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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA Colegiado dos Cursos de Graduação em Geografia DESIRÉE ALVES CELESTINO SANTOS ANÁLISE ESPAÇO-TEMPORAL DAS OCORRÊNCIAS DE DESLIZAMENTOS DE TERRA REGISTRADAS, ENTRE JAN/2009 A DEZ/2013, NA ÁREA DO “MIOLO” DA CIDADE DE SALVADOR - BAHIA SALVADOR 2014

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    Colegiado dos Cursos de Graduação em Geografia

    DESIRÉE ALVES CELESTINO SANTOS

    ANÁLISE ESPAÇO-TEMPORAL DAS OCORRÊNCIAS DE DESLIZAMENTOS DE

    TERRA REGISTRADAS, ENTRE JAN/2009 A DEZ/2013, NA ÁREA DO “MIOLO”

    DA CIDADE DE SALVADOR - BAHIA

    SALVADOR

    2014

  • DESIRÉE ALVES CELESTINO SANTOS

    ANÁLISE ESPAÇO-TEMPORAL DAS OCORRÊNCIAS DE DESLIZAMENTOS DE

    TERRA REGISTRADAS, ENTRE JAN/2009 A DEZ/2013, NA ÁREA DO “MIOLO”

    DA CIDADE DE SALVADOR - BAHIA

    Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

    ao Curso de Graduação em Geografia da

    Universidade Federal da Bahia – UFBA, como

    requisito parcial para obtenção do título de

    Bacharel em Geografia.

    Orientadora: Profª Dra. Dária Maria Cardoso

    Nascimento

    SALVADOR

    2014

  • DESIRÉE ALVES CELESTINO SANTOS

    ANÁLISE ESPAÇO-TEMPORAL DAS OCORRÊNCIAS DE DESLIZAMENTOS DE

    TERRA REGISTRADAS, ENTRE JAN/2009 A DEZ/2013, NA ÁREA DO “MIOLO”

    DA CIDADE DE SALVADOR – BAHIA

    Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

    Universidade Federal da Bahia – UFBA, como

    requisito parcial para obtenção do título de

    Bacharel em Geografia.

    Aprovada em: ____/____/____

    BANCA EXAMINADORA

    Profª Dra. Dária Maria Cardoso Nascimento (Orientadora) ____________________________

    Universidade Federal da Bahia – UFBA

    Profª M.ª Denise Silva Magalhães ________________________________________________

    Universidade Federal da Bahia – UFBA

    Profª M.ª Erika do Carmo Cerqueira ______________________________________________

    Universidade Federal da Bahia – UFBA

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus que me abençoou com saúde, sabedoria, coragem e discernimento;

    Aos meus familiares, em especial a meu pai: Murillo Celestino; a minha mãe Tânia

    Maria Alves; aos meus irmãos: Lisiane, Vinicius e Eduardo; e a minha avó Carmem, pelo

    apoio constante, amizade, carinho e compreensão no decorrer do curso e da vida;

    Aos meus sogros: Eustáquio Borges e Nildete Góes por ter me proporcionado o

    ambiente e o convívio familiar, agradeço por todo apoio e incentivo. À Pedro Borges, por

    estar sempre ao meu lado, pelo carinho, cuidado e paciência;

    Agradeço a minha orientadora Dária Maria Cardoso Nascimento, pela confiança,

    disponibilidade e direcionamento, fundamentais para a realização da presente pesquisa e,

    principalmente, pela amizade e compreensão. Agradeço também, a professora Erika do Carmo

    Cerqueira, que sempre esteve disposta a ajudar no desenvolvimento deste trabalho e que

    muito contribuiu com suas críticas construtivas e sugestões. Tenho uma imensa admiração,

    carinho e respeito por essas professoras;

    A professora Denise Silva Magalhães pelas críticas construtivas e sugestões;

    Ao corpo Docente do curso de Geografia da UFBA, pelo empenho, dedicação e

    ensinamentos;

    Aos profissionais da Prefeitura de Salvador, principalmente à equipe da Defesa Civil

    pelo fornecimento dos dados pertinentes a pesquisa. Agradecimento especial a Chefe do Setor

    Estatística e Tecnologia da Informação da Defesa Civil de Salvador, Maria da Conceição

    Alves de Souza;

    Aos meus cunhados Simone e Gilberto pelo incentivo e torcida;

    Aos meus chefes, Nilton Ribas e Fernanda Prado, pela compreensão e incentivo. Aos

    colegas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pela agradável convivência e

    torcida;

  • Aos colegas da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), em

    especial a Vera Santos e a Patrícia Dias pelo constante apoio e contribuições. Meus

    agradecimentos aos colegas da CARTGEO: Emerson Borges e Wiliam Soares, pelos

    ensinamentos e apoio na fase de elaboração dos cartogramas deste trabalho; e a Adriele

    Teixeira, pelas palavras de incentivo;

    Aos meus colegas de curso, por todos os momentos de aprendizado juntos e pela

    agradável convivência, em especial a: Itaciane Ramos, Lara Moraes e Leandro Lopes;

    A uma amiga, que foi fundamental neste trabalho e que será especial para sempre:

    Patrícia Santos;

    Aos colegas do Laboratório de Cartografia da UFBA: Marta, Niédja, Juliet, Luiz

    Felipe, Hely, Francisca e Valdeci, pela agradável convivência, apoio e torcida.

    Muito obrigada a todos!

  • RESUMO

    A presente pesquisa tem como objeto de análise os escorregamentos ocorridos na área do

    “Miolo” de Salvador, entre os anos de 2009 a 2013. Esta área constitui-se atualmente num

    grande eixo de expansão da cidade de Salvador. Caracteriza-se pelo predomínio de

    assentamentos informais, na sua maioria, precários. É nesta área também que se tem

    registrado nos últimos anos, o maior número de ocorrências de acidentes causados por

    escorregamentos na cidade. Os dados obtidos foram analisados em função do tempo e

    distribuição dos acidentes. Os procedimentos metodológicos compreenderam as seguintes

    etapas: i) levantamento e análise crítica de referências bibliográficas; ii) coleta de dados

    secundários; iii) o mapeamento; iv) análises e interpretações. Os resultados da pesquisa

    indicam que os escorregamentos ocorreram no período de maior intensidade das chuvas.

    Verificou-se que áreas que concentram as ocorrências de deslizamentos de terra no “Miolo”

    de Salvador são as áreas onde predominam a precariedade habitacional. As ocorrências dos

    deslizamentos foram identificadas e cartografadas, constituindo informações que são base

    para trabalhos avançados de zoneamento e gestão de risco. Almeja-se que a presente pesquisa

    contribua para a tomada de decisões da gestão municipal a respeito das áreas prioritárias para

    execução de ações preventivas e/ou mitigadoras.

    Palavras-chave: Escorregamento. “Miolo” de Salvador. Áreas de risco.

  • ABSTRACT

    This research aims to analyze the landslides occurred in the "Core” of Salvador area, between

    the years 2009 to 2013. This area is currently a major axis expansion of the Salvador city. It is

    characterized by the predominance of informal settlements, mostly precarious. It is also in this

    area that has been recorded in recent years the largest number of occurrences of accidents

    caused by landslides in the city. Data were analyzed as a function of time and distribution of

    accidents. The methodological procedures included the following steps: i) survey and critical

    analysis of references; ii) secondary data collection; iii) mapping; iv) analyzes and

    interpretations. The survey results indicate that landslides occurred in the period of greatest

    rainfall intensity. It was found that in the landslides occurrences areas concentrated in the

    Salvador "Core” are areas where predominate housing precariousness. Landslides occurrences

    were identified and mapped providing information that is the basis for advanced work zoning

    and risk management. Is intended this research will contribute to the decisions of municipal

    management regarding priority areas for implementation of preventive and/or mitigative

    actions.

    Keywords: Landslide. Salvador Core. Risk areas.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Blocos diagramas dos tipos de escorregamentos: translacional e rotacional.............24

    Figura 2 Localização da área de estudo, “Miolo” de Salvador – BA.......................................32

    Figura 3 Geologia de Salvador – BA........................................................................................37

    Figura 4 Diferença altimétrica do relevo de Salvador – BA.....................................................38

    Figura 5 Área da “Reserva do Cascão” em Salvador – BA......................................................40

    Figura 6 Densidade demográfica, no “Miolo” de Salvador – BA, 2010...................................44

    Figura 7 Domicílios tipo apartamento, no “Miolo” de Salvador – BA, 2010...........................45

    Figura 8 Pessoas responsáveis com rendimento nominal mensal de até ½ salário mínimo no

    “Miolo” de Salvador – BA, 2010..............................................................................................46

    Figura 9 Domicílios particulares permanentes com lixo coletado, no “Miolo” de Salvador –

    BA, 2010...................................................................................................................................47

    Figura 10 Domicílios particulares permanentes com abastecimento de água adequado, no

    “Miolo” de Salvador – BA, 2010..............................................................................................48

    Figura 11 Distribuição de energia elétrica, no “Miolo” de Salvador – BA, 2010.....................49

    Figura 12 Deslizamentos de terra em bairros do “Miolo” de Salvador – BA...........................50

    Figura 13 Distribuição anual das ocorrências de deslizamentos de terra, no período de 2009 a

    2013, no “Miolo” de Salvador – BA.........................................................................................51

    Figura 14 Representação gráfica mensal das ocorrências de deslizamentos de terra (2009)

    associadas as pluviosidades acumuladas (2009) e as pluviosidades médias (1961 a 1990), no

    “Miolo” de Salvador – BA........................................................................................................53

    Figura 15 Representação gráfica mensal das ocorrências de deslizamentos de terra (2010)

    associadas as pluviosidades acumuladas (2010) e as pluviosidades médias (1961 a 1990), no

    “Miolo” de Salvador – BA........................................................................................................54

    Figura 16 Representação gráfica mensal das ocorrências de deslizamentos de terra (2011)

    associadas as pluviosidades acumuladas (2011) e as pluviosidades médias (1961 a 1990), no

    “Miolo” de Salvador – BA........................................................................................................55

    Figura 17 Representação gráfica da precipitação diária, registrada no mês de novembro –

    2011, em Salvador – BA...........................................................................................................56

    Figura 18 Representação gráfica mensal das ocorrências de deslizamentos de terra (2012)

    associadas as pluviosidades acumuladas (2012) e as pluviosidades médias (1961 a 1990), no

  • “Miolo” de Salvador – BA........................................................................................................58

    Figura 19 Representação gráfica mensal das ocorrências de deslizamentos de terra (2013)

    associadas as pluviosidades acumuladas (2013) e as pluviosidades médias (1961 a 1990), no

    “Miolo” de Salvador – BA........................................................................................................58

    Figura 20 Representação gráfica mensal das ocorrências de deslizamentos de terra (2009 a

    2013) X pluviosidades médias (1961 a 1990) X pluviosidades médias (2009 a 2013)............59

    Figura 21 Evolução das ocorrências de deslizamento de terra, por bairro, registradas entre

    jan/2009 a dez/2013, no “Miolo” de Salvador – BA................................................................62

    Figura 22 Distribuição dos aglomerados subnormais no município de Salvador – BA...........65

    Figura 23 Aglomerado subnormal ao norte de Salvador ocupando área de vertente em

    Cajazeiras VIII..........................................................................................................................66

    Figura 24 Distribuição das ocorrências de deslizamentos de terra, por setores censitários, no

    “Miolo” de Salvador - BA, 2009..............................................................................................69

    Figura 25 Distribuição das ocorrências de deslizamentos de terra, por setores censitários, no

    “Miolo” de Salvador - BA, 2010..............................................................................................70

    Figura 26 Distribuição das ocorrências de deslizamentos de terra, por setores censitários, no

    “Miolo” de Salvador - BA, 2011...............................................................................................71

    Figura 27 Distribuição das ocorrências de deslizamentos de terra, por setores censitários, no

    “Miolo” de Salvador - BA, 2012..............................................................................................72

    Figura 28 Distribuição das ocorrências de deslizamentos de terra, por setores censitários, no

    “Miolo” de Salvador - BA, 2013..............................................................................................73

    .

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Características dos principais grupos de movimentos de massa...............................23

    Quadro 2 Principais características dos tipos de escorregamentos...........................................24

    Quadro 3 Inventários de causas de movimentos de massa.......................................................25

    Quadro 4 Etapas da pesquisa e suas respectivas atividades......................................................26

    Quadro 5 Principais características do compartimento topográfico-morfológico encontrado na

    área do “Miolo” de Salvador – BA...........................................................................................39

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Dados climatológicos de Salvador – BA....................................................................36

    Tabela 2 População e domicílios do “Miolo” e da cidade de Salvador – 1970, 1980, 1991,

    2000, 2010.................................................................................................................................43

    Tabela 3 Ocorrências de deslizamentos de terra (2009) associadas às pluviosidades

    acumuladas (2009) e as pluviosidades médias (1961 a 1990), em Salvador – BA...................53

    Tabela 4 Ocorrências de deslizamentos de terra (2010) associadas às pluviosidades

    acumuladas (2010) e as pluviosidades médias (1961 a 1990), em Salvador – BA...................55

    Tabela 5 Ocorrências de deslizamentos de terra (2011) associadas às pluviosidades

    acumuladas (2011) e as pluviosidades médias (1961 a 1990), em Salvador – BA...................57

    Tabela 6 Ocorrências de deslizamentos de terra (2012) associadas às pluviosidades

    acumuladas (2012) e as pluviosidades médias (1961 a 1990), em Salvador – BA...................58

    Tabela 7 Ocorrências de deslizamentos de terra (2013) associadas às pluviosidades

    acumuladas (2013) e as pluviosidades médias (1961 a 1990), em Salvador – BA...................60

    Tabela 8 Características dos setores censitários de aglomerados subnormais, Salvador – BA, 2010.................................................................................................................................................65

    Tabela 9 Número de setores censitários, por tipo, na área do “Miolo” de Salvador – BA, 2010.................................................................................................................................................67

    Tabela 10 Quantidade de Moradores e de Domicílios particulares permanentes, por tipo de setor, na área do “Miolo” de Salvador – BA, 2010...................................................................................68

    Tabela 11 Condições habitacionais, por tipo de assentamento, na região do “Miolo” de Salvador – BA, 2010..........................................................................................................................................69

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    APA – Área de Proteção Ambiental

    APRN – Área de Proteção de Recursos Naturais

    BA – Bahia

    CAB – Centro Administrativo da Bahia

    CIA – Centro Industrial de Aratu

    COPI – Coordenadoria Central de Produção de Indicadores Urbano-Ambientais

    CURSA – Companhia de Urbanização de Salvador

    IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

    INMET – Instituto Nacional de Meteorologia

    IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

    Km – Kilômetro

    m – Metro

    mm – Milímetro

    OCEPLAN – Órgão Central de Planejamento

    ONU – Organização das Nações Unidas

    PDDU – Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano

    RA – Região Administrativa

    SAVAM – Sistemas de Áreas de Valor Ambiental e Cultural

    SEDHAM – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente

    SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

    SGDC – Sistema de Gestão da Defesa Civil de Salvador

    SIG – Sistemas de Informações Geográficas

    URBIS – Habitação e Urbanismo do Estado da Bahia

    WGS 84 – World Geodetic System 1984

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................16

    2 REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................................19

    2.1 O espaço urbano, a segregação sócio-espacial e a ocupação em áreas de riscos.........19

    2.2 Movimentos de massa: os escorregamentos e seus condicionantes..............................21

    2.2.1 Classificação de movimentos de massa...........................................................................22

    2.2.2 Os escorregamentos e seus fatores condicionantes.........................................................23

    3 METODOLOGIA DA PESQUISA.....................................................................................26

    3.1 Etapa 1: levantamento e análise crítica de referências bibliográficas.........................27

    3.2 Etapa 2: coleta de dados secundários..............................................................................27

    3.3 Etapa 3: o mapeamento....................................................................................................28

    3.4 Etapa 4: análises e interpretações....................................................................................30

    4 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO..............................................................31

    4.1 Uso e ocupação do solo na área do “Miolo” de Salvador – BA.....................................33

    4.2 Principais aspectos físicos.................................................................................................35

    4.2.1 Clima................................................................................................................................35

    4.2.2 Geologia/Pedologia/Geomorfologia................................................................................36

    4.2.3 Vegetação.........................................................................................................................39

    4.2.4 Hidrografia.......................................................................................................................41

    4.3 Quadro socioeconômico....................................................................................................41

    5 ANÁLISES E DISCUSSÃO................................................................................................50

    5.1 Análise (temporal: mensal/anual) dos dados das ocorrências de deslizamentos de

    terra correlacionados aos dados pluviométricos..................................................................51

    5.2 Análise da evolução das ocorrências de deslizamentos de terra, por bairro,

    registradas entre jan/2009 a dez/2013, no “Miolo” de Salvador – BA...............................60

    5.3 Análise espacial das ocorrências dos escorregamentos associadas às informações

    espaciais dos aglomerados subnormais do IBGE.................................................................63

  • 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................74

    REFERÊNCIAS

  • 1 INTRODUÇÃO

    Os escorregamentos em encostas urbanas constituem atualmente um dos principais

    fatores de risco causadores de desastres naturais nas cidades brasileiras. Este quadro é reflexo

    da urbanização acelerada que transformou o Brasil rural em urbano, na segunda metade do

    século XX, promovendo o crescimento desordenado das cidades em áreas, muitas vezes, com

    características geológicas e geomorfológicas, desfavoráveis à ocupação (TOMINAGA, 2007).

    Salvador, assim como outras cidades brasileiras, é marcada pelo processo irregular de

    apropriação do solo. Muitas áreas de riscos vêm sendo ocupadas na cidade, onde mora uma

    expressiva parcela da população, em sua maioria de baixa renda. Ao longo dos séculos tem-se

    registrado na capital baiana diversos acidentes trágicos associados aos deslizamentos de terra.

    O primeiro registro de deslizamento de terra em Salvador, segundo Silva (2005),

    [...] foi em 1551, exatamente dois anos após a fundação da cidade, sendo em

    1671 a primeira tragédia ao longo de uma história pontuada por desastres de

    origem geológica: o escorregamento das encostas situadas nas Ladeiras da

    Montanha e da Misericórdia com vítimas fatais e destruição total de vários

    imóveis (SILVA, 2005, p. 16).

    No período constante na citação acima, os escorregamentos registrados ocorriam nas

    zonas da escarpa da Falha de Salvador. Nos séculos posteriores, compreendidos após o XVIII

    verificou-se a intensificação desses eventos e uma diversidade no que diz respeito à

    distribuição das áreas de ocorrências, dentro do espaço da cidade, devido, sobretudo, ao

    processo de expansão urbana.

    Diante das ocorrências de deslizamentos de terra registrados ao longo dos anos em

    diversas áreas no município de Salvador, torna-se imprescindível ao poder público conhecer

    como estas estão distribuídas. Sem conhecer como estão distribuídas as ocorrências dos

    escorregamentos, não há como planejar e agir adequadamente para reduzi-las.

    A área escolhida para o desenvolvimento desta pesquisa, o “Miolo” de Salvador,

    corresponde, de acordo com a Prefeitura Municipal de Salvador (2009), à maior parte ao

    espaço localizado entre os dois principais eixos de articulação urbano-regional da cidade, a

    BR-324 e a Av. Luiz Viana. A escolha do “Miolo” se deve ao fato de que é nesta área, segundo

    dados levantados pela Defesa Civil do Município de Salvador, que se tem registrado, ao longo

    dos últimos anos, o maior número de ocorrências de acidentes causados por escorregamentos

    no município.

    Neste contexto, a presente pesquisa visa responder principalmente a seguinte questão: Em

    16

  • quais áreas/bairros da área de estudo estão concentrados as ocorrências dos deslizamentos de

    terra e qual a relação destas com os assentamentos precários e os índices pluviométricos

    registrados?

    Este trabalho tem como premissa que a ocorrência de processos de movimentos de massa

    está relacionada à complexa inter-relação dos fatores naturais e antrópicos. Como fatores

    naturais consideram-se simplificadamente: a vegetação, o relevo, o solo, a água, o clima e o

    substrato geológico; e como fatores antrópicos consideram-se as formas de uso e ocupação do

    solo, desmatamento, intervenções inadequadas (aterro com lixo, execução deficiente do

    sistema de drenagem, dentre outras). Como hipótese de pesquisa, sustenta-se que as

    áreas/bairros que concentram as ocorrências de deslizamentos de terra no “Miolo” de

    Salvador são as áreas/bairros onde predominam a precariedade habitacional.

    O objetivo geral deste trabalho consiste em analisar (espaço-temporal) as ocorrências de

    deslizamento de terra, registradas na área do “Miolo” de Salvador, entre os anos de 2009 a

    2013. Quanto os objetivos específicos, podem-se citar os seguintes:

    Mapear as ocorrências de deslizamentos de terra registrados;

    Identificar quais são as áreas/bairros em que predominam as ocorrências dos

    escorregamentos;

    Analisar a relação entre as ocorrências de deslizamentos de terra e:

    a pluviosidade (análise temporal: mensal/anual);

    os aglomerados subnormais1 indicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia

    e Estatística (IBGE) (análise espaço-temporal).

    Visando atingir os objetivos, confirmar a hipótese levantada e responder ao

    questionamento foi adotado um procedimento metodológico, dividido em 4 etapas: i)

    levantamento e análise crítica de referências bibliográficas; ii) coleta de dados secundários;

    iii) o mapeamento; iv) análises e interpretações. As etapas metodológicas estão detalhadas no

    terceiro capítulo.

    A temática proposta nesta pesquisa é extremamente pertinente face aos constantes

    escorregamentos que vêm ocorrendo nas cidades brasileiras. Os deslizamentos de terra

    ocasionaram dezenas de óbitos, perdas materiais e impactos na saúde pública ao longo dos

    anos. Diante deste contexto, torna-se imprescindível o aprofundamento dos estudos

    relacionados ao tema. Justifica-se então a necessidade da identificação, do mapeamento e da

    1 “É um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas, etc.) carentes, em sua

    maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de

    propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e/ou densa”

    (IBGE, 2013, p. 18).

    17

  • análise da distribuição dos deslizamentos de terra ocorridos na área do “Miolo” de Salvador,

    porque servirá de subsídio para a tomada de decisões da gestão municipal a respeito das áreas

    prioritárias para execução de ações preventivas e/ou mitigadoras e ainda embasar alocação de

    projetos de infraestrutura urbana e habitação na cidade de Salvador.

    Por último, segue a apresentação desta monografia que se encontra dividida em cinco

    capítulos. O primeiro trata da introdução ora apresentada. O segundo capítulo apresenta o

    referencial teórico-conceitual das categorias analíticas do trabalho, a saber: espaço urbano,

    cidade, segregação sócio-espacial, áreas de riscos e escorregamentos. O terceiro capítulo

    refere-se à metodologia adotada, com a descrição das atividades e técnicas para cada etapa

    realizada. No quarto capítulo é feita uma caracterização da área de estudo, nos seus aspectos

    sociais, políticos, ambientais e, por meio de variáveis censitárias do Censo Demográfico 2010

    do IBGE, faz-se uma sucinta análise socioeconômica. Os resultados da pesquisa são

    apresentados, analisados e discutidos no capítulo cinco, atendendo aos objetivos e ao

    problema levantado neste capítulo introdutório. Por último, apresentam-se as considerações

    finais da pesquisa.

    18

  • 2 REFERENCIAL TEÓRICO

    2.1 O espaço urbano, a segregação sócio-espacial e a ocupação em áreas de riscos

    Segundo dados do último censo demográfico realizado pelo IBGE, 160.925.792 dos

    brasileiros (84,36%) vivem em áreas urbanas (IBGE, 2010). Esta concentração da população

    nos centros urbanos tem apresentado grandes desafios ao Estado, entre eles está o de trabalhar

    para reverter uma característica marcante, – a segregação sócio-espacial – (LUCENA, 2008).

    De acordo com Corrêa (1989, p. 11) “[...] o espaço urbano capitalista – fragmentado,

    articulado, reflexo condicionante social, cheio de símbolos e campos de lutas – é um produto

    social, resultados de ações acumuladas através do tempo, e engrenadas por agentes que

    produzem e consomem o espaço”. Segundo o autor (op. cit) os principais grupos sociais

    responsáveis pela configuração do espaço das cidades são os proprietários dos meios de

    produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais

    excluídos. Conforme Souza e Santos (2006, p. 122) “o crescimento das cidades tem ocorrido

    com base na lógica de atuação desses agentes sociais, ainda que por intermédio de uma

    relação bastante desigual de poder”. Para Carlos (1990), a cidade é produto das contradições

    de classe e envolve interesses e necessidades diversas. É manifesto que o espaço urbano esta

    em constante transformação.

    Desta maneira, o espaço das cidades configura-se como um reflexo da estrutura social

    que o modela. Este tem sido palco de interesses e realidades distintas, como comportamentos

    sociais, ação do mercado com suas estratégias imobiliárias e ações do estado por meio de

    políticas públicas urbanas (LUCENA, 2008). Segundo a autora (op. cit),

    Por muitos anos a ausência do Poder Publico no tocante a sua

    responsabilidade quanto à formulação de mecanismos voltados a garantia do

    direito à moradia permitiu de um lado a presença do setor imobiliário que

    mapeou as áreas centrais e cercou com infraestrutura urbana. Por outro,

    assistiu-se aos setores de baixa renda sofrerem as dificuldades de acesso a

    créditos que permitissem o acesso a terra urbana legal (LUCENA, 2008, p.

    35).

    Tal omissão permitiu que áreas dotadas de infraestrutura urbana coexistissem com

    imensas áreas periféricas e favelas marcadas pela precariedade ou total ausência de

    infraestrutura, irregularidade fundiária, adensamento de assentamentos precários em áreas,

    muita vezes, inadequadas a ocupação, a exemplo das margens dos rios ou nas encostas

    19

  • íngremes.

    É preciso democratizar, contudo o direito a cidades sustentáveis, entendido como o

    direito a terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao

    transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações

    como dispõe na Lei Federal de Nº 10.257, aprovada em 2001, que trata do Estatuto da Cidade

    (BRASIL, 2001).

    Salvador, assim como outras cidades brasileiras, é marcada pelo processo irregular de

    apropriação do solo. Muitas áreas de riscos vêm sendo ocupadas na cidade, onde mora uma

    expressiva parcela da população, em sua maioria de baixa renda. Áreas que constantemente

    são afetadas por “fenômenos terrestres naturais associados a processos endógenos tectônicos

    ou exógenos, como os movimentos de massa” (ALHEIROS, 2008, p. 13), principalmente,

    durante o período de maior intensidade das chuvas.

    O conceito de Risco adotado nesta pesquisa refere-se a “possibilidade de danos causados

    por eventos físicos, fenômenos da natureza ou atividade humana, que podem resultar em

    perdas de vidas ou ferimentos, danos à propriedade, rupturas sociais e econômicas ou

    degradação ambiental” (ALHEIROS, 2008, p. 14). Além deste, é importante conceituar

    alguns termos técnicos e básicos de uso corrente. Para melhor entendimento das informações

    do documento alguns desses termos são especificados a seguir. Conforme descrito por

    Alheiros (2008, págs. 14 e 15),

    Evento: fenômeno natural já ocorrido, sem perdas sociais e/ou

    econômicas.

    Acidente ou Desastre: resultado de processos adversos, naturais

    ou provocado pelo homem, sobre um sistema vulnerável,

    causando danos humanos, ambientais e/ou materiais e

    consequentes prejuízos econômicos e sociais.

    Perigo: situação de ameaça potencial a pessoas, bens ou ao

    ambiente, com ênfase nos fatores condicionantes do processo.

    Susceptibilidade: característica inerente ao meio, que expressa

    a probabilidade de ocorrência de eventos ou acidentes.

    Vulnerabilidade: Predisposição de um sujeito, sistema ou

    elemento, ser afetado por ocasião de um acidente.

    20

  • 2.2 Movimentos de massa: os escorregamentos e seus condicionantes

    No Brasil, os principais processos relacionados a desastres naturais são os movimentos de

    massa e as inundações. Embora as inundações provoquem maiores prejuízos econômicos e

    impactos na saúde pública, são os movimentos de massa que têm causado o maior número de

    vítimas fatais no país (BRASIL, 2006). Segundo levantamentos realizados pelo Instituto de

    Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), os acidentes graves relacionados com

    deslizamentos em encostas atingem de forma recorrente em torno de 150 dos 5.563

    municípios brasileiros, os mais vulneráveis localizam-se nos estados de São Paulo, Rio de

    Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Santa Catarina, Alagoas, Espírito Santo e Bahia

    (ALHEIROS, 2008, p. 26).

    Os movimentos de massa têm sido objeto de estudo de pesquisadores em todo o mundo,

    não apenas por sua importância na evolução das formas do relevo, mas, sobretudo em função

    de suas implicações do ponto de vista econômico e social. Todos os anos, movimentos de

    massa ceifam vidas e trazem danos materiais. Segundo a Organização das Nações Unidas

    (ONU) (1993 apud Guimarães et. al., 2008, p.159) “um dos fenômenos naturais que mais

    causam prejuízos financeiros e mortes no mundo são os movimentos de massa”.

    De acordo com Press et al., (2006) os movimentos de massa são deslizamentos, fluxos

    ou quedas declive abaixo de grandes massa de material (constituem em substrato rochoso;

    material consolidado, incluindo sedimentos compactados ou regolito; ou materiais

    inconsolidados, tais como sedimentos soltos e não-cimentados ou regolito) como repostas à

    atração pela gravidade.

    Os movimentos de massa consistem em importantes processos naturais, que atuam no

    modelado da superfície terrestre, ocorrendo mais frequentemente em terrenos íngremes

    (BIGARELLA, 2003). No entanto, de acordo com Tominaga (2007) o crescimento da

    ocupação urbana indiscriminada em áreas desfavoráveis, sem o adequado planejamento do

    uso do solo e sem a adoção de técnicas adequadas de estabilização, está disseminando a

    ocorrência de acidentes associados a estes processos.

    Segundo Coutinho (2008) os processos de movimentos de massa podem ocorrer devido a

    três grandes situações: a) aumento das tensões cisalhantes (relacionado à remoção do suporte

    lateral, adição de materiais no topo da encosta, explosões, forças tectônicas, etc); b)

    contribuição para baixas resistências ao cisalhamento (relacionados tanto a características

    inerentes do material envolvido quanto à presença de fissuras, falhas e/ou descontinuidades na

    massa de rocha/solo); e c) redução na resistência do material (relacionado principalmente à

    21

  • materiais argilosos ao sofrerem processos de intemperismo, reações fisico-químicas,

    saturação).

    2.2.1 Classificação de movimentos de massa

    Em razão da grande variedade de materiais e processos, os movimentos de massa podem

    ter diversas classificações. De acordo com Coutinho (2008) as mais modernas classificações

    baseiam-se na combinação dos seguintes critérios: i) cinemática do movimento (relacionada à

    velocidade, direção e sequencia dos descolamentos em relação ao terreno estável); ii) Tipo de

    material (solo, rocha, solos e rochas, detritos, depósitos, etc., estrutura, textura e percentagem

    de água) e iii) Geometria (tamanho e forma das massas mobilizadas).

    Dentre as propostas mais conhecidas de classificação, em nível internacional destacam-se

    os trabalhos de Sharpe (1938), Varnes (1958 e 1978) e Hutchinson (1988) (AMARAL JR.,

    2007). A classificação proposta por Varnes (1978), ainda é uma das mais utilizadas em todo

    mundo. Esta classificação é considerada simples e baseia-se nos tipos de movimentos

    (quedas, tombamentos, escorregamentos, expansões laterais, escoamentos (rastejo e corridas))

    e dos materiais transportados (solo, rocha e detritos).

    No Brasil destacam-se as classificações de Freire (1965), que foi baseada em Sharpe (op.

    cit); Guidicini e Nieble (1984), classificação baseada em Freire (op. cit); e a do IPT (1991)

    (AMARAL JR., 2007). Além dessas, deve ser citada a classificação de Augusto Filho (1992).

    Trata-se, segundo Pfaltzgraff (2007) de uma simplificação da classificação de Freire (1965),

    utilizada em 2004, pelo Ministério das Cidades, no curso de Capacitação em Mapeamento e

    Gerenciamento de Risco.

    A classificação proposta por Augusto Filho (1992) apresenta os movimentos de massa

    agrupados em quatro grandes classes de processos: Rastejos, Escorregamentos, Quedas e

    Corridas. As principais características dos movimentos de massa são descritos a seguir

    (quadro 1).

    22

  • Quadro 1 – Características dos principais grupos de movimentos de massa

    Processos Características do

    movimento/material/geometria

    Rastejos

    Vários planos de deslocamento (internos);

    Velocidades muito baixas (cm/ano) a baixas e decrescentes com a profundidade;

    Movimentos constantes, sazonais ou intermitentes; Solo, depósitos, rocha alteradas/fraturadas; Geometria indefinida.

    Escorregamentos

    Poucos planos de deslocamento (externos);

    Velocidades médias (m/h) a altas (m/s);

    Pequenos a grandes volumes de material;

    Geometria e materiais variáveis: Planares - solos pouco espessos, solos e rochas com um plano

    de fraqueza;

    Circulares - solos espessos homogêneos e rochas muito

    fraturadas;

    Em cunha - solos/rochas com dois planos de fraqueza.

    Quedas

    Sem planos de deslocamento;

    Queda livre ou rolamento através de plano inclinado;

    Velocidades muito altas (vários m/s);

    Material rochoso;

    Pequenos e médios volumes;

    Geometria variável: lascas, placas, blocos, etc.;

    Rolamento de matacão e tombamento.

    Corridas

    Muitas superfícies de deslocamento (internas e externas à massa em movimentação);

    Movimento semelhante ao de um líquido viscoso;

    Desenvolvimento ao longo das drenagens;

    Velocidades médias a altas;

    Mobilização de solo, rochas, detritos e água;

    Grandes volumes de material;

    Extenso raio de alcance, mesmo em áreas planas.

    Fonte: Augusto Filho (1992 apud COUTINHO, 2008, págs. 64 e 65).

    2.2.2 Os escorregamentos e seus fatores condicionantes

    Dentre os processos de movimentos de massa, os mais frequentes na cidade de

    Salvador são os escorregamentos. É importante resaltar que o termo escorregamento tem

    diversos sinônimos de uso mais generalizado na linguagem popular como deslizamento e

    desbarrancamento, dentre outros.

    Os escorregamentos também chamados de deslizamentos, de acordo com Guidicini e

    Nieble (1984); Fernandes e Amaral (1996), são movimentos rápidos (m/h a m/s), de curta

    duração, com plano de ruptura bem definido, permitindo a distinção entre o material

    23

  • transportado e o não-transportado.

    Em virtude da massa transportada e da geometria do plano de ruptura, os

    escorregamentos classificam-se em translacionais e em rotacionais (GUIDICINI; NIEBLE,

    1984; AUGUSTO FILHO, 1994; FERNANDES; AMARAL, 1996) (figura 1). As principais

    características dos tipos de escorregamentos podem ser verificadas no quadro 2 (dois).

    Quadro 2 – Principais características dos tipos de escorregamentos

    Tipologia dos

    escorregamentos

    Principais características

    Translacionais

    Ocorrem geralmente em solo pouco desenvolvido, em encostas com elevadas

    declividades, associados a períodos de pluviosidade intensa ou de longa duração

    que saturam as camadas de solo, deflagrando a desagregação e o transporte do

    mesmo. Estes tipos de movimentos são compridos e rasos, o plano de ruptura

    encontra-se, geralmente, em profundidades rasas que variam entre 0,5 m e 5,0 m.

    As rupturas tendem a ocorrer rapidamente devido ao aumento da poro-pressão

    positiva durante os eventos pluviométricos.

    Rotacionais

    Apresentam uma superfície de ruptura côncava, ao longo da qual ocorre um

    movimento rotacional do manto de alteração. Basicamente, estão associados a

    pacotes de solos espessos e homogêneos, de rochas argilosas ou cristalinas

    intensamente fraturadas. Estão frequentemente vinculados a cortes na base das

    vertentes, sejam artificiais (implementação de estradas) ou naturais (erosão

    fluvial).

    Fonte: (AUGUSTO FILHO, 1994; FERNANDES; AMARAL, 1996).

    Figura 1 – Blocos diagramas dos tipos de escorregamentos: translacional e rotacional

    Fonte: disponível em: . Acesso em: 10

    jul. 2014.

    24

  • Os principais fatores que contribuem para a ocorrência dos escorregamentos estão

    relacionados com a geologia, geomorfologia, aspectos climáticos e hidrológicos, vegetação e

    ação do homem relativa às formas de uso e ocupação do solo (WOLLE, 1980; FERNANDES;

    AMARAL, 1996; AUGUSTO FILHO, 2001; FERNANDES et al., 2001; TOMINAGA 2007).

    De acordo com Alheiros (2008, p. 26) “além da intensidade das chuvas, das características do

    relevo e dos tipos de solos, outro fator que aumenta ainda mais a frequência dos

    deslizamentos é a ocupação das encostas por assentamentos precários, favelas, vilas e

    loteamentos irregulares". Segundo Cruden e Varnes (1996 apud COUTINHO, 2008, p. 66) as

    principais causas de movimentos de massa podem ser congregadas em quatro grupos, são

    eles: i) causas geológicas; ii) causas morfológicas; iii) causas físicas; e causas humanas

    (quadro 3).

    Quadro 3 – Inventários de causas de movimentos de massa

    Causas geológicas Causas morfológicas

    Perfil geotécnico / materiais problemáticos: sensitivo, colapsível, plástico

    / mole;

    Orientação desfavorável da descontinuidade de massa (clivagem,

    acamamentos, xistosidades, falhas, contatos

    sedimentares);

    Contraste na permeabilidade e seus efeitos na poro-pressão;

    Contraste na rigidez (material denso sobre material plástico);

    Material de preenchimento de juntas alteradas (fissuras).

    Geometria, declividade e forma da encosta / relevo;

    Atividades geológicas: terremotos, vulcanismo, etc.;

    Depósito de carregamento no topo do talude; Remoção da vegetação (por erosão, queimadas,

    secas);

    Erosão fluvial no pé do talude / erosão na face do talude;

    Erosão subterrânea (“pipping”).

    Causas físicas Causas antrópicas

    Chuvas intensas em períodos curtos;

    Chuvas intensas de longa duração; Inundações;

    Terremotos;

    Contração e expansão de solos expansivos.

    Escavação na base da encosta Sobrecarga na encosta ou no topo

    Remoção vegetal;

    Vibração artificial (incluindo tráfego, máquinas pesadas);

    Falta de manutenção de drenagem;

    Vazamento de rede de abastecimento (água e esgoto).

    Fonte: Cruden e Varnes (1996 apud COUTINHO, 2008, págs. 66 e 67).

    25

  • 3 METODOLOGIA DA PESQUISA

    A metodologia de uma pesquisa consiste no “estudo dos caminhos, dos instrumentos

    usados para fazer ciência” (DEMO, 1995, p.11). Enquanto que o método, para Oliveira (1999

    apud COSTA; COSTA, 2001, p.4), “é uma forma de pensar para se chegar à natureza de um

    determinado problema, quer seja para estudá-lo, quer seja para explicá-lo”. Segundo Gerhardt

    e Silveira (2009, p.15), “a metodologia vai além da descrição dos procedimentos (métodos e

    técnicas a serem utilizadas na pesquisa) indica a escolha teórica realizada pelo pesquisador

    para abordar o objeto de estudo”. Pode-se dizer então que os métodos são os caminhos

    escolhidos, enquanto que a metodologia é o estudo dos caminhos, dos instrumentos utilizados

    para se fazer uma pesquisa científica.

    Esta pesquisa pode ser classificada como um estudo de caso que se utiliza do método

    hipotético dedutivo e de técnicas quali-quantitativas de pesquisa. Foi escolhido o estudo de

    caso com a finalidade de obter respostas às questões do tipo “onde”, “como” e “por que”

    ocorrem os deslizamentos de terra no “Miolo” de Salvador. O estudo de caso consiste no

    “estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira que permita o seu

    amplo e detalhado conhecimento” (GIL, 2007, p. 54). De acordo com Triviños (1992, p.111)

    “o valor do estudo de caso está em fornecer o conhecimento aprofundado de uma realidade

    delimitada, de modo que os resultados atingidos possam permitir formular hipóteses para o

    encaminhamento de outras pesquisas”. Pesquisas explicativas como esta, “preocupam-se em

    identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos”

    (GIL, 2007 p.42).

    Visando facilitar o entendimento deste trabalho, os procedimentos para a realização da

    pesquisa foram estruturados em quatro etapas, apresentados resumidamente no quadro 4

    (quatro) e detalhados nos próximos itens.

    Quadro 4 – Etapas da pesquisa e suas respectivas atividades

    1. Levantamento e análise

    crítica de referências

    bibliográficas

    2. Coleta de dados

    secundários

    3. O mapeamento 4. Análises e

    interpretações

    Fundamentação teórica (Revisão bibliográfica)

    Caracterização da área de estudo

    Inventário das ocorrências dos

    deslizamentos de

    terra

    Dados das pluviosidades

    Construção do banco de dados

    Uso de SIG

    Corresponde ao capítulo V

    desta pesquisa

    Elaboração: SANTOS, D. A. C. (2014).

    26

  • 3.1 Etapa 1: levantamento e análise crítica de referências bibliográficas

    Para consolidar o referencial teórico-metodológico deste trabalho científico foi

    imprescindível a consulta a diversas fontes bibliográficas. A seleção destas deu-se por meio de

    palavras-chave e incluíram consultas em revistas, livros, artigos, dissertações, teses,

    periódicos, dicionários especializados, relatórios de pesquisa, dentre outros, disponíveis em

    meio analógico e digital.

    Tal procedimento visou o aprofundamento do “estado da arte” sobre: o espaço urbano,

    segregação sócio-espacial, cidade, áreas de riscos e escorregamentos. Procurou-se aliar

    trabalhos renomados com novas iniciativas de análise, almejando construir um conhecimento

    consistente sobre o tema a partir da leitura e análise das fontes consultadas.

    As informações referentes aos aspectos físicos e socioeconômicos da área de estudo,

    foram obtidas, principalmente por meio de consultas a publicações (textuais e/ou

    cartográficas) da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio

    Ambiente (SEDHAM), da Coordenadoria Central de Produção de Indicadores Urbano-

    Ambientais (COPI), da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia – SEI,

    do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto Nacional de

    Meteorologia (INMET) e do Órgão Central de Planejamento (OCEPLAN). Além destas,

    outras publicações, desenvolvidas pela iniciativa publica e/ou privada, realizadas no âmbito

    municipal, que tratavam da área em estudo foram aproveitadas.

    3.2 Etapa 2: coleta de dados secundários

    Nesta etapa procurou-se o maior número de informações, no órgão municipal

    competente, Defesa Civil da cidade de Salvador, referentes aos deslizamentos de terra

    ocorridos na área de estudo, no período compreendido entre os anos de 2009 a 2013. Estes

    dados foram obtidos por meio do Sistema de Gestão da Defesa Civil de Salvador (SGDC).

    Trata-se de um sistema pioneiro no Brasil, desenvolvido em 2004, e tem como principais

    objetivos: i) melhorar a capacidade de planejamento e gerenciamento das ações preventivas e

    emergenciais do órgão; ii) aumentar o controle de suas ações; iii) acompanhar de forma

    integrada as solicitações, os atendimentos e as vistorias; iv) criar e manter atualizado o banco

    de dados; melhorar a qualidade dos laudos técnicos; v) possibilitar a emissão de relatórios

    gerenciais; e vi) tornar acessível o sistema via web (Informação disponível na homepage da

    27

  • Defesa Civil da cidade de Salvador)2. Vale ressaltar, contudo, que o acesso a este sistema é

    restrito a apenas alguns funcionários do órgão e que a disponibilização dos dados só é

    possível por meio de solicitações. Assim, foram disponibilizadas planilhas, no formato “pasta

    de trabalho do Excel 97-2003” com extensão “xls”, contendo as seguintes informações

    referentes a cada deslizamento ocorrido: endereço, bairro, data, número dos imóveis atingidos

    e/ou vistoriados, e o estado físico dos mesmos. Com o auxílio do software Microsoft Excel

    2010, as informações pertinentes à pesquisa, endereço, bairro e data de cada deslizamento de

    terra ocorrido, foram reclassificados em ordem alfabética e temporal (decrescente). A adoção

    deste procedimento possibilitou uma melhor organização das informações e facilitou

    significativamente o processo de contagem dos escorregamentos por bairro e mês.

    Nesta etapa, também foram coletados os dados das pluviosidades mensais referentes a

    cada ano analisado (2009, 2010, 2011, 2012 e 2013) e os dados históricos das pluviosidades

    médias mensais (Médias Climatológicas: 1961 a 1990), obtidos conforme consulta realizada a

    homepage do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET)3.

    Os dados das ocorrências de deslizamentos de terra e os dados das pluviosidades

    foram organizados na forma de tabelas e representados através de gráficos para facilitar a

    análise comparativa entre os mesmos.

    3.3 Etapa 3: o mapeamento

    Essa etapa compreendeu o tratamento dos dados georreferenciados inseridos em um

    Sistema de Informação Geográfica (SIG), e geração de um banco de dados georreferenciados.

    De acordo com Eastman (1995 apud FITZ, 2008, p.23) SIG é “um sistema assistido

    por computador para a aquisição, armazenamento, análise e visualização de dados

    geográficos”. Um diferencial e vantagem do SIG, segundo Nogueira (2009) é a capacidade de

    combinar layers – planos de informações (PI) – para análises espaciais. O uso de SIGs

    associados às técnicas de geoprocessamento transformou-se em um dos mais eficazes

    instrumentos tecnológicos de suporte para a tomada de decisões referentes à gestão do espaço,

    seja por meio de análises, simulações ou pela possibilidade da geração de banco de dados

    georreferenciados.

    O SIG utilizado nesta pesquisa, tem como plataforma operacional o ArcGIS versão

    10.1, e a base cartográfica empregada corresponde aos arquivos vetoriais, no formato

    2 http://www.defesacivil.salvador.ba.gov.br/

    3 http://www.inmet.gov.br/portal/

    28

    http://www.inmet.gov.br/portal/

  • shapefile, constituída pelos níveis de informação: limite de bairro, sistema viário, limite

    intermunicipal. Além destas informações, também foi utilizado o arquivo vetorial, no formato

    shapefile, dos aglomerados subnormais do IBGE (2010), obtido conforme consulta realizada a

    homepage do órgão4.

    Os mapas que representam a evolução das ocorrências dos escorregamentos por bairro

    (figura 21) foram gerados pelo método coroplético com modo de implantação zonal. De

    acordo com Archela e Thery (2008), os mapas coropléticos são elaborados com dados

    quantitativos e apresentam sua legenda ordenada em classes conforme a regra própria de

    utilização da variável visual valor por meio de tonalidades de cores, ou ainda, por uma

    sequencia ordenada de cores que aumentam de intensidade conforme a sequencia de valores

    apresentados nas classes estabelecidas.

    Para a implantação dos pontos referentes às ocorrências dos deslizamentos de terra,

    representados nos mapas (figuras 24 a 28) foram utilizados: i) as informações referentes ao

    endereço de cada deslizamento de terra ocorrido, disponibilizadas em planilhas pela Defesa

    Civil da Cidade de Salvador; e ii) o arquivo vetorial no formato shapefile constituído pela

    informação das vias existentes em Salvador. Foram localizados 2.761 pontos de ocorrências

    dos escorregamentos. Cabe ressaltar que a localização de cada um desses pontos foi feita de

    forma manual, por meio do programa ArcGIS.

    Para a elaboração dos cartogramas utilizados no subcapítulo intitulado “Quadro

    socioeconômico”, referente ao capítulo de caracterização da área de estudo, foram utilizados

    os dados da base de informação por setor censitário do censo demográfico 2010, elaborados

    pelo IBGE5. As informações em nível de setor estão distribuídas em planilhas, com cerca de

    3.000 variáveis no formato “pasta de trabalho do Excel 97-2003” com extensão “xls” e no

    formato “CSV” (formato de valores separados por vírgulas). As variáveis utilizadas nesta

    pesquisa foram: i) “moradores em domicílios particulares permanentes ou população residente

    em domicílios particulares permanentes”; ii) “domicílios particulares permanentes do tipo

    apartamento”; iii) “pessoas responsáveis com rendimento nominal mensal de até 1/2 salário

    Mínimo”; iv) “domicílios particulares permanentes com lixo coletado”; v) “domicílios

    particulares permanentes com abastecimento de água da rede geral”; e vi) “domicílios

    particulares permanentes com energia elétrica”.

    Dentre os 3.592 setores censitários em que o município de Salvador foi dividido para

    4 ftp://geoftp.ibge.gov.br/malhas_digitais/censo_2010/aglomerados_subnormais/shape/

    5ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Resultados_do_Universo/Agregados_por_Setores_Censi

    tarios/

    29

    ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Resultados_do_Universo/Agregados_por_Setores_Censitarios/ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Resultados_do_Universo/Agregados_por_Setores_Censitarios/

  • finalidade de coleta de dados pelo IBGE, em 2010, 974 setores foram identificados na área de

    estudo, destes, apenas 7 foram identificados parcialmente fora do limite adotado nesta

    pesquisa. A malha dos setores censitários (arquivo vetorial, no formato shapefile) utilizada

    nesta monografia esta disponível na homepage do IBGE6. De posse deste material, procedeu-

    se a alimentação do banco de dados, com os dados referentes às variáveis selecionadas,

    citadas acima. Quanto ao método utilizado para os mapas temáticos optou-se pelo coroplético,

    nos quais os valores estão sendo associados à áreas, no caso os setores. A variável visual

    utilizada foi valor. Os intervalos das classes foram definidos automaticamente pelo ArcGIS

    10.1.

    3.4 Etapa 4: análises e interpretações

    A última etapa corresponde ao capítulo cinco deste trabalho. Este capítulo apresenta os

    produtos confeccionados, análises e discussão dos resultados. Nesta etapa foram realizadas as

    seguintes análises: i) análise temporal (mensal/anual): por meio de tabelas e gráficos, dos

    dados das ocorrências de deslizamentos de terra registradas entre o período de 2009 a 2013,

    correlacionados aos dados pluviométricos; e ii) análise espaço-temporal (anual): corresponde

    a análise das informações espaciais das ocorrências dos escorregamentos registradas no

    período em estudo, associadas as informações espaciais dos aglomerados subnormais

    instituídos pelo IBGE, em 2010. No mesmo capítulo também é apresentado, a análise

    evolutiva das ocorrências de deslizamentos de terra, por bairro (análise espaço-temporal).

    6http://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?u=geoftp.ibge.gov.br/malhas_digitais/censo_2010/se

    tores_censitarios/ba.zip

    30

    http://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?u=geoftp.ibge.gov.br/malhas_digitais/censo_2010/setores_censitarios/ba.ziphttp://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?u=geoftp.ibge.gov.br/malhas_digitais/censo_2010/setores_censitarios/ba.ziphttp://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?u=geoftp.ibge.gov.br/malhas_digitais/censo_2010/setores_censitarios/ba.ziphttp://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?u=geoftp.ibge.gov.br/malhas_digitais/censo_2010/setores_censitarios/ba.ziphttp://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?u=geoftp.ibge.gov.br/malhas_digitais/censo_2010/setores_censitarios/ba.ziphttp://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?u=geoftp.ibge.gov.br/malhas_digitais/censo_2010/setores_censitarios/ba.ziphttp://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?u=geoftp.ibge.gov.br/malhas_digitais/censo_2010/setores_censitarios/ba.ziphttp://servicodados.ibge.gov.br/Download/Download.ashx?u=geoftp.ibge.gov.br/malhas_digitais/censo_2010/setores_censitarios/ba.zip

  • 4 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

    Segundo Fernandes (2004), a área de estudo, o “Miolo” de Salvador, é assim denominado

    desde os estudos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano para a Cidade de Salvador

    (PLANDURB), na década de 1970. Este nome se deve ao fato de a região situar-se

    geograficamente na parte central do município, ou seja, no miolo da cidade. Corresponde a

    maior parte ao espaço localizado entre os dois principais eixos de articulação urbano-regional

    de Salvador – a BR-324, e a Av. Luiz Viana (mais conhecida como Avenida Paralela). De

    acordo com a Prefeitura Municipal de Salvador (2009) esta área corresponde a 20% do

    território do município. Nesta, estão localizados alguns importantes complexos institucionais,

    como o Centro Administrativo da Bahia (CAB), o Complexo Penitenciário e o 19º Batalhão

    de Caçadores do Exército. A área de estudo situa-se entre as coordenadas geográficas 12°52’ -

    12°59’ latitude sul, e 38°22’ - 38°29’ longitude oeste (figura 2).

    Esta área abrange 52 (cinquenta e dois) bairros de Salvador, tomando como base as

    subdivisõesda macrounidade 27 registradas pelo volume 1 dos Cadernos da Cidade produzidos

    pela Prefeitura Municipal de Salvador (2009). Assim sendo, este estudo contemplou os

    seguintes bairros: Saramandaia, Pernambués, Resgate, Cabula, São Gonçalo, Saboeiro,

    Doron, Narandiba, Cabula VI, Arenoso, Engomadeira, Arraial do Retiro, Barreiras,

    Beiru/Tancredo Neves, Novo Horizonte, Centro Administrativo da Bahia (CAB), Mata

    Escura, Sussuarana, Nova Sussuarana, Jardim Santo Inácio, Calabetão, São Rafael, Vale dos

    Lagos, São Marcos, Granjas Rurais Presidente Vargas, Canabrava, Sete de Abril, Pau da

    Lima, Jardim Cajazeiras, Porto Seco Pirajá, Vila Canária, Novo Marotinho, Trobogy, Nova

    Brasília, Jardim Nova Esperança, Dom Avelar, Castelo Branco, Jaguaripe I, Águas Claras,

    Fazenda Grande III, Fazenda Grande IV, Boca da Mata, Fazenda Grande II, Fazenda Grande

    I, Cajazeiras VIII, Cajazeiras X, Cajazeiras XI, Cajazeiras V, Cajazeiras IV, Cajazeiras VI,

    Cajazeiras VII, Cajazeiras II.

    7 A Macouninade 2 “subdivide-se nas regiões Cabula (RA XI), Tancredo Neves (RA XII) e Pau da Lima (RA

    XIII), Cajazeiras (RA XIV)”. (PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR, 2009, p. 32).

    31

  • 32

  • 4.1 Uso e ocupação do solo na área do “Miolo” de Salvador - BA

    A partir de 1940, Salvador passou a expandir-se rapidamente face o seu forte poder de

    atração sobre o fluxo migratório, o que provocou profundas alterações na configuração

    espacial da cidade no final da supramencionada década. De acordo com o Governo do Estado

    da Bahia (1985), no documento intitulado “Plano de Ocupação para Área do Miolo de

    Salvador”, é neste momento que o “Miolo”, até então caracterizado por uma ocupação

    eminentemente rural e por grandes latifúndios, em sua maioria de propriedade municipal e

    sob o regime de enfiteuse8, inicia o seu processo de ocupação por vários loteamentos.

    [A expansão urbana de Salvador] (...) experimenta uma aceleração a partir

    de 1940 a 1950, quando se dá um crescimento demográfico significativo,

    principalmente em decorrência de movimentos migratórios, e alcança o seu

    ápice nas décadas de 60 e 70, época em que foram implantados diversos

    projetos de urbanização, dentre eles a abertura das avenidas de vale, a

    expansão do sistema viário, e o desenvolvimento da industrialização, com a

    implantação da Refinaria Landulfo Alves (1956), do Centro Industrial de

    Aratu (1964) e do Complexo Petroquímico de Camaçari (1970)

    (COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO DO ESTADO DA

    BAHIA, 2006, p. 23).

    As maiores repercussões da expansão urbana de Salvador viriam em decorrência da

    construção de duas importantes rodovias: a Estrada Velha do Aeroporto e a Avenida

    Amaralina-Itapuã, comunicando o novo aeroporto implantado, durante a II Grande Guerra

    (1939–1945), localizado no distrito de Ipitanga, à cidade (PREFEITURA MUNICIPAL DE

    SALVADOR, 2009). A Estrada Velha do Aeroporto foi responsável pelo primeiro

    retalhamento do “Miolo”, a partir da implantação da mesma, ampliaram-se as possibilidades

    de acesso. Este fato foi decisivo para o desenvolvimento de novos núcleos de moradia em

    Salvador. No “Miolo”, foi implantada a nucleação do Buraco do Tatu, no local onde mais

    tarde se estabeleceriam o conjunto habitacional Sete de Abril e a ocupação de Pau da Lima

    (GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, 1985).

    No decorrer da década de 1950 acentuou-se o processo de expansão horizontal da cidade,

    condicionado, sobretudo, pelo crescimento demográfico. O citado fato provocou o surgimento

    de novos parcelamentos na área do “Miolo”.

    Na década de 1960, processou-se a abertura das avenidas de vale, que passaram a se

    constituir em novo escoadouro de expansão urbana, impulsionando o processo de ocupação.

    De acordo com Governo do Estado da Bahia (1985), 2 (dois) elementos foram importantes no

    8 Termo definido como “o mesmo que aforamento; direito real alienável e transmissível aos herdeiros, e que

    confere a alguém o pleno gozo do imóvel mediante a obrigação de não deteriorá-lo e de pagar um foro anual, em

    numerário ou em frutos, ao proprietário” (PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR, 2009, p. 106).

    33

  • processo de ocupação da área do “Miolo”, entre o período de 1960 a 1970: i) a ligação interna

    facilitada pela construção da Av. Silveira Martins (1965/66); e ii) a implantação do primeiro

    conjunto de ocupação programada, na antiga Fazenda Sete de Abril (1967). Este conjunto foi

    desenvolvido pela Companhia de Urbanização de Salvador (CURSA), precursora da

    Habitação e Urbanismo da Bahia (URBIS), que posteriormente foi extinta.

    No “Miolo” de Salvador, na década de 1970, registraram-se os seguintes processos: i)

    expansão urbana a partir da BR 324, seguindo na direção leste, acompanhando as vias de

    penetração implantadas nas cumeadas dos altiplanos, especialmente no Cabula/ Pernambués

    (RA XI), em São Gonçalo/ Tancredo Neves (RA XII) e também Pau da Lima (RA XIII); ii)

    surgimento de novas nucleações de ocupação “espontânea” no extremo norte do Município,

    entre os quais Palestina e Dois Irmãos; e iii) implantação de programas habitacionais em

    Castelo Brando, Narandiba e Cajazeiras (PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR,

    2009). A consolidação destes projetos redefiniram os rumos da ocupação nesta área,

    acelerando a expansão periférica e aumentando os vazios entre a área urbana contínua e o

    limite urbano municipal (GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, 1987). Foi também neste

    momento, em que se registrou uma presença significativa de invasões no “Miolo”. Neste

    período, vale também destacar a implantação da Avenida Luiz Viana, em 1974.

    A área do “Miolo”, na década de 1980, foi marcada pela intensificação dos processos em

    curso na década anterior. Já na década de 1990, conforme Prefeitura Municipal de Salvador

    (2009) foram observados os seguintes processos: i) adensamento das regiões a partir da

    implantação de programas habitacionais para a população de baixa renda; ii) invasões de

    terrenos vazios adjacentes às áreas de ocupação já consolidadas, ou próximas aos conjuntos

    habitacionais existentes, especialmente em Cajazeiras (RA XIV); iii) surgimento de grandes

    invasões, como o Jardim Mangabeira; e iv) proliferação de loteamentos residenciais

    irregulares e clandestinos implantados na área de contribuição direta da bacia hidráulica da

    represa de Ipitanga I.

    A área do “Miolo” encontra-se ainda em processo de estruturação da ocupação urbana,

    apresentando um maior grau de consolidação nas regiões ao sul e nas imediações da BR-324.

    Verifica-se nesta área uma predominância de conjuntos habitacionais e assentamentos

    informais de população de baixa renda, na sua maioria, precários. De acordo com a Prefeitura

    Municipal de Salvador (2009), o uso predominante é o residencial, seguido do comércio e

    serviços de apoio ao uso residencial e atividades industriais e grandes depósitos nas

    proximidades da BR-324. Ainda segundo a mesma fonte, as concentrações de comércio e

    34

  • serviços são pouco estruturadas e atendem principalmente a vizinhança residencial,

    destacando-se Pau da Lima, Cajazeiras e Pernambués.

    4.2 Principais aspectos físicos

    4.2.1 Clima

    O clima atuante, não só na área de estudo, mas em todo o município de Salvador,

    conforme indicado pela SEI (1998), segundo a classificação climática de Thornthwaite, é do

    tipo úmido (B1r A’), com excedente hídrico entre 300 mm a 600 mm e com chuvas

    concentradas no período de outono-inverno. As chuvas relacionam-se diretamente com a

    dinâmica das águas de subsuperfície, atuando, de um modo geral, como fator de maior

    influência no desencadeamento dos escorregamentos.

    A precipitação média anual no município é de 2.144 milímetros (mm), com um total de

    173 (cento e setenta e três dias) de chuva por ano, conforme demonstrado a seguir (tabela 01).

    Tabela 1 – Dados climatológicos de Salvador - BA

    Nota: Médias Climatológicas de 1961 a 1990.

    Fonte: INMET (2014).

    Elaboração: SANTOS, D. A. C. (2014).

    Mês Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. Ano

    Temperatura

    máxima registrada

    (°C) 34,3 34,7 34,6 37,1 31,6 32,5 29,6 31,3 30,7 32,4 32,9 34,3 37,1

    Temperatura

    máxima média (°C) 29,9 30 30 28,6 27,7 26,5 26,2 26,4 27,2 28,1 28,9 29 28,2

    Temperatura

    média (°C) 26,4 26,5 26,6 26,2 25,2 24,3 23,7 23,6 24,3 25,1 25,5 25,9 25,3

    Temperatura mínima

    média (°C) 23,6 23,7 23,9 23,7 22,9 22 21,4 21,2 21,7 22,5 22,9 23,2 22,7

    Temperatura mínima

    registrada (°C) 20 20,3 20,8 19,6 18 18,2 17,5 17,7 17,6 18,3 16,2 20 16,2

    Precipitação (mm) 138 142 151,6 309,7 359,9 243,7 175 127,4 102 114,9 137,1 142,8 2.144

    Dias com

    precipitação (≥ 1

    mm) 10 13 16 17 20 19 20 15 12 10 11 10 173

    Umidade relativa (%) 79,4 79 79,8 82,2 83,1 82,3 81,5 80 79,6 80,7 81,5 81,1 80,9

    Horas de sol 245,6 226,4 231,1 189,7 174,3 167,2 181,2 202,6 211,4 228 213,6 224,7 2.495,8

    35

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Precipita%C3%A7%C3%A3o_(meteorologia)http://pt.wikipedia.org/wiki/Umidade_relativa

  • Abril, maio e junho são os meses mais chuvosos do ano em Salvador, mais de 900 mm de

    chuva caem durante estes três meses. Agosto, setembro e outubro são os meses em que

    apresentam os menores índices de precipitação (127,4 mm, 102 mm e 114,9 mm,

    respectivamente) (tabela 1).

    Salvador apresenta regularidade térmica característica do litoral do Nordeste do Brasil,

    com temperatura média anual de 25,3ºC e variações médias mensais, durante o ano, inferiores

    a 2°C para mais e para menos.

    A temperatura máxima é, em média, de 29,63ºC no verão e de 26,36ºC no inverno,

    enquanto a mínima oscila entre 23,53ºC no verão e 21,53ºC no inverno. Os meses mais

    quentes são os compreendidos entre novembro e abril, enquanto que as temperaturas mais

    baixas ocorrem entre os meses de maio e outubro. A brisa oriunda do Oceano Atlântico deixa

    agradável a temperatura mesmo nos dias mais quentes. Com média de 2.500 horas de sol por

    ano, a umidade do ar é relativamente elevada, com médias entre 75% e 85%.

    4.2.2 Geologia/Pedologia/Geomorfologia/Relevo

    A região Metropolitana de Salvador foi subdividida por Barbosa e Dominguez (1996); e

    Barbosa et al., (2005) em três domínios geológicos principais: i) a Bacia Sedimentar do

    Recôncavo, formada por rochas sedimentares Mesozóicas do tipo conglomerados,

    representados pela Formação Salvador e, arenitos e folhelhos, representados pela Formação

    Pojuca do Grupo Ilhas; ii) O Alto de Salvador, Planalto ou Maciço de Salvador, representado

    por rochas metamorfizadas, graníticas e basálticas do embasamento cristalino arqueano-

    paleoproterozóico; e iii) a Planície Litorânea ou Margem Costeira Atlântica, formada por

    depósitos sedimentares Terciários da Formação Barreiras e depósitos inconsolidados do

    Quaternário.

    A área em estudo se apresenta inserida na parte leste da falha de Salvador,

    compreendendo o embasamento cristalino formado, principalmente, pelos seguintes materiais

    litológicos: granulitos tonalíticos, granulitos charnoenderbíticos, migmatitos, gnaisses

    quartzo-feldspáticos, granitos e anfibolitos (figura 3). Os materiais em questão evoluem para

    solos residuais siltosos e silte-argilosos (SILVA, 2005).

    Nas partes mais elevadas sob as rochas do embasamento cristalino repousa a Formação

    Barreiras. De composição e granulometria variada, a Formação Barreiras é caracterizada por

    arenitos finos a grossos, argilitos cinza avermelhados, roxos e amarelados e arenitos grossos a

    36

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Brisa_(vento)http://pt.wikipedia.org/wiki/Oceano_Atl%C3%A2nticohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Insola%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Umidade_do_ar

  • conglomeráticos com matriz caulínica. O citado material evolui para solos residuais arenosos

    e areno-siltosos de cor acinzentada (SILVA, 2005).

    Figura 3 – Geologia de Salvador - BA

    Fonte: Cruz (2005 apud SILVA, 2005, p. 60).

    Estudos realizados por Barbosa et al., (2005); Cruz (2005); Barbosa e Souza (2007),

    constataram no Alto de Salvador a presença de uma grande diversidade de litotipos

    metamórficos de alto e médio grau. Esses autores subdividiram o Alto de Salvador em dois

    domínios, separados pela Falha do Iguatemi, a qual é sub-paralela à Falha de Salvador (figura

    4). Na parte oeste, caracterizada por terrenos que possuem um relevo mais acidentado, onde a

    altitude média é superior a 60 metros, ocorrem granulitos, enquanto que na parte leste, onde o

    relevo é mais baixo, com altitudes inferiores a 30 metros, são encontradas rochas da fácies

    anfibolito.

    A Formação Barreiras “compõe-se de sedimentos areno-argilosos que se acumulam na

    forma de tabuleiros sobre o embasamento cristalino, geralmente em cotas superiores a 70

    metros” (PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR, 2009, p. 34). “Em direção ao topo,

    predominam espessas camadas de arenitos de granulação média a fina, com matriz argilosa e

    37

  • coloração amarelo-esbranquiçada, cuja espessura máxima, chega a alcançar 20 m” (SANTOS,

    2003 apud TOURINHO, 2008, p. 42). De acordo com a Prefeitura Municipal de Salvador

    (2009), o solo é extremamente suscetível a processos erosivos, principalmente se for

    removida a cobertura vegetal. Ainda segundo a mesma fonte, para a ocupação dos terrenos de

    Formação Barreiras são imprescindíveis medidas preventivas ou corretivas, fim de evitar a

    erosão das camadas areno-argilosas superiores.

    A forma do relevo expressa o estágio de equilíbrio entre os processos naturais exógenos e

    os tipos de materiais expostos às transformações, sob o controle do clima.

    As feições geomorfológicas de Salvador resultaram do profundo

    intemperismo das rochas do embasamento cristalino, o “horst” de Salvador,

    entalhado por uma densa rede hidrográfica, que deu origem a um relevo

    movimentado, com níveis altimétricos situados entre 30 e pouco mais de 100

    metros (GONÇALVES, 1992 apud SILVA, 2005, p. 67).

    Figura 4 – Diferença altimétrica do relevo de Salvador - BA

    Fonte: Cruz (2005 apud SILVA, 2005, p. 68).

    38

  • De acordo com o Órgão Central de Planejamento (OCEPLAN) (1980 apud ELBACHA,

    1992) as feições geomorfológicas da cidade de Salvador podem ser individualizadas na

    paisagem urbana através de 3 (três) compartimentos topográficos morfológicos principais: i)

    O Planalto profundamente dissecado, que corresponde ao chamado “Alto de Salvador”; ii) as

    Planícies a beira mar, onde se encontra localizada a chamada “Cidade Baixa”; e a Planície

    Litorânea, correspondente a orla marítima. No quadro 5 (cinco), a seguir são apresentadas

    apenas as principais características do compartimento encontrado na área de estudo.

    Quadro 5 – Principais características do compartimento topográfico-morfológico encontrado

    na área do “Miolo” de Salvador - BA

    Compartimento

    topográfico-morfológico Principais características

    Planalto

    Esse compartimento é representado pelas rochas do embasamento

    cristalino profundamente intemperizado (regolito com espessura variável

    em torno de 10 e 20 metros). Apresenta vertentes de inclinações

    variáveis, desde valores muito reduzidos a ângulos muito elevados.

    Geralmente apresenta-se sob a forma de espigões, testemunhos de uma

    superfície pediplana retrabalhada por uma rede hidrográfica

    superimposta de clima úmido. Essa feição morfológica apresenta-se de

    forma alongada, com vertentes abruptas de topos planos entalhados por

    vales de fundo chato, colmatados ou vales estreitos e profundos.

    Fonte: SILVA (2005).

    Elaboração: SANTOS, D. A. C. (2014).

    4.2.3 Vegetação

    Segundo a Prefeitura Municipal de Salvador (2009), a vegetação original da península, a

    qual a cidade do Salvador esta inserida, é a floresta tropical do tipo ombrófila, heterogênea,

    latifoliada e densa denominada Mata Atlântica, que apresenta fisionomia compacta, com

    árvores de grande porte e uma das maiores biodiversidades do planeta.

    A distribuição das formações vegetais está relacionada às características do solo, dos

    recursos hídricos, das condições climáticas e das categorias do uso do solo desenvolvidas na

    região. É importante ressaltar que a intensa ocupação registrada ao longo dos anos, no

    município de Salvador, influenciou significativamente no processo de esgotamento da

    vegetação primária, restando apenas algumas resistências verdes na mancha urbana atual. A

    maior parte da cobertura vegetal preservada no município localiza-se principalmente dentro

    39

  • dos limites das grandes áreas de conservação já institucionalizadas, a exemplo das Áreas de

    Proteção Ambiental (APA) da Represa do Cobre, da APA do Joanes/Ipitanga, da APA do

    Abaeté, do Parque (da Cidade) Joventino Silva, do Zoobotânico de Ondina e do Parque de

    Pituaçu (PREFEITURA MUNICIPAL DE SALVADOR, 2009).

    Um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica da cidade situa-se na área em estudo.

    Trata-se de uma área pertencente à União (Exército), denominada de “Reserva do Cascão”

    (figura 5), situada no bairro do Cabula. “Possui quase 1,5 milhão de metros quadrados de

    vegetação preservada, com predomino de espécies da fauna e flora nativa da Mata Atlântica”

    (CORREIA, 2012, p. 1). Consiste em uma das 13 (treze) Áreas de Proteção de Recursos

    Naturais (APRN), estabelecidas no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de

    Salvador (SALVADOR, 2008). Além da APRN dos Vales do Cascão e Cachoeirinha, outras 4

    (quatro) áreas de proteção de recursos naturais foram identificadas, por meio do mapa de

    Sistema de Áreas de Valor Ambiental e Cultural (SAVAM), na área do “Miolo” de Salvador,

    são elas: a APRN dos Vales da Mata Escura e do Rio da Prata; a APRN da Mata dos Oitis; a

    APRN de São Marcos; e a APRN de Jaguaribe.

    Encontra-se também inserido na área em estudo o Parque Urbano Socioambiental de

    Canabrava.

    Figura 5 – Área da “Reserva do Cascão” em Salvador - BA

    Fonte: Imagem de satélite (Google Maps, 2014).

    Segundo a OCEPLAN (1981), a cobertura vegetal tem papel decisivo no grau de

    40

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Mata_Atl%C3%A2ntica

  • estabilidade dos solos nas encostas, trata-se de um dos principais fatores de defesa natural do

    solo contra a erosão. Entre os principais efeitos da cobertura vegetal nos processos erosivos

    destacam-se, de acordo com Bertoni e Lombardi Neto (1985 apud COUTINHO, 2008, págs.

    83 e 84): i) a proteção contra o impacto direto de gotas da chuva; ii) a dispersão e quebra da

    energia das águas de escoamento superficial; iii) o aumento da infiltração pela produção de

    poros no solo por ação das raízes; e iv) o aumento da capacidade de retenção de água pela

    estrutura do solo por efeito da produção e incorporação de matéria orgânica.

    4.2.4 Hidrografia

    Destacam-se como bacias de maior importância encontradas na área do

    Miolo as dos seguintes rios: Camarugipe; Cachoeirinha e Pituaçu; Saboeiro e

    Cascão, que compõem a bacia das Pedras. Os rios Jaguaribe, Mocambo e

    Trobogi formam a Bacia do Jaguaribe; e rio Ipitanga, que compõe a Bacia do

    Joanes (GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, 1985, p. 21).

    Ainda segundo a mesma fonte, com exceção da Bacia do rio Camurugipe e do rio

    Ipitanga, que nasce nas imediações do CIA, os supracitados rios são de pequena extensão e

    correm na direção oeste-leste, indo desembocar no Oceano Atlântico, possuindo nascentes

    dentro da área de estudo. Apesar de suas importâncias, suas águas apresentam altos níveis de

    poluição, devido à quantidade de despejos lançados pela população. Além disto, o equilíbrio

    ecológico vem sendo ameaçado pela devastação da cobertura vegetal, face o processo de

    ocupação indiscriminada do solo. Ocorre que “uma das vertentes da bacia de contribuição da

    represa de Ipitanga I, localizada na RA XIV, vem sendo ocupada por loteamentos

    clandestinos, com risco para a qualidade do manancial” (PREFEITURA MUNICIPAL DE

    SALVADOR, 2009, p. 111).

    4.3 Quadro socioeconômico

    A população residente na área do “Miolo” de Salvador representava, em 1970, 7,5% do

    total da população municipal, em 2010, passou a constituir 28,17%, o que significa um

    incremento superior a meio milhão de pessoas morando nesta área (tabela 2). No período de

    1970/80, foi a macro-área da cidade que apresentou a maior taxa de crescimento (GOVERNO

    DO ESTADO DA BAHIA, 1985), passando de 75.394 para 250.901 habitantes. É possível

    verificar, por meio da tabela 2 (dois), que as taxas de crescimento no “Miolo” nos períodos

    intercensitários foram superiores as taxas de crescimento do município. Esta área constitui-se

    41

  • num grande eixo de expansão de Salvador. Na área do “Miolo”, se estabeleceram tanto os

    novos moradores da cidade como aqueles que não têm acesso às moradias de elevado custo,

    mais próximas à orla e aos locais turísticos (FERNANDES; REGINA, 2005).

    Tabela 2 – População e domicílios do “Miolo” e da cidade de Salvador – 1970, 1980, 1991,

    2000, 2010

    Anos Categorias Miolo Salvador

    1970

    População

    Domicílios

    hab/dom

    75.394

    13.719

    5,50

    1.006.398

    182.626

    5,51

    1980

    População

    TC* 70/80

    Domicílios

    hab/dom

    250.091

    12,74

    50.388

    4,50

    1.505.383

    4,11

    300.950

    5,00

    1991

    População

    TC* 80/91

    Domicílios

    hab/dom

    559.953

    7,60

    129.290

    4,33

    2.075.273

    2,96

    488.144

    4,25

    2000

    População

    TC* 91/00

    Domicílios

    hab/dom

    748.623

    3,28

    197.562

    3,79

    2.443.107

    1,83

    651.293

    3,75

    2010

    População

    Domicílios

    hab/dom

    753.802

    243.304

    3,09

    2.675.656

    858.496

    3,17

    * TC é Taxa de Crescimento, que corresponde à Taxa Geométrica de Crescimento.

    Fonte: FERNANDES; REGINA (2005). Tabela complementada (informações 2010) por SANTOS, D.

    A. C. (2014), a partir da Base de Informação por Setor Censitário do Censo Demográfico 2010, IBGE

    (2011).

    A leitura do mapa (figura 6) indica uma elevada concentração populacional nos seguintes

    bairros: Doron, Narandiba, Mata Escura, Saboeiro, Jardim Santo Inácio, Sussuarana, Vale dos

    lagos, São Rafael, Canabrava, Nova Brasília, Jardim Nova Esperança, Sete de Abril, Pau da

    Lima, Vila Canária, Castelo Branco, Boca da Mata, Fazenda Grande II e III, Cajazeiras IV,

    Águas Claras e Cajazeiras XI.

    A mapa da figura 7 (sete) demonstra a distribuição espacial dos domicílios tipo

    apartamento, que, de acordo com Souza, (2009, p. 142) “são habitações pluridomiciliares,

    verticais e, normalmente, de maior qualidade construtiva, cujo acesso se dá, quase sempre,

    através do mercado imobiliário formal”, e que predominam em algumas áreas dos seguintes

    bairros (figura 7): Pernambués, Resgate, Cabula, Saboeiro, Doron, Narandiba, Cabula VI,

    Mata Escura, Sussuarana, Vila Canária, Águas Claras, Sete de Abril, Canabrava, São Rafael,

    Vale dos Lagos, Pau da Lima, Cajazeira V, Boca da Mata, Cajazeiras XI, Fazenda Grande I,

    II, III e IV. Em algumas dessas áreas foram implantados conjuntos habitacionais direcionados

    42

  • à população de baixa renda, financiados pelo Estado por meio do extinto Banco Nacional de

    Habitação (BNH).

    Conforme demonstrado no mapa da figura 8 (oito), os responsáveis pelos domicílios, com

    rendimento nominal mensal inferior a ½ salário mínimo, residem principalmente nas áreas

    dos seguintes bairros: Pernambués, Cabula, Saboeiro, Doron, Narandiba, São Rafael, Vale dos

    Lagos, Canabrava, Trobogy e Nova Brasília.

    Com base em Carvalho e Barreto (2007), dentre os 3 (três) principais vetores de divisão

    do espaço urbano de Salvador, para fins de estudos (Orla Marítima Norte, o “Miolo”, e o

    Subúrbio Ferroviário na Baía de Todos-os-Santos), o “Miolo” e o Subúrbio apresentam

    condições mais precárias de habitabilidade e uma menor oferta de equipamentos e serviços

    urbanos.

    Os mapas das figuras 9, 10 e 11 evidenciam a situação do “Miolo” quanto ao acesso

    domiciliar a serviços urbanos. Observa-se que as maiores ofertas referentes aos serviços,

    como a coleta de lixo adequada9, o abastecimento de água adequado

    10, e a distribuição de

    energia elétrica, concentram-se em algumas áreas pertencentes aos seguintes bairros:

    Saboeiro, Doron, Narandiba, Mata Escura, Sussuarana, Vale dos Lagos, São Rafael,

    Canabrava, Nova Brasília, Trobogy, Jardim Nova Esperança, Sete de Abril, Pau da Lima, Vila

    Canária, Águas Claras, Fazenda Grande II e III e Cajazeiras XI.

    A área do “Miolo” de Salvador, em sua grande parte, se encontra coberta por

    abastecimento de água por rede geral. É importante salientar, contudo, que “nem sempre a

    existência de infraestrutura para a distri