto a sua destreza, suas habilidades e ainda, sobre fatos
sobrenaturais envolvendo os espíritos dos que já partiram.
Ao avistarem urubus sobrevoando uma mata próxima a propriedade,
Malamud ordena que seus peões saiam para uma “batida”, após alguns minutos
encontram a carcaça de uma novilha que havia sido abatida por uma pintada (imagem
27).
Imagem 27. Restos da novilha abatida pela onça (Desejo Selvagem...).
Tempo: 70’11”
Esse aspecto deve ser analisado dentro dos paradoxos aparentes que
apresenta, ou seja, ao colocar o sentido de harmonia e unidade do homem com o meio,
parece que o sentido de humano se esvaiu em meio a lógica própria da natureza
pantaneira, quando na verdade é mais uma forma de se adaptar a certos limites
tecnológicos e técnicos de controle territorial, já que o aceitável enquanto natureza é a
idéia socialmente humanizada de recursos necessários a sobrevivência humana (gado e
galinha para abate). Todo elemento natural que inflija essa prioridade humana passa a
ser selvagem, um obstáculo que deve ser eliminado (gavião e onça). A lógica, portanto,
é sempre a do homem, que instaura uma determinada idéia e uso de natureza em
conformidade com seu aparato técnico de controle e sobrevivência no lugar. Eis a
geografia que podemos interpretar das cenas. Natureza, portanto, nunca foi natural no
Pantanal. A questão é como os filmes apresentam as imagens, com quais recursos, não
conteúdo em si, mas a linguagem empregada para registrar as imagens.
77
Rapidamente uma caçada foi organizada, Tigre (interpretado por
David Cardoso), o mais esperto e corajoso dos homens de Malamud, lidera as buscas,
acompanhado dos chamados, “cachorros onceiros”. Verdadeiros mestres na arte de
farejar, os “cachorros onceiros” seguem somente o rastro da onça, e não vão atrás de
nenhum outro animal; além disso, ele tem a reputação de saber que a onça pode subir
nas árvores, ficando sempre atento a isso.
Munido de sua “zagaia” (imagem 28), uma espécie de lança para
arremesso, um instrumento bem típico na região, dois peões e com os “cachorros
onceiros”, Tigre parte para a captura e abate do felino. Ao se depararem com o que
sobrou da novilha, expressam sua indignação:
Imagem 28. A Zagaia (Desejo Selvagem...).
Tempo: 70’45”
(Tigre) – Mas que estrago, “heim” pessoal?
(Peão 1 – camiseta azul) - Viu só?... Seu Malamud tinha razão, essa
onça é assassina, só mata por prazer!
(Tigre) – E ela está por pert, vamos pessoal?
Os homens se embrenham na mata, com o auxilio de facões abrem
uma pequena trilha e seguem em direção ao felino. Os cães estão ouriçados, sabem que
a fera esta próxima, ladram continuamente e se animam, como se estivessem querendo
dizer algo aos homens ou alertá-los do perigo iminente.
Em poucos instantes os peões encontram numa clareira aberta na
mata, as pegadas, rastros do feroz felino, novamente a questão do “olhar observador” do
78
pantaneiro entra em ação, a relação sempre é indicial. Há indícios de que o “inimigo”
possa estar próximo. De repente, as orelhas se levantam, os focinhos perscrutam com
insistência a relva, e os cachorros, latindo nervosamente, saem em desabalada carreira à
frente dos caçadores. Com essa manifestação, já se sabe então: a onça está perto.
Ao avistar a pintada, sorrateiramente Tigre, com uma espingarda de
sonífero em punhos grita:
- Agora ela vai dormir um pouquinho!
Um único e certeiro tiro de tranqüilizante faz o “bicho” adormecer.
Em seguida é colocada em uma jaula e levada para um lugar desconhecido (seqüência
de imagens 29, 30 e 31).
Geralmente, nesse duelo de vida e morte, o homem é quase sempre o
vencedor. Abatida a fera, cada um dos participantes da caçada receberá sua recompensa.
Ao home caberá a pele, aos cães, a carne e os ossos.
Tecnicamente, essa passagem do filme “Desejo Selvagem...” é
significativa. A edição rápida, a música frenética e os movimentos de câmera e closes,
dão a dinamicidade necessária para a construção e representação deste momento. Nos
momentos de maior tensão, a face dos homens (imagem 29) e a do felino (imagem 30),
é mostrada em close na tela.
Imagem 29. Abrindo passagem (Desejo Selvagem...).
Tempo: 71’05”
79
Imagem 30. O encontro! (Desejo Selvagem...).
Tempo: 71’34”
Imagem 31. O Abate! (Desejo Selvagem...).
Tempo: 71’50”
Com o auxílio dos recursos estéticos acima citados, o cinema tenta
recriar ou representar determinados aspectos da “realidade”. Ao criar essa atmosfera, o
cinema nos transporta para ação que transcorre na trama. Ao relacionarmos as imagens
presentes em nosso arcabouço imagético (fruto de experiências vivenciadas), com as
imagens que estão sendo reproduzidas na tela, cria-se a “representação” e a ilusão de
estarmos inseridos na trama do filme, é como se estivéssemos lá, sentindo a emoção de
participar de uma caçada. Essa seria uma das formas pelas quais o cinema (re)cria um
80
sentido paisagístico às imagens, ou seja, imagens isoladas em si, mas que a partir do
momento em que são contextualizadas em uma ação, passam a expressar um sentido.
Entretanto, essa suposta sensação de, dentro das possibilidades,
estarmos inseridos “dentro” da ação, da trama, é apenas ilusória. Como já destacamos
no segundo capítulo dessa dissertação, uma das especificidades da relação existente
entre o cinema e a geografia, se concentra na possibilidade que a linguagem
cinematográfica tem de “apoderar-se” da espacialidade real cartografável e (re)cortá-la e
(re)criá-la à sua maneira, incorporando novos sentidos, valores e focando-as sobre
diferentes perspectivas e angulações. Nesse sentido, se não disséssemos a você, caro
leitor, talvez não percebesse, mas essa seqüência fora totalmente rodada nos arredores
da cidade de Guarulhos no Estado de São Paulo, e não em alguma fazenda pantaneira,
como sugere a trama e as imagens analisadas. Mas mais que ter sido filmado em outro
lugar, a forma como possibilitou seqüência aos planos, fazendo uso de enquadramentos
próximos e médios, uso de sons e música, assim como a forma de edição. Isso, num
jogo de escalas, tendo como parâmetro a relação natureza-sociedade, aponta para muitos
significados, além apenas das condições antropológicas da vida no lugar.
O ator-produtor-diretor David Cardoso enfrentou uma série de
problemas e dificuldades para a realização dessa seqüência. Durante as filmagens o
animal foi fatalmente ferido, e as autoridades ambientais entraram com um processo
contra a produção. Os detalhes podem ser conferidos neste fragmento, extraído da sua
biografia:
Iniciamos a operação de retirada do felino da jaula. Não foi fácil
prender uma de suas patas com o cabo de aço. Todos ajudando, dando
palpites. Isso feito, o animal imprimiu uma corrida a toda velocidade
até o tronco da árvore, onde justamente queríamos. Estava
entusiasmado. Seria, a meu ver, a maior cena real de uma caçada
tendo o próprio ator participando. Gritei: “Câmera, ação!” Soltaram os
cachorros. O de propriedade do zagaieiro foi ao encontro da onça.
Nós, atrás. A onça murchou as orelhas e, como que rastejando na
mata, veio ao encontro do cachorro. Enfurecida, deu um tapa na
cabeça do cão e o arremessou a uns dez metros. Quebrou o pescoço,
inerte. O homem ficou uma verdadeira fera e investiu com a sua
zagaia contra a onça [...] Não teve dúvidas, enterrou sua arma na
jugular da pintada, que soltou um gemido e morreu (MEDEIROS
FILLHO, 2006, p. 112 – grifo nosso).
Esses são fragmentos de uma “realidade” existente para além da trama
e do espaço fílmico, que segundo ALVES (2006), ajudam a compreender as cercanias
em que a obra foi concebida. Ao analisarmos uma obra fílmica, o contexto histórico em
81
que esta fora produzida, determinados aspectos estéticos utilizados e as características e
as opções escolhidas pelo diretor/produtor/roteirista, ajudam a construir um quadro
geral e referencial da obra em questão. Esses elementos não são determinantes em nossa
leitura, entretanto são fundamentais para elencarmos um ponto de partida para
lançarmos o olhar geográfico sobre a película e suas imagens.
Nos arredores das fazendas de “Pantanal de Sangue” o temido felino
também faz parte do imaginário dos pantaneiros locais deixando suas marcas na
paisagem. Aqui, outro aspecto da relação existente entre o homem pantaneiro com seus
animais domésticos é retratado: os significados da morte de um animal “amigo”.
Ao lançar o olhar sobre sua espacialidade, o pantaneiro identifica uma
série de elementos e sinais. Em suas “batidas” pela planície pantaneira o peão Felipe
(Jorge Karan), funcionário de José das Neves, avista os restos de uma novilha abatida
pela pintada, logo em seguida dirigi-se à fazenda para relatar o ocorrido:
- Ah “cumpade”, achei uma carniça de onça lá embaixo. Matou uma
das novilha sua. Comeu só o peito e a paleta e foi embora.
(José das Neves) – Pintada?
(Felipe) – Das grandes!
(José das Neves) – Temos que matar logo compadre, antes que faça
um estrago no gado.
Os peões, sentados à mesa na varanda da fazenda, travam o plano de
caça. Após almoçarem, reúnem os “cachorros onceiros” e saem pelo campo em busca
do felino “inimigo”. Mas há um diferencial nessa batida: o cachorro “Mascote”, o único
e fiel amigo de Zezinho, apesar de jovem, também é levado por José das Neves para a
caçada.
Assim como em “Desejo Selvagem...”, os peões de José das Neves, de
“Pantanal de Sangue”, saem atrás dos rastros deixados pelo animal. Logo de início se
deparam com o gado todo esparramado ao longo do pasto (uma das características da
pecuária ultra-extensiva praticada na região). Com o seu instrumento de chamar a
boiada, o berrante, Felipe começa a atrair os animais para perto da cerca. Não demora
muito e Felipe encontra rastros da fera e, com suas técnicas de observação, lança um
olhar sobre essas pistas deixadas no solo e diz, de forma contundente:
- Olha, não faz uma hora que passou por aqui.
82
Sobre essas experiências, a forma como o homem pantaneiro codifica
e se relaciona com o seu ambiente-lugar, Nogueira (2002) nos dá uma importante
contribuição:
Desconhecer ou não dar importância à atuação do homem pantaneiro,
sobre seu sistema ecológico, ou melhor, não levar em consideração
suas experiências culturais, baseadas na observação dos fenômenos
naturais, significa ignorar o que há de mais fundamental na vida desse
ecossistema, uma vez que as práticas sociais são produto da “visão de
mundo” do homem dos pantanais, da sua maneira de codificar o
universo natural, criando, a partir daí, seu próprio universo cultural (p.
30).
Esse é o melhor exemplo do que chamamos de geografia do cotidiano,
algo por vezes, distanciado do que se convencionou chamar de discurso científico
geográfico. Essa “geografia do cotidiano” encontra-se intersticialmente mergulhada na
vida concreta e cotidianamente vivenciada pelos indivíduos e, portanto, não se restringe
meramente a conceitos e palavras em si, mas sim, na riqueza das imagens captadas e
armazenadas por esse homem pantaneiro ao longo de suas vivências. Toda e qualquer
experiência são transformadas em imagens mentais e armazenadas, como já dissemos,
em nosso arcabouço imagético, e são resgatadas e acessadas para interagirem com
novas imagens adicionadas a esse “banco de dados”, a cada nova experiência.
Essas imagens mentais, captadas por todos os sentidos perceptivos,
servem para os seres se posicionarem no mundo, balizarem leituras do momento e da
espacialidade em que estão inseridos num dado momento, contribuem na edificação de
interpretações do mundo empírico. É nesse contexto que, ao se qualificarem,
interagindo com outras imagens e experiências, que essas imagens tornam-se paisagens,
passíveis de serem compreendidas pelos homens e contribuindo para que os seres se
localizem no espaço, conheçam seu lugar e se orientem no mundo.
O mesmo ocorre com os peões e com José das Neves, ao vivenciarem
o seu espaço cotidianamente, elaboram representações imagéticas dessa relação,
construindo imagens que irão se interagir com outras e que confabularam na edificação
de um sentido lógico, um sentido paisagístico para a sua geograficidade cotidianamente
vivenciada.
Voltando a trama, após algumas horas de cavalgada encontram a
carcaça do animal abatido pela onça. Assim como aconteceu em “Desejo Selvagem...”,
os “cães onceiros” de José das Neves conseguem encontrar o felino que acaba morto.
Entretanto, há um diferença, e como havíamos alertado, um fato novo, mais um
83
elemento da vida cotidiana desses pantaneiros e que contribuem na leitura paisagística
dessas obras cinematográficas em questão, é acrescentado: o “Mascote”, o cão-amigo de
Zezinho, que nunca antes participara de uma caçada, foi fatalmente ferido (imagem 32).
Ao avistar o pequeno cão, Felipe exclama:
- Onça desgraçada.
E parte para o confronto sangrento.
José das Neves e seus peões regressam cabisbaixos para a fazenda. O
animal selvagem que estava açoitando o gado fora abatido, mas tiveram que pagar um
preço: a morte do jovem cãozinho. Quando chegam à fazenda, Zezinho, como nas
seqüências iniciais do filme, aguardava ansiosamente a volta do seu pai. Quer saber
quem conseguiu matar a onça:
- Foi o senhor que matou pai?
[...] em seguida, questiona sobre o paradeiro do cão:
- Cadê o Mascote pai?
José das Neves não sabe como dar a notícia ao garoto e se cala diante
à situação (imagem 33).
Sobre esses aspectos, Banducci Jr. (2003) contribui com suas análises,
de forma significativa:
O convívio diário, o contato íntimo, acabam por despertar entre eles
fortes sentimentos de amizade, fidelidade e simpatia [...] A morte
dessas criaturinhas costuma ser causa de grande consternação para os
donos que, por longo tempo, lamentam a perda do “amigo”, recordado
suas qualidades e feitos memoráveis (p. 103).
Até o presente momento, um conjunto de elementos a cerca dos
aspectos identitários da Região pantaneira, foram abordadas e analisadas a partir da
perspectiva apontada pelas obras cinematográficas em questão. Como não poderia ser
diferente, esse conjunto de elucubrações teóricas, que visa estabelecer uma leitura
paisagística possível a partir das imagens fílmicas sobre o pantanal, possui o Homem e
sua identidade com o ambiente, como mote para as discussões. Nesse sentido, que
homem é este? Quem seria este “Homem Pantaneiro” que está impresso no celulóide e
que foram captados e representados pelas lentes do Cinema Brasileiro? Quais
personagens fazem parte dessa trama, e que função exerce dentro desse ambiente
marcado pela marginalização e pelo suposto “isolamento”?
84
Imagem 32. Mascote morto (Pantanal de Sangue).
Tempo: 18’48”
Imagem 33. Retorno de José das Neves (Pantanal de Sangue).
Tempo: 20’22”
Talvez não exista uma resposta exata para essas indagações, visto que,
assim como o Complexo Pantaneiro, a “realidade” de esse ser que o habita também se
apresenta de forma multifacetada. Para conhecer este homem, suas crenças, seus mitos,
suas práticas simbólicas, sua imaginação fértil povoada de histórias e causos, suas
riquezas, misérias e contradições, é preciso colocar os “pés no chão” e adentrar nos
meandros dessa imensa planície denominada Pantanal.
Por vezes, a historiografia oficial mais tradicional e mesmo o
imaginário local, estabeleceram que o verdadeiro homem pantaneiro fosse o fazendeiro,
85
o dono das terras e das grandes boiadas, detentor de uma “cultura refinada”, calcada nas
tradições burguesas que se opõem ao modo de vida e à cultura rústica do peão, do
vaqueiro, entre outros.
Contudo, é nesse espaço dotado de características próprias, povoado
por culturas e das mais variadas etnias que se materializa a figura do homem pantaneiro.
Essa é uma terra de migrantes em busca de melhores condições de vida e de trabalho.
Paraguaios, bolivianos, gaúchos, mineiros, baianos, paulistas, entre outros, agregaram
múltiplas características identitárias à região. As tramas de “Pantanal de Sangue” e
“Desejo Selvagem...” viabilizam a edificação de um amplo conjunto de relações sociais
e de trabalho consubstanciadas por peões, vaqueiros, bugres, donos de terras, povos
indígenas (os Terenas, os Kadiwéu, os Kinikinau e os Guatós que tiveram suas terras
usurpadas á medida que as terras do pantanal eram ocupadas pelo homem branco) e os
chamados “alienígenas” (o home branco vindo de outras regiões), corroboram com a
perspectiva de que são estes e tantos outros, os constituidores do “verdadeiro ser
pantaneiro”25.
Aqui outra questão se destaca a partir das obras analisadas. Boa parte
do que os filmes podem contribuir para se entender de forma mais ampla o sentido de
paisagem pantaneira, se encontra no que eles não registram imageticamente. Estão nos
silêncios, no que está para além da imagem captada pelas câmeras. Aí estão os índios
ausentes, ou apenas trabalhados de formas estereotipadas. Aí estão as cidades e suas
periferias esquecidas; aí se apresentam as rotinas de outras culturas englobadas em
grandes estados (paraguaios e bolivianos). Esses não visíveis é que cobram da geografia
um trazer para o perceptível, fazendo com que as imagens das tramas não fiquem
restritas ao óbvio da violência e injustiça, mas se expressem em paisagens mais
dinâmicas e complexas.
As práticas simbólicas e seu conjunto de crenças, superstições e
benzeções, os mitos, o humor e a imaginação prodigiosa, que flui intensamente durante
as rodas de tereré quando os vaqueiros relatam seus causos e mitos, dentre eles o mito
do “Mãozão”, “espécie de versão pantaneira do pai do mato [...] descrito quase sempre
como um homem estranho, corpulento, com uma força descomunal que vive nos
cerrados e matas fechadas e não suporta a presença de desconhecidos [...]”
25 Não intencionamos discutir como se formou e quais são as características da identidade territorial do
homem pantaneiro, mas sim, apontar quais personagens e as funções que exercem, estão presentes nas
narrativas fílmicas analisadas. É importante destacar que são essas personagens, seus costumes e hábitos
que configuram e atribuem uma dada identidade territorial à região.
86
(NOGUEIRA, 1990, p. 69-70), bem como, os costumes e afazeres diários em torno das
atividades domésticas, constituindo uma dada divisão social do trabalho e as festas,
bailes e músicas são os ingredientes dessa identidade e dessa cultura.
Logo nas primeiras seqüências de “Desejo Selvagem...” a personagem
de David Cardoso, o Tigre, participa na fazenda de Malamud, de um “churrasco de fogo
de cão” (algo tipicamente gaúcho e argentino), embalados ao som da música guarania e
da polca-paraguaia. Nitidamente, influências gaúchas, paraguaias e argentinas tomam
conta das preferências dos pantaneiros na trama (imagem 34 e 35).
Imagem 34. Churrasco e música guarania (Desejo Selvagem...).
Tempo: 4’12”
A relação que o pantanal exerce diante da realidade do homem da
região é por demasia fundamental para o entendimento do ciclo de vida do homem e das
atividades que permeiam a colonização e o povoamento desta vasta região, que possui
singularidades que entremeiam a relação do homem e do ambiente, este determinante
para o ciclo de vida no ambiente pantaneiro.
De um modo geral, como veremos a seguir, as atividades agropastoris
ocupam e aglutinam grande parte desses indivíduos, desses seres que contribuem com a
formação da identidade local.
Nesse contexto, a terra acaba servindo de ambiente no qual as boiadas
refletem a forma de ocupação e uso do solo. O quadro histórico de “ocupação” dessas
terras do, então longínquo oeste brasileiro, com destaque para a região pantaneira, não
fogem ao modelo adotado pela burguesia portuguesa e espanhola expansionista, adotado
87
em outros países latino-americanos, onde os colonizadores não-índios apoderaram-se
das terras e de suas riquezas e implementaram um novo modo de vida e uma nova
cultura. Começava aí, ainda no século XVI e XVII a marginalização da cultura nativa.
Imagem 35. “Churrasco de fogo de chão” (Desejo Selvagem...).
Tempo: 4’30”
Primeiramente, os espanhóis se instalaram na região com o intuito de
criar atalhos que os levassem às riquezas Andinas. Uma série de violentas batalhas
foram travadas da na região, espanhóis, portugueses e índios derramaram sangue sobre a
terra, afim de garantir a sua soberania. Após o Tratado de Madrid (1750), que concedeu
à Coroa Portuguesa direitos plenos sobre a porção ocidental do que hoje configura-se o
território brasileiro, que estava sob a égide da Coroa Espanhola. Para solidificar o
processo de “ocupação” do território, foi instituída em fins do século XVIII, uma
política de ocupação do solo (fundamentada pelo então governador da Capitania de
Mato Grosso, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres de 1772 a 1789)
ancorada na constituição de sesmarias e instalações militares ao longo do Rio Paraguai.
O primeiro forte a ser edificado na região foi o da cidade de Corumbá. Essas ações
possibilitaram que o Pantanal fosse efetivamente incorporado ao Brasil e à Coroa
Portuguesa, arregimentando assim, uma dada configuração sócio-espacial e paisagística
àquela territorialidade.
Neste período, a maior motivação para que ocorressem as ocupações,
era a existência de jazidas de ouro na região, entretanto, já em fins do século XVIII e
início do XIX assistiu-se ao declínio dessa atividade e, concomitantemente, a difusão da
88
pecuária, que inicialmente era desenvolvida como uma atividade complementar à
mineração, mas que posteriormente se tornaria o carro-chefe da economia mato-
grossense.
Sobre a ascensão da pecuária no Pantanal, NOGUEIRA (1990)
salienta que:
Por ter-se constituído num empreendimento que deu certo e
prosperou, a pecuária sobrepõe-se às demais atividades exercidas no
Pantanal, formando um dos grandes impérios da bovinocultura no
país.
Concorre para isso a surpreendente extensão das fazendas pantaneiras,
algumas delas com superfície igual à de pequenos países europeus.
Em muitas dessas propriedades sobressaem as sedes monumentais,
que fazem lembra as casas grandes da época colonial (p. 43).
Dentro dessas fazendas, a criação de gado impulsionou o surgimento
de atividades complementares, como o fornecimento do couro para exportação,
importante destacar que houve um período em que o couro valia mais que a carne. Em
sendo um dado momento da trama, José das Neves reclama com sua mulher sobre essa
situação:
- No tempo do meu pai as coisas eram mais difíceis, não tinha nada
aqui e o couro valia mais que carne.
Além do couro, havia a produção de charque para o mercado nacional.
Surgem assim, as grandes fazendas na região, como as de propriedade da personagem
Malamud (“Desejo Selvagem...” imagem 36) e a de Chico Ribeiro (“Pantanal de
Sangue” imagem 37), hierarquizadas, com a casa grande (a sede da fazenda), os currais
e a parte destinada aos roceiros (são trabalhadores das fazendas que recebem uma
pequena porção de terra para produzir o seu sustento). Essa forma de estruturação
fundiária restringiu o acesso do trabalhador às terras pantaneiras, restando-lhes inserir-
se nas fazendas para garantir sua sobrevivência (BANDUCCI JR. 1996).
Essas atividades relacionadas com a lida do gado são representadas
em “Pantanal de Sangue” e “Desejo Selvagem”. A apartação, bagualeação e a carneada
estão presentes em diversos momentos da trama.
Devido a predominância do modelo ultra-extensivo de criação de gado
nas planícies pantaneiras (uma prática adotada por Chico Ribeiro, Malamud e, em
menor escala, por José das Neves), muitas reses são criadas soltas nos fundões dos
campos e acabam adquirindo um conjunto de características que as tornam “selvagens”,
ariscas e hostis, por esses motivos os pantaneiros as chamam de “bagual”. Com isso,
89
surge uma das principais atividades pantaneiras, a bagualeação. Essa atividade, “é
realizada por um grupo de vaqueiros corajosos e destemidos, acostumados a enfrentar
o perigo sem nenhum medo” (NOGUEIRA, 2002, p. 94), por vezes constitui-se numa
atividade realizada pela “comitiva bagualeira”. Entretanto, José das Neves, integrado ao
seu ambiente, constituído de paisagens áridas, formadoras de um sentimento de solidão
e vacuidade, repleta de campos abertos, como um “cavaleiro errante”, desempenha essa
empreitada de modo corajoso esolitário, como fora ilustrado no início do tópico 3.1
deste capítulo.
Imagem 36. Vista aérea da fazenda de Malamud (Desejo Selvagem...).
Tempo: 7’05”
Imagem 37. Peões na sede da Fazenda de Chico Ribeiro (Pantanal de Sangue).
Tempo: 28’32”
90
Trazer o gado para o curral que fica próximo à sede da fazenda, é
sempre uma atividade perigosa, que exige coragem do bagualeador, mas apesar dos
riscos é encarada por muitos como um momento idílico de prazer no cotidiano
pantaneiro. Veja o depoimento de um bagualeador do pantanal da Nhêcolandia:
Bagualhiação é uma divertição pru piau... É pirigosu purque de repenti
eli sai correndu uma reis, sozinhu, eli roda, u laçu serra nu pescoço,
serra um braçu o serra um dedo cumu contece issu aqui ó. Essi dedu é
toradu cum laçu, óia cumu eli é... (apud. NOGUEIRA, 2002, p. 97).
Ao tentarmos identificar uma dada concepção paisagística sobre o
pantanal, esse depoimento nos fornece ao menos duas características interessantes para
nossa análise. Uma se restringe ao relato de uma atividade pertencente ao cotidiano
desses homens e que é desenvolvida em sua espacialidade há séculos, uma atividade que
rompeu com as barreiras do tempo e do espaço, fragmentos de um passado re-
significado no presente. Os fatos históricos, assim como o território em seus processos
de produção e reprodução, o presente acaba acumulando de forma desigual
temporalidades diferentes, tanto material como imaterial (SANTOS, 1997). Há também
outro elemento constituidor da paisagem: o léxico. De acordo com alguns pesquisadores
o léxico concebido como o nível da língua é um importante documento para se analisar
como um povo vê e representa a “realidade” que vivencia cotidianamente. Os valores de
um grupo social, suas crenças e costumes são atestados por seu vocabulário, que por sua
vez, renova-se e transforma-se à medida que atuarem sobre ele fatores geográficos,
históricos e culturais. Assim,
[...] o vocabulário utilizado por uma comunidade lingüística reflete as
diferentes idiossincrasias que marcaram a formação étnica dessa
comunidade. A formação do povo sul-mato-grossense, por exemplo,
resultou do caldeamento das populações nativas com os diferentes
povos que apontaram nesse espaço geográfico, desde o início do
processo de colonização e de povoamento da região: imigrantes
portugueses, espanhóis, paraguaios, bolivianos, japoneses, árabes, e
migrantes oriundos de diferentes estados da federação [...] Em
decorrência disso, a linguagem do homem sul-mato-grossense reflete
esses amálgamas culturais, característicos de um estado que nasceu
sob o signo da imigração (ISQUIERDO, 2003, p. 165-166).
Ao elaborarmos uma possível leitura paisagística da região, não
podemos nos prender apenas aos aspectos naturais do pantanal que, por ventura, são
bem característicos, é preciso expandir as fronteiras da ciência e incorporar os
elementos constituidores do existir humano, do seu “modus vivendis”. Cultura,
91
identidade e cotidiano entrelaçados pelas especificidades do espaço geográfico em que
estão inseridos.
Voltando às atividades cotidianas do espaço pantaneiro, após reunir o
gado nos currais das fazendas de Malamud (imagem 38), as novilhas são reunidas e
levadas por uma comitiva até o comprador. Inicia-se com isso, outra atividade ligada à
criação de gado, a apartação.
Imagem 38. A boiada de Malamud (Desejo Selvagem...).
Tempo: 56’56”
A apartação é uma atividade cansativa que consiste em apartar os
animais para ferrear ou fazer a marcação (para marcar o gado, comumente, utiliza-se um
instrumento com um cabo de madeira e um terminal de ferro, onde é incrustada a marca
ou emblema da fazenda). É o que acontece com o gado trazido por José das Neves para
ser vendido ao Sr. Reis, além da marcação é preciso vacinar e castrar o gado (imagens
39 e 40). Para a realização da seqüência, o diretor Reynaldo Paes de Barros e o seu
Fotógrafo Antônio Meliande utilizaram de vários planos, com diferentes angulações e
closes, com o intuito de representar a dinamicidade dessa prática. O montador, o
veterano Mauro Alice, realizou os cortes certos atribuindo à seqüência um ritmo
frenético.
Quase quatro décadas após sua filmagem, é nítida a sensação da perda
da identidade regional pantaneira, que surge cada vez mais fragmentada devido a
incorporação de novos ritmos e de um novo tempo, carregado de simbolismos e valores
que destoam daqueles vistos durante a narrativa. Assim como as comitivas que
transportavam para outros Estados pelos campos alagados do Pantanal, e por trilhas e
92
estradas de terra durante vários dias, enormes boiadas, determinados valores sociais e
lógicas socioeconômicas que não são territorialmente pantaneiros foram introduzidos.
Provavelmente não há mais o isolamento proposto, principalmente, no filme “Pantanal
de Sangue” e a identidade fica como um fragmento de um tempo que tem que ser
preservado para que possamos compreender o presente e pensarmos no futuro. Essa
preservação deve ir muito além da caricatura, dos estereótipos e do fetichismo e, nisso,
com certeza, o cinema popular tem muito a contribuir nessa leitura geográfica.
Entretanto, “mudar não significa necessariamente abandonar ou perder os valores e
referenciais legados pela tradição. Pelo contrário, é através desses parâmetros
tradicionais que se estabelece o diálogo com os novos elementos introduzidos no
cotidiano de uma sociedade” (BANDUCCI JR., 2008. P. 05).
Imagem 39. Marcação (Pantanal de Sangue).
Tempo: 12’06”
Das fazendas de criação o gado era conduzido pelas comitivas (que
são contratadas e destinadas para este fim), até o seu destino final (imagem 41).
Durante muito tempo, ouvi-se nas chamadas “estradas boiadeiras” o som do berrante do
boiadeiro conduzindo a boiada. Em marcha lenta e à mercê das intempéries da natureza
e do perigo da contaminação do gado por doenças, a boiada seguia organizada pelos
peões que exerciam diferentes funções e possuíam entre si certa hierarquia. Como as
distâncias percorridas eram, por vezes, demasiadamente longas, muitas reses
emagreciam, perdiam peso significativo, o que influenciaria de forma significativa no
momento da apartação.
93
O depoimento de um boiadeiro de comitiva ajuda a reforçar essa idéia:
“Eu já sai daqui da Nhecolândia, fui batê nu interior de São Paulo, 66 dias viajandu,
tocandu boi, até chegá au distinu” (apud. NOGUEIRA, 2002, p. 107).
Imagem 40. Castração (Pantanal de Sangue).
Tempo: 12’10”
Imagem 41. A Comitiva (pantanal de Sangue).
Tempo: 46’34”
Ao chegarem ao curral do Sr. Reis (imagem 42), o gado é reunido e
posicionado para passar pelo brete do curral onde ocorrerá a apartação.
José das neves encontra-se com Miguel que, desapontado com a
apartação diz:
94
- Acabei de entregar a minha boiada, apartação ruim demais. O reis
refugou quase 100 cabeças.
(José das Neves) – Ele tá querendo só cabeceira?
(Miguel) – Mas a gente precisa vender, né?
Imagem 42. Boiada reunida no curral do Sr. Reis (Pantanal de Sangue).
Tempo: 48’30”
Após essa conversa, José das Neves e o Sr. Reis se posicionam e, após
o sinal do comprador, o peão começa a encaminhar os animais para o corredor do brete
(“lá vai boi” imagem 43), bem abaixo dos pés do comprador e do dono da boiada. As
novilhas que forem de interesse serão destinadas à boiada, ou seja, serão compradas e as
demais, destinadas ao curral (ou seja, o refugo) e voltará para “casa” com o seu dono.
Assim, tem-se início à apartação: Utilizando-se de uma plongeé (angulação que
posiciona a câmera filmando de cima para baixo), os animais começam a entrar e o Sr.
Reis faz a classificação (imagem 44):
(Entra a primeira novilha) – refugo; refugo; refugo; boiada; refugo;
boiada; refugo...
Descontente, José das Neves retruca:
- Pára, assim não dá não. Pode soltar.
(Sr. Reis) – Mas o que há, José?...Se eu não estivesse aqui quem é que
iria comprar a sua boiada?
(José) – Eu prefiro passar fome do que vender para você.
95
Imagem 43. Boi no brete (Pantanal de Sangue).
Tempo: 48’50”
Imagem 44. José e Sr. Reis na apartação (Pantanal de Sangue).
Tempo: 48’37”
(Reis) – A minha apartação é uma só, José... E a sua boiada está meio
sentida.
(José) – Culpa sua, você que pediu para trazer os bois até aqui, são
dois dias de marcha. Tá desfeito nosso acordo, pode soltar a boiada.
O Sr. Reis, temendo perder a boiada pede insistentemente que José
reveja a sua decisão:
- Calma José. O que você quer?
(José) – Tenho 300 bois aí, você vai ficar com 250, senão, nada feito!
Seu mineiro miserável.
96
A apartação recomeça e o mineiro comprador atende as ordens de
José.
Essa era uma atividade recorrente no cotidiano pantaneiro, faz parte
da paisagem local e se insere dentro de um contexto sócio-espacial específico. Com a
implantação de vias de transporte, os currais de aparte passaram a ser instalados
próximos a essas vias (principalmente a férrea). A pecuária de corte, de fato, é a base
econômica do estado. O gado criado no Pantanal, por ser magro, destina-se,
principalmente, para a engorda e abastecimento dos grandes centros consumidores da
região sudeste do país.
ABREU (2003) acrescenta que:
O gado magro mato-grossense, pelo menos até a década de 50,
destinava-se aos locais de engorda e frigoríficos paulistas, localizados
no Oeste Paulista, principalmente nas intermediações de Andradina e
Araçatuba (atingidas por meio da ferrovia). Além disso, também
contribuía com a balança comercial de exportação, atendendo,
segundo Corrêa (1995, p. 115), preferencialmente os mercados do sul
do país e da região do Prata, com a produção de carne através das
charqueadas, que representavam, no dizer do autor, uma dependência,
nas primeiras décadas desse século, dos produtores mato-grossenses
com relação aos saladeiros que beneficiavam a carne e os couros
salgados e que, em grande parte, pertenciam a grupos estrangeiros (p.
270-1).
A pecuária de corte, base da economia mato-grossense, era realizada
como uma atividade complementar àquelas realizadas nos grandes centros. Aqui, se
criava o gado, sua carne e o couro eram destinados e beneficiados em outras regiões do
País com maior aparato tecnológico. Essa característica desse modelo produtivo está
presente na fala de José das Neves e Felipe. Ao se depararem com curral repleto de bois,
se impressionam com a quantidade e José das Neves diz:
- “Pois é compadre, tanto boi e tanta carne pra paulista comer!”
(risos).
A implantação da NOB (Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a partir
de 1905), estrategicamente idealizada pelo Governo Federal, uma forma de efetivar a
ocupação geopolítica da frágil fronteira oeste do país, que anteriormente havia sido
projetada para ligar a capital de Mato grosso, Cuiabá, á São Paulo, teve seu trajeto
original alterado. Agora, o traçado seria Bauru-Corumbá, cortando toda a região onde
hoje está localizado o estado de Mato Grosso do Sul, no sentido leste-oeste e um ramal
que faz a ligação com a Bolívia. Essa estratégia geopolítica intensificou a integração
econômica do sul do estado com a região sudeste, alterando toda a hierarquia e a
97
organização espacial até então existente. Com o tempo, Cuiabá deixou de ser o centro
das atenções e Campo Grande passou a ter mais destaque no cenário político-econômico
mato-grossense.
Esse novo arranjo espacial possibilitou o desenvolvimento econômico
de outras regiões do Estado, como Três Lagoas, Água Clara e Ribas do Rio Pardo.
Essas transformações intensificaram a organização dos movimentos separatistas. A
porção sul queria ter autonomia para garantir a sua soberania. A implantação da ferrovia
ratificou uma economia já existente, a exportação de carne para o Sudeste e, ao longo
do seu trajeto, grandes fazendas e currais de apartação foram sendo instalados.
Assim, gado e terra (hora descoberta, conquistada, desbravada e,
agora, disputada) são os elementos que revelam as relações conflituosas existentes entre
as personagens que se movimentam pelo espaço fílmico nas tramas onde a questão
fundiária configura-se como o ápice da narrativa. Esses conflitos, como veremos a
seguir, apresentam múltiplas facetas e personagens. De um lado, Malamud (“Desejo
Selvagem...”) e Chico Ribeiro (“Pantanal de Sangue”), latifundiários com seus jagunços
matadores, afoitos para expandir suas terras, do outro lado, os poceiros, os ribeirinhos e
os pequenos proprietários de terras como José das Neves e Miguel (“Pantanal de
Sangue”). E ainda, numa terceira face, a Justiça, que nos dizeres de José das Neves,
“encontra-se a 10 dias de distância, em Cuiabá”.
É nesses distantes e isolados rincões do interior do Brasil, que a
inabalável calmaria das personagens é afetada pelos mandos e desmandos dos coronéis
e pela brutalidade do sertão, que acabam configurando as circunstâncias existenciais de
tais indivíduos.
Nessa “terra de ninguém”, permeada pela barbárie e a espera de
alguém para dominá-la e civilizá-la, “um lugar de passagem”, segundo ABREU (2003),
mas também um esconderijo, uma área de fuga, berço da ilegalidade e da “indústria da
pistolagem”, onde vigoram a chamada “Lei do 44”, surgem dois repórteres, o olhar
estrangeiro, “o de fora” que vieram trazer justiça e civilidade, pertencentes a uma outra
espacialidade, permeadas por práticas sócio-espaciais distintas que não sabem o ritmo e
a gravidade dos acontecimentos, indignados (na verdade, por indignação do chefe da
redação que ordenou que eles viessem fazer a reportagem – “de hoje em diante vocês
vão ficar na cola dessa tal Mônica Melato 24 horas por dia, todos os dias.
Entenderam?”) com o misterioso assassinato de Ruy (marido de Mônica em “Desejo
Selvagem....”). Desembarcam na fazenda do principal suspeito, Malamud.
98
Malamud sonha em construir um império onde a sua vontade seja lei,
com a ajuda de seus capangas (homens aventureiros e violentos), relata aos jovens
repórteres suas proezas, conta como conseguiu chegar até aqui e quais serão as suas
novas investidas.
- Eu vou lhe contar a história mais espetacular que já ouviu. Você vai
fazer uma grande reportagem, será a maior reportagem da tua vida.
Malamud faz pose para fotos e prossegue:
- Meu nome é Abraão Malamud, eu sou um homem poderoso, muito
poderoso. Minhas terras na região é maior que muitos países por aí. Ele foi constituído
a partir do nada [...] a partir de pequenas faixas de terras nas margens do Rio
Paraguai.
- Cresci roubando, me introduzi na grande rede do contrabando
internacional grilando terras dos outro e... Matando!
Assustado o repórter indaga:
- Matou, matou um homem?
E com um cinismo retumbante, Malamud completa:
- Matei, mas não uso, matei muitos. Nunca contei, mas vai sempre de
acordo com as necessidades. Principalmente posseiros e ribeirinhos. 20 anos de muito
sacrifício.
Para Malamud, os ribeirinhos aparecem como um problema, um
empecilho para os seus objetivos. Tem a convicção de que terra boa é terra livre, sem
seres, sem conteúdo humano. Assim, já no início, logo na primeira seqüência do filme, a
violência, a tensão e a morte são apresentadas como a solução possível encontrada para
“eliminar” o “problema”. Num pequeno barco a motor, três capangas de Malamud
navegam próximo às barrancas do Rio Paraguai. Ao avistarem uma cabana lançam uma
banana de dinamite sobre a rústica morada e matam uma família de ribeirinhos que
habitavam aquele lugar (imagens 45 e 46).
- Vou pegar a bomba, heim? Prossegue:
- Malamud é um Homem bom, deu tempo para vocês mudarem.
Em seguida, quebram todos os móveis da pequena casa e espancam o
patriarca da família.
Esses seres ribeirinhos são intimamente ligados à terra. Para eles,
deixar ou perder o seu território é sinônimo de desaparecer ou o mesmo que a perda da
identidade. Como nos diz SOUZA (2003), o território é o substrato que fundamenta
99
não só a vertente econômica das relações, mas também seu viés simbólico e cultural de
determinado grupo. Em suas palavras:
Em qualquer circunstância, o território encerra a materialidade que
constitui o fundamento mais imediato de sustento econômico e de
identificação cultural de um grupo, [...] O espaço social, delimitado e
apropriado politicamente enquanto território de um grupo é suporte
material da existência e, mais ou menos fortemente, catalisador
cultural-simbólico – e, nessas qualidades, indispensável fator de
autonomia (p.108).
Imagem 45. Banana de dinamites (Desejo Selvagem...).
Tempo: 1’08”
Imagem 46. Explosão da cabana (Desejo Selvagem...).
Tempo: 1’28”
100
Trata-se, portanto, de um território carregado de uma identidade,
possuidora de um sentimento de pertencimento, esse território configura-se como o
lugar de sua residência e onde ocorrem as trocas materiais e espirituais inseridas dentro
de um contexto sócio-espacial cotidianamente vivenciado e experimentado. “Tudo o que
fere a terra, fere os filhos da terra”, nos adverte Martino em “Desejo Selvagem...”.
Em sua empreitada, Malamud tornou-se o grande usurpador dessas
identidades/territorialidades simbólicas e geográficas, muito mais do que um espaço
cartografável, tomou o espaço de realização da vida desses seres. Intensificou suas
práticas aproveitando-se da ausência da figura do Estado e favorecida pelo fato de se
encontrarem, essas terras e seus povos, em lugares tão distantes, ermos e despertencidos
de civilização.
Em seguida, ainda na sua auto-confissão, relata que para continuar
expandindo seu império terá que matar também a viúva de seu vizinho, Mônica. Suas
terras são vastas e despertam a cobiça do coronel. Com isso, a selvageria e a violência
passam a ditar o tom da narrativa fílmica. Ao terminar a entrevista, Malamud ordena
que seus homens “desapareçam com os repórteres e profetiza:
- A guerra vai começar.
Há um corte na seqüência, entra a cena, em close, de um dos
repórteres com os pés e mãos amarrados e com um revólver apontado para a sua cabeça.
Essa imagem simboliza a instauração da “República do 44” (imagem 47). A arma de
fogo, exposta de forma que todos possam vê-la, denota que a violência acompanha a sua
trajetória. Matar ou ser morto, eis a questão.
Imagem 47. Repórter com a arma na cabeça (Desejo Selvagem...).
Tempo: 83’17”
101
Sobre a violência armada, tão presente nas duas tramas, encontramos
na obra do historiador sul-mato-grossense Walmir Batista Corrêa (1995, p. 26), uma
importante contribuição:
A sociedade mato-grossense caracterizou-se desde os seus primórdios,
de maneira praticamente generalizada, por relações de violência. Isto
se explicou em função de uma série de fatores que envolveram todo o
seu processo de ocupação desde os primeiros contatos com a terra
(implicando na luta contra a natureza, com os seus primitivos
habitantes e com os súditos espanhóis), até a exploração e o
povoamento dos seus núcleos mineradores. A violência como um
componente inerente às bases dessa sociedade, refletiu-se também de
maneira clara e intensa na esfera da política mato-grossense como
uma herança da estrutura de dominação colonial que se estendeu até
meados do século XIX.
Assim, enquadrados em uma terra sem lei, parece não haver espaço
para mocinhos nem bandidos, visto que, até a pacata personagem de Sônia Saeg (a
“bugra” de “Desejo Selvagem...”), após ser violentada pelos capangas de Malamud,
inicia uma verdadeira caçada sangrenta, assassinando de forma brutal os homens que a
estupraram (imagem 48). Qual o sentido de justiça existente nessa atitude? Não teria
sido melhor encaminhar o caso às autoridades em Campo Grande? Outra questão
pertinente: Quando o homem branco aportou em terras brasileiras ele destruiu e se
apoderou das riquezas e da cultura nativa, nesse sentido, é válido dizer que a atitude
violenta de molestar a personagem “bugra”, ícone da miscigenação do branco com o
índio, seria uma forma de representar (com outra roupagem) essa invasão introduzida
pelo não-índio nos primeiros séculos da colonização?
Sob essas perspectivas, não seria incorreto ler, a partir do título
atribuído às obras “Pantanal de Sangue” e “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal”,
um aspecto formulador de sentidos metafóricos da própria condição de vida e existência
desses homens pantaneiros, mediante os desafios a serem superados na sua corrida
diária pela sobrevivência?
Para além dos estereótipos criados, as personagens das obras são
retratadas como dramatis persone de uma região legalmente sem fronteiras marcada
pela brutalidade do sertão.
102
Imagem 48. A vingança da bugra (Desejo Selvagem...).
Tempo: 27’20”
Voltando a trama, Malamud, a bordo de seu mono-motor voa em
direção a fazenda de Mônica, o enfrentamento entre as duas famílias mais poderosas da
região é o ponto alto da trama. A presença de aviões e rádios-transmissores nas fazendas
nos indica que o distanciamento e o suposto isolamento foram em certa medida
suplantados, algo bem diferente do que acompanhamos em “Pantanal de Sangue”.
Tigre, homem viril, alerta, misterioso e predestinado, apesar de já ter prestado serviços a
Malamud, em nome da justiça, parte em seu avião para defender Mônica dos ataques,
mas antes consegue avisar as autoridades em Campo Grande sobre o conflito sangrento
que está para iniciar no coração do Pantanal.
Ancorado na cinefórmula do herói que salva a moça indefesa das
garras do inimigo, Tigre consegue, com a ajuda do exército, conter os homens de
Malamud. Após os conflitos, diante do pôr do sol no horizonte pantaneiro, Tigre e
Mônica se beijam, selando a paz no pantanal.
Nessa seqüência do filme, é possível notar a atuação de uma produção
empenhada que, apesar do filme não inovar com relação ao desfecho da trama,
conseguiu realizar um bom número de tomadas aéreas e a participação do exército com
todo o seu efetivo, armas, veículos e instrumentos militares (imagem 49). O fotógrafo e
o diretor optaram por utilizar closes dos “combatentes” e o zoom (efeito ótico pelo qual
a imagem se aproxima da lente sem que a câmera se desloque), bem como, as
abrangentes panorâmicas, utilizadas, principalmente, para ilustrar o desembarque das
103
tropas. Os cortes rápidos criaram um clima de tensão e a montagem seguiu o ritmo da
música, um ingrediente imprescindível para esse tipo de seqüência.
Ancorado numa outra perspectiva, não só ótica, mas moral, os
confrontos fundiários em “Pantanal de Sangue”, parecem pertencer a outro momento
histórico e atemporal. Partimos de uma aventura romanesca rural, pontuada por
conflitos e situações amorosas, para uma trama permeada pelos símbolos clássicos do
“western” norte-americano, entretanto, transplantados para nossa realidade, o que
alguns pesquisadores classificam de “western feijoada”.
Imagem 49. A chegada do exército (Desejo Selvagem...).
Tempo: 91’38”
O chamado “Western Feijoada”, um dos gêneros mais cult e
marginalizados do nosso cinema, teve uma produção significativa nos anos 60 e 70 e foi
encabeçado pelos diretores e produtores radicados no cinema da “Boca do Lixo”. Os
“Westerns Feijoada”, também conhecidos como Faroestes Rurais, são filmes de
aventuras ambientados em áreas pouco urbanizadas, “dos cerrados paulistas aos
pampas gaúchos, passando pelo pantanal mato-grossense e indo até – por que não? – o
México” (PEREIRA, 2002, p. 63). Uma espécie de recriação abrasileirada dos sucessos
produzidos na Itália e nos Estados Unidos, trabalhando com seus estereótipos e
fórmulas narrativas. Paisagens naturais insólitas, coronéis, bandidos e pistoleiros são os
ingredientes principais dessas obras (PEREIRA, 2002).
E todos esses elementos permeavam o imaginário social a respeito do
então longínquo Oeste Brasileiro. O coronelismo como elemento catalisador do cenário
104
político dessas regiões forjou o aparecimento de um “coronelismo guerreiro”, que teve
como bandeira de atuação a política do mando e das armas, e, na contrapartida,
impulsionados por esse modelo de gestão do território, acompanhou-se o surgimento de
um banditismo endêmico que aglutinava vários setores da sociedade local,
principalmente àqueles que ficaram à margem do sistema: os agregados, os posseiros e
os camponeses sem terra. “A existência dessa violência institucionalizada na região,
resultou, portanto, de uma relação de causa e efeito com a existência de um
coronelismo guerreiro e de um povo armado” (CORRÊA, 1995).
Estes foram algumas das características que atraíram os olhares de
muitos pesquisadores e cineastas para a região. Nesse sentido, a região pantaneira,
enquanto lugar-palco para a realização dessas obras, possibilitou a ampliação das
formas de compreensão e entendimento existentes acerca da “realidade” local, visto
que, esse produto cultural apontava para uma dada visão da paisagem e do território
pantaneiro e sul-mato-grossense.
Essas concepções são reforçadas pelas frases publicitárias que foram
utilizadas durante o lançamento comercial do filme “Pantanal de Sangue” nos cinemas.
Vejam:
“Um faroeste brasileiro autêntico, filmado no selvagem PANTANAL
DE MATO GROSSO!”
“Um filme de ação e violência, diferente de tudo que você já viu antes
no cinema brasileiro!”
“A estória da vingança sangrenta de um homem, ambientado no
cenário inigualável do PANTANAL!”
“Um filme épico, que retrata uma região genuinamente brasileira e
másculo como os homens que a conquistaram!”
“A epopéia dos desbravadores do PANTANAL, de suas lutas e de suas
paixões!”
“Ação! Violência! Emoção! – em deslumbrante colorido.”
Essas frases foram extraídas do press-release do filme e ajudam a
traçar um panorama de como a região centro-oeste brasileira era arquitetada pelo
imaginário social daquele momento. A fronteira do sertão, clamando por um “processo
civilizador”, embasado por ideais evolucionistas e positivistas, objetivando integrar toda
essa região (desde os tempos de Getúlio Vargas com a Marcha para o Oeste) e amansá-
105
la. Segundo Galetti, esse projeto alicerçado pelo determinismo geográfico ocorreu a
partir de:
um conjunto de representações que, elaboradas segundo uma visão
etnocêntrica e evolucionista da história, desempenhariam um papel
fundamental na constituição de Mato Grosso como região, espaço
social e natural dotado de especificidades e sinais distintivos em
relação a outras regiões do país e do mundo. As marcas desta
distinção, adiantamos, remetem, sobretudo à idéia de fronteira –
simultaneamente como espaço simbólico, onde se localizam os limites
entre barbárie e civilização, e área geográfica vista como reservatório
de recursos econômicos e vazio populacional que é imperativo
conquistar, povoar, explorar, colonizar (1999, p. 01).
Essa visão de Pantanal como inóspita, selvagem, ao mesmo tempo
paraíso, com a violência e terra sem lei. Visões fundadas numa forma de construção
daquela espacialidade, mas que tende a negar, para os que estão do lado de cá da
fronteira, que o projeto civilizador que aqui se concentra, lá também ocorre. Que a
violência bárbara que aqui se apresenta lá também se encontra. Esses filmes, por mais
que sejam obras de diretores que viveram nesse além fronteira, são frutos de um olhar
hegemônico dos que se encontram do lado de cá. Outra questão daí decorre, essas obras
podem ser possíveis catalizadores das falas do além fronteira, ou são apenas o nosso
eco? A resposta da geografia pode ser um instaurar a interpretação delas a partir do
lugar em que elas tomam sentido paisagístico mais dinâmico e não tão estereotipado.
Utilizando-se desses elementos, Barros construiu a trama de
“Pantanal de Sangue”, em torno dos conflitos fundiários vividos por José das Neves e
seu vizinho Miguel, entremeados por paisagens idílicas e selvagens, daquilo que se
instituía como pantanal.
José das Neves é um antigo morador da região, um vaqueiro
acostumado e integrado ao modo de vida pantaneiro, sério, honesto, tem predileção
pelos vastos horizontes e os grandes planos de conjunto, que delatam a sua íntima
ligação com os fenômenos da natureza, tem sua rotina abalada quando Miguel, seu
vizinho, vem-lhe relatar as atrocidades cometidas pelo mais novo e autoritário
fazendeiro da região, o baiano Chico Ribeiro.
Ribeiro quer se apoderar das terras de Miguel, nem que para isso
tenha que se utilizar dos dispositivos e dos autos da “Lei do 44”.
(Felipe, peão de José das Neves) – Sempre me falaram mal desse
homem. Baiano perigoso, tem muitas mortes nas costas, acostumado a roubar terras
106
dos outros. O senhor tá vendo, não faz nem um ano que comprou essa fazenda e esta
procurando sarna pra se coçar.
Tranqüilo em sua consciência, Ribeiro declara a José das Neves em
uma conversa na sede de sua fazenda, que a sua iniciativa de aumentar os limites da sua
fazenda são legais e amparados pela lei. Segundo Ribeiro, as demarcações feitas
anteriormente não condizem com o que lhe é de direito, haja vista, que ele é o maior
fazendeiro da região e por isso tem esse direito.
Inconformado, José resolve tomar partido da situação e encaminhar,
mesmo desencorajado por sua mulher Ana, à Delegacia de Terras do Estado em Cuiabá,
uma carta advertindo sobre as irregularidades cometidas por Chico Ribeiro. Observa-se
no desenrolar da trama, um curto período de trégua que abre brecha para a
representação das atividades cotidianas dos homens pantaneiros, como a lida com o
gado, as atividades domésticas exercidas por Ana e sua ajudante Cali e para os
momentos de lazer e descontração entre os peões em suas rodas de “prosa”. Que, por
sua vez, são elementos norteadores de uma dada visão de paisagem.
Certo dia, o tão esperado telegrama de Cuiabá com a resposta e a
notificação que será aplicada contra Chico Ribeiro é entregue na fazenda de José.
- Graças a Deus! Exclama Ana.
- O governo ajuda a gente de vez em quando. Completa Felipe.
Nesse ponto, percebemos algumas diferenças com relação à trama de
“Desejo Selvagem...”, diferentemente do que ocorre no filme de David Cardoso, aqui o
isolamento, o sentimento de vacuidade, de vastidão e desassistência é infinitamente
maior. Não há meios de tele ou rádio-comunicação ou transporte e a influência de
centros urbanos. A presença da figura do Estado e da Justiça além de se encontrarem a
10 dias de distância, como nos adverte José, eles só apracem no filme por meio de um
telegrama, não ocorre na trama um episódio que mostre a atuação do aparato político
governamental a favor das vítimas da “Lei do 44”. Essas características estão de acordo
com os princípios norteadores que integravam o imaginário social da época e que serviu
de referencial para Reynaldo construir a trama, a existência de um Brasil distante,
repleto por paisagens selvagens e idílicas, com homens brutos e violentos perambulando
por uma terra sem lei e civilidade.
Entretanto, essa trégua nos rincões pantaneiros é ilusória, logo na
primeira oportunidade Chico Ribeiro retribui a ação movida contra ele, mas não por vias
legais. A violência eclode num ritmo crescente e sangrento que levará os rivais até a
107
morte. Após os jagunços de Chico violentarem e assassinarem Ana, José e Felipe
partem para o confronto final (imagem 50).
O latifundiário e seus capangas são abatidos por José e seu
companheiro Felipe, que está ferido e desacordado. Voltam para casa (Zezinho e Cali
estão a sua espera) numa cena clássica de um autêntico “western” cavalgando no lombo
de seu cavalo pelas terras selvagens e isolados do longínquo Pantanal (imagem 51).
Imagem 50. Confronto na fazendo da Chico Ribeiro (Pantanal de Sangue).
Tempo: 81’40”
Imagem 51. Desfecho da trama (Pantanal de Sangue).
Tempo: 87’27”
De certa forma, a trama de “Pantanal de Sangue” enfoca assim a
matriz do processo histórico que contribuiu com a concentração do poder e da injustiça
108
social a partir da distância do Estado em assumir suas responsabilidades para com a
resolução dos problemas, permitindo, desta forma, que se perpetuassem a desigualdade
social e a marginalização das classes menos favorecidas.
Como podemos observar, a paisagem local (planície pantaneira de
inundação), se afirma como o ponto nodal para o desenvolvimento das tramas, por
provocar o entrelaçamento entre o substrato concreto sob o qual se instala todo um
conjunto de relações e interações, com o denominado “mundo vivido” (ou o espaço para
a realização da vida), destacando os conflitos existentes entre os indivíduos e o lugar.
Entretanto, com um olhar mais atento para a forma como, esteticamente, essas obras
foram concebidas, há diferenças significativas quanto à forma e o olhar lançado sobre
essa paisagem.
Talvez não seja possível estabelecer uma compreensão estética e
contextual dos filmes analisados, a partir de uma concepção mais clássica de Geografia,
arregimentada exclusivamente por uma linguagem academicistas e dicotomizada que
privilegie os elementos físicos da paisagem, uma vez que a concepção e a imagem
estereotipada que temos de pantanal hoje, com seus pássaros e jacarés, com suas lagoas,
salinas, cordilheiras, capões, vazantes e corixos, estão presentes, e mais aflorados em
“Desejo Selvagem...”, mas não são os protagonistas das tramas, são elementos, ou
melhor, como já destacamos anteriormente, o substrato que aparece de forma
coadjuvante e complementar, viabilizando a existência desse conjunto de relações
destacadas.
Em “Pantanal de Sangue” os elementos da vida cotidiana do homem
pantaneiro são mais proeminentes que os aspectos físicos e naturais da paisagem local.
Reynaldo Paes e Barros e seu fotógrafo, Antônio Meliande, optaram por apresentar um
Pantanal intimamente ligado às miudezas da vida cotidiana das personagens e das
manifestações da natureza, entretanto, não alheio ao contexto histórico e geográfico,
assim como, do mundo político e econômico em seu conjunto.
No pantanal tudo é novo.
As coisas estão sempre mudando,
cada dia é uma novidade,
a gente vai descobrindo uma florzinha diferente,
um matinho que nasce... (Pantaneiro do Rio Negro, apud NOGUEIRA,
2002, p. 07).
109
A utilização de plano-seqüência26 favorece ao espectador lançar um
olhar mais atento, não somente sobre a trama que se desenvolve, mas, principalmente,
sobre o espaço fílmico em que ela se desloca, uma vez que, não há a interferência direta
do montador querendo impor o seu olhar sobre o que está em foco. Essas tomadas
abertas, destacando o som ambiente da planície pantaneira, a presença sempre constante
com a mata selvagem, o barulho da chuva caindo e enchendo o Pantanal, tentam recriar
no celulóide, as relações intrínsecas existentes entre o homem pantaneiro e seu habitat,
fora os momentos de maior tensão, como os conflitos envolvendo a família de José das
Neves e seus vizinhos, o sentimento de distanciamento do mundo civilizado, o
isolamento e a vastidão do pantanal, a sensação de estarem inseridos dentro de uma
territorialidade que ainda estava sendo construída e conquistada, são as principais
características que possibilitam uma leitura paisagística da obra fílmica.
Outro elemento importante é com relação à apresentação das
personagens e de suas moradas, sempre focadas em planos fechados, como as seqüência
dos peões de José das Neves jantando na varanda de sua casa, a sua relação com a
família, e as seqüências de perseguições e lutas.
Um Pantanal ligado a insondável beleza do ínfimo, envolvido pelo
ritmo da natureza e pelos afazeres do cotidiano (imagens 52 e 53). Em “Pantanal de
Sangue”, as seqüências de maior dinamicidade envolvem algumas atividades como a
caça à onça, na apartação do gado e no confronto final, como já fora devidamente
apresentado, onde a utilização de cortes e seqüências mais rápidas, angulações e
posicionamento variados, atribuem às cenas maior dinamicidade, a custa de uma maior
intervenção do montador, o que acaba por direcionar o nosso olhar.
As imagens contextualizadas do filme tornam-se paisagem, que é a
base na configuração da trama e do próprio lugar. Um lugar único em sua identidade,
mas aberto às múltiplas interpretações possíveis por parte dos espectadores.
26 O Plano é a imagem entre dois corte, ou seja, o tempo de duração entre ligar e desligar a câmera a cada
vez. É utilizado pelo diretor para descrever como o filme será dirigido, é a menor unidade narrativa de um
roteiro técnico. A câmera pode estar parada ou em movimento, podendo-se também alçar a sensação de
movimento através da alternação do foco da lente ou com a lente zoom. O tempo de duração de cada
plano varia com as necessidades dramáticas de cada cena e a preferência do diretor. Segundo relatos de
alguns diretores, na filmagem de um longa-metragem, é filmado a média de 15 a 20 planos por dia. Uma
trama normal – um drama ou uma comédia – tem em média cerca de 600 planos, já num filme de ação
esse número pode ultrapassar os 900. A seqüência seria o conjunto das cenas ou planos. Toda seqüência
possui uma ordem cronológica – início, meio e fim – para os fatos e ações. Já no plano-seqüência o plano
de toda a cena é realizado com a câmera deslocando-se no espaço fílmico – câmera na mão ou travelling –
toda a seqüência ou ação é rodada sem cortes em um único plano.
110
Certamente, não era a intenção do diretor e do produtor realizar um
filme documentário que, dentro das limitações, tentasse representar as formas de vida
existentes na planície pantaneira, e suas características físicas e naturais, o que
justificaria a não exibição explícita e pontual desses elementos que caracterizam a
paisagem pantaneira no filme de Barros.
Imagem 52. Momento de lazer (Pantanal de Sangue).
Tempo: 45’30”
Imagem 53. Chovendo no Pantanal (Pantanal de Sangue).
Tempo: 42’02”
Em “Desejo Selvagem...”, esses elementos e características também
não são pontuados de forma acadêmica, como pode ser observado no documentário “O
111
Pantanal Mato-grossense” (Université Rennes – Castel/França e Unesp/Presidente
Prudente, 1999) dos Professores Messias Modesto dos Passos e Robert Bariou, que foi
concebido não para ser um “documento da verdade”, mas uma fonte imagética de
pesquisa sobre as características físicas, culturais e de localização e extensão da planície
pantaneira, analisada e desconstruída de forma pontual e segmentada em temáticas
diferenciadas, bem como, evidenciar a diversidade de temas de forma mais crítica e
reveladora das práticas e discursos que delineiam a complexidade de tramas e relações
sociais no processo de construção desse território, contudo, analisando
paisagisticamente as imagens contidas no filme de David Cardoso. Como todo bom
anfitrião, a personagem Tigre, pantaneiro nato e solícito com as jovens indefesas, se
oferece para mostrar as belezas naturais do Pantanal à Mônica, recém chegada da
Europa e incumbida de administrar as fazendas do seu falecido marido (imagens 54 e
55).
Repleto de imagens panorâmicas (imagem 56), alguns dos ícones
paisagísticos pantaneiros, ou seja, os elementos e referenciais estereotipados que
permeiam o imaginário social acerca dessa espacialidade, como os tuiuiús, jacarés, as
lagoas e as áreas alagadas, são, dentro das possibilidades, contemplados pelos vôos
diários e pelos passeios de barco realizados por Tigre e pelas “aulas” ministradas a
jovem herdeira. Uma espécie de narrativa paralela aos conflitos se estrutura dentro da
trama principal, com características próximas aos filmes documentais realizados na
época que eram encarregados de elaborar uma espécie de divulgação e apresentação das
características locais, muitas delas segundo os padrões hegemônicos das forças políticas
e econômicas dominantes, tanto localmente quando em nível de administração estadual
e federal. Como numa propaganda do Ministério do Turismo ou como nos guias de
viagens, Tigre e Mônica passam a vivenciar as experiências cotidianas que permeiam a
vida do homem pantaneiro e que contribuem na elaboração de uma dada forma de ler
paisagisticamente essa espacialidade.
- O Pantanal é belo, você precisa conhecer. Tigre é o homem ideal.
Salienta Martino, cunhado de Mônica.
Passeios de barco com direito à pesca. Tigre entusiasma a “nova
pantaneira”:
- Você podia pescar um dourado. (imagem 57).
112
Nos seus primeiros dias na fazenda e instruída por Tigre, presencia
corridas a cavalo, a apartação de gado para venda, a marcação das novilhas, a castração
e, numa imagem chocante, a sangria.
- Tá ficando pantaneira. (Salienta Tigre).
Imagem 54. Localização do Pantanal apresentada no Documentário.
Tempo: 00’51”
Imagem 55. Apresentado os Diques e os Leques Aluviais.
Tempo: 03’40”
113
Imagem 56. Sobrevoando o Pantanal (Desejo Selvagem...).
Tempo: 24’05”
Em “Desejo Selvagem...” o Pantanal é representado numa perspectiva
mais generalista, do alto de seu pequeno mono-motor, espectros de um Pantanal são
pontuados, vinculando-se à uma perspectiva mais clássica de paisagem, ou seja,
evidenciando, ao longo desse momento idílico, selvagem e panfletário do que seria o
Pantanal, seu caráter panorâmico e abrangente do território. Evidentemente, assim como
ocorre em “Pantanal de Sangue”, a cotidianidade das relações sociais e sua interação
com o lugar e a forma como elas foram recriadas dentro do espaço fílmico, também
estão presentes, mas com outro foco e angulação, voltado mais para a grandiloqüência
das seqüências e dos acontecimentos, do que para a miudeza de suas ações.
Imagem 57. Pescaria no Rio Paraguai.
Tempo: 37’15”
114
Partindo da superficialidade de um território e seus agentes, marcados
por uma forma específica de organização sócio-espacial e relacional com os elementos
constituintes do meio em que estão inseridos, é o que nos instiga ao desafio de pensar e
analisar, sob a ótica da ciência geográfica (mas não restrita a sua materialidade e
objetividade formal-acadêmica), as peculiaridades do lugar que estão presentes nas
imagens fílmicas destacadas, evidenciando sua riqueza estética e plástica, abrindo
assim, novas perspectivas para pensar geograficamente a paisagem pantaneira que
existe inoculado nos fotogramas.
Essa capacidade de promover o encontro entre as imagens fílmicas
com a teoria geográfica, procurando estabelecer sentidos lógicos e interpretativos para
aquele rol de imagens, acaba fazendo com que o mundo passe se configurar enquanto
paisagem que expressa a lógica espacial do mundo no lugar em que o homem se
encontra, na interação com o lugar que se observa em seu contexto de escalas e lugares
além do visto e do percebido, ou seja, interagindo o complexo de fenômenos percebidos
e pensados em suas diversas escalas de manifestações. É desse encontro que se
materializa uma dada possível leitura paisagística do Pantanal.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todos esses aspectos, podemos apresentar algumas
considerações relevantes sobre a temática. Sendo assim, é pertinente ressaltar que o
estudo pautado na racionalização científica, portanto, adequado à lógica
formal/conceitual, por mais rigoroso e neutro que pretenda ser, deve levar em
consideração que o rigor discursivo não representa o “real” em sua totalidade, pois
devemos levar em consideração que interpretar o mundo traduz-se em um processo de
contínua recriação.
A Geografia, assim como em todas as disciplinas, entendidas e
classificadas como científicas ou não, tem a configuração de sua existência e essência e
a elaboração dos seus significados e utilidades, submetidos à fuga de seus próprios
territórios, consubstanciados ao longo da história da modernidade. Certamente, não há
Geografia sem que haja a transgressão de suas próprias fronteiras. O reconhecimento
destes territórios científicos (tão rigidamente construídos e demarcados) e a efetivação
de um contínuo diálogo com as demais áreas do saber (científico ou não), promoverão a
democratização dos discursos.
Nesse ponto, o diálogo com outras esferas do saber humano, como no
caso a arte (em especial o cinema), pode contribuir para ampliar os conceitos, indo além
do formalismo e da mera especialização dogmatizante dos mesmos, visto que, arte e
ciência, sensibilidade e racionalidade, interpenetram-se continuamente em todas as
instâncias do processo de criação.
Desta maneira, o geógrafo deve estar preparado para um melhor
aproveitamento e uso de novas linguagens pautadas na imagem, pois produzir
conhecimento geográfico não pode se restringir a conceitos genéricos com que
oficialmente se entende este saber, reduzindo-o a um processo de memorização e
reprodução de palavras e conceitos enrijecidos, e que acabam por se impor à dinâmica
do real.
Assim, escolhemos analisar duas obras fílmicas realizadas na região
pantaneira, que visam contribuir na direção apontada pelos parágrafos anteriores, ou
seja, que através das imagens que a obra fílmica apresentou, narram-se os
acontecimentos do mundo, nisso ele permite aos observadores resgatar as memórias
espacialmente vivenciadas em diferentes momentos, trazendo e requalificando a estas
perante novas experiências, produzindo aí novas memórias por meio de somas,
116
comparação e classificação entre o já vivido, com o atualmente experimentado e
percebido. As imagens fílmicas viabilizam a narração destas experiências
concretamente vividas nos mais diversos lugares, ao estabelecer, por meio do
observador, o resgate, via memória, de um tempo passado para o presente espacial.
Essa é umas das formas mais instigantes de pontuar a possibilidade e a
necessidade de um diálogo maior entre cinema e geografia, exatamente por pontuar a
superação das disputas teóricas entre especialistas e críticos que ora defendem a idéia do
cinema como arte do movimento temporal, e ora como expressão artística das relações
espaciais. Espaço e tempo apresentam profunda interação, e isso fica claro no processo
de construção da memória individual/coletiva dos homens, sendo impossível eleger um
fator em detrimento do outro ao tentar se compreender o sentido da própria vida.
O cinema, ao narrar os acontecimentos enquanto imagem do mundo
estabelece essa possibilidade de falar ao homem no seu presente espacial e temporal,
sendo nestas condições que se dá a construção da existência humana.
O passado só tem sentido num hoje que o interpreta para a construção
dos novos caminhos do ser humano. O passado só toma sentido se ele se espacializa em
acontecimentos, fenômenos, ações e idéias humanas, caso contrário, ele será tão
somente tempo passado. A qualificação desse tempo só se dá via memória que não se
estaciona enquanto lembrança, mas se transformam em imaginário e atos concretos
como expressões espaciais do viver humano.
Caso olharmos aos filmes aqui trabalhados, e não interpretarmos a
espacialidade de suas imagens, estas serão apenas registros temporais de paisagens já
vistas. Depende de nós, qualificarmos a estas para produzirmos narrativas que nos
permitam dar sentido mais rico e profundo à espacialidade de nossa existência cotidiana
atual.
Nesse sentido, iniciamos nossa leitura a partir dos elementos e as
características técnicas do filmes analisados, o que nos permite afirmar, sem nenhuma
conotação preconceituosa ou pejorativa, frente aos recursos hoje disponíveis, certo grau
de precariedade e ingenuidade nas suas produções, entretanto, é notório destacar o
desafio que foi realizar no “meio do nada” um conjunto de longas e curtas-metragens.
Tanto em “Pantanal de Sangue” quanto em “Desejo Selvagem...”, os
enquadramentos, as angulações e as seqüências das cenas deixam claro que houve
poucos cortes, os quais, durante o processo de montagem, acabaram privilegiando dois
ritmos. O primeiro com uma dinâmica mais acelerada, contendo cenas curtas, com
117
diálogos bem marcados, onde aparecem as personagens e seus conflitos dando o tom da
trama, presentes no ápice das duas tramas, e, segundo, mais lento e amplo, na tentativa
de demonstrar o isolamento, o distanciamento com o urbano e a infinitude do lugar
chamado Pantanal que devia ser desvendado pelo “espectador urbano”, principal
consumidor dessas obras fílmicas popularescas.
O isolamento, o distanciamento dos centros urbanos e a imensidão do
território, o sentimento de vacuidade despertado em José das Neves e sua Família e em
Mônica Mellato, egressa das grandes metrópoles européias, surgem constantemente nas
falas das personagens quando abordam o cotidiano e seus afazeres. Essas dimensões
escalares são percebidas frente às relações estabelecidas com Corumbá, Cuiabá, Campo
Grande e São Paulo (o grande centro consumidor do gado criado nos rincões
pantaneiros), da mesma maneira como ocorre com o conhecimento empírico sobre o
ritmo da natureza, das águas, das chuvas, ditando os afazeres, a lida e a organização do
lugar. A sobrevivência tendo como base o conhecimento dos aspectos do lugar e suas
particularidades, é manifestado pela experiência vivida de cada personagem. Como
expressado, “Vai nascer em agosto. No frio [...] O gado está subindo...” (fala de José
das Neves)
As longas tomadas abertas com sons ambientes da planície
pantaneira, a presença sempre constante da mata selvagem, o desejo do menino Zezinho
em ser um caçador, como o pai, assim como angulações de câmara que denotam uma
espacialidade territorial que estava sendo construída, mostra um Brasil que estava sendo
desbravado e conquistado longe dos centros urbanos, mas cujos conflitos sociais
também estavam presentes.
Essas tomadas amplas registram na tela aquilo que se constituía como
o território do estado do Mato Grosso e, por que não, a própria construção do Brasil ao
longo do regime militar. As tramas evidenciam um ideal de desenvolvimento (a partir
das peculiaridades locais, mas baseado nos moldes propostos pelo grande centro) que se
constituem a partir de relações calcadas na violência arraigada nessa sociedade
(lembrem-se da “Lei do 44”), e numa necessidade constante de instaurar novas
territorialidades às custas da eliminação dos menos favorecidos socialmente (como
acontece com os ribeirinhos e posseiros, vistos como barreiras frente ao sentimento
expansionista de Malamud). Entretanto, nos chama atenção o papel importante
desenvolvido por aqueles que se opõe frente a essa violência, que resistem e constroem
outros sentidos para o lugar em que enraízam suas existências.
118
Nesse aspecto, a natureza pantaneira, como idílio e paraíso, fica
subvertida nos filmes pela necessidade de ampliar o poder e as terras (ou o reinado,
como salienta Malamud) que indubitavelmente acompanha as personagens envolvidas
na trama, desde os grandes latifundiários (como Chico Ribeiro e Malamud), passando
pelos vários tipos de trabalhadores (como os capangas desses dois fazendeiros) e
chegando aos confins da planície, marcada pela distância do Estado legalmente
constituído, que, nos dizeres de José das Neves: “encontra-se a 10 dias de distância, em
Cuiabá”.
É nessa terra “sem dono”, a ser construída e conquistada, permeada
pelo isolamento da paisagem pantaneira que surge algo a ser conquistado em nome do
progresso e do desenvolvimento, que se instala o projeto nacional-desenvolvimentista
de integração nacional. Esses elementos são melhor evidenciados na trama de “Desejo
Selvagem...” em que, as referências à urbanidade, aos elementos tecnológicos são
interpretados e incorporados pela trama, como sendo sinônimo de desenvolvimento e
integração. Este filme, em seu conjunto, é a possibilidade de se produzir novos olhares
para o tempo atual a partir de suas injustiças e diversidades espaciais, exatamente por
apresentar a realidade destas enquanto metáforas de imagens prenhes de simbologias em
aberto.
A partir de diferentes perspectivas, na qual, “Pantanal de Sangue”
com um foco mais intimista, centrado na pequenez da vida cotidiana, na integração do
homem pantaneiro com o seu ambiente e com o seu lugar, notadamente demarcado por
características e peculiaridades bem marcantes e específicas, alterna seqüências e
enquadramentos que hora privilegia o íntimo das personagens e o ritmo das águas, hora
amplia o foco e apresenta a fragilidade do homem mediante a imensidão do universo
pantaneiro que o cerca e aglutina e, em “Desejo Selvagem...”, que visivelmente retrata
um período histórico mais próximo, repleto de inovações técnicas para a época e com
um Estado Legalista mais presente, o que viabiliza a diminuição do sentimento de
ostracismo, é permeado por planos e seqüências mais abertas e dinâmicas,
potencializadas pela utilização de grandes panorâmicas e imagens aéreas, quase como
um registro documental das peculiaridades locais (mas aquém da geografia científica),
possibilitam traçar diferentes análises e leituras de como a paisagem e os elementos do
“modus vivendis” local são retratados pelas tramas. As imagens do primeiro filme
possibilitam ler a paisagem pantaneira a partir do lugar e do olhar daquele que vivencia
119
essa cotidianidade e que aprendeu a conviver e usufruir das especificidades que
permeiam essa territorialidade já, no segundo, a leitura paisagística das imagens,
denotam um arranjo mais amplo e aparente, onde a paisagem aparece como a
panorâmica que o olhar abarca, mas que aos poucos, sai do plano superficial e revela ser
permeada por situações e elementos que consubstanciam a sua essência.
Assim, sob um olhar atento, as peculiaridades desse lugar chamado
Pantanal, ecoam na riqueza das imagens presentes nas duas obras fílmicas, nesse
sentido, a estética e a plástica que parametrizam os filmes devem ser absorvidas pelo
espectador geógrafo, a partir de uma noção e compreensão de Geografia que vai além
da materialidade e objetividade proposta pela linguagem formal-acadêmica. Essa
postura é o elemento fundamentador da ampliação do diálogo e das possibilidades de
leitura de outras formas de produção de conhecimento, que não as científicas à luz dos
conhecimentos contemporâneos.
Estes filmes, em seu conjunto, corroboram com a possibilidade de se
produzir novos olhares para o tempo atual a partir de suas injustiças e diversidades
espaciais, exatamente por apresentar a realidade destas enquanto metáforas de imagens
prenhes de simbologias em aberto.
Toda obra cinematográfica narra essa possibilidade de acontecimento.
Funciona como enunciador de nossa memória, de maneira a tomarmos consciência de
que o tempo passado só toma sentido nas formas como o qualificamos em nosso espaço
atual.
Nossa memória não pode ficar condicionada ao passado, ela tem que
se espacializar no hoje, como forma de ser recriada e transformada em novas imagens,
em novas memórias, em outras ações e acontecimentos. O filme é apenas uma
ordenação de imagens que narram este mundo, mas esta narrativa só toma sentido em
cada um de nós, e é através de cada experiência individual que a narrativa toma
contornos de coletividade humana, pois somos nós que temos a capacidade de intervir e
produzir novas possibilidades temporais, novas espacialidades.
120
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DESEJO SELVAGEM – MASSACRE NO PANTANAL (1979, São Paulo). Direção:
David Cardoso; Produção: DaCar Produções Cinematográficas; Argumento e Roteiro:
Ody Fraga; Fotografia e Câmera: Cláudio Portioli; Montagem: Jair Garcia Duarte;
Música: Ronaldo Lark; Locações: Fazendas na região do Pantanal; Elenco: David
Cardoso, Ira de Furstemberg, Alberto Rushel, Hélio Souto, Nelson Morrisson,
Yara,Stein, Sônia Saeg, Lucey Fairfax, Fátima Morgane, Ariane Moura, Wilson Jr.,
Darlan Soares, Miro Reis, Alvino Correia, Carlos Shintomi, Rafael Cifuentes e João
Menino.
PANTANAL DE SANGUE (1971, São Paulo). Direção: Reynaldo Paes de Barros;
Produção: R. P. B. Filmes; Argumento e Roteiro: Reynaldo Paes de Barros; Fotografia:
Reynaldo Paes de Barros e Antônio Meliande; Montagem: Mauro Alice; Música: Remo
Usai; Locações: Fazenda Santo Antônio do Paraíso, Miranda/MS; Elenco: Francisco de
Franco; Milton Ribeiro; Elsa de Castro; Jorge Karan; Salvador Amaral; Rosalvo
Caçador; Walter Vargas; Jean Stefan; Dina Flores; João Fagundes; José Silva; Manuela
Córdoba; Rodolfo Ortiz; Dito Rondon; Ramona Morel; Agenor Angerames; Ivone
Vargas; Ivo Ormai; Milito de Paula; Jeremias Silva.
131
ANEXO 2 – LISTA DE FILMES
Apresentamos aqui, um levantamento completo dos registros fílmicos
ocorridos na região do Pantanal, mas tão só as obras que foram devidamente registrados
nos órgãos competentes (como o CONCINE, a ANCINE e o extinto Conselho nacional
de Cinema), tanto os filmes documentários quanto os de ficção (longas, média e curtas
metragens). Optou-se, também, em colocar alguns documentários mais recentes que,
apesar de não possuírem o referido registro, exemplificam novas abordagens feitas do
Pantanal enquanto linguagem cinematográfica, contando com apoio institucional
(órgãos governamentais e universidades) assim como prêmios recebidos em festivais
cinematográficos.
FICÇÃO:
CAÇANDO FERAS, 1936, Rio de Janeiro, RJ. P&b, 35mm, 75 min, gen: aventura.
Produção: Adhemar Gonzaga; Direção: Líbero Luxardo; asd: Antônio Rolando;
Fotografia: Alexandre Wulfes; Argumento: R. Magalhães Júnior; Música: Martinez
Grau e José Maria de Abreu; Cia. Produtora: Cinédia e Lux Film;
Elenco: Barbosa Júnior, Apollo Correia, Dalila de Almeida, João de Deus, Tina
Gonçalves, Jayme Ferreira, Fernando Stamato, Judith de Almeida, Antônio Rolando,
Dustan Maciel, Reginaldo Calmon, Dulce Malheiros, Dorita Soares, Manoel Rocha,
Pereira Filho, Jacques Luxardo, Miran D’Alves.
Sinopse: Locutor organiza caçada ao Mato Grosso para salvar da falência a emissora
em que trabalha. Ao narrar os lances da caçada pelo rádio, conquista grande audiência,
conseguindo assim manter seu emprego (NETO, 2002, 133).
PANTANAL DE SANGUE, 1971, São Paulo, SP. Colorido (Eastmancolor), 35mm, 97
min, gen: drama.Produtor: Reynaldo Paes de Barros e Ivo Nacao; Direção, argumento e
roteiro: Reynaldo Paes de Barros; Fotografia: Reynaldo Paes de Barros e Antônio
Meliande; Montagem: Mauro Alice; Música: Remo Usai; Cia. Produtora: RPB Filmes e
Ivo Nakao Produções Cinematográficas.
Elenco: Francisco di Franco, Elza de Castro, Milton Ribeiro, Jorge Karan, Rosalvo
Caçador, Ubirajara Gama, Salvador Amaral, Boaventura Córdoba, Jean Stefan, Ramona
Morel, Dina Flores, Dito Rondon, Jeremias Silva, Vicente Raveduti.
Sinopse: Inconformado com as ameaças de um novo e autoritário fazendeiro da região,
Chico Ribeiro, que quer se apossar das terras de seu vizinho Miguel, José Tavares,
intercede em favor deste último. Chico repele as pretensões dos dois fazendeiros e
ameaça invadir suas propriedades. Estes denunciam a irregularidade à Delegacia de
Terras do Estado, que lhes dá ganho de causa. Segue-se um curto período de trégua.
Mas, na primeira oportunidade em que se defrontam, no local da venda anual dos bois
da região, José vence em duelo um dos capangas de Chico e humilha este último perante
seus homens. A resposta de Chico é arrasadora. A violência eclode, então, em ritmo
crescente e os dois rivais (Chico e José) se batem até à morte, num desfecho trágico e
sangrento (NETO, 2002, p. 609).
CAÇADA SANGRENTA, 1974, São Paulo, SP. Colorido, 35mm, 96 min. gênero:
ficção. Produtor: David Cardoso, Eduardo Rolim; Direção, argumento e roteiro:
132
Ozualdo Candeias; Fotografia: Virgílio Roveda; Montagem: Luiz Elias; Música:
Ronaldo Lark; Cia. Produtora: Dacar Produções Cinematográficas.
Elenco: David Cardoso, Marlene França, Heitor Gaiotti, Walter Portela, Fátima
Antunes, Evelise Olivier, Munir Razuk, Carmen Angélica, Vosmarline Siqueira, Walter
Mansur, Leon Cakof, Eliana Santiago, Horácio Camargo, Miro Rosa, Teresa Cristina,
Renato Petri.
Sinopse: Mecenas, mulher rica e generosa, estende sua proteção a uma roda de amigos,
principalmente a Fídias, um escultor com quem ela mantém íntimas relações. Surge,
porém, na cidade, Neguinho, rapaz bem apessoado que saíra recentemente da prisão,
sob a suspeita de ter assassinado uma tia milionária. Neguinho busca novas
oportunidades e reabilitação, e Mecenas representa para ele ambas as coisas. A
aproximação de Neguinho gera um conflito com Fídias por causa de Mecenas. Ela
resolve viajar para o exterior, tentando com isso acalmar os ânimos. Na véspera da
viagem, Mecenas é encontrada morta, decapitada, e uma alta importância em dólares
destinada à viagem desaparece. As suspeitas recaem sobre Neguinho, por causa do seu
passado, e ele se vê obrigado a fugir, sendo caçado em Mato Grosso, no Paraguai e na
Bolívia. Todavia, surge outro suspeito, Fídias, em razão de sua obsessão de esculpir
cabeças. As circunstâncias reunem em pleno descampado matogrossense os três
personagens - Neguinho, Fidias e um policial - e trava-se entre eles uma luta de morte.
DEZENOVE MULHERES E UM HOMEM, 1977, São Paulo, SP. Colorido
(Eastmancolor), 35mm, 108 min, gen: drama. Produção, direção e argumento: David
Cardoso; Roteiro: David Cardoso e Ody Fraga; Fotografia: Antônio Meliande;
Montagem: Walter Wanny; mus: Gabino Correa e Ronaldo Lark; Cia. Produtora: Dacar
Produções Cinematográficas;
Elenco: David Cardoso, Helena Ramos, Aldine Muller, Luiz Carlos Braga, Patrícia
Scalvi, Ozualdo Candeias,Caroline Lindsay, Cláudia Santos, Sílvia Massari, Lisa Negri,
Paola Bianchi, Zélia Diniz, David Cardoso Júnior, Miro Carvalho, Nelson Morrisson,
José Lima, Walter Mansur, Ézio Ribeiro, James Cardoso, Vera Railda, Mara Prado,
Suely Gagliardi, Cristina Lanza, Rosa Maria Raspini, Célia Artacho, Luiz Mewes,
Cleusa Bagnara, Maria Celina, Célia Mafra, Marisa Cariani, Tula, Vitória Granwnlich,
Líbera Licena.
Sinopse: Dezenove universitárias tentam alugar um ônibus para uma excursão ao
Paraguai, mas têm seu pedido negado pelo gerente da empresa. Todavia, Rubens, o
jovem diretor da empresa, decide tirar umas férias e passar por motorista das moças.
Isso acontece ao mesmo tempo em que vários bandidos fogem de um presídio paulista e
roubam um pequeno avião, empreendendo uma fuga espetacular. O encontro dos dois
grupos se dá às margens de um rio em Mato Grosso. Rubens, responsável pelas moças,
luta desesperadamente para defendê-las contra a perversidade e as investidas dos
perigosos marginais.
DESEJO SELVAGEM, 1979, São Paulo, SP. Colorido (Eastmancolor), 35mm, 92
min, gen: drama. Produtor: David Cardoso, Gilberto Faria e Gilberto Adrien; Direção:
David Cardoso; Argumento e Roteiro: Ody Fraga; Fotografia e cam: Cláudio Portiolli;
efs: Miro Reis; mtg: Jair Garcia Duarte; Música: Ronaldo Lark; Cia. Produtora: Dacar
Produções Cinematográficas. Elenco: David Cardoso, Ira de Furstemberg, Alberto
Ruschel, Hélio Souto, Nelson Morrisson, Yara Stein, Sônia Saeg, Lucey Fairfax, Fátima
Morgane, Ariane Moura, Ubirajara Gama, Wilson Júnior, André Ferrero, José Lima,
Darlan Soares, Sílvio Martinez, Mário Lúcio, Miro Reis, Alvino Correia, Carlos
Shintomi, Aparecida Braidott, Rafael Cifuentes, Venceslau Valim, Daniel Perez,
133
Rubens Ferreira, Marcos Rolim, Paulo Contador, Fernando Arrués, José Valêncio, João
Menino.
Sinopse: A região do Pantanal, no rio Paraguai, é o lugar ideal para homens
inescrupulosos em busca de fortuna, aventura e anonimato. Para quem chega não se
pergunta quem é, nem de onde veio. Lá, Malamud sonha construir um império onde sua
vontade seja lei, empregando um grupo de homens aventureiros e violentos. As terras
que ambiciona estão ocupadas legalmente e são administradas por Martino, irmão do
proprietário, que se encontra em viagem ao Peru. Malamud e seu grupo assassinam os
irmãos, mas se defrontam com Mônica, viúva do proprietário, que chega da cidade
disposta a se instalar nas terras, agora suas por herança. Homem independente e
aventureiro, Tigre, um piloto que presta serviços a uns e outros sem se ligar a ninguém,
acompanha a escalada de violência de Malamud, que a cada dia amplia seu poder sobre
a região. Tigre toma partido do conflito e alia-se a Mônica, comandando a resistência
contra as desmedidas ambições de Malamud.
TRAPALHÃO NA ARCA DE NOÉ, O, 1983, Rio de Janeiro, RJ. Colorido, 35mm,
90 min, gênero: infantil. Produção e Argumento: Renato Aragão; Direção: Antônio
Rangel; Roteiro: Aguinaldo Silva, Doc Comparato, Antônio Rangel e Renato Aragão;
Fotografia: Carlos Egberto; Montagem: Dominique Paris e Hélio Lemos; Música: Remo
Usai; Cia. Produtora: Renato Aragão Produções Artísticas e Embrafilme.
Elenco: Renato Aragão, Xuxa Meneguel, Sérgio Mallandro, Gracindo Júnior, Nádia
Lippi, Manfredo Colassanti, Dary Reis, Milton Morais, Fábio Villa Verde, Carlos Kurt.
Sinopse: O faxineiro do zoológico Duda (Renato Aragão) e os amigos Kiko (Sérgio
Mallandro) e Zeca (Fábio Villa Verde) formam um grupo de proteção dos animais. Por
isso, são convocados pelo místico Noé (Manfredo Colassanti) para uma missão de
salvamento da fauna e flora do Pantanal. A área está ameaçada de extinção devido à
exploração dos contrabandistas de pele Morel (Milton Morais) e seu capataz Juarez
(Dary Reis). Eles aceitam a missão e no caminho encontram o arqueólogo Marcos
(Gracindo Júnior) e a fotógrafa Carla (Nádia Lippi), em busca de uma pirâmide deixada
no local pela civilização fenícia. Juntos, vencem os bandidos e, no final, Duda é
convidado por Noé para integrar um grupo de seres especiais, que irá povoar um novo
mundo. comentários: O filme foi inspirado em Caçadores da arca perdida, (Raiders of
the Lost Ark), 1981, de Steven Spielberg, e teve locações no Pantanal do Mato Grosso;
Renato Aragão fez o filme sozinho, pois na época havia brigado com os outros três, que,
por sua vez, realizaram Atrapalhando a Suate. A experiência não deu certo para
nenhuma das partes e no próximo filme já estariam juntos novamente.
CARAMUJO FLOR, 1988, Cuiabá, MT. Colorido, 35mm, 21 min., gênero: ficção.
Produtor: Moacir Ramalho; Direção, argumento e roteiro: Joel Pizzini; Fotografia:
Pedro Farkas; Música: Almir Sater, Erik Satie; Montagem: I. Lacreta; Cia Produtora:
Pólo Cinematográfica.
Elenco: Ney Matogrosso; Rubens Corrêa, Tetê Espíndola; Antonio Houaiss; Araci
Balabanian ; Emmanuel Marinho.
Sinopse: Filme ensaístico sobre a obra do poeta Manuel de Barros, ambientada nos
vários lugares que o poeta morou, tais como o Pantanal de Nhecolândia, e outras
cidades do Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, tenta, por meio de imagens
fragmentadas e depoimentos de atores, a estética poética de Manoel de Barros.
(CINEMATECA BRASILEIRA).
134
BRAVA GENTE BRASILEIRA, 2000, Rio de Janeiro, RJ. Colorido, 35mm, 104 min,
gen: aventura. Produção: René Bittencourt; Direção e rot: Lúcia Murat; Fotografia:
Antônio Luís Mendes; Montagem: Mair Tavares e Cezar Migliorin; Música: Lívio
Tragtenberg; Cia. Produtora: Tanga Filmes e Vídeo;
Elenco: Diogo Infante, Luciana Rigueira, Floriano Peixoto, Buza Ferraz, Murilo Grossi,
Sérgio Mamberti, Leonardo Villar, Adeílson da Silva, Vanessa Marcelino e a
Comunidade Kadiweu.
Sinopse: No século XVIII, o Brasil ainda é um território desconhecido para Portugal,
cheio de mistério e estranhos habitantes. A Coroa já tem noção de suas dimensões
continentais, mas precisa mapeá-lo. Em 1778, uma caravana é mandada ao Pantanal
para fazer um levantamento topográfico da região, aos cuidados do astrônomo,
naturalista e cartógrafo Diogo. A caravana deve seguir para o Forte Coimbra, mas é
assediada constantemente pelos índios cavaleiros, com quem Portugal tem um acordo
de paz. O grupo é comandado por Pedro e conta ainda com Antônio, que leva consigo
um mapa de prováveis minas de prata. A trajetória do grupo será marcada por todo tipo
de violência e barbárie, principalmente contra as belas índias que são encontradas no
caminho, pois Diogo sequestra uma índia Guaicuru.
VELHA, OS MENINOS E O GATO QUE ESCAPARAM DA ESTRANHA
CAIXA AZUL, 2000, Cuiabá, MT. Colorido, 35mm, 10 min. gênero: ficção. Produção:
Tati Mendes; Direção e roteiro: Amauri Tangará; Montagem: Luiz Wilke; Música: Abel
Santos; Cia. Produtora: Cia. D’Artes do Brasil.
Elenco: Andrea Pereira, Diego Borges, Márcio Pereira.
Sinopse: "Uma pequena história de cinema no coração do Pantanal." (CINEMATECA
BRASILEIRA)
SARINGANGÁ, 2001, Cuiabá, Mato Grosso, MT. Colorido, 35mm, 10 min. Gênero:
ficção. Direção: Márcio Moreira; Argumento, roteiro: Luís Carlos Ribeiro, Márcio
Moreira; Fotografia Jorge Monclar; Música: Beto Strada.
Elenco: Mara Ferraz, Romeu Lucialdo, Regina Lobo, Vera Capilé, Mariana Ferreira,
José Márcio Pereira.
Sinopse: "Numa pequena comunidade do Pantanal Mato-grossense uma balzaqueana é
seduzida pelos batuques afro-indígenas do Boi da Serra." (CINEMATECA
BRASILEIRA).
DOCUMENTÁRIOS:
O PANTANAL DE MATO GROSSO, 1941, Mato Grosso. P&b, 35mm, 4 min.,
gênero: documentário. Produção e Direção: William Gerick. (CINEMATECA
BRASILEIRA).
A FESTA DO PANTANAL, 1944, São Paulo, SP. P&b, 35mm, 8 min., gênero:
documentário. Produção e Direção: William Gericke. (CINEMATECA
BRASILEIRA).
REBANHOS DO PANTANAL - MATO GROSSO, 1945, Rio de Janeiro, RJ. P&b,
35mm, gênero: documentário. Fotografia: Lafayette Fernandes da Cunha; Cia.
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Produtora: S.I.A. - Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura.
Narração: J. Irineu Cabral.
Sinopse: "Vista aérea de um enorme rebanho no Pantanal e em seguida da fazenda;
outras vistas aereas da região; avião pousando; rebanhos enormes (e peões) deslocando-
se nos gramados, na água; rebanho nos currais; o gado á levado a passar num estreito
corredor, cuidado por alguns peões; peões derrubam bezerros para marcar a ferro
quente; rebanho; grande ave do pantanal; carro de boi; aves em revoaça; árvores à beira-
rio; jacaré junto ás árvores; jacaré na água; jacaré abatido; novamente vista aérea da
região mostrando casa e rebanho. Som: fala da colonização do Pantanal, sempre por
grupos de tradicionais criadores, que lá encontraram excelentes condições de pastagens
e água. Além do gado bovino, mostra a fauna natural da região: garças e jacarés."
(CINEMATECA BRASILEIRA).
ENCANTOS DO PANTANAL MATOGROSSENSE, 1948, São Paulo, SP. P&b,
35mm, 8min. Gênero: documentário. Produção e Direção: William Gericke.
(CINEMATECA BRASILEIRA).
GRANDE DESCONHECIDO, O, 1957, São Paulo, SP. P&b, 35mm, gen:
documentário. Produtor: Alfredo Palácios e Mário Civelli; Direção e Roteiro:
MárioCivelli; asd: Glauco Mirko Laurelli; Fotografia: Adolfo Paz Gonzalez; Câmera:
Afrodísio de Castro; Música: Guerra Peixe; Cia. Produtora: Serrador Filmes.
Sinopse: Documentário de longa-metragem que retrata os costumes e rituais dos índios
Brasileiros. Filmado em locações na Amazônia e Centro-Oeste. comentários: Este
filme foi restaurado por Patrícia Civelli, filha de Mário, em colaboração com a Funarte e
deverá ser exibido ainda em 2002. “Trata-se do registro de oito meses de filmagens nas
selvas brasileiras, começando pelo Pantanal, passando pela Amazônia até chegar à
Bahia, período em que foram registradas tribos indígenas que não existem mais. A
equipe abriu picadas, improvisou balsas e construiu pontes sobre precipícios (NETO,
2002, p. 381).
“PANTANAL", 1971, São Paulo, SP. Colorido e p&b, 35mm, 20 min. gênero:
documentário. Produção: Ana Carolina, Jorge Kalil Filho, José Carlos Meirelles;
Direção, argumento e roteiro: Anna Carolina; Fotografia: Jorge Bodanzky; Música:
Hermano Penna; Montagem: Paulo Rufino; Cia. Produtora: Área Prod.
Cinematográficas.
Sinopse: "A caçada a uma onça, que mobiliza um grupo de homens, vencendo as
dificuldades da região do Pantanal de Mato Grosso. Noções da geografia da região. Um
dia na vida dos mateiros de Poconé, que durante boa parte do ano não têm trabalho
devido à cheia e, nas épocas favoráveis vivem da caça. É o dia da caça" (ALSN/DFB-
CMM) CINEMATECA BRASILEIRA.
MUNDO À PARTE, 1971. Produção Instituto Brasileiro de Desenvolvimento
Florestal. Direção: Arne Edvard Sucksdorff . Colorido. Documentário.
Sinopse: O longa está dividido em 4 episódios: "Os Anos Felizes", "Os Anos na Selva",
"Manha de Jacaré" e "O Reino da Selva". Cada uma dessas fruto dos vários anos que o
cineasta, escritor e fotógrafo sueco passou no pantanal retratando a fauna e a flora,
principalmente sua convivência pessoal com esse meio.
NO PANTANAL DO PIQUIRY, 1973. Colorido, 35mm, 10 min. gênero:
documentário. Produção e Direção: Reynaldo Paes de Barros.
Sinopse: "... sobre o Pantanal do Piquiry em Mato Grosso". (Embrafilme/CFCMB)
136
PANTANAL DE MATO GROSSO, 1974. Colorido, 16mm, 7 min. gênero:
documentário. Produção: Agência Nacional; Direção: Renato Neumann; Argumento,
roteiro: Edson Nequete; Fotografia: Valmir Ribeiro; Sonoplastia: Walter Goulart;
Narração: William Mendonça.
Sinopse: "O filme mostra uma visão geral do Pantanal mato-grossense. As novas
estradas que ligam esta região a todo o Brasil, o panorama da cidade de Cuiabá, seus
costumes e sua gente, a natureza de Mato Grosso como exploração turística, servindo de
atrativo para os visitantes. Mostra também a força de sua economia, a pecuária, com
seus campos de pastagem onde o gado é criado solto, formando uma paisagem
colorida." (INC/CESD) CINEMATECA BRASILEIRA.
VIAGEM AO NINHO DA TERRA, 1978, Rio de Janeiro, RJ. Colorido, 35mm, 12
min. gênero: documentário. Produção, Argumento, Roteiro e Direção: Luiz Keller,
Tônia Quaresma; Fotografia: Tânia Quaresma, Gilberto Otero, Antônio Luiz Mendes
Soares, Lucio Kodato; Música: Heitor Villa-Lobos; Cia. Produtora: Trindade
Produções.
Sinopse: "Pantanal Matogrossense, com sua paisagem inédita habitada por numerosa
fauna e pequenos grupamentos humanos, com música de Villa-Lobos."
(Embrafilme/CF). CINEMATECA BRASILEIRA.
OS REMANESCENTES, 1980, Goiânia, GO. Colorido, 35mm, 7 min. gênero:
documentário. Direção, produção, argumento, fotografia, montagem e roteiro: Enias
Pinto Pólvora; Desenhos animados: Francisco Lacerda; Cia. Produtora: Pólvora e Dal
Farra Ltda.
Sinopse:"O filme mostra o Pantanal Mato-grossense, na sua flora, fauna e rios e faz um
apelo por sua preservação." CINEMATECA BRASILEIRA.
PANTANAL: A ÚLTIMA FRONTEIRA, 1983, São Paulo, SP. Colorido, 16mm, 11
min. gênero: documentário. Direção, montagem e roteiro: Regina J.; Câmera: André
Palluch; Música: Nana Vasconcelos; Cia. Produtora: Lauper Filmes.
Sinopse: "Documentário sobre a região do pantanal Mato-grossense, um dos últimos
refúgios da vida silvestre no planeta. O ciclo das águas, que rege e determina o ciclo de
vida da flora e da fauna: peixes, insetos e aves aquáticas, mamíferos carnívoros, cada
espécie tem o seu papel na manutenção do equilíbrio ecológico. A quebra desta
harmonia com a perseguição de animais por caçadores e comerciantes, vem trazendo a
extinção de diversas espécies raras." (CCSP/CM)
CINEMATECA BRASILEIRA.
PANTANAL: VIDA E MORTE (a.k.a. Pantanal: Vida ou Morte?), 1984, Rio de
Janeiro, RJ. Colorido, 35mm, 20 min. gênero: documentário. Direção: Helena da Rocha;
Lise Torok; Fotografia: Antônio Luiz Mendes Soares; Montagem: Antônio Carlos
Bernardes; Música: Aluísio Diller; Cia. Produtora: Brasiliana Filmes.
Sinopse: "(...) as ameaças ao equilíbrio do pantanal mato-grossense, região considerada
ainda um santuário ecológico, com muitas espécies ameaçadas de extinção,
principalmente por causa da caça predatória e do contrabando de peles."
(CINEMATECA BRASILEIRA).
COMITIVA ESPERANÇA : UMA VIAGEM AO INTERIOR DO PANTANAL,
1986, São Paulo, SP. Colorido, 16mm, 50 min. gênero: documentário musical.
Produção, direção, argumento e roteiro: Wagner Carvalho; Fotografia: Walter Rogério;
Música: Almir Sater, Zé Gomes e Paulo Simões;
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Sinopse: "... mostra, de maneira poética, o homem do pantanal mato-grossense,
resgatando os gestos, os olhares, as falas mais espontâneas, os momentos de força e
coragem dessas pessoas, procurando revelar, sem preconceitos, a alma do pantaneiro."
(CINEMATECA BRASILEIRA).
ANIMANDO O PANTANAL, 1988, Campinas, SP. Colorido, 16mm, 4min30seg.
gênero: animação. Direção: Wilson Lazzaretti. Maurício Squarisi; Cia. Produtora:
Núcleo de Animação de Campinas.
Sinopse: "A interferência do homem no Pantanal (o desmatamento, o garimpo, a caça e
pesca predatórias), os temas são apresentados por dois personagens do folclore da
região e a dança dos mascarados." (CINEMATECA BRASILEIRA).
QUINHENTAS ALMAS, 2001, São Paulo, SP. Colorido, 35mm, 75 min, gen:
documentário. Produção: Fernando Souza Dias; Direção: Joel Pizzini; Fotografia: Mário
Carneiro; Montagem: Idê Lacreta; Música: Lívio Tragtenberg; Cia. Produtora: Grifa
Cinematográfica. Elenco: Paulo José e Matheus Natchtergaele.
Sinopse: Documentário que reflete a presença e a ausência de memória a partir da
cultura milenar dos índios Guatós, habitantes do pantanal brasileiro. Considerados
extintos na década de sessenta, os Guatós foram redescobertos por uma freira salesiana,
reconhecidos oficialmente na década de oitenta e hoje lutam pela preservação e
recuperação de sua identidade. Ao retratar os últimos falantes do idioma guató, o filme
refaz a genealogia da tribo, evidenciando os principais conflitos e paradoxos da cultura
desde os primeiros contatos com os viajantes europeus. comentários: Para recriar o
universo mítico e existencial dos chamados índios canoeiros, o documentário recorre à
ficção, inserindo trechos filmados da peça Controvérsia, de Jean-Claude Carrière,
montada pelo ator/diretor Paulo José, que também representa todos os papéis da
reconstituição de um julgamento de um líder guató assassinado. (NETO, 2002, p. 677).
PANTANAL NO AR, 2009. Produção: Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul e
da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, Agência de Turismo Ar e Prefeitura
Municipal de Bonito. Direção: Marcelo de Paula. Trilha sonora: Emmanuel Marinho;
Grupo Acaba e Gabriel Sater.
Sinopse: O filme apresenta a história do Mato Grosso do Sul a partir da formação e
ocupação do Pantanal, com os principais problemas que esse processo acarretou, desde
a Guerra do Paraguai, passando pelo contato e conflito com os grupos indígenas
Kadiwéus, até a questão do turismo atual e os sérios problemas ambientais.
O QUE É PANTANAL, 2009. Dourados/Presidente Prudente. Curta em vídeo digital,
12 min. Produção: UFGD. Direção: Cláudio Benito O. Ferraz. Apoio técnico GTA,
GPLG, Carlos Henrique Sabino. Documentário.
Sinopse: Vídeo documentário de caráter científico-pedagógico retratando o processo de
formação do Pantanal e os outros olhares e leituras que se podem fazer atualmente sobre
o mesmo.