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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO RITA DE CÁSSIA CARREGOSA DESAFIOS PARA A PRÁTICA INCLUSIVA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Salvador 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

RITA DE CÁSSIA CARREGOSA

DESAFIOS PARA A PRÁTICA INCLUSIVA NA EDUCAÇÃO

SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Salvador

2015

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RITA DE CÁSSIA CARREGOSA

DESAFIOS PARA A PRÁTICA INCLUSIVA NA EDUCAÇÃO

SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO NA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação, da Faculdade de

Educação, Universidade Federal da Bahia, como

requisito para aquisição do grau de Mestre em

Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Helena S. Bonilla

Salvador

2015

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SIBI/UFBA/Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira Carregosa, Rita de Cássia. Desafios para uma prática inclusiva na educação superior : um estudo de caso na Universidade de Brasília / Rita de Cássia Carregosa. – 2015. 258 f. : il. Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Silveira Bonilla. Dissertação (mestrado) Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, Salvador, 2015. 1. Educação inclusiva. 2. Ensino superior. 3. Deficientes – Educação (Superior). 4. Estudantes deficientes – Política governamental. I. Bonilla, Maria Helena Silveira. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. III. Título. CDD 371.9046 - 23. ed.

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RITA DE CÁSSIA CARREGOSA

DESAFIOS PARA A PRÁTICA INCLUSIVA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO NA UNIVERSIDADE DE

BRASÍLIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE, da Faculdade

de Educação - FACED, Universidade Federal da Bahia - UFBA, como requisito para

aquisição do grau de Mestre em Educação.

Aprovada em 22 de dezembro de 2015.

Maria Helena Silveira Bonilla – Orientadora ________________________________

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia

Universidade Federal da Bahia

Cristina Massot Madeira Coelho - _________________________________

Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília

Universidade de Brasília

Susana Couto Pimentel - _________________________________

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia

Universidade Federal da Bahia

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AGRADECIMENTOS

Agradeço tão somente a Deus que por Seu infinito Amor e Misericórdia, concedeu-me

a graça de, em meio a tantas desventuras e dificuldades, conseguir concluir da melhor maneira

possível esta dissertação, colocando em meu caminho pessoas de boa vontade, como a

Professora Maria Helena Bonilla - minha orientadora, e muitos amigos do Programa de Pós-

Graduação em Educação entre professores, funcionários e colegas mestrandos ou

doutorandos, e os recursos necessários para isso. Bem como os docentes da UnB que

compreensivamente me ajudaram durante a fase de campo.

Agradeço pela interseção da Virgem Maria, que sempre me acompanha nos momentos

felizes e difíceis da minha vida.

Graça e Paz!

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“E tomando a palavra, lhes respondeu:

‘Ide comunicar a João o que vistes e ouvistes’:

os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos,

os surdos ouvem, os mortos ressuscitam

os pobres são evangelizados,

e feliz é aquele para quem não sou motivo de escândalo’.”

(Evangelho, segundo Lucas, capítulo 7, versículos 22-23.)

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CARREGOSA, Rita de Cássia. Desafios para uma prática inclusiva na educação superior: um estudo de caso na Universidade de Brasília. 258 f. il. 2015. Dissertação (Mestrado) –

Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

RESUMO

A denominada educação inclusiva é um tema atual, que tem despertado o interesse social,

político e acadêmico. Nos últimos anos há uma propagação de políticas e mesmo trabalhos

tendo como base o discurso inclusivo, mas, ainda que se fale sobre esse tema, pouco ainda se

entende sobre a questão da ‘inclusão’ de pessoas com deficiência na educação superior, mais

efetivamente sobre pessoas com deficiência sensorial. Nesta linha, esta dissertação teve como

objetivo compreender desafios que se apresentam na educação superior, na perspectiva

docente, para a ocorrência de uma prática denominada inclusiva. De maneira específica,

procurou discorrer historicamente sobre o processo de exclusão social e educacional da

pessoa com deficiência; analisar compreensivamente as políticas direcionadas à inclusão da

pessoa com deficiência na educação, e sua reverberação na educação superior; investigar

como tem se efetivado e que desafios se apresentam para uma prática considerada inclusiva

na educação superior. Para isso, esse trabalho teve como base uma pesquisa empírica,

ocorrida na Universidade de Brasília – UnB, de cunho qualitativo, descritiva e explicativa,

utilizando a abordagem de estudo de caso. A amostra foi composta por nove docentes da

UnB, mas para melhor entendimento da temática, também participaram da pesquisa seis

servidores desta universidade, totalizando quinze sujeitos de pesquisa, além de ter sido feita a

observação in loco. O estudo oportunizou chegar a inferências e questionamentos a respeito

de aspectos essenciais para a prática de uma educação chamada inclusiva: o conceito de

inclusão e a conscientização institucional acadêmica sobre esse processo; as políticas

nacionais e internacionais, que despertaram para a necessidade de mudanças, mas que ainda

não são efetivamente executadas; as dificuldades e desafios para o docente com respeito à

formação, a falta de suporte institucional e as barreiras atitudinais; a questão estrutural; a

necessidade do aparato tecnológico; bem como, as ações que têm sido concretizadas, para

uma prática considerada inclusiva, e que possa favorecer a garantia de direitos incontestes da

pessoa com deficiência sensorial na sua formação acadêmica. A essência discursiva teve

como viés a cultura inclusiva e a universalização dos acessos, numa perspectiva de direitos

iguais que favoreça a ação docente e a plena formação da pessoa com deficiência.

Palavras-chave: Educação Superior. Pessoa com Deficiência. Educação Inclusiva.

Políticas de Inclusão.

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CARREGOSA, Rita de Cássia. Challenges for an inclusive practive in the college degree: a study of case at University of Brasília. 258 pp. ill. 2015. Dissertation (Master Degree) –

Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

ABSTRACT

The inclusive education is a current theme, that has aroused a social, political and academic

interest. In the last years there’s a prorogation of politics and even works having as a base the

inclusive discourse, despite of this subject is mentioned, very little is understood about the

inclusion of disabled people in the college education, more specifically on sensory disability.

In this line, this dissertation has as main goal to comprehend challenges that are presented in

college education, in the perspective professors, for the occurrence of a practice called

inclusive. In a specific manner, it aimed to talk historically about the process of educational

and social exclusion of a person with special needs; to analyze comprehensively the politics

that focus on inclusion of a person with special needs in the education, and its reverberation in

the university education; to investigate how it has become efficient and the challenges have

been presented for a practice that is considered inclusive in the university education. For this,

this work has as a base an empiric research that took place in the University of Brasília –

UnB. The research was qualitative, explanatory and descriptive nature, using a study of case

approach. The sample was composed by nine professors from UnB, and for a better

comprehension six public workers from this institution took part as well, totaling fifteen

research individuals, beyond “in loco” observation has been made. The study provided to

reach inferences and questions about the essential aspects for a practice of an education called

inclusive: the concept of inclusion and the academic institutional consciousness about this

process; national and international politics that have aroused for a necessity of change,

however they are not effectively applied yet; the teaching difficulties and the challenges

related to the formation; the lack of institutional support and attitudinal barriers; the structural

issue; the need of technology resources; the actions that have been done; to favor an inclusive

practice; the incontestable guarantees of disabled people to university degree. The discursive

essence had as a bias the inclusive culture and the universalization of the accesses, in a

perspective of equal rights that favors the teaching actions and the total formation of a

disabled person.

Keywords: College education. Disabled people. Inclusive education. Inclusion politics.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

ADA American with Disabilities Act

AEE Atendimento Educacional Especializado

AID Agency for International Development

AID-UnB Acessibilidade, Inclusão e Diversidade na UnB

ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

BCE Biblioteca Central

BDS Biblioteca Digital e Sonora

BSA Bloco de salas de aula

CAT Comitê de Ajudas Técnicas

CCV Coordenação de Cadastro e Comunicação Visual

CEPE Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão

CEPLAN Centro de Planejamento Oscar Niemeyer (UnB)

CNE Conselho Nacional de Educação

DAC Decanato de Assuntos Comunitários

DEG Decanato de Ensino e Graduação

DGP Decanato de Gestão de Pessoas

EPS Equipamento de Proteção e Segurança

FACED Faculdade de Educação (UFBA)

FE Faculdade de Educação (UnB)

FINEP Financiadora de Estudos e Projetos

FUB Fundação Universidade de Brasília

GEC Grupo Educação, Comunicação e Tecnologia

GT Grupo de trabalho

ICC Instituto Central de Ciências

IES Instituição de Educação Superior

IFES Instituição Federal de Educação Superior

IG Instituto de Geociências

IL Instituto de Letras

IP Instituto de Psicologia

ITS Instituto de Tecnologia Social

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JAWS Job Access with Speech

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LDV Laboratório para Deficientes Visuais

MEC Ministério da Educação

MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

MPOG Ministério do Planejamento e Gestão

NBR Normas Brasileira de Referência

NVDA Non Visual Desktop Access

ONU Organização das Nações Unidas

PET Programa de Educação Tutorial

PNE Plano Nacional de Educação

PNEs Portadores de Necessidades Especiais

PPNE Programa de Apoio a Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais

PPP Projeto Político Pedagógico

PPPI Projeto Político Pedagógico Institucional

PROCAP Coordenadoria de Capacitação e Educação

PTE Programa de Tutoria Especial

SciELO Scientific Electronic Library Online

SDH/PR Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República

SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade,

SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

SEESP Secretaria de Educação Especial

SESu Secretaria de Educação Superior

SMS Short Message Service

SNPD Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoa com Deficiência

TA Tecnologia Assistiva

TIC Tecnologia da Informação e Comunicação

UFBA Universidade Federal da Bahia

UnB Universidade de Brasília

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

3D Terceira Dimensão

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12 1.1 REFLEXOS DE MIM NA RELAÇÃO COM A PESQUISA 18

2 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS 26

2.1 DESCRIÇÃO DO CAMPO – UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB 35

3 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E DA EDUCAÇÃO: DA EXCLUSÃO SOCIAL A UMA INTEGRAÇÃO EDUCACIONAL 44

3.1 HISTÓRICO DE EXCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA:

PERCURSO DA ANTIGUIDADE À VISÃO MODERNA 45

3.2 EDUCAÇÃO: DA REALIDADE DE ELITIZAÇÃO AO IDEAL DE

DEMOCRATIZAÇÃO SOCIAL 52

3.3 EDUCAÇÃO SEGREGADA: VERTENTE CARACTERIZADA

PELA DESIGUALDADE SOCIAL 58 3.4 EDUCAÇÃO COM FOCO REDUCIONISTA: DAS CLASSES

ESPECIAIS À POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO 61

4 INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: INTERSTÍCIO ENTRE O DESEJO UTÓPICO E A REALIDADE CONCRETA 66

4.1 INCLUSÃO: UM CONCEITO EM DISCUSSÃO 66

4.2 EDUCAÇÃO DENOMINADA INCLUSIVA: PRÁTICA EFETIVA OU

APENAS PANACEIA? 75

4.3 INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: RELAÇÃO ENTRE

POTENCIAL E AÇÃO 79

4.3.1 Caracterização Estrutural da Educação Superior 89

5 AMPLIANDO DISCUSSÕES PARA UMA PRÁTICA INCLUSIVA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR 97

5.1 INCLUSÃO: CONCEPÇÃO, POLÍTICAS E CULTURA 98

5.1.1 A Concepção Docente de Inclusão 98 5.1.2 Políticas Públicas e Legislação sobre Inclusão na UnB, na Perspectiva Docente 105 5.1.3 Políticas e Programas de Inclusão da UnB 111 5.1.4 Aspectos Atitudinais e Filosóficos e as Barreira para Inclusão 123

5.1.5 Inclusão como Mudança Cultural 129 5.2 PRÁTICA DOCENTE E INCLUSÃO 134

5.2.1 Formação para a Prática Acadêmica Inclusiva 135 5.2.2 Suporte Institucional para Atuar com as Demandas da Inclusão 146 5.2.3 Desafios Vivenciados na Experiência Docente e Estratégias

Desenvolvidas 153 5.3 ESTRUTURA FÍSICA E TECNOLÓGICA PARA INCLUSÃO 161

5.3.1 Estrutura Física 162 5.3.2 Tecnologia Digital 178

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5.3.2.1 Mídias Locativas e Educação Inclusiva 188

5.3.2.2 Acessibilidade Audiovisual 191

5.3.3 Tecnologia Assistiva 193 5.4 AÇÕES DOCENTES E INSTITUCIONAIS NA ARTICULAÇÃO PARA

UMA PRÁTICA INCLUSIVA 196

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 208

REFERÊNCIAS 217

APÊNDICE A – Instrumento de Pesquisa: Modelo de Entrevista Docentes 232 APÊNDICE B – Termo de Livre Consentimento Informado (Docentes) 234 ANEXO A – Estatísticas dos Cadastrados no PPNE por Campus,

Nível, Cursos, Necessidade Especial – Abril/2015 236 ANEXO B – Carta PNNE/DAC (de Apresentação do Estudante com Deficiência ao Professor) 237 ANEXO C – Resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão n. 48/2003 238 ANEXO D – Resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão n. 10/2007 241 ANEXO E – Demandas das Pessoas com Necessidades Especiais da Universidade de Brasília 250 ANEXO F – Proposta de Criação do Coletivo: “Acessibilidade, Inclusão e Diversidade na UnB” AID- UnB. 254

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1 INTRODUÇÃO

Atualmente, há uma série de ações e discussões sociais e políticas no sentido de

fomentar um processo de democratização de espaços, os quais ainda não se tornaram

igualitários e universalizados, devido a discriminações e segregações seculares. Neste

contexto, há mudanças significativas no campo do trabalho, no aspecto social e no âmbito

educacional, no sentido de tentar promover a inclusão social de grupos antes marginalizados,

por fatores como etnia, gênero, classe social, deficiência, etc. Dentre estes, destacam-se as

pessoas com deficiência, que sofreram o estigma da segregação em todos os tempos e os

espaços, inclusive no educacional. No entanto, para que esse processo denominado “inclusão

social” não seja apenas uma bandeira política, mas uma ação real na sociedade, torna-se

necessária uma mudança de mentalidade, uma vez que a vivência segregativa, que

historicamente faz parte da representação social em diversos aspectos, é algo arraigado, pois a

discriminação na sociedade é uma prática cruel, mas concreta e que perpassa a própria história

do desenvolvimento da civilização, apenas manifestando-se com formas diferenciadas de

acordo com a época. (LUNARDI, 2001; SOARES, 2000).

Com relação às pessoas com deficiência essa discriminação remonta aos primórdios

da civilização, período em que não eram sequer reconhecidos como sujeitos, não tendo assim

direito à vida, fato histórico na Antiguidade Clássica (ALVES, 2009; ARANHA, 2003). Essas

pessoas, independente do tipo de deficiência apresentada, eram consideradas inferiores física

e racionalmente, sem direito a participação política, militar e filosófica, que eram os grandes

campos das culturas grego/romana, e que foi a base da sociedade ocidental. Com o

desenvolvimento religioso na Alta Idade Média, as pessoas com deficiência adquiriram o

“status humano”, e com isso o direito à vida, mas ainda eram segregados e confinados, por

serem consideradas seres inferiores e mesmo como um estorvo para uma sociedade bélica,

cujo poder se expressava pela força. Mesmo com os avanços socioculturais das civilizações

modernas, essas pessoas, por serem consideradas desabilitadas como mão de obra, não

correspondiam à perspectiva de uma sociedade burguesa e produtiva, para a qual qualquer

diferença, que não permitisse adequa-se ao sistema de produção e consumo, era considerada

de menos valia, ainda que fossem pessoas. Todos estes aspectos foram mantidos por muito

tempo na sociedade, e essa perspectiva de segregação mantém os seus resquícios na

contemporaneidade, mesmo nos países considerados “desenvolvidos” (ARANHA, 2003;

MARTINS, 2008; SOARES, 2000; SANTOS, 2002; WINKELER; OLIVEIRA, 2006). Neste

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sentido, com esta visão anterior de debilidade absoluta, esses sujeitos não eram aceitos na

sociedade, e muito menos no ambiente escolar, ainda que a educação secularmente faça parte

efetiva da história.

Sem dúvida, o processo educacional é algo essencial na vida humana, favorecendo a

sua possibilidade de desenvolvimento, e, sempre, de alguma forma, fez parte da história da

humanidade, visto que: “a origem da educação coincide [...] com a origem do homem

mesmo” (SAVIANI, 2011, p. 14). Devido a essa importância fundamental, a perspectiva de

uma educação direcionada, que desse suporte à estruturação e ao desenvolvimento nos

campos intelectual, militar, filosófico e religioso, dentre outros, esteve presente desde os

primórdios nas civilizações.

Com o passar do tempo essa importância foi tomando grandes proporções, e a

educação formal adentrou as principais sociedades, organizando-se em instituições, que

passaram a abarcar o ensino desde a primeira infância até a formação superior, tornando-se a

educação um dos pilares para o processo de inserção social, visto que esta se apresentava

como atividade mediadora no seio da prática social, e estar fora do âmbito educacional era

uma das principais formas de segregação social (MIRANDA, 1987; MAZZOTTA, 2008). Em

vista disto, mesmo a educação sendo algo historicamente arraigado no contexto da

humanidade, sempre houve grupos que não tiveram acesso a este universo, tornando-se assim

segregados da realidade educacional, dentre estes as pessoas com deficiência, que ao longo da

história sofreram também as mais diversas formas de segregação.

Entretanto, mudanças significativas ocorridas nas civilizações modernas, em

decorrência das transformações pós-renascentistas, repercutiram na forma de se relacionar

com a educação, por parte da sociedade. O que antes era algo direcionado para certos grupos e

contextos, não cabendo à maioria a integração a esse campo de conhecimento e do saber,

limitando o acesso educacional, passa-se a uma realidade em que a educação é de

fundamental importância social, direito de todos constituído em lei e, com isso, um dever do

Estado (CASTANHO, 2011; MAZZOTTA, 2008; BRASIL, 2014).

Nesse interim, surgem também as escolas de educação especial, para atender as

necessidades educacionais de pessoas com deficiência, que adentravam a sociedade e

conseguiam alguns direitos. Assim, no século XVIII começaram a se apresentar na Europa as

primeiras unidades de educação especial, direcionadas ao ensino específico das pessoas com

deficiência. No Brasil, isso vai ocorrer mais tardiamente, a partir do século XIX. Contudo, de

maneira mais efetiva, é apenas no século XX que a pessoa com deficiência foi aceita em

escola regular, ainda assim, direcionada restritamente à formação fundamental. Dessa forma,

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a possibilidade de ingresso e conclusão de uma formação na educação superior ainda era uma

utopia (ATIQUE; ZAHER, 2006; MACIEL, 2000; WINKELER; OLIVEIRA, 2006).

Em vista da dificuldade da educação no âmbito geral passar a ser um direito para a

pessoa com deficiência, tornou-se necessária à mobilização da sociedade, em prol de

mudanças. Neste sentido, é que uma série de convenções ajudaram a transformar essa

realidade, como as de Jomtien1 e de Salamanca

2, que foram os primeiros marcos

internacionais em favor dos direitos à educação, inclusive da pessoa com deficiência. No

Brasil, para que esses direitos fossem garantidos foram implementadas ações, políticas e

decretos. Destaca-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional3 (LDB nº 9.394) de

1996, que traz, no Capítulo V, as prerrogativas da Educação Especial (BRASIL, 2015a), e,

mais recentemente, o Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção

Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência4, que abriram novas diretrizes

para a acessibilidade ao ensino formal da pessoa com deficiência (BRASIL, 2009a).

Sem dúvida, esses pressupostos favoreceram o ingresso da pessoa com deficiência na

educação, inclusive superior. Mesmo assim, anos depois permanece limitado o

desenvolvimento de ações para uma prática dita inclusiva neste campo, relativa à permanência

e efetiva conclusão de uma formação (BRASIL, 2015a; BUENO, 2002). Com isso, ainda que

essas prerrogativas tenham favorecido mudanças, permanece a dificuldade das instituições

educacionais em se estruturarem de maneira física, didática e tecnológica, para atuarem com

estes sujeitos, que se vêm limitados no seu potencial, por falta de condições estruturais,

materiais e dos profissionais docentes para atender esta demanda, especialmente na educação

superior (ATIQUE; ZAHER, 2006; PAROLIN, 2006).

Essa educação superior, na atualidade, passa por mudanças e sofre os desafios

próprios da sociedade atual, e as práticas ditas inclusivas, na formação universitária, é um dos

aspectos a ser estudado e desenvolvido, em especial pela necessidade de uma adequação,

1 Conferência mundial sobre educação, organizada pelo UNESCO, na cidade de Jomtien, Tailândia, entre os dias

5 e 9 de março de 1990, e que deu origem ao documento: Declaração Mundial da Educação para todos. 2 Conferência mundial sobre educação especial, organizada pelas Nações Unidas, na cidade de Salamanca,

Espanha, de 7 a 10 de junho de 1994, e que resultou no documento: Declaração de Salamanca, um dos principais

documentos direcionados especificamente aos direitos educacionais de pessoas com deficiência. 3 Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (BRASIL, 2015a).

4 Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas

com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 (BRASIL,

2009a). A partir deste Decreto a terminologia mudou para ‘pessoas com deficiência’, ou suas variações – como

pessoa cega, pessoa surda, entrando em desuso o termo ‘portadores de deficiência’, ‘portadores de necessidades’

dentre outros, que só aparecerá no trabalho quando feitas citações literais de autores, texto, leis ou Decretos, que

ainda usavam essa terminologia na época em foram escritos ou promulgados. De acordo com a Política Nacional

de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, está em vigência o termo necessidades educacionais

especiais, em se tratando especificamente de educação (BRASIL, 2007a).

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tanto institucional quanto humana. Devido a isso, a inclusão de pessoas com deficiência nem

sempre se concretiza na realidade educacional superior, que, por vezes, ainda não consegue

desenvolver as suas obrigações de buscar adequar-se às demandas diversificadas, decorrentes

de condições individuais e necessidades dos seus estudantes. Concluir um curso superior, para

pessoas com deficiência, ocorre quase que exclusivamente à custa de esforços pessoais,

sendo, por vezes, considerado um status não passível de ser vislumbrado por muitos.

Isso pelo fato das instituições não investirem em acessibilidade arquitetônica,

recursos de escrita e auditivos, preparação de pessoal, mudança de cultura institucional

(FERRARI; SEKEL, 2007; FONSECA, 2009; SANTOS, 2003). Também pela necessidade de

se investir em dispositivos de tecnologias digitais, que podem propiciar ou favorecer o

aprendizado, a produção de conhecimento e colaborar na viabilização da acessibilidade no

âmbito educacional, promovendo autonomia.

Sem dúvida, o contexto educacional não está preparado, adequado, nem mesmo o

acadêmico, para acolher e atuar com as demandas das pessoas com deficiência, uma vez que

não se dá a devida importância a essa demanda e não se investe para adequar o ambiente

educacional para atuar com esse público, por falta de atitude política e de comprometimento

com esses sujeitos. Com isso, a “escola não muda como um todo, mas os alunos têm de mudar

para se adaptarem às suas exigências” (MONTOAN, 2006, p. 18), percebendo-se uma via de

mão única e de difícil acesso para as pessoas com deficiência.

Em meio a esse processo há diversos aspectos a se questionar: como tem se

desenvolvido o processo denominado educacional da pessoa com deficiência? Quais os

aspectos relevantes das políticas relativas a inclusão na educação? Como esta perspectiva dita

inclusiva vem sendo vivenciada na educação superior? Para favorecer o entendimento destes

aspectos, é que este trabalho partiu da seguinte questão: Que desafios se apresentam na

atualidade, na Educação Superior, para a efetivação de uma prática denominada inclusiva?

Ao fazer um levantamento do estado da arte sobre o tema foi possível perceber que

grande parte dos estudos realizados dizem respeito à educação inclusiva ou especial no ensino

fundamental, abordando inclusive temas específicos como Atendimento Educacional

Especializado (AEE) ou uso de Sala de Recursos Multifuncionais (SRMs). Ficou evidente que

poucos trabalhos abordavam a temática da educação inclusiva na educação superior, ainda

que haja uma demanda a ser estudada neste campo.

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No SciELO5, dos 486 trabalhos encontrados

6 (utilizando como filtros de pesquisas

cinco descritores: Inclusão na educação superior; Educação inclusiva no ensino superior;

Inclusão de pessoas com deficiência na educação superior; Educação especial; Educação

inclusiva), 9 tinham relação com o tema7, mas apenas 4 abordavam diretamente a temática

inclusão de pessoas com deficiência na educação superior (FERRARI; SEKKEL, 2007;

SIQUEIRA; SANTANA, 2010; MOREIRA; BOLSANELLO; SEGER, 2011; OLIVEIRA,

2011). Já na busca realizada na ANPED8, em dois grupos: GT-15 (Educação especial) e GT-

11 (Política e educação superior), contemplando as seis últimas reuniões (da 32ª a 36ª,

ocorrida em 2013), foram encontrados 111 artigos no GT–15, dos quais 5 relacionados e 1

abordando diretamente a temática (FISCHER, 2010), e, no GT–11, 82 trabalhos, com apenas

1 relacionado e nenhum abordando diretamente a temática. Realmente, educação inclusiva na

educação superior é um tema pouco estudado, e que necessita de mais trabalhos publicados na

área, para colaborar com a discussão, problematização e soluções práticas, para vencer

desafios que possam dizer respeito a este campo.

Entende-se que com a educação, e os devidos recursos para que esta ocorra, abrem-se

perspectivas para que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de conquistar espaço

na sociedade, quebrando estigmas seculares e possibilitando resgate da autoestima e da

capacidade relacional e laborativa. Em visto disso, este torna-se um campo frutuoso de

pesquisa, que necessita ser explorado, no sentido de compreender os desafios no processo de

inserção na educação superior e como isso reverbera no âmbito social e pode colaborar para a

construção de novos saberes e possíveis questionamentos, tornando-se veículo para resgate das

perdas sociais sofridas ao longo dos anos.

Dessa forma, este trabalho teve como objetivo compreender desafios que se

apresentam na educação superior, na perspectiva docente, para a ocorrência de uma prática

denominada inclusiva. De maneira específica, procurou discorrer historicamente sobre o

processo de exclusão social e educacional da pessoa com deficiência; analisar

compreensivamente as políticas direcionadas a inserção e inclusão da pessoa com deficiência

na educação, e sua reverberação na educação superior; investigar como tem se efetivado e que

desafios se apresentam para uma prática considerada inclusiva na educação superior.

5 Scientific Electronic Library Online.

6 Dados de junho de 2014, pesquisados para a qualificação do projeto de dissertação.

7 Consideramos trabalhos relacionados à inclusão, aqueles que não tratam especificamente da inclusão das

pessoas com deficiência na Educação Superior, mas ligados à formação de professores para atuação com

educação inclusiva, a disciplina de LIBRAS em curso de pedagogia, formação de professores em educação

bilíngue, dentre outros. 8 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.

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A pesquisa ocorreu através de um estudo de caso, na Universidade de Brasília –

UnB, que se caracterizava como uma universidade que há tempos “projeta-se na busca de

excelência e procura servir como modelo para outras instituições” (SOUZA; SOARES;

EVANGELISTA, 2003, p. 111), e que procurava, desde 2002, se situar “como modelo de

inclusão, social, acadêmica e física.” (idem, p. 123).9 Teve como instrumento a entrevista,

aplicada a uma amostra de nove docentes, que atuavam ou haviam atuado com pessoas com

deficiência nesta universidade. Especificamente, a atuação docente deveria ter sido com

pessoas com deficiência sensorial (auditiva ou visual), por ser o recorte de estudo pensado

para este trabalho, tendo em vista ser uma vertente que, além das necessidades de adequações

de acessibilidade físicas e arquitetônica, mais diretamente diz respeito à necessidade de

adequação didática do professor e de uso de dispositivos de tecnologias digitais específicas,

como os leitores de textos.

O estudo também abarcou a entrevista a servidores de seis setores que tinham alguma

relação com a demanda da inclusão de pessoas com deficiência sensorial, ou foi trazida na

fala dos docentes entrevistados a necessidade de sua atuação técnica-administrativa para uma

prática inclusiva. Também foi realizada a observação in loco do espaço de pesquisa, fazendo

uma triangulação de instrumentos de pesquisa, para melhor compreensão dos fenômenos

estudados.

A visão discursiva, no processo de análise das informações, foi pela cultura inclusiva

e universalização dos acessos, numa perspectiva de igualdade de direitos, que propicie

aceitar o outro com suas diferenças e idiossincrasias e promova a isonomia e a acessibilidade

a todos os espaços, recursos, conteúdos e meios para construção de conhecimento. Dessa

maneira, propicie tornar a realidade da educação superior adequada em todas as suas

dimensões, para favorecer o processo formativo de todos os estudantes, inclusive as pessoas

com deficiência sensorial, de acordo com as necessidades coletivas ou específicas que cada

um desses estudantes possa apresentar.

Sem dúvida, a temática da educação inclusiva na educação superior se torna

relevante como objeto de estudo e se justifica um trabalho de pesquisa, que tenha o cunho de

investigar os desafios para ocorrência de uma prática inclusiva na educação superior, visto

que, embora fundamentado em princípios éticos, políticos e sociais, o processo denominado

9 A UnB também se apresenta como sendo referência em diversas áreas, em seu Projeto Político Pedagógico

Institucional (PPPI), o qual afirma também que ela é “enfim, cosmopolita e direcionada à diversidade desde a

sua criação, deve conquistar padrão de referência, qualidade e relevância para outras instituições” (UNB, 2011,

p. 31), e a discussão da inclusão esta inserida no macro área da educação e diversidade.

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de inclusão educacional no campo acadêmico é ainda algo a ser alcançado no aspecto

quantitativo e qualitativo, da prática didática, da acessibilidade e de direito social. Neste

sentido, são fundamentais estudos que possam fomentar discussão nos campos científico,

acadêmico, político, social e pessoal.

No aspecto científico-acadêmico a pesquisa teve o intuito de colaborar para uma

compreensão mais sistematizada dessa temática, para com isso construir possibilidades de

intervenções eficazes e práticas acadêmicas adequadas a realidade de uma educação superior

mais abrangente e não excludente. Também de abrir perspectivas, a partir dos resultados, ao

levantar novos questionamentos que possam colaborar no aprofundamento da temática, dada a

escassez de estudos sobre a mesma no âmbito da educação superior, ou mesmo preencher

lacunas no conhecimento já existente sobre o assunto, ao apontar limitações e inconsistências

no entendimento e proporcionando condições para favorecer a atuação junto às pessoas com

deficiência.

No campo político-social considera-se que foi possível fomentar a discussão e o

entendimento teórico e prático, abrindo perspectivas para que a chamada inclusão na

educação superior possa ocorrer na prática, alicerçada por toda a base teórica existente,

inclusive no aspecto político e legislativo, incorporando-se nas dinâmicas sociais. Por fim, no

aspecto pessoal, pela importância que a temática da inclusão de pessoa com deficiência tem

na minha trajetória, por fazer parte da minha história de vida e realidade, me comprometendo

assim com este campo de luta social.

1.1 REFLEXOS DE MIM NA RELAÇÃO COM A PESQUISA

Sou formada em Psicologia, fiz Especialização em Docência, formação em

Psicanálise e o Mestrado em Educação, na Faculdade de Educação da Universidade Federal

da Bahia – FACED/UFBA. Profissionalmente, no campo da Psicologia, estagiei e atuei em

um Hospital Psiquiátrico, com pessoas com distúrbio mental. Desde que me formei atuo na

clínica, meu principal referencial de trabalho, e atuei como Psicóloga Escolar em uma Escola

Filantrópica, onde, com uma equipe comprometida, creio que fiz um excelente trabalho junto

às crianças do ensino Fundamental I e II, período em que senti despertar o meu interesse pela

educação. Nessa instituição ocorria uma atividade semanal com música, ministrada por um

colega cego, exímio músico e estudante nessa área na UFBA. Fui voluntária em um Hospital,

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por cerca de dois anos, na área dos pacientes crônicos, deficientes e seus familiares, tornando-

se esta, para mim, uma experiência marcante. Além disso, junto com um grupo de amigos,

durante dez anos, levávamos música, teatro e festa para abrigos de idosos, hospitais,

orfanatos, leprosário etc. Foi nesse período que também muito me deparei com as demandas

que diziam respeito à inclusão e acessibilidade.

Educação básica

A minha história de vida escolar iniciou com a entrada no jardim II, em uma escola

particular de excelente nível educacional, mas esse período o meu nível de lembrança não

permite perscrutar. O período que mais consigo me recordar é o da Alfabetização, em que

comecei a desenvolver meu potencial de escrita e leitura, tendo as minhas primeiras

avaliações, no formato de testes e “provas”.

É interessante o nível de convivência que temos em sala nesse período – sentando

juntos em mesas, usando a brincadeira e a arte como forma de aprendizado. Neste sentido,

parece que muita coisa não mudou, mas não é bem assim! Era bem diferente das novas

práticas educacionais, especialmente se observado por uma ótica de busca do

desenvolvimento da autonomia desde a tenra infância, no processo escolar, como hoje se

discute. Na perspectiva tradicional, vigente naquela época, o professor tinha a autoridade em

classe, e o aluno era considerado “normal” se reproduzisse o que lhe fora solicitado, não

sendo importante buscar o novo, através da sua criatividade, ou manifestar a sua realidade

concreta a partir da sua fantasia.

Também percebo hoje, a partir do meu aprendizado em Psicologia Escolar e

Educação, que, nesse período, o foco estava nos problemas escolares, pois quando havia

qualquer dificuldade de aprendizado ou algo considerado indisciplina para os padrões da

época, a técnica punitiva era levar para a sala da diretora. Esta, com olhar autoritário e o

auxílio de uma palmatória10

, buscava trazer o aluno para “os trilhos” do que era considerado

exemplar. Fui convocada a participar deste tribunal inquisidor pela necessidade de aprender a

tabuada, que era pré-requisito para passar de ano – olha só! E ainda como se dizia: de có! Para

tanto houve uma arguição na sala da diretora, a palmatória era apresentada como recurso

inibidor e começava o julgamento final. Felizmente fui absolvida, passei neste teste

traumatizante e pude colar grau para primeira série, algo que me ajudou depois a pensar a

educação, com possibilidade de atuação mais participativa e menos punitiva.

10

Não mais efetivamente utilizada na época, mas que permanecia sempre em sua mesa e representava o

instrumento simbólico de castigo.

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Passei para o primeiro grau – período que englobava da 1ª à 8ª série, com direito a

formatura solene e diploma. Era um rito de passagem simbólico, mas pertinente, pois

realmente muita coisa mudava em tão pouco tempo. A organização da sala passava a ser

enfileirada, o que dificultava a intercomunicação e focava o olhar naquele que detinha o saber

– o professor. Todos estavam voltados para a sua direção! Isso mudava no processo

educacional a forma de se relacionar com os colegas, que se tornava menos afetiva e

interativa, e com o professor, que se tornava mais formal e pontual, apenas perguntando algo

em caso de dúvida – se a coragem o permitisse!

Durante este período teve um acontecimento inusitado na primeira série. Tirei uma

única nota vermelha (um 4 em matemática, na 3ª unidade), mas não posso me lembrar de algo

ter efeito tão devastador. A professora me chamou e fez um discurso tão persuasivo, que

nunca consegui esquecer. Disse que se eu continuasse assim não seria ninguém na vida, não ia

conseguir passar de ano e me formar. Foi muito para uma criança, fiquei doente, tive febre

altíssima e não sabiam qual a enfermidade. Naquela época ainda não era moda tudo virar

virose! Perdi aula e chorava por me sentir culpada por isso.

A partir deste caso, posso hoje analisar alguns aspectos. Considero que é preciso

sempre deixar um espaço para o erro, pois esse pode ser essencial para o desenvolvimento

pessoal, ampliando as possibilidades e potencialidades do aluno. Também a aparente forma de

culpabilizar o aluno, sem talvez refletir que a nota ruim pode estar atrelada a forma de

ensinar. Para mim, o aprendizado está para além da nota, implica compromisso, dedicação,

significação e prazer. É uma forma de auto-investimento. Acredito que deve haver

estimulação e reconhecimento, e não formas disfarçadas ou explícitas de persuasão.

Retornando à narrativa, a partir do terceiro ano, devido à separação dos meus pais e,

com isso, uma mudança total de status financeiro, passei a estudar em escola pública. Achava

o conteúdo diferente, sem as mesmas exigências da outra escola, mas mesmo com os

problemas gostava de estudar. Recordo que nesse período comecei a “andar em bando” em

meu grupinho, fizemos bons vínculos e com algumas dessas pessoas ainda há contato, apesar

dos anos passados. Como aluna sempre tirei boas notas, tinha facilidade de aprendizado,

nunca fiz nenhuma recuperação e me dava bem com os colegas e professores. Assim, sempre

fui adaptada ao regime tradicional, e sinto que este me preparou muito bem. Aprendi a ser

disciplinada e organizada. Algo que considero importante para a minha formação nesse

período, foi o caráter religioso que a escola tinha, mesmo sendo pública. Foi lá que comecei a

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21

catequese11

, fazendo a minha primeira comunhão com os meus colegas de classe. A foto

embolorada desse dia ainda causa emoção ao ser vista, pois foi uma vitória significativa em

minha vida, por ter ocorrido em um período de tantas perdas.

Uma coisa clara, em todo esse período, é que nunca tive em sala colegas com

deficiência, e só agora entendo que eles tinham uma educação separada, em classes especiais.

Entretanto, foi na catequese que comecei a ter contato e conviver com pessoas com

deficiência (deficiência visual, especificamente), pois nessa área não havia classes especiais,

todos eram formados juntos. Essas pessoas ainda fazem parte da minha vida, amizade que se

prolonga e se perpetua entre as gerações. Creio que devido a essa convivência despertou meu

interesse pela área da deficiência sensorial, e, ao ingressar no mestrado, optei por esse campo

de estudo.

Para cursar da 5ª a 8ª série fui para outra escola e comecei a ter problemas.

Considerava o ensino dessa escola, que também era pública/estadual, muito fraco, e estava

acostumada a disciplina, a um ensino mais rico e contextualizado. Também considero que os

alunos, pelo menos naquela época, não eram preparados para a mudança de realidade,

passando a ter várias matérias em um só dia, diversos professores dando aula na classe e com

óticas bem diversificadas. Antes a organização pedagógica era diferente, uma única

professora normalista dava todas as matérias, em geral uma por dia, e apenas uma era dada

por outra professora, com formação em teologia, Educação Religiosa.

Além do mais, tive problemas pessoais. Sofri um acidente e em decorrência disso

fiquei com dificuldade de movimentar a perna direita por uns meses. A escola tinha escada

para acesso a qualquer uma das salas e não conseguia subir para participar da aula12

. Esse

período me fez refletir sobre as questões de acessibilidade, que nem de longe eram pensadas,

e que para mim criou um obstáculo momentâneo, mas que para tantas pessoas criava, e ainda

hoje isso ocorre, barreiras que dificultam o acesso à educação. Mesmo depois de melhorar e

conseguir subir escadas, não queria frequentar as aulas – tinha tantos problemas que achava

estudar algo de pouca importância. Não fiz vínculos, não lembro dos professores e muitas

vezes só ia a escola por causa da merenda.

A partir da 6ª série comecei a me adaptar a nova realidade. Passei a frequentar as

aulas assiduamente, comecei a me relacionar com os colegas, mas tinha dificuldade em

acompanhar a aula de educação física, devido ao problema na perna e na coluna. Contudo, por

11

Algo que ainda é comum em escolas Católicas, mas não em escolas públicas. 12

Durante o período em que tive mais dificuldade de locomoção tinha “aula” na sala de reunião, que ficava logo

na entrada da escola, com a diretora ou a coordenadora.

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insistência do professor, que não quis mais aceitar o atestado médico de dispensa, fui

participar. Entretanto, no primeiro dia, numa brincadeira, uma aluna caiu sobre o meu braço

direito quebrando-o, e passei pouco mais de dois meses com o braço engessado. Devido aos

problemas no braço, com gesso dos dedos até o ombro, não podia escrever, não fazia

anotações, não respondia aos exercícios e tive que fazer as avaliações oralmente.

Revivendo todos estes problemas ao longo de quase dois anos letivos, percebo como

fez falta uma orientação, tanto com relação a minha dificuldade de adaptação à nova realidade

e falta de estímulo para participar das aulas, como pela visão autoritária do professor, que

acabou me prejudicando. Compreendi também como os profissionais de educação podem

limitar as possiblidades avaliativas, já que para fazer arguição oral, só foi possível com a

intervenção da diretora13

. E isso ainda ocorre depois de tantas transformações na educação,

dificultando o desempenho educacional de pessoas com necessidades específicas, que têm que

se adequar ao que está instituído para conseguir estudar. As outras séries (7ª e 8ª) correram

normalmente e passei a me engajar em várias coisas, sendo voluntária na escola e ajudando a

diretora. Uma coisa importante é que na 8ª série tive, pela primeira vez, um colega com

deficiência física, e como a escola só tinha acesso por escada, ele tinha que subi-las todos os

dias se arrastando, para ter acesso ao andar onde tínhamos aula, sem que nenhuma mudança

ou adequação fosse pensada pela instituição, o que demostra o descaso que “se tinha” com a

possibilidade de acessibilidade.

Ainda assim, a escola tinha algumas particularidades que eu gostava; todos os dias,

antes das aulas, rezávamos e cantávamos o hino nacional, em dias cívicos cantávamos os

hinos próprios; sempre tínhamos a merenda, e isso era importante para mim; a escola, por ser

pequena, permitia uma inter-relação muito positiva dos alunos entre as turmas e com os

professores. Assim, posso dizer, como refere o título do texto de Marcílio e outros (2002), a

escola era “fraquinha, mas era boa”. Era um espaço de acolhida muito positivo, mesmo que

para mim o ensino deixasse a desejar, o que não era uma opinião unânime, para alguns que

tinham tido outra formação era considerada muito “puxada”.

Educação média e superior

Cheguei então ao Ensino Médio, que tinha duração de três anos e no qual era

possível fazer uma formação técnica, que eu fiz em Secretariado. O primeiro ano foi bem

atribulado, a escola pública onde estudava teve problemas e as turmas faziam revezamento

13

Foi essa diretora que, com seu entendimento pedagógico, fez na diretoria as minhas avalições oralmente, já

que não conseguia escrever. Algo que só foi necessário na primeira unidade letiva.

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para uso das salas, ficando os estudantes em casa com atividades programadas. No segundo

semestre tudo se normalizou e gostei muito de estudar lá, só não tinha tempo para me dedicar,

pois precisava trabalhar para sobreviver. A partir do segundo ano comecei o estágio, na

Prefeitura Municipal, e fiquei até o terceiro ano. Era remunerado e com isso sustentava a

minha família. Posteriormente, comecei a trabalhar nesse mesmo lugar até o 1º ano da

faculdade.

Durante este período não tive a oportunidade de estudar com pessoas com

deficiência, não havia nenhuma na minha escola, o que demonstra como eles eram afastados

da educação. Outra coisa complicada era que a escola também tinha três andares de escada,

com um nível de acessibilidade bem precário, como ainda ocorre em muitos lugares. Como

sempre frequentei a Igreja, nesse espaço é que convivia com pessoas com deficiência.

Com relação ao nível superior, fiz vestibular para a primeira coisa que achava mais

fácil e menos concorrido – Secretariado Executivo –, passei e, depois de estudar, me

desestimulei. Precisava ter pensado sobre essa escolha, o que não era simples devido à

pressão social de ingresso na universidade, que por vezes paralisa o aluno, que não consegue

passar, ou faz qualquer coisa só para ter o status de que “entrou” na faculdade.

Primeiramente, ingressei em uma Universidade privada, mas tive que abandonar por

não conseguir bolsa ou financiamento. Fiz novo vestibular e passei na Universidade Federal.

Época difícil, onde necessitava conciliar estudo, trabalho e casa, mas foi um período muito

bom. Tive um bom desempenho, mas a necessidade de trabalho dificultou pegar matérias, que

em sua maioria eram oferecidas em turno diurno; não conseguindo alcançar em um semestre

os créditos mínimos, tive que trancar o curso, depois abandonei. Por ter que sustentar minha

família, o trabalho era prioritário para mim. Depois de alguns anos, quando finalmente fiquei

mais tranquila com relação ao sustento básico, retornei à universidade. Para voltar a estudar

pensei em várias coisas, mas foi estando em um Hospital que vi como as pessoas necessitam

de escuta, de como o sofrimento psíquico pode se sobrepor, por vezes, ao sofrimento físico, e

até mesmo agravá-lo. Foi assim, que resolvi entrar para o curso de Psicologia.

Fiz o Enem, ganhei uma bolsa de estudos e ingressei no curso de Psicologia, mas me

decepcionei. Na verdade eu não sabia nada do curso, que em Psicologia havia tantas

abordagens (só conhecia a Psicanálise), e que por vezes elas são totalmente opostas. Com o

passar dos semestres é que as ideias foram se ordenando e as expectativas foram se

assentando, e foi possível perceber que o mais importante é o sujeito, e o melhor que se pode

fazer é estar bem preparado para atuar, independente da abordagem. Mas no início me senti

frustrada, ao ver tantas linguagens diferentes falando sobre o mesmo objeto. Outra coisa que

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mudou no meu olhar sobre o curso foram as práticas: inicialmente só pensava em Saúde

Mental, Hospital ou Clínica, mas com o tempo passei a me encantar por outras possibilidades,

como a Psicologia Educacional e a docência, que durante a formação foi uma competência

reforçada por colegas e professores, e resolvi investir fazendo uma especialização nesta área.

Apesar de uma série de dificuldades passadas durante o curso, a minha formação

acadêmica foi muito proveitosa, concluindo o curso a termo. Além disso, tive alguns

destaques na minha formação, como o prêmio de “Melhor Aluna”, e na Formatura recebi o

Certificado de “Honra ao Mérito”, devido ao meu bom desempenho no curso. Fui

Representante Estudantil por quatro anos, participando ativamente das atividades de DA/DCE

junto à Universidade. Também organizei e coordenei o Grupo de Estudos em Psicologia

Clínica e Saúde Mental - com vertente Psicanalítica.

Durante os cinco anos do curso tive algumas experiências com relação à inclusão, a

primeira foi a decepção de ver uma colega com deficiência visual do turno matutino (eu

estudava no turno vespertino) desistir do curso pela falta total de recursos para atender, no

mínimo, as suas necessidades, como impressora e livros em braille, a falta de habilidade dos

professores em atuar em sala, dentro outros. Fiquei muito decepcionada, principalmente ao

perceber como a Universidade foi omissa com relação a sua responsabilidade em pleno século

XXI. Outra experiência foi um trabalho realizado para a matéria Psicologia Geral IV,

investigando o processo de inserção e a aprendizagem de crianças surdas, dando ao trabalho o

nome de Aprendizagem no Silêncio. Essas experiências refletem claramente meu especial

interesse pelo campo das deficiências sensoriais.

Ao final do curso de Psicologia recebi uma bolsa para fazer Especialização na

instituição, e escolhi o curso de Docência do Ensino Superior. Achei bastante cansativo e

corrido, já que os módulos ocorriam em uma semana a cada mês e todo o conteúdo e

avaliações eram concretizados neste pequeno espaço de tempo. Ainda assim, considero que

foi proveitoso, pois o mais importante para mim era o aprimoramento na área, para tanto

sempre buscava a melhor compreensão do conteúdo, desenvolver técnicas didáticas e

metodológicas significativas. Foi também neste curso que mais discuti as demandas da

inclusão, agora direcionadas para a educação superior.

Ao término desse curso busquei o ingresso no Mestrado. Passei na seleção para o

Mestrado na FACED/UFBA, na linha de pesquisa Educação e Diversidade, para estudar o

processo da Educação Inclusiva na Educação Superior. No segundo semestre conclui os

créditos, tendo experiências proveitosas em algumas disciplinas cursadas, e passei pela banca

de qualificação, na qual fui aprovada. Após isso, devido a uma série de acontecimentos, fiquei

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por um semestre sem orientador, e apenas no final do terceiro semestre fui acolhida por uma

nova linha de pesquisa, no grupo Educação, Comunicação e Tecnologia – GEC, sob a

orientação da Profª Maria Helena Bonilla, com quem havia feito, no primeiro semestre, a

disciplina Educação, Comunicação e Tecnologias, e que foi minha supervisora no estágio

docente orientado no segundo semestre.

Devido ao estágio na disciplina de tecnologia, já participava do GEC desde o

segundo semestre, grupo no qual tinha vários vínculos de amizade, e participava das reuniões

e dos eventos realizados, estando familiarizada com as pessoas e as discussões. Ainda assim,

tive muita dificuldade em adequar meu trabalho às novas demandas, passando por um período

bem angustiante de dificuldade de entendimento e escrita. Devido a tudo isso houve um atraso

bem significativo na pesquisa e a ida a campo ocorreu no limite do tempo devido.

Apenas em maio de 2015 ocorreu a produção de informação, na Universidade de

Brasília – UnB. Esta Universidade foi escolhida por ser vista como um referencial na área de

inclusão14

. A experiência de campo foi difícil, com muitos contratempos, mas a acolhida dos

docentes e servidores foi excepcional, podendo concluir essa etapa da melhor maneira

possível. Após o retorno, com uma série de dificuldades de concluir a parte escrita, pensei

mesmo em desistir, o que não ocorreu devido ao apoio da orientadora e de amigos mestrandos

e doutorandos, que me deram força nessa luta que é a conclusão do trabalho de pesquisa.

Contudo, foi necessário fazer uma prorrogação do tempo do mesmo, período no qual tive uma

dedicação especial para dar conta e conseguir chegar à defesa.

Durante o mestrado tive dois colegas com deficiência, um com baixa visão e outra

com surdez, e pude vivenciar com eles, em algumas matérias, as barreiras para a

acessibilidade educacional, presente também em nível de pós-graduação. Esse e alguns outros

fatores, com certeza fizeram com essa experiência fosse um marco importante na minha

formação, pessoal e profissional, podendo me tornar mais habilitada para uma atuação que

possa fazer a diferença, dentro do universo da Psicologia e da Educação no campo da

inclusão. Considero que valeu a pena, e se um dos objetivos era deixar uma marca no

processo de aprendizado, este foi alcançado, visto que me senti que foi satisfatório o trabalho

que consegui executar.

14

Conforme Souza, Soares e Evangelista, (2003, p. 107), “a questão da pessoa com deficiência sempre envolveu

a Universidade de Brasília.”, e, neste aspecto, “a UnB procura ser vanguarda dentre as universidades federais.”

(idem, p. 124).

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2 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

Para execução do trabalho foi realizada uma pesquisa qualitativa, através de um

estudo de caso sobre os desafios para uma prática denominada inclusiva na educação superior,

realizado na Universidade de Brasília - UnB. Foi escolhido o enfoque qualitativo por ser

adequado à pesquisa em educação, por permitir uma participação efetiva na realidade

estudada, a troca intersubjetiva entre os sujeitos da pesquisa e pesquisador e possibilidades de

discussão. Para Creswell (2010, p. 26), “pesquisa qualitativa é um meio para explorar e para

entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem a um problema social ou

humano”. Já para Demo (2012, p. 152), “a pesquisa qualitativa quer fazer jus a complexidade

da realidade”, sendo possível abarcá-la com maior liberdade de opinião e visões diferentes.

O estudo teve um enfoque descritivo e explicativo, que juntos aprofundaram o

entendimento, a análise e o detalhamento do contexto pesquisado. Para Triviños (2007, p.

110), um estudo descritivo tem como objetivo “descrever os fatos e fenômenos de

determinada realidade”, favorecendo a caracterização e estabelecimento de relações,

proporcionando uma visão geral do problema em estudo. Uma pesquisa pode ser apenas

descritiva, mas, em diversos casos, ela aparece em associação a outros tipos de enfoque,

“porque quase sempre constituem etapa prévia indispensável para que se possam obter

explicações científicas” (GIL, 2008, p. 46). Neste sentido, a partir desta descrição passou-se

ao aspecto explicativo, uma vez que uma pesquisa deve avançar na produção de

conhecimento e a pesquisa explicativa “é o tipo de pesquisa que mais aprofunda o

conhecimento da realidade” (Idem, p. 47), procurando identificar os fatores que contribuem

para a ocorrência de determinados fenômenos. No caso deste estudo, foi feita a descrição das

práticas de inclusão na Universidade de Brasília, bem como procurou-se explicar os fatores e

fenômenos que contribuíam para esta realidade. Este tipo de pesquisa propicia esclarecer e

aprofundar o conhecimento trazendo novos conteúdos e originalidade ao enfoque.

Porém, para se por em prática um estudo, “exige do pesquisador uma série de

informações do que deseja pesquisar” (TRIVIÑOS, 2007, p. 110). Neste sentido, foi

imprescindível fazer um levantamento sobre o estado da arte, para compreender qual a

situação em vigência do objeto de estudo, os trabalhos já realizados, as opiniões dos autores e

pesquisadores sobre o assunto e ter um conteúdo preliminar para nortear a organização da

pesquisa. Também, todo o planejamento e execução desta pesquisa foi fundamentado por um

processo continuado de revisão bibliográfica, que permeia todas as fases da pesquisa, dando

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aporte para a fundamentação teórica (MARCONI; LAKATOS, 2012). Sem dúvida, é de

fundamental importância em qualquer pesquisa “proceder uma ampla pesquisa bibliográfica,

capaz de projetar luz e permitir melhor ordenação e compreensão da realidade empírica”

(MINAYO, 2010, p. 183), que se deseja estudar.

Para a pesquisa foi utilizado o método de estudo de caso, escolhido por ter o caráter

empírico, e, no processo de investigação, inserir o pesquisador no contexto da realidade

estudada, possibilitando um conhecimento detalhado do problema pesquisado, e levando ao

aprofundamento das questões discutidas. Tal método pode ser utilizado em pesquisas tanto

descritivas quanto explicativas, pois ao inserir o pesquisador na realidade da pesquisa oferece-

lhe a oportunidade de descrever o contexto ou explicar determinado fenômeno, em situações

complexas. Efetivamente, “os estudos de caso utilizam estratégias de investigação qualitativas

para mapear, descrever e analisar o contexto, as relações e as percepções a respeito da

situação, fenômeno ou episódio em questão” (MINAYO, 2010, p. 164).

Este método “é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de poucos objetos de

pesquisa” (GIL, 2008, p. 57), mas que permite colher uma ampla gama de informações, trazer

uma visão global dos fenômenos estudados, desenvolver teorias, constituir inferências.

Todavia, há aspectos considerados negativos do estudo de caso, como a “existência de vieses

do pesquisador e pouca probabilidade de generalização dos resultados” (p. 166), por abranger

poucos participantes. Ainda assim, o estudo de caso é propício para chegar a inferências, uma

vez que a amostra tem a sua validade não na quantidade de sujeitos, mas “na sua

potencialidade de objetivar o objeto empiricamente em todas as suas dimensões” (MINAYO,

2010, p. 198), pois “o número de pessoas é menos importante do que o empenho de enxergar

a questão sob várias perspectivas e pontos de vista” (Idem, p. 198). Além do que, em uma

investigação deve “preocupar-se menos com a generalização e mais com o aprofundamento, a

abrangência e a diversidade no processo de compreensão” (Idem, p. 196).

A pesquisa foi realizada na cidade de Brasília (DF), onde existem em atividade,

segundo os dados do e-MEC, 101 Instituições de Educação Superior (IES)15

, dentre as quais

15 Universidades, sendo 14 privadas e 1 pública, contudo apenas 2 sediadas nesta cidade16

(E-MEC, 2015), dentre estas a Universidade de Brasília - UnB. Esta é uma das maiores

Universidades do país e referência em diversos campos de pesquisa. Por ser uma das mais

15

Considerando como IES em atividade em Brasília, as instituições com campus nesta cidade ou que apenas

tenham cursos EaD (Educação a distância), não tendo efetivamente sede nesta cidade, dentre as quais: 15

Universidades; 10 Centros Universitários; 59 Faculdades; 12 Instituições de Educação Superior; 5 Escolas de

Educação Superior. (E-MEC, 2015). 16

Com relação às Universidades com sede nesta cidade as duas são: Universidade Católica de Brasília – UCB e

a Universidade de Brasília – UnB (E-MEC, 2015).

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28

inovadoras Universidades para a época e estar situada na capital do país é de notoriedade a

sua importância nos diversos campos do saber, inclusive para a inclusão, motivo pelo qual foi

escolhida para representação neste estudo de caso.

O procedimento de produção de informação ocorreu no mês de maio de 201517

,

através de entrevista aos sujeitos que atendiam aos requisitos necessários para alcançar os

objetivos da pesquisa, e que, ao serem contatados, concordaram em participar da mesma, após

darem o seu livre consentimento, sendo-lhe garantido o sigilo absoluto da sua identidade. A

população do estudo dizia respeito à classe docente18

da educação superior que atuavam com

pessoas com deficiência sensorial e servidores de setores da UnB que os pudesse representar,

esclarecendo as questões relacionadas à inclusão destas pessoas nesta universidade.

Inicialmente foi preciso esclarecer que, na Política de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva, o público da educação especial diz respeito a “alunos com

deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação”

(BRASIL, 2007a, p. 15). Contudo, este trabalho direcionou-se apenas para estudantes com

deficiência, não englobando transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas

habilidades/superdotação, que denotam outras perspectivas, demandas e fundamentação

teórica, para além do escopo desta pesquisa.

Mais especificamente, nas definições de pessoas com deficiência, do Decreto

5.29619

, de 02 de novembro de 2004, no Capítulo II, artigo 5º, item I, o espectro abordado

trata de deficiência física, auditiva, visual, mental/intelectual e múltipla (BRASIL, 2004a). No

entanto, nesta pesquisa, para que fosse feito um recorte do campo empírico, não se trouxe a

demanda da deficiência física e intelectual, visto que se pretendia dar ao trabalho um

direcionamento específico para as deficiências sensoriais. Neste sentido, este estudo teve

como foco efetivo a deficiência sensorial20

, a qual, de acordo com o Decreto 5.296/2004, pode

ser auditiva21

ou visual22

ou múltipla sensorial, como surdo-cegueira. Além do que, tanto a

17

Especificamente entre os dias 11 e 20 de maio de 2015. 18

No conteúdo da pesquisa será priorizado o termo “docente/docentes”, em detrimento a professor(a) ou

professores, por ser um termo invariável gramaticalmente com relação a gênero, no sentido de preservar da

melhor maneira as identidades dos participantes da pesquisa. 19

Regulamenta as Leis nos

10.048, de 8 de novembro de 2000, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que

estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de

deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências (BRASIL, 2004a). 20

Optei pelo uso da terminologia deficiente sensorial, e não especificamente cego e surdo, como inclusive é

incentivado pela cultura surda, uma vez que a pesquisa abarcava o espectro da baixa visão e baixa audição, casos

que ficaram evidenciados nas experiências vivenciadas e relatadas pelos docentes. 21

Definida pelo Decreto 5.296/2004. Artigo 5º, alínea b, como a “perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e

um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz”.

(BRASIL, 2004a)

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29

deficiência auditiva quanto a visual se caracteriza dentro de um espectro que vai da baixa

visão/audição, até a surdez e a cegueira23

.

Definição da Amostra

Após esclarecer essas especificações a amostra escolhida englobou docentes da

Universidade de Brasília – UnB, que atuaram ou estavam atuando com estudantes com

deficiência sensorial. Foram selecionados nove docentes desta Universidade, levando em

consideração o tempo efetivo que se tinha para desenvolvimento da pesquisa e os critérios

para delimitação da amostra. Estes critérios de escolha foram: que trabalhassem na

universidade (como concursados ou contratados) pelo menos nos últimos quatro anos, para

que tivessem o respaldo da experiência prática; e que estivessem atuando, ou tenham

efetivamente atuado neste período, com pessoas com deficiência sensorial em sua atividade

didática, ao menos por um semestre letivo completo, podendo ser de ambos os sexos. Todos

assinaram o Termo de Livre Consentimento Informado (APÊNDICE B).

Especificamente, foram entrevistados: dois docentes da Faculdade de Educação,

quatro do Instituto24

de Letras, dois do Instituto de Psicologia e um do Instituto de

Geociências. Com relação à graduação foram sete docentes licenciados e dois bacharéis, da

área de humanas e saúde. No que se refere à formação, eram dois mestres, dois doutorandos e

cinco doutores, um deles com pós-doutorado. Apenas um ressaltou que tinha especialização

especificamente na área de Educação Especial. Dentre os docentes entrevistados quatro

haviam atuado com pessoas com deficiência visual na educação superior, um com deficiência

auditiva e quatro com ambos os casos. Apenas dois desses docentes eram fluentes em Libras e

conhecedores da cultura surda, bem como apenas dois tinham conhecimento dos dispositivos

de leitores de tela e um era usuário. Os docentes participantes da pesquisa foram identificados

como D1, D2, D3 e assim sucessivamente até D9, e a escolha da numeração foi aleatória, no

sentido de preservar a identidade dos participantes.

22

De acordo com o Decreto 5.296/2004, artigo 5º, alínea c, pode ser “cegueira, na qual a acuidade visual é igual

ou menos que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual

entre 0,3 e 0,05 no melhor, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo

visual em ambos os olhos for igual ou menos que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições

anteriores.” (BRASIL, 2004a) 23

O daltonismo, também conhecido como discromatopsia ou discromopsia, é considerado uma deficiência visual

cromática, pela Classificação Internacional de Doenças – CID.10, no item H53.5, por alterar a percepção visual e

está abarcada na legislação que estabelece a promoção de adaptações didáticas para acesso a educação e

informação. Todavia, não é apontado como deficiência visual pelo Decreto. 24

Todos os Institutos na UnB são subdivididos em Departamentos.

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30

Para melhor compreensão do objeto estudado foram feitas entrevistas em seis setores

da UnB, com servidores que representavam, de alguma forma, esses espaços administrativos e

que se dispuseram a participar da pesquisa, assinando também o Termo de Livre

Consentimento. Isso se deu para entender a organização desta universidade e as práticas

efetivas que administrativamente estivessem sendo feitas, ou não, em prol do processo de

inclusão de pessoas com deficiência, em cumprimento às prerrogativas da legislação nacional

vigente ou das resoluções específicas da UnB. Os servidores foram selecionados para

participar da amostra por atuarem em espaços responsáveis pelas atividades diretamente

relacionadas à demanda da inclusão ou transversalmente direcionados, por exemplo, com

aspectos arquitetônico-estrutural, de recursos materiais e didáticos e atividades específicas

ligadas às políticas de inclusão.

Os servidores entrevistados foram identificados como S1, S2 e assim

sucessivamente, com escolha da numeração intencional de acordo com o setor. Contudo, neste

caso, foi feita referência ao setor sempre que necessário para a inteligibilidade do conteúdo.

Os órgãos ou setores onde ocorreram as entrevistas foram: Decanato25

de Ensino de

Graduação (DEG), Televisão UnB (UnBTV), Centro de Planejamento Oscar Niemeyer

(CEPLAN) e Coordenadoria de Cadastro e Comunicação Visual (CVV), Biblioteca Central

(BCE) e o Programa de Apoio a Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (PPNE).

A amostra foi escolhida de forma intencional, de acordo com o que se desejava

pesquisar, visto que “a ideia que está por trás da pesquisa qualitativa é a seleção intencional

dos participantes ou dos locais [...] que melhor ajudarão o pesquisador a entender o problema

e a questão de pesquisa” (CRESWELL, 2010, p. 212). Esta seleção intencional ajuda a atuar

com um grupo social mais relevante com respeito à temática e a “privilegiar os sujeitos

sociais que detém os atributos que o investigador pretende conhecer” (MINAYO, 2010, p.

179), ou, no caso, tem o conhecimento e experiência que favorece o entendimento das

questões relativas ao objeto estudado.

O desafio apresentado neste aspecto foi com respeito à necessidade de encontrar

profissionais experientes, que tenham atuado com pessoas com deficiência na atividade

acadêmica e se predispusessem a participar da pesquisa. Para minimizar esse fator, foi

importante ter a possibilidade de contato com um número maior de sujeitos, para, após uma

consulta prévia, conseguir chegar ao total da amostra (MARCONI; LAKATOS, 2012;

MARTINS, 2010). Com isso, foram contatados vinte e seis docentes, dentre os quais nove se

25

Os Decanatos equivalem às Pró-Reitorias na nomenclatura das demais universidades.

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31

encaixaram nos critérios da pesquisa ou se disponibilizaram a participar da mesma. Dentre os

servidores foram contatados onze, dos quais seis participaram da pesquisa. Com isso, a

amostra final total ficou com quinze sujeitos de pesquisa.

Caracterização dos Instrumentos

Como instrumentos para produção de informações foi utilizada uma tríade, de acordo

com a demanda de cada contexto. A entrevista semi-estruturada para os docentes

(APÊNDICE A), a entrevista aberta para os servidores e a observação do campus. Essa é uma

das formas de pesquisa que permite abarcar o objeto de estudo com uma ampla gama de

vertentes, ampliando as possibilidades de discussão, entendimento e generalização do estudo.

Para Triviños (2007, p, 146), a entrevista “é um dos principais meios que tem o

investigador para realizar a coleta de dados”. Esta torna-se um dispositivo fundamental de

investigação, que permite obter dados e informações significativas e em profundidade sobre

determinada problemática, com diversidade de aspectos e referenciais. Permite também uma

interação entre o pesquisador e o pesquisado, além de proporcionar flexibilidade pela

oportunidade de esclarecer dúvidas no decorrer do processo de pesquisa.

No caso da entrevista semi-estruturada, deve haver uma organização prévia que

englobe um roteiro “para que as informações obtidas possam ser comparadas entre si” (GIL,

2008, p. 116), criando uma correlação no processo de análise. Este roteiro “deve desdobrar os

vários indicadores considerados essências e suficientes em tópicos que contemplem a

abrangência das informações esperadas” (MINAYO, 2010, p. 191). Para isso, o roteiro

englobou cerca de quatorze questões norteadoras que foram elaboradas pela pesquisadora.

Mas, por ser um instrumento para uma entrevista semi-estruturada, “deve ser constituído de

forma que permita flexibilidade nas conversas e a absorver novos temas e questões trazidas

pelo interlocutor como sendo de sua estrutura de relevância” (Idem, p. 191). Consiste em um

guia, que facilite a emergência do ponto de vista dos sujeitos da investigação, numa

perspectiva dialógica, enriquecendo a discussão, a partir das visões trazidas pelos sujeitos

pesquisados.

Todas as questões abordavam diretamente aspectos da temática estudada e estavam

caracterizadas por eixo de estudo ou categorias, para facilitar o direcionamento da entrevista e

a organização das informações posteriormente. Neste caso, foram organizadas em quatro

partes – Identificação, questões conceituais e aspectos ligados à prática docente, questões de

estrutura e ligadas ao aspecto técnico e finalização. Na parte conceitual e prática foram

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32

abordadas questões como: entendimento sobre inclusão, políticas inclusivas, formação

docente e âmbito atitudinal. Já na parte estrutural e técnica foram abordadas questões como:

acessibilidade, estrutura física, recursos didáticos e tecnologia digital.

No que tange a entrevista aberta, é considerada aquela que permite uma liberdade

maior na constituição das questões a serem abordadas, mas sempre tendo em foco o objeto de

estudo em questão e os objetivos a serem alcançados para a compreensão desse objeto

(MINAYO, 2010). Esse instrumento foi utilizado para as entrevistas com os servidores, e as

questões feitas foram pontuais, emergindo a partir das demandas de atuação de cada setor o

que deveria ser abordado para entendimento do processo em estudo. Basicamente foi

constituído de: Identificação, questão conceitual, referente ao entendimento sobre inclusão,

questões de estrutura e ligadas especificamente ao aspecto técnico ou atividade direcionada a

demanda da inclusão de cada setor e finalização.

Para fundamentar a construção das questões e dar subsídios para as entrevistas, no

sentido de responder à problematização da pesquisa, foi tomado por base o levantamento

teórico/bibliográfico que vinha sendo desenvolvido e permeia todo o estudo. Antes de cada

entrevista foi feito um rapport, “estabelecendo um contato inicial, esclarecendo dúvidas e

dando instruções ao entrevistado, para que a entrevista seja adequadamente desenvolvida”

(GIL, 2008, p. 16). Também serve para esclarecer sobre o tema e preparar um clima propício

para a execução da mesma. Sem dúvida, isso é de fundamental importância em qualquer

interação, mas especialmente em se tratando de pesquisa com o uso da técnica de entrevista,

nesse caso, ”os primeiros contatos possibilitam iniciar uma rede de relações, correções iniciais

dos instrumentos de coleta de dados e produzir uma agenda e um cronograma de atividades

posteriores” (MINAYO, 2010, p. 199).

Para a qualificação do instrumento foi efetuado uma avaliação, “que consiste na

realização de entrevistas com alguns interlocutores-chave, o que contribui para tornar mais

clara e precisa a lista de temas e aspectos a serem conservados durante o trabalho de campo”

(MINAYO, 2010, p. 192). No caso, o teste ocorreu a partir de uma entrevista prévia a um

docente dentro do perfil do estudo26

, observando-se a viabilidade do mesmo, a adequação das

questões, fazendo-se os ajustamentos necessários para atingir os objetivos propostos na

pesquisa e garantir a fidedignidade e confiabilidade do instrumento (GIL, 2008; MARCONI;

LAKATOS, 2012; MARTINS, 2010; MOREIRA, 2004).

26

Foi feita essa primeira entrevista como um piloto para qualificação do instrumento, de acordo com as

demandas apresentadas na UnB, mas não entrando estas informações no processo de análise.

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33

Além das entrevistas foi feita também uma observação descritiva do espaço em

estudo, fazendo uma interação de instrumentos de pesquisa – entrevista e observação –, para

melhor descrever o campo de pesquisa, com todas as suas nuances e possibilidades de

compreensão. A observação descritiva é aquela “que se realiza de forma totalmente livre,

embora o investigador de campo deva estar sempre focalizando no que constitui seu objeto de

estudo” (MINAYO, 2010, p. 194), no sentido de perceber quais os sinais significativos

apresentados no espaço observado e como isso se relaciona com os conteúdos evidenciados

nas entrevistas.

Apesar da liberdade de expressão na observação descritiva, a partir da experiência

em campo destaca-se que os aspectos mais relevantes que se expressaram nessa observação

foram: presença ou ausência de - piso podo-tátil, rampas, corrimãos, escadas, elevadores,

sinalizações externas e internas - em braille/Libras ou sonoras -, além de iluminação,

qualidade das vias de acesso, barreiras físicas nas vias de acesso, dentre outros. A partir dessa

observação do campo foi produzido também um material de estudo de cerca de 400 fotos de

diversos espaços da universidade, tendo como foco os aspectos da acessibilidade física,

estrutural e sinalizações.

Análise das informações

Na última etapa ocorreu o procedimento de análise das informações, que se iniciou a

partir de outubro de 2015, utilizando a técnica de análise textual discursiva, que é adequada ao

trabalho de análise das informações obtidas através de pesquisa qualitativa. Esta é uma

técnica que permite a construção de uma compreensão e entendimento criterioso dos

elementos textuais em discussão, a partir da leitura, descrição e interpretação dos conteúdos,

de acordo com os significados e sentidos que desses discursos emergem, e com a

fundamentação de uma base teórica presente em todo o processo analítico. Este tipo de análise

se estrutura em quatro eixos ou etapas.

Inicialmente, a desmontagem do texto, que leva a desconstrução e unitarização do

mesmo, a partir do corpus, que é um conjunto delimitado de informações, no caso, obtidas

através das entrevistas, e que vão compor a análise. Esse corpus unificado deve ser

desconstruído e unitarizado por partes, para poder destacar seus elementos constituintes, e

chegar às unidades de análise, após uma “leitura cuidadosa, aprofundada e pormenorizada”

(MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 22) e de acordo com os objetivos da pesquisa. Cada unidade

de análise deve ser codificada e receber um título, que represente a categorização e expresse

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“a ideia central da unidade” (Idem, p. 20). Efetivamente, nesse trabalho, foi feita a transcrição

detalhada das entrevistas, que passou a compor o corpus de análise. Estas foram fragmentadas

em suas partes constituintes, unitarizando cada fala, dando atenção às expressões e sentidos

trazidos pelos entrevistados.

O segundo passo é o estabelecimento de relação, inerente ao processo de

categorização. Estas categorias devem ser descritas a partir do agrupamento de elementos

semelhantes, utilizando diferentes métodos como: o dedutivo, o indutivo, ou o intuitivo. Estas

categorias podem ser divididas em subcategorias, mas devem ser homogêneas, seguindo uma

base conceitual e alicerçadas no sentido intrínseco a cada uma, deixando que o fenômeno se

expresse no todo, a partir de compreensão de suas partes constituintes.

Nessa pesquisa a categorização se deu, mais efetivamente, pelo método intuitivo,

mesmo que os demais – dedutivo e indutivo – se fizessem presentes, de acordo com o que

estava expresso no conteúdo analisado. A presença dessa articulação entre os métodos é

importante e, por vezes essencial, segundo os princípios da análise textual. Na medida em que

as categorias podem ser de dois tipos: “categorias ‘a priori’ e categorias emergentes”

(MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 25), algumas categorias foram pensadas desde a construção

teórica do projeto de pesquisa, as demais categorias emergiram no processo de análise e

teorização, bem como as subcategorias, que permitiram aprofundar e ampliar o significado

inerente a cada categoria. As categorias foram as mesmas para as entrevistas entre docentes e

servidores, uma vez que elas foram organizadas à partir das entrevistas feita aos docentes, e as

entrevistas dos servidores foram complementando essas categorias, de acordo com o

direcionamento das questões pesquisadas a partir da especificidade de cada área e as

demandas emergentes em cada entrevista. Cada entrevista foi transcrita, digitada

separadamente e gravadas em um arquivo para cada docente, as páginas e as linhas foram

numeradas, para facilitar o acesso às informações.

Em seguida passa-se ao eixo ‘captando o novo emergente’, que se dá expressando as

compreensões atingidas, que leva à construção de metatextos. Estes devem ser fruto do

exercício da interlocução entre descrição e interpretação. Evidente que podem ser mais

descritivos, mantendo uma aproximação ao corpus original, ou mais interpretativos, indo mais

além no aprofundamento discursivo. O ato de descrever diz respeito a “apresentar as

categorias e subcategorias, fundamentando e validando essas descrições a partir de

interlocuções empíricas” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 35), trazendo sempre citações que

esclareçam os fenômenos descritos. Já interpretar é considerado um exercício de teorização ou

mesmo de abstração que amplie a compreensão do conteúdo em análise.

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35

Essa articulação permite fundir o arcabouço teórico com o conteúdo empírico,

podendo ampliar teorias existentes ou levar a emergir novos elementos que fundamentem

novas teorias. Mas para que esse resultado seja validado é preciso estar atento ao “rigor com

que cada etapa da análise é conduzida” (MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 39), e amparar a

argumentação nas citações de excertos elementares trazidos da realidade empírica. Sem

dúvida, a base do arcabouço teórico, presente desde a construção dos capítulos bibliográficos

já desenvolvidos, e a articulação com o conteúdo empírico descrito e enriquecido pela

interpretação, formaram o esteio que levou a fluir o texto fruto desta pesquisa.

Esse ciclo leva à auto-organização, ou um processo de aprendizagem viva. À

desorganização, provocada pelo movimento de desconstrução, segue-se “um processo

intuitivo auto-organizado de reconstrução, com emergência de novas compreensões que,

então, necessitam ser validadas cada vez com maior clareza em forma de produções escritas”

(MORAES; GALIAZZI, 2011, p. 41). Neste sentido, compreende-se que a analise textual

discursiva, por ocorrer em um ciclo espiral, onde se retoma as partes, para chegar a um todo

emergente auto-organizado, é uma efetiva construção de novos significados e eficaz aprender,

que leva a compreensões dinâmicas no processo analítico. Aspectos essenciais em um

trabalho de dissertação.

2.1 DESCRIÇÃO DO CAMPO – UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB

Brasília, cidade estruturalmente monocromática, muito plana, muito reta, sem as

sinuosidades das curvas, que se expressam apenas nas rotatórias que cortam as quilométricas

linhas retilíneas de suas vias expressas, delineadas no projeto urbanístico do arquiteto Lúcio

Costa. Talvez estas rotatórias tenham sido pensadas para fazer jus ao responsável por todo o

projeto de construção arquitetônico, o arquiteto Oscar Niemeyer, o qual dizia “eu prefiro as

curvas”.

Brasília foi idealizada e construída pelo então Presidente da República Juscelino

Kubitschek, e inaugurada em 21 de abril de 1960, tornando-se a capital do país – Distrito

Federal. Planejada segundo a representação de um avião – chamado de Plano Piloto, mas

creio que parece mais com um pássaro de asas abertas, que consegue acolher uma diversidade

de pessoas, que desde sua construção começou a vir habitar esse espaço territorial, sendo

chamados pelos nativos de candangos. A cidade está subdividida em duas grandes partes pelo

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36

Eixo Rodoviário, ou Eixão, que representa a asas do avião e corta a cidade na direção

norte/sul, separando-a em: Asas - Norte e Sul, onde fica a região residencial e comercial da

cidade. Já o Eixo Monumental, corta a cidade no sentido leste/oeste e representa o corpo do

avião.

Figura 01 - Mapa de Brasília (Em azul escuro destaque para a área ocupada pela UnB).

Fonte: Imagem do Goolge (https://www.google.com.br/search)

Na extensão do Eixo Monumental, no sentido leste, encontram-se todas as autarquias

e demais representações do poder público, a Catedral Metropolitana e a Esplanada dos

Ministérios. Chegando ao ápice desse eixo encontra-se a praça dos três poderes: o judiciário,

representado pelo Palácio da Justiça; o legislativo, representado pela Câmara e o Senado; e o

executivo, representado pelo Palácio do Planalto, de onde todos os presidentes, a partir da

inauguração de Brasília, exercem o mandato. No espaço central desse plano piloto encontra-se

o Terminal Rodoviário de Brasília, que é a principal interligação entre os dois eixos e suas

demais ramificações.

Em uma das asas da representação desse avião – no caso na Asa Norte –, encontra-se

a Universidade de Brasília – UnB, que fazia parte do plano piloto da capital e foi sendo

construída simultaneamente à cidade de Brasília e inaugurada dois anos depois, em 21 de abril

de 196227

, tendo 53 anos, à época da pesquisa. Esta Universidade teve como um dos

idealizadores e primeiro reitor o professor e antropólogo Darcy Ribeiro, o projeto pedagógico

de Anísio Teixeira e o projeto arquitetônico e urbanístico de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.

27

O Campus foi sendo construído junto com Brasília, mas neste período da inauguração oficial, em 1962, apenas

o curso de arquitetura e urbanismo funcionava no local, os demais cursos, a administração e reitoria da

universidade funcionavam provisoriamente nos departamentos dos Ministérios da Saúde e da Educação.

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Atualmente, a UnB é considerada uma das melhores Universidades do país e melhor do

Centro Oeste, segundo dados de avaliação do MEC (2015), e tem o segundo maior

orçamento28

entre as 67 universidades federais.

Figura 03 - Foto panorâmica do Campus Darcy Ribeiro UnB, com o lago Paranoá ao fundo.

Fonte: Imagem do Google (https://www.google.com.br/search).

A partir de 2005 a UnB passou a ser multi campi, expandido a sua atividade

presencial29

para as cidades satélites30

de Brasília, tendo na época quatro campi31

: Campus

UnB Planaltina; Campus UnB Gama; Campus UnB Ceilândia; e o que fica no espaço original

da universidade, no plano piloto de Brasília, que recebeu, desde 1995, o nome do seu

fundador – Campus Universitário Darcy Ribeiro. Este campus era onde funcionava a sede

administrativa, econômica e acadêmica da Universidade, inclusive a reitoria, e foi onde

ocorreu a pesquisa. Academicamente ele era composto por 23 unidades, das 26 que compunha

a universidade na época, e seus respectivos departamentos, sendo 11 Faculdades e 12

Institutos. Pode se dizer mesmo que a UnB é uma extensão de Brasília32

, visto que o espaço

28

Em primeiro lugar encontrava-se a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, que, contudo, tinha um

efetivo de quase mil professores e um contingente de quase dez mil discentes a mais que a UnB. Em terceiro

lugar vem a Universidade Federal de Minas Gerais (MEC, 2015). 29

Na atuação do ensino a distância a UnB contava com 31 polos de educação, em 31 munícipios espalhados por

11 Estados da Federação. Dados de 2014, conforme o Decanato de Ensino e Graduação (BRASIL, 2014c). 30

Cidades Satélites: localidades ao redor do Plano Piloto (parte central do Distrito Federal), que representa a

região metropolitana. 31

Um quinto campus estava em projeto desde 2012, o campus Paranoá, mas à época da pesquisa não havia data

para a sua inauguração. 32

Apesar de ser uma instituição de ensino, mesmo que de ensino público, e, com isso, um ‘espaço’ privado, por

seu tamanho descomunal a UnB era considerada em Brasília como um bairro, e funcionava em um espaço aberto

de livre acesso, não havendo portarias de entrada, como ocorrem, em geral, nas demais universidades.

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38

físico da Universidade contemplava uma área aberta e tombada de 3,95 milhões de metros

quadrados33

, com mais de 552 mil metros quadrados de área construída (BRASIL, 2014c).

A UnB34

é centralizada por sua principal edificação, o Instituto Central de Ciências -

ICC35

, prédio icônico projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e inaugurado em 197136

, é

considerado um patrimônio histórico e também tombado. Desde sua inauguração é apelidado

de ‘minhocão’ e aqui carinhosamente chamado de coração da UnB, onde pulsava toda

vivacidade desse vigor acadêmico que se expressava nas mais variadas formas e diversidade

de culturas. Este prédio ocupava uma área de 700 metros de extensão, seu aspecto também era

caracteristicamente monocromático, com uma arquitetura que se assemelhava a de Brasília,

em formato de asas. Por isso também estava dividido em: ICC-Norte e ICC-Sul,

representando as asas do avião, e por onde passava internamente uma das mais longas vias de

acesso, ligando o lado norte ao sul da universidade; e ICC-Centro, com suas duas grandes

entradas de acesso que fazia a ligação dos espaços universitários no sentido leste/oeste.

Figura 4 – Foto panorâmica da UnB, com destaque para o ICC.

Fonte: Imagem do Goolge (https://www.google.com.br/search).

O ICC tinha três pavimentos: o térreo, que tinha a maior e mais movimentada parte

do prédio; o primeiro andar ou mezanino, que estava sofrendo uma série de intervenções e

reformas; e o subsolo, que era um espaço com certas limitações no que diz respeito a acesso,

ventilação, luminosidade, dentre outros. Nestes espaços ocorriam aulas, atividades

33

Area do campus Darcy Ribeiro. A área total dos campi é de cerca de 4,79 milhões de metros quadrados. 34

Neste trabalho, ao fazer referência à UnB, estará se referindo, especificamente, ao Campus Darcy Ribeiro, que

por se a o maior e ter sido o único durante 43 anos, mormente representa a universidade como um todo. 35

O ICC, apesar da denominação de Instituto, não era no sentido estrito, uma vez que ele era o espaço que

abrigava diversos institutos da universidade. 36

À época da inauguração havia poucas construções prontas, uma das quais o Auditório Dois Candangos, onde

ocorreu a cerimônia da inauguração.

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39

acadêmicas, estudantis, administrativas e de lazer e cultura. Neles encontrava-se grande parte

dos órgãos, núcleos, centros e a maioria das unidades acadêmicas, com seus institutos e

departamentos.

Sem dúvida, a UnB é a representação explícita da cidade onde se encontra, eclética,

com mil nuanças de pessoas e espaços. Reafirmando o seu princípio de respeito à diversidade,

presente no artigo 5º, item III, da Resolução do Conselho Universitário nº 001/2012

(BRASIL, 2014c), todas as ‘tribos’ têm os seu espaço, se manifestando das mais diversas

formas. Estas atividades se concretizam mais efetivamente em cada um dos CAs (Centros

Acadêmicos), espaços dedicados à convivência estudantil de acordo com o curso, ou nos

espaço destinados à arte, lazer e cultura. Esse princípio diz respeito também ao aspecto

religioso, que se torna fortemente incorporado a essa realidade empírica da academia.

Chamou a atenção o fato da Santa Missa ser celebrada, impecavelmente, todos os dias durante

a semana, há mais de 20 anos, em um dos auditórios do ICC, com a participação dedicada,

delicada e atenta de tantos jovens, que em um ambiente científico, laico, imanente e, por

vezes, materialista, decidiram fazer suas escolhas pela realidade mística e transcendente da fé,

que dá significado às suas escolhas acadêmicas.

Figura 05 – Celebração da Santa Missa na UnB.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

Na universidade havia também uma série de atividades e espaços ligados a

movimentos sociais organizados, como de afro-descentes, feministas, LBGT etc., mas não

havia, ou, no caso, não foi localizado, nem foi em nenhum momento mencionado, um

movimento diretamente ligado às pessoas com deficiência. Estas pessoas eram representadas

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40

junto à universidade pelo PPNE, que inicialmente mediaria este trabalho de pesquisa, mas

posteriormente não o fez. Este era um dos núcleos da universidade, ligados a programas para

atuação com demandas específicas37

.

Talvez essa pouca articulação das pessoas com deficiência ocorresse devido ao

pequeno contingente destas pessoas nessa universidade. Segundo os dados do Decanato de

Ensino de Graduação, havia na universidade 45.834 estudantes, sendo 37.499 alunos de

graduação e 8.335 alunos de Pós-Graduação (BRASIL, 2014c). Dentro desse universo, de

acordo com os dados fornecidos pelo PPNE (ANEXO A), de abril de 2015, havia 18538

pessoas com necessidades educacionais especiais cadastradas nesse programa, o que dava um

percentual de 0,40%, uma realidade que vem mantendo o perfil histórico, em que “as pessoas

com deficiência ainda são minoria nas instituições de ensino superior, não correspondendo

nem a 1% dos estudantes de instituições de grande porte como a Universidade de Brasília

(UnB) e a Universidade Católica de Brasília (UCB).” (BARBOSA; DUARTE, 2009, p.

97/98). E esse percentual só chegava a esse patamar porque, em sua maioria, as pessoas

cadastradas apresentavam diagnóstico de TDAH e dislexia, 118 no total (ANEXO A). De

fato, apenas 67 delas eram declaradas com deficiência39

, mobilidade reduzida ou transtorno

do espectro do autismo, o que correspondia a um percentual pouco expressivo de somente

0,15%, em relação ao total de estudantes.

É perceptível que, mesmo com as políticas e programas de inclusão, ainda há uma

discrepância entre o total de estudantes e o percentual com deficiência, evidenciando que há

uma dificuldade no que se refere ao acesso destas pessoas na educação superior, que ficam

retidas no ensino fundamental ou param sua formação no ensino médio, pela dificuldade de

ingresso e permanência na educação superior. Sem dúvida,

Embora sejam notórios os avanços em relação às ultimas décadas no que diz

respeito aos direitos educacionais da pessoa com deficiência, ainda existe uma

grande lacuna entre as diretrizes legais existentes e a efetivação do acesso e

permanência dos alunos com necessidades educativas especiais, principalmente na

educação superior. (SIQUEIRA; SANTANA, 2010, p. 09)

37

Entre outros núcleos que atuavam com programas específicos havia, por exemplo, o programa de iniciação

cientifica (PROIC), programa inglês sem fronteiras (PisF) e o programa de educação tutorial (PET), “que

consiste em grupos de estudos orientados por um tutor, com o objetivo de desenvolver atividades acadêmicas

que estimulem o crescimento e a aprendizagem dos alunos.” (BARSIL, 2014a) 38

Dos estudantes com necessidades educacionais especiais ou com deficiência cadastrados no Programa de

Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE), da UnB, até o mês de abril de 2015 (ANEXO A). 39

Com relação ao que é considerado deficiência para o Decreto 5.296/2004 e a Política de Educação

Especial/2007, que é físico/motora, sensorial e mental, e que não abarca TDAH e dislexia.

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Especificamente, com relação à deficiência sensorial (surdez, baixa audição, cegueira

ou baixa visão) havia um total de 2740 pessoas, sendo: 9 com deficiência auditiva, 1 com

deficiência auditiva e TDAH, 16 com deficiência visual, 1 com deficiência visual e TDAH, o

que caracterizava um percentual de apenas 0,06% de pessoas com deficiência sensorial. Esses

percentuais deixam claro como na realidade da educação superior estas pessoas estão pouco

representadas.

A Universidade de Brasília tinha, na época, um efetivo de 2.703 docentes, para o

contingente de 45.834 estudantes, o que equivalia a um percentual de 0,06% de professor por

aluno (BRASIL, 2014c). Contudo, como do total havia apenas 27 estudantes com deficiência

sensorial, e, especificamente no Campus Darcy Ribeiro, espaço onde ocorreu a pesquisa, este

número se limitava a 23 estudantes, isso reduzia muito significativamente o número de

docentes a serem abordados. Estes alunos com deficiência sensorial estavam distribuídos em

diversos cursos do campus, mas havia uma expressão maior para o curso de letras, que

abarcava, em suas diversas modalidades, seis dessas pessoas.

A discussão sobre inclusão de pessoas com deficiência sensorial na UnB foi

despertada a partir da década de 1990, quando estas pessoas começaram a entrar nesta

universidade. As primeiras ações neste sentido foram suscitados pela Faculdade de Educação,

na qual foi iniciado um trabalho para dar suporte didático aos estudantes com deficiência

visual. Já os trabalhos ligados à cultura e pessoa surda despontaram no Instituto de Psicologia

a partir do ano 2000, e, posteriormente, iniciou-se trabalhos ligados a Língua Brasileira de

Sinais, no Instituto de Letras. Em 1999 foi criado o PPNE, pelo Ato da Reitoria nº 1068/1999,

que passou a assumir a responsabilidade das demandas ligadas às pessoas com necessidades

especiais, inclusive a deficiência sensorial, em toda a universidade. Inicialmente chamava-se

Programa de Apoio ao Portador de Necessidades Especiais, e a partir de 2007, pelo Ato da

Reitora nº 1020/2007, atendendo às normas das mudanças legislativas sobre a nomenclatura,

teve a sua denominação mudada para Programa de Apoio a Pessoas com Necessidades

Especiais, mantendo a mesma sigla.

Nesse universo acadêmico da UnB a pesquisa especificamente abrangeu uma

faculdade e três institutos. A Faculdade de Educação (FE), situada próximo ao Espaço Piloto41

desta universidade, o Instituto de Letras (IL), o Instituto de Psicologia (IP) e o Instituto de

Geociências (IG), situados no espaço do Instituto Central de Ciências – ICC42

. Estas três

40

Especificamente, 0,022% auditivo e 0,038% visual. 41

Espaço Piloto – espaço para exposições e atividades de artes da universidade. 42

O IL e o IP no ICC-Sul e o IG no ICC-Central.

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42

escolas – FE, IL e IP43

eram as que tinham mais trabalhos diretamente ligados às pessoas com

deficiência sensorial. Na Faculdade de Educação (FE) ficava sediado o Laboratório de

atendimento a deficientes visuais – LDV, bem como ocorriam muitas atividades e disciplinas

ligadas à temática da inclusão. O Instituto de Letras (IL) tinha o curso de Letras Libras, a pós-

graduação em linguística de Libras e um projeto ligado a áudio-descrição. Já o Instituto de

Psicologia (IP) tinha um trabalho direcionado aos surdos com a produção de vídeos e o

atendimento psicológico de pessoas surdas, com psicólogos que os atendiam com a

comunicação em Libras.

Com respeito aos setores administrativos da Universidade pesquisados: o Decanato

de Ensino de Graduação (DEG) disponibilizou os dados quantitativos, importantes para o

trabalho; o Programa de apoio às pessoas com necessidades especiais (PPNE), por ter como

objetivo “estabelecer uma política permanente de atenção às pessoas com necessidades

especiais na UnB” (BRASIL, 2014c, p. 55); a UnBTV, por ser responsável por toda a

produção audiovisual da universidade; a Biblioteca Central (BCE) por ter um trabalho

específico para atender as necessidades de pessoas com deficiência visual, com a Biblioteca

Digital e Sonora (BDS); e, por fim, o Centro de Planejamento Oscar Niemeyer (CEPLAN),

órgão subordinado à reitoria, por ser responsável pela assessoria técnica nas áreas de

arquitetônica e urbanismo; e a Coordenação de Cadastro e Comunicação Visual (CCV), por

ser o órgão ao qual competia a comunicação visual (placas, letreiros, informativos, sinalização

de orientação) e subordinado à Prefeitura do Campus.

A concretização da pesquisa com esses sujeitos e setores não foi uma atividade de

campo fácil, ocorrendo diversos contratempos. Apesar de antecipadamente ter sido solicitado

ao PPNE o agendamento das entrevistas com docentes que atuassem com pessoas com

deficiência, uma vez que era mestranda na Universidade Federal da Bahia, sediada em

Salvador, e iria fazer o deslocamento para a cidade de Brasília apenas no intuito de efetuar a

pesquisa, isso não ocorreu. Ao chegar à Universidade, um espaço desconhecido e sem

referências de contatos, e saber que a pesquisa não havia sido minimamente viabilizada,

criou-se uma situação desoladora. Mas como tais situações podem ocorrer com qualquer

pesquisador que procura desbravar novos campos de pesquisa, na busca das informações

necessárias para entendimento de problemas sociais tão relevantes quanto é a inclusão de

pessoas com deficiência, procurei encontrar alternativas para viabilizar a produção dos dados.

43

O Instituto de Química tinha também um trabalho de ensino de química para pessoas com deficiência visual,

devido às especificidades das fórmulas, das cores, das experiências, buscando favorecer o processo de ensino-

aprendizagem, contudo, eles produzem conhecimento para formação de professores para o atendimento de

estudantes do ensino médio.

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43

Após ir a procura de colaboração nos institutos que mais efetivamente tinham

atividades acadêmicas ligadas às pessoas com deficiência, foi possível conseguir o contato de

alguns docentes. Alguns destes se dispuseram a participar da pesquisa e ampliaram a rede de

contatos com dados de outros docentes, de forma que foi possível contatar 26 docentes e

chegar a uma amostra de 9 sujeitos de pesquisa, porque era imprescindível a experiência

acadêmica com pessoa com deficiência sensorial, como pelo fato de que o tempo para a

pesquisa em campo ficou reduzido, uma vez que as entrevistas foram iniciadas tardiamente

devido aos obstáculos encontrados inicialmente. Os contatos feitos na universidade

viabilizaram também as entrevistas com os servidores, o que complementou os dados. Essas

entrevistas constituíram-se de encontros de troca de experiência, espaços de diálogo, onde as

pessoas expuseram suas concepções, suas práticas, suas satisfações e seus desencantos nesse

processo. Com essa produção de informação foi possível desenvolver o conteúdo presente na

análise e discussões do texto desta dissertação.

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3 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E DA EDUCAÇÃO: DA EXCLUSÃO SOCIAL A UMA INTEGRAÇÃO EDUCACIONAL

“A história é o grande espelho da vida;

instrui com a experiência e corrige com o exemplo”

(Bispo Jacques B. Bossuet, 1627-1704)

A humanidade, em todo seu processo de constituição e desenvolvimento, sempre

esteve às voltas com três aspectos primordiais – a vivência em sociedade, o trabalho e a

educação. O fato de se constituir em grupos era essencial para a sobrevivência e perpetuação

da espécie. Nestas comunidades necessitava-se do trabalho para sua manutenção, alimentação,

saúde etc. E dentro desta realidade, o processo de ensino e aprendizagem, alicerce da ação

educacional, apresentava-se como forma de passar para as gerações futuras os conhecimentos

que davam suporte à subsistência pessoal e do grupo (GONDIM; SILVA, 2004;

MANACORDA, 2010). Neste sentido, entende-se que a vivência social, o trabalho e a

educação sempre foram aspectos constituintes de uma sociedade, e as bases para o seu

desenvolvimento. Com isso, as principais formas de segregação ou punição, sucessivamente,

tiveram arrolamento com a separação ou privação dessa relação triangular, que dava suporte à

organização social e à possibilidade de sobrevivência.

Com o avanço social da espécie, foi se apresentando a importância do ensino e

aprendizagem, e do desenvolvimento de habilidades, para melhoria da forma de vida pessoal e

coletiva, em matéria de cuidados, moradia, subsistência. E a educação passou a ser algo

essencial na vida humana, favorecendo a sua possibilidade de progresso, pela aquisição,

transmissão e utilização de conhecimentos apreendidos e novos aprendizados. Mas o acesso a

essa educação sempre esteve associado a segregações ou discriminações, a partir de

parâmetros constituídos em cada época, e, desta forma, não abrangia a todos nas sociedades.

Assim, entende-se que em diversas épocas históricas, mesmo nos tempos mais

remotos da civilização, havia grupos que não participavam de maneira plena da vivência

social, por serem considerados de alguma maneira impossibilitados de exercerem sua

cidadania e terem acesso a educação. Entre estes grupos pode-se destacar as mulheres, os

escravos e, em particular, as pessoas com deficiências. A mulher era discriminada por ser

considerada o sexo frágil, inferior, inapta e sem recursos para o trabalho e a educação. Com

isso, não tinha direitos civis, e tinha como função social apenas a reprodução humana e os

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cuidados necessários para sobrevivência da prole. Os escravos, mesmo sendo mão de obra

laboral, operavam em nome de alguém, eram considerados um objeto de pertença do seu

dono, e não tinham com isso voz e vez na sociedade e nem direito à educação (PESSOTI,

1994; SIMAN, 2005; SOARES, 2000) .

Já no que diz respeito às pessoas que nasciam com algum tipo de deficiência, estas

sofriam as maiores perdas sociais, por serem consideradas desnecessárias, racionalmente e

fisicamente inferiores e incapazes, um peso social, um castigo ou uma provação para a

família, ou mesmo separadas do seio familiar, desprezadas ou eliminadas pelo Estado. Estes

eram então totalmente excluídos, abarcando os três aspectos – social, do trabalho e da

educação (ARANHA, 2003; MACIEL, 2000; SANTOS, 2002; WINKELER; OLIVEIRA,

2006). Em verdade, infere-se que estas pessoas eram consideradas inaptas para viver, e foram

paulatinamente, em especial a partir da alta Idade Média, adquirindo a possibilidade de

existir, para posteriormente, com o advento da pós-modernidade, especificamente no início do

século XX, ter a possibilidade de desenvolver suas potencialidades, como pessoa, sujeito e

cidadão, podendo conviver em sociedade e ter acesso à plenitude de direitos, inclusive a uma

educação de qualidade e que possa favorecer a sua participação social.

Com isso, percebe-se que o processo de segregação social de pessoas com

deficiência é algo histórico. E exatamente porque esse processo tem raízes tão profundas, é

preciso entendê-lo, para que se possa compreender como, posteriormente, foi se

desenvolvendo o ideal de inclusão, inclusive educacional, como discurso, atitude, política e

desejo de mudança de configuração da sociedade.

3.1 HISTÓRICO DE EXCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIENCIA: DA

ANTIGUIDADE À VISÃO MODERNA

A civilização humana se constitui de épocas históricas que se subdividem em

períodos específicos. Inicialmente, o período arcaico, constituído de fatos históricos ocorridos

até o 5º milênio a.C., em seguida a antiguidade (5 mil anos a.C.), na qual destacam-se as

civilizações Persas, Egípcia e Hebraica. O terceiro período é conhecido por Antiguidade

Clássica, no qual houve o apogeu do desenvolvimento filosófico-cultural com o predomínio

das nações Grega e Romana, período que vai do 1º milênio a.C. até a queda do Império

Romano, ocorrida no século IV d.C. A partir de então vive-se a era medieval, também

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46

chamada de idade das trevas, constituída de dois períodos: Alta Idade Média (do século V ao

século XI), onde configura-se a ascensão do feudalismo; e a Baixa Idade Média (do século

XII ao XV), quando a sociedade vai abrindo espaço para as mudanças que configurariam a

Idade Moderna. Esse período tem início com o Renascimento (a partir do século XVI), e é

caracterizado pelas revoluções burguesa e francesa, a Reforma e a Contra-Reforma; e pelo

Iluminismo (a partir do século XVII) onde ocorreram as Revoluções científica, industrial e

intelectual, e que foi o prelúdio, de acordo com alguns estudiosos, para o advento da

Contemporaneidade (do final do século XIX ao XXI) (MANACORDA, 2010;

NASCIMENTO JÚNIOR, 2003).

Dentro dessa vivência histórica da humanidade, especialmente na Antiguidade

Clássica, destacando-se as nações Helênica e Romana, a pessoa com deficiência não tinha

sequer direito à vida, sendo eliminadas logo ao nascer, pois não iria corresponder ao ideal

político, intelectual e bélico, que eram a base social e econômica destas nações. No caso de

Esparta, a obrigação de eliminação era dos representantes do Estado, os recém-nascidos eram

avaliados por uma comissão de anciões, e caso fossem considerados com deficiência,

deformidades ou franzinos, eram mortos, sendo lançados de um precipício. Isso ocorria com

as crianças de ambos os sexos, os meninos porque não seriam aptos para a guerra e as

meninas para a procriação (JAEGER, 2010; SILVA, 1986). Em Atenas e em Roma44

essa

eliminação era por lei uma obrigação do pater. Percebe-se que a exclusão era

institucionalizada, já que a legislação dava direito ao Estado de não permitir em sua sociedade

pessoas disformes ou deficientes, e a eliminação se tornava assim uma regra geral e não uma

exceção. Neste sentido, com a exterminação, execução ou abandono até a morte da criança

que ao nascer apresentasse deficiências imediatamente detectáveis, encerrava-se a

preocupação com o “problema”, (ARANHA, 2003; GOFFMAN, 2008; PESSOTI, 1994;

SANTOS, 2002; SCHARF, 2010).

De acordo com Pessoti (1994, p. 7),

[...] é sabido que em Esparta crianças portadoras de deficiências físicas ou mentais

eram consideradas subumanas, o que legitimava sua eliminação ou abandono, prática

perfeitamente coerente com os ideais atléticos e clássicos, além de classistas, que

serviam de base à organização sociocultural de Esparta e da Magna Grécia.

44

No direito romano destaca-se a Lei das doze tábuas (Legge deli dodici tavole), que tinha como uma das

prerrogativas que o pater famílias matasse as crianças que nascessem disformes, considerados pelos romanos

como monstruosos ou anormais, e, por isso, sem direito à vida, tendo que ser eliminadas logo ao nascer

(ALVES, 2009; MANACORDA, 2010; SILVA, 1986).

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Na Antiguidade Clássica poderia mesmo se dizer que a deficiência efetivamente era

pouco presente nas sociedades constituídas, pois as crianças que conseguiam sobreviver, por

não apresentar deficiências aparentes logo ao nascer (como, por exemplo, as pessoas com

deficiências sensoriais), eram posteriormente abandonadas, já que a deficiência era também

vista com misticismo, considerada uma punição ou um castigo, o que justificava o abandono.

Estas, caso sobrevivessem, passavam a habitar fora das cidades, nos espaços mais ermos e

junto aos leprosos e lunáticos (ARANHA, 2003; PESSOTI, 1994; SANTOS, 2002). A

exceção a esta regra nefasta, mas impositiva, ficava por conta de saldados ou nobres, que

adquiriam alguma deficiência devido a sua atividade militar ou politica, como amputações ou

paralisias. Apesar de perderem o espaço social, recebiam alguma forma de cuidado e proteção

por parte do Estado, mantendo-se nas suas famílias. O mesmo não ocorria com os pobres e o

povo em geral: estes, mesmo se adquirissem alguma deficiência na vida adulta, eram também

banidos da sociedade, abandonados ou vendidos como escravos, caso fosse considerado que

ainda poderiam exercer alguma atividade servil (SILVA, 1986).

Mais especificamente, segundo Pessoti (1994, p. 7):

De um modo geral, até a difusão do cristianismo na Europa, a sorte dos deficientes

mentais e de outras pessoas excepcionais é praticamente a mesma, nas regiões

européias, o que não é surpreendente uma vez que até a mulher normal só adquire

status de pessoa, no plano civil, e alma, no plano teológico, após a difusão européia da

ética cristã.

Sem embargo, é na Alta Idade Média que houve mudanças na organização social e

política, que passa a se organizar na forma de feudos, bem como no aspecto religioso, a partir

da visão cristã de homem, como ser humano, possuidor de uma mente, um corpo e uma

alma45

, que lhe dava a dignidade de filho de Deus, independente de sua condição física,

intelectual e social. Com isso, a pessoa com deficiência adquiriu o “status” humano, o que

tornava inadmissível a sua exterminação, passando assim a ter direito a vida, mesmo que sua

deficiência fosse perceptível ao nascer. Desta forma, “graças à doutrina cristã os deficientes

começam a escapar do abandono ou da ‘exposição’, uma vez que, donos de uma alma,

tornam-se pessoas e filhos de Deus.” (PESSOTI, 1994, p. 08). Sem sombra de dúvida,

45

Essa perspectiva de tríade mente, alma e corpo, já era tratada desde os filósofos gregos como Platão e

Aristóteles, e também na época do Império Romano, em especial por Santo Agostinho. Mas é com Santo Tomás

de Aquino, século XIII, quando a visão cristã está enraizada na sociedade medieval, que essa vertente vai tomar

corpo teórico, e impactar a forma de ver o ser humano. Na Suma Teológica Santo Tomás adverte que a alma

dignifica o corpo e confere um entendimento superior à mente (AQUINO, 1273, 2001). Desta forma, não se

pode matar uma pessoa, por mais temível que seja a sua deformidade ou incapacitante a sua deficiência.

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Como para a mulher e o escravo, o cristianismo modifica o status do deficiente que,

desde os primeiros séculos da propagação do cristianismo na Europa, passa de coisa a

pessoa. Mas a igualdade de status moral ou teológico não corresponderá, até a época

do iluminismo, a uma igualdade civil, de direitos (PESSOTI, 1994, p. 09).

Conclui-se, a partir desse pensamento de Pessoti (1994), que mesmo adquirindo o

direito à vida, essas pessoas com deficiência não tinham direitos sociais. Com isso, apesar das

mudanças constituídas a partir da forma mais humana de ver as pessoas com deficiência, isso

não se concretizava por inteiro, e, assim, inicia-se neste período um processo de

marginalização destas pessoas, visto que mesmo que com direito de viver, não podiam exercê-

lo de maneira plena, por não serem inseridos no contexto social feudal da Idade Média.

Efetivamente, a noção de misticismo ainda permeava a visão da deficiência, sendo

esta considerada como um castigo, designado a pecadores, que pagavam no corpo os delitos

ou pecados seus ou dos pais. Além disso, as pessoas com deficiência eram consideradas

improdutivas, inaptas para o saber e a ação, e não tinham espaço na sociedade, sendo

relegadas ao isolamento doméstico, sem acolhimento social ou do Estado. Mesmo que sua

custódia e cuidado tenha passado a ser uma obrigação da família, por vezes eram abandonadas

e ficavam sujeitas à mendicância e ao descaso, recebendo acolhida caritativa em Igrejas e

Conventos. O Estado não assumia a sua função, pois o deficiente não era visto como cidadão,

para ser beneficiário de investimento político, social ou educacional (ARANHA, 2003;

PESSOTI, 1994; WINKELER; OLIVEIRA, 2006). Mais especificamente, “a atitude principal

da sociedade com relação à pessoa com deficiência era de intolerância e de punição,

representada por ações de confinamento e de castigos severos.” (ARANHA, 2003, p. 11).

Na baixa Idade Média, já no bojo da Revolução Burguesa, muda-se visivelmente a

configuração da sociedade, pela inovação no sistema de produção e a implantação do

capitalismo mercantil. A educação passa a ter uma importância fundamental – como suporte

intelectual e científico para a vida econômica, política e social, que se consolidava nas

principais nações até então constituídas, mudando a forma de ver a realidade. Com esses

avanços nos conhecimentos, a concepção de homem também sofre transformação, passando a

figurar a concretude da natureza humana, em seu corpo físico, deixando um pouco de lado a

relevância da alma, próprio do alto medievo. A visão de eficiência estava fortemente atrelada

à capacidade produtiva, pois as cidades necessitavam estar organizadas para abertura dos

antigos feudos ao mercado burguês (ARANHA, 2003; TEIXEIRA, 1998; UFBA, 2007).

“Neste contexto, começaram a ser formalmente tidos como deficientes os indivíduos não

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produtivos que oneravam a sociedade, no que se refere ao seu sustento e manutenção.”

(ARANHA, 2003, p. 11).

Nesse período, as pessoas com deficiência foram submetidas à reclusão. Procurou-se

tirar da circulação social, tanto nas cidades como em seus entornos, todos os indivíduos que

apresentassem qualquer forma de patologia e fossem considerados improdutivos, impróprios

para o convívio ou incômodos para a sociedade. As pessoas com quaisquer tipos de

constituição considerada problema, que englobavam os aspectos físico, mental ou de caráter,

eram retiradas do convívio social e familiar, e segregadas nas instituições de confinamento46

,

iniciando nesta época o período histórico da institucionalização – em presídios, hospitais ou

manicômios (ARANHA, 2003; FOUCAULT, 2005; GOFFMAN, 2008). Percebe-se que,

quando finalmente o Estado assume a sua responsabilidade política na tutela do deficiente,

este se mostra omisso com relação ao desenvolvimento de práticas efetivas para a participação

e pertencimento social destas pessoas.

Institucionalizados, esses sujeitos eram isolados, havendo novamente a quebra da

relação com a sociedade, a comunidade de origem e a família. Nesses espaços a visão que

prevalecia era a organicista e a ciência assumia um papel neste processo. Todos os fenômenos

eram vistos pelo aspecto biológico e trazia a possibilidade de tratamento da pessoa com

deficiência, mas em um sentido estritamente médico, considerando-os como debilitados e

podendo ser fisicamente tratados. Entretanto, ainda nada era feito que tivesse relação com a

utilização de suas potencialidades e habilidades educacionais, pois racionalmente

continuavam a ser consideradas inferiores, e com isso impossibilitadas de adentrar ao

convívio social.

Sem lugar na sociedade, a pessoa com deficiência era vista como diferente,

desadaptada, valorada negativamente, e por isso considerada economicamente como um

estorvo para o sistema capitalista, o que fortalecia e legitimava na representação social a

segregação. Evidente que: “os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm

probabilidade de serem neles encontradas.” (GOFFMAN, 2004, p. 5), isso em todos os

tempos, assim o foi com os negros, os pobres, os doentes mentais e, especificamente, com as

pessoas com deficiência. Não havendo espaço efetivo na sociedade o caminho mais fácil era a

reclusão.

46

Estes espaços eram denominados de instituições totais, lugar de detenção e vigilância que abrigava os

considerados marginais, os loucos e os deficientes. Os doentes mentais e deficientes recebiam tratamentos

médicos corretivos, que se caracterizavam mais como seções de torturas físicas, moral e psicológica

(FOUCAULT, 2005; GOFFMAN, 2008, PESSOTI, 1994).

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50

Entretanto, com o aumento da população nas instituições totais e, mais uma vez, com

as mudanças na visão de homem com o Renascimento e o Iluminismo – que pregava a

liberdade e igualdade –, estas instituições passaram a ser uma preocupação política. Era

preciso dar funcionalidade àquela população ociosa, onerativa e também segregada e sem

direitos sociais, que viviam privadas da liberdade, em situação de profunda degradação,

descaso e miséria (ARANHA, 2003; FOUCAULT, 2005; GOFFMAN, 2008; SILVA, 2009).

Neste sentido, gradativamente as instituições totalizantes perdem a sua força, inicialmente

financeira e depois social, e os marginalizados são, aos poucos, realocados socialmente.

Para iniciar esse processo e tornar esses sujeitos adaptados à realidade da

modernidade que se constituía, era preciso oferecer a eles um suporte que se concretizava pela

educação, a fim de que os mesmos pudessem desenvolver habilidades próprias para o

convívio social, e não sofressem mais uma vez processos de isolamento e reclusão ou fossem

apenas um peso econômico para o Estado. Com isso, no século XVIII inicia-se a vertente da

educação especial segregada, uma educação que era ministrada fora das instituições formais

de ensino, para dar uma base educacional, ainda que mínima, a essas pessoas que finalmente

adentravam a sociedade. Esse foi um dos primeiros passos rumo a uma tentativa de

transformação da ótica social sobre a deficiência, fazendo pensar que na contemporaneidade

haveria uma nova história a contar, mas não foi bem isso o que ocorreu.

A realidade social, permeada pela ótica produtiva, ainda focava a “normalidade”

como padrão, mantendo o status quo, e a educação reproduzia esta visão. Com isso, no início

do século XX pouco havia mudado, ainda que já se atuasse com as classes especiais, que eram

organizadas em um espaço dentro das escolas, mas com uma formação separada dos demais

educandos. Em verdade, no que tange a este período, apesar de tantos progressos no saber, na

ciência e tecnologia, houve mesmo uma ratificação acentuada do aspecto segregativo no que

tange às diferenças. Isso porque, a ênfase em muitos países estava na perspectiva da

eugenia47

, difundida desde o final do século XIX, e que pregava a criação de uma “raça pura”

através da seleção genética controlada48

ou esterilização de sujeitos fora dos padrões de

“perfeição”. Com isso, se pressupunha que resultariam seres biologicamente aperfeiçoados,

fortes e desejáveis socialmente, sem a presença de pessoas com “deficiências” físicas,

47

Termo inserido na ciência pelo francês Francis Galton, estatístico que estudava as capacidades humanas e o

aprimoramento racial, através da seleção genética (SCHARF, 2010). 48

A eugenia se divide em duas variantes – a eugenia positiva, que enfoca a seleção genética, pela procriação

através de casais considerados padrões - fortes, belos, saudáveis, inteligentes etc., e sem misturas raciais; e a

eugenia negativa, que prega a eliminação ou esterilização de sujeitos que apresentem qualquer característica de

anormalidade física, biológica, intelectual etc. (DIWAN, 2007).

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51

sensoriais, mentais ou de baixo nível de inteligência (QI49

), descaracterizando a importância

social, a dignidade e capacidade pessoal desses indivíduos.

O Nazismo foi outro acontecimento histórico que acentuou a prática discriminativa e

segregativa, a partir da perspectiva eugênica, com a esterilização ou eliminação em massa de

pessoas com deficiências, infringindo arbitrariamente os seus direitos primordiais de pessoa e

cidadão, inclusive o direito à vida50

(DIWAN, 2007; SANTOS, 2002; SCHARF, 2010). Via-

se resgatado o tirocínio nefasto da Antiguidade Clássica, em meio a uma sociedade que já

concretizara os avanços da modernidade, vivenciava os progressos da contemporaneidade, a

evolução científica e se dizia “civilizada”. Em suma:

A estrutura das sociedades, desde os seus primórdios, sempre inabilitou os portadores

de deficiência, marginalizando-os e privando-os de liberdade. Essas pessoas, sem

respeito, sem atendimento, sem direitos, sempre foram alvo de atitudes

preconceituosas e ações impiedosas (MACIEL, 2000, p. 51).

Na expressão de todo esse processo histórico, político e social, conclui-se que,

efetivamente as principais transformações no sentido de favorecer a educação para as pessoas

com deficiência só irão se efetivar em meados do século XX, em vista mesmo da reflexão

social ocasionada pelo pós-guerra e futuro advento dos governos democráticos. A partir deste

período, a perspectiva passa a ser de resgatar a dignidade, identidade e cidadania dessas

pessoas, e novas formas de serviço, educação, estrutura etc., serão inseridas na sociedade.

Mas para iniciar este processo foi preciso vontade social e atuação política, no sentido de

fomentar ações que pudessem mobilizar o campo educacional para uma educação

democratizada e uma ação que pudesse levar a uma possível inserção dessas pessoas no

sistema educacional. Entretanto, para compreender essa realidade é preciso discutir como

historicamente a educação se efetivou como uma necessidade social e prática política basilar.

49

Quociente de inteligência, termo cunhado por William Stern, a partir dos estudos dos cientistas Alfred Binet e

Theodor Simon, criadores de testes de inteligência no início do século XX (PACHECO; COSTAS, 2005;

SILVA, 2002). 50

Mais uma vez, como na Antiguidade Clássica, apenas eram aceitos em sociedade pessoas que tivessem

adquirido alguma deficiência em combate de guerra. Neste caso, nem mesmo perdiam as suas patentes, a

depender da necessidade ou estado físico em que se encontrasse, fato retratado inclusive no filme “Operação

Valquíria” de 2008.

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52

3.2 EDUCAÇÃO: DA REALIDADE DE ELITIZAÇÃO AO IDEAL DE

DEMOCRATIZAÇÃO SOCIAL

A educação tem um percurso que permeia a história da humanidade e se inicia no

período arcaico, com as civilizações orientais antigas. Mas é a partir da Antiguidade que se

fundamentam os princípios da educação escolar, e o Egito é considerado o berço desta

educação, da supremacia da instrução e o “criador da atividade intelectual em todos os povos”

(MANACORDA, 2010, p. 22). Mesmo com a importância egípcia para a educação, ou com as

formas de expressão cultural e educacional das civilizações antigas, essa proeminência

educacional só se efetivará e se tornará referencial para os povos modernos com os gregos.

Considera-se mesmo que, a partir do império grego, houve uma Helenização cultural,

disseminada através das escolas gregas implantadas nas nações dominadas (ALEXANDRE

JÚNIOR, 1995). E “por mais elevadas que julguemos as realizações artísticas, religiosas e

políticas dos povos anteriores” (JAEGER, 2010, p. 5), apenas com a contribuição dos gregos

haverá uma repercussão que irá marcar a história.

Foi com o início da Antiguidade Clássica e o apogeu Grego, considerado modelo de

política e educação, que se estruturam as bases educacionais que influenciaram a educação

ocidental. Isso é evidente pelo desenvolvimento cultural, filosófico, militar e científico

ocorrido na Grécia, pois “todo o povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se

naturalmente inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a

comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual” (JAEGER,

2010, p. 3). Ainda na Antiguidade Clássica destaca-se a contribuição da formação Romana,

que herdou a doutrina educacional dos gregos, mas evoluiu para uma instrução moral51

e

religiosa, e teve maior influência para o ensino no ocidente.

Algo relevante é que em todas essas nações, sendo a educação assumida pelo Estado,

no caso dos povos egípcio e grego, ou associada ao pater52

pelos romanos, a formação era

51

Ou virtudes – virtutes (MANACORDA, 2010). 52

Pater, palavra que significa pai, mas se refere a um patriarca e que deu origem a palavra Pátria. Era a figura de

poder em uma família, ou melhor, de uma jurisdição familiar. Este comandava e representava a família ou sua

jurisdição, sendo responsável, dentre outras coisas, pela tutela dos bens da família, pelas escolhas matrimoniais,

pela vida ou morte de seus filhos e suas esposas e netos, ou dos escravos de sua propriedade, pois, de acordo

com a lei das doze tábuas, ele tinha poder e direito de vida ou de morte – Jus vita ac necis – e direito de

abandono – Jus exponendi, por ser pessoa sui juris – personalidade jurídica. Era o pater famílias que autorizava

a morte da criança com deficiência ou por expiação (DILL; CALDERAN, 2011; SILVA, 2002; TELLES, 2011).

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sempre um privilégio das classes governantes e do sexo masculino53

, direcionada para a

atividade militar, intelectual e o exercício do poder. Efetivamente, de acordo com Jaeger

(2010), a educação grega era tão eficaz na formação, não apenas político-social, mas da

personalidade do sujeito, que a considerava mesmo um adestramento. Contudo, reafirmava

que: “este adestramento limitava-se a uma reduzida classe social, a nobreza” (Idem, p. 24),

pois “a história da formação grega começa no mundo aristocrático da Grécia primitiva com o

nascimento de um ideal definido de homem superior, ao qual aspira o escol54

da raça” (Idem,

p. 24/25). Neste contexto, não havia espaço para a formação educacional do povo em geral,

que, em alguns casos, tinha apenas treinamento para o trabalho servil.

Com o fim do Império Romano, há uma mudança no aspecto da educação e da

cultura, pelo retraimento social no âmbito feudal de diversas nações, o que impossibilita a

construção de uma história da educação comum aos principais impérios e hegemônica55

como

anteriormente. Na Alta Idade Média ocorre a decadência e empobrecimento cultural, um

período de trevas e ignorância, mas a formação educacional é resgatada pelo cristianismo, que

se torna o detentor e difusor da cultura e da educação, e a escola adentra aos claustros

monásticos e passa a ter um novo perfil, que se dá pelo “gradual desaparecimento da escola

clássica e a formação da escola cristã.” (MANACORDA, 2010, p. 140). Já na Baixa Idade

Média, a partir do século XII, e ainda sob a égide cristã, a formação escolar se organizou em

escolas monásticas, episcopais e paroquiais, utilizando com base nas regras de vida

monástica, com a divisão de classes, de disciplinas, os graus de formação etc., uma vertente

que mantém os seus resquícios, mesmo nos dias atuais. Em todo esse período a educação era

verticalizada, para atendimento da população masculina, da nobreza e do clero.

Essa perspectiva segue sem grandes modificações até o Renascimento, com a queda

dos reinos feudais e organização dos Estados democráticos, a ascensão da burguesia, a

Reforma Protestante e Contra-Reforma, dentre outros acontecimentos. A partir de então

ocorreu uma abertura das escolas monásticas, paroquiais ou episcopais, e outros grupos

passaram a atuar com o ensino, como os protestantes, os nobres e os leigos com formação56

,

53

Não havia visão de educação para as mulheres (MANACORDA, 2010). O próprio ideário grego dominante

sobre a mulher era de que estava “destinada pela natureza exclusivamente a conceber e a criar filhos e a governar

a casa.” (JAEGER, 2010, p. 815). 54

Escol = nata; elite; o mais distinto. Escol da raça ou escol da sociedade, aqueles que podem ser considerados

os mais distintos no grupo ou a elite da raça (Dicionário online de português; Dicionário InFormal). 55

Hegemônica – visto que o Império Grego e, muito mais veemente para o ocidente, o Império Romano,

influenciavam as nações dominadas, disseminando a educação de acordo com a sua visão, estrutura, conteúdo e

valores, havendo uma cultura educacional transmitida pelos impérios dominantes e cultivada pelos povos

dominados (ALEXANDRE JÚNIOR, 1995; MANACORDA, 2010). 56

Os nobres com o advento mercantil-capitalista burguês buscavam uma forma de sobrevivência financeira, por

não terem mais como se manterem com a perda dos privilégios aristocráticos. Optam pelo ensino, que era

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54

ampliando a oferta de instituições (ARIÈS, 2006; MANACORDA, 2010). Entende-se que a

educação passa a ter outra face dando início a sua ascensão para uma futura prática sócio

democrática, pois começava a abarcar de maneira mais ampla a população – como as

mulheres e o povo. Porém, para a pessoa com deficiência, independente da nação, do sexo ou

classe social, ainda não havia acesso a nenhum tipo de formação, e permaneciam segregados

do processo educacional. Com isso, conclui-se, de acordo com Winkeler e Oliveira (2006, p.

106), que até o século XVIII, “a história da educação viveu um período em que o portador de

necessidades especiais não fazia parte do seu cenário, nem mesmo em classes diferenciadas.”

Entretanto, as mudanças continuaram e passaram a se configurar mais efetivamente

no final do século XVIII. São criadas as primeiras escolas públicas, para atender as classes

populares, pelo aumento demográfico desta camada populacional, que era desprovida de

educação e causava transtornos sociais pela sua rudeza. Também devido à abertura das

instituições totalizantes, que colocou em circulação social os marginalizados reclusos, que

precisavam receber instrução para adentrar ao âmbito social. Pela importância da preparação

educacional para o progresso de uma nação organizada, o ensino torna-se essencial para a

sociedade e passa a ser uma preocupação e prerrogativa do Estado. Mas havia diferenciação

entre o ensino oferecido ao povo e às classes marginalizadas, daquele recebido pela, então,

elite burguesa (ARIÈS, 2006; MANACORDA, 2010).

O resgate de todo esse período histórico, que abarca milênios, tem como objetivo

esclarecer que houve sempre algo em comum na educação: ela nunca foi, mesmo nas

civilizações mais desenvolvidas, uma prática democratizada. Em todos esses séculos, em

algumas épocas assumida pelo Estado ou como iniciativa privada, a educação sempre foi

prerrogativa e privilégio das classes dominantes, direcionada para o sexo masculino e o

exercício do poder, pela qual a aristocracia recebia a formação devida e mantinha a sua

envergadura social.

No que tange ao Brasil, no período colonial e imperial57

, a educação era apenas para

a aristocracia e elite colonizadora masculina, preparados para o trabalho intelectual. A

formação seguia os moldes dos Jesuítas, que tiveram a hegemonia do ensino neste país até o

século XVIII. A partir deste período é que, em virtude das mudanças europeias e no sentido

de atender aos interesses capitalistas e do governo, haverá uma abertura educacional, com as

reformas operadas pelo Barão de Pombal. Tenta-se promover a abertura para outros grupos na

considerado uma atividade de status social e prestígio. Também leigos que tiveram formação em instituições

monásticas, atuavam com o ensino e eram chamados mestres livres, mas, em geral, exerciam essa atividade fora

das cidades (MANACORDA, 2010; RIBEIRO, 1995). 57

Do século XVI ao século XVIII (RIBEIRO, 1995).

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educação e surge o ensino público com as escolas do império, mas estas atendiam apenas o

ensino primário e tinha uma abrangência ainda limitada à classe dominante (CASTANHO,

2011; RIBEIRO, 1995). Sem dúvida, era privilégio para os nobres tanto a escola estatal, ou

régia, mantida pela coroa, quanto à privada, mantida pelos eclesiásticos e religiosos, visto que

“quem frequentava tais aulas eram os filhos dos abastados, assim da metrópole como da

colônia. Dessa sorte, escola pública no sentido de atendimento às crianças da base da

pirâmide social ainda era algo muito distante.” (CASTANHO, 2011, p. 91)

Percebe-se que a organização política sobre a educação, para a população em geral,

permaneceu uma construção teórica, mas que não se concretizava na prática. Isso se mantém

até meados do século XIX, período em que ainda vivia-se no Brasil o regime imperial, mas já

em franca decadência com a expressão do liberalismo, e quando houve algumas novas

perspectivas, como o aumento da crença na importância da educação para o desenvolvimento

social. Ainda assim, as mudanças na configuração educacional eram simplórias, e de acordo

com Ribeiro (1995, p. 57):

A instrução primária continuou constituída de aulas de leitura, escrita e cálculo.

Pressupõe-se que cerca de um décimo da população a ser atendida o era realmente.

[...] A instrução secundária se caracterizou por ser predominantemente para alunos do

sexo masculino [...] e pela atuação da iniciativa privada.

Fica evidente, a partir desta afirmativa, que nesse período a realidade ainda seguia

sem modificações concretas. Ou talvez tenha ocorrido mesmo certo retrocesso. A pressão

social da classe dominante sobre o poder imperial, pela formação de qualidade de seus filhos,

que direcionasse para a educação superior, em vista de “interligá-los no rol dos homens

cultos” (ROMANELLI, 2012, p. 41), levou a intensificar o investimento para esta formação,

em detrimento do investimento no ensino público para a população em geral. Romanelli

(2012), ao discorrer sobre esse período, descreve a situação em que se encontrava a educação

pública, tanto no ensino primário quanto no secundário, e as dificuldades específicas para

manter-se, uma vez que naquele período:

A falta de recursos, [...], que um sistema falho de tributação e arrecadação de renda

acarretava, impossibilitou as províncias de criarem uma rede organizada de escolas.

[...] o ensino primário foi relegado ao abandono, com pouquíssimas escolas,

sobrevivendo à custa do sacrifício de alguns mestres-escola, que, destituídos de

habilitação para o exercício de qualquer profissão rendosa, se viam na contingência de

ensinar. [...] o secundário, acabou ficando nas mãos da iniciativa privada. [...] O fato

de a maioria dos colégios secundários estarem em mãos de particulares acentuou ainda

mais o caráter classista e acadêmico do ensino, visto que apenas as famílias de altas

posses podiam pagar a educação de seus filhos. (ROMANELLI, 2012, p. 40/41)

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56

Desta forma, a elite continuava a receber uma formação sólida, já para a população

menos favorecida não havia recursos plausíveis para o ensino, reafirmando uma perspectiva

de pouco interesse político e econômico com o acesso e qualidade da educação para todos. É

apenas com o advento da República58

que ocorre o início da escola pública59

com caráter

democrático, que enfim se caracterizaria pela gratuidade e, em tese, a acessibilidade a todas as

camadas sociais, oportunizando que os representantes da base da pirâmide social começassem

a adentrar a escola. Contudo, em verdade, esta escola tinha o objetivo de “formar as novas

gerações de republicanos e escolarização dos imigrantes que nessa época aportavam no

Brasil” (CASTANHO, 2011, p. 96). Sem dúvida, ainda eram evidenciadas as deficiências

educacionais no atendimento da população em geral. Além disso, quando estes sujeitos

conseguiam adentar o ambiente escolar sofriam até discriminação, devido às diferenças nos

hábitos e costumes, na forma de se comportar (ou mesmo vestir), em relação às classes

dominantes, que sempre tiveram acesso à educação, visto que esta vinha sendo utilizada como

instrumento do poder pela elite e aristocracia, que buscava manter a autoridade política,

militar e social.

Conclui-se que no século XIX o Brasil tinha ainda uma abordagem educacional que

fora vivenciada na Europa até o século XVIII, fazendo com que o processo de abertura da

educação, que desse acesso à população em geral, tivesse ainda certo atraso frente ao que já

ocorria em países desenvolvidos. Assim, o ensino era, em evidência, um campo excludente e

A exclusão não se fazia paulatinamente, de um nível para o outro, e sim,

marcadamente, no início da escolarização, pois a grande maioria não tinha condições

e, em boa parte, nem interesse, diante do regime de vida que estava submetida, em

ingressar e permanecer na escola (RIBEIRO, 1995, p. 59).

Torna-se claro que não era considerado interessante o investimento na educação para

a população em geral. Em relação à educação de pessoas com deficiência essa falta de

investimento era mesmo quase inexistente. Nesse caso, só havia tido escassas iniciativas,

quase sempre isoladas e pontuais, algumas diretamente ligadas a instituições privadas,

implicando na necessidade de recurso financeiro da família para ter acesso. Com a deficitária

oferta educacional, a marginalização da população menos favorecida das formas de instrução

perpetuava-se, e quando ocorria era orientada pela perspectiva político-educacional

58

A proclamação da República, no Brasil, ocorreu em 1889. 59

Este ensino público principia no Brasil a partir de 1890, inicialmente apenas para a cidade de São Paulo,

depois foi regulamentado por lei, em 1893, com a implementação dos grupos escolares, não mais restrito a esta

cidade, mas estendido a todas as províncias, algo que efetivamente não ocorreu, permanecendo a hegemonia

educacional direcionada ao sudeste do país (CASTANHO, 2011).

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57

capitalista, que não visava uma educação completa, mas apenas preparar as classes

desfavorecidas como mão-de-obra técnica para as demandas oriundas do mercado industrial

(RIBEIRO, 1995; WINKELER; OLIVEIRA, 2006).

Sem embargo, o investimento nos recursos para melhorar a qualidade do ensino e

para favorecer o acesso das classes populares, só será uma realidade no Brasil, e também em

grande parte do mundo, a partir do século XX, com a visão da educação como direito de todos

e função do Estado e uma prática que precisava ser consistentemente democratizada. Para

tanto, algumas prerrogativas político-sociais foram se desenvolvendo: legislações, políticas

públicas e movimentação mais intensa da sociedade civil, para tornar a educação uma

conquista social. Todavia, a realidade concreta que permeava a educação ainda era de um

instrumento de poder e mecanismo de dominação dos mais abastados – social e

intelectualmente –, sobre a massa mais carente em busca de instrução e conhecimentos.

Ademais, com a evolução dos regimes ditatoriais fascistas, bem como em decorrência das

Guerras Mundiais, ocorre uma série de perdas sociais, mais especificamente nos aspectos da

liberdade, da cultura e da educação. Se a educação já era um campo pouco democrático,

âmbito de poderio social e de predominância da elite, neste período é que se limitava ainda

mais o acesso a este espaço.

Evidente que, no que tange a educação especial, se já havia pouco interesse, os

recursos foram mais minimizados ou até abolidos. Algo que se intensificou no período da

Segunda Guerra, que auspiciava e apregoava a ideologia da perfeição, de uniformização de

raças e eliminação do diferente, que influenciou os governos totalitários, inclusive no Brasil60

.

Foi realmente um momento histórico de fomentação das divisões nas sociedades, perdas de

direitos civis. No entanto, esse acontecimento histórico, que tantas perdas trouxe para a

humanidade, também se torna o prelúdio para uma luta futura e constante pelo direito à

educação. A compreensão da importância educacional como fundamento de um Estado

democrático e de quanto se havia perdido na guerra, levaram à luta pelos direitos humanos,

especialmente o direito a uma educação pública, de qualidade, igualitária, que pudesse ser

acessível a todos, iniciando neste período o processo de democratização social e da educação.

A visão com relação às pessoas com deficiência também começa a modificar

60

Nessa época o Brasil vivia a era Getúlio Vargas, de 1930 a 1945, com um regime de governo considerado

totalitário/ditatorial (consolidado no chamado Estado Novo – de 1937 a 1945), que, apesar de ter feito algumas

mudanças, como a criação do Ministério da Educação (na época Ministério da Educação e Saúde Pública), mas

devido a disputas ideológicas entre escola-novistas e tradicionalista presentes no governo, e por manter o foco da

implementação das políticas educacionais na capital paulista, não houve avanço no processo de democratização

da educação pública (MINOZZI JÚNIOR, 2007; ROMANELLI, 2012).

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A questão da integração social das minorias, e dentre elas, a das pessoas com

deficiência, surgiu nesse contexto, nos meados do século XX, especialmente após as

duas Grandes Guerras. [...] que determinou o questionamento das relações mantidas

pelas sociedades ocidentais com os cidadãos com deficiência (ARANHA, 2003, p.

12).

Neste sentido, a guerra também favoreceu o surgimento de políticas educacionais

para pessoas com deficiência, pois se estruturou os movimentos em defesa dos direitos

humanos para estes sujeitos, e pelo fato de que o número de pessoas que haviam sofrido

debilitações, mutilações - físicas, sensoriais, psicomotoras -, foi bem grande, aumentando

sobremaneira o contingente de pessoas com deficiências e que necessitariam ser atendidas

pelo Estado. Com isso, “os estados passaram gradativamente a reconhecer sua

responsabilidade no cuidado a esse segmento populacional, no que se referia a suas

necessidades de educação e de saúde.” (ARANHA, 2003, p. 13). Percebe-se que a

discriminação social na educação tem bases históricas sólidas, e esses acontecimentos, que

acentuaram as práticas segregativas, foram importantes para uma futura democratização

educacional, dando respaldo para as mudanças posteriores que se concretizarão. Para tanto, se

fez necessário uma vivência de mudança de representação social e um arcabouço político e

legislativo que pudesse dar fundamentação a um processo mais efetivo para uma inserção

educacional da pessoa com deficiência.

3.3 EDUCAÇÃO SEGREGADA: VERTENTE CARACTERIZADA PELA

DESIGUALDADE SOCIAL

O percurso educacional da pessoa com deficiência se inicia pela educação especial

segregada (meados do século XVIII na Europa e do XIX no Brasil), passa pela ação política

em prol das classes especiais (século XIX e XX), até chegar às politicas contemporâneas, que

são respaldadas nas declarações de cunho político, como a dos direitos humanos, declarações

de cunho social, como a de Salamanca, leis e constituições, e, mais recentemente, pelas

políticas públicas consideradas inclusivas, fomentadas pelo Estado e embasadas pela visão

neo-liberal de educação.

De maneira específica, a educação da pessoa com deficiência principia a partir das

transformações ocorridas no bojo da modernidade, com o surgimento das escolas de educação

especial segregada, para atender as necessidades educacionais destas pessoas, que adentravam

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a sociedade e conseguiam alguns direitos. Era considerada uma educação segregadora por

manter a pessoa com deficiência afastada da escola normal61

– frequentada pela população em

geral –, tendo um currículo específico e limitado, direcionado para desenvolvimento de

habilidades sócio-motoras, e não especificamente para o conteúdo do ensino escolar, já que

persistia a crença de que não teriam a capacidade de participar da educação formal, ou pelo

desejo de manter distante do ambiente sócio-educacional estas pessoas caracterizadas como

diferentes. Assim, as pessoas com deficiência não tinham acesso a escolarização formal e nem

contato com os educandos considerados “normais” (ARANHA, 2003; MENDES, 2006;

SILVA, 2009; WINKELER; OLIVEIRA, 2006).

Sem dúvida, estava arraigado como parâmetro a visão de deficiência e, com isso, a

falta de competência e potencialidade criativa e produtiva da pessoa, o que não favorecia o o

seu desenvolvimento, reafirmando, mais uma vez, a visão preconceituosa de limitação e

incapacidade da pessoa com deficiência. Isso porque “a idéia segregacionista era muito forte,

a própria sociedade era pessimista com relação ao possível desenvolvimento dessa pessoa

‘diferente’.” (WINKELER; OLIVEIRA, 2006, p. 106), e que por séculos esteve afastada da

relação social e estigmatizada pelo preconceito.

Essa forma de educação primava pela visão médico-terapêutica, focando os limites

físicos e, especialmente, sensoriais, uma vez que, inicialmente, esta prerrogativa educacional

segregada se direcionava especificamente à educação de pessoas com deficiência sensorial –

auditiva ou visual62

. Historicamente, é na Europa que se inicia de maneira institucionalmente

organizada esta forma de educação, com a utilização de diferentes metodologias. Antes só

houve ações muito particulares63

e alguns estudos, como a obra de Bonet64

, sobre a arte de

ensinar os mudos a falar, de 1620. Mas apenas em meados do século XVIII, especificamente

em 1770, que foi aberta na França a primeira instituição para atendimento de surdos-mudos65

,

fundada pelo Abade Charles Michel de L’Eppée, e em 1784, também na França, foi fundado o

61

Na maioria das vezes nem sequer utilizava-se a palavra “escola”, mas sim, instituições de atendimento

educacional/terapêutico ou associações de atendimento/acompanhamento, como ocorre com a Associação de

Pais e Amigos de Excepcionais = APAE, e os Institutos de Cegos espalhados por todo o país (BRASIL, 2004b;

RIBEIRO, 1995). 62

Em quase toda a história de atendimento educacional para pessoas com deficiência, as primeiras ações foram

instituições para atuar com pessoas surdas ou cegas, como apresentado neste trabalho. 63

Antes, “em 637 d.C., o Bispo John of Bervely ensina um surdo a falar de forma clara, e o acontecimento é

considerado um milagre” (BRASIL, 2004b, p. 54), mas a técnica e a metodologia ficaram perdidas no tempo. 64

A partir dos estudos de Jean-Paul Bonet, foi desenvolvida a técnica denominada oralismo, que colocava o

sujeito em consonância com a habilidade dos “normais”, a fala, sem explorar o desenvolvimento das habilidades

em se expressar na língua de sinais (BRASIL, 2004b). 65

Termo em vigor na época. Esta escola era pública e especializada na educação de pessoas com surdez e que,

então, já utilizava um método de sinais. Este método foi desenvolvido pelo mesmo Abade Charles M. L’Eppée

(MORAES; ROCHA; SILVA, 2013; WINKELER; OLIVEIRA, 2006).

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60

primeiro instituto para cegos, por Valentim Haüy66

(BRASIL, 2004b; WINKELER;

OLIVEIRA, 2006). Entretanto, é apenas em meados do século XIX que se desenvolve na

Europa o processo educacional para pessoas com deficiência, período em que se iniciam as

ações neste sentido na América, inclusive no Brasil.

Torna-se evidente que em meio a todas as dificuldades no contexto geral da educação

no Brasil, vivenciadas entre o século XVIII ao início do século XIX, foi apenas na segunda

metade do século XIX (especificamente, a partir da década de 1850) que o Brasil buscou

seguir as diretrizes das mudanças educacionais internacionais, com relação ao acesso ao

ensino das pessoas com deficiência, na perspectiva da educação especial segregada. Contudo,

sem se empenhar para que isso ocorresse com qualidade e com recursos suficientes para a

formação destas pessoas, implementando apenas algumas ações pontuais67

(RIBEIRO, 1995).

De maneira efetiva, “criou-se na Corte o ensino para cegos (1854) e surdos-mudos

(1856)68

. Estes incluíam a instrução elementar e a iniciação técnica e só continuavam pela boa

vontade de diretores e professores” (RIBEIRO, 1995, p. 61). Ainda assim, é tido como um

considerável passo, pois se “organiza a escola para educandos surdos, num momento social

em que tais indivíduos não eram reconhecidos como cidadãos” (BRASIL, 2004b, p. 55),

vivendo em plena marginalização e segregação.

Desta forma, foi no final do século XIX que teoricamente o poder público assume,

finalmente, a responsabilidade política pelas pessoas com deficiência, ainda que não tenha

sido algo efetivamente concretizado na prática, como ocorre com tantas outras prerrogativas

assumidas pelo Estado. Mas com este potencial investimento estatal nessa área, ampliam-se as

escolas de educação especial, as quais sofrem ligeira mudança de visão, uma vez que se

repensa a forma de atendimento, que deixa de priorizar a terapia médica e a deficiência, para

atuar um pouco mais diretamente no aspecto educacional, enfatizando as habilidades e o

potencial de aprendizado e ação desses sujeitos, contudo, sem deixar o aspecto segregado,

separado da realidade educacional das pessoas consideradas normais.

66

Ambos os institutos fundados na cidade de Paris, berço do desenvolvimento científico-educacional da época,

com os avanços dos ideais Iluministas (MANACORDA, 2010; WINKELER; OLIVEIRA, 2006). 67

O nome do francês Ernest Huet é um dos expoentes na educação para surdos no Brasil, responsável por iniciar

a educação para essas pessoas, organizando a primeira escola nesta área em 1855 (BRASIL, 2004b). 68

As escolas foram fundadas por D. Pedro II, ambas na Cidade do Rio de Janeiro, capital do Império. A escola

para cegos tornou-se o Instituto Benjamin Constant, e a escola para surdos-mudos, que foi regulamentada pela

Lei 839, de 28.09.1857, passou a ser Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), de acordo com a Lei

3.198, de 06.07.1957 (MORAES; ROCHA; SILVA, 2013; PACHECO; COSTAS, 2005; WINKELER;

OLIVEIRA, 2006).

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61

Apesar destas iniciativas, “a inserção da Educação Especial na política educacional

brasileira ocorre somente no final dos anos 50 e início da década de 60 do século XX.”

(PACHECO; COSTAS, 2005, p. 02), com um significativo atraso frente às demandas que há

anos já se apresentavam, mas que não eram consideradas pelos órgãos do poder público ou

mesmo eram relegadas a segundo plano. Fato que ocorria talvez porque, conforme cita

Winkeler e Oliveira (2006, p. 105):

[...] nossa sociedade, como outras no mundo globalizado, determinam padrões de

comportamento, de conduta, de rendimento, enfim, padrões para alguém ser aceito

socialmente. À medida que se dita um modelo correto, imediatamente se excluem

todos aqueles que não correspondem às exigências desse padrão.

Com isso, não era considerado de interesse público ou mesmo viável o investimento

na pessoa com deficiência, inclusive no campo da educação especial. Apenas no século XX

ocorrerão mudanças concretas, no sentido de uma política educacional que vislumbrasse uma

integração sócio-educacional da pessoa com deficiência. Isso pelo fato de que no advento

deste século se concretizou o monopólio capitalista, os valores e normas passaram a ser

regidos pelo sistema econômico e ficava evidente que a educação deveria se estruturar para

atender as suas demandas específicas, o que tornou primordial a formação escolar para a

atuação ocupacional69

. Além do mais, houve toda uma ação por parte dos movimentos sociais

na luta por direitos, inclusive a uma educação gratuita e de qualidade. Assim, a educação, em

todos os seus segmentos, se efetivou como uma obrigação e dever do Estado e um direito de

todos os cidadãos.

3.4 EDUCAÇÃO COM FOCO REDUCIONISTA: DAS CLASSES ESPECIAIS À

POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO

No final do século XIX se inicia timidamente uma mudança no processo educacional

da pessoa com deficiência, emergindo uma nova concepção educacional, relacionada a essas

pessoas, ao serem implantadas as primeiras classes especiais, espaço de escolarização, agora

dentro das instituições formais de ensino, para atender as pessoas com necessidades

69

Algo que no Brasil será muito forte, especialmente no governo Vargas, que dará estímulo ao ensino

técnico/profissionalizante – que preparava para mercado de trabalho, em detrimento ao cientifico – que

preparava para entrar no ensino superior, uma perspectiva que levou uma dualidade educacional, com o ensino

profissionalizante atendendo ao menos abastados, e o científico aos ricos, inclusive priorizado pelas escolas

privadas (MINOZZI JÚNIOR, 2007; ROMANELLI, 2012).

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62

educacionais especiais70

, mas sem que estes pudessem participar da educação curricular

recebida pelos outros educandos. Esta perspectiva educacional de inserção só irá se expressar

de maneira mais significativa a partir do início do século XX (ARANHA, 2003; MENDES,

2006; PACHECO; COSTAS, 2005; SILVA, 2009; WINKELER; OLIVEIRA, 2006).

Essa política de inserção escolar não foi pensada a partir das demandas das pessoas

com deficiência, mas uma forma da maquiar socialmente a discriminação que ainda era muito

expressiva naquela época, apesar dos ganhos sócio-políticos adquiridos por estas pessoas.

Neste sentido, Mendes (2006, p. 1), considera que “a incapacidade da escola de responder

pela aprendizagem de todos os alunos deram origem, já no século XIX, às classes especiais

nas escolas regulares”. Apesar disso, entende-se que mesmo não sendo o ideal almejado, este

foi um primeiro passo para as futuras iniciativas mais expressivas que se desenvolveriam

futuramente.

Nesse período, a pessoa com deficiência passou a ter acesso ao ambiente de

educação formal e proximidade com os outros educandos, visto que estas classes funcionavam

dentro das escolas, “havendo assim, o nascimento de um espaço muito importante na escola

para aqueles que fugiam do padrão de normalidade” (WINKELER; OLIVEIRA, 2006, p.

106). Evidente que, “com a abertura das classes especiais, nasceu a possibilidade de se

começar a incluir o deficiente em um espaço escolar, embora não fosse ainda um espaço

comum a todos” [...] pois este não interagia ou se relacionava, no âmbito educacional, com os

outros alunos. Assim, “não houve socialização nem integração, apenas inserção.” (Idem,

2006, p. 106), uma atitude passiva, que corroborava o aspecto excludente ainda veemente na

educação.

Claro que a visão sustentada era mais assistencialista que educacional, e a pessoa

com deficiência tinha, além de um currículo minimizado, um atendimento direcionado para a

reabilitação, que não seguia as prerrogativas do currículo do ensino formal, pois considerava-

se que estas pessoas não estariam habilitadas ou capacitadas para serem inseridas neste

âmbito educacional, ficando assim separadas da educação recebida pelos alunos em geral.

Além disso, mesmo estando dentro da escola, não havia a possibilidade de relação

interpessoal no efetivo processo educacional com os outros alunos considerados normais.

Para Mantoan (2006, p. 25) essa relação é importante, pois:

Nossas ações educativas têm como eixos o convívio com as diferenças, a

aprendizagem como experiência relacional, participativa, que produz sentido para o

70

Termo utilizado e firmado na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,

mas utilizado, especificamente, ao se falar em educação (BRASIL, 2007a).

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aluno, pois contempla a sua subjetividade, embora construída no coletivo das salas de

aula.

Não havia apenas a separação física e a diferença curricular, mas as próprias

nomenclaturas das práticas pedagógicas representavam o aspecto discriminativo, como

pedagogia dos anormais, terapêutica, corretiva, curativa ou emendativa (MARTINEZ;

URQUÍZAR, 2012; MAZZOTTA, 1987; SILVA, 2009; WINKELER; OLIVEIRA, 2006).

Mais especificamente, de acordo com Lunardi (2001, p. 02), a própria educação especial

poderia ser vista como:

[...] uma subárea da educação, um local "menor", que trata de forma caridosa e

benevolente aqueles sujeitos que de uma forma ou de outra caíram na desgraça da

deficiência. A partir dessa perspectiva, os sujeitos deficientes são descaracterizados de

sua condição social de sujeitos, cidadãos, pertencentes a uma nação [...].

Ainda que em meio a toda essa visão reducionista, neste período (início do século

XX) também ocorrem mudanças positivas, em vista de uma evolução científica que se

acentuava, permitindo outras formas de observar os fenômenos educacionais através dos

conhecimentos de áreas como a Psicologia71

e a Pedagogia. Desta forma, foram desenvolvidas

pesquisas que demonstravam a importância da relação social para o aprendizado, e que a

possibilidade de ter pessoas com habilidades e limitações diferenciadas era um aspecto

pedagogicamente dinamogênico para o ensino e aprendizagem. As pesquisas também

demostravam que todos os sujeitos são passíveis de desenvolvimento de suas potencialidades,

independente de limitações físicas, sensoriais ou mentais. Destaca-se, neste sentido, os

estudos de Vygotsky, Wallon72

, Montessori, dentro outros (ARANHA, 2003; COOL;

MIRAS, 2004; PACHECO; COSTAS, 2005; TAVARES; ALARCÃO, 2002).

Mas antes que todo esse processo - científico e pedagógico – inovador, pudesse se

concretizar em uma prática educacional efetiva, a pessoa com deficiência ainda sofreu outras

formas de discriminação, especialmente no período da II Guerra. Infere-se que a mudança

tinha que sair dos ambientes acadêmicos-científicos e afetar a representação social arraigada,

para que pudesse ser efetivada na prática pedagógica. E esse é um processo que ocorre de

maneira paulatina, já que “a literatura clássica e a história do homem refletem esse pensar

71

Ciência e profissão que se consolidava como campo do conhecimento, que havia iniciado como disciplina em

1879, a partir da fundação do primeiro laboratório para estudo de fenômenos psicológicos, pelo cientista

Wilhelm Wundt, na Universidade de Liepzig, na Alemanha (SCHULTZ; SCHULTZ, 2009). 72

Wallon era um crítico veemente da seletividade e restrições nas relações no sistema de ensino, que poderiam

apenas indicar “a ação de uma elite esforçando-se por se manter como classe dirigente e o projeto de uma

sociedade capitalista competitiva e individualista.” (GALVÃO, 2004, p. 93).

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discriminatório, pois é mais fácil prestar atenção aos impedimentos e às aparências do que aos

potenciais e capacidades de tais pessoas” (MACIEL, 2000, p. 51), que apresentam alguma

deficiência.

Consequentemente, as propostas pedagógicas das classes especiais começaram a ser

contestadas, pela necessidade de garantir os direitos civis de maneira igualitária para os

cidadãos com deficiência. É percebida a limitação pedagógica e social desta educação, que

tomava como base uma avaliação médica-psicológica que determinava o grau de debilidade

de cada sujeito; essas pessoas eram vistas com certas capacidades, mas eram ressaltadas as

suas limitações, não conseguindo suprimir os preconceitos arraigados na representação social

e no campo educacional (MAZZOTTA, 1987; MENDES, 2006; SILVA, 2009). No sentido de

mudar esta realidade é que em meados do século XX se inicia a política de integração

escolar, e as pessoas com deficiência passaram a estudar em classes formais de ensino, tendo

acesso ao currículo escolar normal e podendo se relacionar com todos os demais educandos.

Um dos primeiros documentos que serviu de base para a discussão sobre esta prática

foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), ao afirmar, em seu artigo I, que

“todas as pessoas são iguais em dignidade e direito”, e no artigo VII que “todos são iguais

perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei”, passando a estar

amparados por esse direito de igualdade todos os anteriormente excluídos, inclusive as

pessoas com deficiência. Já especificamente como movimento social, que deu suporte às

bases em direção à integração das pessoas com deficiência, destaca-se o princípio da

normalização, originado nos países escandinavos, no final da década de 1960, que trazia a

filosofia de que todas as pessoas com deficiência deveriam ser tratadas com igualdade de

direitos (ARANHA, 2003; MENDES, 2006; PACHECO; COSTAS, 2005; SILVA, 2009). De

acordo com Batista e Enumo (2004, p. 101),

Este princípio apregoa que todas as pessoas portadoras de deficiências têm o direito de

usufruir de condições de vida o mais comum ou “normal” possível, [...] normalizar

não quer dizer tornar normal, significa dar à pessoa oportunidades, garantindo seu

direito de ser diferente e de ter suas necessidades reconhecidas e atendidas pela

sociedade.

Já para Mendes (2006, p. 3):

O princípio da normalização tinha como pressuposto básico a idéia de que toda pessoa

com deficiência teria o direito inalienável de experienciar um estilo ou padrão de vida

que seria comum ou normal em sua cultura, e que a todos indistintamente deveriam ser

fornecidas oportunidades iguais de participação em todas as mesmas atividades

partilhadas por grupos de idades equivalentes.

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Ainda que este princípio não visasse mormente o campo da educação, foi mediante

as discussões e mudanças filosóficas e educacionais que essas prerrogativas fomentaram, que,

especificamente por volta da década de 1970, passa a se firmar a proposta de integração de

alunos com deficiência em classes escolares comuns e se ampliam as propostas

psicopedagógicas para atuar com estas pessoas, agora integradas à realidade educacional e aos

demais educandos. Mas esse processo tinha limitações, já que visava a inserção parcial ou

condicional das pessoas com deficiência, visto que a responsabilidade recaia sobre o sujeito

integrado. Este teria que desprender sozinho os esforços necessários para adaptar-se e

adequar-se à nova realidade educacional, sem a contrapartida da instituição que não se

mobilizava em prol de mudanças em sua estrutura e metodologia, e ainda condicionava a

participação destas pessoas a não perturbação do ensino regular (FONSECA, 2009;

MANTOAN, 2006; SILVA, 2009). Neste sentido, pode-se ressaltar que:

Na década de 70, os “alunos com deficiência” começaram a ser admitidos nas classes

comuns com o surgimento da proposta de integração. [...] Entretanto, coexistia

também uma atitude de marginalização por parte dos sistemas educacionais, que não

ofereciam as condições necessárias para que os “alunos com deficiência” alcançassem

o sucesso na escola regular (SANTOS, 2002, p. 30).

De fato, se a escola não oferecia condições sequer mínimas, fazia com que a

responsabilidade fosse lançada sobre a pessoa com deficiência, que tinha que desenvolver por

si mesma recursos para manter-se “integrada” em um sistema educacional que não tinha

espaço ou estrutura para atuar com as diferenças e, como sempre, evidenciava as limitações.

Evidente que essa proposta educacional ainda mostrava-se limitada, uma vez que:

Na situação de integração escolar, nem todos os alunos com deficiência cabem nas

turmas de ensino regular, pois há uma seleção prévia dos que estão aptos a inserção.

[...]. Em suma: a escola não muda como um todo, mas os alunos têm de mudar para se

adaptar às suas exigências (MANTOAN, 2006, p. 18).

Ainda, de acordo com Silva (2009, p. 9), a perspectiva de “normalidade e de

reabilitação estiveram, deste modo, na gênese de medidas e de práticas de integração, a qual

partiu do princípio que deveria ser a pessoa com deficiência a modificar-se, segundo os

padrões vigentes na sociedade”. Assim, tratava-se de uma ação parcial, uma integração

sustentada pela visão educacional segregativa, que não atendia a contento a necessidade

educacional das pessoas com deficiência. Conclui-se que a busca de vencer as limitações da

proposta de integração, levou a um novo modelo de política, chamada de inclusão.

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4 INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: INTERSTÍCIO ENTRE O DESEJO UTÓPICO E A REALIDADE CONCRETA

“A verdadeira educação consiste em

despertar os dotes que dormitam na alma”

(Wermer Wilhelm Jaeger, 2010, p. 888)

A inclusão é um dos principais temas de debate sociológico e político, tornando-se

um verdadeiro fenômeno social. Isso se reflete claramente na educação, para à qual há uma

série de políticas públicas e movimentos sociais em prol desse processo “inclusivo”. Neste

sentido, há uma aparente mudança de visão, de uma realidade excludente, para um desejo de

universalização da educação na atualidade, onde todos devem ser incluídos, corroborando os

princípios constitucionais de que todos têm os mesmos direitos perante a lei. Especificamente,

há políticas e ações direcionadas para que a denominada inclusão na educação da pessoa com

deficiência torne-se uma prática concreta, mesmo na educação superior.

Mas esse é uma perspectiva que precisa ser melhor perscrutada, não basta se falar em

exclusão e inclusão, é preciso problematizar esses conceitos, uma vez que a própria sociedade

capitalista gera a exclusão para depois incluir. E isso se dá também com relação às políticas

de inclusão na educação, que são apresentadas das mais diversas formas, mas que não se

concretizem na realidade, em vista da sociedade estar imersa em um sistema político que não

está organizado ou mesmo interessado em ver as transformações sociais necessárias se

concretizarem. Essa dimensão político-social da chamada inclusão, que diz respeito também

ao âmbito educacional, e como isso se reflete na educação superior e na prática acadêmica

com pessoas com deficiência é o que se pretende discutir neste capítulo.

4.1 INCLUSÃO: UM CONCEITO EM DISCUSSÃO

Como seria o mundo sem a vida em sociedade? Como se configurariam os sujeitos

criados sem relações e interações sociais? Questões interessantes para serem refletidas. Pelo

que se tem estudado isso é realmente algo impensado e, quando ocorre, simplesmente

desastroso, visto que sem contato relacional, o desenvolvimento humano é afetado no aspecto

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da fala, do andar, do comer, no campo afetivo etc. Para Guareschi (2013, p. 144), “os grupos

humanos, e as sociedades em geral, são melhor compreendidas se forem vistos como

constituídos, em sua essência, por relações”. Fato evidente, pois desde que o homem assim se

constituiu, conforme o entendimento da historicidade da humanidade, ele vive em relação

com outros homens. Mesmo nas comunidades mais primitivas, viver em interação social era o

fator essencial para a sobrevivência e subsistência.

As tribos da antiguidade, ainda que muitas delas nômades, não se prendendo a um

determinado lugar, não perdiam os seus laços e características culturais de relações coletivas.

Na Idade Média, que teve como forte referencial a divisão da sociedade em feudos, as

relações sociais eram fortalecidas pela proximidade entre os habitantes, que tinham que lutar

para sobreviver, tanto produzindo alimentos quanto defendendo-se de invasores ou das

disputas entre os feudos. Efetivamente, estar incluído, se bem que não tinha o sentido como

apresentado na sociedade atual, era fazer parte das formas de relações sociais que se

estabeleciam a partir dos valores e da cultura de cada época.

Contudo, é claro que dentro dessas sociedades sempre esteve presente o estigma das

desigualdades sociais, tanto com relação à classe social quanto com relação à renda e

participação na economia e no campo do trabalho, visto que “pedintes, vagabundos, marginais

povoam historicamente os espaços sociais, constituindo universos estigmatizados que

atravessam séculos” (WANDERLEY, 2013, p. 17), presentes nas mais diversas sociedades.

Mas não eram excluídos em essência, já que estes não estavam passivos perante sua realidade,

bem como faziam parte de grupos que se organizavam e viviam em função desta realidade,

como ainda ocorre na contemporaneidade.

Nesse sentido, da evidente importância e necessidade de relação social para

constituição e organização pessoal dos sujeitos, é que passa a entrar em foco a segregação da

sociedade ou das relações que se estabeleciam na mesma – o que poderia ser caracterizado

como exclusão, ainda que este termo não fosse empregado à época. Esta era uma das formas

mais graves de castigo a ser imputado a um indivíduo. Para Bonetti (2005, p. 02),

[..] excluídas seriam as pessoas que estivessem fora do social, como os leprosos, os

marginais, os doentes mentais etc. [...] uma visão funcionalista de caracterizar um

contingente populacional que estaria fora, à margem da sociedade.

Em caso de receber a exclusão como forma de pena, havia realmente o afastamento

da sociedade, e as pessoas eram banidas das relações sociais. Em caso de estarem detidas,

eram apartadas mesmo das relações entre os sujeitos, já que a forma das instituições de

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reclusão funcionarem não permitia a menor possibilidade de relação social com o mundo

exterior e mesmo entre as pessoas nelas confinadas. A intenção era de uma explícita exclusão

e em amplo sentido. As masmorras onde essas pessoas eram jogadas eram insalubres, sem

luminosidade, com celas individualizadas, nas quais ficavam até acorrentados e faziam todas

as necessidades, sem a menor perspectiva de relação com os demais. Quando soltos apareciam

desfigurados, emagrecidos, doentes, sem vínculos sociais (GOFFMAN, 2008; FOUCAULT,

2005). Este mesmo tratamento era dado aos doentes mentais e pessoas consideradas um

perigo social.

Ainda hoje a pena para crimes graves é a reclusão, porém não há mais exclusão em

sentido stricto, já que os presídios tornaram-se também verdadeiras sociedades organizadas.

Evidente que para haver exclusão teria que ter um afastamento completo da pessoa de toda e

qualquer realidade social, mas isso é impossível na sociedade atual, permeada pela

comunicação – especialmente a mediada pela tecnologia digital. Como atestam Bonilla e

Oliveira (2011, p. 26), “hoje, num mundo de comunicação generalizada, ninguém fica ‘fora

do social’, pois continua se comunicando, interagindo e agindo socialmente, a partir de

qualquer lugar em que se situe, seja uma prisão, seja uma clínica.”

Martins (2008) traz outra concepção pela qual se poderia falar em exclusão, que se

dava pela condição social – reafirmada pela presença histórica da desigualdade social e das

castas nas sociedades, inclusive as civilizadas. Segundo ele: “excluídos eram aqueles aos

quais, pelo berço em que nasceram, não se reconhecia direito ao respeito, à dignidade, ao

decoro, ao tratamento digno próprio das pessoas de condição, como se dizia.” (Idem, p. 15).

Com isso, Martins (2008, p. 15) afirma que “a exclusão foi característica das sociedades de

estamentos, sociedades de diferenciações sociais rígidas”. As pessoas eram diferentes por

nascimento, separadas, em forma de estamentos, por sua condição social de origem familiar,

privilegiada ou não. O que ocorria era uma desigualdade de classe, mas que pela normalidade

e aceitação com que isso era vivenciado, não se caracteriza precisamente uma relação

excludente, mas desigual. “As pessoas eram desiguais porque nasciam desiguais.” (Idem, p.

16), “tinha a ver com a condição social” (Idem, p. 15), privilegiando os nascidos nobres, mas

havendo o espaço social necessário aos nascidos sem essa condição, e que eram a força de

mão de obra de sustentação desta sociedade.

Para Castel (2013), a discussão desse processo ligado à desigualdade de classes fazia

a sociedade buscar uma diferenciação relacional e mesmo a assepsia dos seus espaços, o que

ocasionava determinadas medidas, como o banimento, que representava uma sanção que

levava a desterritorialização da pessoa, e, com isso, a supressão do sujeito problema do seio

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da sociedade. Algo que era considerado como ineficaz, uma vez que representava o

desaparecimento “no âmbito da fantasia” (CASTEL, 2013, p. 123), mas não o realizava na

prática, pois a pessoa continuava presentificada ao derredor do âmbito da sociedade, e com

todas as suas necessidades mínimas a serem satisfeitas. Neste sentido, mesmo banido ele se

tornava “completamente visível porque totalmente desterritorizado”. Esse sujeito, “sem lugar”

e “sem vínculos”, estava exposto aos olhos daqueles que dominavam o contexto, bem como

às suas ações, e por isso, “sobre ele vai abater-se um arsenal sempre renovado de medidas

cruéis.” (Idem, p. 119). Dentre estas medidas, na intencionalidade de se chegar a uma resposta

que fosse mais concreta, houve, em alguns casos, a execução da pena capital, que

efetivamente “realiza a morte social que o banimento já constituiu” (Idem, p. 123).

Não sendo possível manter essa realidade de expurgo e morte, mas sempre no intuito

de sustentar a realidade separatista – os sociais dos dissociados –, é que a discussão chega ao

campo do trabalho. A partir do momento em que a necessidade de venda de mão de obra se

torna imperativa, os inaptos para o trabalho tornam-se os novos desfiliados. Evidente que

estes eram os mais sofridos e discriminados, na medida em que o trabalho representava73

um

dos mais fortes meios para efetivação de vínculos74

e aquisição de status social, e sua

ausência um meio para ocorrer à desfiliação. Sem dúvida, o trabalhador era “membro de um

corpo social, cuja posição é reconhecida num conjunto hierárquico” (CASTEL, 2013, p. 155),

que vinculava o sujeito a um grupo laboral que sempre apresentava forte representação social.

Falando dessa importância da atividade laboral, na segunda metade do século XVII,

Castel (2013) refere que “a participação em um ofício em uma corporação (este termo aparece

somente no século XVIII) marca o pertencimento a uma comunidade distribuidora de

prerrogativas e de privilégios que asseguram um estatuto social para o trabalho” (Idem, p.

155), e com isso “o ofício traça, então, a linha divisória entre os incluídos e os excluídos de tal

sistema social”. Estar fora do mundo do trabalho era o espaço da exclusão, “o caos, a

indignidade total das pessoas de ‘vil condição’” (Idem, p. 174).

No século XIX isso se torna mais proeminente, quando a sociedade pré-industrial

colocará toda a importância na mão de obra, com a qual será possível ter a dignidade social

pelo vínculo e pela condição de sobrevivência dada pelo salário. Os que estão fora das

relações sociais, salarial e do trabalho, são os considerados desfiliados, aqueles que sem poder

73

Em verdade, “o trabalho continua sendo uma referência não só economicamente, mas também

psicologicamente, culturalmente e simbolicamente dominante, como provam as reações dos que não o têm”

(CASTEL, 2013, p. 578). 74

O trabalho e a família são considerados duas representações de possibilidade de vínculo social, todavia a

ausência de trabalho, por vezes, degradava mesmo a família e, com isso, os seus vínculos (CASTEL, 2013).

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70

vender a sua mão de obra, não têm o status próprio desta realidade. Com isso, sem nada para

oferecer com trabalho, consequentemente para receber como salário, este sujeito chega ao

“grau zero da condição salarial: um estado impossível (mas que entretanto existiu em carne e

osso para centenas de milhares de exemplares), que condena a exclusão social” (CASTEL,

2013, p. 149).

Essa condição de desfiliação, provocada pela desterritorialização, pela fragilidade

das redes de sociabalidade e pela dificuldade de fazer parte da relação salarial, vai chegar a

vias mais expressivas no século XX, com o fortalecimento da realidade capitalista. Nesse

período, não apenas houve uma precarização do trabalho, mas uma crise do emprego –

quantitativa e qualitativamente –, bem como, a busca muitas vezes injustificada por um nível

quase inatingível de eficácia e uma competitividade visivelmente acirrada, leva a

desquilificação de muitos, e, assim, “desmonetariza uma força de trabalho antes mesmo que

tenha começado a servir” (CASTEL, 2013, p. 519).

Todos estes fatores “permite compreender os processos que alimentam a

vulnerabilidade social e produzem, no final do percurso, o desemprego e a desfiliação”

(CASTEL, 2014, p. 516). Essa visão da desfiliação é o ponto fundamental para entender a

realidade social, e perceber a intencionalidade capitalista que leva a discussão para o campo

da exclusão. O desfiliado, pode, ao conseguir vender sua mão de obra, retornar ao processo

de filiação. O excluído é banido por um sistema, que tem suas regras e condição de defesa dos

não desejáveis, e que só permite o retorno de alguns, por interesse desse sistema. De acordo

com Castel (2013, p. 569), “os ‘excluídos’ são, na maioria das vezes, vulneráveis que estavam

‘por um fio’ e que caíram”, e essa queda traz consigo a impossibilidade de se reerguer, algo

que apenas acontece se houver um ato salvador para novamente “incluir” este ser decaído.

Fica claro que o desenraizamento e a desfiliação são aspectos essenciais para se

chegar a discussão da exclusão, especialmente quando toca a realidade capitalista, pois “é

característico da sociedade capitalista, desde sua origem, a exclusão, isto é, o

desenraizamento” (MARTINS, 2008, p. 120), uma vez que esta tem “a tendência de destruir

as relações sociais que não sejam relações capitalistas” (Idem, p. 120). Nesse contexto, é que

o discurso sobre exclusão foi tomando corpo e novos rumos, e passou a ser “o sintoma grave

de uma transformação social que vem rapidamente fazendo de todos os seres humanos seres

descartáveis” (Idem, p. 20).

A noção de exclusão é historicamente atribuída às construções teóricas do pensador

liberal francês René Lenoit, a partir de 1974, com a publicação do livro L’Exclus, que

despertou a reflexão sobre essa concepção, vendo-a como um fenômeno social, fruto das

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71

desigualdades ocorridas na sociedade moderna e que atingia todas as camadas sociais, e não

apenas as classes marginais (BONETTI, 2005; SAWAIA, 2013). Isso passou a suscitar o

debate sobre o tema, e na sociedade atual, o termo exclusão tomou grandes proporções e

diversos significados, e tem sido utilizado para qualquer fenômeno social de forma consensual

“sem que se saiba ao certo o significado que está em jogo” (SAWAIA, 2007, p. 07),

apresentando, portanto, um caráter ambíguo. Mas com a disseminação sócio-política atual

desta expressão, bem como o “uso abusivo da noção de exclusão como se ela explicasse

absolutamente tudo, todos os problemas sociais” (MARTINS, 2008, p. 119), percebe-se que

ela também faz parte da concepção e das estratégias do capitalismo. “Na verdade, a categoria

exclusão é resultado de uma metamorfose nos conceitos que procuravam explicar a ordenação

social que resultou do desenvolvimento capitalista.” (Idem, p. 27).

Aprofundando essa discussão, Ribeiro (1999) destaca que a categoria exclusão tem o

seu potencial explicativo, a partir da globalização econômica e expansão de uma visão liberal

e totalitarista, que cria uma sociedade paralela, na qual estão os que fazem parte do sistema

capitalista, que alicerça essa realidade. O que levou a experiência de substancial perda nos

processos sociais, e torna os excluídos seres manipuláveis por este sistema, designando a estes

“um papel de meros objetos, seres amorfos que aceitam a inexorabilidade de sua exclusão”

(Idem, p. 08). Para estes são negados direitos sociais básicos, e o que se expressa é um estado

de intolerância frente àqueles considerados desnecessários, por não corresponder à ideologia

do capital.

Essa perspectiva descortina a realidade e torna imperiosa a necessidade de

aprofundar o debate, e deixa claro que

a exclusão contemporânea é diferente das formas existentes anteriormente de

discriminação ou mesmo de segregação, uma vez que tende a criar, intencionalmente,

indivíduos inteiramente desnecessários ao universo produtivo, para os quais parece

não haver mais possibilidades de inserção. Poder-se-ia dizer que os novos excluídos

são seres descartáveis. (WANDERLEY, 2013, p. 25)

Sem dúvida, é uma realidade cruel, mas por sua sustentação ideológica se

fundamenta e dissemina. Com isso, o termo vem sendo, cada vez mais, fragmentado em

diversas possibilidades, no sentido de dar conta de uma amplitude de categorias e campos

considerados de exclusão, fragilizando o entendimento e a ação concreta em prol dos sujeitos

marcados por esse estigma (FERREIRA, 2002).

Para Jodelet (2013, p. 55), “a noção de exclusão, bastante polissêmica, compreende

fenômenos tão variados que nós podemos nos perguntar até onde se justifica falar ou tratar de

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exclusão em geral”. Neste sentido, fala-se em exclusão por partes e de todos os tipos:

exclusão social, exclusão escolar, exclusão da terra, exclusão do trabalho, exclusão digital,

exclusão dos deficientes. Mas se o ser humano não se fragmentou, continua uno e indiviso,

claro que não pode ser excluído por partes. Todavia, a partir do momento que se constituiu a

categoria exclusão, em decorrência desta criou-se uma massa denominada de excluídos. De

acordo com Martins (2008, p. 20), “do tema da exclusão passou-se ao substantivo excluídos,

pressupondo, portanto, que se trata de uma categoria social e de uma qualidade

sociologicamente identificável nas pessoas e nas relações sociais” (MARTINS, 2008, p. 25).

Havendo os excluídos era preciso dar conta desta realidade, e isso leva ao aparecimento e

análise de outro conceito – a inclusão, e já que existe o termo é preciso que seja refletido

como e em que ele se constitui.

Torna-se explícito que se o conceito de exclusão faz parte da estratégia capitalista, a

sua positivação – a chamada inclusão – é também uma de suas estratégias, na busca de dar

uma resposta ao processo de desenraizamento social que ele mesmo fomentou. Efetivamente,

pode-se constatar que “o discurso sobre ‘exclusão’ nos fala de um projeto histórico de

afirmação do capitalismo, através da justa e necessária inclusão social dos descartados do

sistema econômico” (MARTINS, 2008, p. 18). Neste sentido, claro que se percebe uma

possível constituição demagógica desta expressão, na medida em que a construção da noção

de inclusão veio como resposta ao desenvolvimento de uma forma de organização de uma

sociedade capitalista e neoliberal, que fomenta desigualdades e as faz permanecer. Em

contrapartida, cria suas formas de apaziguamento para estas desigualdades, ao tempo em que

também mecanismos de defesas, que são artifícios que limitam o alcance e ação contra estas

desigualdades. Afinal, o controle social faz parte das estratégias capitalista, e com isso só

muda o que e até onde não gere perdas ou transformações contrárias à ótica capitalista.

Assim, a inclusão se pauta em uma ótica perversa. O capitalismo coloca para fora,

mas começa a sentir a pressão social contra essa ação de expurgo e exclusão que o meio

liberal ocasiona, e, para acalmá-la, constrói uma estratégia discursiva, alimentada pelo

marketing midiático, que traz alguns de volta – os chamados incluídos. Todavia, esses ainda

permaneçam de alguma forma desfiliados, uma vez que não se estrutura o contexto social para

mudanças efetivas, permanecendo as desigualdades. É possível compreender que “a palavra

exclusão conta apenas metade do processo, mas não conta a conseqüência mais problemática

da economia atual, que é a inclusão degradada do ser humano no processo de reprodução do

capital” (MARTINS, 2008, p. 125).

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73

Sem dúvida, a própria exclusão vira justificativa para o discurso da inclusão, e uma

das principais estratégias inclusivas alimentadas por esse discurso são as politicas públicas, ou

medidas compensatórias, sustentadas como bandeira de resolução de problemas, e essa é uma

questão que demanda questionamentos. É evidente que tem-se disseminado de forma

inconteste, mas também desordenada e fragmentada, a fomentação de políticas ditas

inclusivas, mas que pelo viés ao qual estão atreladas, ao invés de mudar a realidade da

exclusão, muitas vezes leva simplesmente a designar novas formas e termos para uma

possível inclusão, já que “o que a sociedade capitalista propõe hoje aos chamados excluídos

está nas formas crescentemente perversas de inclusão” (MARTINS, 2008, p. 124).

No caso, para buscar mudar a realidade de exclusão generalizada e heterogênea,

constitui-se uma série de movimentos/políticas de inclusão: inclusão dos deficientes, inclusão

escolar, inclusão dos sem terra, inclusão dos indígenas, dos afrodescendentes, inclusão digital.

Ao tempo em que inclusão social deveria englobar tudo, e se houvesse realmente uma política

de direitos iguais e equidade, não haveria necessidade de tantas políticas estanques, que

procuram incluir por partes, sem estar socialmente inserido no todo. Essas políticas apenas

abrandam a realidade, que, em verdade, é sustentada por um sistema econômico excludente,

para o qual a inclusão é apenas um discurso politicamente correto.

Sem embargo, para Ribeiro (1999, p. 09), “a luta pela inclusão é também uma luta

para manter a sociedade que produz a exclusão.” Com base nessa perspectiva é possível

inferir que esta eclosão da diversidade de perspectivas inclusivas tenta calar as barreiras e

diferenças sociais criadas e recriadas a cada dia, e alicerçada pela necessidade de se manter

essa realidade, visto que se a exclusão está na lógica capitalista, a inclusão, como seu

contraponto, também está – o que a torna uma quimera. Descortinando a realidade, se percebe

que essa é uma ótica perversa e preocupante, e com a retroalimentação desse sistema o

panorama

[...] que temos pela frente é relativo ao revigoramento e renascimento de formas de

diferenciação social que imputam a determinadas pessoas lugares sociais não

participativos, excludentes, como se elas não pertencessem ao mesmo gênero humano

dos demais (MARTINS, 2008, p. 15).

Sem dúvida, se evidencia que “a naturalização do fenômeno da exclusão e o papel do

estigma servem para explicitar, especificamente no caso da sociedade brasileira, a natureza da

incidência dos mecanismos que promovem o ciclo de reprodução da exclusão”

(WANDERLEY, 2013, p. 24). E, claramente, “sob esse rótulo estão contidos inúmeros

processos e categorias” (Idem, p. 18), que aparecem como rupturas do vinculo social, e vão

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74

dando corpo para a manutenção da realidade instituída e que se solidifica, não causando mais

estranheza e, com isso, desarticulando as lutas em prol de efetivas transformações sociais.

Seriam essas rupturas e desvinculações que deveriam ser pensadas, uma vez que é

sob a ótica das relações sociais que se poderia pensar a inclusão, afinal “a exclusão, limitando

as chances sociais, provocaria desorganização familiar e comunitária, socialização defeituosa,

perda dos sinais identificatórios, desmoralização etc.” (JODELET, 2013, p. 65). De maneira

mais contundente, para Martins (2008, p. 21), “a verdadeira exclusão está na desumanização

própria da sociedade contemporânea.” Com isso, a inclusão estaria atrelada à mudança na

forma da sociedade se relacionar com o outro, uma forma que coloca esse outro como

inferiorizado, mas “acolhido” e “beneficiado” pela realidade capitalista, que ao tempo que o

gera, o mantém. Evidente que, para haver transformação, seria essencial “colocar no centro

das reflexões sobre a exclusão a ideia de humanidade e como temática o sujeito e a maneira

como se relaciona com o social” (SAWAIA, 2013, p. 100), mas as relações se apresentam

com uma configuração que se expressa como desumanizadas e competitivas, e “a

competitividade exige a exclusão” (GUARESCHI, 2013, p. 147).

A desfiliação, a desvinculação e a desumanização são processos notórios e que têm

gerado perdas sociais irreparáveis, que nem mesmo a ação política tem conseguido coibir,

uma vez que mais do que a imposição de leis e decretos, que não se concretizam na prática, é

necessária uma transformação nas formas de relações da sociedade, na restauração dos

vínculos tão fragilizados ou mesmo completamente rompidos, e na aceitação e fortalecimento

da diferença e da diversidade. Além do que, é imprescindível “a consolidação do processo de

democratização, em nosso país” e este “terá que passar necessariamente pela desnaturalização

das formas com que são encaradas as práticas discriminatórias e, portanto, geradores de

processos de exclusão” (WANDERLEY, 2013, p. 26).

Isso torna-se proeminente, visto que “a sociedade de promessa de integração no

princípio do contrato de igualdade vem se firmando como a sociedade de incerteza e do medo,

o medo de se tornar ninguém e coisa alguma, de ser descartado e banalizado” (MARTINS,

2008, p. 20). “Isso é de fato, por inteiro, exclusão social” (Idem, p. 20), fomentado e

alimentado pela ação neoliberal que gera desigualdades e a faz permanecer, para com isso ter

mais um fator de sustentação econômica, movimentando recursos para o ‘combate’ às

desigualdades sociais, sem deixar claro que a exclusão não se combate com ações pontuais de

inclusão, mas com ações que possam envolver a sociedade como um todo. Todavia, a

imbricação entre as categorias exclusão/inclusão, própria da sociedade capitalista, faz com

que “toda dinâmica dessa sociedade se baseia em processo de exclusão para incluir”

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75

(MARTINS, 2008, p. 119/120), em um ciclo vicioso, de alguma forma retroalimentado e com

base de sustentação. E isso se evidencia em todos os âmbitos da sociedade, mas de maneira

bem peculiar no que diz respeito à educação.

4.2 EDUCAÇÃO DENOMINADA INCLUSIVA: PRÁTICA EFETIVA OU APENAS

PANACEIA?

Em tese, a primeira proposta no sentido da educação com caráter inclusivo “surgiu nos

Estados Unidos, em 1975, com a lei pública do Congresso de nº 94.142, chamado Ato para a

educação de todas as crianças deficientes (SANTOS, 2002, MRECH, 2001), o qual, ainda que

direcionado à infância, visava “garantir que os serviços de educação especial fossem

colocados a disposição daqueles que deles necessitassem” (ASSUNÇÃO, 2007, p. 20), e foi

ampliado em sua abrangência, para atender às pessoas com deficiência em geral, através da

Lei - Ato de Educação para os Indivíduos com Deficiência (Individuals with Disabilities

Education Act - IDEA), em 1991.

Essas e outras legislações posteriores estavam embasadas nas tendências do pós-

guerra – especialmente após a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã – que muitas

perdas, inclusive físicas, gerou para os combatentes, no sentido de diminuir os efeitos destas

perdas na população e “assegurar direitos e oportunidades em um plano de igualdade a todos

os cidadãos” (SANTOS, 2002, p. 30). Mas na prática esta proposta ainda se fundamentava no

modelo da política de integração. Neste sentido, “a Educação Inclusiva norte-americana

limitava-se apenas à inserção física de ‘alunos com deficiência’ na rede comum de ensino, nos

mesmos moldes do movimento de integração.” (Idem, p. 30). Mudaram-se os termos e as

propostas, mas estas não se efetivaram como mudanças na prática. Isso pelo fato de que estas

propostas não modificaram a realidade educacional, permanecendo o processo de

marginalização, apenas com nova vertente, pois com as dificuldades adaptativas, de estrutura

e pedagógicas não sendo trabalhadas e sanadas no sistema educacional, o que ocorria era um

contexto de fracasso e culpabilização desses sujeitos, desacreditando o seu potencial.

Apenas na década de 1990 é que a discussão se amplia, especialmente pelo respaldo

dado pela Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990), a partir da conferência

promovida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO), na cidade de Jomtien - Tailândia. Esta declaração no item 5, do artigo 3 –

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76

Universalizar a educação e promover a equidade –, refere que: “É preciso tomar medidas que

garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de

deficiência, como parte integrante do sistema educativo” (p. 4), já neste momento

corroborando a ideologia inclusiva em ascendência. Os Estados Unidos, na vanguarda desse

processo, sanciona ainda em 199075

a American with Disabilities Act (ADA) (no Brasil

denominada Lei ADA), considerada a principal legislação nos Estados Unidos, direcionada

aos direitos das pessoas com deficiência, garantindo igualdade de acesso e oportunidades na

educação, e em todos os âmbitos sociais.

No Brasil, é também na década de 1990 que a educação especial passa a ter maior

atenção por parte do Estado, melhorando o atendimento educacional nesta área. Isso foi

fundamentado pela criação de órgãos específicos para essa demanda educacional como a

Secretaria de Educação Especial76

(SEESP), que foi criada no sentido de dar apoio técnico e

financeiro para implementar no país a Política Nacional de Educação Especial. Desde 2012

essas demandas são atendidas pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,

Diversidade e Inclusão (SECADI), mudando, teoricamente, a perspectiva de Educação

Especial para Inclusão, ainda que as competências devidas à Inclusão sejam atendidas pela

Diretoria de Políticas de Educação Especial dessa Secretaria (BRASIL, 2012).

Mas, sem dúvida, o marco histórico deste processo foi a Declaração de Salamanca77

(1994), conferência que reafirmou os princípios da Educação para todos, mas foi direcionada

especificamente para a Educação Especial, e teve como base a luta pela igualdade de

oportunidades educacionais para as pessoas com necessidades educativas especiais. Esta

declaração influenciou a educação especial em vários países, bem como o Brasil, e reafirma

como um dos princípios norteadores, no item 3, que a educação escolar deveria “acomodar

todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais,

emocionais, lingüísticas ou outras”, e, no item 4 (p. 04), “que as diferenças humanas são

75

A Conferência em Jomtien ocorreu entre 5 e 9 de março de 1990, e a Lei ADA foi sancionada pelo presidente

George H. W. Bush, em 26 de julho deste ano. 76

Essa secretaria foi extinta, as suas atribuições foram vinculadas e passaram a ser atendidas pela SECAD –

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, que para atender as demandas referentes às

politicas de inclusão teve a sua razão social modificada, atualmente é denominada SECADI - Secretaria de

Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, conforme o Decreto 7.690, de 2 de março de 2012

(BRASIL, 2012). 77

Declaração de Salamanca - Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas

Especiais, documento promulgado a partir da Conferência Mundial de Educação Especial, representada por 88

países e 25 organizações internacionais, que reunidos em assembleia geral [...], reafirma o compromisso de uma

educação para todos (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p. 1).

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77

normais” e que, é o meio e os recursos de aprendizagem que devem se adaptar às

necessidades dos educandos e não estes se adaptar ao já antes organizado e pré-concebido. 78

.

Essa discussão se ampliou e deu origem a novos documentos internacionais, com

uma abrangência não apenas educacional, mas amplamente social, como a Convenção de

Guatemala, ocorrida em 26 de maio de 1999, na Cidade da Guatemala (capital da República

da Guatemala), na qual os países americanos em assembleia, discorreram sobre as demandas

específicas, tendo como resultado o documento: Convenção Interamericana para a Eliminação

de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, que tinha

o intuito de eliminar a discriminação em todos os campos sociais, inclusive na educação,

abrindo espaço para a igualdade de direitos. Essa convenção, como tantas outras, repercutiu

na legislação brasileira, com a promulgação do Decreto 3.956, de 08 de outubro de

2001(BRASIL, 2001).

Todas essas políticas e movimentos sociais fundamentaram a proposta de inclusão

como um aspecto inovador, ao mudar a postura em relação as pessoas com deficiência, visto

que não bastava apenas integrar, era preciso que as instituições se mobilizassem no sentido de

se estruturar para atender a esta população e romper com qualquer tipo de descriminação que

levasse ao ostracismo destas pessoas. Para além disso, pode-se dizer que:

A inclusão questiona não somente as políticas e a organização da educação especial e

regular, mas também o próprio conceito de integração. Ela é incompatível com a

integração, pois prevê a inserção escolar de forma radical, completa e sistemática.

Todos os alunos, sem exceções, devem freqüentar as salas de aula do ensino regular.

(MANTOAN, 2006,p. 19).

Haveria então uma responsabilidade partilhada, o sujeito passaria a ter o respaldo

institucional, que teria o encargo de criar condições educacionais e fazer adaptações

necessárias para atender e se ajustar às necessidades educacionais especiais dos educandos. O

objetivo não é mais apenas a inserção física, mas a “inclusão plena e incondicional”, com a

escola preparada para lidar com a diversidade, como deficiências físicas, mentais ou altas

habilidades (BATISTA; ENUMO, 2004; MACIEL, 2000; MANTOAN, 2006; SANTOS,

2002). Mas será mesmo que isso se configurou na realidade? Efetivamente considera-se que

não. Assim, é imprescindível ressaltar que, mesmo utilizando o termo “inclusão”, em suas

78

A citação ipsem liter, conforme se encontra no item 04 da Declaração (p. 04). “4. Educação Especial incorpora

os mais do que comprovados princípios de uma forte pedagogia da qual todas as crianças possam se beneficiar.

Ela assume que as diferenças humanas são normais e que, em consonância com a aprendizagem de ser adaptada

às necessidades da criança, ao invés de se adaptar a criança às assunções pré-concebidas a respeito do ritmo e da

natureza do processo de aprendizagem.”

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78

primeiras versões, essas políticas apenas reconfiguraram a perspectiva da integração, sem

promover efetivamente a organização do sistema de ensino, a formação apropriada dos

professores ou viabilizar o que está especificado para o processo de acessibilidade,

permanência e qualidade educacional, não conseguindo se configurar como o proposto pela

educação inclusiva.

Sem dúvida, a própria prerrogativa educacional, sancionada no país desde 2007, trata

da política de educação especial, na perspectiva da educação inclusiva, não firmando como

objetivo principal a possibilidade de inclusão, mas a educação especial (BRASIL, 2007a). De

maneira expressiva, esse apoio à educação especial é mais concretamente direcionado para

garantir o Atendimento Educacional Especializado (AEE), inclusive com a promulgação do

Decreto nº 7.61179

, de 17 de novembro de 2011, que especificamente dispunha sobre esse tipo

de atendimento, garantindo inclusive apoio técnico e financeiro para esse atendimento na

educação, em âmbito Municipal, Estadual, Federal e filantrópico, e mesmo sendo de

novembro de 2011, ainda se referia à educação especial (BRASIL, 2011a).

Sabe-se que o atendimento especializado é importante e, em alguns casos, até

indispensável, mas o incentivo da presença da pessoa com deficiência nas classes comuns da

educação formal deveria ser o objetivo principal de uma política de educação, uma vez que

esta deveria estar em consonância com todas as prerrogativas nacionais80

e internacionais, que

direcionam para a chamada educação inclusiva. A questão é que as políticas, ou as poucas

ações práticas empreendidas a partir destas políticas, não estão dando conta da realidade das

pessoas com deficiência na educação.

Contanto, o novo Plano Nacional de Educação – 2014-2024, aprovado pela Lei

13.005, de 25 de junho de 2014, já traz uma adequação de linguagem, ao se apropriar da

terminologia, e da perspectiva, por buscar uma articulação entre a educação regular e o

atendimento especializado, uma vez que visa, na estratégia 4.8, da meta 4, “garantir a oferta

de educação inclusiva, vedada a exclusão do ensino regular sob alegação de deficiência e

promovida a articulação pedagógica entre o ensino regular e o atendimento educacional

especializado” (BRASIL, 2014b). É mais um passo que espera-se seja um avanço, visto que

até então, mesmo com prerrogativas que tenham favorecido mudanças, ainda há dificuldade

no campo educacional para atuar com estes sujeitos, que se vêm limitados no seu potencial,

79

Decreto que dispõe sobre a educação especial e o Atendimento Educacional Especializado e dá outras

providências (BRASIL, 2011a). Esse Decreto revogou o 6.571, de 17 de setembro de 2008, que já dispunha

também sobre o AEE. 80

Nacionais uma vez que o Brasil, invariavelmente, promulga as convenções e declarações internacionais, ainda

que suas prerrogativas não sejam efetivamente concretizadas.

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79

por falta de condições espaciais, estruturais, materiais e dos profissionais da área (ATIQUE;

ZAHER, 2006; BRASIL, 2007a; PACHECO; COSTAS, 2005; PAROLIN, 2006). Reafirma-

se que isso se torna evidente quando o debate da educação inclusiva toca a educação superior.

4.3 INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: RELAÇÃO ENTRE POTENCIAL E

AÇÃO

A educação superior passa por mudanças e sofre os desafios próprios da realidade

hodierna, dentre eles o processo de inclusão na formação universitária, aspecto que ainda

necessita ser estudado e desenvolvido, em especial pela necessidade de uma adequação, tanto

institucional quanto humana, para corresponder às exigências da lei. Na educação superior, o

prelúdio para uma futura “educação inclusiva” se deu a partir de 1971, com a promulgação da

Lei n. 5.692, de 11 de agosto 197181

(fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º grau), que

definia, no Capítulo IV, a necessidade de formação de professores e especialistas, o que

permitiu a ocorrência de ações para uma formação que visasse atuar com demandas

específicas, como pessoas com deficiência, direcionada à perspectiva da política de integração

à época. Esse foi um primeiro passo, não ainda para o ingresso de pessoas com deficiência na

educação superior, mas por estar relacionado à formação superior de professores, abriu na

academia um campo de discussão que progressivamente deu respaldo à chamada inclusão

educacional na educação superior.

Não é passível de dúvida que uma educação especializada e “inclusiva” na educação

superior seja direito fundamental da pessoa com deficiência, sendo que as instituições devem

prover adequação estrutural, pedagógica e atendimento de exigências no campo da lei e do

direito. Todavia, na prática, esta realidade ainda precisa se consolidar. Em verdade, as

mudanças para uma amplitude democrática com relação à formação universitária como um

todo, ainda está em processo, mais especificamente:

A redemocratização educacional no Brasil é um processo em desenvolvimento, mas

com certos atrasos sociais. O acesso e permanência no ensino superior é um dos

81

Esta Lei – LDB 5.692, de 1971 (ou segunda LDB), modificava as diretrizes para a educação que vinham sendo

definidas desde a Lei anterior - 4.024, de 1961 (ou considerada a primeira LDB). A lei de 1971 fixava as

diretrizes e bases apenas para o ensino então chamado de 1º e 2º graus, mas, como a anterior, não abrangia o

ensino superior. Esta perdurou por 25 anos, período em que sofreu diversas modificações a partir de 11 decretos

e uma lei. Enfim, foi revogada pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro 1996, que é a LDB em vigência atualmente,

que naquele momento estabelecia as diretrizes e bases para toda a educação nacional, inclusive para a agora

denominada Educação Superior (BRASIL, 1971; BRASIL, 2015a).

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80

campos que está ainda em organização e progressão, mas que mantém algumas

características exclusivas inerentes e que necessita ampliar oportunidades igualitárias

(MOEHLECKE, 2002, p. 198).

Considera-se que essa necessidade de democratização se faz proeminente, porque

historicamente a educação superior é um espaço de acesso restrito e que só com o tempo foi

abrindo possibilidades para as classes menos abastadas ou mais marginalizadas. Um destes

espaços a ser almejado é o que concerne à educação na perspectiva inclusiva, já que a pessoa

com deficiência sempre sofreu com as desigualdades, e especialmente no que concerne ao

acesso à academia.

A educação superior se consolida no âmbito da sociedade a partir do medievo,

quando passam a se constituir as universidades, com uma função de unificação da cultura,

espaço do pensamento, racionalização e transmissão do conhecimento. Inicialmente, essa

instituição era fechada e de acesso restrito, direcionada à formação da aristocracia e do clero e

tinha uma atuação ligada à intelectualidade – formação filosófica e teológica (não associando

a intelectualidade à profissionalidade laboral). Apenas no século XVIII é que a universidade

passará a incorporar a formação científica e os processos educacionais humanos de maneira

mais abrangente. As universidades deixam os claustros monásticos e passam a ser instituições

sociais e de pesquisa, tornando essencial o desenvolvimento e aplicabilidade prática do

conhecimento e a expansão do acesso a esse saber para a sociedade (TEIXEIRA, 1998;

UFBA, 2007).

Com relação ao Brasil, ainda que a formação superior tenha iniciado no começo do

século XIX, criada pela coroa portuguesa durante a sua permanência no Brasil, de 1808 a

1821, houve uma resistência à ideia de universidade e um predomínio da educação clássica

medieval, encabeçada pelos jesuítas. Com isso, os centros ou escolas de ensino superior se

constituíam em espaços isolados de transmissão do conhecimento e preparo profissional, e

não instituições de descoberta e expansão do saber. Além disso, a educação superior tinha um

caráter elitista, por ter sido criada para atender as demandas da corte na formação dos nobres e

militares (ABREU JÚNIOR, 2009; DOURADO, 2002; TEIXEIRA, 1998).

Apenas no início do século XX o Brasil veio a ter a primeira universidade82

,

buscando ampliar o processo formativo no ensino superior. Especificamente, “a primeira

82

“Obs.: “em 1912 já havia sido criada a Universidade do Paraná, oficializada pela lei-estadual 1.284. [...]

Todavia, o Governo Federal, através do Decreto Lei 11.530, de março de 1915, que determinava a abertura de

escolas superiores apenas em cidades com mais de 100.000 habitantes, deixava de reconhecer oficialmente a

Universidade do Paraná, uma vez que Curitiba, naquela época, não atingia essa população. Oficialmente

reconhecida somente em 1946, não deixou, todavia, de funcionar.” (ROMANELLI, 2012, p. 133)

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81

organização desse ensino em universidade, por determinação do governo federal, só apareceu

em 1920, com a criação da Universidade do Rio de Janeiro” (ROMANELLI, 2012, p. 133),

que se constituía apenas pela junção de três escolas superiores – “a Faculdade de Direito, a

Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica” (Idem, p. 133). Em 11 de abril de 1931 o

Decreto 19.851 instituiu o Estatuto das Universidades Brasileiras, ampliando o acesso a esta,

e passando a ser pensada como espaço de ensino e pesquisa, que deveria agregar os diversos

campos das ciências – humanas, sociais e da saúde. “A primeira universidade a ser criada e

organizada sob as normas desse estatuto foi a Universidade de São Paulo, em 25 de janeiro de

1934”, e “a partir de 1935 começaram a surgir Universidades, públicas e privadas, por todo o

território nacional” (Idem, p. 134). Com isso, o ensino superior se expandiu, mas não de

maneira suficiente para dar conta da demanda social das camadas emergentes.

Como o ensino superior era o espaço das classes abastadas, estas buscaram frear a

expansão educacional e limitar o acesso, determinando para isso mais a condição social que a

capacidade efetiva do estudante, no sentido de garantir a hegemonia educacional, ao tempo

em que as camadas mais populares galgavam acesso a esse espaço educacional superior, por

considerá-lo como um instrumento de ascensão social e melhoria de vida. Sem embargo, para

Romanelli (2012, p. 106), “a luta pela escola no Brasil, desde o momento em que passou a

crescer a demanda social de educação, assumiu, a nosso ver, o caráter de verdadeira luta de

classes”. Todavia, mesmo com a expansão universitária ocorrida até então, “a população em

geral praticamente não tem acesso ao ensino superior, pois mal conseguiam frequentar a

escola primária” (Idem, p. 109), e “essa seletividade para o ensino superior adquiriu o caráter

de uma verdadeira discriminação social” (Idem, p. 110). Se assim o era para a população em

geral, muito mais para as pessoas com deficiência, que nesta época ainda buscavam acesso à

escola primária, sem a possibilidade sequer de pensar na restrita educação superior.

É apenas em meados do século XX que começa a mudar o papel social da educação

superior no Brasil, para tornar-se mais acessível e menos restritiva. Esta passa a se expandir a

partir de 1964, no sentido de atender também os segmentos menos abastados da sociedade. A

educação superior, como “um dos mais importantes e cruciais temas operacionais e

estratégicos da nação e do Estado” (NUNES, 2007, p. 106), passou a ser considerada um

elemento primordial no processo social e um direito. Ainda que isso fosse algo expresso na lei

e no discurso, não o foi efetivamente na prática. Essa expansão era controlada e

regulamentada pelo Estado, e teve que ser “contida dentro de certos limites, a fim de não

comprometer a política econômica adotada”, (ROMANELLI, 2012, p. 203), não satisfazendo

às expectativas e a demanda.

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82

Sem dúvida, “esse período vai ser marcado também pelas medidas legais que

reformaram o ensino superior, medidas que, no entanto, não trouxeram qualquer solução

prática real para o problema dos excedentes (ROMANELLI, 2012, p. 203). Dentre essas

medidas destacam-se uma série de convênios firmados entre o MEC e a Agency for

International Development (AID), para organização e desenvolvimento educacional, mais

expressivamente ligados a educação superior, que, contudo, apenas conseguira adequar o

sistema educacional ao econômico, situando-o na estrutura geral de dominação capitalista.

Isso teve como efeito agravar a crise educacional que culminou com a reforma universitária

de 1968.

Essa reforma foi iniciada com a Lei 5.540, de 28 de janeiro de 1968, que fixou novas

normas para o ensino superior, bem como através do recebimento de “ajuda” financeira

exterior, o que fez com que as mudanças fossem pautadas, mais uma vez, na dependência da

educação aos interesses econômicos, seguindo o modo de expansão capitalista. Assim, “a

ajuda quase sempre se faz sentir justamente onde e quando são perceptíveis condições

mínimas de integração das populações na esfera da influência do capitalismo”

(ROMANELLI, 2012, p. 207). Além do mais, a educação priorizava a formação técnica-

profissional, em detrimento a uma formação geral e ampla, alicerçada na investigação

científica, ainda que esse tipo de formação fosse um dos principais objetivos da universidade

moderna. Também estava pautada na realidade humana específica das sociedades

nacionalmente constituídas83

que financiavam essa educação, e não nas condições e

necessidade do meio social das nações emergente onde estava inserida. Esse esquema geral de

dominação tinha como objetivo tornar os educandos culturalmente adaptados à satisfação da

ideologia capitalista. Mas muitos se rebelaram contra essa realidade.

Essas propostas iniciais, contrárias ao que se esperava para a educação, o contínuo

privilégio às camadas mais altas da população e o alto nível de seletividade da educação

superior, uma vez que “a estrutura social e política de dominação pode utilizar-se da

seletividade do ensino como instrumento de manutenção do status quo” (ROMANELLI,

2012, p. 210), levaram à articulação de diversos movimentos sociais, classes populares e, em

especial, dos estudantes, em prol da reforma universitária. Ainda assim, esta reforma ocorreu

“menos por pressão da rebelião estudantil do que pela descoberta que a inovação poderá ser

83

O capital internacional, com a perspectiva capitalista, quando fomentam a pesquisa científica é, especialmente,

nos seus campos de interesse – tecnológico e biológico, e em prol de atender a realidade exterior e suas

demandas específicas, e não as necessidades das sociedades nas quais está investindo sua ‘ajuda’ financeira

(SGUISSARDI, 2008; ROMANELLI, 2012). O que torna proeminente as pesquisas em educação e ciências

sociais, que se debrucem sobre a realidade nacional local.

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83

manipulada sem ameaças à estrutura de poder, ao mesmo tempo em que se ajustaria mais a

um certo padrão de desenvolvimento econômico” (Idem, p. 240). Mais uma vez atrelou-se

todas as formas de mudança a interesses internacionais e econômicos, fazendo com que a

história sempre se repita, ainda que em outros tempos e cenários, sem romper com os

interesses conservadores consolidados.

É com a Constituição Federal de 1988, que a realidade foi tomando novas

configurações. Esta estabelece o princípio da igualdade, reafirmando que todos são iguais

perante a lei, tendo assim os mesmos direitos sociais, independente de condição física, raça ou

credo. E traz pressupostos importantes concernentes a educação, vista agora como direito de

todos, segundo o artigo 205, e para a qual é assegurado o princípio da igualdade de condições

para o acesso e permanência, no artigo 206, parágrafo I (BRASIL, 2014a).

A LDB de 1996, desde sua promulgação, já se concretizou como um avanço, por ser

a primeira das LDBs84

e todos os decretos a elas associados, a incorporar a discussão

educacional a educação superior85

e reafirmar os princípios constitucionais de igualdade de

direitos para todos, no caso específico para o campo da educação. Foi também na década de

1990 que a educação superior tornou-se alvo de discussões internacionais, resultando em

documentos como a Declaração de Bolonha86

(1999), que já vinha alicerçada pela Declaração

de Sorbonne87

de 1998, e apesar de ser uma declaração direcionada às instituições europeias

de ensino superior, repercutiu em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, suscitando a

discussão para essa área da educação formal. Com todo esse percurso, fica evidente que foi

somente a partir da década de 1990, alicerçada por legislações nacionais e prerrogativas

internacionais, pelas pressões políticas e necessidade social, que a educação superior no Brasil

sofreu suas maiores mudanças (ABREU JÚNIOR, 2009; DOURADO, 2002; NUNES, 2007).

Nesse período, iniciou de maneira mais expressiva a expansão do ensino, houve um

interesse maior pela fomentação de pesquisa e a viabilidade da articulação da academia com a

comunidade, através das experiências de extensão. Contudo, percebe-se que no processo de

expansão, a demanda privilegiada do poder estatal foi incentivar as instituições privadas a

expandir o setor de ensino, para dar conta do déficit de vagas e demanda emergente em busca

84

Ver nota número 66, página 73. 85

Referente, especificamente, à educação superior, os princípios encontram-se no Título V, Capítulo IV da LDB,

mas, de certa forma, em várias partes desta lei há pressupostos concernentes que perpassam a Educação

Superior, com, por exemplo, Título II – Dos princípios e fins da educação nacional (BRASIL, 2015a). 86

A Declaração de Bolonha é considerada um dos principais documentos referentes às mudanças no ensino

superior europeu. Foi assinado por 29 ministros da educação de países europeus, reunidos na cidade de Bolonha

(Itália), em 19 de junho de 1999. 87

Conferência ocorrida na cidade de Sorbonne (Universidade de Sorbonne, Paris, França), em 25 de maio de

1998.

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84

de uma formação. Em verdade, “o Estado, na perspectiva neoliberal de mercado, vem

desobrigando-se paulatinamente da educação pública.” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI,

2012, p. 114). Além de haver um evidente interesse mercantilista fazendo da educação um

produto do mercado de consumo. Algo que já se evidencia, pois, de acordo com Sguissardi

(2008, p. 10), “um fenômeno relativamente recente no modelo de expansão da educação

superior no Brasil: é o da sua acelerada mercadorização”.

Ainda assim, a educação superior, ficou frente a dois desafios essenciais, a

necessidade de expandir expressivamente a acessibilidade, sem, contudo, deixar de levar em

conta as exigências educacionais da diversidade de estudantes que agora tinham acesso, e

favorecer a permanência dos mesmos até a plena conclusão da sua formação. Mediante isso,

esta expansão tem ocorrido de maneira acelerada nas duas últimas décadas, período no qual

houve um crescimento considerável na oferta de vagas. No entanto, ainda não foi possível

chegar a parâmetros considerados ideais, para diminuir as discrepâncias e assimetrias sociais e

tornar a educação superior uma realidade democrática e acessível a todos (ABREU JÚNIOR,

2009; BRASIL, 2004b).

Para corresponder a estes dois aspectos foram desenvolvidas e implantadas políticas

públicas e ações afirmativas que dessem suporte às mudanças necessárias, e no sentido de

favorecer a igualdade social e educacional para as minorias excluídas, inclusive das pessoas

com deficiência (ABREU JÚNIOR, 2009; BRASIL, 2004b; MOEHLECKE, 2002). Nesse

período, é que começa a ser delineada a perspectiva da chamada educação inclusiva na

educação superior, visto que segundo os princípios já definidos na Constituição e

corroborados pela LDB, reitera-se a igualdade de direitos e a acessibilidade universal, isso

torna os direitos educacionais igualitários, e garante-se acessibilidade, permanência e

qualidade educacional a todos.

Em decorrência disso, a prática educacional denominada inclusiva na academia,

passou a ser motivo de discussão, frente ao aumento da população estudantil com deficiência,

das demandas do setor produtivo por mão de obra qualificada em geral, da globalização do

conhecimento, e como resposta às diretrizes e posicionamento de organismos internacionais,

com relação aos direitos da pessoa com deficiência (ABREU JÚNIOR, 2009; DOURADO,

2002; SGUISSARDI, 2008).

É evidente que a sociedade não poderia permanecer omissa, frente às demandas para

inclusão na educação superior, e uma das políticas para dar suporte a esta realidade foram as

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85

ações afirmativas88

para o sistema educacional, especialmente o sistema de cotas,

estabelecendo legalmente a reserva de um percentual entre o número de vagas para ingresso

nas Instituições de Educação Superior (IES), no sentido de favorecer o acesso para pessoas

com necessidades especiais. Também foram sancionadas leis e políticas para a

obrigatoriedade de mudanças no campo da acessibilidade (como rampas), estrutura (como

sanitários acessíveis), dentre outros89

(ATIQUE; ZAHER, 2006; MOEHLECKE, 2002), com

as normas brasileiras ratificadas segundo a ABNT NBR 9050, de 2004, atualizada em 2015,

que estabelece as especificações para a Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e

equipamentos urbanos (ABNT, 2015).

Também a Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,

no artigo 24, que trata da educação, e traz como prerrogativa, na alínea d, que: “as pessoas

com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com

vistas a facilitar sua efetiva educação” (BRASIL, 2009a). Pela abrangência do termo geral,

inclui indubitavelmente a educação superior. O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009,

promulga no Brasil essa Convenção, incorporando-a a legislação nacional. Mais

recentemente, foi aprovado o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Viver

sem Limite, pelo Decreto 7.612, de 17 de novembro de 2011. Este no artigo 3º, alínea I, tem

como uma de suas diretrizes, a “garantia de um sistema educacional inclusivo” (BRASIL,

2011b).

De maneira mais específica, sobre a acessibilidade na educação superior, está o

“Programa Incluir” do governo federal, documento direcionado para as Instituições Federais

de Educação Superior (IFES), por meio do qual o Ministério da Educação dá efetivamente o

“aporte contínuo e sistemático de recursos orçamentários para a execução de ações de

acessibilidade, no âmbito do eixo “Acesso à Educação” do Plano Nacional dos Direitos das

Pessoas com Deficiência – Viver sem Limite.” (BRASIL, 2013b, p. 03). Fica claro que haverá

a garantia de recursos próprios para a demanda específica da inclusão, ainda que a

manutenção da educação superior, em sua estrutura de maneira geral, já seja uma obrigação

do Estado, uma vez que o artigo 55, da LDB, reafirma que: “Caberá à União assegurar,

anualmente, em seu orçamento geral, recursos suficientes para manutenção e

desenvolvimento das instituições de educação superior por ela mantidas.” (BRASIL, 2015a).

88

“Ação reparatória/compensatória e/ou preventiva, que busca corrigir uma situação de discriminação e

desigualdade infringida a certos grupos no passado, presente ou futuro, através da valorização social, econômica,

política e/ou cultural desses grupos, durante um período limitado. A ênfase em um ou mais desses aspectos

dependerá do grupo visado e do contexto histórico e social.” (MOEHLECKE, 2002, p. 203). 89

Estas políticas são, entretanto, generalizadas valendo para quaisquer instituições que preste serviço ao público

e não especificamente para o acesso ao ensino.

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86

Com tudo isso, no que tange à chamada educação inclusiva na educação superior, a

discrepância entre as bases legais e a ação prática é ainda uma realidade, visto que, as

medidas em geral podem, em tese, favorecer o ingresso de estudantes com necessidades

educacionais especiais, mas a sua permanência tem ainda sido um desafio na prática. O

sujeito tem a possibilidade de ingressar em uma IES, devido ao aumento do número de

instituições, expansão na quantidade de vagas e políticas de acesso. No entanto, ainda que

amparada por dimensões legais e mesmo recursos efetivos, estas IFES ou IES se encontram

sem as condições necessárias para receber estes estudantes, em uma perspectiva educacional

que invista na qualidade, na diversidade e que possa ser considerada inclusiva (FERRARI;

SEKEL, 2007).

Mais especificamente, Santos (2003, p. 2/3), falando sobre os desafios que sofrem a

pessoa com deficiência na educação superior, acrescenta que

[...] é bastante freqüente encontrarmos queixas lastimáveis de alunos (tanto de

graduação quanto de pós-graduação) a respeito da prática pedagógica de professores

universitários, ou ainda, a respeito da forma excludente, preconceituosa e seletiva do

sistema universitário no que diz respeito a vários aspectos: avaliação, cotidiano

pedagógico propriamente dito, relação professor-aluno, relação entre profissionais dos

Departamentos, Faculdades, Institutos, etc..., caracterizando práticas bastante

desiguais.

Infere-se que ocorre o retorno ao processo histórico de integração, o aluno adentra a

IES e tem que buscar se adaptar a esta realidade, que não lhe oferece as devidas possibilidades

de adequação, para desenvolver suas potencialidades e habilidades na área profissional

desejada e concluir sua formação com a devida qualidade. Em verdade, as mudanças para

uma “educação inclusiva” na educação superior devem viabilizar a base educacional com

relação à acessibilidade arquitetônica, equipamentos específicos, professores especializados,

adequação pedagógica, mudança na cultura institucional e filosófica educacional, tornando

acessível o ambiente universitário às demandas diversificadas de seus educandos, pois caso

haja essa falta de adequação, a segregação da pessoa com deficiência continuará a ocorrer

também na educação superior (ATIQUE; ZAHER, 2006).

Não é possível pensar em “inclusão educacional” sem estar atento a essas

necessidades, que, sem serem vistas, poderão ser motivo para que a pessoa com deficiência

não usufrua do seu direito a um ensino igualitário e de qualidade em instituição formal. Sem

dúvida, este deve garantir todas as prerrogativas para adaptação às necessidades do sujeito e

adequação do curso. Em especial, a LDB de 1996, no Artigo 59, assevera que: “os sistemas de

ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos,

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87

técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades.”

(BRASIL, 2015a, p. 44).

De acordo com Maciel (2000, p. 54/55), entre outros aspectos,

é necessário analisar se o ambiente de aprendizagem é favorecedor, se existe oferta de

recursos audiovisuais, se ocorreu a eliminação de barreiras arquitetônicas, sonoras e

visuais [...], se existem salas de apoio pedagógico para estimulação e

acompanhamento suplementar, se os currículos e estratégias de ensino estão

adequados à realidade dos alunos e se todos os que compõem a comunidade escolar

estão sensibilizados para atender o portador de deficiência com respeito e

consideração.

É necessário observar a resposta que as IES estão dando a este novo desafio, de

oferecer uma educação ampla, que garante a aquisição de conhecimentos e desenvolvimento

de habilidades, maximize capacidades e potencialidades, favoreça a participação social,

fundamente a cidadania e concretize os aspectos de uma educação democrática. Porém, na

prática esses direitos são pouco efetivados, e a falta de acessibilidade e o preconceito explícito

ou velado, com respeito às efetivas potencialidades das pessoas com deficiência, ainda são

uma realidade, tornando-se mais uma vez necessário ao educando redobrar o esforço pessoal

para vencer as barreiras institucionalizadas – estruturais, atitudinais, curriculares, pedagógicas

e filosóficas (ATIQUE; ZAHER, 2006; BRASIL, 2003a; FABRÍCIO; SOUZA, 2006;

PELLANDA, 2006; SANTOS, 2003;).

Não basta apenas ingressar em uma IES e ficar retido em um curso por falta de

adequação curricular ou pedagógica; as políticas devem se direcionar para o desenvolver

formativo, oportunizando que essa pessoa possa ter os recursos necessários para o ensino-

aprendizagem, tanto no aspecto teórico quanto na prática. Além do que, “não se trata de

integrar ou adaptar as pessoas com deficiência ao status quo. Ao contrário, são os objetivos da

educação superior, bem como seus modos de avaliação e currículo, que necessitam de uma

reformulação frente a esse novo desafio.” (FERRARI; SEKEL, 2007, p. 643), sendo

“importante considerar que, se o ingresso de tal aluno foi legitimado pelo exame vestibular ou

processo seletivo, ele tem o direito de encontrar condições de permanência e conclusão do

curso que levem em consideração as suas dificuldades.” (Idem, p. 645).

É preciso dar à pessoa com deficiência as mesmas possibilidades de formação que

são dadas a todo e qualquer sujeito, de acordo com a proposta de educação para o âmbito

acadêmico. No Brasil, a perspectiva é que essa educação deve ser abrangente, levando em

conta a formação da cidadania, da autonomia e da profissionalidade, garantindo o pleno

desenvolvimento do sujeito como ser político, crítico, ético, consciente do seu papel na

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88

construção da sociedade e na consolidação da democracia (BRASIL, 2015a; BRASIL,

2004b).

Como se percebe, é uma visão ampla de educação superior, uma perspectiva

multidimensional, que reconhece os aspectos profissional e humano, e cujo objetivo

transcende apenas a transmissão de conhecimento, mas compreende a educação como uma

experiência essencial em uma nação democrática, que provoque na pessoa uma inquietude

pelo conhecer e pelo fazer. Com isso, é imprescindível que a formação possa abarcar diversos

aspectos, e que para isso se promova a acessibilidade aos conteúdos e as práticas ligadas a

essa formação. Além de ter uma estrutura adequada, que possibilite a locomoção com pessoa

com deficiência com o máximo de autonomia.

Mas isto nem sempre se concretiza na realidade educacional superior, que, por vezes,

ainda não consegue cumprir as suas obrigações de buscar adequar-se às demandas

diversificadas, decorrentes de condições individuais e necessidades dos seus discentes. Assim,

concluir um curso superior, para pessoas com deficiências, ocorre quase que exclusivamente à

custa de esforços pessoais e, para muitos, ainda é considerado um status não passível de ser

vislumbrado. Isto pelo fato das instituições não investirem ou colocarem em prática as

prerrogativas especificadas pelas políticas públicas (FERRARI; SEKEL, 2007; FONSECA,

2009; SANTOS, 2003).

Nesse sentido, a educação superior para chegar a uma prática inclusiva deve ter uma

amplitude, abarcando a todos, os participantes, estudantes, professores, a instituição, os

aspectos estruturais, curriculares, pedagógicos e avaliativos, e que fundamente o princípio

universal90

de uma educação igualitária e de qualidade como um direito social (JEZINE,

2005; SANTOS, 2003; TEIXEIRA, 1998). É preciso promover uma prática pedagógica

adequada a atuar com a diversidade, atendendo as necessidades dos estudantes na sua

formação, visto que: “é no atendimento das diversidades que se encontra a democracia.”

(MACIEL, 2000, p. 54).

Efetivamente, de acordo com Ferrari e Sekel (2007, p. 643),

[...] trata-se de assumir o debate proposto a partir da inclusão, para repensar modelos e

objetivos educacionais também no ensino superior e encarar as questões da

flexibilização do currículo, da necessidade ou não do especialista, da aplicação das

provas especiais como forma alternativa de avaliação, enfim, as questões que se

impõem já há mais de uma década na educação brasileira.

90

Garantido por documentos internacionais como a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos (1990),

Jomtien, Tailândia. E a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, incorporada à legislação

nacional pelo Decreto nº 6.949/2009 (BRASIL, 2009a).

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89

A chamada educação inclusiva pressupõe essa discussão fundamental, visto que,

caso não ocorra “os alunos marginalmente incluídos tornam-se dados estatísticos de ingresso,

mas permanecem desprovidos de atenção mesmo diante de sucessivas retenções nas

disciplinas.” (FERRARI; SEKEL, 2007, p. 643), afinal essa é a marca da inclusão, fazer atos

políticos que apaziguam a realidade sem levar a mudanças efetivas da mesma, tornando-se

sempre uma ação ineficaz. É preciso uma flexibilidade de pensamento, estratégias de ensino,

objetivos claros, recursos didáticos e financeiros disponíveis e habilidade na utilização destes

recursos, apoio institucional e formação profissional para os docentes. Mas a construção

deste “espaço inclusivo” na educação superior, em meio às especificidades das disciplinas, da

falta de recursos especializados e das barreiras institucionais, é ainda um grande desafio.

Compreende-se, também, que para ocorrer essas mudanças os docentes necessitam

de formação especifica, que na grande maioria dos cursos de graduação não é oferecida, o que

seria essencial para poder desenvolver habilidades, ter capacidade de flexibilização e

implementar mudanças didáticas, pois são eles que irão gerir os recursos e as estratégias em

sala, e com isso terão uma participação direta, a partir da prática, para concretização do

processo estrategicamente denominado inclusivo.

Com isso, as “Universidades e cursos de formação devem rever seus currículos e

adequá-los às necessidades atuais, provendo uma formação mais adequada a realidade”

(PELLANDA, 2006, p. 181), ampliando os recursos facilitadores do processo de inclusão, e

buscando “a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à

permanência no ensino superior” (ATIQUE; ZAHER, 2006, p. 1600), para que a inclusão no

nível superior não se torne mais um espaço excludente e marginalizador para a pessoa com

deficiência, reafirmando a ótica da ideologia capitalista que se afirma e reafirma em cada

tempo e lugar da sociedade moderna.

4.3.1 Caracterização estrutural da Educação Superior

A organização e funcionamento da educação superior91

moderna pode ser

compreendida a partir da Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968, (Fixa normas e

funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras

providências). Esta lei caracterizava a forma de estruturação desse âmbito do ensino, a

91

À época denominado ensino superior.

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90

importância da autonomia, a necessidade de articulação entre ensino – pesquisa – extensão, a

organização de colegiados, a importância da formação docente, dentre outros aspectos

(BRASIL, 1968). Esta lei esteve plenamente em vigor por 28 anos92

, e em 1996 foi revogada,

exceto o artigo 1693

, passando a vigorar a Lei 9.394, a nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, que então passa a determinar as diretrizes para a educação de modo

geral94

, inclusive no âmbito superior. A denominação passa a ser educação superior, as

finalidades deste campo educacional são reafirmados e alguns pressupostos reforçados.

O artigo 43, da LDB/1996, que trata da finalidade da educação superior, no item II,

afirma que esta deve “formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para

inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade

brasileira, e colaborar na sua formação contínua;” (BRASIL, 2014a). “Uma formação que

implique o questionamento da realidade [...] que privilegie e sustente ações intencionalmente

efetivas de transformação, tendo em vista acréscimos de valor a todos os segmentos sociais”

(MARTINS, 2005, p. 09). Para que a formação possa ocorrer abarcando essa amplitude é

importante que a educação superior se constitua a partir de três âmbitos – o ensino, a pesquisa

e a extensão.

No Brasil, as instituições de educação superior [IES] podem receber classificação

diferenciada, de acordo com os aspectos ligados à organização acadêmica e estrutural. Neste

sentido, pode se distinguir dois grupos: [...] “as instituições universitárias, que congregam

universidades e centros” universitários; e as instituições não-universitárias, que englobam os

“centros federais de educação tecnológica, faculdades integradas, faculdades e institutos ou

escolas superiores” (NUNES, 2007, p. 107). Para Martins (2005, p. 02), “as segundas são

destinadas à formação de profissionais e técnicos executores do conhecimento. E as primeiras,

à formação das elites ‘pensantes’, aptas para produção científica e tecnológica” (Idem, p. 02).

Mas a diferença primordial, além de critérios adicionais, que dá a uma instituição na

contemporaneidade o caráter de universidade, diz respeito à obrigatoriedade, na formação

acadêmica, da presença e intercalação desses três aspectos – o ensino, a pesquisa e a extensão.

Contudo, pela sua macro importância, ainda que legalmente condicionante à

universidade, o trabalho de pesquisa e extensão, associado ao ensino, deveria ser direcionado

92

Ainda que passando por reformulações, através inclusive de duas leis. 93

Este artigo é o único que ainda permanece em vigor e dispõe sobre a nomeação e mandato dos dirigentes de

universidades. 94

Havia legislação em separado, a lei 4.024/1961 e depois a lei 5.692/1971, fixavam as diretrizes para a

educação básica e o ensino médio. A lei 5.540/1968 limitava-se, então, apenas ao ensino superior. Com a

organização da LDB 9.394/1996, uma única lei passou a tratar da educação em todos os seus níveis (BRASIL,

2015a).

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91

a toda formação superior, visto que a LDB/1996, traz nas finalidades da educação superior,

no item III, do artigo 43, que esta deve “incentivar o trabalho de pesquisa e investigação

científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da

cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive”. E, no

item VII, ressalta que, deve “promover a extensão, aberta à participação da população,

visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa

científica e tecnológica geradas na instituição”. (BRASIL, 2015a). Nessa visão, a pesquisa é

inserida como característica de uma formação que vai para além da transmissão do

conhecimento, mas que o descortina a partir da descoberta empírica. E traz a perspectiva da

extensão, como espaço fundamental da relação da educação superior e do saber com a

sociedade. Com isso, o ensino também se enriquece, já que não fica limitado, mas pode se

expandir e se reconstruir, a partir da articulação com a pesquisa e a extensão.

No entanto, em se tratando de universidade, esse aspecto triádico da formação torna-

se obrigatório e essencial. De acordo com a LDB (de 1996), em seu artigo 52, as

universidades são consideradas “instituições pluridisciplinares de formação dos quadros

profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber

humano” (BRASIL, 2015a). A sua função é formar sujeitos autônomos e proporcionar a

cidadania participativa, a dimensão ética, uma formação abrangente – profissional e humana –

comprometida com a produção e socialização do conhecimento, e com a consolidação da

democracia. Com esse papel tão plural, a universidade pode ser considerada uma das

instituições indispensáveis na sociedade e para consolidar uma nação. (BRASIL, 2009b;

MARTINS, 2005; TEIXEIRA, 1998).

Neste sentido, a articulação entre ensino-pesquisa-extensão é essencial, e não apenas

deve estar presente na formação, mas deverão estar intercalados integralmente e terão um

caráter indissociável entre si no processo formativo. A própria Constituição Brasileira de

1988, em seu artigo 207, dispõe de maneira legal sobre este aspecto, ao deliberar que as

universidades “obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e

extensão.” (BRASIL, 2014a) Este “passa a ser um requisito identitário essencial às

instituições que querem se firmar como universidade” (MARTINS, 2008, p. 204).

A indissociabilidade, como princípio básico, dever ser observada no sentido de

promover uma nítida articulação entre ensino-pesquisa-extensão, porém, sem perder de vista

que somente inclui-las no currículo não caracteriza um elo entre estas três atividades

acadêmicas. Por sinal, em se tratando de universidade o que ocorre é um diferencial entre os

três aspectos. Há uma priorização do ensino, como campo de transmissão do conhecimento e

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o desenvolvimento de habilidades e competências; a pesquisa, ainda que muitas vezes sem a

abrangência necessária, tem relevância e status na academia; já a extensão tem um referencial,

relevância e espaço menor, como se representasse uma categoria inferior (DIAS SOBRINHO,

2005; MOITA; ANDRADE, 2009; PIMENTA; ANASTASIOU, 2005). Apenas

organicamente unidos entre si, ressalta-se a importância cabal do elo entre os três aspectos,

pois poderão contribuir de maneira plena para uma formação integral do sujeito. Ademais,

“equiparadas, essas funções básicas merecem igualdade em tratamento por parte das

instituições de ensino superior, que, do contrário, violarão o preceito legal” (MOITA;

ANDRADE, 2009, p. 269).

A educação efetivamente de qualidade será aquela que venha a promover a

construção de conhecimentos e sua socialização, que na relação com a sociedade e na

articulação entre teoria e prática encontre um espaço de democracia, para a produção de

cidadania, de saberes emancipadores e transformação da realidade (ABREU JÚNIOR, 2009;

AHLERT, 2004; DIAS SOBRINHO, 2005). A visão de formação deve ser ampliada e

direcionar para o coletivo, para as necessidades sociais, desenvolvimento da nação e

concretização da cidadania.

Outro aspecto determinante na educação superior é a necessidade premente da

autonomia. Esta autonomia universitária é garantida por lei, já determinada pela Constituição

Federal, de 1998, que no artigo 207, afirma que “as universidade gozam de autonomia

didático, científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial [...]” (BRASIL,

2014a). Para o pleno gozo do exercício dessa autonomia, o artigo 53 da LDB/1996, nos itens

de I a X, garante que são asseguradas às universidades atribuições que permitem que as

mesmas possam, dentre outras coisas, criar e extinguir cursos, fixar os currículos dos seus

cursos e programas, elaborar e reformar estatutos e regimentos, administrar rendimentos,

receber subvenções, bem como “aprovar e executar planos, programas e projetos de

investimentos referentes a obras serviços e aquisições em geral” (Item VIII) (BRASIL,

2015a). Tudo isso observando e se adequando às diretrizes ou normais gerais atinentes, na

forma da lei. Essa possiblidade de autonomia é um dos aspectos essenciais para viabilizar o

processo de adequação/adaptação da educação superior à realidade da inclusão de pessoas

com deficiência.

Para garantir o exercício da autonomia e o cumprimento das atribuições devidas, a

universidade atua com parâmetros administrativos específicos, a partir de uma organização

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93

colegiada95

. De acordo com o artigo 56, da LDB/1996, “as instituições públicas de educação

superior obedecerão ao princípio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos

colegiados deliberativos”. Já o parágrafo único, do artigo 53, ressalta que: “para garantir a

autonomia didático-cientifico das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e

pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, [...]” (BRASIL, 2015a), a

respeito do cumprimento das atribuições elencadas nos dez itens que compõem este artigo 53.

Estes órgãos colegiados devem ser compostos por 70% (setenta por cento) de professores e os

demais participantes oriundos da comunidade institucional, e têm a função de discussão e

deliberação política, acadêmica, administrativa e de gestão, com relação ao que precisa ser

executado pelas universidades.

Juridicamente, as instituições de educação superior se estruturam de acordo com

estatutos (para universidades e centros universitários) e regimentos (para os demais tipos de

instituição de educação superior). A LDB/1996, no artigo 54, determina que “as universidades

mantidas pelo poder público gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para

atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo poder público

[...]” (BRASIL, 2015a). De acordo com a legislação vigente, as universidades têm que

apresentar esse estatuto para o Conselho Nacional de Educação (CNE). No caso da UnB, o

seu Estatuto Geral atual datava de setembro de 2011, e estabelecia como uma de suas

finalidades “o compromisso com a democratização da educação no que concerne à gestão, à

igualdade de oportunidade de acesso, e com a socialização de seus benefícios;” (UNB, 2011a)

A UnB, segundo o seu Estatuto, organizava-se por conselhos96

– Conselho

Universitário, Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, Conselho Administrativo, Conselho

Comunitário e os Conselhos de Institutos ou Faculdades. Estes deliberaram e aprovavam as

Resoluções, como ocorria inclusive com a CEPE 03/2003, que tratava especificamente dos

direitos das pessoas com necessidades especiais nesta universidade (UNB, 2003). Além dos

Colegiados de Departamentos, que tinham atribuições de elaborar planos e projetos e

atribuições ligadas a cada departamento especificamente, e havia os Colegiados de Cursos,

que tinham o encargo de aprovar e deliberar sobre ações do curso, como oferta de disciplinas,

ou questões pertinentes ao mesmo (UNB, 2011a).

Outro documento essencial, mais direcionado para o processo pedagógico, são os

Projetos Políticos Pedagógicos (PPP), presentes em todos os âmbitos do ensino, inclusive no

95

Os colegiados ou instâncias maiores como colegiados máximo, denominados de Conselhos. 96

Esses conselhos podem ser separadamente de ensino, pesquisa e administrativo. E haver um conselho máximo

que engloba ensino, pesquisa e extensão.

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94

superior. As instâncias colegiadas deliberam para execução desse plano, no sentido de tornar a

gestão democrática. Isso é essencial, pois um Projeto Político Pedagógico

precisa ser conhecido, discutido, reformulado, sempre em consonância com as

políticas públicas educacionais vigentes, o período histórico vivido, as manifestações

culturais presentes na comunidade, e principalmente os conhecimentos científicos

historicamente produzidos pela humanidade, sem perder de vista a análise crítica da

realidade que se manifesta a nível micro – na instituição escolar, mas que é reflexo da

realidade globalizada. (PICOLI; CARVALHO, 2010, p. 41)

A UnB tinha um comprometimento com a construção do seu Projeto Político

Pedagógico Institucional (PPPI), no qual se apresentam os princípios e os valores da

universidade com relação ao ensino, pesquisa e extensão, com os docentes e discentes e todo

o processo formativo. Mas considerava que “este é o desafio que ora se impõe: a construção de

um Projeto Político Pedagógico Institucional que nos projete para um futuro utópico, porém

conectados com nossa tradição e cultura;” (UNB, 2011b, p. 17). Como um dos seus

pressupostos, o PPPI ressaltava que, “o ensino de graduação constitui a base da formação

superior para a construção de uma sociedade inclusiva e de conhecimento diversificado, em

que sobressaem o pensamento crítico e a cidadania ativa, a valorização dos direitos humanos e

o respeito à democracia.” (Idem, p. 41)

E para que esse processo de ensino, bem como o âmbito da pesquisa e da extensão

venha a ocorrer da melhor forma e com qualidade, o ponto crucial em uma universidade é a

qualificação do corpo docente. A UnB, no artigo 166 do seu Estatuto, reafirma essa posição

de que “a Universidade tem o compromisso com a capacitação dos servidores técnico-

administrativos e dos docentes.” (BRASIL, 2011a). Mas esse processo tem suas

especificidades a serem observadas. Segundo Paiva (2010, p. 161), “os autores destacam a

titulação e qualificação adequada ao exercício profissional e o regime de trabalho do docente,

particularmente o regime de dedicação exclusiva, quando o docente dedica-se integralmente a

uma só escola.” De fato, a própria LDB/1996, no artigo 52, apresenta duas caraterísticas como

essenciais para o corpo docente das universidades - a titulação e a dedicação.

As universidades devem ter, de acordo com o item II, do artigo 52, da LDB/1996,

“1/3 (um terço) do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou

doutorado”. Sem dúvida, a qualificação stricto sensu é a principal base para a formação

docente, e, segundo o PPPI da UnB, esta possibilita “a ampliação da atuação de mestres e

doutores nas IES e a formação de profissionais especializados nas diversas áreas do

conhecimento.” (UNB, 2011b, p. 43). Mas é importante salientar que a busca por esses cursos

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muitas vezes tem sido motivada mais por necessidade de titulação que de formação para a

capacitação e atuação docente

O docente da educação superior é compelido a buscar o programa stricto sensu com

vistas à garantia do emprego, haja vista a titulação do corpo docente ser requisito

indispensável ao credenciamento e recredenciamento institucional. Essa situação

confere, então, aos programas de mestrado e doutorado, um aspecto mais importante à

sobrevivência da IES do que propriamente à necessária formação do seu quadro de

professores. (PAIVA, 2010, p. 162)

E em um ‘mercado’ competitivo e exigente, a procura por titulação pode perder o

aspecto essencial formativo para a educação superior, que “implica compreender a

importância do papel da docência, propiciando uma profundidade científico-pedagógica que

os capacita a enfrentar questões fundamentais da instituição social, uma prática social que

implica as ideias de formação, reflexão e crítica.” (VEIGA, 2014, p. 332)

Evidente que formação não se resume a titulação, mas é uma construção contínua,

como de fato é reafirmado pelo PPPI da UnB, ao afirma que “o desenvolvimento profissional

é um processo sistemático e contínuo que tem por objetivo a elevação da qualidade do

desempenho docente e dos servidores técnico-administrativos em um processo de continuado

desenvolvimento humano.” (UNB, 2011b, p. 47). Além do que, o “corpo docente qualificado

e não apenas titulado, deve ser a preocupação de todo sistema de ensino, de toda instituição de

educação. A prática revela ser errônea a associação de relação diretamente proporcional entre

titulação docente e qualidade de ensino.” (PAIVA, 2010, p. 162). Para que se possa ter um

profissional docente qualificado, especialmente para atuação com demandas específicas,

como é o caso do campo da “inclusão”, é preciso mais que disciplinas estanques e espessas

em uma pós-graduação stricto sensu, é fundamental formações que procurem desvelar as

especificidades de cada campo estudado, na teoria e na prática efetiva, uma vez que “a

formação busca a melhoria dos conhecimentos profissionais, suas habilidades e atitudes na

gestão da docência em uma instituição educativa.” (VEIGA, 2014, p. 330). Nesse processo, é

preciso também investir no desenvolvimento de pesquisas, fazer intercâmbio e estágios em

outras universidades, objetivando a troca de conhecimentos, ou seja, priorizar uma formação

que vai além da teoria e perpassa diversos âmbitos e aspectos formativos.

É também primordial na docência superior a necessidade, de acordo com o item III,

do artigo 52, da LDB/1996, que haja “1/3 (um terço) do corpo docente em regime de tempo

integral.” (BRASIL, 2015). A dedicação exclusiva é essencial para o engajamento do docente

em todos os âmbitos universitários, como as atividades permanentes de ensino, de pesquisa,

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96

de extensão e a participação nos Conselhos e Colegiados, que são compostos de maneira

representativa pela comunidade docente. Contudo, para a efetiva concretização de uma

formação de qualidade na Educação superior é preciso observar uma articulação de fatores

A educação superior, como tema de grande importância na atualidade, sobretudo por

ser responsável pela formação profissional, está inserida no nosso cotidiano, ainda que

os índices de acesso e oferta desse nível de ensino estejam aquém do desejado e se

constituam objeto de tratamento pela política educacional vigente no Brasil. A

abordagem da educação superior envolve, sobremaneira, a questão da qualidade

educacional desse nível de ensino. Esse aspecto particular da educação – a qualidade –

permite inúmeras abordagens: organização didático-pedagógica, corpo docente e infra-

estrutura, entre outros. (PAIVA, 2010, p. 169)

É preciso que se compreenda a necessidade de dar suporte material e tecnológicos

nos aspectos didático-pedagógicos e de ter uma infraestrutura física e estrutural que possa dar

conta do processo formativo em todos as dimensões. A própria comunidade discente

acadêmica também tem suas particularidades, por ser formada de sujeitos que já construíram

um histórico educacional constituído de cerca de doze anos letivos97

. Porém, ainda assim,

hoje em dia, ressaltasse a importância do docente ter boa aptidão didática, saber como usar a

criatividade e como avaliar, uma vez que o aluno que chega à educação superior tem um perfil

de grande dificuldade de saber ler, interpretar, debater, ter um raciocínio coerente ou lógico na

produção de textos dissertativos, que possam ter uma inteligibilidade mínima. Apresentam

sérias de questões na habilidade escrita, inclusive na questão gramatical, mas também na

habilidade de efetuar operações matemáticas, até as mais simples (JOLY; SANTOS; SISTO,

2005).

Isso pode gerar grandes dificuldades no processo formativo acadêmico, sendo

necessário à universidade criar recursos para minimizar essas ‘deficiências’ educacionais e

buscar adaptações para propiciar a aprendizagem, permanência desse discente e conclusão de

um curso com a devida qualidade formativa. O que demonstra que a universidade deve ter

uma relevância e trabalho diferenciado, em vista do desafio de atuar com uma demanda que

não tem sido preparada educacionalmente para adentrar a esta. Deve atuar para inclusão de

públicos diferenciados, que apresentam questões estruturais e de base específicas, fazendo

com que a inclusão de pessoas com deficiência seja um ponto a ser pensado, dentre tantos

outros às vezes até mais expressivos e recorrentes, devido ao maior contingente de público

que o demanda. Estes aspectos serão trabalhados a partir das informações levantadas na

pesquisa empírica e que deram respaldo para uma profunda discussão.

97

Nove anos do ensino fundamental – do 1º ao 9º ano –, mais três do ensino médio.

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5 AMPLIANDO DISCUSSÕES PARA UMA PRÁTICA INCLUSIVA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR

“O real da existência é fruto da conjugação

entre limites e possibilidades.”

(Pe. Fábio de Melo, 2010)

A perspectiva da inclusão educacional é ainda algo em construção, e, com isso,

precisa ser estudada em seus diversos aspectos, em especial quando se trata da educação

superior. É bem verdade que por séculos a educação superior foi um espaço inacessível à

grande maioria da população, uma vez que “com a divisão dos homens em classes, a educação

também resulta dividida, diferencia-se, em consequência, a educação é destinada a classe

dominante.” (SAVIANI, 2011, p. 16). Apenas no século XX é que foi possível ter uma

educação superior mais democrática e que abarcasse a demanda social, e não apenas as

classes privilegiadas. Mas para as pessoas com deficiência isso só vem a ocorrer no final deste

século, justamente quando alastra-se pela sociedade o discurso da “inclusão”. Tal discurso é

incorporado às questões educacionais, o que torna a temática inclusão na educação superior

recente e as pesquisas na área ainda incipientes. A partir da perspectiva dos docentes da

Universidade de Brasília, vai-se problematizar essa realidade.

A concepção pela qual foi pensada essa temática foi a partir da cultura inclusiva e

universalização dos acessos, ou seja, que todos os espaços, todos os conteúdos, todos os

materiais, toda a tecnologia digital estejam acessíveis a todas as pessoas, inclusive às pessoas

com deficiência, e, no caso desta pesquisa, às pessoas com deficiência sensorial, e isso passe a

ser algo socialmente inculturado, reafirmando o pressuposto que todos têm direitos iguais

perante todas as leis constituídas, e, no Brasil, isso está amparado pela Constituição – lei

magna de uma nação (BRASIL, 2014a). Uma forma, também, de preconizar o que diz a

legislação nacional, no Plano Viver sem Limite, segundo o qual “o acesso à educação é direito

de todos, sem descriminação, em igualdade de oportunidades.” (BRASIL, 2013b, p. 11)

No sentido de discutir essas questões é que, a partir das informações do campo,

foram organizadas quatro categorias, que tiveram também suas subdivisões. A primeira

categoria discorre sobre conceituação e políticas de inclusão, e foi denominada de Inclusão:

Concepção, políticas e cultura. Esta categoria foi dividida em cinco subtítulos: A concepção

docente de inclusão; Políticas Públicas e legislação sobre inclusão na UnB, na perspectiva

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docente; Políticas e programas de inclusão da UnB; Aspectos atitudinais e filosóficos e as

barreiras para a inclusão; Inclusão como mudança cultural. A segunda categoria trata de

Prática docente e inclusão. Esta categoria foi analisada a partir de três vertentes: Formação

para prática acadêmica inclusiva; Recursos para atuar com a demanda da inclusão; Desafios

vivenciados na experiência docente e estratégias desenvolvidas. A terceira categoria traz a

discussão para o campo técnico, ao tratar de Estrutura física e tecnológica para a inclusão.

Esta categoria foi subdividida em três partes: Estrutura Física; Tecnologia digital e

Tecnologia Assistiva. A quarta e última categoria procura dar um fechamento a partir do que

vem sendo desenvolvido na UnB sobre essa demanda inclusiva e foi denominada de Ações

docentes e institucionais na articulação para uma prática inclusiva.

5.1 INCLUSÃO: CONCEPÇÃO, POLÍTICAS E CULTURA

A primeira categoria de análise é teórica e conceitual, discorrendo sobre a concepção

de inclusão e a ação política que vem se desenvolvendo na UnB para que uma prática

inclusiva possa vir a ocorrer. Com respeito à concepção de inclusão, esta foi embasada na

visão pessoal de cada docente, ainda que ela seja construída a partir do seu coletivo. No que

diz respeito às legislações98

e políticas para a vertente denominada inclusiva, a experiência na

UnB demonstrou que há um desconhecimento, se não da existência delas, mas efetivamente

do seu conteúdo, bem como, há uma limitação da sua aplicação no cotidiano da universidade,

não sendo ainda algo concreto que possa se disseminar e fomentar uma cultura de inclusão,

que saia da teoria e se efetive na prática.

5.1.1 A Concepção Docente de Inclusão

Para uma melhor compreensão da perspectiva de inclusão de pessoas com deficiência

sensorial na UnB, a partir da visão dos docentes pesquisados, foi preciso compreender o que

98

No trabalho, ao falar de maneira mais generalizada, se utilizará o termo legislação, uma vez que este engloba

leis, decretos, portarias, estatutos etc. Já o termo políticas diz respeito às Convenções, Declarações (que podem

também virar legislação por Decretos específicos, como ocorre em muitos casos), programas de governo etc.

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99

estes docentes concebem como inclusão99

, de que forma eles têm construído essa

conceituação, de maneira pessoal ou coletiva, e como esse entendimento reflete a discussão

política que vem se desenvolvendo sobre o tema ao longo dos últimos anos. Algo de

fundamental importância, uma vez que é mais lógico se lutar por uma causa no campo prático,

quando se conhece as bases que fundamentam essa luta social no aspecto teórico e político.

Todavia, percebe-se que não é simples discorrer sobre um conceito específico, especialmente

ao se tratar de inclusão, pois este está disseminado socialmente, impregnado de nuances de

concepções postas por discursos demagógicos, que muito fala e nada diz sobre o que seria

isso, em especial, quando integra a área da educação.

Efetivamente, segundo Castel (2013), para se enfatizar uma ação de mudança contra

fatores que provocam desequilíbrio social, é preciso descortinar essa realidade pela qual se

buscar agir, e compreender os processos que produzem essa vulnerabilidade social e,

consequentemente, os alimenta, levando à desfiliação. De fato, no que tange à inclusão, esses

processos vêm se desenvolvendo social e politicamente, sem se chegar a uma compreensão do

que realmente significam. Isso se reflete na maneira direta como D9 concebeu inclusão:

“O nome já diz, eu acho que é estar dentro, é ter um ambiente

favorável, pra que as pessoas possam viver e ter qualidade de vida. Estarem

incluído, estarem dentro.” (SIC D9).

Mas será mesmo que é suficiente estar dentro? Estar dentro dá a essa pessoa o

ambiente favorável para a sua formação? A pessoa cega ou surda estar na universidade

concede-lhe a prerrogativa de incluída? Tantas mudanças, especialmente direcionadas a

denominar e renominar o deficiente e os modelos políticos e teóricos para a sua participação

na sociedade, alterando mais efetivamente a nomenclatura que a sua essência, tiveram apenas

esse intuito? Talvez sim, uma vez que as denominações anteriores também tinham o sentido

de estar dentro e as concepções não se alteraram. Inclusive, a perspectiva de inclusão

perpassa a própria ideia anterior de inserção, conforme se expressa no pensamento de D2:

“Se nós falarmos em inclusão de pessoas com deficiência, nós estamos falando de

uma forma de fazer com que essas pessoas se insiram, de alguma forma, a todos

os meios e a todos os espaços existentes na nossa sociedade.” (SIC D2)

Nos últimos anos, as discussões políticas suscitadas em torno desse tema tentaram

direcionar para a mesma realidade de estado – colocar dentro dos espaços, e assim a

concepção de inclusão sempre teve um entendimento a partir da perspectiva dual – dentro e

fora. No entanto, tal concepção não modifica a problemática social de pessoas que sempre

99

Conforme apresentado no instrumento de pesquisa (APÊNDICE A).

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estiveram afastadas dos seus pertencimentos, vivenciando uma série de desvantagens sociais

(BONETTI, 2001; CASTEL, 2013). Sem dúvida, isso se torna premente nesta discussão,

porque na base da concepção de inclusão permanece apenas o estar dentro, ser mais um que

está no meio acadêmico, mas não integrado ao mesmo, como ficou marcado no discurso de

D3, ao relatar que

“Esses estudantes com necessidades especiais, e, em particular, com deficiência,

é um segmento invisível na universidade. Se você pegar todos os setores na

universidade, pegar o movimento estudantil, eles nem mencionam, ou chegam a

mencionar durante as eleições, pra ganhar voto, depois esquece.” (SIC D3)

Ou seja, mesmo com as mudanças das políticas, teoricamente inclusivas, na prática a

realidade ainda se mostra efetivamente excludente. É possível perceber, que em suas diversas

fases, essas políticas passaram por uma serie de denominações: inserção (sinônimo de

admissão e inclusão), seguida da integração (sinônimo de relação, conexão), até chegar à

inclusão (sinônimo de inserção e admissão). Percebe-se que em dois casos mudam-se os

nomes, mas permanecem os sentidos, retornando à acepção inicial. No entanto, é preciso ver

que essas mudanças não dizem respeito a uma simples questão semântica, uma vez que

Os termos são considerados corretos em função de certos valores e conceitos vigentes

em cada sociedade e em cada época. Assim, eles passam a ser incorretos quando esses

valores e conceitos vão sendo substituídos por outros, o que exige o uso de outras

palavras. Estas outras palavras podem já existir na língua falada e escrita, mas, neste

caso, passam a ter novos significados (SASSAKI, 2002, p. 01).

Sem embargo, qual a importância de mudar a nomenclatura? Quais seriam os novos

significados práticos trazidos por estas mudanças teóricas, uma vez que as palavras em si têm

sentidos semelhantes? Essas mudanças mais se assemelham a um modismo, visto que,

integração seria o conceito que mais designaria a especificidade da conexão, da inter-relação,

essencial para não somente estar dentro, mas fazer parte. Para tanto, bastaria ressignificar as

responsabilidades e ações, e mudar a perspectiva política, trazendo o âmbito educacional para

uma posição crítica, que assumisse seu encargo de se modificar para tornar-se adequado, sem

deixar essa responsabilidade apenas a cargo das pessoas com deficiência (MENDES, 2006).

Com isso, percebe-se certo retrocesso no sentido semântico em um processo que deveria ser

de ascendência em todas as suas dimensões.

Mas é evidente que isso não diz respeito apenas ao aspecto semântico, embora esteja

relacionado a ele. É inegável que desde quando a palavra exclusão passou a fazer parte das

conceituações sobre as diferenças e desigualdades sociais, esta foi se expandindo e,

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101

notoriamente, “a exclusão hoje é objeto de políticos e de debates sociais, é um fenômeno

social” (JODELET, 2013, p. 66). Um fenômeno tão evidentemente impregnado no contexto,

que constantemente requer sua positivação, a inclusão, e é quase impossível falar de inclusão

sem associa-la à exclusão, como bem trouxe D8

“Pra falar de inclusão você tem que falar de exclusão, na minha opinião, porque

quando eu busco incluir alguém eu estou admitindo que essas pessoas estavam

excluídas, e as pessoas com deficiência, de maneira geral, elas historicamente

foram tratadas a parte, se é que pode se falar ‘tratadas’.” (SIC D8)

Da mesma forma essa relação entre os dois termos foi associada por D1

“Então, eu penso que a gente só fala de inclusão porque existe exclusão.” (SIC

D1)

Para Sawaia (2013, p. 110), sem dúvida, a dialética exclusão/inclusão “não

constituem categorias em si, cujo significado é dado por qualidades específicas invariantes,

contidas em cada um dos termos, mas que são da mesma substância e formam um par

indissociável, que se constitui na própria relação”. Foi realmente a partir da ênfase do termo

exclusão, que criou-se o neologismo para a sua contrapartida – a inclusão –, e essa

nomenclatura virou bandeira social e vem povoando os discursos politicamente corretos de

organismos nacionais e internacionais. E, com isso, era necessária essa adequação

terminológica, para corresponder ao ideário que se difundia e consolidava no final do século

XX.

É neste sentido que Martins (2010) destaca que tem ocorrido uma prática distorcida,

mesmo que fundamentada por movimentos sociais, com relação a ‘ações denominadas de

inclusivas’, por não se ter a base conceitual e ideológica daquilo que está sendo considerado

para alicerçar essa ação política. Parte-se dos discursos, sem analisar os pressupostos dos

quais estes discursos estão imbuídos em toda a sua realidade conceitual e em seus processos.

Para Ribeiro (1999), problematizar o conceito de exclusão é um dos primeiros

passos, antes de se passar a ações consideradas inclusivas, pois é preciso entender os

processos sociais nos quais esse conceito está inserido, já que sem isso é partir para “lutas por

inclusão que tanto desmerecem o papel dos sujeitos dessas lutas quanto mantém o modelo

social produtor da exclusão” (Idem, p. 07). Sem dúvida, com tantas políticas direcionadas à

inclusão, e o termo fazendo parte corriqueiramente do vocabulário social, pouco se pensa

sobre o mesmo e toda a ideologia a ele associada. O embate é, então, pelo descortinamento do

conceito, para se passar a sua expressão prática de maneira contextualizada e que leve em

consideração as pessoas envolvidas nessas ações, como foi evidenciado por D1

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“Nada é inclusivo ou não é, quer dizer: parte de uma disposição das pessoas

para entrarem nesse processo de examinar como as suas práticas estão

estruturadas, pra ver de que forma você pode reestruturar, de forma a acolher e

dar o direito para as pessoas.” (SIC D1)

Essa é uma vertente discursiva interessante, por sair da realidade dentro/fora, e

passar a um campo conceitual no qual se envolve os sujeitos constituintes dessa história e

suas ações. Portanto, exclusão não diz respeito a espaço, e, no mesmo sentido, inclusão

também não, uma vez que a sociedade, especialmente alicerçada por seu viés capitalista, e as

pessoas que dela fazem parte, a partir dos seus interesses e predisposições, é que designarão

essas posições sociais. Neste sentido, o fato de estar na universidade não faz com a pessoa

com deficiência possa usufruir do direito de ser um acadêmico, se a universidade não se

preparar para retirar as barreiras estabelecidas, que sempre impediram o acesso, a

permanência e a plena formação dessas pessoas ao âmbito educacional. “Estar dentro” pode

ser considerado um aspecto inicial, que faz parte do processo, mas que deve ser ampliado em

outras dimensões.

Outra dessas dimensões, e mesmo mais importante, é o caráter relacional que deve

perpassar essa realidade denominada de inclusiva. Incluir não é apenas estar dentro, é,

invariavelmente, “estar com” – se “relacionar”. A concepção de inclusão de D8 perpassava

por esse viés relacional,

“O que eu entendo por inclusão social é conviver, é você conhecer, é vivenciar a

pluralidade, a pluralidade humana. Então, saber que aquela pessoa tem um

desenvolvimento diferenciado de mim, me faz desejar entender como é que ela

conseguiu vencer alguns obstáculos, que eu não consegui, ou vice-versa. Inclusão

para mim é diferenças, não diferença em relação a alguém, mas diferenças. É

convivendo com uma, é contribuindo com a outra, a gente interagindo, isso é inclusão.” (SIC D8)

Integrar ao meio em todas as suas dimensões, sem dúvida é essencial, mas o aspecto

relacional é que pode dar uma base a todas as dimensões, na construção de uma mudança de

perspectiva. A relação envolve afeto, e quando se está imbuído deste aspecto,

caracteristicamente humano, é possível mudar a forma de ver e de agir. Mas isso só ocorre

quando passa-se a participar dessa realidade, como ficou evidente no relato de D7

“A minha concepção de inclusão foi mudando ao longo da minha experiência

com os surdos, porque a gente, quando a gente fala da inclusão de fora, nunca

tendo participado de uma situação de inclusão, a gente sempre pensa na inclusão

como adaptação, de adaptar o ambiente para o cadeirante, ou de adaptar os

textos em braille, por exemplo, para um cego. A gente nunca encara a inclusão,

quando a gente tá fora, na perspectiva da socialização daquele ser, com as

mesmas prerrogativas que nós, que não temos as mesmas deficiências, temos, em

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relação à locomoção, em relação ao acesso à bibliografia e tudo isso. Então, a

minha concepção de inclusão hoje é muito mais nesse sentido, de oferecer as

condições reais para que essas pessoas tenham o mesmo tipo de desenvolvimento

que qualquer outra pessoa teria nos diversos níveis.” (SIC D7)

Entretanto, esse processo relacional é simples de enunciar, de espelhar em slogan,

mas não de concretizar, visto que “a exclusão é um processo complexo e multifacetado, uma

configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas” (SAWAIA, 2013, p.

9), como a inclusão também o é. E esses aspectos imbricados, que povoam o imaginário,

tornam difícil aceitar o estar com, uma vez que por décadas foi suficiente estar dentro. Isso se

configura mais fortemente em uma sociedade ‘normalista’, que não está preparada ou mesmo

não admite conviver com a diferença, em especial com a deficiência. D8 expressou isso

claramente ao discorrer que

“Desde o momento que a gente considerou que nós éramos os normais, que nós

tínhamos um padrão, uma referência de desenvolvimento que é o nosso, e que

quem se diferenciasse desse seria ‘anormal’, a gente eliminou, a gente segregou,

a gente excluiu, ou, para integrar, a gente teve que trazer essa pessoa pro nosso

padrão.” (SIC D8)

Talvez por isso seja muito mais fácil atuar discursivamente a respeito de inclusão,

buscando “salvar” as pessoas da exclusão, mas em realidade corroborando com a preleção

capitalista, a qual, depois de criar tantas diferenças sociais, a partir de uma lógica perversa de

relação - a econômica -, cria formas de minimizar os efeitos destrutivos que o expurgo de

tantos dos seus direitos - de estudo, de convivência -, gera na sociedade (MARTINS, 2010;

RIBEIRO, 1999). No entanto, para avançar e não apenas corroborar com essa perspectiva, é

necessário ir mais além, não basta o estar dentro e o estar com, é preciso também outra

dimensão, o “estar sendo” – ou o “ser”. Todos são humanos, limitados, iguais em alguns

aspectos, deferentes em muitos outros. As pessoas simplesmente não estão no mundo, elas são

seres que experienciam este mundo, onde quer que estejam e com quem estejam.

Com isso, inclusão não é apenas colocar dentro, o que “implica considerar que a

sociedade é composta por sujeitos inertes e passivos” (RIBEIRO, 1999, p. 29). A dinâmica de

compreender o estar sendo dá à pessoa com deficiência a prerrogativa de escolha, de ação e

de direito. Não se inclui por estar excluído, mas pelo fato de que é imprescindível permitir

que o outro seja o que é, estando em relação com os outros e isso dentro de todos os espaços.

Sem dúvida, para isso é preciso vencer barreiras incorporadas à representação social referente

à pessoa com deficiência, que em determinada época não era vista como um ser, mas, em

função de seu estado físico, participava de uma relação objetal, e não era considerada como

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ser social. A partir do momento que se admite que, humanamente, o outro é um sujeito, um

ser igual – independente da diversidade de diferenças específicas –, é mais fácil incorporá-lo à

realidade socialmente constituída, em seus diversos aspectos, inclusive o educacional. D3

traz, em seu relato, uma visão neste sentido, pois pondera que é importante “considerar as

diferenças das pessoas”, “e não tratar como se fosse replicante” (SIC D3). Mas sua visão

também

“Enfatiza primeiro o que nós temos em comum e não a deficiência.” (SIC D3)

E o que se tem mais em comum que o fato de sermos humanos? Nesse sentido

efetivo não há diferença. Com isso, tem-se as mesmas prerrogativas, independente de

qualquer estado social, físico ou sensorial. Estar sendo é, em qualquer meio, aceitar que o

outro tem direitos e permitir que ele possa exercê-los e desenvolver seu potencial, todavia

oferecendo para isso os recursos devidos e necessários, como destacou D5 na sua fala:

“A minha concepção de inclusão é que as pessoas possam usufruir de qualquer

recurso quando elas necessitarem, por exemplo, desde uma calçada bem

pavimentada, com recursos para pessoas com deficiência motora, até um vídeo

qualquer, com áudio-descrição, um material em braille, isso em qualquer lugar,

na TV, no cinema, em exposições com áudio-guias, ou uma pessoa com

deficiência auditiva ter intérpretes onde ela precisa, ou vídeos, ou documentos,

em Libras. Enfim, todos os recursos estarem disponíveis às pessoas pra quando

elas necessitarem.” (SIC D5)

Mas para isso, é imprescindível uma mudança no âmbito atitudinal, educacional e

social, como enfatizado por D4 ao considerar que

“Inclusão para mim é mudança cultural, eu vejo inclusão como mudança

cultural.” (SIC D4)

É evidente que não se muda uma realidade, sem mudar a forma de pensar sobre ela,

sem mudar as atitudes em relação a ela, principalmente quando já se tomou consciência das

bases conceituais em que ela está fundamentada. Além disso, é necessário também

planejamento, uma estruturação específica, para sua concretização. Esse é um ponto que

precisa ser revisto no Brasil, como sinaliza D3

“Inclusão, para ela tem que existir planejamento, tem que envolver um

compromisso, tem que ter o preparo das pessoas e do meio onde ela vai estar.

Então, se não tiver isso fica muito difícil. E eu vejo a dificuldade no Brasil. Por

quê? Porque nós brasileiros temos a dificuldade de planejar as coisas e executar,

depois a gente tá sempre querendo atalhos pras coisas.” (SIC D3)

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105

Sem dúvida, a busca de caminhos mais fáceis pode levar a situações mais difíceis, a

retrocessos, a perda de sentido e de tempo. E esse planejamento e entendimento são fatores

primordiais, visto que inclusão é algo complexo e amplo, como enfatiza D6 ao expressar que

inclusão

“[...] é uma perspectiva muita ampla, envolve todos os atores. Quando eu falo

todos os atores são as pessoas da gestão, professores, funcionários, os alunos,

suas famílias, e ai formando uma grande rede, suas comunidades, enfim.” (SIC

D6)

Para se chegar a um processo educacional dito inclusivo é preciso toda essa

articulação de sujeitos, também de posturas, de espaços. Muito mais, é preciso ter foco no

objetivo a ser alcançado, e estar atento às concepções que um conceito tão polissêmico pode

expressar. A diversificação de concepções está nas expressões dos docentes, apresentando um

leque de matizes que vai desde uma visão direta e pontual, até às perspectivas conceituais

mais aprofundadas nos aspectos sociológicos e políticos. Essa diversidade de concepções vai

levar a vivências múltiplas da possibilidade de inclusão. É estar dentro - da universidade em

todos os seus espaços100

. É estar com – se relacionando com todas as pessoas e aspectos que

integram essa universidade101

. É estar sendo – o que a pessoa deseja ser, com suas

necessidades, que devem ser supridas, e potencialidades, que devem ser desenvolvidas. Essa é

uma perspectiva muito mais integrativa, mas que perpassa também toda a construção e

concepção oriunda das políticas públicas e como isso se reflete e é vivenciado na UnB.

5.1.2 Políticas Públicas e Legislação sobre Inclusão na UnB, na Perspectiva Docente

Um segundo aspecto abordado nas entrevistas, dizia respeito às politicas públicas e

legislações relacionadas à inclusão, tendo, assim, um caráter irrestrito, e como essas politicas

era compreendidas e efetivadas na realidade acadêmica da UnB. A maioria dos docentes

considerava que a vivência das políticas governamentais ainda era incipiente para atender a

demanda da inclusão, e ressaltaram que esse descumprimento da legislação poderia estar

atrelado à questão do desconhecimento sobre as mesmas, ainda que considerassem que houve

100

Esse tema vai ser tratado na discussão sobre estrutura física. 101

Esse tema vai ser abordado na discussão sobre os recursos, aspecto atitudinal e cultura inclusiva.

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muitos progressos com relação a isso, e que essa conscientização vinha ocorrendo, mais

diretamente pela articulação dos docentes.

Percebe-se que hoje em dia há um desejo político, pelo menos em relação à

legislação e às políticas públicas, relativo à inclusão de pessoas com deficiência, mais

especificamente para a demanda da inclusão educacional, inclusive na educação superior. No

entanto, em muitos casos elas não são colocadas em prática, por dois motivos: falta de uma

cultura político-educacional, que será tratada como cultura inclusiva; e por falta de

conhecimento ou de entendimento das mesmas. De fato, esse aspecto da ausência de

conhecimento foi algo recorrente nas entrevistas, como demonstra D4, ao falar sobre as

políticas de inclusão na UnB102

:

“Há um desconhecimento profundo sobre [...]a UnB não conhece, isso ai é tranquilo, a UnB não conhece.” (SIC D4)

Pode-se considerar exacerbada a fala de D4 sobre esse desconhecimento, mas esse

entendimento, de certa forma, era compartilhado pelos docentes. Contudo, considerava-se que

esse alheamento ocorria mais especificamente no que se referia à instituição em geral, porém

com relação a alguns docentes essa postura era diferenciada. D8, por exemplo, considerava

que a discussão na UnB sobre a realidade político-legislativa a respeito da inclusão

“Ainda não é institucionalizada, ela é uma ação isolada.[...]

Então, eu acredito que tem grupinhos isolados, discutindo isso, mas são aquelas

pessoas que já vêm na sua formação e na sua experiência profissional discutindo

isso. São professores de Libras, professores de autistas, são professores que já

vêm.., mas o professorado da UnB, de maneira geral, não discute, não sabe nem

pra que lado vai.” (SIC D8)

D7 também destacou a articulação de grupos, ou institutos, para a busca de

conhecimento sobre políticas inclusivas ou mesmo ações neste sentido.

“A realidade na UnB ela é um pouco antagônica, no sentido em que, na minha

situação, a gente vive um pouco uma ilha da fantasia, porque eu estou dentro de

um instituto que tem essa preocupação, e, portanto, nós professores, envolvidos

na pesquisa, estamos criando essas condições, e o que a gente vê, mesmo

internamente, é que isso não é compreendido por todos. Agora, se eu penso na

realidade da UnB, então a gente enfrenta dificuldades imensas.” (SIC D7)

A UnB oferecia, semestralmente, cursos de boas vindas para os novos professores,

no intuito de que eles conhecessem a instituição, conforme relatado por S3. Mas nada

especificamente direcionado à área de inclusão e nem sobre essa questão política. Em geral,

102

Conforme instrumento de pesquisa (APÊNDICE B).

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quando eram oferecidos era pelos institutos. D8 relatou que houve um curso para professores,

direcionado à área de didática do ensino superior, no qual foi proferida uma palestra a respeito

de inclusão de pessoas com deficiência e algumas das políticas associadas ao tema. O que

causou grande surpresa foi a ausência de conhecimento de alguns integrantes do corpo

docente que estavam nesse evento

“Vários professores que estavam no curso diziam assim: a gente nunca tinha

ouvido falar, não sabia nem pra que lado ia. E tinha até um professor que falava

assim: que tinha uma aluna, mas achava que ela estava fazendo corpo mole, e

que ele não tinha orientação era de ninguém, que ele fazia o que achava. Então,

eu penso que não tem ainda aqui uma política institucional.” (SIC D8)

Esses depoimentos demonstram o quanto esse tema está relegado a um terceiro

plano. Como não faz parte das diretrizes da instituição, fica muito mais difícil chegar ao

professorado e tornar-se institucionalizado. Algo que ficou evidente na fala de D9, que tinha

larga experiência como docente na UnB, mas ao responder a questão sobre as políticas de

inclusão, não se intimidou em afirmar que,

“Eu não tenho conhecimento das políticas inclusivas, sou ignorante, eu não tenho

conhecimento.” (SIC D9)

Considerando que uma Universidade é o espaço para as discussões de temas

relevantes para a sociedade, o tema da inclusão educacional deveria estar sendo discutido na

UnB. Não apenas em função das questões internas à universidade, mas porque as políticas

públicas, por abarcarem toda a nação, necessitam ser discutidas no âmbito acadêmico para

que possam ser difundidas e tornarem-se ações. De acordo com D4, essa perspectiva não se

concretizava na UnB.

“Aqui na instituição a gente não tem uma política de inclusão, a gente não tem

essa inclusão, não discute, apesar de existir a Convenção da ONU, o Decreto da

Convenção, mas nós não temos discutido. Nosso conhecimento é muito simplório sobre isso, e é uma dificuldade tremenda da universidade de encarar essa questão

da inclusão.” (SIC D4)

Talvez isso ocorresse porque por anos foi mais conveniente ignorar ou excluir a

pessoa com deficiência. Já no contexto atual, vive-se uma nova forma de segregação, que se

dá pelo quase absoluto desconhecimento das políticas em prol dessas pessoas, e, dessa forma,

ignora-se todo arcabouço de direitos que com tanto custo elas conquistaram. Mas será mesmo

que há uma preocupação institucional para socializar esse conhecimento? É evidente que se

não se conhece ou não se discute fica muito mais difícil colocar em prática. Assim, ainda que

uma série de leis venha se acumulando com relação à demanda da inclusão, pouco se

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concretiza. Ou seja, não basta ter a lei, é preciso ter consciência de que ela existe e mudar a

atitude perante ela, e a Universidade é o espaço ideal para promover essa discussão e

conscientização nos processos formativos que desenvolve, em todas as suas instâncias.

Para favorecer esse conhecimento, destaca-se mais efetivamente duas Convenções,

com os respectivos Decretos de promulgação, que foram grandes marcos para a mudança da

perspectiva inclusiva. A primeira diz respeito à Declaração da Guatemala, de 1999, ou

Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as

Pessoas Portadoras de Deficiência103

, a qual deu origem ao Decreto nº 3.956/2001 (BRASIL,

2001). Esta Convenção tem como um dos seus principais fundamentos reafirmar que:

as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades

fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser

submetidas a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da

igualdade que são inerentes a todo ser humano. (BRASIL, 2001, p. 01).

Este Decreto foi fundamental para tornar lei a igualdade de direitos para a pessoa

com deficiência, ainda que evidencie como as legislações são redundantes, ou as pessoas e

instituições são propensas a não cumpri-las. Essa discussão sobre igualdade de direitos e

liberdade fundamental já vinha sendo fundamenta no mundo desde a Declaração Universal

dos Direitos Humanos, promulgada pelas Nações Unidas em 1948 (67 anos atrás), e no Brasil

desde a promulgação da Constituição, em 1988 (BRASIL, 2014a) (27 anos atrás).

A outra Convenção foi a Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

e seu Protocolo Facultativo104

, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, que deu

procedência ao Decreto nº 6.949/2009 (BRASIL, 2009a). Essa Convenção, no item V, do seu

preâmbulo, mais uma vez se reconhece “a importância da acessibilidade aos meios físico,

social, econômico e cultural, à saúde, à educação e à informação e comunicação, para

possibilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo de todos os direitos humanos e liberdades

fundamentais.” (BRASIL, 2009a, p. 03)

Percebe-se mais uma vez o retorno a questões que já vinham sendo discutidas há

décadas, como da acessibilidade. Existe já uma série de legislações que trataram desse

aspecto, como a ABNT NBR 9050, que discorre especificamente sobre acessibilidade desde

1994 (ABNT, 2004), a Lei 10.098, de 10 de dezembro 2000, que estabelece normas gerais e

critérios básicos para a promoção da acessibilidade (BRASIL, 2000), e o Decreto

5.296/2004, que regulamentou a Lei 10.098/2000 e ampliou as normatizações nesse campo

103

O trabalho se refere a essa Convenção na página 77. 104

O trabalho faz referência a essa Convenção na página 14 e 85.

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(BRASIL, 2004a). Ainda assim, acessibilidade, especialmente estrutural, era um dos

aspectos pouco priorizado na UnB, como será posteriormente discutido, o que torna claro

que apenas as leis não transformam os atos. Todavia pode até vir a fomentar algumas

consciências quando são conhecidas. Esse foi um ponto relacionado na fala de D1:

“É, na UnB, se a gente tiver uma visão histórica, bem imanente, a gente pode

dizer que tem progressos, porque quando eu entrei aqui não tinha vaga para

deficiente. Eu acho que demorou uns dez anos pra ter vaga para deficiente,

assim, depois passou a ter e as pessoas não respeitavam. Então, hoje tem e é

relativamente respeitada.” (SIC D1)

Apesar de existir uma lei, e isso ter começado a ser cumprido, não se tornou ainda

natural no cotidiano da instituição. O mesmo ocorre com o direito da pessoa cega ter o

acompanhamento de um cão-guia; apesar de estar em vigor a lei nº 11.126105

, de 27 de junho

de 2005, que “dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de ingressar e

permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia” (BRASIL, 2005b), uma

vez que eles são treinados para isso, a sua presença causa estranheza e desconforto, como

relatou D6 sobre um caso específico ocorrido na UnB:

“Um professor reclamou de um aluno cego que tinha um cão-guia, dizendo que

era uma raça que tinha um odor muito forte, que ele não queria o cão guia na

sala de aula.” (SIC D6)

Foi preciso conversar com o docente, explicar sobre a legislação e a importância do

cão-guia ficar ao lado do seu acompanhante. Este caso evidencia que muitos ignoram essas e

tantas outras legislações. Já outros se habilitam a cumpri-las, e quanto mais for se efetivando

esse cumprimento, torna-se habitual. Compreende-se mesmo que a lei deve ter essa função,

muito menos de ser punitiva e mais de ser educativa, de provocar atitudes que passem a ser

culturalmente incorporadas. Mas como é mais fácil mudar as leis que os hábitos, percebe-se

que a legislação se alarga, às vezes sendo promulgada uma lei atrás da outra, tornando-se um

cabedal tão extenso, que nem sequer se consegue chegar a um conhecimento genérico sobre

elas, quanto mais aprofundado (o que só é feito por quem tem interesse específico na área).

Além dessa amplitude outro problema se apresenta

“A legislação, na maioria das vezes, é descontextualizada do que tem sido

discutido pelos pesquisadores, pelos alunos, pelos pais, pelos professores. É um

grupo de técnicos que se reúne e decide o que é melhor, e nem sempre esses

técnicos têm a vivência. Então, eles planejam, mas não executam, e avaliam tudo

isso que eles não executaram. Então, a legislação às vezes ela vem apartada do

105

O Decreto 5.296, de 2004, já tratava da presença do cão-guia, mas essa nova lei especificou essa disposição.

(BRASIL, 2004)

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110

que os movimentos sociais, do que as instituições tão discutindo, e não deveria

ser assim.” (SIC D8)

Essa é uma perspectiva relevante, pois seria mais coerente que para construção das

legislações houvesse uma integração ao contexto social, ao cotidiano onde elas serão

vivenciadas, e não apenas serem constituídas pelo poder legislativos, a partir de grupos

políticos-partidários, ou mesmo por movimentos que denominados de sociais têm apenas uma

ação política e exercem sua militância mais no aspecto do discurso que da prática. Mas a

legislação não é apenas apartada da realidade concreta, muitas vezes também é divergente

entre si, mesmo que tratando de fatores comuns, como ocorre no âmbito educacional. Essa

falta de interlocução está presente na própria política ligada à política de educação especial e a

educação inclusiva106

(BRASIL, 2007a). A educação especial carrega o viés da inserção,

sustentada no atendimento educacional especializado (AEE), enquanto a política de inclusão

apregoa a adequação da sala de aula para todas as demandas, ainda que possa ter sala de

recursos multifuncionais (SRM), com tecnologias adequadas para desenvolvimento de

habilidades especificas, caso seja necessário. Na educação superior, os núcleos ou programas

têm essa função de garantir adequações e acessibilidade, para minimizar as dificuldades,

pessoais ou estruturais, para que a pessoa com deficiência possa participar da educação

formal, incluído com todos os demais estudantes. Essa ambiguidade perpassa toda a educação,

mostrando que as dificuldades já advêm da visão política sobre o que seria considerado

inclusão. Pela própria experiência docente com pessoas com deficiência, D6 tinha um

entendimento específico sobre esse aspecto,

“A inclusão, pra mim, ela não pode ser entendida como uma proposta dentro de

uma política educacional, mas deve ser o princípio de uma política educacional

de um país. Sendo princípio eu não vou mais falar em, por exemplo, como ainda está na proposta do Ministério da Educação - Política de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva. Ainda se faz política de educação especial, o

que precisamos ter é uma política educacional brasileira, que um dos seus

princípios seja a inclusão de todos os alunos, com atenção a todas as

necessidades específicas de aprendizagem, com todo o suporte necessário para o

processo de escolarização, com todas as condições, inclusive mudança de

posturas, de atitudes, de compreensão sobre o que é deficiência, sobre o que é

aprendizagem das pessoas com deficiência.” (SIC D6)

Esses são pontos que devem ser aprofundados, e como a educação superior não

apenas reflete toda a educação básica, mas também a aparelha com os seus licenciados, a

forma como a educação superior está organizada ajuda a reproduzir de maneira espiral essa

106

Algo que já foi trazido no trabalho, na página 78, mas que se fez importante abordar aqui, pela forma como

emergiu no campo.

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111

realidade que não se modifica. É preciso que a educação superior possa discutir e aprofundar

a temática política e legislativa da educação inclusiva, entre os docentes e também discentes,

para que a acessibilidade e a universalidade de direitos possa vir a ser realidade e não apenas

teoria distanciada ou discurso político, como também expressou D8

“A política de inclusão, eu considero um avanço, eu falei inicialmente. Então,

acho que a gente já consegue ter uma percepção que não existe normal, isso foi

um avanço. Porém, ela não consegue ser implementada a contento porque para

ai. A legislação ela tá muito teórica, e ai quando você vai lá pro dia a dia ela não

te dá.. porque fica nessa coisa, cada um é um, cada professor. Mas não, pera ai!

Mas tem alguma coisa que é básica. Então, você muda de tema e não muda a

prática.” (SIC D8)

Evidente que o difícil é cumprir, tudo se resume a teoria, a escrita de um texto

politicamente correto, que dá a aparência ou sensação de mundo maravilha, todavia na

essência e no âmbito concreto, há ainda um longo caminho a trilhar, quiçá o faça a partir do já

teoricamente instituído. Para isso, é importante que se possa desvelar não apenas a aplicação

das políticas governamentais, mas também as específicas para atender diretamente a realidade

da universidade – no caso a UnB –, no seu cotidiano acadêmico.

5.1.3 Políticas e Programas de Inclusão da UnB

Um terceiro aspecto abordado na pesquisa foi com relação às políticas e programas da

UnB relacionados à inclusão, com isso, tendo um caráter mais restrito a essa realidade, mas

que é possível ter um entendimento discursivo de sua aplicação que possa ser útil à educação

superior em si. Esse aspecto fez emergir uma dualidade discursiva. A maioria dos docentes

considerava que a vivência das políticas e dos programas da UnB ainda era incipiente para

atender a demanda da inclusão, mesmo que considerassem que houve progresso com relação a

isso. Por outro lado, houve docente que considerasse que a UnB tinha grandes avanços e

mesmo uma postura de vanguarda nesse aspecto, como se refletiu no discurso de D6

“Inclusive a UNB tem, desde 2003, uma legislação de vanguarda, muito

inovadora, em relação ao apoio e adaptação do currículo, inclusive com

mudanças na temporalidade para o aluno. Foi muito inovadora à época,

inovadora essa Resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB,

ou seja, o nível mais alto, que foi importantíssimo para a inclusão dos alunos, e

pra abrir essa cultura sobre inclusão em outros departamentos.” (SIC D6)

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112

A Resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), citada é a de n.

48/2003 (ANEXO C), que: “Dispõe sobre os direitos acadêmicos de alunos regulares

Portadores de Necessidades Especiais (PNEs) da UnB” (UnB, 2003). Mas será mesmo que

uma legislação de vanguarda consegue mudar uma realidade concreta? Ou mais uma vez o

que ocorre é uma contradição entre teoria e prática? Trazendo para o âmbito educacional

superior, o que Carvalho (2004) denomina de paralaxe cognitiva, essa divergência entre o que

se diz e o que se faz, uma vez que a realidade da UnB está aquém da necessidade de

acessibilidade e universalidade, como será discutido na categoria 5.3 e suas subcategorias,

apesar dessa legislação estar há 12 anos em vigor. Contudo, será mesmo que essa legislação

era de vanguarda? Ou apenas dela emergia a prática pautada nas políticas de integração e

inserção, que nunca deixaram de ser presença proeminente na educação, apesar do carregado

discurso de inclusão? Mesmo que fosse de vanguarda, à época, atualmente ela dá conta da

visão de inclusão? É preciso então analisar seu conteúdo, pois só conhecendo se descortinam

os sentidos latentes que permitem o entendimento.

No artigo 3º dessa Resolução afirma-se que: “os PNEs que necessitem de

atendimento diferenciado poderão solicitar previamente:” (UnB, 2003, p. 02), trazendo um

elenco de possibilidade de adaptação de provas, recursos didáticos e pedagógicos, entre

outros. Mas um aspecto chama a atenção, referente ao item IV - “adaptação de recursos

físicos: eliminação de barreiras arquitetônicas e adequação de ambiente de comunicação;”

(Idem, p. 02). Será mesmo que no caso das barreiras arquitetônicas cabe ao estudante solicitar

‘atendimento diferenciado’? Ou o ambiente já deveria estar propício fisicamente para diversas

possibilidades, que favorecesse o acesso, conforme uma série de legislações vigentes107

?

Pode-se argumentar que isso diz respeito a necessidades muito específicas. Contudo, o ideário

da inclusão sempre sinalizou que o ambiente deveria ser pensado, preparado, para as diversas

possibilidades e necessidades, que o pensamento deve direcionar para o desenho universal108

.

Já no item III, prevê-se que o estudante poderia também solicitar “- adaptação de

recursos instrucionais: material pedagógico e equipamentos;” (UnB, 2003), mas será que o

estudante fazendo solicitações específicas, após entrar no curso, seria atendido, visto que para

cada solicitação haveria uma demanda de tempo, verba, material, mão de obra? Ou o

estudante, apesar da Resolução, teria que se ‘resignar’ a não ter sua solicitação viabilizada?

Segundo o que emergiu em campo, no discurso dos docentes, pôde-se constatar as

dificuldades para atender as demandas, de acordo com dois relatos que evidenciavam isso. D3

107

Como a Convenção da ONU, a Lei 10.098/2000, a ABNT, citadas na categoria anterior. 108

Desenho Universal, sua conceituação está presente na categoria 5.3.1.

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113

relatou a necessidade de um estudante cego ter nas salas em que tivesse aula uma mesa

adaptada

“Vou dar um exemplo: você tem a instrução para que haja equipamentos

adaptados para cada tipo de deficiência. Então, [identifica uma pessoa], por exemplo, tem um computador, que não é um computador sofisticado, mas tem

instalado nele um JAWS109 e essa linha braille110. A universidade faz uma

reforma, com o programa Reuni, compra carteiras, que parece carteira de escola

primária. Então, não dá para usar os dois equipamentos na tampa dessa carteira,

ele precisa de uma mesa. Ai, desde que ele entrou, em 2010, até hoje não existe, a

prefeitura não providencia.111” (SIC D3).

Isso demonstra como a universidade está despreparada, como é difícil para o

estudante ter os seus direitos garantidos. Direitos tanto em âmbito govenamental como local,

uma vez que as leis federais garantem isso e a própria Resolução do CEPE o diz, mas não são

cumpridas a contento. Esse tipo de encaminhamento é algo institucionalizado, perpassa a

realidade da Universidade de maneira complexa, uma vez que, de acordo com D3, após

meses, essa solicitação

“tinha passado por vários setores - favor tomar providência, favor tomar

providencia -, e depois veio a resposta lá da marcenaria dizendo: ‘as mesas estão

sendo providenciadas’. Ai acabou o semestre e óbvio que não foram

providenciadas, e continuam não providenciadas. Ai vão jogar a culpa na

licitação, no tipo de licitação, na verba, no decanato de finança e tal, tal,

enfim!.” (SIC D3)

E assim passa-se a responsabilidade, e, desta forma, o tempo, e a possibilidade do

estudante ter o acesso a algo que lhe é garantido pela lei, mas negado pela prática de uma

universidade que é referência no país. É mesmo uma dificuldade que os estudantes passam

quando precisam lutar por seus direitos, e isso impacta os docentes que convivem no

cotidiano de aula com essa realidade. Todavia, como esse trabalho não foi direcionado aos

estudantes, mas sim aos docentes, é preciso mostrar que essas dificuldades, em se tratando de

necessidades específicas de adequações, podem ocorrer também quando demandada por estes,

ou pelo Instituto, conforme o outro caso relatado por D7, uma vez que a universidade não

estava preparada e não conseguia fazê-lo em tempo hábil, devido às questões burocráticas,

que se sobrepõem às legislações direcionadas à dita inclusão.

“Pra implantar o curso de [nome do curso] a gente precisa de uma sala

adaptada, isso tá na prefeitura há um tempo. Os tempos da universidade pública

eles são complicados, porque envolve toda uma legislação sobre licitações e

109

Software de leitor de tela em computador. 110

Anteriormente explicou o que era a linha braille, ou display braille, que é conectado ao computador, para

auxiliar a acessibilidade aos conteúdos de pessoas cegas. 111

Veja que essa entrevista ocorreu em maio de 2015, ou seja, 5 anos depois.

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mecanismo de tramitação de processos que são complexos. Então, a realidade

não anda no mesmo ritmo das nossas concepções. “(SIC D7)

Até quando esta será a realidade da Universidade? Quanto tempo os estudantes terão

que esperar para que as coisas aconteçam, se tornem acessíveis, universalizadas? Acredita-se

que vai demorar um pouco se não houver uma mudança de mentalidade, uma vez que se

pensa sempre em mudar o estudante e não a estrutura ou os recursos. Isso fica evidente no

artigo 4º da Resolução que diz: “os alunos que passarem à condição de PNEs112

, após seu

ingresso na UnB, poderão ser readaptados em outros cursos.” (UnB, 2003, p. 02). Mas porque

não dizer: poderão ser readaptados em outros cursos, apenas no caso da universidade não

conseguir a devida adequação para o curso em que o estudante já estava. Esta, sim, poderia

ser uma visão de vanguarda, colocar o posicionamento como responsabilidade também da

universidade, visto que o estudante tem (ou deveria ter!) o direito de escolha. No entanto, é

muito mais cômodo solucionar o problema mudando o estudante. Sobra para ele o custo de ter

adquirido uma deficiência. Essa recorrência de uma realidade que não se transforma, apesar

de tantas lutas e leis, estava presente no próprio relato de D6, que apresentava-se um tanto

contraditório,

“Como eu disse, a legislação na UnB, à época, foi muito inovadora, inédita, foi

muito interessante, modificou o comportamento, posturas em muitos

departamentos. Mas a gente ainda percebe que não se construiu ainda, a partir

dessas mudanças, uma cultura de inclusão.” (SIC D6)

Especificamente, como programa ligado ao processo de inclusão citado nas

entrevistas, havia o PPNE, que era o referencial de Inclusão na UnB. A visão dos docentes

sobre o PPNE era um pouco antagônica, com concepções que iam do desconhecimento das

ações do mesmo, passando pelo conhecimento e consideração de que não atendia as

demandas, até quem considerasse que ele dava um suporte ao docente. De acordo com o

artigo 2º da Resolução do CEPE, “os PNEs serão acompanhados pelo Programa de Apoio aos

Portadores de Necessidades Especiais – PPNE” (UnB, 2003, p. 01). Esse programa, desde

2007 passou a ser denominado Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais, e

tinha como um dos seus primeiros objetivos, “I - propiciar e garantir a igualdade de condições

para o desempenho acadêmico dos portadores de necessidades especiais;” (Idem, p. 02)113

. Os núcleos para atendimento especializado, direcionados à demanda das pessoas com

deficiência na educação superior, foram instituídos pelo governo federal, e fazem parte do

112

PNEs, na época da Resolução, significava portador de necessidades especiais. 113

Os demais objetivos podem ser visto na Resolução 48/2003 (ANEXO C).

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115

Programa Incluir. O Programa Inclui atua na acessibilidade, em parceira com a Secretaria de

Educação Superior (SESu) e a SECADI, objetivando

fomentar a criação e a consolidação de núcleos de acessibilidade nas universidades

federais, as quais respondem pela organização de ações institucionais que garantam a

inclusão de pessoas com deficiência à vida acadêmica, eliminando barreiras

pedagógicas, arquitetônicas e na comunicação e informação, promovendo o

cumprimento dos requisitos legais de acessibilidade. (BRASIL, 2013a, p. 03)

O Programa Incluir já atua nessa perspectiva de acessibilidade na educação superior

há mais de dez anos. Devido ao Plano Viver Sem Limite, de 2011, o programa recebeu novo

reforço governamental, inclusive no sentido financeiro, para concretização dos objetivos do

programa. Com isso, “a partir de 2012, esta ação foi universalizada atendendo todas as IFES,

induzindo, assim, o desenvolvimento de uma Política de Acessibilidade ampla e articulada.”

(BRASIL, 2013b, p. 03)

De acordo com o Plano Viver sem Limite, Decreto nº 7612/ 2011, esse núcleos são

responsáveis por ações institucionais para eliminar barreiras atitudinais, pedagógicas,

arquitetônicas e comunicacionais. Os núcleos devem garantir o acesso de estudantes,

professores e servidores com deficiência a todos os espaços, ações e processos,

buscando seu pleno desenvolvimento acadêmico. (BRASIL, 2013b, p. 26)

Essa seria, em tese, a ação específica desse programa na UnB. Todavia, isso não parecia ser

algo concreto, pois pela maioria dos relatos percebe-se que esse programa não estava

atingindo satisfatoriamente os objetivos para o qual foi proposto, uma vez que para garantir

igualdade de condições ao estudante atendido pelo programa, precisaria abranger

acessibilidade, estrutura e recursos, questões que serão discutidos posteriormente, e que não

vinham sendo atendidas a contento na Instituição, como também necessitava dar suporte ao

docente, por este estar diretamente ligado ao processo acadêmico dos estudantes.

O fato de não ter visibilidade perante os docentes que atuavam ou haviam atuado

com pessoas com deficiência na UnB, como trazido por D4, poderia ser um demonstrativo da

ação pouco expressiva desse programa.

“Muito restrito, não tem visibilidade, não há visibilidade, os professores não

conhecem, os professores do meu departamento não sabem, quando chega um

aluno com deficiência para eles, eles não sabem o que têm que fazer, eles

recebem uma carta do PPNE, é, diz a pessoa: olha, tá chegando para você uma

pessoa com deficiência, assim, assado.” (SIC D4)

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116

Duas ações do PPNE concretamente emergiram durante a pesquisa: o envio da

carta114

aos docentes que receberão estudantes com deficiência (ANEXO B); e os tutores para

esses estudantes. No mais, um grande vazio sobre um programa que deveria ter uma atividade

preponderante para o processo de inclusão na UnB. O relato de D1 deixa explícito isso

“Eu, na verdade, desconheço a atuação do PPNE junto a professores, para além

de uma cartinha que eles mandam com alguns alunos. Nunca recebi das minhas

alunas! Eu só.. eu só sei dessa coisa, de mandar uma cartinha dizendo: olha, eu

tenho uma deficiência, dá pra adaptar? Essa é a única gestão que eu vejo do

PPNE junto a professores.” (SIC D1)

O mesmo emergiu na fala de D9:

“Só recebi um ofício no meu escaninho,... é, que você tem um aluno com

deficiência visual, qualquer coisa, tá aqui o ramal. Eles falaram do ramal, eu

liguei várias vezes, e também não atendia. Ai eu desisti, eu preferi falar com ele.” (SIC D9)

Essa ação era bastante limitada, uma vez que uma ‘carta’ tem apenas a função de

informar que a pessoa tem uma deficiência e precisa de adaptações, algo que a própria pessoa

poderia fazer ao se apresentar ao docente, talvez de maneira mais eficiente do que através de

uma carta. E não basta informar ao docente que ele precisa fazer as adaptações necessárias, é

preciso ajudá-lo a criar recursos para atender as necessidades apresentadas, pois o mais

importante é o ambiente e todos os recursos necessários serem oferecidos ao estudante, e o

suporte que o docente terá para a sua atividade didática, para que esta possa ser uma prática

considerada inclusiva, ajudando para que esse processo didático – docente/estudante –,

próprio da educação, ocorra da melhor forma.

Pode-se, porém, questionar que deixar essa responsabilidade ao estudante pode levar

o docente a não entender, não aceitar a situação, e que uma carta daria respaldo institucional

ao estudante. No caso de questões de aprendizagem (como TDAH e dislexia) esse argumento

teria mais coerência, pelo fato de o estudante não apresentar uma especificidade física ou

sensorial. Já no que concerne à deficiência física ou sensorial, o argumento não se sustenta. Se

o docente ignora que tem um estudante cego ou surdo, ou não consegue construir com ele

estratégias de ação, é uma questão atitudinal a ser pensada, e não será apenas uma carta que

vai mudar essa postura. Enviar uma carta pronta, padronizada não é uma ação de inclusão, é

uma atividade de “impressão”. Diante disto, D4 considerava que

“É de uma candura, simplicidade, essa postura do PPNE, que mostra o quanto eles estão distantes desta ideia que a gente falou da inclusão como cultura, como

114

A essa carta padrão é anexada uma cópia da Resolução 04/2003 (ANEXOS C; B).

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mudança cultural. Você não muda uma cultura com uma carta. Você vê o quanto

nós estamos distantes da ideia de inclusão como cultura, mudança cultural,

estamos muito distantes.” (SIC D4)

No que dizia respeito a ações específicas do PPNE para dar suporte aos docentes, no

sentido de discutir, tentar compreender as situações e desenvolver recursos para a atuação, foi

considerado pelos professores como deficitário. Eles até ofereciam esse apoio, como relatou

D3

“Depois de um mês o PPNE faz umas cartas que os alunos têm que ir lá pegar

essas cartas, pra eles entregarem aos professores, ai é que essas cartas vão

explicar o que é o PPNE, os serviços que eles podem prestar.” (SIC D3)

No entanto, ao serem solicitados esses serviços, essa assistência, ocorriam algumas

dificuldades, mantendo-se a ação mais no discurso que na prática. D3 apresentou um exemplo

específico, vivenciado na sua prática e dos demais docentes com os quais um estudante tinha

aula. No caso, era um estudante cego e que passou a ter problema de memória imediata, após

cirurgia para retirada de um tumor. Era preciso entender a especificidade do caso, a questão

neurológica e como criar recursos para poder ajudar no seu processo de formação.

“A gente sentia que, por exemplo, no caso concreto dele, que o PPNE tem uma

atuação muito pobre e deficiente, nessa relação do aluno com o professor, porque

em nenhum momento havia um interseção, não havia uma busca de solução.

Então, a gente tomou a decisão, fazer uma carta, de pedir reunião, com o aluno,

a família, o PPNE e os professores. A gente saia um pouco frustrado! Inclusive eu

tenho cópia das cartas dizendo pra ele: escuta, nenhum de nós tem formação

para lidar com a deficiência, então o PPNE tem que nos oferecer elementos.

E ai a gente dizia: ‘a gente não tem condições de ajudar esse aluno, [...], se a

gente não souber exatamente qual é o quadro dele, clínico, e como agir em relação a isso. Então, a gente precisa de especialistas que tenham capacidade de

lidar com a necessidade desse aluno em particular, que venham nos oferecer

elementos. Eles sempre diziam: olha, a gente já teve reunião, a gente já explicou:

é cegueira com problema de memória. E daí?” (SIC D3)

Informar que era cegueira com problema de memória, acrescentava o quê para a

atuação do docente? A informação não leva a entender o problema, as limitações associadas,

as adequações específicas, ficando a cargo do docente a expertise, para desenvolver recursos

de atuação e colocá-los em prática. E os desafios permanecem, tendo que ser vivenciados e

superados na relação professor/aluno. Ainda assim, D3 considerava que ter o programa já era

um avanço da universidade junto à demanda da inclusão, mesmo que fosse preciso progredir

institucionalmente neste aspecto

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“E, então, eu acho que o PPNE é um avanço, mas ainda é muito pouco, é muito

pouco! Esses alunos, eles estão desmobilizados, cada uma com a sua

necessidade, com a sua deficiência, tentando resolver o seu problema.” (SIC D3)

Uma justificativa apresentada para a falta de atividade do PPNE, no sentido de

desenvolver estratégias ou propor ações docentes115

, seria o fato da pessoa responsável pelo

setor, que permanece no cargo nos últimos oito anos, não ser da área de pedagogia ou

docente, não tendo assim o conhecimento e as competências para tanto. Mas o que justificaria

uma Universidade federal manter no cargo, por oito anos, uma pessoa que não tem as devidas

competências para o exercício do mesmo? Qual a intencionalidade de sustentar uma realidade

que não condiz com o que propõe o programa? Poderia ser exatamente para ter com que

justificar a omissão no campo da inclusão. Efetivamente, essa justificativa não pôde ser

corroborada por nenhum dos depoimentos dos nove docentes pesquisados, uma vez que estes

fizeram referência ao setor – PPNE –, e não especificamente à pessoa que o coordenava.

Evidentemente, o setor tinha uma equipe de trabalho, composta por vários profissionais, que,

com certeza, deveriam ter as competências necessárias para estarem ocupando suas funções, e

não poderia sua inatividade recair apenas sobre uma pessoa. Além do mais, a pessoa á frente

do setor era Assistente Social, com formação em gestão e orientação educacional116

, e como

tal deveria saber interpretar as políticas cabíveis ao PPNE e, junto com a equipe de

profissionais do setor, ou mesmo buscando apoio institucional117

para isso, concretizar sua

aplicação. Mas isso não ocorria e as ações, em geral, não se efetivavam, permanecendo o setor

pouco expressivo na área, ainda que institucionalmente essa postura fosse reconhecida, porém

mantida.

Outra questão foi que até 2007 o PPNE funcionou a contento, no entanto a pesquisa

ocorreu em maio de 2015, relatando de fato a realidade atual e não foram levantados dados

que corroborasse tal afirmação. Ademais, o que justificaria que um programa não estivesse

funcionando de maneira efetiva desde então e nada fosse feito em todo esse tempo para

modificar essa realidade? O ideal seria que a Universidade analisasse isso e se posicionasse

em prol de mudanças que pudessem tornar o programa novamente adequado.

115

Algo que fazia parte dos pressupostos do programa, uma vez que era objetivo do mesmo “dialogar com

coordenadores de cursos, professores e servidores sobre as necessidades dos estudantes cadastrados e buscar

estratégias para adequação de espaços físicos e da prática didática.” (BRASI, 2014c, p. 56). 116

Conforme evidenciado no currículo da Plataforma Lattes. 117

Ademais, o PPNE deveria, idealmente, atuar com uma estrutura multidisplinar, para desenvolver suas ações,

formada por grupos de trabalho composto por pedagogos, psicólogos, assistente social, docentes, estudantes,

arquitetos, dentre outros (SOUZA; SOARES; EVANGELISTA, 2003).

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Em contrapartida, houve um depoimento sobre a atuação do PPNE um pouco

divergente dos demais, uma vez que considerava que havia sim uma ação efetiva do PPNE de

suporte junto aos docentes:

“Vou te falar da perspectiva do docente. Então, o que a gente recebe como

docente, na relação com o PPNE, é uma grande disponibilidade no sentido de

assessorar nossas ações na recepção a esses estudantes. [...]

Então, cria o contexto para o professor, ele se preocupa, por exemplo, em

adequar a sala de aula, junto a prefeitura, pra que possa atender aquele

estudante naquela disciplina, e se coloca a disposição dos docentes para dar todo

o tipo de assistência que for possível.” (SIC D7)

D7 considerava que se uma ação mais efetiva não ocorria, a dificuldade não estava

relacionada ao PPNE, mas ao estudante, que não se dispunha a procurar o programa,

conforme relatou

“É, agora eu acho que a grande dificuldade, ai eu já estou falando, não como

docente, mas como [diz uma determinada função] do instituto. Ao que tudo indica os estudantes nem sempre procuram o programa para atender as suas

necessidades, muitos têm uma tendência a não querer ser..., não funcionar junto

com o programa.” (SIC D7)

Porém, porque o estudante optaria por não funcionar com o programa, visto que,

segundo S4, o PPNE tratava “cada estudante como um caso individual” (SIC S4). De maneira

mais específica relatou:

“Como o atendimento é individualizado, a gente tem 185 maneiras de fazer isso,

o quantitativo de alunos atuais.” (SIC S4)

No entanto, a partir de uma colocação generalista, faz-se necessário entender se era

mesmo possível atender as necessidades específicas apresentadas pelo contingente de alunos

atendidos. De acordo com S4, “vai depender da necessidade do estudante também.” (SIC S4), e

nem sempre isso era possível ou ocorria, nem era mesmo aceitável para não ter

“uma cultura parternalista que, na minha opinião, mais exclui do que inclui.

Porque, assim, a gente tem que estimular um sentimento de autonomia e

independência da pessoa com deficiência também.” (SIC S4)

Diante disso, o que levaria esse estudante a não procurar esse serviço? Seria um

mecanismo de defesa, uma vez que ele já sofre tão seguidamente com os preconceitos? Ou os

serviços oferecidos não seriam suficientemente adequados a estes estudantes, que preferiam

desenvolver suas próprias estratégias? Ou desenvolvê-las na relação direta com o docente,

corroborando por si mesmo, sem necessidade de terceiros reafirmar isso, a possibilidade de

autonomia? Questões que a visão docente não pôde trazer, mas que são importantes de

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entender, uma vez que os estudantes com deficiência acabam sendo culpabilizados pelo não

funcionamento a contento de um programa que se destinava a eles. Neste sentido, seria

essencial ouvir a posição do estudante com deficiência, que é quem vivencia essa realidade.

Uma lacuna que abre perspectivas para novos campos de pesquisa e discussão.

A segunda atividade do PPNE trazida pelos docentes foi a tutoria dos alunos,

conforme apresentado por D3

“Aqui, felizmente, tem um serviço de tutoria, pra pessoas com deficiência, esse é

um ponto muito positivo.” (SIC D3)

Essa atividade era mais recente, e não concomitante à existência do PPNE

“O PPNE passou a ter um monitor, por disciplina, nem tinha isso antes. Então,

hoje o aluno tem direito a ter um monitor.” (SIC D1)

Segundo os documentos da UnB, o serviço de tutoria era uma atividade do PTE e foi

criado em 2007. Isso encontra-se na Resolução do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão,

nº 10/2007 (ANEXO D), que: “Cria o Programa de Tutoria Especial (PTE), normaliza o apoio

acadêmico a estudantes com necessidades especiais e dá outras providências” (UnB, 2007, p.

01). Apesar de não ter sido citado nas entrevistas o PTE tinha uma ação integrada, que

demandava vários setores, do quais o PPNE fazia parte, no intuito de dar suporte aos

estudantes. De acordo com a Resolução:

O PTE consiste no apoio acadêmico a estudantes da UnB com necessidade

educacional especial, realizado por estudante da Universidade, sob a supervisão do

professor da respectiva disciplina e da sua Unidade Acadêmica, com o

acompanhamento do Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais

(PPNE) da Diretoria de Acompanhamento e Integração Acadêmica do Decanato de

Ensino de Graduação (DAIA/DEG) e do Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação

(DPP) (UnB, 2007, p. 01).

Nessa articulação o PPNE era responsável por mediar a relação entre PTE e

estudante, uma vez que, de acordo com o parágrafo 2º, do Artigo 3º, “somente fará jus à

participação no PTE o estudante com necessidade educacional especial que for cadastrado no

PPNE e que demande os apoios estabelecidos nesta resolução.” (UnB, 2007, p. 02). Uma das

ações de competência do PPNE118

era “II. treinar e acompanhar o grupo de Tutores Especiais,

Tutorados e professores participantes do PTE;” (Idem, p. 03). Esse treinamento direcionado

aos docentes, segundo os depoimentos, não era efetivado, uma vez que a maioria afirmou não

118

As demais ações cabidas ao PPNE e aos outros setores e sujeitos envolvidos no programa, podem ser vistas

na Resolução 10/2007 (ANEXO, D).

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121

haver apoio ou nenhuma formação119

oferecida pelo PPNE ou pela universidade, como pôde

ser visto no relato de D2

“Eu não tenho conhecimento de alguma formação específica para professores.

Eu nunca ouvi falar de uma formação assim: vamos preparar os professores para receber os alunos com deficiência. Eu nunca ouvi falar de um curso dessa

natureza.” (SIC D2)

Também afirmaram não haver nenhum acompanhamento, ainda que alguns tenham

tido alunos com tutoria e tenham trazido a tutoria como uma das principais ações do PPNE,

como relatou D5

“Isso não! Eu acho que os professores, em geral, não recebem nenhum tipo de

instrução, de formação, pra lidar com alunos com deficiência, isso não existe.

[...] Se eu recorrer ao PPNE, ai ele vai dar, para o aluno, um material, por

exemplo, providenciar material em braille, é como eu já te falei, o programa de tutoria, mas para o professor, especificamente, não, não tem.” (SIC D5)

Segundo S4, no programa havia uma ação integrada para atender os estudantes e suas

necessidades e os docentes, promovendo a intermediação através do diálogo

“O PPNE se promove a esse diálogo entre as necessidades do aluno e as

capacidades do professor. [...] Primeiramente, o foco dele é o estudante,

seguido do professor, porque não pode se desconsiderar a interação

professor/estudante, isso é impossível em um processo educativo inclusivo.” (SIC

S4)

Entretanto, os docentes, em sua maioria, consideravam a ação do PPNE, quando

ocorria, era diretamente voltada para o estudante, e havia a ausência de uma ação mais efetiva

direcionada aos docentes, conforme o discurso de D3

“Eu não vi, nunca vi nenhuma atividade do PPNE no nosso Instituto, por

exemplo, convocando os professores, fazendo uma oficina, explicando a questão

da deficiência, falando sobre os nossos alunos, os alunos do instituto em

particular, e os demais que vêm pegar disciplina no nosso instituto. Eu nunca vi

nenhum trabalho de educação, e fazer com que os professores entendam e se

comprometam com a acessibilidade. É um trabalho fundamental, eu já falei

várias vezes no PPNE, não dá para ficar só no feijão com arroz, atendendo

demandas pontuais, você tem que educar, um trabalho de educação pra mudar a

cultura.” (SIC D3)

Tais como as políticas de Estado e de governo não se efetivam nas universidades, o

mesmo ocorre com os programas desenvolvidos pelas próprias universidades, que são

financiados pelo governo e deveriam corresponder ao que é determinado legalmente e

119

Esse aspecto será mais esclarecido na categoria 5.2.1 e 5.3.3, que tratam de formação e de recursos para

atuação.

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122

considerado de importância para as finalidades a que se propõem. Essa fragilidade perpassa

todo o histórico desse processo denominado inclusivo:

É nítido que o sistema educacional, a partir da década de 1990, está legalmente

amparado no discurso inclusivo, nos princípios democráticos de igualdade, equidade e

diversidade. No entanto, apesar da importância dos instrumentos legais, estes por si só

não garantem práticas inclusivas na educação, muitas demonstrando distanciamento

das proposições teóricas e legais. (MOREIRA; BOLSANELLO; SEGER, 2011, p. 05)

Esse distanciamento entre os pressupostos legais e as práticas é, sem dúvida, algo de

constante incidência, em se tratando especialmente de políticas embebidas pelo discurso da

inclusão. Nesse âmbito de pouca vivência das práticas inclusivas, sem dúvida, a tutoria foi o

ponto de destaque apontado pelos docentes com relação às pessoas com deficiência na UnB.

Todavia, consideravam que tinha falhas, pois além do PPNE ter pouca visibilidade, a tutoria

não atendia da melhor maneira a demanda:

“Eles deixam muito pro aluno ir atrás dos tutores, com o discurso de: ah, você

precisa ter a autonomia e coisa assim. É um lado bom, mas às vezes, na prática

ele... pode ser um traço de omissão, eu vejo muito por ai.” (SIC D3)

Pode ser um traço de omissão, pois o fato de apresentar o trabalho do PPNE a esses

estudantes, que na matrícula se identificaram como pessoas com deficiência sensorial (ou

qualquer tipo de deficiência), não significa tirar deles a liberdade e autonomia, pelo contrário,

dá a eles a oportunidade da liberdade de escolha, da autonomia de uso dos seus direitos. Ao

tempo em que, se ele desconhece o que pode ser oferecido pelo programa, a qualidade e

possibilidade desse serviço, ele não está sendo livre nem autônomo, ele está sendo tolido do

exercício do seu direito. Também, deixar apenas para o estudante a responsabilidade de ir em

busca do tutor, poderia atrasar o processo para início da tutoria, uma vez que o tutor teria que

ser cadastrado para receber uma bolsa, ser treinado pelo PPNE, organizar junto com o

tutorado o cronograma de atividades previstas para a disciplina, dentre outras atividades

(UnB, 2007).

Sem dúvida, as políticas da UnB direcionadas a atender as demandas da inclusão,

não estavam sendo em concreto aplicadas ou não correspondiam de maneira satisfatória o

atendimento dessas demandas. É preciso um posicionamento mais direto da universidade na

efetivação de suas ações e das políticas, para que se tornem institucionalizadas, façam parte

do contexto e possam reverberar nas atitudes dos participantes do processo educativo.

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123

5.1.4 Aspectos Atitudinais e Filosóficos e as Barreiras para Inclusão

Para além das legislações e dos programas específicos, é preciso atitude para que a

atividade docente possa refletir uma prática acadêmica inclusiva, em especial para pessoas

com deficiência sensorial. Esse aspecto atitudinal faz parte da docência, uma vez que ela se

desenvolve na relação – docente/estudante. É o estar com o outro em um processo formativo.

E muitas vezes é preciso quebrar barreiras atitudinais, filosóficas, modos engessados de

pensar, de agir, que podem não ajudar na construção do percurso educacional. Essa realidade

estava presente na UnB, como estará sempre presente onde houver relação humana, e emergiu

como categoria discursiva. É evidente que a pessoa com deficiência sempre foi inferiorizada e

esteve segregada da sociedade e da educação, e muito mais da educação superior. Essa

perspectiva separatista, apesar das mudanças, ainda mantém seus resquícios

contemporaneamente. Assim sendo, por vezes, a presença da pessoa com deficiência na

universidade desencadeia

[...] certo incômodo, sobretudo entre aqueles que se negavam a acreditar no potencial

dessas pessoas para formação e exercício profissional, [..]. Para esses, o ensino

superior deveria ser exclusivo aos que se enquadram naquilo que se considera normal,

restando às pessoas com deficiência contentar-se com a educação especial.

(NUERNBERG, 2009, p. 161)

É fato que a realidade tem mudado, que essas pessoas estão chegando à educação

superior, e por mérito, porém, se deparam com barreiras atitudinais, que podem dificultar o

processo formativo até mais que as questões estruturais. Em vista disso, não adianta apenas

mudança física, material, se a atitude não mudar também. Portanto, é preciso começar a

mudar a maneira de pensar, para, então, poder mudar a forma de agir. Neste sentido, D1

trouxe uma perspectiva utilizada na dinâmica da disciplina que ministrava

“A gente trabalha muito na minha disciplina essa questão, de desestabilizar o que

está sendo... que é o centro do mundo, como que o mundo é organizado, para que

a gente consiga compreender esses processos de exclusão.

Então, eu levo uma folha em braille, ninguém consegue descriminar que bolinhas

estão ali, a gente tem um grau de deficiência tátil em relação a minha aluna que é

cega, por exemplo. Mas como a gente não vive num mundo tatocêntrico, e sim

visocêntrico, isso não se apresenta como uma barreira no cotidiano da pessoa.”

(SIC D1)

Sem dúvida, é relevante em uma formação ajudar a despertar a consciência de que

existem formas diferentes de se relacionar com o mundo, que os sentidos podem ser

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ampliados, desenvolvendo capacidades que, corriqueiramente, os considerados ‘normais’

desconhecem. Mas é preciso despertar, também, a consciência dos docentes, que por vezes

dificultam o processo formativo da pessoa com deficiência por estarem fechados em seus

padrões de normalidade e de autoridade. Um caso trazido por D5 (relatado também por D3 na

página 116), sobre um estudante cego que precisava compartilhar a mesa do professor, devido

ao equipamento que usava ser maior, pela adaptação da linha braille ao computador, mostrava

como o docente poderia estar fechado à presença do outro quando esse tem uma necessidade

“Já teve professor que reclamou dele usar a mesa, porque o computador dele fica

na mesa do professor, pois não tinha uma mesa pra ele, ai tem professor que acha

ruim ele usar um pedaço da sua mesa.” (SIC D5)

É uma atitude que precisa ser repensada, pois, de fato, quem poderia reclamar era o

estudante, afinal não deram a ele algo que necessitava para ter uma participação equitativa em

sala. A universidade demonstra, por vezes, que não tem lugar para a diferença, e todos devem

se condicionar ao que está posto, pois é muito difícil mudar – material e humanamente. E esse

não foi um caso isolado, muito outros foram relatados, conforme presente na fala de D3

“Mas a gente vê relatos ai de professores que não querem dar a mínima, falam

pra surdo de costa, dando aula de costas pra surdo, então não tem o contato

labial, visual. Não respeita, por exemplo, a necessidade, de você tem uma hora

extra pra fazer as provas, não dão provas adaptadas, ai tem que arrumar alguém

pra ler a prova. Enfim, tem uma série de problemas, muitos problemas aqui,

apesar dos avanços.” (SIC D3)

Já D1 trouxe um exemplo concreto

“Tem uma aluna com uma questão motora que é cadeirante, mas, assim, por

conta de paralisia cerebral ela tem grande dificuldade de escrever, escrever com

lápis e papel. Então ela vai com o netbookzinho dela, pequenininho e tal, e tem professor que não deixa, então ela não pode anotar a aula inteira, porque ela não

consegue anotar as coisas com lápis e papel, e nem pra ela o professor deixa,

tipo: tem uma lei que não pode computador em sala.” (SIC D1)

Isso acontece em plena era da chamada inclusão e da tecnologia digital. O que

mostra o quanto é necessário um trabalho educacional com o próprio corpo docente, para

entender as demandas das pessoas com deficiência, tentar se colocar no lugar do outro,

descobrir que o outro tem direito a uma formação digna, de qualidade, e que isso passa pelo

aspecto material, mas também perpassa pela ação docente. Teoricamente, pode-se dizer que:

“as diferenças não podem ser colocadas como obstáculos e sim como recursos que podem

enriquecer as relações humanas e promover transformações.” (FONSECA, 2009, p. 14).

Porém, na prática, isso é muito mais difícil de ser vivenciado, uma vez que os docentes não

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são formados para se deparar com essa diversidade na sua atuação didática. Em geral, a

formação é hegemônica, condensada, pautada no tradicional, e “não atende às reivindicações

em favor de uma educação inclusiva” (Idem, p. 14).

Evidente que, por anos, ao docente cabia a função de ‘transmitir’ o conhecimento a

pessoas absolutamente dentro do padrão de ‘normalidade’, pertencente à classe dominante.

Esse ensino era unificado, a forma de avaliar padronizada, para ter certeza que esse

conhecimento foi ‘absorvido’, e buscou-se reproduzir ad infinitum esta forma de ‘ensino’, que

se perpetua de geração a geração. Mas a realidade educacional mudou. A Universidade

finalmente abriu as portas aos antes segregados desse espaço, e eles são, cada vez mais,

diversos, com formas peculiares de aprender, necessitando de maneiras diferentes de ensinar.

Então, é necessário pensar o papel docente, antes tão magistral que para ouvi-lo e ter acesso

ao saber que ele dominava, silenciavam-se as vozes, os corpos paralisavam-se, o tempo e o

espaço eram preenchidos por este ser quase soberano. (ROMANELLI, 2012; SAVIANI,

2011; SERRES, 2013) Cabe, a este profissional ressignificar a sua prática, tornando-a

participativa, dinâmica e contextualizada com as transformações e demandas contemporâneas.

Essa possibilidade de lidar com o novo deveria ser um fator propulsor para a busca

de maneiras diferenciadas de ensino e aprendizagem, de comportamentos, de posturas, uma

vez que este estudante tem o direito de estar na universidade, e esta tem o dever de primar

pelo seu processo formativo, em todos os aspectos. Havendo uma abertura é possível

compreender que:

A presença deste estudante estimula a reflexão sobre os conteúdos, as metodologias, o

sucesso do ensino e da aprendizagem feitas na universidade. Desta reflexão podem se

beneficiar muitas outras pessoas: os docentes que podem diferenciar as suas práticas

docentes, os alunos com dificuldades mesmo sem deficiências identificadas e os

restantes alunos que poderão com metodologias adequadas de individualização

progredir ao ritmo e à dimensão das suas capacidades. (RODRIGUES, 2004, p. 05)

Contudo, as mudanças podem não ser necessárias apenas na didática e fazer docente.

D4 trouxe um exemplo interessante, porque não envolvia apenas algo material (o uso de uma

mesa), ou uma postura corporal (falar de frente para aluno), mas estava relacionado com a

identidade do docente, e como isso influenciava na sua prática

“É complicado você pedir para um professor universitário pra ele fazer a barba.

Você fala: sua barba é muito densa, ele não vai ler o seu lábio, então, faça a

barba, nessa região aqui. ‘Mas eu não gosto, minha barba é assim, não sei quê e

tal, você tá querendo mexer numa coisa muito particular minha’! É, mas, e ele? É

seu estudante, como é que ele vai ficar? A gente falou que se ele lesse lábios ia

ser incluído, mas ai ele chegou aqui e você usa barba.” (SIC D4)

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São muitas questões, que envolvem mudança de postura, de comportamento, e que

nem sempre é simples de serem compreendidas no universo acadêmico. E essas questões não

se faziam presentes apenas na Graduação, também na Pós-Graduação apresentavam-se

situações que precisam ser analisadas

“Dentro do programa de pós graduação, por exemplo, há quem ache que o

surdo, por exemplo, tem de iniciar lendo textos em inglês, quando já o português

é uma segunda língua pra eles. Então, quer dizer, oferecer uma bibliografia

complementar em português às vezes é uma tragédia pra alguns colegas. ‘Não, eu

tô nivelando por baixo!’ Esse é o discurso. O que também é questionável, porque

nem toda bibliografia em português é pior que a bibliografia do exterior, vinda

de fora.” (SIC D7)

Desconhecer os fatores ligados às necessidades específicas das pessoas com

deficiência torna mais difícil a transformação das posturas. Poucos profissionais na docência,

conhecem a cultura surda120

, bem como a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e que este “é

considerado um sistema linguístico legítimo, criado pelos próprios surdos” (NASCIMENTO,

2013, 05). Com isso, não entendem nem a aceitam como uma língua, assim como é a

portuguesa, a inglesa, mas apenas como uma forma de comunicação específica entre os

surdos. No entanto, a língua de sinais foi reconhecida internacionalmente como língua oficial

da comunidade surda, desde a Declaração de Salamanca, de 1994. No capítulo II, item 19 (p.

07), esta Declaração reafirma que

A importância da linguagem de signos como meio de comunicação entre os surdos,

por exemplo, deveria ser reconhecida e provisão deveria ser feita no sentido de

garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso a educação em sua língua nacional

de signos.

No Brasil houve o reconhecimento oficial da língua em 2002121

, com a Lei de

Líbras122

, Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que em seu artigo 1º determina que: “É

reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais -

Líbras e outros recursos de expressão a ela associados” (BRASIL, 2002). Esta Lei foi

regulamenta pelo Decreto 5.626, de 22 de novembro de 2005, que expandiu a usabilidade da

língua, incluindo-a como disciplina obrigatória para as licenciaturas e o curso de

Fonoaudiologia (BRASIL, 2005a).

120

Cultura surda: valores, atitudes, formas de comportamentos e práticas sociais próprias da comunidade surda, e

que determina ou influência a forma de perceber a realidade, estabelecer relações sociais e, inclusive, a educação

da pessoa surda. (BUENO, 1998). 121

A Líbras já era referida como Língua dos surdos no artigo 18, da Lei no 10.098/2000, que tratava de

acessibilidade (BRASIL, 2000). 122

A grafia da palavra era na legislação Líbras, até o Decreto de 2005, que passou a utilizar a grafia Libras, sem

o uso do acento.

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Como esses direitos não são conhecidos, essa cultura não é entendida, fica difícil

conceber que, para o surdo, o português pode ser sua segunda língua. Evidencia-se que “o

principal obstáculo enfrentado pelo aluno incluído no ensino superior, além das barreiras

arquitetônicas, acreditamos ser a falta de conhecimento e conscientização da população

acadêmica com relação às necessidades educacionais especiais” (PACHECO; COSTAS,

2005, p. 13). Mas será que evidenciando esta realidade a palavra “incluído” adquiriria algum

sentido? Pode ser apenas mais um rótulo que o diferencia dos demais, dentro de uma

realidade sectária que sempre encontra formas de nominar, sem, contudo, integrar.

Mesmo que haja quem considere que “respeitar, valorizar e propor diálogo somente,

não resolve todos esses embates, pois essas diferenças são construídas culturalmente,

expressam visões construídas culturalmente e reafirmam lugares de poder.” (FONSECA,

2009, p. 19), esse ainda é o melhor caminho para a transformação da forma de pensar e do

modo de agir. Sem dúvida, pelo diálogo aberto, o respeito ao outro, as trocas de experiência,

os exemplos vivenciados, pode ajudar nesse processo de repensar comportamentos e atitudes,

ainda que se pense diferente. E isso ocorre de uma melhor forma a partir de cotização de

grupos, em prol de uma luta em comum, algo que acontecia na realidade na UnB, de acordo

com D7

“Mas, de todo jeito, internamente a gente consegue criar as condições, com um

grupo de professores específicos, dentro do programa, pra que esses estudantes

surdos de fato consigam se desenvolver naquilo que a gente espera como

competência deles, que é o desenvolvimento do conhecimento linguístico na área

de língua de sinais.” (SIC D7)

Essas articulações são importantes, porque ampliam perspectivas, tanto para quem

ainda não conhece a realidade de uma educação inclusiva, quanto para quem já estuda e se

compromete com essa concepção (NUERNBERG, 2009). Uma ação importante porque,

mesmo entre os docentes que trabalham na perspectiva inclusiva, estes podem pensar a

realidade a partir de uma ótica bem específica, de acordo com o campo com o qual atua, sem

conseguir perceber o âmbito das deficiências de maneira mais generalizada. Alguns

direcionam a formação mais para atuação com a deficiência visual, outros com a auditiva, e

pensam a realidade da educação a partir dessa especificidade, condicionado as atitudes e

dificultando a atuação com necessidades diferentes. Isso pôde ser visto na pesquisa. Ao

questionar D4 a respeito da colocação de legenda, em uma atividade com a criação de filmes

de animação, a resposta foi:

“Ele é áudio-descrito para os cegos, e para os surdos ele tem a janela de Libras e

para o ouvinte tem legenda.” (SIC D4)

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Sem dúvida, às vezes se trabalha com uma determinada vertente e não se pensa nas

outras possibilidades. Ao falar com o docente sobre a legenda, não havia a intencionalidade

que esta fosse para ‘ouvinte’, mas se pensava nas outras demandas. As pessoas com surdez

são, em geral, adeptas da cultura surda e de Libras123

, mas isso pode ser diferente em casos

específicos. Neste sentido, enquanto uns não entende a cultura surda e a necessidade da

Libras, outros não lembram que nem todas as pessoas surdas sabem Libras, que elas podem

escolher ser oralizadas e utilizar o português. Também pode ocorrer com pessoas que

perderam a audição depois de adultas e que têm dificuldade com Libras ou não conhecem a

cultura surda; ou pessoas com baixa audição, que fazem uso de aparelhos auditivos, e que

necessitam da adequação do uso da legenda para auxiliar no acesso aos recursos audiovisuais.

Todas essas pessoas não teriam a acessibilidade em caso de ter apenas a janela de Libras.

Enfim, há uma diversidade de fatores e modos de se relacionar com a realidade, e a

universidade é, exatamente pelo seu nome, um espaço que deve incorporar essa

universalidade, abrigando um leque de possibilidades nas suas ações. Mas o compromisso de

D4 com o seu trabalho justifica a sua resposta, como esclareceu

“Eu não tenho essa visão ampla sobre inclusão, porque só surdez já me dá um

trabalho danado tentando entender.” (SIC D4)

Todavia, a questão atitudinal não é, necessariamente, exclusividade das pessoas, ela

pode ser institucional também, como pôde ser visto em alguns depoimentos. Havia um espaço

reservado para fazer um banheiro adaptado mais universalizado, que pudesse atender a várias

demandas de necessidades especiais, contudo houve uma mudança de projeto, segundo D3:

“um banheiro que eles querem fazer lá no PPNE, que é totalmente adaptado, a

reitoria quer colocar dois CAs lá.” (SIC D3).

Os centros acadêmicos (CAs) são importantes, mas quantos CAs já existiam no

espaço da universidade no ICC? Incontáveis, enquanto sanitário adaptado para demandas

específicas de pessoas com deficiência, como o que estava sendo pensado, não havia. Esse

caso evidencia que interesses políticos podem se sobressair aos interesses sociais, apesar de se

tratar da academia, espaço que deveria prezar pela concretização dos direitos, e ter sanitário

adaptado é um direito garantido por lei às pessoas com deficiência. Tal postura ressalta que o

estudante com deficiência apenas está dentro da universidade, mas não está sendo respeitado

em seu direito de isonomia de acesso. O fato causou uma celeuma entre as pessoas ativistas da

123

Os surdos podem também ser usuários da língua portuguesa, isso fica a critério de escolha da pessoa ou da

formação que teve, sendo, por vezes, oralizados e fazendo uso da leitura labial. Essas pessoas necessitam da

legenda para acessibilidade e não da janela de Libras.

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causa e foi preciso recorrer à instância maior, para garantir esse direito, um movimento que

surtiu efeito, conforme o relato de D1

“Semana retrasada teve uma boa reunião com a reitoria, que foi mobilizada a

partir de um espaço que ia ser um banheiro todo adaptado, próximo ao PPNE, e teve alguém que decidiu que ia ser um centro acadêmico, e ai isso criou uma

revolta muito grande, e foi-se pra reitoria e acabou sendo uma audiência sobre

várias questões, foi muito legal! É, a reitoria admitiu que poderia estar fazendo

mais, precisa fazer mais, então achei positivo”. (SIC D1)

Essa mudança de postura, de reconhecimento de certa inércia institucional na ação

em favor de uma prática de inclusão, pode ser um passo para uma mudança de cultura, que, se

iniciada de maneira institucionalizada, torna-se mais provável ‘contagiar’ todos os que estão

sob a égide dessa instituição, em especial se tratando de uma universidade, como ressaltou D1

“Eu achei que foi uma sinalização da compreensão da gravidade do problema,

porque a gente é capital do país, a gente é universidade de referência, então eu

acho que a gente não pode ficar tão aquém, entendeu? Nessa questão.” (SIC D1)

Quem sabe não tenha sido essa mobilização necessária para que haja uma mudança de

postura, de pensamento, uma mudança no âmbito cultural na instituição.

5.1.5 Inclusão como Mudança Cultural

A visão de inclusão como mudança cultura124

foi uma categoria que emergiu do

campo e tornou-se bastante recorrente, demonstrando a importância dessa mudança que

perpassa pelo âmbito social, educacional, até se tornar inerente a forma de agir das pessoas. E

essa cultura deve iniciar pelos poderes políticos, que ditam as regras do jogo, mas não se

dispõem a participar e transformar, pela atitude, a realidade legalmente constituída, como

apareceu em um relato bastante crítico de D3

“E, realmente, a inclusão no Brasil pra mim é uma piada. É uma atitude que os

governantes, sobretudo os últimos, os últimos 20 anos, sei lá! Gostam muito de

124

Cultura poderia ser entendida como um conjunto de conhecimentos, valores, crenças e significados, que

caracterizam determinados grupos sociais em determinadas épocas, e que propicia a sua inter-relação ou

integração social e, com isso, o seu desenvolvimento cognitivo, educativo, econômico e artístico (ou

socioeducativo) (CANEDO, 2009). Cultura inclusiva pode ser considerada, então, neste trabalho, como um

conjunto de conhecimentos, valores, crenças e significados relacionados socialmente à pessoal com deficiência,

que possam favorecer a sua ampla participação social (historicamente negada) e o seu pleno desenvolvimento

socioeducativo (antes tolhido).

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cifras, números, estatística, assinam todas as Convenções internacionais, mas o

próprio governo não cumpre.” (SIC D3)

Se não cumpre, talvez seja porque não acredita naquilo que determina, ou porque não

entende que para uma legislação se concretizar não basta as leis e os decretos, que

determinam o que deve ser feito, é necessário chegar ao nível das ações. É preciso que se

torne cultura, faça parte do entendimento e da forma de viver da sociedade e da politica como

um todo.

“Inclusão deve ser visto como um tipo específico de mudança cultural, que tem

que acontecer na sociedade, porque senão você não tem uma sociedade pra

todos. Só que para você ter uma sociedade pra todos de fato, ela precisa de

várias mudanças culturais. [...] Essa tentativa de tentar entender um mundo

diferente, uma outra cultura, isso que foi.. que me fez abrir a cabeça, e não

pensar que eles são deficientes, ou uma coisa assim, o problema do doentinho.” (SIC D4)

A dificuldade de mudar a representação social leva a sustentar o estereótipo de ver a

pessoa com deficiência visual ou auditiva, como sem eficiência, doente. A concepção que se

tem uma deficiência também vai afetar a inteligência, a memória, e todo o resto do aparato

cognitivo estará comprometido (NUERNBERG, 2009). Até os trabalhos publicados, que

discorrem sobre “inclusão”, trazem esse peso de uma representação social impregnada pela

visão de ‘deficiência’, ou não se adequam à legislação vigente para o desenvolvimento do seu

conteúdo. Por exemplo, ainda não utilizam as nomenclaturas adequadas, mesmo em

publicações recentes, com nesse caso: “as TIC podem constituir um recurso fundamental para

possibilitar a comunicação dos portadores de necessidades especiais através da manipulação

de ferramentas” (COSTAS, 2011, p. 114). Apesar da publicação ser de 2011, após a alteração

da designação, ainda traz o termo ‘portadores’, que se repetirá no texto. Essa dificuldade de

mudança não ocorre apenas no discurso, faz parte também das ações, uma vez que os

arquétipos históricos ainda não foram ressignificados.

Evidencia-se mesmo que

Há uma mentalidade dominante no modo de ver essas pessoas, focada em receios e

pensamentos de piedade. O surdo, neste contexto, é visto como uma pessoa de

capacidades menores perante os outros, porém, hoje é sabida a falta de veracidade

dessa afirmativa. (MORAES; ROCHA; SILVA, 2013, p. 35)

Neste sentido, para aceitar que a incapacidade não condiz de maneira efetiva com a

realidade dos fatos é preciso que as devidas mudanças, mesmo que de maneira paulatina,

possam ocorrer, e a principal dela é a mudança cultural. Essa mudança de perspectiva, de

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aceitar e conviver com a diferença, é fundamental, uma vez que a sociedade sempre se

desenvolveu a partir da uma ‘cultura da normalidade’ que, “em geral, é um campo fértil para

proliferação do preconceito e da discriminação social, necessários ao modelo social vigente

que exclui por meio da marginalização e/ou da segregação todos aqueles que não se encaixam

nos padrões estabelecidos socialmente.” (SANTOS, 2013, p. 90). Com isso, é preciso uma

transformação profunda, que permita conviver com as diferenças e com outros padrões quer

sejam físicos, sensoriais ou comportamentais.

“Então, a inclusão, para mim, é um tipo de mudança cultural, e das mais

complexas que tem, porque é uma mudança cultural que você vai ter que pensar

no outro de uma forma, vai ter que pensar no outro de outra perspectiva.” (SIC

D4)

Realmente, é muito mais fácil pensar em tudo e sobre todos a partir da ótica pessoal,

dos conceitos pré-concebidos, visto que mudar de perspectiva tira a pessoa da zona de

conforto, do espaço e visão pré-moldada, instigando a pisar em novo território. Mas, apesar

do desconforto inicial, ao se permitir interagir, é possível construir concepções a partir do

coletivo e das suas demandas. Entretanto, como discorre Elias (1994), vive-se em uma

sociedade de indivíduos, cada um em busca de sua individualização, do seu espaço, dos seus

desejos, ainda que vivendo em sociedade, e isso é construído a partir da carga histórica que

cada um traz. Assim, sem conviver, sem se relacionar com o diferente, não se constrói

mecanismos de interrelação, de conhecimento mútuo. Algo comum com relação à pessoa com

deficiência, uma vez que ela não fazia parte da sociedade, do mundo do trabalho, do âmbito

educacional (ARANHA, 2003; SANTOS, 2013). No entanto, é possível vislumbrar uma

mudança cultural, uma vez que as novas gerações não terão esses obstáculos férreos

separatistas, talvez apenas alguns resquícios do ainda institucionalizado preconceito, que

permanecerão latentes, mas que não impedirão uma convivência interativa, harmoniosa,

educadora e gratificante. D1 reiterou essa visão

“Então, a gente pode ter um ciclo vicioso, ou um ciclo virtuoso, porque, assim, se

a gente não convive, como eu praticamente não convivi crescendo com pessoas

com deficiência, você acha que o mundo é cor de rosa, e ai quando a gente tem

uma universidade que é exclusionária, ninguém vai conviver, ninguém vai achar

problema nenhum. Então, eu acho que vai mudando na medida em que as pessoas

fazem vínculo mesmo.” (SIC D1)

Sem dúvida, as pessoas que hoje estão na universidade, principalmente no caso da

comunidade docente, poucas tiveram a oportunidade de se relacionar com pessoas com

deficiência – estar com essas pessoas no mais diversos ambientes. Acredita-se que essa

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mudança de cultura já pode ser vislumbrada para as próximas gerações, uma vez que a

legislação indica que as pessoas com deficiência já devam participar da educação formal

desde a infância. O que só ocorre quando esse espaço educacional se adequa à participação de

todos, e nem sempre isso acontece de fato, fazendo com que a segregação ainda esteja

presente na educação.

“Então, a gente conseguiu avançar, há de se admitir que a gente conseguiu

avançar, a partir do momento que esses alunos já estão convivendo com a gente,

e que a gente é quem tem que pensar em estratégias de convivência, de relação.

Porém, isso não tem passado de estatísticas, de números, de discursos, na prática

há poucas ações realmente inclusivas.” (SIC D8)

Talvez essas ações não se efetivem pelo fato de não estarem institucionalizadas, não

terem sequência, ocorrerem de maneira estanque e mecânica, apenas cumprindo, e

superficialmente, as resoluções legais, ou acatando demandas de interesses pessoais

“O problema nosso, nosso daqui, e você pode estender pro Brasil, é que a gente

lida muito com questões pontuais, e muito no nível pessoal. Tem alguém sensível

e essa pessoa faz uma concessão, faz o favor de atender seu pedido, só que essa

pessoa sai, entra outra no lugar, voltamos a estaca zero. Então, a minha ênfase

vem sendo agora, como digo à reitoria: ‘precisamos mudar a cultura’. A

universidade, como uma Instituição, precisa assumir o discurso e a bandeira da

acessibilidade e da inclusão, enquanto isso não acontecer, nós vamos tá numa

situação muito ruim, muito frustrante, muito aquém das expectativas.” (SIC D3)

Ainda não se consegue pensar a partir de uma visão de tudo para todos, que todos

têm os mesmo direitos, que estar na universidade é um mérito e não um favor, que participar

da vida em sociedade e exercer a cidadania é uma conquista que não pode ser desconsiderada,

e a sociedade e a universidade têm que cumprir seu papel de fomentar e instituir as

transformações essenciais, até que isso faça parte, não apenas da lei, mas da maneira de viver

e de agir das pessoas.

“As coisas da inclusão não é um princípio ainda, não está constituindo cultura,

porque quando isso acontecer, as pessoas vão, assim, imediatamente, é

espontâneo. Ah, eu vou fazer esse prédio, isso aqui, além de atender a lei, porque

existe lei para isso, mas eu sei que existem pessoas com tais e tais diferenças,

necessidades, então, eu tenho que incluir isso. Isso tem que ser natural, tem que

ser espontâneo de todas as ações.” (SIC D6)

Não apenas essa espontaneidade deve estar presente em caso de mudança cultural,

mas a amplitude de possibilidades também deve se alargar. Em geral, “a ausência da

acessibilidade em suas diferentes dimensões revela uma indiferença institucional, pulverizada

nas atitudes de parte dos docentes, colegas, gestores e funcionários, incompatíveis ao

nascedouro de uma cultura acadêmica inclusiva.” (SANTOS, 2103, p. 264). Muitas vezes a

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pessoa é colocada em situação de deficiência, porque o meio não é eficiente, adequado,

acessível – seja nos aspectos estruturais, seja nos atitudinais. Estar imbuído de uma cultura

inclusiva tira o foco da deficiência e passa a ver o sujeito e seus direitos, que não pode ser

rechaçado da vida em comum e da relação com as pessoas. A experiência de D3, advinda de

suas vivências, demonstrou que, em caso de mudança

“O foco das pessoas não é na deficiência, o foco é, quer dizer, o raciocínio é:

essa pessoa, dita com deficiência, ela é 95%, 99% semelhante a gente, e tem um

elemento como a mobilidade, ou a visão, ou a audição, alguma coisa que é

diferente. Então, eles não vêm muito os limites.” (SIC D3)

Mudando a visão dos limites para as potencialidades, e trabalhando pela adequação e

universalização dos acessos, pode abrir um leque em potencial de possibilidades e possíveis

horizontes antes inimaginados, tanto na educação como na vida em geral, alcançando

objetivos considerados intransponíveis. Essa forma expressiva de conceber a mudança

cultural esteve presente no relato de D3, ao considerar que é necessário

“...fazer com que essa pessoa tenha uma vida normal. Tenha uma vida!

Experimente tudo que qualquer pessoa. Se você tem o desejo de escalar uma

montanha, vamos fazer, vamos pensar em equipamentos, recursos, pessoas

especializadas, para fazer com que a pessoa suba a montanha. E não tentar

demovê-la da ideia já de antemão, fazer com que ela desista dos sonhos e tal.

(SIC D3)

Para alguns, isso pode parecer absurdo, para muitos, apenas uma entre tantas

possibilidades. Trilhar esse caminho pode levar à construção de uma cultura inclusiva que

poderia viabilizar, para a pessoa, esta dentro, estar com, estar sendo. Integrado em todos os

espaços, relacionando-se com todas as pessoas, sendo o que sempre quis ser, e fazendo o que

deseja fazer. Mas quando será que veremos ações neste sentido? Quando a sociedade vai se

conscientizar que a pessoa com deficiência tem o direito de sonhar e de realizar seus sonhos?

Quando ela vai buscar quebrar as barreiras para a participação de todos os seus indivíduos?

Tornar-se eficiente para o desenvolvimento das potencialidades de todos? D3 conclui que no

Brasil não vai ser fácil chegar a isso

“Nós estamos ainda muito longe, estamos a caminho, mas um caminho ainda

muito longo a ser trilhado.” (SIC D3)

É evidente que esse tipo de visão, de cultura, ainda está longe de ocorrer no âmbito

universitário, pois esse ainda pensa em inclusão apenas teoricamente, com pequenas

adaptações para questões muito localizadas, que tenham mais visibilidade política do que ser

fator de mudança institucional, muito menos para se tornar algo espontâneo e constituído

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socialmente. O que ocorre de fato pôde ser percebido na fala de D3, ao se reportar ao

desabafo de um docente (no caso D5), em uma reunião

“A gente tá cansado, porque a gente sempre tem um padrão de encontros,

seminários, simpósios, fórum, onde você tem uma série de depoimentos tocantes, das dificuldades, dos problemas e tal, e depois vem, logo em seguida,

depoimentos de pequenas conquistas. E a gente sai desses encontros sem

nenhuma decisão, daqui há dois, três anos tem outro encontro.” (SIC D3)

E a universidade, que deveria ser o alicerce para as transformações necessárias, não

consegue passar para o campo concreto, apenas constrói e fomenta teorias, sem fazer a

diferença, mantendo-se impassiva por omissão ou descomprometimento. Mas se esta não

assume seu papel institucionalmente, a partir das instâncias hierarquicamente superiores, os

docentes o fazem, mobilizando-se como corpo constituído nessa universidade, buscando

transformá-la pela base

“E agora a gente vai entrar com companhas mesmo, a gente já está se

organizando pra isso, pra instituir uma, vamos dizer, uma política de

acessibilidade, uma cultura de acessibilidade na UnB.” (SIC D5)

Que a articulação não seja apenas uma quimera, mas uma luta concreta e contínua,

que possa surtir efeito, e colabore para favorecer a prática docente e inclusão das pessoas com

deficiência, em todos os aspectos, até se constituir em uma cultura inclusiva.

5.2 PRÁTICA DOCENTE E INCLUSÃO

Para atuação em qualquer área é mister uma formação específica, e a universidade

tem um papel de relevância como principal espaço para essa formação profissional. No que

concerne às licenciaturas, especialmente no caso da Pedagogia, esta formação deve seguir as

especificações legislativas que determinam a presença de disciplinas direcionadas à educação

inclusiva. Ainda assim, é bastante ínfima, na matriz curricular, a presença de conteúdos para

esse campo específico, e, quando estão presentes, são superficiais e generalistas. Para atuar na

educação superior, com a especificidade da inclusão, a solução é a busca de formação

continuada na área, através de demandas pessoais, uma vez que isso não vinha sendo

oferecido pela UnB, como ficou evidenciado nos discursos. Associado a essa formação

deficitária, por vezes, há também uma fragilidade na oferta de recursos didáticos e suporte por

parte da universidade. Com isso, cabe ao docente desenvolver suas próprias estratégias de

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atuação, ao se deparar com os desafios específicos, e essas experiências tornam-se

conhecimento que podem ser partilhados, colaborando para a vivência de outros docentes.

5.2.1 Formação para a Prática Acadêmica Inclusiva

A formação no Brasil, nos últimos tempos, tem se apresentado deficitária em alguns

aspectos; um desses diz respeito a atuação com pessoas com deficiência, em especial na

educação superior. Apesar de que essas pessoas podem e têm o direito de escolher qual curso

desejam fazer, em geral, apenas na formação em Pedagogia existem matérias que abordem a

dinâmica da inclusão. Contudo, a maioria desses profissionais são formados para atuar na

educação básica, como fica explícito no Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade,

criado em 2003, e que vem articulando as políticas para uma prática educacional inclusiva nos

últimos governos federais, no que se refere, também, à formação de professores (BRASIL,

2005c).

Nesse sentido, o docente que vai para a academia não tem ainda o respaldo

formativo, e o impacto de ter que pensar em formas diferentes para ação com o estudante com

deficiência, ficou evidente na fala dos docentes na UnB, como exposto no relato D9, ao

perceber que teria um estudante cego em sala

“Olha, eu te confesso que eu levei um susto muito grande, quando o [nome do estudante] entrou na sala, [...] eu realmente fique muito assustada, disse: como é

que eu vou fazer pra me comunicar com o [nome do estudante]” (SIC D9)

Quase que unanimemente os docentes relataram que a sua formação não foi

adequada, ou sequer abordou a possibilidade de atuar com um aluno com deficiência. O fato

das políticas ligadas a essa área e a grande incidência de trabalhos direcionados à formação de

professor focar a educação básica, pode ser um termômetro que e a educação superior ainda

não pensa nesta especificidade de atuação para a academia. Pode estar implícita a ideia de que

se a pessoa com deficiência faz a educação fundamental, já pode ser socialmente suficiente

para ela, afinal, por anos, nem isso eles tinham. Mantêm-se, assim, as representações sectárias

de diferenciação, apesar das diversas conquistas. Ou seja, atuar com a chamada inclusão na

educação superior é um aprendizado que se constitui na prática cotidiana e na busca pessoal

de cada um dos docentes, que veem a importância e necessidade dessa formação para sua

atuação, como referiu D1,

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“Como parte da minha formação, não. É, foi mais por conta de eu ter começado

a estudar esta questão. [...] Então, foi muito mais uma questão da minha.., do

meu percurso mesmo, do que a questão da formação. Nunca tive, acho que nunca

tive uma disciplina, nunca tive uma disciplina a esse respeito.” (SIC D1)

A ausência de formação para atuar com pessoas com deficiência é algo importante de

ser abordado em relação à amostra trabalhada. Nesta, havia sete licenciados e apenas dois

bacharéis. Ainda que com maioria absoluta de licenciados ligados à graduação em Letras e em

Pedagogia, a resposta preponderante era que o curso não preparou. Neste sentido, questiona-

se: como estão sendo vivenciados, na prática, os programas políticos de formação de

professores para a “inclusão”? Estas políticas têm como prerrogativa a formação de

professores em nível superior para atuar na educação básica, e estes, em tese, deveriam

receber um respaldo pelo menos para isso (BRASIL, 2005c). Mas nem sempre ocorre, ou é

abordado de maneira superficial, como pontou D7,

“Não, na verdade eu nunca tinha tido acesso, a não ser muito assim

superficialmente, naquelas disciplinas da área da educação que toda licenciatura

tem, que fala às vezes do ensino especial e tal, mas era um textinho aqui, outro

ali, nada que se aprofundasse muito. Meu conhecimento vem do que a gente ouve

pelas discussões políticas-educacionais, dos programas, as novas leis e na

vivência.” (SIC D7)

Alguns docentes trouxeram como justificativa para essa ausência de formação para

atuar com pessoas com deficiência, a questão do tempo em que fez a graduação, como pôde

ser observado no discurso de D2

“Na graduação, não. Minha graduação foi em Letras e na época não tinha

nenhum tipo de trabalho desenvolvido a partir da inclusão de pessoas com

deficiência. Inclusive, no Brasil inteiro essa noção da inclusão ela é.. e os

trabalhos que vem sendo desenvolvidos no Brasil em termos institucionais, eles

são recentes, datam de no mínimo uns dez anos pra cá, oito anos pra cá, até os

dias atuais. Então, é um conceito muito ainda a ser trabalhado.” (SIC D2)

É bem verdade que a propagação das discussões sobre inclusão se tornaram mais

prementes nos últimos 10 anos. Entretanto, a discussão sobre educação especial é algo já

historicamente fundamentado, especialmente no que diz respeito à formação de professores

em nível superior para a educação básica. Isso se inicia desde as primeiras políticas de

inserção e passa pelas políticas de integração. Desta forma, a perspectiva de formação do

professorado para atuar com a educação especial já desponta na LDB de 1971, Lei nº

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137

5.692125

, de 11 de agosto de 1971, ainda que superficialmente (BRASIL, 1971). De acordo

com Bueno (2002, p. 25)

A incorporação da educação especial no Brasil pelas Instituições de Ensino Superior

teve seu início com a promulgação da Lei n. 5.692/71, na medida em que esse

documento legal definiu que a formação de professores e especialistas para o ensino

dos então 1o e 2o graus de ensino fosse se elevando progressivamente (Art. 29). Em

decorrência dessa lei, o Conselho Federal de Educação baixou Resoluções tornando

obrigatória a formação de professores de educação especial em nível superior, dentro

dos Cursos de Pedagogia.

Como se percebe, a discussão é bastante antiga, e, com certeza, todos os docentes

que participaram da amostra se formaram sob a égide dessa Lei126

. Contudo, mesmo os

graduados em Pedagogia, parte expressiva da amostra, traziam a justificativa da ausência de

discussão na época da formação. O grande problema é que as legislações apenas se

sobrepõem umas às outras, sem que se concretizem. É como se os poderes constituídos

investissem mais em fazer leis, do quem fazer cumprir as leis. Ainda, segundo Bueno (2002,

p. 25), “quase 30 anos após a determinação de obrigatoriedade de formação desse professor

em nível superior, a participação da universidade brasileira como um todo, no que se refere às

políticas de educação especial, parece exercer pequeno papel.” Essa análise de Bueno foi feita

em 2002, ano de publicação do livro, mas ainda pode ser empregada agora, 43 anos depois.

Todos dos trabalhos sobre “educação inclusiva” estão embasados na Declaração de

Jomtien, de 1990, e na emblemática Declaração de Salamanca, de 1994. Considerando que se

essas reuniões ocorreram, fomentadas por organismos internacionais de imensa expressão

social, como a UNESCO, significa também que o tema já vinha sendo discutido

internacionalmente há algum tempo. No item 3, da Declaração de Salamanca, já prefigurava

que: todos os governos [...] garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas

de treinamento de professores, tanto em serviço como durante a formação, incluam a

provisão de educação especial (p. 02, grifo nosso). No Brasil, a LDB vigente (Lei

9.394/1996), desde sua promulgação em 1996127

, no artigo 59º, alínea III, considerava

necessário para atuação com a educação especial, que houvesse “professores com

especialização adequada para atendimento especializado, bem como professores do ensino

regular capacitados para integração desses educandos nas classes comuns.” (BRASIL,

125

Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências (BRASIL, 1971). 126

Conforme verificado o ano de formação dos docentes nos currículos Lattes, para fundamentar de maneira

correta os argumentos. 127

Isso é importante de ser ressaltado, uma vez que a LDB, como Lei, sofre alterações, mas esse artigo está

presente desde a sua primeira versão.

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2015a, grifo nosso). Como se percebe, a discussão sobre essa temática é antiga, o problema é

que inclusão no Brasil ainda permanece um discurso, mantido pelo mesmo sistema que gera e

mantém a exclusão.

Outra perspectiva para essa ausência da temática da inclusão no processo formativo

era considerar que esse não era um campo de atuação pensado pelo profissional em formação,

que só posteriormente foi buscar fora esse aperfeiçoamento, com trouxe D5,

“Não, fora, porque na época eu não buscava esse tipo de formação, eu não

trabalhava com esse assunto.” (SIC D5)

No entanto, essa também não é uma justificativa que se sustenta, uma vez que se

fizesse parte da matriz curricular acadêmica, teria sido abordado independente de priorizações

pessoais. A busca de formação adicional se daria apenas pela necessidade de se manter

atualizado e desenvolver sempre novas estratégias, algo necessário em qualquer área do

conhecimento, em especial na sociedade contemporânea que se depara constantemente com o

novo. Torna-se evidente que a graduação não tem formado para atuar com a demanda

inclusiva. Porém, essa não é a única questão, pode ocorrer algo mais agravante, ela pode até

“deformar”, aspecto discursivo que despontou no relato de D4,

“Acho que a minha formação só atrapalhou, ela só atrapalhou, ela não me

ajudou em nada, te juro {tá bom!}, ela atrapalhou, e ainda atrapalha até hoje.”

(SIC D4)

A formação às vezes atrapalha porque é engessada, normalista, conteudista, não é

discursiva, integradora, incentivadora de novas possibilidades de práticas, de perspectivas. É

uma formação que reproduz sempre mais do mesmo, e configura os estereótipos criados e

encarnados, que impregna a representação social em relação a realidades diferentes e

determinados grupos. Frente a isso, as licenciaturas, e mesmo os bacharelados, precisam ser

ressignificados, uma vez que um bacharel pode vir a ser um docente na academia.

A universidade precisa pensar a preparação para prática acadêmica com a inclusão,

porque o estudante não pode ficar à mercê de ter a ‘sorte’, como numa roleta russa, de

encontrar um docente que, estando na educação superior, teve a demanda pessoal de

introduzir na sua formação e na sua prática essa demanda. É preciso que o corpo docente

participe dessa discussão, conheça essa realidade, e isso possa fazer parte do currículo

obrigatório de todas as licenciaturas, e não apenas da Pedagogia. Caso contrário, a tendência é

manter-se a situação atual, sem que nenhuma das políticas e legislações sobre as formações

deem frutos, gerando um ciclo contraproducente, como foi trazido no discurso de D4

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“A nossa formação é limitada, e nós damos uma formação limitada pra o

estudante, e ai gera um círculo vicioso. Então, não basta ter a lei, agora a

questão é como fazer essa coisa toda funcionar, esse é o nó.” (SIC D4)

E quando, por vezes, esse ‘funcionamento’ ocorre isso se dá no limite do que

preconiza a lei. E é em cumprimento de uma legislação que recentemente as licenciaturas

passaram a ter a disciplina Libras como integrante da matriz curricular. Na verdade, desde

2002, a Lei de Líbras nº 10.436/2002 , já trazia, em seu artigo 4º, que:

O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do

Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação

Especial, de Fonoaudiologia e do Magistério, em seus níveis médio e superior, do

ensino de Língua Brasileira de Sinais – Líbras (BRASIL, 2002).

Mas isso se torna efetivo a partir do Decreto 5.626/2005, que em seu artigo 3º

determina que:

A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de

formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e

nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do

sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios. (BRASIL, 2005a).

Assim, desde 2005 que Libras é uma disciplina obrigatória, e segundo o parágrafo 1º,

do artigo 3º do Decreto, isso vale para “todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do

conhecimento” e, conforme o parágrafo 2º “constituir-se-á em disciplina curricular optativa

nos demais cursos de educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da

publicação deste Decreto.” (BRASIL, 2005a). Todavia, dez anos depois da publicação do

Decreto128

essa determinação ainda não se constituía em uma realidade na UnB, embora fosse

uma meta a ser atingida129

. Conforme o relato de D7, isso ocorria pela dificuldade de

operacionalização dos processos no âmbito público

“O problema é que em alguns momentos a legislação é conflitante. Então, por

exemplo, mesmo que você tenha todos os requisitos para formação, por exemplo,

leis de acessibilidade, a própria lei de Libras, de implantação de Libras como

disciplina obrigatória pros cursos de licenciatura, mas a gente esbarra em toda a

legislação sobre o concurso público, como é que tem que ser feito, quais são as

etapas, Ministério Público intervindo nos resultados dos concursos, e tudo isso

vai retardando o processo e ai a implantação. A gente prevê, se não me engano,

em 2015 chegar a 100% das licenciaturas, ou 80%, agora me falha a memória, e

128

Que ocorrerá em 22 de dezembro de 2015. 129

Com a efetivação do Decreto, em dezembro de 2015, será obrigatória a disciplina em todas as licenciaturas.

Antes disso poderia aparecer como optativa em alguns cursos, como ocorria na UnB.

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vai ser com muita dificuldade que a gente vai fazendo isso, quase no limite do que

a lei prevê mesmo.” (SIC D7)

Realmente, se a legislação preconiza que a educação da pessoa com deficiência deve

ser na educação formal, o profissional licenciado pode, em potencial, vir a trabalhar com um

estudante surdo. Por outro lado, apenas uma disciplina de um semestre para aprender os

fundamentos básicos da língua, não é considerado suficiente ou mesmo adequado.

Mas isso não justifica a crítica de que o Decreto é incipiente e somente para constar

como política, exatamente por não dispor sobre um quantitativo suficiente de disciplinas

obrigatórias e horas aula para que o docente se torne fluente. É mister que não se muda uma

realidade constituída de uma vez, saindo do nulo para o ideal, isso é paulatino. De fato, como

falar Libras não algo relevante para sociedade ouvinte, o Decreto passou dez anos para ser

implementado, dando um ‘tempinho’ para as universidades se adequarem (BRASIL, 2005a).

Nesse interim, boa parte das mesmas ainda não havia cumprido a disposição de ofertar, pelo

menos, uma disciplina obrigatória em todos os cursos de licenciatura, às vezes necessitando

de intervenções jurídicas para tanto. Então, o que ocorreria se o mesmo determinasse ter

várias disciplinas obrigatórias de Libras, em vários semestres, com uma carga horária

largamente ampliada? Será que isso seria viável dentro da matriz curricular dos cursos e

exequível pela universidade na conjuntura atual? Ou apenas levantaria uma celeuma

discursiva que inviabilizaria a efetivação do Decreto em definitivo? O fato de haver a

determinação de pelo menos uma disciplina obrigatória130

já é um passo para uma mudança

de mentalidade, até o tempo em que Libras faça parte de toda a formação escolar, desde o

ensino fundamental, não apenas por força da lei, mas por necessidade social de valorização do

direito à acessibilidade comunicacional da pessoa surda e como Língua brasileira constituída

que é. Assim, comunicar-se em Libras tornar-se-ia algo cultural.

Um semestre de disciplina da língua pode não ser considerado adequado por não se

perceber como essencial compreender como esta língua está contextualizada em uma cultura e

tem relevância na constituição da identidade da pessoa surda, e não apenas pelo fato de não

levar ao futuro docente ser fluente em Libras para atuação em sala, eximindo até a

necessidade do intérprete131

. O importante é saber comunicar-se com a pessoa surda, para

poder interagir com a mesma, independentemente da presença do intérprete. A questão não

130

E tantas mais quantas se queria ofertar como obrigatórias ou, principalmente, optativas, uma vez que o

Decreto apresenta o mínimo, mas não limita o máximo. 131

O que só é indispensável no caso de profissional para o Atendimento Educacional Especializado, que deve ter

formação para tanto (DAMÁSIO, 2007).

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envolve apenas o uso da língua, mas, a partir do entendimento da especificidade dessa língua,

fomentar um ambiente propício para a atuação, utilizar técnicas educacionais adequadas de

intervenção132

e conseguir estabelecer com os estudantes trocas simbólicas significativas

(DAMÁSIO, 2007). D8 traz uma perspectiva interessante, que corrobora essa visão e como a

disciplina de Libras era vivenciada neste sentido específico em determinado curso da UnB

“A UnB também demorou a ter a disciplina Libras, acho que eles estão com que,

4 anos com a disciplina Libras, a nossa a gente criou a escolarização de surdos e

Libras. Não é só Libras, que a gente acredita que, na Pedagogia, não adianta só

saber uma língua, você tem que saber como alfabetizar uma criança surda e

também a questão da cultura e da identidade. Então, a gente acrescentou aqui na

nossa disciplina essas questões.” (SIC D8)

Esse é um aspecto fundamental, porque normalmente as formações são minimalistas,

direcionadas a um conteúdo para entender apenas o “básico”, ter uma noção superficial. É

interessante quando se pensa um pouco além, buscando aprofundar esse conhecimento,

abordar as questões transversais ligadas ao conteúdo, enriquecer a disciplina, e com isso a

formação docente e sua prática. Mas, muitas vezes, o que se vê são realidades que buscam

apenas o cumprimento aparente de uma legislação nulo que não consegue dar um diferencial à

formação do docente, esse aspecto foi corroborado por D4 ao referir-se à disciplina Libras e

de como a sua oferta era limitada apenas ao cumprimento pro forma do Decreto

“E é um semestre só, é muita gente, então é algo que não tenho dúvida, receio de

dizer que é absolutamente pra constar em algo, de que tá ofertando. A outra

questão é a seguinte: a pessoa sai dali com condições de conversar com um

surdo? Então, você tem um problema.

Tem que ensinar a cultura, se você tá pensando em mudança cultural, você tem que trabalhar com a cultura. O que nós fazemos é pra constar a fins de

implementação do Decreto.” (SIC D4)

E com isso retorna-se ao ponto fundamental: até que ponto existe mesmo uma

perspectiva dita de inclusão? Como um sistema educacional pode estar preparado para atuar

com as pessoas com deficiência, se apenas cumprem a lei, quando cumpre, sem que isso se

torne uma prática culturalmente institucionalizada? Como a inclusão é vivenciada na

educação superior, se nem mesmo os cursos, que formam os demais profissionais, que irão

atuar com essa vertente conseguem corresponder ao que está apenas idealizado? O discurso de

D4 reflete essa realidade

132

Uma vez que “as práticas pedagógicas constituem o maior problema na escolarização das pessoas com

surdez.” (DAMÁSIO, 2007, p. 21)

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“Mas na prática não é algo... você não tá gerando inclusão com isso, essa é uma

das formas absolutamente tradicionais, ai que você começa a ver quanto que a

gente pensa em inclusão de uma forma absolutamente simplista.” (SIC D4)

É esse profissional docente, que não foi preparado para essa realidade, que vai

adentrar a educação superior sem ter o respaldo formativo, e, ao se deparar com as demandas

da inclusão de uma pessoa com deficiência sensorial, não sabe como agir, que materiais

utilizar, que recursos pode lançar mão para que o processo pedagógico ocorra da melhor

forma para esses sujeitos. A formação, portanto, precisa se expandir e aprofundar, envolver a

discussão política, as legislações, as ações já empreendidas. Também é importante que não

tenha uma especificidade reducionista, que direciona toda a temática apenas para a Pedagogia,

como se o pedagogo fosse o único profissional que vai se deparar com pessoas com

deficiência. É preciso entender que a pessoa com deficiência tem o direito de escolher aquilo

que quer ser, o que vai estudar, que profissão deseja exercer, e, por isso, é necessária uma

amplitude maior no processo formativo nas diversas áreas do conhecimento. É importante que

essa temática possa adentrar as engenharias, à saúde, aos cursos em geral, para que os futuros

docentes possam entender o que é uma prática direcionada às pessoas com deficiência, com as

suas especificidades relacionadas.

Com essa formação não acontece, fica uma sensação de vazio, de incompletude, que

só será percebida no contexto de sala de aula, na vivência com os estudantes. O docente

precisa, então, ir em busca de formação, e essa busca é sempre uma demanda pessoal, sendo

considerado como principal espaço para isso a Pós-Graduação. Um dos docentes trouxe que

havia feito Especialização em Educação Especial, mas, em geral, era no Mestrado ou

Doutorado que a formação contemplava o campo da inclusão na educação superior.

“No mestrado, quando eu fiz o meu mestrado, ai sim, eu trabalhei o tema no

grupo de pesquisa.” (SIC D2)

É na relação e nas discussões com os grupos de pesquisa, espaço ímpar de formação

na Pós-Gradução strictu sensu, que essas lacunas vão sendo preenchidas, que vivências vão

sendo partilhadas, que pesquisa são fomentadas. Mas apenas isso não seria suficiente, pois o

processo formativo nunca se encerra. O profissional não se forma, está se formando,

continuamente, é um processo. Ainda mais em uma sociedade que se alimenta de diferenciar,

de desfiliar, de criar rótulos, que sustenta preconceitos, criando sempre novas ‘categorias’ de

incluídos, ainda que não saiba como atuar para incluir (CASTEL, 2013; MARTINS, 2008).

Isso foi trazido de maneira pontual na fala de D6

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143

“Bom, na graduação eu tive uma disciplina que abordou a questão das

deficiências, de uma forma bem superficial, um foco bastante específico nos

déficits, e já tem algum tempo e que eu não posso dizer que me deu condições

para atuar. E nem vejo que mesmo que a gente tenha muitas outras disciplinas

com essa abordagem, hoje a gente tem um número muito grande de necessidades,

que, infelizmente, estão ai sendo encaixadas em alunos com necessidades

especiais, disléxico, enfim, cada vez mais se cria um grupo de determinadas

necessidades e incorporam às deficiências ou aos transtornos, enfim. E se a gente

for contar isso em sala de aula, é a maioria. Então a diversidade tem que ser o

foco, esse aluno particular, peculiar e sua aprendizagem precisa ser o foco, e não

apenas a deficiência. [...] Então, eu vejo assim, por mais que tenha isso na

graduação a formação continuada precisa acontecer.” (SIC D6)

Ao questionar se essa formação continuada era uma realidade na UnB e como ela

ocorria, percebeu-se que essa não era uma política efetivada na universidade133

, em se

tratando de inclusão. D1 ressaltou essa ausência de formação continuada134

para atuar com a

inclusão com uma resposta pontual

D1. “Não! Resposta simples.”

Pesquisadora. “Tão direta.” D1. “Uma palavra.”

Uma palavra que já diz muito. Outros deixaram em suspenso, ainda que reafirmando

não ter conhecimento, caso houvesse:

“Eu desconheço. Nessa área eu desconheço. Eu acho que não, mas, se houver, eu

acho difícil, eu desconheço.” (SIC D5)

Com isso, percebe-se que a necessidade de formação seria mesmo um dos desafios

vivenciados pelo docente na atuação com a inclusão, inclusive no que diz respeito à formação

continuada, que mais uma vez ficará a cargo do próprio docente

“Uma formação específica pra trabalhar com alunos com necessidades

educativas especiais, você não tem. Um apoio, uma orientação pra trabalhar, não

tem. O que você tem são os mestrados e os doutorados, que você, por iniciativa

própria, vai buscando, e pega professores orientadores que possam te ajudar a

pensar melhor essa questão. Então, não tem, assim, uma coisa voltada, pelo

133

Apesar de trabalhar com um público docente com maioria absoluta de doutores a UnB considerava, no seu

discurso político, importante a formação continuada, e afirmava que: “considera-se que o desenvolvimento

profissional de docentes e técnicos na sua dimensão de formação continuada está fundamentado nos seguintes

pressupostos: ser um direito: o processo de formação continuada é um direito dos trabalhadores; ser um dever: o

reconhecimento do direito dos servidores à formação continuada articula-se com o reconhecimento do dever da

Universidade em assegurar esse processo” (UNB, 2011, p. 49). 134

A amostra foi unânime em afirmar que não havia ou não conhecia formação continuada direcionada para

atividade com a inclusão, apesar de fazer parte da legislação da UnB. O que foi trazido, no caso, tanto docentes

quanto servidores, foram cursos de boas vindas ou em didática etc, em que se ‘aproveitava’ para colocar uma

palestra sobre o tema, conforme um relato de D8, na página 101.Também vários docentes se referiram aos cursos

lato senso (Especialização) ou stricto senso (Mestrado e Doutorado), mas estes buscado por demanda do docente

em linhas de pesquisa de interesse pessoal.

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144

menos ainda não senti, sou recente na UnB, só estou com X anos, mas eu fui antes

[identificar a função] e não percebi. Eu acho que ainda falta melhorar a

formação de professores internamente pra que eles possam atuar da melhor

forma com esses alunos.” (SIC D8)

A importância dessa formação foi ressaltada ainda por D9, que considerava

fundamental pelo menos para os docentes que estivessem em atuação com alunos com

deficiência.

“Eu acho que a universidade deveria dar uma formação pra gente, pelo menos

para aqueles que vão ter os alunos, eu acho importantíssimo.” (SIC D9)

Os decentes sentiam falta de um conhecimento de como se comportar, que

estratégias poderiam desenvolver, que materiais seriam básicos, que instrumentos, que

recursos digitais utilizar, dentre outros aspectos. Ainda que seja considerado difícil trabalhar

com formação continuada na educação superior, por estar atuando com mestres e doutores,

para os docentes entrevistados isso era fundamental, o que levava a fomentar ações pontuais

para suprir esse déficit135

. Em vista disso, quando ocorria alguma ação ela era demandada

pelos departamentos ou institutos, que percebendo a necessidade, buscavam romper barreiras

e desbravar novos caminhos, para que uma prática inclusiva pudesse ocorrer, porém, mais

diretamente ligada a Especialização.

“Na verdade a gente é que tá oferecendo, a gente. Nós agora estamos oferecendo

um curso de especialização, ensino de português como segunda língua para

surdos. De novo um aprendizado em serviço.” (SIC D7)

O que efetivamente era oferecido pela UnB era o curso de Libras para os servidores

“Então, o que a UnB oferece pelo sistema de formação continuada pelo Decanato de Gestão de Pessoas, é o curso de Libras mesmo, pra os servidores técnicos,

então, mas isso começou depois que a gente teve os primeiros professores surdos,

aqui no departamento, então eles começaram a oferecer.” (SIC D7)

Os docentes também poderiam participar desse curso, sendo oferecido pela

Coordenadoria de Capacitação e Educação (PROCAP), que era o programa de capacitação da

UnB, e o curso era de 1 semestre e 90 horas, de acordo com S3. Mas esse curso não era

direcionado à formação dos docentes, especificamente, estava relacionado à capacitação dos

servidores em geral, em cumprimento da legislação vigente, que afirma que 5% dos servidos

135

Como pôde ser visto categoricamente, inclusive nas respostas apresentadas em diversas falas no texto, e como

está explícito nas ações e objetivos apresentados pelo movimento docente do ‘coletivo’ (ANEXO F), fomentado

a importância da formação continuada em uma realidade com tantas demandas específicas.

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145

de cada instituição pública têm que saber Libras, para atendimento das pessoas surdas. Essa

era uma norma do Decreto 5.626/2005, da Lei de Libras, conforme o artigo 26,

A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Poder Público, as empresas

concessionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública federal,

direta e indireta devem garantir às pessoas surdas o tratamento diferenciado, por meio

do uso e difusão de Libras e da tradução e interpretação de Libras - Língua

Portuguesa, realizados por servidores e empregados capacitados para essa função.

(BRASIL, 2005a)

Especificamente, o parágrafo 1º deste artigo afirma que: “As instituições de que trata

o caput devem dispor de, pelo menos, cinco por cento de servidores, funcionários e

empregados capacitados para o uso e interpretação da Libras.” (BRASIL, 2005a). É uma ação

em cumprimento de uma legislação que já se arrasta há cerca de 10 anos pela Lei de Libras.

Direcionado à temática da educação inclusiva para os docentes, não foram apresentadas

formações continuadas na área. Essa ausência de um empenho institucional efetivo levou D4

a constatar que

“É o mesmo processo que acontece no ensino fundamental e médio, é o mesmo

processo, o professor tem que se virar. No ensino superior a falta de apoio, ela é

tão intensa. [...] Nesse sentido, esse desamparo, essa sensação de desemparo é a

mesma.” (SIC D4)

Porém, essa falta de amparo ocorre também na Educação Superior, mas torna-se

agravante. No nível fundamental, a relação é mais próxima e temporalmente mais longa, um

professor convive todos os dias, a semana inteira, o mês, o ano letivo, com o estudante, então

cria-se, na vivência cotidiana, uma relação de entendimento das necessidades do estudante,

ainda que seja difícil construir isso apenas com os recursos adquiridos pela própria

experiência. Entretanto, um docente universitário vai conviver com esse estudante apenas um

semestre, que, em geral, dura quatro meses, vai estar com ele uma vez por semana, no

contexto do desenvolvimento de uma disciplina acadêmica. Até que ele consiga criar um

entendimento das demandas desse sujeito, pode não dar tempo para organizar uma estratégia

adequada para o estudante. É preciso conversar com esse estudante, tentar entender quais os

recursos que ele considera necessários. Ainda, como a formação superior é para formar um

profissional, é preciso construir juntos docente/estudante os mecanismos para que essa

formação ocorra a contento. Mas para isso é essencial o suporte institucional no sentido de

oferecer os recursos devidos, acadêmicos, didáticos e pedagógicos.

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146

5.2.2 Suporte Institucional para Atuar com as Demandas da Inclusão

Para o desenvolvimento com qualidade da atividade docente, com relação à demanda

da inclusão, é preciso o uso de recursos didáticos muitas vezes peculiares. As faculdades, os

institutos, da UnB, não tinham autonomia para o atendimento de demandas específicas,

dependiam da disponibilidade institucional ou do setor que atuava nesse campo – PPNE, que

nem sempre estava devidamente preparado para as questões demandadas pela inclusão. Ao ter

um estudante com deficiência sensorial os docentes recebiam um informativo (ANEXO B) de

que deveriam pensar as adaptações necessárias, mas não recebiam o apoio institucional para

que isso fosse feito. Era uma responsabilidade pessoal do profissional, para ajudar esses

estudantes a ter a devida qualidade educacional no seu processo formativo.

“Mas, assim, sempre foi muito uma iniciativa minha, de ir atrás, pesquisar quais são os recursos que a pessoa precisa.” (SIC D5)

Essa realidade foi ressaltada pelos docentes, a dificuldade de uma ação

institucionalizada, incorporada ao processo educacional. E com o desenvolvimento atual,

especialmente o tecnológico, muito poderia ser oferecido. Percebe-se que o universo

acadêmico ainda não compreende ou assume sua contrapartida para a “inclusão”. Em

decorrência o estudante tem que assumir a responsabilidade e o docente colaborar nesse

processo. Em geral, desenvolver os recursos necessários ocorria na relação mútua

docente/estudante, mostrando uma disponibilidade do profissional no compromisso com a sua

ação docente.

“É o professor e o aluno que tem que ir atrás, ou seja, quando eu recebi, por

exemplo, alunas cegas ou com baixa visão, ou surdez, eu nunca tive nenhum, tipo,

da universidade já vir junto dizendo: olha, tem esse material, tem esse. Então, basicamente, foi eu conversando com esses alunos, perguntando: que tipo de

adaptação posso fazer pra você?” (SIC D1)

Uma coisa recorrente nos discursos foi a questão do apoio externo, com a captação

de bolsas – CAPES136

/ CNPq137

–, direcionadas à Pós-Graduação ou extensão, a partir de

projetos de pesquisas ou atividades de extensão, de acordo com o interesse docente ou do

grupo de pesquisa que fazia parte. Neste sentido, D5 considerava que tinha apoio acadêmico

136

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). 137

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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147

“Acadêmico eu acho que sim, porque depende muito do professor. Eu, por

exemplo, eu tenho a liberdade aqui de propor pesquisa na área que eu quiser,

dentro da minha formação, é claro, dentro do meu curso.” (SIC P5)

Já D4 esclareceu

“Ah, para o meu trabalho, não, não tenho apoio nenhum, fiz isso com recursos

próprios, assim, projetos, de projetos que eu submeto - CAPES. Mas, assim, da

universidade eu não tenho apoio.” (SIC D4)

De qualquer forma, demonstra que essas ações eram por demandas pessoais, que

reverberam na ação didática do docente, e propiciavam-lhe novas possibilidades. Contudo,

não se incutia como uma cultura institucionalizada, assumida pela universidade e oferecida ao

corpo docente em geral, para sua atuação no contexto de sala de aula. O estudante que

desejasse fazer um curso que não estivesse lotado em um desses departamentos, que

desenvolvia pesquisa na área, não conseguia usufruir de recursos, já que eles não estavam

universalizados, mas concentrados em determinados departamentos. O apoio dado pela

universidade era no sentido de bolsas para os estudantes que atuavam junto com os docentes,

nessas pesquisas

“O apoio que a universidade tem nos dado é em relação às bolsas para os

estudantes.” (SIC D2)

Essas bolsas não se constituíam como uma ação ligada à chamada política de

inclusão de pessoas com deficiência, mas estão presentes em todos os cursos universitários e

fazem parte de uma série de programas específicos do governo federal, para a capacitação

científica dos estudantes, como, por exemplo, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação

Científica (PIBIC). Estas bolsas são financiadas pela CAPES, CNPq ou pelas fundações dos

Estados que atuam no fomento da pesquisa científica.

Sem dúvida, havia grande limitação quando se tratava de recursos pedagógicos

específicos, para atuação com pessoa com deficiência sensorial, mesmo que, teoricamente, a

realidade devesse ser diferente. De acordo com a Política de Educação Especial, na

Perspectiva da Educação Inclusiva,

Na educação superior, a educação especial se efetiva por meio de ações que

promovam o acesso, a permanência e a participação dos alunos. Estas ações envolvem

o planejamento e a organização de recursos e serviços para a promoção da

acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas de informação, nos

materiais didáticos e pedagógicos, que devem ser disponibilizados nos processos

seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que envolvam o ensino, a

pesquisa e a extensão. (BRASIL, 2007, p. 11, grifo nosso)

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148

Apesar da abrangência explícita do que preconiza a legislação, basicamente duas

ações138

apareceram como disponibilizadas adstritamente pela universidade para colaborar no

processo pedagógico – impressão em braille e intérprete de Libras

“Eu sei que tem intérprete para alguns alunos, mas eu sei que falta, é uma

demanda de alunos surdos, que falta intérprete. [...] E existe um laboratório, lá

na Faculdade de Educação, de transcrição de material pra braille.” (SIC D1)

Observa-se que o atendimento das pessoas com deficiência visual, com a

disponibilização da impressão em braille, era uma atividade direcionada exclusivamente a

uma faculdade139

(FE), ainda que esta procurasse atender os estudantes de maneira geral. É

preciso refletir: como esta atividade pontual poderia ser considerada fator para o processo de

universalizar os acessos? Se o docente apresentasse um texto, um capítulo de livro, ou mesmo

um livro, para ser trabalhado em sua disciplina, mesmo que não estivesse ainda digitalizado,

‘todos’ os estudantes poderiam ir até a xerox, no seu departamento, e reproduzir facilmente

esse material, ou poderia ir à biblioteca e acessar o livro para leitura ou empréstimo. Mas a

pessoa com deficiência visual teria sempre algo a mais para esse acesso, conseguir a cópia na

xerox ou o livro na biblioteca, deslocar-se para levar para outro departamento, para conseguir

que se tornasse acessível para ele. Esse processo ainda sofria demoras, dificultando sua

concretização, como abordou D1

“Mas eu sei que também é um pouco restrito em termos da demanda. Agora tem

mais leitor de tela, e que consegue ler em pdf, tem mais textos em pdf, então,

assim, facilitou. Porque tinha uma reclamação dos alunos de que daqui que

chegasse aquele material em braille, o semestre já estava pela metade.” (SIC D1)

Com relação à deficiência auditiva o que era oferecido para favorecer a comunicação

e a atuação no contexto de sala de aula eram os intérpretes de Libras140

. Esses profissionais

haviam sido contratados há cerca de dois anos, também, quando o Instituto de Letras buscou

uma estruturação para dar suporte à Pós Graduação em Linguística de Sinais e,

posteriormente, ao curso de Letras Libras.

“Houve um concurso, onde se contrataram oito intérpretes, a distribuição foi por

conta da própria DGP141, mas eu sei que eles estão no departamento de

138

Uma terceira coisa trazida como recurso oferecido foi a tutoria. Como uma das prerrogativas para que o

estudante com deficiência sensorial conseguisse um tutor, era que este deveria estar fazendo a mesma disciplina,

para acompanhar o estudante inclusive em sala de aula, assim participava da relação formativa

docente/estudante. Todavia, como esse programa de tutoria fazia parte de uma política da UnB, foi discutido na

categoria 5.1.3. 139

O que será abordado efetivamente na categoria 5.4. 140

Estes participaram de processo seletivo para contratação de 6 intérpretes de Libras, concluído em novembro

de 2013, conforme edital FUB 1/2013. 141

Departamento de Gestão de Pessoas.

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149

Linguística, que é onde se concentra o maior número de surdos. Mas foi

levantada a questão que setores de atendimento têm que ter. Assim, todo

departamento deveria ter um.” (SIC S4)

D8 apresentou alguns esclarecimentos

“Eles ficaram todos no departamento de Linguística, quando um curso tem a

necessidade, convoca, eles vão. Mas, assim, ainda não temos intérprete de Libras

em cada curso.” (SIC D8)

Sem dúvida, apenas o Instituto de Letras tinha essa prerrogativa, de ter intérprete de

Libras em sala142

, com esses profissionais lotados nesse Instituto. Os demais cursos ficavam

na dependência de adequação desses intérpretes, que eram alocados para fazer interpretação

em sala em outros departamentos. Mas será que esses profissionais dariam conta de atender a

Universidade como um todo? Ou mais uma vez ficaria a cargo do estudante encontrar

alternativas para a sua formação? Segundo dados do PPNE (ANEXO A), na época, a UnB

contava com nove estudantes cadastrados com deficiência auditiva143

(no campus Darcy

Ribeiro), esses estudantes estavam distribuídos em cursos diversos (agronomia, engenharia

mecatrônica, letras, ciências da computação, ciências ambientais, ciências contábeis, ciências

farmacêuticas, serviço social e turismo)144

, com uma matriz curricular diferenciada, tendo

aula em vários departamentos e turnos variados.

Realmente, poderia se tornar difícil para seis intérpretes145

dar conta dessa realidade,

ainda mais tendo que assumir as responsabilidades oriundas do instituto e do curso no qual

estavam lotados, e outras demais atividades para as quais eram demandados.

“Tem esses intérpretes que eles meio, acabam que virando volantes. Tem um evento, eles vão pro evento. Há um surdo em determinado setor, ele vai atender

esse surdo no determinado setor.” (SIC S4)

142

Ao perguntar a D7 se havia intérprete em sala nos cursos, respondeu: “o de letras tem.”. E que havia a

colaboração com a “Faculdade de Educação, por causa da professora [nome], que solicitou” (SIC D7), para

atender a uma docente com surdez nesta faculdade. 143

Deve-se levar em conta que alguns estudantes com deficiência auditiva não se cadastravam no PPNE, pela

dificuldade em ter atendidas suas demandas, conforme relatou D4, questão abordada na discussão. 144

Havia um estudante com deficiência auditiva em cada um desses cursos, conforme dados do PPNE. 145

Segundo Minayo (2010), uma pesquisa é um recorte empírico de uma realidade em determinado tempo e

espaço. No caso esta pesquisa ocorreu em maio/2015 e à época havia apenas 6 intérpretes, mas a UnB lançou

edital com processo seletivo a ocorrer até novembro/2015, após a ocorrência da pesquisa de fato, mas dentro do

período de defesa, que ocorreu em dezembro/2015, motivo pelo qual foi possível apresentar essa informação.

Esse edital indicava a possível seleção de mais 8 tradutores e intérpretes de Língua de Sinais, para assessorar

atividades de ensino, pesquisa e extensão, palestras e atividade pedagógicas, conforme Edital FUB 1, de 2015

(FUB, 2015), demonstrando o interesse da UnB em tentar adequar-se às normas legislativas vigentes, explícitas

no Decreto 5.629/2005, que, de 2016 em diante, torna obrigatório as universidades oferecer o serviço do

intérprete de Libras aos alunos surdos (BRASIL, 2015a).

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150

E esses intérpretes sempre se mostraram disponíveis e receptivos a atender essas

disposições, como enfatizou D7

“Isso é uma dificuldade que nós nunca tivemos, nós nunca tivemos aquele

professor146 que falasse: oh, é desvio de função eu fazer interpretação aqui. Nesse dia esse professor se dispôs, e fez toda a interpretação da palestra.” (SIC D7)

Infere-se que há uma dificuldade em fazer investimentos que possam realmente

atender a realidade. Fazem algumas ações devido a tantas normalizações e leis, mas nunca

suficiente para viabilizar a participação mais plena das pessoas com deficiência. Com essas

atitudes, que dificultam a concretização da chamada inclusão, há algumas posturas mais

veladas, outras mais explícitas, como o exemplo trazido por Nuernberg (2009, p. 161), “entre

os dirigentes da universidade, havia aqueles que propunham o estabelecimento de cotas que

limitassem a entrada de alunos com deficiência na universidade, em razão dos altos custos das

tecnologias, recursos e adaptações que permitiam a acessibilidade.” Ainda que haja verbas

específicas para isso sendo recebidas pelas instituições de educação superior.

Não obstante, deve-se ressaltar que essa possibilidade de que houvesse intérpretes de

Libras, para atender de maneira generalizada, no contexto de aula nos cursos onde houvesse

pessoas com surdez, não era difícil apenas pelo número reduzido de intérpretes, também

porque não era considerada sequer uma prorrogativa viável, uma vez que, segundo S4

“A questão, assim, do intérprete em sala de aula, já é mais complicado, porque,

como eu te falei, são inúmeras disciplinas, e eu acho que o ato de interpretar é

muito mais. Eu posso ler esse texto, mas para interpretá-lo pra Libras é uma

coisa bem diferente. E as disciplinas são conteúdos específicos, que eu acho que

pra ser um intérprete de excelência, ele deveria ser expert naquela disciplina, e

isso não é possível, ainda. Então, a questão da interpretação de Libras em sala é

um pouco problemática.” (SIC S4)

E todas as prerrogativas e direitos adquiridos por esses sujeitos em anos de luta

social e corroborado na legislação? Como fica a política chamada inclusiva, que diz que todos

devem estar incluídos no contexto de sala, e que o ambiente deve se adequar para estar

preparado para as demandas específicas? Nesse e em tantos casos, “não se pode esquecer a

dificuldade da passagem das prerrogativas legais para as práticas sociais numa sociedade com

níveis de desigualdade social relevantes.” (SANTOS, 2009, p. 87). Com isso, fica evidente

que inclusão não passa de um discurso politicamente disseminado.

Mas há de convir que a legislação existe e deve ser pelo menos conhecida. Com

relação ao intérprete de Libras, segundo o Decreto 5.629/2005, no artigo 23,

146

D7 os denominava professor.

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151

As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar

aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa

em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e

tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação.

(BRASIL, 2005a, grifo nosso)

Entretanto, além de estar desconsiderando a legislação, é preciso entender que o

estudante surdo que chega à educação superior, por determinação pessoal, já possui todo um

léxico linguístico, e que esse estudante tem um potencial cognitivo para criar recursos ao se

deparar com o novo, podendo, no diálogo com o intérprete, tentar vencer as dificuldades.

Tem-se que ver também que nenhum dos sujeitos é passivo nessa relação; no contexto de sala,

a interação é triangular com o docente colaborando neste entendimento e o intérprete

buscando recursos de linguagem. Os conceitos diferentes, específicos de cada curso, será algo

novo para qualquer dos estudantes que estejam nesse curso. No caso do surdo, pode não haver

a correspondência do sinal, mas cabe fazer a explicação apropriada, uma vez que, como

afirmou D4147

, não precisa haver todas as correspondências.

Além do mais não haveria a menor necessidade de ser expert “em cada disciplina”,

isso é criar obstáculos intransponíveis. Evidente que nem um orçamento universitário daria

conta de uma estrutura megalomaníaca dessas. Cabe ao docente a construção da explicação

dos conteúdos, e ao intérprete traduzir da melhor maneira essa informação. Caso o estudante

surdo, ou qualquer outro, com todas as normalidades, não entenda o conteúdo, o docente

deverá detalhar melhor essa explicação. Uma vez que ainda permaneçam dúvidas pode-se

digitar, consultar na internet, ver nos textos e livros disponibilizados pela disciplina, procurar

estudar em equipe, como qualquer estudante quando não entende algum assunto em sala pode

fazer. As possibilidades de construir conhecimento da pessoa surda são ilimitadas, limitadas

são as visões em relação ao potencial delas.

Talvez isso passe pela questão atitudinal, a necessidade de mudança cultural, que tão

significativamente emergiu no trabalho. Mesmo ressaltando que havia o curso de Libras na

própria UnB e que este poderia dar uma formação mais generalizada em relação aos

conteúdos, S4 complementou

“O curso de Libras não vai formar o conhecimento em Física, em Mecatrônica.

Vai ser um curso que vai formar um excelente intérprete, um excelente linguista

em Libras, no mercado mesmo de trabalho. Mas, assim, pra interpretar um aluno

universitário eu já não sei. Porque se eu sou um aluno surdo, que passei, como eu

te falei, para mecatrônica, será que vou ter alguém formado no curso para fazer

a interpretação?” (SIC S4)

147

Conforme referido na categoria 5.4, página 197.

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152

Mas será que uma pessoa surda não terá a opção de escolher o curso? Ou caso faça

essa escolha, terá que vivenciá-la por suas próprias estratégias, uma vez que não terá o seu

direito a obrigatoriedade de um intérprete garantido? Se ele optar mesmo assim, significa que

é possível estar dentro de todas as realidades acadêmicas, ainda que não haja estrutura para

isso. Em contrapartida, caso houvesse a necessidade de um intérprete que precisasse de um

conhecimento em alguma área específica, esse não seria um impedimento para não

disponibilizá-lo para a formação do surdo. De acordo com o Decreto 5.626/2005, é de

responsabilidade das instituições oferecer formação continuada para os profissionais de Libras

(BRASIL, 2005a). Mas como foi visto anteriormente, formação continuada para atuar com a

demanda da inclusão também não era uma política institucionalizada na UnB.

Com tudo isso, não se considera o potencial dessas pessoas, uma vez que se

culpabiliza a elas mesmas pela falta de estrutura que a universidade não se responsabiliza em

assumir. Se haverá esse potencial ou não de interpretação, cabe ao aluno decidir, cabe a ele

escolher, mesmo que tenha dificuldades, o importante é que a estrutura e os recursos sejam

oferecidos. Mas esse descaso com relação à oferta de recurso foi ressaltada por D3

“Não há um reconhecimento de que esse pessoal, desde quando começou, desde

nascença e, particularmente, desde quando entrou no sistema educacional, eles

nunca tiveram isonomia de acesso, ao currículo, acesso aos livros, às bibliotecas,

às escolas e tal. E quando chegam aqui, na Universidade, na capital do país, é

uma vergonha, porque não muda muita coisa.” (SIC D3)

Assim, pode-se inferir que os estudantes que optaram pelos mais diversos cursos,

inclusive o de mecatrônica, estão desbravando novos caminhos, desvelando novas

possibilidades e construindo sua formação junto com o docente, que, mesmo sem a assistência

devida, procura maneiras de se comunicar e interagir com o estudante, para que ele possa ter o

seu processo formativo, superando as barreiras que o próprio sistema constitui, como

apresentou D7

“Então, assim, no fim, a língua é um detalhe na história na hora da interação, um

pequeno... o principal aprendizado pra mim é esse. E depois aquela coisa prática

do dia a dia mesmo, então, isso que eu comentei antes, de você ter um texto de

referência e você dá um outro, sabe? Um degrau, pra pessoa subir até aqui.”

(SIC D7)

Havendo uma predisposição em acreditar no potencial dessas pessoas, de dar-lhes

oportunidade, de viabilizar acessibilidade aos conteúdos, é possível construir um caminho que

possa ser percorrido por todos, apesar das necessidades específicas. Porém, nesta conjuntura

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153

de imposição de limitações aos recursos necessários, a possibilidade desses estudantes era a

tecnologia social, conseguir pessoas que pudessem ajudá-los, em especial, na leitura labial148

.

“Mas assim, pra universidade, para o estudante da universidade, a grande

tecnologia ela é social. Você precisa de um leitor de lábios, uma pessoa que vá repetindo, o que o professor tá dizendo, quando ele estiver de costas, e ai o surdo

pode acompanhar. Mas ainda isso nós não temos disponível.

Eles pedem interpretação labial só, isso também não é dado, [...] e acaba o surdo

não recorrendo muito ao PPNE.” (SIC D4)

E a história se repete, é como estar rodando em círculos, retornando sempre à

questão primordial – a universidade não está construindo uma cultura de acessibilidade. Mas,

ainda que sejam inúmeras as dificuldades, as restrições com relação a recursos, os docentes

seguem com certo otimismo, desejando que esse espaço possa se modificar e, conforme

trouxe D5, torne possível

“... ter uma política mesmo, você ter o site acessível, você ter editais acessíveis, não é? Que sejam gravados, que sejam traduzidos para Libras, pra que as

pessoas realmente tenham acessibilidade aos conteúdos, não só ao espaço, mas

aos conteúdos, na universidade.” (SIC D5)

Enquanto isso não ocorre, os docentes vão buscando minimizar as dificuldades e as

barreiras, tentando colaborar com os estudantes, a partir de demandas pessoais e das suas

possibilidades, desenvolvendo estratégias para atuar com a realidade que se apresenta. E são

essas experiências e vivências que irão fazer a diferença na hora de superar as barreiras e

desafios. Esse foi um dos aspectos abordados neste estudo, e que talvez venha ajudar a

construir uma trajetória em espiral.

5.2.3 Desafios Vivenciados na Experiência Docente e Estratégias Desenvolvidas

Toda experiência deve gerar novos conhecimento. Cada experiência vivenciada deve

despertar para a organização de estratégias próprias que se tornam aprendizado, um

aprendizado concreto, experienciado no dia a dia, seja nos acertos, seja nos erros. E essas

experiências docentes, a partir dos desafios vivenciados na prática acadêmica com a demanda

da inclusão de pessoas com deficiência sensorial, e das estratégias desenvolvidas para superá-

148

Mesmo surdos usuários de Libras podem aprender a leitura labial, que pode ser um recurso a mais na ausência

de intérpretes ou usuários de Libras.

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154

los, foi algo que se procurou entender na realidade da UnB. Ao abordar essa questão uma

colocação direcionou para um aspecto discursivo peculiar.

“Eu não senti desafio não.” [...]

Mas foi isso, eu não vejo como desafio, não. Eu vejo como, assim, eu gosto muito na verdade, eu acho que é um privilégio” (SIC D1)

A forma como se vê a realidade, direciona para a maneira de agir em relação a ela.

Reconhecer que a pessoa com deficiência é um sujeito de direito, que tem o mérito de estar

em uma universidade pública federal e que, muitas vezes, construiu esse percurso formativo

até chegar à academia a custa de lutas e vitórias, pode levar ao pensamento que é um

privilégio estar com essas pessoas e compartilhar com elas suas experiências, construindo

uma relação de troca intersubjetiva.

Historicamente, a educação sempre foi um espaço para atender aos interesses de

determinados grupos, que detinham o poder sobre as sociedades, apartando desse meio todos

que não fizessem parte desses grupos (MANACORDA, 2010). Mesmo com a modernidade,

“a consolidação do capitalismo reforçou a convicção de que a educação podia ser mecanismo

de controle social. [...] O Estado deveria impor a toda a população certos aprendizados

mínimos. [...] Tudo deveria ser dado em doses homeopáticas, conforme a necessidade do

capital.” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 238). Com essa visão minimalista,

direcionada à população em geral, a educação para pessoas com deficiência era mesmo

relegado ao descaso. Chegar à universidade, como o ápice desse processo educativo, mas um

espaço que por vez sustenta essa ideologia capitalista, tornava-se algo quase inacessível, que

atende apenas a poucos que tiveram a força de resistir até alcançar seus ideais.

Tendo em vista esse processo histórico de segregação, e espaço acadêmico ainda não

está preparado para o acesso e permanência de pessoas com deficiência, em seus diversos

aspectos, e isso se refletia na realidade da UnB149

. No entanto, com toda a trajetória

educacional passa, invariavelmente, pela relação docente/estudante, para tornar o processo

formativo acessível, de qualidade e adequado a uma formação profissional, é preciso que

sejam desenvolvidos nessa relação, métodos e formas para esse processo acontecer da melhor

maneira. Neste sentido, a principal estratégia utilizada pelos docentes foi, sem dúvida,

dialogar com os sujeitos, entender quais as suas necessidades e o que poderia ser feito para

que elas fossem atendidas.

149

Algo que se evidencia nesta pesquisa, conforme os dados e percentuais de presença de pessoas com

deficiência na UnB, discutidos no tópico 2.2, na página 40.

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155

“Então, o que eu fiz, que não me sentia preparada, embora XX anos de

magistério. E ai eu perguntei para ele: [nome do estudante] como é que nós

vamos fazer, como é que você sente mais a vontade para trabalhar?” (SIC D9)

Enquanto D9 destacou a ausência de experiência como desafio, pela falta de uma

base conceitual ou pedagógica para dar apoio, já D8 apresentou como desafio o fato de ter

larga experiência em uma área específica e se deparar com outra área da deficiência sensorial.

Este é um dos aspectos mais enriquecedores da atividade docente, o desafio de sempre se

defrontar com o novo em cada experiência vivenciada no contexto de aula. Porém, tendo essa

experiência anterior como respaldo, é possível abrir um leque de possibilidades para a prática

pedagógica,

“O meu foco de trabalho sempre foi a educação de alunos surdos, e eu tive uma

aluna com baixa visão. Então,... eu já tinha como base, que eu teria que mudar a minha estratégia de trabalho, por conta dessa minha formação e da minha

experiência, geral e na área de surdez.” (SIC D8)

A estratégia utilizada também foi construída no diálogo com o estudante

“Mas, especificamente pra ela, como a gente estava na universidade, o que eu fiz

foi dialogar com ela. Eu procurei a aluna, e a gente discutiu o que poderia ser

feito pra que minhas aulas melhorassem, para que o desenvolvimento dela

acontecesse, e ai se deu! Mas eu não tive apoio de ninguém, ela chegou lá

sozinha, por interesse na disciplina, mas no momento que eu percebi que tinha

uma aluna com baixa visão, por conta dessa minha formação exterior, até mesmo

por conta do mestrado, por conta de toda minha experiência no trabalho, eu

busquei conversar com ela pra ver qual era a melhor forma pra gente se

encontrar.” (SIC D8)

Essa busca pelo encontro educacional é, sem dúvida, uma estratégia imprescindível

para a atuação docente. Mas não basta apenas esse encontro, uma estratégia importante é se

antecipar nesse processo, não deixar o semestre entrar em curso acelerado para ir em busca

desse diálogo e das providências cabíveis, o interessante é que já haja uma ação de vanguarda

para a construção desse percurso, como foi abordado por D1

“Eu perguntei, fiz uma reuniãozinha com ela, quando eu soube que ia ter uma

aluna cega, pouquinho antes do semestre, eu procurei e perguntei pra ela: qual a

adaptação que você quer? Ela falou assim... ela chega deu um suspiro. Ai eu

falei: o que é? Ela falou: ah, raramente me perguntam, então, ou fazem de conta

que não notaram que eu sou cega, ou tipo, porque não querem falar a respeito,

assim, tipo: ficam constrangidos, e acham que eu vou ficar ofendida. Mas ela

falou: eu sei que sou cega, tipo, isso não vai me fazer ficar constrangida, ou

procuram adaptações que não necessariamente são as adaptações que eu quero.”

(SIC D1)

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156

Esse relato remonta a outro aspecto, que é a indiferença sofrida por tantas pessoas

com deficiência na academia. Esse mecanismo de defesa, de tentar ignorar o sujeito e sua

deficiência, é algo que pode ocorrer, em especial por aqueles que não tiveram ainda a

oportunidade de se relacionar com pessoas com deficiência (BRASIL, 2003a). Um

comportamento que poderia ser mais característico do profissional que não concebe que, de

alguma forma, é responsável pela formação desse sujeito nas disciplinas que ministra, ou pela

absoluta falta de conhecimento, que pode levar ao constrangimento ou a ações que não

necessariamente ajudariam no processo formativo desse estudante. No caso de D1, havia uma

justificativa para sua atitude,

“Eu perguntei para ela, porque é a pessoa que experiencia a questão que vai

poder lhe dizer, que vai poder..., é a pessoa que é expert nela mesma, né?” (SIC D1)

De fato, todas essas posturas relacionais são necessárias para ajudar no processo

formativo, e o diálogo é a melhor maneira de se construir uma relação de trabalho acadêmico.

No entanto, como a universidade carece também de recursos e materiais adequados, há a

necessidade de uma série de adaptações. Essa carência se torna também um desafio, e implica

que haja uma disponibilidade do docente em ajudar o estudante com deficiência sensorial a

vencer essas barreiras e ter acesso ao conhecimento. Visto que

O direito à igualdade de acesso ao conhecimento, numa cultura que se organiza

conforme padrões normalocêntricos, confronta-se com a existência de toda ordem de

barreiras, que precisam ser superadas, de maneira que esse direito se constitua como

realidade para as pessoas com deficiência. (NUERNBERG, 2009, p. 164/165)

No caso dos docentes, um dos principais desafios, considerado como barreira para a

formação e acesso ao conhecimento, foi com relação à adaptação dos textos. É imprescindível

torná-los acessíveis, vendo qual a melhor maneira de utilização dos mesmos, procurando fazer

a adequação do material para o estudante ter acesso.

“Assim, os textos, os textos que não estão em pdf, eu procuro passar para pdf

logo, também a partir de uma conversa com ela, antes eu perguntei: você usa

bem pdf? Qual é que você prefere e tal?” (SIC D1)

E essa postura foi fomentada não apenas pela experiência, mas também pela

consciência da importância do papel docente na formação dos sujeitos. Entretanto, apesar de

se disponibilizar e tentar entender que ações demandar, com relação à necessidade de recursos

materiais o protagonismo pode ser mais do estudante. D9 trouxe o caso de um estudante que

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tinha baixo poder aquisitivo e algumas carências de materiais e programas, necessitando do

uso do braille, mas foi em busca desses recursos efetivos para que a sua formação ocorresse.

“Eu dava para [nome do estudante] os textos e ele levava, e ai ele conseguia

traduzir os textos. Quem conseguiu mesmo foi [nome do estudante], mas não foi por meio da universidade150” (SIC D9)

Apesar dessas questões de ausência de suporte material, como conteúdo digitalizado,

que nem sempre a universidade disponibiliza, ter emergido nos discursos como desafio

didático, as experiências que se efetivaram no contexto de sala aula foram mais proeminentes

no aspecto pedagógico. Pequenas questões, ações, comportamentos, que podem fazer toda a

diferença, como: falar de frente para uma pessoa surda que faz a leitura labial; não apagar

luzes para não dificultar a visualização da boca para a leitura; se identificar ao falar, para que

a pessoa cega possa saber quem está se posicionando no momento; ler o conteúdo dos slides

ao passar as lâminas; fazer áudio-descrições quando necessário; fazer gravação de texto;

providenciar o material sempre com a devida antecedência. Essas e muitas outras ações

pontuais, mas tão significativas, foram trazidas pelos docentes. No relato de D1 ficou

expresso como essas estratégias foram se desenvolvendo a partir da experiência da estudante.

“É, então, ela disse da apresentação, das pessoas dizerem o nome quando falar, e

a gente criou uma microcultura na sala. Então, ficou muito interessante, que

mesmo se ela faltava a aula, as pessoas falavam, na hora de falar, falavam,

Isaias, tal, tal, tal, Benjamin.” (SIC D1)

D2 também trouxe essa abertura para construção de um ambiente participativo para a

pessoa com deficiência visual

”A verbalização das ações começou a fazer parte de todos, e não só minha como

prática docente.” (SIC D2)

O interessante, nestes relatos, é a receptividade e resposta positiva da sala, criando

mesmo uma microcultura. O que remonta à ideia de responsabilidade partilhada para a

construção de um contexto de inclusão – essa realidade que vai além de estar dentro, mas

estar com. Perceber a necessidade do outro, se colocar no seu lugar e responder de maneira

positiva a essas necessidades. É evidente que as estratégias desenvolvidas, podem ser

aproveitadas em outras situações, mas esse é um processo que tem idas e vindas, de

150

A Faculdade de Educação tinha uma impressora braille no laboratório para deficientes visuais (página 142 e

categoria 5.4), mas devido a um processo de reforma, este não funcionou por um período. Como o PPNE não

tinha uma impressora braille, que segundo o relato de S4 era difícil de comprar em vista do protocolo do setor de

compras, os estudantes tinham que buscar modo de conseguir adequar o material às suas demandas. De acordo

com D9 eles conseguiram determinado material em braille no Instituto Paulo Freire de Brasília.

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aprendizado constante, de uso da criatividade, pois cada turma vai responder de maneira

variada e essa construção de mudança de atitude é paulatina, e as necessidades mudam de

acordo com a especificidade de cada experiência vivenciada,

“Então, assim, a gente foi bolando isso, de na hora de falar com ela tá olhando

pra ela, não botar a mão na boca, se tem barba pronunciar melhor, enunciar

melhor, e também se criou uma microcultura na sala de fazer isso, vira e mexe eu

tenho que lembrar ou alguém lembra, né? Mas é muito natural. [...] É, teve uma

aula que a gente apagou a luz pra poder assistir a um filme, [...], e a gente

parava, pra gente debater alguma coisa com a luz apagada, ou com a luz baixa.

Então, ela lembrou que ela não ia participar de nada, a menos que a gente

acendesse a luz, que ela não consegue fazer leitura labial no escuro. E a gente:

Ouh, tá bom, desculpa!” (SIC D1)

Nessa relação mútua, o docente também é aprendente, vai descobrindo como agir,

muda um pouco o seu comportamento, as suas técnicas, desenvolve muitos outros recursos

que serão úteis em diversas ocasiões. Cria e recria formas de se comunicar, de ensinar, de

tornar o processo educacional rico e condizente com uma realidade mais universalizada, que

possa integrar a todos. Os desafios levam a uma aprendizagem concreta que se torna

incorporada, como foi relatado por D2

“Eu lembro da primeira vez que eu tive um aluno com deficiência visual, pra mim

foi um desafio. Eu comecei a pensar mais sobre a minha prática [...] Hoje eu não

vejo a minha forma de agir em sala de aula diferente se eu tivesse algum aluno

com deficiência sensorial, porque os recursos que eu utilizo, eles são recursos

que cabem a todos.” (SIC D2)

O docente se depara com o desafio, adquire experiência ao vivenciá-lo, repensa a sua

prática docente e procura torná-la o mais adequada possível. Assim, caso tenha um aluno com

deficiência, já tem os recursos básicos para que este participe da melhor maneira do contexto

de aula. Porém, para que isso ocorra é preciso retornar a um aspecto considerado o mais

difícil para que haja uma mudança comportamental, a mudança de mentalidade. Para D4 o

maior desafio foi:

D4. “Mudança cultural!”

Pesquisadora. Mesmo na sala?

D4. É. Na minha cabeça primeiro. Então a maior dificuldade foi em mim,

um dia eu resolvi: não, eu preciso aceitar isso!

Pesquisadora: Um dia eu resolvi mudar!

D4. É, igual à Rita Lee:‘um belo dia eu resolvi mudar’, e falei assim: não, mas

isso não pode ser assim, eu não posso estudar dessa forma, não posso

perguntar dessa forma, eu não posso fazer isso.” (SIC D4)

D7 trouxe também como desafio a necessidade de mudança, usando outra linguagem

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“Eu acho que a maior dificuldade é a gente se despir de uma... eu vou chamar

‘preconceito’, assim: pré conceito. Eu acho que mais é você pensar assim, que

com pouco, com pouco de mudança no seu jeito de interagir com aquele

estudante, você consegue os mesmo resultados.” (SIC D7)

Talvez possa parecer incabível, em se tratando de educação, mas, “ao contrário do

que se espera de um ambiente acadêmico, os preconceitos sobre as pessoas com deficiência

fazem parte da cultura universitária.” (NUERNBERG, 2009, p. 161). É preciso, então, superá-

los e isso passa pela constatação da necessidade de mudança de atitude frente ao outro, sua

história, sua cultura, suas necessidades, sua maneira de ser.

Como principal estratégia para vencer esse desafio foi apresentada a inserção, já que

“a superação das barreiras atitudinais passa pela ressignificação do lugar social ocupado pelas

pessoas com deficiência, de pessoas para quem se faz algo, para pessoas com quem se

transforma a realidade” (NUERNBERG, 2009, p. 164). Conhecer essa realidade, participar da

vida do outro, para tentar quebrar barreiras preconceituosas

“Eu acho que o mais importante é você colocar o estudante, o profissional, em

contato com a pessoa, dai, claro que a pessoa pode continuar pensando do

mesmo jeito, essa pessoa precisa de um aparelho, precisa de um implante, ou a

pessoa pode, sim, pode mudar. Pode pensar: não, isso é uma cultura, isso é uma

língua. Se é uma cultura, então, como é que eu faço com deficiência dessa pessoa,

o que é? Entrar em contato também tem esse risco, a pessoa pode ficar pensando

do mesmo jeito, ou até pior, e tal. Mas eu acho que precisa, eu acho que o grande

diferencial é você colocar o estudante ou o profissional em contato com aquela

realidade, contato com a cultura. Eu acho assim!” (SIC D4)

A inserção pode ajudar a não ser impassível à necessidade de mudar a forma de ver o

diferente, mudando culturalmente, numa tentativa de se abrir para a realidade do outro,

atuando de maneira interativa neste – estar com e estar sendo. Esta, de acordo com Nuernberg

(2009, p. 164), é uma estratégia que pode fazer a diferença e gerar mudanças, uma vez que

[...] não basta desenvolver ações para as pessoas com deficiência, é preciso fazer com

elas. [...] incluir os alunos com deficiência em nossas atividades, sem mais falar por

eles, mas com eles. [...] a estratégia adotada de envolvimento e empoderamento das

pessoas com deficiência é o que tem permitido a contínua melhoria de suas condições

de inclusão social e acesso ao conhecimento.

Ao estar com o outro, se relacionando, o docente sai do lugar tradicional de quem

apenas “dá” aula, e passa a construir com o outro um espaço de aprendizagem, no qual as

mudanças ocorrem de maneira espontânea.

“Então, assim, pequenas mudanças na forma de interagir, já torna uma coisa

muito fluída e vão quebrando aquele, que é preconceito, no fundo, no fundo, eu

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acho que é, sabe, aquelas barreiras que a gente vai colocando entre os diferentes,

independente de ser necessidade especial, raça ou outra coisa. Então, barreiras

que a gente cria, que são barreiras sociais, e conceituais mesmo, e que a gente

vai aprendendo a lidar.” (SIC D7)

É preciso estar atento também que alguns desafios podem estar direcionados a

atuação com determinada deficiência. No caso da pessoa surda, foi trazida a necessidade de

mediação no contexto de sala de aula com o intérprete de Libras.

“Então, assim, a interação com o intérprete é um desafio, porque é uma relação

triangulada, não é professor-aluno, é professor- aluno-intérprete, intérprete-

aluno, é sempre mediada. Então, é um aprendizado, pra nós e pra eles.” (SIC D7)

Mas existindo a abertura, já tão discutida, as estratégias vão sendo construídas,

simultaneamente à vivência de cada desafio. E D7 trouxe o que se pode fazer

“É esse negócio de passar antes o material da aula, tudo isso a gente tem que se

acostumar, são outras rotinas pedagógicas, que a gente vai reformulando, mas se eu disser, assim, pra você, que é uma coisa complicada, não é, não é. É que a

gente é meio quadradão.” (SIC D7)

D4 discorreu mais detalhadamente a respeito disso

“Na medida que você tiver pra preparar uma aula, vai conversar com o

intérprete: eu vou falar sobre isso aqui, esse tema, pro ouvinte eu vou falar isso

aqui, mas pra você, enquanto intérprete, está bom desse jeito, ou eu preciso

mudar? Como é que eu faço uma aula pra você interpretar bem e que seja

interessante pro surdo? Na hora que você fizer isso... Mas ai eu vou precisar ter

mudança de cabeça, professor não pode chegar na sala de aula e dar a aula e o

intérprete que se vire, ele tem que chegar antes e falar assim: olha, vamos

conversar, isso aqui faz sentido.” (SIC D4)

Depoimentos como esses demonstram como é possível se enriquecer a partir da

experiência do outro. Ainda, em se tratando de atuação com pessoas surdas, mais

especificamente com a cultura surda, a principal estratégia é o respeito às diferenças, pessoais

e culturais. Valorizar o saber do outro, os valores, suas ideologias e, neste caso, uma cultura e

uma língua. Uma estratégia que passa pela mudança de atitude e pela interação.

“Talvez uma coisa que ajudasse a quem fosse trabalhar com a cultura surda, é

sair dessa armadilha, de achar que tem que interpretar, que tem que criar sinais

para todas os nossos conceitos. Isso foi uma dificuldade muito grande que eu tive,

talvez isso ajudasse ao profissional, ao próprio estudante, o estudioso que queira

trabalhar com surdo, de se permitir entrar primeiro na cultura, por esta maneira

como eles lidam com o mundo, que não é através desses conceitos que a gente

tem na nossa cultura.” (SIC D4)

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São realmente inúmeras as estratégias e muitos os desafios, ainda mais que a

atividade docente passa pela inter-relação humana, uma relação de proximidade, que é algo

essencial, mas pode ser bem desafiador, criando questões próprias a partir da forma como se

constrói essa relação. Com isso, o fato de ser desafiante não está especificamente ligado à

pessoa ter ou não deficiência, mas é algo que pode ocorrer com qualquer pessoa, em qualquer

lugar, independente do seu estado físico. E isso foi algo relevante que D1 trouxe

“Assim, não, eu posso dizer que eu tive alguns alunos que foram desafios de

inclusão e não tinha nada a ver com ter deficiência.” (SIC D1)

O desafio não é a deficiência da pessoa, mas, por vezes, a deficiência da estrutura, as

barreiras das atitudes, da necessidade de mudança de pensamento e cultura. Tudo isto

associado à formação deficitária e à falta do suporte institucional com relação a recursos é

mesmo muito mais desafiador, especialmente para o profissional docente comprometido com

a formação dos seus estudantes. De certo que não apenas os aspectos didáticos e materiais

dificultam o processo formativo no contexto de sala de aula; para o estudante o desafio pode

já se apresentar em como chegar a essa sala. Desta forma, é preciso ver como o decente

percebe essas barreiras que podem se apresentar para o estudante e mesmo interferir na sua

formação, uma vez que a estrutura física afeta todo o contexto e perpassa todo o processo

educacional.

5.3 ESTRUTURA FÍSICA E TECNOLÓGICA PARA INCLUSÃO

Essa categoria diz respeito à parte técnica, discutindo sobre estrutura física e recursos

tecnológicos e como estes têm sido pensados e oferecidos na UnB. A visão para o aspecto

estrutural e tecnológico, como todos os outros, não é apenas de adaptação, mas de adequação

– que tudo esteja adequado ao uso de todas as pessoas, de acordo com as suas necessidades

específicas, ainda que para tornar-se adequado a determinado grupo tenha que ser adaptado,

uma vez que não é cultura arraigada o desenho universal, ou o desenvolvimento de materiais e

mesmo dispositivos tecnológicos com amplitude de acesso. A perspectiva pela qual se

desenvolverá a discussão é de universalidade e acessibilidade. No caso da UnB, foi possível

ver o quanto se está distante de um pensamento e uma prática que tenha esse ideal; isso

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emergiu tanto nos argumentos dos docentes quanto dos servidores, que adentram a discussão

complementando lacunas no entendimento da funcionalidade da UnB neste sentido.

5.3.1 Estrutura Física

Essencial para poder estar dentro de qualquer espaço é a possibilidade de chegar e

transitar nele. Entretanto, uma das questões destacadas na pesquisa foi a dificuldade de

acessibilidade arquitetônica e estrutura física da UnB, algo que não dificultava apenas o

acesso das pessoas com deficiência, mas da própria comunidade docente:

“Eu mesma já tomei, por exemplo, tombos homéricos, aqui na UnB, por causa de

buracos, até lá no subsolo. E não foi só um não, e isso interfere em qualquer

pessoa.” (SIC D5)

A necessidade de melhoria estrutural na universidade era uma realidade admitida

pela maioria dos entrevistados e vista como uma responsabilidade a ser assumida pela UnB,

para promover uma acessibilidade de maneira universalizada. Neste sentido, os espaços e a

estrutura, e tudo mais, deveriam estar adequados ou serem adaptados. Para entender melhor a

forma pela qual foi analisado esse tema, é preciso compreender o que significava cada um

desses conceitos, com base nas especificações técnicas. No Brasil, duas legislações tratam

mais efetivamente sobre acessibilidade, o Decreto 5.296/2004 e a ABNT. O Decreto, além de

trazer uma série de critérios e caracterizações sobre acessibilidade, no seu artigo 14, afirma

que as disposições desse Decreto serão “complementadas pelas normas técnicas de

acessibilidade da ABNT.” (BRASIL, 2004a), para acatar essa disposição, no mesmo ano de

2004 foram constituídas novas normas com a ABNT NBR 9050/2004151

. Devido a uma série

de adequações de conteúdo e terminologia, em 2015152

foi elaborada a versão atualmente em

vigor153

. E é de acordo com a ABNT NBR 9050, que é possível entender esses conceitos

básicos.

Acessível diz respeito a “espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações,

transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias ou elemento que possa

151

Essa nova normatização substitui a ABNT NBR 9050 de 1994, ampliando sobremaneira as suas disposições

(ABNT, 2004). Isso se deu em vistas das mudanças sociais e dos direitos adquiridos pelas pessoas com

deficiência, que já vinham sendo acatados no Brasil, a partir de Declarações, leis e decretos. 152

Esta entrou em vigor a partir de 11.10.15. 153

“Esta terceira edição cancela e substitui a edição anterior (ABNT NBR 9050:2004), a qual foi tecnicamente

revisada.” (ABNT, 2015, p. 13)

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ser alcançado, acionado, utilizado e vivenciado por qualquer pessoa.” (ABNT, 2015, p.16, grifo

nosso). Já adaptado se refere a “espaço, edificação, mobiliário, equipamento urbano ou

elemento cujas características originais foram alteradas posteriormente para serem

acessíveis.” E adequado concerne a “espaço, edificação, mobiliário, equipamento urbano ou

elemento cujas características foram originalmente planejadas para serem acessíveis.”

(ABNT, 2015, p. 16-17, grifo nosso). Pressupõe-se que, com todas as prerrogativas da

legislação em vigor, seja possível pensar em uma realidade estruturalmente adequada, e, com

isso, acessível a todas as pessoas, seguindo a concepção designada no artigo 8º, do Decreto

5.296/2004, de desenho universal:

concepção de espaços, artefatos e produtos que visam atender simultaneamente todas

as pessoas, com diferentes características antropométricas e sensoriais, de forma

autônoma, segura e confortável, constituindo-se nos elementos ou soluções que

compõem a acessibilidade. (BRASIL, 2004a)

Contudo, em se tratando de espaços que foram projetados anos antes de se pensar em

uma realidade de tudo para todos, estes não foram planejados para atender as pessoas com

deficiência. Em verdade, nem mesmo inseridas na sociedade elas estavam. A visão era de

preconceito e discriminação, de uma sociedade imbuída pelo ideal de normalidade, que não

concebia se relacionar com as diferenças, quanto mais preparar espaços para que todos

pudessem estar integrados e participar de maneira plena do convívio social (FONSECA,

2009; SANTOS, 2009). Mesmo no âmbito educacional, não havia essa predisposição, e um

processo de mudança para ‘permitir’ o acesso às escolas de pessoas com deficiência só

despontou no início do século XX. (WINKELER; OLIVEIRA, 2006). A educação superior,

por sua constituição científica, deveria ser o espaço de discussão e análise dos processos

sociais. Ainda assim, foi, e ainda é, um dos espaços com dificuldade para se adequar ao

acesso e permanência de pessoas com deficiência. (OLIVEIRA, 2011; SANTOS, 2009;

SIQUEIRA; SANTANA, 2010)

Outrora a falta de acesso e adequação não causava estranhamento, nem mesmo no

âmbito acadêmico. Entretanto, nos dias atuais deveria causar indignação uma universidade

não operar as devidas modificações de espaços e conteúdos para tornarem-se acessíveis. Com

relação à estrutura física da UnB, esta, em geral, foi considerada pelos docentes precária e

pouco acessível para as pessoas com deficiência. Um dos prédios que se destacava por essa

inacessibilidade era o ICC, ou Minhocão, o que ocasionava uma grande dificuldade, já que o

ICC foi um edifício construído na década de 1960, com três pavimentos e uma dimensão

gigantesca, que concentrava grande parte dos institutos, da estrutura administrativa e setores

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da universidade. Muitas das aulas ocorriam neste local, ministradas em salas e laboratórios,

além de eventos nos muitos auditórios e atividades nos CAs.

Um dos pavimentos desse edifício era o subsolo, um lugar um tanto quanto insalubre,

com pouca luminosidade e ventilação, e precária infraestrutura (como dificuldade de acesso).

Não era, efetivamente, um espaço adequado para a atividade de aula. Segundo S4

“O subsolo, ele não foi projetado pra aula. [...] Adaptação daquilo é impossível.

Adaptação daquilo é evacuar, não ter aula ali. Mas, infelizmente, tem.” (SIC S4)

Não sendo esse espaço adequado ou propício à adaptação, dificultando sobremaneira

a acessibilidade, questiona-se: com tantas novas edificações para institutos e salas, porque

manter esse espaço em funcionamento para aulas? Seria adequado que fosse repensada a sua

utilização. Ainda assim, era utilizado de maneira ampla e pessoas com deficiência poderiam

ter aula ali. Para evitar a alocação de aula nesses espaços a Resolução CEPE – 48/2003 traz

em seu artigo 6º que “as Unidades de Ensino priorizarão a matrícula em disciplinas e alocação

de espaço físico de fácil acesso para os PNEs.” (UnB, 2003), embora no que dizia respeito ao

subsolo, havia restrição ao cumprimento dessa normatização, como falou S4

“Infelizmente, lá tem laboratórios e ai não tem como a gente deslocar o aluno do

laboratório. Se o aluno pegou uma disciplina que está alocada lá, a gente

transfere, procura fazer, a gente transfere para um local apropriado. Mas quando

é laboratório é impossível, tem que ser lá, porque laboratório não é uma simples

transferência, é todo maquinário, instalação, o equipamento, isso limita.” (SIC

S4)

Mais uma vez o discurso da inclusão mostra-se incongruente. Existe uma série de

legislação procurando inculturar a acessibilidade, seja pela educação, seja pela normatização.

A própria legislação da UnB propaga esse discurso, mas na prática só se destacam, como

sempre, as limitações. E se não pode fazer, o estudante não pode estar. Porém, se há tantas

restrições com relação ao uso do subsolo, o que justifica manter exatamente os laboratórios

lá? Porque não pensar em colocá-los em um dos tantos novos espaços construídos para

atender as demandas de aula? À época havia, de acordo com S2, “catalogados 209 prédios

dentro da universidade” (SIC S2), dentre esses, os novos Blocos de Sala de Aula (BSA), que

poderiam abrigar uma excelente infraestrutura, inclusive para a montagem dos laboratórios,

facilitando o acesso e a vida de tantas pessoas. E estrutura adequada é uma questão de

garantia da autonomia e exercício da cidadania, como trouxe S1

“Se precisa, de um determinado tipo de adptação, de adaptação no meio, no ambiente, ela teria que ter aquilo para ela exercer, ter direito a cidadania dela,

entendeu? Que eu acho que é o que falta, é uma questão de cidadania.” (SIC S1)

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165

Figura 05 – Uma de duas escadas de acesso ao subsolo do ICC.

Fonte: Acervo pessoal (2015)

Além de estruturalmente inadequado, o próprio acesso ao subsolo era bastante

complicado. Inicialmente, só havia as escadas que eram difíceis de serem usadas por pessoas

com deficiência visual, por terem degraus com espaço curto e corrimão largos, que

dificultavam a preensão. Em vista de tantas dificuldades para se chegar a esse espaço, e com

as determinações da lei, foram instalados alguns elevadores. Porém, não conseguiu solucionar

o problema

“Então, quando a gente tem um prédio como esse, por exemplo, que é muito

inacessível, é muito pouco amigável a acessibilidade, a gente não tem piso tátil, a

gente tem pouquíssimos elevadores, que muitas vezes... eu brinco, às vezes, que

eles não estão quebrados, eles são quebrados. Elevador aqui mesmo, o único

elevador da Ala Sul, ele passou quatro anos quebrado. Então, assim, não é um

mês, entendeu? Ele era quebrado.” (SIC D1)

Havia uma dificuldade de manutenção e conservação do patrimônio nesse sentido, e

alguns desses elevadores realmente estavam parados na época da pesquisa. Inclusive, em

desuso há anos, devido a uma enchente sofrida no subsolo, uma vez que esse local tende a

alagar em caso de fortes chuvas. Já na andar térreo do ICC, além de uma série de fatores que

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166

não cabem no escopo desse trabalho154

, dois problemas apresentavam-se como questões

básicas: a absoluta ausência do piso tátil; e a falta de rampa para ligar o lado direito ao lado

esquerdo, uma vez que o prédio era dividido por uma área aberta, que era mais alta, em

relação ao nível do chão. Em vista dessa incompatibilidade com a necessidade atual de

adequação para a acessibilidade, foram dadas pelo PPNE algumas justificativas, como o fato

do prédio ser histórico e tombado, e ter diversas restrições para adequação estrutural e

adaptações no mesmo, como destacou S4

“Porquê? Primeiro, são questões orçamentárias, são questões de liberação e o

prédio do ICC é um prédio tombado. Então, assim, a gente já pensou em fazer as

rampas, mas tem que passar por aprovação, por causa que o prédio é histórico.

O problema é assim, não fiz arquitetura, mas o que se explica é: não atrapalhar o

conjunto arquitetônico do local. Essa é a questão!” (SIC S4)

Sem dúvida, a informação sobre a preservação do patrimônio histórico do ICC foi a

mais substancial. No entanto, é algo que impacta, em se tratando de uma Universidade, que é

o espaço devido para tais discussões e deveria fomentar essa realidade. Ademais, em virtude

de todas as normas regimentais que permitem e exigem adequações, criaram-se estruturas e

alternativas, como a rampas de aço (móvel), que podem ser apenas parafusadas, sem

modificar a estrutura e historicidade do prédio, e o piso tátil que pode ser colocado através de

colagem, sem alterar ou perfurar o piso original de mármore do Minhocão. Contudo, de

acordo com D5

“Não, não tem nada a ver esse negócio de prédio histórico. Não interessa, isso

não interessa, pra acessibilidade isso não interessa.” (SIC D5)

Desta forma, em vista da possível falácia presente em certos discursos, fez-se

necessário ir mais fundo e ouvir outras interlocuções. O Centro de Planejamento Oscar

Niemeyer (CEPLAN), foi um dos primeiros órgãos criados na universidade, em 1962, e

atuava, na UnB, na elaboração dos projetos na área de arquitetura e urbanismo, para

implementação dos prédios novos e reformas e adequação dos mais antigos. De acordo com a

visão desse setor, não havia nenhuma restrição à colocação de piso tátil e rampas, uma vez

que a acessibilidade é uma norma regida por lei específica e que deveria ser cumprida. Para

S6 a questão do prédio ser histórico como empecilho para adequação

“Não tem nada a ver. Existe um estudo, inclusive sem ser rampa móvel, fixa. Tem

um projeto com estrutura metálica. [...] Tem projeto de piso podo-tátil.” (SIC S6)

154

Como banheiros não adaptadas, o que levava a necessidade de deslocamentos. Os que eram adaptados não

tinham pias rebaixadas. D3 trouxe algo sobre isso: “tem um banheiro que eles reformam aqui nesse minhocão,

que é quilométrico, na ala central, tem um banheiro adaptado. Mas, assim, a informação que eu tenho é que ele

é realmente adaptado para várias necessidades”, e S6 confirmou essa informação.

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Figura 06 – Imagem da entrada do ICC, acesso norte.

Fonte: Arquivo pessoal (2015)

A justificativa da preservação da historicidade do prédio se esvai em vista de poder

serem feitos projetos de acessibilidade para qualquer dos institutos, inclusive o ICC. E isso

estava sendo pensado, a partir das reformas que vinham ocorrendo em todo o prédio.

Inclusive, uma dessas demandas foi do Instituto de Letras, que tinha uma boa proporção de

estudantes com deficiência visual, e ficava no mezanino do ICC-Sul. O trabalho de colocação

do piso tátil foi demandado e executado limitadamente na área em frente a esse instituto. O

problema para a pessoa com deficiência visual era conseguir chegar até lá, uma vez que a

grande extensão do prédio não o tinha. S6 também trouxe que no ICC-Norte

“A gente acabou de reformar uma área que chama IH155, Instituto de Humanas,

História, ou História e Geografia, foi colocado o piso tátil. É no mezanino, em

cima do PPNE, na pontinha norte do Minhocão. Então, não foi colocado ainda de uma forma geral, mas os lugares que estão sendo reformados, ai já.” (SIC S6)

Tal informação pode ressaltar que, em relação à legislação, o que ocorre não é

desconhecimento, mas negligencia, e, desta forma, não consegue sair do discurso para uma

prática efetiva, o que leva a ações localizadas que não melhoram muito a situação, mas já

despontam como uma luz de mudança no horizonte. Até porque acessibilidade é algo já vem

sendo pensado e viabilizado em várias partes do mundo, não apenas como uma mistura de

discurso político e atos demagógicos, mas uma realidade que a cada dia se concretiza, como

D6 apresentou no seu discurso

155

Essa área, no ICC-Norte, ainda estava fechada para acesso, em vista da não conclusão na época das obras.

Com isso, a única parte em uso de piso tátil era em frente ao Instituto de Letras, que ficava no ICC-Sul.

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“Falam assim: é muito difícil, é impossível! Há países, na Europa,

principalmente, ou Canadá, Estados Unidos, com uma acessibilidade quase

plena. Ai dizem: Ah, é muito difícil nesse prédio! Eu falo assim: olha, gente,

quantos anos tem, por exemplo, na Itália e na Grécia, os monumentos, Coliseu, o

próprio Palácio Versales e outros? Conseguiram fazer acessibilidade, tem

elevadores para pessoas com deficiência. Não é impossível você pegar o

monumento, não é, da idade antiga e fazer adaptação, é uma questão de você

querer e compreender a necessidade disso. Um prédio de 50 anos não vai ser

possível?” (SIC D6)

Todavia, os problemas não se limitavam aos prédios históricos, era mesmo uma

realidade quase institucional. Em vista disso, nem os prédios novos eram acessíveis,

“[...] o que eu acho mais grave é que a gente tem prédios novos que não têm

acessibilidade. Então, por exemplo, o prédio do BSA, que você atravessa a rua

aqui, é o mais novo pavilhão de aula, de salas de aula da UnB, ele tem dois ou três anos, acho que não tem nem três anos. É, então, ele já foi construído...

porque uma coisa é o Minhocão, que é um prédio histórico, que foi construído

nos anos 60 e tal, outra coisa é um prédio que acabou de ser construído, já tem

norma da ABNT pra isso, né? E ele é bastante inacessível.” (SIC D1)

Fica evidente que a questão era mais do que patrimonial, passava mesmo pela não

priorização desse aspecto, assim, de acordo com S6, ocorria que

“Os projetos são acessíveis, mas, às vezes, não são executados.” (SIC S6)

O CEPLAN tinha a função de elaborar os projetos e acompanhar as obras. Mas a

execução destas passava também pela Prefeitura, que era a responsável por toda a manutenção

do campus, a compra de materiais pelo setor específico, as demandas do solicitante da obra

(departamentos/reitoria/etc.), além de outros setores, a depender do trabalho, e as questões

ligadas a licitações, contratações. Nessa articulação entre setores as coisas fluíam ou não,

acontecendo de se deparar posteriormente com ausências, falhas ou a tão expressiva falta de

qualidade, que foi algo reforçado em quase todas as falas, e ocorria inclusive com o piso

tátil156

, um ponto de destaque em relação à precariedade da acessibilidade para pessoas com

deficiência sensorial, na UnB. A ABNT NBR 9050, no item 3.1.29, o descreve como “piso

caracterizado por textura e cor contrastantes em relação ao piso adjacente, destinado a

constituir alerta ou linha-guia, servindo de orientação, principalmente, às pessoas com

deficiência visual ou baixa visão.” (ABNT, 2015, p. 19), e este deve estar presente em áreas

internas e externas, para ajudar pessoas com deficiência visual a trafegarem sozinhas com

mais segurança.

156

Também tecnicamente chamado de piso podo-tátil.

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Mesmo com a legislação, toda a área externa da universidade era absolutamente

desprovida de piso tátil. Internamente, havia em algumas unidades e institutos, especialmente

em alguns prédios mais novos. Entretanto, essa colocação de piso tátil defrontava-se com três

problemas: a má qualidade; a forma como era colocado; a atitude frente ao mesmo. A

recorrência sobre a má qualidade dos pisos foi algo que chamou a atenção, uma vez que nos

poucos lugares onde encontrava-se piso tátil, já havia falhas em boa parte da sua pequena

extensão. Isso levava a um trabalho e custo significante de manutenção, ao tempo em que

havia um retardamento em ampliar os espaços onde houvesse o piso.

“A qualidade dos pisos que colocam, não só na UnB, mas em Brasília como um

todo, pelo amor de Deus![...] Você vai passar aquelas máquinas de lavar chão,

carrega o piso todo.” (SIC S4)

A segunda questão dizia respeito à colocação do piso, conforme trouxe D3

“E quando colocam, colocam só um pedacinho, e não conecta. Os prédios não

estão conectados.” (SIC D3)

Sem dúvida, como externamente não havia piso tátil e estando limitado a poucos

prédios, ele não conseguia favorecer a acessibilidade da pessoa com deficiência visual para

chegar a esses espaços. Isso em meio a um campus, com uma dimensão, de “3 milhões, 953

mil metros quadrados. [...] E oito quilômetros de extensão.” (SIC S2).

E nessa área imensa, como destacou D9

“Além de não ter acesso, tem muitas armadilhas no campus. Bueiros abertos sem

tampa, buracos, obras que não terminaram, restos de obras, entulho no meio do

caminho.” (SIC D9)

Tudo isso poderia tornar o acesso das pessoas com deficiência visual extremamente

difícil ou quase inviável, não fosse o desejo de continuar e perseverar. Mas havia outra

limitação, que denotava certo descaso em relação a essas pessoas, em vista da forma como o

piso era colocado. Em alguns lugares, como disse D1,

“O piso tátil leva, às vezes, a uma parede.” (SIC D1)

S1 descreveu melhor essa realidade

“É uma coisa complicada! As pessoas não sabem nem pra quê que serve aquele

piso tátil. Teria que ter orientação. Tem um detalhe também, foi feita uma

reforma e os banheiros mudaram de lugar e o piso não foi adaptado. Então, em

alguns lugares que daveria dar na porta do banehiro está dando numa parede. É

aquela coisa, assim, não tem uma continuidade no projeto, nos trabalhos.” (SIC

S1)

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Há de convir que a capacidade sensorial e de intelecto da pessoa com deficiência

visual supera a dos profissionais que ‘arquitetaram e executaram esse plano’. O piso tátil tem

“dois tipos: piso tátil de alerta e piso tátil direcional” (ABNT, 2015, p. 19). O piso direcional

(relevo linear) segue a linha do caminho a ser percorrido. O piso de alerta (relevo cônico),

muda a informação, para que se saiba que tem algum obstáculo, acesso de carros, saída de

garagem, ou a finalização de sua extensão (ABNT, 2015). Em muitos lugares, o piso dava

mesmo em uma parede e, em muitos, acabava de maneira brusca, sem apresentar a mudança

de informação, podendo colocar em risco a integridade física das pessoas que o utilizavam.

Por fim, a dimensão atitudinal, que levava à desconfiguração do piso, não permitindo

que o mesmo fosse usado para o que se propunha. Um dos lugares onde isso acontecia era na

biblioteca, lá havia o piso tátil, contudo colocaram as mesas para as pessoas estudarem em

cima do piso, inviabilizando o seu uso.

“A biblioteca foi a primeira, foi uma adaptação [...]. Mas eu volto a falar, essa coisa do princípio, da cultura, são realmente muito impactantes, porque hoje em

dia não sabem nem pra quê que serve aquele piso, já colocaram prateleira em

cima, estantes [...], aquele carrinho que distribui e recolhe livros parado

exatamente em cima da faixa, se uma pessoa tivesse andando pela faixa, uma

pessoa cega, ia bater direto no carrinho.” (SIC D6)

Figura 07; 08 – Mesas e cadeiras sobre o piso tátil na biblioteca.

Fonte: Arquivo pessoal (2015).

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São questões diversas com relação a apenas um item ligado à acessibilidade,

cerceando a autonomia (ou mesmo o direito básico de ir e vir) das pessoas com deficiência,

apesar desta ser um ‘atributo’ exaltado no discurso político da UnB e que deve ser garantido

aos estudantes. A partir deste, foi possível discorrer sobre tantos aspectos que impedem que

um direito, regulamento e garantido por lei e decreto, se dissipe frente a uma realidade que

não está disposta a se tornar “inclusiva”, talvez porque em essência nunca desejou sê-lo. Mas

como fica isso em meio a uma universidade, responsável pela formação das novas gerações?

Qual o referencial de historicidade, que torna o espaço físico mais importante que a

necessidade humana? Que aprendizado empírico terão os formandos em engenharia, em

arquitetura, em urbanismo? Como disseminar uma cultura de inclusão em espaços com

referencial sobre isso tão limitado? De fato, se a cultura de inclusão leva a ter um

investimento em piso tátil que não atende ao que se propõe, apenas estar dentro talvez

designe mesmo o ‘espaço’ da pessoa com deficiência na universidade.

Não obstante, as questões não paravam por ai. Em se tratando de condição de acesso

havia outros problemas. D1 fez um relato de um percurso – do ICC para o BSA – que bem

pode clarificar a visão sobre o que ocorria na UnB

“Então, ele sai aqui, logo na ponta desse prédio tem uma lanchonete que botou

bancos fixos no chão, no caminho, então já tem dificuldade. Não tem piso tátil,

nem esse de bolinha indicando que vai entrar na rua. Então, tem uma pequena

rampinha, mas não indica, ai pega um passeio que ele tá.. ele foi totalmente

estragado, porque os carros param, porque eles fizeram o prédio sem o

estacionamento, os carros passam por cima do passeio, estragando

completamente o passeio, ai eles ficam estacionados na terra. Então, o cego, ou

deficiente visual, tem que passar por esse obstáculo ali, com muito custo chega ao

prédio.” (SIC D3).

É um discurso que deixa claro como as questões da chamada inclusão não eram

culturalmente arraigadas, e não faziam parte das políticas institucionais da universidade, que

deveria zelar pela preservação e manutenção adequada dos espaços, favorecendo o direito de

ir e vir de todos, mas, em especial, as pessoas com deficiência. Percebe-se também, nesse

relato, a questão atitudinal, e como a universidade estava sendo omissa no processo

educacional, permitindo que uma lanchonete fechasse o espaço de circulação, ainda que esse

seja obrigado a ser mantido livre. O item 3.1.8, da ABNT NBR 9050, esclarece que área de

circulação deve ser “espaço livre de obstáculos, destinado ao uso de todas as pessoas.”

(ABNT, 2015, p. 17).

Mesmo quando havia uma possível abertura para compreender a necessidade de

espaços adequados, a visão não era ampla, porque o conhecimento e entendimento das

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demandas da inclusão sempre foram limitados. Um exemplo disso aconteceu com D6, que, ao

buscar uma sala para um trabalho com deficientes visuais, alguém lhe indicou

“Você usa tal espaço porque lá tem uma rampa. Tem uma rampa, mas para

chegar até o local são várias divisórias, é quase um labirinto, é dificílimo para uma pessoa cega com uma bengala, sozinha, com um cão guia. E ficar

procurando uma sala, outra, se tiver aula em alguma sala vai incomodar. Então,

assim, são muitas questões que precisam tá no princípio de tudo.” (SIC D6)

Falta, nesse caso, investir em formação. E que espaço mais adequado para isso que

uma universidade? Deveria mesmo fazer parte da dinâmica do dia-a-dia colocar informativos

nos sites, nas redes sociais, fazer cursos, palestras, eventos, que despertassem, pelo menos,

para o aspecto da acessibilidade. Mas tal dinâmica não desponta em uma política institucional

se não fizer parte dos seus princípios.

Outro aspecto relacionado à estrutura física era a sinalização no campus e das salas.

Não havia mapa tátil na entrada de nenhum dos institutos, nem leitor em braille, nem mesmo

nas estantes da biblioteca, cerceando a autonomia das pessoas com deficiência visual. S4

informou que

“A gente tentou colocar o mapa tátil na biblioteca, como piloto, não

conseguimos.” (SIC S4)

Não foi especificada qual a dificuldade, mas parece complexo justificar isso, afinal

não poderia ser por questão histórica, nem financeira, em se tratando de um único mapa.

Também inadequada era a sinalização que havia em todas as portas das salas, que não seguia

as normas da ABNT NBR. Especificamente, o item 5.2.9.1 sobre Linguagem visual, traz que:

“Informações visuais devem seguir premissas157

de texto, dimensionamento e contraste158

dos

textos e símbolos, para que sejam perceptíveis inclusive por pessoas com baixa visão.”

(ABNT, 2015, p. 48). No caso, não havia a leitura em braile ou libras, nem letras em relevo

ou aumentadas. Ademais, era difícil de ser visualizada, por ser muito alta e extremamente

pequena, dificultando sobremaneira a visualização,

“A sinalização é toda muito alta das salas. Então, as indicações do número das

salas, se pelo menos ela tivesse mais baixa, pelo menos os alunos de baixa visão

poderiam ler. [...] Então, eu tenho uma aluna de baixa visão que ela consegue ler

se enfiar a cara bem próxima. Então, ela poderia botar o rosto, enfim, onde fosse

convencionado, do lado, mas não em cima, que aqui fica quase na viga o número

das salas. Então, fica muito difícil dela encontrar.” (SIC P1)

157

Deve atender às diversas demandas, estar em alto relevo e letras aumentadas, e ter leitura em braille (ABNT,

2015) 158

“Contraste: diferença perceptível visual, tátil ou sonora.” (ABNT, 2015, p. 18).

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As especificações para sinalizações são bem detalhadas na ABNT NBR159

, além de

se apresentar a acessibilidade visual também no Decreto 3.296/2004, mas é um aspecto que

raramente é observado e cumprido, e, por vezes, há uma ausência total desse critério. A

despeito de todo mecanismo legal e direitos “adquiridos”, contraditoriamente, a realidade não

muda, e, no caso da UnB, perpetuava-se mesmo nas novas construções, que já estavam sob a

égide das novas legislações, desde 2004.

“Os prédios novos continuam com os mesmos tipos de placas.” (SIC S6)

Figura 09 – Sinalização acima da porta e ao lado.

Fonte: Acervo pessoal (2015)

159

Como há um detalhamento muito grande das especificações, exatamente para dar conta das diversas

necessidades e facilitar o entendimento de quem vai atuar na área, isso não será trazido. Mesmo porque, não cabe

no contexto dessa pesquisa esmiuçar o mérito dessas questões, apesar alertar para ausência dos itens de

acessibilidade para a área visual e/ou auditiva, seguindo como parâmetro para isso o que emergiu como barreira

a partir do discurso dos docentes.

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Já S4 pontou

“Acho que o pessoal ainda não percebeu essa questão.” (SIC S4)

Outra questão para que um Decreto Federal e as normas da ABNT não fossem

cumpridas e garantida a acessibilidade à comunicação visual como direito adquirido, era ser

cultural em Brasília o uso de sinalizações com letras minúsculas, o que justificaria o fato de

na UnB as mesmas quase não serem visualizadas, nem mesmo por míopes, o que nem sequer

é considerado deficiência, tornando absolutamente disfuncional as informações visuais. Mas,

além de ser um dado não apresentado pelos participantes da pesquisa, já que estes eram

contrários a essa realidade, como pôde ser corroborado em diversas falas apresentadas, era

também um contrassenso em relação à realidade legal atual. Mesmo porque, qual a função de

ter uma sinalização que não atende a ninguém? E como tentar justificar o não cumprimento de

uma norma federal, por uma questão habitual? Mais uma vez se despreza os ganhos sociais e

políticos, tolhindo as pessoas com deficiência dos seus direitos mínimos, inclusive o de

autonomia. Evidente que em face de ‘gostos’ pessoais e necessidades sociais, garantia de

direitos e cidadania, essas são prioritárias.

Neste sentido, era preciso saber em que estava embasada essa posição, buscando as

informações no setor específico. A Coordenação de Cadastro e Comunicação Visual (CCV)

atuava com essa área de sinalização do campus, dentro e fora dos departamentos, e esclareceu

que a colocação de sinalização para atender às normas de acessibilidade só ocorria se

solicitado e para as salas onde as pessoas com deficiência estivessem tendo aula. Contudo, S2

disse que

“Nós temos um manual de sinalização. Isso foi aprovado em outubro de 2012,

pelo Conselho de Administração. Foi definido o modelo de placa pra padronizar

mesmo. [...] Foi aprovado esse novo modelo nessa gestão.” (SIC S2)

Esse novo modelo tinha a intencionalidade de acatar e adequar-se às legislações e

suas especificações, pela consciência de estar contrário ao que estas preconiza, e já estava em

curso o processo licitatório, um prelúdio de mudanças, mesmo porque

“Hoje o governo, e acho que a própria comunidade, já está cobrando mais.

Porque com certeza o governo imagina o seguinte: Ah, eu estou investindo, eu

estou transferindo recurso, então eu quero que aquela instituição dê conta disso.

Mas nem sempre nós também vamos dar conta disso. [...] O custo de uma

comunicação visual não é nada barato” (SIC S2)

Por mais que haja avanços, há sempre as limitações, resistências, ou retrocessos,

justificados, no caso, por hábitos ou por custos. É como se de fato fosse considerado quase

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impossível ter uma realidade o mais adequada e acessível, seguindo as prerrogativas do

desenho universal, sem se perceber que isso beneficia a sociedade de maneira generalizada,

uma vez que ninguém está isento de ter uma deficiência, ainda que seja fruto de

envelhecimento, e se a realidade está preparada, não leva a um estado de sofrimento ainda

maior.

“A acessibilidade, ela não é somente uma demanda legal, mas ela é boa, não é só

para esse pequeno grupo, é para todo mundo. Porque quanto melhor, quanto

mais acessível a universidade fica, o padrão de vida melhora pra todo mundo.”

(SIC D3)

Se a acessibilidade para deficiente visual já apresentava tantos desafios, como foi

trazido pelos docentes, para o deficiente auditivo não era melhor, ou era quase nula. Mesmo

havendo os cursos do PROCAP para Libras, poucas pessoas conseguiam se comunicar em

língua de sinais na universidade, dificultando o acesso dessas pessoas aos espaços físicos da

universidade. Era mesmo uma situação vexatória, um público ficar apartado, após legislações

sequenciadas, até culminar na Lei de Libras, Decreto 5.626/2005, que dispõe sobre todas as

determinações com à relação presença e utilização social da língua (BRASIL, 2005a). No país

e na universidade essa língua ainda parece um código secreto, utilizado apenas pela

comunidade surda, como se eles não fossem membros efetivos da sociedade como um todo e

não tivessem que se comunicar com as pessoas em geral. D4 relatou como estava essa

situação na UnB

“Só a reitoria, a reitoria é acessível aos surdos, é o único local que é acessível ao

surdo é a reitoria.” (SIC D4)

Porque é tão difícil tornar realidade o processo de “inclusão” se ele é politicamente

tão importante, se existe tantas normas, declarações, leis e decretos, se existe verba e

investimento do governo federal para isso? Porque, exatamente na universidade, isso não

consegue ainda ocorrer? Será mesmo que há implicação social para que haja uma sociedade

inclusiva? Em meio a tantas questões especialmente no aspecto físico, e com as

determinações de prazos legais e serem respeitados, S4 destacou que

“Tem projeto para adaptar toda a universidade, é um calhamaço, um processo

dessa grossura, inclusive as passagens para os blocos, mas que ainda não foram

executados.” (SIC S4)

Sem embargo, mais uma vez retorna-se ao ponto de partida. Muito se projeta, pouco

se executa, muita coisa idealizada, pouca concretizada. É necessário fazer com que a realidade

de acessibilidade avance para além de projetos inertes, que só servem para alimentar o

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discurso do ‘estamos fazendo’, sem que de fato algo seja transformado. Talvez não fossem

necessários tantos projetos, se institucionalmente a acessibilidade fizesse parte da forma de

agir. Estes estão no papel, mas se não forem executados há a quem culpabilizar, como bem

trouxe D3

“É isso, o discurso é sempre o mesmo: ah, esses prédios são antigos, na época

não tinha. O outro discurso é: o programa Incluir do governo, ele libera verba

pra acessibilidade. O que eles nos disseram na reunião é que ela sai no segundo

semestre, com muito atraso e você não consegue gastar. Por quê? Por causa de

licitação, demora e tal, ai acaba o ano e eles não conseguem passar, passar essa

verba pra gastar no ano seguinte, então acaba. Enfim, muito problema.” (SIC

D3)

Então, a questão do descaso pela inclusão passa também pela falta de estrutura

administrativa e política interna. Como imaginar que uma universidade não consegue utilizar,

no tempo devido, ainda que seja um tempo reduzido, uma verba para uma área considerada

prioritária pelas suas necessidades específicas? Como, ao invés de relatar tal fato desolador,

não se constroem perspectivas para mudar essa realidade? Se há um atraso na verba, não seria

viável preparar os projetos e alguns encaminhamentos de antemão, como cotações,

organizando-se administrativamente para o uso da verba? Que atrasos e prazos curtos

acompanham o recebimento de verbas no âmbito público é fato, mas, sendo esta uma

realidade concreta para as instituições públicas de educação superior – e seus departamentos e

órgãos –, que têm efetivamente que fazer uso das mesmas, desenvolve-se a consciência sobre

isso e buscam-se maneiras cabíveis para se sustentar nesta realidade, não utilizando esse

argumento para a inércia administrativa e não cumprimento de suas atividades e ações

educacionais em função disso. O importante é que iniciativas sejam tomadas e não se

considere como fato consumado a simples não utilização de verba. Uma vez que a realidade

do serviço público impõe esses atrasos e que os processos administrativos/licitatórios são

complexos, é importante criar estratégias para sua adequada utilização em tempo hábil. Mas,

também, como fica a posição do governo que investe e não avalia a ‘não’ utilização desse

investimento? Qual a funcionalidade de um dinheiro que investido, retorna sem ter sido

utilizado? Muita coisa precisa ser repensada, já que um dos principais argumentos para a

ausência de mudanças é a questão financeira, no caso não por ausência de verbas, mas pela

necessidade de desenvolver competências para utilizá-la da melhor forma, mesmo que em

espaços pouco extensivos de tempo.

Por outro lado, como está a discussão interna para execução de um ‘calhamaço’ de

projetos? Que papel tem a comunidade docente e os estudantes neste processo?

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177

“Eu cobrei o cumprimento, e cadê, não existe projeto de acessibilidade do

campus? Ele falou: “não professor, já existe, já está na prefeitura, a gente

protocolou” e tal, eu nunca vi. Desde 2010 que venho perguntando, nunca vi esse

projeto, e ele nunca, obviamente, foi debatido e nunca foi implementado.” (SIC

D3)

É mesmo necessário salientar que é difícil pensar um projeto de acessibilidade

generalizado, sem ter sido discutido com as pessoas que são as mais interessadas, que podem

dar dimensões mais detalhadas do que é necessário e qual a melhor forma de fazê-lo, como

D3 enfatizou

“Então, se vocês querem fazer uma acessibilidade de fato, chamem os usuários, e

após o ok deles, ai você pode afirmar, se não tiver o ok do usuário, essa norma tá

errada.” (SIC D3)

D1 complementou essa ideia

“Deveria haver, por exemplo, a cada obra, um grupo de pessoas a serem consultadas, pra dizer: olha, será que a gente lembrou de tudo? É claro que tudo

não vai lembrar, porque você sempre pode ter uma nova necessidade especial,

que tenha, realmente uma especificidade. Mas, pelo menos, essas coisas

grosseiras não serem feitas. E muitas vezes é isso, é a pessoa, ou parente, ou que

atua na área que vai se tocar.” (SIC D1)

Essa ausência da participação dos mais interessados na discussão, essa forma de

exclusão explícita das pessoas com deficiência, ao tentar deliberar sobre o que é necessário

para eles, leva a situações como que apresentou por D1

“Quando foi feita a troca do bebedouro aqui no Minhocão, foi feito por um

bebedouro que não tem base, ele fica suspenso. E como alguns deficientes visuais

vem vindo, por exemplo, com a bengala bem próxima na parede, para se orientar,

não percebe e ai bate. Então, assim, eu conheço pessoas que bateram até

aprender onde estavam os novos bebedouros da UnB.” (SIC D1)

Enquanto as coisas não acontecem, enquanto os retrocessos persistem, situações

como essa vão ocorrendo. Se não se fomentar a universalização dos acessos, através das

adequações ou adaptações dos espaços e conteúdos, a universidade tornar-se um lugar quase

inacessível e, às vezes, até hostil à presença de pessoas com deficiência, criando e mantendo

barreirais das mais diversas e em todos os lugares.

“É quase como se a gente estivesse botando plaquinhas, dizendo: se você é cego

não é bem vindo, só que pegaria muito mal. Ou se você é cadeirante você não é

bem vindo. Mas é isso que tá acontecendo.” (SIC D1)

Vale a pena refletir sobre isso, pois apenas tomando consciência da magnitude da

situação é possível se mobilizar em prol de transformações. Direcionando para a questão da

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acessibilidade aos conteúdos, a área da tecnologia digital é o principal referencial para que

mudanças ocorram.

5.3.2 Tecnologia Digital

É evidente a importância da tecnologia digital para diversos campos da atuação

humana, como da saúde, do trabalho, do lazer e da educação. Sem dúvida, cada vez mais a

tecnologia digital adentra o âmbito educacional, mudando a forma das pessoas se

relacionarem com o saber, e as práticas pedagógicas dos docentes. Afinal, é possível até não

concordar com as transformações operadas na sociedade digital, mas é impossível ser

indiferente a esta, em especial na educação superior, que é o espaço de discussão e até de

produção destas tecnologias. Sem dúvida,

Nas universidades, o uso das TIC torna-se essencial para a conquista e democratização

de novos saberes [...]. Além do domínio da tecnologia em si, é preciso integrá-la às

práticas cotidianas e fazer uso devido dos conteúdos disponíveis, ou seja, adquirir

competências para transformar as informações disponíveis em conhecimento. (ROSA;

BARROS, 2008, p. 131).

Com relação às pessoas com deficiência sensorial, a tecnologia teve um papel

importante, não apenas na democratização de saberes, mas para a universalização de acesso à

informação e a comunicação. Porém, é importante compreender como os recursos

tecnológicos têm sido visto, oferecido e utilizado no meio acadêmico, no caso da UnB. Essa

análise pode trazer à tona aspectos importantes sobre o entendimento a respeito da “inclusão”,

como essa realidade está distante, mesmo em relação a um campo de tantas possiblidades e

com uma dimensão social tão significativa.

Pode-se começar analisando a acessibilidade no site na UnB, afinal, a pessoa com

deficiência sensorial precisa desse espaço virtual para ter acesso às informações, fazer

matrícula, dentre outras necessidades. D6 apresentou as limitações do site:

“A página da UnB tem uma dificuldade de acesso, assim, incrível. Eu tive

algumas vezes mostrando, sinalizando que precisaria mudar. E ai vem um novo

grupo, quer fazer uma página ainda mais bonita, e carrega mais a página. E ai se

torna inacessível. (SIC D6)

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Para D5, todos os conteúdos deveriam estar acessíveis para as pessoas com

deficiência, inclusive o site, entretanto

“Na verdade, o site na UnB, por exemplo, na hora da matrícula, não é acessível

pra quase ninguém. É muito complicado!” (SIC D5)

Essa é uma realidade que se contrapõe ao que diz a legislação. De acordo com o

Decreto 7.612/2011, e as prerrogativas do Programa Incluir, todas as “IES devem estabelecer

uma política de acessibilidade voltada à inclusão das pessoas com deficiência, contemplando

a acessibilidade [...]; no sítio eletrônico e demais publicações; no acervo pedagógico e

cultural; e na disponibilização de materiais pedagógicos e recursos acessíveis.” (BRASIL,

2013a, p. 12). D5 relatou que há ações para acessibilidade digital, mas pontuais, de

determinados institutos, e não propagada por toda a universidade em se, de forma a se tornar

culturalmente institucionalizada.

“Tem uma equipe trabalhando na acessibilidade do site do Instituto de [identifica

o Instituto]. Então, assim, não são ações impossíveis, mas você tem que criar uma cultura para isso, não é? Então, o que a gente tem hoje na UnB realmente é muito

pouco.” (SIC D5)

Percebe-se a dificuldade que uma universidade federal pode apresentar em relação à

acessibilidade de seus educandos com deficiência sensorial. Ainda assim, havia no sítio da

UnB uma ferramenta de acessibilidade digital denominada Rybená. Teoricamente, é um

“tradutor automático de mediação da comunicação entre surdos e ouvintes, que empreende o

reconhecimento da fala, o tratamento linguístico e a representação gráfica em Libras”

(SANTOS et al, 2013, p. 19). Para a pessoa cega, ele funcionaria como leitor de tela, de

páginas e sítios da internet.

Essa ferramenta vinha sendo desenvolvida pelo Instituto Centro de Pesquisa e

Desenvolvimento em Tecnologia de Software (ICTS), em parceria com várias outras

instituições (SANTOS et al, 2013, p. 19). O Instituto ICTS é ligado à empresa Centro de

Tecnologia de Software Ltda. (CTS Ltda). De acordo com o sítio do ICTS, a Solução Rybená

é comercializada por um “modelo de negócios e métrica para precificação” (RYBENÁ,

2015), com valores que se diferencia por tipo de instituição. No caso de “instituições de

ensino”, o critério é o “número de alunos matriculados”, ou pode ser gratuito para “Entidades

Filantrópicas de atendimento aos deficientes” (RYBENÁ, 2015, grifo nosso).

A ferramenta Rybená era pouco conhecida e utilizada e era deficitária tanto para área

auditiva quanto para a visual. Com respeito a Libras,

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“Então, ele fica dizendo os sinais isolados, sem considerar a questão estrutural.

Então, ele é uma boa ideia, mas não tem ainda estrutura de funcionamento que

realmente precisaria.” (SIC D8)

No caso do acesso para deficiência visual, ao clicar no aplicativo, o avatar solicitava

à pessoa que: “selecione o texto para ser sintetizado.”160

É básico saber que não faz sentido

pedir para selecionar um texto que uma pessoa cega quer escutar, inviabiliza absolutamente a

sua autonomia, e com tantos softwares e recursos de qualidade nessa área desenvolvidos isso

já poderia ter sido revisto. Apesar de tantas limitações, a perspectiva era de aquisição da

ferramenta, conforme relatou S4

“O da UnB é um protótipo, foi um amostra que a Rybená cedeu, e agora vai ter

uma licitação, um processo de compra mesmo, para instalar o definitivo. Eu espero que melhore.” (SIC S4)

Ainda de acordo com o que relatou de D8

“Eles construíram esse boneco, que ele faz a tradução de páginas de sítios - mas

é de bancos, é de instituições, de empresas. A parceria também é pra tornar

acessíveis páginas públicas, então tem aqui na página da UnB. Praticamente

ninguém usa, nem os surdos.” (SIC D8)

Seria, então, uma ferramenta com caráter comercial, em um sítio de uma

universidade pública, que deveria incentivar o uso de softwares livres161

? Qual o sentido em

ter um software que não consegue dar conta daquilo que se propõe? Será que é para reafirmar

apenas discursivamente que estão empenhados na dita inclusão? O próprio governo, desde

2003, adotou a política do software livre e orienta a adoção, preferencialmente, desse tipo de

aplicativo. O Decreto s/n, de 29 de outubro de 2003, que “Institui Comitês Técnicos do

Comitê Executivo do Governo Eletrônico e dá outras providências”, foi o marco inicial dessa

política. Esses comitês foram instituídos, de acordo com artigo 1º, “com a finalidade de

coordenar e articular o planejamento e a implementação de projetos e ações nas respectivas

áreas de competência, com as seguintes denominações; I - Implementação do Software Livre;

[...]” (BRASIL, 2003). É preciso que instituições públicas, do peso social de uma universidade,

compreendam e adotem essa política, demandando, incentivando e colaborando no

160

Isso pode ser verificado no sítio da UnB, no link: http://www.unb.br/, ou no sítio do Instituto ICTS

http://www.grupoicts.com.br/. 161

Software livre é aquele que tem sua licença livre e o seu código fonte aberto, podendo ser estudado ou

alterado, para melhoria da qualidade e funcionalidade do mesmo. Este está embasado em quatro liberdades

fundamentais: poder utilizar o programa, estudar o programa, modificar o programa, redistribuir o programa, e

pode ser distribuído de maneira gratuita. (SANTOS; HETKOWSKI, 2008)

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desenvolvimento de software que possam tornar funcional a vida da pessoa com deficiência.

Ainda, para Pretto (2008, p. 218),

Para a educação, libertar-se dos softwares proprietários é um grande desafio, já que a

possibilidade de independência no acesso aos códigos fontes está intimamente

associada a inúmeras outras possibilidades, como a independência de fornecedores

centralizados que dominam o mercado, além da ampliação da uma rede colaborativa,

dimensão básica para a educação.

Essa necessidade de ampliação da rede colaborativa é fundamental para melhoria da

funcionalidade e dos recursos nos softwares de acessibilidade, e para se concretizar o que se

tem idealizado. Para favorecer a área de deficiência auditiva

“A ideia era transformar o Rybená em um programa que pudesse traduzir a fala

do professor em sala de aula. A ideia também é boa, mas tá muito longe disso

acontecer. Então, é assim, em termos de ideia, é aquilo que eu estou falando, a gente tem avanços. Mas, assim, quando vai na execução ainda deixa a desejar.”

(SIC D8)

E a UnB estava mesmo incipiente nessas ações. Existe uma série de pesquisas no

sentido de traduzir a língua falada para Libras no Brasil, como FALIBRAS, TLibras, Voz do

Mundo162

, dentre tantos outros (SANTOS et al, 2013). Percebe-se que há grupos pensando

nesta realidade, mas são ações individualizadas e ainda não concretizadas socialmente. Neste

sentido, não poderia ser esse um campo de pesquisa a ser devolvido pela UnB, sem a

necessidade de adquirir de terceiros essa tecnologia? Ou não poderia a universidade ser

mediadora dessas discussões e articuladora da produção desses conhecimentos, em conjunto

com empresas públicas de desenvolvimento de software? E cada vez mais novas questões vão

se descortinando sobre essa temática.

Com relação a recursos de acessibilidade aos conteúdos digitais para pessoas com

deficiência visual, o principal são softwares de leitores de tela, que

[...] fornecem informações por síntese de voz sobre todos os elementos que são

exibidos na tela do computador, fazendo principalmente a leitura de elementos

textuais [...]. Diferentes combinações de teclas de atalho permitem, por exemplo, a

navegação em uma página da internet ou a edição e leitura de textos (BRASIL, 2008b,

p. 42).

162

FALIBRAS usa captação de fala por microfone e a interpretação aparece na tela do computador. TLibras em

desenvolvimento pela Ong Acessibilidade Brasil, desde 2001, também busca a tradução em tempo real de

português para Libras. Voz do Mundo é desenvolvido pela Fundação Manauense Desembargador Paulo Feitosa.

(SANTOS et al, 2013).

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O recurso de leitor de tela é algo tão imprescindível, que deveria mesmo ser

oferecido pela universidade de maneira generalizada. No entanto, na prática, havia apenas

‘duas’ licenças compradas do JAWS163

, e instalados em ‘dois’ computadores em ‘uma’ única

sala do PPNE, segundo o relato de S4. JAWS é um software de leitura de tela, proprietário e

pago. É preciso pensar: o que leva uma Universidade pública e um programa que deveria

favorecer a adequação instrumental para todas as pessoas com deficiência nesta universidade,

a fornecer um recurso de maneira tão pontual? No campus Darcy Ribeiro havia pessoas com

deficiência visual distribuídos em 14 cursos, de diversos Institutos e Departamentos. Quanto

tempo se perderia em um deslocamento entre os institutos ou salas de aula até o espaço

reservado para “inclusão digital”? Mesmo porque, de acordo com Pretto (2008, p. 217),

“inclusão digital é mais que ter acesso às máquinas. É o exercício da cidadania na interação

com o mundo da informação e comunicação. As máquinas e a conexão são condições

necessárias, claro, mas não suficientes.” Como esse estudante poderia exercer sua cidadania e

estar “incluído” com os colegas de curso, nas atividades das disciplinas, se para ele tudo tem

que estar separado? São questões que precisam ser discutidas mais profundamente. Porém, é

preciso conhecer com mais detalhes outras dimensões da acessibilidade digital na UnB.

A Biblioteca da Universidade164

(BCE) também oferecia computadores com leitores

de tela, mas com relação ao processo de inclusão havia um agravante. Na sala de informática

desta biblioteca havia uma série de computadores que poderia ser usado por “todos”, exceto

pelas pessoas com deficiência sensorial. De acordo com S1, havia quatro computadores com a

instalação do DOSVOX165

, atualmente software livre de distribuição gratuita, e esses

computadores ficavam fechados em salas denominadas cabines, para que eles tivessem a

“liberdade” de escutar seus textos.

Novamente, é preciso refletir até quando manter essa cultura excludente, de visões

minimalistas, que separam, discriminam, criam rótulos e guetos. Os espaços devem ser para

todos, pois, como estudantes, todos têm direito ao uso dos mesmos. Se um estudante qualquer

entrar na biblioteca, na sala dos computadores, ele terá acesso a qualquer um deles que esteja

disponível, não precisando se separar, ficar restrito a essa ou àquela máquina. No caso da

pessoa com deficiência visual, havia essa limitação de uso de determinado computador, sala

163

É considerado o mais atualizado e funcional, se referindo a versão 5.0, que faz a leitura oral de todos os

conteúdos de páginas da internet ou textos, com a descrição até de algumas imagens de objetos (SANTOS;

PEQUENO, 2011). 164

Na categoria 5.4 será abordado um trabalho interessante da Biblioteca - a Biblioteca Digital e Sonora (BDS),

como uma das ações institucionais para acessibilidade digital com áudio-livros. 165

Um sistema operacional para acessibilidade de deficientes visuais, que roda tanto em sistema operacional

Windows quanto no Linux, e permite, além do acesso virtual, a edição de textos para impressão comum ou braile

(SANTOS; PEQUENO, 2011).

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restrita, quer fosse na Biblioteca, quer fosse no PPNE. E como fica, se ele for fazer um

trabalho em equipe? E a possibilidade dele se relacionar e interagir, estar com os demais?

Figuras 10; 11 – Frente da cabine de frente e lateral com a biblioteca ao fundo.

Fonte: Acervo pessoal (2015)

A crítica não é ao fato de haver as cabines, isso é uma ação reconhecidamente

interessante – pela necessidade de manter o silêncio na biblioteca, caso a pessoa queira

escutar o conteúdo sem uso fone de ouvido –, desde que dê ao estudante com deficiência a

possibilidade de escolha. Assim, ele pode optar por usar uma cabine com isolamento acústico,

como eram as da UnB, caso assim considerasse adequado, ou usufruir do direito de estar com,

participando de maneira integrada da vida universitária, no espaço coletivo que atende a

“todos”, utilizando um dos computadores com o fone de ouvido, sem ‘incomodar’ os demais e

tendo assegurada a igualdade de direito.

Ampliando essa discussão, na perspectiva digital atual, com tantos softwares com

licença livre e distribuição gratuita, ou mesmo com os recursos financeiros da universidade

para investimento em prol da inclusão, porque não colocar o dispositivo em todas as

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máquinas? Por que não universalizar esse acesso, afinal, não vai alterar a máquina para uso

geral? O ideal seria que a pessoa com deficiência pudesse usar os computadores em meio aos

demais estudantes, e que isso fosse disseminado por toda a universidade, tornando todos os

computadores acessíveis, adequados a todas as demandas166

. E essa perspectiva de amplo

acesso foi reforçada de maneira explícita por D6,

“A minha proposta é que os departamentos tivessem, é só colocar o programa,

instala o programa, o aluno vai ali, vai usar o computador, isso não modifica

nada, absolutamente nada, e o aluno não precisa se deslocar para um lugar

específico para fazer o seu trabalho.” (SIC D6)

Poucos pensam assim, e havia também os que consideravam essa ideia impossível167

,

mesmo atuando diretamente com a acessibilidade,

“Mas, assim, em todos os computadores da UnB instalação de softwares acessíveis, pra te falar a verdade, são tantos computadores na universidade que

seria até impossível.” (SIC S4)

No entanto, não é isso que preconiza a legislação sobre recursos digitais; segundo as

especificações do programa Incluir, “cabe às IES a responsabilidade pelo provimento destes

serviços e recursos em todas as atividades acadêmicas e administrativas.” (BRASIL, 2013, p.

12). Além do que, se no âmbito digital, que não necessita mudança estrutural e pode não

envolver custo adicional168

, apenas mão de obra de servidores técnicos, isso é considerado

impossível, fica difícil pensar em aspectos que demandem atitudes e ações mais radicais – em

termos estruturais e financeiros. É preciso, antes de tudo, a mudança da cultura que

instrumentaliza o discurso, uma vez que a principal barreira para as ações e as transformações

é a falta de conhecimento.

166

Alguns destes softwares pesam pouquíssimo (chega a pesar menos que uma página em editor de texto), e eles

não alteram ou interferem no funcionamento da máquina ou em outros programas, podendo até ser instalado

mais de um como opção. 167

Outra objeção trazida foi que não seria viável oferecer isso, pelo fato de que existem recursos diversos e não

se poderia saber qual deles os estudantes preferem ou estão acostumados, o que definitivamente não se justifica.

Com o desenvolvimento tecnológico atual obter uma informação dessas é tão simples que torna até desprovido o

argumento. Isso poderia ser verificado desde a matrícula (ou até antes, na inscrição ao vestibular), já que todo o

procedimento é digitalizado e teria espaço, viabilidade e a rapidez de um click para saber. Contato, como isso

ainda não era feito, poderia então ocorrer na adesão ao PPNE, que mantém o cadastro detalhado e tem que saber

as demandas das pessoas que atende (até afirma-se que são atendidas de maneira individualizada, ver página

113). Caso também isso ainda não ocorresse, como eram apenas 17 pessoas com deficiência visual cadastradas

(o percentual de alunos com deficiência visual na UnB era de 0,038%), poderia simplesmente enviar uma

enquete por mala direta ao e-mail dessas pessoas (procedimento usual no PPNE, que tem os e-mails no cadastro),

meio de comunicação formal para todos os informativos acadêmicos para os estudantes em geral. Enfim, seria

extremamente simples e rápido obter uma pesquisa de usuário. Assim, considerando essa uma impossibilidade,

percebe-se uma barreira quase intransponível no desejo institucional de fazer a acessibilidade digital acontecer,

indo contra o direito de autonomia no campo digital, para o estudante com deficiência, e o que determina a

legislação no programa Incluir (BRASIL, 2013). 168

Se for software livre de distribuição gratuita.

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Pela importância de conhecer os softwares de acessibilidade procurou-se entender,

não apenas como os docentes viam a oferta desses programas na UnB, mas também se

utilizavam. Ao questionar D3 a respeito disso, a reposta foi:

“Não, os deficientes visuais eles conhecem, entre eles, eles divulgam e tal. Eu

pessoalmente não uso.” (SIC D3)

Como esperar que uma pessoa vidente conheça os softwares para acessibilidade

auditiva como JAWS, Orca169

, DOSVOX, NVDA170, Virtual Vision, mais ainda, que ela faça

uso desses softwares no seu cotidiano. Essa cultura de universalização de acesso digital faz

parte da realidade de quem convive, no cotidiano, com as necessidades das pessoas com

deficiência? Como integrar essas pessoas se considera-se que esses ambientes são “só para

elas”? Se as pessoas não usam, não divulgam, não universaliza-se o acesso. Se for para todos,

torna-se comum e passa a fazer parte do conjunto dos programas de todos os computadores,

não havendo a necessidade de “selecionar” os equipamentos e espaços de uso.

Este aspecto é relevante porque dois problemas emergiram na discussão: se o

software é pago, pode inviabilizar o acesso ressaltando esse aspecto financeiro; já com relação

aos softwares livres, essa questão de valores não está associada, mas recai sobre o problema

da qualidade do recurso. Dos discentes entrevistados, havia um que conhecia os softwares

livres e pôde trazer essa questão, ao falar sobre o Orca, que considerava ruim

“Mas, enfim, tem que se pensar nisso, melhorar o Orca, já que o Brasil adotou

essa proposta de usar o Linux, pelo menos melhorem ai a eficiência da utilidade

do Orca.” (SIC D6)

De fato, é preciso que o governo invista mais em tecnologias livres, que possibilitem

o uso por todos, mas é de fundamental importância que a sociedade conheça e utilize

socialmente esses recursos, tanto de acessibilidade para deficientes visuais quanto auditivos.

Quando algo é muito específico, feito pensando em uma demanda reduzida, é sempre mais

caro, mais difícil de ser encontrado e, quando gratuito, não recebe o investimento necessário

para a sua produção possa ter a devida qualidade. Porém, se há um demanda social emergente,

tornar-se universalizado, avança nas possibilidades de investimento, de pesquisa, de recursos,

de uso. Poderia mesmo criar a cultura de usar leitores de tela e tradutores de Libras, para que

o produto se torne mais acessível, invista-se no seu potencial, integrando-o a qualquer

máquina, viabilizando o acesso de maneira generalizada. Dessa forma, ao comprar um

computador, já perguntasse: qual o leitor de tela que está instalado? Qual o programa de

169

Orca software livre de leitor de tela que vem no Linux. 170

NVDA – sigla em inglês que em português significa: "Acesso Não-Visual ao Ambiente de Trabalho".

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acessibilidade de Libras? Sendo algo integrado ao computador, todos usariam e favoreceria a

inclusão. Ao fazer um trabalho em equipe, por exemplo, com um colega surdo ou cego, não

seria necessário percorrer toda a universidade em busca de um computador que esteja

“adaptado”. Com a facilidade que tem a dimensão das tecnologias digitais, que um produto

produzido pode ser disseminado para bilhões de máquinas, não faz sentido falar em

“adaptação”, em espaços reservados. Essa realidade pode ser de adequação e universalização.

O docente também precisa entender pelo menos superficialmente esses dispositivos.

Conhecendo o recurso há a probabilidade de compreender como a pessoa com deficiência

sensorial consegue ter acesso aos conteúdos demandados nas disciplinas. É preciso

problematizar: Quais as facilidades e dificuldades de acesso através de leitor de texto? O

tempo gasto para audição de um texto? Até que ponto é possível uma comunicação através de

intérprete digital de Libras? Enfim, o docente precisa ter a compreensão desse conteúdo, as

possíveis perdas nas informações, as interações e discussões que podem emergir.

“Então, eu estou tendo que aprender como usa, eu vou precisar da [nome da

pessoa], até porque tem coisa que trava. É difícil mexer com aqueles programas.

Não é muito fácil não! Eu pensei que era mais simples!” (SIC S1)

Outra questão abordada com os docentes foi a disponibilidade na universidade de

tecnologia digital para os estudantes, além dos tradicionais softwares e hardwares, tais como

a linha braille171

, lupas172

, impressora em braille, scanner, para facilitar aos estudantes o

acesso dos conteúdos a serem estudados. A maioria das respostas foi que havia limitação

nesse aspecto. S4 destacou apenas os dois JAWS no PPNE, uma impressora braille em

educação173

e o trabalho da biblioteca de áudio-livros174

e as cabines de audição, não trazendo

novas ofertas de recursos de acessibilidade. Em contrapartida, trouxe a utilização dos recursos

do programa Incluir.

“A aquisição de materiais, softwares, se centraliza muito no Incluir. Aquisição de impressora, de leitores de tela, scanners.” (SIC S4)

Ainda que houvesse uma verba específica direcionada para atender as demandas da

inclusão no que concerne a recursos digitais, que não sobrecarregaria o orçamento anual da

171

“Periférico de entrada e saída através de linguagem braille (com software próprio que converte braille para

texto e texto para braille)” (RIBEIRO, 2014, p. 33). 172

Que ampliam todos os elementos da tela, de acordo com a necessidade da pessoa de baixa visão (BRASIL,

2008b). Já faz parte dos computadores em diversas versões, mas pode ser feito download das lupas, com melhor

acessibilidade, e o ideal é que já houvesse opção em todos os computadores, para atender ao aspecto da

universalização dos acessos. 173

O trabalho específico do Laboratório para deficientes visuais, mantido pela Faculdade de Educação, será

debatido na categoria 5.4. 174

Esse trabalho mantido especificamente pela biblioteca será debatido na categoria 5.4.

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universidade, o que era oferecido era bem limitado e pontual, mesmo que essa oferta tenha

sido generalizada

“Mas também eu sei que as universidades foram aparelhadas com material específico

para o núcleo de acessibilidade. Aqui na UnB acredito que o PPNE deve ter esse material, nunca usei, não sei. Mas nessa experiência que eu tive com essa aluna, ela

tinha, ela já tinha o material dela, que ai eu não sei como foi adquirido, se foi

pessoalmente, ou se foi governo” (SIC D8)

D5 deu uma resposta mais especifica, ao dizer que havia tido

“...só um aluno com deficiência visual, e ele tinha todo o equipamento dele, então

isso não era, assim, necessário.” (SIC D5)

A partir dessas falas entra-se em outro campo de discussão. Qual o papel social da

universidade pública nesta questão? Se a universidade não oferece o recurso de maneira

disseminada para uso dos estudantes, pelos quais tem responsabilidade pela formação e tem

verba para isso, será que está mesmo sendo um espaço de igualdade de direitos, como garante

as legislações? Se um estudante for à biblioteca pode ter acesso a um livro, ler, pegar

emprestado, levar para casa, usar os computadores, tudo está acessível aos “normais”,

independente da condição financeira de quem vai utilizar esses serviços da universidade. Mas

com relação a esses recursos específicos, se a universidade não os oferece, apenas o aluno que

tem condição financeira de aquisição acaba conseguindo e não chega a quem tem menor

poder aquisitivo. Então, ocorre que a universidade não promove a equidade de direitos entre

seus educandos, pois é preciso que tudo esteja acessível a todos, se não a realidade

segregacional recaia sobre outros aspectos, além da deficiência, passa também pelo poder

aquisitivo. D9 trouxe em seu relato um depoimento que demonstra as dificuldades que as

pessoas menos favorecida e, no caso, com deficiência sensorial, podem passar, pela falta do

recurso digital

“Eu perguntei para ele [como ele trabalhava com computador e programas de

acessibilidade]. Ele disse: professora, eu não tenho computador porque me

roubaram [ele morava em uma cidade satélite e o roubaram no metrô]. Então,

[nome do aluno] usava um gravador muito grande, daqueles antigos, com

aquelas pilhas imensas. E ele gravava as aulas e escutava depois.”(SIC D9)

Esse estudante era inscrito no PPNE, uma vez que D9 recebeu a ‘carta’ comunicando

a presença deste, mas na época não conseguiu através da universidade um aparato tecnológico

mais acessível. Mais uma vez sobressai o esforço pessoal da pessoa com deficiência em busca

de sua formação.

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5.3.2.1 Mídias Locativas e Inclusão

Saindo do campo institucional, dos recursos para que o discente pudesse acessar os

conteúdos abordados nas disciplinas, passou-se à utilização da tecnologia digital móvel na

prática docente em sala. Esse talvez seja um dos aspectos mais relevantes. A invenção e o uso

do telefone por Alexander Graham Bel175

, nos anos de 1870, causou uma revolução radical no

aspecto da intercomunicação humana. O telefone celular, a partir de 1983176

, ampliou

exponencialmente essa revolução e o nível de comunicação. Entretanto, apenas a partir de

1992177

, ao ser inserido o recurso da mensagem de texto – Short Message Service (SMS),

ainda que em celulares de modelos extremamente simples, é que a pessoa surda pode fazer

uso desse aparelho de comunicação, que já era algo presente em quase todo o mundo

civilizado. O mais interessante é que a pessoa que criou a mensagem de texto não pensou

exatamente em uma pessoa surda para assim fazer, pensou na facilidade e acesso de

comunicação para todos. Atualmente, todos utilizam e talvez poucos se deem conta do quão

inclusivo e assistivo o recurso de mensagem de texto foi e é. O mesmo ocorre com as

mensagens de voz, que favorece ainda mais o acesso às redes sociais das pessoas cegas, mas

inclui todas as outras pessoas, tornando o acesso e comunicação universalizado.

Em vista dessa importância das mídias locativas para a pessoa com deficiência e para

a educação, é que se questionou a respeito do uso desses dispositivos na prática docente e seus

recursos no processo de inclusão, uma vez que esses dispositivos estão presentes, introjetados

ao cotidiano das pessoas, mas “desenvolver estratégias integradoras para entrar no jogo das

complementaridades com que as mídias atuais presenteiam, constitui o grande desafio dos

sistemas educacionais e curriculares no mundo contemporâneo” (SANTAELLA, 2013, p.

307). A comunidade docente da UnB, representada pela amostra, apresentava grande abertura

para uso dos dispositivos móveis, como foi corroborado pelo relato de D7,

“Não, não, eles podem utilizar, muitos até preferem hoje, nós é que somos

retrógrados. Assim, eu se puder desenhar ainda no quadro eu gosto. Mas, não,

completamente acessível.” (SIC D7)

175

Atualmente, é reconhecido como inventor do telefone o italiano Antonio Meucci, pela Resolução nº 269, de

11 de junho de 2002, do Congresso dos Estados Unidos (WIKIPÉDIA, 2015). Contudo essa é uma informação

que ainda não é disseminada, e no conhecimento popular ainda considera-se Bell como inventor do telefone. 176

A telefonia celular entrou em operação a partir de 1979 somente no Japão e Suécia, nos Estados Unidos e

para o resto do mundo a partir de 1983. (WIKIPÉDIA, 2015) 177

O recurso vinha sendo desenvolvido desde a década de 1980, a partir do conceito do engenheiro Matti

Makkonen, considerado o inventor desse recurso. (WIKIPÉDIA, 2015)

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E D1 traz um relato interessante que é a contraposição entre uso das mídias e a

atenção à aula e como isso pode estar atrelado à dinâmica docente

“Pra mim, assim, é o que está substituindo o caderno pra muita gente. Então, não

faz sentido: ah, o aluno não vai navegar na internet? É, se a aula estiver desinteressante, eu também. Entendeu? É um fator de dispersão, é. Mas é isso, eu

acho que a gente tem que pensar nas estratégias, porque, por outro lado, também,

assim, é uma informação rápida, entendeu?” (SIC D1)

Mas não basta apenas reconhecer essa importância e aceitar o uso em sala, é

importante utilizar os recursos oferecidos no processo didático. Para a atuação com pessoas

com deficiência, estas podem ser diversas, para comunicação, para pesquisa, para interação.

D7 trouxe isso em seu discurso, uma vez que tinha estudantes surdos e não falava Libras

“Então, eu acho que a gente tem que dispor dessas ferramentas tecnológicas que

facilitam, eu me comunico muito com eles, com esses estudantes surdos, também

nas redes escritas, que é como eles estão acessíveis o tempo todo. Isso mesmo é

uma coisa de adaptação, porque: liga pra o aluno. Liga não! Manda um SMS. É, e a tecnologia é um meio pra isso, acho que não tem como fugir não, nem resistir,

é irresistível mesmo!” (SIC D7)

Essa perspectiva de participação interativa nas redes sociais é algo que já faz parte do

modo de vida das pessoas, o que possibilita uma interação de todos com todos – estar dentro,

estar com e estar sendo. Um ‘espaço’ onde não se coloca ninguém em situação de deficiência,

mas é por excelência o espaço de universalidade de acesso. Além disso, “a partir das redes,

organizam-se coletivos em torno de interesses comuns, num processo auto-organizativo das

próprias comunidades.” (BONILLA; RAHMEIER, 2014, p. 53), como ocorre com a

comunidade surda e a divulgação da sua cultura.

Para acessibilidade de pessoas com deficiência auditiva, existem os aplicativos que

convertem voz em texto, só que não estão muito desenvolvidos, o que não deixa de ser um

recurso a mais na busca de acessibilidade à informação e comunicação. Outro aplicativo são

os tradutores de Libras, como HandTalk, Hugo, ProDeaf, que fazem o uso de “avatares que se

apoiam em banco de dados composto por um dicionário e por sintetizadores de vozes”

(SANTOS et al, 2013, p. 19), e podem ser acessados e utilizados por celular. Estes aplicativos

ainda são simples e têm pouca funcionalidade, mas para docentes que não conhecem Libras,

podem ajudar na interação com a pessoa surda. D8 trouxe como empecilho para o

desenvolvimento desses aplicativos, a questão da tecnologia utilizada ser ‘2D’, enquanto

Libras é tridimensional,

“Na maioria eles usam 2D, e ai o que acontece, eles ficam muito restrito a

vocabulário. Então, Libras você fala o vocabulário, mas você tem expressão

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corporal, expressão facial, e algumas coisas que você não precisa, por exemplo,

as pessoas imaginam: ah, não tem preposição em Libras. Tem, mas é feito no

espaço, com o corpo, com o movimento. Então, pra um boneco! O boneco ele

ajuda em algumas coisas, no básico. Então, assim, os aplicativos são

interessantes, alguns, é uma ferramenta a mais, mas..” (SIC D8)

Uma coisa a mais a ser pensada: em uma sociedade em que o cinema já está em fase

de uso de tecnologia ‘4D’, porque não investir em tecnologia ‘3D’ para o desenvolvimento de

aplicativos de acessibilidade a Libras? É certo que a indústria cinematográfica tem imensos

recursos financeiros. Porém, é preciso dar a devida importância ao ser humano e às suas

necessidades, que por sua dignidade merece os investimentos necessários para qualidade de

vida e sociabilidade interativa.

Esses dispositivos podem ser importantes também no processo pedagógico da pessoa

cega, afinal é possível gravar, e, utilizando aplicativos próprios, fazer a escuta de maneira

pausada ou acelerada, fazer cortes, aproveitando o que realmente for do interesse do estudante

e de maneira mais rápida.

“Eu sou a favor e eu permito que use. Se é para agregar conhecimento á aula, ao

aluno, a mim. No caso do cego, ele tem que gravar a aula. Então, pra mim, nós

aprendemos de diferentes formas, diferentes linguagens, e a linguagem

tecnológica tá ai ao nosso serviço. Então, eu não vejo nenhum problema dos

alunos utilizarem esses meios também pra aprender.” (SIC D8)

D2 se reportou mais especificamente a questão fundamental da acessibilidade aos

conteúdos.

“Inclusive eu uso as redes sociais para divulgação de material, divulgação de palestras, divulgação de ações que estão sendo feitas pela gente. Uso também a

rede social para uma disciplina, essa que vou dar aula daqui a pouco, todo o

material didático, todos os textos, estão na página desse grupo social em que eles

vão lá e pegam os textos, e leem, e desenvolvem.” (SIC D2)

Sem dúvida, ao relatar que, na disciplina que ministrava todo o material didático já

se encontra na rede, digitalizado, favorece sobremaneira o acesso para todos, uma vez que

pode-se ler, baixar, imprimir, ou, simplesmente, ouvir, através dos leitores de texto,

diminuindo a dificuldade de acesso das pessoas com deficiência. Em certa medida, o

conhecimento está ao alcance das mãos e o acesso a este na ponta dos dedos (SERRES,

2013).

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5.3.2.2 Acessibilidade Audiovisual

Um último aspecto tratado com relação à tecnologia digital foi à possibilidade de

colocação de legendas, janela de Libras, áudio-descrição ou outros recursos de acessibilidade

audiovisual, em materiais que fossem usados no processo didático. A colocação desses

recursos, inicialmente ligado apenas à acessibilidade de pessoas com deficiência auditiva, faz

parte da legislação há 15 anos, está presente desde a Lei 10.098/2000. Esta afirma, no artigo

19º, que: “os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de medidas

técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para

garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva.”

(BRASIL, 2000). Essa lei foi regulamentada pelo Decreto 5.296/2004, em seu artigo 8º, item

II, alínea d, assegura que devem ser eliminadas as “barreiras nas comunicações ou

informações: qualquer entreve ou obstáculo [...], que dificultem ou impossibilitem o acesso à

informação” (BRASIL, 2004), ampliando o alcance para a acessibilidade de pessoas com

deficiência visual. Como sempre, isso não ocorria e, em geral, quando um docente necessitava

de um material audiovisual teria que ir busca a adequação, para torná-lo acessível. Com isso,

permanecem as dificuldades, algo que é recorrente no país, como era na UnB.

“Não tenho nada vindo da universidade nesse sentido, o que faço é procurar, se a

gente vai fazer, usar um filme, com legenda.” (SIC D1)

Já D7 também reforçou isso, e traz o protagonismo docente para a busca de novas

possibilidades de acessibilidade

“É, não, isso tá sendo construído também. [...]

Então, assim, são iniciativas por grupo de pesquisa, que tão sendo

operacionalizadas.” (SIC D7)

Sem dúvida, o que ocorria eram ações individuais, nas atividades desenvolvidas por

alguns docentes ou departamentos, mas não como um recurso oferecido pela instituição.

Havia alguns professores que ministravam disciplinas, faziam trabalhos como atividade de

extensão, ou como campo de pesquisa de Pós-Graduação, ligada a legendagem e áudio-

descrição, como

“Um projeto de acessibilidade a produtos audiovisuais, legendagem e áudio-

descrição, mas é voltado para a comunidade.” (SIC D5)

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Como eram ações pontuais, foi questionado sobre se houvesse demanda do corpo

docente, se haveria a possibilidade de atender, D5 considerou que

“A gente pode fazer, mas nunca ninguém nos procurou nesse sentido.” (SIC D5)

Existia uma abertura dos docentes empenhados em determinadas pesquisas, em fazer

com que o processo de acessibilidade fosse universalizado. Contudo, considerava-se que seria

difícil com os recursos e pessoal que atuavam nessas pesquisas, por ser algo mais restrito, o

que dificultaria sustentar um atendimento generalizado para toda a universidade,

“Tem ações pontuais, não voltada pra toda a universidade, porque, inclusive, nós

não teríamos nem material humano pra desenvolver essas atividades para todo o

campus, ou para todos os campi. Não teria condição, teria, realmente, que haver

a contratação de profissionais.” (SIC D2)

Como a acessibilidade audiovisual se refere ao cumprimento de uma legislação e que

a universidade deve ter uma postura efetiva neste sentido, deveria realmente assumir e

oferecer aos docentes esses recursos. Mas eles não estavam presentes nem mesmo na UnBTV,

que era de responsabilidade restrita da universidade. De acordo com S5

“E horrível falar isso, mas é verdade. Eu não tenho, assim, perspectiva nenhuma

de dar acessibilidade.” (SIC S5)

Na programação produzida não havia a colocação de áudio-descrição, janela de

Libras; e quando acontecia, era para uma necessidade demandada de maneira pontual. Mas

havia o reconhecimento: “enfim, é uma falha gravíssima.” (SIC S5). Devido à falta de

recursos, no máximo, o que se fazia era a colocação de legenda, mas de maneira bem limitada

“Legenda, quando possível a gente faz, de algumas coisas, mas é muito da nossa

boa vontade.” (SIC S5)

Mas havia um projeto – “Projeto Participar”178

–, que envolvia um grupo de docentes

e departamentos, com a participação da UnBTV, e desenvolvia softwares livres para pessoas

com deficiência intelectual, síndrome de down e autismo, e estava sendo vista a possibilidade

de utilização por pessoas cegas. Isso aponta para outro campo de discussão direcionado a

atender as necessidades de adaptação para pessoas com deficiência, a tecnologia assistiva.

178

Projeto participar: http://www.projetoparticipar.unb.br/.

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5.3.3 Tecnologia Assistiva

Uma das categorias emergentes do campo foi a de tecnologia assistiva (TA), que se

tornou presente no discurso de alguns docentes, pois havia um núcleo para estudo e pesquisa

nesta área em desenvolvimento na UnB. Apesar de poder ser considerada uma das ações

associada à articulação dos docentes ou da instituição (que será discutido na categoria 5.4),

esta aparece separadamente, basicamente, por três aspectos. Primeiro, tinha o seu espaço

físico em outro campus, que ficava em uma cidade satélite – Ceilândia –, saindo da

delimitação do campo de pesquisa (o Campus Darcy Ribeiro); segundo, a implementação de

núcleos de tecnologia assistiva é uma ação garantida e financiada pelo governo federal179

, e

não, necessariamente, uma iniciativa dos docentes; terceiro, esse núcleo abrangia uma série de

pesquisas ligadas a diversos tipos de deficiências ou necessidades e não, especificamente, a

deficiência sensorial. Isso aparece no relato de D5

“O núcleo de Tecnologia Assistiva, ele tem vários professores envolvidos, e,

atualmente, desenvolve pesquisa nessa área. Tem vários setores, desde a área da

saúde, da área de.., por exemplo, próteses para amputados, atendimento a idosos,

com algum tipo de lesão, deficiência.” (SIC D5)

Pela abrangência à qual pretendia alcançar este núcleo, evidente que as deficiências

sensoriais faziam parte desses estudos, conforme ficou explícito no discurso de D6, que

participava de

“Uma pesquisa sobre tecnologia assistiva e acessibilidade, para pessoas com

deficiência visual, que está incluída no núcleo de tecnologia assistiva,

acessibilidade e inovação, da Universidade de Brasília. São vários departamentos, é uma rede formada por departamentos, todos trabalhando em

tecnologia assistiva e acessibilidade.” (SIC D6)

TA é um campo que vem de desenvolvendo nos últimos anos, ainda assim, é pouco

conhecido em todas as suas dimensões. Por isso, são importantes discussões, estudos e, muito

mais, “que se lute no Brasil e no mundo todo para que sejam reconhecidos”, não apenas todo

o potencial relacionado a TA, mas este “como pertencentes aos direitos das pessoas com

deficiência” (ITS-BRASIL, 2012, p. 63). Tecnologia Assistiva é definida pelo Comitê de

Ajudas Técnicas como:

[...] uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba

produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam

179

Conforme o Decreto nº 7.612, de 17 de novembro de 2011.

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194

promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com

deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia,

independência, qualidade de vida e inclusão social (BRASIL, 2009c).

O desenvolvimento de pesquisa em tecnologia assistiva tem sido incrementado no

Brasil, especialmente, a partir do Decreto 7.612/2011, que instituiu o Plano Viver sem Limite

(BRASIL, 2011b). De acordo com este Plano, “para ampliar o número de produtos de

tecnologia assistiva disponíveis, é necessário o investimento em pesquisa.” (BRASIL, 2013,

63). Para isso, tem como uma de suas prorrogativas o financiamento e a implantação de

núcleos de TA em diversas universidades em todo o país (também em institutos de pesquisas),

iniciando, assim, a organização destes espaços no cenário acadêmico. Para concretização

desta meta, foi organizado um programa específico e direcionado uma agência de fomento

para dar a sustentabilidade financeira

O Programa Nacional de Inovação em Tecnologia Assistiva é implementado pelo

MCTI180

e pela Finep181

e tem como objetivo apoiar o desenvolvimento de produtos,

metodologias, estratégias, práticas e serviços inovadores que aumentem a autonomia,

o bem-estar e a qualidade de vida de pessoas com deficiência. A Finep disponibilizará

recursos para universidades, institutos de pesquisas ou empresas que desenvolvem

pesquisas de inovação com elevado risco tecnológico associado a oportunidades de

mercado. (BRASIL, 2013b, p. 60).

Apesar de ser um campo de ação que deveria ser institucionalizado, uma vez que

pelas disposições da lei, é uma responsabilidade da universidade, na UnB, o núcleo de TA

estava se formando e ainda não era muito conhecido, nem mesmo por docentes que não

estivessem, de alguma forma, participando das discussões neste campo. Essa falta de

conhecimento foi um dos pontos abordado pelos docentes, conforme foi relatado por D3

“Existe esse núcleo de Tecnologias Assistivas, da UnB, mas está se formando, e

ainda não houve um trabalho de trazer esse núcleo pra dentro da universidade, pra que as pessoas conheçam, saibam o que eles estejam fazendo, enviei

demandas pra que eles deem soluções, e, sobretudo, que não existe a adoção, a

inclusão das pesquisas, dos trabalhos que eles fazem, no dia-a-dia da

universidade.” (SIC D3)

“Muito pouca gente aqui conhece o núcleo, e a universidade não faz uso desse

núcleo, foi uma das questões que eu levantei, a gente tá aqui pra fazer, promover

o que é necessário, e isso já foi falado, já na reunião anterior e nessa. Mas,

infelizmente, não.. a gente não é demandado, infelizmente é isso.” (SIC D5)

180

Ministério da ciência tecnologia e inovação. 181

Financiadora de estudos e projetos (Finep)

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195

Sem embargo, as pesquisas sobre tecnologia assistiva no país são recentes e, por

vezes, é um campo de estudo pouco conhecido, mesmo no meio acadêmico, tornando-se pouco

reconhecido o seu papel, o que pode limitar a sua amplitude de ação e, com isso, os benefícios que

esta ação com certeza iria propiciar na vida de tantas pessoas. No Brasil o Comitê de Ajudas

Técnicas (CAT) é que está à frente das decisões que possam colaborar no processo de

desenvolvimento para a área de Tecnologia Assistiva. Este comitê foi instituído em 2006, pela

Portaria nº 142, e a sua criação foi motivada a partir das diretrizes do Decreto 5.296/2004, que

dispõe sobre acessibilidade, e já trazia no capítulo VI, artigo 61, a discussão sobre Ajudas

Técnicas, no qual se afirma que:

Para os fins deste Decreto, consideram-se ajudas técnicas os produtos,

instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente

projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência

ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou

assistida (BRASIL, 2004).

O Comitê de Ajudas Técnicas, que é ligado à Secretaria Especial dos Direitos

Humanos (SEDH), tem como um dos seus objetivos viabilizar as diretrizes para a ampliação

do campo de estudo e atuação em tecnologia assistiva, que, por suas ações e recursos,

favorece a acessibilidade e a autonomia de pessoas com deficiência, a partir do

desenvolvimento, implementação de soluções de adaptabilidade e da adequação de recursos,

produtos ou estratégias. A TA, ao que inicialmente pode configurar, não diz respeito apenas

ao uso das TIC. Pelo contrário, recursos simples como a adequação de uso de lápis ou caneta,

usando material como epóxi ou fita adesiva, para facilitar a preensão ao pegar, ou muitas

outras possibilidades de acessibilidade, que vise a funcionalidade do uso de materiais,

produtos e recursos, são considerados tecnologia assistiva. Na UnB, havia já uma série de

pesquisas sendo desenvolvidas, conforme apresentado na fala de D2

“O pessoal da fisioterapia desenvolve mecanismos para impulsos elétricos, para

as pessoas que têm alguma deficiência motora. O pessoal da mecatrônica

desenvolve próteses182 e órteses183 para pessoas com algum tipo de deficiência.”

(SIC D2)

Especificamente, para a questão do atendimento de demandas de pessoas com

deficiência sensorial D7 trouxe que esse

182

Próteses são dispositivos desenvolvidos para substituir total ou parcialmente uma parte ou função do corpo

ausente ou com alteração da estrutura. (EUSTAT, 1999; ITS-BRASIL, 2012) 183

Órteses são dispositivos aplicados para apoiar uma função ou modificar as características estruturais e

funcionais. (EUSTAT, 1999; ITS-BRASIL, 2012)

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“grupo que vem trabalhando mais com essa parte da tradução, legendagem, na

área de acessibilidade.” (SIC D7)

Com relação à comunidade docente, este núcleo estava tendo uma importância ímpar

para a interação destes entre si e com os estudantes, para trocas de experiência e

conhecimentos, o que enriquece didática e pedagogicamente e, com isso, favorece uma prática

acadêmica mais “inclusiva”

“É no núcleo de tecnologia assistiva da universidade, onde todos os professores e

alunos, que desenvolvem pesquisa na área de acessibilidade e inclusão, mostram

e trocam experiências nas mais variadas áreas do conhecimento dentro da

universidade, que é um ponto bem positivo para a universidade hoje”. (SIC D2)

Além do mais, de maneira específica D2 destacou que

“Uma das tentativas de fazer essa divulgação do tema da inclusão da

universidade vai partir desse núcleo de tecnologia assistiva, em mostrar as

pesquisas que estão sendo desenvolvidas dentro da universidade.” (SIC D2)

Os recursos de TA e em tecnologias digitais podem propiciar ou favorecer o

aprendizado ou a produção de conhecimento, e colaboram para viabilizar a universalização

da acessibilidade no âmbito educacional, inclusive no nível superior. Ações e pesquisas

nessas áreas precisam ser incentivadas e divulgadas, dentro das próprias universidades ou por

trabalhos de pesquisa e artigos. Claro que outras ações vinham sendo pensadas ou

desenvolvidas na UnB pelos docentes e pela instituição. É imprescindível, então, abordá-las

para que possam enriquecer este campo de estudo.

5.4 AÇÕES DOCENTES E INSTITUCIONAIS PARA ARTICULAÇÃO DE

UMA PRÁTICA INCLUSIVA

Percebeu-se que os docentes que tinham atuação ligada às pessoas com deficiência

em seus departamentos, conseguiam se mobilizar para empreender ações, mas isso ainda não

era uma realidade institucionalizada, pois partiam de demandas pessoais, das dificuldades

vivenciadas pelos docentes no contexto acadêmico, e que levava à busca de soluções mais

efetivas.

“Então, são essas iniciativas, o que eu sei, assim, é que isso, aqui na UnB, parte

prioritariamente das unidades acadêmicas, apesar de a gente ter um programa de

apoio a portadores de necessidades especiais, o programa ele tem mais...tem

desempenhado mais uma função de capitalizar as informações, do que

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propriamente de propor iniciativas. As iniciativas, no que eu sei, têm ficado no

âmbito das unidades acadêmicas.” (SIC D7)

É essencial, então, conhecer as ações ou articulações que estavam sendo construídas

ou almejadas nesse sentido. E estas eram as mais diversas, desde ações muito específicas e

pontuais, feitas por docente como atividade de disciplina, pesquisas de pós-graduação,

atividades de extensão, até aquelas que tinham como ideal tornar-se mais generalizadas ou

mesmo institucionalizadas. Na maioria dos casos, essas ações tinha financiamento de pesquisa

– CAPES/CNPq –, mas não o apoio da universidade para esses trabalhos tornarem-se mais

disseminados. Dois docentes trouxeram no discurso projetos de pesquisa ligados a áudio-

descrição

“Eu tenho um projeto de extensão que é em áudio-descrição. Na verdade é um

projeto de acessibilidade a produtos audiovisuais, legendagem e áudio-descrição, mas é voltado para a comunidade. A gente faz, por exemplo, áudio-descrição de

filmes, que alguma entidade pede, alguma entidade sem fins lucrativos, e também

áudio-descrição em eventos, muitos órgãos do governo chamam a gente para

fazer áudio-descrição presencial.” (SIC D5)

Como fruto dessas pesquisas e como maneira de ampliar o entendimento nessa área,

eram oferecidos também cursos de capacitação na área de áudio-descrição

“O que a gente tem feito é o desenvolvimento de cursos de áudio-descrição. A

cada ano a gente desenvolve cursos de 40h para a comunidade interna e

externa.” (SIC D2)

O campo da áudio-descrição tem se desenvolvido nos últimos tempos, mas ainda tem

pouca visibilidade, por ter sido um aspecto relegado ao esquecimento por anos. O fato das

pessoas com deficiência visual ouvirem já era considerado suficiente para que elas tivessem

acesso a um filme, um vídeo, ou qualquer conteúdo audiovisual. Apenas com a

conscientização sobre os direitos dessas pessoas é que isso foi mudando. Inicialmente, a

legislação estava mais direcionada para a obrigatoriedade de legendagem, conforme a Lei

10.098/2000, que dispunha sobre a colocação de subtitulação, atendendo a acessibilidade de

deficientes auditivos (BRASIL, 2000). Apenas com o Decreto 3.296/2004 é que passa-se a

pensar no acesso audiovisual de maneira mais ampla, atendendo também a acessibilidade de

pessoas com deficiência visual. Atualmente, esse se tornou um campo de pesquisa acadêmica,

com várias dissertações é até teses defendidas, além de atividades de extensão, propiciando o

entendimento sobre a importância desses aspectos junto à comunidade.

Outra atividade na área audiovisual era o desenvolvimento de filmes de animação,

com o objetivo de favorecer o conhecimento e divulgação da cultura surda na academia e na

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sociedade como um todo, uma vez que esses filmes eram disponibilizados na internet. Era um

projeto de pesquisa que envolvia pessoas surdas, estudantes e membros da comunidade

externa. Esse material era usado em atividade de disciplinas do departamento onde eram

feitos, ou em atividades em escolas, como parte do projeto. De acordo com D4

“A gente desenvolve filmes de animação, filmes de animação criados por eles,

utilizados por eles, e esses filmes a gente usa no ensino, na apresentação para

estudantes universitários, em disciplinas de graduação, e também para o público

em geral.” (SIC D4)

Essas eram ações mais ligadas a pesquisas específicas, o que era algo recorrente,

mostrando que havia pessoas comprometidas com o tema.

“Então, assim, são iniciativas por grupo de pesquisa, que tão sendo operacionalizadas.” (SIC D7)

Havia também atividades que diziam respeito a ação departamental, incorporadas às

atribuições desses departamento, tanto ligadas à graduação quanto a pós graduação, que

ampliavam as possibilidades de acesso de pessoas com deficiência à universidade, bem como

as possibilidades de recursos para estas. Um trabalho apresentado foi o Laboratório de Léxico

em Libras, do Instituto de Letras. Era um trabalho considerado interessante e com uma

atividade muito específica

“Nós temos um laboratório no departamento de linguística e funciona com esses

estudantes surdos da pós-graduação, [...] então, eles estão trabalhando lá

também na criação de sinais, de terminologia em sinais para várias áreas do

conhecimento. Então, nesse laboratório, eles estão começando um trabalho de

banco de dados, de formar esse banco de dados em sinais nas várias áreas do conhecimento. Então, esse é um espaço que tá sendo construído e que

futuramente poderá servir a isso.” (SIC D7)

No entanto, esse tipo de trabalho apresentava uma ambiguidade de visão. As pessoas

ligadas à cultura surda têm certa apreensão com relação ao processo de criação de sinais em

laboratórios, para uma possível correspondência mais plena com a língua portuguesa. De

antemão, pode parecer muito bom e útil, mas ao se deparar com a realidade com a qual a

Libras foi construída e se desenvolve, isso pode ter influência negativa na constituição da

Libras dentro da cultura surda. Essa perspectiva foi trazida por D4

“O que acontecia no passado, que vai ser coisa do passado, é o seguinte: o surdo

cria o sinal, se ele for bom ele vai ser usado, se dissemina por si só, porque é

bonito, um gosta, acha legal, acha simples, acha compreensível, tem um monte de

critérios, que são estabelecidos pelo grupo.” (SIC D4)

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199

E deve-se respeitar esse grupo e conceber que, mais que uso de sinais, essa é uma

língua que faz parte de uma cultura e da constituição da identidade dos sujeitos surdos, de sua

forma de falar e se expressar. Libras é uma língua que foi criada e é “utilizada por uma

comunidade específica de usuários, que transmite de geração a geração e que se modifica

estrutural e funcionalmente ao longo do tempo” (SANTOS et al, 2013, p. 17), como ocorre

com qualquer língua. Nenhuma língua (seja qual for) se desenvolve em laboratório, mas pela

usabilidade, e não é pelo fato de ser expressa em sinais que a torna um produto produzível

‘em laboratório’, mas talvez isso ocorra por não ser reconhecida como língua. A questão

trazida para justificá-lo era a necessidade de sistematização e de criação de sinais para ter

correspondência com o português falado. Mas ela já é considerada um sistema linguístico

legítimo, com uma sistematização própria, que a torna absolutamente funcional desde que a

mesma existe, e contém todos os elementos184

e funções linguísticas, e não apenas se constitui

de sinais, mas de sentimento, de expressões emocionais, além das gramaticais

(NASCIMENTO, 2013; SANTOS et al, 2013). A própria Lei de Libras – 10.436/2002, no seu

artigo 1º, parágrafo único, a considera como um “sistema lingüístico de natureza visual-

motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão

de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.” (BRASIL, 2002)

Libras é considerada “a língua própria dos surdos, a qual proporciona outros modelos

de identificações, além daqueles que se baseiam na cultura ouvinte” (NASCIMENTO, 2013,

p. 17). E estes que a criaram e desenvolveram ao longo dos anos é que compreendem, no

contexto social e cultural, estes modelos de identificação e a necessidade de sinais, uma vez

que sendo uma língua própria, não tem a necessidade de todas as correspondências com a

língua portuguesa falada. Neste sentido, D4 despertou para essa questão, reafirmando que a

necessidade de criação de sinais por grupos, pode ser fator para considerar a inferiorização

dessa língua

“A gente tá dizendo: sua língua não tem, sua língua é inferior, você quer que sua

língua seja igual a nossa, crie um monte de sinais, ai sua língua vai ter todas as

correspondências, e não precisa.” (SIC D4)

Anteriormente, os sinais eram constituídos na base, na relação entre eles, nos

encontros para discutir interesses, necessidades e a língua, no espaço sociocultural, mas sendo

criados fora dessa realidade, em um espaço artificial, passa a haver até uma perda de sentido,

184

De acordo com Nascimento (2013, p. 05), “A língua de Sinais (Libras), com sua característica de

universalidade, possui todos os elementos organizadores de qualquer língua oral”.

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pois sua disseminação não segue o percurso historicamente constituído. Também, criando

sinais que são impostos por uma elite universitária à comunidade surda, que tem a habilidade

e vivência da língua, mas não o now hall acadêmico, pode ocorrer uma constituição de poder,

uma hierarquização de pessoas

“Agora, se tem uma pessoa surda, de nível superior, que fala assim: eu criei o

sinal. [...] Então, nós estamos estabelecendo uma hierarquia, uma maneira de

proceder, estamos jogando isso para dentro do mundo deles.” (SIC D4)

São realmente muitas questões a serem problematizadas. Mas, ainda em se tratando

da cultura surda, havia uma outra atividade, promovida pelo Instituto de Psicologia, que

merecia destaque, pela inovação e peculiaridade. Para as pessoas com deficiência auditiva, em

geral, a comunicação com os ouvintes é mediada por um intérprete, visto que a Libras ainda

não está incorporada à educação nacional, e, muitas vezes, é considerada algo direcionado

apenas às pessoas surdas. Isso dificulta a interrelação em diversos aspectos, especialmente no

caso da pessoa querer trazer demandas íntimas e pessoais. Nesse sentido, havia uma ação de

vanguarda que era o atendimento de questões de sofrimento psíquico de pessoas surdas, com a

comunicação direta em Libras, não sendo necessário a mediação de intérpretes, dando ao

sujeito a oportunidade de expor mais diretamente para o profissional as suas demandas

psíquicas. D8 trouxe em sua fala como isso era algo raro de acontecer, uma vez que

“..é difícil você encontrar um psicólogo que saiba lidar, que saiba Libras, que

saiba cultura surda. Então, a gente tem já ações, mas são isoladas.” (SIC D8)

Como se percebe, eram várias ações, mas algo recorrente na fala dos docentes era a

falta de divulgação dessas diversas ações empreendidas e da interrelação dos departamentos

nesse sentido – eram individualizadas e não institucionalizadas. A falta de comunicação,

dentro da própria UnB, não levava ao conhecimento dessas atividades, que ficavam restritas a

cada departamento, e não abarcava da melhor maneira as demandas da universidade.

“A gente já avançou, mas as falhas, elas estão exatamente na

interrelacionalização dessas coisas, na interconexão, na política mais

institucionalizada e em pessoas comprometidas eticamente pra que as coisas

aconteçam.” (SIC D8)

D2 tentou trazer uma justificativa, que em tempo reconhece que não pode ser

sustentada

“Mas, realmente, as informações dentro da universidade de Brasília elas não são

muito divulgadas, vamos dizer assim. É uma universidade muito grande.

Lógico que isso não seria uma desculpa para que os departamentos e os institutos

dialogassem mais, até porque internet tá, né? A forma viral de você fazer as

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coisas, as informações chegarem para o grande público elas estão ai. Mas,

infelizmente, não conseguimos chegar lá.” (SIC D2)

Ainda que houvesse docentes empenhados na divulgação das atividades isso ainda

era deficitário. Ao que parecia esse era um problema do meio acadêmico e não

especificamente uma questão estanque presente na UnB. Diversas pesquisas têm apontado nas

conclusões para essa dificuldade de disseminação das informações em pleno período de

evolução tecnológica no campo da comunicação.

No tocante à dimensão comunicacional da acessibilidade, percebeu-se a falta de

articulação dentro da própria instituição em termos de socializar as formas de

comunicação existentes em termos de assegurar a acessibilidade das pessoas com

deficiência. (SANTOS, 2013, p. 155)

Todavia, essa necessidade de articulação já havia sido percebida e buscavam-se

alternativas para melhorar nesse aspecto. Havia, na época, iniciado um movimento

empenhado nessa e em diversas outras questões ligadas à acessibilidade e inclusão, e foi uma

das mais relevantes e recorrentes atividades apresentadas pelos docentes. Estava se formando

um coletivo, um grupo de docentes comprometidos com esse campo de ação, para ter uma

maior articulação e representação junto aos órgãos da universidade. O movimento havia

iniciado cerca de três anos antes, quando, de acordo com D1,

“A gente fez um seminário aqui e uma das coisas que a gente tirou, sobre

inclusão na UnB, uma das coisas que a gente tirou foi justamente a necessidade

de ter mais capilaridade, de talvez ter um comitê de inclusão por instituto,

entendeu?” (SIC D1)

Esse seminário, em realidade um Fórum, havia ocorrido nos dias 26 e 27 de setembro

de 2012, e coincidiu com o aniversário de 50 anos da Universidade. Na oportunidade,

discutiram as questões ligadas às dificuldades na implementação de condições para a chamada

inclusão na UnB, uma vez que já se vinha cogitando maneiras de mudança na estrutura, ações

e atuação ligadas ao atendimento de pessoas com deficiência. De acordo com D3,

“No ultimo dia a gente fez uns GTs, cada um temático, e teve a plenária final,

onde a gente reuniu todas as propostas e demandas de cada GT.” (SIC D3)

A compilação organizada dessas demandas deveria se transformar em um documento

orientador, considerado de importância ímpar para despontar as ações que levassem a uma

mudança institucional e se tornasse inculturada. Esse documento era para ser entregue à

reitoria por um grupo representativo – com docentes, estudantes, órgãos de atuação na área da

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“inclusão”. Contudo, após uma série de dificuldades relatadas em entrevista, apenas cerca de

três anos depois foi possível concretizar esse objetivo, com um documento das demandas

(ANEXO E) a serem alcançados pelos devidos setores

“Então, esse documento a gente entregou dia 29, agora, de abril [2015], para o

reitor, mas voltado para cada setor, da reitoria, esse aqui da prefeitura, outro do

PPNE.” (SIC D3)

E foi a partir da articulação dos docentes, engajados nesse processo, que se chegou

ao ideal de organizar um coletivo (ANEXO F), uma vez que não basta discorrer sobre quais

os pontos que demandam mudanças e ações, mas é preciso estar mobilizado para a

concretização dessas ações pelos setores e órgãos responsáveis. Conforme D3,

“A gente tomou a decisão de criar um coletivo que pretende ter um trabalho em

várias áreas. Mas, de modo resumido, seria basicamente para trabalhar a questão da educação, pra formação dessa cultura, na mudança da cultura, das

mentalidades, da visão da universidade, assim, de uma ponta a outra, da base ao topo, do topo à base. E a outra é numa militância prática de cobrança.”(SIC D3)

Como a pesquisa ocorreu em maio, esse trabalho estava iniciando, e, conforme

relatou D5, esse era um trabalho que estava sendo organizado e, até o momento, havia tido

duas reuniões. Esse coletivo foi denominado “Acessibilidade, Inclusão e Diversidade na

UnB” AID- UnB (ANEXO F), e já havia uma série de docentes engajados e de propostas

sendo organizadas para serem postas em prática, para levar a

“Uma cultura de acessibilidade na UnB, porque não é só a questão de arrumar

uma calçada, isso é primordial! Mas ter uma cultura mesmo. Ter o site acessível,

você ter editais acessíveis, não é? Que sejam gravados, que sejam traduzidos para libras, pra que as pessoas realmente tenham acessibilidade aos conteúdos,

não só ao espaço, mas aos conteúdos, na universidade.” (SIC D5)

E uma das ações diz respeito, efetivamente, à articulação de conhecimento, de troca

de experiências, de construção coletiva, para que as informações possam ser disseminadas e

possam alcançar o objetivo de mudança cultural.

“Então, você vai ver que muitas demandas aqui nesse coletivo é exatamente isso,

a gente tentar reunir o que existe na universidade em termo de pesquisa, de

produção, relativas a acessibilidade, a inclusão, a deficiência, a diversidade, e

tentar aplicar esse conhecimento, para que a acessibilidade melhore na

universidade. E ai cobrar de cada órgão da UnB, realmente a adesão a esse

compromisso de que a lei, sobretudo, que a legislação seja cumprida.” (SIC D3)

É certo que havia algumas dificuldades e restrições para uma prática acadêmica

considerada inclusiva. Porém, em meio às dificuldades, a imparcialidade e inércia não são

respostas adequadas, é preciso estar atento à realidade e se posicionar diante dela procurando

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maneiras para transformá-la. E esse foi um aspecto presente na UnB, especialmente, no que se

referia às ações dos docentes, articulação dos grupos de pesquisa ou alguns departamentos,

que estavam fomentado uma série de iniciativas, para que algumas mudanças pudessem ser

concretizadas. Ações que conseguiam fazer a diferença pelo compromisso com o qual eram

empreendidas, ainda que com suas restrições.

“O contexto social tem que ser considerado, senão a gente fica: nossa! Não

funciona nada. Pera ai! Tem umas coisas, mas elas não tão funcionando a

contento, estão longe de serem perfeitas. Então, eu acho que o trabalho, ele já

tem umas ações muito interessantes, que eu acho que o departamento de

Linguística, a Faculdade de Educação e a Psicologia se destacam, nos trabalhos

que eles veem fazendo.” (SIC D8)

De maneira mais institucional, o trabalho ligado à demanda da pessoa com

deficiência sensorial era o da Biblioteca, mais especificamente a Biblioteca digital e sonora

(BDS). Esse era um trabalho muito bem elaborado, um referencial na UnB, que vinha se

desenvolvendo já há alguns anos e tinha a participação e articulação de várias pessoas

interessadas, voluntários e funcionários. De acordo com S1, esta biblioteca

“Foi criada em 2008, e passa por uma série de dificuldades, porque ela foi

raqueada duas vezes e para colocar no ar novamente foi difícil. [...]

Ela foi criada no software livre pelo pessoal de informática aqui da UnB.” (SIC

S1)

Pelo fato da biblioteca ter sido crackeada185

duas vezes, ocorreram problemas, como

a dificuldade de recuperação de informação, e, da segunda vez, até para recuperação das

senhas. Devido a essas questões, resolveram mudar, e há cerca de quatro anos houve a

migração do acervo do banco de dados original para o DSpace186

, que é uma plataforma,

também open source, que dá suporte a bibliotecas digitais no mundo, pois permite o depósito

de documentos e disponibilização na internet. Na época da entrevista, o trabalho da biblioteca

estava em pleno funcionamento e buscando melhorar a qualidade do serviço, ampliar cada vez

mais o acervo e o atendimento.

Esta biblioteca trabalhava com dois tipos de acervos: o digitalizado e o gravado. No

digitalizado ocorriam duas operações. Digitalizava o livro para ser lido por um programa de

leitor de texto, e fazia a áudio-descrição das imagens, gráficos e tabelas, transformando a

185

Hacker são pessoas que, seguindo uma ética, trabalham pelo desenvolvimento de programação de

computadores, dos sistemas operacionais e da internet. (PRETTO, 2010) Os que se utilizam do conhecimento

para invasão de sistemas são crackers, que quebram a ética hacker. Assim, os espaços virtuais são crackeados, e

não hackeados. 186

DSpace também é um sistema de software livre, o que esclarece que o fato da biblioteca ter sido crekeada não

foi em função do software ser livre. (http://www.dspace.org/).

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imagem em texto, esse texto era digitado, escaneado e associado ao conteúdo antes

digitalizado, seguindo um manual próprio da biblioteca, desenvolvido por uma docente com

deficiência visual. Essa parte de áudio-descrição procurava ser feita o mais detalhada possível

para dar autonomia ao usuário no entendimento da informação que escutava. Para isso,

contava com a participação de profissionais de várias áreas do conhecimento.

Para o acervo gravado era feita a leitura do texto, juntamente com áudio-descrição

das imagens, com a gravação feita em cabines acústicas. Incialmente, o acervo gravado era

mais direcionado à literatura e romance. Depois de um estudo de usuário, essa parte do

trabalho passou a ser desenvolvida a partir das demandas trazidas por eles, facilitando assim o

acesso às informações para a sua formação. Para esse trabalho era necessário pessoas

voluntárias, como informou D2,

“É, inclusive há um trabalho grande na biblioteca, que a gente chama de BCE,

Biblioteca Central, que é de arregimentar voluntários para fazer áudio-livros.”

(SIC D2)

A BDS atendia à solicitação de qualquer uma das pessoas com deficiência visual

cadastradas na biblioteca e não apenas estudantes da UnB. Para fazer esse cadastro era

necessário preencher um formulário online187

e anexar documentos pessoais e laudo médico,

uma vez que para preservar os direitos autorias só poderia ser usada por pessoas

comprovadamente deficiente visual, segundo S1. Apesar de ser um trabalho organizado e

extremante útil, para S1, na época, ainda havia algo a ser complementado

“Está faltando à BDS aquela divulgação para ela decolar de vez, isso está

faltando. [...] Falta ainda muita divulgação, porque é uma biblioteca especial e é

um trabalho fundamental, porque leva a informação adequada, adaptada para a

pessoa. Não adianta ter esse mundo de informações188 que não são adaptadas.” (SIC S1)

Já estava sendo feito um trabalho, em articulação com o PPNE, para levar ao

conhecimento das pessoas com deficiência visual esta atividade da BDS, tão necessária ao

processo de acessibilidade aos conteúdos. S1 achava isso indispensável, porque para a

formação de pessoas com deficiência visual, muitas vezes, o que faltava era a acessibilidade à

bibliografia

“Eles não conseguem ter acesso a todos os conteúdos.

Eles não têm igualdade de condições exatamente por causa do acesso à

informação. É difícil! E é assim, falta também a comunicação.” (SIC S1)

187

Através do sítio: http://bds.unb.br/. 188

Fazendo referência ao acervo de livros da biblioteca.

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Igualmente ligado às demandas das pessoas com deficiência visual, estava o

Laboratório para Deficientes Visuais (LDV), que funcionava na Faculdade de Educação (FE).

Na época da pesquisa o mesmo estava fora de funcionamento. A justificativa dada foi o fato

do prédio que abrigava o laboratório estar em reforma, e, desta forma, também a sala onde ele

funcionava. Com isso, não foi possível ver in loco os recursos oferecidos e as atividades

exercidas no mesmo. Ainda que conseguindo informação que o laboratório seria

reinaugurado189

, D8 se refere a ele no passado190

“Antes tinha o laboratório de deficiência visual, lá na Faculdade de Educação,

onde os alunos da UnB, cegos ou com baixa visão, iam até lá pra poder o texto

ser escaneado, ou para ser, como é? Transformado em braile, pra tornar o texto

acessível. E essas coisas hoje em dia estão cada vez mais perdendo espaço, em

nome desse discurso de que na inclusão as coisas não podem ser adaptadas.” (SIC D8)

Não compreender a necessidade das adaptações191

é um discurso de quem não

vivencia a realidade da pessoa com deficiência. Mesmo porque, por mais que haja evolução

no campo digital e ofereça milhares de recursos, não justifica tirar da pessoa com deficiência

um recurso a mais. E estas pessoas têm o direito de escolher como deseja usar o seu material –

digitalizado ou impresso em braille, da mesmo forma que todos os demais estudantes podem

optar por cópia em papel ou acesso digital. Mas a importância desse espaço foi ressaltada na

fala de vários docentes, como a de D7

“A Faculdade de Educação nossa aqui, tem um laboratório de braille, pra cego,

enfim, adaptação de materiais para estudantes cegos, e também acho que

funciona bem.” (SIC D7)

O trabalho desse laboratório era um dos mais antigos para atendimento de pessoas

com deficiência na UnB. Iniciou o trabalho com textos em braile e gravação de áudio com fita

cassete192

, mas com o tempo foi se adequando às perspectivas de acesso a informação de cada

época, utilizando computadores e gravação de DVD e, os novos recursos digitais para

produção e disseminação de informação, com os materiais e conteúdos digitalizados. Com

isso, segundo D6,

189

Informação conseguindo na Faculdade de Educação. 190

Acredita-se que D8 utilizou o verbo no passado devido ao tempo que fazia que o laboratório estava fechado, e

na época não informaram quando retornaria, uma vez que é preciso compreender as demoras nas obras

executadas no sistema público. 191

O ideal é que as coisas fossem adequadas, não o sendo devem, sim, ser adaptadas. 192

Ou fita K7. Material em fita magnética usado para gravação/reprodução de áudio – música ou voz –, utilizado

da década de 1960 até o final a década de 1990, quando começou a entrar me desuso, pelo avanço de outros

meios como o CD. (WIKIPÉDIA, 2015)

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“A gente foi, realmente construindo num grupo, mesmo que pequeno, dentro da

Faculdade de Educação, toda essa proposta, e o laboratório realmente ganhou

uma visibilidade com trabalho muito importante.” (SIC D6)

Realmente, por vários anos, na UnB, esse era o principal espaço para a pessoa com

deficiência visual ter acessibilidade aos conteúdos, uma vez que iniciou quando ainda não

havia tantos recursos digitais disponíveis, e a universidade era ainda menos adequada e

propensa a atender às necessidades das pessoas com deficiência. Foi mesmo um marco

histórico na UnB, abrindo caminho para a acessibilidade em uma época que não havia ainda

sequer a sustentabilidade dos programas de governo para o acesso e a permanência de pessoas

com deficiência na educação superior. À época da pesquisa esse laboratório atuava em

articulação com o PPNE, para atendimento dos estudantes da UnB e da comunidade em geral,

que necessitassem de conteúdos e assistência acadêmica na área da deficiência visual.

“O laboratório é uma responsabilidade da Faculdade de Educação, mas,

independente disso, o PPNE não se limita a colaborar com o laboratório.

Inclusive, o laboratório foi montado com equipamentos todos oriundos do PPNE.

Foi a gente que correu atrás de recursos e montamos e temos que saber como

está a situação, como a faculdade está tratando o laboratório.” (SIC S4)

S4 também argumentou que

“Nós tentamos trazer o laboratório para um local mais acessível aos estudantes,

mais centralizado, que é o ICC, mas a faculdade achou, entendeu que seria

melhor ele permanecer lá.” (SIC S4)

Sem dúvida, é um trabalho importante e que deveria estar o mais disponível para

atender ao seu público, mas para um trabalho que discute inclusão como universalidade de

acesso, pode ser questionável a mudança de local, visto que a Faculdade de Educação já tinha

um histórico e era o referencial nesse campo, e na universidade com facilidade as pessoas

sabiam informar onde ele se encontrava. Apenas mudar de lugar não muda a questão, que

seria deixar de ser localizado para se tornar universalizado. Pensando especificamente nessa

universalização tem que se ter perspectiva mais ampla, e D6 tinha uma visão que corroborava

a desta pesquisa, que pode parecer impossível em termos de custos, mas que é absolutamente

compreensível e factível quando se compreende a necessidade de garantir os direitos,

autonomia e a cidadania das pessoas com deficiência. É preciso que ela possa ter os recursos

para a sua formação no instituto ou faculdade onde está lotada, de acordo com o sua escolha e

desejo de formação profissional. Pensar a acessibilidade de maneira mais universalizada.

“Eu diria, o aluno não pode vir pra Faculdade de Educação onde tem um

laboratório com esses recursos, para utilizar aqui. Se ele tá lá em direito, ele vai

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usar em direito. Mas eu já ouvi coisas do tipo assim: mas você não se preocupa

de um dia o laboratório ficar com um número muito pequeno de alunos ou acabar

extinguindo? Eu falei: ah, é isso que eu quero, eu quero que cada departamento

assuma os seus alunos, as necessidades que esse aluno tem, compreenda isso, e a

universidade como um todo funcione assim. Não me importo de fechar as portas,

entendeu? De forma alguma, eu acho que o que precisa é a universidade ter a

ideia de que ela precisa ser inclusiva, atendendo ai a sociedade de modo geral,

porque ainda hoje a gente pontua muito.” (SIC D6)

E encerra-se essa análise com um discurso que perpassou toda escrita do trabalho e

estará preponderante nas considerações finais, a imprescindível necessidade de ver uma

universidade pela perspectiva do tudo para todos.

“Eu ainda acredito realmente nessa questão da universidade, em todos os seus espaços, comecem a fazer modificações, eu acho que esse é o grande lance da

questão da inclusão, como eu falei, que não fique restrito a um lugar onde tenha

Libras, o outro onde tenha material para pessoas com deficiência visual, enfim,

que isso realmente se transforme em uma cultura de inclusão, que você apontasse

isso, até como uma perspectiva do trabalho.” (SIC D6)

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Não sou nem otimista, nem pessimista.

Os otimistas são ingênuos, e os pessimistas amargos.

Sou um realista esperançoso.”

(Ariano Suassuna, 1927-2012)

A árdua e cansativa atividade de pesquisa se concretiza em fases: a ansiedade para

elaboração do projeto, passar pelo crivo avaliativo e receber o aval para continuar, me

sentindo ‘qualificada’; a calmaria do tempo da construção dos capítulos teóricos, no qual é

possível ir e vir na construção do texto, como se isso fosse a única coisa a fazer para a

dissertação; o alvoroçado e delicado período de produção de informação, em que o tempo e o

espaço parecem ter mudado de configuração, e se defrontar com o novo é a certeza de cada

dia; a crise existencial provocada pelo caos para organização e categorização dessas

informações, em que a sensação de não saber para onde ir alimenta a incerteza de conseguir

chegar; o silencioso e solitário período de análise das informações, em que as noites se

esvaem na tentativa de elucubração e teorizações, buscando sentidos para dar nova ordem ao

coas; a sensação de incompletude ao chegar às considerações ‘finais’, perceber que por mais

que se tenha feito, se descortinou um norte para se chegar a um horizonte, mas que há tanto

ainda a saber, a pesquisar. No entanto, é o que dá vivacidade ao campo científico, a certeza

que sempre haverá incertezas, um vazio em algum ponto do vasto conhecimento que se

produziu. Lacunas que não se preenchem em definitivo, mas que abrem sempre novas

possibilidades e aspectos a se questionar.

Estudar sobre “inclusão” na educação superior foi um desafio, pela pouca produção

ainda na área. Grande parte das referências pesquisadas, e mesmo utilizadas, por haver pontos

de convergência, se reportam à educação fundamental. O que é compreensível, já que a

pessoa com deficiência ainda está construindo um histórico de participação na educação

superior, porém, não é justificável, uma vez que a compreensão dessa trajetória já constituída,

das limitações e conquistas, é de fundamental importância para as mudanças ocorrerem. Ir

para Brasília para fazer esse percurso investigativo foi outro desafio, por ser um lugar

completamente novo, fora das redomas dos espaços onde já teria um apoio estrutural, como

ocorreria se houvesse feito a parte de campo refugiada na minha cidade. Por outro lado, como

não perceber que o desafio pode ser a nossa energia. Pesquisar na UnB tornou-se uma

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vivência ímpar, onde mesmo em meio a um presente não suficientemente satisfatório, foi

possível vislumbrar um horizonte, uma realidade que pode ser transformada, basta o

empenho, ainda que de alguns, mas firme e contínuo, nessa luta árdua de desbravar os

caminhos em busca de uma universidade com mais equidade, universalidade e acessibilidade.

Nessa busca por desvelar novos horizontes de pesquisa na Educação Superior, foi

possível encontrar na UnB um campo fértil para alcançar o objetivo de tentar compreender os

desafios que se apresentam para uma prática denominada inclusiva, de acordo com a

perspectiva docente. A partir das informações analisadas, que emergiram dos discursos dos

docentes, alguns aspectos tornaram-se icônicos, com respeito ao que representava os maiores

obstáculos ou desafios para que a prática acadêmica possa atender à demanda da inclusão de

pessoas com deficiência sensorial e a universidade possa ser um lugar onde se desenvolva

uma cultura inclusiva, que desperte institucionalmente a responsabilidade de todos os

integrantes desse espaço educacional.

Pode-se perceber, na UnB, que mesmo com as mudanças e as aberturas, empenhadas

pelo que tem demando a legislação, havia dificuldade para uma atividade docente que pudesse

ser considerada inclusiva, com pessoas com deficiência sensorial, na Educação Superior. Este

espaço ainda não forma seus licenciados, ou mesmo bacharéis, para atuar com esta demanda,

não oferece o devido apoio aos docentes e não assume plenamente seu compromisso de

mudar física e estruturalmente, fazendo as adaptações necessárias para tornar-se adequada.

No que tange ás dificuldades apresentadas pelos discursos dos participantes da

amostra, em sua maioria estas estavam direcionadas à instituição. Dentre alguns aspectos

emergiu: a ausência de discussão política sobre inclusão; a necessidade de implementação de

políticas de inclusão na universidade; a limitação no suporte institucional no que diz respeito

a recursos didáticos e pedagógicos; a falta de interesse e investimento em formação

continuada; a carência na estrutura física e acessibilidade arquitetônica; a pouca

disponibilidade de recursos digitais. Por fim, a falta de comunicação interna, na própria

universidade, de articulação entre os departamentos e os institutos do que vem sendo feito,

que pudesse promover o conhecimento das ações já empreendidas.

Ressaltou-se também alguns aspectos positivos, como o desenvolvimento do núcleo

de tecnologia assistiva (TA), que tem o objetivo de atender as demandas apresentadas por

pessoas com deficiência em toda a UnB; o trabalho da biblioteca digital e sonora (BDS), que

atende não apenas a universidade, mas qualquer pessoa com deficiência sensorial cadastrada;

o trabalho do laboratório para deficientes visuais (LDV), na Faculdade de Educação (FE); o

acompanhamento psicológico de pessoas surdas, com o atendimento em Libras, no Instituto

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de Psicologia (IP); o laboratório de léxico em Libras, do Instituto de Letras (IL); atividades de

grupos de pesquisa, especialmente trabalhos de áudio-descrição, para atender as pessoas

cegas, e filme de animação, para divulgação da cultura surda; a articulação do corpo docente

para implementação de mudanças; a importância de alguns programas da UnB como o PPNE

e a tutoria (ligada também ao PTE); e os intérpretes de Libras do Departamento de

Linguística, do Instituto de letras. A tutoria e os intérpretes de Libras foram os aspectos

considerados mais relevantes como oferta institucional de tecnologia social para a inclusão,

ainda que sendo ressaltadas algumas limitações nesses serviços. Em vista do que já estava

sendo construindo, D8 ressaltou: “então, eu vejo a UnB à frente de muitas universidades.”

A limitação na formação para atuar com pessoas com deficiência sensorial foi um

ponto de relevância trazido pelos docentes. Percebendo essa carência no processo formativo,

em sua grande maioria, os docentes buscavam, por iniciativa própria, uma formação mais

adequada para atuação com as demandas da inclusão, procurando estar inteirados com as

necessidades didáticas das pessoas com deficiência visual e auditiva, inclusive o

conhecimento da cultura surda. Porém, havia uma falta de contrapartida institucional neste

sentido. Apesar de fazer parte dos objetivos dos programas de inclusão da UnB, dar suporte

formativo aos docentes que fossem atuar com estudantes com deficiência, isso não era feito,

faltando à instituição assumir essa responsabilidade como espaço de formação por excelência

que é. Em meio às limitações formativas e materiais impostas, e como maneira de vencer

essas barreiras para dar viabilidade à ação docente, estes desenvolviam suas estratégias. Ao

falar das estratégias todos os docentes apresentavam certa modéstia, considerando que não é

fácil falar de si, como se fosse auto apologia, ainda assim, trouxeram suas experiências e

vivências que enriqueceram a pesquisa.

A universidade, institucionalmente, vinha buscando operar adequações, para

melhorar a estrutura física e a acessibilidade, ainda que de maneira pontual e em um ritmo não

tão satisfatório, e, mais especificamente, ligado à formalidade de se adequar às determinações

legais mais urgentes, sem que fosse um comprometimento de uma postura política da própria

instituição. Por sua imensidão, em termos de espaço e estrutura, a pouca articulação entre os

setores foi umas das dificuldades apresentadas para que essas ações necessárias ocorressem.

No que tange ao cumprimento das políticas públicas, na UnB, ainda havia uma carência,

muitas sendo cumpridas no limite do que preconiza a lei, mas esse cumprimento poderia ser

restrito talvez pelo não conhecimento e entendimento dessas políticas, como foi ressaltado.

Algumas dessas ações eram motivadas por intervenção externa, uma vez que, como relatou

S4, “já veio o Ministério Público pedindo esclarecimento para a universidade.” Mas é

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imprescindível ressaltar que políticas existem, como esse trabalho procurou apresentar, e a

questão é que elas não são cumpridas a contento. É preciso um processo educacional para ter

consciência da necessidade de mudanças e adequação.

Não foram assinaladas perspectivas para melhoria no aspecto do suporte de material

didático. Mesmo com a verba do Incluir não era considerado ainda viável que esses recursos

estivessem disponíveis por institutos, e não apenas em espaço localizados, ‘específicos’ para

pessoas com deficiência. Mesmo no campo da tecnologia digital, que tem possibilidades

imensas, a oferta de recursos era limitada e sem planos de investimento em ampliação. Como

recursos digitais oferecidos pela universidade foram mapeados dois computadores com JAWS

na sala do PPNE e quatro computadores com DOSVOX em cabines na biblioteca.

Como programa específico para atender a demanda da inclusão e dar suporte aos

estudantes e docentes estava o PPNE. A visão dos estudantes seria essencial para

entendimento de como essas ações são efetivadas, mas o trabalho fez um recorte de amostra, e

essa pode ser uma oportunidade para outros trabalhos. Com relação aos docentes, apesar da

haver visão antagônica, a grande maioria considerava que o PPNE não atendia de maneira

satisfatória os objetivos aos quais se dispunha. Em geral, os docentes consideraram que nem

em nível de suporte didático nem de formação havia o apoio do PPNE para a atuação. Como

atividade do PPNE juntos os docentes prevaleceu a emissão de uma carta padrão de

apresentação do estudante, que falava o básico sobre o estudante e o que seria necessário de

adaptação para ele, mas esperava do docente o cumprimento dessas solicitações, a execução

das demandas. Cabe salientar que ao considerar que os núcleos para atendimento de pessoas

com deficiência na educação superior (como o PPNE) faz parte de uma política de governo, é

preciso que as ações desses núcleos possam ser fator de mudança, muito mais que de discurso.

Em busca de mudanças vinha sendo fomentada pelo corpo docente a discussão

política sobre a inclusão e a acessibilidade, formando mesmo um coletivo de pessoas que iria

reunir docentes, estudantes, família, membros responsáveis pelas instâncias cabíveis da UnB

nessa área e comunidade em geral, para discutir e empreender ações mais efetivas, inclusive

no sentido de arraigar, pelas palavras e pelas ações, uma mudança cultural. A mudança

cultural foi uma categoria que emergiu no trabalho, e era considerada essencial para que as

demais em todos os outros aspectos ocorresse, quer na questão estrutural, física e material,

quer no âmbito atitudinal, que, por vezes, se configurava na maior das barreiras para a

participação efetiva da pessoa com deficiência na universidade. Na pesquisa, isso ficou

evidente, por mais que fossem trazidas algumas possíveis mudanças e adequações a serem

pensadas, sempre se ressaltavam muitas limitações. A universidade não está preparada para

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atender a demanda da inclusão, e quando se toca nesse ponto, as respostas são evasivas,

‘estamos vendo, mas nem sempre é possível’, ou categóricas, ‘não, isso não pode, é

impossível’. Essa relutância dificulta efetivar as mudanças e estas não ocorrem, ou, como

pontuou S4, “infelizmente, não anda na velocidade que deveria. Essa é a questão.”

Como futuras possibilidades, mais efetivamente por ter que cumprir a legislação

vigente, havia projeto em relação à melhoria da acessibilidade na sinalização do campus, mas

foi ressaltado o custo financeiro que poderia inviabilizar um projeto com essa dimensão,

como relatou S2, “o custo disso é gigantesco, se você levar em conta o tamanho da

universidade”. Com isso, o que estava sendo feito eram adequações de maneira pontual.

Como a ausência de comunicação visual era absoluta, não havendo nada em Libras ou braille,

na Faculdade de Educação, alguns docentes colocavam o informativo nas portas das salas

utilizando impressão em papel, como uma forma de tentar fazer a diferença e mostrar que

existem outros públicos a serem atendidos. Com relação à colocação de piso tátil, interna e

externamente na universidade, havia projetos, mas nada viabilizado, ressaltando também o

custo, pela dimensão da universidade, as dificuldades em processo licitatórios e a questão

histórica, com o agravante da má qualidade do piso utilizado que, com isso, tinha

pouquíssima durabilidade. Ainda muita coisa teria que ser feita, mesmo porque, como

esclareceu S4, “não é uma formalidade, é uma questão legal, a UnB tá fora das

determinações legais.”

Já alguns pontos eram considerados impossíveis de serem viabilizados. Como

exemplo de algo infactível, estava a possibilidade de todos os computadores da universidade

terem programa de acessibilidade digital, para favorecer o acesso à informação de pessoas

com deficiência visual. Essas pessoas teriam que continuar sendo ‘excluídas’, tendo que ter

espaços reservados para o acesso a algo que, hoje em dia, é o recurso mais disponível – o

digital –, por ainda se manter a mentalidade sectarista, que não percebe a necessidade de

isonomia de acesso e de direitos, em tudo e para todos.

Por sua ampla abrangência, fica evidente que o investimento e o uso de recursos de

tecnologias digitais pode proporcionar a autonomia e promover a inclusão social, e, neste

sentido, também educacional de pessoas com deficiência. Estas tecnologias favorecem o

processo de aprendizagem e produção de conhecimento, dando condições a estas pessoas de

vencer barreiras e ter acessibilidade educacional, tornando-se ativas no seu percurso educativo

e de formação profissional. Esse é um dos principais recursos para que os conteúdos se

tornem acessíveis, uma vez que essa era uma das questões trazidas pelos docentes, a ausência

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de material didático digitalizado para atendimento do estudante com deficiência visual, que

fizesse uso desse recurso.

Também foi considerado impossível os estudantes com surdez usuário de Libras, que

estivessem fazendo cursos nas mais diversas áreas acadêmicas, ter o seu direito garantido de

ser assistido por um intérprete de Libras. Mas o aluno tem que ter a opção de escolher qual

curso deseja fazer, tendo a universidade a responsabilidade de lhe garantir, da melhor

maneira, a assistência para isso. ‘Inclusão’ é mais que matricular o estudante na universidade,

é dar igualdade de oportunidades, para isso é preciso se adequar, mas também acreditar que é

possível para esse estudante conseguir fazer isso, e, caso haja alguma deficiência, prover os

recursos necessários ou fazer as devidas adequações e adaptações. É preciso mesmo mudar o

jeito de ser e de agir, para ter perspectivas diferentes, de preferência mais amplas, que

vislumbrem novas oportunidades.

Para um trabalho que tem a perspectiva de cultura de inclusão e universalização dos

acessos, impossível é uma palavra ‘impossível’ de ser pensada. É fundamental ampliar o

léxico e procurar adequar a semântica das palavras. O que pode ser considerado impossível é

a dificuldade de se pensar em novas possibilidades. E, nesse aspecto, pode-se afirmar que em

potencial tudo é factível, exequível, acessível e adequado. Basta o devido empenho e investir

em pesquisa, preconizando já o que dispõe o artigo 4º, do Estatuto da Pessoa com

Deficiência193

, Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, “Toda pessoa com deficiência tem

direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de

discriminação.” (BRASIL, 2015b)

De certa forma, o que ocorre é que o preconceito latente permite ainda olhar apenas

as limitações, sem pensar que com todos os mecanismos cognitivos, intelectuais e sensórios,

isso pode ser minimizado, e o importante é ter o aparato dos recursos técnicos, didáticos,

pedagógicos, de acessibilidade e de garantia efetiva de igualdade de direitos, inclusive a

liberdade de escolha em que área deseja se profissionalizar. Isso leva a alcançar os objetivos a

que se propõe uma cultura inclusiva, que inicialmente diz respeito a tornar o processo de

inclusão mais que um discurso politicamente correto, mas uma realidade efetiva que passa

pela acessibilidade universalizada, que deixa sua marcar e dá frutos de independência e

efetiva qualidade de vida, uma vez que é possível pensar em uma academia onde tudo seja

para todos. Onde todos possam estar dentro, estar com e estar sendo.

193

O Estatuto entrará em vigor a partir de 01 de janeiro de 2016.

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Sem dúvida, é possível mesmo um dia vislumbrar uma pessoa cega e surda estar

dentro de todos os espaços dessa universidade e no curso que desejar, estar com todos os

outros estudantes em todos esses espaços, e estar sendo o que quiser como profissional. É

mesmo possível pensar em uma pessoa cega se formando em odontologia e uma pessoa surda

se formando em música. Para alguns isso pode parecer ‘impossível’ mesmo, para os mais

céticos megalomania, mas para o que são confiantes, realistas e esperançosos, algumas entre

todas as outras coisas possíveis.

Quem imaginaria há dois mil anos atrás que o homem iria poder atravessar o mundo

em poucas horas de avião, falar isso não seria apenas considerado um pensamento visionário,

ou megalomaníaco, seria mesmo fruto de um lunático, e no entanto essa é uma realidade

concreta há anos. Ou mesmo, quem poderia imaginar no uso de um notebook, de um celular?

Tantas coisas que tornam mais adequada a vida e a acessibilidade em diversos aspectos, da

locomoção, da comunicação, e que hoje em dia são tão comuns que não causa espanto a sua

presença, ainda que há poucos anos fosse ‘impossível’ sequer pensar nesses aparatos, quanto

mais em tê-los. O mesmo ser humano que conseguiu dar corpo a tantas inovações, consegue

achar impossível uma pessoa com deficiência ter direito de escolha, por considerar apenas as

limitações, algo que é absolutamente contraditório.

Talvez cause mesmo estranheza, para os mais céticos, pensar em uma pessoa cega

fazendo odontologia, cuidado da saúde bucal de um paciente. Mas será mesmo que isso é de

causar estranheza? Hipócrates, considerado “pai da medicina”, quando, há mais de dois mil

anos, dissecava seus cadáveres, sem mesmo ter o recurso de luvas descartáveis, não poderia

sequer imaginar que nível de evolução a medicina alcançaria. Atualmente, é possível fazer

uma intervenção cirúrgica de alta complexidade utilizando recursos de tecnologia digital,

como o dispositivo de videolaparoscopia, sem que seja necessário ter o contato físico com o

paciente, ainda que o profissional esteja paramentado, não apenas com luvas descartáveis,

mas com o seu EPS194

próprio da cabeça aos pés. Se a tecnologia avançou tanto no campo da

saúde, e o mesmo ocorre com tantas outras áreas, porque não pensar nessas diferentes

possibilidades? Penso o dia em que a tecnologia pode desenvolver sensores, que indiquem

especificamente as intervenções necessárias em um dente e como fazê-la e seja possível a

uma pessoa deficiente visual atuar nessa área.

194

Equipamento de proteção e segurança.

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215

Talvez cause estranheza também para os menos esperançosos, pensar em uma pessoa

surda fazendo curso de música195

. Com um pouco de memória histórica e cultural pode ser

possível levar a outras formas de pensar. Beethoven, que sempre teve problemas auditivos e

tornou-se surdo, foi um dos maiores músicos, imortalizado por suas diversas sinfonias. Pode-

se alegar que ao perder a audição com cerca de 20 anos ele já tinha memória auditiva musical,

mas é possível pensar também que se uma pessoa surda não consegue estudar música em uma

universidade, é porque esta não desenvolveu os recursos e instrumentos necessários para isso,

com sintetizadores de som específicos. Utilizando dispositivos digitais de alta tecnologia já

foi possível mudança e melhoria de vida em tantos aspectos, basta interesse. Será que um dia

essas mudanças irão se efetivar? O tempo dirá. Mas o importante é que não se desista antes de

tentar, que se busque possibilidades para que mesmo as utopias se tornarem realidade.

Todas as evoluções foram possíveis porque houve grupos interessados para isso, e

quanto mais tornar os recursos de acessibilidade generalizados, mais interesses de grupos

haverá para investir nessa área. Por isso, a importância de um pensamento universalizado. Ao

pensar em possibilidades de bem estar, qualidade de vida e acesso a todos, as coisas se tornam

mais adequadas e cada vez mais possíveis. É imprescindível não olhar o que não pode, mas

sim até onde é possível chegar hoje, e o que se pode fazer para levar isso mais adiante no

futuro. Realmente somos limitados, todos são, cada um com uma (ou mais) determinada

limitação, mas é preciso saber que podemos avançar apesar disso, e que essa possibilidade de

crescer, vencer desafio, é uma prerrogativa humana e, assim, inerente a todas as pessoas,

inclusive com deficiências.

E qual o espaço mais devido para fomentar mudanças que não seja a universidade?

Não restam dúvidas que há muito a se construir, a pesquisar, a dialogar, a compreender e

categorizar, mas esse percurso evidencia que há muitos trabalhos a serem feitos para que a

pessoa com deficiência possa ter o seu espaço reconhecido e afirmado. Com esta pesquisa foi

possível discorrer sobre essa realidade da inclusão, perceber suas limitações conceituais e

práticas, despertar para possibilidades antes impensadas, trazendo à emersão esse tema e

discussão no contexto científico e acadêmico, que pode ser fator para a sua disseminação, em

especial pelo papel de relevância da Universidade de Brasília, como instituição federal e

sediada na capital nacional. É preciso que a universidade assuma um protagonismo, de se

envolver para além do cumprimento das políticas, desenvolvendo projetos que possam ser

diferencial e referência social. Que a universidade, e o sistema educacional superior, se

195

Foi possível encontrar atividade com música para surdos, mas como projetos de Ongs, por exemplo, mas não

como formação universitária.

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comprometa a investir, como determina o item II, do artigo 28º, da Lei nº 13.146/2015, no

“aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso,

permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de

acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;” (BRASIL, 2015b,

grifo nosso).

Mas como pensar em uma realidade tão ampla, se a universidade não está preparada

para receber todos os educandos, respeitando suas necessidades específicas? Será mesmo que

as formas de descriminação foram vencidas? Ou permanecem veladas se expressando mais

pela ausência de ações do que pelas palavras? É difícil pensar de maneira tão ampla quando,

na prática, os espaços ainda estão tão limitados, separados, restritos. Acredito, porém, que

leva algum tempo para a sociedade e mesmo a academia problematizar certos aspectos, a

inclusão é um deles.

Como a ciência progride não pelas respostas, mas pelos questionamentos, então é

preciso questionar: quanto tempo mais será necessário esperar para que essas transformações

sociais e acadêmicas possam ocorrer? Quem está sendo “incluído” com essas pseudo ações e

os discursos demagógicos? A universidade um dia poderá ser um lugar de respeito às

idiossincrasias? A universidade poderá ser um espaço de isonomia de acesso para as pessoas

com deficiência? Prefiro que essas questões sejam respondidas mais com ação que com

palavras, pois como dizia Santo Agostinho, há momentos em que é necessário que: “Calem as

palavras e falem as obras!” E que essas ações possam começar a se efetivar na UnB,

especialmente, pela articulação do coletivo de docentes que estava se formado, que junto com

a sociedade comprometida com a cultura de inclusão e universalidade dos acessos, estará

presente para questionar essa realidade.

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. Acesso em: 14 set. 2015.

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231

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Resolução do conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão,

nº 10/2007. Cria o Programa de Tutoria Especial (PTE), normaliza o apoio acadêmico a

estudantes com necessidades especiais e dá outras providências. Brasília, 2007b. Disponível

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232

APÊNDICE A

INSTRUMENTO DE PESQUISA (ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA PARA OS DOCENTES

196)

Identificação e experiência:

- Qual o seu nome, a sua formação, qual a disciplina que ministra aqui na UnB?

- Qual a sua experiência com estudantes com deficiência sensorial, auditivo e/ou visual, na

UnB?

Questões conceituais e ligadas a política:

- Qual o seu conceito ou a sua concepção sobre inclusão?

- E como essa concepção é vivenciada na realidade da UnB?

- Como você percebe a implementação das políticas públicas e legislações na área de inclusão

na UnB?

- Quais as políticas e programas da UnB direcionados para a inclusão? E como considera a

aplicação/atuação dessas politicas/programas?

Questões referentes ao aspecto da prática docente:

- De que maneira a sua formação acadêmica preparou para o processo de atuação com a

demanda da inclusão?

- E quais os programas de formação continuada da UnB para trabalhar com a “inclusão” na

academia?

- Quais os subsídios, ou suporte (acadêmico, didático, pedagógico), oferecidos pela

universidade para o docente atuar com a demanda da inclusão?

- E de que maneira esse suporte atende às necessidades para a atuação/atividade didática

docente?

- Quais os principais desafios/dificuldades vivenciados na prática docente com pessoas com

deficiência sensorial?

- E quais as estratégias desenvolvidas para superar esses desafios?

Questões de estrutura e ligadas ao âmbito técnico:

- Quais os recursos oferecidos pela universidade para acessibilidade no aspecto tecnológico

digital, como computadores adaptados, leitores de tela, programas específicos para

acessibilidade digital auditiva ou visual?

196

Para as entrevistas com os servidores, como eram de setores diferentes e com atuações diversificadas com

respeito a questão da inclusão – podendo ser mais técnico outros mais administrativos, utilizou-se o instrumento

de entrevista aberta, com as questões sendo direcionadas de acordo com a especificidade de cada setor ou a partir

do que havia emergido na pesquisa com os docentes. As questões, em geral, versaram sobre a identificação do

entrevistado, sobre a chamada inclusão na UnB, sobre as demandas específicas de cada setor relacionadas ao

aspecto da inclusão acadêmica na UnB, os aspectos que emergiam no processo de entrevista e a finalização.

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233

- E com relação à acessibilidade linguística e audiovisual, como intérpretes de Libras,

colocação de legendas, janela de Libras, áudio-descrição?

- Como percebe o uso de dispositivos digitais móveis (como smartphone, tablet, netbook)?

- E como utiliza esses recursos no aspecto didático e no processo pedagógico?

- Como considera a estrutura física e acessibilidade na universidade?

- E o que tem sido feito para melhoria e adequação nesses aspectos?

Finalização e sugestões:

- Quais as ações ou articulação dos professores em prol da chamada inclusão?

- Para finalizar gostaria que desse alguma sugestão com relação ao processo de inclusão e ao

meu trabalho.

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234

APÊNDICE B

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO197

DESAFIOS PARA UMA PRÁTICA INCLUSIVA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: UM ESTUDO DE CASO

O senhor(a) está sendo convidado para participar de uma pesquisa de mestrado do Programa

de Pós-Graduação FACED/UFBA, que tem por objetivo: Identificar e compreender os

desafios que se apresentam na Educação Superior, para a efetivação da uma prática inclusiva.

O senhor(a) foi selecionado por fazer parte do perfil do estudo, que se refere a professor(a) da

Educação Superior, que trabalhe em universidade pelo menos nos últimos 2 anos e atue (ou já

tenha atuado) com pessoas com deficiência sensorial (visual e/ou auditiva) na sua atividade

didática pelo menos por um semestre completo. A participação implica em responder a uma

entrevista que tem como roteiro norteador 12 questões, que tratam de aspectos como:

inclusão, políticas, formação, questões estruturais e uso de tecnologia.

Esclarecemos que a sua participação nesta pesquisa implica em risco mínimo para sua

integridade, tanto física quanto psicológica ou moral, que não excede ao risco normal de estar

no seu ambiente de trabalho. Sendo que poderá trazer-lhe benefícios, de forma indireta, por

estar contribuindo para o desenvolvimento de estudos que possam beneficiar o entendimento

das questões ligadas ao processo de inclusão na educação superior.

A entrevista será gravada em áudio, mas asseguramos que todas as informações obtidas serão

utilizadas apenas para fins de formação acadêmica e elaboração da dissertação, além de ser

integralmente preservada a identidade do participante. A participação na pesquisa é

voluntária, e é garantido o direito de liberdade, estando o participante livre para desistir a

qualquer momento que considerar conveniente, sem que isso venha trazer-lhe nenhuma

implicação. Também é garantido ao participante o direito de ter acesso a todo o material

dissertativo que será desenvolvido, a partir das informações coletadas nesta pesquisa.

Se forem necessários maiores esclarecimentos, informamos que deve ser contatada a

pesquisadora responsável pelo projeto, Rita de Cássia Carregosa ([email protected],

71 - 8505-3118), ou sua orientadora, Profª. Drª. Maria Helena S. Bonilla

([email protected]), ou diretamente a instituição FACED/UFBA: pgedu@ufba, (71)

3283-7263.

Caso concorde em participar da pesquisa, solicitamos a gentileza de retificar isso na

declaração abaixo, que será impressa e assinada em duas vias.

197

O termo de livre consentimento para os servidores foi basicamente o mesmo, havendo mudanças apenas no

primeiro parágrafo que se refere ao perfil da amostra. No caso dos servidores, essa parte do texto esta a seguinte:

O senhor(a) foi selecionado por fazer parte do perfil do estudo, que se refere a profissionais que atuam na

instituição de Educação Superior – Universidade de Brasília (UnB), em áreas que tenha relação com o processo

de inclusão e acessibilidade educacional de pessoas com deficiência sensorial (auditiva e/ou visual). A entrevista

seria aberta, mas com questões ligadas aos mesmos aspectos.

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Declaro que eu __________________________________________ estou ciente do conteúdo

da pesquisa, e desejo participar de livre vontade, dentro dos termos estabelecidos.

____________________________ _________________________

Pesquisador Participante

Brasília, de maio de 2015.

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ANEXO A

Estatísticas dos Cadastrados no PPNE por Campus, Nível, Cursos, Necessidade Especial – Abril/2015

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ANEXO B

Carta PNNE/DAC (de Apresentação do Estudante com Deficiência ao Professor)

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238

ANEXO C

RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO N. 48/2003

Dispõe sobre os direitos acadêmicos de alunos regulares

Portadores de Necessidades Especiais (PNEs) da UnB.

O PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO E REITOR DA UNIVERSIDADE DE

BRASÍLIA, no uso de suas atribuições, e considerando o disposto na Portaria MEC 1679, de

2/12/1999, no Decreto n 3.298, de 20/12/1999, e no Estatuto da UnB, ouvido o Conselho de

Ensino, Pesquisa e Extensão, em sua 374ª reunião, realizada em 5/9/2003, R E S O L V E:

Art. 1º Os portadores de necessidades especiais – PNEs, com deficiências definidas no

art. 4º do Decreto n. 3.298/1999, para obterem concessão de benefícios e serviços deverão ter

sua deficiência ou incapacidade diagnosticada e caracterizada por equipe multidisciplinar de

saúde, homologada pela Junta Médica da UnB e/ou parecer do Programa de Apoio ao

Portador de Necessidades Especiais – PPNE. § 1º Os PNEs deverão ser cadastrados no Programa de Apoio ao Portador de Necessidades

Especiais da UnB e nos Postos Avançados da Diretoria de Administração Acadêmica. § 2º Os PNEs, a seu critério, serão identificados através de Identidade Estudantil da UnB –

Especial.

Art. 2º Os PNEs serão acompanhados pelo Programa de Apoio aos Portadores de

Necessidades Especiais – PPNE, que tem como objetivos, entre outros: I - propiciar e garantir a igualdade de condições para o desempenho acadêmico dos portadores

de necessidades especiais; II - articular juntamente com a Faculdade de Educação da UnB a formação de profissionais

especializados em educação especial e apoiar o desenvolvimento de pesquisa e trabalhos nesta

área;

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III - socializar o acesso e a permanência dos alunos PNEs na UnB, promovendo uma política

de boa convivência universitária, que favoreça a integração e a formação de cidadãos plenos; IV - propor a eliminação de barreiras arquitetônicas no Campus Universitário; V - orientar e apoiar os Colegiados de Curso na adequação curricular para atender às

especificações dos PNEs; VI - orientar, informar e emitir parecer substanciado, visando análise e decisão dos Órgãos

Colegiados.

Art. 3º Os PNEs que necessitem de atendimento diferenciado poderão solicitar

previamente:

I - adaptações de provas; II - tempo adicional para realização das provas; III - adaptação de recursos instrucionais: material pedagógico e equipamentos;

IV - adaptação de recursos físicos: eliminação de barreiras arquitetônicas e adequação de

ambiente de comunicação;

V - apoio especializado necessário, intérprete de língua de sinais e ledor, conforme

necessidade educacional especial apresentada.

Art. 4º Os alunos que passarem à condição de PNEs, após seu ingresso na UnB, poderão

ser readaptados em outros cursos. Parágrafo único – A readaptação para outro curso poderá ser efetivada, após parecer da Junta

Médica e do Colegiado do Curso, cumprida a condição estabelecida no inciso I do art. 1º da

Resolução CEPE n. 150/1997.

Art. 5º Aos PNEs poderá ser concedida prorrogação no prazo de permanência nos

cursos, desde que não ultrapasse a 50% (cinqüenta por cento) do tempo estabelecido para

conclusão do curso, após parecer fundamentado do Serviço de Orientação Universitário –

DAIA – juntamente com o Programa de Apoio ao Portador de Necessidades Especiais da

UnB. Art. 6º As Unidades de Ensino priorizarão a matrícula em disciplinas e alocação de

espaço físico de fácil acesso para os PNEs.

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Art. 7º Os PNEs poderão ser beneficiados com exercícios domiciliares, além dos

previstos no Decreto-Lei n. 1044, de 21/10/1969, e Lei n. 6202, de 17/04/1975, sempre que

compatível com seu estado de saúde e as possibilidades da UnB. Parágrafo único – O início e o fim do período em que é permitido o afastamento serão

determinados por atestado médico a ser apresentado nos Departamentos responsáveis pelas

disciplinas.

Art. 8º O plano de ensino de disciplinas deverá ser adaptado contemplando formas

alternativas de avaliação que permita flexibilizar a correção de provas, visando a real

apreciação do desempenho acadêmico do aluno PNE.

Art. 9º Esta Resolução entrará em vigor na data de sua assinatura, estando revogadas as

disposições em contrário.

Brasília, 12 de setembro de 2003.

LAURO MORHY Reitor

C/cópia: Todas as Unidades Acadêmicas

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ANEXO D

RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO N. 10/2007

Cria o Programa de Tutoria Especial (PTE),

normaliza o apoio acadêmico a estudantes com

necessidades especiais e dá outras providências. O PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO, REITOR DA UNIVERSIDADE DE

BRASÍLIA E PRESIDENTE DO CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO, no

uso de suas atribuições, conforme deliberação do referido Órgão Colegiado, em sua 411a

Reunião, realizada em 15/3/2007,

R E S O L V E:

Art. 1o Criar o Programa de Tutoria Especial (PTE) no âmbito da Universidade de

Brasília. Parágrafo único. O PTE consiste no apoio acadêmico a estudantes da UnB com necessidade

educacional especial, realizado por estudante da Universidade, sob a supervisão do professor

da respectiva disciplina e da sua Unidade Acadêmica, com o acompanhamento do Programa

de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE) da Diretoria de Acompanhamento e

Integração Acadêmica do Decanato de Ensino de Graduação (DAIA/DEG) e do Decanato de

Pesquisa e Pós-Graduação (DPP).

Capítulo I – Do Programa de Tutoria Especial

Art. 2o O PTE tem como objetivo:

I. oferecer apoio acadêmico a estudantes regularmente matriculados nos cursos da UnB, que

apresentem necessidades educacionais especiais e que estejam inscritos no Programa de

Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais/PPNE; II. subsidiar a Universidade na promoção da inclusão, em atividades acadêmicas, dos

estudantes com necessidades educacionais especiais;

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III. possibilitar ao estudante universitário formação acadêmica sintonizada com a perspectiva

da sociedade inclusiva.

Capítulo II – Dos Participantes do PTE

Art. 3o Compõem o PTE:

I. as Unidades Administrativas PPNE/VRT, DAIA/DEG e DPP; II. o estudante de graduação e de pós-graduação regularmente matriculado na UnB, doravante

denominado Tutor Especial; III. professor em cuja disciplina o Tutorado estiver matriculado; IV. o Coordenador do curso e o Professor Orientador; V. o estudante de graduação ou de pós-graduação, com necessidades educacionais especiais,

regularmente matriculado na UnB, doravante denominado Tutorado. § 1

o O estudante de pós-graduação, com necessidades educacionais especiais, poderá ser

tutorado por estudante de graduação inscrito como Tutor Especial junto ao PTE. § 2º Somente fará jus à participação no PTE o estudante com necessidade educacional

especial que for cadastrado no PPNE e que demande os apoios estabelecidos nesta resolução.

Capítulo III – Das Categorias da Tutoria Especial

Art. 4o A Tutoria Especial está classificada em duas categorias:

I. Tutoria Especial Voluntária (não remunerada); II. Tutoria Especial Remunerada (por meio da concessão de bolsa de tutoria). § 1º A Tutoria Especial não gera qualquer tipo de vínculo empregatício entre o estudante e a

FUB. § 2º O Tutor Especial não assumirá nenhuma responsabilidade funcional no âmbito das

funções administrativas da UnB.

Capítulo IV – Das Funções e Atividades de Apoio PPNE, Professor, Coordenador, Orientador, Tutorado e Tutor Especial

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Art. 5o Caberá ao PPNE:

I. planejar as ações dos envolvidos no PTE; II. treinar e acompanhar o grupo de Tutores Especiais, Tutorados e professores participantes

do PTE; III. prever estratégias de apoio e indicar recursos pedagógicos, institucionais e tecnológicos

para atender às necessidades educacionais do Tutorado; IV. articular os diversos setores da Universidade na busca de alternativas para o atendimento

dessas necessidades.

Art. 6o Caberá ao Professor:

I. apresentar, no início de cada semestre, o Plano de Ensino da disciplina e cumprir o

cronograma de atividades acadêmicas, informando, antecipadamente, quaisquer modificações

no cronograma, com o objetivo de evitar prejuízo dos estudantes participantes do PTE; II. participar, juntamente com o PPNE, da busca de alternativas que visem ao atendimento das

necessidades educacionais especiais dos estudantes participantes do PTE; III. repassar ao Tutor Especial ou ao Tutorado, antecipadamente, material didático a ser

adaptado, sempre que necessário; IV. entregar diretamente ao PPNE, com antecedência, instrumentos de avaliação da disciplina

por ele utilizados os quais necessitem de adaptação para os estudantes com necessidades

educacionais especiais; V. acompanhar o desenvolvimento das atividades do PTE, pelos estudantes matriculados em

sua disciplina, e solicitar apoio do PPNE sempre que julgar necessário; VI. responder formulário de avaliação do PTE, ao final do período letivo.

Art. 7o Caberá ao Coordenador do curso e/ou Orientador do Tutorado colaborar na

indicação do Tutor Especial.

Art. 8o Caberá ao Tutorado:

I. firmar Termo de Compromisso junto ao PPNE; II. definir, juntamente com o Professor e o Tutor Especial, o tipo de apoio e adaptações

necessários para o bom andamento da disciplina;

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III. elaborar, juntamente com o Tutor Especial, o cronograma de atividades previstas no Plano

de Ensino da disciplina; IV. informar sobre o Trancamento da Matrícula, geral ou parcial, e quaisquer modificações no

cronograma, com o objetivo de evitar prejuízo de suas atividades acadêmicas e de seu(s)

Tutor(es) Especial(is); V. providenciar, em tempo hábil, o material a ser adaptado, bem como o material de consumo

e o equipamento a serem utilizados; VI. comunicar ao PPNE quando o Tutor Especial negligenciar o cumprimento das atividades

previstas; VII. responder formulário de avaliação do PTE, ao final do período letivo.

Art. 9o Caberá ao Tutor Especial:

I. firmar Termo de Compromisso junto ao PPNE; II. submeter-se a treinamento sempre que determinado pelo PPNE; III. cumprir o cronograma elaborado em conjunto com o Tutorado; IV. recorrer ao PPNE para dirimir dúvidas a respeito da adaptação de material; V. responsabilizar-se pela conservação dos materiais e equipamentos fornecidos como

empréstimo pelo PPNE, pelo Professor ou pelo Tutorado; VI. informar sobre Trancamento de Matrícula, geral ou parcial, e quaisquer modificações no

cronograma, com o objetivo de evitar prejuízo de suas atividades acadêmicas e de seu

Tutorado; VII. devolver os materiais e equipamentos emprestados pelo PPNE, pelo Professor ou pelo

Tutorado, até o último dia do período letivo; VIII. responder formulário de avaliação do PTE, ao final do período letivo; IX. oficializar sua desistência do PTE junto ao Tutorado, ao Professor da disciplina e ao

PPNE.

Art. 10. Providenciar para que o horário de exercício das atividades, em hipótese

alguma, sobreponha-se e/ou interfira nos horários das outras disciplinas nas quais estiver

matriculado ou em outras atividades necessárias a sua formação acadêmica.

Art. 11. A Coordenação-Geral do PTE será exercida pelo PPNE, em conjunto com a

DAIA/DEG e o DPP, que acompanharão e avaliarão o desenvolvimento do PTE e

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apresentarão os resultados ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), com vistas à

revisão permanente da política do PTE na UnB.

Art. 12. Caberá à DAIA/DEG e ao DPP, em conjunto com o PPNE, a revisão e a

distribuição das vagas e de recursos orçamentários e financeiros.

Capítulo VI – Da Organização e Administração do Programa de Tutoria Especial

Art. 13. A organização e a administração do PTE serão conduzidas pelo PPNE, pela

DAIA/DEG e pelo DPP.

Art. 14. Caberá ao PPNE: I. coordenar a execução do processo de seleção dos participantes, comunicando à DAIA/DEG

e ao DPP, por meio de formulário específico; II. providenciar assinatura, pelos Tutores Especiais, de Termo de Compromisso, e manter os

arquivos referentes ao processo seletivo à disposição da DAIA/DEG; III. encaminhar à DAIA/DEG, mensalmente, em formulários específicos, a freqüência dos

Tutores Especiais; IV. encaminhar aos Tutores Especiais, Tutorados e professores da disciplina, semestralmente,

formulários de avaliação do PTE; V. encaminhar à DAIA/DEG e ao DPP, semestralmente, os resultados das avaliações

respondidas pelo Tutores Especiais, Tutorados e professores da disciplina, para posterior

apreciação conjunta, com vistas à melhoria do PTE.

Art. 15. Caberá à DAIA/DEG: I. elaborar calendário das atividades da Tutoria Especial; II. encaminhar, mensalmente, folha de freqüência do PTE à Secretaria de Recursos Humanos

(SRH); III. encaminhar à Secretaria de Administração Acadêmica, ao final de cada período letivo, a

lista de Tutores Especiais que terão direito à concessão de créditos.

Capítulo VII – Dos Recursos Financeiros

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Art. 16. Caberá à FUB o provimento de recursos destinados a custear as bolsas do

PTE para cada período. Parágrafo único. O valor da bolsa do Programa de Tutoria Especial e a forma de pagamento

serão iguais ao do Programa de Monitoria.

Art. 17. No caso da participação remunerada no PTE, o pagamento mensal da bolsa

será efetuado pela SRH, mediante solicitação da DAIA/DEG, por meio da agência bancária

designada pela Diretoria de Contabilidade e Finanças do Decanato de Administração

(DCF/DAF) para esse fim.

Capítulo VIII – Do Cronograma de Atividades do Programa

de Tutoria Especial

Art. 18. O cronograma do PTE observará o calendário acadêmico da Universidade de

Brasília.

Capítulo IX – Da Inscrição de Atividades do Programa

de Tutoria Especial

Art. 19. Poderão participar da seleção para Tutor do PTE: I. estudantes regularmente matriculados em disciplina de graduação ou de pós-graduação da

Unidade Acadêmica em que houver estudantes com necessidades educacionais especiais e que

necessitem de apoio especial; II. estudantes não-matriculados na disciplina em que se encontra um estudante com

necessidades educacionais especiais, desde que já tenham cursado a referida disciplina com

aprovação; III. estudantes de outras universidades nacionais ou estrangeiras, em caráter excepcional e na

modalidade não-remunerada, somente durante o tempo de permanência na UnB e em virtude

de convênios que assim o permitam; IV. estudante que não tenha nenhuma reprovação no semestre anterior em disciplinas

obrigatórias do seu curso.

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Parágrafo único. Nos apoios a estudante em disciplina de final de curso ou de pós-graduação,

o candidato a Tutor Especial deve ter, no mínimo, 50% dos créditos do seu curso concluídos,

e não ter reprovação no semestre anterior em disciplinas obrigatórias.

Art. 20. A seleção será feita, prioritariamente, mediante indicação do Tutorado e/ou

do Professor da disciplina, do Coordenador do curso e do Orientador, em comum acordo com

o PPNE.

Art. 21. Na falta de tutores com o perfil estabelecido, o PPNE poderá indicar Tutor

Especial, a critério do PPNE, em consonância com a presente Resolução.

Art. 22. Para efeito de seleção e exercício da atividade, o estudante deverá estar

regularmente matriculado no número mínimo de créditos do seu curso e não poderá ter sido

identificado no semestre, pela SAA, como estudante em situação de risco de desligamento.

Art. 23. O candidato não poderá exceder o número máximo de créditos do curso por

semestre, a menos que seja provável formando naquele semestre.

Art. 24. Será vedada a participação no PTE de estudantes que estejam exercendo

atividades de Monitoria, mesmo que voluntária.

Capítulo X – Das Concessões

Art. 25. A concessão de Tutoria Especial remunerada será feita pelo PPNE e

DAIA/DEG, segundo os critérios a seguir: I. no caso de já ter sido Tutor Especial, ter apresentado bom desempenho; II. ser preferencialmente estudante de baixa renda, com estudo socioeconômico elaborado

pela Diretoria de Desenvolvimento Social do Decanato de Assuntos Comunitários

(DDS/DAC); III. não ter qualquer outra atividade remunerada paga pela mesma fonte; IV. ter recebido bolsa em menor número de semestres. Art. 26. Ao Tutor Especial que tiver concluído com aprovação a disciplina que tenha prestado

apoio, após homologação do relatório pela DAIA/DEG, serão concedidos:

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I. dois créditos pela atividade no período; II. registro da atividade em Histórico Escolar. § 1º A concessão de créditos integralizará o limite permitido para o Módulo Livre do curso do

Tutor Especial. § 2º É vedada a concessão de créditos em mais de uma disciplina por semestre, pela atividade

de tutoria.

Art. 27. Ao Tutor Especial de disciplina “Trabalho de final de curso” ou equivalente

ou de estudante de pós-graduação que tiver concluído com aprovação todas as disciplinas do

semestre, após homologação do relatório pela DAIA/DEG, serão concedidos: I. dois créditos pela atividade no período; II. registro da atividade em Histórico Escolar. § 1º A concessão de créditos integralizará o limite permitido para o Módulo Livre do curso do

Tutor Especial. § 2º É vedada a concessão de créditos em mais de uma disciplina por semestre, pela atividade

de tutoria.

Art. 28. No caso de integralizado o limite permitido para o Módulo Livre, o

estudante manterá o direito às demais concessões.

Art. 29. A concessão de créditos valerá para o cumprimento das normas vigentes de

acompanhamento acadêmico.

Art. 30. Não serão concedidos créditos ao Tutor Especial que desistir, por qualquer

motivo, da Tutoria Especial.

Art. 31. O Tutorado poderá ter mais de um Tutor Especial na mesma disciplina,

desde que a necessidade seja justificada e aprovada pelo PPNE.

Capítulo XI – Da suspensão da participação no Programa

de Tutoria Especial

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Art. 32. A participação do Tutor Especial no PTE poderá ser suspensa no caso de: I. não-cumprimento das atividades da programação da disciplina; II. desistência de participação no PTE; III. ocorrência de abandono ou trancamento de disciplina pelo estudante Tutorado. Parágrafo único. O PPNE, em comum acordo com o Tutor Especial, poderá incumbir a este

último de desenvolver tutoria especial junto a outro tutorado, situação na qual o Tutor

Especial fica autorizado a atuar com outro tutorado e em outra(s) disciplina(s).

Art. 33. A participação do Tutorado e do Tutor Especial no PTE poderá ser suspensa

a qualquer momento pelo PPNE, quando não houver o cumprimento das presentes normas.

Capítulo XII – Das Disposições Gerais e Transitórias

Art. 34. O PTE será implantado no Sistema de Informações Acadêmicas (SIAC) da

UnB.

Art. 35. A cada dois períodos letivos, após a implantação plena do PTE, proceder-se-

á a avaliação integral do sistema pelo PPNE, DAIA, DEG e DPP.

Art. 36. Os casos omissos serão analisados pelo PPNE, DAIA/DEG e DPP e

decididos nas instâncias superiores competentes.

Art. 37. Esta Resolução entra em vigor a partir desta data, revogadas disposições em

contrário.

Brasília, 3 de abril de 2007.

Timothy Mulholland Reitor

C/cópia: Todas as Unidades

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ANEXO E

DEMANDAS DAS PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS DA

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

“ACESSIBILIDADE significa Melhoria na Qualidade de Vida de TODOS!”

29 de abril de 2015

VOLTADAS PARA A REITORA

1. Promover a cultura da acessibilidade em todos os órgãos da universidade e envolver os

três segmentos na melhoria dos serviços para as pessoas com necessidades especiais.

2. Promover a articulação entre o PPNE e todos os órgãos administrativos da universidade,

para que a legislação (nacional e distrital) e a normas internas da instituição sejam, de fato,

cumpridas.

3. Criação de um Conselho Consultivo com representantes dos três segmentos da

universidade, como suporte ao PPNE.

4. Promover o fortalecimento do núcleo de pesquisa em tecnologia assistiva, já existente e

previsto pelo “Plano Viver Sem Limites” da Presidência da República, com a constituição de

filiais em cada Campus (sede em Ceilândia) a fim de integrar as pesquisas sobre

acessibilidade realizadas nos diversos departamentos da UnB.

5. Representação do PPNE nas Câmaras de Graduação, CONSUNI, Pós-Graduação e

Assuntos Comunitários. Mudança do regimento quando for oportuno para efetivação da vaga.

6. Discutir na comunidade acadêmica a reserva de cotas no vestibular para pessoas com

deficiência.

7. Articular o melhor modo de debater a acessibilidade, a deficiência e a educação inclusiva

nos Conselhos Superiores da UnB.

VOLTADAS PARA A PREFEITURA

1. Elaboração de um projeto integrado da acessibilidade na UnB.

2. Manter PARCERIA entre PRC-DGI e PPNE para garantir o bom andamento dos projetos e

serviços, e o cumprimento da legislação.

3. Priorização de espaços em sala de aula para pessoas com deficiência.

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4. Inserção de dados sobre docentes e discentes com deficiência no sistema de alocação de

salas, a fim de automatizar a adequação dos espaços, de acordo com as necessidades.

5. Aprimoramento da sinalização dos Campi para atender as pessoas com deficiência.

6. Efetivação da acessibilidade da Biblioteca Central dos Estudantes.

7. Priorizar a manutenção dos equipamentos e do espaço físico voltados à acessibilidade das

pessoas com deficiência na UnB.

8. Criação de um ambiente com mobiliário adequado para acomodar as pessoas com

necessidades especiais e seus acompanhantes.

VOLTADAS PARA O DAC e PPNE

1. Criação de um Fórum Permanente para questões pedagógicas e acadêmicas.

2. Articulação e realização de reunião sistemática com os departamentos e os professores para

orientação sobre os direitos e as adaptações necessárias para os estudantes.

3. Inclusão nos critérios de concessão de assistência estudantil e moradia de prioridade para

professores, servidores e estudantes com necessidades especiais.

4. Realização de mapeamento das ações em termos de inclusão e acessibilidade, que estão

sendo desenvolvidas na universidade (pesquisas, extensão, projetos etc) e publicação de um

relatório com certa periodicidade.

5. Elaboração de um censo interno para mapeamento das pessoas com deficiência e

necessidade específicas e atender às demandas advindas do censo.

6. Realização de evento em conjunto com DCE, ADUnB e SintFUB para tratar da situação

das pessoas com deficiência na UnB (por ex., paraolimpíadas).

7. Inclusão do PPNE na Comissão da Semana Universitária e promoção da participação de

pessoas com deficiência.

8. Serviço do PPNE para estudantes do noturno, que é inexistente hoje (por ex., não existe

condução para PNE no noturno).

9. Divulgação prévia do cronograma de eventos/atividades (por ex., calendário mensal) do

PPNE e ampliação da mala-direta para melhor divulgação.

10. Melhorar a exibição de filmes com debate sobre deficiência e educação inclusiva com

profissionais de diferentes áreas acadêmicas.

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VOLTADAS PARA O DEG

1. Articulação junto à Reitoria para melhoria no Setor de Atendimento Especial do CESPE,

sobretudo, com vistas à retirada de barreiras para a inscrição e a execução de provas de

vestibular e de concursos (vide solicitação de diagnóstico para comprovação de deficiência).

2. Orientações para melhoria na aplicação de provas de vestibular, adequando-as às

necessidades de cada estudante com deficiência (por ex., realização de prova de vestibular em

LIBRAS para os surdos).

3. Sistematização das políticas de acessibilidade das provas do CESPE, orientadas e

supervisionadas pelo PPNE.

4. Participação do PPNE na reunião semestral já existente do Decanato de Graduação com

todos os coordenadores de cursos presenciais de graduação da UnB (todos os campi) para o

levantamento das demandas pedagógicas, discentes e docentes.

5. Revisão do Manual dos Calouros e inclusão de informações acerca do PPNE.

6. Produção do Manual do Calouro em mídias diferentes: braille, tamanho ampliado,

ilustrado, LIBRAS.

7. Aprimoramento da participação do PPNE na recepção de calouros para a visualização da

comunidade como um todo.

8. Inclusão do PPNE na Comissão de Boas Vindas e recepção dos calouros.

9. Retomada do professor-orientador no acompanhamento acadêmico dos estudantes.

10. Inserção, no formulário de avaliação docente pelos discentes, de critérios quanto à prática

do professor no atendimento às necessidades de adaptação.

11. Elaboração de relatórios de feedback pelos docentes para o PPNE.

12. Abertura e ampliação de disciplinas pertinentes à Educação Inclusiva para todos os cursos.

13. Criação de cursos para todos os alunos da universidade sobre temática da deficiência,

preconceito, inclusão, exclusão.

14. Realização de educação continuada na própria universidade para servidores sobre

atendimento a pessoas com necessidades especiais, direitos, preconceito, inclusão, exclusão.

15. Ampliação das vagas da disciplina de LIBRAS para os estudantes da UnB.

16. Articulação com o PROCAP para realização do curso de LIBRAS para os servidores.

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VOLTADAS PARA O DECANATO DE FINANÇAS

1. Garantir meios para que a verba do Programa Incluir destinada ao PPNE seja integral

e anualmente utilizada para atender à demanda de tecnologia assistiva, de manutenção

dos equipamentos (como os elevadores) e de melhoria na acessibilidade dentro dos

Campi.

2.

VOLTADAS PARA O CPD

1. Garantir o acesso à informação em todos os níveis e em todos os setores da UnB (matrícula,

sites, moodles etc).

2. Desenvolvimento de sites acessíveis para todas as unidades da UnB.

3. Destaque ao PPNE e ao Núcleo de Tecnologia Assistiva no site da UnB para uma maior

facilidade de acesso às informações.

VOLTADAS PARA A UnB TV

1. Comunicação acessível na sua programação, de acordo com a legislação (legendas para

LSE, janela de Libras e audiodescrição).

2. Desenvolver programas educativos voltados para a consciência sobre a realidade e as

demandas das pessoas com deficiência.

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ANEXO F

PROPOSTA DE CRIAÇÃO DO COLETIVO

“ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO E DIVERSIDADE NA UnB” AID-UnB

MANIFESTO 50 ANOS DA UnB E A DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS “ESPECIAIS”

Em 2012 foram celebrados os 50 Anos de fundação da Universidade de Brasília. Celebrações

se propagaram! Darcy, Anísio e todos os pioneiros relembrados. O espírito de vanguarda e a

vocação progressista-libertária enaltecidos. Para o seguimento das pessoas com necessidades

especiais (PNEs), no entanto, houve e há pouca coisa para celebrar. A conclusão mais óbvia a

que se pode chegar é que esta universidade é omissa, discriminadora, prejudicial e até mesmo

perigosa para este segmento. A exclusão social começa pelos critérios e forma de ingresso na

universidade, e persegue aqueles poucos exitosos ao longo da vida acadêmica na UnB.

As Pessoas com Necessidades Especiais (PNEs) têm um histórico de desigualdade no acesso

às escolas e aos conteúdos acadêmicos. No caso do Distrito Federal, quando é chegada a hora

de buscarem ingresso na UnB através do PAS, ENEM ou vestibular, o conjunto de barreiras,

erros e omissões desmonta todo discurso fácil e pomposo da inclusão social, diversidade,

pluralidade, democracia e legalidade dos editais. Nem o site nem a sede do CESPE

(CEBRASPE) são acessíveis. Por vezes, nem mesmo os editais o são. A escolha das salas

para a realização das provas dos candidatos especiais privilegia as necessidades do órgão que

aplica as provas. No geral, os locais são de difícil acesso a cadeirantes, a deficientes visuais

portando bengala e máquina braille, ou a qualquer pessoa com restrição de mobilidade. Quem

procura entrar com recurso depara-se com um site inacessível e com a absoluta má vontade e

intransigência do setor de atendimento especial do CESPE. Exemplo: existe algum atendente

que domine a língua brasileira de sinais? No geral, as pessoas com deficiência são obrigadas a

cumprir as regras publicadas em meios a que elas mesmas não podem ter acesso.

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Uma vez na universidade, as PNEs encontram uma estrutura física e administrativa

despreparada para recebê-las e apoiá-las. Faltam recursos humanos, especialistas, estrutura de

acessibilidade e inclusão, materiais adaptados e, sobretudo, vontade política para efetivar o

processo de inclusão. A infraestrutura da universidade está absolutamente contra as normas de

acessibilidade da ABNT. Mesmo os novos prédios ou aqueles reformados são entregues sem

acessibilidade ou são apenas parcialmente acessíveis. Não se conhece site na universidade que

leve em conta padrões de acessibilidade. Não há uma rotina racional de ensalamento que

considere os deslocamentos das PNEs. Muito menos existem mesas, cadeiras, rampas,

elevadores adaptados e disponíveis para utilização regular. Nem todos os docentes, discentes

e funcionários são educados e sensíveis para garantir a isonomia de direitos do estudante

“especial”. Acessibilidade e inclusão são temas pouco frequentes nas políticas e atividades do

Diretório Central dos Estudantes (DCE), Associação dos Docentes da UnB (ADUnB) e do

Sindicato dos Trabalhadores da FUB (Sintfub). Queremos saber o que esses três órgãos

representativos fazem pelas PNEs. (Existem olimpíadas especiais na UnB? Locais acessíveis,

cédulas em braille ou tradutores de LIBRAS para as eleições de qualquer nível na UnB?)

Diante da realidade de discriminação, abandono, marginalidade e falta de compromisso real

da universidade com as PNEs, formamos um coletivo que seja nossa voz, nossos ouvidos,

nossos olhos, nossas pernas, nosso cérebro pensante e atuante. Queremos participar e definir

os rumos da UnB nos próximos 50 anos, de forma ativa, engajada, construtiva, independente,

criativa, propositiva e, sobretudo, crítica. Somos o Coletivo “ACESSIBILIDADE,

INCLUSÃO E DIVERSIDADE NA UnB”. “Acessibilidade”, porque esta palavra ainda não

faz parte da rotina da universidade, de seus administradores, de seus docentes e discentes, e de

seus frequentadores em geral. “Inclusão”, porque as PNEs não são consideradas nas decisões

e políticas da UnB. “Diversidade”, porque acreditamos que o nosso segmento precisa ser

reconhecido e se unir às demais minorias para contribuir e enriquecer nossa comunidade

acadêmica.

OBJETIVOS:

-reunir as PNEs, seus familiares e aliados em um coletivo que seja nossa voz, pois, como diz

o jargão, “quem não é visto, é esquecido”;

-promover a autoestima e o sucesso acadêmico dos estudantes com necessidades especiais;

-registrar, conhecer e dialogar com todas as iniciativas voltadas para a acessibilidade, inclusão

e diversidade;

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-trabalhar para que todo o saber produzido na universidade seja aplicado para a causa das

PNEs;

-promover o debate e a pesquisa sobre a acessibilidade, inclusão e diversidade;

-exigir que os gestores e servidores da universidade cumpram a constituição, as leis nacionais

e os tratados internacionais que regem e protegem os direitos das PNEs;

-participar das decisões sobre os rumos da Universidade de Brasília.

PROPOSTA DE AÇÕES:

1. Criação de um Grupo no Facebook: “ACESSIBILIDADE, INCLUSÃO E DIVERSIDADE NA UnB”

2. Conteúdo do perfil no Facebook: entrevistas [preferencialmente acessíveis e feitas

pelos alunos] com pais, alunos, coordenadores de projetos, administradores;

descrição/entrevista de todos os programas e iniciativas com objetivos comuns (FE,

LDV, LET, LIP, PPNE, IISES, indígenas, BCE-BDS, arquitetura, engenharias...);

postar links e discussões sobre a legislação; fotos de todo local perigoso ou que faltar

acessibilidade na UnB; link de sites de instituições, associações ou grupos afins;

notícias de projetos e leis voltadas para esse fim; DEMANDAS; entre outros.

3. Promover fóruns, debates, eventos

4. Encontros semestrais com reitor, decanos, prefeito, arquitetos etc.

5. Fazer relatórios de ações positivas e negativas

6. Discutir com a reitoria o relatório do I Fórum de Acessibilidade do PPNE, com vistas

ao atendimento das demandas do segmento.

7. Conhecer a forma de organização de outros coletivos (LGBT, negros...)

8. Visitar cada obra da UnB e exigir o cumprimento das normas da ABNT

9. Fazer propostas formais ao PPNE-DAC para melhoria dos serviços de apoio.

Fortalecer o PPNE, dando autonomia e recursos humano e financeiro para que este

represente os PNEs de forma digna, viabilizando a inclusão e acessibilidade. [no.9=

fazer gestão junto à reitoria? Colaborar com o PPNE para que atinja sua função

10. Parceria com TCU no debate sobre controle das politicas publicas de acessibilidade

11. Parceria com MPDFT na denúncia e campanhas que promovam a acessibilidade no

DF

12. Proposição ao CEPE de mudanças nos currículos que promovam o contato do

estudante com questões de acessibilidade e com o usuário

13. Participação do Coletivo na Semana Universitária sobre a legislação de acessibilidade

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14. Fortalecimento da parceria escola-Universidade para que o estudante tenha contato e

diálogo com as necessidades dos usuários

15. Parceria com as empresas juniores da UnB para desenvolvimento de projetos de

acessibilidade para o campus

16. Parceria com o CDT para o desenvolvimento de políticas de incubadoras que

promovam acessibilidade

17. Oferta de disciplina, projetos e cursos de extensão que promova a interação estudante

e o usuário de produtos acessíveis.

18. Criação de um centro de convivência adaptado e acessível para as PNEs.