universidade estadual do oeste do...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM SOCIEDADE,
CULTURA E FRONTEIRAS - NÍVEL DE MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: SOCIEDADE, CULTURA E FRONTEIRAS
ETNO-HISTÓRIA GUARANI E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO A PARTIR DA
ARQUITETURA: UM ESTUDO DE CASO NA ALDEIA TEKOHA AÑETETE
GRACIELI ERNA SCHUBERT KÜHL
FOZ DO IGUAÇU
2013
2
GRACIELI ERNA SCHUBERT KÜHL
ETNO-HISTÓRIA GUARANI E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO A PARTIR DA
ARQUITETURA: UM ESTUDO DE CASO NA ALDEIA TEKOHA AÑETETE
Dissertação apresentada à Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE –
para a obtenção do titulo de Mestre em
Sociedade, Cultura e Fronteiras, junto ao
Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação
Strictu Sensu, nivel de Mestrado - Área de
Concentração: Sociedade, Cultura e
Fronteiras. Linha de Pesquisa: Território,
História e Memória.
Orientador: Prof. Dr. Erneldo Schallenberger
FOZ DO IGUAÇU
2013
3
.
1 Ficha Catalográfica
2 Elaborada pela Biblioteca Central do Campus de Cascavel - Unioeste
K98e
Kühl, Gracieli Erna Schubert
Etno-história Guarani e a construção do espaço a partir da
arquitetura: um estudo de caso na aldeia Tekoha Añetete / Gracieli
Erna Schubert Kühl — Foz do Iguaçu, PR: UNIOESTE, 2013.
132 f. ; 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. Erneldo Schallenberger
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Oeste do
Paraná.
Bibliografia.
1. Guarani. 2. Etnohistória. 3. Aldeia Tekoha Añetete. I.
Universidade Estadual do Oeste do Paraná. II. Título.
CDD 21ed. 306.08998
Bibliotecária: Jeanine da Silva Barros CRB-9/1362
4
GRACIELI ERNA SCHUBERT KÜHL
ETNO-HISTÓRIA GUARANI E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO A PARTIR DA
ARQUITETURA: UM ESTUDO DE CASO NA ALDEIA TEKOHA AÑETETE
Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do Título de Mestre em Sociedade,
Cultura e Fronteiras e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Sociedade, Cultura e Fronteiras – Nível de Mestrado, área de Concentração em
Sociedade, Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.
COMISSÃO EXAMINADORA:
____________________________________________
Prof. Dr. Protasio Paulo Langer
Membro Efetivo (convidado)
_____________________________________________
Prof. Dr. Valdir Gregory
Membro Efetivo (da Instituição/Programa)
__________________________________________
Prof. Dr. Erneldo Schallenberger
Membro Efetivo (Orientador e Presidente da Instituição/Programa)
Cascavel, 25 de fevereiro de 2013.
5
AGRADECIMENTOS
O processo para obtenção do titulo de mestre não foi fácil, por vezes pensou-se
em encerrá-lo antes da hora. Porém, sempre encontramos apoios que nos levam a acreditar
que a caminhada valerá a pena...
Inicialmente, agradeço a minha família, sempre estivemos juntos, principalmente
nos momentos difíceis, como quando somos inesperadamente surpreendidos pela perda de um
dos nossos. Infelizmente temos que continuar a caminhada, mesmo que ela pareça impossível,
a fé nos mostra o caminho. E nós continuamos, tocando em frente tudo aquilo que antes era
compartilhado com ela... da qual não pudemos nos despedir mas que sabemos o que ela faria
se ainda conosco estivesse.
Agradeço em especial ao Leandro, pela imensa compreensão que tem sempre que
decidimos investir tempo em algo. Ao meu pequeno grande menino Gabriel, razão de nossa
existência, que sempre questionou: ‘Mãe, quando você vai terminar seu trabalho?’
Agradeço aos Guarani Tekoha Añetete pelas oportunidades concedidas, pelas
vivencias compartilhadas e valores ensinados.
Ao meu orientador, Professor Doutor Erneldo Schallenberger, que sempre esteve
disposto a orientar-me, tanto em questões simples quanto nas mais complexas.
Agradeço a Faculdade Assis Gurgacz pela concessão de bolsa auxílio para
realização do mestrado. Agradeço especialmente à Professora Dra. Solange pelas
oportunidades concedidas e que sempre contribuíram para com meu desenvolvimento pessoal
e profissional, espero poder manter-me nesta caminhada, auxiliando sempre para superarmos
os desafios que surgem.
Aos meus colegas Professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo/CAUFAG e
Design de Interiores/Dom Bosco, especialmente aos amigos Doutores Silmara e Fúlvio,
sempre dispostos a ajudar e oferecer palavras de incentivo na caminhada.
Ao Professor Doutor Valdir Gregory que ainda na especialização, em 2004,
orientou o projeto de pesquisa que resultou nesta dissertação. Suas palavras sempre foram
extremamente úteis, esclarecedoras e motivadoras.
Agradeço também a minha amiga, Doutora Lucia Terezinha Macena Gregory pelo
grande apoio acadêmico e pessoal. Sua intelectualidade inspiradora, sua experiência de vida e
suas palavras de conforto sempre fizeram minhas trajetórias mais aprazíveis.
6
A todos os professores do PPGSCF-UNIOESTE e também à Vânia, secretária do
Programa, que sempre compreendeu minha distância, oferecendo apoio em relação às
questões burocráticas.
7
KÜHL, Gracieli Erna Schubert. Etno-história Guarani e a construção do espaço a partir
da arquitetura: um estudo de caso na Aldeia Tekoha Añetete. 2013. 132 f. (Dissertação) –
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. Foz do Iguaçu/PR.
RESUMO
Esta dissertação caracteriza-se como um estudo de caso na aldeia indígena Guarani
denominada Aldeia Tekoha Añetete, situada no município de Diamante d’Oeste/PR. Tem por
objetivo principal registrar aspectos culturais do grupo através de relatos sobre a construção
do espaço habitado e da arquitetura em si. A problemática dessa atividade está voltada à
arquitetura tradicional dos Guarani em oposição à arquitetura desenvolvida por agentes
externos no interior da aldeia, entre eles a Cohapar (Companhia de Habitação do Paraná) e a
Itaipu Binacional. Entre essas construções encontram-se residências e casa de reza. A
discussão está dividida em três capítulos. Inicialmente apresentam-se conceitos relacionados à
problemática, entre eles: cultura, identidade, território. Em um segundo momento é feita uma
descrição densa da aldeia visando caracterizá-la enquanto objeto de estudo. No terceiro
capítulo são abordadas as obras arquitetônicas presentes na aldeia, entre elas a arquitetura
tradicional dos Guarani, a arquitetura introduzida pela Cohapar e as obras feitas pela Itaipu,
além de breve análise sobre os mecanismos de incorporação dessas obras feitas por agentes
externos para com a dinâmica sociocultural do grupo a partir do olhar antropológico de
Rubem Thomaz de Almeida.
Palavras-chave: Guarani; Arquitetura; Etno-história; Aldeia Tekoha Añetete.
8
KÜHL, Gracieli Erna Schubert. Etnohistory Guarani and construction of space from the
architecture: a case study in the Village Tekoha Añetete. 2013. 132 f. (dissertation) –
Satate Univessity of West Paraná – UNIOESTE. Foz do Iguaçu/PR.
ABSTRACT
This dissertation is characterized as a case study in Guarani Indian village named the Tekoha
Añetete reservation, Village in the municipality of Diamante d'oeste\/PR. Aims to register
main cultural aspects of group through reports on the construction of the living space and the
architecture itself. The problem of this activity is devoted to the traditional architecture of the
Guarani as opposed to architecture developed by external agents inside the village, among
them the Cohapar (housing Company of Paraná) and Itaipu Binacional. Among these
buildings are residences and prays. The discussion is divided into three chapters. Initially
presents concepts related to the problem, among them: culture, identity, territory. In a second
moment is made a dense description of the village in order to characterize it as an object of
study. In the third chapter are addressed the architectural works present in the village,
including the traditional architecture of the Guarani, the architecture introduced by the
Cohapar and the works made by Itaipu, besides brief analysis on merger of these works made
by external agents to the sociocultural dynamics of the group from the anthropological gaze of
Rubem Thomaz de Almeida.
Keywords: Guarani; Architecture; Ethnohistory; The Tekoha Añetete Reservation Village.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – Imagem de satélite - Aldeia Tekoha Añetete......................................................51
FIGURA 2 – Imagem de satélite – núcleo familiar de Vicente Vogado..................................54
FIGURA 3 – Posto de Saúde situado na Aldeia.......................................................................58
FIGURA 4 – Escola Estadual Kuaá Mbo’e..............................................................................59
FIGURA 5 – Imagem de satélite – Escola Estadual Kuaá Mbo’e e seu entorno......................60
FIGURA 6 – Alunos Guarani em sala de aula..........................................................................62
FIGURA 7 – Centro Cultural situado na Aldeia.......................................................................63
FIGURA 8 – Barracão pré-moldado construído na Aldeia.......................................................63
FIGURA 9 – Cerimônia religiosa – Casa de Reza de Jerônimo Vogado.................................66
FIGURA 10 – Cerimônia religiosa – Casa de Reza de Jerônimo Vogado – detalhe do mbaracá
mirim.........................................................................................................................................67
FIGURA 11– Cerimônia religiosa – Casa de Reza de Jerônimo Vogado – detalhe do
takuá........................................................................................................................ ..................68
FIGURA 12 – Altar da Casa de Reza de Jerônimo Vogado.....................................................69
FIGURA 13 – Estrutura arquitetônica tradicional Guarani......................................................77
FIGURA 14 – Construção de residência tradicional Guarani...................................................79
FIGURA 15 – Construção de residência tradicional Guarani – detalhe do capim utilizado na
cobertura....................................................................................................... .............................79
FIGURA 16 – Interior de residência tradicional Guarani.........................................................80
FIGURA 17 – Planta baixa de residência tradicional Guarani.................................................80
FIGURA 18 – Residência de Vicente Vogado.........................................................................83
FIGURA 19 – Planta baixa de residência construída pela Cohapar na Aldeia.........................88
FIGURA 20 – Croqui de residência construída pela Cohapar na Aldeia.................................89
FIGURA 21 – Residência de Vicente Vogado – detalhe da presença de duas construções,
sendo uma tradicional e outra no padrão Cohapar....................................................................89
FIGURA 22 – Residência construída pela Itaipu Binacional na Aldeia...................................95
FIGURA 23 – Residência de Leonardo – padrão Itaipu...........................................................96
FIGURA 24 – Casa de Reza – padrão Itaipu Binacional..........................................................97
FIGURA 25 – Vista geral da Casa de Reza da Família Vogado..............................................98
FIGURA 26 – Fachada da Casa de Reza da Família Vogado..................................................98
FIGURA 27 – Interior da Casa de Reza da Família Vogado....................................................98
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
- Temática da Pesquisa..............................................................................................................10
- Marco teórico-metodológico da pesquisa...............................................................................13
- Estrutura da Dissertação.........................................................................................................19
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................................................24
1.1 Questões conceituais...........................................................................................................24
1.2 Características Gerais da Cultura Guarani..........................................................................34
2 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO: A Aldeia Tekoha Añetete ..........41
2.1 A Aldeia Tekoha Añetete....................................................................................................31
2.2 Caracterização da Aldeia e Organização do Espaço...........................................................49
2.3 Dinâmica Sócio/cultural......................................................................................................64
3 EXEMPLOS DE ARQUITETURA PRESENTES NA ALDEIA TEKOHA
AÑETETE................................................................................................................................72
3.1 Arquitetura "Tradicional" representada nas obras atuais feitas pelos Guarani na Aldeia
Tekoha Añetete.........................................................................................................................72
3.2 Arquitetura implantada pela Companhia de Habitação do Paraná/Cohapar na Aldeia
Tekoha Añetete.........................................................................................................................84
3.3 Arquitetura implantada pela Itaipu Binacional na Aldeia Tekoha
Añetete......................................................................................................................................90
3.4 Um olhar antropológico sobre a Aldeia Tekoha Añetete Arquitetura Tradicional /
Cohapar / Itaipu ........................................................................................................................99
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................105
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................109
ANEXOS................................................................................................................................112
11
INTRODUÇÃO
- Temática da Pesquisa
A cultura Guarani pode ser considerada uma fonte inesgotável para pesquisas nos
diferentes campos das ciências humanas, sociais e aplicadas, entre outras, pois é composta por
símbolos materiais e imateriais, valores e práticas culturais que historicamente foram sendo
incorporadas pela tradição e recriadas em situações de convívio dos diferentes grupos, tanto
interna quanto externamente a essa cultura, através do contato com outras culturas.
Trata-se de uma cultura que emerge e se apresenta em um determinado espaço social
que é, acima de tudo, simbólico e a partir do qual ela se torna fundamental, pois, além de
justificar ações, também possibilita o desenvolvimento e a manutenção dos valores e das
crenças dos grupos. No caso dos Guarani, esse espaço coletivo imaginário possui muito mais
importância do que o espaço geográfico ou os bens materiais em si. São os bens imateriais, as
representações, os símbolos incorporados pela tradição às vivências, ao espaço, aos objetos e
à arquitetura que possibilitam a legitimação e a manutenção dos valores culturais do grupo. A
representação que o material assume encontra-se pautada em uma esfera superior, intangível,
qual seja a esfera simbólica.
Os apontamentos que compõem a presente discussão têm como propósito ampliar as
possibilidades de conhecimento de aspectos relacionados à cultura dos guarani e a atmosfera
simbólica que os envolve na atualidade, através de análise sobre a construção do espaço
habitado. Os elementos materiais estão sendo focados a partir da arquitetura dita ‘tradicional’
do grupo, com destaque para as características construtivas, materiais e técnicas empregadas,
e, sobretudo, nas representações simbólicas presentes em cada elemento incorporado pelos
Guarani na construção e no uso desses espaços.
Para desenvolver esta discussão, optou-se metodologicamente por um estudo de caso
formulado a partir da etno-história, baseado em pesquisa de campo junto ao grupo Guarani
que habita a Aldeia Tekoha Añetete, situada no município de Diamante do Oeste/PR. Este
recorte foi instituído pelo fato desse grupo possuir, em sua trajetória, peculiaridades em
relação a outras aldeias paranaenses, peculiaridades que, mesmo indiretamente, podem ter
provocado alterações significativas em relação ao ‘modo de ser’ dos Guarani dessa região.
Dentre as ocorrências que diferenciam as aldeias do oeste paranaense de outras há de
se considerar, num primeiro momento, a constituição da tríplice fronteira Brasil, Paraguai e
12
Argentina. O território guarani original, do qual se tem conhecimento, abrangia, embora
intermitentemente, a região que cobria quase toda a bacia do Prata, incluindo a tríplice
fronteira referida. Com a formação dos estados nacionais, esse território, ocupado
predominantemente pelos Guarani, foi dividido segundo os novos limites territoriais vigentes.
Ocorre que os Guarani necessitaram reconstruir esse espaço, não somente de maneira
geográfica, mas também e principalmente de maneira simbólica, pois passaram a ser
submetidos à tutela dos poderes nacionais oficiais, segundo o país ao qual sua porção de
território é subordinada.
As fronteiras do território original não mais existem perante as diferentes soberanias
nacionais formadas a partir da constituição dos estados rio-platenses. Considerando a
importância que o território possui para os Guarani, enquanto lugar de reconhecimento do
grupo como unidade cultural, pode-se considerar a possibilidade de que tenham ocorrido
alterações substanciais em relação ao seu ‘modo de ser’, bem como de suas práticas culturais.
Em um segundo momento, outra ocorrência que possivelmente acarretou alterações
culturais significativas aos grupos do oeste paranaense foi à formação do reservatório de água
para a Usina Hidrelétrica de Itaipu (o atual Lago de Itaipu), no início da década de 1980. Esse
fato gerou tensões e transformações, principalmente em relação aos limites geográficos
ocupados pelos Guarani na região. A porção de território original que restou a eles, chamada
Tekoha Guassu Jacutinga, foi completamente inundada, levando o grupo a reivindicar novos
espaços. A Itaipu então concedeu a estes Guarani uma porção de área com pouco mais de 200
hectares, chamada de Tekoha Oco’ÿ, situada no município de São Miguel do Iguaçu/PR,
espaço esse insuficiente em relação ao número de habitantes a ele destinados, gerando
conflitos internos. Ocorreu que muitos Guarani migraram e iniciaram uma luta por novos
territórios. Essa estratégia resultou em duas aldeias com sede atualmente no município de
Diamante do Oeste/PR, sendo elas: Tekoha Añetete (1997) e Tekoha Itamarã (2002).
Os aspectos citados acima influenciaram diretamente na delimitação temporal e
espacial desta pesquisa. Constitui-se, portanto, objeto de análise da presente dissertação uma
dessas ‘novas’ aldeias, a Tekoha Añetete, no município de Diamante do Oeste, situada em
região de fronteira internacional. O recorte temporal é fixado para o período que se estende
dos anos 1970 até os dias atuais, também em função das especificidades citadas acima.
Após visitas de campo para o estabelecimento dos primeiros contatos, definiu-se pela
discussão de aspectos relacionados às representações simbólicas atribuídas à arquitetura
tradicional guarani e, sobretudo, à construção do espaço habitado. Além disso, são
apresentados e discutidos processos de implantação de programas habitacionais desenvolvidos
13
pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) e pela Itaipu, por volta dos anos 2004 a
2007, dos quais resultou a incorporação, nesse espaço da aldeia, de obras arquitetônicas não
indígenas, como residências e casa de reza.
Nesse aspecto serão apresentados discursos de representantes tanto da Cohapar quanto
da Itaipu sobre a implantação dessas políticas públicas de habitação, além de discutir algumas
semelhanças e diferenças do uso e da significação dessas obras em relação à dinâmica
sociocultural do grupo.
Dentre as questões a serem discutidas, temos: Quais são as obras arquitetônicas
presentes na aldeia? Como se dá a significação e o uso dessas construções por parte do
grupo? Em relação às obras construídas pela Cohapar e pela Itaipu, por que foram
construídas na aldeia? Quais foram os objetivos? Como se deu o processo para a definição
de tipologias construtivas, materiais ou técnicas e mesmo a formatação dessas tipologias?
Como ocorreu a incorporação dessas obras pelos Guarani e quais foram as influências dessas
ocupações na dinâmica cultural do grupo?
Esses questionamentos serão abordados a partir do viés da interdisciplinaridade, pois
se supõe que, através dessa perspectiva, tanto a metodologia quanto as fontes para a pesquisa
proposta ganham corpo e se estendem por caminhos flexíveis e bastante atraentes,
possibilitando a interação entre diferentes áreas do conhecimento científico tendo um objeto
comum. Nesse sentido, é possível integrar diferentes disciplinas em torno do estudo da
Cultura, tais como a História, a Antropologia, a Etnografia e a Arquitetura.
- Marco teórico-metodológico da pesquisa
A abordagem adotada tem por característica a interdisciplinaridade, fundada na
Arquitetura, na Antropologia, na Etnografia, na História e na memória, entre outros. Esta
abordagem está centrada em um estudo de caso baseado na cultura guarani, tendo como foco
a produção do espaço habitado. Através de análise comparativa da arquitetura tradicional dos
guarani na atualidade em relação a obras construídas por agentes externos junto à aldeia,
pretende-se entender os mecanismos de incorporação dos elementos arquitetônicos ao
cotidiano do grupo, através da perspectiva antropológica.
O enfoque dado à construção do espaço a partir da arquitetura busca enfatizar não
somente a arquitetura como técnica construtiva ou a matéria-prima adotada, mas também,
aprofundar a discussão do sentido cultural que as construções assumem perante as práticas
14
tradicionais do grupo. Assim, dada à questão dos símbolos culturais que se encontram
materializados através da arquitetura, é preciso considerar a função simbólica atribuída a essas
obras enquanto parte constituinte de um território também construído simbolicamente.
Para colher as fontes que compõem esta dissertação foram utilizados os recursos de
observações de campo, entrevistas semiestruturadas e registros fotográficos, aliados à
pesquisa bibliográfica teórica e à leitura de fontes específicas já produzidas sobre a temática,
dando ênfase à fala dos Guarani. Foram registradas entrevistas em áudio e em vídeo
abordando as definições que esses sujeitos utilizam para externalizar seus valores e suas
crenças, seu universo simbólico em relação às representações materializadas através da
arquitetura.
A seleção dos sujeitos para registro de entrevistas baseou-se principalmente no nível
de informações e no papel social que exercem no grupo. Por outro lado, obedeceu-se o critério
de permissão do registro em vídeo/áudio. Foi elaborado um roteiro contendo os pontos
principais a serem abordados junto aos entrevistados, roteiro esse comunicado com
antecedência aos entrevistados.
Entre os entrevistados durante a pesquisa de campo, cabe ressaltar que o professor
Vicente Vogado é tido como um dos indivíduos que melhor expressa o cotidiano e a dinâmica
cultural da Tekoha Añetete, pois é detentor de conhecimentos herdados de seus antepassados
e transmite esses valores e conhecimentos aos mais jovens, enquanto professor na escola da
aldeia. Além disto, ele domina o idioma português, aspecto que facilita a comunicação com os
juruá/brancos. Ele afirma que conversa muito com os mais velhos, pois assim constrói o seu
conhecimento para então repassar aos mais jovens. É preciso ter interesse nos assuntos
tradicionais trazidos por seus antepassados para então ter o que ensinar aos mais jovens: “Nas
sociedades sem escrita, a atitude de lembrar é constante, e a memória coletiva confunde
história e mito. Tais sociedades possuem especialistas em memória que têm o importante
papel de manter a coesão do grupo” (SILVA, 2006).
Esse aspecto demonstra, claramente, uma das principais características da cultura
guarani, que é a formação da pessoa através da palavra. A palavra se forma através da fala,
inclusive, no passado, as crianças Guarani somente eram batizadas pelo rezador quando
iniciavam a fala, pois se acreditava que a partir desse momento o corpo possui sua alma
formada, podendo inclusive receber o nome revelado pelo rezador.
Segundo o funcionário da Itaipu, João Bernardes, que atua junto às comunidades
indígenas da região há mais de duas décadas, o professor Vicente atua como elo entre as
gerações mais tradicionais da aldeia, e as gerações mais jovens. Dessa forma, ele conquistou a
15
liberdade de falar e o respeito por todos do grupo enquanto conhecedor, praticante e professor
da cultura tradicional dos Guarani.
Ele tem um elo muito forte entre a geração nova e a antiga, o Vicente [...] é
uma geração próspera da espiritualidade nos dias de hoje, poucas pessoas que possuem esta bagagem nas áreas indígenas, não é só daqui não, de
muitas outras áreas, não se conhece uma liderança, uma formação de
professor que carregue esta bagagem, mesmo quando ele fala em perguntar para os antigos, mas o que ele faz e o que ele presencia hoje já é cem anos na
frente, uma pessoa de muita serenidade, uma pessoa que tem que ser vista
com muito respeito, apesar de ser jovem ele tem toda a formação religiosa, você olha pra traz, os familiares dele, é algo que vem de muito longe e ele
está carregando para os seus descendentes, isto é muito bom... (João
Bernardes, entrevista concedida a Gracieli E. Schubert Kühl, em 19/12/2012
na Aldeia Tekoha Añetete).
Além das entrevistas com o professor Vicente, foram registrados também depoimentos
com o professor João Alves, atual cacique da aldeia e com Augustinho, Guarani que reside no
local; entre os depoentes não-guarani tivemos a colaboração de: João Bernardes, citado acima,
funcionário da Itaipu há mais de duas décadas atuando junto às aldeias na região de
abrangência da Binacional; com o antropólogo Rubem Ferreira Thomaz de Almeida, também
presença constante e, muitas vezes, decisiva na trajetória histórica do grupo enquanto
consultor da Itaipu para assuntos indígenas; com o indigenista Edívio Batistelli, funcionário
da Fundação Nacional do Índio (Funai); e com Rosangela Curri Kozak, funcionária da
Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) pelo seu envolvimento no processo de
construção das casas em várias aldeias do Paraná, inclusive na Tekoha Añetete.
Em relação à arquitetura, foi realizado levantamento e registro das construções da
aldeia, enfatizando a tipologia construtiva, o material e a técnica adotada, a disposição
espacial no conjunto da aldeia, as representações simbólicas envolvendo as construções, entre
outros aspectos. Elaborou-se, também, levantamento fotográfico das construções feitas pela
Cohapar e Itaipu, registros em plantas arquitetônicas e demais recursos disponíveis.
Como suporte metodológico para o desenvolvimento desta atividade buscou-se como
referência pesquisadores como Ciro F. Cardoso e Ronaldo Vainfas (1997), que discutem
estratégias para o desenvolvimento de pesquisas científicas utilizando-se da
interdisciplinaridade para estudos de caso. Buscou-se apoio, também, enquanto referencial
metodológico, em obras de autores que discutem a produção científica pelo viés da etno-
história, da etnografia, da história oral, da memória e do estudo de caso, características
marcantes no âmbito metodológico desta dissertação.
16
Segundo Cardoso & Vainfas (1997), desde muito tempo, a pesquisa científica e os
métodos adotados para tal vêm passando por constantes transformações. Nesse processo,
alguns paradigmas mantêm-se enquanto outros acabam por ser ultrapassados por novas
correntes historiográficas que surgem. Muitas dessas transformações ocorrem em função das
mudanças culturais, tecnológicas e mesmo sociais pelos quais vem passando a comunidade
mundial. Ocorrem novos meios de comunicação, novas práticas sociais, novos valores, novas
estruturas, entre outros aspectos que colaboram para as grandes renovações nas estruturas da
sociedade atual.
Juntamente com essa “Revolução Social”, quase que obrigatoriamente ocorrem
“Revoluções Científicas”, que levam ao surgimento de novos paradigmas, de novas formas de
desenvolver pesquisas em praticamente todas as áreas do conhecimento.
A emergência de novos objetos no seio das questões históricas: as atitudes
perante a vida e a morte, as crenças e os comportamentos religiosos, os sistemas de parentesco e as relações familiares, os rituais, as formas de
sociabilidade, as modalidades de funcionamento escolar, etc. [...] Com estes
objetos novos ou reencontrados podiam ser experimentados tratamentos
inéditos tomados de empréstimo às disciplinas vizinhas. (CARDOSO, 1997, p. 14-15).
Pode-se afirmar que a possibilidade de pesquisas interdisciplinares vinculadas ao
método da história, por exemplo, surge no cenário científico em função da “revolução
francesa da historiografia”, termo empregado por Peter Burke1 para definir o surgimento da
Escola dos Annales, que teve como objetivo inicial combater o método engessado que se tinha
de produção do conhecimento histórico, onde o rigor científico forçava os pesquisadores a
utilizarem apenas documentos oficiais para seus estudos, entre eles os documentos escritos,
excluindo outras alternativas, como as mentalidades, a oralidade, as religiosidades, as práticas
culturais, os objetos materiais, a iconografia, entre outras inúmeras fontes.
Nesse contexto interdisciplinar é possível encaixar a etnografia como opção
metodológica para o estudo de grupos étnicos bem como para produção de fontes para
pesquisa, como no caso desta dissertação. Segundo Roberto Cardoso de Oliveira, citado por
Jorge Eremites de Oliveira:
A pesquisa etnográfica consiste em três procedimentos básicos: “olhar”,
“ouvir” e “escrever”. O olhar e o ouvir fazem parte da primeira etapa dos trabalhos antropológicos, aquela que é realizada em campo, isto é, o registro
etnográfico de dados empiricamente observáveis. O escrever constitui a
segunda etapa das pesquisas, a interpretação etnológica, quer dizer, a análise
1 BURKE, Peter. A escola dos Annales (1929-1989). Sao Paulo: Unesp, 1990. IN: CARDOSO, 1997. p. 195.
17
teórica dos dados etnográficos obtidos durante a observação do grupo
estudado. (OLIVEIRA, 2011, p. 6).
O estudo etnográfico relacionado à perspectiva histórica permite que a etno-história
possa ser definida como:
Um método interdisciplinar para estudar a história de grupos étnicos a partir
de dados variados (arqueológicos, etnográficos, iconográficos, orais, textuais
etc.). Seu foco maior esteve nos contatos interétnicos e nas consequentes mudanças socioculturais deles advindas, algo que somente é possível
apreender quando considerado o processo histórico e sociocultural vivido
pelas famílias indígenas estabelecidas na área estudada. (OLIVEIRA e PEREIRA, 2011, p. 6).
A história oral, permite aferir elementos relacionados às transformações por que
passaram os grupos étnicos. Segundo CRUIKSHANK (FERREIRA & AMADO, 2005, p. 155):
Tanto como evidência sobre o passado quanto como evidência sobre a construção social do presente. [...] A tradição oral vincula o presente ao
passado. Isso continua sendo de especial importância nas sociedades
indígenas, nas quais o conhecimento genealógico tem papel significativo na explicação das regras que governam a organização social.
Utilizando-se da fonte oral enquanto recurso de pesquisa, é pertinente ressaltar a
importância da memória no processo da pesquisa. Essa importância relaciona-se ao fato de
que os aspectos relatados nos depoimentos são fruto da vivência dos entrevistados, das
relações sociais estabelecidas, das lembranças e dos esquecimentos vinculados ao fato em
questão.
Segundo Pierre Nora (1981), a memória é a vida própria de cada grupo social,
imbricada de sentimentos e de emoções registrados por uma única pessoa ou por um grupo.
Esses registros são vulneráveis frente a transformações, bem como são involuntárias ou
conduzidas, fazendo com que a memória não seja totalmente pura, fiel aos dados de que a
história necessita.
Já Le Goff (1994) acredita que um povo que possui forte memória coletiva não será
dominado com facilidade, pois saberá utilizar-se do passado como arma contra os opressores.
Ocorre, porém, que a memória coletiva pode ser transformada, manipulada segundo interesses
diversos, dependendo dos valores de cada indivíduo envolvido. Sendo assim, “[...] a memória
coletiva não é somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder” (LE
GOFF, 1994, p. 476). Ainda analisando o pensamento de Le Goff (1994), podemos citar que
“A memória, onde cresce a história, [...] procura salvar o passado para servir o presente e o
18
futuro” (Idem, p. 477).
Na opinião de Ulpiano T. B. de Meneses (1992), ao analisarmos a relação entre
história e memória, ambas não se confundem. A história é vista como a forma intelectual de
conhecimento. A memória age ativamente na construção da identidade social, reorganizando
simbolicamente o universo das pessoas, das coisas, imagens e relações. Nesse sentido,
admite-se que a memória seja utilizada como objeto da história no entendimento das
representações sociais.
Outro fenômeno que também ocorre quando se trata do tema memória é a chamada
amnésia social, em que se pode perceber que a memória costuma ser vista como algo de
constante retenção, assimilação e de exclusão. Segundo alguns autores, a memória está em
constante mutação, através de um processo pelo qual os dados irrelevantes aos poucos são
excluídos, dando lugar a informações úteis ao indivíduo.
Segundo Janice Theodoro da Silva (1990), grande parte da memória histórica
corresponde a ausências, perdas, ao que deixou de ser registrado por não fazer parte dos
'grandes acontecimentos', reafirmando o fato de que devemos estar cientes de que a memória
se relaciona muito intimamente com o esquecimento de fatos menos importantes. Inclusive
psicólogos insistem em estudar essa relação entre memória e esquecimento, pois acreditam
que a memória é, muitas vezes, manipulada, tanto individual quanto coletivamente, por
emoções, inibição, pela censura e por interesses políticos.
Este aspecto é muito bem resumido por Janice (1999) quando diz: “É agradável eu
lembrar de uma história onde eu servi a mesa? Ou é agradável eu lembrar de uma história
onde estou à mesa, cercada de uma baixela cheia de tradição?”.
Com isso se justifica a opção metodológica com base na interdisciplinaridade, tendo
em vista que a análise de grupos étnicos a partir desse viés se torna mais abrangente e,
consequentemente, mais completa. Segundo Ronaldo Vainfas (1997), combinar abordagens
distintas talvez seja o ideal, resguardadas as diferenças e até a oposição de paradigmas. Sendo
assim, "A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o
modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída,
pensada, dada a ler" (CHARTIER, 1990, p. 16-17).
O suporte teórico para desenvolvimento desta dissertação é constituído por autores
como Cliford Geertz (2011), Roberto Cardoso de Oliveira (2006), Fredrich Barth (1998),
Gimenez (2009), entre outros. Esses pesquisadores abordam os conceitos relacionados à
problemática proposta, e trarão como contribuição o aprofundamento das discussões em torno
19
da utilização da cultura indígena, com ênfase na arquitetura como fonte para pesquisas
histórico-culturais dos Guarani do Oeste do Paraná.
Entre os conceitos a serem abordados destacam-se, de modo específico, questões em
torno da cultura, dos grupos étnicos, da identidade, da territorialidade o Tekoha , os
simbolismos, a construção do espaço simbólico guarani e a arquitetura tradicional.
Estes referenciais sugerem a caracterização e a identificação do grupo étnico, no caso
os Guarani do Tekoha Añetete, e remetem para uma etnografia fundada no método descritivo.
A Análise dos modelos arquitetônicos tradicional e contemporâneo sugerem a recorrência à
história comparada, que segundo March Bloch (1928) requer que haja a possibilidade de se
poder verificar semelhanças e diferenças para se fazer a comparação.
- Estrutura da Dissertação
Sobre a forma como o trabalho está sendo estruturado, adotou-se a proposta de
organização textual em três capítulos, além deste texto introdutório e do texto final.
Resumidamente apresentam-se da seguinte forma: o primeiro capítulo é composto pelo
referencial teórico da pesquisa, onde são apresentados os conceitos postos em aderência com
o objeto de estudo, além de questões relativas à cultura guarani de maneira geral. O segundo
capítulo, define-se pela caracterização do objeto de estudo em si, no caso a Aldeia Tekoha
Añetete, abordando a origem histórica, características populacionais, organização do espaço
habitado e a dinâmica sociocultural desse grupo Guarani na atualidade. No terceiro capítulo,
são expostas questões relacionadas à problemática da pesquisa e que têm por foco a análise
das obras arquitetônicas presentes na aldeia, entre elas as 'tradicionais', as implantadas pela
Cohapar e aquelas implantadas pela Itaipu. Após a introdução e os três capítulos, finalizando
a discussão, apresenta-se uma entrevista com o antropólogo Rubem Ferreira Thomaz de
Almeida, que, como citado anteriormente, esteve presente em momentos decisivos para a
constituição do grupo na atualidade. Nessa entrevista são abordados aspectos avaliativos em
relação à presença de instituições externas na organização de atividades no interior da aldeia,
entre elas a Cohapar e a Itaipu.
Descrevendo de maneira mais detalhada cada fase desta dissertação, inicia-se com o
primeiro capítulo, no qual se optou pela apresentação da fundamentação teórica que direciona
a discussão, abordando conceitos que permeiam a análise do objeto de estudo. Apesar de ser
uma fase de apresentação de conceitos, já estão sendo direcionados enfoques teóricos que,
20
mais adiante, auxiliarão na compreensão prática do objeto de estudo e de sua problemática,
visando realizar um contraponto entre a teoria e o trabalho de campo.
Entre os autores que subsidiam esta discussão destaca-se Cliford Geertz, que reflete
sobre a cultura enquanto teia de significados construídos na relação entre atores sociais em
um determinado espaço comum. Ele ressalta a importância de se considerar o contexto em
que as práticas culturais e os símbolos são produzidos. Fredrik Barth, contribui no sentido de
discutir as fronteiras culturais surgidas a partir das áreas de fricção interétnica, grupos étnicos
e seus estatutos sociais, além das questões envolvendo as identidades de maneira geral.
Roberto Cardoso de Oliveira é antropólogo e também discute os caminhos da identidade sob
olhar construído através da pesquisa com grupos indígenas, especialmente os terenas, no Mato
Grosso do Sul/BR. Esse viés se encaixa, em muitos momentos, com a proposta da pesquisa
descrita nesta dissertação, tanto pela metodologia que Oliveira utiliza como também pela
maneira clara como aborda a questão da formação da identidade étnica indígena. Erneldo
Schallenberger e Bartolomeu Meliá também trazem pesquisas voltadas a grupos étnicos e,
nesse caso, contribuem no sentido de discutir a formação da identidade a partir do outro, ou
seja, como se constroem as identidades pessoais ou coletivas através da diferenciação do eu
em relação ao outro, além das questões relacionadas ao estudo dos Guarani desde os primeiros
contatos com o homem branco. Gilberto Gimenez também faz parte dessa discussão voltada à
formação das identidades, das territorialidades e da cultura em si, enfatizando que esses
aspectos são alterados e ressinificados através da interação social e do sentido que assumem
perante o indivíduo ou o grupo.
Como continuidade do primeiro capítulo, em um segundo tópico são apresentados
elementos que constituem características gerais da cultura guarani, entre elas questões de
ordem social, política e religiosa. Essa inserção se torna necessária a partir da importância de
se discutir o objeto de estudo sob olhares traçados por outras abordagens. Isso representa
aliar-se a esses pesquisadores na abordagem da temática a fim de caracterizá-la, situando-a
em relação a outros grupos formados culturalmente. Objetiva-se, também, com essa análise, a
caracterização dos Guarani em diferentes temporalidades, ou seja, a forma como esses grupos
se organizavam em tempos remotos e a forma como estão organizados na atualidade, as
características mantidas e as adaptadas em função das construções históricas definidas ao
longo do tempo e do espaço.
Para essa caracterização são trazidos autores como Egon Schaden, com sua obra
"Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani", que trata dessa temática. Erneldo
Schallenberger também compõe o referencial teórico desta dissertação por destacar-se em
21
relação à temática da identidade e da construção do espaço guarani, desde a formação do
território del Guayrá até os tempos atuais. Além disso, o referido autor possui ampla
produção bibliográfica voltada às Reduções Jesuíticas no Brasil, Argentina e Paraguai. Às
referências de Schaden e Schallenberger somam-se as de Bartolomeu Meliá, etnólogo que tem
produção ampla sobre a cultura guarani, trazendo para o horizonte científico características
fundamentais para o estudo desses povos. Meliá tem por foco de análise os Guarani em seus
aspectos mais amplos, relacionados aos costumes, às crenças, ao modo de ser e práticas
desenvolvidas por esses grupos tanto no passado quanto na contemporaneidade. Nesta
abordagem, além das características culturais, serão discutidas especialmente as questões
envolvendo a construção do território por parte dos Guarani, a função social e simbólica que
essa construção ocupa no cotidiano desses grupos.
O segundo capítulo está centrado na caracterização dos Guarani tomados para estudo.
Nessa fase são abordados aspectos relacionados ao histórico da aldeia Tekoha Añetete, entre
eles a sua trajetória, os territórios ocupados, até chegarmos aos dados estatísticos, sociais e
culturais da atualidade. Esse ponto tem como objetivo apresentar um panorama do grupo,
situando-o no contexto histórico e social da região. Para tanto, além da pesquisa de campo, foi
realizado um levantamento bibliográfico, buscando identificar obras produzidas sobre grupos
indígenas da região oeste do Paraná, comparando os seus dados com os da atualidade, estes
coletados junto ao grupo durante as pesquisas de campo.
As produções de Sarah I. Gomes Tibes Ribeiro farão parte do conjunto referencial
para a discussão empreendida no segundo capítulo. Questões em torno da territorialidade,
organização social e os objetos rituais que integram esse grupo Guarani na atualidade, terão
como aporte teórico Rubem T. Almeida (2001) e Valéria Soares de Assis (2006).
O terceiro capítulo – sobre a problemática da pesquisa analisa a cultura dos Guarani
no oeste do Paraná a partir de manifestações materiais junto à Aldeia Tekoha Añetete, com
destaque para a arquitetura tradicional e a apropriação, por parte do grupo, de obras
arquitetônicas implementadas por agentes externos, entre eles a Itaipu e a Cohapar. Essa
divisão textual tem por característica dissertar sobre a construção do espaço Guarani, tanto o
espaço geográfico com seus elementos naturais e materiais, quanto e principalmente o espaço
simbólico e seus elementos culturais que o delimitam. A constituição da territorialidade
guarani enquanto espaço de vivências coletivas será abordada de maneira especial, pois será o
foco das discussões que adiante se voltarão para a arquitetura.
Nessa fase adentramos, especificamente, na discussão sobre a arquitetura guarani, que
representa materialmente porção importante dos símbolos religiosos do grupo e que,
22
juntamente com os objetos materiais utilizados nas rezas, auxilia na composição da atmosfera
sagrada. A matéria-prima utilizada nas construções tradicionais é retirada da natureza, como,
por exemplo, o cipó para as amarrações, o sapé para a cobertura, os roliços de madeira
utilizados para a confecção das paredes, entre outros. Cada um desses elementos possui uma
função na construção, não somente prática, mas principalmente simbólica. Juntos,
representam aspectos da crença dos Guarani que foram passados de geração em geração. A
utilização desses elementos segundo a técnica tradicional traz força ao grupo, pois
culturalmente isso agradaria aos deuses.
Durante as primeiras pesquisas de campo foi possível perceber que existem, nessa
aldeia, muitos elementos arquitetônicos externos que não foram construídos segundo a técnica
tradicional dos Guarani. Ocorre que, após o processo de formação da aldeia, instituições
oficiais firmaram convênios para a construção de moradias visando oferecer melhores
condições de habitação para a população local. Um fato que chama a atenção é que, dividindo
e/ou complementando o espaço das residências construídas através desses convênios, os
Guarani implementam outra construção, geralmente ao lado ou no fundo, que segue, quando
possível, a técnica tradicional. Esse espaço anexo é o local onde são desenvolvidas
praticamente todas as atividades diárias do grupo familiar, restando à obra empreendida pelos
órgãos oficiais a função de uso apenas para pernoite dos membros.
Assim, portanto, no terceiro capítulo são abordados aspectos dessa arquitetura dita
"contemporânea" empreendida por instituições externas junto à aldeia, em relação à
arquitetura tradicional dos guarani. São discutidas questões voltadas aos conceitos que
levaram a concepções dos projetos arquitetônicos e em relação às formas como os Guarani
incorporam e fazem uso dessas construções em seu cotidiano.
Como fechamento da discussão apresenta-se uma análise antropológica sobre essa
aldeia feita por Rubem Thomaz Almeida, antropólogo que esteve presente durante o todo o
processo de formação da Tekoha, principalmente com a elaboração de laudos para a
orientação das ações da Itaipu na aquisição de território, emissão de pareceres sobre a
construção de casa de reza, entre outras ações relacionadas aos Guarani da Añetete.
Essa análise constitui porção relevante na presente pesquisa em função de fornecer ao
leitor elementos de opinião sobre o grupo, emitidos por um profissional que há muito atua
com comunidades indígenas e que configurou como agente de opinião em tomadas de
decisões importantes no processo histórico do grupo aqui analisado, principalmente na relação
entre a Itaipu Binacional e os Guarani do extremo oeste do Paraná.
23
É importante salientar que a fonte material é o caminho pelo qual a atividade foi
desenvolvida, caracterizando-se como mediadora entre o historiador e o indivíduo ou grupo,
reais ‘objetos’ da pesquisa. O que se busca neste caso é o estudo do indivíduo, da cultura do
grupo e não do objeto/matéria/técnica em si.
24
CAPÍTULO 1
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Conforme abordado na fase introdutória, esta pesquisa tem como objeto central um
estudo de caso de uma aldeia Guarani localizada no oeste do Paraná. Na abordagem desse
objeto serão contemplados os aspectos culturais gerais para se chegar ao objetivo da pesquisa,
que é registrar as representações simbólicas presentes na arquitetura tradicional dos Guarani, a
forma como as edificações são erigidas e a função material e imaterial dessas obras frente ao
cotidiano do grupo. A problemática de pesquisa baseia-se na compreensão dos mecanismos de
incorporação dessas edificações construídas na aldeia por órgãos externos e mediante a
utilização de material, técnica e referencial diferentes da arquitetura ‘tradicional’ dos Guarani.
Em se tratando de pesquisa de cunho científico, faz-se necessário iniciar a reflexão a
partir da abordagem teórica que fornece a base conceitual para o desenvolvimento das
atividades. Seguem, portanto, reflexões teóricas relacionadas aos conceitos que permeiam
toda a pesquisa e a produção textual desta dissertação.
Primeiramente, são abordados conceitos como cultura, identidade, grupo étnico,
etnicidade, entre outros. As discussões publicadas por autores renomados foram selecionadas
visando possibilitar a interpretação do objeto de estudo, no caso, os Guarani da Aldeia Tekoha
Añetete.
Em um segundo momento, são elencadas algumas características culturais dos Guarani
de maneira geral, como: questões religiosas, organização social e política, construção de
territórios, entre outros. Esse tópico também tem por fim, caracterizar a cultura guarani de
maneira geral, para, posteriormente, nos capítulos que seguem chegar aos Guarani que
habitam o oeste do Estado do Paraná, mais especificamente, que constituem a Aldeia Tekoha
Añetete.
1.1 Questões conceituais
Atualmente se fala muito sobre cultura, porém o significado atribuído ao termo em
cada um dos contextos é diverso. A semelhança entre todos é que “[...] cultura é simplesmente
uma forma de falar sobre identidades coletivas” (COUCHE, 1999, p. 24).
25
Buscando a gênese do termo, chegamos ao século XIII, quando a palavra surge do
latim, ligada ao meio rural, ao cultivo da terra ou ao cuidado dispensado ao campo ou ao
gado.
Até o século XVIII, a evolução do conteúdo semântico da palavra se deve
principalmente ao movimento natural da língua e não ao movimento das
ideias, que procede, por um lado pela metonímia (da cultura como estado à cultura como ação), por outro lado pela metáfora (da cultura da terra à
cultura do espírito), imitando nisso seu modelo latino ‘cultura’, consagrado
pelo latim clássico no sentido figurado (COUCHE, 1999, p. 20).
Por volta de 1700, os franceses passam a atribuir uma espécie de sentido figurado ao
termo, fato que ocorre com a publicação no Dicionário da Academia Francesa. A partir de
então, o termo passa a aparecer sempre seguido de complementos como: ‘cultura das artes’,
'cultura das ciências’, ‘cultura das letras’, referindo-se ao estudo ou desenvolvimento de um
determinado assunto ou aspecto da sociedade.
Com o passar dos anos, o termo liberta-se dos seus complementos e inicia uma nova
fase de definições e usos quando é empregado sozinho, não mais acompanhado por um
atributo para caracterizá-lo. O sentido do termo também sofre alterações, passando a designar
as ações em torno da ‘formação’ e da ‘educação’ do espírito humano: “Depois de um
movimento inverso observado anteriormente, passa-se de ‘cultura’ como ação (ação de
instruir) à ‘cultura’ como estado (estado do espírito cultivado pela instrução, ‘estado do
indivíduo que tem cultura).” (COUCHE, 1999, p. 20). Nesse momento o conceito passou a ser
definido como algo superior, aquele conhecimento ou prática, que se possui ou não, pois
algumas pessoas possuem cultura, outras não.
No século XVIII, ‘cultura’ é sempre empregada no singular, o que reflete o universalismo e o humanismo dos filósofos [...] a palavra é associada às
idéias de progresso, de evolução, de educação, de razão que estão no centro
do pensamento da época (iluminismo). A ideia de cultura participa do
otimismo do momento, baseado na confiança no futuro perfeito do ser humano. O progresso nasce da instrução, isto é, da cultura, cada vez mais
abrangente. (COUCHE, 1999, p. 21).
Nesse período, a cultura relaciona-se intimamente com outro termo, muito em voga no
momento, principalmente na França, o de ‘civilização’. Embora utilizados de forma
associativa, ‘cultura’ representava os progressos individuais enquanto o termo ‘civilização’
representava os progressos coletivos.
26
No idioma alemão, o termo Kultur recebe traços que diferem parcialmente do caso
francês. Inicialmente é uma palavra utilizada por intelectuais da época visando distinguir a
classe letrada da aristocracia e da nobreza.
Duas palavras vão lhes permitir definir esta oposição dos dois sistemas de
valores: tudo o que é autêntico e que contribui para o enriquecimento
intelectual será considerado como vindo da cultura; ao contrário, o que é somente aparência brilhante, leviandade, refinamento superficial, pertence à
civilização. A cultura se opõe então à civilização como a profundidade se
opõe à superficialidade (COUCHE, 1999, p. 25).
Superando essa fase de evolução do termo, iniciamos a reflexão visando às definições
atuais de cultura, algo que não deixa de ser também muito abrangente. Clifford Geertz aborda
a questão a partir de um olhar construído através da antropologia social. Segundo ele, o
conceito de cultura:
Denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado
em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas
simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida
(GEERTZ, 2011, p. 66).
É possível afirmar que esse ‘padrão de significados’ se refere aos comportamentos, às
práticas, aos valores, aos costumes, aos mitos, aos ritos e aos símbolos herdados pelos
indivíduos através do grupo social ao qual pertencem e que são produzidos e reproduzidos
diariamente por atores sociais,2 os quais assumem essa organização como algo natural,
proporcionando-lhes identidade com a sua coletividade. São características herdadas não
através da genética humana, mas a partir de práticas sociais que acompanham e oferecem
sentido ao ser/estar do indivíduo perante um grupo social que lhe é familiar.
Os símbolos são os instrumentos por excelência da ‘integração social’: enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam
possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui
fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração ‘lógica’ é a condição da integração ‘moral’ (BOURDIEU, 2003, p.10).
Gilberto Gimenez ressalta que: “La cultura nunca debe entenderse como un repertorio
homogéneo, estático e inmodificable de significados. Por lo contrario, puede tener a la vez
‘zonas de estabilidad y persistencia’ y ‘zonas de movilidad’ y cambio.” (GIMÉNEZ, 2009,
2 O termo ‘atores sociais’ utilizado nesta discussão é abordado por Giménez (2009) como sendo os indivíduos
com capacidade de atuar, mobilizar-se e serem mobilizados em prol de sua coletividade.
27
p.10). A cultura está desse modo, em constante movimento, renovando-se a partir dos
elementos externos e internos que favorecem essa movimentação.
Bartolomeu Meliá ressalta que a cultura é a pele que reveste o indivíduo ou os atores
sociais; através da pele são absorvidos e desenvolvidos os sentidos do ser humano. A pele é o
ambiente de contato e tudo o que é produzido nesse ambiente é exteriorizado ou interiorizado.
A cultura para o indivíduo é como a pele para o corpo. Ela cria elementos identificadores que
proporcionam sentidos, ao mesmo tempo em que filtra os elementos externos, incorporando-
os ou ignorando-os, variando conforme cada momento: “La cultura es la piel que habitamos,
... La piel me limita, pero me permite los contactos com todo lo que me es exterior, pero me
habitará en mi” (MELIÁ, 2011, p. 16).
Apesar de alguns estudos apontarem os aspectos culturais como responsáveis pelas
relações de poder ou de domínio cultural, Geertz (2011) afirma que ela deve ser
compreendida como o contexto em que se desenvolvem as relações sociais, sejam elas de
poder ou não. A cultura é, portanto, desenvolvida a partir das relações sociais, através das
quais a cultura torna-se compreensível.
A cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos
casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as
instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual
eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com
densidade (GEERTZ, 2011, p. 10).
Essa posição defendida por Geertz destaca também a relevância em se considerar o
contexto, o espaço em que esse homem se constitui enquanto ser, enquanto indivíduo
pertencente a uma coletividade específica e distinta. Não basta afirmar o pertencimento ao
grupo, é necessário sentir-se enquanto grupo e ser reconhecido por essa coletividade. Assim,
isso deve ser entendido porque o indivíduo, enquanto ser social, não se forma isoladamente,
mas através das relações estabelecidas e desenvolvidas com os semelhantes, uma espécie de
‘teia de significados’.
Os aspectos que compõem a cultura encontram-se na esfera do intangível, são
elementos simbólicos não palpáveis nem possíveis de serem explicados, pois são
presenciáveis através de representações abstratas que permeiam o imaginário dos indivíduos.
São sentidos que regem e justificam ações humanas sem com isso constituírem-se
materialmente ou racionalmente. São referências simbólicas relacionadas a determinadas
vivências, individuais ou coletivas, que oferecem sentido a ações humanas construídas
tradicionalmente em cada grupo social. Citando Roberto Cardoso de Oliveira, podemos
28
definir “[...] cultura como representação, portadora de significados vários, uma dentre as mais
diversas modalidades de simbolização.” (OLIVEIRA, 2006, p. 37).
O sentido do termo representação é descrito por vários autores no âmbito de pesquisas
vinculadas à história cultural, entre eles Chartier, que define:
A representação como dando a ver uma coisa ausente, o que supõe uma
distinção radical entre aquilo que representa e aquilo que é representado; por
outro, a representação como exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou de alguém. No primeiro sentido, a representação é
instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente
através da sua substituição por uma ‘imagem’ capaz de reconstruir em
memória e de figurá-lo tal como ele é (CHARTIER, 1990, p. 20).
Outros pesquisadores que tratam da temática indígena utilizam, além da citação acima,
a definição de Palmer para o termo. Segundo ele:
Representação é, primeiro e antes de mais nada, algo que está no lugar de outra coisa [...] é um tipo de modelo da coisa que ela representa. Essa
descrição implica a existência de dois mundos relacionados, mas
funcionalmente separados: o mundo representado e o mundo representante
[...] deverá haver alguns aspectos correspondentes se um mundo representar o outro (PALMER apud NÖTH, 1997, p. 135).
3
Em se tratando de um estudo de caso junto a uma aldeia guarani, torna-se necessário
discutir também os conceitos de etnia e de grupos étnicos. Para tanto, tem-se por linha mestre
autores como Fredrich Barth (1998), que também discute a temática a partir da antropologia.
Segundo ele:
Os grupos étnicos são vistos como uma forma de organização social. Então,
um traço fundamental torna-se [...] a característica da autoatribuição ou da atribuição por outros a uma categoria étnica. Uma atribuição categórica é
uma atribuição étnica quando classifica uma pessoa em termos de sua
identidade básica mais geral, presumivelmente determinada por sua origem e seu meio ambiente. (BARTH, 1998, p. 194).
Assim, portanto, a constituição de grupo étnico está intimamente relacionada a
questões identitárias e, por consequência, culturais, ou seja, representa a forma como os
indivíduos se autodefinem e também a maneira como são rotulados por agentes externos. Não
bastam antecedentes como herança genética, o compartilhamento de valores fundamentais em
unidades culturais ou a interação através da comunicação. Segundo Barth, esses fatores são
importantes, porém o que se deve considerar como essencial no processo da definição de
3 Esta definição foi abstraída de: BOTTON, Fernando Bagiotto (2011). É, porém também encontrada em outros
autores utilizados na composição desta dissertação, entre eles: ASSIS, Valéria Soares, 2006, p. 148.
29
grupos étnicos são a autoidentificação dos indivíduos em relação à coletividade, além da
atribuição que os outros concedem à organização social em questão, as diferenças expressas
na relação direta com outros grupos.
No caso dos Guarani aqui analisados, existem, também, definições em relação ao
pertencimento ou não a determinado grupo étnico, definições que serão apresentadas nos
capítulos que seguem.
Quando discutimos aspectos culturais referindo-nos às coletividades, como é o caso
desta discussão, invariavelmente tocamos em outras questões conceituais, entre elas a
identidade, seja ela individual ou coletiva, que é constituída a partir das relações
desenvolvidas por atores sociais em situação de contato.
Se partirmos do pressuposto de que a cultura é composta por símbolos e outras
representações em nível abstrato, podemos afirmar que a identidade é a demonstração prática
desse conjunto de significados, onde os símbolos culturais são transformados em sinais
concretos de valores e de padrões sociais, os quais compõem o imaginário de determinada
coletividade. A identidade pode ser considerada parte da cultura e possui como principal
característica a demonstração de crenças e de valores através de sinais tangíveis, facilmente
definidos e compreendidos dentro do contexto de origem. Segundo Gimenez: “Los materiales
com los cuales contruimos nuestra identidad para distinguirmos de los demás son siempre
materiales culturales” (GIMÉNEZ, 2009, p. 11).
Esses materiais culturais citados por Gimenez podem ser representações concretas de
símbolos, representações das quais fazem parte os sinais, também responsáveis pela
construção das identidades. Segundo Geertz:
Os significados só podem ser ‘armazenados’ através de símbolos: uma cruz, um crescente ou uma serpente de plumas. Tais símbolos religiosos,
dramatizados em rituais e relatados em mitos, parecem resumir, de alguma
maneira, pelo menos para aqueles que vibram com eles, tudo que se conhece
sobre a forma como é o mundo, a quantidade de vida emocional que ele suporta, e a maneira como deve comportar-se quem está nele (GEERTZ,
2011, p. 93).
Segundo Schallenberger, a identidade “[...] expressa o autoconhecimento, derivado de
um processo de construção de significado com base em um conjunto de atributos culturais
inter-relacionados, que prevalece sobre outras fontes de significado” (SCHALLENBERGER,
2011, p. 13).
A definição da identidade de determinado grupo não está somente restrita às
semelhanças compartilhadas internamente, mas também, e de maneira muito marcante, refere-
30
se às diferenças. As características comuns oferecem harmonia, mas também definem
aspectos dos quais não se compartilha o modo de ser dos outros e as diferenças relacionadas
ao meu modo de ser. É o que Roberto Cardoso de Oliveira chama de ‘Identidade Contrastiva’:
Quando uma pessoa ou um grupo se afirmam como tais, o fazem como meio
de diferenciação em relação a alguma pessoa ou grupo com que se
defrontam. É uma identidade que surge por posição. Ela não se afirma isoladamente. No caso da identidade étnica, ela se afirma “negando” a outra
identidade (OLIVEIRA, R. C., 2003, p. 6).
Gimenez também discute a constituição das identidades a partir da oposição entre
semelhanças e diferenças: “La identidad está relacionada com la idea que tenemos acerca de
quiénes somos y quiénes son los otros, es decir, com la representación que tenemos de
nosotros mismos em relación com los demás” (GIMÉNEZ, 2009).
A referência aos grupos étnicos e a formação das identidades sugere questionamentos
relacionados aos limites culturais. É diante deles que se constroem as diferenças identitárias
entre os grupos, que geralmente são responsáveis pelo afloramento e pelo fortalecimento
desses traços em ambos os lados da moeda.
Relações sociais estáveis, persistentes e muitas vezes de uma importância social vital, são mantidas através dessas fronteiras e são freqüentemente
baseadas precisamente nos estatutos étnicos dicotomizados. Em outras
palavras, as distinções étnicas não dependem de uma ausência de interação social e aceitação, mas são, muito ao contrário, frequentemente as próprias
fundações sobre as quais são levantados os sistemas sociais englobantes. A
interação em um sistema social como este não leva a seu desaparecimento por mudança e aculturação; as diferenças culturais podem permanecer apesar
do contato interétnico e da dependência dos grupos (BARTH, 1998, p. 188).
Esse conjunto de significados possibilita a constituição de identidades pessoais e
coletivas, transformando-se em fator aglutinador de indivíduos em torno de características
comuns, bem como também o distanciamento em relação a determinadas ações ou grupos: “A
identificação de outra pessoa como pertencente a um grupo étnico implica compartilhamento
de critérios de avaliação e julgamento” (BARTH, 1998, p. 197).
Neste processo de construção das identidades insere-se, portanto, o sentimento de
reconhecimento dos indivíduos enquanto parte do grupo, delimitando as diferenças entre o
eu/grupo em relação ao outro, um sentimento para além do ‘ser’, mas principalmente ‘sentir-
se’ como tal, “[...] identidad sentida, vivida y exteriormente reconocida de los actores sociales
que interactúan entre si em los más diversos campos” GIMÉNEZ (2009, p. 11).
31
Essa questão do reconhecimento é abordada também por Roberto C. de Oliveira como
sendo uma espécie de ação de domínio público relacionada aos indivíduos que buscam a
afirmação de que são detentores de valor social, ou seja, são capazes de algo ou partilham
características, conhecimentos e práticas que, reconhecidamente, os identificam com
determinada coletividade.
Para que essa identidade individual possa transformar-se em algo coletivo é necessário
o reconhecimento do indivíduo pelo grupo de maneira social e pública. Faz-se essencial o fato
de ele ser aceito pela coletividade para que sua autoidentificação se transforme em algo
relevante.
Aproximando a discussão ao objeto de estudo que se propõe analisar, Roberto C.
Oliveira afirma que, de maneira geral, atualmente as etnias indígenas estão buscando o
reconhecimento moral, algo que, em tempos passados, era restrito às políticas públicas. Isto
quer nos dizer que esses grupos estão se voltando para o interior da sua cultura, para o âmago
de suas origens, desenvolvendo o autoreconhecimento para então, se reportarem para as
questões externas. Estão se autoreconhecendo moralmente, fazendo-o a partir de seus valores
tradicionais, resgatando sua moral para fortalecer seus anseios em relação às questões
externas ao grupo: “[...] o reconhecimento começa com o autoreconhecimento; [...] é o desejo
de ser reconhecido e, em consequência, o anseio de ter reconhecimento dos seus direitos – e
dentre estes direitos está o de possuir uma identidade” (OLIVEIRA, 2006, p. 41 e 34).
Esse aspecto pode ser percebido, também, a partir dos discursos proferidos tanto pelos
Guarani quanto pelas instituições que atuaram ou atuam junto a essas aldeias, conforme será
apresentado nos capítulos que seguem. Notou-se que o tratamento dispensado a eles tem se
configurado no sentido de ouvir seus anseios, valorizando a capacidade de organização que
essa etnia possui como resultado de séculos de evolução.
Será, portanto, nas sociedades multiculturais que a questão da identidade
étnica e de seu reconhecimento vai se tornar ainda mais crítica. Em tais
sociedades, a dimensão da identidade étnica relacionada com a da cultura tende a gerar crises individuais ou coletivas. E com elas surgem
determinados problemas sociais susceptíveis de enfrentamento por políticas
publicas, como, por exemplo, as chamadas políticas de reconhecimento (OLIVEIRA, 2006 p. 36).
Percebe-se que, nas discussões envolvendo cultura e identidades, constantemente são
abordados conceitos de etnia, grupo social, pessoa e etnicidade, fato que leva a discussão
desses aspectos também de maneira conceitual, para que possamos esclarecer o viés teórico
que orienta essas abordagens.
32
A etnicidade, definida por Barth (1998) como ‘grupos distintos culturalmente
convivendo em espaços físicos comuns’, é outro fator que favorece a definição e o
fortalecimento das identidades relacionadas aos grupos étnicos, isto porque faz emergir as
chamadas ‘áreas de fricção interétnica’.
Essas áreas de fricção interétnica, por sua vez, são caracterizadas por espaços de
encontros, de trocas e de conflitos identitários que, na maioria das vezes, resultam também no
fortalecimento das identidades coletivas como estratégia de defesa e de sobrevivência do
grupo enquanto unidade étnica.
Embora a emergência e a persistência de tais sistemas pareçam depender de
uma estabilidade relativamente alta dos traços culturais associados aos
grupos étnicos [...] eles não implicam uma rigidez semelhante quanto aos padrões de recrutamento ou de atribuição aos grupos étnicos; pelo contrário,
as relações interétnicas que frequentemente observamos implicam uma
multiplicidade de processos, cujo efeito transforma a identidade individual e
grupal e modifica os outros fatores demográficos que prevalecem na situação (BARTH, 1998, p. 204).
Pode-se afirmar que o estudo de caso a ser desenvolvido nos capítulos que seguem tem
por característica a análise cultural em uma região de fricção interétnica, primeiramente pelo
fato de os Guarani, reduzidos na aldeia Tekoha Añetete, constituírem um grupo
reconhecidamente distinto pela sociedade envolvente e por órgãos como a Fundação Nacional
do Índio/Funai ou pela Itaipu Binacional, que fornecem a eles um status de minoria étnica em
situação de adaptação em um ‘novo’ espaço geográfico, no caso uma área desapropriada e
transformada em reserva indígena. Em um segundo momento, essa fricção interétnica se
estabelece no próprio interior da aldeia, em função do contato direto que os Guarani têm com
professores e funcionários não índios que atuam junto à escola indígena situada no local.
Esses contatos empreendidos em espaços multiculturais são regidos por preceitos
éticos previamente definidos entre ambos os grupos. Segundo Barth, são constituídos
estatutos sociais que regem esses contatos, os quais são caracterizados pela atribuição de
sentido a determinadas atitudes bem como a definição de funções que cada indivíduo deve
assumir perante a coletividade em questão. Ou seja, os funcionários da escola indígena
existente na aldeia, juntamente com os Guarani, constituíram, através da convivência diária,
estatutos regentes para as relações entre branco/juruá e Guarani no âmbito escolar. Cada
indivíduo assume sua responsabilidade nas relações de contato, visando desenvolver as
atividades de maneira respeitosa e eficiente.
33
Os Guarani, apesar desse contato direto com a sociedade externa, que ocorre
principalmente através da escola, organizam seu estatuto étnico visando manter a identidade
cultural através da mínima interferência em seus valores e em suas práticas culturais
desenvolvidas no cotidiano.
Situações de contato social entre pessoas de culturas diferentes também
estão implicadas na manutenção da fronteira étnica: grupos étnicos persistem
como unidades significativas apenas se implicarem marcadas diferenças no comportamento, isto é, diferenças culturais persistentes. Assim, a
persistência de grupos étnicos em contato implica não apenas critérios e
sinais de identificação, mas igualmente uma estruturação da interação que
permite a persistência das diferenças culturais (BARTH, 1998 p. 196).
É importante ressaltar também, que os grupos étnicos constituem sistemas sociais
mutáveis, ou seja, através destes contatos com outros grupos podem surgir alterações internas
significativas, principalmente porque a identificação pessoal pode variar segundo as
circunstâncias. As fronteiras que regem os grupos são permeáveis, possibilitando a interação
com a exterioridade e consequentemente a inserção de elementos externos.
O antropólogo Rubem Thomaz Almeida (2006, p. 117), a partir de suas vivências
junto aos Guarani Kaiowa e Ñandeva, afirma que “a sociedade executa movimentos com o
intuito de ‘encaixar’ elementos alheios a sua cultura, o que lhe permite entender-se no mundo
mesmo dentro de contextos alheios a sua tradição”.
Os Guarani foram expostos a novas tecnologias, novas técnicas agrícolas, novos meios
de comunicação (escola, internet, aparelhos celulares, antenas parabólicas), mas nem por isto
deixaram de ser Guarani. Todos os indivíduos sofrem alterações, migram, adotam novas
práticas, sem por isto perderem sua identidade social. Pois “[...] uma etnia pode manter sua
identidade étnica mesmo quando o processo de aculturação em que está inserida tenha
alcançado graus altíssimos de mudança cultural” (OLIVEIRA, 2006 p. 36).
Sarah Ribeiro, que possui publicações sobre a formação da identidade dos Guarani na
região oeste do Paraná, afirma:
Cada sociedade indígena absorve as relações com os outros, incluindo-se aí
os ensejos de imposição dos poderes instituídos, de maneira própria e única.
Surge, então, uma sociedade singular, transformada, que talvez não portando mais determinados traços culturais distintivos, ou atribuindo novos
significados àqueles que mantêm, permanece autoidentificando-se, neste
caso em particular, como Guarani (RIBEIRO, 2002, p. 44).
34
Portanto, em relação aos Guarani, é possível através da formação identitária, estudar
aspectos simbólicos de sua cultura. Os sinais são os objetos, um meio de ligação com o
mundo espiritual. As danças e os rituais visam enaltecer suas crenças, seus simbolismos, sua
fé, que também são intangíveis, superiores aos homens.
A partir desta reflexão pode-se afirmar que a cultura e a identidade são alguns dos
meios mais complexos para o estudo de grupos humanos, pois é possível encontrar junto a ela
aspectos e significados em relação aos valores, à vida e ao mundo local e espiritual que cerca
os indivíduos.
Nossas ideias, nossos valores, nossos atos, até mesmo nossas emoções são,
como nosso próprio sistema nervoso, produtos culturais (...). Chartres é feita de pedra e vidro, mas não é apenas pedra e vidro, é uma catedral, e não
somente uma catedral, mas uma catedral particular, construída num tempo
particular por certos membros de uma sociedade particular. Para
compreender o que isto significa, para perceber o que isto é exatamente, você precisa conhecer mais do que as propriedades genéricas da pedra e do
vidro e bem mais do que é comum a todas as catedrais. Você precisa
compreender também – e, em minha opinião, da forma mais crítica – os conceitos específicos das relações entre Deus, o homem e a arquitetura que
ela incorpora, uma vez que foram eles que governaram a sua criação
(GEERTZ, 2011, p.36).
1.2 Características Gerais da Cultura Guarani
Os Guarani que habitam a região da tríplice fronteira nacional - Brasil, Paraguai,
Argentina – é composta por etnias que se assemelham em relação aos aspectos culturais
fundamentais, porém diferem no que tange a linguagem, práticas religiosas e tecnologias
aplicadas quanto ao uso do meio ambiente. Estas semelhanças e diferenças influenciam de
certa forma, a constituição das identidades étnicas relacionadas a estes grupos.
Os Guarani são conhecidos por diferentes denominações: Chiripá, Kainguá, Mbyá,
Ñandeva, Apyteré, Tembekuá, e outros. Porém, a denominação com que designam a si
mesmos é Avá, que significa, em guarani, “pessoa”.
As populações que falam algum dialeto guarani distinguem-se umas das outras, como já foi assinalado, em muitos aspectos da vida econômica, da
organização social, do sistema religioso e dos demais setores da cultura.
Mas, acima dessas diferenças indiscutíveis, há um fundo comum de elementos idênticos ou semelhantes, em virtude do qual todos os bandos se
apresentam como unidade em oposição a outras tribos, inclusive da família
tupi-guarani (SCHADEN, 1975, p. 13 e 14).
35
A vida dos Guarani em todos os seus momentos importantes - concepção, nascimento,
nominação, iniciação, paternidade e maternidade velhice e morte - se baseia na 'palavra-alma'
que cada pessoa recebe. O nome, ao nascer, é uma "palavra/alma" que estrutura o ser humano,
a pessoa individual, inserindo-a no conjunto social e ambiental, ou seja, no mundo guarani.
Da mesma forma, como os valores tradicionais são transmitidos através da oralidade, a
educação também segue esta prática. É uma educação da palavra (alma) e através da palavra
(oralidade), não para aprender ou memorizar palavras já ditas, mas para ouvir as mensagens
recebidas dos seres espirituais, 'os de Acima', geralmente através de sonhos.
Os Guarani buscam o aprimoramento do ser/pessoa através da perfeição de seu 'dizer',
de seu 'falar'. A palavra não é ensinada, nem aprendida na esfera humana, ela é um dom que
se recebe ‘dos de Acima’ e não um conhecimento aprendido através de um professor.
Estes preceitos religiosos são transmitidos diariamente através da família, mas também
e principalmente nas ‘casas de reza’, locais de encontro para realização de cerimônias
religiosas em sua maioria, rituais diários. As ‘casas de reza’ são construções que possuem
características arquitetônicas específicas em cada local, dependendo principalmente da
disponibilidade de materiais para sua edificação. A função que elas assumem em qualquer
agrupamento guarani é semelhante: concentrar rituais religiosos como as festas de plantio e da
colheita (do milho), geralmente acompanhadas de muitas danças e cantos.
A casa de reza de fato sugere ser o espaço onde a tradição se recria diariamente, pois é
o local que concentra o grupo em torno do rezador4.
Ñande Ru rog (choza del sháman) es el apelativo com que se designa al
espacio destinado al jiroky-ñembo’e la danza-oración; tal espacio estaba
antiguamente integrado al og guasu, og jekutu comunal y actualmente
constituye uma construcción estructuralmente independiente – por lo genaral – del área habitacional pero em estrecha relación com el
(PERASSO, 1987, p. 95).
Tradicionalmente estes grupos organizam-se em aldeias compostas por várias casas
comunais, destinadas às famílias nucleares, formadas pelo casal e seus filhos com suas
respectivas esposas. Através destes núcleos familiares são organizadas as atividades de
subsistência do grupo, entre elas o plantio, a colheita, a caça, a pesca entre outros.
4 Em relação ao termo que se refere ao líder religioso dos Guarani, durante a pesquisa bibliográfica para
elaboração desta dissertação, foi possível encontrar inúmeras formas de grafia, entre elas: tamõi, shamán,
chamoy, ñandru, rezador, pajé entre outras. Nas citações retiradas destes autores os termos foram mantidos
conforme se apresentavam, porém o termo adotado nesta pesquisa para citar o líder religioso do grupo é rezador,
isto porque é a forma como os entrevistados referem-se a este.
36
Além das ‘casas de reza’, as residências compõem a organização espacial das aldeias;
construídas, em sua maioria, com roliços de madeira, cipós e capim para a cobertura.
Geralmente, não possuem divisões internas e o chão é de terra batida para facilitar a lida com
o fogo, que deve ser aceso logo ao amanhecer e manter-se até o momento em que todos
dormem.
O fogo é um elemento sagrado para os Guaranis, pois afasta o mal e guarda as pessoas
de doenças e outras situações negativas que podem acometer os indivíduos. A fumaça é muito
utilizada em cerimônias religiosas e tem a função de purificar o local ou os indivíduos
envolvidos.
As aldeias são unidades politicamente autônomas e interdependentes em relação às
demais. Os grupos maiores reúnem-se somente em datas festivas, em eventos coletivos, nas
grandes caçadas, nas festas de colheitas e em rituais para consumo da chicha – bebida a base
de milho fermentado.
Segundo Bartomeu Meliá (2011), é no espaço da aldeia que se desenvolve plenamente
a vida social dos Guaranis. Desde tempos remotos praticavam uma agricultura muito
produtiva, que incluía milho, mandioca, batata, feijão, amendoim, cará, abóbora, bananas,
entre outros cultivos. A agricultura dos Guaranis gerava amplos excedentes que motivavam
grandes festas e a distribuição dos produtos, conforme determinava a economia de
reciprocidade expressa especialmente através do plantio, da colheita e de encontros festivos
coletivos.
As aldeias grandes, com duzentas ou mais almas, subdividem-se, porém,
normalmente em diversos grupos locais, cada um dos quais é constituído por uma parentela que tem como núcleo a família-grande de uma
personalidade de prestígio, geralmente um chefe religioso (ñanderú, entre os
ñandeva; pai, ñanderú ou mburuvitxá entre os Mbüá; pai, entre os Kayová). Somente em determinadas circunstâncias, como em importantes festas
religiosas, a horda ou aldeia toda aparece realmente como unidade
(SCHADEN, 1975, p. 12).
Cada núcleo familiar possui pelo menos um rezador, o líder espiritual do grupo,
responsável por dirigir as cerimônias e guiar as ações do grupo segundo os desígnios
sagrados. O processo de escolha de um rezador ocorre logo que o indivíduo nasce, quando o
rezador recebe um sinal dos deuses indicando que aquela criança poderá ser um líder
espiritual futuramente. Os rezadores, antigos pajés, não são, portanto, eleitos pela comunidade
e sim indicados pelos deuses.
37
A rigor, cada chefe de família-grande, ou mesmo de família elementar,
pode, contanto que tenha vocação para tal, tornar-se o chefe religioso de
sua parentela. O poder que elege certos indivíduos ao cargo de rezador repousa em seus conhecimentos religiosos, em sua faculdade de prever o
futuro e no exercício das praticas que afastem os males do presente e
previnam os do futuro. O rezador é aquele que sabe tudo (SCHADEN,
1975, p. 97).
Outra figura de destaque na composição das autoridades da aldeia é o cacique. Ele
mantém, dentre outras funções, a harmonia entre todos os indivíduos do grupo, além de
representar sua coletividade em eventos e ocasiões formais realizadas fora dos limites
geográficos da Aldeia. Conforme Schaden,
O capitão (cacique) representa oficialmente os interesses da aldeia perante os moradores brasileiros e é ao mesmo tempo chefe de polícia no interior
do grupo. É sua tarefa restabelecer a ordem e castigar os culposos, sempre
que a desorganização social e o abuso do álcool façam surgir brigas no seio da comunidade (SCHADEN, 1975, p. 98).
Alguns autores afirmam que esta autoridade constituída no interior da aldeia,
aparentemente possui forte ligação com o desejo que as instituições ‘brancas’ possuem de
instituir a sua ordem social em meio aos Guaranis, tanto é que o capitão comumente é
nomeado pelos funcionários do posto indígena, colocando-o no nível da representação dos
órgãos oficiais junto aos Guaranis, impondo a sua ordem social aos indivíduos da aldeia.
O capitão não se considera competente em assuntos de natureza religiosa e
o ‘ñanderú’, por seu turno, apesar de sua autoridade indiscutivelmente maior, não costuma imiscuir-se em questões de política interna ou externa
do grupo, contanto que não atinjam de modo mais ou menos direto, os
interesses vitais da aldeia. (SCHADEN, 1975, p. 98-99).
Em relação à ocupação territorial é possível afirmar que existiu na America do Sul um
grande 'território guarani', pois assim presenciaram e relataram os conquistadores europeus
quando da chegada ao Brasil. Historicamente, estes grupos não possuíam limitações
geográficas; as fronteiras eram definidas a partir dos recursos naturais disponíveis, isto porque
eles compreendem seu universo como uma região de florestas, rios e campos, locais que
possibilitam o desenvolvimento do ‘modo de ser’ Guarani, conforme seus antepassados. Essa
relação se fundamenta no modo de ser e proceder, com características próprias relacionadas
ao território como o lugar vivido, o espaço onde os Guaranis são o que são, onde se movem e
onde existem.
38
Milton Santos reflete as questões relacionadas à constituição de territórios habitados.
Segundo ele o “território em que vivemos é mais que um simples conjunto de objetos,
mediante os quais trabalhamos, circulamos, moramos, mas também um dado simbólico (...)
territorialidade não provém do simples fato de viver num lugar, mas da comunhão que com
ele mantemos” (SANTOS, 2004, p. 61 e 62).
Da mesma forma Gimenez define a construção da territorialidade regida por princípios
culturais, de pertencimento e de construção social por parte dos indivíduos em seus espaços
habitados:
La territorialidad se mide por la persistência de los vínculos subjetivos de
pertenencia a um territorio determinado, independenetmente de la persistencia física em la misma. Um mismo sujeto puede vincularse
subjetivamente de muchas maneras com muchos territórios a la vez. Se
puede abandonar fisicamente um território sin perder la referencia simbólica
y subjetiva al mismo mediante la comunicacion a distancia, la memória, El recuerdo y la nostalgia. Y quando transpomos fronteiras internacionales
frecuentemente llevamos ‘la pátria adentro’ (GIMÉNEZ, 2009, p. 28/29).
Este contexto ou espaço habitado, vivido, onde se desenvolvem as manifestações
culturais de maneira coletiva, na língua guarani chama-se tekoha, que segundo Meliá (2011),
expressa o “lugar donde estamos y somos lo que somos”. Ou, segundo Schallenberger (2011),
“(...) o lugar onde se davam as condições de viver humanamente”. É no interior do tekoha que
o Guarani se encontra, onde demonstra seu teko, “modo de ser, sistema, hábito, costumbre.
(...) Sin tekoha no hay teko”(MELIÁ, p. 28). Portanto, teko vem a significar costume, viver, o
modo de ser do povo Guarani, acrescentando-se o sufixo ha, tem-se o termo que indica o
lugar onde se executa a ação.
Segundo Rubem Thomaz Almeida, para os Guaranis “o tekoha é a referência primeira
do indivíduo, superada apenas pela área do te’yi, isto é, a região dentro do tekoha na qual a
família extensa se define espacialmente” (ALMEIDA, 2001, p. 122).
Esta forma de compreensão do território nos supõe a importância do espaço simbólico
para esta cultura, pois é o lugar ou o espaço no qual o Guarani pode viver seus costumes. “A
apropriação do espaço e a sua integração ao modo de ser Guarani significaram, ao nível do
simbólico, a constituição de uma territorialidade guarani, cujas fronteiras possuíam os limites
do espaço circulante trilhado, habitado e visitado pelos seus membros” (SCHALLEBERGER,
2006, p. 32).
Muitas evidências mostram que a organização social deste grupo nunca esteve
desvinculada da terra, tanto nas práticas de cultivo e subsistência quanto na busca de espaços
39
possíveis de desenvolver seu ‘modo de ser’. O indivíduo faz parte da natureza; não é possível
distinguir o ser humano dos animais ou de outros elementos da natureza.
(...) A territorialidade guarani sugere o seu entendimento a partir da espacialidade vivenciada e simbolicamente representada. Um espaço
integrado no modo de vida, ou seja, no conjunto dos elementos constitutivos
da cultura, cuja dimensão é o horizonte possível da circulação dos sujeitos que sempre estão em busca de parentes e da mãe-terra generosa que
sustenta a vida (SCHALLNEBERGER, 2006, p. 33).
Segundo a crença dos Guaranis, as matas, os rios, os lagos e outros elementos da
natureza são espaços ocupados por seres espirituais, com os quais os indivíduos precisam
interagir para reproduzir seu modo de vida. Se para Milton santos (2004, p. 26) “O importante
é saber que a sociedade exerce permanentemente um diálogo com o território usado, e que
esse diálogo inclui as coisas naturais e artificiais, a herança social e a sociedade em seu
movimento atual”, para os Guaranis a vivência e a convivência no espaço definiu o seu lugar
de cultura.
Percebe-se, portanto, que os Guaranis construíram trajetórias históricas diversas,
relacionadas à ocupação territorial na maioria das regiões que percorreram, isto em função de
serem povos andantes. Este fato fez também com que muitos outros grupos indígenas fossem
pacificamente incorporados à cultura Guarani, principalmente em função das técnicas
agrícolas de que dispunham e que impressionavam os demais. Esta incorporação
especificamente é chamada de ‘guaranização’. Segundo Erneldo Schallenberger, este
processo:
Representa uma atitude simbólica pela qual os Guaranis passaram às outras
culturas tribais formas de representação dos fenômenos naturais e da sua relação com a natureza. (...) as motivações, as imagens e as práticas Guarani
passaram, desta forma, a nascer entre as diferentes populações por eles
contatadas como fruto de certa conexão mitológica, sem que isto representasse necessariamente uma imposição de novos padrões culturais
(SCHALLENBERGER, 2006, p. 31)
Portanto, estudar o povo Guarani requer compreender o universo cultural em que ele
está envolto, enquanto agente e sujeito deste, considerando-o em todos os seus aspectos,
individuais e coletivos, responsáveis pela construção do sentido para cada ação específica,
desde a mais técnica até a mais simbólica. “La cultura es ubicua: se encontra em todas as
partes. Es como uma sustância inasible que se resiste a ser confinada em um setor delimitado
de la vida social, porque es uma dimension de toda la vida social.” (GIMÉNEZ, 2009, pg. 11)
40
A cultura torna-se, portanto, matriz de identidades individuais e coletivas que possuem
como pano de fundo identidades e territorialidades específicas, podendo ser tanto espaços
físicos quanto espaços simbólicos. Em ambos os casos, tanto em relação à identidade quanto
aos territórios, temos como meio de sustentação e propagação destes valores através de
símbolos, bens materiais e imateriais, que legitimam ações desenvolvidas pelo grupo em prol
da manutenção da identidade.
41
CAPÍTULO 2
CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO: A ALDEIA TEKOHA AÑETETE
2.1 – A Aldeia Tekoha Añetete
As informações apresentadas na discussão que segue, foram levantas a partir de
consultas a bibliografias relacionadas à temática. Mas também, foram principalmente
confirmadas através de relatos pelos próprios Guarani, que participaram ativamente do
processo de formação do Tekoha Añetete, entre eles o Professor Vicente e o Professor João
Alves, sendo que este último atualmente é cacique na referida aldeia.
As fontes históricas sobre os Guarani no Oeste do Paraná, constituem-se de relatórios
de pesquisas arqueológicas, laudos antropológicos, bibliografias publicadas e atividades
desenvolvidas por instituições ligadas a preservação deste patrimônio cultural, como o Museu
da Terra Guarani/Ciudad del Este/PY e o Ecomuseu/Foz do Iguaçu/BR, ambas pertencentes a
Itaipu Binacional.
A partir destas fontes é possível afirmar que a presença indígena em terras do Oeste
Paranaense remonta há mais de mil anos, porém é uma cultura em desenvolvimento há pelo
menos três milênios atrás. A chegada até esta região se deu principalmente pela via fluvial,
através de afluentes dos Rios Paraná, Uruguai e Ivaí.
Conforme já afirmado no capítulo anterior, os Guarani não possuíam demarcações
territoriais fixas, constituíam sim espaços possíveis de desenvolvimento do seu modo de ser.
Esta opção fez com que o território da atual tríplice fronteira Brasil/Paraguai/Argentina e seu
entorno fosse, como de outras áreas da região platina, marcadamente ocupada por esta etnia.
Segundo Schallenberger (2006), esta região foi palco de encontro de povos oriundos
de dois movimentos migratórios: as levas vindas do sul, que eram portadoras de práticas
culturais relacionadas à caça, à coleta e possuíam aptidões para a guerra. A outra leva de
nativos que chegou à região da atual tríplice fronteira teve origem na região amazônica e no
sudeste brasileiro, estes por sua vez praticavam a horticultura.
Ambas as frentes migratórias optaram por fixar-se em espaços propícios ao
desenvolvimento da agricultura, nas encostas de montanhas e nas margens de rios que
cortavam os vales.
42
Destes grupos iniciais derivaram-se diversos agrupamentos menores entre eles o
Mbya, os Ñandeva ou Chiripa e os Kaiova. Porém, segundo Maria Inês Ladeira, “parece que
os Guarani não se autoidentificam com essas denominações, embora passem a adotá-las,
sobretudo nas suas relações com os brancos” (LADEIRA, 2008, p. 54).
Estes indígenas ocuparam esta região e imprimiram nela seus valores sociais e
culturais, baseando-se na dinâmica resultante da vivência do local, nos elementos naturais
disponíveis e que resultaram na formatação deste grande território.
Com a chegada dos espanhóis, no início de 1500, são registrados os primeiros relatos
com informações importantes sobre estes grupos de Guarani e que serviram de base para
estudos contemporâneos sobre esta etnia. Valendo-se do conceito de grupo étnico definido por
Barth no capitulo anterior, bem como destes relatos de viajantes, pode-se entender que:
Os Guarani distinguiam-se dos demais grupos indígenas pela forma de ocupação da terra. O espaço que habitavam estava marcado por uma
paisagem fortemente caracterizada pela presença de aldeias – tava -,
instaladas, de modo especial, em terrenos situados nas margens dos rios e
próximos às florestas (SCHALLENBERGER, 2006, p. 30).
A partir do contato com os europeus, estes agrupamentos passaram por transformações
principalmente em função de adaptações necessárias à sua sobrevivência. Estas alterações
relacionam-se ao ‘modo de ser’, aos costumes, práticas e cotidiano. Os europeus
empreenderam atividades que atingiram diretamente estes grupos. No território circunscrito
ao atual Estado do Parará (Brasil) se projetaram três frentes de colonização: a encomendeira, a
missionária e a bandeirante. Da primeira resultaram a fundação de cidades e a inserção
produtiva da mão de obra indígena no sistema colonial. Não de menor importância em termos
socioculturais foi o desencadeamento de um processo de miscigenação inaugurado por esta
frente. A frente missionária reuniu os povos dispersos em povoados – reduções -, através da
estratégia da evangelização. O avanço bandeirante se fez em função do recrutamento da mão-
de-obra para a incipiente agroindústria do litoral brasileiro. Estabeleceram-se, assim, relações
interétnicas, marcadas por fricções e interdependências.
O encontro entre mundos culturais distintos esteve marcado por conflitos de interesses
entre encomendeiros, jesuítas, bandeirantes e das próprias coroas ibéricas, pela
desterritorialização dos Guarani, pela profunda mudança no seu ‘modo de ser’ e pelo seu
43
definitivo deslocamento do espaço de vivência e convivência através da destruição das
encomendas e das missões.5
Após este período, os registros relacionados aos Guarani tornam-se escassos. Em
1912, consta que foi criado oficialmente o primeiro aldeamento indígena no Oeste do Paraná,
chamado Colônia Guarani, no local em que se encontra atualmente o bairro Três lagoas,
Município de Foz do Iguaçu. Segundo informações obtidas através de laudos antropológicos
realizados pela Itaipu Binacional quando de sua construção, este espaço contava com 517,99
hectares, reconhecidamente demarcados para a ocupação indígena. Porém, em função de
doenças que atingem a população deste aldeamento, em 1977 esta Colônia já havia sido
desocupada por parte dos Guarani.
Entre os anos de 1948/50, alguns indivíduos desta Colônia Guarani migraram para a
região as margens do Rio Paraná e seus afluentes, entre eles os Rios Jacutinga, Oco’ÿ,
Guaxiro’y, Bela Vista, Pinto, Passo Kue e Porto Irene, formando o Tekoha Guasu Jacutinga.
Segundo relata Albernaz (2009):
O Tekoha Guasu de Jacutinga, segundo os depoimentos dos “velhos”
Guarani recolhidos por Rubens T. de Almeida, era formado por cerca de
nove casas grandes (oga jekutu ou oga guasu), cada uma reunindo entre 6 a
8 famílias nucleares, que viveram ali durante os anos de 1960 e 1970. Segundo o depoimento nativo, muitas famílias se dispersaram com medo de
serem mortas durante a desapropriação daquelas terras pelo Instituto de
Colonização e Reforma Agrária. Alguns anciãos de Oco’ÿ afirmam que os conflitos deste período envolveram mortes e destruição das casas. Dentre
estas mortes, uma anciã conta que Maximino, uma liderança de Jacutinga,
foi morto em confronto com os brancos (ALBERNAZ, 2009, p. 124).
Neste período intensificam-se, também, os projetos voltados à ‘colonização’ das terras
do Oeste paranaense, visando a ampliação das fronteiras agrícolas e a efetiva ocupação desta
região de divisa internacional. Os contatos entre colonos e índios estabeleceram-se em uma
atmosfera de tensão, principalmente em função da relação que cada um deles possui com a
terra. Os Guarani viam-se como parte dela e não como proprietários. Para eles os elementos
da natureza possuem simbologia sagrada. Os colonos mantinham uma relação de posse com o
território colonizado, definindo as fronteiras da propriedade, que tinha como função
primordial o sustento da família e também, em alguns casos, a ascensão financeira. Como a
5 Para saber mais sobre a presença de espanhóis em território paranaense, cidades espanholas, reduções jesuíticas
ou guerra guaranítica, ver:
SCHALLENBERGER, Erneldo. A Integração do Prata no sistema Colonial: Colonialismo Interno e
Missões Jesuíticas do Guairá. Toledo: Editora Toledo, 1997.
____________. O Guairá e o Espaço Missioneiro: índios e jesuítas no tempo das missões rio-platenses.
Cascavel/PR: Coluna do Saber, 2006.
44
massa de ‘colonizadores’ constituía-se em maioria na região, os Guarani gradativamente
foram perdendo espaço, o que resultou num certo confinamento social.
Os conflitos em torno das questões agrícolas estiveram sempre presentes na
constituição das territorialidades no oeste do Paraná, sendo o território da Aldeia Jacutinga
afetado em definitivo com a construção da Usina Hidrelétrica Itaipu, em 1982, que com o seu
reservatório de águas, inundou este espaço Guarani, obrigando-os a se retirarem para outros
locais.
O medo e a pressão estabelecidos, em função da construção da Usina, fizeram com
que muitos Guarani migrassem para outras regiões, inclusive para o Paraguai. Estas
migrações resultaram na diminuição dos Guarani da Aldeia Jacutinga, principalmente no
momento em que a equipe da Itaipu fez os levantamentos sobre a concentração de índios nas
terras a serem inundadas. As conclusões obtidas através destes estudos apontam que existiam
poucas famílias de Guarani que habitavam esta região. Estes resultados serviram como base
para ações de formação de novas aldeias para abrigá-los, entre elas a de Santa Rosa do Oco’ÿ,
considerada insuficiente para a demanda populacional que nela habita.
O Tekoha Oco’ÿ possui uma área total de 231 hectares, muito inferior ao da aldeia
inundada. Foi criada oficialmente em 1982 no Município de São Miguel do Iguaçu, oeste do
estado do Paraná. Esta área indígena é uma estreita faixa de terras localizada entre as margens
de um dos braços do lago da Usina Hidrelétrica de Itaipu - formado pela construção desta
hidroelétrica em 1982 -, e as fazendas do entorno, onde se pratica a agricultura de grande
escala.
A situação de limitação espacial decorrente da transferência destes
indígenas do local onde habitavam - que seria alagado pela Usina
Hidrelétrica de Itaipu - para a então criada área indígena de Oco’ÿ, tem
motivado os Ava-Guarani a reivindicarem outra terra para sua ocupação, além da preservação dos 231 hectares de Oco’ÿ. [...] Portanto, os Ava-
Guarani reconhecem como motivo de seus deslocamentos nos períodos
anteriores à vinda deles para Oco’ÿ a pressão dos brancos. A partir desta constatação, tecem críticas à ação dos que chegaram aos lugares onde eles
habitavam, utilizando a força para os “empurrarem para lá”, expulsando-os
dos lugares onde moravam há tempos imemoriais. (ALBERNAZ, 2009 p.
129).
A estratégia adotada a partir de então pelos Guarani, visando recuperar áreas de terra
em equivalência aos 1500 hectares inundados em Jacutinga, iniciou-se logo após a concessão
do território no Oco’ÿ. Inicialmente aceitaram as terras, mesmo sendo impróprias para abrigar
toda a demanda populacional do grupo, mas iniciaram movimentos para pressionar a Itaipu a
conceder outros espaços para ocupação indígena, passando, inclusive, a se cogitar a
45
possibilidade de transformar o Parque Nacional do Iguaçu em Reserva Indígena para os
Guarani.
Segundo Conradi (2009), entre as ações para pressionar os órgãos competentes, os
Guarani convocaram o presidente da Itaipu para reunião na aldeia e enviaram correspondência
ao Banco Mundial, ainda em 1986, denunciando os prejuízos provocados pela formação do
Lago de Itaipu para as comunidades nativas da região e a consequente negligência por parte
da Binacional.
Esta tática resultou em investigações por parte do Banco Mundial e forçou a Itaipu a
explicar-se perante seus financiadores, comprometendo-se a agir no sentido de rever estas
questões. Estas ações empreendidas pelos Guarani possibilitaram a criação de espaços para
negociação com a Itaipu, que em um segundo momento renderam bons frutos, descritos a
seguir.
A Itaipu assumiu a tarefa de averiguar um espaço físico semelhante ao território da
antiga Aldeia Jacutinga e iniciou buscas por toda a região, porém os resultados demoraram a
aparecer. Os Guarani, como forma de protesto e visando agilizar as ações desenvolvidas pela
Itaipu para aquisição de novas áreas, invadiram o Refugio Biológico Bela Vista, de
propriedade da Binacional.
Este ato aumentou a pressão junto à Itaipu até que em 1996 foi encontrado um novo
espaço, que passou por avaliação também dos Guarani a fim de opinarem sobre o local e as
possibilidades de desenvolvimento do seu ‘modo de ser’.
Após aprovação de todas as partes envolvidas, em 18 de abril de 1997 a Itaipu
adquiriu parte do território da Fazenda Padroeira, que tinha por atividade a criação de búfalos,
somando-se 1700 hectares situados no Município de Diamante do Oeste/PR. Ficou conhecida
como Tekoha Añetete que em Guarani significa ‘terra verdadeira’. Inicialmente foram
transferidas para o local de 32 famílias, totalizando cerca de 160 pessoas.
Itaipu e Funai firmaram um protocolo de intenções, em que a Itaipu assim
que adquirisse a área, a doaria à comunidade. À Funai caberia o translado
de 160 índios para a nova reserva. No mesmo documento ficou determinado que se esgotariam todas as responsabilidades da Usina sobre os destinos e
problemas da comunidade Guarani. As ações da Itaipu dentro da segunda
reserva indígena não param com a demarcação. Ela foi obrigada a atuar dentro da aldeia em diversos momentos, elaborando e patrocinando diversos
programas, como, por exemplo, o projeto de construção de casas indígenas
na ordem de R$ 800.000,00 nas duas reservas (CONRADI, 2009, p. 4702).
46
Através destes convênios foram adquiridas, também, sementes para plantio,
equipamentos agrícolas, medicamentos, cestas básicas e materiais para construção de
residências para os mesmos.
Segundo Zeila Costa (2002), em função da transferência destes indivíduos para a
reserva ter sido feita de forma rápida, ao receberem oficialmente as terras da aldeia, a primeira
iniciativa foi construir barracas de lonas, fornecidas pela Itaipu Binacional. Ficaram todos
juntos nessas barracas por três dias. Depois de instalados, foram procurar locais adequados
para a construção das casas ‘definitivas’. A escolha dos locais levou em consideração a
existência de água para o consumo, a relação de parentesco e, em vários casos, a preocupação
com a ocupação das regiões fronteiriças da aldeia, evitando assim a invasão de pessoas
indesejadas.
Esta aparente motivação inicial foi logo sucumbida pelas dificuldades de adaptação a
este novo espaço. Como já citado, este território cedido aos Guarani era uma antiga fazenda
de búfalos, coberta, portanto, por pastagens do tipo colonião e também floresta nativa. Em
função disto, os primeiros plantios agrícolas empreendidos pelos indígenas não produziram o
suficiente para sustentar o grupo. Isto porque havia a necessidade de eliminar a vegetação que
recobria a terra, utilizando máquinas pesadas como tratores e agrotóxicos para o mesmo fim -
estrutura que o grupo não possuía.
No reassentamento deste grupo, pode-se verificar algumas das
consequências de um GP que não leva em consideração as questões sociais,
como a externalidade (Drumond, 1995), ou seja, o prejuízo que o acordo
entre duas partes causa a uma terceira que não participou da elaboração do projeto. A ida ao aterro sanitário em busca de alimentos e a mendicância
foram decorrentes da falta de planejamento e investimentos anteriores ao
próprio processo de reassentamento (COSTA, 2003 p. 21).
Após esta primeira safra ter se apresentado frustrada, muitos Guarani deslocaram-se
até o núcleo urbano do Município de Diamante do Oeste em busca de alimentos, fato que
gerou reações junto à sociedade local, que solicitou auxílio por parte do poder público
municipal. Várias ações foram empreendidas a fim de amenizar o problema em questão, entre
elas:
A realização de uma campanha de arrecadação de alimentos e roupas por iniciativa da Igreja Católica. A aposentadoria de alguns indígenas foi outra
forma de contornar a situação. No final de 1998, a prefeitura fez um
cadastramento das famílias indígenas, que passaram a ser assistidas por um programa federal de cestas básicas da Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB), até agosto de 2001 ainda estavam recebendo as
cestas (COSTA, 2003, p. 23).
47
Neste período inicial de ocupação da aldeia, as lideranças Guarani também buscaram
apoio, principalmente junto a entidades como FUNAI, Itaipu Binacional e Prefeitura
Municipal. As demandas eram diversas, desde apoio para a agricultura, até auxílio em relação
à aquisição de alimentos, roupas e infraestrutura básica. A somatória de iniciativas tanto por
parte dos Guarani como por parte do governo municipal, resultaram na retomada do apoio por
parte da Itaipu, através de projetos voltados à sustentabilidade do grupo.
Foram também realizadas atividades de pesquisa e análise antropológica do grupo,
visando ajustar as ações de órgãos oficiais ás reais necessidades dos Guarani, enquanto
unidade étnica.
Assim, num primeiro momento, as discussões são feitas entre as entidades
que vão participar do projeto e as lideranças indígenas. Após essa discussão,
as lideranças levam as propostas para a comunidade. As discussões na comunidade são feitas geralmente aos sábados, quando se reúnem na Opy,
para dançar e orar. Somente após esse processo, é que uma nova reunião
com as entidades envolvidas é feita, onde comunicam a vontade do grupo. A partir daí, evidentemente, inicia-se uma série de negociações, até
chegarem a um consenso (COSTA, 2003 p. 25).
Como resultado de todas estas atividades tem-se a elevação na qualidade do apoio
prestado à aldeia por agentes externos, bem como melhorias relacionadas a ações diretas e
pontuais que repercutiram no sentido de solucionar os problemas e de viabilizar novas ações.
Percebeu-se, por exemplo, que o foco de atuação deveria ser na agricultura e na criação de
animais, visando à geração de sustento e renda para os Guarani. Segundo o atual cacique da
aldeia, João Alves, a Itaipu firmou convênio para auxílio na agricultura familiar para os
Guarani desta aldeia, por vinte (20) anos. As atividades desenvolvidas pela Itaipu junto ás
aldeias do oeste paranaense são discutidos no item 3.3 e 4.2 desta dissertação.
Segundo os Guarani, que compõem a aldeia, após terem alcançado a estabilidade
necessária para a dinâmica interna do grupo, surge então à necessidade de criação de uma
escola para os estudantes terem acesso ao conhecimento dito escolar, visando garantir seus
direitos enquanto cidadãos. Segundo o Projeto Político e Pedagógico da Escola KUAA
MBO’E:
Os indígenas julgam a educação escolar como sendo um instrumento de
fortalecimento das culturas e identidades e um possível canal de conquista da desejada cidadania, entendida como direito de acesso aos bens e aos
valores materiais e imateriais do mundo moderno. (PPP – Escola Indig.
KUAA MBO’E – TEKOHA AÑETETE – Diamante d’Oeste/PR).
48
A partir desta visão, no dia 21 de fevereiro de 2006 foi criada a Escola Estadual
Indígena KUAA MBO’E - Ensino Fundamental, através da resolução n.º 508/2006. A
aprovação por parte do Núcleo Regional de Educação do Paraná do Regimento Escolar
ocorreu através do parecer n.º 183/06 de 30 de junho de 2006 e a autorização de
funcionamento do Ensino Fundamental (1ª a 4ª Serie) no dia 08 de agosto de 2006, com a
resolução n.º3835/06.6.
A implantação desta instituição no interior da aldeia reflete alguns aspectos sobre a
forma como foram implementadas as Políticas Públicas para estes Guarani. Veremos adiante
que estas ações, em muitos momentos, visam atender os anseios, solicitações e necessidades
do grupo; os Guarani, por sua vez, são conhecedores da legislação bem como dos seus direitos
e deveres enquanto comunidade indígena. Disto, resultam os programas governamentais
implantados junto à aldeia.
Justamente em função desta mobilidade que os Guarani possuem enquanto
comunidade organizada, em 2010 ocorreu outro fato marcante na trajetória histórica desta
aldeia; entre os dias 03 e 05 de fevereiro o Tekoha Añetete foi palco para o I Encontro dos
Povos Guarani da América do Sul, que teve como objetivo principal discutir a identidade
cultural e a questão fundiária relacionada aos indígenas na referida região.
O encontro contou com a participação de líderes indígenas da América do Sul e de
representantes de instituições envolvidas com as questões indígenas em todo o país. A título
de registro, representando os indígenas, estavam presentes as lideranças Mario Tupã, anfitrião
do Encontro e cacique da Aldeia Tekoha Añetete, Pedro Mancoelho, do Paraguai, Silvino
Moreira Kavai Mirim, da Argentina, e Saturnino Cueler Kavarai, da Bolívia. (Museu do
Índio, www.museudoindio.org.br).
Entre as reivindicações das lideranças Guarani do Brasil, da Argentina, da Bolívia e do Paraguai, presentes no Encontro, estão: garantias de combate à
discriminação, ao preconceito e à violência em seus territórios; a criação de um foro permanente de discussão em defesa dos direitos dos Guarani, no
âmbito do Mercosul Cultural; e o respeito, a partir de mudanças das leis de
fronteira, do livre trânsito cultural, de acordo com as tradições dos povos
indígenas, nas fronteiras dos quatro países. (Museu do Índio,
www.museudoindio.org.br, acessado em 18/11/2012).
Com a apresentação desta discussão sobre aspectos da trajetória histórica dos Guarani
que compõe o Tekoha Añetete, pode-se perceber a presença de características marcantes
6 Outras informações referentes à Escola Indígena KUAA MBO’E são citadas no próximo item deste mesmo
capítulo 2, item 2.3 – Caracterização da aldeia e Organização do espaço.
49
destes indivíduos, entre elas a persistência na busca por seus direitos e pela manutenção dos
elementos que compõe sua identidade étnica.
Este processo em muito se deu pela relação que possuem com o território. Não fosse
isto, a luta possivelmente estaria sucumbida há tempo. Isto prova que esta etnia possui
realmente laços afetivos e simbólicos muito fortes no que tange ao oeste do Paraná, pois
elaboram estratégias na luta por reaver porções deste território habitado por seus
antepassados.
Vale lembrar que o Guarani não é o dono da terra, mas sim é parte dela, portanto esta
luta é travada também por eles próprios enquanto indivíduos que se consideram filhos da
mãe-terra e da mãe-natureza, na busca constante da reafirmação enquanto grupo étnico
pertencente a um determinado território simbólico.
2.2 – Caracterização da Aldeia e Organização do Espaço
Atualmente a Aldeia Indígena Tekoha Añetete possui população estimada de 300
pessoas, distribuídas em aproximadamente 78 famílias. Os núcleos familiares extensos estão
organizados em torno das casas de reza, três no total, situadas em regiões distantes umas das
outras dentro da aldeia.
O idioma guarani é falado por todos os habitantes da aldeia, já que entre eles a
comunicação ocorre na língua tradicional. As crianças, os mais velhos, os rezadores e mesmo
outros indivíduos que possuem pouco contato com o branco, não dominam a língua
portuguesa.
As crianças desconhecem o português até o momento de irem à escola. Os mais velhos
compreendem apenas alguns vocábulos enquanto jovens e adultos entendem e falam
razoavelmente bem a língua portuguesa; utilizam-na principalmente quando necessitam
comunicar-se com os brancos.
Como visto no primeiro capítulo, os Guarani enquanto família linguística, subdividem-
se em vários grupos, entre eles Mbÿa, Kaiowa, Chiripa, entre outros.
Visando diminuir as divergências - ou suscitá-las ainda mais - apresenta-se uma
definição antropológica elaborada pelo pesquisador Rubem Thomaz Almeida em entrevista
concedida a esta pesquisadora. Segue o que ele afirma em relação a definição sobre qual sub
grupo Guarani ocupa do Añetete:
Esta é uma questão difícil de pensar.... eu diria que em relação à região
oeste do Paraná, o contato entre os Mbÿa e os Chiripá foi bastante intenso,
50
o que teria levado a inter-relações entre ambos, mantendo nuances de um e
outro, mantendo muitos intercâmbios de interpretações da cosmologia, na
produção da vida social, na organização política, e mesmo na língua. Então é muito difícil dizer que eles são Mbÿa ou são Ñandeva, Chiripá.
(ALMEIDA, Entrevista concedida em 04/01/2013, por Gracieli E. Schubert
Kühl).
Vale ressaltar que inclusive eles mesmos encontram dificuldades em definir-se
enquanto descendentes de um ou outro subgrupo. Isto porque muitas vezes a linhagem paterna
descende de um subgrupo enquanto a descendência materna é de outro, porém, todos são
Guarani falante, sem definir exatamente para qual subgrupo pertencem.
No caso desta pesquisa especificamente, como citado anteriormente, constitui-se como
informante chave o Professor Vicente Vogado, que se auto define como sendo descendente de
Chiripás. Portanto, nesta análise serão expostas em maior quantidade características Chiripá
muito em função do depoente, porém, não deixarão de ser apresentados aspectos similares aos
demais subgrupos, principalmente em função da dificuldade em se distinguir uns dos outros.
O espaço compreendido pela aldeia corresponde atualmente a uma área territorial de
1774 hectares, situada na confluência dos Rios São Francisco Falso e São Domingos, Linha
Ponte Nova, Município de Diamante do Oeste – PR. O espaço compreendido pela aldeia
possui a forma semelhante à de um triangulo, sendo que em duas laterais é circundada pelos
referidos rios e na terceira lateral encontra-se a divisa seca com o Município de
Ramilândia/PR.
O acesso é feito por estrada de asfalto, partindo da sede municipal até a comunidade
da Vila Bonita. No trecho restante o caminho é de calçamento com pedras irregulares e a parte
final é de cascalho.
O relevo desta região caracteriza-se por topografia acidentada e coberta por algumas
regiões de mata, inclusive a aldeia quando de sua constituição possuía apenas 40% de área
agricultável, sendo o restante coberto por vegetação densa. Segundo descrição feita pelo
antropólogo Rubem Thomaz de Almeida, que produziu relatório sobre esta área como opção
para criação de Reserva indígena, o local possui as seguintes características:
São aproximadamente 1700 ha. localizados na confluência dos rios São
Francisco e São Domingos, águas definem mais da metade do perímetro da
propriedade – que sugere a figura de um triangulo cujo vértice mais agudo é formado pelos dois rios. A área, situada a 13 km, da sede do município, é
constituída por uma montanha não muito elevada que se estende por entre
os dois rios. É coberta, em boa parte, por mato. Apesar de não estar intacto,
parece conter características valorizadas pelos índios, tais como diversidade de árvores e plantas, utilizadas como matéria prima para construção de suas
51
habitações, utensílios e, principalmente, os pohã ñana, ou plantas
medicinais para seus remédios. Pela inclinação do morro, parece ser difícil a
prática agrícola, em moldes ocidentais, sem recursos financeiros e técnicos. O relevo não deve impedir, contudo, que os Guarani ocupem espaços mais
altos e nas proximidades do mato, distribuindo suas casas e cultivando suas
lavouras tradicionais, as kokue – onde a diversidade prevalece frente à
quantidade de cultivos. – (DOC. 10: Pasta: 1996. Assunto: Visita a terras que serão eventualmente destinadas pela Itaipu e Funai à comunidade
Guarani-Chiripa do Oco’ÿ. Relatório de viagem a Fazenda Padroeira,
Diamante do Oeste/PR, Data: 05.09.1996, Local: Rio de Janeiro/RJ. Emitente: Rubem Thomaz de Almeida. Destinatário: ITAIPU E FUNAI. In:
CONRADI, Carla, TITULO, p. 4701.)
Em imagens atuais da aldeia, feitas via satélite e disponíveis na internet, pode-se
verificar as características citadas por Almeida (2005). Percebe-se a presença dos rios que
delimitam a aldeia e que possibilitam práticas como a pesca; a floresta abriga elementos vitais
para os Guarani, como as plantas medicinais e a madeira para construção de casas, além de
todos os elementos sagrados ligados a mãe-natureza.
Na imagem abaixo se destacam os espaços cobertos pela mata, centralizados na figura,
pequenas clareiras onde se localizam as residências, rodeadas por pequenas roças destinadas
ao plantio de gêneros agrícolas para sustento e eventualmente comercialização de excedentes.
Além da mata e das lavouras, destacam-se com linhas pontilhadas a presença dos Rios
São Francisco Falso, contornando a aldeia na porção superior da imagem e na porção inferior
o Rio São Domingos. É uma área diferenciada em comparação com outras na região, possui
mata fechada em grande parte do território, enquanto seu entorno é composto por grandes
lavouras destinadas ao plantio de soja e milho, ou por grandes pastagens para criação de gado.
Aldeia Tekoha Añetete em destaque através dos pontilhados brancos indicando o curso dos Rios São Francisco
Falso e São Domingos. Imagem de satélite via Google Maps, em 18/11/2012, por Gracieli E. Schubert Kühl.
52
Segundo relato dos Guarani, o espaço físico da aldeia é ideal, porque é grande e
possibilita que cada família possua a sua roça para sustentar seus dependentes, diferente de
outras aldeias que são estreitas, o que dificulta o cultivo agrícola. Outro aspecto positivo é a
presença da mata, o que favorece a caça, apesar de os animais estarem reduzidos, porém ainda
existem.
Outra característica favorável da aldeia segundo os Guarani relaciona-se ao seu
considerável distanciamento em relação à cidade de Diamante do Oeste. Isto dificulta o
contato dos Guarani com as práticas urbanas, entre elas a bebedeira ou a presença constante
de pessoas estranhas.
A ocupação do território foi definida pelos próprios Guarani quando de sua chegada ao
local. Dentre os aspectos citados por eles que mais chamam a atenção é a preocupação que
tiveram em fixar residências nas margens da aldeia, isto porque, segundo eles, desta forma o
território estaria resguardado de possíveis invasões ou mesmo da entrada de estranhos através
de suas fronteiras. Esta é uma característica marcante nesta configuração espacial, perceptível
na imagem acima: a ocupação situada, sobretudo, nos limites territoriais da aldeia.
Diferente do que ocorre em aldeias de outras etnias, os Guarani distribuem-se de
maneira diversa no espaço, formando uma espécie de teia. Estas ramificações formam-se
através de caminhos que ligam uma residência à outra e também às casas de reza. Eles não
comungam de um núcleo ou pátio central com as moradias distribuídas regularmente em torno
deste; ‘a primeira impressão causada por um tekoha é de desorganização na ocupação do
espaço disponível, como se as famílias tivessem se instalado aleatoriamente’ (ALMEIDA,
2001, p. 124), no caso dos Guarani as construções são dispersas no espaço, sendo ligadas
fisicamente apenas através de estradas ou picadas.
Porém, o fator que une estes grupos deriva das relações de parentesco, a partir das
quais tem origem os critérios para ocupação deste espaço. Podemos relacionar este sistema ao
que Barth (1998) define como ‘estatutos étnicos’. Segundo Rubem Thomaz Almeida, “cada
família, nuclear ou extensa, tem a posse da terra para a reprodução de seu sistema econômico. Assim,
não há um centro geográfico ou físico, mas sim um centro político, que poderá variar de local de
acordo com o líder (ALMEIDA, 2001, p. 124).
Na aldeia Tekoha Añetete, existem algumas trilhas, porém a maior parte dos caminhos
são formados por estradas pavimentadas com cascalho, principalmente para viabilizar o
transporte escolar dos alunos Guarani até a escola existente na aldeia. A pavimentação e
manutenção destes caminhos é feita através de convênio entre a Itaipu Binacional e a
53
Prefeitura do Município de Diamante do Oeste, resultado do Programa de Sustentabilidade
das Comunidades Indígenas, descrito com mais detalhes no item 3.3 desta dissertação.
No entorno destas residências são identificadas pequenas lavouras para cultivo
agrícola. Na Aldeia Tekoha Añetete cada família possui sua porção de terra para plantio. Na
família de Vicente, por exemplo, ele, o patriarca possui sua área, seus filhos outras próximas a
dele, mas são distintas. Todos se auxiliam nas dificuldades.
Esta organização segue características tradicionalmente praticadas pelos Guarani,
como afirma Almeida em relação à organização desta etnia em tempos passados:
A economia estava organizada de maneira a permitir o trabalho comunitário
na koyguasu [roça grande], cabendo paralelamente a cada família nuclear uma roça pequena de subsistência, independente da roça grande da família
extensa, o princípio econômico da reciprocidade, distribuição e
redistribuição dos bens produzidos era uma prática comum. (ALMEIDA,
2001, p. 125)
Eles afirmam que não são como os brancos que competem entre si sem se importarem
com o outro; o Guarani geralmente é solidário com os demais, um ajuda o outro. Neste
sentido, afirmam que quando uma família não possui determinado alimento, como, por
exemplo, mandioca ou milho, as demais ajudam fazendo a doação deste produto.
Embora o Guarani seja incapaz de conceber a vida humana sem as alegrias da caça e da pesca, a base de seu sustento lhe é fornecida pela lavoura. (...),
sobretudo, na situação atual... a importância das roças aumenta cada vez
mais em detrimento das atividades suplementares (SCHADEN, 1975, p.37).
Na imagem abaixo, destacam-se algumas residências e as áreas de plantio em seu
entorno. Este núcleo familiar apresentado é de Vicente Vogado, professor na Escola da aldeia.
Sua casa está rodeada por árvores frutíferas, lavoura e pelas residências de seus filhos,
formando um núcleo familiar com vários aspectos característicos da organização espacial
tradicional das Aldeias Guarani.
Conforme afirma Almeida “em algumas casas a roça fica imediatamente após o
‘pátio’, ou seja, é uma continuidade da habitação. Na maioria das vezes, contudo, a roça fica
afastada, não raro a quilômetros. Mantém-se sempre um distanciamento do vizinho mais
próximo, que invariavelmente é um parente (ALMEIDA, 2001, p. 131).
54
Núcleo familiar de Vicente Vogado - destaque para as áreas destinadas ao plantio no entorno das residências.
Imagem de satélite via Google Maps, em 18/11/2012, por Gracieli E. Schubert Kühl.
Grande parte das atividades desenvolvidas no Añetete ocorrem a partir de quatro
grandes grupos familiares, principalmente as ações empreendidas por agentes externos, entre
eles a Itaipu Binacional e a Prefeitura Municipal de Diamante do Oeste. Cada um destes
grupos possui um coordenador que tem por função organizar a dinâmica interna em relação às
necessidades e ao recebimento de apoio dispensado por destes agentes externos. Entre as
ações coordenadas por estes representantes encontram-se a destinação de maquinários para
preparo e cultivo do solo e para colheita, distribuição de sementes e mudas de árvores e
capins, entre outras ações.
O grupo do atual cacique João Alves, situado logo na entrada da aldeia em frente à
Escola, agrupa cerca de quinze (15) famílias; O núcleo do Professor Vicente Vogado reúne
em torno de vinte e duas (22) residências e cerca de dezoito (18) famílias; o terceiro grupo
possui como coordenadores Leonardo e Cecílio Ortiz e é composto por aproximadamente
dezesseis (16) famílias; o quarto grupo possui em torno de doze (12) famílias e tem como
representante Augusto Martinez.
Nas áreas de lavoura são produzidos alimentos para sustento do grupo, entre eles
milho, mandioca, batatas, abóboras, entre outros. Tudo o que é produzido é dividido com os
mais próximos ou com aqueles que por vários motivos possuem dificuldades em produzir seu
próprio alimento. Esta prática encontra-se amparada no que ALMEIDA (2001) define como
princípio econômico da reciprocidade Guarani.
Segundo relatos colhidos na aldeia, estes Guarani comercializam seus produtos
agrícolas quando ocorrem sobras nas colheitas. Esta ação visa arrecadar recursos financeiros
para necessidades variadas, dentre elas as despesas relacionadas ao trabalho com a terra, já
55
que algumas vezes eles utilizam tratores e máquinas terceirizadas para facilitar as atividades
de plantio e colheita.
Segundo o Professor Vicente, em tempos passados as lavouras eram distantes das
casas; procurava-se um local em meio à mata, preferencialmente um taquaral; fazia-se a
roçada e em seguida a queimada para então iniciar o plantio que era feito com instrumentos
bastante simples, como o chacho7 e a enxada por exemplo; não utilizavam máquinas
agrícolas, somente ferramentas manuais.
Atualmente queixam-se de não poder mais realizar as queimadas para cultivo agrícola;
precisam esperar a chegada da máquina para tombar a terra, o que na maioria das vezes
demora, fazendo com que o bom período para plantio se esgote.
Entre os alimentos tradicionalmente cultivados pelos Guarani, o que possui maior
valor agregado é o milho. Segundo os entrevistados, este alimento não somente sacia a fome
do corpo, como também alimenta a alma, o espírito guarani. Ou seja, para além da função
alimentar de saciar a fome, o milho também possui forte apelo simbólico. Para esta etnia o
milho é fundamental para seu sustento. Afirmam que sem milho não vivem. As crianças desde
muito cedo já são alimentadas com a canjica, derivada do milho, para que cresçam saudáveis
e protegidas. Este alimento, para que possua valor simbólico, necessita ser preparado em fogo
de chão, isto porque o fogo também possui referencias simbólicas e tem por função primordial
afastar o mal, as doenças e tudo mais de ruim que possa acontecer ao Guarani. O milho
preparado em fogo de chão segue, portanto, os costumes antigos e possui forte relação com a
simbologia presente na cultura dos Guarani.
Não é qualquer semente cultivada que possui este valor simbólico. Existe uma espécie
específica de milho, que é branco. Para este cultivo é necessária à realização de cerimônias
religiosas. Quando chega o período de iniciar o plantio, as sementes são levadas à casa de reza
para realização de ritual. Segundo os depoentes, neste momento, vem ñanderu e fortalece as
sementes para que cresçam bem, possibilitando uma boa safra. O plantio também é permeado
de ações religiosas. Quando da colheita, as primeiras espigas são trazidas novamente à casa de
reza para também passarem por um ritual, uma espécie de agradecimento a ñanderu pela
safra.
Em suma, tudo o que diz respeito ao milho se associa ao mundo
sobrenatural. É verdade que se fala em cerimônias correspondentes
7 Chacho: ferramenta feita a partir de um roliço de madeira com uma das extremidades apontada, com a qual se
fazia a cova no solo para depositar as sementes. Alguns exemplares utilizados por colonos contam com uma
ponteira de ferro nesta extremidade. Alguns destes objetos estão expostos em Museus da região, como em Porto
Mendes, distrito de Marechal C. Rondon/PR, no Museu Histórico Pe. José Gaertner.
56
também para outras plantas de cultivo – mandioca, batata-doce, feijão,
abóbora, morango, fumo, algodão – mas estas parecem limitar-se ao
‘batismo’ dos primeiros frutos, espécie de exorcismo da ‘primeira cestada’. Diante da cruz que se encontra defronte a casa do pai, cada mulher deposita
a sua canastra, o mynakú, para se ‘batizar’ e para ‘não dar cólica’. Isto
vale para todos os produtos da roça, dos quais o milho se distingue por
fornecer os marcos de um genuíno calendário econômico-religioso, a ponto de, como vimos, se poder quase falar numa ‘religião do milho’.
(SCHADEN, 1975, p. 43)
Como cita Schaden acima, outro produto cultivado pelos Guarani é a mandioca, a
qual faz parte do cardápio quase que diário destes indivíduos. Mesmo não possuindo a
mesma importância religiosa, a mandioca é indispensável ao Guarani principalmente nos
períodos em que o milho torna-se produto escasso, isto por ser um produto disponível em
praticamente todos os meses do ano.
Além do milho e da mandioca, cultivam também o fumo, apesar de atualmente a
produção de este cultivar, registrar índices menores que em tempos passados. Da mesma
forma como o milho, o fumo também possui apelo simbólico para os Guarani, porque
segundo eles, a fumaça produzida tanto pelo fogo de chão como pelo cachimbo, petyngua,
possui o poder de espantar os maus espíritos.
Segundo ASSIS (2006, p. 181), “fuma-se o petyngua coletivamente, mas é o líder
religioso quem fuma preferencialmente para que, também pela via do tataendy/chama e do
tatachina/fumaça do petyngua, possa se inspirar para os cantos que deverá entoar, oriundos da
esfera divina”.
É por este motivo que a importância do fumo ultrapassa o simples hábito, pois está
intimamente relacionado às cerimônias religiosas. Seu uso é cotidiano, as crianças desde
pequenas já possuem a permissão de utilizarem o petyngua, sem que isto seja visto como algo
nocivo à saúde dos indivíduos, pois está estritamente ligado às práticas religiosas do grupo.
Eles crêem que os meninos, ao iniciarem o uso do cachimbo voluntariamente desde
cedo, poderão tornar-se rezadores no futuro. “Uma das peças mais interessantes da cultura
material dos Mbÿa é o cachimbo, petyngua, de forma típica, feito de barro ou nó de pinho.
Fumam-no de maneira ‘comunista’, duas, três ou mais pessoas” (SCHADEN, 1975, p. 45).
O que se nota é um predomínio extraordinário da religião em todas as
esferas da cultura, inclusive na economia, ao ponto das atividades
econômicas aparecerem, não raro, como simples pretexto para a realização
de cerimoniais de contacto com o sobrenatural e controle de poderes pessoais que se julgam ter influência no destino dos homens. (...) o ciclo
econômico anual ... é antes de mais nada um ciclo de vida religiosa ... que
acompanha as diversas atividades de subsistência, em especial as diferentes fases da cultura do milho. (SCHADEN, 1975, p.38)
57
Outro elemento essencial para a subsistência dos Guarani em relação à alimentação é a
prática da caça, que além de servir como complemento na alimentação também possui relação
com símbolos construídos historicamente pelo grupo. Os Guarani possuem uma visão da
natureza que em muito se difere da praticada pelo homem branco. Não existe distinção entre
ser pensante e não pensante. A natureza, tanto plantas, água, animais possuem o mesmo valor
que o ser humano. Segundo os depoentes, a natureza e os animais também possuem alma.
Segundo relatos dos habitantes da aldeia, antigamente quando um animal selvagem era
abatido por um Guarani, antes de este ser transformado em alimento, era necessário que a
caça fosse levada até o rezador para se obter permissão do ‘dono’ do animal para daí então
servir de alimento a família do caçador. É uma atitude que demonstra a forma com que os
Guarani compreendem a sua relação com a natureza. É como se os animais possuíssem dono
que zela por eles, portanto, para serem transformados em alimento deve-se solicitar
permissão. Este aspecto também pode ser notado em relação às árvores, matéria prima para
construção de residências e casa de reza. Antes de cortá-las é necessário pedir autorização ao
seu ‘dono’. Este aspecto será discutido mais amplamente em item posterior.
É relevante ressaltar também a presença de instituições oficiais no interior da aldeia,
entre eles um Posto de Saúde e um Colégio Estadual. Segundo relato do atual cacique do
Añetete, nos primeiros tempos da aldeia, lhes foi informado que as crianças deveriam
deslocar-se até a sede do município para estudar, da mesma forma deveria acontecer para os
que necessitassem de atendimento médico. Os Guarani então, conhecedores da legislação que
protege os direitos indígenas, reivindicaram junto às autoridades competentes a construção da
Escola e do Posto de Saúde, sendo atendidos no ano de 2001.
Atualmente a assistência médica é realizada junto ao Posto de Saúde da aldeia, que
além de atender os 300 Guarani do Tekoha Añetete, também atende os Guarani da aldeia
vizinha, o Tekoha Itamarã. Este órgão, instituído, portanto, em 2001 é mantido pelo Governo
do Estado e oferece atendimento médico, odontológico e serviços de enfermagem. Atuam
nesta unidade, uma enfermeira, uma técnica em enfermagem, um médico, um dentista e um
agente indígena de saúde, que é um Guarani que reside na aldeia e atua como mediador entre
os habitantes locais e o serviço de saúde.
58
Posto de Saúde da Aldeia Tekoha Añetete. Em 06/12/2012. Por Gracieli E. Schubert Kühl.
Segundo funcionários desta unidade, a dinâmica da instituição ocorre normalmente e
como em qualquer outro local. São realizadas consultas, pré-natais, receita-se medicamentos,
enfim, a função deste Posto de Saúde na aldeia é semelhante a qualquer outro Posto de Saúde
da região.
Questionados sobre a relação destes atendimentos de saúde com a importância das
cerimônias de cura desenvolvidas pelos rezadores, tanto funcionários quanto Guarani expõe o
mesmo discurso. Segundo eles, quando uma pessoa fica doente, primeiramente ela procura o
rezador. Este, por sua vez, procura resolver o problema, mas quando percebe que a doença
não regride, encaminha o indivíduo à Unidade de Saúde local para que seja avaliado e tratado
pelo médico.
As gestações e os partos em sua maioria são acompanhados pelo médico local e as
crianças nascem no Hospital em Diamante D’Oeste ou outro hospital de referência da região.
Poucas mulheres da aldeia ainda optam por terem seus filhos em casa, à moda antiga. Quando
isto ocorre são as parteiras que realizam o parto.
Após o nascimento inicia-se o processo da escolha do nome. Nesta aldeia mantém-se a
prática de o rezador escolher o nome indígena para a criança. Quando a mulher está grávida
ela já conversa com o líder religioso para quando do nascimento lhe seja revelado o nome.
Segundo Vicente, ñanderu espalha o ambá pelo mundo, que é a alma colocada nas crianças
quando nascem. Quando ele se comunica com os deuses através das rezas, descobre de onde
vem o ambá daquela criança. O ambá das meninas vem do lado do sol nascente e dos meninos
59
do poente. Para que o nome traga força a seu postulante é necessário o batismo na casa de
reza.
Enquanto não recebem o nome indígena, as meninas são chamadas de Kuñae e os
meninos de Avaé. Em tempos remotos o nome era revelado após um ano de vida
aproximadamente, sendo que atualmente, em função da necessidade em se registrar o
nascimento em cartório, o nome precisa ser escolhido em até três meses. O nome não indígena
é escolhido a partir de almanaques que contém uma série de sugestões.
Estas crianças recebem acompanhamento de saúde desde o nascimento até a idade
adulta através de convênio firmado entre a Prefeitura Municipal de Diamante D’Oeste e a
Itaipu Binacional, sendo esta última a maior mantenedora da atividade através do Programa
de Sustentabilidade das Comunidades Indígenas.
Como descrito no item 3.3 desta dissertação, o Programa de Sustentabilidade das
Comunidades Indígenas possui vários eixos de atuação, entre eles o de Segurança Alimentar e
Nutricional. Através deste programa, alguns profissionais da saúde realizam visitas á aldeia
duas vezes por semana, quando são desenvolvidas atividades de acompanhamento nutricional,
capacitação de mães indígenas para o preparo de pratos que utilizam alimentos saudáveis e
acompanhamento do peso e tamanho das crianças. Para aquelas que estão abaixo do padrão
estabelecido pelos órgãos envolvidos, é destinado acompanhamento mais próximo, até que
atinja o nível de desenvolvimento satisfatório.
Em relação à educação, a aldeia conta com a Escola Estadual Indígena Kuaá Mbo’e,
que significa ‘conhecer ensinar’, atendendo exclusivamente Guarani do Tekoha Añetete. Os
alunos ocupam as séries iniciais e finais da Educação Infantil e para o ano de 2013 está
prevista a implantação de turma voltada ao Ensino de Jovens e Adultos/EJA, também através
da Secretaria Estadual de Educação do Paraná.
Escola Estadual Indígena Kuaá Mbo’e. Em 06/12/2012, por Gracieli E. Schubert Kühl.
60
Como citado anteriormente, esta Escola foi reconhecida oficialmente em 21/02/2006
pela Resolução nº. 508/2006. A Instituição mantedora é a Secretaria de Estado de Educação
do Paraná - SEED, através do Núcleo Regional de Educação do Município de Toledo.
Segundo funcionários, as condições físicas da Escola são boas, já que a estrutura é nova,
porém, já possuem necessidade de ampliação do espaço em função do aumento no número de
alunos. É composta por quatro salas de aula, uma sala de informática e uma quadra de
esportes coberta. A parte administrativa conta com uma sala destinada à secretaria, uma sala
da direção e uma sala de professores onde está instalado o acervo da biblioteca da escola.
Possui também, oito banheiros sendo quatro masculinos e quatro femininos, uma cozinha
grande e bem equipada, atendendo os padrões da vigilância sanitária, com uma sala destinada
para a merenda escolar, uma sala depósito de produtos de limpeza e um banheiro.
Vista aérea das dependências da Escola Indígena Kuaá Mbo’e no centro da imagem. O portal da aldeia
localiza-se a esquerda da imagem seguindo pela estrada de terra. Imagem de satélite via Google Maps,
em 18/11/2012, por Gracieli E. Schubert Kühl.
Dentre os professores que atuam nesta instituição, cinco (05) deles são Guarani e onze
(11) não-indígenas. Em relação a estes professores não índios, há pouca rotatividade devido à
boa aceitação da comunidade em relação ao trabalho desenvolvido com os alunos. Todos
moram na sede do Município de Diamante D’Oeste e deslocam-se todos os dias até a aldeia
para trabalhar.
Segundo o Projeto Político-Pedagógico da Escola, o ensino é bilíngue, na língua
Guarani e língua Portuguesa, sendo que a alfabetização é feita somente na língua Guarani
porque as crianças nesta idade são falantes apenas deste idioma.
61
A escola não tem nenhum método específico, sendo que a oralidade é a forma
utilizada e a partir daí se introduz o alfabeto guarani, que se vale de recursos metodológicos
que utilizam a imagem de animais comuns na aldeia, o nome do aluno, associando-os a letra.
A alfabetização na segunda língua ocorre a partir do 2º ano, onde professor indígena e não
indígena trabalham com os alunos em momentos diferentes.
O ensino é orientado especificamente para os indígenas, as disciplinas trabalhadas são
de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais/DCN, disponível junto à Secretaria de
Educação do Estado do Paraná/SEED/PR.8 O ensino religioso é trabalhado por um professor
indígena seguindo os costumes da cultura guarani.
O calendário escolar é adequado às necessidades específicas da comunidade, sendo
diferenciado de outras escolas e contendo as especificidades da comunidade como as datas
comemorativas relacionadas à Fundação da Aldeia, dia do índio, semana cultural indígena,
Sepé Tiaraju9, ñemongarai (Batismo da Semente) e Karuai (festa da colheita).
Segundo relato dos próprios Guarani, o que motiva os alunos a estudarem é a
necessidade de aprenderem a segunda língua, pois quando saem de sua comunidade
necessitam dela para se comunicar com os não indígenas e socializar-se com outras culturas.
Eles têm consciência de que as dificuldades são grandes em relação ao aprendizado da língua
portuguesa, porém a necessidade é maior.
A comunidade considera necessária a educação escolar para seus filhos,
porque ela é assegurada pela Constituição que dá direito as comunidades
indígenas a uma educação escolar diferenciada, específica, intercultural e
bilíngüe. As famílias desejam que as crianças aprendam a ler e escrever na segunda língua, (língua Portuguesa) porque percebem que ninguém vive
isolado, eles saem da aldeia e tendo conhecimento do mundo letrado fica
mais difícil o indígena ser enganado pelo não índio. Percebe que para ir ao banco, correio, prefeitura, lojas, supermercados necessitam se comunicar
em outra língua e que nem por isso deixam de ser indígenas. Isso os torna
mais seguros de si e podem reivindicar os seus direitos de cidadãos. (Proj. Político e Pedagógico da Escola Estadual Indígena Kuaá Mbo’e).
8 Um dos documentos que estabelece as ações voltadas à criação de Escolas Indígenas é a Deliberação 09/2002,
elaborada pela Comissão Temporária de Educação Escolar Indígena, aprovada em 05/12/2002. “Assunto: Dispõe
sobre criação e funcionamento de Escola Estadual Indígena, autorização e reconhecimento de cursos, no âmbito
da educação básica no Estado do Paraná e dá outras providências. Relatora: Rosi Mariana Kaminski.” Disponível
em: http://www.educacao.pr.gov.br/arquivos/File/deliberacoes/deliberacao092002.pdf, consultada em
27/12/2012. 9 Herói da resistência da Guerra Guaranítica contra os impérios ibéricos.
62
Alunos Guarani em sala de aula. Projeto Viva Escola. Em 2011, acervo da Escola Est. Kua’á Mboé.
Entre as atividades diferenciadas realizadas na Escola, existe o dia do contador de
história, que é desenvolvido junto aos alunos com a presença de pessoas mais velhas da
comunidade, as quais têm a incumbência de repassar às crianças as histórias sobre à casa de
reza, os mitos e lendas guaranis. Procura-se, desta forma, afirmar e manter a língua e a
identidade e a diversidade étnica, fazendo o aluno perceber a importância de se manter a
oralidade e ter orgulho de ser indígena.
Segundo relatos de alguns Guarani, no tempo de seus antepassados o professor era o
rezador e a casa de reza era a escola. Hoje, principalmente as crianças, estão se afastando da
casa de reza para irem à escola, fator que dificulta a dinâmica interna dos grupos na realização
de suas cerimônias. Alguns estão adaptando os horários das cerimônias, iniciando-as à noite
para que todos possam participar.
Além da Escola e do Posto de Saúde, existem outras construções na aldeia, entre elas
um Centro Cultural, que aparentemente não é utilizado para a finalidade proposta, a não ser
como sala de aula quando necessário. Encontra-se na aldeia também um barracão pré-
moldado para guarda de veículos de transporte escolar e outros. Foi construído um centro para
comercialização de artesanato com forno para secagem de objetos cerâmicos e um pequeno
pavilhão que inicialmente utilizou-se como sala de aula até o momento em que as instalações
da Escola fossem concluídas. Atualmente é utilizado pela assistência social no
acompanhamento das crianças residentes na aldeia, através do já citado Programa de
Sustentabilidade das Comunidades Indígenas. Todas estas obras foram construídas por não-
guaranis.
63
Centro Cultural. Aldeia Tekoha Añetete, utilizado como sala de aula, extensão da Escola. Município de
Diamante do Oeste/PR. Em abril 2012, por Gracieli E. Schubert Kühl.
À esquerda Barracão pré-moldado, à direita dependências da Escola da Aldeia e no centro da imagem a
construção de espaço físico para comercialização de artesanato local. Aldeia Tekoha Añetete. Mun. De
Diamante do Oeste/PR. Em abril 2012, por Gracieli E. Schubert Kühl.
Em relação aos casamentos na aldeia, atualmente é feita uma cerimônia na casa de rezas,
comandada pelo rezador. Após a cerimônia de ‘benção’ tem início a festa, semelhante aos casamentos
brancos. Quando os noivos não possuem casa própria continuam morando com os pais, geralmente da
noiva, até que um local seja construído.
As cerimônias relacionadas à morte também sofreram algumas alterações se comparadas às de
tempos passados10
. Segundo eles, quando um Guarani morre tem seu corpo levado até a casa de reza
onde permanece por 24 horas. Na sequência é feito o sepultamento em um lugar próprio, não pode ser
perto da casa das pessoas. É um cemitério que possivelmente segue os padrões locais, um espaço já
destinado a este fim. Para estes sepultamentos usam caixões geralmente obtidos através de doações
10
Para maiores informações sobre as cerimonias fúnebres e de casamentos dentro da cultura Guarani, consultar
a bibliografias como: SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura Guarani. São Paulo: EPU, Ed. Da
Universidade de São Paulo, 1974.
64
feitas pela Prefeitura ou por outras pessoas. Segundo eles, não existe diferenciação entre os Guarani,
seja criança, rezador ou outros, todos são sepultados no mesmo local e seguindo a mesma cerimônia.
Assumindo a função de representante político e social do grupo, surge a figura do cacique,
uma autoridade eleita pelos Guarani que tem por função a representação da aldeia em se tratando de
assuntos externos de interesse da coletividade. Necessita deslocar-se para participar de reuniões
representando o grupo, quando precisa trazer algum programa ou projeto para a aldeia é ele quem deve
encaminhar e participar do processo até que seja concluído.
Segundo o Professor Guarani da Escola, Vicente Vogado, no caso da aldeia aqui
analisada, o cacique/capitão é eleito pela maioria do grupo. Para a escolha são considerados
quesitos como afinidade do indivíduo com todo o grupo, preocupação com os anseios e
necessidades de todos, engajamento e busca por soluções relacionadas às dificuldades
presentes no interior da aldeia. Este é um cargo definido através de eleição e pode ser alterado
a qualquer momento; basta o grupo assim desejar. Em novembro de 2012 foi eleito para
Cacique João Alves, que também é professor na Escola da aldeia.
2.3 – Dinâmica Sociocultural
Apesar de ser tarefa quase impossível dissociar a vida social da dinâmica cultural dos
Guarani, visto que, segundo eles, são características indissociáveis, a apresentação de aspectos
relacionados às crenças e aos costumes, sobretudo os voltados à religião do grupo, requer que
se considerem os elementos simbólicos e os sinais sagrados presentes entre os Guarani.
Muitos deles são organizados em torno dos líderes espirituais, chamados rezadores, e dos
objetos materiais incorporados às cerimônias religiosas.
Na cultura guarani atual, o rezador é o grande líder espiritual. Possui como função
central, conduzir e comandar as cerimônias religiosas junto à casa de reza, pela qual é
responsável. É o xamoi, aquele que sabe tudo. Ele cuida do grupo, zelando para que as
doenças não apareçam. É ele quem inicialmente busca a cura e quando não consegue efetuá-la
chama outros rezadores pra ajudar. Em última instância, recorrem à assistência médica da
aldeia.
Os entrevistados relatam que os rezadores não possuem força para curar as doenças
classificadas como ‘de branco’, por este motivo é que muitas vezes procuram tratamento
médico fora da aldeia. Quando o caso é muito grave recorrem imediatamente a hospitais ou
postos de saúde, sendo esta uma prática consentida previamente pelos rezadores para com o
grupo.
65
Segundo o Professor Vicente, o rezador é que possui as armas espirituais para proteger
todos da aldeia. É ele quem estabelece comunicação com os deuses para melhor orientar todos
do seu grupo. É a pessoa mais importante no interior da organização da aldeia.
O rezador mantém-se como tal até sua morte, quando já deve ter outro rezador
preparado para assumir o posto de líder espiritual. Uma aldeia não pode ficar sem rezador.
Geralmente a criança desde muito cedo já apresenta traços que poderão fazer dela um rezador.
Da mesma forma como o rezador é o grande líder espiritual do grupo, a casa de
reza/opy caracteriza-se como o centro religioso da aldeia, onde são realizadas praticamente
todas as cerimônias religiosas que compõe o cotidiano Guarani. Pode-se afirmar que a casa de
reza, juntamente com os sujeitos que praticam os ritos sagrados, de fato significam o espaço
onde a tradição se recria diariamente.
A idéia é de que a opy é tanto um suporte do mundo como a via de contato
entre o divino e o humano. (...) O espaço onde a opy se encontra é
entendido como o lugar do refugio e da atualização da memória e da identidade do grupo. É o lugar do sagrado onde os Mbyá podem ter acesso e
contato com o mundo divino de forma mais eficaz (ASSIS, 2006, p. 236).
Na aldeia Tekoha Añetete é possível identificar pelo menos três casas de reza, sendo
cada uma delas subordinada a um núcleo familiar. A família de Vicente Vogado, por
exemplo, possui uma casa de reza, que é comandada por Jerônimo Vogado, rezador principal
deste núcleo. A família do cacique João Alves também possui sua casa de reza, a terceira casa
de reza foi construída pela Itaipu Binacional e fica próxima ao núcleo dirigido por Leonardo e
Cecílio Ortiz.
Quando visualizamos rituais indígenas, seja pessoalmente ou através de mídias
eletrônicas, podemos perceber a presença marcante da dança, dos objetos sagrados e mesmo
da reza na composição do rito. Estes elementos são os sinais que representam algo simbólico,
superior e intangível, neste caso o universo mitológico dos Guarani. Os sinais são facilmente
descritos pelos Guarani, cada um deles possui uma função marcante no conjunto cerimonial e
os Guarani envolvidos no ritual identificam-se com estes elementos, adotam postura de
respeito, transferem sentidos a estes sinais, que passam a representar materialmente algo que
se encontra em outra esfera, a simbólica.
O conhecimento pleno de um objeto requer, em suma, que o consideremos
em seu contexto mais amplo, e em sua característica de sistema (as articulações de significação entre os vários objetos que, relacionados,
“falam” sobre as concepções de mundo do grupo social que os produziu),
66
analisando as muitas dimensões e as múltiplas significações que, nas
sociedades indígenas, nele estão sempre materializadas e resumidas (SILVA
& SILVA, 2000, p. 372).
Através dos objetos materiais incorporados ao cotidiano dos Guarani é possível
analisar inúmeros aspectos culturais e sociais. Por exemplo, ao se tomar como fonte para
estudo apenas o “altar” que se encontra na casa de reza, ter-se-ia um enorme leque de
possibilidades a serem consideradas.
Em vários relatos presenciados durante as visitas à aldeia, os entrevistados afirmam
que os objetos que compõem o altar servem para ‘dar força’ ao rezador. Com eles e através
deles, o líder religioso do grupo se comunica com os deuses e é informado dos destinos da
tribo, podendo assim, orientar sobre o melhor caminho a seguir. “Ora os objetos rituais agem
como variáveis da ideia de esteio (apoio, eixo), ora tem a função de fortalecer, de transmitir energia,
força àquilo e aqueles que são suportes do mundo Mbyá” (ASSIS, 2006, p. 185).
Cerimônia religiosa no interior da casa de reza do Sr. Jerônimo. Detalhe da presença do altar, do
chocalho (mbaraka mirim), dos cocares e o petyngua. Por Gracieli E. Schubert Kühl, em 06/07/2012.
Durante pesquisa de campo, foram levantados questionamentos em relação aos
símbolos tidos como sagrados aos Guarani, entre eles o altar da opy, o Mbaraka (chocalho
feito com porungo, sementes e um cabo curto de taquara, é segurado nas mãos pelos
rezadores) e o takua, que possuem ligação direta com a cosmologia Guarani.
67
Cerimônia religiosa no interior da casa de reza do Sr. Jerônimo. Detalhe da presença do chocalho nas
mãos dos Guarani durante a atividade. Por Gracieli E. Schubert Kühl, em 06/07/2012.
Em relação ao altar colocado junto às casas de reza, é perceptível verificar objetos que
representam de alguma forma aspectos culturais do grupo. Entre eles se encontra um tronco
de madeira talhada que comporta a água utilizada nos batismos. Esta madeira é de cedro, que
simboliza a saúde, para que a criança batizada não sofra com as doenças durante sua vida.
Sem este recipiente com água o batismo não ocorre.
O mbaraka mirim é também componente fundamental para as cerimônias religiosas
dos Guarani. Segundo eles, é um elemento ligado diretamente à casa de reza, utilizado para
fazer batismos, rituais de cura, entre outros. Afirmam que inclusive as crianças compreendem
a função sagrada do mbaraka mirim, quando elas o utilizam auxiliam na sustentabilidade do
ritual fornecendo força ao rezador, além de inserir estes jovens desde cedo aos rituais
desenvolvidos dentro da casa de reza. Aparentemente os rezadores utilizam o canto
juntamente com o som do mbaraka para dar o compasso a toda a cerimônia dentro da casa de
reza.
Em uma das atividades junto à aldeia, um dos Guarani citou o processo de
transformação destes objetos materiais em representações de algo sagrado. Tomou como
exemplo a confecção do mbaraka mirim (chocalho), utilizado durante as cerimônias
religiosas. Segundo ele, um mbaraka mirim, confeccionado para compor os rituais, é feito
desde o início para este fim, desde a escolha do material até a formatação final do artefato.
O objeto utilizado pelas mulheres durante as cerimônias é o takua (taquara), que é
batido ao chão durante a reza, seguindo o compasso musical do mbaraka e do canto. Ambos
os objetos – mbaraka e takua – são inclusive transportados quando os Guarani visitam outras
aldeias, visando a realização conjunta de cerimônias.
68
Cerimônia religiosa no interior da casa de reza do Sr. Jerônimo. Detalhe da presença do takua nas
mãos dos Guarani durante a atividade. Por Gracieli E. Schubert Kühl, em 06/07/2012.
Um fato que chama a atenção, principalmente dos não índios quando visitam a aldeia,
seja ela o Tekoha Añetete ou outra na região, é a comercialização destes objetos tidos como
sagrados para os Guarani. A partir do momento em que um turista adquire este material, o
objeto assume outras funções, principalmente como souvenirs. Segundo eles, isto é possível
por que estes objetos colocados à venda já são fabricados para este fim. Desde o início da
confecção já se estabelece que tal mbaraka seja utilizado para comercialização, não passando
pelo processo de batismo na casa de reza, sem constituir, portanto, relação com os aspectos
religiosos do grupo.
Este batismo pelo qual passam os objetos que participam dos rituais sagrados, é
chamado de sacralização. Ocorre:
Com a defumação do objeto pelo xamã com seu petyngua. Ao ser investido
dessa característica de sagrado o objeto torna-se inalienável, (...) além disso, as coisas sagradas devem ser guardadas e protegidas, pois elas são o suporte
material dos valores mais caros do grupo, os valores que contém o sentido
de identidade, de coesão. (ASSIS, 2006, p. 237)
Este aspecto ligado à sacralização dos objetos cerimoniais representa o que GEERTZ
define como ‘teia de significados’ incorporados em símbolos, do qual todos os integrantes do
grupo encontram sentido.
Pode-se perceber claramente nesta representação a presença dos sinais e dos símbolos
religiosos. O tronco de madeira colocado junto ao altar é o sinal que remete a algo superior, a
um significado cultural que se encontra na esfera simbólica, portanto intangível.
69
Os objetos rituais no interior da opy (casa de reza), além de serem um
suporte material que viabiliza a relação dos homens com a esfera divina,
também simbolizam alguns aspectos relacionados à dinâmica e à organização social do grupo. [...] alguns objetos simbolizam o feminino e o
masculino, assim como sua complementaridade; simbolizam os papeis
sociais de cada um e configuram uma representação [...] do que é o mundo
divino que aspiram alcançar (ASSIS, 2006, p. 182).
Altar na casa de reza, detalhe para os objetos e também para tronco de cedro que serve de reservatório
d’água para as cerimônias de batismo. Em maio de 2012, por Gracieli E. Schubert Kühl.
A cerimônia de batismo é realizada por volta dos quatro meses de vida da criança, é
comandada pelo rezador e acompanhada por todos da família. São também realizados
batismos das sementes para plantio, geralmente no mês de janeiro, período que antecede as
atividades de cultivo do solo.
Observando o cotidiano dos Guarani na Aldeia do Tekoha Añetete, é possível perceber
o uso constante de uma espécie de cachimbo, chamado por eles de petyngua. Este objeto
também está relacionado a elementos simbólicos, principalmente o fogo e a fumaça. Eles
compartilham o petyngua uns com os outros livremente. Segundo eles a fumaça serve para
espantar o mal, para limpar a pessoa de doenças ou outros males que podem lhes atingir. É o
símbolo das cerimônias de cura.
O petyngua é uma via material para se inspirar, curar e sacralizar as coisas
do mundo através da fumaça produzida. A fumaça do petyngua é considerada a forma imperfeita, um duplo do tatachina/névoa vivificadora,
princípio vital. É um dos elementos considerado como aquilo que dá vida às
coisas, que as anima, assim como possibilita a cura, a revitalização (ASSIS, 2006, pg. 183).
Este objeto possui um formato padrão, porém, diferem-se na decoração do cachimbo,
específica de cada artesão no momento da confecção. O fumo é adquirido fora da aldeia, no
70
comércio da região, pois os Guarani estão aos poucos abandonando a prática de plantio do
tabaco, possivelmente em função da fragilidade da planta perante as pragas e defensivos
agrícolas presentes em lavouras que circundam a reserva.
O cocar também está presente nas cerimônias religiosas, segundo eles o cocar e o colar
são utilizados durante as rezas e, também, na cura de doentes. Quando o indivíduo passa a
usá-los estabelece uma ligação direta com ñanderu e já sabe que a cura ocorrerá.
Como se percebe, os objetos incorporados à vivência do grupo expressam os sinais
envoltos num universo simbólico derivado dos mitos que sustentam a religiosidade guarani.
Estes sinais estão presentes no imaginário coletivo, transmitido de geração em geração.
Apesar de ser possível identificar na atualidade vários aspectos tradicionais inseridos
no cotidiano deste grupo, algumas questões ainda levam a questionamentos sobre quem são os
Guarani de hoje e, por conseguinte, nos perguntamos: será que ainda poderiam ser
considerados como tais? Caso optássemos por um método comparativo, que tomasse por
objeto de estudo aldeias atuais em sua relação com os costumes praticados no passado,
certamente seria perceptível que o Guarani de hoje difere e muito do Guarani antigo. Eles
mesmos assumem que os costumes estão se perdendo, pois os jovens não buscam conhecer
estes valores, as práticas não possuem sentido para a maioria dos jovens Guarani na
atualidade.
Em função destas dúvidas, que permeiam principalmente o imaginário daqueles que
acreditam que os índios atuais deveriam manter costumes antigos para continuarem a serem
índios, cabe citar a definição que este grupo assume sobre o que é ser guarani atualmente.
Segundo um dos professores Guarani da Escola, Vicente Vogado:
Hoje em dia o meu pai e a minha mãe são Guarani puro, falam só o
Guarani, não falam português, usam os próprios costumes da vida antiga, o
fogo de chão, esse é o costume que veio do antepassado... o Guarani vem
através do conhecimento sobre o costume antigo. Mesmo que fala Guarani talvez não sabe o simbólico, vive como o branco (Juruá), este não é Guarani
(Vicente Vogado, em 20/06/2012).
Eles afirmam que o Guarani atual apresenta características físicas muito diferentes das
que se apresentavam em tempos mais remotos, hoje usam relógio, roupas bonitas, possuem
casas boas, porém, sua essência, o seu interior não mudou nem poderá mudar, pois, se isto
ocorrer eles deixarão de ser Guarani. As ações do dia-a-dia, os costumes, as práticas, a
essência deve ser mantida. Não basta falar a língua ou se vestir como os antigos, é preciso que
o interior, o coração não se altere.
71
Segundo GEERTZ, a antropologia moderna “tem a firme convicção de que não
existem de fato homens não modificados pelos costumes de lugares particulares, nunca
existiram e, o que é mais importante, não o poderiam pela própria natureza do caso”
(GEERTZ, 2011, p. 26).
Desta forma, pode-se perceber a construção da identidade do grupo em relação a
outros indivíduos. Segundo Vicente, não basta somente falar o idioma, ou afirmar que é
Guarani, é necessário também cultivar os costumes, conhecer o significado das práticas e
reproduzi-las diariamente para não perder a conexão com o passado.
72
CAPÍTULO 3
EXEMPLOS DE ARQUITETURA PRESENTES NA ALDEIA TEKOHA AÑETETE
O surgimento da Arquitetura enquanto ‘arte de construir abrigos’ remonta à pré-
história, justamente no momento em que os indivíduos deixam de ser nômades e passam a
habitar determinados locais por um tempo mais longo, basicamente em função do
descobrimento e da prática da agricultura.
Neste momento o homem passa de caçador/coletor a agricultor através do cultivo
agrícola. Descobre técnicas de plantio e colheita, o que permite que se fixe por períodos mais
longos em um determinado espaço, sem que haja necessidade de movimentos nômades em
busca de alimento. Surge, com isso, a necessidade de construir abrigos, para a proteção contra
o frio e os animais ferozes. Estes primeiros abrigos são descritos por pesquisadores através do
‘mito da cabana primitiva’ que para alguns é considerado o início da arquitetura.
Independente de quando ou quem inventou a arquitetura, é consenso entre os
pesquisadores que a prática de construir espaços, habitáveis ou não, demonstra características
culturais específicas da sociedade em que foram construídos. Ou seja, a arquitetura é um
produto cultural, pois é resultado da sociedade que a empreendeu segundo as necessidades ou
anseios vividos no momento em que a obra foi idealizada.
Divergências a parte, estas questões são apresentadas a fim de dar sentido às obras
desenvolvidas pelos Guarani na atualidade como sendo resultados da ‘arquitetura tradicional’.
O termo tradicional é utilizado nesta dissertação no sentido de representar os conhecimentos,
valores e técnicas transmitidos de geração em geração e que atualmente permeiam o
imaginário coletivo dos Guarani integrantes do Tekoha Añetete. Sendo assim, as obras
identificadas como ‘ tradicionais’ são aqui tratadas como construção de espaços a partir de
técnicas arquitetônicas tradicionais, resultado de ações desenvolvidas ao longo do tempo e
que foram sendo adaptadas, aprimoradas e transmitidas historicamente até atingir as
características atuais.
3.1 - Arquitetura ‘Tradicional’ representada nas obras atuais feitas pelos Guarani na
Aldeia Tekoha Añetete
Quando se trata de arquitetura tradicional guarani, deve-se primeiramente rememorar
algumas características culturais do grupo. Os Guarani organizavam-se originalmente no
73
espaço a partir da disponibilidade de alimentos. A sua distribuição e a apropriação do espaço
se dava a partir da fixação de pequenos grupamentos ou aldeias que lhes facultassem o acesso
às dádivas da natureza na abundância necessária para a estabilidade dos grupos. Quando o
espaço apropriado não mais propiciava o sustento necessário, partiam então para novos
lugares, com a finalidade de encontrar a abundância para a manutenção do grupo. Nestes
espaços as construções eram bastante rústicas e simples, pois a cada migração eram
desmontadas e reconstruídas ou abandonadas. Portanto, estas e outras características
influenciaram na forma como os Guarani tradicionalmente desenvolveram sua arquitetura.
Além das questões práticas relacionadas à técnica construtiva, é preciso considerar as
transformações ocorridas neste processo a partir dos inúmeros contatos com outros grupos
étnicos e, também, as constantes alterações ocorridas internamente, resultado natural da
evolução cultural por que passam os grupos étnicos.
Portanto, discutir a arquitetura tradicional dos guarani, na atualidade, é mais do que
refletir acerca das técnicas herdadas dos seus antepassados que, transmitidas e reproduzidas
no tempo presente, representam a arte de construir abrigos. Significa, antes de mais nada,
demonstrar alguns aspectos relacionados a um processo intenso de contato interétnico com os
grupos envolventes, dominados e dominantes, que de alguma forma imprimiram mudanças na
formatação arquitetônica que os Guarani na atualidade definem como tradicional.
Além disto, o próprio termo tradicional já induz a várias interpretações,
principalmente quando se trata de pesquisas sob a ótica interdisciplinar. Isto porque para
alguns o conceito de tradição pode ser considerado como estático enquanto para outros é um
aspecto em constante transformação.
A discussão breve do termo tradição remete à palavra de origem latina traditio, que
significa transmissão, ou seja, resume-se ao ato de repassar algo para alguém. Em se tratando
de cultura, pode-se afirmar que é a transmissão de conhecimentos, práticas e valores de uma
pessoa à outra, geralmente estendendo-se por várias gerações.
Tradição possui muitos significados: pode estar atrelada ao conservadorismo
e ao resgate de períodos passados considerados gloriosos; pode ser inventada
para legitimar novas práticas apresentadas como antigas. Muitas vezes é
pensada como imóvel, mas hoje cada vez mais estudiosos percebem suas ligações com as mudanças. Está ligada ao folclore, à cultura popular e à
formação de identidades (SILVA, 2006).
Refletir, portanto, sobre aspectos da arquitetura dita ‘tradicional Guarani’ significa
esbarrar em questões teóricas e práticas que somente por uma opção metodológica baseada
74
em estudo de caso pode tornar viável a pesquisa científica. Isto porque esta tradição
arquitetônica atualmente se encontra envolta por tecnologias e materiais não indígenas e
mesmo dentre as características próprias da cultura guarani, facilmente a pesquisa depara-se
com divergências nos relatos, mesmo entre depoentes de uma mesma aldeia, como é o caso do
Tekoha Añetete.
Segundo o antropólogo Rubem T. Almeida, em entrevista concedida para esta
pesquisa:
É difícil você dizer que existe uma construção arquitetônica Guarani tradicional, porque se você ‘andar’ pelo Guarani do Paraná/ ilha do mel, se
pensar em Paraná/Pinhalzinho, Paraguai, Guarani do Rio de Janeiro, do
Mato Grosso do Sul/Amambaí, você vai ter uma gama enorme de variações.
Não se pode afirmar que exista uma construção tradicional. Então como é que eles fazem hoje? Será que hoje eles tendo o material disponível e as
condições o que eles fariam? Neste caso a casa do Vicente é típica. [...]
Tradicional é pensar como eles constroem hoje. (Rubem Ferreira Thomaz Almeida - Entrevista concedida a Gracieli E. Schubert Kühl, em 03 e
04/01/2013, Rio de Janeiro/RJ).
A definição de ‘arquitetura tradicional’ adotada para esta pesquisa define-se, portanto,
a partir de entrevistas realizadas com os informantes Guarani que residem na aldeia. Estes por
sua vez indicaram as obras classificadas como sendo tradicionais, bem como, suas
características. Além disto, foram apresentadas imagens destas construções ao antropólogo
Rubem Thomaz Almeida, que acompanhou a trajetória do grupo desde o processo de
reivindicação do seu atual território, até pouco tempo, e que reforçou as informações
relacionadas a esta análise.
Antes de adentrar na discussão sobre as obras arquitetônicas existentes na aldeia, é
preciso enfatizar que a casa em si é apenas um elemento que compõe o espaço habitacional
construído pelo Guarani, isto porque as funções diárias são desenvolvidas no espaço do
‘pátio’/oká, que significa ‘fora’, ‘fora da casa’ e não somente na casa de moradia. “A vida
social, a vida cotidiana, mesmo a comida é tudo feito no oká, ou no quintal como nós
chamaríamos. É esta a concepção que se tem sobre a arquitetura Guarani. Quer dizer, não é só
a construção da casa, obvio que tem o seu sentido também”, (ALMEIDA, 2013, registro oral),
porém, deve-se considerar todo o entorno, o pátio em si, para então compreender a dinâmica
social desenvolvida no espaço residencial.
A unidade residencial Guarani Kaiowa e Guarani Ñandeva contemporânea é
a família nuclear [xe ñemoña], que é também uma unidade produtiva. Ela tem seu lugar dentro do tekoha (...). Assim, há um espaço para a construção
75
da moradia, para fazer a roça e, sempre que possível áreas de caça e pesca
que sustentam o casal e seus descendentes, quase sempre distante de suas
moradias. [...] Em todas as habitações Kaiowa e Ñandeva há invariavelmente o ‘patio’ou oká, não raro com uma ramada ou árvores para abrigo do sol. É
uma área limpa em torno das construções e onde se realizam festas e
cerimônias, recebem-se visitas, realizam-se encontros e reuniões. É onde o
cotidiano se desenvolve de fato, constituindo um ‘lugar de estar’, com bancos e espaços para sentar, sendo, portanto, público. Nas margens desse
‘pátio’, os Ñandeva e Kaiowa plantam ervas medicinais [juju] para uso
diário. Em algumas casas a roça fica imediatamente após o ‘pátio’, ou seja, é
uma continuidade da habitação (ALMEIDA, 2001, p. 131).
Após registrar que a arquitetura do espaço habitado Guarani, que não se resume somente a
casa em si, mas ao seu entorno, pode-se adentrar na discussão sobre os materiais e técnicas
utilizadas nas construções propriamente ditas, praticadas por indivíduos desta etnia, as quais
representam a forma dita ‘tradicional’ de construção do grupo.
Segundo pesquisas registradas, em períodos anteriores, os Guarani construíam e
habitavam as casas grandes/ogajekutu, as quais abrigavam um número expressivo de
indivíduos, componentes das famílias nucleares.
Tradicionalmente habitavam casas-grandes chamadas ogajekutu [casa
fincada no chão] de um só bloco, sem qualquer divisão interna e paredes que se confundiam com o teto. Eram ocupadas por diversas famílias nucleares,
que formavam uma família extensa, centralizada na pessoa de um chefe
religioso, o qual dividia a organização política, social, econômica e religiosa
do grupo com um líder político a ele subordinado. A ampliação das famílias nucleares correspondia a ampliação da ogajekutu, de maneira que todas as
famílias permaneciam dentro dela (ALMEIDA, 2001, p. 125).
Atualmente, os Guarani constroem residências menores e casas de reza/opy. Outras
obras praticamente inexistem dentro da dinâmica dos grupos. Em relação à técnica
construtiva, estas obras apresentam-se de forma bastante simples, deixando para as questões
simbólicas a presença mais marcante.
Outra característica marcante nesta organização espacial é que esta etnia elabora duas
construções:
Cada família elementar constrói sua própria habitação, composta de duas
construções fechadas [koty], uma ao lado da outra. Uma delas, em geral a mais ampla, constitui o espaço de dormir e é reservada à família. Raramente
o visitante, principalmente se não é indígena, tem acesso a koty, local onde a
família [ñemoña] toma mate junto ao fogo [tata ypype], nas manhãs ou ao
entardecer. (...) A outra construção também serve para abrigar a intimidade das famílias (nucleares), e é onde preparam e consomem os alimentos,
76
funcionando também como despensa para armazenar os produtos da roça, as
ferramentas e outros utensílios (ALMEIDA, 2001, p.131).
Antecipando a discussão, a partir desta descrição, pode-se tecer uma breve análise
desta tipologia construtiva em relação ao que se observa no Tekoha Añetete. É possível
afirmar que as casas construídas tanto pela Itaipu quanto pela Cohapar seriam parte deste
conjunto, possivelmente teriam como função ‘abrigar a intimidade das famílias’. Sendo assim,
a construção feita pelos Guarani, ao lado destas obras da Cohapar e da Itaipu, possivelmente
correspondem ao ‘local onde a família toma mate junto ao fogo’.
Presume-se, portanto, que realmente esta casa, chamada pelos Guarani de ‘casa do
fogo’ é uma demonstração da arquitetura tradicional, não só em função do material ou da
técnica, mas também e principalmente, em relação ao uso que fazem destas obras.
Tradicionalmente, os Guarani construíam dois espaços considerados residência, conforme
afirma Almeida na citação acima.
Seguindo a discussão relacionada à arquitetura dita ‘tradicional’ dos Guarani, segundo
José Perasso e Jorge Vera (1986, p. 95), pesquisadores que analisaram etnograficamente os
grupos Guarani Chiripá com sede no Paraguai, “Los Chiripa construyen generalmente su og
miri / og’i (vivenda familiar – nuclear) con cubierta a doble agua de jahape (imperata
brasiliensis – sapê), cerrando las secciones laterales com bambusáceas, gramíneas, yvara e
maderas diversas;”
Apesar de na atualidade serem avistadas habitações indígenas contendo elementos
industrializados, geralmente reutilizados por estes grupos, a construção da residência típica
Guarani segue fazendo uso de materiais e técnicas herdados dos antepassados.
Basicamente, são utilizados materiais naturais como o sapê, as folhas e o tronco da
palmeira/pindo (Arecastrum romanzoffianum), galhos roliços de madeira, cipó e barro.
As paredes são de tronco de pindó (uma espécie de palmeira), cortados longitudinalmente e fincados no chão. Também utilizam como parede,
quando há, a takuara batida, que forma placas amarradas à estrutura da
casa. O telhado é preferencialmente de sapé, mas as ramas de pindó também
podem ser utilizadas, apesar de serem menos apreciadas, por durarem menos (ALMEIDA, 2001, p. 132).
Esta palmeira/pindo possui ligação com a cosmologia Guarani. Segundo os depoentes,
ela representa um dos suportes que sustenta o mundo; em função disto a sua utilização na
construção da opy é fundamental. Segundo Assis (2006, p. 153), “a denominação nativa de
77
esteio, pindovy, (pindo, palmeira; vy, erguido, ereto, na vertical), expressa claramente a
relação entre um e outro”.
Em relação à técnica construtiva das obras existentes no Tekoha Añetete, percebe-se
que, igualmente como em outras construções, primeiro é feita a parte estrutural da residência:
são cravados no chão, madeiras e galhos roliços ou troncos de palmeira na posição vertical,
como se fossem colunas para sustentação das paredes; em seguida são afixadas as tesouras na
parte superior da obra, com o mesmo material da parte inferior a fim de sustentar a cobertura.
Na imagem abaixo, a construção da direita apresenta apenas a fase estrutural da obra,
enquanto a imagem da esquerda já possui a cobertura e algumas paredes. Esta cobertura
mostrada na imagem possui peças de fibrocimento, diferenciando-se das obras tradicionais
que utilizam fibras naturais. Ainda assim, a imagem foi mantida como forma de demonstrar a
técnica empregada e também para reafirmar a presença de elementos não indígenas nas obras
empreendidas pelos Guarani. É possível presenciar esta prática em muitas casas na aldeia.
Segundo relatos, isto ocorre em função da escassez de materiais na natureza local, levando-os
a adotar elementos industrializados.
Imagem contendo duas construções, uma delas apresenta a parte estrutural e a segunda contém a cobertura e algumas paredes. Aldeia Tekoha Añetete, Mun. De Diamante do Oeste/PR, em abril 2012,
por Gracieli E. Schubert Kühl.
As paredes também são feitas com troncos de palmeira ou galhos roliços de árvores,
ambos com menor espessura, igualmente fincados no chão e amarrados uns aos outros com
cipó preto. Em alguns casos é feito revestimento com um tipo de esteira, uma amarração de
filetes de taquara trançados. Em outros casos o revestimento constitui-se de barro, disposto a
78
partir de técnica semelhante às de construções de pau-a-pique, onde a trama de madeira e os
galhos roliços ficam entre duas paredes de barro. Segundo relatos colhidos com representantes
do grupo, estas duas formas de revestimento são utilizadas com a finalidade de vedação
interna, proporcionando maior conforto térmico da casa.
As madeiras utilizadas são o marfim, o angico ou o rabo-de-bugio, pois são mais duras
e não permitem que os carunchos as destruam. Esta madeira utilizada na construção é retirada
da mata, porém, para isto existe um ritual religioso a ser seguido. Antes da construção da obra
em si, é necessário que o rezador local seja consultado. É ele quem dirá se a obra deve ser
feita ou não. Em seguida os construtores vão até a mata e escolhem a árvore que melhor se
adapta à obra que desejam construir.
Segundo o Professor João Alves, antes de cortar a madeira eles também precisam ir
até a casa de reza para que o rezador peça permissão ao dono daquela árvore para que a
mesma seja cortada e utilizada na obra. Somente depois deste processo é que o material é
cortado, retirado da mata e levado ao local da construção. Segundo os Guarani, caso não seja
solicitada esta permissão, o dono da árvore poderá trazer coisas ruins aos moradores da casa,
inclusive doenças e morte.
A cobertura geralmente é feita com capim sapê (Imperata Brasiliensis) ou folhas de
palmeira, conforme disponibilidade no local; são amarradas com cipó. Especificamente neste
grupamento, em função da escassez dos materiais acima citados, está se fazendo uso de outro
capim nas coberturas, chamado de capim Santa Fé, cultivado no local. Segundo o funcionário
da Itaipu que atua nas aldeias da região, João Bernardes, existe a intenção de cultivar uma
área maior desta planta a fim de haver disponibilidade permanente para atender a demanda
das construções.
Segue imagem ilustrando uma residência em construção, onde é possível perceber a
composição da cobertura com o referido capim Santa Fé, ainda verde, a colocação das paredes
e principalmente as amarrações feitas com cipó. Nos exemplos apresentados abaixo, não se
fez uso de materiais industrializados como pregos ou arames, é definido como ‘tradicional’.
79
Construção de residência ‘tradicional’ no Tekoha Añetete. Detalhe para o uso de capim santa fé na cobertura, paredes de roliços e amarrações de cipó. Em dezembro de 2012, por Gracieli E. Schubert
Kühl.
Construção de residência ‘tradicional’ no Tekoha Añetete. Detalhe para o uso de capim santa fé na
cobertura, paredes de roliços e amarrações de cipó. Em dezembro de 2012, por Gracieli E. Schubert Kühl.
O piso no interior das residências é de chão batido. Esta técnica possibilita outro
aspecto ligado à cosmologia Guarani, que é a prática ligada ao fogo de chão. Como citado
anteriormente, a manutenção do fogo de chão está relacionado à manutenção da saúde e à
cura de doenças, além do preparo de alimentos como o milho. A fumaça produzida pelo fogo
está relacionada à cura de muitas doenças e outros males que podem acometer os indivíduos.
O interior das construções guarani geralmente não possuem divisões; o fogo de chão
fica no centro em torno do qual as atividades são desenvolvidas. Quando ocorrem divisões
internas, são para formar o quarto ou cômodo de descanso onde ficam os locais para repouso,
embora estas situações sejam incomuns.
Em tempos mais distantes, não existiam camas no interior das casas, mas somente
folhas de palmeira devidamente dispostas no chão, formando uma espécie de colchão. Em
período mais recente, é possível encontrar as tarimbas, um estrado de madeira utilizado como
80
cama. Tanto as acomodações feitas com folhas de palmeira quanto às tarimbas são
organizadas no entorno do fogo de chão.
Imagem atual do interior de uma residência Guarani no Tekoha Añetete. Mun. De Diamante D’Oeste,
em abril de 2012, por Gracieli E. Schubert Kühl.
Planta da Casa Guarani segundo PERASSO (1987).
Segundo relatos dos integrantes da aldeia, não é aconselhável a construção de
residências ou casas de reza nos períodos em que a lua esteja na fase nova. Recomenda-se que
as edificações somente sejam realizadas na lua minguante ou crescente. Isto porque a
81
estrutura da casa torna-se mais forte quando construída nestes períodos, pois o ataque de
pragas que danificam a matéria-prima é menor.
A mão de obra para construção é coletiva. O futuro morador conta com a ajuda dos
demais membros do núcleo familiar. Quando se trata da construção de uma casa de reza, onde
é necessária a participação de um número maior de pessoas, ocorre o que alguns autores
chamam de potirõ.
O potirõ é uma modalidade social importante para estimular as relações e vínculos entre os grupos locais. Nestas ocasiões estabelecem-se, reforçam-se
ou reordenam-se alianças políticas e de parentesco. Esta categoria de
atividade esta pautada no valor do mborayu / reciprocidade, generosidade. (...) É acionado para aquelas atividades que requerem um numero amplo de
pessoas, para além da família nuclear (ASSIS, 2006, p. 158).
Conforme referência anterior, além das residências, os Guarani constroem as casas de
reza/Opy, que é o lugar onde se centralizam as manifestações religiosas e também alguns
rituais de cura. Cada grupo familiar (ñemoña) deve ter sua casa de reza.
Em relação à construção ou reforma de casas de reza, é seguido calendário próprio,
sendo todo o processo de construção orientado pelo rezador que recebe dos deuses a indicação
da data e do local mais adequado para a construção. O período indicado para construir é a
primavera, isto porque é o período dos batismos, quando a casa fica fortalecida perante a fé
guarani. Além disto, é a estação das grandes cerimônias, pois, além de ser destinada à
construção de casas de reza, reúne os rituais de batismo das sementes que serão cultivadas no
próximo plantio e, por isto, é um período que proporciona força espiritual a tudo que se inicia.
A perspectiva cíclica do mundo – na qual tudo passa por uma seqüência
recorrente de nascimento, amadurecimento, morte e renascimento –
presente nas narrativas míticas, aparece desdobrada em várias situações sociais, dentre as quais se inclui a opy. As estações do ano expressam esta
concepção cíclica e a primavera é entendida como a época de nascimento e
renovação da vida. Este é um período de grande movimentação nas aldeias. É quando intensificam as atividades de tudo o que se refere a esta fase,
como a preparação da terra e das sementes (especialmente de avati) para o
cultivo, incluindo aí a construção ou reforma da casa ritual (ASSIS, 2006, p. 153).
A técnica construtiva que antecede a implantação da casa de reza é idêntica a das
residências; segue o padrão com paredes de roliços de madeira, chão batido e cobertura de
fibra vegetal seca. As representações simbólicas encontram-se mais fortemente registradas
nestas obras.
82
O centro do tekoha/aldeia corresponde ao lugar onde se encontra a opy.
Possuir um centro parece ser significativo para os Mbyá. O centro significa
o eixo, o vértice, a base onde os demais elementos do mundo podem se mover. A palavra opy em sua tradução literal quer dizer casa central, o –
casa e py, centro. Os significados destas raízes lingüísticas, py, centro e y,
coluna, viga, eixo a partir do qual algo começa ou se apóia, permitem
entender a importância dessa ideia no pensamento e no cotidiano social do grupo (ASSIS, 2006, p. 184).
Apesar de toda relevância da casa de reza enquanto local de convergência do grupo
cabe ressaltar que visualmente ela não se destaca em meio à distribuição espacial das demais
construções no interior de aldeias Guarani, pois, segundo ASSIS: “os dois tipos obedecem aos
mesmos estilos arquitetônico e tecnológico”. A única diferença que pode ser percebida é
quanto a sua dimensão, uma vez que ela pode ser maior que as demais o’o/casas a fim de
possibilitar o abrigo de todos aqueles que participam dos rituais (ASSIS, 2006, p. 151).
Depois de concluída a opy, coloca-se o altar, que deve conter todos os seus elementos
rituais para que a qualquer momento possam ser realizadas cerimônias. Como vimos no
capítulo anterior, entre os objetos presentes nos rituais guarani pode-se destacar o Mbaraka
miri / chocalho de uso masculino, Takua / taquara ou instrumento de uso feminino, o cocar, o
violão e em alguns casos um violino.
Em el Nande Ru rog se dispone el tatarendy’y (sitio de las
luminárias donde se penden los objetos rituales); el referido apelativo
se aplica em forma generalizada as “altar” que se levanta em la
sección este. Ñande rovái, donde aparece Kuarahy (Kuarahy
oséhápe), ocupando la sección anterior a la batea, ygary ña’e, para la
chicha (PERASSO, 1986, p. 96).
O Professor Vicente relatou que atualmente os jovens estão desinteressados quanto ao
conhecimento das técnicas tradicionais de construção guarani. Em sua opinião esta técnica
deve ser mostrada e ensinada às novas gerações a fim de preservar esta tradição. Inclusive,
muitas construções atuais não seguem os padrões tradicionais; não são orientadas pelo
rezador, o que poderá ocasionar má sorte aos futuros moradores ou, até mesmo, a
permanência pouco duradoura na casa.
Uma característica da arquitetura feita pelos moradores da aldeia é a implantação de
uma obra ‘tradicional’ ao lado das construções feitas pela Cohapar e pela Itaipu, uma espécie
de anexo que na realidade é uma complementação do espaço habitado, do pátio/oká, conforme
83
citado há pouco. Segundo o professor Vicente, isto está relacionado à necessidade de
preservação das técnicas construtivas dos Guarani.
Segundo ele, esta construção, além de ser utilizada para manter o fogo de chão,
também tem a função de mostrar aos mais jovens um exemplo da arquitetura praticada por
seus antepassados, para que este conhecimento não se perca em meio às construções em estilo
não– guarani, existentes na Aldeia.
Residência do Sr. Vicente Vogado. Detalhe das duas construções, a frente a casinha do fogo, segundo técnica tradicional (roliços de madeira nas paredes e cobertura vegetal seca) e ao fundo a obra da
Cohapar, com as varandas de piso cimentado, paredes de alvenaria até a altura do peitoril das janelas e
o restante de madeira com cobertura de telha. Aldeia Tekoha Añetete, por Gracieli E. Schubert Kühl em julho 2012.
Como resultado das pesquisas para elaboração deste tópico, sobre a arquitetura
praticada atualmente pelos Guarani no Tekoha Añetete, pode-se constatar que as informações
relacionadas ao significado simbólico dos elementos ou mesmo das construções foram citados
por eles, mas de maneira vaga.
É possível supor alguns dos motivos que levaram a esta situação; entre os menos
prováveis surge o que pesquisadores definem como um “’muro de silêncio’ cerceando
aspectos da cosmologia dessa sociedade, conforme afirmou Pierre Clastres (1978).11
Esta
possibilidade se sustenta somente em função do contato estabelecido entre os Guarani e o
Juruá/branco desde tempos imemoriais e a resistência criada na sua trajetória histórica.
Porém, os momentos de contato entre a pesquisadora, os informantes e demais habitantes da
aldeia foram muito proveitosos e em clima de aparente aceitação, sem portanto transparecer
qualquer resistência da parte deles.
11 IN: SANTOS, 2012 p. 20
84
Outra constatação sugere, portanto, que estes elementos simbólicos constituem um
universo realmente cosmológico, atuando enquanto concepção de mundo articulada à vida
social, norteando a elaboração de categorias de pensamento locais, bem como de atributos da
identidade pessoal e coletiva. Porém, constituem sistemas praticamente intraduzíveis, ou seja,
são aspectos existentes no imaginário Guarani, mas que quando transformados em discurso,
em palavras, tornam-se de difícil definição.
Possivelmente, esta constatação esteja relacionada ao que muitos autores discutem
sobre a relação entre símbolo e sinal. Segundo SCHALLENBERGER (2001, p. 03), “O
símbolo é a melhor expressão de alguma coisa. Enquanto vivo e cheio de significado ele está
para além da explicação imaginável. O símbolo nunca pode designar coisa conhecida, pois,
neste caso, ele é sinal”.
Aproximando esta discussão ao objeto de estudo, no caso a arquitetura atual dos
Guarani e suas representações, os símbolos seriam os aspectos imaginários presentes no uso e
nas atribuições da casa de reza, por exemplo, mas que dificilmente podem ser descritos, pois
permeiam a consciência desta coletividade. Caso os Guarani atingissem a descrição destes
símbolos, eles teriam seus sentidos em parte anulados, pois “uma vez encontrado o sentido
que nele é procurado, ela passa a ser símbolo morto que só mais terá significado histórico”
(SCHALLENBERGER, 2011, p.03).
Portanto, ao finalizar este tópico, ressalta-se que foram abordados aspectos culturais
dos Guarani registrados através da arquitetura, sendo esta uma representação do universo
cosmológico do grupo, permeada por símbolos que compõe o imaginário coletivo dos
habitantes do Tekoha Añetete. Sendo assim, pode-se afirmar que “O símbolo é sempre um
produto de natureza altamente complexa que se constitui de dados racionais e irracionais
fornecidos pela simples percepção interna e externa, isto é, afeta tanto o pensamento quanto o
sentimento, mexe com a sensação e a intuição” (SCHALLENBERGER, 2011, p.03).
3.2 Arquitetura Implantada pela Companhia de Habitação do Paraná/Cohapar na
Aldeia Tekoha Añetete
Além da arquitetura tradicional descrita no tópico acima, existem na aldeia obras
construídas por instituições externas, entre elas a Companhia de Habitação do Paraná/Cohapar
e a Itaipu Binacional. Estas ações foram implantadas nas aldeias a partir da identificação de
necessidades relacionadas à habitação.
85
Para registrar as informações relacionadas à construção de casas no Tekoha Añetete
pela Cohapar, foram realizadas entrevistas com a funcionária da instituição Rosangela C.
Kozak, que na época ocupava o cargo de Diretora de Projetos e mantém-se na companhia há
mais de duas décadas como funcionária concursada, fato que leva a conclusão de que sua
participação no referido projeto tenha sido de grande relevância e proximidade.
Além de Rosangela, foi entrevistado Edívio Batistelli, indigenista que há muito atua
como funcionário de carreira junto a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), regional de
Curitiba. Batistelli ocupou o cargo de Assessor para Assuntos Indígenas do Governo Estadual
do Paraná no período em que as residências foram tomando força nas aldeias. Possivelmente,
sua atuação esteve na prática, relacionada à mediação nas negociações, muitas vezes atuando
como intérprete do Guarani, algo demasiadamente relevante para a temática em questão.
Estas duas pessoas selecionadas para relatar sobre o processo de construção de
residências indígenas pela Cohapar compõem, portanto, um quadro bastante amplo sobre as
iniciativas, ações e conclusões sobre o processo de construção destas moradias. Sendo assim,
seguem as informações relatadas por estes sujeitos sobre a política habitacional empreendida
pela Cohapar junto às aldeias Guarani do oeste do Paraná, especificamente sobre as
construções situadas no Tekoha Añetete.
Como citado, em relação à Cohapar, estes empreendimentos são fruto de políticas
habitacionais implantadas pelo governo estadual em diversas aldeias, que tiveram por missão
atender a demanda indígena por habitações. Foram parceiros deste programa habitacional
várias instituições entre elas o governo federal, Conselhos Indígenas e Fundação Nacional da
Saúde/FUNASA, além da Fundação Nacional Indígena (FUNAI) e Cohapar, representando o
governo estadual.
Segundo documentação disponibilizada pela Companhia, o custo de cada unidade
habitacional girou em torno de R$10.000,00 (dez mil reais) na época. A arquitetura
implantada através da Cohapar foi desenvolvida segundo iniciativa do Governo Estadual na
gestão do então Governador Sr. Roberto Requião, no período de 2002 a 2006.
Segundo Rosangela, há muito tempo as comunidades indígenas do Paraná estavam
desassistidas, principalmente na área habitacional. O então governador ordenou que fossem
empreendidas ações, visando atender as necessidades habitacionais destas comunidades.
Inicialmente, foram realizados estudos visando identificar a demanda habitacional do
período e, na sequência, foi iniciada a elaboração do projeto, visando atender esta população.
O governador exigiu que toda a ação, desde o projeto até a finalização das obras, tivesse a
participação das lideranças indígenas, evitando assim que fosse elaborado ‘entre quatro
86
paredes’. Esta preocupação estava relacionada à necessidade de se considerar a etnia, os
costumes, necessidades e práticas culturais de todos os grupos atendidos.
Este projeto foi elaborado em conjunto com as lideranças indígenas, que
opinaram na definição dos projetos arquitetônicos de cada etnia. Romanelli
salienta que as casas foram projetadas garantindo os traços arquitetônicos da cultura indígena, mas assegurando o acesso a modelos contemporâneos.
(NOTICIA: Romanelli inaugura Casa da Família Indígena e anuncia novas
unidades do programa Cohapar Postado em: 09/12/2003 – www.cohapar.pr.gov.br, acesso em 12/1/2012).
As análises iniciais demonstraram que as duas etnias indígenas no Paraná com maior
população eram os Kaingang e os Guarani, que além de representarem maior população
também detinham a maior demanda por políticas públicas voltadas a habitação. Em função
disto, estas duas etnias foram as primeiras a serem contempladas com a política habitacional
implantada pela Cohapar nos anos de 2002 a 2006.
Segundo o presidente da Cohapar, Luiz Claudio Romanelli, a construção das
casas é o início do resgate de uma dívida histórica com os povos indígenas. “Estamos cumprindo um compromisso assumido, de trabalhar para melhorar
a qualidade de vida das pessoas mais pobres do nosso Estado. Os índios
vivem em situação muito precária. Ao longo do tempo, por falta de investimento do governo, as aldeias foram se transformando em favelas”.
(NOTICIA: Romanelli inaugura Casa da Família Indígena e anuncia novas
unidades do programa Cohapar Postado em: 09/12/2003 –
www.cohapar.pr.gov.br, acesso em 12/1/2012).
Outro dado obtido como resultado de pesquisas sobre a demanda habitacional em
comunidades indígenas indicou a necessidade de construção de 1300 casas, sendo que ao final
do mandato, em 2006, foram entregues 950 delas.
Dentre algumas das dificuldades encontradas, os envolvidos relatam que foi a ação de
reunir todas as lideranças e chegar a um consenso em relação aos modelos das obras. Porém,
o desafio maior foi em relação à logística da construção, ao transporte do material e à seleção
de mão de obra qualificada e adequada ao trabalho em aldeias indígenas.
Esta seleção de mão de obra visava principalmente encontrar trabalhadores –
pedreiros, carpinteiros, serventes – que tivessem afinidade com os indígenas, ou que no
mínimo soubessem portar-se com respeito frente à cultura e aos costumes do grupamento
onde as casas eram construídas. Esta preocupação fazia-se necessária em vista de que estes
construtores permaneceriam por um longo período no local, tempo necessário para a
87
construção das casas. Por isto, deveriam ser pessoas criteriosamente selecionadas segundo as
facilidades de interação com os indígenas.
O material utilizado pela Cohapar nas construções envolvia madeira, alvenaria e vidro.
As casas eram feitas em alvenaria até a altura do peitoril da janela e deste ponto acima de
madeira. Segundo Rosangela Curri Kosak, representante da Cohapar, esta técnica mista entre
alvenaria e madeira foi utilizada visando impedir que as casas fossem desmontadas e
remontadas em outro local, já que a característica ‘nômade’ do Guarani inclui a prática de
migrar entre aldeias, levando consigo a residência, facilmente desmontada por ser
tradicionalmente feita com madeira e sapé.
Desta forma, inserindo a alvenaria na obra, a casa permaneceria no local mesmo que a
família migrasse para outros espaços. A intenção da Companhia era que, através dos
movimentos migratórios, ocorresse uma espécie de troca entre as famílias, enquanto uma se
deslocasse para o Tekoha Añetete e outra para o Ocoy, ambas trocassem as casas entre si, sem
ter a necessidade de remover a construção do local cada vez que os indivíduos migrassem.
Vale adiantar que este aspecto foi objeto de discussão junto ao antropólogo Rubem
Thomaz Almeida, quando se faz análise crítica em torno dos argumentos utilizados pela
Cohapar para justificar a incorporação da alvenaria nas construções do Tekoha Añetete.
Segundo ele, o conceito de migração é diverso, principalmente em se tratando da etnia
Guarani, tendo em vista que eles não migram de uma aldeia a outra, mas sim, constantemente
realizam visitas aos parentes de outros Tekoha. Estas visitas podem ser de alguns dias,
podendo prolongar-se até alguns meses, porém, sempre retornam ao seu território de origem.
Outro aspecto destacado nos relatos dos envolvidos na construção das casas pela
Cohapar é o de privilegiar, no interior da casa, o espaço para o fogo de chão, característico
destas etnias, o que fez com que fossem inseridas chaminés para facilitar a saída da fumaça
quando esta fosse de grande quantidade.
Ao mesmo tempo em que há nas moradias um espaço para o fogo de chão,
tradicional na cultura tanto de kaingangues como de guarani, as moradias
têm as comodidades típicas da vida moderna, como banheiro, energia elétrica, tanque de lavar roupa e um acabamento de primeira qualidade, com
cobertura em telhas cerâmicas e forro. (NOTICIA: Romanelli inaugura
Casa da Família Indígena e anuncia novas unidades do programa Cohapar Postado em: 09/12/2003 – www.cohapar.pr.gov.br, acesso em
12/1/2012).
Desde as primeiras unidades construídas até as últimas, foram implementadas
mudanças circunstanciais. Inicialmente, as janelas eram totalmente de madeira, porém
conforme as unidades foram sendo construídas, os Guarani solicitaram que estas tivessem a
88
esquadria de metal com vidros, possivelmente para vedação do vento e entrada de iluminação
no interior da residência durante o inverno.
Em relação à planta baixa destas casas [imagem abaixo], elas contam com área total de
52 metros quadrados; possuem dois quartos e sala/cozinha conjugados. Na parte externa,
possuem: banheiro, área de serviço e varandas de chão batido, com espaço para o fogo de
chão e para desenvolvimento do artesanato. Este aspecto foi alterado conforme a evolução das
construções, quando os Guarani solicitaram que as varandas também possuíssem piso
cimentado.
Planta baixa da residência construída pela Cohapar no Tekoha Añetete.Fonte disponibilizada
pela própria companhia, em dezembro de 2012.
Atualmente no Añetete, nas casas visitadas para esta pesquisa, todas possuem
varandas com piso cimentado; o fogo de chão é mantido na casinha do fogo/koty, uma espécie
de anexo à casa da Cohapar, construída pelos Guarani segundo a técnica tradicional, onde se
mantém o fogo para preparação dos alimentos.
89
Croqui fachada da residência construída pela Cohapar no Tekoha Añetete. Fonte
disponibilizada pela própria companhia, em dezembro de 2012.
Residência de Vicente Vogado. Detalhe das duas construções, a frente a casinha do fogo, segundo
técnica tradicional (roliços de madeira nas paredes e cobertura vegetal seca) e ao fundo a obra da Cohapar, com as varandas de piso cimentado, paredes de alvenaria até a altura do peitoril das janelas e
o restante de madeira com cobertura de telha. Aldeia Tekoha Añetete, por Gracieli E. Schubert Kühl
em julho 2012.
A cobertura com telhas de barro foi à opção, por oferecer certo conforto térmico e
facilitar a ventilação do interior da casa, o que favorece, também, a retirada da fumaça
constantemente presente no ambiente em função do fogo de chão. Esta foi uma preocupação
relatada pelos entrevistados, pois muitos Guarani estavam adoentados em função da fumaça
existente no interior das casas devido a pouca ventilação. As doenças respiratórias eram as
90
mais comuns nestas habitações tradicionais. A intenção foi oferecer mais qualidade de vida e
menor risco de doenças respiratórias sem com isto negar as raízes culturais, ou seja,
proporcionar mais qualidade de vida e menos riscos de doenças respiratórias.
Os banheiros eram construídos ao lado das residências, separadamente, utilizando-se
do sistema de fossa séptica ou sumidouro, porém, com o passar do tempo os Guarani
solicitaram que fossem construídos mais próximos da casa, de maneira integrada, conforme
planta baixa demonstrada anteriormente.
Questionados sobre o processo de aceitação das casas por parte dos Guarani, os
envolvidos afirmam que foi positivo, porque estes indivíduos viviam em situação crítica em
relação à habitação, uma vez que as moradias eram precárias e qualquer construção que
oferecesse o mínimo de conforto e segurança seria muito bem vinda.
Porque a gente percebe que o mundo não evolui só pra nós, embora
eles [Guarani] ainda tragam muito de suas características, hoje tem
muita gente nas aldeias que já tem formação universitária, que tem um
nível de informação mais elevado e que leva pra comunidade este
conhecimento [...] não vou dizer que seja de regalias, mas de viver
melhor, de ter mais higiene, de ter educação ambiental, de uma série
de coisas, porque um piso fácil de limpar corresponde a uma
higienização da sua habitação, que a gente nem propôs, eles vieram e
pediram o que eu acho muito salutar porque representa que eles estão
se desenvolvendo com o desenvolvimento. (Rosangela Curri Kosak,
em 06/12/2012).
Segundo Rosangela, os índios devem caminhar com suas próprias pernas, porém com
apoio de instituições externas, caso contrário cria-se uma situação de abandono. Para
Batistelli:
A iniciativa do governo em investir em habitação é um grande passo para
promover a inclusão social destas comunidades. "A habitação é uma forma
de proteção e qualifica o processo de interação social. As comunidades
tiveram participação direta na definição dos projetos arquitetônicos, o que garante um padrão de traços arquitetônicos da cultura e ao mesmo tempo
assegura o acesso a modelos contemporâneos da sociedade", pondera.
(NOTICIA. www.cohapar.pr.gov.br, acessado em 12/11/2012).
3.3 Arquitetura implantada pela Itaipu Binacional na Aldeia Tekoha Añetete
A pesquisa para elaboração deste tópico contou basicamente com os documentos
disponibilizados pela Itaipu, mesmo em pequena quantidade, e com as reuniões e entrevistas
com funcionários da Binacional que participam de alguma forma de ações cotidianas
91
desenvolvidas junto ao Tekoha Añetete. Entre eles: Marlene Curtis, Valdecir Maria, Eduardo
Pavan e, principalmente, João Bernardes, que trabalha constantemente no interior das aldeias,
prestando auxílio na implantação das ações do Programa de Sustentabilidade das
Comunidades Indígenas, desenvolvido pela Itaipu.
Além destes, contou-se também com o depoimento do antropólogo Rubem F. Thomaz
Almeida, que foi consultor da Itaipu para questões relacionadas às comunidades indígenas
situadas na região de abrangência da Binacional. Dos depoimentos do antropólogo foram
destacados para a presente análise dois momentos: a criação do Tekoha Añetete, da qual
participou ativamente no processo de definição do local e de re-locação destes Guarani; e na
implantação do Programa de Sustentabilidade das Comunidades Indígenas, onde teve
participação decisiva na definição e na aplicação prática das ações.
Antes de aprofundar a discussão sobre a presença de obras empreendidas pela Itaipu
junto ao Tekoha Añetete, é necessário retomar alguns aspectos da trajetória histórica do grupo
em relação a Binacional. Vale lembrar que a presença dos Guarani no oeste paranaense
remonta a um longo período histórico, sendo que no último século estes grupos sofreram
alterações significativas, principalmente em relação a ocupação do espaço.
A história destas comunidades com a Itaipu surge na década de 1970, quando inicia o
processo para formação do Lago de Itaipu, fato que gerou o alagamento de grandes porções
do território tradicional dos Guarani, atingindo o Tekoha Guassu Jacutinga.
Segundo João Bernardes, funcionário da Itaipu, na década de 1970 iniciaram-se
estudos para cadastrar a presença indígena na região que seria atingida pelas águas do
reservatório. Identificou-se a antiga aldeia Jacutinga, que abrigava em torno de 13 famílias de
Guarani. Com base nestas estatísticas, foi oferecido a este grupo como forma de indenização
pela inundação de suas terras, uma área de 272 hectares, que atualmente é o Tekoha Oco’ÿ.
Mesmo com o aceite deste território, os Guarani deixaram claro para a Binacional que
o anseio por parte deles era de possuir um território maior, cerca de 1500 hectares. Após
várias ações, tanto dos indígenas quanto da Itaipu, em 1997 foi adquirida a área que hoje é o
Tekoha Añetete, com mais de 1770 hectares. Esta trajetória histórica envolvendo a Itaipu e a
formação das aldeias indígenas no Oeste do Paraná foi desenvolvida no capítulo anterior, no
item 2.1.
Os primeiros anos neste novo território foram caracterizados por alguns problemas de
ordem prática para os índios. A presença da Itaipu no interior da aldeia era feita a partir da
demanda, sem ações permanentes, ou seja, em períodos de plantio e colheitas a Binacional
disponibilizava equipamentos para apoiar estas atividades.
92
Entre 1992 e 2000 a Itaipu repassou verbas à Fundação Nacional do Índio/FUNAI,
para que esta fomentasse ações de suporte para o desenvolvimento da aldeia. Porém, este
suporte oferecido pela Fundação não foi feito a contento dos moradores do recém-formado
Tekoha, fato que levou muitas famílias a migrarem para outros locais. Com isto, entre
2000/01 a Itaipu assumiu estas atividades, principalmente as voltadas ao desenvolvimento da
agricultura praticada pelos Guarani, tendo em vista que estas práticas compõe as ações
tradicionais da etnia e que, portanto, deveriam ser fomentadas para que o grupo alcançasse
autonomia.
Este contato mais próximo entre a Itaipu e os Guarani de seu entorno fez com que aos
poucos fossem iniciadas ações em outras áreas, até o momento em que estas atividades foram
agrupadas em um grande projeto de instalação permanente nestas aldeias. Este projeto,
intitulado ‘Sustentabilidade das Comunidades Indígenas’, teve como intuito inicial atender, de
maneira ampla, diversas necessidades existentes no interior destes grupos.
Aparentemente estas ações hoje agrupadas em um programa, não tiveram a intenção
de ressarcir os Guarani em relação a prejuízos causados pela Binacional no passado, mas sim,
instituir como missão prestar apoio a estas comunidades. O principal objetivo a ser atingido
com estas atividades é o de fixar estes Guarani em seus territórios, oferecendo suporte para
que atinjam autonomia na produção de gêneros alimentícios e renda, bem como na
valorização cultural, evitando com isto a migração para os centros urbanos em busca de
sustento. Atualmente três aldeias são atendidas pelo Programa de “Sustentabilidade das
Comunidades Indígenas”: os Tekohas: Oco’ÿ, Añetete e Itaramã.
Portanto, desde 2003 este programa atua junto a estas aldeias, sendo desenvolvido
através de parceria com o Município de Diamante do Oeste. Segundo Marlene Curtis,
funcionária da Itaipu e uma das coordenadoras destas ações, a intenção não é promover
assistencialismo, mas prestar apoio aos Guarani a partir de seus próprios anseios e
necessidades.
Segundo a equipe de funcionários que cederam as informações aqui descritas, toda e
qualquer ação somente é empreendida se possuir o consenso por parte dos Guarani. Muitas
vezes estas atividades ocorrem em resposta a solicitações feitas por eles próprios, que
reivindicam serviços e melhorias relacionados à infraestrutura entre outros pedidos, sempre
voltados à melhoria da qualidade de vida da coletividade a qual pertencem.
Segundo Rubem Thomaz Almeida, que durante o período de implantação do programa
prestou consultoria à Itaipu, esta prática voltada a atender as solicitações feitas pelos Guarani
sem a intenção de impor qualquer coisa, esta foi uma das orientações repassadas por ele:
93
“ouvir as populações envolvidas e com elas discutir seus próprios problemas e as soluções
que apresentam é um caminho capaz de orientar ações mais adequadas como se pretendeu
apontar aqui” (ALMEIDA, Relatório 2006).
Dentre as principais características que configuram este programa, destacam-se cinco
eixos norteadores das ações empreendidas. Todos eles estão descritos abaixo conforme
apresentados no Relatório Cultivando Água Boa+8 2003/2010, disponibilizado pela Equipe
da Itaipu para compor as fontes de informações desta pesquisa. Os Eixos são:
1 - Produção agropecuária: voltado à aquisição de equipamentos para
plantio, insumos, animais e sementes; preparo de solos; apoio ao Projeto
bovinocultura de Leite, à apicultura e à criação suína; apoio à produção de peixes em tanques-rede; apoio e acompanhamento em viagens para
realização de visitas técnicas; e implantação do Projeto de Plantas
medicinais.
2 - Fortalecimento e promoção da cultura Guarani – este eixo tem por função auxiliar ações de resgate cultural como apoio às apresentações dos
corais indígenas através da disponibilização de transporte, alimentação,
roupas e equipamentos. Presta também apoio à produção de artesanato através da disponibilização de transporte para eventos, alimentação,
roupas, equipamentos e cursos como o de tintura natural em tecido através
de parceria com o Centro de Artesanato Ñandeva/ITAIPU. Além destas ações, recentemente foram empreendidas atividades visando fomentar as
práticas áudios-visuais para divulgação do modo de ser guarani e
fortalecimento da identidade étnica; realização de eventos comuns às
aldeias em especial a Semana Cultural Indígena e patrocínio a viagens para eventos que discutem a valorização e o respeito à diversidade.
3 - Estímulo à formação de parcerias através do fortalecimento da rede de
atores sociais, públicos e privados, preocupados com a sustentabilidade Guarani e com a defesa dos direitos desta etnia. (Relatório Cultivando
Água Boa+8, 2003/2010, p. 59-61).
4 - Segurança alimentar e nutricional infantil – este eixo tem por
função garantir o acesso a produtos saudáveis por parte dos Guarani.
Além da disponibilização desta alimentação, ocorrem também
capacitações permanentes para as mulheres da aldeia através de
visitas constantes de nutricionistas, as quais auxiliam na preparação
destes alimentos. Semanalmente as crianças passam por avaliação
para acompanhar o desenvolvimento das mesmas. Segundo João
Bernardes, atualmente o índice de desenvolvimento das crianças do
Tekoha Añetete indica que não estão em situação de risco alimentar,
graças ao acompanhamento feito por este programa.
5 - Melhoria da infraestrutura, com a construção, adequação e
manutenção de estradas, casas para moradia com rede elétrica, casas
de reza e centros de artesanato, construção e reforma de centros de
nutrição e casa de máquinas/equipamentos, construção de cisternas,
entre outras ações.
94
A partir deste último eixo – melhoria da infraestrutura - no final de 2003 e início de
2004, por iniciativa dos próprios Guarani, foi solicitada à Itaipu a construção de casas na
aldeia, visando melhorar a qualidade de vida da população local.
A partir desta solicitação, a Binacional formou um grupo de estudos para averiguação
de características e definição de modelos arquitetônicos que estivessem em sintonia com a
cultura guarani. Este grupo foi coordenado pela arquiteta Julia Henriques, que contou com a
participação de outros funcionários da Itaipu, além dos próprios Guarani, entre eles João
Alves e Vicente Vogado.
Além de inúmeros encontros para discussão da temática, o grupo realizou visita a
grupos Guarani que atualmente habitam a região missioneira do Estado do Rio Grande do
Sul/BR, a fim de identificar modelos e técnicas construtivas tradicionais e a partir disto definir
o modelo a ser implantado pela Itaipu nas aldeias locais. Segundo João Alves, este local foi
escolhido pelo fato de ter participado de programa habitacional implantado pelo governo
gaúcho. Como resultado desta viagem, foi definido o modelo a ser seguido, priorizando a
utilização de materiais de uso tradicional dos Guarani, como a madeira.
Este modelo ficou assim definido: planta central em formato retangular com duas
varandas arredondadas nas extremidades do retângulo. O interior é de chão batido no cômodo
conjugado cozinha/sala, para possibilitar a prática do fogo de chão; nos dois quartos
existentes está presente o assoalho de madeira e as paredes possuem mata-juntas para
vedação, evitando a entrada de vento e oferecendo maior conforto térmico aos habitantes; as
paredes externas foram feitas com eucalipto do tipo citriodoro, tratado em autoclave,
posicionados verticalmente na obra; as aberturas, janelas e portas, são de madeira; o telhado
possui dez águas e é feito com telhas de barro. Possui ainda duas varandas, sendo uma em
cada extremidade da casa, além de um banheiro externo.
O material para a cobertura foi definido como sendo de telhas de barro, porque o sapé,
de uso tradicional, é material que muito em breve estará extinto da região, obrigando-os a
adaptar-se a materiais industrializados como a telha; por isto eles optaram desde o início pela
cobertura com telhas de barro. Todo o material utilizado nas obras tem origem de fora da
aldeia e a mão de obra para construção destas casas foi de não-índios.
Seguem fotografias dos modelos executados no Añetete:
95
Imagens internas e externas de residências construídas pela Itaipu. Fonte cedida pela Binacional em
dezembro de 2012.
Este modelo de casas desenvolvidas por Itaipu buscou atender aos aspectos culturais
dos Guarani, entre eles a questão da re- locação das casas em outros espaços. Esta prática está
relacionada ao fato de que, por motivos ligados a práticas cosmológicas, os Guarani mudam o
local de suas residências, mesmo sem sair do seu tekoha. A construção da residência sendo
feita toda com roliços de eucalipto facilita a desmontagem, o transporte e a remontagem em
outro local. Destaca-se com isto uma das diferenças das habitações feitas pela Itaipu daquelas
feitas pela Cohapar, como citado anteriormente.
A primeira casa construída pela Itaipu serviu de protótipo, através da qual se
apresentou o modelo aos Guarani, visando obter a aprovação ou para que indicassem as
alterações necessárias. Esta residência pertence ao Leonardo, morador da aldeia, e existe até
os dias atuais aparentemente sem alterações, a não ser a construção do anexo ao fundo, para
abrigar o fogo de chão. Seguem imagens abaixo:
96
Residência do Sr. Leonardo, primeira casa feita pela Itaipu no Tekoha Añetete. Em dezembro de 2012,
por Gracieli E. Schubert Kühl.
Foram construídas pela Itaipu, no Tekoha Añetete, 36 casas de moradia, que em sua
maioria estão dispostas no entorno de uma das estradas que circundam a aldeia. Este caminho
foi batizado por eles como estrada Guarani, demonstrando a importância simbólica que estas
obras assumiram perante a dinâmica interna, cultural e social destes indivíduos.
As casas construídas pela Itaipu na atual Aldeia Itamarã passaram por algumas
modificações, dentre elas, foi solicitado pelos Guarani, a inserção de mais um quarto e a
colocação do banheiro no interior da residência.
Existem no Tekoha Añetete e no Tekoha Ocoÿ casas de reza construídas pela Itaipu.
Estas obras seguiram as características definidas pelos Guarani, repassadas, no caso do
Añetete, aos técnicos através de um desenho feito no chão pelo rezador Jerônimo Vogado, pai
de Vicente. Portanto, o modelo foi definido pelos Guarani e desenvolvido pela Itaipu. Este
processo também contou com a participação do antropólogo Rubem Thomaz Almeida,
atuando muitas vezes como interlocutor entre as aldeias e a Itaipu.
No processo de definição do projeto para construção da casa de Reza no Tekoha
Añetete, a pedido da Itaipu, Almeida emitiu um parecer ressaltando algumas características
específicas a serem observadas. Segundo ele, os Guarani do Añetete:
- Entendem que a casa de reza não deve ter janelas, o que impediria, para os
Mbya, a entrada na opy das entidades divinas reverenciadas.
- A casa não deve ter mais do que uma porta com largura para a entrada de uma pessoa. Esta porta deve estar voltada para o sol nascente (“kuarahy
oikoteve opyta oga renondepe”).
- A casa deve ser bem fechada (eventualmente com mata-junta) para que o ambiente ritual criado pela fumaça sagrada produzida por seus cachimbos se
mantenha.
- Embora lamente, não importa que a casa seja coberta com telhas de barro.
- Solicitam que as ‘varandas’ que constam no desenho sejam eliminadas e que a casa se amplie ‘para que caiba maior numero de pessoas’.
97
- A ‘varandas’ deveriam ser eliminadas dando lugar a uma parede reta, o que
faria com que a casa venha a ter apenas duas águas.
- A altura das paredes seria, conforme discutido, de 1,70m e a cumeeira de aproximadamente 3,50m. (Arquivo da Itaipu. Correspondência emitida por
Rubem Thomaz Almeida à Itaipu em 28/03/2006).
Seguem imagens atuais da casa de reza que originou a discussão apresentada acima.
Casa de rezas construída pela Itaipu no Tekoha Añetete. Em abril de 2012, por Gracieli E. Schubert
Kühl e Jairo Bertolini.
Atualmente existe somente uma casa de reza feita pela Binacional no Añetete; porém
o núcleo familiar do Professor Vicente já solicitou a construção de uma casa de reza para sua
parentela. O local será definido pelo rezador, ele é quem receberá as orientações sobre o local
adequado para a construção.
Questionado sobre as semelhanças e diferenças entre uma casa de reza feita pelos
Guarani, a partir da técnica tradicional, e uma casa de reza feita por agentes externos, neste
caso a Binacional, Vicente afirma que uma casa de reza grande, nova e bonita, como é o caso
da obra feita por Itaipu, atrai muitos Guarani que estão distantes das cerimônias que ocorrem
no local. Além disto, a casa de reza de Jerônimo Vogado, rezador e pai de Vicente, é
consideravelmente pequena para a quantidade de pessoas que compõe o núcleo familiar e que,
portanto, fazem uso da referida obra. Afirma, também, que a manutenção da obra utilizada
98
por eles atualmente é muito grande, pois os materiais usados na construção não são
adequados, gerando constantes reformas que dependem de valores financeiros não
disponíveis. Segue imagem da casa de reza a ser substituída.
Vista geral da casa de reza da família de Jerônimo Vogado. Vista geral, em dezembro de 2012, por Gracieli E. Schubert Kühl.
Fachada da casa de reza da família de Jerônimo Vogado. Vista geral, em dezembro de 2012, por
Gracieli E. Schubert Kühl.
Imagem interna da casa de reza da família de Jerônimo Vogado. Vista geral, em dezembro de 2012,
por Gracieli E. Schubert Kühl.
99
Sendo assim, a substituição da casa de reza apresentada acima por uma obra nova, faz
com que a expectativa do Professor Vicente seja a melhor possível, pois segundo ele
aumentará consideravelmente o número pessoas durante as cerimônias que ocorrem.
Ainda segundo Vicente Vogado, as questões simbólicas relacionadas à casa de reza
enquanto elemento central na organização espacial, religiosa e mítica do grupo são instituídas
após a conclusão da obra, quando a mesma passa pelo batismo para então ser tomada como
centro religioso.
Evidente que esta atitude demonstra uma adaptação em relação às práticas tradicionais
dos Guarani de construírem suas casas de reza, que compreendiam um ritual a ser seguido que
antecedia o início da obra. O que se pode perceber é que o fato de a Itaipu construir a casa de
reza não altera a função da mesma enquanto centro religioso de grupo. Possivelmente, este
aspecto esteja relacionado ao fato de que o sentido do local seja transmitido através das
palavras do rezador, que se mantém vivas e significativas, independente da estrutura física
que envolve o ritual.
Sendo assim, pode-se perceber que a arquitetura material, aquela que é visível,
palpável e descritível não representa tudo aquilo que realmente faz sentido ao ‘modo de ser
Guarani’. É, portanto, a força das palavras e das ações que justificam toda a dinâmica
religiosa do grupo e não as características físicas apresentadas.
3.4 Um olhar antropológico sobre O Tekoha Añetete - Arquitetura Tradicional/
Cohapar / Itaipu
Durante as pesquisas bibliográficas e documentais para elaboração desta dissertação,
foi percebido que na história do Tekoha Añetete constantemente era citada a participação do
antropólogo Rubem Thomaz Almeida. Foi então que surgiu a possibilidade de entrevistá-lo,
com objetivo de elaborar um parecer sobre a trajetória do grupo e, principalmente, sobre a
arquitetura existente na aldeia, tanto tradicional quanto as aplicadas pela Cohapar e pela
Itaipu.
Esta análise antropológica, além de constituir uma fonte documental para outras
pesquisas relacionadas à temática, contribuirá para que os leitores, ao se depararem com um
depoimento argumentativo e crítico, tenham parâmetros técnicos para elaborarem suas
próprias conclusões a respeito da presença da Cohapar e da Itaipu na prestação de serviços
habitacionais aos habitantes da referida aldeia.
100
Portanto, a apresentação de alguns excertos de sua fala se justifica pelo fato dele ter
atuado de maneira muito próxima aos Guarani, emitindo pareceres que orientaram as ações
empreendidas pela Itaipu. Desde 1995 contribuiu para a escolha do território, passando pela
estruturação e fixação da aldeia, a construção de residências e casas de reza até a implantação
do Programa de Sustentabilidade das Comunidades Indígenas, em 2006.
As informações apresentadas são resultantes da entrevista concedida por Almeida, nos
dias 03 e 04 de janeiro de 2013, na cidade do Rio de Janeiro. Metodologicamente apresenta-se
como uma entrevista semiestruturada, ou seja, foram previamente definidos tópicos a serem
abordados durante a atividade, sem elaboração de questões propriamente ditas. Esta estratégia
foi adotada visando possibilitar uma dinamização maior em relação aos pontos abordados,
sem, com isto, produzir material baseado em questionários sistematizados e inflexíveis. Foi,
portanto, uma espécie de conversa sobre o Tekoha Añetete, baseada em tópicos previamente
definidos, visando sempre extrair do entrevistado uma opinião, um posicionamento em
relação aos aspectos abordados. Portanto, as informações apresentadas a seguir foram
organizadas de forma a manter trechos originais da fala do entrevistado em uma sequência
pré-estabelecida, visando proporcionar uma melhor abstração das informações por parte dos
leitores.
É importante destacar, primeiramente, a função assumida pelo antropólogo no decorrer
do processo de contato entre a Itaipu e as aldeias na região. Segundo ele, seu posicionamento
sempre foi de:
Consultor para a ITAIPU, que era ouvido, respeitado, mas que teve como
função ouvir os Guarani e transmitir à Binacional os anseios dos indivíduos
que compõe esta etnia e que de alguma forma ou outra foram atingidos pela ITAIPU quando da formação de seu reservatório. (Rubem F. T. ALMEIDA,
entrevista concedida a Gracieli E. Schubert Kühl em 03 e 04/01/2013).
Coloca-se, portanto, como desafio para análise deste depoimento, enquanto fonte para
o desenvolvimento desta pesquisa, dispensar um olhar crítico em relação a fala do
antropólogo. Isto porque ele esteve presente em praticamente todo o processo de formação do
Tekoha Añetete, porém, como consultor da Itaipu Binacional, ainda que seu discurso esteja
voltado a atender os anseios dos Guarani envolvidos no processo. Este aspecto deve ser
enfatizado justamente para caracterizar a fonte oral supracitada e facilitar ao leitor maior
discernimento em relação às informações apresentadas.
Os aspectos relatados no espaço que segue, apresentam informações referentes ao
depoimento cedido por Rubem Almeida sobre o processo de implantação de programas
habitacionais junto ao Tekoha Añetete em relação direta com a arquitetura tradicional.
101
Portanto, este item contempla aspectos relacionados ao olhar antropológico crítico dispensado
às arquiteturas empreendidas na aldeia pela Cohapar e pela Itaipu, apontando pontos positivos
e negativos identificados em cada uma delas.
Em diversos discursos presenciados no decorrer desta pesquisa, foi relatado que a
matéria-prima tradicionalmente adotada pelos Guarani na construção de suas casas era escassa
na região quando da instalação da reserva indígena. Em função disto, “as aldeias foram se
transformando em favelas”. (Noticia vinculada pela Cohapar em: 09/12/2003 –
www.cohapar.pr.gov.br, acesso em 12/1/2012). Esta é uma das justificativas adotadas pela
Companhia de Habitação do Paraná para instalar o Programa ‘Casa da Família Indígena’ em
várias aldeias paranaenses, entre elas o Oco’ÿ e o Añetete.
No decorrer desta pesquisa, bem como durante a entrevista realizada com Rubem
Almeida, percebeu-se que os habitantes do Añetete possuíam acesso, mesmo que restrito, a
alguns materiais tradicionais para construção das casas, isto porque a aldeia era coberta em
parte por mato bom, que oferecia madeira, palmeira, cipó e outros materiais possíveis de
serem utilizados nas construções. Porém, apesar desta aparente disponibilidade, o material
realmente era restrito, o que fazia e ainda faz com que eles busquem alternativas para
construção em materiais industrializados.
É comum visualizar aldeias, nas mais diversas situações vividas pelos Guarani na
atualidade, que estes geralmente recorrem a materiais que se encontram facilmente
disponíveis para construir suas habitações, como: papelão, plástico, pedaços de outdoor,
tábuas, arame, lona, etc. esta prática era comum também nas comunidades Guarani existentes
no Oeste do Paraná, entre elas, Ocoÿ e Añetete. Rubem Almeida lembra que existiam casas
muito bem construídas, aprazíveis e confortáveis no Okoÿ, apesar da restrição de material em
área tão diminuta e com pouco mato disponível.
A partir deste panorama, de que os Guarani tradicionalmente utilizam materiais
diversos para construção de suas residências, é possível então questionar o argumento
utilizado pela Cohapar para justificar a implantação de projetos habitacionais nas aldeias
indígenas. Isto porque, segundo notícias vinculadas pela Companhia, “as aldeias foram se
transformando em favelas” (Cohapar, 2003). Este argumento demonstra certa ingenuidade, ou
mesmo desconhecimento da realidade Guarani por parte da Companhia de Habitação, “a
pessoa que disse isso se deixou levar apenas pela aparência das casas que se assemelham a nossas
favelas. É uma maneira pouco cuidadosa de ver o Outro e revela desconhecimento de causa absoluto”.
(Rubem F. T. ALMEIDA, entrevista concedida a Gracieli E. Schubert Kühl em 03 e 04/01/2013).
102
Sobre o processo de implantação das residências na referida aldeia, Rubens Almeida
presenciou ambos os casos. Segundo ele, no ano de 2006, os processos para construção das
residências já estava avançado.
Eram claras as diferenças, tanto no procedimento de implantação do projeto
como nas construções de uma e outra instituição. Ambas tinham em suas
pautas construir casas – que entrariam no rol de suas atividades. Havia, certamente, a demanda dos índios. Pois bem, o movimento da hidroelétrica
para implantação de seu projeto foi: “vamos procurar entender como esses
índios constroem e usam suas casas; vamos ao Rio Grande do Sul visitar os
índios de lá, vamos levar alguns índios daqui para que eles vejam como são as casas de lá. Junto com os índios, vai junto uma arquiteta nossa para
procurar entender como são as casas Guarani”. Lembro-me que a outra
instituição simplesmente queria porque queria fazer casas, sem qualquer preocupação se os índios gostariam ou não delas, se as usariam ou não. Do
meu ponto de vista houve imposição arquitetônica e de material na
construção das casas. O que queria ressaltar, mais do que formas arquitetônicas ou material utilizado, na medida em que, como comentamos,
os Guarani usaram as casas segundo seus padrões, é a forma como os
projetos foram implantados e as, digamos, concepções metodológicas de
uma e outra instituição em relação ao trabalho indigenista. É como se uma procurasse saber o que querem os Guarani e a outra já soubesse o que eles
querem. (Rubem F. T. ALMEIDA, entrevista concedida a Gracieli E.
Schubert Kühl em 03 e 04/01/2013).
Aparentemente, o que se percebe através da análise dos documentos e depoimentos
que compõe o rol de fontes utilizadas nesta pesquisa, é que os interesses institucionais
prevaleceram no momento de construção das casas. Porém, houve esta diferença entre uma e
outra instituição, principalmente em relação à Itaipu, que optou pela iniciativa de buscar
outros exemplos e levar os índios para averiguar outras construções semelhantes ao modelo
‘tradicional’ indígena.
A Cohapar lançou na época, matérias na mídia para divulgar a construção das
habitações nas aldeias indígenas, citando que: “as casas foram projetadas garantindo os traços
arquitetônicos da cultura indígena mas assegurando o acesso a modelos contemporâneos”.
(Noticia Cohapar, Postada em: 09/12/2003 – www.cohapar.pr.gov.br, acesso em 12/1/2012).
O que se percebe in loco é que na realidade a obra atendeu em menor quantidade os aspectos
culturais em comparação com as da Itaipu.
Como já citado, existe inclusive um dos caminhos no interior da aldeia que é chamado
de ‘Caminho Guarani’ ou ‘Estrada Guarani’ por conter em sua maioria casas do modelo
Itaipu, mais próximo, portanto, do modelo tradicional desta cultura.
Conforme citado no item 3.2 desta dissertação, o que os representantes da Cohapar
relatam nas entrevistas é que os próprios Guarani solicitaram algumas alterações em relação
103
ao projeto original. Entre elas foi pedida a construção de piso cimentado na varanda das
residências, local onde originalmente era de chão batido, para abrigar o fogo de chão.
Outro aspecto considerado, segundo os representantes da Cohapar, é a destinação de
chaminés no interior das casas para retirada da fumaça, possibilitando mais saúde aos seus
habitantes. Segundo conclusões desta pesquisa, encontra-se neste aspecto outra divergência, já
que a fumaça não é considerada prejudicial ao Guarani, pelo contrário, ela é utilizada nos ritos
para cura de doenças.
As construções avistadas hoje na aldeia que representam a Cohapar sofreram,
portanto, alterações em relação o projeto original, a pedido dos próprios indígenas. Porém,
ainda assim é facilmente perceptível a presença de materiais industrializados nas obras,
principalmente tijolo, cimento, cal, ferro, entre outros, que em nada se assemelham ao que
tradicionalmente os Guarani utilizam como matéria-prima para suas construções. “Não é a
construção em si que talvez perturbe, e sim o material, isto porque a alvenaria não se
identifica com os Guarani, não se dissolve tão facilmente na natureza, ficando ali no chão por
muito tempo, este condicionante também pesa em relação a estas obras.” (Rubem F. T.
ALMEIDA, entrevista concedida a Gracieli E. Schubert Kühl em 03 e 04/01/2013).
Retomando a discussão em torno da construção simbólica do espaço habitado, onde se
conclui que o Guarani adapta-se ao material e a técnica disponíveis atualmente ao seu uso,
prevalecendo à força das ações e do sentido, construídos no interior da obra e não somente na
arquitetura enquanto técnica, pode-se concluir que realmente:
Para os índios pesa pouco uma arquitetura ou outra, eles se adaptam às
obras, mesmo se fossem todas de alvenaria eles iriam se adequar, iriam usar, como fazem com as que foram construídas. A Itaipu fez a dela de
madeira e penso que há maior empatia dos índios com esse material [...] Isto
ocorre não tanto pela estética, mas por ser de madeira, por permitir que a casa seja mudada de lugar utilizando-se o mesmo material. Com casas
construídas em alvenaria isto não é possível. Isso tudo foi discutido com os
índios na época. (Rubem F. T. ALMEIDA, entrevista concedida a Gracieli
E. Schubert Kühl em 03 e 04/01/2013).
Em relação ao relato de Rubem Almeida afirmando que os Guarani: ‘se adaptam às
obras, mesmo se fossem todas de alvenaria’, foi possível durante a pesquisa de campo, através
da observação da arquitetura presente na aldeia, perceber claramente esta adaptação. Em
praticamente todas as casas feitas pela Cohapar e pela Itaipu, os Guarani constroem uma
espécie de anexo ou estendem o telhado, formando um ‘puxado’, ou, em outros casos, fazem
outra construção separada da primeira.
104
Esta obra, como já foi assinalado, tem por função abrigar o fogo de chão e segue o
modelo definido como ‘tradicional’ Guarani. Além de demonstrar um mecanismo de
adaptação, notou-se também que é uma forma de complementar o espaço habitado, isto
porque segundo Almeida descreve em seu livro:
Cada família elementar constrói sua própria habitação, composta de
duas construções fechadas [koty], uma ao lado da outra [grifo nosso].
Uma delas, em geral a mais ampla, constitui o espaço de dormir e é
reservada à família. Raramente o visitante, principalmente se não é
indígena, tem acesso a koty, local onde a família [ñemoña] toma
mate junto ao fogo [tata ypype], nas manhas ou ao entardecer. (...) A
outra construção também serve para abrigar a intimidade das famílias
(nucleares), e é onde preparam e consomem os alimentos,
funcionando também como despensa para armazenar os produtos da
roça, as ferramentas e outros utensílios (ALMEIDA, 2001, p .131).
Portanto, mais do que um mecanismo de adaptação dos modelos não indígenas ao
cotidiano do grupo, é possível afirmar que este anexo justifica-se porque tradicionalmente os
Guarani possuíam dois espaços construídos para habitação, sendo um deles para o descanso e
outro destinado ao preparo dos alimentos e como depósito de utensílios e produtos agrícolas.
Este espaço, que chamamos de ‘anexo’, configura-se como a parte principal da casa,
em torno da qual se encontra o “pátio” (oka), onde se vive o dia-a-dia, onde se produz e
consome alimentos, se recebe visitas e outras coisas do corriqueiro. A vida social é feita neste
espaço semelhante a um anexo.
Vale ressaltar, portanto, que o fato de os Guarani na atualidade comportarem em seu
espaço habitado, duas obras arquitetônicas, sendo um delas implantada pelos programas de
habitação e outra construída por eles, segundo o estilo tradicional, representa a tentativa de
manutenção, ou adaptação destes espaços às praticas do grupo, ao cotidiano social da família
nuclear. Ou seja, possuir duas construções no mesmo pátio não é consequência da
implantação de políticas habitacionais junto à aldeia, mas sim um reflexo do ‘modo de ser’
Guarani.
Porém, ainda assim, os programas habitacionais implantados no interior da aldeia
interferiram na dinâmica interna do grupo. Cada um a seu modo, sendo mais ou menos
invasivo, porém deixaram suas marcas e alteraram, mesmo que superficialmente, o panorama
do grupo.
105
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na estrutura do texto buscou-se antecipar, ao final de cada capítulo, alguns aspectos
conclusivos referentes às temáticas abordadas. De uma forma geral, pode-se considerar que os
grupos Guarani, ao contrário do que muitas vezes se faz crer, continuam vivos e demarcando
suas fronteiras, tanto culturais quanto territoriais, já que o movimento pela aquisição de novos
espaços não cessa. Nesta luta territorial, encontra-se presente também a luta pela manutenção
da etnia e a demonstração da capacidade de adaptação desta coletividade ao processo
evolutivo constante em que passam as sociedades contemporâneas. Talvez este seja um dos
grandes motivos que fizeram dos Guarani, uma das etnias nativas que melhor ‘sobreviveu’ ao
processo de construção das nacionalidades rio-platenses.
Não nos cabe julgar se estes movimentos de reivindicação de territórios são
necessários ou não, porém se considerarmos que o espaço que compreende o atual oeste do
Paraná foi habitado quase que exclusivamente por Guarani em tempos mais remotos, então,
devemos no mínimo considerar a hipótese de que estes movimentos têm algum fundamento.
Ainda assim, é fato que existem grupos Guarani que se encontram bem instalados, gozando de
seus direitos e deveres, desenvolvendo-se enquanto grupo étnico. Isto porque mudanças,
transformações e readaptações são comuns na maioria dos grupos étnicos, de maneira isolada
ou mesmo em contato com culturas envolventes.
Ainda assim, em ambos os casos, é importante lembrarmos que os indivíduos em
contato com o outro fortalecem seus laços coletivos e realçam sua identidade, uma vez que a
necessidade de afirmação e a consequente manutenção das diferenças tornam-se fundamentais
para a manutenção dos grupos étnicos, conforme sinaliza Barth:
As distinções étnicas não dependem de uma ausência de interação social e aceitação, mas são, muito ao contrario, frequentemente as próprias
fundações sobre as quais são levantados os sistemas sociais englobantes. A
interação em um sistema social como este não leva a seu desaparecimento por mudança e aculturação; as diferenças culturais podem permanecer
apesar do contato interétnico e da dependência dos grupos (BARTH, 1998,
p. 188).
Este aspecto citado por Barth abrange o primeiro item conclusivo desta dissertação,
que reafirma a tese de que estes Guarani se mantém enquanto grupo étnico, mesmo inseridos
em uma sociedade que os distingue enquanto minoria. Possivelmente, esta diferenciação
contribui para a reinvenção da identidade coletiva e, consequentemente, para o fortalecimento
desta coletividade.
106
É possível, portanto, afirmar que estas transformações ocorridas em função do contato
com outras sociedades podem ter despertado na consciência coletiva dos Guarani a
necessidade de união e consequente autoafirmação da identidade em função de um
denominador comum, a luta por espaço, tanto territorial quanto social.
No interior deste espaço ideal constantemente buscado pelos Guarani, são definidos os
critérios para o desenvolvimento do grupo, os quais compõem os estatutos étnicos que regem
estas coletividades a fim de manter a ordem, entre outros aspectos. Entre os Guarani este
conjunto de critérios é definido como ‘modo de ser’. Inseridos neste contexto, além das regras
de conduta e práticas religiosas, também se encontram formas de organização espacial, as
quais seguem os critérios praticados tradicionalmente pela etnia. Compreender esta dinâmica
requer metodologias científicas adequadas para atender uma série de elementos que requerem
uma abordagem multidisciplinar, isto porque a organização sociocultural do grupo étnico
compõe-se de diversas formas de apresentação, exigindo do pesquisador um aparato
metodológico dinâmico.
Neste caso, resta aos estudiosos buscar a interdisciplinaridade, no sentido de alcançar
o objeto de estudo, seja no sentido restrito ou de maneira mais ampla. Pode-se afirmar que a
presente dissertação alcançou, em parte, o objetivo proposto em relação à metodologia
baseada na interdisciplinaridade, pois se utilizou da etno-história para desenvolver um estudo
de caso sobre o Tekoha Añetete.
Porém, mesmo sendo um trabalho interdisciplinar, neste ato conclusivo o viés da
história surge com mais veemência, isto porque o sentimento que se tem neste momento é de
que foram agrupadas informações que registram aspectos sobre a trajetória histórica do grupo,
bem como, as características atuais do Tekoha Añetete, supondo, portanto, que esta pesquisa
aborda a história do tempo presente destes indivíduos.
Em relação à arquitetura tradicional guarani propriamente dita, um dos aspectos
identificados durante a pesquisa de campo, foi à constatação de que para estes grupos a casa
enquanto construção arquitetônica é somente uma casca, o elemento que envolve um conjunto
muito maior de significações. O mais importante é a simbologia que reveste o seu uso e revela
a vida do grupo através das práticas culturais, das cerimônias, dos encontros em que o rezador
transmite a palavra e educa a alma.
Esta arquitetura que se pretendeu analisar reflete, portanto, uma arquitetura do
simbólico, da representação e não do material físico. Por isto, não importa quem faz a casa, se
o Guarani, se a Cohapar ou se a Itaipu. O importante é a ‘força do sentido’ que se constrói no
dia-a-dia, na significação que se cria a partir do uso e das práticas cerimoniais realizadas no
107
local. É uma arquitetura que transcende o material, é imaterial, é o sagrado, o simbólico que
se cria lentamente através das pessoas, dos ritos, da significação que se incorporam na cultura
através das práticas cotidianas.
Discorrer sobre as casas construídas tanto pela Cohapar quanto pela Itaipu, levando
em consideração os benefícios e malefícios que uma ou outra incorporou ao cotidiano do
grupo, torna-se algo secundário, pois assim o é para os Guarani. Eles associam estas obras ao
seu dia-a-dia – nenhuma destas casas está vazia na aldeia – e ainda criam mecanismos de
adaptação destas ao seu cotidiano. Ou seja, as casas é que são adaptadas a eles e não somente
os Guarani se adaptam às novas formas arquitetônicas.
Afirma-se isto em função de ser evidente, quando em trânsito pelos caminhos
existentes na aldeia, o fato de que as obras implantadas por agentes externos são habitadas,
porém, em sua maioria são acompanhadas de outra edificação, tradicionalmente chamada de
casa do fogo. Esta construção desenvolvida pelos Guarani ao lado das casas da Cohapar e da
Itaipu reflete em grande parte os mecanismos de adaptação das obras externas ao cotidiano do
grupo, sendo incorporada a esta uma obra regida pela arquitetura tradicional, atuando
enquanto elemento complementar e fundamental na composição do espaço habitado. Se
avaliássemos a hipótese de as obras feitas pela Cohapar e Itaipu não serem ‘aceitas’ pelos
Guarani, possivelmente veríamos muitas casas abandonadas no local, situação diferente da
que se presencia.
Mesmo sendo algo secundário, cabe levantar uma reflexão conclusiva sobre estas
obras construídas pela Cohapar e Itaipu. Pode-se afirmar que ambas as instituições
proporcionaram melhorias aos Guarani; ambas tiveram ‘boas intenções’ em relação a eles.
Porém, o resultado prático destas políticas habitacionais demonstra ser Itaipu a instituição que
optou por estratégias e ações que resultaram em métodos mais adequados. Principalmente em
se tratando do material adotado por cada uma delas, uma vez que a alvenaria presente nas
obras da Cohapar é algo distante da realidade Guarani.
Como citado anteriormente, houveram algumas dificuldades relacionadas à
garimpagem das informações perante os Guarani. Isto, possivelmente ocorreu porque a forma
como ‘nós’ definimos alguns conceitos e termos não se adapta ao universo da maioria dos
entrevistados da aldeia, ou seja, falar em arquitetura tradicional, materiais e técnicas
construtivas, simbologias, é tocar em conceitos não totalmente definidos nem partilhados pela
maior parte dos Guarani. Em alguns momentos houve, portanto, a necessidade da substituição
destes termos por outros, mais acessíveis aos entrevistados.
108
Em relação à receptividade dos habitantes da aldeia para com esta pesquisadora, pode-
se afirmar que foi das melhores possíveis. Este fato se deve em grande parte à maneira como
as atividades foram desenvolvidas. Na primeira visita para coleta de dados, o Diretor da
Escola Estadual Kua’a Mbo’e, situada no local, chamou os principais representantes Guarani
que atuam como professores para uma apresentação do trabalho. Nesta data foram
apresentados os objetivos da pesquisa e a metodologia a ser adotada. Após esta exposição foi
solicitado permissão aos Guarani para realizar o referido estudo.
De imediato eles concordaram e a partir de então as pesquisas transcorreram sem
maiores problemas. Foram realizadas várias visitas ao Tekoha Añetete para coleta de dados,
entre elas uma em especial quando, a convite do Professor Vicente Vogado, foi possível
participar de cerimônia na casa de rezas de Jerônimo Vogado, pai de Vicente. Esta cerimônia
ocorreu a noite, conforme os rituais realizados cotidianamente nesta casa de reza da aldeia.
A avaliação final que se faz desta pesquisa, embora apresente falhas, lacunas e, talvez,
até algumas divergências – naturais ao processo –, evidenciam aspectos positivos como a
contribuição direta para o grupo no sentido de registrar aspectos históricos e evidências da
aldeia, bem como o registro de discursos relacionados a políticas habitacionais empreendidas
por órgãos externos que resultaram nas obras arquitetônicas presentes no local.
Em determinados momentos, pensou-se muito mais na necessidade eminente perante o
grupo de registrar estas trajetórias e processos, com intuito de situar e diferenciar as formas
arquitetônicas presentes no local, do que propriamente no trabalho de produção científica. Isto
pela relevância do registro para as futuras gerações de Guarani, principalmente para que eles
tenham conhecimento do processo político que gerou estas obras; por que foram feitas, por
quem, quais os objetivos, quais as ações tomadas pelo grupo para incorporá-las ao seu
cotidiano.
Acredita-se que fomentar o conhecimento em relação a estes processos é algo
importante para esta coletividade étnica, tanto para os habitantes mais jovens quanto para as
futuras gerações que povoarão o Añetete e que farão uso destes espaços, ressignificando-os a
partir de suas práticas e valores.
Evidente que esta dissertação não encerra as pesquisas sobre esta temática. Pretende-
se, pelo contrário, que estimule outros trabalhos que tomem como objeto de estudo o Tekoha
Añetete, analisando seus costumes, práticas, valores, arquitetura, objetos. Enfim, espera-se
que inúmeras outras pesquisas aconteçam para que este e outros grupos indígenas sejam
conhecidos e aos poucos ocupem espaço na historiografia regional.
109
REFERÊNCIAS
ALBERNAZ, Adriana Repelevicz. A interpretação do mundo e projetos de futuro dos
Ava-guarani de Ocoy. In: Revista Espaço Ameríndio, Porto Alegre, 2007.
ALMEIDA, Rubem Ferreira Thomaz. Do desenvolvimento comunitário à mobilização
política: o Projeto Kaiowa-Ñandeva como experiência antropológica. Rio de Janeiro:
Editora Contra Capa: 2001.
AMADO, Janaina & FERREIRA, Marieta de Moraes (coord.). Usos & abusos de história
oral. 7 edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
ASSIS, Valéria Soares de. Dádiva, mercadoria e pessoa: as trocas na constituição do
mundo social Mbyá-Guarani. Tese de doutorado apresentada ao PPG em Antropologia
Social, Instituto de filosofia e Ciências Humanas/UFRGS, Porto Alegre: 2006.
BARTH, Fredrick. Grupos Étnicos e Suas Fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe e
STREIFF-FERNART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. Tradução de Elcio Fernandes. São
Paulo: Unesp, 1998.
BLOCH, Marc. Pour une histoire comparée des sociétés européenes. Revue de Synthèse
Historique. 6: 15-50, 1928. IN: BARROS, José D’Assunção. História comparada – da
contribuição de Marc Bloch à constituição de um moderno campo historiográfico.
Revista História Social. Campinas/SP, 2007. Núm 13, p. 07-21.
BOTTON, Fernando Bagiotto. A imagem do homem: cruzamentos discursivos entre
composição da imagem fotográfica e da masculinidade no final do século XIX. OPSIS,
Catalão, v. 11, n. 1, p. 125-141 - jan-jun 2011.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 6ª edição. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2003.
BURKE, Peter. A escola dos Annales (1929-1989). São Paulo: Unesp, 1990.
CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da história : ensaios de
teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria
Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. 245p.
CONRADI, Carla. O movimento dos Guarani de reocupação e recuperação de seus
Territórios no Oeste do Paraná. Congresso Nacional de História, Maringá/PR: 09 a 11 de
setembro de 2009. DOI: 10.4025/4cih.pphuem.595
110
COSTA, Zeila. Tekoha Añetete: O reassentamento de um grupo indígena Avá-Guarani
atingido pela construção da UHE Itaipu Binacional. Trabalho de Conclusão de Curso.
(Graduação em Ciências Sociais) – Universidade Federal de Santa Catarina, 2002.
COUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC, 1999.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989.
GIMENEZ, Gilberto. Cultura, identidad y memória. Materiales para una sociologia de
los procesos culturales en lãs franjas fronterizas. Frontera Norte, vol. 21, núm. 41, enero-
junio, 2009, pp. 7-32. El Colegio de la Frontera Norte, A.C. México.
GLANCEY. Jonathan. A história da arquitetura. Trad. BORGES, Luis Carlos &
MARCIONILO, Marcos. São Paulo, Edições Loyola, 2001.
LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarany-Mbya: significado, constituição e
uso. Maringá,PR: Eduem; São Paulo: Edusp, 2008.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Unicamp. 1994.
MELIÁ, Bartomeu. Território, cultura, história e identidad. IN: SCHALLENBERGER,
Erneldo (org.). Identidades nas fronteiras: território, cultura e história. São Leopoldo: Oikos,
2011.
MENESES, Ulpiano T. Bezerra. A história, cativa da memória? para um mapeamento da
memória no campo das Ciências Sociais. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 34,
p. 16, 1992.
NORA, Pierre. Projeto história. Revista do programa de estudos em história da PUC-SP,
São Paulo, v. 10, 1981.
NÖTH, Winfried. Panorama da Semiótica: de Platão a Pierce. São Paulo: Annablume,
1997.
OLIVEIRA, Jorge Eremites de, PEREIRA, Levi Marques, BARRETO, Lilian Santos. Laudo
antropológico referente à diligência técnica realizada em parte da área da antiga
fazenda bananal, também conhecida como Santuário dos Pajés, localizada na cidade de
Brasília, Distrito Federal, Brasil. Dourados (MS) – agosto de 2011.
http://brasil.indymedia.org/media/2011/10//498392.pdf
OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Caminhos da identidade: ensaios sobre etnicidade e
multiculturalismo. São Paulo: Ed. UNESP, 2006.
___________. Sociedade e Cultura. V. 6, N. 2, JUL./DEZ. 2003, P. 117-131)
PERASSO, José A. & VERA, Jorge. La cultura Guarani en el Paraguay contemporaneo
(etnografía ava-kue-chiripa). Assunção : RP, 1987. 272 p.
111
PRUDENTE, Letícia Thurmann. Arquitetura Mbyá-Guarani na Mata Atlântica do RS:
Estudo de caso do Tekoá Nhüu Porã. 2008. 164 f. Dissertação (Mestrado em engenharia
Civil). Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, UFRGS, Porto Alegre, 2007.
RIBEIRO, Sarah Y. G. T. O horizonte é a terra: manipulação da identidade e construção
do ser entre os Guarani no oeste do Paraná (1977-1997). PUC-RS: Porto Alegre , 2002.
(tese de Doutorado).
SANTOS, Milton. Território e sociedade. 2ª reimp. São Paulo: Ed. Fundação Perseu
Abramo, 2004.
SANTOS, Jovane Gonçalves dos. Entre homens e diabos: uma etnografia dos Guarani
Nhandéva sofredores do –jepotá. 2012. Dissertação (Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Ciências Sociais) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná/Campus Toledo.
SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura Guarani. São Paulo: EPU, Ed. Da
universidade de São Paulo, 1974.
SCHALLENBERGER, Erneldo. O Guairá e o espaço missioneiro: índios e jesuítas no
tempo das missões rio-platenses. Cascavel – PR: Coluna do Saber, 2006.
______________ (org.). Identidades nas fronteiras: território, cultura e história. São
Leopoldo: Oikos, 2011.
SCHIAVETTO, Solange Nunes de Oliveira. A arqueologia Guarani: construção e
desconstrução da identidade indígena. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2003.
SILVA, Janice Theodoro & SILVA Aracy Lopes da. O sistema de objetos nas sociedades
indígenas: arte e cultura material. IN: SILVA, Aracy Lopes da & GRUPIONI, Luiz
Donisete Benzi (orgs.) A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º
e 2º graus. 3ª Ed. – São Paulo: Global. 2000. (369-406).
_______________. Memória e esquecimento. Revista de Divulgação Cultural, Blumenau,
v. 13, n. 44, p. 63-69, jul./ago. 1990.
SILVA Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos.
Ed. Contexto – São Paulo: 2006.
112
ANEXOS
113
ANEXO I
DOCUMENTAÇÃO DISPONIBILIZADA PELA COMPANHIA DE HABITAÇÃO DO
PARANÁ – COHAPAR
114
115
116
117
118
119
120
121
122
123
124
125
126
127
ANEXO II
DOCUMENTAÇÃO DISPONIBILIZADA PELA ITAIPU BINACIONAL
128
129
130
131
132