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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DOUTORADO EM DIREITO DOUGLAS WHITE VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO DIANTE DOS INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA MAJORITÁRIO NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA Salvador Bahia 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

DOUTORADO EM DIREITO

DOUGLAS WHITE

VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE:

ANÁLISE JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO

CONSELHEIRO DIANTE DOS INTERESSES DA

COMPANHIA E DO ACIONISTA MAJORITÁRIO NO

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE

ECONOMIA MISTA

Salvador – Bahia

2019

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DOUGLAS WHITE

VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE

JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO

DIANTE DOS INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA

MAJORITÁRIO NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da FACULDADE DE

DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA como requisito para obtenção

do grau de doutor em Direito, sob orientação do Professor Doutor Dirley da Cunha Junior

do Departamento de Estudos Jurídicos Fundamentais da Faculdade de Direito da

Universidade Federal da Bahia

Salvador – Bahia

2019

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FICHA CATALOGRÁFICA

Biblioteca Teixeira de Freitas, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia

W583 White, Douglas.

Voto representativo e o dever de lealdade: análise jurídica das

posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da

companhia e do acionista majoritário no conselho de administração

na sociedade de economia mista / por Douglas White. – 2019.

450 f.

Orientador: Prof. Dr. Dirley da Cunha Júnior.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de

Direito, Salvador, 2019.

1. Sociedades de economia mista. 2. Acionistas – Votação. 3. Governança corporativa. 4. Intervenção estatal. 5. Empresas -

Diretoria. 6. Direito Econômico. I. Cunha Júnior, Dirley. II.

Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Direito. III. Título.

CDD – 346.066

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TERMO DE APROVAÇÃO

DOUGLAS WHITE

VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE JURÍDICA

DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO DIANTE DOS

INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA MAJORITÁRIO NO

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Tese submetida à aprovação como requisito para a obtenção do grau de doutor em Direito,

Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca:

Orientador: Professor Doutor Dirley da Cunha Junior

Professor da Faculdade de Direito da UFBA

Membro: Professor Doutor Mário Jorge Philecreon de Castro Lima

Professor da Faculdade de Direito da UFBA

Membro: Professor Doutor João Glicério de Oliveira Filho

Professor da Faculdade de Direito da UFBA

Membro: Professor Dr. Gabriel Seijo Leal de Figueiredo

Professor da Faculdade Baiana de Direito

Membro: Professor Doutor Thiago Carvalho Borges

Professor da Faculdade Baiana de Direito

Salvador – Bahia

2019

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RESUMO

A presente pesquisa envolve voto representativo e o dever de lealdade: análise jurídica

das posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista

majoritário no conselho de administração na sociedade de economia mista. Observa-se o

ambiente do direito societário com as experiências e expectativas que podem advir dos

acionistas, nas articulações e as relações criadas com o mercado, afetando a sociedade

empresaria. Confere-se o manto legal da sociedade de economia mista, entendida como

sociedade empresária no arcabouço jurídico da sociedade anônima. Desenvolve uma

análise das decisões do membro do conselho de administração, com os respectivos

reflexos na companhia, sequelas para os acionistas privados e coletividade. Análise

jurídica sobre as posições e conflito exaradas pelo conselho de administração; os conflitos

de interesses da companhia, as relações acionista majoritário ou na posição de acionista

controlador na sociedade de economia mista, e as repercussões socioeconômicas, legais

e administrativas. O exame dos aspectos da intervenção do Estado na ordem econômica.

Experiências e expectativas dos acionistas nas articulações, relações entre mercado e

sociedade empresaria. O dano ao inábil cidadão das decisões imperfeitas do conselheiro.

Combate as insidiosas práticas pela direção empresarial sob poder estatal. O mercado e

a preservação do necessário Estado Democrático de Direito. A sociedade de economia

mista e os atos de gestão sem a observação e o atendimento por ser sociedade empresária

com a boa-fé, a lealdade na postura do conselheiro, conferindo confiança. A governança

empresarial sob os ditames da governança corporativa, com as devidas obrigações de

transparência, obrigação de informar, ação gerencial, equidade, prestação de Contas. A

responsabilidade corporativa e dos agentes de governança. A preservação da ordem social

e legal. Ementas a observar pela sociedade empresária estatal. Palavras chaves: voto representativo, dever de lealdade, análise jurídica, posições,

conflitantes, conselheiro, interesses, companhia, acionista majoritário, conselho de

administração na sociedade de economia mista, voto, sociedade estatal, sociedade

empresária estatal, Estado, mercado, intervenção, boa-fé, lealdade, confiança, governança

corporativa, dano econômico, dano social, dever legal.

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ABSTRACT

The present research involves representative voting and the duty of loyalty: legal analysis

of the conflicting positions of the counselor in the interests of the company and the

majority shareholder in the board of directors in the mixed-capital society. It is observed

the environment of corporate law with the experiences and expectations that can come

from the shareholders, in the articulations and the relations created with the market,

affecting the company society. The legal mantle of the mixed-capital company,

understood as a business corporation within the legal framework of the corporation is

conferred. It develops an analysis of the decisions of the member of the board of directors,

with the respective reflections in the company, sequels for the private shareholders and

collectivity. Legal analysis of the positions and conflicts expressed by the board of

directors; the conflicts of interest of the company, the majority shareholder relations or in

the position of controlling shareholder in the joint stock company, and the socioeconomic,

legal and administrative repercussions. The examination of aspects of state intervention

in the economic order. Experiences and expectations of shareholders in the articulations,

relations between market and business society. The damage to the awkward citizen of the

imperfect decisions of the counselor. Combat insidious practices by state-run business

management. The market and the preservation of the necessary Democratic State of Law.

The mixed-economy company and the management acts without the observation and the

attendance by being a business company with good faith, loyalty in the posture of the

counselor, conferring confidence. Corporate governance under the dictates of corporate

governance, with due obligations of transparency, reporting obligation, management

action, equity, accountability. The corporate responsibility and the agents of governance.

The preservation of social and legal order. Comments to be observed by the state business

community.

Keywords: representative vote, duty of loyalty, legal analysis, confidential positions,

counselor, interests, company, majority shareholder, board of directors, company of the

mixed economy, state company, state business society, state, vote, market, intervention,

good faith, loyalty, trust, corporate governance, economic damage, social damage, legal

duty.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE

DIREITO DA UFBA

DOUTORADO EM DIREITO

DOUGLAS WHITE

VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE

LEALDADE: ANÁLISE JURÍDICA DAS POSIÇÕES

CONFLITANTES DO CONSELHEIRO DIANTE DOS

INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA

MAJORITÁRIO NO CONSELHO DE

ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ECONOMIA

MISTA

Dissertação apresentada perante à Banca Examinadora à Banca

Examinadora da Faculdade de Direito da Universidade Federal

da Bahia, como exigência para obtenção do título de Doutor em

Direito, sob a orientação do Professor Doutor Dirley da Cunha

Junior, do Departamento de Estudos Jurídicos Fundamentais da

Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia

Salvador – Bahia

2019

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AGRADECIMENTOS

Minha reverência ao Professor Dirley da Cunha Junior, meu Orientador, que

me conferiu o apoio necessário no curso deste trabalho, inclusive nos

periodos da minha enfermidade, com lhaneza de trato e saber jurídico, minha

gratidão.

Agradeço aos meus colegas Professores da Faculdade de Direito da UFBA

por todos os préstimos para conclusão desta dissertação.

Muito obrigado aos funcionários da Faculdade de Direito da Universidade

Federal da Bahia, em especial os lotados na Biblioteca da Augusta Casa, que

me proporcionaram o melhor atendimento.

O meu carinho a Lucia Maria Furquim de Almeida White, minha mulher e

colega, que ao lado dos meus filhos Karina, Simone e Henrique, ofereceram-

me ininterrupto apoio espiritual para a construção deste escrito.

A todos que trabalharam com habilidade e inteligência para a formação

intelectual e moral da nação brasileira.

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‘Assim, pois, eu afirmo que o Amor e dos deuses o

mais antigo, o mais honrado e o mais poderoso para a

aquisição da virtude e da felicidade entre os homens,

tanto em sua vida como após sua morte’ – Platão (‘O

banquete’ – escrito por volta de 380 a. C.).

‘A fe e o fundamento do que se espera e a

convicção das realidades que não se veem’ - (Hebreus

11:1).

Salvador – Bahia

2019

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ p. 1

1. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

– MERCADO .................................................................................................................. p. 8

1.1 Mercado...................................................................................................................... p.17

1.1.1 Dinheiro – Moeda................................................................................... p.20

1.1.2 Bens ....................................................................................................... p.24

1.1.3 ‘Ação’ como Patrimônio ......................................................................... p.32

1.1.4 O povo (o cidadão) e o Estado ................................................................ p.34

1.1.5 Direito Econômico como suporte ......................................................... p.55

1.1.6 Alusão à riqueza .................................................................................... p.64

1.2 O Estado e o exercício da atividade

empresarial ..................................................................................................... p.68

1.2.1 O mercado e os bens na ordem econômica ............................................ p. 82

2. A LIVRE INICIATIVA E A LIVRE

CONCORRÊNCIA ...................................................................................... p.96

2.1 Livre iniciativa ......................................................................................... p.99

2.2 Livre concorrência .................................................................................. p.102

3. PESSOA JURÍDICA – SOCIEDADE ANÔNIMA – ÓRGÃO ............. p.114

3.1 Sociedade anônima ................................................................................ p.121

3.1.1 Doutrina ‘ultra vires’ ............................................................................. p.134

3.2 Órgão ....................................................................................................... p.135

4. ESTRUTURAS EMPRESARIAIS ESTATAIS ......................................p.144

4.1 Sociedade de economia mista .................................................................. p.180

4.2 Características da sociedade de economia mista ....................................... p.186

4.3 Constituição da sociedade de economia mista .......................................... p.211

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5. VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE

JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO

DIANTE DOS INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA

MAJORITÁRIO NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ................................................. p. 226

5.1 Voto .......................................................................................................... p.233

5.2 Quorum ..................................................................................................... p.244

5.3 Relações entre acionistas .......................................................................... p.248

5.4 A maioria – o acionista controlador – voto ................................................ p.259

5.5 O exercício abusivo do acionista controlador (atos “ultra vires”) .............. p.268

5.6 O acionista minoritário (acionista dissidente) ......................................... p.272

5.7 A oclusão da representação da minoria por manobra da maioria ............ p.276

5.8 O direito de retirada ................................................................................ p.279

5.9 Assembleia ............................................................................................... p.283

5.10 O Conselho de Administração e o conselheiro ...................................... p.288

5.11 Elos de gestão e responsabilidade do dirigente ................................. p.310

5.12 O acionista controlador e o membro do conselho de administração ..... p.313

5.13 Sociedade - O acionista – O cidadão – O detentor invisível do Poder -

Dominação Empresarial ‘ab extra’ - O povo soberano ................................ p.317

5.14. O laço da Boa-Fé com a Lealdade ....................................................... p.341

5.15 Lealdade ................................................................................................. p.359

5.16 Aspectos da Governança Empresarial .................................................. p.367

5.17 O voto na canalização da Boa-Fé e Lealdade ....................................... p.397

CONCLUSÃO .............................................................................................. p.419

REFERENCIAS ........................................................................................... p.433

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INTRODUÇÃO

A dúvida leva a pesquisa, esta leva a busca do conhecimento para distinguir o verdadeiro

do falso. Neste esforço surge a discussão, que oferece a compreensão.

Essa toada influenciou o autor a desenvolver este trabalho sobre o voto representativo e

o dever de lealdade, com uma análise jurídica das posições conflitantes do conselheiro diante

dos interesses da companhia e do acionista majoritário no conselho de administração da

sociedade de economia mista, envolvendo o direito econômico e o direito empresarial moderno,

matéria que vêm provocando discussões no seio da sociedade brasileira com intensidade,

atravessando os muros políticos, agitando a área acadêmica, com murmúrios na ciência jurídica.

A presente proposição analisa os elos da confiança, os laços da boa-fé e lealdade, a textura

fiduciária alinhada ao interesse do acionista, o exercício do direito do voto, a vontade do simples

acionista partilhando os destinos da companhia com o acionista majoritário ou controlador da

sociedade empresária estatal, o poder e a intervenção do Estado na seara do direito societário.

Investiga-se a tecelagem das posições de gestão dos membros do Conselho de

Administração na sociedade de economia mista, a repercussão destas medidas no mercado e

além das fronteiras da companhia, examinando a afinação das funções do Conselheiro do órgão

sob a orientação do acionista majoritário/controlador, e ao mesmo tempo apurando a

efetivamente do cumprimento das decisões de acordo com a lei.

No desenvolvimento desse estudo aprecia-se o empoderamento do Estado interferindo na

atividade mercantil, afetando o campo do direito empresarial, os conflitos jurídicos nas áreas

dos interesses do público e do privado. Observa-se as revelações e advertências decantadas na

experiência histórica, dos procedimentos adotados da intervenção estatal na atividade mercantil

privada, com as naturais consequências no mercado, com receio das reverberações na área

privada, face as significativas manifestações acontecidas em épocas conturbadas, sensível a

essas interferências do Estado.

O tema suscita polêmica, especialmente quando os cenários econômicos nacional e ou

internacional estão buliçosos, propícios a expressar vaticínios que alavancam influências nos

pregões dos mercados, principalmente no mercado de capitais – valores mobiliários. As

interferências estatais, medidas governamentais na área econômica e financeira da nação, em

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geral propiciam resultados que se imbricam com o direito empresarial, levando os juristas e

legisladores procurar eliminar as discrepâncias, com a elaboração de uma nova legislação.

Observa-se que na elaboração dessa engenharia política e jurídica, os atores dessa

produção legislativa e até jurisprudencial aproveitam do arcabouço do direito comparado, cujos

experimentos possibilitam suportes para a vivência nestas bordas, a fim de atender novo

gerenciamento mercantil.

No caso deste trabalho, questiona-se a atividade econômica das sociedades de economia

mista com o interesse público e a relação com o lucro, elemento alvo de toda sociedade

empresária, bem como a inquirição sobre a função social da empresa, diante da prática de

absorção do rendimento empresarial ou a abdicação da lucratividade, sob justificativa de

conduzir esse elemento para potencializar o atendimento da coletividade em seguimentos de

maior necessidade, com abrandamento dos preços sobre bens e insumos básicos, em favor do

consumidor de menor poder aquisitivo. Por ser matéria complexa, buliçosa, enseja uma

pluralidade de entendimentos científicos, que motivam outras demandas e muitas pesquisas

mais pertinentes.

Extrai-se, quando o Estado se intromete no mercado como protagonista centralizador do

poder, a lembrança da exclamação do “L’État c’est moi”. Episódio com manifestações ao culto

da razão do Estado, e outras passagens que geraram incertezas, abalando a paz social, atiçando

a ciência jurídica e o bom direito. Dessa passagem faz recordar o lema: “The King can do no

wrong” que provocou a ideia da irresponsabilidade jurídica do Estado, ventilando indagações

atinentes as circunstancias do poder público de se submeter ou não ao mesmo direito aplicável

aos particulares, suscitando controvérsias, em especial as regras das politicas públicas, aos

ditames da governança empresarial, em sintonia ou não com os deveres dos gestores para bem

atender os interesses individuais e coletivos da nação.

Toma-se como suporte a declaração constitucional de que “todo o poder emana do povo

e em seu nome é exercitado”, mesmo que a referida declaração possa ser considerada uma mera

abstração, ou um simples enunciado de princípio, que se revolve, por que proporciona esteio e

valor programático, por não ser uma alegoria, e não deve ser encarada como uma bazófia

anunciada, ou uma frase simplista para a prática politica. Tampouco não é um anúncio.

Entende-se como uma ênfase inafastável da forca da outorga do povo, uma advertência ao

governante, pois, não é uma frase para ser pronunciada meramente para surtir efeitos perante o

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eleitor ou apenas para este escutar momentaneamente. Deve ser ouvida como a vontade do

povo, para haver uma reflexão perante todos os cidadãos, por mais homem comum que seja.

Nessa caminhada observa-se a figura do Estado interventor, atraindo para si a prática

acontecida na época da supremacia do rei sobre os barões, ditando normas, obrigando todos

estar de acordo com sua vontade, trazendo à tona a questão: [...] “preferível ser amado ou

temido”, procedimento que assola a sociedade que se encontra em constante e complexa

mutação, propiciando novas estruturas econômicas e empresariais comprimindo o mercado.

Essas interferências nas atividades empresariais exigem atenção e adequação as novas

práticas de gestão, a exemplo da governança corporativa, que advém das formulações nas

legislações, doutrina nacional e estrangeira, aportando na responsabilidade do administrador

das empresas novos moldes.

À essas mesmas exigências submete-se o membro do Conselho de Administração

obrigando-se aos deveres fiduciários dos gestores executivos, amoldando-se aos feitios e

métodos de prestação de contas, transparência, legalidade, equidade, responsabilidade

corporativa arcando com as sequelas das decisões da companhia na forma da Lei nº.

13.303/2016, conhecida como “lei das estatais”, impactos nos empregados, investidores,

governo e comunidades, e não apenas aos acionistas da companhia.

Enfoca-se o desenvolvimento da sociedade de economia mista, examina-se os esteios da

confiança, um ingrediente que deve estar sedimentado na organização empresarial privada ou

pública, na governança ética, como elemento condutor no desenvolvimento e valorização social

e empresarial e comunitário de qualquer sociedade organizada. As falhas do dever empresarial

na sociedade de economia mista, a quebra do decoro, avivam-se os filamentos e as atribuições

conferidas ao Estado-empresário na atuação dos ideais, deveres, encargos e responsabilidade

do gestor para com o acionista-controlador como responsável político, social e econômico na

função da empresa estatal contemporânea.

Nessa engrenagem da sociedade de economia mista tem-se a predominância do comando

estatal sobre os membros do Conselho de Administração. Inspeciona-se a postura submissa do

Conselheiro do órgão ao governante do Estado, quando servil, com conduta inadequada, sem

recato, ou duvidoso dever de lealdade no seio societário. Observa-se o peso da posição desses

acionistas na conjugação dos interesses na organização, e os procedimentos de averiguação para

evitar situações confusas e conflito de interesses entre acionistas e o Estado-empreendedor, ou

destes com terceiros e vice-versa.

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Questiona-se o Estado na condição de protetor do cidadão e da sociedade em um todo,

especialmente quando o Estado atua como Estado-empresário, interferindo no mercado, como

concorrente e provocando fissuras na livre iniciativa. Essa caminhada estatal enseja cisão, com

a pendular possibilidade de atender ou favorecer a sociedade empresária estatal, ou algum

interesse exógeno. A presença do Estado-empresário no mercado, exercitando semelhante

poder que pratica na administração pública, exubera controle e decisão na companhia com a

capacidade de dar maior peso de interferência, impondo os interesses do Estado nas relações de

negócios que não sincronizam com a realidade da atividade mercantil. Simultaneamente, no

lugar de uma sintonia comercial, confere-se orientação política imprópria de governo, alvejando

o mercado e o funcionamento da companhia, repercutindo na própria sociedade empresária,

junto dos acionistas e perante a coletividade.

Medidas prejudiciais a companhia, acionistas e outros, devem ser previamente

interceptadas pelo Conselho de Administração da sociedade de economia mista, antevendo os

resultados nefastos. Observa-se as transformações operadas pelo Estado como Estado-

empresarial, aceitas quando necessárias, outras com a devida ponderação, do quando deve ou

pode interferir na concorrência e na livre iniciativa, o cometimento na concorrência, e nos

particulares, podendo acarretar transgressões, equívocos, prejudicando o cidadão o qual deve

ser sempre amparado, sopesado, que ele é o centro principal, e deve ser preservado.

Desse cenário não se pode olvidar a presença do direito econômico constitucional

esgarçando situações e decisões do Estado-empresário, inclusive quando aglutina, ou percebe

sinalização, que muitas vezes leva a provocação para exames administrativos, ou além, perante

os tribunais para decidir as querelas que afetam o âmbito do direito empresarial, inclusive,

questões que podem estar encravadas nos inevitáveis pigmentos do direito constitucional, do

direito administrativo, do direito consumerista, e em outras áreas do direito, que perpassam na

estrutura do direito econômico. Com essa prospecção chega-se à advertência aos gestores da

administração pública quando intervêm na liberdade, na vontade pessoal, e que na atividade

privada, a observar, o entendimento que é licito fazer tudo aquilo que a lei não proíba,

conquanto que na administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.

Nessa arquitetura do direito econômico empresarial apresenta-se e examina-se a figura

do voto como direito, com o condão do quórum, como inseparáveis elementos de significativa

importância no ordenamento jurídico do direito societário. O voto possibilita o acionista

expressar a sua vontade para atender e conduzir os destinos da empresa, participando e agindo

no interesse da companhia nas assembleias, reuniões e outros encontros de grupos. O acionista

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tem como valioso instrumento o seu voto que utiliza para defesa do seu direito, também

servindo para detectar alguma prática abusiva do gestor, ou ao verificar o alijamento de algum

acionista, algum exercício que esteja a configurar e dar esteio ao direito de retirada.

Nessa linha estão a confiança, a boa-fé, forjando elos para fomentar a lealdade, figuras

que se completam para atender a boa condução dos atos humanos. Estuda-se o atrelamento da

governança corporativa como elemento de controle na economia de mercado. Visita-se o

liberalismo, contempla-se seus acenos para uma reflexão sobre a denominada ‘mão invisível’,

reguladora do mercado e do Estado providência, com o desejo de atender os anseios e direitos

fundamentais do cidadão.

A presente pesquisa adentrou acervos públicos e privados, não desprezando a legislação

vigente e revogada (nacional e estrangeira), acessando diversos bancos de dados eletrônicos, o

acesso a bibliotecas, que proporcionaram a leitura dos títulos, exemplares dos autores referidos,

desde os antigos aos contemporâneos, assim, com a autoridade desses escritores, como diziam

os modernos, embora ao seu lado fossem “anões”, apoiando-se naqueles, tornavam-se “anões

em ombros de gigantes”, desse modo tem-se agradecer a todos os autores das obras pesquisadas,

a disponibilidade dos seus trabalhos, que incentivam o noviço ávido a abeberar o saber.

Este estudo não visou alcançar exatamente um resultado teórico, limita-se a partilhar um

arremate singelo sobre as relações empresariais, a postura do gestor singular ou na composição

em diretorias, bem como o membro no conselho de administração da sociedade anônima de

economia mista com os reflexos no mercado, e na sociedade em geral.

A composição do trabalho está dividida em capítulos, com um ligeiro enfoque histórico

sobre o mercado, no qual recai constantes pensamentos, desde acaloradas discussões, inclusive

históricas, questionando-se o seu papel, com as inseparáveis indagações, se o mercado existe?

se o mercado é livre, se o mercado é justo? E algumas respostas sobre inquietações e sequelas

que estão na história, nas crises econômicas, a vida dos povos através dos séculos. Todas essas

situações, crises, permeadas pela ganância, outras enfermidades e circunstâncias, sob atitudes

temerária e amoral que não serviram para advertir a trupe que agitam esses cenários sob

percalços econômicos e financeiros, assolando continuadamente os habitantes deste planeta.

O capítulo 2 trata dos aspectos da intervenção do Estado na ordem econômica – o

mercado, o dinheiro, a moeda -, com uma visão dos povos e a utilização da moeda, dos bens,

na formação do patrimônio, a busca da riqueza, elementos que agitam as economias pessoais e

das nações.

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Em seguida, o capítulo 3 aborda aspectos da livre iniciativa e livre concorrência, a postura

da sociedade de economia mista sob as rédeas do Estado interferindo na atividade empresarial

privada, no mercado e consumo dos bens, sob justificativa de atender o interesse da coletividade

organizada. Tem-se a atividade empresarial, salientando a importância da livre iniciativa e da

livre concorrência, pilares dos meios de produção na construção de um sistema econômico sob

molde capitalista, onde o Estado aparece, ora como incentivador, ora como regulador. Do

mesmo modo confere-se as transformações acontecidas nos campos da tecnologia, das ciências

em geral, os novos panoramas econômicos, as consequentes avaliações, encetando decisões

empresariais. As inovações, e as perspectivas técnicas, econômicas e jurídicas.

O capítulo 4 atém-se a uma compreensão da pessoa jurídica e do órgão na sociedade

anônima, manto legal da sociedade anônima de economia mista que adotou o arcabouço para

estruturar a plataforma legal da sociedade empresária estatal, comentando a figura do órgão sua

competência e advertência com relação aos atos ‘ultra vires’.

No capítulo 5 expõe-se sobre as estruturas empresariais estatais, abordando as

características e posições doutrinarias consolidadas no ambiente jurídico nacional e além

fronteiras, os elementos e atribuições, executando competências sob um conjunto

institucionalizado de deveres e poderes funcionais, ressaltando os aspectos subjetivo e

dinamizador, envolvendo a vontade e a capacidade das pessoas. Comenta-se o aproveitamento

do referido molde de sociedade empresária adotada para construir a empresa pública, alicerçada

nas características e constituição da sociedade anônima. Analisa-se a empresa estatal para

atingir e manter padrões de eficiência semelhantes ao da iniciativa privada, a missão pública e

política, o contorno jurídico adequado para viabilizar a convivência, atuação ordenada no

mercado.

No capítulo 6 aprofunda-se o estudo sobre o voto representativo, o dever de lealdade, com

uma análise jurídica das posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da

companhia e do acionista majoritário no conselho de administração na sociedade de economia

mista, abordando o cenário jurídico nacional, com a sua legislação. Salienta-se a figura do voto

como ato de vontade para exprimir uma opção sobre, envolvendo, o interesse coletivo, com o

quorum, legitimando o objeto da votação com a qualificação do número de pessoas reunidas

para discutir assunto do interesse de todos.

O estudo avança para entender o acionista, quando maioria e ou minoritário, vivenciando

a assembleia, seus direitos e relação ética com a companhia e demais sócios. Abre espaço para

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estabelecer os elos da boa-fé, confiança e o dever de lealdade. Neste diapasão analisa-se as

posições conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista

majoritário no conselho de administração na sociedade de economia mista.

Apura-se o acionista investidor, pessoa natural ou jurídica, convertendo recursos, bens ou

direitos em valores mobiliários. Examina-se a participação dos acionistas no patrimônio social

da sociedade anônima estatal, estimulado pelos negócios agitados no mercado de valores

mobiliários.

Na sequência estende o exame da relação do acionista com o membro do conselho de

administração, contemplando as divergências das posições acionárias, destacando as figuras da

‘ação’ e do acionista na composição da sociedade anônima de economia mista. Examina-se a

‘ação’ como título de crédito, o montante e espécie da posição acionaria, a sustentação

financeira e legal do acionista majoritário ou minoritário como acionista controlador.

Confere-se as hipóteses de exercício abusivo dos acionistas quando majoritário e ou

controlador, e ao mesmo tempo estabelece a linha de defesa do acionista minoritário e a oclusão

do acionista em destempero legal, inclusive aventando-se a hipótese do direito de retirada.

Aborda-se a assembleia como órgão de participação direta pelo qual os sócios tratam das

grandes decisões da organização, considerado como o órgão social supremo da sociedade

anônima, o cerne do poder social, como órgão legislativo e de supervisão com poderes para

nomear e revogar nomeações para os outros órgãos da companhia.

Nesse mesmo capítulo destaca-se a atividade do conselheiro no conselho de administração,

os elos de gestão que envolvem o administrador e o membro do referido conselho, a sociedade

e acionista. O cidadão como detentor invisível do poder dominação empresarial ‘ab extra’ - o

povo soberano. Enfeixa abordagem sobre a sociedade de economia mista sob controle do

acionista majoritário, os gestores, diretores, os integrantes do conselho de administração, a

coletividade, o povo e o seu interesse, a soberania da nação. Consequentemente traz a discussão

os laços da boa-fé com a lealdade, aspectos da governança empresarial, o voto como elemento

canalizador da boa-fé e lealdade, com a conclusão do trabalho elegendo ementas sobre o tema.

A conclusão do tema convive com ementas, destacando a necessidade da governança

corporativa e a submissão a legislação das sociedades estatais, cujo texto deve preservar a ética

e os elos da boa-fé e lealdade.

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1. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA - MERCADO

Quando o homem iniciou a vida neste planeta em seu primeiro habitat buscou e se

preocupou com a limitação dos recursos então existentes, atento a sobrevivência, naquele

instante, provavelmente, conviveu com o desabrochar da Terra e viu surgir a primeira flor.

Estimam os antropólogos, algo em torno de 114 milhões de anos atrás, houve uma

transformação evolucionária, aconteceu um formidável abrir das flores, provocando uma

explosão de cores e perfumes por todo planeta1. Esses delicados seres com suas fragrâncias,

continuam estão a desempenhar um significativo e um efetivo papel de relacionamento com o

homem, expressando e proporcionando não só beleza e aroma, mas tantas outras qualidades

que impulsionam o ser humano a convencionar a flor como símbolo da fertilidade, da

reprodução. As flores provocam sentimentos puros, como o de admiração, de prazer, de êxtase

através dos sentidos, que os botânicos intitulam de angiosperma; sem esquecer o humano

(homem ou mulher) que se comove quando recebe mimos em flores, os presenteados sentem-

se amados (principalmente os considerados românticos).

Da mesma maneira, como as flores nos primeiros tempos, também o homem se

comportou nas sociedades primitivas com exuberância, quando vivia em pequenos grupos

esparsos, isolados, via de regra, em algum sítio natural, onde tudo era produzido dentro de uma

pequena organização social voltada para o próprio consumo, em uma economia de subsistência.

Acentuam os cientistas que naquela época o homem exercitou a troca de bens,

procedimento primitivo, período inaugural da atividade mercantil, alcunhado de ‘comércio

silencioso’, pois, sem ruídos os indivíduos transferiam a posse de bens, numa nítida relação

socioeconômica, sujeito e coisa, formando um sentimento de retribuição de bens.

La primeira forma de comercio fue probablemente el llamado

“comercio silencioso”. En él, los participantes no tenían contacto directo; Los membros de uma família o tribu se allegaron a um espacio aberto, desplegaban

los bienes que desaban cambiar y se escondían.

A continuación, se aproximan los interessados en el trato, extendían

todo lo que estuviesen dispuesto a oferecer a cambio y tambien se retiraban.

Aquellos que habían hecho el primer movimento volvían y examinaban la

oferta de sua vecinos. Si estaban satisfechos, tomaban los biens oferecidos y

se iban, dejando los suyos allí. Si consideraban que el precio era insuficiente,

1 TOLLE, Eckhart. Um novo mundo: o despertar de uma nova consciência. Tradução de Henrique Monteiro. Rio

de Janeiro, Sextante, 2007, p. 9 (Eckhart Tolle, pseudônimo de Ulrich Leonard Tolle - escritor e conferencista

alemão, residente em Vancouver no Canadá).

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retiraban de sus propios biens y se encondían outra vez para que la outra parte

del trato examinasse la nueva oferta 2.

Com o transcorrer do tempo esses pequenos grupos aumentaram, ampliando a

comunicação entre si, com significativo crescimento nas trocas de bens. A expansão

populacional aguçou a criação e a transformação por novos bens e objetivos, propiciando

atender as próprias necessidades, e a obsequiosidade. Assim nasceu o escambo que evolui

permanentemente, estimulando o homem, sob propícias condições transcendentais, como a

observação, como no empirismo conduzindo ao conhecimento e a interpretação do

desconhecido.

As circunstâncias que estruturaram a base da história natural da espécie, conduz a

experiência existencial para exibir o produto do trabalho humano, utilizando essa capacidade

de labor e conhecimento como força e instrumento de poder. E quando vencedor, passou a

dominação. Os homens se levantaram e se tornaram seres falantes, modificaram as relações de

troca de então, transformando o escambo, numa ferramenta amigável, burilando os mecanismos

de uso, inovando procedimentos para harmonizar a convivência humana e obter ganhos.

Presume-se que no começo dessas relações humanas, praticando troca de bens, era um

consenso, sem coerção, exprimiam sem ambiguidade, um convívio solidário, procurando reunir

uma só conversação3 que serviu para fomentar o desenvolvimento, evoluindo as ações de

comunicação continuada, resultando em um aprendizado que ficou assentado, proporcionando

ao homem criar regras, normas, como a busca da purificação e segurança de um sistema

jurídico, em continuo aperfeiçoamento e expansão, no sentido de que está aberta a possibilidade

de melhoramentos mediante reformas institucionais segundo a ordem jurídica em vigor4.

A relação da troca de bens analisada por Raffestin5 que:

[...] E de admirar que a noção de troca, que reteve a atenção das ciências do

homem de uma maneira bastante geral, não tenha sido solicitada para construir

uma teoria da relação. Porém, é possível o esboço de semelhante teoria: “Os

‘trocadores’ trazem uma realidade orgânica: seus corpos, suas mãos, além de

seus instrumentos e produtos. Entram em contato. Esse contato, que traz uma

informação, a cada uma das partes, os modifica. Ha junção de uma energia

orgânica e de uma energia informacional. Esse ato inicial é sempre atual, pois

é repetido ad infinitum e reproduzido em todas as manifestações da vida

cotidiana. Mas a relação não esta somente presente na troca material; é co-

2 SIMÓN, Julio A. Tarjetas de Credito. Abeledo-Perrot. Buenos Aires, 1990, p. 14. 3 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade

anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, pp. 6-7. 4 NOBRE, Marcos. Como nasce o novo. Experiência e diagnóstico de tempo na Fenemenologia do espírito de

Hegel. Todavia, 2018, S. Paulo, p. 59. 5 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução: Maria Cecilia França. Ática, São Paulo, 1993.

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extensiva e cofundadora de toda relação social. Se é verdade que o ato da troca

material se distingue da não-troca — doação e roubo, por exemplo — e da

troca puramente mental, não deixa de ser verdade que a troca material esta

inserida nesta categoria mais geral que é a relação. A troca material não passa

de um caso particular, importante sem dúvida, mas não é exclusiva da relação.

Se a relação não foi teorizada em profundidade é porque aparece como um

conceito muito global, muito geral. De fato, não o seria se quiséssemos

identifica-la com precisão.

A complexidade das relações é talvez o que torna tão difícil a abordagem

relacional. Se, por razões de comodismo, descreve-se primeiro as relações

bilaterais, não se pode esquecer que se trata de uma abstração, no sentido de

que, na maior parte do tempo, as relações são multilaterais.

Para simplificar, tomemos de início a relação bilateral do contrato de trabalho,

que apesar de comum não é nada simples. De fato, o contrato só é bilateral na

aparência, porque, se ha um vendedor de trabalho, o ofertante, e um

comprador de trabalho, o demandante, sua relação produz, em todo caso, a

organização estatal, presente pelas regras, as leis, numa palavra, os códigos

que regulamentam a venda e a compra do trabalho. Pode produzir também as

organizações sindicais, presentes pelas convenções coletivas e igualmente por

um conjunto de regras.

A organização estatal e a organização sindical são partes privilegiadas na

relação, pois delimitam o campo sociopolítico da relação. Dependendo do

país, é evidente que a organização sindical pode estar ausente. Pode-se

também imaginar que a organização estatal seja anulada, como no caso de um

contrato de trabalho ilegal6.

Verifica-se se é verdade, se o ato da troca material se distingue da ‘não-troca’ (como

rotula Raffestin) — doação e roubo, por exemplo — e da troca puramente mental, não deixa de

ser verdade que a troca material esta inserida nesta categoria mais geral da relação. Confere-se

que os movimentos de troca e produção das leis em favor do grupo, muitas vezes não significa

que aquela pessoa ou grupo sejam pessoalmente responsáveis pela promulgação de tais leis,

uma vez que a figura proeminente do soberano esteve e está presente na obra que legisla, que

direta ou indiretamente, a utiliza para legalizar seus atos sob amparo de um sistema legal.

Observa-se também que essa manifestação leva a uma possível conclusão de que a fonte

das leis tem origem naquele conjunto de esforços interessado para implantar normas, que

estarão sujeitas a uma constante evolução social como acontece no âmbito da filogenética, cuja

etapa implica numa postura objetivista e sociocentrica, no sentido de que os padrões cognitivos

e normativos estabelecidos no contexto social passam a ser inquestionáveis e atuam como

critérios definitivos do conhecimento e julgamento moral7.

6 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Titulo original: ‘Pour une géographie du pouvoir’. Paris

1980. Tradução: Maria Cecilia França. Editora Ática, 1993, p. p. 31/32. 7 NEVES, Marcelo. Entre Themis e Leviantã: uma relação difícil. WMF Martins Fontes. São Paulo, 2013, p.p.

25-27.

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No âmbito dos negócios entre organizações, quer sejam sindicatos, cooperativas,

associações e similares, porque tem conotações de maior força social e política, dependendo da

estrutura legal, amplia o leque de negociação, propiciando melhores condições quando

assentados em regras próprias reconhecidas pelo sistema jurídico vigente.

Entende-se que o aparecimento do comércio é um reflexo dessa revolução, e foi um meio

eficaz para satisfazer as necessidades dos agrupamentos sociais em evolução, provocando uma

sequencia de movimentos na troca de bens, que passaram a ser denominados ‘mercadorias’,

criando uma nova estrutura de negociação que cada vez mais evolui e se organiza.

Face a explicação advinda da dinâmica social, pode ser entendido como fácil, simples

conceber, e até dispensar discussões sobre o inicio da atividade comercial, mas, observando a

historia econômica, quando os homens com suas limitações e aptidões

lutaram para superar as adversidades que se apresentavam, confere-se que foi algo

extremamente fatigante, e ao mesmo tempo profuso.

No curso da história observa-se o talento do homem na produção de bens dos mais

diversos, desde bens materiais e imateriais, que são avaliados de acordo com a medida do

interesse e necessidade de cada adquirente. O comércio nasceu da necessidade do homem em

dar continuidade a sua jornada de sobrevivência, e se transformou em um categórico

recolhimento de bens para que fossem suficientes para o seu provimento e do seu grupo mais

próximo, como uma necessidade indiscutível de adotar o abastecimento como procedimento de

segurança. Com o êxito do resultado, sentiu-se estimulado para manter essas posses para

alcançar novas riquezas, permanecendo na finalidade encetada. O comércio passa a ser

entendido como uma atividade pragmática, que não requer base, cujo fato assinala que nenhum

outro animal, além do sapiens, passou à prática do comércio.

Todas as redes de comércio dos sapiens, sobre as quais se tem informações detalhadas ao

longo da história da civilização, apoiou-se na relação de confiança, elemento fundamental,

estabelecido entre as partes, para o bom exercício dos negócios. O comércio foi calcado e se

desenvolveu em decorrência da relação do homem ou grupo de homens com base na confiança,

criando a “auto vinculação”. Carneiro da Frada8 examina como um conceito-essência

(Inbegriff) de toda ação comunicativa pela qual um ator desperta em outros sujeitos expectativas

de modo estável. Essa relação estimula outras relações para atender comportamento futuro, que,

8 FRADA, Manuel António de Castro Portugal Carneiro da. Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil.

Almedina, Coimbra, 2016, pp. 767/780.

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sumariamente, se pode entender como um padrão de conduta continuado, que consolida e

assegura expectativas, fazendo prosperar promessas, comprometendo-se com o dever de prestar

com fidelidade a reciprocidade, e que se pode aperfeiçoar através de instrumento escrito a

sinalagma.

A confiança se apresenta como um elo de segurança que um homem tem para com outro

homem, ou perante grupo de pessoas, para sedimentar os entendimentos e negócios. A história

mostra que as relações mercantis não subsistem sem esse elemento firme, que é a confiança.

Pode-se inferir que a confiança legal é um dever legal, e que nem todo poder de um

representante vem de par com tal dever, de modo que o poder e o dever não são idênticos9.

A confiança proporciona extirpar o temor, ou minimiza dúvidas nas construções e

propostas comerciais, especialmente na fase incipiente das relações quando há receio entre as

partes, que conduz criar dificuldade, estreitando acreditar em estranhos. Por isso, razoável a

investigação e a troca de informações mercantis que antecedem a concretização do negócio.

Contemporaneamente os negociantes buscam referencias pelos sistemas de informática,

redes eletrônicas destinadas a esses fins, canais cibernéticos e nos cadastros tradicionais

processados nas relações mercantis, cada vez mais sofisticados e eficientes10, não obstante

reconhecer a possibilidade da ilícita invasão nos bancos de dados pessoais sem a devida

autorização. Essa coexistência não somente se aproxima do conceito função medianeira para

atender as necessidades imediatas do consumo público, como, também, está intrinsecamente

somada no ato mercantil executado com a intenção de cumprir a finalidade do produtor e

atender o consumidor com práticas habituais, e proporcionar lucro11.

Dessa sincronização surge a figura do crédito com nítido liame, condição, que se assenta

na confiança, e com uma certa estreiteza otimizar as relações econômicas, mercantis,

favorecendo a circulação de bens, evoluindo para a formação dos contratos. Ao mesmo tempo

tem-se a confiança como ferramenta bem utilizada para atender o desenvolvimento dos

negócios, conferindo uma convivência de paz social, além da satisfação material e psicológica

para os indivíduos.

9 RAZ, Joseph. O Conceito de sistema jurídico – uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos. Tradução de

Maria Cecília Almeida, revisão de tradução de Marcelo Brandão Cipolla, WMF Martins Fontes. São Paulo,

2012, p. 27; p. 115. 10 HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. L&PM Editores, 2012, p. 44. 11 DE PLÁCIDO E SILVA. Noções Práticas de Direito Comercial. Editora Guaíra: 5a. ed. – após 1944 a 4a. ed.,

p.p. 13-14.

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O crédito e a confiança entremeiam-se para ajustar os negócios, e obtenção dos benefícios

da contraprestação. O crédito é uma dessas criações que atestam o bom resultado da

inventividade humana, tal como o escambo que é considerado marco da engenhosidade que

conduziu o homem ao comércio e a ideia da moeda.

Como o crédito, a moeda foi assimilada pela sociedade dando a espécie poder de

apropriação. Enquanto a moeda proporciona a aquisição de um bem incontinenti. O crédito visa

a compra do bem com uma promessa de pagamento futuro. Troca-se uma prestação executada

por uma prestação futura, e ao mesmo tempo constitui uma faculdade de exigir a execução

futura dessa prestação. O crédito nada mais é do que uma faculdade jurídica ou, pelo lado

oposto, uma obrigação jurídica: o crédito de um lado, é o débito é o outro lado12.

As raízes do conceito de soberania na Baixa Idade Média foi utilizado pelos legistas do

século XVI, sobre a situação de poder, relembrando passagem de “O Príncipe”, quando o autor

da referida obra trata da crueldade e da piedade, provocando “... preferível ser amado ou

temido...”, frase que estimula dissecação, gerando declarações para entender o autor nada mais

fez do que mostrar, ironicamente, o que os príncipes fazem de fato, não o que afirmam ou

deveriam fazer para a segurança do Estado e o bem de seus súditos13.

Os peritos sobre as situações e práticas do governante procuram explicar a expressão de

que: “Os fins justificam os meios”, comumente associada a Nicolau Maquiavel, o que pode ser

compreendido como o interesse para alcançar certos objetivos; até mesmo qualquer ato

criminoso seria justificável.

O aprendizado ao longo desse tempo, a história traz testemunho do crescimento

fenomenal da busca do poder pelo homem, como aconteceu nos últimos 500 anos com relação

a população mundial sob domínio, convivendo-se com conflitos pelo mundo sem uma

verdadeira paz. No ano 1500 havia cerca 500 milhões de homo sapiens em todo o mundo. Hoje

há mais de 7 bilhões14 de pessoas sob os ditames de governos e governantes dos mais diversos,

exercitando o poder.

A concepção de uma soberania estatal, no plano interno, representa, reconhecidamente a

desorganização entre o soberano e o aparelho de poder institucionalizado, confusão

12 MAMEDE, Gladston. Títulos de Crédito – Direito Empresarial Brasileiro, 10a. ed., 2018, edição eletrônica,

Editora Atlas (GEN). 13 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Roberto Grassi. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969,

capítulo XVII, p.p. 102-3. 14 Historical Estimates of World Population, U.S. Census Bureau, http://www.census.gov.ipc/www/worldhis.html.

Acesso: 26/12/2016.

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voluntariamente criada, por certo, como meio-termo artificial entre o ideal democrático e as

exigências autocráticas dos grupos dominantes. O aparelho estatal não existe em si e por si, mas

encontra sentido e coerência como expressão de um poder que transcende, e que dele se utiliza,

como enfatizam Comparato e Salomão Filho. Poder supremo que Aristóteles recorreu para

fundar a sua conhecida classificação dos regimes políticos, e não à mera aparência de governo15.

O entendimento de soberania se enraíza com a segurança territorial integrando ao Estado, e, por

conseguinte, esse território torna-se um espaço propício para o surgimento do mercado.

Explicitar o conhecimento e a prática que os homens têm das coisas é, involuntariamente,

desnudar o poder que os mesmos se atribuem ou procuram atribuir sobre os seres e as coisas.

O poder não é nem uma categoria espacial nem uma categoria temporal, mas esta presente em

toda “produção” que se apoia no espaço e no tempo. O poder não é fácil de ser representado,

mas é, contudo, decifrável. Falta aos homens somente saber fazer, ou então poder sempre

reconhecer16. Um dos cenários propícios para tanto, e que se apresenta amiúde, é o mercado,

que acolhe e articula exercícios mercantis com significativos atores e titeriteiros.

Não obstante o combate a ganância e as indevidas práticas mercantis, estas continuam

sendo exercitadas da dicção de velho bordão de repensar o comportamento daqueles que

convivem diuturnamente deturpando os negócios, extrapolando limites éticos e legais.

Atualmente os negócios não mais se limitam a um mero procedimento de permuta, da troca de

um bem, contemporaneamente a via cibernética estimula negociações em curta e longa

distancias, aproximando relações econômicas, financeiras das mais diversos, interferindo nas

decisões politicas e sociais, generalizando a impressão de que os negócios desvincularam-se da

moral, que de alguma forma precisa ser restabelecido esse vínculo17.

Do quanto já protagonizado interessante alguns aspectos das análises que Aron18

procedeu ao apreciar as falas de Comte, da relação das ideias por ele esposadas envolvendo o

pensamento teológico da época, ao abordar o pensamento científico que comandaria a

inteligência dos homens modernos, após o desaparecimento da estrutura feudal e da

organização monárquica, entendendo que:

Diariamente, em todas as fases de nossa existência, somos confrontados

com a noção de limite: traçamos limites ou esbarramos em limites. Entrar em

15 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade

anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 29. 16 RAFFESTIN. Obra citada, p. 6, Notas Prévias. 17 SANDEL, Michael J., O que o dinheiro não compra. Civilização Brasileira. 2017, p.-44. 18 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Tradução Sérgio Bath. Martins Fontes. 2000, pp. 72-

74.

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relação com os seres e as coisas é traçar limites ou se chocar com limites. Toda

relação depende da delimitação de um campo, no interior do qual ela se

origina, se realiza e se esgota19.

A produção cientifica e industrial que dominariam a sociedade daquele período, apontou

fato novo, chamando a atenção dos observadores no princípio do século XIX para a indústria,

que no entendimento de Comte, a partir daí, algo original aconteceu, consoante os traços que

enumerou, caracterizando como:

1º A indústria se baseia na organização cientifica do trabalho. Em vez de se

organizar segundo o costume, a produção é ordenada com vistas ao

rendimento máximo.

2º Graças à aplicação da ciência à organização do trabalho, a humanidade

desenvolve prodigiosamente seus recursos.

3º A produção industrial leva à concentração dos trabalhadores nas fábricas e

nas periferias das cidades; surge um novo fenômeno social: as massas

operárias.

4º ... Essas concentrações de trabalhadores nos locais de trabalho determinam

uma oposição, latente ou aberta, entre empregados e empregadores, entre

proletários de um lado e empresários ou capitalistas do outro.

5º Enquanto a riqueza, graças ao caráter científico do trabalho, não pára de

aumentar, multiplicam-se crises de superprodução, que têm por consequência

criar a pobreza, mercadorias deixam de ser vendidas, para escândalo do

espírito.

6º O sistema econômico, associado à organização industrial e cientifica do

trabalho, se caracteriza pela liberdade de trocas e pela busca do lucro e a

concorrência, e que quanto menos o Estado intervier na economia, mais

rapidamente aumentará a produção e a riqueza.

O quadro acima atribui à cada uma dessas características certa importância. Entende

como decisivas, porque a indústria se define pela organização cientifica do trabalho, que produz

o crescimento constante das riquezas e a concentração dos operários nas fábricas, observando-

se uma contrapartida da concentração de capitais ou dos meios de produção nas mãos de um

pequeno número de pessoas. O livre comércio, acentuado pelos teóricos liberais, consideram

como causa decisiva do progresso econômico20, e que o desenvolvimento da produção se ajusta,

por definição, leva ao interesse de todos.

Neste mesmo patamar, está a consideração, que a lei da sociedade industrial é o

desenvolvimento da riqueza, que postula ou implica numa conciliação final dos interesses,

enfatizando que a civilização material só pode desenvolver se cada geração produzir mais do

que é necessário para sua sobrevivência, transferindo à geração seguinte um estoque de riqueza

maior do que o recebido da geração precedente, numa consequente capitalização dos meios de

19 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução: Maria Cecilia França. Editora Ática. 1993, p.

164. 20 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Tradução Sérgio Bath. Martins Fontes. 2000, p. 73.

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produção, porque seria uma caraterística do desenvolvimento da civilização material que leva

à concentração.

O aludido pensamento conduz ao entendimento que a organização cientifica da sociedade

industrial levaria a atribuir a cada individuo um lugar proporcional à sua capacidade, realizando

assim a justiça social, proporcionando otimismo nesse ponto de vista, sob uma analise

socioeconômica do capitalismo21; e o pensamento de Marx22 conduziria a uma interpretação de

caráter contraditório ou antagônico da sociedade capitalista, num esforço destinado a

demonstrar que esse caráter contraditório é inseparável da estrutura fundamental do regime

capitalista e é, também, o motor do movimento histórico.

Para Aron, analisando os célebres textos de Marx no ‘Manifesto Comunista’ – aponta no

Prefácio da Contribuição à crítica da economia política, e ‘O Capital’, explicando o

antagonismo do regime capitalista, qualificando-o de não-cientifico as colocações contidas nos

referidos repertórios, por entender haver uma inclinação à propaganda, cujo tema central é a

luta de classe, expressando que a história de toda sociedade até nossos dias convive com esse

conflito.

O homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de oficio e

companheiro, opressores e oprimidos se encontram sempre em constante oposição, travam uma

luta sem trégua, ora disfarçada, ora aberta, que não termina sem por uma transformação

revolucionária de toda a sociedade, ou então pela ruína das diversas classes em luta.

No prefacio da terceira edição da ‘Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada’,

escrito por Adolf Berle e Gardiner C. Means23, que:

O deslocamento de cerca de dois terços da riqueza industrial do país da

propriedade individual para a propriedade de grandes empresas financiadas

pelo público transforma radicalmente a vida dos proprietários, a vida dos trabalhadores e as formas de propriedade. O divórcio entre a propriedade e o

controle, resultante desse processo, envolve quase necessariamente uma nova

forma de organização econômica da sociedade.

Para os referidos autores, nas primeiras décadas do século XX aflora uma compreensão

relativa dos atributos da propriedade, entendendo que o arriscar da riqueza coletiva em

empreendimentos que visam o lucro, assume a responsabilidade final pelo empreendimento.

21 ARON, ibidem. 22 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Fonte digital RocketEdition 1999, www.jahr.org, p.

7. 23 BERLE, Adolf Augustus; MEANS, Gardiner C.. A moderna sociedade anônima e a propriedade privada.

1967; 3a. ed. – Nova Cultural, 1988, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, p. 3.

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Essa postura de aparente divorcio, leva as respostas dessas mudanças que propiciaram a

separação, não somente com relação a lei, mas, também entende ser necessário procura-las nos

fundamentos econômicos e sociais da lei, ultrapassando períodos que não os detém, pois,

continuam numa pauta ideológica ininterrupta, e até mesmo atual, envolvendo discussões

significativas sobre as relações econômicas e sociais.

Aproveitando esses traços que se coadunam com a densidade da história das ideias

econômicas e afins com o direito comercial, reconhece-se haver uma linha divisória, quando

uma norma legal pode de algum modo criar embaraços a uma via que conduz a um economia

que proporcione ao individuo exercitar com maior plenitude a atividade escolhida. De qualquer

modo as fronteiras não podam simplesmente impor e desrespeitar os limites do exercício

mercantil ferindo liberdade ou simplesmente interferindo na conjugação das relações

interindividuais.

O bom convívio conduze a um mercado harmonioso, mas é natural observar alguma

necessidade e até mesmo algum fenômeno que enseja a intervenção do Estado na economia,

quando a diversidade de sistemas se manifesta na procura de um ajuste econômico planificado

de direção central, ou por um sistema de economia de mercado mais ou menos puro.

1.1 Mercado

A partir de critérios marxistas do modo de produção, visto a apropriação coletiva ou a

apropriação privada dos meios de produção24 acontece a intervenção do Estado na economia.

Constata-se que criar condições indispensáveis para haver liberdade econômica é um dos

objetivos para que possa ser exercitada plenamente a atividade mercantil, respeitando os limites

do exercício da liberdade dos outros, que se fundamenta em um conjunto de relações

interindividuais, sendo uma delas a expressão que se denomina de mercado. Este por sua vez

estabelece uma relação econômica entre sujeitos livres, dispondo das suas capacidades para

tratar dos seus interesses sem restrição.

A atividade mercantil é resultado da autonomia privada não condicionada por objetivos e

fins exteriores. Moncada afirma que a noção do bem público não é independente do bem

privado, é simplesmente um conjunto dos bens privados. É o conceito de um sujeito

24 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico. 6ª edição. Coimbra Editora. 2012, p.p. 14/19.

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transcendental e autônomo relativamente aos fins exteriores capazes de uma atividade

econômica independente, que está na origem da desconfiança liberal face aos valores e fins que

ao individuo possam ser impostos pelo Estado.

Vale compreender a visão de Sandel 25 sobre a liberdade de mercado e o bem-estar social:

A questão do livre mercado fundamenta-se basicamente em duas

afirmações – uma sobre a liberdade e a outra sobre bem-estar social. A

primeira refere-se à visão libertária dos mercados. Segundo essa ideologia, ao

permitir que as pessoas realizem trocas voluntárias, estamos respeitando sua

liberdade; as leis que interferem no livre mercado violam a liberdade

individual. A segunda é o argumento utilitarista para os mercados. Esse

argumento refere-se ao bem-estar geral que os livres mercados promovem,

pois, quando duas pessoas fazem livremente um acordo, ambas ganham. Se o

acordo as favorece sem que ninguém seja prejudicado, ele aumenta a

felicidade geral.

A liberdade e bem-estar social para muitos céticos do mercado, questionam esses

argumentos por haver compreensão que as escolhas de mercado nem sempre são tão livres

quanto podem parecer, e que certos bens e práticas sociais são corrompidos ou degradados.

Tanto assim que, quando se menciona transação, dinheiro, emerge a lembrança de um

argumento utilitarista.

Bom lembrar o episódio acontecido no início da Guerra Civil Americana, a convocação

de soldados para luta, tanto pela União quanto pela Confederação, admitia que a pessoa

convocada para integrar as fileiras militares, caso não quisesse ir a linha de frente, poderia

contratar outra pessoa para assumir seu lugar. Esse episódio deu origem à expressão ‘guerra

dos ricos, luta dos pobres’.

Apreciando o fato, observa-se que diferença entre convocação e o exercício voluntário

não significa que uma seja compulsória e o outro livre, mas que cada um envolve formas

diferentes de coerção. Tanto que as figuras da força da lei e das pressões econômicas estariam

a validar a consideração de Jean-Jacques Rousseau26, ao argumentar que transformar dever

cívico em uma mercadoria negociável não aumenta a liberdade; ao contrário, a reduz:

A partir do momento em que um serviço público deixa de ser a principal

atribuição dos cidadãos, que preferem servir com o próprio dinheiro em vez

de se engajar para servir, o Estado está prestes a ruir. Quando é necessário

marchar para a guerra, eles pagam aos soldados e ficam em casa (...) Em um

país verdadeiramente livre, os cidadãos fazem tudo com os próprios braços e

nada por meio do dinheiro. Longe de pagar para se isentar dos seus deveres,

25 SANDEL, Michael J. . Justiça. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2014. p. 99. 26 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato Social – 1762, Livro III, capitulo 15, tradução: Heloisa Matias e Maria

Alice Máximo.

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eles até pagariam para ter o privilégio de realiza-los. Estou longe de concordar

com a noção geral: considero o trabalho forçado menos contrário à liberdade

do que os impostos.

[...]

O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal

modo acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser mais escravo que

eles. Como é feita essa mudança? Ignoro-o. Que é que a torna legitima? Creio

poder resolver esta questão27.

E o próprio Rousseau procura responder ao dizer que:

Enquanto um povo é constrangido a obedecer e obedece, faz bem; tão logo ele

possa sacudir o jugo e o sacode, faz ainda melhor; porque, recobrando a liberdade graças ao mesmo direito com o qual lhe arrebataram, ou este serve

de base para retomá-la ou não se prestava em absoluto para subtraí-la. Mas a

ordem social é um direito sagrado que serve de alicerce a todos os outros. Esse

direito, todavia, não vem da Natureza; está, pois, fundamentado sobre

convenções.

Há uma advertência de que homem nenhum possui uma autoridade natural sobre seu

semelhante, e que a força não produz nenhum direito, restando as convenções como base de

toda autoridade legitima entre os homens28. Nesta rota Sandel traz à meditação situações

contemporâneas, como os casos de barriga de aluguel em que participam da discussão pais,

filho biológico e outros, ou não. Julgamentos houveram, ora a rejeitar a ideia de comércio de

bebês, ora a considerar admissível como comércio29.

Polanyi30 mostra o ponto de partida para pensar no mercado, para a obtenção de bens

distantes, como o que houve no passado com: “A aplicação dos princípios observados na caça

para obter bens encontrados fora dos limites do distrito, levou a certas formas de troca que nos

apareceram, mais tarde, como comércio”, gerando a atividade mercantil a longa distância para

aquisição das mercadorias, bem como o exercício relativo a divisão do trabalho realizada em

determinada localização.

Para Braudel31:

27 ROUSSEAU. Do Contrato Social.. Tradução Rolando Roque da Silva. Edição eletrônica: Ed. Ridendo

Castigat Moraes (www.jahr.org), Livro I – acesso em 25-08-2016. http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf 28 ROUSSEAU. Do Contrato Social. (Da escravidão, IV do Livro I).Tradução: Rolando Roque da Silva. Edição

eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Moraes. 29 SANDEL, Michael J. Justiça. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2014. pp. 116/128. 30 POLANY, Karl. A grande transformação. As origens da nossa época. Rio de Janeiro. Editor Campus. 1980

[1944]. p. 73. 31 BRAUNEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. Sécs. XV-XVIII. Vol. 2, “Os jogos das

trocas”. São Paulo. Martins Fontes. 1966 [1979]. P. 12/193.

Idem. Vol. 3. “O tempo do mundo”. 1996 [1986].

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[...] o mercado, mesmo elementar, é o lugar predileto da oferta e da

procura, do recurso a outrem, sem o que não haveria economia no sentido

comum da palavra, mas apenas uma vida ‘encerrada’ na autossuficiência ou

na não-economia.

Observando que a fase de pura subsistência é ultrapassada, os excedentes de cada grupo

passam a ser objeto de troca, considerado como um momento da troca simples. O escambo

primitivo de comércio não teve força para mudar a valoração do bem que cada grupo conferia

no tempo e espaço. Foi o comércio especulativo que proporcionou mudanças nas relações

sociais, introduzindo uma nova relação com e entre os bens, mercadoria e com as moedas,

forçando a sociedade local ir além-fronteiras à busca de adaptação dos interesses e negócios,

criando novos processos produtivos e novas condições de cooperação32.

Algumas sociedades tentaram resolver o problema estabelecendo um sistema central de

escambo que coletava produtos de cultivadores e manufaturadores especializados e os distribuía

àqueles que precisavam, no entanto, a maioria das sociedades encontrou uma forma mais fácil

de conectar um grande número de especialistas introduzindo o dinheiro, que permite criar

equivalências imaginárias, é considerada a fonte de uma aritmética criativa de espaços abstratos

que realizam a equivalência dos não equivalentes.

1.1.1 Dinheiro – Moeda

Preconiza-se que o reconhecimento das necessidades humanas só acontece quando o

outro ou, antes, só reconhece a existência de suas necessidades na medida em que aceita o jogo

das equivalências forçadas que se exprime no valor de troca. O valor de troca, resumindo, nesse

caso, a situações diferenciais de poder: “O valor de troca estabelece sua preponderância no

decorrer de uma luta acirrada contra o valor de uso, após tê-lo constituído como tal, e sem nunca

dele se separar”. Diz Raffestin que Lefebvre atinge o cerne do problema ao escrever:

Marx não viu o conflito entre esses dois momentos; inerente, contudo,

ao conflito uso-troca. No entanto, esse conflito ocupa todo o horizonte da

História. Na falta de um corpo de hipóteses que coaja a realidade, não existe

valor de troca que não seja coerção. Isso é tão verdadeiro que, para se impor,

o valor de troca teve de passar pela intermediação dessa mercadoria que não

é uma mercadoria: o dinheiro. E possível desalentar-se com todas essas

mitologias que fazem do dinheiro, por intermédio de infinitas metáforas, a

causa de todos os males. Mas o dinheiro, invenção preciosa, não merece nem tantas indignidades nem tantos louvores. Ele não é nada mais que uma

32 SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. 1978. São Paulo. Hucitec.

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matematização da mercadoria: “A natureza se torna o objeto de domínio, no

sentido moderno, desde o momento em que se presta à matematização. O

domínio da sociedade, por seu lado, exige as matemáticas mesmo quando ela

pretende ultrapassa-las numa linguagem especulativa ainda mais rigorosa. O

grande estilo do domínio se quer sempre 'matemático'33.

Dinheiro não se resume a moedas e cédulas. Dinheiro é qualquer coisa que as pessoas

estejam dispostas a usar para representar sistematicamente o valor de outras coisas com o

propósito de trocar bens e serviços. O dinheiro permite que as pessoas comprem de maneira

fácil e armazenem riqueza de forma conveniente. Existiram muitos tipos de dinheiro. O mais

conhecido é a moeda, e com ela está a confiança, que é a matéria-prima, elemento que todos

procuram ter entre si, a fim de dar sustentação aos tipos de dinheiro cunhado34.

O que criou essa confiança foi uma complexa rede de relações políticas,

sociais e econômicas de longo prazo. Por que eu acredito na concha de cauri,

na moeda de ouro ou na nota de dólar? Porque meus vizinhos acreditam nessas

coisas. E meus vizinhos acreditam nelas porque eu acredito. E todos

acreditamos porque nosso rei acredita e as exige na forma de dízimo. Pegue

uma nota de um dólar e observe-a com atenção. Você verá que é simplesmente

um pedaço de papel colorido com a assinatura do secretário do Tesouro dos

Estados Unidos de um lado e o slogan “In God We Trust” do outro. Nós

aceitamos o dólar como pagamento porque confiamos em Deus e no secretário

do Tesouro dos Estados Unidos. O papel crucial da confiança explica por que

nossos sistemas financeiros são intimamente relacionados aos sistemas

politico, social e ideológico, por que crises financeiras com frequência são

desencadeadas por processos políticos e por que o mercado de ações pode

subir ou cair dependendo de como os executivos se sentem naquela manhã em

particular35.

O dinheiro é baseado em dois princípios: a) convertibilidade universal: com o dinheiro

como alquimista, é possível transformar terras em lealdade, justiça em saúde e violência em

conhecimento; b) confiança universal: com o dinheiro como intermediário, fazem duas pessoas

cooperar em determinado projeto. Esses princípios permitiram que milhões de estranhos

cooperassem no comércio e na indústria de maneira eficaz. Tanto assim que atualmente tem-se

a moeda digital revolucionando as concepções primitivas.

Bitcoin: é uma moeda digital do tipo criptomoeda descentralizada e, também

um sistema econômico alternativo (peer-to-peer electronic cash system),

apresentada em 2008 na lista de discussão The Cryptography Mailing por

um programador, ou um grupo, de pseudônimo Satoshi Nakamoto.

É considerada a primeira moeda digital mundial descentralizada, e

responsável pelo ressurgimento do sistema bancário livre.

33 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução: Maria Cecilia França. Ática. 1993, p. 36. 34 HARARI, Yuval Noah. Sapiens – Uma breve história da humanidade. L&PM Editores, 2016, p.p. 181-195. 35 Idem p. 188.

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O bitcoin permite transações financeiras sem intermediários, mas verificadas

por todos os usuários da rede (nós da rede) Bitcoin, que são gravadas em

um banco de dados distribuídos, chamado de blockchain.

A rede descentralizada ou sistema econômico alternativo Bitcoin possui

a topologia ponto-a-ponto (peer-to-peer ou P2P) isto é, uma estrutura sem

intermediário e sem uma entidade administradora central. Que torna inviável

qualquer autoridade financeira ou governamental manipular a emissão e o

valor de bitcoins ou induzir a inflação com a produção de mais dinheiro. No

entanto, grandes movimentos especulativos de oferta e demanda influenciam

na oscilação de seu valor no mercado de câmbio, sendo definido livremente

durante as 24 horas do dia. Isto é, o valor da criptomoeda não deriva de

moedas nacionais (fiat) ou outros bens, isto é, não é lastreado por nem um

ativo; bitcoin é a mercadoria, é o ativo em si sem precedentes.

No âmbito financeiro e contabilístico internacional, semelhante ao ouro o

bitcoin pode ser enquadrado em alguns termos: ativo especulativo (bem

material), dinheiro commodity (mercadoria), unidade de conta (bem de troca)

- por ser empregado como meio de troca e por possuir uma escassez relativa

além de cotação própria - que agregada a abreviatura XBT tenta enquadrar-se

na ISSO 4217, código que representa moedas correntes36.

A história não mostra um desenvolvimento simples e linear do desenvolvimento dos

mercados, sobretudo porque, segundo Braudel37:

[...] uma vez que a troca é tão velha como a história dos homens, um

estudo histórico do mercado deveria estender-se à totalidade dos tempos

vividos e situáveis.

Na época da cidade antiga já era reconhecida a ideia de mercado, como um ponto de

junção das rotas de comércio.

Não há necessidade de duvidar que o mercado apareceu inicialmente

para regular a troca local, muito antes que qualquer ‘economia de mercado’,

baseada em transações tendo em vista um lucro monetário e a acumulação de

capital privado, viesse a existir, segundo Munford38.

Para o referido autor a configuração urbana já existia antes de Cristo, (por volta do ano

2000 a. C), com duas formas clássicas do mercado, em uma praça aberta ou um bazar coberto,

ou em uma rua de barracas ou de lojas. Essa reunião de negociantes propiciava a união de força

similar. Tanto assim que Rousseau ao conceber o “Do pacto Social”, imagina não ser

impossível aos homens engendrar novas forças para unir e dirigir as já existentes, cuja

agregação é por em movimento de agir de comum acordo.

Somadas essas forças com a liberdade de cada homem, conduz, faz encontrar uma forma

associativa, cujas cláusulas ao invés da pessoa particular, de cada contratante, esse ato de

36 https://pt.wikipedia.org/wiki/Bitcoin - acesso 31/05/2018. 37 BRAUDEL. Civilização material, economia e capitalismo, 1979 - p. 193. 38 MUNFORD, Lewis. A cidade na História: suas origens, desenvolvimento e perspectivas. São Paulo. Ed. Martins

Fontes. 1961. P. 85.

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associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto a

assembleia de vozes, formando unidade, um seu eu comum, sua vida e sua vontade, aduzindo

que:

A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava

outrora o nome de cidade, e toma hoje o de república ou corpo político, o qual

é chamado por seus membros: Estado, quando é passivo; soberano, quando é

ativo; autoridade, quando comparado a seus semelhantes. No que concerne

aos associados, adquirem coletivamente o nome de povo, e se chamam

particularmente cidadãos, na qualidade de participantes na autoridade

soberana e vassalos, quando sujeitos às leis do Estado. Todavia, esses termos

frequentemente se confundem e são tomados um pelo outro. É suficiente saber

distingui-los, quando empregados em toda a sua precisão39.

Vale lembrar num contexto de interesses e vontades dos cidadãos, em que o povo faz

parte sobre a natureza dos mercados, nas palavras de Adam Smith40 com uma propensão a troca.

O interesse do homem no exercício da permuta de uma coisa por outra, como ingrediente básico

da natureza humana, pratica atos de troca desde época muito distante, mostrando o mistério da

economia num lampejo. “O consumo é o objetivo e o desígnio único de qualquer produção”,

levando a entender que a economia é o meio de vida, e a sociedade tem necessidades das mais

variadas formas, que podem ser materiais, financeiras, bélicas, artísticas, relativas ao vestuário,

à alimentação, morais ou até mesmo espirituais, porque são necessidades individuais ou

coletivas.

Os recursos frequentemente estão escassos frente à multiplicidade das necessidades

humanas, não obstante a constatação do desperdício em muitas localidades, não somente

observado em nações desenvolvidos, mas também em cidades ou regiões menos pobres, em

países emergentes, ou como são classificados, de nações subdesenvolvidos nas cidades de

maior porte, com considerável perda diária de produtos agropecuário nos principais centros

urbanos de distribuição de alimentos.

Oportuno relembrar, que prover as pessoas no conjunto social, cujo sentido converge para

levar à ideia de onde se abriga a família, que precisa passar por uma organização ou estar

arrumada para tanto, reforçando a consideração mais abrangente, como adverte Avelãs Nunes41,

com campo de atuação na sociedade, envolvendo os fenômenos relativos a produção,

39 ROUSSEAU, Jean-Jacques.Do Contrato Social. (VI - Do pacto social). 40 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Vol. I. Nova Cultural. 1988. Coleção os Economistas. pp. 17-54. 41 NUNES, António José Avelãs. Uma Introdução Economia Politica. São Paulo. Quartier Latin. 2007, p. 11.

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distribuição e consumo de bens e serviços, bem como as necessidades materiais que a

coletividade procura para atender a sua satisfação.

1.1.2 Bens

Na organização de bens e propriedade depara-se com várias espécies de forças

desprendidas pelas pessoas procurando preservar direitos e conservar coisas (bens). Ao mesmo

tempo tem-se uma busca pelo equilíbrio e paz social, apesar de reconhecer ser um constante

desafio a concretização desse objetivo, pois, desde os primeiros tempos quando o homem

passou a ter a posse de objetos para o seu uso ou lazer, atraiu para si uma série de atributos e

poderes concernentes ao ser humano. Novas espécies de bens surgiram na caminhada da

evolução humana, com graus de sofisticação, ininterruptamente, chegam a proporções

espetaculares, que pode estar além da imaginação da maioria de estadistas e homens de

negócios42.

Para Moncada:

As relações entre economia e direito não são uniformes e têm variado

ao longo do tempo.

Para o pensamento liberal, que lançou as bases da ciência econômica, a

atividade econômica é um dado natural, prolongamento das liberdades

individuais e geradora de riqueza. Rege-se por uma lógica própria, totalmente

racional e desenvolve-se num meio institucional próprio, o mercado. À regra

jurídica competiria assim favorecer o produtivo giro dos capitais fornecendo

à atividade econômica um suporte normativo sistemático e transparente, de

fácil entendimento, capaz de proporcionar a previsibilidade e a segurança de

que a atividade em causa tanto necessita para gerar os resultados dela

específicos, a criação de riqueza e a satisfação das necessidades individuais.

A primazia era assim da economia sobre o direito. A codificação do

direito civil, a recepção da lex mercatória, ou seja, das leis do comércio,

geradas no ambiente dele próprio e a eliminação de figuras que embaraçavam

a fluidez da vontade privada, herdadas de épocas passadas, são consequências

daquele primado da economia43.

A concepção tecida por Moncada aborda a tutela diferenciada da propriedade privada,

como direito subjetivo que se apresenta, como situação jurídica complexa, ativa e passiva, de

conteúdo variável em função do objeto que incide, e do titular respectivo, apreciando a figura

do ‘bem’, para compreender como algo capaz de suprir uma necessidade humana, podendo

42 BERLE, Adolf Augustus; MEANS, Gardiner C., A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada.

1967, Nova Cultural, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, 3a. ed. - 1988, p.p. 4-33. 43 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico. Coimbra Editora. 6a. ed. 2012, p. 7.

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abranger bens materiais, que são os bens dotados de características físicas, como peso,

dimensão, forma e consistência.

Desde o trigo para fazer o pão, os alimentos transformados, a moeda e a casa, as ações de

uma sociedade anônima, envolvendo-se na criação do capitalismo coletivo, que fez da

propriedade de ações uma forma pela qual os indivíduos constituam riqueza representada pela

produção, transformada (considerado) em bem, fica dedicada ao consumo.

Nesse cenário estão presentes bens imateriais, dotados de caráter abstrato, que podem ser

exemplificados nos serviços hospitalares, marcas, patentes, insígnias. Para os objetos que estão

na órbita da propriedade privada a lei criou ou proporciona algum tipo jurídico diverso de

proteção com um conteúdo peculiar, consoante a sua diversa aptidão para a satisfação das suas

necessidades, distante da concepção clássica contida na Declaração dos Direitos do Homem e

do Cidadão de 1789, quando tratado unitário e universal, sendo um direito de gozo e disposição

sobre o tipo de bens móveis ou imóveis, materiais e imateriais, vem à tona, para exame,

características econômicas e sociais do ‘bem’.

Para Menger44:

Todas as coisas são regidas pela lei da causa e do efeito. Esse grande

princípio não sofre exceção; seria inútil procurar algum exemplo contrário, no

âmbito empírico. O progresso do desenvolvimento humano não tende a anular

ou enfraquece esse princípio, mas antes a confirmar sempre mais sua validade,

ampliando cada vez mais o âmbito de sua aplicação, portanto o

reconhecimento incondicional e crescente desse princípio esta ligado ao

próprio progresso humano.

Também a nossa própria personalidade - e cada estado da mesma -

enquadra-se nesse encadeamento da causalidade universal: a nossa passagem

de um estado para outro é incogitável fora dessa lei. Se, portanto, quisermos

passar do estado de necessidade para o estado de satisfação dessa necessidade,

deve haver causas suficientes que levem a essa mudança de estado: em outros

termos: ou esse estado de necessidade é eliminado pelas forças existentes em

nosso próprio organismo, ou então agem sobre nós coisas externas que por

sua natureza são aptas a colocar-nos naquele estado que se denominam

satisfação de nossas necessidades.

As coisas capazes de serem colocadas em nexo causal com a satisfação

de nossas necessidades humanas denominam-se unidades, denominam-se

bens na medida em que reconhecemos esse nexo causal e temos a

possibilidade e capacidade de utilizar as referidas coisas para satisfazer

efetivamente as nossas necessidades.

44 MENGER, Carl. Princípios de Economia Política. Victor Civita. 1983

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Aristóteles ao tratar de “bens”, como os meios de que o homem necessita para viver e

para seu bem-estar45. O estudo do conceito de ‘bem’, desenvolvido por Feijó46, traz a

compreensão de Menger, como o que gera benefícios para todos, e os custos não podem ser

distribuídos. Aparecem “bens” qualificados pela utilidade e pela emergente escassez que são

denominados “bens econômicos”, que ao longo da existência humana atendia as necessidades

infinitas e múltiplas dos indivíduos, porque os recursos tendem a ter limitação para satisfazer a

sociedade, sendo esta uma preocupação constante do homem.

Importante relembrar o período do mercantilismo, cuja particularidade principal foi a

atividade estatal com a empresa mercantil colonial, num foco de interesse da burguesia

conjugando a necessidade de agregar capitais, apelando à poupança popular, e para tanto ergue

a forma de sociedade anônima, com caraterísticas específicas, envolvendo a função pública, a

gestão privada e o interesse coletivo47. Foi a primeira função pública diretamente decorrente da

presença estatal. A segunda, a gestão privada, que decorre da dominação da alta burguesia e da

aristocracia a ela ligada sobre a administração das referidas companhias. O interesse coletivo

decorre da presença do público investidor, na época formado por pequenos poupadores, atraídos

pela chancela estatal dada à grande empresa48.

Nessa trilha não se pode esquecer a figura do território como elemento que lastreia a

composição do Estado, estruturando a base física para o mercado se relacionar, ter ponto de

reunião e partida, para obtenção de ‘bens’. O mercado toma forma em locais para a troca de

bens e em busca da autossuficiência, elegendo lugares, prediletos, para a prática da oferta e da

procura, criando relações sociais e adaptações nos processos de cooperações e produção,

constituindo uma regulação própria, que segundo Polanyi49, sustenta-se no princípio da

complementariedade.

O mercado externo é uma transação; a questão é a ausência de alguns

tipos de mercado naquela região. O comércio local é limitado às mercadorias

45 Aristóteles. Politica - l. 31. Ambrósio: “Nada tem utilidade a não ser o que serve para a vida eterna”. Thomassin

fiel as suas concepções econômicas medievais, 1697, escreve em seu ´Taité de Négoce er d’Usure (p. 22): “A

utilidade mede-se pelas considerações da vida eterna”. Dentre os modernos, Forbonnais define bens, como: “As

propriedades que não dão produção anual, tais como os móveis preciosos ou as frutas destinadas ao consumo” -

(Principes Économiques, Ed. Daire, 1767. Cap. 1. P. 174 et segs.). Dupont em outro sentido (Physiocratie, p.

CXVIII). O uso palavra “bem” na acepção peculiar à ciência atual ja se encontra em Le Trosne (De l’Intérêt Social,

1777, Cap. 1, § 1).NECKER. Législation et Commerce des Grains. 1775. Parte I, capo IV. Say (Cours d'Economie

Politíque. 1828. I, p. 132). 46 FEIJÓ, Ricardo. Economia e Filosofia na Escola Austriaca: Menger, Mises e Hayek. São Paulo, Nobel, 2000. 47 COMPARATO, Fábio Konder e SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 6a.

edição, Rio de Janeiro, Forense, 2014, p. 30. 48 IDEM - Op. cit. p.p. 30-31. 49 POLANYI, Karl. As grandes transformações – As origens da nossa época. Campus.

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da região, às quais não compensa transportar porque demasiado pesadas,

volumosas ou perecíveis. Assim, tanto o comércio exterior quanto o local são

relativos à distância geográficas, sendo um confinando às mercadorias que

não podem superá-la e o outro às que podem fazê-lo. Um comércio desse tipo

é descrito corretamente como complementar.

Numa linguagem contemporânea pode-se adequar as questões de métodos, de estratégia

e outros procedimentos que envolvem necessariamente a disponibilidade das mercadorias, o

transporte com qualidade e segurança para os bens transportados, que passam por constantes e

necessárias adequações face a introdução de novos equipamentos e tecnologias, que

proporcionam, por exemplo a superação no transporte e armazenamento dos bens, que na

linguagem atual interliga-se com a denominada ‘logística’.

Para que uma ‘coisa’ se transforme em um ‘bem’, ou, em outros termos, para que uma

‘coisa adquira a qualidade de ‘bem’, nas palavras de Menger50, requer a convergência de

pressupostos, elegendo, pelo menos quatro que se destacam antecipadamente:

1º. A existência de uma necessidade humana.

2º. Que a coisa possua qualidades tais que a tornem apta a ser colocada em

nexo causal com a satisfação da referida necessidade.

3º. O reconhecimento, por parte do homem, desse nexo causal entre a referida

coisa e a satisfação da respectiva necessidade.

4º. O homem poder dispor dessa coisa, de modo a poder utiliza-lá

efetivamente para satisfazer à referida necessidade. Somente se essas quatro

condições se verificarem simultaneamente, uma coisa pode transformar-se em

bem; onde faltar qualquer uma dessas condições, uma coisa não pode ser

caracterizada como bem; e mesmo que a coisa possuísse essa qualidade de

bem, perdê-lá no próprio momento em que deixasse de existir qualquer uma

das quatro condições acima.

Enfatiza Menger51 que a mudança da qualidade e ou perda do bem acontece:

[...] primeiramente, quando, em virtude de uma mudança ocorrente na

área das necessidades humanas, já não existe nenhuma necessidade à qual a

respectiva coisa tenha aptidão para satisfazer.

Em segundo lugar, uma coisa perde sua qualidade de bem sempre que, em virtude de uma mudança ocorrida em suas características, perde sua

aptidão de colocar-se em nexo causal com a satisfação de necessidades

humanas.

Em terceiro lugar, uma coisa perde sua qualidade de bem quando a

pessoa passa a desconhecer o nexo causal existente entre a coisa e a satisfação

das necessidades humanas.

Em quarto lugar, uma coisa perde sua qualidade de bem quando as

pessoas perdem o poder de dispor da mesma, de maneira a não mais poder

utiliza-lá para atender imediatamente as suas necessidades, e os meios para

passar novamente a dispor dessa coisa.

50 MENGER, Carl. Princípios de Economia Política. Victor Civita. 1983. 51 MENGER, op. cit..

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Extrai-se do entendimento acima, situações quando, embora não apresentem nenhum

nexo causal com a satisfação de alguma necessidade humana, são tratadas como bens pelos

homens. Segundo o referido autor, isso acontece quando se atribui as coisas qualidades e, em

consequência, constata-se que na verdade não as possuem, ou quando se supõe, erroneamente,

existirem necessidades humanas que na realidade são inexistentes.

A economia de hoje é predominante, se não esmagadoramente industrial, o que tem

acarretado mudanças sobre o sistema de propriedade na maior parte do mundo, interferindo na

produção e distribuição da riqueza. Por exemplo, os portadores de ações das sociedades

anônimas, em especial as de grande porte, agitam, a considerar substancial a quantidade de bens

que podem se constituir em títulos, em valores mobiliários, negociados, em especial pelas

instituições financeiras, agindo como intermediárias, ora apenas como corretoras, bancos,

companhias de seguro e congêneres, compondo uma estrutura econômico-financeira nacional

ou internacional, cuja rede conjuga capitais de diversas companhias e interesses, mesclando os

alvos.

Processa-se análises das demonstrações contábeis, também conhecida como análise das

demonstrações financeiras, entendida como um conjunto de técnicas que mostram a situação

econômico-financeira das empresas em determinado momento, procurando-se identificar,

decantar por meio contas e índices para comprovar a liquidez, o endividamento, a rentabilidade,

enfim aprovar ou não a saúde financeira da empresa, comparando seus desempenhos, medindo

a capacidade de pagamento a curto/longo prazo, com o intuito de informar não somente aos

investidores, acionistas, ao público em geral, se a empresa utiliza mais de capital de terceiros

ou de recursos dos proprietários, e medindo a estabilidade, a rentabilidade em função dos

investimentos e patrimônio líquido, tece recomendações ao mercado, e este confere a sua

performance, e vitalidade empresarial.

O avanço tecnológico vem forçando as companhias a realização das suas atividades em

um ambiente altamente competitivo. E a informação dos resultados de produção e rentabilidade,

importantes dados para a decisão dos interessados em investimentos no mercado de capitais, e

empreendimentos, principalmente dentro da concepção da estrutura da sociedade anônima,

onde se apresenta a sociedade anônima de economia mista, ambas expressam o capital social

na divisão em “ações”.

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O conceito de ação: “[...] é o valor mobiliário representativo de uma parcela do capital

social da sociedade anônima emissora que atribui ao seu titular a condições de sócio desta”52.

Compreende-se as ações como um título de crédito, ao mesmo tempo em que é um título

corporativo, permitindo o sócio participar da vida da sociedade, além de representar ou

corporificar uma fração do capital social53, proporcionando direito de propriedade e de uso.

Os conceitos dados pelos juristas, para não confundir com a explanação dada por

Menger54, advertindo, como fazem os pesquisadores, que o idioma alemão não dispõe de

nenhum termo para designar as “ações úteis” (nuetzliche Handlungen = ações úteis) de modo

geral, mas somente para “prestação de serviços” (Arbeitsleistungen = serviços de ação).

As lições de Mengel a respeito de “bem”, enfatizam que: “Não ha nada mais indicado

para ilustrar o grande nexo causal existente entre os bens do que essa lei do condicionamento

recíproco existente entre os diversos bens”55.

E historicamente Menger complementa:

Inversamente, não é raro as coisas perderem sua qualidade de bem pelo fato

de já não se dispor dos serviços necessários que constituem os bens

complementares em relação aos mencionados. Em países de população

escassa, como naqueles em que prevalece a monocultura - do trigo por

exemplo -, costuma ocorrer, sobretudo após colheitas particularmente

abundantes, grande falta de mão-de-obra, pelo fato de os trabalhadores

agrícolas formarem um contingente reduzido e terem pouca motivação para o

trabalho em tempos de fartura, uma vez que os trabalhos da safra se

concentram em um período muito breve, devido à monocultura. Em tais

circunstâncias (nas férteis planícies da Hungria, por exemplo), quando é muito

grande a necessidade de mão-de-obra dentro de um período breve, e a mão-

de-obra não é suficiente para atender à demanda, costuma ocorrer a perda de

grandes quantidades de trigo nos campos; o motivo esta no fato de faltarem os

bens complementares do trigo (isto é, a mão-de-obra necessária para colhê-

ló), e com isso o próprio trigo disponível nos campos perde sua qualidade de

“bem”56.

52 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 53 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 54 MENGER, op. cit. 55 Apropriado mostrar uma passagem da história da guerra de secessão americana no ano de 1862, quando

bloqueou a principal fonte de importação de algodão para os países europeus. Milhares de outras coisas em relação

as quais o algodão era um bem complementar também perderam sua qualidade de bem, em especial referencia aos

serviços dos operários engajados nas fábricas de processamento de algodão da Inglaterra e dos demais países do

continente europeu. Operários, que em função desse fato foram demitidos e muitos recorreram à caridade publica.

Os serviços que podiam prestar esses valiosos trabalhadores permaneceram os mesmos; no entanto perderam, em

grande parte, sua qualidade de bem real, uma vez que o bem complementar - no caso, o algodão - já não existia

nesses países, e consequentemente essa prestação de serviços específicos em geral não permitia atendimento

efetivo a nenhuma necessidade humana. Todavia, esses serviços transformaram-se novamente em bens, a partir

do momento em que o bem complementar dos mesmos - o algodão - reapareceu nesses países, por meio da

importação de outros países estrangeiros, bem como em decorrência do termino da guerra civil norte-americana. 56 MENGER, op. cit. p. 251.

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O referido episódio não só é interessante como uma passagem histórica, também serve

para aquilatar valores, quando estão em conflito e alvejam a sobrevivência do ser humano, que

desfruta, a depender das circunstâncias, de um determinado “bem”, com maior ou menor

intensidade, utilização e poder de barganha. Por outro lado, advertia, mesmo sem fazer alusão

específica sobre os danos à saúde, mas atualmente confirmado, com relação ao tabaco,

extremamente prejudicial à saúde do homem, mas no passado não era assim considerado e

tratado (os bens que poderiam ou não ser entendidos como prejudiciais a saúde do homem)57.

O exposto conduz uma mensagem desenvolvida no início do século XX, vaticinando no

século XXI, como aconteceu com o tabaco, hoje condenado, ou a qualidade da casca da quina

na cura de doenças. Agora emerge a discussão sobre a cannabis, sob condenação por ser

considerada uma “droga”, contudo, no âmbito da pesquisa cientifica testa-se para atender, ou

ser utilizada por doentes portadores de moléstia degenerativa, admitindo-se o seu emprego para

a cura da esclerose múltipla e outras enfermidades que são objeto de investigação, para

propiciar o uso controlado, como a casca de quina proporcionaram e ainda possibilita, com suas

propriedades, a cura de moléstias58.

57 IDEM, op. cit. p. seguintes. Suponhamos o seguinte caso: em razão de mudança registrada no gosto das pessoas,

desaparece totalmente a necessidade de se consumir o fumo, desaparecendo, com ela, todas as outras necessidades

para cujo atendimento ainda serve hoje o tabaco já devidamente processado. É certo, primeiramente, que em tal

caso deixaria de ser um bem todo fumo ja em condições de ser consumido pelas pessoas, ou seja, o fumo que se

encontrasse nas mãos de qualquer um. Que aconteceria, porem, com os correspondentes bens de ordem superior?

Que sucederia com as folhas de tabaco em estado bruto, com os diversos dispositivos e equipamentos necessários

para o preparo dos diversos tipos de fumo, com os serviços qualifica dos da mão-de-obra engajada nesse mister,

em suma, com todos os bens de segunda ordem empregados para a produção do fumo destinado ao consumo

humano? Que sucederia com as sementes e com as plantações de tabaco, com os serviços necessários para a

produção do tabaco em estado bruto, com os dispositivos e equipamentos necessários para isso, e com os demais

bens que, em relação à necessidade humana de consumir o fumo, podemos qualificar como bens de terceira ordem?

E que aconteceria com os correspondentes bens de quarta ordem, de quinta ordem etc.?

Como vimos, para que uma coisa tenha qualidade de bem, é indispensável que possa ser colocada em nexo causal

com a satisfação de determinadas necessidades humanas. Contudo, vimos também que o nexo causal imediato

entre o bem e a satisfação das respectivas necessidades humanas não constitui absolutamente condição sine qua

non para que seja um bem, e que grande parte das coisas deriva sua qualidade de bem simplesmente do fato de

terem nexo causal indireto e mediato com a satisfação de necessidades humanas.

Se é certo que a existência de necessidades humanas por atender constitui o pressuposto indispensável para que

uma coisa seja um bem, então esta demonstrado o seguinte principio: independente do nexo causal imediato com

a satisfação de necessidades humanas ou do fato de se caracterizarem como bens simplesmente em virtude de um

nexo causal mediato e indireto com o atendimento de tais necessidades, essas coisas perdem sua qualidade de bem

no próprio momento em que desaparecem as necessidades especificas para cujo atendimento serviam até agora.

Pois é claro que, juntamente com as respectivas necessidades, desaparece toda a base daquele nexo causal que,

como vimos, faz com que a coisa seja um bem. 58 HONÓRIO, Katia Maria; ARROIO, Agnaldo e SILVA, Albérico Borges Ferreira da. Aspectos Terapêuticos de

Compostos da Planta Cannabis sativa. Instituto de Física de São Carlos, Universidade de São Paulo, CP 369,

13560-570 São Carlos - SP - Departamento de Química e Física Molecular, Instituto de Química de São Carlos,

Universidade de São Paulo, CP 780, 13560-590. São Carlos – SP. Recebido em 26/10/04; aceito em 6/6/05;

publicado na web em 8/12/05.

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Assim, as cascas de quina, pelo fato de desaparecerem todas as doenças

por ela curáveis, deixariam de ser um bem, já que cessaria na única

necessidade com cujo atendimento a casca de quina mantem nexo causal.

Entretanto, o fato de a casca de quina já não ter aplicação teria também como

consequência que grande parte dos correspondentes bens de ordem superior

perderia igualmente sua qualidade de bem. Os habitantes dos países que

produzem a quinina, que atualmente encontram seu ganha-pão na procura e

na poda das árvores das quais se extrai essa substancia, constatariam de

imediato que perderiam sua qualidade de bem não somente seus estoques de

casca de quina, mas também, em consequência disso, os dispositivos e

equipamentos que só encontram utilização na produção de quinina, e, da

mesma forma, a prestação de serviços com a qual até agora ganhavam a vida,

pois tudo isso já não teria nenhum nexo causal com a satisfação de

necessidades humanas (como a cura de determinadas doenças). Se, por força

de uma mudança no gosto das pessoas, desaparecesse totalmente a

necessidade de consumir fumo, não somente perderiam sua qualidade de bem

todos os estoques de fumo já prontos para o consumo, como também as folhas

de tabaco em estado natural, as maquinas, dispositivos e equipamentos que só

encontram emprego no processamento desse produto, os serviços específicos

utilizados nesse tipo de indústria, os estoques disponíveis de sementes de

tabaco etc. Deixariam de ser bens inclusive os atualmente tão bem

remunerados serviços dos agentes de tabaco que, em Cuba, Manila, Porto

Rico, Havana etc., demonstram habilidade especial na compra desse produto,

bem como os serviços específicos de tantas pessoas empregadas, nesses países

longínquos e na Europa, na fabricação de charutos.

[...]

Esse fenômeno, aparentemente tão complexo, encontraria sua

explicação simples no seguinte: todos os citados bens derivam sua qualidade

de bem de seu nexo causal com o atendimento da necessidade humana

concreta de consumir fumo; ora, com o desaparecimento dessa necessidade,

desaparece também um dos fundamentos que lhes assegura a qualidade de

bem59.

Portanto certos bens podem ser processados, observando uma ordem para que são

talhados ou para uma progressiva transformação, utilizados para a satisfação das necessidades

humanas, que não é arbitrário, mas obedece às leis da causalidade, como ocorre com outros

processos de transformação, por isso tem-se no conceito de causalidade um elemento

inseparável o tempo. Todo processo de mudança ou transformação significativa, é um ‘vir a

ser’, um surgir, um tornar-se, e isso só é possível dentro do tempo.

Verifica Menger que nos lugares em que não estão presentes bens individuais isolados,

mas um conjunto de bens de diversos tipos que atendem aos objetivos das pessoas, conjunto de

bens dos quais os indivíduos dispõem ora de forma direta, ora de maneira indireta, sendo que

apenas tomados em conjunto, esses bens são capazes de atender ao conjunto de suas

necessidades e, consequentemente, de assegurar a conservação de suas vidas e bem-estar. O

59 MENGER, op. cit. continuação páginas anteriores.

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conjunto dos bens de que dispõe o individuo para o atendimento de suas necessidades, soma de

bens e direitos, deduzidas as obrigações, passou a ser denominado patrimônio, em um simples

ou complexo valor econômico.

1.1.3 ‘Ação' como patrimônio

Patrimônio contemporaneamente passa a ser compreendido como uma imagem virtual de

necessidades, um conjunto harmônico, cujos componentes essenciais não podem ser

diminuídos nem ampliados, sob pena de afetar a consecução do objetivo global.

O homem civilizado, evoluído, distingue-se dos demais indivíduos, sobretudo pelo

empenho em assegurar-se dos meios para o atendimento das suas necessidades, não mais

somente das denominadas necessidades básicas, por curto período, mas por épocas seguidas,

quiçá por toda a vida. Via de regra, vão mais além, preocupando-se em garantir o atendimento

daquele que iniciou a constituição do patrimônio, mas transmitiu, legando às futuras gerações

para atender, de alguma maneira, variadas necessidades.

Para onde se desejar olhar, observa-se que os povos civilizados possuem um complexo

sistema de previsão para o atendimento das necessidades humanas, com a preocupação na

satisfação das obrigações consideradas essenciais. Em muitas oportunidades, transformando-se

em previdência, quando o sentido de previdência é para atender as necessidades do homem,

passando a entender que a demanda de uma pessoa, e dos grupos, na quantidade de bens

necessários para satisfazer a todos num certo período de tempo. Esse olhar tem sempre em mira

o futuro, dai estender esse atendimento a longo prazo, e também por esses motivos passou a

entender e denominar de previdência.

A preocupação dos homens para atender a satisfação de suas necessidades, presentes e

futuras, transforma-se num constante esforço, concomitante para obter segurança. Busca-se

estabilidade social, econômica e financeira, como uma garantia de que haverá o suficiente para

os tempos vindouros. Institui-se a previdência, para ser o atendimento da sobrevida num

horizonte de imprevisibilidade, ou em momento de possível adversidade futura. Entende-se e

se pode denominar essa demanda, de uma pessoa ou de grupo, por aquela quantidade de bens

indispensáveis para satisfazer as necessidades humanas por um certo período de tempo, de

‘previdência’, reconhecendo um duplo pressuposto, ter em mente que:

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a) devemos ter clareza sobre a nossa demanda, ou seja, sobre as quantidades

de bens de que precisamos para atender as necessidades nos espaços de tempo

em que se estende nossa previdência;

b) devemos ter clareza sobre as quantidades de bens de que dispomos

atualmente para alcançar o objetivo acima60.

Toda a atividade humana observa uma orientação para a satisfação de suas necessidades.

Esse esforço particular poderá resultar em êxito ou não, com diferentes graus em cada caso.

Qualquer que seja o reparte dos bens que se colocam nas referidas relações, a demanda da parte

dos membros da sociedade não será coberta, ou o será parcialmente, de modo que esses

indivíduos terão um interesse com referência à quantidade fracional de bens disponível.

Diametralmente oposto ao interesse daqueles indivíduos que já se apropriaram dessa parcela de

bens e com isso surge a necessidade de uma previdência que a sociedade assegure proteção

legal aos indivíduos que conseguiram apossar-se legitimamente da referida parcela de bens,

contra os ataques dos demais indivíduos.

Na busca de bens, depara-se com a oferta, que muita vez é menor do que a respectiva

demanda, havendo seria interferência na consecução da formação da propriedade, próxima ao

conceito considerado marxista de bem econômico, como tudo aquilo que é fruto do trabalho

humano e possui um valor de uso e de reprodução. O exame à luz da perspectiva da economia

política, tem-se o excedente social como dado essencial. Raciocinando no campo da economia,

eliminar a instituição da propriedade só seria possível se ao mesmo tempo houvesse capacidade

de aumentar a quantidade de todos os bens econômicos ao ponto de se poder atender por

completo à demanda de todos os membros da sociedade, ou então, se todos fossem capazes de

diminuir as necessidades humanas até o ponto em que as quantidades disponíveis desses bens

fossem suficientes para atender plenamente a todos, gerando uma nova ordem econômica.

Obviamente que aqui não é o espaço para discutir quão complexo assunto, que já

proporciona uma profusão de discussões e teses, que não se propõe aguçar neste trabalho.

Contudo, não obstante as discussões sobre as várias teorias a respeito, continua viva a figura da

propriedade, do patrimônio, permitindo uma abordagem para dar um toque sobre o mesmo,

porque não foi abolida da vida dos indivíduos, e contemporaneamente é manejado quando

ventila-se o exame dos ‘bens’, também introduzidos na direção para atender a hipótese de

utilização de bens de capital.

60 MENGER, Carl. Princípios de Economia Política, pp. 257 seguintes.

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Os valores mobiliários advindo das sociedades anônimas, e de igual maneira acontece

com relação as sociedades de economia mista porque negociam suas ações no mercado de

capitais, convivendo com os mecanismos das bolsas de valores, de balcões, corretoras,

instituições financeiras, embarcados em um sistema de distribuição de valores mobiliários que

proporciona comercialização dos títulos emitidos pelas empresas nesses ambientes, que podem

ser considerados ou denominados simplesmente ‘mercado’, ambientes onde são viabilizados os

respectivos negócios.

Hodiernamente esse mercado de capitais se comunica com a denominada rede de

previdência privada, que visa a garantia, inclusive e em especial constituir uma “poupança” a

ser administrada para assegurar a proteção das pessoas quando aposentadas, ou incapacitadas

de produzir sob o molde econômico tradicional.

Essa reunião de capitais visa compor um lastro financeiro patrimonial para proporcionar

uma melhor sobrevivência dos seus associados. Esse lastro também é entendido como riqueza,

que, por sua vez sinaliza uma sustentação advinda do desenvolvimento das atividades

econômicas, concebendo-o como um “bem econômico”, porque passa se um objeto útil, sob

determinado preço, encontrado nas ‘prateleiras’ do mercado de capitais, regido por leis

próprias.

1.1.4 O povo (o cidadão) e o Estado

Apesar da constante discussão a respeito de conceitos atinente a povo, população,

habitante, cidadania, face a intensidade dos movimentos migratórios em diversas áreas do

planeta, esses conceitos vêm adotando novas configurações. A migração gerada pela

mobilidade interna e externa, afeta o caráter da nacionalidade, e o vínculo formal com a

legislação de cada país, mas é de aproveitar a conjugação do entendimento sobre população que

se vincula aos aspectos demográficos e recenseamento.

Definida como um todo, a população é uma coleção de seres humanos. Ela é

um conjunto finito e, portanto, num dado momento, “recenseável”. Esse ponto

é bastante significativo porque, se a população pode ser contada, implica que

dela podemos ter uma imagem relativamente precisa. Ainda que essa imagem,

um número, não possa ser (como não é) estável, pois se modifica o tempo

todo. Contudo, é por esse número que a organização que realizou o

recenseamento dispõe de uma representação da população. Sem dúvida é uma

representação abstrata e resumida, mas já satisfatória para permitir uma

intervenção que busca a eficácia. O recenseamento permite conhecer a

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extensão de um recurso (que implica também um custo), no caso a população.

Nessa relação que é o recenseamento, por meio da imagem do número o

Estado ou qualquer tipo de organização procura aumentar sua informação

sobre um grupo e, por consequência, seu domínio sobre ele.[...] No período

contemporâneo, o registro se aperfeiçoou e todos os Estados modernos

possuem fichas individuais que constituem enormes fichários, normalmente

colocados no computador, para maior comodidade. Esse instrumento de

controle é ambíguo pois, se é útil em diversas situações, a tentação de usa-lo

para intervenções negativas é enorme. Em geral, a organização que o detém

não consegue resistir ao desejo de explora-lo para afirmar ou reforçar sua

posição. Mas o Estado não é o único em causa; as empresas, as igrejas e os

partidos dispõem de vastos repertórios nominativos para usar em suas

propagandas. Tudo é inventariado, repertoriado. O fichário demográfico é um

instrumento temível nas mãos das organizações. [...] Mas a essa empresa do

poder corresponde a resistência ao poder, e talvez aí resida o caráter

ambivalente da população. A população é concebida como um recurso, um

trunfo, portanto, mas também como um elemento atuante. A população é

mesmo o fundamento e a fonte de todos os atores sociais, de todas as

organizações. Sem dúvida é um recurso, mas também um entrave no jogo

relacional. Entre os povos antigos, e particularmente em Israel, o

recenseamento é um ato sagrado [...]61.

Nos movimentos econômicos da sociedade estão presentes o cidadão e o Estado agitando

relações econômicas, e ao mesmo tempo, apresenta-se o governante representando a

coletividade para atender seus interesses, administrando as necessidades das pessoas como

magistrado supremo, apaziguando rivalidades para estabelecer um equilíbrio social, cuja

harmonia leva a estabilidade e a paz social, atendendo as relações politicas e a conveniência do

cidadão em geral.

No bojo da sociedade contemporânea os interesses políticos e sociais estão cada vez mais

sendo divididos em múltiplas áreas de trabalho. Da mesma forma acontece com relação ao

capital, levando-o para atender a população e a compreensão dessa divisão econômica, que de

forma conduz a força de trabalho a se adequar a essa correspondente divisão política.

A história universal descrita cientificamente, como um ponto de vista narrativo ou

didático, só se efetiva na medida em que for porta voz da civilização, e essa, por sua vez só é

possível e pensável, como expressão de sociedade mundial unificada, sujeito de uma história

universal no sentido estrito. Uma razoável unidade politica entre as nações e a vigência de

modelos de organização social que gozem de certa homologia estrutural, respeitadas que sejam

as condições e tradições que caracterizam as particularidades históricas dos diversos grupos

humanos62, na busca de acomodar não se pode abandonar o combate as injustiças, eliminando

61 RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução Maria Cecilia França. Ática. 1993, p.p. 67/70. 62 VAZ. op. cit. p.p. 124-125.

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os fossos de hostilidades que impedem a fruição do bem geral da nação, como pondera

Moncada:

Uma concepção do Estado distingue-se das outras consoante o fim

prosseguido. Qual será o fim do Estado para a concepção liberal? É a liberdade

individual. Segundo esta concepção, o Estado é tanto mais perfeito quanto

mais permite e garante a todos o desenvolvimento da liberdade individual.

Dizer que o Estado tem como fim o desenvolvimento da liberdade individual

significa também dizer que não tem um fim próprio, coincidindo o seu fim

com os fins múltiplos dos indivíduos. A tarefa do Estado não consiste,

portanto, em prescrever fins para cada cidadão, mas em atuar de modo a que

cada um possa alcançar livremente os seus próprios fins individuais; o Estado

deve garantir para cada individuo uma esfera de liberdade de maneira que,

dentro dela, cada um possa, segundo as suas capacidades e talento, prosseguir

os fins que lhe aprouverem. O Estado liberal não se preocupa nem com a

salvação da alma nem com a virtude nem com o bem-estar econômico, mas

só com a garantia das condições externas para que cada cidadão possa

prosseguir os seus fins individuais. Como diria Kant, o Estado nunca utiliza o

individuo como um meio para um fim estatal, mas cria apenas as condições

para que ele possa dar-se a si mesmo o seu próprio fim, usando corretamente

a sua liberdade.

Nesta conformidade, o Estado só pode exercer as atividades econômicas que

produzem utilidades coletivas, pelas quais não se pode cobrar um preço ou

aquelas pelas quais os privados se desinteressaram. Tudo o resto são

atividades naturais da Sociedade civil63.

Essa afirmação de Moncada depura a liberdade e limites do Estado. É natural que as

atividades econômicas produzem utilidades a fim de atender as pessoas, a coletividade, e ao

mesmo tempo preservar os interesses sociais, e o Estado venha atender atividades necessárias

ao conjunto social que não sejam ofertadas pelo empreendedor privado. O conjunto de medidas

que em geral dão lastro a constituição de politicas econômicas, lembra as medidas adotadas

pelo Estado visando certos objetivos indispensáveis a qualquer país, para atender o progresso,

o desenvolvimento, o crescimento, a estabilidade econômica, a melhor distribuição de renda, a

busca do pleno emprego, a justiça social, a previdência social e outros, tendo sempre como

centro o homem, o cidadão.

Nessa mesma reunião apresenta-se como relevante o controle e ou o combate da inflação,

bem como evitar outras mazelas que corroem a economia do país, quando não tratados

adequadamente através de políticas econômicas, que geram enfermidades sociais. Por isso

diretrizes devem ser traçadas pelo Estado em favor do povo, da coletividade (do cidadão) – para

estabelecer um equilíbrio socioeconômico, em um bom convívio entre os setores público e

privado.

63 MONCADA, op. cit. p. 23.

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Os economistas dividem a ciência econômica em duas partes: a economia positiva, que é

aquele referente a formulação das teorias, ao processo de investigação cientifica, a aplicação

dentro da sociedade, envolvendo a teoria econômica, a denominada economia aplicada; e a

economia normativa, que diz respeito à regulação da atividade econômica e à fixação de suas

diretrizes básicas, como a doutrina e a politica.

A Política Econômica, em sentido amplo, pode ser considerada como um conjunto de

ações adequadas dirigidas racionalmente para a obtenção de determinados resultados de

natureza econômica em comunidade. Quando o Estado é o emissor dessas diretrizes, os

especialistas registram o nascimento de uma política econômica estatal, denominada de política

macroeconômica, significando que o Estado pratica variáveis econômicas com objetivos

globais a serem atingidos, desdobradas em políticas de natureza variada, envolvendo políticas

anti-inflacionária, financeira, de comércio exterior. Tem-se, também, as que envolvem

mercados de capitais, de seguros e previdência privada, e as abrangendo setores da agricultura,

abastecimento, energético e cada vez mais, desdobrando-se e surgindo outros setores.

A partir das necessidades do Estado e da sociedade idealiza-se políticas econômicas,

traçando diretrizes fundamentais da economia com vistas à realização de certos objetivos, como

a estabilidade econômica, ou até mesmo para suprir certas insuficiências do mercado, variando

de acordo com o sistema no qual se insere as necessidades reivindicadas, existentes, à época.

Nesse sentido, a Política Econômica é um reflexo do contexto social que lhe deu origem que se

procura atender satisfatoriamente.

Afirma-se que o Estado até o momento denominado neo-concorrencial ou

intervencionista, é uma marca do sistema capitalista na passagem do século XIX para o século

XX, com a função de produção do direito e segurança.

O momento neo-concorrencial ou intervencionista o Estado passou a funcionar como

instrumento de implementação de políticas públicas, que não deve ser tomada em termos

absolutos, pois nem sempre a instituição de políticas públicas vai ao encontro das aspirações

coletivas. Observa-se que o Estado moderno nasce sob a vocação de atuar no campo econômico,

sofrendo alterações no tempo, no seu modo de atuar, incialmente voltado à constituição e à

preservação do modo de produção social capitalista, posteriormente à substituição e

compensação do mercado, que no modo de ver de Moncada64:

64 MONCADA, op. cit. pp. 28-29.

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O liberalismo pretendeu retirar ao espaço da convivialidade social toda

a nota de coactividade baseada na autoridade real e senhorial, transformando-

a hoc sensu de sociedade política em sociedade civil. A economia aparece

assim como um terreno politicamente neutro, baseado em relações não

políticas, mas sim de mercado cujo pressuposto não é o poder unilateral e

personalizado, mas a troca impessoal e abstrata de mercadorias através do

contrato. A troca é o critério de constituição de um novo tipo de sociedade; a

Sociedade Civil. Trata-se de substituir a divisão (política) da sociedade em

diferentes classes de cidadãos exercendo certas delas a autoridade soberana

sobre as outras pela homogeneidade das “leis sagradas dos contratos” alheias

às diferenças entre as liberdades individuais.

Nestas condições, a (generalidade e abstração da) lei assume a verse de

mediador das relações econômicas, agora civis e não politicas, isto é,

mediatizadas pela norma e não pela autoridade. Para tal e a querer manter a

sua neutralidade política a lei despe-se do seu caráter de diktat a fim de dar

testemunho de um consenso racional que possa estimular e legitimar a troca,

que o mesmo dizer o livre encontro das vontades de sujeitos jurídicos

independentes. A normatividade das relações econômicas transforma-se do

mesmo passo de concreta numa normatividade abstrata, pois que o teor da

atividade econômica não é determinado pelo carisma da autoridade régia e

senhorial mas sim pelo livre exercício da vontade privada, que é uma noção

abstrata, encabeçada por cidadãos fungíveis entre si, iguais de condição,

porque identificados pelo seu desempenho e não pela sua qualidade individual

e legitimados para o exercício de atividades econômicas pela sua

racionalidade e zelo e não pelo seu estatuto social e político. Só mais

tardiamente a crítica marxista viria demonstrar que são as condições materiais

concretas da relação de cada individuo com os meios de produção que

determinam fundamentalmente o conteúdo das relações jurídicas abstratas,

pondo em destaque que afinal a igualdade (formal) burguesa mais não era do

que mobilidade dentro de condições socioeconômicas predeterminadas.

A atividade econômica deixa igualmente de ser o ambiente natural dos

interesses parcelares de certos indivíduos e de certas classes, legitimados pela

sua qualidade pessoal ou de grupo e nessa medida se generalizou ao conjunto

do tecido social indiferentemente considerado.

Essa compreensão encaminha para um conjunto de interesses no âmbito de um grupo

social mais largo, com novos interesses, compatibilizando para o surgimento de uma sociedade

emancipada, integrada por indivíduos independentes, exercitando manejos, intercâmbio entre

si, livre de encargos corporativistas e estatais, exprimindo-se indiferente através do mercado e

com único critério de justiça, que passa ser a sociedade civil na linguagem de Moncada,

praticando uma eficiência individual, emergindo uma visão de independência como

característica essencial do cidadão, como uma plenitude dos direitos políticos do cidadão.

Ao mesmo tempo o mercado é visto como resultado do jogo espontâneo da atividade

privada, não ainda como o resultado da intervenção ponderada dos poderes públicos, como

sucederia mais tarde, no prognóstico de Moncada, que a generalidade e abstração da norma

afiguram-se, conclusivamente, como os garantes da cidadania da sociedade civil liberal no

mundo do direito.

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A ascensão da sociedade civil ao universo jurídico exigiu a atribuição às normas jurídicas

de um conteúdo geral e abstrato, exprimindo ao mesmo tempo racionalidade do conteúdo da

norma e não a mera vontade do seu autor, fazendo consistir uma liberdade civil na obediência

às leis. Habermas65 dita que diante das crises, transtornos que se produzem na integração do

sistema, colocando em risco a sua continua existência, isto é, a integração social, o Estado passa

a perseguir o fim declarado de conduzi-lo para evita-las. Assim, o Estado tem de cumprir

funções que não pode se explicar mediante a invocação das premissas da existência continua

do modo de produção, nem se deduzir do movimento imanente do capital. Daí a identificação

de categorias de atividade estatal, a fim de constituir e preservar o modo de produção, certas

premissas de existência contínua hão de ser realizadas.

O Estado deve garantir o sistema de direito civil, com as instituições básicas da

propriedade e da liberdade de contratar. Deve proteger o sistema de mercado contra efeitos

secundários autodestrutíveis – jornada especial de trabalho, legislação antitruste, estabilização

do sistema monetário, assegurando as premissas da produção dentro da economia global – tais

como educação, transportes e comunicações. Deve promover a capacidade da economia

nacional para competir internacionalmente – política comercial e aduaneira – a conservação da

integridade nacional, no exterior com meios militares e, no interior, mediante a eliminação

paramilitar dos inimigos do sistema. Para complementar o mercado, o sistema jurídico deve ser

adequado a novas formas de organização empresarial e da manipulação do sistema fiscal, sem,

porém, perturbar a dinâmica do processo de acumulação66.

A afetação do principio de organização da sociedade, segundo Grau67, como o surgimento

de um setor público estranho ao sistema, compensa disfunções do processo de acumulação que

se manifestam no seio de certas parcelas do capital, da classe operaria ou de outros grupos

organizados, produtoras de reações que se procuram impor pelas vias políticas. Afirma ele que

a ideia de intervenção tem como pressuposto a concepção da existência de uma cisão entre

Estado e sociedade civil. E, assim, então, ao “intervir”, o estado entraria em campo que não é

seu, campo estranho a ele, o da sociedade civil – isto é, o mercado.

Assevera Grau 68 que: “Tendo em vista a substituição do mercado, em reação frente a

debilidade das forças motrizes econômicas, reativa a fluência do processo de acumulação, que

65 HABERMAS, J. A crise de legitimação no capitalismo tardio. Ed. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro. 1980. 66 HABERMAS, J. Legitimationsprobleme im Spatkapitalismus – (A crise de legitimação no capitalismo tardio)

– trad. Vamireh Chacon, Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1980. 67 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 - Malheiros Editores, 13a. ed., 2008. 68 Op. cit.

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já não resta, então, abandonado a sua própria dinâmica, criando novas situações econômicas

[...]”. A liberdade econômica abriu campo às manifestações do poder econômico, levando a

reflexão a respeito do princípio de que “todos são iguais perante a lei”, o que levaria a certa

inconsistência, visto que a lei é uma abstração, ao passo que as relações sociais são reais69.

Mostram os historiadores que há divisão de trabalho desde que a humanidade existe. A divisão

é tão inata quanto o trabalho. Se Smith não foi o primeiro a compreender as implicações da

divisão de trabalho, pelo menos, foi, possivelmente um dos primeiros a compreender as

múltiplas implicações da divisão de trabalho70. Assim se deu conta de que todos os comércios,

desde que realizados com liberdade, são por definição mutuamente benéficos. E que o preço

real de cada coisa, ou seja, o que ela custa à pessoa que deseja adquiri-la é o trabalho, e o

incômodo que custa a sua aquisição. O valor de cada coisa, para a pessoa que a adquiriu e deseja

vendê-la ou trocá-la por qualquer outra coisa, é o câmbio daquelas sociedades em que ainda

não se realizou qualquer acumulação de capital e onde a única categoria de rendimento seria a

remuneração do trabalho.

O fato é que, caso a economia de mercado ficar solta, sem controle, sob sua própria

vontade, ela desenvolverá procedimentos que acarretará significativos males para o conjunto

social. Portanto, a compreensão, que, aqueles singelos procedimentos de troca, que foram

exercitados nos primórdios da humanidade, despidos de ganância, não são os mesmos que a

economia de mercado desenvolve agora. Para Polanyi: “Por mais paradoxal que pareça não

eram apenas os seres humanos e os recursos naturais que tinham que ser protegidos contra os

efeitos devastadores de um mercado auto regulável, mas também a própria organização da

produção capitalista”71.

69 SMITH, Adam: ... do “governo”, o verdadeiro fim é defender os ricos contra os pobres, como se vê na “A

Riqueza das Nações – Investigação sobre sua natureza e suas Causas”. 70 SMITH, Adam. Riqueza das Nações. 71 POLANYI, Karl. A grande transformação – As origens da nossa época, Elsevir – Campus. [...] “A civilização

do século XIX se firmava em quatro instituições. A primeira era o sistema de equilíbrio de poder que, durante um

século, impediu a ocorrência de qualquer guerra prolongada e devastadora entre as Grandes Potencias. A segunda

era o padrão internacional do ouro que simbolizava uma organização única na economia mundial. A terceira era o

mercado auto-regulavel, que produziu um bem-estar material sem precedentes. A quarta era o estado liberal.

Classificadas de um certo modo, duas dessas instituições eram econômicas, duas, politicas. Classificadas de outra

maneira, duas delas eram nacionais, duas internacionais. Entre si elas determinavam os contornos característicos

da história de nossa civilização. Dentre essas instituições o padrão-ouro provou ser crucial: sua queda revelou-se

a causa mais aproximada da catástrofe. Por ocasião da sua derrocada, a maior parte das outras instituições tinham

sido sacrificadas, num vão esforço para salva-lá. Todavia, a fonte e matriz do sistema foi o mercado auto-regulavel.

Foi essa inovação que deu origem a uma civilização especifica. O padrão-ouro foi apenas uma tentativa de ampliar

o sistema domestico de mercado no campo internacional; o sistema de equilíbrio de poder foi uma superestrutura

erigida sobre o padrão-ouro e parcialmente nele fundamentada; o estado liberal foi, ele mesmo, uma criação do

mercado auto-regulavel. A chave para o sistema institucional do século XIX esta nas leis que governam a economia

de mercado. [...]

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Não restam dúvidas que o mercado apareceu inicialmente para regular a troca local, muito

antes que qualquer economia semelhante, tendo por base objetiva o lucro, como resultado dos

negócios travados. Observa-se que os atores no palco econômico tem em mente cálculos, que

entendem ou desenvolvem para ajustar o que denominam “racionalidade” para as economias

de mercado, como uma exigência para a maximização do lucro, valendo a advertência de

Grau72, com relação a dicção de que a exigência de um sistema de normas jurídicas uniformes

e de um sistema de decisões políticas integrado em relação a determinado território, é essencial

para o funcionamento e o desenvolvimento dos mercados.

Nesse mesmo rumo, ou, de modo mais geral, que a coletividade participa na distribuição

dos bens e das oportunidades nascidas pelos mercados, o que leva ao interesse ou a necessidade

de atende-la através de um modelo do Estado Social. Analisando o assunto relativo ao modelo

jurídico do Estado Social, diz Moncada73 que:

Cedo, porém, se alteraram as notas características do Estado liberal.

O Estado alargou-se a todas as esferas da atividade, com destaque para a

economia e a sua atividade assumiu finalidades próprias, distintas das dos

indivíduos. A atividade econômica deixou de ser mais um sector

indiferenciado da atividade privada geral para passar a ser objeto específico

da atividade conformadora dos poderes públicos, e do mesmo passo a ciência

econômica deixa de ter por objeto o simples estudo do compromisso

(econômico) do individuo e passa a abranger também o do Estado.

O Estado atual surge-nos como um agente de realizações que se

reportam principalmente ao domínio da economia, na qualidade de

responsável principal pela condição e operatividade das forças econômicas,

enquanto verdadeira alavanca da sociedade atual. Assume com frequência

formas de atividade organizada em ordem à produção e distribuição de bens e

serviços, submetida por vezes à concorrência das empresas privadas.

As causas desta transição são de vária ordem e reportam-se, sobretudo,

a aspectos sociais e políticos. O seu estudo não revela pois da nossa disciplina,

só nos interessando os aspectos jurídicos do fenómeno.

Atento ao Estado Social Moncada no que concerne a certo objeto, alerta que não se busca

eleger um corresponde igual a um determinado modelo jurídico e ou a uma ideologia, apenas

utilizar traços essenciais que estão a mostrar em determinados esteios da vida, diminuição

progressiva da distinção entre o direito público e o direito privado, a funcionalização crescente

da autonomia privada à vontade dos poderes públicos bem como o papel positivo da norma

jurídica na conformação da vida econômica e social74, pois, a intervenção do Estado transborda

os serviços públicos tradicionais produtores de utilidades coletivas destinadas a satisfazer

72 GRAU, Roberto Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13a. ed. – 2008, p. 29. 73 MONCADA, op. cit. p. 31. 74 MONCADA, op. cit. p. 31.

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necessidades essenciais, e abrange setores não apenas sociais, também econômicos, secundada,

por vezes, por uma atitude contrária ao capitalismo privado e apostada numa alteração das

relações de produção.

Acostando-se as considerações de Weber75, que as exigências de calculabilidade e

confiança no funcionamento da ordem jurídica e na administração constituem uma exigência

vital do capitalismo racional; que o capitalismo industrial depende da possibilidade de previsões

seguras, que deve poder contar com estabilidade, segurança e objetividade no funcionamento

da ordem jurídica e no caráter racional e, em principio, previsibilidade das leis e da

administração, o que converge para a busca de uma segurança jurídica, destacando que:

A organização industrial racional, voltada para um mercado regular e

não para as oportunidades especulativas de lucro, tanto políticas como

irracionais, não é, contudo, a única peculiaridade do capitalismo ocidental. A

moderna organização racional das empresas capitalísticas não teria sido

possível sem dois outros fatores importantes em seu desenvolvimento: a

separação dos negócios da moradia e, estritamente ligada a isso, uma

contabilidade racional.

Observa Ferdinand Lassalle76 que ao final do absolutismo a pequena burguesia passa a

almejar em benefício do seu comércio e de suas incipientes indústrias, a ordem e a tranquilidade

pública, e ao mesmo tempo, a organização de uma justiça correta dentro do país, auxiliando o

príncipe, para consegui-lo, com homens e com dinheiro. E, discursando para intelectuais e

operários em 1863, na antiga Prússia, indaga aos ouvintes, “O que é uma Constituição?”: Qual é a verdadeira essência de uma Constituição? Em todos os lugares e a

qualquer hora, à tarde, pela manhã e à noite, estamos ouvindo falar da

Constituição e de problemas constitucionais. Na imprensa, nos clubes, nos

cafés e nos restaurantes, é este o assunto obrigatório de todas as conversas.

E, apesar disso, ou por isso mesmo, formulamos em termos precisos esta

pergunta:

Qual será a verdadeira essência, o verdadeiro conceito de uma Constituição?

Estou certo de que, entre essas milhares de pessoas que dela falam, existem

muito poucos que possam dar-nos uma resposta satisfatória.

Muitos, certamente, para responder-nos, procurariam o volume que fala da

legislação prussiana de 1850 até encontrarem os dispositivos da Constituição

do reino da Prússia.

Lassalle afirmou: “O conceito da Constituição – como demonstrarei logo - é a fonte

primitiva da qual nascem a arte e a sabedoria constitucionais”. O referido discurso faz remeter

75 WEBER, Max, A Gênese do Capitalismo Moderno, Ática, 2006. 76 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Freitas Bastos Editora.

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a possíveis indagações assemelhadas, numa busca de diálogo com o povo, desejosos de uma

sintonia de linguagem, visando conhecimento e compreensão.

A origem do constitucionalismo remonta à antiguidade clássica, vinculado a noção e

importância da Constituição, na medida em que é através dela que buscou realizar o ideal de

liberdade humana com a criação de meios e instituições necessárias para limitar e controlar o

poder político, opondo-se a governos arbitrários, independente de época e de lugar77. O Direito

Constitucional está intimamente ligado ao triunfo político das revoluções liberais do século

XVIII, tanto americana quanto francesa, animou a oportunidade do surgimento das

Constituições americana de 1787 e a francesa de 1791 despontando os primeiros paradigmas

de documentos escritos e solenes78.

O surgimento do Estado moderno caminhou lado a lado com a monopolização pelo rei e

com o poder militar e do poder de tributar, daí pertinente a observação de Jorge Miranda79

que

não causa surpresa o fato de a Constituição surgir com natureza, significação, características e

funções diversas consoante as diferentes correntes doutrinais que atravessam os séculos.

[...] Chama-se também Direito político, por essas serem normas que se

reportam direta e imediatamente ao Estado, que constituem o estatuto jurídico

do Estado ou do político, que exprimem um particular enlace da instância

política e da instância jurídica das relações entre os homens.

Qualquer Estado, em qualquer época e lugar, postula sempre normas

com tal função. O que não podem deixar de variar são a intensidade, a

extensão e o alcance dessas normas e as funções conexas ou complementares

que se lhes prendam. E variam não apenas em virtude das condições gerais de

conservação ou de modificação do ordenamento, mas sobretudo em virtude

dos fins e dos modos de exercício do poder e das posições recíprocas de

governantes e governados (em que consistem os regimes, as formas de

governo, os sistemas políticos).

Falando em Direito constitucional, pensa-se mais na regulamentação

jurídica, no estatuto, na forma de Direito que é a Constituição. Falando em

Direito político pensa-se mais no objeto da regulamentação.

Como Constituição nesta acepção se afigura inerente ao conceito ou

indissociável da existência do Estado, dir-se-ia de todo em todo indiferente

empregar o primeiro ou segundo qualificativo. Mas não é tanto assim, porque

cabe proceder a uma delimitação – resultante da experiência histórica e

exigida pelas necessidades de estudo.

Na verdade, ninguém ignora o marco representado na história do Estado

e do Direito público pelas revoluções dos séculos XVIII e XIX e suas

sequelas, as quais puseram termo ao Estado absoluto e abriram caminho a um

novo modelo ou tipo de organização política, o Estado constitucional,

representativo ou de Direito. E, doravante, do que se trata é, justamente, do

Direito constitucional do Estado constitucional, do Direito que aparece ligado

77 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 10ª. ed., JusPodivm. 2016, p. 29. 78 Idem, p. 43. 79 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra - Coimbra, 1991. v. 2, p. 53.

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a uma Constituição (escrita, salvo na Grã-Bretanha), do Direito que se numa

Constituição com um conteúdo determinado e com uma força jurídica diversa

da dos outros corpos de normas do ordenamento80.

Na História do Direito81 situa o cruzamento de duas disciplinas – a História e a Ciência

Jurídica e, conforme as correntes ou os autores, o pendor é, umas vezes, para reduzir a História

do Direito a uma pura História, no mesmo nível da História política ou de qualquer outro

domínio da Ciência Histórica, e, outras vezes, para reduzir a História do Direito à Ciência

Jurídica, empregando o mais possível o método dogmático. A originalidade e o interesse da

História do Direito e da história de qualquer instituição de Direito público em particular estarão,

contudo, na capacidade dos seus estudos de fazerem um trabalho em que se conjuguem todas

as virtualidades de ambos os métodos, o histórico e o jurídico. E Miranda82 acrescenta que:

O Estado é uma sociedade política com indefinida continuidade no

tempo e institucionalização do poder significa dissociação entre a chefia, a

autoridade política, o poder, e a pessoa que em cada momento tem o seu

exercício; fundamentação do poder, não nas qualidades pessoais do

governante, mas no Direito que o investe como tal; permanência do poder

(como oficio, e não como domínio) para além da mudança de titulares; a sua

subordinação à satisfação de fins não egoísticos, à realização do bem comum.

A institucionalização é ainda a criação de instrumentos jurídicos de

mediação e de formação da vontade coletiva – os órgãos e figuras afins.

A coercibilidade não é uma característica geral do Direito, nem sequer,

porventura, do Direito estatal; mas é, em certa medida uma característica da

organização política estatal. Ao Estado cabe a administração da justiça entre

as pessoas e os grupos e, por isso, tem de lhe caber também o monopólio da

força física.

O Estado promove a integração, a direção e a defesa da sociedade, e por

arrastamento, a própria sobrevivência como um fim em si; essa preservação –

a segurança interna e externa, em particular – toma-se um fim específico;

surge o fenômeno burocrático; mesmo sem ser absoluto ou totalitário, o

Estado possui a sua mística de poder e justifica as suas ações em nome de

objetivos próprios; as instituições especializadas, adquirem autonomia.

Finalmente, o Estado requer continuidade não só no tempo, mas

também no espaço, no duplo sentido de ligação do poder e da comunidade a

um território e de necessária fixação nesse território. Está aí a sedentariedade.

In – em suma, o Estado é a resultante da existência de uma sociedade complexa e, por sua vez, um dos fatores de criação de uma sociedade cada vez

mais complexa.

Essa sociedade apresentada como complexa, convive com uma ordem pública constituída

por normas jurídicas que institui o núcleo mais expressivo Nicos Poulantzas [Jessop]83 chama

80 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo I. Editora Coimbra, 1997, p. 14. 81 Idem. Op. cit. p. 25. 82 Idem, op. cit. pp. 52-53. 83 JESSOP, Bob. O Estado, o Poder, o Socialismo de Poulantzas como um Classico Moderno. Revista de

Sociologia e Politica. V. 17, N. 33 : 131-144 JUN. 2009.

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de “le beson de calcul de prévision”: quando os agentes econômicos, no interior de um mercado

extremamente complexo, no qual o ganho voltado à acumulação de capital joga um papel

preponderante, necessitam de uma justiça e de uma administração cujo funcionamento possa

ser, em principio, calculado racionalmente. Havendo uma necessidade de calibrar cálculos de

previsão, elaborar previas do que se tem e poderá ter em expectativa, ou simplesmente trabalhar

para obter determinado bem, sem certeza do quanto desse esforço.

A sociedade fomenta uma totalidade estrutural que constitui a ordem pública, segundo e

valendo-se da concepção de Poulantzas, como caracteres particulares, a constância e a

estabilidade, são fundamentais, e sem as quais não seria possível calcular, sendo uma

possibilidade e uma exigência do mercado. Nesse quadro, a ordem pública, como elemento de

racionalidade, apoiada na lei, garante os direitos constitucionais, como atende os particulares e

o próprio Estado na execução dos contratos, pois saber com certo grau de certeza que eles serão

respeitados, indispensável ao sucesso empresarial.

Fazendo considerações a respeito da obra de Poulantzas, Jessop mostra o Estado, o poder,

o socialismo84, entendendo como provocativa afirmação que mereceu, e ainda hoje fica sob

discussão. E o entendimento de Hermann Heller85 que com o desenvolvimento da divisão do

trabalho e das trocas impõe a segurança das trocas, identificando com aquilo que se costuma

chamar de certeza do direito, desagua na busca da segurança jurídica. Portanto a segurança das

trocas ou certeza do direito tornaram-se possíveis em decorrência de uma notável

calculabilidade e previsibilidade das relações sociais, que se tornam realizáveis somente se as

relações, e sobretudo as econômicas, forem veladas de modo crescente por um único

ordenamento, ou seja, emanado de um único ponto equidistante.

Matéria de alta complexidade e discussão, deflagra outras ideias e colocações que não se

pretende aqui fazer maiores prospecções, apenas traz pelo quanto abordado, sem pretender

endossar ou obliterar as aluídas construções e teorizações, mas ilustrar com alguns do quanto

pensado desse processo de racionalização social.

Desse modo, adverte-se que o moderno Estado de direito, nascido substancialmente de

uma legislação sempre mais ampla, com a necessária consequente consciência de imposição de

regras de comportamento social, que excluem a autotutela em um âmbito sempre mais vasto de

84 POULANTZAS, Nicos. Estado, o poder, o socialismo. São Paulo. Graal/Paz e Terra, 2000. 85 HELLER, Herman. Teoria Del Estado. Fondo de Cultura Economica. Mexico, 1942 – 7a. reimpressão, 1974.

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pessoas e coisas, em opção por uma normatividade e execução centralizadas, levando em

consideração a observação de Elias86.

Segundo Franz Neumann (Liberal Legal Theory) um estudioso do capitalismo do Estado,

analisado por Rodriguez87, este vê que o cumprimento dos contratos não podia ser assegurado

sob a equidade, que, ao tratar da teoria jurídica liberal era sempre denunciada como

incompatível com a calculabilidade, o primeiro requisito do direito liberal, caminhando para o

direito moderno. Era necessário transformar-se a equidade em um sistema rígido de normas, a

fim assegurar a calculabilidade exigida pelas transações econômicas.

O mercado reclamava a produção de normas jurídicas pelo Estado que garantissem a

calculabilidade e confiança nas relações econômicas, essa necessidade justificou, ainda

segundo Neumann, havia limitação de poder da monarquia patrimonial e do feudalismo. Essa

limitação culminou na instituição do poder legislativo dos parlamentares. Da mesma forma,

nesse raciocínio, depara-se com a tarefa primordial do Estado numa criação de uma ordem

jurídica que torne possível o cumprimento das obrigações contratuais, a fim de atender o que

se estima como calculável dentro de uma expectativa para que as obrigações sejam cumpridas.

O quanto estudado por Rodriguez o entendimento de Neunmann, observa-se o ponto de

vista da equidade, retomado na medida em que cresce a concentração do poder econômico, e o

Estado passa a desenvolver atividades “intervencionistas”. Anota Avelãs Nunes que a

intervenção do Estado na vida econômica é um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto

para as empresas, identificando-se em termos econômicos, com um princípio de segurança, e

que:

[...] a intervenção do Estado não poderá entender-se, com efeito, como uma

limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas

(particularmente das grandes empresas), mas antes como uma diminuição de

riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da

acumulação capitalista88.

86 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador – Formação do Estado e Civilização. Tradução de Ruy Jungmann.

Jorge Zahar Editor. 2 v. 1993, p. 62. [...] A cristalização de normas legais gerais por escrito, que seria ou é parte

integral das relações de propriedade na sociedade industrial, pressupõe um grau muito alto de integração social e

formação de instituições centrais capazes de dar à mesma lei validade universal em toda a área que controlam, e

suficientemente fortes para exigir o cumprimento de acordos escritos. O poder que confere força aos títulos legais

e direitos de propriedade não é mais diretamente visível nos tempos modernos. Em proporção ao indivíduo, ele é

tão grande, sua existência e a ameaça que dele emana são tão axiomáticas que raramente é submetido a teste. É

esse o motivo por que há uma tendência tão forte a considerar a lei como algo que dispensa explicação, como se

tivesse sido baixada pelos céus, um ‘Direito’ absoluto que existiria mesmo sem o apoio dessa estrutura de poder

ou se a estrutura de poder fosse diferente. 87 RODRIGUEZ, José Rodrigo. Franz Neumann, O Direito e a Teoria Crítica. www.scielo.br, 15.09.2016. 88 AVELÃS NUNES. Op. cit.

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Essa concepção leva a um mercado como uma instituição jurídica constituída pelo direito

positivo, o direito posto pelo Estado moderno, levando ao entendimento de que o mercado

evolui das simples relações de troca, passando a expressar um projeto politico, como principio

de organização social, constituindo um eixo que atende a sociedade em um todo, avançando

para uma noção de mercado como atividade, como conjunto de operações econômicas e modelo

de trocas. Esse conjunto de atividades, envolve contratos, convenções e transações relativas a

bens ou operações realizadas no lugar, espaço que denominam mercado, num exercício, que se

pretende, ou se supõe haver a livre competição. Anuncia-se um modelo de mercado decorrente

da instituição jurídica, constituída pelo direito posto pelo Estado, destinado a uma garantia da

liberdade econômica.

A livre concorrência dita por Neumann89, precisa da generalidade da lei e do direito por

ser ela a mais lata forma de racionalidade. Necessita também de absoluta subordinação do juiz

ao direito, e daí a separação de poderes. Desse modo examina-se o método de produção social

capitalista, que elege como ratio fundamentalis do ordenamento político o lucro, numa

estruturação do direito positivo a seu serviço, para permitir a fluência da circulação mercantil,

para atender prioritariamente o consumidor final, a população em geral.

Na realidade, quando o mercado está solto, forte, concentra apenas o seu interesse. Nessas

circunstâncias necessário se desenvolver procedimentos de freios, para afastar ou reduzir essa

excessiva liberdade, através da implantação de travas, a fim de evitar estrangulamento no

atendimento de produtos para a sociedade. Nesse desenrolar, a comunidade resiste e reclama

da atuação estatal exatamente para garantir o abastecimento sob a influência do Estado, porém,

ou mesmo tempo, atuar minimamente, evitando o excessivo poder estatal.

No direito moderno o fundamento é objetivo, é a lei. O mercado evolui, passando a ter

lugar próprio, ajustando-se num contexto de organização social, que passa a ser

institucionalizado conformando-se com o direito posto pelo Estado, num intuito para exercitar

uma função segura, amparado de certeza jurídica, permitindo previsibilidade de

comportamentos e cálculo econômico.

O mercado significava a constituição de um espaço unificado organizado, que os liberais

o tomavam como um espaço unificado e homogêneo. Num exercício de força, quando a

89 RODRIGUES. Op. cit. – [...] Neumann (...) A tarefa primordial do Estado é criar um Estado legal que garanta a

execução dos contratos, pois uma parte indispensável para o sucesso empresarial é saber com certo grau

de certeza que os contratos serão respeitados, (...).

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robustez política assume um projeto de autonomia e auto regulação da vida econômica, tem-se

um mercado que passa a se sujeitar ao controle do Estado, que por sua vez permite ser

racionalizado, pelo menos parcialmente. Comenta Novais90 que essa racionalização é:

[...] requerida essencialmente pelas necessidades de cálculo e segurança

inerentes à produção capitalista, projeta-se na exigência de racionalização das

funções do Estado e, em primeiro lugar, no controlo da Administração; um

estado racionalizado será um Estado cuja atuação é previsível, em que a

Administração está limitada por regras gerais e abstratas, em que as esferas de

autonomia dos cidadãos e a vida econômica não estão à mercê de ingerências

arbitrarias do Monarca, mas antes protegidas e salvaguardadas pelas decisões

racionais da sociedade esclarecida, representada no órgão da vontade geral.

No bojo dessas movimentações de entendimento dos negócios, tem-se ao mesmo tempo

o elemento da generalidade e da abstração da lei que garantem ao individuo combater a

arbitrariedade estatal, como indispensável ao cálculo e segurança inerentes à produção

capitalista, na busca de previsibilidade no comportamento dos agentes econômicos.

Isto conduz que cada agente econômico necessita de garantias contra o Estado, e contra

os outros agentes econômicos que atuam no mercado. Vale dizer, cálculo e segurança são

inerentes à produção capitalista que exigem garantias contra o Estado, inclusive quando agindo

num contexto de liberalismo político e em favor do mercado, quando também está inserido no

âmbito de liberalismo econômico.

A tônica é de que a lei deve assegurar garantia contra o Estado, especialmente quando se

defronta com posturas de liberalismo político, e, concomitantemente, é posta a serviço da

preservação do mercado, quando envolvido no âmbito de liberalismo econômico. Assim podem

anotar que emergem no campo da economia faces de liberdade pública e liberdade privada.

Dessas posturas colhe-se uma proteção que alcança as autonomias individuais dos agentes

econômicos, que podem ser traduzidos em termos diretos e incisivos como as autonomias

individuais dos produtores, outrora identificados como burgueses. Daí a necessidade de passar

aos juristas para dar fundamental importância no âmbito mercantil, o conceito de sujeito de

direitos, que supõe capacidade de contratar com indivíduos livres e iguais, aproveitando esse

ambiente evolutivo de comportamento, da existência da racionalidade jurídica do direito

moderno, afinando-se com a primazia das autonomias individuais, que envolve declarações de

direitos motivadas pelo movimento do constitucionalismo liberal, adotam-se técnicas,

90 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais: Teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais.

Coimbra: Wolters Kluwer/Coimbra, 2010.

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especialmente as que propõem a separação dos poderes, num contexto de legalidade,

envolvidos no principio político do liberalismo econômico, como mostra Cunha Júnior, e que:

Há direitos fundamentais que, não raro, dependem tão somente da

atuação normativa do Estado para ganharem sentido e apresentarem conteúdo

jurídico suficiente que possibilite o seu exercício pelo individuo. Nessas

situações, a função de prestação dos direitos fundamentais tem a missão de

prover o individuo de condições para exigir do Estado a imediata emanação

de normas concretizadoras e integrativas dos direitos carentes de regulação, e

nisso consiste a atuação exigida do Estado à prestação jurídica. Colhe-se, aqui,

o direito fundamental à prestação jurídica.

Por outro lado, há direitos fundamentais que têm por objeto uma

utilidade concreta ou um benefício material, consistente em um bem ou

serviço, a ser prestado pelo Estado. Já aqui, a função de prestação dos direitos

fundamentais tem a missão de prover o individuo de condições para exigir do

Estado a imediata realização de políticas públicas socialmente ativas, criando,

por conseguinte, as condições materiais e institucionais para o exercício

desses direitos, e nisso consiste a atuação exigida do Estado à prestação

material.

[...] de referência à função prestacional dos direitos fundamentais

sociais, o individuo goza do poder de exigir não só diretamente a prestação

amparada na Constituição, na medida dos limites fixados pela reserva do

possível (entendida esta como a existência de recursos econômicos

disponíveis), como também uma atuação legislativa concretizadora das

normas constitucional-sociais, na hipótese de omissão inconstitucional dos

órgãos de direção politica, dentro da perspectiva mais ampla do direito

fundamental à efetivação da Constituição, que legitima, segundo pensamos,

uma atuação mais ativa do Judiciário, ante os perniciosos efeitos da censurada

omissão inconstitucional91.

Desse entendimento constata-se uma função que consiste no dever do Estado de proteger

os titulares de direitos fundamentais perante terceiros, significando que o reconhecimento

constitucional de um direito implica também para o Estado, para além do dever de abstenção,

numa espécie de função de defesa.

O dever de prestação consistente na obrigação de adotar medidas positivas e eficientes,

vocacionadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais perante atividades de terceiros

que venham a afetá-los. O Estado tem o dever de proteger o direito à vida, à inviolabilidade do

domicílio ou sigilo de dados e o direito de reunião, apenas para citar alguns exemplos, de

eventuais agressões de outros indivíduos.

Paralelamente, o que se vê, quanto ao desempenho da função de integração e

modernização capitalista, originaria de acumulação, o Estado implementa a legitimação e a

repressão. No exercício da função de legitimação o Estado pretende atribuir ao sistema

91 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, p.p. 493-494.

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capitalista e à sua ordem política o reconhecimento de que sejam corretos e justos. Neste sentido

que a legitimidade constitui uma pretensão de validez discutível, de cujo reconhecimento, ao

menos fático, depende também a estabilidade de uma ordem de dominação; enfatizando o fato

de que os problemas de legitimidade afetam as ordens políticas, as quais podem ter e perder

legitimidade.

Esse cenário do direito positivo propicia, proporcionando o instrumento da mediação, que

pode desempenhar um papel relevante no eixo constitucional. A Constituição formal, enquanto

sistema semântico ideologizado, constitui o modo de institucionalização que dá forma e

proporciona instrumentalidade através de ferramentas jurídicas para uma adequada, pertinente

interpretação do mundo numa ordem econômica, que é completada pela materialidade legal.

Extrai-se de Lassale92, que a Constituição é a expressão escrita dos fatores reais do poder

que regem uma nação; incorporados a um papel, já não são simples fatores reais do poder, mas

fatores jurídicos, são instituição jurídica. Daí a concepção da oposição entre constituição real e

a efetiva Constituição escrita. E ao abordar a Constituição Escrita e a Constituição Real,

asseverou que:

Quando num país irrompe e triunfa a revolução, o direito privado continua

valendo, mas as leis do direito público desmoronam e se toma preciso fazer

outras novas.

A Revolução de 1848 demonstrou a necessidade de se criar uma nova

constituição escrita e o próprio rei se encarregou de convocar em Berlim a

Assembleia Nacional para estudar as bases de uma nova Constituição.

Quando podemos dizer que uma constituição escrita é boa e duradoura?

A resposta é clara e parte logicamente de quanto temos exposto: Quando essa

constituição escrita corresponder à constituição real e tiver suas raízes

nos fatores do poder que regem o país.

Onde a constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente

um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a

constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a

constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país93.

A expressão “folha de papel”, é uma alusão à celebre frase de Frederico Guilherme IV,

que: “Julgo-me obrigado a fazer agora, solenemente, a declaração de que nem no presente nem

para o futuro permitirei que entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel

escrita como se fosse uma segunda Providência”. Lassalle explica, que:

Em seu interesse, o príncipe irá diminuindo as prerrogativas e poderes

da nobreza; assaltará e arrasará os castelos dos nobres que resistam a obedecê-

lo ou que violem as leis do país, e quando, finalmente, com o tempo, a

indústria tiver desenvolvido bastante a riqueza pecuniária e a população tiver

92 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Freitas Bastos Editora. 93 Idem, op. Cit.

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crescido de forma que permita ao príncipe possuir um exército permanente,

este príncipe enviará seus batalhões contra a nobreza, como fez Frederico

Guilherme I, em 1740, sob o lema:

“Je stabilirai la souveraineté comme un rocher de broncel.” (Vou

estabilizar a soberania como uma rocha de bronze – tradução nossa).

Ele obrigará a nobreza ao pagamento de impostos e acabará com a sua

prerrogativa de receber qualquer tributo94.

E Cunha Júnior95 ensina:

Constituição escrita ou instrumental, é aquela cujas normas – todas

escritas – são codificadas e sistematizadas, em texto único e solene, elaborado

racionalmente por um órgão constituinte. Vale dizer, cuida-se da Constituição

em que as normas são documentadas em um único instrumento legislativo, com força constitucional.

A Constituição escrita é produto das revoluções liberais do século

XVIII, que reivindicaram a consolidação de seus objetivos de liberdade e

limitação do poder em texto escrito e solene, pois essa seria a única forma

capaz de assegurar certeza, clareza e precisão de seu conteúdo e garantir

segurança aos governados contra o abuso dos governantes.

Diante essas situações a Carta Magna é o alicerce para fazer compreender e obter as

necessárias ferramentas para as soluções sociais, como impor a estabilidade política de forma

tê-la como boa e duradoura enquanto corresponder à constituição real, e encontrar suas raízes

nos fatores reais do poder hegemônico no país, evitando a instalação de conflito.

Pigmenta Cunha Júnior com Habermas96, que o patriotismo constitucional foi

amplamente difundido no meio acadêmico e político, produzindo de forma reflexiva uma

identidade política coletiva conciliada, com uma perspectiva universalista comprometida com

os princípios do Estado Democrático de Direito, defendido como uma maneira de conformação

de uma identidade coletiva baseada em compromissos com princípios constitucionais

democráticos e liberais capazes de garantir a integração e assegurar a solidariedade, com o fim

de superar o conhecido problema do nacionalismo ético, que por muito tempo opôs culturas e

povos97.

Acrescente-se, que a norma está muitas vezes a depender de uma interpretação, que não

advém especificamente do legislador, mas sim do juiz que é provocado para desatar a aplicação

da lei. Apresenta-se a figura do cidadão na sociedade, em um contexto constitucional, bem

94 LASSALE. Op. Cit. 95 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 10a. ed. JusPodivm, 2016. P. 105. 96 Jurgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão nos anos 80. 97 Idem. Op. cit., pp. 37-38.

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aproximada do julgador, exercitando seu papel, como uma expansão e exigência da sociedade

contemporânea, como realça Cunha Junior98, e:

Mais do que coparticipante do processo de criação do Direito, o juiz

passa a desempenhar, por meio da interpretação constitucional, uma atividade

de atualização da Constituição, operando uma verdadeira mutação constitucional ou mudança informal do texto constitucional.

Assim, atualmente, falar do Judiciário como órgão também criador do

Direito é, como nota Cappelletti, afirmar “uma óbvia banalidade, um truísmo

privado de significado: é natural que toda interpretação seja criativa e toda

interpretação judiciaria ‘law-making’. Nesse sentido, Ross chega a propor

uma teoria jurídica de caráter realista (uma síntese do realismo psicológico e

do realismo comportamentista), na medida em que entende o Direito como um

fenômeno social determinado pela interpretação e aplicação das normas pelo

juiz. Vale dizer, para ele, o verdadeiro criador do Direito não é o legislador e

sim o juiz ao interpretar e aplicar a norma no caso concreto. Nesse particular,

Ross identifica-se com o realismo comportamentista (sociológico), cuja

síntese teórica podemos encontrar em Holmes, em frase tão citada: “O que

entendo por direito, e sem nenhuma outra ambição são as profecias do que os

tribunais farão de fato”. E essa criatividade do juiz, isto é, sua capacidade de

criar o Direito, se acentua consideravelmente no domínio da interpretação

constitucional, sobretudo em razão da estrutura normativo-material da

Constituição, que é composta por princípios e regras que apresentam maior

abertura, maior abstração, maior indeterminação e, em consequência, menor

densidade normativa, circunstância que atribui ao intérprete um notável

espaço de conformação. O que devemos discutir presentemente, portanto, é o

grau dessa criação do Direito e os seus limites, até porque, por óbvio, a criação

judicial do Direito não é livre, assim como também não o é o modo legislativo

de produzi-lo, pois há limites materiais e formais encarecidos pela

Constituição.

Desse papel de adequação sociológica e politização, ocorre um avanço para uma função

política, podendo resultar conflitos, em decorrência de pressões, na hipótese e recomendação

de Campilongo99. Natural, maior será o grau e eficácia da legitimação e da auta repressão quanto

mais convincente forem as efetivas as garantias contidas, proporcionadas na Constituição

formal. Conforme o tema foi tratado pelo referido autor100.

98 CUNHA JUNIOR, Dirley. Op. cit., pp. 178-179. 99 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Politica, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. S. Paulo. Max Limonad.

2002. 100 Idem. Democracia e legitimidade: representação política e paradigma dogmático. In Revista de Informação

Legislativa. Brasília a. 22; n. 86 abr./jun., 1985; p.p. 31-32. http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/181606

Para a investigação jurídica é provável que MONTESQUIEU tenha sido o principal formulador da doutrina da

representação. O Espírito das Leis, além da clássica argumentação sobre a divisão dos Poderes, desenvolve, de

modo sintético mas preciso, os princípios basilares da representação. No Livro Segundo, Capitulo II, do Espírito

das Leis, MONTESQUIEU escreve: “O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua

autoridade ... Entretanto, saberá o povo dirigir um negócio, conhecer os lugares, as ocasiões, os momentos e

aproveitá-los? Não: não saberá ... o povo, que possui suficiente capacidade para julgar da gestão dos outros, não

esta apto para governar a si próprio”.

MONTESQUIEU era claro: o povo sabe escolher, mas não sabe governar. E, por não saber governar, deve escolher

quem o faça, política e jurídica: a eleição, o sufrágio e a representação. O povo fala através de seus representantes,

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Segundo Campilongo na medida em que a crescente complexidade social desgosta as

técnicas tradicionais de obtenção do consenso, o tema da representação política volta a ordem

do dia dos problemas que o Direito deve enfrentar, arrolando temas ligados à mudança do papel

do Estado, captando efeitos de uma transfiguração do Estado “neutro” em Estado interventor

sobre a ciência do direito como um todo e sobre a produção normativa em particular. Dessa

articulação da vida social, o Estado interventor e a ordem jurídica, tem-se uma noção de

representação política fora de padrões tradicionais. O poder deve ser exercido sob fiscalização

dos vários titulares para que reciprocamente limitem e moderem atuais definições de Estado,

Direito e Democracia, por definição de Jorge Miranda101.

E Puceiro102 adverte:

Com o saber de autoridade, a ciência jurídica reproduz em sua estrutura

interna as exigências próprias de sua função na sociedade. Sua dimensão

essencialmente prática, dirigida ao controle social, à integração dos conflitos

ou à distribuição de autoridade, se reflete internamente no fortalecimento da

função autoritária de seu paradigma e matrizes disciplinares. Os resultados da

ciência jurídica são, além de produtos da comunidade cientifica, instâncias

portadoras de uma pretensão vinculatória em relação à comunidade política.

O direito regula fórmulas de distribuição de poder e autoridade, como Ripert103 destaca:

[...] todo e qualquer juízo demasiadamente livre sobre o fundamento das leis

se afigura perigoso aos que detêm o poder político. Considera-se indesejável

que os encarregados de interpretar, explicar o direito, saibam demasiado e

digam como e por quem é feita a lei. Aos soberanos agradam mais os legistas

que os juristas.

Diz Campilongo que os conflitos sociais e a efetiva distribuição de poderes ficam diluídos

numa espécie de senso comum teórico do saber jurídico, que poucos ou nada diz sobre a função

social da dogmática. Não sendo demasiado observar que as relações entre direito e política estão

no centro de qualquer análise que se queira fazer da cultura jurídica. Consequentemente há de

o que leva MONTESQUIEU ao arremate: “é ainda uma lei fundamental da democracia que só o povo institua

leis”. Essa, segundo RAYMOND ARON, é a essência da política, ou seja, as decisões devem ser tomadas para a

coletividade, por meio de seus representantes, e não pela coletividade diretamente. A soberania popular de

ROUSSEAU também é, nesta mecânica, sutilmente substituída pela soberania nacional de SIEYÈS. A formula

aristocrática perpetua-se sem que a “teoria pura da democracia” de ROUSSEAU seja totalmente descartada. E

ARON conclui o raciocínio dizendo ser “absurdo comparar os regimes democraticos modernos com a ideia

irrealizavel de um regime de fato aos regimes possíveis”. 101 MIRANDA, Jorge. Povo, Democracia, Participação Politica, In Separata em Honra de Ruy de Albuquerque.

Lisboa: Coimbra. [...] nunca é demais insistir em que o estado de direito não equivale a estado sujeito ao direito,

porque não ha estado sem sujeição ao direito no duplo sentido de estado que age segundo processos jurídicos e

que realiza uma ideia de direito, seja ela qual for estado de direito só existe quando esses processos se encontram

diferenciados por diversos órgãos, de harmonia com um principio de divisão do poder, e quando o estado aceita a

sua subordinação à critérios materiais que o transcendem; só existe quando se da limitação material do poder

politico; e esta equivale a salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa humana. 102 CAMPILONGO, op. cit. p.p. 33-34. 103 RIPERT, Georges. O Regime Democrático e o Direito Moderno. São Paulo. Saraiva. 1937. Pp. 12-13.

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examinar que o povo exerce um poder soberano por intermédio dos seus representantes eleitos

por sufrágio universal, que ele conquistou completamente o poder político universal, e que hoje

é o número que faz a lei, numa constante transformação na ordem política, econômica e social.

Assim há de conferir a constante discussão da utilização do Estado como instrumento de

poder, por isso, com a formação do direito administrativo como ente autônomo, como se extrai

de Bandeira de Mello104, [...] nasce como direito de resistência, com o nascimento do Estado

de Direito, pois o Direito regula as relações entre os administrados, entre estes e o Estado, e

este entre seus órgãos.

Os poderes que o Estado exercita, não são mais do tempo em que a legitimação estava

estruturada nos poderes absolutos do Príncipe. O que passa a ser imputada à nação é a vontade

expressa na lei como vontade geral, banindo qualquer poder que não funde sua autoridade na

lei. A lei é a corporificação da igualdade, pois ninguém dela escapa inclusive e especialmente

o Estado. Operando a juridicização do Poder, por ter sido proscrita toda autoridade que

anteriormente era desfrutada por corpos intermediários, cuja legitimidade se fundava na

tradição e não na ordem jurídica posta. Assim, a autoridade que se afirma por cima das relações

privadas é a autoridade da Lei, continente da vontade geral105.

Direito e economia tem uma vocação interdisciplinar, que Moncada106 sustenta, que:

As relações entre economia e direito não são uniformes e têm variado

ao longo do tempo, basta uma peregrinação aos lugares do conhecimento

humano, perpassar pelo pensamento liberal, que serviu de base para a ciência

econômica, para perceber que a atividade econômica é um dado natural, um

prolongamento das liberdades individuais e geradora de riqueza.

Rege-se por uma lógica própria, totalmente racional e desenvolve-se

num meio institucional próprio, o mercado. À regra jurídica competiria assim

favorecer o produtivo giro dos capitais fornecendo à atividade econômica um

suporte normativo sistemático e transparente, de fácil entendimento, capaz de

proporcionar a previsibilidade e a segurança de que a atividade em causa tanto necessita para gerar os resultados dela específicos, a criação de riqueza e a

satisfação das necessidades individuais107.

Compreende-se que a partir do desenvolvimento econômico-social, surge um

ordenamento jurídico destinado a examinar a intervenção do Estado na economia, o que esse

104 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 21a ed. São Paulo: Malheiros,

2006. 105 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. O Exercício da função administrativa e o Direito Privado. Tese apresentada

ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito da Universidade de São Paulo – USP, para obtenção do

grau de Doutor em Direito. 2010, pp 23-24. 106 MONCADA. Op. cit. 107 Idem. Op. cit. p. 7.

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desenvolvimento parte de uma noção do denominado “Estado do Bem-Estar Social”, lançada

após a Primeira Guerra Mundial, conferindo ao Estado ser um agente de satisfação das

necessidades humanas, agregando os homens, e coletivamente desenvolver um esforço para

atender às necessidades decorrentes da vida em sociedade, ou da sua convivência108.

Parece fora de duvida que entre os pontos mais críticos que constantemente são

identificados como básicos e repetitivos, estão presentes o econômico, o social, o politico, o

cultural, sobre os quais se debruçam os que se preocupam buscar soluções, que cada vez mais

estão entrelaçados com o ético, sendo o ethos designado como a alma de uma cultura viva.

Nesse convívio estão presentes as trocas materiais, dos bens não econômicos, dos que não

carecem de dinheiro ou equivalentes, sintonizando com os desejos do homem de amizade,

amor, respeito, felicidade que não se mede e tampouco compram.

1.1.5 Direito Econômico como suporte

O Direito Econômico é um ramo autônomo do Direito que se destina a normatizar as

medidas adotadas pela Política Econômica através de uma ordenação jurídica, apreciando e

proporcionando uma normatização de regras econômicas, bem como o exame da intervenção

do Estado na economia. Segundo Moncada, a ordem jurídica do Estado intervencionista atribui

à norma um papel completamente diferente do que tinha anteriormente, assumindo um

conteúdo econômico e social, perdendo a neutralidade axiológica que caracterizaria a fase

liberal109.

A permeabilidade dos valores da norma jurídica, constitucional ou legislativa, atribui-se

um novo significado ao veicular valores, pois a norma jurídica intervém constitutivamente no

terreno econômico e social, conformando-se de acordo com a carga axiológica que assumiu. A

norma se transformando num programa de realizações110. Entende-se que há neutralidade, há

necessidade de um novo conteúdo, constituindo um pressuposto da atividade econômica e

social, sob pena de ficar ultrapassada.

As regras da concorrência dos nossos dias não se limitam a defender o

mercado como ordem normal das trocas econômicas. Organizam o mercado e

108 BRITO, Edvaldo. Reflexos jurídicos da atuação do Estado no domínio econômico. 2a. ed. – Saraiva, 2016, p.

17. 109 MONCADA, op. cit. p. 33 110 Idem, op. p.33.

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desenvolvem-no, no pressuposto de que seu funcionamento livre decorre da

ordem econômica mais justa e eficiente. A defesa da concorrência é levada a

cabo porque se acredita ser ela o melhor garante da prossecução, como que

implícita, de certos objetivos de política econômica.

O objetivo das leis de defesa da concorrência é o de assegurar uma estrutura

e comportamento concorrenciais dos vários mercados no pressuposto de que

o mercado livre que, selecionando os mais capazes, logra orientar a produção

para os sectores suscetíveis de garantir uma melhor satisfação das

necessidades dos consumidores e, ao mesmo tempo, a mais eficiente afetação

dos recursos econômicos disponíveis, que é como quem diz os mais baixos

custos e preços. A concorrência é assim encarada como o melhor processo de

fazer circular e orientar livremente a mais completa informação econômica,

quer ao nível do consumidor quer ao nível dos produtores, assim esclarecendo

as respectivas preferencias111.

Bastos apreciando a opinião de Moncada, diz que:

Aliás, o autor luso vai mais longe e expõe muito bem que não é só por razões

estritamente econômicas que se defende a concorrência. Na verdade, uma

sociedade pluralista repele a concentração do poder econômico, quer seja

levada a efeito pelo próprio Estado, quer por conglomerados privados.

Se desde o inicio do paragrafo 4º do artigo 173 da Constituição Federal já se

reconhece a existência do poder econômico, é imperioso consignar-se aqui

que o seu exercício concentrado conduz, inexoravelmente, a abusos que

transcendem os próprios lucros exorbitantes e o sacrifício econômico do

consumidor, enquanto tal, atingindo o próprio cidadão na sua qualidade de

sujeito do Estado. A livre concorrência há, pois, de ser defendida onde ela

esteja sendo distorcida, por práticas nocivas, assim como há de ser cultivada

e incentivada naqueles setores em que circunstâncias variadas põem levar à

configuração de uma situação monopolística ou muito próxima desta.

De fato, é de reconhecer-se que a concorrência perfeita é de difícil

atingimento. Cabral de Moncada fala em quatro pressupostos: a)

homogeneidade dos produtos; b) atomicidade dos mercados; c) mobilidade

dos fatores de produção; d) transferência de preços.

É certo que com relativa facilidade pode haver a distorção ou mesmo a

supressão de um ou alguns dos requisitos da concorrência perfeita. É fácil

detectar-se que os bens e serviços quase nunca são totalmente homogêneos. É

também evidente que os produtores nem sempre têm dimensão idêntica, do

que resulta uma maior ou menor possibilidade de influenciar o mercado.

Finalmente, é compreensível que se reconheça que a procura nem sempre é

determinada por uma vontade livre do consumidor, mas no mais das vezes

influída ou provocada por uma propaganda comercial cujos padrões éticos

nem sempre são os desejados.

Essas situações traduzem-se em dívida, em posições de poder, que tendem

normalmente a se converter em lucros anormais. Para todas essas hipóteses,

no entanto, basta o Estado efetivamente dispor-se a defender a livre

concorrência e não terá ele dificuldades em editar medidas que venham a

propiciar uma autêntica liberdade de escolha ao consumidor. Não importa,

pois, se esta é decorrente de uma liberdade espontânea, ínsita no desenrolar

das próprias atividades econômicas, ou se na verdade é uma criação

normativa.

Mais uma vez aqui invoca-se o testemunho de Cabral de Moncada, quando,

com muita propriedade, faz a assertiva de que não é impositiva aos Poderes

111 MONCADA, op. cit. 2ª. ed.,1988, p. 313.

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Públicos essa procura de um artificial modelo de concorrência perfeita.

Abaixo, transcreve-se parte da obra do aludido jurista.

“Por sua vez o propósito dos Poderes Públicos não é a reposição artificial de

um modelo de concorrência perfeita, totalmente defasado perante as

características estruturais do mercado atual, devendo contentar-se com

dimensões mais modestas; o que se pretende, como já se disse, é que a

concorrência seja efetiva, ‘workable’ medindo-se pela presença (pág. 315) de

um número elevado de alternativas viáveis que garantam liberdade de escolha.

Os propósitos dos Poderes Públicos não poderão ir ao ponto de modificar as

características estruturais dos mercados atuais de bens e serviços, mas deverão

sem dúvida atuar sobre eles de modo a resguardar níveis aceitáveis de

concorrência, o que significa possibilidades reais de acesso ao mercado tanto

do lado da oferta como do lado da procura”112.

Nítidas as vantagens de um sistema concorrencial, ainda que não esteja no seu estado

de pureza, reconhecendo benefícios políticos, sociológicos, além dos econômicos propriamente

ditos na preservação de um mínimo concorrencial. O conceito de concorrência eficaz de J. M.

Clark, citado por Cabral de Moncada113:

(...) não exclui as desigualdades das firmas nem a influência assimétrica

dominante. Ela estabelece-se entre empresas de dimensões diferentes, com

custos e horizontes econômicos diversos que praticam politicas diferentes;

tende ao progresso por um aperfeiçoamento dos métodos de produção, por

uma diferição crescente da qualidade e dos tipos de produtos e pelo

desenvolvimento de novos produtos: permite, por fim, a difusão dos

benefícios devidos a este progresso em favor dos consumidores através da

diminuição dos preços.

Em nível do direito positivo vai-se encontrar esta mesma preocupação com a defesa da

livre concorrência, e alertando sobre a necessidade da preservação, diz Vital Moreira:

E se o princípio dos princípios da economia capitalista, é a concorrência, e se

esta tende permanentemente a destruir-se a si mesma, compreende-se que a

ordem jurídica venha impor aí aquilo que a economia só por si não consegue.

É esta fundamentalmente a teoria neoliberal tal como foi desenvolvida, na sua

forma mais pura, pela escola neoliberal de Friburgo. (Note-se, desde logo, que

o neoliberalismo, mais do que uma teoria de explicação da ordem econômica

real contemporânea, é uma teoria normativa, que pretende precisamente guiar, conformar essa ordem. Porém, na medida em que a teoria afirma um princípio

de intervenção do estado e da ordem jurídica na economia, pode-se ser aqui

tratada como uma alternativa teórica de explicação da ordem econômica

contemporânea).

Tal como o liberalismo clássico, a teoria neoliberal considera como princípio

supremo de direção da economia o princípio da concorrência, isto é, o

princípio do mercado. Contudo, enquanto para os clássicos a ordem

concorrência era uma ordem natural que dispensava, a ordem jurídica e exigia

a não intervenção do estado, a teoria neoliberal parte de uma posição menos

optimista: a de que a concorrência não é um princípio dado e inalterável, pois

a economia se não autorregula, tendendo, pelo contrário, a criar elementos

112 BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Econômico Brasileiro - Celso Bastos Editor, S. Paulo, 2000, p. 211 e

seguintes. 113 MONCADA, Op. cit.

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contraditórios, que levam à sua própria destruição como economia de

concorrência. As instituições de que ela se serve contêm em si uma

virtualidade suicidante: ‘la liberté contractuelle se tue ele-même’.

Nesta diferença em relação aos clássicos, o neoliberalismo não faz mais do

que considerar a realidade econômica contemporânea. Dessa realidade, o

neoliberalismo vai tirar as seguintes consequências: se há que manter os

princípios da concorrência, é à ordem jurídica (ao estado) que cabe criar as

condições dela, manter em funcionamento o mecanismo do mercado, extirpar

os fatores que os perturbam. Deve o estado velar por que a economia siga os

seus trâmites corretos evitando as suas distorções e os fatores que as

provocam, isto é, criando ‘uma ordem jurídica que possibilite a concorrência

e a proteja de graves falseamentos’. E uma vez que o principal desses fatores

de destruição da concorrência é o desenvolvimento de situações monopolistas

ou a realização de acordos (trustes, cartel, sindicato, etc.) tendentes a eliminá-

la, uma das principais missões da ordem jurídica e do estado, ao serviço da

‘ordem jurídica e do estado, ao serviço da ‘ordem de concorrência’, é impedir

essas situações, dissolvendo os monopólios e tornando nulos aqueles acordos.

Só assim é possível manter a economia a funcionar segundo os seus princípios

originários; e por aí se explicariam todas as tentativas de legislação antitruste

e anti-cartel.

O estado continua (deve continuar) a ser apenas um guarda. Um guarda que,

ao contrário do estado liberal, tem muito que fazer; mas ter ou não muito que

fazer não depende dele, mas de quem tem que guardar. O estado não pode

substituir-se à economia. O estado deve, apenas, manter em funcionamento e

fazer executar a ordem econômica, não deve configurar heteronomamente a

economia, substituindo a sua dinâmica interna por uma imposta de fora.

No seu conjunto, a teoria neoliberal, como doutrina, choca-se com

dificuldades que não resultam apenas de aparente contradição lógica de

pretender restabelecer a liberdade por meio da coação, mas também de uma

contradição radicada na própria da realidade econômica. Efetivamente, no que

respeita à defesa da concorrência, a legislação relativa às posições

monopolistas ou acordos tendentes a cria-las vai dirigir-se às empresas que,

geralmente, pela sua dimensão e pelo seu poder econômico, não só estão

colocadas para realizar os objetivos que à ordem econômica são confiados

pela doutrina eficiência na produção. Contradição esta que demarca os estritos

limites da eficacia e do campo de acção dos ‘códigos da concorrência’.114

Qualquer procedimento objetivando eliminação total ou parcial da concorrência, de logo

é visto como caráter ilícito, apresenta-se como abuso do poder econômico. Muitas vezes a

eliminação da concorrência se dá por força de uma maior eficiência, de uma maior

agressividade mercadológica, que no fundo são elementos visíveis ou invisíveis, vociferante ou

silencioso, mas não deveriam ser considerados como valores do sistema capitalista.

A depender das estruturas e circunstâncias muitas vezes não são apenáveis pela lei. Não

cabem, portanto, medidas sancionadoras, embora possa a hipótese comportar medidas de apoio

e de estímulo por parte do Estado, para que se restaurem situações de concorrência, ainda que

relativa. Há uma interpretação desenvolvida pelos especialistas entendendo como razoável, que

114 MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do capitalismo. Coimbra – Centelha, 1978, pp. 109-111.

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o aumento dos lucros, vistos na linguagem mercantil como aumento da lucratividade, em tese,

não é condenável, quando o aumento do lucro exprime o êxito do empresário e não quando

exercitado arbitrariamente, resulte de uma situação sobre a qual o detentor do meio de produção

possua uma situação de força, ou decorra de uma decisão empresarial, aproveitando-se de uma

situação objetiva de mercado distorcida, ou que não corresponda a uma queda nas vendas do

outro empreendedor.

Da mesma maneira na hipótese, quando o empreendedor enceta tecnologia e ou métodos

de produção e vendas reduzindo custos, concomitantemente aumenta a comercialização dos

bens ou serviços gerando maior rentabilidade.

Nas situações de monopólio, sendo o único fornecedor, as leis de mercado deixam de

operar, e o aumento de preços torna-se impositivo por falta de alternativas. É verdade que todo

monopólio apresenta limites. Além de certo ponto o aumento de preços não redunda em

acréscimo de lucratividade. Pode acontecer uma queda na venda do produto, e o consumidor

poderá preferir não o adquirir ou procurar algum sucedâneo. Mas dentro de certos limites a

situação monopolística de mercado leva sem dúvida a um aumento da lucratividade sem um

desejável aumento da produção, podendo ser identificada a figura da imposição de preços

excessivos, ou do seu aumento injustificado.

Expressa Ferreira Filho:

Numa visão objetiva, o lucro, quando resulta em última instância da lei da

oferta e da procura, é legitimo, ainda que elevado.

Mas quando provém da eliminação da concorrência, seja através do domínio

de mercado, seja através de outro recurso qualquer, torna-se arbitrário, porque

resulta de uma determinação subjetiva de que está numa posição privilegiada.

Na verdade, a busca de eliminação da concorrência, a luta pelo domínio do

mercado, visa normalmente a permitir o aumento arbitrário dos lucros.

Eliminada a concorrência, monopolizado um determinado mercado, uma

empresa, produtora de bem necessário ou útil para a coletividade, pode fixar

arbitrariamente o preço do mesmo e assim obter um lucro que somente tem

por limite a capacidade econômica do povo e o alcance da própria cupidez.

É, entretanto – sublinhe-se -, extremamente difícil determinar qual é o lucro

legitimo e qual é o excessivo. A distinção entre um e outro sempre importa o

risco de se cair no arbitrário.

A limitação dos aumentos de preços que há de refletir-se na limitação dos

lucros é, todavia, um anseio sincero não só da classe trabalhadora, como

também da classe média, e assim é perfeitamente explicável porque a

Constituição o consagra115.

115 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo. Saraiva.

Vol. 4, p. 13.

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A Carta Magna estabelece em seu artigo 174, que, como agente normativo e regulador da

atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo

e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Este dispositivo constitucional fornece elementos definidores da atuação do Estado na ordem

econômica, em harmonia com princípios adotados na Constituição Federal.

A Constituição determina o papel do Estado na economia que será o agente normativo e

regulador, através do exercício de três funções, como: a) fiscalização que trata do exercício do

poder de polícia, da verificação do cumprimento das normas pelos agentes econômicos; b)

incentivo que foca o estimulo, o fomento a determinadas atividades, através da concessão de

benefícios fiscais, isenções tributárias e outros; c) planejamento construindo um conjunto de

normas e medidas governamentais que apontam para a organização e utilização dos fatores de

produção. Enfatiza Bastos116 que:

A atuação do estado na atividade econômica prevista no artigo 174 da Lei

Maior não tem um caráter coercitivo, uma vez que o próprio dispositivo deixa

claro que o planejamento será determinante para o setor público e indicativo

para o setor privado. Daí se depreende que a favor da economia de mercado

figuram todas as normas e princípios elencados no Texto Maior, quais sejam,

a livre concorrência, a livre iniciativa [...] É imprescindível dizer também que

a atuação estatal prevista no dispositivo sob comento não se confunde com o

Estado protagonizado da atividade econômica disposto no caput do artigo 173,

onde o ente estatal assume para si a exploração direta da atividade econômica.

Aqui não se trata de intervenção estatal pura, mas sim de uma atuação do

Estado na seara econômica. A intervenção direta do Estado através da

exploração das atividades econômicas restringe-se às hipóteses previstas no

artigo 173, caput, e nos monopólios descritos no artigo 177.

Numa economia de mercado pura, é o próprio mercado que regula a atividade

econômica, sem que haja qualquer intervenção por parte do Estado. Nesse

sentido, de uma economia totalmente livre de uma sorte de intervenção,

nenhum Estado se submeteria a esse modelo. Não existe o Estado de mercado

puro, porque alguns pontos do sistema econômico são sempre retidos nas

mãos do Estado, entre os quais a própria utilização de seu orçamento, a

emissão de moeda, etc. Nos momentos de grande demanda, procura ele esfriar o passo da economia, e nos momentos de crise, atua incentivando, instigando

o mercado. É por isso que se tem, no nosso sistema, bem como na maior parte do mundo, o Estado como agente normativo e regulador da ordem econômica.

Todavia, cumpre advertir que, o caráter normativo não pode ser utilizado de

molde a excluir a liberdade econômica. É de boa técnica interpretativa a

integração dos princípios que aparentemente conflitam.

Expõe Ferreira Filho117 que a democracia econômica deve coincidir com a economia

de mercado, e o Estado deve respeitar a liberdade de decisão dos agentes econômicos, que o

116 BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Econômico Brasileiro, Celso Bastos Editor, São Paulo, 2000, p. 225. 117 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito Constitucional Econômico, São Paulo, Saraiva, 1990, p. 37.

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Estado procura proteger o mercado, melhorá-lo e não destruí-lo, ou seja, sua intervenção,

quando ocorrer, é sempre respeitosa da lógica interna da economia de mercado e de empresa.

Ao examinar a tipologia da intervenção, Moncada118 adverte pelo fato de a intervenção

ser um fenômeno historicamente permanente. Segundo o jurista português é possível

estabelecer uma diferença entre intervencionismo, dirigismo e planificação, (sugerindo

conhecer a obra de V. S. Vigorita, L’Iniziativa Economica Privata nel Diritto Pubblico, 1959,

páginas 26 e seguintes), tudo, expressão do mesmo fenômeno genérico da intervenção do

Estado na atividade econômica.

A diferença entre intervencionismo e dirigismo é importante, considerada pelos

juristas e economistas como uma diferença qualitativa, dado que só o dirigismo, característico

do pós-guerra, pressupõe uma atividade coordenada em prol da obtenção de certos fins, ao

contrário do empirismo que caracterizava o intervencionismo.

No quadro das finanças contemporâneas do dirigismo, o Estado pretende obter da sua

atividade financeira fins de ordem socioeconômica e não apenas arrecadar receitas. A diferença

entre dirigismo e a planificação, lecionada com base no texto constitucional italiano de 1946, é

considerada de ordem quantitativa. Afirmam os juristas que a planificação é um dirigismo por

planos, e a diferença reside no grau de racionalização mais apurado que subentende o

documento planificatório.

Mostra Avelãs Nunes119 que a perspectiva clássica-marxista se inicia com os fisiocratas,

passa por Smith e Ricardo, desembarcando em Marx, modernamente renovada por Piero

Sraffa120, que prega:

Desde os fisiocratas que a ciência econômica se interroga acerca da

origem da riqueza e da natureza do excedente e procura explicar como é que

ele se distribui entre as várias classes sociais, em sociedades caracterizadas

pelo conflito social. E cremos que, desde os fisiocratas, se foi construindo a

ideia – que ficou clara com Adam Smith, Ricardo e Marx – segundo a qual as

leis (ou os princípios) que regulam a distribuição do excedente estão

intimamente ligadas às regras (ou princípios) que enquadram o processo

social de produção (ou, na terminologia de Marx, estão intimamente ligadas

à natureza das relações sociais de produção).

A segunda perspectiva pode distinguir-se pelo facto de assentar numa

concepção atomística da sociedade, de não incluir as classes sociais na análise

econômica, de ignorar a conflitualidade social e, com ela, os problemas do

poder (do poder econômico e do poder politico), de fazer das ideias de

118 MONCADA, op. cit. p.p. 44-45. 119 NUNES, Antônio José Avelãs. Uma Introdução à Economia Política. Editora Quartier Latin. São Paulo. Inverno

de 2007, pp. 18-19. 120 Jean-Baptiste Say e de William Nassou Senior; William Stanley Jevons, Carl Menger e Léon Walras, Lionel

Robbins, ed. de 1932.

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equilíbrio dos mercados e de harmonia social o pano de fundo da sua

construção, de se afirmar como ciência pura, como ciência positiva, por

contraposição à economia politica ideológica e doutrinária.

Observa-se a evolução da economia política acerca do trabalho produtivo, e as noções

do capital e desenvolvimento social, vinculados a indústria e comércio, elementos presentes da

dinâmica burguesa121.

121 MARX, Karl, ENGELS, Friederich. Manifesto do Partido Comunista. 2a. ed.; Tradução: José Barata-Moura.

Editorial Avante – Lisboa - 1997.

A história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes.

[Homem] livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo [Leibeigener], burgueses de corporação [Zunftburger] e

oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta

ininterrupta, ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionaria de toda

a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta.

Nas anteriores épocas da história encontramos quase por toda a parte uma articulação completa da sociedade em

diversos estados [ou ordens sociais — Stande], uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga temos

patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média: senhores feudais, vassalos, burgueses de corporação,

oficiais, servos, e ainda por cima, quase em cada uma destas classes, de novo gradações particulares.

A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu as oposições de classes. Apenas

pôs novas classes, novas condições de opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas.

A nossa época, a época da burguesia, distingue-se, contudo, por ter simplificado as oposições de classes. A

sociedade toda cinde-se, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes que

diretamente se enfrentam: burguesia e proletariado.

Dos servos da Idade Média saíram os Pfahlburger - das primeiras cidades; desta Pfahlburgerschaft desenvolveram-

se os primeiros elementos da burguesia [Bourgeoisie].

Os descobrimentos da América, a circum-navegação de África, criaram um novo terreno para a burguesia

ascendente. O mercado das Índias orientais e da China, a colonização da América, o intercambio [Austausch] com

as colônias, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias em geral deram ao comercio, à navegação, à

indústria, um surto nunca até então conhecido, e, com ele, um rápido desenvolvimento ao elemento revolucionário

na sociedade feudal em desmoronamento.

O modo de funcionamento até aí feudal ou corporativo da indústria ja não chegava para a procura que crescia com

novos mercados. Substituiu-a a manufatura. Os mestres de corporação foram desalojados pelo estado médio

[Mittelstand] industrial; a divisão do trabalho entre as diversas corporações [Korporationen] desapareceu ante a

divisão do trabalho na própria oficina singular.

Mas os mercados continuavam a crescer, a procura continuava a subir. Também a manufatura ja não chegava mais.

Então o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. Para o lugar da manufatura entrou a grande

indústria moderna; para o lugar do estado médio industrial entraram os milionários industriais, os chefes de

exércitos industriais inteiros, os burgueses modernos.

A grande indústria estabeleceu o mercado mundial que o descobrimento da América preparara. O mercado mundial

deu ao comercio, à navegação, as comunicações por terra, um desenvolvimento imensurável. Este, por sua vez,

reagiu sobre a extensão da indústria, e na mesma medida em que a indústria, o comercio, a navegação, os caminhos-

de-ferro se estenderam, desenvolveu-se a burguesia, multiplicou os seus capitais, empurrou todas as classes

transmitidas da Idade Média para segundo plano.

Vemos, pois, como a burguesia moderna é ela própria o produto de um longo curso de desenvolvimento, de uma

serie de revolucionamentos no modo de produção e de intercambio [Verkehr].

Cada um destes estádios de desenvolvimento da burguesia foi acompanhado de um correspondente progresso

político. Estado [ou ordem social — Stand] oprimido sob a dominação dos senhores feudais, associação armada e

auto administrada na comuna, aqui cidade-república independente, além terceiro-estado na monarquia sujeito a

impostos, depois ao tempo da manufatura contrapeso contra a nobreza na monarquia de estados [ou ordens sociais

— standisch] ou na absoluta, base principal das grandes monarquias em geral — ela conquistou por fim, desde o

estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, a dominação politica exclusiva no moderno Estado

representativo. O moderno poder de Estado é apenas uma comissão que administra os negócios comunitários de

toda a classe burguesa. A burguesia desempenhou na história um papel altamente revolucionário.

A burguesia, la onde chegou à dominação, destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Rasgou sem

misericórdia todos os variegados laços feudais que prendiam o homem aos seus superiores naturais e não deixou

outro laço entre homem e homem que não o do interesse nu, o do insensível «pagamento a pronto». Afogou o

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A interpretação dada por Paiva122, ao relacionar pensamentos de Ricardo a Marx, (parte

4.3.1), e, ao abordar a posição lógico-histórica do intercâmbio mercantil, sugere:

Desde logo, é preciso que se entenda que, quando se redefine a discussão de

Aristóteles como uma discussão em torno das condições necessárias à

consolidação das trocas, ela é deslocada do plano ético-filosófico stritu sensu

(assim como a de Marx, que lhe é indissociável, desloca-se do plano

estritamente econômico), para tomar a forma de uma reflexão histórico-

antropológica. A forma que, aliás, mui justamente lhe atribui Karl Polany, em

seu memorável ensaio intitulado Aristoteles Descobre a Economia. Após

afirmar que “[...] o enfoque aristotélico aos problemas humanos era

sociológico”, Polany diz: “Isto deveria acabar com a crença de que Aristóteles

oferecia em sua Ética uma teoria dos preços.” [...].

Segundo Paiva, o intercâmbio visto por Aristóteles, tinha raízes nas necessidades da

família ampliada, cujos membros originalmente usavam em comum bens de propriedade

comum. Quando seu número cresceu e se viram obrigados a se estabelecerem separadamente,

começaram a carecer de algumas das coisas que anteriormente haviam utilizado em comum e,

por conseguinte, se viram obrigados a adquirir bens uns dos outros. Em pouco tempo, a

reciprocidade na distribuição se conseguia mediante atos de troca. Os termos de intercâmbio

deviam ser tais que mantivessem a coesão da comunidade, para atender o princípio regulador

constituído pelos interesses da comunidade, não pelos do individuo. Os bens e serviços

produzidos pela habilidade de pessoas de classificação distinta deviam ser intercambiados

frêmito sagrado da exaltação pia, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia pequeno-burguesa, na água gelada

do cálculo egoísta. Resolveu a dignidade pessoal no valor de troca, e no lugar das inúmeras liberdades bem

adquiridas e certificadas pôs a liberdade única, sem escrúpulos, de comércio. Numa palavra, no lugar da exploração

encoberta com ilusões políticas e religiosas, pôs a exploração seca, direta, despudorada, aberta.

A burguesia despiu da sua aparência sagrada todas as atividades até aqui veneráveis e consideradas com pia

reverencia. Transformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados

pagos por ela. A burguesia arrancou à relação familiar o seu comovente véu sentimental e reduziu-a a uma pura

relação de dinheiro. A burguesia pôs a descoberto como a brutal exteriorização de força, que a reação tanto admira

na Idade Média, tinha na mais indolente mandriice o seu complemento adequado. Foi ela quem primeiro

demonstrou o que a atividade dos homens pode conseguir. Realizou maravilhas completamente diferentes das

pirâmides egípcias, dos aquedutos romanos e das catedrais góticas, levou a cabo expedições completamente

diferentes das antigas migrações de povos e das cruzadas.

A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as

relações de produção, portanto as relações sociais todas. A conservação inalterada do antigo modo de produção

era, pelo contrário, a condição primeira de existência de todas as anteriores classes industriais. O permanente

revolucionamento da produção, o ininterrupto abalo de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento

eternos distinguem a época da burguesia de todas as outras. Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu

cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes de

poderem ossificar. Tudo o que era dos estados [ou ordens sociais — standisch] e estável se volatiliza, tudo o que

era sagrado é dessagrado, e os homens são por fim obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na

vida, as suas ligações reciprocas

https://www.pcp.pt/sites/default/files/documentos/1997_manifesto_partido_comunista_editorial_avante.pdf -

acesso: 15/05/2018. 122 PAIVA, Carlos Águedo Nagel. Valor, preços e distribuição: de Ricardo a Marx, de Marx a nós. Porto Alegre.

FEE, 2008 – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia - Fundação de Economia e Estatística

Siegfried Emanuel Heuser - (Teses FEE, n. 9), pp. 173-175.

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segundo uma equivalência proporcionada por esta distinção: os serviços do mestre-de-obras

valiam várias vezes os do sapateiro. Se isto não se cumpria, infringia-se a reciprocidade, e a

comunidade corria o perigo de dissolver-se123.

Segundo Amartya Sen, a economia teve duas origens muito diferentes, ambas

relacionadas com a política, mas de maneiras diferentes, ligadas respectivamente à ética, e por

outro lado aquilo a que se pode chamar de “engenharia”124.

A evolução de economias condicionadas a economias autônomas, como uma questão

de grau, moldando pensamentos de sobre a evolução da civilização humana, cujos

desdobramentos levam as concepções que se entrelaçam com a riqueza.

1.1.6 Alusão à riqueza

A distribuição da riqueza é uma das questões mais vivas e polêmicas que não perde

atualidade. São coisas em geral, bens externos que o homem identifica utilidade, e tem

dificuldade para adquiri-los. Face essas dificuldades Limongi125 entendeu que “riqueza é o

conjunto das coisas úteis, limitadas e materiais”, devendo-se decantar os serviços imateriais

como os decorrentes da inteligência do homem que não são propriamente riquezas, mas sim

causas de riquezas.

Gastaldi classifica riqueza como sinônimo de utilidades ou bens, gratuitos ou onerosos,

materiais ou imateriais. Havendo a riqueza efetiva ou absoluta, observando-se a quantidade da

utilidade usufruída pelo individuo ou pela nação. E a riqueza relativa, como a soma ou

quantidade dos valores materiais que possuem constitui a riqueza de um individuo, valores

possuídos.

Para Adam Smith a riqueza está na utilidade. Ao longo da vida os bens, as utilidades e

a riqueza estão presentes nas relações sociais, levando Piketty126 formular a questão abaixo:

Mas o que de fato sabemos sobre a sua evolução no longo prazo? Será que a

dinâmica de acumulação do capital privado conduz de modo inevitável a uma

concentração cada vez maior da riqueza e do poder em poucas mãos, como

123 POLANY, op. cit., 1976 - p. 134. 124 SEN, Amartya. Sobre Ética e Economia. Civilização Brasileira, 8a. ed. Almedina, 1017, p. 21. 125 LIMONGI-FRANÇA, Ana Cristina. Qualidade de vida no trabalho: conceitos e práticas nas empresas da

sociedade pós-industrial. São Paulo, Atlas, 2003. 126 PIKETTY, Thomas. O Capital no século XXI. Tradução de Monica Baugartende Bolle. Editora Intrinseca

Ltda., Rio de Janeiro, 2014, p. 9.

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acreditava Marx no século XIX? Ou será que as forças equilibradoras do

crescimento, da concorrência e do progresso tecnológico levam

espontaneamente a uma redução da desigualdade e a uma organização

harmoniosa das classes nas fases avançadas do desenvolvimento, como

pensava Simon Kuznets no século XX? O que realmente sabemos sobre a

evolução da distribuição da renda e do patrimônio desde o século XVIII, e

quais lições podemos tirar disso para o século XXI? [...]

Piketty mostra alguns aspectos históricos:

Quando a economia política clássica nasceu, no Reino Unido e na

França, ao final do século XVIII e início do XIX, a questão da distribuição já

se encontrava no centro de todas as análises. Estava claro que as

transformações radicais entraram em curso, propelidas pelo crescimento

demográfico sustentado – inédito até então – e pelo início do êxodo rural e da

Revolução Industrial. [...]

Quais seriam as consequências dessas mudanças para a distribuição

da riqueza, a estrutura social e o equilíbrio político das sociedades europeias?

Talvez, aí aparece o entendimento de Malthus, mostrando preocupação com a

superpopulação e a escassez das fontes.

O cuidado de David Ricardo, em ‘Princípios de economia política e tributação’, em

1817, com a evolução no logo prazo do preço da terra e a sua remuneração, e o exame de acordo

com a lei da oferta e da demanda, o preço do bem escasso deveria subir de modo contínuo, bem

como os aluguéis pagos aos proprietários. No limite, os donos da terra receberiam uma parte

cada vez mais significativa da renda nacional, e o restante da população, uma parte cada vez

mais reduzida, destruindo o equilíbrio social.

A titulo de ilustração, traz alguns dados que fazem alusão ao conjunto de ativos não

humanos que podem ser adquiridos, vendidos e comprados em algum mercado, como o

conjunto formado pelo capital imobiliário (imóveis, casas), utilizado para moradia, e pelo

capital financeiro e profissional (edifícios e infraestrutura, equipamentos, máquinas, patentes

etc.), usado pelas empresas e pela administração pública em constante atividade lançados no

rol de bens abraçados pelo mercado. Para Piketty há inúmeras razões para excluir o capital

humano na definição que adotou de capital, e que seria a mais obvia, é que não pode pertencer

a outra pessoa, tampouco pode ser comprado e vendido. Com exceção, é claro, o que aconteceu

no regime imoral de escravidão.

O capital não humano, mencionado por Piketty, inclui todo tipo de riqueza que,

pressupõe poder ser transmitida, comprada ou vendida, de modo permanente, em algum

mercado. Na prática, o capital pode pertencer a pessoas naturais (físicas) e jurídicas privadas

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ou ao Estado, sob gestão das administrações públicas com lastro no capital público. Existem,

também, as formas intermediárias de propriedade coletiva por parte de instituições (“pessoas

morais”) com objetivos específicos (como fundações, igrejas etc). E o capital não é um conceito

imutável: ele reflete o estado de desenvolvimento e as relações sociais que regem uma

sociedade.

Simplificando Piketty usa as palavras capital, riqueza e patrimônio de forma

intercambiável, como se fossem sinônimos perfeitos. Segundo algumas definições, entende que

deveria haver reserva no uso da palavra “capital” para designar o estoque de riqueza acumulado

pelo homem (edificações, máquinas, equipamentos etc.), excluindo a terra e os recursos

naturais, que a espécie humana herdou diretamente, sem ter de acumulá-los. Desse modo terra

seria um componente da riqueza, do patrimônio, e não do capital. Essa irradiação destaca a

existência de instituições de outras categorias que são importantes no seio da sociedade

contemporânea, interagindo como seguros contra acidentes, incêndios, e outros, cujos

indivíduos confiam e estabelecem relações no anseio de proteger suas formas de riqueza, com

amparo em leis que visam dar liquidez a esse patrimônio.

Pode-se dizer que essas configurações, pouco ou quase nada tem a ver com as

sociedades anônimas propriamente ditas, contudo, o que se constata ao examinar a sua

engrenagem, nesse bojo de interesses e negócios, ficam sob a regência dos gestores do Estado

e dos administradores das companhias privadas e públicas, as riquezas que detêm, extraindo

valores, como atribuído à vida e ao desenvolvimento das atividades mercantis, encetando

soluções empresariais e de consumo, num ciclo constante, a fim de exercitar a continuidade,

com o objetivo de nunca interromper essa cadeia de interesses.

A existência da riqueza, sem dúvida, aumenta a capacidade e o raio de ação do Estado,

e, ou quando este se arvora como administrador da distribuição da riqueza, em parte como

distribuidor direto de certos produtos, em certas áreas de maior importância que lege e atenderia

uma função social, muitas vezes desvia desse objetivo, ou distorce o viés. Assim percorre

caminho desnaturado para a sociedade empresária estatal.

A produção é destinada ao uso, e nem sempre visa o lucro, uma vez que muitas podem

ser os objetos da atividade dedicada à educação, à pesquisa para o desenvolvimento cientifico,

nas artes e em uma grande variedade de serviços que vão de estradas à moradias para a

população de baixa renda, sem retorno de lucro, ao denominado “custo zero”, a recreação via

produções não lucrativas, e muitos outros exemplos. A saúde também está enfeixada na

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produção, e cada vez mais claro que essas funções não são comerciais, como não são muitas

outras coisas consideradas essenciais à vida humana, à fim de proporcionar a necessária

estabilidade e crescimento da sociedade, que estão sob gestão e responsabilidade do Estado,

como se apresenta a sociedade de economia mista ou empresa estatal127.

O complexo mercado de capitais, contribui no que simplesmente se alcunha de compra

e venda de papéis, para a manutenção desse negócio avalia-se a liquidez da companha, a sua

própria higidez e perante o próprio mercado, para com todos acionistas e terceiros que se

interessam e desejam envolver-se na comercialização e ou conversão das ações em dinheiro.

A Revolução Industrial instalou-se a fábrica como forma de produção. A revolução da

sociedade anônima instituiu novos conceitos, criando um novo quadro de relações econômicas,

com a prevalência do princípio da responsabilidade governamental, agitando pensamentos

filosóficos na economia de mercado, provocando preocupação quanto a busca de

desenvolvimento. Esses fatos estimulam, encorajam o governante a criar novos

empreendimentos e metas, que por sua vez exigem novos empregos diante de uma necessidade

técnica, econômica e social reconhecida, dependente da exigência de uma base comercial.

É possível, como afirma Walt Rostow, que a população simplesmente fique entediada,

e caso aconteça, será porque a estética, as artes, o esforço de entender, usar e desfrutar as

maravilhosas possibilidades abertas pela ciência, e a busca sem fim de significado, terão ficado

tragicamente para trás em relação ao progresso econômico. Não é impossível que o professor,

o artista, o poeta e o filósofo regulem a marcha da humanidade e da próxima era128.

A verdadeira revolução de nosso tempo ainda é pouco percebida. Compreender as

particularidades econômicos encravadas na sociedade pelo Estado, exige uma constante

observação dos interesses da sociedade envolvida na produção, no consumo de bens com

interação com o mercado. Obviamente é uma árdua tarefa vigiar a visualização desses

elementos e aspectos. Os dados históricos imiscuídos no mercado, penetram na ordem

127 Um dos efeitos do sistema que acondiciona a sociedade tem sido o estabelecimento de um sistema paralelo de

circulação da “propriedade-riqueza”, onde a riqueza flui de um proprietario de riqueza a outro. Obviamente que a

riqueza não pode ser explicada pelas antigas máximas econômicas financeiras, apesar dos argumentos apaixonados

e sentimentos de economistas neoclássicos que gostariam que acreditasse que o antigo sistema não se modificou,

tanto assim que se torna importante compreender a analise que se faz a respeito da figura do comprador de ações,

apesar de algumas interpretações de que o adquirente de ações não contribui com suas economias para uma

empresa, não possibilitando assim que esta aumente suas instalações ou suas operações, não assume “riscos”,

destacando inclusive quando se trata investimentos de grande porte em alguma operação nova, simplesmente

porque estaria a uma prática especulativa, na avaliação e da possibilidade do aumento do valor dessas ações no

mercado de capitais. O considerado famigerado rentista. 128 RIBEIRO, Flávio Diniz. Walt Whitman Rostow e a problemática do desenvolvimento: Ideologia, Politica e

Ciência na Guerra Fria. Tese doutorado USP, São Paulo, 2007/2008.

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econômica, possibilitando gerar conflitos com os esteios da Constituição, com os agentes de

comunicação e condução político, social e jurídica da nação, principalmente quando há

discutível intervenção estatal na ordem econômica.

1.2 O Estado e o exercício da atividade empresarial

Apresenta-se o Estado envolvido pelo povo e pelo mercado, fomentando uma constante

transformação do quanto existente, a modelar pela vontade do homem ou pelo interesse da

coletividade organizada visando atender certas necessidades, como sugere Cobos129, porque o

homem é um sujeito de necessidades.

Para Brito130:

Isso significa que as pessoas possuem carências e, por isso, estão

constantemente em desempenho para satisfazê-las.

O estudo do princípio da satisfação das necessidades comporta considerações

sobre o êxito desse desempenho, porque são numerosas e variadas e não

podem ser atendidas em um único momento. Para mais, a aquisição dos bens

econômicos na sociedade de hoje depende de renda monetária disponível, para

cada individuo e para a sociedade, em conjunto, depende da capacidade de

bens que esta possa produzir, valendo ressaltar que esta quantidade decorre de

vários fatores, como o trabalho dos indivíduos, os recursos disponíveis, os

métodos de produção, todos eles condicionados aos padrões culturais de cada

grupo humano.

Nesse compasso, colhe-se a afirmação de que o Estado, quando efetivamente

estruturado procura colocar-se, como aconteceu em diversas fases históricas, e à medida que

podia introduzir esteios conforme os seus interesses, e numa medida para atender os anseios da

sociedade, desenvolve ações na formatação das atividades econômicas ao longo do tempo,

demonstrando a sua importância na ordem econômica e na sociedade organizada, com maior

intensidade em períodos de crise.

Depreende-se que o Estado maneja e assume, e até pode reconhecer que se encarregou

de muitas obrigações. A história revela, em geral, o Estado como provedor do interesse geral.

Esse interesse de provedor encaixa-se numa ordem política-institucional, ou na ordem

129 COBOS, J. A. de Cienfuegos. Curso de economia politica. Madrid. Reus, 1945, p. 116. 130 BRITO, Edvaldo. Reflexões jurídicas da atuação do Estado no domínio econômico. 2a ed. – São Paulo,

Saraiva, 2016, p. 15.

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econômica, agindo espontaneamente ou não, atuando também como empresário numa ordem

econômica que o agasalha sob os auspícios da lei.

A história revela dados que permeiam situações em que o Estado usa do seu poder para

intervir na ordem econômica131.

Salienta Caio Tácito132 que a empresa constituída pelo Estado visava fins econômicos,

como aconteceu com as companhias holandesas e portuguesas nesses períodos, corporificando

investimentos da Coroa destinados a alcançar conquistas dos mares e terras desconhecidas,

obtendo novas fontes de suprimentos para o mercado europeu mediante intercâmbio e

importação de mercadorias.

A doutrina desenvolvida por Adam Smith133 prega que o mercado se regularia

naturalmente pelas leis da oferta e da procura, conhecido como a “mão invisível”, designando

papel ao Estado na ordem econômica para assegurar total liberdade de mercado.

Comenta Fonseca134 que os princípios liberais do século XVII estavam apoiados pelas

doutrinas jusnaturalistas. Naquele período, a teoria mercantilista suplantada pela ideia do

liberalismo econômico, assentada nos princípios do liberalismo filosófico e político, exaltava

princípios de liberdade, da valorização do indivíduo, da revolta contra os privilégios e contra o

poder absoluto dos reis. O liberalismo assume variadas formas, mas o que sucedeu ao

mercantilismo caracterizou-se pela defesa do desenvolvimento econômico de conformidade

com as leis naturais do mercado, sem os grilhões anteriormente postos pelo Estado. Com o

liberalismo econômico desaparece a participação da ação estatal na ordem econômica sob a

forma fiscalizadora, reguladora, exercitando uma modelagem participativa empresarial.

No início do século XX constatou-se que a plena liberdade de comércio, com a livre

regulamentação da economia por meio da “mão invisível” defendida pelos economistas liberais

dos séculos XVII e XVIII, não podia mais prosperar. Recapitula Venâncio Filho135 que durante

o transcorrer do século XIX, importantes transformações econômicas e sociais alteraram

profundamente o quadro com esse pensamento político-jurídico.

131 OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. O Estado empresário. O fim de uma era. Revista Informação

Legislativa. www2.senado.leg.br, 15/8/2016. 132 TÁCITO, Caio. Regime Jurídico da Empresas Estatais. Revista de Direito Administrativo, n. 195. 133 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações – Biografia por P.J. O Rourke. http://lelivros.top/book/a-riqueza-das-

nacoes-de-adam-smith-p-j-orourke/ . 134 FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito Econômico. 7a. ed., Forense. 2014. 135 VENANCIO FILHO, Alberto. Intervenção do Estado no domínio econômico. Rio de Janeiro - Fundação

Getúlio Vargas, 1968.

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As implicações cada vez mais intensas das descobertas científicas e suas implicações,

processadas com celeridade a partir da Revolução Industrial fazem aparecer gigantescas

empresas fabris, trazendo em consequência a formação de grandes aglomerados urbanos,

provocando mudanças profundas na vida social e política dos países, acarretando alterações

acentuadas nas relações sociais, exigindo paulatinamente que o Estado abarcasse um maior

número de atribuições, intervindo assiduamente a vida econômica e social das nações

detentoras desses perfis econômicos.

Leopoldino da Fonseca136 salienta que:

[...] o fenômeno da concentração empresarial foi, segundo Farjat, o elemento

decisivo para o surgimento do Direito Econômico, pois que, a partir de então,

surgiu a necessidade de o Estado intervir (através de normas) no mercado, não

para impedir a concentração de empresas, como falsamente se entende, mas

para garantir efetivamente a liberdade de mercado, com a proteção das classes

que poderiam vir a ser desfavorecidas com a nova feição das empresas.

Nesse sentido defendia-se a intervenção do Estado na economia, de modo a superar a

crise vivenciada àquela época pelo capitalismo, passando o Poder Público a regular as políticas

econômicas a serem desenvolvidas na sociedade, mostrando que a postura do Estado deveria

exercer uma influência orientadora.

Acerca da intervenção do Estado, Grau diz que no século XX:

[...] deixa o Estado, desde então, de intervir na ordem social

exclusivamente como produtor do direito e provedor de segurança, passando

a desenvolver novas formas de atuação, para o que faz uso do direito positivo

como instrumento de sua implementação de políticas públicas – não atua

apenas como terceiro-árbitro, mas também como terceiro-ordenador.

Pelo entendimento de Grau, a intervenção estatal na economia não se limitou apenas na

regulamentação da ordem econômica, mas também na participação estatal em setores de

prestação de serviços e produção de bens, até então próprios da iniciativa privada. O Estado

passa a agir como empreendedor, tornando-se um verdadeiro empresário (Estado-empresário).

No período “pós-guerra” a ação empresarial estatal cresceu por quase todo mundo,

surgindo muitas críticas, que Grau elenca em três modalidades de intervenção: a) intervenção

por absorção ou participação; b) intervenção por direção, c) intervenção por indução.

O sentido precípuo da liberdade de contratar é de viabilizar a realização dos efeitos e

virtualidades da propriedade individual dos bens de produção, e esse entendimento da liberdade

136 Leopoldino da Fonseca, João Bosco. Direito Econômico/João Bosco Leopoldino da Fonseca. 7. ed. rev. e

atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

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de contratar é instrumental do princípio de propriedade privada dos bens de produção. Daí

porque a atuação do Estado sobre o domínio econômico tem impacto de modo extremamente

sensível sobre o regime jurídico dos contratos137 dada a sua configuração, como instituto

fundamental na economia de mercado, conformando muitas relações contratuais no exercício

da própria atividade econômica, numa constante transformação das práticas e também na

economia de mercado administrado, ordenado ou organizado, através de instrumentos

dinâmicos voltados para alcançar não apenas os fins almejados pelas partes, mas, também, para

se coadunar com aos ditames do Estado dentro de uma ordem econômica138.

Advertem os especialistas para o excesso de liberdade, quando há possibilidade de

movimentação para uma decomposição da liberdade de contratar, chagando os interessados a

optar por a uma abstenção de contratar, ocorrendo, em consequência, certas limitações.

A título de exemplificação, confere-se os contratos de transferência de tecnologia e

análogos, em especial os celebrados com empresas do exterior, que influem periodicamente nos

mercados domésticos e internacionais, com novas práticas e inovadora tecnologia que passam

a se tornar necessárias para as relações de comércio interno e externo.

Essas contratações, com os seus instrumentos adicionais, vem invadindo e servindo de

paradigma para vários tipos de pactos mercantis, criando novas técnicas que envolvem desde

os contratos de loteamento, de seguro, nas convenções condominiais, redimensionando

inúmeras fórmulas então existentes em modelos contratuais que interferem nos agentes

econômicos, e por consequência, geram ação ou reações nos mercados e seus respectivos atores.

Exemplo marcante foi o acontecido, quando da fixação de preços pelo Estado impondo

obrigação para o agente econômico, para praticar em um limite fixado, produzindo sequelas no

âmbito dos dois ramos do direito, no público, no Estado, de ver cumprida sua determinação,

tendo em vista a satisfação do interesse social; o no privado, da parte adversa contratante, de

ver satisfeito o seu interesse, pessoal, em não pagar mais do que definido pelo texto normativo.

A ordenação da atividade econômica supõe, no âmbito contratual, a definição de normas

que alcançam níveis de limitação para os agentes econômicos encetar comportamentos a serem

assumidos perante a Administração, e comportamentos admitidos pelos demais agentes

econômicos no mercado dos negócios privados.

Deve-se ficar atento, não apenas com relação as normas que se conformam, se

137 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13a. ed., Malheiros, 2008, p.p. 91-94. 138 René Savatier.

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condicionam e se direcionam para o exercício da atividade econômica pelos seus agentes

perante na relação com o agente econômico estatal, como também tem efeito com relação as

pessoas que criam direitos e obrigações perante os que agem no âmbito privado, nas relações

contratuais dos agentes econômicos entre si139.

Em situações de crise, muitas vezes é o anseio popular que leva o Estado a estabelecer a

fixação de preços, o controle dos juros, e muitos outros limites provindas, em geral, das

reclamações que os governados expressam, sentem necessidade, que sejam monitoradas, como

isso fosse suficiente para resolver a crise existente. Na realidade, muitas vezes, não são capazes

de solucionar o quanto aflige a sociedade, de cujas medidas criadas para superar a crise, mesmo

acolhida pelo agente estatal, não debelou a crise, senão, a depender das circunstâncias, agrava-

la.

De outra parte, enquanto a liberdade estimula uma contratação livre, sem as peias do

Estado, muitas vezes uma parte leva a um resultado mais favorável a utilizar certos caminhos

presumivelmente com a essência da liberdade. Em outras oportunidades, quando livre em

demasia impede a justa contratação, exaspera-se a submissão a uma determinada vontade,

estraçalhando uma justa, leal, espontânea vinculação contratual.

O princípio em questão torna-se então sujeito a limitações, que Larenz140 classifica em

limitações imanentes ao próprio instituto contratual, e limitações derivadas de princípios de

economia dirigida. Entre as primeiras estão as obrigações de contratar dos concessionários de

serviços públicos e a obrigação de fazê-lo quando a recusa contraria os bons costumes141.

Quanto às segundas, surgem no clima de ordenação dos mercados e se distinguem daquelas

imanentes ao princípio da liberdade contratual.

A classificação de Larenz apresenta a virtude de distinguir hipóteses em que a obrigação

de contratar independe de definição legal – limitações imanentes – e em que o dever de o fazer

decorre de expressa previsão do Poder Legislativo: limitações não imanentes.

No direito positivo nacional estão presentes inúmeros casos, exemplos de contratação

coativa alinhados em expressas disposições legais, como as de que estão assentadas na Lei nº.

12.529, de 2011142, objetivando a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem

139 CARNELUTTI. 140 LARENZ. Karl. Derecho de Obligaciones. Ed. Revista de Derecho Privado. Madri. 1958, Tomo I, pp. 66 ss. 141 Pietro Barcellona, Intervento Statale e Autonomia Privatta nella Disciplina dei Rapporti Economici, Giufffrè

editore, Milão, 1969, pp. 37 e ss). 142 Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações

contra a ordem econômica. altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de

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econômica, consoante os ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência,

função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder

econômico, em favor da coletividade, que é a titular dos bens jurídicos protegidos por Lei.

Dessas circunstâncias é que leva a atuação estatal ordenadora do processo econômico a se

manifestar de modo incisivo que, por vezes, o Estado interfere na celebração dos contratos, no

próprio exercício de atividade econômica.

Observa Farjat143 que nas diversas situações de contratação coativa restam margens

suficientes ao exercício, pelas partes contratantes, da liberdade de configuração interna dos

contratos. E Moncada144 mostra que nas intervenções globais, setoriais e pontuais ou avulsas:

Quando o Estado adopta normas gerais de fixação de margens de

comercialização ou de encorajamento do investimento global, a intervenção

relaciona-se com a economia no seu conjunto; temos intervenções globais.

Se concede crédito bonificado a dado sector (turismo, exportação, por

exemplo), se adopta medidas de organização e disciplina de determinado

sector da produção, se adopta medidas de desenvolvimento do sector

siderúrgico, por ex., ou da viticultura, temos intervenções setoriais.

Diferentemente, quando estamos perante contratos de viabilização,

perante uma declaração de uma empresa em situação econômica difícil,

quando o Estado determina a intervenção ou desintervenção de uma empresa

ou celebra com ela um contrato-programa, temos intervenções de caráter

avulso, intervenções pontuais, muito embora estas intervenções devam

obedecer a critérios estratégicos gerais de ordem objetiva.

O jurista português adianta, da mesma forma, quando os poderes, intervêm diretamente

na economia quando persiste objetivos diretamente econômicos, tem-se intervenções imediatas;

é o caso das medidas de polícia ou de apoio ou fomento de atividades econômicas, bem como

das intervenções diretas, traduzidas na atuação das empresas.

Tem-se também as intervenções unilaterais e bilaterais, as diretas e as indiretas, bem

como a regulação, possibilitando a postura do Estado para assumir técnicas dinâmicas, de

atuação interventiva sobre o domínio econômico, evidenciando a amplitude dos temas

albergados pelo Direito Econômico. No Brasil observa-se a atuação participativa do Estado na

ordem econômica, envolvendo a atividade empresarial sob os ditames da Constituição de 1988.

O Direito apresenta-se como um sistema de normas, de regras para atender a uma ordem

da conduta humana dentro de determinada realidade, com princípios que norteiam a

outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei

no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. 143 FARJAT, Gerard. Droit Privë de l’Economi. PUF. Paris. 1975. Pp.109-110. 144 MONCADA, op. cit. p. 45.

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concretização da Lei Maior de modo a hierarquizar e vincular o sistema eleito as finalidades

estatais, inclusive a intervenção do Estado na vida econômica e social do país, organizando a

Administração Pública sustentando a manutenção da ordem social e a proteção dos direitos do

povo, por ser a matriz e o padrão de todas as leis145, fortalecendo a dignidade humana como

fundamento do Estado Democrático de Direito, e priorizando a proteção da pessoa.

Oportuno trazer as palavras de Henry David Thoreau contidas em “Desobediência

Civil”: “O melhor governo é o que menos governa”, avivando que a força do Estado, que o bom

governo surgirá quando os homens estiverem preparados para esse tipo de governo. O próprio

governo, para ele, é uma simples forma que o povo escolheu para executar a sua vontade,

mesmo admitindo que estará sujeito a abusos e perversões, antes mesmo que o povo possa agir.

Busca-se a paz, e esta só ocorre quando os governados são minimamente molestados pelos seus

governantes.

No horizonte daquela época Thoreau diz que sempre se deseja ter um governo melhor,

e não aspirar o fim de um governo. Pois, se cada um pode expressar o tipo de governo capaz de

ganhar respeito, espera-se conseguir formá-lo. Mesmo que seja pela vontade da maioria, esse

governo não alcança a justiça, uma vez que essa maioria pode estar traduzida pelo interesse da

conveniência de cada um. Desse modo deve-se ir em busca da consciência, que será o lastro

para instalar uma corporação de homens conscienciosos, formando uma corporação de

consciência, e consequentemente um governo ideal.

Segundo Thoreau o homem nasce nobre demais para ser simplesmente propriedade, e

tampouco serviçal utilizável para ser instrumento do Estado. Deve-se ser em primeiro lugar

homens, depois súditos146. A experiência de Thoreau em sua época reflete da vida dos países

buscando exercitar uma democracia plena.

No curso da história tem-se a forma encontrada após a Segunda Guerra Mundial para

vencer a crise enfrentada pelo capitalismo contando com o auxílio do Estado, intervindo na

ordem econômica. A intervenção estatal no domínio econômico ocorreu basicamente por meio

da regulamentação, planejamento e controle da economia de mercado e da participação direta

na atividade empresarial.

Com o fim da segunda Guerra Mundial, o redesenho do mundo (cuja nova

configuração já estava em elaboração ainda em plena guerra) começa a ganhar

145 LIMA, Ruy Cirne. O Código Civil e o Direito Administrativo. Porto Alegre. Sulina. 1960, p.p. 53-54. 146 THOREAU, Henry David. Desobediência Civil. 1849. ebooks Brasil 2001. http://www.ip.pt/˜234535 –

acesso agosto 2016.

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contornos mais precisos. Desencadeiam-se múltiplas ações em diferentes

campos para levar adiante projetos, particularmente do governo dos Estados

Unidos, visando garantir a hegemonia americana nesse processo. Rostow se

propõe a incluir o seu trabalho no esforço para compreender e intervir no

comportamento político de várias nações no pós-guerra. Explicita que o faz

de acordo com a perspectiva do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

No campo teórico, toma todas as cautelas quanto ao caráter exploratório e

especulativo das suas formulações, mas em relação ao campo político assume

inequivocamente a sua tomada de posição a partir do Departamento de Estado.

Portanto, Rostow faz aí um exercício de método, com o qual constrói um

arcabouço (segundo suas próprias palavras exploratório e especulativo, mas

que continuou sendo por ele citado e não foi revisto posteriormente) de uma

teoria geral da sociedade, que Rostow pretende possa ter um alcance político

bem determinado [...]147.

Os esforços teóricos desenvolvidos por vários idealizadores, à exemplo de Rostow

conduzem ao entendimento marcado pela utilidade prática imediata do conhecimento

produzido para uma política estatal, especialmente a política desenvolvida pelos Estados

Unidos da América como a grande potência hegemônica que se impõe no pós-guerra. Seu

objetivo maior foi a utilidade prática que suas formulações se tornaram importantes projetos do

Estado, detendo o maior poder de decisão.

A participação direta do Estado na ordem econômica, destaca-se com o envolvimento e

a presença do Estado-empresário, realçando que a ação estatal passou a contemplar tanto os

serviços públicos propriamente ditos, como também, principalmente a partir daí os serviços

peculiares da atividade econômica empresarial, agindo e interferindo nos empreendimentos

comerciais e industriais na esfera privada.

No momento que apareceu o “Estado do Bem-Estar Social” (welfare state) ou “Estado

Providência”, o Poder Público passou a desenvolver esse modelo, intervindo e explorando a

atividade econômica com o fito de auxiliar a iniciativa privada em crise. O Estado passou a

executar serviços públicos de natureza comercial ou industrial, além daqueles próprios da

atividade estatal objetivando a promoção do bem-estar.

Com o surgimento do Estado Social houve significativo aumento das atividades em

funções públicas para atender os interesses coletivos, acarretando transformações sociais,

econômicas e culturais.

147 RIBEIRO, Flávio Diniz. Walt Whitman Rostow e a problemática do desenvolvimento: Ideologia, Politica e

Ciência Guerra na Fria. Tese doutorado USP, São Paulo, 2007, p. 105.

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Jorge Miranda enfatiza a relação do Estado neutro com a do Estado ético, do Estado

mínimo ao Estado providência, do Estado polícia ao Estado de bem-estar, do Estado jurídico

ao Estado cultural, e do Estado legislativo ao Estado Administrativo148.

Para intervir em atividades comerciais e industriais típicas da iniciativa privada, o

Estado constituiu empresas públicas com finalidades, aspectos de natureza econômica, política

e social, praticando atos de comércio e indústria ao lado dos particulares, concorrendo com a

iniciativa privada por meio de suas empresas.

O empreendimento econômico sob responsabilidade do Estado, hodiernamente

questionado, estaria sob práticas de concorrência desleal, uma vez que ao se aproximar das

atividades mercantis típicas aufere indevidos vantagens e benefícios quando comparados os

resultados na disputa de mercado entre as empresas públicas e privadas, prevalecendo as

primeiras.

A justificativa dessas análises está assente na visão de muitos críticos sobre o porquê do

crescimento das denominadas “estatais” com atividades administrativas sem medidas,

colocando em risco os interesses dos empreendedores privados perante o mercado, face o

exercício advindo do caráter interventor do Estado.

No Direito Econômico quando o tema é intervenção do Estado, de logo mostra a

presença do Poder Público na economia, por não atender efetivamente as demandas da

coletividade, face a ineficiência da iniciativa privada. E por isso a preocupação que o poder

executivo exagere no acúmulo de controle do mercado149, ampliando o exercício da gestão

através da sociedade de economia mista e em outras empresas e em atividades mercantis

assemelhada.

A respeito Cretella Junior destaca que:

Tem sido, aliás, observado pelo legislador constituinte brasileiro, sem

exceção, o princípio que coloca em primeiro lugar o particular, no tocante a

exploração de atividade econômica, permitida a intervenção do Estado nesta

área quando inoperante ou ineficiente a iniciativa privada, variando, tão-só,

de Constituição para Constituição, os fundamentos invocados para legitimar

a intervenção do Estado no domínio econômico, como ocorreu na vigência da

Constituição de 1934, art. 116 (‘por motivo de interesse público e autorização

em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou

atividade econômica’), na Constituição de 1937, art. 135 (‘a intervenção do

Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da

148 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra, 4a. edição – 1990, T. 1, p.p. 88-89. 149 FINGER, Ana Cláudia. O principio da boa-fé no Direito Administrativo. Tese doutorado: Universidade Federal

do Paraná - Curitiba, 2005, p. 20.

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iniciativa individual’), na Constituição de 1946, art. 146 (‘a União podera,

mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar

determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o interesse

público e por limites os direitos fundamentais nesta Constituição’), na

Constituição de 1967, art. 157, e na EC no 1 de 1969, art. 163 (‘são facultados

a intervenção no domínio econômico e monopólio de determinada indústria

ou atividade, mediante lei federal, quando indispensável por motivo de

segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido

com eficacia no regime de competição de liberdade iniciativa’). E, ainda, em

1969, art. 170: ‘apenas em carater suplementar da iniciativa privada o Estado

organizara e explorara a atividade econômica’ (art. 137, paragrafo único). Em

1988, a colocação é a mesma, justificando-se a exploração direta de atividade

econômica pelo Estado somente quando necessária aos imperativos da

segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em

lei150.

O aludido comentário mostra a ação estatal na atividade econômica presente no curso do

século XX, como uma conduta intervencionista também adotada no Brasil, como relata Orlando

Gomes151 [...] “realmente, em demonstrar que o desenvolvimento econômico de um pais

atrasado precisa contar com o apoio do Estado, por meio de uma politica que se traduza

juridicamente numa legislação adequada”. E acentua que:

No Brasil, o processo de acumulação capitalística, acelerado nos últimos anos,

não ocorreu por força espontânea, mas pela execução de política de estímulo

e de incentivo à produção, levada ao extremo da participação direta do Estado

na atividade empresarial.

No que se refere à realização de atividade econômica empresarial, o Estado brasileiro

criou modalidades de entes que como ordena o art. 5º do Decreto-Lei nº. 200/67: empresa

pública e sociedade de economia mista: quando o capital social é formado pelo Poder Público

e pelo particular, constituídas por meio da modalidade de sociedades anônimas, inclusive

estando submetidas aos imperativos da Lei nº 6.604/76.

Realça-se que o objeto social das empresas públicas e das sociedades de economia mista

sob as disposições do direito privado - § 1º do art. 173 da Constituição de 1988 -, consoante

princípios obrigatórios da Administração Pública, trata os entes integrantes da Administração

Pública Indireta, nos termos do caput do art. 37 da Constituição de 1988, que as paraestatais

em questão, atuam em atividades “monopolizadas” pelo Estado ou, então, nas atividades

denominadas como “necessarias”, isto é, quando exigir a segurança nacional ou interesse

coletivo, previsto no aludido caput.

150 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Forense Universitária. 1998. 151 GOMES, Orlando. Prefácio in Reflexos jurídicos da atuação do Estado no domínio econômico. Autor:

Edvaldo Brito. 2a ed., Saraiva, 2016, p. 11.

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Na exploração das atividades econômicas denominadas “necessárias”, o Poder Público,

legitimado nas situações contempladas no caput do art. 173 da Constituição Federal de 1988,

tem-se a segurança nacional ou interesse coletivo, ao lado dos particulares no desenvolvimento

das atividades para as quais as paraestatais foram criadas.

O Supremo Tribunal Federal decidiu questionamento da legitimidade de o Estado

continuar, após a nova ordem constitucional de 1988, intervindo na atividade econômica, além

das hipóteses autorizativas expressas no caput do art. 173 da Constituição Federal de 1988.

A expressão “ordem econômica” é considerada e utilizada na linguagem jurídica como

termo de conceito de fato, dando sentido experimental de determinada economia concreta, ao

mesmo tempo que estabelece alguma norma regulando uma realidade, encadeando conceito de

ordem econômica constitucional na direção de Constituição Econômica.

Pelo artigo 170 da Constituição de 1988 as relações econômicas ou a atividade econômica

estão estabelecidas na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a fim de assegurar

a todos existência digna, conforme os ditames de justiça social. Daí a observação numa linha

do pensamento liberal proporcionando uma conotação de ordem econômica como sendo

substituída por uma ordem econômica intervencionista.

Nessa caminhada de depuração das relações econômicas que chega para o Estado praticar,

alguns afirmam, compelido a refinar o desempenho das funções pelas quais responde,

proporcionando integração, modernização e legitimação capitalista, levando-o a implementar

políticas públicas, produzindo novas ordens econômicas, preconizados nas Constituições

Econômicas diretivas.

A doutrina portuguesa fomenta entendimento em um conjunto de preceitos e instituições

jurídicas garantidores, definindo um sistema econômico sob determinada forma de organização

e funcionamento, numa determinada ordem econômica, a partir de sua função, formada pelo

ordenamento essencial da atividade econômica, contendo os princípios e as normas essenciais

ordenadoras da economia, dos quais decorrem sistematicamente as restantes normas da ordem

jurídica da economia152, observando-se que há uma com relação a Constituição Econômica

material que:

[...] integra o núcleo essencial de normas jurídicas que regem o sistema

e os princípios básicos das instituições econômicas, quer constem quer não do

texto constitucional: máxime, quer seja ou não dotada da particular

152 FRANCO, Antônio L. Sousa. Noções de Direito da Economia, v. I, Associação Acadêmica da Faculdade de

Direito de Lisboa. Lisboa, 1982/1983, p. 91.

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estabilidade que caracteriza as normas nos textos constitucionais.

[...] compreenderá apenas as normas, tal como acima definidas, que

estejam integradas no texto constitucional e dotadas dos seus requisitos e

características formais: ou outras normais constantes do texto constitucional

formal com incidência econômica, ainda que desprovidas, de per si daquela

particular relevância material.

O fato é que concebido o conjunto de preceitos que institui determinada ordem

econômica, no denominado mundo do ser, ou como conjunto de princípios constituem regras

ordenadoras da economia, mesmo provocando criticas ao entender que o conceito de

Constituição Econômica envolve uma ficção, por preencher normas jurídicas constitucionais,

quer pelo ponto de vista orgânico, quanto de colocação hierárquica.

Adverte Eros Roberto Grau que: “a crise do nosso tempo é, em sua origem, não da

intervenção estatal na e sobre a economia, porém crise do Estado”, pois este não consegue mais

suportar as funções que teve de assumir durante o período de crise enfrentado pelos diversos

setores econômicos, principalmente durante o início e meio do século passado. Daí ter chegado

à conclusão que a figura do Estado foi, de certa forma, totalmente desconfigurada, com ele

absorvendo funções além daquelas que lhe são próprias. A decorrência natural de tal fator, no

geral, levou à baixa eficiência apresentada pelo Poder Público nas áreas onde atua.

Em um novo contexto político, social e econômico debate-se o papel a ser desenvolvido

pelo Estado, se deve ser ou não aquele modelo desenhado para atender o Estado de “Bem-Estar”

ou “Providência”, uma vez que o aludido paradigma teria se revelado ineficiente, incompetente

para competir com a atividade privada, por considerar que os formatos desenvolvidos pelos

particulares atuam em ambiente, que pressupõe de melhor organização e dinâmica.

Verifica-se o questionamento a proposito do papel da ação empresarial pelo ângulo

constitucional a ser desempenhado pelo Estado somente nas atividades consideradas essenciais,

como de segurança nacional ou se limitaria ser praticado para alcançar o interesse coletivo

definido em lei.

A aludida discussão abrangeria chegar a iniciativa privada por meio dos processos

denominados de privatização ou desestatização, considerados como momentos sob influencia

política neoliberal, postulando a interferência na economia em setores que podem ser melhor

executadas por empresas privadas153.

Considerando que o processo de privatização torna-se importante em determinadas fases

153 LANDAU, Elena.

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de reestruturação do Estado, devendo o Poder Público dedicar-se com mais intensidade e afinco

as atividades consideradas essenciais para o interesse da coletividade por ele tutelada, numa

redefinição das finalidades estatais, por isso que argumentam alguns juristas haver uma fuga

para o direito privado, por ser um caminho alicerçado, decorrente do processo de

mundialização, a globalização da economia, como uma espécie de libertação das vinculações

jurídico-públicas, não obstante acirradas criticas acerca dos riscos ao patrimônio público e aos

direitos dos cidadãos154.

Fundamental sopesar o equilíbrio na conjugação entre o Direito Público e o Direito

Privado, de modo a que se evite uma publicização excessiva, com o intuito de superar qualquer

dificuldade em harmonizar as necessidades de eficácia, como garantia de direitos.

Hoje, a actividade administrativa tende a ser encarada numa perspectiva

global, na qual assumem relevância comportamentos que podem, ou não, ser

pré-determinados legalmente e que podem expressar-se através de actos

materiais, técnicos, organizatórios, operativos, cognoscitivos, inspectivos,

decisórios ou mesmo extra procedimentais. A ideia principal é a de que perde

cada vez mais relevância a tradicional distinção em termos rígidos entre o

“acto” e a “actividade” uma vez que “o todo é a acção administrativa”155.

Não restam dúvidas que a iniciativa privada está melhor preparada para atingir o lucro no

exercício de suas atividades empresariais privadas e privatizadas, por ter sido este o caminho

desenvolvido ao longo dos séculos, e ser este o objetivo do setor empresarial propriamente dito.

Aponta-se que o exercício das atividades econômicas desenvolvidas por meio das

empresas estatais, inclusive as que operavam antes de privatizações, muitas não obtinham lucro

face a má gestão, inapta na administração, sem maior interesse no desenvolvimento dos seus

negócios, fazendo o Estado assumir várias atividades em determinados momentos extrapolando

o campo de ação Estado-empresário.

Adverte-se e até é de se impor, deve-se conferir pelos devidos procedimentos legais se o

Poder Público agiu sobre a atividade econômica, criando empresas ou incorporando outras da

iniciativa privada, combalidas em determinada época, porque foi convocado para tanto, ou se

interessou sob alguma influência equivocada de aceno de sucesso. Assim deve ser examinado,

se colocou em suas mãos atividades empresariais com o fito de solucionar, ou tentar amenizar

a crise existente, em episódios que os mesmos empresários do setor privado aproveitaram-se

de politicas, indevidamente, com propensão ao descalabro econômico, como algumas que se

154 ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado: contributo para o estudo da atividade de direito

privado da administração pública. Almedina, Coleção Teses - 1996. 155 ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo contrato administrativo. Almedina, 2003, p. 67.

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aproveitaram de incentivos fiscais em áreas pré-determinadas ditas carentes com o proposito

de promover o desenvolvimento regional.

Alguns empreendedores aproveitaram ou aproveitam dos incentivos fiscais nos períodos

programados, para implantar atividade que conferem pioneirismo, desenvolver progresso, mas,

muitas vezes, outros, não afinados com esses propósitos, tão logo findos os benefícios,

abandonam, encerraram as atividades mercantis, levando a economia local à “banca rotta”,

provocando prejuízos, com significativos danos e repercussões nas áreas dessas alocações no

pais, até mesmo com diversas sequelas para a nação.

A comprovação desses resultados está no acirramento do desemprego, o aumento da

pobreza, a provocação da migração, ampliando o impulso ao êxodo, que leva ao tumulto

demográfico, convolando miséria. Situações que não podem ser repetidas, devendo o Estado

dar efetiva solução para superar esses problemas políticos, econômicos-sociais, extirpando da

sociedade contemporânea.

O poder político estabelecido na Constituição Econômica é para conciliar o mercado e os

bens ambientados no país. Estorninho156 reitera que a ação administrativa, enquanto

consequência de atos, atividades, operações e comportamentos, traduzindo a realização de uma

função que tem relevância, não apenas como procedimento, mas como atitude que visa o

desenvolvimento dessa função. Essa atitude traduz-se hoje, não em assegurar a conformidade

da atividade administrativa a uma ordem normativa pré-existente (“legalidade-legitimidade”),

mas sim em “dar vida, através da participação e do confronto de todos os interessados

convolvidos”, a uma justa e original composição de interesses” (“legalidade-justiça”).

O direito aflora a harmonização e a participação, para evitar o confronto dos atos e

atividades administrativos públicos e privados, para reduzir as hipóteses de intervenção no

Estado.

156 ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo contrato administrativo. Almedina, 2003, p. 67.

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1.2.1 O mercado e os bens na ordem econômica

Em geral parte-se do pressuposto de que os mercados não são afetados, nem se

comprometem com os bens que sofrem alguma regulamentação. Alega-se que na realidade os

bens materiais e imateriais passaram a ter uma nova configuração, com marcas próprias,

adaptando-se as circunstâncias econômicas-sociais de cada momento. Procedeu-se dar uma

visão distinta das coisas que sempre estiveram ou passaram a figurar em um rol semelhante,

que o homem necessitou para viver, ou acumulou para sobreviver.

O “bem” no contexto jurídico e no sentido amplo, alinham-se na ordem econômica

disposta na Constituição Federal de 1988, com a face dada pelo direito econômico, debatido

além-fronteiras, que se desenvolveu no campo do direito originário e derivado, prevalecendo

sobre o direito interno, seja de que nível hierárquico for, que na linguagem de Moncada157, no

âmbito do direito econômico, observando as constantes transformações, em variadas escalas,

envolvendo interesses e valores como a proteção, dadas as interpretações dos fatos e

circunstancias vivenciadas na Comunidade Europeia.

Os princípios fundamentais da CE do nosso país não se oferecem ao

intérprete dispostos numa rigorosa relação hierárquica que lhe permitisse

resolver facilmente as antinomias e divergências derivadas do conteúdo de

cada um deles. As referidas antinomias são uma consequência da escala

heterogénea de interesses e valores protegidos e traduzidos pelo texto

constitucional.

Estamos, pois, perante um problema de interpretação das normas

constitucionais, que não pode deixar de ser resolvido senão admitido uma

contração do conteúdo máximo de cada um daqueles princípios em ordem a

viabilizar a respectiva coexistência. O conteúdo destes princípios só deve

ceder na medida absolutamente indispensável aos direitos de cidadania dos

restantes.

Para além das antinomias aludidas, importa referir que os princípios

gerais da CE não têm todos a mesma natureza jurídica. Não é só o conteúdo

respectivo que é por vezes antinómico, sendo também diversa a proteção

jurídica que lhes concede a lei constitucional, em função nomeadamente do

seu caráter programático (normas do art. 81.º, por ex.) ou impositivo (os

direitos subjetivos da área econômica, por ex.) assim remetendo a respectiva

disciplina para diferentes órgãos do Estado e assim para ela exigindo certa

forma normativa (haja em vista o regime especial que para os direitos

subjetivos decorre do art. 18.º, componente essencial da ordem jurídica da

economia do nosso país)158.

157 MONCADA, Luís S. Cabral de Moncada. Direito Económico. 6a. ed. Coimbra Editora, 2016, p. 136-137. 158 Idem - p.p. 136-137.

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Os conjuntos e parâmetros de antinomias jurídicas contidos na história, em especial na

economia, configura o ‘bem’ como esteio econômico, que na dicção do direito constitucional,

agita o conhecimento, proporcionando interpretação dos aspectos da intervenção dos poderes

públicos na economia que modificaram, alteraram o comportamento dos governados, não só

em decorrência do conteúdo de uma lei, mas também, quando dirigentes criam ou colocam

novos modelos econômicos para se relacionar com o Estado, numa ampla expectativa que se

opera num efetivo Estado democrático de Direito. Quando assim não acontece de verdade, esses

modelos e experiências causam rupturas, ou pelo menos podem continuar a causar transtornos,

danos de variada intensidade aos governados. Idealiza-se metas para obter uma condução com

um mínimo de percalços, adotando direcionamento após um minucioso estudo de causas e

efeitos, para então inserir e configurar uma ordem jurídica e econômica.

Leciona Cunha Junior159 que:

O conceito de ordem induz a uma ideia de organização e, por essa razão,

de uma seleção dos elementos que integram um conjunto, direcionada a uma

finalidade. Toda organização tem um direcionamento para uma meta. Daí

dever-se entender ordem como uma organização que envolve dois

movimentos. Há um movimento de colocar juntos elementos compatíveis,

coerentes entre si. Este primeiro movimento é estático, em que se visualizam

os elementos que integram o conjunto numa perspectiva de compatibilidade,

de não-rejeição. E há um segundo movimento, que complementa e integra o

primeiro com a perspectiva dinâmica.

Dentro desse quadro, ordem significa um conjunto de elementos

compatíveis entre si e, para além dessa coerência, voltados para o futuro,

direcionados a uma teleologia.

Essa lição leva a compreensão que a ordem econômica adquiriu dimensão jurídica a

partir do momento em que as Constituições passaram a disciplina-la, não somente no campo do

direito público, atendendo também o domínio privado.

A Constituição Federal brasileira proporciona os elementos definidores da atuação do

Estado em harmonia com a ordem econômica desejada e adotada pelo constituinte de 1988.

Apropriado não esquecer das antigas experiências, ao mesmo tempo idealiza-las para um futuro

melhor. Aponta José Afonso da Silva160 que a posição relativa dos homens em face dos meios

de produção, distingue os sistemas econômicos, mostra que a essência do capitalismo não se

encontra contida na consagração da propriedade privada dos bens de produção, também pode

ser encontrada na posição ocupada pelo indivíduo diante da produção social, mercê da qual o

159 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. JusPodivm – 10a. ed. 2016, p. 1145. 160 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31a. Ed. p. 785.

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acesso a ela se dá através do intercambio, e sob ótica do caráter coletivo da produção. Muitas

outras raízes também estavam presentes nessas realizações, e que se projetam cotidianamente

para se encapsular nesse meio de produção, muitas vezes visível, e em outras circunstâncias se

apresentam de modo opaco.

Enfatiza Vidigal161 que a Constituição enfoca a liberdade e a propriedade privada, bem

assim do direito de herança, embora lastime que no Título da Ordem Econômica, não se

encontra dispositivo expresso que assegure o funcionamento do mercado, ou esclareça qual

regime adota, não obstante da opção constitucional por um regime de mercado organizado,

atribuindo à expressão organização dos mercados significação mais ampla do que é corrente.

Denomino Direito da Organização dos Mercados a disciplina jurídica

corretora do conjunto das distorções características das soluções de liberdade

de mercado, abrangendo não apenas as distorções que afetam a competição,

como as que induzem repartição desigual e as que alimentam flutuação em

direção à crise162.

Este direito da organização dos mercados consubstancia a “disciplina dos agentes

privados, no exercício de atividades privadas, inspirada no interesse coletivo”163, imprimindo

importância para verificar os parâmetros que pode ou deve atuar o Estado, no exercício da

função de organizador dos mercados, de onde estão presente inúmeras opiniões, e com relação

ao comportamento estatal164 face aos excessos e a arrogância que o Estado exercita em algumas

situações na condução da economia, como aconteceu na vigência da Constituição de 1967 e

Emenda Constitucional nº. 01/69, quando os governantes põem o Estado praticando graves

erros.

Os pesquisadores sobre o tema lembram a Constituição Imperial (1824-1891), ao dispor

que: “a Pessoa do Imperador é inviolavel e Sagrada: Elle não esta sujeito a responsabilidade

alguma” - (art. 99) -, expressando o principio jurídico nascido nas monarquias absolutistas,

adotado pelo direito inglês, o qual preserva não só a pessoa do rei, mas também do Estado165.

Aponta Vidigal que: “ [...] o Estado ainda não se apercebeu de que precisa ser modesto

e moderado, em sua presença econômica, porque está sujeito a erros tanto quanto os

indivíduos”166. Salienta ser necessário que o Estado exerça sua presença com extrema modéstia

161 VIDIGAL, Geraldo. A Ordem Econômica – A Constituição brasileira – 1988 - Interpretações. Forense

Universitária. Rio de Janeiro. 1988, p.p. 373 e ss. 162 VIDIGAL, Geraldo. Teoria Geral do Direito Econômico. Revista dos Tribunais, 1977, p. 47. 163 VIDIGAL, op. cit. p. 40. 164 VIDIGAL, op. cit., p. 375. 165 The king can do no wrong. 166 VIDIGAL, op. cit. p.p. 378-381.

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e moderação sem perturbar a liberdade de iniciativa e sem tumultuar a economia. Devendo o

Estado considerar que deve fiscalizar no exercício do poder de polícia, de modo a promover

incentivo, atuando de forma mais modesta, principalmente quando se tratar da economia.

Moncada167 ao abordar a noção de bem público, assevera que:

A noção do bem público não é independente do bem privado. É simplesmente

um conjunto dos bens privados. É o conceito de um sujeito transcendental e

autónomo relativamente aos fins exteriores, ou seja, capaz de uma atividade

(económica) independente, que está na origem da desconfiança liberal face

aos valores e fins que ao individuo possam ser impostos pelo Estado.

O exercício da liberdade individual que tem como consequência na esfera

económico o lucro é, já por si, critério da moralidade liberal, uma moralidade

pensada como autonomia, independente de outros fins que não sejam os do

próprio individuo livre.

Por ser assim, a fonte da atividade económica é a vontade privada e o seu

critério o do interesse privado. A subordinação da atividade económica à

vontade do Estado é, neste enquadramento, algo que não faz sentido e que só

poderia conduzir à tirania e ao irracionalismo, pois que substituir a vontade

do Estado à vontade dos particulares no domínio de aplicação, a economia,

essencial para a sua plena realização, suprimindo a liberdade individual em

nome da arbitrariedade dos poderes públicos, cuja atuação, no domínio da

economia, só poderia além do mais conduzir ao desperdício e escravizar o

individuo, pois que, impondo-lhe fins a ele estranhos, o Estado quebraria a

ligação entre liberdade individual e resultado económico.

A atividade individual decorre não somente de explicações para os fatos sociais, como

se desenvolve através de alguma ideia filosófica que o pensador se detém sobre determinado

assunto. Procede-se uma análise dos bens e mercados no sentido amplo e jurídico classificados

ao titular do domínio.

Classificam-se os bens, em atenção ao titular do domínio

(proprietário), em públicos e particulares.

Segundo o art. 98, consideram-se públicos os bens do domínio

nacional pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público interno, sendo

particulares todos os demais, seja quem for seu proprietário.

O art. 99, por sua vez, classifica os bens públicos em bens de uso comum do povo (rios, mares, estradas, ruas, praças); bens de uso especial

(edifícios ou terrenos destinados ao serviço da administração pública); bens

dominicais (os que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de Direito

Público, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades).

Enquanto conservarem sua classificação, são inalienáveis os bens de

uso comum do povo e os de uso especial (art. 100). Já os dominicais podem

ser alienados, observadas as exigências da lei (art. 101).

Seja qual for sua classificação, tradicionalmente nenhum bem público

sujeita-se à usucapião (art. 102). Esse entendimento, no entanto, tende a

167 MONCADA, op. cit. p. 19.

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mudar, ao menos no que toca aos bens dominicais. Há estudos em Direito

Administrativo nesse sentido168.

Quando a matéria não está restrita ao Direito Civil e se mescla com as de Direito Público

quando o foco é o mercado, como atividade ampla no campo da economia, neste regime de

mercado organizado, tem-se a presença da intervenção do Estado, que Farjat169 mostra, que,

qualquer que seja a conjuntura, crise ou prosperidade, o intervencionismo se desenvolve. O

referido autor avaliou como próximo do liberalismo clássico, âmbito onde haveria a presença

de um Estado gendarme, que simplesmente estende suas funções à organização da economia,

em razão do surgimento de poderes econômicos privados e da prática de abusos de poder.

Sustenta Reale170 que houve iniludível opção dos constituintes pelo tipo liberal para

coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio

Estado, quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólio, ao abuso do poder

econômico, visando ao aumento arbitrário dos lucros, expressando que:

À luz do que as suas disposições enunciam, estou convencido de que a Carta

Magna, ora em vigor, optou por uma posição intermédia entre o liberalismo

oitocentista, infesto a toda e qualquer intervenção do Estado, e o dirigismo

estatal. Dir-se-ia que sua posição corresponde à do neoliberalismo ou social-

liberalismo, o único, a meu ver, compatível com os problemas existenciais de

nosso tempo”. Enfatiza a consagração constitucional dos princípios da livre

iniciativa e da livre concorrência e o caráter excepcional da exploração

econômica pelo Estado, [...]

Do acima, portanto, a Lei Maior brasileira fomenta princípios atinentes a livre iniciativa

e a livre concorrência, exorcizando as características que estribou as Constituições vigentes nos

regimes de exceção. Grau171 após o exame das opiniões de diversos constitucionalistas sobre a

Constituição de 1988 consagra um regime de mercado organizado.

Desse exame vê-se que a ordem econômica na Constituição de 1988 contempla a

economia de mercado, distanciada, porém do modelo liberal puro e ajustada à ideologia

neoliberal, que são vistas nas expressões e posições políticas cotidianamente veiculadas por

organizações envolvidas na órbita empresarial, patronal, sindical, e operários, demandando

repudio ao dirigismo. Observe-se que ao acolher o intervencionismo econômico, este age contra

168 DONIZETTI, Elpidio; QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil, 5ª ed., Atlas, 05/2016. VitalBook

file. 169 FARJAT, Gérard. Droit Économique. Paris, Presses Univs., Thémis. 1971. p. 176. 170 REALE, Miguel. Inconstitucionalidade de congelamentos – in Folha de S. Paulo, 19.10.88, p. A-3;

Constituição e economia, in O Estado de S. Paulo, 24.1,89, p. 3; O Estado no Brasil, in Folha de São Paulo,

19.9.89, p. A-3. 171 GRAU. Op. cit.

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ou favor mercado, ou simplesmente desfavorece os governados, contudo, face as evoluções e

transformações constantes dos bens e serviços que são criados e colocados à disposição dos

indivíduos, necessário se faz um acompanhamento para as adequações morais, e do interesse

ético contemporâneo.

Quando se examina e leva a considerar a existência de uma Constituição capitalista, com

liberdade exercida no interesse da justiça social, confere prioridade aos valores do trabalho

humano sobre todos os demais valores da economia de mercado, também há crítica a

Constituição brasileira vigente.

O artigo 1º, IV a Constituição de 1988 enuncia como fundamento da República o valor

social da livre iniciativa. O artigo 170, caput, afirma que a ordem econômica está fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e que tem por fim assegurar a todos

existência digna, conforme os ditames da justiça social, conduzindo ao entendimento que a

ordem econômica está fundada na livre iniciativa. Destarte, consubstancia-se princípios

políticos constitucionais conformadores a fim de atender a livre concorrência, pois os princípios

constitucionais pertencem à ordem jurídica positiva, constituindo um importante fundamento

para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo172.

Note-se que o trabalho humano tem como objeto a sua constante valorização, e é neste

sentido que José Afonso da Silva sustenta que a ordem econômica dá prioridade aos valores do

trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado.

A Constituição coloca o Estado na posição de agente regulador, nem por isso pretendeu

implantar uma economia de cunho centralizado. Não permite esse entendimento nem a análise

dos princípios consagrados expressamente, nem o estudo sistematico do ‘Texto’, segundo

Bastos173, que a expressão regular quer dizer calibrar, colocar em harmonia, expelindo toda

sorte de manipulações que empresários não éticos possam implantar. Por essa perspectiva

procura-se alcançar o Estado de Direito o qual não comporta a noção de poder arbitrário, o qual

é concebido sempre que o detentor ou agente está acima da diferença entre lícito e ilícito, e, por

isso mesmo, está sempre a enfrentar o problema do poder ilícito174.

172 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra -

Almedina, 1997. 173 BASTOS, Celso Ribeiro. Op. cit. 174 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. WMFMARTINS FONTES, São Paulo, 2013,

p. 95.

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Confere-se que o Estado adita normas no sentido de purificar o mercado, para evitar

deturpações. Contudo, deve-se estar atento ao fato que algumas vezes o Estado, a pretexto de

melhor regular, intervém no preço praticado no mercado, como aconteceu ao estabelecer

tabelamento de preços, utilizando o poder de intervenção de forma drástica no mercado.

A experiência brasileira constatou que tal prática não foi auspicioso, não proporcionou

vantagem e ou validade na economia nacional em momento de crise. Interessante observar o

opinativo de Caggiano175. Por exemplo, pode-se citar a questão atinente ao tabelamento de

preços. Quando este foi exercitado no Brasil, demonstrou e surtiu efeito contrário. Prejudicou

a economia do país. Não trouxe benefícios, não alcançou um desiderato propício para um ajuste

de proteção socioeconômico. A experiência provou que o procedimento de tabelamento

conduziu a especulação, submetendo a população a um cruel estímulo a prática de ágio,

favorecendo os especuladores, protagonistas de plantão, para a obtenção de vantagens.

De igual maneira como o que aconteceu com os mirabolantes planos econômicos levados

a cabo por governantes e colaboradores inconsequentes, levando o povo as circunstâncias que

experimentou, com nefastos episódios, que de forma equivocada implantou regras, que muitos

críticos rotulam como procedimentos calamitosos.

No se pode desprezar a redação do quanto disposto no artigo 174 da Lei Maior que limitou

a atuação estatal a três funções: fiscalização, incentivo e planejamento. O Estado está autorizado

a exercer a fiscalização, exercitar o seu poder de polícia para verificar se os agentes econômicos

estão cumprindo as disposições normativas incidentes sobre suas respectivas atividades. Assim

sendo o Estado não pode se furtar a algumas atividades que, sem implicarem na prestação direta

da atividade econômica, propriamente dita, venham a colaborar, com um processo de maior

conformação da atividade das junções, tendo objetivo mais pleno possível dos elencados no

artigo 170 da Carta Magna. Porque cabe ao Estado fiscalizar, desde quando desfruta de um

poder amplo, designado poder de polícia, objetivando manter a atividade privada dentro do

estabelecido pela Constituição e pelas leis.

Na ótica de Vidigal176 o Estado pode intervir para propiciar incentivos, que é a mais

moderada forma de presença do Estado na economia. O incentivo já traz em si a ideia de

estímulo, de ajuda, enfim, de concessão de benefícios no implemento da atividade privada. É

dizer, o Estado pode incentivar determinados ramos da economia, quando no seu mais rápido

175 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Controle de Mercado por via de Tabelamento, in Revista de Direito

Público, 1991, v. 100, p. 43. 176 VIDIGAL, Geraldo de Camargo. A Constituição brasileira. Forense Universitária. 1988, p. 381.

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desenvolvimento de atender ao interesse coletivo. É o que acontece, sobretudo, nas regiões onde

se aplica uma política visando a redução das desigualdades regionais (com apoio no art. 170,

VII da CF). O próprio objetivo da busca do pleno emprego também serve de respaldo a um

sistema de subsídio, isenções e outros meios de incentivo. O incentivo estatal pode dar-se pelas

modalidades de estímulo e apoio, através da concessão de isenções tributárias, incentivos

fiscais, creditícios, e muitas outras escalas e estratégias de engenharia e desenvolvimento.

Ultimamente economistas sustentam novas percepções sobre a produção e consumo de

bens materiais, mas, também situações e interesses sobre o comportamento humano em certos

programas de incentivo financeiros.

Sandel177 destaca que alguns modelos de programas de incentivos experimentados, ainda

são discutidos como a prática para esterilizar mulheres, a remuneração para as crianças obterem

boas notas, prêmios nas universidades para alcançar melhor desempenho acadêmico, dentre

muitos outros, como os experimentos na saúde com produtos sob pesquisa médica, o estimulo

à leitura, o controle da imigração, a multa proveniente da política de filho único na China, a

procriação em diversos países, o controle do efeito estufa, os créditos nas emissões de carbono

na atmosfera, outras situações e exemplos.

Constata-se, muitas vezes, os incentivos não se originam somente do poder publico, mas

também são criados pelos particulares em estudos, no desenvolvimento de diversas pesquisas

científicas para atender algum setor da vida.

Comenta-se que na segunda metade do século XX, a obra de Paul Samuelson,

“Economics”, considerada à época como importante manual de economia nos Estados Unidos,

associa a economia ao seu objeto tradicional: “o mundo dos preços, salarios, taxas de juros,

ações e títulos, bancos e crédito, impostos e gastos”. Entende que a economia não diz respeito

apenas à produção, à distribuição e ao consumo de bens materiais, alcança à interação humana

em geral e aos princípios que regem a tomada de decisões pelos indivíduos.

Para Sandel o tema dos incentivos permeia a economia atual, chegando a ser declarado

como pedra angular da vida moderna. A economia estuda os incentivos, com destaque no século

XX, quando os mercados e a lógica de mercado aumentaram sua influência. Em 1968,

incentivou seu uso, que se generalizou perante os economistas, executivos de corporações,

burocratas, analistas políticos e jornalistas, passando a ser utilizada como uma versátil dicção.

177 SANDEL, Michael J. O dinheiro não compra. Civilização Brasileira, São Paulo, 2017. P. 85.

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Apesar dessa tendência à incentivos, a maioria dos economistas insistem na distinção

entre economia e ética. Daí Sandel aproveitar a afirmação de Levitt e Dubner, que a economia

simplesmente não lida com a moralidade. A moralidade representa a maneira como as pessoas

gostariam que o mundo funcionasse, e a economia representa como ele de fato funciona178, mas,

a final das contas, o que se percebe é que o economista de fato precisa lidar com a moralidade.

O Estado pode, e, a depender da sua política, deve comparecer na economia para planejar

numa busca de eficiência, adotando mecanismos que não castrem os movimentos mercantis

legítimos, e não deixem de observar a ética. Observa-se que o planejamento foi e é em principio

próprio dos países socialistas, que tiveram ou têm suas economias, desta natureza, sempre

seguindo projetos, estratégias envolvendo diversos agentes econômicos, dentre estes, as

empresas estatais que obedecem a um plano único nacional traçado por um poder central, plano

este, também, centralizado e obrigatório para as empresas. O que se verificou ao longo dessa

experiência em diversas nações, é que interferindo de modo extremamente audaz, propicia o

desaparecimento da força do mercado, e a direção das empresas segue tão-somente os ditames

do planejamento, metas radicais que não se compatibilizam com a economia já estruturada, e

muitas vezes com a ética.

Os críticos sobre a matéria observam que existem diferenças, frequentemente

imperceptíveis face os detalhes incrustados, inclusive, porque muitos planos não são totalmente

vinculantes, como aconteceu quando na banda ocidental do planeta exercitou o planejamento,

que penetrou de forma moderada, não com força obrigatória absoluta, mas como meio de

orientação da atividade dos particulares, significando que apenas foram vinculantes com

relação ao Estado.

No que respeita aos particulares, contêm estímulos e incentivos para que sejam adotados

ou seguidos, mas não são obrigatórios ou cogentes. O plano econômico é passível de ser

definido como um ato jurídico que tem por finalidade definir e hierarquizar fins econômicos a

serem perseguidos, assim como estabelecer as medidas ou os meios próprios à sua concepção,

estabelecendo um plano econômico, composto de diagnostico e prognóstico. Sendo que no

primeiro reúnem-se os dados globais e setoriais; e no segundo projeta-se, para o futuro, o

conjunto de estimativas, tidas por mais plausíveis e extraídas do diagnostico. O plano é antes

de tudo um instrumento técnico, de caráter prospectivo, e fortemente matizado pela

178 LEVITT Em Dubner. Freakonomics, pp. 190, 46, 11.

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contabilidade. Esse plano, a depender dos objetivos sociais e econômicos, democráticos ou

tiranos, atendem a sociedade em geral, ou esta repudiará em algum momento.

Há os que negam a juridicidade do plano. Diz Cabral de Moncada que para esta teoria o

plano seria mero instrumento da política econômica, constante de um documento sem e

nenhuma eficácia jurídica. O plano seria um ato idêntico ao programa de Governo, destinado a

obter um simples voto de confiança parlamentar, e consistindo numa mera declaração de

princípios do Governo, como aconteceu na França, cuja doutrina tem muitos adeptos. O plano

se concretiza numa pluralidade de atos jurídicos que vão desde a lei ao ato administrativo,

concretizado em contrato próprio, amiúde tendo por objeto, ou decorrente de uma previsão para

engajamento político, não obstante o planejamento se dar inicialmente por via de lei com caráter

estrutural.

Muitos desses planos concebem que as empresas públicas, as sociedades de economia

mista e suas subsidiárias explorem atividade econômica de produção ou comercialização de

bens ou de prestação de serviços sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas,

inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Contudo,

existem divergências, críticas ao sistema, e posicionamentos contrários com definições a

respeito a participação do Estado nas atividades mercantis. Uma delas é que não se vê muito

bem como uma empresa governamental pode simultaneamente submeter-se às regras de um

planejamento determinante e ao mesmo tempo beneficiar-se da liberdade das leis de mercado.

A direção da Constituição Federal do Brasil de 1988 definiria um modelo econômico de

bem-estar, desenhado nos artigos 1º e 3º, até mesmo enunciado no artigo 170, não ignorando o

Poder Executivo a vinculação pelas definições constitucionais de um caráter conformador e

impositivo. A esse respeito mostra Cunha Junior179:

De efeito, malgrado tenha a Constituição de 1988 consagrado uma

economia de livre mercado, de natureza capitalista – porque instrumentalizou

uma ordem econômica apoiada na apropriação privada dos meios de produção

e na livre iniciativa econômica privada -, instituiu ela numerosos princípios

limitando e condicionando o processo econômico, no intuito de direcioná-lo a

proporcionar o bem-estar social ou melhoria da qualidade de vida. O primeiro

– e de todos o mais importante -, em direção ao qual todos os demais princípios

se encaminham e se encontram, está consubstanciado como o próprio fim da

ordem econômica: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social.

179 CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional, Juspodium, p. 1150.

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Lamenta-se, que, infelizmente não há no Brasil uma consonância com o aludido

entendimento, pois significativos setores da economia nacional, empresários nacionais e

estrangeiros não se ativeram em assumir este papel, tampouco estão a inovar, sequer arcam com

as devidas responsabilidades sociais. Paradoxalmente, sempre deixam os encargos ao Estado

para que promova e suporte o custo social, e introduza as inovações empresariais.

Neste sentido, o Estado brasileiro caracterizou-se, como alguns dizem, ser

‘schumpeteriano’, defendendo um pensamento bem particular sobre o desenvolvimento

econômico, relacionando este processo com as mudanças endógenas e descontinuadas na

produção de bens e serviços, destacando a figura do empreendedor como agente fundamental.

Isto faz lembrar os movimentos de criação de empresas estatais acontecidos no governo Getúlio

Vargas e durante o regime militar, bem como o denominado desenvolvimentismo implantado

na era do governo Juscelino Kubitschek, obtendo-se uma visão do papel do BNDES e outras

agencias e sociedades governamentais, engajadas numa proposição estatal, cujos resultados

nem todos foram promissores.

É de entender que mesmo com relação ao setor público, o planejamento não possa ser tão

determinante a ponto de frustrar o regime da livre empresa de que gozam os entes estatais

voltados ao desempenho da atividade econômica.

No curso da década de cinquenta do século XX, associava a economia aos elementos

tradicionais que agitavam a vida do cidadão americano, como o mundo dos preços, salários,

taxas de juros, ações, títulos, créditos, impostos, e gastos. O objetivo da ciência econômica era

concreto e bem delimitado: explicar de que maneira as depressões, o desemprego e a inflação

podem ser evitados, estudar os princípios que ensinam a manter alta a produtividade e a

melhorar o padrão de vida das pessoas180.

Para Mankiw “uma economia é simplesmente um grupo de pessoas interagindo na

condição de suas vidas”. Resumidamente: “Não existe mistério no que é a “economia”181.

Afirma Sandel182 que:

Se uma sociedade justa requer um forte sentimento de comunidade, ela

precisa encontrar uma forma de incutir nos cidadãos uma preocupação com o

todo, uma dedicação ao bem comum. Ela não pode ser indiferente às atitudes

e disposições, aos “habitos do coração” que os cidadãos levam para a vida

180 SANDEL, Michael J, O que o dinheiro não compra. Civilização Brasileira. 8a. ed. 2017, p. 85. 181 MANKIW, N. Gregory. Principles of Economics. 3a. ed. Mason, Thomson South-Western, 2004, p. 4. 182 SANDEL, Michael J. . Justiça. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 13a. ed. 2014, p. 325.

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pública, mas precisa encontrar meios de se afastar das noções da boa vida

puramente egoístas e cultivar a virtude cívica.

Os divulgadores das teorias contratualistas mostram o interesse na realização do livre

encontro das vontades individuais, como critério não apenas da origem como também da

extensão do âmbito da intervenção do Estado na vida social e econômica, entendendo que é a

lei o expoente qualificado do livre e racional encontro das vontades individuais, como esclarece

Moncada183.

A intervenção na economia obrigou a lei constitucional a assumir novo conteúdo, que se

traduz no reconhecimento de direitos e deveres econômicos e sociais, bem como na tomada de

posição a favor de uma certa e determinada ordem econômica a construir.

O Estado de Direito torna-se permeável a conteúdos socioeconômicos que alteram o seu

entendimento, dá garantia e estabelece limites do poder e do respeito pela liberdade individual,

transforma-se num programa normativo de realizações, como pontifica Moncada, acentuando

que o conceito de Estado de Direito reveste-se de uma natureza positiva, no sentido de passar a

incorporar uma ação estadual que não é apenas subsidiária, mas conformadora do modelo

socioeconômico184, não se podendo ficar numa mera expectativa e em uma busca de depuração,

pois muitos séculos da estruturação da civilização passaram almejado esse objetivo, e estão à

mostra desde os primórdios da humanidade, proporcionando constantes buscas pelos

pesquisadores sobre as obras que estão concretizadas pelas conquistas vividas AC, e que se

desenvolvem ao longo dos séculos d.C. (Anno Domini).

Colhe-se no prefácio posto por David Korten em o ‘Capitalismo Alternativo e o futuro

dos negócios’, de autoria de Marjorie Kelly185, que:

A maioria dos grandes conflitos políticos dos últimos 5 mil anos pode

ser reduzida a uma simples pergunta: quem terá a posse da terra, da água e dos

recursos fundamentais da vida – e com que finalidade? Nas mais antigas sociedades humanas, a propriedade dos recursos fundamentais da vida era de

uso comum pelos membros de uma tribo e incluíam responsabilidades de

supervisão sagrada. Poderíamos descrever essa modalidade como uma forma

de propriedade compartilhada.

À medida que as sociedades passaram por uma transição e se tornaram

estruturas de poder centralizado, a propriedade da terra, da água e de outros

meios essenciais de produção foi monopolizada por poucos. Até mesmo no

movimento em direção à democracia, a propriedade da riqueza permaneceu,

em grande medida, mas mãos de uma elite. Hoje em dia, o débito debilitante,

as falências e as execuções de hipotecas são um lembrete de como as coisas

183 MONCADA, op. cit. p. 24-25. 184 MONCADA, op. cit. p. 36. 185 KELLY, Marjorie. Capitalismo Alternativo e o futuro dos negócios. Editora Cultrix. São Paulo. 2016, p. 9.

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mudaram pouco e de como muitos entre nós – inclusive os jovens oprimidos

pelos empréstimos estudantis – vivem à mercê do poder daqueles que

controlam a emissão do crédito.

E, Kelly na sua obra se esforça para traçar uma nova estrutura objetivando remodelar as

criações que se encontram sedimentadas no curso do século XX, na busca de um futuro melhor,

comprometido com o bem-estar, restaurando os relacionamentos, com a obrigação de

administrar e conservar os bens comuns, entendendo que nem o capitalismo nem o socialismo

jamais alcançaram o seu ideal, mas cada um deles chegou suficientemente perto, e revelam que

ambos fracassaram.

Observando-se os mecanismos de sobrevivência de um modelo que surgiu com

predominância no capitalismo, aparece forte a partir do início do século XX, agitando os

procedimentos de marketing, publicidade, preço, sistemas de produção, sistemas de

distribuição, envolvendo a noção de como o mercado vai se adaptando para gerar demanda e

atrair consumidores186.

Sugere Sandel187 que o economista poderia reconhecer para explicar o mundo terá de se

envolver em questões de psicologia ou antropologia moral, para descobrir quais as normas que

prevalecem, e de que maneira os mercados poderão acolher, e ao mesmo tempo, estar atento no

que pode afetá-las.

Vê-se que, não obstante o empenho na preservação de empreender, as defesas da livre

iniciativa e da livre concorrência, como elementos estabelecidos de livre mercado,

amalgamados no exercício da atividade empresarial, não são suficientes para atender o bem-

estar social e os legítimos interesses constitucionais. Em muitos momentos, amplia a

preocupação com os mercados que corroem as normas alheias, merecendo uma correção de

rumo.

Dessas observações, leva-se ao campo moral, como esta pode ser descartada pelo

mercado. Tem-se o exame das coisas que o dinheiro pode, não pode e ou não deve comprar que

pode residir no consentimento, escolhas voluntárias ou uma serie de situações, exemplos

habituais e históricos, como a prostituição, o descarte de lixo nuclear, a doação de sangue,

órgãos, a comercialização desses bens, no mercado negro, e outros bens que ficam na peneira

do mercado penetrando ou não na vida das pessoas, governados por normas alheias ou a ideia

186 CRUZ, Luiz Sergio da. Tempos hipermodernos: Felicidade e consumo em Gilles Lipovetsky. Tese mestrado

em filosofia. Universidade São Judas Tadeu. Programa de Pós-graduação stritu sensu, São Paulo, SP. Agosto,

2015. https://www.usjt.br/biblioteca/mono_disser/mono_diss/2016/340.pdf, acesso 21/9/18. 187 SANDEL. O que o dinheiro não compra. 2017, Civilização Brasileira, p. 90.

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de que os mercados não afeta, os seguros de vida contratados pelo patrão e não por pessoas que

tenham algum liame de afeto ou parentesco, por visões que entendem conspurcar ou não, os

negócios praticados.

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2. A LIVRE INICIATIVA E A LIVRE CONCORRÊNCIA

A atividade empresarial é um pilar que alicerça os meios de produção na construção de

um sistema econômico sob molde capitalista, onde o Estado aparece, ora como incentivador,

ora como regulador, a depender da estrutura constitucional de cada país, ou a cada instante

econômico-social que este atravessa. Quando se ventila atividade comercial, pressupõe haver

um exercício com liberdade mercantil sem a intervenção do Estado em um determinado lugar.

Transformações das mais variadas acontecidas nos campos da tecnologia, das ciências

em geral, forçam novos panoramas econômicos e consequentes avaliações, encetando decisões

empresariais, que são adotadas sem a devida preocupação com os interesses do povo e a

soberania do país. As inovações, e as constantes transformações geram perspectivas técnicas,

econômicas e jurídicas. O novo cenário impõe novas visualização e concepção sobre a

preservação e a capacidade de autodeterminação dos povos e do Estado, convivendo com a

livre concorrência no mercado nacional e mundial, exercitando, como dever, o respeito

simultâneo às normas e práticas supranacionais relacionadas à atividade econômica188.

Nessa trilha de inovações o direito comercial se modificou, sofreu transformações e se

submeteu a uma constante evolução, convivendo com pensamentos sob formulações filosóficas

e inovações tecnológicas, econômicas e jurídicas, funcionando sob o controle do poder político-

econômico do Estado, para atender a sociedade, o cidadão, fomentar o bem comum, atender o

interesse privado, devendo o poder estatal concretizar e não somente contribuir para o efetivo

exercício do Estado democrático de direito.

A livre inciativa e a livre concorrência são elementos essenciais que caracterizam uma

economia de mercado, como enseja a Constituição brasileira de 1988. A livre iniciativa

dimensiona sua importância no ordenamento pátrio, na sua ordem econômica, observando e

proporcionando condições de funcionamento para atender os fundamentos de importância, com

os valores erigidos no seio da comunidade, que devem ser respeitados em um Estado

Democrático de Direito.

Em 1905, Henrique Coelho189 referindo-se à atribuição do congresso nacional de legislar

sobre o comércio, considera-o como um dos poderosos instrumentos do capitalismo que a lei

188 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo, Método, 2003, p.p. 147-149. 189 COELHO, Henrique. O poder legislativo e o poder executivo no direito público brasileiro. 1905: Livro de

domínio público – disponibilizado pela Rede Virtual de Bibliotecas; veiculado pelo E book - Kindle 2012.

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fundamental cedeu à vulgar orientação econômica, com o silêncio guardado a respeito da

competência para regular a questão, entendida como idêntica, ou talvez de maior valor, sob o

ponto de vista moral e da ciência, como a do direito do trabalho e ao produto do trabalho,

entende como dever inerente à missão do Estado, onde quer que se acatem os mandamentos da

justiça, a importância da atividade do comércio. E essa manifestação tem relevante expressão

quando revela sentimento vivido no início daquele século:

[...] que são eles os eternamente esquecidos, nos lucros alcançam para os

patrões, os verdadeiros fatores da prosperidade dos diversos estabelecimentos,

os incansáveis obreiros da grandeza mercantil, os novos proletários,

sacrificados, nas justas compensações de sua laboriosa e utilíssima existência,

como os artífices a quem as fabricas, as oficinas, que se desenvolvem ou

progridem, graças aos seus braços, só contemplam, na mais clamorosa das

iniquidades, com a mesquinhez do ínfimo salário.

Como estes últimos, pertencem aqueles outros à mesma categoria dos

fracos, dos vencidos, nas brutalidades da concorrência social, em favor dos

quais não cessam os espíritos generosos de reclamar o patrocínio da

autoridade e da lei.

Para bem atender aos empregadores, aos empregados, aos trabalhadores estão as leis, e

para proteção dos últimos, a legislação trabalhista, todas fundadas sob a proteção da

Constituição Federal vigente. No artigo 170, II, da CF brasileira tem-se um modelo de ordem

econômica, que prevê a propriedade privada como princípio, possibilitando o individuo adquirir

bens para garantir a sua sobrevivência190. O princípio da liberdade econômica está consagrado

como direito essencial nas disposições constitucionais, instituindo o livre exercício do trabalho

ou ofício, a plena liberdade de associação, a liberdade de criação de associações e assegura o

direito de propriedade.

A Constituição de 1988 alicerça os elementos básicos da economia de mercado, como a

liberdade de iniciativa; a liberdade de competição econômica; a liberdade de contratação e de

apropriação, e, como em qualquer economia moderna e de mercado uma injunção de liberdades

concernentes a atividade econômica, e o consagrado modo de produção capitalista.

Extrai-se de Eizirik191, que:

Conforme referido doutrinalmente, o princípio da liberdade de inciativa é

temperado pelo princípio da iniciativa suplementar do Estado; o princípio da

liberdade de empresa é moderado com o principio da função social da

empresa; os princípios da liberdade de lucro e de competição são moderados

com a repressão ao abuso do poder econômico; o postulado da liberdade de

contratação é limitado pela aplicação dos princípios da valorização do

trabalho e da harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção;

190 SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, p. 847. 191 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S.A. Comentada. São Paulo, Quartier Latin, 2011.

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e o principio da propriedade privada é temperado pelo principio da função

social da propriedade.

Importante destacar a validade de princípios que norteiam e moderam a liberdade de

iniciativa, visando a sua conservação, jamais a sua negação. Daí estar a atividade do Estado

necessariamente vinculada, quando intervém empresarialmente no domínio econômico, a esses

princípios que remetem a valores e a diferentes modos de promover resultados. Costuma-se

afirmar que os valores dependem de uma avaliação eminentemente subjetiva, envolvendo um

problema de gosto192. Por outro lado, estão no convívio as regras que podem ser dissociadas

quanto ao modo como prevalecem o comportamento.

Os princípios, como normas, tem qualidade na busca de determinada realização de um

fim juridicamente relevante, estabelecendo um estado ideal de coisas a ser atingido, em virtude

do qual deve o aplicador verificar a adequação do comportamento a ser escolhido ou já

escolhido, para resguardar esse estado de coisas, e que pode ser definido como uma situação

qualificada por determinadas qualidades, transformando-se em fim quando alguém aspira

conseguir gozar ou possuir as qualidades presentes naquela situação.

Desse modo, pode-se admitir a relação na concepção, que a intervenção operacional do

Estado na ordem econômica tem caráter de excepcionalidade, estando estritamente jungida às

exceções previstas na Constituição e nas leis que a permitem. E assim é de se entender no que

se refere ao criar sociedades de economia mista, estribar na linha do princípio da estrita

legalidade, própria do direito público, ou seja, de modo a evidenciar que a atividade empresarial

do Estado não é livre, e é neste sentido que não poderia expandir-se além das especificações

dispostas em lei. Moncada diz que tal direito faz parte do núcleo da constituição econômica, o

que significa que a ordem econômica dele resultante à medida da expressão da personalidade

dos agentes econômicos privados é elemento primeiro do modelo econômico193.

O direito compreende várias vertentes como a liberdade de criação de uma empresa ou

de iniciar uma atividade econômica e a de agir autonomamente, ou seja, sem interferências

externas. A primeira vertente compreende a liberdade de acesso ou de investimento e a segunda

a de organização e a contratual. Mas não é um direito absoluto, porque estuda-se os limites que

do direito fundamental decorrem os princípios da reserva de setor empresarial do Estado e da

livre iniciativa dos poderes públicos. Moncada adverte que não foi no seu conteúdo máximo

192 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5a. ed., Malheiros

Editores. Ltda., 2006, p. 64. 193 MONCADA, Luís S. Cabral de Moncada. Direito Económico. 6a. ed., Coimbra Editora, 2016, p. 151.

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que a Constituição portuguesa consagrou tal fundamento, mostra que não concorda

inteiramente com G. Canotilho e Vital Moreira quando dizem (Constituição Anotada, 3a. ed.

1993, anot. IV ao artigo 61.º, pág. 327), que a livre iniciativa econômica privada não garante

um direito de não ser privado das empresas mediante nacionalização. As nacionalizações são

possíveis, mas a problemática respectiva cai no âmbito da proteção à propriedade privada.

2.1 Livre iniciativa

No regime constitucional fundado na economia de mercado e na liberdade de iniciativa,

ao Estado é permitido atuar em setores reservados aos particulares, num sistema de

supletividade restrita, ressalvados os casos previstos na Carta Maior. A exploração direta de

atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da

segurança nacional ou a relevante interesse coletivo194.

A atual Constituição brasileira menciona a livre iniciativa, que se entende como conceito

amplo, com opiniões de que a inserção da expressão contida no artigo 170, caput, tem

conduzido à conclusão, restrita, de que toda livre iniciativa se esgota na liberdade econômica

ou de iniciativa econômica, com desdobramento na liberdade. Há entendimento, ser um

princípio alusão ao Estado de Direito, estabelecendo estados de coisas, como a existência de

responsabilidade do Estado, como a previsibilidade, o equilíbrio entre os interesses públicos e

privados, e a proteção dos direitos individuais. Ao mesmo tempo considera uma perspectiva

substancial, como resistência ao poder, e como reivindicação por melhores condições de vida,

como preservar a liberdade individual, a liberdade social e econômica.

Ditam não somente os juristas, que na liberdade descortinam-se a sensibilidade e a

acessibilidade, levando a alternativas de conduta e de resultado, e que os bens jurídicos são

situações, estados ou propriedades essenciais que merecem a proteção jurídica, atendendo, por

exemplo, o princípio da livre iniciativa na busca de realizações com autonomia, protegidos pela

liberdade de escolha. A liberdade é um valor, e por isso deve ser buscada ou preservada.

Devendo ter sempre em mente a razoabilidade, a proporcionalidade e a proibição de excesso195.

194 Caput, do artigo 173 da CF. 195 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos, op. cit. p. 131.

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Examinada pela perspectiva institucional, tem-se o traço constitutivo e diferencial da

liberdade, na linguagem de Cerroni196, o seu caráter jurídico. Existem as liberdades,

mundanizadas e laicizadas, enquanto objeto de reconhecimento jurídico e sistematização

positiva. O perfil da liberdade, ou os perfis das liberdades, se decompõe em inúmeras espécies:

liberdade política, econômica, intelectual, artística, de saber, de ensino, de palavra, de ação, e

outras, que tem definição pela ordem jurídica.

Extrai-se de Grau que a liberdade de iniciativa econômica não se identifica apenas com a

liberdade de empresa, porque ela abrange todas as formas de produção, individuais ou coletivas,

expressando a ideia de liberdade como acessibilidade e sensibilidade a alternativas de condutas

e de resultados, pois não se pode entender como livre aquele que nem ao menos sabe usar a

possibilidade de reivindicar alternativas de conduta e de comportamento – aí, a sensibilidade.

E não se pode chamar livre aquele ao qual tal acesso é sonegado, aí, a acessibilidade197.

Portanto pode-se e deve-se exercitar direitos, não só acenar, para que haja livre atuação

na contratação e na associação entre trabalho e atividade empresarial, asseverando Franco que:

[...] as empresas são apenas as formas de organização com característica

substancial e formal (jurídica) de índole capitalista. Entre as formas de

iniciativa econômica encontra-se a iniciativa privada, a iniciativa cooperativa,

a iniciativa autogestionária e a iniciativa pública.

[...] Quanto à inciativa pública198, reportando-se ao art. 61 da

Constituição de Portugal, para dizer que “não fala em iniciativa pública: pois

a iniciativa do Estado e de entidades públicas não poderia caber em nenhuma

forma de direitos do homem ou direitos fundamentais199.

Uma das faces da livre iniciativa se expõe como liberdade econômica, ou liberdade de

inciativa econômica, cujo titular é a empresa. Em sua raiz o principio era expressão de uma

garantia de legalidade, tornando explicita a observação de Galgano200, nos termos da qual o

conceito de Estado de Direito exprime, em relação ao burguês singelamente, aquela mesma

exigência de um limite à ação pública, para salvaguarda da iniciativa privada, que o conceito

de Estado liberal exprime em relação à burguesia no seu todo. Nesse cenário saltam inúmeros

sentidos, com faces de liberdade de comércio e indústria, e de liberdade de concorrência.

196 CERRONI, Umberto. La libertad de lós modernos, trad. De R. La Iglesia, Ed. Martinez-Roca, Barcelona, 1972,

p. 11. 197 GRAU, Eros. A Ordem econômica na Constituição de 1988. 8a. ed., São Paulo, Malheiros, 2003, p. 181 198 FRANCO, Antônio Sousa. op. cit. p. 236. 199 FRANCO, Antônio Sousa. Noções de Direito da Economia. Lisboa. Associação Acadêmica da Faculdade de

Direito de Lisboa. 1982-1983, p. 228. 200 GALGANO, Francesco. Il Diritto Privato fra Codice e Constituzione, Zanichelli Bolognam 1979, p. 39

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Assinala-se o critério classificatório, acoplando-se ao que leva à distinção entre liberdade

pública e liberdade privada, e desse critério equaciona-se com a liberdade de comércio e

indústria. A atividade econômica proporciona a liberdade publica de criar e explorar não sujeito

a qualquer restrição estatal, senão em virtude de lei, bem como exercitar a liberdade de

concorrência.

A liberdade privada confere a faculdade de conquistar a clientela, desde que não através

de concorrência desleal, e abusos. O Estado deve procurar atuar com a maior neutralidade diante

do fenômeno concorrencial, sem interferir na prática mercantil entre os concorrentes.

Importa deixar bem vincado que a livre inciativa é expressão de liberdade não apenas

pela empresa, mas também com relação ao trabalho. Portanto a livre iniciativa se expressa e se

valoriza no trabalho livre em uma sociedade livre e pluralista. A participação espontânea do

homem na produção com algo novo, funda e estimula a produção de riqueza, elevando-se como

fator estrutural que não pode ser negado pelo Estado, tampouco por qualquer pessoa natural ou

jurídica, a impedir a livre iniciativa.

A liberdade amplamente considerada como real, material, é um atributo inalienável do

homem, concebida em um todo social, e não tratado, exclusivamente com caráter individual. A

livre iniciativa é um dos desdobramentos do direito de liberdade humana.

Para Sandroni201: Princípio do liberalismo econômico que defende a total liberdade do

individuo para escolher e orientar sua ação econômica, independentemente da

ação de grupos sociais ou do Estado. A liberdade para as iniciativas

econômicas, nesse sentido, implica a total garantia da propriedade privada, o

direito de o empresário investir seu capital no ramo que considerar mais

favorável fabricar e distribuir os bens produzidos em sua empresa da forma

que achar mais conveniente à realização dos lucros.

Constata-se uma contemplação da livre iniciativa no sistema capitalista, com sentido de

livre iniciativa empresarial que visa o lucro, apoiando-se na atividade mercantil. A livre

iniciativa está vinculada a livre concorrência, embora não se deva confundir como um

significado contrário a alguma situação de combate ao monopólio, bem como as distorções que

se apresentam no mercado em constante competição.

201 SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. 2a. ed., São Paulo, Best Seller, 1999, p. 352.

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2.2 Livre concorrência

Preceitua Barbieri Filho202 que a concorrência é disputar em condições de igualdade, cada

espaço, com objetivos lícitos e compatíveis com as aspirações nacionais. A livre concorrência

erigida na Constituição de 1988, congrega princípios que são considerados inerentes a uma

ordem econômica, pressupondo vários competidores num campo de liberdade de disputas

licitas, objetivando alcançar êxito econômico ditados e sob as leis de mercado, não podendo

esquecer a repressão ao abuso do poder econômico sob a perspectiva da dualidade dos

processos decisórios público e privado.

Ajusta-se203 a um quadro de princípio constitucional impositivo, dentro do que considera

princípios constitucionais como a alma de uma Constituição. Impositivos seriam todos os que

instituem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e execução de

tarefas, sem esquecer as garantias em favor dos cidadãos.

Reconhece Grau204, observando o “abuso do poder econômico”, mesmo por

circunstância, não tem o condão de banir da realidade, soando estranha a consagração

principiológica da livre concorrência, e para que tal não ocorresse, em presença da consagração

do princípio: “A lei reprimira os abusos decorrentes do exercício da atividade econômica ...”.

Isto levaria entender como um “livre jogo das forças de mercado, na disputa de clientela”, a

partir de um quadro de igualdade jurídico-formal. Essa igualdade, contudo, é reiteradamente

recusada, uma vez que a própria Constituição abre janelas nas suas disposições, quando por

exemplo, dispõe que dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, definidas

em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivar a simplificação de suas obrigações

administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas

obrigações por meio de lei.

O que se constata ao longo da história da atividade mercantil, o mais comum é a existência

da desigualdade entre os que se dedicam ao comércio. Essa constatação não mudou muito, tanto

assim, que, contemporaneamente o exercício empresarial com os agentes econômicos são

vivenciados nos mais diversos modelos e setores, com características apoiadas em uma ordem

econômica fundada na livre iniciativa, agitando a livre concorrência, numa efervescência a cada

202 BARBIERI FILHO, Carlo. Disciplina jurídica da concorrência: abuso do poder econômico. São Paulo.

Resenha Tributária, 1984, p. 119. 203 CANOTILHO. Op. cit. 204 GRAU. Op. cit.

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dia maior, fazendo surgir novos modelos, cada mais engenhosos, face as incríveis inovações a

deixar perplexo o observador.

A desigualdade é uma figura típica, presente num regime de livre iniciativa, inafastável

pela rivalidade exercitada entre os atores desse cenário, sendo uma nítida realidade no seio da

estratificação empresarial, que enseja e permite competição, visando a exploração de

empreendimentos dos mais variados, por mais diminuto que seja, inovando e transformando as

atividades vigentes, proporcionando comodidades e facilidades para os empresários e

consumidores.

A livre concorrência sobrevive mesmo que não se estabeleça limitações num determinado

mercado, permite que cada atividade empresária dispute fatias da economia, com todas as suas

forças e armas, desde que estejam e se submetam a uma paridade legal, postas pelo próprio

mercado, atuando com lealdade. Nessa circunscrição deve haver igualdade de atuação,

evitando-se destemperos dos atores quando desprovidos de imanar talento para concorrer,

preferindo buscar eliminação do concorrente com armas desiguais, resultando danos e prejuízos

a economia popular.

A livre concorrência é a garantia de oportunidades iguais a todos aqueles que se dedicam

a atividade mercantil, envolvendo-se na competitividade que gera vários tipos de agentes, com

dimensões variadas, uns de tipos intermediários, comumente designados como medianos, e

grandes e pequenos agentes econômicos, mas todos com garantias para um exercício mercantil

equilibrado.

Debatendo o tema Salomão Filho205 mostra o direito como uma ciência valorativa e

finalista, cujo fundamento é discutir sua função objetivamente, porque as ideias passaram do

campo econômico para o das ciências sociais, influenciando o direito.

Colhe-se nos comentários de Carvalho e Lima206 sobre a noção de concorrência, a ideia

de luta, de competição em busca de vantagens, geralmente econômicas, conferindo que

concorrer é abrir caminho, e alargá-lo com conquistas, podendo ocorrer predominância e até

mesmo oligopólio. Na área econômica a obtenção do lucro representa conquista, mesmo que

205 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. 4a. ed., Malheiros, 2011, p. 17 e seguintes. 206 CARVALHO, Vinicius Marques de; LIMA, Ticiana Nogueira de Cruz. A nova lei de defesa da concorrência

brasileira: comentários sob uma perspectiva histórico-institucional. Publicações da Escola da AGU, n. 19, p.p. 9-

33.

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seja em detrimento da sobrevivência das empresas que competiram ou competem para obter

maior vantagem e melhor espaço no mercado.

Importante considerar e ressaltar que a concorrência não é um fenômeno uniforme e a-

histórico, e que a sua intensidade depende de uma série de fatores culturais, econômicos,

políticos e sociais, tanto assim, que, modernamente a livre concorrência é considerado um

processo comportamental competitivo, que admite gradações, pluralidade e fluidez.

A concorrência numa economia clássica, quando o mercado apresentava-se num processo

de interação entre sujeitos privados, regulado pelo pressuposto da busca do aperfeiçoamento,

com o passar do tempo absorveu densamente técnicas, levando-o a patamares diversos, dentre

eles o da intervenção estatal, a missão de aperfeiçoamento para atender às novas tarefas que se

apresentam ao Estado para ser o exercitador dessas novas funções, inclusive para promover o

bem-estar social, garantindo o sistema de livre mercado, assegurando o respectivo equilíbrio

econômico e social.

Quando no Estado pós-liberal o principal objetivo da política econômica foi a expansão

da renda nacional e o desenvolvimento das forças produtivas por meio da sua ação propulsiva

em que o Poder Público, com vistas ao crescimento, procurou alcançar através das estruturas

do sistema econômico, o aperfeiçoamento e processos de transformação.

Esses exercícios, quando vivenciados em países denominados subdesenvolvidos, nem

sempre obtiveram resultados alvissareiros, ou pelo menos não obtiveram a velocidade desejada

para aqueles momentos. Hoje, uns mais céticos, outros menos, encaram que determinadas

práticas podem ser renovadas, reinventadas, ou simplesmente abandonadas a fim de evitar

nefastas repetições, com decepções já experimentadas, desenvolvendo-se novas criações em

moldes para bons produtos.

Os projetos de caráter experimental, não devem ser colocados no mercado nos períodos

de estágio para criar qualquer dano ao consumidor. É comum que produtos em pesquisa sejam

divulgados criando expectativas pelas novidades, mas sem a devida comprovação de eficiência.

O consumidor não pode ser enganado por um novo rotulo, mascarando produtos sem

confirmação da qualidade. Qualquer postura sob esse figurino propicia lucro indevido,

vantagem econômica financeira impropria. A atividade concorrencial não admite negócios

desleixados que acarrete dano ao consumidor, por maior que seja a expectativa do resultado

benigno do produto.

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O mercado enquanto instituição social passou a ser entrecortado por uma série de

objetivos de políticas públicas, convivendo os seus atores subordinados a estratégias de ação

pública que dificilmente consideravam os ditames da livre iniciativa e da busca do efetivo

equilíbrio. Existia uma predominância do subterfugio e do sub-reptício que possibilitava

eliminar a autoria dos bons negócios e das criações. Mas as reações da astucia e a inteligência

humana tem superado as mazelas da área.

A expansão da ideia de desenvolvimento não foi bem absorvida no debate econômico sob

um devido processo de aperfeiçoamento que favoreça o equilíbrio. Na realidade houve um

estímulo para a concentração de interesses, muitos deles inconfessáveis, mas sem a devida

garantia de segurança técnica ou jurídica.

O estudo desenvolvido por Galbraith207, cujo maior destino e densidade foi enfocar a

economia americana naquele instante, propicia dele colher análises dos aspectos úteis às

considerações de ordem geral, como a causa das transformações da postura do Estado frente à

organização econômica e ao mercado, dado a uma possível derivação, ou compreensão da

decadência de uma teoria do capitalismo, vivenciado nos séculos passados, onde, tem-se, ou

busca-se uma compreensão de uma economia estruturada.

Na economia estruturada com base em um sistema, todos os estímulos incitam ao

emprego de homens, capital e recursos naturais para produzir com a máxima eficiência o que a

população mais deseja, e sobretudo quando o mercado se empolga. O pressuposto básico de

alcançar melhores níveis de eficiência, fundava-se na inexistência ou irrelevância do poder

econômico privado.

O caráter pouco ameaçador do poder econômico era visto como regra geral, decorrência

automática do ambiente concorrencial que prevalecia na vida econômica, e não eram exigidas

maiores intervenções do Estado. Muitas mudanças ocorreram no cenário mundial,

especialmente em face do questionamento teórico da economia clássica. Keynes208

considerando a teoria econômica liberal (do laissez-faire), entendida simples e bela, que

frequentemente se desprezava o fato dela não decorrer da realidade, mas de uma hipótese

incompleta, formulada com a finalidade de simplificação, gerando uma ideia de que os

indivíduos agem de maneira independente para seu próprio bem.

207 GALBRAITH, John Kenneth. O novo Estado Industrial. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira, 1986. 208 KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro a Moeda. Os Economistas. Trad. Mario R. da

Cunha. Editora Nova Cultural. 1996, Circulo do Livro Ltda.

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A intensificação da atuação do Estado na órbita econômica estaria associada a um

questionamento não apenas teórico, mas acentuadamente prático, do que Galbraith

convencionou chamar de modelo baseado na concorrência.

Da crítica à “Lei de Say” Keynes caminha em busca de uma explicação analítica para o

desemprego, e tenta dar fundamento teórico as sugestões de intervenção estatal como geradora

de demanda para garantir níveis elevados do emprego. E importante notar que inúmeros

economistas de orientação ortodoxa também advogaram gastos públicos para combater o

desemprego, a exemplo de Pigou e Robertson. A crítica de Keynes se concentra na

inconsistência entre os fundamentos teóricos desses autores, de um lado, e suas recomendações

praticas, de outro.

Interessante avivar situação acontecida nos Estados Unidos proibindo contratos e

combinações que restringissem o comércio, e as tentativas de monopolização de setores

econômicos. Com base nessas regras, algumas decisões importantes foram tomadas pela

Suprema Corte americana, ainda nos primeiros anos de vigência da lei, amplamente conhecido

e denominado como Sherman Act de 1890 (durante o Movimento Progressista com John

Sherman)209 / 210.

Partindo do pressuposto de que a concorrência não é um fenômeno uniforme e a-histórico,

tem-se também aspectos relevantes que influenciaram, e que são vistos na evolução histórica e

institucional do direito da concorrência com enfoque nas mudanças ocorridas no cenário

brasileiro. Desse modo, percebe-se da necessidade de haver uma legislação para contextualizar

e para defender a concorrência, explicando os principais avanços institucionais da reforma.

Chama atenção Calixto Salomão Filho211 que para a escola estruturalista, em uma

indústria concentrada, as firmas estão protegidas da competição por barreiras à entrada,

consistentes em economias de escala, exigências maiores de capital, know-how escasso e

209 O mencionado ato estabelecia regulação para garantir a concorrência entre empresas nos Estados Unidos,

evitando que qualquer uma se tornasse suficientemente grande para ditar as regras do mercado em que atuava,

provocando intensos debates políticos sobre as melhores formas de controlar a aceleração da concentração

econômica, promovida pelas grandes corporações econômicas e disciplinadas por meio de um instrumento

contratual chamado trust. Em decorrência daquele ato houve uma aceleração de mecanismos legais de controle,

em virtude de processo que era visto como ameaçador ao desenvolvimento econômico, e até político da nação,

como o próprio senador Sherman afirmou: ‘Nós temos falado apenas das razões econômicas que proíbem o

monopólio; mas há outras, baseadas na crença de que grandes indústrias são inerentemente indesejáveis, à parte

os resultados econômicos. Além disso, “a concentração excessiva de poder econômico gera pressões políticas

antidemocraticas” 210 KEYNES, John Maynard. O fim do Laissez-Faire. In SZMRECSÁNYI, Tamás (org.). Coleção os grandes

cientistas sociais, vol. 6. São Paulo. Ática, 1984. P. 117.7 FIORI, op. cit. 48. 211 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial – as Condutas. Malheiros. 2003.

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diferenciação dos produtos. Nessa estrutura, em que há poucos vendedores no mercado, há uma

diminuição dos custos e das dificuldades de atuação em conjunto, o que proporciona acordos

tácitos ou explícitos entre as empresas com objetivos de redução da produção e aumento de

preços. E o mesmo Salomão Filho relata que:

O direito comercial é tradicionalmente considerado um setor dinâmico

nos institutos e regras, mas o dinamismo é visto como oriundo da capacidade

de transformação e busca por originalidade do meio econômico (e não do

direito) – ou seja, o dinamismo dos institutos jurídicos deriva normalmente do

ritmo aclarado das mudanças no mundo econômico.

Normalmente, inclusive no cenário internacional, direito comercial

vem associado a manutenção das estruturas e conservadorismo, mesmo em

época que o sistema capitalista tão gritantemente clama por mudanças de

fundo212.

No caso brasileiro, a análise sobre a organização histórica da intervenção do Estado na

organização das relações econômicas se reflete na história legislativa, referente ao papel

desempenhado pela defesa da concorrência nesse processo, reflexões são exercitadas sobre

mudanças na ordem constitucional, na forma de atuação do Estado, inclusive críticas sobre o

relacionamento e funcionamento de empresas, dos mercados dentro dos limites que as

estruturas econômicas podem impulsionar ou demarcar os efeitos das estruturas alteradas.

A evolução econômica e política do Brasil213 no período colonial, Portugal impunha uma

relação eminentemente fiscalista, utilizando o poder da metrópole para forçar impostos à

colônia. A referência expressa à liberdade econômica aparece pela primeira vez na Constituição

brasileira de 1934, em seu artigo 115, prevendo que a ordem econômica seria organizada

conforme os princípios da justiça e das necessidades da vida nacional, possibilitando a todos a

existência digna, limites dentro dos quais seria garantida a liberdade econômica. As limitações

à liberdade dos agentes econômicos decorriam da necessidade de fazer frente à crise econômica

que teve início com a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929.

O primado da iniciativa privada foi colocado na Constituição Federal de 1937 de maneira

explícita no artigo 135, possibilitando a intervenção estatal, ressalvando, no entanto, que seu

212 Idem. Teoria crítico-estruturalista do direito comercial. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p.p. 7-10. 213 GOMES, Laurentino. 1822. Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 2010. O Brasil conseguiu manter a integridade do

seu território e se firmar como nação independente, como espaço politico decorrente de ação dos trunfos, desde a

vinda de D. João VI, que, com a transferência da Corte portuguesa teve início uma série de iniciativas que

acabariam por fomentar o desenvolvimento do país, dentre as quais a abertura dos portos, a fundação do Banco do

Brasil e a liberação da manufatura e indústria, revogando-se o Alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibia suas

instalações na colônia. A independência do Brasil com o esforço dos mais variados seguimentos, inclusive sob os

auspícios de lojas maçônicas213, tinham como finalidade, dentre outras, o estímulo ao livre comércio sob um regime

liberal, isso não impediu que a crescente influência da aristocracia agrária no governo imperial, assegurando para

si uma série de privilégios, principalmente por meio das tarifas alfandegárias.

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destino era para suprir as deficiências da iniciativa individual e para coordenar os fatores de

produção, a fim de evitar ou resolver os possíveis conflitos. Também está presente o principio

da proteção à economia popular estribada no artigo 141 (da Constituição de 1937), dando

fundamento ao decreto-lei 869, de 1938, que tipificou, pela primeira vez, algumas dessas

condutas, como o açambarcamento de mercadorias, a fixação de preços mediante acordo entre

empresas, e a venda abaixo do preço de custo. É de advertir que o aludido decreto-lei estava

concebido sob previsão de que a intervenção do Estado na economia se daria de maneira apenas

subsidiária, gerando efeitos apenas na repressão de fraudes contra o consumidor, tendo pouca

influência na defesa da concorrência.

O Decreto-lei nº. 7.666, de 1945, foi o primeiro texto normativo a tratar das infrações à

ordem econômica como infrações administrativas, e não penais (como o fazia o Decreto-lei

869). Foi o primeiro documento brasileiro a estabelecer a necessidade de autorização de um

órgão administrativo, pois, desde então havia necessidade de apreciar a realização de certos

atos empresariais, como a formação, incorporação, transformação e agrupamento de empresas,

ajustes e acordos que produzissem ou pudessem produzir os efeitos de aumentar o preço de

venda dos produtos daquelas empresas, suprimir a liberdade econômica ou influenciar o

mercado de modo a estabelecer um monopólio.

Em 05 de outubro de 2011 surge a lei nº. 12.529, que Carvalho e Lima214 examinam com

o novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, entendendo como um desenho

institucional eficiente para a implementação da política brasileira de defesa da concorrência,

mostrando as alterações e avanços no que tange à implementação de políticas no âmbito do

SBDC, do direito material frequentes discussões sobre as normas até então vivenciadas pelo

antigo regime, entendendo-se que a nova lei teria aberto caminhos para uma política de defesa

da concorrência, em especial, com vistas a repressão às infrações contra a ordem econômica.

Segundo esses pesquisadores, a nova lei promove uma alteração na estrutura dos órgãos do

governo responsáveis pela proteção e defesa da concorrência no país, buscando alcançar uma

adequada conformação no que tange a consolidação das funções de investigação e decisão no

Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

214 Vinicius Marques de Carvalho e Ticiana Nogueira da Cruz Lima. A nova lei de defesa da concorrência

brasileira: Comentários sob uma perspectiva histórico-institucional. Escola de Advocacia Geral da União,

Ministro Victor Nunes Leal, Revista Ano IV, n. 19. Jul./2012. Brasília.

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Nos comentários de Carvalho e Lima extrai-se dados da tese de Camila Cabral Pires

Alves215 mostrando a influência, as dimensões jurídica e econômica, aplicando os conceitos e

princípios econômicos num contexto jurídico-institucional, selecionando princípios e métodos

que devem ser incorporados na legislação. Os aludidos pesquisadores observam práticas

antitruste num arcabouço, cujos limites decorrem das condições institucionais e dos agentes

que atuam na sua aplicação, buscando soluções para os casos antitruste que tende a se expandir

de forma crescente, nas principais economias do mundo. Os fatos econômicos que substanciam

as alegações com respeito as situações traumáticas, conduz para uma demonstração e cálculo

para ressarcimento de danos, bem como a identificação de mercado relevante e poder de

mercado, sem deixar de avaliar os efeitos competitivos de condutas e fusões, e outros aspectos.

Do comentado, tem-se uma visão do que se apresenta como inovações institucionais mais

importantes na Lei nº. 12.529/11, com os estudos sobre o mercado como mecanismo para

aproximar a política concorrencial e do consumidor, na medida em que procuram acomodar

uma perspectiva mais ampla do que apenas organizar fundamentos para se iniciar uma

investigação, viabilizando recomendações na área de defesa do consumidor.

No eixo criminal, os penalistas lecionam que a Lei nº 12.529/11 alterou a tipificação

dos crimes contra a ordem econômica previstos na Lei nº 8.137/90. Na área civil há estímulo à

cultura da reparação de danos causados por cartéis, apontando para ações de ressarcimento

contra cartéis, face, os prejuízos sofridos, e também uma via reparatória, que pode ser

deflagrada por iniciativa do Ministério Público e por entidades de defesa do consumidor ou

pelos próprios consumidores, com base no artigo 47 da aludida lei.

O direito, ainda mais que outras ciências sociais, tem a capacidade de valorizar o

elemento humano no conhecimento social. Não são leis econômicas, de mercado ou

deterministas que influenciam o conhecimento social, mas sim o individuo, por vezes isolado,

por vezes como ente coletivo e historicamente considerado216. Nessa perspectiva jurídica do

conhecimento, o direito empresarial ganha importância e sentido novos, compreendendo não

ser possível que o direito empresarial se apresente como um mero observador e receptor dos

215 ALVES, Camila Cabral Pires. Métodos Quantitativos na Avaliação dos Efeitos de Fusões e Aquisições: uma

analise econômica e jurídico-institucional. Tese de doutorado. Instituto de Economia da Universidade Federal do

Rio de Janeiro. 2009. 216 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 4a. ed., Malheiros, 2011, p. 19.

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dados da vida empresarial. Ao transformar esses dados em valores, influencia o próprio

conhecimento da vida econômica217.

Importante observar que é no campo regulatório que a concepção valorativa do

conhecimento entra em choque, até mesmo ideológico, com a concepção determinista da

ciência econômica. Choque esse que, como sugere a doutrina, ocorre exatamente em um campo

onde Marx vislumbrava a prova do caráter conflitivo do sistema capitalista. Daí a importância

do direito, que deve tentar eliminar, ou diminuir esse conflito218.

Dessa visão do direito empresarial, situa-se a cooperação como um dos meios mais

modernos de superação dos problemas de informação entre concorrentes. Salomão Filho

acentua, que a cooperação empresarial (lícita), é uma das formas mais adiantadas e eficientes

de eliminar os problemas de informação no mercado.

Edvaldo Brito219 trata da figura do ato de concentração, como forma de abuso do poder

econômico, assevera que:

O ato de concentração tem uma interface com a concorrência, por isso,

ele pode ser lícito, quando não ofende, e ilícito, quando a dificulta ou a

elimina. Nem sempre ele é facilmente identificável, razão por que o legislador

sempre descreve hipóteses para configurá-lo em situações disfarçadas de

legitimidade.

Os processos de eliminação da concentração ofendem, em primeiro

plano, o consumidor que fica à mercê de preços abusivos e de bens para a sua

subsistência, abaixo do padrão de qualidade.

Existindo a concorrência, instaura-se a possibilidade de escolha

desses bens, pautando-se sobre os melhores.

A livre concorrência esbarra, algumas vezes, infelizmente, numa legislação lesiva,

perniciosa, cujas lacunas possibilitam práticas ilícitas, criada por negligência ou até mesmo por

intenção de legisladores sem compromissos maiores para com o povo.

O legislador não deve estar distante do compromisso de lealdade e proteção que tem

para com a sociedade que o elegeu. É um juramento inafastável para com o cidadão, seu

representado. Esse descumprimento eiva a aplicação da legislação, que se torna impropria,

senão maléfica, porque não irá satisfazer os interesses da sociedade.

Em geral a legislação lacunosa implica proporcionar interpretações maliciosas, sem

sintonia que leva ao aforismo: “Aos inimigos o rigor da lei. Aos amigos as falhas / benefícios

217 Idem, p.p. 19-20. 218 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário; 4a. ed., Malheiros, 2011, p. 20. 219 BRITO, Edvaldo. Reflexos jurídicos da atuação do Estado no domínio econômico. São Paulo, 2a. ed., Saraiva,

2016, p.p. 231-232.

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da lei. Aos indiferentes, simplesmente a lei”, que seria o resultado de uma deformidade do

quanto Maquiavel expressou: “Aos amigos do rei as benesses da lei. Aos inimigos, os rigores

da lei”. Da mesma forma a necessária consideração a respeito dos tipos odiosos de cartel, que,

quando estabelecidos e controlados, podem transformar em métodos de eliminação de

assimetria a outras pessoas. Observa-se também com relação a superprodução, considerada vilã

para os agentes econômicos, quando desperdiça riquezas que poderiam ser alocadas em

benefícios favorecendo pessoas e lugares onde a produção de bens tem escassez e a troca de

informação serve para minimizar esses efeitos econômicos e sociais negativos, reduzindo o que

os economistas chamam de dispersão de preços e/ou quantidades produzidas220.

Cabe sublinhar que a liberdade de concorrência é um imperativo constitucional, como

se pode deduzir no contexto do inciso IV, do artigo 170 da Constituição Federal, harmonizando

com o princípio de iniciativa, disposto no caput do artigo 170 da mesma Carta, mostrando a

necessária presença do Estado regulador e fiscalizador, capaz de disciplinar a competitividade

enquanto fator relevante na formação de preços221.

Vale lembrar Moncada ao tratar dos direitos econômicos, sociais e culturais e a

igualdade material, ao dizer que:

O objetivo da transformação das estruturas económicas, sociais e

culturais consequente à efetivação dos direitos e deveres económicos e sociais

e culturais, é a promoção da igualdade material entre os cidadãos. A igualdade

material logra-se através da melhoria das condições de vida e consiste no

programa do Estado Social. A referida melhoria obtém-se através de um

conjunto alargado de prestações. É valor integrante da opção constitucional

pela democracia económica, social e cultural, não apenas a consequência

decisão maioritária avulsa.

O princípio da igualdade comporta uma obrigação de tratamento

idêntico daquilo que é igual e uma obrigação de diferenciação das situações

distintas. A igualdade é a formal perante a lei, mas também é a material a obter

através da lei. Analisa-se esta num dever legislativo de diferenciação

compensatória. Ora, tal dever tem consequências evidentes na situação material de largas camadas da população, precisamente as mais

desfavorecidas e traduz-se numa politica económica e social do Estado, pelo

que o combate a certas desigualdades se apresenta como parte integrante e

significativa da CE. Manifestações desta ideia são as alíneas a) e b) do artigo

81.º, a título de incumbências prioritárias do Estado. A justificação desta

política legislativa de compensação das desigualdades de facto é a

consideração de que a autonomia do individuo, condição do conteúdo moral

da sua atividade, não fica perfeita sem um mínimo de condições materiais que

assegurem o respectivo exercício.

220 SALOMÃO FILHO, op. cit. p. 21 221 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Constituição de 1988: legitimidade, vigência e eficácia, supremacia. São

Paulo: Atlas, 1999, p. 128.

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Isto significa que as concepções constitucionais da igualdade fazem

parte considerados de justiça material. A igualdade não é assimilada como um

puro conceito abstrato. Ora, isso coloca a questão da adequada distribuição

das liberdades, desconhecida dos direitos de tipo clássico. Resta saber que

noção de igualdade distributiva se vai adoptar 222.

Tal como o direito europeu, em especial no direito português, como salienta

Moncada223, os critérios da posição dominante atende ao que estabelece como uma quota de

mercado, e que o critério da posição dominante deixou de ser ‘objetivo’ e passou ser, tal como

o europeu, predominantemente ‘subjetivo’, e que o direito português da concorrência utilizando

um muito amplo conceito de empresa, preocupa-se com a repressão da posição dominante

sobretudo por efeito dos grupos de empresas atuando estrategicamente no mercado. E enfatiza

o jurista português que não é a posição dominante que se sanciona mas o respectivo abuso. O

que se pretende é impedir que a empresa possa atuar como se estivesse sozinho no mercado. Os

comportamentos abusivos, por sua vez, podem ser os mesmos que justificam a nulidade dos

contratos, decisões de associações e práticas concertadas e práticas concertadas que lhes dão

origem (preços inferiores, recusas de venda, discriminações, certos descontos, etc.).

O direito, em geral, é sensível as situações de abuso, inclusive o denominado ‘abuso

vertical’ que decorre de certo grau de dependência econômica por via contratual entre empresas

independentes de qualquer participação no capital, muitas vezes não expresso na lei, porque

podem certas empresas não ser dominantes no mercado, lembrando algumas situações

concernentes aos subsídios estatais não deve restringir ou afetar de forma significativa a

concorrência no todo ou em parte do mercado.

Postas essas considerações sobre livre iniciativa e livre concorrência, matérias

irmanadas, indissocialmente interligadas, tem-se, que não se pode reduzir a liberdade de

concorrência a uma concepção privada, mas, reconhecer que a coibição de práticas

anticoncorrenciais podem residir na proteção, quando desenvolvida de forma leal, respeitadas

as regras mínimas de comportamento entre os agentes econômicos. Observa-se por exemplo a

repressão e apropriação da clientela, dentre outras.

Em certos países de economia de mercado à exemplo da França, a proteção às pequenas

e médias empresas depara-se com a polêmica que se insere na luta politica, que as forças

222 MONCADA, Luís S. Cabral. Direito Económico. Coimbra Editora. 6a. ed. 2012, p. 182-183. 223 Idem, op. cit. p.p. 574/578.

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politicas marxistas criticam asperamente por considerar como uma ilusão ou uma medida de

prestigiditação que só beneficiará as grandes empresas e os grupos econômicos de maior porte.

Não se pode deixar de considerar que muitos ditames das posturas mercantis se originam

das pessoas jurídicas e das empresas que possuem órgão, como companhias estatais que

interferem no mercado sob justificativa da contrapartida da prestação de serviço de interesse

geral, e de certos exclusivos e direitos especiais concedidos pelo Estado, unilateralmente ou em

consequência de algum contrato administrativo de concessão de serviço público, cujos

dinâmicos aspectos contribuem na estruturação jurídica e em certas atividades da sociedade de

economia mista, presente nos mais diversos cenários de uma realidade econômica.

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3. PESSOA JURÍDICA - SOCIEDADE ANÔNIMA - ÓRGÃO

O sistema jurídico no Brasil atribui direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e

exceções a entes humanos ou a entidades criadas e entendidas para atuação no amplo campo do

direito. Uma delas é a pessoa jurídica considerada como oriunda do mundo fático, fruto da

criação humana, cabendo ao direito reconhecê-la e protegê-la.

Uno de los conceptos jurídicos que mayor debate ha producido en la historia

de la legislación civil y comercial lo constituye sin duda el de persona jurídica

y, consecuentemente, su régimen legal, tanto en el derecho patrio como en el

comparado.

[...] En consecuencia, a renglón seguido el codificador distingue entre las

personas de existencia ideal y las visibles y cabe puntualizar que, al enunciar

el concepto de persona, no se pretende decir qué es persona o cuál es su

esencia, sino que el ordenamiento jurídico reconoce que el carácter de persona

humana puede ampliarse cuando una colectividad se articula conjuntamente.

De allí, que el debate más relevante giró en torno a las teorías relativas a la

persona jurídica y, entre estas, a las llamadas personas de existencia ideal que

receptaban en un primer momento la conjunción colectiva de personas físicas.

Sin embargo, a poco de andar, se apuntó que la persona jurídica era una

construcción artificial y ficticia afirmada a partir de una decisión política del

Estado, es decir, un sujeto creado artificialmente capaz de tener un patrimonio,

incapaz de querer y obrar, para lo cual necesita representante4.

Va de suyo que, como dice la doctrina5, la conceptualización de la persona

jurídica ha provocado un brillante torneo de opiniones y construcciones

sutilísimas, cuya utilidad práctica para la vida es harto dudosa, pero que hoy

en día nuevamente se pone en juego en la búsqueda de definir cuándo hay

personalidad y cuáles son los rasgos o notas que definen a la persona jurídica.

Abierto el juego de opiniones en el esfuerzo de conceptualizar una institución

o figura, por otra parte bien distinto en cada país, ese debate conceptual, como

los referidos a la naturaleza jurídica de algunos institutos, deviene inútil si de

ello no se infieren efectos distintivos. Por tal no dejaremos de referirnos a

ellos, y al porqué y el para qué de la personalidad224.

Assim concebida, a pessoa jurídica é real da mesma forma da pessoa natural, tem deveres

e obrigações, legitimação passiva nas ações e exceções, e legitimação processual passiva.

Adotando-se o princípio da criação personificante, tal como acontece às associações de

fins ideais, ou principio da concessão estatal, que faz depender de vontade, e não só de exame

do Estado, a personificação jurídica, ou o princípio da determinação normativa, que apenas

exige a satisfação de certos pressupostos de direito material, com ou sem exigência de registro

ou publicação.

224 JUNYENT BASI, Francisco A. e RICHARD, Efrain Hugo. Acerca de la Persona Jurídica. A propósito de los

debates sobre su conceptualización y otros aspectos derivados de ello. 2009. Academia en relación al V Congreso

de Derecho Civil, Córdoba septiembre 2009.

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Afirma-se que a pessoa jurídica tem capacidade de obrar, capacidade negocial de atos

jurídicos stricto sensu, de atos-fatos jurídicos e de atos ilícitos. Quem pratica seus atos é o

órgão, ou são os órgãos com funções distribuídas, porque os órgãos são parte dela.

Desse trato sobre o órgão, confirma-se que órgão é órgão, não é representante voluntário,

nem legal. Para Pontes de Miranda, a personalidade do membro do órgão, ou do membro único,

não aparece, não se leva em conta, o que não ocorreria se de representação se tratasse. Enfatiza-

se que o órgão atua e recebe, como o braço, a mão, a boca, ou os ouvidos humanos. O ato e a

receptividade são da pessoa jurídica, porque resulta da sua organização constitucional, do seu

ato constitutivo ou dos estatutos, no que o órgão se distingue do empregado.

O órgão surge quando ele é criado, e as pessoas que o compõem surgem quando nomeadas

ou eleitas. Os atos do órgão são da pessoa jurídica, como órgão e não como representante da

pessoa jurídica. Os doutrinadores admitem a existência de órgãos necessários ou facultativos,

e em decorrência de lei. Só os atos constitutivos e os estatutos dizem como se nomeia ou elege

a pessoa ou colégio, explicitando quais são os poderes e não poder de representação. Se a pessoa

ou pessoas que compõem o órgão atuam fora dos limites da competência, o ato não é ato de

órgão, portanto não é ato da pessoa jurídica, e assim por diante.

Quando se trata de averiguar os atos, necessário se faz procurar a origem, ver de onde

estão vindo, de qual órgão nascem. Isto importante para a vida e a relação dos negócios para

com terceiros, desde quando, um exame prévio do estatuto proporciona um sinal de advertência

ou suprimento para aperfeiçoar os devidos laços, sendo uma fonte do provimento, como ato

constitutivo. Assim, não acontecendo, não há que se pensar em órgão. Pois o estatuto determina

as funções do órgão, tudo decorrendo da regra estatutária.

Com a existência de uma regra estatutária, encontra-se o elemento do tráfico, da sua

concepção e da função, mostrando que o ato não é da pessoa jurídica, face o entendimento de

que a regra jurídica não é interpretativa, mas dispositiva. Seja como for, não há função de órgão

se o ato constitutivo ou os estatutos não o conhecem.

Por outro lado, entende-se que a pessoa jurídica não é responsável pelo ato do órgão que

não obedeceu a forma que o ato constitutivo ou o que os estatutos exigiram, salvo situações

jurídicas especificas que a lei e doutrina explicitam, com a corroboração dos tribunais. Sem

isto, não se pode fazer distinções, para avaliar violações das regras de forma.

O órgão pode ser subordinado, ou não, no todo ou em parte, a outro órgão. Se o

provimento ou o ato do órgão infringiu o ato constitutivo ou os estatutos, a aprovação pelo

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órgão competente sana a invalidade, o que, na dúvida, não se há de entender. O que pode ser

previsível dessa revisão, de um órgão por outro, à exemplo quando se trata da sociedade

anônima que possui Conselho de Administração e Diretoria, e relembrar a assembleia

considerado como órgão maior da instituição.

Uma longa jornada foi trilhada para depurar a figura da pessoa jurídica, e a concepção

doutrinaria sedimentado nessa gama de estudos, inclusive com a manifestação da importância

do direito civil constitucional, proporcionando uma coexistência harmônica, formada pelos

estatutos jurídicos e leis especiais.

Nos axiais estudos225 que servem de alicerce a tantos pesquisadores, estão salientes as

regras próprias, inclusive as que sustentam a ter direito a personalidade, como dado real, o

suporte fático da pessoa jurídica, escopo que envolve o suporte fático da pessoa natural, e do

mesmo modo confere-se a construção com relação a figura do órgão, uma vez que a pessoas

jurídicas, em geral institui o órgão, levando ao entendimento de que: Quem tem órgão pode

consentir, pois o órgão pode. E o órgão não representa; presenta, pois, é órgão. As pessoas

jurídicas não são incapazes de obrar, pois tem órgão.

As pessoas jurídicas trabalham de per si, e por assim ser, acentua-se a diferença entre a

representação das pessoas naturais e o órgão das pessoas jurídicas: em vez de se ter a atividade

do órgão como uma das espécies de representação, devendo-se conhecer o que contrapõe (O.

Von Gierke, Deutsches Privatrecht citado por Pontes de Miranda)226.

Pelo entendimento de R. Von Jhering227, tornava transparente a pessoa jurídica, e de igual

modo para se chegar à negação dela: em verdade, lá estariam pessoas naturais, membros da

sociedade, destinatários dos interesses das sociedades constituídas. E. Holder e J. Binder228

mostram por traz da figura irreal da pessoa jurídica, aquele, órgão, ou os componentes,

conforme a natureza, altruísta ou egoísta, do que compôs, e esse só os membros.

225 PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de Direito Privado – Parte Geral – Tomo I - Introdução. Pessoas

Físicas e Jurídicas, 4ª. ed., São Paulo, RT, 1974, p. 284:

“A expressão ‘pessoa jurídica’ vem do começo do século passado (A. HEISE, 1807). Substituiu outros, como

‘pessoa mística’ e ‘pessoa moral’. Empregou-a F. VON SAVIGNY, o que lhe deu o prestígio que se seguiu (cf.

O. VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, I, 369; W. FREISTAEDT, Die Körperschaften, 5). Tal o nome que o

Código Civil adotou”. 226 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado – Parte Geral – Tomo I, 1954. Editor Borsoi. 227 Idem, op. cit. - Geist, III, 1, 216 s; Der Zweeck im Reccht, I, 469 – citado na mesma obra - autor acima

mencionado. 228 Idem, citados na obra de Pontes de Miranda.

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No mundo fático também faz surgir as pessoas jurídicas criadas pelo homem, ainda em

se tratando do Estado, alguns homens o criaram no passado, talvez um só, ou alguns, ou, por

alguns, todos, conforme lhes pertencia o poder estatal, praticando atos prévios, o dado fático

com que operam.

Deve-se ao embate entre teorias229 ao tratar do que há de comum e diferencial nas

posições doutrinarias que servem para aproximar e ou para afastar as ideias declinadas sobre a

representação, que através de uma exposição didática de Stolze Gagliano e Pamplona Filho,

numa linguagem contemporânea, observa a legislação vigente sobre os vertentes jurídicos,

focando os dispositivos do Código Civil brasileiro (anterior e atual), que a personificação da

pessoa jurídica é de fato construção de técnica jurídica, podendo operar na suspensão legal dos

seus efeitos, por meio da desconsideração, em situações excepcionais admitidas por lei 230. A

doutrina aponta a existência de pessoas jurídicas de direito publico, interno e externo, e de

direito privado, como dispõe o artigo 40 do atual Código civil de 2002.

A pessoa jurídica por se tratar de um ente cuja personificação é decorrência da técnica

legal, sem existência biológica ou orgânica, dada a sua estrutura, exige órgãos de representação

para poder atuar na órbita social. Obviamente não se pode comparar ou trazer a titulo de

exemplo um sentimento de uma pessoa natural, como o elo para estabelecer um vinculo

matrimonial. O órgão da pessoa jurídica possibilita que a união de uma companhia a outra

sociedade empresária, possibilitando transformação, modificação ou formatação legal,

promover fusões, incorporações, cisões, e outras fórmulas de aproximação de negócios, como

uma espécie de casamentos, que podem ser duradouros ou efêmeros.

A pessoa jurídica tem presentação, provem da sua capacidade, a mesma pessoa jurídica.

O artigo 47 do atual Código Civil estabelece a pessoa jurídica os atos administrativos, limites

e poderes definidos na estrutura constitutiva dos seus estatutos para atender o desiderato legal.

As pessoas jurídicas podem possuir órgãos, e assim tendo, os órgãos podem exprimir vontade,

podem gerenciar, dirigir e resolver situações, que podem ser movimentadas no âmbito interno,

e externo.

229 G. Beseler, O. Von Gierke 230 Gagliano, Pablo Stolze, Pamplona Filho, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, 12a. ed., Saraiva, 2010, p.p.

232-270.

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Esses atos-fatos jurídicos poderão ser praticados por outros, ou sejam, por pessoas

naturais e ou outras pessoas jurídicas, conforme as circunstâncias a propiciar, ou com relação a

outras pessoas jurídicas e pessoas naturais, na forma dos seus estatutos, inclusive o mandato.

A respeito da autoria das ações e recepções que produzem efeitos para a pessoa jurídica,

com o necessário concurso das pessoas naturais dos seus diretores, administradores ou

funcionários, como se refere Cavalcanti231.

Clóvis Beviláqua tratando das pessoas naturais como representantes legais, emprega para

designá-las a locução “órgãos representativos”. Entende-se que a representação necessária é

uma expressão sinônima de representação legal. A doutrina contrária à teoria orgânica

reconhece na palavra órgão valor figurativo que a torna eficiente do ponto de vista da

linguagem, conquanto juridicamente seja um conceito inaproveitável232.

Alguns autores entendem como órgãos apenas os internos, tendo como representantes

voluntários e não como órgãos externos da pessoa jurídica os seus administradores, ou, mais

restritamente, os administradores nomeados posteriormente à constituição da pessoa jurídica.

No tratamento das considerações a respeito dos arguidos problemas de linguagem,

decantar algumas locuções utilizadas para não designar determinada conceito de órgão das

pessoas jurídicas, na fala de Cavalcanti233:

Ainda quando não se admita a existência de relações entre a pessoa jurídica e

seus órgãos, de relações dos próprios órgãos entre si, nem a existência de

relações jurídicas unissubjetivas, a expressão “relação com terceiros” não sera

tautológica, dada a existência de uma relação entre representado e

representante, da qual decorre para o último poder de relacionar o primeiro

com terceiros.

Segundo Mortati o nome órgão deve ser reservado aos cargos que tenham relevo externo,

exercendo uma atividade juridicamente relevante fora do âmbito da pessoa jurídica, dado que

os órgãos internos não relacionam a pessoa jurídica com terceiros, descabe estabelecer qualquer

identificação ou distinção relativamente aos representantes, cuja função é precisamente a de

relacionar o representado com terceiros. A esse respeito, manifestou-se Messineo:

Observe-se como aqueles que negam o conceito de órgão (e são a maioria),

referindo-se ao caso dos administradores, não se tenham advertido de que o

conceito de órgão é ineliminável, quando se trata de definir a natureza jurídica

231 CAVALCANTI, José Paulo. Estudos Jurídicos em homenagem ao Prof. Orlando Gomes. 232 FERRARA, Francesco. Teoria de las personas jurídicas. Ed. Reus, Madrid, 1929, nº. 45, p.p. 204-205. 233 CAVALCANTI, José Paulo. Da representação voluntária no Direito Civil, da retificação no Direito Civil.

1965.

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da assembleia, à qual o conceito de representação é inteiramente inaplicável

(o mesmo se diga de cada associado).

Mas, se a assembleia é considerada órgão (e não representante), não se

entende porque deveriam ser representantes os administradores, que têm a mesma natureza da assembleia, enquanto tanto a assembleia quanto os

administradores são instrumentos indispensáveis para que a pessoa jurídica

possa participar da vida do direito.

A assembleia não é representante, porque não relaciona a pessoa jurídica com terceiro, e

a representação supõe esse relacionamento, que é efetuado pelos administradores, que são, por

isso representantes; não têm a mesma natureza, portanto, a assembleia e os administradores,

não obstante ser considerada a assembleia o órgão de maior relevo.

Além da assembleia geral ser entendida como órgão máximo da associação, é muito que

o seu estatuto autoriza a composição de um conselho administrativo ou diretoria, e de um

conselho fiscal. A estrutura organizacional da entidade, respeitados preceitos legais de ordem

pública, depende do conteúdo normativo de seu estatuto. O novo código civil cuidou de

disciplinar um campo de atuação privativo da assembleia geral, ressaltando a sua característica

de órgão deliberativo superior234.

Ao admitir a existência dos órgãos internos não importaria aceitar o conceito de órgão,

ou seja, não aceita a unidade entre pessoa jurídica e pessoa natural, porque, não é a própria

sociedade que exterioriza vontade através dos seus órgãos internos, mas sim são as pessoas

naturais, inclusive na assembleia, exteriorizam a vontade, com eficácia para atender o

mecanismo de funcionamento da pessoa jurídica. Entende-se que a deliberação tomada em uma

assembleia de uma sociedade anônima é decisão da própria pessoa jurídica.

Observa Ferrara que:

A corporação age diretamente, em forma solene, na assembleia geral. A parte

da doutrina considera erroneamente a assembleia como órgão, quando se trata da forma de presentação coletividade da mesma. A totalidade dos membros

forma o corpo da associação, que aparece de forma solene e legalmente

organizada na assembleia: a assembleia geral é o modo oficial de apresentação

da corporação. Não importa que na assembleia não intervenham todos, porque

basta que todos tenham sido convocados; a massa dos associados se reduzirá

aos que voluntariamente compareçam, que representam, ou melhor, que atuam

obrigatoriamente, segundo os estatutos, também pelos abstidos ou ausentes”

(cit. Teoria de las Personas Jurídicas”, nº. 112, p. 763). “Entre assembleia e

corporação não há nenhuma relação de alteridade; se a assembleia age mal,

não é responsável perante o ente; não é concebível uma ação de reembolso da

corporação contra a assembleia, como o é, ao invés, relativamente ao diretor,

ou aos administradores ou aos conselheiros fiscais. Por quê? A razão é óbvia:

234 Reale, Miguel. O projeto do novo Código Civil. S. Paulo, 1999, 2a.ed. p. 65.

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não se pode ser responsável para consigo mesmo; e a totalidade dos membros

reunidos na assembleia é a associação. (Página 765 obra citada)235.

Entretanto a inexistência de ação da pessoa jurídica contra a assembleia decorre,

precisamente do fato de que não é esta última quem delibera, mas a totalidade ou a maioria dos

seus membros, contra os quais, por isso mesmo, tem a pessoa jurídica ação (art. 115, parágrafos

3º. e 4º. da Lei nº. 6.404/76). Comenta Cavalcanti ao invocar o artigo 115, parágrafos 3º. e 4º.

da Lei nº. 6.404/76, no que tange a disposição sobre a incompatibilidade entre a parte inicial e

a parte final do aludido parágrafo 3º. - o acionista responde pelos danos causados pelo exercício

abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido, esclarecendo que:

O enunciado contém uma contradição nos próprios termos, porque se o voto

não prevaleceu não pode ter “causado” nenhum dano.

O parágrafo não impõe nenhuma pena pelo só fato do voto abusivo,

independentemente de qualquer dano efetivamente causado à sociedade, única

hipótese em que a regra não encerraria uma contradição; prescreve, ao invés,

a indenização do dano causado pelo voto, exigindo, assim, um dano à

sociedade e a relação de causa e efeito entre voto abusivo não prevalecido e,

assim, não tenha causado dano algum, a parte final do parágrafo pretende uma

logicamente inviável causalidade sem nexo de derivação, sendo, em

consequência, autófaga ou autodestrutiva: supondo um absurdo, é uma regra

de incidência impossível.

A relação que se estabelece entre as pessoas jurídicas e as pessoas naturais foi

inicialmente entendida como uma relação de representação, mais precisamente de

representação legal, dada a analogia existente com a situação dos incapazes, também

impossibilitados de agir, senão através dos seus representantes.

Para Cavalcanti236 convém estar atento a certas expressões convencionais, uma vez que

estar em algum contexto equivocado, quando se procura exprimir representação nascida em um

negócio bilateral, no entanto, na realidade, seria um negócio unilateral do representado, como

em um instrumento, a exemplo da procuração.

Embora o entendimento das pessoas naturais, como representantes legais da pessoa

jurídica, ainda se diz como dominante entre autores contrários à teoria orgânica. Parte da

doutrina antiorganicista trata a representação das pessoas jurídicas como uma terceira espécie,

denominada representação institucional ou representação orgânica, ao lado da representação

voluntaria e da representação legal, tendo esta última como pertinente apenas aos incapazes;

235 Ferrara, p. 765. 236 CAVALCANTI, José Paulo, op. cit.

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caracterizando-se a representação institucional ou orgânica pela coligação não ocasional ou

provisória, mas estrutural, existente entre pessoa jurídica e pessoa natural.

Do exame dos aspectos da pessoa jurídica como sociedade anônima e órgãos, suas

deliberações e consequências em uma plataforma jurídica especifica, própria, que a sociedade

anônima adota numa estrutura histórica e legal, conduzida para a modelagem e constituição da

sociedade de economia mista no Brasil.

3.1 Sociedade Anônima

A história do direito mostra que na França a partir de 1867, com a Lei de 24 de julho, as

manifestações sobre as sociedades mercantis ganharam ênfase com a criação do modelo da

sociedade empresarial por ações, possibilitando uma regulamentação naquele momento. Dessa

história se extrai a afirmação que não existe um conceito “puro”, imutavel de sociedade

anônima, ou até mesmo um conceito de sociedade mercantil, quanto se procura encontrar

definição atinente à mesma. Tecendo-se observações e aproximações de cada época confere-se

uma permanente evolução da vida humana gerando situações jurídicas que se coaduna com

antigos conceitos que proporcionaram esteio para os estudos posteriores.

Constitui truísmo reconhecer que a sociedade ocidental, em primeiro lugar, e a

humanidade inteira, em seguida, sofreram profundas transformações em seu modo de vida, que

dentre tantas, operou-se a “revolução industrial”. A ciência jurídica abandona a sua posição

meramente interpretativa, para assumir uma autêntica função criadora, como verdadeira

“engenharia social”237. Essa nova concepção apresenta o Estado na economia, a pessoa jurídica

e o órgão, a evolução do mercado com suas características dinâmicas, reunindo os elementos

relevantes da sociedade empresária, em especial com relação a sociedade anônima que serviu

para estruturar a sociedade de economia mista.

O termo sociedade no campo empresarial vem correspondendo a formação de um contrato

gerador de obrigações para uma pessoa, ou quando duas ou mais pessoas se reúnem em ordem

237 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade

anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 90.

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à consecução de um fim comum, não obstante que se admite a sociedade empresária unipessoal

e similar238.

Para Varela239 a sociedade está num contrato, e na comunhão de pessoas, ou no organismo

dele resultante, serem cobertas pela mesma designação, não obstante a consolidação da

personalidade jurídica das sociedades comerciais, gerando a cada passo imprecisões na

doutrina, ou que leva, ou pelos menos não facilita a exposição dos problemas relativos às

sociedades. Alude o jurista português que a confusão em certo aspecto semelhante à que,

durante séculos, se estabeleceu nos Códigos, e nos tratados entre contrato e obrigação, e que

ainda hoje persiste entre o contrato e a relação (contratual) dele emergente; mas com a agravante

as duas realidades distintas serem batizadas com o mesmo iuris. Os estudos sobre a sociedade

mercantil, em especial nos desenvolvidos pelos autores alemães, entendendo em regra que

sociedade corresponde à relação jurídica resultante do contrato, mas, também, admitem o duplo

aspecto que reveste tal relação, que resulta na sociedade240, é não só uma relação obrigacional

entre os sócios, mas, também uma comunhão de pessoas ligadas por um vinculo jurídico-social,

que, como tal, necessita de um quadro mínimo de organização e deve ser distinguida, como

conjunto organizado, dos seus sócios isolados e até da simples reunião deles (von Ihrer Summe).

Comentadores italianos realçam o avanço do artigo 2.247 do Código de 1942 da sua

pátria:

Com o contrato de sociedade duas ou mais pessoas concorrem com bens ou

serviços para o exercício em comum de uma atividade econômica, com o fim

de repartirem os lucros”. O posicionamento doutrinario estava alinhado com

o fato de a sociedade constituir um fenômeno que, além aspecto negocial,

envolve um elemento organizativo mais importante na realização do fim

comum241.

Segundo Varela os lados atinentes ao aspecto contratual e a realidade orgânica da

sociedade suscita conflito aparente entre si. O termo sociedade é usado para designar, ora o

contrato celebrado pelos sócios, ora a comunhão ou órgão de caráter duradouro que polariza os

interesses comuns dos sócios, ora a relação jurídica ou o fenômeno que abrange

simultaneamente os dois aspectos – negocial ou contratual de um lado; organizatório ou

comunitário, do outro – da atividade concertada entre os sócios.

238 Lei nº. 12.441, de 17/7/2011 apontada por C. Salomão Filho, “A sociedade unipessoal”, São Paulo, Malheiros,

1995, p. 68 e ss. 239 VARELA, João de Matos Antunes. O conceito de sociedade anônima, in Estudos Jurídicos em Homenagem ao

Professor Orlando Gomes, Forense, 1979, p.p. 495 a 521. 240 Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, 9ª ed., II, 1968, §, I, p. 288. 241 FERRI, Giuseppe. Delle società, no Comentário de Scialoja e Branca, 2ª. ed. 1968.

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Seja qual for o elemento a que deva aplicar o vocábulo sociedade, o que importa é destacar

a existência de dois lados ou aspectos distintos na constituição e funcionamento da sociedade:

o contratual, expresso na vinculação originária dos contraentes; o orgânico ou institucional,

resultante da criação e satisfação subsequente de interesses comuns a todos eles.

Em regra, avança o aludido autor português, que há concordância entre os dois lados do

fenômeno societário, assente na sua complementaridade. Cada um dos sócios quer constituir a

comunhão ou organização capaz de assegurar a realização do fim proposto. E sabe que a atuação

dessa organização, subordinada ao princípio específico das decisões por maioria, pode implicar

no sacrifício mais ou menos persistente da sua vontade individual às deliberações tomadas pelos

órgãos colegiais.

O direito conferido aos sócios de participação na administração da sociedade, de fiscalizar

a gestão dos negócios sociais, de eleger os dirigentes e de obter informações dos assuntos

atinentes, quer sejam relevantes ou não, para facilitar a compreensão na busca de conciliação

entre os interesses individuais de cada sócio, e os interesses específicos da comunhão dos

sócios, em cada momento representados pelos órgãos sociais, no exercício do seu mandato.

Apesar haver certa preferencia dos empreendedores brasileiros, nas atividades

empresariais, por um exercício mercantil individual, ou através de uma sociedade limitada, não

obstante haver o emprego de diversas formas societárias, dentre elas, as sociedades anônimas,

especialmente as abertas, que proporcionam um interagir da poupança popular com o mercado

de capitais, mecanismo cada vez mais sofisticado, constituído para alcançar sucesso, obtenção

de ganhos mais expressivos e de riscos, não somente em favor dos empreendedores, mas

também em favor dos investidores que se tornam acionistas da(s) companhia(s), que acreditam

e apostam no retorno dos investimentos nos empreendimentos. Esses investidores aplicam seus

recursos através de mecanismos desenvolvidos pelo mercado de capitais, também nos

denominados fundos de investimentos mais próximos das camadas da população que se

empolgam na busca de ampliar suas poupanças.

No direito brasileiro até o Decreto nº. 575, de 10 de janeiro de 1848, a sociedade anônima

dependia para sua constituição de leis especiais, sujeita a autorização governamental, como

disposto no art. 1º: “Nenhuma sociedade anônima podera ser incorporada sem autorização do

Governo e sem que seja por ele aprovado o contrato, que a constitui”.

Nessa trajetória, os empresários e os juristas conviviam com a experiência da sociedade

anônima no Brasil, perceberam da necessidade de imprimir à mesma uma nova disciplina,

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consentânea às exigências da atualidade. A Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, passou

a refletir essa nova face, que os economistas e juristas ajustaram pensamentos para atender o

financiamento do desenvolvimento nacional.

As modificações aconteceram no Brasil na década de sessenta do século XX, visando

objetivos para a constituição de uma poupança interna através do mercado de capitais, e ao

mesmo tempo procurava reduzir a inflação. Para tanto necessitava aumentar as eficiências

alocativas e produtivas do setor privado, fortalecendo a capacidade do sistema de canalizar

fundos para empreendimentos modernos e eficientes, dinamizando a administração e o

planejamento das empresas, a fim de obter aumento da produtividade. Um dos principais

instrumentos de que o governo de então se valeu, foi da legislação para a consecução dos

objetivos, aproximando as qualidades da sociedade anônima de capital aberto para incentivar o

mercado de capitais.

O mercado de ações agita não só o campo econômico, também perturba o terreno

ideológico, como se observa na fala de Rosa Luxemburg242, ao tratar “Da adaptação do

capitalismo”, na obra “Reforma Social ou Revolução”, apontando que: “Os mais eficazes meios

de adaptação da economia capitalista são a instituição do crédito, a melhoria dos meios de

comunicação e as organizações patronais”.

Comecemos pelo crédito. Das suas múltiplas funções na economia

capitalista, a mais importante é a de aumentar a capacidade extensiva da

produção e a de facilitar a troca. No caso em que a tendência interna da

produção capitalista para um crescimento ilimitado ultrapassa os limites da

propriedade privada, as dimensões restritas do capital privado, o crédito

aparece como o meio de ultrapassar esses limites no quadro do capitalismo,

intervém para concentrar um grande numero de capitais privados num só – é

o sistema das sociedades por ações – e para assegurar aos capitalistas a

utilização de capitais estrangeiros – é o sistema de crédito industrial. Por outro

lado, o crédito industrial acelera a troca das mercadorias, por conseguinte o

refluxo do capital no circuito de produção. Percebe-se facilmente a influência

que exercem essas duas funções essenciais do crédito na formação das crises.

Sabe-se que as crises resultam da contradição entre a capacidade de extensão,

a tendência expansionista da produção por um lado, e a capacidade restrita de

consumo do mercado por outro lado, nesse caso o crédito é precisamente,

vimo-lo já, o meio específico de destruir essa contradição tantas quantas as

vezes possíveis. Em primeiro lugar, aumenta a capacidade de extensão da

produção em proporções gigantescas; é a força motriz interna que a leva a

ultrapassar constantemente os limites do mercado. Mas é uma faca de dois

gumes. Na sua qualidade de fator de produção, contribui para provocar a

superprodução, na sua qualidade de fator de troca só pode, durante a crise,

ajudar na destruição radical das forças produtivas que por ele foram

242 LUXEMBURG, Rosa. Reforma Social ou revolução. 1900. Militant Publications, London, 1986. The

Marxists Internet Archives. Org. 2002. Parte Prefácio.

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movimentadas. Desde os primeiros sintomas de estrangulamento do mercado,

o crédito funde-se, abandona a sua função de troca precisamente no momento

em que seria indispensável; revela a sua ineficácia e inutilidade quando ainda

existe, e contribui, no decurso da crise, para reduzir ao mínimo a capacidade

de consumo do mercado. citamos os dois efeitos principais do crédito, atuando

diversamente na formação das crises. Não somente oferece aos capitalistas a

possibilidade de recorrer aos capitais estrangeiros, mas encoraja-os a

utilizarem ativamente e sem escrúpulos a propriedade alheia, ou, dito de outra

maneira, incita a especulações arrojadas. Assim, na qualidade de fator secreto

da troca de mercadorias, não só agrava a crise, mas ainda facilita a sua

aparição e extensão, fazendo da troca um mecanismo extremamente complexo

e artificial, tendo por base real um mínimo de dinheiro-metal, facto que, na

primeira ocasião, provoca perturbações nesse mecanismo. Desta forma, o

crédito em vez de contribuir para destruir ou mesmo atenuar as crises é, pelo

contrário, um seu agente poderoso. Não pode ser de outra maneira. A função

específica do crédito consiste – exposta muito esquematicamente – em corrigir

tudo o que o sistema capitalista pode ter de rigidez, introduzindo-lhe a

elasticidade possível, em tornar todas as forças capitalistas extensíveis,

relativas e sensíveis. Só consegue, evidentemente e por isso mesmo, facilitar

e agudizar as crises que se definem como o choque periódico entre as forças

contraditórias da economia capitalista.

Nessa toada observa-se os comentários desenvolvidos sobre os problemas do socialismo

quando Eduard Bernstein243 se debruçou no início do século XX, gerando polêmicas que ainda

perduram, como está na afirmação abaixo.

Se o determinismo mecanicista e dogmático adotado pelo marxismo ortodoxo

representou, como foi demonstrado, a ocultação do potencial transformador e

revolucionário dos sujeitos históricos, por outro lado, a rejeição e exclusão da

dialética marxista efetuada por Bernstein posicionou-o do outro lado dos

extremos, aproximando-o do idealismo kantiano e da ciência positivista.

Deste modo, excluiu de seu sistema teórico todas as patentes contradições do

modo de produção capitalista, ocultando-lhe os antagonismos sociais e

partindo em defesa de um reformismo não atrelado ao compromisso

revolucionário. Como consequência, esvaziou a teoria marxista de todo

conteúdo crítico e transformador, levando a social-democracia a endossar as

teses liberais e a legitimar o sistema capitalista. Conforme previra Rosa

Luxemburgo, o revisionismo bernsteiniano levou à descaracterização da social-democracia e à sua identificação com um democratismo liberal apático

e comodista244.

243 BERNSTEIN, Eduard. Ferdinand Lassale: le réformateur social. Paris: Marcel Riviere, 1913. Cromwell and

communism: socialism and democracy in the great English Revolution. New York: Kelley, 1966. “El mensaje de

Bernstein al Congresso de Stuttgart”. In: Socialismo teórico y socialismo practico. Buenos Aires: Editorial

Claridad, 1966. Las Premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia. Problemas del socialismo. El

revisionismo en la socialdemocracia. México: Siglo Veintiuno, 1982. Selected writings of Eduard Bernstein: 1900

– 1921. New Jersey: Humanities Press, 1996. Socialismo evolucionario. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. 244 ANDRADE, Joana El-Jaick. O Revisionismo de Eduard Bernstein e a Negação da Dialética. Tese de Mestrado

em Sociologia, USP – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais. São Paulo, 2006, p. 226.

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E nessa linha Comparato245 encara as transformações no que tange as modificações

operadas no seio da sociedade anônima, entendendo que “[...] o modelo legal da sociedade por

ações revelou-se, em suas metamorfoses, francamente tributário dessas diferentes concepções

políticas ligadas à evolução do conceito de soberania”.

Salomão Filho246 salienta que:

Ocorre que a concentração do poder econômico, dentro e fora da empresa é

um óbice extremamente relevante para o estabelecimento de agendas

progressistas e transformadoras na sociedade, representando de fato

instrumento de manutenção das estruturas reinantes e de vigas de sustentação.

Experiências históricas relevantes demonstram essa relação. A mais

importante e trágica de todas é o desaparecimento da República de Weimar e

o subsequente aparecimento do nazismo. Não há muita dúvida entre os

historiadores que estudaram o período que os fatores mais relevantes para o

desaparecimento da experiência transformadora da República de Weimar

foram exatamente a tolerância havida com o poder econômico (que aliás só

fez crescer nessa época) e com as estruturas de poder militar (que não só se

mantiveram, mas também se reforçaram). Ambas as instâncias, poder

econômico e poder militar, vieram mais tarde a fornecer as bases de

sustentação para o aparecimento do regime nazista.

Tal fenômeno (entrelaçamento entre poder econômico e poder militar) não é

estranho a história brasileira. Poder econômico e poder militar se unem em

1964 para garantir um longo período de dominação e, paralelamente, de

retrocesso em termos sociais. Ora, a gênese da lei societária brasileira se dá

no período militar. Não deve espantar, portanto a relevância dada a esta ao

reforço do poder no interior da organização societária (o poder de controle)

visto como instrumento de fortalecimento da grande empresa.

No particular, admite-se que a interferência militar acontecida em 1964, aflora aspectos

ideológicos à semelhança dos que foram agitados à época e ainda hoje servem de avaliações

sobre e com as subsequentes sequelas no Brasil, é de anotar, de algum modo, naquele período

as sociedades estatais vieram à tona com maior sofisticação, enformadas como sociedades de

economia mista, algumas dirigidas por graduados oficiais, possivelmente para melhor expressar

segurança, circunspecção e firmeza na conjugação do poder politico de então com a

institucionalização com o poder econômico, inclusive face o porque e da detenção do poder de

controle das companhias, circunstancias que motivaram criticas e manifestações das mais

diversas.

245 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O Poder de controle na sociedade anônima.

Forense, 6a. ed., 2014, p. 30. 246 SALOMÃO FILHO, Calixto. Teoria crítico-estruturalista do Direito Comercial. São Paulo: Marcial Pons,

2015. P. 33.

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Decorridas décadas da vigência do Decreto-lei nº. 2.627/1940, foi a obra considerada

magnifica em seu tempo, como se depura das palavras de Batalha247 ao lavrar o prólogo do

“Comentarios à lei das sociedades anônimas”, compreendendo, que, superando a ansiedade do

Decreto nº. 434/1891, ainda persistia, aquela época, sentia-se em suas linhas mestras, a

necessidade de imprimir às sociedades anônimas nova disciplina. Por isso é que a Lei nº.

4.728/1965 procurou dar impulso, avanço e fornecer uma estrutura aos órgãos institucionais do

mercado de capitais, os chamados “retoques” na sistematica introduzidos pelo Decreto-lei nº.

2.627, Leis nº. 5.589/1970, e a de nº. 4.137/1962 e pelo Decreto nº. 52.025/1963, porque não

se revelaram suficientes para satisfazer às múltiplas imposições daqueles dias, conduzindo ao

entendimento de que era necessário modificar as bases da sistemática legislativa adaptando-as

aos novos tempos.

Com a chegada da Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, surge um novo diapasão

jurídico para a sociedade anônima. O exame de Batalha248 sobre a natureza jurídica da

sociedade anônima, quando ainda estava em vigor o Código Civil de 1916. Para o referido

jurista, a sociedade anônima mesmo quando constituída com capitais públicos, no todo ou em

parte, encarava que a simples forma de ser considerada uma sociedade anônima conferindo à

pessoa jurídica caráter privatístico, despindo-se das prerrogativas do Poder Público.

A estrutura em que se estabelece a sociedade anônima, de acordo com a literatura

estrangeira e nacional, que no capital social da companhia está presente o caráter não só de

participação, como também de investimento acionário, influenciando a composição da diretoria

da sociedade, e firmando um controle submetido a esses investidores. Portanto, o controle pode

acontecer pela via da participação no capital, que não se deve confundir com a simples

participação. É de observar que os diretores de uma companhia não precisam ser acionistas, e

nem sempre o controlador exerce ou assume as funções diretivas por ser detentor de um maior

número de ações. Por isso que a concepção da sociedade anônima serve de modelo para

implantar a sociedade de economia mista.

O Decreto-lei nº. 200, de 25.2.1967, com a redação dada pelo Decreto-lei nº. 900, de

29.9.1969, pelo art. 5º., III, define a sociedade de economia mista como sendo “a entidade

dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei, para a exploração de

247 BATALHA, Wilson de Sousa Campos. Comentários à lei das sociedades anônimas. Forense, 1977 – pp.

prólogo. 248 Idem, vol. 1, p.p. 52-53.

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atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto

pertençam, em sua maioria, à União ou a entidade da Administração Indireta”.

A constituição da sociedade anônima caracteriza-se como negócio jurídico plurilateral de

caráter instrumental, sendo um negócio jurídico que tem em mira a realização de objetivos

lícitos, mediante forma adequada, em que não se conciliam, como nos contratos típicos,

interesses antagônicos, mas em que todos os participes têm idêntico interesse e idêntica

finalidade a realizar. Como negócio jurídico plurilateral devem participar pelo menos duas

pessoas físicas ou jurídicas. E como negócio jurídico de caráter instrumental, mercê da criação

de um novo ente jurídico, como instrumento. Os interessados objetivam à melhor satisfação de

seus interesses individuais e à realização de finalidades que individualmente não poderiam

alcançar.

Vale lembrar a fala de Batalha249 ao enfocar o entendimento de F. de Steiger250, que a

teoria do contrato prevalecia outrora, defendendo a teoria da criação que vê na constituição de

uma sociedade anônima não a conclusão de um contrato de sociedade, mas um ato constitutivo

social formado de declarações de adesão, como unilaterais. A seu turno, Francesco Messineo

sustenta que a constituição de sociedade anônima não se caracteriza como contrato, mas como

ato coletivo. Daí o entendimento que efetivamente na constituição de sociedade mediante

assembleia, não se exige a unanimidade dos subscritores, de forma a excluir-se a natureza

tradicionalmente contratual de dita constituição.

O mesmo Batalha esclarece que Ripet insurge-se contra a ideia de que a constituição da

sociedade seria um contrato, enquanto Ascarelli251 sustenta que a constituição da sociedade

anônima decorre de um contrato e, mais precisamente, de um contrato plurilateral, subespécie

da categoria geral do contrato, diversa da dos contratos comutativos, ponderando que:

É substancialmente do ponto de vista do contrato concluído entre os sócios

que nos devemos colocar ao examinarmos a constituição da sociedade,

embora não esquecendo tratar-se de um contrato sujeito a uma disciplina

diversa daquela dos contratos de “permuta”.

A “pluralidade” deste contrato permitira distinguir os vícios do contrato e os

vícios das adesões individuais; estes últimos sós influem sobre todo o contrato

quando determinam a impossibilidade de consecução do objetivo social. A

circunstância de se constituir, através do contrato, uma organização destinada

a entrar em relações com terceiros, com patrimônio separado, exige que se

examine até que ponto os vícios do contrato ou das adesões individuais põem

249 BATALHA, op. cit. p. 413. 250 STEIGER, F. de. op. cit. p. 86. 251 ASCARELLI, Tulio. Problemas das Sociedades anônimas e Direito comparado, 1946, p. 372; 2a. ed. 1969, p.

349.

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estar sujeitos as normas do direito comum; quais os seus efeitos para com os

terceiros e como podem este último ser tutelados. Essa distinção, por sua vez,

acentua a distinção entre as condições relativas à constituição e as relativas à

permanência da sociedade já constituída, permitindo entender-se por que nem

todas as condições requeridas no primeiro caso são cabíveis no segundo.

Esta distinção reflete-se na possibilidade de distinguir um ato constitutivo, em

sentido restrito, do estatuto, que ele também tem seu fundamento na vontade

contratual das partes, mas se destina a funcionar quase como lei interna da

sociedade.

A mudança das pessoas dos sócios e a tutela de quantos entram a fazer parte

da sociedade, adquirindo ações, podem levar a seguir, na interpretação do

estatuto, um critério objetivo.

Na mesma obra Ascareli aprofunda análise do contrato plurilateral, distinto dos contratos

do tipo permuta, asseverando que o “conceito de contrato plurilateral acaba coincidindo com

aquele de sociedade”. E Carvalho de Mendonça esclarece que:

[...] o prospecto tem, em regra, o simples valor de uma proposta ou oferta

pelos fundadores, sob as condições legais exigidas para a constituição das

sociedades anônimas. A subscrição importa aceitação dessa proposta, por

outra, a manifestação da vontade de fazer parte da sociedade, prometendo o

subscritor entrar com uma quota parte do capital anunciado, correspondente a

uma ou mais ações e subordinando-se desde esse momento à deliberação

definitiva da maioria. A vontade da assembleia dos subscritores, superpondo-

se, absorve as vontades individuais dos subscritores. A subscrição realiza,

portanto, um contrato entre o fundador ou os fundadores e o subscritor. Se não

se subscreve integralmente o capital ou se se modificam as bases descritas no

prospecto, resolve-se aquele contrato. Fora desses casos, não é lícito ao

subscritor, mediante ato próprio e individual, arrepender-se e retirar a sua

assinatura. A subscrição é irrevogável. Os fundadores, que são os contratantes

de outro lado, não podem recusar quão quer que se apresente como subscritor

até o preenchimento do capital exigido do público, salvo bem entendido a

verificação da capacidade jurídica do subscritor ou ainda da capacidade

econômica, se reservaram este direito no prospecto. Obrigam-se, portanto, os

fundadores, em seu nome pessoal, a constituir a sociedade, atribuindo a cada

subscritor, senão todas as ações subscritas, ao menos número proporcional à

subscrição. A obrigação dos fundadores fica dependente da condição

suspensiva da subscrição do capital integral.

Trajano de Miranda Valverde opina que:

Entre promotores, fundadores ou incorporadores e subscritores não se forma,

na verdade, nenhum contrato, porque não ficam eles ligados por obrigações a

cumprir, uns para com os outros, porém todos eles estão, quanto ao fim, em

idêntica posição jurídica, visam à criação de uma corporação. Concurso de

vontades não opostas, mas paralelas, pluralidade de atos unilaterais, ato

complexo, tal é o que dá nascimento às companhias ou sociedades anônimas.

É possível que entre promotores ou fundadores se tenha formado um contrato

regulando as suas relações, os direitos e as obrigações de cada um no que toca

ao lançamento da companhia. Mas essa associação, esse contrato, não se confunde com o ato constitutivo, ainda quando suas estipulações interessam à

futura sociedade. Por via de regra, os subscritores, na constituição da

companhia por subscrição pública ou sucessiva, se desconhecem.

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Subscrevendo partes do capital social e aderindo aos estatutos, não

manifestam eles senão a vontade de concorrer para criação da pessoa jurídica,

de se tornar acionistas e de se submeter às disposições estatutárias, que

regularão as relações entre eles e a sociedade, entre esta e terceiros. A figura

do fundador não altera a situação jurídica. A iniciativa do empreendimento

somente acarreta responsabilidades que decorrem diretamente da lei. Esta é

que fixa as atribuições e as obrigações do fundador... Se a companhia não se

forma estão os fundadores obrigados, como depositários, a restituir aos

subscritores as importâncias recebidas... Os subscritores não contratam, pois,

com os fundadores, mas, ao lado deles, concorrem para a constituição de uma

companhia, confiantes no êxito da empresa, que os primeiros tiveram a ideia

de organizar. A abertura da subscrição pública, mediante as formalidades

legais, e a assinatura dos tomadores de partes do capital social na lista ou

boletim de subscrição são, consequentemente, dois atos unilaterais

independentes, dos quais decorrem, ex vi legis, direitos e obrigações a serem

exercidos ou cumpridos a bem do interesse comum... Se os atos constitutivos

das companhias ou sociedades anônimas não entram na categoria dos

contratos, erro também é nela incluir os estatutos.

Afigura-se que a constituição da sociedade anônima se caracteriza como negócio jurídico

plurilateral e complexo, inconfundível com os meros contratos, através do qual a vontade de

dois ou mais indivíduos se unifica, no processo formativo de Direito, criando novo ente regido

pelas normas fixadas especificamente, como pela legislação pertinente à espécie, que lhe regula

as condições de validade, estabelece cláusulas supletivas, fixa limites à vontade, impõe

responsabilidades sociais e institui a comunidade da empresa.

Na linguagem de Batalha esse negócio jurídico complexo, composto de várias fases ou

momentos, os participantes não harmonizam interesses contrapostos, mas unificam interesses

idênticos, para a realização de objetivos comuns, tanto assim que o fundador não contrata com

os subscritores, nem estes contratam com a sociedade in fieri, por isso significativo suscitar o

artigo 116, parágrafo único da Lei de S.A. :

O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia

realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e

responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela

trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses

deve lealmente respeitar e atender (grifo / destaque nosso).

Descartando reflexões sobre o poder nas ciências sociais, sem adentrar nas concepções

filosóficas, econômicas e outras, apenas com o objetivo de se limitar o estudo ao campo

especifico presente, complexo é o entender do poder, como realidade que independe de vontade,

mas com o qual se convive, não adentrando a analise o que se pode e ou o que se deve combater,

como ele se comporta visto as convergências, derivações em linhagens filosóficas, sociológicas,

ideológicas, outros pensamentos, porque existe, deve ser eliminado, porque?!

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A sociedade anônima tem forma mercantil, independentemente do seu molde e objeto, é

um instrumento que propulsiona riqueza, porque inerente ao intuito especulativo, tendo o lucro

como meta, não devendo haver concepção para servir de instrumento e fins de beneficência,

filantropia e assemelhados, uma vez que a compreensão de fim especulativo não deve ser

alargado, tampouco avançar para permitir exercício empresariais em atividades contrárias à lei,

à ordem pública, tampouco aos bons costumes.

Não pode o objeto da companhia envolver-se em atividade que a lei considera contrária a

seus preceitos mercantis como as que possam ser caracterizadas como atividade delituosa

contravencional ou entendida simplesmente como ilegal. A ordem pública constitui não apenas

o que envolve o interesse do Estado na sua segurança e garanta as instituições, não é um

conjunto de normas de proteção social e política. Reúne critérios que devem estar calcados nos

interesses políticos, sociais, morais e econômicos, agrupando estimativas fundamentais desses

elementos e critérios relacionadas com o povo em determinado período, que se concebe como

englobante, abrange a soberania nacional, a ordem social e política, e de igual forma os bons

costumes. Portanto, a constituição da sociedade mercantil deve ser pautada num standard de

moralidade, retratada no pacto social, gerida pelos órgãos sociais e fiscalizada pelos associados.

A redação contida no atual Código Civil dispõe que celebram contrato de sociedade as

pessoas que reciprocamente se obriguem a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício

de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. E o parágrafo único do artigo 982

do Código Civil de 2002: Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a

sociedade por ações; e simples, a cooperativa.

No caso de sociedade, as vontades dos associados obedecem a um esquema diferente. Não

se contrapõem, não tem conteúdo oposto, concorrem na mesma direção, que é a constituição da

comunhão pessoal entre os associados e a prossecução do fim lucrativo comum. A sociedade

não nasceria, assim, de um contrato, mas de um ato coletivo, como sustenta Messineo252.

Há crítica à tese do ato coletivo, por entender que não retrata com fidelidade necessária

relação com a estrutura do ato constitutivo da sociedade. Suscitam que, quando vários se

reúnem para fundar uma associação de caráter humanitário, beneficente, literário, cientifico,

religioso, desportivo ou de natureza semelhante de fim desinteressado ou de fim ideal pode com

inteira propriedade falar-se num ato coletivo, porque as declarações de vontade nele

252 MESSINEO. Tese: ‘La Struttura della Società e Il Cosidetto Contrato Plurilaterale’, contida na Enciclopedia

Del Diritto, p. 148, noya 25, tanto antes como depois da publicação do Código Civil italiano.

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incorporadas tendem de fato, a um fim comum como a divulgação da cultura, a propagação da

fé, a intensificação das modalidades desportivas, a prática da caridade ou do altruísmo, e outros.

Quando as pessoas se congregam para constituir uma sociedade, cada pessoa busca um

interesse próprio, com alvo de obter o maior proveito individual à custa da contribuição comum.

O interesse individual de cada sócio pode ser alterado de acordo com o resultado social, a

depender da existência de maior ou menor for o lucro ou o prejuízo comum, decorrente da

comunhão social.

Há uma advertência dos juristas que se dedicam ao campo empresarial, debatendo o que

realmente move cada interessado não é o benefício comum em si mesmo considerado, como

nas associações, nem é o lucro de cada um dos outros sócios, mas a sua participação pessoal

nos proveitos da sociedade. E por causa desse objetivo essencial, que os acionistas e a própria

sociedade empresaria ter necessidade continuada de precaver-se contra pretensões dos outros

associados, averiguando sinalizações opostas, devendo estar atento na gestão dos negócios

sociais, conhecer a escolha dos fornecedores, o porque da facilitação do crédito a clientes, quem

estará na ocupação dos cargos diretivos, e as hipóteses de reforma do pacto social, além de

acompanhar a formação de reservas, a distribuição de lucros, enfim, de todas as condutas e

resultados da sociedade e de sua gestão, uma vez que os procedimentos devem estar pautados

em princípios, paradigmas da ética, da probidade, da boa-fé e bons costumes, alerto aos

dispositivos dos artigos 187 e 422 do Código Civil em vigor.

Relevante conferir os elementos que podem afetar a contribuição individual do sócio, que

possam prejudicar a validade do contrato (especialmente, quando houver mais de dois sócios),

se a falta do sócio molestar decisivamente a realização do fim comum proposto pelos outros

sócios. Essa compreensão explica, porque, fora dos casos excepcionais previstos nas ‘letras’

dos incisos I, II e III do artigo 206, preveja (na ‘letra b’ do inciso II) a dissolução da companhia,

quando se alegue e comprove que ela não pode preencher o seu fim. Contudo, não se pode

deixar de ventilar a natureza econômica do fim proposto pelos contraentes, pois o fim comum

proposto pelos contraentes, tal como as obrigações mútuas de contribuições com bens ou

serviços, constitui elementos essenciais do contrato de sociedade.

É com o resultado positivo da atividade mercantil, o lucro, que se propicia a formação do

patrimônio da sociedade, gozando de personalidade jurídica, cujo lucro se destina, de acordo

com a intenção dos contraentes, dever ser distribuído entre os sócios.

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Por isso que é significativa a definição do contrato, consoante o texto do artigo 2º da lei

das sociedades anônimas em vigor, dispondo que “pode ser objeto da companhia qualquer

empresa de fim lucrativo, não contrário a lei, à ordem pública e aos bons costumes”. E, o

parágrafo primeiro do citado artigo 2º da Lei n. 6.404/76, dispõe que qualquer que seja o objeto,

a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio.

Interessante compreender o significado dos termos prática comercial, usos do comércio;

historicamente, alguns poderão analisar à luz dos valores políticos e econômicos de cada época,

do seu tempo; inclusive, as práticas de mercado, em especial, aquelas que pouco sofreram

impactos políticos e socioeconômicos, estando muitas práticas sendo exercitadas à contento.

Desses cenários históricos, e das circunstâncias que as nações experimentam

periodicamente, observa-se o intuito de entender como necessária a busca da lucratividade,

especialmente com relação a sociedade anônima, como um dos principais atores da economia,

quando, volta e meia, cita-se a figura do lucro.

No curso da atividade mercantil, a sociedade anônima apresenta-se como a de maior

envergadura, e que proporciona mais atrativo aos empreendedores. E por isso, quando os

investidores estão à procura de resultados vultuosos, as engenharias de negócios visam o

mercado de ações das companhias consideradas mais produtivas, que podem proporcionar

pagamentos de dividendos, a fim de auferir maior lucratividade, retorno do investimento.

Os autores anglo-saxônicos apelidam de profit marking companies, (companhias

lucrativas), as sociedades empresarias que se amoldam aos interesses dos investidores que

aplicam seus recursos com maior risco no mercado de capitais, em um leque de maior

intensidade lucrativa, que podem proporcionar um retorno do valor investido em curto ou médio

prazo, com uma margem de lucro superior as aplicações tradicionais, entendidas de menor

risco.

A sofisticação da organização empresária repercute de forma diferenciada na vida e nos

interesses dos empregados, sócios, credores, clientes, e outros interessados. E pela sua

versatilidade, a sociedade anônima pode se envolver com maior agilidade nas hipóteses de

interagir nas participações societárias, com objeto social distinto, definido no corpo estatutário.

No exame da sociedade anônima não se pode olvidar a definição do objeto social, e de

igual modo, as situações e poderes gerenciais, que não venham colidir ou escapar do controle

legal administrativo para não desaguar para o exercício de algum ato que possa ser considerado

improprio e até mesmo ‘ato ultra vires’.

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3.1.1 Doutrina ‘ultra vires’

A doutrina tem alertado para certas situações de ordem prática quando o empreendedor se

desvia do traçado contido no contrato social da sociedade, ou previsão do estatuto social da

companhia, exercitando negócios não previstos no aludido texto, fora dos interesses

preestabelecidos entre os sócios. Tais desvios geram divergências. Dissensos que molestam não

só o relacionamento entre sócios, também podem gerar contendas interferindo nos resultados

econômico-financeiros. Essas arengas podem ser consideradas estratégicas para certos

acionistas e terceiros como estratégias que se aproveitam de determinadas conjunturas, que

através de apropriadas análises percebem hipóteses de precariedade e comprometimento de

determinada atividade empresarial.

Os juristas que se dedicaram ao assunto, desenvolveram, o que se denominou de doutrina

“ultra vires”, consistindo numa definição de imputabilidade da administração, quando e ou por

haver ultrapassado os lindes do objetivo social da sociedade empresária.

Tantas foram e são as facetas dessa tribulação, que a doutrina mantem estudo minucioso,

em especial pelos juristas britânicos, norte-americanos e sul-africanos, conceituando como

excesso de poder de um órgão da sociedade quando extravasa as finalidades declaradas no

estatuto ou contrato social da sociedade mercantil.

Passou-se entender o ato exercitado pelo gestor para o qual a sociedade não está autorizada

de forma expressa ou implícita pelos seus dispositivos estatutários a praticar, como um ato que

pode ser compreendido como perfeitamente legal. Entretanto, alguns minimizam, porque a

sociedade pode desapossar-se de executá-lo, simplesmente porque a faculdade de exercer essa

linha de atividade não está conferida no contrato social ou no estatuto da companhia.

Pelos atos praticados fora dos objetivos sociais responde a sociedade, na medida dos

benefícios que de tais atos auferiu. Discute-se se os administradores respondem civilmente,

perante a sociedade, pelos prejuízos ocorridos, ultrapassando os limites estatutários do objetivo

social, respondendo, também, perante terceiros pelos prejuízos acaso sofridos253.

Prudentemente deve ser tratada tais circunstâncias, de modo prévio, pelos gestores, atentos

por todos os atos empresariais que poderão ser praticados de modo aleatório, que não sejam

253 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei das sociedades anônimas. Forense, 1977, vol. 1,

pp. 71-72.

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tratados com fieldade com o objeto social da sociedade (companhia), eliminando de logo

possíveis acidentes de percurso.

Visto o ato “ultra vires” como elemento que pode ser vivenciado pela sociedade anônima,

e quando assim exercitado, nota-se a forte necessidade de perquirir do órgão, o ato praticado

fora do objeto do contrato social da sociedade empresária ou estatuto social da companhia.

3.2 Órgão

Tratando especificamente do órgão, Pontes de Miranda254 entende que órgão é órgão, não

é representante voluntário, nem legal. A personalidade do membro do órgão, ou do membro

único, não aparece, não se leva em conta, o que não ocorreria se de representação se tratasse.

Enfatiza-se, que o órgão atua e recebe, como o braço, a mão, a boca, ou os ouvidos humanos.

O ato e a receptividade são da pessoa jurídica, porque resulta da sua organização constitucional,

do seu ato constitutivo ou dos estatutos, no que o órgão se distingue do empregado. O preposto,

o empregado e o estranho podem representar a pessoa jurídica, não pode funcionar como órgão,

sem o ser. Mostra como exemplo a figura do porteiro que é empregado, não é órgão, a do caixa

de um banco é empregado, praticam atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos podem

estar nessas posições mas não de órgãos. Para que fossem órgãos teriam que estar constituídos

por força dos estatutos ou por ato constitutivo. O órgão surge quando criado, e as pessoas que

o compõem são nomeadas ou eleitas.

A função do órgão não é a do preposto, tampouco o locador de serviços, ou, em geral,

trabalhador. Os atos do órgão são da pessoa jurídica, como órgão, tampouco como

representante, e nem como núncio. Os doutrinadores admitem a existência de órgãos

necessários ou facultativos e em decorrência de lei. Só os atos constitutivos e os estatutos dizem

como se nomeia ou elege a pessoa ou colégio, quais são os poderes e não de representação.

Nesse quadro confere se a pessoa ou pessoas que compõem o órgão atuam fora dos limites da

competência, e se o ato não é ato de órgão, portanto não é, será ou seria ato da pessoa jurídica.

Quando se trata de averiguação de atos, necessário se faz procurar ver a origem do ato,

de qual órgão nasceu. Isto é de valiosa importância para a vida e a relação de negócios para

com terceiros. Importante exame prévio do estatuto, que é a fonte do provimento, como ato

254 PONTES DE MIRANDA. op. cit.

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constitutivo, para assegurar desdobramentos das decisões empresariais. Pois o estatuto

determina as funções do órgão. A regra estatutária é um elemento do tráfico, da concepção e

função, mostrando que o ato não é da pessoa jurídica, e não esquecendo, seja como for, não há

função de órgão, se o ato constitutivo ou os estatutos não o conhecem.

A pessoa jurídica não é responsável pelo ato do órgão que não obedeceu a forma que o

ato constitutivo ou o que os estatutos exigiram, embaçando se pode fazer distinções, para avaliar

violações das regras de forma. O órgão pode ser subordinado, ou não, no todo ou em parte, a

outro órgão. Se o provimento ou o ato do órgão infringiu o ato constitutivo ou os estatutos, a

aprovação pelo órgão competente sana a invalidade, o que, na dúvida, não se há de entender. O

que pode ser previsível dessa revisão, de um órgão por outro, quando a sociedade anônima

possui Conselho de Administração e Diretoria.

Interessante observar o órgão quando desaparece, por modificação do ato constitutivo ou

dos estatutos se extingue, e estar atento a consequência com relação a pessoa e ou as pessoas

que o compunham deixam de preenche-lo quando destituídas, ou acaba o tempo para qual foram

designadas. Também quando uma sociedade anônima se transforma em uma sociedade

limitada, e esta não constituiu, não criou órgão para atender um alinhamento gerencial, quando

o comando é direto sob as rédeas de um diretor ou administradores com funções especificas de

gestão, o que se distingue de órgão. A sociedade limitada ou uma sociedade anônima pode ter

vários gerentes ou diretores dentro de uma hierarquia criada para um organograma sem a figura

do um conselho considerado órgão, não obstante, muitas sociedades limitadas, em geral de

grande porte, inclinar-se para uma administração mais complexa, erigindo algum órgão gestor.

Os órgãos da administração da companhia têm suas origens em várias concepções, que

podem ser resumidas, consoante Karsten Schimdt, quando a administração é composta de dois

órgãos: a diretoria (Vorstand) e o conselho de supervisão (Aufsichtsrat), forma de estruturação

concebida para eliminar as deficiências verificadas e proporcionar um maior controle dos

acionistas sobre a atividade cotidiana da sociedade, exercida pelo diretor-presidente255.

Em si mesmo considerando, o sistema dualista ostenta a forma mais

racional de estruturação do poder social, ao segregar perfeitamente as

atividades de gestão (execução e representação) das atividades de supervisão

e de tomadas das estratégicas de decisão (orientação geral e apreciação de

resultados da gestão), segregação essa que se tem hoje assente nos princípios

de boa administração. Além disso, o sistema dual favorece a alternância e a

renovação de lideranças dentro das companhias, o que não ocorre no sistema

monista, em que a força preponderante do presidente tende a ser mais

255 ADAMEK, op. cit. pp. 18-25.

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marcante e opressora. No sistema dual, pelo contrário, a convivência de

distintas gerações de pensamento normalmente verifica-se com a admissão de

jovens executivos bem preparados na diretoria, a qual atua sob a supervisão

do conselho, em um segundo momento, dá-se a renovação por meio da

transferência dos diretores, já agora experimentados e maduros para o

conselho, abrindo, pois, espaço para a estrada de novos administradores na

diretoria, e, assim, sucessivamente, em um constante movimento de

renovação. O sistema dualista fez escola na Europa e hoje é previsto, mesmo

que de forma facultativa, na maioria dos países daquele continente.

Esse mesmo sistema foi adotado no direito brasileiro, desde a vigente Lei nº. 6.404, de

15 de dezembro de 1976, uma vez que o Decreto-lei nº. 2.627, de 26.09.40, adotou o sistema

monista, que de certa forma continuou influenciando algumas situações das sociedades

empresárias contemporâneas, daí ter Foderado declarar que se está ainda muito distante da

límpida e exata definição do conceito de órgão.

Uma sociedade empresária pode constituir uma diretoria ou um órgão que possa

considerar necessário para uma melhor administração mercantil, ou pode preferir em algum

momento extingui-lo por não mais atender seus interesses funcionais, ou deixar de ser requisito

para a sua atividade. Da mesma maneira de uma assembleia dos membros tratando-se de

sociedade, pois para a extinção de qualquer órgão necessário, com a modificação do ato

constitutivo ou dos estatutos. Pode haver um termo final prevendo a extinção de um órgão

decorrente de um ato constitutivo que assim estabeleceu, não obstante haver indagação se pode

ficar a puro arbítrio da diretoria ou da assembleia geral que não exija a mesma maioria para

alteração do ato constitutivo ou dos estatutos. Existem órgãos necessários e órgãos facultativos.

A diretoria e a assembleia geral nas sociedades mercantis são órgãos necessários.

No âmbito do direito administrativo, Modesto entende que: “órgãos são unidades de

atuação jurídica despersonalizadas”256. Cassagne257 expressa que:

Os órgãos são compostos por dois elementos: a) um elemento objetivo

e estático – um conjunto de atribuições (círculo de competência ou conjunto

institucionalizado de deveres e poderes funcionais e (b) um elemento

subjetivo e dinamizador – a vontade e capacidade das pessoas físicas que

titularizam o órgão.

Continuando, Modesto mostra que:

256 MODESTO, Paulo. A Hora e a Vez das Relações Interorgânicas. Ano 2016, NUM 226; Colunistas – acesso

09/11/2016, 00:01:00. https://goo.gl.xdzlqw 257 CASSAGNE, Juan Carlos. Derecho administrative. 7a. ed. Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 2002, t. I, p.p. 251-

252.

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A vontade do titular do órgão, se expendida no campo das atribuições

do órgão, é imputada diretamente ao órgão, que assim atua, formando a

vontade do Estado. Órgão como simples complexo de atribuições, sem

composição volitiva ou subjetiva, confunde-se com a própria previsão abstrata

de competências legais, sem qualquer aptidão para exprimir a dinâmica da

pessoa jurídica estatal, razão de ser dos órgãos. O titular do órgão não atua

para o Estado, atua como Estado: é a voz do Estado em determinado conjunto

específico e delimitado de competências, sendo o ato de manifestação do

agente o suporte de fato necessário para concretizar dado feixe abstrato de

competências. Aliás, a teoria orgânica surgiu exatamente para explicar a

posição das pessoas que manifestam a vontade do Estado e, em particular, da

Administração Pública258.

E o mesmo autor traz reflexões a respeito do conceito jurídico de órgão, que não se

encontra pacificado, questionando:

Se são unidades despersonalizadas, que exteriorizam a pessoa jurídica

em que estão encartados, como os órgãos podem expressar vontade

individualizada face a órgãos superiores ou de mesma hierarquia, firmando

acordos de gestão ou aspectos procedimentais? Como são possíveis relações

jurídicas interorgânicas de acordo ou convenção, previstas em diversos

ordenamentos jurídicos, inclusive no Brasil, se ambos os envolvidos no

acordo exprimem e formam a vontade da mesma pessoa jurídica?

O jurista baiano aponta dois modos diretos de resolver a questão, combinando com

Mello259, que:

Os órgãos não passam de simples partições internas da pessoa cuja

intimidade estrutural integram, isto é, não tem personalidade jurídica. Por isso,

as chamadas relações interorgânicas, isto é, entre órgãos, são, na verdade,

relações entre os agentes, enquanto titulares das respectivas competências, os

quais, de resto – diga-se de passagem -, têm direito subjetivo ao exercício

delas e dever jurídico de expressarem-nas e fazê-la valer, inclusive contra

intromissões indevidas de outros órgãos. Em síntese, juridicamente falando,

não há, em sentido próprio, relações entre os órgãos, e muito menos entre eles

e outras pessoas, visto que, não tendo personalidade, os órgãos não podem ser

sujeitos de direitos e obrigações. Na intimidade do Estado, os que se

relacionam entre si são os agentes manifestando as respectivas competências

(inclusas no campo de atribuições dos respectivos órgãos). Nos vínculos entre

Estado e outras pessoas, os que se relacionam são, de um lado, o próprio Estado (atuando por via dos agentes integrados nestas unidades de plexos de

competência denominados órgãos) e, de outro, a pessoa que é contraparte no

liame jurídico.

Noutra orientação, os juristas mostram o órgão como centro parcial de imputação, e o

Estado como centro total de imputação. Pela orientação de Vilanova260, por exemplo:

258 MODESTO, Paulo. A Hora e a Vez das Relações Interorgânicas. Op. cit. p. 02. 259 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26a. Edição, São Paulo: Malheiros,

2009, p.p. 140-141; ed. 33a. de 2016, igual redação pp. 144-145. 260 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.

273.

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Cada órgão é sujeito-de-direito, é um centro unitário de imputação, de

atribuição de direitos e deveres. É um dado do direito positivo brasileiro que

Senado e Câmara são órgãos dotados de subjetividade, que entram compondo

outro sujeito-de-direito, que é o Congresso. Há direitos, poderes, deveres de

cada um deles. A personificação é um processo técnico, uma construção

dogmático-positiva de unificação: sem a unificação personificadora, há

dispersão de direitos e deveres e não se demarcam as competências, que

pressupõe, subjetividade (o ser sujeito-de-direito, ativo e passivo, termo de

relações jurídicas).

Recusa-se ao órgão a personalidade. Tem-se a personalidade como

exclusiva do Estado. A personalidade total, sim. E soberana: o que não impede

a repartição da subjetividade entre os órgãos. O que é a unidade da

personalidade total do Estado, sob o ponto de vista normativo, é a soberania

exclusiva, a supremacia do Estado em face de todos os grupos e em face dos

seus órgãos (sobretudo o monarca). Carré de Malberg mostra, em penetrante

análise crítica, o significado jurídico e político da soberania do Estado em face

da teoria da soberania do rei ou da nação. E, ainda, a despersonalização dos

órgãos. Mas seria ir contra os dados do direito positivo não advertir que cada

órgão é um centro de imputação, é um sujeito-de-direito, como cada

indivíduo-membro da comunidade o é, e cada universalidade de pessoas o é.

A referência unitária de direito/deveres é um processo homogêneo, como

sempre sustentou Kelsen, no direito privado e no direito público [...].

A unidade, que requer o ser sujeito-de-direito, não se compromete pelo

fato de em seu interior haver relações jurídicas. Relações jurídicas verificam-

se entre termos. Os termos da relação são sujeitos, não objetos, coisas,

situações objetivas. A relação entre um juiz e outro juiz, entre juiz singular e

órgão colegial julgador é relação jurídica, ainda que entre subórgãos de um

órgão total – o Poder Judiciário.

Apresentam-se posições doutrinarias no seio do direito administrativo, que órgão não é

pessoa, por ser unidade despersonalizada, quando integrante da Administração Pública, quer

direta e ou indireta, mas pode ser sujeito de direito, termo de relações interorgânicas e parte em

relações processuais, como manejam a doutrina contemporânea e a jurisprudência dos tribunais

no Brasil261.

Ao tratar dos pressupostos processuais, Didier 262 fala das condições da ação, que há mais

entes capazes de direito que pessoas. Ser ou não sujeito de direito é questão que não comporta

relativização, porque o Direito reconhece a possibilidade de titularizar situações jurídicas, ou

não se é sujeito de direito. Não pode ser sujeito de direito para algumas situações, e não ter

capacidade jurídica para outras. A capacidade de exercício pode ser dividida em absoluta e

relativa: pode-se estar autorizado a praticar determinado ato jurídico sozinho e não ter

autorização para praticar, sem representação, outro ato jurídico. Portanto, o que se verificar

261 MODESTO, Paulo, op. cit. 262 DIDIER Jr., Fredie. Pressupostos Processuais e Condições da Ação. Saraiva, 2005, pp. 119-120.

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nessa engrenagem estaria apto por si ou não estar em juízo. A fim de dirimir dúvidas nessa

seara, mostra que o legislador não poderia ficar restrito às pessoas físicas e jurídicas, porque:

O processo tem de estar apto a resolver todos os tipos de conflitos que

possam ser encontrados no sistema jurídico, quer esses conflitos envolvam

“pessoas”, quer não as envolvam. A legislação processual avançou no tema

da redefinição do conceito de sujeito de direito muito mais do que a legislação

material, ainda presa ao binômio pessoa física-pessoa jurídica. Não há quem

conteste a capacidade de ser parte do condomínio, da massa falida, da

sociedade em comum e dos órgãos despersonalizados.

É possível imaginar, portanto, um processo envolvendo, de um lado,

um órgão de uma pessoa jurídica e, de outro, essa mesma pessoa jurídica.

Acontece frequentemente em cidades do interior, onde, por questões políticas,

surge uma quizília envolvendo a Câmara de Vereadores em face do

Município, para fazer valer as suas prerrogativas, por exemplo. Imagine-se a

situação de uma faculdade pertencente a uma universidade: se o comando da

universidade, por qualquer motivo, não repassar verbas a que faz jus a unidade

de ensino, de acordo com critérios estabelecidos pela própria universidade,

não poderia a faculdade ingressar em juízo, em face da universidade a que está

vinculada, pleiteando a entrega da quantia? Parece não haver dúvidas de que

a resposta é positiva.

A atribuição de capacidade de ser parte a todo ente que possa ter

interesse juridicamente tutelado é decorrência do direito fundamental à

inafastabilidade de apreciação pelo Poder Judiciário de alegação de lesão ou

ameaça de lesão a direito, previsto no inciso XXXV do atr. 5° da CF/88.

No campo da legislação processual o tema avançou, com redefinição do conceito de

sujeito de direito muito mais do que a legislação material, uma vez que os órgãos tidos como

despersonalizados podem ser parte, como acentua Didier.

Na área do registro empresarial, para os fins da pessoa jurídica hão de constar da

declaração exigida pelo direito. Se não constam, o registro pode ser atacado, segundo os

princípios. Se constam e, sendo ilícitos, cabem na classe dos fins ilícitos a que se refere a norma

legal, sem que o oficial do registro, ou o juiz haja recusado a inscrição, os fins ilícitos são

tratados como qualquer outra causa de invalidade, aí não revestido o ato pela fé pública oficial,

porque a ilicitude de fim, como a impossibilidade do objeto, a falta de forma, e a incapacidade,

ou a infração de requisito, não é revestida pela fé pública.

Os processualistas afirmam que não precisa propor ação ordinária para a anulação da

escritura pública se o juiz tem diante de si a prova de que a pessoa, que dela consta, como

figurante, é incapaz. Nem se há ilicitude ou impossibilidade do objeto, ou espécie da lei. Porém

a alegação de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude contra credores, tem de ser através de

ação, o que afasta o problema da discrepância entre a alegabilidade sobre invalidade do ato

jurídico e a alegabilidade contra a escritura pública.

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No que tange a capacidade delitual das pessoas jurídicas, não se pode incluir o órgão da

pessoa jurídica porque desse não é patrão, amo, ou comitente, da pessoa jurídica. O órgão é a

mesma, de modo que essa não responde por dano que resulte de ato ilícito, absoluto ou relativo,

que seja praticado pelo órgão, como tal. Ato de órgão, responsabilidade da pessoa jurídica. O

que é preciso, portanto, é que o ato tenha sido em exercício de funções. No âmbito da

responsabilidade observa-se que deriva de causa de nulidade ou de anulação também se

estabelece, pelo ato do órgão, contra a pessoa jurídica.

Ato jurídico do órgão é ato da pessoa jurídica, e não de quem é órgão, sem precisar de

pensar em representação, na qual o ato do representante se faz ato do representado. O órgão da

pessoa jurídica é parte dela, como o cérebro é parte da pessoa natural. De longos e inafastáveis

perquirições sobre o tema, os juristas chegam a entender ser falsa a afirmativa de que

representantes da pessoa somente possam ser os órgãos. A pessoa jurídica pode ter o órgão e

ter representante. Órgão não representa, presenta, repita-se, como enfatiza Pontes de Miranda.

A própria pessoa, que é parte do órgão, ou o próprio órgão, pode ter recebido, apenas, in casu,

poder de representação. A pessoa jurídica tem ação regressiva contra o órgão, como contra o

representante, se há culpa. A regra jurídica que diz responder a pessoa jurídica pelo ato do órgão

é de direito cogente. Os estatutos podem estabelecer cautelas para os atos do órgão; não pré-

excluir a responsabilidade.

No campo das sociedades anônimas preconiza Adamek263:

O funcionamento mais eficiente e concatenado de qualquer ente

coletivo tem como pressuposto inafastável a distribuição, especifica e

ordenada, de diferentes funções, deveres, responsabilidades, direitos e

prerrogativas, entre várias células ou núcleos, dotados, assim, de atribuições

próprias e necessárias tanto para a formação da vontade coletiva como para a

sua ulterior exteriorização e execução, bem como para a fiscalização de seu

cumprimento.

A esse modo de ver como na sociedade civil, estão presentes uma divisão de poderes no

âmbito das pessoas políticas quando confere funções distintas na busca de um mesmo objetivo,

o alvo, o bem comum. Acontece com semelhança na sociedade anônima, adotando estrutura

hierárquica, ainda que em grau e sob formas distintas, variáveis, aglomerando atuações ora mais

simples, ora de maior complexidade. Essa similaridade também faz com relação aos poderes

específicos na esfera da sociedade civil, transportando o modelo para a sociedade empresarial.

263 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas. São

Paulo. Saraiva. 2009, p. 11.

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A engenharia desses órgãos vem da engrenagem jurídica, cuja doutrina, e experimentação

levou a criação de uma legislação, que se moveu de acordo com as células, atribuições de

poderes criados para atender as regras dos estatutos sociais da companhia, chegando-se aos

órgãos sociais.

Na busca de definição para órgão da sociedade anônima, depara-se com a elaborada por

Correia264, que expressa como centro de imputação de poderes funcionais exercidos, por um ou

mais indivíduos que nele estejam investidos, para formar e manifestar à vontade juridicamente

imputável à pessoa jurídica. Para Valladão Azevedo e Novaes França265 órgão é o individuo

(ou grupo de indivíduos), enquanto age para o desenvolvimento de um interesse coletivo, ou

seja, enquanto cumpre uma função de grupo.

Adamek adota noção de órgão com vinculo genérico à de vontade social, como uma

decorrência lógica do conceito de interesse coletivo266, e que na opinião de Karsten Schimidt,

mostra que o órgão pode ser integrado por uma ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, mas não

é a pessoa investida no cargo, e sim, concretamente, o próprio cargo ou centro de imputação de

poderes funcionais. E nesta posição o órgão pode expressar vontade própria, obedecendo

mecanismos próprios, inclusiva de natureza psicológica, uma vez que nele está presente o

individuo, membro ou titular, cuja volição é inerente a pessoa natural, cuja natureza não se pode

dissociar.

Tem-se os órgãos singulares, composto de um titular. Os órgãos compostos de mais de

um membro, órgãos plurais, que podem ser sucessivos, quando a atuação de um titular se opera

na falta ou impedimento de outro, ou simultâneos, quando há simultaneidade de poderes de

vários administradores.

Observa-se que os órgãos podem se dividir, e quando isto acontece, surgem os órgãos de

funcionamento separado, que alguns denominam de ‘disjunto’, atuando sozinho, com poderes

iguais e independentes dos demais titulares. Nesta situação, o exercente do órgão pode em

situações peculiares fazer oposição ao outro. Quando conjunto ou coletivo, vários titulares

atuam em um ou mais grupos, independentemente de deliberação em conselho ou assembleia.

264 CORREIA, Luís Brito. Os administradores de sociedades anônimas. Coimbra, Almedina, 1993, p. 203. 265 AZEVEDO, Erasmo Valladão; FRANÇA, Eva Novaes. Invalidade das deliberações de Assembleia de S/A.

São Paulo. Malheiros, 1999, n. 7, p. 29. 266 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas. São

Paulo. Saraiva. 2009. Op. cit. p. 12.

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Na existência do órgão colegial os titulares atuam em grupo, mediante deliberação tomada em

reunião.

Ainda há de observar a existência dos órgãos em face da competência, que são os externos

e os internos. Os órgãos internos nem sempre necessitam da participação do órgão

representativo para produzirem efeitos perante terceiros, agindo no âmbito das relações

institucionais, mas concretizando atos de sua autoria. Daí a existência dos órgãos considerados

obrigatórios ou essenciais, e os facultativos.

Dessas concepções sobre o órgão na sociedade anônima, passa-se ao exame da sobre as

estruturas empresariais estatais.

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4. ESTRUTURAS EMPRESARIAIS ESTATAIS

No campo do direito como ciência, apesar do constante debate e enérgicas discussões

sobre os mais variados assuntos que afetam a paz social, os juristas procuram diminuir a

intensidade do possível impacto, preocupados a adotar procedimentos de atenuação eficientes,

que denominam de ‘esbatimento’.

No estudo entre o direito público e o direito privado, que dá esteio para a analise do tecido

jurídico que envolve o direito público na economia, perpassando pelo direito administrativo,

vem à tona discussão sobre a ordem jurídica contemporânea por não imputar adequada

autonomia da vontade privada a resposta definitiva às exigências com que o direito se depara267.

Sendo a ordem social e econômica um terreno de interesses em conflito, quando não

irredutíveis, não se espera que do simples jogo das vontades e interesses privados, surja

espontaneamente a melhor solução para os problemas que necessitam de solução.

Nessa perspectiva, o direito intervém no sentido de conformar e condicionar o exercício

da vontade privada em ordem a interesses, que assume em nome dos princípios da solidariedade

social e outros. O referido condicionamento exprime os limites de normativamente impostos,

relevantes no âmbito da autonomia privada, como é particularmente claro no atual direito dos

contratos, na tipicidade dos direitos reais e nas formas sociais, mas exprime-se também em

obrigações de facere coativamente impostas, como é nítido no domínio do direito do trabalho,

e na figura do ônus jurídico, colocando o particular na situação de ter de proceder de certo modo

para obter certas vantagens ou conservá-las, o que é particularmente frequente no terreno do

direito econômico.

Os limites ao relevo da autonomia da vontade privada como critério e fonte do direito

deixaram de ter caráter excepcional, passaram a constituir um verdadeiro sistema jurídico

alicerçado em regras próprias.

O Estado quando objetiva executar serviços públicos de natureza comercial ou industrial,

está a intervir em típicas demandas da iniciativa privada, e tal empreendimento econômico

arcado pelo Estado, ora é aplaudido, ora é questionado, chegando alguns a entender que se

trataria de uma pratica de concorrência desleal, haja vista, segundo expõem os seus apologistas,

267 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico – Coimbra, 6ª. ed., 2012, p. 32-33.

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as vantagens e benefícios de que dispõem as empresas publicas na disputa de mercados em

relação as empresas particulares.

Pinto Junior268 enfoca certas distorções no setor público empresarial, como o exacerbado

corporativismo, a falta de compromisso com resultados e o risco de aparelhamento político-

partidário. Visando compreender a empresa estatal, em especial como foi colocada no cenário

com destaque, força e interesse do Estado, desafiando o mercado com relação a atividade

privada. A empresa estatal, como molde seria, não propriamente para atingir e manter padrões

de eficiência semelhantes ao da iniciativa privada, mas, sim, ter missão pública, dando-lhe

contorno jurídico adequado para viabilizar a convivência com acionistas privados e permitir a

atuação ordenada no mercado disputado por outros atores econômicos269.

Na busca de uma dissecação sobre os elementos que ensejaram o surgimento da empresa

pública, um deles, com destaque, é a intervenção do Estado. A intervenção é um fenômeno

historicamente permanente270, sendo relevante a visão do dirigismo estatal na economia, com

considerações que leva a uma imensa discussão, por ser um tema controvertido, não só no

aspecto jurídico, mas, também, face as nuances econômicas e ideológicas.

A intervenção é um fenômeno historicamente permanente. Na verdade,

desde sempre existiram formas de intervenção na economia por parte do

Estado, embora qualitativa e quantitativamente diferentes das que são

características do Estado de Direito Social dos nossos dias.

A problemática jurídica da intervenção estatal na economia descreveu

assim uma clara evolução, cujos contornos interessa precisar de modo a

melhor identificar as suas características principais nos nossos dias.

A maioria das normas interventoras anteriores às atuais assumia um

caráter proibitivo e repressivo, não se pretendendo com elas levar os entes

privados a adoptar certos comportamentos ou a efetuar certas prestações

positivas conformes ao interesse geral definido pelas autoridades. É por esta

razão que se fala, para caracterizar esta forma de intervenção, que se

prolongou, com a exceção do período mercantilista, até final da I Grande

Guerra, de um “dirigismo econômico” (HUBER), assente em simples atos

preventivos e repressivos das autoridades.

A atitude de abstenção na conformação da atividade económica por

parte do Estado corresponde a um determinado modelo jurídico e a uma

determinada ideologia. O modelo jurídico correspondente é o liberal e a

ideologia a do individualismo. Está presente a concepção liberal do Estado,

corolário necessário daquele modelo jurídico e daquela ideologia271.

268 PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal Função Econômica e Dilemas Societários. Atlas, São Paulo,

2ª. ed., 2013. 269 Idem, ob. cit., p. 3. 270 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico, Coimbra. 6a. ed., 2012, p. 17. 271 Idem, ob., cit. p. 17.

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O modelo de dirigismo que Elson Gottschalk272 mostra pela influência da União

Soviética, com a vivência histórica, a convivência daquela reunião de nações com os contornos

da economia mundial à época, após o conflito mundial, com regras econômicas ditadas e que

foram absorvidas em várias partes do mundo. A expressão economia dirigida ou simplesmente

dirigismo ganhou certa popularidade, após a primeira guerra mundial, quando a experiência dos

planos quinquenais despertou o mundo para um novo mecanismo estatal, com aparente êxito

de sua execução, encetando o surgimento de uma nova direção da econômica.

Adverte-se que não se deve confundir intervencionismo com dirigismo, pois, muitas das

ações interventivas do Estado no campo das instituições privadas, embora, sob considerações e

reveladoras restrições da liberdade individual, entendidas que não passaram de medidas ditadas

por um interesse superior de polícia.

O mundo jurídico liberal assenta-se em postulados essenciais, para Moncada estaria na

separação absoluta entre direito público e o direito privado; cada um deles com a sua esfera de

aplicação perfeitamente diferenciada, e o predomínio da autonomia da vontade privada na

esfera econômica. A atividade econômica era considerada como um simples prolongamento da

atividade privada geral, e como tal não era merecedora de outra ordenação jurídica que não

fosse a que resultava do direito privado. A ordem jurídica da atividade econômica restringia-se

pois ao direito privado. O modelo jurídico do Estado liberal limitava ao mínimo do direito

público, restringindo a sua esfera de influência ao tratamento de questões que nada tinham que

ver com a atividade econômica, associada ao entendimento esposado por Moncada273.

Nesse arcabouço observa-se uma certa pigmentação da linha traçada por Schumpeter

quanto a restrição do direito público, face um mínimo indispensável para obter a garantia do

funcionamento da vida social e política. Ao que parece, caracterizar o dirigismo, seria como

um remédio para as enfermidades do liberalismo, com as crises atribuídas à politica liberal, o

consumo desenfreado de bens pela chamada sociedade de consumo, afligindo o emprego,

desaguando na absurda e continua alta dos preços dos gêneros de primeira necessidade, gerando

uma desordem na produção e na distribuição. Diante de tal quadro de aparente desordem e

anarquia é que surge o pensamento do dirigismo estatal na economia.

A ideia-mestra foi a de colocar a força do Estado à serviço da economia, para estimular

entendimento de que já não bastava fazer a intervenção no mero sentido da interdição nas

272 GOTTSCHALK, Elson. Empresa Pública: Ponta de Lança do Dirigismo Moderno. in Estudos Jurídicos em

homenagem ao Professor Orlando Gomes, pp. 451- 492. Forense. 1979. 273 MONCADA, Direito Economico, op. cit. p. 18.

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práticas de atos, defendiam prescrever a intervenção, e, ao mesmo tempo forçar a sua execução

por ação da autoridade instalada, de modo geral e prolongada, evitando-se tratamentos

esporádicos de simples intervencionismo. Assim a ação do Estado na economia deve originar-

se de um plano, em uma economia bem dirigida.

Críticas são feitas a essa formulação, porque não proporcionaria de modo claro, tampouco

natural, uma fácil condução para se saber qual o momento em que se deve implantar o

intervencionismo para alcançar o dirigismo. Por outras palavras, não se mostra fácil saber

quando o legislador se propõe a defender a ordem pública ameaçada ou intenta contribuir para

o desenvolvimento econômico, ou simplesmente não passaria de mecanismo político, sem

consistência. O dirigismo na economia abriu um vasto campo de ação para que os economistas

e tecnocratas engendrassem hipotéticas soluções socioeconômicas, especialmente no auge em

que países de regime autoritário dominaram o cenário político internacional.

Esclarecem os historiadores que o antigo regime corporativo possuía complicada

engrenagem para administrar a economia, atualmente não se aceita um poder corporativo para

reger a economia. Relembrando que a organização da economia com o concurso dos

interessados foi uma tentativa frustrada da Carta de 1937. Na Itália, a carta del lavoro. Na

França, pela charte du travail. Falharam sobretudo pelo seu conteúdo essencial de supressão da

liberdade universal, como assinalou Walter Lippmann274, em La cité libre:

[...] nossa geração está aprendendo, pela própria experiência, o que sucede

quando a humanidade retrocede ao ponto de organizar seus negócios

coativamente.

E nessa linha está a fala de Savatier sobre:

O exemplo da União Soviética, cujo plano dirigido do alto, não admitia

nos escalões inferiores, senão roldanas, roldanas que rolam e se engrenam

segundo o mecanismo estabelecido pelos que, a partir do motor, conduzem

esta imensa máquina. Estas rodagens não são mais contratos; não há nada livre

e voluntário275.

Reconhece-se a viabilidade de uma planificação democrática respeitosa do mercado,

quando a planificação deixa às empresas dos setores público e do privado o cuidado de chegar

a metas previsíveis. O conjunto econômico planificado reveste a forma mista de injunções e de

atos econômicos espontâneos; de trocas livres nos esquemas gerais estabelecidos pela lei, e de

274 LIPPMANN, W. (1937b). La cité libre, p. 61. Paris, Librairie de Médicis, 1946. 275 SAVATIER, R. Les Métamorphoses économiques et sociales du Droit Civil daujourd’hui. 1948. Dalloz, p.

76/77.

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trocas controladas no esquema complementar imposto pelo plano, coadunando-se os

argumentos de Bartolli276.

Com relação ao principio da planificação da atividade econômica, Moncada mostra que

a constituição econômica consagra um principio geral de planeamento (ou planificação) da

atividade econômica, e exemplifica que o sistema de planeamento é composto pelas leis das

grandes opções e pelos planos nacionais propriamente ditos, podendo estes integrar programas

específicos de âmbito territorial e de natureza setorial, indicando de modo esclarecedor,

exemplificando como base o que a Comunidade Europeia consagra um princípio geral para

tanto.

Para o jurista português277 o princípio do planeamento vincula todos os mecanismos de

direção estadual da economia, desde os planos nacionais de desenvolvimento econômico e

social até ao orçamento do estado, transmitindo a lógica provisional específica dos planos

globais numa perspectiva temporal adequada, de modo a racionalizar a decisão pública

envolvida, e que:

Ao coordenar todos os mecanismos de direção estadual da economia vai o

planeamento nacional exercer, muito embora em diversa escala, influência

sobre a atividade econômica. Nesta medida, pode afirmar-se que a influência

econômica do planeamento transcende em muito o âmbito estadual.

Em suma, o dirigismo é uma política que não se choca frontalmente com o capitalismo,

contudo pode criar inquietação pelo desrespeito ao interesse privado, mas logo o tranquiliza

pela resistência ao socialismo integral.

Por outro lado, não é de admirar que os argutos capitalistas sensíveis aos seus próprios

interesses privados, defendem em muitas ocasiões, o dirigismo estatal da economia, não raro

beneficiando-se dele. O dirigismo da economia, como ação política do Estado, determinou

novos critérios na apreciação do valor das leis e abalou estruturas tradicionais do Direito, como

explanam Gomes e Varela278, entendendo que o estado de espírito predominante aplaude e

condena uma lei incite ou dificulte, o desenvolvimento econômico. A regra de direito não se

ordena mais a uma ideia de justiça; passa a ser aferida pela eficácia técnica. Empolgado por

esse pensamento, o legislador convenceu-se de que as leis devem ser, antes de mais nada, um

meio, um instrumento, uma técnica a serviço do Estado no cumprimento da programação

econômica nacional. Daí porque as Constituições regem a ordem econômica, voltando-se para

276 BARTOLLI. Henri. Science économique et travail, Paris, Dalloz, 1957, p. 41. 277 MONCADA, op. cit. p. 256. 278 GOMES, Orlando; VARELLA, Antunes. In Direito Econômico. Saraiva, São Paulo. 1977, p. 17.

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novas realidades e reservam à iniciativa pública importante papel na produção e distribuição da

riqueza. O Estado assume a gestão de atividades econômicas e controla a iniciativa privada e

seus empreendimentos.

Existindo uma nova política legislativa esta repercute na dogmática jurídica, por isso que

as inovações normativas se ajustam à estrutura de institutos tradicionais, quer através de

configuração diferente, quer mediante recondicionamento. Em consequência, certos princípios

esvaziam-se, alguns instrumentos jurídicos mudaram de função, e fórmulas dúbias ou meras

designações terminológicas surgiram. Como exemplo cita-se o negócio jurídico que vem

perdendo sua função tradicional de instrumento da autonomia privada para se tornar “simples

estrutura formal, idônea a acolher e realizar tanto os interesses públicos quanto os do

particular”.

Com o dirigismo estatal na economia, o livre mercado foi substituído por “um sistema no

qual o movimento da produção e da reprodução sociais se realiza, não por meio de contratos

particulares entre unidades econômicas autônomas, mas graças a uma organização centralizada

e planificada por grandes monopólios virtuais”, ou uma economia de mercado, que os alemães

denominam de “mão leve” (leichten Hand), pela qual a inciativa particular é, em principio,

livre, mas o Estado pode dirigir a economia, se bem que dentro de limites previamente fixados

na Constituição ou nas leis, e tendo a intervenção, fundamentalmente, função supletiva,

orientadora e estimulante da atividade dos particulares.

Além dos mercados nacionais o capitalismo moderno se propõe a controlar o mercado

internacional. Ao contrário do que ocorrera entre as duas guerras, período marcado por forte

tendência à autarquização das economias nacionais, no último quarto do século XX as

atividades internacionais aumentaram no mundo capitalista com rapidez bem maior que o

produto global. Mas ainda nas atividades transnacionais, isto é, as empresas que estão

organizadas no campo da produção em um espaço que compreende vários países, expandiram-

se ainda mais rapidamente que as relações internacionais tipo tradicional. Essas atividades

transnacionais escapam em grande medida ao controle dos centros de decisão nacionais e

plurinacionais atualmente existentes, especialmente quando acontecem crises que avançam

fronteiras, a exemplo a crise que se iniciou em 1973, escapando dos sistemas de controle e

coordenação existentes, colocando em ‘xeque’ as medidas corretivas (inflação/desemprego)

que venha a tomar qualquer país isoladamente, provocando repercussão nas empresas

multinacionais e transnacionais, e na estrutura do Direito, dado inquestionável nos tempos

modernos.

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Diz Moncada279 que:

Nos países em que se mantêm o sector empresarial do Estado os

problemas essenciais que se colocam hoje são os da criação de novas formas

organizatórias públicas próprias para a atividade económica e os de utilização,

aliás, predominante, das formas privadas existentes para os mesmos fins,

nomeadamente de sociedade anónima. É em torno do primeiro problema que

assume importância a definição da empresa pública e em torno do segundo o

da natureza da sociedade de capitais públicos, participada ou mista, [...].

A atividade econômico-social do Estado moderno vem crescendo incessantemente, e

nesta nova área de ação em que se manifesta o dirigismo da economia mais do que o simples

intervencionismo de outrora, impõe-se a descentralização de vários serviços, que estão sendo

desmembrados por meio de técnicas novas da administração indireta, dentre as quais destaca-

se, pela sua obsedante atualidade, a empresa pública.

Não obstante, a empresa pública esteve e ainda se apresenta, como quase em definitivo,

inserida nos quadros do direito público dos países capitalistas, como ponta de lança do

dirigismo econômico moderno. Para Moncada a empresa pública é uma pessoa coletiva pública

autônoma relativamente ao Estado, e entende que dispõe de personalidade jurídica própria, e o

ato de nacionalização extinguiu a pessoa jurídica privada e criou ope legis uma nova pessoa

jurídica, a empresa pública. Desse modo compreende-se que o objeto da empresa pública é

sempre definido especificamente pela lei, nem outra coisa se compreenderia, pois que ela existe

para o desempenho de uma função de interesse público.

O objeto da empresa pública delimita a sua competência, sendo nulos todos os atos e

contratos praticados, celebrados pela empresa que transcendam, contrariem esse objeto, não

podendo praticar atos senão aqueles especificados na lei e do seu estatuto.

No Estado liberal e não intervencionista, tais formas teriam forçosamente de restringir-se

à execução direta, mediante os próprios órgãos da administração, ou à execução indireta,

através de terceiros, a quem delegasse a tarefa de executá-lo, como acentua Paiva280:

De qualquer maneira, há quem entenda haver a sociedade de economia

mista atingido seu apogeu, tendendo, por isso mesmo, a ceder lugar a outros

tipos de empresa pública, tais como a sociedade pública de um só membro e

a sociedade de pessoas jurídicas de direito público.

A sociedade pública de um só membro tem como acionista único o

Estado, de modo que são exclusivamente governamentais, a propriedade, a

direção e administração de tais empresas.

279 MONCADA, Direito Económico, op. cit. p. 310. 280 PAIVA, Alfredo de Almeida. As sociedades de economia mista e as empresas públicas como instrumentos

jurídicos a serviço do Estado. Revista. V. 100.

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A sociedade de pessoas jurídicas de direito público, ao contrário, tem

como acionistas, consoante o próprio nome está a indicar, não só o Estado,

mas as demais pessoas jurídicas de direito público, que dela queiram

participar.

Ambas configuram as chamadas empresas públicas, das quais se exclui

a participação dos particulares, contrariamente ao que ocorre com as

sociedades de economia mista, que contam com tal participação.

Efetivamente há quem negue a tais entidades, particularmente à

empresa pública de um só membro, a característica de sociedade, dado que

lhe faltariam os elementos caracterizadores daquela figura jurídica,

representados pela affectio societatis e o animus lucrandi. Contra tal objeção se argumenta que na sua conceituação moderna a

sociedade anônima tão somente exige a presença de dois elementos: a empresa

organizada e o patrimônio autônomo. Assim é que se tornou possível o

enquadramento da empresa pública no campo das sociedades anônimas.

Foram abandonados os requisitos subjetivos: affectio societatis e animus lucrandi. Passou-se a atender exclusivamente aos elementos objetivos.

11. Semelhanças e distinção das sociedades de economia mista.

Excluída desses tipos de sociedade a participação das pessoas físicas ou

jurídicas de direito privado, por isto que delas apenas participam pessoa ou

pessoas de direito público, continuam, quanto ao mais, a revestir-se de

características mais ou menos semelhantes às das sociedades de economia

mista, pois, igualmente são organizadas sob a forma de sociedade comercial,

regendo-se, principalmente, pelas normas do direito privado.

A fim de melhor compreender a opinião supra, conveniente ficar atento para o princípio

da economicidade, no que diz respeito a impossibilidade ou limite de lucro, não de deva

confundir o princípio da economicidade que exige menor custo, mas não despreza o lucro

empresarial. Os preços praticados pela empresa devem ser superiores ao custo, como alerta

Moncada281, não significa isto que o Estado não possa subsidiar as empresas de modo a que

elas mantenham preços inferiores àqueles que se estabeleceriam no mercado (preços políticos)

de modo a responder a necessidades sociais ou de política econômica. Tem-se como exemplo

o aumento de exportações e outras medidas, como subvenções compensatórias às empresas

públicas com relação a tarifa de transportes, quando se recusa a permitir-lhes aumentos de

tarifas.

Isto mostra que quando o Estado impõe às empresas missões especiais que se afastam da

sua gestão normal, deve atribuir-lhes as necessárias compensações financeiras de modo a não

comprometer o seu equilíbrio. Mas adverte Moncada, só nestes casos, pois o lucro empresarial

era a regra, e o subsídio à exploração a exceção.

Pelo argumento do jurista português, supõe-se que se pode aproveitar a distinção de

origem francesa entre as empresas públicas comerciais e industriais e as de serviço público

281 MONCADA, op. cit. pp. 328-330.

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criadas, estas últimas, ex novo, especialmente para a prossecução de atividade de natureza

«social», praticando preços abaixo do mercado, não remuneratórios e por isso mesmo

carecendo de um regime jurídico que facilite o desenvolvimento das suas atividades. Assim o

legislador pode atribuir privilégios especiais de ordem pública, criando a seu favor um «regime

administrativo», tais como poderes para expropriar ou cobrar taxas, poderes disciplinares e

impróprios, dentre outras.

Quando o Estado Liberal, não intervencionista ou abstencionista, começou a abandonar

esta postura tão do agrado do individualismo liberal, para assumir outra condizente com a ação

imposta pelo Estado Social dirigista, ativo, não apenas criador de “interdições”, mas sobretudo

agenciador de “planos e arbitro de sua execução”, concomitantemente estava invadindo a area

da economia privada, até então reservada à autonomia individual. Assim é que o Estado foi se

servindo, a princípio, de empresas concessionarias, permissionárias, fundações corporações,

autarquias, empresas de economia mista, até chegar à empresa pública, nem sempre de maneira

coerente, mas sempre procurando incorporar um risco arsenal de institutos de Direito Público

e Privado, idôneo à realização de seus fins.

A sociedade de economia mista sucedeu cronologicamente o regime de concessão e

permissão, conquistando simpatias gerais. Via-se nela um corretivo feliz à gestão puramente

egoísta dos particulares e à gestão somente pelo Estado, das empresas de interesse geral.

Louvava-se nesta fórmula porque ela permitiria tomar a cada um desses sistemas o que ele tinha

de bom. Não dando, nem a economia privada nem a economia pública resultado absolutamente

satisfatória, a economia mista deveria certamente constituir a solução ideal.

O direito não pode se contentar com soluções unilaterais ou simplificadas, uma vez que

o mercado regulado tem papel a desempenhar, e que o Estado pode e deve ser um modernizador

no âmbito da atividade econômica e no amparo social.

Depreende-se que uma instituição de enorme relevância é a empresa de economia mista,

com enorme influencia nas atividades econômicas, proporcionou entusiasmo, atingindo seu

apogeu, ora atenuado, tende a ceder lugar a outros modos de utilização pelo Estado das

sociedades empresariais, tais como a sociedade pública de um só membro e a sociedade de

pessoas jurídicas de direito público, observando-se, inclusive, em virtude de muitas críticas que

são creditadas ao posicionamento de Bilac Pinto282.

282 PINTO, Bilac. O Declínio das Sociedades de Economia Mista e o Advento das Modernas Empresas Públicas.

Revista Forense. V. 146; fls. 597/598.

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Do acima explicitado, haveria uma evolução do conceito de serviço público, inclusive no

âmbito do direito administrativo, tanto assim que Bilac Pinto esclarece:

[...] um dos aspectos mais característicos da evolução do Estado moderno é,

sem dúvida, o da progressiva ampliação da área ocupada pelos serviços

públicos. Esse volume das atividades do Estado tem suscitado apreensões a

muitos pensadores e políticos e constitui tema de importantes estudos, ensaios

e obras contemporâneas.

O direito brasileiro, acompanhando este novo instrumento jurídico, entendeu como

testado e aprovado em outros países, e adotou a empresa pública, destinando-lhe, primeiro

“atividades de natureza empresarial” (Dec.-Lei nº. 200). Depois de um modo genérico,

atribuindo-lhe a exploração de atividade econômica (Dec.-Lei nº. 900).

Comum encontrar certa confusão que se faz entre o paraestatal e o autárquico, e até

mesmo com o estatal, resultando consequências que desperta aversão. Para dissipar a confusão,

tem-se em conta que paraestatal é o gênero do qual são espécies distintas as empresas públicas,

as sociedades de economia mista, as fundações instituídas pelo Poder Público e os serviços

autônomos. Os dois últimos não compõem a chamada administração indireta, porque são

considerados simples entes de cooperação. A condição de entidades auxiliares do Estado é que

lhes confere o caráter paraestatal. Não são paraestatais, porque integram a administração

indireta, alguns deles; se assim o fosse, as autarquias seriam, também, órgãos paraestatais e,

efetivamente, não o são. O interesse prático da distinção consiste na atribuição de privilégios e

prerrogativa. O serviço autárquico beneficia-se, automaticamente de todos os privilégios

administrativos do Estado. O serviço paraestatal só aufere os que lhe forem concedidos, caso

por caso, na lei especial de sua criação.

Não há como confundir, portanto, as várias espécies de entes paraestatais, cuja criação é

meramente autorizada por lei, com as autarquias, que são criadas diretamente pela lei. Além

disso, as entidades paraestatais têm sempre personalidade de direito privado, ao passo que as

entidades autárquicas têm sempre personalidade de direito público; e mais: aquelas executam

quaisquer atividades de interesse ou utilidade pública; estas só realizam, ou devem realizar,

serviços públicos típicos, próprios do Estado, desmembrados do Estado. A análise de sua

função leva ao conhecimento da noção de serviço público, um dos aspectos mais controvertidos

da ciência da administração e do direito administrativo, consoante Rafael Bielsa283.

283 Rafael Bielsa, Ciencia de la Administración, B. Aires, 1955, p. 81 e seguintes; Fernando Garrido Falla, “Las

Transformaciones del Regimen Administrativo, Madrid, 1962, p. 141 e seguintes; Auby et Ader “La Notion

Actuelle de Srrvice Public”, in Grands Services Publics, Paris, 1969, p. 23 e seguintes.

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Do exame tem-se definição que serviço publico é qualquer atividade prestada pela

administração ou por seus prepostos. Exige-se, apenas, que esta atividade satisfaça

necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou mesmo vise à simples conveniência

do Estado. Daí os serviços prestados pela administração serem classificados, genericamente, de

essenciais ou simplesmente úteis à comunidade, que podem ser distintas em duas classes de

serviços públicos propriamente ditos e serviços de utilidade pública.

Um critério válido, no caso, para que tal ou qual atividade possa ser classificada como

serviço publico é a vontade soberana do Estado, que, por necessidade ou conveniência, declare

como público ou de conveniência pública a respectiva atividade para sua prestação pela

administração direta ou indireta.

Os entes paraestatais, bem como os autárquicos, que compõem a administração indireta

especializam-se na execução, direta ou indireta, de serviços específicos. Daí a definição de

Santi Romano: “Autarquia é uma forma específica de capacidade de direito público”284.

A atividade do Estado deve ser considerada de natureza econômica quando as prestações

exigidas para a produção de bens ou serviços obedeçam ao custo de produção, e este custo

venha a ser coberto com o preço da venda ou troca do produto ou serviço.

Tem-se o requisito da economicidade como elemento intrínseco para a atuação da

empresa pública. Não obstante haver entendimento quanto a economicidade, há também

entendimento de que esse requisito, criaria incompatibilidade com as finalidades do Poder

Público, tanto assim que esses mesmos serviços podem ser realizados mediante concessões a

empresas privadas. Basta que a empresa pública seja autorizada a fornecer as prestações, que o

serviço comporta, por um preço capaz de remunerar os fatores de produção empregados.

Da compreensão sobre a economicidade, os juristas levam a entender, que conduz à

profissionalidade da empresa pública se tiver entre seus fins estatutários o exercício de

determinada atividade. Se a empresa se cria para objetivar fins inteiramente diversos e,

ocasionalmente desenvolve, também, atividade econômica, o exercício desta não pode

transformar sua caracterização imposta pelos fins estatutários, bem como entender o problema

principal da noção de empresa pública, se as empresas pertencem ao Estado, se tem maioria do

capital ou não tem a maioria do controle, ou não tem a maioria do capital, mas tem o controle,

se o controle abrange os serviços não personalizados de tipo indústria e comercial? E os

284 Santi Romano. Corso di Diritto Amministrativo, 3a. ed., 1937, p. 84.

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personalizados? Para Moncada285 tais indagações em Portugal, cuja noção tinha força

normativa, porque a lei portuguesa das empresas públicas criadas e com capital do Estado, para

explorar as atividades de natureza econômica ou social, dotada de personalidade jurídica

distinta.

Segundo Vicente286, o setor empresarial público português atravessou momentos de

profundas mudanças, não só pela alteração por meio de sofisticadas disposições disponíveis a

gestão pública, quer por movimentos de concentração, desenhando, em alguns casos, ensaio

para a privatização, o que se viu a partir da década de 80 do século XX, a uma progressiva

descrença no Estado Social, particularmente, porque interventor na eficiência da gestão pública.

Destaca M. Porto e Calvão da Silva287 que “O Estado Providência ao assumir cada vez

maior número de tarefas econômicas e sociais, vê a sua intenção de resolver tudo traída pela

finitude de meios ao seu dispor”288.

Os estudos de Laswell, Simon, Lindblom e Easton desenvolvidos nas décadas do século

XX, apontados por Souza289, propiciam especial enfoque no campo das politicas públicas, em

particular na adoção de políticas restritivas de gasto, conduzindo à definição de orçamentos

equilibrados entre receita e despesa, bem como à limitação da intervenção do Estado na

economia, fazendo ressurgir a importância do conhecimento denominado políticas públicas,

com regras e modelos que regem elaboração, implementação e avaliação, adotando vários

fatores que contribuem para a maior visibilidade na área econômico-financeira das sociedades

mercantis que estão no âmbito público.

O primeiro foi a adoção de políticas restritivas de gasto, que passaram

a dominar a agenda da maioria dos países, em especial os em

desenvolvimento. A partir dessas políticas, o desenho e a execução de

políticas públicas, tanto as econômicas como as sociais, ganharam maior

visibilidade. O segundo fator é que novas visões sobre o papel dos governos

substituíram as políticas keynesianas do pós-guerra por políticas restritivas de gasto. Assim, do ponto de vista da política pública, o ajuste fiscal implicou a

adoção de orçamentos equilibrados entre receita e despesa e restrições à

intervenção do Estado na economia e nas políticas sociais. Esta agenda passou

a dominar corações e mentes a partir dos anos 80, em especial em países com

longas e recorrentes trajetórias inflacionárias como os da América Latina. O

285 MONCADA, op. cit. p. 311. 286 VICENTE, Pedro. Corporate Governance e o Setor Empresarial Público em Portugal, Almedina, 2015. 287 M. PORTO e CALVÃO DA SILVA, em ‘Corporate Governance nas empresas públicas’, Systemas – Revista

de Ciências Jurídicas e Econômicas, Ano 1, nº 2, 2010, p. 106. 288 ESTORNINHO, Maria João, citada por Porto e Calvão da Silva, na obra de Vicente, afirma ser o Estado Pós-

Social, Estado Regulador, com aspecto não de somenos importância, atento ao fato do Estado passar a ser regulador

e proprietário, cabendo-lhe, no entanto, dispensar igualdade de tratamento aos vários atores do mercado. 289 SOUZA, Celina. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul. /dez 2006, p. 20-45,

http:www.acielo.br/pdf/soc/n16/a03n16 .

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terceiro fator, mais diretamente relacionado aos países em desenvolvimento e

de democracia recente ou recém-democratizados, é que, na maioria desses

países, em especial os da América Latina, ainda não se conseguiu formar

coalizões políticas capazes de equacionar minimamente a questão de como

desenhar politicas públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento

econômico e de promover a inclusão social de grande parte de sua população.

Respostas a este desafio não são fáceis nem claras ou consensuais. Elas

dependem de muitos fatores externos e internos. No entanto o desenho das

políticas públicas e as regras que regem suas decisões, elaboração e

implementação, também influenciam os resultados dos conflitos inerentes as

decisões sobre política pública290.

Entende-se que o setor público de atividade se divide entre os campos administrativo e

empresarial, e essa realidade, refere-se comumente, o envolvimento das empresas de capitais

públicos.

Para Vicente o setor público empresarial é definido pelo próprio Estado como o conjunto

das unidades produtivas do Estado, organizadas e geridas de forma empresarial, integrando as

empresas públicas e as empresas participadas, fazendo distinção entre empresas públicas, como

as empresas em que o Estado ou outras entidades estaduais possam exercer, isolada ou

conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante decorrente da detenção

da maioria do capital ou dos direitos de voto, ou do direito de designar ou de destituir a maioria

dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização. E em empresas particulares em

que não se encontrando reunidos os requisitos para serem consideradas empresas públicas,

existe uma participação permanente do Estado291.

Vale trazer a colação o que a legislação portuguesa sinaliza para atender não só à

importância do SEE (Sector Empresarial do Estado) integrado no Sector Público Empresarial,

(cujo regime jurídico foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, em 3 de outubro de 2013),

projetando prioridade ao enquadramento, enquanto atividade econômica empresarial em um

todo, designando o setor público empresarial, de natureza pública parcial, ou seja, em empresas

cujos capitais são parcialmente públicos.

Nesse contexto vê-se uma administração indireta, cujas funções que lhe são cometidas

não lhe pertencem como funções próprias, antes devem considerar-se funções que de raiz

pertencem a outra entidade pública, geralmente ao próprio Estado, que no âmbito do direito

português tem-se uma lógica das empresas públicas, que se diferencia dos serviços

personalizados do Estado, as fundações públicas, os estabelecimentos públicos é mercantil ou

290 Idem, SOUZA – 16 de março de 2017. 291 VICENTE, Pedro. Op. cit.

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não. O mesmo se pode afirmar das empresas participativas, em que só parte do capital social é

de natureza pública. Desta forma, e para além da sua intervenção reguladora e de autoridade

pública, o Estado e outros entes públicos intervêm na economia, assumindo-se o setor público

em duas vertentes estruturais: setor público administrativo e setor público empresarial.

Observando-se o conceito português de empresa pública, verifica-se alguns elementos

do seu proceder e do enquadramento específico, face o tratamento dado a certas unidades de

produção, que se destacam pela sua lógica de funcionamento mercantil e pelo fato de sua

atividade visar o lucro, até de forma independente.

Amaral292 afirma: “[...] aquilo que (...) caracteriza e distingue as empresas, dentro das

unidades produtivas, é, pois, o facto de elas terem institucionalmente um fim lucrativo”.

Mostrando ser este um elemento, uma característica fundamental no intuito a preservar e ou

reabilitar o empreendimento.

Em Portugal o Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de abril (Estatuto das Empresas Públicas)

dispõe que:

Os preços praticados [pelas empresas públicas] devem assegurar receitas que

permitam a cobertura dos custos totais de exploração e assegurem níveis

adequados de autofinanciamento e de remuneração do capital investido.

A legislação portuguesa ofereceu o Decreto-Lei nº 75-A/77, de 28 de fevereiro de 1977,

estabelecendo o princípio da obrigatoriedade de remuneração do capital das empresas públicas.

O setor público constitui um vetor fundamental do desenvolvimento

econômico. Encontram-se nele investidos capitais públicos vultuosos, cuja

adequada rotação e remuneração deve ser assegurada, sob pena de lhes ser

desvirtuada a função e se deixar incompleta ou incorreta a avaliação dos

resultados globais da rentabilidade das empresas.

O legislador português definiu a obrigatoriedade de remunerações dos capitais

estatutarios da seguinte forma: “Os capitais estatutarios atribuídos às empresas públicas pelo

Estado serão obrigatoriamente remunerados nos termos previstos neste diploma”. Ao fazer uma

incursão em considerações e enquadramento jurídico no setor empresarial público português,

confere-se que o mesmo proporciona, serve de parâmetro ao presente estudo, face os resultados

obtidos, podendo-se colher os mesmos frutos que os portugueses alcançaram com a aplicação

de normas na busca do aprimoramento da atividade empresarial pública naquele país. O setor

público português dividiu sua atividade entre os campos administrativo e empresarial.

292 AMARAL, Freitas do. Curso de Direito Administrativo. Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p. 341.

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O Estado português procura organizar sob forma e gerência empresarial, integrando as

empresas públicas e as empresas participadas, por força do que se apresenta no Sector

Empresarial do Estado (SEE)293 vinculado ao Sector Público Empresarial do Ministério das

Finanças, é o que se extrai da Direção-Geral do Tesouro e Finanças294.

Explana Vicente295 que os institutos públicos constituem em primeiro lugar, pessoas

coletivas públicas, dotadas, como tal, de personalidade jurídica própria. Distinguem-se dos

fundos e serviços autônomos do estado, nele integrados e, como tal, sem personalidade jurídica

autônoma.

Isto porque um último aspecto fulcral que caracteriza os institutos públicos é

o facto de integrarem uma administração indireta: ... as funções que lhe são

cometidas não lhe pertencem como funções próprias, antes devem considerar-

se funções que de raiz pertencem a outra entidade pública 296. Geralmente do

próprio Estado.

Pelo que se apresenta na voz do legislador português, tem-se algo absolutamente

estruturante, por um lado, o inicio de uma nova fase da reforma da Administração Pública, no

sentido de a tornar eficiente e racional na utilização dos recursos públicos e, por outro lado,

para o cumprimento dos objetivos de redução da despesa pública a que o país esta vinculado.

Com efeito, mais do que nunca, a concretização simultânea dos objetivos de

racionalização das estruturas do Estado e de melhor utilização dos seus recursos humanos é

crucial no processo de modernização e de otimização do funcionamento da Administração

Pública, inclusive e em especial no que concerne o Brasil.

Importa decididamente repensar e reorganizar a estrutura do Estado, no sentido de lhe dar

uma maior coerência e capacidade de resposta no desempenho das funções que devera

assegurar, eliminando deficiências, e reduzir substancialmente os seus custos de

funcionamento.

293 O SEE é constituído pelo conjunto das unidades produtivas do Estado, organizadas e geridas de forma

empresarial, integrando as empresas públicas e as empresas participadas. Empresas públicas são: i) as

organizações empresariais constituídas sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei

comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma

direta ou indireta, influência dominante e ii) as entidades públicas empresariais. Empresas participadas são as

organizações empresariais em que o Estado ou quaisquer outras entidades públicas, de caráter administrativo ou

empresarial, detenham uma participação permanente, de forma direta ou indireta, desde que o conjunto das

participações públicas não origine influência dominante. 294 www.dgtf.pt - acesso 30 de julho de 2016. 295 VICENTE, Pedro. Op. cit. 296 AMARAL, op. cit. p. 318.

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No âmbito da natureza jurídica, tem-se no terceiro setor as organizações sem-fins

lucrativas como as associações e fundações. Nas cooperativas, sociedades de pessoas

constituídas para prestar serviços associados, cuja distribuição de resultados está vinculada às

operações pelo sócio com a sociedade e cujos direitos políticos estão ligados as pessoas e

desvinculados da participação no capital.

Nas sociedades limitadas tem-se as sociedades de pessoas ou de capital com fins

lucrativos, constituídas para fornecer serviços ou mercadorias a terceiros, cuja distribuição de

resultados e direitos políticos estão vinculados à participação no capital, com reduzida estrutura

administrativa, de controles internos e transparência, sem permitir acesso a recursos através do

mercado de capitais.

As sociedades anônimas - sociedades de capital com fins lucrativos, constituídas para

fornecer serviços ou mercadorias a terceiros, cuja distribuição de resultado e direitos políticos

estão vinculados à participação no capital, com complexa estrutura administrativa e de controles

internos e ampliada transparência.

Nesta reunião de dados, constata-se uma certa permissão para ter acesso a recursos através

do mercado de capitais. Pode ser de capital aberto ou fechado, conforme os valores mobiliários

de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado.

No Brasil, pelo Decreto-Lei nº. 900, enumerando a atividade econômica como motivo

determinante da criação da empresa pública, não excluiu a possibilidade de instalação da

mesma para gerir serviços públicos típicos. Uma empresa pública gestora de serviços públicos

típicos, não adquiriria o status de empresa econômica porque, ocasionalmente, e de forma

alheia a seus estatutos, realizasse operações de crédito. Faltar-lhe-ia, para tanto, o traço da

profissionalidade. Do mesmo modo, o requisito da profissionalidade não pode ser atribuído ao

ente político, isto é, ao Estado, no seu complexo; visto como sendo este caracterizado por

muitos outros fins, que não o gerir uma empresa, torna-se impróprio considera-lo empresário,

somente por antonomasia autores falam em “Estado-empresário”.

O conceito jurídico de empresa corresponde a atividade econômica organizada, com

caráter profissionalizante, através de um complexo de bens. O artigo 75 da Constituição Federal

dispõe o exercício de tal atividade pelo Estado, alinhando-se ao artigo 173, admite concorrer

com o setor privado, aparecendo o requisito de cunho material, o relevante interesse coletivo.

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Para Abranches297 a divisão da autonomia da empresa estatal está em diferentes planos:

autonomia política, gerencial, de capital e financeira. A autonomia política refere-se à

capacidade da empresa estatal em tomar decisões quanto à definição de seus projetos, sem

interferência externa. A autonomia gerencial diz respeito ao grau de liberdade que a empresa

estatal possui para administrar seus próprios empreendimentos. A autonomia de capital refere-

se a liberdade que a empresa estatal tem para utilizar livremente seu excedente no que tange à

diversificação de seu setor produtivo, ou mesmo ampliação de sua capacidade instalada.

Enquanto a autonomia financeira ocorre à medida que a empresa aumenta sua receita

operacional. A autonomia financeira é condição necessária, mas não suficiente, para a

existência dos outros níveis de autonomia.

O exame da finalidade econômica da empresa pública é de suma relevância jurídica. A

empresa pública pode ter uma dupla finalidade: exercitar atividades econômicas ou serviços

públicos. No primeiro caso, exerce uma atividade assimilável à da iniciativa privada; no

segundo, confunde-se com as atividades próprias do Estado. Se se trata de saber a quem

compete criá-la, por lei, se ao Estado-membro, Município ou União, torna-se indeclinável o

exame da natureza das funções que serão exercidas, para a solução do problema de sua criação.

Como somente à União foi reservada a faculdade de, por lei federal, intervir no domínio

econômico, não pode remanescer ao Estado-membro e ao Município idêntica competência, nem

mesmo por derivação residual. A empresa pode ser instituída para gerir serviços públicos, como

instrumento opcional mais eficaz no processo de descentralização. Neste caso, o Estado-

membro e o Município conservam a competência residual ou explicita para organizar seus

serviços públicos estaduais e municipais. Trata-se de competência estadual e municipal

concorde com as respectivas autonomias. Há, pois, possibilidade de empresas públicas

brasileiras serem utilizadas para o processo de descentralização. Desse modo, empresas

públicas federais, estaduais e municipais, prestadoras de serviços públicos, não são limitadas

por barreira alguma, quer de conteúdo, quer de forma.

Com a introdução da Lei nº. 13.303, de 30 de junho de 2016, no cenário nacional,

dispondo sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e

subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, vê-se uma

nova postura estatal, a fim melhor conduzir essas empresas, cujo artigo primeiro enfeixa a

297 ABRANCHES, Sérgio Henrique. A questão da empresa estatal: economia, politica e interesse público.

Revista de Administração de Empresas. Rio de Janeiro, FGV, 19(4):95-105, out. /Dez. 1979.

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exploração da atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de

serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou

seja de prestação de serviços públicos.

Antes da edição da supra citada Lei, muitas batiam no seio da sociedade brasileira face

as necessidades econômicas e sociais, introdução de novas tecnologias para amparar tanto a

atividade mercantil privada, quanto aos serviços públicos, por um ajustamento legislativo.

Os juristas e os legisladores ajustam ideias sobre os aspectos legais, doutrinários,

filosóficos e ideológicos para concretizar uma regulamentação para satisfazer os reclamos,

eliminar lacunas, agregar elementos de maior densidade, com adequações, em especial, a

atividade administrativa com ética.

Não obstante tal empenho, deve ser feita a lembrança que no Brasil, a empresa pública

para a exploração de serviços administrativos deve obedecer às formalidades prescritas na Lei

nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que regula as sociedades por ações. Por ser tratada como

matéria de direito público, e em face das dificuldades de uma adaptação formal, provoca

questionamentos ininterruptos no que concerne a apresentação de uma regulamentação própria

para empresa pública brasileira, que segundo contemporâneos apreciadores da matéria,

aguardam maior pertinência a tratar dos aspectos da lei, atentos para com os instrumentos

clássicos de atuação direta do Estado na economia, que são as empresas estatais, pessoas

jurídicas de Direito Privado criadas com base em autorização legal pela Administração Pública,

tanto para o exercício de atividades econômicas stricto sensu, como para a prestação de serviços

públicos298.

Para Reale e Cretella Junior299 o termo autárquico abrange todas as espécies de

autonomizações dos serviços públicos, desde as autarquias propriamente ditas até as entidades

paraestatais, as fundações de direito público, as sociedades de economia mista e as empresas

públicas, todas modalidades ou graus diversos de um único fenômeno, como potenciação,

meios de agir do Estado nos dias atuais. Haveria vários matizes de autarquias, sendo um deles

as empresas públicas autárquicas, que seriam formalmente empresas, porque organizadas sob a

forma da lei das sociedades anônimas; e materialmente seriam autarquias, porque o seu

conteúdo envolve predominantemente matéria relativa ao serviço público propriamente dito.

298 Grau, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p.p. 98-106. E Guedes: A Atuação do Estado na

Economia como Acionista Minoritário, p.p. 64-65; 84-85. 299 CRETELLA JUNIOR. Empresa Pública, p.p. 275-276.

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Sintonizando as opiniões dos juristas com apontamentos múltiplos sobre os motivos que

justificam a subordinação da empresa pública à mesma disciplina jurídica da empresa privada,

enfatizando que a razão fundamental deve se ancorar na circunstância que a empresa é em sua

essência igual, sejam privados ou públicos os sujeitos que a exercem.

Ao tratar da identidade substancial da empresa, Ruffalo300 entende que esse exercício se

desenvolve de igual modo, seja em regime capitalista ou comunista. Essa fundamental

igualdade conduz à substituição de regimes jurídicos. Troca-se o regime administrativo com

prerrogativas, mas também caracterizado por sujeições, limitações, travas, mais livre, mais

desburocratizado, mais desvinculado.

O fenômeno da comercialização do direito administrativo é reconhecido por autores que

tratam a matéria não só de uma página virada, histórica do direito comercial, mas da própria

comercialização do direito civil, ou da própria unificação do direito privado. Com esta postura,

vê-se a presença do Estado na atividade econômica, através das empresas públicas e nas

sociedades de economia mista admitindo a regência de normas aplicáveis às empresas privadas.

E o § 5º do artigo 1º. da Lei nº. 13.303/2016, enfatiza (bem como em outros dispositivos legais)

a vinculação das empresas estatais e sociedades de economia mista à Lei das Sociedades

Anônimas (Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976).

É de toda evidência que além das normas mencionadas no âmbito constitucional, as

concernentes as de registro público da sociedade empresária, à escrituração contábil, as

obrigações fiscais e judiciais incidem sobre a empresa pública, ou sobre a sociedade de

economia mista, misturam-se com as égides das empresas privadas.

Observa-se que, quando o serviço publico é submetido ao regime administrativo, tem

desempenho de modo lento e menos eficiente. Por esta razão é que os apegados a um sistema

mais público, esperam o aprimoramento do serviço público para ser exercido com maior

liberdade de ação, e ao mesmo tempo para agir com responsabilidade, rapidez e energia.

Responsabilidade que proporcione, confira ao cidadão, ao consumidor, a sociedade em geral,

os mesmos direitos que estes podem reclamar das sociedades empresárias privadas, devendo a

estatal jurídica responder eficientemente (economicamente), e ressarcir ao cidadão e as pessoas

jurídicas pelas perdas e danos quando ofendidos.

300 RUFFALO, G. La Grande Impresa nella Società Moderna, Torino, 1967.

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Com efeito, se a empresa deve substituir com os proventos que usufrui da troca do que

produz e consome com os fatores de produção, logicamente deve intervir na vida econômica

em posição análoga à da empresa privada e, consequentemente, deve tomar decisões e concluir

negócios jurídicos com os mesmos ônus e agilidade. Muitas vezes a empresa pública desfruta

de uma situação de monopólio e, nessas condições, não atuando no regime de concorrência,

torna-se mais difícil sua caracterização como empresa, atenuado como o é, no caso, o aspecto

da economicidade acima salientado. Cretella Júnior avaliando este aspecto, entende que deve

haver e ser feita a devida distinção, não somente do que seja preço, mas também no que

concerne a tributação nos produtos vendidos.

Alguns autores destacam na caracterização da entidade pública como sendo empresa o

elemento subjetivo, na qual a intenção do legislador foi a de configurar determinado serviço

público como de natureza industrial e comercial, resultando numa organização tipo empresarial.

Por conseguinte, a empresa pública deve agir não só com igual potencialidade da empresa

privada, mas também deve oferecer a terceiros, que com ela venham se relacionar, condições

de segurança e certeza jurídica análogas às oferecidas pela empresa privada, não podendo

desprezar a confiança e o crédito.

A confiança e o crédito de terceiros decorrem da certeza que possuem, que as obrigações

e direitos oriundos dos negócios jurídicos realizados com a empresa pública são idênticos aos

da empresa privada. Da mesma forma deve haver perante o judiciário, quando comparecer,

estar em posição semelhante à de qualquer particular. Do contrário o privilégio resultaria em

danos das diversas dimensões, para o cidadão e demais atores sociais, inclusive com relação à

livre concorrência, onde a empresa pública exercita atividades e que devem estar dentro dos

parâmetros legais.

Houve temor do maior poder que o Estado pode exercitar, receio que tem certo

fundamento, em especial do que se percebe acontecido ao longo dos períodos onde a postura

governamental exagera no trato com os particulares e para com os créditos destes, criando

embaraços, como acontece quando o ente público é o devedor, à exemplo nos precatórios

executivos contra a Fazenda Pública (uma verdadeira odisseia!). Imagine-se, no absurdo, que

aconteceria, caso houvesse distinção de tratamento processual além dos já previstos.

Por outro lado, se a empresa pública deve competir com as outras que desenvolvem

atividades análogas, ipso fatum, deve admitir e tratar o seu pessoal do mesmo modo que o

tratam as empresas privadas. Daí decorre a natureza privada das relações de trabalho dos

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dependentes das empresas públicas. Mas, como sempre sucede, o Estado, quando se autolimita

para se posicionar como simples particular, não foge à tentação de permear as normas de direito

privado, com que se autolimita, com normas de direito público, até chegar ao ponto de se dar a

si mesmo foro privilegiado.

Doutrinadores tradicionais no campo do direito comercial compreendem haver duas

grandes categorias de normas: uma se referindo aos contratos e as obrigações comerciais; outra

pertinente ao regulamento da profissão de comerciante. As primeiras podem ser estendidas, sem

grande dificuldade e com proveito, às empresas públicas; com as segundas, o mesmo não

acontece.

O direito contratual comercial adapta-se, extremamente bem às necessidades das

organizações econômicas. Menos formalista, menos solene do que o direito civil e ou o direito

público, favorece a conclusão rápida dos contratos e a transferência das dívidas de forma

simplificada, graças, sobretudo, aos títulos de crédito. Tornou, igualmente, mais flexíveis as

normas de execução das obrigações: entre a execução forçada e o pagamento integral, dá lugar,

por exemplo, ao abatimento do preço, à substituição por diligência do credor, ao pagamento

por conta. Em compensação, é muito mais exigente a respeito da palavra empenhada e cerca-

se de cautelas mais eficazes que as do direito civil.

Trata-se na verdade da esfera de aplicação e do fundamento clássico do direito comercial,

que está impregnado do espírito de especulação e do lucro pessoal. Mas adverte Escarra301: o

critério da comercialidade, porém, vem sendo abandonado dia a dia; o direito comercial deve

ser definido pelo objeto da atividade do comerciante e pela forma sob o qual este organiza a

sua empresa, e não tanto pelo móvel que o orienta.

Tem-se a empresa independente do estímulo ideológico que a anima, tem necessidades

próprias que o Direito Comercial, mais que o Direito Civil ou o Direito Público, aparelhado

para satisfazer.

A empresa pública encontra-se, ainda, limitada pelo seu objeto. Na lei, que é o ato

constitutivo de toda empresa pública, está indicada a atividade que a mesma deve desenvolver.

O que deve ser observado, e que inspira a atividade empresarial, a ação é o fim do lucro, porque

se este não é da essência da empresa pública tanto quanto o é na iniciativa, não pode ser

desprezado e deve ser perseguido.

301 ESCARRA. Cours de Droit Commercial, 1952, nºs. 41 e 91.

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O lucro indica a eficiência da empresa e, permitindo o seu autofinanciamento e expansão,

há de constituir um de seus fins essenciais. O empolgamento de uma empresa por parte do

Poder Público justifica-se pela possibilidade de satisfazer por tal modo um interesse público, e

tal possibilidade torna-se maior quando a eficiência da empresa aumenta. Deduz-se que o limite

imposto pelo Poder Público competente à expansão de determinada empresa, derivando de

diretriz com autoridade apenas interna, a violação da mesma acarreta a responsabilidade dos

diretores, não podendo ferir direitos de terceiros.

A empresa pública como forma de organização distingue-se do restante da administração

pública pelos seus elementos estruturais. A estrutura é seu requisito fundamental para que possa

atender a economicidade exposta. Necessário se torna que as despesas realizadas para a

produção de bens e serviços e os ingressos obtidos com as trocas dos mesmos sejam

contabilizados de forma distinta das despesas com o restante da administração. O organismo

que se encarrega da atividade da empresa deve possuir um adequado orçamento descritivo

desses fatos econômicos. Ademais, a empresa como unidade econômica deve dispor dos meios

necessários para desenvolver sua atividade e para avaliar os resultados da sua gestão.

Para Moncada é que o direito não se reduz a economia. Pelo contrário, a atual intervenção

do Estado invoca a seu favor critérios valorativos absolutamente estranhos à economia, a

satisfação plena de necessidades básicas, a efetividade da livre empresa, a atenuação dos riscos

provocados pela atividade econômica privada e pública, aqui com especial destaque para a

erradicação de riscos ambientais e ecológicos. Para a compreensão acabada dos fins da

intervenção é necessária uma visão plena e integrada do meio econômico, mas também social

em que vivemos esbatendo fronteiras entre diversos níveis de atividade302.

A empresa, ademais disso, deve admitir o pessoal exigido pelo seu particular tipo de

atividade em condições diferentes daquelas vigentes para os outros dependentes da

administração pública, consoante dispõem os artigos 16 e seguintes da Lei nº. 13.303/2016,

estabelecendo novos requisitos para a empresa pública e a sociedade de economia mista

adotando regras de estruturas e práticas de controle interno. Essas regras abrangem as ações dos

administradores e empregados, por meio da implementação cotidiana, envolvendo as áreas de

auditoria interna e Comitê de Auditoria Estatutário, e verificação de cumprimento de obrigações

e gestão de riscos.

302 MONCADA. Luís Cabral de. Direito Econômico, 6a. ed., Coimbra.

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Para alcançar a efetividade, a nova lei expressa o dever, o exercício, o cumprimento de

princípios, valores e missão de vedação de atos de corrupção e fraude, com orientação sobre a

prevenção de conflito de interesses, adequando as regras de boa prática de governança

corporativa303.

No que se refere ao regime da responsabilidade civil das empresas públicas, Moncada304

mostra que o atual regime de responsabilidade em Portugal, distingue consoante prática de atos

de gestão pública ou de gestão privada, aplicando-se ao primeiro a lei de responsabilidade civil

extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público no exercício da função

administrativa. Alerta Moncada que o regime regra é o da responsabilidade solidária com

direito de regresso. Mas se a atividade for de gestão privada, aplica-se o regime do direito civil,

ou seja, as empresas respondem civilmente perante terceiros pelos atos ou omissões dos seus

administradores, nos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos

comissários, de acordo com a lei geral, ou sejam de acordo com o artigo 501 do Código Civil

português.

A empresa pública para bem desempenhar a sua missão deve dispor, como na iniciativa

privada, de bens que lhe foram atribuídos em dotação, alienando-os ou substituindo-os por

outros mais idôneos à finalidade da produção em que está empenhada. Pode recorrer à fonte de

financiamento interno ou externo para melhor se aparelhar tecnicamente ao desempenho da

atividade.

Depreende-se que o novel modelo para as empresas estatais, para o exercício da empresa

pública, necessário se torna a criação de adequada estrutura, um apropriado organismo que

tenha por objeto a gestão da empresa. Portanto, um organismo que possa com autonomia

decidir, tomar decisões, e que seja dotado de competência externa, gozando de autonomia

contábil, patrimonial, financeira, e que seja submetida ao controle de órgão especializado da

administração pública.

Difícil é conjugar os dois elementos aparentemente disformes: a empresa e interesse

público, precisamente porque a empresa é organismo econômico, o interesse público não é

perseguido imediatamente por ela, mas é possível fazer distinção. Trata-se, pois, de interesse

público externo à empresa, que lhe é inspirado de fora para dentro.

303 O § 1º. do artigo 17 da supracitada Lei, que o estatuto da empresa pública, da sociedade de economia mista e

de suas subsidiárias poderá dispor sobre a contratação de seguro de responsabilidade civil pelos administradores. 304 MONCADA, Luís Cabral de. Direito Econômico, 6a. edição, Coimbra, p. 341.

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A respeito dos motivos que podem levar o Poder Público a gerir a empresa, muitas são e

poderão emergir da conjuntura político-econômica-social em que a sociedade vive, ou está

submetida a uma postura de força pelo Estado. Quem gere a empresa, o faz ajustado a um

interesse particular, e quando pelo Estado enformado por suas diretrizes.

Quando o Estado se intromete na gerência como um particular, entende-se, ou melhor

dizendo presume-se, que está desejoso a praticar, dentro de uma conjugação de forças

democráticas, que está se adaptando para cunhar um critério de maior economicidade para

atender um fim público, o bem comum. Mesmo neste caso, torna-se necessária maior vigilância

a fim de que o maior proveito obtido numa situação de monopólio não venha a prejudicar outros

interessados públicos.

Quando a empresa tem por objeto a realização de um serviço público, pode subsistir

pertinaz contraste entre gestão econômica e exigências públicas conexas com a prestação do

serviço público. Em tal caso, o dissidio há de ser resolvido com a intervenção do órgão que é

titular do interesse público, a fim de que se satisfaça ao mesmo, e, portanto, dever-se-ia

reconhecer o poder de participar na determinação das tarifas, bem como em tudo que se

relaciona com a expansão ou redução do serviço, atribuindo-se lhe acentuado poder de controle.

Nos demais casos o Estado deve apenas determinar as diretrizes gerais das empresas

públicas. O Estado pode intervir na ordem econômica segundo métodos adotados desde há

muito pelo Estado Liberal, isto é, praticando o intervencionismo na base de medidas de

autorizações, expedição de ordens, de proibições, dando e retirando incentivos fiscais. Até aí o

Estado não sobrepassa o intervencionismo tradicional praticado desde há muito tempo. Mas o

emprego dessas medidas não é suficiente para a obtenção de uma conduta da parte da empresa,

que seja a mais condizente com o que, em dado momento histórico, se considera corresponder

melhor ao interesse público.

Quando se pretende acelerar a industrialização de uma determinada área, ou dar ênfase

ao desenvolvimento de base, ao invés de consumo, ou de industrias que utilizam novas fontes

de energia, pode ocorrer, e tantas vezes tem ocorrido, que nenhum empresário privado,

malgrado os incentivos proporcionados, se predisponha a operar tais indústrias. O Poder

Público, embora possua técnicas apropriadas para impedir a ação de iniciativa privada, não as

possui, no entanto, para lhe levar à ação, impondo-lhe uma conduta positiva.

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O comentário concernente ao aspecto da economia sobre a questão das externalidades

abordada por Coase305, procura-se basicamente estudar até que ponto o mercado privado é

eficaz para lidar com as externalidades, e chegar a conclusão de que os agentes econômicos

envolvidos podem negociar, sem custos de transação, a partir de direitos de propriedade bem

definidos pelo Estado, alocando recursos de modo mais eficiente, para solucionar os problemas

existentes.

O direito comercial desde a sua origem esteve intimamente relacionado com as estruturas

econômicas e sociais, com o desenvolvimento econômico, e, sobretudo, a partir da revolução

industrial a empresa passou a constituir fenômeno de fundamental importância, impondo-se ao

estudo dos sociólogos, economistas e juristas, enfim, de todos aqueles que procuram estudar a

realidade social em vários campos.

Na área da economia os estudos de Coase sobre a empresa, “The Nature of the Firm”,

desde Adam Smith, os economistas baseiam-se na ideia de que o sistema econômico é

autossuficiente, funcionando de acordo com o mecanismo de preços. Vale dizer, os recursos se

orientam em uma direção ou em outra, exclusivamente em conformidade com o sistema de

preços, independentemente de qualquer intervenção externa. Coase identifica a fronteira da

empresa no ponto em que os custos da transação no mercado, que obedece ao mecanismo de

fixação dos preços são mais elevados do que os custos da transação na empresa, que é conduzida

segundo a lógica de autoridade e direção306.

Extrai-se em Mankiw307, resumindo o ‘Teorema de Coase’, que:

Os agentes privados podem solucionar os problemas das externalidades

entre si, desde que os custos de transação não sejam excessivos. Qualquer que

seja a distribuição inicial dos direitos, as partes interessadas sempre podem

chegar a um acordo pelo o qual todos ficam numa situação melhor.

Nessa discussão perdura a questão da necessidade de o Estado passar ao dirigismo direto

da economia, utilizando-se de novos organismos, novas técnicas para se fazer substituir à

iniciativa privada, ocupando o lugar desta.

305 Ronald Coase, economista da Universidade de Chicago, que desenvolveu em 1960 estudo denominado de “O

Problema do Custo Social”, o que lhe garantiu a indicação e a obtenção do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas

em 1991. 306 MUNHOZ, Eduardo Sch. Empresa Contemporânea e Direito Societário. Ed. Juarez de Oliveira, 2002, n.p.

184-187. 307 MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. São Paulo: Thomson Learning, 2006, p. 210-211; capitulo

10.

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Ocupando esses espaços e utilizando dessas técnicas, passa, então, o Estado a criar suas

próprias empresas, que lhe permitam imprimir diretrizes planejadas da economia, segundo os

fins públicos que tem em vista. Daí dizer que o aspecto público da empresa e, portanto, sua

coordenação com o interesse público, realiza-se, pois, atribuindo-se ao Estado o poder de

direção sobre as empresas de que pode dispor para alcançar tal desiderato. Evoluindo de

intervencionismo tradicional para um dirigismo direto da economia, o Estado moderno serve-

se da empresa pública como instrumento mais eficaz de realização do interesse público. Dessa

premissa, entende-se, para dar sustentação a importância da empresa pública no conjunto da

economia de um país em crescimento308.

Ninguém nega a importância de empresa pública na vida econômica, tanto assim, apenas

para dar um exemplo do que aconteceu na França, calcula-se que as empresas públicas

representavam em 1972, mais de dez por cento da produção interna bruta, e que seus

investimentos formavam cerca de trinta e cinco por cento da formação bruta do capital das

empresas309.

A tendência para a criação de empresas públicas, partindo de ato originário, ou

transformadas de autarquias, de concessionárias, de permissionárias, de departamentos de

serviços públicos, de grupos de trabalho, isto no âmbito federal, estadual ou municipal, que

buscam preencher finalidades socioeconômicas, mostra uma proliferação muitas vezes

excessivas, conduzindo ao aparecimento de uma aristocracia de funcionários, detentores de

super empregos mantidos em “mordomias custosas” ao Erário público, que, não raro,

transformam-se em escândalos.

Forçoso dedicar espaço ao problema nos antigos países comunistas que a partir utilizaram

formas convencionais para a execução de planos de governo, prendendo-se ao fato da empresa

ter começado a ser considerada como eixo essencial da atividade econômica, atribuindo-se-lhe

muito mais autonomia em matéria de gestão econômica, indo até à relativa disponibilidade

sobre os meios circulantes. A preferência pela “gestão econômica” que se cifrava na tentativa

de obtenção de um excedente da atividade empresarial, que colidia com um mínimo de

308 As empresas públicas são consideradas, nos países pesquisados, um fenômeno característico da época, segundo

Relatório Congresso Internacional de Ciência Administrativa, realizado em Paris, julho, 1965, (ver Nicola Balog,

“A Organização Administrativa das Empresas Públicas, R. D. A., v. 87/45). 309 Em 1972 empregavam mais de um milhão de pessoas, segundo Manoel de Oliveira Franco, em “Fundações e

Empresas Públicas”, Editora R. T., S. Paulo, p. 159. Estas estatísticas de anos passados devem estar de muito

superadas, mas espelham uma permanência do Estado nesse campo.

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autonomia empresarial, face o rígido principio de gestão planificada, cuja gestão das empresas

do Estado se fazia na dependência direta do plano e segundo as prioridades governamentais310.

O plano econômico central fixava normas imperativas que os autores soviéticos

reconheciam haver certa especificidade em relação aos contratos civis, cuja natureza jurídica

era objeto de discussão, com entendimento de natureza própria conferindo uma nova figura a

não contratos civis sui generis aproximando-se aos contratos de adesão, aspecto reforçado da

situação das partes contratantes ser desiguais tendo em conta os especiais atributos de

autoridade de que se revestia o Estado de modo a tornar imperativo o plano311.

É praticamente unânime a expressão da sociedade brasileira de haver controle nessa área

de atividade, ser exercido pelo Congresso Nacional, pela legitimidade e legalidade

constitucional, tanto mais necessário quanto muitos dos que dirigem as maiores entidades

públicas econômicas, acumulando um imenso poder econômico, que deve ser controlado no

interesse da coletividade, devendo lembrar sempre que os serviços que prestam são para o

público, e que eles, na expressão de Brandeis, são public servants, isto é, criados ou servidores

do público.

Com a introdução da Lei nº. 13.303/2016 no sistema jurídico nacional, assenta-se um

comportamento para preservar as empresas estatais, a empresa pública vinculada à

administração indireta, não sujeita ao controle direto, hierárquico, mas sim a um controle

diverso, finalístico, atenuado, normalmente de legalidade, e excepcionalmente de mérito, trata-

se de controle que visa unicamente manter as finalidades institucionais, enquadrando-se num

plano global da administração vinculada e fiel às suas normas regulamentares.

A observação de que não há poderes gerais de tutela e sim medidas particulares de tutela,

que a lei concede a certas autoridades com o escopo de salvaguardar o interesse geral contra os

interesses particulares das coletividades, e de assegurar a unidade de conduta de todas as

pessoas morais administrativas, sendo um controle de orientação e correção superiores,

apreciando os atos internos e a conduta funcional dos dirigentes em condições especialíssimas,

autorizadas por lei.

O controle sobre as empresas públicas apresenta-se com pelo menos duas faces: de

controle interno, e outro externo, sendo que o primeiro é exercido por setores da própria

empresa, por força da competência que lhe é atribuída pelos seus estatutos. Antes da lei nº.

310 MONCADA, Luiz Cabral de. Direito Econômico, Coimbra Editora, 6ª. ed. 2006; p. 629. 311 Idem, p. 630.

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13.303/2016, tinha-se o Conselho Fiscal, normalmente encarregado da fiscalização de suas

atividades, exercitando o controle de ação direta ou imediata em razão dos fins programados,

mas depois, pela tutela, passa a ser externo, na maioria dos casos, sujeitando-se as entidades

empresariais ao Tribunal de Contas da União ou ao das demais entidades políticas. Nas

empresas públicas no Brasil esses dois modos de controle visam: a) assegurar o cumprimento

da finalidade para a qual a empresa foi legalmente instituída; b) sustentar a eficiência ou alcance

dos resultados com o emprego dos dinheiros públicos.

Com a Lei nº. 13.303/2016, adota-se o Código de Conduta e integridade e outras regras

de boa prática de governança corporativa (art. 12, I, II). Tem-se o Comitê de Auditoria

Estatutário, previsto na Seção VII, art. 24, opinando sobre a contratação e destituição de auditor

independente, supervisiona as atividades dos auditores independentes, avaliando sua

independência, a qualidade dos serviços prestados e a adequação de tais serviços às

necessidades da empresa pública ou da sociedade de economia mista, supervisionando as

atividades desenvolvidas nas áreas de controle interno, de auditoria interna e de elaboração das

demonstrações financeiras da empresa pública ou da sociedade de economia mista.

A nova lei introduz o monitoramento e a integridade dos mecanismos de controle interno,

das demonstrações financeiras e das informações e medições divulgadas pela empresa pública

ou sociedade de economia mista, dentre outros previstas no artigo 24.

Quem dirige uma empresa pública goza de fato, de ampla discricionariedade no que

concerne à escolha das opções empresariais. Deve haver, portanto, uma responsabilidade para

esses dirigentes, quando tenham agido em violação à lei ou de outras normas a que estão

obrigados a respeitar; ou porque hajam contraído compromissos sem qualquer relação com o

objeto de empresa; ou porque incluíram no relatório dados inverídicos, etc. Por esta razão, em

alguns países chega-se a falar em disciplina penal das empresas públicas, e por isso a Lei nº.

12.846/2013, objetiva sanções nas hipóteses de atos lesivos à administração pública nacional e

estrangeira. Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os

fins dessa Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único

do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios

da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, lá

definidos.

Vale lembrar Gottschalk ao mostrar da necessidade que se torne efetiva a

responsabilidade civil desses dirigentes, pois, no Brasil se intentou sem muito êxito instituir um

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órgão especifico para o controle das empresas públicas, a chamada Comissão de Defesa dos

Capitais Nacionais, instituída por decretos, exatamente para o exame dos privilégios que

beneficiam as empresas públicas. Porque às vezes são privilégios exorbitantes do direito

comum, e não devem os mesmos serem interpretados extensivamente.

A expressão ente público no exercício da função administrativa justifica-se pelo fato de

que mesmo as entidades privadas que estejam no exercício de função pública, ainda que tenham

personalidade jurídica de direito privado, como enfatiza Di Pietro, por exemplo, as que se

submetem à licitação. Salienta a jurista que as entidades da Administração Indireta, com

personalidade de direito privado, como empresas públicas, sociedades de economia mista e

fundações, costumam ser chamadas por alguns autores de entidades públicas de direito privado,

por terem regime direito comum parcialmente derrogado por normas de direito público312.

No estudo do direito econômico, o direito é simultaneamente direito público e direito da

economia, conferindo uma vocação interdisciplinar, que orienta a pesquisa e impõe

interrogações sobre o objeto dos dados nos últimos períodos da vida. J. Hamel e G. Lagarde313

identificam o direito econômico com todo direito relativo à economia, ou seja, o direito da

economia. Destarte, tem a passagem do simples intervencionismo do estilo liberal para o

dirigismo estatal da economia, mesmo em país de regime capitalista, opera-se através de

medidas de caráter geral e prolongada, por meio de planejamentos ou programações de

governo; e se concretiza por meio de ação direta da autoridade pública, que exercita uma

intervenção por obra de suas próprias empresas, e não por veiculo de incentivos ou proibições

às empresas privadas.

Em razão desse dirigismo estreito da economia, o Direito sofreu profundas alterações,

exercitando o legislador o convencimento de que as leis devem ser, acima de tudo, um meio,

um instrumento, uma técnica a serviço do Estado no cumprimento da programação econômica

nacional. E a dogmática jurídica tradicional teve de se ajustar às novas realidades econômico-

sociais, “recondicionando” o conceito de institutos arcaicos para reajusta-los à nova exigência

da vida moderna. Incontestável que a empresa pública está, em definitivo, inserida nos quadros

do direito dos países capitalistas, como ponta de lança do dirigismo econômico moderno.

312 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, Forense, Rio de Janeiro, 29a. 2016, p. 411. É o

caso dos dispositivos constitucionais que impõem licitação (arts. 22, XXVII, e 37, caput, combinado com o

inciso XXI, e com os arts. 173, § 1º, inciso III, da Constituição. 313 HAMEL, J. e LAGARDE, G. . Traité de Droit Commerciel, 1954. T. I, p. 14.

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Os serviços públicos encerram um conceito fluido e elástico, abrangendo qualquer

atividade que o Estado, com vistas ao interesse público declare, por oportunidade ou

conveniência de utilidade pública. A atividade do Estado deve ser considerada de natureza

econômica quando haja equipolência entre o custo de produção e o preço de venda ao

consumidor. E a economicidade e a profissionalidade da empresa pública são requisitos

essenciais para a definição da natureza jurídica da mesma, em face de efeitos jurídicos previstos

em lei. Qualquer que seja o regime político que a enquadre, seja o capitalista, seja o socialista,

a empresa pública, pela substancial identidade, pode ser regulada por disciplina jurídica

análoga.

O Direito Comercial se adapta às necessidades das organizações econômicas públicas. As

limitações de objeto, impostas pela lei às empresas públicas, não constituem entrave a que seus

titulares exerçam todos os atos e negócios indispensáveis à realização de seus fins públicos,

dentro do critério de economicidade. Para a realização de seus fins, a empresa pública deve

dispor de uma estrutura, de meios e de certa autonomia compatível com a ação pronta e segura.

Embora difícil, não é impossível conjugar o interesse público, que se inspira o Estado

com o espírito empresarial, que deve dinamizar a empresa gerida pelo mesmo. Portanto, as

regras sobre privilégio da administração aplicam-se para melhor obtenção de seus fins públicos,

donde decorre a necessidade de se distinguir, na empresa pública, a que possui essencialmente

fins econômicos das que predominantemente gerem serviços públicos típicos.

As considerações de Davis314 assentadas em relevantes dados da noção de serviço

público, envolvendo a empresa estatal e as demais entidades que se perfilam numa estrutura de

direito público, e quando entrelaçada com o direito privado na constituição de empesas e na sua

administração, dão uma noção próxima, quase inafastável da atividade mercantil propriamente

dita. Conquanto a noção genérica de serviço público se ofereça hoje em dia imprecisa e variável,

atenta a crescente ampliação das zonas de intervenção e atuação do Poder estatal no campo de

inúmeras gestões e atividades tradicionalmente privadas, todavia, não é possível que se

desmesure a elasticidade, que se lhe dê, absurdamente, abranger, todas as manifestações do

interesse público ou da utilidade pública, porque tudo ou quase tudo poderia ser arvorado em

“serviço público”.

314 DAVIS, M.T. de Carvalho Britto. Tratado das Sociedades de Economia Mista. José Konfino Editor. V. I. Rio

de Janeiro. 1969, pp. 65 e seguintes.

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Pode haver uma mescla, quase império do interesse público sobre a atividade mercantil,

destacando a importância do Estado na direção da sociedade de economia mista na qual decorre,

ou de sua qualidade de maior acionista, ou de disposição legal ou estatutária, configurada a

hipótese de sua participação no capital social, mostrando a importância da companhia.

Apesar da existência de divergência, como a que entende, quando classifica

indistintamente, como sendo empresa pública, não só a sociedade pública de um só membro,

como também as sociedades de pessoas jurídicas de direito público, preferindo-se adotar o

critério de somente denominar de empresa pública aquela que só dispunha de um acionista.

Discute-se se não está diante de uma sociedade de economia mista quando não se verifica

a direção do Estado com a sua participação, como atuante e responsável como entidade de

direito público. Um dos dados a observar é que não basta haver a direção e a participação

constante quando não se verificar na sociedade, a direção do Estado, ou seja, a participação

constante, atuante e responsável, como entidade de direito público, mas desde que o Estado

participe no capital social, mesmo minoritariamente, decorrente de alguma disposição

legislativa. No agito dos interesses políticos, sempre que o Poder Público subscrever ações de

uma sociedade anônima, mas não participar da gestão dos negócios, em suma, não executar

atos em sua administração, não estará configurada a existência dessa entidade. Dessa situação

é que há entendimento de considerar como híbrida a sociedade de economia mista.

Cogitando da empresa pública quando sociedades de um só membro, bem como das

sociedades de pessoas jurídicas de direito público, como acionista único o Estado, de modo que

são exclusivamente governamentais a propriedade, a direção e a administração de tais

empresas, distanciando-se da concepção da sociedade anônima, que Britto Davis subdivide a

sociedade de economia pública: em empresa pública e sociedade pública. Tanto a sociedade de

economia mista quanto as empresas públicas, constituem preciosos e eficientes instrumentos

jurídicos postos a serviço do Estado moderno, no instante em que as solicitações do interesse

público reclamam e exigem crescente intervenção no domínio econômico.

As sociedades de economia mista e as chamadas empresas públicas evidentemente

haverão de subsistir como instrumentos jurídicos a serviço do Estado Moderno, no seu mister

e empenho de atender aos interesses gerais da coletividade, mas isto realmente só será possível

na medida em que se mantiverem fiéis às suas características de empresa privada, de forma, a

não permitir sua transformação em simples órgão da administração pública descentralizada.

Britto Davis frisa, com exceção das sociedades de economia mista, considera as demais

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empresas estatais (empresas públicas e sociedades públicas) como órgãos da administração

descentralizada.

Ainda se tem o conceito de Sousa315:

Surgiria, assim, uma nova figura jurídica, a empresa pública, identificada pela

instituição e pela gestão financeira e administrativa, exclusivamente por parte

do Estado, combinadas com a adoção de uma forma estrutural regida pelo

direito privado. Mas, assim sendo, não nos parece que a empresa pública se

pudesse diferenciar da autarquia, já firmemente enraizada na nossa

organização administrativa, e que se conceitua, exatamente, como um serviço

estatal desempenhado em regime de descentralização e de autonomia

financeira e administrativa”... ... “Portanto, a chamada empresa pública

reuniria os mesmos elementos conceituais da autarquia: ora, a forma jurídica

da organização, não sendo um desses elementos, não poderia (pelo fato de ser

uma das formas regidas pelo direito privado) impedir a confusão da empresa

pública com a autarquia, resumindo-se, portanto, aquela, na simples negativa

da colaboração entre o poder público e o capital privado, que é, justamente, a

ideia básica da sociedade de economia mista.

A considerar a empresa pública como entidade componente da administração

descentralizada, não se pode endossar a opinião de que não existe diferenciação com a

autarquia. Existem alguns traços comuns entre as duas, mas não se pode desprezar os demais

caracteres que levam a reconhecer diferenças, recomendando-se examinar o fato de a

Constituição de 1967 dispôs no § 2º do art. 163 que:

Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas públicas, as

autarquias e as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas

aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e das

obrigações, [...]

A aludida observação conduz a um entendimento que não invalidaria a argumentação

expedida. Opina Gil316 ser favorável a um conceito amplo do que seja sociedade de economia

mista:

Se existe uma conceituação legal de autarquia (Decreto-lei nº, 6.016,

de 1945, e Lei nº. 830, de 1949), parece-me fora de dúvida que fora dessa

conceituação dever-se-á enquadrar toda e qualquer sociedade que, malgrado

possa revestir da tipicidade legal, tem possibilidades de, no curso de sua

existência, afastar-se do modelo preestabelecido. Contrariamente ao que

ocorre com as autarquias, as Sociedades de economia mista não estão presas

a nenhum estatuto legal, abarcando, em consequência, na amplidão de seu

315 SOUZA, Rubens Gomes de. Petrobras – Sociedade de Economia Mista – Monopólio – Imunidade e Isenções

Tributárias – Pessoas Jurídicas de Direito Público e de Direito Privado. Parecer emitido em 22/9/1958, in R.D.A.,

nº 54, pp. 474-491. 316 GIL, Otto E. Vizeu. Sociedade de Economia Mista – Natureza Jurídica da Rede Ferroviária Federal S.A. –

Isenção Fiscal – in R.D.A. – vol. 60, pp. 385-393. DOI: http://dx.doi.org/10.12660/rda.v60.1960.20922 .

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conceito, qualquer entidade da qual, ao lado da economia privada, participe o

Estado317.

Quando trata do controle das empresas públicas Vito318 adverte que a definição imprecisa

do controle é reflexo da concepção imprecisa de empresa pública. Segundo ele, a doutrina já

examinou os elementos que fazem uma atividade econômica do Estado uma empresa pública;

tratando-se agora de examinar o outro termo, isto é, a noção de empresa. E, indaga o professor

de Milão: No que se refere à empresa pública onde se exerce a função de empresa? Nos

organismos do Estado ou na empresa? – “A resposta parece estar contida no slogan: “O Estado

na qualidade de empreiteiro” (der Staat als Unternenhmar). Essa fórmula, que se tinha em conta

de futurista, não obstante foi entendida como obsoleta. O Estado é empreiteiro quando gerir

diretamente um serviço ou uma administração, daí ter sido entendida como slogan resposta

capciosa, pois, estaria o proprietário, assumindo risco, tomando decisões sem outro controle

que o dos órgãos internos. E é justamente porque atualmente não se sente à altura de grandes

tarefas de gestão em diferentes setores da produção que ele faz apelo à colaboração de entidades

privadas e organiza sua coexistência pela criação desse elemento essencialmente ambivalente

que é a empresa pública.

O princípio da indisponibilidade relacionado pelos doutrinadores, segundo Di Pietro319,

está vinculada a administração pública, e que se constitui em uma restrição à liberdade

administrativa, tanto assim que se exige que as empresas estatais embora regidas pelo regime

de direito privado, uma vez que administram recursos total ou parcialmente públicos, nos

termos do artigo 137 da Constituição Federal, § 1º, III, dispositivo alterado pela Emenda 19 que

prevê que as empresas públicas e as sociedades de economia mista e subsidiarias que explorem

atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou prestação de serviços sejam

regidas estatuto jurídico que disponha contratação com observância aos princípios da

administração pública.

Em pleno século XXI as alternativas do exercício das empresas privadas no âmbito e

setores públicos ficam mais evidentes com a utilização de tecnologia e esforços mais eficientes

quando manejados pelo particular, mesmo que o público esteja presente, como fiscal e ou até

mesmo participe e interessado no resultado final da atividade constituída para atender o bem

317 Britto Davis examinando mais de perto este conceito de Otto Gil. O art. 2º, do Decreto-lei nº. 6.016. 318 VITO, Francesco. Controle da Empresa Pública. R.D.A. 1960 – vol. 60, pp. 414-429.

http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/37036/35806

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181220/000370193.pdf?sequence=3 319 DI PIETRO, Sylvia Maria Zanella. Direito Administrativo. Forense, 29a. ed., Rio de Janeiro, 2016, p. 415.

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comum. “A função da empresa reside na empresa pública e não no Estado”. Tal assertiva de

que na situação versada, a função da empresa reside na empresa pública e não no Estado; o que

não impede de achar alguma imprecisão, segundo Davis.

Cogitando das entidades autárquicas e paraestatais, Ráo320 ao citar Fleiner justificando as

razões que determinaram a criação de entidades públicas autárquicas, especialmente aquelas

que visam à intervenção na ordem econômica, foram as necessidades de ordem prática,

contrariadas pelas formas rígidas e burocráticas da Administração Pública, que provocaram a

distinção entre o exercício das funções decorrentes do poder soberano e o exercício das funções

de carater econômico; distinção essa que só foi possível alcançar mediante a “autonomia” das

funções financeira, econômica, técnica e de assistência, perante o exercício da soberania. Para

Ráo estabeleceram-se as categorias “de órgãos, entidades ou empresas, dotadas de funções

administrativas, ou destinadas a exercer serviços públicos”:

a) Administração propriamente dita, com órgãos subordinados em

relação hierárquica; b) Órgãos ou Organizações pertencentes à

Administração, mas dotados de certo grau de autonomia; c) Entidades

Autárquicas, criadas pela Administração ou dela destacadas, constituindo

pessoas jurídicas de direito público; d) Entidades ou empresas, com

personalidade jurídica de direito privado, que, com a participação do Estado,

realizam fins ou serviços de ordem geral ou administrativa (sociedade de

economia mista); e) Empresas, ou pessoas jurídicas de direito privado, que,

por delegação ou concessão, realizam serviços públicos; f) Sociedades ou

associações de direito privado que cooperam na execução dos fins

econômicos, ou sociais, do estado e são, por isso, reconhecidas como de

utilidade pública. Assim, à vista da classificação supra, considerar as empresas

públicas, como pertencentes à letra ‘d’.

Salienta Basavilbaso321 que as personalidades dos sujeitos de direito público têm sua

origem unicamente na lei (lato sensu), e se formam por desprendimento do Estado, das

províncias e municípios. Devendo em todos os casos ser considerados como órgãos do Estado.

Conceitua Bielsa322 que a pessoa autárquica pode ser definida como todo ente jurídico

que, dentro dos limites do direito objetivo, tem capacidade para administrar-se e constitui por

sua vez um órgão descentralizado do Estado (“Derecho Administrativo”, t. II, p. 8) – colhe-se

que tais entidades:

[...] son distintas del estado (lato sensu), pero están iseparablemente unidas a

él por el vinculo, de la autarquia, ao mesmo tempo sublinhando que son

organismos descentralizados del Estado a quienes la ley les confia la gestión

320 RAO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, 1º. Vol. 1960, Max Limonad. Itens 231-232. Derecho

Administrativo, p. 100. 321 BASAVILBASO, Benjamin Villegas. Derecho Administrativo. B. Aires. 1950, pp. 181-187. 322 BIELSA, Rafael. Derecho Administrativo. Buenos Aires. T. II. 1929.

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de un determinado servicio público o de um conjunto de servicios públicos,

afectándoles um patrimônio (bienes y recursos públicos) y provyéndoles de

una estrutura orgânica administrativa.

Prega Basavilbaso que a individualidade da autarquia está integrada de três elementos

fundamentais, sem os quais não se concebe o ente autárquico: 1º. a personalidade jurídica, 2º.

o fim público e 3º. o patrimônio.

Destaca Bilac Pinto que os alemães preferem denominar “sociedade pública de um só

membro” quando as sociedades anônimas tem como único acionista o Poder Público. Nos

países de língua inglesa são denominadas: government Corporation, public enterprise ou public

Corporation. E na Itália de Le societá commerciali pubbliche or Le Imprese Pubbliche. Na

França são as empresas públicas denominadas de établissements nationaux societés nationales

e de enterprise publique323. Após salientar que os fatores determinantes da criação das empresas

públicas não são os mesmos em todos os países, Bilac Pinto fornece as seguintes características

externas:

1a.) adota a forma das empresas comerciais comuns (S/A ou sociedade de

responsabilidade limitada) ou recebe do legislador estruturação específica;

2º.) a propriedade e a direção são exclusivamente governamentais;

3º.) têm personalidade jurídica de direito privado.

Destarte, vê-se que a primeira e terceira características também são encontradas no caso

das sociedades de economia mista. Quanto as características internas, manifesta Bilac Pinto:

Ao adotar, para as empresas públicas, as técnicas e os processos da

empresas privadas, o Estado incorporou a este novo órgão de suas atividades

todas as vantagens da administração particular, dentre as quais devemos

destacar, como mais relevantes: 1a.) completa autonomia técnica e

administrativa; 2a.) capitalização inicial; 3a.) possibilidade de recorrer a

empréstimos bancários; 4a.) possibilidade de reter os lucros para ampliar o

capital de giro e constituir reservas, 5a.) liberdade, em matéria de despesas e

rapidez de ação; 7a.) capacidade para acionar e ser acionada; 8a.) regime de pessoal idêntico ao das empresas privadas.

Arnold Wald324 salienta características de empresas públicas de modo mais elucidativo.

1a.) Possuem a qualidade de comerciante; 2a.) São sujeitas à fiscalização

do Tribunal de Contas; 3a.) têm patrimônio autônomo; 4a.) Os litígios em que

são partes pertencem à competência da jurisdição ordinária; 5a.) Os contratos

firmados por estas empresas são submetidos ao direito privado; 6a.) Adotam a

forma das sociedades comerciais comuns; 7a.) A propriedade, direção e

administração das empresas públicas são exclusivamente governamentais; 8a.)

têm personalidade jurídica de direito privado; 9a.) As suas relações com o

323 L. Julliet de la Morandière et Maurice Byé - “Les Nationalisations en France et à L’Etranger”, Recueil Sirey,

1948, p. 18. 324 WALD, Arnold. R. F. nº. 152/516

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pessoal se regem, não pelas normas de direito administrativo, mas pelo direito

trabalhista.

Há observação a respeito desta enumeração, por haver entendimento em completá-la com

dados contábeis e financeiros, que devem acrescentar outros itens, como os superávits de

balanço, e não distribuídos sob a forma de dividendos. E, quando a gestão, a de que os

administradores que via de regra não são eleitos, mas sim nomeados por decreto. São órgãos da

administração descentralizadas; não possuem “fundo de comércio”; a autonomia administrativa

e financeira, menos que a apontada pela sociedade de economia mista. Wald aborda os

comentários desenvolvidos por Leonard D. White325 em torno das empresas públicas norte-

americanas, alertando:

A análise das empresas públicas não nos revela um tipo simples e uniforme

de estrutura. Elas variam no método da constituição, nas suas relações com a

estrutura administrativa central, no grau de autonomia, na fonte dos seus

capitais e na sua organização interna. Não existe uma definição de empresa

pública geralmente aceita.

Pondé326 enfatiza a finalidade da sociedade, ao dizer:

Entendo que as sociedades de economia mista têm uma figura inteiramente

diversa das entidades autárquicas, ainda mesmo quando nelas o Estado seja

majoritario”... ... “A finalidade, na sociedade de economia mista, fixa-lhe o

destino e a categoria para que funcione como corpo de direito privado”.

Hely Lopes Meireles conceitua os serviços centralizados, descentralizados e delegados:

Serviços centralizados são os que a Administração Pública executa por suas

próprias repartições integrantes do organismo estatal. Serviços

descentralizados são os que a Administração Pública realiza através de órgãos

autônomos (autarquias) vinculados à entidade central, mas com

independência administrativa e financeira. Serviços desconcentrados são os

que a Administração Pública distribui entre as várias repartições de uma

mesma chefia administrativa. Serviços delegados são aqueles cuja execução o

Poder Público transfere a entidades ou particulares estranhos à administração

competente para realiza-los. Assim, tanto são serviços delegados os executados por entes paraestatais, ou por concessionárias e permissionários,

como os que uma entidade estatal comete a outra para sua execução327.

As entidades paraestatais, organizações de personalidade privada, que recebem

delegações oficiais para o desempenho de certas atividades de interesse coletivo, mas

inconfundíveis com os serviços públicos realizados pelas entidades estatais ou por seus

325 WHITE, Leonard D., Introduction to the study of public administration, 3a. ed., 1951, p. 119. 326 PONDË, Lafayete, Anais do 1º Congresso de Tribunais de Contas do Brasil, São Paulo, 1959, 1º vol., p. 189 e

329. 327 Op. cit. p. p. 278/9.

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prolongamentos autárquicos, possuem personalidade privada e organização de entidade

particular, destinadas a realizar empreendimentos públicos de caráter industrial, consoante

Brunetti328:

È certo comunque che non è da confondere la posizione dello Stato Azionista

con quella degli enti paraestatal. I caratteri Dellénte publlico è quello che si

trova con lo Stato in un particolare rapporto di diritto pubblicosvolgendo a suo

servizio unáttività, che deve riternesi própria dellénte cosi per la titilarità como

per l’esercizio. Gli enti parastatali sono intituiti per attuare servizi e finalità

rispondenti ai compiti dello Stato e interessante tutto il suo território. Son

riconscibili per proprie caractteristiche, ciò: a) per la costituzione ad opera

dello Stato, che puó avvenitre o col conferimento dela personalità a uno dei

suoi organi o con la creazione de un ente per mezzo de elemti del tutto nuovi;

b) per il finanziamento dellénte da parte dello Stato, sia che venga constituita

una dotazione di beni sia che esso si assicuri una entrata fissa sul bilancio; e)

perciò che l’ente non ha, per regola, il carattere dela corporazione ma solo

quello dell’istituzione o fondazione pubblica. Si trata, como si vede, di

categoria di enti publlici che sono a contato imediato dello Stato como parti a

sè, distaccate dall’amministrazione centrale.

A respeito da empresa pública Meirelles329 assevera que a sua característica é a de prestar-

se ao desempenho de atividade públicas propriamente ditas, sob a forma de sociedade privada,

mas constituída, subvencionada e dirigida pelo Poder Público.

Os ditames do Decreto nº. 200, de 25 de fevereiro de 1967, art. 5º., conceitua autarquia

empresa pública e sociedade de economia mista. No entanto, o tema é tormentoso e tem

merecido atenções de doutrinadores administrativistas.

A Lei nº. 13.303, de 30 de junho de 2016, procura viabilizar ajustes éticos e político para

promover um aperfeiçoamento jurídico, minimizar as discussões que envolvem as empresas,

vulgarmente conhecidas, como empresas do governo.

4.1 Sociedade de economia mista

Debruçando-se sobre o exame das sociedades de economia mista, confere-se nuances

envolvendo vários ramos do Direito, por exemplo o ressurgimento do denominado poder

central, o Estado exercitando funções com supremacia. Confere-se o desenvolvimento do

Direito Público assumindo inúmeras funções no campo social e econômico. O Estado atuando,

328 BRUNETTI, Antonio. Trattato del Diritto dele Società, T. I. Milano, 1948, p. 90. 329 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit. – p. 304.

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controlando, regulando as atividades privadas, direta ou indiretamente, inclusive na condição

de empresário. Essa dinâmica tem levado os juristas a dissecar o Direito Público e o Direito

Privado, procurando diferenças nesses ramos do Direito.

A sociedade de economia mista serve de exemplo e objeto de dissecação, porque vem

sendo entendida como uma propriedade estatal, sob parcial domínio do Estado, face a posição

acionaria e ou de controle adotando um modelo de sociedade empresária sob a égide do Direito

Privado, compartilhando os interesses privado e público.

A experiência dessa atividade, a funcionalidade desse tipo de sociedade empresária, a

intenção, a finalidade enredada para dar rumo de eficiência administrativa estatal, dentro de

forma, modelo gerencial que o Direito Administrativo proteja para a Administração Pública,

para que possa atender o agigantamento do Estado, imprimindo caracteres, envolvendo a função

social e a propriedade privada.

As interpretações e impasses sobre o bem comum, os entendimentos e os conflitos de

interesse, objetos de exame, de significativa importância para o desenvolvimento da teoria

econômica e jurídica, para implementação de politicas e medidas governamentais em vários

países, especialmente pelo governo dos Estados Unidos da América, quando da criação da

Securitizes and Exchange Commission, oferecendo leis para estimular a formação de poupança

popular e aplicação no mercado de capitais, passando a deter valores mobiliários.

Destacam Berle e Means330 que nas primeiras décadas do século XX, o deslocamento

de cerca de dois terços da riqueza industrial dos Estados Unidos da propriedade individual iria

para a propriedade de grandes empresas financiadas pelo público, modificando a vida dos

proprietários, a vida dos trabalhadores e as formas de propriedade, resultando, quase

necessariamente, uma nova forma de organização econômica da sociedade. O entendimento

dos mencionados autores não se limitou aos Estados Unidos, ao contrário, foi alargado, e

disseminado pelo mundo, chegando, inclusive, no Brasil.

Com a modernização da sociedade anônima, receios advieram causando preocupações

baseados no predomínio crescente da forma, especialmente do poder que as sociedades

anônimas passaram a deter, e consequente, com postura cada vez mais passiva dos acionistas

não controladores da companhia, face a pulverização das ações nas bolsas de valores e balcões

de negócios envolvidos nessa seara de investimentos.

330 BERLE, Adolf A.; MEANS, Gardiner C.. - A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada. 3a. ed.,

tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo, Nova Cultural – 1988, p.p. 3-7.

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Curiosamente, quase um centenário após a exposição dos estudos de Berle e Means

avaliando o cenário do antes da segunda grande guerra mundial, ainda está a perturbar, a

provocar indagações e estudos sobre o tema, especialmente em virtude da transformação da

economia, da riqueza no planeta agitada ao longo do século XX. Uma dessas facetas está no

denominado capitalismo coletivo, encapsulando um sistema de incorporação acionária, fazendo

com que os indivíduos voltassem suas vistas a um novo papel de desenvolvimento em busca de

rentabilidade, causando seria violência a agricultura, considerado à época como um bastião da

propriedade privada.

Naquela época havia sinalização que os diretores das sociedades anônimas, eram seus

“proprietarios”, e não eram efetivamente representantes dos acionistas, e por consequência não

se obrigavam a seguir suas instruções. Essa assertiva foi comprovada, vista que, como quase

previsível, quando conferiu que o fator dessa concentração foi maior nas indústrias de serviço

público.

Quando Berle e Means em 1968 divulgaram a nova edição da “A Moderna Sociedade

Anônima e a Propriedade Privada”, com significativa gama de dados, maior do que aquelas da

contidas na primeira edição da aludida obra, atualizando o armazenamento das informações até

então colhidas, vivenciadas em um século exuberante e extremamente fértil para o

desenvolvimento econômico e financeiro, inclusive, algumas situações consideradas

extravagantes, iriam influenciar decisivamente nas bases e nas decisões econômicas nas

décadas subsequentes, interferindo até mesmo no conceito de propriedade, diante do que se

examinou sobre o controle gerencial das companhias no mundo corporativo e nas formas do

poder de dominação.

Hoje é quase imperceptível no cotidiano, não causa estranheza quando se conversa ou

se entabula negociações, em geral, inclui-se no diálogo algum dado sobre as atividades

mercantis, sobre a performance de alguma sociedade anônima, o trato particular de uma

sociedade empresária, atem-se ao mercado de capitais, palco comezinho de transações de

oscilantes intensidades, que afeta a vida deste planeta, apesar de ser quase uma ordem, uma

pauta do dia a dia, mesmo que sem qualquer maior prospecção cientifica, ou por mera vista ou

visitação na atividade burocrática das companhias, examinam-se balanços e noticias sobre o

desempenho das empresas que tem papeis na classificados do mercado de capitais, com

divulgação comum nos noticiários sobre economia e negócios, publicidade que serve de baliza

para avalições e negócios.

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Contemporaneamente as relações mercantis ficam expostas em vários meios de

comunicação, que divulgam a comercialização e levam aos mais variados interesses, propondo

especulações de bens, serviços, etc., para atender eficientemente aos expectadores, interessados

nos contratos mercantis, assimilando custos e benefícios, descortinando cenários.

Sem desconsiderar a utilidade e aperfeiçoamento da tecnologia aplicável, o eclético

mercado de capitais negocia envolvendo os mais variados tipos de papeis, desde as tradicionais

apólices de seguro, aos títulos de crédito, ações sobre direito a ressarcimento, indenizações,

pensões e congêneres, aos outrora impensáveis direitos sobre carbono, química pura, biologia,

clones e embriões, e muitos outros.

Diante da expressiva carga mercantil e de riscos, os negócios vivenciam as suas

variedades, como as companhias de seguros e até mesmo as mais simples partes envolvidas,

precavidamente, procuram incutir no eixo subliminar a cobertura do patrimônio do cidadão do

infortúnio, dos danos, do prejuízo avassalador à vida e aos bens da vida, como acontece n

maiorias dos países, exercitando atividades de interesse na construção de pontes, instituição de

pedágios em rodovias, funcionamento de ferrovias, de bancos e múltiplas corporações. No

curso do século XX foram salientes as atividades na manufatura, comércio, transformação,

agricultura, serviços, etc..; e no século XXI apresenta-se a cibernética331, com a evolução da

informática com os algoritmos, projetando a inteligência artificial, além das invasões nos

bancos de dados e similar, e tantos negócios sem os esclarecimentos necessários sobre riscos.

Os contratos utilizados são especialmente redigidos para impossibilitar a recusa do mais

frágil contratante, impelido ao contrato de adesão negocial, reduzindo as chances de se

contrapor as múltiplas cláusulas e condições preestabelecidas, muitas vezes em idioma

estrangeiro. E quando via cibernética, esse discernimento limita-se ‘assinar/aceitar’ por mero

“aceito”, um “clik” por teclado eletrônico.

Esse complexo mercado submete posições dos mais diversos participantes, desde um

imberbe estudante ao detentor do controle acionário da companhia, interagindo em uma volátil

compreensão de siglas que atende conversações técnicas engendradas por gestores,

praticamente, desconhecidos, invisíveis, cobertos pelos sistemas de informática, em estruturas

de parco conhecimento e transparência, sob constante crítica, em um mercado seletivo, pouco

331 TAVARES, José Augusto Teixeira. Concepção Teológica da natureza e Teoria Cibernetica. Editora

Mensageiro da Fá, 1970; Da Ciencia a filosofia textos básicos de cosmologia, 1971, Editora UFBA.

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ou não democrático, cujos administradores detém aparente autossuficiência para prover

decisões interna corporis.

Sem transparência e segurança a sociedade se preocupa com a falta de suporte técnico,

uma vez que as nuances econômicas e financeiras que envolvem a vida cotidiana do cidadão e

empresarial, das companhias, nesse manto tecnológico, influi com efetivos reflexos no

comportamento dos negociantes e acionistas, no desempenho da produção, e consequentes

valorações das ações.

Os estudos econômicos que envolvem as sociedades anônimas mostram o

fortalecimento desses tipos de papeis, considerados como alma da companhia, que

movimentam os balcões de negócios financeiros, as bolsas de valores e similares, que de modo

fragmentado de negócio gera uma nova forma de circulação da riqueza, construindo uma nova

figura e geração de propriedade, desencarnando da primitiva concepção de propriedade,

outrora, diretamente exercitada entre os interessados para fazer a transitoriedade da pose e o

domínio dos bens.

Transformação aconteceram e continuam aparecendo, como reduzir o interesse na

aquisição de um certo bem que pretenderia concretizar certo negócio a fim de torna-lo em

propriedade, preferindo adotar a “posse” de um bem, como pode suceder com relação a um

direito individual sobre ações, bônus e outros títulos líquidos, derivados do capital, inclusive in

abstrato, fortalecendo o âmago das companhias, em especial nas sociedades anônimas de

capital aberto. Posse que pode acontecer desde os tradicionais penhor/caução de ações e prévios

acertos de participação acionaria em assembleias.

Essa nova organização de bens e riqueza força uma veloz estruturação ou restruturação

econômica financeira, mas não altera necessariamente as definições clássicas, desde quando

elas são fundamentais para dar sustentação jurídica no trato de definir direitos e métodos de

transferência, manejo de direitos intercorrentes, e das miríades de problemas secundários de

transmissão e ajustes, considerados tradicionais, presentes nas conjunturas que servem de

sustentação para as bases jurídicas e econômicas das sociedades por longo tempo, com

concepções conservadoras de posse e propriedade.

Afirma Berle que a propriedade se divide em duas categorias:

a) propriedade de consumo, e b) propriedade produtiva – propriedade dedicada à produção, manufaturas, serviços ou comércio, com a finalidade de

oferecer, por certo preço, bens ou serviços ao público, com os quais seu

possuidor espera obter um lucro. E esta se divide em dois tipos: 1) a que

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embora não dirigida pelos proprietários ativos, é administrada de forma a

proporcionar a proporcionar um retorno sob forma de juros, dividendos ou

distribuição do lucro, a 2) a dominada e controlada pelos representantes ou

delegados de proprietários passivos, cujas decisões agora estão sujeitas a um

processo politico em andamento, que ainda não se completou, mas deixa

indeléveis marcas.

Analisa-se alguns dos fatores semipúblicos da sociedade anônima que compartilha com

os elementos da sociedade de economia mista com o poder de decisão, de gestão, que advém

do acionista controlador, que por força da legislação brasileira recai na figura do Estado,

responsável pela sua própria constituição, assumindo papel de importância fundamental neste

tipo de companhia, que ao mesmo tempo interfere nos preços, no mercado de capitais,

expandindo ou inibindo a circulação da riqueza, que abalam a economia, a politica e o direito,

operando transformações significativas.

Não obstante haver uma tendência de desvincular o acionista do administrador,

fenômeno que tende acontecer nas grandes corporações de capital aberto, face a intenção de

separar patrimônio e controle. Essa situação acontece com nítida relação com a empresa estatal,

onde o Estado detém patrimônio e controle, inclusive na sociedade de economia mista.

Ocorre significativa alteração com a propriedade empresarial e o poder de controle, cuja

substância está sendo exercitado normalmente pelas mãos privadas para o controle estatal332;

no caso é a constatação da presença inafastável do Estado, detendo o patrimônio e o controle

da sociedade de economia mista. Com a edição da Lei nº. 13.303, de 30 de junho de 2016, cujo

Art. 1o passou a dispor sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia

mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de

economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore

atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda

que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação

de serviços públicos, alertando que o Título I da Lei, exceto o disposto nos arts. 2o, 3o, 4o, 5o,

6o, 7o, 8o, 11, 12 e 27, não se aplica à empresa pública e à sociedade de economia mista que

tiver, em conjunto com suas respectivas subsidiárias, no exercício social anterior, receita

operacional bruta inferior a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais).

Do mesmo modo, deve-se observar a aplicação inclusive à empresa pública dependente,

definida nos termos do inciso III do art. 2o da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000,

332 BERLE, Adolf; MEANS, Gardiner C.. A moderna sociedade anônima e a propriedade privada. 3a. ed.

Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo. Nova Cultural, 1988, p. 82.

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que explore atividade econômica, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de

monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos, e submetem-se ao regime

previsto na referida Lei a empresa pública e a sociedade de economia mista que participem de

consórcio, como disposto está no art. 279 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, na

condição de operadora.

Pela linguagem da nova lei, e do quanto a legislação anterior e em vigor, observa-se

haver um liame com a atividade empresarial privada, que, quem administra uma companhia

estaria a administrar um patrimônio alheio, e sendo o Estado detentor das ações que controla e

administra a sociedade, consequentemente, trata de uma riqueza que pertence ao povo, que afeta

o ente social, constituindo um claustro estatal.

A constante preocupação com as políticas que produzem atos e decisões que afetam a

vida das pessoas, como a exploração do subconsciente, incute o medo da manipulação, da

demagogia e da violência. Esses modos de agir, podem resultar em um espolio de guerra,

possibilitando a decadência, a imoralidade, a deformidade humana. Deve-se contrapor, a fim

de preservar a liberdade irrestrita, e participar efetivamente nas deliberações públicas sem

violentar o interesse do povo.

4.2 Características da sociedade de economia mista

Após as considerações sobre a sociedade anônima, da empresa estatal e a sociedade de

economia mista, passa-se ao exame sobre as características da sociedade de economia mista.

Iniciou-se uma discussão no desenrolar da segunda guerra mundial sobre uma nova

estrutura socioeconômica que serviria como uma revolução política. Curiosamente, a

introdução dessa estrutura dava ascensão aos managers, como classe dominante, tanto nos

países capitalistas, quanto naquelas nações dominadas pelo comunismo ou pelo nazi-fascismo.

Aparece o Estado-empresário, ao qual foi conferido uma forma durável de organização

estatal para envolver as sociedades industrializadas, a propriedade estatal nos meios de

produção, a considerar a emergência de uma poderosa estratificação social com técnicas

gerenciais, questionamentos sobre as funções indispensáveis da sociedade para ter acesso ao

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controle dos meios de produção, o inevitável agir do cidadão, como fosse os seus próprios

interesses, como Milovan Djilas anunciou no pós-guerra333.

Dentre essas considerações abordou-se com intensidade sobre as sociedades anônimas

em que o Estado tem participação social majoritária ou ingerência controladora na sua

administração. Surgem as sociedades de economia mista, subespécie das sociedades anônimas,

entidade de direito privado, questionadas quanto às suas origens, confundindo-se com as que

lhes deram origem, daí o porquê da continuidade dos estudos sobre esse tipo de sociedade

empresarial.

Afirma-se que a origem da denominada sociedade de economia mista está nas sociedades

anônimas - as societates vectigalium ou societates publicanorum -, que na antiga Roma tiveram

papel preponderante como arrecadadoras de tributos, fornecedoras de gêneros para os exércitos

e até mesmo encarregadas de construções públicas. Outros estudiosos as vêm reguladas na

Tábua Amalfitana, as conhecidas colonnas, e, mais tarde, com as mossas ou maonas, bem como

o Banco de San Giorgio, este, pelos seus fins especulativos, caracterizou-se como sociedade

anônima334.

Com relação a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, Tullio Ascarelli335

reportando-se a Companhia Holandesa das Índias Orientais de 1602, destacou a importância

delas, que o Direito Público e o Direito Privado se apresentavam nos interesses comerciais e

expansão colonial, pondo em relevo as companhias francesas pelo caráter público, frequente a

participação, inclusive financeira das autoridades públicas, destacando o caráter privado mais

acentuado nas companhias holandesas. Davis336 fala sobre esse “carater privado acentuado nas

companhias holandesas”, reportando-se às origens históricas das empresas estatais, com a

manifestação de Waldemar Ferreira sobre a palavra de Lous Pauliat, informando que:

[...] (in Louis XIV et La Compagnie des Indes Orientales de 1664, C, Levy,

Paris, 1866, p. 29), acha que “os holandeses têm a glória de iniciadores na

Europa e de haver efetivamente criado companhia cujos princípios, estatutos

e funcionamento foram logo depois copiados por todos os outros povos”,

333 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade

anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 61. 334 Na Idade Média seriam as associações destinadas a construir ou explorar navios, as célebres Collona, cujo

contrato foi regulado pela Tábua Amalfitana em 1131. O Banco de São Jorge constituído em Gênova em 1407, foi

reconhecido como a primeira sociedade anônima com fins especulativos, porque os seus associados não recebiam

simplesmente os juros do capital empregado, visava também obter lucro com as realizações dos negócios.

Modernamente é dado como precursor das Companhias Coloniais. 335 ASCARELLI, Tulio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparato. Saraiva, 2a. ed., 1969, p.p.

313-316. 336 DAVIS, M. T. de Carvalho Brito. Tratado das Sociedades de Economia Mista, Tomo I, 1952, pp. 38 e

seguintes.

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sendo, portanto, de opinião que a citada Companhia foi a primeira sociedade

por ações, que ja existiu. Diz ele: ‘Essa Companhia das Índias Orientais e,

principalmente, a Companhia das Índias Ocidentais, esta criada por Lei de 3

de junho de 1621, e ainda mais caracteristicamente que aquela, não foram tão

somente as primeiras sociedades anônimas como também as primeiras

sociedades anônimas de economia mista, como hoje se qualificariam e o

qualificado se lhes ajusta com precisão de luva’.

O intervencionismo do Estado sempre esteve presente na vida das sociedades anônimas.

No principio concedendo “licença”, que era um privilégio governamental, depois, aplicando a

autorização ou concessão, abrangidas ou regidas por normas do direito privado, pois não

caracterizavam quanto ao montante da participação acionária do Estado, não sendo elemento

qualificador da sociedade anônima mista, porque, mesmo na hipótese minoritária, o Estado

poderia assegurar gestão da empresa, consoante o entendimento de Barros Leães337/338.

Os juristas apontam o artigo 5º, III, do Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967,

redação do Decreto-Lei 900, de 29 de setembro de 1969, para sustentar e até mesmo conceituar

a sociedade de economia mista como uma entidade dotada de personalidade jurídica de direito

privado, criada por lei, para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade

anônima, cujas ações, com direito a voto, pertencem em sua maioria à União, ou a entidade da

administração indireta.

Face o conteúdo do mencionado dispositivo legal, este daria maior firmeza, quando a

atividade for submetida a regime de monopólio estatal, a maioria acionária caberá à União em

caráter permanente, chegando a constituir, em princípio geral e pacifico, que, não somente na

esfera federal, como também na estadual, não se vê nenhum inconveniente na participação

majoritária do ente estatal, assegurando o controle direcional da sociedade, com a participação

mínima de 51% no capital social da sociedades de economia mista.

Observa-se singelamente alguns aspectos da legislação, não somente atinente as

sociedades de economia mista, emitindo lampejos para compreender e para conceitua-la como

sociedade empresária hibrida. À semelhança, fundada na sociedade anônima, devido à sua

função semipública, de propriedade múltipla, a sociedade de economia mista penetrou em

vários setores da economia, predominando inicialmente em setores de utilidade pública, de

337 BARROS LEÃES, Luiz Gastão Paes de. O conceito jurídico de sociedade de economia mista, in Revista de

Direito Administrativo. V. 79. Jan/Mar 65, p. 1. 338 Por outro lado, sociedades existem cuja participação acionária do estado é minoritária, mas que como de

economia mista devem ser reputadas, por terem sido suscitadas pelo Estado, para objetivarem fins de política geral,

e nas quais este influi ativamente, dispondo de poderes que exorbitam aos concedidos pelo direito comum aos

sócios de sociedade anônima. André Delion aponta o caso extremo da Societé Francaise des Nouvelles-Hébrides,

em que o Estado não detém senão 2,77% do capital social, mas onde lhe é assegurada a gestão da empresa”.

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transporte coletivo, e outros, comparando as atividades, que denominaram de força centrípeda,

reunindo riqueza, e ao mesmo tempo concentrando controle e poder.

No que concerne à exclusividade do Estado na direção da sociedade de economia mista,

cumpre distinguir entre a direção executiva, representada pelos diretores executivos, e aquela

outra direção, mais de supervisão ou de controle, a priori ou a posteriori, exercida pelos órgãos

comumente denominados: Conselho de Administração, Conselho Consultivo, e outros órgãos

que integram a companhia, mas composta por simples Diretores, que se intitulam “Diretorias”.

Todos os órgãos e ou dirigentes ficam subordinados aos interesses de comando empresarial,

que, pela opinião de Berle, os “gerentes” passaram a envergar posições de maior dimensão e

poder na administração empresarial.

Procura-se o desate dessa questão, vinculando-se cálculo relativo ao percentual na

participação acionária para constituir a sociedade de economia mista. Entendem, que quando a

participação estatal fosse da ordem de 70 a 100%, deveria competir ao Estado, exclusivamente,

a indicação, ou melhor, a eleição de todos os membros da Diretoria Executiva, o que não

impediria, que o capital privado dispusesse do direito de participar do citado Conselho ou de

outros órgãos de controle.

Noutros casos em que a participação do Poder Público no capital social da empresa estatal

fosse de menor monta, mas sem prejudicar o controle majoritário (51 a 69%), aos representantes

dos acionistas particulares deveria ser assegurado o direito de elegerem um ou mais membros

da Diretoria Executiva, além de participar do Conselho. Mas sob qualquer hipótese, o

presidente da empresa, quer o capital público seja majoritário ou não, deveria recair sempre em

pessoa indicada pelo Estado, sem quaisquer injunções dos acionistas particulares339.

O entendimento de Eunápio Borges que o Estado ao dirigir, ao invés de simples auxiliar,

faz, via de regra, tão desastradamente que a empresa se abastarda, posição que Davis considera

injusta e superada, dado o caráter generalizador, abrangendo por igual as empresas estatais bem-

sucedidas e vitoriosas, administradas inteiramente por diretores eleitos, ou melhor dizendo,

escolhidos pelos governantes idôneos. Compreende-se a posição de Eunápio Borges, uma vez

que, sempre presentes severas críticas, face as preocupações com a desordem na órbita estatal.

É dever do Estado, como acionista principal impor na direção empresarial os cuidados de

eleger para os órgãos de direção da empresa administradores com habilidade técnica e

339 DAVIS, M. T. Brito. Tratado das Sociedades de Economia Mista, vol. I, op. cit. p. 187.

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reconhecida capacidade em seus respectivos setores de labor. Estes administradores

privilegiados pelo ente público angariam poderes, ampliam influência nos cenários econômicos

e sociais, destoando do rol de gestores de negócios em atividades, competências similares, sem

o convívio administrativo estatal. A legislação atual exige idoneidade ilibada para todos os

gestores.

Por mera argumentação, não se admitiria que haveria administradores que pudessem ser

qualificados como inferiores, menos dignos, ou menos capazes para o exercício de funções em

qualquer tipo de uma sociedade empresária, sob o controle exclusivo de capital privado ou não.

O argumento dos adversários da sociedade de economia mista, repetindo Ripert, uma vã

tentativa de “conciliação do inconciliavel”. Eunapio Borges não lhes da razão, afirmando que

os dois interesses, o público e o privado, se completam e se harmonizam, sem que haja

verdadeira oposição entre eles, “sem as exorbitâncias que tornam condenavel a busca

desenfreada e sem limites de um lucro insaciável, procurado por quaisquer meios, como um

fim em si. Não havendo nenhum antagonismo fundamental e irredutível entre o interesse

público e o interesse privado, a fundirem-se no caminho da economia mista, “não se pode

obscurecer as dificuldades com que se defrontam os juristas – os do direito público e o direito

privado”. E, utilizando-se de imagem traçada por Ascarelli340, ressalta, que em tais

circunstâncias o Estado não pode abdicar totalmente das prerrogativas do poder, que lhe cumpre

usar na tutela do bem comum.

O pronunciamento de Eunápio Borges conduz ao entendimento teórico sobre a natureza

jurídica da sociedade de economia mista, por considerar as características que estruturam a

referida sociedade, porque esta diante de uma entidade “hibrida”, por não se encontrar

perfeitamente definidas ou delimitadas as zonas de influência do direito público e ou do direito

privado nessa esfera de negócios.

O entendimento esposado por Jolly341 é no sentido:

[...] de que importad estabelecer claramente que a Contribuición del capital

privado no neutraliza el régimen público o administrativo de entidade. Esa

contribuición, cuando más, explica la adjetivación de esta classe de entidades

“mixtas”. La mera concurrencia del capital privado, para la prestación de un

servicio público subordinado al régime del derecho público, no puede

desnaturalizar este régimen [...].

340 ASCARELLI, Tulio. Problemas das sociedades anônima, p. 155. 341 Jolly. Des Conditions dans lesquelles l’Etat, les Départaments, les Comunes et les Établissements Publics

peuvent jouer le rôle d’Actionnairs. Paris, 1928, p. 149, apud Basavilbaso, ob. cit. p. 199.

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Essa afirmação gerou controvérsia, por entender a contribuição do capital público,

minoritaria ou majoritaria, na formação da sociedade de economia mista, não “neutraliza” o

regime de direito privado da sociedade. A participação minoritária de entidade de direito

público, no capital de uma sociedade por ações, não é de molde a desconfigurar a existência de

uma sociedade de economia mista. Entretanto, por outro lado, entende-se que as características

predominantes, e porque não dizer determinantes, de tal sociedade são representadas não só

pela presença de controle majoritário por parte do Poder Público, como também a participação

efetiva deste na administração do negócio.

Dentre os autores não brasileiros que estuda as sociedades de economia mista, está

Zwahlen342, afirmando que:

Ao aparecer, a sociedade de economia mista conquistou simpatias gerais. Via-

se nela um corretivo feliz à gestão puramente egoística dos particulares e à

gestão somente pelo Estado, das empresas de interesse geral. Louvava-se esta

fórmula porque permitia tomar a cada um desses sistemas o que ele tinha de

bom. Não dando, nem a economia privada nem a economia pública, resultados

absolutamente satisfatórios, a economia mista deveria certamente construir

solução ideal. Hoje, este entusiasmo já está bem atenuado; a economia mista

atingiu seu apogeu e tendo a ceder lugar a outros modos de utilização, pelo

Estado, das sociedades comerciais, tais como a sociedade pública de um só

membro e a sociedade de pessoas jurídicas de direito público, segundo uma

evolução que ficou demonstrada [...] .

A obra de Zwahlen editada em 1935, época que o Brasil não tinha experiência com esse

tipo de sociedade, acentuando que em pleno século XX, nos países europeus de economia

altamente industrializada, não existia problema de escassez de capitais, o que não sucedeu com

outros países, o Estado brasileiro entendeu necessária essa construção jurídico-empresarial para

alguns setores, encetando uma ação supletiva, proporcionando iniciativas de infraestrutura em

outros setores, numa plêiade de benefícios, para harmonizar a indústria e o comércio nacional.

Assevera Zwahlen:

Na nossa opinião, entretanto, - e a experiência o demonstrou, - esta associação

entre o Estado e os particulares não pode, senão excepcionalmente, conduzir

a bons resultados. Uma associação não beneficia, com efeito, a todos os

associados senão quando eles visem a um fim comum, ou, pelo menos, a fins

análogos, excluída a oposição entre uns e outros. Ora, em uma empresa de

economia mista, os fins visados pelo Estado e pelos particulares são

diametralmente opostos; eles se excluem reciprocamente. O capitalista

particular não tem em vista senão seu interesse pessoal; ele quer lucros

elevados que lhe assegurarão bons dividendos e procura fixar o preço de venda

mais alto que a concorrência permita, se ela existir. O Estado, ao contrário,

342 Henry Zwahlen professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Lousanne, que Britto Davis

reproduz trechos da sua obra intitulada “Des Societés Commerciales avec Participation de l’Etat”, 1935.

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intervém com a intenção de salvaguardar o interesse geral, seja o dos

consumidores ou o dos utentes; ele se esforça, então, para manter o preço de

venda em níveis baixos. Nasce, assim, entre os dois grupos de associados, um

conflito irredutível, no qual um deles será inevitavelmente a vítima. Nesse

caso, ou são os particulares que empolgam a direção, e a empresa passa a ser

dirigida com fim lucrativo, como uma empresa privada; ou o Estado tem êxito

em fazer prevalecer o ponto-de-vista favorável à comunidade e, nessa hipótese

são então os particulares que não alcançam os proveitos que tiveram em vista

ao investirem os seus capitais. Se as forças desses dois grupos de associados

mais ou menos se equilibram, a oposição de interesses subsiste e surge o risco

de sua repercussão sobre a direção da empresa, de consequências sempre

lamentáveis; os conflitos se repetem continuamente e, são resolvidos ora num

sentido, ora noutro, comprometendo, assim, a unidade da direção. A empresa

passa a ser, então, um corpo com duas cabeças, ou para usar uma expressão

de Fayol, “um monstro que não vale a pena viver.

A opinião do jurista suíço teoricamente alcança de certa forma a contemporaneidade, não

perde por completo o sentido do pensamento, o que assim não se entendia na década de sessenta

do século passado, e o que ainda se exercita no país.

Os inconvenientes apontados por Zwahlen poderão ser evitadas em países onde a

participação estatal nas empresas é feita geralmente sob a forma de controle majoritário, ou

seja, quando o Poder Público, via de regra detém no mínimo 51% do capital votante.

No Brasil a associação entre Estado e particulares deu e têm dado frutos em determinadas

ocasiões, apesar das críticas dedicadas a situações, setores considerados precários para atender

o interesse empresarial. Contudo, tais censuras não podem levar ao abandono as boas

experiências que proporcionaram resultados satisfatórios em determinados seguimentos

econômicos, em um bom convívio com o mercado. O resultado das que foram bem colhidas

nesses anos, talvez necessita de uma readequação, que não seja de uma restrição generalizada,

desde quando o incentivo seja complementado para um exercício efetivo em benefício do

desenvolvimento socioeconômico nacional em acentuados períodos.

Por isso sempre é bom recordar dos primeiros tempos, quando da pretensão de implantar

a sociedade de economia mista no Brasil, questionamentos houveram a respeito da

possibilidade da coexistência da sua organização administrativa com o sistema legal vigente.

Esse questionamento, provocou a indagação, se o Poder Público estaria devidamente

aparelhado para coibir abusos como os referidos por Zwahlen, essencialmente, dentre outros,

como os afetados pela corrupção, lucros desviados, preços distanciados do mercado e violação

à economia popular. Muitas respostas advieram e foram experimentadas pela sociedade

brasileira, ao que parece ainda não está suficiente, para decidir através de certas apologias,

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programas eleitorais, mas que realmente devem ser implantados para efetivamente alcançar

resultados políticos escolhidos para bem legislar e governar.

Verifica-se que a depender do sistema reinante, o Estado possui o efetivo controle das

empresas estatais, inclusive as de capitais mistos, podendo com facilidade impedir as aludidas

más práticas, como as de abuso do poder econômico, pois as leis aí estão para serem cumpridas,

foram feitas para observar seus desideratos e serenar os anseios ou ânimos inflamados.

Qualquer interesse egoístico de acionistas, quer seja do Estado acionista, dos acionistas

privados, ou de representantes, implantados na direção, na administração da sociedade de

economia mista, deverá esbarrar na legislação protetiva, com a intransigente determinação do

Poder Público, através dos seus gestores, administradores por ele nomeados ou eleitos visando

a defesa da coletividade, do bem-estar público, aproximando-se do conceito jurídico de

sociedade de economia mista oferecido por Barros Leães, uma reflexão sobre os interesses

público e privado343.

Consta que no Brasil os interesses privatísticos praticados de forma direta ou

indiretamente, utilizando a sociedade de economia mista, quando em movimento contrário aos

interesses da coletividade não podem ser justificados, e que qualquer cidadão tem legitimidade

para pleitear reparação de prejuízo de uma sociedade de economia mista, gerando o alerta que

o investidor privado deve considerar solidamente a advertência para estar vigilante ao investir

em empresas sob controle estatal, estar fadado ao malogro, face as possíveis práticas, abusos

referidos por Zwahlen, sintonizando com Kaeppelin344, apregoando a cautela para que se

examine atentamente os estatutos da companhia, as justificativas e lastro estratégicos das

politicas públicas do governo com suas exposições de motivos. A recomendação, ou lastro à

criação da companhia, é para conferir se as mesmas não estão assentadas sobre um elemento

343 BARROS LEÃES, Luiz Gastão de. O conceito jurídico de sociedade de economia mista.

http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/26726/25594 . Para não fazermos referencia a

todos os diplomas legais que consubstanciam o estatuto legal das sociedades de economia mista em nosso País,

recordemos, entre outros, o artigo 141, § 38, da Constituição federal de 1946, que dispõe sobre a chamada “ação

popular”, pela qual qualquer cidadão sera parte legitima para pleitear a anulação ou declaração de nulidade de atos

lesivos do patrimônio das sociedades de economia mista; o Decreto-Lei n. 6.464, de 2 de maio de 1944 (artigo

1.0), em que se permite as sociedades, cuja maioria das ações ordinárias pertença a pessoas jurídicas de direito

publico, a emissão de ações preferenciais em qualquer quantidade; o Decreto n. 50.068, de 8 de fevereiro de 1961,

que dispõe sobre os depósitos bancários obrigatórios dos institutos de previdência e de outras autarquias federais,

bem como de sociedades de economia mista com preponderância do capital do Governo, no Banco do Brasil S/A;

o Decreto nº.

54.018, de 14 de julho de 1964, que reorganiza o Conselho Nacional de Política Salarial,

estabelecendo normas sobre a política salarial dos empregados de sociedades de economia mista, de que a União

ou qualquer de suas autarquias detenha a maioria do capital social, etc., etc. 344 KAEPPELIN, Roger. Le Systeme dit “d’économie miste”dans les enterprises publiques en Allemagne. Rev.

dӎcon. Polit., 1920, p. 568, apud Bilac Pinto, R.F. 146/12.

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absolutamente indispensável. Que esteja presente a confiança recíproca animando os

associados, e repelindo a aproximação daquele espírito com segundas intenções ou reticências.

O entendimento esposado por Kaeppelin mostra que as partes devem estar atentas a união

pretendida, se a contratação tem algum caráter transitório, mesmo a considerar quando uma

parte tem necessidade do capital e ou da experiência industrial e comercial, que visem uma

consolidação de interesses das pessoas como acionistas nas sociedades, o que não impede a

transitoriedade que alude o referido autor, levando à compreensão de que enquanto existir a

affectio societatis, a sociedade perdurará, apesar da admissão que as sociedades comerciais são

como os indivíduos, nascem, vivem e morrem.

Adverte Seabra Fagundes345 em parecer sobre a “histórica” ‘F.N.M.’346, quanto a

admissibilidade da aplicação da lei das sociedades anônimas nos pontos que tratam da

autorização para regência da empresa estatal, o modo que da aplicação da lei comum sobre as

sociedades mercantis, naquilo que for omissa a lei especial, o receio de recorrer ao direito

privado no propósito das relações e participação do Estado. Colhe-se em Seabra Fagundes e

Britto Davis, o apoio vindo de Arena347:

Se nada impedia o legislador de ir mais longe ao derrogar a Lei de Sociedade

por Ações, caso fosse intuito seu emprestar à sociedade de capital misto

características mais distantes do tipo padrão de sociedade comercial, e ele

preferiu restringir-se a umas disposições especiais, há de entender-se que agiu

deliberadamente, com o propósito de preservar, ao máximo, a estrutura e o

sistema de funcionamento prescrito pelo direito comum, às sociedades do tipo

adotado.

Do acima exposto, vale conferir as análises desenvolvidas por Arno Schilling

considerando que a sociedade de economia mista é uma instituição moralmente frágil, porque,

quando está a exercer alguma atividade mercantil, faz por concessão de um serviço público,

entendendo que é natural se crie uma situação anômala, complicada na prática e prenhe de

conflitos, por estar atenta a posição do Estado, que é, ao mesmo tempo, acionista da sociedade,

e, na qualidade de poder concedente, apresenta-se como titular das faculdades de controle e

fiscalização.

Argumenta-se que o governante público pode nomear, eleger os administradores da

companhia porque possui participação com capacidade de a sociedade anônima mista, não

345 FAGUNDES, M. Seabra. Parecer emitido em 16/10/1951, in R.F., volume 146, p.p. 86/91. 346 Ficou famosa Fábrica Nacional de Motores, conhecida pela sonoridade nordestina, - sotaque – fonemas,

pronunciada “fênêmê”, face o emblema que ostentava na parte frontal dos veículos, caminhões que trafegavam, à

época, nas péssimas rodovias nacionais. 347 ARENA, Andrea. Le Società Commerciali Pubbliche, 1942. Giuffre, p. 257..

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significa que a empresa irá operar inteiramente livre das peias e dos controles administrativos

exercidos sob a autoridade pública, desde quando, a moderna técnica de Administração Pública,

com os controles dos mais diversos, pode exercitar procedimentos por órgãos próprios e

subordinados, não por um só, mas por vários Ministérios e Tribunais, os quais além de fiscalizar

possuem mecanismos de não apenas freios, obstáculos, proibições e impedimentos a possíveis

práticas que possam coibir condução a uma “situação anômala”, aludidos por Arno, sobretudo,

porque a companhia através dos seus órgãos e gestores podem e devem previamente procurar

preservar os interesses dos acionistas e da própria companhia, evitando danos de logo acontecer,

aplicando a devida censura.

É inegável que os conceitos jurídicos até então desenvolvidos sobre a exploração das

atividades econômicas pelo Poder Público, quando de interesse coletivo, os conceitos jurídicos

são pouco determináveis, uma vez que o direito administrativo trata do assunto usando

conceitos abertos, o que proporciona uma escolha pela autoridade administrativa348. Há de

observar que não se trata propriamente de discricionariedade escolher o administrador ou

membros dos órgãos da companhia, visto que a lei349 não confere uma livre escolha dos

gestores, uma vez que os ditames legais preveem escolhas entre cidadãos de reputação ilibada

e de notório conhecimento, dentre outros requisitos.

A legislação ao dispor sobre a necessidade de um currículo compatível destacando a

idônea experiência do gestor no campo da atividade empresarial, é exatamente para

impossibilitar a admissão, a escolha de pessoa incompetente e inidônea para integrar os quadros

da companhia. Assim procedendo, inclusive, atende o requisito da mobilidade previsto no

sistema jurídico, proporcionando acolher o requisito técnico para a condução de obtenção de

resultados positivos, alinhando a evolução empresarial ao princípio da legalidade, essencial

presença nas atividades da Administração Pública.

Ressalta Seabra Fagundes350 o fato de que os princípios são extensivos a todas as

atividades estatais, e que a submissão à ordem jurídica não atinge apenas os atos do Poder

Executivo, porque as atividades estatais devem estar sempre os exercitando. Portanto, é de

observar que o Estado nascido de um ato institucional limitativo da sua atividade e tem por

finalidade a edição e realização do direito, necessariamente deve se conformar à ordem jurídica.

O desenvolvimento da sua ação, é uma característica que permite ao Direito Econômico

348 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar – 2016: pp. 218-219. 349 Lei nº. 13.303, de 30 de junho de2016. 350 FAGUNDES, Seabra. Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, Forense – 1957, p. 113 e 114.

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estabelecer um dinamismo, que é entendido como inerente à atividade econômica,

possibilitando mudanças notadamente quando o Estado intervém na exploração de atividade

econômica através da sociedade de economia mista, que também imprime a forma de empresa

pública para atender o interesse coletivo.

Relevante mostrar que no âmbito do interesse coletivo, está presente a dinâmica das

oscilações no tempo e espaço, de modo a justificar a instituição da sociedade de economia mista

em determinado momento, como pontifica entendimento do Poder Judiciário expresso no

acórdão do Excelso Supremo Tribunal351.

Obviamente, mesmo com os entendimentos jurisprudenciais que podem levar a

interpretações divergentes, o que não deve ser motivo de preocupações, desde quando o

controle dos atos administrativos pela via judicial, existe e é exatamente para proporcionar

tranquilidade aos jurisdicionados. Com um Poder Judiciário apoiado em um sistema judicial

justo, apto para bem examinar e reparar quaisquer desvios da administração pública, cuja

incumbência é para decidir sobre situações em que o Estado esteja intervindo direta e ou

indiretamente na economia sem a devida fundamentação, evitando-se ilicitudes e injustiças352.

O exame sob um sentido restrito de conjugação de capitais públicos e privados, para

consecução de fins de interesse coletivo, senão, ipso facto, é possível a constituição da

sociedade de economia mista com participações estatal e particular, confeccionada de outro

modo que se detém no princípio da liberdade de eleição fundado no Direito Público ou do

Direito Privado.

A doutrina que se dedica ao estudo do fenômeno da privatização, apresentando a

liberdade de escolha das formas de atuação ou do direito aplicável que traduz a possibilidade

de subordinar uma entidade jurídico-pública quer ao Direito Administrativo, quer ao Direito

Privado, portanto, exercitando a função administrativa através dos instrumentos jurídicos

próprios do Direito Administrativo ou, ao invés, dos instrumentos jusprivatísticos. Por outro

lado, a liberdade de escolha pode revelar-se quanto às formas de organização. Neste caso, a

liberdade respeita à opção entre a personalidade jurídica pública e a personalidade jurídica

privada353.

351 STF, DJ – 15/9/1995; ADI 234/1, RJ. Rel. Min. Néri da Silveira. 352 Alexandre Herculano (apud Adroaldo Mesquita da Costa, in “Parecer nº. 184-H, de 7-5-1965): “Só não muda

de opinião quem opinião não tem”; bem como a de Manoel de Oliveira Lima no seu “D. João VI”: “A inconstância

nem sempre é fraqueza e a incoerência muitas vezes é inteligência”. 353 COXO, Ana Raquel Cadavez Gouveia. O Direito Administrativo Privado – contributos para a compreensão do

direito sui generis. Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Porto para cumprimento

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A manifestação de Hely Meirelles354 é no sentido que:

Não se infira, porém, que toda a participação estatal converte o

empreendimento particular em sociedade de economia mista. Absolutamente,

não. Pode o Estado subscrever parte do capital de uma empresa, sem lhe

atribuir o caráter paraestatal. O que define a sociedade de economia mista é a

participação ativa do Poder Público na vida e realizações da empresa, Não

importa, seja o Estado sócio majoritário ou minoritário; o que importa é que

se lhe reserve, por lei ou convenção, o poder de atuar nos negócios sociais”.

Perfeito, assim também o entendemos, apesar de ressalvarmos a expressão

“paraestatal”.

A posição de Hely Meirelles tem afinidade com Aliomar Baleeiro355, aproveitando o

entendimento de Bielsa:

Claro que não se transforma em sociedade mista qualquer sociedade anônima,

fundada e controlada por particulares, pelo fato de o Estado possuir

eventualmente algumas ou várias ações dela. A instituição por lei, a maioria

do capital governamental, o escopo público ostensivo ou indireto, a diretoria

nomeada pelas autoridades, o controle por estas, os privilégios legais,

inclusive isenções, enfim a própria declaração da lei que a empresa

desempenha serviço público – tudo isso caracteriza a sociedade mista e a

distingue da simples sociedade na qual o Estado acidentalmente possui ações.

E Cavalcanti356 acentua que o: “[...] Estado acionista é o Estado revertido de todos os

característicos da pessoa privada”... “embora tenha um predomínio numérico no capital da

sociedade”. E, depois de enumerar entre os elementos constitutivos das sociedades de economia

mista, afirma que o modelo é “[...] a estrutura de direito privado, quase sempre sob a forma de

sociedade anônima”, e adverte:

É evidente, porém, que qualquer que seja o grau de integração na vida

administrativa do Estado, qualquer que seja a intensidade da penetração do

interesse público na vida dessas empresas, elas não podem perder a sua

qualidade de direito privado, enquanto, conservarem a estrutura de uma

sociedade civil ou comercial, isto é, a forma da entidade de direito privado.

Entende-se que mesmo havendo penetração eventual do interesse público na vida

societária, e até mesmo que o investimento público seja em caráter transitório ou acidental, num

período relativamente curto ao status quo ante, não se estaria diante de uma sociedade de

economia mista. Pelo entendimento de Leopoldo Braga357, a predominância do capital público

não modifica o caráter privado inerente à empresa mista; sendo essa, informa ele, a orientação

dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Direito. Julho, 2013, p. 17. 354 MEIRELLES, Hely L. . Direito Administrativo. 355 BALEEIRO, Aliomar. Parecer, in R.F. vol. 190-56. 356 CAVALCANTI, Temistocles. Tratado de Direito Administrativo. 2a. ed., 1949, vol. IV, pp. 334, 337 e 338,

apud L. Braga, “RDPG-EG, nº. 12-86. 357 BRAGA, Leopoldo. In RDPG-EG, nº. 12, p.p. 89-90.

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tradicional do direito brasileiro, “em harmonia com a melhor doutrina, dominante, a bem dizer,

no mundo inteiro, e da qual quase só se registram dissidências no direito argentino358. E

continua: mesmo as chamadas empresas públicas, de um só membro, não perdem

absolutamente o seu caráter de pessoas de direito privado, pela razão de serem todas as ações

de propriedade do Estado.

Treves359 conceitua a empresa pública moderna como sendo un’impresa privata

dell’ammisnistrazione ... per ilraggiungimento di un fine di interesse pubblico ... enti privati

possono agire per fini di interesse coletivo (apud L. Braga, ob. cit., páginas 88 e 91).

A compreensão de Nonato360 exposta no parecer lavrado em novembro de 1962, faz saber

que:

A empresa mista aparece sempre como processo de intervenção do Estado na

gestão da empresa privada. E essa intervenção não na desnatura, posto venha

o Estado, como acionista maior, a ter a direção da empresa. Como disse

Meschini, essa intervenção é “meramente acidental” e não pode ser elevada

“a elemento distintivo e qualificativo de sua natureza jurídica”. Aliás, essa

intervenção avulta, segundo alguns, como elemento conceitual da sociedade

de economia mista.

O supracitado autor assevera que até mesmo as chamadas “sociedades públicas de um

só membro”, em que o ente público se apresenta como único acionista, conservam a sua

personalidade jurídica de direito privado, e reproduz a opinião de Marcel Waline361:

Mais juridiquement ce sont toujours des sociétés de commerce, astreintes aux

lois commerciales non seulement pour leus organisation aux tiers clientes ou

fournisseurs, tout cela est régi par le droit comercial, et l’on le principal

actionnaire se trouve être L’Etat.

E Braga após referir-se ao conceito de Michelle Fragalli, de que “[...] en la sociedad de

economía mixta no se encuentra ninguna característica de la persona jurídica de derecho

público, ni se trata de un tipo especial de sociedade”362, salienta:

Luigi Raggi, em cujo parecer a “característica indefectível” da pessoa pública

é o poder de império (ius imperi) exercido em nome próprio, reconhece que o

Estado pode interessar-se na constituição de pessoas jurídicas privadas,

fornecendo-lhes até o patrimônio necessário, mas lhes conservando sempre a

personalidade privada quando não exerçam um verdadeiro serviço público,

358 Idem – BRAGA. Op, cit. Concepção de alguns autores helvéticos, entre os quais avulta Raymond Racine

(L’Entreprise Orivée au Service des Nationalisations”, Neuchâtel, 1958), em certa corrente juristas belgas

liderada por Buttgenbach (“Théorie Générale des Modes de Gestion des Services Publics en Belgique”, Liege,

1952) e numa pequena minoria de autores franceses. 359 TREVES, Giuseppino. Le Imprese Pubbliche. Turim, 1950. 360 NONATO, Orozimbo. Parecer de novembro de 1962. 361 WALINE, Marcel. RDPG-EG, nº. 12/125. 362 Na empresa de economia mista, não existe uma característica da pessoa jurídica de direito público, não se tarta

de um tipo especial de empresa. (Tradução livre, pelo autor); ob. cit., pág. 130.

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mostra que existem pessoas jurídicas que satisfazem a interesses coletivos e

não são públicas, exemplificando com a sociedade comercial anônima, que è

persona di diritto privato, sebbene attenda ad un esercizio d’interesse

pubblico” citando, em especial, o caso da “Società dei Trams Elettrici di

Genova” e dos aquedutos Nicolay e Galliera; e tem por exato o critério de que

non sono certo pubbliche le persone che perseguono un interesse econômico privato (“Diritto Admmnistrativo”, 2a. ed., Pádua, 1953, vol. IV, págs. 103,

194 e 107).

Destaca Oliveira Filho363 que não se pode confundir as empresas de interesse público,

que denomina de “serviços públicos aparentes”, por entender que não são de ordem particular

– são aqueles que correspondem à intervenção do Estado no domínio econômico, “quer

organizando empresas em concorrência com as organizações particulares, quer

monopolizando determinada indústria ou atividade”, aliando à liberdade que tem, e deve ter o

Estado para a realização de seus fins, escolhendo as formas e processos de direito público, ou

de direito privado, criar ao seu alvedrio entes públicos ou entes privados.

Braga transmite a seguinte lição de Treves364:

Ma in realtà, per conseguire un dato fine, l’Ammninistrazione può speso

scegliere fra il procedimento a lei riservato dal diritto pubblico a quello

offertole dal diritto privato ... ... Ma per soddisfare um dato interesse pubblico

nel campo econômico lo Stato può creare tanto enti pubblici che enti privati,

seguendo ragioni di convenienza.

Face a oportunidade, a conveniência, o interesse da administração pública para atingir um

determinado fim, passou o Poder Público a escolher o processo reservado ao direito público e

ao que é assegurado pelo direito privado, para que possa bem atender o particular, interesse

público via o campo econômico do Estado, podendo criar entidades públicas e entidades

privadas, de acordo com a conveniência, sintonizando com a realidade. Desse modo, pode-se

entender as críticas daqueles preconcebidamente, fazem com relação a criação de novas

empresas estatais, sob o argumento de que elas promovem a gradativa estatização da economia

brasileira, comprometendo o sistema da “livre iniciativa”, assegurada na Constituição.

Para Wald365:

Efetivamente, a sociedade de economia mista deixa de ser técnica empregada

para a satisfação das necessidades públicas essenciais, neste campo, pela

empresa pública. Mas a companhia mista torna-se uma forma pela qual o

Estado incentiva a produção em caso de insuficiência dos capitais particulares.

Enquanto a nossa doutrina ainda não atinou com essa verdade, o legislador

pátrio já aplicou tal conclusão, com o adiantamento que os homens práticos

têm sobre a companhia da doutrina. O nosso direito positivo já concebe a

363 OLIVEIRA FILHO, João Glicério de. A hierarquização dos princípios da ordem econômica na Constituição

Brasileira de 1988. Tese de doutorado. Universidade Federal da Bahia. Salvador – Bahia - 2012. 364 TREVES, Giuseppino. Le Imprese Pubbliche. Turim, 1950, p.p. 30 e 114. 365 WALD, Arnold. in RF nº. 152, pp. 512 e 514.

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companhia mista não mais como meio de realizar serviços públicos, mas como

processo de incentivo à produção”...

... “Deste modo, a sociedade de economia mista de outrora, que realizava

serviços, foi substituída pela empresa pública, mas foi dada nova missão à

companhia mista, já agora considerada como técnica de intervenção estatal

para incentivar a produção” ... ... “Por outro lado, o novo destino das

sociedades mistas, já pressentido por Miranda Valverde e assinalado por

Chenot, é a sua transformação em técnica de auxílio à produção, substitutiva

das subvenções, enquanto a empresa pública sucede à economia mista e, mais

remotamente, às concessões, no campo da realidade dos serviços públicos.

Importante analisar a atividade empresarial quando se imiscui no poder público, com o

incentivo à produção, como instrumento para a implantação de política nacionalista, de defesa

das riquezas nacionais ou no combate aos abusos do capitalismo interno e internacional,

encetando a sua utilização como empresa incumbida da captação de recursos advindos da

poupança nacional, convergindo-os para os empreendimentos pioneiros, que demanda

maturidade.

Caetano366 discorrendo sobre as sociedades de interesse coletivo, diz que se tratam de

sociedades comerciais que recebem por lei ou ato administrativo, o encargo do exercício de

certa função pública. Para ele, tais sociedades, formadas como as demais, de finalidades

burocráticas, representam a Administração pública, podendo ficar sujeitas de relações jurídicas

com posição de autoridade na medida em que para elas tenham sido transferidos,

temporariamente, por concessão, os poderes de uma pessoa coletiva de direito público, ou

quando a lei expressamente lhes atribua tais poderes.

Alude Caetano à intervenção do Estado no setor econômico, como fato determinante a

multiplicação de empresas, através das quais a Administração persegue interesses, que o

legislador julgou conveniente introduzir no seu âmbito de ação.

O jurista luso cita o exemplo de sociedades de capitais públicos resultantes de

nacionalização ou socialização de certos setores da vida econômica e das empresas dominantes,

representadas por sociedades anônimas que tem o Estado como único acionista, “verdadeiras

sociedades unipessoais que apenas conservam a orgânica, a flexibilidade e a contabilidade de

sociedades comerciais”; bem como aquelas outras que têm exclusivamente por sócios pessoas

coletivas de direito público, exortando que as empresas públicas e as sociedades de pessoas

jurídicas de direito público tratam-se de “sociedades de capitais públicos”. Diz, igualmente,

frequente em Portugal, as sociedades de economia mista em que o Estado ou outra pessoa

366 CAETANO, Marcelo. Manual de Direito Administrativo, 7a. ed., Lisboa, 1965, p.p. 146-148.

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coletiva de direito público se associa com particulares no próprio ato de constituição da

sociedade, ou em todo o caso por ato que se integra no pacto social, juntando capitais privados

e públicos, organizando a gerência com representantes dos dois setores.

Sugere Davis que as várias modalidades de empresas estatais se constituem em

sociedades de interesse coletivo, cogitando da descentralização de serviços na organização

administrativa. Já o jurista português acima referido, afirma que a administração

descentralizada se exerce através das autarquias locais, ou seja, várias pessoas coletivas de

Direito Público com a faculdade de praticar atos definitivos e executórios. Estas pessoas não

estão sujeitas a dependência hierárquica. No caso da administração centralizada (concentrada

ou desconcentrada), aquela faculdade de praticar atos está confiada a uma só pessoa.

Caetano não vê um “futuro risonho” na descentralização territorial, à maneira classica do

municipalismo doutrinário, mas é otimista quanto à descentralização institucional ou por

serviços, “que consiste em o Estado entregar a gestão de certo interesse ou feixe de interesses

coletivos a um serviço personalizado e autônomo – isto é, a um instituto público com autonomia

administrativa ou financeira, ou administrativa e financeira”.

Oportuno trazer a colação apontamento com relação a ideologia municipalista como uma

das construções discursivo-programáticas mais antigas e resilientes da cultura política

brasileira, compreendendo que essa resiliência e capacidade de renovação estria associada,

fundamentalmente, à uma ambiguidade de conceito quando o municipalismo adquire em larga

medida o status de “leito de Procusto”367.

Leva-se a crer que Caetano não se refere às empresas estatais, mas tão-somente às

entidades autarquicas, sublinhando que o mencionado “instituto público”, no caso de exercer

atividade industrial, é gerido tanto quanto possível segundo os moldes e processos das empresas

privadas. Em tais casos, o Estado realiza uma administração indireta, pois atribuições suas são

confiadas a distintas pessoas coletivas, e assim versa sobre os novos processos de

descentralização, exercidos por meio da administração corporativa em Portugal e pelas

empresas públicas, prelecionando que:

367 Procusto era um bandido que vivia na serra de Elêusis. Em sua casa, ele tinha uma cama de ferro, que tinha seu

exato tamanho, para a qual convidava todos os viajantes a se deitarem. Se os hóspedes fossem demasiados altos,

ele amputava o excesso de comprimento para ajustá-los à cama, e os que tinham pequena estatura eram esticados

até atingirem o comprimento suficiente. Uma vítima nunca se ajustava exatamente ao tamanho da cama porque

Procusto, secretamente, tinha duas camas de tamanhos diferentes. Continuou seu reinado de terror até que foi

capturado pelo herói ateniense Teseu que, em sua última aventura, prendeu Procusto em sua própria cama e cortou-

lhe a cabeça e os pés, aplicando-lhe o mesmo suplício que infligia aos seus hóspedes.

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Modernamente, o alargamento da intervenção do Estado na vida social, em

especial no setor econômico, tem obrigado à adoção de novos processos de

realização dos interesses a seu cargo. Esses processos, porém, nem sempre se

mantêm no quadro jurídico próprio da Administração Pública. O Estado

institui pessoas coletivas com o estatuto do Direito privado a cujas normas

obedecem na sua atuação, salvo alguns aspectos em que a importância dos

interesses por elas perseguidos obriga a abrir exceções nesse estatuto mediante

normas em que se manifestam as prerrogativas da autoridade. Está-se, pois,

perante processos de descentralização da ação do Estado, embora seja

duvidoso que se possa afirmar serem-no de descentralização da Administração

pública na medida em que não existe devolução de poderes.

Os juristas que comentam a opinião de Caetano encaram como uma discussão de um

ponto de vista sobre devolução de poderes, que seria admissível unicamente no caso de

empresas públicas, porém, dizem que doutrinariamente seria impossível em se tratando de

sociedade de economia mista, o que leva Davis368 expressar que:

O Direito Administrativo só tem que ver com esta forma de administração

privada de interesse (sociedade de economia mista) na medida em que na

direção, tutela ou atuação das empresas públicas se apliquem normas

orgânicas ou princípios fundamentais do seu âmbito próprio. E, como ficou

acentuado, ela só representa modalidade da descentralização administrativa

na medida em que as empresas sejam incumbidas de exercício de poderes que

antes pertencessem ao Estado.

Alguns juristas desenvolvem estudos sobre as sociedades de economia mista formulando

indagações a respeito da natureza hibrida ou a contrafação do instituto de direito privado, com

alusão a empresa estatal no âmbito do direito brasileiro, somente considerando como sociedades

mistas aquelas criadas por lei, para o exercício de atividade de natureza econômica, sob a forma

de sociedade anônima, tanto assim que alguns autores entendem que não seria necessária a

forma anônima para a constituição da sociedade mista, entendendo que o Estado pode utilizar

o tipo das sociedades limitada.

O Supremo Tribunal Federal, pelo voto do Ministro Osvaldo Trigueiro 369, decidiu que:

“[...] a partir do Decreto-Lei 200, esta controvérsia já não tem razão de ser; legem habemus, e

contra ela não podem prevalecer atos legislativos anteriores de igual categoria ou inferior, nem

as preferências dos tratadistas”.

O Consultor-Geral da República, Rafael Mayer, opinando no processo 019/77, afirmou

que:

[...] a definição legal corresponde a uma concepção doutrinária aceite e

constitui a tônica do sistema. Para que a empresa se qualifique, legalmente, de

368 DAVIS, op. cit. 369 R.T.J., v. 69.

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economia mista, não basta que atenda aos requisitos substanciais que o

coloquem no plano de intervenção do Estado na ordem econômica em que

assegure o controle majoritário de entidade estatal.

É preciso, notadamente, a observância de um requisito formal, conditio sine qua, ou seja, a criação autorizada em lei especial, inclusive para excepcionar,

na hipótese, a regência comum da legislação das sociedades por ações”370.

Os que dissecaram o aludido parecer entenderam que o assunto nele contido restringia-se

à participação da sociedade de economia mista entre outras sociedades, e que a autorização

legislativa poderia ser concedida na própria lei que instituiu a sociedade participante ou

adquirente do capital da sociedade privada, sempre em lei que autorizasse a participação371.

Para João Pinheiro Lins ao aceitar em parte a opinião de Luiz Rafael Mayer, que a criação

das mistas deve ter autorização legislativa, lançando entendimento que em face do que se

apresentava na legislação contemporânea ao estudo de 1979, inconsistente qualquer discussão

sobre a possibilidade de considerar as sociedades de economia mista como entidades públicas,

embora não se desconheça, nem se infirme a sua “substancia estatal”. Por isso, e apesar de tudo,

não considerou impertinente destacar que tais organismos são tratados, mais das vezes, como

se fossem órgãos de administração direta. Opinam que pelo Decreto-Lei 200/67, compreende-

se que os órgãos de administração direta e indireta, a exemplo da sociedade anônima, conquanto

o seu artigo 19 submete aqueles órgãos à supervisão do ministro de Estado competente, aditam

que o artigo 242, da Lei nº. 6.404/76, exclui as sociedades de economia mista do processo de

falência a que toda empresa privada está sujeita.

Enfatizou Pinheiro Lins que a Constituição de então, no § 2º do artigo 170 declarava a

exploração pelo Estado, a atividade econômica, as empresas públicas e as sociedades de

economia mista reger-se-ia pelas normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao

direito do trabalho e ao das obrigações. Considerava que esta mistura de conceitos e de posições

arranhavam o elo privatista, e chegou a considerar inconstitucional o artigo 242 da Lei das S.A.,

porque a Constituição determinava que as sociedades mistas, reger-se-ia pelas normas

aplicáveis às empresas privadas, acima enfatizado, no que abrangeria disposições de direito

falimentar, entendendo que a Constituição não excepcionou, porque não concedeu nenhum

privilégio às empresas públicas ou às sociedades de economia mista, pelo contrário.

O entendimento acima que as sociedades anônimas, empresas privadas, estão sujeitas ao

regime falimentar, as sociedades mistas também por estar no mesmo pé de igualdade, não

370 Processo 019/C/77-PR 3.644/77. 371 PENTEADO, Mauro Rodrigues. As sociedades de economia mista e as empresas estatais perante a Constituição

de 1988”, Revista de informação legislativa – vol. 26, n. 102, abr./jun. 1989.

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havendo justificativa a inferioridade do credor de uma sociedade de economia mista, inclusive

porque esta tem patrimônio próprio, e o Estado é o proprietário dos bens da sociedade de

economia mista, e ele será sempre mero credor.

Afirma Matheus Carvalho372 que inicialmente as Empresas Públicas e Sociedades de

Economia Mista não estão sujeitas à falência, conforme determina o artigo 2º da Lei 11.101/05.

Com efeito, a lei de falências e recuperação judicial, expressamente, afasta a sua incidência

quando se tratar de empresas públicas ou sociedades de economia mista, não fazendo qualquer

distinção em relação à natureza das atividades prestadas. Concordando com o entendimento

estampado na lei, Marçal Justen Filho mostra que “a falência é uma causa de dissolução da

empresa derivada da insolvência, visando à liquidação de seu patrimônio, ao pagamento de seus

credores em situação de igualdade e à posterior extinção. E que não pode haver falência de

empresa estatal, porque somente a lei pode determinar sua criação, dissolução ou extinção”.

Defende ainda o referido autor que é incompatível com as empresas estatais a realização

da falência pelo fato de que, nesses casos, o controle da empresa deverá ser transferido para um

particular designado como administrador judicial para dirigir os atos finais da entidade. Sendo

assim, suspende-se o controle dos sócios da falida, entregando a condução de suas atividades a

um particular. Por fim, explicita que em relação às empresas estatais, o Estado tem

responsabilidade subsidiária, o que torna impossível a realização do procedimento da falência

nos moldes definidos na lei de gestão do instituto.

Ocorre que o art. 173, §1º, II, da Constituição Federal define que as empresas estatais que

atuam na exploração de atividades econômicas se sujeitam ao mesmo regime aplicável às

empresas privadas, no que tange às obrigações civis e comerciais. Desse modo, estaríamos

diante de uma aparente incompatibilidade da lei com o texto constitucional, haja vista o regime

falimentar das empresas particulares se configurar regramento comercial, devendo, portanto,

ser estendido a estas entidades da Administração Pública, ressaltando que, em relação a este

tema, tem sido formada uma doutrina administrativa que entende pela aplicação da lei de

falências quando estas entidades forem exploradoras de atividade econômica. Isso porque o

texto constitucional determina que elas, necessariamente, seguirão o mesmo regime aplicável

às empresas privadas.

Pelo exposto, o entendimento mais razoável seria o de que o art. 2º, I da Lei nº. 11.101/05

deve sofrer interpretação conforme a Constituição Federal. Nesse sentido, passa-se a entender

372 CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. JusPodivm, 2014.

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que a legislação, ao afastar a incidência do regime falimentar para as empresas estatais, quis

definir somente que tal regime não se aplica às empresas estatais que atuem na prestação de

serviços públicos. Ainda se relembre, como forma de rebater o entendimento doutrinário

contrário, que a responsabilidade subsidiária do estado por danos causados pelos agentes das

empresas estatais somente se configura em casos de entidades que atuam na prestação de

serviços públicos.

Em casos de exploração de atividade econômica, não há que se falar em responsabilização

subsidiária do ente estatal. Logo, conforme esse entendimento, a legislação de falências não se

pode aplicar às empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços

públicos, inclusive porque há impenhorabilidade dos bens atrelados à prestação do serviço,

sendo impossível a concorrência de credores. No entanto, no que tange às empresas estatais que

exploram atividades econômicas, será plenamente aplicável o regime de falências e

recuperações, em observância ao disposto na Carta Magna.

Nesse sentido Celso Antônio Bandeira de Mello opina que: “quando se tratar de

exploradoras de atividade econômica, a falência terá curso absolutamente normal, como se de

outra entidade mercantil qualquer se tratara. É que, como dito, a Constituição, no art. 173, §1º,

II, atribuiu-lhes sujeição ao ‘regime jurídico próprio das empresas privadas inclusive quanto

aos direitos e obrigações civis, comerciais (…)’. Disto se deduz, também, que o Estado não

poderia responder subsidiariamente pelos créditos de terceiros que ficassem descobertos, pois,

se o fizesse, estaria oferecendo-lhes um respaldo que não desfrutam as demais empresas

privadas”.

Desta forma, não obstante a divergência acerca da matéria, o entendimento que respeita

as disposições constitucionais e é adotado nesta obra, é o de que a aplicação da lei de falências

às empresas estatais que exploram atividade econômica se impõe373/374.

Nas décadas da segunda metade do século XX os governos estaduais passaram a estimular

a centralizar o poder face a certa permissividade politico social, abusando de fórmulas e

desvirtuando os modos, o conceito e os objetivos das sociedades de economia mista sem dar

importância aos aspectos jurídicos destas, usando-as como função politica, a exemplo, como

aconteceu com os bancos estatais controlados pelo estado-membro. Muitos críticos lembram

373 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 26a. ed., 2009. 374 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Fórum, 14a. ed., 2009.

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que essas empresas gozam de privilégios e algumas vezes até de monopólio, não podendo ser

consideradas entidades de direito privado.

Diz João Pinheiro Lins que esse tratamento é fruto da contrafação das sociedades de

economia mista, arvorando-se em órgãos sociais quando implantam e aprovam objetivos sociais

assentados nos estatutos daquelas entidades mediante decreto, desconsiderando que tal

atribuição é da Assembleia Geral. Uma vez que: “Para qualquer plano governamental a que se

queira dar ênfase, cria-se uma sociedade de economia mista, mesmo que o seu objeto não seja

aquele aos “fins visados pelo Estado”. A justificação é sempre o aproveitamento da capacidade

empresarial privada, embora os integrantes das administrações desses órgãos, por vezes, ou na

quase totalidade, não possuem vivência empresarial. E no que concerne a remuneração dos

administradores das empresas públicas, entende que duas mentalidades antagônicas estão

presentes: a do empresário privado e a do administrador público.

Definida a sociedade de economia mista o governante recruta e habilita pessoas,

transformando-as, e permitindo que se tornem administradores como no âmbito da empresa

privada. Algumas posturas da sociedade de economia mista sujeitam-se desde a sua criação, ao

molde de sua constituição, dentro de uma política própria para atender a um determinado fim

social, muitas vezes numa concepção que objetiva ou persegue resultados sociais mais

específicos, abdicando da lucratividade, desde quando, efetivamente os esforços e objetivos são

declaradamente “a fundo perdido”.

O Estado pode e muitas vezes deve levar a fundo perdido o custo operacional visando o

bem comum, num exercício do múnus próprio do Poder Público, não exercitando a força

empresarial em desfavor do participe privado da companhia, ou dos seus condutores. Nos trinta

anos que precederam o final do século XX, muitas foram as criações dadas para atender

objetivos de desenvolvimento em atividades sociais e negócios sociais “a fundo perdido”.

O Estado com recursos próprios e com apoio financeiro de entidades não-governamentais,

inclusive de origem internacional, cumpriu projetos de saneamento básico, atendimento a

implantação de programas habitacionais a ‘custo zero’, consoante políticas públicas de

erradicação das habitações denominadas de subnormais e assemelhadas.

Resume Pinheiro Lins que o Estado deve intervir em certas situações quando o interesse

econômico público visa a proteção da coletividade, como as questões que envolvem a segurança

nacional e a liberdade.

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Não obstante, a sociedade de economia mista é vista e considerada perdulária, numa

prática de auto violência aplicando aportes estatais, partidas de atos governamentais, muitas

vezes, desproporcionais e sem a devida atenção econômico-financeira. Por isso, existem

argumentos de que essas sociedades não devem ser submetidas a fórmulas para investimentos

públicos, desde quando o governo possui e deve utilizar dos instrumentos necessários, próprios

para ocupar espaços sem a constituição de empresas públicas, lançando bônus ou títulos de

participação como aporte de capital, na hipótese, enfim, de um sem número de títulos de crédito

que a necessidade e a imaginação criadora de “plantão” a justificar. Tal entendimento segundo

os críticos, não pode ser endossado, especialmente porque pode dar asas à imaginação criadora

do governante, que tantas desgraças podem impingir à nação.

A Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, ao dispor sobre o estatuto jurídico da empresa

pública, da sociedade de economia mista e suas subsidiárias no âmbito da União, Estados,

Distrito Federal e Municípios, apelidada como “lei de responsabilidade das estatais”, mescla os

institutos de direito público e direito privado, estabelecendo uma série de mecanismos de

transparência e governança para a devida implantação, que devem ser observados pelas estatais,

por exemplo, como as regras atinentes para divulgação de informações, práticas de gestão de

risco, códigos de conduta, formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade, constituição e

funcionamento dos conselhos, assim como requisitos mínimos para nomeação de dirigentes. O

referido diploma legal estipulou prazo de 24 meses para a devida adequação das novas regras

estatuídas, tão esperada pela sociedade brasileira.

O artigo 5º da Lei nº. 13.303/2016, combinados com outros dispositivos, atende o regime

jurídico das empresas estatais numa conjugação com o regime jurídico das pessoas jurídicas de

direito privado, criadas no âmbito das entidades federativas, com o escopo de exploração de

atividades econômicas, inclusive no que tange o estatuto da empresa pública, da sociedade de

economia mista e de suas subsidiárias. Estas deverão observar regras de governança

corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de gestão de riscos e de controle interno,

composição da administração e, havendo acionistas, mecanismos para sua proteção, todos

constantes na referida Lei.

Pelo Art. 7o do mesmo diploma legal, aplicam-se a todas as empresas públicas, às

sociedades de economia mista de capital fechado e as suas subsidiárias as disposições da Lei

no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e as normas da Comissão de Valores Mobiliários sobre

escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, inclusive a obrigatoriedade de

auditoria independente por auditor registrado nesse órgão.

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No que se refere o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista

e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de

bens ou de prestação de serviços, sem maiores discussões advindas das críticas lançadas quanto

a sua aferição, especialmente os comentários quanto ao exercício do controle interno e externo

das empresas estatais, uma vez que os artigos 89 e 90 procuraram preservar a autonomia das

estatais, ao dispor sobre as ações e deliberações do órgão ou ente de controle que não podem

implicar interferência na gestão das empresas públicas e das sociedades de economia mista a

ele submetidas nem ingerência no exercício de suas competências ou na definição de políticas

públicas.

Entende-se que face aos aspectos de inovação, porque toda novidade cria expectativas e

certa instabilidade no primeiro instante de sua implantação, mas, também propicia confiança, e

assim espera que os mecanismos agilizem o exercício do controle sem comprometer a

autonomia das estatais para o desempenho da atividade econômica. Contudo, provavelmente,

críticas advirão, elas não faltarão.

O que se observa é que o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia

mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização

de bens ou de prestação de serviços, deveria entre outros conteúdos dispor sobre matérias

combatendo a interferência política, a fim de proporcionar tranquilidade, bem-estar ao cidadão,

afastando as costumeiras invasões políticas. Pelas considerações tecidas por Guedes375 que dão

espaço para auferir uma ampla gama de definições devido a sua fluidez, dificultando

sobremaneira o controle judicial sobre a intervenção direta na economia, sendo possível extrair

os limites à atuação estatal.

Colhe-se alguns conceitos desenvolvidos por Grau376, para compreender o serviço

público como atividade. Segundo o referido jurista, ... sujeita-se ao regime de serviço público

porque é serviço público, e não o inverso ..., como muitos propõem, ou seja, passa a ser tida

como serviço público porque estão sujeitas ao regime de serviço público. Grau mostra que está

sempre tomando em consideração um modelo específico, aplicável à hipótese particularmente

caracterizada de que se pensa, em cujo formato é demarcado mediante a aplicação de alguns

princípios de Direito Público, sobre hipótese incidentes. Não há, pois, senão princípios de

Direito Público – ou, mais especificamente, de Direito Administrativo – e a definição do regime

375 GUEDES, Felipe Machado. A Atuação do Estado na Economia como Acionista Minoritário, pp. 80-85. 376 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. Malheiros, pp. 117 e seguintes.

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de Direito Público é consequente à construção e modelo diferenciado em relação a cada caso

concreto a que deva ser aplicado.

Descreve Bandeira de Mello377 que o regime jurídico-administrativo está estruturado

sobre dois princípios e dezenove corolários. Isso apenas para exemplificar quando vem à tona

tratar das empresas estatais, como entidades da Administração Indireta, que desenvolvem tantos

serviços públicos quanto a iniciativa econômica, atuando na construção de modelos específicos

de regimes de Direito Público e de Direito Privado.

Forçoso lembrar o princípio da legalidade como raiz do comportamento dos entes

públicos e das personalidades privadas, uma vez que sempre que um gestor estiver desalinhado

com a lei, não resta dúvida que o fato deve ser sempre submetido a legislação aplicável, e se

necessário judicialmente, para um ajustamento de conduta, para atender o cumprimento da lei

e observar a sujeição do infrator à mesma378.

Vale observar a classificação que faz Figueiredo379 das empresas públicas e sociedades

de economia mista quando as inclui no campo do Direito Privado, parte de um modelo a priori

ou, na realidade se esses entes estão submetidos ao mesmo regime que as de personalidade

privada, argumentando que existem “formas híbridas”, e não de Direito Privado, afirmando que

nas relações obrigacionais, ora se submetem ao regime de Direito Privado, ora ao regime do

Direito Público.

Na linha de pensamento de Grau380 a empresa pública tem marcante distinção entre

momentos estrutural e funcional, face a existência dos objetos distintos dos regimes jurídicos

estrutural e funcional das empresas estatais, ser preciso cogitar em dimensionamento e no

desenvolvimento das suas atividades, que devem ser visualizadas desde a perspectiva dos

particulares, ou a perspectiva do próprio Estado. De tal posição, observa-se que o regime

estrutural da empresa estatal tem formato institucional, com funcionalidade interna, exercitando

relações de empresa com o Estado. E no ambiente funcional externo, tem-se a prática de

377 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 25a. ed., Malheiros Editores, 2008. 378 Meyer-Anschütz: A Administração não é uma mera aplicação da lei, mas uma atividade dentro dos limites

legais ... A lei não é pressuposto, mas limite para a atividade administrativa. A administração pode fazer não

meramente aquilo a que a lei expressamente a habilite, mas tudo quanto a lei expressamente não lhe proíba. “ (cf.

Eduardo Garcia de Enterria, Legislación Delegada, Potestad Reglamentaria y Controle Judicial, p. 286), - doutrina

do negative Bindung; positive Bindung: a Administração não pode atuar neste ou naquele sentido senão quando a

lei expressamente a tanto a autorize. Wikler (cf. Eduardo García de Enterría, ob. Cit., p. 289) “Keine Handlung

ohne Gesetz”. 379 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. São Paulo: Revista dos

Tribunais,1978. 380 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. Malheiros.

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relações da empresa com o setor privado, suscitando a existência de um regime jurídico

estrutural, podendo caracterizar a empresa como sociedade de economia mista ou não.

No nível do regime jurídico funcional interno debate-se, por exemplo o tipo e a extensão

dos controles estatais a que está sujeita a empresa. Já no nível do regime jurídico funcional

externo discute-se a celebração de contratos entre a empresa e particulares seria ou não do tipo

denominado administrativo ou privado. Essa apreciação apesar de incitar o estudo não se

perquire como elemento necessário para o desenvolvimento, mesmo que se considere imperioso

de interpenetração para abordar os aludidos regimes. Apenas, em nome do princípio da

supremacia do interesse público, é que aborda o Estado atuando no interior da sociedade de

economia mista, como definido para os efeitos do Decreto-lei nº. 200/67, que proporcionaria a

uma apropriação de um regime jurídico estrutural, para atuar com o privilégio, em posição

assimétrica em relação aos acionistas privados, cuja postura pode incorporar, ou se arvorar,

apoderando o princípio da supremacia do interesse público, com suposto e ou válido supedâneo,

como argumentação para se sobrepor ou confrontar terceiros.

Essa assimetria suscita o cidadão estar atento para a hipótese da empresa estatal atuar de

má fé, com abuso do exercício da situação de privilégio, confrontando o Estado, os acionistas

privados e a comunidade, pervertendo o princípio da supremacia do interesse público,

especialmente quando evidente ou não visíveis os conflitos de interesses na administração da

companhia para o bem comum. Pertinente a observação da circunstância de atuação no âmbito

dos serviços públicos, no campo da atividade econômica, o Estado.

Serviço público é o serviço gerido em regime de Direito Administrativo, regime especial

marcado pela submissão dos interesses privativos aos interesses públicos, atividade

indispensável à consecução da coesão social, que pode ir além ao conjugar ao interesse público

os serviços essenciais, em função de imperativo da segurança nacional ou para atender relevante

interesse coletivo.

Não se pode deixar de observar que monopólio é de atividade em sentido estrito, sendo

exclusividade, senão situação de privilégio, o que leva ao exame da constituição da sociedade

de economia mista, numa ligeira menção ao aspecto do conceito jurídico da affectio societatis,

por alguns considerado superado, mas, pertinente face a evolução de pensamentos jurídicos que

se montam e se desconstituem, transformando condicionantes de ordem política, e da cultura

do direito interno, consequência das experiências desenvolvidas na base da realidade jurídica

vivenciada, e entendidas como vigorosas na realidade social.

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4.3 Constituição da sociedade de economia mista

Quando se objetiva constituir sociedades empresariais o elemento de fundamental

importância é do entendimento entre os sócios, a affectio societatis. Não obstante a affectio

societatis, contemporaneamente, sofrer críticas, ainda no ambiente científico do direito, tem-se

considerações a respeito dos conceitos, expondo-se novos entendimentos sobre a affectio

societatis.

A concepção efetiva, a intenção, o ânimo para constituir uma sociedade mercantil

comum, essa mesma vontade e entendimento conduz para a hipótese de constituir uma

sociedade de economia mista, obviamente, considerando os relevantes aspectos legais, jurídicos

para tanto.

A sociedade de economia mista invariavelmente busca atender ao interesse da

coletividade com a ajuda e ou interferência do Estado, este detendo a posição do controle

acionário ou posição de acionista majoritário da companhia, que de antemão idealiza a

constituição da companhia. A protagonização da sua criação é do Estado, assumindo poderes,

participação no capital social da sociedade por ações, combinando as estruturas jurídica,

financeira e gestão empresarial, fincados em uma plataforma de sociedade anônima, que dá

semelhante suporte a sociedade de economia mista para alcançar fins programáticos, definidos

no seu objeto social.

Portanto não se pode olvidar o quanto prevê a Lei nº. 13.303/2016, ao exigir que a

sociedade de economia mista terá a função social de realização do interesse coletivo ou de

atendimento a algum imperativo da segurança nacional, expressa no instrumento de autorização

legal para a sua criação, e que a realização do interesse coletivo de que trata esta lei, deverá ser

orientada para alcançar o bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos

recursos geridos pela companhia mista, bem como atender a ampliação economicamente

sustentada do acesso de consumidores aos produtos e serviços da sociedade de economia mista.

Inclusive, quando necessário, priorizar (privilegiar) a utilização de recursos tecnológicos,

encetando o desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de

produtos e serviços, sempre de maneira economicamente justificada. Como um incentivo para

a própria segurança interna e externa.

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Uma das críticas que se faz a essa estrutura jurídica, estaria sob o lastro da legislação de

direito privado, cujo esboço não proporcionaria uma boa compreensão no que pertine a

constituição da sociedade de economia mista, porque seus elementos caracterizadores estariam

muito mais próximos de um arcabouço de direito administrativo. Vê-se que muitas críticas

existem sustentando que a criação da sociedade de economia mista está estribada numa

legislação de direito privado, pelo modelo do artigo 80 da Lei nº. 6.404/76, para constituir a

sociedade anônima, semelhantes ‘requisitos preliminares’ previstos nos artigos 235 e outros da

aludida Lei. O nascimento da companhia subordina-se a esse eixo de plataforma jurídica da

sociedade anônima.

A Lei nº. 13.303/2016 nos seus artigos 5º e 6º. dispõem que a sociedade de economia

mista será constituída sob a forma de sociedade anônima, ressalvado o disposto nesta Lei, estará

sujeita ao regime previsto na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

O estatuto da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias observará regras de

governança corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de gestão de riscos e de

controle interno, composição da administração e, havendo acionistas, mecanismos para sua

proteção, todos constantes na referida Lei.

Oioli esclarece que:

Ainda, cada vez mais nota-se a tendência da particularização da

disciplina dos tipos societários – mesmo aqueles sob o signo da “sociedade

anônima” – vis-à-vis uma disciplina geral de aplicação supletiva, falando-se

cada vez mais em estatutos jurídicos da macro empresa ou até em “sociedade

anônima simplificada”. Isto é reflexo do reconhecimento cada vez maior do

perfil multifacetado da sociedade anônima, que possui um núcleo estrutural

comum aos diversos ordenamentos que a disciplinam e que fez desse tipo

societario um modelo “vencedor” no darwinismo empresarial, o que justifica

sua escolha como instrumento de organização das mais variadas atividades

empresariais, dos mais diversos tamanhos e objetos, e consequentemente, leva-a a assumir os diferentes perfis a que se refere acima381.

Importante salientar que o legislador procurou dar tratamento diferenciado ao acionista

da companhia de economia mista, quando detentor do poder de controle (acionista majoritário).

Sendo dever do acionista de impor e orientar a companhia, com a tarefa de evitar uma condução

que possa ser estranho ao fim do objeto social, ou deixe a companhia numa situação lesiva ao

interesse nacional. Tampouco o controlador pode levar, ou concorrer favorecimento para outra

381 OIOLI, Erik Frederico. A superação do modelo de concentração acionária no Brasil: o regime jurídico das

companhias de capital disperso na lei das sociedades anônimas. Tese de doutorado, 2013, Faculdade de Direito

da Universidade de São Paulo, p. 21.

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sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas, dos demais

sócios, dando destaque para atender os acionistas minoritários, em especial no que implica nos

lucros, no acervo da companhia e até mesmo, quando pode acontecer alguma interferência na

economia nacional.

O norte que o acionista controlador tem a tomar é tornar próspera a companhia, e na

hipótese de vir ocorrer transformação, incorporação, fusão ou cisão, deve protege-la para evitar

vantagens indevidas, inclusive e em especial para si (acionista controlador/majoritário), e

consequente prejuízo aos demais acionistas, aos trabalhadores da empresa, e aos investidores

em valores mobiliários emitidos pela companhia, de práticas duvidosas ou maliciosas no

mercado de capitais. Também o acionista controlador ou majoritário deve estar atento a adoção

de políticas e decisões que cause danos e possa avariar o fim e o interesse da companhia,

causando prejuízo aos acionistas minoritários da companhia.

As relações externas das sociedades empresárias regem-se via contratos privados e

obrigações extracontratuais dessa natureza. Assim no plano contratual também deve agir a

sociedade de economia mista dentro da estrita isonomia, comutatividade e irrevogabilidade,

não podendo prevalecer-se dos objetivos de interesse público primário ou coletivo que

justificam a sua criação, para impor o contrato público. Contudo esse entendimento se amplia

quando as relações externas não podem ser visualizadas face barreiras de qualquer natureza que

possam impedir a transparência dos atos da companhia envolvido com uma maior dimensão do

interesse publico e coletivo, devendo submeter-se as regras da publicidade contidas no âmbito

do direito publico como estabelecem dispositivos constitucionais e de direito administrativo.

Examinando no plano externo, os estudiosos sobre a matéria mostram que nas relações

com terceiros de absoluta igualdade jurídica, mercê do contrato privado, e, nas relações

extracontratuais, o regime jurídico das sociedades de economia mista é de estreita simetria com

as sociedades privadas sem qualquer privilégio. E, nessas relações extracontratuais com

terceiros, a sujeição dá-se consoante o direito comum, não podendo, portanto, a sociedade mista

invocar o interesse público para o qual foi criada para eximir-se das obrigações e

responsabilidades extracontratuais que decorrem de sua atividade empresarial.

Está delineada na Constituição, na lei orgânica da administração pública (Decreto-Lei nº.

200, de 1967), nas leis societárias e demais regras gerais e especiais do ordenamento que as

sociedades de economia mista têm nas suas relações externas, a natureza funcional privada, e

nas relações internas com seu controlador, ou seja, o Estado, sujeitam-se às regras

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administrativas, de constituição, indicação de administradores e de fiscalização, próprias do

direito público.

No plano interno, o regime de constituição e organização, referido na lei societária, na

realidade é regido por lei administrativa, para tanto basta conferir a redação do art. 235, caput,

da Lei nº. 6.404/76. Nas relações externas, também como referido prevalecem as leis aplicáveis

às empresas privadas no plano contratual, do contrato privado e extracontratual.

Com o advento da Lei nº. 13.303/2016, os seus artigos 31 e seguintes determinam que as

licitações realizadas e os contratos celebrados por sociedades de economia mista destinam-se a

assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do

objeto. E para evitar operações que possa caracterizar sobrepreço ou superfaturamento, deve

observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da

eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional

sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do

julgamento objetivo.

De igual modo, não pode deixar de observar que a sociedade de economia mista pode

adotar procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e

projetos de empreendimentos com vistas a atender necessidades previamente identificadas,

cabendo ao regulamento a definição de suas regras específicas, não se descuidando de ficar

atento a política de integridade nas transações com partes interessadas, e observar o que dispõe

o artigo 37 da Lei nº. 13.303/2016 que a sociedade de economia mista deve informar os dados

relativos às sanções por elas aplicadas aos contratados, nos termos definidos no art. 83, de forma

a manter atualizado o cadastro de empresas inidôneas de que trata o artigo 23 da Lei no 12.846,

de 1o de agosto de 2013.

Aplicam-se às licitações e contratos regidos pela Lei nº. 13.303/2016 as normas de direito

penal contidas nos arts. 89 a 99 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. As sociedades de

economia mistas no que respeita às suas atividades empresariais e, portanto, às suas relações

com terceiros, equiparadas às empresas comerciais, ainda que os fins dessa atividade visem o

interesse público e sejam elas pessoas de direito público, na conformidade do art. 4º do Dec.-

Lei nº. 200, de 1967, sujeitando-se ao regime de concorrência simplificada ou de tomada de

preços.

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No que tange à sua atividade-meio, Mello382 adverte que: (...) “... o Legislativo não pode

conferir autorização genérica ao Executivo para instituir pessoas. É preciso que a lei designe

nomeadamente que entidade pretende gerar, que escopo deverá por ela ser cumprido e quais as

atribuições que para tanto lhe confere”.

Para outros administrativistas, que a exigência constitucional de prévia autorização

legislativa explicita a área específica de atividade das subsidiárias que serão criadas.

Tanto assim que o inciso XX do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que depende de

autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no

inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada, e Caio Tácito

comenta que a especificidade da autorização legislativa para a participação de capital público

em empresa privada não importa, necessariamente, na indicação expressa de empresa na qual

deva ser feito o investimento. A expressão constitucional “em cada caso” podera ser entendida

como indicativa apenas de área ou atividade especifica a ser contemplada.

Não se pode desconhecer que existem preceitos ditados, como os requisitos comuns à

constituição da companhia por subscrição pública ou particular, sob um molde de subscrição

de pelo menos duas pessoas, exceto nas hipóteses de subsidiária integral, da totalidade das ações

em que se divide o capital inicial, fixado no estatuto, a realização mínima de dez por cento do

preço de emissão de todas as ações subscritas para realização em dinheiro. Para certos tipos

ações, exige-se realização mínima inicial superior a dez por cento, como por exemplo as

sociedades bancárias, sociedades de crédito imobiliário. Nas sociedades de capital autorizado

o mínimo de realização inicial é fixado pelo Conselho Monetário Nacional383. Menção à parte,

entretanto, merece atenção especial a subsidiária integral, configurada na lei, que merece

apurados estudos.

A sociedade anônima sob regime de direito privado tem constituição prevista nos artigos

80 e seguintes da Lei nº. 6.404/76. Carvalhosa ao examinar esse assunto, comenta o que dispõe

o artigo 235, do referido diploma legal, Capítulo XIX, ao trata das sociedades de economia

mista, que pode ser interpretada como esfera imprópria do direito privado: Mantém-se, no

entanto, a prevalência hierárquica: na atividade empresarial do Estado, as leis administrativas

382 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Direito administrativo. 383 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei das S.A. Forense, 1977, p. p. 412-413.

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sobrepõem-se à lei societaria. Essa prevalência existe a despeito da expressão “sem prejuízo

especiais de lei federal” inserida no caput do artigo ora comentado384.

Desse entendimento pode se extrair que não faz diferenciação, prevalecendo o conceito

legalista contido no Decreto-Lei nº. 200 que são sociedades de economia mista aquelas criadas

por lei. Não obstante, o diploma legal societário de 1976 obedecer ao princípio hierárquico de

subsidiariedade do direito privado e prevalência do direito público, com respeito à natureza

pública e estrutura das sociedades de economia mista.

O interesse pela vida da companhia deveria estar atrelada à aqueles que exercem cargos

elevados na empresa, dos que realizam uma espécie particular de investimento, tanto quanto os

sócios ou credores, considerando que deveriam se preocupar, porque investem na mesma

empresa, e suas reputações profissionais, estão assentadas nos resultados positivos que advirão

das suas aplicações, competências, habilidades na gestão, e no desenvolvimento empresarial da

companhia.

A expertise e a seriedade do quanto os administradores servem a sociedade empresaria, é

a justa medida determinada na atividade exercida para a empresa (firm-specific capital), com o

desenvolvimento de habilidade especifica, relaciona-se com determinado tipo de cliente

(cliente-specific capital), bem como sua capacidade intelectual, adquirida ao longo dos anos de

estudo e de experiência (intelectual capital), são os maiores investimentos feitos e tendência de

exigirem participação no controle da empresa385. Caso seus gestores sejam inaptos, moral ou

tecnicamente para cuidar do objeto social da companhia, estará fadada ao insucesso, no entanto,

responderão solidariamente com o acionista controlador pela desventura.

Apesar da critica que se faz à lei das S.A. ela é considerada tecnicamente de boa

qualidade, não obstante ter sido legislada em época sob regime de exceção. Historicamente o

diploma das sociedades anônimas de 1940 nada dispunha a respeito da matéria congregando a

hipótese de criação da sociedade de economia mista, apesar disso, na prática já tivesse

consagrado o regime de criação por lei das sociedades de economia mista.

Cumpre lembrar que esse regime autorizativo remonta à fundação e à refundação do

Banco do Brasil, tendo sido adotado posteriormente quando se avivou o trato legal para

constituir sociedades de economia mista. Semelhante, ou até o mesmo regime de autorização

384 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, volume 4, Saraiva, 1998. 385 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Empresa Contemporânea e Direito Societário – Poder de controle e grupos de

sociedades. p.p. 201-202.

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legislativa foi observado na oportunidade da criação das grandes sociedades de economia mista

nos anos 40, à exemplo da fundação da Cia. Vale do Rio Doce e da Companhia Siderúrgica

Nacional (ambas em 1943). Na mesma época surgiram as denominadas indústrias estatais de

base, subordinadas ao regime societário de 1940. Algumas grandes companhias de economia

mista foram criadas sem a observância da prévia autorização legislativa, a exemplo da Cosipa,

Acesita e Telesp386.

Segundo Carvalhosa387 o diploma legal vigente reflete a preocupação que dominava o

setor privado dos anos 70, com a expansão descontrolada das atividades das sociedades de

economia mista, através da criação de subsidiárias fora dos seus objetivos sociais. Essa

expansão, notadamente daquelas exploradoras de atividade econômica, limitava e constrangia

o setor público. As atividades concorrenciais das grandes sociedades de economia mista

levavam a um abuso de posição dominante no mercado.

Ao examinar o Decreto-Lei nº. 200, de 1967, artigo 5º, I e II (o inciso II com as alterações

do Decreto-Lei nº. 900), referente a devida autorização legislativa, que no trato da matéria.

Carvalhosa tipifica uma organização da administração indireta, despicienda no âmbito do

direito societário, tendo efeito meramente reiterativo de um regime legal já imposto em sede

própria.

A Carta de 1988 também reflete esse quadro histórico à época de abuso da posição

dominante das grandes sociedades de economia mista, possibilitado a criação de infindáveis

subsidiárias, exercitando atividades tipicamente concorrenciais, aptas a ter funcionalidade pelo

setor privado.

A lei nº. 6.404/76 dispõe sobre as sociedades por ações, mas não enuncia expressamente

uma definição do termo sociedade de economia mista, limitando os artigos 235, 236, 237

mencionar que as sociedades anônimas de economia mista estão sujeitas a esta Lei, sem

prejuízo das disposições especiais de lei federal, sujeitas às normas expedidas pela Comissão

de Valores Mobiliários, e que a sua constituição depende de prévia autorização legislativa, e

somente explorar empreendimentos ou exercitar as atividades mercantis previstas na lei que

autorizou a sua constituição.

O artigo 238 trata da pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista para

observar os deveres e responsabilidades do acionista controlador consoante os artigos 116, 116

386 DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo, p. 331 e seguintes. 387 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Sociedades Anônimas, páginas 358 e seguintes.

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A e 117, mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público

que justificou a sua criação, não obstante haver acolhimento às linhas fundamentais de

definição contemplada pelo artigo 5º, III, do Decreto-lei nº. 200/67.

Alude-se que não há correspondência plena no trato da conceituação da sociedade de

economia mista adotada pelo Decreto-lei nº. 200/67, porque não estaria contemplada na Lei nº.

6.404/76, isso ocorre na medida em que a Lei nº. 6.404/76 trata como se não fossem sociedades

de economia mista sociedades uma criação paralela, e que nos termos do Decreto-lei nº. 200/67,

estaria definido e por consequência entendidas como sociedades de economia mista no âmbito

do direito administrativo – direito público.

O § 2º do artigo 235 da Lei nº. 6.404/76388 demonstra que a sociedade de economia mista

está subordinada a referida Lei, como as companhias de participarem, majoritária ou

minoritariamente, sem as exceções previstas no capítulo XIX. O referido Capítulo da Lei nº.

6.404/76 no qual inserido o art. 235, trata justamente das sociedades de economia mista. No

artigo 235 da lei estão definidas as disposições especificas aplicáveis às sociedades de economia

mista, inclusive na medida em que às companhias de que participarem, majoritariamente (ou

minoritariamente), salvo as disposições específicas – ‘exceções’ – previstas em lei, tem-se por

evidente que para os efeitos da lei, são entendidas como sociedades de economia mista.

Importante salientar que há interpretação do Decreto-lei nº. 200/67 concebendo a

existência de sociedades de economia mista de primeiro e de segundo grau, entendendo que as

do primeiro grau, seriam aquelas sob controle da União; e as do segundo grau, são aquelas sob

controle de entidade da Administração Indireta, compreensão essa que causa uma serie de

discussões com densidade acadêmica, adiante analisado.

Pelo artigo 4º, II, ‘c ‘, do referido Decreto-Lei, as sociedades de economia mista são

entidades da Administração Indireta, matéria assentada no voto do Ministro Eros Roberto Grau,

quando julgou o RMS 24.249, em 14 de setembro de 2004, entendendo que:

Diversamente, para os efeitos da Lei n. 6.404/76, não são sociedades de

economia mista as companhias de que participarem, majoritariamente, as

sociedades por elas concebidas como de economia mista – vale dizer, as

sociedades de economia mista de primeiro grau.

388 As sociedades anônimas de economia mista estão sujeitas a esta Lei, sem prejuízo das disposições especiais de

lei federal.

§ 1º As companhias abertas de economia mista estão também sujeitas às normas expedidas pela Comissão de

Valores Mobiliários.

§ 2º As companhias de que participarem, majoritária ou minoritariamente, as sociedades de economia mista, estão

sujeitas ao disposto nesta Lei, sem as exceções previstas neste Capítulo.

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A esse respeito, ou seja, estabelecer a existência de sociedades de economia mista de grau

diferentes. Oportuno as considerações de Penteado389 ao examinar as sociedades de economia

mista e subsidiárias ou empresas controladas por outras sociedades de economia mista,

alertando, que a exigência de autorização legal, tecendo especificas contribuições ao comentar

a Constituição de 1988, dizendo inexistir qualquer dificuldade no tocante à fixação da natureza

das empresas controladas por sociedades de economia mista. Da mesma forma que estas

últimas, as subsidiárias dessa espécie societária somente poderão ser criadas após a competente

“autorização legislativa”, requisito que igualmente é exigido para “a participação de qualquer

delas em empresa privada”.

Inexistindo lei autorizativa, a subsidiária ou controlada de sociedade de economia mista,

consoante Hely Lopes Meirelles: “... em empresa, sem sentido estrito, simples sociedade

anônima, em que pese à participação majoritaria em seu capital” de ente da Administração

Pública, assim sustentavam Oscar Saraiva, Arnold Wald, Caio Tácito, Waldemar Ferreira e

Seabra Fagundes.

Com relação ao enquadramento das mencionadas subsidiárias na categoria das sociedades

de economia mista resulta, a par do texto constitucional vigente, e dos diplomas legais, do

Decreto-Lei nº. 200/67, art. 5º. Inciso III, e da Lei nº. 6.404, cujo art. 236, caput, que definem

a sociedade de economia mista como entidade dotada de personalidade jurídica de direito

privado, criada por lei para a exploração econômica, sob forma de sociedade anônima, cujas

ações pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta390.

Existindo subsidiárias e controladas de sociedades de economia mista que não participam

da mesma natureza jurídica de suas acionistas ou sócias controladoras, o mencionado decreto

estabeleceu que “consideram-se empresas estatais, mista, suas subsidiárias e todas as empresas

controladas, direta ou indiretamente, pela União” – art. 2º.

Para Penteado não é apenas o Poder Executivo Federal, através de Decretos-Lei,

389 PENTEADO, Mauro Rodrigues. As sociedades de economia mista e as empresas estatais perante a

Constituição de 1988”, Revista de informação legislativa – vol. 26, n. 102, abr/jun. 1989. 390 Entende-se que diversa é a natureza jurídica dos entes societários, criados por sociedades de economia mista,

ou cujo controle acionário seja por esta assumido, sem prévia e específica autorização do Poder Legislativo. À

falta desse requisito, reputado como essencial a insuprimível – mesmo quando inexistiam normas constitucionais

ou legais sobre a matéria -, as subsidiárias e controladoras de sociedades de economia mista têm a natureza de

sociedades de Direito comum, não fazendo parte, se vinculadas à União, da Administração Federal Indireta

(Decreto-Lei nº. 200/67, art. 4º). Para essas sociedades, que existem às dezenas, pelo Decreto nº. 84.128, o conceito

operacional de empresa estatal, instituindo no Sistema de Planejamento Federal, um subsistema centralizado na

SEST – Secretaria de Controle de Empresas Estatais.

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Decretos, Portarias e outras normas administrativas, que reconhece e trata apartadamente dessa

categoria de sociedades de economia mista, também o Poder Legislativo adota e aplica

diferentemente os referidos conceitos, cediços que são. Tanto assim pretendeu que as

sociedades tivessem suas contas submetidas ao crivo do Tribunal de Contas. Com a Lei nº.

6.525, de 11/4/1978, operou substancial modificação na respectiva legislação de regência (Lei

nº. 6.223, de 14/7/1975), alterando o que dispunha o seu art. 7º. Para explicitar que “as entidades

com personalidade jurídica de direito público, de cujo capital a União, o Estado, o Distrito

Federal, o Município ou qualquer entidade da respectiva Administração indireta seja detentora

da totalidade ou da maioria das ações ordinárias, submetidas à fiscalização financeira do

Tribunal de Contas competente, sem prejuízo do controle exercido pelo Poder Executivo”.

Pela palavra de Penteado inexiste sociedade de economia mista enfeixada numa categoria

de segundo grau, que seriam aquelas constituídas sem prévia e especifica autorização legal, mas

em decorrência de previsão genérica constante da lei de regência dos entes que as criaram,

lembrando que encontrou três autores admitindo a espécie, Walter Douglas Stuber, Eliana

Donatelli de Moura, Cotrim Neto (nota 14 - rodapé p. 58). E comenta proposição doutrinaria

que chegou a refletir-se no âmbito da Administração Pública Federal, por curto período,

acolhida que foi em parecer do Consultor-Geral da República, Rafael Mayer (Parecer nº. L-

154, de 21-7-1977, publicado no Diário Oficial da União, de 26 de julho de 1977, pp.

9.519/9.521), com base no argumento de que a existência, na Lei nº. 2.004, objeto do referido

parecer, de autorização genérica para a constituição ou participação em outras sociedades,

equivaleria a uma autorização legislativa implícita para a instituição de outras sociedades, que

também seriam de economia mista, ditas de “segundo grau”.

Acentua Penteado que o mencionado ponto de vista, que já não resistia ao confronto com

o texto do Decreto-Lei nº. 200, esbarrava em dois outros óbices intransponíveis: a) o primeiro

de ordem constitucional, uma vez que tanto a Constituição de 1967, quanto à a Emenda

Constitucional nº. 1, de 1969, vedavam a delegação do procedimento legislativo próprio (leis

delegadas, promulgadas conforme arts. 52, usque da Emenda n. 1); b) o segundo, inscrito no

art. 237 da Lei nº. 6.404, que exige da lei autorizativa de criação de economia esta especificação

dos “empreendimentos” e “atividades” a serem explorados.

E Penteado complementa: Ora, nenhuma das leis que continham a referida autorização

genérica, que se pretendeu qualificar como implícita, continham tal explicitação. Mais do que

isso: muitas dessas extravagantes sociedades de economia mista de “segundo grau” eram

companhias preexistentes constituídas por particulares, com objetos sociais diversificados, cujo

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controle acionário foi posteriormente transferido para o órgão da Administração Federal

Indireta. Aqui, a transgressão ao mencionado dispositivo da lei acionária ficava ainda mais

flagrante, na medida em que autorização genérica e implícita muito raramente explicitava o

“empreendimento” ou “atividades” da sociedade controlada ou colegiada.[...]391/392.

Tem-se a verificação de opinativos pela distinção se há ou não, efetivamente,

correspondência plena entre a definição de sociedade de economia mista adotada pelo Dec.-lei

nº. 200/67, e o conceito de sociedade de economia mista adotado pela Lei nº. 6.404/76.

De outro exame se extraí que, assim como há empresas sob controle do Estado que não

se acomodam às definições legais de sociedade de economia mista – e de empresa pública -

algumas (as de segundo grau), que para os efeitos do Dec.-lei n. 200/67 são entendidas como

391 Até 21-7-1977 data deste último parecer -, o citado órgão consultivo federal inadmitia as chamadas sociedades

de economia mista “de segundo grau”. O primeiro parecer de que se tem notícia sobre o assunto (nº. 297-H, de

18-1-1966, anterior, portanto, ao Decreto-Lei nº 200, de 1967, é de autoria do Dr. ADROALDO MESQUITA DA

COSTA e foi aprovado pelo Presidente da República, versando a situação jurídica da Companhia Siderúrgica da

Guanabara – CONSIGUA. Nessa manifestação, o ilustre Consultor-Geral destacou que “a simples participação de

ações pelo Poder Público não basta para a determinação de uma sociedade de economia mista”. Louvando-se na

doutrina dominante, que sera indicada no item abaixo, o aludido jurista acrescentava que “não se pode perder de

vista, outrossim, que a sociedade de economia mista, embora criada nos moldes da lei comercial comum, a sua

instituição depende, no entanto, de autorização legislativa, por envolver a aplicação de recursos públicos, como

porque significa a execução de uma determinada incumbência do Estado (sic).

Essa diretriz – que é a que atualmente deve ser observada pela Administração Federal – prevaleceu até 21-7-1977,

tendo sido expressamente retomada em 2-9-1981, através do Parecer nº. P-010, elaborado pelo Consultor-Geral

da República, Dr. PAULO CÉSAR CATALDO, com aprovação do Presidente da República. [...]

Afirmamos que o argumento invocado pelo ilustre Consultor-Geral reveste-se de inteira pertinência posto que

lança uma pá de cal sobre a tese afastada, evidenciando que sustentar a criação originária ou derivada de sociedades

de economia mista “de segundo grau”, sem prévia e expressa previsão legal, equivale a tornar letra morta o disposto

no citado art. 235, § 2º., da lei acionária em vigor. [...]

Com o advento da Lei nº. 6.404/76 e em razão do modo inequívoco com que a vigente lei acionária disciplinou as

sociedades de economia mista, os autores, à unanimidade, se puseram de acordo sobre a tese aqui comentada (v.g.

WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, JOSÉ DA SILVA PACHECO, JOSÉ WASHINGTON COELHO).

Neste último período merecem especial destaque duas outras importantes manifestações, por abordarem

especificamente o tema das inexistentes sociedades de economia mista “de segundo grau”. A primeira de autoria

de ARNOLDO WALD, da qual extraímos as seguintes considerações: “quanto às chamadas sociedades de

economia mista de segundo grau, ou seja, aquelas cujo controle pertence a uma sociedade de economia, deveremos

fazer uma distinção para atender ao disposto no Decreto-Lei nº. 200. Se a subsidiária foi criada por lei, será

sociedade de economia mista. Caso contrário, obedecerá ao regime das sociedades anônimas comuns ... a ideia do

legislador (de 1976) foi excluir do rol das sociedades de economia mista as chamadas sociedades de economia

mista de segundo grau, ou seja, as subsidiárias de sociedades de economia mista, quando não criadas por lei ... ao

excluir do rol das sociedades de economia mista as que, embora controladas direta ou indiretamente pela União

Federal ou pelos Estados e Municípios, não foram criadas por lei, o legislador acabou submetendo ao regime

comum das sociedades anônimas numerosas companhias, entre as quais se destacam, só no campo federal, a

COSIPA, a UNIMINAS, a ACESITA, a USIBA, a Companhia Telefônica Brasileira, a TELESP, assim como

numerosas subsidiárias da ELETROBRÁS, da EMBRATEL, da PETROBRÁS e da vale do Rio Doce.[...]

Por derradeiro, cabe reiterar que, além da orientação, controle e fiscalização da gestão das referidas espécies

societárias, pelo Poder Executivo, estão sujeitas à obrigação de prestar contas ao Tribunal de Contas, nos termos

da Lei nº. 6.223, de 14-7-1975, com a redação dada pela Lei nº. 6.525, de 11-4-1978. 392 PENTEADO, Mauro Rodrigues. As sociedades de economia mista a as empresas estatais perante a Constituição

de 1988. Revista de informação legislativa, v. 26, n. 102, p. 49-68, abr./jun. 1989.

http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/181939 - 27/09/2016.

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sociedades de economia mista, não podem ser entendidas como sociedades de economia mista

para os efeitos da Lei nº. 6.404/76. Não são estas duas, no entanto, as únicas concepções no

direito positivo brasileiro, das quais decorre o discernimento de conceitos legais de sociedade

de economia mista. Porque, até o advento da Lei nº. 6.404/76, segundo os tributaristas, as

sociedades de economia mista mereciam tratamento especial na legislação do imposto de renda.

E a participação majoritária no capital com direito a voto, presta para caracterizar as sociedades

de economia mista, mas nem tanto. Essa posição majoritária e considerada privilegiada, resulta

também para os seus efeitos e considerações para a admissão da existência, constituição das

sociedades de economia mista estaduais e municipais.

Há entendimento no que concerne as sociedades constituídas pelos estados e municípios,

com a advertência de que não poderiam existir, enquanto modelo jurídico especial, com

característica da sociedade de economia mista, dado que somente a União poderia legislar sobre

direito comercial, matéria que mereceu discussão.

O conceito de sociedade de economia mista a considerar, para os efeitos de aplicação,

tem-se as adotadas pelo Decreto-Lei nº. 220/67, bem como do que se extrai da Lei nº. 6.404/76,

e os artigos 37, XVI e XVII, e 54, I e II, da Constituição do Brasil, e pelo que enuncia o § 4º do

artigo 6º da Lei nº. 6.264/75, que apontam as sociedades de economia mista, aquelas – anônimas

ou não – sob controle da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Portanto pode-se entender que se convive, há coexistência no direito positivo brasileiro de mais

de um conceito legal de sociedade de economia mista. Observe-se que a recente lei nº.

13.303/2016, expressamente dispõe sobre dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública,

da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, confirmando a linha traçada acima.

Portanto, pela compreensão dos juristas, face a dinâmica do direito, nada de estranho ou

inusitado há nessa coexistência de raciocínio, pois os conceitos jurídicos não são ideias,

reflexões sobre a essência das coisas, mas ferramentas que se forja para desenvolver a realidade,

tendo em vista a realização de determinadas finalidades, e dão ênfase, insistem, que não é

demasiado relembrar que a finalidade é do criador de todo o direito e que não existe norma ou

instituto jurídico que não deva sua origem a uma finalidade. Normal conceber que os conceitos

jurídicos tem que estar na medida apropriada viabilizando a aplicação das normas jurídicas,

definindo o âmbito onde um determinado ordenamento haverá aplicação.

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Por isso entender que não deve censurar a adoção, por distintos ordenamentos, sob a

mesma designação, conceitos diversos de sociedade de economia mista entre si. Portanto

podem estar corretos, nos vários sentidos que se faz referência, para os efeitos dos

ordenamentos que se procura definir. Assim sendo, para os efeitos do disposto no art. 37, XVII,

da Constituição Federal, são sociedades de economia mista aquelas – anônimas ou não – sob

controle da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios,

independentemente da circunstância de terem sido ‘criadas por lei’.

Importante destacar, como alguns ressaltam, que se o Estado não mantém o controle

acionário ou o controle de sua administração, tal sociedade não pode ser classificada como

mista, porque não é a simples reunião de capitais públicos e privados ou o controle estatal da

administração da companhia que caracterizaria a sociedade mista. Embora tida como livre a

constituição das sociedades anônimas, atualmente ainda existe exceção, quando o poder público

condiciona à sua autorização a constituição ou funcionamento de determinadas sociedades

anônimas.

Requião393 entende que:

Mantêm o direito moderno, ao lado das sociedades livres, as privilegiadas e

as autorizadas. Em nosso país, as sociedades bancárias, de capitalização, de

investimentos, as estrangeiras, por exemplo, antes de se constituírem umas ou

de funcionarem outras, necessitam de carta autorização, concedida pelo poder

público. A par dessas, algumas são constituídas especificamente por lei, que

lhes traça a estrutura jurídica, com determinados privilégios, como as

sociedades anônimas estatais, citando-se entre elas a Petrobras S.A., a

Eletrobrás S.A., a Novacap S/A, a rede Ferroviária Federal Nacional S/A.

E João Pinheiro Lins observa:

Consideradas as sociedades anônimas a maior invenção dos tempos

modernos, o Estado não se limitou a intervir na sua constituição ou

funcionamento, passou, também, a usá-la, como se a forma societária servisse

de panaceia ou fórmula mágica e garantidora de êxito para os

empreendimentos.

Não me parece que as maonas – constituídas pelos credores do Estado para, cobrando os impostos, pagarem-se dos seus créditos – pudessem ser

consideradas como precursoras das sociedades anônimas em geral,

simplesmente porque o seu capital era dividido em partes de iguais valores

que poderiam ser transferidas pelos seus titulares.

Nessas organizações, o Estado não aparecia como titular de capital, mas como

concedente e privilégios.

Outra diferenciação que deveria ser exigida, a que, porém, o Estado não dá

ênfase, é a de que o objeto das sociedades de economia mista há de ser aquele

de interesse social, cuja atribuição é do próprio Estado.

393 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, v. II, p. 5, 8a. ed., Saraiva, 1977.

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Não será a simples concessão ou autorização de funcionamento ou

organização eu transforma estas sociedades em mistas.

A participação do Estado na formação de sociedades anônimas de economia mista, surgiu

pela necessidade do Estado promover a exploração da capacidade empresarial do particular e

favorecer o empreendimento empresarial privado, carente de capital. Para entender, e até

mesmo para fundamentar a participação do Estado no seio da sociedade de economia mista, sob

uma forma de intervencionismo, embora considerado legitimo, existem críticas no que concerne

aos aspectos basilares dessas sociedades, porque atraem os pequenos poupadores, na captação

de capital. Em outra posição, há os que defendem a posição de governo estar presente em setores

onde não há condições financeiras para que as empresas privadas nacionais se situem e onde,

por várias razões, não se permite a inserção de capital e ou empresas estrangeiras.

Entendem que no Brasil a atuação do Estado além de ter sido uma necessidade para

acelerar decisões e promover rapidamente o desenvolvimento do pais, beneficiando as áreas

carentes e o próprio setor privado, sendo curioso observar que em determinados momentos da

vida empresarial brasileira, o comportamento de parcela do empresariado nacional manifesta a

manutenção e mesmo ampliação do setor estatal de que dependa para produzir ou comercializar

seus produtos, não podendo esquecer as possíveis distorções resultadas dos favores

governamentais, encobrindo ineficiências que podem refletir nos empreendimentos privados.

A ampliação das atividades do Estado no domínio econômico não chegou de chofre às

sociedades anônimas. Bilac Pinto394 aponta que a intervenção não se faz mediante planos

prévios ou em consequência de uma preparação doutrinária. O instituto surgiu da concessão de

serviço público como processo de execução dos primeiros serviços públicos industriais, entre

os quais pode-se incluir os de transporte coletivo urbano à tração animal, os de iluminação a

gás e os de estradas de ferro a vapor, hoje chegando as mais sofisticadas e evoluídas criações

dos transportes urbanos de velocidade, as companhias de energia nuclear, engenharias

astrofísica, aviação civil e militar, dentre tantas outras.

Desse cenário confere-se a criação, a constituição da sociedade de economia mista, bem

como as situações que implicam a relação e a responsabilidade do Estado como acionista

principal no desenvolvimento das sociedades empresariais inserta na iniciativa privada, e passa-

se ao exame do voto representativo, o dever de lealdade sob uma análise jurídica das posições

394 PINTO, Bilac. Declínio das Sociedades de Economia Mista e o Advento das Modernas Empresas Públicas; in

Revista Forense, v. 146, março/abril 1953, p.p. 9-10.

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conflitantes do conselheiro diante dos interesses da companhia e do acionista majoritário no

conselho de administração na sociedade de economia mista.

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226

5. VOTO REPRESENTATIVO E O DEVER DE LEALDADE: ANÁLISE

JURÍDICA DAS POSIÇÕES CONFLITANTES DO CONSELHEIRO DIANTE

DOS INTERESSES DA COMPANHIA E DO ACIONISTA MAJORITÁRIO NO

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ECONOMIA

MISTA

O artigo primeiro da Lei nº. 6.404 de 1976 dispõe que a sociedade anônima terá seu capital

dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de

emissão das ações subscritas ou adquiridas. Deste conteúdo legal parte-se para colher uma

concepção do acionista, que necessariamente vincula-se a “ação”.

O vocabulo ‘ação’ pode significar no campo do direito societario uma parcela do capital

social, correspondendo a um direito inerente a quem obtém um título que o direito societário

constitui para conferir um feixe de direitos e obrigações a aquele que investe em sociedade

anônima, passando a qualidade de acionista.

Uma ‘ação’ representa a menor parcela do capital social de uma sociedade por ações395.

A ‘ação’ constitui uma parcela do capital social da companhia, entendendo-se que o detentor

deve considerar como um “bem”. Contudo alguns juristas entendem que esse investidor não

seria proprietario desse título de crédito. Ha compreensão que a ‘ação’ pertence a companhia,

ela é que a proprietária do título, a ação não seria um bem que passaria a integrar o patrimônio

pessoal do investidor. A ação pertenceria à sociedade anônima, e esta é quem coloca o título à

disposição do mercado de capitais, cuja estrutura legal proporciona a qualquer pessoa natural

(física) ou pessoa jurídica optar por essa modalidade de investimento.

Portanto o acionista seria um ou o investidor que aplica seus recursos convertendo-os em

bens ou direitos no campo dos valores mobiliários, participando do patrimônio social de uma

sociedade anônima, estimulado pelos negócios agitados no âmbito do mercado de capitais.

Na sequencia desse entendimento da ação de uma sociedade anônima, observa-se a

consideração a respeito de ser ou não um titulo de participação, inclusa no rol dos títulos de

crédito, reconhecendo-se a liquidez, certeza e exigibilidade, caracterizando-a com os elementos

satisfatórios para atender a demanda dos negócios em que estão presentes os títulos de crédito,

e assim é vista a ‘ação’ com a função de exercitar direitos, num contexto em que é um título,

395 FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro – produtos e serviços. Qualitymark Editora Ltda. - 2005, 16a. ed.,

p. 559.

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227

oriundo da sociedade anônima. Daí o entendimento que a ‘ação’ da sociedade anônima é

reconhecida como um bem.

Entre os tipos de investidores, destacam-se os quatro tipos básicos: as pessoas físicas; as

pessoas jurídicas; os investidores externos; e os investidores institucionais. Estes últimos estão

sempre presentes no mercado, com um caráter de aplicações compulsórias, de acordo com as

normas de composição e diversificação de suas carteiras, baixadas pelo Conselho Monetário

Nacional, com o duplo objetivo de reduzir o risco de seus investimentos e de direcionar recursos

para aplicações consideradas prioritárias pelo Governo396.

A posse legal das ações indica quem esta autorizado a agir perante a sociedade, exercendo

direitos, podendo atuar no seio ou fora das fronteiras da companhia, inclusive quando deter

poderes específicos de gestão. Contudo, é de advertir que quem responde pelo cumprimento

das obrigações e deveres societários é a companhia, notadamente quanto a integralização das

próprias ações. Mas, essa mesma posse legal não prejulga a verdadeira titularidade da posição

acionária. O portador legal das ações de uma companhia recebe dividendos ou retira

certificados de ações bonificadas, subscreve novas ações de aumento de capital ou manifesta-

se em dissidência pedindo o recesso. A companhia não interessa saber, nem esta ela autorizada

a indagar, se, de fato, tais ações pertencem ao portador legal que exerce tais direitos e poderes,

ou se ele age no interesse de outrem, proprietário ou sócio oculto397.

O exercício da atividade empresarial está no capital social, que constitui um ponto

essencial aos interesses dos sócios e de terceiros, que sustenta a gestão da sociedade. Nesse

sentido está assentado o princípio que decorre da estrutura patrimonial pela formação e

preservação jurídica. Ressalte-se que a subcapitalização (capital manifestamente insuficiente

para o empreendimento), o falseamento do capital social no curso das atividades empresariais

e a confusão patrimonial são fatores que a jurisprudência vem reconhecendo como suficientes

para a desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente atribuição de

responsabilidade a seus membros, o que demonstra o caráter essencial da responsabilidade para

com o capital social398.

396 FORTUNA, op. cit. p. 561. 397 COMPARATO, Fábio Konder. O Direito de Subscrição em Aumento de Capital, no Fideicomisso Acionário.

http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66918/69528 398 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Empresa Contemporânea e Direito Societário – Poder de controle e grupos de

sociedades. p.p. 75-76.

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Para Batalha399 o acionista não é credor da sociedade, ele investe numerário, bens ou

direitos no patrimônio social, assumindo o risco do empreendimento. O acionista assume o

risco, pois o capital investido em ações é ‘capital de risco’. Ao contrário do credor que não

sofre a álea do negócio, é estranho às vicissitudes da sociedade, salvo se a mesma incorre em

falência ou insolvência.

Portanto a ação constitui título mobiliário que representa a participação no capital, e ao

mesmo tempo que representa o patrimônio da sociedade. E o acionista é obrigado a realizar nas

condições previstas no estatuto ou no boletim de subscrição, a prestação correspondente às

ações subscritas ou adquiridas. Se o estatuto e o boletim forem omissos quanto ao montante de

prestação e ao prazo ou data do pagamento, caberá aos órgãos da administração efetuar a

chamada, mediante avisos publicados na imprensa para o pagamento. O acionista que não fizer

o pagamento nas condições previstas no estatuto ou boletim, ou na chamada, ficará de pleno

direito constituído em mora, sujeitando-se ao pagamento dos juros, da correção monetária e da

multa que o estatuto determinar.

Por outro lado o valor subscrito, pago, não assegura ao que passa a deter a ação o direito

de receber e ou negociar exatamente com base no valor desembolsado, desde quando as ações

podem sofrer desvalorização ou simplesmente descapitalizar, quando o capital social da

companhia perder a capacidade produtiva, sem ativos para respaldar o valor primitivo ou

histórico.

A lei impõe ao acionista a obrigação de integralizar a parcela do capital que subscreveu,

de acordo com as condições previstas. Até o integral pagamento do preço de emissão das ações

subscritas o acionista estará na posição de devedor. Poderá, portanto, a companhia, como

credora, constituir o acionista em mora e obrigá-lo ao pagamento por qualquer dos meios

previstos em lei. Cumprida a obrigação de integralizar a quantia subscrita a título de capital,

não responde o acionista por esta obrigação, e passa a posição de sócio da companhia.

A lei especifica responsabilidades dos acionistas quando se revestem na qualidade de

controladores e ou exercem o direito de voto. Tais responsabilidades, no entanto, não têm

caráter de obrigação, por isso que defluem de direitos – de controle e de voto – que devem ser

exercidos sem abuso de poder e de direito, respectivamente. Por esse entendimento, é que há

posição de que a única obrigação do acionista seria a de integralizar a ação subscrita, e que a

prática de abuso de poder e outras que possam ser utilizadas, não seriam propriamente

399 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à lei das sociedades anônimas, Forense, 1977, p. 159.

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obrigação. Contudo o estatuto pode especificar restrições aos acionistas, e considerar obrigação

fundamental e irretratável do acionista. O que a lei impõe é a de pagar integralmente o preço

de emissão das ações que subscreveu ou adquiriu, pois a obrigação de cada acionista que

subscreveu ações é direta e pessoal.

Convém lembrar discussão a respeito do ato de subscrição, que vale trazer o comentário

de Modesto Carvalhosa ao explicar que a subscrição, com efeito, é um dos elementos da própria

constituição da sociedade, embora insuficiente para configurar a existência da pessoa jurídica,

é, contudo, requisito necessário para o início da sua constituição. Assim o ato de subscrição não

representa em si mesmo um contrato plurilateral, mas uma das cláusulas da avença que inclui

ainda a realização mínima e o depósito previsto em lei, que via assembleia de constituição ou

escritura pública e demais formalidades complementares, como o arquivamento e a publicação,

vão alcançar o objetivo visado, que é a constituição da companhia.

Segundo Modesto Carvalhosa, sem o cumprimento de todos esses procedimentos, o

contrato plurilateral de constituição não logra êxito, e não faz presente a companhia ao mundo

jurídico. O caráter plurilateral do contrato de constituição da sociedade, do qual faz parte o ato

de subscrição, é inquestionável, já que se trata de avença entre duas ou mais pessoas, em que a

prestação de cada uma é dirigida à consecução do fim ali propugnado. Não se trata, pois, de um

contrato preliminar ao de sociedade, condicionado à constituição desta. Cuida-se de requisito

essencial à constituição da companhia, que é parte integrante do próprio contrato de sociedade.

Tanto assim que a lei ao falar em “requisitos preliminares” não ha determinação dos

requisitos prejudiciais, ou seja, aqueles que não podem faltar ao conjunto das deliberações

plurilaterais consubstanciadas no respectivo contrato de constituição da companhia, sem as

quais a vontade confluente dos signatários não alcançará eficácia. Portanto, o ato de subscrição

é uma das cláusulas impostas pela lei, que integra o contrato plurilateral de constituição da

companhia ou da sua alteração, quando dos aumentos de capital por subscrição.

Com relação as subscrições posteriores de capital de companhias já definitivamente

constituídas, o caráter prejudicial ou preliminar da subscrição é idêntico. Assim, também, neste

caso haverá a alteração do contrato social, in casu o estatuto depende do preenchimento dos

requisitos prejudiciais previstos no artigo 170, da Lei das Sociedades anônimas.

Outro prisma que os juristas dão ênfase é a importância das participações públicas, pelo

potencial que tem em variados graus de influir no comportamento das empresas privadas

participadas, que, indiscutivelmente possuem uma importante função regulatória, que se

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manifesta tanto na sua integração com outros agentes econômicos, quanto no âmbito interno da

companhia400.

A participação estatal minoritária também pode ser empregada com o objetivo de regular

internamente a atuação em sociedades privadas que receberam aportes de recursos públicos.

Nesse caso, as participações cumprem um duplo papel, sendo, ao mesmo tempo, um mecanismo

de incentivo e financiamento daquela atividade econômica e um meio de fiscalização e controle

do comportamento daquela empresa401.

Quando a lei fala da obrigação do acionista de integralizar, torna-se necessário distingui-

lo nitidamente da figura do subscritor, pois na doutrina nem sempre é nítida, como salienta

Pontes402.

Os elementos condutores para a constituição do capital social de uma companhia,

indubitavelmente mostra que o subscritor, sendo pessoa natural ou jurídica que subscreve ações

de uma companhia em constituição, adquirirá automaticamente a qualidade de acionista logo

que esta se constitua em definitivo. Para adquirir a qualidade de sócio, o subscritor deve

aguardar a constituição efetiva da companhia, pois não há acionista sem sociedade, por isso que

não pode haver relação jurídica, no caso, entre um sujeito de direitos, subscritor, e uma entidade

que ainda não está juridicamente personalizada (pois a companhia estaria em fase de

constituição).

Numa sociedade constituenda o subscritor faz uma promessa de integralização que lhe dá

a vocação para se tornar sócio, a partir do momento em que a companhia se constitua. Porém,

é certo que essa promessa não lhe traz a qualidade de sócio, se a companhia não estiver

constituída ou se, por qualquer motivo, não vier a se constituir. Não completado o ritual jurídico

da constituição de uma sociedade anônima, mesmo depositados os valores a compor o capital

social considerado suficiente para a vida empresarial como o apontado no objeto social, não

autoriza o funcionamento da mesma, seria um interessado exercitando uma expectativa.

Resumidamente esclarece-se que integralizar uma ação é pagar a dívida nascida do ato

de subscrição, que Modesto Carvalhosa adverte das mais diversas razões têm sido invocadas

para justificar a exigência legal de uma integralização inicial mínima. Com essa medida,

evitam-se as subscrições fictícias ou imprudentes. Por outro lado, ela permite à companhia ter

400 GUEDES, Filipe Machado. A atuação do Estado na economia como acionista minoritário. 2015. São Paulo:

Almedina Brasil, p. 113. 401 Idem, op. cit. p. 117. 402 PONTES, Aloysio L. op. cit. v. 2, p. 7.

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desde logo quantias necessárias ao início do empreendimento, ao mesmo também, impede a

especulação que os subscritores poderiam realizar sobre ações subscritas, transacionando-as,

sem haverem desembolsado quantia alguma.

Desse movimento de ações das companhias, que agita o capital social quando ocorrem

aportes de capital privado, ou aporte de capital público em sociedade empresaria, o mercado

pode ficar inseguro, numa percepção, temor, propiciando um receio que atos de sagacidade

possam estar sendo exercitados por algum ator no mercado de capitais, posto em um sitio

sensível a especulações na movimentação de ações, interferindo e gravitando sobre o capital

social das companhias, com injeção ou manipulação de significativos valores, cujos montantes

podem desestabilizar a estrutura, a politica econômica das companhias, e caso esteja presente

nesse cenário o Estado como acionista em sociedades, vulneráveis suas ações, passivas de haver

negociações na bolsa de valores e mercados similares.

Essas articulações dos empreendedores não se limitam, ou, serve apenas como

instrumento de especulação, mas de qualquer modo, também intervém nas áreas de

investimentos, criando circunstancias econômicas que podem fomentar ou regular o setor, indo

ou não em socorro das sociedades em dificuldades financeiras, gerando sequelas imprevisíveis,

e influindo na gestão das companhias que atuam no mercado de capitais.

Nesse contexto, quando se tratar da participação societária estatal pode ser encarada como

um verdadeiro mecanismo de regulação mercadológica, tendo em vista que é direcionada as

empresas participadas, estando apta a influenciar o mercado num todo, produzindo efeitos na

conduta dos diversos agentes ao influir sobre as variáveis econômicas de oferta, demanda e

preço403.

A participação do Estado no capital social das sociedades empresárias pode se dar de

diversas formas, como detentor de parcelas, que podem ser consideradas, traduzidas como

acionista, de forma intencional ou de forma acidental. De forma intencional, ela se apropria de

participações societárias privadas como forma de intervenção na ordem econômica, podendo,

para isso valer-se de meios de Direito Público ou de Direito Privado404.

O Estado pode criar empresas estatais, bem como pode desapropriar ações de sociedades

privadas, também é possível o uso estatal de instrumentos característicos do Direito Privado,

403 GUEDES, Filipe Machado. A atuação do Estado na economia como acionista minoritário. 2015. São Paulo:

Almedina Brasil, p. 119. 404 Idem, p. 59.

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como o contrato de compra e venda, e diante de decisão do Poder Público procurando atuar no

domínio econômico. Assim o Estado pode ter participações em sociedades mercantis, e manter,

como ocorre no âmbito privado, corriqueiro, no linguajar comercial, uma carteira de

participações, em que figura a titularidade do Estado em pessoas jurídicas, à exemplo das

sociedades de economia mista.

É considerado vulgar a transferência para a titularidade do Estado ou de outras pessoas

coletivas públicas, envolvendo o exercício dos correspectivos poderes de gestão, de um

conjunto de títulos representativos de participação no capital de sociedades privadas. Esta

transferência pode fazer-se através dos meios de direito privado; compra-e-venda, sucessão

legitimaria, doação, etc., ou no veio de direito público405. O Estado fica assim transformado em

acionista, titular das ações e consequentes direitos decorrentes dessa posição acionária,

assumindo a posição de sócio, majoritário ou não, participando na produção, na administração

da companhia ou possibilitando a sua ingerência nos destinos na vocação empresarial.

De fato, o Estado passa a ter a possibilidade jurídica de direito privado, e numa

circunstância bem peculiar, é que o Estado fica suscetível de atribuir a essa gestão, não somente

poderes, mas também os que podem advir dos poderes públicos, que podem suscitar conflitos

de eficácia de ação, uma vez que pela dinâmica empresarial privada, esta é mais dotada de

agilidades, rapidez de decisão, enquanto pelo encaminhamento pela via assimilada do poder

público, fica adstrito às suas próprias normas.

A intervenção do Estado manifesta-se no controle destas empresas privadas que passam

a ser utilizadas como instrumento dos fins públicos. O controle fica atrelado à maior titularidade

exercida pelo Estado detentor da maioria das ações, impondo seus poderes unilaterais de

império, mesmo quando a sua posição possa não ser maioritária, ou mesmo nula, nomeia

administradores e gestores, representantes dos seus interesses e desígnios, dotados de poderes

especiais, tais como os de suspender a executoriedade ou vetar as deliberações sociais. A

posição de controle do Estado pode derivar também da sua titularidade de ações privilegiadas,

como se disse, tendo em atenção os especiais direitos de sócio que conferem, suscetíveis de

assegurar, não obstante minoritárias, mas, mesmo assim, detém um caráter excepcional406.

Ainda oportuno ventilar a respeito das “golden shares” do Estado, que são direitos

especiais permitindo ao Estado ou outras entidades públicas intervir na tomada de decisões da

405 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico. Coimbra; 6a. ed., 2012, p.p. 390-391. 406 Idem - p. 392.

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sociedade comercial e na delimitação da sua estrutura acionista, detendo uma parcela do capital

social, por vezes associada ao direito de veto sobre as deliberações sociais.

Através das “golden shares” o Estado controla o mérito da própria decisão societária,

mas, como adverte Moncada, a jurisprudência europeia entende que o interesse em salvaguardar

a concorrência não é qualificado para viabilizar os direitos especiais. De um modo geral, esta

jurisprudência é exigente quanto à medida daquele interesse e restaria nas exceções à liberdade,

uma vez que, deve-se impedir que existam maiores privilégios em favor de determinado

acionista, inclusive impedindo que sócios concorram na gestão e no controle da sociedade

empresária, medida que evidencia diminuição aos direitos dos demais acionistas.

O direito europeu viabiliza as “golden shares” não discriminatórias relativamente a

estrangeiros e justificadas por razões de ordem pública e de segurança, designadamente no

âmbito dos serviços de interesse econômico geral. Portanto a sua presença é uma

excepcionalidade, encarada até como uma anomalia na ordem legal407

Espera-se do Estado Empresário, quando Estado acionista, eficiência, usando seu cabedal

na prossecução dos fins públicos, fomentando benefícios e vantagens à coletividade nacional,

atos que a comunidade espera como uma proteção em seu favor e em beneficio para o interesse

público coletivo, como uma autopreservação de uma gestão orientada exercitada pelo Estado-

empresário, na posição de acionista controlador da sociedade mercantil sob o molde de

sociedade de economia mista, exercitando vontade que deve ser do interesse da coletivo.

Desse quadro há se ser observado e considerado o direito de votar, o voto bom.

5.1 Voto

O ponto de contato de uma modelagem de vontade para exprimir uma opção sobre

algum interesse coletivo está na experiência do voto, criado para atender de forma proveitosa,

e para minimizar os conflitos em várias esferas, especialmente nas de poder e negócios,

podando confrontos e ambições desregradas.

No desenvolvimento social das coletividades e dos seus integrantes, líderes e pensadores

decantaram e aplicam o instrumento do voto em diversas situações políticas para obter soluções

407 MONCADA, op. cit. pp. 411/413.

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úteis e pacíficas. Utilizando do voto as pessoas conseguiram atender vários interesses,

superando iminentes e possíveis beligerâncias, bem como possibilitou predominar a vontade da

maioria aspirando soluções honestas, prudentes, rápidas e seguras, proporcionando a paz social.

O sufrágio expressa um desejo de deliberar, e ao mesmo tempo reúne outras vontades

para alcançar, efetivar determinado objetivo.

O voto faz aderir o individuo a um interesse. Assim considerado, e enquanto

enquadrados, deve-se exercitar o voto como direito.

Compreende-se voto, oriundo do latim votum, como uma promessa solene, às vezes, um

pedido, como súplicas que os fiéis faziam aos deuses em práticas religiosas.

Uma noção que não deve ser desconsiderada, bem presente na vida de muitas pessoas,

são o voto de castidade e o voto de pobreza, que se supõe, praticados com intensidade por

integrantes de certas ordens religiosas, e outras pessoas desapegadas aos bens materiais.

Também aparece a expressão usual “faço votos de que ele se recupere da doença”, como

tradução de desejo benfazejo.

Nas igrejas e nos santuários aparece os ex-votos (“por causa de promessa”), pinturas ou

imagens de cera e outras espécies, colocadas por pessoas que tiveram uma graça alcançada.

No final do século XV o termo passou a designar também a opinião que o cidadão

manifesta a respeito de uma proposta ou de um candidato; num verdadeiro regime democrático,

todos os assuntos importantes são decididos pelo voto, isto é, pela escolha livre dos eleitores408.

Sustenta Messineo que o direito de voto tem conteúdo não-patrimonial e nele se

concretiza uma parcela da soberania social, uma expressão política de cidadania. A liberdade

do votante, quando assim se compatibiliza com a figura do eleitor, para garantir a expressão

sincera da vontade do cidadão, sem abrigar dependências, de modo que esteja seguro para

afirmar a sua opinião, sem qualquer ameaça de corrupção ou vinganças, impedindo que o eleitor

fique à mercê de qualquer constrangimento, pressão, abuso de imposição, para que não aconteça

qualquer tibieza quanto ao seu legitimo direito e dever de agir. Um ato livre de intromissões,

um exercício equilibrado.

Essa configuração também está no campo do direito societário, onde o participante da

assembleia geral, como o sócio ou não, pode exercer uma atividade independente (uti singulus),

408 Dicionário etimológico – www.dicionarioetimologico.com.br

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ou quando essa atividade é absorvida pela do corpo colegial de que é parte (uti socius), pode

exercitar essa faculdade de expressão pessoal que repercute no seio das sociedades empresárias

que dependem da deliberação a conduzir os seus destinos. O voto do acionista pode ser exercido

pessoalmente ou por intermédio de procurador, amoldando-se as disposições legais pertinentes.

É relevante o direito de voto no seio do direito societário, na medida em que se vincula a

condução de uma sociedade empresária, de modo que os sócios e dirigentes expressem vontade

e direito, evitando-se que possa haver distorção desse exercício de vontade subordinada a regras

próprias.

Ao longo de muitos anos as atividades das sociedades anônimas sedimentam os seus

envolvimentos, em especial naquelas que tem ações dispostas junto ao mercado de capitais,

com os acionistas usando-o como reduto de soberania e poder para determinar os destinos da

companhia, como arma de essencial importância, no direito de votar. O exercício do direito de

voto está presente no controle da sociedade, bem como em muitas e significativas

circunstâncias e interesses dos acionistas, ou de alguma forma em favor da companhia.

O princípio capitalista que caracteriza a sociedade anônima e que pode ser encarado como

prática democrática, é o voto, e este leva a um comando, que pode ser majoritário, ou

corresponder a uma proporcionalidade. O direito não constitui um direito intangível do

acionista, esse direito decorre da lei, do estatuto social da companhia, e até mesmo por alguma

decisão estribada na norma legal para o bom exercício, limitar ou elidir.

O adquirente de ações da sociedade em formação, ou já constituída, para integralizar o

capital social da sociedade, com ou sem direito a voto, torna-se acionista. Os juristas alinhados

a esse entendimento, denominam investidor, passando a detentor de direitos, com direito a se

manifestar em assembleia expressando a sua vontade, opinando, e a depender da espécie do

tipo da ação poderá exercitar o voto nas deliberações da companhia, de acordo com a sua

posição acionaria, podendo traçar o destino da sociedade empresária.

Colhe-se em Corrêa-Lima409 que:

Como regra, o acionista tem grande liberdade de julgamento em matéria de

voto. A propriedade de uma ação votante não lhe impõe o dever de votar.

Confere-lhe o direito de voto.

Se ele exerce tal direito, não há objetar que seus motivos são egoísticos e de

proveito pessoal, ou determinados por mero capricho. O limite de sua

liberdade é encontrado no dever de lealdade que o acionista tem para com os

409 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Direito de voto na Sociedade Anônima. Revista da Faculdade de Direito

UFMG, pp. 134-156.

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demais acionistas. E esse dever de lealdade vai ser explicitado pela

jurisprudência, com os ingredientes fornecidos pelo artigo 115 da lei.

Pelo artigo 110 da Lei nº. 6.404/76 a cada ação ordinária corresponde um voto nas

deliberações da assembleia-geral. O estatuto pode estabelecer limitação ao número de votos de

cada acionista, possibilitando em situações muito especificas, vistas na prática, uma vez que na

realidade nem sempre estão presentes na assembleia o acionista singular, talvez porque não

seja, amiúde, haver o interesse ou condições desses acionistas minoritários comparecer a essas

reuniões, inclusive face o deslocamento, não obstante, o acionista deve ter liberdade para

apreciar e julgar matéria que deve ser decidida pelo exercício do voto. A propriedade de uma

ação votante não lhe impõe o dever de votar, confere direito de voto. Há inclinação conceber

que esse direito não deve sofrer limitação, tampouco ferir a liberdade do eleitor.

Nessa linha a lei das sociedades anônimas pelo parágrafo primeiro do art. 115, apresenta

o voto como elemento de proteção do interesse social, regulando as hipóteses de impedimento

de voto por acionistas em assembleia geral. Esse dispositivo pode ser entendido como um

mecanismo de proteção dos acionistas minoritários, não obstante haver questionamento quanto

a sua aplicação, especialmente, tendo em vista as particularidades das sociedades de economia

mista em relação às demais companhias, questionando-se eventual impacto do quanto dispõe o

art. 238 da Lei nº. 6.404/76, permite que a pessoa jurídica que controla a companhia de

economia mista poderá orientar a gestão, as atividades da sociedade de economia mista para o

fim de sua criação, nas discussões sobre impedimento de voto do acionista controlador em

sociedades de economia mista.

Sendo o acionista o detentor desse direito, uma das indagações que emerge é com relação

a esse direito sob uma hipotética subordinação do membro de um conselho a um dever de

lealdade para com o acionista que o escolheu, ou elegeu (o conduziu) a essa posição de gestão.

Este é um ponto crucial, talvez o axial, decifrar esse dever, esse limite de liberdade e de vontade.

De igual modo, observa-se quando o acionista de uma companhia aberta, ou de uma

sociedade de economia mista, estando na posição de acionista controlador ou majoritário,

indica, escolhe (elege) um acionista ou não, para compor o Conselho de Administração dessa

companhia. Então, compondo o órgão, na posição de membro torna-se um condutor de decisões

do referido acionista, devendo assumir o encargo com independência e responsabilidade,

podendo discordar do acionista que o conduziu ao aludido Conselho.

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Com a Lei nº. 13.303, de 30 de junho de 2016 apresentam-se requisitos para compor as

obrigações dos gestores da sociedade de economia mista. Lá estão as diretrizes que exigem

cumprimento, que não deve se comportar como um simples expectador, uma vez que a atitude

na condução do voto perante o aludido órgão deve se coadunar com as disposições da lei

sincronizando os interesses dos acionistas sintonizados com os interesses sociais, e não

simplesmente com o interesse do acionista eleitor, majoritário / controlador da companhia.

O voto significa o poder do acionista, expressando a capacidade de decidir a diretriz do

comando empresarial, que por sua vez interfere no resultado na gestão da companhia.

De algum modo, também interfere nos destinos dos habitantes da localização da sede e

do parque fabril, que pode gerar não somente emprego e mão de obra terceirizada, mas conviver

com interferências no meio ambiente, precarizando a segurança e a economia do território.

Onde está estabelecida a companhia, convive-se com o denominado direito custo, que

atrai benefícios a população e aos entes públicos, com a arrecadação de impostos e retribuição

tributária para a região, e ao mesmo tempo experimenta os elementos exógenos dessa atividade.

A atuação da sociedade de economia mista sob escolha do governante, submete-se a

estratégia de política publica do mesmo, que enlaça a sociedade empresária a um projeto

predeterminado para atender a uma realidade econômica-social.

As decisões advindas do voto podem ser consideradas positivas ou negativas,

ocasionando embaraços ou não aos demais acionistas, minoritários ou não. O certo é que o voto,

de qualquer modo intervém na vida da companhia. Quando se trata do exercício do voto em

uma sociedade de economia mista, este alcança também, a coletividade gerando algum

resultado econômico social, por isso é que a comunidade suscitar questões dessa ordem quanto

aos destinos da sociedade empresária.

Nesse conjunto de indagações apresenta-se em especial, se o voto representativo do

conselheiro no conselho de administração está subordinado, vinculado a um dever de lealdade

perante o acionista que o conduziu ao órgão da companhia, idealizando o comportamento do

membro do órgão como suporte de uma obrigação indeclinável, a ser cumprida no âmbito

econômico social, deparando-se com a opção de manter vínculo de subordinação ao Estado-

acionista, por um dever de lealdade hierárquico, ou por outra motivação, ou dedicar-se aos

interesses coletivos além do intramuros da companhia.

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Uma série de reflexões, conflitos, princípios éticos e democráticos, e muitos outros

entram na depuração da relação jurídica entre governante e governados, todos presentes nos

interesses sociais, políticos e partidários, e nos discursos recepcionados pela população

expectadora dos acenos, das promessas conclamadas nas campanhas eleitorais para eleição dos

governantes e representantes nas casas legislativas.

O sentimento da sociedade em um todo, pela significativa parte, é de malogro.

Predominando a hipócrita procura de sintonia e simpatia popular, decepcionada com a máquina

do poder estatal, numa estrutura política prevalecendo a vontade do governante, sem esbater as

motivações que violentam a boa ordem ética, jurídica, econômica, política.

Ao perquirir o direito, nem sempre propicia as desejosas respostas que estão no pedestal

do interesse coletivo. As respostas em geral derivam de situações inescrupulosas, que

contaminam o âmbito do direito societário, que se afasta da ética e do atendimento ao bem

comum.

Dispõe o artigo 115 da lei da sociedade anônima, que o acionista deve exercer o direito

do voto no interesse da companhia, e será considerado abusivo o voto exercido com o fim de

causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem

a que não faz jus e de que resulte, ou possa acontecer prejuízo para a companhia ou para outros

acionistas.

O ponto relevante do aludido dispositivo legal é que o voto deve ser exercitado no

interesse da companhia. O acionista exercita a sua vontade investido dos poderes concentrados

no interesse da companhia, com os limites atinentes a carga de especulação dada a

subjetividade.

O votante exercita o seu poder de decisão que não pode ser por mero capricho ou antipatia

para com os gestores da sociedade empresaria, ou simplesmente votar desaprovando contas

quando estas não merecem censura, devendo ater-se naquelas que realmente devem ser

impugnadas, ou criticada para os devidos consertos, sob pena da companhia a percorrer um

traçado injusto, pernicioso, acarretando danos à mesma, aos acionistas, por consequência a

coletividade, face algum interesse egoísta, sentimentos desairosos do eleitor.

O direito de voto deve ser exercitado pelo acionista, motivado para o bem comum, sem

qualquer carga egoísta ou na busca de proveito pessoal que viole as disposições legais.

Tampouco o acionista deve usar o direito do voto no seio empresarial por mero capricho,

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limitando qualquer “vínculo” com o alegado dever de lealdade que tem, ou possa ter, para com

os demais acionistas, quer sejam ou não, controladores ou majoritário da companhia.

Quando o acionista vota contra a verdade dos fatos, expressa abusividade, destempera a

integridade desse direito por ser procedimento doloso, a causar prejuízo a sociedade empresária

e ou aos acionistas. A obtenção de vantagem indevida, para si próprio ou terceiros, gera dano

que deve ser reparado, por isso o voto tem significativa importância, cujo exercício deve ser

exercido pelo acionista com responsabilidade, não podendo exasperar, ir além das fronteiras

dos interesses da companhia.

O artigo 117 da Lei das S. A. mostra os contornos de voto abusivo, a manifestação de um

negócio que envolve uma declaração de vontade destinada a unir-se com outras declarações dos

demais sócios, fundindo um acordo coletivo, expressando à vontade social. O voto abusivo

envolve sempre um elemento subjetivo. O dolo caracteriza intenção deliberada do acionista de

causar dano à companhia ou a outros acionistas ou de obter vantagem indevida para si próprio

ou para terceiros, em detrimento da companhia ou os outros acionistas410.

O direito de voto é concedido ao acionista para a defesa de seus interesses na

administração dos assuntos comuns. É um poder na expressão de von Tuhr411, é um exercício

de um direito que afeta os demais acionistas e apenas quanto estes sejam prejudicados se

apresenta a questão de saber se a defesa dos próprios interesses justifica o prejuízo causado,

questão a que, conforme os princípios sobre o abuso de direito, se deve sempre dar resposta

negativa, se o prejuízo serve apenas à satisfação de interesses individuais extra sociais do

acionista que vota e não à dos interesses individuais comuns.

O voto constitui declaração unilateral de vontade, destinada à formação da vontade do

órgão social, obedecendo pressupostos legais. A vontade declarada individualmente deve

preencher os requisitos de regular instalação da assembleia, atendendo o quórum previamente

adotado, que pode ser de maioria legal e de validade da declaração individual, cujo resultado

passa a constituir manifestação de vontade da assembleia geral imputável à sociedade.

O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia, sem olvidar o

desiderato da companhia, mesmo que seja um acionista pessoa jurídica. O abuso no exercício

410 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 8a. ed., Rio de Janeiro. Renovar. P. 329. 411 VON THUR, Andreas. Partie Gênérale du Code Federal des Obligations, trad. de Maurice de Torrente e

Emile Thilo, 2a. ed., Lausanne (Imprimerie Centrale),1933, vol. I, § 3.

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do direito de voto quando praticado com o fim de causar dano à companhia não somente macula

esse direito, num fim improprio.

Deve-se destacar que um ato ilegal viola direito ou transpõe limites objetivos fixados para

o exercício do direito.

O ato abusivo é praticado no exercício do direito, dentro dos limites fixados pelo

ordenamento jurídico, representando um desvio da finalidade para a qual o ordenamento

conferiu esse direito. Importante enfatizar não só o ato emulativo com objetivo de prejudicar,

também o ato praticado com intuito de fraude, mas é o ato que representa um desvio de

destinação do direito, é o exercício do direito contrariamente a seu fim ou função social,

conforme a dicção de Batalha412.

O direito de voto deve ser exercido no interesse da sociedade, que deve superar os

interesses individuais dos acionistas quando em conflito. O caput do artigo 115 da lei da S.A.

considera-se abusivo o exercício do direito de voto com o fim de causar dano à companhia ou

a outros acionistas (exercício do direito ad aemulation, consoante teoria mais antiga, endossada

por Filomusi-Guelfi413; obter, para si ou para outrem, vantagem a que faz jus e de que resulte,

efetiva ou potencialmente, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.

Assinala Josserand414 que os limites traçados ao direito são exteriores à teoria do abuso

dos direitos, à sua utilização em direção diversa da direção legal, à violação do espírito da

instituição. A ideia harmoniza-se com os preceitos do artigo 116, parágrafo único, que impõe

ao acionista controlador o dever de usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu

objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais

acionistas da empresa, com os que nela trabalham, para com a comunidade em que atua, cujos

direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Importante realçar aspecto histórico na legislação das sociedades anônimas, uma vez que

o diploma de 1940 não instituiu a figura do acionista controlador, fundava-se o diploma em

critério diverso, qual seja, o do voto prevalecente em cada assembleia. Os acionistas eram

simplesmente divididos entre ordinaristas e preferencialistas. E para aqueles ordinaristas, cuja

vontade prevalecia, não criava responsabilidade alguma. Não havia com efeito, sequer a figura

do acionista majoritário na lei revogada, na medida em que não era ele tratado de forma distinta

412 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Introdução ao Direito. São Paulo, 1968, v. II, p. 854. 413 FILOMUSI-GUELFI, Francesco. Enciclopédia Giuridica, 1910, p. 219. 414 JOSSERAND, Louis. De l’Esprit des Droits et de leur Relativité. 2a. edição, 1939, nº. 17.

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no confronto com os acionistas em geral. Assim, para os acionistas que logravam eleger os

diretores não criava o antigo diploma de responsabilidades específicas. Estas eram previstas

apenas para os administradores. Em consequência, o comando da companhia era atribuído à

sua administração, que respondia solidariamente pela má gestão.

Mesmo quando a lei de 1940 tratava da participação da sociedade em outras sociedades

empresárias, o art. 135, § 2º determinava que os diretores, no seu relatório, deveriam fornecer

informações nos balanços sobre o valor dessas participações, sem alusão ao controle. Assim,

somente na prática societária, sem nenhum efeito legal, é que se fazia menção à figura do

acionista majoritário.

No antigo regime societário de 1940, os próprios acionistas com maior número de ações

votantes é que se auto elegiam para a diretoria. Havia assim, na prática societária, uma confusão

entre propriedade de ações e comando da sociedade. Era a época dos denominados “capitães”

de indústria, tempo em que a história retrata o forte poder desses empreendedores, e dos grupos

acionários familiares, dirigiam a companhia sem maiores gestos para atender a função social

da empresa.

O diploma de 1940 não outorgou à minoria acionária nenhuma participação institucional

nas decisões da assembleia geral, prevalecendo o quórum majoritário absoluto na eleição de

todos os membros da administração da sociedade.

Aqui vale abrir um parêntese para abordar um ponto que pode dar relevo no âmbito das

sociedades anônimas, e poderia até mesmo ser entendido como dispensável por se tratar de uma

matéria alheia a base da decisão empresarial, contudo, ultimamente tempera-se discussões sobre

a função social da empresa, envolvendo-se ideologias, direitos individuais, mesmo que não

sejam considerados direitos dos acionistas.

Oportuno destacar um alerta quanto aos aspectos da desproporção de poderes nas

sociedades de economia mista quando está a exercitar múltiplas funções, como a debatida

tríplice função do Estado como acionista controlador, regulador do setor e formulador de

políticas públicas, invocando o guia da Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico – OECD que estabelece medidas de proteção, aguçando leis, políticas e práticas

relativas aos consumidores para impedir comportamentos fraudulentos, enganosos e desleais.

Estas proteções são indispensáveis para suscitar, trazer à tona a confiança dos consumidores,

estabelecer, uma relação mais equilibrada entre empresas e consumidores nas transações

comerciais.

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Os direitos individuais dos acionistas reconhecido pela legislação específica das

sociedades anônimas em diversos países, têm apresentado muitas vezes contorno ideológico,

refletindo evidente concepção política do constitucionalismo, gerando declarações que estão

estampadas com caráter unitário ou esparsa das prerrogativas inderrogáveis dos sócios nas

legislações ocidentais, com matizes diversas. Carvalhosa faz refletir a visão da sociedade

política de cada país em determinados períodos.

Adverte Pedrol415 que os direitos próprios (individuais) dos acionistas (Sonderrecht) do

direito alemão, consagrados no seu Código Civil, desde a entrada em vigor, sofreu nítida reação

da lei alemã de 1937, (mas não os reconheceu no período nazista). Por outro lado, nos países

eminentemente democráticos, como a França e a Suiça, o direito de voto do acionista é erigido

como prerrogativa fundamental e inderrogável. No Brasil onde o direito de voto político não

era respeitado no Estado Novo, o Decreto-Lei nº. 2.627, de 1940, deixava de incluí-lo no elenco

de prerrogativas disposto no artigo 78.

Importante trazer a colação a afirmação de Modesto Carvalhosa416 que a lei vigente de

1976, seguindo a esteira da anterior, refletia o sistema político do momento. Não só deixa de

incluir o direito de voto entre as prerrogativas essenciais dos acionistas, como nega

praticamente esse direito aos não controladores, ao retirar o seu exercício às ações ordinárias

ao portador (art. 112), discriminação odiosa que, por razões diversas, acabou sendo revogada

pela Lei nº. 8.021, de 1990, dando a entender como uma crítica à legislação de outrora.

Temos, assim, que as Leis nº. 6.404, de 1976, e 9.457, de 1997, não somente

deixaram de evoluir com referência à lei de 1940, como involuiram

profundamente no que respeita ao principal direito do acionista, qual seja, o

de participar das deliberações sociais em assembleia geral.

A Lei nº. 6.404, de 1976, não pode, com efeito, ser alinhada na concepção

democrática da sociedade anônima, fundada no contrato social, em que o voto

é o principal instrumento de participação e de representação social.

Adotou-se, com efeito, no direito societário de 1976, um institucionalismo

germânico da empresa em si (Unternehmen an sich), segundo o qual os controladores e seus administradores deveriam administrar a companhia sob

sua própria responsabilidade, para o bem da empresa e de seus empregados e

no interesse comum do povo e do Estado.

Na lei de 1976, o acionista controlador é guindado à posição de mando

absoluto da companhia. Consequentemente, torna-se responsável pelo destino

da sociedade e pelo cumprimento de seu papel institucional.

Com efeito, dispõe essa lei que o acionista controlador deve usar o poder com

o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir sua função social

e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa,

415 PEDROL, Antonio. La anónima actual y a la sindicación de acciones, Madrid, Ed. Revista de Derecho

Privado, 1969, p.p. 70, 113 e 119. 416 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas, 2º vol., p. 374.

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os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e

interesses deve lealmente responder e atender (art. 116, parágrafo único).

O artigo 110 e seguintes da lei de sociedades anônimas expressam o direito de voto,

conduz a compreensão que os acionistas isolados e independentemente do importe de suas

participações no capital da sociedade, são titulares de direitos mínimos, ou essenciais, que

podem ser postergados pelo estatuto ou pelas assembleias gerais. São os Sonderrechte (direitos

especiais) ditados pelos autores alemães, ou o do direito adquirido impostergável

(Wohlerworbene Recht - direitos adquiridos).

Na hipótese de acordo de acionista não se admite ter em mira qualquer objeto ilícito, não

obrigando a parte seguir a diretriz fixada no aludido ajuste. O acionista deve seguir a previsão

legal contida no artigo 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim

na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Da compreensão do voto, da sua essência desse ato-direito que a lei confere ao acionista

que interfere na condução da sociedade de economia mista promove expectativas ao cidadão, e

não somente aos acionistas e dirigentes, uma vez que essa manifestação singular do voto,

alcança também a comunidade em geral, esperando que esse exercício aconteça dentro dos

limites traçados no direito, sem qualquer nódoa, contrariar ou abusar direitos e deveres,

obrigações que impõe também ao acionista controlador de usar o seu poder para alcançar o fim

da companhia, cujo objetivo é de cumprir a função social da empresa.

Adverte-se que esse modelo não enseja desvelo no cumprimento de algum acordo de

acionista, que também deve ser examinado com extrema atenção, para não conferir validade a

um instrumento que possa desmerecer validade.

O acordo de acionistas deve ser lavrado de acordo com o anseio dos acionistas e da

comunidades onde está instalada a sociedade empresária, não podendo ser construído por

circunstancias, motivações de erro, coação, e outros vícios, que venham impedir a validade do

vinculo acordado, a ser considerado abusivo, e sob suspeita de violação.

O direito de votar está vinculado a lei, e não a meras questões que possam ser entendidas

como episodicamente relevantes para a condução da companhia, desde quando essa justificativa

não pode ter amparo legal, e sequer poderá contribuir para o interesse entre acionistas.

É por meio do voto, em um regime legal representativo que circunda a missão, por mais

difícil que seja, de cuidar, de harmonizar os interesses dos eleitores no cumprimento da lei,

contribuindo valiosamente com as luzes e o saber que manda a justiça, e a cidadania, com

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interferência direta ou indireta nas responsabilidades para com o país, extirpando perigos de

erros, pressões, influencias e intrigas.

Visto o direito de voto pelo acionista, passa-se a compreensão sobre o quórum como

requisito para a completude do ato de votar.

5.2 Quorum

Quando pessoas se reúnem para apreciar, discutir algum assunto do interesse de todos,

que variam no tempo e espaço, este conjunto de pessoas pode ser denominado de assembleia,

ou simplesmente reunião, que no âmbito da sociologia chama-se grupo.

A agregação desse plenário objetiva deliberar, decidir para que haja uma solução para

atender um ou vários interesses dessas pessoas que compõem esse grupo, a fim de votar e

proclamar o resultado para adotar o assunto aprovado. Esse colegiado com o resultado da

apuração busca dar solução para atender a necessidade desse grupo. Em geral utiliza-se de

procedimento simples. Indaga-se a cada dos participantes como resolver a necessidade, e o

procedimento correspondente a adotar. Assim, cada um dos presentes com direito a voto,

sufraga o seu voto a fim de traçar algum rumo ou obter entendimento para estabelecer uma

decisão. A soma do escrutínio, é a conclusão da votação, cujo resultado leva-se ao

consequentemente desiderato.

Quanto se tratar de eleições, deve haver e corresponder aos verdadeiros intuitos, porque

a escolha exige a observância rigorosa da norma que construiu esse mecanismo, que pode ter

substrato costumeiro ou não. O importante nesse escopo é que fique e está assegurando o direito

do voto, capacitando cada um eleitor a faculdade de intervir na escolha do quanto do interesse

submetido. A votação é uma oportunidade, às vezes obrigatória, outras sem qualquer peia.

Quando o grupo determina que deve haver um procedimento próprio, procura seguir um

roteiro previamente estipulado a fim de obter determinado resultado que interessa ao grupo, ao

mesmo tempo que procura preserva-lo, estabelecendo regras de comum acordo, para deliberar

e fazer cumprir a decisão adotada para o mesmo grupo, ou além das suas bordas.

Em geral, indica-se previamente o assunto que será submetido (pauta) a um determinado

número mínimo de participantes, presente em determinado local, em hora e dia previamente

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estabelecidos, onde haverá o encontro dos componentes do grupo, conferindo-se a presença

desse número mínimo de integrantes a deliberação que se pretende.

Essa convenção que é mais conhecida sob a denominação de assembleia, tem o objetivo

de não poder se reunir e tampouco deliberar o assunto em pauta, sem o assentimento de uma

certa parte das pessoas que a compõem, dai entender-se da necessidade, e como princípio de

número necessário, que em situações envoltas no campo jurídico, expressa um número legal,

que passou a denominar de quórum. Esse número mínimo serve para atender totalidade dos

corpos coletivos heterogêneos, consagrado como de grande utilidade nos ajuntamentos de

cunho democrático, que adotaram esse mecanismo para evitar concessões injustas e descabidos

privilégios.

Em geral essa reunião desse ente coletivo, que estabelece um numero mínimo que se

passou a denominar quórum, que em vários lugares e idiomas, incorporou-se costumeiramente,

não só na linguagem jurídica, também utilizado, como apropriada, em vários ambientes,

especialmente de possível beligerância, bem como no legislativo para indicar um certo numero

de membros em uma assembleia que necessita para validar as resoluções dela emanada417.

Montesquieu considerava que o corpo legislativo não deve estabelecer confluência por si

mesmo, porque um corpo não se considera como possuidora de vontade, senão quando estão

presentes, juntos todos os componentes. Havendo época própria, mais oportuna do que outra

para funcionar o corpo legislativo. Precioso que seja regulado esse tempo de celebração, através

da duração das sessões, tendo em vista as circunstâncias que se concebe para bem obter os

resultados de forma adequada.

Deve-se observar as conveniências de ordem e de método que as comunidades precisam,

quando se trata definir a prevalência de uma opinião onde estão presentes uma diversidade de

posições, manifestada no seio das corporações por escolha e critério, a fim atender, divulgar a

contento o que deve prevalecer, afirmar a vontade, a base da decisão do grupo.

A deliberação vencedora mostra a sua constituição de modo definindo a compreensão

para a sua efetividade, inclusive conferindo transparência, proporcionando a segurança da

vontade predominante. Essas decisões e expressões são adotadas com veemência na seara do

direito público, que também foram adotadas no campo das atividades privadas, demonstrando

417 COELHO, Henrique. O poder legislativo e o poder executivo no direito público brasileiro. 1905: Livro de

domínio público – disponibilizado pela Rede Virtual de Bibliotecas; veiculado pelo E book - Kindle 2012.

Capitulo V.

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quanto assemelhados são tais comportamentos, e até mesmo a modo de sofisticação quando

aparece desenvolvendo o direito societário, alargando-se nas manifestações de grupos,

assentando-se nos mais diversos colegiados, como acontece nos condomínios residenciais, em

assembleias sindicais, no seio das sociedades empresárias, com maior intensidade nas

sociedades anônimas.

Nas sociedades anônimas a vontade social se realiza por votação através dos acionistas

votantes na assembleia-geral, quando concorrem todos os acionistas com direito de voto. A lei

dispõe certas condições para que a vontade social seja determinada de forma expressiva,

estabelecendo critérios mínimos para a realização da votação. Existem vários tipos de

movimentos que a forma legal reconhece, como as hipóteses de vários tipos de quorum. São

conhecidos e praticados como os quorum denominados de instalação, de deliberação e quorum

qualificado.

No quorum de instalação da assembleia-geral, fora das exceções previstas em lei, em

primeira convocação será realizada com a presença de acionistas que representem, no mínimo,

um quarto do capital social, com direito de voto; em segunda convocação, instalar-se-á com

qualquer número. Não cogita a lei, nem, portanto admite, a alteração desse quorum por

disposição estatutária.

O quorum de deliberação, ressalvadas as exceções previstas em lei, será tomado por

maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco. Esse quorum pode ser

alterado, por norma estatutária, somente nas companhias fechadas para certas deliberações,

desde que especifiquem as matérias.

Em casos de quorum qualificado, a lei exige para a aprovação, acionistas que representem

metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior não for exigido pelo estatuto da

companhia fechada, para certas deliberações importantes, na forma das alíneas do artigo 136.

O quorum de instalação e o de deliberação são tomados tendo em vista o número de votos

presentes à assembleia-geral, ao passo que o voto qualificado tem por critério básico o número

de ações com direito a voto.

Os estudiosos sobre o assunto entendem que deve ficar claro que as normas que regem o

quorum, nos seus diversos aspectos, constituem, como frisado, um mecanismo para a apuração

da vontade social. Não constituem, em si, apenas uma forma de proteção para atender a minoria,

pois se referem a todos os acionistas com direito a voto, independentemente de seus interesses.

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Apenas o problema do quorum fica situado como um mecanismo de interesse da minoria

quando se estabelecer, por norma dispositiva, expressa no estatuto, o quorum de deliberação e

o quorum qualificado, que são admitidos apenas para as companhias fechadas.

Estabelecendo quorum mais elevado, a sociedade através do estatuto, restringe ou

dificulta a ação da maioria, que necessitará de maior força para certas deliberações e decisões.

Assim, através do quorum especial a minoria, em certos casos, poderá deter, com votação mais

ponderável, os ímpetos da maioria. Essa restrição relativa aos poderes da maioria, através de

norma estatutária agravadora do quorum, pode chegar, para a segurança da maioria, à totalidade

da votação. A lei não impede que, por conveniência dos acionistas, o quorum de deliberação ou

o quorum qualificado possam ser fixados, estatutariamente, na totalidade dos votos da

sociedade anônima.

Para certas ocasiões e em alguns casos, sobretudo na composição dos interesses dos

acionistas na fundação da sociedade, podem por eles ser previsto que, em determinada matéria,

a decisão seja de todos os acionistas, em unanimidade. Isso pode ocorrer também na alteração

do estatuto, quando ingressar um grupo de acionistas sem controle, mas que deseje ter

influência em certas decisões, de acordo com o trato feito com a maioria. Assegurando assim o

voto da minoria podem ser resolvidas importantes situações no interesse da coletividade dos

acionistas418.

Analisando o que ocorre com o quorum especial majorado, por conveniência estatutária,

nota-se o funcionamento de um sistema que visa proteger potencialmente a dissidência. O

interesse conflitante entre uma minoria dissidente, e a maioria controladora, poderá

precisamente ser resolvido através do quorum especial majorado estatutariamente. Sem ele a

minoria potencialmente dissidente não se comporia com os acionistas maioritários

controladores, não participando, portanto, da sociedade ou dela se demitindo pelo recesso. Para

evitar a perda do concurso da minoria, a maioria concorda estatutariamente conceder um

quorum especial, majorado, assegurando assim o interesse dos minoritários.

Por esse motivo sustenta-se que o quorum especial majorado, em casos expressos dos

estatutos, contem em seu bojo os acionistas potencialmente dissidentes. Constitui, pois, esse

418 Desse entendimento, surge indagação, se seria correto incluir o quorum especial, de deliberação e qualificado,

entre os casos de proteção do acionista dissidente? Essa dúvida foi construída em face da concepção de Rubens

Requião de que o acionista minoritário e o acionista dissidente serem expressões equivalentes. Seria, pois,

adequado considerar dissidente um acionista que se prevalecesse do voto especial e qualificado para realizar o seu

interesse, permanecendo assim na sociedade em composição com a maioria?

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quorum um mecanismo apropriado para conter a dissidência, não a absorvendo na maioria do

controle, mas mantendo em destaque com seus interesses especiais, em favor da sociedade e

dos acionistas minoritários.

Tratando-se de assembleia-geral, deverá votar a maioria dos presentes. A maioria ausente

não é uma maioria, como deixam claro os artigos 125, 135 e 136 da Lei das S.A.. Os dois

primeiros artigos preveem quóruns especiais para a primeira convocação de Assembleia Gerais

Ordinárias e Extraordinárias, que poderá instalar-se em segunda convocação com qualquer

quórum, podendo prevalecer o voto da maioria caso a maioria esteja ausente. O referido, último,

dispositivo determina a obrigatoriedade da aquiescência da maioria dos acionistas com direito

a voto para as deliberações que ali não estejam enumeradas, poderão ser aprovadas por

acionistas representando a minoria do capital com direito a voto419.

Assim modelado o quórum, examina-se as relações, atuação e decisão entre os acionistas,

que de alguma forma não deixa de ser uma discussão tormentosa para os sócios que representam

uma maioria e os que estão em posição minoritária.

5.3 Relações entre acionistas

Visto o quórum como elemento necessário para que os acionistas exercitem suas vontades

em reuniões que se dedicam examinar determinada pauta, diagnosticar a vida da companhia

que detém ações com direito a voto, passa-se a perquirir as participações e relações dos

acionistas com a companhia.

As participações dos sócios na sociedade empresária, quando maioria ou quando minoria,

tem posições visíveis, principalmente no ambiente das sociedades anônimas.

A modelagem societária propicia considerações a respeito de uma assimetria jurídica.

Verifica-se que os acionistas das sociedades de economia mista têm aparentemente as mesmas

relações que os acionistas das companhias particulares, desenvolvem suas posições em ambas

companhias se preocupando não somente como sócios, mas, também a promover, provocar

investidas em buscas de soluções quando a enfrentar problemas e crises empresariais.

419 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade

anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 58.

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Os juristas articulando estudos no exame das vontades dos sócios sobre suas aptidões e

requisitos necessários para o atendimento pela companhia, vêm, quando os acionistas se

deparam em vários tipos de impasses.

Os conflitos que não foram resolvidos espontaneamente, desejosos de dirimi-los entre

seus pares, e atualmente preferem a submissão dessas querelas a peritos, via tribunal

/arbitragem, a fim de obter uma solução mais célere, em vez de aguardar a decisão proferida

pelos tradicionais tribunais de justiça (Poder Judiciário estatal).

Ao examinar o envolvimento dos sócios em busca de soluções pacíficas, Requião420

atento a exasperada questão - acionistas majoritários versus os minoritários -, manifestou-se em

artigo, sob crítica, mas, com ou sem sofreguidão, aguça a curiosidade sobre as posições, debates

dos sócios das sociedades anônimas, a observação da construção sistemática voltada ao

ordenamento das normas legais sobre a responsabilidade da maioria e a proteção da minoria.

Percebe Requião que os termos responsabilidade da maioria e proteção da minoria não se

entrelaçavam mutuamente, porque a maioria deve respeitar os direitos da minoria, e que uma

companhia bem planejada deve agir conforme o estado de direito, atuando com respeito e

responsabilidade, sob pena violar as normas jurídicas, sujeitando-se à responsabilidade civil, e

até mesmo a criminal.

A proteção da maioria está assegurada em função dos atos legítimos realizados pela

própria maioria. O desamparo dos direitos da minoria, quando esta minoria estiver afetada,

importará na responsabilidade da maioria, ou de quem, venha no seio da companhia praticar

algum dano que afete o acionista e ou a própria sociedade empresária.

Importante ressaltar que qualquer acionista, minoritário ou majoritário, tem o direito de

voto no interesse da sociedade, mas responde pelos danos causados pelo exercício abusivo

desse direito (art. 115, §3º da Lei das S/A).

A consistência e viabilidade do funcionamento normal da sociedade empresária está na

correta administração, atendendo os mecanismos jurídicos fundamentais, adequando o

funcionamento de comportamento pela ética.

As forças de gestão estão no equilíbrio administrativo, envolvendo as normas econômicas

e financeiras que se mesclam com preceitos éticos e jurídicos, e os nítidos princípios em defesa

da relação com minoria acionária. Por isso a ênfase que balizaram os autores do então projeto

420 REQUIÃO, Rubens. Responsabilidade das maiorias e a proteção das minorias nas sociedades anônimas, in

Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor Orlando Gomes, Forense, 1979, pp. 543/577.

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da Lei das Sociedades Anônimas quando ainda não editada, a proclamar axiomaticamente que

toda a lei das S.A. é um sistema de proteção da minoria, como adverte Lamy Filho421. Essa

concepção legislativa resultou, e inspirou, a reforma da lei anterior pela orientação

governamental, procurando propiciar uma dinâmica atuação sobre o mercado de capitais no

Brasil, impulsionando a proteção da minoria, ao tempo em que o governo ia em busca, procurou

ofertar maior fluxo da poupança popular na capitalização das empresas, através do sistema de

ações no mercado de capitais.

Diante de um novo quadro, necessário, portanto, em uma conjuntura desfavorável ao

sistema de captação acionária, e em face do abuso dos investidores particulares, desacorçoados

por anos de pilhagem, acenaram maiores garantias, uma vez que a politica de incentivos fiscais

ficou ineficiente e, como os analistas grafavam, com insuficiência psicológica, que não

incrementava. Dessa apreciação, resultou a afirmativa de Lamy Filho de que “cada artigo

compõe um sistema em que está presente a posição da maioria, que precisa administrar a

sociedade, e da minoria, que não pode ser espoliada em seus direitos”. Ademais, o

funcionamento do sistema, dentro da harmonia desejada, desperta duas ordens de ideias:

primeiro, a de que as normas legais visam à proteção da minoria em si e, segundo, que essa

proteção se inscreve no interesse público, na medida em que estimula a captação da poupança,

para autofinanciamento da empresa, fomentando o desenvolvimento nacional. Assim visava

atender a segurança dos investimentos, acoplando com o interesse público e com a proteção da

minoria.

Nesse cenário busca-se resguardar o equilíbrio entre os interesses da empresa e os

interesses individualistas da minoria. Para Lamy Filho, nessa ordem de ideias, explicou em

conferência realizada no Instituto dos Advogados Brasileiros, no Rio de Janeiro, em 1976, que:

[...] a leitura do anteprojeto revelará a existência em cada uma de suas normas,

dessa preocupação permanente de buscar o ponto adequado de equilíbrio entre

os interesses em jogo, de definir direitos e obrigações, de proteger o publico

investidor, que constitui as minorias acionárias, e até de explicar normas e

formas de procedimento que ajudam a corrigir hábitos e práticas errôneas,

vigentes entre nós.

No documento inicial dos estudos da reforma da legislação, intitulado “Orientação Geral

do Anteprojeto”, a comissão elaboradora, na parte aos “direitos dos acionistas e proteção da

minoria”, ressaltou que: “é sabido que toda a lei de sociedade anônima é um sistema de

equilíbrio de interesses entre maioria, minoria e credores, mas é através da proteção que

421 LAMY FILHO, Alfredo. Bolsa, nº. 201, 1975.

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assegura ao acionista que se afere sua validade e eficácia”. Dessa concepção, os juristas já

encaravam como problema, e notórias dificuldades, por entenderem que tal proteção à minoria

há de ser feita sem imobilizar o administrador, vale dizer, sem suprimir a capacidade da empresa

de lograr seus objetivos, que, afinal, constitui o interesse maior de todos os acionistas, pois é

esta a condição de sua sobrevivência.

O entendimento dos autores da lei é que estaria nela a própria definição em termos

positivos, as regras da responsabilidade da maioria, perfeitamente delineadas, bem como as

normas de proteção da minoria, e essa proteção poderia ser percebida não só em relação aos

interesses da minoria, mas, também em defesa do bem comum.

Oportuno esclarecer que há entendimento de que a responsabilidade da maioria não

coincide com a responsabilidade do administrador, que teriam conceitos distintos, porque a

responsabilidade da maioria pressupõe a violação de normas a que estão sujeitos os acionistas

controladores. As regras de responsabilidade dos administradores nem sempre pressupõem ao

acionista controlador, pois a administração – no que se refere aos membros da diretoria – pode

ser constituída por não acionistas, como por exemplo no caso de diretor executivo profissional.

Quando os acionistas, sejam eles controlador ou majoritário, optam na contratação de um

administrador habilidoso que não se encontra no rol de acionistas da sociedade empresária,

comumente escolhido entre profissionais de reconhecida competência em atividade entre

concorrentes e junto a terceiros, inclusive os egressos das universidades que passam a ser

cobiçados pelo mercado de gestão, aposta-se que esse condutor organizará a companhia para

alcançar o sucesso, e concomitantemente estabelecer boas relações entre acionistas e mercado.

Dispensável afirmar que os acionistas majoritários e minoritários agem e se comportam

de modo não igualitário, desde quando poucas vezes os seus interesses se canalizam para um

mesmo alvo. Portanto é preciso compreender que os interesses dos acionistas da sociedade

anônima são diferentes dos que militam em outros tipos de sociedades mercantis.

Cada um ou cada grupo de acionistas pode se dirigir para determinados interesses, em

face do que a sociedade se propõe, ou o entendimento que se faz do momento do mercado, e

através de análises futuristas, muitas vezes falhas e outras cientificamente aproveitáveis.

Tornou-se clássica a análise do financista De La Veja, 1688, Amsterdã, lembrada e

divulgada por Joaquim Garrigues, do diferente comportamento dos acionistas, tendo em vista

seus interesses pessoais, em príncipes da renda, mercadores e jogadores. Dessa arcaica

nomenclatura poderia, em termos modernos, ser substituída para acionista rendeiro ou

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investidor, que pretende auferir renda de seus cabedais aplicados através de investimentos de

ações da sociedade anônima.

De outro lado está o acionista empresário ou controlador que se preocupa precipuamente

com a sociedade em seu todo, visando a estabilidade, segurança e prestígio da empresa, e como

detentor do poder, busca a longevidade e sucesso do empreendimento.

Apresenta-se o acionista especulador, visto como um jogador no pregão das bolsas,

preocupado, sobretudo, com a cotação de suas ações, para auferir lucros decorrente da

especulação bolsista. Muitas vezes também a figura do especulador, que interfere na bolsa,

induz a erro um investidor de menor cabedal, a fim de inverter cenários de determinados papeis

– valores mobiliários – para depreciar as ações que estão em oferta de negócio no mercado,

para auferir ganhos irreais, levando o imberbe investidor a sangrar com significativos prejuízos.

A clássica figura do especulador que investe apenas com o objetivo de ganho imediato,

garantindo o nível de liquidez do mercado. Desde que não seja um manipulador, não chega a

provocar uma distorção de preços422.

Nesse cenário destaca-se a figura do acionista empresário ou controlador que concentra

os seus interesses no vigor da companhia, procurando investir o máximo de seus rendimentos

para fortalecê-la financeiramente, especialmente quando a companhia não consegue manter os

resultados financeiros esperados em determinadas conjunturas. Por isso que a política dos

acionistas detentores do controle é considerada até compreensível. É admitida, não forçando a

exclusão ou desconhecimento dessa política, face a necessidade de defesa dos interesses que

estão em jogo. E, com relação ao acionista rendeiro ou investidor, considera-o displicente para

com a economia da empresa.

Muitos acionistas minoritários quando não se agrupam, tornam-se numa massa

absenteísta, por não comparecer ou não atender as convocações para participar nas assembleias-

gerais, levando outro grupo minoritário a engendrar outros interesses (matizes), de não só

aprovar os itens da pauta, fortalecendo o auferir de dividendos, rendimentos como alguns

mantém a sua vida pessoal. Esse grupo que aproveita a ausência dos absenteístas promove

estratégias para controlar a companhia e administra-la, não como um mero aplicador ou nos

investimentos mais atrativos no mercado de valores mobiliários, mas para assumir decisões que

chegam a afetar o referido mercado.

422 FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro. Qualitymark, 16a. ed., 2005, p. 562.

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O acionista especulador se detém visceralmente na preocupação com a compra e venda

de ações, especulando no pregão bolsista, colhendo proveitos econômicos. Sua função não

deixa de ser útil para a sociedade, pois assegura principalmente a liquidez das ações,

dispensando, na análise dos negócios da sociedade, sua atenção para auscultar aqueles que

apresentam maiores perspectivas de valorização de seus aportes em especulação. É uma espécie

de termômetro de negócios.

Em termos de funcionamento da sociedade, o acionista rendeiro ou investidor é o que

mais interessa à administração social, pois ele pode assegurar a massa de investimentos para o

autofinanciamento da empresa. Se a sociedade anônima não estimula o interesse desse acionista

na distribuição de seus lucros, investirá ele em outros setores financeiros. Se não for satisfeito

nos seus objetivos e interesses que procurou na companhia, esse acionista pode gerar conflitos

com a maioria, possibilitando complicadores no controle administrativo financeiro da

companhia, e inconformado, operar alguma dissidência.

Diversas são as situações e posições em que esse acionista minoritário investidor se

apresenta, e mesmo sendo admitido como um investidor, que propicia circulação de bens e

riqueza, ao mesmo tempo é visto como ave de rapina. Contudo deve-se fazer uma necessária e

importante ressalva no que concerne aos pequeninos investidores, tão diminutos que são

invisíveis nas grandes companhias, que sequer, na maioria das vezes não comparece as

assembleias, e quando se apresenta, ingenuamente, se aventura como um “player” (business

player), em um palco que não conhece os atores e suas cordas de comando. Submete-se a uma

rede de ávidos negociantes, e fica à mercê da maestria e decência de um mercado pouco

generoso para com os ingênuos ou imberbes participes.

Os que escolhem o mercado de capitais para investir suas poupanças, reconhecem ser

uma arena periculosa, tanto assim que chegam a ilustrar alguns logradouros com alegorias, à

exemplo “Wall Street, N.Y. USA) com escultura de animais rudes, destemidos, como que fosse

uma advertência, especialmente, aos neófitos quando se interessar nesse ramo de negócios,

onde os ignorantes devem temer. Aconselham os especialistas aos atraídos, não se aventurem

sozinhos, optem na contratação de ‘experts’, que agem como intermediários conhecedores da

engenharia financeira, no mercado de capitais.

Atenção ao jugo dos grupos institucionalizados que manejam com maestria esse mercado,

que só após contabilizar seus ganhos e destacar bônus aos seus gestores, sopesa balanços, e,

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acaso positivo, distribui migalhas aos participantes, cotistas de fundos, com parcimônia. Porque

quando negativo o balanço, nada distribui, apontando como justificativa os prejuízos.

Visto esse quadro, talvez pouco alentador, avança-se para compreender aspectos da

maioria versus minoria.

7.4 Maioria e minoria

Com a edição da lei nº. 6.404/76 procurou-se instituir um sistema de proteção aos

acionistas minoritários, evitando sacrificar a ação livre da maioria e dos administradores, que

entusiasmou Simonsen423 sobre o tema. E Lucca424 apreciando a redação do artigo 109 da

aludida lei, entende que o dispositivo dos chamados direitos essenciais, como direitos

intangíveis, fundamentais ou inderrogáveis do acionista.

No plano constitucional a compreensão é que emergiram direitos e garantias individuais

como forma de coarctar os abusos de poder dos governantes, considerados analogamente, como

direitos essenciais do acionista, que em certo sentido, declarados para conter os atos de abuso

de poder por parte dos controladores, como expressa Luis Gastão Paes de Barros Leães:

Assim, à semelhança dos direitos individuais dos cidadãos, cuja

inviolabilidade é assegurada pela Constituição Federal (art. 153), a Lei de

Sociedades Anônimas firma o elenco dos direitos essenciais dos acionistas,

assegurando-lhe a intangibilidade, de maneira expressa e taxativa. Esses

direitos, somados a poderes, ônus e obrigações atinentes aos acionistas,

compõem o chamado status socii, que se define como aposição do sócio

dentro da coletividade social, e pressuposto comum e constante de tais direitos

e deveres.

Rubens Requião425 observou que o conceito de “maioria”, em contraposição ao de

“minoria”, deve ser mensurado e caracterizado pela forma classica de “metade mais um”. Com

a formatação da economia moderna houve uma certa forma de favorecimento para que ocorra

uma enorme dispersão do capital das ações das sociedades anônimas no mercado de capitais,

transferindo das mãos dos tradicionais detentores para as mãos de inúmeros acionistas

423 SIMONSEN, Mário Henrique. A Importância da Lei, in S/A. para empresários, Rio, Índice, O Banco de

Dados, 1977, pág. 4. 424 LUCCA, Newton. Direito de recesso no direito brasileiro e na legislação comparada. 425 REQUIÃO, Rubens. Os Acionistas e as Sociedades Anônimas, in Balancete, S. Paulo, 1.12.1974, nº2.

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considerados meros poupadores individuais, sem qualquer maior intenção senão de

efetivamente amealhar recursos.

Esses pequenos investidores não estão no comando empresarial, e tampouco próximos

das atividades mercantis da sociedade empresária que possam interferir nos destinos da mesma.

Essa situação criou o que denominam de ‘fenômeno do absenteísmo acionário’, contrapondo-

se aos acionistas que participam ativamente e colaboram nos negócios da sociedade. Assim a

prática e os objetivos de agrupar ações que se encontram no mercado de capitais, nem sempre

exprime capacitação para estabelecer maioria e ou controle de alguma companhia que negocia

seus ‘papéis’ no mercado aberto.

Percebe-se que o acionista ou grupo de acionistas pode não representar ou ter expressão

para ser reconhecido possuidor estratégico com o número de ações que detém, e que poderia

até permitir a concretizar de uma consideração para alcançar de alguma maneira uma maioria

absoluta (metade mais um) no capital social da empresa, tampouco ter o controle da sociedade

empresária.

A expressão “controle” tecnicamente pode corporificar uma ‘certa’ maioria de ações de

acionistas com voto, que pode alcançar efetivamente, deter o poder da sociedade empresária,

no entanto, pode não estar a reter a maioria absoluta das ações para essa finalidade. Na

engrenagem das atividades sociais desenvolvidas nas sociedades anônimas, existem as que

podem ser desempenhadas somente pelos acionistas com direito a voto, titulares das ações com

voto, que podem deter a posição de comando absoluto da companhia, e até aqueles que tem

ações sem direito a voto, mas a depender da situação econômica financeira e jurídica da

companhia pode episodicamente passar a ter direito a votar em determinada circunstancia.

Não se pode tecnicamente considerar maioria os denominados acionistas absenteístas que

são enquadrados como um grupo de acionistas chamados indiferentes, que não atuam ou não

desejam atuar no seio da companhia, pelos mais variados motivos que podem motivar a assim

se comportar.

Distinções e exemplos de acionistas, especuladores que marcam estratégias para angariar

maior ganho no mercado de capitais, outros desdenham dos interesses mais internos da

sociedade empresária, apenas se preocupando com as perspectivas, elevar a cotação de suas

ações, como constituir e conduzir simples mercadoria para o mercado acionário. Há o acionista

especulador que se interessa pela sociedade, mas o faz tão somente na medida em que ela

apresenta prestígio e rentabilidade para assegurar boa cotação em sua negociação. Portanto não

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se pode considerar que haja uma minoria amorfa, passiva de acionistas individuais. De qualquer

modo se presume que os acionistas estão mais interessados em resultados positivos, do que

voltados, preocupados com a gestão empresarial e a seu desenvolvimento, senão os que

realmente mantem o fortalecimento da companhia.

A vida da sociedade empresarial conta com a participação dos acionistas interessados na

economia da empresa, que podem ser controladores, formando uma “maioria” ativa na

sociedade. Também estão presentes os acionistas minoritários, vulgarmente vistos como

acionistas conformados em uma posição acionaria sem possibilidade de acesso ao poder e

comando empresarial, considerados meros espectadores da atividade econômica financeira da

companhia, ou possíveis dissidentes, atuando de modo pontual quando algum interesse pessoal

não se alinhar ao dos gestores da empresa.

O conceito técnico concebido por Rubens Requião é muito mais para diferençar os

impulsos dos acionistas, e em síntese, levando ao entendimento que acionista maioritário ou

acionista controlador, é o que desfruta do poder sobre a sociedade, determinando a composição

de sua administração. E por acionista minoritário o acionista desprovido de poder que

efetivamente se opõe ao controle, tornando-se acionista dissidente, além de estar nessa posição.

Compreende-se, tecnicamente, como simples acionista aquele que detendo ações, não participa

e nem controla a companhia. Pode até estar presente, ou atua, mas, muito mais como dissidente.

Ainda a considerar, a menção de “acionista não controlador”, contida no artigo 277 da lei

das sociedades anônimas, quando trata do Conselho Fiscal do grupo de sociedades, enuncia que

o funcionamento do Conselho Fiscal da companhia filiada a grupo, quando não for permanente,

poderá ser pedido por acionista não controlador que represente, no mínimo, cinco por cento das

ações ordinárias, ou das ações preferenciais sem voto. E Coelho426 explica que:

[...] ser considerada minoritária ou não controladora cada sociedade

filiada, por todos os acionistas que a integram, frente à sociedade de comando

(controladora) e às demais filiadas (art. 276, §1º). Estas formam-se ao lado da

sociedade de comando exatamente porque dela são controlados e, nesse

pressuposto, aderem à sua orientação e seguem suas determinadas.

Na ordem das ideias relativas ao grupo de sociedades427 com suas características de

verticalidade e horizontalidade, independente os aspectos subjetivos que podem ser exercitados

por quaisquer tipos de empresários (individuais aos sócios que compõem sofisticadas

426 COELHO, José Washington. A Nova Lei das Sociedades Anônimas. Resenha Universitária, 1977, p. 9. 427 MEIRELES, Edilton. Grupo econômico trabalhista. LTr, S. Paulo, 2002.

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sociedades empresarias, além das coligações e controladas atuando através de um mosaico de

hierarquias e estratégias comerciais.

Nessa composição apresenta-se para as devidas considerações o conceito especial de

acionista minoritário, resultado do delineamento contido no § 1º, do artigo 276 da lei das

sociedades anônimas, que considera minoritários, para os efeitos das sociedades filiadas nos

termos da convenção de grupos, “todos os sócios da filiada, com exceção da sociedade de

comando e das demais filiadas”. No caso de grupamentos de sociedades, a lei lança visão para

acertar certos mecanismos jurídicos, por precisar conceitos especiais de acionistas não

controlador e sócios minoritários. Daí levar ao entendimento que essa nomenclatura específica,

relativa a acionistas, não afeta, todavia, os conceitos que se traz genericamente no decorrer

deste estudo, mas de algum modo provoca discussão que chega aos tribunais superiores para

decidir nas causas que estão sendo agitadas.

Com os elementos conceituais expostos pode-se adotar uma sistematização para alcançar

situações diferentes, que geram problemas aos interesses dos acionistas e despertam no seio das

sociedades anônimas modernas, e por via de consequência se espraia nas sociedades de

economia mista, com discussões de várias tonalidades, quando determinados acionistas são

alijados de interferir na gestão da companhia estatal.

Quando, diante de diferentes posições de acionistas em uma sociedade anônima estatal,

as discussões entre acionistas são reativadas, uma vez que o interesse predominante não é o da

minoria, em geral, e sim do Estado.

A doutrina tem seguido uma linha que desenha a possibilidade de sistematizar, em face

do Direito positivo, a responsabilidade da maioria, vale dizer, do controle, ao passo que da

minoria analisa-se os preceitos que asseguram a sua proteção nos embates em que dissentem

dos interesses do controle. Essa é uma situação de apreciar a posição simples do acionista como

apenas detentor de ações, sem participação e sem interesse na vida da empresa. Recentes

posições de acionistas estrangeiros, com interesse na performance da sociedade de economia

mista tem exercitado reivindicações judiciais e extrajudiciais, face prejuízos sofridos por má

gestão.

Desses desenhos, a doutrina toma por base, o que seria a hipótese ideal do acionista no

sistema da Lei nº 6.404/76, que seria e ou é possuir ação com direito a voto simplesmente. No

entanto, há uma visão que não seria compreendida como desinteressada em integrar a minoria,

ou o não interesse de participar também do controle da sociedade. Consequentemente

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conduziria a uma interpretação de que se não se compõe com a maioria, também, na hipótese

aventada, a ela não se opõe, não integrando a dissidência. Essa concepção é de que esse

acionista não configura acionista minoritário. É simplesmente um acionista qualquer, embora

possua direito a voto, do qual por desinteresse dele não cuida da estrutura e dinâmica

empresarial.

Desse apanhado observa-se pela mesma linha doutrinaria, que a lei, entretanto, à sua

revelia, assegura-lhe certos direitos que são considerados essenciais. Compreende-se que esses

direitos essenciais abrangem também outros acionistas, sejam os de controle, sejam dissidentes.

Apenas considera-se que o acionista majoritário ou controlador não necessita de escudar, em

seus interesses, em regras fundamentais, pois sua atuação deve ser vista como legitima, e o

controlador não precisa impor. Ele, como se sabe, detém consigo o poder. A minoria, com mais

forte razão, usará desses direitos com mais desenvoltura, na qualidade de dissidência. Mas, de

qualquer forma, todos os acionistas qualquer que sejam, sem distinção, estão tutelados pelos

direitos essenciais. Esses direitos decorrem da lei e são da própria essência natural da sociedade

anônima. São estritamente de ordem pública.

Ninguém precisa patrocinar, senão a própria ordem jurídica. São, portanto, como se

insiste, preceitos de ordem pública, e se expressam pela regra já identificada na lei de que nem

o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar qualquer acionista dos direitos

essenciais, consagrados, expressa no artigo 78 do antigo Decreto-Lei nº 2.627, de 1940, e

mantida pelo artigo 109 da atual Lei das Sociedades por Ações.

A teoria dos direitos essenciais dos acionistas foi reconhecida nos meados do século XIX,

no sistema continental europeu, sofrendo variações conforme a evolução desse conjunto

acionário. Aludindo a esses direitos, Jean Escarra, na França, observou que são eles de ordem

pública “no sentido em que se impõe aos fundadores, à sociedade, aos credores, aos próprios

acionistas e que não é permitido, mesmo aos interessados, derrogá-los, a não ser operando a

transformação do próprio direito, ou seja, negando a instituição”. E, reafirmando, expressou

que, “como direitos próprios dos acionistas, entendem-se as prerrogativas que não podem ser

supridas pela lei da maioria”428.

Os direitos essenciais do acionista, segundo a lei vigente, são os de participar dos lucros

sociais; fiscalizar, na forma prevista na lei, a gestão dos negócios sociais; preferência para

subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em

428 ESCARRA, Jean. Les societés commerciales, 3º tomo, nº 1.193, 1955, p. 261.

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ações e bônus de subscrição, observado os dispostos nos artigos 171 e 172; e de retirar-se da

sociedade nos casos previstos da lei. Os meios, processos ou ações que a lei confere aos

acionistas para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo estatuto ou pela

assembleia-geral.

Esses direitos essenciais na sociedade anônima têm correspondência com aqueles direitos

fundamentais do cidadão, expressos na Constituição Federal. Ninguém pode derrogá-los, ainda

que assim todos o desejem afetar o princípio vital da sociedade. Eles transcendem os direitos

da minoria, que ao invocá-los não expressa essa qualidade, mas sim uma prerrogativa que lhe

é concedida pela lei, como acionista e não pode ser suprida, como explicou Escarra, pela lei da

maioria. Por isso, tecnicamente, não se coloca os direitos essenciais entre as normas de proteção

da minoria, mas, sim como uma prerrogativa superior de qualquer acionista e de seus credores.

Fala-se inclusive em maior ativismo dos minoritários, sobretudo institucionais, como

instrumento de mudanças das práticas e da ética corporativa, tanto assim que a literatura revela

a respeito essa tendência, face recentes estudos mostrando uma relação inversa entre grande

concentração e valor de mercado da companhia, demonstrando a capitalização das empresas e

o desenvolvimento do mercado de capitais, e a diluição acionária como necessária.

Daí o entendimento que eleva a importância de que seja introduzido regras que possam

desempenhar função para diluir o controle de modo equilibrado e que não gere crise no mercado

acionário, avançando para atender o bem social, e empresarial, como apregoado por juristas

nacionais e internacionais.

Assim o acionista, com o direito ao voto, com o entendimento do quórum, convive com

a força estatutária, a lei, exprimindo a sua vontade.

5.4 A maioria – o acionista controlador - voto

Comentada a figura do acionista como participe no capital social da companhia,

examinados alguns aspectos do sócio como mero expectador, ou como integrante de um grupo

minoritário, ou numa simples posição em defesa dos seus interesses econômicos, financeiros,

de poupador e ou de investidor, e o vasto poder de decisão que o acionista controlador ou na

posição majoritária, pode utilizar esse conjunto de forças, obtendo mecanismos para alterar os

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estatutos, fazer atuações na companhia, passa-se um olhar para o acionista com direito a voto e

controle da companhia.

Um ou vários acionistas ao deter a maioria das ações, em muitas situações estarão ou não

apto(s) a alcançar o poder de controle da companhia. Essa configuração pode ser vista através

das articulações políticas engendradas de comum acordo e interesse entre acionistas, por

liderança, ou por algum pretexto estratégico, a promover entendimentos com um alvo fim.

Pelo conceito legal acionista controlador não é apenas aquele que possui a maioria do

capital com direito a voto, ou, pelo menos, que detenha parcela significativa do poder em

decorrência da titularidade de ações votantes, controlador é a pessoa natural ou jurídica ou

grupo de acionistas vinculados por acordo de voto (voting trust, voting agreement), ou sob

controle comum, que não só é titular de votos, de modo permanente, assegurando a maioria nas

deliberações assembleares e o poder de eleger a maioria dos administradores. E, também nesse

desenho, usa efetivamente do seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o

funcionamento dos órgãos da sociedade.

Exige-se, portanto, não necessariamente a titularidade individual da maioria dos votos,

porque há possibilidade de integrar-se em grupos constitutivos formando a denominada

maioria, através de acordos de voto ou controle comum dos votos, além do efetivo exercício de

poder para dirigir a sociedade e compelir o funcionamento dos órgãos da sociedade nos

interesses do controlador, ou liderar o controle do grupo.

Pelo que se depreende do estudo da moderna corporação e da propriedade privada,

calcada na obra de Berle e Means, dados esboçados em 1929, vê-se a dissociação entre

propriedade acionária e poder de comando empresarial, propondo-se a classificar o controle

interno em várias espécies de conteúdos e hierarquias, não obstante parecer impossível traçar

uma nítida linha divisória, mas entendida pelos juristas como merecedora de análise, que esses

mecanismos funcionam efetivamente.

No direito brasileiro, por exemplo, sem embargo da consagração legal do princípio

majoritário, subsistem sempre algumas hipóteses em que a unanimidade é regra. Assim, o

consentimento unânime dos acionistas é exigido para a mudança de nacionalidade de uma

companhia brasileira e a sua transformação em outro tipo societário, quando não prevista no

ato constitutivo ou nos estatutos429. Dessa conferência sempre emerge uma constante indagação

429 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.

Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. p. 45-46.

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que os juristas formulam: “Mas por que a maioria deve comandar?” A resposta vem do mesmo

autor da indagação: “Parte-se, sem dúvida, do postulado de que a sociedade existe no interesse

dos sócios, e como ninguém, em principio, está investido de decidir pelos interesses alheios,

prevalece sempre a vontade do maior número, julgando cada qual segundo o seu próprio

interesse”430. A aludida observação advém da experiência contábil desenvolvida para permitir

um olhar de uma situação pulverizada do controle por acionista, que não detenha a tradicional

metade mais um, que no dizer de Walter431:

[...] um ou mais acionistas, em conjunto, poderão deter o controle acionário

de companhia participando com apenas 16,67% do capital social, desde que

possua metade, mais uma, de ações com direito a voto.

A Resolução nº 401/76 do Banco Central, ao conceituar alienação de controle, pelo item

II, menciona que o negócio pelo qual o acionista controlador, pessoa física ou jurídica, transfere

o poder de controle da companhia mediante venda ou permuta do conjunto das ações de sua

propriedade que lhe assegura, de modo permanente, a maioria de votos nas deliberações da

assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia.

A mesma Resolução dispõe que se o controle da companhia é exercido por grupo de

pessoas vinculadas por acordo de acionistas, nos termos do art. 118 da Lei nº 6.404, de 15 de

dezembro de 1976, ou sob controle comum, entende-se por alienação de controle o negócio

pelo qual todas as pessoas que formam o grupo controlador transferem para terceiro poder de

controle da companhia, mediante venda ou permuta do conjunto das ações de sua propriedade

que lhes assegura, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia

geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia. E acrescenta que na

companhia cujo controle é exercido por pessoa, ou grupo de pessoas, que não é titular de ações

que asseguram a maioria absoluta dos votos do capital social, considera-se acionistas

controlador, para os efeitos da referida Resolução, a pessoa ou o grupo de pessoas vinculadas

por acordo de acionistas, ou sob controle comum, que é titular de ações que lhe assegurem a

maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas assembleias gerais da

companhia.

Do conjunto desses esclarecimentos colhe-se uma coloração técnica, como a ideia de

Comparato que está na base do princípio majoritário, com apoio em Kelsen, que o ordenamento

430 Idem, p.p. 50-51. 431 WALTER, Milton Augusto. Aspectos Contábeis da Nova Lei das Sociedades Anônimas, 1977, p. 92.

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social deve estar de acordo com o maior número possível de sujeitos, e em desacordos com o

menor número possível432. Significa isso constranger a minoria e desprezar os seus interesses?

Evidentemente que não, desde que a minoria aceite essa regra fundamental do jogo. O princípio

majoritário, afinal, pressupõe necessariamente a unanimidade, pelo menos uma vez, no

momento de constituição da sociedade, como postulado da razão social433. É o que

corriqueiramente acontece quando da formulação de algum contrato em que as forças entre

interessados são desiguais, e onde o patrono da parte mais frágil adverte que aquele momento

da construção do contrato é ou será talvez a única oportunidade para dissentir do mais forte.

O acionista controlador tem o dever de lealdade para com os demais integrantes da

companhia, quer se trate dos outros acionistas ou dos administradores, e ou trate dos

empregados. O preceito vai além e, numa visão institucionalista da sociedade anônima, impõe

ao acionista controlador o exercício de seu poder no sentido de atender a comunidade em que

atua, e não apenas para com o círculo de pessoas vinculadas à empresa, como sócios,

administradores e empregados. Não se pode desprezar, e é importante conferir que é o interesse

relevante da economia nacional a sobrepairar, tanto assim, que no conceito amplo que os

legisladores adotam, estão os interesses particularistas dos acionistas controladores ou do grupo

de controle.

Significativa a menção de Batalha a respeito da função social da empresa, num

indisfarçável apagamento dos conceitos meramente contratualistas, abrindo os caminhos para

o conceito institucional da empresa organizada sob forma de sociedade anônima.

O poder deve ser exercido no interesse da sociedade como um todo (in the best interests

of the Corporation as a whole), sem opressão ou congelamento (freese) da minoria, através de

frustração de dividendos, desvio de lucros mediante elevação dos salários ou remunerações e

outros expedientes fraudulentos de que se encontram infindáveis exemplos na prática nacional

e estrangeira434.

Na Grã-Bretanha o Cohen Commitee aponta a dispersão dos pequenos acionistas como

fator importante de fraudes e abusos, não obstante sejam numerosos tais acionistas. O poder de

controle social deve ser exercido de maneira leal perante os membros da sociedade, nas diversas

432 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.

Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. 51. 433 Idem, p.p. 51-52. 434 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e Preceres de Direito Empresarial. Forense, 1978. Apud, LUSK,

Harald. op. cit., p. 524.

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posições em que se encontram, sendo condenável o tratamento opressivo das minorias e a

administração social com objetivos fraudulentos e ilegais435.

A Lei nº. 10.303, de 2001, consagrou o dever de informar, sendo os sujeitos passivos do

dever de informar são: os acionistas, os administradores e os membros do Conselho Fiscal,

consoante os artigos 157 e 165-A.

Concebida a teoria dos direitos fundamentais como prerrogativa de qualquer acionista,

como acentuava a lei anterior, conveniente abordar temas centrais das preocupações relativas

da responsabilidade da maioria, frisado que a concepção de maioria se ajusta à do controle da

sociedade. A função da maioria não é outra senão a de gerir os negócios, ou levar que outrem

o faça sob suas vistas. Usando da expressão de Lemy Filho, a maioria “precisa administrar a

sociedade”.

No sistema dominante o acionista majoritário, sobretudo no estágio superior do sistema

do anonimato, não administra pessoalmente a sociedade, mas investe na situação de

administração, gerentes, geralmente profissionais, para em seu nome e segundo seu interesse,

administrar os negócios da companhia. Constitui, portanto, um ponto alto no direito positivo, a

criação da lei da figura perfeitamente definida do acionista controlador, com responsabilidades

claras e definidas.

O acionista controlador é, sem dúvida, o acionista majoritário na sistemática legal. O

artigo 116, define em termos concretos esse personagem proeminente da companhia. Entende-

se por acionista controlador, a pessoa natural ou jurídica, ou grupo de pessoas vinculadas por

acordo de voto, ou sob controle comum, que é titular de direitos de sócio que lhe assegurem,

de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de

eleger a maioria dos administradores da companhia; e usa efetivamente seu poder para dirigir

as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Tirante o caso

especial das companhias estatais, em que a atribuição da personalidade jurídica funciona como

mera técnica de desconcentração administrativa, e com relação a constituição de sociedades

unipessoais por particulares é admitida em países da União Europeia436.

Nas companhias de economia mista é assegurado à minoria o direito de eleger um dos

membros do conselho de administração, e maior número não lhe couber pelo processo de voto

435 Companies Act de 1967, seção 38. 436 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.

Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. 48.

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múltiplo (art. 239). Várias hipóteses estão assentadas na legislação no que tange a direitos de

acionistas em percentuais de cinco por cento no capital social da companhia, inclusive, por

exemplo, em especial propor ação social de perdas e danos contra a sociedade controladora

pelos danos causados à companhia controlada, por abuso de poder.

As hipóteses de restrição de poder de controle, estão estreitamente ligadas ao controle

majoritário simples e majoritário absoluto, conforme exista ou não uma minoria qualificada,

nos termos da lei.

Por outro lado, quando da existência de um bloco majoritário, este pode não ser

constituído por um único acionista, nem se apresentar, necessariamente, como um grupo

monolítico de interesses. É usual que dois ou mais acionistas, ou grupos de acionistas,

componham a maioria, associando interesses temporária ou permanentemente convergentes.

Pode-se falar, em tais hipóteses, de um controle conjunto ou por associação437.

Se um acionista não desfrutar – integrando o grupo de pessoas vinculadas por acordo de

voto, ou apenas nele influir, não constitui, na concepção técnico-legal – acionista controlador

ou majoritário. Apresenta-se, no mundo jurídico e econômico da sociedade, apenas como

simples acionista, conforme sustentado acima. Não tem ele direitos e obrigações de controlador

e, por conseguinte, não se sujeita à decorrente responsabilidade civil pelos atos sociais.

Esclarecendo assim o perfil do acionista majoritário ou controlador, pode-se então

sistematizar, com os reflexos da lei, as suas responsabilidades fundamentadas em termos éticos,

que servem de “pano de fundo” das normas positivas.

A partir da Lei nº. 13.303/2016, pelo artigo 14, passa a exigir que o acionista controlador

da sociedade de economia mista deverá fazer constar do Código de Conduta e Integridade,

aplicável à alta administração, a vedação à divulgação, sem autorização do órgão competente

da empresa, de informação que possa causar impacto na cotação dos títulos da companhia e em

suas relações com o mercado ou com consumidores e fornecedores, de modo a preservar a

independência do Conselho de Administração no exercício de suas funções, bem como a de

observar a política de indicação na escolha dos administradores e membros do Conselho Fiscal.

Pelo artigo 15 da aludida lei, o acionista controlador da sociedade de economia mista

responderá pelos atos praticados com abuso de poder, nos termos da Lei nº 6.404, de 15 de

dezembro de 1976, sem olvidar da ação de reparação que poderá ser proposta pela sociedade,

437 Idem, p. 53.

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nos termos do artigo 246 da Lei nº. 6.404/76, pelo terceiro prejudicado ou pelos demais sócios,

independentemente de autorização da assembleia-geral de acionistas.

Com efeito, o § único, do artigo 116, estabelece regras de comportamento jurídico, de

nítido característica ética, para atuação da maioria. Esse preceito legal preconiza e impõe que

“o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu

objetivo e cumprir a sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais

acionistas, da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos

direitos e interesses deve legalmente respeitar e atender”.

A lei impõe para a maioria um amplo e definido programa de ação ética. Extravasa sua

recomendação imperativa ao âmbito da empresa, como uma instituição, para abranger todos os

elementos da vida social na qual ela vive e atua. Nele são abrangidos não só acionistas, a

maioria, como também os que nela trabalham e para com a comunidade em que vive. Deve

respeitar e atender os interesses legítimos da coletividade. Consagra a lei em destaque a

responsabilidade pelo abuso de poder que o acionista controlador praticar. Enuncia o artigo

117, o principio de que “o acionista controlador responde pelos danos causados por atos

praticados com abuso de poder”.

O poder, no âmbito da sociedade anônima, deve ser usado pelos acionistas controladores

de forma adequada aos seus fins, sem violação das normas legais e éticas. Por isso, o artigo

117, positivando o preceito do parágrafo único do artigo 116, indica as modalidades de

exercício do abuso do poder, enumerando as seguintes hipóteses:

a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional,

ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação

dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia, ou da

economia nacional;

b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação,

fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida,

em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em

valores mobiliários emitidos pela companhia;

c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas

ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem causar prejuízos a

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acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores

mobiliários emitidos pela companhia;

d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;

e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou,

descumprindo seus deveres definidos na lei e no estatuto, promover, contra o interesse da

companhia, diretamente através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em

condições de favorecimento ou não equitativas;

g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento

pessoal, ou deixar de apurar denuncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique

fundada suspeita de irregularidade.

A figura do acionista controlador é focalizada em algumas legislações, ad exemplum, nos

Estados Unidos discute-se se os acionistas controladores (controlling Shareholders) assumem

obrigações perante os outros acionistas, quando transferem o controle da companhia. A

jurisprudência tem entendido que são responsáveis quando transferem o controle a pessoa que

deveriam saber não irem agir no melhor interesse da companhia.

Existem algumas decisões entendendo que os acionistas controladores são responsáveis

para com os outros acionistas pelo ágio pago pelo controle, além disso, os acionistas

controladores são assim considerados responsáveis por não terem dado a outros acionistas a

oportunidade de participar de recapitalização quando resulta em grandes lucros para os

controladores438. Corley439 faz referência que alguns tribunais declararam a liquidação de

sociedades a pedido de acionistas quando provado que os respectivos controladores agiram

ilegalmente, de forma fraudulenta ou opressiva (illegally, fraudulently, or oppressively).

Não deixando de mencionar, outrora, quando prevalecia a teoria denominada robber

baron theory, a irresignação de muito que se sentiram aviltados por algum procedimento que

passaram a exclamar denominação aos homens de negócio que se tornaram milionários

utilizando-se de métodos ilícitos, desonestos, violentos e desleais nos mercados do setor

financeiro, siderúrgico, ferroviário e do petróleo, nos Estados Unidos, na segunda metade do

século XIX. Chegando a ”prevalecer como teoria” robber baron theory, segundo a qual a

maioria tinha o direito de fazer o que bem entendesse, inclusive expulsar a minoria (squeeze

438 LUSK, Harold. Business Law, 1974, p. 571. 439 CORLEY, Robert N. Principles of business law, 1975, pp. 751; 781.

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out, freeze out): por exemplo, a maioria não distribuía dividendos, mas se atribuía altas

remunerações e gratificações.

Observa-se, muito embora as conjugações das posturas sejam para um mercado

transparente e menos injusto, desrespeitoso as vezes, são os interesses de acionistas não

suficientemente transparentes que prevalecem, principalmente quando há mistura na

composição da companhia por acionistas de diversas matizes, origens, diante de alguma nuance,

face a oportunidade do mercado de capitais globalizado, a contaminar ambiente de negócios, ,

quando agem e focam exclusivamente no denominado capitalismo selvagem.

Embora conduta da maioria não seja ilegal ou fraudulenta, pode ser considerada

opressiva, ofensa onerosa, severa e injusta (burdensome, harsh and wrongful), como violação

ao dever fiduciário de boa fé (violation of the fiduciary duty of good faith). E assim esses

comportamentos levam a o que alguns até entendem intrigantes, interessante, e é denominado

como fenômeno do controle minoritário, fundado quando o número de ações inferior à metade

do capital votante e que os autores norte-americanos designam working control, agem

deliberadamente a fim de encetar duvidosas práticas mercantis.

A doutrina europeia epilogou o assunto, contra a situação de absenteísmo da grande

maioria nas macro companhias, pretendendo-se por um reforço de proteção legal dos direitos

do acionista, notadamente do direito à informação sobre a situação patrimonial da sociedade,

diante de uma perspectiva obvia de ocorrer maleficio, desfavorecendo esses investidores

espalhados e de difícil reunião. Isto na verdade já vem acontecendo, quando o investidor

singular é informado, mas os custos para comparecer a uma assembleia não propicia qualquer

benefício, senão custos individuais que não compensam o deslocamento.

Desde sempre, na grande empresa, a par de uma minoria de empresários, que detém

efetivamente o poder de comando, formou-se uma maioria dos aplicadores de capitais, quer

com o objetivo de poupança, quer com intuito especulativo440.

A partir da Lei nº. 6.385/76, nos termos do artigo 4º, IV, b, compete a CVM proteger os

titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra atos ilegais de

administradores e acionistas controladores das companhias abertas. O abuso do poder cria o

dever de ressarcimento dos prejuízos decorrentes.

440 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.

Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. p. 54-55.

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O acionista controlador, ou grupo de controle, deve exercer legalmente suas forças na

sociedade e sua figura assume e tem relevo, bastando mencionar o que dispõe o artigo 122,

parágrafo único, impondo que ele seja ouvido quando os administradores desejarem formular

pedido de falência ou de concordata, entenda-se em vez de concordata a figura da recuperação

da empresa face a nova legislação. Portanto, sempre que houver urgência, convoca-se a

assembleia geral posteriormente.

A existência de um controle minoritário está implicitamente reconhecida na lei, ao fixar

as regras de quórum e maioria no funcionamento da assembleia-geral. A norma geral é que a

reunião se instala, em primeira convocação, com a presença de acionista que representem no

mínimo um quarto do capital social com direito a voto – que normalmente pode constituir

apenas metade do capital social, e, em segunda convocação, com qualquer número. Tratando-

se de reforma estatutária, é necessária, para a validade da deliberação em assembleia, a presença

de acionistas representando dois terços do capital votante em primeira convocação e qualquer

número de detentores de ações votantes em segunda convocação.

O preceito teve em mira fornecer o elenco das modalidades de exercício abusivo do poder.

Sumariamente pode-se tecer algumas hipóteses legais, como desvio dos objetivos da

companhia, liquidação e operações substanciais à organização social com intuitos fraudulentos,

alteração estatutária, emissão de valores e politicas prejudiciais, eleição de administradores ou

fiscais ineficientes, interferência desleal na administração e na ratificação de ilegalidades

praticadas, contratação em condições prejudiciais ou não equitativas, aprovação de contas

irregulares ou negligencia na apuração de denuncia, dentre outros.

Desses apontamentos sobre o acionista ou acionistas que controlam a companhia,

pertinente observar o possível exercício abusivo do acionista, em especial quando na posição

de controlador.

5.5 O exercício abusivo do acionista controlador (atos “ultra vires”)

No rol dos atos que devem ser praticados pelo acionista controlador destaca-se o de fazer

a companhia realizar o seu objeto social, observando os ditames legais. E na lista dos atos que

não devem exercitados pelo sócio maior, é o abuso das atribuições normais da sociedade, muito

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comum no exercício da administração da sociedade empresária, e por consequência é fonte de

dissídios entre maioria e minoria.

Oportuno relembrar a Exposição de Motivos do projeto da atual lei ao tratar da violação

do objeto social como um dos pontos vitais da sociedade empresária, especialmente quando o

intuito é a proteção dos acionistas minoritários.

[...] o anteprojeto procura construir com normas que se distribuem

praticamente por todos os capítulos – sistema de proteção dos acionistas

minoritários -, sem sacrificar, todavia, a ação livre, ainda que responsável, da

maioria e dos administradores, indispensável ao funcionamento e à própria

viabilidade da empresa. Valem ser citados como exemplos: a) exigência da

definição estatutária precisa e completa do objeto social, para cuja consecução

se associam os acionistas, de modo a limitar a área de discricionariedade dos

administradores e da maioria e facilitar a caracterização do abuso do poder

[...]

Quando os fundadores das companhias arregimentam interessados para a subscrição das

ações visando a constituição da sociedade anônima, agem como mentores, revelando o

propósito de fundar a sociedade com um objetivo definido. Consequentemente os que vão aderir

à criação da companhia confiam que o objeto social é exatamente aquele divulgado no

prospecto, e que exprime nas outras peças e protocolos destinados a coincidir com os interesses

e esperanças no sucesso do empreendimento.

Por isso se deve debruçar sobre esse assunto, que gera polemicas e problemas, apesar de

ser considerado básico para a sociedade anônima, com graves consequências envolvendo a

responsabilidade da maioria, em especial quando há questão de abuso de poder relacionado

com o objeto social da companhia. A matéria foi aprofundada na legislação inglesa no século

XIX, na Joint Stock Companies Act, 1844, dando ênfase a doutrina sobre o ato ultra vires.

Consagrava o artigo 7º, daquela Lei, o princípio de que “o ato constitutivo devia conter, entre

outros elementos essenciais, a descrição do objeto social”. O artigo 25 destinava, em

complemento, a doutrina ultra vires, ao dispor que a capacidade da sociedade ficava

circunscrita ao cumprimento do objeto social, prevalecendo o entendimento pela observância

da inalterabilidade do mesmo.

Esse direito evoluiu, ficou patente o princípio de que o objeto social determina a

capacidade da sociedade, tornando nulos todos os atos da administração praticados à margem

daquele objeto. A doutrina ultra vires inglesa foi absorvida pelo Direito norte-americano, que

amenizou os seus efeitos, mostrando que a capacidade da personalidade jurídica concedida pelo

Estado, o object clause, contida na charter, fixa a validade da atividade societária.

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A teoria dos poderes implícitos dos administradores para levar a termo atos “acessórios”

ao objeto principal, como observam alguns juristas, tem permitido aos tribunais norte-

americanos consolidar ad infinitum os atos realizados por aqueles.

Diante desses possíveis desvios dá-se importância a discussão sobre a doutrina do ato

ultra vires, principalmente no que diz respeito à disciplina do controle e da administração da

sociedade empresária, e se inscreve entre as medidas acautelatórias dos direitos das minorias

acionárias.

A respeito do objeto social a doutrina inglesa sustentava que durante a existência da

sociedade, é inalterável o seu objeto, e Carvalho de Mendonça com relação ao disposto no

Decreto nº 434 e no Decreto nº 8.821, de 1882, diz que:

[...] a experiência e as conveniências aconselhavam, não raro, a aplicação ou

restrição do objeto definido nos estatutos ou no contrato social; no primeiro

caso, por exemplo, para acréscimo de novos ramos da exploração mercantil

ou industrial a carga da sociedade, para outra organização comercial mais

extensa, para que a sociedade tenha objetivo mais modesto. Tudo isso é

permitido, sustentava o jurista, visto que se não trata de mudar ou transformar

o objeto da sociedade, porém simplesmente de estendê-lo a restringi-lo. A lei

condena a substituição radical do programa antigo, que serviu de base à

constituição da sociedade e que, de ordinário, lhe dá o nome. A sociedade

fundada para operações bancárias não pode passar a ter por objeto a

construção e exploração de estradas de ferro. Para a substituição do objeto

essencial, a sociedade precisava ser dissolvida, a fim de que com seus

elementos, constituir-se outra. Isso quer dizer que era mister o consenso

unânime dos acionistas. (Tratado, v. II, nº 882).

Nesses termos o respeito ao objeto social constituía um direito essencial dos acionistas,

tendo o Direito moderno evoluído no particular desde então.

No Decreto-Lei de 1940 não se concebia a alteração do objeto social como um direito

essencial do acionista, cuja modificação somente seria permissível se houvesse unanimidade

de decisão a respeito. Aquele diploma legal permitia a alteração do estatuto na parte relativa ao

objeto social, por maioria de votos. Contemporaneamente a alteração do objeto social deve ser

feita por quorum qualificado, cuja aprovação exige uma representação de metade dos acionistas

no mínimo, das ações com direito de voto se maior quorum não for exigido pelo estatuto. Nesse

quadro o direito do acionista minoritário ainda é resguardado, possibilitando a sua retirada

como direito do acionista.

Um grave problema é com relação ao ato ultra vires quando isoladamente praticado pelo

acionista controlador ou por administradores da sociedade anônima. No atual sistema brasileiro

se o objeto da sociedade determina a sua capacidade, como se observa na doutrina inglesa, é

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considerada rígida. Na doutrina norte-americana o ato ultra vires será tido como ato nulo,

consideradas as circunstâncias do caso concreto em relação à sociedade. Quem realiza o aludido

ato será o único responsável pelo ato ilícito praticado.

Determinado, como se vê, que a capacidade da sociedade decorre do objeto social, o ato

praticado ultra vires será ineficaz. Assim se deduz do julgamento do Supremo Tribunal, que

declarou a: “A firma social não se obriga perante terceiros pelos compromissos tomados em

negócios estranhos à sociedade”441.

Nessas condições, a deliberação do acionista majoritário controlador que afrontar as

balizas do objeto social que determina a sua atuação, ir além do objeto da sociedade, consumada

com a complacência dos administradores, há de ser considerado ineficaz em relação à

sociedade, tornando-se da responsabilidade civil de ambos. Essa solidariedade se estabelece

entre o controlador e o administrador, por força da regra do § 2º, do artigo 117, que determina

que o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista

controlador.

Não se deve confundir os atos ultra vires praticados além do objeto social, com os atos

violadores de cláusulas restritivas dos poderes de gerência. As cláusulas que limitam os poderes

dos gerentes, proibindo-lhes a prática de certos atos pessoais e obrigacionais, tais como a

concessão de aval, endossos, de fianças, etc., não afetam o objeto social, estão contidas pela

jurisprudência dominante de nossos tribunais, na responsabilidade pessoal de quem os praticar,

não atingindo a sociedade. Portanto consiste em orientar a companhia para possíveis fins

estranhos aos objetivos sociais.

No direito britânico e norte-americano aparecem o ato ultra vires the company e o ato

ultra vires the agente, consistindo o primeiro em ultrapassar os objetivos sociais, ou desviá-los.

O segundo consiste em ultrapassar os objetivos sociais, ou desviá-los. Isto porque pode haver

uma extensão da responsabilidade civil do acionista quando na posição de controle da

companhia, ou praticado em decorrência de uma postura do gestor, e até mesmo de uma decisão

colegiada oriundo de uma diretoria ou órgão da sociedade empresária que traçou o desvio.

Essa prática ou postura está associada ao tema que os membros do Conselho de

Administração desenvolvem no colegiado por voto próprio, ou através do voto representativo

do acionista que o conduziu ao órgão. Por isso Waldírio Bulgarelli442, alerta para os “atos dos

441 R. E. nº 361, in R. F. 1/217; R. E. nº 68.104, de 1969. 442 BULGARELLI, Waldírio. 2003, p. 129.

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administradores que violarem ou ultrapassarem os limites do objeto social definido no estatuto

serão ultra vires, ou seja, serão atos exercidos além dos poderes da sociedade”.

As consequências jurídicas de maior relevância, quando configurado o ato ultra vires,

aparece a hipótese de entender a não vinculação obrigacional da sociedade em negócio jurídico

que extrapolou o objeto social, ou a nulidade do negócio. Mas existe tendência para

compreender que de tal situação advém responsabilização solidaria, por entender existir vínculo

da sociedade empresária e do administrador.

Da digressão sobre o tema colhe-se opiniões sintetizando quando uma sociedade praticar

atos contrários ou excedentes ao objeto social, não expressamente permitidos ou vedados pelo

estatuto, respondera perante aqueles que de boa-fé sofreram danos, quer sejam acionistas,

sócios, credores, concorrentes ou terceiros que direta ou indiretamente sejam os prejudicados.

A sociedade empresária responde perante terceiros, o administrador responde perante a

sociedade, e ao sócio ou acionista fica ressalvado o direito à dissolução parcial ou à retirada.

Com a observação do entendimento que a sociedade só não respondera quando puder provar a

ma-fé de quem pretende responsabiliza-la. Observe-se o art.158 da Lei das Sociedades

Anônimas.

Portanto o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair

em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão, o que difere de responsável civil.

Há responsabilidade civil quando o administrador causar prejuízos decorrentes da “violação da

lei ou do estatuto”. Assim visto, convém o exame da situação do acionista minoritário,

envolvendo o acionista dissidente.

5.6 O acionista minoritário (acionista dissidente)

Quando se aborda as relações entre acionista majoritário e acionista minoritário aparece

necessariamente, o exame das posturas de proteção em favor da minoria dissidente, e a proteção

em favor da minoria acionária.

O controle minoritário pressupõe a existência de uma minoria organizada de acionistas,

ao lado de uma maioria isolada e desinteressada no exercício de seus direitos. A organização

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da minoria visa a contrabalançar o poder de controle, bem como a concentração de votos dos

não-controladores, para o exercício dos direitos próprios dos minoritários443.

O legislador brasileiro admite implicitamente a possibilidade de um controle minoritário,

assentado no entendimento que nunca é presumido de acordo com as circunstâncias, tal como

ocorre em algumas legislações estrangeiras444.

A rigor, um controle minoritário bem estruturado, em companhia de grande

pulverização acionária, pode atuar com a mesma eficiência que um controle

majoritário. Mas a lei brasileira estabelece uma distinção importante, ao

impor, para a aprovação de certas deliberações, o concurso do voto de metade,

no mínimo, do capital com direito a voto (Lei nº. 6.404/76, art. 136)445.

Da afirmação de Lamy Filho compreende-se o quanto ressaltado na Lei das Sociedades

Anônimas, a existência de um sistema de proteção de minoria, assentado no conceito legal,

desde os primeiros documentos oficiais divulgados sobre o Anteprojeto de Lei das Sociedades

por Ações, em maio de 1975, quando explicou, procurando construir normas que se distribuem

praticamente por todos os seus capítulos, um sistema de proteção dos acionistas minoritários,

sem sacrificar, todavia, a ação livre, ainda que responsável, da maioria e dos administradores,

indispensável ao funcionamento e à própria viabilidade da empresa.

Essa dimensão leva a necessária busca de proteção da minoria nos escaninhos da lei. Para

tanto, formula-se não só uma concepção da proteção da minoria em sentido técnico. Por essa

razão é que David446 observa que em diversas legislações estrangeiras o acionista possuindo

certas frações do capital pode convocar ou fazer convocar uma assembleia-geral; pode requerer

de uma autoridade administrativa ou judiciária a designação de peritos para o controle da

contabilidade, e outros. “Tem-se visto na existência de semelhantes disposições, uma proteção

das minorias de acionistas; mas se trata, antes, na realidade, duma proteção de todos os

associados, isto é, da própria sociedade (op. cit., p. 5). E assim formula o princípio de que uma

disposição não protege a minoria, senão na medida em que ela limita a aplicação do princípio

majoritário, não permitindo que a maioria de votos vença a oposição da minoria. Semelhantes

disposições existem, acentua ele, porque não é possível admitir sem reservas, a predominância

da maioria.

443 FARAH, Fátima Regina França. Direito de Voto. Revista de Ciência Politica, 29 (1): 85-95. Jan./mar. 1986. 444 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.

Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. 55. 445 Idem, p. 57. 446 DAVID, René. La Protectionles Minorités dans lês Societés par Actions. 1926, p. 5.

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A proteção, no caso da lei brasileira, contida no artigo 15 da Lei nº.10.303/2001, procurou

colocar uma redoma maior, por entender como necessárias, e doutrinadores dão razão a esse

posicionamento, uma vez que ao separar, de algum modo, aparecem regras que possibilitam

distinguir, e ao mesmo tempo dão efetiva proteção a minoria, que possa servir, e para permitir

dissidência na composição da sociedade anônima, tutelando os interesses legítimos quando

violados.

A proteção específica do acionista minoritário tem sede em texto legal, mas não é nítida

no âmbito das normas da proteção geral do acionista e da sociedade. Por isso é que na discussão

em que examina essa proteção, é importante mostrar os mecanismos postos à disposição da

minoria, para realizar seus propósitos de participação efetiva na sociedade. Essa proteção

também precisa de constante aperfeiçoamento na linha desenvolvida por Comparato e Salomão

Filho, afirmando que:

A rigor, um controle minoritário bem estruturado, com companhia com grande

pulverização acionária, pode atuar com a mesma eficiência que um controle

majoritário. Mas a lei brasileira estabelece uma distinção importante, ao

impor, para a aprovação de certas deliberações, o concurso do voto de metade,

no mínimo, do capital com direito de voto. (Lei nº. 6.404/74, art. 136)447.

Esses mecanismos que se põe em destaque são os que asseguram, como os basicamente

estão veiculados, como:

a) representação da minoria no conselho de administração e no conselho fiscal;

b) o direito de retirada do minoritário, nos casos previstos na lei;

c) o “quorum”, da assembleia-geral, quando agravado por norma estatutária.

Compreende-se e vale insistir que esse panorama se refere apenas às hipóteses especificas

na qual a minoria atua por sua iniciativa, com a determinação ativa de participar da vida social,

opondo-se à maioria controladora, e não se refere às regras de ordem pública essenciais de que

a lei possa atuar nesse setor; a minoria dissidente há de ter a determinação de se confrontar com

o controle para realizar concretamente o seu interesse.

A representação da minoria constitui um dos mais expressivos direitos de proteção na

relação entre sócios, e com maior envergadura no seio das sociedades anônimas, e de igual

forma nas sociedades de economia mista. Pode-se de igual modo estabelecer sintonia no que

tange a participação do membro no conselho de administração e no conselho fiscal, pois,

447 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.

Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. 57.

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também nesses órgãos há presença das maioria e minoria, especialmente quando a maioria não

tem capacidade de imposição de membros nesses conselhos, por alguma deficiência politica e

ou até decorrente de situação estatutária ou legal, tendo que ajustar a composição nesses

quadros via negociação. Sabe-se que a administração da companhia competirá, conforme

dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria.

O conselho de administração é órgão de deliberação coletiva, sendo a representação da

companhia privativa dos diretores. Descarta-se, assim, da representação minoritária, desde

logo, a diretoria, pois esta é da escolha do conselho de administração e, não existindo esse, da

assembleia-geral, salvo em situações singulares e decorrente de alguma negociação.

Quando se trata da minoria no Conselho de Administração, ou seja, quando o aludido

colegiado tenha representação da minoria, o que ocorre amiúde no conselho de administração,

quando este existe, porque nem sempre o conselho de administração é obrigatório, mais

presente nas companhias abertas, na sociedade de capital autorizado e nas sociedades de

economia mista, são obrigatórias, devem estabelecer ajustes de forma a atender os meandros da

matéria. Assim, as sociedades fechadas sem conselho de administração não ensejam a

representação da minoria, por obvia inadequação, salvo em situações excepcionais.

Dispondo o estatuto da companhia que deve existir um conselho de administração, como é

obrigatório para as companhias abertas e para as de capital autorizado, mas facultativo

conforme o estatuto para as sociedades anônimas fechadas, a minoria tem à representação em

seu seio, e essa parcela de acionistas tem representação que é efetivada, e expressa sua vontade

através do voto.

A disposição legal que regula o exercício do voto múltiplo, trata da eleição dos conselheiros

mostra a faculdade dos acionistas, que representem no mínimo um décimo do capital social

com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção desse processo,

atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho. Reconhece-se

ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato ou distribuí-lo entre vários. Essa

faculdade deverá ser exercida por acionistas até quarenta e oito horas antes da Assembleia-

geral, evidentemente para dar tempo para a maioria se compor em torno de seus candidatos. A

mesa que dirigir os trabalhos da assembleia informará previamente à vista do Livro de Presença,

o número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho.

Dispõe a lei que se o número de membros do conselho de administração for inferior a cinco,

é facultado aos acionistas que representam 20% (vinte por cento) no mínimo do capital com

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direito a voto, a eleição de um dos membros do conselho de administração nem sempre

ocorrerá, devido ao processo de eleição e do número de votos estabelecidos pelo presidente de

mesa, para a eleição da cada membro do conselho.

No Brasil a lei societária consagra o controle minoritário como princípio dentro do capital

total da sociedade. A famosa regra que permitia a existência de até dois terços do capital total

da empresa representados por ações preferenciais – sem voto – agora reduzida a no máximo

50% do capital total – nada mais é que a consagração legal em busca do controle minoritário.

O sistema brasileiro pode ser caracterizado como um sistema em que há opção clara pelo

controle minoritário, no que respeita o capital total da companhia448.

O controle minoritário e o seu grau de aceitação que Comparato e Salomão Filho dão ao

tema, são importantes e precisa ter o cuidado para dissecar o controle minoritário dentro do

capital com direito e voto do capital total. Por isso alertam os doutrinadores para a ausência de

uma definição legal do poder de controle, gerando inquietação, que presume estar superada com

o advento do artigo 116 da atual lei, compreendendo ser eventual a hipótese de haver

controlador minoritário.

Abordadas algumas das circunstâncias que envolvem o acionista minoritário, aspectos da

maioria e minoria, vale comentar, pelo menos tenuamente, a oclusão da representação da

minoria por manobra da maioria.

5.7 A oclusão da representação da minoria por manobra da maioria

Dizem que a oclusão da representação da minoria seria uma manobra da maioria, por uma

situação construída ou desenvolvida por acionistas interessados em obstruir o direito da minoria

através de manobras que poderão tornar-se ou considerar-se corriqueiras no mundo de negócios,

onde alguns procuram fazer prevalecer a vontade do mais forte, o uso de expedientes não

admitidos em lei, engendrando astucias, ou aproveitando-se de algum descuido do concorrente,

do adversário, para usufruir, fomentar vantagem e benefícios.

É comum observar que essas praticas acontecem em circunstancias entre muros da

sociedade empresaria, especialmente naquelas constituídas sob a forma de sociedade anônima,

448 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima.

Gen Forense, 6a. ed., 2014, p. 57.

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quer fechada e ou aberta, cujos membros da sociedade ou representantes da maioria convocam

assembleia-geral, ditando matérias para discutir em uma pauta, alvo de deliberação, por

exemplo: a extinção do conselho de administração, promover a alteração do estatuto, e outras

que podem gerar significativas mudanças na vida societária.

Dentre as hipóteses de interesses dos acionistas, pode acontecer a manipulação das

condições de gestão da companhia, como a busca de preencher espaços que de algum modo

consignam concretizar objetivos não transparentes, utilizando de habilidades próprias ou de

terceiros para influenciar seus pares com a finalidade de obter alinhamento e parcerias.

É comum, a titulo de exemplo, a inserção de determinado assunto numa pauta de

discussão que propicia atender certas conveniências, conduzir sequencialmente para obter

deliberação que afete os interesses de alguma parcela inadvertida de acionistas da sociedade

empresaria, como a hipótese de alteração estatutária que somente pode ser admitida com

determinado quorum, e em outras situações singulares, cujos objetivos podem se concretizar,

senão, via subterfúgios.

Alguns versados em estratagemas chegam a afirmar que contra essas manobras a minoria

pouco se dá conta, em virtude da inadvertência, ignorância, desprezo pela participação diligente

na defesa dos seus interesses no colegiado; tornam-se absenteístas, sequer atento ao direito de

recesso.

Igual procedimento da maioria pode acontecer com a representação da minoria no

conselho fiscal e em outros órgãos societários, quando pode haver frustração da minoria no seu

propósito de representação em algum colegiado. Basta para isso que a maioria destaque

acionistas de seu grupo que se disponha falsamente declarar dissidência para disputar a

representação do terço do conselho fiscal e suplente, numa manobra que pode se caracterizar

em uma suposta verdadeira minoria dissidente. Pois, existindo uma suficiente força eleitoral, a

falsa minoria pode empalmar a eleição, destruindo assim a ação dos verdadeiros acionistas

dissidentes, suplantado por aqueles que tem o maior poder de votos. Contra isso nada podem

fazer os autênticos acionistas minoritários, que ficarão frustrados nos seus direitos de

representação.

No Brasil a hegemonia com relação aos privilégios e as responsabilidades são totalmente

atribuídos aos controladores, com base no dispositivo que determinava que somente os titulares

de ações nominativas, endossáveis e escriturais poderiam exercer o direito de votar. A Lei nº.

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8.021, de 1990 acabou sendo o involuntário veículo de democratização das ações ordinárias, ao

tornar, todas, a partir de 1992, nominativas registradas ou escriturais.

A evidente hegemonia dos controladores permanece, no entanto, pelo contingente de

preferenciais sem voto mantido inalterado para as companhias abertas e fechadas constituídas

antes da vigência da Lei nº. 10.303, de 2001 (art. 15, c/c o art. 8º da Lei nº. 10.303, de 2001),

pelos acordos de acionistas, e, ainda pela criação de classes de ordinárias, nas companhias

fechadas. Tem-se como consequência direta o esvaziamento do poder real da assembleia de

acionistas, que por força do art. 118, face a redação dada pela Lei nº. 10.303, de 2001, passa a

ser exercido pela reunião prévia dos controladores.

Por interpretação dada a Lei nº. 10.303 de 2001, teria sido projetada para dar cabo ao

fechamento de fato do capital de grande parte das companhias estatais privatizadas e para

introduzir padrões de governança corporativa que permitiriam o convalescimento do mercado

de capitais. O artigo 4º estabelece a obrigatoriedade de Oferta Pública Obrigatória – OPA de

fechamento de capital. E, o artigo 15 determina que as companhias constituídas após a vigência

da Lei n. 10.303, de 2001, obedeçam ao regime de paridade entre ações preferenciais e

ordinárias. Para Carvalhosa nesse avanço estão isentas as companhias preexistentes, que

poderão ad alterum manter a disparidade de ordinárias e preferenciais (art. 8º da Lei n. 10.303,

de 2001). No artigo 17 está a favor dos preferencialistas uma séria de possibilidades de

dividendo preferencial, que deverão ser, no entanto, escolhidos pela companhia, em alteração

estatutária. Lamenta Carvalhosa que nesse passo verifica que a única medida salutar trazida

pela Lei n. 9.457, de 1997, obrigando as companhias a pagar dividendos de 10% a maior para

os preferencialistas, a par do critério de dividendo fixo ou mínimo, foi desbaratada pela Lei nº.

10.303, de 2001.

Muitas manobras poderão ser exercitadas pelo acionista majoritário, ou quando vários

acionistas se reúnem formando um feixe que venham criar situações fáticas e ou de direito

possibilitando impedir que a minoria possa levar ao órgão, a qualquer colegiado, pleito que

venha sofrer dano, ou possa ser reconhecido algo em desfavor da maioria.

Portanto, muitas são as situações em que a maioria pode usar de alguma nuance de poder

acionário, inclusive com um lastro recheado de artifícios sob manto de legalidade, mas com

algum intuito inconfessável de prevalecer interesse, conveniência.

Desse modo, vale examinar, mesmo de modo singelo o direito de retirada do acionista

minoritário quando perceber não só do dano a acontecer, mas, também, da impossibilitado de

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defender a sua posição na sociedade empresaria, quer em relação ao todo da companhia ou

quando em circunstancia pessoal, individual, sozinho, tem de exercitar alguma posição mais

severa.

5.8 O Direito de retirada

O tema é vasto e controverso, mas encontra amparo legal, que, resumido, inicia-se com o

conteúdo do artigo 109 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que disciplina as sociedades

por ações, o qual, segundo abalizados juristas, estabelece os chamados direitos essenciais. Esses

direitos, também conhecidos por direitos intangíveis, fundamentais ou inderrogáveis do

acionista.

Dita a dispositivo legal, que: nem o estatuto social nem a assembleia geral poderão privar

o acionista dos direitos de participar dos lucros sociais; participar do acervo da companhia, em

caso de liquidação; fiscalizar, na forma prevista na Lei, a gestão dos negócios sociais;

preferência para subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures

conversíveis em ações e bônus de subscrição, devendo observar o disposto nos arts. 171 e 172,

inclusive, retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei.

Da mesma forma a lei expressa que os meios, processos ou ações estão assegurados,

conferindo ao acionista, seus direitos, que não podem ser elididos pelo estatuto ou pela

assembleia geral. Verifica-se, pois, haver, numa primeira aproximação com o tema, que o

direito de recesso se insere no âmbito desses direitos essenciais ou intangíveis, expressos no

inciso V do art. 109 da Lei das sociedades anônimas.

Coadunando com esse entendimento, merece destacar a definição esposada por Modesto

Carvalhosa sobre o direito de recesso, como a faculdade legal do acionista de retirar-se da

companhia, mediante a reposição do valor patrimonial das ações respectivas. Nessa linha e

estudo, compreende como um direito que tem o acionista discordante das deliberações da

assembleia geral sobre matérias taxativamente previstas em lei, de retirar-se da companhia

mediante o reembolso do valor de suas ações.

Sustenta Requião que o direito de se retirar da sociedade nos casos previstos em lei,

conforme o inciso V, do artigo 109, além de ser um direito essencial, constitui especificamente

um direito de proteção da minoria. E, com efeito, se o acionista minoritário identifica o acionista

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ativo na defesa de seus interesses a ponto de se colocar em dissidência perante a maioria,

portanto, o direito de retirada será próprio da atuação específica do acionista minoritário.

Considera-se que o direito de retirada constitui uma garantia do acionista dissidente, e não

apenas do acionista em geral.

A aprovação da criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente sem

guardar com as demais, salvo se já previstos no estatuto, alterações nas preferenciais, vantagens

e condições de resgate e amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação

de novas classes mais favorecidas; alteração do dividendo obrigatório; mudança de objeto da

companhia; incorporação da companhia em outras, sua fusão ou cisão; dissolução da companhia

ou cessação do estado de liquidação; participação em grupo de sociedades, são motivos que

proporciona ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante o reembolso

do valor de suas ações, se o reclamar à companhia no prazo de trinta dias contados da publicação

da ata da assembleia-geral.

Como se vê, a retirada do acionista com seus haveres sociais constitui um dos mais

importantes mecanismos que a lei concede ao acionista minoritário que dissentir da atuação da

maioria, nos casos legalmente indicados e acima enunciados. Entretanto, em benefício da

sociedade, pode a maioria reconsiderar a deliberação do minoritário dissidente, e convocar, nos

dez dias subsequentes ao termo do prazo de trinta dias, a assembleia-geral. Essa decisão

reconsidera ou ratifica a aludida deliberação. Entendem os preocupados com a saúde econômica

financeira da sociedade empresária, que decisão pelo pagamento do reembolso das ações aos

acionistas dissidentes, que exerceram o direito de retirada, poderá colocar em risco a

estabilidade financeira da empresa. Importante destacar que decaíra do direito de retirada o

acionista que o não exercer no prazo fixado.

O direito de recesso ou de dissidência do acionista, ou pela redação legal como direito de

retirada, é matéria que vem dando margem às mais calorosas discussões, muitas vezes situa-se

no epicentro dos conflitos entre acionistas controladores ou que disputam esse comando de um

lado, e os acionistas minoritários de outro.

O recesso é o instituto que reflete a tensão entre os interesses individuais dos sócios,

gerando conflitos, forçando discussões de grande importância, face as necessidades para o

desenvolvimento da empresa, consideradas válidas ou não.

O acionista pode por vontade não querer permanecer participando no capital social de

uma empresa que não atende mais aos seus interesses, por isso o legislador procurou proteger

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esse acionista e permitir que ele se desligue da companhia, pela qual ele não mais se sente

atraído. A par das discussões essencialmente jurídico-doutrinárias sobre a natureza desse

direito, em princípio, a de um negócio jurídico que produza extinção da relação jurídica entre

o acionista e a companhia, caracterizando-se por ser uma manifestação unilateral de vontade

ou reclamação, como soa na voz de Pontes de Miranda.

Na visão de Lucca449 haveria impropriedade no quadro dos direitos individuais dos

acionistas, face o caráter eminentemente ideológico desse direito, mostrando posições

convergentes como a de Aurélio Menéndez Menéndez, depois de assinalar que a concepção

democrática da sociedade anônima, enquanto forma de grande empresa em crise com a

tendência de concentração e de unificação do poder, acelerando-se cada vez mais, dado que a

necessidade de assegurar a maior eficácia possível à gestão da empresa social, fez com que o

poder se deslocasse para os chamados órgãos da administração, tecendo as seguintes

considerações:

Si es esta Ia realidad, es natural que nos preguntemos sobre eisentido que

desde esta perspectiva puede tener la diferenciación entre accionistas de

control y accionistas inversores defondos, o si se quiere, para seguir

recordando Ias ideas expuestas, sobre ei sentido que tienen las acciones sin

voto. Parece que por este lado Ia respuesta no es dudosa: Ias acciones sin voto

significarían que en uma buena parte Io que era Ia piedra de toque de Ia

organización dei poder queda suprimida. En otros términos, que frente a una

sociedad anônima de base democrática, com ei voto dei sócio como

origendetodo poder y Ia soberania de Ia junta como principio cardinal de su

estructura, caminamos hacia una sociedad anônima que, volvendo encierto

modo — solo encierto modo — a Io que fueen sus orígenes, trata de suprimir

ei voto dei accionista y de constituirse sobre una base más bien oligárquica,

fundada en ei domínio de los sócios que aspiran a participar en Ia

administración y en ei poder de gestión concentrado en los órganos de

dirección y Ias minorias de control. Pero desde este momento decae o

desaparece ei instrumento de defensa dei accionista en forma particularmente

aguda. Y ei Derecho que, como Ia Naturaleza — según uma feliz expresión

— 'tiene horror ai vacío', buscará, sin duda, los mecanismos compensadores

ai poder liberado de los administradores y los equipos de dirección.

Lucca aventa a possibilidade de não estar convencido de que o conteúdo do direito de

recesso não se confunde efetivamente com a essência dos chamados direitos individuais ou

intangíveis do acionista, resultando daí, talvez, a melhor explicação para a sua assimetria entre

as mais diversas legislações, e mesmo para a completa inexistência de outras. Assim não se

confundiria pela simples razão de que entre os direitos individuais dos acionistas estão

albergados direitos de natureza diversa. Para tanto mostra o entendimento de Fábio Konder

449 LUCCA, Newton. Direito de recesso no direito brasileiro e na legislação comparada. Revista da Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo. V. 94. 1999. p.p. 105-107.

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Comparato, destacando tanto a existência de direitos materiais, com a finalidade voltada à

obtenção de bens econômicos, quanto a de remédios jurídicos, estes consubstanciados nos

meios ou recursos de realização ou de proteção daqueles direitos materiais.

Esclarece Comparato, que alguns dos direitos individuais dos acionistas correspondem

a prerrogativas essenciais do sócio, independentemente do tipo de sociedade mercantil, pois

tais prerrogativas seriam inerentes a qualquer sociedade, podendo-se afirmar que, sem aquelas

não existiria esta última. Exemplifica “com o caso paradigmático do direito de participar dos

lucros sociais, com a correlata regra da nulidade das sociedades leoninas”, assentado no art.

288 do Código Comercial.

Completa Comparato:

Já o mesmo não ocorre quando o direito individual é reconhecidoem lei

unicamente para a proteção do interesse minoritário, a modo de contrapeso ao

princípio do governo social pela maioria. Exatamente porque não se cuida, aí,

de prerrogativa ligada à própria essência da sociedade, nem todas as

legislações consagram tais direitos, ou os alçam à categoria de poderes

intangíveis.

Afirma Lucca que a inserção do direito derecesso no âmbito dos chamados direitos

individuais, essenciais, intangíveis ou fundamentais do acionista - a par de sua notória

insuficiência teórica, posto situar-lhe o gênero próximo sem, contudo, indicar-lhe a diferença

específica, que pode representar até mesmo um certo perigo, na medida em que parece retirar

do direito de recesso a sua verdadeira natureza de um remédio jurídico. E por se tratar de

remédio, entende Lucca ser francamente favorável à existência desse direito de recesso, não-

obstante os problemas que a sua utilização abusiva gera, não apenas na vida empresarial

brasileira, como, igualmente na legislação de outros países.

Arrematando: “Mas já se disse, com felicidade, que a diferença entre o remédio e o

veneno é a quantidade. Pois bem: o recesso bem dosado sempre foi e continuará sendo um

remédio jurídico; se mal, infelizmente, degenera em abuso”.

Importante ressaltar, que pode deixar de existir fundamento para o exercício do direito

de recesso nas companhias abertas quando o acionista tem ampla e irrestrita possibilidade de

negociar livremente os seus papéis nas Bolsas de Valores.

Argumentam outros doutrinadores que o direito de recesso fora utilizado de forma

impertinente de suas verdadeiras funções, a ponto de falar-se numa “indústria do recesso”. No

entanto, como alude Lucca, que esse direito representa um dos mais importantes mecanismo de

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contrapeso ao poder incontrastável do acionista controlador, sendo, de certo modo, o reverso

da medalha, na qual um de seus lados estampa a garantia constitucional de cada um poder

associar-se livremente.

Vistos os aspectos dos fundamentos relativos ao direito de retirada do acionista

minoritário, passa-se ao exame da assembleia como órgão supremo da companhia.

5.9 Assembleia

Assembleia é o órgão de participação direta pelo qual os sócios tratam das grandes decisões

da organização, considerado como o órgão social supremo da sociedade anônima. A assembleia

geral tem o cerne do poder social. É o órgão legislativo e de supervisão com poderes para

nomear e revogar nomeações para os outros órgãos da companhia, criar órgãos sociais não

previstos na lei, e alterar os estatutos da sociedade empresária.

Nos primeiros momentos da sociedade por ações no Brasil, a assembleia-geral era um

órgão inexistente, o seu aparecimento foi em 1808 nos estatutos do Banco do Brasil, reunindo

quarenta dos seus maiores acionistas capitalistas.

O Decreto-Lei nº. 2.627, de 1940, pelo artigo 86 definia a assembleia geral como a

reunião dos acionistas, convocada e instalada na forma da lei e dos estatutos, a fim de deliberar

sobre matéria de interesse social.

Analogamente na pesquisa da realidade de poder na sociedade anônima, não se pode

contentar com a afirmação legal de que a assembleia-geral, convocada e instalada de acordo

com a lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da

companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento. O

controle manifesta-se através dos poderes decisórios da assembleia de acionistas como

necessária legitimação do seu exercício. Mas essa legitimação é meramente formal ou

procedimental450.

A assembleia pode ser entendida como o conjunto de acionistas reunidos, mediante

convocação e instalação realizadas de acordo com a Lei das Sociedades Anônimas e na forma

do estatuto da companhia, para deliberar sobre matéria de interesse social, quaisquer negócios

450 COMPARATO, Fábio Konder. SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 6a.

ed., Forense, Rio de Janeiro, 2014, p. 33.

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relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e

desenvolvimento.

A assembleia geral é um órgão legislativo da sociedade, que toma deliberações, que

constituem, ora declarações de vontade, ora declarações de ciência. Quando a assembleia geral

modifica estatutos, quando elege ou destitui diretores, quando aprova balanços e contas, revela

uma declaração de vontade da maioria que se torna vinculativa para todos os acionistas,

constitui, preenchidas as formalidades de registro e publicidade, uma declaração de vontade da

própria sociedade, com eficácia relativamente a terceiros, como afirma Ascarelli.

Para Massineo a assembleia é um corpo colegiado, e as suas deliberações constituem

manifestações de vontade colegial, atos unilaterais não receptícios, atos complexos ou

coletivos, no qual todos os participes não tem em vista interesses divergentes, mas interesse

comum nas palavras de Navarrini.

Para Rodrigo Uria as deliberações assembleares constituem negócios jurídicos

unilaterais, embora formados pela coincidência de uma série de vontades individuais (as dos

sócios, que votam a favor de certa deliberação), que se fundem para formar a vontade coletiva,

porque é declaração de vontade de uma só parte (a sociedade) e porque, ademais, é ato colegiado

no sentido lato, isto é, ato que, embora se realize por pluralidade de pessoas, como estas agem

como componentes de um mesmo órgão, não perde sua condição unitária.

Até a deliberação unânime da assembleia dos componentes (resultado formal), ou da

assinatura da escritura, há apenas declarações de vontade paralelas, todas vinculativas, se

preencheram os requisitos legais. Atendidos essas exigências, a deliberação da assembleia com

a assinatura da escritura pública, aquelas vontades perfazem o ato jurídico coletivo.

Semelhante, quanto às sociedades anônimas, conforme a subscrição do capital, totalmente

cheia ou sucessiva é pressuposto necessário. Dentre os órgãos comuns da sociedade anônima,

estão a assembleia geral, a diretoria, o conselho de administração, o conselho fiscal. A

assembleia geral enfeixa a maior soma de poderes, é o órgão ou o poder supremo da sociedade

anônima, “l’âme même de La personne morale” – na expressão de E. Thaller451, o centro

propulsor do organismo social.

Para os doutrinadores do século passado, a assembleia geral é o poder legislativo da

sociedade empresaria, ela faz o estatuto da companhia que é a lei da mesma, podendo reforma-

451 E. Thaller. Traité Élémentaire de Droit Commercial. Editora Arthur Roussseau, 1910, nº. 681, pág. 438.

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lo, proporcionar a realização dos contratos mais importantes, que afetam a sociedade, bem

como fazer com que outros instrumentos possam ser convalidos por sua condição legal, e

autorizar que os administradores realizem atos jurídicos específicos sob a sua expressa

determinação.

Na expressão de J. X. de Carvalho de Mendonça, a assembleia geral representa a vontade

social nos limites da lei e dos estatutos. A assembleia geral tem poderes para resolver todos os

negócios relativos ao objeto de exploração da sociedade, e para tomar as decisões que julgar

convenientes à defesa desta, e ao desenvolvimento de suas operações.

A assembleia tem a liberdade de aprovar, modificar ou rejeitar as propostas que são

apresentadas. O voto conferido numa assembleia pode não levar em consideração alguma

posição contida na pauta para a realização, bem como de não tratar assunto que entenda não

relevante, além de não abrir discussão sobre um objeto da ordem do dia, equivale à rejeição.

Os poderes das assembleias gerais são amplos, não são, todavia, ilimitados. O círculo de

sua ação acha-se traçado na lei e nos estatutos (ou contrato social a depender do tipo da

sociedade empresária), sendo nulas ou anuláveis as deliberações que, de qualquer forma, firam

ou contrariem a lei ou os estatutos.

Assim é que não poderá a assembleia geral privar qualquer acionista a direito de participar

dos lucros sociais, observada a regra da igualdade de tratamento para todos os acionistas da

mesma classe ou categoria, bem como do direito de participar, nas mesmas condições do acervo

social, no caso de liquidação da sociedade, e do direito de fiscalizar a gestão dos negócios

sociais, do direito de preferência para a subscrição de ações no caso do aumento do capital e do

direito de se retirar da sociedade de acordo com a legislação. A assembleia é considerada uma

redoma da paridade societária que se propõe resolver internamente os conflitos entre sócios.

Não pode a assembleia geral limitar ou anular os direitos conferidos em lei aos acionistas,

quer individualmente, quer como parte componente da sociedade, nem favorecer um acionista,

ou qualquer que seja a pretexto aparente invocado em apoio de decisões, não obstante a sua

regularidade formal.

Não poderá ainda a assembleia ofender direitos adquiridos de um ou mais acionistas,

ainda a pretexto de modificar os estatutos, suprimir obrigações assumidas (salvo com expresso

consentimento dos acionistas), tampouco ofender direitos e interesses de terceiros. Muito

menos deliberar sobre doações ou incompatível liberalidade com o objeto a que se propõe a

sociedade. Não pode haver prorrogação dos poderes de seus administradores, suscetíveis apenas

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de renovação pela reeleição. Essas limitações, práticas, e atos não só constituem como princípio

aceito sem discrepância, como visam evitar atos de prepotência.

Atente-se para o aspecto de atribuir as assembleias poder discricionário, que muitos se

opõem, porque seria subverter todos os dogmas da injunção contratual entre os contraentes e

armar as assembleias de soberania para aniquilar, invalidar, confiscar direitos, cuja aquisição

perfeita e consumada feriria de infirmeza e incerteza talante da maioria dos acionistas, sequer

contra os compromissos firmados, fixados e assumidos de lado a lado no contrato estatutário.

Se as assembleias aprovarem um ato contra os estatutos, esse ato é nulo, e eles não podem se

afastar da orbita por eles traçada. Por isso não podem as assembleias tratar de assuntos estranhos

ao objeto e ao fim da sociedade. As resoluções propostas ao voto na assembleia hão de ser

concordes com o espírito do pacto social, e preceder de noção de utilidade para a sociedade.

Da mesma forma, deve procurar seguir a uma pauta previamente elaborada, que em geral

adota com caráter obrigatório o quanto as disposições legais descrevem, como na convocação

as matérias que serão conhecidas, examinadas e votadas se for assim deliberado. Também

elencam assuntos importantes do interesse da companhia, e ou dos acionistas para exame e

decisão, quer por iniciativa dos administradores, quer por provocação dos sócios.

As matérias que presentes na ordem do dia, pauta, sejam compatíveis com os dispositivos

legais, com os assuntos empresariais, que sejam para atender os interesses dos acionistas /

sócios da sociedade empresária.

Cada órgão da sociedade anônima tem poderes definidos, cujo estatuto tem as suas

atribuições perfeitamente estabelecidas, com as propriedades legais para delegar poderes a

outra pessoa, evitando-se confusão ou perturbação no mecanismo das sociedades anônimas. A

assembleia geral embora seja o órgão supremo de direção e administração da sociedade, é o

que maiores poderes enfaixam.

A diretoria, o conselho de administração, o conselho fiscal e outros órgãos criados por lei

ou pelo estatuto, possuem poderes próprios.

Existe ato que a assembleia geral não pode examinar e tampouco executar por se tratar

da alçada exclusiva da diretoria, ou do conselho de administração, ou do conselho fiscal, ou de

determinado setor, especialmente conferido na lei, ou quando a lei ou estatuto social

expressamente delimita esse ato. Portanto é imprescindível que esteja presente e ocorra a

harmonia entre os órgãos, para que a sociedade possa perfeitamente se desenvolver, e desse

bom comportamento, gerar a consecução dos objetivos sociais, com o funcionamento

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sincrônico dos órgãos, cada qual se desincumbindo de suas atribuições, auxiliando-se

mutuamente, sem interferir na esfera de ação dos demais. Dai a importância que a definição do

poder de dominação ou controle na sociedade anônima, é sempre feita em função da

assembleia-geral, pois é ela o órgão primário ou imediato da corporação, que investe todos os

demais e constitui a última instância decisória452.

Na reunião dos sócios também é um momento relevante de prestação de contas, para a

prática da transparência pela administração, sendo oportunidade valiosa para que os sócios

possam contribuir com a organização, apresentando ideias e opiniões.

No corpo do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa453 vê-se as

práticas que devem ser encetadas pelos sócios quando participar da assembleia geral. Os sócios

devem comporta-se de forma diligente e informada, uma vez que têm responsabilidades para

com a organização e devem exercer seu direito de voto no melhor interesse dela. Os

administradores devem utilizar a assembleia geral para efetiva prestação de contas, a fim de

permitir que os sócios avaliem o desempenho da organização.

Pelo mesmo Código estão elencadas as práticas de Governança Corporativa,

determinando a aqueles que administram recursos de terceiros, gerencia fundos de

investimento, e se envolvem com investidores institucionais, tem o dever de participar das

assembleias, exercendo seu voto no melhor interesse da organização.

Incluem-se entre as principais competências da assembleia geral: aumentar ou reduzir o

capital social e reformar o estatuto/contrato social; eleger ou destituir, a qualquer tempo, os

conselheiros de administração e fiscais; tomar, anualmente, as contas dos administradores e

deliberar sobre as demonstrações financeiras; deliberar sobre transformação, fusão,

incorporação, cisão, dissolução e liquidação da organização; deliberar sobre a avaliação de bens

que venham a integralizar o capital social; aprovar a remuneração dos administradores e

conselheiros fiscais.

Visto os aspectos relevantes da assembleia, examina-se o Conselho de Administração e

o membro do órgão.

452 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 6a.

edição, 2014, GenForense, p. 43. 453 Código das Melhores Práticas de Governança Corporativas. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.

5a. edição. São Paulo - www.ibgc.org.br

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5.10 O conselho de administração e o conselheiro

Os atenienses instituíram a figura do conselho para coadjuvar as decisões das suas

assembleias. Os séculos passaram. As sociedades continuam na procura de se organizar cada

vez mais, utilizando das opiniões de pessoas sábias, para dar norte aos seus rumos. Muitos

ciclos e marcos civilizatórios foram sedimentados pela vivência, experiências do ser humano.

Procede-se um salto para avançar no tempo.

Observando alguns acontecimentos que mereceram destaques, com discussões das mais

diversas, com o intuito de obter acertos ou para superar as dificuldades encontradas, muitos

desses procedimentos obtiveram sucesso, proporcionando o sabor da vitória para ensejar novas

empreitadas e desafios.

No curso da vida os homens se depararam com muitas demandas que necessitava de uma

segura opinião, que foram submetidas a mais de uma pessoa. Os grupos sociais resolveram

sabiamente formar, reunir certas pessoas para obter conselhos, servindo como elemento

facilitador para conseguir soluções para oferecer ao líder desse grupo.

Assim o administrador do grupo político-social, depura opiniões, e constrói ações. As

opiniões e soluções proporcionadas, especialmente quando as endossadas pelo líder da

comunidade, passaram a ser um procedimento costumeiro cujo hábito perdura e se engaja, a

considerar como elemento do processo evolutivo do convívio social.

Assim, atravessando vários períodos, saltando de época em época, chega-se ao ano de

1848, na França, lembrando o momento da criação do conselho de Estado naquela nação, com

um parlamento, ou seja, uma casa de representantes com apenas uma assembleia. Essa

recordação avive com preocupação, até mesmo perturba, face algumas das nefastas práticas

registradas naquele lapso da história.

Vê-se que os conselhos cada vez mais são instituídos e reconhecidos, considerados nas

mais diversas órbitas, como necessários para atender as instituições, comunidades,

implementando recomendações, correições no intuito de aprimorar e ajustar decisões que

afetam diretamente os grupos sociais e as sociedades empresárias.

Desses conselhos, em geral, advém fórmulas de pensar e agir, encetando novos

mecanismos, movimentos propícios para melhor construir a sociedade.

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No campo político surge a optação pela dualidade legislativa para servir de modelo para

as associações, com a disposição de atender a gestão dos interesses coletivos. Esse modelo

serviu e amolda para atender a gestão coletiva política, bem como para aperfeiçoar a sociedade

empresária.

A sociedade empresária passou adotar órgãos à semelhança dos encontrados e praticados

nos grupos político-sociais para deliberar assuntos dos seus interesses de maior relevância, e

por sua vez, por semelhança, as sociedades de economia mista utilizam os mesmos alicerces da

administração da sociedade anônima, numa intrínseca conexão para atender a sua

funcionalidade, e obtendo bons resultados, procura alcançar com a igual eficiência que acontece

nas sociedades anônimas, praticamente com as mesmas instalações e funções454.

Os órgãos constituídos no âmbito das atividades mercantis concatenam suas práticas que

se interligam, agindo como pressuposto da distribuição de tarefas.

O Conselho de Administração é órgão obrigatório nas sociedades anônimas de capital

autorizado, nas de capital aberto, e nas sociedades de economia mista; sendo facultativo para

as sociedades anônimas de capital fechado. Esse órgão proporciona estabilidade, segurança e

orientação geral nos negócios da companhia, dentre outros objetivos é a de alcançar as metas

econômicas, sociais e políticas traçadas pelos seus sócios. Os membros desse órgão

habitualmente são denominados conselheiros, escolhidos necessariamente pelos acionistas que

compõe a sociedade empresária. Compete ao Conselho de Administração eleger, destituir, fixar

competências e fiscalizar a gestão dos diretores, além de convocar assembleia geral, manifestar-

se sobre relatórios, contas e atos, deliberar sobre emissão de ações e bônus, autorizar alienação

de bens, ônus reais e garantias, escolher e destituir auditores independentes.

O conselho de administração não tem qualquer poder de representação, já que a

administração externa compete privativamente aos diretores, é apenas órgão deliberativo, de

planificação e orientação da gestão, e de fiscalização da diretoria.

A finalidade da atribuição dos cargos dos conselheiros é diversa da dos diretores. Mas

nem por isso os conselheiros forram-se de maior ou menor responsabilidades perante acionistas

ou terceiros, na medida em que, da sua atuação ou inação, podem resultar prejuízos externos455

e internos para a companhia.

454 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas. São

Paulo. Saraiva. 2009. 455 Idem - p. 22.

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O estudo especificamente do Conselho de Administração nas sociedades empresárias tem

sido uma questão controvertida, considerada por alguns como algo intrincado, que fomenta

certa disceptação doutrinária. Contemporaneamente, com certa intensidade quando se dedica

ao exame desse órgão na realidade da sociedade de economia mista.

Esse órgão exerce uma posição de orientação, de recomendação, aprovação de gestão,

com poderes de interagir em nome e perante os acionistas da companhia, e não somente

internamente perante os demais pares do órgão. Também reconhece que o Conselho de

Administração age sobre determinadas matérias envolvendo os interesses da sociedade

empresária perante terceiros.

A lei dispõe sobre a criação do Conselho de Administração, como órgão de deliberação

colegiada, nas sociedades anônimas ou nas sociedades de economia mista. O artigo 13 da Lei

nº. 13.303/2016, dispõe sobre a constituição e funcionamento do Conselho de Administração,

distinguindo-se da estrutura e comportamento do órgão como sociedade empresária anônima

no âmbito privado.

O membro desse órgão não deixa de ser um gestor, apesar de habitar em uma orbita

distinta do administrador singular, é comumente denominado ‘executivo’ no âmbito de gestão

monista, exercitando com habitualidade os atos privativos de gerência ou administração de

negócios da empresa. Esse integrante do órgão, por delegação ou designação de assembleia, ou

em decorrência da sua eleição.

O Conselho de Administração da sociedade empresária é considerado como o principal

orientador da administração da vida empresarial das sociedades empresárias que dispõem desse

órgão.

Os membros do Conselho de Administração são eleitos pelos acionistas da companhia

em assembleia geral para exercer mandato, facultada a reeleição, salvo as pessoas não

acionistas, empregados da companhia, na forma prevista no parágrafo único do artigo 140 da

Lei nº. 6.404/76, que se inclina para a denominada cogestão, conhecida no direito alemão, como

Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik456 desenvolvem didaticamente o assunto.

O conselho de administração da sociedade anônima assenta-se numa estrutura entre a

assembleia geral e a diretoria, conjugando deliberações advindas dos seus integrantes,

denominados conselheiros. Esses componentes votam exteriorizando não somente para

456 CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. A nova lei das S/A., São Paulo, 2002, p. 297.

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expressar o poder conferido pela legislação e estatuto da companhia, também o poder que

advém pelo interesse do ou dos acionistas que elegeram na pertinente assembleia geral.

Nesse rumo os seus integrantes do órgão agem, perfilando-se ou não ao princípio da

fieldade, sob a orientação do acionista. Esse liame cada vez mais debatido, visando depurar o

poder dos acionistas e a vontade assentada prevalente do acionista controlador ou majoritário

como único eleitor.

A aludida posição pressupõe uma subordinação ou fidelidade do conselheiro, atrelando a

condução da sociedade a exclusiva vontade política do acionista majoritário ou controlador no

exercício da gestão executiva (da diretoria). O conselho de administração não tem poder de

representação, essa competência pertence a diretoria, que detém poderes de administração

interna e externa da companhia.

O Conselho é um órgão deliberativo, de planificação, orientação e de fiscalização da

diretoria, mas os juristas asseveram que nem por isso os conselheiros fogem de

responsabilidades perante os acionistas e terceiros.

Explica-se na atualidade que os órgãos de administração tem limitação de poderes,

inclusive para expressar a vontade coletiva perante terceiros – administração externa -, mas, em

certos casos, somente participam da formação e da expressão da vontade social no âmbito

interno da própria sociedade, e isso, é claro, nada tem que ver com a hipótese de representação

legal ou convencional457.

Sendo o conselho de administração órgão eminentemente colegiado deve o conselheiro

quando divergir, mandar consignar na ata competente o teor do entendimento e voto no livro

próprio como dispõe o inciso VI, do artigo 100 da lei das S.A. . O integrante do órgão deve

registrar a divergência sobre a matéria deliberada, inclusive para atender a previsão dos artigos

142 e 289 da lei nº. 6.404/76, cumprindo os fins de publicidade, cada dia mais dado maior

importância ao parágrafo sétimo do artigo 289 da lei das S.A. .

Adamek458 entende que:

Dentro desse contexto operativo, a responsabilidade dos titulares do conselho

de administração é sempre responsabilidade coletiva, própria da

administração colegial, [...]

Convém aqui registrar que não se trata de responsabilidade objetiva: a

solidariedade porventura resultante de ato de administração colegial não

457 ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Op. cit. 458 ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Responsabilidade Civil dos Administradores de S/A e as ações correlatas.

Saraiva, 2009, p. 23.

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decorre do só fato de o conselheiro integrar o órgão, mas apenas resultar de

sua própria contribuição para a tomada da deliberação ou de sua própria

omissão na adoção de providências para impedir ou atenuar as consequências

danosas do ato colegial. Por isso, não julgamos correto afirmar a

responsabilidade coletiva é sempre solidária, [...].

O citado jurista esclarece que:

A deliberação tomada pelo conselho de administração, assim como a

deliberação da assembleia geral, é ato colegial, e o ato colegial distingue-se

do ato coletivo, em que as distintas declarações de vontade dos vários agentes,

embora concorram para a formação de vontade coletiva, não se fundem em

numa só. A posição exposta no texto não contrasta com o que acabamos de

expor, precisamente porque a responsabilidade em análise é do administrador,

e não do órgão, e é imputável a seu comportamento, e não apenas ao fato de

pertencer ao órgão. Assim, da mesma forma como o acionista pode ser

responsabilizado por voto abusivo (o que não se aplica negar o caráter colegial

da deliberação assemblear), também o membro do conselho de administração

o poderá ser individualmente, sem isso brigue com o caráter colegial das

deliberações do órgão da administração459.

A diretoria e o conselho de administração têm conformação própria na forma da lei das

sociedades anônimas. Pelo estatuto, a companhia pode criar órgãos técnicos e consultivos,

(artigo 160 da Lei nº. 6.404/76).

A Lei nº. 13.303/2016 passou a dispor de regras mais especificas sobre as funções dos

órgãos. A doutrina e a jurisprudência abordam a evolução legislativa, definindo, à semelhança

do que o estatuto jurídico do Conselho de Administração, mostrando as vertentes aplicáveis.

Esclarece Adamek que:

Conquanto a teoria do contrato de mandato tenha sido largamente aceita

na doutrina, notadamente devido às verbas legis empregadas nas leis

societárias, as insuficiências de sua explicação, tanto para justificar a posição

da administração em relação à companhia como para explicar o vínculo que

une o administrador à companhia, efetivamente são manifestas, [...]

Em síntese, o administrador pratica não só atos jurídicos, mas também

atos materiais. Sua função não se restringe a representar a sociedade em atos

jurídicos (até porque nem todo administrador tem esse poder), mas também a

praticar atos de gestão. Ele investe na gestão econômica-patrimonial da sociedade. Os poderes próprios de sua função são privativos e não podem ser

exercidos pela assembleia. A autonomia com que atua o administrador mal se

concilia com as regras de mandato. Também não poderia ser considerado

mandatário, porquanto a sua designação pode decorrer de ato da maioria dos

acionistas, que podem até ter votado contra essa designação – e, ademais, nem

mesmo a assembleia pode revogar os atos praticados pelos administradores.

Por fim, a definição da extensão dos poderes dos dirigentes não depende

propriamente da vontade do suposto mandante – a pessoa jurídica -, mas

essencialmente da lei. Se ainda hoje se faz referência a “mandato” de

459 ADAMEK, op. cit. nota 33, p. 23.

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administrador é com o mesmo sentido empregado em direito público, como

sinônimo de função460.

Adamek complementa que próxima à teoria do mandato estão as teorias da agency e do

trust, praticadas na common law, creditando que essa pratica à remota origem das sociedades

anônimas nas partnerships, vivenciadas no direito inglês, onde os administradores teriam para

a companhia deveres fiduciários, análogos àqueles que os trustees têm para com os

beneficiários do trust, concluindo que esse entendimento é imperfeito, porquanto na sua

estrutura, os administradores da companhia não são titulares dos bens sociais, ao contrário dos

trustes, que o são dos bens do trust. E, pelo aspecto da funcionalidade, também equivocada,

uma vez que o administrador da companhia não é de mera conservação dos bens, mas sim de

fazê-los frutificarem por conta de gestão eficiente. Também, há de se observar que não é função

do administrador evitar a assunção de riscos, senão assumi-los de maneira inteligente em busca

da consecução da finalidade lucrativa comum da sociedade.

Comenta Carvalho de Mendonça na vigência do Decreto nº. 434/1891, os arts. 97 e 98

definiam os diretores como mandatários:

Não obstante os textos legais falarem do mandato dos administradores, estes

não são mandatários por força da convenção ou da lei; não exercem simples

mandato. Os administradores agem, na qualidade de órgãos da manifestação

externa da sociedade, personificam esta. Eles ao mesmo tempo que põem a

sociedade em contato com os terceiros, tutelam os interesses da mesma

sociedade, dos acionistas e de terceiros: fiscalizam a observância da lei e dos

estatutos; obram, como se vê, motu próprio. Ora, não se daria isso se fossem

simples mandatários. O mandato é livremente fixa a extensão dos poderes.

Aqui não existe esta dupla liberdade. A sociedade é obrigada a nomear os seus

administradores e há um mínimo de poderes dos quais estes não podem ser

privados. Muitos princípios e normas legais sobre o mandato mercantil são,

entretanto, aplicáveis aos administradores, pela grande analogia que existe

entre o mandato e a administração.

Quanto à figura do administrador pondera Gomes461 que:

[...] está evidentemente superada a teoria que qualifica esse vínculo como uma

relação jurídica informada pelo contrato de mandato. Prevalece atualmente o

entendimento de que é uma relação sobre a base da representação orgânica

(Brunet-Cañizares, Buenos Aires, 1960). Em termos mais simples: o diretor

de sociedade anônima não é um mandatário, mas seu órgão.

O jurista baiano afirma que:

Desta aquisição doutrinaria no campo da análise da pessoa jurídica segue-se

que a responsabilidade do administrador não é contratual, pois a

responsabilidade orgânica é responsabilidade ex lege. Por outro lado,

460 ADAMEK, op. cit. p. 42-43. 461 GOMES, Orlando. Revista dos Tribunais. 1971, vol. 429, p. 16.

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predomina, em doutrina, a tese de que a condição de administrador decorre

não de um contrato com a sociedade, mas de um ato jurídico unilateral, por

via do qual se lhe atribui, com os respectivos poderes, a qualidade de órgão

da pessoa jurídica. Conquanto esse ato unilateral, denominado nomeado, nem

por isso se torna contratual, porquanto ela é simples condição de eficácia.

Desta qualificação técnica resulta que o ato de nomeação pode ser revogado

sem que o nomeado tenha direito a agir contra a sociedade como se ela fora

responsável por inexecução contratual. Entretanto, pode aceitar-se a

orientação do direito alemão de admitir-se, ao lado do ato unilateral de

nomeação, o contrato de emprego, Anstellung, como instrumento de regulação

das relações internas entre o administrador e a sociedade.

O Decreto-lei nº. 2.627/40 considerava os diretores como representantes da sociedade,

mas não os conceituava como mandatários.

Atribui-se ao Conselho de Administração e à Diretoria a qualidade de “órgãos”, aquele

de deliberação colegiada e esta de execução e representação social. Como órgão da sociedade,

sua vontade, nos termos da lei e do estatuto, ou das deliberações assembleares, é imputada à

sociedade.

A sociedade anônima, como pessoa jurídica, tem personalidade criada por lei e não tem

vontade psicológica, nem pode praticar atos de qualquer natureza. A vontade psicológica

decorre das pessoas que integram os órgãos sociais (assembleias, Conselho de Administração,

Diretoria, etc.) é atribuída, quando respeitados os pressupostos legais, à própria pessoa jurídica

e constitui vontade apenas normativamente. Os atos praticados pelos órgãos, respeitados os

requisitos prévios de legitimidade, são imputáveis à sociedade – são, normativamente, atos da

sociedade.

Destarte não existe quanto aos membros do Conselho de Administração e diretores aquela

duplicidade de pessoas que se configura no mandato. No mandato existe: mandante e

mandatário. O mandatário exerce atividades que lhe foram atribuídas pelo mandante e atua

segundo a vontade do mandante.

Na representação pelos diretores, não há aquela duplicidade, são atos da sociedade, sua

vontade é a vontade da sociedade, desde que exercida dentro dos pressupostos de legitimidade

fixados pela lei, pelos estatutos ou pelas assembleias gerais. Diga-se o mesmo quanto aos

membros do Conselho de Administração.

Desse modo, a qualidade de órgão da sociedade, que detêm os diretores, não se confunde

com a qualidade de mandatário. Se alguns princípios concernentes ao mandato, em certas

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eventualidades, poderiam ser invocadas a propósito da representação da sociedade pelos

diretores, isso ocorreria em decorrência de aplicação meramente analógica de preceitos legais.

A lei brasileira possibilita as sociedades anônimas estruturar-se com um só órgão de

administração, sem impedir a utilização do sistema dualista em empresas de maior porte e nas

que a lei exigem expressamente. Em suma, no direito brasileiro, a administração da companhia

compete à diretoria, órgão obrigatório da companhia, e ao conselho de administração, como

órgão de deliberação colegiada com atribuições especificas elencadas nos artigos 138, § 1º, e

142 da Lei nº. 6.404/76, cada qual com competências privativas e indelegáveis com

responsabilidade dos seus atos, que tem deveres e responsabilidades indistintas como preconiza

o artigo 145 do referido diploma legal.

Considerando a mencionada figura do trust, conveniente esclarecer que neste estudo não

se detém sobre a figura da holding, considerando que as empresas estatais brasileiras podem

ser envolvidas quanto ao seu controle, com possível reflexo na composição do Conselho de

Administração, e ou pelo menos na Diretoria e na administração em geral, oportuno as

observações oferecidas por Carneiro462, que ao definir holding-company como sendo uma

modalidade de concentração de capitais e interesses de companhias, nas mãos de uma outra

empresa, que assim as controla, “ordinariamente isto se verifica entre atividades do mesmo

ramo ou correlatas, como uma empresa que controla a distribuição, fabricação, venda em grosso

e a retalho de gasolina; a que controla jornais, revistas, estações de radio, etc.”, frisando que a

holding é uma forma mascarada de trust. Sob outra opinião está M. T. de Carvalho Britto

Davis463.

O entendimento de Robinson464 é que a holding substituindo as finalidades econômicas e

jurídicas dos trusts, visam eliminar a concorrência, por diversas modalidades, “concentrando

nas mãos de alguns interessados a produção ou a distribuição de determinados produtos

açambarcando o mercado que têm em vista, etc. etc.”.

Estribado em Magalhães465, Erymá assevera que o regime das holding surge como uma

consequência do regime de economia liberal “pela apropriação por parte de determinados

462 CARNEIRO, Erymá. O Balanço das sociedades anônimas, pp. 162-168. 463 Erymá Carneiro diz o que caracteriza é o sistema de sociedades filiadas, em que uma é a cabeça – sociedade

mãe ou controladora – e as demais lhe são subsidiárias ou subordinadas: sociedades filhas ou controladas. O jurista-

contabilista acentua, e Britto Davis entende como correto, que, todas, ou seja, a empresa-mãe e as subsidiarias

“têm personalidade jurídica própria e distinta uma das outras, mas, do ponto-de-vista econômico e administrativo

elas estão realmente em função da empresa matriz, da sociedade-mãe, que as controla”. 464 ROBINSON, Joan. The Economics of Imperfect Competition. 1969. 465 MAGALHÃES, Agamenon. Abuso do Poder Econômico. Recife, 1949.

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grupos, dos meios de produção, fazendo com que tais meios girem em torno de determinados

interesses”.

Expõe Britto Davis466 que tais críticas não procedem face um erro de perspectiva. Um

trust pode estar estruturado sob a forma de holding, ou seja sob a forma piramidal, mas um

holding não é necessariamente um trust. Prosseguindo com essa análise, Erymá Carneiro trata

a holding, baseado no estudo à luz do moderno desenvolvimento da economia capitalista,

apontando o seguinte:

a) a holding pressupõe uma filiação e subordinação por meio de controle do

capital;

b) só se deve considerar uma companhia como subsidiária de outra, se a

controladora possui o controle da direção e dos negócios da outra;

c) se, porém, uma sociedade mantém sua independência econômica ou

financeira em relação à outra, tendo apenas relações financeiras para

estabelecer mútuos acordos de interesse recíproco, não se constata a existência

de uma subsidiária, mas apenas de uma filiada, ou companhia operante;

d) na economia interna dessas empresas, nas subsidiárias, os resultados são

incorporados à sociedade-matriz, enquanto nas sociedades operantes, mas

juridicamente autônomas, os resultados apresentados se revelam nos balanços

de cada uma delas.

Portanto, a companhia pode ser controlada e administrada em situações e decorrências

diversas, no sentido mais forte de poder de dominação, com um controle que pressupõe a

capacidade de influenciar e ou de decidir comportamento de indivíduos que detém autoridade

ou participam das decisões empresariais.

No direito societário tem-se alusões originárias da lei de sociedades anônimas

expressando o poder de controle como capacidade de determinar decisões em última instância,

face a figura do acionista controlador o qual possui atribuições de deveres e responsabilidades

específicas estribadas no artigo 116 da Lei nº. 6.404/76, assegurando-lhe, por maioria de votos,

deliberar na assembleia-geral para eleger os administradores da companhia, bem como usar

desse poder para dirigir as atividades sociais, orientar o funcionamento dos órgãos da sociedade

a fim de realizar, cumprir o objeto e a função social da companhia.

A designação e a aceitação dos administradores indicados pelo acionista controlador,

segundo Adamek, “[..] não são, em suma, negócios jurídicos unilaterais contrapostos; a eleição

466 BRITTO DAVIS. Tratado das Sociedades de Economia Mista, tomo II, p. 306.

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é declaração negocial reptícia, integrante do negócio jurídico de que faz parte igualmente a

aceitação. Há, pois, contrato467”.

Para Lamy Filho:

[...] toda lei de S.A. constitui, ou deve constituir, um sistema, que não

comporta emendas setoriais que a desfigurem e comprometam seu objetivo

maior que é assegurar o bom funcionamento da empresa, a célula base da

economia moderna; mas, não há lei mercantil eterna ou perfeita, porque a

economia é um processo em permanente transformação. Há por isso que estar

atento ao funcionamento do mercado, às suas exigências, às suas novas

criações, para atender aos seus justos reclamos, para remover os empecilhos

ao seu bom funcionamento [...]468.

As posições jurídicas que procuram dissecar o assunto no proposito de encarar as

mudanças econômicas e sociais que envolvem as atividades mercantis, provocando

interpretações e criações, como a teoria do contrato de prestação de serviços, onde haveria uma

relação entre administrador e companhia num contrato de prestação de serviços.

Por outro exame há condução à teoria do contrato de trabalho, possibilitando os

empregados da companhia integrar os colegiados da sociedade empresária, inclusive, tornar-se

diretor da companhia. Muitos consideram que esse entendimento tem caráter acidental,

originário de um exercício paralelo, seja de atividade de prestação de serviços, seja ao contrato

de emprego, pois o administrador não se une a companhia necessariamente pelo vínculo da

prestação de serviço ou vínculo laboral.

Não obstante os entendimentos esboçados, a jurisprudência trabalhista dá guarida a essa

situação, apesar de considerar um liame da subordinação, admite que o empregado possa

exercer atividade executiva na companhia, a depender da sua admissibilidade e poderes de

gestão, permitindo que se compatibilize com a aludida atividade, quando diretor, poderão ser

destituídos pelo Conselho de Administração e ou pela assembleia geral, a depender dos

interesses da companhia e das hipóteses legais que envolvem a discricionariedade.

Com relação ao componente no conselho de administração pairam dúvidas quanto a

possibilidade imediata de destituição sem a expressa (devida) vontade oriunda da assembleia

geral, cujo óbice estaria nas mãos do acionista controlador ou majoritário para deflagrar a

destituição, ou recomposição do conselho de administração, por isso lembra Gastone Cottino,

467 ADAMEK. Marcelo Vieira von. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas,

Saraiva, 2009, p. 42. 468 LAMY FILHO. Temas de S.A. – Exposições, Pareceres, Rio de Janeiro, Renovar, 2007, p. 177.

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que na realidade a relação assembleia-administrador é uma relação de controle e não de

supremacia hierárquica469.

Os juristas acentuam os aspectos relativos a distinção entre relação de emprego e relação

de trabalho, face a transitoriedade da função de titular do órgão, pois, quando a pessoa natural

é levado ao encargo de diretor já preexistia um contrato de emprego, mesmo sob o entendimento

de estar suspenso, não ocorrendo a sua extinção, salvo quando houver destituição, ocorrer o

rompimento do vínculo empregatício, e não existindo situação de estabilidade contratual. O

entendimento é de que havendo uma relação de emprego entre o administrador e a companhia

o contrato deve ser considerado como sui generis, devendo ser examinado no âmbito do direito

do trabalho.

Entende-se que o conselho de administração é uma figura que não estaria atrelada aos

contratos de mandato, de emprego e ou de prestação de serviços, face a sua autonomia. O

entendimento esposado por Luís Brito Correia serve para ajustar quando se afirma, que o

contrato de administração é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição ou

sem ela, a prestar a sua atividade de gestão e representação orgânica da sociedade anônima, sob

a orientação da coletividade dos acionistas, e sob a fiscalização do conselho fiscal.

Observa-se a crítica de Adamek, que traz o entendimento esposado por Francesco

Galgano, julgando inadequado que se tenha por exata a definição do contrato de administração

como contrato inominado a vincular o titular do órgão de administração à companhia. E

acrescenta:

[...] pois termina concebendo os poderes dos administradores como poderes

derivados, que encontram a sua fonte em um contrato de administração

celebrado entre a sociedade e os administradores. No entanto, os poderes dos

administradores, indisponíveis por parte da assembleia geral, devem ser

concebidos como poderes originários, ou seja, como poderes que os

administradores, na sua condição de órgãos necessários para execução do contrato de sociedade, recebem diretamente desse contrato, do mesmo modo

como derivam dele os poderes da assembleia e dos sócios. Como reflexo, a

responsabilidade dos administradores para com a sociedade tem, pois,

natureza de responsabilidade contratual, isto é, responsabilidade pela

violação, de sua parte, do contrato de sociedade. GALGANO sustenta, por

isso, que a nomeação do administrador por parte da assembleia e a aceitação

da nomeação por parte do administrador não devem ser compreendidas como

acordo entre as partes para a constituição de nova relação jurídica distinta do

contrato de sociedade, mas que tem por objeto a sua execução. Está-se, sim,

diante de um contrato, do contrato de sociedade, na execução do qual devem,

por imposição legislativa, concorrer outros sujeitos diferentes das partes do

contrato de sociedade: os sócios não podem abster-se de nomear os

469 GASTONE COTTINO. Diritto commercialle. CEDAM, 1987, V. 1, t. 2, n. 111.2.

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administradores e exercer diretamente os poderes legislativamente atribuídos

ao órgão de administração; eles também não têm, por consequência,

necessidade de concluir algum contrato especifico para atribuir tais poderes

aos administradores. E conclui: A nomeação dos administradores, seguida

pela aceitação por parte dos mesmos, não é um ato de atribuição de poderes;

é, mais simplesmente, o ato que designa as pessoas escolhidas para o órgão ao

qual, por lei, é atribuído o dever de executar o contrato; e as pessoas, uma vez

escolhidas, exercerão os poderes e cumprirão as correlativas obrigações

inerentes à função que é própria do órgão470.

Da referida análise, inclina-se aceitar que a vinculação do titular de órgão de

administração ocorra por força de contrato, não crendo que nomeação e aceitação constituam

atos unilaterais autônomos. Esta matéria que tem sido objeto de muitas reflexões e sem uma

maior cristalização doutrinaria para conduzir a unanimidade471, lembra Cottino que a relação

assembleia versus administrador é uma relação de controle e não de supremacia hierárquica472.

Opina-se no sentido de tratar de uma relação contratual decorrente de lei, com pluralidade de

funções derivadas dos estatutos e da legislação concernente as atividades e deliberações sociais.

O conselho de administração tem poderes para expressar a vontade coletiva oriunda da

assembleia geral e ou da orientação do acionista que representa perante terceiros através da

administração externa, não obstante essa expressão da vontade social fora construída, lançada

dentro do órgão. Pois é o órgão por meio dos seus titulares que expressa à vontade imputada à

pessoa jurídica.

Oportuno destacar que a partir de precedente da lei alemã, uma nova visão passou a

influenciar outras legislações, inclusive a brasileira, cuja concepção prevalece na atual lei das

sociedades anônimas, regulando a diretoria e o conselho de administração como órgãos. E

Adamek473 acentua que desde o advento do Decreto-lei nº. 2.627/1940, a teoria organicista tem

recebido o interativo acolhimento na doutrina nacional, sob o entendimento de que o vínculo

interno formado entre a sociedade e a administração tem efetivo caráter orgânico; pois que a

natureza da administração, como elemento da companhia, é orgânica.

Estudiosos convocam múltiplas teorias para debater a matéria, e Luis Brito Correia474

entende que se deve limitar a crítica a três vertentes de maior sintonia no estudo da natureza da

470 ADAMEK, op. cit. pp. 50-51. 471 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. A nova competência da Justiça do Trabalho (uma contribuição para a

compreensão dos limites do novo art. 114 da Constituição Federal de 1988), RLTr 70/38-49. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/7599>. Acesso em: 1 nov. 2016. 472 COTTINO, Gastone. Diritto commerciale. Le società, 4a. ed. Padova: CEDAM, 1997, V. 1. T. 2. 473 ADAMEK, op. cit. pp. 36-39. 474 CORREIA, Luis Brito. Os administradores de sociedades anônimas. Coimbra, Almedina, 1993.

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relação entre a sociedade e o administrador, como usual referência, as teorias contratualistas,

unilateralistas e dualistas.

Pela lei brasileira, a designação de alguém para ocupar a posição de titular de órgão de

administração pode decorrer de eleição em assembleia de constituição, de eleição pela

assembleia geral ordinária, do sistema excepcional de cooptação e de eleição por trabalhadores,

como acima ventilado.

Esses casos, os atos de designação de administradores dependem sempre da aceitação

dos eleitos, pois seria inconcebível que alguém ficasse sujeito a estatuto jurídico próprio sem

ou contra a sua vontade. Pois a eleição é declaração negocial reptícia, integrante do negócio

jurídico de que faz parte igualmente a aceitação, elemento vinculado à vontade.

Convém avivar a matéria diante do disposto no artigo 1º da recente Lei nº. 13.303/2016,

que trata das empresas públicas e a sociedade de economia mista. E no artigo 4º expressa que

a sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado,

com criação autorizada por lei.

A nova lei ratifica entendimento esposado pela doutrina e jurisprudência nacional,

indicando de modo insofismável na parte final do parágrafo primeiro (acima transcrito), que

quem controla a sociedade de economia mista tem o dever e responsabilidade do acionista

controlador, e exercer o poder respeitando o interesse publico que justificou a sua criação. Ou

seja, o interesse público é o amálgama da sociedade de economia mista, como enfatiza a referida

lei nº. 13.303/2016 (vide artigo 14).

O acionista controlador da sociedade de economia mista responde pelos atos praticados

com abuso de poder nos termos da lei de sociedade anônima, e a nova legislação acrescentou a

obrigatoriedade da escolha dos componentes do Conselho de Administração, os quais devem

possuir reputação ilibada e notório conhecimento, além dos requisitos elencados no texto legal

(vide artigo 17 da Lei nº. 13.303/2016).

A lei nº. 13.303/2016 estabelece atribuições aos componentes do Conselho de

Administração a fim de que as matérias aprovadas sejam envolvidas de praticas de governança

corporativa, bem como os relacionamentos com as partes interessadas, desenvolvendo uma

politica de gestão de pessoas, estabelecendo um código de conduta para os agentes, de modo a

se coadunar com os artigos 18 e seguintes, que pormenorizam as competências contidas na Lei

nº. 6.404/76.

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Examinando de modo singelo, admitindo o perfunctório como pecado, transporta-se à

titulo de informação, sob hipótese de uma comparação do que a nova lei sugere e entender como

algo assemelhada a um conselho de supervisão, como denominado na França como conseil de

surveillance, onde foi concebido um sistema dualista como um segundo órgão de administração

aplicando-se aos membros as mesmas regras de investidura do conselho de administração, a

pautar a missão principal e permanente sobre a atividade da diretoria.

Essa atenção não só estaria dirigida para atender a um prisma da regularidade dos atos

da diretoria, mas também para dar um juízo de oportunidade, não se limitando esse órgão

apreciar questões contábeis e financeiras. Oportuno, também, avaliar todos os aspectos e

negócios que a companhia desenvolve no mercado, inserido nesse exame as decisões que

abrangem as atividades técnicas e as práticas comerciais pronunciadas pelos diretores nas suas

respectivas áreas de gestão. Esse tipo de subordinação da diretoria a um órgão proporciona uma

inspeção técnica intermitente nos negócios da companhia, de modo a complementar algum

escape das decisões advindas da assembleia geral atendendo os membros que compõe o órgão

a fim de bem cumprir suas funções que ficam submetidos as averiguações dos atos que poderão

ser considerados culposos incorridos no exercício da respectiva gestão.

Esse tipo de controle exercitado com afinco no direito comercial francês traz à baila a

ação social “uti universi”, destinada a reconstituir o patrimônio da companhia e reparar danos

coletivo.

Esclarece Adamek que:

O exercício competia (como até hoje compete) à própria companhia

representada por seus representantes legais, que, na espécie, era o conselho de

administração ou o seu presidente. A aprovação (quitus) da gestão social e das

contas do exercício encerrado, votada em assembleia geral ordinária,

importava renúncia à pretensão de responsabilizar os administradores.

Admitia-se a renúncia ao exercício daquela pretensão ou a transação que tivesse por objeto. Além disso, os estatutos sociais usualmente continham

disposições subordinando o exercício de toda ação contra administradores à

concessão de prazo de aviso-prévio à assembleia geral (claus d’avis) ou à

aprovação de seu exercício pela assembleia geral (claus d’autorisation):

aquela disposição não afetava em si o direito de agir do prejudicado, mas

permitia que se estabelecesse debate prévio perante a companhia e dava ao

administrador a possibilidade de justificar os seus atos aos próprios acionistas.

Por outro lado, a última disposição estatutária tinha efeito mais abrangente,

pois deixava à própria assembleia geral decidir se a ação deveria ser iniciada

ou não. Para além disso, GASTON LAGARDE registrou a existência e a

admissão até mesmo de cláusulas proibitivas (clauses prphibitives),

verdadeiras “renúncias antecipadas a toda ação de responsabilidade”.475

475 ADAMEK, op.cit. p. 62.

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Ainda, a ação individual do acionista, a que competia ao acionista ou grupo de

acionistas, e que tinha por objeto a reparação de dano pessoal e direto por eles experimentado,

independia da ação social, e não ficava prejudicado pelo quitus outorgado pela assembleia geral

nem se subordinava a cláusulas como a de pré-aviso ou autorização.

Observa-se que a ação individual do terceiro era qualificada pela jurisprudência como

ação proposta contra os administradores por terceiros estranhos ao quadro de acionistas, não

sujeita à evidência, a restrições ou limitações próprias da ação social. Por fim, tem-se, sob certas

condições a ação social pudesse ser exercitada ut singuli pelos próprios acionistas, rompendo o

dogma do direito processual civil francês de então, segundo o qual ninguém poderia exercer

direito alheio. Ao contrário do que hoje se tem como assente na maioria dos países, a ação

social exercida ut singuli distinguia-se não somente da ação individual, mas, sobretudo, da

própria ação social ut universi476.

No âmbito do direito italiano, outro órgão responsável pela representação externa da

companhia e pela gestão cotidiana da empresa, é o conselho de gestão (consiglio di gestione),

composto necessariamente por dois ou mais membros estranhos ao conselho de supervisão, mas

por ele eleitos, e encarregado da prática de todos os atos e operações necessárias à atuação do

objeto social. Dependendo sempre de prévia deliberação da assembleia.

Em Portugal o Código das Sociedades Comerciais – CSC, assim como a maioria das

legislações europeias, consente com a estruturação monista ou dualista da administração.

Na estrutura dualista, voltada para a grande companhia e composta por dois órgãos

distintos, tem-se o conselho geral e de vigilância. O conselho de administração executivo,

outrora designado direção, outro órgão do sistema dualista, é integrado por um número ímpar

de membros até o máximo de cinco, podendo ser um apenas, se o capital social ficar aquém do

valor fixado em lei, os quais não necessitam ser acionistas. Os administradores executivos são

eleitos pelo conselho geral e de supervisão ou, então, pela assembleia geral, se os estatutos

assim determinarem. Podem ou não ser acionistas, mas não podem ser pessoas jurídicas,

membros do conselho geral e de supervisão ou de órgão de fiscalização da companhia ou de

outras sociedades que esteja em relação de domínio ou de grupo.

O conselho em Portugal refere-se expressamente aos deveres de diligência e lealdade477,

pelo qual se impõe aos administradores a obrigação de atuar com diligência própria de um

476 Idem - op. cit. pp. 63-64. 477 Artigo 64, CSC - Portugal

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gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios

e ponderando trabalhadores, clientes e credores. Também tem o dever de relatar a gestão e

apresentar contas, a obrigação de não-concorrência, o dever de não atuar com conflito de

interesses, o dever de não-concorrência, o dever de informação e obrigação de respeitar as

deliberações válidas da assembleia geral.

Os administradores podem ser civilmente responsáveis perante a companhia, os

credores sociais, os sócios e perante terceiros – e essa responsabilidade, em qualquer um dos

seus planos, não pode ser limitada ou excluída, mas pode ser solidária, aplicável a todas as

sociedades comerciais, os administradores ou diretores respondem para com a sociedade pelos

danos a esta causados por omissões ou atos praticados com preterição dos deveres legais ou

contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.

Os administradores são responsáveis para com os sócios e terceiros em geral, credores

ou não, pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício de suas funções. Adamek478

complementa, advertindo que:

E necessario, pois, que se trate de dano direto: “os danos indiretamente

sofridos pelos acionistas e decorrentes de uma diminuição do patrimônio

social não fundamentam a responsabilidade civil dos administradores perante

os acionistas, com apoio em Pedro Caetano Nunes (Responsabilidade civil dos

administradores perante os acionistas, Coimbra, Almedina, 2001- p. 47).

O mesmo Adamek ao desenvolver sobre o direito alemão, especialmente do pós-guerra,

mostra, o que se positivou, a preocupação de reforçar a posição dos acionistas, particularmente

diante da administração, tendo em vista o proposito legislativo de obter a maior dispersão das

ações junto às camadas menos favorecidas da população. Assim, ao contrário do regime

anterior, voltou-se, por exemplo, a reconhecer aos acionistas o direito de deliberar sobre a

destinação dos lucros; e, pela primeira vez, foi prevista extensa regulamentação para os grupos

de sociedades.

Portanto todos os membros do conselho de administração e as demais pessoas

encarregadas da gestão da companhia devem exercer as suas atribuições com toda a diligência

necessária, velando fielmente pelos interesses da sociedade.

No direito inglês, face as leis serem consideradas lacunosas ao disporem sobre a

estrutura administrativa da companhia, o que seria um reflexo de sua origem nas partnerships,

de cunho marcadamente contratual, e nas quais sempre se reconheceu aos seus membros ampla

478 ADAMEK, op. cit. p.p. 75-80.

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liberdade para dispor sobre a divisão interna de poderes, exige-se que tenham dois órgãos –

assembleia geral e diretoria.

Dentre os deveres fiduciários, destacam-se os deveres de lealdade e boa-fé, vinculados

não apenas aos administradores eleitos, mas também a todos os exercentes de funções de que a

companhia tem, os administradores, cada qual individualmente, ainda quando integrem órgão

colegiado e não tenham atribuições individuais.

Diante disso não há necessidade de que advenha decisão de um tribunal, pois, de logo é

consequência agir de boa-fé no sentido que eles consideram ser do interesse da sociedade.

Outra consequência é que eles devem exercer os seus poderes tendo em vista o fim para

o qual foram concedidos, o que os impede de exercer os seus poderes não só para fins ilegais

ou contrários à ordem pública, mas com desvio de sua finalidade. Também não podem

submeter-se a quaisquer atos ou acordos que venham a limitar o livre exercício de seus poderes,

mantendo-se com irrestrita isenção e autonomia para decidirem sobre a condução da empresa.

Do mesmo modo há impedimento de agir em situação de interesse conflitante com a companhia,

restringindo as negociações conflitando com os deveres de lealdade e boa-fé, cujos

desdobramentos alcançam o dever de gerir a companhia de forma inteligente (care and skill),

observando os deveres de informação e sigilo (insider trading, etc.).

Tem-se uma teia de proteção para os acionistas e não acionistas, não permitindo que os

administradores errantes sufoquem processos resultantes de seus próprios erros, como se

estabeleceu no direito inglês face a secular restritiva de legitimação de agir, conhecida por regra

Foss v. Harbottle. Também, do direito inglês dos negócios empresariais, extrai-se

representative action, pela qual o acionista individual propõe em seu nome e em nome de outros

que se encontrem em situação idêntica na busca de reparação de dano homogêneo.

Acerca da ilicitude, apenas para avivar, que é sempre algo contrario ao direito, que se

apresenta em desconformidade aos preceitos normativos. Muitos doutrinadores utilizam os

termos antijuridicidade e ilicitude como sinônimos, enquanto outros se esforçam em distingui-

los. O conceito de ilicitude impulsiona observar duas orientações distintas: a concepção

objetivista; e a concepção subjetivista. A questão é saber se a ilicitude deve ser compreendida

em um plano puramente objetivo, como conduta ou fato em si mesmo contrario ao preceito

normativo, ou se, ao contrario, a ilicitude apenas se constitui em relação a condutas voluntarias,

ou seja, em um plano subjetivo. A concepção objetivista da ilicitude mira apenas a conduta em

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sua materialidade, tal como se exterioriza, verificando a sua desconformidade com os preceitos

e valores.

Segundo Calixto479 a antijuridicidade se constitui pela contrariedade, pura e simples, ao

direito. A ilicitude, entretanto, é mais ampla do que a antijuridicidade, visto que, além desta,

também exige para a sua configuração o requisito fático do dolo ou da culpa.

Vale ressaltar que no elo referente ao dever de ressarcir daquele que se encontre em

estado de necessidade por fato inteiramente imputável a terceiro, numa situação de licitude,

causando danos a outrem, Noronha480 distingue ilicitude de antijuridicidade:

Nem sempre, porém, a licitude de tais ofensas apaga completamente a

antijuridicidade: é o que acontece quando sejam lesados direitos de terceiros,

isto é, outras pessoas, que não aquelas geradoras da situação contra a qual se

possa falar em atuação justificada. Nesse caso, a circunstância de o ato

justificado ser lícito não impede que seja antijurídica a consequência

produzida: a lesão do direito da pessoa estranha que tiver sido atingida. Só não

serão antijurídicos os danos causados ao próprio agressor ou ao criador do

estado de perigo. Se os danos causados a terceiros no âmbito de atos

justificados ainda são antijurídicos, compreende-se que eles obriguem o

agente à respectiva reparação: esta sera uma hipótese de responsabilidade

objetiva (ou pelo risco), como teremos oportunidade de ver.

A concepção subjetiva envolve a qualificação de um ato ilícito como necessário, através

de um juízo de valor acerca de uma conduta, de um ato humano, consciente e livre,

correspondendo a um ilícito subjetivo.

Opiniões revelam muitas construções jurídicas a esse respeito, explicando que a

concepção objetiva de ilícito propugnando de jure condendo, generalização da responsabilidade

objetiva, a adoção como regra da possibilidade de se exigir a indenização de prejuízos causados

por fatos dos quais o indenizante não pode considerar-se autor no plano ético-jurídico. Uma das

explicações dos caminhos desta generalização é de considerar ilícito todo ato danoso,

entendendo como tal o não cumprimento de um dever mesmo sem culpa, mas desde que origine

prejuízos. Nesse ponto emerge aspecto filosóficos, na busca em saber qual a verdadeira função

da norma jurídica: função valorativa, função imperativa ou simultaneamente as duas funções:

valorativa e imperativa.

No desenvolvimento desse juízo, abordando o plano do interesse ou utilidade social, ou

seja, aprecia-se se certa conduta, ou resultado dela, é socialmente vantajosa ou socialmente

479 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil. Estrutura e função. Rio de Janeiro:

Renovar, 2008, p. 162. 480 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações; 3a. ed. São Paulo, Saraiva, 2010, p. 396.

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nociva. Portanto, sempre que houver uma situação contraria à norma jurídica, examina-se o

valor que serve de fundamento acerca da natureza ético-jurídica do comportamento do sujeito,

estabelecendo distinção entre o comportamento antissocial, socialmente nocivo, e o

comportamento que, além de ser alvo desse juízo de valor, é também objeto de um juízo de

caráter ético-jurídico, na medida que representa a uma oposição voluntaria contra a ordem

jurídica.

Nos Estados Unidos da América a legislação atinente aos negócios empresariais de

grande porte quase todos estão sob a órbita das legislações estaduais, por vezes com diferenças

marcantes. Os órgãos principais na denominada Corporation, centralizam poderes e deveres

via a assembleia geral, a diretoria (board of directors) e officers que são considerados

mandatários – agents – da companhia, de índole fiduciária.

Vale uma observação comparativa com o direito inglês, ao contrário, os deveres

fiduciários dos administradores existem não somente para a companhia, mas, em certas

situações impõem-se, inclusive, para com os acionistas e os investidores.

No plano da responsabilidade civil, o sancionamento desses deveres e dos atos ilícitos

dos administradores dá-se tanto por meio das ações sociais – propostas pela companhia ou,

então, pelos seus acionistas (derivative actions) – como por meio das ações individuais dos

prejudicados (direct actions).

A moderna sociedade anônima deixou de ser uma simples organização empresária,

especialmente no caso das denominadas macro empresas, transformando-se em uma nova

técnica de organização empresarial.

As leis da sociedade anônima e a denominada lei das “empresas estatais” – (nºs.

6.404/76 e 13.303/2016) - têm de um lado a liberdade de atuação dos administradores,

conferindo-lhes atribuições e poderes privativos e indelegáveis – arts. 138, § 1º, 139 e 144 da

LSA -, e do outro lado, pauta o comportamento dos administradores por padrões de conduta

gerais e abstratos, numa estrutura de cláusulas absolutas, de eficácia, proteção, constituindo

importante elemento de regulação da conduta dos administradores, procurando tornar efetivos

os deveres no plano societário, (interno e externo), direcionando para a consecução do interesse

da companhia.

Dessas práticas administrativas procura-se alcançar a denominada governança

corporativa, mostrando a necessidade de adotar procedimentos de boa gestão societária para

garantia, e os administradores atuem realmente no interesse dos sócios, inclusive sopesando os

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interesses dos colaboradores da empresa, pregando um rebuscamento dos deveres fiduciários,

inclusive os de diligência e lealdade, conjugando com as medidas de transparência, com o

aperfeiçoamento dos sistemas de informação sobre a gestão social, somando com os

mecanismos de fiscalização e controle.

Nesse panorama a economia mundial experimenta um ciclo capitalista de produção,

vivenciando e extraindo efeitos que afloram preocupações com a gestão das companhias

abertas. Objetiva-se transparência para atender os interesses dos investidores, alargando-se num

continuado aprimoramento, com os elementos ditados em novos códigos de auto-regulação, à

exemplo do American Law Institute, USA – (1992), e Code os Best Practice, UK (Greenbury

Report, Hampel Report 1998; e Higss Review/2003).

No Brasil a Lei nº. 10.303/2001 visa oferecer melhores mecanismos de informação para

dar tratamento mais equitativo aos sócios minoritários, reprimindo condutas ilegais, evoluindo

na fiscalização dos negócios, levar a compreensão para a boa formulação do direito societário,

especialmente, em razão dos problemas funcionais enfrentados pelas empresas estatais

envolvendo gestão e princípios éticos.

Estão assentados na Lei das S/A os deveres de diligência, a obrigação de dar

cumprimento às finalidades das atribuições dos cargos de gestão, devendo seus ocupantes estar

atentos ao exercício da lealdade, evitando possíveis conflitos, atentos a proteção das

informações sociais, com o resguardo do sigilo. Contudo esses administradores tem o dever de

informar dados pertinentes a obrigação da devida publicidade, concomitantemente fincar a

devida vigilância com os deveres de índole fiduciária.

O dever de diligência contido no artigo 153 da Lei das sociedades anônimas expressa

que o administrador da companhia deve empregar, no exercício das suas funções, o cuidado e

diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios

negócios, que tem na essência o critério do bônus pater famílias. Esse padrão de

comportamento vem sendo adotado por vários países, em especial na Europa.

No Brasil existem muitas são as críticas com relação à falta de compromisso, e por isso,

a exigência é cada vez mais acentuada para com os gestores exercitem suas obrigações de odo

seguro, assegurando o apropriado desempenho das funções de administrador empresarial. Daí

porque a necessária advertência com relação a certas concessões e assunções de riscos

consideradas admissíveis e corriqueiras na condução dos negócios, não se pode negligenciar e

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tampouco aceitar situações vulneráveis, especialmente quando estão em jogo, com maior

intensidade interesses de terceiros.

Não obstante haver visão que considera secundária a discussão dessa matéria,

importando reconhecer que as dificuldades que envolvem o dever de diligência, resulta da árdua

tarefa de assegurar, e não só extrair um comportamento considerado razoável, ou uma

expectativa do administrador nas hipóteses de conflitos desses interesses com os referidos

atributos e compromissos.

Da mesma forma deve-se exigir do administrador o dever de diligência ordinária no que

se refere a tomada de decisão, o envolvimento com os recursos disponíveis e todas as

particularidades que são imperiosas para o desempenho da função designada, sem desprezar o

cuidado de avaliação daquele que sempre atuou de forma diligente, a fim de evitar injustiça,

aferindo a realidade dos fatos à luz das circunstancias apresentadas.

Vale a observação que Adamek481 faz com relação a decisão de mérito, ao esclarecer

que não é tão absoluta como a descrição da business judgement rule poderia sugerir, lembrando

Gastone Cottino, que a decisão de realizar uma politica de investimento em país destinado à

bancarrota é típica decisão estratégica, o que não subtrai a censura se resultou de uma

equivocada valoração da situação. Com isso, em certa medida, está-se introduzindo um juízo

de mérito sobre a atividade administrativa482.

Os deveres, os atos dos administradores devem ser cada vez mais bem elaborados,

burilados, aconselhando aos participantes das reuniões empresariais, especialmente nas

assembleia geral e outras, com alerta ao condutor da ordem do dia, seguir fielmente a pauta,

visando que qualquer decisão a tomar pelo Conselho de Administração ou outro órgão

colegiado, inclusive, quando decisão conjunta ou não da Diretoria, devem ser proferidas na

forma da lei e do estatuto.

Advogam os doutrinadores que não deve ocorrer intervenção nos órgãos das sociedades

empresariais pelos acionistas que não estejam alinhados as decisões adotadas pelos mesmos,

salvo por ato previsto no estatuto social ou expressamente determinado em lei.

A nível de competência, o preenchimento de cargos, e a relação estabelecida entre

assembleia geral e administração é antes de tudo de controle e orientação, e não de supremacia.

Até mesmo, porque o poder atribuído pela lei acionária à assembleia geral para decidir todos

481 ADAMEK, op. cit. 482 Idem - op. cit. p.p. 112-132.

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os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à

defesa e desenvolvimento, é especialmente, quando se tem a preponderância da vontade do

acionista controlador, a quem cabe o efetivo poder de ditar os rumos da companhia, não

obstante a competência da administração ser privativa, e os administradores não podem ser

instrumentos passivos das decisões de outrem.

Observa-se que os administradores, apesar de certa vinculação ao cumprimento das

deliberações da assembleia geral que estejam diretamente relacionadas com matérias de gestão,

não podem curvar-se a estipulações de acordos de acionistas usurpadores de suas privativas

competências, pois os poderes sociais estão institucionalmente distribuídos entre os vários

órgãos, e todo órgão é soberano no âmbito de sua própria esfera privativa de competência.

Na prática, caso deixe de cumprir a deliberação da assembleia, indispondo-se com os

acionistas, ou em especial com o maior proprietário, quando aparece a figura do acionista

controlador, corre o risco de ser destituído, este é o ônus que deve ou pode suportar.

O administrador da companhia não deve cumprir deliberação em desfavor da companhia

quando for ilegal, não podendo justificar, caso não se abstenha dessa atitude, sob alegação de

estar subordinado às ordens ou decisões advindas da assembleia geral, tal justificativa não

abrandará ou isentará de responsabilidade o culpado por procedimentos indevidos, impróprios

e danosos a mesma e aos seus acionistas.

Essas mesmas posturas estão imbrincadas com todos os tipos de administradores,

componentes de diretoria, membros do conselho de administração e demais órgãos. Da mesma

forma que os diretores não estão jungidos a dar cumprimento a deliberações extravagantes, os

membros do conselho de administração admitir posturas violadoras à lei e ao estatuto. O

administrador que se submete a dar cumprimento a toda e qualquer deliberação de outro órgão

sem observar as mínimas recomendações legais e éticas, estará em nítida postura de não

cumprimento aos deveres que lhes compete.

Exercer a administração é cumprir as atribuições não somente do estatuto e da lei,

atender os fins, interesse da companhia, a função social da empresa, termos do artigo 153 da

Lei nº. 6.404/76, sem desvio do objeto social da companhia, guiando a sua atuação para a

consecução do escopo-meio da mesma, como está saliente no caput do artigo 154 da referida

lei das sociedades anônimas.

Há entendimento como expressão vaga que dependeria de concreção à luz de cada caso,

que em atenção a figura do bem público e da função social da empresa, pode-se dar

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configuração de finalidade empresarial em favor do bem comum, compreendendo que o

interesse público está arrimado na disposição do artigo 154 da Lei nº. 6.404/76.

Considerando que a sociedade de economia mista tem como maior acionista o Estado,

e este está na posição de controlador da companhia, detendo ações da companhia, integrando o

patrimônio estatal no interesse do bem comum, inclusive no que se refere a boa atividade do

objeto social da empresa, amoldado para alcançar resultados positivos, a lucratividade do

negócio, escopo-meio perseguido, que de qualquer modo reverte em favor do Estado, que

converge no atendimento dos governados.

5.11 Elos de gestão e responsabilidade do dirigente

O gestor administra o negócio sempre no interesse do dono, e que se o negócio for

utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome483. E dita o

paragrafo 5º do artigo 173 da Lei Maior que: A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual

dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às

punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e

financeira e contra a economia popular.

Escreve Ferreira Filho484 que a responsabilidade civil da pessoa jurídica por atos de seus

dirigentes ou prepostos de há muito está consagrada no direito pátrio, sendo os administradores

personagens essenciais, responsáveis para executar o objeto social, a fim de que a companhia

realize suas atividades da maneira mais eficiente485.

O comportamento do dirigente da companhia, sujeita-se a uma responsabilidade como

a criminal, permitindo aplicação de uma punição, com penas compatíveis com sua natureza,

sempre que tenha sido ‘autora’ de atos contra a ordem econômica e financeira e contra a

economia popular. Tais punições, entretanto, não afastarão a responsabilidade penal dos

dirigentes da empresa pelos mesmos atos.

483 Artigos 868 – 869 do Código Civil. 484 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. Saraiva: 1995; v. 4,

p.p. 13-4. 485 SPINELLI, Luis Felipe. O conflito de interesses na administração da sociedade anônima. Malheiros. 2012, p.

19.

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Para os versados sobre a matéria, teria ocorrido uma ruptura com um dos princípios que

vigorava no sistema legal nacional, o de que a pessoa jurídica, a sociedade empresária, não é

passível de responsabilização penal. Essa ideia se expressa no brocardo latino: societas

delinquere non potest.

O direito penal faz impressionar que a pena por excelência no campo criminal é a

privativa da liberdade física, e pela impossibilidade de enclausurar uma pessoa moral ou

jurídica. Os desdobramentos e princípios do direito penal vêm demonstrando que a modalidade

clássica de apenamento é passível de ser substituída por outras, sem a perda do caráter

penalistico da condenação. Pedrazzi e Costa Júnior486 ao comentar citação de Tupinambá

Miguel Castro do Nascimento, dão clareza ao assunto no ‘Direito penal das sociedades

anônimas’. Não se pode omitir que os juristas agitam o tradicional princípio ‘societas

delinquere non potest’, inclusive que há alusão no campo de direito penal econômico487/488.

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas está admitida nos ordenamentos anglo-

saxões com reflexo na doutrina nacional e decisões judiciais. A Constituição de 1988 encampa

o princípio da punibilidade criminal das pessoas morais, tanto assim que o artigo 225, parágrafo

3º da Constituição Federal, dispõe que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio

ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais, e

administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Os juristas que se dedicam com maior intensidade ao direito criminal, entendem que

mesmo que na Carta Maior não expresse uma responsabilidade especificamente penal as

pessoas jurídicas, não deve ser excluída a obrigação desta responder por atos próprios e ou de

terceiros, uma vez que a determinação da responsabilidade das pessoas jurídicas não encontra

no Texto Constitucional ressalva, senão de que as punições sejam compatíveis com a sua

natureza489.

A personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a

prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução. O

preceito constitucional não é auto executável. A efetiva apenação depende, sem dúvida, de uma

486 PEDRAZZI, Cesare; COSTA JUNIOR, Paulo José da. Direito Penal Societário. Malheiros. 1966. 487 PEDRAZZI, Cesare. Direito penal das sociedades anônimas, Revista dos Tribunais, 1973. 488 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. A ordem econômica e financeira e a nova Constituição. Aide,

1989, p. 31. 489 TUPINAMBÁ DO NASCIMENTO, economia.

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lei que o integre, inclusive para a satisfação de princípio da legalidade, segundo o qual não pode

haver nenhum crime e nenhuma pena sem lei anterior que os defina.

A vontade do texto Constitucional, segundo os que tratam da matéria, visível a eficácia

do princípio da responsabilização civil, desde que seja efetivamente implementada, inclusive

com a possibilidade da imposição de multas, e outras hipóteses que impõem indenizações

proporcionais às forças econômicas da própria pessoa jurídica causadora do agravo.

Também há de ser observado que a personalidade jurídica do responsável por infração

da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver abuso de direito, excesso de

poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou do contrato social.

A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de

insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, provocados pela má

administração, não se descurando da repressão das infrações da ordem econômica, desde

quando não há exclusão da punição por violação legal e prática de outros ilícitos previstos em

leis extravagantes.

No que diz respeito à responsabilidade das empresas, cumpre dizer que elas são

civilmente responsáveis, passiveis de multas administrativas, podendo a penalidade ser

agravada, inclusive sofrer intervenção, que, no entanto, deverá ser judicialmente determinada.

Decisões do Superior Tribunal de Justiça vem corroborando este entendimento, como

as proferidas em ações penais envolvendo representantes legais de pessoas jurídicas,

observando-se a complexidade e as dimensões das investigações, revelando da necessidade da

releitura da jurisprudência de modo a estabelecer novos parâmetros interpretativos para a prisão

preventiva, adequados às circunstâncias do caso e ao meio social contemporâneo aos fatos.

[...] Em grupo criminoso complexo e de grandes dimensões, a prisão cautelar

deve ser reservada aos investigados que, pelos indícios colhidos, possuem o

domínio do fato - como os representantes das empresas envolvidas no

esquema de cartelização - ou que exercem papel importante na engrenagem

criminosa. Havendo fortes indícios da participação do paciente em

‘organização criminosa’, em crimes de ‘lavagem de capitais’ e ‘contra o

sistema financeiro nacional’, todos relacionados com fraudes em processos

licitatórios dos quais resultaram vultosos prejuízos a sociedade de economia

mista e, na mesma proporção, em seu enriquecimento ilícito e de terceiros,

justifica-se a decretação da prisão preventiva, para a garantia da ordem

pública. [...] (STJ/HC n° 302.604/RP, Rel. Ministro Newton Trisotto, Quinta

Turma).

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O entendimento acima esposado, confere que o caminho pode ser encampado pelo

Direito Penal, como de resto as ciências jurídicas exigem que se adapte aos tempos, aos fatos e

à sociedade.

A Lei nº. 12.846/2013 introduziu na legislação pátria um novo ajuste de conduta, que

passou a ser conhecido por “Acordo de Leniência”, diante dos casos de corrupção, reprimindo

a pessoa jurídica corruptora, os atos lesivos à administração pública, tendo como alvo prevenir

práticas que se desviam da ética.

A lei que passou a ser denominada como “Lei anticorrupção” se vincula à defesa da

concorrência, como um programa a fim de consolidar uma estrutura, amarrando a necessária

vigilância dos órgãos estatais destinados controlar licitações e punir fraudes.

Para Fragoso490 a função básica do Direito Penal é a defesa social, e que os interesses

que o direito tutela corresponde sempre às exigências da cultura de determinada época e de

determinado povo, resultando benefícios a ordem econômica nacional, impedindo desvios de

conduta empresarial.

Do exposto, passa-se ao exame do vínculo do acionista, a responsabilidade da maioria

quando na posição de acionista controlador, compondo o conselho de administração da

companhia.

5.12 O acionista controlador e o membro do conselho de administração

A ideia de controlador ou acionista majoritário no âmbito acionário leva-se à concepção

de que a maioria corresponde a um determinado acionista ou união de acionistas que detém o

maior número de ações da companhia.

Essa situação proporciona controlar, comandar a sociedade empresária. Mas o

entendimento que se espraiou, em geral, seria exercitar qualquer comportamento sem maiores

preocupações, sem deveres, desprezando obrigações para com a companhia, e sem velar pelos

interesses dos acionistas e outros interessados na vida e destino da sociedade empresária.

O acionista ou grupo de acionistas controladores possuem poderes para indicar as pessoas

para compor o conselho de administração da companhia, quer estejam na posição de acionista

490 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, 11ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 1987, p. 2.

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majoritário ou controlador, pode se autonomear, ou designar outra pessoa, inclusive que não

seja acionista da companhia, para ter assento no Conselho de Administração da mesma.

O acionista que detém essa competência, deve refletir do grau de responsabilidade é

dispor dessas atribuições, submetendo-se às regras e responsabilidades dos administradores

contidas na Seção IV, do capítulo XII, da Lei das Sociedades Anônimas.

O controle majoritário consiste na união de acionista, ou do acionista que dispõe da

maioria dos votos na assembleia geral. A existência de uma maioria organizada com percentual

mínimo de ações pode conduzir o comando, a gestão empresarial, caracterizando a figura do

acionista controlador, que se aproxima da compreensão, do mister de ser administrador, como

preconiza a lei das sociedades anônimas, no artigo 116 da Lei nº 6.404, de 15/12//1976.

A responsabilidade do acionista controlador deve estar atento ao comando empresarial,

face da possibilidade de caracterizar a solidariedade com o agir do administrador, como dispõe

o § 2º, do art. 117 da Lei das S.A. uma vez que “o administrador ou fiscal que praticar o ato

ilegal responde solidariamente com o acionista controlador”.

A responsabilidade civil do administrador, como a do acionista controlador, não é

subjetiva, não decorre do simples fato da responsabilidade imposta pela lei, in abstracto, não é

presumida. A responsabilidade de um ou de outro é concreta, vincula-se ao ato lícito ou ilícito

pessoalmente praticado.

Discute-se sobre a exclusão da responsabilidade do diretor de uma sociedade empresária

por acusação de atos ilícitos, a respeito da responsabilidade presumida e coletiva da diretoria.

Essa matéria foi examinada por Vicente Ráo, invocando os princípios jurídicos e doutrinários

atinentes a matéria, como revela o parecer de sua lavra, e que foi útil ao Ministro Costa Manso

ao fazer referencia a situação do diretor da companhia, afirmando que:

[...] sua responsabilidade, sempre pessoal, decorre da culpa ou dolo, com que

haja procedido dentro de suas atribuições ou poderes, ou ocorre quando, fora

desses poderes ou atribuições, haja violado a lei ou os estatutos, por ato

próprio, entenda-se. Em nenhuma das hipóteses indicadas acima, portanto, se

admite, por lei, a solidariedade em lugar da personalidade ou autoria pessoal

do dever de reparar dos danos; não se admite, isto é, responsabilidade sem

dolo, ou culpa, ou pelo dolo ou culpa de outrem [...]491.

491 RAO, Vicente. R. T., 251/52.

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A corrente institucionalista se manifesta pela superposição do interesse público sobre o

interesse societário, atribuindo aos controladores a missão de perseguir, preferentemente os

objetivos que beneficiem a comunidade, e o próprio Estado.

Nessa linha de estudo aparecem os acionistas, que tem interesse na gestão, os

controladores, e os que tem interesse no retorno do capital. Os controladores aparecem como

possuidores de ações ordinárias, que, com esse lastro, e categoria, estabelecem a possibilidade

de maior participação no capital social, na forma prevista na Lei nº. 10.303, de 2001. Convém

observar que há entendimento que o colégio de acionistas preferencialistas, aparecem como

credores e não propriamente como acionistas, e nesse sentido há proteção legal, notadamente

ao instituir o dividendo obrigatório (art. 202), disposto no art. 17, alterado pela Lei nº. 10.303,

de 2001.

O papel fundamental do acionista controlador é fazer com que a empresa cumpra os fins

institucionais que lhe cabe, no entanto, questiona-se de servir também como instrumento de

política do Estado. Há sugestão que determinados direitos individuais dos acionistas, poderiam

ser derrogados por decisão dos controladores, gerando controvérsias, encarada como uma

espécie de limitação de poderes dos acionistas. A discussão é que, não poderia haver eliminação

de direitos senão pelas normas do estatuto e por deliberação da assembleia geral.

A interpretação estaria na hipótese que os alguns aspectos que a lei espraia,

proporcionaria arguição que todos os direitos devem estar declarados de forma expressa para

contrabalançar o enorme caráter institucional da sociedade anônima, e talvez maior ainda

quando se trata, do contexto jurídico que envolve o âmago da sociedade de economia mista.

As inderrogáveis prerrogativas conferidas aos acionistas, segundo os doutrinadores da

matéria, adviriam das nuances contratualistas da sociedade anônima, cuja reminiscência levaria

a uma versão dos direitos individuais constitucionalmente reconhecidos. Alega-se que não tem

razão aqueles que não consideram comparáveis, que os direitos individuais dos acionistas são

eminentemente pecuniários, porque existe disposição de caráter constitucional incluindo entre

os direitos e garantias individuais a prerrogativa de caráter patrimonial.

Os direitos inderrogáveis dos acionistas não são apenas pecuniários ou propriamente

patrimoniais, há dentre eles prerrogativas pessoais como a de fiscalizar o desempenho da

administração. Segundo classificação doutrinária, há direitos individuais administrativos, e

direitos patrimoniais.

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Há juízo sobre o princípio da maioria na companhia, que a soberania dessa vontade não

é absoluta, no sentido de que não pode modificar as regras que protegem determinados direitos

dos acionistas, em geral, e dos minoritários, em especial. Não podendo esquecer que no Estado

democrático de direito, a representação da maioria pode modificar os direitos, inclusive

constitucionais da minoria através de uma Constituinte ou de reformas constitucionais.

Na sociedade anônima os controladores estão submetidos a certas restrições legais com

referência à imutabilidade de determinados direitos dos acionistas, que não podem ser

modificados pela lei interna da companhia. Foge, portanto, da competência dos acionistas

detentores do controle a modificação desses direitos. Carvalhosa compara essa situação à

cláusula pétrea prevista na Constituição de 1988, art. 60, § 4º.

Assim, a base da organização da sociedade anônima, quando sociedade de economia

mista é entendida como um suporte ao interesse do governo estatal, passível de manipulação

pelos controladores, que, inclusive, tem instrumento, possibilidade, para modificar o estatuto

da companhia, com exceção daqueles direitos fundamentais dos acionistas assegurados por lei.

Diante dessas possibilidades, agitam-se perquirições quanto ao abalo nos alicerces da

atividade empresarial, especialmente as calcadas nos princípios da boa-fé e manutenção dos

fundamentos jurídicos democráticos da empresa, a função social, e outros coadjuvantes da

companhia contemporânea.

Essas circunstâncias levam os interessados buscar maior esteio para proteger os acionistas

contra a possibilidade de atuação arbitrária do grupo controlador, como o desvio e abuso do

poder, a vulnerabilidade dos direitos individuais dos acionistas. Daí haver debate sobre as regras

estabelecidas no art. 109 da Lei das S.A., e a discussão sobre o entendimento de que não estão

sujeitos a modificações as normas internas da companhia, e muito menos submetidos ao arbítrio

dos órgãos da sociedade, sendo crucial tratar dos limites, poderes dos acionistas que venham a

ter o poder de controle.

Essa discussão leva a advertência de Moncada com relação a natureza jurídica dos

administradores por parte do Estado, cujos subsídios são significativos para conhecer a

modelagem das estatais, especialmente face a experiência europeia, mostrando que a figura do

delegado do Governo não se confunde com a do administrador por parte do Estado.

O delegado é um ser estranho à empresa, alheio aos respectivos órgãos, muito embora

possa ter influência decisiva na conformação da respectiva vontade social, com atenção ao

conteúdo dos seus poderes de intervenção. Já os administradores por parte do Estado podem

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ser nomeados para o representar junto de sociedades em que seja acionista ou em que tenha

participação nos lucros, bem como junto as sociedades que explorem atividades em regime de

exclusivo ou com privilégio, ou exclusivo, não previstos em lei geral. E os delegados do

Governo podem ser nomeados para sociedades concessionárias de serviços públicos ou de

utilização de bens do domínio público, que beneficiem de financiamentos feitos pelo Estado ou

por ele garantidos, e empresas de navegação de interesse nacional, bem como junto de outras

empresas492.

Percebe-se que administradores e delegados são representantes do Estado atuando em

nome deste. Contudo, imprescindível não olvidar que todo poder exercitado na sociedade de

economia mista pelo governante, na realidade deve ser compreendido que o efetivo controlador

(o povo), que pode não ser desconhecida, tampouco descortinada, imperceptível e invisível ao

governante.

Pelo artigo 14 da Lei nº. 13.303/2016, o acionista controlador da empresa pública e da

sociedade de economia mista deverá fazer constar do Código de Conduta e Integridade,

aplicável à alta administração, a vedação à divulgação, sem autorização do órgão competente

da empresa pública ou da sociedade de economia mista, de informação que possa causar

impacto na cotação dos títulos da empresa pública ou da sociedade de economia mista, e em

suas relações com o mercado ou com consumidores e fornecedores.

Da mesma forma deve preservar a independência do Conselho de Administração no

exercício das suas funções, observando a política de indicação na escolha dos administradores

e membros do Conselho Fiscal, sem se esquecer que o acionista controlador da sociedade de

economia mista responderá pelos atos praticados com abuso de poder, nos termos da Lei nº

6.404, de 15 de dezembro de 1976.

5.13 Sociedade - O acionista – O cidadão – O detentor invisível do poder -

Dominação empresarial ‘ab extra’ - O povo soberano

Após uma visão da sociedade de economia mista, o controle do acionista majoritário, os

gestores, diretores, os integrantes do conselho de administração, não se pode ignorar o meio

492 MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Económico. Coimbra, 6a. edição, 2012, p. p. 423-424. Entendimento

fundado na lei portuguesa. Decreto-Lei nº. 40.833, 29/10/1956. Dec.-Lei nº. 44.722/62.

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onde convivem, a coletividade, o povo e o seu interesse, a soberania da nação, Nesse ambiente

está o acionista formal de uma sociedade empresária, aferindo-se a inafastável integração

social, e, com a sensibilidade politica dos governantes desenvolver práticas democráticas

efetivas.

O povo, e pelo povo deve existir o Estado. Sendo o povo o legitimo detentor, delegador

do poder, visível ou invisível; conjugando ações para conferir legitimidade ao poder, através de

mecanismo democrático, como a eleição para constituir representantes, reunindo e gerando

independentes pensamentos para situações concretas, e, observando o voto, que o utiliza como

fio condutor da representatividade em um estado de diligencia e confiança, em um consenso

objetivando a integridade do grupo social para promover estabilidade e paz social, afastando as

situações conflitantes.

O eleito, escolhido pela assembleia exerce o múnus conferido por um procedimento

institucionalizado, legitimando a representação. Aproveita-se a preleção de Canotilho493 quanto

a grandeza pluralística formada por indivíduos, associações, grupos, igrejas, comunidades,

personalidades, instituições, veiculadores de interesses, ideias, crenças e valores plurais,

convergentes ou conflitantes, levando o observador compreender o poder da modificação

constante do habitat, provocando uma autoconvocação para elaborar uma constituição. Quando

assim reunidos esses elementos, cria-se um agrupamento que se converte em poder constituinte,

que na realidade é o povo entendendo que é uma convocação feita por ele mesmo.

Essa convocação que se extrai do pensamento de Canotilho tem finalidade necessária para

aferir, averiguar alterações oportunas, para constatar se os interesses, os costumes, o habitat, a

vontade transformando-se, assimilados no tempo, absorvendo as variações acontecidas ao

longo das gerações e da própria historia, moldando uma estrutura do constitucionalismo

fundamentado na atividade político-social, sedimentando as leis, e atualizando as

transformações civilizatórias que a sociedade constrói em seu favor.

Deve-se ter um pleno convencimento que esse poder em uma carta para ter longevidade,

para não haver interrupção, que sua estrutura seja firme e que possa ter continuidade através de

leis ordinárias e de outras normas, para que haja um processo de realização ininterrupta, à

medida que a própria sociedade se modifica, o legislador renove a vontade e necessidade do

povo.

493 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed.

11. reimpressão, Coimbra: Almedina, 2011, p. 66.

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Esse conjunto de situações devem ser objeto de uma concreta avaliação por todas as

camadas da população, e sempre através de eleições convocadas, inserindo outros

procedimentos não só populares, mas também pela via do poder legislativo, quando, todos

afinados com as aspirações da sociedade, estando a fim de emanar normas, inclusive podendo

criar emendas no texto constitucional, permitindo a oxigenação da cidadania sob os esteios dos

princípios fundamentais, com a máxima liberdade e consciência.

Para a Teoria da Constituição Dirigente a Carta Maior é um programa para o futuro,

fornecendo linhas de atuação para a política, com destaque para atitude de interdependência

entre Estado e sociedade, preconizando que a Constituição Dirigente é estatal e social494.

Não obstante as severas criticas, que até se entende plausíveis quando se estende em

demasia o poder constituinte do povo, porque é visto por boa parte do pensamento político e

constitucional como um “terribile potere”, do qual pode sempre se desconfiar, contestando sua

razoabilidade, legitimidade e cientificidade, porque o direito tem dificuldades em compreender

a produção jurídica como proveniente de um poder “de fato”, extraordinário e livre na

determinação de sua própria vontade.

O poder constituinte contradiz as pretensões do ordenamento jurídico de estabilidade,

continuidade e mudança dentro das regras previstas. A aversão dos juristas à soberania popular

e à teoria do poder constituinte do povo, segundo Cantaro, vem de uma visão política e

filosófica que atribui as origens do totalitarismo à soberania popular. A democracia absoluta

fatalmente degeneraria para a violência, o terror e o totalitarismo495/496.

Necessário atentar que um dos princípios fundamentais do Estado brasileiro é a soberania

popular, princípio da democracia participativa, e este pilar deve servir para refletir nas

pretensões de mudanças que afetem o maior interessado que é o povo.

O princípio da democracia participativa deve ser analisado sob duplo

aspecto. O primeiro viés, que não nos interessa diretamente no presente estudo, diz respeito à participação popular, por meio dos instrumentos

elencados no art. 14 da Constituição Cidadã, como expressão do exercício da

494 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituinte Dirigente e Vinculação do Legislador Contributo para a

Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas, 2a ed. - Coimbra Ed. 2001. 495 BERCOVICI, Gilberto. O Poder Constituinte do povo no Brasil: um roteiro de pesquisa sobre a crise

constituinte. Lua Nova: Revista de Cultura e Politica.

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452013000100010&lng=en&nrm=iso - acesso

em 13 de abr. de 18. 496 CANTARO, A. 1994. "Costituzionalismo versus potere costituente?". Democrazia e Diritto, v.94, nº. 4/v.95,

n.1, pp.139-164. (Cantaro, 1994, pp. 139-45), (näturliche Macht), um poder pré-jurídico ou metajurídico. (Steiner,

1966, pp. 31-6; Henke, 1968, p. 180; 1980, pp. 181-2; 1992, p. 276; Klein, 1996, pp. 115-21). Pedro de Vega

García (García, 1998, p. 47).

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soberania, como o plebiscito, referendo e a iniciativa popular. O princípio

democrático também se revela por meio da garantia da participação efetiva da

população no processo de tomadas de decisões fundamentais do Estado,

colaboração ativa que deve ser franqueada nos três Poderes, ja que o poder

soberano pertence ao povo. E o chamado exercício democrático do poder 497.

Gaia mostra que apesar da participação popular, embora visível nos poderes Executivo e

Legislativo, também é observada no Poder Judiciário, embora com menor frequência. E que

principalmente em razão do processo de recrutamento dos seus membros, através de eleições,

difere dos demais poderes, não são eleitos pelo povo, mas sim escolhidos no primeiro grau de

jurisdição pelo critério próprios, entre eles a antiguidade e a meritocracia, após a previa

submissão a concurso público de provas e títulos.

Esse poder, também é invisível, quando o povo diretamente não se manifesta através

desses mecanismos, mas é possuidor de um poder de maior dimensão, envergadura, que escolhe

os seus dirigentes democraticamente, que podem ser substituídos periodicamente, face a

alternância do poder via o voto, e até mesmo a retirada do dirigente do poder através do processo

de impedimento, via o Poder Legislativo.

Há muitos anos que várias nações democráticas vêm exercitando, no intuito de

autoproteção, procedimentos visando as garantias democráticas implantadas, e um desses

pilares está assentado no direito do voto, como meio para alcançar soluções, para decidir

conflitos, atingir desideratos eminentemente democráticos. O voto é uma das essências para a

vida do cidadão, entendendo-se como um importante meio para proporcionar a sua participação

no meio em que está inserido.

O princípio da soberania popular, do qual decorre o princípio da democracia participativa,

expresso na vontade do povo, que é o constituinte originário ininterrupto, muitas vezes

considerado invisível. E essa efetiva participação na vida política do país, envolve os três

Poderes, independentes e harmônicos entre si, que devem agir para obter resultados favoráveis

ao povo, mesmo que a provocação advenha do Estado.

Dessa confluência de poder, inequívoco que o povo é o detentor das coisas do Estado, e

o povo é quem pode e deve utilizar desses bens, e quando necessário expor seus desejos de

transformações e interesses para alcançar e definir as devidas realizações e compreensões do

497 GAIA, Fausto Siqueira. O povo como guardião da Constituição – Estudo sobre a legitimidade do controle preventivo de constitucionalidade realizado pela Corte Constitucional brasileira. Revista de Informação legislativa. Ano 51. N. 202 – abr./jun. 2014 – p. 150.

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poder estatal, mesmo que, por mais especifico que seja, como acontece a utilização do direito

privado pela administração pública.

Interessante trazer uma nota que se tornou celebre, há várias décadas, uma decisão de

Benjamin Cardozo, e a jurisprudência norte-americana reconhece que a sociedade anônima está

sob “... uma influência dominante poder ser exercida por meios diversos de voto. [...] O

controlador, no caso, não é necessariamente membro de qualquer órgão, mas o seu poder de

dominação ab extra498.

O poder dominante no direito societário é relativo, uma vez que a influência pode advir

de diversas formas e pessoas, calcadas em circunstâncias plurais. Por exemplo, que no direito

concorrencial o termo ganha sentido, com o objetivo de manter ou garantir a manutenção de

estruturas de mercado consideradas desejáveis do ponto de vista econômico, orienta a

identificação e o tratamento jurídico do poder societário.

A preocupação é com a determinação por interesses estranhos aos

interesses da sociedade dos destinos do patrimônio social. Tal escopo é,

obviamente, muito mais indefinido do ponto de vista econômico e jurídico que

a hoje já bem teorizada discussão sobre as estruturas concorrenciais mais

convenientes. Daí porque a ideia de influência dominante no direito societário

é de pouco valor explicativo.

[...]

O “controle” tanto dos rumos patrimoniais quanto dos rumos

empresariais da sociedade passa a ser relevante499.

Esses pensamentos voltados para o contemporâneo, colabora para estabelecer ponto de

compreensão sobre adaptações e transformações políticas e sociais, mas de pronto alertado que

todo e qualquer controle deve ser por um aprofundamento do direito constitucional, com

responsabilidade das tarefas conferidas para os devidos exames nas áreas apropriadas, com

prospecção para elucidar e não extirpar direitos, propondo soluções, respondendo as devidas

perquirições.

Apenas para suscitar um exemplo, que se entende pertinente observar, o caráter da

poupança popular e do investimento público que circundam a matéria, porque as ações de uma

sociedade de economia mista como as ações (títulos/valores mobiliários), à semelhança das

sociedades anônimas, são bens, alvo do interesse dos investidores e que se conecta com as

perspectivas de progresso econômico dessas companhias, mesmo considerando o objeto de

498 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade

anônima. 6a. edição, Rio de Janeiro. Forense, 2014, pp. 69-79. 499 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade

anônima. 6a. edição, Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 78.

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especulação no mercado de capitais (por investidores nacionais e estrangeiros), e de qualquer

modo está nos interesses público e privados.

Na atualidade observa-se a variação dos preços dos produtos com a incidência dos

encargos, especialmente dos tributos (impostos vários) custos, fundos de depreciação, e

obviamente a margem e perspectiva de lucros. Nesse quadro, estão presentes os elementos em

curso da moderna sociedade anônima.

O “proprietario” legal do capital arrecadado tem poder absoluto de decisão sobre ele e

segue seu curso econômico próprio. Vê-se transformações nos cenários econômicos, como a

relação inicial dos acionistas históricos que passavam os seus investimentos originais aos netos,

e estes aos bisnetos, os cessionários a outros, e quase tudo se transformou.

O executivo tornou-se, de uma forma estranha, o administrador sem controle de uma

espécie de truste que tem o privilégio da acumulação perpétua. O acionista como usufrutuário

passivo, não só do “truste” original, como também de seus acréscimos anuais. Por essas

amostras de comportamento, outras e novas amostras emergem formando um novo conjunto de

políticas, inclusive políticas públicas, para atender um corpo de leis constituídas para proteger

e tratar de situações que envolvem, indubitavelmente, expectativas para o desenvolvimento

civilizatório.

Inevitavelmente o sistema legal se modifica para atender as novas áreas da propriedade

produtiva a fim de normalizar as relações nessas novas áreas, como revelam fatos acontecidos

ao longo do século XX, especialmente na sociedade norte-americana, quando normas jurídicas

e leis administrativas foram experimentadas, passando a influenciar outros povos, inclusive o

Brasil, como a implantação do salário mínimo, a pacificação das relações de trabalho, a

proteção das atividades voltadas ao consumo pessoal, com atenção para com os

empreendimentos oferecendo bens ou serviços ao público.

Nesse contexto foram concebidos algumas relações e atividades de produção, de bens

ativos nos Estados Unidos, percebendo-se que muitos serviços e atividades passaram a ser

incisivamente subordinados, impostos criados, porem sujeitos às regras inclusive as derivadas

da Declaração dos Direitos, visando assegurar direito constitucional em várias áreas, inclusive

nos campos da hospedagem, restaurantes, locais de diversão e muitos outros produtos, para

todos os cidadãos, face a irresignação de parte da população norte-americana diante dos

avanços dos direitos civis, amparados pela maioria com respeito aos direitos humanos.

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Valiosa a observação que Berle faz sobre a tendência do poder, que passava a ser

absorvido na sociedade norte-americana, num deslocamento silencioso da lei constitucional do

campo dos direitos políticos para o campo dos direitos econômicos, e que os principais

contornos desse novo corpo legal, quase não eram discerníveis. Mostra que no curso de 1952 a

sociedade anônima, aquela mesma que foi uma criação do Estado, sujeita ao próprio Estado e

às limitações constitucionais. Se esse princípio que veio à luz for levado às ultimas

consequências, uma sociedade anônima que tenha poder econômico e, supostamente, poder

jurídico, para apropriar-se de bens, negar a prestar serviços, fazer discriminações entre pessoas,

grupos ou raças, estará negando, numa certa medida, a igual proteção das leis, ou violando, de

alguma forma, as limitações constitucionais, está sujeita à ação legal direta500.

A preocupação, o ideário do povo norte-americano envolvido nos princípios da

Declaração dos Direitos, na preservação dos indivíduos, cuja personalidade não devia ser

invadida, que passou a ser revista no curso do século XX, com intensidade na sua segunda

metade, adotou-se a possibilidade de reduzir essa liberdade quando da recusa de atender os

primados da Lei dos Direitos Civis de 1964, obviamente que não foram para afetar diretamente

as propriedades produtivas, mas para manter a proteção constitucional.

Interessante lembrar, que nesse contexto Berle destaca ser uma política retrograda proibir

fusões de empresas, porque, caso forçada a esse ponto, provavelmente a concorrência

prejudique a produção e a distribuição para que as melhore. Fato significativo é que em geral

as normas procuram assegurar que a propriedade produtiva não seja usada para impedir a

produção segundo as diretrizes do processo competitivo, na forma concebida pela ciência

econômica clássica, sob as suas condições, de acordo com a procura para manter uma imagem

civilizatória.

A interpretação que se dá, embora o Estado ache que pode controlar a estrutura e as bases

da produção e do comercio, ainda assim não pode dizer às pessoas o que ou como consumir,

apesar de já ter sido essa ordem experimentada em certas plagas.

Não deixa de ser uma advertência, face as proporções cada vez maiores, e o crescente

poder das sociedades anônimas americanas, dividiram automaticamente o pacote de direitos e

privilégios compreendidos pelo antigo conceito de propriedade, quando separou a pessoa do

proprietário, e usufrutuário da pessoa do administrador da empresa.

500 BERLE, Adolf Augustus; MEANS, Gardiner Coit. A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada.

3a. ed. 1988, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, p.p. 10-11.

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O pensamento da liberdade de produção considera próprias “coisas”, incluindo os

elementos intangíveis, “pertencem” à sociedade anônima que possui o título legal de sua

propriedade.

Outro ponto importante é o debate sobre o interesse final de usufruto, expresso pela ação,

por entender representar uma expectativa, de que uma parte dos lucros que restam depois de

pagos os impostos, será declarada como dividendo em favor do sócio – acionista - que, no caso

relativamente pouco provável de liquidação, toda ação obtenha sua parte correspondente dos

ativos. A primeira expectativa é bem nítida; a segunda é tão remota que pouco representa em

termos de aumentar o valor de mercado das ações.

Essa discussão ratifica o que legalmente já se encontra pacificado, que os acionistas

realmente têm o direito de votar, mas a importância disso é cada vez menor à medida que

aumenta o número de acionistas em cada empresa, chegando de fato a ter uma importância

desprezível, à medida que as empresas se tornam gigantescas, e nas assembleias poucos

acionistas se fazem presentes, conferindo campo de manobra aqueles que estão mais próximos

das cotidianas deliberações empresárias.

É o que se apercebe nas chamadas comunidades participativas, como os fundos de

investimentos, que podem ser manipulados no mercado de ações, quando, para proporcionar

uma suposta oferta plural para captação de recursos, há um fomento, engendrado, para captar a

poupança popular que servirá de lastro para uma suposta economia nacional.

À medida que o número de acionistas aumenta, a capacidade de cada um deles expressar

opiniões torna-se extremamente limitada. Ninguém se preocupa com eles, embora possam ter

uma importância política, semelhante à dos eleitores que escrevem cartas a seus parlamentares,

ou as crianças que enviam bilhetes ao ‘papai Noel’.

Finalmente, têm o direito – difícil de ser posto em prática – de processar a empresa e seus

administradores, exigindo que ela seja indenizada por qualquer prejuízo que possa ter sofrido.

Essas ações comuns, embora poucos acionistas estejam envolvidos nelas, podem ser um

impedimento à desonestidade e deslealdade da gestão.

Contemporaneamente o mercado de capitais, agitando as ações de companhias

aparentemente prosperas, ‘papéis’ que passaram a ser desejados. Tornou-se uma forma

predominante de riqueza pessoal, vivenciada e alcançada através das bolsas de valores,

adquirindo “liquidez duvidosa”, que possibilitam, e dão capacidade de efetivar ‘bons negócios’.

Vendas à vista, em questão de minutos, horas ou poucos dias, para não falar em pequenas

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frações de tempo, diante da volatilidade de alguns tipos de ações que despertam “maior

interesse”, “prestígio momentâneo”, ou ao contrário, caem em desgraça por mero boato ou

divulgação de nota contábil desabonadora. São negociadas eletronicamente, em tempo real, na

linguagem própria desses profissionais, usando jargão dos corretores de valores mobiliários,

balcões e bolsa de valores, muitas vezes ignorando os investidores ignorantes, os que não

dominam o assunto, que são usados, mero ‘joguete’ no mercado, ludibriados insanamente.

O acionista embora não seja mais o herdeiro universal de todos os lucros, é importante

“herdeiro” de um quinhão, uma vez que estimativas sofisticadas indicam que os dividendos

auferidos, combinados com o aumento do valor de mercado das ações, tem proporcionado

significativos crescimentos, cujos percentuais nas últimas gerações, quando não manipulados

obscenamente, inspiram, podem ser confiáveis, ao espelhar uma realidade econômica.

As expectativas e os direitos da propriedade massiva, mostraram-se satisfatórios, o

bastante para induzir um número crescente de pessoas a colocar suas economias sob essa forma

de propriedade, que de forma continuada, sinalizam trilhões de dólares agitando o mercado de

capitais pelo mundo.

Nos maiores grupos das instituições intermediárias estão os fundos previdenciários

mantidos por empresas ou grupos de empresas, ditas para beneficiar seus empregados. Esses

fundos arrecadaram as economias dos empregados de empresas ao longo de décadas, através

de pagamentos via prestações regulares, visando, mais tarde obter de alguma forma

aposentadoria e outros benefícios previdenciários privados ou semelhantes.

Outro grupo que interfere na poupança popular, estão os denominados fundos mútuos,

cuja atividade gera a ‘posse de carteiras’ de ações diversas, negociando, interagindo na compra

e venda de “variados papéis”. Concomitantemente participam em diversos grupos de negócios,

manipulando ações de sociedades anônimas e de sociedades de economia mista, as conhecidas

estatais cobiçadas, chegando a interferir na composição, e até mesmo controle e gestão de

alguma dessas companhias.

Outras são as que estão presentes nos mais variados seguimentos do mercado de ações,

como companhias de seguro, de previdência privada, etc., engendrando novas formas de

propriedade e negócios no sistema de circulação da riqueza.

Importante salientar os aspectos da proteção às pessoas e aos seus bens, advertindo-se

para os viés e escapes que geram perdas da propriedade, da posse, da qualidade, do valor, da

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utilização e capacidade de uso, além da violação quando da retenção do bem, e a limitação de

prosperidade, gerando uma anarquia nos investimentos públicos e privados.

Frequentes são os contratos de empréstimo em que credor exige em garantia a caução de

ações, em especial, detendo o denominado ‘bloco de controle’. A lei brasileira não suprime o

direito de voto do acionista caucionante, mas admite que se possa estipular no contrato que o

acionista não poderá, sem consentimento do credor caucionado ou pignoratício, votar em certas

deliberações501.

De igual maneira, vê-se o Estado credor, quando em posição de preponderância, que é

usual, contar com formidáveis modelos e poderes de pressão. Usa o extraordinário poder de

fixação de preços em bens estratégicos, no controle de produção, nas taxas de juros bancários,

de feição de crédito oficial, interfere na celebração dos contratos e da concessão de benefícios

fiscais.

A lei das sociedades anônimas, no seu artigo 159, dispõe que “compete à companhia,

mediante prévia deliberação da assembleia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o

administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio”. Essa deliberação podera ser

tomada em assembleia-geral. Como se vê, a ação é exercida pela sociedade. Pode ocorrer,

entretanto, que a sociedade, pela sua assembleia-geral se recuse deliberar não promover a ação.

Nessa hipótese, será ela promovida por acionista minoritário que represente 5%, pelo menos,

do capital social.

Analisa-se não só o acionista que represente certo percentual legal para promover a defesa

dos seus interesses no âmbito da companhia, mas também o cidadão como detentor da outorga

da representação política, quando se tratar de interesse comum da comunidade e na sociedade

de economia mista, da dominação ab extra.

O direito comercial, na verdade, possui, desde as origens, um instituto

próprio para configurar essa responsabilidade solidária do credor de um comerciante, pessoa física ou sociedade, que passa a dominar a empresa, seja

para tentar cobrar de modo mais efetivo e rápido o seu crédito; seja para apurar

um lucro adicional ao estipulado pagamento do crédito: é a figura do sócio

oculto. Não se trata, aqui, da situação, à qual já nos referimos, do sócio ou

acionista, oficial ou ostensivo, que exerce o controle totalitário ou largamente

majoritario da sociedade: o chamado sócio “soberano” ou “tirano”, como

denominam alguns autores italianos. Nestas últimas hipóteses, há sempre um

controle interno. A figura do sócio oculto, no direito brasileiro, é a de autêntica

atividade empresarial, em colaboração com um comerciante ostensivo, pessoa

física ou jurídica. Tal colaboração empresarial, em se tratando, sobretudo de

501 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade

anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 79.

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um credor do comerciante ostensivo, costuma, frequentemente, transformar-

se em autêntica dominação, ou controle externo502.

Essa situação é enfatizada por Comparato e Salomão Filho abordando a lei acionária

alemã pioneira a prever a situação do “aproveitamento de influência sobre a sociedade”

(Benutzung des Einflusses auf die Geselschaft), descrevendo como o ato de induzir dolosamente

um administrador, procurador ou representante a agir em detrimento da sociedade, mediante

abuso de influência, deixando o legislador de prever a hipótese do abuso de influência sobre o

acionista controlador. Mesmo porque o fundamento da responsabilidade, a defraudação da

confiança suscitada quando não há qualquer dever de lhe corresponder, em fatos, o caráter

desconforme com a ordem jurídica de um comportamento que viola a confiança alheia,

prejudicada no tráfico negocial culposo ou ilegítimo.

Dessa situação tem-se um esteio da relação, do dever de lealdade entre o membro do

Conselho de Administração, do acionista controlador e o poder soberano do povo detentor da

parte do capital da sociedade empresária estatal. E dessa dissecação, nítida, macula à boa-fé,

quando há ato e abuso de influência circunscrito de uma situação, devendo o aproveitador

ressarcir à companhia e aos acionistas pelos danos causados aos seus patrimônios.

Das várias hipóteses que a doutrina revela sobre o controle externo, mostra-se que é

exercido mais de fato do que de direito. Há situações em que a dominação empresarial ab extra

é legitimada pela ordem jurídica, como a que previu a Suíça no artigo 762 das Obrigações, em

que uma pessoa jurídica de direito público interno tem “um interesse público numa empresa”

explorada sob a forma de companhia, os estatutos podem atribuir a essa entidade estatal, ainda

que não acionista, o poder de delegar representantes em seus órgãos administrativos e de

fiscalização. A responsabilidade desses administradores e fiscais delegados pelo Poder Público,

perante a companhia, seus acionistas ou credores sociais, é imputada à pessoa jurídica que os

nomeou, sem prejuízo da ação regressiva contra o agente faltoso503.

Assim, confecciona-se um critério do interesse social, uma coparticipação nos rumos da

empresa, com respeito às relações de regulação-direito societário nas empresas públicas e de

economia mista. Uma nova engenharia social, motivando a qualquer acionista, ut singulis, a

legitimidade para provocar a responsabilidade do faltoso.

502 COMPARATO, Fábio Konder Comparato; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle da sociedade

anônima. 6a. ed., Rio de Janeiro. Forense, 2014, p. 81. 503 IDEM – op. cit., p. 85.

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Certo é que a faculdade da minoria qualificada de deliberar, logo após a recusa da

sociedade, pela assembleia-geral, de promover a ação, constitui uma das mais positivas e sérias

garantias da minoria e de sua proteção.

O mesmo ocorre, agudamente, na franquia do acionista minoritário singular, após três

meses de inação da assembleia-geral, de ele próprio, individualmente promover a ação de

responsabilidade civil dos administradores.

Neste capitulo, apesar do quanto intitulado, pela inferência que se possa extrair,

especialmente nos aspectos de dano, responsabilidade e ação judicial, de logo salienta-se que

não se pretende abordar e ou aprofundar temas sobre danos e responsabilidade, apenas dedicar

frações das situações em que a companhia fica exposta a ataques, desprotegida, bem como seus

acionistas e terceiros, por circunstancias advindas de posturas, decisões dos governantes, que

agem em nome do Estado-empresário, violentando o patrimônio coletivo.

Um dos caminhos, presente, na sociedade capitalista é a aplicação de recursos na busca

da consolidação da poupança, inclusive com caráter previdenciário, e especulativo, a fim de

auferir benefícios, e de ficar a salvo de adversidades, frustrações, prejuízos, danos que lhes

retire um bem ou o valor do bem, em decorrência de práticas danosas, irresponsáveis na gestão

desses recursos.

No campo da economia, uma das figuras salientes está a do investidor em ações da

sociedade anônima, e em ações de sociedades de economia mista.

Importa visualizar, verificar a segurança do investimento, para conferir os riscos, as

probabilidades de perdas e ganhos, o alcance dos resultados do empreendimento, especialmente

as posturas desses agentes e gestores públicos, que utilizam de métodos que podem prever e

apurar os resultados dos investimentos, gerando nocividade ao investidor, ou pelo mesmos,

reduzindo os benefícios que podem advir desses bens proporcionados.

Dessas análises, e tantas outras das mais diversas, saltita uma delas, defronta-se com o

que os economistas denominam de análise da poupança popular, e ou recursos contidos nos

planejamentos econômicos do Estado, quando este passa a ser idealizador, o incentivador e

propulsor da riqueza nacional. Dessas circunstancias emergem vários personagens, como a do

investidor, quer seja uma pessoa natural, quer seja uma pessoa jurídica, e o Estado planejador,

no dever de interessado no desenvolvimento econômico do país, na preservação dos interesses

do povo, especialmente quando criou para tanto, empresas estatais, e em especial, a sociedade

de economia mista.

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Desse conjunto, um exemplo a tratar é do acionista, o do terceiro, a comunidade, todos

de boa-fé que seduzidos, conquistados, envolvidos, direta e ou indiretamente, são induzidos a

atender a propalação do estatal de promover desenvolvimento, granjear riquezas, e utilizando

no investimento, na subscrição de ações de sociedade de economia mista, inclinando-se,

submetendo-se, postando-se diante de alardeadas vantagens, muitas vezes ostentando ofertas

como excepcionais, ou pela simples expectativa de resultados positivos, satisfatórios, que

aparecem com uma áurea de proteção à economia popular e segurança as economias de

qualquer investidor.

Equívocos ocorrem algumas vezes em um contexto quando foge aos usos e costumes do

investidor popular, por alguma divulgação não usual, anormal no trato de algum dado perante

o mercado, que é considerado singelo para uns, e sofisticado para outros, desde quando o

mercado de capitais alcança uma variedade de interesses e negócios na sociedade moderna, que

está revestida e amparada por um arcabouço jurídico e econômico aparentemente mais volátil

que sólido, propício a significativas mudanças de cenários de negócios, que ensejam perdas,

afetando a economia pessoal e de tantos outros por consequência, inclusive as finanças públicas

e com sequelas na poupança popular. Todos, inclusive os governantes, devem estar atento a

esses cenários, precavendo a sociedade da adversidade. Confere-se que a confiança se dirige à

observância das exigências de um comportamento honesto, minimamente atento aos bens e

interesses da contraparte.

Dessas situações entende-se que se pode obter amparo legal, cujo socorro, por hipótese,

está no artigo 402 do Código Civil, que as perdas e danos devidos ao credor, abrangendo, seja

ressarcido, além de que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. E o

artigo 186 do mesmo diploma legal, com relação aos atos ilícitos, aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda

que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Em sintonia tem-se o artigo 51 do Código de

Defesa ao Consumidor.

Esse entendimento alcança as sociedades anônimas, uma vez que se reputa fraudulenta

qualquer declaração feita por fundadores, administradores e acionistas controladores da

companhia emissora ou de sociedades interligadas, no sentido de induzir direta ou

indiretamente pessoas à subscrição de ações, com a promessa de inexecução da dívida, por

exclusão de qualquer dos meios legalmente previstos. Portanto, assim tratado, tem-se típica

ocultação fraudulenta ao subscritor de norma de ordem pública que não admite renúncia por

parte da companhia.

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Pertinente a observação da responsabilidade da sociedade controladora, regulada no

Capitulo XX da Lei, quando a minoria pode promover ação para reparar os danos que sofrer ou

causar a companhia, por atos praticados conforme previsão contida nos artigos 116 e 117 da

Lei das S/A. Compreende-se ofensa aos princípios fundamentais e ser necessário ajustar

técnicas jurídicas e políticas econômicas destinadas a garantir o cidadão contra os riscos reais

da economia, sustentar garantias contra os perigos vindos da sociedade estatal, e quando

necessário que restabeleça a estabilidade econômica e os valores perdidos, via uma análise da

representação política.

Abordando problemas que causam prejuízo e exasperam o acionista, Bulhões Pedreira504

no simpósio promovido pela Abrasca em 1976, disse, que em princípio, todo acionista que

promove uma ação não ganha nada, porque o resultado da ação é em benefício da companhia.

Se ele é um acionista pequeno, ele participa nesse resultado praticamente com nada. Pode ser

um por cento da sociedade, ou menos, ele é obrigado a fazer um esforço, e se aborrecer, para

promover a responsabilidade do acionista controlador e dos administradores, e no final não tem

recompensa nenhuma. Isto parte de reconhecimento de que não adianta nada definir melhor os

direitos dos acionistas minoritários se esses direitos não forem exercidos. Senão, toda a lei fica

letra morta. Não é razoável se esperar com o acionista controlador e ao final não recebe nada,

quando muito o reembolso das despesas. Então, somente neste caso, onde os agravos das

minorias são maiores entre sociedades coligadas e controladas, é que se estabelece um prêmio

para motivar o acionista pequeno a realmente promover a responsabilidade do acionista

controlador.

O exemplo típico que mostra a responsabilidade do Estado no engenhoso sistema de

poupança popular criado e assentado nas décadas de sessenta e setenta do século XX, quando

se organizou, numa ação de governo de então, numa presunção de boa-fé como fala

Magalhães505:

A sua preocupação de organizar um sistema que permitisse a cada brasileiro

possuir casa própria seguiu-se outro talvez ainda mais utópico: construir um

instrumento que permitisse a cada individuo ser acionista de empresas. Pois,

na sua visão, a paz social exigia que cada um se sentisse participe efetivo do

patrimônio coletivo, que todos ajudavam a construir.

[...] instituiu um incentivo fiscal específico, para democratizar o mercado de

capitais. Cada brasileiro contribuinte do imposto de renda poderia adquirir

504 Simpósio promovido pela Abrasca em 1976, (um dos autores do projeto da lei das S.A., referindo-se ao

prêmio de 5% do acionista dissidente, explicando os fundamentos dos direitos do acionista minoritário). 505 GATTO, Coriolano. PEDREIRA, José Luiz Bulhões – A invenção do Estado Moderno Brasileiro. Rio de

Janeiro: Insight Engenharia de Comunicação, 2009.

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quotas dos Fundos 157, então criados sob administração de algum banco,

utilizando parcela do imposto de renda a pagar. O contribuinte se tornava,

assim, na condição de quotista do fundo, sócio indireto de empresas nacionais

de capital aberto, que dispunham, assim, de um eficiente mecanismo de

capitalização. Posteriormente, tudo foi devorado no curso das décadas

perdidas.

Debruçou-se, também, sobre modalidades racionais de participação dos

empregados no lucro das sociedades em que trabalhassem, sob forma de

participação em seu capital e/ou nos seus resultados. Como chegou a trabalhar

com a possibilidade de converter cada brasileiro em acionista das empresas

publicas pela redistribuição de suas ações aos trabalhadores, em razão inversa

da renda individual de cada qual. Com os óbvios cuidados para evitar a venda

das participações, sempre sob a inspiração de fortalecer a economia de

mercado, mas, atento, também, ao viés social, que deveria ser inserido nos

procedimentos regulatórios.

Fizemos, juntos, alguns exercícios nesta linha. Pois a ele incomodava, como

a mim, a profunda assimetria entre a situação dos proprietários e a dos não-

proprietarios, o que o levava à busca de caminhos novos para conciliar os

interesses do capital e do trabalho, a partir de formulações concretas que

acentuassem a colaboração e não o conflito, mediante a construção negociada

de objetivos comuns, corporificados na empresa como instituição básica para

a organização da cooperação e, ao mesmo tempo, do sucesso do capitalismo.

Pelo que escreve Raphael de Almeida Magalhães na apresentação da referida obra, é

exatamente a engenharia que o Estado brasileiro se comprometeu em fazer, com que os

trabalhadores brasileiros contribuíssem na criação de fundo de poupança, para fortalecer a

economia de mercado e sobretudo construísse um patrimônio coletivo. Nesse cenário, avista-

se uma estratégia para desenvolver o mercado e o Brasil, abriu-se não somente conceitos, mas

se instituiu uma política desenvolvimentista social506.

Na mostra estaria o sentido da representação política à qual dá-se o nome de representação

existencial. Para Souza Junior507 a comunidade política começa quando ela se articula e produz

um representante. Essa representação é desempenhada pelo Chefe de Estado,

independentemente da forma de Governo adotada, e o ingrediente fundamental, é que o Estado

depende, para a sua existência, de um órgão que represente a unidade da sociedade consolidada

nos valores constitutivos do bem comum.

Para Torres508, nas repúblicas parlamentares a representação da comunidade nacional

integra-se na unidade ideal do Estado em seus múltiplos órgãos, enquanto nos regimes

presidenciais, recaindo a chefia do Estado no Presidente da República, chefe, também, do

Governo. Confere-se a existência de um centro político agregador que represente aquilo de

507 SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como poder: uma nova teoria da divisão dos

poderes. Memória jurídica. São Paulo, 2002, p. 26. 508 TORRES, João Camillo de Oliveira. Harmonia política. Belo Horizonte: Itatiaia, 1961. p. 81-82.

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comum que há entre os homens, e que essa representação surja do reconhecimento da própria

comunidade acerca da imprescindibilidade de tal elemento unificador para a sua existência.

A marca dessa representação, portanto é a auctorita509 que vem da raiz de ‘autor’, o que

gera ou produz. A autoridade gera a unidade social pelo direito. Para isso deve o poder político

ser uno na sua esfera de ação, e se tem a ideia de soberania, como qualidade de supremacia

definitiva do poder510.

E Lima511 acentua:

O bem comum faz a unidade social. E a autoridade é a força de unificação e

equilíbrio que opera a união e a convergência das vontades individuais para o

bem coletivo de qualidade superior.

Confirma-se que a auctoritas deve estar presente nas esferas da representação política.

Observando o alerta de Torres512, que na representação da unidade política estatal ela é a

protagonista, inclusive, para os perigos da existência de potestas. E a autoridade, por seu turno,

apresenta características fundamentais, sólida e limitada, augusta e respeitada, consentida e

poderosa, una e transcendente.

A função governamental é uma relação que se estrutura com várias comportas da

representação política, a fim de preservar o bem comum, preservando-o, como um substrato

unificador do Estado. Essa unidade está fundada em valores - genéricos e abstratos – que se

assenta e está representada na figura do Chefe de Estado.

O governo representa a evocação política em busca do bem comum, e assunção da

responsabilidade perante o povo. E desse cotidiano da atividade política, do seu bom

desempenho na direção dos negócios políticos garante – em nítido caráter meritocrático – a sua

permanência; deslizes, em contrapartida, levam-no à bancarrota, valendo um registro histórico

no que pertine a uma característica da representação politica, no que diz respeito à natureza do

mandato, enraizado no Direito Privado, no âmbito da vontade de uma pessoa é exercida em

nome de outrem, o mandatário. Contudo no contexto político os teóricos buscaram uma

natureza própria para o mandato político, a fim de separar do direito privado.

509 No direito romano é definida por auctoritas uma certa legitimação socialmente reconhecida, que procede de

um saber e que se outorga a uma série de cidadãos. Ostenta a auctoritas aquela personalidade ou instituição, que

tem capacidade moral para emitir uma opinião qualificada sobre uma decisão. 510 SOUZA, José Pedro Galvão de. Politica e Teoria do Estado. S. Paulo. Saraiva, 1957, p. 143. 511 LIMA, Alceu de Amoroso. Política. Agir, 1956, 4a. ed. P. 48. 512 TORRES, op. cit. pp. 55-56.

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A representação política contribui para a complexa engrenagem que constitui a

Democracia contemporânea.

Os procedimentos, como as eleições, o processo legislativo e o processo

judicial, são, para Luhmann, a melhor maneira de garantir decisões

vinculativas, além de reduzir as complexidades sociais. Ao submeterem-se as

regras e necessidades do sistema processual, todos os envolvidos são

obrigados a aceitar a decisão final, mesmo contrariados, pois eles próprios

participaram do procedimento. A legitimidade pelo procedimento é uma

legitimidade institucional, não proveniente de derivações valorativas.

A

representação política, por exemplo, passa a ser vista como um conjunto de

ações que confere legitimidade ao poder. A eleição popular cria uma

identificação simbólica entre representado e representante, gerando um

mínimo de consenso

e tornando esse consenso independente da situação

concreta em que ele é obtido. Desta maneira, o representante exerce um

mandato não apenas referente ao que lhe foi conferido, mas também ao que

não lhe foi. O representante foi eleito num procedimento institucionalizado,

portanto é digno de representar o representado. O poder representativo se

legitima não porque expressa um consenso real, mas porque permite uma

antecipação bem-sucedida do consenso presumido dos representados513.

Segundo Montesquieu a comunidade utiliza-se da Razão Prática para identificar e eleger

os potenciais líderes que devem ser verdadeiro phronimos (o prudente), o mais esclarecido. O

eleito, no entanto, não é um mero mandatário a executar os desejos dos eleitores. Ele fora

escolhido por contar, naquele momento, com os melhores predicados (prudenciais) para o

exercício da atividade política514.

Nesse meio emerge a necessidade de estabelecer uma ética nos negócios como condição

para dar maior convívio econômico com o mercado. A ética envolve, obrigatoriamente, os

deveres do empresário em relação ao conjunto dos interesses em torno dos quais gravita a

atividade empresarial. Deveres para com os credores, deveres para com os devedores, deveres

para com os empregados. Deveres para com a comunidade, deveres para com a sociedade

política, representada pelo Estado, garantidor, em última instância, da existência e prosperidade

da própria empresa.

Assim, deve-se estar atento à situação e funcionalidade das empresas como patrimônio

coletivo, que deve se modernizar, adequando-se ao mercado e a exigência de se atualizar

consoante as leis e as necessidades do povo, especialmente quando este sinaliza ao legislador,

criando e fiscalizando o seu desenvolvimento e critério no funcionamento.

513 BERCOVICI, Gilberto. Constituinte e Politica: uma relação difícil. Luanova nº. 61, 2004, p. 15.

http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n61/a02n61.pdf 514 GUSSI, Evandro Herrera Bertone. A Representação politica. Teses USP, Acesso 11/10/2016, pp. 47-48.

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As iniciativas de grande importância, apareceram os foot prints conceituais básicos que

deveriam informar decididamente o desempenho empresarial, seus compromissos éticos com o

bem comum e seus deveres para com a sociedade circundante.

Desse meandro encontra-se a figura de proa, o cidadão, sendo fundamental entender o

seu papel, ganhando significativa atenção de Aristóteles:

Para o filósofo, os cidadãos são todos aqueles que podem participar da

vida pública na cidade, isto é, “a característica eminentemente distintiva do

verdadeiro cidadão é o gozo das funções de juiz e de magistrado”. As

magistraturas, no pensamento aristotélico, dizem respeito às assembleias

populares em que as questões de bem comum eram deliberadas.

O conceito de cidadão revela, portanto, a dimensão política da pessoa humana,

ou seja, esta se dedica à deliberação em busca do bem comum. Uma das

grandes originalidades aristotélicas é constatar que o ser humano possui um

aparato racional que o habilita a tal tarefa. Ao lado desse aparato, entretanto,

devem existir outros critérios que limitam, dentro do povo, aqueles que são os

cidadãos515.

Estendendo o pensamento aristotélico aos nossos dias, o cidadão é ao mesmo tempo

homem, marido, pai, rico, pobre, empregado, desempregado, em atividade empresarial, e

exercitando atividade política, onde ele tem a capacidade de transcender e sempre que entender

necessário, na maior medida possível, os seus acidentes a fim de se posicionar como o homem,

animal político em constante busca do bem comum, deliberando como figura de simples

cidadão ou como líder político. E, ora como cidadão e ou líder, portanto, como membro da

sociedade política, com os elementos recíprocos na representação política516. E nessa sequência

à ideia de cidadão, está a de cidadania, que a qualificam como aquilo que é próprio do cidadão.

Uma visão no campo constitucional, pelo ângulo de uma sistemática estatal

contemporânea, há uma regulamentação de requisitos para se reconhecer a capacidade político-

deliberativa à pessoa humana como expressam os textos constitucionais.

O conceito de cidadania, entretanto, vem sendo vítima de uma inflação

semântica. Ao lado de seu significado original e essencial, outras conotações

foram adicionadas de modo indiscriminado. A primeira manifestação desse

fenômeno – que não nos parece trazer problemas mais sérios – deu-se com a

sinonímia em relação à nacionalidade. Os termos cidadão e nacional passaram

a ser considerados como equivalentes (o que ocorreu também com cidadania

e nacionalidade)517.

Desse modo, observa-se uma nova visão do conceito de cidadania, e para Tércio

515 Idem - Acesso 10/10/2016, p. 49. 516 ARISTÓTELES. La Política. 9. ed. Trad. de Patricio de Azcárate. Madri: Espasa-Calpe, 1962. 517 GUSSI, Evandro Herrera Bertone. A Representação politica. 2009. Teses USP, Doutorado em Direito do

Estado. Faculdade de Direito. Acesso 10/10/2016, p. 51.

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Sampaio Ferraz Junior, significa que, constitucionalmente está reconhecido que o homem tem

um lugar no mundo político em que age, reconhecendo que: “A cidadania, na Constituição

brasileira, tem um sentido amplo, equivalente a todos os direitos e obrigações decorrentes da

nacionalidade, bem como um sentido estrito referente à participação no Governo”, e identifica

a cidadania com as garantias da Ordem Econômica e Social e com um plexo de direitos que não

guardam relação analógica. Gussi expressa que:

Essa postura apresenta duas consequências imediatas. Porque o conceito

possui o seu âmbito de significação indistintamente aumentado, têm-se, no

fundo, um enfraquecimento do sentido autêntico do termo. Se cidadania quer

dizer tudo (sem um recorte semântico bem delimitado), de fato, ela passa a

não significar mais nada. Ainda, é possível observar o enfraquecimento do

conceito de dignidade da pessoa humana em virtude de sua crescente

substituição pelo de cidadania (na sua versão ampliada) 518.

Para alicerçar o quanto desenvolvido, Gussi traz a colação entendimento esposado por

Hesse519, que o:

O perigo dessa substituição pode ser pressentido diante das palavras de Hesse

acerca do significado constitucional da dignidade da pessoa humana, como

fundamento último da ordem constitucional depois da Segunda Guerra

Mundial: “o artigo de entrada da Lei Fundamental normaliza o princípio

superior, incondicional e, na maneira da sua realização, indisponível, da

ordem constitucional: a inviolabilidade da dignidade do homem e a obrigação

de todo o poder estatal, de respeitá-la e protegê-la. Muito distante de uma

fórmula abstrata ou mera declamação, à qual falta significado jurídico, cabe a

esse princípio o peso completo de uma fundação normativa dessa coletividade

histórico-concreta, cuja legitimidade, após um período de inumanidade e sob

o signo da ameaça atual latente à ‘dignidade do homem’, esta no respeito e na

proteção da humanidade”. (HESSE., Konrad. Elementos de Direito Constitucional

da República Federal da Alemanha).

Desse modo tem-se um alicerce que o sistema representativo oferece pertinente o

reclamo do cidadão no caráter existencial da dimensão política da pessoa humana. Para Cunha

Junior520 a Declaração dos direitos do homem e do cidadão são poderes que traduzem meios de

participação do homem no exercício do Poder Político, incluindo-se os direitos de participar da

vontade geral, de consentir no imposto e de controlar o dispêndio do dinheiro público, e de

pedir contas da atuação de agente público.

Estabeleceu que a finalidade de toda associação política é a conservação dos

direitos naturais e imprescritíveis do homem (art. 2º). Ou seja, a Declaração

518 GUSSI, Evandro H. B. Ob. cit. doi:10.11606/T.2.2009.tde-21082009-094450. Acesso: 2016-10-11. P. 52. 519 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. de Luis

Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. 520 CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 10a. ed., 2016. JusPodivm, pp. 509-511.

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francesa confirmou exatamente o postulado inquestionável de que o Estado

nasce de uma filosofia política que o justifica pela necessidade de dar proteção

aos direitos humanos fundamentais. Vale dizer, o Estado existe e só se

justifica para fazer o Homem feliz. O Estado é o instrumento por meio do qual

o homem – o fim – satisfaz os seus direitos e alcança a sua felicidade. O Estado

só existe e só se justifica se respeita e promover os direitos fundamentais do

homem. O Estado, em suma, nasce exatamente pela necessidade de dar

proteção aos direitos fundamentais521.

A atividade deliberativa própria do cidadão segue como fundamento indispensável da

vida política, tanto na sua postura quanto na escolha dos representantes, como no exercício do

mandato representativo. Ser cidadão significa atuar politicamente, ou seja, em busca do bem

comum, com substância na relação existente entre o representante e o representado,

compreendendo que o significado da expressão - representação da vontade -, deve ter alcance

democrático, cuja concepção permita

que a relação entre representantes e representados

controle o elemento vontade.

A noção de vontade está na engrenagem subjetiva do individuo, que talvez seja mais um

tema psicológico, filosófico do que mesmo político, mas a grande literatura no pensamento

ocidental adentrou, chegando a formulações, como remonta a Santo Agostinho, que buscando

respostas morais nas escolhas e ações, guiadas por crenças e desejos. Agostinho “identifica a

vontade com um movimento livre da mente em direção a tomar ou manter alguma coisa”. Ele

declara que a vontade está ligada à liberdade do homem e que aquela pode levá-lo ao pecado e

à graça. Ela passa a ser compreendida, portanto, como algo interior, pertencente às faculdades

da alma.

Para Tomás de Aquino522 a vontade ganha contornos definitivos sob a tradição

intelectual, que se desdobra desde o período clássico. O contorno fundamental desse

pensamento é que Vontade e Razão constituem elos incindíveis da ação prática, com objetivo

maior de se alcançar a realização plena do ser humano e da sociedade, definindo à vontade

como rational appetite, e a sua característica essencial é ser controlada racionalmente. Isso

significa dizer que a Vontade, impulsionada pela razão, está orientada teleologicamente, e pode

ser julgada boa ou má, à medida que busca ou não o fim próprio da pessoa humana nas várias

dimensões existenciais em que está inserida (família, sociedades intermediárias e a comunidade

política). Essa concepção de vontade que alguns autores, heterodoxamente, remontam a

521 Idem, op.cit. 522 AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. 2. ed. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de

Brindes; Livraria Sulina, 1980.

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Aristóteles

só pode ser compreendida a partir da Razão Prática (phronesis) que lhe dá

suporte523.

Aduz Gussi, que graças a uma redução sistemática de seu campo de atuação – pelo qual

se confundiu verdade com certeza, observa-se rompimento epistemológico que teve como

consequência principal o fato de ser considerado científico apenas aquilo que dizia respeito ao

conhecimento matemático, ou o que pudesse ser deduzido da verificação empírica. E mostra

que:

[...] a partir dessa redução do alcance da Razão, as questões afetas a valores e

a opiniões – que estavam ligadas à Razão Prática tanto na Filosofia Moral

quanto na Política – não eram mais questões racionais. Estavam adstritas ao

eu, à subjetividade de suas emoções. Como ensina MacIntyre, no

emotivíssimo, “Todas as crenças e todos os juízos de valor são igualmente não

racionais; todos são instruções subjetivas dadas aos sentimentos e às

emoções”524.

Explica Gussi que na Moral e em Política tudo ficou reduzido à vontade e aos diferentes

modos pelos quais se pudesse viabilizar a coordenação das vontades individuais no ambiente

estatal, e que essa ideia forneceu terreno fértil para a representação da vontade, pois, se a

Política não é mais o local para racionalmente se buscar o bem comum, mas sim o ambiente

para o melhor equacionamento possível das vontades emotivas e individualistas, nada melhor

que a representação se fundamentar na vontade. Explicando a passagem dessa concepção

filosófica para a vida cotidiana, tem-se mostra de MacIntyre, insistindo que: “Esse elemento de

arbitrariedade da nossa cultura moral – e Política, dizemos nós – foi apresentado como uma

descoberta filosófica (...) muito antes de se tornar lugar-comum no discurso cotidiano”.

Vê-se que a expressão vontade do povo se tornou comum no discurso político e

acadêmico, especialmente quando o tema é democracia. A democracia é concebida em regime

de governo em que a vontade do povo é ouvida e obedecida. A consequência dessa tomada de

posição não poderia ser outra: prega-se uma vinculação do eleito aos seus eleitores de um modo

a caracterizar o que denominam de mandato imperativo. Sob essa concepção é que os últimos

levantamentos da opinião pública brasileira têm demonstrado a crescente perda de confiança

do povo brasileiro na atividade dos agentes políticos, sobretudo aqueles que exercem funções

parlamentares, cujo comportamento tem sofrido severa critica. Portanto, pelo visto, o

comportamento dos representantes com poder, estaria certa parcela de parlamentares, ao

exercitar os poderes de representação prejudica, ou pelo menos, na iminência de prejudicar o

523 GUSSI, op. cit. pp. 55-56. 524 Idem (GUSSI) op. cit. pp. 58-59.

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representado.

Apegando-se ao princípio democrático em defesa da coletividade, em especial no trato

das coisas essenciais aos homens em comum, o instinto ou desejo político é que se têm e deve

ser preservado. Alicerçado nessa crença democrática, espera-se que o Governo pratique o que

o cidadão deseja e espera. E, as coisas mais importantes devem ser como leis, em que o Estado

deve obedecer a vontade do povo, compatibilizando com os seus anseios.

Assim, reconhecendo o valor das opiniões dos homens em geral, o regime democrático

confere plenitude à política, como regime para bem ser exercitado pela pessoa humana.

O Chefe do Estado representa. Isso significa a convergência dos fins últimos do Estado,

isto é, do bem comum, para atende-lo de uma maneira viva e construtiva no trato da

representação, que transcende as divisões do corpo eleitoral e que se estabelece em um diálogo

perene com os valores do bem comum.

A figura do representante, por seu turno, tem contornos especiais, já que o líder político,

e dele se espera, que seja um cidadão qualificado. Essa qualificação não decorre simplesmente

de virtudes individuais do representante, mas sim da virtude comunitária, já que este,

constantemente, será nutrido e nutrirá uma causação circular cumulativa, deliberando,

organizando-se para construir com aqueles que julgam serem os mais capazes, nutrindo um

ideário político consoante as inspirações dos governados. Essa engenharia que tem caráter

constitucional, não somente pressupõe a organização do Estado com funções capazes de abrigar

os interesses dos governados num sociedade política, onde o povo tem o domínio sobre as ações

de governo, e por via de consequência, sobre as ações que o ente público detém nas esferas de

comando, inclusive, no trato da sociedade de economia mista.

As ações que asseguram a posição de controlador em uma sociedade de economia mista,

observa-se o mesmo domínio do ente público do poder sobre o bem comum. Os atos de

governança, são atos de dirigentes da sociedade como controladores, atos que devem preservar

a companhia e a economia popular, convalidam poderes dos representantes do povo em atenção

ao princípio da boa-fé e lealdade.

Desse modo, a proposição deve ser alargada, para abranger todos os casos de

responsabilidade praticados pela sociedade anônima ou pelo acionista controlador e

administrador. Praticando qualquer ato molestador ao bem comum, submete-se o infrator à

justiça.

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Canotilho525 traça linhas do acesso à justiça constitucional, relembra lições de Hans

Kelsen, em La garantie juridictionelle de la Constitution (La Justice Constittutionnelle),

argumentando possíveis dúvidas quanto a sinonímia de conceitos – garantia jurisdicional e

justiça constitucional, e que a expressão linguística “Justiça Constitucional”, não é inteiramente

seguro como critério da distinção, porque, quando se fala de acesso à justiça constitucional,

pretende-se, em geral, individualizar as vias para se chegar ao Tribunal Constitucional ou aos

Tribunais com competência de fiscalização da constitucionalidade.

Na linha que se extrai do trabalho de Canotilho, o “mercantilismo” tendente a acentuar a

erosão da constitucionalidade e da legalidade. Todavia a história do instituto da

responsabilidade por danos causados por entidades públicas desempenha ou pode desempenhar

uma importante função de estabilização sistêmica da democraticidade e juridicidade do poder.

O direito de acesso à justiça constitucional como instrumento de mobilização cidadã, leva a

tutela coletiva e status procuratoris. Assim, o cidadão enquanto administrado e enquanto

cidadão, busca posições para bem percorrer, e defender a sua vida. Os direitos procuratórios

(jus procuratoris) garantem aos respectivos titulares a defesa de interesses públicos,

independentemente da proteção de interesses individuais.

A Constituição e as leis reconhecem ao particular o direito de “mobilizar” e de pôr em

andamento a ordem jurídica de forma a promover a defesa de interesses públicos (saúde,

qualidade de vida, preservação do ambiente, patrimônio cultural, domínio público).

A articulação que se faz sobre direitos procuratórios e ação popular, a necessidade de

recortar direitos processuais autônomos a fim de assegurar o exercício daqueles direitos, leva a

compreender que ao cidadão, pessoalmente ou através de associações de defesa de interesses,

deve ser reconhecida a legitimidade de defesa de interesses, a legitimidade para, sem invocação

de um direito ou interesse pessoal ter acesso direto às instâncias administrativas (direitos

procedimentais), ou aos tribunais (direitos processuais) para promover a defesa de interesses

públicos. O reconhecimento destes direitos implica a autonomização de direitos processuais e

procedimentos/autônomos / como direitos subjetivos públicos. Em vez de se insistir no esquema

dicotômico entre direito substantivo e direito adjetivo, ou entre direito e exercício do direito,

procura-se partir do status jurídico multipolar do cidadão que não se concretiza apenas na defesa

de direitos individuais, mas também na dinamização de direitos procuratórios.

525 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito de Acesso à Justiça Constitucional. Luanda, junho de 2011.

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340

O sistema jurídico multipolar abre também a possibilidade para uma nova compreensão

do direito de ação com a finalidade de defesa dos chamados interesses difusos. O cidadão é um

individuo desarmado quando procura autolegitimar-se sozinho à defesa de interesses, como são

os interesses difusos, que comportam duas dimensões subjetivas, uma individual e outra supra

individual. Demarcando-se claramente dos sistemas jurídicos fechados em torno da proteção

judicial individual dos direitos fundamentais. E no âmbito do direito constitucional português

consagra o direito de ação, pessoalmente ou através de associações, destinado a promover a

prevenção, cessação e perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos

consumidores e a preservação do ambiente e do patrimônio cultural, como expressa Canotilho.

Extrai-se então condições para que as empresas nacionais ganhem escala, para o

florescimento, sem sobressalto, da economia de mercado, bem como cercar de proteção os

acionistas minoritários e a comunidade, especialmente no que concerne a sociedade de

economia mista, com a criação de severo código de conduta para ser cumprido pelo acionista

controlador e pelos administradores, como deveres éticos do empresário na condução dos seus

negócios.

Mesmo que se argumente da necessidade de conjunto maior de proteção, tudo pode e

deve ser complementado por um conjunto de regras para conhecimento e avaliação por terceiros

dos atos de gestão das companhias, disponibilizando informações padronizadas para

acompanhamento da gestão empresarial, inclusive inserida nas obrigações das ouvidorias,

convertida em nossos dias para atender o dever de transparência empresarial, estabelecendo

vínculos estáveis de fidelidade entre os acionistas e a sociedade, para a preservação da poupança

privada no mercado acionário, dos mercados financeiros, evitando qualquer ameaça virtual à

estabilidade funcional do próprio sistema, eliminando a possibilidade de torna-la predatória, e

de insuficiente controle.

Procura-se apontar caminhos sem inibir a capacidade de alocação de poupança e sem

tolher eventuais excessos, conjugando liberdade e responsabilidade, numa proposição

necessária para formulações inovadoras, para construir e abrir caminhos para a construção de

atividades mercantis (tecnologia, serviços públicos e privados, comercio e indústria) para

negócios em um país saudável.

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5.14 O laço da boa-fé com a lealdade

Ganha espaço as discussões envolvendo o interesse pessoal para com os valores éticos,

cada vez mais em conflito, forçando o seu contínuo exame, pelos filósofos que se dedicam ao

assunto ao longo da existência da humana.

O debate cria e transforma muitas teorias. Oportuno apontando os questionamentos sobre

o interesse pessoal fazendo teorizações em verificações empíricas, pelo entusiasmo e do sucesso

de algumas economias de mercado, exibindo produção eficiente, com variações de

pensamentos, aparecendo o comportamento por interesse pessoal ter um sentido de dever, da

lealdade e da boa vontade, que os se dedicam ao exame das atividades mercantis, dedicando a

ética um papel importante a desempenhar no sucesso dos negócios.

Observam que negar que as pessoas se comportam sempre de uma forma interessada não

é o mesmo que dizer que agem sempre de uma forma egoísta, que existe uma pluralidade de

motivações e não apenas o interesse pessoal que move os seres humanos. Apura-se o

comportamento humano, se egoísta, altruísta, utilitarista, e muitos outros que afloram no

psíquico que os cientistas buscam decifrar, conferindo-se, muitas vezes, uma mistura com

grande variedade de atitudes e práticas que refletem nos meios sociais, como em associações

de grupo, que oscilam desde as relações de amabilidade e de comunidades, até aos sindicatos e

aos grupos de pressão econômica526.

Essas relações afetam áreas do direito que motivam o jurista a se debruçar sobre certos

comportamentos, como o do liame do dever de lealdade do membro do Conselho de

Administração com o acionista majoritário ou controlador da sociedade de economia mista,

numa linha de boa-fé como baliza, sinalizador de rumo das praticas negociais, relacionando as

gerencias que envolvem as atividades econômicas e seus comandos administrativos.

É de observar, não como um elemento oculto, mas como um integrante da ação mercantil,

desde em uma singela decisão exarada pelo empresário individual, mero mercador negociando

bens de pequeno monte, ou um procedimento de um conselheiro de um órgão compondo uma

engrenagem industrial de grande porte, ou por ato de um mandatário no cumprimento,

exercício, de um mandato ad-negocia.

526 SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Almedina, novembro/2012, p.p. 34/38.

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Todos quando se envolvem em gestão, submetem-se a um modo de agir, com licitude,

coadunando práticas saudáveis, com observância legal, fundada na apropriada legislação que

delimita os encargos jurídicos, fiduciários e éticos no trato da atividade empresarial, elegendo-

se uma inseparável atitude de conduta ideal da vida em sociedade; ou postergar!

A ideia de conduta ideal não somente está no lastro do Direito, mas, também deve estar

na essência do comportamento, no caráter das pessoas para atender o pleno gerenciamento

empresarial, envolta no elemento da confiança, que se torna inseparável na composição das

obrigações, sem olvidar a pigmentação da ética. E por consequência, de igual maneira, com

relação a confiança.

O legado cultural das ideias morais e políticas, herdadas dos Gregos e dos Romanos

servem ainda hoje para sedimentar, consciente ou inconscientemente, por adesão ou rejeição

daqueles valores, para pelo menos merece alguma reflexão sobre os comportamentos

contemporaneamente.

A conduta ideal aparecem e se delineiam em comportamentos que dão algum sentido,

mesmo que seja para ou por um mero entendimento de caráter genérico, expressam significativo

realce de atuação no campo da ética, especialmente quando a estrutura da relação jurídica

implica discussão da hipótese de submissão dos gestores a uma pauta de deveres (obrigações),

ou premissas vinculadas ao fundamento da lealdade e ou obediência moral, que devem estar

presentes nas relações fiduciárias.

Utilizando o próprio termo latino, para evitar equívocos, fides que corresponde a fé ou

pietas que é entendida como piedade, tanto podem pertencer à área dos conceitos morais como

dos políticos. Fides, por exemplo, situa-se nos dois, e estende-se ao campo jurídico, ao passo

que dignitas, a que se atribuiria sentido moral, é um termo político527.

Principiando com esses valores, a “fé” implica numa atitude contrária à dúvida e está

intimamente ligada à confiança. Em algumas situações, como problemas emocionais ou físicos,

ter fé significa ter esperança de algo que vai mudar de forma positiva, para melhor.

De acordo com a etimologia, a palavra fé tem origem no grego “pistia” que indica a

noção de acreditar e no latim “fides”, que remete para uma atitude de fidelidade.

527 PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Estudos de história da cultura clássica. II Vol., Cultura Romana, 2a. ed.,

Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989.

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No contexto religioso, a ‘fé’ é uma virtude daqueles que aceitam como verdade absoluta

os princípios difundidos por sua religião. Ter ‘fé em Deus’ é acreditar na sua existência e na

sua onisciência. A fé é também sinônimo de religião ou culto.

Na Bíblia há inúmeras referências ao comportamento do individuo que age com fé. Uma

das frases que tem afirmação é a de que: “A fé é o fundamento do que se espera e a convicção

das realidades que não se veem” - (Hebreus 11:1).

O termo “fé” aparece em expressões como: “Boa fé”: forma de agir honestamente, sem

quebrar um compromisso; enquanto “ma fé” é agir de forma intencional para prejudicar

terceiros.

A origem remota de fé na Lex Aquilia, de dano no direito romano, que tem relevo na

concepção medieval da culpa, que transcendeu à Era Moderna, e segundo os que se debruçam

sobre o tema, está envolvida na concepção de culpa, associada ao erro de conduta.

A boa fé emergiu do estudo histórico-crítico com perspectivas

escassas de tratamento sistemático central. Uma elaboração do tema, cientifica

no sentido cartesiano comum ainda utilizável, ficou comprometida. A

confirmá-lo, recorde-se o irrealismo metodológico e a mitificação da bona

fides, expressos na não aplicação – inaplicabilidade? – à boa fé, dos discursos

justeoréticos da primeira metade do século e no mundo de locuções,

grandiosas na linguagem e vazias no conteúdo que, na literatura, a

contemplam528.

Comte-Sponville busca dar solução a indagação sobre a boa-fé, ao dizer que:

Falta-me uma palavra aqui para designar, entre todas essas virtudes, a

que rege nossas relações com a verdade. Pensei primeiro em sinceridade,

depois em veracidade ou veridicidade (que seria melhor, mas que o uso não

abonou), antes de pensar, por um tempo, em autenticidade... Decidi-me

finalmente por boa-fé, sem desconhecer que essa opção pode exceder o uso

comum da palavra. Mas é boa-fé, por não ter encontrado palavra melhor.

O que é a boa-fé? É um fato, que é psicológico, e uma virtude, que é

moral. Como fato, é a conformidade dos atos e das palavras com a vida

interior, ou desta consigo mesma. Como virtude, é o amor ou o respeito à

verdade, e a única fé que vale. Virtude aletheiogal, porque tem a própria

vontade como objeto.

Não, claro, que a boa-fé valha como certeza, nem mesmo como

verdade (ela exclui a mentira, não o erro), mas que o homem de boa-fé tanto

diz o que acredita, mesmo que esteja enganado, como acredita no que diz. É

por isso que a boa-fé é uma fé, no duplo sentido do termo, isto é, uma crença

ao mesmo tempo em que uma fidelidade. É crença fiel, e fidelidade no que se

crê. Pelo menos enquanto se crê que seja verdade. Vimos, a propósito da

fidelidade, que ela devia ser fiel antes de tudo ao verdadeiro: isso define muito

bem a boa-fé. Ser de boa-fé não é sempre dizer a verdade, pois podemos nos

enganar, mas é pelo menos dizer a verdade sobre o que cremos, e essa verdade,

528 CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé no Direito Civil. Almedina, 2015, p. 1177.

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ainda que a crença seja falsa, nem por isso seria menos verdadeira. É o que se

chama também de sinceridade (ou veracidade, ou franqueza), e o contrário da

mentira, da hipocrisia, da duplicidade, em suma, de todas as formas, privadas

ou públicas, da má-fé. Há mais, porém, na boa-fé do que na sinceridade – em

todo caso é uma distinção que proponho. Ser sincero é não mentir a outrem;

ser de boa-fé é não mentir nem ao outro nem a si. A solidão de Robinson, em

sua ilha, dispensava-o de ser sincero (pelo menos até a chegada de Sexta-feira)

e até tornava essa virtude sem objeto. Nem por isso a boa-fé deixava de ser

necessária, em todo caso louvável e devida. A quem? A si, e isso basta 529.

Da referida transcrição entende-se que “boa-fé” deve ser uma prática que todos devem

prestigiar! Consolida uma ideia de conduta ideal, constituída num dever de agir consoante

padrões de correção, honradez, lealdade e confiança, de cujo modo de agir deve haver a

reciprocidade.

Na fala popular, que poucos ou quando não muitos procuram exercitar a boa-fé, tanto

assim que, o Papa João Paulo II530, em Sollicitudo Rei Socialis, expressa que todos são

verdadeiramente responsáveis por todos, no intuito de não somente transmitir sentimento

cristão, mas, sobretudo assumir responsabilidade com esse intuito. Boa-fé é praticar um ato não

egoísta, assumindo um valor moral, com ausência de pecado, contrapondo-se à má-fé, pautando

um comportamento de correção e confiança mútuas, sobrepondo-se aos interesses egoísticos.

Podemos dizer, portanto, que a Encíclica Populorum Progressio é como que a

resposta ao apelo conciliar, contido logo no início da Constituição Gaudium et

Spes: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do

nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as

alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos do Cristo; e

nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco em seu coração».

Estas palavras exprimem o motivo fundamental que inspirou o grande

documento do Concílio, o qual parte da verificação do estado de miséria e

de subdesenvolvimento, em que vivem milhões e milhões de seres humanos.

A boa fé surge no campo civil, desde as fontes do Direito, sendo decisiva nos negócios

jurídicos, nos lastros dos institutos antigos e criações do pensamento jurídico cristão, de onde

percebe-se a interferência na posse, na aquisição de frutos, benfeitorias e casamento putativo,

e muitas outras regulações e níveis diversos, como a morte presumida, a condição, a simulação,

a ação pauliana, o enriquecimento sem causa, a acessão, e muitas outras outros. Matéria

529 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Martins Fontes, 1999. Tradução

Eduardo Brandão. 530 Carta EncíclicaSolicitado Rei Socialis, do Sumo Pontífice João Paulo II - Pelo Vigésimo Aniversário da

EncíclicaPopulorum Progressio. Roma, 30 de dezembro de 1987. w2.vatican.va/content/...paul-ii/pt/.../hf_jp-

ii_enc_30121987_sollicitudo-rei-socialis.h... http://w2.vatican.va/content/john-paul-

ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_30121987_sollicitudo-rei-socialis.html

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complexa, e por isso de uma difícil definição lapidar, por exprimir um modo de decidir próprio

de certa ordem sócio jurídico531.

Assim, desde o direito privado ao direito internacional, passando pela introdução do

conceito de bona fides, considerando os feitos do direito romano, pelas conotações religiosas,

que a exclamação que serve de conceito na base da vida de um povo que entendia, na época de

Cicero, que era pela fides e pela potestas que as províncias estavam unidas, servindo de cimento

do império romano, e característica distintiva do seu modo de ser no mundo.

As fontes históricas, filosóficas não somente sinalizam sobre a boa-fé, também

proporcionam muitas passagens que sobrevivem e levam a reflexão da vida de qualquer

cidadão. E nas palavras de Álvaro Villaça Azevedo colhe-se que a boa-fé é como um estado de

espírito, que leva o sujeito a praticar um negócio em clima de aparente segurança, e assim apoia

a razão dos sistemas jurídicos se escudar no princípio da boa-fé, que supera até o princípio da

nulidade dos atos jurídicos, uma vez que, os atos nulos em certas circunstâncias podem

produzem algum efeito532.

Essas reflexões levam ao caminho da combinação, que intrica o poder no âmbito do

direito e negócios, como um elo bem estruturado, como fundamento das bases dos princípios

constitucionais da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, particularizando o critério

de coesão social em uma sociedade plural, implicando nos valores éticos do poder.

A boa-fé proporciona a defesa da dignidade da pessoa humana, da liberdade, dos deveres

de conduta nas relações entre pessoas, a proteção das posições jurídicas contra intromissões

danosas, inclusive da imposição estatal ameaçando os direitos fundamentais por intervenção e

excesso sob fundamento de supostos imperativos de tutela e vedação legal.

Também para alcançar uma postura de lealdade e responsabilidade para com a

coletividade, na defesa das posições pessoais ou patrimoniais, com os respectivos deveres de

proteção que devem ser salvaguardados, sob pena de assim não acontecer, gerar imputação de

danos ao conjunto social, desde quando, as normas legais assim estruturadas proporcionam

segurança jurídica, e a consequente paz social.

531 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da Boa fé no Direito Civil. Almedina. 2015, Coimbra,

p.p. 19-29. 532 Como no caso da validade do pagamento ao credor putativo ou dos efeitos em favor do cônjuge de boa-fé no

casamento putativo. Nessas situações não vigora o princípio segundo o qual o que é nulo não produz efeito – quod

nullum est nullum effectum producit.

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Aqui não se atem a uma prospecção sobre a boa-fé percorrendo a essência de uma corrente

filosófica do direito. Sequer se pretende alargar conceitos ou sistemas jurídicos, apenas,

singelamente, examina-se a sustentação de dados limitados nesta pesquisa, não obstante a

riqueza da literatura especifica, já consagrada por renomados autores da antiguidade e pelos

doutrinadores contemporâneos, apontando as passagens na linguagem kantiana, de onde se

extrai que a boa-fé é um conceito de uma ideia ou de um valor, como enunciam, mas, no fundo

leva à compreensão como cânone hermenêutico-integrativo e como princípio.

A boa fé tem presença múltipla que não constitui um dado exclusivo, apresentando

disposição envolvendo princípios atendíveis dos mais amplos, podendo dar mostra em situações

mercantis ou não, como pode acontecer quando trata da anulação de uma assembleia geral de

associação, ou deliberações que merecem revisão, como nas passagens que a legislação

corporifica sob o incentivo da Ciência do Direito para resolver casos concretos. O contexto não

somente leva a compreensão de valor, também proporciona emergir uma inseparável noção de

um sistema, como uma ordenação lógica, buscando esclarecer e alicerçar fatos com situações

vivenciadas, extraindo-se modelos axiológicos, como algum fato ocorrido ou outro de ordem

prática como modelo ético ou jurídico.

Um fato acontecido no Brasil que vale relembrar, contido na obra “Liberata: a lei da

ambiguidade – ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX”, de

Keila Grinberg533, abordando um litigio submetido a Corte de Apelação do Rio de Janeiro,

historia do Brasil, por volta de 1813, cujo personagem principal é uma escrava que recorreu ao

Estado para reclamar direito à liberdade, decorrente de uma promessa não cumprida do seu

‘senhor’, o mesmo Estado que permitiu a escravidão.

Essa história faz espraiar o entendimento da fatuidade, além da obtenção da liberdade, a

oferta em condição de inteligibilidade de uma escrava, promessa enclausurando o bem maior:

a liberdade. Promessa essa que foi apreciada, admitida de ser cumprida, permeada de boa-fé

possessória de natureza psicológica diante da perspectiva de obter a liberdade por parte da

receptora, e a constatação da frustração. Esse fato ocorreu no século XIX, envolvendo uma

escrava que promoveu uma ação judicial que sacudiu a Corte de Apelação, passando a figurar

na história forense brasileira, sobre a relação entre um homem poderoso e uma jovem escrava,

tendo esta confiado na palavra desse homem, integrante de uma sociedade escravocrata.

533 GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade – ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro

no século XIX. Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. www.centroedelstein.org.br.

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O acontecido aborda a submissão e a busca para validar a “palavra dada”, elemento

confiança; a responsabilidade positiva assentado na palavra de quem a pronunciou, de quem

acreditou no seu cumprimento. O não cumprimento da promessa, exercita-se o direito, a

insubmissão, direito este conhecido na âmbito militar, quando um soldado insurge-se à uma

determinação superior - e não cumpre, que pode ser subsidiada por vários motivos, como

religioso, ideológico, etc., - por atos praticados, por Chefes militares, ditadores e

assemelhados534. A insubmissão significa, não somente combate a violência pela espera de um

ato anunciado, não cumprido, à espera da efetividade da promessa, da ‘palavra dada’, entendida

como “palavra de honra”, saliente e de modo significativo a esperança, a confiança de pessoas

ávidas para quebrar as barreiras desproporcionais, como para desvencilhar-se dos grilhões que

vão além das entranhas, como acontecido. Hodiernamente os juristas tratam a confiança como

parte fundante de todas as relações fiduciárias. Não obstante o episódio acima apontado ter

acontecido em pleno regime escravocrata brasileiro, a confiança deve ser considerada nas

situações vividas, crente na efetividade da palavra dada535, especialmente quando se trata de

fatos da vida, como a sobrevivência, preservação.

Aproveita-se do quanto acima exposto, para obter compreensão da referida história, que

trazer à baila, serve de ilustração, ou até como ou por mera comparação dos procedimentos que

chegam aos tribunais, inclusive em autos contemporâneos, para apreciar e julgar as relações

contratuais assentadas em promessas não honradas, construídas sob efetivos moldes da boa-fé.

Na atualidade a boa fé está visível nos discursos metodológicos oficiais, na dogmática

jurídica de onde se absorve ricas noções e implicações emotivas, psicológicas, de utilização

alargada, que se assenta nas falas acadêmicas e em discussões jurídicas, como as esposadas por

Menezes Cordeiro, no elemento da modificação, envolta numa mitificação536, como se observa

na linha de pensamento de Canaris, num panorama vivenciado por inúmeros estudos permitindo

sugerir investigações das mais amplas.

Nessa linha encontra-se o membro do Conselho de Administração, detentor de poder e

ator de decisão na condução dos interesses e negócios da sociedade de economia mista, traçando

534 Principio presente em Códigos Penais Modernos dos Estados Democráticos e de Direito, registrando como

beneficio do réu, como garante contra o abuso de autoridade, o absoluto autoritarismo, a violenta arbitrariedade

da autoridade maior, situações vistas quando praticados por Chefes de Estado e de Governo agindo ou tentando

agir como se fossem Monarcas, Imperadores, Reis Absolutos, ditadores. 535 SPINELLI, Luis Felipe. O conflito de interesses na administração da sociedade anônima. Malheiros, 2012, pp.

49-53. 536 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da Boa fé no Direito Civil. Almedina, 2015, Coimbra,

p.p. 41-42.

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estratégias empresariais, convivendo em uma ambiente de constantes conflitos de interesses,

dos mais diversos, em momentos de hostilidades, mesmo considerados corriqueiros, ou não,

permeando deliberações para contemporizar nos agitados cenários que se apresentam na

pluralidade dos mercados.

Desde os tempos imemoriáveis que as comunidades exaltavam as qualidades dos

componentes de um conselho comunitário. Seus integrantes eram bem acolhidos pelos

indivíduos que compunham os respectivos grupos sociais, aceitando suas recomendações, e

assim atendendo, aplicavam as respectivas sugestões. Eram propósitos para atender o melhor

interesse da comunidade, exarando recomendações para obter um resultado favorável, e assim

quando bem sucedido era o sucesso, patenteando bem atender comunitário.

Em geral os grupos sociais apelavam para obter um pronunciamento de conselhos,

pretendendo alguma orientação a fim de traçar um caminho, quer seja para a paz social,

evitando beligerâncias, refreando os impulsos dos seus membros, impedindo que decisões

fossem tomadas sob emoção, propiciando ou obstando a deflagração de contendas entre os

indivíduos, ou a declaração de guerra. Entendia a comunidade que os participes desses grupos

de aconselhamento, pessoas sabias, cujas palavras e posturas serviam de modelo para todo o

grupo social, íntegros, atuando com lealdade, até mesmo quando se encontravam em luta no

campo de batalha, “o bom combate”537.

A concepção é que a orientação proclamada pelos conselhos, em geral, envidando

recomendações para o bom exercício do poder, de modo prudente, amoldando deveres de bem

servir e cumprir atividades perante os grupos sociais de modo respeitável e eficaz.

Sen faz alusão a George Stigler, quando este interpreta Smith, ao dizer que “embora os

princípios da prudência comum nem sempre orientem o comportamento de todos os indivíduos,

influenciam sempre o da maioria de qualquer classe ou ordem”, como que implicando que “o

interesse pessoal domina a maioria dos homens”538.

A receita da boa gestão no seio da sociedade de economia mista, para o bom desempenho

do integrante no Conselho de Administração está na reunião dos apropriados ingredientes da

logística empresarial, considerados essenciais para o objeto social da companhia, devidamente

537 Combater, o bom combate da fé, significa que estamos firmemente ancorados na Palavra no poder do Espírito,

considerando-nos mortos aos nossos sentimentos e ao nosso raciocínio humano, não deixando o pecado governar

em nosso corpo mortal obedecendo a suas concupiscências. Nós temos que fazer o que Jesus diz: Tomem nossa

cruz diariamente e negar a nós mesmos. (Lucas 9:23) Paulo também diz a mesma coisa: “Mas, se pelo Espírito

fizerdes morrer as obras do corpo, vivereis.” Romanos 8:13. 538 SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Almedina, novembro, 2012, p. p. 38-39.

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ministrados com a legalidade, a lealdade, a confiança, a boa-fé, oferecendo a pertinente

transparência com os elementos axiais para compreensão da boa conduta, para alicerçar

quaisquer decisões, superando conflitos e atendendo a conjugação dos legítimos interesses

sociais.

A boa-fé não somente ampara, como também é um coadjuvante imprescindível para

embasar importantes decisões do órgão societário, que alumina a lealdade, ligando-se,

constituindo como um elo inafastável para a boa gestão.

Lealdade é uma conduto ideal, considerada em certos momentos a se igualar a uma

obrigação, assim entendida e vista para se comportar o membro do Conselho de Administração,

atento para bem agir no interesse da companhia.

O artigo 155 da lei das sociedades anônimas, dispõe que para servir com lealdade a

companhia, mantendo reserva sobre os negócios, consoante postura legal exige e espera do

membro do conselho de administração na sociedade de economia mista, não só com relação a

companhia, também como dever junto aos seus acionistas, e a coletividade que o circunda.

O bom gerenciamento empresarial é como um bem no seio da nação, sob pena de assim

não proceder gerar danosos reflexos nas relações obrigacionais, especialmente quando os atos

do administrador carecer de boa-fé, ou se debater com alguma deficiência moral, que não se

adeque a uma atitude de lealdade.

A conduta que se almeja do integrante do Conselho de Administração da sociedade de

economia mista é de abjurar atos que provoquem danos à companhia, ao acionista majoritário,

aos acionistas minoritários, ao povo em geral, porque dessa representatividade do acionista

maior e poderoso, está presente o poder de gestão vinculada a posição gerencial, confiada pelo

Estado que detém a posição acionaria dominante, conferindo o aludido múnus.

Fé significa “confiança”, “crença”, “credibilidade”, resplandecendo um sentimento de

total crença em algo ou alguém, ainda que não haja nenhum tipo de evidência que comprove a

veracidade da proposição em causa.

A relação de confiança pode ser praticada voluntariamente ou por força de lei. Os

particulares podem voluntariamente criar relações com base na confiança, que podem ser

unilaterais ou bilaterais, mas de qualquer modo a confiança inspira garantia de que alguma

coisa, o que se denominou ex voluntate, derivando uma prestação que deverá ser bem cumprida

ao atender os interesses daqueles que depositaram para a realização de determinado negócio.

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Importante destacar que a confiança pode estar num vínculo de gestão em que alguém

está incumbido de gerir patrimônio próprio ou alheio, quando tem gerência e controle da sua

liberdade discricionária ou exerce sobre o interesse patrimonial alheio. A confiança passa a ser

um fundamento de ação em atividade ou crença a certas representações passadas, presentes ou

futuras, e de quem se espera efetividade em que se deposita esperança dos seus atos de maneira

ética, leal e honesta.

A boa fé tem sido estruturada doutrinariamente, e vem servindo de base para as

legislações com vocação para intervir, quando chamada, concretizando aspirações que passam

a ser codificações com a evolução da cultura contemporânea.

Pelo entendimento de Carneiro da Frada ao tratar da confiança539, salienta que estando

presentes as características e as relações do poder, bem como o elemento destas relações na

posição de poder conferido por uma das partes à outra, a reclamar o exercício desse poder de

acordo com os interesses próprios. Observa que na exposição particularmente intensa desses

interesses à interferência de outrem, sendo-lhe eles confiados para que este os promova ou

acautele. É o que pode acontecer (não apenas com o negócio fiduciário em sentido estrito) com

certos negócios que estão na base da atribuição de poderes representativos (máxime da

procuração), ou, em geral, com muitos daqueles através dos quais uma das partes se vincula a

desenvolver uma atividade no interesse do mandato, contratos de administração do patrimônio,

joint ventures).

No entanto essas relações contratuais não desprezam as costuras com as linhas da ética,

da moral, envoltos, em paralelo com o direito e a lei. A confiança não é um tema de fácil trato,

porque quando sob apreciação, as dificuldades que estão presentes transcendem os âmbitos

colocados, não proporcionando soluções imediatas para uma caracterização a fim ajustar a uma

definição legal com segurança jurídica absoluta.

Acredita-se que a confiança possa socorrer aqueles que estão envolvidos na diversidade

quando certas fronteiras não estão reguladas, sequer em reflexões dogmáticas. Tem-se um

constante esforço de garantir a confiança dos sujeitos, uma vez que ela constitui um pressuposto

fundamental de qualquer coexistência ou cooperação pacífica na busca e concretização da paz

jurídica. O desempenho dessa tarefa pelas regras jurídicas atuais permite convolar as relações

interpessoais a fim de que tenha eficácia as normas que sedimentam e institucionalizam

539 CARNEIRO DA FRADA, Manuel Antônio de Castro Portugal. Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil.

Almedina. 1a. ed., 2004, p.p. 546-547.

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juridicamente os mecanismos de interação e coordenação social. A confiança emerge das

relações multifacetadas, e até mesmo pode ser vista como paradoxal, valorando critérios para a

apreciação jurídica de situações em que interpretações das normas no que lhes dizem respeito,

não escapa da ética e do direito540.

Hoje vive-se em um cenário onde há um conjunto de leis que impõem normas de conduta

nos campos do direito, sempre atento na relação fiduciária marcada pelo poder de um sujeito

sobre os interesses patrimoniais de outrem, num ordenamento jurídico que objetiva dar suporte

as pessoas no cumprimento das promessas de acordo com a lei ou costumes, protegendo esses

direitos, mesmo quando não contratadas, uma vez que, em tempo de grandes incertezas, há

necessidade de ter um leque de opções para proporcionar justiça, especialmente quando a

balança está desajustada, necessita-se de segurança legal.

A ordem jurídica não pode se eximir de proteger a confiança, sob pena de não

corresponder às exigências mais profundas, especialmente quando se depara com frustrações

de expectativas, que podem desencadear pretensões indenizatórias, envolvendo

responsabilidade civil.

A experiência jurídica contemporânea é extremamente rica em apresentar manifestações

que podem desencadear múltiplas questões. A utilização de princípios gerais, como o da

proteção das expectativas, o compromisso de “informar”, é um “direito vivo”, moldado à luz

das exigências da racionalidade jurídica.

A reflexão sobre o direito vigente não cura a indagação habitual se resulta de estruturas,

como sustenta Frada, citando Canaris, quando da elaboração da dogmática da confiança, na

busca do alargamento da discussão jurídica no direito, possibilita a substituição da norma legal

pela subjetividade.

Vive-se sob um suposto modelo de governação local e global, ressentindo-se de uma

construção com princípios de regulação que predominem nas sociedades empresariais em um

contexto dito democrático. Portanto, necessário pensar algo para que o homem diga ao homem,

pensando sobre ele mesmo, exigindo da sociedade em que vive, e esta levar o jurista a um trato,

e não somente reflexões em que se deve estribar com elucubrações sobre a boa-fé, mas,

sobretudo, com sinceridade e retidão, não admitir a mentira, a hipocrisia, a má-fé. A boa-fé é

540 CARNEIRO DA FRADA, Manuel Antônio de Castro Portugal. Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil.

Almedina. 1a. ed., 2004, p.p.17/19; 32-33; 78-80.

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uma virtude moral, e como tal, pode-se afirmar que se relaciona com o amor, ou o respeito à

verdade.

Da mesma forma deve haver cautela diante de certas situações de raciocínios que podem

conter malicias de interpretação, subjugadas aos vícios de forma, ou de outros vícios que o

negócio jurídico pode se vincular. As hipóteses de errar na interpretação de uma tese jurídica,

e enceta-la em algum negócio jurídico pode gerar não somente expectativas, mas, também gerar

graves sequelas as partes, prejudicando o verdadeiro direito aplicável, e edificar obstáculos na

obtenção de uma justa decisão. Teme-se que ao fazer prevalecer um entendimento sedimentado

em sentimentos desprovidos de uma base legal legitima, relegue-se o bom compreender da lei

constitucional e macular este estribo jurídico, além de não conferir a aquele que confiou no

Poder Judiciário o fiel cumprimento da lei advinda do sistema escolhido pelos cidadãos aptos

para tanto.

A não realização voluntária de uma prestação em si não imposta juridicamente diante de

recusa de cumprimento, na linha de pensamento de Menezes Cordeiro, e na dicção de Frada,

chega-se a cometer abuso de direito, ao utilizar um instrumento de proteção da confiança, que

na realidade irá perturbar os fieis efeitos da conduta e da vontade humana.

Para o filósofo francês André Comte-Sponville541:

A boa-fé é uma sinceridade ao mesmo tempo transitiva e reflexiva. Ela rege,

ou deveria reger, nossas relações tanto com outrem como conosco mesmos.

Ela quer, entre os homens como dentro de cada um deles, o máximo de

verdade possível, de autenticidade possível, e o mínimo, em consequência, de

artifícios ou dissimulações. Não há sinceridade absoluta, mas tampouco há

amor ou justiça absolutos: isso não nos impede de tender a elas, de nos

esforçar para alcançá-las, de às vezes nos aproximarmos delas um pouco… A

boa-fé é esse esforço, e esse esforço já é uma virtude.

No dizer de La Rochefoucauld:

A sinceridade é uma abertura de coração que nos mostra tais como somos; é um amor à verdade, uma repugnância a se disfarçar, um desejo de reparar seus

defeitos e até de diminuí-los, pelo mérito de confessá-los.

Partindo do fato de que a caridade intramundana do cristianismo está ligada ao amor a

Deus, contudo, não só os pensadores, mas, as pessoas em geral podem seguir outras linhas

filosóficas, mesmo sem deter sofisticados conhecimentos, com maior ou menor densidade de

alguma doutrina jurídica.

541 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Martins Fontes, 1999. Tradução Eduardo

Brandão.

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E Martins-Costa542 no estudo sobre a boa-fé, interligado o bom comportamento ao

princípio da autonomia da vontade, observa uma agregação aos deveres contratuais, os

chamados deveres principais de prestação, correspondentes a tipos contratuais e outros deveres

nomeados como instrumentais ou funcionais que estão presentes no cotidiano das pessoas.

A boa-fé subjetiva dá uma ideia de ignorância, de crença errônea, ainda que escusável,

acerca da existência de uma situação regular, crença que repousa, seja no próprio estado da

ignorância, seja numa errônea aparência de certo ato. Pode denotar, ainda, secundariamente, a

ideia de vinculação ao pactuado, no campo, especifico do direito contratual, nada mais aí

significando do que um reforço ao principio da obrigatoriedade do pactuado, de modo a se

poder afirmar, em síntese, que a boa-fé subjetiva tem o sentido de uma condição psicológica

que normalmente se concretiza no convencimento do próprio direito, ou na ignorância de se

estar lesando direito alheio, ou na adstrição “egoística” à literalidade do pactuado543.

O direito comparado indica uma faceta da boa-fé objetiva, a qual preenche, em matéria

contratual, o papel de norma ordenatória da atenção ao fim econômico-social do negócio,

matéria na qual se visualiza a concepção da relação obrigacional como um processo polarizado

por usar finalidade. Indicando o exemplo do direito italiano, acerca de litígio decorrente de

contrato de agência, foi ementada nos seguintes termos:

Na execução do contrato, o agente – cuja obrigação fundamental consiste no

desenvolvimento, na zona concedida, de atividade direcionada a promover,

por conta do proponente, a conclusão de contratos – deve comportar-se

segundo a boa-fé e com a diligência requerida pela natureza da atividade

exercitada.

Daí se segue que ele não pode limitar ao seu bel-prazer as prestações pelo

exclusivo fato de que o salário é proporcional negócios feitos, mas deve

desenvolver uma atividade quantitativamente e qualitativamente normal e

conformar o próprio comportamento aos sobreditos pré-requisitos, cuja

inobservância bem pode ser invocada pelo proponente como causa de

resolução do contrato e de ressarcimento dos danos, sobretudo quando esteja

especificamente previsto um determinado nível de produção, o qual assinala

a medida do interesse do preponente na conservação do vínculo contratual, e

esteja estabelecida a cláusula resolutiva expressa relativamente à ausente

obtenção daquele resultado.

Na execução de um contrato as partes devem agir com diligência de acordo com a sua

natureza, segundo a boa-fé, como dever fundamental do agente para promover as atividades no

542 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. Revista dos Tribunais. 1999. 543 Segundo Martins-Costa, ao conceito de boa-fé objetiva, estão subjacentes as ideias e ideias que animaram a

boa-fé germânica: a boa-fé como regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e,

principalmente, na consideração para com os interesses do “alter”, visto como um membro do conjunto social que

é juridicamente tutelado.

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interesse proponente e para a conservação do vínculo contratual. Se o agente assim não agir

para promover a conclusão de negócios, fere o escopo do contrato, consequentemente fere a

finalidade contratual, ficando violados os deveres de diligência e boa-fé, caracterizando o

inadimplemento contratual.

Importa atentar que esse entendimento, tem a perspectiva e a potencialidade da boa-fé

para atuar não como um vago cânone de ética, um standard de cunho moral impreciso e incerto,

mas como verdadeiro elemento de identificação da função econômico-social efetivamente

perseguida de tudo consta no contrato. Dentro de uma concepção de negócio baseada na

performatividade, como ato de direito privado que tem efeitos jurídicos conformes ao seu

significado, criando, modificando substancialmente ou extinguindo por meio imprevisto, desde

quando os atos devem estar dotados de performatividade, reflexibilidade e autossuficiência

estrutural, como quando alguém faz uma promessa, desde quando a linguagem não é meramente

simbólica, uma vez que ela corporiza as próprias ideias, viabilizando-as, condicionando-as ou

detendo-as na fonte, que se pode apontar no próprio espirito humano.

Pertinente trazer à tona o convencimento, que pode levar a entendimento de que no seio

da boa-fé objetiva, não se examina a intenção das partes, mas uma situação do sinalagma, de

modo que exista equilíbrio na relação entre a prestação e a contraprestação no que concerne a

concreta finalidade do contrato, considerado como um processo, que pode se transformar ao

longo do tempo, devendo guardar as eventuais vicissitudes agasalhadas no pacto face o

denominado sinalagma funcional. Entendem que a questão da manutenção do sinalagma

funcional, acentua-se no nexo com o escopo contratual – ou economia contratual -, também

entendido como a função econômica geral à qual o contrato está concretamente predisposto,

independentemente de sua especificação categorial ou tipológica. Daí poder levar para o campo

do dever de lealdade do membro do Conselho de Administração, os aspectos funcionais da

sociedade de economia mista, especialmente no trato das coisas sob a sua orientação.

A relação de proteção assegura, dada a influência do modelo da responsabilidade

contratual, uma defesa vigorosa de bens e direitos já tutelados. Apropriado trazer os estudos de

Carneiro sobre as possibilidades de legitimação filosófica na sustentação da boa-fé544, assentada

numa avaliação crítica que apontam alternativas, que entende como substanciais, para um

modelo que denomina de hermenêutico heterorreflexiva.

544 CARNEIRO, Walber Araujo. Boa-fé intersubjetiva: das impossibilidades do espírito objetivo à ressignificação

heterorreflexiva.

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Numa visão da boa-fé objetiva, assenta-se a racionalidade, que traz compreensão, que o

jurista denomina de clarividente, que pode ser aflorado no seio do direito societário, o mesmo

conjunto de valores, que pode variar nos assuntos e questionamentos, ou na condução das

diretrizes da sociedade empresária, validando a boa-fé e o dever de lealdade do conselheiro, em

especial, quando gera obrigações, laços, mesmo quando não subscritas entre o acionista

controlador e outros interessados. As obras de Martins-Costa e Carneiro proporcionam

contemplação, liames com as práticas dos gestores.

A boa-fé está sintonizada com vida legal, tanto assim que os artigos 113, 187, 422 do

Código Civil mostram que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e

com os usos do lugar de sua celebração. Observa-se que comete ato ilícito o titular de um direito

que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou

social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. E os contratantes são obrigados a guardar, assim na

conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

O que não se exige em um determinado estado volitivo ou intelectivo daqueles que

praticam atos da vida civil, mas algo diferente, independentemente da crença, escusável ou não,

de que estariam agindo em conformidade com o direito. E, nesse sentido a boa-fé subjetiva seria

fato psíquico, de difícil aferição, relacionando-se à crença, ou ignorância escusável, de que não

se esta agindo em desconformidade com o direito. “Em contraposição, a boa-fé objetiva exigira

que determinados atos sejam praticados mediante um determinado padrão de conduta. Esse

caráter não subjetivo e deontológico é que permite a sua caracterização como “objetiva”545.

Seria possível dizer que a boa-fé objetiva exige que o sujeito aja de modo leal e confiável, o

que, todavia, não eliminaria a dúvida ou ate mesma alguma indagação sobre o que viria a ser

uma condução leal e confiável, especialmente quando o protagonista maior não é ou não está

visível.

Neste ponto sugere-se e surgem muitas reflexões, que podem eleger graus de importância

para a análise de cada comportamento. No caso do membro de um órgão, conselho de

administração da sociedade de economia mista, considera, louva-se nas convicções dos juristas,

que enfocam a exigência da boa conduta na boa-fé objetiva, que muitas vezes não foram e não

estão previstas pelo sistema jurídico, mas poderão advir e ser amparadas em razão da

545 Segundo o jurista, esse giro é normalmente atribuído à doutrina alemã (via interpretação objetiva da Treu und

Glauben), segundo a qual se passa a exigir que a ação, independentemente da crença ou vontade, siga os parâmetros

esperados para um homem leal. Neste sentido, a “boa-fé objetiva estabelece um dever de agir de acordo com

padrões socialmente recomendados”, não sendo coincidência o fato de que ela surgira no Código Civil

acompanhada da exigência de respeito aos “usos do lugar da sua celebração” e dos “bons costumes”.

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elasticidade que se pretende conduzir subjetiva ou objetivamente, estaria ínsita, visível e

assentada em clausulas gerais de algum sistema aberto.

Essa elasticidade seria considerada imperiosa para amparar não só uma pessoa, um

individuo, mas toda uma comunidade, e assim acontecendo, as atitudes propiciam benefícios

em favor da coletividade. Por isso haver entendimento, pertinência, sintonia com a colocação

de Fraz Wieacker quanto as clausulas gerais como uma solução de conciliação546.

A norma, portanto, expande-se nas situações e perante os fatos. Extrai ou se lança como

proteção contra postura vil, enganadora dos que manipulam a recepção da vontade alheia. Daí

porque pode-se deparar, encontrar manifestações enganadoras, que podem estar sob vestes

ilusionistas, aparentando proporcionar benefícios empresariais aos seus associados, quando na

verdade não passam de manipulações, visando a obtenção de algo indevido, de algum beneficio

impróprio, e que além de danoso ao individuo ou a comunidade, eiva a aplicação das normas

legais.

Entende-se apropriado alertar para situações manipuladas, fictícias, aparentemente reais,

sob algum manto de boa composição que pode enganar e levar a crença e a um entendimento

confiável, e boa-fé, em planos subjetivo ou objetivo, impelindo o julgador aprofundar através

de investigações obter resultados, que muitas vezes os modelos tradicionais não prevejam e ou

proporcionem para identificar a conduta maliciosa, e consequente engodo.

Válida a observação de Larenz, ao dizer que:

Também é insustentável, segundo a concepção subjacente a este livro, a estrita

separação do Direito e da ética, que era característica do positivismo. ‘Deve

ser’ e ‘ser permitido’, pretensão e vinculatividade, responsabilidade e

imputação são em última instancia categorias éticas, mesmo quando cobram

uma significação específica em contextos jurídicos547.

Um dos pontos nodais da questão que a “objetividade” da boa-fé objetiva possui é levar

a várias dimensões.

[...] Uma negativa, na medida em que ela é objetiva pelo fato de não ser

subjetiva, isto é, por não dizer respeito a aspectos volitivos e/ou intelectivos.

Uma segunda, deontológica, na medida em que ela deve ser respeitada em

face de seu caráter jurídico-normativo, não sendo um mero fato da consciência

que, ausente em determinadas circunstâncias, poderia ensejar determinadas

consequências jurídicas. E uma terceira – a que, de fato, nos interessa – que

poderíamos chamar de ético-substancial, que pressupõe a existência de

546 WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3.ed., Trad. portuguesa por Antônio Manuel Botelho

Hespanha. Lisboa: Calouste Gubenkian, 2004, p.p. 545-547. 547 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed., Trad. José Lamego. Lisboa: Calouste Gulbenkian,

1968, p. 208.

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padrões de conduta socialmente recomendáveis, sem que essa recomendação

já seja fruto de normas presentes no próprio sistema. Neste aspecto, a boa-fé

objetiva e seus “bons costumes” representa – ou pelo menos sugere – a

abertura do direito a uma moral convencional antitética à Filosofia

contemporânea e aos estudos sociológicos que justificam, evolutivo-

funcionalmente, as características do direito de nossa época. Todavia, antes

de adentrar na critica e nas (im)possibilidades da ressignificação filosófico-

social da boa-fé não subjetiva, digamos assim, precisamos avançar sobre a sua

significação filosófica548.

Pode-se compreender a existência de uma mescla de comportamentos que variam a cada

situação, e a considerar que a política e negócios tem suas próprias dinâmicas, quando utilizadas

sob solo filosófico pode encontrar resguardo na boa-fé ou não.

Examinando-se através de um amplo sentido, envolvendo a realidade da vida pública que

proporciona entender a eticidade como feixes da vida em várias situações, que se propagam em

diversos setores da vida, inclusive no âmbito do Estado que acopla dimensões subjetiva e

objetiva, sob várias perspectivas, que influem a comunidade para auferir resultados que ao final

esta será a mais prejudicada.

Confere-se, que, eventualmente, quando há alguma falha na formalização do direito, pode

resultar em dano, e assim ocorra o prejuízo deve haver a compensação ao direito maculado,

para atender o ethos de uma comunidade. A sociedade ao assim perscrutar, se alvejada por

algum maleficio, deve exigir dos causadores desses danos as devidas compensações, mesmo

que estas compensações sejam variadas, materiais ou não.

Vale destacar que o culturalismo jurídico desenvolvido por Reale, considerada a

convergência com a última fase de sua fenomenologia, permitindo avançar na justificação

filosófica da objetividade por ele perseguida.

Nesse caminhar de observar fatos, valores e normas, e a boa-fé como condição matriz do

comportamento humano, por ser uma exigência de uma ‘hermenêutica jurídica estrutural’,

conclama-se, distinguindo-se da totalidade das normas pertinentes a determinada matéria, e por

isso, é possível pensar em uma forma de boa-fé que, diferentemente da subjetiva, devendo

apresentar-se como uma exigência de lealdade, como modelo objetivo de conduta, arquétipo

social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo,

obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal, a fim de estar num contexto que deve

ser reverenciado e respeitado pela coletividade.

548 CARNEIRO, Walber Araujo. Boa Fé Intersubjetiva: das impossibilidades do espírito objetivo à ressignificação

heterorreflexiva. 2016. Salvador – Bahia.

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Dessa visão, quando no trato dos contratos, chega-se com naturalidade a formação destes

pela especial figura da confiança daqueles que estão no seio das negociações, entra na esfera

de influencia de outrem e nos deveres de comportamento sob os ditames da boa-fé, essência

adstrita ao comportamento diligente, correto e leal de uma parte para com a outra, sob pena de

suportar culpa e danos causados face alguma violação.

A boa-fé está ínsita no direito das obrigações, e deve ser um considerado como um

fundamento adequado para atender os casos de responsabilidade pré-negocial e nas hipóteses

de não-justificada, como os princípios que se constituem em normas imediatamente finalísticas

e mediante conduta.

Da mesma forma para avaliar e obter qualquer justificativa de decisão e ou de

interpretação, mensura-se os efeitos da conduta havida como meio necessário à promoção de

um estado de coisas posto pela norma como ideal a ser atingido, e também, pode,

consequentemente ser exercitada pelo autor da conduta quando se assim efetivada.

Por ser o princípio da boa-fé um anseio e uma busca de certeza e segurança jurídica,

espera-se obter com este princípio a garantia de lealdade que se relaciona, incorporando o valor

e a confiança ética. É no exercício leal, honroso e equânime, entrelaçado com o princípio da

boa-fé que se obtém a consagração das condições fundamentais da vida.

A ética está inserida na justiça, mesmo com suas peculiaridades, não há como fazer

distinção no que concerne a probidade, sinceridade e transparência entre os partícipes, em

qualquer diálogo, haja vista ter-se em mira sempre um resultado frutífero ou não, pactuado ou

não, mas deve prevalecer uma conversação sem distorções, prevaricações ou tergiversações.

Alega-se que em determinadas circunstancias não se pode esquecer da hipótese de

reconhecer a culpa in contrahendo, quando aparecem multiplicidade de desempenhos, avivando

aspectos da proteção das pessoas e patrimônio das partes envolvidas contra ingerências danosas,

mutuas, até finalidades mais pacíficas do instituto, como a de possibilitar uma adequada

circulação de informação entre os sujeitos com vista a uma contratação mais consciente ou

segura549, que, numa trilha da boa-fé, aparece como um inequívoco vinculo de lealdade.

Menezes Cordeiro ao citar Wilhelm Weber, que ao legislador não é possível prever todas

as hipóteses da vida. Aponta a incapacidade da doutrina para enquadrar a boa fé, usada como

549 FRADA, Manuel António de Castro Portugal Carneiro da. Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil. 1a.

ed., fevereiro 2004, Almedina, reimpressão janeiro, 2016, p. 113.

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meio de superar o óbice legislativo apontado, e dessas hipóteses depara-se com o

desenvolvimento do agir com dignidade550, sendo uma dessas hipóteses a lealdade.

5.15 Lealdade

A lealdade, à semelhança da boa-fé, emerge com nitidez dos sentimentos que se

agrupam, podendo envolver, provocar culpa, atingir a dignidade, suscitar responsabilidade,

dentre muitas outras sensações. Outras vezes, podem misturar, aferir condutas própria ou

alheias, ou simplesmente sentir amor ou decepções. Abelardo551 anota que:

Nenhuma pessoa sensata proibiria que se aprofundasse e discutisse a nossa fé

com argumentações racionais, nem razoavelmente se satisfará com aquilo que

é incerto, mas sim motivada pela razão. Quando se quer assegurar de alguma

coisa da qual duvida, a razão torna-se razão argumentativa, e a verdade

investigada é sempre mais firme do que a autoridade ostentada. Isso vale

qualquer que seja o argumento em questão, dado que de todo o ensino, tanto

escrito como oral, nascem controvérsias. Na defesa da fé não importa o que

está na verdade das coisas, mas a opinião à qual se pode dar lugar. A maior

parte das questões surge das palavras da mesma autoridade, que têm de ser

examinadas antes dos conteúdos aos quais se referem. Embora essa

investigação racional não tenha como resultado o verdadeiro, mas apenas o

verossímil, não deixará dúvida alguma e, portanto, nenhuma pergunta. Na

verdade, contigo [o filósofo] eu não deverei referir-me tanto à autoridade

como à razão, porque tu te baseias nesta e reconheces menos a autoridade da

Escritura. Ninguém pode ser refutado sem ser sobre aquilo que já admitiu,

nem pode ser convencido sem ser sobre a base dos argumentos que ele mesmo

aceita. Esta é, pois, a maneira de discutir contigo, distinta daquela outra com

a qual nós, os cristãos, nos confrontamos.

Assim ao apreciar o cristão com relação a ‘fé’, pode-se procurar a lealdade sem

mistificação ou adotar emblemas religiosos. Lealdade e diligência não se confundem. Lealdade

segundo a terminologia alemã, teria significado de boa-fé (Treu und Glauben). Diligência é a

perícia ou habilidade técnica com relação ao resultado que constitui a causa do negócio552.

Contudo, há uma consagração irrefutável da boa fé na vida jurídica, conferindo certa

autonomia, impossibilitando as veleidades de reconduzir a boa fé ao ius positum, remetendo-as

para a História, na interpretação negocial e na realização da prestação devida. E quanto falta à

lealdade, por parte de alguém, especialmente de quem tanto preza ou espera, opera-se

frustração, traumatiza os indivíduos.

550 CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé no Direito Civil. Almedina, agosto, 2015. Coimbra. P. 1122. 551 ABELARDO, Pedro. Diálogo entre um Filósofo, um Judeu e um Cristão. 552 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e pareceres de direito empresarial. Forense, 1978, p. 538.

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A lealdade é um requisito essencial para consolidar uma relação, carreando benefícios

mútuos, entre as partes, sejam contratantes ou não. Pode ser o ponto nodal, um ponto forte para

dar sustentação e solidificar as relações humanas, bem como no campo das relações mercantis,

fortificando a competitividade entre as pessoas que ensejam a atividade empresarial,

proporcionando respeito e dignidade. O que se exige não é uma obediência cega a uma postura

impecável. Antes pelo contrário. A lealdade implica verdade, sinceridade, por isso exige-se que

as partes envolvidas estejam comprometidas com o elo e os objetivos postos, inclusive no curso

de uma contratação.

A importância do exame da lealdade, tem um interesse filosófico, desde quando é através

da filosofia que se busca dissecar a figura da lealdade na ética. O porquê desse caminho revolve

a moral, disseca as sinceras relações pessoais, e extrai-se sentimentos, como a amizade que está

alicerçada na bondade.

Cicero553 pontuou: “Qual seja a força da amizade não podendo encontrar-se senão entre

os bons. Os que merecem este título”. Ao concretizar a sua obra, em uma fala que confere ao

personagem Lélio, diz:

[...] Mas em primeiro lugar sou de parecer que não pode haver amizade senão

entre homens de bem, e isto não vamos desfiar muito, como costumam fazer

os que discorrem sobre subtilezas. Que isso será a verdade, mas não é o que

se encontra regularmente na vida humana. Dizem que não ha homem de bem

senão o sábio. [...]

Dessa assertiva nasce uma inflexão, pois, a cada dia, mais incisiva na sociedade de

negócios que a conversação decente, e decentes sejam as pessoas que estão dialogando sobre

decente negócio.

Quando os probos estão a se resguardar dos desconhecidos, sopesando quão honestos,

decentes são os seus interlocutores, procuram assegurar quão decente aquele com quem está

dialogando, para poder prosseguir e prosperar a conversação e alcançar o fim esperado, com

mutua satisfação. Da mesma forma acontece nas relações pessoais mais simples. Amiúde estão

presentes sentimentos de simpatia, que evoluem, se transformam sob esteios mais fortes,

criando laços de respeito e amizade.

Nas relações entre homens de bem, até mesmo em situações em que homens de bem

estejam em posições opostas, adversários em facetas do cotidiano, observa-se que mesmo sem

a existência de amizade entre os mesmos, a lealdade deve estar presente por se tratar de uma

553 CICERO. Diálogos sobre a Amizade. Capitulo V. www.psb40.org.br/bib/b7.pdf - 25 de julho de 2016.

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relação entre homens decentes é o que deve imperar. Não obstante muitos combatem a amizade

e a bondade para ignorar a lealdade

Vamos nós mais ao corriqueiro (como se costuma dizer) e acreditemos que os

que vivem e se portam de maneira que experimentam a sua fidelidade, sua

integridade, sua bondade e liberalidade, que neles não se descobrem desejos,

nem leviandades, nem atrevimentos, e que são como os que acabo de nomear

de grande constância, como foram reputados por bons, assim se lhes deve

chamar; porque seguem (quanto é possível em homens) à natureza, que é a

melhor mestra da vida. A mim me parece que todos nascemos com certo

vínculo de sociedade, que a todos une, embora esta seja mais estreita na

proporção da conexão de uns com outros. E assim, são melhores para amigos

os cidadãos que os estrangeiros, os parentes que os estranhos; porque entre

estes a amizade foi engendrada pela própria natureza, embora não seja de

grande constância, pois nisto excede ao parentesco à amizade que nele dura,

e permanece ainda sem amor, e a amizade, não; porque faltando o amor, se

desfaz. Mas quão grande é a força da amizade, pode-se coligir de que uma

infinita sociedade que compõe a natureza, compõe-na a amizade, e a contrai

de sorte que une todo o amor em dois ou poucos mais indivíduos554.

E Aristóteles555 trata das atividades humanas, cada uma em sua especificidade, algumas

merecendo a denominação de ciência no todo rigor da expressão, como no caso da Filosofia.

Outras, que tematizam a ação naquilo que tem de livre e contingente, não compartilham o

mesmo estatuto teórico das ciências rigorosas, mas adaptam seu método as flutuações do objeto:

é o caso da Ética.

Aristóteles investiga o tipo de saber que se pode obter acerca da conduta, levando em

conta a situação concreta do Homem, um ser que esta acima do animal, mas que não pode ser

definido apenas pela pura razão. Neste meio-termo se coloca, o que se deve entender

especificamente por virtude. Neste exercício procura-se, e encontra-se ideias, que ajudaram a

construir a civilização, e dão contribuições para o conhecimento do homem e do universo.

Também se ajusta à essa concepção a dos que identificam a felicidade com a virtude em geral,

ou com alguma virtude particular, pois que à virtude pertence a atividade virtuosa. Mas ha,

talvez, uma diferença não pequena, em se colocar o sumo bem na posse ou no uso, no estado

de animo ou no ato. Porque pode existir o estado de ânimo sem produzir nenhum bom resultado,

como no homem que dorme ou que permanece inativo. Mas, a atividade virtuosa não deve

necessariamente agir, e agir bem.

Visto que a virtude se relaciona com paixões e ações, e estas são atitudes voluntarias que

se dispensa louvor e censura. Enquanto as ações involuntárias, segundo o filósofo, merecem

554 ‘Dialogos sobre a Amizade’, Cicero. 555 ARISTÓTELES. Ética a Nicómaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W.

D. Ross.

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perdão, e as vezes piedade, e, talvez, necessário a quem estuda a natureza da virtude distinguir

o voluntario do involuntário, porque tal distinção tera utilidade para aquele que legisla no que

tange à distribuição de honras e castigos.

Quando se avalia certas ações como são praticadas, os seus exercitadores são até louvados

algumas vezes, quando suportam alguma coisa vil ou dolorosa em troca de grandes e nobres

objetivos alcançados, caso contrario são censurados, porque quando expõem-se a situações

entendidas como maiores indignidades, sem qualquer finalidade nobre, ou por algum objetivo

insignificante, seria próprio de um homem inferior.

Difícil determinar o que se deveria escolher e a que custo, e o que deveria ser suportado

em troca de que vantagem. Também difícil permanecer firme nas resoluções tomadas, quando

o que se espera será algo doloroso, porque o que se impõe a fazer seria vil. Assim avalia-se

cada objeto será louvável ou ser, ou será censurado, no foram ou que não foram compelidos a

agir.

Se alguém afirmasse que as coisas nobres e agradáveis têm um poder compulsório porque

constrange de fora, todos os atos seriam compulsórios e forçados, pois tudo que se faz tem

motivação. E os que agem forçados e contra a sua vontade, agem com dor, mas os que praticam

atos por sua satisfação própria ou pelo que aqueles tem de nobre fazem-no com prazer. Por essa

razão os antigos entendiam ser um absurdo responsabilizar as circunstâncias exteriores e não a

si mesmo, julgando-se facilmente arrastado por tais atrativos, e declarar-se responsável pelos

atos nobres enquanto se lança a culpa dos atos vis sobre os objetos agradáveis. O compulsório

parece, pois, ser aquilo cujo princípio motor se encontra do lado de fora, para nada contribuindo

quem é forçado.

Ao avaliar a ignorância, pode relacionar por quaisquer coisas, qualquer circunstância de

algum ato. Se o homem ignora qualquer situação que leva agir involuntariamente, sobretudo se

ignorava os pontos mais importantes, que, na opinião geral, são as circunstancias e a finalidade

do ato, pode ser levado a pratica de um ato considerado involuntário, em virtude da ignorância,

mas, por consequência causará dor e trazer arrependimento.

Dentre essas atitudes humanas, tem-se a lealdade, que é uma atitude que implica

constância, é um valor que vai muito para além do servilismo e da idolatria. A lealdade implica

sinceridade nas relações humanas. Ser leal é ser sincero, é ser franco e honesto. Aquele que é

leal, é porque não falta as promessas que faz. No fundo, ser leal implica ser fiel.

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Os conceitos vistos tocam-se e desaguam na vastidão dos questionamentos quanto a vida

das pessoas de modo singular. As relações das pessoas, dos povos numa amplitude maior, em

muitas circunstancias deparam-se com panoramas que exigem cumprimentos de lealdade e

fidelidade, que são atos civilizados, reverencias passam pela cultura, pela geografia politica,

pelas finanças, pelas relações laborais, pela relações contratuais, e jurídicas, chegando à

definição da carreira profissional e pela manutenção do emprego, e em muitas outras condutas

da vida humana.

Essa discussão, sempre que levados a um questionamento, até mesmo no campo

sociológico, e ou popular, as opiniões se dividem, para alguns chega-se a seguinte conclusão:

O mais importante não é ser fiel, mas ser leal. Uma pessoa pode ser fiel e não ser leal e vice-

versa.

Vivendo em uma época de competição desenfreada, de transformações das mais variadas,

vê-se essas atividades em batalhas sem tréguas; numa luta onde vale tudo e o que conta é o

“salve-se quem puder”. Desse cenário e dessas circunstâncias salta a indagação: Onde fica a

lealdade? E a pergunta que muitos fazem, e sem segura resposta.

A lealdade é, e continua a ser um requisito essencial para consolidar uma relação de

benefícios mútuos entre contratantes. Este é um ponto forte para harmonizar as relações

humanas, e quando envolvidas por interesses materiais, como a competitividade entre

empresas, o que se deve exigir não é uma obediência cega a um solerte principio de dominação

de mercado, mas, antes pelo contrário, implica que as atitudes, procedimentos sejam encetados

entre os atores dessa competição, que muitas vezes são irreversíveis, face a responsabilidade

perante os interlocutores.

Essas posturas fiéis e leais não somente estão no cerne dos detentores dos negócios, mas

também devem visar a virtude e as repercussões socioeconômicas. Ao primar, ao adotar a

lealdade, como esteio, o que implica na verdade ter um substrato que necessariamente se

vincula a sinceridade, que se exige das partes envolvidas, contratantes, como nos

compromissos, nos objetivos que afetam os relacionamentos em geral, e não somente para com

uma relação contratual, visando o bem maior, e em favor da coletividade.

Isto significa que as partes envolvidas desenvolvem um processo com recíproca virtude,

numa missão de proporcionar o melhor de si, cumprindo objetivos a que se propõem com

responsabilidade, almejando bons resultados negociais, com a fala da verdade e sem medo de

assumir posições sinceras por receio de perder algum proveito.

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Não se pode desconhecer que os empresários estabelecem parcerias em variados projetos,

alguns visam o bem comum, outros através de contratos com benefícios mútuos, que devem

respeitar e valorizar o desenvolvimento de políticas baseadas no mérito, com participação e

recompensas sem eivas nos resultados empreendidos. Nesses compromissos devem estar

presentes a fidelidade, a lealdade, mesmo nos momentos que venham exigir decisões mais

difíceis na atividade desenvolvida no campo das relações mercantis, na definição da carreira

profissional, na preocupação na manutenção do emprego, adotando a lealdade como “pedra de

toque”.

As relações mercantis devem espelhar fidelidade, mesmo considerando que as boas

posturas não são virtudes fáceis, por isso não se espera que sejam decorrentes de simples

emoções ou de sentimentos nobres, mas devem ser lapidadas como algo precioso e singular,

mas não podem cair no esquecimento.

A lealdade implica numa reflexão de necessidade, que deve reconhecer que o homem

como ser sociável evolui ao longo da vida, e que deve ser auxiliado para melhoria do

crescimento, florescimento da humanidade, renovando-a continuadamente para auferir

qualidades superiores. Séneca556 afirmava convictamente que: “A lealdade é o bem mais

sagrado do coração humano”. Infelizmente, nos dias atuais, difícil conferir o exercício desse

sentimento tão nobre, cujo valor refletido nas atitudes responsáveis ajuda melhorar os destinos

dos povos.

Colhe-se na obra de Aristóteles, a virtude e o vicio que se relacionam com a escolha do

nobre, do vantajoso, do agradável, e seus contrários: o vil, o prejudicial e o doloroso. O homem

bom tende a agir certo e o homem mau a agir errado. O agradável e o doloroso cresceram com

o homem, desde a infância, e por isso é difícil conter paixões, quando enraizadas, que se

apresentam na vida de cada um, em alguns mais e outros menos, mede-se as próprias ações pelo

estalão do prazer e da dor. Por esse motivo, toda inquirição das ações gira em torno do fato de

legitimidade ou ilegitimidade. O prazer e a dor que se sente tem efeito, e se pode até mensurar

que não são efeitos de pequeno porte decorrentes das ações humanas.

Por outro lado, usando a frase de Heraclito: [...] é mais difícil lutar contra o prazer do que

contra a dor, mas tanto a virtude como a arte se orientam para o mais difícil, que até torna

melhores as coisas boas. Essa é também a razão por que tanto a virtude como a ciência política

556 Séneca morreu em Roma no ano 66.

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giram sempre em torno de prazeres e dores, de vez que o homem que lhes der bom uso sera

bom, e o que lhes der mau uso será mau.

Quando a virtude está presente, ela tem a ver com prazeres e dores, ao examinar os

mesmos atos de que ela se origina, tanto é acrescida como, se tais atos são praticados de modo

diferente, destruída. E quando se busca a origem, de onde surgiu a virtude, vê-se que ela se

atualiza, e ao mesmo tempo provoca dilemas com relação as paixões, a cólera, a audácia, o

medo, a inveja, a alegria, a amizade, o ódio, o desejo, a emulação, a compaixão, sentimentos

bons ou ruins.

Sandel557 encara o individualismo moral, e entende que a concepção das

responsabilidades assumidas pode ser libertadora. Sendo agentes morais, seres livres e

independentes. Livres das limitações de restrições morais preestabelecidas e capazes de definir

sozinhos os seus objetivos. A origem das únicas obrigações morais a que se deve obedecer é a

livre escolha de cada individuo, e não o hábito, a tradição ou a condição que se herda.

A deliberação moral envolve reflexões que abrangem um escopo maior de histórias do

qual faz parte de si. Diz MacIntyre: [...] jamais poderei buscar o bem ou praticar a virtude

apenas como indivíduo. Só entenderei a narrativa de minha vida se puder vê-la como parte das

histórias das quais faço parte. Para MacIntyre (assim como para Aristóteles), o aspect narrative,

ou teleológico, da reflexão moral está ligado à condição de membro pertencente ao grupo do

qual integra.

Para Rawls558: Todos abordamos nossas circunstâncias como portadores de uma determinada

identidade social. Sou filho ou filha de alguém, primo ou tio de alguém; sou

cidadão dessa ou daquela cidade. Membro de uma agremiação ou parte de

uma categoria professional; pertenço a esse clã, àquela tribo, a determinada

nação. Portanto, o que for bom para mim deve ser bom para alguém que

pertence a essas classes. Como tal, herdei de minha família, minha cidade,

minha tribo, minha nação uma série de deveres, tradições, expectativas e

obrigações legítimas. Essas condições constituem o que me foi dado na vida,

meu ponto de partida moral. Isso é, em parte, o que confere à minha vida sua especificidade moral.

E Sandel afirma:

Na concepção liberal, as obrigações só surgem de duas maneiras – como

deveres naturais que temos em relação aos seres humanos como tais e como

obrigações voluntárias nas quais incorremos por meio do consentimento. Os

557 SANDEL, Michael. Justiça. 558 RAWLS, John. A Theory of Justice, 2a. ed. 1999, Cambridge. The Belknap Press of Harvard University

Press, 1971.

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deveres naturais são universais. Nós os devemos aos indivíduos, como seres

racionais. Aí incluem-se o dever de tratar as pessoas com respeito, o de fazer

justiça, o de evitar a crueldade assim por diante. Já que eles surgem da

vontade autônoma (Kant) ou do contrato social hipotético (Rawls), não há

necessidade de um ato de consentimento. Ninguém diria que alguém tem o

dever de não matar apenas por ter prometido não o fazer.

Diferentemente dos deveres naturais, as obrigações voluntárias são

particulares, e não universais, e surgem do consentimento. Se concordei em

pintar sua casa (em troca de pagamento ou, digamos, para retribuir um favor),

tenho a obrigação de cumprir o prometido. Mas não tenho obrigação de pintar

a casa de outras pessoas. De acordo com a concepção liberal, devemos

respeitar a dignidade de todos os indivíduos, mas, além disso, só devemos

aquilo que concordamos em dever. A justiça liberal exige que respeitemos os

direitos das pessoas (como estabelecidos na estrutura neutra), e não que

promovamos seu bem. O dever de nos preocupar com o bem dos demais

indivíduos dependerá dos acordos que tivermos feito, e com quem fizemos.

Uma importante consequência dessa concepção é que “não existe obrigação

política, no rigor do termo, para os cidadãos em geral”. Ainda que aqueles que

se candidate voluntariamente incorram em uma obrigação política (ou seja, de

servir ao país caso sejam eleitos), isso não se aplica ao cidadão comum. Como

escreve Rawls, “as responsabilidades políticas do cidadão comum não são

claramente definidas”. Portanto, se a concepção liberal de obrigação estiver

certa, o cidadão comum não tem nenhuma obrigação especial para com seus

compatriotas além do dever universal e natural de não cometer injustiças.

Do ponto de vista da concepção narrativa do individuo, a descrição liberal da

obrigação é muito frágil. Ela não leva em conta as responsabilidades especiais

que temos para com nossos compatriotas. E mais: ela não considera os deveres

de lealdade e de responsabilidades cuja força moral consiste, em parte, no fato

de que viver de acordo com eles é parte inseparável de nos concebermos como

os indivíduos únicos que somos – como membros de uma família, ou nação,

ou povo, como parte de sua história, como cidadãos dessa república559.

Assim sendo, todos seres independentes que escolhem livremente, sem quaisquer amarras

morais precedentes às suas escolhas, precisa-se de uma estrutura de direitos que mantenha a

neutralidade no que se refere às finalidades. Se cada um precede suas finalidades, o certo

também deve preceder o bom, pois, os contratos reais têm peso moral na medida em que

concretizam dois ideais – autonomia e reciprocidade.

Como atos voluntários, que podem estar expressos nos contratos expressando autonomia,

com as obrigações que eles criam tendo peso porque foram impostas pelos interessados e por

eles assumidos por livre e espontânea vontade. Como instrumentos de benefício mútuo, os

contratos inspiram-se um ideal de reciprocidade, e a obrigação um cumprimento, que se

recompensam mutuamente pelos benefícios que o ajuste proporcionou. Da mesma forma as

incumbências legais e seus exercitadores nas situações que a lei encapsula nos ideais de ética

com o bem comum.

559 SANDEL, M. Op. cit.

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Na prática esses ideais estão à tona que não se realizam espontaneamente, mas alguns

acordos estabelecem reciprocidade, ainda que não exista em um contrato, especialmente quando

as partes estão imbuídos de propiciar uma obrigação moral, sem contrapartidas, à semelhança

do que exige a governança empresarial.

5.16 Aspectos da governança empresarial

No inicio do século XX os diversos conflitos envolvendo empresas em diversos países,

especialmente quando examinados os denominados custos de agência, que até então pouca

atenção era dispensada, considerados de pouca relevância, passaram a partir de então, provocar

uma nova discussão sobre a propriedade e o controle das grandes empresas que se encontravam

nas mãos de empreendedores familiares, e nos denominados “capitães da indústria”, os quais

se confundiam como administradores, sócios, acionistas, porque detinham os mais diversos

poderes de propriedade e comando empresarial.

A crise econômica de 1929 acarretou grandes perdas aos investidores, especialmente

nas grandes corporações, levando à desconcentração da propriedade e a criação de um novo

modelo de controle empresarial, surgindo um controle que foi entendido como principal titular

para o exame da propriedade mercantil, ao tempo em que via-se a delegação do poder a um

agente, a distribuição de funções e atuação dos poderes de decisão sobre bens, propriedade,

nascendo o que passou a ser entendida como teoria da agencia560 formalizada por M. Jensen e

W. Meckling, para solucionar conflitos entre agente e o titular da propriedade, como modelo

de custos para os acionistas, que se expandiu a partir de 1990, e ainda hoje se desenvolve.

É importante avaliar, observando alguns aspectos da governança empresarial,

principalmente nas últimas décadas, criadas, desenvolvidas e praticadas em alguns países, não

só no âmbito da atividade privada, também para a esfera governamental pública, que a adotaram

como mecanismo para proporcionar aos governados a tão desejada transparência administrativa

dos atos de gestão pública.

O tema ganhou força na década de 1980. No Brasil a evolução das práticas de

governança se intensificou com a abertura da economia, com o aumento dos investimentos

560 JENSEN. M.; MECKLING. W. Theory of the firm: managerial behavior, agency costs, and ownership

structure. Journal of Financial Economics, v. 11, p. 5-50, 1976.

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estrangeiros no país, inclusive quando houve interesse de algumas empresas brasileiras a

acessar o mercado internacional.

Nos últimos anos houve uma série de mudanças no ambiente das organizações

empresariais, como o renascimento do mercado de capitais, proporcionando a um grande

número de novas empresas listar seu capital na Bolsa de Valores. Esse aparecimento de

empresas com capital disperso e difuso, gerando fusões e aquisições de grandes companhias,

em movimento de reveses empresariais, de veteranas e novatas, vivendo uma crise econômica

mundial. Estes fatores trouxeram à tona algumas fragilidades das organizações e de seus

sistemas de governança, reforçando a necessidade da implementação, de fato, das boas práticas

gerenciais que passam a ser grafadas de Governança Corporativa.

Nesse cenário adotou-se programas de integridade para as empresas proporcionar aos

clientes, investidores, funcionários, fornecedores, a sociedade e demais públicos estratégicos

com quem se relaciona, informações da vida econômico-financeira da companhia com

transparência e ética.

As normas regulatórias aumentaram a responsabilidade das empresas e de seus

administradores, principalmente após a edição da Lei nº. 12.846/2013, conhecida como Lei

Anticorrupção, que prevê a responsabilização por atos lesivos cometidos por empresas. Esses

mecanismos passam a ser permanente, devendo compor o conjunto de estratégias empresárias

para alcançar o sucesso e sustentabilidade do negócio.

O papel das instituições de alguma forma vincula-se ao campo da atividade mercantil,

e em algum momento necessita reforçar e dar relevância as melhores práticas de governança,

adaptando-se as novas demandas e à realidade do mercado. Torna-se, pois, de fundamental

importância para atender a uma revisão dos caminhos dos gestores empresariais para percorrer

numa direção construtiva, e em um novo ambiente institucional. Esse mecanismo proporcionará

um modo de evolução, acompanhando as mudanças periodicamente adotadas pelos países mais

desenvolvidos, com largos passos à frente em relação ao mínimo considerado obrigatório para

as organizações brasileiras.

Visitando o cenário europeu, especialmente a doutrina portuguesa que proporciona

lições que podem ser ajustadas e aplicáveis no desenvolvimento da legislação e doutrina

brasileira, absorvendo a experiência da governança empresarial com os elementos advindos do

convívio entre público e privado, principalmente os ativados quando da integração da

Comunidade Europeia.

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Em Correia/Amaral/Louvet561 e em Amaral562 colhe-se a designação de institutos

públicos, expressão doutrinaria substituta de serviços personalizados do Estado, sendo que certo

tipo de instituição não controlada diretamente pelo Estado, mas por autarquias locais, como

sucede nos casos de empresas e das participações locais, passam a defini-las como institutos

públicos, como pessoa coletiva criada para assegurar o desempenho de funções administrativas

determinadas, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública.

A referida situação abrange particularmente um conjunto de entidades que tem como

elemento comum de identificação, a sua relação de superintendência pelo Governo, ou por

intermédio de outro ente público, em uma prossecução do interesse público quanto ao seu fim,

e com previsão estatutária ou institucional de lucro.

Para Correia/Amaral/Louvet os critérios de eficiência da governança empregados

integram as dimensões, como a: composição do Conselho de Administração, estrutura de

propriedade e de controle, modalidades de incentivo aos dirigentes, proteção dos minoritários

e transparência das informações publicadas563.

Importante relembrar que as revoluções liberais puseram fim ao Estado de Polícia, o

que proporciona relembra-los ao falar do Direito Administrativo, a ideia de que um dos

elementos necessários para que houvesse um Estado de Direito era a repartição funcional entre

as tarefas por ele executadas, excluindo qualquer possibilidade do poder ser exercitado

isoladamente, numa nítida ruptura com os pressupostos do Estado de Polícia, que concentrava

nas mãos do monarca amplas margens de atuação564.

No Brasil tomou corpo discussões sobre as experiências vivenciadas como as mudanças

no ambiente empresarial, com legislação e governança introduzidas em 2004, introduzindo

princípios e práticas da boa Governança Corporativa aplicáveis as organizações, independente

do porte, natureza jurídica ou tipo de controle.

Essas práticas tiveram foco inicial em organizações empresariais, incluindo, por

exemplo, as do ‘Terceiro Setor’, cooperativas, estatais, fundações e órgãos governamentais,

entre outros. Passando a indicação para que cada organização promova a avaliação de quais

561 CORREIA, Laise Ferraz; AMARAL, Hudson Fernandes e LOUVET, Pascal. Um índice de avaliação da

qualidade da governança corporativa no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 2011 - journals.usp.br 562 AMARAL, Freitas do. Curso de Direito Administrativo. Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1991. 563 CORREIA, Laise Ferraz; AMARAL, Hudson Fernandes e LOUVET, Pascal. Um índice de avaliação da

qualidade da governança corporativa no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 2011 - journals.usp.br – 21 de

março de 2016. 564 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. O exercício da função administrativa e o direito privado. Tese de doutorado,

2010, USP. Acesso em 18/4/2018.

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práticas deve adotar, e as melhores formas de bem fazer. Assim os administradores procuram a

maneira que se adapte a estrutura e realidade da sociedade empresária, observando que essa

prática não é definível apenas em termos jurídicos. Ela abrange um conjunto de máximas

válidas para uma gestão de empresa responsável e criadora de riquezas em longo prazo,

controlando empresas e expondo a necessária transparência, envolvendo para tanto conceitos

econômicos, postulados morais e até bom senso565.

Outros aspectos que merecem destaque, são as iniciativas de estímulo e aperfeiçoamento

da governança no Brasil, entre elas, o desenvolvimento de um mercado de capitais mais

moderno, com adequação a legislação das sociedades anônimas, entrelaçando-se com as

Recomendações da Comissão de Valores Mobiliários - CVM com outras instituições.

Em Portugal, por exemplo, onde a expressão corporate governance era relativamente

desconhecida, e o tema constituía uma novidade, mas, a partir de 1999, destacou-se,

especialmente a introdução dos ‘Os Princípios da OCDE sobre o Governo das Sociedades’,

proporcionando uma visão em relação ao setor empresarial público.

Mesmo imberbe, o dispositivo legal passou apreciável, registrando um percurso, que é

entendido como de excelência na adoção de boas práticas no setor empresarial público, dando

conta, comparativamente, após o verificado nos aspectos da responsabilidade dos

representantes das companhias estatais, decorrentes da gestão nas empresas públicas no âmbito

das atividades empresariais portuguesas.

Pode-se entender Governança Corporativa como sistema pelo qual as organizações são

dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários,

Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de Governança

Corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a

finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e

contribuindo para sua longevidade.

Os versados no assunto entendem que os princípios básicos de Governança Corporativa

são:

a) Transparência, que é mais do que a obrigação de informar, é o desejo de disponibilizar

para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas

565 OIOLI, Erik Frederico. A superação do modelo de concentração acionária no Brasil: o regime jurídico das

companhias de capital disperso na lei das sociedades anônimas. Tese de doutorado, Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo, p. 23. 2013.

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impostas por disposições de leis ou regulamentos. A adequada transparência resulta em um

clima de confiança, tanto internamente quanto nas relações da empresa com terceiros. Não deve

restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os demais fatores

(inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que conduzem à criação de valor.

b) Equidade que se caracteriza pelo tratamento justo de todos os sócios e demais partes

interessadas (stakeholders). Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer pretexto, são

totalmente inaceitáveis.

c) Prestação de Contas (accountability), onde os agentes de governança

prestar contas de

sua atuação, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões.

d) Responsabilidade Corporativa os agentes de governança devem zelar pela

sustentabilidade das organizações, visando à sua longevidade, incorporando considerações de

ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações.

Não obstante essas conjugações de pensamentos e entendimentos, os modelos de

governança variam de país para país, mas, em geral, delimitam-se dois sistemas: o anglo-saxão,

que prevalece nos Estados Unidos e no Reino Unido, e o nipo-germânico, o qual predomina no

Japão, na Alemanha e na maioria dos países da Europa continental. O que diferencia esses dois

sistemas são as estruturas de controle e de propriedade, as formas de monitoramento usadas

pelos proprietários e suas visões a respeito dos objetivos finais das empresas.

No modelo anglo-saxão a propriedade é relativamente pulverizada (outsider system), e a

liquidez das ações é garantida nas bolsas de valores, o que diminui o risco dos acionistas. No

modelo nipo-germânico, existe mais concentração da propriedade (insider system), e as

participações acionárias são de longo prazo.

Enquanto no primeiro modelo o objetivo principal das empresas é a criação de valor para

os acionistas (shareholders), no segundo, as empresas buscam equilibrar os interesses dos

acionistas com os de outros grupos interessados na empresa; entre eles, empregados,

fornecedores, clientes e comunidade em geral (stakeholders).

No modelo shareholder, a obrigação primordial dos administradores é agir em nome dos

interesses dos acionistas, enquanto, no modelo stakeholder, além dos acionistas, há um conjunto

mais amplo de interesses que deve ser contemplado pala ação e pelos resultados da corporação.

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Segundo Silva566, a forma de controle pode classificar os sistemas em: com controle

interno e com controle externo, de acordo com a concentração do seu controle acionário. O

primeiro sistema, o com controle interno, reúne empresas em que um pequeno grupo de

acionistas detêm a maior parte das ações e, como consequência, existe baixa liquidez, estruturas

de propriedade concentradas etc. No sistema com controle externo, estão as empresas com

grande número de acionistas, os quais apresentam alta liquidez e estruturas de controle diluídas.

Existem vantagens e desvantagens nos modelos agitados pela globalização, provocando

modificações e certa convergência entre os sistemas, como exprime o modelo nipo-germânico

que adota algumas características do anglo-saxão e vice-versa. No entanto, é difícil prever se

haverá uma convergência total ou se algum sistema prevalecerá, pois, suas divergências são

históricas, culturais e legais. O mais importante é que ambos os modelos podem ser eficientes

desde que cumpram os critérios de eficiência apropriados ao sistema e as particularidades

culturais, econômicas e históricas de cada país.

Uma das empreitadas que se deve esmerar é a missão de definir e conduzir a política

financeira do Estado e as políticas da Administração Pública para um bom êxito, reforçando-as

com um efetivo controle e fiscalização sobre os entes públicos e as áreas cruciais ligadas à

gestão de recursos humanos da Administração Pública.

Ao mesmo tempo fazer as necessárias intervenções nas operações patrimoniais e

financeiras do Estado, não descurando do acompanhamento das matérias respeitantes ao

exercício da tutela financeira sobre o setor publico administrativo e empresarial.

Com relação a função do acionista, a gestão integrada do patrimônio do Estado, ajustando

medidas e aplicação de organização, alinhadas com a gestão de recursos humanos próprias para

a Administração Pública, com estratégias de avaliação e Relações Internacionais de modo a

assegurar o apoio à formulação de políticas e ao planeamento estratégico e operacional.

Todas essas medidas devem estar em articulação com a programação financeira, cabendo

assegurar, diretamente ou sob a devida coordenação, as relações internacionais, para

acompanhar e avaliar a execução de políticas, dos instrumentos de planejamento e os resultados

dos sistemas de organização e gestão em articulação com os demais serviços públicos.

A implementação dos direitos fundamentais pelo Estado tomou força com a atual Carta

Política, promovendo políticas publicas e assegurando direitos sociais em um quadro conceitual

566 SILVA, André Luiz Carvalhal da. Governança corporativa e sucesso empresarial – Melhores práticas para

aumentar o valor da firma. Saraiva – 2006, p.p. 12-13.

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construído pela literatura, que analisa as questões de viabilidade e utilidade da aplicação das

normas e princípios.

Na comunidade acadêmica o conceito de governança corporativa tem sido abordado

através de vários estudos, mas vale destacar o quanto exposto por Berle e Means 567, tecendo

considerações sobre o surgimento das modernas corporações nas quais houve separação entre

controle e gestão, mas é de bom sentido enfatizar, que somente a partir de 1980 o tema se tornou

importante no país de origem dos referidos pesquisadores.

Etimologicamente a palavra governança está relacionada a governo. Governança

corporativa refere-se ao sistema pelo qual os órgãos e os poderes são organizados dentro de

uma empresa (Corporation). Witherel568 apresenta definição sobre governança corporativa

como o sistema pelo qual as empresas são dirigidas e controladas, distribuindo direitos e

responsabilidades entre os diferentes participantes da empresa, tais como conselho de

administração, diretoria, proprietários e outros stakeholders.

Conceitua Siffert Filho569 como sistema de controle e monitoramento estabelecidos pelos

acionistas controladores de uma determinada empresa ou corporação, de tal modo que os

administradores tomem suas decisões sobre a alocação dos recursos de acordo com o interesse

dos proprietários.

Colhe-se em Nelson570 a governança como “um conjunto de ações dos administradores e

acionistas com intuito de negociar e determinar como valor da firma sera distribuído”.

Lethbridge571 conceitua o sistema de governança como o [...] conjunto de instituições,

regulamentos e convenções culturais, que rege a relação entre as administrações das empresas

e os acionistas ou outros grupos aos quais as administrações devem prestar contas.

Segundo Silva572, aproveitando o entendimento de Gilson, considera que o sistema de

governança determina os termos de um contrato de acionistas, os quais mencionam que os

567 BERLE, A.; MEANS, G. - The Modern Corporation and private propety. New York: McMillan, 1932. 568 W. Witherell, em The OECD and corporate governance. Financial Reporting, Paris, 1999, disponível em

http://www.oecd.org 569 SIFFERT FILHO, N. Governança corporativa: padrões internacionais e evidências empíricas no Brasil nos

anos 90. Revista do BNDES, v.5, n.9, p. 123-146, Jun. 1998. 570 NELSON, D. Essays on Corporate Governance. University of Arizona Dissertation, 1999. 571 E. Lethbridge em “Governança corporativa”, Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n. 8, p. 209-232, 1997 572 SILVA, André Luiz Carvalhal da. Governança corporativa e sucesso empresarial – Melhores práticas para

aumentar o valor da firma.

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administradores têm autonomia para gerir os negócios da companhia e os acionistas devem

receber o lucro resultante das operações da empresa573.

Extrai-se contribuição na obra de Silva574 quando trata dos modelos de “corporate

governance” face a reforma acontecida em 2006, mostrando o modelo tradicional, o anglo-

saxão, e o modelo dualista, de acordo com o n. 1 do art. 278 do Código das Sociedades

Comerciais, com a redação dada pelo art. 2º do Decreto-lei nº. 76-A/2006, de 29 de março,

reforma que introduziu um novo modelo de corporate governance. Diz o citado jurista

português que a evolução da teoria do governo societário – a ideia de “corporate governance”

assume grande relevo já nos anos 30 do século XX, nos Estados Unidos, com a separação entre

propriedade do capital e “management”, e depois nos anos 70 com o financiamento ilegal da

campanha presidencial de Nixon – verificada nos últimos anos:

A raridade de o conselho de administração ser capaz de gerir ativamente uma

grande sociedade e a correspondente delegação de responsabilidades em

executivos profissionais, com tempo, disponibilidade e competência para a

gestão diária dos negócios da empresa.

O papel passivo do conselho de administração (delegante) na monitorização e

controle dos executivos (executive officers e CEO) da sociedade, com

frequente inversão de posições: o “domínio” do processo decisório do

conselho de administração pela comissão executiva, em especial pela CEO,

designadamente em sociedades com o capital disperso por muitos pequenos

acionistas e sem incentivo para controlar ativa e efetivamente a gestão – CEO

que controla a informação e a agenda das poucas reuniões do conselho de

administração a que muitas vezes preside, acumulando as funções de

chairman, e assim previne a aparição critica do desempenho da gestão, que

acaba por exercer os plenos poderes do conselho de administração,

transformado em órgão passivo, composto por “yes men”, de “ratificação

automatica” de atos daquela.

Dados de fato e fraudes verificadas em sociedades empresárias são examinadas sob

especial pressão com o intuito de evitar contemporizações com as respectivas gestões que não

envida uma efetiva e eficaz supervisão.

O movimento e reforma que envolveu a Alemanha, Itália, França, Inglaterra, e outros

países tendente a um saudável e prudente governo societário, impulsionado pelos fatos

desastrosos como os que envolveram a Enron e Worldcom, que essa busca se tornava

573 GILSON, Ronald J. - Transparency, Corporate Governance and Capital Markets, Latin American Corporate

Governance Roundtable, São Paulo, 2000. Acessso em 02/05/2018.

https://pdfs.semanticscholar.org/2e4b/fee2b8b71e1c37aaad1b47d20fb9ed29069c.pdf 574 SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil dos administradores não executivos, da Comissão de Auditoria

e do Conselho Geral e de Supervisão - extraída do portal eletrônico da Ordem dos Advogados de Portugal.

http:www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=59032&ida=59049, em 09/03/16 – 10:21.

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inafastável, na certeza de que um bom governo pelas sociedades empresarias, é um processo

orgânico adequado, dinâmico para atender os acionistas e o mercado.

Os elementos de “Checks and balances”, assente no fator humano, que exige

honestidade, competência, profissionalismo e cumprimento efetivo das responsabilidades de

cada um na posição que ocupa com a eficiência, passou a ser um determinante para atender a

todos, por uma gestão empresarial sem mácula.

A transparência e a accountability (prestação de contas) devem caracterizar e revelar as

posições decisivas para a confiança dos investidores e para a performance das economias

nacionais num mercado global mais exigente e mais concorrencial. Sendo para isso decisivas a

eficiência e a competitividade das empresas na criação de riqueza e de emprego, a nortear os

processos de reformas legislativas dos direitos nacionais num movimento de crescente

confluência e convergência funcional dos três grandes modelos de estruturação da governação

e fiscalização das sociedades comerciais, em especial das sociedades anônimas cotadas em

mercado regulamentado.

Enfatiza Silva575 que o sistema tradicional ou sistema clássico de estruturação do

governo societário, baseia-se na distinção entre um órgão de gestão (conselho de administração

ou administrador único) e um órgão de controlo (conselho fiscal ou fiscal único).

O conselho de administração é composto pelo número de administradores fixados no

contrato de sociedade, designados no contrato de sociedade ou eleitos pela assembleia geral ou

constitutiva.

Consabidamente são da competência do conselho de administração, não só a

representação plena e exclusiva da sociedade, mas, também a gestão das atividades da

sociedade compreendidas no objeto contratual e cujo exercício efetivo haja sido deliberado

pelos sócios, cabendo-lhe, por isso e para isso, deliberar sobre qualquer assunto de

administração, norma imperativa que confere competência própria e exclusiva de gestão: o

conteúdo da deliberação não está, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios ou é ofensivo

de preceitos legais inderrogáveis mesmo por vontade unânime dos sócios.

Os critérios de eficiência da governança empregados integram as dimensões e

composição do Conselho de Administração, estrutura de propriedade e de controle,

575 SILVA, op. cit.

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modalidades de incentivo aos dirigentes, proteção dos minoritários e transparência das

informações publicadas.

Ainda para proteção de terceiros e da segurança do comércio em geral, os atos praticados

pelos administradores, em nome da sociedade e dentro dos poderes substantivos e

procedimentais que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, sendo irrelevantes se

provar que o terceiro sabia ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstancias, que o ato

praticado não respeitava essa cláusula e se, entretanto, a sociedade o não assumiu, por

deliberação expressa ou tácita dos acionista.

A imperatividade do funcionamento colegial do conselho de administração, quer do

quorum constitutivo, o conselho não pode deliberar sem que esteja presente ou representada a

maioria dos seus administradores presentes ou representados quando o estatuto assim permita.

No que concebe a atribuição de encargo especial a algum ou alguns administradores e

responsabilidade solidária de todos os administradores, entende Calvão da Silva, comentando

a legislação portuguesa sobre a responsabilidade civil dos administradores não executivos, da

comissão de auditoria e do conselho geral e supervisão, que “A não ser que o contrato de

sociedade o proíba, pode o conselho encarregar especialmente algum ou alguns administradores

de se ocuparem de certas matérias de administração”.

Continua o jurista português afirmando que a lei contempla o encargo especial não pode

abranger as matérias previstas na legislação pertinente e não exclui a competência normal dos

outros administradores ou do conselho nem a responsabilidade daqueles, nos termos da lei.

Trata-se de mera distribuição interna de tarefas, com o conselho a cometer encargo especial a

algum ou alguns administradores, sem propriamente repartir as competências do conselho: este,

autor do encargo, e os outros administradores (não encarregados especialmente de se ocuparem

de certa matéria) mantêm, de iure, a competência para gerir as atividades da sociedade, com

todos os poderes e deveres normais de administração ou gestão da empresa, tal como se não

tivesse sido atribuído internamente, de fato, encargo especial a algum ou alguns

administradores.

Enfatiza Calvão da Silva:

Por isso mesmo, e em plena e justificada coerência, também não é excluída a

normal responsabilidade dos administradores não encarregados especialmente

de certa matéria: permanecendo, de iure, não só o poder mas também e

sobretudo o dever de gerir colegialmente (art. 410) a sociedade a cargo de

todos e cada um dos administradores, encarregados ou não especialmente de

se ocuparem, de fato, de certa matéria, nada mais natural do que a

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responsabilidade de todos os administradores nos termos da lei:

responsabilidade para com a sociedade (arts. 72 a 77), responsabilidade para

com os credores sociais (art. 78) e responsabilidade para com os sócios e

terceiros (art. 79), não fazendo sentido a distinção entre administradores

executivos e administradores não executivos.

Em qualquer destas hipóteses, verificados os respectivos pressupostos ou

requisitos, a responsabilidade dos administradores (encarregados ou não

especialmente de se ocuparem de certas matérias) perante os lesados será

solidária, nos termos do art. 73, nº. 1, igualmente aplicável à responsabilidade

para com os credores sociais e à responsabilidade para com os sócios e

terceiros, ex vi do art. 78, nº. 5, e do art. 79, nº. 2, respectivamente. E só nas

relações internas entre os administradores o direito de regresso existirá na

medida das respectivas culpas e das consequências que delas advierem,

presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis (art. 73, nº. 2,; arts.

497, nº. 2, e 516 do Código Civil).

Vale isto por dizer que, na hipótese do nº. 1 do art. 407, a divisão fática das

tarefas no seio do conselho não desresponsabiliza nas relações externas os

administradores não encarregados especialmente de certa matéria, mantendo-

se o regime da responsabilidade solidária (art. 73, nº. 1), divisão de facto que

relevará apenas nas relações entre os administradores, na acção de regresso

(art. 73, nº. 2).

Sendo este o regime decorrente do nº. 2 do art. 407, protetor dos interesses da

sociedade, dos credores, dos sócios e de terceiros através da responsabilidade

solidária dos administradores (art. 73, nº. 1), percebem-se bem duas coisas:

- Que a divisão de facto de tarefas no interior do conselho de administração

seja possível, se o contrato de sociedade a não proibir (1a. parte do n. 1 do art.

407);

- Que mesmo assim o encargo especial não possa abranger as matérias

importantes, previstas nas als. a) a m) do art. 406, e fique circunscrito a outros

assuntos (menores) de administração da sociedade, dada a (desnecessária)

falta de autorização dos sócios e a atipicidade e impropriedade das atribuição

do encargo especial, que não chega a ser uma verdadeira e própria delegação

de poderes apesar da epígrafe do art. 407 (delegação de poderes de gestão).

No que concerne da delegação de poderes de gestão num ou mais administradores ou

numa comissão executiva e responsabilidade dos administradores não executivos apenas por

culpa própria in vigilando ou falta de intervenção do conselho perante conhecidos atos ou

omissões prejudiciais praticados ou o conhecido propósito de serem praticados por aqueles no

âmbito do Conselho de administração, merece ser observado o exame desenvolvido pelo jurista

Calvão da Silva, entendendo o que estatui o artigo 407, números 3, 4 e 8 da citada legislação

portuguesa, que o contrato de sociedade pode autorizar o conselho de administração a delegar

num ou mais administradores ou numa comissão executiva a gestão corrente da sociedade.

Que a deliberação do conselho deve fixar os limites da delegação, na qual não podem

ser incluídas as matérias previstas nas alíneas a) a d), l) e m) do artigo 406 e, no caso de criar

uma comissão, deve estabelecer a composição e o modo de funcionamento desta.

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A delegação, pela ótica de Calvão da Silva, prevista nos números 3 e 4 não exclui a

competência do conselho para tomar resoluções sobre os mesmos assuntos; os outros

administradores são responsáveis, nos termos da lei, pela vigência geral da atuação do

administrador ou administradores delegados ou da comissão executiva e, bem assim, pelos

prejuízos causados por atos ou omissões destes, quando, tendo conhecimento de tais atos ou

omissões ou do propósito de os praticar, não provoquem a intervenção do conselho para tomar

as medidas adequadas.

Entende o jurista lusitano que:

[...] em primeiro lugar, que o conselho de administração só pode delegar a

gestão corrente da empresa num ou mais administradores ou numa comissão

executiva se o contrato de sociedade o permitir ou autorizar (art. 407, n. 3),

devendo fixar na deliberação os limites da delegação de poderes em que não

podem ser incluídas as matérias previstas nas alíneas a) a d) e m) do art. 406

(art. 407, n. 4) – atente-se na menor amplitude dos assuntos indelegáveis

relativamente à sobrevista figura de encargos especiais.

Em segundo lugar, a designação de poderes não exclui a competência do

conselho para tomar resoluções sobre os mesmos assuntos (art. 407, n. 8, 1a.

parte), chamando a si matérias objeto da delegação. Avocação de poderes essa

que constitui um poder ou faculdade, mas não um dever do conselho, salvo na

situação prevista na parte final do mesmo n. 8 do art. 407 em apreço: tendo

conhecimento de atos ou omissões ou do propósito de administrador

delegado/comissão executiva os praticar, impõe-se a intervenção do conselho

de administração para tomar as medidas adequadas, leia-se, para prevenir tais

atos/omissões ou minorar os sue efeitos.

O Conselho de Administração é um mecanismo de controle cujo papel estratégico

consiste entre outras funções, em contratar, remunerar e monitorar os dirigentes. No enfoque

da teoria da agência, para executar eficientemente o seu papel disciplinar, os Conselhos devem

ser compostos, sobretudo, de membros independentes em relação à equipe dirigente. Além

disso, recomenda-se que sejam compostos de poucos conselheiros e que o diretor geral da

empresa não acumule a função de presidente do Conselho576.

Na referida obra de Calvão da Silva ele destaca não somente os aspectos doutrinários,

mas esmiúça os elementos técnicos eficientemente ditando, além dos fundamentos relevantes,

aviva outros aspectos para a boa compreensão do leitor, sobretudo quanto o comportamento e

encargos especiais de algum ou alguns dos administradores, como a delegação de poderes que

576 CALVÃO DA SILVA. Ob. Cit. Fora desta hipótese do dever de provocar a intervenção do conselho, os

administradores não executivos ficam obrigados tão-somente à vigilância geral (e não de todo e qualquer acto

concreto) da actuação do administrador ou administradores delegados ou da comissão executiva (art. 407, n. 8) –

a vigilância (mais) especifica e analítica permanece no conselho fiscal (arts. 420 e seguintes).

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libera os administradores não executivos, que são denominados de administradores delegantes,

face o dever de gestão corrente da sociedade e sobre eles impende apenas o dever de controlo,

a fiscalização ou vigilância geral da atuação dos administradores executivos vistos como

administradores delegados.

Compreende Calvão da Silva que a exigência de autorização dos sócios através do

contrato de sociedade está na figura da delegação de poderes, com sensu próprio. E não na

figura de atribuição de encargo especial a algum ou alguns administradores, porque, como na

delegação de poderes, diminuem os deveres e a responsabilidade dos administradores não

executivos. Na atribuição de encargo especial, diversamente, os deveres e a responsabilidade

dos administradores não encarregados especialmente de se ocuparem de certas matérias

mantêm-se inalterados. E justifica [...] Porque os administradores não executivos da gestão

corrente da sociedade estão obrigados a acompanhar o andamento geral da gestão, a exemplo

do quanto expressa a terminologia do art. 2381, n. 3, do Código Civil italiano, em ordem a

responsabilizá-los, nos termos da lei, pela vigilância geral da atuação dos administradores

executivos. Forçoso reconhecer o poder-dever de se informarem e serem informados

tempestivamente e adequadamente sobre a atividade social, a fim de poderem cumprir nos

termos devidos esse dever geral de vigilância que impende sobre todos e cada um deles.

Essa linha de raciocínio mostra que deve estar presente o direito-dever de informação

ativa e passiva, em coerência com a obrigação para que os administradores atuem em termos

devidamente informados, num processus decisionis razoável e segundo critérios de

racionalidade empresarial, a com os poderes de inspeção, de consulta e de inquirição, a exemplo

do que acontece com relação ao conselho fiscal.

Fica assente que o dever de ‘reporting’ individual, deve ser compreendido como uma

obrigação para todos e cada um dos membros não executivos do conselho a ser cumprido

adequada e tempestivamente (ex post e/ou ex ante conforme as circunstâncias o ditarem ou

recomendarem com vista ao escopo visado). Esse comportamento é mais uma exigência a fim

de que o direito-dever de controlo e monitorização da atividade dos administradores

delegados/comissão executiva seja também eficiente com relação aos outros administradores -

administradores não delegados ou administradores não executivos – para poder ter exercício

irrepreensível, com cuidado e diligência profissional.

Pelo quanto explanado, compreende-se que a legislação portuguesa acentua, que,

quando, tendo conhecimento, em principio, através do cumprimento do dever de informação

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pelo administrador delegado ou pelo presidente da comissão executiva, de atos ou omissões

prejudiciais para a sociedade, ou para os credores sociais, ou para os sócios e terceiros, ou do

propósito da sua prática pelos administradores executivos, não provoquem a intervenção do

conselho para tomar as medidas adequadas, incumprindo assim o dever de impedir a

materialização de ações ou inações prejudiciais chegadas ao seu conhecimento ou de

eliminar/minorar os danos delas resultantes.

No âmbito da solidariedade, explica as nuances da veste dos administradores não

executivos, e só nas duas hipóteses de violação ilícita dos deveres de vigilância geral e de

intervenção, é que os mesmos respondem solidariamente, por culpa própria, aplicável também

à responsabilidade para com os credores sociais e para com os sócios e terceiro. E, afora as

hipóteses referidas, os administradores não executivos não respondem pelos atos ou omissões

ilícitos, culposos e causadores de danos à sociedade, aos credores sociais ou aos sócios e

terceiros, imputáveis aos administradores delegados ou administradores executivos. Estes – e

só os que na deliberação colegial da comissão executiva votaram a favor ou se abstiveram, não

já os que votaram vencidos e lavraram o seu dissenso nem os ausentes – é que são solidários na

responsabilidade perante os lesados, sem prejuízo do direito de regresso na medida das

respectivas culpas e das consequências delas resultantes, presumindo-se iguais as culpas dos

responsáveis.

Assinala Calvão Silva que os administradores devem cumprir os deveres que lhes são

impostos pela lei e pelo contrato com o cuidado adequado às suas funções e a diligência de um

gestor criterioso e ordenado no âmbito das suas específicas competências. E esclarece que a

competência para a gestão corrente da sociedade é apenas dos administradores delegados ou

administradores executivos, sempre que o conselho não chame a si uma matéria objeto da

delegação dos seus poderes – logo, não tendo participado nem tendo o dever de participar na

deliberação colegial da comissão executiva, os administradores não executivos não são

responsáveis, com a delegação de poderes a excluí-los do âmbito de aplicação direta da lei.

Por isso, cada um responde pelos seus atos ou omissões. Os administradores não

executivos sem culpa in vigilando do andamento geral da gestão, não devendo estender-se tão

desmesuradamente o dever de vigilância que na prática se caia em responsabilidade objetiva ou

como se o administrador não executivo devesse ser um administrador ideal e diligentíssimo a

ter de responder por culpa levíssima. Portanto entende-se que esse gestor, não têm de responder

solidariamente, nem pelos danos causados à sociedade por atos ou omissões de administradores

delegados violadores de deveres legais ou contratuais, nem pelos danos decorrentes para os

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credores sociais da inobservância culposa pelos administradores delegados de disposições

legais ou contratuais destinadas à sua proteção, nem pelos danos diretamente causados a sócios

e terceiros pelos administradores delegados no exercício e por causa das suas funções previstas

me lei577. Sendo importante destacar que nas matérias não delegadas – e são indelegáveis, inter

alia, relatórios e contas anuais, prestação de cauções e garantias pessoais ou reais pela

sociedade, mudanças de sede e aumentos de capital, projetos de fusão, de cisão e de

transformação da sociedade – o conselho de administração funciona colegialmente na sua

plenitude, sem qualquer distinção no estatuto de administradores, com os respectivos poderes-

deveres, também para efeitos de solidariedade na responsabilidade ilimitada ad extra, relações

externas perante os lesados.

Não se pode deixar de avivar a advertência que faz Calvão da Silva, que só nas relações

internas entre eles, e entre outras coisas, na ação de regresso, se atenderá às culpas de cada

administrador e consequências delas resultantes, olhando à disponibilidade, à competência

técnico-profissional e ao conhecimento da atividade da sociedade adequados às funções, às

concretas incumbências atribuídas no seio do conselho e desempenhadas por cada

administrador, o que se denomina de parâmetro subjetivo, que nesse âmbito deve empregar a

diligência de um leal gestor consciencioso e ordenado (padrão objetivo) para atuar em termos

informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade

empresarial, no interesse da sociedade e dos sócios.

Há uma visão geral que os conselheiros no Brasil são, principalmente, acionistas

majoritários e executivos do que chamam de suas próprias empresas, sendo menor a proporção

de membros externos quando há um controlador, verificando, ainda, que os Conselhos são

pequenos, e que há acúmulo das funções de Chief Executive Officer (CEO) e de presidente do

Conselho578.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC define governança como o

sistema que assegura ao sócio proprietário o governo estratégico da empresa e a efetiva

monitoração da diretoria executiva. Segundo o IBGC, governança corporativa é o conjunto de

práticas e de relacionamentos entre acionistas, conselho de administração, diretoria, auditoria

independente e conselho fiscal, cuja finalidade é otimizar o desempenho da empresa e facilitar

o acesso ao capital.

577 CALVÃO DA SILVA. Op. cit. 578 CORREIA, Laise Ferraz; AMARAL, Hudson Fernandes e LOUVET, Pascal. In: Um índice de avaliação da

qualidade da governança corporativa no Brasil. Revista Contabilidade & Finanças, 2011, p. 48 - journals.usp.br

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A OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico579 diz que um

bom regime de governança corporativa representa forma eficaz de utilização de recursos, e as

empresas devem levar em conta os interesses não só dos acionistas mas também de uma gama

maior de stakeholders.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) conceitua governança corporativa como o

conjunto de práticas que tem por finalidade melhorar o desempenho de uma companhia ao

proteger todas as partes interessadas, por exemplo, investidores, empregados e credores,

facilitando o acesso ao capital. Segundo essa definição, a análise das práticas de governança

corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve principalmente: transparência, equidade

de tratamento dos acionistas e prestação de contas.

No que tange aos deveres gerais de cuidado e de lealdade, as normas em geral exigem

que os titulares de órgãos sociais com funções de administração e fiscalização devem observar

deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e

deveres de lealdade, no interesse da sociedade.

Na verdade, de acordo com o direito geral, cada um deve cumprir os seus deveres de

boa fé, com correção, a honestidade, a lisura e a lealdade próprias de pessoas de bem, e com o

cuidado ou a diligência do “bonus pater familias”.

No fundo, a ideia é de cada um deve fazer e bem feito, de modo sério, cuidado e leal,

apanágio das pessoas de bem, de boa formação e de são procedimento, os atos que estão

encarregadas de praticar, não só em nome da sociedade, mas é sobretudo daqueles que nela

confiam, inclusive por entender que devem estar submetidos ao menos a um padrão exemplar.

No caso desse comportamento que se exige das pessoas envolvidas na gestão

empresarial, em especial no exercício do múnus de conselheiro do conselho de administração,

in casu, porque em causa órgãos sociais, esses padrões ético-deontológicos significam que os

respectivos membros devem cumprir com cuidado e lealdade as funções que lhe estão

confiadas, no interesse da sociedade, dos acionistas, e de todos outros.

Deveres fiduciários, portanto, aqueles que incidem sobre os titulares de órgãos sociais,

a cumprir de boa fé, de modo normal e são, com a diligência e a lealdade exigíveis de “um bom

pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”, segundo o critério do profissional

579 OCDE é a sigla em português para Organization for Economic Cooperation, organização criada em 1947

pelos países europeus não-comunistas, que conta com 30 países-membros.

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razoável (gestor, fiscal, médico, advogado, engenheiro, etc.) no condicionamento do caso

concreto.

A regra geral de cumprimento das obrigações inerentes ao exercício de uma atividade

profissional, nota-se o cuidado ou a diligencia que deve apreciar a relação com a natureza da

atividade exercida, com lealdade, próprios de gestor ou fiscal razoável posto nas mesmas

funções e circunstâncias, tendo em conta os conhecimentos especiais e a competência técnica

razoavelmente esperáveis de um profissional capaz, sensato, sagaz, avisado e zeloso em face

do condicionalismo próprio do caso concreto. No fundo, o estado objetivo e tipizado do “bonus

pater familias”, da diligência, o dever em relação à natureza da atividade, traduzido pelo

padrão, de gestor consciencioso ou criterioso, nos elevados padrões de diligência profissional

exigíveis aos titulares de órgãos de administração e fiscalização.

Entende-se que a lealdade devida decorre do princípio de boa fé e tutela da confiança:

dever de nortear a gestão e a fiscalização pelo interesse da sociedade, servindo esta como

fiduciário e não servindo-se dela.

A consagração de “deveres de cuidado” e “deveres de lealdade” não é inovadora na

substância da responsabilidade de administradores e membros de órgãos de fiscalização: traduz

a codificação ou “transplante legal” de origem anglo-americana no campo fiduciário.

O administrador deve ser cuidadoso em preservar e evitar a uma exposição a riscos

desnecessários. Se os administradores têm de correr riscos e decidir se assumem um risco com

vista a multiplicar o capital investido e de cuja gestão estão incumbidos, é porque ocupam uma

posição fiduciária na sociedade a cujos órgãos pertencem e devem, como consequência, atuar

de boa fé (com o cuidado e a lealdade devidos) no melhor interesse social e evitar colocar-se

em situação de interesses pessoais conflitantes com os da sociedade ou tirar benefícios

injustificados, garantindo os negócios confiados.

Observando a ilicitude e a culpa como pressupostos autônomos e distintos da

responsabilidade e a violação do dever de cuidado exigível como elemento da culpa, porque a

responsabilidade de membros da administração e de órgãos de fiscalização para com a

sociedade reveste natureza contratual, percebe-se a presunção de culpa consagrada na lei,

aplicável igualmente aos membros de órgãos de fiscalização: é a regra de direito comum.

Presunção de culpa inexistente, em conformidade com a regra geral da responsabilidade

aquiliana, nas hipóteses de responsabilidade para com os credores sociais ou para com os sócios

e terceiros, igualmente aplicáveis à responsabilidade dos membros de órgãos de fiscalização:

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nestas hipóteses de responsabilidade extracontratual, os lesados têm de alegar e provar a culpa

de administradores e/ou supervisores, a inobservância culposa das disposições legais ou

contratuais destinadas à proteção dos credores; responsabilidade, os termos gerais, logo por

culpa provada.

Na ação social de responsabilidade obrigacional proposta contra administradores e/ou

supervisores, (ação social uti singuli, intentada por um ou vários sócios como substitutos

processuais), a sociedade (ou seu credor ad litem) ou o substituto processual só tem de alegar e

provar o incumprimento de dever legal ou contratual (preterição de deveres legais, estatutários

ou contratuais destinados à proteção do interesse social, o dano no patrimônio social e o nexo

de causalidade adequada entre aquele ato ilícito ou omissão ilícita e o dano sobrevindo.

Cabe aos administradores e/ou supervisores demandados ilidir a presunção legal da

culpa, mostrando que procederam com o cuidado e diligência devido: se provarem que não

houve culpa da sua parte, visto o ato de gestão ter sido praticado com a diligência de gestor

criterioso e ordenado e a vigilância cumprida com a diligência profissional exigível, a

responsabilidade para com a sociedade não ocorrerá por falta de culpa, apesar da ilicitude

cometida (preterição do dever legal ou contratual protetor do interesse social).

Neste contexto, a título de exemplo, socorre-se a sugestão de Calvão da Silva, de

proporcionar um “porto seguro” a administradores – e a supervisores (ex vi do artigo 81 da lei

portuguesa), introduzido pelo Decreto-lei n. 76-A/2006, o atual art. 72, que reza:

A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no

número anterior provar que atuou em termos informados, livre de qualquer

interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial.

A versão portuguesa da business judgment rule, iniciada há cerca de dois séculos pelos

tribunais nos EUA e que continua vigorosa como forma de administradores (“honestos”)

gozarem do beneficio de atuarem devidamente informados, de boa-fé e não no seu interesse

pessoal, com a presunção relativa de que uma decisão empresarial foi tomada em base

informada, de boa-fé e honestamente, no melhor interesse da sociedade. Diferentemente, o

legislador português inverteu o “ônus probandi”, fazendo recair sobre os gestores e

supervisores a demonstração de que a decisão empresarial – decisão positiva (de facere) ou

negativa (de non facere), mas sempre uma ativa decisão empresarial, não se aplicando aos casos

em que administradores/supervisores abdicam das suas funções nem apura omissões ou inações

por esquecimento ou negligência – foi tomada:

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- numa base adequadamente informada acerca do objeto, num eventual iter negociatório

e no processo decisório razoável, fundamentado em estudos e pareceres, a evidenciar a

importância da observação do cuidado exigível na leitura e ponderação de todo o material

informativo relevante com vista a ato de gestão ou de fiscalização consciencioso e racional: a

extensão da obrigação de estar informado e de exercer supervisão adequada depende

naturalmente da natureza da decisão, seu objeto e complexidade.

- livre de qualquer interesse próprio, quer dizer, na ausência de conflito de

interesses significativo, com gestores e supervisores pessoalmente

desinteressados (independentes) no assunto da decisão;

- segundo critério de racionalidade empresarial: a decisão é racional, sensata,

faz sentido, acreditando razoável e honestamente, de boa fé, ser no melhor

interesse da sociedade.

Se um destes requisitos não estiver preenchido, a business judgment rule não protegerá

os administradores ou supervisores, sem que isso constitua prova automática da violação do

dever de cuidado exigível e, por conseguinte, a não elisão da presunção de culpa prevista no

número 1 do art., 72 do diploma legal português, que se traz a título de suporte legal comparado.

Ao invés, se os requisitos ficarem provados, a responsabilidade é excluída, sem mais o

tribunal não substitui o seu julgamento ou ponto de vista ao julgamento (decisão) de gestores

ou supervisores, se cumpridos cumulativamente os elementos referidos. Ou seja, o tribunal não

escrutina ex post a oportunidade e o mérito de uma decisão empresarial racional (razoavelmente

informada, tomada então na convicção séria, de boa fé, de ser no melhor interesse da sociedade),

consciente de que não tem (mais e melhor) habilitações para esse juízo e de que mesmo as

decisões empresariais honestas, informadas e racionais comportam riscos, podendo vir a

revelar-se de efeitos negativos (error in judicando).

E assim, através do teste da business judgment rule, os tribunais respeitam

decisões/deliberações empresariais tomadas com cuidado, de modo são e prudente – decisões

não arbitrárias, não irracionais, portanto -, no exercício do poder discricionário que preside à

administração das sociedades numa economia de mercado livre e competitivo.

Essas circunstâncias tem a vantagem de atrair gestores conscientes, de que o dever de

cuidado a que se sujeitam não constitui um “absoluto” absurdo por incumprível, porquanto não

será mais elevado do que o esperável do típico administrador razoável.

Por outro lado não limita a criatividade e a liberdade de gestão, com postura responsável

de riscos, indispensáveis ao progresso e à inovação do movimento de aceleração dos mercados

extremamente competitivos. Assim os membros de órgãos de fiscalização tem que se ajustar a

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essas medidas de inovação, crescimento e transformações com decisões apropriadas,

selecionando proposições ao legislador e em situações próprias ao direito societário, à

assembleia geral a nomeação de consultorias, peritos para revisar as prestações, dos relatórios,

e sobre a sua própria ação fiscalizadora da eficácia do sistema de gestão de riscos, do sistema

de controlo interno e do sistema de auditoria interna, averiguando as deficiências encontradas.

A “business judgment rule” só não se aplica nas areas de responsabilidade dos órgãos

de fiscalização em que os seus membros não exerçam “business judgment rule”, isto é, não

atuem pela tomada de decisões, continuando, porém, o seu depoimento sujeito aos deveres

fiduciários de cuidado e lealdade, flexíveis, dinâmicos e evolutivos.

Tudo tem o enfoque no processo decisório, de apurar a decisão questionada foi uma

decisão de boa fé, independente, desinteressada, informada, com racional propósito

empresarial, na convicção séria e honesta de ser no melhor interesse da sociedade, e as decisões

dos administradores e supervisores fomenta o dever de cuidado e diligencia exigível, atuando

com racionalidade empresarial, de modo este “modus operandi” ou “modus deliberandi”, de

boa fé e na razoável convicção de ser no melhor interesse da sociedade.

A querer tudo isto significar, noutra formulação, mesmo que gestores ou supervisores

não provem ter procedido sem culpa substantiva, agindo com toda a diligência profissional

exigível, a sua responsabilidade é excluída se demonstrada a atuação informada, desinteressada

a racional (reasonable decisionmarking process), mesmo que a decisão substantiva seja

negligente.

Deste modo, a exclusão de responsabilidade está mais facilitada do que antes apenas

pelo mesmo preceito. Calvão da Silva580 sugere, pelo menos, com base pelo novo dispositivo

do preceito lusitano, que, no fundo, bem vistas as coisas, só haverá responsabilidade por

decisões dificilmente explicáveis por fundamento diferente da má fé, decisões arbitrárias ou

irracionais, portanto, normalmente tiradas em procedimento/processo doloso ou gravemente

negligente.

Impõe enfatizar, para efeito probatório, a importância da ata, cuja redação deve ser

lavrada com extremo cuidado, completa, pormenorizada, conferindo, identificando as pessoas

presentes legalmente identificadas, e das mesma forma as presenças dos acionistas que irão

apor as suas assinaturas, quando da hipótese dos correspondentes procuradores, obviamente na

580 SILVA, Calvão. Op. cit.

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forma da lei, narrando com minúcia todos os assuntos discutidos, aprovados e rejeitados. Inserir

horário e data, o tempo despendido nas reuniões para sopesar as vantagens e os inconvenientes

dos temas tratado com dados de informações e estudos produzidos sobre matérias relevantes

tratadas, especialmente quando examinadas e ou contratadas por expert, mesmo que sejam

pessoas conceituadas e notório saber, detentor do assunto examinado que dará suporte as

decisões das assembleia de acionistas, dos conselhos, e ou de qualquer comissão comité, grupo

de trabalho interno ou externo da companhia.

Todos detalhes devem estar postos na ata, devidamente explanadas, não deixando

qualquer margem para dúvida, evitando omissão, para que em qualquer momento sejam

fielmente examinadas e da ata extraídos conclusões sobre os assuntos vivenciados.

É comum um acionista, ou componente de grupo, colegiados de qualquer espécie

encaminhar ao redator da ata alguma recomendação para constar no corpo da mesma, mas o

encarregado do texto pode desconsiderar, simplesmente entender desnecessário por alguma

subjetividade, desinteresse, deixando vulnerável a ata, tornando parte ou no todo, o conteúdo

passível de alguma nulidade ou anulabilidade. Por isso as atas devem ser redigidas

suscintamente, mas com a maior fidelidade do quanto aconteceu no colóquio. O que não pode

acontecer é deixar ao bel prazer do redator o texto da ata, uma que o ledor poderá dissecar os

assuntos ventilados com a segurança do quanto disseram assentar naquele momento. Por tanto

não pode haver negligência.

A ata redigida ao sabor de um redator infiel será fadada a algum questionamento e

conduzir a injustiça. O poder de síntese deve ser fiel e seguro, revelando a verdade. Preferível

a redundância, mesmo que repetitivo, mas proporcione fortuna de dados, informações e detalhes

dos objetos e falas.

No fundo, a exoneração de responsabilidade civil (por decisões empresariais racionais,

honestas e informadas) assenta na presunção de que os seus autores não violam o exigível dever

objetivo de cuidado e diligencia profissional e reforça a autoritas de decisões livres no exercício

das suas funções e no cumprimento dos seus poderes e deveres, ao impedir que na valoração a

posteriori de uma concreta decisão o juízo de oportunidade e mérito da administração ou

fiscalização seja substituído por um juízo de oportunidade e mérito do tribunal. Destarte, dever

de cuidado; business judgment rule interralacionam-se de modo tensional, complexo, intricado:

Se a business judgment rule não for de aplicar, por falta de um dos referidos

requisitos do processo decisório, isso não equivalerá a culpa in re ipsa (leia-

se, a automática violação do dever de cuidado), cabendo ao tribunal apurar se

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esta ocorreu ou não, se foi ou não tomada uma “reasonable decision” – pode

escrever-se direito por linhas tortas, pode acertar-se na decisão por instinto,

superior inteligência/competência ou sorte grande ...;

Se a business judgment rule for de aplicar, por verificação cumulativa de todos

os pré-requisitos que exige a lei exclui a responsabilidade (como que)

presumindo a observância do exigível cuidado profissional no exercício do

poder discricionário dos decisores (membros da administração ou da

fiscalização), sem que o tribunal aprecie (ex post) a razoabilidade substantiva,

leia-se, a oportunidade e o mérito da decisão em si mesma, (desse que) tomada

de modo racional, desinteressado, honesto.

Naturaliter, o tribunal não pode coibir-se de apreciar a legalidade da decisão,

seja a ilicitude ou antijuridicidade do ato praticado com preterição de dever

legal, dever estatutário ou contratual específico, seja a ilicitude na modalidade

de abuso de poder discricionário de decidir581.

Parece que não se deve aplicar, ou apreciar a antijuridicidade. A business judgment rule

se relaciona em tensão com o dever de cuidado e diligência, e não com ilicitude enquanto

pressuposto da responsabilidade civil distinto e autônomo da culpa.

Os deveres de lealdade devem ser observados pelos administradores no interesse da

sociedade, atendendo a longo prazo os sócios, ponderando as conveniências dos demais sujeitos

presentes nas relações sociais, não olvidando dos benefícios relevantes para sustentabilidade da

sociedade, tais como os de utilidade em favor dos seus empregos, trabalhadores, clientes e

credores.

O legislador deve estar atento aos interesses da sociedade, o interesse comum ou

interesse coletivo dos sócios, a predominância da concepção contratualista na medida em que

deve atender aos interesses individuais de longo prazo dos sócios e ainda ponderar os interesses

dos demais stakeholders da sociedade, trabalhadores, cientes, credores e fornecedores.

Dessas observações confere-se uma certa hierarquização, que alguns dão como existir

uma importância descendente para o bom cumprimento dos deveres de todos aqueles que se

envolvem nos interesses e negócios da companhia, elegendo a lealdade dos administradores

como carga pesada, mas decisiva para atender o interesse social. Também, nessa linha, presente

os interesses individuais de longo prazo dos sócios que devem merecer “atenção”; por fim, os

interesses dos demais stakeholders da empresa ainda que devem ser “ponderados”.

Já os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de

lealdade, no interesse da sociedade, e não parece ser de sobrevalorizar a indicação apenas do

interesse social e considerar totalmente irrelevantes os outros interesses, sob pena de possível

incongruência sistémica: neutraliter, uma decisão da administração tida como leal, no juízo

581 SILVA, Calvão. Op. cit.

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complexivo, global e englobante dos interesses vários, como se pode citar a título de exemplo,

as disposições contidas na supracitada lei portuguesa, não poderá ser vista (valorada) como

desleal pela fiscalização, porque e na medida em que atenda apenas e tão-só ao interesse da

sociedade.

Consabidamente, do princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações e no exercício

dos direitos correspondentes, decorrem deveres de lealdade, sem deixar de conferir a frequência

desses contratos de sociedade para os membros dos órgãos sociais e para os sócios explica-se

pela natureza fiduciária das relações estabelecidas, com a boa fé a jogar papel proeminente na

análise dessa fidúcia. Em razão do que, substancialmente, o dever de lealdade impõe que os

titulares de órgãos sociais promovem e proteja o interesse da sociedade, e se abstenham de

condutas que lesem a sociedade. Porque por aqui passa muito a eticização ou moralização do

direito societário, o dever de lealdade é de aplicação severa, rígida, não comprimível sequer

pela aplicação da business judgment rule.

O dever de lealdade implica prevenção de conflitos de interesses; a preservação dos

membros da administração e da fiscalização, a não poderem fazer negócios com a sociedade;

exercer por conta própria ou alheia atividade concorrente com a da sociedade nem exercer

funções em sociedade concorrente; votar sobre assuntos em que tenham um interesse em

conflito com o da sociedade; apropriar-se de oportunidades de negócio da sociedade; usar

segredos de negócios, informações internas reservadas ou confidenciais e outros ativos ou

mesmo a posição societária para fins pessoais; fixar remunerações exorbitantes, e outras

circunstâncias.

Não olvidando que conflitos podem ocorrer entre interesses opostos ou paralelos de

clientes colocados do mesmo lado ou em lados diferentes da transação: ninguém pode servir

(fielmente) a dois senhores.

Naturalmente, ainda, haverá violação do dever de lealdade por parte de quem sabe que

a sociedade tem sido defraudada e não denuncia esse fato.

A legislação portuguesa, considera nula a cláusula, inserta ou não em contrato de

sociedade, que exclua ou limite a responsabilidade de fundadores, gerentes ou administradores,

entendendo aplicável também a responsabilidade dos membros de órgãos de fiscalização,

seriam nulas todas as cláusulas de exclusão ou limitação da responsabilidade, independente de

dolo, culpa grave ou culpa leve. Porém, a interpretação desses preceitos não deve fugir à

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problemática hermenêutica da norma de direito comum, não esquecendo as disposições do

Código Civil.

E, portanto, quem defende a interpretação restritiva contida em norma legal, segundo a

qual a proibição das cláusulas de irresponsabilidade não abrange a culpa leve, deve proceder

do mesmo modo na interpretação de algum dispositivo legal que esteja a amparar tal hipótese,

sendo nula a cláusula de irresponsabilização por dolo ou culpa grave inserta no contrato social,

no contrato de gestão ou no contrato de que resulte a crédito, tendo em conta a aplicação do

preceito em análise na responsabilidade para com os credores sociais e na responsabilidade para

com os sócios e terceiros.

Em abono da validade de cláusula ou limitação de responsabilidade por culpa leve

confere-se o alcance da business judgment rule, acima ventilado, reconhecendo a hipótese de

decisões empresariais comentando o que passou a ser encarada como erros “honestos”,

cometidos por mera negligencia ou culpa leve, e que em algumas circunstancias admite-se a

exclusão ou limitação da responsabilidade, salvo quando emergem normas legais que

possibilitam a inserção de cláusulas de exclusão ou limitação.

O ponto comum entre todas essas situações permite descrever a governança corporativa

como um conjunto de princípios e práticas que procura minimizar os potenciais conflitos de

interesse entre os diferentes agentes da companhia com o objetivo de reduzir o custo de capital

e aumentar tanto o valor da empresa quanto o retorno aos seus acionistas.

Tem-se organizações com controle definido que devem divulgar, com clareza, como o

poder político é exercido por seus controladores, ou seja, é preciso informar se esse controle se

da diretamente, através da maioria das ações, ou por meio de mecanismos de ampliação de

controle.

Aspecto relevante com relação a práticas entre sócios, é que devem conter mecanismos

para resolução de casos de conflitos de interesses, inclusive no que concerne as condições de

saída de sócios.

Os membros do Conselho de Administração deverão cumprir fielmente seu dever de

lealdade e diligência para com a organização. Esse dever deve sobrepor os interesses

particulares daqueles que os indicaram, como prevê o Código das Melhores Práticas de

Governança Corporativa.

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Nessa linha compreende-se o Conselho de Administração como o órgão colegiado

encarregado do processo de decisão de uma organização em relação ao seu direcionamento

estratégico, é também considerado como órgão principal responsável por apoiar e supervisionar

continuamente a gestão da organização com relação aos negócios, aos riscos e as pessoas, que

não deve interferir em assuntos operacionais, mas deve ter a liberdade de solicitar todas as

informações necessárias ao cumprimento de suas funções, inclusive a especialistas externos,

quando necessário e fazer a divulgação, publicidade para que chegue a todos os acionistas

interessados.

O referido Conselho deve prestar contas aos sócios, incluindo lavrar um parecer sobre o

relatório da Administração e as demonstrações financeiras, além de propor que a Assembleia

exercite pertinentes deliberações sobre negócios e rumos na busca da preservação e correta

lucratividade empresarial.

No curso dessas práticas, muitas delas não são entendidas como satisfatórias aos

acionistas e em favor dentre os diversos interesses envolvidos. Essa circunstância incitou

estudiosos examinar o assunto com mais desenvoltura, debatendo o tema sobre governança

corporativa.

Vale destacar Means Berle, cujo trabalho, em 1932, levou a significativa mudança na

estrutura societária das empresas norte-americanas, cuja base acionária passou a se apresentar

mais dispersa.

A partir dos anos 1970, o enfoque contratual das relações econômicas despertou interesse

entre profissionais e acadêmicos em diversos países, gerando discussões que fez eclodir a teoria

da agência, pela qual a sociedade é concebida como uma rede de contratos, explícitos e

implícitos, os quais estabelecem funções e definem os direitos e deveres de todos os

participantes – principal e agente; este se situa no centro das relações entre todos os interessados

na empresa – empregados, fornecedores, clientes, concorrentes, acionistas, credores,

reguladores e governo.

Dessa forma, a firma pode ser analisada como ficção legal em que objetivos conflitantes

de indivíduos são colocados em equilíbrio por meio de contratos. No entanto estes não são

perfeitos e completos, pois é impossível prever todos os conflitos que possam existir entre

acionistas e diretores, e prevenir perdas.

Devida a separação entre a propriedade e a gestão, quem exerce efetivamente o controle

são os administradores das companhias, o que faz ocorrer uma assimetria de informações, pois

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o agente tem acesso a dados a que o principal não tem. A hipótese fundamental dessa teoria é

que as pessoas têm interesses diferentes e cada uma busca maximizar seus próprios objetivos.

Embora se espere que as decisões do agente visem os interesses do principal, conflitos

podem surgir quando as ações do agente não estão de acordo com as expectativas dele. O

agente, muitas vezes, preocupa-se com sua própria riqueza, sua segurança no emprego e outras

vantagens pessoais, como os benefícios com seus honorarios e “bônus” (remuneração), o que

pode leva-lo a agir contrariamente à maximização de riqueza do principal.

Ao abordar relações econômicas bilaterais entre o principal e o agente, a teoria da

agência apresenta três condições: o agente dispõe de vários comportamentos possíveis de

adoção; a ação dos agentes não afeta apenas seu próprio bem-estar, mas também o do principal;

as ações do agente dificilmente são observadas pelo principal, por haver assimetria

informacional entre as partes.

As relações de agência estão presentes em inúmeras situações do cotidiano das

empresas. Conforme Shleifer e Vishny explicam, o conflito de agência ocorre, pois, geralmente,

os agentes aplicam o fluxo de caixa da empresa antes de prestar contas aos proprietários. E O.

Williamson 582 exemplifica algumas ações que podem gerar o conflito entre agentes e principal

expectativa de prazo de retorno dos projetos; investimentos não lucrativos que absorvem grande

parte do fluxo de caixa, o qual poderia ser distribuído na forma de dividendos; uso de recursos

da empresa para interesses individuais; exposição a riscos e conveniência de novos

investimentos; remuneração excessiva para os diretores da empresa; fusões e aquisições que

não agregam valor e compras de insumos com preços acima do valor de mercado.

Aponta Silva583 que na teoria tradicional a governança corporativa surge com vistas a

superar o conflito de agência. Na perspectiva da teoria da agência, a preocupação maior é criar

mecanismos eficientes – sistemas de monitoramento e incentivos – para garantir que o

comportamento dos executivos esteja alinhado com o interesse dos acionistas.

O alinhamento de interesses dos acionistas é dos efetivos controladores da empresa não

é automático; para tanto, são necessários estruturas e sistemas que harmonizam os conflitos de

interesse entre eles. A governança corporativa deve se voltar para a análise de como o principal

estabelece um sistema de monitoramento e incentivo que motive outro individuo a agir de

acordo com o interesse do primeiro.

582 WILLIAMSON, O. Corporate finance and corporate governance. Journal of Finance, 1988, v. 43, p. 567-591. 583 SILVA, André Luiz Carvalhal da. Op. cit. p.p. 7-9.

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Os conflitos de interesse geram custos, pois são necessários medidas para monitorar os

administradores, as quais incluem: contratação de auditoria independente; implementação de

medidas de controle; gastos com seguros contra danos provocados por atos desonestos de

administradores; estabelecimento da remuneração dos agentes vinculada ao aumento da riqueza

dos acionistas, como concessão de ações aos administradores e outros incentivos ao

alinhamento dos interesses entre estes e a administração. Os custos de minimização do conflito

de agência são denominados custos de agência.

Mesmo que incorra nesses custos, os problemas de agência não podem ser totalmente

solucionados, pois nem sempre os agentes atuarão segundo os interesses dos acionistas. A perda

de riqueza decorrente do conflito de agência foi chamada de perda residual por Jensen e

Meckling. Portanto, os custos de agência são a soma total dos gastos com monitoramento por

parte do principal e com sem perda residual.

Os mecanismos de governança têm por objetivo controlar e monitorar a empresa de

forma que os administradores tomem suas decisões com vista aos interesses dos proprietários.

Por isso, uma estrutura de governança deve minimizar os conflitos e os custos de agência e

maximizar o valor da empresa.

No Brasil onde a propriedade das empresas é altamente concentrada nas mãos dos

acionistas controladores, que, geralmente, também fazem parte da diretoria executiva, o conflito

entre principal e agentes é relativamente reduzido. Ao contrário dos Estados Unidos e da

Inglaterra, o centro do poder de controle corporativo não está com a diretoria, mas, sim, com o

acionista controlador.

Nesse contexto, como existe um agente capaz de influenciar o controle de uma

companhia, um novo problema de agência pode surgir, desta vez entre os acionistas

controladores e os acionistas minoritários. Nas companhias brasileiras, os maiores conflitos

ocorrem entre o acionista controlador e os acionistas minoritários, uma vez que o primeiro

detém a maioria dos votos e o poder de eleger grande parte dos administradores. Nesse caso, a

governança corporativa deve se preocupar em resolver e em evitar os conflitos de interesse

entre os acionistas.

A transparência das informações (disclosure/divulgação) e os acordos de acionistas

podem ser usados para regular conflitos entre acionistas controladores e minoritários. Os

acordos podem restringir os poderes do acionista controlador, estabelecer matérias estratégicas

que necessitam de aprovação de acionistas minoritários, prever o direito de os acionistas

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minoritários indicarem um determinado número de conselheiros, bem como lhes conceder o

direito de tag along (que é o direito de os acionistas minoritários venderem suas ações da

companhia em caso de alienação do controle acionário, nas mesmas condições e nos mesmos

preços pelo acionista controlador).

O modelo de governança corporativa depende do ambiente cultural, legal e institucional

em que está inserto. Nos países onde o mercado de capitais é ativo e desenvolvido, o conflito

menos líquidos e desenvolvidos, o conflito de agência ocorre entre acionistas controladores e

acionistas minoritários.

A análise dos principais modelos de governança corporativa, presentes em diferentes

países do mundo, passa a ter importância fundamental para atender as relações dos que

participam nessa seara, para que funcione bem, preservando patrimônio e investidores.

Tais reflexos necessariamente se projeta para as atividades empresárias quando envolve

o setor público, uma vez que este setor de atividade estar dividido entre os campos

administrativo e empresarial, face a esta realidade, refere-se comumente as empresas de capitais

públicos e o setor empresarial publico/privado. Este é entendido como conjunto de unidades

produtivas, organizadas e geridas de forma empresarial pelo Estado, integrando o mesmo.

O setor empresarial público sempre está atravessando momentos de perplexidade, que

não só passa pela alteração da sofisticação de meios de gestão, como também por movimentos

de concentração, e em alguns casos processos de privatização.

A partir da década de 80 do século passado, assiste-se a uma progressiva descrença no

Estado Social, particularmente interventor, e na eficiência da gestão pública. “O Estado

Providência, assume cada vez maior número de tarefas econômicas e sociais, vê-se a sua

intenção de resolver tudo traída pela finitude dos meios ao seu dispor”, Porto e Calvão da

Silva584 estaria a desenhar o que afirma ser o Estado Pós-Social. O Estado Regulador. Aspecto

este não de só menos importância, atento ao fato de que o Estado passa a ser regulador e

proprietário, cabendo-lhe, no entanto, dispensar igualdade de tratamento aos vários atores do

mercado.

Souza585 leciona trazendo os dados abaixo, que proporciona uma compreensão da

trajetória e desdobramentos sobre esses relevantes aspectos, procedimentos, segundo os seus

584 PORTO, M. e SILVA, Calvão. Corporate governance nas empresas públicas. Systemas. Revista Ciênciais

Jurídicas e Econômicas, Ano 1, nº. 2, 2010, pag. 106. 585 SOUZA, Celina. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, jul./dez 2006, pag. 20-45.

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patrocinadores teóricos e ideológicos, visam proporcionar padrões de excelência na gestão

pública. Por essas vozes, outros registram fragilidades no modo de gestão, habitualmente

relacionados com falta de transparência de atos sociais, fraca ou nenhuma relação com o

acionista, isolamento da sociedade dos seus principais stakeholders e, em particular, os débeis

resultados econômicos e financeiros que apresentam, tratados.

O tecido empresarial público vem se esgarçando, gerando empobrecimento e perda de

importância das empresas públicas em sentido lato, sendo um obstáculo para os esforços de

modernização e de viabilidade econômica.

A inexistência de estudos que avaliem a relação entre a aplicação de regras de corporate

governance e valor societário no setor empresarial público constitui uma dificuldade neste

percurso que, associado à escassez de fontes sobre o tema, importa, necessariamente ser objeto

para suprimir a deficiência, salvo a jurisprudência administrativa em órgãos de julgamento de

contas públicas.

A importação para a regulação do setor empresarial público de preceitos relacionados

com a gestão das sociedades privadas, mormente das sociedades de capital aberto, cotadas ou

emitentes, tem determinado uma acrescida complexidade na gestão, mas também importantes

resultados relacionados com a sua eficiência. Tanto assim que nota-se grande influência de fuga

para o direito privado na organização da administração pública, que passou a recorrer, em várias

frentes, à assunção de formas de organização próprias do setor privado, entre as quais se contam

o recurso à via empresarial sob a forma jurídica privada, que originou o setor público

empresarial.

A divulgação pela mídia, exercendo pressão publicamente tem afetado no investimento

das sociedades estatais, com repercussões negativas na esfera do mercado que elas atuam.

Confere-se que a administração pública passou a recorrer, em várias frentes, à assunção de

formas de organização próprias do setor privado, face as dificuldades enfrentas num exercício

de gestão amoldada exclusivamente às disposições como ente público, em virtude das

dificuldades de competividade como inserido no conjunto das instituições, politicas e fatores

que determinaram um deficiente grau de produtividade, o que Maria João Estorninho586,

expressa aspectos da influência, de fuga para o direito privado.

586 ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado – contributo para o estudo da atividade de direito

privado da administração publica. Almedina, Coimbra, 1999.

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Relevante assinalar que algumas organizações e certos juristas portugueses, à exemplo de

Pedro Vicente, dão ênfase a accontability (prestação de contas) e a transparência no governo

das sociedades como fatores decisivos para o aumento da competividade e para o crescimento,

sublinhando ainda a estrita necessidade do reforço de auditing e de reporting, e inova,

destacando a responsabilidade na gestão como um fator caracterizador de uma nova era, que na

verdade já deveriam estar a praticar desde o nascedouro.

A promoção de consertos nas áreas administrativas, econômicas das empresas estatais,

não somente revelam uma necessidade, mas, também um estimulo, para que sejam instituições

centradas nas pessoas e verdadeiramente integradas no mercado, exercitando-se uma

intervenção pedagógica estrutural, não apenas proveitosa numa reforma de enquadramento

especifico, aplicável a todos os responsáveis pelas instituições públicas, e ou assemelhadas.

Constitui um desafio! Para atender este fim tem-se as considerações exercitadas, as bases e os

conceitos de res publica e de interesse público, com as especificidades da gestão do setor, e

suas características.

Procura-se estabelecer práticas para o setor público empresarial a fim de cumprir não só

recomendações, princípios e legislação, sem dispersão, devendo agir de modo claro e

perceptível, ajustando-se como se fosse a um manual de gestor ético do setor empresarial

público, mais do que comprometido com as determinações do setor, porque tem todas as

companhias são empresas públicas, ou de capitais públicos, ou são de iniciativa estatal. Existem

as empresas constituídas num capital social de natureza pública parcial, dai porque existem

correntes que adotam divisão em duas vertentes estruturais: setor público administrativo e setor

público empresarial.

Nessa área e direção está o princípio da Responsabilidade Corporativa como uma

aplicação prática do princípio constitucional e do direito civil que é a “função social da

empresa”, e neste sentido esta a fala de Fabio Konder Comparato:

Como se vê, a lei reconhece que, no exercício da atividade empresarial, ha

interesses internos e externos que devem ser respeitados: não só os das pessoas

que contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, como os

capitalistas e trabalhadores, mas também os interesses da comunidade em que

ela atua.

E Modesto Carvalhosa mostra:

[...] Tem a empresa uma obvia função social, nela sendo interessados os

empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado,

que dela retira contribuições fiscais e parafiscais.

... Aqui se repete o entendimento de que cabe ao administrador perseguir os

fins privados da companhia, desde que atendida a função social da empresa.

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A Governança Corporativa pode ser identificada também como um sistema de

normativos internos e externos que buscam assegurar os direitos dos acionistas, garantir a

difusão das informações, assegurar o exercício do direito das diversas partes interessadas e

regular a interação entre acionistas, conselhos de administração e gestores das empresas587.

A matéria impulsiona a uma reflexão, que pode entender como primária, mas necessária

ser colocada à tona para uma filtragem do comportamento humano. E mais que um impulso,

deve ser encarado como um processo de preparação, um exercício contínuo.

Admitindo-se mudanças que não estão, necessariamente, vinculadas a projeto teórico-

politico, e sim ao diagnóstico de tempo e suas consequências, inclusive em busca da

denominada liberdade perdida.

5.17 O voto na canalização da boa fé e lealdade

Ao enfocar os aspectos históricos do desenvolvimento econômica e social do homem com

a sumária consideração da estrutura primitiva à mais sofisticada atividade mercantil

contemporânea, revelando a ética como ingrediente relevante na economia.

Curiosidades aparecem como nos esforços de inteligência da engenharia, como em

“Viagem de Smith no Navio do Estado”, interpretação dada por George Stigler sobre

pronunciamento de Smith, que “embora os princípios da prudência comum nem sempre

orientem o comportamento de todos os indivíduos, influenciam sempre o da maioria de

qualquer classe ou ordem”, como que implicando que “o interesse pessoal domina a maioria

dos homens”588.

Os historiadores da filosofia que analisam a economia e a ética partir de Aristóteles, ao

se ater sobre o “bem para o homem”, incluía questões de gestão econômica, com exigências

correspondentes a engenharia econômica, pensamentos similares se fazem presentes e se

aplicam na relação comportamental do membro do Conselho de Administração na sociedade

de economia mista.

587 MARQUES, Roberta. Educados ou adestrados. Matéria veiculada no jornal ‘A Tarde’, edição de 13/02/2016.

Ano 104, nº. 35.372, p. A 8. (Bióloga e Professora da Universidade Federal da Paraíba). Oportuno trazer à baila

aspecto de comportamento humano, como a indagação “Você é educado?”. 588 SEN, Amartya. Sobre ética e economia”, Almedina, novembro, 2012, p. 38.

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A economia denominada do bem-estar pode ser substancialmente enriquecida se lhe for

dada mais atenção ética589. Sandel entende estar muito longe da imagem do mercado como uma

mão invisível proposta por Adam Smith, e que o mercado surge como uma mão pesada e ainda

por cima manipuladora, que economistas insistem na distinção entre economia e ética, entre

lógica de mercado e logica moral.

Segundo Levitt e Dubner, citados por Sandel, a economia simplesmente não lida com a

moralidade, e esta representa a maneira como se gostaria que o mundo funcionasse, e a

economia representa a maneira como de fato funciona590.

Ao analisar decisões do membro do Conselho de Administração da sociedade de

economia mista, sob alinhamento ou não com as proposições do acionista majoritário, ou do

acionista controlador, a discussão sobre a divergência de orientações, encarada como uma

funcionalidade alinhada a uma questão de eficácia econômica, ou sob sustentação em alguma

versão da filosofia moral utilitária, sujeita a certas objeções, como a lógica de mercado que

carrega a questão da maximização da satisfação de preferencia independente do valor moral.

Irremediavelmente, tais questionamentos envolvem aspectos relacionados com a confiança e a

liberdade, auscultando opiniões dos que estão a contrariar os interesses e as expectativas da

sociedade empresária e ou dos governados.

A sociedade contemporânea presencia uma imensa, variada discussão de negócios que

provocam desdobramentos, que levam a inúmeras perquirições nas mais diversas áreas

mercantis, em cenários por vezes descompassado, desigual, criando uma ansiosa expectativa,

na esperança por dias melhores, por politicas confiáveis, sob pena de ampliar a angustia e

retardar efetivas soluções saudáveis para atender as aspirações dos governados, que perpassam

no emaranhado das análises políticas e jurídicas que eclodem em expressões de magnitude,

conduzindo a verificação do resultado que muitas vezes não se molda a essa mesma estrutura

social.

Utiliza-se o voto, para dar legitimidade a representatividade necessária, para atender o

figurino social, e a sua boa prática no ambiente empresarial, sendo reconhecido, o voto como

importante instrumento para atender as decisões corporativas. A literatura especifica sobre o

voto representativo, por seus cultores, contemplam a sua aplicação intensamente para a envolta

tarefa de esmiuçar a matéria, em especial sobre o desenvolvimento dos direitos dos acionistas,

589 Idem, op. cit. p. 101. 590 SANDEL, Michael J.. O que o mercado não compra: os limites morais do mercado. Civilização Brasileira,

São Paulo, 2017, p. 88/91.

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suas prerrogativas nas assembleias e reuniões dos órgãos, aspirando as devidas respostas, afora

as críticas que se faz no ambiente empresarial.

A utilização do voto, como poder e direito, para ser entendido como um molde, ou para s

ter uma visão sob uma posição secundaria, ou como um mero coadjuvante no complexo cenário

da doutrina do direito societário. O assunto faz refletir a responsabilidade e extensão desse

direito, que também se apresenta como dever dos acionistas, quando estão no exercício da

prerrogativa ao direito do voto, expressando situações ditadas no âmbito do direito empresarial,

cujos estudos aplicados, sobre o voto, que é um instrumento de extrema importância

democrática, sobretudo quando exercitado com liberdade, e sob justa legislação, torna-se uma

preciosa ferramenta legal, que chega a ser insubstituível nas deliberações decisivas entre forças

ocultas.

Pelo quanto já percorrido para compreender a relação da lealdade do membro do conselho

de administração para com qualquer acionista da companhia pública e ou privada, acarreta

exame dos elementos da confiança e boa-fé, presentes nesse vínculo.

Além do voto, constata-se que o adequado contexto jurídico percorre o caminho que

perpassa por várias áreas do conhecimento humano.

Os filósofos abordam a ética, mas também se vincula os elementos psicológico,

sociológico, jurídico, proporcionando entendimentos nas próprias áreas, dimensionando a vida,

aspirando bons resultados. Nessa moldura, extrai-se as expressões da vontade verdadeira como

decisão de vida, a fim de agasalhar os destinos, os interesses, a sofreguidão, os sentimentos na

busca do bom direito e senso de justiça.

O homem como centro de tudo, a cognição, o processo evolutivo, as coisas do mundo,

emaranhando-se desde os momentos de vida primitiva do seu habitat, com inteligência

transforma os elementos, os bens encontrados no seu território, gerencia bens que passam gerar

riqueza. No início, para atender a sua satisfação, em seguida, com o excesso, oferta a terceiros.

Esse exercício proporcionou o surgimento da permuta, esta, por sua vez, levou ao comercio,

desenvolveu-se, ensejou o início da primitiva economia numa corrente que não parou, vive-se

o presente, alavanca o futuro.

Dessas agitações o homem se agiganta, constitui grupos sociais, tribos, nações, avança

com o Estado. Exercita poder e governos, experimentando constantes transformações políticas,

envolvendo-se nas atividades mercantis das mais diversas, num sistema de organização político

e social em extrema velocidade nestes últimos séculos, em continua imposição nas

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comunidades, provenientes da inteligência humana, intercomunicando-se com bilhões de

semelhantes desiguais e diferentes.

Inegável que dentre essas experiências, uma delas, talvez, a atividade da relação de

negócios, o exercício do comércio pode ser visto como uma mística face pela busca incessante

do lucro como fim, em percurso que se emaranha a ganância, que podem levar a um campo

pernicioso.

Nesse conjunto de atividades de negócios, apresentam-se, necessariamente as sociedades

mercantis como instrumentos inafastáveis, criadas para administrar, fomentar o progresso

coletivo, e não causar prejuízo as criaturas.

Numa ficção maior dos órgãos societários, gerados para dar cabo as engenharias

estruturadas, desenhadas e colocadas à disposição do mercado apresenta-se o Conselho de

Administração nas sociedades de economia mista, e com este está a figura do voto condutor,

instrumento que está na linha de destino dos seus negócios.

Nesse arcabouço no âmbito do ‘mercado’, por sua vez, manifestam-se os acionistas,

organizando-se para atender as orientações empresariais, que tanto podem conduzir e obter

sucessos, como podem abalar direitos e deveres dos seus protagonistas em situações, ambientes

e leis próprias.

A lei não esmiúça as dobras do voto, suas consequências, e tampouco a manifestação da

comunidade para cada circunstância e sequela quando utilizado. Parece que ficou para o acaso.

As vicissitudes da vida forçam a busca de soluções para superar os percalços, e o conhecimento

dos problemas é um dos melhores meios e instrumentos para atender o interesse do homem.

O voto não somente força a discussão para a própria compreensão do que se escolhe com

liberdade, expressando vontade, subjetividade, sob sigilo, esse gozo do direito de votar; ou

abster-se, atrela-se ao individuo, e as suas volições.

No caso do exercício do múnus conferido ao Conselheiro na constância da incumbência

no Conselho de Administração, como órgão da sociedade de economia mista, prática esse

múnus de vontade e liberdade, com subjetividade, manifestando as amarras de dever ou de

submissão ao ditame do poder do governo.

O controle da autoridade vinculada ao membro do órgão pode torna-lo um dependente de

permissão de quem tem o domínio, e não só o controle das ações da sociedade empresária.

Também pode ter a alternativa de expressar lealdade a determinado interesse dado ao objeto da

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atividade social; ou atender o valor político ou ideológico numa linha política e ou ideológica

traçada pelo acionista controlador ou majoritário para alcançar desideratos de governo.

Os itinerários da sociedade de economia mista envolvem não somente matérias da

atividade empresarial, e vai além da conveniência reservada à intimidade da companhia,

extrapola as bordas desse tipo de empresa cujo objeto social sustenta algum interesse em favor

do coletivo nacional, com significativo relacionamento com as matérias de interesse publico.

Diante das hipóteses de conflito, especialmente entre o interesse do governante e o dever

da coletividade, depara-se com dúvidas a respeito do dever do integrante do órgão da

companhia. O conselheiro deve optar pelo lastro do programa de governo, explicitando voto

com sintonia ou não com o projeto governamental, amparando ou não a proposição, ou decide

pela dissidência, fundamentando da mesma forma, diante da estrutura compreensível da

sociedade de economia mista, envolvendo a sua formatação e criação.

Como se pode extrair na declaração de caráter constitucional de que “todo o poder emana

do povo e em seu nome é exercitado”, e assim considerando como um enunciado de principio,

de valor pragmático, como disposição efetiva, vinculante à prática politica, onde a noção de

“povo”, mesmo que se entenda como uma revelação abstrata, conduz a eficácia dos direitos e

obrigações dos integrantes no conselho de administração na sociedade de economia mista.

O representante do acionista (sócio) majoritário na companhia, estabelece posturas,

decide perante o conselho de administração, gerando e assumindo reflexos na sociedade

empresária e perante a coletividade em geral. O resultado dessas decisões que se avalia, alcança

o exercício de liberdade, o sentir dos limites do dever de lealdade do conselheiro como

representante do sócio majoritário e responsabilidade para com a comunidade, exigindo um

mecanismo de preservação dos interesses societários, dos acionistas majoritário e minoritário

da sociedade de economia mista.

Colhe-se em Cunha Júnior 591:

Por muito tempo prevaleceu na teoria jurídica tradicional a ideia de que os princípios desempenhavam uma função meramente auxiliar ou

subsidiária na aplicação do Direito, servindo de meio de integração da ordem jurídica na hipótese de eventual lacuna. Nesse sentido, os princípios não eram

vistos como normas jurídicas, mas apenas como ferramentas úteis para sua

integração e aplicação. Eram uma categoria à parte, marginalizada e relegada à importância secundária. Esta posição reduzida nos princípios,

entre nós, foi adotada por nosso sistema jurídico positivado como se observa da leitura do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC, Decreto-lei

591 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. JusPodivm, 2016.

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nº 4.657/42). “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com

a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Muitos já fizeram a caminhada para tratar o estado ideal de coisas, de um modelo para

adotar, servir de paradigma para encetar comportamentos necessários à sua realização. As

palavras de Ávila592 contribuem relacionando, que:

[...] 2.4.6.2 Pesquisa de casos paradigmáticos que possam iniciar esse processo de esclarecimento das condições que compõem o estado ideal de

coisas a ser buscado pelos comportamentos necessários à sua realização. Casos paradigmáticos são aqueles cuja solução pode ser havida como

exemplar, considerando-se exemplar aquela solução que serve de modelo

para a solução de outros tantos casos, em virtude da capacidade de generalização do seu conteúdo valorativo. Por exemplo, ao invés de

meramente afirmar que a Administração deve pautar sua atividade segundo padrões de moralidade, é preciso indicar que, em determinados casos, o dever

de moralidade foi especificado como dever de realizar expectativas criadas

por meio do cumprimento das promessas antes feitas ou como o dever de realizar os objetivos legais por meio da adoção de comportamentos sérios e

fundamentados. Enfim, é preciso substituir o fim vago por condutas necessárias à sua realização.

Bem concretamente, isso significa (a) investigar a jurisprudência,

especialmente dos Tribunais Superiores, para encontrar casos

paradigmáticos; (b) investigar a integra dos acórdãos escolhidos; (c)

verificar em cada caso, quais foram os comportamentos havidos como necessários à realização do princípio objeto de análise.

... Alguns casos investigados na análise do princípio da moralidade podem

revelar, de um lado, o dever de realizar o valor da lealdade e, de outro, a

necessidade de adotar comportamentos sérios, motivados e esclarecedores para a realização desse valor. Enfim, troca-se a busca de um ideal pela

realização de um fim concretizável.

Dessas proficiências tem-se a moralidade, que593 exemplifica:

A utilização dessas diretrizes pode ser exemplificada no exame da

moralidade, ainda que de modo sintético. O dispositivo que serve de partida

para a construção do princípio da moralidade está contido no art. 37 da Constituição Federal, que põe a moralidade como sendo um dos princípios

fundamentais da atividade administrativa. A Constituição Federal, longe de conceder uma palavra isolada à moralidade, atribui-lhe grande importância

em vários dos seus dispositivos. A sumária sistematização ao significado

preliminar desses dispositivos demonstra que a Constituição Federal

preocupou-se com padrões de conduta de vários modos.

[...] A sistematização do significado preliminar desses dispositivos termina por

demonstrar que a Constituição Federal estabeleceu um rigoroso padrão de

conduta para o ingresso e para o exercício da função pública, de tal sorte que, inexistindo seriedade, motivação e objetividade, os atos podem ser

revistos por mecanismos internos e externos de controle.

592 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 5a. ed., Malheiros,

2006, p. 92-93. 593 ÁVILA, op. cit. pp. 94-95.

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E examinando a eficácia interna indireta:

[...] Relativamente às normas mais amplas (princípios), as regras exercem uma função definitória (de concretização), na medida em que delimitam o

comportamento que deverá ser adotado para concretizar as finalidades

estabelecidas pelos princípios. Por exemplo, as regras legais do procedimento parlamentar deverão especificar, para situações mais

concretas, a abrangência do principio democrático. Como já mencionado, as regras possuem uma rigidez maior, na medida em

que a sua superação só é admissível se houver razões suficientemente fortes

para tanto, quer na própria finalidade subjacente à regra, quer nos princípios superiores a ela. Daí por que as regras só podem ser superadas (defeasibility

of rules/regras de revogabilidade) se houver razões extraordinárias para isso, cuja avaliação perpassa o postulado da razoabilidade, adiante analisado. A

expressão “trincheira” bem revela o obstáculo que as regras criam para sua

superação, bem maior do que aquele criado por um princípio. Esse é o motivo

pelo qual, se houver um conflito real entre um princípio e uma regra e, não,

o princípio, dada a função decisiva que qualifica a primeira. A regra consiste numa espécie de decisão parlamentar preliminar acerca de um conflito de

interesses e, por isso mesmo, deve prevalecer em caso de conflito com uma

norma imediatamente complementar, como é o caso dos princípios. Daí a

função eficácia de trincheira das regras594.

594 ÁVILA, op. cit., p.p. 103-104. A esse respeito, convém registrar a importância de rever a concepção

largamente difundida na doutrina juspublicista no sentido de que a violação de um princípio seria muito mais

grave do que a transgressão a uma regra, pois implicaria violar vários comandos e subverter valores

fundamentais do sistema jurídico. Essa concepção parte de dois pressupostos: primeiro, de que um princípio vale

mais do que uma regra, na verdade, eles possuem diferentes funções e finalidades; segundo, de que a regra não

incorpora valores, quando, em verdade, ela os cristaliza. Além disso, a ideia subjacente de reprovabilidade deve

ser repensada. Como as regras possuem um caráter descritivo imediato, o conteúdo do seu comando é muito mais

inteligível do que o comando dos princípios, cujo caráter imediato é apenas a realização de determinado estado

de coisas. Sendo assim, mais reprovável é descumprir aquilo que “se sabia” dever cumprir. Quanto maior for o

grau de conhecimento prévio do dever, tanto maior a reprovabilidade da transgressão. De outro turno, é mais

reprovável violar a concretização definitária do valor na regra do que o valor pendente de definição e de

complementação de outros, como ocorre no caso dos princípios. Como se vê, a reprovabilidade deve – é o que se

defende neste trabalho – estar associada, em primeiro lugar, ao grau de conhecimento do comando e, em segundo

lugar, ao grau de pretensão de decidibilidade. Ora, no caso das regras, o grau de conhecimento de dever a ser

cumprido é muito maior do que aquele presente no caso dos princípios, devido ao caráter imediatamente

descritivo e comportamental das regras. Veja-se que conhecer o conteúdo da norma que se deve cumprir é algo

valorizado pelo próprio ordenamento jurídico por meio dos princípios da legalidade e da publicidade, por

exemplo. Descumprir o que se sabe dever cumprir é mais grave do que descumprir uma norma cujo conteúdo

ainda carecia de maior complementação. Ou dito diretamente: descumprir uma regra é mais grave do que

descumprir um princípio. No caso das regras, o grau de pretensão de decidibilidade é maior do que aquele

presente no caso dos princípios, tendo em vista ser a regra uma espécie de proposta de solução para um conflito

de interesses conhecido ou antecipável pelo Poder Legislativo. Veja-se que o respeito a decisões já tomadas

também é algo valorizado pelo ordenamento jurídico por meio da proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico

perfeito e à coisa julgada. Descumprir o que já foi objeto de decisão é mais grave do que descumprir uma norma

cuja função é servir de razão complementar ao lado de outras razões para tomar uma futura decisão. Ou dito

diretamente: descumprir uma regra é mais grave do que descumprir um princípio. Até porque, sem outro

argumento a modificar a equação, o ônus de superar uma regra é maior do que aquele exigido para superar um

princípio. Ao contrário do que se crê, portanto, a opção legislativa pela regra reforça sua insuperabilidade

preliminar.

Essas considerações revelam, pois, a diferente funcionalidade dos princípios e das regras: as regras consistem

com pretensão de solucionar conflitos entre bens e interesses, por isso possuindo caráter “prima facie” forte e

superabilidade mais rígida (isto é, as razões geradas pelas regras, no confronto com razões contrárias, exigem

um ônus argumentativo menor para serem superadas).

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Para Alexy595 tanto as regras quanto os princípios são normas, simplesmente porque

ambos encerram um dever ser e podem ser formulados por meio de expressões deônticas do

dever, da permissão e da proibição. Afirmando que a distinção entre regras e princípios é

fundamental para a teoria dos direitos fundamentais, porque constitui a chave para a solução de

problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais, como os problemas relacionados à

restrição a direitos fundamentais, à colisão entre direitos fundamentais e ao papel dos direitos

fundamentais no sistema jurídico. E que a distinção entre regras e princípios não é de grau, mas

uma distinção qualitativa.

Assim, o ponto determinante, salienta Cunha Júnior596, entre regras e princípios consiste

em que os princípios são normas jurídicas que ordenam que algo seja realizado na maior medida

possível, dentro, porém, das possibilidades fáticas e jurídicas existentes. E, Alexy designa os

princípios – em expressões que ficaram famosas – como mandamentos de otimização, na

medida em que os princípios podem ser satisfeitos em variados graus, em conformidade com

as possibilidades fáticas e jurídicas. Acrescentando, que o desejado é que os princípios sejam

realizados em maior grau. Por outro lado, as regras são normas jurídicas que, ou são satisfeitas,

ou não são satisfeitas. Isto é, as regras, quando válidas, devem ser sempre satisfeitas, de modo

que se deve fazer exatamente aquilo que ela prescreve, nem mais, nem menos, pois elas contêm

determinações no âmbito daquilo que é sempre possível, fática ou juridicamente.

Assevera Alexy que a distinção entre regras e princípios acontecem nas situações de

colisões entre princípios e conflitos entre regras, e que a diferença reside na forma de solução

das colisões entre princípios e dos conflitos entre regras e, por consequência, nas distintas

Conexo a essa questão está o conflito entre normas, especialmente entre princípios e regras. Normalmente,

afirma-se que, quando houver colisão entre um princípio e uma regra, vence o primeiro. A concepção defendida

neste trabalho segue percurso diverso. Em primeiro lugar, é preciso verificar se há diferença hierárquica entre

as normas: entre uma norma constitucional e uma norma infraconstitucional deve prevalecer a norma

hierarquicamente superior, pouco importando a espécie normativa, se princípio ou regra. Por exemplo, se houver

conflito entre uma regra constitucional e um princípio legal, deve prevalecer a primeira; e se houver um conflito

entre uma regra legal e um princípio constitucional, deve prevalecer o segundo. Isso quer dizer que a prevalência,

nessas hipóteses, não depende da espécie normativa, mas da hierarquia. No entanto, se as normas forem de mesmo

nível hierárquico, e ocorrer um autêntico conflito, deve ser dada primazia à regra. Por exemplo, se houver um

conflito entre o princípio da liberdade de manifestação do pensamento e a regra de imunidade dos livros, deve

ser atribuída prevalência à regra de imunidade. Caso contrário, seria sustentável a imunidade de obras de arte,

porque também servem de veículo para a manifestação da liberdade, de manifestação do pensamento. É preciso

enfatizar que, no exemplo referido, melhor seria falar de conexão substancial entre as normas do que em conflito.

Em vez de oposição, há complementação. Há uma justificação recíproca entre a regra e o princípio: a

interpretação de regra depende da simultânea interpretação do princípio, e vice-versa [...]. 595 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução Virgilio Afonso da Silva. São Paulo, Malheiros,

2008, p. 87. 596 CUNHA JUNIOR, Dirley, op. cit.

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formas de aplicação dessas normas jurídicas. Pois, um conflito entre regras somente pode ser

solucionado se se introduz, em uma das regras em conflito, uma cláusula de exceção capaz de

eliminar o conflito; ou se uma das regras for declarada inválida. Na primeira hipótese, cuja

solução se dá com a introdução de uma cláusula de exceção em uma das regras. Para melhor

compreensão cita o exemplo de duas regras em conflito, uma que proíbe sair da sala de aula

antes que o sinal toque e outra que exige sair da sala de aula se soar o alarme de incêndio. Se o

alarme de incêndio soar antes do toque do sinal de finalização da aula, haverá um conflito

concreto. Nessa situação, o conflito se resolve exatamente com a incidência da cláusula de

exceção introduzida na primeira regra, para o caso do alarme de incêndio soar antes de tocar o

sinal de finalização da aula. No entanto, caso não seja possível a solução do conflito com a

incidência de uma cláusula de exceção introduzida em uma das regras, o conflito somente pode

ser solucionado com a declaração de invalidade de uma das regras e sua posterior supressão do

sistema jurídico.

Já, quando se tratar da colisão entre princípios deve ser solucionada de maneira diferente,

pois não é possível se introduzir num princípio uma cláusula de exceção, tampouco declará-lo

inválido.

Apreciando o entendimento esposado por Alexy, Cunha Junior esclarece que a colisão é

resolvida a partir de uma relação de precedência condicionada. Isto é, quando dois princípios

colidem, um deles terá precedência em face do outro, sob determinadas condições. Excluindo-

se a ideia de precedência incondicionada, por compreender que nenhum princípio tem

precedência absoluta sobre o outro. Assim, em face da relação de precedência condicionada, o

princípio que não precedeu, ante as condições postas, cederá diante da aplicação do que

precedeu. Mas, sob outras condições, é possível que se inverta a relação de precedência, de

modo que o princípio que cedeu em face de condições anteriores, prevaleça em razão das novas

condições. Isso significa que, diante do caso concreto e das condições existentes, os princípios

se apresentam com pesos distintos, de modo que terá precedência o princípio que maior peso

revelar. Tudo dependerá do sopesamento que deve ser feito entre os interesses ou bens jurídicos

tutelados pelos princípios em colisão, para, avaliando as condições do caso concreto, aferir-se

qual dos princípios em colisão tem maior peso e, consequentemente, terá precedência.

Tudo isso leva à conclusão de que, na colisão entre princípios, um restringe as

possibilidades jurídicas de realização do outro. A estrutura das soluções de colisões é resumida

por Alexy na chamada lei de colisão, que, segundo o autor, tem o seguinte enunciado: “As

condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte

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fatico de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que tem precedência”.

Assim, para Alexy, enquanto o conflito entre regras deve ser solucionado na dimensão da

validade, devendo-se operar a subsunção; a colisão entre princípios deve ser resolvida na

dimensão do peso, aplicando-se da ponderação ou sopesamento.

O campo do exercício do condutor dessas prerrogativas, que visa se ancorar no poder,

para fazer o que desejar, sem amarras, por entender ser livre, com força, de pelo menos, buscar

de que assim pode proceder, com base em conceitos de liberdade que são difundidos com

variedade, tão rico em registros, que segundo Isaiah Berlin, citado por Robert Alexy, em sua

Teoria dos Direitos Fundamentais, fala de “mais de duzentos sentidos, registrados pelos

historiadores das ideias, para essa palavra multiforme”, por isso o conceito de liberdade é ao

mesmo tempo desenvolvido por um conceito pouco prático, contudo, e por consequência o seu

âmbito de aplicação parece ser quase ilimitado, e acentuado, que, quase tudo aquilo que a partir

de algum ponto de vista é considerado como bom ou desejável, é associado ao conceito de

liberdade. Tanto assim que se procura lançar como elemento valido para argumentação em

disputas filosóficas, bem quanto para polêmicas políticas.

Essas práticas e buscar de sustentação visam expressar, como aguça Aldous Huxley, em

seu ‘Eyeless in Gaza’: “Liberdade é um nome maravilhoso. É por isso que você está tão ansioso

para fazer uso dele. Você acha que, se você chamar o encarceramento de verdadeira liberdade,

as pessoas ficarão atraídas pela prisão. E o pior de tudo é que você tem razão.”

A conotação emotiva da palavra “liberdade” dificilmente poderia ser caracterizada de

forma mais precisa. Em geral, quem denomina algo como “livre” não faz apenas uma descrição,

mas expressa também uma valoração positiva e suscita, no ouvinte, um estímulo para

compartilhar desse valor. A conotação emotiva positiva, relativamente constante, pode ser

associada a significados descritivos cambiantes. Isso abre a possibilidade de uma definição

persuasiva (persuasive definition). Quem quer induzir alguém a uma determinada ação pode

tentar fazê-lo dizendo que liberdade é realizar essa ação. Essa deve ser uma das razões para a

perenidade da polêmica acerca do conceito de liberdade e a popularidade de sua utilização597.

Desse mote tem-se pelo menos uma visão que possibilita uma análise do termo liberdade,

que possam levar a uma compreensão ou exercitar algo a ele associado, não obstante poder

procurar outras vertentes, que leva a uma extensa verificação de entendimentos filosóficos,

597 Ob. cit. Páginas 218 e seguintes.

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jurídicos e moral, que aqui não estão lançados, podendo o leitor, o interessado ampliar e dar a

sustentação que melhor aprouver, ou meramente suscitar.

Limitando-se apenas na observação da liberdade jurídica, que torna plausível supor que

liberdade é uma qualidade que pode ser atribuída a pessoas, ações e sociedades. Pois da maneira

mais simples do exame, pode-se entender que para ser uma pessoa livre não existiriam

embaraços, restrições ou resistências de qualquer espécie. A ausência de obstáculos, restrições

ou resistências constitui o cerne do conceito de liberdade que se extrai da definição clássica de

Thomas Hobbes, em “Leviantã”.

No exercício da liberdade não tem somente obstáculos, impedimentos, mas também

ideias pouco claras, emoções, impulsos sensoriais ou consciência equivocada, e conexão entre

conceitos de liberdade jurídica e de permissão no sentido de negação de deveres e proibições.

Segundo Hobbes, os casos nos quais o soberano não prescreveu nenhuma regra, o sujeito

tem a liberdade de agir ou de se abster de acordo com a sua própria discricionariedade. E,

segundo formulação de Bentham, desde que o legislador “não tenha ordenado ou proibido

nenhum ato (...) todos os atos são livres: todas as pessoas estão em liberdade em face da lei. E

é muito utilizado o enunciado ‘o que não é proibido é permitido’, passível de dúvida, uma vez

que, Christiane Weinberger/Ota Weiberger598 pronunciam:

O enunciado ‘o que é proibido é permitido’ é valido apenas se se

pressupõe que o sistema de normas é algo fechado, isto é, que, nesse sistema,

devido é apenas aquilo que expressamente foi definido como tal”. Isso é

correto apenas a partir do pressuposto de que o enunciado “o que não é

proibido é permitido” deva ser interpretado da seguinte forma: “o que não é

expressamente proibido é permitido”. Mas uma tal interpretação não é nem

necessária, nem apropriada. Ao contrário, parece ser mais apropriado

compreender o enunciado “o que não é proibido é permitido”.

Para Kant, em Mataphysik der Sitten, citado por Alexy 599:

Uma ação que não seja nem obrigatória nem proibida é meramente

permitida, porque, em relação a ela, não há nenhuma lei restritiva da liberdade

(competência) e, portanto, também nenhum dever (...) Seria possível

perguntar (...) se, para que alguém seja livre para fazer ou se abster segundo

lhe aprouver, é necessária, além da lei mandatória (lex. presceptiva, lex

mandati) e da lei proibitiva (lex prohibitiva, lex vetiti), também uma lei

permissiva (lex permissiva).

598 WEINBERGER, Christiane; Weiberger, Ota. Logik, Semantik, Hermeneutik, p. 116, 599 ALEXY, para Kant em Mataphysik der Sitten, p. 223, citado na p. 231).

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A liberdade jurídica de realizar um ato jurídico pressupõe necessariamente a competência

para fazê-lo. Já o conceito de competência deve ser distinguido do conceito de permissão,

segundo Alexy (p. 238, op. cit):

O critério da alteração da situação jurídica é adequado para a distinção

entre a competência e a permissão, mas é inadequado para a distinção entre a

capacidade fática e a competência. Nem toda ação por meio do qual se produz

uma alteração de posições jurídicas pode ser considerada como exercício de

uma competência.

Merece exame, mesmo que aligeirado, concernente a liberdade não protegida, desse

quando ventila-se compreensões sobre normas permissíveis e liberdades protegidas, que

necessitam vasto e profundo estudo, o que aqui não se propõe e tampouco tem-se pretensão,

uma vez que, como inúmeros cientistas desenvolvem e tem pontificado, não há porque

considerar o cumprimento que deve ser exercitado, como uma obrigação, agir dentro de uma

postura e ou critério adotado com fundamento e ou alegação de assim fazer, ou acobertado, sob

a égide da liberdade, quando pode estar sendo negligente.

Da leitura de Austin, Raz faz observação as compreensões de “uma lei” como “um

comando geral de um soberano dirigido a seus súditos”, talvez, daí poder extrair a submissão

da liberdade a um comando que não pode o cidadão ter efetivo controle dos atos e vontade. E

nessa sequência de ordem600, examina que:

A palavra “soberania” ja fazia parte da terminologia filosófica e política

muito tempo antes de Austin. No entanto, ela sofrera uma transformação

recente nas mãos de Bentham, que escreveu: “Quando se supõe que um

número de pessoas (a quem podemos chamar súditos) estão habituadas a

prestar obediência a uma pessoa ou a uma assembleia de pessoas, de espécie

determinada e conhecida (a quem podemos chamar de governante e

governantes), afirma-se que tais pessoas conjuntamente (súditos e

governantes), encontram-se no estado de sociedade politica.

Daí poder extrai pensamentos desses cientistas, apondo duas inovações: A soberania não

é nem derivada da moral ou de princípios morais nem explicada por eles. Baseia-se

exclusivamente no fato social do hábito da obediência. O conceito de hábito e o de obediência

pessoal, isto é, obediência a uma pessoa ou grupo específico, se tornam os conceitos

fundamentais na análise da soberania.

Para Raz, analisando Austin e Bentham, mostra posição deste último:

Mas suponha uma grande sociedade política incontestável já

constituída. E suponha que um corpo menor se desgarre desta: por esta

ruptura, o corpo menor deixa de estar em estado de união política com a maior.

Desta forma, o corpo menor se coloca em estado de natureza em relação maior

(...) (e suponha que) os governantes subordinados, de quem o povo geralmente

600 RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico, uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos, p. 9.

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costumava receber comandos sob o antigo regime, são os mesmos que

comandam a nova sociedade. O hábito da obediência que estes governantes

subordinados tinham com relação àquela única pessoa, diremos, que era o

governante supremo de todo, se rompe de forma imperceptível e gradual. Os

velhos nomes pelos quais estes governantes subordinados eram conhecidos

(...) permanecem os mesmos agora que eles são supremos.

Para Raz a lei é um comando geral de um soberano a seus súditos. E comenta que,

diversamente de Bentham (e Kelsen), Austin entende que apenas comandos gerais, isto é,

aqueles que obrigam “atos ou omissões de uma classe”, podem ser leis:

O comando se distingue das outras significações de vontade (...) pelo

poder e intenção da parte que comanda de infligir dano ou sofrimento caso

sua vontade seja desrespeitada (...). O comando, então, é uma significação da

vontade. Mas se distingue de outras significações de vontade por esta

peculiaridade: que a parte a quem se dirige é passível de sofrer dano infligido

por aquele que comanda caso não obedeça à vontade deste.

Assim sendo, diante da aludida prospecção, tem-se sob exame da fala e postura do

conselheiro quando expressa entendimentos e recomendações quando provocado para, no

âmbito de suas atribuições e deveres, obrigações para com a comunidade e in casu, para

a companhia, quando assim investido, atem-se na sua competência e discricionariedade,

assunção de responder pelo poder conferido, e capacidade, concomitante arcar com

responsabilidade caso de causar dano, sofrimento, nos atos praticados como agente,

concomitantemente, representando o acionista majoritário vinculado ao governante

supremo.

O questionamento sobre o exercício livre do múnus, dos atos jurídicos advindos da

subjetividade do agente, da compatibilização desses procedimentos com os interesses

gerais e ou singulares, para atender aos reclamos dos cidadãos governados pelo dirigente

supremo, observa-se, paralelamente, o dever submetido as obrigações decorrentes da

outorga da vontade da coletividade, podendo criar ou estar sob conflito de interesses, ao

mesmo tempo que pode cercear direitos e ou negligenciar obrigações para com o pais,

cujos reais eleitores consagram o mandato popular, e constitui a força legislativa,

comprometendo o poder do governante, que recebeu mais do que um mandato expresso,

mas, também um mandato tácito de significativa abrangência envolvendo todos os

interesses do povo.

Em diversas passagens da história, como o acontecido relatado em livros sagrados,

trata do Êxodo do Egito, mostrando os sofrimentos de povos cativos, os crentes na

Divindade. Nele buscaram forças para sobrevivência, eliminar as opressões e grilhões,

impedindo a liberdade.

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A liberdade não é algo óbvio, mas sim uma conquista. Assim confere a história da

humanidade, que se espera não seja minimizada, e que seja preservada o relato, para que

a memoria lembre e mantenha as conquistas permanentemente.

Não se deve ter a liberdade como um simples devaneio, uma recordação ou uma

utopia. Deve-se mantê-la viva, e constantemente exercitando-a, expressando na mente e

na prática ser inegociável. Deve-se com intensidade exprimir livremente todos os

pensamentos e obras, sem qualquer obstáculo, proibição. Deve-se lutar, denunciar,

combater a opressão de quem e de onde vier. A luta pela permanência da liberdade não

pode e não deve escolher lado, para que a escravidão não seja praticada, a fim de que não

seja necessária luta para aboli-la, e tampouco ações ou argumentos para minimizar

sofrimentos e derramamento de sangue.

Para os alinhados a Tönnies, nos seus conceitos de comunidade e sociedade podem

ter entendimentos separados, mas, extrai-se da obra de Arenari601, uma análise sobre o

pensamento de Ferdinand Tönnies na tradição sociológica, as bases epistemológicas na

tradição pré-sociológica do pensamento alemão, que na fala de Valério Merlo tem-se:

[...] um agregado de consciências tão aglutinadas entre si que nenhuma pode

mover-se independentemente dos outros; um modo comum de sentir e de

querer que mantém unidos os indivíduos que vibram em uníssono; os usos e

os costumes e a tradição regulam a vida do grupo. (MERLO,1995:122).

Teoricamente a sociedade consiste em um grupo humano que vive e habita lado a lado de

modo pacífico, como em uma comunidade, mas, ao contrário desta, seus componentes não estão

ligados organicamente, mas organicamente separados. Enquanto, na comunidade, os homens

permanecem essencialmente unidos, a despeito de tudo que os separa, na sociedade eles estão

separados, apesar de tudo que os une.

Neves602 exprime a evolução social como desenvolvimento da consciência moral e a

evolução do direito conforme os modelos filosóficos, sociológicos tecendo diferenças entre

comunidade e sociedade, formuladas por vários cientistas a exemplo de Tönnies, Durkheim,

Luhmann dentre muitos outros. E, alertando, que, inversamente a pensamento existente, o

instinto não representa apenas algo negativo, mas positivo na sociabilidade humana, na medida

601 ARENARI, Brand. O pensamento de Ferdinand Tönnies na tradição sociológica alemã: um primeiro ensaio -

XI Congresso Brasileiro de Sociologia1 a 5 de setembro de 2003, UNICAMP, Campinas, SP. Sociólogos do

Futuro, UENF, Campos dos Goytacazes, julho de 2003. 602 NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma difícil relação. WMFMartins Fontes, São Paulo, 3a. ed., 2a.

Tiragem, 2013.

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que este (instinto) é depositário da memória da espécie, conferindo unidade a mesma. Esta

vontade pautada no instinto que se manifesta no prazer, é a primeira instância das três

“subvontades” que formam a unidade da ‘Vontade Essencial’, que Tönnies chama de ‘Vontade

Vegetativa’.

A outra “subvontade”, a ‘Vontade Animal’, que contém a substância do animal e do

humano, se manifesta na formação dos hábitos, que são frutos da experiência e o

desenvolvimento das imposições da vida animal, sendo a alimentação, uma imposição da

natureza para a permanência e o desenvolvimento da vida, no homem torna-se hábito, divido

em refeições básicas, em especialidades culinárias, hábitos que provem da natureza e são

desenvolvidos pelo homem, não transformados, como na ‘Vontade Arbitrária’.

Em princípio, todavia, onde a inclinação primitiva constitui hábitos, o que foi

originalmente agradável passa a confortável e objeto de estima. Os modos de agir particulares

baseados no prazer tornam-se mais rápida e intimamente habituais; um determinado modo de

vida (e o ambiente natural), assim como um tipo de alimentação, agradáveis ao animal, passam

a hábitos e tornam-se finalmente indispensáveis. (Tönnies, 1995: 280).

E, assim do quanto exposto sobre tantos conhecimentos sobre a natureza humana, que

deixa qualquer leigo extremamente embasbacado. E face essas circunstancias, faz-se uma

ligeira incursão sobre fato nas relações em sociedade, por analogia, trazer à baila o instituto

denominado de Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), recentemente adotado pelo STF (na

ADPF nº 347/DF), e que o artigo de Dirley da Cunha Junior603 sobre o tema didaticamente

aborda a origem das decisões da Corte Constitucional Colombiana (CCC), face a constatação

de violações generalizadas, contínuas e sistemáticas de direitos fundamentais, cuja finalidade é

para a construir soluções estruturais voltadas à superação do lamentável quadro de violação

massiva de direitos das populações vulneráveis decorrentes das omissões do poder público.

Entende-se como salutar uma harmonia entre os anseios legítimos da sociedade na busca

de rumos, e atenção que não implique desprezo aos mais relevantes princípios e regras da Carta

Federal, e da necessidade de haver um diálogo com a sociedade a respeito dos direitos

603 CUNHA JUNIOR, Dirley. Estado das Coisas Inconstitucionais. JusBrasil.com.br -

www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=16279 - acesso: 20.10.2016.

A primeira decisão da Corte Constitucional Colombiana reconheceu o ECI; foi proferida em 1997 (Sentencia de

Unificación - SU 559, de 6/11/1997), numa demanda promovida por diversos professores que tiveram seus

direitos previdenciários sistematicamente violados pelas autoridades públicas. Ao declarar, diante da grave

situação, o Estado de Coisas Inconstitucional, a Corte Colombiana determinou às autoridades envolvidas a

superação do quadro de inconstitucionalidades em prazo razoável.

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fundamentais engajados no propósito constitucionalista de limitar o poder. Isso porque, como

postulado jusnaturalista, sempre foi da essência do homem ser livre e usufruir certos bens, sem

a interferência do Estado. Todos os homens são, por natureza, livres e titulares de direitos

naturais604.

Assinala Cunha Junior605 lembrando Meirelles Teixeira, que os direitos naturais e

inalienáveis da pessoa humana preexistem ao Estado e a este se sobrepõem, corolários que são,

como vimos, dos próprios atributos da pessoa humana, da natureza essencial desta. Portanto os

direitos fundamentais têm por fundamento filosófico o fundamento moral, referência a aspectos

transcendentais da vida dos indivíduos, a aspectos que afetam ao ser moral do homem, a sua

dignidade e a sua liberdade.

Dessa incursão nos campos filosóficos, sociológicos, jurídicos e políticos, constata-se ser

impositivo que o homem em comunidade e ou em sociedade deve se pautar com postura que

não pode e ou não deve associar a sua obrigação de agente publico aos sabores pessoais de

individuo. Pois, a atividade pública ainda que desempenhada conforme as prescrições legais,

não se justifica quando motivada por razões outras que não encontram garantia no interesse

público. Isso está no efetivo exercício do ofício com lisura e exação nas práticas funcionais.

Pois, um dos ditames para o exercício da atividade pública é o princípio da moralidade,

ancorado na máxima romana de que tudo o que é legal é honesto.

Porque moralidade deficiente, caso não represente atitude ética e de boa-fé, não será útil

a norma ou atividade. A moralidade consiste também na honestidade e na probidade

administrativa que devem governar os agentes públicos no trato dos negócios coletivos.

A ideia de moralidade que envolve o exame de poder, é imposta, vigora no próprio

ambiente institucional e condiciona a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo que

discricionário. Ela deve ser observada por todos, não apenas pelos administradores, mas

também pelo particular, que com ela se relaciona juridicamente, em consonância com a lei, os

bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade.

O princípio da moralidade administrativa revela-se como valor constitucional

impregnado de substrato ético, e encontra-se erigido à condição de vetor fundamental que rege

as atividades do Poder Público, representando um verdadeiro pressuposto de legitimação

604 CUNHA JUNIOR, Dirley. A Natureza Material dos Direitos Fundamentais.

https://www.brasiljuridico.com.br/artigos/a-natureza-material-dos-direitos-fundamentais.-por-dirley-da-cunha-

junior. Acesso: 25/10/2016. 605 TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. A defesa da Constituição.

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constitucional dos atos emanados do Estado, como resulta da proclamação inscrita no art. 37,

caput, da Constituição da República.

Tem-se o escopo do preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional

Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o

exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-

estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de

uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia

social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução

pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL [...].

Os direitos fundamentais há muito não mais se restringem à clássica função de direitos

de defesa ou liberdade contra os poderes estatais. Em razão da crescente necessidade do

individuo e das desigualdades materiais que o debilitava, a presença do Estado passou a ser

cada vez mais exigida, para dele se reivindicar uma postura ativa que reduza ou atenue

desigualdades, libertando o individuo para obter as suas necessidades mais prementes.

Do quanto aqui estruturado, extrai-se os elementos concentrados que envolvem o voto

representativo, o dever de lealdade dos gestores, conselheiros na administração da sociedade

de economia mista, depurando os interesses da companhia e a dos acionistas.

Para Cunha Júnior:

Há direitos fundamentais que, não raro, dependem tão somente da

atuação normativa do Estado para ganharem sentido e apresentarem conteúdo

jurídico suficiente que possibilite o seu exercício pelo individuo. Nessas

situações, a função de prestação dos direitos fundamentais tem a missão de

prover o individuo de condições para exigir do Estado a imediata emanação

de normas concretizadoras e integrativas dos direitos carentes de regulação, e

nisso consiste a atuação exigida do Estado à prestação jurídica. Colhe-se, aqui,

o direito fundamental à prestação jurídica.

Por outro lado, há direitos fundamentais que têm por objeto uma utilidade concreta ou um benefício material, consistente em um bem ou

serviço, a ser prestado pelo Estado. Já aqui, a função de prestação dos direitos fundamentais tem a missão de prover o individuo de condições para exigir do

Estado a imediata realização de políticas públicas socialmente ativas, criando,

por conseguinte, as condições materiais e institucionais para o exercício

desses direitos, e nisso consiste a atuação exigida do Estado à prestação

material606.

Confere-se o dever do Estado de proteger os titulares de direitos fundamentais,

significando que o reconhecimento constitucional de um direito implica também para o Estado,

606 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional, p.p. 493-494.

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para além do dever de abstenção (função de defesa), o dever de prestação na obrigação de adotar

medidas positivas e eficientes, vocacionadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais

perante atividades de terceiros que venham a afetá-los. O Estado tem o dever de proteger o

direito à vida, à inviolabilidade do domicílio ou sigilo de dados e o direito de reunião, apenas

para citar alguns exemplos, de eventuais agressões de outros indivíduos.

E da mesma forma, entende-se que não há dúvida de que as sociedades empresariais

constituem forma de organização de empresa, e que a sociedade de economia mista amoldada

a estrutura da sociedade anônima reúne capitais de investidores para a exploração de atividade

empresarial, que tem por dever, também proteger o bem comum e a coletividade, desde quando

os recursos que constituem o lastro das ações do capital social, que consolida o Estado como

acionista maior ou controlador, obvio, perfila-se no bojo do corpo econômico financeiro estatal.

Os prestadores desses capitais, em especial o Estado e seus gestores, assumem

responsabilidades que interferem não somente na esfera e na condução efetiva da empresa, que

fica a cargo dos controladores, e dos seus administradores indicados pelo controlador, ou por

força de um acordo de acionistas, gestores escolhidos por interesses políticos, também na vida

do cidadão comum.

Em torno desses administradores escolhidos, eleitos por junção governamental está o

ponto nodal dessa matéria, por onde orbita e dá destino ao projeto, que se torna alvo, objeto das

construções econômicas, financeiras dos acionistas investidores e controladores da aludida

sociedade, concentrando os poderes de controle e de administração, detendo o poder e a

liberdade de agir, muitas vezes, premeditando abusos, e cooptando terceiros.

O direito não desconhece essa realidade, é o que se tem visto. E o legislador sonolento,

indulgente admite essa submissão, esse tipo de exercício de poder, permitindo imprimir um

exercício de tirania, produzindo uma fonte de lesão.

O direito societário assume a função de organizar, conformar o poder de controle, bem

como arbitrar conflitos de interesses existentes dentro e fora da companhia, podendo utilizar a

variedade de instrumentos para aprimorar um exercício primoroso, articulando os mecanismos

de controle, à exemplo da fiscalização, transparência, informação e conhecimento para toda

comunidade, enfim para a sociedade em geral, para todos conhecer, evitando comportamento

antijurídico.

Dentre as funções e deveres do Estado destaca-se a de proteger os direitos fundamentais,

significando que o reconhecimento constitucional de um direito implica que o Estado tem o

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dever de defender o cidadão, adotando medidas positivas e eficientes, vocacionadas a esse

exercício com ênfase, concretizando a responsabilidade do Estado, evitando praticas

perniciosas contra o interesse da coletividade, não podendo o Estado se abster do combate as

lesões e ao sofrimento.

O funcionamento eficiente e concatenação do ente coletivo tem como escopo primordial,

inafastável, a preservação das funções dos agentes públicos de modo que seus exercícios não

violentem a vontade coletiva, cujo sedimento encontra-se lastreado em feixes de poderes

administrativos, substanciados em comunhão com as pessoas jurídicas controladas e

administradas direta e ou indiretamente pelo Estado, inclusive no âmbito da sociedade de

economia mista, ainda que em grau e formas distintas, atuando como impulsionador no

desenvolvimento geral.

Esses mecanismos que motorizam a gestão pública, quando estão no amago,

concentrando o poder político e econômico da sociedade estatal, no efetivo funcionamento e

atribuições das células ou centros de poderes dos órgãos sociais, espera-se proteção e progresso.

O órgão é um dos mecanismos dos poderes funcionais para formar e manifestar à vontade

juridicamente imputável à pessoa jurídica. Considera-se o órgão como individuo ou grupo de

indivíduos que age para o interesse coletivo, ou seja, enquanto cumpre uma função de grupo.

Nessa circunstancia de interesse coletivo, e é exatamente neste ponto que se louva a

compreensão de se exigir contas das condutas, que de algum modo, mesmo que não

expressamente previstas pelo sistema jurídico, mas amparadas nas disposições e interpretações

legais, do corpo constitucional, como das garantias fundamentais individuais e coletivas, pela

elasticidade semântica, ínsita as clausulas gerais em sistemas, dito abertos, observa-se as

situações que podem gerar abusos, danos, se não abortadas tempestivamente. É dessa

elasticidade é que pode ser considerada imperiosa também como norma a fim de amparar não

só uma pessoa, um individuo, mas em busca de proteção de toda comunidade.

A norma, portanto, expande-se nas situações e perante os fatos, e extrai, ou se lança como

proteção contra qualquer postura vil, enganadora, manipuladora, distorcendo a recepção da

vontade alheia.

Daí surge o alerta para a composição e à condição fática da boa-fé, quer ela esteja no

plano subjetivo ou objetivo, dependendo tão só daquele que julgará, mas também, e podendo

aprofundar através de modelos metódicos concretistas.

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Em suma, no vigente direito acionário brasileiro, a administração da companhia compete

à diretoria, órgão de representação obrigatório como em toda e qualquer companhia desse tipo,

e ao conselho de administração, órgão de deliberação colegiada com atribuições especificas,

que, na forma da lei societária tem competências privativas e indelegáveis, com distintas

atribuições e responsabilidade.

De regra, as normas reguladoras dos deveres e responsabilidades dos administradores

aplicam-se indistintamente a membros dos órgãos da administração, sejam eles diretores ou

conselheiros. Dessa afirmação, lastreada na lei e no estudo aprofundado dos juristas que se

dedicam a matéria, ressalta-se a obrigação que recai sobre esses diretores e componentes de

órgãos de deliberação colegiada, o de comportar-se com lealdade, e dai surge a indagação se é

vinculo para com quem os conduziu as funções ou deve se incumbir de bem cumprir com

probidade e legalidade.

De um lado está o governante que politicamente recebeu poderes para bem conduzir os

governados, sintonizado com a comunidade, a expressar vontade da representação política,

pedra angular da democracia, exigindo do mandatário a obrigação de praticar atos em nome do

mandante, de bem representa-lo expressando a sua vontade como instruções.

A outorga de mandato jurídico confere poderes a outrem, implicando necessariamente a

prestar contas de seu desempenho, submete-se a possibilidade de revogação do mandato, por

ato do mandante. Se os senadores, deputados e vereadores são eleitos pelo povo e deve estar

vinculados à vontade e instruções de sues eleitores, estão como delegados do povo que os

incumbiu, com encargo no cumprimento dessa obrigação. Mesmo que o parlamentar procure

dissociar do seu mandato político a vontade popular para se vincular a uma plataforma e ou um

programa partidário, mesmo assim há um determinado fim, que é a responsabilidade política.

Apesar do mandato politico não ser igual a um mandato de responsabilidade jurídica, mas

por motivos pragmáticos, e para atender o seu emprego como vocabulário próprio, não se afasta

da figura da responsabilidade politica, não sendo possível um programa partidário a exercitar

possa abrigar uma atividade espúria, porque os partidos políticos são agrupamentos que se

visam atender aspirações de cunho social, e que para realizar, necessita do suporte para eleger

candidatos por sufrágio democrático, a fim de obter mandato politico arrimado com as forças

de eleição, conduzindo essa outorga com expressiva carga de poder que deve ser em favor do

bem comum.

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Com o poder os eleitos podem decidir a nomeação de ministros, secretários e de outras

autoridades do primeiro e segundo escalão do Governo Federal e dos Governos Estaduais e

Municipais, assim como chefes de autarquias e de empresas estatais e as sociedades de

economia mista. Excetuada uma ou outra gestão, o desempenho das missões dos representantes

políticos e das próprias agremiações não geram grandes benefícios ao povo.

Para o povo muitos partidos nada mais são do que siglas, confundindo e criando uma

imensa balburdia. Boa parte do eleitorado ignora o que muitos dos representantes falsamente

colimam em benefício da coletividade. Desconhece os programas partidários, quando escritos,

são esquecidos ou desacreditados, não passando de ilusórias promessas, resultando em meras

quimeras, palavras ao vento de candidatos objetivando o governo, o parlamento, em geral

negligentes, improfícuos, descuidados com o povo e para com os problemas do país. Essas

atuações e interesses confusos confluem a malabarismos políticos, e à triste constatação de

“comércio”, “barganha”, e “troca de vantagens”. Sem a fidelidade dos representantes políticos

para com os ideários de interesse coletivo, não estabelecem uma saudável democracia, pois,

desdenham do povo.

O grande desafio é estabelecer uma segurança permanente com esteio concreto,

realizando os anseios da sociedade. Que as decisões dos órgãos planejadores estejam em

sintonia, e praticadas com a vontade outorgada, com lealdade. A representação política é uma

esperança, um anseio, um ideal de representação. É a busca de uma forma desejável da

sociedade, de um Estado congregando poder político para a realização do bem comum.

O desempenho de uma atividade decorrente de representação politica origina-se da

confiança depositado pelo mandante – por exemplo do povo - para que os exercícios de poder

fielmente interligados com o bem-comum, adimple um mandamento de honra e de direito,

atendendo os apelos, os anseios da coletividade, consagrando principio democrático de criação,

e em um processo de participação dos governados para alcançar a formação da vontade

governativa.

Aproveita Campolingo607 a palavra de Puceiro, ao dizer:

Como saber de autoridade, a ciência jurídica reproduz em sua estrutura

interna as exigências próprias de sua função na sociedade. Sua dimensão

essencialmente prática, dirigida ao controle social, à integração dos conflitos

ou à distribuição de autoridade, se reflete internamente no fortalecimento da

função autoritária de seu paradigma e matrizes disciplinares. Os resultados da

607 CAMPOLINO, op. cit. p.p. 33-34.

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ciência jurídica são, além de produtos da comunidade cientifica, instâncias

portadoras de uma pretensão vinculatória em relação à comunidade política.

O direito regula fórmulas de distribuição de poder e autoridade. E Riper608, aponta que:

[...] todo e qualquer juízo demasiadamente livre sobre o fundamento

das leis se afigura perigoso aos que detêm o poder político. Considera-se

indesejável que os encarregados de interpretar, explicar o direito, saibam

demasiado e digam como e por quem é feita a lei. Aos soberanos agradam

mais os legistas que os juristas.

Dessas fórmulas e interpretações contidas no estudo envolvendo a atividade mercantil e

o poder soberano, não se pode olvidar da busca pela lei justa, o direito, e sobretudo o homem

como centro. Por isso, procura-se perpassar dados relevantes das transformações sociais e

econômicas, e sem permear aspectos mais sofisticados nos campos da economia, filosofia, ética

e direito, ventilando essas compatibilidades que buscam, o empenho e afinamento do direito

societário com as premissas do direito constitucional e direito administrativo que se entrelaçam.

A formação da riqueza, o patrimônio, o lastro de bens como sustentação destinada à

providência do cidadão interessado direto na defesa dos seus interesses e da coletividade,

estabelecendo elos éticos.

Nesse mosaico de aparência inofensiva pode-se detectar condução à violação dos direitos

societários/empresariais, a transgressão de direitos, e desprezo ao interesse coletivo.

Na variedade de cometimentos perpetrados pelo Estado-empresário, está o abuso no uso

do capital social da sociedade empresaria, a incitação à divergência na condução dos interesses

considerados impróprios, às vezes camuflados sob a intenção do enriquecimento do poder

estatal, mas quando depurado, constata-se façanhas prejudiciais à companhia e investidores

privados, acarretando sequelas à comunidade em geral.

608 RIPERT, Georges. O Regime Democrático e o Direito Moderno. São Paulo. Saraiva. 1937, p.p. 12-13.

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CONCLUSÃO

Este trabalho envolve aspectos do voto representativo e o dever de lealdade. Propõe uma

análise jurídica das posições conflitantes do Conselheiro de Administração, diante dos

interesses da companhia e do acionista majoritário no Conselho de Administração na Sociedade

de Economia Mista.

Questiona aspectos das decisões provenientes do Conselho de Administração, a condução

da posição do acionista majoritário ou controlador da sociedade de economia mista, de alguma

macula legal, ética, moral.

Tem-se sob analise a figura do governante na relação das políticas públicas e construções

de governança corporativa envolvendo as empresas estatais na esfera da sociedade de economia

mista, averiguando as posições do membro no Conselho de administração quando exercitadas

no interesse da companhia e ou dos acionistas, refletindo sobre a coletividade, no todo da

sociedade.

A pesquisa extrai pinceladas na sociologia, ligeiras menções provocadas pela filosofia,

mesclando com os adornos do direito público e direito privado.

O tema atraiu a visão do poder de decisão do Estado-empresário, particularmente quando

o Estado assento no Conselho de Administração da sociedade de economia mista, derrama

variáveis que influenciam a governança corporativa, o trato interno da companhia, o mundo dos

negócios doméstico e internacional.

Parte-se da visão dos primeiros momentos quando o homem se apercebeu dos frutos, além

da destinação à sua alimentação, e diante do excesso procurou partilhar com os semelhantes

esses bens. Inicialmente presenteando, que em seguida veio a reação dos agraciados retribuindo,

provocando a troca, que passou a ter utilidade como elemento de importância e finalidade além

da gentiliza.

A aproximação do homem ao outro deve ter sido motivada por vários sentimentos que

ainda hoje os antropólogos se debruçam, mas daquele convívio que também ensejava afastar a

solidão, proporcionou a busca do convívio com o semelhante, instalando a oferta gratuita e

silenciosa da permuta, que iria iniciar o comercio primitivo.

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Esse comportamento, que por melhor análise dos antropólogos e sociólogos, apõem,

categoricamente, afirmações que as motivações, que não podem desconsiderar, do interesse do

homem exercitando o poder e manter a dominação.

Não obstante o homem expressar sentimentos, a afetividade como exemplo de

solidariedade, ou pela razão, porque dotado de diversas aptidões que derrama em variadas

situações e circunstâncias de necessidade e experimentação, além da continuada luta contra

adversidades do meio, o homem criou procedimentos para atender a sua sobrevivência, face o

imperativo: viver. Para sobreviver, levou-o a atenção indispensável para o abastecimento, a fim

atender o presente, e acautelar-se das necessidades futuras pessoais e do grupo.

A história do comércio é a própria história da civilização, mostrando como um dos fatores

de dominação a circulação da riqueza. A indústria comete a incumbência ou função de receber

do produtor as utilidades produzidas, modificando ou transformando, encaminhando-as ao

consumidor.

O conceito de comércio como instituição intermediária ou medianeira, atribuindo-se a

função de atender às necessidades do consumo público. Juridicamente, então, significa a soma

de atos mercantis, atos executados com a intenção de cumprir a mediação, característica de sua

finalidade, entre o produtor e o consumidor, atos estes praticados, habitualmente, e com fito de

lucro. Daí nasce o mercado, situando locais e forma para a troca de bens e serviços, sem

privilegiar a busca da autossuficiência, por ser o alvo inafastável para atender a sobrevivência.

Adota-se lugares, localidades como prediletos para exercitar a oferta e procura de bens e

serviços, criando-se nesses espaços relações econômicas e sociais, com adaptações de processos

de cooperações e adequação da produção de acordo com o fluxo dos negócios, estabelecendo

uma regulação própria, fundada no princípio da complementariedade.

Nesse caminhar tem-se bens de que dispõe o individuo para o atendimento das suas

necessidades, formando o que se denomina de patrimônio, composto por um engrenagem de

utilidades e até mesmo sentimentos, provocando muitas vezes um conjunto harmônico, com

elementos que se tornaram usais e até mesmo essenciais para a vida do cotidiano humano.

Os homens evoluíram, passaram a ser civilizados, distinguem-se dos antepassados. Os

indivíduos passaram a se empenhar pela melhoria de vida, assegurando-se dos meios de

produção e negócios para o atender as suas necessidades, não somente por curto período, mas

por períodos mais longos e seguidos, quiçá medindo por geração, projetando uma maior

longevidade, a medida que a ciência e tecnologia impulsiona a vida, e, via de regra, indo cada

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vez mais longe, além dos limites visíveis e vividos por geração, preocupando-se em garantir o

atendimento das necessidades presentes e das futuras gerações.

Para onde desejar olhar, observa-se que os povos, desde os primitivos aos civilizados,

desenvolveram, passaram a possuir um complexo sistema de previsão para o atendimento das

necessidades humanas, adotando ou introduzindo formas, métodos com a preocupação dos

homens na satisfação das necessidades imediatas, que evoluem, se transformam em previdência

no sentido de atender as necessidades e bens em tempos futuros. Daí passar a entender, que a

demanda de uma pessoa, a quantidade de bens necessários para satisfazer as suas necessidades

num certo período de tempo, que se estende para atender o futuro, passou a entender como

previdência.

A preocupação do homem pela satisfação das suas necessidades presentes e futuras,

esforça-se para obter segurança, atender às necessidades do tempo há vir, buscando estabelecer

garantias através de processos que seja eficiente servir como previdência ao horizonte que possa

ser adverso. Portanto, a considerar o entendimento que a demanda uma pessoa deveria

corresponder a uma quantidade de bens necessários para satisfazer as suas necessidades no

período de tempo que advirá, e passou a ser entendido como previdência.

A previdência dos homens, com referência ao atendimento de suas necessidades, exige

reconhecimento pressuposto, ter em mente a demanda com quantidade, e quantidades de bens

para atender a sobrevivência nos espaços de tempo.

Deve-se ter clareza sobre as quantidades de bens de que se dispõe para alcançar

determinado objetivo, numa ordem jurídica que atenda a proteção à propriedade para compor

um patrimônio entendido como riqueza, que os economistas sustentam como a totalidade dos

bens disponíveis a um individuo que desenvolve atividades econômicas, dando margem ao

estudo do valor e riqueza, produção, capital e tantos outros esteios econômicos.

A concepção de “bem econômico”, como todo objeto, com utilidade, quantidade,

determinado preço, e em uma economia submetida e regida por leis de mercado, convive com

políticas econômicas adotadas pelo Estado.

Os objetivos econômicos pressupõem visar o progresso, o desenvolvimento, o

crescimento, a estabilidade econômica, melhorar a distribuição de renda, a busca do pleno

emprego, a justiça social, o controle e o combate da inflação, dentre tantos outros objetivos, e

tratamentos contra as mazelas que corroem a economia doa países quando não tratados

adequadamente através de políticas econômicas bem sedimentadas.

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Apresenta-se o Direito Econômico entendido como direito e direito da economia,

conferindo uma vocação interdisciplinar que orienta pesquisas em busca do conhecimento, em

princípios e tratados de direito comercial.

Observa-se as relações entre economia e direito porque não são uniformes e têm variado

ao longo do tempo, numa peregrinação aos lugares do conhecimento humano, perpassando por

pensamentos diversos, que servem de base para a atividade da ciência econômica como um

dado natural, proporcionando um prolongamento das liberdades individuais e geradora de

riqueza como a instituição do mercado.

A presença do mercado mostra que ele se rege por uma lógica própria, não totalmente

racional, desenvolvendo-se por meios institucionais, considerado próprio por favorecer o giro

produtivo dos capitais, fornecendo à atividade econômica num suporte normativo sistemático

e transparente, de fácil entendimento, capaz de proporcionar a previsibilidade e a segurança de

atividades que tanto necessita as empresas e os consumidores, para gerar obter ganhos,

resultados e garantias dela especificados, desde a riqueza à satisfação das necessidades

individuais.

Usa-se as palavras capital, riqueza e patrimônio de forma intercambiável, como fossem

sinônimos perfeitos, que se deve entender como reserva, para designar o estoque de bens

acumulados pelo homem.

Preza-se pela implementação de um controle prudente e responsável face as

peculiaridades a que estão submetidos os gestores públicos na complexidade dos seus

desempenhos e compromissos envolvendo funções administrativas em sociedade empresária

comandada pelo Estado.

Da análise das políticas públicas e o objeto deste estudo relacionados as decisões políticas

e os programas de ação dos governos, interrogando-se a génese dos problemas das decisões que

procuram resolver assuntos sociais, sustentando soluções formuladas e condições da sua

implementação, com as configurações que exigem processos complexos e multidimensionais

que se desenvolvem em múltiplos níveis de ação e de decisão, envolvendo localidades com suas

características regionais, alcançando elementos nos âmbitos nacional e transnacional,

administração pública, que agem em contextos geográficos e políticos específicos, visando a

resolução de problemas públicos, distribuição de poder e de recursos.

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A governança das empresas, mais do que nunca, necessitam atuar em conformidade com

a ética, as normas, as leis, protegendo os personagens principais, e envolvidos nos

procedimentos de compliance.

Ementas:

1. Os negócios são uma realidade na vida da humanidade, para atender os seres

humanos, garantir o equilíbrio necessário haver gestão empresarial profissionalizada,

exercitando dinâmicas saudáveis para cada espécie de atividade mercantil,

coadunando a administração que serve para orientar os interesses de todas pessoas

envolvidas, desde o nascituro ao espólio de qualquer cidadão ou cidadã.

2. As constantes transformações, em variadas escalas, envolvendo interesses e valores

como a proteção, dadas as necessárias interpretações aos fatos e circunstâncias

vivenciados na sociedade contemporânea, passam a ser componentes, consideradas

essenciais para a ordem jurídica e econômica do país.

3. O Estado quando exercita alguma atividade de caráter mercantil, em geral procura um

canal competente para atender a proposição, uma dessas opções que viabilizou foi

através da sociedade de economia mista, delimitando seu objeto e capital social no

estatuto social da companhia e na forma da lei.

4. No estatuto da sociedade de economia mista ficam assentados não somente fim,

valores, mas, também responsabilidades, direitos e obrigações, regras e sanções para

todos os acionistas, inclusive para o próprio o Estado-empresário, instituidor da

companhia.

5. No curso das atividades mercantis institui-se protocolos, para dar formalidade,

concomitantemente facilitar o constante diálogo entre acionistas e demais

negociantes, exercitando, constituindo instrumentos essenciais para sustentação das

relações internas e externas da companhia, que devem ser praticados com licitude e

lealdade, beneficiando todos segmentos empresariais, proporcionando o

fortalecimento do sistema de governança.

6. O Estado formado pela vontade coletiva organizada, deve colocar o seu poder para

atender os interesses e anseios da sociedade em geral, desenvolvendo ações para que

a formatação das atividades econômicas e sociais, e quando constituir sociedades de

economia mista, estar em consonância com a necessidade e importância estabelecida

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na ordem econômica da nação, apta para atender o momento econômico, superar as

dificuldades que se apresentam nos períodos de crise, alcançar e manter a paz social.

7. Constituída a sociedade de economia mista, o Estado comparece como acionista -

Estado-empresário -, assumindo as obrigações de provedor do interesse geral,

fundado na ordem política e institucional constitucionalmente.

8. O Estado-empresário quando atuar como acionista da sociedade de economia mista

estará vincado na livre inciativa e livre concorrência prolatada na Constituição, no

corolário da valorização do trabalho empreendedor, em todas as expressões e modos

da atividade mercantil livre, para atender a sociedade plural.

9. O desenvolvimento da estrutura da atividade econômica através da sociedade

empresária estatal, exercitada com liberdade, deve estar alinhada com o compromisso

de incentivar e proteger a criação, a livre iniciativa, servindo de instrumento inovador,

para manutenção e construção com respeito à ordem pública e aos bons costumes, em

um mercado lícito e moral.

10. Não obstante a sociedade de economia mista estar sob estrito poder do Estado, mas,

como Estado-empresário não lhe confere privilégios, devendo observar todos os

cânones legais, de “ordem pública” e dos “bons costumes”, standards da sociedade

democrática.

11. A ordem jurídica do Estado intervencionista atribui norma, assumindo um conteúdo

econômico e social, perdendo a neutralidade axiológica que possa caracterizar

ideologias, desprezar o homem centro de tudo.

12. O mercado deve atuar com noções flexíveis, variáveis no tempo, inclusive para

nortear o legislador; e quando motivado para submeter os atores desse ambiente, sob

provocação de novos instrumentos legais, deve avaliar as atividades mercantis

prudentemente.

13. Os novos tipos de empreendimentos estatais, devem ser examinados por prudente

critério dos órgãos reguladores antes das suas constituições, a fim estabelecer normas

que atendam não só o interesse politico alinhado, a segurança do Estado e as

instituições, com as convicções que se reputam indispensáveis à manutenção da vida,

a civilização, em um conjunto de normas de proteção social e politica, cujos critérios

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de criação políticas, sociais, morais e econômicos devem fundamentar e harmonizar

a vida da em sociedade de acordo com cada época.

14. O conceito de ordem pública abrange a soberania nacional, a ordem social e politica,

os bons costumes inseridos no campo empresarial, levando o entendimento para cada

interessado que a obtenção do lucro se associa em favor, em proveito da sociedade

em geral, inclusive com relação a sociedade de economia mista, uma vez que o

objetivo essencial da companhia não deve ser interrompido, tampouco desconhecido,

devendo salvaguardar a função social da empresa.

15. Os gestores das empresas estatais, com quaisquer pretensões políticas que possam ter,

não podem utiliza-las para interferir, afetar a administração nos resultados

econômico-financeiros da companhia, qualquer que seja a justificativa para os

negócios sociais da companhia.

16. É insofismável a responsabilidade do acionista controlador, majoritário, pela:

nomeação dos gestores, escolha de fornecedores, facilitação do crédito a clientes,

ocupação dos cargos diretivos, reforma do pacto social, formação de reservas

econômicas e financeiras, distribuição de lucros, devendo pautar suas condutas,

procedimentos em princípios, em paradigmas da ética, probidade, boa-fé, lealdade e

bons costumes.

17. O papel do Estado como e quando acionista controlador, instado a se comportar como

Estado-empresário, deve percorrer os mesmos caminhos e determinações dos

empresários menores, das sociedades empresárias privadas, submetidos as obrigações

e mecanismo de conduta de acordo com a governança corporativa.

18. A responsabilidade de gestão da companhia de economia mista deve ser através dos

administradores diretos e ou indiretos, pelos membros do Conselho de Administração,

todos são considerados corresponsáveis pelas decisões da sociedade empresária,

inclusive nos atos considerados contrários à boa-fé, interferindo nas regras de

governança corporativa.

19. Os acionistas quando investidos do múnus no órgão Conselho de Administração,

Diretoria, ou qualquer outro comando empresarial no seio da sociedade de economia

mista, devem ser consubstanciados através do voto dos acionistas nas competentes

reuniões e ou assembleias, consoante estatuto da companhia, por ser este o elemento

condutor da declaração de vontade destinada à atender o quanto estipulado na

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formação do objeto da empresa e no órgão, obedecidos os pressupostos legais, sempre

ungido de liberdade para bem legitimar os deveres e direitos de todos presentes no

proscênio.

20. A vontade do acionista deve ser declarada individualmente através do voto, que deve

ser sufragado com o preenchimento dos requisitos legais da regular instalação das

assembleias, reuniões de conselhos de administração, fiscal e demais órgãos,

respeitando o pertinente quorum mínimo necessário para dar validade a declaração

individual; constituindo essa manifestação de vontade, único condutor dos interesses

da sociedade empresária, que deve ser obedecido, cumprido para bem alcançar o

desiderato da companhia.

21. O abuso do exercício do direito de voto, praticado com o fim de causar dano à

companhia fica maculado, tornando-o invalido.

22. Ato ilegal viola direito ou transpõe limites objetivos fixados para o exercício do

direito. Ato abusivo praticado representa desvio da finalidade para a qual o

ordenamento não conferiu esse direito. Deve-se impedir qualquer ato emulativo com

objetivo de prejudicar, que deve ser considerado ato praticado com intuito de fraude,

representa um desvio de destinação do direito, exercício que contraria o fim e a função

social da atividade empresarial.

23. A livre concorrência erigida na Constituição de 1988, congrega princípios que são

considerados inerentes a uma ordem econômica, pressupondo vários competidores

num campo de liberdade de disputas lícitas, objetivando alcançar êxito econômico

ditados e sob as leis de mercado, não podendo sofrer qualquer repressão, abuso do

poder econômico sob a perspectiva da dualidade dos processos decisórios público e

privado.

24. O direito de voto deve ser exercido no interesse da sociedade, superando os interesses

individuais dos acionistas, e, quando estes – acionistas – estiverem em conflito, deve-

se observar os limites traçados pela lei, em favor do interesse comum, do bom direito,

para que não o voto não seja utilizado de modo abusivo, em prejuízo dos direitos dos

demais acionistas, impedindo que seja proclamada decisão que esteja em direção

diversa da disposição legal, violando o objeto social da instituição, correspondendo

não somente uma má pratica, como, pela possibilidade de provocar dissidências entre

os acionistas, gerar insanáveis prejuízos a sociedade empresaria.

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25. Todos devem usar dos direitos com a carga de poder que é detentor, com o fim de

realizar o objeto e o bem da companhia, para que a mesmo possa bem cumprir a

função social da empresa, sob deveres e responsabilidades recíprocos, inclusive para

com os que nela trabalham e colaboram para com a comunidade em geral, atuando

lealmente, respeitando e atendendo o bem comum.

26. A declaração unitária ou esparsa das prerrogativas inderrogáveis dos acionistas

assegurados pela pertinente legislação, quando deve ser manifestada através do voto,

a sociedade empresaria deve previamente divulgar o objeto da convocação e

avaliação, através de publicidade própria da pauta, da ordem do dia para o devido

conhecimento e discussão entre seus pares, evitando sofrer influencias de matizes

diversos, para o merecido exame e reflexão de todos os eleitores, obtendo uma visão

da politica interna da sociedade empresária, especialmente nas proposições que visem

alterar a estrutura, o desempenho da empresa em determinado período ou seguimento,

por mais visionaria que seja.

27. Na hipótese de acordo entre acionistas, este pacto não pode abrigar qualquer ato, e ou

objeto ilícito. O acionista prejudicado nesse ajuste não fica obrigado a seguir a diretriz

lesiva fixada no ajuste. O acordo de acionistas deve seguir a previsão legal, consoante

disposição contida no artigo 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a

guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de

probidade e boa-fé”, preservando o equilíbrio, harmonia entre os interesses dos

acionistas, subordinando-se as decisões dos conselhos, que devem estar a par das

opiniões dos diretores visando atender a companhia, seus acionistas e coletividade,

dando consistência, viabilidade ao funcionamento normal da sociedade pelos

mecanismos funcionais e jurídicos adequados, traduzindo o espirito das leis e o

comportamento ético.

28. O equilíbrio das normas econômicas e financeiras se mesclam com preceitos éticos e

jurídicos, com natural tendência de patrocínio de proteger os mais frágeis, sob os

princípios e agasalhos conferidos às minorias na trincheira da lei das Sociedades

Anônimas.

29. A atuação do acionista controlador deve ser legitima, comportando-se na defesa desse

direito, compatibilizando-se com o poder acionário majoritário, sem menosprezar o

direito e garantias da minoria, executando com justiça, temperança as decisões

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quando em dissidência, tratando todos os acionistas sem distinção, sob tutela da

essência natural da lei e da ordem jurídica.

30. O Conselheiro deve observar seus deveres de acordo com a lei, adequar as postulações

daquele que o conduziu ao órgão, o sócio majoritário/controlador, com eficiência,

oportunidade e conveniência pública, compatibilizando os objetivos empresariais da

sociedade de economia mista, alinhada ao interesse coletivo, extirpando posições

politico-ideológicas, impedindo submissão, a não ser ao do objeto social da

companhia, a qualquer dirigismo partidário e ou ideológico, mesmo quando o

conselheiro convicto de alguma ideológica e ou ordem partidária.

31. Os administradores da sociedade de economia mista, enquanto Diretores e ou

membros do Conselho Administração da companhia, tem deveres para com os

acionistas inclusive os minoritários, e demais interessados na participação,

composição e funcionamento da companhia e dos órgãos, para com os deveres

fiduciários decorrentes da constituição da sociedade empresária, no molde da lei e do

estatuto, sem claudicar, sob pena das sanções, prevenindo-se das sequelas

provenientes das decisões danosas em desfavor dos acionistas e da companhia ou

terceiros.

32. O integrante do órgão da sociedade de economia mista observará a cultura das

relações sociais e jurídicas vinculadas a origem da companhia, com o linheiro enfoque

histórico e contemporâneo, exercitando seus deveres com lealdade em beneficio da

comunidade, consciente que o povo é o verdadeiro outorgante de representação

perante o governante quando presente nos órgãos da sociedade de economia mista.

33. O livre comércio é decisivo para o progresso econômico-industrial integrando o

desenvolvimento da riqueza, adequando-se e conciliando-se com os interesses sociais

do povo dispostos na Constituição Econômica da nação, resultado da civilização

material desenvolvida nos moldes propostos por cada geração, produzindo riqueza

necessária para sobrevivência, transmitindo-a às gerações subsequentes, auxiliando

com a devida proporção e razoabilidade aos povos necessitados, respeitando a

autodeterminação de cada povo.

34. As sociedades anônimas nasceram da reunião de poupanças. A sociedade de

economia mista tem seu capital, pelo menos, parcialmente, constituído por bens do

Estado, amoldada como acionista detentor de ações, preservará não somente o valor

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primitivo do bem objeto na constituição do capital social, promovendo a

rentabilidade, ou o retorno do capital investido, e como ente público dar suporte à

coletividade na procura e melhoria das vidas dessa população ao utilizar o patrimônio

publico para qualquer fim.

35. A sociedade de economia mista não pode olvidar o risco inerente ao caráter

empreendedor, e o objetivo de lucro, e por essa razão o acionista controlador deve

estar atento as imperiosas oscilações do mercado, avaliando constantemente os fatores

de risco, os fundamentos econômicos e financeiros do quanto praticados no mercado.

36. Os dados econômicos e financeiros da companhia são os elementos ensejadores para

a sobrevivência do empreendimento, possibilitando as necessárias modificações para

evitar riscos, perdas e danos (alteration of variance), bem como os fatores de retorno

(valor dos ganhos ou perdas), e duração (tempo do negócio), sendo objeto de

constante negociação entre os participantes da atividade e os acionistas.

37. A partir da Lei nº. 13.303/2016, exige-se que a sociedade de economia mista terá a

função social na realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da

segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.

38. A realização do interesse coletivo de que trata a Lei nº. 13.303/2016 deverá orientar

os gestores para alcançar o bem-estar econômico e social, com alocação eficiente dos

recursos da companhia mista, para atender a ampliação economicamente sustentada

do acesso de consumidores aos produtos e serviços da empresa, encetando o

desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de

produtos e serviços da companhia de maneira economicamente justificada.

39. O Estado-empresário quando compor sociedade empresária deve observar sua

posição e grandeza, além de conviver com as articulações do mercado com a presença

dos investidores convencionais.

40. O Estado-empresário convive com os demais investidores, pessoas naturais, pessoas

jurídicas publicas e ou particulares, trabalhadores, empregados possuidores de

poupança forçada oriunda dos valores em favor dos empregados que compartilham

os depósitos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que

voluntariamente ou não, provocados por “convite” pelo próprio Estado via seus

gestores públicos para aplicar em ações de empresas estatais.

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41. O Estado ao promover a entrada de patrimônio publico e poupança popular no capital

social da sociedade de economia mista, transforma esse acervo em ações da

companhia que fica inserido no mercado de capitais, responsabilizando-se não só pelo

capital no investimento, responde pelo fracasso do empreendimento. Nessas

circunstâncias a companhia compatibiliza os anseios sociais via o governante, e ao

captar a poupança da população, responde pelo seu bem-estar, por ser acionista

responsável, com o dever de lealdade perante a coletividade.

42. O preceito institucionalista da sociedade empresária impõe ao acionista controlador,

no exercício do poder, dar sentido ao relevante interesse da economia nacional, ao

interesse transindividual, desde o momento da constituição da sociedade empresária

estatal a exercitar a atividade mercantil, sob qualquer forma empresarial, publica ou

privada, com deveres semelhança da sociedade empresarial sob regime privado.

43. No conjunto de deveres da sociedade de economia mista, está o do membro do

Conselho de Administração, a observar as rotas de atuação da companhia,

reverenciando a lei, não impondo programas de governo derivados de manto

ideológico, preservando o imperativo legal, institucional, salvo o alvo seja atender a

população a fundo perdido, cujo sentido e molde mais apropriado, a ser praticado

através de empresas estatais, com natureza jurídica mais consentânea para sintonizar

com a coletividade.

44. A atividade mercantil está determinada, na capacidade da sociedade, e se desenvolve

de acordo com o objeto social, e quando praticar ato ultra vires este será ineficaz,

consoante julgado do Excelso Supremo Tribunal, que a: “A firma social não se obriga

perante terceiros pelos compromissos tomados em negócios estranhos à sociedade”

(R. E. nº 361, in R. F. 1/217; R. E. nº 68.104, de 1969). A deliberação do acionista

majoritário / controlador que afrontar os lindes do objeto social, para determinar uma

atuação além do objeto da sociedade, consumado com a complacência dos

administradores, há de ser considerado ineficaz em relação à sociedade, tornando-se

responsável civil, estabelecendo solidariedade entre o controlador e o administrador

(§ 2º, do artigo 117).

45. O controle da empresa estatal deve garantir, resguardar os interesses maiores não só

da Administração Pública; bem cumprir a consecução da finalidade para a qual foi

criada a pessoa jurídica, no correto e bom emprego dos recursos dos acionistas, em

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especial no que tange, ao patrimônio do majoritário / controlador quando advém de

recursos públicos.

46. A representação política tem sentido analógico, para admitir ou até mesmo explicar

sua utilização em situações em que envolve as responsabilidades da Chefia de Estado

Representativo, do Governo Representativo, observando os elementos da

representação na sua substância, a vista de bases racionalistas e fundamentos realistas,

vivenciados na órbita das sociedades de economia mista, sob controle constitucional.

47. Os acionistas podem promover reivindicações quando prejudicados, e de igual modo

a coletividade - o povo - que conferiu representação popular aos governantes que no

poder se afastaram dos ideais da coletividade, e que no exercício politico

prejudicaram a sociedade empresária, sendo os governantes e gestores, controladores

responsáveis com as devidas reparações, quando no exercício poder, foram autores de

decisões prejudiciais aos titulares, detentores de direitos, face os danos sofridos ao

patrimônio coletivo. Dentre as atitudes humanas, tem-se a conduta da lealdade, que é

um comportamento que implica constância, um valor que vai além do servilismo e da

idolatria. A lealdade implica sinceridade nas relações humanas. Ser leal é ser sincero,

é ser franco e honesto.

48. As ordens que levam o membro do Conselho de Administração à submissão, tem

caráter de imposição para atuar somente de acordo com as determinações do

controlador da sociedade de economia mista, orientando o rumo da companhia,

mesmo para atender a algum fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse da

sociedade, como o favorecimento a outra sociedade empresária, brasileira ou

estrangeira, em prejuízo dos acionistas minoritários, reduzindo os lucros ou o acervo

da companhia, com possibilidade de acontecer a liquidação da companhia impróspera,

forçando a transformação, incorporação, fusão, cisão, como opção de solução para

obtenção de vantagem, claudicando perante o mercado de capitais, com indução a

equívocos, especialmente quando levado a aprovar contas irregulares, dar como apto

balanço positivo, acenar ao mercado perspectivas de lucratividade suspeita,

desenvolvendo prática desleal.

49. Não só o acionista que represente certo percentual legal pode promover a defesa dos

seus interesses no âmbito da companhia, também o cidadão, como detentor da outorga

da representação politica, quando se tratar de interesse comum da comunidade na

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sociedade de economia mista, da dominação ab extra, está na alça do dever de

lealdade como integrante do Conselho de Administração, conduzido incorretamente

pelo acionista controlador.

50. Deve-se examinar a limitação dos poderes dos órgãos de administração para expressar

a vontade coletiva perante terceiros, excepcionalmente no âmbito interno da

companhia não elimina a hipótese de representação legal ou convencional, desde

quando o conselho de administração, órgão eminentemente colegial, como dispõem

os artigos 138, § 1º, e 140, caput e inciso IV, da Lei nº. 6.404/76, pode e deve o

conselheiro divergir dos seus pares, mandando consignar na ata competente o seu

voto, entendimento e fundamento, como dispõe o artigo 100 do referido diploma

legal, quanto a matéria deliberada, inclusive para atender a previsão dos artigos 142

e 289 da referida lei, inclusive para fins de publicidade, atendendo com maior

extensão o parágrafo sétimo, sem prejuízo do caput do artigo 289.

51. Por ser a sociedade de economia mista detentora de expressivo capital estatal deve

primar pela função social para atender os interesses da coletividade em que se

encontra inserida, devendo o membro do Conselho de Administração não desprezar

dessa vinculação com o direito custo.

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