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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAO
CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE POS-GRADUAO EM COMUNICAO
LUCANA KERCHEDO AMARAL CAVACATE
Visibilidade na MPB: isotopias na composio musical de Renato Russo e sua atualizao miditica uma abordagem sincrtica
Bauru - SP 2006
RESUMO
Diferentes linguagens se fazem presentes no mundo atual, tornando necessria a reflexo sobre suas possveis leituras. Toda leitura interage com a cultura de um meio e de uma poca; portanto, o sentido no contexto de cada leitura valorizado perante os outros objetos do mundo, com os quais o leitor tem uma relao. Teorias sobre a recepo do texto e sobre o leitor, de H. Jauss e W. Iser, alm de critrios para uma eficaz anlise da imagem, definidos por M. Jolie, portam-se como as principais bases para a fundamentao terica dessa pesquisa. A presente dissertao destaca, como objeto de estudo, uma composio musical de Renato Russo, "Cano do Senhor da Guerra", e catorze imagens retiradas da mdia impressa, especificamente a Revista Veja. Lana, como flecha a incitar dvidas, uma isotopia entre ambos os discursos, o sema guerra, levantando a questo: pode o verbal, expresso pela composio musical, ser atualizado pelo no-verbal? Esse questionamento firma-se como objetivo maior da pesquisa, sobre o qual so tecidas conjecturas e inferncias, as quais, embora cientficas, no tm o objetivo de postular, mas de oferecer alguns parmetros de leitura sincrtica, valendo-se da ligao imanente entre texto e contexto. Ao serem levantados pontos de ancoragem entre ambos os discursos, aponta-se a pluralidade textual, alcanada pela crtica leitura de diferentes linguagens. De acordo com essas consideraes, pontua-se que, estando na era da imagem, necessrio promover uma competncia crtica nos leitores das mesmas, alm da capacidade interlocutiva, onde o leitor crtico far, sozinho, a intertextualidade entre diferentes estruturas textuais, alicerado em bases cientficas; porm, ousa-se afirmar que, qualquer que seja a linguagem a ser apreendida, s ser significativa quando o receptor da mesma realizar a construo do sentido.
Palavras-chave: Comunicao verbal. Comunicao no-verbal. Linguagens. Mdia. Leitura. Recepo.
ABSTRACT
Different languages presents in the current world are done, making necessary the reflection about their possible readings. All reading interacts with the culture of a way and of a time. Therefore, the sense in the context of each reading is valorized by the other world objects, with the ones the reader has a relation. Theories about the text reception and about the reader, of H. Jauss and W. Iser, including criteria for an image effective analysis, defined by M. Jolie, behave as the main bases for theoretical support of this research. This dissertation highlights, like study object, a Renato Russo's musical composition, "Cano do Senhor da Guerra", and fourteen images taken off the printed media, specifically from the Veja magazine. Presents, like an arrow to produce doubts, an isotopic between both the speeches, the word war, lifting the matter: can the verbal, expressed by the musical composition, be update by the not-verbal? That question is the greatest goal of this research and about it we can make premises and inferences, which ones, although scientific, do not have to goal of postulating, but of offer some syncretism reading parameters, being worth itself of the immanent connection between text and context. When being lifted anchorage points between both the speeches, points the textual plurality, reached by the different languages critical reading. According to these considerations, punctuates that, being in the images age, it is necessary to promote a critical competence in the readers of the same, besides the specific capacity, where the critical reader will do, alone, the intertextual between different textual structures, supported by scientific bases; however, whatever the language to be learned, only will be significant when the reciver of the same make the sense.
Key-words: Verbal communication. Non-verbal communication. Languages. Media. Reading. Reception.
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INTRODUO
Toda boa histria , est claro, uma imagem e uma idia, e quanto mais elas estiverem entremeadas melhor ter sido a soluo do problema.
Henry James
O mundo em que vivemos est, indubitavelmente, envolvido em uma
semiose comunicacional. Diversas vertentes do processo comunicao marcam
presena no nosso dia a dia; percebemos, a cada momento, o entrelaamento entre
diferentes linguagens e vemos o quanto o entendimento humano facilitado pelo
livre trnsito que possamos executar entre elas.
Aqui entra a temtica da recepo: como receber informaes
semelhantes, em diferentes linguagens, estabelecendo as relaes de diferena e
semelhana, alm de compreender, de forma crtica e consciente, a mensagem que
as mesmas nos passam? A Esttica da Recepo privilegia a experincia esttica e
o receptor que a vivencia. Ora, como vamos utilizar, na presente pesquisa,
diferentes tipos de linguagem, precisaremos ter a teoria citada como nossa
ancoragem terica.
Tendo por objeto de estudo uma composio musical de Renato Russo e
algumas imagens miditicas extradas da revista Veja, procuraremos nos portar
como leitores crticos de tais obras; entraremos, tanto na msica, como nas fotos,
pela tica do receptor, tentando desvendar como as mesmas se entrelaam no
nosso dia a dia, captando as relaes existentes entre ambas.
Para a Esttica mencionada acima, o receptor fundamental, no por
enfatizar o sujeito, mas porque no intrprete que a obra se realiza; qualquer que
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seja a linguagem a ser apreendida, na perspectiva da recepo, s significativa
quando o receptor da mesma realiza a construo do sentido.
Segundo Jacks (1995, p.153), ...o tema recepo leva o indivduo a dar
conta dos elementos simblicos que realizam o contato do indivduo com seu campo
social. Isso nos aproxima muito de Jauss (1994), pois vemos o leitor implicado em
seu contexto scio-histrico-cultural, interagindo com o mesmo, recuperando-o e
validando a experincia receptiva.
Na opinio de Greimas e Courts (1979, p. 246), ...isotopia designa a
recorrncia de categorias smicas, quer sejam estas temticas ou figurativas. Como
receptores, analisaremos as interaes entre as isotopias presentes na composio
musical do cantor e compositor Renato Russo, usando apenas uma de suas
msicas, Cano do Senhor da Guerra e a mdia impressa, exemplificada pelo
imagtico da revista Veja.
Denotamos, ento, que temos aqui trs tipos de linguagens: a verbal
(letra da msica), a no-verbal (imagtico da revista) e a musical. Sendo assim,
devemos caminhar em direo textura dos textos, pois todo texto um tecido de
vozes, possuindo uma heterogeneidade enunciativa ou promovendo um
interdiscurso:
Interdiscurso a relao de um discurso com os outros. Para Maingueneau, o interdiscurso tem lugar especial no mundo do discurso: ao tomar o interdiscurso como objeto, procura-se apreender no uma formao discursiva, mas a interao entre formaes discursivas diferentes. Nesse sentido, podemos dizer que todo discurso nasce de um trabalho sobre outros discursos. (BRANDO, p. 90)
Nesse ponto entra a leitura de recepo implicada no texto; segundo Iser
(1996) todo texto j traz virtualmente implcito seu receptor, inscrito em orientaes
prvias para sua apreenso por um receptor real. Nosso destinatrio, ou leitor, um
ser que no recebe uma simples mensagem reconhecvel a partir de cdigos
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compartilhados e sim de prticas textuais oriundas da sua cultura. Para isso, l as
mensagens na sua intertextualidade, ou seja, ele d nfase dimenso simblica e
aos sentidos produzidos como conseqncia.
Entende-se como intertextualidade a existncia de semiticas (ou de
discursos autnomos), no interior dos quais se sucedem processos de construo,
de reproduo ou de transformao de modelos, mais ou menos implcitos.
(GREIMAS; COURTS, 1979, p. 242).
Para exemplificar isso, veremos a fotografia como um sistema plstico,
articulado com um sistema verbal e oral (a letra da composio musical e a melodia),
compondo um texto sincrtico. Partindo desse pressuposto, o sentido do texto deve
ser determinado nas relaes estabelecidas entre os sistemas. Assim sendo, h a
possibilidade de se realizar a apreenso do efeito esttico, que aquilo que nos
acontece atravs dos textos, requerendo incurses a contextos de recepo.
Ao usarmos o processo de interlocuo, mostraremos a pluralidade do
texto no-verbal. Ele se alia a outras estruturas textuais, diversas do contexto no
qual se insere. Em nosso caso, trata-se da revista Veja e o texto no-verbal,
veiculado nela, para gerar nova significao. As imagens, como a histrias, nos
informam. Os mais antigos filsofos, como Aristteles, mostraram que todo processo
de pensamento requer imagens. Assim sendo, ao desvincularmos as imagens da
Veja do seu texto informativo, elas mesmas servem-nos como informaes de fatos.
E informaes, muitas vezes, prendem-se ao nosso universo cultural e referencial.
Percebemos, aqui, a importncia de texto e contexto na presente pesquisa.
Novamente, a palavra recepo. Cada receptor de imagens encerra, em
si, uma experincia receptiva. Ele acrescenta, ao que v, sua grade de informaes
particulares, ou seja, seu ponto de vista, sua experincia de mundo que chamamos
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de real. Nada desprovido de antecedentes. Portanto, ao selecionarmos as
imagens utilizadas, examinamos nosso repertrio e aliamos a composio musical
escolha feita. O texto remete-nos ao contexto e vice-versa, que, na obra literria,
deixa de ser temporal, historicamente falando, para universalizar-se e perder as
amarras com o contexto gerador do mesmo.
As obras a serem analisadas tm um profundo vnculo com o grande
pblico. A composio musical em foco tem letra e melodia com fortes tendncias a
alcanar a popularizao, podendo mudar a estrutura social, em virtude da
significao que impregnam a velhas estruturas, remodelando-as de acordo com as
necessidades vigentes dentro do contexto scio-econmico-cultural, ao qual se
acham vinculadas. O imagtico de uma revista como a Veja, por sua vez, que circula
nacionalmente, atendendo a diversos pblicos e diversas mentalidades, atinge
tambm seu alvo, apesar da referencialidade a qual se submete a obra fotogrfica.
Todavia, no podemos esquecer que ela se submete, tambm, ideologia do seu
enunciador.
Tendo a revista Veja como contraponto de anlise, destacamos a sua
popularidade, referencialidade e grande circularidade em nvel nacional. Ela sempre
foi fonte de informaes precisas, atingindo um pblico selecionado, porm seleto e
fiel, sendo, tambm, portadora de notcias nacionais e mundiais. Ela traz, ao seu
leitor, um contato mais ntimo com a realidade, at mesmo quando est distante
dele, espacial e referentemente, como nas notcias internacionais. O universo
denotativo e conotativo onde esto inseridos seus textos, verbais ou no, interfere
na vida do leitor que, independentemente das suas prprias convices scio-
poltico-religiosas, consegue vislumbrar, atravs desse recurso miditico, novos
pontos de vista.
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Ou seja, a Veja pode ser vista como mdia criadora de opinies e de
modos de viver e sentir o contexto em que atua. Os pontos de vista, mencionados
acima, baseando-se na mdia impressa escolhida, a revista Veja, vo expressar a
ideologia da sua editoria; sendo assim, nosso segundo captulo tentar definir alguns
padres ideolgicos assumidos pela linha editorial da Veja. Porm, ambos os
discursos a serem estudados esto inseridos em realidades especficas, que podem
conduzir os destinatrios dos mesmos aceitao de valores que eles querem
impor. Caminharemos, pois, em relao ao contexto scio-histrico e formao
ideolgica nas quais os discursos citados se encaixam.
vlido mencionar que trabalharemos, com relao revista citada, com
simulacros, ou seja, no a realidade em si, mas sim os efeitos de sentido e de real
que as notcias provocam em seus leitores. Cabe a anlise a ser feita descobrir e
apontar quais efeitos so esses e explicitar algumas tcnicas trabalhadas para cri-
los, atravs do captulo que ser dedicado ao estudo pormenorizado das imagens.
Para chegarmos recepo dos discursos, precisamos entender a
competncia expressiva de ambos. Os interlocutores dos mesmos tm de pressupor
a existncia de um entendimento prvio quanto s razes que os levam a dizer
aquilo que dizem e a maneira como dizem. Segundo Brando, ...interlocuo o
processo de interao entre os indivduos atravs da linguagem verbal ou no-
verbal. ([19-], p. 91).
Segundo essa competncia, necessrio verificarmos os silenciamentos,
os no-ditos, os implcitos e os interditos, principalmente no discurso no-verbal.
Haver, entre os interlocutores, um mesmo universo de sentido? Aqui entra a
empatia (que no exige que os interlocutores experimentem os mesmos sentidos,
mas, em situaes idnticas, saibam que possam experimentar).
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O porqu da escolha do compositor Renato Russo se deve noo de
imortalidade que o mesmo representa junto a nossa cultura popular, pois mesmo j
tendo falecido e sua imagem fsica no se fazendo presente ao pblico de forma
constante, seja atravs de shows, entrevistas e afins, ele deixou uma obra imortal.
Ainda hoje, decorrida quase uma dcada de sua morte, legies de fs celebram sua
genialidade musical, propagam suas letras, vestem a bandeira ideolgica levantada
pelas mesmas, inauguram sites na internet em seu louvor e formam bandas cover,
cujo nico intuito continuar a devoo ao seu dolo.
O interessante e realmente digno de nota sua popularidade, que no se
vincula a apenas uma faixa etria, quelas pessoas que eram jovens na poca em
que ele fazia sucesso e hoje j so de meia-idade. Ele se alou a isso, pois vemos
crianas, jovens, adultos e velhos cantando e imortalizando suas msicas, usando-
as em novelas, propagandas, campanhas, ouvindo-as em rdios, festas. Enfim,
percebemos que o dolo , ainda hoje, presente na vida dos seus fs. A que se deve
a razo desse culto? Essa tambm uma das indagaes que esta dissertao
tentar responder.
Tendo, cautelosamente, tentado explicar os antecedentes da nossa
escolha, os motivos que nos levaram a eleger semelhante corpus (a composio
musical Cano do Senhor da Guerra e imagens da Veja dos anos de 1985-1992 e
2003), podemos definir nosso problema: a composio musical uma linguagem
verbal e altamente generalizante. Ela possui vocbulos que, sinttica ou
semanticamente, no indicam algo ou algum, podendo at ser considerada literria.
Em qualquer tempo que for lida ou cantarolada, sob novo contexto, pode a
generalidade da mesma ser atualizada pela linguagem no-verbal, especfica e
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individualizadora? Neste trabalho, essa atualizao ser encontrada em um
paralelismo entre a letra da composio musical e fotos da Veja.
H razes para termos escolhido apenas essa msica, dentre o vasto
repertrio de Renato Russo, alm de recortarmos apenas as imagens da Veja, sem
seu texto. O contexto histrico o ano de 2003, poca de grande conflito entre EUA
e Iraque (foi quando descobrimos que texto e imagem se aliavam, de forma
interessante). Alguns meios de comunicao, como as emissoras de rdio do Estado
de So Paulo, tocavam muito a msica Cano do Senhor da Guerra. Ela introduzia
as notcias sobre o conflito; nessa mesma poca, a revista Veja ofertava, aos seus
leitores, imagens semanais sobre o citado conflito. Ao olharmos essas imagens e
analisando-as de forma crtica, percebemos que as mesmas falavam muito mais
que seus textos verbais; fotos de soldados ou comandantes da guerra abalavam o
mundo.
No h como, no universo de referncias que temos sobre o contexto
mundial no qual estamos inseridos, desvincular informaes anteriores das
recebidas mais recentemente. Formou-se, ento, um campo semntico propcio
interpretao cientfica da guerra, com duas estruturas textuais diferentes: letra da
msica e imagens da revista. Ambas abordavam esse mesmo tema, cada qual a seu
modo.
Procedeu-se, ento, a anlise textual, usando, para a mesma, teorias de
anlise da imagem. Percebemos que, mesmo recortando as imagens do contexto
verbal da revista Veja, elas se encaixavam como ilustraes dessa composio
musical. A partir de tal inferncia, comeamos a escolher as imagens da revista
citada que melhor se amoldassem letra musical. Assim, ancorava-se o no-verbal,
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do mesmo modo que o atualizava, com novos rostos, novos exrcitos, novos
comandantes.
Buscamos, ento, informaes sobre a msica, seu ano de produo, sua
divulgao. Foi a que percebemos que havia disparidade entre o ano de produo e
ano de publicao da mesma (1985-1992, respectivamente). Todavia, em ambos,
ocorriam guerras envolvendo o mesmo ponto geogrfico. Estava, portanto, a isotopia
semntica definida e estabelecida. Caminhamos, depois disso, em busca da
intertextualidade entre texto e contexto.
Desse ponto, surgiu nosso objetivo maior na presente dissertao:
mostrar, de forma sincrtica, a atualizao da composio musical de Renato Russo
atravs da mdia impressa, valendo-nos da ligao imanente entre texto e contexto.
Muitas vezes, ao lermos imagens, atribumos a elas uma vida infinita. No caso de
nosso estudo, as imagens aliaram-se ao texto verbal, individualizando-o, ilustrando-
o. Saram do papel da revista e fizeram parte da narrativa blica transmitida pela
msica.
Validando nosso objetivo maior, busquemos apoio em Iser: ...os textos s
adquirem sua realidade ao serem lidos. Isso significa que as condies de
atualizao do texto se inscrevem na prpria construo do texto, que permitem
construir o sentido do mesmo na conscincia receptiva do leitor. (1996, p. 16).
Ainda justificando, de forma cientfica, nosso intento: No consideramos
o texto, aqui, como um documento sobre algo que existe seja qual for sua forma
, mas como uma reformulao de uma realidade j formulada. Atravs dessa
reformulao advm algo ao mundo que antes nele no existia. (ISER, 1996, p. 16).
Em imagens fabricadas pela mdia, do ponto de vista da recepo,
sabemos que o pblico-alvo preexiste s mesmas, como uma construo que pode
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atualizar-se em diversos receptores implcitos. Ao abordar, de forma interpretativa,
tais imagens, se abre um campo de possibilidades de recepo; cada imagem
enseja apropriaes particularizadas, em contextos culturais diversos. A leitura de
tais imagens deve ser pautada na contextualizao social, cultural e histrica do
receptor que a realiza.
Tal teoria, a do leitor implcito, de Iser (apud JOUVE, 2002, p. 14), aponta
o leitor como pressuposto do texto, reagindo no plano cognitivo, onde cada nova
leitura interage na atualizao da obra. Isso mostra que cada foto disseca e tambm
dissemina ainda mais o verbal, afetando o leitor. Assim sendo, o termo criado
verbalmente, senhor da guerra, j est sendo usado por outras revistas, como a
poca, por exemplo, para designar o atual presidente dos EUA.
Toda leitura interage com a cultura de um meio e de uma poca. O
sentido no contexto de cada leitura valorizado perante os outros objetos do mundo,
com os quais o leitor tem uma relao. Na presente dissertao, o verbal nos remete
ao sema guerra, sendo que, na poca na qual a msica foi feita, 1985, acontecia
uma guerra, a do Afeganisto, alm de conflitos entre Israel e Lbano, onde vrias
potncias mundiais tentavam intervir. Na poca de sua divulgao, 1992, conflitos
entre EUA e Palestina afligiam o mundo. Em 2003 (e at hoje), acontece a guerra
dos EUA contra Iraque. Coincidentemente, os lugares atacados pertencem ao
mesmo territrio geogrfico e mobilizam a ateno do mundo. O plano imagtico
interage com o cotidiano mundial, perpassando, atravs de fotos, o contexto no qual
a msica se insere. Isso infere a ancoragem na qual nos apoiamos, o
entrelaamento entre texto e contexto.
Ora, as imagens no foram escolhidas aleatoriamente, conforme j
explicamos, mas sim dentro do contexto histrico-scio-cultural da msica. Para a
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seleo das mesmas, usou-se o sema retirado do verbal, guerra, e todas as imagens
saram da mesma revista, que a Veja. Procuramos, no verbal, isotopias, as quais
ocorrem quando os signos textuais nos remetem para um mesmo lugar, e as
comprovamos atravs do no-verbal. Tentaremos assumir deveres filolgicos na
intertextualidade dos dois discursos: procuraremos, no no-verbal, as coordenadas
dadas pelo autor do verbal. Desta forma, no correremos o risco de decodificaes
absurdas.
Usando uma metodologia de pesquisa com base descritiva-dedutiva,
partiremos do binmio guerra-paz, que atravessa o conjunto semntico dos
discursos selecionados, percebendo a correlao entre os dois termos, visando
chegar a um nvel imanente e estrutura dos mesmos. Ressaltamos que essa
estrutura semntica com quatro elementos (guerra, no-guerra, paz e no-paz)
peculiar do conto popular da passamos msica popular, ttulo da presente
dissertao. Seria a mesma estrutura o alvo da sua visibilidade? Se a arte
atemporal, seria esse texto verbal, nesse particular, um texto literrio-artstico?
No podemos deixar de citar o meio pelo qual a composio musical
atingiu milhares de pessoas: o rdio. A msica, tocada por inmeras emissoras, de
canto a canto do pas, foi difundida de forma mais rpida. Sendo o rdio um
extraordinrio e barato meio de comunicao, promove o acesso de milhes de
pessoas e aqui no importa classe social ou cultura, atinge a todos sem distino.
Vale lembrar que, em 1930, j havia aproximadamente 14 milhes de aparelhos de
rdio em uso pelo mundo, sendo essa fase denominada idade de ouro desse meio
de comunicao.
J na dcada de 50, com o surgimento do rdio transistor, alm do
desenvolvimento de rdios para automveis, a msica popular ganhou destaque,
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sendo item para consumo da populao de maneira geral. E, na memria, as
imagens que o rdio evoca subsistem tento quanto as palavras que ele oferece.
Deduzimos, dessa informao, que a msica estudada, sendo repetidamente tocada
por emissoras, entrou, de alguma forma, na cabea dos seus ouvintes,
promovendo um dilogo com os mesmos, criando at sua prpria visibilidade.
Haveria semelhana entre ela e as imagens miditicas da poca?
Esperamos, com esse estudo, promover uma competncia crtica, onde
se possa mergulhar, com profundidade, na leitura dos discursos, na teia de sentido
que eles entrelaam, atravs dos exemplos de anlise que aqui sero
demonstrados. Sendo as fotos miditicas modelizadoras da prpria realidade,
seguindo os padres de seus enunciatrios, procuraremos explicitar, ao nosso leitor,
os processos de conotao que produzem a modificao do real. Estamos na era da
imagem; nada melhor que elucidar leitores naves para que modifiquem essa
postura.
Em suma: ao mostrarmos a atualizao do literrio atravs do miditico,
atravs do paralelismo entre verbal e no-verbal, deixaremos modelos de anlise
para futuros pesquisadores, os quais devem evitar o subjetivismo, entendendo as
particularidades dos discursos citados atravs de uma abordagem terica.
Tentaremos auxiliar o ato de leitura, deixando parmetros cientificamente
estruturados, provando que texto e contexto se aliam de forma imanente,
provocando assim, no ser humano, uma vontade salutar de compreender e
decodificar seu prprio mundo, bem como as linguagens que ele apresenta, atravs
de leituras provveis que possa realizar.
Nosso primeiro captulo tem como ttulo O contexto situacional: Renato
Manfredini Jr. e seu texto. Nele explicada a escolha sobre o referido autor, alguns
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dados relevantes sobre sua vida, para que seja entendida sua obra, alm de uma
anlise detalhada da composio musical, a qual representa o texto verbal da
presente dissertao.
O segundo captulo, intitulado O contexto miditico: Revista Veja e suas
imagens, mostra a ideologia assumida pela revista citada, uma entrevista com seu
redator-chefe, assim como informaes tcnicas de produo e gerao de sentido
nas suas imagens, esboando um breve histrico sobre fotografia e dois grandes
elementos significantes na mesma: a cor e o gesto.
O terceiro e ltimo captulo, As interfaces dos contextos: a msica e a
imagem, realiza a intertextualidade entre o verbal e no-verbal, detendo-se em uma
minuciosa anlise das imagens escolhidas. O dialogismo entre ambos os discursos
far reconhecvel o objetivo principal da dissertao, conforme exposto no corpo
desse texto.
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1 O CONTEXTO SITUACIONAL: RENATO MANFREDINI JNIOR E SEU TEXTO
preciso amar as pessoas, como se no houvesse amanh...
Renato Russo
Dedicaremos esse captulo explorao da vida do compositor estudado,
englobando assim a sua obra e toda influncia que a perpassa, bem como o estudo
detalhado da sua composio verbal, a qual foi o grande alicerce de nossa anlise.
Vale ressaltar que Renato Manfredini Jnior, vulgo Renato Russo, tem,
at hoje, aps nove anos do seu falecimento, fascnio junto ao pblico. Qual seria o
motivo de tamanha adorao? A que pblico se destinam suas composies
musicais? Seriam, as mesmas, instrumentos de uma ideologia ou mecanismos para
combat-la? As linhas que se seguem pretendem, modestamente, responder a
esses e outros questionamentos.
Figura 01 foto do compositor Renato Russo
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1.1 Vida
Sendo parte do nosso corpus de pesquisa a composio musical Cano
do Senhor da Guerra, no seria salutar para a presente dissertao a no
abordagem do seu compositor, o cantor Renato Russo. Entendemos toda
composio musical como parte significante em um contexto scio-histrico-cultural
e assim abordaremos compositor x poca neste captulo.
Renato Manfredini Jnior1 nasceu no dia 27 de maro de 1960, na zona
sul do Rio de Janeiro. Morou na Ilha do Governador, bairro de Leopoldina, tendo pai
economista do Banco do Brasil e me professora de Ingls. Sendo sua famlia
integrante da classe mdia alta brasileira, teve boa educao e grandes
possibilidades culturais, indo morar, aos sete anos de idade, em Nova Iorque,
cidade na qual seu pai faria um curso de especializao profissional.
Voltando ao Brasil, por volta dos seus treze anos de vida, foi morar em
Braslia, capital de nosso pas. Por volta dos quinze anos de idade teve
epifisilise (doena que ataca os ossos), voltando a caminhar somente aos
dezessete anos. Profissionalmente, foi professor de Ingls (at sendo responsvel
pelo discurso de acolhida ao prncipe Charles, da Inglaterra, quando o mesmo visitou
nosso pas), programador de rdio e jornalista, antes de ingressar na carreira
artstica.
1Disponvel em: . Acesso em: 05 jan. 2005.
http://www.jbonline.terra.com.br/inter/musicali/especiais/renatorusso
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1.2 O nome
O porqu do nome Renato Russo tem origem curiosa, j denotando a
bagagem cultural do seu portador. Russo uma homenagem coletiva ao filsofo
Jean-Jacques Rousseau, ao pintor Henri Rousseau e ao filsofo Bertrand Russel.
Realizando uma pequena abertura nessa homenagem, podemos visualizar em que
tais personagens da histria da humanidade ocidental colaboraram na ento
personalidade em formao do nosso cantor.
Jean-Jacques Rousseau, filsofo iluminista, defendia a razo como guia
infalvel da sabedoria, o universo como mquina governada por leis inflexveis, a
estrutura perfeita da sociedade sendo a mais simples possvel, sem a perpetuao
da tirania do clero e dos governantes e a no existncia do pecado original. O
Iluminismo buscaria sempre tudo aquilo que s se confirma pela razo.
Bertrand Russel foi um filsofo que pertencia ao crculo de Viena, o qual
desenvolveu teorias de carter neo-positivistas, reduzindo a filosofia ao estudo dos
fatos cientificamente verificveis, declarando irrelevantes os pseudo-problemas
metafsicos. No existia, para tal crculo, juzos a priori, mas sim a posteriori. Russel
dedicou grande parte da sua vida a estudos envolvendo a lgica-matemtica.
J Henri Rousseau foi um grande pintor, elogiado por gnios como
Picasso, Apollinaire e Braque, cuja obra tem um certo carter surrealista; os seres
que criou so, at hoje, produtos de uma imaginao frtil, buscando uma
representao do invisvel. grande representante da Arte Naf, que a arte da
espontaneidade, da criatividade autntica, instintiva, onde o artista expande seu
universo particular. A esse gnero de arte pertence a pintura de artistas sem
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formao sistemtica; o artista naf no se engaja em escolas artsticas e no se
preocupa em preservar as propores naturais nem os dados anatmicos corretos
das figuras que representa. As caractersticas gerais dessa arte so: composio
plana, bidimensional, sem perspectiva geomtrica linear e pinceladas com muitas
cores.
Deduzimos, dessa breve explanao, que Renato Russo tinha bagagem
cultural suficiente para tirar seu sobrenome artstico de tais influncias. No foi mero
acaso que o fez escolher as trs personalidades histricas citadas: a escolha o
desvenda como ser extremamente realista, que via os fatos sem o verniz social ou
hipcrita que a sociedade, s vezes, imprime a eles; entendia o mundo ao seu redor
de forma racional, onde explicaes oriundas do cu no merecem importncia; e
mostrou-se um tanto sensvel, ao admirar um pintor como Rousseau, que colocava,
nas obras, o que lhe comovia ou instigava intimamente. Entender seu sobrenome foi
de grande valia presente dissertao, pois um autor de obras que afetam o pblico
no pode ser visto isoladamente do seu repertrio scio-econmico-emotivo-
intelectual.
Detectamos tambm, aqui, uma diviso: Renato Manfredini e Renato
Russo eram duas pessoas diferentes. O primeiro teve uma vida complicada, com
muitos traumas, incertezas e inseguranas. O segundo j comeou forte, seguro,
talentoso e carismtico. Percebemos o binmio vida x carreira caminhando em
rumos diferentes e fundindo-se apenas na essncia.
1.3 Influncia cultural
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Podemos ainda afirmar, concisamente, que tamanha influncia cultural foi
a responsvel pelo tom crtico de toda sua obra, principalmente nos primeiros anos
dela, onde o questionamento de suas composies musicais levou seu pblico-alvo
ao delrio e adorao. E por denotar ser um artista engajado em seu meio, sua
poca e sua cultura, ele tentou usar grande apuro estilstico em suas composies
musicais, levando, muitas vezes, grande tempo para compor uma nova obra
(demorou um ano, por exemplo, para fazer a letra da msica ndios). Usava tambm
muitas metforas que, se no eram entendidas pelo seu pblico na ntegra, eram
repetidas de forma incondicional. A poesia presente em suas composies
encantava a todos os seus fs.
Renato sempre possuiu uma inclinao pelo punk, ouvindo Beach Boys,
Jefferson Airplane, Bob Dylan e Leonard Cohen, alm de The Clash e Eddie and the
Hot Rods. Formou sua primeira banda com pessoas da mesma classe social que a
sua, sendo seu guitarrista filho do embaixador brasileiro na frica do Sul. Depois
disso formou, com Marcelo Bonf, uma nova banda chamada Legio Urbana, devido
ao fato de chamarem integrantes de bandas locais para a voz e a guitarra,
possuindo formaes diferentes, urbanas. Em 1982, com integrantes fixos,
comearam a se apresentar em shows: Renato Russo, Marcelo Bonf e Dado Villas-
Lobos (Renato Rocha, outro integrante, ficou com a banda s at 1989). Porm, s
em 1984, com a ajuda do jornalista Jos Emlio Rondeau, fizeram seu primeiro
disco, que venderia, de incio, 50 mil cpias.
1.4 Popularidade
28
Um dos questionamentos dessa dissertao tentar entender por que at
hoje, nove anos transcorridos da morte de Renato Russo (1960-1996), as msicas
do grupo Legio Urbana, na sua maioria compostas por ele, continuam contagiando
to grande pblico, sendo cantadas por jovens, adultos e at pessoas de terceira
idade. H sites infinitos na internet sobre Renato; s em um buscador, Google, h
96.600 pginas sobre ele. H tambm, na web, 140 sites sobre o compositor. O CD
acstico da MTV, lanado em outubro de 1999, vendeu um milho de cpias,
obtendo o segundo lugar entre os mais vendidos, mesmo sem a presena fsica de
Renato e com o grupo j desfeito.
Renato Russo era extremamente culto e independente financeiramente,
Mas era, tambm, homossexual assumido, dependente de drogas e lcool. No final
do ano 1990, descobriu-se portador do vrus da Aids, mantendo isso em segredo do
seu pblico, ao contrrio de outros artistas, como Cazuza, que assumiram, perante
gigantescas platias, o mesmo problema. A partir da descoberta, tornou-se
melanclico e depressivo, tendo apenas por companhia, nas ltimas semanas de
vida, seu pai e um enfermeiro, recusando-se mesmo a ingerir o coquetel de drogas
que sua doena exigia. Entregou-se solido e, conseqentemente, morte, atitude
considerada covarde pela grande maioria das pessoas. Dois extremos, duas faces
de uma mesma moeda nada que justificasse ou angariasse pessoas para o seu
lado, nem pela sua condio material, muito menos pela sua condio fsica ou
emocional.
Como explicar sua ampla afinidade com o pblico? No pode se dizer,
pelas caractersticas citadas, que sirva de paradigma a uma gerao; muito menos
que seu exemplo de vida configure-se em atitudes futuras de outras pessoas. Mas
isso aconteceu, deixou rastros, criou legionrios. Seria, ento, o motivo de sua
29
idolatria por tantas geraes, o estilo de sua composio musical? Segundo ele
mesmo ... rock atitude, no moda. msica da frica; no msica americana.
Tem no mundo inteiro. (1994)2.
Segundo o prprio Renato Russo, ao elaborar composies para o
terceiro disco, ele se sentiu travado, pois tinha desconforto ao se imaginar o porta-
voz da juventude que o cercava. Disse, em 19863: Escrevo justamente porque no
sei. No quero que minha opinio sobre temas controvertidos, drogas por exemplo,
influenciem outras pessoas.
Entretanto, mesmo no sendo de forma intencional, ele trazia, para as
pessoas, temas como conflitos entre pais e filhos, relacionamentos, poltica, alm de
inserir citaes bblicas, budismo, frases extradas de escritores antigos, como do
portugus Nuno Fernandes Torneol (sculo XIII) ou do alemo Johann Pachelbel
(sculo XVII) e at de Lus de Cames em suas composies. Seu pblico-alvo era
lanado, de forma inconsciente e precisa, em um universo cultural extenso. Sua
liberdade para falar sobre temas sexuais tambm foi fator decisivo na conquista do
pblico, pois o pas enfrentava uma poca de liberdade, havamos sado de um
perodo longo, 21 anos, de ditadura militar (conforme explicaremos mais adiante na
pesquisa) todos os temas proibidos neste perodo eram agora revelados atravs
das suas canes irreverentes, crticas e fortemente indagadoras. As letras falavam
sobre tica pblica e privada, diferentes questes que so comuns em nosso dia-a-
dia, porm s prestamos ateno a elas ao serem ditas por outras pessoas.
Segundo ele, ... minha gerao sempre foi tachada de vazia e idiota; eu no podia
2 Depoimento extrado de entrevista disponvel em: . Acesso em: 01 fev. 2005. 3 Id. Ibid.
http://www.legiaourbana.com.br>
30
fazer uma besteira (1992)4. Russo mesmo declarou que suas letras eram
atemporais, como versos de Fernando Pessoa ou Drummond e essa afirmativa, do
prprio compositor, serve de argumento incisivo para a defesa de um grande
objetivo da nossa dissertao.
A atemporalidade uma caracterstica que denota personalidade artstica
a arte atemporal. Renato tinha sensibilidade suficiente para entender que suas
composies eram diferentes das demais de sua poca; entendia-se como
verdadeiro autor de obras de arte, que o perpetuariam pelo tempo, envergando sua
bandeira ideolgica por futuras e sucessivas geraes. Nada de modismos ou
empolgao momentnea; era a sensibilidade gerando fs, a arte alando adeptos,
cada vez mais.
Uma das grandes concluses, deste captulo da dissertao, que talvez
explicite melhor e de forma ousada o motivo da perpetuao e do sucesso que
Renato Russo tem, at hoje, que ele no era apenas compositor e cantor, mas sim
exercia o seu papel de cidado de forma consciente, participativa. Tinha uma viso
questionadora e instigante do mundo, com uma pluralidade de experincias vividas,
lutando contra as drogas, lcool, enfrentando os preconceitos por ser homossexual,
externando grande rebeldia, como se fosse um afrontamento aos seres humanos
normais. Isso criou a idia do mito ele foi mitificado ainda em vida. Vale ressaltar
que at os encartes dos seus discos incluam pginas para divulgao de entidades
humanitrias. Em 1994, ele doou uma parte da quantia arrecadada com a venda do
CD Stonewall celebration concert para a Ao da Cidadania contra a Misria e pela
Vida, do socilogo Herbert de Souza.
4 Depoimento extrado de entrevista disponvel em: . Acesso em: 01 fev. 2005.
http://www.legiaourbana.com.br>
31
Alm disso, h, em suas composies musicais, simbolismo, romantismo
e surrealismo, aliados a um vocabulrio particularmente bem elaborado e rico; seu
lirismo impressiona isso torna-se uma receita que acaba despertando interesse por
parte do pblico, principalmente em uma poca onde buscava-se a verdade, a
liberdade. A harmonia das suas msicas, baseada muitas vezes em poucos acordes
para criar contornos e saltos meldico-harmnicos, mostra um modo de unir letra e
melodia de forma original.
De maneira pouco usual a artistas lderes de bandas, at seu falecimento,
em 1996, provocou estranhamento em pessoas que nem o conheciam, devido
ampla cobertura feita pela imprensa, como jamais seria imaginado: cadernos
especiais nos maiores jornais do pas e metade do Jornal Nacional, da TV Globo,
falando sobre sua vida e seus funerais. At os dias de hoje, FMs tocam muito suas
msicas, as quais aparecem ainda como temas em novelas de grande audincia e
seus CDs tm recordes de vendas (12 milhes em 15 anos). H livros lanados
sobre o compositor, alguns com grande tiragem de exemplares como o da jornalista
Simone Assad (2000) Renato Russo de A a Z ou o do colunista do jornal O
Globo, Arthur Dapieve (2001) Renato Russo: o trovador solitrio. O produtor
musical Lus Fernando Borges e o cineasta Antonio Carlos da Fontoura pretendem
lanar o filme Religio Urbana, ilustrando a idolatria a esse grande dolo pop
brasileiro. A frase urbana legio omnia vincit (em latim: legio urbana a tudo vence),
usada pelo grupo em suas obras, encerra uma verdade maior: venceu at o tempo,
criando mais e mais legionrios a cada ano. Segundo o prprio Russo: Se eu tenho
medo que me esqueam? No; eu estou com o pblico e ele est comigo.5
5 Fala extrada do site . Acesso em: 01 fev. 2005.
http://www.legiaourbana.com.br>
32
1.5 Meio de divulgao do mito
Todavia, ainda paira uma pergunta: sendo jornalista, professor de lnguas
e com grandes possibilidades de entrosamento no panorama poltico de sua poca,
propiciado pelo cargo de seu pai e seu crculo social de relaes, por que divulgar
suas convices ideolgicas atravs da msica? Poderia fazer um livro, um artigo ou
algo do gnero; entretanto, escolheu como canal transmissor a composio musical.
Ousamos dizer que isso ocorreu em virtude da poca que a banda Legio Urbana foi
composta, fim de um perodo militar e comeo de uma era democrtica, onde o rdio
alcanaria grandes massas rapidamente, sendo um canal de ampla divulgao para
crticas, to habilmente levantadas pelas suas msicas; ele escolheu a linguagem
musical pois esse era seu talento, seu dom.
Alicerados nessa assertiva, colocamos o papel do rdio nessa
cristalizao do mito Renato Russo. Sendo sua composio musical extremamente
divulgada por esse meio de comunicao, cabe esclarecer um pouco sobre essa
relao. Segundo Burke, ... o rdio tem a vantagem de ser relativamente barato e
simples. (2001, p. 231). Todas as pessoas do nosso pas podem ter acesso ao
rdio, independente da classe social a qual pertenam. Alm disso, apresenta-se
como um meio de comunicao que, mesmo com o avano da tecnologia, jamais
ser substitudo pela televiso.
Qualquer um pode cantarolar uma melodia transmitida pelo rdio em
diferentes momentos do dia; tambm a forma como se repete, em ritmo incessante,
a transmisso de algumas msicas, acaba moldando as mesmas junto a nossa
memria perceptiva, fazendo com que as repitamos at sem querer. Isso, aliado ao
33
aparecimento de rdios para automveis, fez com que aumentasse a divulgao da
msica popular, que pde ser consumida de forma generalizada.
Realizando a simbiose entre texto e contexto, vejamos o rdio, nessa
poca, dentro do panorama scio-econmico-cultural brasileiro: samos da ditadura
e entramos em um momento de liberdade, livre expresso. Como interessante,
quase um processo de catarse, ouvir nossos anseios, criticar nossa poltica, ousar
na liberdade social, nas msicas que cantamos no dia a dia. O que imaginamos
atravs do que ouvimos ntido e preciso na nossa existncia cotidiana; o
significante se materializa. A msica expressa o anseio coletivo de um povo, une a
todos na mesma corrente ideolgica e seu instrumento de transmisso mais utilizado
o aparelho eletrnico rdio.
Todavia, seria pouco honesto com os leitores de semelhante dissertao
a no meno do rdio como meio de comunicao massivo. Esse texto produzido
para a rea de Comunicao e, como tal, ser lido por pessoas envolvidas no
processo comunicacional no qual estamos inseridos. O rdio, como aparelho que
leva um pouco de cultura, prazer e entretenimento para as grandes massas, foi de
relevante e primordial papel na divulgao da msica estudada. Conseguiu
aproxim-la das grandes massas humanas, no rotulando idade, crenas, religies
ou raas o que fez foi o dolo adquirir lugar de destaque entre seus inmeros
ouvintes que, at para se libertarem de anos de opresso, impostos pelo perodo da
ditadura, viram, nessa forma de discurso, a composio musical, a vlvula de
escape para os seus ntimos anseios. O prprio Renato conseguiu, atravs de suas
originais e conscientes composies musicais, liberar-se da classe dominante, da
qual participava por nascimento, e partir em busca do seu pblico alvo, seus
enunciatrios, que no seriam quaisquer pessoas, mas sim aquelas politizadas, as
34
quais enxergariam, naquele tipo de discurso, a bandeira ideolgica de um novo pas.
Aqui unem-se as vertentes dessa trade: composio, poca e meio de transmisso
envolvidos, de forma intrnseca. Em outras palavras: emissor, destinatrio e canal
explicando a perpetuao de um dolo da cultura nacional.
1.6 O homem, sua obra e seu contexto
Fazendo um caminhar contnuo e paralelo a tudo que j foi explicado,
temos a letra da composio musical Cano do Senhor da Guerra e o contexto na
qual esteve inserida, na poca da sua produo. Ela foi feita no ano de 1985 (apesar
de aparecer em discos apenas sete anos depois, em 1992). O ano de 1985
marcante para a histria do povo brasileiro, pois marcou o fim de uma ditadura
militar sufocante, que massacrou nossa histria por longos 21 anos.
Foi uma poca em que os militares governaram nosso pas, alegando que
o comunismo seria ameaa; surgiu o SNI (Servio Nacional de Informao), que
tirava o direito humano da livre-expresso, com a censura sendo grande entrave do
nosso povo. Essa poca foi de represso intensa, sendo que a produo cultural de
nosso pas foi praticamente paralisada. Houve queda do poder aquisitivo e aumento
das desigualdades sociais, alm de crescer mais ainda a nossa dvida externa. O
perodo foi marcado por inmeras pessoas, da classe artstica, fugindo do pas, por
no poderem, atravs de suas obras, criticar a situao vivida. Gnios da nossa
msica, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, por tentarem erguer a
voz contra tais atrocidades, tiveram que sair por uma longa temporada daqui. No
tnhamos o direito de nem tentar refletir e muito menos falar sobre os fatos a nossa
35
volta. Quantas msicas foram barradas ou encobertas, por caminharem
contrariamente ao regime em questo.
Entretanto, em 1985, graas ao movimento denominado Diretas J (que
comeou em 1984), tivemos a volta da nossa to sonhada democracia, com a
eleio de um presidente novamente pelo seu povo e no era um presidente de
origem militar. Acabou a censura e todo brasileiro tinha o direito de se expressar, a
favor ou contrariamente, sobre qualquer assunto. Enfim, era a poca de externar o
que habilmente e penosamente havia sido represado nos anos anteriores. Nesse
momento de incrvel mudana para nossa histria, a msica estudada foi composta;
com letra direta, sem metforas, batida rtmica seca, desfraldava a revolta por
situaes que empobreciam, naquele momento, a ordem social do mundo: as
guerras.
Mais uma vez percebemos a relao do compositor com o contexto scio-
histrico no qual se inseria. Ele no era um ser alienado de sua realidade, apenas
um cantor de rock para a massa que o idolatrava; engajava-se na situao que o
cercava, direta ou indiretamente, querendo transpass-la para o grande pblico que
poderia, atravs de suas letras, entender um pouco mais sobre o mundo quem
sabe seria at uma forma de buscarem, sozinhos e conscientemente, solues para
os problemas que eram tambm seus?
Mas aqui tambm entra uma grande curiosidade, a qual, com certeza,
instigar o leitor das presentes linhas: quais guerras seriam essas, que
atrapalhavam nosso planeta? Em 1985, com a subida ao poder do lder sovitico
Mikhail Gorbatchov, a tenso e a guerra ideolgica entre as superpotncias
comeavam a diminuir; entretanto, o mundo vinha num ritmo cclico e crescente de
guerras, onde a Guerra Fria atacava pases sem d, nem piedade, fazendo valer o
36
orgulho, a arrogncia e a dominao das duas esferas de poder do nosso globo:
EUA e Unio Sovitica.
Dentro desse panorama mundial, o Oriente sofria ataques incessantes
dos EUA, sendo a guerra entre Ir e Iraque o grande centro das atenes mundiais.
Justamente neste ano, 1985, houve o escndalo Ir-Contra, onde alguns membros
do Conselho Nacional de Segurana dos EUA, tendo como piv o tenente Oliver
North, comearam a vender armas, atravs de Israel, para a Repblica Islmica do
Ir, ento em guerra com o Iraque, pela disputa do territrio onde se fundem os rios
Tigre e Eufrates. As armas iam parar nas mos de terroristas libaneses que, em
troca, libertariam refns detidos no Lbano. Os lucros obtidos eram destinados ao
financiamento dos contra-revolucionrios da Nicargua. O Senado dos EUA abriu
investigaes sobre o assunto, mas no conseguiu se provar o envolvimento do
ento presidente dos EUA, Ronald Reagan, no caso.
Aqui entra outro vrtice da presente dissertao: o sema senhor da
guerra, ttulo da composio musical estudada e grande isotopia encontrada entre
os fatos discorridos neste contexto. Vemos, tanto na poca da escrita da referida
composio musical, 1985, na sua divulgao, 1992, como no ano atualizado que
escolhemos, 2003, pontos comuns: presidentes dos EUA, embora distintos pelas
diferentes pocas, envolvidos em guerras. Na poca da composio, Ronald
Reagan; na divulgao, Bill Clinton; na poca atual, George W. Bush.
Coincidentemente ou no, envolvidos com o mesmo assunto e no mesmo ponto
geogrfico: Iraque.
Reforando essa coincidncia, em 1992, ano que a msica foi divulgada
em um CD e passou a ser executada nas diversas rdios do pas, ocorria a
ocupao militar da Arbia Saudita pelos EUA, com os americanos ocupando o
37
territrio sagrado do Islo. A partir deste acontecimento, iniciou-se uma guerra
contra a ocidentalizao, movida por pases islmicos e tendo, novamente, os EUA
como personagem antagnico da histria mundial. Veteranos do Afeganisto e
Paquisto foram para a Bsnia, visando lutar pela independncia dos territrios
habitados por populaes muulmanas, porm sob a autoridade de no-
muulmanos.
Com tantas isotopias sociais apresentaremos, na presente pesquisa,
conforme veremos em outro captulo, a anlise de fotos retiradas da revista Veja,
onde essa linguagem no-verbal mostrar, para efeito de comprovao, a mesma
raa humana oriental lutando contra o mesmo governo ocidental, porm, em
diferentes pocas. Justapondo-se a isso colocamos a letra da composio musical
estudada e assim alcanaremos um dos objetivos primordiais do presente estudo:
mostrar que a atemporalidade do sema guerra, to bem explanada pelo verbal, s
se atualiza pelas fotos, pela eloquacidade do no-verbal; o motivo da guerra o
mesmo, as ambies humanas so as mesmas, apenas o roteiro de personagens,
os agentes dessa narrativa, os senhores da guerra, que so substitudos. Enfim, a
visibilidade alcanada pela atualizao, gerando uma nova significao, trazendo
novos paradigmas e efeitos de sentido ao leitor, o qual, atravs desta dissertao,
pode-se tornar mais crtico e consciente.
1.7 Composio musical: as diversas abordagens discursivas
Para podermos concluir com xito o presente captulo da dissertao,
pretendemos analisar a composio musical escolhida, Cano do Senhor da
Guerra, feita pelo cantor e compositor Renato Russo, no ano de 1985 e veiculada
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pela mdia apenas no ano de 1992, no CD da banda Legio Urbana denominado
Msica para Acampamentos.
No se tem informaes precisas sobre a disparidade das datas de
composio e veiculao da msica estudada. Como j foi dito, no captulo anterior,
o ano de 1985 foi significativo para o povo brasileiro, pois samos de um longo
perodo de ditadura militar e, no panorama mundial, havia escndalos no Iraque,
envolvendo os EUA e seu ento presidente, Ronald Reagan. J no ano de 1992,
quando a msica foi inserida na conscincia das grandes massas, ocorria outra
guerra contra os pases islmicos e, novamente, os EUA como coadjuvantes no
cenrio blico, tendo como presidente George Bush (pai do atual presidente dos
EUA, George W. Bush, que veremos na atualizao das imagens), o qual foi
substitudo, pelas eleies de novembro, por Bill Clinton. Coincidncia ou no,
parafraseando o ttulo da composio musical, os presidentes americanos se
encaixam muito bem na denominao senhor da guerra, como veremos ao
analisarmos as fotos da revista Veja, no captulo 3.
Todo texto uma unidade de sentido, com diferentes tpicos a
elucidarem as relaes entre enunciador e enunciatrio:
O texto s existe quando concebido na dualidade que o define objeto de significao e objeto de comunicao e, dessa forma, o seu estudo, visando a construo de sentidos, s pode ser feito a partir da anlise dos mecanismos internos e dos fatores contextuais ou scio-histricos de fabricao de sentidos. (BARROS, 1990, p. 7).
Percebemos todo texto como um pequeno universo semntico, onde
existem diferentes tpicos conceituais que atuam, mesmo de forma implcita, na sua
compreenso. Por isso, existem diferentes abordagens para atingirmos a
significao do mesmo. Para que o texto consiga finalizar o pacto de leitura com seu
alvo, o leitor, deve-se responder a algumas perguntas: para quem se escreve, o que
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se escreve e como se faz isso. Aliado s respostas dessas perguntas, ainda visando
alcanar o sentido do texto, usamos o repertrio do referido leitor, no qual ele se
insere e no h como fugir disso.
Convm ainda lembrar que o contexto tambm um texto; seu
envoltrio, tudo que o cerca, dando-lhe alicerces dentro do real, edificando-lhe scio-
culturalmente. Da advm a grande importncia que a anlise de todo aspecto
cultural que envolve um texto. Segundo Jouve, ... toda leitura interage com a cultura
e os esquemas dominantes de um meio e de uma poca. (2002, p. 22). O leitor tem
diversas relaes com os objetos do mundo que o cerca e obtm, disso, suas
interpretaes. E o horizonte de expectativa criado pelo texto deve ser sempre
reconstrudo, a cada nova leitura. Por isso, a importncia de se analisar imagens
desde a poca que o texto foi feito at a sua divulgao e, ainda, imagens atuais,
que reconstruiro a nossa leitura e mostraro a atualizao miditica do literrio.
Ressaltamos aqui que o contexto da palavra guerra, ao mostrar sempre os mesmos
protagonistas e o mesmo espao geogrfico, ser de suma importncia para a
significao da presente dissertao.
Sendo a composio musical uma seta certeira para se atingir grande
nmero de pessoas, ou seja, uma forma de divulgao de idias para o ser
politizado (em virtude do pblico-alvo por ele escolhido), pode ser esse texto
denominado de coletivo, onde o leitor pode ser localizado atravs do pblico no qual
participa no caso da msica escolhida, o pblico aquele que tem conscincia
poltica. Assim sendo, esse leitor nos leva no somente ao pblico contemporneo
da primeira publicao do texto, mas tambm a todos os pblicos que a obra vai
encontrar no decorrer de sua histria. Isso vem colaborar na assertiva feita no
40
pargrafo anterior, no qual justificamos a anlise do imagtico da revista Veja ao
longo de alguns anos (1985-2003).
Segundo Iser (1996, p. 72), h dois plos na construo de um texto: o
plo produtor, que tcnico, o qual fica a encargo do autor do mesmo e onde
usado todo um processo de construo, de forma consciente; entretanto, h tambm
o plo receptor, que o esttico, representando a fruio da leitura, onde um
escreve e o outro l. Quem instaura a significao de todo texto o leitor, o qual
apreende o que l com sua cultura, sua mente, suas vontades e ensejos, alm de
suas determinaes scio-histricas.
A significao do texto vem das intervenes do leitor somatizadas
construo global do texto. A partir disso, podemos situar, na composio musical,
que representa a parte da linguagem verbal desta dissertao, duas facetas: a
legvel e a ilegvel. A primeira poder ser representada pelas regras textuais,
estrutura frasal, a sintaxe e a significao s quais ela nos remete; a segunda nos
levar a considerar o jogo entre as unidades que constroem o sentido do texto.
Outrossim, no podemos nos esquecer de um conceito chave desse
trabalho, que a isotopia, atravs do qual identificamos a continuao semntica.
Veremos, na desconstruo analtica do texto, vrias idias que nos levaro ao
sema maior, senhor da guerra, bem como universalizao do mesmo, provando
ser essa linguagem no referencial e sim indicial; atualizando as estruturas
discursivas, chegaremos explicitao semntica, onde o leitor identificar as
relaes entre os vocbulos da composio musical e chegar compreenso da
mesma.
Aqui tambm aparece, segundo Eco (1983, p. 151), a competncia do
leitor. Em uma primeira grade interpretativa, usa seu conhecimento de dicionrio,
41
que lhe permite entender o contedo semntico elementar dos signos. J as regras
de co-referncia serviro para o entendimento das expresses diticas (as quais
remetem para a enunciao) e anafricas (que designam elemento anterior). Ainda
no nos esquecendo que a leitura continuar no texto no-verbal, no podemos
esquecer da competncia ideolgica, pois as fotos sero extradas da revista Veja,
que tem toda uma linha editorial, podendo o leitor da referida revista aceitar ou no
as imagens veiculadas por seu enunciador. Por todos esses fatores dissertados
acima, faremos diferentes anlises da linguagem verbal, procurando suas diferentes
marcas e como as mesmas afetam seu leitor.
1.7.1 O ttulo
O ttulo da composio, Cano do Senhor da Guerra, j leva a uma
definio: apesar do texto nos remeter a vrios sentidos, no podemos dar igual
importncia a todos eles. Tentamos aqui uma pequena abordagem hermenutica,
onde veremos um elemento em razo do todo, como define Sptizer: ...deve-se
observar primeiro os detalhes na superfcie visvel de cada obra e depois agrupar
esses detalhes e procurar integr-los ao princpio criador. (1970, p. 60).
O detalhe detectado do todo foi a expresso senhor da guerra. Vemos,
nela, o ponto mximo da presente dissertao, pois todo o imagtico a ser analisado
nos remeter a esse signo indicial. Mas vejamos, em primeiro lugar, a etimologia do
signo senhor:
Em latim, senior, oris, mais antigo, mais velho; na baixa latinidade, vocbulo senior tornou-se um tratamento de respeito, equivalente a dominus, dono da casa, senhor, proprietrio; pessoa que exerce poder, dominao, influncia; aquele que tem autoridade como rei; possuidor de algum estado ou territrio; homem indeterminado, pessoa que no conhecida ou cujo nome no se deseje revelar. (HOUAISS, 2001).
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Percebemos, principalmente na parte final da definio transcrita acima,
que a autoridade atribuda a tal termo demonstra o domnio que um senhor pode
ter sobre outras pessoas; na sua nsia para conquistar territrios, pode chegar a
utilizar estratgias blicas (da o termo guerra no ttulo). Veremos muitas
verossimilhanas entre esse ttulo e as imagens estudadas; mudaremos o
personagem que dar referencialidade ao senhor da guerra conforme as
circunstncias contextuais. Provaremos, assim, que atualizamos o personagem
conforme o contexto, mas o termo se generaliza, amolda-se a diferentes seres
humanos, em diferentes pocas e situaes.
1.7.2 As marcas sintticas na composio musical
Para realizarmos com maior visibilidade a anlise proposta no subttulo
acima, do ponto de vista do leitor das presentes linhas, devemos, aqui, transcrever a
letra da composio musical, para que, ao ser efetivada a decomposio da mesma
e a anlise, ele tenha como parmetro a viso do todo.
Cano do Senhor da Guerra6
Existe algum esperando por voc Que vai comprar a sua juventude E convenc-lo a vencer Mais uma guerra sem razo J so tantas as crianas com armas nas mos... Mas explicam novamente que a guerra gera empregos Aumenta a produo Uma guerra avana a tecnologia... Mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria
6 Composio musical retirada do CD Msica para Acampamentos, da banda Legio Urbana.
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Pra que exportar comida Se as armas do mais lucro na exportao? Existe algum que est contando com voc Pra lutar em seu lugar J que, nessa guerra, no ele quem vai morrer E, quando longe de casa, ferido e com frio, O inimigo voc espera Ele estar com outros velhos, Inventando novos jogos de guerra Que belssimas cenas de destruio! No teremos mais problemas com a superpopulao Veja que uniforme lindo fizemos para voc! E lembre-se sempre que Deus est do lado de quem vai vencer O Senhor da Guerra ... no gosta de crianas! (RUSSO, 1992).
Devemos, em primeiro lugar, focalizar a melodia de tal composio, pois
geradora de efeitos de sentido. Ao escutarmos a mesma, percebemos trechos com
diferentes entonaes; as entonaes mais firmes nos remetem s falas do senhor
da guerra definido pelo ttulo da composio musical. Tais falas soam como
exortaes de um senhor aos seus comandados, como se ordenasse: eu quero
voc l!
Ainda nos atendo melodia, escutamos, durante a execuo da msica,
sons de jatos, no fim, como fundo musical; esses sons enviam-nos ao contexto da
produo, guerra que estava sendo travada. No h como olvidarmos a presena
dos avies porta-msseis que atemorizaram o mundo todo, nas guerras envolvendo
os EUA.
Outro efeito sonoro significativo est presente nas rimas em o: razo,
mos, produo, exportao, destruio e superpopulao. Elas nos estabelecem
sentidos, principalmente por serem rimas pobres e que indiciam apenas
racionalidade (na sua estrutura significativa). como uma cadeia de significados: a
razo humana, pela qual o homem usa suas mos para alcanar seus objetivos, que
envolveriam a produo e, conseqentemente, a exportao. Esses fins da ao
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humana levam, pelas disputas, destruio e ao fim do homem (...j no teremos
problemas com a superpopulao).
Realizando um paralelismo entre essas rimas e o motivo de tudo isso,
pela composio musical, que a guerra, chegamos concluso que a pobreza das
rimas e dos seus efeitos de sentido so propositais, como se demonstrassem a
inutilidade das disputas blicas humanas, a pobreza de atitudes, o desrespeito pelos
seres humanos envolvidos em tais conflitos; vale a racionalidade do senhor da
guerra e pouco importam as conseqncias de tudo isso aos seus comandados.
Tambm, no fim da composio, onde escutamos uma repetio
incessante da ltima frase (O Senhor da Guerra... no gosta de crianas!),
deduzimos, advinda da, uma nfase estrutura frasal, a qual gera redundncia no
sentido. Podemos aliar texto contexto, inferindo que seria a batalha ideolgica:
americanos X resto do mundo.
Analisando, agora, a parte sinttica, utilizando as frases da composio
musical, perceberemos quais os efeitos de sentido, intencionais, que elas
perpassam ao leitor. Um dos primeiros tpicos da anlise das marcas sintticas na
composio musical estudada com relao ao tipo de verbos utilizados na
elaborao frasal da mesma. Em sua grande maioria, so verbos retirados do tempo
presente: existe, vai, explicam, gera, aumenta, avana, do, est, , espera e gosta.
Tentando compreender o uso de tal tempo verbal, chegamos concluso
que a escolha foi intencional, pois em qualquer poca que a composio musical for
pronunciada, atualizada instantaneamente, ou seja, o presente gera
atemporalidade. como se estabelecer um pacto de leitura, autor x leitor: sempre h
guerras. Uma continuidade semntica atribuda ao fato, mostrando que dificilmente
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ele tem fim, algo presente em nossa vida, independente dos motivos, pessoas ou
lugares.
Outro fator relevante o uso da forma verbal na terceira pessoa, seja ela
no singular ou plural. Isso denota uma terceira pessoa (ou pessoas) que monopoliza
a ao, entretanto no identificada. No h explicitao ao leitor, dentro do
percurso gerativo de sentido, porm ele poder se identificar, implicitamente, como o
objeto de tais verbos, ou ainda, entender que as ordens dadas pelos verbos saem
de um senhor da guerra; o enquadramento do leitor dentro da significao a qual
tais verbos remetem, pois todo texto, sem personagem explicitamente definido, gera
o jogo da leitura na imaginao de quem o l, que procurar preencher os vazios do
texto com personagens que nele se encaixam de forma significante.
H ainda alguns verbos no gerndio: esperando, contando e inventando.
Cabe aqui explicar que gerndio uma forma nominal do verbo e tais formas no
expressam nem o tempo, nem o modo verbal. Portanto o gerndio, nesse caso
especfico, mostra a continuidade da ao. Sempre haver senhores da guerra,
esperando por pessoas que lutem por eles, contando com outros para externarem a
sua ambio e inventando novas formas de domnio. A conotao extrada de tais
formas nominais muito valorosa para a compreenso da generalizao do texto
verbal estudado.
O verbos no infinitivo: comprar, lutar e vencer, tambm passam a idia de
impessoalidade, despersonificao, pois no transmitem a idia de nenhum sujeito
especfico, podendo at designar uma coletividade. Tambm expressam aes que
viabilizam um sujeito realizador a servio de algo; a impessoalidade do infinitivo dos
verbos no esconde ou camufla acordos que um leitor atento certamente
entender: algum, que pode at ser um sujeito coletivo, exerce atividade em nome
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de algum, que pode ser um destinador tambm coletivo. Como lemos: Existe
algum esperando por voc / pra lutar em seu lugar / j que nessa guerra no ele
quem vai morrer.
So dois agentes, um que faz e outro que faz fazer; compreendemos a
configurao do desejo, como se duas metades do sentido total se
despreendessem, como se o destinador do texto, apesar de implcito, exercesse
poder sobre seu destinatrio, sem margens para que nada ameaasse suas
ordens. Mais ainda: dentro dessa narrativa implcita, detectamos at um prmio
para o subjugado: Lembre-se que Deus est do lado de quem vai vencer. at
um contedo persuasivo, uma forma de convencer o destinatrio das razes do
destinador. Uma das formas de convencimento so os motivos dados para uma
guerra: uma guerra gera empregos / aumenta a produo / aumenta a tecnologia.
Cria-se uma questo at fiduciria de confiana entre sujeitos para
convencer algum sobre a necessidade de se lutar. Essa confiana denota um saber
sobre o querer do sujeito ento, comprova-se mais uma vez que o sujeito
enunciador imprime intencionalidade em todas as etapas que geram o sentido. H
ainda outro fator relevante: criada uma expectativa progressiva, que passa pela
ideologia: quem compra (tem poder, pode fazer isso), luta (pois tem, ao seu lado,
condies materiais para tanto) e, conseqentemente, vence.
No final da composio musical, os verbos veja e lembre-se, usados na
forma verbal imperativa, imprimem a conotao de ordem. Ao ordenar para que se
veja um uniforme, usando at ponto de exclamao no fim da frase, temos uma
estrutura frasal senhoril, que no admite interpelaes ou dvidas; inferimos um tom
de comando, sem rplicas. Exige-se que algum vista um uniforme, sem perguntar o
querer desse mesmo algum. A outra ordem: Lembre-se, que na sua continuao
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complementar, dentro do texto verbal, pede a lembrana de Deus (pois ele est
sempre do lado de quem vai vencer) denota a contundncia imperiosa do termo
guerra. O correto seria mostrar um Deus justo, que ficaria ao lado de quem est com
a razo, porm, a imperatividade de um senhor da guerra, incitando soldados a
lutar, no admite falhas, nem esquecimentos lembre-se, aqui, o mesmo que
saiba, esteja certo.
Deus, na frase citada, um grande destinador transcendente, que exerce
sua influncia, independentemente das circunstncias. Ele estabelece um contrato,
um pacto, entre destinador e destinatrio, porm, colocado como se fosse o
suporte do destinador, no deixando, ao destinatrio, margens para dvidas, pois
como desconfiar de Deus? No se trata de aceitar Deus como caracterizao
semntica na funo de destinador, mas sim ver isso como uma forma de assegurar
os gestos de confiana e as convices do mesmo.
Pode-se dizer, ainda, que tanto ver como lembrar exigem que o
destinatrio recorra s funes cognitivas que possui do conceito de guerra, apele
para a memria, sendo que a mesma grava impresses por toda uma existncia.
No seria essa uma forma de fazer com que a guerra e seus inmeros fatores
associados penetrassem, de forma definitiva, no subconsciente de seu guerreiro?
Lemos ainda, na composio verbal, alguns pronomes. Pela definio
gramatical, pronomes so palavras que acompanham ou substituem um substantivo,
relacionando-o pessoa do discurso. Os que so utilizados na obra estudada:
algum, voc, sua, tantas, seu e ele, mostram, novamente, o reforo feito na terceira
pessoa, ou seja, como se fosse uma narrao, onde o sujeito da frase, sempre
indeterminado, conta com uma terceira pessoa, tambm no definida, para fazer
aes por ele.
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Presume-se, aqui, uma situao de comunicao, destinador envolvendo
destinatrio, querendo forar uma aproximao, colocando-o em situao de
destaque, querendo estabelecer confiana, para que aja em seu lugar. Os pronomes
em terceira pessoa cumprem bem seu papel dentro da narrativa da guerra:
aproximam a ao do destinatrio, entretanto, afastam o destinador da mesma.
Na parte que diz Uma guerra avana a tecnologia / mesmo sendo guerra
santa, quente, morna ou fria, contextualiza-se a mensagem verbal, posicionando-a
na situao mundial do momento de escrita da composio, assim como na poca
de sua divulgao e at mesmo agora, na sua atualizao. No ano que a msica foi
escrita, 1985, estvamos no pice da guerra fria entre EUA e URSS, sendo os dois
presidentes, Reagan e Gorbachov, senhores mundiais, at intitulados,
popularmente, como donos do mundo. Na poca da divulgao da msica, 1992,
vivamos o auge da guerra santa, com os pases islmicos sofrendo nas mos dos
EUA. J em 2003, ano que escolhemos para provar a atualizao do texto verbal,
em virtude da coincidncia blica (EUA novamente no plano de guerra), temos outra
guerra, diga-se de passagem bem quente, entre EUA e Iraque.
Outro ponto de interesse so as frases pra que exportar comida / se as
armas do mais lucro na exportao?. Em 1985, houve o escndalo Ir-Contra,
onde, conforme j dissertado anteriormente, o governo dos EUA sofreu uma
investigao, por parte do Senado, pela venda ilegal de armas a pases islmicos.
Isso prova que a msica no foi feita de forma aleatria, mas sim por uma pessoa
consciente e politizada, que no dizia coisas ao acaso e sim embasada em fatores
scio-poltico-econmicos que a envolviam; tambm demonstra a intencionalidade
de seu pblico-alvo, pois no qualquer pessoa que entenderia isso, ao cantarolar
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as frases da msica, mas s aquelas que tinham uma mente politizada, aberta aos
fatos cotidianos, para apreender a mensagem implcita.
Novamente, aqui, vemos a comunicao e todo seu processo engajando-
se na composio e na recepo da obra, pois foi feito um ato comunicativo que,
para lograr xito, precisava contar com o repertrio do receptor; o emissor esperava
isso e utilizou o meio mais apropriado, que foi a comunicao massiva, expressa no
papel do rdio, para disseminar mais facilmente suas idias.
Conclumos que o contexto nos mostra as condies sociais da produo
do texto; tais condies incluem produo, circulao e consumo dos sentidos. Isso
analisar o discurso, onde os participantes do mesmo assumem o papel de sujeitos,
assujeitados s determinaes do contexto. Todo leitor, ao fazer a leitura de tal
discurso, que a composio musical, dentro do seu repertrio encontrar moldes
para as idias veiculadas e as transportar para o seu dia-a-dia. Intencionalidade da
obra, no coincidncia.
Percebemos, ainda, que ao estudarmos a parte lingstica do texto verbal,
tentamos provar a indicialidade do mesmo, ou seja, seus modos de dizer, mostrar,
interagir com o pblico e at seduzir. A linguagem foi vista inserida em um contexto
e no independente dele; procuramos mostrar sua faceta ideolgica. Foi ainda
necessrio, para o citado estudo, estabelecermos microestruturas, fazendo as
relaes semnticas entre as classes gramaticais presentes no texto, pois isso
instaurou o sentido do mesmo.
vlido tambm citar que no existem posies discursivas isoladas de
uma proposta de recepo. Quem faz o texto verbal sabe por que o faz e para quem
o faz. Sendo assim, com base nessa assertiva, partiremos, no nosso prximo tpico,
para a anlise dos modos de dizer.
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1.7.3 As marcas da enunciao no enunciado
Para comearmos esse tpico, definamos enunciao:
a instncia de colocao em discurso da lngua saussuriana; entre a lngua e a fala devem existir estruturas de mediao. Sendo, ento, a enunciao concebida como uma instncia de mediao que produz o discurso, , ao mesmo tempo, instncia da instaurao do sujeito, alm do mundo de configuraes discursivas que permite, ao sujeito da enunciao, exercer sua competncia discursiva. (GREIMAS; COURTS, p. 147, 1979).
A comunicao do texto verbal estudado pode ser definida como uma
sucesso de estabelecimentos e rupturas de contrato entre emissor e destinatrio,
ou seja, autor da msica e seu leitor; isso nos leva para o nvel de discurso. O nvel
discursivo o patamar mais superficial do percurso gerativo de sentido e o mais
prximo da manifestao textual. As estruturas discursivas so ricas,
semanticamente.
Cabe aqui explicitar que toda estrutura narrativa transforma-se em
discursiva quando assumida pelo sujeito da enunciao, o qual faz uma srie de
escolhas (de pessoa, de tempo e de espao), contando a narrativa, transformando-a
em discurso. Para Barros, ...o discurso a narrativa enriquecida por todas essas
opes do sujeito da enunciao, que marcam os diferentes modos pelos quais a
enunciao se relaciona com o discurso que enuncia. (1990, p. 53).
Com base em toda essa ancoragem terica, veremos aqui as projees
da enunciao no enunciado e os recursos de persuaso do enunciador sobre o
enunciatrio. Analisando o discurso, definimos as condies de produo do texto.
Conclumos, disso, que no h discurso sem persuaso. Todos visam persuadir
seus destinatrios da sua veracidade, ou, pelo menos, criar uma iluso da verdade.
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Para que isso ocorra, existem mecanismos auxiliatrios, como aqueles chamados de
efeitos de proximidade ou distanciamento da enunciao. No caso da msica
estudada, alguns recursos permitem fabricar a iluso de distanciamento, pois
muito utilizada a terceira pessoa verbal: Existe algum esperando por voc.
Esse procedimento chamado de debreagem. Para Greimas e Courts,
...debreagem a expulso, da instncia da enunciao, de termos categricos que
servem de suporte ao enunciado. (1979, p. 140). No presente estudo, a debreagem
enunciva e, conforme Greimas e Courts, ...instala, no discurso, um sujeito
distinto e distante em relao instncia da enunciao. (1979, p. 140). Tal
procedimento empregado para criar uma imparcialidade, para se neutralizar a
enunciao e at mesmo gerar a atemporalidade: em qualquer poca que a msica
for cantada poder ser atualizada, atravs de novos personagens. O fio do discurso,
no presente caso, conduzido por um observador, que dirige o desenrolar do
mesmo, d as opinies de forma neutra e quase fora o seu leitor a tomar posies,
a envolver-se com o texto lido; isso explicita a funo conativa da linguagem.
Outro mecanismo auxiliatrio na composio da veracidade do discurso
o efeito de realidade ou de referente. Ele remete s iluses discursivas de que os
fatos contados so coisas ocorridas, como se a funo do discurso fosse inserir o
seu leitor no mundo real. Esse efeito construdo a partir de um recurso semntico
denominado ancoragem, atravs do qual liga-se o discurso a pessoas, espaos ou
fatos que o receptor reconhece como reais ou existentes. Exemplificando, atravs do
nosso objeto de estudo verbal: Mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria.
Os adjetivos usados para distinguir o substantivo guerra remetem o seu
leitor a diferentes guerras: a Fria (da poca que a msica foi feita, entre EUA e
URSS); a Santa (da poca que a msica foi lanada, 1992, entre EUA e a Nao
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Islmica) ou Quente (a atual, poca escolhida por esse estudo, 2003-2004, entre
EUA e Iraque). Esses adjetivos, contextualizados, ancoram nosso texto na Histria,
criam a iluso de referente e, a partir da, de fato verdico. Sendo assim, se remetem
a fatos reais, do verossimilhana ao texto.
Em outro exemplo: Pra que exportar comida / se as armas do mais lucro
na exportao, temos, novamente, outra ancoragem. Em 1985, os EUA
envolveram-se em um caso de venda ilegal de armas para o Ir, com abertura de
processo no Senado. Para colaborar nessa ancoragem, teremos a fotografia como
poderosa auxiliar; ela representar o analagon, ou cpia do real, exemplificando e
situando a letra da msica nos fatos histricos, comprovando a veracidade do verbal
porm, isso ser objeto de estudo do prximo captulo.
Todavia, mesmo mostrando que o discurso cria essa objetividade ou
demonstra, de forma ntida, essa realidade, necessrio mostrar que a relao entre
os procedimentos discursivos e os efeitos de sentido depende de cada discurso e de
como se estabelecem elos entre os elementos internos e externos de sua
construo; existe uma coerncia interpretativa. Para examinar as relaes entre
efeitos e mecanismos na construo de sentidos dos textos, caminhemos rumo ao
contexto scio-histrico e formao ideolgica em que o texto se insere.
As frases finais da composio musical: Veja que uniforme lindo fizemos
para voc! / E lembre-se sempre que Deus est do lado de quem vai vencer
mostram o uso de verbos no imperativo. O destinador, com isso, constri uma
espcie de cumplicidade com o seu destinatrio, supondo, neste, uma identificao
com aquele, isto , a capacidade de pensar o que ele pensa em seu lugar. Tal fator
decisivo para compreendermos os processos ideolgicos implcitos no texto. O
destinatrio interpelado pela ideologia do destinador, que o fora a ir para a
53
guerra, impele-o a vencer. O contexto scio-histrico mostra a fora da guerra,
principalmente ao encerrar com a frase: O senhor da guerra... no gosta de
crianas. A repetio exaustiva de tal frase, conforme j dito anteriormente, cria um
texto polifnico.
Ao ler isso, no h como no questionar: em qual guerra o fator humano
levado em considerao? Como poderia um senhor da guerra gostar de criana, se
a mesma, simbolicamente, representa a esperana da humanidade, a salvao do
homem e at da raa humana? A pureza do ser infantil no encanta nenhum senhor
da guerra, pois representa a sua anttese: egosmo (senhor da guerra) x bondade e
pureza (criana).
Tal anttese nos remete, ainda, aos jovens soldados que vo para a
guerra, lutar por um motivo que, muitas vezes, no seu, tendo at suas vidas
ceifadas pelo egosmo e a ganncia dos poderosos que arquitetaram tal conflito. A
inocncia dos mesmos liga-se prpria humanidade, indefesa aos horrores das
guerras humanas.
Ainda explorando as relaes argumentativas entre enunciador e
enunciatrio, percebemos que os mesmos so desdobramentos do sujeito da
enunciao, cumprindo os papis de destinador e destinatrio do discurso. O
enunciador o destinador-manipulador, o qual manipula os valores do discurso e
leva o enunciatrio a crer e a fazer. Renato Russo sabia a qual classe social se
destinava o seu discurso musical (quela formada poltica e ideologicamente seres
politizados e no alheios ao seu contexto). Ao enunciatrio cabe, outrossim,
interpretar e fazer a ao subseqente. No percurso gerativo de sentido, vemos mais
claramente essas relaes argumentativas, pois h mais pistas da enunciao. Aqui
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entram dois aspectos da manipulao: contrato entre enunciador e enunciatrio e
meios empregados na persuaso.
Para entendermos os contratos, devemos achar, no discurso, pistas
deixadas pelo seu enunciador, nas quais ele considera a relatividade cultural e social
da verdade. Ao informar fatos cruis, porm verdicos, como: ... a guerra gera
empregos / aumenta a produo / avana a tecnologia e misturar isso com fatos
decorrentes, que estavam acontecendo no momento da produo musical, como:
Pra que exportar comida / se as armas do mais lucro na exportao? ou mesmo:
Ele estar com outros velhos / inventando novos jogos de guerra (onde tem, como
referentes, Ronald Reagan e Gorbachov, no pice da Guerra Fria entre EUA e
URSS), o destinador prope, ao destinatrio, um contrato de veridico, no qual este
acredita nos valores sustentados pelas afirmaes, pois os mesmos so alicerados
pela realidade. So esses elementos que acabam gerando a coerncia interpretativa
do texto.
o discurso construindo a sua verdade, o efeito de sentido verdico
almejado pelo seu destinador. Essas marcas analisadas, ou melhor, pistas deixadas
pelo discurso, de forma intencional, ao remeterem a fatos reais, fazem com que o
enunciatrio as reconhea e as aceite. Representam, mesmo, uma perfeita
ancoragem, de onde se atam as duas pontas do discurso, a intencionalidade e a sua
veracidade, provando que ser convencido pelo mesmo torna-se algo muito fcil.
Desse modo, o enunciador leva em considerao uma espcie de conhecimento
compartilhado, que ele acredita que seu enunciatrio possua.
Com relao aos meios usados pelo enunciador para persuadir, podemos
citar os recursos e as formas de implicitar ou explicitar contedos. Nesse caso,
podemos exemplificar com os subtendidos, os chamados contedos pressupostos,
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vistos na impessoalidade do pronome indefinido algum, que faz, quem l, querer
encontrar uma denominao para esse algum, esse voc, o qual parece instigar o
leitor, seu destinatrio poderia at ser uma submensagem, uma implicitao de
que voc seria o prprio leitor da composio, o qual est merc de um senhor da
guerra. Instaura-se, portanto, um jogo na cabea do destinatrio, mostrando que
chamado a fazer algo por algum, chamado a tomar atitudes, quase cobrado por
isso.
Segundo Iser (apud JOUVE, 2002, p. 102), o leitor, ao usar
representaes que lhe so prprias, implica-se no texto. Essa volta para si faz o
verdadeiro valor da leitura, pois quando o destinatrio entrev a si prprio em um
processo do qual participa, temos o momento central da experincia esttica.
Decifrando, o leitor se questiona sobre seus modos de conceber os sentidos da
leitura feita; isso a justifica como real, tornando-a uma atividade crtica e consciente.
Essas mesmas relaes argumentativas, se vistas do ponto de vista das
operaes de enunciao, remetem-nos aos jogos do processo comunicativo e,
obedecendo aos sentidos do contexto, falaremos sobre a interao. Segundo Pinto:
Interao interpelar e estabelecer relaes com o receptor, na tentativa de agir
sobre ele. (2002, p. 66).
Justifica-se, sem deixar margem dvida, a escolha de verbos e
pronomes que denotam impessoalidade, pois tal opo faz com que o destinatrio
se encaixe neles, personalizando-os; ora, da mesma forma explicamos o uso da
forma nominal gerndio, pois a mesma fortalece a idia de um processo em
andamento, sem um fim definitivo, e dos verbos com valor performativo (ver e
lembrar).
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Aqui vale explicitar a expresso valor performativo. A mesma est ligada
aos verbos informar e convencer. Se entramos nessa fase da recepo do texto,
devemos distinguir os efeitos concretos do texto, pois h o efeito global, que exprime
as conseqncias globais do texto sobre a sociedade, e o efeito particular, que seria
o que a obra produz no indivduo. Sendo assim, temos a composio musical como
uma forma de comunicao mais dirigida, atingindo a muitas pessoas pelo seu canal
maior de transmisso, que o rdio. Ento, validamos aqui seu efeito global, pelo
nmero de pessoas atingidas pela mesma. Se os verbos usados com valor
performativo, citados no pargrafo anterior, pretendem convencer o seu destinatrio
do valor da guerra, usamos aqui as definies textuais propostas por Jauss (1994, p.
107), que dizem que a obra pode pr-formar comportamentos, motivar uma nova
atitude ou transformar as expectativas tradicionais. Ser que o leitor, ao instaurar a
significao, entende o jogo de manipulao entre poderosos (senhores da guerra) e
seus subordinados?
Finalmente conclui-se, nesse tpico, que na recepo do texto verbal, o
leitor-destinatrio adentra pelo mesmo, observando a verossimilhana dele com a
realidade, a seqncia de aes que definem essa semelhana, ancorando-se no
contexto da mesma e chegando, assim, significao total do texto. a
comparao de um texto com uma renda de Valenciennes, onde uma seqncia
engaja-se outra, na construo total de sentido. Lendo o texto, de forma crtica,
seu leitor decifra sua linguagem simblica, construindo sua recepo pelos pontos
de ancoragem na realidade. Mais ainda: tendo tantas palavras relacionadas ao sema
guerra lutar, vencer, armas, morrer, ferido, inimigo, jogos de guerra, destruio e
uniforme cria-se a isotopia, onde os signos textuais remetem todos a um mesmo
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lugar, proporcionando continuao semntica e atendendo a todos os objetivos da
enunciao.
1.7.4 As marcas de sentido e de real
A presente dissertao no poderia invalidar, ou mesmo deixar passar de
forma desapercebida, a msica incidental que se instala no fim da composio
musical estudada. o hino da Guerra de Secesso norte-americana. Tal guerra,
apesar de no ter ligao aparente com a composio musical estudada, a no ser
do ponto de vista geogrfico, pois remete ao mesmo pas, EUA, o qual foi trabalhado
nos tpicos anteriores (pela participao dos EUA nas guerras, nos momentos de
produo e divulgao musical, comprovada pela ancoragem contex