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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA JEAN MENEZES DA ROCHA OS SONS E AS CORES: PROPOSTAS DE CORRELAÇÃO EM EXPERIÊNCIAS COMPOSICIONAIS Salvador 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAESCOLA DE MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

JEAN MENEZES DA ROCHA

OS SONS E AS CORES: PROPOSTAS DE CORRELAÇÃO EMEXPERIÊNCIAS COMPOSICIONAIS

Salvador

2010

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JEAN MENEZES DA ROCHA

OS SONS E AS CORES: PROPOSTAS DE CORRELAÇÃO EMEXPERIÊNCIAS COMPOSICIONAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduaçãoem Música, Escola de Música, Universidade Federal daBahia, como requisito parcial para obtenção do grau deMestre em Música.Área de concentração: Composição

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Mazzini Bordini

Salvador

2010

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R672   Rocha, Jean Menezes da.                   Os sons e as cores: propostas de correlação em experiências composicionais.            / Jean Menezes da Rocha.  ­ 2010.                   xii, 114 f. : il.  

                   

               Orientador : Prof. Dr. Ricardo Mazzini Bordini.                     Dissertação (mestrado) ­ Universidade Federal da Bahia, Escola de Música, 2010.                                      

1. Composição eletroacústica.  2.  Correspondência  cromofônica.  3. Sonificação               I. Bordini, Ricardo Mazzini.  II. Universidade Federal da Bahia. Escola de Música .                             III. titulo.

                                                                                                                CDD – 781.34                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

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c© Copyright byJean Menezes da Rocha

Novembro, 2010

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TERMO DE APROVAÇÃO

JEAN MENEZES DA ROCHA

OS SONS E AS CORES: PROPOSTAS DE CORRELAÇÃO EMEXPERIÊNCIAS COMPOSICIONAIS

Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau deMestre em Música, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte bancaexaminadora:

Salvador, 7 de dezembro de 2010

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À Carmela, que recém chegou e já me enche de orgulho e alegria.

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A cor é incontrolável. Ela sem esforço revela os limites da linguageme se esquiva aos nossos melhores esforços para impor-lhe uma ordemracional... Trabalhar com cores é tornar-se plenamente consciente da in-suficiência da linguagem e da teoria — o que é tanto perturbador quantoprazeroso.

David Batchelor

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Agradecimentos

Aos meus pais, Luceval e Elisabete, por todos estes anos de amor e incentivo ininterruptos.Minha gratidão não cabe nestas linhas.

À minha amada esposa Juliane, por sonhar junto comigo, pela coragem de enfrentaresta ambiciosa empreitada ao meu lado, por me dar o maior presente que um homem podereceber.

Ao Prof. Ricardo Bordini, pela orientação criteriosa e pela confiança em meu trabalho.

Aos amigos que se fizeram presentes (de todas as formas) ao longo destes dois anos —um pedaço tão significativo da minha vida.

Aos professores e funcionários da EMUS/UFBA—PPGMUS.

À CAPES, por transformar o possível em viável.

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Resumo

Esse trabalho trata das relações entre cores e sons, e seu uso no processo composicional.São utilizados como referência a abordagem de Jorge Antunes (1982), que relaciona sonse cores pelas suas frequências em proporção, e propostas de diversos autores ligados à áreada sonificação. No capítulo inicial, serão expostas noções preliminares de teoria da cor,utilizadas ao longo do trabalho. O segundo capítulo traz um breve levantamento histó-rico/bibliográfico sobre as diversas abordagens à relação cor/som que tenham ocorrido atéos dias atuais. O terceiro capítulo é dedicado à análise da peça Da cor e seus territórios,escrita para conjunto instrumental misto a partir da abordagem de Antunes. O quarto eúltimo capítulo trata da criação do programa cromophon, ferramenta computacional usadana subsequente composição de Uma Ária para Macke, peça analisada neste mesmo capítulo.

Palavras-chave: correspondência cromofônica, sonificação, composição eletroacústica

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Abstract

This work deals with relations between color and sound, as well as their use in the compo-sitional process. As reference to this subject, we use the approach made by Jorge Antunes(1982), who relates sounds and colors by means of their frequencies, and proposals by vari-ous authors who write about sonification. In the first chapter, there will be exposed prelimi-nary notions about color theory, that are to be used through this work. The second chapterprovides a brief historical survey about various approaches made to the color/sound relati-ons that occurred up to the present day. The third chapter consists of an analysis about thepiece Da cor e seus territórios, written for mixed ensemble based on the Antunes‘ approach.The fourth and last chapter deals with the creation of software cromophon, a computationaltool used in the subsequent composition process of Uma Ária para Macke, an electroacousticpiece that is analyzed in that very chapter.

Keywords: cromophonic matching, sonification, computer music

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Sumário

Agradecimentos vii

Resumo vii

Abstract viii

Lista de exemplos xi

Lista de figuras xii

Lista de quadros xiii

Introdução 1

1 Sobre a cor e os seus territórios 3

1.1 Algumas definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

1.2 Especificidades fenomenológicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.3 Espaços de cor e representações digitais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1.4 Enfim, territórios delimitados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 Abordagens existentes à relação entre cores e sons 11

2.1 Uma breve revisão histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

2.2 A abordagem cromofônica de Jorge Antunes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

2.3 Sonificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

2.3.1 Resumo de conceitos e técnicas elementares . . . . . . . . . . . . . . . . 24

2.3.2 A sonificação aplicada a imagens e cores . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

Partitura: Da cor e seus territórios 29

x

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3 Memorial: Da cor e seus territórios 71

3.1 Considerações acerca da imagem escolhida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

3.2 Sobre a leitura da imagem e mapeamento das cores . . . . . . . . . . . . . . . . 73

3.3 Obtenção de material pré-compositivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

3.4 Da organização dos sons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

3.5 Os “instantâneos” como definidores da segmentação . . . . . . . . . . . . . . . 78

3.6 Análise descritiva da peça musical . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

3.6.1 A introdução: primeiro instantâneo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

3.6.2 Primeira seção: quadrante 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

3.6.3 Segunda seção: quadrante 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

3.6.4 Terceira seção: quadrante 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

3.6.5 A seção final: quadrante 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

4 Memorial: Uma Ária para Macke 94

4.1 Considerações acerca da imagem escolhida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

4.2 Primeiras experiências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

4.3 ARSS e o primeiro sucesso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

4.4 A criação do cromophon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

4.4.1 O programa ChucK . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

4.4.2 O cromophon posto em prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

4.5 O processo de organização dos sons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

4.5.1 Algoritmo para geração de continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

4.5.2 Procedimentos compositivos finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106

Conclusão 107

Anexo 1 114

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Lista de Exemplos

3.1 Trecho identificando o instantâneo mais marcante da primeira seção (notasda flauta. Compassos 26 – 29). Note-se o padrão de mudança das fórmulasde compasso, constante ao longo da seção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

3.2 Trecho que demonstra estabilidade melódica com oscilações curtas, a des-peito do movimento rítmico mais acentuado no oboé e no clarinete-baixo.Note-se a voz do violino conduzindo uma mudança suave de cores, mas re-solvendo em um “microinstantâneo” (compassos 31 – 32). . . . . . . . . . . . . 83

3.3 Trecho que demonstra o movimento rítmico marcante e um conjunto de ins-tantâneos recorrentes executados pelo violoncelo e pelo violino. Note-se opapel exercido pela percussão no reforço rítmico, e a inserção de sons micro-tonais nas madeiras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

3.4 Excerto que contém diversas demonstrações de técnicas utilizadas para seobter sons mais incisivos e vivazes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

3.5 Instantâneo definitivo, apresentado pelo oboé, base do trabalho de recapitu-lação no quadrante final. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

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Lista de Figuras

1.1 Espaço de cor CIE 1964 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

3.1 Coloured Forms I (1913), de August Macke. Imagem redimensionada, emtamanho menor que a originalmente utilizada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

3.2 Círculo de cores pigmentárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92

3.3 Divisão – grosso modo – da pintura de Macke em quadrantes. A linha escurafaz essa divisão. Os quadrantes são contados de 1 a 4, desde o canto superioresquerdo, em sentido horário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

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Lista de Quadros

2.1 Quadro de associações cromofônicas segundo Rimsky-Korsakov e Scriabin . . 182.2 Quadro de correspondência nota/cor segundo a AMORC . . . . . . . . . . . . . 192.3 Quadro de harmônicos do Fá -2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212.4 A correspondência cromofônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.1 Relações análogas entre quintas justas e cores complementares . . . . . . . . . 75

xiv

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Introdução

Esta dissertação é fruto de um interesse surgido em meados do ano de 2007. Este autor,

ainda adolescente, estava começando a se aventurar em atividades composicionais, aos

poucos buscando se apropriar de materiais e ferramentas, conhecer técnicas, aprimorar a

audição. Em meio à pesquisa que iniciava por conta própria, acabei por me deparar com um

pequeno volume escrito pelo Prof. Dr. Jorge Antunes, em que este tratava de uma relação

cercada de misticismos e imprecisões científicas, ao longo dos tempos: a correspondência

entre sons e cores.

Àquela época, o trabalho de Antunes foi tema da minha monografia de conclusão de curso, e

dentro das circunstâncias daquele momento, foi importante e rendeu um bom aprendizado.

Não obstante, uma observação feita pela Profa. Eduarda Gonçalves, quando da defesa

daquela monografia, trouxe à tona algumas questões cujos ecos chegam até este presente

trabalho: disse ela que, embora a exploração da correspondência cromofônica pudesse

render bons resultados musicais, ela enxergava a necessidade de uma análise mais crítica (e

ela, enquanto professora de Artes Visuais, questionou duramente a abordagem de Antunes

a aspectos relacionados à teoria da cor).

Assim, neste trabalho faz-se o ensejo para uma pesquisa mais detalhada, uma análise mais

profunda de eventos históricos, ampliação das fontes bibliográficas, exploração prática com

mais maturidade, no que concerne ao processo composicional; e assim a revisita aos escritos

de Antunes é o primeiro tema deste trabalho.

No decorrer da busca por subsídios teóricos mais diversificados, tive a oportunidade de

1

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me deparar com alguns materiais relacionados ao (até então desconhecido, para mim)

campo de estudo da sonificação. A grosso modo, pode-se dizer que é um conjunto de

princípios técnicos que podem gerar sons não-verbais, tendo como parâmetros de controle

abstrações numéricas de dados não-sonoros (uma definição mais criteriosa e bem funda-

mentada será elaborada ao longo deste trabalho, no capítulo 2).

A sonificação, de imediato, atraiu meu interesse, e será a segunda abordagem analisada

no decorrer da dissertação.

Explicadas as motivações e a escolha dos temas, passo a descrever a organização deste

trabalho:

No primeiro capítulo, apresento algumas noções preliminares sobre teoria da cor, noções

estas que servirão como base tanto para a análise que faço das propostas som/cor, quanto

para a melhor compreensão por parte do leitor deste trabalho.

O segundo capítulo é dedicado a fazer uma revisão histórica das proposições de cor-

respondência entre sons e cores, buscando assim precedentes abertos para esta discussão.

Feita esta tarefa, passo a descrever as abordagens destacadas para uso neste trabalho: a

cromofonia de Jorge Antunes, e a sonificação.

Posteriormente, apresento a partitura de Da cor e seus territórios, peça escrita para con-

junto instrumental misto feita a partir da abordagem de Antunes. Em seguida, apresento o

memorial com a devida descrição do processo composicional.

O quinto e último capítulo é a análise do processo composicional de Uma Ária para Macke,

peça de música eletroacústica composta a partir de conceitos e técnicas de sonificação. Este

capítulo inclui a descrição do processo de criação do programa cromophon, ferramenta

computacional que estruturei para automatizar processos de sonificação de cor.

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Capítulo 1

Sobre a cor e os seus territórios

1.1 Algumas definições

Traçar definições acerca de cor é, naturalmente, a tarefa inicial para que possamos delimi-

tar nosso objeto de estudo. Embora tenhamos uma compreensão empírica/intuitiva natural

sobre o que percebemos como cor, a tarefa de elaborar definições objetivas se demonstra

incomodamente difícil. Tecnicamente, como fenômeno físico, existe um nível de consenso

(pelo menos no mundo ocidental judaico-cristão) obtido através de estudos práticos. Ocorre

que, mesmo dentro da definição consensual, aparecem variáveis das mais diversas, e limita-

ções que nossa tecnologia ainda não pode transpor. Rossotti (1985) expõe longamente uma

definição oficial contida em um relatório do Conselho Inter-Sociedade para a Cor (1963):

Cor, em colorimetria, é um conceito que significa exatamente o que é represen-tado por (X , Y, Z), e (X , Y, Z) é computado como a relação funcional de energia(E), reflectância ou transmitância (R), e as quantidades ( x , y , z) de três luzesarbitrárias requeridas para combinar cada parte, a sua vez, de um espectro deenergias iguais para um observador padrão [. . . ] A depender das condiçõesde visualização, dos objetos ou áreas circundantes, dos tamanhos e posiçõesrelativas dos objetos, do estado de adaptação do observador, e uma série deoutras coisas, um objeto em particular que o colorimetrista caracterize comum dado (X , Y, Z) pode tomar diversas aparências diferentes. Algumas des-tas diferenças podem ser analisadas como diferenças de matiz (tendência aovermelho/amarelo/verde/azul), saturação (discrepância de um dado matiz emrelação a um tom neutro de mesmo brilho) e brilho (a similaridade perceptual

3

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de uma combinação matiz/saturação em relação a um item de uma série deneutros que se estendem do escuro para o claro ou do fosco para o brilhante).Os matizes, saturações e brilhos que são abstraídos de experiências visuais com-pletas e são usados para representar dimensões pelas quais a cor pode variar,são funcionalmente relacionados a muitas coisas, entre as quais estão as carac-terísticas espectrais da energia estimulante (E, R), as funções de combinaçãoespectral de um observador em particular (r, g, b), a memória (M) do observa-dor para objetos semelhantes, o meio circundante (S), o estado de adaptação doobservador (A), objetos próximos (O), a atitude (T ) do observador no momentoda medição, e assim em diante (u, v, w).

Cor= (H, S, B) = f1(E, R, M , S, A, O, T, r, g, b, . . . , u, v, w) (Rossotti 1985, p.13)12

A tentativa de condensar elementos objetivos e subjetivos em uma fórmula matemática se

mostra, assim, ingrata: como mensurar/quantificar numericamente grandezas(?) tais como

“memória do observador”, “atitude” e “meio circundante”? Também é grande a lacuna

deixada terminando-se a definição com “assim em diante”. Tal imprecisão é inexorável

e mostra que a cor, em sua fenomenologia, vai além de impressões físicas e grandezas

mensuráveis.

Em uma rápida pesquisa na internet, pode-se encontrar na Wikipédia uma definição mais

sucinta da cor conforme se entende no mundo ocidental:

Cor (do latim colos, color) é a propriedade perceptual visual correspondente noshumanos às categorias chamadas vermelho, verde, azul e outros. A cor derivado espectro da luz (distribuição da energia luminosa versus comprimento deonda) a interagir no olho com as sensibilidades espectrais dos fotorreceptores.Categorizações e especificações físicas da cor são também associadas a objetos,materiais, fontes de luz etc., baseado em suas propriedades físicas, tais como

1Color, in colorimetry, is a concept which means exactly what is represented by (X , Y, Z), and (X , Y, Z) iscomputed as a functional relation of energy (E), reflectance or transmittance (R) and the amounts ( x , y , z) ofthree arbotrary lights required to match each part in turn of an equal-energy spectrum for a standard observer[. . . ] Depending on the viewing conditions, the surrounding objects or areas, the sizes and relative positionsof objects, the adaptive state of the viewer, and a host of other things, a particular object that the colorimetristcharacterizes by a given (X , Y, Z) can take many different appearances. Some of these differences can be analyzedas differences in hue (redness, yellowness, greenness, blueness), saturation (dissimilarity of a given hue from aneutral of the same brightness), and brightness (the perceptua similarity of a hue-saturation combination to someone of a series of neutrals ranging from dark to light or dim to bright). The hues, saturations, and brightnessesthat are abstracted from complete visual experiences and used to represent dimensions along which color mayvary are funcionally related to many things, among which are the spectral characteristics of the stimulatingenergy (E, R), the spectral matching functions of a particular observer (r, g, b), the observer‘s memory (M) forsimilar objects, the surround (S), adaptive state of the observer (A), neighbouring objects (O), the observer´sattitude at the moment (T ), and so on (u, v, w).

2H = Hue – matiz; S = Saturation – saturação; B = Brightness – brilho.

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absorção de luz, reflexão, ou espectro de emissão. Ao definir um espaço de cor,as cores podem ser identificadas numericamente pelas suas coordenadas.

Por causa do fato de que a percepção de cor emerge da sensibilidade variáveldos diferentes tipos de cones [células fotossensíveis] na retina a diferentes partesdo espectro, as cores podem ser definidas e quantificadas segundo o grau emque elas estimulam tais células. Estas quantificações físicas ou fisiológicas dacor, todavia, não explicam totalmente a percepção psicofísica da aparência dacor3 (Wikipedia 2010a)

Embora a definição acima esclareça a natureza psicológica (e portanto altamente subjetiva)

de fatores determinantes à percepção da cor, fica também claro que a cor não pode ser

definida apenas como um fenômeno per se, mas também – e principalmente – pela forma

como cada indivíduo o percebe, influenciado por toda uma série de fatores (mensuráveis

ou não) físicos, psicológicos e culturais.

1.2 Especificidades fenomenológicas

Uma vez entendido que não é possível tratar a cor como fenômeno absoluto e plenamente

quantificável, faz-se necessário encontrar vias de utilizá-la (a cor) da maneira mais objetiva

possível. Por isso, para que possamos definir parâmetros úteis à relação entre cores e

material sonoro, é interessante entender um pouco da natureza do fenômeno da cor no que

tange aos seus elementos mensuráveis.

Primeiramente, cabe dizer que a cor ocorre a partir da ação da luz sobre a matéria, que

pode tanto absorvê-la quanto refleti-la em proporções variáveis. A luz, por sua vez, ainda

não é um fenômeno totalmente compreendido, mas sabe-se que vai além de uma mera

onda eletromagnética. Conquanto não precise de meio físico para se movimentar, a onda

3Color or colour (from the Latin colos, color) is the visual perceptual property corresponding in humans to thecategories called red, green, blue and others. Color derives from the spectrum of light (distribution of light energyversus wavelength) interacting in the eye with the spectral sensitivities of the light receptors. Color categoriesand physical specifications of color are also associated with objects, materials, light sources, etc., based on theirphysical properties such as light absorption, reflection, or emission spectra. By defining a color space, colors canbe identified numerically by their coordinates. Because perception of color stems from the varying sensitivity ofdifferent types of cone cells in the retina to different parts of the spectrum, colors may be defined and quantifiedby the degree to which they stimulate these cells. These physical or physiological quantifications of color, however,do not fully explain the psychophysical perception of color appearance.

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luminosa funciona também como uma “correnteza de partículas” (Rossotti 1985, p.20), os

chamados fótons. Estes fótons possuem massa e portanto são uma forma de matéria que

causa impacto e gera energia com isso. A saber, em uma definição mais precisa:

[. . . ] Mas as partículas (chamadas fótons) são muito diferentes daquelas emuma rajada de metralhadora, um jato de água ou uma lufada de vento. Paracomeçar, elas devem sua massa, e até mesmo sua existência, ao seu movi-mento. Elas viajam através do espaço vazio a cerca de 300.000 quilômetrospor segundo: mas se elas pudessem ser trazidas a uma parada completa, elassimplesmente cessariam de existir. Outra peculiaridade dos fótons é a sua não-rastreabilidade. Nós não podemos dizer exatamente onde um fóton está a qual-quer dado momento, embora possamos determinar a chance de que esteja emum certo lugar a um determinado tempo. [. . . ] Um raio de luz não pode sertotalmente descrito nem como uma onda, nem como uma correnteza de partícu-las, embora ele tenha algumas características de ambos. [. . . ] podemos pensarna luz como uma correnteza de partículas minúsculas, fugidias, que criam umaperturbação elétrica pulsante4. (Rossotti 1985, p. 20)

Rossotti menciona, pois, uma tal “perturbação elétrica”, e é justamente este o termo que

permeia sua descrição de como ocorre o fenômeno luminoso. Parafraseando a autora su-

pracitada, resumidamente, pode-se dizer que existem fótons com quantidades de energia

diferentes, que viajam inicialmente à mesma velocidade, mas que demonstram suas caracte-

rísticas energéticas ao se chocarem contra outras formas de matéria. Materiais de diferentes

composições químicas são perturbados de maneiras diferentes quando bombardeados por

fótons. Este choque provoca movimentos de magnitude variável nas camadas mais externas

de elétrons da matéria, e é esta variação que dirá quais faixas de energia daquele espectro

luminoso serão absorvidas e/ou refletidas pelo corpo atingido. É essa reflexão (com sua

respectiva desaceleração) que funciona como “filtro” para a luz que chega até a retina. A

partir daí, entram em ação os fatores psicofísicos que farão com que cada indivíduo reaja

de maneira diferente, transforme a luz em impulsos nervosos variáveis para o cérebro.

4But the particles (called photons) are very different from those in a burst of grapeshot, a jet of water or apuff of wind. For one thing, they owe their mass, and indeed their very existence, to their movement. They travelthrough empty space at about 300,000km per second: but if they could be brought to a standstill, they wouldsimply cease to exist. Another peculiarity of the photon is its unchartability. We cannot say exactly where it is atany given moment, although we can assess the chance that it is in a certain place at a particular time. [. . . ] Abeam of light cannot be fully described either as a wave or as a strem of particles, though it has some featuresof both. [. . . ] we can think of light as a stream of minute, elusive particles which create a pulsating electricaldisturbance.

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Pois bem, chegando ao ponto em que entra em ação a subjetividade, esgota-se também

nossa gama de grandezas mensuráveis. Não obstante, temos em mãos uma informação im-

portante: as quantidades de energia absorvida e/ou refletida são mensuráveis, dividindo-se

o espectro da luz em áreas convencionadas como vermelho (menor energia/maior compri-

mento de onda), verde (energia/comprimento de onda intermediários) e azul (maior ener-

gia/menor comprimento de onda). A proporção entre cada uma destas três “regiões” do

espectro quanto à absorção e dispersão define a cor resultante, e tais grandezas podem ser

mapeadas em gráficos chamados espaços de cor.

1.3 Espaços de cor e representações digitais

Um espaço de cor é a representação gráfica cartesiana de funções que combinam pares

de dados, a fim de mapear o espectro visível de maneira objetiva. Um modelo de cor é o

conjunto de tipos de dados e funções utilizadas para mapear tais elementos no espaço de

cor. Somando-se a isto determinadas funções específicas de mapeamento, aplicadas a cada

dispositivo de exibição de cor (monitores, impressoras), obtemos a gama. Uma cor dita

“fora da gama” não será representada com a precisão desejada no dispositivo em questão,

necessitando de funções especiais de mapeamento para sua exibição mais aproximada.

O espaço de cor “genérico” e mais antigo é o CIE5 1964, que serve de base para a maioria

dos modelos de cor atuais, nos diversos dispositivos de mídia.

As cores são mapeadas no gráfico seguindo o modelo XYZ. Ou seja: para cada cor, são com-

putados os valores absolutos de energia (X = vermelho, Y = verde, Z = azul) contidos nela,

e a partir destes dados, são calculados valores proporcionais ( x , y , z), cuja soma deve ser

igual a 1. Estes valores ( x , y , z) são demarcados no plano cartesiano, e em sua interseção

estará a cor obtida a partir desses valores. Dada a complexidade do fenômeno luminoso,

vale ressaltar que a precisão do mapeamento em espaços de cor não é total, e pode haver

cores que não se encaixam na área presumivelmente visível do gráfico.

5Comission Iternationale de L’Eclairage – Comissão Internacional de Iluminação

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A partir do modelo XYZ, através das funções de mapeamento e delimitação da gama, temos

o estabelecimento de outros modelos, principalmente:

• o RGB (Vermelho - Verde - Azul), que é utilizado na maioria dos dispositivos de vídeo

(monitores, televisores etc.), utilizando-se de síntese aditiva, ou seja, misturando

cores por superposição e somando os valores para cada faixa do espectro;

• o CMYK (Ciano - Magenta - Amarelo - Preto), que faz o procedimento inverso ao

RGB, através de síntese subtrativa. Por esse modelo, são sobrepostas camadas de

filtragem da luz, que deve chocar-se contra um substrato (papel, por exemplo), e

ao ser refletida de volta ao observador, tem determinadas faixas de energia filtradas

pelas camadas pigmentadas existentes. É o sistema utilizado por impressoras, por

exemplo, e também pode ser observado com certos tipos de tinta;

• HSV/HSB (Matiz - Saturação - Valor/Brilho), que é uma transformação do RGB, adi-

cionando uma camada de abstração em que devem ser calculados matiz, saturação e

brilho para chegar ao valor desejado para a cor em questão.

Existem ainda outros tantos modelos menos difundidos, mas estes são os mais importantes

para o escopo deste trabalho, principalmente o RGB e o CMYK, que estão presentes em um

dos pontos cruciais do estabelecimento da metodologia de trabalho aqui empregada.

1.4 Enfim, territórios delimitados

Uma vez tendo um modelo objetivo de quantificação dos parâmetros das cores, pude esta-

belecer escolhas metodológicas determinantes ao resultado deste trabalho. Tendo em vista

que as abordagens que apresentarei, na tentativa de relacionar sons e cores, exigem gran-

dezas mensuráveis, é inexorável ter de priorizar aspectos concretos da cor, em detrimento

de aspectos perceptuais mais sutis (que dão assunto para dissertações e teses em áreas

obviamente diversas à Música).

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A saber: ao longo deste trabalho, me baseio em representações digitais de imagens.

Assim, meu material de trabalho não é a imagem real, e sim sua conversão digital, limitada

pelo modelo de cor RGB e pela sua respectiva gama de cores. Dito desta maneira, esta

limitação pode soar como sendo maléfica; no entanto esta escolha foi importante para

delimitar em termos objetivos meu objeto de análise e seu modo de aplicação à composição

musical.

Também é inevitável deixar claro que a imagem digital que uso é uma versão momen-

tânea da original, captada sob uma série de variáveis que alteram seu estado “puro” (por

exemplo, a iluminação do local de exposição; a qualidade do dispositivo fotográfico; a qua-

lidade e precisão da conversão digital; a resolução da imagem, entre outros tantos fatores).

Ainda assim, me parece lícito admitir que uma representação digital está sujeita a abstra-

ções das mais variadas, tanto quanto o está uma imagem exposta às minúcias da visão e

percepção humana.

Outro ponto que merece comentário, é a questão de nomenclatura de cores. Aqui, adoto

de caso pensado a nomenclatura vigente na nossa cultura ocidental, com todas as suas

possíveis imprecisões. Mesmo sabendo que existem discrepâncias à vezes gritantes entre

identidade e valoração das cores entre as diferentes culturas, deve-se levar em conta que

este é um estudo inicial sobre as possibilidades de relação entre sons e cores, e não seria

auspicioso enveredar por caminhos pertinentes a culturas tão diversas e não-familiares a

este autor.

Dito tudo isso, fica definido: para a primeira peça musical apresentada neste trabalho,

utilizarei um modelo baseado no CMYK, valendo-me dos aspectos peculiares aos pigmen-

tos (recriações artificiais da matéria que melhor pode refletir e/ou absorver determinada

cor). Para tanto, conto com a inestimável ajuda da artista visual Juliane Engel, dada a sua

experiência e conhecimento do uso e manipulação dos pigmentos em pintura.

Para a segunda peça, será utilizado o modelo XYZ, no espaço CIE 1964 (considerando-se as

limitações do modelo RGB para exibição da imagem no monitor.

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Figura 1.1: Espaço de cor CIE 1964

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Capítulo 2

Abordagens existentes à relação entre

cores e sons

2.1 Uma breve revisão histórica

O campo de estudo da relação entre cores e sons remonta à Grécia Antiga. Desde aque-

les tempos, há registros da busca por relações analógicas/metafóricas entre as formas de

organizar os dois fenômenos distintos, por meio de supostas características em comum.

Segundo Jewanski (2002),

Uma teoria da música baseada em princípios matemáticos, e distinção entreconsonância e dissonância, foi frequentemente tomada como modelo para teo-rias da cor e como a base para estabelecer a harmonia e a desarmonia das com-binações de cores. Os gregos antigos foram os primeiros a construir uma escalade cores dividida em sete partes, em analogia às sete notas musicais e aos seteplanetas conhecidos. Nessa escala, todas as cores derivavam de uma mistura depreto e branco. As consonâncias entre intervalos tonais foram transferidas paraas cores (Aristóteles, De sensu et sensibilibus, 439b-442a)1. (Jewanski 2002)

1 A theory of music founded on mathematical principles, and distinguishing between consonance and disso-nance, has frequently been taken as the model for theories of colour and the basis for essablishing the harmonyor disharmony of colour combinations. The ancient Greeks were the first to construct a scale of colours dividedinto seven parts, on the analogy of the seven musical notes and the seven known planets. In this scale, all coloursderived from a mixture of black and white. Consonances of tonal intervals were transferred to colours (Aristotle,De sensu et sensibilibus, 439b–442a).

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Como se pode perceber, a relação que os gregos estabeleceram era baseada em esquemas

intuitivos; em última análise, inferidos de divisões matemáticas rígidas aplicáveis ao (que

viria a resultar no) sistema de temperamento ocidental, arraigado ao conceito de “nota”

(pitch). Havia aí, também, espaço para a mística vigente à época, à associação fenomeno-

lógica/metafísica que é inerente à área das Artes. Segundo Basbaum (2003),

Na antiguidade clássica, a relação entre o homem e o mundo ao seu redor pa-rece ter sido entendida como mediada por uma espécie de bloco integrado desensação que reunia todos os sentidos e relacionava cada um deles aos demais,e até mesmo todos os sentidos a modelos superiores da natureza e do Uni-verso. Tal qual, por exemplo, a Harmonia das esferas [. . . ], que articulava todoo mundo sensível como expressão de uma mesma unidade matemática. Doisséculos depois, Aristóteles também afirma a unidade entre os sentidos no seuDe Anima.

[. . . ]

No mundo medieval, a filosofia grega terá enorme influência. Não apenas opensamento aristotélico, mas também a Harmonia das Esferas - através de Boé-cio - marcarão o pensamento escolástico, e toda a produção simbólica da cul-tura cristã será a expressão dessa unidade matemática entre os sentidos: mú-sica, pinturas, vitrais ou arquitetura emanam de uma mesma harmonia superior,uma unidade divina [. . . ] (Basbaum 2003, p. 8)

A teoria das cores de Aristóteles foi considerada válida até o século XVII, e cores diferen-

tes foram associadas a vários intervalos tonais nos séculos XVI e XVII, embora geralmente

em conexão com analogias mais profundas em campos heterogêneos, tais como níveis de

existência, os planetas, as fases da vida humana e graus de conhecimento. O objetivo de

tais analogias era estabelecer uma harmonia das cores (Jewanski 2002). Mais para o fi-

nal do século XVII, surgem novas discussões que acabam por provocar um afastamento da

relação cor/som em relação à espiritualidade/misticismo/esoterismo. Nessa época, New-

ton começava suas experiências com as cores (o que culminaria, em 1704, na publicação

de Opticks), ao mesmo tempo em que André Félibien modelava o que seriam as raízes do

modelo RGB, assumindo o amarelo (posteriormente substituído pelo verde), o vermelho e

o azul como “bases de um novo sistema de cores” (Jewanski 2002). Assim, começava-se a

fundamentar a relação em aspectos físicos, com maior solidez científica, em detrimento das

práticas espiritualizadas correntes até então.

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Logo, no final do século XVIII, acontece mais um evento transformador, conforme narrado

por Jewanski (2002):

Após 1722 os escritos de Rameau constituíram o ponto de partida da teoria mu-sical: ele tratava cada acorde individual como o núcleo do sistema harmônico,e derivava o fenômeno musical desde a série harmônica. Louis-Bertrand Cas-tel, um matemático e filósofo francês, construiu sobre essas novas ideias. Eleconhecia as teorias de cor da sua época, os escritos da Antiguidade e aquelesdos teóricos dos séculos XVI e XVII. Ao revisar a tradução francesa do Opticksde Newton em 1723, ele comentou, em referência à tabela de cores e intervalosde Kircher, que ‘a todo aspecto o alcance dos nossos sentidos é exatamente omesmo, e a natureza nos dá sons tantos, quanto tantas são as cores’ (p. 1450).Depois de 1725, Castel elaborou seu próprio sistema de cores e nota, a começarpor Dó = azul. Ele adotou as teorias de cor de tintureiros e pintores, rejeitandoaquelas baseadas na física newtoniana. Ele simplificou a relação entre cores eintervalos tonais por uma relação entre cores e notas, liberou-a de seu contextocosmológico, e ao mesmo tempo tentou transferi-la para a arte como Farbenmu-sik (‘música da cor’). Ele construiu um clavecin oculaire, ou ‘clavicórdio óptico’,que ele demonstrou a uma pequena audiência em 21 de dezembro de 1754.Cada tecla do instrumento, quando pressionada, abria uma lâmina através daqual a luz colorida passava. A invenção de Castel complementou tentativas an-teriores de dar à teoria da cor uma direção musical ao adicionar a ideia de umasíntese artística2. (Jewanski 2002)

Assim, a Idade Moderna traz consigo a transição do espiritual para o racional – embora

ainda de modo bastante especulativo – no estabelecimento de relações entre cores e sons.

Tal relação passa a ser matéria de ordem técnica/prática, em detrimento de uma pretensa

“sublimação” dos sentidos em um “sentido absoluto” de êxtase espiritual.

Ainda no século XVIII, abre-se margem para discussões entre intelectuais da época, “gi-

gantes como Diderot, Mairan, Rousseau e Voltaire” (Jewanski 2002). Eles expressaram,2 After 1772 Rameau’s writings constituted the point of departure in music theory: he regarded the individual

chord as the core of the harmonic system, and derived musical phenomena from the harmonic series. Louis-Bertrand Castel, a French mathematician and philosopher, built on these new ideas. He knew the colour theoriesof his day, the writings of antiquity and those of the 16th- and 17th-century theorists. Reviewing the Frenchtranslation of Newton’s Opticks in 1723, he commented, with reference to Kircher’s table of colours and intervals,that ‘to all appearance the range of our senses is exactly the same, and nature gives us as many sounds ascolours’ (p.1450). After 1725 Castel developed his own system of colours and notes, starting with C = blue. Headopted the colour theories of dyers and painters, rejecting those based on Newtonian physics. He simplified therelationship between colours and tonal intervals to a relationship between colours and notes, liberated it from itscosmological context, and at the same time attempted to transfer it to art as Farbenmusik (‘colour music’). Hebuilt a clavecin oculaire, or ‘optical harpsichord’, which he demonstrated for a small audience on 21 December1754. Every key on the instrument, when pressed, opened up a shaft through which coloured light passed. Castel’sinvention complemented earlier attempts to give the theory of colour a musical direction by adding the idea of anartistic synthesis.

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em geral a negação a uma relação direta entre cores e sons, alegando que os conceitos de

consonância e dissonância em música eram definitivos e permanentes, enquanto com as

cores isso acontecia de forma diferente, a depender do estilo da obra, do conjunto de cores

utilizadas; assim, a dissonância entre as cores não causaria um efeito tão marcante quanto

aconteceria entre os sons. Diziam também que a combinação de cores formava resultados

impassíveis de análise – “[. . . ] quando azul e amarelo formam o verde, enquanto que duas

notas combinadas não criam a nota entre elas” (Jewanski 2002).

Desse modo, o peso da palavra dos intelectuais iluministas relegou o estudo das relações

cromofônicas à obscuridade por cerca de um século, quando compositores românticos co-

meçaram a resgatar as correspondências sensoriais ao expressarem abertamente suas ex-

periências sinestésicas. Os casos mais notáveis foram os de Rimsky-Korsakov, Messiaen e

Scriabin, que na transição entre os séculos XIX e XX procuraram utilizar suas peculiari-

dades sensoriais para agregar expressividade à suas obras. Já em 1889, Rimsky-Korsakov

“sincronizou a iluminação de palco com o uso de palavras coloridas no libreto e um pa-

drão de tonalidades na música” (Jewanski 2002) na sua ópera Mlada. Na mesma época,

Scriabin também aplicava suas ideias sinestésicas, projetando um esquema de iluminação

colorida para a sua obra Prometeus (1908-10) com o uso de um “órgão de cores” (tasti-

era per luce), num esforço rumo à instrumentalização da cor dentro do processo composi-

tivo/performático. Messiaen também deixou relatos de suas experiências sinestésicas e da

sua aplicação ao processo composicional, ao qual “empregou sua associação subjetiva de

cores com acordes, formas e temas” (Jewanski 2002), em obras como Sept Haïkaï (1962) e

Couleurs de la Cité Célesse (1963).

O século XX trouxe consigo uma série de mudanças em ritmo acelerado. O advento das

mídias audiovisuais trouxe outra luz à relação entre estímulos visuais/auditivos, e diversos

movimentos de síntese artística (e mais recentemente a videoarte e a arte digital) bus-

caram também ampliar seu alcance ao incorporar som, luz, movimento e interatividade,

condensados em obras únicas. Não obstante, durante todo esse tempo a relação entre sons

e cores foi transportada a um plano de simbolismos, de interações formais em níveis altos

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de abstração; de certo modo os diferentes fenômenos, em sua amálgama, funcionam como

auxiliares mútuos, e é raro observar, assim, um protagonismo evidente e notável da relação

som/cor de forma objetiva nas artes. Talvez alguns exemplos possam ser encontrados –

ainda que em um nível “espiritualizado” – nos trabalhos de Alexander Laszló, que cunhou

o termo Farblichtmusik, constituindo mais uma tentativa de associar a performance de suas

obras musicais com a projeção de luzes coloridas de maneira semelhante à de Scriabin.

Todavia, é nesse mesmo século XX que emergem duas abordagens bastante distintas entre

si, que buscam instrumentalizar e criar caminhos técnicos objetivos para a realização de

associações entre fenômenos de diferente natureza. O primeiro vem dos estudos específicos

de Jorge Antunes, e o segundo é uma ramificação de um campo mais amplo, referente às

recentes técnicas de sonificação. Essas duas abordagens constituem o ponto de principal

interesse a esse trabalho e serão descritos a seguir.

2.2 A abordagem cromofônica de Jorge Antunes

Em 1982, Jorge Antunes publicou um estudo que seria pioneiro na tentativa de estabelecer

bases metodológicas para a utilização da relação entre os sons e as cores no processo com-

posicional. O livro A Correspondência Entre os Sons e as Cores era o resumo de sua pesquisa

envolvendo experimentos relacionados às frequências das ondas luminosas e sonoras.

O autor principia suas formulações, fazendo um breve resumo histórico de fatos e obras que

carreguem consigo a influência da sinestesia, seja de maneira implícita ou explicita. Vale-se

de exemplos encontrados em obras tanto musicais quanto visuais. A seguir, lista oito “fatos

e opiniões a respeito do tema”, a saber:

1. “A cor de uma obra musical” (p. 10)

Antunes relata, de forma vaga, que “tem havido casos em que algumas pessoas asso-

ciam uma determinada cor a uma obra ou a uma série de obras de um compositor”. É

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necessário destacar que o autor usa expressões como “algumas pessoas”, “outros di-

zem”, “para alguns”, sem mencionar propriamente números e/ou nomes, e sem citar

as fontes de tais dados. Ele também refere-se a um estudo do “psicólogo Flournoy”3,

que afirmava que “a música de Gounod evocava uma sensação de cor violeta em uns

indivíduos e azul em outros”. (Antunes 1982, p. 11)

2. “A experiência de Hamilton” (p. 11)

Neste item o autor menciona uma experiência na qual o professor Clarence Hamilton

executou, perante um grupo de alunas do Wellesley College, o Improviso Op. 142

no 3 de Schubert, “tendo-lhes solicitado que anotassem toda sensação de cor que

porventura lhes sugerissem as diversas partes ou seções da peça”. Antunes afirma

que ao final da experiência “não havia unanimidade nas sensações de cor”, no entanto

“verificou que a unanimidade existia com relação aos tons vivos ou aos tons suaves

(com relação aos graus de luminosidade)”. (Antunes 1982, p. 11)

3. “A sugestão de Bosanquet” (p. 11)

Antunes parafraseia um verbete do Dicionário Oxford da Música, assinado por Percy

Scholes, afirmando que “entre os músicos, o exemplo mais comum de sinestesia é o

que relaciona certas cores com os timbres dos instrumentos musicais”. Sua paráfrase

continua ao mencionar um “ilustre homem de ciências, R. H. M. Bosanquet”, que em

uma reunião da Musical Association, em 1876, sugeriu o uso de pautas coloridas nas

partituras orquestrais, atribuindo uma cor para cada grupo de instrumentos. “Suge-

ria ele o vermelho para os Metais e para os Tímpanos, e o azul para as Madeiras”.

(Antunes 1982, p. 11)

4. “A opinião de Sabaneef” (p. 11)

Antunes faz mencionar “Sabaneef, crítico musical russo contemporâneo” (fazendo re-

ferência a Leonid Sabaneev), a quem atribui a afirmação de que “[. . . ] entre outros,

3Provavelmente é uma referência a Théodore Flournoy (1854–1920), psicólogo suíço que estudava fenô-menos parapsicológicos como a mediunidade (Wikipedia 2010b).

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Schumann, Chopin e Brahms” eram “[. . . ] compositores que não associavam cor à

música. [. . . ] por outro lado, Berlioz, Wagner, Debussy e Ravel” eram “compositores

que falavam da referida associação” (p. 12). Segundo Antunes, Sabaneef observava

que “os relacionados na primeira lista eram carentes de riqueza e colorido orquestral,

enquanto que os da segunda lista eram autores de exuberantes e magníficas orques-

trações” (Antunes 1982, p. 12) 4.

5. “A burla de Londres” (p. 12)

Este item consiste da descrição de um evento que o periódico inglês Musical Opinion

promoveu em 1886, com a finalidade de debater a associação de cores a determinadas

tonalidades musicais. O público presente foi submetido a um teste: um pianista

executou uma peça em sol maior, e enquanto isto a plateia deveria tomar nota da

sensação de cor que aquela tonalidade sugeria. Meia hora depois, a mesma peça seria

executada, porém transposta para lá bemol maior, enquanto os ouvintes repetiriam o

processo de registro das sensações de cor.

A plateia, em sua maioria, teria relatado uma mudança completa da sensação de cor

entre uma tonalidade e outra. Então, revelou-se a burla, quando o pianista mostrou

que o instrumento estava equipado com um sistema que permitia deslocar o sistema

de martelos até quatro semitons acima ou abaixo, conforme regulado pelo pianista.

Assim, na segunda audição, enquanto a plateia via o pianista dedilhar em lá bemol

maior, ele na verdade executava a peça na mesma tonalidade da primeira audição

(sol maior). Não deveria, portanto, haver diferenças na percepção da tonalidade, ao

contrário do que acabou ocorrendo.

4É bom ressaltar que, já em 1929, Sabaneev publicou um artigo resumindo um estudo seu sobre sinestesia,em que ele refutava qualquer esforço direcionado a uma relação direta entre os fenômenos físicos do som e dacor, definindo-os como “analogias amadoras”, “paralelismo primitivo” e “fora dos limites do método científico”(Sabaneev e Pring 1929, p. 267). Em vez disso, ele preferia refletir sobre os fenômenos sinestésicos, uma vezque ele tinha “o dom da visão tonal” (p. 267). Assim, ele testou diversas pessoas com experiências auditivasdiferentes e quantificou as percepções, organizando uma tabela associativa de notas musicais com as corespercebidas pelo maior número de pessoas consultadas. Outro ponto interessante é que Sabaneev identifica arelação timbre/cor como sendo a menos frequente entre os ouvintes, o que vai de encontro à “experiência deHamilton”, utilizada como argumento pelo próprio Antunes.

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6. “As classificações de Rimsky-Korsakof e Scriabin” (p. 13)

Antunes esquematizou um quadro que reproduzia as sensações registradas pelos dois

compositores russos, ao relacionarem cores a tonalidades musicais.

Tom Rimsky-Korsakof Scriabin

Dó Maior Branco VermelhoSol Maior Castanho dourado, brilhante Rosa alaranjadoRé Maior Amarelo como o sol Amarelo brilhanteLá Maior Rosado, claro VerdeMi Maior Azul safira, cintilante Branco azuladoSi Maior Azul escuro tipo ferro Branco azuladoFá] Maior Verde acinzentado Azul brilhanteRé[ Maior Crepuscular, cálido VioletaLá[ Maior Violeta acinzentado Violeta purpúreoMi[ Maior Cinza azulado Cor de ferro brilhanteSi[ Maior — Cor de ferro brilhanteFá Maior Verde Vermelho

(Antunes 1982, p. 14)

Quadro 2.1: Quadro de associações cromofônicas segundo Rimsky-Korsakov e Scriabin

7. “A jaqueta de Kreisler”

Antunes faz menção ao escritor e compositor E. T. A. Hoffmann, que em um dos seus

contos insere uma fala de seu personagem Johannes Kreisler:

Eu tinha uma jaqueta cuja cor era de aproximadamente um Fá bemol, maspara dar um pouco de calma ao olho do espectador, passei a usar, por baixoda jaqueta, um colete com a cor de um Ré. (Hoffmann apud Antunes 1982,p. 15)

Antunes, todavia, não dá maiores detalhes analíticos quanto às relações construidas

por Hoffmann, apenas cita o trecho como parte de sua demonstração de inserções

sinestésicas em obras de arte.

8. “A tabela Rosa-cruz” (p. 15)

Para descrever este item é melhor citar o próprio autor:

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O Departamento de Pesquisas do Colégio da AMORC (Antiga e Mística Or-dem Rosa Cruz) divulga, entre seus iniciados, uma tabela de VibraçõesCósmicas acompanhada de um Teclado Musical com o Número de VibraçõesCósmicas e a Relação com as Cores, Substâncias Químicas e Sons Vocálicos.Este documento, distribuído com as monografias da Organização, é reser-vado e de uso limitado. (Antunes 1982, p. 15)

A tabela da AMORC, tal qual mostrada por Antunes, pode ser vista no quadro 2.2, à

página 19.

Nota Freqüência Cor

Sol 384 c/seg Vermelho-escuroSol] 403 c/seg vermelhoLá 427 c/seg Vermelho-alaranjadoLá] 452 c/seg AlaranjadoSi 480 c/seg AmareloDó 512 c/seg Amarelo-verdeDó] 538 c/seg VerdeRé 576 c/seg Verde-azulRé] 604 c/seg AzulMi 640 c/seg Azul-violetaFá 683 c/seg violetaFá] 718 c/seg Violeta-vermelho

(Antunes 1982, p. 15)

Quadro 2.2: Quadro de correspondência nota/cor segundo a AMORC

Antunes termina a seção introdutória agregando argumentação aos fatos que já vinha

exibindo até então. Ele defende que a preocupação excessiva em negar a relação fenome-

nológica da cor e do som, apenas em termos de vibrações ondulatórias, ondas eletromag-

néticas ou mecânicas faz com que grande parte dos cientistas neguem “a correspondência

destes fenômenos e a analogia de suas propriedades em termos de percepção humana”

(Antunes 1982, p. 16). Assim, faz menção a três autores (Marcel Boll, Jean Dourgnon e

Francis Weston Sears) que defendem que o olho humano não pode ser tão analítico quanto

o ouvido, visto que – grosso modo – o ser humano pode distinguir as notas contidas em um

acorde, todavia não pode precisar a mistura exata de cores contidas em uma determinada

luz.

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O autor, pois, parte do pressuposto de que a distância entre o fenômeno sonoro e o lu-

minoso não é tão grande quanto se pode pensar, e sim exagerada por um suposto bias no

julgamento, que levaria a uma avaliação superficial:

[. . . ] na emissão de uma única nota do piano (ou de qualquer instrumentomusical mecânico) não existe uma única frequência, mas sim uma série de sons(harmônicos). Assim, ao tocarmos uma única tecla ao piano, o que ouvimos éuma combinação de diversos sons diferentes, de intensidades diferentes, dando-nos a sensação de altura desta combinação o fato do som fundamental (aquelede freqüência mais baixa) ser o mais intenso psicoacusticamente falando. Talcomo na percepção da cor, o homem não é capaz, sem os cálculos matemáticos,de dizer as freqüências e as intensidades dos sons parciais que compõem osom complexo ouvido. [. . . ] nem a visão e nem a audição são analíticas em setratando da percepção de estímulos compostos (som complexo e cor composta).(Antunes 1982, p. 17-18)

Antunes segue sua elaboração, explicando conceitos básicos da percepção sonora, como

o tempo de resolução auditiva e a definição de oitava. E ele o faz dessa maneira, para que

possa chegar ao ponto-chave da construção de sua proposta: a noção de série harmônica;

o fato de que operações de multiplicação e divisão do valor de frequência do som podem

resultar na sua transposição por oitava. Logo, o autor primeiro diz:

Assim, se Dó -2 tem 16.35 c/seg, o Dó -3 tem 8.17 c/seg, o Dó -4 tem 4.08c/seg, etc. Em outras palavras, a haste de um metrônomo graduado no anda-mento “allegro”, com o valor 120, ao bater uma vez em cada 1/120 do minutoestará dando lugar a um fenômeno vibratório de 2 c/seg, ou seja, dando lugarà existência de um Dó -5 perceptível como ritmo.

É evidente que o Dó -5 do exemplo citado nada tem a ver com o ruído queo metrônomo produz. O ruído é apenas um sinal que delimita intervalos detempo de igual duração. O Dó -5 é a sucessão periódica (rítmica) dos ruídosque ela produz ao marcar o tempo. Neste sentido, o mesmo Dó -5 é produzidopelo movimento da mão de um regente à frente de uma orquestra, marcando oritmo citado. (Antunes 1982, p. 20-21)

Também, segundo Antunes, a operação inversa é possível. Ele alega que dentre os harmô-

nicos de um determinado som, “aqueles que a nossa mente associa com grande facili-

dade,[. . . ], são as suas oitavas”. Ele toma o exemplo de um Fá -2, cuja frequência é de

21,83 Hertz, e faz um quadro de suas oitavas, a fim de convencionar uma fórmula para

mapeamento de harmônicos em oitava (ver tabela 2.3).

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Harmônico Nota Frequência

1 Fá -2 21.83× 1= 21.83c/seg2 (ou 21) Fá -1 21.83× 2= 43.66c/seg4 (ou 22) Fá 1 21.83× 4= 87.32c/seg8 (ou 23) Fá 2 21.83× 8= 174.64c/seg

16 (ou 24) Fá 3 21.83× 16= 349.28c/seg32 (ou 25) Fá 4 21.83× 32= 698.56c/seg

2m+1 Fá m 21.83× 2m+1c/seg

Esta última expressão é válida para m inteiro positivo

(Antunes 1982, p. 26)

Quadro 2.3: Quadro de harmônicos do Fá -2

Antunes, então, vale-se deste raciocínio para formular sua hipótese principal:

Embora os sons emitidos só sejam detetáveis até um certo valor da freqüên-cia, nada impede que nossa capacidade intuitiva continue em sua associaçãode frequências que guardam entre si a relação de oitava, para qualquer valorinteiro de m. Assim, se o Fá -2, de freqüência 21.83 c/seg, nos traz à mente umfenômeno vibratório de freqüência 87.32 c/seg, cujo exemplo físico perceptívelé o som da nota Fá1, ele pode também trazer à mente um fenômeno vibrató-rio de freqüência igual, por exemplo, a 767898920838758.40 c/seg (ou seja21.83× 245 c/seg) que corresponde ao harmônico de ordem 35184372088832(que é igual a 245) do Fá -2, isto é, que corresponde ao Fá 44. Não há fenô-meno audível com esta freqüência, largamente superior ao limite máximo daaudição dos seres humanos melhor dotados. Entretanto, a natureza oferece,em campo diverso dos fenômenos audíveis, um outro fenômeno vibratório comessa freqüência: é o caso da luz de cor violeta. (Antunes 1982, p. 27)

O autor defende que, ao calcularmos a frequência de fenômenos vibratórios periódicos, e

a partir desta frequência darmos a elas denominação com base na nomenclatura das notas

musicais (com suas correspondentes relações de oitava), e tomando por base a primeira das

suas ocorrências audíveis, “que é a de ordem -2” (Antunes 1982, p. 27), pode-se calcular

efetivamente as notas de qualquer ordem “m”, conforme encontrado na fórmula obtida pelo

quadro 2.3.

Assim, Antunes calcula progressivamente frequências de notas de ordem cada vez mais alta,

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até chegar em frequências que encontrem correspondência no campo das cores. Estrutura-

se, deste modo, o quadro de “correspondência cromofônica” (ver tabela 2.4).

Nota Harmônico Frequência Cor

MI Mi 43 362394032514969,60 c/seg Infra-vermelhoFÁ Fá 43 383949460419379,20 c/seg Infra-vermelhoFÁ] Fá] 43 406731331346897,92 c/seg VermelhoSOL Sol 43 431008558088192,00 c/seg VermelhoSOL] Sol] 43 456693149713039,36 c/seg VermelhoLÁ Lá 43 483785116221440,00 c/seg Laranja-avermelhadoLÁ] Lá] 43 512460379374838,08 c/seg Amarelo-alaranjadoSI Si 43 543070783191121,92 c/seg Amarelo-esverdeadoDÓ Dó 44 575264483652443,20 c/seg VerdeDÓ] Dó] 44 609393324558570,24 c/seg Azul-cianóticoRÉ Ré 44 645633227830107,20 c/seg AzulRÉ] Ré] 683984193406894,08 c/seg Azul-violetaMI Mi 44 724798065029939,20 c/seg Violeta-azulFÁ Fá 44 767898920838758,40 c/seg VioletaFÁ] Fá] 44 813462662693795,84 c/seg Ultra-violetaSOL Sol 44 862017116176384,00 c/seg Ultra-violeta

(Antunes 1982, p. 29)

Quadro 2.4: A correspondência cromofônica

Antunes procura corroborar a validade de sua formulação, demonstrando que sua tabela

de correspondência cromofônica suscita um fenômeno interessante: os intervalos de quinta

justa coincidem precisamente com o que em pintura se chama de “cores complementares”.

Ele defende que o cuidado no tratamento, seja das quintas justas pelo músico, seja das

cores complementares pelo pintor, é de uma exigência semelhante, o que viria a aproximar

as cores e os sons também no que concerne à funcionalidade.

O autor acaba por admitir que não pode ainda se aventar uma relação direta entre os

fenômenos sonoro e luminoso; todavia, tenta ainda justificar suas formulações e delimitar

mais explicitamente seu escopo de trabalho:

É evidente que, se uma corda de contrabaixo pudesse vibrar com a freqüênciado Fá 44, ela não seria vista, por isso, de cor violeta. Também uma radiação ele-tromagnética de freqüência 21.83 c/seg jamais seria ouvida como Fá -2. O queafirmamos é que os conceitos de harmonia, que importam em relações entre

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freqüências, são válidos sem distinção da natureza mecânica ou eletromagné-tica do fenômeno. Porque o que chamamos aqui Fá é o fenômeno vibratório– não importa se mecânico (som) ou eletromagnético (cor) – cuja freqüênciaseja 21.83 c/seg ou qualquer de seus múltiplos ou submúltiplos por potênciasinteiras de 2. (Antunes 1982, p. 32)

A parte subsequente do livro de Antunes é mais dedicada à discussão de possibilidades

de aplicação sinestésica da correspondência cromofônica. O autor busca formular uma

hipótese levando em consideração a proximidade física entre os nervo óptico e o auditivo,

mas não cita nenhuma autoridade como referência.

É bem verdade que, a partir deste ponto, as reflexões de Antunes tornam-se mais e mais

empíricas, baseadas na impressão pessoal do autor quanto a fenômenos como as cores preta

e branca (que ele associa, respectivamente ao silêncio e ao ruído branco – concepção esta

que posteriormente contestarei, no memorial de Da cor e seus territórios). Além do mais, ele

coloca como argumento importante a proximidade de seu quadro com aquele formulado

pela ordem Rosacruz, deixando claro que tem como referência básica o trabalho de tal

associação mística:

Enfim, ao analisarmos a correspondência Rosa-cruz do relato 8, verificamos que,em essência, ela coincide plenamente com as conclusões do nosso trabalho. Adiferença aparente se deve ao fato da AMORC ter considerado como sendo de427 c/seg a freqüência do Lá 3 (o Lá padrão), enquanto nós usamos a de 440c/seg adotada internacionalmente desde 1953 [. . . ]. (Antunes 1982)

Antunes conclui suas reflexões tratando sobre diferenças de cor entre os diferentes tim-

bres (de acordo com diferenças no espectro sonoro) e sobre o elemento direcional como

auxiliar à aplicação da correspondência cromofônica (o que ele considera ser uma das be-

nesses da estereofonia).

A despeito de passagens questionáveis do ponto de vista científico e de pouca clareza em

suas referências bibliográficas, Antunes consegue deixar à disposição do compositor uma

ferramenta interessante para obtenção de material sonoro. A seu quadro de correspondên-

cia cromofônica acaba por se constituir em um caminho viável para a relação cor/nota (e

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desde já faço esta distinção, pois o trabalho de Antunes direciona-se especificamente para

um universo de sons temperados de acordo com a cultura ocidental); relação esta que será

devidamente posta à prova ao analisarmos as composições inclusas neste trabalho.

2.3 Sonificação

2.3.1 Resumo de conceitos e técnicas elementares

A sonificação é um ramo de estudo que descende diretamente da exibição auditiva5. Assim,

faz-se interessante primeiro definir este termo precedente. Segundo Mcgookin e Brewster

(2004),

Não há, infelizmente, definição explícita para o que é uma exibição auditiva.Todavia, baseados nos papers [grifo nosso] que foram publicados como parteda Conferência Nacional de Exibição Auditiva [. . . ] nós podemos consideraruma exibição auditiva como sendo o uso do som para comunicar informaçõessobre o estado de um dispositivo computacional a um usuário6. (McGookin eBrewster 2004, p. 131)

A sonificação, enquanto ramificação da exibição auditiva, é definida como “o uso de áudio

não-verbal para transmitir informação. Mais especificamente, sonificação é a transforma-

ção de relações de dados em relações perceptíveis em um sinal acústico com o propósito

de facilitar a comunicação ou interpretação” (Kramer, Walker, Bonebright, Cook, Flowers,

Miner, e Neuhoff 1997, p. 4). Assim, ao combinarmos as definições de exibição auditiva e

sonificação, podemos chegar a uma conceituação intermediária: a sonificação consiste de

um conjunto de técnicas e ferramentas utilizadas para representar dados em um meio digital

através de sons não relacionados à fala.

Hermann (2008) procura delimitar ainda mais o escopo de trabalho da sonificação:

5Tradução nossa para o termo auditory display.6There is unfortunately, no explicit definition of what an auditory display is. However, based on the papers

that have been published as part of the International Conference on Auditory Display [. . . ], we can consider anauditory display to be the use of sound to communicate information about the state of a computing device to auser

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Uma técnica que usa dados como entrada, e gera sinais sonoros (eventualmenteem resposta a excitação ou desencadeamento adicional opcional) pode ser cha-mada sonificação, se, e apenas se:

(C1) O som reflete propriedades ou relações objetivas dos dados de entrada.

(C2) A transformação é sistemática. Isto significa que há uma definição precisade como os dados (e interações opcionais) causam mudanças ao som.

(C3) A sonificação é reprodutível: passando-se os mesmos dados e interações(ou gatilhos) idênticos, o som resultante tem de ser estruturalmente idêntico.

(C4) O sistema pode ser intencionalmente usado com dados diferentes, e tam-bém pode ser usado em repetição com os mesmos dados.7

(Hermann 2008, p. 2)

Deste modo, a sonificação ganha corpo como um estudo que visa à objetividade da relação

entre dados sonoros e não-sonoros; em tese, preza pela consistência metodológica sem

negligenciar a integridade dos resultados.

Não obstante, acompanhando a evolução histórica da sonificação, pode-se perceber que

o seu objetivo primário (e da exibição auditiva como um todo) tem sido muito mais voltado

ao aspecto utilitário, de representação de dados como meio auxiliar para transmitir infor-

mação. Esse provavelmente é um motivo para que algumas das aplicações mais famosas da

exibição auditiva estejam ligadas a ciências exatas e a dados exploratórios:

Talvez o exemplo mais bem-sucedido de sonificação seja o contador Geiger,que foi inventado por Hans Geiger no início dos anos 1900 e ainda está emlargo uso hoje em dia. O contador Geiger é um instrumento que ‘clica’ emresposta a níveis de radiação invisível, alertando para o perigo que pode passardespercebido com uma exibição visual, bem como permitindo uma contínuaconsciência do grau de perigo. [. . . ]8

Um dispositivo similar em conceito ao contador Geiger, chamado Pulse-oximeter[grifo nosso], tornou-se equipamento padrão em salas de operações médicas

7A technique that uses data as input, and generates sound signals (eventually in response to optional additio-nal excitation or triggering) may be called sonification,if and only if (C1) The sound reflects objective propertiesor relations in the input data. (C2) The transformation is systematic. This means that there is a precise definitionprovided of how the data (and optional interactions) cause the sound to change. (C3) The sonification is repro-ducible: given the same data and identical interactions (or triggers) the resulting sound has to be structurallyidentical. (C4) The system can intentionally be used with different data, and also be used in repetition with thesame data.

8Perhaps the most successful example of sonification is the Geiger-counter, which was invented by Hans Geigerin the early 1900s and is still in widespread use today. The Geiger counter is an instrument that “clicks” inresponse to invisible radiation levels, alerting one to danger that may go unnoticed with a visual display, as wellas allowing a continual awareness of the degree of danger. [. . . ]

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nos EUA na metade dos anos 1980. O Pulse-oximeter produz um tom que variaem altura com o nível de oxigênio no sangue do paciente, permitindo ao médicoque monitore esta informação criticamente importante enquanto se concentravisualmente nos procedimentos cirúrgicos. [. . . ]9

Durante a missão espacial Voyager 2, houve um problema com a nave tão logoela começou a atravessar os anéis de Saturno. Os controladores não conseguiamprecisar o problema usando exibições visuais, que apenas mostravam bastanteruído. Quando os dados foram tocados através de um sintetizador musical,um som de ‘metralhadora’ foi ouvido durante um período crítico , levando àdescoberta de que o problema era causado por colisões em alta velocidade commicrometeoroides eletromagneticamente carregados. [. . . ]10

Outra área promissora para a sonificação é a substituição sensorial para usuá-rios deficientes visuais. Tem havido crescente interesse em aumentar dispositi-vos de exibição tátil com som, com finalidades de apresentação de informaçãográfica11. (Kramer, Walker, Bonebright, Cook, Flowers, Miner, e Neuhoff 1997,p. 12-13)

Mais recentemente, no entanto, começa a se procurar formas de organizar os sons re-

sultantes da sonificação de forma lógica, e a se estudar os aspectos criativos possíveis em

tal procedimento. Assim, podemos destacar os estudos de Ben-Tal e Berger (2004), que

são os primeiros a abordar diretamente os aspectos criativos da sonificação, bem como sua

aplicação à composição musical. Também podemos destacar esforços semelhantes, de Cul-

len e Coyle (2004) – trabalho este que busca aplicar técnicas de orquestração a dados MIDI

gerados pela sonificação de conjuntos de dados – e Schoon e Dombois (2009) como os mais

relevantes neste sentido.

As principais técnicas da sonificação constituem uma lista de pelo menos quatro itens,

convenientemente definidos por Hermann e Ritter (1999):

• Ícones auditivos: Um processo adequado de classificação seleciona umentre um conjunto de peças sonoras. Estas servem como um signo audi-

9 A device similar in concept to the Geiger-counter, called the Pulse-oximeter, became standard equipment inmedical operating theaters in the United States during the mid-1980s. The Pulse-oximeter produces a tone thatvaries in pitch with the level of oxygen in a patient’s blood, allowing the doctor to monitor this critically importantinformation while visually concentrating on surgical procedures. [. . . ]

10 During the Voyager 2 space mission there was a problem with the spacecraft as it began its traversal of therings of Saturn. The controllers were unable to pinpoint the problem using visual displays, which just showed a lotof noise. When the data was played through a music synthesizer, a “machine gun” sound was heard during a criti-cal period, leading to the discovery that the problem was caused by high-speed collisions with electromagneticallycharged micrometeoroids [. . . ]

11Another promising area for sonification is sensory substitution for visually impaired users. There has beenincreased interest in augmenting haptic displays with sound for purposes of presenting graphical information.

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tivo [. . . ] que pode tanto ser aprendido quanto intuitivamente entendido.[. . . ]

• Earcons: Aqui os signos auditivos são combinados para formar mensagensmais complexas, assim como palavras faladas são combinadas para formarsentenças.

• Audificação: aqui os dados são diretamente traduzidos ao domínio au-dível [. . . ] é interpretado como uma série de tempo que controla direta-mente a amplitude do sinal de áudio. Isto é particularmente significativose os dados se originam de uma dinâmica de sistema que evolui no tempo[. . . ]

• Mapeamento de parâmetros: Aqui os dados dirigem os parâmetros deum sintetizador, que pode ser imaginado como um algoritmo produtor deformas de onda. Para cada ponto de dados, um ou mais tons são geradosonde os parâmetros de eventos, como tempo de início, duração, volume,altura, características de envelope, brilho etc., são controlados pelos com-ponentes vetoriais de dados.

(Hermann e Ritter 1999, p. 1)

Uma quinta técnica, mais recente, chamada “sonificação baseada em modelos” (Hermann

e Ritter 1999), consiste no uso de conjuntos de dados para controlar a modelagem acústica

de um instrumento musical virtual, que pode ser interativamente controlado pelo usuário.

Quanto à aplicabilidade destas técnicas, a sonificação se mostra bastante flexível quanto

às ferramentas utilizadas:

Para edição de som, muitos pacotes de software [grifo nosso] fornecem funçõesbásicas para cortar, copiar, colar, reproduzir e fazer loop [grifo nosso], bemcomo uma variedade de efeitos sonoros úteis à produção de música e trilhasde áudio. [. . . ] Todos os sintetizadores musicais comerciais e praticamentetodos os computadores agora suportam MIDI. As ferramentas mais populares,chamadas “sequenciadores”, permitem a gravação, reprodução e manipulaçãode dados MIDI na tela do computador12. (Kramer, Walker, Bonebright, Cook,Flowers, Miner, e Neuhoff 1997, p. 9)

Ou seja, recursos de hardware ou software não chegam a constituir um grande empecilho

à prática da sonificação, a menos que seja necessário algum equipamento especial, para

12For sound editing, many software packages provide basic cut, copy, paste, record, playback, and loopingfunctions, as well as a variety of sound effects useful for the production of music and audio tracks [. . . ] Allcommercial music synthesizers and nearly all personal computers now support MIDI. The most popular tools,called ‘sequencers,’ allow the recording, playback, and manipulation of MIDI data on the computer screen.

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alguma finalidade específica (como poderá ser observado na análise do processo composi-

cional de Uma Ária para Macke – ver capítulo 4).

2.3.2 A sonificação aplicada a imagens e cores

À guisa de panorama histórico, apresento breves revisões de dois artigos que considero im-

portantes para minha pesquisa, por apresentarem conceitos fundamentais ao entendimento

da sonificação de imagens:

1. Spotty: sonificação de imagens baseada em mapeamento de pontos e volume tonal13

(Evreinov 2001)

O autor faz, de acordo com Hollander (1994) e Meijer (1992) – especialistas que

trabalharam com sonificação aplicada à análise de dados clínicos em medicina –, a

relação da intensidade sonora com o nível de luminosidade de um determinado pixel

na imagem analisada (mais claro = maior amplitude da onda), e da sua frequência

com a posição vertical de tal pixel (eixo y) na imagem – uma proposição bastante

aceita no ramo da sonificação de imagens, e que inclusive está presente na composi-

ção da obra Uma Ária para Macke, objeto de estudo do nosso segundo memorial.

Evreinov, além de seguir o que sugerem Hollander e Meijer, traz em seu estudo a

possibilidade de se programar o sistema de sonificação para seguir caminhos não-

lineares (como tradicionalmente se faz, escaneando pixel por pixel, uma linha de

cada vez), e sim com pequenos “instantâneos” de áreas menores da imagem, em uma

tentativa de se aproximar mais do processo humano de leitura de imagens.

2. Um estudo de composição musical baseada em imagens14 (Wu e Li 2008)

Os autores sugerem um sistema de duplo rastreamento para a imagem. O primeiro

rastreamento resulta de um algoritmo de detecção de contornos na imagem. Uma

13Imaging sonification based on spot-mapping and tonal volume14A study of image-based music composition

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vez encontrados tais contornos e traçando-os em um plano cartesiano, estes podem

ser mapeados de três formas: (1) encontrando os pontos-limite de cada segmento

linear e associando-o a uma nota musical no eixo y (pode-se usar a escala cromática

ou a diatônica de dó maior); (2) através da inclinação do segmento linear em graus,

cujo valor também pode ser associado a uma nota no eixo y; (3) similar ao método

(2), mas avaliando a variação do ângulo de inclinação em relação ao segmento mais

próximo. Nestes três casos, a duração da nota é proporcional ao comprimento em

pixels do segmento analisado.

O segundo rastreamento serve para hierarquizar as notas obtidas através do mape-

amento das cores da imagem. A este ponto, cabe esclarecer que os autores avaliam

tal hierarquia baseados na tonalidade de dó maior, fechando assim seu sistema à

composição de música que, pretende-se, seja tonal (o que, nem por isso, desqualifica

suas intenções). Assim, mesmo quando feito uso da escala cromática, as notas são

hierarquizadas quanto ao seu poder de resolução dentro da escala de dó maior. As

cores são mapeadas por meio da divisão da imagem em “áreas” de cor, separadas de

acordo com o algoritmo detector de bordas. Tais cores são quantificadas quanto às

suas ocorrências em pixels da imagem. As doze cores mais significativas são associ-

adas cada uma a uma nota, sendo que um maior número de ocorrências de tal cor

implica na associação a uma nota mais “importante” na hierarquia (a cor com maior

número de ocorrências seria associada à nota dó, por exemplo). Depois desta associ-

ação, é realizado o que os autores chamam de “ancoragem melódica”: as notas são

distribuídas em sequência, sendo que notas menos importantes na escala têm maior

probabilidade de resolver em notas mais importantes. A ancoragem só é realizada

quando da ocorrência de notas de ordem 3 ou 4 na hierarquia (que tem exatamente

4 níveis), para garantir um certo “sentido de completude”.

Algo que me chamou a atenção ao pesquisar estes métodos de sonificação de imagens foi

uma certa “timidez” quanto à exploração de características do som que o desprendam do

conceito de nota e hierarquia tonal (no caso do Spotty, por exemplo); e também quanto à

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obtenção precisa dos dados colorísticos, principalmente no que diz respeito à codificação in-

dependente de pressupostos culturais (de nomenclatura e associação a fatos e sentimentos,

por exemplo). E, também, desde já me causa algum receio criar ferramentas que estruturem

todo um processo composicional de forma estanque, empregando uma atitude composici-

onal tão específica de forma reutilizável, sem dar chance aos diferentes compositores de

manipular o resultado da sonificação sem recorrer a meios externos ao processo.

Estas possíveis limitações e os respectivos vislumbres de estratégias para contorná-las serão

discutidas com maior detalhe no capítulo 4.

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Partitura: Da cor e seus territórios

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Da cor e seus territórios(2010)

duração 9'05”≃

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INSTRUÇÕES GERAIS

• Notas escritas sem a cabeça indicam que devem ser tocadas com a maior velocidade possível. Não é necessário respeitar o número de notas escritas em cada grupo, ficando este número de acordo com as possibilidades de cada intérprete.

• Os primeiros oito compassos serão executador pelas madeiras através da percussão das chaves, gerando “cliques” com alturas indeterminadas. A decisão de acentos e variações de dinâmica, neste caso, está sob total liberdade do intérprete. Este procedimento se repete também nos oito compassos finais da peça.

• Multifônicos e microtons sempre terão uma sugestão de dedilhado acompanhando a nota.

INSTRUÇÕES ESPECÍFICAS

• A flauta terá incumbência de executar alguns efeitos, tais como:◦ Vibrato em quartos de tom. Exemplo de notação:

◦ “Trinado colorístico”: sustenta-se um harmônico , alterando-se o dedilhado rapidamente para obter colorações variadas da mesma nota. Por exemplo:

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◦ Tongue pizzicato: projeta-se o ar com a língua, com ataque rápido em direção à boquilha. A notação será a seguinte:

◦ Whistle tone: Notas escritas com cabeça em forma de losango. A indicação “w.t.” indica um toque sotto voce, com fluxo de ar reduzido gerando apenas um silvo em segundo plano.

• Oboé e clarone terão como técnicas estendidas, apenas algumas passagens microtonais, com as devidas sugestões de dedilhado.

• As cordas executarão algumas passagens em tremolo e glissandi (seja alternada ou simultaneamente) nos harmônicos, segundo a seguinte convenção de escrita:

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PERCUSSÃO

O (a) percussionista tocará os seguintes instrumentos:• Bombo com pedal, prato chinês suspenso e caixa-clara, montados em conjunto de forma que se permita tocá-los em

rápida alternância. Este conjunto será notado em uma pauta com três linhas: a inferior registra as notas do bombo, a do meio indica as da caixa-clara e a superior, as do prato. Por exemplo:

Tanto o prato quanto a caixa serão sempre tocados com baquetas de madeira, sem revestimento.

• Conjunto com cinco temple blocks. A notação será feita em um pentagrama com espaçamento extra, onde cada linha indicará um dos blocos, sendo a ordem de baixo para cima análoga à do mais grave ao mais agudo. Deverá ser tocado com baquetas de borracha rígida:

35

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• Xilofone, notado em pentagrama tradicional. Deverá ser tocado com baquetas de borracha rígida (se for conveniente, pode-se compartilhar as baquetas entre o xilofone e os temple blocks). Por exemplo:

• A notação para caixa-clara tem três formatos diferentes de cabeça de nota: a circular tradicional (tocar em modo ordinário), a em forma de cruz (ghost note, toque abafado com a ponta da baqueta para baixo) e a em forma de losango (posicionar uma baqueta sobre a pele da caixa, e golpear uma baqueta com a outra).

• O prato suspenso, quando notado com um sinal “+” sobre a cabeça da nota, deve ser percutido próximo ao centro (ponto de fixação do pedestal).

Desejo que esta seja uma experiência desafiadora e prazerosa para cada um dos intérpretes.Sua dedicação é uma honra para jovens compositores como este que vos escreve.

Divirtam-se!

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2010duração 9'05"≃

da cor e seus territórios

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�Percussão

Violoncelo

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Capítulo 3

Memorial: Da cor e seus territórios

A peça Da cor e seus territórios (2010) foi composta para flauta, oboé, clarinete-baixo,

violino, violoncelo e percussão, tendo como motivação o uso da correspondência entre

cores e sons proposta por Antunes (1982). Para tanto, fez-se necessária a escolha prévia de

uma imagem que pudesse ser analisada de acordo com tal abordagem, a fim de subsidiar a

obtenção de material pré-compositivo.

O que se segue é um relato analítico do processo composicional quanto à abordagem utili-

zada, aos materiais e técnicas empregados.

3.1 Considerações acerca da imagem escolhida

Para a realização do trabalho aqui apresentado, escolhi a pintura Formas Coloridas I (1913;

ver figura 3.1, página 91), do austríaco August Macke (1887-1914). Tal escolha se deu por

questão de gosto pessoal, embora deva admitir que alguns fatores me chamaram a atenção:

• As cores estão organizadas em seções bem distintas; e para uma experiência inicial

com a relação cor/som, isto facilita a leitura da imagem e a identificação do seu

conjunto de cores.

72

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE MÚSICA … · escrita para conjunto instrumental misto a partir da abordagem de ... Lista de Exemplos 3.1 Trecho identificando o instantâneo

73

• Por outro lado, a lógica de segmentação dos blocos de cor, na imagem, não segue

uma linearidade explícita, ou seja, não evidencia um “primeiro plano”, ou uma conti-

nuidade que permita visualizar a imagem em um movimento visual uniforme.

Algumas considerações importantes devem ser feitas a partir deste ponto:

A rigor, a imagem que uso como origem do meu trabalho não é a pintura original, e sim

uma representação digital da mesma. Isto implica dizer que é importante estarmos cientes

de que a natureza do material visual depende de vários fatores, que vão desde a qualidade

do equipamento de captura (fotografia, neste caso), passando pela iluminação que incidia

sobre a tela, até a qualidade da conversão digital, incluindo aí o formato de compressão

e a codificação de cor. Mesmo fatores considerados secundários, como o funcionamento

e regulagem do monitor utilizado para visualização da imagem, afetam o modo como as

cores são percebidas.

Assim, cabe destacar que a imagem que pude obter foi capturada através de fotografia

digital, estando assim em formato JPEG1. O uso do formato JPEG, em si, já tem consequên-

cias quanto à precisão das informações gráficas contidas na imagem. Também deve-se

levar em conta que o esquema de cores (ver capítulo 1, seção 1.3) utilizado é o RGB, que

por si é um subconjunto do CIE 1961, limitado também pela gama de cores conseguidas

não-artificialmente pelo monitor (que também está regulado de acordo com preferências

pessoais e possibilidades tecnológicas, apresentando assim distorções em potencial às in-

formações de cor percebidas).

Deste modo, torna-se essencial admitir que meu objeto de estudo quanto às suas cores

não é uma obra de arte original, e sim a sua representação digital, com todas as perdas e

distorções que isto possa acarretar. Não obstante, essa imagem digital não deixa de ser um

conjunto de cores com informações e significado próprios.

1Formato digital que consiste na compressão ajustável dos dados contidos em uma imagem, permitindoassim a escolha entre um arquivo de menor tamanho em bytes ou com maior precisão e menor perda dequalidade gráfica

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74

3.2 Sobre a leitura da imagem e mapeamento das cores

Embora tenha havido um estudo prévio sobre codificações e espaços de cor, o fato de que es-

tamos lidando com a representação de uma imagem feita através de pintura trouxe consigo

a necessidade de um mapeamento das cores que levasse em conta a questão dos pigmentos

e tintas. Na verdade, o funcionamento dos pigmentos coincide com o do esquema de cores

CMYK, ou seja, as cores vão se misturando e intensificando para que fiquem cada vez mais

escuras. Assim, parte-se da premissa de que todas as cores primárias (e por consequên-

cia, as secundárias e terciárias), quando misturadas na sua intensidade máxima, formam

a cor preta. O inverso (todas as cores misturadas em intensidade mínima, zero) formam

o branco. No entanto, o esquema CMYK está ligado à luz colorida em seu estado puro;

já os pigmentos são compostos químicos que servem para obter artificialmente as cores da

maneira mais aproximada possível, porém sem atingir 100% de precisão. Os pigmentos

constituem um esquema extra-oficial chamado RYB2 (Vermelho – Amarelo – Azul).

A partir deste pensamento, decidi procurar auxílio da artista plástica Juliane Engel, para

que ela pudesse me esclarecer as combinações de pigmentos que formariam cada cor com-

posta mapeada, valendo-se de sua experiência acadêmica e prática com pintura sobre tela.

3.3 Obtenção de material pré-compositivo

Começo esse relato descrevendo o processo de leitura e análise da imagem. O primeiro

passo foi visualizar a figura globalmente, a fim de ver quais de suas cores se enquadrariam

no quadro de correspondência cromofônica de Antunes (ver quadro 2.4, página 22).

Sem surpresas até aqui, pude encontrar a maioria das cores contempladas pela tabela de

Antunes. Azuis, vermelhos, alaranjados, verdes, amarelos, todos estavam presentes, em

diferentes intensidades e quantidade de ocorrências. Havia, no entanto, cores deveras

2Red – Yellow – Blue

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instigantes e desafiadoras, a se destacar três delas: áreas de um tom branco-azulado; áreas

em diferentes gradações de marrom; áreas de cor preta.

As cores branca e preta, bem como os cinzas que existem entre elas, são formadas pela

mistura de todas as cores primárias, variando de acordo com a intensidade (em ordem

crescente do branco ao preto). Assim, pode-se deduzir que a cor branca, por exemplo,

seria associada ao silêncio, uma vez que consiste da mistura em intensidade zero. Um

branco-azulado, pois, haveria de ser um ré, ou cores vizinhas no quadro de Antunes, como

o dó sustenido (azul-cianótico), ré sustenido ou mi (azuis violáceos, sendo o mi ainda mais

próximo do violeta) emergindo suavemente do silêncio. Inversamente, a cor preta poderia

ser uma combinação composta por fá sustenido (ou sol ou sol sustenido – vermelho), si

(ou lá sustenido – amarelos, embora não sejam precisamente a cor procurada) e ré (ou dó

sustenido, ré sustenido ou mi – azul), na maior intensidade sonora possível.

Todavia, falar em mistura de cores primárias (a saber, azul, amarelo e vermelho) pode

acarretar, consequentemente, a mistura de cores secundárias resultantes. Deste modo, po-

demos dizer que misturar azul, amarelo e vermelho implica, no mínimo, dizer que a mistura

é igual entre verde (azul+ amarelo) e vermelho; roxo (vermelho+ azul) e amarelo, laranja

(vermelho + amarelo) e azul. Essas combinações secundárias envolvem o que se chama de

“cores complementares”. Note-se que estamos falando de um contexto ideal onde as cores

podem ser dosadas precisamente na mistura, de sorte que tais misturas em intensidade mé-

dia, resultariam em um cinza médio; na prática, o que se observa é a imprecisão humana

e a limitação tecnológica, que geram pequenos desvios e implicam nos chamados “cinzas

coloridos”.

Pois então, a esse ponto atingimos um dos argumentos de Antunes com êxito; argumento

esse que é demonstrado pelo quadro 3.1. Note-se a relação de quinta justa entre notas

adjacentes no quadro (dó – sol, ré – lá, si[ – fá) e a relação complementar entre as cores

correspondentes.

Assim, a relação de complementaridade e obtenção de tons neutros desenrola-se em im-

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Nota Cor Nota Cor

Dó Verde Sol VermelhoRé Azul Lá LaranjaSi[ Amarelo Fá Violeta

(Antunes 1982, p. 31)

Quadro 3.1: Relações análogas entre quintas justas e cores complementares

plicações sucessivas, na medida em que poderíamos aventar uma combinação entre as três

“quintas” do quadro 3.1: ainda assim estaria guardada a relação de complementaridade.

Se formos amalgamando tons em igual proporção, progressivamente chegaremos ao ruído.

Um ruído hipoteticamente perfeito misturaria todas as cores/tons em igual proporção –

requisito para se obter cores em tons neutros, do branco ao preto. Assim, as cores neutras

oferecem possibilidades variadas para a obtenção; se manipulada com o devido cuidado, a

amálgama sonora pode suprir essa relação com efeito.

Quanto às tonalidades ditas “marrons”, antes de prosseguirmos com a reflexão, é interes-

sante observar o círculo de cores da figura 3.2 (página 92). É possível perceber que os tons

de marrom estão localizados em um ponto de alta intensidade entre o vermelho-alaranjado,

o laranja e o amarelo-alaranjado. Ocorre que as cores que se aproximam do centro do cír-

culo não são obtidas naturalmente pelos pigmentos puros, e sim pela adição de pigmentos

neutros (cinzas que escurecem em direção ao preto – esse também oriundo de misturas

ainda mais complexas). Assim, o marrom também dá margem a misturas “ruidosas”, em

intensidade intermediária entre o branco e o preto. Basta que haja “pigmentos formadores”

de cores alaranjadas que se sobressaiam adequadamente a tal mistura.

Outro caso de interesse é a possibilidade de se obter cores, que inicialmente estejam

contempladas por alguma nota no quadro de Antunes, através de misturas de outras notas.

Por exemplo: o verde está associado à nota dó no quadro de correspondência cromofônica;

não obstante, a cor verde pode ser obtida misturando-se pigmentos amarelos e azuis. Logo

pode-se fazer, somente – e tão somente – por analogia, a associação de tal mistura com

a combinação das notas ré (azul) e lá sustenido ou si (preferencialmente o si, que é um

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amarelo-esverdeado). Essas relações análogas podem se constituir em recursos bastante

úteis, ampliando o conjunto de notas passíveis de uso no subsequente processo compositivo

musical.

3.4 Da organização dos sons

Uma vez feito o mapeamento das cores e o levantamento de suas possíveis correspondên-

cias cromofônicas, era chegado o momento de começar a estruturar musicalmente os sons

obtidos.

A partir deste ponto, a participação de Antunes fica cada vez menor. Conquanto ele seja

bastante claro em suas intenções no tocante à relação cor/nota, o autor é vago no que diz

respeito a questões formais (o que é compreensível, pois o seu trabalho trata da relação

fenomenológica entre cor e som, e não da abstração de cor a partir de qualquer objeto;

ou seja, seu objeto é a cor e não a imagem). Do seu silêncio em relação a questões como

organização dos sons no continuum de tempo e quanto a relações de forma, atitude e téc-

nica composicional, só me restou deduzir que estava livre para tomar decisões estéticas e

poéticas que me fossem mais convenientes. Essa limitação será discutida ao longo deste

memorial e sintetizada no momento em que forem apresentadas as conclusões deste traba-

lho.

Pois bem, meu primeiro passo foi decidir a instrumentação. Devo admitir que tal escolha

foi feita baseada em critérios pessoais, em uma decisão quase arbitrária. E digo “quase

arbitrária” por causa de algumas razões técnicas que acabaram tornando a escolha mais

objetiva:

• A flauta produz um som de riqueza harmônica interessante, muitas vezes causado

pelo eventual ruído de fundo causado pelo fluxo da coluna de ar. Esse fator faz com

que a flauta tenha uma participação fundamental no suporte dos sons corresponden-

tes a cores mais complexas, e principalmente na obtenção do som correspondente à

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cor branco-azulada.

• O oboé, por sua vez, com seu som mais cristalino e harmonicamente mais “puro” –

por assim dizer – recebeu a incumbência de fazer algumas exposições representati-

vas de algo como “sinopses” do conteúdo colorístico, em passagens que transitavam

rapidamente entre as cores da pintura estudada.

• A percussão, sim, foi escolhida de maneira mais criteriosa, por uma necessidade que

se apresentou, de obter ruídos, sons de altura indefinida (e assim se designou o con-

junto de bombo com pedal/prato chinês suspenso/caixa clara). E a percussão passa

a fazer um papel duplo, ao apresentar o xilofone, com seu ataque imediatista e pene-

trante, adequado à representação de cores mais escuras, de maior intensidade; tam-

bém, como elemento conciliador, aparecem os temple blocks, que fazem a transição

entre o ruído do primeiro kit e a afinação precisa do xilofone.

O clarinete-baixo, o violino e o violoncelo, devo assumir, foram escolhidos a partir da neces-

sidade técnica de se equilibrar a orquestração e dar maior peso e sustentação às estruturas

musicais, conforme fosse requisitado.

O próximo passo consistiu em esboçar alguma possibilidade de segmentação da imagem

que pudesse ser aplicada também à estruturação musical da peça. Neste ponto, mais uma

vez me vi obrigado a seguir critérios subjetivos, e portanto o procedimento que descreverei

agora é fruto da minha experiência pessoal. Assim, é aconselhável que não seja tomado

como uma tentativa de se definir um processo padronizado para leitura de imagens.3.

A imagem aqui analisada possui uma característica peculiar: embora as cores estejam se-

paradas em segmentos bem definidos, a distribuição destes segmentos se dá de tal modo

que não há indicações explícitas que possam induzir a uma linearidade do olhar. Ocorre

3Também me considero autorizado a dizer que tal omissão na abordagem de Antunes, de antemão, po-deria eximir o compositor de fazer relações formais entre a imagem e a música, tendo assim liberdade paraorganizar o material sonoro obtido ao seu bel-prazer. Procedo de forma diferente, pelo simples fato de quea obra visual apresenta-se, no mínimo, como fonte potencial de inspiração e sugestão de analogias formais.Julgo, então, interessante aproveitar essa oportunidade para experimentar essa possível relação.

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(a mim, pelo menos), assim, a necessidade de uma constante revisão do todo a cada seg-

mento visitado pelo olhar; a tomada de decisão quanto ao próximo segmento a ser anali-

sado é atrasada pelo ato de reanalisar o contexto criado pela observação feita até aquele

momento. Essa característica desafiadora me levou a tomar duas atitudes decisivas para o

restante do trabalho: a primeira foi a de dividir a imagem em quatro “quadrantes” (embora

não tenham resultado quatro partes iguais, dados os contornos irregulares dos segmentos).

Isto implicou diretamente na decisão de dividir a peça musical também em quatro seções4

(ver esboço na figura 3.3, página 93).

A segunda decisão foi a criação daquilo que doravante chamarei instantâneos.

3.5 Os “instantâneos” como definidores da segmentação

Nesta etapa da composição, procurei fazer uma analogia com o meu processo de visualiza-

ção da imagem aqui estudada. A constante revisita ao todo, a que me referi há pouco, me

fez pensar em uma certa medida de “aleatoriedade” que possa ser causada à leitura da ima-

gem, uma vez que cada pessoa, ao se deparar com a segmentação intrincada de Coloured

Forms I faz escolhas de caminhos visuais cujas probabilidades estão muito ligadas a fatores

subjetivos, a depender de estados momentâneos de concentração, conhecimento prévio da

imagem, experiência em leitura de imagens, familiaridade com a técnica do artista, entre

tantos outros fatores.

Assim, acabei decidindo pela composição das partes de cada instrumento de forma inde-

pendente do contexto. A intenção aqui foi a de representar metaforicamente (assumindo

o risco implicado pelo abandono momentâneo da objetividade) diversas possibilidades di-

ferentes de caminhos visuais para leitura da imagem; pude assim abordar as coincidências

e desencontros quanto aos territórios que cada cor poderia ocupar no continuum artificial

que me vi obrigado a criar.

4Cabe lembrar, mais uma vez, que decisões como essa são escolha pessoal e arbitrária, por força da faltade subsídios técnicos apresentada pela abordagem de Antunes quanto ao aspecto formal.

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Tão logo compreendi essa ideia de “caminhos caóticos”, de sucessivas avaliações da parte e

do todo, pude traçar uma estratégia para alcançar essa analogia formal de forma plausível.

Assim, defini que para cada instrumento eu comporia doze fragmentos curtos, em cada uma

das quatro seções. Esses fragmentos conteriam, alternadamente, estruturas representativas

de cores individuais encontradas naquela seção (quadrante), ou então seriam descritivos

da tal “revisita ao todo”. Esses fragmentos de revisita são o que denominei instantâneos, as

tais “sinopses” breves e comprimidas do conteúdo cromático daquele quadrante.

Ficou decidido, também, que dentro desses doze fragmentos/instantâneos, os mais signi-

ficativos ganhariam repetição (por exemplo, digamos que o fragmento 3 tenha significado

mais relevante ao contexto; logo, é facultado repeti-lo em um dos onze fragmentos restan-

tes), e pelo menos dois destes fragmentos seriam compostos de silêncio, seja como elemento

de equilíbrio da densidade sonora ou como indicador da presença da cor branca.

Quanto à distribuição sequencial destes fragmentos na peça musical, pude formular um mé-

todo que carrega consigo a característica da imprevisibilidade do caminho visual na leitura

da imagem: um algoritmo computacional que sorteia a ordem de ocorrência dos trechos e

assim os distribui automaticamente na partitura. Assim, a decisão de se repetir os trechos

mais significativos veio bem a calhar, mantendo um certo equilíbrio, coerência e consistên-

cia da familiaridade em meio à organização aleatória dos fragmentos e instantâneos.

3.6 Análise descritiva da peça musical

O material pré-compositivo, a essa altura, já estava definido, delimitado e tinha claras as

suas possibilidades de organização. Também pode-se dizer que a participação da abor-

dagem de Antunes no processo já estava praticamente concluída, desde a etapa de ma-

peamento das notas em função das cores. Assim, agora descreverei as decisões que tomei

quanto à característica musical de cada seção da peça, buscando o entendimento da relação

que a técnica composicional empregada pode ter com o método de obtenção de material

pré-compositivo.

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3.6.1 A introdução: primeiro instantâneo

essa primeira parte (compassos 1 – 8) na verdade é um elemento pré-seccional, constitui

um elemento introdutório à seção 1, que iniciará no compasso 9.

Aqui, ao usar as madeiras fazendo ruídos com as chaves, pretendo esboçar um primeiro

instantâneo, tendo como base três estruturas do primeiro quadrante da pintura de Macke: a

primeira, no extremo superior esquerdo da imagem, de uma cor quase branca, com elemen-

tos suavemente azulados, amarelados e manchados de um marrom-alaranjado; o segundo,

explicitamente marrom, oscilando para o laranja contido em sua estrutura vizinha, a ter-

ceira de nosso instantâneo. O uso do ruído das chaves produz um som com pouco volume,

útil para expressar a palidez da primeira estrutura; não obstante, os cliques trazem consigo,

no fundo, notas fugidias, sugestões de alturas que fazem ressaltar frequências importantes:

ajudam a “manchar” o branco, inserem aqui e ali manifestações explícitas das cores que

compõem o marrom e o alaranjado, o marrom caótico como deve ser, com os intérpretes

escolhendo as alturas ao acaso.

A escolha da fórmula de compasso, do andamento e das durações foi feita a partir da

preferência pessoal: mais uma vez não posso contar com embasamento a partir de Antunes,

que embora trate da noção de ritmo, não fornece sugestões objetivas de relação temporal

a partir das cores5. Adianto que acontece desta maneira ao longo de toda a peça, embora

nem por isso deixe de haver controle rítmico nas representações das cores.

3.6.2 Primeira seção: quadrante 1

O que se segue nesta seção, que vai desde o compasso 9 até o 56, é a sucessão de fragmentos

e instantâneos, conforme descrito na seção 3.5 (página 78). Assim, resta aqui demonstrar

o processo de estruturação destes fragmentos, em linhas gerais.

5E mais uma vez, também, Antunes escapa ao julgamento negativo, pelo simples fato de que a naturezada relação com o tempo é muito diferente na música e na imagem. Esse assunto será objeto de comentárioao longo da apresentação das conclusões.

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Na primeira seção, todos os fragmentos e são compostos em quatro compassos, em um or-

denamento constante de três compassos a 3/4 e um a 2/4 (ver exemplo 3.1). No trecho que

aparece, ainda no exemplo 3.1, podemos perceber na linha da flauta a construção recor-

rente de um instantâneo que permeia as linhas dos outros instrumentos também. A rápida

passagem em um contínuo relativamente longo, através de todas as cores associadas a esse

quadrante, encontra-se escrita de maneira semelhante também para o violino (compassos

41 – 44) e para o oboé (compassos 21 – 24).

Exemplo 3.1: Trecho identificando o instantâneo mais marcante da primeira seção (notasda flauta. Compassos 26 – 29). Note-se o padrão de mudança das fórmulas de compasso,constante ao longo da seção.

Outro ponto interessante a se observar no exemplo 3.1 é a presença de vozes com menor

movimento (como no clarinete-baixo). Nestes casos, o menor movimento rítmico e/ou

melódico significa que atribuo função de representação estática de cores selecionadas como

sendo marcantes de algum caminho visual.

Nem sempre o movimento rítmico é decisivo na definição entre um simples fragmento e

um verdadeiro instantâneo. Tomemos o exemplo 3.2. Nele, temos figuras rítmicas (espe-

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cificamente as fusas tocadas pelo oboé e pelo clarinete-baixo) que causam uma certa “agi-

tação” ao que até então era um movimento rítmico estável e homogêneo. Não obstante,

ao analisarmos as alturas utilizadas, perceberemos que o oboé oscila entre lá (laranja) e

sol sustenido (vermelho), depois ré bemol (azul-cianótico) e dó (verde), dá um salto que

na verdade é uma inversão do intervalo conjunto ré bemol – ré (azul). Depois de um pe-

ríodo de sustentação, aparece uma rápida oscilação entre os amarelos (si – lá sustenido)

até repousar num violeta oscilante (trinado em fá). O clarinete-baixo faz um caminho se-

melhante, mas mantém-se ainda mais comedido nas mudanças de cor, ficando entre o mi

bemol (marcando, gravemente, o azul violáceo em coro com o violoncelo; representação

de duas áreas desta cor, na parte inferior esquerda do primeiro quadrante da pintura de

Macke) e amarelos-alaranjados (si bemol – lá), reforçando a resolução do oboé ao cair

sobre a oscilação do violeta, mas de maneira mais espaçada.

Esses movimentos descritos pelo oboé e pelo clarinete-baixo, embora demarquem uma mu-

dança gradual entre colorações, não causam o efeito de “instantâneo”, uma vez que cada

mudança de cor é preparada por uma expectativa de regularidade rítmica, sem uso de tons

de passagem, sempre caindo precisamente sobre figuras com oscilação bem definida.

Temos, também, como elementos auxiliares, alguma figurações de menor duração, para

efeitos específicos. Aquilo que chamo de “microinstantâneos” pode ser identificado no final

do fragmento tocado pelo violino entre os compassos 29 e 32, por exemplo, quando do

repentino acréscimo de movimento melódico e rítmico, cobrindo um grande espaço de cor

em um curto espaço de tempo. Outros microinstantâneos podem ser observados das figuras

de “glissando-trêmolo” do violino e do violoncelo (observar compassos 9 – 10, 21 – 22, 25,

34, 49 – 52).

Outros recursos utilizados para efeito de exibição mais sofisticada de cores são o bisbi-

gliando harmônico da flauta, notável por exemplo entre os compassos 33 – 35 e 41 – 43,

utilizado para retratar o amarelo esbranquiçado oscilante, manchado, presente na parte

central inferior do primeiro quadrante da pintura de Macke. Também temos um insistente

jeté com a madeira do arco, praticado tanto pelo violino quanto pelo violoncelo (por exem-

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Exemplo 3.2: Trecho que demonstra estabilidade melódica com oscilações curtas, a des-peito do movimento rítmico mais acentuado no oboé e no clarinete-baixo. Note-se a voz doviolino conduzindo uma mudança suave de cores, mas resolvendo em um “microinstantâ-neo” (compassos 31 – 32).

plo, nos compassos 25 e 33), utilizado com artifício para recriar oscilações em uma mesma

tonalidade por conta do gesto mecânico de pincelar a tela.

A percussão, por sua vez, já demonstra na primeira seção o que será a constante de sua

participação ao longo de toda a peça: demarca os ruídos, desde sutis “palidezes” até man-

chas negras barulhentas, por meio do conjunto caixa-clara/prato chinês/bombo de pedal.

As incursões do xilofone são para efeito de revisita mais elaborada ao todo da pintura; são

instantâneos mais demorados, abstrações melódicas mais explícitas do conjunto de cores

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da obra.

3.6.3 Segunda seção: quadrante 2

Na segunda seção (compassos 57 – 128), ocorrem mudanças de ordem rítmica que refletem

uma mudança análoga ocorrida à percepção das cores, ao observar o segundo quadrante.

Há uma grande área verde-esbranquiçada na pintura, que de modo inversamente proporci-

onal, pode ser analisada rapidamente devido à sua uniformidade de cor. Em contrapartida,

os outros segmentos coloridos acabam “espremidos” contra o limite à direita da pintura,

com mudanças de que acabam sendo mais ágeis, mas que exigem também um maior nú-

mero de retornos do olhar às vizinhanças para que se tenha consciência aprimorada de um

contexto que muda assim rapidamente.

Deste modo, o andamento da peça é acelerado a 138 bpm, e o ordenamento das fórmulas

de compasso muda para dois compassos a 5/4 e um a 2/4, o que (no meu caso, par-

ticularmente) facilitou a implementação de um padrão rítmico mais marcante e de uma

sonoridade mais agressiva.

Nesta seção, o violoncelo e o violino tornam-se protagonistas; expõem o jogo rítmico de

maneira a refletir o esforço exigido, e mantêm figurações que se repetem e predominam

até o final da seção (ver exemplo 3.3, à página 85).

As madeiras têm um elemento novo a explorar: os sons microtonais. Antunes aborda o

assunto brevemente em seu texto:

É importante lembrar que entre duas notas consecutivas do sistema temperado(entre duas notas que formam um semitom) existe uma infinidade de outrossons. Observe-se [. . . ] as cores correspondentes ao Dó] 4 e ao Ré 4. Existeuma infinidade de cores azuis diferentes entre aquelas duas cores. Concluimosdesta forma que a Música Microtonal possui uma paleta sonora muito mais rica.(Antunes 1982, p. 41)

Pressupondo que a lógica de Antunes está correta (a não ser pelo uso do termo cores,

visto que considero mais adequado o uso de tonalidades ou gradações), procurei aos poucos

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Exemplo 3.3: Trecho que demonstra o movimento rítmico marcante e um conjunto de ins-tantâneos recorrentes executados pelo violoncelo e pelo violino. Note-se o papel exercidopela percussão no reforço rítmico, e a inserção de sons microtonais nas madeiras.

enriquecer a paleta de sons e cores à minha disposição, inserindo assim algumas notas

microtonais nas partes tocadas pelas madeiras, deduzindo a relação de proximidade entre

as cores com base no círculo de cor.

essa segunda seção apresenta uma mudança estrutural no que diz respeito à sua dura-

ção; em vez de doze iterações dos fragmentos, resolvi duplicar esse número, ou seja, cada

um dos fragmentos compostos aparece em duas oportunidades ao longo da seção. Isto

acarreta consequências formais, na medida em que as repetições são ainda mais marcan-

tes. Esse efeito não é indesejável, uma vez que a minha intenção era justamente ser mais

explícito quanto às revisitas da visão ao contexto, e quanto ao esforço adaptativo ao meio

em mutação.

Outra consequência da mudança à percepção das cores, é o fato de que na segunda seção

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há um número maior de instantâneos, em detrimento de fragmentos dedicados a cores

isoladas. Busquei fazê-lo assim, por acreditar que o segundo quadrante necessitava de mais

instantâneos para ser percebido integralmente, sob a ilusória predominância da área verde-

pálida. Assim, pude estruturar alguns processos de imitação e progressiva intrincação (ver

exemplo 3.3, página 85; note-se, à guisa de exemplo, o trabalho imitativo que inicia no

compasso 57, e se consolida entre os compassos 60 e 62, com as entradas sucessivas do

oboé e da flauta), para tentar representar uma analogia de maior esforço visual.

Ademais, há também um visível avivamento/escurecimento das cores que cercam o seg-

mento verde-pálido. Essa mudança implicou na adoção de sonoridades mais incisivas, uma

abordagem mais agressiva da dinâmica, aplicando assim técnicas de sonoridades mais cris-

talinas, como o tongue pizzicato na flauta, pizzicatos em glissando nas cordas, crescendos dal

niente atingindo picos de intensidade, e exploração de contrastes entre notas sustentadas e

passagens em staccato (ver exemplo 3.4, à página 87).

Desta vez, quanto à percussão, essa assume um papel de reforço rítmico, com predomi-

nância das alturas indefinidas, gerando o fundo de ruído pálido que preenche a grande área

esbranquiçada no centro do segundo quadrante. O uso dos temple blocks serve também para

reforçar o caráter incisivo das sonoridades das quais participa, reunindo ao mesmo tempo

sugestão de altura e cor, mas sem deixar o ruído ritmado fora da paleta.

3.6.4 Terceira seção: quadrante 3

O terceiro quadrante, com suas cores ainda mais escuras e carregadas, bordas mais “duras”

entre os segmentos, logo me trouxe sugestão de um terreno interessante para um trabalho

mais elaborado da percussão. Assim, essa seção, que é a mais curta da peça (compassos

129 – 164), foi trabalhada como uma espécie de “reação” à seção anterior. Explica-se: o tra-

balho realizado sobre o segundo quadrante foi baseado em ímpeto e recorrência, as cores

mais escuras suscitaram uma abordagem mais agressiva até mesmo como mecanismo de

segurança frente às frequentes mudanças nos caminhos de segmentação da imagem. O ter-

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Exemplo 3.4: Excerto que contém diversas demonstrações de técnicas utilizadas para seobter sons mais incisivos e vivazes.

ceiro quadrante, conquanto tenha cores tão vivas quanto seu predecessor, é mais compacto,

tem uma lógica de segmentação mais uniforme, as cores se agrupam de maneira a atingir

uma acomodação visual maior. Isto, somado ao fato de que a consciência da obra como um

todo já estava aprimorada por tantas revisitas e instantâneos, permitiu que se criasse um

momento de conforto, e a elaboração de um instantâneo mais largo, mais abstrato, mais

fluente. Assim, essa seção se constituiu de um grande instantâneo sobre camadas de cores

isoladas. Em termos práticos, é um solo da percussão sobre um acompanhamento quase

homofônico do resto do conjunto.

As madeiras e cordas, ao contrário da seção anterior, não executam instantâneos. Seu

papel é mais dedicado à exploração colorística, com nuances microtonais, passagens mais

suaves com alterações dramáticas de dinâmica. O movimento rítmico e melódico, já in-

fluenciado pela desaceleração do andamento (para 87 bpm) e pela métrica mais regular

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(dois compassos em 4/4 e um em 3/4), diminui consideravelmente, abrindo espaço para o

trabalho técnico mais apurado da percussão.

Dada a importância do papel da percussão nesta seção, tomei a liberdade de transgredir a

minha própria estratégia de organização dos sons: essa foi a única passagem que compus

linearmente, sem a ideia de segmentação, tampouco de aleatoriedade na distribuição das

estruturas. Assim, pude planejar de maneira mais flexível esse “instantâneo ampliado”.

O primeiro momento, iniciando no compasso 129, traz a caixa-clara em trabalho de os-

cilação de intensidades, explorando os tons neutros entre o branco e o preto, executando

crescendos desde o silêncio até toques forçosos e expressivos, durando até o compasso 138,

onde ocorre a primeira incursão do xilofone. Até então, os demais instrumentos do con-

junto vêm trabalhando as cores de maneira delicada, trazendo tons suaves de amarelo,

azul-violáceo, verde e alaranjado, que encontram reforço na mancha intensificadora da

caixa-clara. Depois, a presença incisiva, pontiaguda do xilofone traz uma tímida reação

dos instrumentos acompanhantes; até o compasso 147, vão surgindo figurações rítmicas

um pouco mais densas; o violoncelo e o clarinete-baixo ganham ímpeto nas notas graves,

sustentam a tensão que gradualmente cresce.

À segunda entrada da caixa clara, essa encontra um acompanhamento já alterado ritmica-

mente, a herança da presença do xilofone mantém os staccatos e as figurações em grupos

de semicolcheias; eventos de quadrantes anteriores ecoam aqui e ali, com o tongue pizzi-

cato que insiste em voltar à flauta, os jetés com a madeira do arco nas cordas, as oscilações

breves entre tons vizinhos, vão se somando à amálgama de cores.

No compasso 156, o xilofone volta em grande intensidade, explorando a palheta de co-

res/sons, chegando a um momento de progressivo crescimento em densidade rítmica e de

movimento melódico, cobrindo distâncias cada vez maiores entre os tons.

Os demais instrumentos, pouco a pouco, vão abandonando as sugestões de movimento

rítmico diferenciado, em uma atitude oposta à do solista, vão esmaecendo a dinâmica e

contrapondo estaticidade rítmica à velocidade dos movimentos da percussão, preparando

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terreno para as cores mais suaves que virão a seguir.

3.6.5 A seção final: quadrante 4

A quarta e última seção começa após a parada total dos instrumentos na terceira seção,

que gradualmente foram perdendo densidade e brilho. Assim, no compasso 165, tomei a

liberdade de inserir uma pequena exposição solo do oboé. Esse fragmento melódico consti-

tui aquilo que considerei o instantâneo definitivo da obra, que daria margem à exploração

final das cores usadas por Macke. Esse instantâneo, de certa forma, sintetiza algumas das

relações importantes que surgiram a partir do mapeamento das cores em sons, a saber: a

relação intervalar sugere frequentemente intervalos conjuntos (ou suas inversões em saltos

contundentes de sétima ou nona), uma vez que a exploração de cores como o vermelho

ou o amarelo, por exemplo, acarreta o uso de tons vizinhos que ocupam a mesma faixa de

cor. Ritmicamente, a exploração de uma divisão ternária, depois em cinco tempos, e em

quatro, geralmente resolvendo em divisão binária, ao final, está sintetizada e estilizada no

fragmento que o oboé apresenta (ver exemplo 3.5, à página 90).

Como sendo seção definitiva da peça, o quarto quadrante sugeria uma atitude sintetizadora,

descritiva do caminho visual de maneira objetiva. Assim, a quarta seção se constroi ao

contrário da terceira: é uma amálgama de instantâneos sobrepostos, que não obstante

formam em sua amálgama um instantâneo em larga escala.

Até o compasso 176, os instrumentos vão sobrepondo versões sutilmente modificadas e

defasadas do fragmento inventado pelo oboé. Já no compasso 172, de fato, o oboé e as

cordas refreiam os ímpetos de síntese e sustentam cores isoladas de forma mais demorada.

O compasso 176 é o momento em que a percussão quebra seu silêncio e entra com os

temple blocks num crescendo que faz menção ao solo de caixa-clara da terceira seção. Essa

entrada é crucial e demarca o início da recapitulação motívica; começa a reaparecer o

baixo regular da seção 1, com o violoncelo e o clarinete-baixo (compassos 180 – 182, 188

– 190); retorna o bisbigliando harmônico da flauta, desta vez para destacar um branco-

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Exemplo 3.5: Instantâneo definitivo, apresentado pelo oboé, base do trabalho de recapitu-lação no quadrante final.

azulado que ocupa grande espaço neste quadrante da pintura de Macke. As oscilações

em tons vizinhos, verdes e amarelos, que marcaram a primeira seção também retornam

com força; o motivo rítmico da flauta em tongue pizzicato da segunda seção reaparece

(compassos 200 – 203) forçando estada sobre uma métrica totalmente distinta daquela em

que foi inventada. Todos esses elementos voltam como coleção de instantâneos, desta vez

moldados aos objetivos colorísticos do quadrante final.

essa sobreposição de revisitas e desencontros vai ganhando corpo, num crescendo até o

compasso 215, onde os temple blocks fazem a última referência ao solo de xilofone do

quadrante 3, e encaminham a peça para sua última sinopse. A coda da peça é a reprodução

dos oito compassos introdutórios; elemento unificador, e referência ao fato de finalmente

completar o ciclo dos quadrantes.

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Figura 3.1: Coloured Forms I (1913), de August Macke. Imagem redimensionada, emtamanho menor que a originalmente utilizada.