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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM GEOGRAFIA A PAISAGEM PANTANEIRA PELA ÓTICA DO CINEMA BRASILEIRO Dourados 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM GEOGRAFIA

A PAISAGEM PANTANEIRA PELA ÓTICA DO CINEMA

BRASILEIRO

Dourados

2010

ALEXANDRE ALDO NEVES

A PAISAGEM PANTANEIRA PELA ÓTICA DO CINEMA

BRASILEIRO

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Geografia da

Universidade Federal da Grande Dourados –

UFGD, para obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Benito Oliveira

Ferraz.

Dourados - 2010

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD

302.22

N513p

Neves, Alexandre Aldo

A paisagem pantaneira pela ótica do cinema brasileiro. /

Alexandre Aldo Neves. – Dourados, MS: UFGD, 2010.

137f.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Benito Oliveira Ferraz

Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade

Federal da Grande Dourados.

1. Identidade social – Brasil – Cinema nacional. 2.

Análise do discurso narrativo. 3. Cinema brasileiro – Análise

e interpretação. 4. Pantanal de sangue, 1971 (Filme). 5.

Desejo selvagem: massacre no Pantanal, 1979 (Filme). I.

Título.

4

CLÁUDIO BENITO OLIVEIRA FERRAZ

A PAISAGEM PANTANEIRA

PELA ÓTICA DO CINEMA BRASILEIRO

COMISSÃO JULGADORA

DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

Presidente e orientador______________________________________________________

2º Examinador_____________________________________________________________

3º Examinador_____________________________________________________________

Dourados, ______ de ______________ de ____.

5

RESUMO

Guardada as devidas proporções e tomando consciência dos limites existentes, o cinema

contribui na definição dos sujeitos sociais e de seus papéis na sociedade e de sua ação

histórica. Nesse processo de construção coletiva do indivíduo, o filme pode ser interpretado

e encarado como uma experiência crítica, como um momento concreto-particular de

reflexão, discussão e debate, que propicia o acesso a outras e novas informações no processo

de totalização e coletivização desse sujeito em curso. Desta forma, destacou-se para a

Geografia a necessidade de melhor compreender o papel da imagem na configuração e

leitura das relações sócio-espaciais estabelecidas. A Ciência Geográfica é uma área do

conhecimento científico que potencialmente pode fazer uso de outras linguagens que não se

restrinjam ao universo da palavra, ou seja, é um saber também herdeiro do universo das

linguagens pautadas em imagens, como o estudo das paisagens o comprova. Acreditamos

que o conhecimento do mundo a partir do estudo da Paisagem, necessariamente, precisa

intensificar os diálogos entre as diversas esferas do conhecimento, promovendo a interação

entre a lógica verbal (palavra) com a não-verbal (imagens) como forma de enriquecer suas

análises. O uso das palavras e dos conceitos geográficos serve para dar sentido paisagístico

às imagens então observadas, visando ir além delas, estabelecendo sentido lógico de leitura e

entendimento das imagens enquanto paisagens que expressam a ordem espacial do mundo.

Na tentativa de aproximação da pesquisa com a existência humana e sua cotidianidade,

especificamente no que se refere à construção da identidade territorial e paisagística do

Pantanal sul-mato-grossense, procuramos estabelecer as relações entre o Cinema e a

Geografia, destacando alguns filmes de longa-metragem ficcional produzidos na década de

1970 (“Pantanal de Sangue”, 1971, Direção: Reynaldo Paes e Barros e “Desejo Selvagem –

Massacre no Pantanal”, 1979, Direção: David Cardoso), que utilizaram o Pantanal como

elemento principal para o desenvolvimento de suas tramas, tendo para isso, seus habitantes e

costumes como elementos de identificação cultural.

6

RÉSUMÉ

Grossièrement parlant, et de devenir conscient des limites existantes, le film contribue à la

définition des sujets sociaux et leurs rôles dans la société et son action historique. Dans le

processus de construction collective de l'individu, le film peut être interprété et considéré

comme une expérience critique en temps réel, en particulier pour la réflexion, de discussion

et de débat, qui donne accès à de plus amples renseignements et des nouvelles dans le

processus d'agrégation et de collectivisation de ce sujet en cours. Ainsi, ils ont souligné la

nécessité pour la géographie pour mieux comprendre le rôle de l'image dans la configuration

et les relations socio-spatiale établies. La science géographique est un domaine de

connaissances scientifiques qui peuvent potentiellement faire usage d'autres langues qui ne

sont pas limitées à l'univers du mot, ou un héritier est une connaissance des langues de

l'univers guidée en images, comme le montre l'étude des paysages. Nous croyons que la

connaissance du monde de l'étude du paysage nécessairement besoin d'intensifier le dialogue

entre les différentes sphères de la connaissance, promouvoir l'interaction entre la logique

verbale (mot) avec les non-verbal (images) comme un moyen d'enrichir leur analyse .

L'utilisation des mots et des concepts spatiaux sert à donner du sens aux images du paysage

a ensuite observé de manière à aller au-delà, établissant le sens logique de la lecture et la

compréhension des images des paysages qui expriment l'ordre spatial du monde. Dans une

tentative d'approche de la recherche avec l'existence humaine et sa vie quotidienne, en

particulier en ce qui concerne la construction de l'identité locale et le paysage du Pantanal du

Mato Grosso do nous tentons d'établir la relation entre le cinéma et la géographie, en faisant

ressortir quelques longs métrages, film de fiction produit dans les années 1970 (“Pantanal de

Sangue”, 1971, Réalisé par: Reynaldo Paes e Barros e “Desejo Selvagem – Massacre no

Pantanal”, 1979, Réalisateur: David Cardoso), qui ont utilisé le Pantanal comme un élément

essentiel pour le développement leurs parcelles, et pour cela, son peuple et les coutumes

comme des éléments d'identification culturelle.

7

AGRADECIMENTOS

À Deus por ter me guiado pelos caminhos certos, pela força nos momentos

difíceis, mas necessários e pela ajuda na superação dos obstáculos.

Aos meus pais Hélio Aldo Neves e Marilda Roziris Sônego Neves, que

estiveram ao meu lado em todos os momentos, sempre me incentivando e ajudando. E ao

meu irmão Ricardo Sônego Neves que mesmo morando tão longe incentivou e acompanhou

o meu trabalho.

Á minha namorada Luciane Terumi Matsuoka pelo amor, compreensão e

incentivo em todas as etapas do meu trabalho, jamais me esquecerei!

Ao CAPES e ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFGD que

viabilizaram a realização deste trabalho. Gostaria de agradecer também, aos funcionários da

Biblioteca da Cinemateca Brasileira de São Paulo pelo atendimento exemplar.

Ao meu orientador, o Prof. Dr Cláudio Benito Oliveira Ferraz pela

confiança depositada, e por ser meu amigo e não apenas meu professor. Aprendi muito com

o senhor durante a construção desse trabalho e com os seus conselhos, terás sempre minha

gratidão.

Aos grandes amigos, Robinson Santos Pinheiro, Thiago Rodrigues

Carvalho e Jean Menezes pela ajuda e pelo companheirismo incondicional.

Enfim, a todos aqueles que sempre procuraram me incentivar, e que direta

ou indiretamente acompanharam todo o processo de elaboração deste trabalho.

“Experiência não é o que aconteceu com você, mas

o que você fez com o que lhe aconteceu”.

Aldous Huxley

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

1 - CAPÍTULO 1 – A PAISAGEM, O CINEMA E O PANTANAL 15

1.1 - Paisagem: a Gênese de um Conceito 17

1.2 - A Paisagem e a Geografia – o que pretendemos apontar a partir desse conceito 20

1.3 - Novas Linguagens para Ler e Interpretar a “Realidade”: a paisagem, o

pantanal e o cinema 27

2 - CAPÍTULO 2 – A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA E A ARTE DO

ESPAÇO 35

2.1 - A Invenção da Imagem em Movimento: Cinema, Imagem e Memória 36

2.2 - O Cinema e suas Geografias 37

2.3 - A Hermenêutica na Análise Fílmica 52

3 - CAPÍTULO 3 - A PAISAGEM PANTANEIRA PELA ÓTICA DO CINEMA 57

3.1 - O Pantanal, o Cinema e suas Paisagens 58

3.2 - Modus Vivendis: Retratos de uma Paisagem insólita nas “veredas” do sertão

pantaneiro em “Pantanal de Sangue” e “Desejo Selvagem – Massacre no

Pantanal”

61

CONSIDERAÇÕES FINAIS 115

BIBLIOGRAFIA 120

REFERENCIAL FILMOGRÁFICO 125

ANEXOS 125

10

LISTA DE IMAGENS

01 – Cartaz do Filme “Selva Trágica” 127

02 – Cartaz do Filme “Caingangue – A Pontaria do Diabo” 128

03 – Cartaz do Filme “19 Mulheres e Um Homem” 129

04 – Rubens e seu “co-piloto” 41

05 – Aeroporto de Cumbica/SP 42

06 – Centro de São Paulo/SP 42

07 – Garagem da Viação Motta/Pres. Prudente/SP 43

08 – Cartaz do Filme “Caçada Sangrenta” 130

09 – Avenidas de São Paulo 44

10 – Campo Grande 45

11 – A Universidade 46

12 – Dourados 47

13 – Centro de Aquidauana 47

14 – Cartaz do Filme “Pantanal de Sangue” 51

15 – O vaqueiro e o Pantanal 59

16 – Abatendo uma presa 59

17 – Abertura do filme “Pantanal de Sangue” 62

18 – Cartaz do Filme “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal 64

19 – Zezinho e a volta do pai 69

20 – O reencontro com a esposa 69

21 – Ana e Cali ordenhando as vacas 72

22 - Zezinho e Cali cuidando das galinhas. 73

23 – Ana alimentando os porcos 73

24 – Cães brincando na sede da fazenda de Malamud 74

25 – O Gavião no topo da árvore avistado por Zezinho 75

11

26 – José abatendo o pássaro 75

27 – Restos da novilha abatida pela onça 76

28 – A Zagaia 77

29 – Abrindo passagem 78

30 – O encontro! 79

31 – O abate! 79

32 – Mascote morto 84

33 – Retorno de José das Neves 84

34 – Churrasco e música guarania 86

35 – “Churrasco de fogo de chão” 87

36 – Vista aérea de fazenda de Malamud 89

37 – Peões na sede da fazenda de Chico Ribeiro 89

38 – A boiada de Malamud 91

39 – A Marcação 92

40 – A Castração 93

41 – A Comitiva 93

42 – Boiada reunida no curral do Sr. Reis 94

43 – Boi no brete 95

44 – José e Sr. Reis na apartação 95

45 – Banana de dinamites 99

46 – Explosão da cabana 99

47 – Repórter com arma na cabeça 100

48 – A vingança da bugra 102

49 – A chegada do exército 103

50 – Confronto na fazenda de Chico Ribeiro 107

51 – Desfecho da trama 107

52 – Momento de lazer 110

12

53 – Chovendo no Pantanal 110

54 – Localização do Pantanal apresentada no documentário 112

55 – Apresentando os Diques e os Leques Aluviais 112

56 – Sobrevoando o Pantanal 113

57 – Pescaria no Rio Paraguai 113

13

INTRODUÇÃO

Fruto de uma série de pesquisas, trabalhos de campo, análises

fílmicas, elucubrações e discussões, este trabalho acabou por embrenhar-se em

temáticas até então pouco exploradas pela Geografia.

Ao intentar um trabalho científico que enfocasse um melhor diálogo

entre a ciência geográfica à sétima arte (cinema), tendo por mediador o conceito

geográfico de Paisagem, acabamos por suscitar diversas questões que ensejaram outros

“olhares” para o que seria a geograficidade de uma obra fílmica, e quais Geografias essa

obra permitiria existir.

No 1° Capítulo, intitulado “A Paisagem, o Cinema e o Pantanal”, de

modo claro e sucinto para que não nos desviemos de nossos objetivos, inicialmente

abordamos o conceito de Paisagem, ressaltando os aspectos importantes de sua

trajetória histórica e suas características gerais.

A seguir, correlacionamos o conceito à construção interpretativa da

paisagem no cinema, atentando para o fato de que a Geografia pautou-se durante um

longo período, especialmente ao longo de sua sistematização e oficialização ocorrida no

Século XIX, na lógica léxico gramatical, relegando as imagens a um papel secundário e

exemplificativo. Nesse contexto, torna-se pertinente observarmos o caráter inovador

desempenhado pelo presente trabalho, uma vez que pressupõe a articulação num mesmo

patamar desses elementos (linguagem escrita e imagética), o que propicia o processo de

contextualização das imagens fílmicas e sua conseqüente transfiguração em

representações paisagísticas.

Ao final, elucidamos nossa opção por trabalhar com filmes de longa

metragem realizados nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, principalmente

na região pantaneira, que são: “Pantanal de Sangue” (Brasil, 1971, Direção: Reynaldo

Paes de Barros) e “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal” (Brasil, 1979, Direção:

David Cardoso). A utilização dessas obras fílmicas permitiu ampliar o diálogo entre

diferentes áreas do conhecimento científico e destes com o artístico, a partir da análise

de filmes populares, visando destacar temas, conceitos, e idéias que podem contribuir

para um melhor entendimento da questão da diversidade e da identidade cultural no

território do Mato Grosso do Sul. Ou seja, a partir de um possível diálogo entre o

discurso científico da geografia com a linguagem artística expressa em um filme de

caráter popular, pretende-se levantar alguns elementos para melhor entender como é

14

possível discutir a produção de identidade numa região como a do Mato Grosso do Sul,

caracterizada exatamente por uma diversidade de manifestações culturais.

No segundo capítulo, intitulado “A Linguagem Cinematográfica e a

Arte do Espaço”, num primeiro momento descrevemos a primeira exibição pública de

cinema, ocorrida em 1895 em Paris, e como aquele extraordinário espetáculo acabou

por iniciar algo que repercutiria de forma profunda no imaginário e na vida da sociedade

contemporânea. Com isso, o cinema teria, portanto, permitido o surgimento de uma

nova forma de ver e perceber a “realidade”, exercitando maneiras subjetivas e objetivas,

dinâmicas e fracionadas de ler o espaço.

Nesse momento, introduz-se uma breve definição do significado de

cinema, e o modo como essa forma de expressão cultural pode ser utilizada tanto como

instrumento de manipulação de idéias, quanto como objeto a ser interpretado e visto

como uma experiência crítica individual e única.

Após isso, passamos a analisar intrinsecamente as ligações concretas

existentes entre cinema e Geografia, atentando para o modo como se estabelecem e

enfatizando o principal objetivo de nosso trabalho, que é propiciar o enriquecimento do

diálogo entre essas duas formas de produção. É pertinente destacarmos que, todo filme

possui uma espacialidade própria constituída de lugares, não-lugares e territórios que

uma obra fílmica possui, atribuindo ao cinema o poder de recriar e constituir novas

formas de perceber e visualizar os espaços concretamente vivenciados, explorando-os e

atribuindo sentido à narrativa fílmica.

Em decorrência de tais aspectos, portanto, desse contexto e objetivo é

que se delineou a abordagem, entretanto, torna-se necessário clarear alguns detalhes da

metodologia de trabalho.

Primeiro, para melhor retirar elementos possibilitadores de uma

análise da questão, que se coloca como necessária aos estudos geográficos do mundo

atual. foi fundamental contextualizar o seu autor e o momento em que as obras fílmicas

analisadas foram produzidas. Quais as concepções estéticas e referenciais para o diretor,

afim de possibilitar o surgimento de possíveis leituras e interpretações dos sentidos

propostos pela seqüência de cenas e as formas de elaboração das mesmas, assim como

entender as condições em que foi estruturada a obra e como ela foi possível de ser feita

e interpretada, já que se trata de filmes realizados ao longo da década de 1970 e lido

com os olhos de quem se encontra em 2010.

15

Para responder essa questão, levou-se em consideração o fato que toda

imagem está repleta de signos e representações e, que cabe ao homem dar sentido à eles,

utilizando para isso, estratégias para interpretar a imagem-signo. Portanto, a imagem

não seria apenas algo que reproduz a “realidade”, mas trata-se de um outro modo de vê-

la, num processo contínuo e dialógico.

Desta forma, para analisarmos as obras cinematográficas adotamos

como procedimento de análise e interpretação, os pressupostos teóricos desenvolvidos

pela Hermenêutica Filosófica. Os processos de análise dos filmes permitiram

apreendermos uma série de elementos particulares, inerentes à obra que se tornam

objeto de interpretação hermenêutica. Esses detalhes (partes) que compõe o todo da

estrutura narrativa são possuidores de um sistema complexo de sugestões temáticas. São

detalhes relacionados às situações particulares do cotidiano das personagens dos filme.

Já no terceiro e último capítulo – “A Paisagem Pantaneira pela Ótica

do Cinema”, nos debruçamos sobre os pequenos fragmentos/fotogramas dos filmes em

questão, com o intuito de estabelecermos uma possível leitura paisagística do que vem a

ser o Pantanal, a partir do espaço fílmico e dos elementos constituintes da narrativa

fílmica, procurando evidenciar como estas imagens/fragmentos podem se qualificadas

como paisagens para o momento atual, frente ao que se oculta em suas narrativas

oficiais e científicas hegemônicas.

16

CAPÍTULO 1_______________________

Fonte: www.cinemateca.com.br

A PAISAGEM, O CINEMA E O

PANTANAL

17

CAPÍTULO 1 – A PAISAGEM, O CINEMA E O PANTANAL

“As paisagens trazem a marca das culturas

e, ao mesmo tempo, as influenciam”.

Augustin Berque

1.1 Paisagem: a Gênese de um Conceito

A noção de paisagem está presente na memória do ser humano antes

mesmo da elaboração do próprio conceito, que só veio a ocorrer por volta do século

XV. A capacidade de lançar o olhar sobre o outro, caracterizado pelo distanciamento,

permitiu aos seres inseridos em suas territorialidades específicas, construir

representações de uma determinada paisagem geográfica, que fossem amplamente

interpretadas e compreendidas pelos condicionantes culturais em que estas sociedades

se encontravam.

O termo paisagem foi elaborado no século XV na Holanda sob a

forma de landskip ou pays, referindo-se a uma parcela de um determinado país ou um

lugar, uma pequena porção do espaço delimitado e circunscrito pelas molduras de uma

janela, a “janela pictural” (ROGER, 2000), ou seja, as telas em que se pintavam as

referidas paisagens, tornando-as acessíveis aos homens em seu processo de observação

e contemplação (CLAVAL, 2004).

Inicialmente, os pintores holandeses pareciam não possuir nenhuma

base teórica ou técnica para a realização dos seus trabalhos, porém o faziam com

precisão e realismo memorável. Podiam ser considerados apenas como atentos e

detalhistas observadores que tentavam recriar a aparência ótica de profundidade,

movimento e precisão na distribuição das figuras no espaço da tela (janela), procurando

estabelecer uma atmosfera harmônica entre o Homem e a Natureza. Os pintores

obtiveram sucesso, a coordenação existente entre seus olhos e a paisagem a ser

reproduzida e recriada tornara-se referência nas artes pictóricas por toda a Europa

(SZAMOSI, 1998).

Com isso, a paisagem representada numa pintura passou a ser

entendida como uma das formas existentes de se expressar uma visão/olhar do mundo

produzida a partir das condições históricas, políticas, sociais, técnicas, estéticas e

culturais que o pintor/observador está inserido. Assim, como as áreas do conhecimento

18

científico não expressam a totalidade das informações e conhecimentos existentes, as

artes também não o fazem, mas permite-nos apreender noções pertinentes à

territorialidade cotidianamente vivenciada por esses seres.

Essa nova “maneira de ver” o mundo, e representar seus elementos,

foi impulsionada por uma série de fatores ocorridos no período da Renascença, como a

retomada dos estudos matemáticos, que resultou séculos mais tarde na consolidação das

bases do discurso científico, o aprofundamento dos estudos referentes à complexidade

da linguagem escrita e, sobretudo, a criação dos princípios da perspectiva1, pensado

objetivamente como um aparato técnico e intelectual de aprisionamento do “real”.

Essas características técnicas e as condições sócio-culturais e

políticas, tornaram-se presentes em diversas partes do continente europeu, o que acabou

proporcionando a efetivação de uma autêntica “sociedade paisagística”. Paralelamente

ao que ocorreu na Holanda, o termo paisagem passou a ganhar novos referenciais e

denominações em outros países da Europa2.

Todo esse contexto está inserido dentro do processo racionalizante de

busca por uma “verdade”, o que favoreceu o rápido desenvolvimento do conhecimento,

emoldurado por preceitos científicos e tecnológicos, tanto que a industrialização, a

urbanização e o aprimoramento dos meios de comunicação e circulação, além da

criação de inúmeras especializações do saber, só ocorreram devido à elaboração dessas

novas maneiras de “ver o mundo”. Veremos mais adiante que a própria geografia

moderna (científica) é fruto dessa forma de se ver e pensar.

A sede de riqueza e a intensificação das relações comerciais entre o

Ocidente e o Oriente, proporcionaram o desenvolvimento cultural e a difusão não só de

mercadorias, mas também de instrumentos e trabalhos artísticos. Esse intercâmbio

1 Mesmo após o processo de sistematização do arcabouço teórico da Ciência Geográfica ocorrida,

sobretudo, no século XIX, a seleção de características presentes na paisagem a serem estudadas,

continuou calcada no juízo do geógrafo. O processo de escolha é sem dúvida conduzida com inteligência,

mas não como uma mera aplicação de conceitos e métodos. “Uma objeção semelhante às vezes se faz

necessária contra a competência científica da geografia, pois ela é incapaz de estabelecer controle,

rígido e lógico e forçosamente se apóia na opção do pesquisador. O geógrafo esta de fato exercendo

continuamente a liberdade de escolha no que diz respeito aos materiais que ele inclui nas suas

observações, mas ele esta também continuamente tirando conclusões assim como estabelecendo suas

relações; ele lida com seqüências, embora ele possa não considerá-las como simples relações causais”

(SAUER, 1998, p. 26). 2 É importante destacar que independente da denominação empregada em cada país (por exemplo:

Landschaft na Alemanha; Landscape na Inglaterra; Paisaje na Espanha ou; Paesaggio na Itália), existem

elementos comuns referentes aos processos de representação espacial e elaboração estética de imagens e

parcelas do território que foram observadas, lidas e interpretadas. Para maiores esclarecimentos vide

Moraes 1989.

19

cultural incentivou muitos artistas europeus a reproduzirem essa prática em seus

quadros.

Os séculos XV e XVI presenciaram a intensificação da expansão

ultramarina, com o “descobrimento” do caminho para as Índias, o “descobrimento” e a

conquista da América, e o início das explorações no longínquo (da perspectiva

eurocêntrica) Oceano Pacífico, que viria a ser pretensamente explorado no século

XVIII. Foi muito importante a existência deste ciclo, quer do ponto de vista econômico,

revolucionando a vida e as relações comerciais na Europa, quer do cultural. Os

navegadores eram acompanhados por estudiosos (viajantes e naturalistas), que

levantavam informações sobre as características costeiras, com as quais elaboravam

mapas e cartas, além de escrever livros e fazer gravuras descrevendo paisagens naturais

(de forma exuberante), povos e os novos costumes que passaram a conhecer3.

Certamente, a incorporação e a elaboração de sentidos e significados,

renderam à Geografia inúmeros debates e discussões em torno desse conceito4.

Entretanto, não cabe aqui tentar apresentar toda a linha histórica da elaboração do

conceito de Paisagem, antes e ao longo do processo de institucionalização do saber e do

discurso científico desta área do conhecimento humano, uma vez que, esse se traduz em

um processo extremamente complexo e multifacetado que acabaria desviando o nosso

objetivo principal, e sim apontar em linhas gerais, alguns elementos e aspectos

importantes ocorridos neste período que contribuíram teoricamente na edificação da

discussão que estamos propondo, ou seja, entender como o conceito de paisagem passou

a ser estruturado dentro do pensamento geográfico racionalizante e como esse conceito

hoje, relacionando com as novas formas de comunicação e expressão (como o Cinema),

assume novas perspectivas nos processos de identificação dos seres com sua

teritorialidade cotidianamente vivenciada. A partir daí, é possível compreender qual

papel a palavra e a imagem assumem nos processos de construção da paisagem.

3 É importante destacar que o extraordinário acúmulo de informações e conhecimentos, empíricos ou não,

até o século XVIII não é fruto somente das grandes expedições científicas da época, ou até mesmo das

viagens de exploração que não tinham esse caráter, mas também dos trabalhos de organização e

sistematização de conteúdos realizados na academia. Nesse sentido, é correto afirmar que a Geografia se

beneficiou amplamente com as reflexões realizadas por Emmanuel Kant (1724-1804), apesar de

segmentar o conhecimento geográfico em duas frentes: Humana e Física; e de encará-la como uma

ciência descritiva. 4 Para obter maiores informações e mais detalhes do processo histórico de elaboração e consolidação do

pensamento geográfico, enquanto discurso científico institucionalizado, e a evolução do conceito de

paisagem no interior desse discurso, indicamos CAPEL (1981), GOMES (1996), CORRÊA (1995),

CORRÊA & ROSENDHAL (1998), FERRAZ (2001), LOURENÇO (2002), MORAES (1989), SANTOS

(2002). Vide bibliografia.

20

Desde os princípios da estruturação da moderna ciência geográfica, os

geógrafos se interessaram pelas paisagens, e foi através dela que os viajantes

apreendiam a natureza das regiões pelas quais percorriam. Os geógrafos do século XIX

estavam atentos à diversidade das paisagens. Era preciso ampliar a divulgação e o

acesso às informações, assim como tornava-se necessário oficializar o saber geográfico

enquanto área do conhecimento científico. Nesse sentido, as contribuições de Kant,

Ritter, Humboldt, dos Fosters (que procuravam evidenciar em suas descrições

paisagísticas as relações existentes do homem com seu meio), Ratzel (ancorado nos

preceitos positivistas do início do século XX, introduziu os estudos políticos e

ideológicos no temário da ciência geográfica propondo, pioneiramente, a criação de

uma Geografia do Homem) Vidal de La Blache (e sua Geografia Regional), ajudaram a

construir as bases da moderna Ciência Geográfica.

1.2 – A Paisagem e a Geografia: o que pretendemos com esse Conceito

Como toda a ciência, a Geografia também possui alguns conceitos

norteadores, capazes de sistematizar e sintetizar os ângulos de análise sobre o seu objeto

de estudo, notadamente a sociedade. São cinco os seus conceitos-chave que apresentam

forte grau de interdependência: Espaço; Território; Região; Lugar e; Paisagem

(CORRÊA, 1995). Certamente, cada um desses conceitos indicados apresenta distintas

definições elaboradas pelas mais diversas áreas do conhecimento, bem como pelas

diversas correntes do pensamento geográfico (Possibilismo, Determinismo, Geografia

Crítica, Geografia Teorética, Geografia Cultural, entre outras), que, segundo Corrêa

(1995), contribuem para o enriquecimento da consolidação do arcabouço teórico da

Ciência Geográfica. Mas devemos estar atentos, como nos adverte Santos (1982, p. 15),

“[...] sendo histórico, todo conceito se esgota no tempo”.

Uma das mais correntes e permanentes definições da Geografia é a de

ser a ciência da paisagem. Entretanto, o conceito de paisagem não é exclusivo do

quadro conceitual da Ciência Geográfica, sendo amplamente utilizado por outras áreas

do conhecimento, como por exemplo, na Arquitetura e nos projetos de urbanização, na

pintura, no paisagismo etc. Na Geografia, em particular, tem sido destacada sua

utilização, principalmente pelo fato dessa ciência procurar delimitar seu campo de

atuação sobre os aspectos e fenômenos que corroboram com a modelação, organização

e modificação material/concreta do espaço. Portanto, podemos classificar como

21

geográfico, nesse sentido, aquilo que tem influência sobre a paisagem enquanto

expressão e forma desse espaço.

Tradicionalmente, os geógrafos diferenciam a paisagem em natural e

cultural. A paisagem natural refere-se aos elementos morfoclimáticos combinados de

terreno, vegetação, solo, rios e lagos, enquanto que a paisagem cultural, humanizada,

inclui todas as modificações feitas pelo homem, como nos espaços urbanos e rurais. De

modo geral, o estudo da paisagem exige um enfoque, do qual se pretende fazer uma

avaliação, definindo o conjunto dos elementos envolvidos, a escala a ser considerada e a

temporalidade na paisagem. Enfim, trata-se da apresentação do objeto em seu contexto

geográfico e histórico, levando em conta a configuração social e os processos naturais e

humanos.

Uma das formas de se tentar classificar a paisagem atende a

especificidade do elemento observado, mas um discurso que visa discutir o saber

geográfico enquanto linguagem, que articule e viabilize a interpretação do real para o

homem melhor se localizar no mundo a partir do lugar em que se encontra, não pode

insistir num discurso duplo, em que há de um lado, aquele que usa ferramentas e

explicações para entender a lógica da física natural e outro para a lógica da física social.

Toda e qualquer paisagem é criação humana, não existe paisagem natural ou cultural

como entidades em si distintas.

Dentro da diversidade conceitual acreditamos ser fundamental

apresentar e destacar algumas de suas definições, a forma como esse conceito foi sendo

construído hegemonicamente ao longo da história, sua implicação no ensino e, por fim,

apresentar qual seria no nosso entendimento, a melhor forma de caracterizá-la em seus

limites e possibilidades para o momento em que vivemos, mesmo porque, como

veremos mais à frente, assumimos aqui, como forma de melhor delimitar nosso objeto

de pesquisa, a análise da paisagem a partir das condições que o emprego deste torna-se

possível em determinas culturas.

De acordo com Bolós y Capdevila (1992, p. 6), foi no período da

sistematização da Geografia enquanto ciência oficial (sobretudo no século XIX) que o

termo paisagem passou a ser freqüentemente utilizado na Ciência Geográfica e, em

geral, era concebido como “el conjunto de formas que caracterizan um sector

determinado de la superfície terrestre”, ou seja, como o conjunto de formas que

caracterizariam uma determinada Região da superfície terrestre.

22

A partir desta concepção que considera somente as formas, o que se

distingue é a heterogeneidade da homogeneidade, o que permite analisar os elementos

em função de sua forma e magnitude, para assim obter uma classificação das

paisagens: morfológicas, de vegetação, agrárias, entre outras. Este conceito de

paisagem foi introduzido na Geografia por A. Hommeyerem mediante a concepção

alemã Landschaft, com o sentido de estabelecer um conjunto de elementos

passíveis de serem observados de um ponto alto. Trata-se, neste caso, de assinalar

na paisagem o âmbito tangível das formas resultantes da associação do homem com

os demais elementos da superfície terrestre.

Assim, a dita geografia humana não deve se opor a uma geografia

da qual o ser humano encontra-se excluído. Desta forma, o conteúdo da paisagem

se constitui de elementos importantes para os homens e nas formas como estes se

relacionam com a sua área. Por esses motivos, a paisagem tornou-se “un objeto

esencial de la investigación geográfica” (CAPEL, 1981, p. 345).

Certamente, poderíamos ficar arrolando as inúmeras diferenças e

semelhanças quanto aos princípios teóricos e metodológicos que permeiam a produção

intelectual de vários pensadores e correntes do pensamento geográfico, que visaram

constituir e estabelecer conceituações acerca dos fenômenos sob a ótica geográfica, no

entanto, cada qual à sua maneira, se apropriou da paisagem a partir das definições

elaboradas por Humboldt, ou seja, a paisagem enquanto um quadro físico, um recorte da

superfície da terra passível de ser observado/lido/interpretado sob a ótica geográfica, por

meio de conceitos e com rigor nomenclatural.

Para exemplificarmos, apresentaremos algumas definições de

paisagem. O geógrafo francês Jean Jacques Élisée Reclus, defini a paisagem como

sendo

[...] a emoção que se tem ao contemplar todas as paisagens do planeta,

na sua variedade sem fim e na harmonia que lhes dá a ação das forças

étnicas, sempre em movimento, essa própria suavidade das coisas, nós

a sentimos ao ver a procissão dos homens sob suas vestes de

opulência, ou de infortúnio, mas todos em estado de vibração e

harmonia com a Terra, que os carrega e os sustenta, o céu que os

ilumina e os associa às energias do cosmo (1985, p. 39).

Sobre a importância do valor científico da paisagem, o autor

alemão Carl Troll afirma que:

Hoy dia el concepto de "paisaje" está presente en Ia ciência y

en el arte. Sin embargo, solo Ia geografia ha dado a su uso un

valor científico y lê ha hecho eje de toda una teoria de

23

investigación (...) Todo paisaje se lê presenta ai geógrafo

dotado de una cíerta fisionomia. Sus distintos aspectos os

elementos, tanto visibles como no visibles, se encuentran en una

determinada relación funcional, mientras que no varie uno de

ellos y, como consecuencia, todo el paisaje. (TROLL, 1994, p.

324)

De acordo com o autor, pode-se, portanto, distinguir um conceito

fisionômico ou formal de um conceito funcional (fisiológico ou ecológico) da

paisagem. O enfoque funcional é resultado, sobretudo, da apreciação de que todos os

fatores, incluídos a economia e as formas de expressão cultural humanas, se

encontram em interação sobre um determinado espaço. De acordo com a

importância e a intensidade da intervenção do homem, se distinguem paisagens

naturais e paisagens culturais. Estas últimas incluem, além dos fenômenos

naturais, os que estão associados aos fatores econômicos, como a agricultura, as

cidades, as populações com sua língua, sua tradição e sua nacionalidade, a

estrutura social, a cultura artística e a religião.

Seguindo essa linha de raciocínio, nos deparamos com a teoria

de Santos, no qual todas essas relações dão conformidade à paisagem, “o seu

traço comum é ser a combinação de objetos naturais e objetos fabricados, isto

é, objetos sociais e ser o resultado da acumulação das atividades de muitas

gerações” (1982, p. 37). Assim, o autor não desconsidera os “objetos naturais”,

mas os coloca em relação de igualdade com os “objetos sociais” e define a

paisagem como resultado de um processo histórico. Ou seja, “resultado de uma

acumulação de tempos [...] representando diferentes momentos do

desenvolvimento da sociedade” (idem, p. 38).

Atualmente, outras formas paisagísticas estão sendo utilizadas:

paisagem econômica, paisagens agrárias, paisagens urbanas, entre outras, como

a corrente liderada por Cal Sauer5: A Geografia Cultural, que acaba por

supervalorizar o conceito de cultura, tomando a este como uma “entidade acima

do homem”, o que pode levar a não se perceber outros aspectos que se

interrelacionam na formação das áreas e Regiões – aspectos não

necessariamente culturais.

5 Para Sauer (1998) a paisagem representa “uma forma da Terra na qual o processo de modelagem não é

de modo algum imaginado como simplesmente físico. Ela pode ser, portanto, definida como uma área

composta por uma associação distinta de formas, ao mesmo tempo físicas e culturais” (p. 23).

24

Essa linha culturalista encontra na obra de Oscar Schmieder um

vasto conjunto de discussões, que abordam a paisagem a partir do elemento

cultural e da ação e influência do homem no seu ambiente (CAPEL, 1981).

Segundo Corrêa & Rosendahl (1998), as abordagens acerca da

Paisagem que ganharam maior destaque, sobretudo, após os anos de 1970,

trouxeram novas acepções fundadas em outras matrizes epistemológicas. A

paisagem geográfica apresenta várias dimensões que cada matriz epistemológica

privilegia. Ela tem uma dimensão morfológica, ou seja, um conjunto de formas

criadas pela natureza e pela ação humana, e uma dimensão funcional, isto é,

apresentam relações entre as diversas partes. Produto da ação humana ao longo

do tempo, a paisagem apresenta uma dimensão histórica, e por ocorrer em certa

área da superfície terrestre, apresenta uma dimensão espacial.

Sendo portadora de significados, expressando valores, crenças,

mitos e utopias, a paisagem acaba possuindo também uma dimensão simbólica.

Toda essa multiplicidade de teorizações acerca do conceito de paisagem, nos

oferece de antemão, a noção da impossibilidade da Ciência Geográfica

conseguir identificar, analisar e redimensionar todos os elementos (concretos e

simbólicos) presentes em uma dada paisagem, entretanto, todas essas tentativas

de capturar a paisagem apresentam uma característica em comum: todas visam,

por meio única e exclusivamente do discurso científico, superar essas barreiras

reduzindo o “real” aos padrões lógicos pertinentes à coerência conceitual do

discurso.

A Ciência deve ser apreendida e interpretada como uma parte da

tentativa da humanidade de compreender o mundo em seus diversos aspectos, suas

facetas, experiências, e, sobretudo, suas múltiplas “realidades”. Em toda a sua trajetória,

o homem esforça-se por descobrir e tentar entender uma ordem no fluxo das

experiências (observáveis ou teorizadas). Essa busca, necessariamente, deveria unir

Ciência às outras áreas do saber, sejam elas científicas (ciências naturais, matemática,

biologia, entre outras), ou artísticas (literatura, cinema, música, fotografia, pintura, entre

outras). Entretanto, a partir dos fatores sociais, políticos e ideológicos que se

entrecruzaram na organização da moderna sociedade urbana, tecnocientífica e pautada

na lógica da mercadoria, a busca pela “verdade” trilhada pela prática científica tendeu a

optar por uma única perspectiva, o que acabou por provocar um distanciamento e

isolamento no diálogo entre as diversas áreas do conhecimento.

25

Embora pareça ser evidente que todo e qualquer conhecimento

científico seja humano, por ser o resultado das elucubrações e atividades de pesquisa e

investigação realizadas por seres humanos, a denominação ciências humanas se refere

tão somente àquelas áreas do conhecimento que estão voltadas exclusivamente ao

próprio ser humano, tendo este como objeto central. Essa diferenciação ocorreu, como

aponta Chauí (2001), primeiramente pelo fato do objeto das ciências humanas ser

recente6 e, em segundo lugar, porque estas surgiram depois que as ciências exatas e

naturais já haviam consolidado e edificado seus arcabouços teóricos, definindo assim a

idéia do que era ou não científico a partir dos métodos e metodologias de análises.

Esses discursos extremamente rigorosos, precisos, lógicos e coerentes,

expressavam o sentido e o caráter de exatidão, objetividade e neutralidade das verdades

reveladas e analisadas pelas ciências humanas, em que as diversas teorias e métodos

utilizados deveriam ter como elemento comum o emprego deste rigor discursivo

(pautado na lógica formal da linguagem escrita), de forma exclusiva e única. Com isso,

o discurso científico deixa de ser um parâmetro para se ter acesso ao mundo (uso da

linguagem como instrumento mediador entre o observador e a “realidade observada”), e

passa a ser tomado como um modelo que se impõe ao mundo, imaginando ser algo

totalmente à parte da “realidade” e extremamente neutro.

Desta forma, às imagens coube apenas o papel de exemplificação e

ilustração da precisão das palavras (diametralmente oposto àquilo que Humboldt havia

realizado em seus trabalhos). Com isso, a Paisagem Geográfica, especialmente neste

contexto, passou a ser estudada apenas por meio de recursos verbais, raramente havendo

interpretações a partir de seu fundamento imagético. Nos dizeres de Ruy Moreira

(1987), a paisagem tornou-se um quadro empobrecido, onde não havia mais a

dinamicidade das várias perspectivas do olhar capaz de captar todos os detalhes e

estabelecer a unidade destes.

A Geografia é uma área do conhecimento científico que

potencialmente pode fazer uso de outras linguagens, que não se restringem ao universo

da palavra, ou seja, é um saber também herdeiro do universo das linguagens pautadas

em imagens, como o estudo das paisagens o comprova. Acreditamos que o

6 O Ser Humano, enquanto objeto científico de análise é uma idéia surgida apenas no século XIX. Até

esse momento, tudo que se referia ao humano era estudado pela Filosofia, notadamente em seus

referenciais teológico-bíblicos. Para maiores esclarecimentos indicamos o livro de Marilena Chauí:

Convite à Filosofia.

26

conhecimento do mundo a partir do estudo da Paisagem, necessariamente, precisa

resgatar o diálogo entre a palavra e a imagem como forma de enriquecer suas análises.

Assim, as abordagens mais recentes, sobretudo àquelas ligadas à

geografia cultural e fenomenológica, tentam redimensionar, como já destacamos nesse

tópico, o enfoque geográfico com a introdução de novas perspectivas analíticas, que

visam superar os limites impostos pelo discurso geográfico com a incorporação dos

elementos simbólicos, e, ao admitirem a existência de fronteiras que precisam ser

superadas via adoção da multidisciplinaridade7. Entretanto, apesar de proporem

inovações, essas novas abordagens incorrem do mesmo “erro” cometido pelos

geógrafos positivistas do final do século XIX, priorizam a lógica do discurso

coerentemente elaborado como “verdade” final e absoluta, “impondo esta verdade sobre

o próprio real. Só nessas condições é que se entende produzir ciência Geográfica”

(FERRAZ, 2001, p. 100).

Esse modelo de produção de conhecimento que é hegemônico, mas

não homogêneo, elaborado no interior das instâncias oficiais de ensino e pesquisa,

acabaram provocando um distanciamento entre o conjunto teórico conceitual

apreendido, e as condições concretas em que uma sociedade vive cotidianamente sua

espacialidade e produz uma dada representação paisagística.

Desta forma, ler e interpretar o mundo de hoje para buscar elementos

que nos oriente e localize espacialmente, passa necessariamente pela análise do papel da

imagem na contribuição das nossas leituras e percepções do “real”. Nesse sentido, a

utilização e a observação de alguns filmes (mesmo aqueles produzidos ou que

representem tempos pretéritos), possibilitam uma compreensão da sua narrativa na

direção de um melhor entendimento da ordem geográfica, do contexto social e político e

da organização territorial, de determinado arranjo sócio-espacial, tanto na escala local,

quanto regional e nacional. Essa compreensão contribui para o entendimento geográfico

das relações estabelecidas, redimensionadas e materializadas no Espaço Geográfico

atual.

Por estes motivos, optamos por fazer uso do cinema que, enquanto

obra de arte por excelência da modernidade, aponta caminhos para melhor entender

7 Como as apresentadas por Oliver Dollfus (1973), que visando redimensionar o sentido de paisagem,

propõe a idéia de que cabe ao geógrafo “olhar para além das aparências a fim de alcançar a raiz das

coisas”, ou seja, Dollfus entende que a paisagem aparente representa apenas a aparência e que a sua

“verdadeira” essência só será alcançada por meio de uma análise rigorosa calcada exclusivamente em

elaborações conceituais e teóricas.

27

como o nosso olhar pode superar os limites da imagem, a partir de sua contextualização,

e transformando-as em representações paisagísticas.

Diante desses impasses e necessidades, acreditamos que a

incorporação de outros padrões lógicos pode auxiliar na ampliação da capacidade de

entendimento da realidade atual. Não no sentido de negar a ciência, mas reconhecer sua

importância e seus limites.

1.3 Novas Linguagens para Ler e Interpretar a “Realidade”: a paisagem, o

pantanal e o cinema

A sociedade atual vive o “boom” da linguagem visual, na qual a

percepção se volta cada vez mais para as propriedades retinianas. O mercado e a

indústria cultural rapidamente se apropriaram desta tendência, influenciando nas formas

como as mercadorias passaram a ser apresentadas visualmente, visto que, atualmente as

imagens assumem um papel fundamental na vida do Homem moderno e na forma

como este percebe o Mundo. “Basta olharmos à nossa volta que nos veremos

banhados por discursos imagéticos” (ROS; LENZI; SOUZA; GONÇALVES, 2004, p.

101).

Guardada as devidas proporções e tomando consciência dos limites

existentes, o cinema contribui na definição dos sujeitos sociais, os papéis na sociedade e

de ação histórica. Nesse processo de construção coletiva do indivíduo, o filme pode ser

interpretado tanto em seus aspectos de entretenimento e acomodação do indivíduo a

determinados valores éticos e estéticos, quanto pode ser encarado como uma

experiência crítica, um momento concreto-particular de reflexão, discussão e debate,

que propicia o acesso a outras e novas informações no processo de totalização e

coletivização desse sujeito em curso. Desta forma, destacou-se para a Geografia a

necessidade de melhor compreender o papel da imagem na configuração e leitura das

relações sócio-espaciais estabelecidas.

A realidade social em que nós estamos inseridos, apresenta-se de

forma extremamente complexa e multifacetada. Nesse sentido, como destaca Demo

(apud GRONDIN, 1999, p. 10), as formas de expressão e de comunicação utilizadas

pelos humanos também possuem dimensões tão diversas, misteriosas, repletas de

meandros e nuances, exigindo daqueles que embarcam na aventura da investigação

28

científica atenção redobrada, não só para o que se diz e para o que está à mostra, mas

também para o que não está aparente. Faz-se necessário ater-se ao contexto histórico e

social do objeto, obra ou fenômeno que se está analisando, em alguns casos onde esses

elementos investigados sejam pertencentes de um período histórico longíncuo, essa

reconstituição não será perfeita, mas poderá ser plausível.

Nesse sentido, é possível utilizarmos um filme ou qualquer outra obra

de arte ou literária, como um objeto de reflexão que nos permite apreender uma das

instâncias do ser social e do seu contexto sócio-reprodutivo. Uma obra de arte traz

consigo elementos essenciais característicos do complexo sócio-espacial a qual estão

inseridas, e que se tornam passíveis de serem compreendidas através de uma pespectiva

que valorize o “reflexo estético8”.

As grandes matrizes que permitem o caminhar nesse diálogo entre

ciência e arte, no caso, geografia e cinema, apontam para Kant e Deleuze. A questão é

evitar ver um sentido de paisagem presente no Pantanal cinematográfico, mas quais

outras leituras podem ser interpretadas, daí a hermenêutica, desse olhar geográfico

dialogando com o olhar cinematográfico a partir do conceito de paisagem (palavra) com

a imagem do Pantanal (ou imagens).

Partindo dessa perpespectiva, tornou-se possível estabelecer um

diálogo entre as nossas reflexões acerca dos sentidos do conceito de paisagem

trabalhado pelos geógrafos, com as imagens registradas e organizadas de um conjunto

específico de filmes de longa-metragem realizados nos Estados de Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul, particularmente na região pantaneira que, ao captarem diversas imagens

das formas mais perceptíveis do arranjo espacial e morfológico desse meio, bem como,

registrarem determinados aspectos das vidas das pessoas que aí habitam, ou seja, o

pantaneiro e o seu convívio diário com o ambiente, possibilitam, à luz dos

conhecimentos geográficos, apontar determinadas leituras e interpretações do arranjo

paisagístico do pantanal. Nesse sentido, é preciso pensar a Paisagem não apenas como

um conceito ou como uma entidade natural a ser contemplada pelo observador, mas

como referência paisagística que expressem os sentidos da vida e suas contradições,

8 Em seu texto Imagens em Diálogo: filmes que marcam nossas vidas, o autor Carlos André Passarelli

destaca que “assistir um filme será sempre um diálogo, na medida em que essa ação pressupõe a

capacidade do espectador/analista em deixar-se transportar para a tela, suportar ver sua imagem refletida,

viver aquela outra realidade e depois sair da sala escura, e poder falar, nem que seja para si mesmo, sobre

o que passou” (1999).

29

inseridas dentro de uma dada espacialidade passível de ser lida e interpretada pelo outro,

a partir de seus referenciais de existência

Nesse sentido, falar sobre a produção cinematográfica no pantanal

exige alguns esclarecimentos sobre o que compreendemos quanto a este corte

geográfico, o Pantanal, uma extensão territorial caracterizada por uma determinada

configuração sócio-espacial e identitária e, dentro das possibilidades, relacionar com o

fazer cinematográfico arquitetado nessa espacialidade, além de destacar a opção por

determinada concepção de cinema que possa viabilizar nossa argumentação rumo ao

diálogo Geografia-arte cinematográfica.

Apesar de não ter ocorrido em Mato Grosso do Sul o que os

estudiosos da historiografia da sétima arte chamam de “Ciclos Regionais” (RAMOS,

1987), com um pólo e um ciclo de produção audiovisual consolidado e freqüente, como

aconteceu em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, as iniciativas realizadas em

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul merecem destaque e reconhecimento. Desde as

primeiras décadas do século XX, foram produzidos na região inúmeros cine-jornais e

reportagens cinematográficas sobre os elementos constitutivos da paisagem local, bem

como notícias sobre fatos políticos e da vida cotidiana do matogrossense e filmes de

curta e longa-metragem (como o pioneiro “Alma do Brasil9”, de Alexandre Wulfes e

Líbero Luxardo, produzido em 1930 pela primeira produtora campo-grandense, a “Fan

Filmes”), apesar das dificuldades técnicas, financeiras e estruturais.

Dentro deste contexto produtivo, as décadas de 1960 e 70, se

apresentam como um momento importante da produção cinematográfica da região

pantaneira, momento este, no qual foram produzidas importantes obras para a

historiografia do Estado que, entre outros fatores, serviam de veículo para a promoção

das potencialidades culturais e naturais da região.

É importante destacar que boa parte dos filmes realizados na região

foi produzida por produtoras cinematográficas sediadas nos grandes centros produtores

do país: São Paulo (como é o caso da DaCar Produções Cinematográficas, de

propriedade do ator-diretor-produtor sul-mato-grossense David Cardoso, que produziu 5

filmes de longa-metragem na região, além de curtas e alguns documentários) e no Rio

de Janeiro (como é o caso da R. F. Farias dos irmãos Roberto e Reginaldo Farias, que

9 Um pequeno trecho desse filme encontra-se disponível para ser visualizado pelo público na página da

internet da Cinemateca Brasileira. www.cinemateca.com.br Acessado em: 01/04/2009.

30

produziram em 1964 o longa “Selva Trágica” (imagem 1 – em anexo) e “Caingangue –

a pontaria do diabo” (imagem 2 – em anexo).

Diante dessa vasta e diversificada produção, foi necessário delimitar o

rol de filmes que foram utilizados em nossas análises10. Como existem inúmeros

registros fílmicos e tentativas informais realizadas por muitos amantes do cinema, que

procuraram captar e registrar com suas lentes as mais diferentes facetas sociais,

históricas e culturais da região pantaneira, tornou-se necessário estabelecer um corte

para que não nos perdêssemos frente a um volume, em grande parte redundante, de

imagens e obras que não chegaram a se formalizar como cinema, ou seja, filmes

experimentais que não desenvolveram amplamente os elementos da linguagem

cinematográfica (como os princípios da montagem, angulação e enquadramento) e que

oficialmente não existem por não possuírem o Certificado de Produto Brasileiro

conferido pelo Conselho Nacional do Cinema (CONCINE), bem como, quanto a sua

acessibilidade. A grande maioria dos filmes produzidos e/ou ambientados em estúdios

de cinema, mas que fazem alusão à região pantaneira, atualmente não se encontram

disponíveis nos formatos e mídias domésticas de reprodução de imagem (como os

aparelhos reprodutores de VHS ou DVD).

Muitos desses registros ainda não passaram pelo processo de

telecinagem, ou seja, ainda se encontram no formato original em que foram produzidos

(geralmente em películas de celulóide de 8, 16 ou 35mm), o que dificulta o acesso, visto

que, para podermos acessar essas imagens precisaríamos ter um projetor de cinema

específico. Há também os filmes que se perderam e que a Cinemateca Brasileira,

sediada na capital paulista, possui apenas os registros e certificados, como é o caso do

longa ficcional “Além do Rio das Mortes” (1955) do produtor, diretor e roteirista Duílio

Mastroianni.

Com isso, chegamos a um conjunto específico de filmes de longa-

metragem produzidos em sua totalidade na década de 1970 e, que na época dos seus

respectivos lançamentos, foram classificados como filmes de aventura e de grande apelo

popular, bem longe dos olhares academicistas e das grandes escolas de cinema, o que os

tornam mais interessantes para as nossas análises, no sentido de tentar destacar em suas

imagens as características espaciais e paisagísticas referentes à Região Pantaneira e sul-

mato-grossense de uma forma geral, tendo em vista que estes aspectos não foram

10 Em anexo consta uma lista com um conjunto de filmes que elegemos ser oriundos da região pantaneira,

mesmo que muitos deles não venham a ser aqui trabalhados diretamente.

31

previamente arquitetados por seus idealizadores, uma vez que estes filmes foram feitos

por cineastas e não por geógrafos com inclinações à sétima arte.

Mais precisamente, escolhemos analisar os seguintes filmes:

“Pantanal de Sangue” (Brasil, 1971, Direção: Reynaldo Paes de Barros) e “Desejo

Selvagem – Massacre no Pantanal” (Brasil, 1979, Direção: David Cardoso), que além

de estarem disponíveis para o nosso total acesso, são obras que melhor apresentam, cada

qual à sua maneira, os elementos característicos para uma possível leitura da paisagem

pantaneira.

De um modo geral, essas obras fílmicas trazem para discussão, entre

outros elementos, os conflitos e tensões acerca da estrutura fundiária da região, como

acontece, por exemplo, em “Pantanal de Sangue” e “Desejo Selvagem – Massacre no

Pantanal”. Essas obras procuram evidenciar a formação de um imaginário sobre a

região pantaneira, permeada por elementos ideológicos, culturais e políticos que

contribuem no entendimento da complexa teia que envolveu os processos de construção

das identidades territoriais, que atualmente parametrizam a diversidade cultural do

Estado de Mato Grosso do Sul.

Abre-se para os estudos geográficos um novo olhar quanto a dinâmica

territorial pantaneira, ou seja, não mais tendo a priori um espaço enquanto palco, mas o

percebendo na própria interação entre as diversas escalas que os objetos, fenômenos e

corpos se relacionam na produção do mundo a partir do lugar em que se encontram.

Assim, reforçamos a constatação de que todo e qualquer

acontecimento da vida “implica um espaço”, portanto, todo espectador sempre

relaciona o que imageticamente está sendo narrado no filme com “um espaço

narrativo” da vida real que perdura no imaginário através dos recortes paisagísticos

com que a memória tenta interpretar; isso faz com que todos os acontecimentos e

fenômenos experimentados por qualquer ser humano só foram possíveis de ocorrerem

em algum lugar e em um determinado momento, o qual se apresenta com dada

organização imagética, como uma paisagem a indicar a lógica espacial dos processos e

fenômenos que os produziu (BETTON, 1986).

Certamente há uma questão fundamental e pertinente. Como é

possível fazer uma leitura paisagística nos dias de hoje, de filmes que foram produzidos

há mais de 30 anos?

Nesse sentido, é preciso entender que toda e qualquer imagem está

repleta de signos que se constituem como algo que se coloca no lugar de alguma

32

“coisa”, ou então, adquirindo status de linguagem, atividade esta produzida pelos

homens, pois é ele o responsável por atribuir aos sinais a condição de signos ou

linguagem (SATAELLA, 1986). Essas linguagens que produzem ou que são produzidas

pelos homens em suas reflexões e teorizações, possibilitam o encontro dos sujeitos

(contemporâneos) com o que já havia sido pensado/teorizado/sentido por seres

pertencentes a outro momento histórico. Esse contato possibilita a criação e o

surgimento de novos construtos, interpretações e teorias, mediadas agora pela

perspectiva/ótica contemporânea. E para que esse processo ocorra, os sujeitos

necessitam de estratégias para interpretar a imagem-signo. A imagem não é apenas algo

que reproduz a “realidade”, mas um outro modo de vê-la num processo contínuo e

dialógico (AUMONT, 2004).

Tal possibilidade interpretativa pressupõe, portanto, que a linguagem

cinematográfica, pautada na lógica das imagens organizadas num determinado contexto

de movimento e seqüência, pode contribuir para que o discurso científico da geografia,

fundamentado num determinando arranjo lógico de palavras, venha a enriquecer sua

abordagem de leitura paisagística do mundo a partir da forma com que a arte

cinematográfica trabalha aquele conjunto registrado e organizado de imagens.

Partir das imagens fílmicas em si para um sentido paisagístico, à luz

dos conhecimentos e conceitos geográficos, a partir da interação dos elementos

constitutivos da linguagem geográfica e cinematográfica e os elementos presentes na

estrutura narrativa dos filmes em questão, é que estão assentadas nossas discussões e

desafios a serem superados, objetivando sempre, explorar esse conjunto de imagens e

apreender as formas e o foco com que a arte cinematográfica procurou realizar suas

tramas, ficcionais ou documentais, na região pantaneira.

Entretanto, é importante salientar que ao falarmos em Pantanal,

acreditamos estar significando de forma ampla, transparente e neutra, por meio

de conceitos e termos, o elemento fenomênico que é o Pantanal, contudo,

negligenciamos que as diversas formas de discurso elaborados para referendar

determinados aspectos do “real”, são apenas formas ideologicamente

construídas de representá-lo.

Assim, quando iniciamos uma tarefa de sistematização e ordenação

dos elementos constitutivos de uma dada paisagem, captados pela nossa percepção, uma

parte do trabalho já encontra-se contemplada, uma vez que já existe uma certa

organização espacial e temporal dos elementos que estão sendo analisados,

33

interpretados e descritos. Com isso, a Geografia ficaria responsável também por

sistematizar as experiências e os fenômenos no plano espacial.

Nesse sentido, a busca pela ordem e pelo sentido que regem um

determinado fenômeno na natureza, será obtida a partir da análise da própria fisionomia

do fenômeno. O olhar é um instrumento de trabalho essencial para o cientista que o

utiliza na busca pelas especificidades e nas generalidades. Entretanto, como a identidade

essencial de um fenômeno encontra-se nele mesmo, as interpretações últimas das leis e

das ordens que regem esse fenômeno, não podem ficar a cargo somente da ciência (que

por vezes procede de forma abstrata), mas também das expressões artísticas (o cinema,

no caso).

O homem, ao classificar a paisagem pantaneira, a partir de

diversas áreas do conhecimento humano e, cada qual, instrumentalizada e

articulada com o seu arsenal teórico metodológico, produzirá múltiplas leituras

e sentidos sobre o mundo e, especificadamente, sobre o que é o Pantanal.

Entretanto, é importante ressaltar que essas interpretações não representam o real

acabado, não será a reprodução definitiva e acabada do sentido de ser Pantanal, mas um

exercício conceitual que enriquece as formas de leitura do mesmo.

Tendo em vista esses aspectos, é que assumimos também a postura de

não procurar destacar, a partir do diálogo com as obras fílmicas realizadas na região

pantaneira, qual o sentido “real” do que vem a ser o Pantanal para a ciência geográfica,

mas sim, fazer uso do arcabouço lógico-gramatical da geografia, para interpretar uma

dada representação paisagística materializada nos filmes em questão. O material teórico

produzido a partir dessa inferência pode ser definido como uma forma de interpretação

geográfica da paisagem, que possibilita os significados simbólicos do seu conteúdo

imagético ser identificado e analisado11.

A inter-relação entre diferentes níveis de comunicação e expressão

promove um enriquecimento mútuo das abordagens.

De acordo com Mello (1999), só poderíamos afirmar que,

[...] a percepção da paisagem atingirá o limite de nossa capacidade

biológica quando usarmos, ao mesmo tempo, todos os nossos sentidos

[...] Em outras palavras, desde que nascemos passamos a perceber e

experimentar o mundo, identificando os limites de nosso corpo nos

11 Em palestra proferida no 1° Colóquio Nacional do NEER (Núcleo de Estudos em Espaços e

Representações), realizado nos dias 16 e 17 de Novembro de 2006 na UFPR (Universidade Federal do

Paraná) em Curitiba - PR, o Prof. Dr. Wolf-Dietrich Sahr, chamou a atenção para o fato de que a

Geografia Científica é, sobretudo, uma Geografia Semiótica, por refletir sobre uma imagem e seus signos.

34

limites do nosso entorno, e a associação entre cada nova experiência e

a memória que temos de tudo o que já vivemos é, efetivamente, o que

constrói a geografia que somos capazes de conceber em cada época de

nossa vida [...] Por mais carregadas de elementos que sejam as

paisagens, uma boa parte deles apresenta-se de forma oculta. Só

conseguimos observar detalhadamente aquilo que possui um

significado para nós [...] Assim, o conhecimento é um processo que se

realiza como uma via de mão dupla: na medida em que buscamos

aprofundar o significado do que já conhecemos, novos elementos se

apresentam [...] Não importa o recurso utilizado – filme, mapas, texto,

jornal, músicas, poesia – todos eles possibilitam codificar e

decodificar o discurso geográfico (p. 32 a 36).

Negar esses elementos simbólicos (humanos) “ocultos” na paisagem

significa reduzir o seu sentido a uma impressão impessoal de forças demográficas e

econômicas.

Portanto, pensar o sentido de paisagem na geografia, significa tentar

entender como a existência humana e seus conflitos produzidos historicamente no

cotidiano, podem se tornar importantes referenciais paisagísticos no processo de

elaboração e construção do discurso científico da geografia. Resgatar os elementos

míticos, místicos, simbólicos, artísticos, culturais e as suas representações imagéticas,

permite pensar a paisagem a partir da vida humana e não apenas restrita a um modelo

intelectual e acadêmico.

Diante destas considerações, entendemos que o estudo e a utilização

dos recursos audiovisual-imagéticos (obras fílmicas) pela Geografia deve ir além da

postura de tentar identificar a temática abordada por determinado filme ou qual

conteúdo geográfico que essa representação artística ilustra, mas sim, encarar o cinema

como uma prática social e obra de uma cultura, que cria suas próprias geografias, como

veremos de maneira mais abrangente em capítulo específico.

Passemos, portanto para o próximo capítulo, caminhando na direção

de se tentar melhor fundamentar um diálogo entre a ciência e a arte, entre o Cinema e a

Geografia via Paisagem.

35

CAPÍTULO 2_______________________

Fonte: www.cinemateca.com.br

A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA

E A ARTE DO ESPAÇO

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CAPÍTULO 2 – A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA E A ARTE DO

ESPAÇO

"O cinema não tem fronteiras nem limites. É

um fluxo constante de sonho".

Orson Welles

2.1 – A Invenção da Imagem em Movimento: Cinema, Imagem e Memória

A primeira exibição pública de Cinema ocorreu em 28 de dezembro

de 1895, no salão indiano do “Grand Café”, o charmoso bulevar dos capuchinos em

Paris. Os poucos espectadores presentes, convidados pelos irmãos Lumière12, assistiram

a um extraordinário espetáculo. Sobre uma pequena tela, uma fotografia recém-

projetada, de repente ganha vida. Carros, cavalos, pedestres começam a andar; toda a

vida cotidiana salta aos olhos daqueles espectadores que, perplexos e maravilhados com

o invento, presenciavam o nascimento de uma nova arte e indústria (MARCHAND,

1994). As imagens na tela eram em preto e branco e não produziam ruídos, mas

encantavam assim mesmo e apontavam para novas formas de percepção e leitura do

espaço, que repercutiriam profundamente no imaginário e na vida da sociedade

contemporânea13.

O Cinema é uma forma de expressão que trabalha com a imagem

construída, regra geral, por um conjunto de fotografias que foram tomadas de forma

seqüencial e impressas sobre uma película de celulóide (o fotograma). Esses

fotogramas, ao serem transportados da fita para uma tela, através de um projetor, criam

uma imagem virtual que parece animada de movimento. Assim, o projetor, transforma-

se em uma máquina capaz de criar sonhos, de transformar em realidade visível e

partilhável entre os demais espectadores presentes na sala de exibição, as mais

mirabolantes fantasias da mente humana.

É justamente este o legado deixado: a ilusão. Parecia verdadeiro, mas

não era. Essa ilusão de realidade, que se chama “impressão de realidade” é a força

motriz que impulsionou e consubstanciou o sucesso e a consolidação dessa arte-

indústria chamada Cinema. “[...] Diante desse espetáculo, ficamos boquiabertos”

12 Louis Lumière (1864-1948) e Auguste Lumière (1862-1954) inventores e pioneiros do Cinema. 13 Certamente, a historiografia da arte/indústria cinematográfica é bem mais complexa do que acabamos

de esboçar, nesse sentido, para aprofundamento dessas questões indicamos: Ramos, 1987 e Xavier, 1991.

Vide bibliografia.

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declarou o célebre “prestigitador” Georges Méliès14. Era a realização do sonho do

movimento, da reprodução da vida.

A nova invenção em pouquíssimo tempo atraiu o interesse de enormes

multidões e partiu para dar a volta ao mundo. Em 29 de junho de 1896, o público

estadunidense recebe com enorme euforia a chegada da “máquina” francesa. Essa

grande e eloqüente aventura estava apenas começando.

O cinema, pelos seus aspectos de produção e distribuição, assim como

pela sua própria estética de elaboração (uso de lentes, enquadramentos, simultaneidade

de imagens, edição e montagem etc.), permitiu o surgimento de uma nova forma de ver

e perceber, exercitando maneiras subjetivas e objetivas, dinâmicas e fracionadas de se

ler o espaço, o que gerou pressões sobre as diversas áreas do saber científico, com o

objetivo de buscar melhor compreender o papel e a lógica de elaboração e divulgação

das imagens. Desta forma, destacou-se para a Geografia a necessidade de melhor

compreender o papel da imagem na configuração e leitura das relações sócio-espaciais

estabelecidas.

Mas quais as ligações concretas existentes entre o cinema e a

Geografia? Como elas se estabelecem? E o que seriam as geografias de um filme?

Essas questões, de certo modo, tentarão contribuir com o

enriquecimento do diálogo entre essas duas formas de produção, a Geografia e o

Cinema. Neste sentido, a questão que se apresenta não está em como devemos olhar e

mostrar o que há de geográfico em uma obra cinematográfica, mas sim, estabelecer qual

a geograficidade existente e a qual(is) geografia(s) esta obra permite existir.

2.2 O Cinema e suas Geografias15

Assim como as áreas do conhecimento científico, a arte

cinematográfica desenvolveu um conjunto de elementos que fundamentam e estruturam

a sua linguagem (lentes, angulações, planos, montagem, decupagem, sonorização,

efeitos gráficos, entre outros). No início, os filmes eram constituídos por uma mera

sucessão de “quadros”, entrecortados por letreiros (vide os filmes de Chaplin) que

14 Georges Méliès (1861-1938) foi um dos primeiros a se lançar na aventura da realização

cinematográfica. 15 Acrescentamos que não cabe aqui apresentar as inúmeras teorias e definições existentes sobre o que

venha ser o cinema e o seu papel na sociedade atual. Nesse sentido, apresentamos aos interessados em

aprofundar essas discussões, algumas obras que, de um modo geral, tentam sistematizar essa diversidade

de informações: MARTIN (2003); AUMONT (2004). Vide bibliografia.

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apresentavam diálogos e davam outras informações que a incipiente linguagem

cinematográfica não conseguiu fornecer.

Com o desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias foi havendo

um aprimoramento da linguagem. E, os passos fundamentais para a elaboração e

estruturação dessa linguagem recaem, sobretudo, sobre a criação das estruturas

narrativas da trama e a sua intrínseca relação com o espaço (BERNARDET, 1991).

A sociedade contemporânea é caracterizada, dentre outras coisas, pela

simultaneidade e sobreposição das relações espaços-temporais. Entretanto, para os

primeiros filmes, representar a caoticidade do mundo atual era uma tarefa quase

impossível de ser realizada. Nesse período (primeiras décadas do século XX), o cinema

conseguia dizer apenas: agora acontece este fato (primeiro quadro), e logo em seguida:

acontece aquilo (segundo quadro), e assim sucessivamente (BERNADET, 1980).

Uma importante conquista para o desenvolvimento da linguagem

cinematográfica se deu quando o cinema deixou de apenas relatar o conjunto de cenas

que se sucediam no tempo e passou a dizer: “enquanto isso”. Ou seja, algo próximo do

formato que temos hoje. Há a alternância dos espaços e dos fatos de forma não linear,

por exemplo, nas seqüências de suspense dos filmes de Alfred Hitchcock, em uma

perseguição vemos alternadamente o perseguidor e o perseguido, o perseguidor que não

vemos continua a correr e vice-versa. Algo simples, porém, no momento de sua

descoberta, genial!

Outro elemento que propiciou à linguagem cinematográfica alçar vôos

mais longos em suas empreitadas cinematográficas, foi o deslocamento da câmera que

abandona sua imobilidade (naquele período as câmeras eram enormes, pesadas e de

difícil manuseio) e passa a explorar o espaço com a utilização dos travellings, ou

carrinhos, das panorâmicas e com o uso das lentes chamadas “zoom”. Para filmar uma

cena de perseguição de automóvel, Griffith16 fixou sua câmera na dianteira de um

veículo. Esse foi o primeiro travelling (da palavra inglesa travel, que significa viagem)

da história do cinema.

Bernadet destaca ainda que “filmar então pode ser visto como um ato

de recortar o espaço, de determinado ângulo, em imagens, com uma finalidade

expressiva. Por isso, diz-se que filmar é uma atividade de análise” (1991, p. 36).

16 David W. Griffith, cineasta Estadunidense (1875-1948).

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A partir de então, a câmera não só passou a se deslocar pelo espaço,

mas recortá-lo. Todo filme possui uma espacialidade própria constituída de lugares,

não-lugares e territórios. Em uma obra fílmica o espaço “real” é recortado, decomposto,

recriado, sonhado, lembrado e por fim, “vivido como parte de uma experiência que une

as histórias cotidianas, as memórias de vida e as histórias de seus personagens”

(BARBOSA, 2004, p.64). Assim, a espacialidade constituída em uma obra fílmica,

também denominada de “espaço fílmico”, não é apenas um quadro, da mesma forma

que as imagens não são apenas representações bidimensionais da ação, mas sim, um

espaço vivido, dotado de uma geograficidade própria e estritamente atrelada ao

conteúdo e às personagens que nele se desenvolvem.

Nesse sentido, Oliveira Jr. (2006)17 aponta que, “a geografia de

cinema seriam os estudos e os encontros com a dimensão espacial na qual as

personagens de um filme agem”. Essa espacialidade é constituída pelos “locais

narrativos”, ou seja, os lugares (cenários e estúdios) por onde a trama do filme vai se

desenvolvendo, por onde os personagens vão passando e se deslocando, conferindo ao

filme uma geograficidade, arquitetada pela continuidade da narrativa cinematográfica

que dá sentido à história. Entretanto, é importante destacar que essa geografia produzida

e arquitetada em um filme “construída pelos passos e olhares dos personagens”

(OLIVEIRA JR., 2006, não paginado), não precisa necessariamente estar relacionada ou

ser correspondente à geografia da superfície planetária. Ao contrário do que muitos

imaginam o cinema não se opõem à narrativa. Segundo André Parente – “Narrativa e

Modernidade” – a narrativa e a imagem são uma única e mesma coisa. O autor aponta

que,

o cinema, qualquer que seja ele, não tem natureza lingüística, mas

propriamente imagética. As imagens cinematográficas não se opõem à

narração, mas a uma concepção da narração, ou seja, àquela que a

reduz a processos lingüísticos [...] a narrativa não é um enunciado que

representa um estado de coisas [...] mas o próprio acontecimento

(PARENTE, 2000, p. 13).

Mas esse ato de recortar e qualificar o espaço só ganha sentido, no

processo de montagem do filme, a qual se caracteriza por uma atividade de síntese. A

montagem irá definir o ritmo do filme. Sentados à mesa, o montador e o diretor

visualizam as cenas do filme. Elas foram, em sua maioria, rodadas fora de ordem. Com

a utilização de alguns efeitos (fade in e fade out, ou seja, a utilização de um

17 OLIVEIRA Jr. Wencesláo Machado de. O que seriam as geografias de cinema? Ensaio publicado na

pagina da Revista Eletrônica TXT (Não-paginado).

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“suavizador” para passar de uma seqüência à outra sem proporcionar um corte seco da

imagem, o que chamaria a nossa atenção em função das passagens bruscas de uma cena

à outra), todas as cenas que se desenrolaram num mesmo lugar, do início ou do final de

um filme, são montadas em seqüência. É importante destacar que a idéia de que a

articulação entre dois instantes permite reconstruir, graças à montagem, um espaço de

maneira verossímil, é um fundamento narrativo introduzido pelo cinema (ARAÙJO,

1995).

Daí a importância do cineasta e dos técnicos que estão à sua volta,

dominarem a linguagem dessa “máquina artística”, uma vez que, a montagem, a

organização cronológica dos fotogramas é fundamentalmente essencial para que as

imagens projetadas atinjam o sentido de compreensão do arranjo espacial apresentado

pela trama narrada, o que possibilita ao observador dessas imagens, apreendê-las como

possíveis representações paisagísticas.

Assim, partindo dos elementos que estão impressos e que compõem a

paisagem geográfica, o cinema, os recria à sua maneira, constituindo novas formas de

perceber e visualizar os espaços concretamente vivenciados e os explora com o intuito

de atribuir sentido à narrativa fílmica. É justamente neste ponto que se dá a interface

entre o Cinema e a Geografia.

Ou seja, essa constatação contribui para confirmar que todo e qualquer

acontecimento da vida “implica um espaço”, portanto, todo espectador sempre

relaciona o que imageticamente está sendo narrado no filme com “um espaço

narrativo” da vida real que perdura no imaginário através dos recortes paisagísticos

com que a memória tenta interpretar; isso faz com que todos os acontecimentos e

fenômenos experimentados por qualquer ser humano só foram possíveis de ocorrerem

em algum lugar e em um determinado momento, o qual se apresenta com dada

organização imagética, como uma paisagem a indicar a lógica espacial dos processos e

fenômenos que os produziu.

Em 1977 o produtor e ator de cinema David Cardoso estreou na

direção com o filme “Dezenove Mulheres e um Homem” (imagem 3 - em anexo), com

roteiro de Ody Fraga e ambientado em locações do seu estado natal, Mato Grosso do

Sul, com o objetivo de explorar as belezas naturais do Pantanal. Como diretor, David

Cardoso realizou um filme de aventura, “oferecendo um espetáculo de muita ação”

(ABREU, 2006, p. 92) e interpretado por ele mesmo.

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A trama do filme gira em torno de dezoito universitárias paulistas e

uma professora que resolvem fazer uma excursão ao Paraguai alugando um ônibus

numa empresa, cujo diretor, Rubens, decide servir de motorista e gozar assim suas

férias, junto com as moças. A viagem é interrompida por cinco criminosos, fugidos da

cadeia, que confinam o grupo numa fazenda do pantanal sul-mato-grossense, após matar

os empregados.

Nos minutos iniciais, antes de serem apresentados os créditos

contendo o título do filme, os atores e toda a produção técnica, há um conjunto de

seqüências e planos que tentam familiarizar e localizar o espectador na trama. Rubens

(David Cardoso), acompanhado por uma bela atriz, aterrissa com seu mono motor

(skyplane) no Aeroporto de Cumbica (que nos é apresentado por meio de uma longa

panorâmica), localizado na cidade de Guarulhos (SP) (seqüência de imagens 4 e 5).

Após essa seqüência inicial, Rubens desloca-se em direção ao seu

local de trabalho, uma empresa de ônibus (a garagem da Viação Motta).

Ao longo do trajeto podemos identificar alguns pontos importantes da

cidade de São Paulo (que fazem parte da memória coletiva dos indivíduos), como o

elevado Costa e Silva (o famoso Minhocão), a Avenida São João e suas intermediações,

até chegar à garagem da Viação Motta que, cartograficamente, está localizada na cidade

de Presidente Prudente (SP) – localizada no Oeste do estado de São Paulo - e não na

cidade de São Paulo como mostra o filme (seqüência de imagens 6 e 7).

Imagem 4. Rubens e o seu “co-piloto” em 19 Mulheres...

Tempo: 0’17’’

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Imagem 5. Aeroporto de Cumbica/SP (19 Mulheres...).

Tempo: 0’45’’

Imagem 6. Centro de São Paulo/SP (19 Mulheres...).

Tempo: 1’05’’

Há então uma relação entre a dimensão espacial, na qual os

personagens de um filme agem (os locais por onde transcorre a narrativa), com os

lugares geográficos “além filme” (lugares cartograficamente existentes e localizáveis,

mas que não são apresentados na tela do cinema). Para atribuir uma narrativa coerente

ao filme, o diretor optou por subverter a ordem da localização “real” (geográfica) desses

dois pontos (lugares), apresentando-os como espaços contíguos do território. Nesse

sentido, o sentido geográfico é justamente o que surge desse espaço fílmico sintético,

que subverte a ordem físico-cartogáfica em prol das relações e desejos humanos a

produzirem outros sentidos espaciais a partir dos lugares, suas imagens e memórias.

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Imagem 7. Garagem da Viação Motta/ Pres. Prudente/SP (19 Mulheres...).

Tempo: 1’45’’

Assim, OLIVEIRA JR destaca que:

Ao cinema, o espaço é imposto como condição de existência. As

cenas se desenrolam em lugares fílmicos que muitas vezes se cruzam

com lugares para além dos filmes, contaminando esses lugares com

seus sentidos, seus ângulos, seus enquadramentos, redefinindo-os

perante os espectadores. Esse processo de contaminação é mútuo: no

cinema proliferam alusões a lugares criados pela Natureza e pelos

discursos e práticas sociais, da mesma maneira, nestes lugares naturais

e sociais proliferam alusões a lugares criados no cinema (2001, p. 02).

Nesse sentido, o filme ao se relacionar com o espaço físico e

(re)significá-lo, empenharia em promover uma “geografia criadora” de novas

espacialidades e suas paisagens. O filme “Caçada Sangrenta” (imagem 8 - em anexo),

produzido pelo ator sul-mato-grossesnse David Cardoso e dirigido por Ozualdo

Candeias em 1974, ajuda a reforçar essa concepção. Dotado de uma estrutura complexa

que, com o pretexto de relatar uma ocorrência criminal, oferece um verdadeiro estudo

psicológico do homem da fronteira e do interior, estruturado por uma linguagem e uma

narrativa obtusa e filosófica, permeada pela descontinuidade das imagens e pela

absoluta liberdade antinarrativa, algo um tanto incompatível com o público alvo que o

produtor almejava atingir, mas em contrapartida, dentro das concepções utilizadas pelo

diretor em seus trabalhos. Por esses motivos, “Caçada Sangrenta” não teve o resultado

financeiro esperado18, além de ter sido incompreendido pela crítica, que na época teciam

18 De acordo com os dados informados pela Agência Nacional de Cinema (ANCINE), o filme “Caçada

Sangrenta” obteve 520.940 espectadores.

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apenas comentários depreciativos às produções nacionais (“Caçada Sangrenta, um

produto esquisito do cinema brasileiro” texto de W. N., publicado no Jornal do bairro,

n° 342, sem data definida; “Uma fita equivocada de Candeias”, texto de Pola Vartuck,

publicado no Jornal estado de São Paulo em 09/08/1974). Talvez por isso, uma cortina

de silêncio e negação tenha encoberto grandes feitos cinematográficos, como o filme em

questão.

A trama inicia-se na cidade de São Paulo (imagem 9), com o roubo

dos dólares do cofre de Mecenas (artesã interpretada por Marlene França) e com o seu

assassinato. Apesar dos delitos terem sido cometidos por Phidias (Walter Portela),

Nequinho (interpretado por David Cardoso), torna-se para a polícia, para a polícia, o

principal suspeito da morte da artesã. Desesperado, empenha uma grande fuga pelo

interior do Mato Grosso, sendo perseguido pelos policiais. Da grande metrópole a trama

desloca-se para a franja do território nacional, caracterizada pelo estigma de ser um

lugar distante, marginalizado, um “espaço vazio” a ser ocupado.

Imagem 9. Avenidas de São Paulo (Caçada Sangrenta).

Tempo: 9’55”

O filme teve cenas rodadas em diferentes localidades do então estado

de Mato Grosso, conferindo à trama velocidade e dinamicidade das ações, objetivando

exaltar assim, diferentemente do que ocorreu na maioria dos filmes produzidos na

região, que optaram por representar o lado selvagem, idílico e paradisíaco dos sertões de

Mato Grosso e da planície pantaneira (essa argumentação é esclarecida no capitulo 3),

os ícones paisagísticos urbanos e a caoticidade das cidades mato-grossenses, estão mais

presentes na trama e na construção do perfil das personagens centrais do filme “Caçada

Sangrenta”.

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De São Paulo, Nequinho (interpretado por David Cardoso), decola

para Campo Grande, um dos principais centros econômicos e urbanos de Mato Grosso.

Em franco processo de modernização urbana, ícones paisagísticas da cidade, como o

Hotel Campo Grande, as largas e movimentadas avenidas da frenética cidade também

são contempladas, integrando o cenário urbano-desenvolvimentista de campo Grande

(imagem 10). Com símbolo de modernidade e desenvolvimento intelectual, o campus

da Universidade Estadual de Mato Grosso (atual Universidade Federal de Mato Grosso

do Sul), também se transforma em espaço fílmico para o desenrolar da trama. Há nesta

localidade um vasto conjunto de planos e panorâmicos, procurando evidenciar a

grandiosidade da obra (imagem 11).

Imagem 10. Campo Grande (Caçada Sangrenta).

Tempo: 13’50”

Subvertendo a lógico tempo-espacial, Nequinho, perseguido pela

polícia e por marginais interessados no dinheiro de Mecenas, realiza amplos saltos no

território mato-grossense, a começar por Dourados, que apesar de estar à cerca de 230

km de Campo Grande, parece ser limítrofe a esse município.

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Imagem 11. A Universidade (Caçada Sangrenta).

Tempo: 18’40”

Em Dourados, a perseguição percorre as ruas principais do centro,

destacando seus habitantes, figurantes nas cenas, e alguns edifícios reconhecíveis, como

a igreja matriz na Avenida Marcelino Pires e a atual Biblioteca Municipal (imagem 12).

Como num lampejo, Nequinho deixa Dourados e parte para ouro ambiente, a cidade de

Aquidauana, com seus moradores locais e alguns indígenas (imagem 13). Dalí segue

para Corumbá – estremo oeste do Estado -, em seguida, para Ponta Porã – localizada no

estremo sul – e Cuiabá, então capital do Estado. Se a intenção era mostrar o crescimento

urbano em Mato Grosso, Candeias o fez, mas subvertendo a lógica espacial, no que

tange a localização geográfica desses centros urbanos, notadamente distantes uns dos

outros, não limítrofes e concatenados da forma como aparecem no filme e,

conseqüentemente, temporal.

Essas fugas são realizadas com uma rapidez vertiginosa, assim, a

paisagem estereotipada dos sertões de Mato Grosso e do Pantanal, só é passível de ser

identificada e analisada a partir de um olhar atento do espectador. Os elementos

comumente atribuídos ao Pantanal, como a visão de paraíso, valorizando a fauna e a

flora, consubstanciadas por uma perspectiva auto-sustentável de ecologia, não são o

ponto alto da trama, apesar do filme ter usufruído dessa espacialidade “real” e

cartografável para construir a sua própria.

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Imagem 12. Dourados (Caçada Sangrenta).

Tempo: 28’43”

Imagem 13. Centro de Aquidauana (Caçada Sangrenta).

Tempo: 29’50”

Acrescentando a essa perspectiva, alguns autores defendem a idéia de

que não faz diferença se as filmagens foram realizadas em locações naturais (nos

lugares geográficos correspondentes), ou se foram feitas em grandes estúdios, como os

que existem em Hollywood e sim,

[...] o que importa é o sentido que fica. Isso, em grande medida,

se deve ao fato de que o cinema, ainda que localiza suas

narrativas em lugares específicos – Sul da Itália, cidade de Lás

Vegas, caatinga nordestina – tem um caráter, via de regra,

universalizante, uma vez que ele está sempre a nos falar da

existência humana, ainda que seja ambientalizada num único

[...] (OLIVEIRA JR. 2006, p. 01).

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O cinema não deve se alimentar dessa espacialidade “real” com o

intuito de garantir o seu funcionamento e verossimilhança, mas usufruir e submeter essa

espacialidade à suas recriações e subverter suas dinâmicas e contigüidades, tornando-as

novas e múltiplas.

Essa habilidade para “recortar” os lugares e objetos e destacá-los,

acaba por revelar novas dimensões, possibilidades e facetas que passariam

despercebidas pela grande maioria se estivessem inseridas nUM contexto amplo,

dinâmico e complexo.

Como já dissemos neste tópico, a utilização dos elementos da

linguagem cinematográfica: cortes, planos, ângulos, enquadramentos, aparato técnico e

possibilidades, além dos efeitos efeitos na montagem, nos proporciona ver detalhes com

diferentes nuances que normalmente não veríamos caso estivéssemos presentes no local

da filmagem, ou mesmo não estando no local e no momento da realização do filme, é

como se já o conhecêssemos.

O cinema trabalha muito com detalhes (close-up), em que o micro

acaba se revelando na tela maior do que o macro, em função da exploração dos detalhes

(micro-escala). Ao se institucionalizar, a Ciência Geográfica pautou-se pela eliminação

da dinâmica escalar, priorizando o macro e tendo o micro apenas como a parte separável

e somável de um todo, diferentemente do cinema. As análises feitas das cidades,

campos de cultivo, montanhas ou até mesmo países inteiros, optam por classificar essas

extensões como “entidades”, sem se preocupar com os seus interiores. Para que as

relações humanas voltem ao centro do pensamento geográfico é necessário que se

invista no conceito de lugar (como uma escala valorizada), ampliando o diálogo entre as

diferentes escalas de análise. Assim, a questão é de onde se fala e com que se dialoga –

esse é o aspecto fundamental da perspectiva espacial pela linguagem cinematográfica.

O processo de análise de um filme permite apreender uma série de

elementos particulares, inerentes à obra que se tornam objeto de interpretação

hermenêutica. Esses detalhes (partes) compõem o todo da estrutura narrativa e contém

um sistema complexo de sugestões temáticas. São detalhes relacionados às situações

particulares do cotidiano dos personagens do filme. Pode-se observar, nesse caso, uma

relação circular e dialógica entre o todo e as partes, ou o “círculo hermenêutico”. Ou

seja, de acordo com Gadamer (1998, apud ALVES, 2006, p. 296), é a partir das partes

que conseguiremos compreender o todo, mas é o todo quem atribui significado às

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partes, procurando não negar ou restringir a interação escalar, ao condicionar o

movimento do real aos limites interpretativos da palavra possível.

Nesse sentido, como ficaria representado o espaço geográfico que

conhecemos a partir dessa outra geograficidade que o cinema constrói?

A Região Pantaneira desde os primórdios, vem servindo como

ambiente ou referência para a realização de inúmeras tramas cinematográficas,

documentários e cine-jornais. Em sua grande maioria, filmes como “Alma do Brasil”

(1932) e “Caçando Feras” (1936) de Alexandre Wulfes e Líbero Luxardo; “Selva

Trágica” (1964) de Roberto Farias; “Paralelos Trágicos” (1966) de Abboud e Bernardo

Elias Ladho; “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal” (1979) de David Cardoso e;

os mais recentes “Os Matadores” (1997) de Beto Brant e “Brava Gente Brasileira”

(2000) de Lúcia Murat; os pontos turísticos (a cidade de Corumbá/MS e Poconé/MT e

os Rios Aquidauana e Miranda), as passagens e acontecimentos históricos (como a

Guerra do Paraguai), os aspectos sociais (como os conflitos de terras e a questão

Indígena), naturais e paisagísticos da planície pantaneira, destacadas e ampliadas no

celulóide, não são meras imagens ou ícones de uma cultura ou região, mas sim, como

aponta BARBOSA,

São lugares cujas imagens carregam uma força simbólica relacionada

visceralmente com o imaginário corrente [...] As razões estão na

história que esses lugares protagonizam e na forma como as pessoas

se apropriam dela e dos lugares, recriando-os e rememorando-os

(2004, p. 64).

Ou seja, há um adensamento, uma aglutinação desses pontos que, nos

dizeres de Carlos (2004), contribuem na formação da identidade e da memória

individual e coletiva dos indivíduos que a habitam, uma vez que esses elementos

conhecidos e reconhecidos estão impressos na paisagem pantaneira rural e, por vezes

em menor destaque, urbana. Nesse sentido, estaríamos falando em “ícones

paisagísticos”, ou paisagens adensadas/aglutinadas em que: não é o todo que contém a

parte, mas a parte que contém o todo, num sentido mais denso por ter que representar as

partes obscurecidas. Essas idéias estão melhor esclarecidas no fragmento abaixo.

No cinema, as imagens montadas/mostradas são apenas aquelas partes

iluminadas. Elas é que, colocadas uma após as outras, constituiríam

um filme. O restante, o obscuro, se encontraria entre elas. Neste

processo de escurecer/esconder para melhor iluminar é que ocorre o

adensamento de tudo o que foi escondido e obscurecido no pedaço

que ficou claro. Nele estará presente tudo o que foi excluído a

principio, gerando uma densidade maior na parte clara da imagem,

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uma vez que dela é que partiremos em direção/em retorno àquilo que

ficou sem luz (OLIVEIRA JR. 2001, p. 4).

Esses adensamentos paisagísticos que revela os ícones dos lugares e

regiões que estão presentes na memória das pessoas, são fundamentais para construção

da paisagem que podem ser evidenciados no cartaz do filme “Pantanal de Sangue”

(imagem 14), qual foi dirigido pelo campo-grandense Reynaldo Paes de Barros, em

1971.

Aparentemente, “Pantanal de Sangue” possui um roteiro e uma trama

bem simples, que gira em torno da história do protagonista José Neves (o lendário

Francisco de Franco que aparece no cartaz vestindo uma camisa branca e com uma

espingarda em punhos), sua esposa Ana (interpretada pela atriz Elsa de Castro, a sua

face está representada no cartaz) e o filho Zezinho (Jean Stefan), que tem por oponente

o fazendeiro, grileiro de terras, Chico Ribeiro (interpretado pelo ator Milton Ribeiro e

aparece no cartaz do filme vestindo uma camisa azul) que pretende ampliar suas terras,

ainda que para isso tenha que saquear as terras de seu vizinho Felipe (Jorge Karan), ou

mesmo dizimar a família de José Neves, criando em torno dessa chacina, o ponto crucial

de toda a trama do filme.

A presença desses elementos identitários e das relações homem-

ambiente, também podem ser evidenciados a partir da observação e interpretação do

cartaz do filme, que foi idealizado pelo mestre das pin-ups, Luiz Benicio. Com suas

cores vibrantes e esmeradas, um total equilíbrio na distribuição dos elementos visuais e

dinamicidade nas imagens, o cartaz de “Pantanal de Sangue”, consegue refletir de forma

atraente para o espectador transeunte, o objetivo a que se propõe.

A coragem de José das Neves, a ganância de Chico Ribeiro e o galope

rápido e decisivo das tropas de Chico Ribeiro rumo à batalha, são harmonicamente

elencados e integrados à paisagem local pela presença de uma face feminina - bela e

virginal – representando a mãe natureza e o sentido de complementaridade íntima

existente entre as manifestações culturais específicas de cada região com o seu

substrato, seu solo, seu lugar.

Independente do objetivo do filme, a construção de determinados

parâmetros sígnicos dos lugares são consolidadores de imaginários pré-estabelecidos, ao

mesmo tempo em que subverte a percepção dos mesmos.

51

IMAGEM 14. - Cartaz do filme “Pantanal de Sangue”.

Fonte: Cinemateca Brasileira.

O Cinema rompe com os limites da realidade, proporcionando uma

nova forma de rearticular e recriar os elementos que permeiam o nosso cotidiano. Na

tela, são projetados os sonhos, as ilusões, os devaneios, a vida dentro de um plano,

possibilitando um amplo jogo de escalas de espaço e tempo, destacando pequenos

detalhes do cotidiano e minimizando fatos consagrados.

Desta forma, para analisarmos as obras cinematográficas, adotaremos

como metodologia de procedimento a Hermenêutica Filosófica19. Levando em

consideração que “[...] como arte, de âmbito universal e universalizante, de interpretar

o sentido das palavras, das leis, dos textos e de outras formas de interação humana”

(DISCHINGER apud GRONDIN,1999, p.09).

19 Para maiores informações consultar o livro “Introdução à Hermenêutica Filosófica” de Jean Grondin.

52

Entretanto, Alves (2006) destaca que a interpretação

hermenêutica de uma obra fílmica, não deve ser considerada uma mera “aplicação” de

conteúdos analítico-categoriais antecipadamente concebidos (arcabouço teórico) em um

filme. Neste caso, a interpretação hermenêutica deve partir, necessariamente, da

estrutura fílmica para o arcabouço teórico.

Essa análise ajudará a compor uma leitura paisagística das obras

em questão, para tanto, será necessário focar essas partes. Nesse sentido, faremos uso do

software (Programa: Intervídeo da Microsoft for Windows), que nos permitirá essa

seleção e edição de algumas imagens (Still) significativas, permitindo assim, que as

mesmas sejam pontuadas sob uma ótica geográfica, que possibilitará uma leitura

paisagística das referidas imagens.

Esse conjunto de procedimentos propiciará um maior respaldo

teórico e prático para a delimitação e aprofundamento do objeto de estudo.

2.3 - A Hermenêutica na Análise Fílmica

Nos últimos anos, tem-se observado a publicação de inúmeros

trabalhos que procuram atribuir à Hermenêutica um aspecto mais universalizante e

globalizador na forma de interpretar o sentido das mais variadas formas e modalidades

de expresão humana (as palavras, leis, os textos e as imagens), chamando a atenção para

a valorização desses processos.

Segundo Grondin, a hermenêutica, em sua atual definição, abarca um

amplo conjunto de ações e atitudes nas mais vastas áreas: explanação; explicação;

tradução; exegese ou interpretação. Desta forma, convém adotarmos uma delimitação

terminológica mais precisa que atribua à hermenêutica a “idéia de uma teoria da

interpretação” (1989, p. 10). Uma teoria composta por uma linguagem própria, ainda

que esta linguagem já seja resultado de uma interpretação, como nos adverte o referido

autor, mas comprometida com uma forma de “traduzir” ou tornar compreensível algo

obscuro ou ambíguo. É por isso que para Ernildo Stein (apud GRONDIN, 1999, p. 11)

“se precisamos do sentido e do significado para conhecer, isto significa que precisamos

da linguagem para podermos conhecer”.

A realidade social em que nós indivíduos estamos inseridos,

apresenta-se de forma extremamente complexa e multifacetada, nesse sentido, como

destaca Demo (apud GRONDIN, 1999, p. 10), as formas de expressão e de

53

comunicação utilizadas pelos humanos também possuem dimensões tão diversas,

misteriosas, repletas de meandros e nuances, exigindo daqueles que embarcam na

aventura da investigação científica atenção redrobada, não só para o que se diz e para o

que está à mostra, mas também para o que não está aparente. Faz-se necessário ater-se

ao contexto histórico e social do objeto, obra ou fenômeno que se está analisando

evidentemente, em alguns casos onde esses elementos investigados sejam pertencentes

de um período histórico longíncuo, essa reconstituição não será perfeita, mas poderá ser

plausível.

Levando em consideração a perspectiva do senso comum, que vê na

vida cotidiana, nas nossas vivências mais ordinárias, a fonte dos movimentos internos

que lemos como transformações, tal qualidade ou característica pode ser reconhecida na

relação de semelhança com o mundo, ou com a “realidade”, que o cinema oferece ao

seu espectador.

Seria, assim, na capacidade que o cinema tem como nenhuma outra

arte de mimetizar a realidade e de nos convocar para “viver”, “experienciar” dentro

daquele mundo, que estaria a sua força e seu motor de transformação. É no caso do

cinema, da forma mais radical, que “plasmando âmbitos de realidade, instaurando

mundos possíveis, a obra de arte restitui aquela unidade originária do existir, aquela

contínua intimidade com o múltiplo que caracteriza a experiência de estar vivo”

(VALVERDE, 1997, p. 06).

Nesse sentido, como aponta Alves (2006, p. 285), “procuramos

apreender o filme não apenas como um texto, mas como um pré-texto capaz de nos

conduzir a autocosciência reflexiva do nosso tempo”, corraborando na configuração de

um espectro paisagístico da nossa sociedade e de suas relações. É importante ressaltar

que a hermenêutica filosófica se apropria dessa “realidade” e dessa paisagem por meio

da interpretação destas, por isso, ela não deve ser encarada apenas como um simples

conjunto de técnicas e artifícios a serem utilizados nestas atividades de investigação.

Assim, “cabe à hermenêutica filosófica, determinar o verdadeiro sentido das ciências

do espirito e a verdadeira amplitude e significado da linguagem humana” (GRONDIN,

1999, p. 15).

Sendo assim, a utilização dos pressupostos teóricos e metodológicos

da hermenêutica na análise fílmica, não se traduz em uma mera aplicação e utilização

dos seus conteúdos analíticos e categorias na obra em questão e sim,

54

[...] a análise do filme deve buscar “compreender” a obra fílmica a

partir do eixo temático, que possui um sentido imanente na própria

estrutura narrativa do filme, o que significa que se deve evitar a mera

aplicação de uma generalidade dada antecipadamente (ALVES, 2006,

p. 299).

Procuramos encarar uma obra cinematográfica não apenas como um

texto, mas sim encará-la como um pré-texto, possuidor da capacidade de nos conduzir à

autoconsciência crítica da “realidade” que estamos inseridos. ALVES (2006) afirma que

é possível utilizarmos um filme ou qualquer outra obra de arte ou literária como um

objeto de reflexão que nos permite apreender um conhecimento “verdadeiro” acerca do

ser social e do seu contexto sócio-reprodutivo. Uma obra de arte traz consigo elementos

essenciais característicos do complexo sócio-espacial a qual estão inseridas, e que se

tornam passíveis de serem compreendidas através de uma pespectiva que valorize o

reflexo estético.

A arte verdadeira é um tipo de reflexo da realidade material. Só que o

reflexo estético se diferencia do reflexo científico na medida em que,

enquanto o reflexo científico desantropomorfiza o real através da

contrução de conceitos e categorias abstratos, o reflexo estético o

antropomorfiza, construindo situações típicas capazes de propiciar

uma autoconsciência do mundo sócio-histórico (LUKÁCS, 1968).

Toda obra cinematográfica ou qualquer outro tipo de expresão

artístico-comunicativa pode ser considerada como uma instância da “realidade social”,

que viabiliza o processo de totalização e o surgimento de campos de reflexão para o

sujeito-receptor, que proporciona um momento concreto-particular na sua formação.

Essa formação dos sujeitos é extremamente complexa, formada por momentos de práxis

individuais e de relações sociais coletivas. Entretanto, o momento em que ocorre essa

recepção estético-visual é parte fundamental para a sua formação, mas não é exclusiva,

pois a virtualização das experiências contribuem (dentro dos seus limites) no

direcionamento e no posicionamento da ação histórica desses sujeitos.

Neste contexto, a interpretação hermenêutica de um filme atribui

maior ênfase ao conjunto de elementos particulares, detalhes da composição dos

personagens, detalhes pormonorizados das situações cotidianas significativas dos seus

personagens, que em sua totalidade ajudam a edificar a estrutura narrativa do filme e

que colaboram na definição do seu eixo temático (totalidade da obra). “É o eixo

temático que dá a diretriz e o sentido global previamente dado da compreensão

fílmica” (ALVES, 2006, p. 296).

55

Uma questão merece destaque: além da capacidade que uma obra

fílmica tem de ser um reflexo de uma dada “realidade”, esta obra permite a

consolidação da sua própria realidade concreta. ALVES (2006, p. 286) acrescenta que,

[...] através dele podemos não apenas apreender categorias e conceitos

constituídos a partir da reflexão científica prévia (o que significa

aplicar o que já sabemos), mas desenvolver e desvelar, através de

sugestões ou pistas postas (e pressupostas) no artefato artístico, um

novo conhecimento do ser social. O que significa que o filme não é

apenas um texto, mas um pré-texto capaz de nos conduzir à

autoconsciência reflexiva do mundo social, e, numa perspectiva

hermenêutica, uma forma de conversação com nós mesmos e com

nosso mundo sócio existencial.

De um modo geral, as expressões artísticas quando vão representar o

“mundo real” dos homens, o fazem de forma mistificada20. A arte, enquanto um reflexo

antropormofizado (ALVES, 2006) da vida social dos indivíduos, incorpora essa

“realidade” a seu modo à sua estrutura narrativa.

Dentro do processo de análise hermenêutica há sempre o risco de

deixar-se influenciar pelo arcabouço teórico previamente absorvido, por conceitos e

conclusões que não correspondem ao que está sendo apresentado, por isso, é preciso

substituir esses pressupostos por outros mais adequados. Para facilitar a “compreensão”

de um filme, deve-se procurar evidenciar e destacar o seu eixo temático (permeado de

sentidos e significados presentes na própria estrutura narrativa do filme) e evitar a mera

“aplicação” de uma generalidade dada antecipadamente. Para tanto, é necessário manter

uma distância temporal que, de certa forma, irá contribuir na “filtragem” do que há de

verdadeiro e autêntico nas obras de arte.

[...] É graças ao fenômeno da “distância temporal” e ao

esclarecimento de seu conceito que se pode cumprir a tarefa

propriamente crítica da hermenêutica, isto é, distinguir os preconceitos

que chegam daqueles preconceitos que esclarecem, os preconceitos

falsos dos preconceitos verdadeiros. Deve-se livrar a compreensão dos

preconceitos que a dirigem, permitindo assim que as “perspectivas

outras” da tradição se manifestem (GADAMER, 1998, apud ALVES,

2006, p. 301).

Dentro desse processo de análise, o sujeito-receptor não deve assumir

o papel de um “espectador passivo”, mas o contrário, cabe ao sujeito-receptor arquitetar

os processos de significação e estabelecer relações, realizar comparações a partir de

seus conhecimentos prévios frutos de suas experiências. “Nessa perspectiva, a obra

20 Utilizando-se de personagens ou situações alegóricas, um bom exemplo seria os filmes do cineasta

baiano Glauber Rocha que faz uso corrente desse artifício em suas obras.

56

fílmica é um conjunto de ‘dicas’ ou ‘sugestões’ para o espectador, convites para que

ele atribua sentido a um trecho (ou cena significativa) do filme” (ALVES, 2006, p.

302-303).

Nesse ponto, o melhor entendimento da lógica imagética que permeia

a linguagem cinematográfica, pode permitir um diálogo mais enriquecedor com o

discurso científico da Geografia, na direção aqui apresentada por BENJAMIN (1993),

de interação entre arte e ciência, de maneira que o estudo geográfico da “realidade”

parta do melhor entendimento de como os referenciais espaciais são retratados pelo

cinema, contribuindo assim para uma alfabetização geográfica do estudante a partir das

experiências cotidianas e concretamente vivenciadas pelos indivíduos em sociedade.

Por isso, é fundamental que o professor ou o pesquisador esteja

munido de um conhecimento prévio e geral dos elementos que fundamentam e

estruturam a Linguagem Cinematográfica, possibilitando assim, a apreensão de um

conjunto maior de informações que serão abstraídos dos “códigos” existentes na

composição de um filme.

No próximo capítulo, inicialmente apresentamos um breve histórico

da produção cinematográfica em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, destacando alguns

filmes e a sua relação com os aspectos naturais, sociais e culturais da região, em

seguida, apresentamos um conjunto específico de filmes previamente selecionados,

visando, a partir de seus elementos imagéticos compor uma leitura paisagística dessas

obras via paisagem pantaneira.

57

CAPÍTULO 3_______________________

Fonte: www.cinemateca.com.br

A PAISAGEM PANTANEIRA PELA

ÓTICA DO CINEMA

58

CAPÍTULO 3 – A PAISAGEM PANTANEIRA PELA ÓTICA DO CINEMA

"O cinema nos faz viajar para lugares paradisíacos do outro lado do

mundo, ou às profundezas dos oceanos, que nunca teríamos chance de

conhecer, e lugares fictícios que nunca saberemos se existirão um dia"

Ivan Teorilang

3.1 - O Pantanal, o Cinema e suas Paisagens

Montado em seu cavalo, passos lentos e olhar atento, o vaqueiro

atravessa cuidadosamente a vasta planície inundada. A água chega a atingir o ventre do

animal; mas este, sem objeções, prossegue a sua marcha cadenciada, em meio à

vegetação rasteira e os alagados.

O olhar atento do cavaleiro se divide entre a necessidade de encontrar

alimento, um pássaro ou um mamífero, com a possibilidade de encontrar algumas reses

desgarradas, e que podem estar escondidas em alguma depressão ou atrás de alguma

árvore.

O dia está terminando, o peão tem que voltar, mas ele conhece o

sistema: tudo o que conseguir apanhar ou abater até o cair da noite, é seu.

Durante séculos, esta forma de criação e sobrevivência, um tanto

quanto primitiva, vigorou em todo o Pantanal, naquele tempo não haviam cercas, muito

menos os currais, rico em pastagens naturais, com gramíneas e leguminosas e ainda,

como existência das salinas naturais, o pantanal sempre foi um ambiente que

naturalmente garantiu a alimentação suficiente e necessária para o gado e para o

pantaneiro. Curioso lembrar, que muitos animais desgarrados, viviam e se reproduziam

sem a intervenção antrópica (seqüência de imagens 15 e 16, extraídas do filme

“Pantanal de Sangue”).

Naquele tempo, as propriedades eram tão vastas e incertas suas

demarcações, que a tentativa de aglutinar o gado em pastos e currais, se traduziria em

uma atividade demasiadamente cara, por isso, optava-se por abandonar os animais

foragidos, que se tornavam presas fáceis para a onça pintada. Esse era o tempo em que o

vaqueiro não sabia ao certo qual o montante de sua boiada. Quando tinha que vender, o

dono da boiada fazia uma estimativa do número de cabeças.

Com o passar dos anos, este método de criação e de invernadas na

busca por animais nos mais longínquos rincões ultra-extensivo, demonstrou-se

deficiente. Era difícil implementar as técnicas de rodízio de pastos, cruzamentos e a

59

vacinação. E, ao ritmo das águas, a imensa e contínua planície, foi sendo atravessada

por barreiras, não naturais como era até então costumeiramente definido, mas

construídas pelo homem, barreiras feitas de arame liso (para não arranhar o couro do

animal), edificava-se uma nova territorialidade nas terras pantaneiras. Dentro dessas

novas territorialidades, novas práticas sociais relativas ao manejo do gado foram

surgindo. As fazendas melhor preparadas possuíam, além dos pastos cercados e dos

currais, os chamados currais de aparte, utilizados para marcar, castrar, vacinar e separar

as reses magras, que deveria voltar para a engorda, do “boi de boiada”, que seria

vendido e conduzido por trens até os centros consumidores (geralmente São Paulo).

Imagem 15. O vaqueiro e o Pantanal em Pantanal de Sangue.

Tempo: 2’30”

Imagem 16. Abatendo uma presa (Pantanal de Sangue).

Tempo: 1’20”

60

Essas mudanças trouxeram em seu bojo um conjunto complexo de

conflitos e ebulições sociais. A “(de)marcação” gerou disputas e acirramentos

sanguinolentos entre os vizinhos pantaneiros. Assim como o ciclo das cheias que se

renovam a cada ano, provocando mudanças na paisagem, mudanças de ordem

econômica, social e cultural também estavam se renovando.

Essa pequena descrição, uma representação singela de alguns

elementos do cotidiano pantaneiro, e que também poderia ter sido retirada de algum

romance regionalista, é o mote central no qual se assenta a trama dos filmes “Pantanal

de Sangue” (1971) e “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal” (1979). Ambos

focalizando as disputas por terras e o cotidiano do vaqueiro na sua dura atividade com o

gado e na sua luta pela sobrevivência, um modo de vida, o que chamamos hoje de

“cultura pantaneira”.

Lançar um olhar sobre uma obra cinematográfica que, entre outras

definições, pode ser considerada como uma forma de representação artística dos

elementos constituintes de uma dada sociedade, por meio do diálogo com os elementos

da linguagem geográfica, é sempre um grande desafio. Não com o intuito de se criar

uma análise inquestionável, acabada e definitiva, mas criar um exercício intelectual que

possibilite surgir novas formas interpretativas a partir da aproximação dos nossos

referenciais teóricos, enquanto linguagem científica, com um conjunto de elementos e

contextos que destacamos nos “filmes pantaneiros” que foram analisados.

Certamente, toda e qualquer obra fílmica está repleta de

geograficidade. A película em movimento, a ação das personagens, trazem por si só, a

dinâmica do tempo e do espaço, que são as condições basilares para o entendimento da

Geografia.

É partindo desses parâmetros que nos capacitamos para tentar

interpretar e traduzir as obras fílmicas em questão, encarando-as como parte de uma

construção artística, imagética, simbólica e ideológica, que almeja, talvez, ilustrar um

conjunto de relações políticas, culturais, sociais e econômicas recorrentes na região

pantaneira para o campo de análise e estudo da Geografia, ou seja, partir de suas tramas,

estruturas narrativas e do contexto histórico em que foram produzidos (como indicam os

61

pressupostos metodológicos da hermenêutica) para os aspectos geográficos e

paisagísticos a serem destacados21.

3.2 – Um Modus Vivendis: Retratos de uma Paisagem Insólita nas “Veredas” do

Sertão pantaneiro em “Pantanal de Sangue” e “Desejo Selvagem – Massacre no

Pantanal”

Os anos setenta no Brasil foram marcados por contrastes sociais,

políticos e econômicos. Foram anos de massiva propaganda, anos de ditadura, falta de

liberdade, censura e perseguições. Mas foram anos de resistência, formada pelos

intelectuais, estudantes, operários, artistas. Muitos foram presos, torturados e banidos

para fora do país. Foram também, anos de muita propaganda oficial, anos dos slogans

do “Brasil! Ame-o ou Deixe-o” e o da dupla Tom e Ravel, cantores que em suas músicas

exaltavam o Brasil contribuindo para divulgar o regime, tais como “este é um país que

vai pra frente e ninguém segura a juventude do Brasil”. Foi também a década em que o

futebol esteve em pauta contribuindo para a alienação do povo, salientado pelo título de

tri-campeão mundial, bem no começo da década... "noventa milhões em ação". Houve

ainda neste período, a construção das chamadas obras faraônicas, como a construção da

rodovia trans-amazônica e a ponte Rio-Niterói. Os anos setenta podem ser vistos como

anos de chumbo brasileiro, mas também vivenciou o fim deste regime no final da

década, com a derrocada do regime militar (FAUSTO, 2004).

No então Estado de Mato Grosso, um conjunto de transformações

também estavam em andamento. As desigualdades sociais e econômicas entre a porção

sul, mais “desenvolvida”, e a porção norte de Mato Grosso, identificadas desde fins do

século XIX, impulsionaram o surgimento dos movimentos separatistas que, ao longo do

século XX, principalmente na década de 1930, encorajados e influenciados pelos

reflexos da Constituição Constitucionalista de 32 em São Paulo e na década de 40 com

um pequeno período de redemocratização do país, culminaram com a divisão do Estado

e a criação de Mato Grosso do Sul em 11 de outubro de 1977 (ABREU, 2003).

É dentro deste momento de mudanças que foram produzidos os filmes

“Pantanal de Sangue” (direção: Reynaldo Paes de Barros/1971) e “Desejo Selvagem –

Massacre no Pantanal” (direção: David Cardoso/1979). De um modo geral, esse

21 O sentido de Pantanal enquanto paisagem a partir dos filmes analisados irá na direção da paisagem

como algo que está além do físico imediato, pois no Pantanal existem cidades, o Pantanal é urbano hoje,

está no mundo em suas múltiplas escalas.

62

contexto transitório que se acentuava na planície pantaneira, também pode ser

identificado na trama dessas duas obras cinematográficas, entretanto, com enfoques e

temáticas diferentes. A luta pela terra, a dizimação dos grupos étnicos, a incorporação

de novos costumes à “cultura pantaneira”, e de novas tecnologias, estão no bojo da

discussão.

“Pantanal de Sangue” (imagem 17) foi realizado nas intermediações

da cidade de Miranda – no hoje pantanal sul-mato-grossense - trata-se de um importante

documento histórico. Detalhes da vida cotidiana, a lida com o gado, a busca por

alimentos, as comitivas e a disputa por terras e todo o conjunto de características sociais

e culturais que auxiliam na edificação de uma leitura paisagística dessas relações,

permeada pela estética cinematográfica, estão de certa forma representadas na tela.

Para a elaboração do roteiro, Reynaldo Paes de Barros baseou-se em

fatos que havia presenciado, e casos, contos e “causos” (o lúdico e o mítico tem uma

forte presença na região) que lhe contaram em sua infância, quando costumava passar as

férias na propriedade de seus pais no Pantanal. A partir dessas experiências, do seu

conhecimento acerca dos costumes e das manifestações folclóricas da região, e da

frondosa beleza natural do Pantanal, Barros conseguiu realizar uma importante obra

para a nossa cinematografia.

Imagem 17. Abertura do filme “Pantanal de Sangue”.

Tempo: 0’45”

Apesar dos recursos escassos, “Pantanal de Sangue” foi produzido

por sua empresa, a RPB Filmes (fundada em 1966) e contou com a participação de

atores consagrados do nosso cinema (Francisco de Franco e Elza de Castro) e com uma

63

equipe técnica especializada. A direção de fotografia e câmera ficou a cargo do próprio

Reynaldo, que contou com a significativa colaboração do iniciante Antônio Meliande.

Remo Usai foi o responsável pela música incidental do filme, a montagem para o

grande Mauro Alice (que vinha de importantes trabalhos na Vera Cruz) e a sua

distribuição ficou a cargo da CINEDISTRI (a mais importante produtora do cinema

paulista da época).

O cineasta campo-grandense Reynaldo Paes de Barros, formado em

cinema pela Universidade da Califórnia (Los Angeles), onde realizou seus primeiros

curtas-metragens: “The Rebel” e “Campus Queen”, consolidou a sua carreira no cinema

paulista nas décadas de 1960 e 70. Sua filmografia é composta dos seguintes filmes:

1966/67 – Férias no Sul (RPB Filmes); 1968 – Agnaldo Perigo à Vista (Fama Filmes);

1971 – Pantanal de Sangue (RPB Filmes); 1978 – A Noite dos Imorais (Mis Filmes).

Participou também, como assistente de direção de várias produções estrangeiras rodadas

no Brasil.

A trama do filme gira em torno da história do protagonista José das

Neves (Francisco de Franco), que inconformado com as ameaças de um novo e

autoritário fazendeiro da região, Chico Ribeiro (Milton Ribeiro), que quer se apossar

das terras de seu vizinho Miguel (Vicente Raveduti), José das Neves, intercede em favor

deste último. Chico repele as pretensões dos dois fazendeiros e ameaça invadir suas

propriedades. Estes denunciam a irregularidade à Delegacia de Terras do Estado, que

lhes dá ganho de causa. Segue-se um curto período de trégua. Mas, na primeira

oportunidade em que se defrontam, no local da venda anual dos bois da região, José

vence em duelo um dos capangas de Chico e humilha este último perante seus homens.

A resposta de Chico é arrasadora. A violência eclode, então, em ritmo crescente, e os

dois rivais (Chico e José) se confrontam até a morte, num desfecho trágico e sangrento.

Ao desdobrar da trama, podemos observar um conjunto de questões

importantes, como a formação da estrutura fundiária brasileira, pontuada por grilagens,

ausência do Estado e derrames de sangue, impulsionados pelas ambições dos

fazendeiros e criadores de gado local e a luta pela sobrevivência, ajudam a configurar

um cenário rústico, constituído por lugares abertos, paisagens exuberantes e,

concomitantemente, insólitas, formadoras de um sentimento de vacuidade e

marginalização. Certamente esses elementos existem, mas o foco da discussão deve

recair-se sobre como a linguagem cinematográfica monta sua narrativa e aponta para

outras questões mais fundamentais. Uma delas é a questão da natureza, no conflito entre

64

paraíso e selvageria. Daí se desdobra outro conflito, a questão entre civilização e

barbárie. O que acaba se destacando desses conflitos, travestidos de lutas, tiros e mortes,

é a problemática fronteira enquanto limite entre uma forma de vida e outra, entre

contato e separação, entre romper e continuar com a herança do poder.

A outra obra que serviu de referência para as nossas análises, foi o

longa-metragem “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal” (imagem 18), dirigido,

produzido e estrelado pelo sul-mato-grossense David Cardoso.

Figura 18. Cartaz do filme “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal”.

Fonte: Cinemateca Brasileira.

Trata-se de uma produção, ambientada em cidades e fazendas do Mato

Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, em Portugal e no Peru. No elenco estão

presentes a atriz internacional Ira de Furstenberg (princesa italiana e ex-mulher do

65

falecido playboy brasileiro Baby Pignatari), Hélio Souto, Alberto Ruschel, Yara Stein, a

atriz inglesa Gay Lucy, Sônia Saeg e centenas de figurantes para as cenas de batalha.

Repetindo a parceria, Ody Fraga ficou responsável em escrever o

roteiro e o argumento do filme, e David Cardoso com a direção, produção e o papel

principal (a personagem Tigre). O competente Cláudio Portioli ficou responsável pela

fotografia e câmera, e a trilha sonora foi composta pelo maestro Ronaldo Lark.

Mais uma história de muita emoção e aventura. A trama é ambientada

na região pantaneira, próxima ao rio Paraguai. O lugar ideal para homens

inescrupulosos em busca de fortuna, aventura e anonimato. Para quem chega, não se

pergunta quem é, nem de onde veio. Lá, Malamud (Alberto Ruschel) sonha construir

um império onde sua vontade seja lei, empregando um grupo de homens aventureiros e

violentos. As terras que ambiciona estão ocupadas legalmente e são administradas por

Martino (Nelson Morrisson), irmão do proprietário, que se encontra em viagem ao Peru.

Malamud e seu grupo assassinam o irmão, mas se defrontam com Mônica (Ira de

Furstenberg), viúva do proprietário, que chega da cidade disposta a se instalar nas terras,

agora suas por herança. Homem independente e aventureiro, Tigre (interpretado por

David Cardoso), um piloto que presta serviços a uns e outros sem se ligar a ninguém,

acompanha a escalada de violência de Malamud, que a cada dia amplia seu poder sobre

a região. Tigre toma partido do conflito e alia-se a Mônica, comandando a resistência

contra as desmedidas ambições de Malamud.

Apesar da produção requintada e dos altos investimentos, inúmeros

problemas ocorridos ao longo das filmagens comprometeram o resultado final do filme.

De acordo com David Cardoso, muitos desses problemas foram ocasionados pela

irresponsabilidade da princesa Ira de Furstenberg:

Mas ela era mesmo uma socialite que depois de dez dias de filmagens

no pantanal, disse que queria ir para Roma por causa de um desfile do

Valentino. Queria se ausentar por cinco dias. Disse que não, mas foi

inútil. O Ody Fraga começou então a mutilar o roteiro, e eu dei folga

antecipada para a equipe, mas no sexto dia nada dela voltar. No

décimo, a mesma coisa. Fui mudando, mudando e a Ira só retornou 20

dias depois e fez apenas a seqüência final. Então, o filme acabou

ficando sem sentido por causa dela (STERNHEIM, 2004, p. 95).

David queria realizar uma espécie de “Rambo Ecológico”, mas as

modificações no roteiro não agradaram o público e a crítica. Foi lançado

66

comercialmente na principal sala exibidora de São Paulo, o Cine Marabá, onde ficou

três semanas em cartaz22.

Após essa rápida apresentação/contextualização das duas obras

analisadas, é importante ressaltar algo que já fora explicitado no primeiro item deste

capítulo: ambos os filmes, apesar de serem totalmente ambientados na região pantaneira

ou áreas próximas, a quase totalidade dos técnicos, atores, diretores, os recursos

financeiros disponibilizados para a produção e as produtoras envolvidas no projeto são

“estrangeiros” a essa espacialidade. Apesar dos dois diretores serem nativos, nascidos e

criados aqui no Estado, muito cedo partiram para o grande centro, São Paulo e, no caso

de Reynaldo, Los Angeles, e consolidaram sua carreira e montaram suas respectivas

produtoras, a DaCar Produções Cinematográficas e a R.P.B. Filmes em São Paulo, mais

precisamente, na chamada “Boca do Lixo”. Trata-se, portanto, de um “cinema no

pantanal” e não, um cinema do pantanal.

Situada no centro velho da cidade de São Paulo, a “Boca do Lixo”

(assim batizada pela crônica policial da década de 50 em decorrência da forte presença

da marginália boêmia e das zonas de prostituição do baixo meretrício), abrangia as

intermediações das ruas Timbiras e Protestantes e as avenidas Rio Branco e Duque de

Caxias (Bairro da Luz e Santa Efigênia), onde estavam localizadas as estações

ferroviárias da Luz e Júlio Prestes, e a antiga rodoviária. As estradas de ferro eram as

vias tradicionais de acesso dos filmes às cidades do interior. Nesse sentido, a região

acabou se tornando o grande foco da distribuição cinematográfica no Brasil. Já nas

décadas de 1920 e 30, distribuidoras importantes como a Paramount a Fox e a Metro

(MGM), utilizavam desse canal.

A primeira produtora a se instalar na região foi a CINEDISTRI, de

Osvaldo Massaini em 1951 na gloriosa Rua do Triunfo. Após a realização (ainda que

precária) de um conjunto de obras ligadas ao “Cinema Marginal” nos anos 60, a “Boca”

se firma na década seguinte como um importante núcleo de produção cinematográfico

impulsionado, entre outros fatores, pela criação do INC Instituto Nacional do Cinema

em 66, e pelo surgimento das leis de obrigatoriedade e reserva de mercado.

A parir de 1972 inúmeras produtoras passam a se instalar nas ruas do

Triunfo e Vitória, surge ali uma vasta e diversificada produção calcada nos ciclos dos

filmes de cangaço, nos “westerns”, nas comédias eróticas e pornochanchadas (que

22 De acordo com dados da Agência Nacional de Cinema, o público estimado do filme “Desejo Selvagem

– Massacre no Pantanal” foi de 575.473 espectadores.

67

marcou os maiores êxitos de público em toda a história do cinema nacional) e, já na

década de 80, com os filmes de sexo explícito. Algo muito próximo do que poderíamos

chamar de uma indústria cinematográfica (mesmo que pulverizada em diversas

produtoras independentes).

A estética da “Boca do Lixo” foi desenvolvida por diversos diretores e

técnicos, muitos dos quais, ajudaram a enriquecer a produção cinematográfica em Mato

Grosso, com a realização de inúmeras obras de longa-metragem ambientadas aqui na

região, atraídos pela paisagem inóspita, pela beleza exótica da paisagem e por

receberem apoio logístico, técnico e financeiro oferecidos por várias prefeituras e do

Governo do Estado. Ozualdo Candeias, David Cardoso, Reynaldo Paes de Barros,

Virgílio Rôveda, são alguns dos nomes que permeiam esse contato cinematográfico

entre a “boca” e as diversas regiões do Mato Grosso nesse período.

Há, nesse sentido, um jogo de escalas de diferentes culturas que se

relacionam dentro da mesma espacialidade, e que se integram na unidade de suas

experiências individuais e que ajudam a criar o que os antropólogos chamam de

“culturas pantaneiras”, como veremos de forma mais aprofundada no decorrer das

discussões. Nada é estaque em si. Diante destas constatações, partimos então das

imagens desse filmes que foram filmados no pantanal para uma leitura geográfica

paisagística dessas obras.

Ancorados em uma estrutura narrativa bem linear, ambos os filmes

procuram abordar questões relativas à violência e às injustiças sociais cometidas na

fronteira, nos confins geográficos do território, fora dos centros urbanos, os quais

sofriam violenta repressão política e cultural, notadamente durante a Ditadura Militar,

principalmente questões referentes ao conflito fundiário, a luta pela terra e uma dada

concepção, ancorada em valores estéticos, do que vem a ser o Pantanal. Entretanto, é

sabido, que ao realizarem essas obras cinematográficas, a manifestação desses aspectos

geográficos, principalmente, científicos e acadêmicos, portanto, a paisagem e o lugar

onde ambas as tramas se desenvolvem, não era a preocupação maior de seus criadores, o

pantanal, que em princípio, aparece apenas como pano de fundo para o desenvolvimento

das narrativas, durante a análise proposta ganham um sentido e um significado mais

evidenciado, mais destacado e importante. Ao selecionarmos passagens, trechos e falas,

num processo de desconstrução das tramas, e relacioná-los com elementos da ciência

geográfica, pequenos detalhes saltam aos olhos e ajudam a compor a leitura paisagística

da região.

68

Os diferenciados processos de ocupação do território brasileiro

proporcionaram a criação de uma divisão regional interna, detentora de características

próprias, definidas por ritmos e níveis de crescimento econômico e desenvolvimento

social diferenciados. Nesse sentido, a Região Centro-Oeste e, principalmente, o Mato

Grosso, traduz-se num importante exemplo dessa condição, haja vista, que durante um

longo período, essas espacialidades eram pensadas e imaginadas como verdadeiros

“vazios” demográficos, ou na melhor das hipóteses, como um vasto quintal ou pasto

propício para o desenvolvimento das atividades pecuárias. Algo que predominou no

interior da divisão territorial do trabalho até o início dos anos 70.

Nesse sentido, Queiroz (2003, p. 20) acrescenta que

Algumas das principais características dessa região, que emergem e

são reiteradas ao longo dos séculos, poderiam ser assim resumidas:

vastidão territorial; situação fronteiriça; grande distância dos centros

dirigentes brasileiros (situados no litoral atlântico); precariedade das

vias de comunicação existentes no interior da própria região e entre

elas os ditos centro; população não-indígena diminuta e dispersa;

estrutura fundiária marcada pela grande propriedade.

Além da vastidão das planícies, havia ainda e desassistência do Estado

que favorecia a consolidação de uma sociedade marginal, marcada pelas intensas

disputas de terras, pela violência e pela larga exploração agropastoril. É desse ambiente

rústico, vasto e longínquo, que o vaqueiro José das Neves (de o “Pantanal de Sangue”),

retorna para o conforto de sua morada e para o seio da família, após dias de invernada

na busca por reses desgarradas e por alimento. Em toda essa seqüência inicial, a música

incidental composta por Remo Usai, é tensa, rude e transmite uma sensação de vazio, e

de estarmos inseridos em um ambiente selvagem.

Fazendo alusão à canção “O Menino da Porteira” (composta em 1955

por Teddy Vieira e Luizinho, e levada aos cinemas em um filme homônimo no ano de

1977, pelo diretor Jeremias Moreira Filho, tendo o cantor Sergio Reis como

protagonista da trama), ao chegar a sua propriedade, José das Neves avista seu filho

Zezinho (Jean Stefan) que o aguardava ansioso em cima da porteira. O garoto sai em

sua direção gritando para a mãe (seqüência de imagens 19 e 20):

- é o pai, mãe!

Sua esposa (a atriz Elsa de Castro), encarregada de cuidar da criança,

dos afazeres domésticos e da criação, sintetiza, apesar de visivelmente contente com o

regresso do marido, o infortúnio:

- você demorou tanto dessa vez, tá tão barbudo.

69

De um modo geral, essa passagem inicial possibilita estruturar um

leque diversificado de discussões ancoradas na vasta complexidade do ambiente

pantaneiro, no seu âmago e nas condições sociais do meio em que o homem pantaneiro

vive. É a vida humana materializada nas duras condições da planície pantaneira.

Imagem 19. Zezinho e a volta do pai (Pantanal de Sangue).

Tempo: 2’52”

Imagem 20. O reencontro com a esposa (Pantanal de Sangue).

Tempo: 3’40”

70

Estes são elementos constituidores de um modus vivendis23, o que

hoje, à luz dos nossos conhecimentos e ancorados em teorizações, denominamos por

“cultura pantaneira”, que é a essência da constituição de uma dada identidade regional.

Essa identidade regional existente no Pantanal, foi construída a partir

da interação e da assimilação de hábitos e costumes dos imigrantes vindos de diversas

partes do país e de países vizinhos (principalmente o Paraguai e a Bolívia), e que foram

condicionados a uma dada forma, muito peculiar, de organização do espaço (vide, entre

outros, BANDUCCI JR, 2003).

Ocorre aí, portanto, a consolidação de um espaço extremamente

diversificado, devido a interação dos diversos ecossistemas existentes, por isso se pode

dizer que o Pantanal são vários pantanais, todos constituídos por uma densa rede

hidrográfica, que condicionam tanto a vegetação, a fauna, o solo e a vida do homem,

quanto a diversidade cultural24.

É nesse sentido que afirmamos que o Pantanal não seria o que é, sem

o homem que habita suas pastagens e as barrancas de seus rios.

Sabemos hoje que o homem é um sujeito ativo em suas ações na

modificação, transformação, destruição ou na preservação do espaço e do ambiente que

habita. No Pantanal essa relação Homem X Ambiente se confundem e se acentuam num

convívio em constante regime de trocas, mantendo vivo um elo de solidariedade. Assim,

pantanal e Homem pantaneiro, acabam perpetrando a existência de uma única realidade

antropogeográfica Essa afirmação só se justifica se entendermos como único, o físico

perceptível das extensões naturais, pois os termos diversos, assim como a hegemonia do

modo urbano e os conflitos frente às várias formas de sobrevivência marginal nas

23 Entendido como um arranjo temporário que possibilita a interação e a coexistência de grupos

antagônicos em uma dada espacialidade num período, mesmo que determinado. A cultura e a identidade

pantaneira são elementos em constante elaboração, instantes ou fotogramas de uma paisagem instável e

inacabável, permeada por conflitos e equilíbrios dentro desse espacialidade caracterizada por elementos

específicos e inerentes a ela (SANTOS, 2003). 24 O Pantanal, essa imensa planície de inundação e não um pântano ou lamaçal, como muitos o

classificam, estende-se por mais 140.000 km2, só em território brasileiro (ocupando uma significativa

porção da parte oeste do Estado de Mato Grosso do Sul e, em menores proporções, o sudoeste de mato

Grosso), caracterizando-se como um bioma extremamente diversificado. Em função dessa diversidade,

convencionou-se dizer que o Pantanal não apenas um, mas vários pantanais. De acordo com as

interpretações dos próprios pantaneiros tem-se, por exemplo, de acordo com os tipos de solo, os pantanais

da areia, do barro, do minhocal. Ou ainda, os Pantanais do Itiquira, de Paiaguás, que mantém grande parte

de sua área alagada ao longo do ano, formado por muitas baías e lagoas, o Pantanal de Poconé, do Rio

Negro, da Nhecolândia, com seus campos repletos de salinas, baías e capões-de-mato, do Miranda-

Aquidauana e muitos outros. A literatura especializada classificou a co-existência de oito pantanais, mas

dependendo dos fatores utilizados para a classificação, esse número pode ser bem maior. Para maiores

informações consultar NOGUEIRA (1990); NOGUEIRA (2002), PORTELA& NETO (1998), MENDES

(1997), vide bibliografia.

71

periferias, apontam para uma complexidade e diversidade espacial do que se denomina

Pantanal, essa diversidade que fundamenta sua unidade geográfica em constantes

conflitos e tensões.

Assim como acontece em qualquer outra localidade do planeta, o

homem pantaneiro para sobreviver em seu meio sócio-cultural, também adotou e passou

a elaborar referenciais geográficos de localização e orientação dentro de sua

espacialidade, ou seja, o sujeito passa a compreender melhor o seu espaço de vida a

partir do momento em que os valores éticos e estéticos passam a ser adotados no

processo de inter-relação com o seu lugar.

Vivendo em um ambiente onde homem e natureza, instâncias

indissociáveis segundo nossos referenciais, este ser pantaneiro aprendeu a interpretar os

sinais e os fenômenos existentes em seu ambiente. Ao longo dos séculos, o pantaneiro

aprendeu a observar a dinâmica da natureza, em especial, o regime das águas, algo tão

marcante e presente na vida deste homem.

Nesse sentido, Nogueira (2002), aponta que

Embora usando métodos diferentes, pode-se dizer que o pantaneiro é,

ao mesmo tempo, um botânico, um zoólogo, um astrônomo, um

geógrafo acostumado à leitura semiótica da natureza, com a qual

aprendeu a conviver, no dia-adia.

Ao colocar em prática suas experiências testadas secularmente pela

relativa margem de acertos, em situações similares, acabou

estabelecendo algumas leis empíricas que são arroladas por eles

mesmos como experiência de vida (p. 31).

É nesse ato de, primeiro observar o comportamento dos animais

(domésticos e selvagens), da flora e os aspectos fisiográficos e morfológicos da

paisagem, para em seguida, elaborar formas de ação, manejo e apropriação, por vezes

consciente, dos recursos oferecidos (como as plantas medicinais, frutos e alimentos),

que o pantaneiro, não em sua totalidade, embasa o seu modo de vida.

Contudo, os filmes em questão, sobretudo “Pantanal de Sangue”, não

explicitam o conjunto das dinâmicas naturais do Pantanal e sua estética como a

conhecemos hoje, como o ciclo das cheias e o ritmo da natureza que estão intimamente

ligados a espacialização das relações sociais do homem pantaneiro no seu habitat. Por

meio de teorias científicas sabemos que esse ciclo das águas contribui com a

manutenção do equilíbrio do sistema ecológico da região. São as cheias que fazem

brotar o verde nas pastagens naturais e que garantem a sobrevivência dos corixos

(cursos de água ou braços de rios) que nem sempre conseguem resistir frente às longas

72

estiagens. Tanto em “Pantanal de Sangue” quanto em “Desejo Selvagem...”, essa

alternância entre período de cheias e de estio, que caracterizam as condições de vida

locais, está presente na vida do homem pantaneiro. Ela se manifesta não de forma

explícita, mas embrenhada na trama e na experiência cotidianamente vivenciada por

cada personagem. Como expressado na fala de José das Neves: “O Pantanal tá

enchendo, e o gado compadre?, responde seu peão Felipe: “Tá subindo”.

Desde cedo o homem pantaneiro convive cercado de animais

domésticos, como aves, porcos, ovelhas, cavalos e gado que são criados com finalidade

bem definida de servir o homem, seja enquanto alimento, ou como auxiliares no

trabalho diário. Ana, esposa de José das Neves, com a ajuda de Cali (Dina Flores),

ordenha as vacas, cuida das galinhas e dos porcos, enquanto o marido esta alongado no

campo. (seqüência de imagens 21, 22 e 23), ou como os cachorros de Malamud

(Alberto Ruschel).

Imagem 21. Ana e Cali ordenhando as vacas (Pantanal de Sangue).

Tempo: 3’01”

73

Imagem 22. Zezinho e Cali cuidando das galinhas (Pantanal de Sangue).

Tempo: 5’31”

Imagem 23. Ana alimentando os porcos (Pantanal de Sangue).

Tempo: 5’42”

De fato, há uma perspectiva utilitarista nessa relação, haja vista, que

estes animais que suprem as necessidades da família, entretanto, a partir do convívio

diário, principalmente com os cães, que auxiliam os vaqueiros na lida com o gado e nas

“batidas” em busca de caças (como os cães da fazenda de Mônica – personagem vivida

por Ira de Furstemberg em “Desejo Selvagem...” – imagem 24), há a edificação de

outros parâmetros e valores que permeiam as relações entre os homens e seus animais.

74

Imagem 24. Cães brincando na sede da fazenda de Mônica (Desejo Selvagem...).

Tempo: 46’22”

O convívio diário, o contato íntimo, acabam por despertar entre eles

fortes sentimentos de amizade, fidelidade e simpatia, interferindo

diretamente em seu relacionamento. É comum os moradores das

fazendas, principalmente mulheres, criarem papagaios, periquitos e

aras como animais de estimação (BANDUCCI JR. 2007, p. 103).

Entretanto, essa relação nem sempre é amigável. Quando algum

animal apresenta algum comportamento inconveniente, apresentando alguma ameaça

aos outros animais, são duramente castigados. Em suas brincadeiras infantis nos

campos ao redor de sua casa, Zezinho (filho de José das Neves), acompanhado de sua

espingardinha de madeira e do seu fiel escudeiro, o Mascote, provavelmente seu único

amigo, avistam um gavião que está tentando comer os pintinhos do galinheiro. Numa

atitude desesperada e instintiva, Zezinho corre até seu pai, que está dormindo, e o

chama para abater o gavião com seu comportamento reprovável diante das concepções

pantaneiras (seqüência de imagens 25 e 26).

Sorrateiramente Zezinho diz:

- Pai, ô pai, o gavião tá querendo pegar os pintinhos!... E a minha

espingardinha não dá tiros.

José das Neves, que repousava atende ao pedido do filho:

- Tá bom, vamos lá!

Com um único e certeiro tiro, José das Neves liquida o pobre pássaro.

Mas o gavião não é o único “bicho”, nos dizeres pantaneiros, a “perturbar” a ordem na

fazenda.

75

Partilhando das mesmas opiniões, os peões da fazenda de Malamud

(de “Desejo Selvagem...”) e o peão Felipe (personagem de Jorge Karan em “Pantanal de

Sangue”), a onça, ou pintada, como a chamam, se apresenta como um tormento, ou

melhor, como um fantasma que, ao rondar a propriedade e o local onde as criações

ficam durante a noite, deixa apenas seu rastro e suas marcas. A caça desses animais é

qualificada pelos biólogos como “retaliativa”; ou seja: é uma reação ao ataque desses

animais ao gado. Assim, a questão básica colocada pelos biólogos, tendo em vista a

preservação das onças, é: “como resolver o conflito?”

Imagem 25. O Gavião no topo da árvore avistado por Zezinho (Pantanal de Sangue).

Tempo: 7’05”

Imagem 26. José abatendo o pássaro (Pantanal de Sangue).

Tempo: 7’52”

76

O animal permeia o imaginário dos moradores locais. Há inúmeros

“causos” de ataques de pintadas não só as criações, mas também a seres humanos, há

também “causos” quanto a sua destreza, suas habilidades e ainda, sobre fatos

sobrenaturais envolvendo os espíritos dos que já partiram.

Ao avistarem urubus sobrevoando uma mata próxima a propriedade,

Malamud ordena que seus peões saiam para uma “batida”, após alguns minutos

encontram a carcaça de uma novilha que havia sido abatida por uma pintada (imagem

27).

Imagem 27. Restos da novilha abatida pela onça (Desejo Selvagem...).

Tempo: 70’11”

Esse aspecto deve ser analisado dentro dos paradoxos aparentes que

apresenta, ou seja, ao colocar o sentido de harmonia e unidade do homem com o meio,

parece que o sentido de humano se esvaiu em meio a lógica própria da natureza

pantaneira, quando na verdade é mais uma forma de se adaptar a certos limites

tecnológicos e técnicos de controle territorial, já que o aceitável enquanto natureza é a

idéia socialmente humanizada de recursos necessários a sobrevivência humana (gado e

galinha para abate). Todo elemento natural que inflija essa prioridade humana passa a

ser selvagem, um obstáculo que deve ser eliminado (gavião e onça). A lógica, portanto,

é sempre a do homem, que instaura uma determinada idéia e uso de natureza em

conformidade com seu aparato técnico de controle e sobrevivência no lugar. Eis a

geografia que podemos interpretar das cenas. Natureza, portanto, nunca foi natural no

Pantanal. A questão é como os filmes apresentam as imagens, com quais recursos, não

conteúdo em si, mas a linguagem empregada para registrar as imagens.

77

Rapidamente uma caçada foi organizada, Tigre (interpretado por

David Cardoso), o mais esperto e corajoso dos homens de Malamud, lidera as buscas,

acompanhado dos chamados, “cachorros onceiros”. Verdadeiros mestres na arte de

farejar, os “cachorros onceiros” seguem somente o rastro da onça, e não vão atrás de

nenhum outro animal; além disso, ele tem a reputação de saber que a onça pode subir

nas árvores, ficando sempre atento a isso.

Munido de sua “zagaia” (imagem 28), uma espécie de lança para

arremesso, um instrumento bem típico na região, dois peões e com os “cachorros

onceiros”, Tigre parte para a captura e abate do felino. Ao se depararem com o que

sobrou da novilha, expressam sua indignação:

Imagem 28. A Zagaia (Desejo Selvagem...).

Tempo: 70’45”

(Tigre) – Mas que estrago, “heim” pessoal?

(Peão 1 – camiseta azul) - Viu só?... Seu Malamud tinha razão, essa

onça é assassina, só mata por prazer!

(Tigre) – E ela está por pert, vamos pessoal?

Os homens se embrenham na mata, com o auxilio de facões abrem

uma pequena trilha e seguem em direção ao felino. Os cães estão ouriçados, sabem que

a fera esta próxima, ladram continuamente e se animam, como se estivessem querendo

dizer algo aos homens ou alertá-los do perigo iminente.

Em poucos instantes os peões encontram numa clareira aberta na

mata, as pegadas, rastros do feroz felino, novamente a questão do “olhar observador” do

78

pantaneiro entra em ação, a relação sempre é indicial. Há indícios de que o “inimigo”

possa estar próximo. De repente, as orelhas se levantam, os focinhos perscrutam com

insistência a relva, e os cachorros, latindo nervosamente, saem em desabalada carreira à

frente dos caçadores. Com essa manifestação, já se sabe então: a onça está perto.

Ao avistar a pintada, sorrateiramente Tigre, com uma espingarda de

sonífero em punhos grita:

- Agora ela vai dormir um pouquinho!

Um único e certeiro tiro de tranqüilizante faz o “bicho” adormecer.

Em seguida é colocada em uma jaula e levada para um lugar desconhecido (seqüência

de imagens 29, 30 e 31).

Geralmente, nesse duelo de vida e morte, o homem é quase sempre o

vencedor. Abatida a fera, cada um dos participantes da caçada receberá sua recompensa.

Ao home caberá a pele, aos cães, a carne e os ossos.

Tecnicamente, essa passagem do filme “Desejo Selvagem...” é

significativa. A edição rápida, a música frenética e os movimentos de câmera e closes,

dão a dinamicidade necessária para a construção e representação deste momento. Nos

momentos de maior tensão, a face dos homens (imagem 29) e a do felino (imagem 30),

é mostrada em close na tela.

Imagem 29. Abrindo passagem (Desejo Selvagem...).

Tempo: 71’05”

79

Imagem 30. O encontro! (Desejo Selvagem...).

Tempo: 71’34”

Imagem 31. O Abate! (Desejo Selvagem...).

Tempo: 71’50”

Com o auxílio dos recursos estéticos acima citados, o cinema tenta

recriar ou representar determinados aspectos da “realidade”. Ao criar essa atmosfera, o

cinema nos transporta para ação que transcorre na trama. Ao relacionarmos as imagens

presentes em nosso arcabouço imagético (fruto de experiências vivenciadas), com as

imagens que estão sendo reproduzidas na tela, cria-se a “representação” e a ilusão de

estarmos inseridos na trama do filme, é como se estivéssemos lá, sentindo a emoção de

participar de uma caçada. Essa seria uma das formas pelas quais o cinema (re)cria um

80

sentido paisagístico às imagens, ou seja, imagens isoladas em si, mas que a partir do

momento em que são contextualizadas em uma ação, passam a expressar um sentido.

Entretanto, essa suposta sensação de, dentro das possibilidades,

estarmos inseridos “dentro” da ação, da trama, é apenas ilusória. Como já destacamos

no segundo capítulo dessa dissertação, uma das especificidades da relação existente

entre o cinema e a geografia, se concentra na possibilidade que a linguagem

cinematográfica tem de “apoderar-se” da espacialidade real cartografável e (re)cortá-la e

(re)criá-la à sua maneira, incorporando novos sentidos, valores e focando-as sobre

diferentes perspectivas e angulações. Nesse sentido, se não disséssemos a você, caro

leitor, talvez não percebesse, mas essa seqüência fora totalmente rodada nos arredores

da cidade de Guarulhos no Estado de São Paulo, e não em alguma fazenda pantaneira,

como sugere a trama e as imagens analisadas. Mas mais que ter sido filmado em outro

lugar, a forma como possibilitou seqüência aos planos, fazendo uso de enquadramentos

próximos e médios, uso de sons e música, assim como a forma de edição. Isso, num

jogo de escalas, tendo como parâmetro a relação natureza-sociedade, aponta para muitos

significados, além apenas das condições antropológicas da vida no lugar.

O ator-produtor-diretor David Cardoso enfrentou uma série de

problemas e dificuldades para a realização dessa seqüência. Durante as filmagens o

animal foi fatalmente ferido, e as autoridades ambientais entraram com um processo

contra a produção. Os detalhes podem ser conferidos neste fragmento, extraído da sua

biografia:

Iniciamos a operação de retirada do felino da jaula. Não foi fácil

prender uma de suas patas com o cabo de aço. Todos ajudando, dando

palpites. Isso feito, o animal imprimiu uma corrida a toda velocidade

até o tronco da árvore, onde justamente queríamos. Estava

entusiasmado. Seria, a meu ver, a maior cena real de uma caçada

tendo o próprio ator participando. Gritei: “Câmera, ação!” Soltaram os

cachorros. O de propriedade do zagaieiro foi ao encontro da onça.

Nós, atrás. A onça murchou as orelhas e, como que rastejando na

mata, veio ao encontro do cachorro. Enfurecida, deu um tapa na

cabeça do cão e o arremessou a uns dez metros. Quebrou o pescoço,

inerte. O homem ficou uma verdadeira fera e investiu com a sua

zagaia contra a onça [...] Não teve dúvidas, enterrou sua arma na

jugular da pintada, que soltou um gemido e morreu (MEDEIROS

FILLHO, 2006, p. 112 – grifo nosso).

Esses são fragmentos de uma “realidade” existente para além da trama

e do espaço fílmico, que segundo ALVES (2006), ajudam a compreender as cercanias

em que a obra foi concebida. Ao analisarmos uma obra fílmica, o contexto histórico em

81

que esta fora produzida, determinados aspectos estéticos utilizados e as características e

as opções escolhidas pelo diretor/produtor/roteirista, ajudam a construir um quadro

geral e referencial da obra em questão. Esses elementos não são determinantes em nossa

leitura, entretanto são fundamentais para elencarmos um ponto de partida para

lançarmos o olhar geográfico sobre a película e suas imagens.

Nos arredores das fazendas de “Pantanal de Sangue” o temido felino

também faz parte do imaginário dos pantaneiros locais deixando suas marcas na

paisagem. Aqui, outro aspecto da relação existente entre o homem pantaneiro com seus

animais domésticos é retratado: os significados da morte de um animal “amigo”.

Ao lançar o olhar sobre sua espacialidade, o pantaneiro identifica uma

série de elementos e sinais. Em suas “batidas” pela planície pantaneira o peão Felipe

(Jorge Karan), funcionário de José das Neves, avista os restos de uma novilha abatida

pela pintada, logo em seguida dirigi-se à fazenda para relatar o ocorrido:

- Ah “cumpade”, achei uma carniça de onça lá embaixo. Matou uma

das novilha sua. Comeu só o peito e a paleta e foi embora.

(José das Neves) – Pintada?

(Felipe) – Das grandes!

(José das Neves) – Temos que matar logo compadre, antes que faça

um estrago no gado.

Os peões, sentados à mesa na varanda da fazenda, travam o plano de

caça. Após almoçarem, reúnem os “cachorros onceiros” e saem pelo campo em busca

do felino “inimigo”. Mas há um diferencial nessa batida: o cachorro “Mascote”, o único

e fiel amigo de Zezinho, apesar de jovem, também é levado por José das Neves para a

caçada.

Assim como em “Desejo Selvagem...”, os peões de José das Neves, de

“Pantanal de Sangue”, saem atrás dos rastros deixados pelo animal. Logo de início se

deparam com o gado todo esparramado ao longo do pasto (uma das características da

pecuária ultra-extensiva praticada na região). Com o seu instrumento de chamar a

boiada, o berrante, Felipe começa a atrair os animais para perto da cerca. Não demora

muito e Felipe encontra rastros da fera e, com suas técnicas de observação, lança um

olhar sobre essas pistas deixadas no solo e diz, de forma contundente:

- Olha, não faz uma hora que passou por aqui.

82

Sobre essas experiências, a forma como o homem pantaneiro codifica

e se relaciona com o seu ambiente-lugar, Nogueira (2002) nos dá uma importante

contribuição:

Desconhecer ou não dar importância à atuação do homem pantaneiro,

sobre seu sistema ecológico, ou melhor, não levar em consideração

suas experiências culturais, baseadas na observação dos fenômenos

naturais, significa ignorar o que há de mais fundamental na vida desse

ecossistema, uma vez que as práticas sociais são produto da “visão de

mundo” do homem dos pantanais, da sua maneira de codificar o

universo natural, criando, a partir daí, seu próprio universo cultural (p.

30).

Esse é o melhor exemplo do que chamamos de geografia do cotidiano,

algo por vezes, distanciado do que se convencionou chamar de discurso científico

geográfico. Essa “geografia do cotidiano” encontra-se intersticialmente mergulhada na

vida concreta e cotidianamente vivenciada pelos indivíduos e, portanto, não se restringe

meramente a conceitos e palavras em si, mas sim, na riqueza das imagens captadas e

armazenadas por esse homem pantaneiro ao longo de suas vivências. Toda e qualquer

experiência são transformadas em imagens mentais e armazenadas, como já dissemos,

em nosso arcabouço imagético, e são resgatadas e acessadas para interagirem com

novas imagens adicionadas a esse “banco de dados”, a cada nova experiência.

Essas imagens mentais, captadas por todos os sentidos perceptivos,

servem para os seres se posicionarem no mundo, balizarem leituras do momento e da

espacialidade em que estão inseridos num dado momento, contribuem na edificação de

interpretações do mundo empírico. É nesse contexto que, ao se qualificarem,

interagindo com outras imagens e experiências, que essas imagens tornam-se paisagens,

passíveis de serem compreendidas pelos homens e contribuindo para que os seres se

localizem no espaço, conheçam seu lugar e se orientem no mundo.

O mesmo ocorre com os peões e com José das Neves, ao vivenciarem

o seu espaço cotidianamente, elaboram representações imagéticas dessa relação,

construindo imagens que irão se interagir com outras e que confabularam na edificação

de um sentido lógico, um sentido paisagístico para a sua geograficidade cotidianamente

vivenciada.

Voltando a trama, após algumas horas de cavalgada encontram a

carcaça do animal abatido pela onça. Assim como aconteceu em “Desejo Selvagem...”,

os “cães onceiros” de José das Neves conseguem encontrar o felino que acaba morto.

Entretanto, há um diferença, e como havíamos alertado, um fato novo, mais um

83

elemento da vida cotidiana desses pantaneiros e que contribuem na leitura paisagística

dessas obras cinematográficas em questão, é acrescentado: o “Mascote”, o cão-amigo de

Zezinho, que nunca antes participara de uma caçada, foi fatalmente ferido (imagem 32).

Ao avistar o pequeno cão, Felipe exclama:

- Onça desgraçada.

E parte para o confronto sangrento.

José das Neves e seus peões regressam cabisbaixos para a fazenda. O

animal selvagem que estava açoitando o gado fora abatido, mas tiveram que pagar um

preço: a morte do jovem cãozinho. Quando chegam à fazenda, Zezinho, como nas

seqüências iniciais do filme, aguardava ansiosamente a volta do seu pai. Quer saber

quem conseguiu matar a onça:

- Foi o senhor que matou pai?

[...] em seguida, questiona sobre o paradeiro do cão:

- Cadê o Mascote pai?

José das Neves não sabe como dar a notícia ao garoto e se cala diante

à situação (imagem 33).

Sobre esses aspectos, Banducci Jr. (2003) contribui com suas análises,

de forma significativa:

O convívio diário, o contato íntimo, acabam por despertar entre eles

fortes sentimentos de amizade, fidelidade e simpatia [...] A morte

dessas criaturinhas costuma ser causa de grande consternação para os

donos que, por longo tempo, lamentam a perda do “amigo”, recordado

suas qualidades e feitos memoráveis (p. 103).

Até o presente momento, um conjunto de elementos a cerca dos

aspectos identitários da Região pantaneira, foram abordadas e analisadas a partir da

perspectiva apontada pelas obras cinematográficas em questão. Como não poderia ser

diferente, esse conjunto de elucubrações teóricas, que visa estabelecer uma leitura

paisagística possível a partir das imagens fílmicas sobre o pantanal, possui o Homem e

sua identidade com o ambiente, como mote para as discussões. Nesse sentido, que

homem é este? Quem seria este “Homem Pantaneiro” que está impresso no celulóide e

que foram captados e representados pelas lentes do Cinema Brasileiro? Quais

personagens fazem parte dessa trama, e que função exerce dentro desse ambiente

marcado pela marginalização e pelo suposto “isolamento”?

84

Imagem 32. Mascote morto (Pantanal de Sangue).

Tempo: 18’48”

Imagem 33. Retorno de José das Neves (Pantanal de Sangue).

Tempo: 20’22”

Talvez não exista uma resposta exata para essas indagações, visto que,

assim como o Complexo Pantaneiro, a “realidade” de esse ser que o habita também se

apresenta de forma multifacetada. Para conhecer este homem, suas crenças, seus mitos,

suas práticas simbólicas, sua imaginação fértil povoada de histórias e causos, suas

riquezas, misérias e contradições, é preciso colocar os “pés no chão” e adentrar nos

meandros dessa imensa planície denominada Pantanal.

Por vezes, a historiografia oficial mais tradicional e mesmo o

imaginário local, estabeleceram que o verdadeiro homem pantaneiro fosse o fazendeiro,

85

o dono das terras e das grandes boiadas, detentor de uma “cultura refinada”, calcada nas

tradições burguesas que se opõem ao modo de vida e à cultura rústica do peão, do

vaqueiro, entre outros.

Contudo, é nesse espaço dotado de características próprias, povoado

por culturas e das mais variadas etnias que se materializa a figura do homem pantaneiro.

Essa é uma terra de migrantes em busca de melhores condições de vida e de trabalho.

Paraguaios, bolivianos, gaúchos, mineiros, baianos, paulistas, entre outros, agregaram

múltiplas características identitárias à região. As tramas de “Pantanal de Sangue” e

“Desejo Selvagem...” viabilizam a edificação de um amplo conjunto de relações sociais

e de trabalho consubstanciadas por peões, vaqueiros, bugres, donos de terras, povos

indígenas (os Terenas, os Kadiwéu, os Kinikinau e os Guatós que tiveram suas terras

usurpadas á medida que as terras do pantanal eram ocupadas pelo homem branco) e os

chamados “alienígenas” (o home branco vindo de outras regiões), corroboram com a

perspectiva de que são estes e tantos outros, os constituidores do “verdadeiro ser

pantaneiro”25.

Aqui outra questão se destaca a partir das obras analisadas. Boa parte

do que os filmes podem contribuir para se entender de forma mais ampla o sentido de

paisagem pantaneira, se encontra no que eles não registram imageticamente. Estão nos

silêncios, no que está para além da imagem captada pelas câmeras. Aí estão os índios

ausentes, ou apenas trabalhados de formas estereotipadas. Aí estão as cidades e suas

periferias esquecidas; aí se apresentam as rotinas de outras culturas englobadas em

grandes estados (paraguaios e bolivianos). Esses não visíveis é que cobram da geografia

um trazer para o perceptível, fazendo com que as imagens das tramas não fiquem

restritas ao óbvio da violência e injustiça, mas se expressem em paisagens mais

dinâmicas e complexas.

As práticas simbólicas e seu conjunto de crenças, superstições e

benzeções, os mitos, o humor e a imaginação prodigiosa, que flui intensamente durante

as rodas de tereré quando os vaqueiros relatam seus causos e mitos, dentre eles o mito

do “Mãozão”, “espécie de versão pantaneira do pai do mato [...] descrito quase sempre

como um homem estranho, corpulento, com uma força descomunal que vive nos

cerrados e matas fechadas e não suporta a presença de desconhecidos [...]”

25 Não intencionamos discutir como se formou e quais são as características da identidade territorial do

homem pantaneiro, mas sim, apontar quais personagens e as funções que exercem, estão presentes nas

narrativas fílmicas analisadas. É importante destacar que são essas personagens, seus costumes e hábitos

que configuram e atribuem uma dada identidade territorial à região.

86

(NOGUEIRA, 1990, p. 69-70), bem como, os costumes e afazeres diários em torno das

atividades domésticas, constituindo uma dada divisão social do trabalho e as festas,

bailes e músicas são os ingredientes dessa identidade e dessa cultura.

Logo nas primeiras seqüências de “Desejo Selvagem...” a personagem

de David Cardoso, o Tigre, participa na fazenda de Malamud, de um “churrasco de fogo

de cão” (algo tipicamente gaúcho e argentino), embalados ao som da música guarania e

da polca-paraguaia. Nitidamente, influências gaúchas, paraguaias e argentinas tomam

conta das preferências dos pantaneiros na trama (imagem 34 e 35).

Imagem 34. Churrasco e música guarania (Desejo Selvagem...).

Tempo: 4’12”

A relação que o pantanal exerce diante da realidade do homem da

região é por demasia fundamental para o entendimento do ciclo de vida do homem e das

atividades que permeiam a colonização e o povoamento desta vasta região, que possui

singularidades que entremeiam a relação do homem e do ambiente, este determinante

para o ciclo de vida no ambiente pantaneiro.

De um modo geral, como veremos a seguir, as atividades agropastoris

ocupam e aglutinam grande parte desses indivíduos, desses seres que contribuem com a

formação da identidade local.

Nesse contexto, a terra acaba servindo de ambiente no qual as boiadas

refletem a forma de ocupação e uso do solo. O quadro histórico de “ocupação” dessas

terras do, então longínquo oeste brasileiro, com destaque para a região pantaneira, não

fogem ao modelo adotado pela burguesia portuguesa e espanhola expansionista, adotado

87

em outros países latino-americanos, onde os colonizadores não-índios apoderaram-se

das terras e de suas riquezas e implementaram um novo modo de vida e uma nova

cultura. Começava aí, ainda no século XVI e XVII a marginalização da cultura nativa.

Imagem 35. “Churrasco de fogo de chão” (Desejo Selvagem...).

Tempo: 4’30”

Primeiramente, os espanhóis se instalaram na região com o intuito de

criar atalhos que os levassem às riquezas Andinas. Uma série de violentas batalhas

foram travadas da na região, espanhóis, portugueses e índios derramaram sangue sobre a

terra, afim de garantir a sua soberania. Após o Tratado de Madrid (1750), que concedeu

à Coroa Portuguesa direitos plenos sobre a porção ocidental do que hoje configura-se o

território brasileiro, que estava sob a égide da Coroa Espanhola. Para solidificar o

processo de “ocupação” do território, foi instituída em fins do século XVIII, uma

política de ocupação do solo (fundamentada pelo então governador da Capitania de

Mato Grosso, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres de 1772 a 1789)

ancorada na constituição de sesmarias e instalações militares ao longo do Rio Paraguai.

O primeiro forte a ser edificado na região foi o da cidade de Corumbá. Essas ações

possibilitaram que o Pantanal fosse efetivamente incorporado ao Brasil e à Coroa

Portuguesa, arregimentando assim, uma dada configuração sócio-espacial e paisagística

àquela territorialidade.

Neste período, a maior motivação para que ocorressem as ocupações,

era a existência de jazidas de ouro na região, entretanto, já em fins do século XVIII e

início do XIX assistiu-se ao declínio dessa atividade e, concomitantemente, a difusão da

88

pecuária, que inicialmente era desenvolvida como uma atividade complementar à

mineração, mas que posteriormente se tornaria o carro-chefe da economia mato-

grossense.

Sobre a ascensão da pecuária no Pantanal, NOGUEIRA (1990)

salienta que:

Por ter-se constituído num empreendimento que deu certo e

prosperou, a pecuária sobrepõe-se às demais atividades exercidas no

Pantanal, formando um dos grandes impérios da bovinocultura no

país.

Concorre para isso a surpreendente extensão das fazendas pantaneiras,

algumas delas com superfície igual à de pequenos países europeus.

Em muitas dessas propriedades sobressaem as sedes monumentais,

que fazem lembra as casas grandes da época colonial (p. 43).

Dentro dessas fazendas, a criação de gado impulsionou o surgimento

de atividades complementares, como o fornecimento do couro para exportação,

importante destacar que houve um período em que o couro valia mais que a carne. Em

sendo um dado momento da trama, José das Neves reclama com sua mulher sobre essa

situação:

- No tempo do meu pai as coisas eram mais difíceis, não tinha nada

aqui e o couro valia mais que carne.

Além do couro, havia a produção de charque para o mercado nacional.

Surgem assim, as grandes fazendas na região, como as de propriedade da personagem

Malamud (“Desejo Selvagem...” imagem 36) e a de Chico Ribeiro (“Pantanal de

Sangue” imagem 37), hierarquizadas, com a casa grande (a sede da fazenda), os currais

e a parte destinada aos roceiros (são trabalhadores das fazendas que recebem uma

pequena porção de terra para produzir o seu sustento). Essa forma de estruturação

fundiária restringiu o acesso do trabalhador às terras pantaneiras, restando-lhes inserir-

se nas fazendas para garantir sua sobrevivência (BANDUCCI JR. 1996).

Essas atividades relacionadas com a lida do gado são representadas

em “Pantanal de Sangue” e “Desejo Selvagem”. A apartação, bagualeação e a carneada

estão presentes em diversos momentos da trama.

Devido a predominância do modelo ultra-extensivo de criação de gado

nas planícies pantaneiras (uma prática adotada por Chico Ribeiro, Malamud e, em

menor escala, por José das Neves), muitas reses são criadas soltas nos fundões dos

campos e acabam adquirindo um conjunto de características que as tornam “selvagens”,

ariscas e hostis, por esses motivos os pantaneiros as chamam de “bagual”. Com isso,

89

surge uma das principais atividades pantaneiras, a bagualeação. Essa atividade, “é

realizada por um grupo de vaqueiros corajosos e destemidos, acostumados a enfrentar

o perigo sem nenhum medo” (NOGUEIRA, 2002, p. 94), por vezes constitui-se numa

atividade realizada pela “comitiva bagualeira”. Entretanto, José das Neves, integrado ao

seu ambiente, constituído de paisagens áridas, formadoras de um sentimento de solidão

e vacuidade, repleta de campos abertos, como um “cavaleiro errante”, desempenha essa

empreitada de modo corajoso esolitário, como fora ilustrado no início do tópico 3.1

deste capítulo.

Imagem 36. Vista aérea da fazenda de Malamud (Desejo Selvagem...).

Tempo: 7’05”

Imagem 37. Peões na sede da Fazenda de Chico Ribeiro (Pantanal de Sangue).

Tempo: 28’32”

90

Trazer o gado para o curral que fica próximo à sede da fazenda, é

sempre uma atividade perigosa, que exige coragem do bagualeador, mas apesar dos

riscos é encarada por muitos como um momento idílico de prazer no cotidiano

pantaneiro. Veja o depoimento de um bagualeador do pantanal da Nhêcolandia:

Bagualhiação é uma divertição pru piau... É pirigosu purque de repenti

eli sai correndu uma reis, sozinhu, eli roda, u laçu serra nu pescoço,

serra um braçu o serra um dedo cumu contece issu aqui ó. Essi dedu é

toradu cum laçu, óia cumu eli é... (apud. NOGUEIRA, 2002, p. 97).

Ao tentarmos identificar uma dada concepção paisagística sobre o

pantanal, esse depoimento nos fornece ao menos duas características interessantes para

nossa análise. Uma se restringe ao relato de uma atividade pertencente ao cotidiano

desses homens e que é desenvolvida em sua espacialidade há séculos, uma atividade que

rompeu com as barreiras do tempo e do espaço, fragmentos de um passado re-

significado no presente. Os fatos históricos, assim como o território em seus processos

de produção e reprodução, o presente acaba acumulando de forma desigual

temporalidades diferentes, tanto material como imaterial (SANTOS, 1997). Há também

outro elemento constituidor da paisagem: o léxico. De acordo com alguns pesquisadores

o léxico concebido como o nível da língua é um importante documento para se analisar

como um povo vê e representa a “realidade” que vivencia cotidianamente. Os valores de

um grupo social, suas crenças e costumes são atestados por seu vocabulário, que por sua

vez, renova-se e transforma-se à medida que atuarem sobre ele fatores geográficos,

históricos e culturais. Assim,

[...] o vocabulário utilizado por uma comunidade lingüística reflete as

diferentes idiossincrasias que marcaram a formação étnica dessa

comunidade. A formação do povo sul-mato-grossense, por exemplo,

resultou do caldeamento das populações nativas com os diferentes

povos que apontaram nesse espaço geográfico, desde o início do

processo de colonização e de povoamento da região: imigrantes

portugueses, espanhóis, paraguaios, bolivianos, japoneses, árabes, e

migrantes oriundos de diferentes estados da federação [...] Em

decorrência disso, a linguagem do homem sul-mato-grossense reflete

esses amálgamas culturais, característicos de um estado que nasceu

sob o signo da imigração (ISQUIERDO, 2003, p. 165-166).

Ao elaborarmos uma possível leitura paisagística da região, não

podemos nos prender apenas aos aspectos naturais do pantanal que, por ventura, são

bem característicos, é preciso expandir as fronteiras da ciência e incorporar os

elementos constituidores do existir humano, do seu “modus vivendis”. Cultura,

91

identidade e cotidiano entrelaçados pelas especificidades do espaço geográfico em que

estão inseridos.

Voltando às atividades cotidianas do espaço pantaneiro, após reunir o

gado nos currais das fazendas de Malamud (imagem 38), as novilhas são reunidas e

levadas por uma comitiva até o comprador. Inicia-se com isso, outra atividade ligada à

criação de gado, a apartação.

Imagem 38. A boiada de Malamud (Desejo Selvagem...).

Tempo: 56’56”

A apartação é uma atividade cansativa que consiste em apartar os

animais para ferrear ou fazer a marcação (para marcar o gado, comumente, utiliza-se um

instrumento com um cabo de madeira e um terminal de ferro, onde é incrustada a marca

ou emblema da fazenda). É o que acontece com o gado trazido por José das Neves para

ser vendido ao Sr. Reis, além da marcação é preciso vacinar e castrar o gado (imagens

39 e 40). Para a realização da seqüência, o diretor Reynaldo Paes de Barros e o seu

Fotógrafo Antônio Meliande utilizaram de vários planos, com diferentes angulações e

closes, com o intuito de representar a dinamicidade dessa prática. O montador, o

veterano Mauro Alice, realizou os cortes certos atribuindo à seqüência um ritmo

frenético.

Quase quatro décadas após sua filmagem, é nítida a sensação da perda

da identidade regional pantaneira, que surge cada vez mais fragmentada devido a

incorporação de novos ritmos e de um novo tempo, carregado de simbolismos e valores

que destoam daqueles vistos durante a narrativa. Assim como as comitivas que

transportavam para outros Estados pelos campos alagados do Pantanal, e por trilhas e

92

estradas de terra durante vários dias, enormes boiadas, determinados valores sociais e

lógicas socioeconômicas que não são territorialmente pantaneiros foram introduzidos.

Provavelmente não há mais o isolamento proposto, principalmente, no filme “Pantanal

de Sangue” e a identidade fica como um fragmento de um tempo que tem que ser

preservado para que possamos compreender o presente e pensarmos no futuro. Essa

preservação deve ir muito além da caricatura, dos estereótipos e do fetichismo e, nisso,

com certeza, o cinema popular tem muito a contribuir nessa leitura geográfica.

Entretanto, “mudar não significa necessariamente abandonar ou perder os valores e

referenciais legados pela tradição. Pelo contrário, é através desses parâmetros

tradicionais que se estabelece o diálogo com os novos elementos introduzidos no

cotidiano de uma sociedade” (BANDUCCI JR., 2008. P. 05).

Imagem 39. Marcação (Pantanal de Sangue).

Tempo: 12’06”

Das fazendas de criação o gado era conduzido pelas comitivas (que

são contratadas e destinadas para este fim), até o seu destino final (imagem 41).

Durante muito tempo, ouvi-se nas chamadas “estradas boiadeiras” o som do berrante do

boiadeiro conduzindo a boiada. Em marcha lenta e à mercê das intempéries da natureza

e do perigo da contaminação do gado por doenças, a boiada seguia organizada pelos

peões que exerciam diferentes funções e possuíam entre si certa hierarquia. Como as

distâncias percorridas eram, por vezes, demasiadamente longas, muitas reses

emagreciam, perdiam peso significativo, o que influenciaria de forma significativa no

momento da apartação.

93

O depoimento de um boiadeiro de comitiva ajuda a reforçar essa idéia:

“Eu já sai daqui da Nhecolândia, fui batê nu interior de São Paulo, 66 dias viajandu,

tocandu boi, até chegá au distinu” (apud. NOGUEIRA, 2002, p. 107).

Imagem 40. Castração (Pantanal de Sangue).

Tempo: 12’10”

Imagem 41. A Comitiva (pantanal de Sangue).

Tempo: 46’34”

Ao chegarem ao curral do Sr. Reis (imagem 42), o gado é reunido e

posicionado para passar pelo brete do curral onde ocorrerá a apartação.

José das neves encontra-se com Miguel que, desapontado com a

apartação diz:

94

- Acabei de entregar a minha boiada, apartação ruim demais. O reis

refugou quase 100 cabeças.

(José das Neves) – Ele tá querendo só cabeceira?

(Miguel) – Mas a gente precisa vender, né?

Imagem 42. Boiada reunida no curral do Sr. Reis (Pantanal de Sangue).

Tempo: 48’30”

Após essa conversa, José das Neves e o Sr. Reis se posicionam e, após

o sinal do comprador, o peão começa a encaminhar os animais para o corredor do brete

(“lá vai boi” imagem 43), bem abaixo dos pés do comprador e do dono da boiada. As

novilhas que forem de interesse serão destinadas à boiada, ou seja, serão compradas e as

demais, destinadas ao curral (ou seja, o refugo) e voltará para “casa” com o seu dono.

Assim, tem-se início à apartação: Utilizando-se de uma plongeé (angulação que

posiciona a câmera filmando de cima para baixo), os animais começam a entrar e o Sr.

Reis faz a classificação (imagem 44):

(Entra a primeira novilha) – refugo; refugo; refugo; boiada; refugo;

boiada; refugo...

Descontente, José das Neves retruca:

- Pára, assim não dá não. Pode soltar.

(Sr. Reis) – Mas o que há, José?...Se eu não estivesse aqui quem é que

iria comprar a sua boiada?

(José) – Eu prefiro passar fome do que vender para você.

95

Imagem 43. Boi no brete (Pantanal de Sangue).

Tempo: 48’50”

Imagem 44. José e Sr. Reis na apartação (Pantanal de Sangue).

Tempo: 48’37”

(Reis) – A minha apartação é uma só, José... E a sua boiada está meio

sentida.

(José) – Culpa sua, você que pediu para trazer os bois até aqui, são

dois dias de marcha. Tá desfeito nosso acordo, pode soltar a boiada.

O Sr. Reis, temendo perder a boiada pede insistentemente que José

reveja a sua decisão:

- Calma José. O que você quer?

(José) – Tenho 300 bois aí, você vai ficar com 250, senão, nada feito!

Seu mineiro miserável.

96

A apartação recomeça e o mineiro comprador atende as ordens de

José.

Essa era uma atividade recorrente no cotidiano pantaneiro, faz parte

da paisagem local e se insere dentro de um contexto sócio-espacial específico. Com a

implantação de vias de transporte, os currais de aparte passaram a ser instalados

próximos a essas vias (principalmente a férrea). A pecuária de corte, de fato, é a base

econômica do estado. O gado criado no Pantanal, por ser magro, destina-se,

principalmente, para a engorda e abastecimento dos grandes centros consumidores da

região sudeste do país.

ABREU (2003) acrescenta que:

O gado magro mato-grossense, pelo menos até a década de 50,

destinava-se aos locais de engorda e frigoríficos paulistas, localizados

no Oeste Paulista, principalmente nas intermediações de Andradina e

Araçatuba (atingidas por meio da ferrovia). Além disso, também

contribuía com a balança comercial de exportação, atendendo,

segundo Corrêa (1995, p. 115), preferencialmente os mercados do sul

do país e da região do Prata, com a produção de carne através das

charqueadas, que representavam, no dizer do autor, uma dependência,

nas primeiras décadas desse século, dos produtores mato-grossenses

com relação aos saladeiros que beneficiavam a carne e os couros

salgados e que, em grande parte, pertenciam a grupos estrangeiros (p.

270-1).

A pecuária de corte, base da economia mato-grossense, era realizada

como uma atividade complementar àquelas realizadas nos grandes centros. Aqui, se

criava o gado, sua carne e o couro eram destinados e beneficiados em outras regiões do

País com maior aparato tecnológico. Essa característica desse modelo produtivo está

presente na fala de José das Neves e Felipe. Ao se depararem com curral repleto de bois,

se impressionam com a quantidade e José das Neves diz:

- “Pois é compadre, tanto boi e tanta carne pra paulista comer!”

(risos).

A implantação da NOB (Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a partir

de 1905), estrategicamente idealizada pelo Governo Federal, uma forma de efetivar a

ocupação geopolítica da frágil fronteira oeste do país, que anteriormente havia sido

projetada para ligar a capital de Mato grosso, Cuiabá, á São Paulo, teve seu trajeto

original alterado. Agora, o traçado seria Bauru-Corumbá, cortando toda a região onde

hoje está localizado o estado de Mato Grosso do Sul, no sentido leste-oeste e um ramal

que faz a ligação com a Bolívia. Essa estratégia geopolítica intensificou a integração

econômica do sul do estado com a região sudeste, alterando toda a hierarquia e a

97

organização espacial até então existente. Com o tempo, Cuiabá deixou de ser o centro

das atenções e Campo Grande passou a ter mais destaque no cenário político-econômico

mato-grossense.

Esse novo arranjo espacial possibilitou o desenvolvimento econômico

de outras regiões do Estado, como Três Lagoas, Água Clara e Ribas do Rio Pardo.

Essas transformações intensificaram a organização dos movimentos separatistas. A

porção sul queria ter autonomia para garantir a sua soberania. A implantação da ferrovia

ratificou uma economia já existente, a exportação de carne para o Sudeste e, ao longo

do seu trajeto, grandes fazendas e currais de apartação foram sendo instalados.

Assim, gado e terra (hora descoberta, conquistada, desbravada e,

agora, disputada) são os elementos que revelam as relações conflituosas existentes entre

as personagens que se movimentam pelo espaço fílmico nas tramas onde a questão

fundiária configura-se como o ápice da narrativa. Esses conflitos, como veremos a

seguir, apresentam múltiplas facetas e personagens. De um lado, Malamud (“Desejo

Selvagem...”) e Chico Ribeiro (“Pantanal de Sangue”), latifundiários com seus jagunços

matadores, afoitos para expandir suas terras, do outro lado, os poceiros, os ribeirinhos e

os pequenos proprietários de terras como José das Neves e Miguel (“Pantanal de

Sangue”). E ainda, numa terceira face, a Justiça, que nos dizeres de José das Neves,

“encontra-se a 10 dias de distância, em Cuiabá”.

É nesses distantes e isolados rincões do interior do Brasil, que a

inabalável calmaria das personagens é afetada pelos mandos e desmandos dos coronéis

e pela brutalidade do sertão, que acabam configurando as circunstâncias existenciais de

tais indivíduos.

Nessa “terra de ninguém”, permeada pela barbárie e a espera de

alguém para dominá-la e civilizá-la, “um lugar de passagem”, segundo ABREU (2003),

mas também um esconderijo, uma área de fuga, berço da ilegalidade e da “indústria da

pistolagem”, onde vigoram a chamada “Lei do 44”, surgem dois repórteres, o olhar

estrangeiro, “o de fora” que vieram trazer justiça e civilidade, pertencentes a uma outra

espacialidade, permeadas por práticas sócio-espaciais distintas que não sabem o ritmo e

a gravidade dos acontecimentos, indignados (na verdade, por indignação do chefe da

redação que ordenou que eles viessem fazer a reportagem – “de hoje em diante vocês

vão ficar na cola dessa tal Mônica Melato 24 horas por dia, todos os dias.

Entenderam?”) com o misterioso assassinato de Ruy (marido de Mônica em “Desejo

Selvagem....”). Desembarcam na fazenda do principal suspeito, Malamud.

98

Malamud sonha em construir um império onde a sua vontade seja lei,

com a ajuda de seus capangas (homens aventureiros e violentos), relata aos jovens

repórteres suas proezas, conta como conseguiu chegar até aqui e quais serão as suas

novas investidas.

- Eu vou lhe contar a história mais espetacular que já ouviu. Você vai

fazer uma grande reportagem, será a maior reportagem da tua vida.

Malamud faz pose para fotos e prossegue:

- Meu nome é Abraão Malamud, eu sou um homem poderoso, muito

poderoso. Minhas terras na região é maior que muitos países por aí. Ele foi constituído

a partir do nada [...] a partir de pequenas faixas de terras nas margens do Rio

Paraguai.

- Cresci roubando, me introduzi na grande rede do contrabando

internacional grilando terras dos outro e... Matando!

Assustado o repórter indaga:

- Matou, matou um homem?

E com um cinismo retumbante, Malamud completa:

- Matei, mas não uso, matei muitos. Nunca contei, mas vai sempre de

acordo com as necessidades. Principalmente posseiros e ribeirinhos. 20 anos de muito

sacrifício.

Para Malamud, os ribeirinhos aparecem como um problema, um

empecilho para os seus objetivos. Tem a convicção de que terra boa é terra livre, sem

seres, sem conteúdo humano. Assim, já no início, logo na primeira seqüência do filme, a

violência, a tensão e a morte são apresentadas como a solução possível encontrada para

“eliminar” o “problema”. Num pequeno barco a motor, três capangas de Malamud

navegam próximo às barrancas do Rio Paraguai. Ao avistarem uma cabana lançam uma

banana de dinamite sobre a rústica morada e matam uma família de ribeirinhos que

habitavam aquele lugar (imagens 45 e 46).

- Vou pegar a bomba, heim? Prossegue:

- Malamud é um Homem bom, deu tempo para vocês mudarem.

Em seguida, quebram todos os móveis da pequena casa e espancam o

patriarca da família.

Esses seres ribeirinhos são intimamente ligados à terra. Para eles,

deixar ou perder o seu território é sinônimo de desaparecer ou o mesmo que a perda da

identidade. Como nos diz SOUZA (2003), o território é o substrato que fundamenta

99

não só a vertente econômica das relações, mas também seu viés simbólico e cultural de

determinado grupo. Em suas palavras:

Em qualquer circunstância, o território encerra a materialidade que

constitui o fundamento mais imediato de sustento econômico e de

identificação cultural de um grupo, [...] O espaço social, delimitado e

apropriado politicamente enquanto território de um grupo é suporte

material da existência e, mais ou menos fortemente, catalisador

cultural-simbólico – e, nessas qualidades, indispensável fator de

autonomia (p.108).

Imagem 45. Banana de dinamites (Desejo Selvagem...).

Tempo: 1’08”

Imagem 46. Explosão da cabana (Desejo Selvagem...).

Tempo: 1’28”

100

Trata-se, portanto, de um território carregado de uma identidade,

possuidora de um sentimento de pertencimento, esse território configura-se como o

lugar de sua residência e onde ocorrem as trocas materiais e espirituais inseridas dentro

de um contexto sócio-espacial cotidianamente vivenciado e experimentado. “Tudo o que

fere a terra, fere os filhos da terra”, nos adverte Martino em “Desejo Selvagem...”.

Em sua empreitada, Malamud tornou-se o grande usurpador dessas

identidades/territorialidades simbólicas e geográficas, muito mais do que um espaço

cartografável, tomou o espaço de realização da vida desses seres. Intensificou suas

práticas aproveitando-se da ausência da figura do Estado e favorecida pelo fato de se

encontrarem, essas terras e seus povos, em lugares tão distantes, ermos e despertencidos

de civilização.

Em seguida, ainda na sua auto-confissão, relata que para continuar

expandindo seu império terá que matar também a viúva de seu vizinho, Mônica. Suas

terras são vastas e despertam a cobiça do coronel. Com isso, a selvageria e a violência

passam a ditar o tom da narrativa fílmica. Ao terminar a entrevista, Malamud ordena

que seus homens “desapareçam com os repórteres e profetiza:

- A guerra vai começar.

Há um corte na seqüência, entra a cena, em close, de um dos

repórteres com os pés e mãos amarrados e com um revólver apontado para a sua cabeça.

Essa imagem simboliza a instauração da “República do 44” (imagem 47). A arma de

fogo, exposta de forma que todos possam vê-la, denota que a violência acompanha a sua

trajetória. Matar ou ser morto, eis a questão.

Imagem 47. Repórter com a arma na cabeça (Desejo Selvagem...).

Tempo: 83’17”

101

Sobre a violência armada, tão presente nas duas tramas, encontramos

na obra do historiador sul-mato-grossense Walmir Batista Corrêa (1995, p. 26), uma

importante contribuição:

A sociedade mato-grossense caracterizou-se desde os seus primórdios,

de maneira praticamente generalizada, por relações de violência. Isto

se explicou em função de uma série de fatores que envolveram todo o

seu processo de ocupação desde os primeiros contatos com a terra

(implicando na luta contra a natureza, com os seus primitivos

habitantes e com os súditos espanhóis), até a exploração e o

povoamento dos seus núcleos mineradores. A violência como um

componente inerente às bases dessa sociedade, refletiu-se também de

maneira clara e intensa na esfera da política mato-grossense como

uma herança da estrutura de dominação colonial que se estendeu até

meados do século XIX.

Assim, enquadrados em uma terra sem lei, parece não haver espaço

para mocinhos nem bandidos, visto que, até a pacata personagem de Sônia Saeg (a

“bugra” de “Desejo Selvagem...”), após ser violentada pelos capangas de Malamud,

inicia uma verdadeira caçada sangrenta, assassinando de forma brutal os homens que a

estupraram (imagem 48). Qual o sentido de justiça existente nessa atitude? Não teria

sido melhor encaminhar o caso às autoridades em Campo Grande? Outra questão

pertinente: Quando o homem branco aportou em terras brasileiras ele destruiu e se

apoderou das riquezas e da cultura nativa, nesse sentido, é válido dizer que a atitude

violenta de molestar a personagem “bugra”, ícone da miscigenação do branco com o

índio, seria uma forma de representar (com outra roupagem) essa invasão introduzida

pelo não-índio nos primeiros séculos da colonização?

Sob essas perspectivas, não seria incorreto ler, a partir do título

atribuído às obras “Pantanal de Sangue” e “Desejo Selvagem – Massacre no Pantanal”,

um aspecto formulador de sentidos metafóricos da própria condição de vida e existência

desses homens pantaneiros, mediante os desafios a serem superados na sua corrida

diária pela sobrevivência?

Para além dos estereótipos criados, as personagens das obras são

retratadas como dramatis persone de uma região legalmente sem fronteiras marcada

pela brutalidade do sertão.

102

Imagem 48. A vingança da bugra (Desejo Selvagem...).

Tempo: 27’20”

Voltando a trama, Malamud, a bordo de seu mono-motor voa em

direção a fazenda de Mônica, o enfrentamento entre as duas famílias mais poderosas da

região é o ponto alto da trama. A presença de aviões e rádios-transmissores nas fazendas

nos indica que o distanciamento e o suposto isolamento foram em certa medida

suplantados, algo bem diferente do que acompanhamos em “Pantanal de Sangue”.

Tigre, homem viril, alerta, misterioso e predestinado, apesar de já ter prestado serviços a

Malamud, em nome da justiça, parte em seu avião para defender Mônica dos ataques,

mas antes consegue avisar as autoridades em Campo Grande sobre o conflito sangrento

que está para iniciar no coração do Pantanal.

Ancorado na cinefórmula do herói que salva a moça indefesa das

garras do inimigo, Tigre consegue, com a ajuda do exército, conter os homens de

Malamud. Após os conflitos, diante do pôr do sol no horizonte pantaneiro, Tigre e

Mônica se beijam, selando a paz no pantanal.

Nessa seqüência do filme, é possível notar a atuação de uma produção

empenhada que, apesar do filme não inovar com relação ao desfecho da trama,

conseguiu realizar um bom número de tomadas aéreas e a participação do exército com

todo o seu efetivo, armas, veículos e instrumentos militares (imagem 49). O fotógrafo e

o diretor optaram por utilizar closes dos “combatentes” e o zoom (efeito ótico pelo qual

a imagem se aproxima da lente sem que a câmera se desloque), bem como, as

abrangentes panorâmicas, utilizadas, principalmente, para ilustrar o desembarque das

103

tropas. Os cortes rápidos criaram um clima de tensão e a montagem seguiu o ritmo da

música, um ingrediente imprescindível para esse tipo de seqüência.

Ancorado numa outra perspectiva, não só ótica, mas moral, os

confrontos fundiários em “Pantanal de Sangue”, parecem pertencer a outro momento

histórico e atemporal. Partimos de uma aventura romanesca rural, pontuada por

conflitos e situações amorosas, para uma trama permeada pelos símbolos clássicos do

“western” norte-americano, entretanto, transplantados para nossa realidade, o que

alguns pesquisadores classificam de “western feijoada”.

Imagem 49. A chegada do exército (Desejo Selvagem...).

Tempo: 91’38”

O chamado “Western Feijoada”, um dos gêneros mais cult e

marginalizados do nosso cinema, teve uma produção significativa nos anos 60 e 70 e foi

encabeçado pelos diretores e produtores radicados no cinema da “Boca do Lixo”. Os

“Westerns Feijoada”, também conhecidos como Faroestes Rurais, são filmes de

aventuras ambientados em áreas pouco urbanizadas, “dos cerrados paulistas aos

pampas gaúchos, passando pelo pantanal mato-grossense e indo até – por que não? – o

México” (PEREIRA, 2002, p. 63). Uma espécie de recriação abrasileirada dos sucessos

produzidos na Itália e nos Estados Unidos, trabalhando com seus estereótipos e

fórmulas narrativas. Paisagens naturais insólitas, coronéis, bandidos e pistoleiros são os

ingredientes principais dessas obras (PEREIRA, 2002).

E todos esses elementos permeavam o imaginário social a respeito do

então longínquo Oeste Brasileiro. O coronelismo como elemento catalisador do cenário

104

político dessas regiões forjou o aparecimento de um “coronelismo guerreiro”, que teve

como bandeira de atuação a política do mando e das armas, e, na contrapartida,

impulsionados por esse modelo de gestão do território, acompanhou-se o surgimento de

um banditismo endêmico que aglutinava vários setores da sociedade local,

principalmente àqueles que ficaram à margem do sistema: os agregados, os posseiros e

os camponeses sem terra. “A existência dessa violência institucionalizada na região,

resultou, portanto, de uma relação de causa e efeito com a existência de um

coronelismo guerreiro e de um povo armado” (CORRÊA, 1995).

Estes foram algumas das características que atraíram os olhares de

muitos pesquisadores e cineastas para a região. Nesse sentido, a região pantaneira,

enquanto lugar-palco para a realização dessas obras, possibilitou a ampliação das

formas de compreensão e entendimento existentes acerca da “realidade” local, visto

que, esse produto cultural apontava para uma dada visão da paisagem e do território

pantaneiro e sul-mato-grossense.

Essas concepções são reforçadas pelas frases publicitárias que foram

utilizadas durante o lançamento comercial do filme “Pantanal de Sangue” nos cinemas.

Vejam:

“Um faroeste brasileiro autêntico, filmado no selvagem PANTANAL

DE MATO GROSSO!”

“Um filme de ação e violência, diferente de tudo que você já viu antes

no cinema brasileiro!”

“A estória da vingança sangrenta de um homem, ambientado no

cenário inigualável do PANTANAL!”

“Um filme épico, que retrata uma região genuinamente brasileira e

másculo como os homens que a conquistaram!”

“A epopéia dos desbravadores do PANTANAL, de suas lutas e de suas

paixões!”

“Ação! Violência! Emoção! – em deslumbrante colorido.”

Essas frases foram extraídas do press-release do filme e ajudam a

traçar um panorama de como a região centro-oeste brasileira era arquitetada pelo

imaginário social daquele momento. A fronteira do sertão, clamando por um “processo

civilizador”, embasado por ideais evolucionistas e positivistas, objetivando integrar toda

essa região (desde os tempos de Getúlio Vargas com a Marcha para o Oeste) e amansá-

105

la. Segundo Galetti, esse projeto alicerçado pelo determinismo geográfico ocorreu a

partir de:

um conjunto de representações que, elaboradas segundo uma visão

etnocêntrica e evolucionista da história, desempenhariam um papel

fundamental na constituição de Mato Grosso como região, espaço

social e natural dotado de especificidades e sinais distintivos em

relação a outras regiões do país e do mundo. As marcas desta

distinção, adiantamos, remetem, sobretudo à idéia de fronteira –

simultaneamente como espaço simbólico, onde se localizam os limites

entre barbárie e civilização, e área geográfica vista como reservatório

de recursos econômicos e vazio populacional que é imperativo

conquistar, povoar, explorar, colonizar (1999, p. 01).

Essa visão de Pantanal como inóspita, selvagem, ao mesmo tempo

paraíso, com a violência e terra sem lei. Visões fundadas numa forma de construção

daquela espacialidade, mas que tende a negar, para os que estão do lado de cá da

fronteira, que o projeto civilizador que aqui se concentra, lá também ocorre. Que a

violência bárbara que aqui se apresenta lá também se encontra. Esses filmes, por mais

que sejam obras de diretores que viveram nesse além fronteira, são frutos de um olhar

hegemônico dos que se encontram do lado de cá. Outra questão daí decorre, essas obras

podem ser possíveis catalizadores das falas do além fronteira, ou são apenas o nosso

eco? A resposta da geografia pode ser um instaurar a interpretação delas a partir do

lugar em que elas tomam sentido paisagístico mais dinâmico e não tão estereotipado.

Utilizando-se desses elementos, Barros construiu a trama de

“Pantanal de Sangue”, em torno dos conflitos fundiários vividos por José das Neves e

seu vizinho Miguel, entremeados por paisagens idílicas e selvagens, daquilo que se

instituía como pantanal.

José das Neves é um antigo morador da região, um vaqueiro

acostumado e integrado ao modo de vida pantaneiro, sério, honesto, tem predileção

pelos vastos horizontes e os grandes planos de conjunto, que delatam a sua íntima

ligação com os fenômenos da natureza, tem sua rotina abalada quando Miguel, seu

vizinho, vem-lhe relatar as atrocidades cometidas pelo mais novo e autoritário

fazendeiro da região, o baiano Chico Ribeiro.

Ribeiro quer se apoderar das terras de Miguel, nem que para isso

tenha que se utilizar dos dispositivos e dos autos da “Lei do 44”.

(Felipe, peão de José das Neves) – Sempre me falaram mal desse

homem. Baiano perigoso, tem muitas mortes nas costas, acostumado a roubar terras

106

dos outros. O senhor tá vendo, não faz nem um ano que comprou essa fazenda e esta

procurando sarna pra se coçar.

Tranqüilo em sua consciência, Ribeiro declara a José das Neves em

uma conversa na sede de sua fazenda, que a sua iniciativa de aumentar os limites da sua

fazenda são legais e amparados pela lei. Segundo Ribeiro, as demarcações feitas

anteriormente não condizem com o que lhe é de direito, haja vista, que ele é o maior

fazendeiro da região e por isso tem esse direito.

Inconformado, José resolve tomar partido da situação e encaminhar,

mesmo desencorajado por sua mulher Ana, à Delegacia de Terras do Estado em Cuiabá,

uma carta advertindo sobre as irregularidades cometidas por Chico Ribeiro. Observa-se

no desenrolar da trama, um curto período de trégua que abre brecha para a

representação das atividades cotidianas dos homens pantaneiros, como a lida com o

gado, as atividades domésticas exercidas por Ana e sua ajudante Cali e para os

momentos de lazer e descontração entre os peões em suas rodas de “prosa”. Que, por

sua vez, são elementos norteadores de uma dada visão de paisagem.

Certo dia, o tão esperado telegrama de Cuiabá com a resposta e a

notificação que será aplicada contra Chico Ribeiro é entregue na fazenda de José.

- Graças a Deus! Exclama Ana.

- O governo ajuda a gente de vez em quando. Completa Felipe.

Nesse ponto, percebemos algumas diferenças com relação à trama de

“Desejo Selvagem...”, diferentemente do que ocorre no filme de David Cardoso, aqui o

isolamento, o sentimento de vacuidade, de vastidão e desassistência é infinitamente

maior. Não há meios de tele ou rádio-comunicação ou transporte e a influência de

centros urbanos. A presença da figura do Estado e da Justiça além de se encontrarem a

10 dias de distância, como nos adverte José, eles só apracem no filme por meio de um

telegrama, não ocorre na trama um episódio que mostre a atuação do aparato político

governamental a favor das vítimas da “Lei do 44”. Essas características estão de acordo

com os princípios norteadores que integravam o imaginário social da época e que serviu

de referencial para Reynaldo construir a trama, a existência de um Brasil distante,

repleto por paisagens selvagens e idílicas, com homens brutos e violentos perambulando

por uma terra sem lei e civilidade.

Entretanto, essa trégua nos rincões pantaneiros é ilusória, logo na

primeira oportunidade Chico Ribeiro retribui a ação movida contra ele, mas não por vias

legais. A violência eclode num ritmo crescente e sangrento que levará os rivais até a

107

morte. Após os jagunços de Chico violentarem e assassinarem Ana, José e Felipe

partem para o confronto final (imagem 50).

O latifundiário e seus capangas são abatidos por José e seu

companheiro Felipe, que está ferido e desacordado. Voltam para casa (Zezinho e Cali

estão a sua espera) numa cena clássica de um autêntico “western” cavalgando no lombo

de seu cavalo pelas terras selvagens e isolados do longínquo Pantanal (imagem 51).

Imagem 50. Confronto na fazendo da Chico Ribeiro (Pantanal de Sangue).

Tempo: 81’40”

Imagem 51. Desfecho da trama (Pantanal de Sangue).

Tempo: 87’27”

De certa forma, a trama de “Pantanal de Sangue” enfoca assim a

matriz do processo histórico que contribuiu com a concentração do poder e da injustiça

108

social a partir da distância do Estado em assumir suas responsabilidades para com a

resolução dos problemas, permitindo, desta forma, que se perpetuassem a desigualdade

social e a marginalização das classes menos favorecidas.

Como podemos observar, a paisagem local (planície pantaneira de

inundação), se afirma como o ponto nodal para o desenvolvimento das tramas, por

provocar o entrelaçamento entre o substrato concreto sob o qual se instala todo um

conjunto de relações e interações, com o denominado “mundo vivido” (ou o espaço para

a realização da vida), destacando os conflitos existentes entre os indivíduos e o lugar.

Entretanto, com um olhar mais atento para a forma como, esteticamente, essas obras

foram concebidas, há diferenças significativas quanto à forma e o olhar lançado sobre

essa paisagem.

Talvez não seja possível estabelecer uma compreensão estética e

contextual dos filmes analisados, a partir de uma concepção mais clássica de Geografia,

arregimentada exclusivamente por uma linguagem academicistas e dicotomizada que

privilegie os elementos físicos da paisagem, uma vez que a concepção e a imagem

estereotipada que temos de pantanal hoje, com seus pássaros e jacarés, com suas lagoas,

salinas, cordilheiras, capões, vazantes e corixos, estão presentes, e mais aflorados em

“Desejo Selvagem...”, mas não são os protagonistas das tramas, são elementos, ou

melhor, como já destacamos anteriormente, o substrato que aparece de forma

coadjuvante e complementar, viabilizando a existência desse conjunto de relações

destacadas.

Em “Pantanal de Sangue” os elementos da vida cotidiana do homem

pantaneiro são mais proeminentes que os aspectos físicos e naturais da paisagem local.

Reynaldo Paes e Barros e seu fotógrafo, Antônio Meliande, optaram por apresentar um

Pantanal intimamente ligado às miudezas da vida cotidiana das personagens e das

manifestações da natureza, entretanto, não alheio ao contexto histórico e geográfico,

assim como, do mundo político e econômico em seu conjunto.

No pantanal tudo é novo.

As coisas estão sempre mudando,

cada dia é uma novidade,

a gente vai descobrindo uma florzinha diferente,

um matinho que nasce... (Pantaneiro do Rio Negro, apud NOGUEIRA,

2002, p. 07).

109

A utilização de plano-seqüência26 favorece ao espectador lançar um

olhar mais atento, não somente sobre a trama que se desenvolve, mas, principalmente,

sobre o espaço fílmico em que ela se desloca, uma vez que, não há a interferência direta

do montador querendo impor o seu olhar sobre o que está em foco. Essas tomadas

abertas, destacando o som ambiente da planície pantaneira, a presença sempre constante

com a mata selvagem, o barulho da chuva caindo e enchendo o Pantanal, tentam recriar

no celulóide, as relações intrínsecas existentes entre o homem pantaneiro e seu habitat,

fora os momentos de maior tensão, como os conflitos envolvendo a família de José das

Neves e seus vizinhos, o sentimento de distanciamento do mundo civilizado, o

isolamento e a vastidão do pantanal, a sensação de estarem inseridos dentro de uma

territorialidade que ainda estava sendo construída e conquistada, são as principais

características que possibilitam uma leitura paisagística da obra fílmica.

Outro elemento importante é com relação à apresentação das

personagens e de suas moradas, sempre focadas em planos fechados, como as seqüência

dos peões de José das Neves jantando na varanda de sua casa, a sua relação com a

família, e as seqüências de perseguições e lutas.

Um Pantanal ligado a insondável beleza do ínfimo, envolvido pelo

ritmo da natureza e pelos afazeres do cotidiano (imagens 52 e 53). Em “Pantanal de

Sangue”, as seqüências de maior dinamicidade envolvem algumas atividades como a

caça à onça, na apartação do gado e no confronto final, como já fora devidamente

apresentado, onde a utilização de cortes e seqüências mais rápidas, angulações e

posicionamento variados, atribuem às cenas maior dinamicidade, a custa de uma maior

intervenção do montador, o que acaba por direcionar o nosso olhar.

As imagens contextualizadas do filme tornam-se paisagem, que é a

base na configuração da trama e do próprio lugar. Um lugar único em sua identidade,

mas aberto às múltiplas interpretações possíveis por parte dos espectadores.

26 O Plano é a imagem entre dois corte, ou seja, o tempo de duração entre ligar e desligar a câmera a cada

vez. É utilizado pelo diretor para descrever como o filme será dirigido, é a menor unidade narrativa de um

roteiro técnico. A câmera pode estar parada ou em movimento, podendo-se também alçar a sensação de

movimento através da alternação do foco da lente ou com a lente zoom. O tempo de duração de cada

plano varia com as necessidades dramáticas de cada cena e a preferência do diretor. Segundo relatos de

alguns diretores, na filmagem de um longa-metragem, é filmado a média de 15 a 20 planos por dia. Uma

trama normal – um drama ou uma comédia – tem em média cerca de 600 planos, já num filme de ação

esse número pode ultrapassar os 900. A seqüência seria o conjunto das cenas ou planos. Toda seqüência

possui uma ordem cronológica – início, meio e fim – para os fatos e ações. Já no plano-seqüência o plano

de toda a cena é realizado com a câmera deslocando-se no espaço fílmico – câmera na mão ou travelling –

toda a seqüência ou ação é rodada sem cortes em um único plano.

110

Certamente, não era a intenção do diretor e do produtor realizar um

filme documentário que, dentro das limitações, tentasse representar as formas de vida

existentes na planície pantaneira, e suas características físicas e naturais, o que

justificaria a não exibição explícita e pontual desses elementos que caracterizam a

paisagem pantaneira no filme de Barros.

Imagem 52. Momento de lazer (Pantanal de Sangue).

Tempo: 45’30”

Imagem 53. Chovendo no Pantanal (Pantanal de Sangue).

Tempo: 42’02”

Em “Desejo Selvagem...”, esses elementos e características também

não são pontuados de forma acadêmica, como pode ser observado no documentário “O

111

Pantanal Mato-grossense” (Université Rennes – Castel/França e Unesp/Presidente

Prudente, 1999) dos Professores Messias Modesto dos Passos e Robert Bariou, que foi

concebido não para ser um “documento da verdade”, mas uma fonte imagética de

pesquisa sobre as características físicas, culturais e de localização e extensão da planície

pantaneira, analisada e desconstruída de forma pontual e segmentada em temáticas

diferenciadas, bem como, evidenciar a diversidade de temas de forma mais crítica e

reveladora das práticas e discursos que delineiam a complexidade de tramas e relações

sociais no processo de construção desse território, contudo, analisando

paisagisticamente as imagens contidas no filme de David Cardoso. Como todo bom

anfitrião, a personagem Tigre, pantaneiro nato e solícito com as jovens indefesas, se

oferece para mostrar as belezas naturais do Pantanal à Mônica, recém chegada da

Europa e incumbida de administrar as fazendas do seu falecido marido (imagens 54 e

55).

Repleto de imagens panorâmicas (imagem 56), alguns dos ícones

paisagísticos pantaneiros, ou seja, os elementos e referenciais estereotipados que

permeiam o imaginário social acerca dessa espacialidade, como os tuiuiús, jacarés, as

lagoas e as áreas alagadas, são, dentro das possibilidades, contemplados pelos vôos

diários e pelos passeios de barco realizados por Tigre e pelas “aulas” ministradas a

jovem herdeira. Uma espécie de narrativa paralela aos conflitos se estrutura dentro da

trama principal, com características próximas aos filmes documentais realizados na

época que eram encarregados de elaborar uma espécie de divulgação e apresentação das

características locais, muitas delas segundo os padrões hegemônicos das forças políticas

e econômicas dominantes, tanto localmente quando em nível de administração estadual

e federal. Como numa propaganda do Ministério do Turismo ou como nos guias de

viagens, Tigre e Mônica passam a vivenciar as experiências cotidianas que permeiam a

vida do homem pantaneiro e que contribuem na elaboração de uma dada forma de ler

paisagisticamente essa espacialidade.

- O Pantanal é belo, você precisa conhecer. Tigre é o homem ideal.

Salienta Martino, cunhado de Mônica.

Passeios de barco com direito à pesca. Tigre entusiasma a “nova

pantaneira”:

- Você podia pescar um dourado. (imagem 57).

112

Nos seus primeiros dias na fazenda e instruída por Tigre, presencia

corridas a cavalo, a apartação de gado para venda, a marcação das novilhas, a castração

e, numa imagem chocante, a sangria.

- Tá ficando pantaneira. (Salienta Tigre).

Imagem 54. Localização do Pantanal apresentada no Documentário.

Tempo: 00’51”

Imagem 55. Apresentado os Diques e os Leques Aluviais.

Tempo: 03’40”

113

Imagem 56. Sobrevoando o Pantanal (Desejo Selvagem...).

Tempo: 24’05”

Em “Desejo Selvagem...” o Pantanal é representado numa perspectiva

mais generalista, do alto de seu pequeno mono-motor, espectros de um Pantanal são

pontuados, vinculando-se à uma perspectiva mais clássica de paisagem, ou seja,

evidenciando, ao longo desse momento idílico, selvagem e panfletário do que seria o

Pantanal, seu caráter panorâmico e abrangente do território. Evidentemente, assim como

ocorre em “Pantanal de Sangue”, a cotidianidade das relações sociais e sua interação

com o lugar e a forma como elas foram recriadas dentro do espaço fílmico, também

estão presentes, mas com outro foco e angulação, voltado mais para a grandiloqüência

das seqüências e dos acontecimentos, do que para a miudeza de suas ações.

Imagem 57. Pescaria no Rio Paraguai.

Tempo: 37’15”

114

Partindo da superficialidade de um território e seus agentes, marcados

por uma forma específica de organização sócio-espacial e relacional com os elementos

constituintes do meio em que estão inseridos, é o que nos instiga ao desafio de pensar e

analisar, sob a ótica da ciência geográfica (mas não restrita a sua materialidade e

objetividade formal-acadêmica), as peculiaridades do lugar que estão presentes nas

imagens fílmicas destacadas, evidenciando sua riqueza estética e plástica, abrindo

assim, novas perspectivas para pensar geograficamente a paisagem pantaneira que

existe inoculado nos fotogramas.

Essa capacidade de promover o encontro entre as imagens fílmicas

com a teoria geográfica, procurando estabelecer sentidos lógicos e interpretativos para

aquele rol de imagens, acaba fazendo com que o mundo passe se configurar enquanto

paisagem que expressa a lógica espacial do mundo no lugar em que o homem se

encontra, na interação com o lugar que se observa em seu contexto de escalas e lugares

além do visto e do percebido, ou seja, interagindo o complexo de fenômenos percebidos

e pensados em suas diversas escalas de manifestações. É desse encontro que se

materializa uma dada possível leitura paisagística do Pantanal.

115

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todos esses aspectos, podemos apresentar algumas

considerações relevantes sobre a temática. Sendo assim, é pertinente ressaltar que o

estudo pautado na racionalização científica, portanto, adequado à lógica

formal/conceitual, por mais rigoroso e neutro que pretenda ser, deve levar em

consideração que o rigor discursivo não representa o “real” em sua totalidade, pois

devemos levar em consideração que interpretar o mundo traduz-se em um processo de

contínua recriação.

A Geografia, assim como em todas as disciplinas, entendidas e

classificadas como científicas ou não, tem a configuração de sua existência e essência e

a elaboração dos seus significados e utilidades, submetidos à fuga de seus próprios

territórios, consubstanciados ao longo da história da modernidade. Certamente, não há

Geografia sem que haja a transgressão de suas próprias fronteiras. O reconhecimento

destes territórios científicos (tão rigidamente construídos e demarcados) e a efetivação

de um contínuo diálogo com as demais áreas do saber (científico ou não), promoverão a

democratização dos discursos.

Nesse ponto, o diálogo com outras esferas do saber humano, como no

caso a arte (em especial o cinema), pode contribuir para ampliar os conceitos, indo além

do formalismo e da mera especialização dogmatizante dos mesmos, visto que, arte e

ciência, sensibilidade e racionalidade, interpenetram-se continuamente em todas as

instâncias do processo de criação.

Desta maneira, o geógrafo deve estar preparado para um melhor

aproveitamento e uso de novas linguagens pautadas na imagem, pois produzir

conhecimento geográfico não pode se restringir a conceitos genéricos com que

oficialmente se entende este saber, reduzindo-o a um processo de memorização e

reprodução de palavras e conceitos enrijecidos, e que acabam por se impor à dinâmica

do real.

Assim, escolhemos analisar duas obras fílmicas realizadas na região

pantaneira, que visam contribuir na direção apontada pelos parágrafos anteriores, ou

seja, que através das imagens que a obra fílmica apresentou, narram-se os

acontecimentos do mundo, nisso ele permite aos observadores resgatar as memórias

espacialmente vivenciadas em diferentes momentos, trazendo e requalificando a estas

perante novas experiências, produzindo aí novas memórias por meio de somas,

116

comparação e classificação entre o já vivido, com o atualmente experimentado e

percebido. As imagens fílmicas viabilizam a narração destas experiências

concretamente vividas nos mais diversos lugares, ao estabelecer, por meio do

observador, o resgate, via memória, de um tempo passado para o presente espacial.

Essa é umas das formas mais instigantes de pontuar a possibilidade e a

necessidade de um diálogo maior entre cinema e geografia, exatamente por pontuar a

superação das disputas teóricas entre especialistas e críticos que ora defendem a idéia do

cinema como arte do movimento temporal, e ora como expressão artística das relações

espaciais. Espaço e tempo apresentam profunda interação, e isso fica claro no processo

de construção da memória individual/coletiva dos homens, sendo impossível eleger um

fator em detrimento do outro ao tentar se compreender o sentido da própria vida.

O cinema, ao narrar os acontecimentos enquanto imagem do mundo

estabelece essa possibilidade de falar ao homem no seu presente espacial e temporal,

sendo nestas condições que se dá a construção da existência humana.

O passado só tem sentido num hoje que o interpreta para a construção

dos novos caminhos do ser humano. O passado só toma sentido se ele se espacializa em

acontecimentos, fenômenos, ações e idéias humanas, caso contrário, ele será tão

somente tempo passado. A qualificação desse tempo só se dá via memória que não se

estaciona enquanto lembrança, mas se transformam em imaginário e atos concretos

como expressões espaciais do viver humano.

Caso olharmos aos filmes aqui trabalhados, e não interpretarmos a

espacialidade de suas imagens, estas serão apenas registros temporais de paisagens já

vistas. Depende de nós, qualificarmos a estas para produzirmos narrativas que nos

permitam dar sentido mais rico e profundo à espacialidade de nossa existência cotidiana

atual.

Nesse sentido, iniciamos nossa leitura a partir dos elementos e as

características técnicas do filmes analisados, o que nos permite afirmar, sem nenhuma

conotação preconceituosa ou pejorativa, frente aos recursos hoje disponíveis, certo grau

de precariedade e ingenuidade nas suas produções, entretanto, é notório destacar o

desafio que foi realizar no “meio do nada” um conjunto de longas e curtas-metragens.

Tanto em “Pantanal de Sangue” quanto em “Desejo Selvagem...”, os

enquadramentos, as angulações e as seqüências das cenas deixam claro que houve

poucos cortes, os quais, durante o processo de montagem, acabaram privilegiando dois

ritmos. O primeiro com uma dinâmica mais acelerada, contendo cenas curtas, com

117

diálogos bem marcados, onde aparecem as personagens e seus conflitos dando o tom da

trama, presentes no ápice das duas tramas, e, segundo, mais lento e amplo, na tentativa

de demonstrar o isolamento, o distanciamento com o urbano e a infinitude do lugar

chamado Pantanal que devia ser desvendado pelo “espectador urbano”, principal

consumidor dessas obras fílmicas popularescas.

O isolamento, o distanciamento dos centros urbanos e a imensidão do

território, o sentimento de vacuidade despertado em José das Neves e sua Família e em

Mônica Mellato, egressa das grandes metrópoles européias, surgem constantemente nas

falas das personagens quando abordam o cotidiano e seus afazeres. Essas dimensões

escalares são percebidas frente às relações estabelecidas com Corumbá, Cuiabá, Campo

Grande e São Paulo (o grande centro consumidor do gado criado nos rincões

pantaneiros), da mesma maneira como ocorre com o conhecimento empírico sobre o

ritmo da natureza, das águas, das chuvas, ditando os afazeres, a lida e a organização do

lugar. A sobrevivência tendo como base o conhecimento dos aspectos do lugar e suas

particularidades, é manifestado pela experiência vivida de cada personagem. Como

expressado, “Vai nascer em agosto. No frio [...] O gado está subindo...” (fala de José

das Neves)

As longas tomadas abertas com sons ambientes da planície

pantaneira, a presença sempre constante da mata selvagem, o desejo do menino Zezinho

em ser um caçador, como o pai, assim como angulações de câmara que denotam uma

espacialidade territorial que estava sendo construída, mostra um Brasil que estava sendo

desbravado e conquistado longe dos centros urbanos, mas cujos conflitos sociais

também estavam presentes.

Essas tomadas amplas registram na tela aquilo que se constituía como

o território do estado do Mato Grosso e, por que não, a própria construção do Brasil ao

longo do regime militar. As tramas evidenciam um ideal de desenvolvimento (a partir

das peculiaridades locais, mas baseado nos moldes propostos pelo grande centro) que se

constituem a partir de relações calcadas na violência arraigada nessa sociedade

(lembrem-se da “Lei do 44”), e numa necessidade constante de instaurar novas

territorialidades às custas da eliminação dos menos favorecidos socialmente (como

acontece com os ribeirinhos e posseiros, vistos como barreiras frente ao sentimento

expansionista de Malamud). Entretanto, nos chama atenção o papel importante

desenvolvido por aqueles que se opõe frente a essa violência, que resistem e constroem

outros sentidos para o lugar em que enraízam suas existências.

118

Nesse aspecto, a natureza pantaneira, como idílio e paraíso, fica

subvertida nos filmes pela necessidade de ampliar o poder e as terras (ou o reinado,

como salienta Malamud) que indubitavelmente acompanha as personagens envolvidas

na trama, desde os grandes latifundiários (como Chico Ribeiro e Malamud), passando

pelos vários tipos de trabalhadores (como os capangas desses dois fazendeiros) e

chegando aos confins da planície, marcada pela distância do Estado legalmente

constituído, que, nos dizeres de José das Neves: “encontra-se a 10 dias de distância, em

Cuiabá”.

É nessa terra “sem dono”, a ser construída e conquistada, permeada

pelo isolamento da paisagem pantaneira que surge algo a ser conquistado em nome do

progresso e do desenvolvimento, que se instala o projeto nacional-desenvolvimentista

de integração nacional. Esses elementos são melhor evidenciados na trama de “Desejo

Selvagem...” em que, as referências à urbanidade, aos elementos tecnológicos são

interpretados e incorporados pela trama, como sendo sinônimo de desenvolvimento e

integração. Este filme, em seu conjunto, é a possibilidade de se produzir novos olhares

para o tempo atual a partir de suas injustiças e diversidades espaciais, exatamente por

apresentar a realidade destas enquanto metáforas de imagens prenhes de simbologias em

aberto.

A partir de diferentes perspectivas, na qual, “Pantanal de Sangue”

com um foco mais intimista, centrado na pequenez da vida cotidiana, na integração do

homem pantaneiro com o seu ambiente e com o seu lugar, notadamente demarcado por

características e peculiaridades bem marcantes e específicas, alterna seqüências e

enquadramentos que hora privilegia o íntimo das personagens e o ritmo das águas, hora

amplia o foco e apresenta a fragilidade do homem mediante a imensidão do universo

pantaneiro que o cerca e aglutina e, em “Desejo Selvagem...”, que visivelmente retrata

um período histórico mais próximo, repleto de inovações técnicas para a época e com

um Estado Legalista mais presente, o que viabiliza a diminuição do sentimento de

ostracismo, é permeado por planos e seqüências mais abertas e dinâmicas,

potencializadas pela utilização de grandes panorâmicas e imagens aéreas, quase como

um registro documental das peculiaridades locais (mas aquém da geografia científica),

possibilitam traçar diferentes análises e leituras de como a paisagem e os elementos do

“modus vivendis” local são retratados pelas tramas. As imagens do primeiro filme

possibilitam ler a paisagem pantaneira a partir do lugar e do olhar daquele que vivencia

119

essa cotidianidade e que aprendeu a conviver e usufruir das especificidades que

permeiam essa territorialidade já, no segundo, a leitura paisagística das imagens,

denotam um arranjo mais amplo e aparente, onde a paisagem aparece como a

panorâmica que o olhar abarca, mas que aos poucos, sai do plano superficial e revela ser

permeada por situações e elementos que consubstanciam a sua essência.

Assim, sob um olhar atento, as peculiaridades desse lugar chamado

Pantanal, ecoam na riqueza das imagens presentes nas duas obras fílmicas, nesse

sentido, a estética e a plástica que parametrizam os filmes devem ser absorvidas pelo

espectador geógrafo, a partir de uma noção e compreensão de Geografia que vai além

da materialidade e objetividade proposta pela linguagem formal-acadêmica. Essa

postura é o elemento fundamentador da ampliação do diálogo e das possibilidades de

leitura de outras formas de produção de conhecimento, que não as científicas à luz dos

conhecimentos contemporâneos.

Estes filmes, em seu conjunto, corroboram com a possibilidade de se

produzir novos olhares para o tempo atual a partir de suas injustiças e diversidades

espaciais, exatamente por apresentar a realidade destas enquanto metáforas de imagens

prenhes de simbologias em aberto.

Toda obra cinematográfica narra essa possibilidade de acontecimento.

Funciona como enunciador de nossa memória, de maneira a tomarmos consciência de

que o tempo passado só toma sentido nas formas como o qualificamos em nosso espaço

atual.

Nossa memória não pode ficar condicionada ao passado, ela tem que

se espacializar no hoje, como forma de ser recriada e transformada em novas imagens,

em novas memórias, em outras ações e acontecimentos. O filme é apenas uma

ordenação de imagens que narram este mundo, mas esta narrativa só toma sentido em

cada um de nós, e é através de cada experiência individual que a narrativa toma

contornos de coletividade humana, pois somos nós que temos a capacidade de intervir e

produzir novas possibilidades temporais, novas espacialidades.

120

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DESEJO SELVAGEM – MASSACRE NO PANTANAL (1979, São Paulo). Direção:

David Cardoso; Produção: DaCar Produções Cinematográficas; Argumento e Roteiro:

Ody Fraga; Fotografia e Câmera: Cláudio Portioli; Montagem: Jair Garcia Duarte;

Música: Ronaldo Lark; Locações: Fazendas na região do Pantanal; Elenco: David

Cardoso, Ira de Furstemberg, Alberto Rushel, Hélio Souto, Nelson Morrisson,

Yara,Stein, Sônia Saeg, Lucey Fairfax, Fátima Morgane, Ariane Moura, Wilson Jr.,

Darlan Soares, Miro Reis, Alvino Correia, Carlos Shintomi, Rafael Cifuentes e João

Menino.

PANTANAL DE SANGUE (1971, São Paulo). Direção: Reynaldo Paes de Barros;

Produção: R. P. B. Filmes; Argumento e Roteiro: Reynaldo Paes de Barros; Fotografia:

Reynaldo Paes de Barros e Antônio Meliande; Montagem: Mauro Alice; Música: Remo

Usai; Locações: Fazenda Santo Antônio do Paraíso, Miranda/MS; Elenco: Francisco de

Franco; Milton Ribeiro; Elsa de Castro; Jorge Karan; Salvador Amaral; Rosalvo

Caçador; Walter Vargas; Jean Stefan; Dina Flores; João Fagundes; José Silva; Manuela

Córdoba; Rodolfo Ortiz; Dito Rondon; Ramona Morel; Agenor Angerames; Ivone

Vargas; Ivo Ormai; Milito de Paula; Jeremias Silva.

126

ANEXOS

127

ANEXO 1 – IMAGENS

IMAGEM 1. Cartaz do filme “Selva Trágica”.

Fonte: Cinemateca Brasileira.

128

IMAGEM 2. Cartaz do filme “Caingangue – A Pontaria do Diabo.

Fonte: Cinemateca Brasileira.

129

IMAGEM 3. Cartaz do filme “19 Mulheres e um Homem”.

Fonte: Revista Cinema em Close-up n° 12.

130

IMAGEM 8. Cartaz do filme “Caçada Sangrenta”.

Fonte: Cinemateca Brasileira.

131

ANEXO 2 – LISTA DE FILMES

Apresentamos aqui, um levantamento completo dos registros fílmicos

ocorridos na região do Pantanal, mas tão só as obras que foram devidamente registrados

nos órgãos competentes (como o CONCINE, a ANCINE e o extinto Conselho nacional

de Cinema), tanto os filmes documentários quanto os de ficção (longas, média e curtas

metragens). Optou-se, também, em colocar alguns documentários mais recentes que,

apesar de não possuírem o referido registro, exemplificam novas abordagens feitas do

Pantanal enquanto linguagem cinematográfica, contando com apoio institucional

(órgãos governamentais e universidades) assim como prêmios recebidos em festivais

cinematográficos.

FICÇÃO:

CAÇANDO FERAS, 1936, Rio de Janeiro, RJ. P&b, 35mm, 75 min, gen: aventura.

Produção: Adhemar Gonzaga; Direção: Líbero Luxardo; asd: Antônio Rolando;

Fotografia: Alexandre Wulfes; Argumento: R. Magalhães Júnior; Música: Martinez

Grau e José Maria de Abreu; Cia. Produtora: Cinédia e Lux Film;

Elenco: Barbosa Júnior, Apollo Correia, Dalila de Almeida, João de Deus, Tina

Gonçalves, Jayme Ferreira, Fernando Stamato, Judith de Almeida, Antônio Rolando,

Dustan Maciel, Reginaldo Calmon, Dulce Malheiros, Dorita Soares, Manoel Rocha,

Pereira Filho, Jacques Luxardo, Miran D’Alves.

Sinopse: Locutor organiza caçada ao Mato Grosso para salvar da falência a emissora

em que trabalha. Ao narrar os lances da caçada pelo rádio, conquista grande audiência,

conseguindo assim manter seu emprego (NETO, 2002, 133).

PANTANAL DE SANGUE, 1971, São Paulo, SP. Colorido (Eastmancolor), 35mm, 97

min, gen: drama.Produtor: Reynaldo Paes de Barros e Ivo Nacao; Direção, argumento e

roteiro: Reynaldo Paes de Barros; Fotografia: Reynaldo Paes de Barros e Antônio

Meliande; Montagem: Mauro Alice; Música: Remo Usai; Cia. Produtora: RPB Filmes e

Ivo Nakao Produções Cinematográficas.

Elenco: Francisco di Franco, Elza de Castro, Milton Ribeiro, Jorge Karan, Rosalvo

Caçador, Ubirajara Gama, Salvador Amaral, Boaventura Córdoba, Jean Stefan, Ramona

Morel, Dina Flores, Dito Rondon, Jeremias Silva, Vicente Raveduti.

Sinopse: Inconformado com as ameaças de um novo e autoritário fazendeiro da região,

Chico Ribeiro, que quer se apossar das terras de seu vizinho Miguel, José Tavares,

intercede em favor deste último. Chico repele as pretensões dos dois fazendeiros e

ameaça invadir suas propriedades. Estes denunciam a irregularidade à Delegacia de

Terras do Estado, que lhes dá ganho de causa. Segue-se um curto período de trégua.

Mas, na primeira oportunidade em que se defrontam, no local da venda anual dos bois

da região, José vence em duelo um dos capangas de Chico e humilha este último perante

seus homens. A resposta de Chico é arrasadora. A violência eclode, então, em ritmo

crescente e os dois rivais (Chico e José) se batem até à morte, num desfecho trágico e

sangrento (NETO, 2002, p. 609).

CAÇADA SANGRENTA, 1974, São Paulo, SP. Colorido, 35mm, 96 min. gênero:

ficção. Produtor: David Cardoso, Eduardo Rolim; Direção, argumento e roteiro:

132

Ozualdo Candeias; Fotografia: Virgílio Roveda; Montagem: Luiz Elias; Música:

Ronaldo Lark; Cia. Produtora: Dacar Produções Cinematográficas.

Elenco: David Cardoso, Marlene França, Heitor Gaiotti, Walter Portela, Fátima

Antunes, Evelise Olivier, Munir Razuk, Carmen Angélica, Vosmarline Siqueira, Walter

Mansur, Leon Cakof, Eliana Santiago, Horácio Camargo, Miro Rosa, Teresa Cristina,

Renato Petri.

Sinopse: Mecenas, mulher rica e generosa, estende sua proteção a uma roda de amigos,

principalmente a Fídias, um escultor com quem ela mantém íntimas relações. Surge,

porém, na cidade, Neguinho, rapaz bem apessoado que saíra recentemente da prisão,

sob a suspeita de ter assassinado uma tia milionária. Neguinho busca novas

oportunidades e reabilitação, e Mecenas representa para ele ambas as coisas. A

aproximação de Neguinho gera um conflito com Fídias por causa de Mecenas. Ela

resolve viajar para o exterior, tentando com isso acalmar os ânimos. Na véspera da

viagem, Mecenas é encontrada morta, decapitada, e uma alta importância em dólares

destinada à viagem desaparece. As suspeitas recaem sobre Neguinho, por causa do seu

passado, e ele se vê obrigado a fugir, sendo caçado em Mato Grosso, no Paraguai e na

Bolívia. Todavia, surge outro suspeito, Fídias, em razão de sua obsessão de esculpir

cabeças. As circunstâncias reunem em pleno descampado matogrossense os três

personagens - Neguinho, Fidias e um policial - e trava-se entre eles uma luta de morte.

DEZENOVE MULHERES E UM HOMEM, 1977, São Paulo, SP. Colorido

(Eastmancolor), 35mm, 108 min, gen: drama. Produção, direção e argumento: David

Cardoso; Roteiro: David Cardoso e Ody Fraga; Fotografia: Antônio Meliande;

Montagem: Walter Wanny; mus: Gabino Correa e Ronaldo Lark; Cia. Produtora: Dacar

Produções Cinematográficas;

Elenco: David Cardoso, Helena Ramos, Aldine Muller, Luiz Carlos Braga, Patrícia

Scalvi, Ozualdo Candeias,Caroline Lindsay, Cláudia Santos, Sílvia Massari, Lisa Negri,

Paola Bianchi, Zélia Diniz, David Cardoso Júnior, Miro Carvalho, Nelson Morrisson,

José Lima, Walter Mansur, Ézio Ribeiro, James Cardoso, Vera Railda, Mara Prado,

Suely Gagliardi, Cristina Lanza, Rosa Maria Raspini, Célia Artacho, Luiz Mewes,

Cleusa Bagnara, Maria Celina, Célia Mafra, Marisa Cariani, Tula, Vitória Granwnlich,

Líbera Licena.

Sinopse: Dezenove universitárias tentam alugar um ônibus para uma excursão ao

Paraguai, mas têm seu pedido negado pelo gerente da empresa. Todavia, Rubens, o

jovem diretor da empresa, decide tirar umas férias e passar por motorista das moças.

Isso acontece ao mesmo tempo em que vários bandidos fogem de um presídio paulista e

roubam um pequeno avião, empreendendo uma fuga espetacular. O encontro dos dois

grupos se dá às margens de um rio em Mato Grosso. Rubens, responsável pelas moças,

luta desesperadamente para defendê-las contra a perversidade e as investidas dos

perigosos marginais.

DESEJO SELVAGEM, 1979, São Paulo, SP. Colorido (Eastmancolor), 35mm, 92

min, gen: drama. Produtor: David Cardoso, Gilberto Faria e Gilberto Adrien; Direção:

David Cardoso; Argumento e Roteiro: Ody Fraga; Fotografia e cam: Cláudio Portiolli;

efs: Miro Reis; mtg: Jair Garcia Duarte; Música: Ronaldo Lark; Cia. Produtora: Dacar

Produções Cinematográficas. Elenco: David Cardoso, Ira de Furstemberg, Alberto

Ruschel, Hélio Souto, Nelson Morrisson, Yara Stein, Sônia Saeg, Lucey Fairfax, Fátima

Morgane, Ariane Moura, Ubirajara Gama, Wilson Júnior, André Ferrero, José Lima,

Darlan Soares, Sílvio Martinez, Mário Lúcio, Miro Reis, Alvino Correia, Carlos

Shintomi, Aparecida Braidott, Rafael Cifuentes, Venceslau Valim, Daniel Perez,

133

Rubens Ferreira, Marcos Rolim, Paulo Contador, Fernando Arrués, José Valêncio, João

Menino.

Sinopse: A região do Pantanal, no rio Paraguai, é o lugar ideal para homens

inescrupulosos em busca de fortuna, aventura e anonimato. Para quem chega não se

pergunta quem é, nem de onde veio. Lá, Malamud sonha construir um império onde sua

vontade seja lei, empregando um grupo de homens aventureiros e violentos. As terras

que ambiciona estão ocupadas legalmente e são administradas por Martino, irmão do

proprietário, que se encontra em viagem ao Peru. Malamud e seu grupo assassinam os

irmãos, mas se defrontam com Mônica, viúva do proprietário, que chega da cidade

disposta a se instalar nas terras, agora suas por herança. Homem independente e

aventureiro, Tigre, um piloto que presta serviços a uns e outros sem se ligar a ninguém,

acompanha a escalada de violência de Malamud, que a cada dia amplia seu poder sobre

a região. Tigre toma partido do conflito e alia-se a Mônica, comandando a resistência

contra as desmedidas ambições de Malamud.

TRAPALHÃO NA ARCA DE NOÉ, O, 1983, Rio de Janeiro, RJ. Colorido, 35mm,

90 min, gênero: infantil. Produção e Argumento: Renato Aragão; Direção: Antônio

Rangel; Roteiro: Aguinaldo Silva, Doc Comparato, Antônio Rangel e Renato Aragão;

Fotografia: Carlos Egberto; Montagem: Dominique Paris e Hélio Lemos; Música: Remo

Usai; Cia. Produtora: Renato Aragão Produções Artísticas e Embrafilme.

Elenco: Renato Aragão, Xuxa Meneguel, Sérgio Mallandro, Gracindo Júnior, Nádia

Lippi, Manfredo Colassanti, Dary Reis, Milton Morais, Fábio Villa Verde, Carlos Kurt.

Sinopse: O faxineiro do zoológico Duda (Renato Aragão) e os amigos Kiko (Sérgio

Mallandro) e Zeca (Fábio Villa Verde) formam um grupo de proteção dos animais. Por

isso, são convocados pelo místico Noé (Manfredo Colassanti) para uma missão de

salvamento da fauna e flora do Pantanal. A área está ameaçada de extinção devido à

exploração dos contrabandistas de pele Morel (Milton Morais) e seu capataz Juarez

(Dary Reis). Eles aceitam a missão e no caminho encontram o arqueólogo Marcos

(Gracindo Júnior) e a fotógrafa Carla (Nádia Lippi), em busca de uma pirâmide deixada

no local pela civilização fenícia. Juntos, vencem os bandidos e, no final, Duda é

convidado por Noé para integrar um grupo de seres especiais, que irá povoar um novo

mundo. comentários: O filme foi inspirado em Caçadores da arca perdida, (Raiders of

the Lost Ark), 1981, de Steven Spielberg, e teve locações no Pantanal do Mato Grosso;

Renato Aragão fez o filme sozinho, pois na época havia brigado com os outros três, que,

por sua vez, realizaram Atrapalhando a Suate. A experiência não deu certo para

nenhuma das partes e no próximo filme já estariam juntos novamente.

CARAMUJO FLOR, 1988, Cuiabá, MT. Colorido, 35mm, 21 min., gênero: ficção.

Produtor: Moacir Ramalho; Direção, argumento e roteiro: Joel Pizzini; Fotografia:

Pedro Farkas; Música: Almir Sater, Erik Satie; Montagem: I. Lacreta; Cia Produtora:

Pólo Cinematográfica.

Elenco: Ney Matogrosso; Rubens Corrêa, Tetê Espíndola; Antonio Houaiss; Araci

Balabanian ; Emmanuel Marinho.

Sinopse: Filme ensaístico sobre a obra do poeta Manuel de Barros, ambientada nos

vários lugares que o poeta morou, tais como o Pantanal de Nhecolândia, e outras

cidades do Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, tenta, por meio de imagens

fragmentadas e depoimentos de atores, a estética poética de Manoel de Barros.

(CINEMATECA BRASILEIRA).

134

BRAVA GENTE BRASILEIRA, 2000, Rio de Janeiro, RJ. Colorido, 35mm, 104 min,

gen: aventura. Produção: René Bittencourt; Direção e rot: Lúcia Murat; Fotografia:

Antônio Luís Mendes; Montagem: Mair Tavares e Cezar Migliorin; Música: Lívio

Tragtenberg; Cia. Produtora: Tanga Filmes e Vídeo;

Elenco: Diogo Infante, Luciana Rigueira, Floriano Peixoto, Buza Ferraz, Murilo Grossi,

Sérgio Mamberti, Leonardo Villar, Adeílson da Silva, Vanessa Marcelino e a

Comunidade Kadiweu.

Sinopse: No século XVIII, o Brasil ainda é um território desconhecido para Portugal,

cheio de mistério e estranhos habitantes. A Coroa já tem noção de suas dimensões

continentais, mas precisa mapeá-lo. Em 1778, uma caravana é mandada ao Pantanal

para fazer um levantamento topográfico da região, aos cuidados do astrônomo,

naturalista e cartógrafo Diogo. A caravana deve seguir para o Forte Coimbra, mas é

assediada constantemente pelos índios cavaleiros, com quem Portugal tem um acordo

de paz. O grupo é comandado por Pedro e conta ainda com Antônio, que leva consigo

um mapa de prováveis minas de prata. A trajetória do grupo será marcada por todo tipo

de violência e barbárie, principalmente contra as belas índias que são encontradas no

caminho, pois Diogo sequestra uma índia Guaicuru.

VELHA, OS MENINOS E O GATO QUE ESCAPARAM DA ESTRANHA

CAIXA AZUL, 2000, Cuiabá, MT. Colorido, 35mm, 10 min. gênero: ficção. Produção:

Tati Mendes; Direção e roteiro: Amauri Tangará; Montagem: Luiz Wilke; Música: Abel

Santos; Cia. Produtora: Cia. D’Artes do Brasil.

Elenco: Andrea Pereira, Diego Borges, Márcio Pereira.

Sinopse: "Uma pequena história de cinema no coração do Pantanal." (CINEMATECA

BRASILEIRA)

SARINGANGÁ, 2001, Cuiabá, Mato Grosso, MT. Colorido, 35mm, 10 min. Gênero:

ficção. Direção: Márcio Moreira; Argumento, roteiro: Luís Carlos Ribeiro, Márcio

Moreira; Fotografia Jorge Monclar; Música: Beto Strada.

Elenco: Mara Ferraz, Romeu Lucialdo, Regina Lobo, Vera Capilé, Mariana Ferreira,

José Márcio Pereira.

Sinopse: "Numa pequena comunidade do Pantanal Mato-grossense uma balzaqueana é

seduzida pelos batuques afro-indígenas do Boi da Serra." (CINEMATECA

BRASILEIRA).

DOCUMENTÁRIOS:

O PANTANAL DE MATO GROSSO, 1941, Mato Grosso. P&b, 35mm, 4 min.,

gênero: documentário. Produção e Direção: William Gerick. (CINEMATECA

BRASILEIRA).

A FESTA DO PANTANAL, 1944, São Paulo, SP. P&b, 35mm, 8 min., gênero:

documentário. Produção e Direção: William Gericke. (CINEMATECA

BRASILEIRA).

REBANHOS DO PANTANAL - MATO GROSSO, 1945, Rio de Janeiro, RJ. P&b,

35mm, gênero: documentário. Fotografia: Lafayette Fernandes da Cunha; Cia.

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Produtora: S.I.A. - Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura.

Narração: J. Irineu Cabral.

Sinopse: "Vista aérea de um enorme rebanho no Pantanal e em seguida da fazenda;

outras vistas aereas da região; avião pousando; rebanhos enormes (e peões) deslocando-

se nos gramados, na água; rebanho nos currais; o gado á levado a passar num estreito

corredor, cuidado por alguns peões; peões derrubam bezerros para marcar a ferro

quente; rebanho; grande ave do pantanal; carro de boi; aves em revoaça; árvores à beira-

rio; jacaré junto ás árvores; jacaré na água; jacaré abatido; novamente vista aérea da

região mostrando casa e rebanho. Som: fala da colonização do Pantanal, sempre por

grupos de tradicionais criadores, que lá encontraram excelentes condições de pastagens

e água. Além do gado bovino, mostra a fauna natural da região: garças e jacarés."

(CINEMATECA BRASILEIRA).

ENCANTOS DO PANTANAL MATOGROSSENSE, 1948, São Paulo, SP. P&b,

35mm, 8min. Gênero: documentário. Produção e Direção: William Gericke.

(CINEMATECA BRASILEIRA).

GRANDE DESCONHECIDO, O, 1957, São Paulo, SP. P&b, 35mm, gen:

documentário. Produtor: Alfredo Palácios e Mário Civelli; Direção e Roteiro:

MárioCivelli; asd: Glauco Mirko Laurelli; Fotografia: Adolfo Paz Gonzalez; Câmera:

Afrodísio de Castro; Música: Guerra Peixe; Cia. Produtora: Serrador Filmes.

Sinopse: Documentário de longa-metragem que retrata os costumes e rituais dos índios

Brasileiros. Filmado em locações na Amazônia e Centro-Oeste. comentários: Este

filme foi restaurado por Patrícia Civelli, filha de Mário, em colaboração com a Funarte e

deverá ser exibido ainda em 2002. “Trata-se do registro de oito meses de filmagens nas

selvas brasileiras, começando pelo Pantanal, passando pela Amazônia até chegar à

Bahia, período em que foram registradas tribos indígenas que não existem mais. A

equipe abriu picadas, improvisou balsas e construiu pontes sobre precipícios (NETO,

2002, p. 381).

“PANTANAL", 1971, São Paulo, SP. Colorido e p&b, 35mm, 20 min. gênero:

documentário. Produção: Ana Carolina, Jorge Kalil Filho, José Carlos Meirelles;

Direção, argumento e roteiro: Anna Carolina; Fotografia: Jorge Bodanzky; Música:

Hermano Penna; Montagem: Paulo Rufino; Cia. Produtora: Área Prod.

Cinematográficas.

Sinopse: "A caçada a uma onça, que mobiliza um grupo de homens, vencendo as

dificuldades da região do Pantanal de Mato Grosso. Noções da geografia da região. Um

dia na vida dos mateiros de Poconé, que durante boa parte do ano não têm trabalho

devido à cheia e, nas épocas favoráveis vivem da caça. É o dia da caça" (ALSN/DFB-

CMM) CINEMATECA BRASILEIRA.

MUNDO À PARTE, 1971. Produção Instituto Brasileiro de Desenvolvimento

Florestal. Direção: Arne Edvard Sucksdorff . Colorido. Documentário.

Sinopse: O longa está dividido em 4 episódios: "Os Anos Felizes", "Os Anos na Selva",

"Manha de Jacaré" e "O Reino da Selva". Cada uma dessas fruto dos vários anos que o

cineasta, escritor e fotógrafo sueco passou no pantanal retratando a fauna e a flora,

principalmente sua convivência pessoal com esse meio.

NO PANTANAL DO PIQUIRY, 1973. Colorido, 35mm, 10 min. gênero:

documentário. Produção e Direção: Reynaldo Paes de Barros.

Sinopse: "... sobre o Pantanal do Piquiry em Mato Grosso". (Embrafilme/CFCMB)

136

PANTANAL DE MATO GROSSO, 1974. Colorido, 16mm, 7 min. gênero:

documentário. Produção: Agência Nacional; Direção: Renato Neumann; Argumento,

roteiro: Edson Nequete; Fotografia: Valmir Ribeiro; Sonoplastia: Walter Goulart;

Narração: William Mendonça.

Sinopse: "O filme mostra uma visão geral do Pantanal mato-grossense. As novas

estradas que ligam esta região a todo o Brasil, o panorama da cidade de Cuiabá, seus

costumes e sua gente, a natureza de Mato Grosso como exploração turística, servindo de

atrativo para os visitantes. Mostra também a força de sua economia, a pecuária, com

seus campos de pastagem onde o gado é criado solto, formando uma paisagem

colorida." (INC/CESD) CINEMATECA BRASILEIRA.

VIAGEM AO NINHO DA TERRA, 1978, Rio de Janeiro, RJ. Colorido, 35mm, 12

min. gênero: documentário. Produção, Argumento, Roteiro e Direção: Luiz Keller,

Tônia Quaresma; Fotografia: Tânia Quaresma, Gilberto Otero, Antônio Luiz Mendes

Soares, Lucio Kodato; Música: Heitor Villa-Lobos; Cia. Produtora: Trindade

Produções.

Sinopse: "Pantanal Matogrossense, com sua paisagem inédita habitada por numerosa

fauna e pequenos grupamentos humanos, com música de Villa-Lobos."

(Embrafilme/CF). CINEMATECA BRASILEIRA.

OS REMANESCENTES, 1980, Goiânia, GO. Colorido, 35mm, 7 min. gênero:

documentário. Direção, produção, argumento, fotografia, montagem e roteiro: Enias

Pinto Pólvora; Desenhos animados: Francisco Lacerda; Cia. Produtora: Pólvora e Dal

Farra Ltda.

Sinopse:"O filme mostra o Pantanal Mato-grossense, na sua flora, fauna e rios e faz um

apelo por sua preservação." CINEMATECA BRASILEIRA.

PANTANAL: A ÚLTIMA FRONTEIRA, 1983, São Paulo, SP. Colorido, 16mm, 11

min. gênero: documentário. Direção, montagem e roteiro: Regina J.; Câmera: André

Palluch; Música: Nana Vasconcelos; Cia. Produtora: Lauper Filmes.

Sinopse: "Documentário sobre a região do pantanal Mato-grossense, um dos últimos

refúgios da vida silvestre no planeta. O ciclo das águas, que rege e determina o ciclo de

vida da flora e da fauna: peixes, insetos e aves aquáticas, mamíferos carnívoros, cada

espécie tem o seu papel na manutenção do equilíbrio ecológico. A quebra desta

harmonia com a perseguição de animais por caçadores e comerciantes, vem trazendo a

extinção de diversas espécies raras." (CCSP/CM)

CINEMATECA BRASILEIRA.

PANTANAL: VIDA E MORTE (a.k.a. Pantanal: Vida ou Morte?), 1984, Rio de

Janeiro, RJ. Colorido, 35mm, 20 min. gênero: documentário. Direção: Helena da Rocha;

Lise Torok; Fotografia: Antônio Luiz Mendes Soares; Montagem: Antônio Carlos

Bernardes; Música: Aluísio Diller; Cia. Produtora: Brasiliana Filmes.

Sinopse: "(...) as ameaças ao equilíbrio do pantanal mato-grossense, região considerada

ainda um santuário ecológico, com muitas espécies ameaçadas de extinção,

principalmente por causa da caça predatória e do contrabando de peles."

(CINEMATECA BRASILEIRA).

COMITIVA ESPERANÇA : UMA VIAGEM AO INTERIOR DO PANTANAL,

1986, São Paulo, SP. Colorido, 16mm, 50 min. gênero: documentário musical.

Produção, direção, argumento e roteiro: Wagner Carvalho; Fotografia: Walter Rogério;

Música: Almir Sater, Zé Gomes e Paulo Simões;

137

Sinopse: "... mostra, de maneira poética, o homem do pantanal mato-grossense,

resgatando os gestos, os olhares, as falas mais espontâneas, os momentos de força e

coragem dessas pessoas, procurando revelar, sem preconceitos, a alma do pantaneiro."

(CINEMATECA BRASILEIRA).

ANIMANDO O PANTANAL, 1988, Campinas, SP. Colorido, 16mm, 4min30seg.

gênero: animação. Direção: Wilson Lazzaretti. Maurício Squarisi; Cia. Produtora:

Núcleo de Animação de Campinas.

Sinopse: "A interferência do homem no Pantanal (o desmatamento, o garimpo, a caça e

pesca predatórias), os temas são apresentados por dois personagens do folclore da

região e a dança dos mascarados." (CINEMATECA BRASILEIRA).

QUINHENTAS ALMAS, 2001, São Paulo, SP. Colorido, 35mm, 75 min, gen:

documentário. Produção: Fernando Souza Dias; Direção: Joel Pizzini; Fotografia: Mário

Carneiro; Montagem: Idê Lacreta; Música: Lívio Tragtenberg; Cia. Produtora: Grifa

Cinematográfica. Elenco: Paulo José e Matheus Natchtergaele.

Sinopse: Documentário que reflete a presença e a ausência de memória a partir da

cultura milenar dos índios Guatós, habitantes do pantanal brasileiro. Considerados

extintos na década de sessenta, os Guatós foram redescobertos por uma freira salesiana,

reconhecidos oficialmente na década de oitenta e hoje lutam pela preservação e

recuperação de sua identidade. Ao retratar os últimos falantes do idioma guató, o filme

refaz a genealogia da tribo, evidenciando os principais conflitos e paradoxos da cultura

desde os primeiros contatos com os viajantes europeus. comentários: Para recriar o

universo mítico e existencial dos chamados índios canoeiros, o documentário recorre à

ficção, inserindo trechos filmados da peça Controvérsia, de Jean-Claude Carrière,

montada pelo ator/diretor Paulo José, que também representa todos os papéis da

reconstituição de um julgamento de um líder guató assassinado. (NETO, 2002, p. 677).

PANTANAL NO AR, 2009. Produção: Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul e

da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, Agência de Turismo Ar e Prefeitura

Municipal de Bonito. Direção: Marcelo de Paula. Trilha sonora: Emmanuel Marinho;

Grupo Acaba e Gabriel Sater.

Sinopse: O filme apresenta a história do Mato Grosso do Sul a partir da formação e

ocupação do Pantanal, com os principais problemas que esse processo acarretou, desde

a Guerra do Paraguai, passando pelo contato e conflito com os grupos indígenas

Kadiwéus, até a questão do turismo atual e os sérios problemas ambientais.

O QUE É PANTANAL, 2009. Dourados/Presidente Prudente. Curta em vídeo digital,

12 min. Produção: UFGD. Direção: Cláudio Benito O. Ferraz. Apoio técnico GTA,

GPLG, Carlos Henrique Sabino. Documentário.

Sinopse: Vídeo documentário de caráter científico-pedagógico retratando o processo de

formação do Pantanal e os outros olhares e leituras que se podem fazer atualmente sobre

o mesmo.